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UNIVERSIDADE SALGADO DE OLIVEIRA – UNIVERSO
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
CURSO DE MESTRADO
VINICIUS MAIA CARDOSO
FAZENDA DO COLÉGIO: FAMILIA, FORTUNA E ESCRAVISMO NO VALE DO
MACACU SÉCULOS XVIII e XIX
NITERÓI
2009
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VINICIUS MAIA CARDOSO
FAZENDA DO COLÉGIO: FAMILIA, FORTUNA E ESCRAVISMO NO VALE DO
MACACU SÉCULOS XVIII e XIX
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado do Programa de Pós-Graduação
em História, da Universidade Salgado de
Oliveira UNIVERSO Campus Niterói,
como parte dos requisitos para a obtenção
do título de Mestre em História.
Orientadora: Profª. Drª.Marcia Amantino
Pesquisa desenvolvida com recursos
oriundos de Bolsa da FAPERJ
NITERÓI
2009
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VINICIUS MAIA CARDOSO
FAZENDA DO COLÉGIO: FAMÍLIA, FORTUNA E ESCRAVISMO NO VALE DO
MACACU SÉCULOS XVIII E XIX
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado do Programa de Pós-Graduação
em História, Área de Concentração História
Social e Política do Brasil, da Universidade
Salgado de Oliveira UNIVERSO, como
parte dos requisitos para conclusão do
Curso.
Aprovada em ____ de _______ de 2009 pela banca examinadora composta pelos
seguintes professores:
______________________________________________________
Drª. Marcia Amantino (Orientadora), Universo
______________________________________________________
Dr. Antonio Carlos Jucá de Sampaio, UFRJ
______________________________________________________
Dr. Carlos Engemann, Universo
Esta Dissertação é especialmente dedicada à
memória dos meus pais, Nelly Braga Cardoso
e Nilza Maia Cardoso, a quem a Vida privou
precocemente da alegria de contemplar e
orgulhar-se com o sucesso que por tantos anos
almejaram e trabalharam para seu filho.
AGRADECIMENTOS
É grande o sentimento de gratidão a todos os amigos e amigas (citá-los todos
seria impossível aqui) que me acompanharam nesta fase da minha vida, e que significa
uma de minhas maiores vitórias pessoais. A eles, meu mais profundo OBRIGADO. Em
particular, quero agradecer...
Primeiro, o maior agradecimento à minha Esposa, Edileuza Dias de
Albuquerque, pelo constante apoio, dedicação e companheirismo nos momentos vividos
para alcance desse objetivo. A ela, meu coração.
À Família: Meu irmão, Renato Maia Cardoso; minha sempre amorosa tia Maria
do Carmo; meu tio Altamir Maia, sem a ajuda do qual eu jamais teria podido ingressar
na Graduação.
A Amigos em especial: Jâmerson Jacintho de Carvalho, maior amigo de
décadas, companheiro na Banda URKO e a Maria Aparecida (grande conselheira);
João Ferreira de Oliveira, amigo professor de História; aos amigos e colegas
professores Sandro Monteiro e João Ricardo (Biologia), Arnaldo Cerqueira, Fábio
Cano, Elias Muri e Deneci Sardinha (Geografia), Carlos Barnabé, Zorilda, Paulo
Garcez, Ailton, Denise, Janilce, Luciane, Lucimar e Edmilson (História); Sérgio Luís
da Costa (Filosofia); Michele Lima e Rafael Porto, Celeida, Penha e Fátima, Silvio
Leal da Conceição, Edson Marinho, Solange Marinho, Marcos Medeiros, Alcinéia,
Graça Rubim, Cristiane, Benedita, Kátia, Júlia e Beth Valladares, Osório Luís
Figueiredo de Souza, Luiza Cano, George Max, Fátima e Ruivaldo, Rossi Bastos, Jobel
Mendes, Robson Nascimento, Carlota Fadul, Licelda, Antônio, Fagner, Geovani Marx,
Selma Chagas. Ao pessoal (professores, apoio e secretaria) do C. E. Maria Veralba
Ferraz, C. E. Maria Zulmira Torres, GP 479 Mário Simão Assaf, Escola Municipal
Engenheiro Elias Farhat, Colégio Estadual São José, Centro de Estudos Valladares.
Aos amigos e colegas na Graduação, na Pós e no Mestrado: Luchie, Israel,
Luís, Bottino, Randolpho, Conceição, Jorge Olmar, Silvia, Alexandre Machado, Eraldo
(pastor), Arnaldo Cerqueira, Jacqueline, João Ferreira, Zorilda, Luciane, Edmilson
Viana.
Aos todos os professores da minha Graduação na UNIVERSO (2000-2004);
Ao atual Coordenador da Graduação em História da UNIVERSO, Prof.
Charleston;
Aos meus Professores no Mestrado: Francisco Falcon, Jorge Prata
(Coordenador do Mestrado), Carlos Eduardo Calaça, Maria Yedda Linhares e o
pessoal da Secretaria: Márcia Gualandi e Marcelo
A todos os meus Professores, que me deram aulas durante toda minha vida de
estudante.
Em especial à minha Professora Derci, que despertou em mim o amor pela
História.
Ao Instituto Histórico do Rio Grande do Sul.
À Paróquia de Sant´Ana de Japuíba, em especial os funcionários do Arquivo e o
Padre Henrique.
Aos funcionários do Cartório do Ofício de Cachoeiras de Macacu e o Sr.
Adilson Barbosa.
Aos funcionários do Arquivo do Fórum de Cachoeiras de Macacu, em especial
ao Sr. Jorge Antônio (Jorginho).
Agradecimento Especial à minha Orientadora, Prof.ª Marcia Amantino, por seu
profissionalismo, compromisso, amizade e verdadeira vivência do processo de
construção dessa pesquisa. Agradeço também por todas as lições de vida que tive e por
sua paciência na leitura de minhas centenas de e-mails.
RESUMO
A pesquisa analisa a organização socioeconômica e as relações escravistas do Vale do
Macacu nos séculos XVIII e XIX, através do estudo do “complexo agrário” do clã
Araújo - desde sua formação até sua derrocada durante a Crise do Souto, em 1864 -
localizado na freguesia da Santíssima Trindade, município de Santo Antônio de de
Macacu (Cachoeiras de Macacu), Província do Rio de Janeiro. Complexo este formado
por cinco fazendas Colégio, Jaguary, Papucaia, Ribeira e Rio das Pedras a partir
repartição da Fazenda do Colégio, herdada do patriarca Henrique José de Araújo (1769-
1840), comerciante e fazendeiro português radicado na cidade do Rio de Janeiro.
Discute também aspectos relacionados à economia da região objeto da pesquisa, voltada
em especial para a produção de gêneros para mercado interno e abastecimento. No
tocante às relações escravistas presentes nessa região, as mesmas foram analisadas
através de 2.563 registros de batismo de escravos adultos e filhos de escravas da região,
no período de 1819 a 1873, com enfoque na composição da escravaria, família escrava,
apadrinhamentos e também discute a formação de comunidades escravas na região, em
especial a da Fazenda do Colégio, integrada por cerca de 300 cativos. Abrangendo a
análise do Vale do Macacu a partir da sua ocupação, no século XVI, vista como
solução de continuidade na obtenção de terras e produção agrícola para exportação e
abastecimento, até a segunda metade do século XIX, a pesquisa visou contribuir para o
conjunto de trabalhos acerca da história regional de Cachoeiras de Macacu e do Estado
do Rio de Janeiro.
PALAVRAS CHAVE: Escravismo, Fazenda do Colégio, Vale do Macacu.
ABSTRACT
The research examines the social organization and relations of the slave Macacu Valley
in the eighteenth centuries, through the study of the agricultural complex “of the clan
Araújo from its information until its collapse during the Crise do Souto, in 1864
located in the parish on the Trinity, the municipality of Santo Antonio de de Macacu
(Cachoeiras de Macacu), Province of Rio de Janeiro. This complex consists of five
farms - Colégio, Jaguary, Papucaia, Ribeira and Rio das Pedras - the division of the
Fazenda do Colégio, inherited from the patriarch José Henrique de Araújo (1769-1840),
merchant and farmer living in the Portuguese city of Rio de January. Also discusses
issues related to the economy of the region object of research, focusing in particular for
the production of genres for domestic market and supply. Regarding slave relations
present in that region, they were analyzed using 2.563 records of baptism of adults and
children of slaves of the slaves in the period 1819 to 1873, focusing on composition of
slaves, slave family, patronage, and also discusses the training of slave communities in
the region, particularly in the Fazenda do Colégio, composed of about 300 captives.
Covering the analysis of the Valley of Macacu from their occupation, as in the sixteenth
century, seen as a solution of continuity in the acquisition of land and agricultural
production for export and supply until the second half of the nineteenth century, the
research aimed to contribute to the whole work on the regional history of Cachoeiras de
Macacu, State of Rio de Janeiro.
KEY WORDS: Slavery, College Farm, Macacu Valley.
LISTA DE FIGURAS
Figura1: Estação de Cachoeiras.......................................................................................40
Figura 2: Marco de pedra da Vila Nova de São José Del Rei.........................................42
Figura3: Uniformes Militares da Vila de Macacu – 1786...............................................63
Figura 4: Turíbulo e naveta de prata lavrada.................................................................135
Figura 6: Ruínas da Igreja Matriz da Santíssima Trindade...........................................140
Figura 7: Debret: escravos indo ao batismo - 1816-1831..............................................171
Figura 8: Entrada para Granadas e Soarinho, em Papucaia...........................................236
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Sesmarias concedidas nos rios Macacu e Guapiaçu (Séc. XVI e XVII)........61
Quadro 2: Terras cedidas e por cultivar em Macacu no ano de 1778.............................62
Quadro 3: Localização das fábricas de anil no Rio de Janeiro entre S.J.Del Rey e
Tapacorá 1772 - 1785......................................................................................................74
LISTA DE MAPAS
Mapa 1: O Vale do Macacu em 1819..............................................................................31
Mapa 2: Itinerários de viagens: Burmeister e Tschudi....................................................32
Mapa 3: Viagem de Ewbank...........................................................................................33
Mapa 4: Cinturão do arroz no século XVIII...................................................................67
Mapa 5 Cinturão mandioqueiro no século XVIII...........................................................68
Mapa 6: Distritos produtores de taboados na Capitania do Rio de Janeiro – 1778.......107
Mapa 7: Capitania do Rio de Janeiro – 1970.................................................................124
Mapa 8: Fazendas Pacocay d´El Rey e dos Religiosos do Carmo................................127
LISTA DE GRÁFICOS
Grafico 1: Genealogia de Maria Bibiana Cordovil........................................................134
Gráfico 2: Genealogia de Henrique José de Araújo......................................................155
Gráfico 3: Genealogia de Joaquim Rodrigues Braga....................................................226
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Produção agrícola da Vila e Municípiode Santo Antônio de Sá – 1778........69
Tabela 2: Informações sobre produção de farinha de mandioca na Vila de Santo Antonio
de Sá – 1786....................................................................................................................71
Tabela 3: Posse de escravos por grupos de produtores e arrobas de açúcar produzido..92
Tabela 4: Posse de escravos e alqueires de farinha, feijão e milho produzidos em
1797.................................................................................................................................93
Tabela 5: Quantidade de escravos por lavrador – 1797..................................................97
Tabela 6: Posse de 1 a 5 escravos por Lavrador – 1797.................................................98
Tabela 7: Produção de gêneros pelos Lavradores – 1797...............................................99
Tabela 8: Produção de farinha de mandioca (Alqueires/Lavradores)...........................100
Tabela 9: Agregados em 1797.......................................................................................105
Tabela 10: Batismos de escravos Freg. Santíssima Trindade de Sant´Anna de Macacu
1819/1873......................................................................................................................167
Tabela 11: Batismos escravos adultos Freg. Sant. Trindade de Sant´Anna de Macacu
1819/1840......................................................................................................................168
Tabela 12: Batismos de escravos Freguesia da Santíssima Trindade de Sant´Ana de
Macacu – 1852 a 1873...................................................................................................168
Tabela 13: Apadrinhamento de escravos por cativos, livres, libertos Freguesia da
Santíssima Trindade de Sant´Anna de Macacu – 1819/1873........................................169
Tabela 14: Apadrinhamento de escravos por cativos, livres, libertos Freguesia da
Santíssima Trindade de Sant´Anna de Macacu – 1819/1873........................................169
Tabela 15: Apadrinhamento de escravos por cativos, livres, libertos Freguesia da
Santíssima Trindade de Sant´Anna de Macacu – 1852/1873........................................170
Tabela 16: Apadrinhamento de escravos Freg. Sant. Trindade de Sant´Ana de Macacu –
1819/1873......................................................................................................................172
Tabela 17: Tipologia de apadrinhamentos escravos Grupo A: 1819-1840 Freg. Sant.
Trindade de Sant´Ana de Macacu.................................................................................173
Tabela 18: Tipologia de apadrinhamento de escravos Grupo B: 1852 a 1873 Freg.
