Azevedo foi seu aluno, 25 anos atrás, o professor Carlos Nabuco era um jovem
historiador superdotado. Publicara um livro pequeno, mas muito penetrante e bem
pesquisado, sobretudo para alguém da sua idade, sobre a corte de D. João VI. Dois,
três anos depois, produziu um clássico sobre o Período Imperial. Foi o auge da
carreira. Virou referência antes dos trinta, tudo o que fazia chamava atenção.
Ganhou prêmios: da Academia Brasileira de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico.
E então, sem estardalhaço, mas evidentemente por opção, havia se desligado
de tudo. Envelhecera na solidão. Hoje em dia, seus livros ainda tinham relativa
importância, mas não publicara nada de novo fazia séculos. A sua história dava
pena. Não orientava mais nenhum aluno, não dava palestras, enfim, tinha se
aposentado para o mundo. Sabia-se que ainda escrevia, ele não escondia isso. […]
Fazia aparições, na defesa de tese de alguém, ou no lançamento de um livro. Mas
sempre de surpresa. Ninguém sabia como se mantinha tão bem informado sobre os
trabalhos em curso, as publicações e a produção das novas safras de historiadores,
mas era evidente que acompanhava o movimento. Porém, depois de cada aparição,
sumia por meses seguidos, às vezes anos.
E vivia recolhido, incógnito. Para todos os efeitos, como sempre tinha sido
solteirão, também vivia sozinho. (p. 44-45)
Nabuco, o velho soturno, ácido, mal-educado às vezes, “totalmente ermitão, recluso,
antissocial” (p. 71), tinha cabelos longos e grisalhos; seu jeito era ágil, enérgico e ofegante,
seus olhos pareciam estar sempre acesos, e sua voz era “rouca, quase estrangulada” (p. 46).
Seguindo os conselhos de Azevedo, o jovem protagonista marca um primeiro encontro com o
velho, que, com o intuito de auxiliá-lo a descobrir sua vocação, propõe tarefas cujos objetivos
mostram-se, em um primeiro momento, vagos e incompreensíveis. A primeira delas: achar a
frase-chave que sintetiza toda a ação da tragédia Rei Lear, de Shakespeare; a segunda: estudar
a natureza humana.
Certo dia, ao voltar à casa do mestre no prazo estipulado para dar continuidade aos
testes que revelariam sua vocação, Pedro é recebido pela até então desconhecida Mayumi.
Nabuco não se encontrava na casa, pois estava viajando. Pedro fica fascinado pela garota:
Era a menina japonesa mais linda que já vi. O seu rosto tinha a suavidade de
um mistério bom. Seus cabelos, muito pretos, muito lisos, brilhavam contra a luz.
Seu corpo tinha um jeito esguio de se mexer. A graça viva de um arquipélago
distante, que eu nem sabia como tinha chegado até ali.
Não fossem as roupas ocidentais (calça jeans, camiseta e sandália), e o fato
dela falar português, eu imaginaria estar diante de uma princesa oriental. (p. 71)
Afilhada de Nabuco, que fora amigo dos pais da garota, falecidos quando ela era
pequena, Mayumi estudava Neurologia na França, com o intuito de “fotografar as reações no
cérebro das pessoas em momentos de grande emoção” (p. 75). Para Pedro, ela era a “[…]
encarnação moderninha da elegância milenar” (p. 71), oscilando entre “a elegância sedutora
da gueixa e a praticidade da cientista de ponta” (p. 76). Encantado, o narrador confessa: “Ela
era a fusão perfeita de dois mundos que eu imaginava absolutamente incompatíveis: o