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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM
EDUCAÇÃO
PAULO ROBERTO FRANCISCO
O PROCESSO DE DESPROFISSIONALIZAÇÃO DO
PROFESSOR DE MATEMÁTICA
Itatiba
2009
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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM
EDUCAÇÃO
PAULO ROBERTO FRANCISCO
O PROCESSO DE DESPROFISSIONALIZAÇÃO DO
PROFESSOR DE MATEMÁTICA
Itatiba
2009
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação, da
Universidade São Francisco para obtenção do
título de Mestre em Educação, sob orientação
da Profa. Dra. Adair Mendes Nacarato.
Linha de pesquisa: Matemática, cultura e
práticas pedagógicas.
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Ficha catalográfica elaborada pelas Bibliotecárias do Setor de
Processamento Técnico da Universidade São Francisco.
371.13 Francisco, Paulo Roberto.
F893p O processo de desprofissionalização do professor de
matemática / Paulo Roberto Francisco. -- Itatiba, 2009.
148 p.
Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade
São Francisco.
Orientação de: Adair Mendes Nacarato.
1. Profissão docente. 2. Trabalho docente.
3. Precarização do trabalho docente. 4. Professor de
matemática. I. Título. II. Nacarato, Adair Mendes.
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Dedico esta dissertação a todos os professores.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me proporcionado realizar este projeto de vida profissional.
À minha família e, de uma forma muito especial, aos meus pais, Geraldo (in
memoriam) e Aparecida, e a minha madrinha, Júlia, que sempre estiveram presentes nos
momentos mais difíceis da minha vida, apoiando-me de forma incondicional.
Ao meu filho, pelo apoio e pela compreensão durante todo este percurso.
Aos meus amigos professores e ex-alunos do Rio de Janeiro que, mesmo de longe,
estiveram presentes em todos os momentos destes últimos dois anos.
Ao professor José Antônio Teixeira (in memoriam), pela oportunidade de trabalhar
em sua instituição de ensino e pelo apoio neste projeto.
À Professora Adair Mendes Nacarato, minha orientadora, por ter compartilhado
comigo sua experiência e seus conhecimentos, guiando-me nos momentos mais importantes
deste trabalho.
Aos professores das disciplinas cursadas no Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Educação da USF que, de alguma forma, contribuíram para o êxito deste
trabalho.
Às professoras Regina Célia Grando e Valéria de Carvalho, membros da Banca de
Qualificação, pelas contribuições objetivando a melhoria deste trabalho de pesquisa.
Aos colegas de curso, em especial a Amanda, Kemella e Luana, por compartilharem
comigo os momentos de dificuldade e também os momentos de vitória, como a minha
efetivação docente na educação pública do Estado de São Paulo.
Aos professores que participaram da pesquisa: Ariovaldo, Ana Cláudia, Daniela e
Maria do Carmo, sem os quais esta pesquisa não teria sido possível.
À equipe da E.E. Prof. Antônio Dutra: professores, funcionários e direção, que me
receberam de forma carinhosa e, em especial, à professora de Física, Thays. Todos tiveram
participação importante na realização deste objetivo.
Aos meus irmãos e a suas respectivas famílias, pelo apoio durante toda esta
caminhada.
À Capes, pelo apoio financeiro.
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FRANCISCO, Paulo Roberto. O processo de desprofissionalização do professor de
Matemática. 2009. 148p. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Educação. Linha de Pesquisa: Matemática, Cultura e Práticas
Pedagógicas. Itatiba/SP: Universidade São Francisco. Orientação: Profa. Dra. Adair
Mendes Nacarato.
RESUMO
Esta pesquisa norteou-se pela seguinte questão de investigação: “Como os professores de
Matemática com diferentes tempos de experiência narram e percebem seu processo de
desprofissionalização e como analisam as condições de trabalho docente?” e teve como
objetivos: (1) conhecer o modo de constituição profissional de quatro professores de
matemática com diferentes tempos de magistério; (2) analisar como esses professores
narram e percebem mudanças nas condições de trabalho docente; (3) analisar como têm
enfrentado as condições de trabalho docente. O estudo fundamentou-se em pressupostos
teóricos que consubstanciam: o processo de profissionalização, a precarização do trabalho
docente e do processo de desprofissionalização do professor. A partir de pressupostos para
a pesquisa qualitativa, foram escolhidos quatro professores de Matemática (três do sexo
feminino e um do sexo masculino), das cidades de Itatiba/SP e Jundiaí/SP, com diferentes
tempos de magistério, os quais foram entrevistados três deles duas vezes. Essas
entrevistas foram transcritas e textualizadas. A partir das textualizações, foram eleitas três
categorias de análise: (1) condições de trabalho docente; (2) percepções sobre o processo de
precarização do trabalho docente; e (3) mudanças no trabalho docente nas últimas décadas:
continuidades e descontinuidades. Os depoimentos dos professores evidenciam que nem
todos tiveram a escolha consciente da profissão, e três deles constituíram-se professores ao
longo da carreira; ficou evidente, também, que os primeiros anos de docência foram
fundamentais para a permanência ou não na profissão. Todos identificam mudanças no
trabalho docente, principalmente no que diz respeito ao controle do seu trabalho e às
resistências dos alunos, manifestadas pelo que os professores julgam ser indisciplina e falta
de interesse. Apesar de identificarem tais mudanças, esses professores não têm consciência
da “profissionalidade” docente nem do processo de precarização do seu trabalho, o que
resulta na desprofissionalização.
Palavras-chave: profissão docente; trabalho docente; precarização do trabalho docente;
professor de Matemática.
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ABSTRACT
This research was founded on questioning how mathematics teachers with different
teaching experience times narrate and feel their disqualification process and how they
analyze their working conditions. It was aimed at (1) getting to know the way four
mathematics teachers with different teaching times have built their professional
constitution, (2) analyzing how these teachers narrate and feel changes in their working
constitutions and (3) analyzing how they have been facing their present working conditions.
The study was based in theoretical assumptions which encompass the
qualification process, the wearing of teaching and teacher disqualification. Drawing upon
some presuppositions for the qualitative research, four mathematics teachers (three female
and one male) with different teaching times were chosen in the cities of Itatiba and Jundiaí,
São Paulo. They were interviewed three of them twice – and the interviews were
transcribed into texts. From these texts, three categories were created for analysis: (1)
teaching conditions, (2) feelings about the teaching wearing process, and (3) changes
occurred in the teaching job along the last few decades: continuities and discontinuities.
Teachers’ reports show that not all of them consciously chose to have their jobs, and three
of them became teachers along their working career. It was also very clear that the first
teaching years were decisive for keeping their jobs. They all identify changes in the
teaching job, especially referring to the control over their work and students’ resistance,
expressed by what teachers call indiscipline and lack of interest. Even though they identify
such changes, these teachers are not aware of their teaching “professionality” or the
wearing of their teaching, which results in disqualification.
Key words: the teaching job; teaching; the wearing of teaching; mathematics teacher.
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SUMÁRIO
Introdução
1
1. A gênese da profissão docente
1.1. Introdução................................................................................................
1.2. Gênese da profissão docente na Europa..................................................
1.2.1. Preocupação educativa e suas consequências...............................
1.2.2. O surgimento das escolas normais e sua importância...................
1.2.3. A feminização do corpo docente primário....................................
1.3. A gênese da profissão docente no Brasil ................................................
1.3.1. A educação no Brasil Colônia: primeiros professores..................
1.3.2. A profissão docente no século XIX: ausência de um
professor especialista em Matemática ..........................................
1.3.3. A profissão docente no século XX: o início da
formação específica em Matemática.............................................
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2. O professor no século XX: réu ou detentor de superpoderes?
2.1. A complexidade da profissão docente.....................................................
2.2. Novas atribuições ao professor ..............................................................
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3. O trabalho docente: particularidades, transformações e precarização
3.1. Introdução ...............................................................................................
3.2. Particularidades do trabalho docente ......................................................
3.3. Ensinar: a atividade principal do trabalho docente ................................
3.4. A profissão docente no atual contexto e a precarização do trabalho
docente............................................... ...................................................
3.5. Alguns alinhavos das discussões teóricas ..............................................
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4. O percurso metodológico
4.1. Foco e abordagem da pesquisa................................................................
4.2. Questões e objetivos da pesquisa ...........................................................
4.3. Os professores depoentes desta pesquisa ...............................................
4.4. Procedimentos de coleta de dados ..........................................................
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5. Quatro trajetórias profissionais: os professores depoentes deste estudo
5.1. Ana Cláudia: o gosto pela profissão e a busca de novos horizontes ......
5.2. Daniela: uma jovem professora diante do choque da realidade profissional
............................................................................................
5.3. Ariovaldo: um professor em constante busca pelo desenvolvimento profissional
............................................................................................
5.4. Maria do Carmo: entre o sonho e a realidade..........................................
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6. Trabalho docente: condições e precarização na percepção de quatro professores
de Matemática com diferentes tempos de magistério
6.1. Condições de trabalho docente................................................................
6.1.1. Ingresso no magistério .................................................................
6.1.1.1. A escolha da profissão .....................................................
6.1.1.2. O exercício da profissão ..................................................
6.1.2. Táticas de sobrevivência no exercício da atividade docente.......
6.2. Percepções dos professores sobre o processo de precarização do trabalho docente
....................................................................................
6.2.1. As percepções dos professores sobre a precarização do trabalho docente
..................................................................................................
6.2.2. Situações que contribuem para o processo de precarização do trabalho
docente ....................................................................................
6.3. Mudanças no trabalho docente nas últimas décadas: continuidades e
descontinuidades ...................................................................................
6.4. Algumas sínteses do capítulo .................................................................
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Considerações finais .......................................................................................... 131
Referências bibliográficas ................................................................................. 138
1
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa nasceu das inquietações do pesquisador que está inserido na
realidade da profissão docente, atuando como professor de escola pública. As maiores
inquietações concentram-se nas condições de trabalho docente. A legislação do Brasil não
permite que o trabalhador exerça suas funções sem que seus direitos trabalhistas sejam
assegurados; entretanto, todos os anos o que se observa é que os órgãos públicos,
responsáveis pelo sistema educacional do país, são os primeiros a descumprir essa
legislação, dada a necessidade de suprir a falta de professores nas rias disciplinas. Em
cada início de ano letivo, secretarias de educação de todo o país tomam atitudes, em caráter
de emergência, para suprir essa falta de professores.
A carência de professores no país é muito grande
1
, principalmente em disciplinas
como Física e Matemática, uma vez que o magistério não tem sido uma profissão atraente
para os jovens. O número de professores graduados disponíveis para assumir as aulas
dessas disciplinas está cada vez mais insuficiente.
Para suprir tal carência, os órgãos governamentais lançam mão de professores
temporários; alguns são professores formados que concluíram a sua graduação numa
instituição credenciada para tal função; outros ainda são estudantes de cursos de graduação.
Muitos desses professores, já aprovados em concursos e aguardando serem chamados,
aceitam essa situação por ser a única forma de ingressar na profissão. , ainda, os que se
submetem a tais condições por encarar o magistério como uma atividade exercida para
complementação de renda. Em alguns estados, a maioria dos professores da rede pública
são temporários e, em algumas regiões, o professor leciona disciplinas para as quais ele não
está habilitado como é o caso do professor eventual no Estado de São Paulo, que é
chamado à escola para cobrir faltas de professores e, independentemente da formação
acadêmica que tenha recebido (ou esteja recebendo), deve lecionar a disciplina desse
professor faltoso. Há, ainda, que destacar que muitos graduados em cursos superiores
acabam assumindo aulas nas escolas básicas, sem que tenham recebido uma formação
1
De acordo com dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), em 2007, o País
tinha um deficit de 254 mil professores. A situação tende a piorar. Em dez anos, estima-se que esse número
alcance o patamar dos 500 mil, que é preciso contabilizar as aposentadorias dos profissionais que estão na
ativa (55,1% dos docentes brasileiros têm mais de 30 anos).
2
2
específica para ser professor. São engenheiros assumindo aulas de Matemática, Física e
Química, por exemplo; advogados assumindo aulas de História e de Língua Portuguesa.
Observa-se nesse contexto uma desvalorização do profissional docente, a partir do
instante em que, fazendo uso desse artifício, os órgãos públicos deixam explícita a idéia de
que qualquer pessoa pode ser professor, desconsiderando a própria história da constituição
da profissão docente.
Existem professores que trabalham na rede estadual ou municipal, nessas condições,
mais de dez anos, com seus direitos trabalhistas violados, visto que, embora exerçam a
mesma atividade do professor efetivo, não gozam dos mesmos direitos trabalhistas que
estes; ainda neste âmbito de discussões, é importante destacar o professor eventual, que
exerce o seu trabalho em condições ainda mais precárias, porque é chamado para substituir
professores efetivos ou temporários em situação de faltas eventuais destes, trabalhando
muitas vezes, como já exposto acima, com disciplinas não compatíveis com sua graduação.
A não realização de concursos ou a não regularização das condições trabalhistas
desses professores acaba comprometendo a construção de uma identidade profissional,
além de não permitir que o professor crie vínculos profissionais e afetivos com a
comunidade da(s) escola(s) em que trabalha.
Outro ponto de tensão nesse contexto refere-se à própria desvalorização a que o
professor vem sendo submetido, pela imagem que a sociedade faz dele. O professor tem
sido facilmente responsabilizado por tudo o que não funciona no sistema educacional.
Todos se sentem no direito de emitir opiniões sobre o trabalho do professor e sobre a
escola.
As percepções dessas condições de trabalho docente instigaram-me a realizar a
presente pesquisa sobre a desprofissionalização do professor, cuja temática, sem dúvida,
está diretamente relacionada à minha trajetória profissional como docente na área de Física
e de Matemática.
Iniciei no magistério, em 1978, lecionando Matemática no curso Grupo Acadêmico
de Vestibulares (GRAVE) na cidade de Três Rios, estado do Rio de Janeiro. Nessa época
cursava Engenharia Civil na faculdade de Engenharia da UFJF, e ser professor de
Matemática naquele momento era a única atividade que podia exercer em função do horário
das aulas na universidade. Naquela época era uma prática comum acadêmicos de
3
Engenharia lecionarem Matemática e Física nos cursos pré-vestibulares e até mesmo em
colégios da rede particular e pública. Assim, pode-se dizer que desde essa época não se
exigia uma formação específica na Licenciatura para ser professor de Matemática.
Atuei como professor de Matemática até 1986, quando me transferi para o Rio de
Janeiro e comecei a trabalhar como Auxiliar Técnico de Edificações. Exerci essa função em
várias construtoras no Rio de Janeiro até 1997, quando prestei exame de suplência
profissional na Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro e obtive o
certificado de Técnico de Edificações. Em virtude do trabalho e de problemas financeiros,
não consegui terminar o curso de Engenharia Civil.
Em 2000, iniciei o curso de Física no Centro Universitário Moacir Sreder Bastos na
cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, em virtude da experiência anterior como
professor, retornei ao magistério, trabalhando em curso pré-vestibular e pré-militar.
Durante o curso de Licenciatura, as disciplinas pedagógicas mostraram-me um outro lado
da profissão de professor.
Em 2002, fui admitido no Centro Educacional das Américas e no Centro Educacional
Bangu, duas escolas da rede particular que pertencem ao Sistema MV1, para lecionar
Matemática nas turmas de sétima e oitava séries. Confesso que foi um choque, porque a
visão que eu tinha de uma sala de aula no colégio era a visão de escola da década de 1970,
em que a relação professor-aluno era fundamentada na autoridade do professor, muito
diferente do que encontrei e vivenciei. Foram períodos difíceis, mas de muita aprendizagem
e crescimento profissional. O curso de Licenciatura despertou-me o interesse em fazer
Mestrado, não por estar interessado em pesquisa, mas por julgar que fosse essa a única
forma de trabalhar no Ensino Superior como professor. Este era o meu pensamento naquele
momento.
Terminei a graduação em 2002 e, em agosto de 2003, iniciei o curso de pós-
graduação Lato Sensu em Docência do Ensino Superior na Universidade Cândido Mendes,
no Rio de Janeiro, que concluí em julho de 2004, com a monografia “Perfil do Aluno do
Curso de Licenciatura de Matemática da UFRRJ.
Este curso foi muito importante em minha constituição profissional, pois, a partir
dele, o interesse pelo curso de Mestrado e a própria visão a respeito deste mudaram, graças
4
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a vários livros trabalhados nos módulos do curso, os quais me permitiram um novo olhar
sobre o papel do professor e o seu trabalho na escola e na sociedade.
No decorrer do ano de 2006, consultando sites de programas de pós-graduação, tomei
conhecimento do Mestrado em Educação da USF. A possibilidade de vir para Itatiba me
mobilizou pelo fato de ter parentes na cidade de Jundiaí, inclusive uma irmã que havia feito
graduação na USF. Interessei-me pelo Programa da USF, principalmente pela possibilidade
de investigar a formação de professores. Em março de 2007 iniciei o Mestrado na USF.
Nesse mesmo ano de 2007 atuei também no Ensino Superior, lecionando Física III e
Cálculo Numérico para os cursos de Engenharia de Produção e Engenharia de Petróleo no
Centro Universitário Rosemar Pimentel, campus Nova Iguaçu, Rio de Janeiro.
Em 2008 houve uma nova mudança de rumo na minha vida pessoal. Fui aprovado no
concurso público para professor de Física no Estado de São Paulo e efetivei-me na Escola
Estadual Professor Antônio Dutra, na cidade de Itatiba, onde trabalho com turmas do
Ensino Médio. Além dessa instituição, também atuo no Colégio Santa Felicidade, uma
escola da rede particular da cidade de Jundiaí.
Durante o primeiro ano do Mestrado conseguimos
2
delinear a pesquisa. O foco
passou a ser a análise de como os professores de Matemática com diferentes tempos de
experiência narram e percebem seu processo de profissionalização e como analisam as
condições de trabalho docente. A partir dessa delimitação, foram definidos os seguintes
objetivos para a pesquisa:
1. Conhecer o modo de constituição profissional de quatro professores de Matemática
com diferentes tempos de magistério.
2. Analisar como esses professores narram e percebem as mudanças nas condições de
trabalho docente.
3. Analisar como têm enfrentado as condições de trabalho docente.
Acreditamos ser de fundamental importância discutir como esse corpo de
profissionais veio se transformando ao longo do tempo, quais as suas conquistas e perdas e
como a atividade docente vem se consolidando como profissão. No decorrer deste trabalho,
a todo instante tornou-se necessário confrontar as conquistas do professor em relação às
2
A partir deste momento será utilizada a primeira pessoa do plural nós –, uma vez que o trabalho vem
sendo realizado com supervisão da orientadora de pesquisa.
5
condições anteriores de trabalho. Como essa é uma profissão que sempre esteve ligada a
uma instituição, num primeiro momento à Igreja e, posteriormente, ao Estado situação
vivida até hoje pelos professores —, entendemos que é fundamental discutir o conceito de
profissão nessa atividade, a partir de alguns questionamentos: O que é profissão? Quais os
pré-requisitos para que uma atividade seja considerada profissão? Assim, os textos de
Antônio Nóvoa foram os suportes teóricos para fundamentação desta discussão, visto que
esse autor discute o processo de consolidação dessa atividade como profissão e a influência
de todos os fatos marcantes que surgiram ao longo desse processo, como a estatização do
ensino e o surgimento das Escolas Normais.
Em seguida, discutimos a gênese da profissão aqui no Brasil. Assim como na Europa,
os primeiros educadores foram os jesuítas. Vieram para o Brasil junto com os portugueses
e, durante o período colonial por dois séculos —, foram aqui os únicos professores.
Ainda no período colonial, fatos marcantes ocorreram na educação brasileira: a Reforma
Pombalina e a mudança na forma de olhar para a Matemática, que até então não era vista
como disciplina importante no contexto da educação escolar.
Neste trabalho de pesquisa, norteamos a discussão teórica sobre a história do ensino
de Matemática no Brasil e da constituição da profissão docente “professor de Matemática”
nas idéias dos autores Francisco de Oliveira Castro, Wagner Valente e Flávia Soares. Essa
discussão encontra-se no primeiro capítulo desta dissertação.
No século XX importantes mudanças no cenário mundial modificaram o olhar da
sociedade para o papel da escola e de seus professores. Tomando como referência os
trabalhos de Andy Hargreaves, trazemos um breve panorama desse contexto no capítulo
dois.
O foco central de nossa pesquisa é a precarização do trabalho docente, as condições
em que ele ocorre e, principalmente, a sua influência no processo de desprofissionalização
do professor. Dessa forma, sentimos necessidade de discutir o trabalho docente, as
particularidades da docência no universo da escola e suas intencionalidades no que diz
respeito à sociedade e aos gestores da educação pública, bem como o processo de
precarização do trabalho docente. Tal discussão se encontra no capítulo três.
Entendemos que, para falar em precarização desse trabalho, é de vital importância
discutir onde ele ocorre, em que condições acontece e como é gerenciado pelos órgãos
6
6
públicos. Para essa análise, nossos aportes teóricos foram Tardif e Lessard (2005), o qual
possibilitou uma discussão do trabalho docente sob a óptica do trabalho industrial; René
Amigues (2004), que aborda o trabalho de ensino no contexto da sala de aula numa
perspectiva histórico-cultural; Maria Cecília Perez de Souza-e-Silva (2004), que discute o
ensino como trabalho. A partir da discussão sobre o trabalho docente como atividade e
sobre o espaço de trabalho do professor, foi possível falar em precarização desse trabalho e
suas influências na desprofissionalização.
Após essa construção teórica, este texto traz, no capítulo quatro, o percurso
metodológico da pesquisa, destacando: os critérios para escolha dos quatro professores
depoentes desta pesquisa, os quais têm diferentes tempos de magistério; o relato do
processo de entrevista, centrando-se nas trajetórias profissionais; a textualização dessas
narrativas sobre a trajetória profissional; e a explanação da forma de análise dessas
textualizações.
O capítulo 5 traz a textualização das trajetórias profissionais dos quatro professores,
destacando: a forma de ingresso na carreira docente; as escolas em que atuaram; as
condições de trabalho docente ao longo dessa trajetória; os elementos que contribuíram
para a sua constituição profissional; as dificuldades e os dilemas encontrados; as alegrias e
as tristezas decorrentes da profissão, dentre outros.
O capítulo 6 apresenta a análise das trajetórias desses profissionais, buscando
responder à questão de investigação e atender aos objetivos propostos para a pesquisa. Essa
análise foi feita em três categorias: 1) condições de trabalho docente; 2) percepções sobre o
processo de precarização do trabalho docente; e 3) mudanças no trabalho docente nas
últimas décadas: continuidades e descontinuidades.
Finalmente, trazemos nossas considerações sobre os resultados da pesquisa.
7
1. A GÊNESE DA PROFISSÃO DOCENTE
A função docente não pode de início se desenvolver
senão de forma subsidiária e não especializada;
religiosos ou leigos, os indivíduos que se consagravam
ao ensino não o faziam senão como ocupação ou
acessória.
(Nóvoa, 1991, p. 119)
1.1. Introdução
O objetivo deste capítulo é discutir, em linhas gerais, a gênese da profissão docente
na Europa, juntamente com os motivos que contribuíram para a construção dessa atividade
como profissão. Para este trabalho é importante analisar e discutir o contexto social e as
transformações relatadas e percebidas que, de certo modo, foram as responsáveis pela
gênese dessa profissão e do processo de escolarização. Para tal, apoiar-nos-emos nos
estudos de Nóvoa (1991; 1995) e Ferreira (2005).
1.2. A gênese da profissão docente na Europa
“O indivíduo da espécie humana não se torna homem a não ser que se integre num
grupo que lhe ensine a cultura e preencha a distância entre o cérebro e o ambiente.”
(NÓVOA, 1991, p.1). Assim, nos idos tempos da Idade Média, a transmissão da cultura
ocorria por meio das interações que se produziam no ambiente da criança e sua
aprendizagem era construída graças ao convívio com o mundo dos adultos no seu cotidiano.
A sociedade medieval não tinha consolidada a idéia de educação e do ato de educar.
Entretanto, no início dos tempos modernos, a preocupação com o ideal de um adulto
civilizado contribuiu para o desenvolvimento de procedimentos e de técnicas com o
objetivo único de fazer com que os indivíduos se tornassem dóceis e úteis a essa sociedade.
Pode-se afirmar que esse foi o momento em que se inaugurou uma sociedade estruturada na
disciplina. Nesse contexto, as preocupações educativas possibilitaram a criação da escola e
a instituição da figura do professor, fatos marcantes desse processo vivido pela sociedade.
Ao discutir a origem das preocupações educativas, é importante destacar alguns fatos
que contribuíram para sua origem.
8
8
Durante o período do Império Romano, a escola teve um grande desenvolvimento e a
Igreja Cristã, que emergiu nesse contexto, apropriou-se da capacidade de organizar a
cultura e a pedagogia desenvolvida na Antiguidade Clássica. Esse fato permitiu à Igreja
uma ascensão sobre os poderes políticos que foram se constituindo com o processo de
decadência vivido pelo Império Romano. A Europa vivia um momento de conflitos,
dividida em territórios cujas fronteiras incertas foram elementos que contribuíram para um
clima de insegurança vivido pela população que estava submetida à lei da força. Assim, a
Igreja Católica encontrou um ambiente favorável para organizar-se e exercer sua
hegemonia embasada na ascensão cultural que possuía e no poder de coagir, devido às
crenças religiosas dos europeus naquele momento.
A característica principal dessa época era a condição vivida por cada cidadão
europeu, determinada por meio de relações de domínio da terra e das pessoas: o poder era
exercido por grandes senhores, e a Igreja ocupava um lugar de destaque.
Em conseqüência da força econômica da Igreja, ela se infiltrou no feudalismo da
época pelo lado econômico e jurídico e teve ainda a seu favor o fato de possuir recursos
para sua organização e a capacidade de instituir e “conferir legitimidade e consistência
ideológica.” (FERREIRA, 2005, p.180).
Tal contexto era cercado de tensões sociais, uma vez que a Igreja reconhecia a
importância da divisão da sociedade em três grupos: o grupo dos clérigos, a quem estava
confiada a implementação da religião e dos grandes valores morais; o dos grandes senhores,
fundamentalmente encarregados de organizar as forças necessárias à defesa dos valores
estabelecidos; e o dos servos, rendeiros e vilões, a quem cabia assegurar a produção dos
bens necessários à subsistência de todos. No âmbito dessas discussões, percebe-se que o
fato marcante na sociedade desse momento vivido pela Europa era a impossibilidade de
mudança de classe social. Cada um desses grupos vivia na sua condição e devia executar da
melhor forma possível a tarefa que lhe era atribuída. Nessas condições, a instrução era
acessível apenas aos clérigos, uma vez que o restante da população, que se dedicava às
atividades que tinham como objetivo manter a ordem e garantir a subsistência de todos, não
precisava de instrução. A essa camada da população interessava apenas formação religiosa.
O objetivo da Igreja nessa realidade social era garantir a aceitação involuntária de todos os
valores sociais e morais presentes em sua doutrina, que ocultava o verdadeiro objetivo:
9
conseguir que a classe menos favorecida da sociedade aceitasse e se conformasse com a
condição social em que vivia.
Nos séculos X e XI, com o renascimento do comércio no Ocidente, emergiu no seio
da sociedade a figura do mercador como centro da atividade econômica da época, e a
constituição de novas cidades possibilitou o nascimento de um novo modo de vida, o qual
iria determinar um ensino mais apropriado para as novas exigências dessa atividade
econômica. “No início do século XIII, as cidades de certa importância têm uma escola. Mas
a evolução não acontece ao mesmo ritmo em todas as regiões e localidades” (FERREIRA,
2005, p.182).
Nesse período é importante destacar a transformação das cidades em feudo e a figura
do burguês, que se mobilizava para colocar os filhos nas escolas clericais que existiam;
porém, com o tempo os burgueses sentiram a necessidade de proporcionar aos filhos um
ensino mais adequado às atividades que exerciam.
Essa mudança pedagógica foi percebida quando escolas laicas, pagas pelo município,
foram constituídas, muito embora tal medida não tivesse garantido um processo de
institucionalização de uma escola voltada para a pedagogia almejada pelos burgueses.
Entretanto, pode-se afirmar que o burguês foi o portador de uma nova relação com o
mundo, até então estático no que diz respeito à constituição de novas classes sociais, uma
vez que naquela época não havia a possibilidade da mudança social.
Com efeito, no período compreendido entre os séculos XII e XIII, houve um avanço
na criação de escolas laicas nas principais cidades européias, nas quais havia uma
importante burguesia.
Nas cidades hanseáticas fundam-se escolas mantidas pelos municípios e
mais de acordo com os interesses burgueses, por vezes, contra a oposição
da Igreja. Outras regiões européias acompanham esse movimento. Nos
Países Baixos foi possível uma expansão, menos controversa em virtude
da autonomia de que gozavam as cidades e de a Igreja possuir aí um poder
relativamente menor. Ao longo dos séculos seguintes foram-se espalhando
essas escolas pela Europa, à medida que a burguesia se afirmava.
(FERREIRA, 2005, p.183)
O crescimento da burguesia como classe social propiciou o aumento de escolas laicas
por toda a Europa, o que não caracteriza um enfraquecimento da doutrina da Igreja, mas
10
10
apenas registra o fato de que esta iniciativa não coube ao clero, uma vez que nesse
momento o olhar sobre a instrução era uma forma de preparar-se para uma ação.
Pode-se dizer que a sociedade daquela época vivia um momento de confronto entre a
burguesia e a Igreja, que a expansão da escola secular estava diretamente relacionada
com o crescimento comercial e o desenvolvimento das cidades elementos que
proporcionaram à classe burguesa um crescimento e a possibilidade de impor-se como
força social e política. A importância dessa classe na política de países como Inglaterra,
França, algumas regiões da Itália e demais regiões da Europa regiões prósperas naquela
época —, permitiu a essa classe refletir sobre suas ações e perceber que o sucesso estava
condicionado à intelectualidade e à capacidade de construir relações sociais.
A ação da burguesia, classe revolucionária por excelência, vai ser
orientada por um conceito novo que será totalmente incompreensível para
um homem da Idade Média: o de plasticidade. Este conceito forma um
todo com a idéia de que o mundo é moldável, de que o homem é
transformável: portanto, de que se pode fazer uma sociedade diferente.
(NÓVOA, 1991, p.111)
Quanto à sociedade, pode-se afirmar que esta é uma produção de si mesma, que se
forma e se transforma, muda seu funcionamento, seus conceitos, suas ideologias, a partir
dos investimentos sobre a imagem que ela tem de sua capacidade de agir sobre si mesma.
Em conseqüência desse fato, a humanidade mobiliza-se no sentido de proporcionar um
ensino destinado à infância e à juventude.
1.2.1. Preocupação educativa e suas conseqüências
Quando a educação da criança se tornou um objetivo a ser alcançado, houve um
movimento na sociedade voltado para essa nova realidade social. Nóvoa (1991) aponta dois
fatos que contribuíram para essa transformação: o nascimento de uma escola com o
objetivo de tomar para si a responsabilidade de educar as crianças; e o surgimento de uma
escola com estruturas muito parecidas com os modelos de escolas atuais.
Como já destacado, esse modelo de escola teve a sua origem durante os séculos XII e
XIII, quando os burgueses sentiram a necessidade de colocar os filhos em escolas clericais,
para dar a eles uma educação voltada para o comércio atividade econômica que
predominava.
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A gênese e o desenvolvimento do modelo escolar constituem um longo
processo, produzido num jogo complexo de relações sociais e de
mudanças de representações e de orientações normativas com respeito ao
mundo e aos homens, que os historiadores-sociólogos apenas começam a
elucidar. (NÓVOA, 1991, pp.111-112).
Constatou-se uma consolidação de normas reguladoras, cujo objetivo era a disciplina
do corpo e dos costumes elementos fundamentais para viver em sociedade. Esse
comportamento social da época estabelecia um conceito de infância segundo o qual a
criança não estava apta para viver no mundo dos adultos, o que determinava um tratamento
especial: o processo educativo tinha como objetivo principal a preparação da criança e do
adulto para inserir-se no meio social.
Essa preparação tinha como objetivo a transformação dessa criança e desse jovem
em elementos dóceis e úteis, para a consolidação de uma nova sociedade, a sociedade
disciplinar — uma disciplina cujo objetivo central era o adestramento para o mundo
capitalista daquele momento, assim como nos dias de hoje.
No universo de mudanças e preocupações com esse novo indivíduo prestes a inserir-
se no meio social e produtivo, surgiu, então, um questionamento: quem seria o responsável
pelo processo de preparação? Quem efetuaria o pagamento desse profissional? Qual o
órgão que deveria assumir a responsabilidade pela administração desse sistema?
Para Nóvoa (1991), esse momento da educação foi importante porque esta deixou
de ser familiar e passou a ser de responsabilidade da escola, liberando os pais para a
inserção no modelo capitalista e, ao mesmo tempo, investindo na criança como um projeto
a ser desenvolvido com vistas ao futuro cidadão.
A escola era uma opção possível, mas logo se tornará um investimento
social e inevitável. Em seu seio o futuro da criança é muito mais
importante que o presente; por isso, ela será encarada essencialmente
como um projeto, o que provocará a generalização de uma relação
pedagógica com respeito à infância, a qual progressivamente invadirá toda
a vida social. (NÓVOA, 1991, p.113-114, destaque do autor)
Nóvoa (1991) afirma que a profissão docente teve sua gênese anteriormente à
estatização da escola. Segundo ele, desde o século XVI, a atividade docente era exercida
por diferentes grupos sociais, constituídos em sua maioria por leigos e religiosos que a
exerciam de forma secundária, ou seja, essa atividade não era a fonte principal de renda.
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Devido ao fato de que sempre esteve ligada à igreja desde o seu início, a atividade
docente sempre foi muito ligada à ideologia do sacerdócio, ou seja, essa atividade não
captava para si um olhar como profissão, mas assumia um caráter de missão, muito
semelhante à dos sacerdotes: tornar o indivíduo dócil, para que este aceitasse de forma
pacífica as ideologias e as desigualdades sociais que lhe eram impostas.
Quando o Estado assumiu para si a responsabilidade da educação, no século XVIII,
uma nova ideologia quanto ao trabalho docente foi estabelecida. Os professores assumiram
a condição de funcionários públicos e deles passou a ser exigida uma licença obrigatória
para ensinar. Este foi um fator decisivo para o processo de profissionalização da atividade
docente, ou seja, o docente saiu em busca dessa licença, confirmando a sua opção pelo
magistério.
Entretanto, tornar-se funcionário do Estado num primeiro momento era muito
importante, porque se tratava de uma atividade não mais subordinada à tutela da Igreja, mas
submissa ao controle do Estado. Apesar de possuir um estatuto próprio, a atividade docente
estava subordinada às intencionalidades dos sistemas de governo prática comum
também nos dias de hoje.
Pode-se dizer que esse quadro praticamente não sofreu alterações no século XIX.
Para Nóvoa (1995, p. 20), é possível perceber o processo de profissionalização dos
professores dos anos 1920, tomando como foco de análise os fatos abaixo relacionados, que
já faziam parte do cotidiano de todos os envolvidos com a atividade docente:
1. Exercício em tempo integral (ou como ocupação) da atividade docente.
2. Estabelecimento de um suporte legal para o exercício da atividade docente.
3. Criação de instituições específicas para a formação de professores.
4. Constituição de associações profissionais de professores.
Além das características acima, os professores, nesse processo de
profissionalização, deveriam possuir um conjunto de conhecimentos e de técnicas
necessários ao exercício qualificado da atividade docente. Parte desses saberes eram
constituídos em função da preocupação educativa: seriam saberes técnicos, na medida em
que se organizavam em torno de princípios e técnicas de ensino, sem relação alguma com o
conteúdo das matérias ensinadas. Uma característica da atividade docente é que os saberes
são expropriados dos professores e não se legitimam, porque, quando voltam à
13
comunidade, os professores não se identificam com eles. É perceptível nesse processo uma
disputa de poder, em que o único recurso do professor é a resistência às mudanças. Em
geral são conhecimentos impostos ao professor e à escola por agentes externos ao mundo
dos docentes e da escola, em geral pedagogos e teóricos em educação.
A despeito de todas as características de profissionalização presentes na atividade
docente, a falta de um código de regras cuja função principal é legitimar a classe
docente perante as outras classes profissionais e até mesmo perante a sociedade
estabelecido pelos professores contradiz todo este movimento de profissionalização.
Entretanto, no que diz respeito aos professores, essas regras e normas sempre foram
impostas por um agente externo, mediador das questões internas e externas da atividade
docente: inicialmente, a Igreja e, posteriormente, até os dias de hoje, o Estado.
Com o passar dos anos, a escola e o sistema educacional sofreram várias mudanças
e passaram a exigir um aperfeiçoamento dos instrumentos e das técnicas pedagógicas. A
elaboração de novos currículos e a ampliação dos programas de ensino tornaram-se
exigências imediatas; sendo assim, a docência não podia mais ser exercida por qualquer
pessoa, ela exigia do professor uma preparação específica e uma maior dedicação, o que
dificultava o exercício da atividade docente pelos leigos.
Para Nóvoa (1991), o oficio docente tornou-se de tempo integral e, para ser
exercido, necessitava de preparação e formação. Isso constituía um legitimador da profissão
docente.
A relação Estado-trabalhador docente obedecia a um código de normas imposto
pelo Estado como condição para a concessão da permissão para ensinar. Esta era
obrigatória e concedida mediante um concurso público, prestado mediante alguns pré-
requisitos, tais como: habilitação literária, idade, bom comportamento moral, entre outros.
Tais elementos constituíam um suporte legal para o exercício da atividade docente, pois
contribuíam para a delimitação de um campo social de ensino e para a monopolização desse
domínio por um grupo profissional cada vez mais definido e enquadrado.
A atividade docente como prática social sempre esteve envolvida num jogo político;
quanto mais a escola se difunde, mais o jogo político se torna importante: controlar os
docentes significa garantir que a escola funcione como um fator de integração social, pois a
valorização econômica e a valorização perante a sociedade são apoiadas na posse de um
14
14
conjunto de conhecimentos especializados e na realização de um trabalho de importância
social.
A evolução nas noções de corpo de saberes e o estabelecimento de normas por parte
do Estado passou a exigir cada vez mais dos docentes, o que implicou uma formação mais
longa. Naquele momento, os docentes visualizaram um argumento forte na luta pelas
melhorias do estatuto sócio-profissional. Entretanto, o Estado conseguiu visualizar nessa
reivindicação uma forma de melhor controlar o corpo docente.
1.2.2. A Institucionalização das Escolas Normais e sua importância
Com a institucionalização das Escolas Normais, no século XIX, ocorreu uma melhora
na posição social dos professores. Esse projeto foi anterior ao século XIX, mas concretizou-
se em todos os países europeus nesse século. Por outro lado, passou a existir também um
controle estatal mais estrito sobre o corpo docente.
dois fatos históricos que precisam ser mencionados em decorrência da
constituição das Escolas Normais: a instauração da profissão de docente primário e a
funcionalização do professor.
Como a profissão docente seria a única a comportar procedimentos específicos de
aprendizagem, na instalação das primeiras Escolas Normais, foi muito visível a idéia de que
os “procedimentos de seleção e de controle prevalecem amplamente sobre os meios de
formação” (NÓVOA apud SOARES, 2007, p.75).