Santíssima Trindade de Sant´Ana de Macacu...............................................................173
Tabela 19: Tipologia da propriedade dos escravos formadores de casais de padrinhos
Grupos A e B - 1819 a 1873 Freguesi
a da Santíssima Trindade de Sant´Ana de Macacu
.......................................................................................................................................176
Tabela 20: Relações familiares em fazendas de Jesuítas na capitania do Rio de Janeiro –
Séc.XVIII......................................................................................................................181
Tabela 21: Escravos batizados de Henrique José de Araújo – 1819-1833...................186
Tabela 22: Regularidade de convívio entre casais escravos na Fazenda do Colégio....187
Tabela 23: Cruzamento de apadrinhamentos na Fazenda da Ribeira – 1853 a 1855....189
Tabela 24: Cruzamento de apadrinhamentos na Fazenda Jaguary – 1855....................190
Tabela 25: Cruzamento de apadrinhamentos na Fazenda do Colégio – 1853 a 1855...190
Tabela 26: Cruzamento de apadrinhamentos na Fazenda Rio das Pedras 1853 a
1855...............................................................................................................................190
Tabela 27: Cruzamento de apadrinhamentos na Fazenda da Papucaia 1853 a
1855...............................................................................................................................191
Tabela 28: Número de escravos nas fazendas dos Araújo - Séc. XIX.........................192
Tabela 29: Primeira Diretoria do Banco Rural e Hipotecário do Rio de Janeiro .........204
Tabela 30: Demonstrativo de quantias fornecidas pelo Banco do Brasil - 10 a
30.09.1864.....................................................................................................................209
Tabela 31: Bens do clã Araújo hipotecados ao Banco do Brasil...................................214
Tabela 32: Prédios da Fazenda Jaguary – 1871.............................................................217
Tabela 33: Terras da Fazenda Jaguary – 1871..............................................................218
Tabela 34: Idades dos escravos na Fazenda Jaguary – 1871........................................218
Tabela 35: Doenças e defeitos físicos de escravos da Fazenda Jaguary – 1871...........219
Tabela 36: Bens móveis da fazenda Jaguary – 1871.....................................................220
Tabela 37: Escravos do espólio de Henrique José de Araújo – 1875..........................221
Tabela 38: Bens imóveis do espólio de Henrique José de Araújo – 1875....................221
Tabela 39: Partilha do espólio de Henrique José de Araújo – 1875..............................222
Tabela 40: População livre e escrava – 1872................................................................222
Tabela 41: Escravos por faixa etária – 1872..................................................................223
Tabela 42: Escravos por tempo de serviço na Fazenda Papucaia.................................239
Tabela 43: Escravos por idades na Fazenda Papucaia...................................................239
Tabela 44: Trabalhadores contratados na Fazenda Papucaia.......................................240
Tabela 45:Gêneros exportados em arrobas pelas estações de Cachoeiras e Sant´Anna
1869 a 1873...................................................................................................................248
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................16
CAPÍTULO UM - O VALE DO MACACU NO RELATO DE VIAJANTES DO
SÉCULO XIX................................................................................................................. 29
1.1. O alemão: Hermann Burmeister ......................................................................... 35
1.2. O suíço: Johann Joakim Von Tschudi ................................................................ 39
1.3. O norte americano: Thomas Ewbank.................................................................. 43
CAPÍTULO DOIS - CONQUISTADORES, POVOADORES, SENHORES DE
ENGENHO.....................................................................................................................53
CAPITULO TRÊS - O VALE DO MACACU............................................................... 66
3.1. Pobres e ricos; livres e escravos: escravismo e estratificação social no vale do
Macacu........................................................................................................................ 85
3.2. Açúcar: senhores, escravos e arrobas ..................................................................92
3.3. Escravos, alqueires e homens livres pobres......................................................... 93
3.4. E receberá mercê: madeiras e busca pelo prestígio no interior da elite macacuana
..................................................................................................................................111
CAPÍTULO QUATRO - FAZENDA DO COLÉGIO.................................................. 122
4.1. A naveta e o turíbulo: Henrique José de Araújo, de negociante a senhor de
engenho..................................................................................................................... 135
4.2. O barão e visconde de Piracinunga.................................................................... 151
CAPÍTULO CINCO - FARINHA BRANCA, SUOR NEGRO................................... 156
5.1. Batismos: “política inclusiva”. .........................................................................158
5.2. Batismos, apadrinhamentos e a possibilidade da comunidade escrava .............167
5.3. Fazenda do Colégio: comunidade escrava......................................................... 192
CAPÍTULO SEIS - CRISE! ......................................................................................... 196
6.1. A crise do Souto................................................................................................ 200
6.2. Tudo que é sólido, se desmancha no ar ............................................................210
Valor (mil réis).............................................................................................................. 221
CAPITULO SETE - O CORONEL E A SOGRA........................................................225
7.1. Imprescindíveis escravos..................................................................................237
7.2. Endividar: salvar a pele... e o status................................................................... 241
7.3. Mudanças e permanências: ferrovia, agricultura e escravismo. ........................243
CONCLUSÃO.............................................................................................................. 252
FONTES ....................................................................................................................... 260
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 268
16
INTRODUÇÃO
Na escrita da história regional de Cachoeiras de Macacu, município do Estado
do Rio de Janeiro que abrange a maior parte do vale formado pelo rio Macacu, não se
produziu ainda nenhum trabalho de pesquisa histórica especificamente voltada para
aquela região, tendo como objeto suas relações socioeconômicas para o século XIX ou
mesmo para períodos mais recuados. Conseqüentemente, a escravidão, instituição social
determinante para a construção destas relações, carece de estudos. que se frisar a
existência de trabalhos de outros historiadores para a região do recôncavo da baía da
Guanabara como um todo, ou analisando localidades nele inseridas. Trabalhos estes que
foram de necessária consulta.
1
Pelo menos desde o século XVIII, o vale do Macacu constituía-se lócus
privilegiado na produção de gêneros alimentícios para consumo interno, em especial a
farinha de mandioca, ao lado de outros produtos como arroz, milho e feijão. Juntamente
com estes gêneros, havia uma produção de açúcar e aguardente, provavelmente para
atender o mercado internacional, embora pudessem ser enviados também para o Rio de
Janeiro.
Essa produção de gêneros alimentícios não se destinava apenas para o consumo
dos ‘macacuanos’, sendo parte comercializada como gêneros destinados ao
abastecimento interno, caracterizando a região como um celeiro do Recôncavo e um
dinâmico centro produtor-abastecedor de alimentos para a cidade do Rio de Janeiro.
Outras atividades econômicas também ocupavam o dia-a-dia das populações do vale do
1
CABRAL, Diogo de Carvalho. Produtores rurais e indústria madeireira no Rio de Janeiro do final
do século XVIII
: evidências empíricas para a região do Vale do Macacu. Revista Ambiente & Sociedade,
Vol. VII, 2, jul/dez. 2004. Disponível em
<www.bibvirt.futuro.usp.br/content/download/1103/5461/file/24691.pdf> Acesso em: 05 abr. 2008;
CABRAL, Diogo de Carvalho.
Floresta, Agricultura e Extrativismo Madeireiro na Modelagem da
Paisagem Agrária do Rio de Janeiro Colonial Tardio
: o caso da bacia do Macacu. Disponível em: <
www.heera.ufjf.br/artigos/03_artigo03.pdf > Acesso em: 05 abr. 2008; SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá
de.
Magé na crise do escravismo: sistema agrário e evolução econômica na produção de alimentos
(1850-1888). Niterói: UFF, 2004 (Dissertação de Mestrado) <Disponível em
http://www.bdtd.ndc.uff.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2184> Acesso em: 15 abr. 2008;
CABRAL, Diogo de Carvalho,
‘Pau-pra-toda-obra: Paisagem Florestal e Usos da Madeira na Bacia do
Rio Macacu, Rio de Janeiro, final do século XVIII. Brasília: PPGHIS/UFRJ,2006. Disponível em:
<http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro3/arquivos/TA553-04032006-191500.PDF> Acesso
em: 15 abr. 2008; SILVA, Francisco Carlos Teixeira.
A Morfologia da Escassez: crises de subsistência e
política econômica no Brasil Colônia (Salvador e Rio de Janeiro, 1600-1790). Niterói: UFF, 1990.p.172.
17
Macacu: o comércio de madeiras, constituindo-se como setor extrativista da economia e
a comercialização de parte das produções de quintal, constituídas por suínos, ovinos,
aves (patos, galinhas, marrecos, perus, gansos) e ovos.
Para o atendimento dessa demanda de gêneros, a mão-de-obra escrava
constituía-se como fator de produção imprescindível, integrando-se a uma economia de
caráter doméstico e também mercantil. Considerando-se que a região apresentava
estrutura econômica mais voltada para produção de alimentos em pequenas e médias
propriedades, obviamente ao lado de latifúndios, se observou a presença de unidades
produtivas com poucos ou mesmo, nenhum escravo.
Estas duas modalidades de unidades produtivas, a média e pequena propriedade
com baixo índice de mão-de-obra cativa e a grande propriedade constituída por
escravarias maiores, determinaram distintas formas de relações sociais entre escravos,
livres e libertos. Finalmente, infere-se que a organização socioeconômica desse vale,
com destaque para o território hoje ocupado pelo município de Cachoeiras de Macacu,
apresentava ênfase numa estrutura agrária com predominante presença daquela primeira
modalidade de ocupação da terra, destinada a satisfazer as necessidades de uma
majoritária população mais pobre.
A análise de tal quadro econômico e social motivou a delimitação de um recorte
temporal abrangente. Após longa análise que recua ao século XVIII, circunscreveu-se o
recorte em toda a extensão do século XIX. A adoção dessa extensa temporalidade, que à
primeira vista poderia parecer exagerada, na verdade não o é. Tal escolha se deu
mediante duas situações de cunho prático, percebidas na experiência da pesquisa: a
primeira relaciona-se aos objetos de análise expostos acima, os quais terão como fulcro
o complexo agrário - termo que será corrente neste trabalho - formado por cinco
fazendas escravistas: Colégio, Papucaia, Rio das Pedras, Ribeira e Jaguari.
Não foi possível definir um ‘marco’ cronológico convincente para a constituição
deste complexo agrário, que essa mesma constituição se durante todo o século
XIX e aprofunda-se no tempo, com raízes no século XVIII, sendo considerada como
resultado de um processo histórico de longa duração. Foi em torno desta unidade de
produção agrícola que se construiu esta pesquisa.
18
Unidade a qual o negociante
2
e senhor de terras e escravos, Henrique José de
Araújo, deu origem ao legar a seus descendentes as partes de sua grande fazenda no
Vale do Macacu. Tal situação foi comprovada a partir da análise de registros de batismo
nos arquivos da Paróquia de Sant´Ana de Japuiba, em Cachoeiras de Macacu.
Não apareceram batismos de filhos de escravas pertencentes a herdeiros de
nenhuma das cinco fazendas acima mencionadas antes de 1840, ano do falecimento do
patriarca Henrique José de Araújo. Até sua morte, a propriedade deteve a denominação
de
Fazenda do Colégio, ainda possuindo sua área integral, ou seja, os descendentes de
Araújo não haviam se apropriado de seus quinhões de herança. Portanto, não
apareceram como proprietários de cativos em Macacu.
Sobre os anteriores proprietários da fazenda, está consolidado nas fontes que a
Fazenda foi, primeiramente, propriedade da Companhia de Jesus, tendo função de
abastecer com alimentos o aldeamento de São Barnabé, atual Itambi, no município
fluminense de Itaboraí.
no início do oitocentos, como se verá, Henrique José de Araújo desenvolvia
atividades comerciais, gerando
cabedais e prestígio que lhe possibilitaram, por
intermédio de um afortunado casamento, a aquisição da grande propriedade rural
mencionada. Araújo, pelo que parece, era possuidor de casas e terrenos na cidade do
Rio de Janeiro.
A fazenda aparece igualmente com a denominação de
Fazenda da Papucaia,
além de outras, como
Macacu e Macacu na Papucaia
3
. Estas últimas menos presentes
nas fontes. Sendo assim, ao se mencionar aqui Fazenda do Colégio ou Fazenda da
Papucaia, tal dado refere-se à mesma unidade produtiva na sua totalidade. Isso,
entretanto, para determinado período.
2
Piñero apresenta um conceito para o termo: Por Negociante, estou entendendo o proprietário de capital
que, além da esfera da circulação, atua no abastecimento, no financiamento, investe no tráfico de
escravos, o que permite que controle setores chaves da economia, inclusive na produção escravista, face
ao papel que desempenha no crédito e no fornecimento de mão-de-obra. Uma de suas características é a
multiplicidade e diversidade de suas atividades, o que permite que ele detenha uma posição privilegiada
na sociedade brasileira e seja capaz de influir decisivamente tanto nos rumos da economia e na política do
país. Atua tanto na atividade comercial, como pode ser encontrado na manufatura, nas casas bancárias,
companhias de seguro, bancos, etc. Cf. PIÑEIRO, Théo Lobarinhas.
A Construção da Autonomia: o
Corpo de Commercio do Rio de Janeiro. In: V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6a.
Conferência Internacional de História de Empresas, 2003, Caxambu (MG). Anais Eletrônicos do V Cong
Bras de Hist Econômica e Conf Int de História de Empresas. Caxambu: Associação Brasileira de
Pesquisadores em História Econômica, 2003.
3
LEITE, Serafim, S.J. História da Companhia de Jesus no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 2000.
19
A referência à fazenda como do Colégio”, demarca a mesma como parte
integrante do patrimônio do Colégio jesuítico do Rio de Janeiro, sendo fácil inferir que
esta denominação fosse apropriada, pelo uso, por parte das populações do vale. As
fontes indicam que essas denominações foram posteriormente também aplicadas, em
meados do século XIX, a ‘pedaços’ de seu primitivo perímetro legados aos herdeiros de
Araújo. Os demais pedaços receberam as outras denominações – Jaguary, Rio das
Pedras, Ribeira, Papucaia - sobre as quais alguns dados, aparecendo inclusive nos
registros de batismo. Portanto, até sua divisão, a grande fazenda era chamada por mais
de um nome. Após esta repartição, estes nomes foram, talvez mesmo por força do uso
comum, absorvidos na denominação de suas partes.
A história desse complexo agrário, portanto, confunde-se com a trajetória da
Companhia de Jesus, sua presença no Vale do Macacu e com a de seus posteriores
proprietários após seqüestro da fazenda do Colégio ou da Papucaia pela Coroa
lusa. E, obviamente relaciona-se, a posteriore, com a trajetória de seu proprietário,
Henrique José de Araújo.
Outra situação que justifica o extenso recorte temporal adotado refere-se à
disponibilidade das fontes paroquiais de batismo de cativos adultos e filhos de escravos.
que o escravismo macacuano é tema de especial interesse nesta análise, os registros
de batismo constituíram-se como fontes adotadas para estudo das relações escravistas
em Macacu. Disponíveis a partir da segunda década do oitocentos e coletados no
arquivo da Paróquia de Sant´Ana, em Japuíba, segundo distrito de Cachoeiras de
Macacu
4
, estes registros apresentam para o primeiro quarto do século XIX, grande
número de escravos de propriedade de Henrique José de Araújo, e aparecendo nessas
fontes, o registro de cativos de seus descendentes por quase toda extensão desse século.
Portanto, não houve como estabelecer marcos que delimitassem claramente um
recorte temporal para a análise o advento da Lei Eusébio de Queiróz (1850) como
anteriormente havia-se pensado mas sim, revelou-se mais proveitoso acompanhar,
junto com os batismos de cativos e outras fontes, a trajetória da formação,
desenvolvimento e decadência do complexo agrário dos Araújo. Abundantes no começo
do oitocentos, os registros que têm relação com esse clã parental vão lentamente
4
Quero deixar registrada a gratidão ao padre Henrique Caetano, que desde o início desta pesquisa
possibilitou pleno acesso aos livros de registro da paróquia, bem como à funcionária Fabiane pelo seu
constante acompanhamento nas muitas visitas que fiz ao arquivo. Fica também anotado o agradecimento
a Robson Nascimento, que competentemente fotografou os registros.
20
escasseando em direção ao final do século XIX, o que aponta para a decadência dos
Araújo no vale do Macacu, com seu abandono da região através da venda de suas
propriedades rurais.
Certas características peculiares da estrutura das relações escravistas em Macacu
foram observadas nesses registros, o que pôde ser percebido após comparação entre os
batismos dos cativos pertencentes ao complexo agrário que apresentava escravaria
numerosa e aparentemente atípica no que tange ao tamanho médio das escravarias
locais - com os das demais propriedades em seu entorno, apontando para a presença de
aspectos particulares nas solidariedades escravas construídas no interior desse
complexo.
Pode-se aqui adiantar a percepção, no complexo agrário, de um alto índice de
legitimidade escrava como fruto de uma possível “política” de constituição de unidades
familiares. Política esta demonstrada pelos vários batismos de crianças com pais
identificados, juntamente com os batismos de adultos, cujos apadrinhamentos aparecem
exercidos por diferentes casais de cativos. Quando se adentra no período da Fazenda do
Colégio recortada entre os herdeiros, pós 1840, estas solidariedades escravas
continuam, mesmo entre padrinhos de fazendas agora “diferentes”. Entretanto, tal
tipologia acompanha a tendência geral, confirmada pela historiografia, da não
existência, na absoluta maioria dos casos, de casais formados por escravos de fazendas
cujos donos eram diferentes.
Assim, haveria um quadro diferenciado, de intensas solidariedades escravas ao
nível dos apadrinhamentos, mas limitadas ou mesmo proibidas no âmbito das uniões
escravas, fronteira que demarca a manutenção do status quo dos respectivos
proprietários de terras e homens de cada uma das cinco fazendas do complexo.
Com fulcro no que estabelece a historiografia, a respeito de uma alta
legitimidade escrava presente em uniões regulares de casais cativos em propriedades de
ordens religiosas, infere-se o quanto essa prática jesuítica em particular, de formação de
casais de cativos como será demonstrado, poderia ter se perpetuado na longa duração no
vale do Macacu.
Apontam-se dois caminhos: se tal premissa é verdadeira, infere-se que pode
ter havido no vale do Macacu a permanência dessa prática, tida como ‘restrita’ às
fazendas religiosas, como forma de produção e reprodução de uniões estáveis entre
cativos do complexo agrário dos Araújo, controlado por leigos. Prática esta, que seria
21
por comparação reforçada pelo índice elevado de naturalidade encontrado nas
propriedades externas ao perímetro do complexo agrário, como também apontam os
registros de batismo.