O sucesso que as Escolas Normais conheceram a partir do século XIX é justificado
pela ação empreendida pelos docentes no momento das instalações dessas instituições.
“Sob sua ação, os mestres miseráveis e pouco instruídos do início do século XIX vão, em
algumas décadas, ceder lugar a profissionais formados e preparados para a atividade
docente.” (NÓVOA, 1991, p.125, destaque do autor).
A melhoria do estatuto dos professores primários está intimamente ligada ao
desenvolvimento das Escolas Normais.
No século XIX, elas constituem o lugar central da reprodução do corpo de
saberes e do sistema de normas próprios à profissão docente e têm uma
ação fundamental na elaboração dos conhecimentos pedagógicos e de uma
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ideologia comum ao conjunto de docentes: suas épocas de glória (e de
decadências) conduzem a um aumento (e a uma diminuição) do prestígio
da condição de docente. (NÓVOA, 1991, p. 125, destaques do autor)
As origens do estatuto atual e da consciência profissional dos docentes primários
remontam, em grande medida, ao século XIX; sua compreensão passa, sem nenhuma
dúvida, por uma análise do trabalho realizado no seio das Escolas Normais.
Quando se discute a história das Escolas Normais, percebe-se que ela está na origem
da história contemporânea da profissão docente, cuja maior contribuição foi a substituição
definitivamente do “velho” mestre-escola pelo “novo” professor do ensino primário.
O papel relevante que as Escolas Normais assumiram foi ratificado, quando a ela
foram delegados poderes que até então somente a Igreja e o Exército detinham: “o de
formar quase completamente seus agentes, isto é, ao mesmo tempo, de os selecionar de
acordo com suas regras próprias e de lhes inculcar seus princípios de hierarquização.”
(NÓVOA, 1991, p. 125).
Caracterizou-se, a partir desse instante, um traço sociológico da profissão docente:
“um professor primário passa de um papel (o de um estudante) para o seu oposto (o de
professor).” (Ibidem).
Uma das grandes contribuições das Escolas Normais para a formação de uma nova
sociedade foi o fato de que elas permitiram a ascensão social de pessoas oriundas de várias
camadas sociais. Ser professor primário significava escapar de outras condições menos
favorecidas. Normalmente saídos de classes sociais menos favorecidas, os professores
primários sentiram-se superiores pelo seu saber; porém, os baixos salários que recebiam
impediam-nos de levar uma vida típica de burguês. Essas contradições nas quais o
professor primário esteve envolto, dificultaram a sua inserção no meio social. “Obrigados
às normas morais da burguesia, os docentes são rejeitados por esta classe, qual
geralmente não pertencem por nascimento), enquanto que estão praticamente impedidos de
freqüentar as classes populares.” (Ibidem, p. 126). Tratou-se de um isolamento
diferenciado, visto que o professor precisava manter relações com outras pessoas, sem
privilegiar o que quer que fosse.
A primeira Escola Normal no Brasil foi criada em 1835, no município de Niterói,
seguida pela do Rio de Janeiro, em 1880 — a Escola Normal da Corte.
16
16
Para Campos (2002, p. 18), as Escolas Normais brasileiras do século XIX seguiam o
modelo francês. A formação por elas oferecida era de
forma difusa, sem nenhum método que indicasse uma maior preocupação
com a formação dos professores. Refletia uma tendência geral da época de
que o magistério não constituía uma profissão, mas, sim, uma vocação,
para a qual eram necessárias dedicação, qualidades morais e aptidão.
Vê-se, assim, que as características previstas para o exercício profissional nas
Escolas Normais eram voltadas para a cultura feminina, daí o fenômeno conhecido como
“feminização do magistério”.
1.2.3. A feminização do corpo docente primário
Embora com características específicas de acordo com cada região, este é um
fenômeno que pôde ser claramente percebido no conjunto das sociedades ocidentais a partir
de meados do século XIX. Historicamente, apesar de algumas exceções, a atividade
docente foi um dos primeiros domínios nos quais as mulheres obtiveram os mesmos
privilégios econômicos que os homens.
Sob o ponto de vista sociológico, este é um elemento significativo, porque, com o
passar dos anos, essa passou a ser uma atividade com domínio majoritariamente feminino.
Isso colocou obstáculos às ações docentes em busca de melhorias de seu estatuto
econômico e social, devido ao fato de o salário da mulher ser visto como uma espécie de
renda suplementar, e não como renda principal da família. Aliado a esta condição, existia o
fato de a posição que as mulheres ocupavam na hierarquia social ser mais determinada pela
posição de seus maridos que por sua própria atividade profissional. No século XIX, a
carreira docente era a única via aberta às mulheres, como evidenciada pelas análises das
demandas de entrada nas Escolas Normais para o sexo feminino.
Estas reflexões servem para delimitar o quadro social de referência dos docentes e
seus limites, impostos a seus projetos de ascensão na hierarquia sócio-profissional.
Embora de grande importância, existe uma ambigüidade para o trabalho do
professor primário: é uma atividade próxima à dos médicos e à dos advogados, em virtude
das características de suas funções; e, ao mesmo tempo, próxima à dos artesãos e à dos
operários especializados, em razão de seu nível de renda.
17
Um fator positivo nessas mudanças sociológicas do corpo docente primário foi o
fato de que elas possibilitaram a criação das primeiras associações profissionais. Tal
acontecimento constituiu uma última etapa do processo de profissionalização da atividade
docente, na medida em que este possibilitou uma maior conscientização do corpo docente
quanto ao seu papel social e de seus próprios interesses como grupo profissional.
1.3. A Gênese da profissão docente no Brasil
1.3.1. A Educação no Brasil Colônia: primeiros professores
Assim como na Europa, a atividade docente no Brasil teve o seu início com os
jesuítas, os quais, no início da colonização portuguesa, foram os primeiros professores a
desenvolver um trabalho de catequese com os índios. O objetivo pedagógico do trabalho
dos jesuítas era a formação humanística, na qual as disciplinas sicas trabalhadas eram:
latim, literatura clássica e religião. Para a Coroa portuguesa, esse trabalho tinha um papel
importantíssimo, visto ser uma atividade que contribuía para a consolidação do domínio
português nas novas terras. Nesse processo predominavam: a discrepância entre a cultura
difundida nos colégios e a realidade brasileira; a uniformização do pensamento, excluindo
ou incorporando as culturas indígenas. Entretanto, a partir do momento em que se foi
construindo uma nova sociedade, formada por brancos e mestiços, tornou-se necessária a
formação de elites, fenômeno que provocou a expansão do trabalho educativo dos jesuítas:
por quase dois séculos, os únicos colégios existentes na Colônia eram dirigidos pelos
religiosos. Os jesuítas podem, portanto, ser considerados os primeiros professores na
história da educação do país.
Assim como nos dias de hoje, em que não professores suficientes para atender a
demanda educacional, já naquela época, o número de padres para exercer a atividade
educacional era insuficiente. Era, então, uma prática comum aproveitar estudantes que mais
se destacassem para desempenhar a atividade docente, depois de um período de estudos em
Portugal. Mas, mesmo assim, ainda era necessária a formação de mestres aqui no Brasil.
A expansão do trabalho educacional desenvolvido pelos jesuítas possibilitou a criação
de vários colégios em vários pontos do Brasil, onde o estudo estava voltado para a
aprendizagem de ler, escrever e contar, além das quatro operações.
18
18
Valente (2003) questiona se, no período colonial, o Brasil precisava de ensinamentos
matemáticos e argumenta que, em virtude de conflitos com os espanhóis, ao sul da Colônia,
e do risco de invasões estrangeiras, havia a necessidade de formação de técnicos e militares
com competência para os trabalhos de guerra. Assim, era de vital importância a construção
de edificações ao longo da costa brasileira. Para a realização desses feitos, os ensinamentos
matemáticos eram fundamentais, visto serem elementos imprescindíveis para a
instrumentação dos futuros engenheiros e militares.
Segundo o autor, da Matemática dependiam a proteção e a preservação dos domínios
portugueses, ainda que essa disciplina não participasse da cultura geral escolar da época
(p.219).
Os ensinamentos necessários à preservação das terras conquistadas foram ministrados
nas corporações técnicas das Escolas Militares, as Escolas de Caserna, as quais tiveram
uma importância muito grande, visto serem elas os únicos locais onde se ministravam aulas
de Artilharia e Fortificações, nas quais se encontra “a gênese da Matemática escolar no
Brasil.” (VALENTE, 2003, p.219).
Em 1699, a defesa da Colônia era o centro das preocupações da Coroa Portuguesa, e
esse foi um momento de grande impulso na formação de militares em terras de além-mar. A
necessidade de oficiais bem treinados no manuseio de peças de artilharia e com
competência para construir fortes era muito grande, em virtude de a extensão da costa
brasileira exigir tais providências como forma de garantir as terras conquistadas e proteger
as riquezas que delas se iam extraindo.
Criou-se, então, a Aula de Fortificações. As dificuldades para a implantação desse
curso foram muitas e pode-se afirmar que os objetivos da Coroa portuguesa no que diz
respeito à formação de militares, construtores de fortificações e adestrados na artilharia
somente foram alcançados com a chegada de um militar português, José Fernandes Alpoim,
ao Brasil. “Graças à Ordem Régia de 19 de agosto de 1738 que o ensino militar conhece
uma nova fase: torna-se obrigatório a todo oficial. Em outros termos, nenhum militar
poderia ser promovido ou nomeado se não tivesse aprovação na Aula de Artilharia e
Fortificações.” (VALENTE, 2003, p.220, destaque do autor).
Alpoim ministrou o curso por um período de 27 anos. Esse militar foi de fundamental
importância nesse processo, devido à experiência pedagógica acumulada no período em que
19
foi substituto na Academia de Viana do Castelo. Nesse período, escreveu dois livros, que
foram os primeiros livros didáticos de Matemática escritos no Brasil: Exame de Artilheiros
(em 1744) e Exame de Bombeiros (em 1748).
Segundo Valente (2003), pode-se afirmar que o desenvolvimento da Matemática
escolar no Brasil desde os seus primórdios esteve diretamente ligado aos compêndios
didáticos. “Talvez seja possível dizer que a Matemática constitui-se na disciplina que mais
tenha sua trajetória histórica atrelada aos livros didáticos.” (p.220).
Embora esses livros tivessem como objetivo principal a formação militar, Valente
(2003) destaca que eles tinham também como meta atender objetivos didático-pedagógicos.
No que diz respeito à Matemática existente neles, pode-se afirmar tratar-se de uma
Matemática elementar que, nos dias de hoje, corresponde à Matemática sica. No entanto,
esses foram textos matemáticos escritos na Colônia.
A Matemática ensinada com base nos livros de Alpoim era direcionada ao uso
imediato pelos artilheiros e lançadores de bombas; focalizava atividades práticas, para as
quais havia informações de como fazer, como proceder dentro das atividades militares dos
artilheiros e bombeiros.
Para Valente (2003, p.221), “a prática de cercar-se de inúmeros tratados, compilá-los
para ministrar cursos e, por fim, utilizar a experiência pedagógica adquirida para a escrita
de textos próprios para os alunos irá revelar-se a gênese da produção da Matemática
escolar. No Brasil isso se deve inicialmente a Alpoim”.
Após a expulsão dos jesuítas por Marquês de Pombal, no século XVIII, pode-se dizer
que o sistema educacional e a própria atividade docente passaram por transformações
profundas, pois, na opinião de Pombal, a Companhia de Jesus havia cumprido o seu
papel educacional na Colônia, ou seja, seu trabalho educacional não atendia mais as
necessidades da Colônia.
A atividade comercial predominante no Brasil era a mineração, o que provocou
mudanças na estrutura social, com a urbanização, o comércio, a circulação de idéias liberais
e os movimentos contra a opressão metropolitana. E foi nesse contexto de transformações
que Pombal visualizou a necessidade de uma reorganização no sistema educacional, com o
objetivo de estabelecer um novo caminho para a educação no Brasil.
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20
O Alvará de 28 de junho de 1759 estabelecia reformas no ensino das Humanidades —
a atividade principal no trabalho desenvolvido pelos jesuítas —; e determinava novas
atribuições para os professores de Latim, Gramática, Grego e Retórica.
Esse Alvará também estabelecia alguns benefícios a quem exercesse a atividade
docente: proporcionava aos professores uma distinção social e política, acompanhada de
isenção de impostos e do privilégio de não irem para a cadeia (CARDOSO apud SOARES,
2007, p.39).
Nesse período ficou estabelecido que os professores particulares, de instituições
religiosas ou não, deveriam seguir uma nova linha pedagógica, eliminando qualquer
vestígio referente ao método antes adotado pelos jesuítas.
Nesse Alvará estavam previstas cláusulas de regulação do trabalho dos professores
por meio da figura do Diretor de Estudos, que tinha, entre outras atribuições, a função
principal de monitorar o trabalho docente. Pode-se identificar, nesse movimento, o primeiro
vestígio de valorização do professor, embora, ao lado da avaliação dos estudos aqui
realizados e da tarefa de prestar contas ao rei sobre eles, coubesse também ao Diretor de
Estudos advertir os professores caso não cumprissem alguma determinação do alvará. Num
primeiro momento, a nomeação desses professores era feita por esse diretor;
posteriormente, os professores submetiam-se a um concurso público que lhes dava a licença
definitiva para ensinar.
Soares (2007) destaca que, em agosto de 1760, foram criados no Brasil 17 aulas de
primeiras letras (duas no Rio de Janeiro); seis de Retórica (uma no Rio de Janeiro); três de
Grego e três de Filosofia (das quais, uma de cada matéria era localizada no Rio de Janeiro).
Na segunda fase das reformas, em 1772, já foi possível perceber a condição de
funcionários públicos dos professores, quando Pombal estabeleceu três objetivos para as
reformas, dos quais o primeiro era modificar a estrutura dos Estudos Maiores
3
, a partir de
mudanças na universidade de Coimbra. Novos estudos foram propostos, em substituição
aos antigos, elaborados pelos jesuítas.
O segundo objetivo visava arrecadar fundos para sustentar os Estudos Menores. Com
a criação do imposto chamado Subsídio Literário, instituído com a Carta Régia de 10 de
3
Tratava-se da reforma da universidade, voltada à elite, com vistas a preparar para a base de uma sociedade
modernizada. A estrutura da universidade foi reformulada para poder produzir e ensinar as ciências
modernas.
21
novembro de 1772, Pombal procurava garantir condições para que o trabalho docente fosse
exercido. O dinheiro arrecadado com esse imposto tinha como objetivo o pagamento do
salário dos professores, do aluguel de casas onde eram ministradas as aulas e a compra de
material didático. Na realidade, esse imposto substituía outros existentes e foi mantido
até o Decreto de 15 de março de 1816, já no governo de D. João VI.
O terceiro objetivo dizia respeito à inclusão da cadeira de Filosofia Racional e Moral
nos Estudos Menores.
No fim do século XVIII, os professores ainda viviam numa situação precária, com
salários muito baixos, o que fazia com que o mero de pessoas interessadas em exercer a
atividade docente fosse muito abaixo das reais necessidades. Com isso, o número de
candidatos aos concursos que passaram a existir para ingresso na carreira docente —,
quando estes aconteciam, era muito pequeno.
Mesmo com os processos seletivos, a tentativa de estabelecer um controle sobre o
sistema educacional não proporcionava resultados satisfatórios. O trabalho era realizado
segundo critérios de escolha do próprio docente sobre o que ensinar e como ensinar. Não
havia controle sobre o trabalho,em muitos casos exercido na casa do próprio docente.
Os concursos para professores exigiam do candidato um requerimento para inscrever-
se nos exames; um atestado de boa conduta; e documentos que o recomendassem ao cargo.
No caso de exercer o magistério, era necessária a apresentação dos documentos
comprobatórios. O candidato submetia-se a uma prova escrita, com uma questão de
Matemática e avaliação de ortografia. Essa prova era corrigida por uma banca que decidia,
com registro em ata, que o candidato estava apto ou não para ocupar a vaga. Segundo
Soares (2007), essa prática ocorreu de 1797 a 1807.
1.3.2. A profissão docente no século XIX: a ausência de um professor
especialista em Matemática
Conforme visto anteriormente, o ensino de Matemática no Brasil teve o seu impulso
devido ao medo de invasão do território brasileiro, até então sob a tutela da Coroa
portuguesa. Para proteger os seus domínios, D. João VI, ao chegar ao Brasil, criou a
Academia da Marinha e a Academia Real Militar. O material para essas instituições
22
22
instrumentos, livros, modelos, máquinas, mapas e plantas —vinha da Academia de Lisboa
(SOARES, 2007).
No ano seguinte ao da chegada da família real, os cursos tiveram o seu início. Na
Academia ensinava-se Matemática, Física, Artilharia, Navegação e Desenho, e o ingresso
nesses cursos exigia conhecimentos de aritmética e língua francesa.
A Academia Real Militar cuja grande contribuição foi possibilitar o ensino da
ciência e da técnica no país (SILVA apud SOARES, 2007) —veio em substituição à Real
Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho e tinha como objetivos não somente formar
oficiais para as artes bélicas, mas também formar outros profissionais. Seu curso tinha a
duração de sete anos, sendo que os quatro primeiros anos constituíam o chamado Curso
Matemático; entretanto, somente para a formação dos engenheiros e artilheiros era exigido
o curso completo.
Enquanto a Academia Real Militar se transformava num curso superior, a Academia
da Marinha ia se configurando como um curso de nível secundário; porém, é importante
destacar que foi nos cursos destinados ao ensino técnico e militar que se foram
estabelecendo os elementos para a definição de uma Matemática escolar que seria utilizada
nos anos seguintes.
O deslocamento dos estudos de Matemática, Física e outras Ciências, dos
cursos controlados pela igreja para os cursos médicos e militares, foi
possível com a ampliação e estruturação do ensino superior proporcionada
por D. João VI, até 1933. As escolas de Engenharia foram os únicos
espaços onde se ensinou Matemática Superior. (CASTRO, 1999, p.46)
No Brasil independente, a primeira lei que estabeleceu linhas gerais para a instrução
pública foi de 1827, determinando a instalação de escolas em todas as cidades, vilas e
lugares mais povoados. Autorizava também a abertura de escolas de meninas, cuja
responsabilidade de formação caberia às mestras de meninas. Permanecia, segundo Campos
(2002), a distinção entre escolas para meninos e escolas para meninas. Essa lei, além de
determinar também melhores condições de trabalho e aumento de remuneração, passou a
exigir concurso público para ingresso no magistério.
Mesmo com outras legislações posteriores, o quadro pouco se alterou. Como nos diz
Campos (2002, p.17):
23
Nessa época a escola exercia basicamente uma função de prestígio na
sociedade, visando à formação das elites. Com a expansão do serviço
público, entretanto, passou a ter também um papel de mediação na
formação profissional, que não derivava somente de necessidades reais de
conhecimento sistemático especializado, mas também ultrapassando
largamente esse âmbito, servindo principalmente como meio de ascensão
social para a camada livre não diretamente relacionada com a aristocrática
família ligada à prosperidade rural. Havendo se iniciado uma relativa
expansão da escola elementar, a função de alfabetização começou a
mostrar-se mais evidente, enquanto que a internalização de valores perdeu
sua importância no contexto social com o passar da fase inicial de
formação da sociedade.
No que diz respeito ao professor de Matemática, há que destacar a importância do
Colégio Pedro II, criado em 1837, a primeira escola secundária pública do Brasil, que se
tornou referência durante todo o século XIX e início do século XX. Diferentemente dos
professores da escola elementar, os professores do Colégio Pedro II contavam com
prestígio social.
Esse colégio passou por várias reformas e regulamentos. No entanto, como diz Soares
(2007), em todas elas a Matemática sempre esteve presente, com maior ou menor
intensidade. Os professores para as cadeiras de Matemática inicialmente foram
nomeados pelo governo, dando preferência aos empregados do Colégio,
que se achassem habilitados. O regulamento [primeiro estatuto de 1838]
previa também a existência de professores substitutos, em número de três,
que deveriam reger as aulas na falta ou impedimento dos respectivos
professores e a eles competia ainda o ensino nas aulas suplementares.
(SOARES, 2006, p.4)
A partir de 1854, novo regulamento Regulamento da Instrução Primária e
Secundária do Município da Corte determinava que a seleção de professores para o
Colégio Pedro II seria por meio de concurso público
4
.
É importante ressaltar que, mesmo com todo o prestígio do Colégio Pedro II, os
candidatos que se apresentavam aos concursos públicos não tinham formação específica em
cursos de Licenciatura. Como destaca Soares (2006, p. 13), apoiando-se em Dias (2002):
os professores de Matemática para a escola antigamente denominada
“secundária” tinham em geral, até 1934, uma outra identidade – a de
engenheiro, profissão esta de maior prestígio social e de melhores
vencimentos. Não existindo instituições que promovessem a formação
4
Para maiores detalhes sobre as provas dos concursos, ver Soares (2006; 2007).
24
24
específica do professor de Matemática para atuar nesse nível de ensino,
podiam exercer o magistério os profissionais com formação técnica e, no
caso de professores das primeiras séries, não era necessária nenhuma
formação em particular, pouco se exigindo dos candidatos.
Dessa forma, em linhas gerais, até o final do século XIX, a atividade docente ainda
era exercida por um grande número de pessoas desqualificadas, o que impossibilitava ao
professor o acesso a um plano de carreira ou até mesmo um avanço na sua profissão por
merecimento técnico, além de não possuir representatividade política.
Mesmo com todas essas adversidades, a classe docente ainda possuía certo status,
podendo ocorrer mudanças de acordo com o contexto social no qual estava inserida.
1.3.3. A profissão docente no século XX: o início da formação específica
em Matemática
O século XX iniciou-se com fortes debates no campo educacional e, em especial, no
campo da Matemática. Embora esse não seja nosso foco de pesquisa, é importante destacar
que o início desse século foi marcado pelo Primeiro Movimento de Modernização do
ensino de Matemática
5
. Nesse contexto, ganharam notoriedade os debates promovidos
pelos professores do Colégio Pedro II, dentre eles: Eugenio Raja Gabaglia, Euclides Roxo,
Almeida Lisboa, Arthur Thiré. Dentre outros princípios que marcaram esse movimento no
Brasil, destaca-se a busca pela unificação da Matemática, que iria ocorrer com a Reforma
Francisco Campos, de 1931. Nascia, assim, segundo Valente (2003), a disciplina
Matemática.
Nessa reforma, os professores do Colégio Pedro II tiveram influência direta e
destacou-se a defesa, feita por Euclides Roxo, da necessidade de uma formação pedagógica
para o professor de Matemática. Com o surgimento das Faculdades de Filosofia, com
destaque para a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de São Paulo, em 1934, surgiram
os primeiros cursos para a formação de professores de Matemática, que provocariam
mudanças significativas no cenário educacional.
Para Valente (2008, p.18):
5
Ver Miorim (1998).
25
A formação profissional do nosso avô é diferente daquela do tataravô e
bisavô professores de matemática. Saídos dos cursos militares, das escolas
de engenharia, esses nossos distantes parentes de profissão viram o
nascimento das faculdades de filosofia constituir o berço de nosso avô
profissional. Surgidas nos anos de 1930, essas faculdades tinham como
tarefa a formação de professores. É também por essa época, que,
finalmente, depois de um século o Brasil conseguiu implantar o sistema
seriado de ensino e os preparatórios foram desaparecendo.
Assim, no caso específico brasileiro, a profissão docente – como formação acadêmica
teve início na década de 1930. Como diz Soares (2007, p. 14, grifos da autora):
“Assim, o perfil do profissional passa de um professor que ensina Matemática para o de um
professor de Matemática”.
Se, por um lado, como analisado por Nóvoa, os séculos XVIII e XIX constituíram
marcos importantes para a profissionalização docente, no século XX, principalmente a
partir de sua segunda metade, essa profissão começou a assistir a uma grande
desvalorização e proletarização.
O início da Primeira Guerra Mundial e, sobretudo, o fato de que ela
explodiu nos países fortemente alfabetizados e escolarizados, sacudiram o
edifício escolar e os primeiros questionamentos concernentes aos
benefícios da instrução foram formulados. A resposta dos docentes e dos
pedagogos não tardou: unicamente a instituição de uma Educação Nova
criará as condições exigidas para que o horror da guerra não tenha mais
lugar. Esta crença alimentou o intenso movimento pedagógico
internacional que sobreviveu até a década de 1930-1940: a ascensão dos
regimes fascistas e a declaração de uma nova Guerra Mundial colocaram
por terra as ilusões dos partidários da Educação Nova. (NÓVOA, 1991,
p.130, destaques do autor)
Após a Segunda Guerra Mundial, a descrença nos ideais escolanovistas foi um
processo que foi se instaurando gradualmente na sociedade e entre os atores que faziam
parte do processo educacional; o imobilismo das estruturas e de sua capacidade de provocar
mudanças foram ideologias opostas ao movimento dos inovadores que, estimulados pela
no Progresso, defendiam a instituição de uma Educação Nova. “Mas hoje não se crê mais
no Progresso: desde então para que serve a escola?” (HAMELINE apud NÓVOA, 1991,
p.130).
No próximo capítulo discutiremos com mais detalhes a situação do professor no
século XX.
26
26
2. O PROFESSOR NO SÉCULO XX: RÉU OU DETENTOR DE SUPERPODERES?
Nos dias de hoje, a maior dificuldade que eu enfrento não é
quanto ao material, nem o fato de ter que estudar para
preparar uma aula, mas a resistência dos alunos.
(Professora Ana Cláudia)
Dando continuidade à discussão anterior, trazemos neste capítulo algumas reflexões
sobre as condições de profissionalismo e de trabalho docente do professor no século XX.
Mais precisamente, a partir da década de 1970, quando se iniciou um processo de descrença
no trabalho do professor e no papel da escola. O professor passou a viver um grande
paradoxo: ao mesmo em que uma grande expectativa da sociedade quanto ao seu papel,
ele, o professor, é cotidianamente visto como o grande culpado pelos problemas da
educação brasileira. Essa é a discussão que pretendemos fazer neste capítulo.
2.1. A complexidade da profissão docente
Não dúvidas de que a profissão docente, entre todas, é a mais complexa e
paradoxal, porque carrega consigo rias particularidades que não são comuns a outras
atividades profissionais.
No âmbito das discussões sobre essa profissão, um primeiro fator que legitima esta
afirmativa é que o aluno, material de trabalho do professor, tem a capacidade de interagir
com este e, até mesmo, a possibilidade de influenciar no resultado final.
Hargreaves (2001, p.1) afirma: “A profissão docente tem como objetivo principal
desenvolver junto aos jovens e crianças habilidades e capacidades humanas que lhes
possibilitarão uma inserção na sociedade atual proclamada como a Sociedade do
Conhecimento”.
Quando se fala em habilidades, percebe-se um universo muito amplo para o
significado desta palavra e fica, então, um questionamento: que habilidades são estas? O
que se espera do trabalho desse professor e da escola?
Em virtude de o trabalho docente encontrar-se vinculado às políticas públicas e a
organizações mundiais, é visível a influência desses organismos nessa atividade, fato que
contribui para o aumento do desprestígio do professor. Nos países anglo-saxões, o ofício de
27
professor é descrito como uma semiprofissão, em virtude da dependência excessiva dos
professores aos programas e textos, bem como pelo fato de usarem demasiadamente o
sistema educacional como escudo protetor (PERRENOUD apud BOING, 2002, p.7).
Atualmente, o trabalho docente passa por um processo de proletarização,
caracterizado pela necessidade imposta por políticas públicas de medir a eficiência
dos professores através do rendimento dos alunos nos exames externos. Tais decisões estão
fundamentadas nas concepções defendidas pelas políticas públicas, ou seja, na idéia de que
todos os alunos possuem o mesmo tempo de aprendizagem. Concepções como esta não
levam em conta a particularidade de cada aluno no que diz respeito ao seu perfil social e
emocional fatores que influenciam no seu desenvolvimento. Isso tem levado gestores a
decisões que contribuem cada vez mais para o desprestígio do professor.
Apesar dessa adversidade, existe muita expectativa em relação ao papel da escola e
ao trabalho do professor, ou seja, espera-se deste muito mais do que de qualquer outro
profissional. expectativas de que o professor prepare os jovens para a construção de
comunidades de aprendizagem, inserindo-os, assim, na sociedade do conhecimento.
Espera-se, ainda, que esses jovens sejam formados com características essenciais à
prosperidade econômica deste século: flexibilidade e compromisso de mudanças
elementares (HARGREAVES, 2001).
Mesmo com toda essa responsabilidade atribuída à atividade docente, o professor não
tem o apoio necessário ao desenvolvimento de seu trabalho, visto que na distribuição de
verbas da União, a educação fica com a menor parte. “Assim os professores estão presos a
uma prensa ou armadilha entre o ideal esperado e a escassez de recursos.”
(HARGREAVES, 2001, p.1).
O trabalho docente está envolto num paradoxo, porque, embora se observem
discursos de autoridades políticas, afirmando ser o professor a figura central para a era da
informação e para a construção da sociedade do conhecimento, esse mesmo professor é
vítima de um processo de depreciação liderado por grupos que, em sua maioria, não são
educadores e tampouco trabalham com educação; todos se julgam no direito de opinar
sobre o trabalho docente e de, até mesmo, apresentar soluções milagrosas para os
problemas educacionais.
28
28
Segundo Nacarato, Varani e Carvalho (2001), as constantes perdas salariais dos
professores e a conseqüente ampliação da sua jornada de trabalho para sobreviver diante
das exigências atuais aumentaram as tensões na profissão e a limitação desse profissional
para a busca de um constante aperfeiçoamento.
A realidade social, nos dias de hoje, exige do professor atitudes e procedimentos com
os quais ele não está familiarizado, o que gera conflitos e tensões provocados pelo choque
entre o que o professor acredita ser importante no exercício de sua atividade e as
expectativas da sociedade e dos gestores dos sistemas educacionais com relação ao trabalho
docente.
No âmbito dessas discussões, Hargreaves (2001, p.2) afirma que os professores
estão presos em um triângulo de interesses competitivos e imperativos. Deles se exige que:
sejam contrapontos da sociedade do conhecimento e de todos os riscos de ameaça à
igualdade, à vida comunitária e à vida pública;
sejam catalisadores da sociedade do conhecimento e de toda oportunidade e
prosperidade que esta promete trazer.
Mas, ao mesmo tempo, os professores são vítimas da sociedade do conhecimento em
um mundo onde a intensificação das expectativas para a educação se defronta com soluções
estandardizadas, fornecidas a um custo mínimo.
Outra particularidade que merece destaque no universo dessas discussões é que ser
professor exige do trabalhador docente constantes tomadas de decisões pessoais e
individuais, no ambiente da escola e no universo da sala de aula; decisões que, na maioria
das vezes, são regulamentadas por normas elaboradas por outros profissionais ou por
regulamentos institucionais.
É nesse cenário que se desenvolve a luta sobre o que é profissionalismo, o que
significa ser profissional e a própria viabilidade da docência como profissão em uma era da
informação.
Quando falamos de profissionalização no universo da sala de aula, um
questionamento sobre a forma com que o professor executa o seu trabalho e desenvolve
suas estratégias se faz necessário, uma vez que os cursos de formação inicial, ao contrário
de outros cursos de graduação, não priorizam ensinamentos específicos para o exercício
dessa atividade. Percebe-se que, quanto maior o grau de escolarização, menor é a
29
qualificação pedagógica dos professores desse segmento; entretanto, exige-se desse corpo
de profissionais mais conhecimento acadêmico — domínio dos saberes científicos.
Perrenoud (apud FERREIRA, 2003, p.5) destaca que no Ensino Fundamental os
professores, em sua maioria, não ficam mais presos à aplicação de metodologias, com uso
de técnicas e truques, mas buscam a construção de processos didáticos orientados
globalmente, porém, adaptados à realidade dos alunos, ao seu nível e às condições materiais
e morais do trabalho.
Pode-se dizer que, no final do século XX, a profissão docente e o trabalho docente
ocuparam e vêm ocupando o centro das discussões protagonizadas pelos gestores
educacionais e até mesmo por organismos internacionais, a partir do instante em que estes
demonstram preocupação com a inserção do jovem de hoje na sociedade.
Pode-se dizer que o professor se encontra no olho do furacão, porque é visto como o
personagem que pode resolver todos os problemas educacionais acumulados ao longo de
décadas, num curto período de tempo.
Dentre alguns fatos que interferem no sucesso do seu trabalho, destacam-se as
mudanças que ocorrem no seu fazer docente quando os professores são pressionados a
trabalhar de uma forma que nunca lhes foi ensinada — e os problemas sociais que emergem
fora do ambiente escolar. A expectativa de sucesso do trabalho, de um “belo trabalho”,
exige do professor inovações, flexibilidade e compromisso de mudança. A pesquisadora
francesa Lanthaume (apud LÜDKE; BOING, 2007, p. 1.191) argumenta que o desejo do
professor de fazer um bom trabalho se junta à própria concepção do que seja um bom
trabalho, o que se constitui num fator de desestabilização.
Ela aponta os efeitos negativos sobre o trabalho, e mesmo a saúde dos
docentes, de fatores como a massificação da educação, a desregulação, a
redefinição de tarefas, como sintomas de uma crise no ofício, tendo como
um dos indicadores a ausência de acordo sobre a definição de um “bom
trabalho” e a fraqueza dos debates sobre estas questões. O simples
empenho individual para manter a situação estabilizada não substitui os
recursos do coletivo, de um ofício com regras e princípios unindo seus
profissionais. A autora associa o estado do ofício docente a um estado de
crise, entendida como um processo de redefinição dos pontos de
referência e de adaptação a universos sociais muito mutáveis.
Mesmo com toda essa responsabilidade atribuída à atividade docente, o professor não
tem o apoio necessário para o desenvolvimento de seu trabalho, visto que são comuns
30
30
notícias relacionadas com o corte de verbas destinadas à educação e condições precárias de
trabalho, que incluem desde a remuneração dos professores até as condições desfavoráveis
das instalações escolares.
Esse contexto define a luta sobre o que é considerado profissionalismo, o que
significa ser profissional e a própria viabilidade da docência como profissão na era da
informação.
2.2. Novas atribuições ao professor
A educação é a qualidade-chave do trabalho; os novos produtores do capitalismo
informacional são aqueles geradores do conhecimento e processadores da informação cuja
contribuição é mais valiosa para a empresa, a região e a economia nacional (CASTELLS
apud HARGREAVES, 2001, p.7).
Na sociedade que envolve economia, trabalho e informação, espera-se dos
professores uma atitude voltada para as inovações, ou melhor, espera-se que eles sejam
estimuladores de mudanças. Assim, algumas das atribuições do professor deste século são
apontadas por Hargreaves (2001):
promover uma profunda aprendizagem cognitiva;
comprometer-se com uma contínua aprendizagem profissional;
aprender a ensinar de uma forma que eles próprios não foram ensinados;
trabalhar e aprender em grupos;
desenvolver capacidade de mudança, risco e investigações;
construir organizações de aprendizagem.
Ao analisar as atribuições acima, chega-se à conclusão de que o professor está com a
incumbência de construir para si um novo perfil profissional, ou seja, em alguns momentos
será necessário um rompimento com a ideologia de profissionalismo de antes, segundo a
qual o professor dispunha de autonomia para ensinar o que queria, trilhando caminhos que
lhe eram mais familiares.
Não apenas as evoluções tecnológicas, a ameaça do desemprego, a
exacerbação do capitalismo, as exigências da globalização, mas o próprio
sentido do trabalho tem sofrido mudanças muito sensíveis, bem analisadas
por vários sociólogos. Por certo, o professor sofre as injunções desses e de
31
outros fatores em seu trabalho, mas é forçoso reconhecer que sua posição
como “profissional” continua situada em local de destaque em nossa
sociedade, pela própria função que desempenha na base estrutural dessa
sociedade. (LÜDKE; BOING, 2007, p.1.196)
Neste novo universo social uma preocupação constante dos governos, das
empresas, dos educadores, no que diz respeito à sociedade do conhecimento; assim, o papel
das escolas na preparação das crianças e dos jovens para conviverem nesta sociedade tem
sido o foco principal das discussões.
Quando se fala em aprendizagem para inserir-se neste novo contexto social, espera-se
do jovem um elevado padrão de aprendizagem cognitiva, uma vez que criatividade e
conhecimento para a resolução de problemas desconhecidos significam ruptura com a
memorização e com a reprodução mecânica do que foi memorizado.
Essa nova realidade social exige, dos professores e dos demais trabalhadores,
engajamento em ação, investigação e resolução de problemas juntamente com grupos
colegiados ou comunidades de aprendizagem profissional (McLAUGHLIN; TALBERT
apud HARGREAVES, 2001, p.9).
Envoltos nesse conjunto de atribuições e expectativas, tanto a escola quanto seus
professores estão sujeitos a um processo de mudanças contínuas, visto que nesta sociedade
do conhecimento as informações circulam rapidamente
pelo
mundo, ratificando a
impossibilidade, para a escola e para o sistema educacional, de caminhar lado a lado com
tais transformações.
Ensinar para a sociedade do conhecimento, então, envolve a preocupação com a
aprendizagem cognitiva; com o trabalho em grupo; com o auto-monitoramento profissional;
com o uso inovador de tecnologia, informação, dados; com a pesquisa; com a resolução de
problemas; implica assumir riscos, mudar e melhorar continuamente (HARGREAVES,
2001, p.9).
Numa análise social, enquanto os professores trabalham no sentido de renovar a
sociedade informacional, espera-se desses mesmos professores que diminuam as
desigualdades sociais provocadas por essa mesma sociedade, ou seja, espera-se que eles
sejam contrapontos para essa sociedade.
Hargreaves (2001, p.12) indica alguns procedimentos que considera como
contrapontos dos professores para a sociedade do conhecimento. Sugere que eles:
32
32
promovam aprendizagem e compromisso social e emocional;
comprometam-se continuamente com o desenvolvimento profissional e pessoal;
aprendam a relacionar-se diferentemente com os outros, substituindo as condições
de interação por laços e relacionamentos duradouros;
trabalhem e aprendam em grupos colaborativos;
preservem a continuidade e a confiança básica;
construam organizações de cuidado.
Entre tantas expectativas, espera-se também da educação pública a formação de
jovens conscientes do seu papel na sociedade, em que valores como caráter e o sentimento
de comunidade são elementos imprescindíveis para o fortalecimento da democracia. No
âmbito destas discussões, os professores assumem o papel de construtores da democracia
comunal que caminha junto com a sociedade do conhecimento e é também ameaçada por
ela.
Na sociedade informacional, o novo profissionalismo docente carrega consigo alguns
componentes sociais e emocionais, assim como intelectuais e cognitivos para estabelecer
laços emocionais com e entre crianças e para propor a construção de blocos de empatia,
tolerância e compromisso para com o bem público (HARGREAVES, 2001, p.12).
A diversidade cultural e social dos estudantes impõe ao professor um mandato social
e emocional para o profissionalismo, elemento fundamental para professores
comprometidos não apenas com sua aprendizagem contínua, mas também com o seu
desenvolvimento como pessoa e como profissional (HARGREAVES, 2001, p.12).
Com esse mandato, os professores constroem caráter, maturidade e outras virtudes
neles próprios e nos outros, assim como constroem conhecimento, transformam suas
escolas em comunidades morais (SERGIOVANNI apud HARGREAVES, 2001, p.13).
Pode-se afirmar que ser professor não significa apenas transmitir conteúdos, mas também
estar preocupado com a aprendizagem cognitiva, social e emocional; desenvolver-se no
campo pessoal e profissional; investir na sua aprendizagem profissional, na vida e no
trabalho em grupo.
No entanto, nas últimas décadas essa profissão vem sofrendo um acelerado processo
de precarização. Para discutir tal processo, inicialmente abordaremos as condições do
trabalho docente.
33
3. O TRABALHO DOCENTE: PARTICULARIDADES, TRANSFORMAÇÕES E
PRECARIZAÇÃO
A minha profissão não é igual nem um dia, eu
particularmente me sinto desafiado todos os dias, nem tanto
pelos alunos, mas no intuito de buscar uma Matemática mais
agradável ao jovem.
(Professor Ariovaldo)
3.1. Introdução
O objetivo deste capítulo é discutir o trabalho docente, tomando como eixo de
discussão o confronto de análises entre o trabalho industrial e o trabalho exercido sobre
seres humanos e para seres humanos.
Nessa perspectiva é importante ressaltar as transformações ocorridas nos últimos
anos, no que diz respeito ao status das atividades trabalhistas, que passaram de um foco
totalmente voltado para a produção de bens materiais que durante muito tempo
formaram a base das sociedades industriais para um olhar mais atento ao ser humano
como um todo.
3.2. Particularidades do trabalho docente
Antes de iniciar esta discussão, é importante destacar o que é o trabalho docente, sua
função no contexto social, seus objetivos e as mudanças sofridas ao longo dos anos.
Pode-se afirmar que há cerca de quatro séculos essa atividade tem tido como objetivo
principal a instrução e a transmissão de cultura e valores a todas as gerações da sociedade, a
qual se encontra em processo de mudança (TARDIF, 2005, p.7).
Para falar em atividade no âmbito das discussões sobre trabalho docente, o
significado da palavra “atividade” precisa ser discutido, para uma melhor compreensão da
sua complexidade.
Para Serrão (2006, p.88), “atividade é um conjunto de atos singulares articulados
entre si, constituindo um todo, se realiza em decorrência de um processo desencadeado de
34
34
objetivação de um produto, resultando na transformação do objeto, matéria prima,
originalmente tomado por tais atos”.
No âmbito das atividades humanas, no qual está incluída a atividade docente, uma
particularidade importante: a intencionalidade quanto ao objeto do trabalho. No caso
específico da atividade docente, a intencionalidade é mudar, modificar o comportamento, o
pensamento, melhorar a performance do objeto de trabalho que, neste caso, é um ser
semelhante ao trabalhador, que tem a possibilidade de interagir com esse trabalhador e, até
mesmo, de interferir nos resultados finais.
Quanto às intencionalidades, é possível identificar quando o ato dirigido a um objeto
tem o objetivo claro de transformá-lo. Tais intencionalidades partem de um resultado ideal
ou de uma finalidade e terminam com um resultado ou produto efetivo, real (SANCHEZ
VASQUES apud SERRÃO, 2006, p.88).
Num confronto de análises em que se discutem as diferenças entre o trabalho
industrial e o trabalho docente, é importante frisar que o trabalho sobre material inerte,
durante muitos anos, foi o parâmetro norteador de todas as discussões que tinham como
foco o trabalho. Esses fatos são perfeitamente compreensíveis, que durante anos essa
atividade foi a base das sociedades industriais. Entretanto, se percebem mudanças nesse
quadro de análises, principalmente no que diz respeito ao trabalhador e a sua função nesta
nova realidade social. Essas análises podem ser ampliadas, quando se discute o resultado
final desse trabalho e para quem ele é destinado.
As mudanças ocorridas na atual sociedade a sociedade do conhecimento
colocaram em discussão a importância do trabalho industrial. Um novo olhar está sendo
lançado sobre as atividades industriais e sobre as mudanças que nelas estão acontecendo. A
economia deste século exige um trabalhador com idéias e atitudes autônomas, que seja
capaz de articular e encontrar soluções próprias para situações surgidas no seu cotidiano de
trabalho.
Estamos imersos na sociedade do conhecimento e na era da informação e, por essa
razão, é necessário que o perfil social desse trabalhador e também consumidor se
adapte a esta nova realidade social. É neste contexto que o trabalho docente se faz
necessário.
35
Ao longo dos anos, as discussões sobre trabalho estiveram focadas no trabalho
industrial, devido ao momento econômico vivido pela sociedade; em conseqüência deste
fato, o trabalho docente sempre foi visto como uma atividade secundária ou periférica em
relação ao trabalho material e produtivo. A docência e seus agentes ficaram subordinados à
esfera da produção, porque, no momento da criação da escola moderna, sua missão
principal era preparar os filhos dos trabalhadores para o mercado de trabalho.
Para Tardif e Lessard (2005, p.17), longe de ser uma ocupação secundária ou
periférica em relação à hegemonia do trabalho material, o trabalho docente constitui uma
das chaves para a compreensão das transformações atuais das sociedades do trabalho e do
momento vivido por estas.
3.3. Ensinar: a atividade principal do trabalho docente
Quando se fala em escola, professor, trabalho docente, está implícita a idéia de
ensino. O aluno está na escola com uma única finalidade: aprender; e esse momento escolar
do aluno, aos olhos da sociedade, significa uma preparação para situações de desafio que
surgirão ao longo de sua vida. É preciso destacar que, para que haja ensino, é necessário
que ocorra aprendizagem; o binômio ensino-aprendizagem é indissociável de fatores
externos que atuam no ambiente escolar onde este fenômeno ocorre ou, pelo menos,
deveria ocorrer.
Para falar em ensino, é necessário que a aprendizagem seja um fato consumado, e é
nesse campo de complexidades que o trabalho docente é analisado e discutido.
Ao definir trabalho, é muito comum encontrarmos afirmações do tipo: trabalhar é
utilizar meios para se atingir um fim. Amigues (2004, p.37), discutindo o trabalho docente
sob este olhar, afirma que os meios utilizados pelo professor, no exercício do seu trabalho,
são os programas, as metodologias de trabalho, a metodologia didática, que possibilitam ao
aluno o aprendizado: ler, escrever, resolver determinados tipos de situação problema, entre
outros.
Entretanto, a discussão sobre o trabalho do professor, sob este aspecto, causa um
distanciamento acentuado do que realmente acontece no exercício dessa atividade.
Analisando de forma mais criteriosa o trabalho do professor, é possível perceber que sua
36
36
tarefa não é direcionada apenas aos alunos, mas também à escola onde é exercida, aos
familiares e também a outros profissionais. O trabalho do professor é a atividade central da
escola, visto que cada instituição de ensino possui uma identidade com seu trabalho e com a
comunidade para a qual trabalha. Outro fator diretamente ligado à atividade docente é a
possibilidade de construir a sua historiografia, em virtude de esta atividade encontrar-se
sempre ligada ao momento histórico do qual ela faz parte.
No trabalho docente, o que fazer e a forma como fazer são de fundamental
importância; entretanto, percebe-se, em alguns momentos, uma falta de clareza quanto aos
objetivos a serem alcançados. Para Amigues (2004, p.42):
O trabalho do professor inscreve-se em uma organização com prescrições
vagas, que levam os professores a redefinir para si mesmos as tarefas que
lhes são prescritas, de modo a definir as tarefas que eles vão, por sua vez,
prescrever aos alunos. Assim a relação entre a prescrição inicial e sua
realização junto aos alunos não é direta, mas mediada por um trabalho de
concepção e de organização de um meio que geralmente apresenta formas
coletivas.
Em virtude de a matéria-prima não ser inerte, as dificuldades desse trabalho são mais
complexas. Analisando sob a forma de atividades prescritas, para que estas se desenvolvam
é necessário que os alunos se mobilizem e construam relações com outros alunos, com o
professor, com os mecanismos de como fazer e o que fazer, não deixando de destacar a
própria história da classe, no universo da escola. Assim, o grande desafio do professor é
conseguir uma estrutura única, formada pelos alunos e pelo meio onde as atividades se
desenvolvem, o que se constituirá, então, num ambiente de trabalho. Vale lembrar que nada
acontecerá, se não houver uma predisposição por parte dos alunos em engajar-se na ação
ou, como diz Charlot (2005), uma mobilização frente ao saber objeto de trabalho do
professor.
No interior da sala de aula, o professor é gestor do seu trabalho, na busca de seus
objetivos; ele tem a incumbência de organizar e regular a tarefa dos alunos, prever soluções
para situações futuras, que surgirão em conseqüência da ação conjunta desenvolvida por ele
e pelos alunos.
Numa análise mais detalhada, percebe-se claramente que o trabalho docente está
vinculado a procedimentos ou legislações estabelecidos por outros, oriundos de uma
hierarquia de âmbito nacional, estadual ou municipal, como, por exemplo, a Lei de
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Diretrizes Básicas e os Parâmetros Curriculares Nacionais neste caso, ambos de âmbito
nacional.
Desde a sua gênese até os dias atuais, a profissão docente não conseguiu estabelecer
para si uma autonomia no que diz respeito ao que deve ser trabalhado e como deve ser
trabalhado; as diretrizes do trabalho docente sempre foram determinadas por órgãos
externos ao mundo da escola.
A própria estrutura da escola, construída ao longo dos anos, continua a mesma de
séculos atrás e é facilmente reconhecida pela disposição das carteiras dos alunos e pela
posição do professor na sala de aula. São traços marcantes que ainda não foram
modificados.
Analisando o fazer docente do professor, chama atenção a temporalidade da ação
docente e o meio do trabalho; as atribuições impessoais a que estão submetidos os
professores são por estes assimiladas e transmitidas aos alunos, não sem antes passar por
uma análise desse profissional, o que faz com que, ao chegarem ao aluno, essas mesmas
atribuições carreguem consigo um pouco da crença do professor no que diz respeito ao seu
trabalho. Entretanto, é senso comum a idéia de que a tarefa prescrita aos alunos desencadeia
instantaneamente o engajamento de cada um deles na tarefa. Esse pensamento não leva em
conta que, mesmo que a tarefa seja realizada individualmente, é necessário um tempo
mínimo para surgir uma definição do que será realizado e da maneira como será realizado.
Para Souza-e-Silva (2004, p.92), no universo de interações entre professor-aluno, o
diálogo estabelecido entre o professor e a classe está vinculado ao trabalho que deverá ser
feito. Todo esse processo de implantação do fazer docente no início de uma nova tarefa
proporciona uma atividade coletiva entre professor e alunos, cujo objetivo é a normatização
do processo de realização.
Cada escola apresenta suas características próprias, visto que a comunidade escolar é
heterogênea, o que implica um tempo diferente de cada uma para a implantação do fazer
docente.
A atividade docente que se desenvolve em sala de aula está intimamente ligada ao
que já foi realizado e ao que será realizado; entretanto, é o desenvolvimento dessa atividade
ao longo do tempo que dá significado ao trabalho, garantindo ao professor condições
mínimas para enfrentar riscos eventuais e imprevistos.
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38
Não obstante, em todo esse cenário de análises e discussões, é importante destacar
que, para o professor de Ensino Fundamental, o ato de instruir objetivo central de sua
atividade — é imposto a alunos que não escolheram estar numa sala de aula, uma vez que a
instrução dos 6 aos 14 anos é obrigatória por lei.
Comparando a atividade docente com outras profissões, uma diferença muito grande
que não pode ser esquecida é a responsabilidade quanto ao sucesso ou insucesso do
trabalho. Em outras profissões, o profissional é isento de responsabilidade, caso o cliente se
recuse a seguir as instruções preestabelecidas; nos dias atuais, ao professor é atribuída toda
a responsabilidade pelo fracasso dos alunos, independentemente de o “cliente” neste
caso, o aluno— ter contribuído ou não para o sucesso da atividade.
Em outras épocas, o insucesso na aprendizagem era visto como marca de qualidade
de um sistema, de uma escola, de um professor: era a cultura da reprovação, em que toda
responsabilidade pelo fracasso era atribuída ao aluno, que não tinha capacidade, interesse
ou motivação para aprender.
Com o passar dos anos, esse insucesso deixou de ser responsabilidade do aluno e
passou a ser atribuído a toda a comunidade escolar; passou a significar que a comunidade
escolar não sabe motivar e ensinar e mostra-se inoperante no combate à evasão escolar.
Assim, no quadro de responsabilidades do professor para com o seu aluno, pode-se
acrescentar a responsabilidade de motivar e evitar a evasão.
Tais características do trabalho docente têm colocado no centro de discussões mais
recentes o próprio status da profissão docente. Esta começa a ser questionada por diferentes
teóricos, em diferentes campos de investigação.
Nos dias atuais, o desprestígio do professor é percebido tanto pela comunidade
escolar como também pela própria sociedade: notícias responsabilizando o professor pelo
insucesso dos alunos nos exames oficiais tornaram-se rotina na imprensa. Isso fortalece
cada vez mais a descrença no trabalho do professor, fenômeno que, como apontamos
aqui, teve o seu início na década de 1970.
No contexto das discussões sobre os processos de profissionalização, entendemos
ser necessária uma análise sobre os conceitos de profissão, sobre o que é ser profissional e
sobre o processo de constituição de uma classe profissional.
39
3.4. A profissão docente no atual contexto e a precarização do trabalho
docente
É possível falar em profissão docente no atual contexto?
Este questionamento é pertinente a partir do momento em que encontramos
dificuldades para conceituar o que é uma profissão. Soares (2007, p. 73) apresenta para a
palavra “profissão” algumas acepções que constam do Dicionário Aurélio: “atividade ou
ocupação especializada, e que supõe determinado preparo; atividade ou ocupação
especializada que encerra certo prestígio pelo caráter social ou intelectual, ou ainda [...]
meio de subsistência remunerado resultante do exercício de um trabalho, de um ofício”.
Ainda no âmbito das discussões relativas à atividade docente, destacaremos mais
alguns traços que serviram para delimitar o conceito de profissão. Como diz Sacristan
(apud SOARES, 2007, p.73), “Os profissionais definem-se por suas práticas e por certo
monopólio das regras e conhecimentos da atividade que realizam”.
A capacidade de auto-regulação coletiva estreitamente associada à condição
anterior e certa capacidade de regular o mercado de prestação de serviços profissionais,
sobretudo pelo lado da oferta, oferece algum tipo de “proteção” aos membros de uma
comunidade (COELHO apud SOARES, 2007, p.73).
Lüdke e Boing (2004) destacam não ser tarefa fácil conceituar “profissão”. Em vista
disso, muitos autores optam por trazer características de uma profissão. Por exemplo,
Cogan & Barber (apud LÜDKE; BOING, 2004, p. 1.161), apontam quatro critérios para
caracterizar profissão:
a) uma profunda base de conhecimentos gerais e sistematizados; b) o
interesse geral acima dos próprios interesses; c) um código de ética
controlando a profissão pelos próprios pares; e d) horários como
contraprestação de um serviço e não a manifestação de um interesse
pecuniário.
No entanto, como destacam os autores, apoiando-se em Bourdoncle (1991), parece
haver consenso em um critério comum, qual seja a especialização do saber. E é justamente
essa especialização que vem sendo colocada em discussão quando — como destacado
anteriormente — se propõe que qualquer profissional possa ser professor.
40
40
Para Peixoto (apud SOARES, 2007, p.73), o conceito de profissão pressupõe, além de
um corpo de conhecimentos, um conjunto de normas que o sustentam. Se, na gênese da
profissão docente, como destacado por Nóvoa — na discussão do capítulo 1 —, os docentes
passaram a contar com um digo de normas, apesar de este ser imposto externamente aos
professores, que questionar qual é esse código nos dias atuais. Tal questionamento é
decorrente da crescente desvalorização e proletarização do trabalho docente.
Pode-se dizer que tal desvalorização é conseqüência, principalmente, da expansão do
ensino, sem que investimentos substantivos fossem feitos na educação.
A expansão da educação, sob a tutela do Estado, exigiria dele
investimentos num projeto político-pedagógico, com a definição de
objetivos e finalidades do ensino, além de investimentos financeiros. O
que ocorreu foi o início de um modelo técnico-burocrático de organização
escolar (HYPOLITO, 1991), acompanhado de limitados recursos; ou seja,
o aumento de verbas para a educação não tem sido proporcional à sua
expansão, acarretando perda na qualidade de ensino. (NACARATO;
VARANI; CARVALHO, 2001, p. 78)
A perda dessa qualidade vem gerando, de um lado, tensão nos professores que
buscam realizar um bom trabalho; de outro, tem levado o professor a ser visto pela
sociedade como o responsável por tal perda.
Lüdke e Boing (2004) acrescentam que a precarização do trabalho docente é visível
no atual contexto e destacam alguns elementos, como: “perda de prestígio, de poder
aquisitivo, de condições de vida e, sobretudo, de respeito e satisfação no exercício do
magistério hoje” (p.1.160). Esses autores colocam uma questão que é central a nossa
discussão: “De que profissão estamos falando, quando tratamos do magistério?”.
Se, para ser profissional, exige-se um corpo de saberes, em que instância esse corpo é
construído? Nesse sentido, não como desconsiderar os processos de formação inicial.
Assim, um dos aspectos a ser considerado na análise, segundo Lüdke e Boing (2004), diz
respeito aos locais em que essa formação ocorre. Ou seja, ela pode ocorrer em diferentes
tipos de instituição superior e até mesmo em níveis diferentes ainda existem no país
instituições de nível médio que formam docentes para atuar na Educação Infantil e nas
séries iniciais do Ensino Fundamental. Para esses autores, essa é uma realidade que
dificulta a própria compreensão do magistério como profissão.
41
Acrescente-se a isso o fato de profissionais de outras áreas também serem
profissionais da educação ou poderem exercer o magistério. Em conseqüência da forte
explosão escolar dos últimos anos, tornou-se uma prática comum por parte das secretarias
de educação a contratação temporária de professores para atender a demanda. São
contratações de forma precária de professores substitutos ou eventuais e, em alguns casos,
podem-se encontrar professores lecionando disciplinas para as quais não estão habilitados.
Chama-nos a atenção o fato de algumas secretarias de educação reconhecerem que os
cursos de complementação pedagógica
6
são suficientes para tornar professor um indivíduo
graduado, cujo curso de Graduação em nenhum momento esteve voltado para a educação.
Isto provoca uma banalização dos cursos de Licenciatura.
A despreocupação com que qualquer pessoa, no Brasil, se arroga o título
de professor e mais o fato de nossos costumes e nossas leis o tolerarem
demonstram que, na própria consciência pública, não diferenças para
os que tinham passado por um instituto de preparação para o magistério.
Compreende-se, assim, que se pode chamar de “professor” qualquer um,
que saiba ou presuma saber, e não somente “ao que saiba ou deva saber
ensinar”. (CAMPOS, 2002, p.22)
Se, por um lado, essa descaracterização do trabalho docente e dos saberes que lhe
são próprios vem se acentuando, por outro, do professor cada vez se tem exigido mais,
atribuindo-lhe funções que outrora não faziam parte de suas atividades. Estas funções têm
sido impostas e, ao mesmo tempo, controladas pelo Estado, o que gera a insatisfação do
professor pela não obtenção do resultado de seu trabalho a aprendizagem dos alunos —,
mas gera também a incompreensão da sociedade para com o papel da escola e de seus
professores.
A própria sociedade mostra-se incapaz de se esclarecer sobre o que se
espera da escola e as contradições de suas expectativas facilitam o
desperdício que as dimensões do insucesso escolar atestam. Investe-se
socialmente na escola e proclama-se que deve promover a democratização
e a igualdade, mas exige-se-lhe que selecione em função de critérios de
excelência cristalizados e etnocêntricos (HÚSEN, 1986). Definem-se
finalidades em política educativa que manifestam uma aparente visão
holística, global e integrada dos problemas, mas regula-se e decide-se
compartimentando, desagregando, gerando conflitos e entropias.
6
Cursos que oferecem uma carga de disciplinas ditas pedagógicas e que possibilitam a qualquer portador de
diploma de Ensino Superior adquirir o título de professor, desde que essa formação inicial seja afim àquela na
qual pretende atuar como professor.
42
42
Proclama-se uma escola humanista, capaz de satisfazer as aspirações
individuais e de facilitar a auto-realização, mas o sistema opera, antes de
tudo, de forma a procurar satisfazer as necessidades económico-sociais de
formação e encaminhamento profissional e social. (CAVACO apud
NACARATO; VARANI; CARVALHO, 2001, p. 96)
Lüdke e Boing (2004), fazendo um paralelo com a realidade francesa
7
mesmo
porque o modelo brasileiro, até décadas recentes inspirava-se no modelo francês —,
analisam o movimento de desprofissionalização vivido pelos professores brasileiros.
Destacam quatro fatores: 1) a divisão do corpo docente em diferentes níveis dentro do
sistema educacional; 2) a decadência do salário; 3) o processo de socialização profissional;
e 4) as mudanças na configuração do trabalho no contexto contemporâneo.
No que diz respeito à divisão do corpo docente no interior do sistema educacional,
a constituição de três grupos de professores: professores polivalentes, professores
especialistas e professores do Ensino Superior. Os professores polivalentes são, em sua
maioria, do sexo feminino, com formação de Ensino Médio e/ou superior, em Curso
Normal ou de Pedagogia, e atuam na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino
Fundamental. Os professores especialistas possuem uma formação específica em cursos de
Licenciatura ou equivalente (no caso da complementação pedagógica) e geralmente atuam
nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Constata-se que a maioria dos
professores do sexo masculino, em número bastante reduzido, exerce suas atividades no
Ensino Médio. Os professores do Ensino Superior, via de regra, devem possuir alguma
qualificação em nível de s-graduação (lato ou stricto sensu), embora muitas instituições
privadas de Ensino Superior contratem professores apenas graduados, até mesmo para
poder assumir compromissos salariais mais reduzidos.
Esses diferentes “grupos” de professores mantêm status e salários diferenciados. No
caso dos professores que atuam na escola básica, apesar de a Lei 5.692/71, determinar oito
anos de escolarização formando um ciclo – antigo 1º grau –, observa-se que, na maioria das
escolas, convivem dois grupos distintos: o dos professores polivalentes e o dos
especialistas. Tal separação fica mais evidente no Estado de São Paulo, em que as escolas
públicas foram reorganizadas em escolas de Ensino Fundamental e escolas de Ensino
Médio. Isso acabou por dividir, ainda mais, os professores que atuam na escola básica.
7
A partir dos trabalhos de Viviane Isambert-Jamati e Lucie Tanguy (apud LÜDKE; BOING, 2004).
43
Além disso, com a municipalização do ensino em muitas cidades, o município é
responsável pelo Fundamental I (séries/anos iniciais) e o Estado pelo Fundamental II
(séries/anos finais), separando o corpo docente em estatutos diferentes e salários
diferenciados principalmente pelo fato de haver, numa mesma escola que foi
municipalizada, professores concursados pelo município e professores concursados pelo
Estado.
ainda um outro fator que contribui para a divisão desses grupos: “a separação
pelas diferentes disciplinas, que por vezes determinam traços nítidos de conotação
profissional, mais que a simples integração funcional a um grau de ensino.” (LÜDKE;
BOING, 2004, pp. 1.164-65). É visível no sistema educacional brasileiro a divisão entre,
por exemplo, professores da área de Ciências Exatas onde se concentra o maior número
de professores do sexo masculino e professores de áreas como Arte, Letras, dentre
outras. Também disciplinas como Matemática são bastante valorizadas, em geral por exigir
um raciocínio diferenciado em relação às demais no contexto escolar.
Outro aspecto considerado por Lüdke e Boing envolve todos os grupos de docentes: a
decadência do salário atinge a “dignidade e o respeito de uma categoria profissional”
(LÜDKE; BOING, 2004, p. 1.165). Apoiando-se nos estudos de Melchior, os autores
apontam o que é considerado investimento na educação, ou seja:
As despesas de capital, em educação, Melchior afirma, representam sua
parte mensurável, entram na contabilidade social, são consideradas um
“investimento” e associam-se à parte material do empreendimento
educacional, tais como prédios e equipamentos, ao passo que as despesas
com os professores são consideradas de consumo.
O estudo da desprofissionalização dos docentes brasileiros empreendido por Lüdke e
Boeing abrange também a socialização profissional, para cuja análise Claude Dubar
contribui. O conceito de socialização, segundo ele, não está dissociado da idéia de
identidade entendida esta como o que é mais valioso para uma pessoa: “a perda da
identidade é sinônimo de alienação, sofrimento, angústia e morte.” (DUBAR, 2005, p. 25).
Para ele, a identidade é construída por sucessivas socializações
8
, num movimento entre o
8
Não é nosso objetivo, neste trabalho, estendermo-nos nesta discussão. A obra de Dubar traz um amplo
debate sobre esse processo, sob diferentes perspectivas teóricas.
44
44
pessoal e subjetivo e o social. Para ele, a “socialização inicial” ocorre durante a infância,
com a apropriação de valores, regras e signos
oriundos da família de origem e também do universo escolar e dos grupos
etários nos quais as crianças realizam suas primeiras experiências de
cooperação. [...] Essa socialização também contribui para fornecer as
referências culturais a partir das quais os indivíduos terão de identificar
seus grupos de pertencimento e de referência, interiorizar seus traços
culturais gerais, especializados, opcionais e individuais [...] antecipar suas
socializações posteriores. (DUBAR, 2005, p. 329)
Mas, segundo ele, dentre as múltiplas dimensões que a identidade assume, a
profissional merece destaque.
Por se tornar um bem raro, o emprego condiciona a construção das
identidades sociais; por passar por mudanças impressionantes, o trabalho
obriga a transformações identitárias delicadas; por acompanhar cada vez
mais todas as modificações do trabalho e do emprego, a formação
intervém nas dinâmicas identitárias por muito tempo além do período
escolar. (Ibidem, p. XXVI, grifos do autor)
O autor aponta momentos distintos das configurações identitárias momentos esses
que não aparecem necessariamente em todas as carreiras profissionais. São eles:
Momentos da construção da identidade correspondendo tradicionalmente
à formação profissional [...], momento da consolidação da identidade
ligado à inserção e à aquisição progressiva da qualificação nos planos de
carreira profissionais [...] momento do reconhecimento da identidade,
pautado pelo acesso à responsabilidade nas camadas empresariais [...],
momento de envelhecimento da identidade e da passagem progressiva à
aposentadoria. (DUBAR, 2005, p. 327, grifos do autor).
E no caso da profissão docente? Em que momentos essas configurações identitárias
podem ocorrer? Como nos dizem Lüdke e Boing (2004, p. 1.168):
Dentro do magistério a questão da identidade sempre sofreu as injunções
decorrentes de uma certa fragilidade, própria de um grupo cuja função não
parece tão específica aos olhos da sociedade, especialmente no caso dos
professores do ensino elementar, a ponto de levar certos adultos a
pensarem que qualquer um deles pode exercê-la.
Se, como destacado anteriormente, uma profissão caracteriza-se por uma
especialização do saber, qual é essa especialização? Entendemos que o processo de
formação é a etapa onde se desenvolve o repertório de saberes necessários ao exercício da
45
profissão docente e é também onde se constrói a identidade profissional o que não é
proporcionado, evidentemente, para aquele que não tem uma formação especializada para
ser professor.
Sem dúvida, esses elementos contribuem para a não configuração identitária dos
professores, fragilizam a consolidação e o reconhecimento dessa identidade. Mas há, ainda,
outros fatores que contribuem para essa fragilidade:
A entrada e saída da profissão, sem o controle dos seus próprios pares; a
falta de um código de ética próprio; a falta de organizações profissionais
fortes, inclusive sindicatos [...] e também, sem querer esgotar a lista, a
constatação de que a identidade “categorial” dos professores foi sempre
bem mais atenuada, isto é, nunca chegou a ser uma “categoria”
comparável à de outros grupos ocupacionais. (Ibidem, p. 1.169)
Quando não esse momento de socialização profissional, o professor entra num
processo de crise de identidade. Para Dubar (2005, p. 330), essas “crises de identidade” têm
acometido os diferentes trabalhadores: “cada identidade assume hoje a forma de um misto,
em cujo cerne as antigas identidades vão de encontro às novas exigências de produção e em
que as antigas lógicas que perduram entram em combinação e às vezes em conflito com as
novas tentativas de racionalização econômica e social”. Dessa forma, as identidades sociais
e profissionais vão se constituindo num movimento de permanência e de evolução,
constituem “formas sociais de construção de individualidades, a cada geração, em cada
sociedade.” (Ibidem, p. 330).
Finalmente, na análise de Lüdke e Boing sobre os fatores que contribuem para a
desprofissionalização docente estão as mudanças na configuração do trabalho no contexto
contemporâneo, que atingem todas as categorias profissionais e das quais os professores
também não se isentam. O trabalho passa a ser uma “relação de serviço, em todos os
setores, nas grandes, médias e pequenas empresas e anas funções públicas” (LÜDKE;
BOING, 2004, p. 1.167). Entram em cena conceitos como competência, relação com o
cliente, qualidade total. Essa nova configuração do trabalho, segundo Dubar (apud
LÜDKE; BOING, 2004, p. 1.167), “se desmorona para o trabalhador, uma maneira de
praticar seu ofício e definir e estruturar sua vida a partir dele, de seus valores e maneiras de
ser e fazer, construídos coletivamente e passados, muitas vezes de pai para filho” e opera
transformações que acarretam as crises de identidades profissionais.
46
46
O espaço de trabalho do professor propicia reflexões que permitem um olhar mais
crítico sobre a organização das tarefas no espaço escolar e sobre sua influência na
desprofissionalização docente. Nesse universo, os professores vêm sofrendo, como outros
grupos profissionais, fortes impactos oriundos dessas transformações ocorridas no mercado.
Acrescente-se, a essa crise de identidade profissional dos professores, sua falta de
autonomia para o exercício de sua atividade docente. Perrenoud (apud BOING, 2002, p.7)
afirma que, nos países anglo-saxões, o ofício de professor é descrito como semiprofissão
devido à excessiva dependência dos professores aos programas e textos, assumindo
pessoalmente poucos riscos. Ou, como dizem Lüdke e Boing (2004, p. 1174), “esta falta de
autonomia do professorado coloca em dúvida a existência de uma ‘profissão’ docente.
Quando muito, podemos falar de um processo de profissionalização”. Essa
profissionalização, segundo os autores, tem sentido se considerado o estabelecimento de
ensino no qual o professor atua – onde ocorre a socialização profissional. Assim,
a escola é praticamente o único espaço onde o professor é considerado
profissional ou onde dele se exige, pelo menos, um comportamento
profissional (BOING, 2002). Fora do estabelecimento de ensino, qualquer
outro profissional pode exercer a docência, como no caso das aulas
particulares. (LÜDKE; BOING, 2004, p. 1174)
Segundo Canavarro (1993 apud PONTE, 1995 p,197), a forma como se vive uma
profissão está estreitamente ligada à noção que se tem de identidade profissional; é um
aspecto decisivo que condiciona muito o que o professor faz ou está receptivo a fazer num
futuro próximo.
3.5. Alguns alinhavos das discussões teóricas
Podemos dizer que a profissão docente convive e sempre conviveu com crises de
identidade. A discussão da constituição dessa profissão, realizada no capítulo 1, a partir dos
estudos de António Nóvoa, evidenciou que esse processo ocorreu atendendo a interesses
econômicos. Para os professores, assumir o status de funcionário público ou funcionário do
Estado, saindo da tutela da Igreja, representou a possibilidade da profissionalização. No
entanto, a não elaboração de um código de normas, pelos próprios professores, impediu que
se assumissem como profissionais autônomos. Estes sempre estiveram submetidos às
47
normas e legislações elaboradas fora do contexto das escolas e sem a participação dos
docentes.
No caso dos professores de Matemática, mesmo a criação de cursos de Licenciatura
não foi suficiente para a definição de um corpo de saberes para o exercício da profissão
docente. A constante tensão entre o bacharelado e a Licenciatura nas instituições públicas
não tem possibilitado um consenso sobre o modelo de formação de professores de
Matemática e a definição de um corpo específico de saberes.
As instituições privadas atualmente responsáveis pela formação do maior número
de professores de Matemática, principalmente nas regiões Sul e Sudeste , em sua
maioria, não contam com a pesquisa na formação do professor, além de dispor de um corpo
docente nem sempre qualificado e com condições de trabalho docente bastante precárias,
no que diz respeito tanto à carga horária de trabalho, quanto às condições salariais. Assim,
não se tem constatado, por parte dessas instituições, a formação qualificada de professores
para atuarem na educação básica e o perfil exigido para a atual sociedade do
conhecimento
9
.
A essas lacunas e deficiências na formação inicial acrescentam-se, ainda, as
peculiaridades e as complexidades atuais do trabalho docente discutidas: exige-se um
super-professor, capaz de minimizar os efeitos perversos do capitalismo e das políticas
neoliberais, mas, ao mesmo tempo, a esse professor não são dadas as condições mínimas de
trabalho — salários decentes; carga horária numa única escola; tempo para realizar as
tarefas extra-escolares inerentes à profissão, como preparar aula, corrigir provas, preencher
documentos burocráticos, atender alunos e pais, dentre outros. Além disso, muitos
professores com formação específica em Matemática precisam conviver com professores
que não tiveram essa modalidade de formação, mas usufruem os mesmos direitos no
estatuto docente.
Não como ignorar que os professores de Matemática, assim como os das demais
disciplinas ou níveis de ensino, encontram-se em crise de identidade como resultado da
própria constituição profissional; das mudanças no mundo do trabalho; das interferências
das agências econômicas; do controle do trabalho do professor, principalmente pelas
9
O texto de Nacarato (2006) traz dados sobre essa realidade da formação do professor de Matemática no atual
contexto.
48
48
avaliações externas e pelas políticas públicas educacionais. Estas continuam não permitindo
a autonomia profissional e mantendo o exercício da atividade docente em condições de
submissão a normas estabelecidas de fora da escola, sem a participação dos seus atores.
Assim, os professores vivem em constante tensão entre o que idealizam e o que é possível
realizar; convivem com as desigualdades de status e de salários dentro de uma mesma
escola; vêm assumindo cada vez mais tarefas, para as quais não foram preparados.
Enfrentam, enfim, um processo de desprofissionalização. No entanto, até que ponto os
professores têm consciência disso?
Esses pressupostos teóricos nortearam a nossa pesquisa de campo.
49
4. PERCURSO METODOLÓGICO
Daquilo que eu sei
Nem tudo me deu clareza
Nem tudo foi permitido
Nem tudo me deu certeza...
(Ivan Lins)
Neste capítulo apresentamos o caminho metodológico da pesquisa: caracterização
da pesquisa, os professores depoentes, os procedimentos de documentação da pesquisa e o
processo de análise.
4.1. Foco e abordagem da pesquisa
O foco central de nossa pesquisa é a desprofissionalização docente. Partimos da
hipótese de que a precarização pela qual vem passando o trabalho do professor vem
desencadeando um processo de desprofissionalização. Nosso interesse em investigar esse
fenômeno levou-nos a optar pelo estudo de caso de abordagem qualitativa.
O estudo de caso, segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 89), “consiste na observação
detalhada de um contexto, ou indivíduo, de uma única fonte de documentos ou de um
acontecimento específico”. Ele possibilita que se investigue com maior profundidade um
determinado fenômeno. Como nos dizem Fiorentini e Lorenzato (2006, p. 110), “o estudo
de caso busca retratar a realidade de forma profunda e mais completa possível, enfatizando
a interpretação ou a análise do objeto, no contexto em que ele se encontra, mas não permite
a manipulação de variáveis e não favorece a generalização”. Ainda, segundo os autores, o
estudo de caso pode assumir uma perspectiva mais analítico-descritiva ou mais
interpretativa.
No caso da presente pesquisa, a análise do estudo de caso será na perspectiva
interpretativa. Os sujeitos, por nós denominados “professores depoentes”, são quatro
professores de Matemática das cidades de Itatiba e Jundiaí, Estado de São Paulo, com
diferentes tempos de magistério.
50
50
4.2. Questões e objetivos da pesquisa
Esta pesquisa norteia-se pela seguinte questão de investigação: “Como os professores
de Matemática com diferentes tempos de experiência narram e percebem seu processo de
desprofissionalização e como analisam as condições de trabalho docente?”.
Para responder a essa questão, propomos como objetivos:
1. Conhecer o modo de constituição profissional de quatro professores de Matemática
com diferentes tempos de magistério.
2. Analisar como esses professores narram e percebem as mudanças nas condições de
trabalho docente.
3. Analisar, a partir de suas narrativas, como têm enfrentado as condições de trabalho
docente.
4.3. Os professores depoentes desta pesquisa
Quatro são os depoentes desta pesquisa, todos eles professores de Matemática,
escolhidos segundo estes critérios:
- trabalhar na rede particular e/ou na rede pública;
- atuar na educação básica;
- possuir diferentes tempos de profissão.
A escolha desses critérios foi decorrente de nossa hipótese de que o trabalho docente
vem sofrendo uma gradativa precarização, a qual é percebida pelos docentes em exercício.
Definidos os critérios, o passo seguinte consistiu em encontrar esses professores. Foi
um período de conversas com colegas, de contatos e de aproximações com professores nos
locais de trabalho do pesquisador. Não foi tarefa fácil. Houve professor que se dispôs a
participar, mas todas as tentativas de conciliar horário para a entrevista fracassaram; foram
muitos horários combinados e desmarcados na última hora. Após algumas insistências,
conseguimos selecionar quatro professores, com as seguintes características:
- Prof. Ariovaldo: professor de Matemática na cidade de Jundiaí/SP, com 40 anos de
experiência, aposentado da rede pública, mas ainda atuante na rede privada.
- Profª. Maria do Carmo: professora aposentada pela rede pública, na cidade de
Jundiaí, mas atuando como professora eventual.
51
- Profª. Ana Cláudia: professora de Matemática na rede estadual da cidade de
Itatiba/SP, com dez anos de experiência.
- Profª. Daniela: professora de Matemática, recém-formada, iniciando a carreira
docente como professora substituta na rede estadual de Itatiba/SP e Jarinu/SP.
Uma melhor caracterização desses professores será apresentada no próximo capítulo.
4.4. Procedimentos de produção de dados
Optamos por realizar entrevistas com esses quatro professores de Matemática, de
forma que eles pudessem narrar suas trajetórias profissionais. Para isso, elaboramos um
roteiro inicial para a entrevista, de forma a contemplar alguns aspectos que julgamos
essenciais para o nosso trabalho: forma de ingresso na carreira docente; escolas em que
atuou; condições de trabalho docente ao longo dessa trajetória; elementos que contribuíram
para a sua constituição profissional; dificuldades, dilemas encontrados e desafios
enfrentados na profissão.
Pelo fato de tomarmos como objeto de análise as trajetórias profissionais desses
professores, julgamos necessário aproximarmo-nos da metodologia de produção de dados
da história oral. Assim, nesse caminhar metodológico apoiamo-nos nos trabalhos de
Thompson (1992), Guérios (2002) e Garnica (2004).
Um primeiro elemento a considerar diz respeito à própria realização da entrevista.