Se não, eleva-se o complexo agrário, de propriedade leiga, ao caráter de
estrutura ímpar, ao menos para a região, no que se refere à formação de solidariedades
escravas, descaracterizando propriedades de ordens religiosas como exclusivas na
reprodução destas práticas.
Outro ponto que merece referência é o papel ativo que os cativos possam ter tido
na construção destas mesmas solidariedades, independente da forma como se
estabeleceram, e o quanto elas puderam interferir nas relações de poder entre senhores e
escravos, e entre os próprios cativos. Concluindo, dadas tantas possibilidades
percebidas, evidenciou-se ser difícil estabelecer uma rígida periodização assinalada por
extremos ‘claramente’ delimitados. Neste sentido, um recorte temporal mais extenso
pareceu ser mais apropriado.
Abordando outro aspecto, deve-se ter relevância o fato de que é sobre um
determinado espaço no caso o vale do Macacu que ocorreram as ações de produção
e reprodução das relações socioeconômicas no seio da sociedade agrária e escravista
que se pretende aqui analisar, na intenção do alcance dos objetivos propostos para a
pesquisa. Foi necessário então, o reconhecimento das generalidades deste espaço, o que
será feito a partir dos relatos de viagem de um norte-americano e dois europeus:
Thomas Ewbank (1846), Hermann Burmeister (1851) e o barão Johann Jakob Von
Tschudi (1864).
Portanto, apresentados os campos de abordagem deste trabalho, passar-se-á à
explanação de sua estrutura, composta por sete capítulos, que juntos buscam construir
uma unidade lógica. Cada um dos capítulos analisa elementos distintos, embora
interligados e terá, respectivamente, como fundamento, um determinado conjunto de
fontes.
No Capítulo I, ‘O Vale do Macacu nos relatos de viajantes do século XIX:
Burmeister, Tschudi e Ewbank,’ se busca apresentar um panorama, muito geral diga-se
de passagem, da região do vale do Macacu a partir dos relatos dos três viajantes citados,
com menor ênfase em seus aspectos naturais e maior na busca de se construir um
quadro socioeconomico regionalizado. As fontes utilizadas são os relatos desses
22
viajantes oitocentistas, complementados por informações coletadas em edições do
Almanaque Laemmert.
Entende-se ser também de importância um estudo a respeito da formação da elite
senhorial do vale do Macacu, o que será feito no Capítulo II, Conquistadores,
Povoadores e Senhores de Engenho: A ocupação do vale do Macacu como solução de
continuidade da expansão colonial lusa na Baía da Guanabara séc.XVI a XVIII’.
no século XVI, grupos de conquistadores se achavam presentes na região da baía da
Guanabara, a qual conquistaram após lutas contra grupos indígenas, seguindo-se a esta
conquista um processo de ocupação e instalação de engenhos de açúcar, símbolos de
poder senhorial e patriarcal na Colônia. A região do vale do Macacu se constituiria,
neste processo, como solução de continuidade, caminho aberto à ocupação até o alcance
do obstáculo natural da “muralha” da Serra dos Órgãos.
No Capítulo III, ‘O Vale do Macacu: características de uma economia de
abastecimento interno e extrativista”, se apresentam aspectos do vale do Macacu como
região produtora de alimentos, procurando-se caracterizar sua estruturação como centro
abastecedor da cidade do Rio de Janeiro. Além do necessário aporte teórico com base
em trabalhos que abordam a questão do abastecimento na Colônia, apresentados num
estudo comparativo de casos entre Macacu, o recôncavo baiano, a região de Paranaguá
(no Paraná) e o entorno da baía da Guanabara, se utilizaram fontes primárias como o
Relatório do Marques do Lavradio (1778), registros de venda de alqueires de farinha
existentes no relatório das
Minas de Macacu (1786) e a Discripção do que pertence ao
Districto da Vila de Santo Antônio de de Macacu (1797). Estas e outras fontes
primárias existentes no Arquivo Nacional e Arquivo Histórico Ultramarino, foram
utilizadas para a contextualização dessa atividade produtiva com fins comerciais e de
abastecimento na região do vale do Macacu.
Neste trabalho, o recuo a fontes do século XVIII, não previsto quando no início
da pesquisa, se fez necessário devido a duas circunstâncias: primeiramente, a qualidade
dessas fontes, que possibilitaram a visualização de um quadro bem referenciado das
características da produção econômica do vale do Macacu, região voltada
primordialmente para culturas agrícolas de abastecimento interno, além de outras como
o anil e o extrativismo de madeiras, com baixa incidência de mão-de-obra escrava por
unidade produtora, como se verá quando da análise dessas mesmas fontes. A construção
desse quadro socioeconômico ofereceu a possibilidade de contraste com o período
23
imediatamente posterior, o século XIX, facultando a percepção de mudanças e/ou
permanências. Será neste contexto complexo, e ainda inicialmente estudado, que se
encontrará, primeiramente como negociante e posteriormente senhor de engenho, o
patriarca do clã, Henrique José de Araújo, já na primeira metade do século XIX.
Por sua vez, na intenção de se ampliar a lente de observação sobre o vale do
Macacu, em particular a sua conjuntura socioecônomica para o século XVIII, a
Discripção do que pertence ao districto da Vila de Santo Antônio de de Macacu, de
1797, constituiu-se na fonte mais completa para esse alcance. No item
‘Pobres e ricos;
livres e escravos: escravismo e estratificação social no Vale do Macacu’, se tratará
desse objeto, tendo como metodologia a organização do próprio documento,
confeccionado mediante o agrupamento dos produtores e demais listados em bem
definidos corpos sociais, hierarquicamente dispostos: senhores de engenho, fabricantes
de farinha e lavradores
5
. A análise dessas três categorias de produtores foi distribuída
nos itens “Açúcar: senhores, escravos e arrobas” e “Alimentos: escravos, alqueires e
homens livres pobres”, circunscritas ao estudo das produções agrícolas de açúcar,
farinha, arroz, milho e feijão. Também neste capítulo, além dessa análise, se fez
também estudo preliminar da exploração da madeira e a estrutura da posse de mão-de-
obra escrava.
Após a apresentação desses quadros, geral e comparativo, mas também mais
particularizado das produções – agrícolas e extrativistas – do vale do Macacu, percebeu-
se ser interessante discorrer de forma mais particular, no item E receberá mercê:
madeiras e busca pelo prestígio no interior da elite macacuana”, acerca da exploração
das madeiras em Macacu, tanto no seu aspecto econômico - de grande importância -
como também como recurso para estabelecimento de símbolos de status social mais
elevado – como o acesso ao seleto grupo dos detentores de Hábitos da Ordem de Cristo
- o qual poderia ser adquirido através da cessão de madeiras para ações de interesse do
Estado português.
Num processo de longa duração e a partir da segunda metade do quinhentos, o
avanço para o Sertão através do rio Macacu significou a continuidade do processo de
colonização portuguesa no centro-sul do Brasil, após a consolidação da ocupação do
5
Se entende Lavrador como pequeno produtor escravista. Embora haja vários listados na fonte que não
possuíam escravos, considera-se que os mesmo ainda assim podem ser caracterizados como escravistas,
dada a conjuntura socioeconômica na qual estão inseridos, que lhes confere o status de livres somente
possível em contraste com a condição escrava e o fato de que a não possibilidade de possuir escravos
esteja relacionada à absoluta impossibilidade econômica de adquiri-los.
24
recôncavo da baía da Guanabara. Tal processo resultaria na organização do quadro
socioeconômico do vale do rio Macacu aqui parcialmente estudado. Compondo este
quadro, encontra-se a Companhia de Jesus, representada na região de Macacu, crê-se ao
menos desde o século XVII, pela fazenda de muitos nomes - Papucaia, Macacu na
Papucaia, Colégio - produtora de gêneros alimentícios para o aldeamento de São
Barnabé, núcleo agregador dos grupos indígenas absorvidos pelo processo de conquista
e colonização portuguesa da baía da Guanabara e, infere-se, também dos seus sertões.
A expulsão dos jesuítas em 1759 e a transferência de sua fazenda no vale do
Macacu a distintos proprietários culminará, por meio de um matrimõnio no início do
século XIX, na chegada à região do negociante e posteriormente senhor de engenho,
Henrique José de Araújo, patriarca do clã Araújo, o que será tratado no Capítulo IV, ‘A
Fazenda do Colégio: dos Jesuítas aos Araújos’.
Nesse mesmo capítulo, o item “A naveta e o turíbulo: Henrique José de Araújo,
de negociante a senhor de engenho”, de caráter biográfico, trata da vertiginosa
ascensão social e econômica de Henrique José de Araújo, dono de bens imóveis na
cidade do Rio de Janeiro e proprietário da Fazenda do Colégio pelo casamento com
Maria Feliciana, filha da elite carioca e descendente de famílias de conquistadores e
colonizadores do Rio de Janeiro. Araújo construiria, através de sua relações políticas e
familiares, um respeitável clã parental possuidor de muitos escravos, terras e poder na
região do Macacu.
Outra análise biográfica, no item intitulado O barão e visconde de Piracinunga,
estendeu-se também a um de seus filhos, Joaquim Henrique de Araújo, único dos
herdeiros diretos de Araújo a atingir estatuto de nobreza, através da obtenção, por
concessão do Imperador Pedro II, dos títulos de barão de Piracinunga em 1850 e
visconde com grandeza, do mesmo título, em 1872. A influência de Araújo no vale do
Macacu foi exemplicada através de sua ação durante a epidemia de cholera morbus que
atingiu violentamente a Província do Rio de Janeiro em 1855 inclusa a região de
Macacu.
Será Piracinunga quem deterá para si a fazenda denominada Papucaia, herança
de seu pai, a qual venderia em 1866 a dona Bárbara Maria de Jesus, de Rio Bonito (RJ),
certamente para pagar dívidas adquiridas na crise financeira da Casa Souto, que abalou
o Rio de Janeiro em 1864.
25
A tentativa de alcance de um dos objetos principais da pesquisa - analisar
relações escravistas no vale do Macacu estão expostas no Capítulo V, ‘Farinha
branca, suor negro: o escravismo macacuano através dos registros de batismo da
freguesia de Santíssima Trindade de Sant´Anna de Macacu Séc. XIX’, onde se
apresentam aspectos da escravidão negra nas fazendas do complexo agrário e em seu
entorno, através da análise de 2.583 registros paroquiais de batismo de escravos na
freguesia da Santíssima Trindade, que compreende, territorialmente, os atuais e
distritos do município de Cachoeiras de Macacu: o distrito homônimo de Cachoeiras de
Macacu e, respectivamente, o de Japuíba (formado também pelas localidades de
Ribeira, Papucaia e Agro-Brasil). Este capítulo foi subdividido nos seguintes itens: :
“Batismos: ‘política inclusiva”, “Batismos, apadrinhamentos e a possibilidade da
comunidade escrava” e um terceiro, “Fazenda do Colégio: comunidade escrava?”
Essas relações escravistas, como comentado, apontaram ser bem peculiares
face o elevado grau de legitimidade presente na escravaria do complexo agrário, ao
contrário da altíssima naturalidade escrava percebida nas propriedades em seu entorno.
Outrossim, tal condição aponta para interessantes aspectos a respeito da construção de
solidariedades escravas circunscritas às cinco fazendas dos Araújo. Da mesma forma,
apresentar-se-á, com este estudo, aspectos bem gerais das relações escravistas para a
região do vale do rio Macacu como um todo.
O Capítulo VI,
‘Crise! A derrocada do clã Araújo no contexto da Crise do Souto
Séc. XIX’,
tratará da decadência financeira do clã Araújo, na segunda metade do
século XIX, durante a chamada “Crise do Souto” (1864) cujo nome denomina o
primeiro item do Capítulo - a qual envolveu suas cinco fazendas no vale do Macacu.
Essa derrocada do clã, tratada no item “Tudo que é sólido, se desmancha no ar”, pôde
ser identificada através do inventário post-mortem de Antonio de Oliveira Braga, um
dos filhos do patriarca Henrique José de Araújo, falecido em 1871, existente no Arquivo
Nacional. Compondo este inventário, encontra-se um documento que apresenta as
avultadas dívidas do clã de quase mil contos de réis! - com casas bancárias no Rio de
Janeiro, instituições nas quais os Araújo foram ativos participantes, chegando um dos
membros a integrar uma delas como fundador, através de um cargo na primeira das
diretorias do Banco Rural e Hypothecario do Rio de Janeiro (1854), ou também em
outras funções bancárias. Para tanto, foi imprescindível a utilização das informações
contidas no Almanaque Laemmert.
26
Finalizando o trabalho, o Capítulo VII, “O coronel e a sogra: A Fazenda
Papucaia através de um processo judicial 1873”, apresenta um estudo de caso no
intuito de analisar desdobramentos do que teria ocorrido após a derrocada dos Araújo, o
que se pôde fazer ao menos com uma parte do complexo agrário através do entrevero de
dona Bárbara Maria de Jesus, fazendeira em Rio Bonito e viúva de Joaquim Rodrigues
Braga, com seu genro, o coronel da Guarda Nacional da Vila de Santo Antônio de Sá,
Francisco José Fernandes Panema. Em 1866, essa senhora comprou a “Fazenda da
Papocaia”, uma das cinco fazendas vendidas pelos Araújo e de propriedade do barão de
Piracinunga, pelo preço de vinte contos de réis. O caso, novelesco, se deu pela compra
da fazenda com fiança de seu genro, gerando uma disputa familiar judiciária entre o
coronel e sua sogra, produzindo-se a fonte que serviu de base para este capítulo, ou seja,
o Processo de Prestação de Contas que faz Dona Bárbara Maria de Jesus contra o
Coronel Francisco José Fernandes Panema (1873).
Com 231 páginas (verso e reverso), além dos testemunhos das partes, a fonte
apresenta uma coletânea de outros documentos, como registros de batismos,
casamentos, listagens de compra e venda, de cativos etc. Dona Bárbara Maria de Jesus
acusou o genro por gestão do imóvel, cujos rendimentos, segundo ela, o coronel
Panema não apresentara em nenhum momento de sua administração. O processo, aberto
na Câmara Municipal da Vila de Sant´Ana de Macacu, se estenderia até a instância
superior do Tribunal da Relação, no Rio de Janeiro. A Fazenda foi novamente vendida,
em 1876, a dona Luiza Alexandrina Rodrigues, pelo mesmo preço com que havia sido
comprada por dona Bárbara. Contudo, mais que apenas o comentário de tão conflituosa
relação entre genro e sogra – onde não deixaram de aparecer insultos de parte a parte - a
fonte aponta alguns aspectos que serviram para a apresentação de indícios da estrutura
socioecônomica da região de Macacu em período mais avançado, em finais do século
XIX. Portanto, em meio à crise do escravismo após a aprovação e os reflexos da Lei
Eusébio de Queirós. Esses aspectos foram abordados nos itens “Imprescindíveis
escravos” e “Endividar: salvar a pele...e o status”.
Neste período, a ferrovia, abordada no item “Mudanças e permanências:
ferrovia, agricultura e escravismo”, inovação advinda dos avanços tecnológicos da
Revolução Industrial Inglesa, encontrava-se presente na região através da Estrada de
Ferro de Cantagalo. De iniciativa do barão de Nova Friburgo, Antônio Clemente Pinto,
foi inaugurada em 1860 ligando as localidades de Cachoeira a Porto das Caixas, tendo
27
sido construída na intenção de transportar café plantado na região de Cantagalo. Foi em
uma das suas composições que um dos viajantes escolhidos para o Capítulo I, o suíço
Von Tschudi, atravessou o vale do Macacu a partir da localidade de “Cachoeira”,
situada no início da subida da serra dos Órgãos. A ferrovia, além desta função, serviu
para transporte de passageiros, da produção agrícola local e para a dinamização da
extração das madeiras na região de Macacu. A própria fazenda da Papucaia chegou a
possuir seu trilho ferroviário particular, ligando o interior da fazenda à linha principal
dessa estrada de ferro.