Como nos diz Thompson (1992, p. 260), o entrevistador precisa ter algumas cautelas
quando faz uma entrevista com o objetivo de ouvir informações sobre as pessoas no
nosso caso, sobre as trajetórias profissionais o que, portanto, exige que haja um
ambiente de confiança por parte do entrevistado. “Muito melhor será fazer uma pergunta
cautelosa ou indireta, previamente elaborada e proposta de maneira que demonstre
segurança”. Assim, elaboramos um roteiro inicial, mas buscamos uma forma dialogada com
os entrevistados, dando-lhes o tempo de que precisaram para narrar suas trajetórias.
Em entrevistas dessa natureza, um único encontro não é suficiente para captarmos
todas as informações que julgamos necessárias. Assim, desde o início já deixamos explícito
aos entrevistados que iríamos precisar de mais de um encontro para essa conversa e que
52
52
eles teriam acesso a todas as transcrições da sua entrevista. Como nos diz Guérios (2002), a
explicitação de tais procedimentos potencializa as conversas.
Realizada a primeira entrevista com cada professor, o passo seguinte consistiu na
transcrição. Em seguida, procedemos à textualização das entrevistas, uma para cada
professor. Nesse caminhar, aproximamo-nos de Garnica (2004). Segundo ele, a primeira
textualização consiste em “limpar” as falas do entrevistado e do entrevistador, de forma a
retirar repetições desnecessárias — principalmente os vícios de linguagem. “Num momento
posterior, as perguntas o fundidas às respostas, constituindo um texto escrito mais
homogêneo, cuja leitura pode ser feita de modo mais fluente” (p.93-4). Nesse momento, a
ordem das informações pode ser alterada, de forma a dar seqüência e consistência à fala do
depoente. Assim, blocos temáticos são reagrupados,
palavras, frases e parágrafos podem ser reordenados, retirados ou
acrescentados, ora com o intuito de dizer o que não foi dito literalmente
(muitas vezes, o colaborador não termina a frase). Sua entonação
acompanhada de silêncio, entretanto, permite entender claramente o que
seria dito depois), ora pra “limpar” as repetições de uma mesma frase ou
expressão [...], ora em função da clareza do escrito (quando, por exemplo,
o colaborador utiliza-se de expressões que possuem diferentes
significados no oral e no escrito). (GARNICA, 2004, p. 94)
A opção pela textualização pode ter diferentes objetivos. No nosso caso, partilhamos
dos dois objetivos propostos por Guérios (2002, p. 32), ou seja, permitir atingir os objetivos
da pesquisa e “permitir também múltiplas interpretações dos textos, de acordo com a
experiência de vida e o arcabouço teórico de cada leitor”.
Terminada a textualização, o passo seguinte consistiu em devolver essas
textualizações aos entrevistados, juntamente com a transcrição, para que eles conferissem o
que foi produzido, bem como pudessem dar mais esclarecimentos ao pesquisador,
completar possíveis informações que estivessem faltando.
Na elaboração da textualização buscamos organizá-las em alguns eixos —também
presentes no roteiro de entrevista —, com vistas a responder as nossas questões de
investigação e atender os objetivos da pesquisa. Esses eixos iniciais foram: trajetória
estudantil; escolha da profissão; entrada na carreira docente; acolhida na escola onde
ingressou; e condições de trabalho docente.
53
Com a leitura detalhada e interpretativa das narrativas, identificamos lacunas de
informações em algumas delas. Assim, realizamos uma segunda entrevista com os
professores Ariovaldo, Maria do Carmo e Ana Cláudia. No caso de Daniela, julgamos
contar com as informações de que necessitávamos.
Após a transcrição dessa segunda entrevista, completamos as textualizações, que
foram novamente devolvidas aos depoentes para aprovação da publicação. Todas elas se
encontram no próximo capítulo.
Concluídas as textualizações, procedemos à análise de seu conteúdo de forma a
definir as categorias. Assim, elegemos três categorias de análise: 1) condições de trabalho
docente; 2) percepções sobre o processo de precarização do trabalho docente; e 3)
mudanças no trabalho docente nas últimas décadas: continuidades e descontinuidades.
No próximo capítulo, apresentaremos as quatro textualizações e, no capítulo seguinte,
a sua análise.
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54
5.
QUATRO TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS: OS PROFESSORES DEPOENTES
DESTE ESTUDO
Há quem fale
Que a vida da gente
É um nada no mundo
É uma gota, é um tempo
Que nem dá um segundo...
(Gonzaguinha)
5.1. Ana Cláudia: o gosto pela profissão e a busca de novos horizontes
Meu nome é Ana Cláudia e sou natural de Itatiba. Toda minha educação básica eu
fiz em escola pública. O Ensino Fundamental eu fiz na E.E. Profª Ivony de Camargo Sales
e o Ensino Médio, na E.E. Prof. Manoel Euclides de Brito, ambas em Itatiba. Para prestar
vestibular eu me preparei no Objetivo. Estudei na Universidade Estadual Paulista, onde fiz
curso de Licenciatura em Matemática.
Minha opção por esse curso talvez seja decorrente do fato de que sempre tive
facilidade com Matemática e na minha família tem cinco professoras de Matemática, uma
delas fez Mestrado, trabalhou em faculdade, mas hoje está afastada do magistério e mora
em Rio Claro; por esse motivo eu fui fazer a UNESP de Rio Claro.
Não sei exatamente a razão pela qual eu sempre tive facilidade com Matemática, mas
acredito que o fato de ter professoras na família tenha me influenciado e me incentivado a
estudar Matemática. A descoberta da Matemática na minha vida aconteceu na sétima série
e foi marcada por um fato curioso: eu tinha uma professora de Matemática que levava
trabalho de crochê para a sala de aula. Chegando lá, ela passava exercícios para a turma,
exercícios esses retirados do livro. O que acontecia então? Metade da turma fazia; a outra
metade brincava. Eu conseguia fazer todos os exercícios e foi que eu percebi que tinha
facilidade de aprender sozinha. Entretanto, na e séries eu tirava boas notas em
Matemática e tinha o costume de ajudar alguns colegas que tinham dificuldade. Estaria
o início do desejo de ser professora?
Quanto a esse desejo, nesse momento, acho que não relação, o fato de ajudar era
meio inconsciente; o desejo de ser professora surgiu mesmo na faculdade, durante o
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estágio, quando eu percebi que conseguia controlar uma classe, que eu conseguia
transmitir os conteúdos. Esse momento eu percebo com muita clareza.
Eu sempre gostei da área de Exatas. Quando iniciei o Ensino Médio, a grade
curricular era dividida em Humanas, Biológicas, Exatas e Magistério. Naquele momento
eu não queria magistério, mas estava segura do meu gosto pelas Ciências Exatas. Em
1991, houve a unificação da grade curricular do Ensino Médio, a divisão da grade
curricular nos dois primeiros anos do Ensino Médio contribuiu muito para o meu
desempenho no vestibular e na faculdade.
Como tinha afinidade com a área de Exatas, sem definir ainda o que gostaria de
fazer, comecei a estudar Engenharia Civil por influência de meu pai que, mesmo não sendo
engenheiro, sempre gostou de tudo que estava relacionado com esta carreira, acho que foi
por este motivo que comecei a estudar Engenharia na Universidade São Francisco, na
cidade de Itatiba. Fiquei menos de um ano; não gostei do curso e tranquei a matrícula. Eu
era muito nova, tinha 17 anos na época! Embora a área de Exatas fosse o meu sonho, eu
percebia que o curso de Engenharia na realidade não atendia as minhas expectativas.
Fiz outro vestibular, agora para Matemática. Passei no vestibular da USF e da
UNESP. Optei pela UNESP – Rio Claro e me formei em 1997.
Inicialmente, a idéia era fazer Bacharelado, porém, ao cursar algumas disciplinas do
curso de Licenciatura, como Didática, Prática de Ensino, entre outras, eu acabei tomando
gosto e quando eu me dei conta, estava na sala de aula, dando aula de Matemática. Ser
professora de Matemática foi uma escolha minha, uma vez que eu tive a oportunidade de
escolher entre Bacharelado e Licenciatura.
Sou professora dez anos. O primeiro contato com a sala de aula foi na faculdade.
Eu tinha que fazer estágio e a professora saía e eu assumia a turma; dominava a classe
e eu aplicava o método que estava sendo estudado e trabalhado na faculdade e, quando
eu percebi, já estava na profissão.
Esse estágio me ajudou muito! Foi um semestre no Ensino Fundamental e outro
semestre no Ensino Médio. Se não fosse este estágio, com certeza eu teria muito mais medo
de entrar na sala de aula.
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56
Assumir uma classe como professora com diário de classe aconteceu quando estava
no terceiro ano da faculdade. Eu fui bem recebida pelos professores que estavam na
escola, foi muito tranqüilo, foi aí que peguei mais gosto pelo magistério.
Iniciei a minha carreira no magistério, como graduada em Matemática em 1998 na
cidade de Araras; trabalhava à noite como OFA
10
numa escola estadual, lecionando
Matemática e Física e, durante o dia, trabalhava como professora eventual nas escolas da
prefeitura na mesma cidade de Araras.
Ainda no ano de 1998, fui aprovada no concurso para professor
11
do Estado.
Naquela época a escolha era feita por região e escolhi a região de Jundiaí e, como não
havia vaga em Itatiba, eu me efetivei em Louveira. Era uma época em que as escolas eram
classificadas por cores, a partir do desempenho dos alunos na prova do SARESP e a escola
em que eu me efetivei era classificada com a cor verde.
Tempos depois eu consegui vir para Itatiba pelo Artigo 22
12
e comecei a trabalhar na
Escola Estadual Professor Antônio Dutra a mesma escola em que trabalho hoje, onde
agora eu tenho o meu cargo.
Sempre fui bem recebida nas escolas onde trabalhei e lecionava Física e Matemática.
Quando comecei na carreira eu tinha dez classes de Física e duas classes de Matemática.
No início da carreira eu percebia um certo preconceito, não por parte da direção da
escola, mas por parte de alguns professores. Isso aconteceu na escola estadual e acho que
pelo fato de ser mulher, muito nova e trabalhando com Matemática e Física – disciplina na
qual tinha a maior quantidade de aulas – que até então era um universo totalmente
masculino.
Eu gosto muito de trabalhar com Ensino Médio, pela maturidade dos alunos e pela
aceitação e gosto mais de trabalhar com o segundo e terceiro anos. Sempre trabalhei em
10
OFA (Ocupante de Função Atividade). São professores não concursados.
11
A professora Ana Cláudia refere-se ao uso de cores para classificar as escolas – medida que a Secretaria de
Educação do Estado de São Paulo utilizou a partir dos dados de desempenho dos alunos na prova do Saresp.
As cores indicavam se a escola havia atingido ou o as metas estabelecidas. A cor verde indicava que a
escola atingiu sua meta; a cor amarela indicava que a escola atingiu parcialmente a meta; e a cor vermelha
indicava que a escola não atingiu a meta. No caso da cor vermelha, os professores passavam por um processo
de capacitação ou a equipe da Diretoria de Ensino ia até à escola, ou os professores passavam por um curso
intensivo de uma semana em Águas de Lindóia/SP.
12
Artigo 22: esse artigo possibilita ao professor manter seu cargo na escola, mas atuar em outra da mesma
cidade ou de outra cidade, desde que haja vaga e seja aprovado pela Diretoria de Ensino. A cada ano letivo,
no processo de atribuição de aulas, após a escolha dos professores efetivos, uma nova atribuição àqueles
que desejem se afastar da sede pelo Artigo 22.
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escola pública, e essa é uma certeza que tenho: gosto muito de trabalhar em escola
pública.
Neste momento da minha carreira, estou meio perdida; eu já fiz duas pós-graduações
Lato Sensu, a primeira foi Modelagem Matemática, a segunda saiu um pouquinho fora, foi
com a Psicopedagogia.
Eu procurei pela Psicopedagogia como forma de me preparar melhor para trabalhar
com o Ensino Fundamental. Eu tenho dificuldade de trabalhar com turmas de e
séries; com a Psicopedagogia eu tinha o objetivo de me adequar melhor nesse segmento e
com essas séries.
Quanto ao Mestrado, eu ainda quero fazer, que eu percebi que ainda não é o
momento. Eu não sei ainda se quero fazer em Educação que tem em Itatiba. Na verdade
eu gostaria mesmo de fazer é na área de Matemática Pura. Como em Itatiba não tem, eu
teria que sair da cidade para estudar na USP ou UNESP/Rio Claro. É numa dessas
universidades que eu gostaria de fazer o Mestrado.
No que diz respeito ao meu trabalho como professora, a maior dificuldade que eu
enfrento não é quanto ao material, nem o fato de ter que estudar para preparar uma aula,
mas é a resistência dos alunos. Entretanto, trabalhei em escolas públicas situadas em
cidades menores, como Araras e Louveira, e existe uma grande diferença em relação a
Itatiba, que também não é uma cidade de grande porte. Nessas cidades, mesmo com
classes superlotadas, eu conseguia desenvolver um bom trabalho, os alunos eram mais
compromissados; quando chegavam ao Ensino Médio, eles conseguiam acompanhar de
forma satisfatória os conteúdos deste segmento, o que de alguma forma os motivava a
continuar estudando. Em Itatiba eu percebo uma lacuna muito grande nos conteúdos
adquiridos no Ensino Fundamental e isso faz com que os alunos tenham muitas
dificuldades para acompanhar os conteúdos deste segmento. Eles vêm para a escola por
obrigação, para cumprir uma exigência da lei e do mercado de trabalho, eles não vêem à
escola como algo importante para a vida deles, eles se contentam com muito pouco. O
Ensino Médio para eles não tem significado algum, eles não têm objetivo de cursar o
Ensino Superior. Para eles, tirar o certificado, conseguir um trabalho em que ganhe um
pouquinho mais já é suficiente. A falta de interesse dos alunos é a maior dificuldade que eu
tenho.
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Quanto à realidade da profissão, o professor nos dias de hoje está muito descontente.
Comparando a realidade atual com o momento em que iniciei a carreira docente, é
possível perceber a desvalorização da profissão.
O docente foi mais valorizado; atualmente o professor tem o seu trabalho
analisado por pessoas que não fazem parte do meio escolar; este fato provoca
interpretações equivocadas e conclusões precipitadas. As análises do trabalho do
professor o levam em conta, por exemplo, a diferença no tempo de aprendizagem de
cada aluno. Eu trabalhei com classes em que, para conseguir um mínimo de
aprendizagem, era necessário separar os alunos em grupos de acordo com as dificuldades;
eu preparava listas de exercícios compatíveis com cada grupo e assim esclarecia as
dúvidas e corrigia algumas deficiências que iam surgindo. Funcionava quase como uma
aula particular para cada um; porém, para que este processo resultado, os grupos
precisam ser formados por três alunos no máximo e as aulas precisam ser duplas, porque
na formação dos grupos existe toda uma movimentação e numa classe com número elevado
de alunos e com uma aula de 50 minutos este processo é totalmente inviável. Este ano o
Estado mandou um material de Matemática muito bom, muito legal mesmo; porém, no
mesmo instante em que investe em material didático de qualidade, ele desestimula a
aprendizagem com o discurso favorável à aprovação que não leva em conta um
rendimento anual mínimo necessário. Atitudes como esta incentivam a falta de
compromisso para com a escola; em alguns momentos o aluno tem que buscar por ele
mesmo meios de corrigir suas deficiências e, na maioria dos casos, o aluno que realmente
precisa deste artifício ele não se empenha, porque sabe que, se ele alcançar um rendimento
mínimo no último bimestre, ele será aprovado; e isso compromete todo o trabalho do
professor.
Quanto ao aumento da carga de trabalho, acho que isto não ocorreu porque corrigir
provas, preparar aulas, são atividades que sempre fizeram parte do cotidiano do professor.
As condições de trabalho, na escola onde trabalho, são boas, não maiores problemas
com disciplina. Acontecem, sim, alguns fatos isolados, mas que são resolvidos de forma
satisfatória, porém tenho conhecimento de algumas escolas onde as condições de trabalho
do professor são muito precárias; problemas de indisciplina na sala de aula, violência no
interior e fora da escola, drogas, agressões ao professor e funcionários são fatos que
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ultimamente fazem parte do noticiário. Nesse contexto, o professor administra conflitos,
separa brigas, atividades para as quais ele não foi e não está preparado para executar. É
esta realidade que não é levada em conta por quem julga o trabalho do professor. Assiste-
se, então, a um processo de destruição da imagem do professor através dos veículos de
comunicação e da sociedade. O trabalho docente está envolto numa complexidade que não
é reconhecida; a relação do aluno com a escola não está fundamentada na aprendizagem,
mas sim com a figura do professor. Parece estranho, mas quem ainda reconhece o
trabalho do professor é o aluno, e o meu entusiasmo com o magistério ainda persiste
graças ao carinho e o reconhecimento dos meus alunos para com o meu trabalho.
Quanto às políticas públicas, elas desvalorizam o nosso trabalho. O que eu vejo é
que o trabalho é direcionado para um interesse maior que não é a aprendizagem dos
alunos; o que importa são os índices de evasão e retenção que precisam ser baixos. Como
os professores trabalham e as condições em que este trabalho é realizado não é relevante.
Uma prova do descaso para com a aprendizagem, em minha opinião, é o caso do professor
que é eventual. Eu trabalhei como professor eventual e como OFA. Embora eu não
tenha enfrentado muitas dificuldades como professor eventual, porque logo que comecei,
eu organizei pastas com os conteúdos das disciplinas, mesmo que o professor faltoso não
deixasse o material, eu tinha como trabalhar na sala de aula. Esse professor eventual, num
mesmo período, trabalhava com várias disciplinas para as quais não foi formado e, muitas
vezes, ele é chamado quase na hora de começar a aula, porque surgiu algum imprevisto
com o professor efetivo. Nesse momento, o professor que quase sempre está iniciando na
carreira entra na classe sem saber o que trabalhar e como trabalhar; isso provoca um
desgaste muito grande, que o aluno percebe esta situação e controlar a classe fica uma
tarefa quase impossível. Eu tenho noção das dificuldades enfrentadas por esse profissional
e, por este motivo, quando preciso faltar eu deixo material para ser trabalhado, explicando
o que fazer e como fazer; quanto às dúvidas que irão surgir durante essas aulas, deixo
anotado no material que estas serão esclarecidas na próxima aula. Em escolas mais
afastadas a força de trabalho é o professor eventual, o que com certeza trará sérios danos
para a educação como um todo, e este é um outro fato que não é mencionado na hora das
reportagens que analisam o trabalho do professor.
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Um fato curioso que aconteceu comigo, quando meu cargo era em Louveira: eu
sempre ganhava bônus significativos, já que minha escola era classificada com a cor
v
erde.
Quando transferi meu cargo para a escola atual, eu não ganhei bônus. Então, eu me
questiono qual foi o critério para essa premiação, ninguém avaliou o meu trabalho em
momento algum.
A situação do professor agora está mais complicada; o professor é avaliado de
acordo com o desempenho dos alunos, por meio de um exame que parte do princípio da
igualdade entre eles, o que não é verdade, conforme já falei anteriormente.
No mesmo instante em que o Estado incentiva o trabalho do professor, ele também
causa desânimo, julgando o nosso trabalho por meio de índices que não mostram a
realidade da sala de aula e da escola.
Quanto aos sindicatos, penso que eles não são atuantes; eu faço parte do CPP
(Centro do Professorado Paulista). Nunca utilizei, mas eu não consigo perceber uma ação
efetiva em favor dos professores. O que mais vejo é a utilização da entidade como meio de
infiltrar no meio dos políticos.
Neste momento da minha vida o meu projeto profissional é trabalhar numa
universidade com pesquisa ou sala de aula, mas também não é uma coisa muito definida
ainda não, eu participei de um processo seletivo da USF, passei na prova, mas não fui
chamada para a entrevista. Em alguns momentos eu penso que tenho que desenvolver um
projeto antes, para ter acesso a este segmento.
Na realidade o que está me atrapalhando mesmo é a vida pessoal, eu sinto que tenho
que resolver isto; meu pai, meu irmão sempre me dizem que eu estou muito parada e me
cobram para iniciar o Mestrado.
5.2. Daniela: uma jovem professora frente ao choque da realidade
profissional
Meu nome é Daniela e sou natural de Itatiba/São Paulo. Atualmente moro com a
minha avó no bairro Centenário.
Sempre estudei em escola pública. Da primeira à quarta série estudei na Escola
Araci de Moura; da quinta à oitava série, na Escola Benno Clauss, situada no bairro
61
Jardim Galeto, também na cidade de Itatiba. Iniciei o Ensino Médio na Escola Estadual
Prof.ª Oscarlina Araújo Oliveira. Estudei nesta escola durante o primeiro ano, e a
segunda e terceira séries, eu as fiz na Escola Estadual Manoel Euclides de Brito.
Sempre me considerei uma boa aluna, tirava boas notas e tinha um comportamento
bom; nunca tive problemas com disciplina durante toda a minha vida estudantil na escola
básica.
Terminado o Ensino Médio, ingressei no Ensino Superior. Fiz Licenciatura em
Matemática, concluindo no final do primeiro semestre de 2008. Sempre gostei de estudar e
tinha muita admiração pelos professores, razão pela qual sempre tive um bom
relacionamento com quase todos eles. Entretanto, os melhores professores com os quais
estudei foi no período da educação básica, no primeiro segmento. De quinta a oitava série,
entre todos os professores, uma professora foi marcante: Tânia, que lecionava Matemática
para a série. Era uma excelente professora, um ídolo para mim. Em alguns momentos
pensei ser professora de outras disciplinas, como Educação Física, Artes; mudava a
disciplina, mas eu queria ser professora.
A partir do segundo ano do Ensino Médio fui estudar no MEB; uma outra professora
de Matemática foi decisiva para que eu optasse por cursar Matemática, foi a professora
que mais me incentivou a seguir a carreira docente. Iniciei a Licenciatura em Matemática
na USF no primeiro semestre de 2005 e concluí no primeiro semestre de 2008, num curso
de sete semestres.
Nos primeiros anos da faculdade trabalhei num escritório. No final do segundo ano,
me desliguei desse emprego para fazer Iniciação Científica, optando pela área de
Etnomatemática e somente no final do curso comecei a trabalhar como professora
substituta nas escolas da rede estadual de Itatiba, como professora eventual.
Terminada a Licenciatura, comecei a lecionar numa escola estadual em Jarinu/São
Paulo. Trabalho com turmas de quinta e sexta séries. Estou substituindo um professor que
não é efetivo, mas que tinha assumido estas aulas no início do ano. Agora no meio do ano
apareceram aulas livres
13
para ele. Os alunos gostavam muito desse professor e, quando
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Aulas livres são aquelas aulas de disciplinas que não têm professor e o professor, quando assume essas
aulas, fica com vínculo com a escola até o início do próximo ano letivo.
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cheguei para substituir, eu percebi uma revolta por parte deles, pela mudança de
professor.
Penso ter sido bem recebida na escola, não tanto como uma professora efetiva. O
tratamento é muito diferente; em geral, o professor substituto é visto como um quebra-
galho. Normalmente, quando chego numa escola para substituir um professor que se
ausentou, não existe nenhum direcionamento sobre o que vai ser trabalhado na classe, não
um comprometimento do professor e nem da direção da escola, quanto a este fato.
Entretanto, em uma escola, quando substituição e o professor eventual recebe o
material preparado pelo professor da disciplina e o direcionamento de como deverá ser
feito tal atividade, é possível fazer um bom trabalho.
Penso que a maior dificuldade para o professor substituto é que, em alguns casos,
num mesmo dia ele trabalha disciplinas diferenciadas e, em muitos casos, disciplinas que
não são compatíveis com a sua graduação. Por exemplo, minha graduação foi em
Matemática e, numa mesma manhã, pode acontecer de eu trabalhar com Biologia,
Português, Química, entre outras. É muito complicado!
Penso também que outro agravante é a desunião que existe entre os professores.
vivenciei um fato marcante e negativo em meu início de carreira. Fui chamada para
substituir o professor de Filosofia numa turma de segundo ano do Ensino Médio regular;
ele não havia deixado material algum, ficando sob a minha responsabilidade escolher o
material a ser trabalhado. Escolhi um texto de Filosofia que falava sobre o homem
contemporâneo. Chegando à sala mandei que os alunos copiassem do quadro o conteúdo,
porque o professor iria trabalhar este texto quando retornasse. Esta foi a única maneira de
fazer com que os alunos prestassem a atenção na aula e fizesse as anotações. Passados
alguns dias, quando retornei nessa mesma turma para substituir um outro professor
agora o de Química –, para minha surpresa os alunos disseram que não iriam fazer nada,
porque o professor de Filosofia havia dito para esquecer o que a professora substituta
havia trabalhado; quanto ao texto, eles poderiam arrancar a folha e jogar na lata do lixo.
Foi um momento muito angustiante. Levei este fato ao conhecimento da
coordenadora, que conversou com o professor, o qual justificou que era greve e a intenção
era deixar os alunos sem fazer nada mesmo. Nesse dia, chorei na sala da coordenação,
sentindo-me desprestigiada pelo colega de profissão. Mesmo sendo período de greve, a
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escola me chamou para trabalhar; caso não atenda o chamado da escola quando
solicitada, corro o risco de nunca mais trabalhar. Assim, acabei trabalhando no período
da greve dos professores.
Revendo minha trajetória, sempre tive alguém que me dissesse o que fazer e como
fazer. O grande desafio é que na sala de aula eu tenho que decidir, tenho que mandar e
não estou conseguindo exercer minha autonomia na sala de aula.
Penso também que, por ser nova ainda, os alunos não me respeitam. Não consegui
ainda despertar a atenção dos alunos das duas turmas com as quais estou trabalhando:
uma de quinta série, e outra de sexta série. Os alunos falam junto comigo, gritam, fazem a
maior algazarra. Sinto não estar conseguindo desempenhar o meu trabalho.
As únicas classes em que me sinto realizada em trabalhar são as classes de EJA. São
alunos com os quais consegui fazer um bom trabalho. O trabalho foi realizado durante um
mês – na licença-prêmio da professora da turma.
Nas turmas de Ensino Médio regular, onde atuei como professora eventual, consegui
fazer um bom trabalho em algumas classes; depende muito da classe e da escola.
Sinto, ainda, uma discriminação por parte dos professores efetivos da escola: alguns
não falam com os professores eventuais, tratando-os com muita indiferença e arrogância.
Quanto aos alunos, estes parecem não ter interesse em nada da escola; para eles a
escola e os seus ensinamentos não têm nenhum significado, chegando mesmo a dizer, que
não irão fazer nada, porque eles não serão reprovados, devido à progressão continuada;
ou seja, fazendo ou não as atividades, estudando ou não, todos serão aprovados. Este é um
outro fator que compromete o trabalho do professor, principalmente o professor substituto.
Descompromissados com a aprendizagem, o ambiente escolar, para estes alunos, é um
local de recreação; eles não ficam quietos, não param de falar um momento. Percebo
que para estes alunos a escola é apenas o cumprimento de uma formalidade. Fica então
muito claro que, para eles, Ensino Superior, uma condição de trabalho melhor parece não
fazer parte do universo de suas expectativas. Constato isso tanto em alunos de quinta a
oitava série, como também em alunos do Ensino Médio regular.
Ainda, com relação às condições de trabalho docente, eu vejo três situações
distintas: quando o professor é efetivo, ele tem uma estabilidade, tem o seu pagamento em
dia, e tem o respeito dos alunos, da escola e dos colegas. Quando o professor é OFA
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64
(Ocupante Função Atividade), este professor, embora não tenha vínculo com Estado (não é
estatutário), ele tem alguns direitos assegurados, ele tem aulas o ano todo e o vínculo com
a escola é mantido até o fim do ano. Para o professor eventual é complicado, ele recebe
um mês atrasado, recebe o seu pagamento de acordo com as aulas que foram dadas, não
recebe descanso remunerado. Por exemplo, eu ganho por aula é R$ 6,50, menos do que o
professor efetivo e o OFA.
No que diz respeito às políticas públicas, este ano a Secretaria de Educação do
Estado mandou uma revista para ser trabalhada em todas as séries. Eu achei bom, para o
professor que está começando ela é ótima! Eu vi alguns professores reclamando; no meu
entendimento, o culpado é o próprio professor. A Secretaria de Estado deu autonomia, o
professor não aproveitou, a Secretaria impôs um material. Acho que é uma forma de
padronizar os conteúdos e a forma de trabalhar.
Quanto aos sindicatos, eu vi uma movimentação muito grande este ano em favor dos
professores que são OFA; acho que em alguns momentos eles são atuantes. Os professores
OFA corriam o risco de ficar sem aulas no próximo ano se não fossem aprovados no
concurso; o sindicato conseguiu que o concurso seja apenas classificatório, e não mais
eliminatório, o que significa que o critério da pontuação continua valendo para atribuição
de aulas.
Quanto aos planos para o futuro, pensei em desistir do magistério, fazer
vestibulinho para a Escola cnica de Química. No entanto, refleti melhor, percebi que
seria um retrocesso, mas está muito difícil! Os alunos estão muito rebeldes, os pais não
educam mais os filhos. Assim, sobra tudo para a escola e o professor; os alunos não estão
preocupados em aprender. Se o perfil dos alunos modificar, acho que continuo no
magistério; ou se eu trabalhar somente com turmas de EJA. Sonho em fazer Mestrado para
dar continuidade ao trabalho de Iniciação Científica. Mas, por enquanto, são apenas
sonhos!
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5.3. Ariovaldo: um professor em constante busca pelo desenvolvimento
profissional
Meu nome é Ariovaldo. Nasci em Jundiaí; fiz o Ensino Fundamental e Médio
antigamente Ginásio e Científico —, respectivamente, no Instituto de Educação em Jundiaí.
Inicialmente eu ia fazer área de Ciências Biológicas; naquela época o Científico era
dividido em Clássico, Medicina e as Engenharias. A dificuldade em trabalhar com aqueles
nomes da Biologia me desencorajou, mas eu tinha me preparado muito bem em
Matemática para fazer as provas para ingressar na Marinha Mercante, no Rio de Janeiro.
Isto foi em 1964! Embora eu tenha sido aprovado nas provas, fui reprovado por conta do
teste vocacional.
Percebi, então, naquele momento, que era necessário mudar de metas e, como eu
tinha me preparado muito para a Marinha, decidi fazer provas para ingressar na PUC
Campinas para cursar Matemática. Naquele momento pensava: não tenho como pagar a
faculdade, mas se eu der aulas eu tenho condições para tal, pois, como disse
anteriormente, minha família era muito humilde, tanto é que sempre estudei em escola
pública.
Quando entrei para a faculdade, o curso era durante o dia, mas logo no primeiro ano
da faculdade comecei a lecionar à noite e, graças a este fato, eu pude concluir os meus
estudos. Consegui esta façanha porque não havia professores de Matemática em número
suficiente para atender à demanda; assim como hoje, a carência era muito grande, a
Matemática era ensinada por pedagogos, pessoas formadas em Ciências. Em 1968, ao
procurar a Delegacia de Ensino de Campinas, na tentativa de conseguir as aulas de
Matemática, o funcionário que me atendeu falou que, para conseguir essas aulas, o
estudante deveria estar cursando o segundo ano da faculdade; porém, como a falta de
professores era muito grande, eles estavam aceitando alunos do primeiro ano. O regime de
contratação, quando iniciei no magistério, era CLT e tinha carteira assinada. Infelizmente,
dois anos depois, houve uma mudança radical, que prejudicou a todos os professores, acho
que era 1970. Foi quando introduziram o título precário.
O título precário era um sistema em que o professor não tinha garantia nenhuma; o
professor não tinha INSS, não tinha assistência médica, não tinha carteira assinada e,
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muito menos, segurança no trabalho. Era muito comum o professor estar trabalhando
numa escola e, de repente, ele era dispensado sem direito algum, porque chegava um
professor efetivo de outra cidade ou até mesmo de outra escola por remoção para assumir
as suas aulas. Isto causava sérios problemas ao professor, porque, quando assumia estas
aulas, ele organizava sua vida em função do salário correspondente a estas aulas e,
repentinamente, ficava sem nada, e tinha família e filhos. Foi um período muito difícil para
o professorado e este regime perdurou por quase dez anos.
No meu início de carreira, o meu ingresso mesmo no magistério, eu fui trabalhar no
estado e em escolas particulares. Eu trabalhei em escolas particulares para não ficar
desamparado quanto à assistência médica e também manter minha família. Atualmente,
ainda trabalho na escola particular.
Gosto mais de trabalhar com Ensino Médio, pela maturidade do aluno. O foco do
trabalho é maior em virtude dos vestibulares e da própria universidade. O vestibular não é
o fim, mas é uma conseqüência, e eu percebo que nesses três anos um crescimento do
jovem, como pessoa e como cidadão; um desenvolvimento do raciocínio lógico. Gosto
de trabalhar também com adultos que perderam a oportunidade de estudar e hoje
percebem a importância dos estudos; nestas turmas o rendimento é bem maior, o trabalho
é mais gratificante.
Em todos os lugares em que eu trabalhei fui muito bem acolhido pelos diretores,
professores, coordenadores e alunos. Comecei trabalhando com Ensino Fundamental de
a rie. Depois fui para o Ensino Médio e faz 20 anos que estou trabalhando no
Ensino Médio e 40 anos que estou no magistério.
A minha entrada e permanência no magistério durante estes 40 anos é um fato muito
curioso, pois eu nunca havia pensado em ser professor; naquele momento meu pensamento
era dar aulas de Matemática por algum tempo e após terminar o curso, sair em busca de
outros horizontes; mas, quando entrei numa sala de aula pela primeira vez, eu me senti
útil, valorizado pelos seguintes motivos:
Os alunos prestavam a atenção no que eu estava falando.
Não havia conversas paralelas; os alunos levantavam a mão quando queriam
perguntar ou fazer um comentário. Havia muito interesse no que estava sendo ensinado.
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Eu me sentia valorizado, prestigiado, ao perceber que estava fazendo algo
importante para a vida de outras pessoas.
Era muito gratificante você ouvir do seu aluno palavras como: “Eu estou
conseguindo acompanhar as suas aulas!” E até hoje, mesmo após 40 anos de magistério,
eu me emociono ao ouvir palavras como essa.
Todos estes fatos, acontecidos no início da minha carreira, eu posso garantir que
contribuíram muito para a minha carreira no magistério. Isso praticamente mudou o meu
pensamento com relação a ser professor, me proporcionou um olhar diferente, uma
mistura de profissão e missão. Para esclarecer melhor o significado da palavra missão,
neste contexto, em vários momentos da minha vida profissional eu percebi, e até hoje eu
percebo, que a Matemática serve como um canal de transmissão de outros conhecimentos.
Para o aluno, o professor é um espelho e, embora com todo este massacre que o professor
vem sofrendo por parte da mídia e dos dirigentes da educação, a figura do professor
representa muito para o aluno. houve dias em que consegui ensinar alguma coisa de
Matemática depois de conversar com os alunos outros assuntos relacionados com sua vida
diária; normalmente são valores humanos, como respeito e ética, entre outros.
A partir do instante em que eu mudei minha maneira de pensar o magistério, eu
comecei a estudar mais. Eu tinha uma preocupação muito grande em preparar aulas,
explicar os conteúdos de forma mais simplificada e posso assegurar que foi nesses
momentos que eu aprendi muita coisa, acho que aprendi mais do que ensinei.
Mesmo com um ambiente favorável ao meu trabalho, eu percebia algumas lacunas
que eu não conseguia preencher. A Matemática ainda era um deserto que precisava ser
explorado e, como o interesse dos alunos era muito grande, eu saí em busca de algo que
me proporcionasse significados ao que estava ensinando; e foi nesta busca que encontrei
verdadeiros tesouros.
A sala de aula, nos dias de hoje, está muito modificada, ela exige do professor uma
flexibilidade; o contexto social no qual a escola está inserida precisa ser levado em
consideração, não se deve trabalhar uma Matemática puramente acadêmica em
determinadas escolas, porque a aula fica monótona e sem significado para o aluno, o que
provocará indisciplina. Penso que uma forma de amenizar as dificuldades em escolas em
que as condições de trabalho são difíceis é o professor se apoiar na História da
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Matemática. Além disso, a realidade dos alunos também é outra. Hoje você compete com a
internet que tem no celular e, diante de tudo isso, o professor tem que mudar também a sua
postura em relação à matéria. A Matemática precisa ser mais atraente, mais atrativa para
o aluno.
Em 1996 eu fiz um curso de especialização na PUC–Campinas. Foi muito bom! Foi
um curso excelente. Eu não fiz com objetivo de dar aulas em faculdade, foi pelo
conhecimento mesmo. Eu queria muito conhecer o outro lado da Matemática, a
Matemática contextualizada, interessante, bonita, e isto foi ficando cada vez mais
interessante.
Eu nunca parei de estudar. Na minha profissão nenhum dia é igual ao anterior; todos
os dias eu me sinto desafiado, não tanto pelos alunos, mas, no intuito de buscar uma
Matemática mais agradável ao jovem, eu tenho pesquisado muito, tenho feito cursos.
Agora por último fiz um curso de verão na USP sobre História da Matemática. Estou
escrevendo um livro sobre Pitágoras; escrevi um livro para o Ensino Fundamental que
foi aprovado pelo MEC. Eu o parei em momento algum; ainda me sinto em plenas
condições de produzir alguma coisa nova, continuo lutando pela minha profissão, e agora
surgiu uma nova oportunidade, o Ensino Superior, uma faculdade aqui de Jundiaí, abriu
um processo seletivo, fui aprovado e talvez seja mais uma meta que eu tenha que cumprir,
eu acredito que minha profissão, para mim, é mais uma missão.
Antes o professor tinha alguma liberdade para trabalhar os conteúdos, e o que tenho
percebido é que, ao longo dos anos, aumentou a preocupação com relação ao controle
sobre o que e o como o professor está trabalhando.
Uma coisa que mantêm aceso este entusiasmo com a sala de aula, e com o
magistério, é o fato de encarar o meu trabalho em alguns momentos como missão, não que
com isto eu tenha que ganhar mal, ser humilhado e me sujeitar a determinadas situações
de desprestígio, mas o caráter de missão está relacionado com o fato de procurar fazer o
meu trabalho da melhor forma possível; eu não tenho reconhecimento da escola, diretores,
coordenadores; eu tenho reconhecimento dos meus alunos e é por eles que eu procuro
fazer o meu trabalho da melhor forma possível. É muito gratificante você saber que o seu
trabalho contribuiu, de alguma forma, para o sucesso do seu aluno, como pessoa, como
profissional. Este é o maior troféu do professor.
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A participação em congressos e outros eventos de educação Matemática é uma busca
particular minha. Eu tenho curiosidade em saber como as escolas de outras regiões e até
mesmo outros países trabalham o ensino da Matemática. Acho engraçado que nestes
congressos a comunicação oral dos trabalhos é feita por mestrandos e doutorandos, são
orientados também por doutores e apresentam o trabalho de pesquisa. Eu participo com o
objetivo único de mostrar o que eu estou fazendo, o que estou tentando ensinar; e, para
minha surpresa, eu cheguei à conclusão de que as dificuldades para se ensinar Matemática
são as mesmas, independente de regiões ou países; o que muda são as maneiras de se
buscar soluções para resolver estas dificuldades.
No meu início de carreira, o professor era mais valorizado, apesar de todas as
dificuldades da educação pública. O professor conseguia comprar uma casa e um carro
trabalhando somente em escola pública. Eu mesmo nesta época consegui este feito. A
escola particular praticamente não existia; quem preparava o aluno para o vestibular,
para o mercado de trabalho e até mesmo para a vida, era a escola pública. Esta era
significativa para o aluno. Agora está acontecendo uma inversão em virtude das políticas
públicas para com a educação.
Existia respeito pelo trabalho e para com a figura do professor. Quando iniciei na
carreira docente, a sociedade via o trabalho do professor com respeito e admiração.
Mesmo durante o período da ditadura militar, havia tranqüilidade para o trabalho; havia
uma condição melhor de trabalho, não que eu gostasse daquele momento, mas, no que diz
respeito ao trabalho, eram melhores as condições. Financeiramente era melhor, o
professor tinha sua carga horária toda na escola pública e você conseguia se manter, eram
oferecidos, já naquela época, cursos que hoje também são oferecidos; eu não via
perseguição, pelo menos no que diz respeito ao ensino da Matemática.
Tempos depois, de forma inexplicável, nós, professores, fomos perdendo tudo isso.
Foi nesse momento que teve início o processo de desvalorização e desprestigio do
professor. O mais preocupante é que este processo vem aumentando a cada ano. Penso que
o governo é o grande responsável por este caos na educação, por não investir de forma
correta; fala-se muito, mas não há uma atitude concreta nesse sentido. Este processo teve o
seu início quando começou a falta de compromisso com a disciplina no interior da escola e
fora da escola. Os alunos tomaram conta, e o professor ficou sem respaldo por parte da
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direção, da coordenação e até mesmo das autoridades. São muito comuns, nos dias de
hoje, notícias sobre agressão a professores, diretores e funcionários da escola, drogas e
violência. Infelizmente, tudo isso faz parte do cotidiano de algumas escolas públicas.
Todos estes fatores interferem no trabalho do professor, pois nesse cenário o
professor, quando consegue realizar algo, ele realiza o que as condições lhe possibilitam
fazer. Além disso, as avaliações do trabalho docente são realizadas de forma igualitária,
desprezando estes fatos que são relevantes para o insucesso do trabalho da escola e do
professor.
Em 1995, eu trabalhava na E. E. Profª Maria de Lourdes França Silveira, na cidade
de Jundiaí. Foi nesse ano que eu percebi o aumento das dificuldades para se trabalhar,
estava muito complicado e eu o conseguia trabalhar. Fiquei assim todo o ano letivo.
Voltei em 1996 para esta mesma escola e aí eu não suportei: eu me exonerei do Estado e
fiquei trabalhando apenas na Escola Técnica Paula Souza, onde eu trabalhava desde 1975.
Esta escola era uma autarquia e tinha apoio federal, estadual e municipal. O perfil do
aluno desta escola era diferente, ele passava por um processo seletivo. Esse aluno tinha um
objetivo, uma perspectiva, e essa escola representava para ele uma perspectiva de vida
melhor. As condições de trabalho também eram melhores, o salário era melhor, havia
laboratórios e o professor também era mais valorizado. Fiquei na Escola Técnica até me
aposentar.
Eu não consigo identificar a época exata em que teve início esse processo de
precarização do trabalho do professor e a desvalorização do mesmo. Eu consigo
identificar os anos de 1995 e 1996 como sendo os anos mais complicados para se
trabalhar. Infelizmente, junto com esta precarização das condições do trabalho docente,
veio também a perda de status do professor. No meu início de carreira, o professor era
mais valorizado, respeitado. Nessa época, quando o professor chegava em qualquer lugar
da cidade, ele era bem recebido, respeitado, hoje...! Destacando ainda o prestígio do
professor no meu início de carreira, em Jundiaí ocorriam nesta época duas situações que
ilustram bem o olhar que a sociedade tinha para com os professores. Os professores do
Colégio Divino Salvador, uma escola particular da cidade, e os professores do Instituto
Experimental, uma escola pública, tinham crédito aberto em todo comércio da cidade,
sendo que os professores do Instituto Experimental passavam por um processo seletivo
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muito rigoroso. O nome Instituto Experimental deve-se ao fato de que esta escola
funcionava como um laboratório para as experiências e mudanças educacionais que
ocorriam naquele momento.
As entidades de classe sempre existiram. Na realidade, foram lutas, gritos, na
tentativa de mobilizar e conseguir alguma melhoria, e os resultados destas lutas foram
percebidos muito mais tarde. No entanto, essas entidades nem sempre conseguiam ajudar o
professor. Eu mesmo senti falta disso quando prestei concurso para me efetivar no estado,
a transcrição do título precário para professor efetivo demorou nove meses e eu fiquei sem
receber. Eu não tinha a quem recorrer e, quando recebi, foi apenas o salário sem juros,
sem correção monetária. Nessa época precisei recorrer a banco, e o que me ajudou
bastante neste período também foi o fato de também trabalhar na escola particular. Foi um
período muito difícil mesmo, em que eu senti a necessidade de uma entidade de classe.
5.4. Maria do Carmo: entre o sonho e a realidade...
Meu nome é Maria do Carmo e sou natural de Jundiaí. Venho de uma família muito
simples que, apesar da condição humilde, sempre se preocupou com a escola dos filhos.
Por conta desse fato, fui estudar numa escola tradicional da cidade de Jundiaí, uma escola
freqüentada por alunos oriundos de famílias tradicionais da cidade.
O ano era 1968 e, para ingressar nessa escola, era necessário passar por um
processo seletivo, o Exame de Admissão. Era o Instituto Experimental de Educação, uma
escola boa e com professores ótimos. O momento político vivido pelo país era a ditadura;
nós tínhamos aula de Moral e Cívica, com professores que eram militares e também aulas
com professores civis, que eram engajados no movimento contra a ditadura. Eram dois
discursos diferenciados; de um lado, os professores militares, defendendo a ditadura; de
outro, os professores civis, mostrando para os alunos a importância da liberdade e da
democracia. A escola era muito agitada; tinha um Grêmio Estudantil cujos alunos
gostavam de participar de tudo: protestos e passeatas. Era uma participação um pouco
inconsciente, que não tínhamos a noção real do que era aquele momento político. Foi
um momento marcante na minha vida! Era uma educação tradicional à base de conteúdos,
mas que ajudou muito na minha formação.
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Eu não escolhi ser professora. Quando iniciei o antigo Científico, hoje Ensino Médio,
em 1972, a grade curricular deste segmento era dividida em área de Humanas voltada
para o magistério e as faculdades de Ciências Humanas; área de Exatas, voltada para as
Engenharias e área Biológica, voltada para a Medicina. Quando estava terminando o
Ensino Médio, estava em discussão o feminismo, e eu me lembro que eu e minhas amigas
não queríamos em hipótese alguma ser donas de casa e professoras. Talvez por serem
atividades com presença maciça de mulheres. Optei por fazer faculdade de Medicina.
Quando se chegava ao ano, era uma prática comum na escola em que eu estudava, os
alunos estudarem à noite, porque pela manhã eles se matriculavam no cursinho, o
Objetivo, que ficava na Avenida Paulista, em São Paulo. Entretanto, como eu precisava
trabalhar e o curso era muito caro, eu fiz concurso para trabalhar na Telesp. Fui aprovada
e comecei a trabalhar; trabalhava quatro horas por dia e graças a isso foi possível fazer
cursinho. Assim foi o meu terceiro ano: à noite estudava na escola pública, pela manhã
fazia cursinho no Objetivo e, à tarde, trabalhava como telefonista. Na época do cursinho o
meu professor de Biologia foi o Dr. Dráusio Varela, que na época era estudante de
Medicina. Aprendi muito no cursinho, mas infelizmente não consegui ser aprovada no
vestibular para Medicina em uma instituição pública; era necessária dedicação exclusiva
aos estudos e como eu precisava trabalhar... Após cinco vestibulares sem sucesso, desisti
do sonho de ser médica e comecei a estudar Serviço Social na PUC SP. No decorrer do
curso eu me casei, logo em seguida eu engravidei, minha primeira filha nasceu com
problemas de saúde e eu precisei interromper a faculdade no 3º ano. Foi um período em
que fui 100% dona de casa...
Como sempre gostei de estudar, quando os filhos ficaram maiores, mais
independentes, eu voltei a estudar. Desta vez, comecei a fazer Ciências Biológicas na
Faculdade Anchieta, em Jundiaí, pensando que seria bióloga. No ano eu descobri que o
curso era Licenciatura Curta em Ciências. Quase abandonei o curso; entretanto, o MEC,
eu acho, não tenho muita certeza, estabeleceu uma lei que, para ser professor, era
necessária a Licenciatura Plena, mas quem possuía Licenciatura Curta poderia dar aulas,
desde que o professor fizesse complementação pedagógica. Assim, no ano do curso eu
fiz opção por Matemática, porque eu gostava mais e me achava apta para dar aula de
Matemática, graças ao conteúdo que estudei no Objetivo. Nesse contexto, iniciei o curso de
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Complementação Pedagógica em Matemática na Universidade Nova Iguaçu, no Rio de
Janeiro. As aulas eram aos sábados durante todo o dia. Eu saía de Jundiaí na sexta feira à
noite e voltava no sábado à noite. O curso era sério e exigia presença. Terminei a
complementação e ingressei no magistério em 1992.
Quando ingressei no magistério, na escola pública, o número de professores era
insuficiente para a demanda. Consegui aulas de imediato e iniciei minha prática com uma
postura totalmente conteudista e, como o ensino daquela época era desta forma, eu não
enfrentei muitas dificuldades. Como não havia muitos professores, se o professor
realizasse um bom trabalho numa escola, no ano seguinte ele era disputado por outras
escolas; era comum você estar trabalhando e receber convite de outras escolas para
trabalhar. Esse foi um bom momento vivido pelo professor.
No início dos anos 1990, eu ingressei na escola pública como ACT
14
na E.E. Conde
Paranaíba, em Jundiaí. Naquele momento era vantajoso ser ACT, pois o professor nessas
condições não tinha alguns direitos, como os efetivos, mas tinha a opção de escolher a
escola e carga horária que gostaria de trabalhar. O professor efetivo tinha uma carga
horária determinada e não tinha muitas opções de escolha. O professor ACT, atualmente
OFA, participava das atribuições e assumia as aulas dos professores efetivos que entravam
de licença ou aulas livres. Se, durante o ano letivo, o professor não gostasse da escola, ele
podia mudar sem maiores problemas. Esse era um privilégio que o professor efetivo não
tinha. Eu sempre escolhi muito a escola em que iria trabalhar. Eu, nesse período, trabalhei
somente em boas escolas, sempre próximo de minha casa e com a carga horária que era
conveniente para minha vida pessoal.
Durante todo este período eu nunca me senti professora; eu ensino por ensinar, é um
trabalho que eu gosto de fazer e procuro fazê-lo da melhor forma possível, gosto de
Matemática, gosto de ensinar Matemática, mas não me sinto professora. Neste período eu
era conhecida por ser uma professora que cumpria todo o programa estipulado no início
do ano letivo, uma professora que passava muitos exercícios e também pelo fato de vários
alunos meus que pretendiam fazer faculdade conseguirem bolsa integral em escolas
particulares e cursinhos para se prepararem para estes concursos.
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Admissão em Caráter Temporário (ACT).
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Em Jundiaí o professor era respeitado, admirado; quando você dizia que era
professor, você era visto com admiração; se fosse professor de uma escola tradicional da
cidade, este tratamento era mais diferenciado ainda. Atualmente, quando você fala que é
professor, é comum você ouvir: “mais um sofredor”, ou então frases do tipo: “Você é
professor? Eu também fiz faculdade para ser professor, mas nunca trabalhei como
professor, agüentar desaforo de aluno e ganhar mal é uma coisa que eu não quero para
minha vida”. O desprestígio chegou a um nível, que o estudante faz faculdade, ele aceita
qualquer trabalho, menos ser professor.
Trabalhar na escola pública, nos dias de hoje, está muito complicado. A escola atual,
em relação à época em que ingressei no magistério, está muito modificada.
Quando iniciei o magistério, as aulas eram pesadas, com muito conteúdo e resolução
de exercícios na lousa. Eu era uma professora que preparava o aluno para concurso,
vestibulares, qualquer prova que ele fosse fazer que envolvesse conteúdos do Ensino
Fundamental; ele reunia condições para realizar uma boa prova. A cobrança era muita,
tanto de minha parte como também da escola. O aluno tinha receio da reprovação, ele não
queria ser reprovado. A diferença é que ele era consciente que precisava estudar, pois
existia reprovação. Existiam problemas na escola, existia indisciplina, mas em número bem
menor que hoje.
Havia comprometimento dos alunos, o número de alunos desinteressados era muito
baixo e, em muitos casos, as classes estavam cheias. O seu compromisso com a classe era:
chegar no horário, passar o conteúdo, fazer os exercícios, nada de conversa! Cumpridas
essas etapas, o trabalho estava realizado.
Hoje estou aposentada e, como não gosto de depender de filhos, trabalho como
professora eventual em algumas escolas de Jundiaí. Como eventual, sou chamada para
substituir professores que precisam faltar ou que estão em licença prêmio. Existem escolas
que, quando me chamam, eu falo que não posso, porque é muito difícil trabalhar.
Além disso, trabalho numa escola particular, onde eu gosto de trabalhar. Tem alunos
problemáticos, mas é muito mais fácil de administrar, a escola tem um propósito. Quanto
ao Estado, enquanto não mudar o jeito de olhar e analisar a educação, fica difícil alguma
melhora.
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Eu mudei muito a minha maneira de ser professora em relação ao momento em que
iniciei no magistério. Eu nunca fui de conversar com aluno, entrava na classe e, logo em
seguida, começava a trabalhar. Agora nesta nova realidade, já houve momentos em que eu
precisei perder quase metade da aula, para falar com os alunos sobre respeito aos outros e
ao local em que se encontram. Isto porque, no meio da explicação um aluno xingou uma
aluna de todos os nomes, quase chegando às vias de fato. Infelizmente, este é um fato que
acontece com freqüência, o aluno vai à escola para fazer de tudo, menos estudar, prestar
atenção na aula.
Em virtude da falta de estrutura das famílias, a escola está assumindo
responsabilidades que antes não tinha. Vou lhe dar um exemplo: um aluno da 8ª série ficou
um mês sem comparecer à escola e a mãe foi tomar conhecimento do fato porque a
escola foi obrigada a comunicar ao Conselho Tutelar. Nos dias de hoje, é responsabilidade
da escola e do professor fazer com que o aluno compareça às aulas e, em alguns casos, o
professor ainda é obrigado a passar trabalhos para compensar a ausência destes alunos.
Quanto aos conteúdos, eu mudei minha postura. Eu não gosto de ficar de conversa,
mesmo assim o conteúdo que eu consigo passar é mínimo, em relação a outras épocas. Eu
fico angustiada e me questiono que educação é essa. Esse aluno, com certeza, irá fazer
alguma prova, seja para conseguir trabalho, ou seja para concurso. Nessas condições, ele
sai da escola sem saber nada. O que será deste aluno?
O discurso atual do governo é, usando uma linguagem de protesto: abaixo a evasão
escolar, abaixo a reprovação! Com isso, nossos alunos do Ensino Fundamental sabem
que a escola fará de tudo para que eles sejam aprovados, o que acarreta um desinteresse
por parte do aluno para com a escola e os estudos. Os alunos que querem estudar são
discriminados pelos demais. É muito comum voouvir bons alunos dizerem: para que eu
vou estudar, fazer as lições de casa, se no final do ano todo mundo passa? A gravidade da
situação é perceptível, está havendo uma inversão de valores na escola pública.
Antes de me aposentar, sempre trabalhei com Ensino Fundamental; agora, como
professora substituta, eu tenho trabalhado com alunos do Ensino Médio e o que eu vejo é
um quadro ainda mais desolador: alunos com idade entre 16 e 17 anos, com atitudes
totalmente descompromissadas com a escola e com a aprendizagem e, quando o professor
exige um pouco mais deles, alguns respondem, “professora, não se preocupe, estou aqui,
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porque minha mãe me obriga vir para a escola, mas o que eu quero mesmo é fazer
supletivo, estou apenas esperando completar a idade para ir para a EJA
15
”.
O espaço físico também é muito importante. trabalhei em classes cujo número de
alunos está além da capacidade da sala, a proximidade dos alunos estimula as conversas
paralelas, além do fato deles assistirem a seis aulas por dia. As últimas aulas eles não
agüentam mais e, nessa hora, começam a indisciplina, os conflitos e as brigas.
A violência na escola é um outro fator que dificulta muito o trabalho do professor.
Os adolescentes estão cada vez mais agressivos, e é muito comum ouvir notícias de
agressão entre alunos, agressão de alunos a professores e a funcionários da escola. Este é
um outro fato que faz com que muitos jovens professores abandonem o magistério.
Quanto aos nossos sindicatos, eles fazem o que podem, mas não podem fazer
milagre. Penso que o sindicato dos professores tem uma atuação mais significativa na
escola particular: quando o professor é demitido, eles dão uma assessoria, eles são mais
exigentes com a escola particular.
15
EJA: Educação de Jovens e Adultos.
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6. TRABALHO DOCENTE: CONDIÇÕES E PRECARIZAÇÃO, NA
PERCEPÇÃO DE QUATRO PROFESSORES DE MATEMÁTICA COM
DIFERENTES TEMPOS DE MAGISTÉRIO
Não vê que então eu me rasgo
Engasgo, engulo
Reflito e estendo a mão
E assim nossa vida
É um rio secando
As pedras cortando
E eu vou perguntando:
Até quando?...
(Gonzaguinha)
Discutir o processo de profissionalização e desprofissionalização implica conhecer
em quais condições os professores de Matemática m exercendo a atividade docente.
Desde o início da presente pesquisa, esse era o pressuposto central do trabalho.
Ao selecionarmos os quatro professores com diferentes tempos de magistério,
tínhamos como objetivo um olhar histórico para a profissão docente, nas últimas décadas.
Embora tenhamos consciência de que a nossa pesquisa é um estudo de caso e, portanto, não
possibilita generalizações para o cenário brasileiro, acreditamos que as trajetórias desses
quatro professores nos darão indicativos de como têm sido as condições de trabalho
docente na região de Itatiba e Jundiaí, com docentes que atuam ou atuaram na rede estadual
paulista e, com certeza, trazem apropriações de uma cultura profissional mais ampla.
A transcrição das entrevistas dos quatro depoentes, as respectivas textualizações e as
várias leituras posteriores desse material documentado, com o auxílio das leituras teóricas
que realizamos, possibilitaram-nos identificar três categorias de análise:
1. Condições de trabalho docente.
2. Percepções sobre o processo de precarização do trabalho docente.
3. Mudanças no trabalho docente nas últimas décadas: continuidades e
descontinuidades.
No presente capítulo, trazemos a análise dessas três categorias. Algumas delas serão
organizadas em subcategorias, de forma a facilitar o processo de análise, que revelará uma
tecedura de vozes dos professores, dos autores e dos pesquisadores.
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6.1. Condições de trabalho docente
Os pressupostos teóricos possibilitaram-nos olhar para as condições de trabalho
docente desses quatro professores sob duas perspectivas:
Ingresso no magistério: buscamos identificar, na trajetória profissional desses
professores, como foi a escolha da profissão e o ingresso de cada um deles, analisando
semelhanças e diferenças nessas escolhas e trajetórias.
Táticas de sobrevivência no exercício da atividade docente: nosso objetivo nesta
subcategoria é analisar de que forma esses professores m encarando a atividade docente,
como têm enfrentado os desafios que são postos pela profissão, como têm sido suas rotinas
profissionais, dentre outros aspectos.
6.1.1. Ingresso no magistério
6.1.1.1. A escolha da profissão
O que leva um (uma) jovem a escolher a profissão docente? Desejo de ser
professor? Ou as voltas que a vida dá o(a) levam ao curso de Licenciatura?
Nas entrevistas com os quatro professores, tivemos a preocupação de fazer questões
relativas a essa escolha. Muitas histórias de vida de professores têm revelado que, muitas
vezes, a escolha da profissão está relacionada com fatos como: presença de professores na
família, gosto e facilidade em aprender Matemática, identificação com a profissão ou com
professores que foram marcantes na trajetória de formação.
Com duas professoras depoentes desta pesquisa, esse processo de escolha também
não foi diferente. Daniela optou pela carreira docente por gostar de estudar, mas também
por influência de professoras de Matemática que marcaram sua trajetória estudantil.
De quinta a oitava rie, entre todos os professores, uma professora foi
marcante: Tânia, que lecionava Matemática para a série. Era uma
excelente professora, um ídolo para mim. Em alguns momentos pensei ser
professora de outras disciplinas, como Educação Física, Artes, mudava a
disciplina, mas eu queria ser professora. A partir do segundo ano do
Ensino Médio fui estudar no MEB, uma outra professora de Matemática
foi decisiva para que eu optasse por cursar Matemática, foi a professora
que mais me incentivou a seguir a carreira docente. (Daniela)
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No caso de Ana Cláudia, sua escolha da área de Ciências Exatas foi decorrente tanto
da existência de professores de Matemática na família, quanto da experiência vivida com
uma professora de série. Essa professora não a marcou positivamente, mas ajudou-a a
tomar consciência da sua facilidade com a matéria:
Eu tinha uma professora de Matemática que levava trabalho de crochê
para a sala de aula. Chegando lá, ela passava exercícios para a turma,
exercícios esses retirados do livro. O que acontecia então? Metade da
turma fazia; a outra metade brincava. Eu conseguia fazer todos os
exercícios e foi que eu percebi que tinha facilidade de aprender
sozinha. (Ana Cláudia)
Ana Cláudia ingressou em Engenharia Civil, na Universidade São Francisco e
acabou trancando sua matrícula por não se identificar com o curso. Fez novo vestibular e
ingressou em Licenciatura em Matemática, na UNESP/Rio Claro. Desde o início não
demonstrou interesse pelo Bacharelado, pois acreditava ter optado pela profissão
docente.
No caso de Maria do Carmo e Ariovaldo, eles ingressaram no curso de Licenciatura
por contingências da vida. Maria do Carmo sempre sonhou com o curso de Medicina, mas,
por questões financeiras, por precisar trabalhar, não pôde se preparar o suficiente para ser
aprovada no vestibular para Medicina. Ingressou no curso de Serviço Social, mas não o
concluiu, porque se casou e parou de estudar. Anos depois, quando voltou a estudar,
ingressou no Curso de Ciências Biológicas, complementando sua formação para trabalhar
como professora de Matemática.
O MEC, eu acho, não tenho muita certeza, estabeleceu uma lei que para
ser professor, era necessária a Licenciatura Plena, mas quem possuía
Licenciatura Curta, poderia dar aulas, desde que o professor fizesse
complementação pedagógica. Assim, no ano do curso eu fiz opção por
Matemática, porque eu gostava mais e me achava apta para dar aula de
Matemática, graças ao conteúdo que estudei no Objetivo. Nesse contexto,
iniciei o curso de Complementação Pedagógica em Matemática na
Universidade Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. (Maria do Carmo)
Os encontros e desencontros de Maria do Carmo com a escolha de uma profissão, os
sonhos não alcançados ou interrompidos, com certeza, influenciaram na sua constituição
profissional. Ela acabou se tornando professora por gostar de Matemática e por considerar
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que tivera uma boa formação durante o cursinho. Pode-se dizer que ela não se preparou
para ser professora; foi se tornando professora à medida que trabalhava na profissão.
Ariovaldo também não conseguiu realizar seu sonho de entrar na Marinha Mercante
ou de trabalhar na área de Ciências Biológicas. A possibilidade de dar aulas seria uma
forma de conseguir fazer um curso superior. Então, optou pela Licenciatura em
Matemática. Mesmo estudando durante o dia, conseguiu custear seus estudos, dada a
carência de professores de Matemática.
Em 1968, ao procurar a Delegacia de Ensino de Campinas, na tentativa
de conseguir as aulas de Matemática, o funcionário que me atendeu falou
que para conseguir essas aulas, o estudante deveria estar cursando o
segundo ano da faculdade, porém, como a falta de professores era muito
grande, eles estavam aceitando alunos do primeiro ano. O regime de
contratação, quando iniciei no magistério, era CLT e tinha carteira
assinada.
No entanto, a experiência como docente, logo no primeiro ano do curso, já lhe
despertou a paixão de ser professor – carreira que exerce há 40 anos.
Escolhas intencionais ou não, os quatro ingressaram na profissão docente. E como
foram seus primeiros anos de docência, como se deu a constituição profissional de cada um
deles?
6.1.1.2. O exercício da profissão
A mudança da condição de aluno para a condição de professor, no terceiro grau,
representa para o iniciante uma mudança que indica estar a escolha da profissão pelo jovem
concluinte do Ensino Médio relacionada com a imagem que este possui a respeito do que é
ser professor. Além disso, as concepções institucionalizadas no período de escolarização de
base são outro fator determinante na escolha da atividade docente.
A segunda etapa desse processo é a entrada no local de trabalho que, no caso do
professor, é a escola. Esse momento significa a demarcação do seu espaço no âmbito social,
porque envoltas neste processo existem a promessa de uma autonomia econômica e a
perspectiva de realização de um projeto de vida.
A perspectiva de realização desse projeto de vida nem sempre está associada à
permanência no magistério: em muitos casos, pode significar um período transitório em que
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estar professor significa ter um apoio na busca de uma outra atividade profissional, a qual a
pessoa acredita que lhe proporcionará estabilidade econômica e reconhecimento social;
pode acontecer, também, uma permanência na atividade docente, não como a profissão
ideal e escolhida. mas decorrente das idas e vindas que a vida impõe ao ser humano e das
necessidades de sobrevivência, que não lhe permitem muitas escolhas.
Independentemente do motivo da atividade docente, a entrada no magistério tem a
capacidade de mudar o olhar em relação ao que é ser profissional.
Ao ingressar no magistério, o jovem professor traz consigo informações, crenças,
atitudes e modelos construídos ao longo da vida e cristalizados durante a sua fase
estudantil.
O início da atividade profissional é, para todos os indivíduos, um período
contraditório. Se, por um lado, o ter encontrado um lugar, um espaço na
vida ativa, corresponde à confirmação da idade adulta, ao reconhecimento
do valor da participação pessoal no universo do trabalho, à perspectiva da
construção da autonomia, as estruturas ocupacionais raramente
correspondem à identidade definida nos bancos da escola, ou através de
diferentes atividades socioculturais, ou modeladas pelas expectativas
familiares. Assim, é neste jogo de procura de conciliação, entre aspirações
e projetos e as estruturas profissionais, que o jovem professor tem de
procurar o seu próprio equilíbrio dinâmico, reajustar, mantendo, o sonho
que dá sentido aos seus esforços. (CAVACO, 1995, p.162)
O término da graduação representa o passaporte para a inserção na vida adulta, em
função da qualificação para o exercício de uma atividade profissional. Entretanto, não é um
processo automático; na maioria dos casos, o professor iniciante submete-se a condições de
trabalho totalmente adversas para inserir-se no mercado de trabalho.
A atividade docente é uma atividade temporal e carrega consigo as necessidades de
seu tempo. Estas são direcionadas pelo sistema educacional, que está inserido num contexto
político, em função do que esse sistema acredita ser necessário à sociedade.
O fato de a atividade docente ser regulada pelo Estado implica situações no universo
escolar que influenciam de forma direta na construção da identidade do professor nos dias
de hoje.
Nas últimas décadas, os sistemas educativos sofreram mudanças radicais, o que está
provocando um desgaste da escola e dos professores perante a sociedade. Esteve (1995,
p.96) afirma que, nesse processo, os elementos mais significativos são:
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Escolarização plena das crianças em idade escolar.
Níveis mais alargados de freqüência do ensino secundário.
Em conseqüência dessas transformações, os sistemas educativos vêem-se obrigados a
oferecer uma educação que seja eficiente, ao atender as novas necessidades desta
sociedade. Entendemos que esse é o papel da educação como um todo; entretanto, o que se
percebe é que todas as mudanças e os investimentos que têm sido feitos nessa direção não
estão provocando as mudanças necessárias. Em virtude da interatividade da atividade
docente, torna-se necessário o apoio dos professores e da sociedade, que precisam acreditar
nas reformas que estão ocorrendo; caso contrário, serão apenas mais alguns dispositivos
legais somados aos que já existem no universo real da educação.
Ensinar hoje é diferente do que era há vinte anos. Fundamentalmente,
porque não tem a mesma dificuldade trabalhar com um grupo de crianças
homogeneizadas pela seleção ou enquadrar cem por cento das crianças de
um país, com os cem por cento de problemas sociais que essas crianças
levam consigo. Daí o desencanto que atinge muitos professores que não
souberam redefinir o seu papel perante esta nova situação. (ESTEVE,
1995, p.96)
No entanto, nem todos os professores passam por esse desencanto. Por exemplo, o
professor Ariovaldo, ao ingressar no magistério, cursava o primeiro ano do curso de
Graduação na PUC Campinas e vivenciou momentos em sala de aula que contribuíram
positivamente no processo de construção do professor que se tornou hoje.
Quando entrei na sala de aula, pela primeira vez eu me senti útil,
valorizado pelos seguintes motivos:
— Os alunos prestavam atenção no que estava sendo ensinado.
Não havia conversas paralelas; os alunos levantavam a mão, quando
queriam perguntar ou fazer um comentário. Havia interesse no que estava
sendo ensinado.
Eu me sentia valorizado, prestigiado, ao perceber que estava fazendo
algo importante para a vida de outras pessoas.
Era muito gratificante você ouvir do seu aluno palavras como: “Eu
estou conseguindo acompanhar as suas aulas!E até hoje, mesmo após
40 anos de magistério, eu me emociono ao ouvir palavras como essas.
Todos esses fatos acontecidos no início de minha carreira, eu
posso garantir que contribuíram positivamente para a minha
permanência no magistério. Isso praticamente mudou o meu pensamento
com relação a ser professor, me proporcionou um olhar diferente, uma
83
mistura de profissão e missão. A sala de aula nos dias de hoje está muito
modificada; o contexto social no qual a escola esinserida precisa ser
levado em consideração, não se deve trabalhar uma Matemática
puramente acadêmica em determinadas escolas, porque a aula fica
monótona e sem significado para o aluno, o que provocará indisciplina.
Penso que uma forma de amenizar as dificuldades em escolas em que as
condições de trabalho são difíceis é o professor se apoiar na História da
Matemática. Além disso, a realidade da sala de aula também é outra.
Hoje você compete com a internet que tem no celular e diante de tudo isso
o professor tem que mudar também a sua postura em relação à matéria. A
Matemática precisa ser mais atraente, mais atrativa para o aluno.
(Ariovaldo).
De forma semelhante ao professor Ariovaldo, a professora Ana Cláudia ingressou
no magistério ainda como estudante: cursava o terceiro ano da Graduação na Unesp Rio
Claro. Embora numa sala de aula modificada em relação à época em que o professor
Ariovaldo ingressou, ela consolidou a sua condição de professora de Matemática graças às
condições em que realizou o seu trabalho nesse momento crucial de sua carreira.
Entretanto, ela destaca que o período de estágio realizado com classes do Ensino
Fundamental e Ensino Médio, um semestre em cada segmento, deu-lhe a segurança
necessária para iniciar de forma confiante a sua carreira docente e sentir-se professora. Foi
bem recebida pelos colegas e sentiu-se fazendo parte do mundo adulto, porque executava
todas as tarefas pertinentes ao trabalho de um professor no universo da sala de aula e da
escola.
Assumir uma classe como professora com diário de classe mesmo
aconteceu quando estava no terceiro ano da faculdade. Eu fui bem
recebida pelos professores que estavam na escola, foi muito tranqüilo,
foi que peguei mais gosto pelo magistério. Como graduada, comecei
trabalhando como OFA numa escola estadual da cidade de Araras, e
como eventual na prefeitura da mesma cidade. (Ana Cláudia)
Chama-nos atenção nessa fala de Ana Cláudia a simbologia do “diário de classe”
um instrumento que faz parte da atividade do professor e, portanto, ser responsável por ele
representa fazer parte de uma comunidade profissional. Um instrumento de legitimação
da condição de docência.
Comparando o momento de ingresso no magistério com os dias atuais, a professora
Ana Cláudia consegue perceber mudanças significativas no comportamento dos alunos para
com a escola e a aprendizagem.
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No que diz respeito ao meu trabalho como professora, a maior
dificuldade que eu enfrento não é quanto ao material, nem o fato de ter
que estudar para preparar uma aula, mas é a resistência dos alunos;
trabalhei em escolas públicas situadas em cidades menores como Araras
e Louveira e existe uma grande diferença entre os alunos daquela época e
os alunos de hoje aqui em Itatiba, que também é uma cidade de pequeno
porte, onde trabalho atualmente. Em Araras e Louveira, mesmo com
classes superlotadas, eu conseguia desenvolver um bom trabalho, os
alunos eram mais compromissados; quando chegavam ao Ensino Médio,
eles conseguiam acompanhar de forma satisfatória os conteúdos desse
segmento, o que de alguma forma os motivava a continuar estudando. Em
Itatiba eu percebo uma lacuna muito grande nos conteúdos adquiridos no
Ensino Fundamental e isso faz com que os alunos tenham mais
dificuldade em acompanhar os conteúdos deste segmento... Eu
trabalhei com classes em que, para conseguir um mínimo de
aprendizagem, era necessário separar os alunos em grupos de acordo
com as dificuldades; eu preparava listas de exercícios compatíveis com
cada grupo e assim esclarecia as dúvidas e corrigia as deficiências que
iam surgindo. Funcionava quase como uma aula particular para cada
um; porém para que este processo resultado, os grupos precisam ser
formados por três alunos no máximo, e as aulas precisam ser duplas,
porque para a formação dos grupos existe uma movimentação e numa
classe com número elevado de alunos e com uma aula de 50 minutos este
processo é totalmente inviável. (Ana Cláudia)
Ana Cláudia não é uma professora com tanto tempo de magistério e seu depoimento
leva-nos a alguns questionamentos: Os alunos mudaram tanto assim ou ela se encontra em
uma fase de desencanto pela profissão? Ou, atualmente, ela está inserida numa escola que
lhe pouco incentivo para continuar buscando propostas alternativas em sala de aula?
Evidentemente, não como ignorar que, além da massificação do ensino, a rede pública
estadual de São Paulo, na última década, ao adotar o regime de progressão continuada,
acabou implantando a promoção automática e, com isso, muitos alunos acabaram se
desinteressando pela escola e pelo conhecimento. Se, por um lado, como nos diz Esteve
(1995, p. 95), “os professores enfrentam sua profissão com uma atitude de desilusão e de
renúncia, que se foi desenvolvendo em paralelo com a degradação da sua imagem social”,
de outro, os alunos, diante das transformações ocorridas nos sistemas de ensino em
conseqüência das políticas públicas, também não consideram a escola uma instituição cujo
papel fundamental é a produção de saberes. Como diz Charlot (2005, p. 83), muitos
alunos não vão mais à escola para aprender, mas para “ter um bom
emprego no futuro [...] vão à escola para “passar”, depois passar
novamente, ter um diploma, conseqüentemente, um emprego [...] um
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número crescente de alunos, particularmente nos meios populares, vão à
escola somente para ter um bom emprego no futuro, estando a idéia de
escola desvinculada da idéia da aquisição do saber.
Este parece ser o maior desafio que os professores vêm enfrentando: como mobilizar
esses jovens para o saber, se muitos deles estão desanimados com a profissão? Se os
professores com certo tempo de magistério comparam o contexto atual com o passado e
percebem diferenças significativas, como é o caso de quem está ingressando? Isso nos
remete à professora Daniela.
Ela ingressou no magistério como professora substituta ou eventual, como se
denomina atualmente , quando estava terminando a Graduação, em 2008; e, comparando
o seu início de carreira com o dos demais professores, é possível perceber as lutas, os
dissabores vividos neste momento atual, tão contraditório para a vida profissional do
professor. Um desses dissabores diz respeito a não aceitação como profissional docente
pelos demais professores, devido a sua condição de professora eventual
categoria
profissional criada pelo próprio Estado.
O professor eventual é visto como um quebra-galho...
Sinto, ainda uma discriminação por parte dos professores efetivos da escola; alguns não
falam com os professores eventuais, tratando-os com muita indiferença e arrogância.”
(Daniela)
O choque entre a realidade da sala de aula e a realidade idealizada ao longo de sua
vida estudantil tem levado essa jovem professora a repensar o seu desejo de continuar na
carreira docente. Daniela vive a fase denominada por alguns autores que estudam o início
de carreira de “choque com a realidade”. Esteve (1995, p. 109), ao analisar essa fase, diz:
“O professor novato sente-se desarmado e desajustado ao constatar que a prática real do
ensino não corresponde aos esquemas ideais em que obteve a sua formação”.
Esse “choque com a realidade” torna-se mais pesado ainda para a jovem professora,
principalmente no que diz respeito à relação que os alunos têm com os professores
atualmente. Essa relação sofreu mudanças profundas nas últimas décadas, segundo Esteve
(1995, p. 107):
vinte anos, verificava-se uma situação injusta, em que o professor
tinha todos os direitos e o aluno tinha deveres e podia ser submetido
aos mais variados vexames. Presentemente, observamos outra situação,
igualmente injusta, em que o aluno pode permitir-se, com bastante
impunidade, diversas agressões verbais, físicas e psicológicas aos
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professores ou aos colegas, sem que na prática funcionem os mecanismos
de arbitragem teoricamente existentes.
Essas mudanças de relações têm sido marcantes no início de carreira da jovem
Daniela:
Não consegui ainda despertar a atenção dos alunos das duas turmas com
as quais estou trabalhando: uma de quinta série e outra de sexta série. Os
alunos falam junto comigo, gritam, fazem a maior algazarra. Sinto que
não estou conseguindo desempenhar o meu trabalho.[...] Os alunos
parecem não ter interesse em nada da escola; para eles a escola e os seus
ensinamentos não têm nenhum significado, chegando mesmo a dizer, que
não irão fazer nada, porque eles não serão reprovados, devido à
progressão continuada, ou seja, fazendo ou não as atividades, estudando
ou não todos serão aprovados. Este é um outro fator que compromete
seriamente o trabalho do professor, principalmente o professor eventual.
A partir do momento em que não há compromisso com a aprendizagem, o
ambiente escolar, para estes alunos, é um local de recreação; eles não
ficam quietos e não param de falar um momento. A escola para estes
alunos é apenas o cumprimento de uma formalidade. (Daniela)
O professor, como todo trabalhador, é amparado por um conjunto de leis que lhes
asseguram certa estabilidade para o exercício de sua função. Entretanto, o que se observa é
que, desde o início dessa legislação, tais direitos não são assegurados a todos os envolvidos
nesta atividade. Contratações de professores temporários, professores substitutos foram
comuns em décadas passadas e ainda o são, nos dias atuais, nas secretarias de educação de
vários estados, em virtude da expansão do ensino, sem um mínimo de planejamento, do que
resultou uma carência de professores e até mesmo de prédios escolares em condições
adequadas para uma educação de qualidade.