O complexo agrário dos Araújo, integrado por suas cinco fazendas, deixou
marcas no município de Cachoeiras de Macacu. O nome Colégio”, de uma de suas
fazendas, denomina hoje uma das localidades desse município, chamada Gleba Colégio,
surgida dos projetos de reforma agrária realizados na região em meados do século XX.
Essa mesma denominação também demonstra a continuidade, na longa duração, da
tradição local - remota é verdade - de manutenção de uma memória acerca da presença
jesuítica na região. Rio das Pedras, outra das suas fazendas, ainda nomeia um córrego,
afluente do Macacu e uma escola da Rede Municipal de Ensino, da Prefeitura local.
Outra, Papucaia, é localidade do segundo distrito de Japuíba, com sua origem
equivocadamente deslocada para o período dos projetos de reforma agrária, através da
criação do Núcleo Colonial de Papucaia, em 1951, pelo então presidente Getúlio
Dornelles Vargas
6
. A fazenda da Ribeira tornou-se bairro limítrofe a Papucaia. Situada
à sua frente, a fazenda Jaguari, única que sobreviveu como unidade de produção rural,
voltada para a pecuária.
Em suma,
‘Fazenda do Colégio: Família, Fortuna e Escravismo no Vale do
Macacu Séculos XVIII e XIX’, vem contribuir para o estudo do panorama
socioeconômico dessa região, mediante o acompanhamento dos caminhos trilhados por
esse grupo familiar, o clã Araújo. No girar da “Roda da Fortuna”, vivenciou ele épocas
de fausto e em outro, foi submergido pela crise que lhe pulverizou o patrimônio
construído pelo patriarca Henrique José de Araújo. Patrimônio este alicerçado pelo
trabalho extraído de seus muitos escravos e escravas.
Região voltada primordialmente para a produção pequeno escravista de gêneros
alimentícios básicos, farinha, arroz, milho e feijão o vale do Macacu afirmou-se, ao
6
BRASIL. Decreto 30.077 de 19.10.1951. Cria o Núcleo Colonial de Papucaia, no Estado do Rio de
Janeiro. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaBasica.action> Acesso em:
07.08.2008.
28
menos durante os séculos XVIII, XIX e também no XX, como fecundo celeiro
abastecedor do grande centro urbano que paulatinamente se expadiu no entorno da
cidade do Rio de Janeiro. Tanto que no século XX, particularmente em 1951, seria
criado na região o citado Núcleo Colonial de Papucaia, com objetivo de se fomentar ali
o desenvolvimento de um “cinturão verde” abastecedor do Rio de Janeiro. Portanto, não
necessariamente uma inovação, mas uma ação de continuidade na histórica orientação
da região de Macacu como produtora de alimentos básicos para mesas fluminenses e
cariocas.
Hoje, o gigantesco projeto do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de
Janeiro -COMPERJ, será instalado pelo Governo Federal junto à confluência dos rios
Macacu e Guapiaçu, no distrito de Porto das Caixas, município de Itaboraí. Local onde,
em 1697, esteve também o governador do Rio de Janeiro Artur de e Menezes, para
erigir a Vila de Santo Antônio de Sá. Com inauguração prevista para 2012, o
COMPERJ representará profunda reestruturação da região como um todo em seus
aspectos econômico, político, social, demográfico e cultural.
Tão acelerada transformação no cenário socioeconômico do Vale do Macacu, de
caráter industrializante, reorganizando o uso e ocupação da terra, as relações de trabalho
e prenunciando uma nova “onda” de urbanização - em curso durante o
desenvolvimento desta pesquisa - poderá ter seu setor agrário, historicamente dinâmico,
produtivo e identificado como fenômeno de longa duração, valorado ou prescindido de
sua importância no abastecimento das populações que serão absorvidas, ou atraídas, no
decurso desse processo.
29
CAPÍTULO UM
O VALE DO MACACU NO RELATO DE VIAJANTES DO SÉCULO XIX
Burmeister, Tschudi e Ewbank
Estudar o passado é tentar, com as fontes disponíveis, buscar desvelar mundos
que não mais existem. No dizer de Florentino & Góes,
Todas as gerações estão condenadas, pois, a inventar e a reinventar
indefinidamente as sociedades do passado. (...) A história instala-se,
portanto, nesta fronteira ambígua entre o irreconhecível e o
conhecimento mutante possível, entre o que fomos – ou supomos
haver sido – e o que somos – ou imaginamos ser.
O papel do historiador, portanto, é inventar o passado a partir do que resta dele,
ou seja, a partir de fontes que se possam encontrar disponíveis. Seja para a escravidão
ou outro tema qualquer, tal
invenção, em muitos casos, não pode prescindir da análise
do espaço onde essas relações sociais que se pretenda analisar tenham ocorrido, num
recorte temporal selecionado.
Será na fronteira ambígua entre o irreconhecível e o conhecimento mutante
possível, que estarão não as relações socioeconômicas para o vale do Macacu
estudadas, mas a descrição do espaço geográfico onde essas relações ocorreram, o qual
também não mais existe. Sendo assim, a sua necessária observação é possível a partir do
acesso a informações deixadas por observadores que o conheceram na
contemporaneidade do século XIX. Para tanto, utilizou-se como instrumento dessa
necessária reconstrução ‘ambiental’ do vale do Macacu, abstrata até certo ponto, três
distintas e particulares visões: a do norte-americano Thomas Ewbank, que esteve na
região em 1846; do alemão Hermann Burmeister, em 1851 e do suíço, Johann Jakob
von Tschudi, em 1864.
Esses viajantes estiveram no Vale do Macacu em épocas distintas, oriundos de
lugares diferentes. Três diferentes culturas a perscrutar a região. Ressalta-se que mesmo
sendo contemporâneo aos três viajantes, estes se inseriram num espaço geográfico que
para eles era também desconhecido.
Segundo Mintz,
30
ao tratar das intenções dos atores num sistema social, atores que
empregam uma variante cultural ao invés de outra em vários
momentos de suas vidas, parece necessário enfatizar que a relação
entre intenção, ato e conseqüência não é sempre a mesma. Pessoas
diferentemente situadas numa sociedade podem fazer a mesma coisa,
pensar em significados muito diferentes para aquilo que estão fazendo,
e acarretar conseqüências diferentes ao praticarem atos similares
.
7
Cada viajante é um diferente ator a interagir sobre o mesmo espaço geográfico.
Ewbank, Burmeister e Tschudi praticaram, similarmente, o mesmo ato de analisar o
vale do Macacu, cada um com seus objetivos, sua bagagem intelectual e suas
particulares visões de mundo. Analisaram e registraram seletivamente aquilo que ia de
encontro a seus interesses. E é importante frisar que essas visões não podem ser
descoladas de seus preconceitos e juízos de valor.
Como então estabelecer um quadro objetivo do vale do Macacu através de três
subjetivas visões? Seguir pela apresentação tácita de suas observações seria correr o
risco de reproduzir suas visões como realidade positiva. Entretanto, lidos os relatos de
uma forma horizontal, podem ser percebidas similaridades que apontam certamente
realidades concretas. Priorizaram-se relatos que transmitissem aspectos mais concretos
possíveis, abordando em menor grau os que se ocuparam da descrição de aspectos
naturais, salvo os de natureza mais geral. Inicialmente, vale oferecer uma visão prévia
da região de Macacu, abrangida pela Vila de Santo Antônio de Sá.
Cabral, citando Maia Forte, explica que
a Vila de Santo Antônio de era composta, em 1778, pelas
freguesias de Santo Antônio de Sá (sede), Santíssima Trindade, Nossa
Senhora d’Ajuda de Cernambitigba ou Sarnambitiba, ou ainda de
Guapi-mirim –, Nossa Senhora da Conceição do Rio Bonito, Nossa
Senhora do Desterro de Itambi e São João de Itaboraí. Esses limites
teriam mudado em 1789, quando da fundação da Vila de Magé. (...) o
termo da vila incluiria, no ano de 1796, todas as freguesias
mencionadas acima, com exceção da de Guapi-mirim.
8
7
MINTZ, Sidney W. Culture: an anthropological view. In: The Yale Review, Yale University Press,
1982 p. 499- 512 apud CHALHOUB, 1990, Op. Cit. p.25.
8
CABRAL, Diogo de Carvalho. Floresta, Agricultura e Extrativismo Madeireiro na Modelagem da
Paisagem Agrária do Rio de Janeiro Colonial Tardio: o caso da bacia do Macacu. Revista de História
Econômica & Economia Regional Aplicada Vol.1. 3, Ago/Dez. 2007. Disponível em:
<www.heera.ufjf.br/
artigos/03_artigo03.pdf.> Acesso em: 19 abr. 2008. Outra descrição de Macacu,
mais completa, encontra-se em “Corographia Brazilica ou Relação Historico-Geografica do Reino do
Brasil. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1817, Tomo II, p. 32-33”.
31
Mapa 1: O Vale do Macacu em 1819
9
Fonte: Biblioteca Nacional Digital
Burmeister atravessou o vale do Macacu no sentido Rio de Janeiro a Nova
Friburgo. Tschudi o fez em sentido contrário, tomando o trem da Estrada de Ferro de
9
Para todos os mapas desse capítulo foi utilizado o Reconhecimento do Rio de Macacu e da estrada que
conduz a Nova Friburgo (Colônia Suissa),1819. Localização: ARC 003, 13,026 ex.1 Cartografia
ARC.014,04,006 ex.2 Cartografia ARC 004, 01, 017 ex.3 Cartografia. Seção de Cartografia. Biblioteca
Nacional
32
Legenda
Burmeister
Estrada
Tschudi
Estrada
Trem
Estrada
e barco
Cantagalo na localidade de Cachoeira, atual sede do município de Cachoeiras de
Macacu.
Mapa 2: Itinerários de viagens: Burmeister e Tschudi
Fonte: Biblioteca Nacional Digital
33
Ewbank, partindo do Rio de Janeiro, não atravessou como seus ‘colegas’
viajantes toda a extensão do vale, limitando-se a penetrar em seu interior e fazer um
reconhecimento de algumas fazendas em uns poucos dias.
Mapa 3: Viagem de Ewbank
10
Fonte: Biblioteca Nacional Digital
10
Foi demarcada a área aproximada visitada por Ewbank, no Vale do Macacu. É possível se visualizar no
mapa as fazendas do Carmo, Colégio e das Pedras. Não aparece a fazenda do Sumidouro.
34
Antes de apresentar os relatos, é necessário que se conheça alguns aspectos
biográficos de cada um dos viajantes. A ordem das biografias é a mesma com que serão
abordadas as suas respectivas viagens.
O alemão Hermann Burmeister nasceu em Strallsund
11
, em 1807, falecendo em
1892 em Buenos Aires. Era um estudioso de geologia, naturalista e professor, tendo
sido convidado para a cadeira de Zoologia da Universidade de Halle. Esteve pela
primeira vez no Brasil em 1850, quatro anos portanto após a visita de Thomas Ewbank.
Em 1852, embarcou de volta à Europa e publicou, um ano depois, o seu livro “Viagem
ao Brasil através das Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais.”
12
Johann Jakob von Tschudi, suíço, foi diplomata, ministro da República
Helvética no Brasil, zoólogo e naturalista. Era formado em Ciências Naturais pela
Universidade de Neufchatel e em Medicina pela Faculdade de Paris. Fez uma viagem de
circunavegação do globo, visitou o Peru durante cinco anos, estudando a fauna, a
arqueologia, etnografia e lingüística peruana. Retornou á América do Sul em 1857,
permanecendo durante dois anos percorrendo o Brasil, Estados do Prata, Bolívia e Peru.
Em 1860 tornou-se plenipotenciário da Suíça no Brasil, para onde veio estudar os
problemas da imigração suíça. Na Europa, em 1866, foi nomeado embaixador na
Áustria, falecendo em 1887.
13
O último viajante do ‘grupo’, o norte-americano Thomas Ewbank, andou pela
região em 1846, visitando, como se disse, algumas fazendas. Se a opção adotada
privilegiasse a apresentação dos relatos desses viajantes numa seqüência cronológica,
Ewbank deveria ter sido o primeiro a ser abordado, mas propriedade em colocá-lo
por último, pelo fato de ter sido o único dos três a registrar contato com descendentes de
Henrique José de Araújo, o português negociante, senhor de engenho e proprietário da
fazenda do Colégio”, núcleo formador do ‘complexo agrário’ da família Araújo. Souza
nos apresenta dados sobre a biografia deste norte-americano:
11
Cidade localizada no estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, na Alemanha, na parte sul da
costa de Strealsund (área que separa o Mar Báltico da ilha de Rügen, a maior da Alemanha). Disponível
em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Stralsund>. Acesso em: 14 fev. 2009
12
BURMEISTER, Hermann. Viagem ao Brasil através das províncias do Rio de Janeiro e Minas
Gerais: visando especialmente a história natural dos distritos auri-diamantíferos
. Belo Horizonte:
Itatiaia. SP: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980.
13
TSCHUDI, Johann Jakob Von. Viagem às províncias do Rio de Janeiro e São Paulo. Biblioteca
Histórica Paulista, Vol. V. São Paulo: Martins, 1953, p. 9-11.
35
Ewbank permaneceu no país entre 31 de janeiro e 05 de agosto de
1846, ou seja, pouco mais de seis meses. Fez fortuna como visionário
empresário fabril na América do Norte e a partir daí dedicou-se a
estudos de mecânica, hidráulica e ciências sociais. Partidário do
liberalismo econômico, racionalismo e cientificismo, comum ao
momento histórico que viveu, contestou a velha sociedade, cujo
comportamento pessoal, familiar, social e político dissonava dos
valores filosóficos, morais e estéticos da época. Durante sua estada no
Brasil, Thomas Ewbank, como burguês, cientista, protestante e
republicano, criticou com afinco o catolicismo que lhe parecia
rudimentar, e a brutalidade do sistema escravocrata...
14
1.1. O alemão: Hermann Burmeister
Após sua estada no Rio de Janeiro, seguiu para Minas Gerais, via Nova
Friburgo, em 21 de dezembro de 1850, fazendo o mesmo trajeto que Ewbank havia feito
quatro anos antes. Saindo da praia da Saúde, a embarcação atravessou a baía da
Guanabara, entrando no rio Macacu com destino ao Porto do Sampaio.
15
O trajeto do Rio até Sampaio, situada a 1 e meia milhas acima da foz
do Macacu, atravessa a baía no sentido de sua maior extensão (...) Ao
entrar no rio Macacu, os arbustos de mangue aproximam-se de ambos
os lados, cada vez mais, e a água torna-se francamente castanha, mas
clara, assim como um café bem fraco. Dizem que estas águas são
nocivas ao homem, especialmente aos estrangeiros, não só quando
ingerida, mas mesmo as suas exalações, sendo aconselhável afastar-se
delas. Os estrangeiros que permanecem por algum tempo em regiões
tão baixas, onde destas águas, provenientes, com toda a evidência,
de detritos vegetais em decomposição, são atacados de malária e febre
intermitente, que assumem aspecto tifóide. Nessa região é conhecida a
doença por “febre do Macacu.”
16
Os três viajantes descrevem essa viagem praticamente da mesma forma. O ponto
final da embarcação era o Porto do Sampaio, de onde se seguia a ou montado em
animal até o Porto das Caixas, localizado à margem de um afluente do Macacu, o rio da
Aldeia. Daí, o trajeto se dava por estrada de rodagem, em direção ao interior.