Eu vejo três situações distintas: quando o professor é efetivo, ele tem uma
estabilidade, tem o seu pagamento em dia, e tem o respeito dos alunos, da
escola, e dos colegas. Quando o professor é OFA (Ocupante de Função
Atividade), este professor. embora o tenha vínculo com o estado (não é
estatutário), ele tem seus direitos assegurados, ele tem aulas o ano todo e
o vínculo com a escola é mantido ao fim do ano. Para o professor
eventual é complicado, ele recebe um mês atrasado, recebe o seu
pagamento de acordo com o número de aulas dadas, não recebe descanso
remunerado. Por exemplo, eu ganho por aula, R$ 6,50, menos que o
professor efetivo e o OFA. [...] A maior dificuldade do professor eventual
é que alguns casos, ele trabalha num mesmo dia várias disciplinas
diferenciadas na maioria das vezes disciplinas que não são compatíveis
com sua graduação. [...] Acontece com freqüência; quando chego na
escola, não são todas, para substituir um professor que se ausentou não
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existe nenhum direcionamento sobre o que vai ser trabalhado na classe,
não comprometimento do professor e nem da direção da escola,
quanto a este fato.(Daniela)
Na profissão docente não acolhida aos novos professores. Quando estes chegam
à escola, precisam aprender a trabalhar e a resolver seus problemas sozinhos. Mas estão
preparados para isso? É nesse ambiente de insegurança, dúvidas e incertezas que o
professor novato precisa encontrar o “equilíbrio” a que se refere Cavaco (1995).
O sentimento de profissão do trabalhador em relação ao seu trabalho independe das
condições em que este é realizado. Se comparado com a história dos professores Ana
Cláudia e Ariovaldo, o caso da professora Maria do Carmo ocorreu na contramão do
processo de constituir-se professor: mesmo exercendo o magistério contra a sua vontade, a
sua entrada no magistério como professora de Matemática, pode-se dizer que foi por acaso.
[...]
comecei a fazer Ciências Biológicas na faculdade Anchieta, em
Jundiaí, pensando que seria bióloga. No terceiro ano eu descobri que o
curso era Licenciatura Curta em Ciências, quase abandonei o curso,
entretanto, o MEC, eu acho, não tenho muita certeza, estabeleceu uma lei
que para ser professor, era necessária a Licenciatura Plena, mas quem
possuía Licenciatura curta, poderia dar aulas, desde que o professor
fizesse complementação pedagógica. Assim, no terceiro ano eu optei por
Matemática, porque eu gostava mais, e me achava apta para dar aulas de
Matemática, graças ao conteúdo que estudei no Objetivo. (Maria do
Carmo)
O ingresso na carreira docente, para a professora Maria do Carmo, não foi um
processo contraditório, em virtude de a escola naquele momento apresentar características
semelhantes à escola de sua época como estudante. Como nos diz Cavaco (1995, p. 164),
“perante a necessidade de construir respostas urgentes para as situações complexas que
enfrenta, o professor jovem
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pode ser levado a reactualizar experiências vividas como
aluno e a elaborar esquemas de actuação que rotiniza e que se filiam em modelos
tradicionais”.
Ela foi bem recebida e requisitada para trabalhar em outras escolas. Foi um momento em que
ela se sentiu valorizada.
Consegui aulas de imediato e iniciei minha prática com uma postura
totalmente conteudista e, como o ensino daquela época era desta forma,
16
A autora usa o adjetivo “jovem” para referir-se ao professor em início de carreira.
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eu não enfrentei muitas dificuldades. Como não havia muitos professores,
se o professor realizasse um bom trabalho numa escola, no ano seguinte
ele era disputado por outras escolas; era comum você estar trabalhando e
receber convite de outras escolas para trabalhar. Esse foi um bom
momento vivido pelo professor. (Maria do Carmo)
Talvez por ser aceita pelos colegas e por trabalhar em condições que lhe permitiram
reproduzir modelos de aula que já conhecia, o que de alguma forma lhe deu uma segurança,
não sentiu necessidade de buscar novas formas de ensinar. No entanto, chama-nos a
atenção quando ela diz:
Durante este período eu nunca me senti professora; eu ensino por
ensinar, é um trabalho que eu gosto de fazer e procuro fazê-lo da melhor
forma possível, gosto de Matemática, gosto de ensinar Matemática, mas
não me sinto professora. (Maria do Carmo, grifos nossos)
Quais os sentimentos envolvidos na atividade docente, para que um trabalhador
exercendo essa atividade se sinta professor?
Os professores são também atores que investem em seu local de trabalho,
que pensam, que dão sentido e significado aos seus atos, e vivenciam sua
função como uma experiência pessoal, construindo conhecimentos e uma
cultura própria da profissão. Em síntese, o trabalho docente não consiste
apenas em cumprir ou executar, mas é também a atividade de pessoas que
não podem trabalhar sem dar sentido ao que fazem, é uma interação com
outras pessoas: os alunos, os colegas, os pais, os dirigentes da escola, etc.
(TARDIF; LESSARD, 2005, p.38)
Trabalhando hoje numa escola totalmente modificada, em virtude das mudanças
sociais ocorridas nas últimas décadas, percebe-se claramente o desencanto da professora
Maria do Carmo com a atividade docente nos dias de hoje:
Trabalhar na escola pública, nos dias de hoje, está muito complicado. A
escola atual, em relação à época em que ingressei no magistério, está
muito modificada. Quando iniciei no magistério, as aulas eram pesadas,
com muito conteúdo e resolução de exercícios na lousa. Eu preparava o
aluno para concurso, vestibulares, qualquer prova que ele fosse fazer que
envolvesse conteúdos de Ensino Fundamental, ele reunia condições para
realizar uma boa prova. A cobrança era muita, tanto de minha parte
como também da escola. O aluno tinha receio da reprovação, ele não
queria ser reprovado. A diferença é que ele era consciente que precisava
estudar, pois existia reprovação. (Maria do Carmo)
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Provavelmente, seu isolamento nas escolas onde atuou, até mesmo por nunca ter se
efetivado na rede e também por não se sentir valorizada pelos colegas pode ter
provocado tanto desencanto. Talvez ela não tenha procurado pelas brechas do sistema, em
busca de saídas para enfrentar a atividade docente em constante mutação. Pelo contrário,
como nos diz Cavaco (1995, p. 165), “ao modelar a sua identidade profissional, o professor
tende apenas a fixar-se defensivamente nos saberes que domina e/ou nos que são
veiculados por manuais e programas, tornando-os estáticos e dogmáticos”.
Tal postura também nos remete à ausência, nas escolas, de reflexões partilhadas com
o aluno que aí está, pautadas pela busca coletiva de soluções para o novo contexto”.
Segunda possibilidade: “Tal postura também nos remete à ausência, nas escolas, de
reflexões partilhadas, pautadas pela busca coletiva de soluções para o novo contexto,
considerando o aluno que está. Esses espaços de reflexão partilhada permitem “o
permanente questionamento das dificuldades e problemas da função docente e dos seus
aspectos mais inovadores, como condição para o desenvolvimento pessoal e profissional do
professor.” (CAVACO, 1995, p. 166).
Essa ausência de reflexões no interior das escolas fez-se presente nas trajetórias
desses quatro professores, embora elas sejam bastante singulares. Ariovaldo e Ana Cláudia,
provavelmente, viveram o que Huberman (1995, p.39) denomina de fase da “descoberta”
no início de carreira. Essa fase “traduz o entusiasmo inicial, a experimentação, a exaltação
por estar, finalmente, em situação de responsabilidade (ter a sua sala de aula, os seus
alunos, o seu programa), por se sentir colega num determinado corpo profissional”. Cada
um deles, a sua maneira, foi se descobrindo na profissão e identificando necessidades para
nela manter-se, principalmente, por processos de formação continuada. No caso de
Ariovaldo, até hoje ele é um entusiasta por novas possibilidades de trabalho em sala de
aula, participando de eventos em Educação Matemática; Ana Cláudia buscou cursos de
pós-graduação lato sensu, na tentativa de encontrar respostas aos problemas que enfrentava.
Mas, diferentemente de Ariovaldo, parece estar entrando numa fase de desinvestimento
como discutiremos a seguir.
no caso de Daniela, provavelmente, ela precisaria ter turmas sob sua
responsabilidade para, talvez, sentir-se fazendo parte da comunidade profissional docente.
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6.1.2.Táticas de sobrevivência no exercício da atividade docente
Vencida a etapa de ingresso no magistério, como os professores conseguem nele se
manter? Nosso objetivo nesta subcategoria é discutir as ticas de sobrevivência utilizadas
pelos professores diante das adversidades que encontram para o exercício da atividade
docente, nos vários momentos de sua trajetória profissional.
O conceito de tática tem sido usado com freqüência na literatura, mas a maioria dos
pesquisadores se apóia em Certeau (2002), para quem:
as táticas são procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo
às circunstâncias que o instante preciso de uma intervenção transforma
em situação favorável, à rapidez de movimentos que mudam a
organização do espaço, às relações entre momentos sucessivos de um
“golpe”, aos cruzamentos possíveis de durações e ritmos heterogêneos etc.
[...] apontam para uma hábil utilização do tempo, das ocasiões que
apresenta e também dos jogos que introduz nas fundações de um poder.
(p.102, grifos do autor)
Assim, diante das “estratégias” adotadas pelos sistemas de ensino (público ou
privado), os professores criam suas táticas
como formas de contrapontos e até mesmo de
sobrevivência. São as formas que vão encontrando para sobreviver na profissão e encontrar
satisfação (ou não) naquilo que realizam, mas também a razão de ser professor.
A literatura destaca a importância das várias etapas da trajetória profissional vividas
pelos professores, ao analisar como eles enfrentam as dificuldades do cotidiano da sala de
aula. Para melhor ilustrar essas discussões, faremos o nosso estudo tomando como base os
relatos das dificuldades enfrentadas pelos professores entrevistados, confrontando tais
relatos com a literatura que norteia este trabalho.
Os depoimentos dos professores apontam que a forma de enfrentar as adversidades no
seu trabalho esligada à forma como este parece aos olhos da sociedade, da escola e das
políticas públicas.
A professora Maria do Carmo vivenciou, ao longo de sua trajetória, dois momentos
contraditórios que foram responsáveis pelo conformismo e pelo desânimo no seu fazer
docente nos dias de hoje, em que, mesmo aposentada, trabalha como professora eventual.
[...] ingressei na escola pública como ACT na E.E. Conde Parnaíba, em
Jundiaí. Naquele momento era vantajoso ser ACT, pois o professor nessas
condições tinha alguns direitos como os efetivos, mas tinha a opção de
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escolher escola e carga horária que gostaria de trabalhar. [...] Eu
sempre escolhi muito a escola que iria trabalhar. Eu nesse período
trabalhei somente em boas escolas, sempre próximo de minha casa e com
a carga horária que era conveniente para a minha vida pessoal. (Maria
do Carmo )
Duas reflexões são suscitadas pela fala da professora Maria do Carmo: a condição
vantajosa de professor ACT e o status social vivenciado pelo magistério naquele momento
foram tão significativos que não despertaram o seu interesse em desenvolver-se
profissionalmente. Ou, até mesmo, o fato de não se sentir professora tirou de seus ombros a
responsabilidade de ir em busca de um aperfeiçoamento, que não se sentia uma
profissional da educação. Como diz Canavarro (apud PONTE, 1995, p.196), “a forma como
se vive a profissão, estreitamente ligada à noção que se tem de identidade profissional, é
um aspecto decisivo que condiciona muito do que o professor faz ou está receptivo para vir
fazer num futuro próximo”.
A professora Daniela viveu momentos difíceis, em conseqüência da contradição entre
o ideal de escola que a levou a optar pela carreira docente e esta mesma escola que a
recebeu no momento do seu ingresso no magistério. O processo de construção de sua
identidade como professora tem lhe proporcionado momentos de reflexão sobre sua vida
pessoal e profissional que ainda mantêm vivo o desejo de ser professora.
Terminada a Licenciatura, comecei a lecionar em uma escola estadual em
Jarinu, São Paulo. Trabalho com turmas de quinta e sexta séries. Estou
substituindo um professor que não é efetivo, mas que tinha assumido estas
aulas no início do ano. Agora no meio do ano apareceram aulas livres
para ele. Os alunos gostavam muito deste professor e, quando cheguei
para substituir, eu percebi uma revolta muito grande por parte dos
alunos, pela mudança do professor. [...] Revendo minha trajetória,
sempre tive alguém que me dissesse o que fazer e como fazer. O grande
desafio é que na sala de aula eu tenho que decidir, tenho que mandar e
não estou conseguindo exercer minha autonomia na sala de aula. Penso
também que, por ser muito nova ainda, os alunos não me respeitam. Não
consegui ainda despertar a atenção dos alunos das duas turmas com as
quais estou trabalhando: uma de quinta série, e outra de sexta série.
(Daniela)
Os ocupantes de posições instáveis são extraordinários “dispositivos analisadores
práticos” (BOURDIEU apud FREITAS, 2002, p.163); situados em pontos onde as
estruturas sociais “estão em ação” e, por esse fato, movidos pelas contradições dessas
estruturas, eles são obrigados, para viver ou sobreviver, a praticar uma forma de auto-
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análise que, muitas vezes, dá acesso às contradições objetivas de que são vítimas e às
estruturas objetivas que se exprimem através delas.
O ingresso, no magistério, dos quatro professores em questão aponta o empenho pela
educação demonstrado por eles, independentemente do momento vivido e da realidade da
sala de aula; cada um, mobilizado pelas suas crenças relativas ao fato de ser professor,
procurou, dentro de sua realidade e de suas limitações, desenvolver o seu trabalho de forma
a ser aceito no universo da profissão.
A professora Maria do Carmo tinha o desejo de ser aceita nesse universo, mesmo não
se sentindo professora:
Neste período eu era conhecida por ser uma professora que cumpria todo
o programa estipulado no início do ano letivo, uma professora que
passava muitos exercícios e também pelo fato de vários alunos meus que
pretendiam fazer faculdade conseguirem bolsa integral em escolas
particulares e cursinhos preparatórios para estes concursos. (Maria do
Carmo)
A professora Daniela, apesar de todas as dificuldades que fazem parte da condição de
trabalho do professor eventual, carregava consigo crenças e ideologias que acreditava
serem importantes para o exercício de um bom trabalho em sala de aula.
Normalmente quando chego numa escola para substituir um professor
que se ausentou não existe nenhum direcionamento sobre o que vai ser
trabalhado na classe, não comprometimento do professor e nem da
direção da escola, quanto a este fato. Entretanto, existem escolas em que,
quando há substituição, o professor eventual recebe o material preparado
pelo professor da disciplina e o direcionamento de como deverá ser feito
tal atividade, nestas situações é possível realizar um bom trabalho. Fui
chamada para substituir o professor de Filosofia uma turma de segundo
ano do Ensino Médio regular, o qual não havia deixado material algum,
ficando sob aminha responsabilidade, graduada em Matemática, escolher
o material a ser trabalhado. Escolhi um texto que falava sobre o homem
contemporâneo. Chegando à sala mandei que os alunos copiassem do
quadro o conteúdo, porque o professor iria trabalhar este conteúdo
quando retornasse. Esta foi a única maneira de fazer com que os alunos
prestassem atenção na aula e fizesse as anotações. Passados alguns
dias,quando retornei nessa mesma turma para substituir o professor de
Química -, para minha surpresa os alunos disseram que não iriam fazer
nada, porque o professor de Filosofia havia dito para esquecer o que a
professora substituta havia trabalhado; quanto ao texto eles poderiam
arrancar a folha, e jogar na lata do lixo. Foi um momento muito
angustiante. Levei este fato ao conhecimento da coordenadora, que
conversou com o professor, o qual justificou que era greve e a intenção
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era deixar os alunos sem fazer nada mesmo. Nesse dia, chorei na sala da
coordenação, sentindo-me desprestigiada pelo colega de profissão.
Mesmo sendo período de greve a escola me chamou para trabalhar; caso
não atendesse o chamado da escola quando solicitada, corro o risco de
nunca mais trabalhar [...] Em algumas classes de Ensino Médio regular,
onde atuei como professora eventual, eu consegui realizar um bom
trabalho, este fator depende muito da classe e da direção da escola. [...]
As únicas classes em que me sinto realizada quando trabalho são as
classes de EJA. São alunos com os quais realizei o meu melhor trabalho,
foi realizado durante um mês – na licença prêmio da professora da turma,
ela deixou o planejamento das aulas e os conteúdos que deveriam ser
trabalhados. (Daniela)
A professora Ana Cláudia também trabalhou como professora eventual no seu início
de carreira e conseguiu passar por essa fase de uma forma menos traumática, mas esse
momento foi importante para que desenvolvesse um sentimento de respeito e colaboração
para com o professor eventual.
O primeiro contato com a sala de aula foi quando estava na faculdade.
Eu tinha que fazer estágio, a professora saía e eu assumia a turma;
dominava a classe e aí eu aplicava o método que estava sendo estudado e
trabalhado na faculdade, e quando eu percebi estava na profissão.[...]
Embora eu não tenha enfrentado muitas dificuldades como professor
eventual, porque logo que comecei, eu organizei pastas com os conteúdos
das disciplinas; mesmo que o professor faltoso não deixasse material, eu
tinha como trabalhar na sala de aula. Esse professor eventual, num
mesmo período, trabalhava várias disciplinas para as quais não foi
formado, e muitas vezes, ele é chamado quase na hora de começar a aula,
porque surgiu algum imprevisto com o professor efetivo. Nesse momento,
o professor que quase sempre está iniciando na carreira entra na classe
sem saber o que trabalhar e como trabalhar; isso provoca um desgaste
muito grande, que o aluno percebe esta situação, e controlar a classe
nessas condições fica uma tarefa quase impossível. Eu tenho noção das
dificuldades enfrentadas por esse professor como eu e, por este motivo,
quando preciso faltar eu deixo material para ser trabalhado, explicando o
que fazer e como fazer; quanto às dúvidas que irão surgir durante estas
aulas, deixo anotado no material que estas serão esclarecidas na próxima
aula. (Ana Cláudia)
Destacam-se nesses depoimentos os problemas decorrentes da forma de contratação
do professor. Em algumas secretarias de educação, o professor eventual constitui uma força
de trabalho alternativa, da qual as secretarias se utilizam para suprir a falta de professores.
Em algumas disciplinas, em virtude da carência de professores efetivos na rede pública, o
professor eventual trabalha com uma classe durante todo um ano letivo, sem possuir
habilitação compatível com a disciplina que está trabalhando.
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Um fato instigante nessa realidade da escola pública, no que diz respeito ao professor
eventual ou temporário, é que a escola, assim como ocorre em outros setores, ao fazer uso
da mão-de-obra temporária, legitima para o professor a condição de mão-de-obra
descartável, uma vez que a condição de trabalhador docente está submetida à decisão do
Estado.
Por outro lado, em virtude do sistema de avaliação externa ao qual a escola está
submetida, a direção das escolas, ao atribuir as aulas, prioriza os professores efetivos, no
que diz respeito às classes e aos horários, porque a escola tem uma garantia de que o
professor nela ficará até o término do ano letivo. Para o professor temporário, isso implica
grandes transtornos para o trabalho, com carga horária que, muitas vezes, não compensa
financeiramente, além de horários de aulas alternados que dificultam a vida pessoal do
professor.
O processo de flexibilização das relações de trabalho está presente na educação, uma
vez que é uma tendência geral no mundo do trabalho. No caso da educação pública, o que
se percebe é a utilização de um artifício — o trabalho temporário que deveria ser
utilizado por um período predeterminado, mas está se consolidando como solução
definitiva para a carência de professores.
Trabalho temporário é aquele realizado por pessoa física a uma empresa
para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal
regular ou a acréscimo extraordinário de serviços, mediante contrato
firmado, escrito, firmado com a empresa de trabalho temporário, cujo
prazo não pode exceder três meses, salvo autorização do órgão específico
do Ministério do Trabalho. (BONFIGLIOLI apud MILANI, 2007, p.34)
Entretanto, quando se analisa o quadro de professores efetivos da rede pública no
Brasil, a realidade do professor temporário é muito diferente da condição de trabalhador
temporário definida por Bonfiglioli. Segundo pesquisas da Unesco, no ano de 2002, 61%
dos professores da rede pública de todo o Brasil eram efetivos concursados; 9,2% eram
efetivos sem concurso; 19,1% haviam ingressado como professores por meio de contrato
temporário; e 5,7% eram contratados pela CLT (UNESCO apud MILANI, 2007, p. 85 ).
Dentro desse quadro, o mais comprometedor, sem dúvida, é a situação do professor
eventual, que pode ministrar aulas de qualquer disciplina. Como nos diz Campos (2002, p.
22), “compreende-se, assim, que se pode chamar de ‘professor’ qualquer um, que saiba ou
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presuma saber, e não somente ao que saiba ou deva saber ensinar”. Esse professor, diante
dessas condições, dificilmente poderá construir sua identidade profissional, tal como
defendido por Dubar (2005) e Lüdke e Boing (2004).
No entanto, mesmo com esta situação de vínculo empregatício desfavorável,
constata-se que alguns professores buscam desenvolver a atividade com postura ética e
profissional. Por exemplo, o professor Ariovaldo teve a sua condição de profissional
despertada pelo universo da sala de aula, que o motivou a sair em busca de novas maneiras
de trabalhar os conteúdos com os alunos.
A partir do instante em que eu mudei a minha maneira de pensar o
magistério, eu comecei a estudar mais. Eu tinha uma preocupação muito
grande em preparar aulas, explicar os conteúdos de forma mais
simplificada e posso assegurar que foram nesses momentos que eu
aprendi muita coisa, acho que aprendi mais do que ensinei. [...] Mesmo
com um ambiente favorável ao meu trabalho, eu percebia algumas
lacunas que eu não conseguia preencher. A Matemática ainda era um
deserto que precisava ser explorado e, como o interesse dos alunos era
muito grande, eu saí em busca de algo que me proporcionasse significado
ao que estava ensinando e foi nesta busca que encontrei verdadeiros
tesouros.(Ariovaldo)
Cada professor, em particular, tinha motivos para acomodar-se: uns, pela
tranqüilidade que viviam no universo da sala de aula, e outros, pelas dificuldades para
exercer o seu trabalho, quando substituíam vários professores de várias disciplinas. No
entanto, é possível identificar um traço comum entre eles: todos estavam comprometidos
com a aprendizagem dos seus alunos, mesmo em condições precárias e com dificuldades
para serem aceitos pela escola e por seus membros.
Os professores iniciantes não são acomodados, acreditam na educação.
Buscam ajuda, normalmente respeitam os alunos, compreendem suas
dificuldades. São mais flexíveis, buscam inovar, aplicar algumas coisas
que aprenderam durante o curso de magistério em sala de aula. que
muitas vezes não conseguem os resultados que esperavam. Mas sempre
estão tentando, apesar de sua insegurança. (FREITAS, 2002, p.167)
Nessa fase de sobrevivência, os professores buscam seus próprios caminhos, os quais
poderão conduzir a grandes realizações profissionais ou ao desânimo diante das
dificuldades, como apontado por Huberman (1995, p. 39):
96
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O aspecto da “sobrevivência” traduz o que se chama vulgarmente o
“choque do real”, a confrontação inicial com a complexidade da situação
profissional; o tactear constante, a preocupação consigo próprio (“Estou a
me agüentar?”), a distância entre os ideais e as realidades quotidianas da
sala de aula, a fragmentação do trabalho, a dificuldade em fazer face,
simultaneamente, à relação pedagógica e à transmissão de conhecimentos,
a oscilação entre relações demasiado distantes, dificuldades com alunos
que criam problemas, com material didático inadequado, etc.
A expansão do ensino a todas as classes sociais implicou um aumento quantitativo de
alunos nas escolas e exigiu um aumento do número de professores. No entanto, a cada ano
a escassez de professores vem aumentando, o que tem provocado o ingresso no magistério
de um número cada vez maior de profissionais não qualificados, ou seja, sem a formação
inicial especializada para ser professor de Matemática.
O atendimento a tal demanda — tanto da expansão do ensino quanto dos profissionais
que atuam nas escolas tem provocado o surgimento de novos problemas de ordem
qualitativa que, para serem discutidos, precisam de uma reflexão mais profunda entre os
próprios professores e os demais atores da escola. Isso não está ocorrendo, o que provoca
um desencantamento nos professores, quando comparam a realidade da escola nos dias de
hoje com a realidade da escola de alguns anos atrás, para a qual eles olham com certo
saudosismo. Falta-lhes a compreensão de que, além dessas mudanças provocadas pelos
sistemas de ensino, os alunos também mudaram, assim como a sociedade; e a expectativa
que se tem da educação escolarizada também mudou.
Esteve (1995) distingue dois grupos de fatores que contribuem para o estudo da
pressão da mudança social sobre a função docente:
- Chamam-se factores de primeira ordem os que incidem directamente
sobre a acção do professor na sala de aula, modificando as condições em
que desempenham o seu trabalho e provocando tensões associadas a
sentimentos e emoções negativas que constituem a base empírica do mal-
estar docente.
- Os factores de segunda ordem referem-se às condições ambientais, ao
contexto em que se exerce a docência. Este segundo grupo de factores tem
uma acção indireta, afectando a motivação e a implicação do professor.
(ESTEVE, 1995, p. 99, grifos do autor)
Os depoimentos dos professores nesta pesquisa evidenciam esses fatores. No caso de
Maria do Carmo, ela constata a necessidade de mudanças de postura diante das
97
necessidades dos alunos, mas parece não se sentir confortável com isso, o que pode estar
afetando sua motivação para continuar na profissão:
Eu mudei muito a minha maneira de ser professora em relação ao
momento em que iniciei no magistério. Eu nunca fui de conversar com
aluno, entrava na classe e logo em seguida começava a trabalhar. Agora
nesta nova realidade, já houve momentos em que eu precisei perder quase
metade da aula, para falar com os alunos sobre respeito aos outros e ao
local em que se encontra. Isto porque, no meio da explicação um aluno
xingou uma aluna de todos os nomes, quase chegando às vias de fato.
Infelizmente este é um fato que acontece com freqüência, o aluno vai a
escola para fazer de tudo menos estudar, prestar atenção na aula. (Maria
do Carmo)
Ariovaldo também analisa as mudanças que sofreu nas suas condições de trabalho,
apontando para aquelas que interferem diretamente na sua ação em sala de aula:
Mesmo durante o período da ditadura militar havia tranqüilidade para o
trabalho; havia uma condição melhor de trabalho, não que eu gostasse
daquele momento, mas no que diz respeito ao trabalho, eram melhores as
condições. Financeiramente era melhor, o professor tinha sua carga
horária toda na escola pública e você conseguia se manter, eram
oferecidos, naquela época, cursos que hoje também são oferecidos; eu
não via perseguição, pelo menos no que diz respeito a Matemática.[...]
Tempos depois, de forma inexplicável, nós, professores, fomos perdendo
tudo isso. Foi nesse momento que teve início o processo de
desvalorização e desprestígio do professor.[..] Este processo teve o seu
início quando começou a faltar compromisso com a disciplina no interior
da escola e fora da escola. Os alunos tomaram conta, e o professor ficou
sem respaldo por parte da direção, coordenação e até mesmo das
autoridades. É comum, nos dias de hoje, notícias sobre agressão a
professores, diretores, funcionários da escola, violência entre os alunos,
drogas. Infelizmente tudo isto faz parte do quotidiano de algumas escolas
públicas. Tudo isto interfere na qualidade do trabalho do professor, pois,
nesse cenário, o professor, quando consegue realizar algo, ele realiza o
que as condições lhe possibilitam fazer. (Ariovaldo)
Os reflexos da mudança social que afeta a escola interferem diretamente no professor,
na maneira de auto-analisar-se como profissional, diante das condições de seu fazer
docente, dos resultados obtidos e, principalmente, da maneira como é visto o seu trabalho
pelas autoridades gestoras do sistema educacional e pela sociedade. Essa auto-análise
provoca, na vida profissional do professor, efeitos variados, que vão desde o desânimo até a
busca de novos horizontes, novos caminhos, como forma de manter aceso o entusiasmo
pela atividade docente. O depoimento seguinte é revelador:
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Neste momento da minha carreira, estou meio perdida; eu já fiz duas pós-
graduações lato sensu, a primeira foi Modelagem Matemática, a segunda
saiu um pouquinho fora, foi com a Psicopedagogia. Eu procurei a
Psicopedagogia como forma de me preparar melhor para trabalhar com
o Ensino Fundamental. Eu tenho dificuldade de trabalhar com turmas de
e 6ª séries; com a Psicopedagogia eu tinha o objetivo de me adequar
melhor nesse segmento e com essas séries. Quanto ao Mestrado, eu ainda
quero fazer um Mestrado, que eu percebo que ainda não é o momento.
Eu não sei ainda se quero fazer em Educação que tem em Itatiba. Na
verdade eu gostaria mesmo de fazer é na área de Matemática Pura. Como
em Itatiba não tem, eu teria que sair da cidade para estudar na USP ou
Unesp/ Rio Claro. É numa dessas universidades que eu gostaria de fazer
o Mestrado. [...] Neste momento da minha vida, o meu projeto
profissional é trabalhar numa universidade com pesquisa ou sala de aula,
mas também não é uma coisa muito definida ainda. (Ana Cláudia)
Esta indecisão da professora Ana Cláudia remete-nos a alguns questionamentos:
como pode uma professora que iniciou sua carreira profissional de forma diferenciada,
entusiasmada com a profissão, demonstrando segurança, determinação, consciência
profissional para buscar soluções para as dificuldades que surgiam na sala de aula durante
esse período, viver esses momentos de indecisão em relação à profissão? Quais os motivos
que têm provocado essa indecisão, ou até mesmo uma mudança de rumos na sua vida
profissional? Seriam as condições de trabalho docente, o descaso do sistema educacional e
da escola para com o seu trabalho? No entanto, ela própria busca encontrar motivos para
continuar na profissão: Parece estranho, mas quem ainda reconhece o trabalho do
professor é o aluno, e o meu entusiasmo com o magistério, ainda persiste, graças ao
carinho e o reconhecimento dos meus alunos para com o meu trabalho (Ana Cláudia).
Assim como Ana Cláudia, muitos docentes acabam encontrando, no reconhecimento
dos alunos, motivo para permanecer no magistério.
A professora Maria do Carmo está aposentada, mas ainda sofre com a condição de
desprestígio em que vive o professor nos dias de hoje.
Em Jundiaí o professor era respeitado, admirado; quando você dizia que
era professor, você era visto com admiração; se fosse professor de uma
escola tradicional da cidade, este tratamento era mais diferenciado
ainda. Atualmente quando você fala que é professor, é comum você ouvir:
“mais um sofredor”, ou então frases do tipo: Você é professor? Eu
também fiz faculdade para ser professor, mas nunca trabalhei como
professor, agüentar desaforo de aluno, ganhar mal, é uma coisa que eu
não quero para minha vida. O desprestígio chegou a um nível, que o
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estudante faz faculdade, ele aceita qualquer trabalho, menos ser
professor. (Maria do Carmo)
Também para a professora Daniela, os efeitos da mudança social estão se fazendo
sentir: provocam questionamentos quanto a sua permanência ou não no magistério:
Quanto aos planos para o futuro, pensei em desistir do magistério,
fazer vestibulinho para a Escola Técnica de Química. No entanto, refleti
melhor, percebi que seria um retrocesso, mas está muito difícil! Os alunos
estão muito rebeldes, os pais não educam mais os filhos. Assim, sobra
tudo para a escola e o professor, os alunos não estão mais preocupados
em aprender. Se o perfil dos alunos modificar, acho que continuo no
magistério, ou se eu trabalhar somente com turmas de EJA. Sonho em
fazer Mestrado para dar continuidade ao trabalho de Iniciação
Científica. Mas por enquanto são apenas sonhos. (Daniela)
Como diz Cavaco (1995, p. 101), “são cometidas à escola maiores responsabilidades
educativas, nomeadamente no que diz respeito a um conjunto de valores básicos que,
tradicionalmente, eram transmitidos na esfera familiar”.
Nos depoimentos das professoras Maria do Carmo e Daniela percebe-se claramente o
desencanto com a profissão docente; as mudanças foram muitas e causaram fortes impactos
na auto-estima do professor; porém, “o problema reside em que, independentemente de
quem provocou a mudança, são os actores [professores] que dão a cara. São eles, portanto,
quem terá de encontrar uma saída airosa, ainda que não sejam os responsáveis.”
(CAVACO, 1995, p. 97).
Ponte (1995), ao analisar a condição de permanência na profissão, considera três
grupos:
- os investidos, que vivem sua profissão com entusiasmo e sentido de
responsabilidade, remando muitas vezes contra ventos e marés (e que não
são tão poucos como isso!);
- os acomodados, que não têm esperança de ver ocorrer qualquer mudança
significativa no ensino e que encaram a sua profissão como um meio de
sobrevivência;
- os transitórios, que estão na profissão apenas de passagem, à espera de
mudar para outra actividade em que se sintam melhor. (PONTE, 1995,
p.195)
O depoimento do professor Ariovaldo caminha na contramão dos demais
depoimentos. Em momento algum ele se deixou abater perante as dificuldades e as
incertezas surgidas durante o período em que trabalhou na escola pública sob o regime de
100
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título precário, ou até mesmo quando as mudanças sociais na sala tiveram o seu início; pelo
contrário, foi nesse momento que ele saiu em busca de soluções e respostas, participando de
congressos, cursos de especialização, com o objetivo de melhorar cada vez mais a
qualidade de suas aulas, tornando-as atrativas para seus alunos, pois entendia que essa era
uma das maneiras eficazes de combater a indisciplina e o desinteresse pela Matemática.
No meio dessas reflexões, podemos indagar: quais são as motivações que fizeram
com que esse professor, hoje com 40 anos de magistério, ainda mantenha acesos o gosto e o
entusiasmo pela atividade docente?
Em 1996, eu fiz um curso de especialização na PUC-Campinas. Foi muito
bom! Foi um curso excelente. Eu não fiz com o objetivo de dar aulas em
faculdade, foi pelo conhecimento mesmo. Eu queria muito conhecer o
outro lado da Matemática, a Matemática contextualizada, interessante,
bonita, e isto foi ficando cada vez mais empolgante. [...] Eu nunca parei
de estudar. Na minha profissão nenhum dia é igual ao anterior; todos os
dias eu me sinto desafiado, não tanto pelos alunos, mas no intuito de
buscar uma Matemática mais agradável ao jovem, eu tenho pesquisado
muito, tenho feito cursos, agora por último eu fiz um curso de verão na
USP sobre História da Matemática. [...] Estou escrevendo um livro sobre
Pitágoras; escrevi um livro para o Ensino Fundamental que foi
aprovado pelo MEC. Eu não parei em momento algum; ainda me sinto em
plenas condições de produzir alguma coisa nova, continuo lutando pela
minha profissão, e agora surgiu uma nova oportunidade, o Ensino
Superior, uma faculdade aqui de Jundiaí, abriu um processo seletivo, fui
aprovado e talvez seja mais uma meta que eu tenha que cumprir, eu
acredito que minha profissão para mim é mais uma missão. Isto porque
em vários momentos de minha vida eu percebi e ainda percebo que a
Matemática serve como um canal de transmissão de outros
conhecimentos. Para o aluno, o professor é um espelho e, embora com
todo este massacre, que o professor vem sofrendo por parte da mídia e
dos dirigentes da educação, a figura do professor representa muito para
o aluno. Já houve dias em que só consegui ensinar alguma coisa de
Matemática depois de conversar com os alunos outros assuntos
relacionados com sua vida diária; normalmente valores humanos como
respeito, ética entre outros.[...] Uma coisa que mantém aceso o
entusiasmo com a sala de aula, e com o magistério, é o fato de encarar o
meu trabalho em alguns momentos como missão, não que com isto eu
tenha que ganhar mal, ser humilhado, e sujeitar-me a determinadas
situações de desprestígio, mas o caráter de missão está relacionado com
o fato de procurar fazer o meu trabalho da melhor forma possível; eu não
tenho reconhecimento da escola, diretores, coordenadores; eu tenho
reconhecimento dos meus alunos e é por eles que eu procuro fazer o meu
trabalho da melhor forma possível. É muito gratificante você saber que o
seu trabalho contribuiu, de alguma forma, para o sucesso do seu aluno,
como pessoa, como profissional. Este é o maior troféu do professor.
(Ariovaldo)
101
Segundo os estudos sobre os ciclos de vida profissional, Ariovaldo estaria na fase do
desinvestimento ou à espera da aposentadoria. Mas ele ainda continua se considerando útil na
profissão.
Todavia, a fase final da carreira reflecte principalmente a forma como
uma longa experiência de trabalho e o conhecimento que proporciona são
integrados, a consciência maior ou menor que a pessoa tem do valor e da
consistência do seu esforço no sentido de se continuar como uma presença
útil e ainda necessária na sociedade. (CAVACO, 1995, p.186)
E, por ainda se considerar útil, continua a investir no seu desenvolvimento
profissional e mobilizado a compartilhar suas experiências com os colegas de profissão:
A participação em congressos e outros eventos de Educação Matemática
é uma busca particular minha. Eu tenho curiosidade em saber como as
escolas de outras regiões e até mesmo de outros países trabalham o
ensino da Matemática. Acho engraçado que nestes congressos a
comunicação oral dos trabalhos é feita por mestrandos e doutorandos,
que são orientados também por doutores, onde eles apresentam o
trabalho de pesquisa. Eu participo com o único objetivo de mostrar o que
estou fazendo, o que estou tentando ensinar e, para minha surpresa,
cheguei à conclusão de que as dificuldades para se ensinar Matemática
são as mesmas, independente de regiões ou países; o que muda são as
maneiras de se buscar soluções para resolver estas dificuldades.
(Ariovaldo)
O comprometimento do professor Ariovaldo com a sua profissão, conforme já
destacado, vem desde o seu ingresso no magistério, quando, devido à receptividade dos
alunos e ao interesse deles pelo que estava sendo ensinado, despontou neste professor o
sentimento de valorização, de ser útil, de ser capaz de melhorar a vida dos seus alunos
como pessoas e como profissionais. Isso, provavelmente, fez com que saísse em busca de
novos caminhos, com o objetivo de melhorar a qualidade do seu trabalho.
Ponte (1995, p. 196,
grifos do autor
) relata as análises de António Nóvoa:
referindo-se ao processo identitário de cada professor, sugere que este
repousa sobre três AAA: (a) a adesão a um conjunto de princípios e
valores, à formulação de projectos que pressupõem a potenciação das
capacidades dos educandos; (b) a acção, implicando a escolha, em cada
caso, das maneiras de agir que melhor se adequam à nossa personalidade;
e (c) a autoconsciência que remete para o papel decisivo da reflexão sobre
a prática.
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Professores como Ariovaldo estão preparados para atuar em contextos de mudança,
até mesmo no momento atual, que Hargreaves (2001) denomina de “sociedade do
conhecimento”.
Ensinar para a sociedade do conhecimento, então tem a preocupação com
a aprendizagem cognitiva, trabalho em grupo, auto-monitoramento
profissional, uso inovador de tecnologia, informação, dados, pesquisa,
resolução de problemas, assumir riscos, mudar e melhorar continuamente.
(HARGREAVES, 1991, p.9)
ainda que considerar que muitos professores sobrevivem na atividade docente
não apenas pela qualificação profissional, mas pelas táticas desenvolvidas. Nesse sentido,
Hypolito (1997, p. 87) diz:
Dependendo da lógica, o professor mais adequado tanto pode ser aquele
profissional bem preparado, quanto pode ser aquele que não está apto a
pensar, mas mostra-se um perfeito executante. Numa ótica tecnicista, o
trabalhado do ensino ideal executa o que está prescrito pela supervisão e
previsto nos manuais.