14
SOUZA, Afrânio Biscardi. Debret e Ewbank: A leitura estrangeira do modus vivendi barroco no Brasil
oitocentista
. In: Miradas e imágenes urbanas en la literatura de viajeros, 2006, Buenos Aires, D. F..
La experiencia del viaje. IV Encuentro. Buenos Aires, D. F. : FADU-UBA, 2006.
15
BURMEISTER, 1980, Op. Cit. p.86
16
Id., 1980, p.87-88
36
Segundo o Relatório da Província do Rio de Janeiro, para o ano de 1855, a
navegação pelo Macacu não era uma atividade em que predominassem facilidades:
O rio de Macacú, que nasce no município de Cantagallo
17
e deságua
na baía de Nictheroy, offerece navegação á lanchas e saveiros, até
uma extensão de 6 leguas, e por elle navegam dous vapores que fazem
viagens alternadas, da Corte para o porto do Sampaio e Villa Nova e
vice versa. Alguns córtes e a desobstrucção d´este rio podiam operar
muitos benefícios ao munnicipio de Santo Antonio de Sá, e aos que
por ahi exportam os seus productos, e estender a navegação á vapor á
mais longa distancia, do que a que se acha circumscripta pelas suas
tortuosidades. A esse rio afluem o Guapiassú e o Caceribú com
abundancia de águas, mas com os leitos muito obstruídos.
18
O Almanaque Laemmert oferece informações mais precisas sobre essa viagem
pelo Macacu até Sampaio. A Empresa que fazia a navegação era a União
Nictheroyense, Companhia de Navegação a Vapor. Os vapores atendiam a duas linhas:
uma para Magé e outra para Sampaio. Esta última fazia uma escala em Vila Nova, com
saídas às terças, quintas e sábados, às 9 e meia da manhã e retorno às segundas, quartas
e sextas às 11 horas. Os preços das passagens eram os seguintes: passageiro calçado, 2
mil Réis (2$000); passageiro descalço, 1 mil Réis (1$000) e animais de montaria, 3 mil
Réis (3$000).
19
De Sampaio, Burmeister seguiu para a localidade de Marabi
20
, parando em uma
ferraria à beira da estrada.
21
Pela manhã seguiu até Porto das Caixas, situada á margem
do rio da Aldeia, afluente do Macacu. Um pouco mais à frente situava-se a vila de
17
Essa observação aponta um erro de Burmeister. Em 1855 já existia a Vila e Município de Nova
Friburgo, fundada no início do século XIX, após política de imigração suíça e alemã promovida por D.
João VI. Situando-se após o município de Santo Antônio de Sá, distancia-o da Vila de Cantagalo.
Portanto, não haveria como o Macacu, que nasce de vários riachos nascidos na Serra dos Órgãos, ter sua
origem nesse município.
18
Relatório apresentado ao Exmoº Vice-Presidente da Província do Rio de Janeiro o Snr. Doutor José
Ricardo de Rego pelo presidente o Conselheiro Luiz Antonio Barbosa por occasião de passar-lhe a
administração da mesma província.Nictheroy: Typographia de Quirino & Irmão,1855.p.54. Disponível
em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u831/000056.html>. Acesso em: 06 abr. 2008.
19
Almanaque da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1864 - Vigésimo primeiro anno
(Segunda série XIV) p.426. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1864/00000434.html>Acesso em: 06 abr. 2008.
20
Em sua viagem, o Príncipe Adalberto da Prússia denomina essa localidade de Campos de Marabu”.
Sua localização é fácil de identificar, por estar demarcada em algum lugar entre Sampaio e Porto das
Caixas. Cf. ADALBERTO, Príncipe da Prússia.
Brasil: Amazonas-Xingu. Trad. Eduardo de Lima
Castro. Brasília: Senado Federal, 2002, p.108. Disponível em
<http://www.senado.gov.br/web/cegraf/conselho/pdf/Amaxonas-Xingu/Amazonas-Xingu%201.pdf>.
Acesso em: 19 abr. 2008.
21
BURMEISTER, 1980, Op. Cit. p.89
37
Santo Antônio de Sá, que o viajante descreve como uma localidade já em franca
decadência:
Em nossa frente, numa elevação, estendia-se uma grande fila de casas,
com uma vistosa igreja á direita. Por trás via-se a serra dos órgãos,
que deve seu nome aos muitos picos e cimos que apontam, para o céu.
(...)A localidade que tínhamos diante de nós era Santo Antônio do
Macacu
22
, monótona, mas propícia ao comércio, devido ao rio
navegável em cujas margens se encontra. Seus habitantes são vítimas
da febre tifóide, que ali grassa muito freqüentemente.(...) o lugar se
acha isolado e quase abandonado. Rente da cidade desemboca o rio
Cacerebu, afluente do Macacu. Atravessamo-lo por uma ponte e
subimos a colina onde se acha edificada a vila. Não nos demoramos e
seguimos, passando por uma segunda elevação, onde se ergue a igreja,
rodeada de algumas casas em ruínas.
23
Por toda a estrada encontravam-se pousios e vendas, paradas para repouso e
alimentação dos viajantes e pessoas da localidade. No trajeto para o interior, passava-se
pela fazenda da Ponte do Pinheiro. Burmeister deixou uma minuciosa descrição de uma
dessas vendas de beira de estrada: estabelecimentos bem sortidos de víveres, apetrechos
de viagem e outros tantos gêneros de primeira necessidade como
carne de porco defumada e toicinho, alimento principal dos pretos e
único ingrediente para o feijão; carne seca, fubá e farinha de
mandioca, que pela cor parece serragem, e se come seca. Ao lado, um
grande barril com cachaça, muito procurada pelos pretos. Mas a venda
não tinha apenas estes alimentos comuns; havia também gêneros mais
finos, como citronato, goiabada e geléia de marmelo, doces e outras
guloseimas
24
.
Era também obrigatória a passagem pelas propriedades dos Araújo, o que indica
situarem-se junto à estrada carroçável. Possivelmente em processo de decadência, o
viajante as descreve como as ruínas de um antigo colégio de Jesuítas
25
, situado sobre
22
Burmeister se utiliza de uma das variantes na denominação da Vila, cujo nome oficial era Santo
Antônio de Sá, dada pelo governador Artur de e Menezes em 1697. Ao que parece, a denominação
Macacu, mais “popular”, nunca deixou de ser utilizada como referência à localidade.
23
BURMEISTER, 1980, Op. Cit. p. 91-92
24
Id., 1980, p.92
25
As fontes contradizem essa observação de Burmeister, que não apontam a existência de nenhum
Colégio de jesuítas na região, mas sim, uma fazenda que fora de propriedade da Companhia de Jesus.
Aqui, Burmeister errou. Essa tradição firmou-se na região, que até o presente crê-se ter existido ali um
colégio jesuítico.
38
uma grande planície rasa. Era uma fazenda então e não oferecia aspecto nada amável.
O lugar é conhecido pelo nome de “Campo do Colégio” (...).
26
Outro apontamento interessante, por sua semelhança, apesar de não haver
utilizado seu relato de viagem, é o do príncipe Adalberto, da Prússia, entre 1842 e 1843.
prosseguimos num largo trote pelas três e meia léguas de Porto das
Caixas e outro tanto de São João por caminho direto, para Campo do
Colégio, no fim das quais avistamos o Colégio dos Jesuítas
27
,
transformado numa grande fazenda, rodeada de soberbas árvores. Por
trás daquele, como vimos à direita uma cadeia de montanhas donde
subiam nuvens carregadas de chuva, a serra do rio de São João.
28
Ao que parece, a tradição local conservou, de uma forma ou outra, a memória da
presença jesuítica na região.
A próxima localidade a que chegavam os viajantes era a vila de Santana
29
, onde
Burmeister alojou sua tropa em outra ferraria. O trajeto após Santana e serra acima até a
vila de Nova Friburgo já se encontra distanciado da região-objeto da pesquisa, mas vale
registrar pelo menos sua estada em Cachoeira, último núcleo populacional de destaque
antes de se começar a subida da serra:
Sob uma temperatura elevada, molestados pelo calor, chegamos, ao
meio-dia, a uma localidade de origem recente, que possuía mais de um
nome, como freqüentemente sói acontecer no Brasil. Nosso guia
chamava-a Mendonça, porém, mais tarde, ouvi chamarem-na também
de Cachoeira de Macacu. (...) Mas não sentia ânimo para caminhar e
visitar a cidade; deitava-me e dormia, fazendo desta forma a única
coisa que apetece ao europeu que tão repentinamente se
transportado para essas zonas quentes.
30
26
BURMEISTER, 1980, Op. Cit. p. 92-93
27
Predecessor do conterrâneo Burmeister em Macacu, o príncipe alemão Adalberto incorrera no mesmo
equívoco.
28
ADALBERTO, Príncipe da Prússia, 2002, Op. Cit. p.107.
29
Adalberto da Prússia faz interessante menção a Sant´Ana: “De repente saímos da capoeira para um
grande prado, no qual três sapucaias colossais erguiam as altivas copas com gigantescas e vistosas flores
encarnadas, para o escuro céu chuvoso, disseminadas por entre algumas casas isoladas: tínhamos diante
de nós a por tanto tempo almejada Santa Ana! O Macacu ficava à nossa esquerda e a serra coberta de
nuvens à direita”. (Cf. ADALBERTO, Príncipe da Prússia, 2002, Op. Cit. p.108.) É possível que um
exemplar sobrevivente a este trio ainda exista. Numa das extremidades da pequena Vila de Japuiba,
encontra-se um exemplar desta árvore, chamada pelos locais de “
sapucaieira”. Bem próximo a ela corre o
Macacu e após percorrido um pequeno trecho de poucas dezenas de metros, chega-se junto à antiga igreja
de Sant´Ana, no centro da Vila. Não há hoje menor indício de que outras duas árvores deste porte
existissem próximas à atual
sapucaieira.
30
BURMEISTER, 1980, Op. Cit. p.97
39
Chegando à região denominada Águas Compridas, na Serra dos Órgãos, após
instalar-se em uma terceira hospedaria, Burmeister e seu grupo seguiram até Nova
Friburgo após transpor a vertente da serra. Neste ponto nos separamos do alemão.
1.2. O suíço: Johann Joakim Von Tschudi
Em sentido contrário viria Tschudi, em 1864, passando, antes de adentrar no
vale do Macacu, pelas localidades de Cantagalo e Nova Friburgo, que começavam a
destacar-se no cenário econômico da Província do Rio de Janeiro pela sua produção de
café, registrando que
o trecho percorrido nesse dia atravessa uma região bem cultivada, com
várias fazendas, todas elas dedicadas à cultura do café em larga escala.
Mas os cafezais não me pareceram tão bem cuidados como os que eu
vira, meses atrás, na província de São Paulo. O mesmo pode-se dizer
das estradas, que a todas elas encontrei em péssimo estado (...).
31
Fez longa descrição sobre a produção e beneficiamento do café, técnicas e
problemas de produção, pragas, cobras nas plantações e fez observações sobre aspectos
da escravidão negra. Em Cantagalo, um registro seu expressa bem seu eurocentrismo: A
agricultura brasileira parece ser exercida no distrito de Cantagalo pelos métodos mais
racionais (...) Muitos dos fazendeiros ali residentes são europeus de grande
inteligência.
32
Passando por Nova Friburgo, desceu a serra, penetrando no vale do
Macacu em direção ao Rio de Janeiro. Chegando na localidade de Cachoeira, Tschudi
não atravessaria o vale a cavalo como Burmeister, mas de trem, seguindo até Porto das
Caixas. Daí, a cavalo até Sampaio, seguindo de vapor até o Rio de Janeiro.
33
31
TSCHUDI, J. J. Viagem às Províncias do Rio de Janeiro e São Paulo. Biblioteca Histórica Paulista.
Vol. V. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1953, p. 33.
32
TSCHUDI., 1953, Op. Cit. p.79
33
A Estrada de Ferro de Cantagalo teve seu primeiro trecho inaugurado em 23 de abril de 1860,
compreendido entre as localidades de Cachoeiras e Porto das Caixas. Foi construído pelo barão de Nova
Friburgo, Antônio Clemente Pinto, no interesse do transporte de café ao porto da Província, em Niterói.
Posteriormente seriam inaugurados os trechos até Nova Friburgo (1873) e Maruí (1875), completando-se
a ligação da região cafeeira com a capital da província do Rio de Janeiro. (Cf. MAIA FORTE, José
Matoso.
Vilas Fluminenses Desaparecidas Santo Antônio de Sá. Itaboraí: Prefeitura Municipal de
Itaboraí, 1980).
40
Figura 1: Simbolo da decadência - Estação de Cachoeiras demolida no ínicio
dos anos 1970
Foto Guido Motta, coleção Marcelo Lordeiro
34
Visitou a localidade de Cachoeira, que também afirma ter possuído, como
afirmara Burmeister, o antigo nome de Mendonça. Entretanto, é possível que o viajante
tivesse lido o livro do seu predecessor, publicado em 1853. Sobre a localidade, Tschudi
anotou:
Cachoeira fora antigamente uma pobre aldeia, chegando a ter certa
importância devido a estrada de ferro de Cantagalo que nela tem seu
termo. Atualmente Cachoeira possui muitas casas novas de construção
leve, grandes vendas e numerosos armazéns. Do distrito de Cantagalo
chegam ali diariamente de 500 a 600 sacas de café, que são remetidas
para o Rio de Janeiro. Antes da construção dessa via férrea, os
fazendeiros eram forçados a atravessar com tropas todo o vale do
Macacu até o ponto onde o rio se torna navegável para batelões
maiores. (...) Antigamente a vila não era conhecida sob esse nome,
mas sim sob o de Mendonça
35
, nome que consta ainda em grande
número de mapas existentes.
36
Apesar de não haver visitado a vila de Santo Antônio de Sá, devido ao fato que a
ferrovia não passava por aquela localidade, mesmo assim fez pequena descrição dessa
34
Estações Ferroviárias do Brasil. Estação de Cachoeiras. Disponível em:
<http://www.estacoesferroviarias.com.br/efl_rj_cantagalo/cachoeira.htm>. Acesso em: 21 nov. 2008.
35
Tschudi corrobora a informação de Burmeister a respeito do primitivo nome Mendonça para a
localidade de Cachoeiras de Macacu. Encontra-se, no Museu da República, no bairro do Catete no Rio de
Janeiro, grande pintura do barão de Nova Friburgo ao lado de sua esposa. Na alegoria, vê-se pequena
maquete do prédio que serve hoje de museu e o seu Solar do Gavião, em Cantagalo. Na pintura vê-se
também a planta da Estrada de Ferro de Cantagalo. É possível ver nessa planta, o nome Mendonça
indicando uma estação acima de Sant´Ana (Japuiba), o que vai ao encontro do dado oferecido pelos
viajantes.
36
TSCHUDI, 1953, Op. Cit. p.109
41
Vila. Suas anotações se resumem a mencionar as febres do Macacu e o seu abandono. A
instalação da ferrovia agravara esse cenário, isolando a localidade, já que a facilidade de
transporte pelos trilhos substituiria as longas viagens a ou em lombo de animal e
eliminaria o trajeto por rio, com os incômodos encalhes do vapor. A navegação seria
completamente superada pela ferrovia. No Almanaque Laemmert de 1867, não aparece
a navegação para Sampaio e o serviço de vapores servia apenas a duas linhas: Magé e
Vila Nova.
37
Entretanto, o suíço teve uma opinião negativa a respeito do futuro da nova
ferrovia:
Não se pode contar com grandes melhoramentos futuros na estrada de
ferro Cantagalo, mesmo quando esta estrada atingir seus pontos
terminais: Niterói e Cantagalo, pois, se de um lado o transporte de
mercadorias e passageiros aumenta, do outro aumentam
proporcionalmente também o custo da manutenção e despesas.