Mas, ao submeter-se a essa lógica, o professor perde sua identidade profissional.
6.2. Percepções dos professores sobre o processo de precarização trabalho
docente
A análise das condições com que os quatro professores enfrentaram ou enfrentam as
adversidades da atividade docente evidenciou-nos que eles conseguem perceber as
mudanças ocorridas na profissão. Assim, nesta categoria vamos analisar a percepção dos
professores sobre o processo de precarização do trabalho docente. Entendemos por
precarização o aumento das dificuldades para o exercício do trabalho docente, o processo
de desvalorização do professor em virtude das políticas públicas para a educação e a queda
de prestígio desse profissional perante a sociedade.
Inicialmente buscamos identificar, nas textualizações, o modo como os professores
vêm percebendo esse processo. No entanto, é possível observar nessas quatro trajetórias
situações que têm contribuído para a desprofissionalização do trabalho docente e não são
103
explicitadas pelos professores ou são, amesmo, silenciadas. Assim, a análise centrar-se-á
em duas subcategorias:
As percepções dos professores sobre a precarização do trabalho docente.
Situações que contribuem para o processo de precarização do trabalho docente.
6.2.1. As percepções dos professores sobre a precarização do trabalho
docente
O trabalho do professor, em todos os segmentos de ensino, atravessa um momento de
descrença por parte da sociedade, da mídia e dos próprios alunos, que esse profissional
não consegue cumprir um dos papéis mais importantes sob a ótica do neoliberalismo:
possibilitar a empregabilidade ao jovem recém-saído da escola. Além disso, o professor
também não tem conseguido tornar possível à maioria dos jovens oriundos das camadas
populares o acesso ao Ensino Superior.
Entretanto, as discussões com respeito ao trabalho docente m levado em conta
apenas os resultados dos exames de avaliação externa. Fica um questionamento: tudo o que
a escola tem feito e está fazendo está errado? Em que condições e contextos sociais o
trabalho docente está sendo realizado? Quais as condições de trabalho que o profissional
docente tem encontrado para a realização do seu trabalho. Em meio a estes
questionamentos que iniciaremos as discussões sobre a precarização do trabalho docente.
Entendemos que, para discutir o trabalho de um professor, torna-se necessário
analisar e discutir a complexidade que envolve o trabalho docente e o ambiente em que este
é realizado; neste caso, a escola. Há que entender que “a docência é um trabalho cujo objeto
não é constituído de matéria inerte ou de símbolos, mas de relações humanas com pessoas
capazes de iniciativa e dotadas de certa capacidade de resistir ou de participar da ação dos
professores.” (TARDIF; LESSARD, 2005, p.35).
Na percepção dos professores entrevistados, um dos fatores que compromete o
resultado do seu trabalho é o desinteresse dos alunos para com os conteúdos trabalhados.
No que diz respeito ao meu trabalho como professora, a maior dificuldade que eu enfrento
não é quanto ao material, nem o fato de ter que estudar para preparar uma aula, mas é a
resistência dos alunos. (Ana Cláudia)
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Refletindo sobre as palavras da professora Ana Cláudia, é possível perceber que,
além de ensinar os conteúdos, está implícita no seu trabalho a função de mobilizar o aluno
para o conhecimento (CHARLOT, 2005); o sucesso do seu trabalho está condicionado ao
fato de os alunos acreditarem que a escola é boa para eles. Nesse caso, o ato de ensinar
exige do professor envolver o aluno, seduzi-lo, convencê-lo de que tudo que é ensinado
será de grande valia para sua vida. Entretanto, para que isso aconteça, é necessário que o
aluno queira estar na escola.
Antes de me aposentar sempre trabalhei com Ensino Fundamental, agora,
como professora eventual, eu tenho trabalhado com alunos do Ensino
Médio, e o que eu vejo é um quadro ainda mais desolador. Alunos com
idade entre 16 e 17 anos com atitudes totalmente descompromissadas
com a escola e a aprendizagem e, quando o professor exige um pouco
mais deles, alguns respondem: “Professora, não se preocupe, estou aqui,
porque minha mãe me obriga vir para a escola, mas o que eu quero
mesmo é fazer supletivo, estou apenas esperando completar idade para
me matricular no EJA”. (Maria do Carmo)
No caso dos professores, o aluno, a matéria-prima do seu trabalho, tem a capacidade
de oferecer resistência, e esta é motivada pelo fato de os alunos freqüentarem a escola não
em busca de aprendizagem, mas para atender a uma exigência legal, o que dificulta
qualquer tipo de interação entre professor e aluno.
A escolarização repousa basicamente sobre interações cotidianas entre
professores e os alunos. Sem essas interações a escola não é nada mais
que uma concha vazia. Mas essas interações não acontecem de qualquer
forma: ao contrário elas formam raízes e se estruturam no âmbito do
processo de trabalho escolar e, principalmente, do trabalho dos
professores sobre e com os alunos. (TARDIF; LESSARD, 2005, p.23).
O depoimento da professora Maria do Carmo remete-nos a um questionamento sobre
a atual legislação: ela permite a matrícula de adolescentes que não conseguem concluir o
Ensino Fundamental até 15 anos e de jovens que não conseguem concluir o Ensino Médio
até 18 anos. Isso acaba por descaracterizar o perfil de aluno de EJA: é comum, numa
mesma turma, encontrarmos adolescentes de 16 anos convivendo com pessoas de 50, 60
anos; por outro lado, cria-se a imagem de que esse nível de escolarização facilita a obtenção
do diploma. Diploma para o qual ainda a crença de uma “vida normal”. Como diz
Charlot (2005, p. 83), “não mais senão o valor de troca do diploma no mercado de
105
trabalho”. O saber perde seu sentido e o trabalho do professor, cujo cerne está nos saberes,
acaba se tornando a “concha vazia” a que se referem Tardif e Lessard (2005).
Nas últimas décadas, a sociedade, os sistemas políticos e econômicos passaram por
mudanças tão radicais que obrigaram todos os países a se adaptarem a esta nova realidade.
Em conseqüência disso, os sistemas de ensino sofreram modificações. Sem dúvida, as
modificações são necessárias, porém, o agente principal desse processo precisa estar
envolvido, precisa acreditar nas mudanças, e isso não está acontecendo. O professor tem
ficado fora das decisões que lhe dizem respeito.
Essas mudanças vêm provocando um desgaste acentuado na imagem social do ensino
e do trabalhador docente. Nesse contexto, elementos vitais para o êxito de todo processo
são a presença na escola de todas as crianças em idade escolar e a expansão do ensino a
todas as camadas da sociedade. Esse processo tem provocado no professor um
desajustamento em relação ao seu trabalho, visto que, de um momento para outro, ele é
obrigado a mudar o seu fazer docente o qual, muitas vezes, cristalizou-se durante sua
trajetória profissional para atender às novas necessidades. O que se vê é que a escola
está assumindo funções que até então eram responsabilidade das famílias, como percebido
pelos professores:
Em virtude da falta de estrutura das famílias a escola está assumindo
responsabilidades que antes não tinha. Vou lhe dar um exemplo: um
aluno da série ficou um mês sem comparecer à escola e a mãe foi
tomar conhecimento do fato porque a escola foi obrigada a comunicar ao
Conselho Tutelar. Nos dias atuais, é responsabilidade da escola e do
professor convencer o aluno a vir à escola. (Maria do Carmo)
houve dias em que consegui ensinar alguma coisa de Matemática
depois de conversar com os alunos outros assuntos relacionados com sua
vida diária; normalmente, são valores humanos, como respeito, ética,
entre outros. (Ariovaldo)
Esses depoimentos remetem-nos às considerações feitas por Noronha, 2001 (apud
OLIVEIRA, 2004, p. 1.132):
O professor, diante das variadas funções que a escola pública assume, tem
de responder a exigências que estão além de sua formação. Muitas vezes
esses profissionais são obrigados a desempenhar funções de agente
público, assistente social, enfermeiro, psicólogo, entre outras; tais
sentimentos contribuem para um sentimento de desprofissionalização, de
106
106
perda de identidade profissional, da constatação de que ensinar às vezes
não é o mais importante.
O trabalho do professor é realizado no espaço escolar e, quando se fala em escola,
professor e trabalho do professor, está implícita a idéia de ensino; o aluno está na escola
com um único objetivo: aprender; e este momento escolar do aluno, aos olhos da sociedade,
significa uma preparação para situações de desafio que surgirão ao longo de sua vida.
Porém, para que haja ensino, é necessário que ocorra aprendizagem; o binômio ensino-
aprendizagem é indissociável de fatores externos que atuam no ambiente escolar, onde o
ato de aprender ocorre ou, pelo menos, deveria ocorrer. Se isso não acontece, o professor
sente não desempenhar o seu trabalho, como destacado pela professora Daniela. Não
consegui ainda despertar a atenção dos alunos das duas turmas com as quais estou
trabalhando: uma de quinta série e outra de sexta série. Os alunos falam junto comigo,
gritam, fazem a maior algazarra. Sinto não estar conseguindo desempenhar o meu
trabalho. (Daniela)
Diante da impossibilidade de desempenhar o seu trabalho, o professor sente-se
impotente e traz para si a culpa pelo não cumprimento de suas expectativas. Isso gera o
desencantamento pela profissão. “Os professores enfrentam circunstâncias de mudança que
os obrigam a fazer mal o seu trabalho, tendo de suportar crítica generalizada que, sem
analisar essas circunstâncias, os considera como responsáveis imediatos pelas falhas do
sistema de ensino.” (ESTEVE, 1995, p.97).
Além desse sentimento de impotência, o professor, principalmente o não efetivo
OFA ou eventual —, ainda convive com as desigualdades salariais e com a discriminação
dos colegas:
Ainda com relação às condições de trabalho docente, eu vejo três
situações distintas: quando o professor é efetivo, ele tem uma
estabilidade, tem o seu pagamento em dia, tem o respeito dos alunos, da
escola e dos colegas. Quando o professor é OFA, este professor, embora
não tenha vínculo com o Estado (não é estatutário), ele tem alguns
direitos assegurados, ele tem aulas o ano todo e o nculo com a escola é
mantido até o fim do ano. Para o professor eventual é complicado, ele
recebe um mês atrasado, recebe o seu pagamento de acordo com as aulas
que foram dadas, não recebe descanso remunerado. Por exemplo, eu
ganho por aula R$ 6,50, menos do que o professor efetivo e o OFA.
(Daniela)
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Na tentativa de ser aceito na profissão, ou até mesmo de sobreviver, o professor acaba
sujeitando-se a condições precárias de trabalho, com seus direitos trabalhistas violados e a
auto-estima abalada, por não ser visto, pela escola e até mesmo pelos colegas de profissão,
como profissional da educação, mas como um quebra-galho.
A expansão do ensino a todos os segmentos da sociedade provocou alterações
qualitativas e quantitativas no sistema de ensino. A estrutura educacional existente
número de professores insuficientes, prédios escolares em condições precárias — não
comporta o aumento da demanda de alunos. Um outro fato que não pode ser esquecido e
que interfere diretamente no trabalho do professor é o aumento da heterogeneidade na sala
de aula, implicando um esforço maior por parte do professor que deseja alcançar todos os
alunos.
Eu trabalhei com classes em que para conseguir um mínimo de
aprendizagem era necessário separar os alunos em grupos de acordo com
as dificuldades; eu preparava listas de exercícios compatíveis com cada
grupo e assim esclarecia as dúvidas, corrigindo algumas deficiências que
iam surgindo. (Ana Cláudia)
Isso reforça a idéia de Esteve (1995), apresentada anteriormente, de que, com a
integração de 100% das crianças na escola, o professor passa a conviver com 100% de
problemas sociais trazidos por essas crianças. Isso leva os docentes ao desencanto com a
profissão, até porque eles não se prepararam para receber esse novo perfil de aluno.
Além da heterogeneidade, que destacar também a questão da ausência de um
trabalho coletivo no interior da escola, com vistas a resolver os problemas que surgem no
cotidiano escolar. Tal ausência interfere diretamente no trabalho do professor. Na
percepção do professor Ariovaldo, por exemplo, as condições de trabalho docente
começaram a modificar-se quando começou a falta de compromisso com a disciplina no
interior da escola e fora da escola. Os alunos tomaram conta e o professor ficou sem
respaldo por parte da direção, coordenação e até mesmo das autoridades. (Ariovaldo)
A desarticulação entre os vários membros que compõem a equipe escolar e a ausência
de normas construídas coletivamente acabam refletindo na própria percepção que o aluno
tem da escola. Como diz Webler (s.d., p.7), “O professor tem pouca autoridade dentro da
escola, pois é muito pouco respeitado. Os alunos têm a proteção do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA) que os defende, sem ouvir os professores, além de terem a seu favor
108
108
um sistema de avaliação que não permite mais reprovação”. Com isso, como nos diz o
professor Ariovaldo: É muito comum nos dias de hoje, notícias sobre agressão a
professores, diretores e funcionários da escola.
Concordamos com Charlot (2005, p. 130) que, “quando se analisam escolas onde a
violência é grande, encontra-se uma situação de forte tensão; inversamente, quando se
analisam aquelas em que a violência diminuiu, encontra-se uma equipe de direção e de
professores que souberam reduzir o nível de tensão”.
Defendemos, assim como Charlot (2005), a necessidade de um trabalho coletivo no
interior da escola como uma forma de minimizar essas tensões que existem no seu interior;
como forma de buscar soluções para os problemas como os destacados pelo professor
Ariovaldo:
Este processo teve o seu início quando começou falta de compromisso
com a disciplina no interior da escola e fora da escola. Os alunos
tomaram conta e o professor ficou sem respaldo por parte da direção, da
coordenação e até mesmo das autoridades. É muito comum nos dias de
hoje, noticias sobre agressão a professores, diretores e funcionários da
escola, drogas e violência. Infelizmente, tudo isso faz parte do cotidiano
de algumas escolas públicas. [...] Todos estes fatores interferem no
trabalho do professor, pois nesse cenário o professor, quando consegue
realizar algo, ele realiza o que as condições possibilitam fazer. Além
disso, as avaliações do trabalho docente são realizadas de forma
igualitária, desprezando estes fatos que são relevantes para o insucesso
do trabalho da escola e do professor. (Ariovaldo)
Não obstante, têm ocorrido medidas oficiais voltadas ao aspecto pedagógico: no ano
de 2008, o governo do Estado de São Paulo adotou um material preparado por uma equipe
de professores, com o objetivo de uniformizar os conteúdos ensinados, o que significa que
todas as escolas da rede estadual deveriam estudar os mesmos conteúdos simultaneamente.
Uma análise superficial possibilita constatar que o material é de boa qualidade, porém, essa
forma de controle não leva em conta as adversidades que ocorrem no âmbito das escolas e
das salas de aula.
Antes o professor tinha alguma liberdade para trabalhar os conteúdos, e
o que eu tenho percebido é que, ao longo dos anos, aumentou a
preocupação com relação ao controle sobre o que e o como o professor
está trabalhando. (Ariovaldo)
109
Este ano o Estado mandou um material de Matemática, muito bom, muito
legal mesmo, porém, no mesmo instante em que investe em material de
qualidade, ele desestimula a aprendizagem com o discurso favorável à
aprovação que não leva em conta um rendimento anual mínimo
necessário. Atitudes como esta incentivam a falta de compromisso com a
escola; em alguns momentos o aluno tem que buscar por ele mesmo meios
de corrigir suas deficiências e, na maioria dos casos, o aluno que
realmente precisa deste artifício não se empenha, porque sabe que se ele
alcançar um rendimento mínimo no último bimestre, ele será aprovado, e
isso compromete o trabalho do professor. (Ana Cláudia)
Para atender às exigências de instituições econômicas internacionais, o processo
educacional vem sofrendo mudanças radicais: a aprendizagem não ocupa mais o lugar
central das preocupações; foi substituída pelo índice de reprovação e evasão escolar. Esses
fatos comprometem seriamente a qualidade do trabalho docente e influenciam diretamente
no resultado final.
A situação do professor agora está mais complicada; o professor é
avaliado de acordo com o desempenho dos alunos, por meio de um exame
que parte do princípio da igualdade entre eles, o que não é verdade...
(Ana Claudia)
O discurso atual do governo é, usando uma linguagem de protesto:
abaixo a evasão escolar, abaixo a reprovação! Com isso, nossos alunos
do Ensino Fundamental sabem que a escola fará de tudo para que eles
sejam aprovados. Os alunos que querem estudar são discriminados pelos
demais. É muito comum você ouvir bons alunos dizerem: para que eu vou
estudar, fazer as lições de casa, se no final todo mundo passa? A
gravidade da situação é perceptível; está havendo uma inversão de
valores na escola pública. (Maria do Carmo)
O fato de o aluno não estabelecer relação com o saber, como diz Charlot (2005), faz
com que aqueles que querem levar a sério seus estudos sejam ridicularizados pelos colegas.
São situações que contribuem para aumentar o desânimo dos professores, que se sentem
impotentes para reverter esse quadro.
110
110
6.2.2. Situações que contribuem para o processo de precarização do
trabalho docente
Muitas transformações que ocorrem no âmbito do trabalho docente acabam por
promover a sua precarização. No entanto, esse processo nem sempre é percebido pelos
atores principais dessa atividade os professores. Entendemos que, quando tais situações
não são percebidas, os professores, como classe profissional, estão contribuindo de forma
inconsciente para o processo de desprofissionalização do seu trabalho.
As reflexões sobre este assunto não se esgotam com este trabalho de pesquisa; por
esse motivo, esta discussão está focada em alguns fatos que ocorrem no cenário escolar,
envolvendo a formação de professores, o ingresso na carreira docente e a questão salarial,
os quais influenciam na qualidade do trabalho docente. Tais situações foram identificadas
nos depoimentos dos quatro professores, a partir de nossas leituras e de reflexões teóricas
sobre a temática.
A estrutura da escola nos dias de hoje é a mesma de décadas passadas: a mesma
arquitetura, a mesma disposição das carteiras, o trabalho solitário do professor fechado em
seu mundo e uma metodologia de ensino que se cristalizou ao longo dos anos. Entretanto,
esse mesmo professor encontra-se assustado diante das mudanças dos alunos
adolescentes e jovens —, cada vez mais desafiadores na escola e nas ruas, como se
estivessem a dizer “não é esta escola que eu quero, não é este ensino em que eu acredito”.
Para contribuir ainda mais para a insegurança do professor, as mudanças impostas
pelos sistemas educacionais, exigindo transformações radicais no fazer docente muitas
vezes imutável para alguns professores. O modo de ensinar, satisfatório em épocas
passadas, hoje está obsoleto. Como argumentamos anteriormente, com base nos estudos de
Esteve (1995) e Hargreaves (2001), o professor não conseguiu acompanhar essas mudanças
e não se preparou para enfrentá-las. Entendemos que a escola precisa adaptar-se às
mudanças sociais, porém, necessidade de um tempo mínimo para que todos os atores
desse processo se envolvam e acreditem nas mudanças.
A educação como um todo necessita de mudanças urgentes. Todos nós temos
consciência disso. Mas a mudança não é somente na sala de aula; a estrutura administrativa
também precisa passar por mudanças, para que a sala de aula fique receptiva às
111
transformações necessárias. A escola como um todo precisa mudar. Arroyo (2002, p. 17)
descreve uma cena que contribui para a nossa reflexão:
“Nossa Memória”. Assim destacava um cartaz na entrada da
escola. Fizeram uma bela exposição. Alunos, professores e a comunidade
observando tudo. Eu também observava curioso velhas fotos da vida
escolar, de seus mestres e alunos. A ordem da exposição seguia a linha do
tempo. As fotos da inauguração da escola e de várias festas e formaturas,
das passadas e das mais recentes. A criançada tentando identificar-se,
olha o uniforme e o cabelo! Que antiquados!” Em outro canto um grupo
de professoras fazia seus comentários: passam os anos e continuamos
tão iguais!” “É, mas um pouco mais moderninhas”, comentou uma
professora.
Nos alunos a surpresa de serem outros. Nos mestres a surpresa
inconformada de que não deixamos de ser os mestres que outros foram.
Esse cenário escolar, preso ao passado, resistente a mudanças, não é o único que se
encontra nesse estado de inércia. Os professores mantêm comportamentos, ideologias e
crenças que não mais atendem às atuais necessidades educacionais.
Por onde poderiam começar as mudanças?
Para Nóvoa (1995, p.20), conforme destacado anteriormente, o processo de
profissionalização é perceptível quando o exercício da atividade docente exige de quem irá
exercê-la alguns pré-requisitos:
1. Exercício em tempo integral (ou como ocupação) da atividade docente.
2. Estabelecimento de um suporte legal para o exercício da atividade docente.
3. Criação de instituições específicas para a formação de professores.
4. Constituição de associações profissionais de professores
.
Além dos pré-requisitos acima, os professores nesse processo de profissionalização
deveriam possuir um conjunto de conhecimentos e de técnicas necessárias ao exercício
qualificado da atividade docente. Seriam saberes técnicos, na medida em que se
organizassem em torno de princípios e técnicas de ensino, sem relação alguma com o
conteúdo das matérias. Esses saberes cnicos deveriam ser adquiridos nos cursos de
Graduação.
Entretanto,
é estranho que a formação de professores tenha sido e ainda seja bastante
dominada por conteúdos e lógicas disciplinares, e não profissionais. Na
formação de professores, ensinam-se teorias sociológicas, docimológicas,
112
112
psicológicas, didáticas, filosóficas, históricas, pedagógicas, etc., que
foram concebidas, a maioria das vezes, sem nenhum tipo de relação com o
ensino nem com as realidades cotidianas do ofício de professor. Além do
mais, essas teorias são muitas vezes pregadas por professores que nunca
colocaram os pés numa escola ou, o que é ainda pior, que não demonstram
interesse pelas realidades escolares e pedagógicas, as quais consideram
demasiadamente triviais ou demasiadamente técnicas. (TARDIF, 2002,
p.241)
Embasados nestas reflexões, questionaremos o ingresso no magistério e toda a
movimentação que ocorre ao seu redor.
Ao ingressar no magistério, o professor iniciante ainda não traz consigo uma
bagagem de saberes técnicos que lhe dêem condições de enfrentar as diversas situações que
ocorrem na sala de aula. Não é raro encontrarmos situação como esta: no mês de novembro
um licenciando fazendo exames finais da Graduação e, em fevereiro do ano seguinte,
esse aluno de ontem é o professor de hoje à frente de uma classe. Ele não só não teve tempo
de processar os conhecimentos da formação inicial, como também não teve a possibilidade
de aprender com professores mais experientes, devido ao número cada vez menor de
professores com anos de experiência e saberes adquiridos para transmitir aos mais novos.
Em décadas anteriores era muito comum: as professoras primárias mais
experientes e bem sucedidas em seu trabalho viam seus diários e
semanários disputados pelas mais jovens ou pelas que enfrentavam
dificuldades. As mais velhas eram requisitadas para auxiliar a resolver
questões difíceis enfrentadas pelas colegas mais novas e
inexperientes...Além disso, a prática dos diários e semanários se perdeu,
sendo substituída por outros mecanismos menos registradores das
trajetórias diárias de ensino.(SAMPAIO; MARIN, 2004, p.1.209)
Assim, o professor inicia sua carreira sem um repertório de saberes para exercer a
atividade docente e sem a possibilidade de consultar seus colegas dentro da escola, pois o
trabalho docente é marcado pelo isolamento e pelo individualismo.
Tal fato se agrava ainda mais diante da escassez de professores, o que tem levado
estudantes, ainda no curso de Graduação, a assumir turmas na condição de professor
eventual, ou similar, desde décadas passadas como aconteceu com dois dos professores
investigados:
Quando entrei para a faculdade, o curso era durante o dia, mas logo no
primeiro ano, comecei a lecionar à noite; graças a este fato, eu pude
concluir os meus estudos. (Ariovaldo)
113
Assumir uma classe como professora com diário de classe aconteceu
quando estava no terceiro ano da faculdade. (Ana Cláudia)
O que está em questão nesta análise não é a capacidade de cada um desses
professores de superar as dificuldades, mas a questão do exercício docente como classe
profissional. Em outras profissões, para cujo exercício é necessária uma Graduação, não
ocorre o fato de um estudante assumir uma responsabilidade profissional sem a devida
habilitação. Não é comum, por exemplo, um estudante de engenharia assinar como
responsável técnico o projeto de uma construção. O que está implícito nessa constatação é o
caráter de improvisação que envolve o sistema educacional e o descaso para com a
educação nos dias de hoje.
Segundo Nóvoa (1995), quando o Estado assumiu para si a responsabilidade da
educação, no século XVIII, foi estabelecida uma ideologia do trabalho docente que
combatia o improviso, que dos professores passou a ser exigida uma licença obrigatória
para ensinar. Atualmente, do estudante da Graduação é exigida uma declaração que
comprove estar estudando, o que, em momento algum, assegura que ele esteja apto a
exercer o magistério. Nesse caso, ele assume o magistério na condição de professor
eventual, e a situação torna-se mais grave, ainda, quando ele é chamado a ensinar qualquer
disciplina, independentemente do curso de Licenciatura que esteja cursando. Isso ficou
bastante evidente no depoimento da professora Daniela:
Penso que a maior dificuldade para o professor eventual, é que em alguns
casos, ele trabalha vários componentes curriculares num mesmo dia e,
muitas vezes, disciplinas que não são compatíveis com a sua Graduação.
Por exemplo, minha Graduação foi em Matemática e, numa mesma
manhã, pode acontecer de eu trabalhar com Biologia, Química, entre
outras. É muito complicado...(Daniela)
A condição de professor eventual é um fator que legitima a precariedade do trabalho
docente. Um aluno do curso de Matemática ou um professor graduado possui saberes
técnicos e específicos para lecionar Biologia, por exemplo? E, o que é pior, em algumas
situações ele é chamado pela escola quinze minutos antes de entrar em sala de aula.
O professor OFA possui alguns direitos, mas não é funcionário do Estado. Há, dessa
forma, num mesmo ambiente de trabalho, dois ou três profissionais exercendo a mesma
função, com direitos trabalhistas diferenciados. O professor na condição de OFA não é
114
114
estatutário, e seu vínculo com a escola encerra-se com o ano letivo; no início do próximo
ano, precisa submeter-se a novas atribuições de aulas, sem garantias de continuidade na
escola, muito menos do trabalho que vinha realizando. O professor eventual não possui
vínculo empregatício com o Estado, nem estabilidade. Assim, tanto os direitos são
diferenciados, como a própria remuneração, como foi destacado pela professora Daniela,
cujo depoimento reproduzimos novamente, para reforçar nossos argumentos.
Ainda com relação às condições de trabalho docente, eu vejo três
situações distintas: quando o professor é efetivo, ele tem estabilidade, tem
o seu pagamento em dia... Quando é OFA (Ocupante Função Atividade),
este professor, embora não tenha vínculo com o estado (não é
estatutário), ele tem alguns direitos assegurados, ele tem aulas o ano todo
e o vínculo com a escola é mantido ao fim do ano. Para o professor
eventual é mais complicado, ele recebe um mês atrasado, não possui
salário fixo, recebe de acordo com as aulas dadas, não recebe descanso
remunerado. Por exemplo, eu ganho por aula R$ 6,50, menos que o
professor efetivo e o OFA. (Daniela)
A partir da constatação dessas desigualdades e apoiando-nos estudos de Nóvoa, que
discute a profissionalização docente num contexto histórico da profissionalização, podemos
identificar o processo de precarização docente no status social do professor como
trabalhador.
A intervenção do Estado vai provocar uma homogeneização, bem como
uma unificação e uma hierarquização à escala nacional, de todos estes
grupos: é o enquadramento estatal que institui os professores como corpo
profissional, e não uma concepção corporativa de ofícios. (NÓVOA,
1995, p.17).
Um fato que merece destaque nesta discussão é que, ao analisar o depoimento da
professora Daniela, não se percebe em nenhum momento uma atenção maior por parte dela
quanto a sua condição de profissional docente. Suas falas revelam preocupação com a sua
estabilidade no trabalho, mas não demonstram uma reflexão mais profunda com relação à
sua atividade como profissão, o que nos remete a um questionamento: nos cursos de
Graduação, são trabalhados com o aluno o seu fazer docente e o aspecto profissional de
sua atividade?
Em alguns casos, o professor iniciante encontra um ambiente favorável ao seu
trabalho e, para superar algumas as dificuldades que vão surgindo, ele desenvolve
115
verdadeiras táticas de sobrevivência. No entanto, dispor de um bom ambiente de trabalho
docente ao iniciar a carreira não é a realidade para a maioria dos ingressantes. Isso se deve
a uma prática que faz parte somente do universo escolar: os piores horários e/ou as classes
mais difíceis, de um modo geral, são atribuídos aos professores ingressantes, como teste de
aceitação do mundo escolar. Tal prática pode ser vista como um ritual de passagem. Sendo
assim, quando o professor consegue desenvolver um bom trabalho nessas condições, ele é
aceito pela comunidade escolar e adquire respeito e admiração de todos. Esse foi o caso da
professora Maria do Carmo.
Entretanto, quando se compara o magistério com outras atividades, o que se percebe
é, neste último caso, uma situação totalmente oposta: aos profissionais mais experientes são
confiados os trabalhos mais complexos como forma de reconhecimento pelas habilidades e
pelos conhecimentos adquiridos no exercício da profissão ao longo dos anos, que os
capacitaram a enfrentar novos desafios. Para Guarnieri (apud FREITAS, 2002, p.161), um
dos fatores que contribuem para o “choque de realidade” em professores iniciantes é o fato
de serem alocados para classes difíceis.
A finalidade do trabalho docente é ensinar, e o produto final desse trabalho é a
aprendizagem do aluno. Ao promover a divisão: turmas boas e turmas difíceis e também ao
atribuir aos professores mais experientes, portadores de um bom desempenho, as melhores
turmas, a escola tira do aluno que não apresenta rendimento e comportamento compatíveis
com um modelo pré-estabelecido na cultura escolar a oportunidade de tornar-se aceitável.
A escola está favorecendo a criação de guetos que poderão se transformar em pontos de
conflito no ambiente escolar. Seria o que Charlot (2005, p. 127) denomina “violência da
escola”, ou seja:
uma violência institucional, simbólica, que os próprios jovens suportam
através da maneira como a instituição e seus agentes os tratam (modos de
distribuição das classes, da atribuição de notas, de orientação; palavras
desdenhosas dos adultos; atos considerados pelos alunos como injustos ou
racistas, etc.).
Quando se avalia o trabalho da escola, tomam-se como referência os maus resultados,
passando para a sociedade o sentimento de que tudo que é realizado na escola pelos
professores está errado. Nesse contexto, o rendimento insuficiente das turmas difíceis nos
exames externos contribui para desvalorizar a atividade docente, já que para o sistema não
116
116
existe diferença entre professores com bom desempenho e professores com mau
desempenho; todos os efetivos, por exemplo, têm o mesmo salário e as mesmas
gratificações; a diferença está no tempo de serviço que, com o passar dos anos, acresce um
percentual proporcional ao salário do professor. No entanto, o sistema é mais perverso,
ainda, quando começa a gratificar os professores com bônus ao final do ano, em
decorrência do rendimento da escola e dos alunos nas avaliações externas. Os critérios para
tal gratificação nem mesmo são compreendidos pelo coletivo dos professores.
Quando me efetivei, o tinha vaga em Itatiba, por este motivo eu me
efetivei em Louveira; entretanto, eu sempre trabalhei em Itatiba na E.E.
Prof. Antônio Dutra, beneficiada pelo artigo 22; durante o período que o
meu cargo era em Louveira eu sempre ganhei bônus significativos,
embora estivesse dando aula em Itatiba, isto se deve fato de que a escola
onde o meu cargo estava lotado, era classificada com a cor azul, esta
classificação era em virtude do bom desempenho dos alunos da escola no
SARESP; quando transferi meu cargo para a escola atual, parei de
ganhar bônus. Então eu me questiono qual foi o critério para essa
premiação, nos dois casos ninguém avaliou o meu trabalho. (Ana
Claúdia)
O individualismo que caracteriza a atividade docente, juntamente com a cultura da
escola de associar a qualidade do ensino aos bons resultados nos exames, impede o
professor não iniciante de perceber que, ao recusar turmas difíceis ou até mesmo ao colocar
o professor iniciante numa condição de isolamento, ele está contribuindo para a
precarização do seu trabalho, pois, assim como ele no passado, o professor ingressante de
hoje ainda não reúne todas as condições necessárias para tal atividade.
As discussões tratadas neste capítulo apontam que os professores percebem o
quanto as condições de trabalho influenciam no resultado final do seu trabalho e,
principalmente, na sua valorização como membro da sociedade e como profissional de
educação.
117
6.3. Mudanças no trabalho docente nas últimas décadas: continuidades e
descontinuidades
Nesta parte do capítulo as discussões centram-se nas mudanças ocorridas no trabalho
docente sob quatro aspectos: as condições em que esse trabalho é exercido, a valorização
do professor, os objetivos da educação e o olhar da sociedade para a escola e o professor.
Como destacado no capítulo 1, em seu início, a atividade docente sempre foi muito ligada à
ideologia da Igreja, ou seja, essa atividade não captava para si um olhar como profissão,
mas um caráter de missão, muito semelhante ao sacerdócio.
Com a funcionalização dos professores e o processo de profissionalização, tal como
destacado por Nóvoa (1991, 1995), os professores passaram a ser considerados
profissionais e a contar com a licença para o exercício da profissão. No entanto, nunca
participaram do processo de elaboração do estatuto dos saberes para o exercício da
profissão. Estes sempre foram impostos ao professor e à escola por agentes externos, em
geral pedagogos, especialistas e teóricos estudiosos da educação, que dizem o que e como
trabalhar.
Nos dias atuais, é possível perceber que esse quadro ainda permanece, mesmo com a
exigência de um conjunto de saberes específicos para a profissão a ser exercida. Ainda
assim, é muito comum encontrar pessoas não habilitadas para tal função exercendo-a como
uma fonte complementar de renda ou como uma atividade passageira, até que encontrem
uma atividade mais atrativa. A massificação do ensino e a falta de planejamento para
atender a essa demanda contribuem para que fatos como esses ainda aconteçam nos dias de
hoje, em decorrência do deficit de professores.
Quando se discutem as expectativas relativas ao trabalho dos professores, à sua
maneira de olhar para sua profissão, comparando-as com as políticas públicas, é facilmente
perceptível que temos um discurso contraditório. Exige-se do professor um
comprometimento com sua aprendizagem, uma postura de profissional da educação, de
catalisador e contraponto da sociedade do conhecimento (HARGREAVES, 2001);
entretanto, os gestores da educação desconsideram todos estes fatores e tomam decisões na
contramão desses objetivos.
118
118
No âmbito das discussões sobre a valorização do professor como profissional,
quando o Estado assumiu a responsabilidade pela educação, os professores tornaram-se
funcionários estaduais, o que de alguma forma possibilitou a eles certo prestígio. Ao longo
dos anos, o que podemos perceber é que tem ocorrido uma falta de compromisso dos
órgãos públicos com o interesse de manter essa condição, fenômeno facilmente
comprovável, conforme dados colhidos na Rede Estadual de Ensino de São Paulo
17
:
Tabela 1: Contingente ativo da Rede Estadual de Ensino
Cargo Efetivos Não efetivos
Professor da Educação Básica I 30.727 23.125
Professor da Educação Básica II 94.476 64.683
Nessas informações podemos constatar que, em todo início de ano letivo, a Secretaria
Estadual de Educação do Estado de São Paulo, através de suas várias Diretorias de Ensino,
inicia as aulas com um deficit de aproximadamente 75% de professores, o que determina a
busca de professores temporários e eventuais, para que os alunos não fiquem sem aula já
nos primeiros dias do ano letivo. Para disciplinas como Física, Química, Matemática, em
que o número de professores efetivos é insuficiente para atender toda a demanda, é muito
comum encontrar escolas que não possuem professores em quantidade suficiente nem ao
menos para participar da semana de planejamento pedagógico.
Paralelamente ao deficit do número de professores, as condições precárias em que se
encontram algumas escolas é um outro fator que compromete o reinício do ano letivo.
Denúncias na mídia, quanto a essas condições de funcionamento de algumas escolas, são
muito comuns nessa época do ano. Quando se compara o momento atual da educação
pública com décadas passadas, quanto ao número de professores em exercício, percebe-se
claramente que não houve melhora nesse aspecto.
Na década de 60, quando entrei para a faculdade, o curso era durante o
dia, mas, logo no primeiro ano da faculdade, comecei a lecionar à noite;
graças a este fato, eu pude concluir os meus estudos. Consegui esta
façanha porque não havia professores de Matemática em mero
17
Dados coletados em 08/1/2009, p. 26. SEESP / DRHU / EAT - 1. Disponível em:
<www.educacao.sp.gov.br>. Acesso em 08 de janeiro de 2009.
119
suficiente para atender à demanda; assim como hoje, a carência era
muito grande, a Matemática era ensinada por pedagogos, pessoas
formadas em ciências. Em 1968, ao procurar a Delegacia de Ensino de
Campinas, na tentativa de conseguir as aulas de Matemática, o
funcionário que me atendeu falou que, para conseguir aulas, o estudante
deveria estar cursando o segundo ano da faculdade, porém como a falta
de professores era muito grande, eles estavam aceitando alunos do
primeiro ano. (Ariovaldo)
Assumir uma classe como professora com diário de classe mesmo
aconteceu quando estava no terceiro ano da faculdade. (Ana Cláudia)
A carência de professores está presente na educação pública há quase cinco décadas e
é conseqüência da falta de compromisso do Estado com a escola pública: não realiza
concursos e, ao fazer uso da força de trabalho temporário e eventual, ele interrompe o
processo interativo do professor com a escola, uma das características fundamentais do
trabalho docente.
As despesas de capital, em educação, Melchior afirma, representam sua
parte mensurável, entram na contabilidade social, são consideradas um
“investimento” e associam-se à parte material do empreendimento
educacional, tais como prédios e equipamentos, ao passo que despesas
com os professores são consideradas de consumo. “Quando gastamos com
prédios, aumentamos a Renda Nacional e, ao contrário, quando pagamos
os salários dos professores ou o seu aperfeiçoamento, estamos diminuindo
a Renda Nacional”. (MELCHIOR apud LUDKE; BOING, 2004, p.1.165-
1.166)
Na sociedade do conhecimento a atividade docente está sendo vista como uma
profissão que tem a responsabilidade de reduzir as diferenças no rendimento escolar entre
as diferentes camadas sociais da comunidade estudantil. Entretanto, o que vemos são
decisões contraditórias, no que diz respeito a esse propósito, pois, a partir do momento em
que não professores suficientes para tal função, cabe aqui um questionamento: como
proporcionar uma educação de qualidade, se o ator principal desse processo não está
presente em todas as salas de aula?
Nesse mesmo contexto que envolve a figura do professor, vale destacar que, com a
queda do seu poder aquisitivo nas últimas décadas, o professor vê-se obrigado a trabalhar
em dois períodos e, em alguns casos, em três, para conseguir um rendimento compatível
com suas necessidades, o que com certeza influenciará na qualidade do seu trabalho.
120
120
Infelizmente, quando se formaliza um diagnóstico com respeito à educação pública, esses
fatores não são levados em conta, e o trabalho de todos os professores é avaliado pela
sociedade e pela mídia de forma igualitária. O que vem à tona nos discursos que envolvem
a qualidade da educação é tudo aquilo de que a escola não conseguiu dar conta, o que
acarreta um desânimo na classe docente, quando esta percebe que o seu trabalho está
perdendo a credibilidade da sociedade e dos alunos, implicando, assim, a
desprofissionalização do trabalho docente.
No que diz respeito ao professor do setor privado, o quadro não é muito diferente. O
professor é horista, sem horas de trabalho remunerado para exercer todas as outras tarefas
que subsidiam sua atividade em sala de aula (preparação de aulas, atendimento a pais e
alunos, correção de trabalhos, participação em reuniões pedagógicas, etc.).
Segundo Dubar (apud BOING, 2002, p.7), dizer-se profissional é passar um atestado
público da qualidade do produto disponibilizado. No entanto, não é isso que vem ocorrendo
no atual contexto:
No meu início de carreira, o professor era mais valorizado, apesar de
todas as dificuldades da educação pública. O professor conseguia
comprar uma casa e um carro, trabalhando somente em escola pública.
Eu mesmo nesta época, consegui este feito. Existia respeito para com o
trabalho e a figura do professor. [...] Quando iniciei na carreira docente,
a sociedade via o trabalho do professor com respeito e admiração.
Mesmo durante a ditadura militar, havia tranqüilidade para o trabalho;
havia uma condição melhor de trabalho, o que eu gostasse daquele
momento, mas, no que diz respeito ao trabalho, eram melhores as
condições. Financeiramente era melhor, o professor tinha sua carga
horária toda na escola pública e você conseguia se manter; eram
oferecidos, naquela época, cursos que hoje também são oferecidos.
(Ariovaldo)
18
Em Jundiaí o professor era respeitado, admirado; quando você dizia
que era professor, você era visto com admiração; se fosse professor de
uma escola tradicional da cidade, este tratamento era mais diferenciado
ainda. Atualmente quando você fala que é professor, é comum você ouvir:
“mais um sofredor”, ou então frases do tipo: “Você é professor? Eu
também fiz faculdade para ser professor, mas nunca trabalhei como
professor, agüentar desaforo de aluno e ganhar mal é uma coisa que eu
não quero para a minha vida”. O desprestígio chegou a um nível, que o
estudante faz faculdade, ele aceita qualquer trabalho, menos ser
professor. (Maria do Carmo)
18
Embora este depoimento já tenha aparecido, ele será mantido dada a sua riqueza neste contexto.
121
Ainda com relação às condições de trabalho docente, eu vejo três
situações distintas, quando o professor é efetivo, ele tem estabilidade, tem
o seu pagamento em dia e tem o respeito dos alunos, da escola e dos
colegas. Quando o professor é OFA (Ocupante Função Atividade), este
professor, embora não tenha vínculo com o estado (não é estatutário), ele
tem alguns direitos assegurados, ele tem aulas o ano todo e o vínculo é
mantido até o fim do ano. Para o professor eventual é complicado, ele
recebe um mês atrasado, recebe o seu pagamento de acordo com as aulas
dadas, não recebe descanso remunerado. Por exemplo, eu ganho por aula
R$ 6,50, menos que o professor efetivo, e o OFA
19
. (Daniela)
Quanto à realidade da profissão, o professor nos dias de hoje está muito
descontente, em função da desvalorização da classe. O professor foi
mais valorizado, nos dias de hoje até os professores do Ensino Superior
estão descontentes. (Ana Cláudia)
Que a escola de hoje está mudada em relação à escola de décadas passadas, não é
novidade para nenhum segmento da sociedade. O que se pretende discutir aqui são os
objetivos da escola e sua influência no processo de precarização do trabalho docente e,
simultaneamente, a desvalorização do professor.
Tomando como foco de análise o aluno de ontem e o aluno de hoje, é perceptível a
mudança de comportamento em relação à escola, ao longo destes últimos anos
20
.
A minha entrada e permanência no magistério durante estes 40 anos é um
fato muito curioso, pois eu nunca havia pensado em ser professor;
naquele momento meu pensamento era dar aulas de Matemática por
algum tempo e, após terminar o curso, sair em busca de outros
horizontes; mas, quando entrei numa sala de aula pela primeira vez, eu
me senti útil, valorizado, pelos seguintes motivos:
. Os alunos prestavam atenção no que eu estava falando.
. Não havia conversas paralelas; os alunos levantavam a mão quando
queriam perguntar ou fazer um comentário. Havia muito interesse no que
estava sendo ensinado.
. Eu me sentia valorizado, prestigiado, ao perceber que estava fazendo
algo importante para a vida de outras pessoas.
. Era muito gratificante você ouvir do seu aluno, palavras como: “Eu
estou conseguindo acompanhar as suas aulas”. (Ariovaldo)
Quando ingressei no magistério, na escola pública [...] iniciei minha
prática com uma postura totalmente conteudista e, como o ensino daquela
época era dessa forma, eu não encontrei dificuldades.[...].As aulas eram
pesadas, com muito conteúdo e resolução de exercícios na lousa. Eu era
uma professora que preparava o aluno para concurso, vestibulares,
qualquer prova que ele fosse fazer que envolvesse conteúdos do Ensino
19
Idem para este depoimento.
20
Os depoimentos aqui presentes já apareceram em outros momentos.
122
122
Fundamental, ele reunia condições para realizar uma boa prova; a
cobrança era muita, tanto de minha parte como também da escola. O
aluno tinha receio da reprovação, ele não queria ser reprovado. A
diferença é que ele era consciente que precisava estudar, porque a
reprovação existia. (Maria do Carmo)
Quanto aos planos para o futuro, pensei em desistir do magistério,
fazer vestibulinho para a Escola Técnica de Química. No entanto, refleti
melhor, percebi que seria um retrocesso, mas está muito difícil! Os alunos
estão muito rebeldes, os pais não educam mais os filhos. Assim sobra
tudo para a escola e o professor, os alunos não estão preocupados em
aprender. Se o perfil dos alunos modificar, acho que continuo no
magistério. (Daniela).
Analisando o depoimento dos três professores, observamos uma situação antagônica
no início da carreira docente: na escola de ontem, o perfil dos alunos era um incentivo para
que o professor continuasse no magistério; a escola era importante para o aluno, havia
significado no que a escola ensinava, havia um compromisso com a aprendizagem;
entretanto, na escola de hoje, o que se observa é um descaso total para com os assuntos da
escola; a escola não possui mais, para os jovens, o valor simbólico de antes. Fica, então, um
questionamento: o professor de hoje está preparado para trabalhar neste ambiente adverso?
A escola de hoje evoluiu a ponto de conseguir atender as necessidades dos jovens de hoje?
Na análise de Dayrell (2007, p.1.119), ainda domina na escola a “concepção de aluno
gestada na sociedade moderna”, em que havia uma nítida separação entre a escola e a
sociedade. A escola era “considerada espaço central da socialização das novas gerações,
responsável pela inculcação de valores universais e normas que deviam conformar o
indivíduo e, ao mesmo tempo, torná-lo autônomo e livre”. Ao ingressar na escola, todos
assumiam a categoria geral de “aluno” e submetiam-se à aprendizagem dos conhecimentos
das diferentes disciplinas. A relação nesse cotidiano escolar era marcada pela disciplina,
pela obediência, pela pontualidade, e todos os alunos eram tratados de forma homogênea.
Todos eram “alunos”. “Com o ruir dos muros da escola”, como diz o autor, as tensões no
seu interior tendem a aumentar. O aluno atual, principalmente o das camadas populares,
está distante do aluno idealizado pelos professores. Dentre tantas tensões, a questão da
autoridade é uma delas, principalmente entre professor e alunos.
Vem ocorrendo uma mudança significativa nessa relação, principalmente
na questão da autoridade, onde os alunos não se mostram dispostos a
reconhecer a autoridade do professor como natural e óbvia. [...] a
123
mudança dos alunos interfere diretamente nas formas e metas das relações
de poder presentes na instituição. Se antes a autoridade do professor era
legitimada pelo papel que ocupava, constituindo-se no principal ator nas
visões clássicas de socialização, atualmente é o professor que precisa de
construir sua própria legitimidade entre os jovens. (DAYRELL, 2007, p.
1.121).
A escola de ontem tinha como objetivo central a preparação para a série seguinte e
os exames que poderiam surgir ao longo da vida do estudante. A escola atendia a uma
lógica da elite, das classes privilegiadas. Ao aluno, tratado no seu sentido universal, restava
cumprir essas normas. Era-lhe inculcada a necessidade de preocupar-se com a nota, com a
aprovação, com a preparação para exames para ingresso no Ensino Superior ou até mesmo
no mercado de trabalho. Nesse contexto, o professor inseria-se na carreira docente,
apropriando-se da ideologia de educação como meio de preparação do estudante para
exames futuros.
Neste período eu era conhecida por ser uma professora que cumpria todo
o programa estipulado no início do ano letivo, uma professora que
passava muitos exercícios e também pelo fato de vários alunos meus que
pretendiam fazer faculdade conseguirem bolsa integral em escolas
particulares e cursinhos preparatórios para estes concursos. (Maria do
Carmo)
No entanto, na escola atual, os problemas enfrentados pelos adolescentes e jovens
continuam sendo tratados pela ótica dos professores, o que acaba, segundo Dayrell (2007,
p.1.124), “reforçando uma concepção hegemônica da educação restrita à escola, que se
torna apanágio para todos os males, diluindo sua especificidade”.
A escola não é capaz de suprir as desigualdades sociais, e os alunos das camadas
populares sabem disso; muitos vão para a escola porque ela é obrigatória do ponto de vista
legal, mas sabem que a escolarização não lhes trará condições melhores. Muito pelo
contrário, submetidos ao fracasso escolar, acabam assumindo para si a culpa por esse
fracasso, “com um sentimento que vai minando a auto-estima. Esses jovens vivem sua
juventude marcados pelo signo de uma inclusão social subalterna, enfrentando as
dificuldades de quem está no mercado de trabalho sem as certificações exigidas.” (Ibidem).
Nessa arena de tensões, professores e alunos perguntam-se: qual é o papel da escola?
Charlot (2005, p. 119) aponta que “O imenso desafio de nossa época é que devemos
construir com esses alunos a relação com o saber que sentido ao saber, portanto, àquilo
124
124
que se faz na escola; mas isso deve ser construído no próprio ato de ensino”. E
complementa:
Devemos levar a sério a ambição democrática da escola e a idéia de que
ela é, acima de tudo, feita para permitir que os jovens adquiram saberes e
competências cognitivas e intelectuais que eles não poderão adquirir em
outro lugar e que ela é feita também para desenvolver sentido em suas
vidas, mas de uma forma que pode acontecer dentro dela. (Ibidem,
p.120)
Sem dúvida, um grande desafio para os professores. Mas como atender a essas
necessidades, se o professor não tem tido a possibilidade de, no coletivo das escolas,
realizar discussões e reflexões sobre esse novo perfil de aluno que chega à escola?
Conforme visto anteriormente, na atividade docente, a interação aluno-professor é
fator primordial; sem esse elemento não possibilidade de ensino. No entanto, o que
vemos é um professor que não está preparado para as mudanças do seu aluno e da
sociedade como um todo.
Em virtude da falta de estrutura das famílias, a escola está assumindo
responsabilidades que antes não tinha. Vou lhe dar um exemplo: um
aluno da oitava série ficou um mês sem comparecer à escola, e a mãe
foi tomar conhecimento do fato porque a escola foi obrigada a comunicar
ao Conselho Tutelar. (Maria do Carmo)
[...]Ele vem para a escola por obrigação, para cumprir uma exigência da
lei e do mercado de trabalho, eles não vêem a escola como algo
importante para a vida deles, eles se contentam com muito pouco. O
Ensino Médio para eles o tem significado algum, eles não têm o
objetivo de cursar o Ensino Superior. Para eles, tirar o certificado,
conseguir um emprego que ganhe um pouquinho mais é suficiente. A
falta de interesse dos alunos é a maior dificuldade que eu tenho. (Ana
Claúdia)
É necessário que se criem instâncias em que os professores possam discutir essas
mudanças mais gerais da sociedade e recuperar o objetivo de seu trabalho profissional.
Como dizem Tardif e Lessard (2005, p. 35): “A docência é um trabalho cujo objeto não é
constituído de matéria inerte ou de símbolos, mas de relações humanas com pessoas
capazes de iniciativa e dotadas de certa capacidade de resistir ou de participar da ação dos
professores”.
125
Tal recuperação passa até mesmo pela criação de formas de resistência a uma política
que está posta. A educação do século XXI nos países emergentes está voltada para o
cumprimento de metas estabelecidas por órgãos internacionais, como a redução do índice
de reprovação e de evasão escolar, assim como a garantia de escolarização a todos os
segmentos da sociedade. Nesse contexto, algumas medidas interferem de forma direta no
trabalho do professor em sala de aula.
O discurso atual do governo é, usando uma linguagem de protesto:
abaixo a evasão escolar, abaixo a reprovação! Com isso, nossos alunos
do Ensino Fundamental sabem que a escola fará de tudo para que eles
sejam aprovados, o que acarreta um desinteresse por parte do aluno para
com a escola e os estudos.[...] É muito comum você ouvir bons alunos
dizerem: para que eu vou estudar, fazer as lições de casa, se no final do
ano todo mundo passa? (Maria do Carmo)
No entanto, tais resistências precisam ser a favor do aluno, e não contra ele.
Assim, imerso nesse universo de decisões contraditórias quanto aos objetivos da
escola, encontra-se um professor que tem como responsabilidade preparar o jovem de hoje
para o século XXI; as metas pretendidas são coerentes com as necessidades desta sociedade
de hoje, porém, as condições para realizá-las não são compatíveis com esses objetivos.
Questionamos, então: qual é o real objetivo da escola de hoje? Mobilizar o jovem para o
saber, para a sociedade do conhecimento ou atender às diretrizes dos organismos
internacionais, no que diz respeito à educação?
6.4. Algumas sínteses do capítulo
Neste capítulo temos como objetivo analisar e discutir, a partir da textualização das
entrevistas dos quatro professores depoentes, a precarização do trabalho docente e como
esse fenômeno influencia no processo de desprofissionalização do professor.
A discussão teórica inicial sobre a profissionalização e a desprofissionalização
sinaliza que é importante conhecer as condições de trabalho dos professores de Matemática
e, principalmente, a forma com a qual eles vêm exercendo a atividade docente. Na
concepção de Hypolito (1997, p. 108):
126
126
Nem os professores são os culpados pela desprofissionalização nem os
dirigentes desqualificam o trabalho escolar porque assim o desejam
consciente e conspiratoriamente. Não é possível discutir
profissionalização sem discutir as formas concretas de organização do
trabalho, sob pena de atribuir-se a responsabilidade desses processos aos
próprios docentes.
Ao analisarmos as condições de trabalho docente dos quatro depoentes, ficou
evidenciado que o ingresso no magistério e o exercício da profissão nas últimas décadas
vêm sendo marcados pelo processo de desprofissionalização no qual está envolta a
atividade docente. No entanto, ficamos instigados com uma questão: o professor tem uma
ideologia formada quanto à profissionalidade do seu fazer docente?
Analisando os quatro depoimentos, percebe-se que a opção dos professores pelo
magistério foi motivada pela influência de um professor em sua fase estudantil ou pelas
contingências da vida. . Porém, o ponto crucial dessa questão é o ingresso no magistério.
Confrontando esse momento com os estudos de Nóvoa (1995), percebe-se que o
ingresso na carreira docente em razão da falta de professores caracteriza um traço de
desprofissionalização: todos os depoentes tiveram o seu primeiro contato com a sala de aula
antes mesmo de concluir a Graduação, um fato que não é comum em outras profissões.
Num segundo momento, ao discutir o exercício da profissão docente, quando
comparada com outras profissões, duas questões chamaram a nossa atenção: a falta de uma
ideologia de classe profissional por parte dos professores, legitimada pela forma pela qual
os professores iniciantes (efetivos ou não, professores Ocupantes de Função Atividade
(OFA) e professores eventuais) são recebidos pela comunidade escolar: falta-lhes um
acolhimento por parte da unidade escolar e do corpo docente que nela atua.
Os dilemas vividos pelos professores em início de carreira, como apontados por
Huberman (1995) e Cavaco (1995) e evidenciados nos depoimentos, indicam que essa fase
da profissão necessita de uma atenção maior, por parte tanto dos gestores e da comunidade
escolar, quanto das próprias políticas de formação docente. O professor iniciante precisa
superar essa fase do “choque da realidade” e sobreviver com dignidade e com esperança na
profissão.
Se, por um lado, em outras atividades, aos profissionais mais experientes são
confiados os trabalhos mais complexos como forma de reconhecimento de sua capacidade
profissional adquirida ao longo dos anos de trabalho, por outro, na atividade docente, as
127
classes com melhor rendimento são atribuídas aos professores mais experientes. Aos
iniciantes são confiadas as classes mais complexas nos quesitos disciplina e aprendizagem.
No universo escolar, a experiência do professor não indica capacidade profissional no
sentido de considerá-lo mais bem preparado para enfrentar desafios de classes mais difíceis.
No depoimento dos professores fica evidente que em nenhum momento eles
relacionam esse fato a um sinal de desprofissionalização, uma vez que o discurso comum
em todos os depoimentos envolve as condições de trabalho na sala de aula e na escola.
Evidentemente, essas condições interferem no bom desempenho do professor; no entanto,
podemos dizer que, na maioria das vezes, ele não encara desafios que seriam inerentes a
qualquer profissão: atualizar-se constantemente, conhecer seus direitos trabalhistas,
associar-se a um sindicato e a uma sociedade científica, inteirar-se das publicações na área,
dentre outras providências. No caso dos depoentes, somente o professor Ariovaldo revelou
conhecer e participar de uma sociedade científica a Sociedade Brasileira de Educação
Matemática (SBEM). Sair do universo da escola e buscar interlocuções com os pares, em
outras instâncias, pode ser um caminho para a busca de alternativas de sobrevivência no
magistério. Nesse aspecto, não há como ignorar que, historicamente, como apontado por
Nóvoa (1991, 1995), o professor sempre contou com especialistas externos que lhe
dissessem o que fazer. A não mudança de expectativas quanto a sua função no contexto
atual, as quais estão em total dissonância com o que a sociedade espera do professor, tende
a intensificar cada vez mais o processo de desprofissionalização.
O grande desafio posto aos professores e aos projetos de formação docente (inicial ou
continuada) reside na superação do paradoxo apontado por Hargreaves (2001); ou seja, não
como esperar dos professores que estes sejam contrapontos e catalisadores da sociedade
do conhecimento, enquanto eles continuarem como vítimas do próprio processo de
constituição da profissão docente. que entender que os professores, no próprio contexto
de trabalho, poderão criar formas de contestações. Como diz Hypolito (1997, p.99):
Consoante com a idéia de que a escola não é uma instituição totalmente
determinada e que há espaços para práticas sociais conscientizadoras,
entende-se nessa perspectiva que, mesmo a escola cumprindo um papel na
reprodução social e cultural, os agentes sociais que a constroem
desenvolvem práticas que, ao mesmo tempo, reforçam e contestam as
formas de dominação e controle.
128
128
A segunda categoria de análise Percepções dos professores sobre o processo de
precarização do trabalho docente —teve um olhar mais focado na figura do professor e na
forma como ele percebe as mudanças ocorridas na profissão nos últimos anos, divididas em
duas subcategorias: (1) As percepções dos professores sobre a precarização do trabalho
docente; e (2) Situações que contribuem para o processo de precarização do trabalho
docente. Sob este enfoque, esta segunda categoria analisou o trabalho docente e o contexto
social e político em que ele é realizado. Com relação ao contexto social, todos os
professores percebem que as mudanças no seio da família e na sociedade são fatores que se
refletem de forma direta no trabalho docente. A não observância desses fatos pelos gestores
da educação contribui para a construção de uma imagem negativa do professor e do seu
trabalho, uma vez que os professores têm o seu trabalho avaliado através do desempenho
dos alunos nos exames externos.
Esse procedimento não leva em conta a interatividade entre aluno e professor e as
particularidades de cada aluno, que os exames partem do princípio de que todos os
alunos possuem o mesmo tempo de aprendizagem. Ainda no âmbito das discussões
pautadas no contexto social, é perceptível que o ato de ensinar exige do professor envolver
o aluno, seduzi-lo, convencê-lo de que tudo que for ensinado será de grande valia para a sua
vida; entretanto, para que isso aconteça, é necessário que o aluno queira estar na escola. A
diversidade cultural explicitada no depoimento dos professores impõe ao professor o que
Hargreaves (1991) chama de mandado social e emocional para o profissionalismo,
elemento fundamental para professores comprometidos não apenas com sua aprendizagem
contínua, mas também com o seu desenvolvimento como pessoa e como profissional.
Tardif e Lessard (2005) destacam uma característica importante do trabalho docente,
que é a capacidade de a matéria-prima do trabalho interferir no seu resultado final. Hypolito
(1997, p. 97), apoiando-se em Jáen (1991), complementa essa idéia, ao afirmar:
Por mais que o trabalho seja programado, planejado, em conseqüência de
forças externas, uma certa autonomia docente para adaptar métodos,
técnicas, introduzir materiais novos, pensar atividades fora do programa,
adequar o ensino a determinados grupos de estudantes etc., pelo simples
fato de o trabalho ser realizado por seres humanos — professores — com
outros seres humanos alunos. Isso garante que muitas decisões, pelo
menos como possibilidade, sejam inalienáveis.
129
Tal autonomia de que o professor ainda dispõe poderia lhe dar sustentação para
enfrentar a resistência dos alunos ao que é ensinado na escola tal como evidenciado pelo
professor Ariovaldo —, o que, de certa forma, se comparado com outras épocas, pode ser
um indício de precarização do trabalho docente. No entanto, as discussões ocorridas no
âmbito educacional pouco têm enfatizado quem é o aluno da educação básica hoje ou como
esse aluno percebe uma escolarização que é obrigatória, mas que trabalha assuntos que não
lhe dizem respeito.
Os espaços de trabalho coletivo na escola — a Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo
(HTPC), por exemplo — precisariam ser momentos em que os professores pudessem
discutir a cultura das crianças e dos jovens que participam dessa comunidade; entender
como eles agem, que representações têm da escola e de seus professores; e buscar por um
trabalho cooperativo entre todos os autores. É necessário que essa comunidade assuma que
a sociedade está em constante transformação e não é possível continuar pautando-se num
modelo ideal de aluno que não existe.
O trabalho cooperativo no interior da escola pode constituir uma forma de resistência
dos professores, tal como considerado por Hypolito (1997, p. 100):
essas formas de resistência são desenvolvidas de maneiras
individualizadas, dificultando uma ação coletiva de transformação de tais
condições de trabalho, muitas vezes alienantes. A fragmentação do
trabalho exige, para que o processo de trabalho coletivizado se efetive de
maneira satisfatória, formas de cooperação. Essa cooperação, ao mesmo
em que é fruto da subdivisão do trabalho, também pode ser um germe de
formas solidárias e coletivas de planejamento e organização do trabalho
escolar.
Na terceira categoria de análise, “Mudanças no trabalho docente nas últimas décadas:
continuidades e descontinuidades”, discutimos a precarização, com um olhar mais voltado
para o contexto social em que se encontra o professor, o seu fazer docente e as expectativas
da sociedade como um todo quanto ao seu trabalho e aos objetivos da educação.
Os depoimentos dos professores permitiram-nos uma percepção de como o processo
de desprofissionalização veio se consolidando ao longo dos últimos anos. Os depoimentos
dos quatro professores, em momentos distintos da profissão, apontam: a queda do poder
aquisitivo dos professores devido aos baixos salários; a perda de prestígio junto à
sociedade; a mudança de objetivos da educação pública, atualmente voltada para o
130
130
cumprimento de metas estabelecidas por organismos internacionais. São elementos que,
sem dúvida, como apontados por Lüdke e Boing (2007), contribuem para a
desprofissionalização do trabalho docente.
Enfim, é em constantes tensões que os professores enfrentam a complexidade do
trabalho docente: entre aquilo que o professor idealiza para a sua profissão e aquilo que
enfrenta no cotidiano escolar; entre aquilo que a sociedade dele espera e aquilo que ele, de
fato, consegue realizar; entre o que as políticas públicas esperam e avaliam quanto ao
desempenho dos alunos e aquilo que eles de fato conseguem fazer, sem condições materiais
e estruturais; entre os baixos salários e a necessidade de sobrevivência, exigindo que, a cada
ano, novas aulas sejam incorporadas a sua jornada, para melhoria salarial; entre o desejo de
fazer o melhor que pode e a impotência de não conseguir, gerando sérios problemas de
saúde.
Nesse movimento, alguns professores são mais engajados politicamente e buscam
alternativas de manutenção na profissão com entusiasmo e autonomia como o caso do
professor Ariovaldo —; outros estão em momento de balanço na profissão e impotentes
para tomar decisões — como a professora Ana Cláudia —; outros, ainda, totalmente
desestimulados e sem perspectivas como a professora Maria do Carmo —; e outros, na
fase do “choque de realidade” e sem muita certeza de que essa é a profissão que deseja
como se sente a professora Daniela.
131
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tão mais longe se torna o cais
Lindo é voltar
É difícil o meu caminhar
Mas vou tentar
Não importa qual seja a dor
Nem as pedras que eu vou pisar
Não me importo se é pra chegar
(Ivan Lins)
Este trabalho de pesquisa foi realizado com o objetivo de analisar e discutir a
precarização do trabalho docente e como esse fenômeno influencia no processo de
desprofissionalização do professor. Entretanto, discutir o processo de profissionalização e
desprofissionalização implica conhecer as condições em que os professores de Matemática
vêm exercendo a atividade docente.
Ao selecionarmos os quatro professores, com diferentes tempos de magistério, nosso
objetivo era ter um olhar histórico para a profissão docente nas últimas décadas. Em virtude
de nosso trabalho de pesquisa ser um estudo de caso, temos a consciência de que não há
possibilidade de generalizações para o cenário brasileiro, mas acreditamos que a história
profissional desses quatro professores nos possibilitou perceber como têm sido as
condições de trabalho docente na região de Itatiba e Jundiaí. E, uma vez que os docentes
entrevistados atuam ou atuaram na rede estadual paulista, podemos supor que o que aqui
se constatou com certeza se aproxima da realidade estadual.
Nossa pesquisa pautou-se na seguinte questão de investigação: “Como os professores
de Matemática com diferentes tempos de experiência narram e percebem seu processo de
desprofissionalização e como eles analisam as condições de trabalho docente?”.
A partir dessa questão, elencamos três objetivos para a pesquisa: 1) conhecer o modo
de constituição profissional de quatro professores de Matemática com diferentes tempos de
magistério; 2) analisar como esses professores narram e percebem mudanças nas condições
de trabalho docente; 3) analisar como têm enfrentado as condições de trabalho docente.
A coleta de dados para a pesquisa foi feita através de entrevistas semi-estruturadas,
seguindo um roteiro previamente determinado, no qual se buscaram informações com
132
132
respeito à escolha da profissão, ao ingresso no magistério e às condições de trabalho nas
últimas décadas, enfatizando as continuidades e descontinuidades nesse período. Com
exceção da professora Daniela, para os demais professores foi necessário um segundo
encontro com o objetivo de esclarecer melhor alguns aspectos da entrevista anterior.
A partir da textualização das entrevistas foi possível um olhar mais atento para as
condições de trabalho docente dos quatro professores como sujeitos históricos de um
momento vivenciado pela educação como um todo. Nessa perspectiva, organizamos uma
segunda fase de análise em três eixos: 1) ingresso no magistério, subdividido em duas
etapas: escolha da profissão e o exercício profissional; 2) percepções dos professores sobre
o processo de precarização do trabalho docente; e 3) mudanças no trabalho docente nas
últimas décadas: continuidades e descontinuidades.
Neste momento de arremate, é muito importante retornarmos a algumas reflexões que
foram realizadas ao longo deste trabalho, para que tenhamos condições de fazer algumas
considerações que não são conclusivas, mas provisórias, como toda análise
interpretativa. Essas conclusões trazem as “percepções” do pesquisador e da orientadora
diante do processo vivido durante a pesquisa.
A constituição histórica dos professores da educação pública sinaliza para alguns
aspectos da profissão docente que tiveram seu início na época da Idade Média e ainda são
presentes nos dias de hoje. O caráter de improvisação nas decisões para solucionar os
problemas causados pela carência de professores demonstra que a atividade docente ainda
não conseguiu se estabelecer como profissão.
Apesar de Nóvoa (1995) considerar como início do processo de profissionalização o
momento em que todos os envolvidos com a atividade docente atendessem a algumas
exigências, como: exercício dessa atividade em tempo integral; estabelecimento de um
suporte legal para o exercício dessa atividade; criação de instituições específicas para a
formação de professores; constituição de associações profissionais, o que fica evidente é a
falta de um órgão que regulamente a atividade docente como profissão. Complementando
isso, o fato de que os professores não desenvolveram, ao longo dos últimos anos, uma
consciência de classe profissional , dificulta o olhar sobre a atividade docente como
profissão.
133
Tomando como foco de análise o ingresso na profissão, três dos quatro professores
ingressaram no magistério quando ainda eram estudantes. O exercício profissional nesse
período de início do magistério possibilita-nos dois olhares para esse momento: o
desrespeito e o descaso de professores experientes para com o professor iniciante no
universo escolar e também a condição diferenciada de trabalho em que vivem profissionais
de educação que desenvolvem o mesmo trabalho.
Entendemos que o sistema educacional, como um todo, vivenciou e ainda vive um
conjunto de mudanças nem sempre perceptíveis pelos professores. Quando analisamos as
percepções dos professores sobre o processo de precarização do trabalho docente, é
possível afirmar que os mais experientes percebem claramente o processo de precarização
de sua atividade; contrapondo-se a estes profissionais, temos também, nesse universo de
atuação, professores que, ao ingressarem na profissão, encontraram uma situação de
descaso, desprestígio e desvalorização de seu trabalho, o que evidencia o processo de
desprofissionalização que atinge o professorado nas últimas décadas.
Ainda com um olhar voltado para a constituição histórica do professor, este nos
indícios de que ainda nos dias atuais a forma precária de contratação de docentes, como um
recurso para solucionar a carência de professores, e o controle do Estado sobre esta
atividade são fatos que se perpetuaram ao longo dos anos na educação pública, legitimando
assim a fragilidade da atividade docente como profissão. No entanto, esses fatos, aliados à
massificação do ensino, que levou para o interior da escola as classes populares, com
culturas e expectativas muito diferentes daquelas de quando a escola era voltada para uma
elite, não têm permitido que o professor realize seu trabalho tal como idealizou. Isso
provoca uma tensão constante no professor, desencadeando sentimentos que vão desde o
desânimo e a impotência até mesmo problemas de saúde, ou aquilo que Esteve (1995)
denomina de “mal-estar docente”.
Quando se busca identificar as descontinuidades que acompanham a educação
pública e a atividade docente ao longo dos anos, são facilmente perceptíveis a queda de
prestígio do professorado, a descrença da sociedade, da mídia e dos próprios alunos, que
o docente não consegue cumprir um dos papéis mais importantes sob a ótica do
neoliberalismo, que é possibilitar a empregabilidade ao jovem recém-saído da escola. As
mudanças ocorridas no seio familiar e na sociedade ao longo dos anos exigem do professor,
134
134
nos dias atuais, uma participação mais ativa na construção de uma sociedade voltada para o
conhecimento. No entanto, o professor não se sente inserido numa categoria profissional e
não busca pelo verdadeiro significado da profissionalidade docente.
Nas últimas décadas, as políticas públicas, com o objetivo de atender a organismos
internacionais, estabeleceram metas de melhoria na educação básica sem, entretanto,
proporcionar condições adequadas para que tais metas sejam cumpridas em todas as escolas
públicas do país. Tomando como foco de discussão o Estado de São Paulo, transcrevemos
abaixo as dez Metas do Governo Paulista para a Educação no governo atual (2007-2010):
1) todos os alunos de 8 anos plenamente alfabetizados;
2) redução de 50 % das taxas de reprovação da 8 ª série;
3) redução de 50 % das taxas de reprovação do Ensino Médio;
4) implantação de programas de recuperação de aprendizagem nas séries finais de
todos os ciclos de aprendizagem (2ª, 4ª, séries do Ensino Fundamental e série do
Ensino Médio);
5) aumento de 10% nos índices de desempenho do Ensino Fundamental e Médio nas
avaliações nacionais e estaduais;
6) atendimento de 100% da demanda de jovens e adultos de Ensino Médio com
currículo profissionalizante diversificado;
7) implantação do Ensino Fundamental de nove anos, como prioridade;
8) programas de formação continuada e capacitação da equipe;
9) descentralização e /ou municipalização do programa de alimentação escolar nos 30
municípios ainda centralizados;
10) programa de obras e melhorias de infra-estrutura das escolas.
No entanto, após um ano de estabelecimento dessas metas, a única coisa a que os
professores têm assistido é o controle do seu trabalho, por meio de avaliações externas e
imposição de um currículo único, desconsiderando as diversidades regionais. Nem mesmo
a formação docente foi contemplada no ano de 2008, com vistas a analisar a proposta
curricular implementada nesse ano.
Inserido nesse contexto de mudanças e de metas preestabelecidas, encontramos um
professor que vive momentos difíceis no seu fazer docente, preso ao triângulo de interesses
competitivos e imperativos de que fala Hargreaves (2001).
135
Como disse Esteve (1995), ensinar nos dias de hoje é diferente do que era há 20 anos.
Esta constatação retrata a situação vivida pelo professor nos dias de hoje e foi explicitada o
tempo todo pelos professores depoentes.
No caso específico do professor de Matemática, este conta com uma sociedade
científica a SBEM que, mesmo com toda a dificuldade de atingir o professorado da
rede, tem buscado promover eventos que possam atender a esses professores. Na região
onde os professores depoentes residem, o núcleo da SBEM/SP, sediado em Itatiba, que
vem procurando promover oficinas e jornadas de Educação Matemática. No entanto, parece
não fazer parte da cultura profissional participar de eventos como esse. Até porque os
professores enfrentam muitas dificuldades de liberação de ponto para participação. Por isso,
intrigou-nos a postura do professor Ariovaldo. Mesmo diante de todas as dificuldades que a
atividade docente na rede pública tem imposto ao professor, ainda há aqueles que buscam a
tão almejada profissionalidade. Isso nos remete à necessidade de que as discussões sobre a
necessidade de buscar um estatuto profissional sejam mais amplas, saindo do âmbito
acadêmico e atingindo os professores. Tal estatuto precisa ser construído no coletivo dos
professores e não imposto por políticas públicas, cujos interesses são outros. Isso requer
uma maior conscientização política, o que precisa ser desencadeado nos cursos de
Graduação e constantemente retomado na formação continuada.
Durante todo o processo de pesquisa, indagamo-nos quais seriam as particularidades
da desprofissionalização do professor de Matemática. Embora não tenhamos focalizado
essa questão nas entrevistas, sabemos que atualmente aos professores de Português e
Matemática tem sido atribuída uma responsabilidade ainda maior: garantir o sucesso no
desempenho dos alunos nas avaliações externas, principalmente o Saresp, uma vez que os
alunos são avaliados apenas nessas disciplinas e do seu rendimento depende o bônus que os
professores de uma mesma escola receberão.
Esse contexto acaba por retirar da Matemática o seu papel no currículo como uma
disciplina que possibilita desenvolver habilidades como: argumentar, conjecturar, resolver
problemas, validar soluções, entre outras. Tais habilidades impõem-se como uma
necessidade no mundo contemporâneo, em que a Matemática se faz presente em todas as
áreas do conhecimento. Reduzi-la aos padrões das avaliações externas é validar sua função
como filtro social.
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As reflexões aqui elencadas suscitam-nos algumas questões que ainda se mantêm em
aberto e que de alguma forma nos causam inquietação:
A precarização do trabalho docente focada na aprendizagem dos alunos é percebida
pelos professores de outras disciplinas?
Será que o Estado é o único responsável pelo processo de desprofissionalização do
professor?
Que mudanças nas políticas públicas seriam capazes de melhorar o cenário
educacional no Brasil?
Quais as contribuições que um trabalho como este pode oferecer para a formação
inicial do professor?
Ao finalizarmos este trabalho, avaliamos ter atingido os objetivos a que nos
propusemos. Evidentemente, as análises realizadas foram uma interpretação possível;
outras poderão ser feitas. A apresentação, na íntegra, da textualização das quatro trajetórias
profissionais possibilitará outros olhares, outras interpretações.
Para o pesquisador, imerso nessa realidade e por ela mobilizado para a presente
pesquisa, o processo representou vários momentos de reflexão sobre o posicionamento do
professor em relação à profissão. Percebi que analisar a fala dos professores equivaleu a
olhar para a minha história no magistério, uma vez que nele ingressei sem a qualificação
devida, quando ainda era estudante de engenharia. Assim, ao atuar em cursos preparatórios
para o vestibular, já exercia a atividade docente sem ter me preparado para ela.
Ao textualizar as entrevistas, vários momentos de minha trajetória profissional foram
relembrados: a figura do professor como pessoa e como ídolo. Entretanto, durante estes
dois anos do Mestrado, em vários momentos eu me questionei: quando eu terminar o
mestrado, o que fazer?; Mudará alguma coisa na minha vida? A resposta veio mais rápida
do que eu esperava, quando, no início deste ano, fiquei sabendo que vários ex-alunos do
segundo ano do Ensino Médio em 2007 no Rio de Janeiro optaram pela Graduação em
cursos de Licenciatura; dentre estes, três optaram por fazer curso de Licenciatura em
Matemática. Meu questionamento foi respondido: não importa a mudança social ou
financeira que uma qualificação possa significar em nossa vida, a valorização e o
reconhecimento do professor e de sua profissão serão uma realidade quando nós,
professores, mudarmos o nosso olhar para a nossa atividade e para o nosso papel nesta
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sociedade. Não importa se as autoridades não valorizam o trabalho do professor; não
podemos esquecer que, quando entramos numa classe para trabalhar, temos alunos atentos a
tudo que o professor faz e, principalmente, às atitudes para com sua vida profissional o
trabalho docente é com seres humanos e para seres humanos. Temos consciência de que
ainda há um grande percurso a ser percorrido até alcançar o ideal de profissão docente.
Este trabalho sinalizou algumas questões que não puderam ser discutidas neste
momento, mas são importantes para este processo. Para concluir, ao iniciar o Mestrado, no
primeiro dia de aula o discurso das professoras Adair e Regina foi muito significativo, e o
transcrevo neste momento: “Se o mestrado modificar o seu olhar para com o seu trabalho,
sua prática docente, e despertar em cada um de vocês, um sentimento de mudança, o curso
de mestrado atingiu o objetivo”.
que destacar, ainda, o fato de que estar inserido na atividade docente, para o
professor, por um lado, favoreceu a identificação com os demais professores
dificuldades, sonhos, utopias, descrenças, ... —; por outro, para o pesquisador, foram
momentos de dificuldades para distanciar-se da prática, olhar para o material documentado
e nele identificar as percepções dos professores depoentes, e não a do professor-
pesquisador.
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