38
Tschudi descreveu Sampaio, onde aguardou por alguns minutos a saída do
vapor, provavelmente no mesmo restaurante freqüentado por Burmeister:
Sampaio, situada na margem esquerda do rio Macacu, ganhou certa
importância, devido a sua ligação com o Rio de Janeiro, e nos dias de
saída e chegada dos vapores, o movimento ali é intenso. Existe nesse
local desde tempos remotos um estaleiro para navios, onde se
constroem pequenos barcos costeiros, e os indígenas se dedicam ao
comércio de madeira com a capital. (...) Os vapores costumam fazer
três vezes por semana o trajeto entre Sampaio e Rio de Janeiro,
havendo assim sempre uma afluência considerável de viajantes.
39
Tschudi, em suas últimas observações, descreveu a viagem de retorno pelo vapor
como monótona, dada a grande quantidade de curvas no Macacu e à vegetação de
mangue existente, que bloqueavam a visão à frente. A localidade de Vila Nova, que
subsistira como ponto de embarque e desembarque dos vapores em detrimento de
Sampaio, não recebeu também cores muitos vivas em sua descrição, sendo vista por ele
como uma antiga aldeia de índios
40
. Suas observações seguintes demonstram tratar-se
de um local também em franca decadência:
37
Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro, 1867, p.397.
Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1867/00000403.html>. Acesso em: 06 abr. 2008.
38
TSCHUDI, 1953, Op. Cit. p.115
39
TSCHUDI, 1953, Op. Cit. p.116
40
Id., 1953, p.117
42
O vice-rei marquês do Lavradio deu-lhe o nome pomposo de Vila
Nova de São João d´El Rei
41
, na esperança de futura prosperidade do
local. Tais esperanças nunca se realizaram e a vila continuou uma vida
tão morosa quanto a antiga aldeia, pelo que o Conselho da Coroa,
resolveu em 1834 privá-la novamente das suas prerrogativas. Os
habitantes, em sua maioria indígenas ou de origem indígena, tecem a
palha, fabricam esteiras, chapéus, peneiras etc, colorindo estes artigos
com cores vivas. A agricultura é reduzida, havendo uma pequena
cultura de laranjas. Os produtos são vendidos nos mercados da capital.
Do rio é difícil divisar a pequena aldeia, que fica numa das curvas.
Uma cabana isolada indica o lugar de desembarque.
42
Figura 2: Marco de pedra da Vila Nova de São José Del Rei.
43
Fonte: Acervo da Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres, em Itaboraí (RJ) . Foto do autor
As últimas anotações de Tschudi revelam certo sentimento de alívio ao deixar
para trás a região de Macacu: Depois de uma hora e meia de viagem a partir de
Sampaio, saímos das águas barrentas do rio e entramos na baía maravilhosa,
atracando, uma hora e três quartos depois, na Ponte Mauá, na Prainha, no Rio de
Janeiro.
44
41
Tschudi errou. O nome correto da vila era São José d´El Rey.
42
TSCHUDI, 1953, Op. Cit. p. 117
43
O marco encontra-se em exposição permanente na Casa Heloísa Alberto Torres, na praça principal
(Centro Histórico), em Itaboraí. Na placa que apresenta o bem, está escrito: “Este marco de pedra foi
esculpido por volta de 1770 em Portugal e trazido à região de Itambi quando, nesta mesma época, o
Marquês do Lavradio transformou a antiga aldeia de São Barnabé em Vila de São José Del Rey. Após
ficar um longo período desaparecido, foi encontrado na localidade de Pacheco, em 1976.” O pedaço que
aparece ao lado é a parte de baixo do marco, que foi encontrado partido em dois.
44
TSCHUDI, 1953, Op. Cit. p.117
43
1.3. O norte americano: Thomas Ewbank
Convicto protestante, Thomas Ewbank, em 13 de junho de 1846, deve ter
passado um dia bem irritadiço. Desde janeiro no Brasil, encontrava-se na cidade do Rio
de Janeiro em plena festividade comemorativa ao dia de Santo Antônio, a quem ele não
se declina chamar de “santo”. Irritado, escreveria:
Sendo hoje aniversário de Antônio de Pádua, incessante barulhada foi
mantida durante toda a noite passada, em sua homenagem. Agora,
foguetes, rojões, fogueiras, músicas, vivas, toques de sinos, tiros de
canhões, bombas e tudo o que se inventou capaz de produzir barulho
está na ordem do dia. Fosse Antônio de Pádua o deus do fogo e do
enxofre, não poderiam tratá-lo com maior variedade de compostos
sulfurosos.
45
Ewbank viu com pessimismo a possibilidade do Brasil, à época país
predominantemente católico, aderir à doutrina dos protestantes. Ao mesmo tempo, não
escondia seu enfado pelas manifestações do catolicismo popular brasileiro: Quanto mais
conheço esse povo, mais remoto me parece o êxito que qualquer missão protestante
possa ter entre ele. (...) estou algo cansado do estralejar da cidade, de seus
espetáculos sagrados e exposições de brinquedos eclesiásticos.
46
A ida a Macacu,
marcada para aquele dia foi, com certeza, um alívio para ele.
A viagem para a região de Macacu foi longa e cansativa. Cumprindo a mesma
rotina da viagem em direção ao vale, o vapor seguiu sua rota, caindo na armadilha
natural formada pelos bancos de areia na barra do Macacu, que criara em torno de si
uma região pantanosa descrita pelo viajante, a qual é interessante registrar:
Com meia milha de largura na foz, o leito do rio estreita-se
rapidamente, tornando-se sinuoso como uma serpente. A água é turva,
e as margens pouco se elevam da superfície líquida. Densos arbustos
se estendem à esquerda por cima de um pântano impenetrável ao
longo de quarenta ou cinqüenta milhas, e à direita por cinco ou seis,
com uma ou outra mancha cultivada. Dizem haver aqui duzentas
léguas de pântanos, permanentemente infestados de malária, e
habitados unicamente por animais selvagens.
47
45
EWBANK, Thomas. A vida no Brasil. Rio de Janeiro: Conquista, 1973.
46
EWBANK, 1973, Op. Cit. p.354
47
Id., 1973, p.354
44
A passagem de alguns barcos repletos de cativos chamou a atenção de Ewbank,
inclusive pelo fato de se ter em vigor a lei de 1831
48
, que proibia o tráfico negreiro.
Em tom crítico, o viajante demonstrou sua indignação com a presença do comércio de
escravos e da escravidão - da qual era contrário. Após sua chegada em Sampaio, o
grupo seguiu, como de costume, estrada adentro, utilizando-se de mulas alugadas.
Ewbank estabeleceu a fazenda Sambairatiba como uma espécie de base de operações,
classificando-a como hospitaleira fazenda de nossos amigos J. e B...a, propriedade que
há várias gerações pertence à família.
49
Sua descrição da sede da Sambairatiba revela uma típica construção senhorial,
sólida e com sua varanda:
A vetusta moradia de nosso anfitrião é uma construção baixa, de
pedra, com o costumeiro pátio central. Num dos lados do largo
avarandado ou corredor há um pequeno quarto com dois catres, e uma
mesa com a padroeira da família, a Senhora da Conceição, numa
redoma de vidro, com três velas, não acesas. Outra redoma cobria o
que me pareceu uma figura suíça de fantasia, pois estava vestido de
redingote, calças, faixa na cintura e largo chapéu de palha.
Representava São João Batista, a cuja providência, juntamente com a
de “Nossa Senhora”, os velhos proprietários haviam encomendado a
fazenda.
50
Sua descrição do potencial produtivo da fazenda, que Ewbank entendeu ser
pequena, com cerca de meia légua quadrada, merece ser citada na íntegra:
Cercada de montanhas, parte considerável dela consiste em florestas.
O gado perfaz trinta e seis muares, quarenta bois e vacas, e setenta
escravos, velhos e moços, sendo que trinta são fisicamente aptos.
Quatro trabalhadores de primeira classe e duas crianças, avaliados em
oitocentos dólares, morreram recentemente de febre. Mandioca, café,
feijão, além de carne de porco e de carneiro são produzidos em
quantidade suficiente para a família e os negros. O artigo principal da
fazenda é o açúcar. Não se cultiva nada mais para ser vendido (...)
Nesta fazenda, o carneiro era da raça de Moçambique: preto, com
exceção do focinho e da ponta da cauda, orelhas pequenas e
48
A lei anti-tráfico de 7 de novembro de 1831 foi promulgada devido a pressões de interesses ingleses.
Entretanto, não foi posta em prática, sendo chamada de
lei para inglês ver”. Em 1850, a lei Eusébio de
Queiroz viria ratificar a proibição de 1831, tendo esta sim cumprido a tarefa de erradicar o tráfico
negreiro para o Império do Brasil. (Cf. COSTA, Emilia Viotti da.
Da senzala à colônia. São Paulo:
UNESP, 1998, p. 31-32)
49
EWBANK, 1973, Op. Cit. p.354
50
EWBANK, 1973, Op. Cit. p.354
45
levantadas; ágil e com muito pouco pelo ou lã no corpo, mas com juba
espessa e hirsuta como do leão.
51
Se a descrição do americano em relação aos escravos da fazenda foi fidedigna,
parece tratar-se de uma escravaria um tanto “velha”, já que menos da metade dos
cativos são dados por ele como “aptos” para o trabalho. O americano se espantou com a
falta de “racionalidade administrativa” por parte do fazendeiro:
A colheita deste ano é muito boa, e espera-se que de quatrocentas
medidas de oitenta libras cada uma, o que, a 5 centavos de dólar,
perfazem somente 1.600 dólares, quantia miserável para um
investimento de tanto capital, o produto do suor e das lágrimas de
tantos homens e animais, além do custo de ferramentas; soma esta
que, além disso, será diminuída pelo custo das caixas, transporte para
o mercado, comissões, impostos etc
52
O viajante deixou interessante observação a respeito das tecnologias empregadas
para extração do caldo da cana, através dos diferentes tipos de moendas usadas nesse
trabalho:
O engenho, acionado por muares, é do século passado a primeira
forma européia do original asiático – e consiste em três cilindros
rotativos verticais, de madeira, revestidos de ferro. O caldo espremido
passa através de uma calha para a caldeira anexa, onde tem lugar o
processo comum de concentração.
53
Bem diferente era a fazenda do Sumidouro, propriedade de um ex-deputado e
conselheiro do Império
54
, de muito maior tamanho em relação à visitada anteriormente:
O engenho, do último tipo, tinha sido, juntamente com a máquina a
vapor que o acionava, importado da Inglaterra. Os cilindros que
esmagam as canas são horizontais, e em cada operação os caules
passam duas vezes por eles. Havia aqui dois tachos para evaporação.
Em todas as fazendas de cana, o melaço é destilado para a fabricação
de cachaça. E nesta, também, havia enormes barris em que se
depositava a aguardente, e de onde era tirada para venda. São aqui
empregados duzentos escravos e cem bois. Cerca de quatorze medidas
são cheias diariamente (perfazendo 1.200 libras de açúcar) durante a
safra. (...) No engenho d´água, uma roda de moinho de água de doze
pés de diâmetro com baldes de apenas quinze polegadas de largura,
acionava três pilões de jacarandá para descascar arroz em almofarizes
51
Id., 1973, p.356-357
52
Ibid., 356-357
53
EWBANK, 1973, op. cit. p.356.
54
Id., 1973, p.356.
46
de madeira. Na oficina de carpintaria, alguns escravos faziam
carroças. Utilizando velhos enxós fabricavam rodas e pinas dignas de
admiração. Velhos cepos de pau-rosa jaziam por perto, inutilizados
pelo fogo.
55
Cilindros verticais tracionados por muares e monjolos movidos a água na
Sambairatiba, contrastavam com os cilindros horizontais movimentados por máquina a
vapor na Sumidouro, que além desta modernidade tecnológica, ainda empregava antigas
rodas d´água. Essa diferença de poder aquisitivo, em suma, de riqueza, não se restringia
apenas ao tipo de moenda, mas também aos recursos necessários para que esta
continuasse funcionando. Sobre tal circunstância escreveu Afonso de Taunay, em 1839:
Um conselho que merece não menor atenção é o de substituir os
cilindros a prumo ou verticais, que são os geralmente usados, pelos
cilindros deitados ou horizontais. Vimos já no Brasil alguns desta
última sorte e achamo-los tão superiores pela simplicidade, força e
segurança do seu serviço, que não é possível imaginar comparação
alguma com os ordinários; devendo acrescentar-se que exigem
mecanismo muito menos complicado, pois que o cilindro central se
adapta ao eixo da mesma roda-d’água.
56
A implantação da modernidade do vapor não se daria com tanta facilidade:
O vapor é de todos os motores o mais possante, porém as máquinas
são sujeitas a reparações de que um hábil oficial pode dar conta
57
,
além do que gastam muito combustível, e se não muito cuidado
com elas, são sujeitas a explosões desastrosas; portanto, não daremos
de conselho que as adotem senão aqueles proprietários que, possuindo
grandes fundos, e fábricas que, pela sua extensão, exigem os agentes
mais poderosos, estão em circunstâncias de nada pouparem para o
perfeito andamento dos seus estabelecimentos.
58
55
Ibid., p.359
56
TAUNAY, Carlos Augusto. Manual do agricultor brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras,
2001, p.105-117. In: Revista Jangada Brasil. Ano 5, setembro/2002, 49. Disponível em:
<http://www.jangadabrasil.com.br/setembro49/especial20.htm> Acesso em: 07 abr. 2008.
57
O Almanaque Laemmert para o ano de 1847, no item ‘Machinistas’, apresenta o nome de profissionais
especialistas neste tipo de mecanismo estabelecidos na cidade do Rio de Janeiro: Augusto Illne, Gelanor
Maday, João Baptista Couland, Lenoir Irmãos, Luiz Francisco Delouche, Montez e Hess. Couland, por
exemplo, aparece como “profissional que fabrica engenhos e caldeiras de vapor, assim como prensas
hydraulicas; encarrega-se igualmente de toda qualidade de concertos em quaesquer engenhos ou
machinas, e fornece todas as ferragens que necessitarem os navios que arribarem a este porto”. Sobre
Delouche: “encarrega-se de fazer engenhos de moer canna, ferragens de serraria, ventiladores,
descascadores, e das obras de caldeireiro e bombeiro”. Cf. Almanak Administrativo, Mercantil e
Industrial do Rio de Janeiro, 1847. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1847/00000399.html> Acesso em: 13 abr. 2008.
58
TAUNAY, 2001. Op. Cit. p.105-117
47
Na sua exploração das fazendas da região, Ewbank registrou seu encontro com
membros do clã Araújo:
encontramos um grupo a cavalo, uma senhora, quatro senhores e um
monge, cujo largo e branco chapéu de feltro, hábito, escapulário e
pernas nuas davam engraçado aspecto ao conjunto. Eram membros da
família Araújo, para uma de cujas fazendas estavam de viagem,
exatamente para aquela que provinha do nome do rio que a banhava:
O Rio das Pedras. Sua produção de açúcar nesta safra é avaliada em
duas mil medidas de oitenta libras cada uma
59
.
A composição do grupo mencionada por Ewbank instiga a uma suposição:
segundo o Almanaque Laemmert, para o ano de 1850, aparece na freguesia da
Santíssima Trindade, a
Viúva & filhos de Henrique José de Araújo, senhores de cinco
fazendas.”
60
Poderia muito bem ter sido com este grupo que Ewbank cruzara na estrada.
Na fazenda Rio das Pedras desenvolviam-se particulares atividades econômicas:
Nesta fazenda fazem-se grandes quantidades de tijolos e telhas. Sob
um telheiro encontravam-se negras jovens e de meia-idade, apenas
cobertas por um saiote, algumas com crianças presas às costas, a
meterem dentro dos moldes a argila que lhes cobre os braços e as
pernas e lhes lambuza a cara.
61
Dali seguiram para o Colégio”, outra esplêndida fazenda pertencente aos
mesmos ricos proprietários.
62
Nota-se que a observação de Ewbank traz uma idéia de
esplendor dessas fazendas, ao contrário do que relatará Burmeister em 1854. Entretanto,
são conclusões muito frágeis, provavelmente repletas de subjetividades dos seus
observadores, embora não se possam desprezar como indício de que alguma coisa
poderia ter mudado em relação a estas fazendas.
Outro aspecto observado por Ewbank foi a presença de mascates que faziam
comércio pelas propriedades do vale, trazendo produtos para os vendeiros de beira de
estrada. O americano relata o encontro com um grande grupo destes homens, que se
preparavam para acampar e passar a noite com seus sacos e canastras, cada um formava
três lados de um quadrilátero, dentro do qual alguns descansavam ao comprido,
enquanto outros se mantinham acocorados diante do fogo. Seus animais, ao menos uma
59
EWBANK, 1973, Op. Cit. p.359.
60
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte da Corte e Província do Rio de Janeiro. 1850,
p.619. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1850/00000619.html >. Acesso em: 07
abr. 2008
61
EWBANK, 1973, op. cit.p.359.
62
Id.,1973, p.360.
48
centena, pastavam por perto.
63
Indo em frente na sua exploração das fazendas locais,
Ewbank chegou a outra, que denomina de Macacu:
Ajoelhamos na sela para atravessarmos o rio Emboí e vadeamos outra
profunda corrente(...). Chegamos finalmente à fazenda de Macacu,
dos monges carmelitas da Igreja da Lapa, no Rio. Com uma légua
quadrada de belas terras, foi-lhes legada por um velho fazendeiro em
troca de um apanágio que lhe prometiam no céu. Somente mandioca,
arroz e feijão são cultivados, porém não para venda. A maior parte é
consumida no próprio local, e o resto pelos padres, na cidade.
64
Esta fazenda talvez seja a de Nossa Senhora de Monserrate, de propriedade dos
carmelitas, conforme menciona Pizarro em suas Visitas Pastoraes, de 1795. Localizava-
se próxima à “Colégio”, esta provavelmente a antiga fazenda jesuítica de Nossa Senhora
da Conceição da Papocaia, também citada por Pizarro.
Ewbank apresenta a Macacucomo fazenda especializada na reprodução de
escravos para trabalhar para os padres e para revenda.
Dos escravos, excluindo-se as crianças, somente seis são homens; os
demais, uns cinqüenta e poucos são mulheres. Os proprietários acham
mais lucrativo ocupar-se com criação de negros do que produzir café
ou qualquer outro produto. Os rapazes, chegados a certa idade, são
enviados para a cidade e empregados no exercício de alguma
profissão, e assim ‘se ganha com eles duas vezes mais do que se
fossem empregados aqui, no cultivo da terra.’ O gerente é um escravo;
levou-nos até um galpão, com chão e paredes de barro, em que trinta
mulheres e crianças se ocupavam atabalhoadamente em ralar uma
pilha de raízes de mandioca, enquanto outras as lavaram. Nunca eu
vira dedos tão disformes, mutilados, duros e calosos quanto o daquelas
mulheres, cujas mãos pareciam ter perdido suas características
humanas. Todas vestiam-se de modo confortável e uniforme: saias
pretas e uma espécie de bata curta azul-escuro
65
.
63
Ibid. p.360
64
Ibid. p.360. A narrativa de Ewbank transmite a idéia de considerável distância da Rio das Pedras para a
fazenda Macacu. Realmente, vindo-se de Itaboraí pela RJ-116, atravessa-se primeiramente o rio das
Pedras, próximo a uma entrada à beira da estrada que vai até uma escola municipal homônima, para
somente após alguns quilômetros adiante chegar-se a Papucaia. Se a Macacu fazia divisa com a Colégio,
o relato de Ewbank nos uma pista do encadeamento destas fazendas dos Araújo. Coincidindo com as
atuais localidades homônimas, tem-se: Rio das Pedras, Colégio, Papucaia, Ribeira e Jaguary. Já em 1846,
ano da visita de Ewbank, encontravam-se na propriedade dos herdeiros, constituindo o que aqui
denomina-se “complexo agrário do clã Araújo”.
65
Ewbank quer transmitir a idéia de uma racional geração de cativos na fazenda. Isso em plena vigência
da proibição de importação de cativos pela lei de 1831, o que seduz a quase corroborar-se sua observação.
As mãos das escravas revelam a longa atuação e experiência - no trabalho de produção da farinha de
mandioca, e também no de lavra e plantio - que provavelmente tinha sua produção comercializada na
região e no Rio de Janeiro, como ele mesmo menciona. Entretanto, não registrou ter visto nenhuma
mulher grávida.
49
Este ponto requer cuidado redobrado. Na introdução deste trabalho, falava-se
que as observações dos viajantes estariam contaminadas de suas visões de mundo,
juízos de valor e preconceitos. Exemplo tácito é a opinião de Tschudi acerca das
notáveis e superiores qualidades progressistas dos suíços. Por “acaso”, seus
conterrâneos. Com certeza sabia ele do ambiente de fracasso em que se envolveram os
colonos dos cantões helvéticos, morrendo aos montes na viagem de vinda ao Brasil e a
quem foram entregues terras difíceis de cultivar na região de Nova Friburgo (Morro
Queimado), após sua criação, por D. João VI.
66
Tschudi parece tentar resgatar os méritos, e os brios, dos seus compatriotas e
com certeza os seus próprios - através da desqualificação dos produtores nacionais. Se
corroborada de forma positiva a observação do suíço, com certeza teria fundamento a
idéia de que realmente se sustenta a idéia de existência de povos os quais se deva imitar
nos hábitos de “refinamento”, almejando um devir civilizatório.
Somente “se vê” o que Ewbank viu - ou pensou ter visto. Cumpre portanto,
relativizar a informação a respeito da fazenda
Macacu como especializada na
reprodução de cativos.
Protestante, Ewbank apresenta, como se viu, uma negativa opinião acerca de
tudo que se refere ao catolicismo colonial e o fato de estar visitando uma propriedade
carmelita pode ter exacerbado sua visível repugnância. Infere-se também que não tenha
estado em contato com os frades sobre os quais não comenta ter tido qualquer tipo de
contato - e inferir que estes talvez também não se interessassem tanto em estabelecer
contato com ele, protestante. Talvez fosse para Ewbank muito interessante deixar
registrado que uma ordem religiosa católica promovia a continuação da escravidão pela
reprodução de cativos.
Contudo, a bibliografia sobre escravidão não corrobora que a reprodução do
braço escravo tenha se dado, primordialmente, por crescimento vegetativo das
escravarias. Esta foi sim, reiterada pela atividade do tráfico, estimulado justamente pelo
desequilíbrio demográfico sempre presente no escravismo brasileiro, dadas as altas
taxas de mortalidade. Já se sabe, inclusive, que foi justamente o fim do tráfico um golpe
de morte na continuidade da escravidão no Brasil.
67
66
NICOULIN, Martin. A Gênese de Nova Friburgo 1817 a 1827. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional,
1996.
67
Acerca desse aspecto, ver FRAGOSO, João et alli. Nas rotas do império (eixos mercantis, tráfico e
relações sociais no mundo português). Vitória:Lisboa:Brasília:Edufes:Instituto de Investigações
50
Ewbank descreve claramente ter estado no engenho de farinha da fazenda, ao
mencionar a estrutura do prédio, com paredes e chão de barro. A iconografia do período
mostra claramente que nessas dependências – a fábrica de farinha - a presença do
elemento feminino era quase sempre majoritária. Ewbank realmente não poderia ter
visto um número significativo de homens.
Sua afirmativa ainda se cobre de maior suspeita pelo simples fato de não
registrar, crendo-se ter visto tantas mulheres como diz, a presença de ao menos uma que
estivesse grávida, o que por si não autorizaria a definir a fazenda como grande
“criatório” de negros. Ewbank viu sim, escravas produzindo farinha para os padres, e
dedos calejados não passam a ser algo tão ‘espantoso’ quanto se leva em conta o
trabalho braçal com enxadas, foices e machados, além do duro trabalho manual que
requer a preparação de farinha. O espanto de Ewbank revela possivelmente sua
incredulidade em ver mulheres fazendo ‘trabalho de homem’.
Outro ponto que fragiliza a afirmativa do americano está no fato da fazenda ser
como ele mesmo relata, de propriedade de uma ordem religiosa, a Ordem do Carmo. Se
havia tal desequilíbrio sexual na Macacu”, que os homens, inclusive em idade fértil,
eram despachados para a cidade do Rio de Janeiro, fica difícil conceber, o que vai na
contra-mão do que já está consolidado em muitas pesquisas, padres carmelitas aceitando
o inevitável índice de naturalidade que se estabeleceria na propriedade.
Além disso, não se podem desprezar as solidariedades escravas estabelecidas no
interior da fazenda. Seria realmente problemático para os padres romper tão
sistematicamente tais solidariedades, o que poderia gerar recusas das mulheres escravas
em gerar filhos que saberiam não mais poder ver, passados poucos anos. Tal
mecanicismo também espanca o que se conhece acerca do interdito sexual praticado
pelas negras cativas durante o período da amamentação.
Parece mesmo que estamos vendo o que Ewbank pensou ter visto. Sua única
prova é o relato do escravo ‘gerente’ da fazenda. Se é que o fez.
Científicas e Tropicais:Brasília, 2006; FLORENTINO, Manolo. (Org.) Tráfico, Cativeiro e Liberdade:
Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005; FLORENTINO, Manolo.
Em Costas Negras: Uma História do Tráfico entre A África e o Rio de Janeiro, Séculos XVII e XIX. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002; FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto.
A Paz das Senzalas.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. FLORENTINO, Manolo; RIBEIRO, Alexandre; SILVA,
Daniel.
Aspectos Comparativos do tráfico de Africanos para o Brasil (séculos XVIII-XIX). Afro-
Ásia, Salvador, 2004.
51
Como outros tantos viajantes, o americano não deixou de dedicar bom espaço de
suas anotações à mandioca, ao trabalho e métodos de produção da farinha na região.
A visão racionalista de Ewbank novamente falou alto, quando no dia dezessete
encontrou-se com um tropeiro que viera trazendo mulas de São Paulo para revenda na
região, vendo grande economia na criação extensiva dos muares, praticada pelos
fazendeiros:
Chegou aqui um paulista em viagem para sua terra. Passou, faz uma
semana, com duzentas mulas, quase todas novas e ainda não domadas,
que vendeu a preços entre quinze e vinte dólares. Voltará em
dezembro com outra tropa. A manutenção desses animais nada custa
aos fazendeiros, que os soltam no campo, onde são apanhados sempre
que preciso, o que acontece principalmente na safra do açúcar. Não
estábulos para abrigá-los; nem se cultiva feno ou aveia para alimentá-
los; e não há, também, contas de ferreiro a pagar.
68
No dia 19 de junho encerrava-se a excursão de Ewbank à região:
Às cinco horas da manhã, H..., M... e eu nos despedimos de nosso
amável hospedeiro; às dez alcançamos Sampaio, e pouco depois
descíamos de vapor pelo lamacento Macacu. Milhões de bonitas
plantas, com caules de três a cinco pés de comprimento, como
palmeiras em miniatura, orlavam o rio e ocupavam os brejos. Essa
graciosa planta é conhecida entre os índios pelo nome de piripiri. (...)
às quatro horas desembarcamos na cidade [do Rio de Janeiro].
69
As diferentes visões dos viajantes, contudo, trazem à mente o desafio de
visualização de uma região onde brejos e pântanos mesclavam-se com uma vigorosa
produção agrícola, sempre ameaçada, ao mesmo tempo que os seus habitantes, pelos
caprichos da natureza, a invadir os campos cultivados com enchentes e a ceifar vidas
através de doenças tropicais.
Será sobre esta região, benfazeja e ao mesmo tempo inóspita, que descortina-se
o desenrolar da Fortuna de um grupo familiar, de um clã, de povoadores: os Araújo.
Grupo de homens poderosos, detentores de poder político e econômico, senhores
dependentes do trabalho de suas centenas de cativos, maridos gratos pela riqueza que
ampliaram casando-se com filhas da elite rural. Representantes de uma sociedade de
molde escravista, os Araújo experimentaram o que escreveu Faria a respeito da
68
EWBANK, 1973, Op. Cit. p.360
69
Id., 1973, p.370
52
trajetória vivida pelas famílias de colonizadores, no Brasil: avô taverneiro, filho barão,
neto mendicante.
70
Ao chegar ao Brasil, dificilmente o europeu permanecia no lugar em
que aportava. Poucos foram os que vieram com fortuna suficiente para
empreendimentos de vulto nos grandes centros urbanos e portuários,
monopolizados por antecessores. A grande maioria se aventurou na
conquista de seus objetivos.
71
Voltando-se, em especial, para esse processo de conquista e ocupação na região
do Recôncavo do Rio de Janeiro, o conflito direto com os grupos indígenas, e também
as alianças, estiveram presentes. Num relativamente curto período de tempo, de 1565 a
pelo menos 1620, levas de homens e suas famílias chegaram à nova possessão
portuguesa nos trópicos, paulatinamente consolidando as estruturas do colonialismo
português.
Após a ação enérgica dos conquistadores, logrando o bem sucedido projeto de
controle do litoral do recôncavo da Guanabara - cujo marco definidor será a fundação da
cidade do Rio de Janeiro em 1565 - o português adentraria o Sertão. Num processo de
continuidade, através da penetração de famílias de povoadores e a instalação de
engenhos de açúcar, afirmaria-se o projeto comercial e salvífico luso.
Ao fundo da Baía, o rio Macacu e seu principal afluente o Guapiaçu, serviriam
como naturais vias naturais dessa penetração, continuando o projeto de colonização
portuguesa no Vale do Macacu.
70
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento: Fortuna e Família no Cotidiano Colonial. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 163.
71
Id., 1998, p. 164.
53
CAPÍTULO DOIS
CONQUISTADORES, POVOADORES, SENHORES DE ENGENHO
Ocupação do vale do Macacu: continuidade da
expansão lusa na Baía da Guanabara
Séc.XVI a XVIII
É necessário contextualizar a formação da elite senhorial do vale do Macacu no
processo de conquista e ocupação das novas terras ‘descobertas’ pelos portugueses no
Brasil, apresentando aspectos que caracterizem a sociedade de Antigo Regime e
algumas de suas peculiaridades para a Colônia. Através de fontes levantadas
especificamente para a região objeto da pesquisa, pretende-se acompanhar as relações
sociais construídas na trajetória de representantes dessa mesma elite, e que culminarão
na posse da ‘Fazenda do Colégio’ por Henrique José de Araújo, em princípios do século
XIX.
No intuito de analisar em particular o processo da conquista, ocupação e
colonização portuguesa na região fluminense, que tem início com a chegada das
primeiras famílias ao recôncavo da baía da Guanabara na segunda metade do século
XVI, Fragoso demarcou três recortes temporais distintos na constituição da elite
colonial: de 1565 e 1600, famílias conquistadoras; de 1601 a 1620, primeiros
povoadores e, de 1621 a 1700, senhores de engenho. O autor oferece um cálculo que
ajuda a mensurar o conjunto de famílias na formação dessa elite senhorial do Rio de
Janeiro:
de 1565 a 1700, temos a seguinte cronologia para a chegada de
famílias que se tornariam senhoriais no decorrer do século: 14
desembarcaram entre 1565 e 1600, 13 de 1601 a 1620, e depois desta
data, 67 famílias. (...) 61% das 197 famílias que possuíram engenhos –
em algum momento do seiscentos – tiveram seu começo antes de
1620; trata-se, portanto, do núcleo fundador da futura elite senhorial.
As demais 77 ou 39% chegaram ao Recôncavo depois dessa época.
72
Os eventos relacionados a estes três recortes se deram no contexto de uma
sociedade de tipo Antigo Regime, remodelada às conjunturas do mundo colonial. Os
três grupos apresentados, conquistadores, povoadores e senhores de engenho, moviam
guerras contra alguns grupos indígenas e não dispensavam alianças com outros.
72
FRAGOSO, 2001, op. cit. p. 33.
54
Realizaram também o comércio, que constituía importante engrenagem no
funcionamento daquela sociedade. Constituíram um monopólio comercial onde as casas
nobres de maior prestígio, reprodutoras dessa mesma sociedade, adquiriam concessões
reais para desenvolverem suas atividades.
Da mesma forma, essa elite constituiu uma sociedade alicerçada na garantia de
obtenção de privilégios e mercês do rei, com circulação de capital mercantil e baseada
em relações pessoais (políticas) dadas pelo costume, e mediadas pela autoridade do
monarca e seus prepostos. O capital mercantil bem como a expansão da - foram
elementos estruturantes na formação de
nossa elite colonial, constituindo-se no
processo mesmo de conquista, financiada, em parte, por sua ligação com o negócio de
apresamento de índios, rentável em duas vertentes: acúmulo de recursos da primeira
elite fluminense, e mão-de-obra disponível os
negros da terra para trabalho nos
engenhos do recôncavo da baía da Guanabara.
73
Segundo Fragoso havia outras possibilidades de acumulação, como a venda de
cativos africanos e atividades comerciais, além de que
a constituição das fortunas daquelas famílias baseou-se na combinação
de três práticas/instituições vindas da antiga sociedade lusa: a
conquista/terras prática que nos trópicos se traduziria em terras e
homens, a “baixos custos”, porque foram apossados das populações
indígenas; a administração real fenômeno que lhes dava, além do
poder em nome del Rey, outras benesses via sistema de mercês; o
domínio da câmara – instituição que lhes deu a possibilidade de
intervir no dia-a-dia da nova colônia.
74
Concentrada sua pesquisa para o Rio de Janeiro, Fragoso demonstra o processo
de constituição das fortunas de homens que nem sempre vieram para ricos, mas em
busca de riquezas, títulos e privilégios concedidos por El Rey e que possibilitavam
igualmente a acumulação aos que demonstraram disposição para a conquista. Entre
estes privilégios, estava o acesso a cargos e o controle administrativo das câmaras
municipais, instituições onde se expressava o poder local.
No que diz respeito à origem social dos conquistadores da Guanabara,
antes de mais nada, é bom lembrar alguns fenômenos, entre os quais o
fato de que, a princípio, a grande aristocracia titulada considerava que
suas obrigações militares paravam no Marrocos. Ao sul do Marrocos,
os principais agentes da coroa eram da pequena nobreza. No Oriente,
73
FRAGOSO, 2001, op.cit.
74
Id., 2001, p.66-68
55
este quadro lentamente começaria a se alterar com a militarização
crescente do Estado da Índia, como forma de assegurar o comércio
asiático. Desse modo, é pouco provável que os Grandes de Portugal
tenham, antes de 1620, conhecido a baía da Guanabara.
75
Boxer explica que, dado o desinteresse da alta nobreza portuguesa na nova
colônia ‘descoberta’, estando esta voltada para as rotas do leste, os primeiros donatários
das concessões de terras em 1534 não pertenceriam àquele elevado estamento social,
nem tampouco seriam integrantes do grupo mercantil mais rico. Pelo contrário, muitos
eram homens despossuídos de
cabedalque facultasse uma empresa mais segura nas
novas terras, mesmo em face dos privilégios jurídicos e fiscais outorgados pelo rei.
76
Esta condição possibilitaria a vários indivíduos partir para o Novo Mundo em
busca de terras, prestígio e poder pessoal, abrindo ao rei um leque mais amplo em sua
prerrogativa de distribuir títulos e mercês. Num processo lento de formação, as famílias
desses homens, primeiramente conquistadoras, e posteriormente povoadoras, associadas
por casamentos, desdobraram-se em vários ramos genealógicos, constituindo a chamada
nobreza da terra, senhora de moendas.
77
Com a aplicação dessa nomenclatura de Fragoso, pode-se buscar explicar a
formação da elite senhorial na região do Vale do Macacu, como continuidade do
processo de conquista do recôncavo da baía da Guanabara, após a consolidação
portuguesa nessa região, que teve como marco a fundação da cidade do Rio de Janeiro,
em 1565.
No contexto dessa conquista esteve a subjugação dos grupos indígenas do
recôncavo, mediada pelo conflito direto, onde uma política de alianças com
determinadas etnias teve papel estratégico e determinante no processo.
Como resultados dessa conquista, além da destruição de milhares de indígenas
por guerras e disseminação de doenças
européiase a tomada, pelos conquistadores,
de milhões de hectares de suas terras férteis, a arregimentação das populações nativas
em aldeamentos jesuíticos foi de importância capital para o projeto da colonização.
Amantino definiu a natureza, número e objetivos desses aldeamentos instalados
no Rio de Janeiro:
75
FRAGOSO, 2001, op. cit. p.36
76
BOXER.2002, op.cit. p 101.
77
FRAGOSO, 2001, op.cit.
56
Os inacianos montaram, desde o século XVI, uma extensa e complexa
estrutura de poder econômico e social que começava pela posse das
terras e seguia em direção ao
controle sobre a mão-de-obra. Argumentando precisar de terras para
manter e ampliar o processo de catequização dos índios, obtiveram
gigantescas extensões de terras concedidas pelas autoridades coloniais
através da doação de sesmarias e ampliadas posteriormente graças às
compras e doações de particulares (...) Na Capitania do Rio de
Janeiro, os inacianos eram responsáveis pelos aldeamentos de São
Pedro da Aldeia (1617), São Lourenço (1568), São Francisco Xavier
de Itinga (1627) e São Barnabé (1578), bem como, às Fazendas de
Santo Ignácio dos Campos Novos (1630), de Sant’anna de Macaé
(1630), da Papucaia de Macacu (1571), do Saco de São Francisco
Xavier (?), de Santa Cruz (1589) e pelos Engenhos de São Cristóvão,
do Engenho Velho e do Engenho Novo (1577). Juntas, estas duas
estruturas - aldeamentos e fazendas/engenhos geravam produtos e
lucros que eram redistribuídos tanto dentro da Colônia como para
outras regiões do Império Ultramarino Português. Sua produção
contava ainda com o benefício real de não serem taxados. Logo, seus
preços eram bastante competitivos.
78
Desse rol de aldeamentos e fazendas, ou melhor, desses complexos de produção
agrícola e catequização jesuítica, o de São Barnabé (1578) e a fazenda da Papucaia de
Macacu (1571) são de especial interesse para o alcance dos objetivos desta pesquisa,
que se inserem intimamente no contexto da formação do complexo agrário do clã
Araújo.
Após consolidação da conquista do recôncavo da baía da Guanabara, houve um
continuado processo de conquista dos sertões em direção à serra dos Órgãos, que ainda
no século XIX atraía a admiração dos viajantes europeus. Tal horizonte, descortinado à
vista dos portugueses quando entravam na baía, não seria alcançado sem antes os
povoadores se ocuparem da distribuição de muitas léguas de terras que o separavam do
mar. Na realidade, o desejo por terras cultiváveis, signo de riqueza, e também de
prestígio, era objetivo primeiro desses homens.
No conjunto dessas primeiras terras, doadas em sesmaria no recôncavo da baía
da Guanabara após a expulsão dos huguenotes no século XVI, estão as cedidas a
Cristóvão de Barros e Miguel de Moura, em 1567, pouco após a fundação do Rio de
Janeiro.
78
AMANTINO, Marcia. Relações sociais entre negros e índios nas fazendas inacianas- Rio de Janeiro,
século XVIII. Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-
USP. São Paulo, Setembro de 2008. CD-ROM. Disponível em:
<http://www.ifch.unicamp.br/ihb/marciaamantino.pdf > Acesso em: 28 set. 2008.
57
O fidalgo português Miguel de Moura
79
foi recebedor de uma grande sesmaria
em Macacu, solicitadas ao governador-geral Mem de pelo próprio governador
Cristóvão de Barros.
80
Essa sesmaria possuía quatro léguas de comprimento por três de
largura, com o rio Macacu correndo ao meio.
81
Segundo Serrão, a mais vasta doação de
terras que até então se fizera no Rio de Janeiro.
82
Moura não deu às suas terras de Macacu nenhum destino produtivo, e conforme
as Ordenações Manuelinas
83
, que o obrigavam a aproveitá-las num prazo de três anos,
estava fadado a perdê-las, caso não o fizesse. Moura, então, fez doação da sua sesmaria
de Macacu à Companhia de Jesus em 17 de dezembro de 1571.
Em sua História da Companhia de Jesus no Brasil, Serafim Leite, comentando
sobre a doação de Miguel de Moura aos jesuítas registrou que
a doação confirmada em Lisboa, por El Rei, a 17 de dezembro de
1571(...) e registrou-se no Rio de Janeiro com o cumpra-se do
Governador Cristóvão de Barros, a 27 de outubro de 1573. Nesse
mesmo dia, tomou posse das terras o procurador do Colégio, Gonçalo
de Oliveira. Para isso, ele e as autoridades competentes foram numa
canoa ao Rio Macacu, com as cerimônias usuais. Não se fizeram então
as devidas demarcações “por causa da guerra”, ficando para logo que
houvesse paz.
84
Terras doadas e confirmadas, mas ainda a ser conquistadas aos indígenas. Nada
“colonizáveis”, os tamoios ou tapuias, denominações que davam os portugueses aos
índios inimigos, ao contrário de tupi às aliadas, entregaram com sangue as férteis -
79
Miguel de Moura é representado no brasão de armas do município de Cachoeiras de Macacu por uma
estrela vermelha e tido como primeiro possuidor das terras que originaram o município. O brasão foi
aprovado em do Executivo Municipal em 1969, após concurso realizado pelo extinto Conselho Municipal
de Cultura, em que se escolheu também hino e bandeira municipal. Foi vencedora a proposta do general
de exército Mário Barreto França. A documentação referente ao concurso, com os originais dos esboços
do candidato encontra-se no Arquivo da Câmara Municipal de Cachoeiras de Macacu – RJ.
80
O pedido de terras no Brasil poderia ter sido feito pelo próprio Moura, “invocando os serviços
prestados ao monarca e a amizade que o ligava a Cristóvão de Barros.” Cf. SERRÃO, Joaquim
Veríssimo. O Rio de Janeiro no século XVI. Estudo Histórico. Vol. 1, Lisboa, 1965, p.132. Isso faz
concluir que Barros, quando veio para o Brasil liderando os três galeões com reforço para a expulsão dos
franceses, teria vindo com o pedido de Moura de lhe arrumar terras. Segundo Serrão, “Ao velho sonho
das riquezas da Índia sucedia a atracção da terra de Santa Cruz, mais vizinha da Metrópole e pródiga em
bens naturais, onde os novos moradores poderiam, sem custo, aumentar o seu cabedal de fortuna”. Cf.
SERRÃO, 1965, op. cit. p.132.
81
O Macacu seria retificado nos anos 1930 pelo Governo Federal para erradicação das febres palustres
que grassavam na região, devido ao seu natural transbordamento durante a época das cheias, formando
pântanos e brejos. Tal medida também valorizaria as terras do vale do Macacu, acarretando nas décadas
seguintes, profundos conflitos entre posseiros e grileiros pela posse das mesmas.
82
SERRÃO, 1965, op.cit. p.132.
83
Ordenações Manuelinas, Livro IV, Título 67, Das Sesmarias. Disponível em:
<http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/l4p164.htm> Acesso em: 13 abr. 2008.
84
LEITE, 2001, Op. Cit.
58
embora em vários pontos alagadas - terras do vale do Macacu, ainda desconhecidas dos
portugueses. A disputa atrasou o processo de medição, indispensável para a feitura do
documento final de posse da terra. Os jesuítas tiveram que, talvez não tão
pacientemente, aguardar o desfecho da contenda.
Após encerrada a ‘guerra’ com os índios, os jesuítas passaram a proceder à
anteriormente frustrada medição das suas terras macacuanas em julho de 1579, tendo
sido as mesmas encerradas vinte anos após. Terras estas ambicionadas por sua força de
produção.
A
Discripção do que contém o Districto da Vila de Santo Antônio de de
Macacu,
do final do século XVIII,
85
apresenta informações acerca dessa fertilidade das
terras de Macacu:
a terra do Districto de Macacu na maior parte bastantemente fértil,
principalmente as que são mais próximas ás Caxoeiras de todos os
Rios já mencionados e o seo Clima temperado pª a produção das
Plantas de donde tirão os Lavradores grandes vantagens nas Colheitas
q. fazem das suas Lavouras, sendo as principaes a Cana, o Arroz, o
Milho, o Feijão e a Mandioca, q. são os gêneros em q. elles mais se
empregão e em q. tem formado os seus estabelecimentos
86
Portanto, ao final do setecentos as terras deveriam ter oferecido aos
plantadores centenas de safras dos produtos agrícolas mencionados. Embora sua força
produtiva ainda suscitasse elogios, deve-se relativizar que essa produtividade não
vingasse em toda a região, que parte era ocupada por pântanos, brejos e morros
cobertos de vegetação.
Essas terras mais baixas e facilmente alagáveis encontravam-se cobertas de
brejos, o que atrapalhava a atividade agrícola. Mesmo assim, ocorreram disputas
internas entre os colonizadores pela posse da terra de Macacu.
85
Discripção do que contém o distrito da Vila de Santo Antônio de de Macacu feita por ordem do
vice-rei do estado do Brasil, conde de Resende [D. José Luís de Castro]. 07 de abril de 1797. Arquivo
Histórico Ultramarino-Rio de Janeiro. Cx. 165, doc. 62 e AHU_ACL_CU_017, Cx.161, D. 12071.
Contém anexo com mapas (planilhas).
Existe outra cópia do mesmo documento, catalogado com outro título e sem os mapas: Memorial
descritivo da Vila de Santo Antônio de de Macacu (Cachoeiras de Macacu) com: localização, portos,
estradas, produção, população e dois quadros demonstrativos. O primeiro refere-se ás madeiras da região,
indicando-se-lhes a utilidade; o segundo contém dados sobre engenhos, instituições, habitantes e
contingentes militares. Sf. 7 de abril de 1797. 61 p. IEB/USP – COL.ML, 88.1.
86
Discripção..., 1797, op.cit. p.22. A partir daqui, a referência a essa fonte será sempre apresentada nessa
forma resumida.
59
Um exemplo destes conflitos é o que se deu entre os jesuítas e os herdeiros do
conquistador Baltazar Fernandes, que revelaram ser aos inacianos rivais bem menos
perigosos e fáceis de derrotar que os tamoios. Segundo Belchior,
quando Mem de Sá concedeu a extensa sesmaria para Miguel de
Moura, por inadvertência nela incluiu 600 braças de terras, que um
mês antes outorgara a Baltasar Fernandes. Os herdeiros deste
morador, posteriormente reclamaram, e na demanda judicial que se
seguiu, ganharam em primeira instância, mas viram a sentença
reformada em favor dos jesuítas. Todavia o visitador Cristovão de
Gouveia, em 1585, penalizado com a situação de pobreza dos
legítimos donos, sugeriu que as 600 braças lhes fossem entregues, pois
“doía a consciência” com elas ficar.
87
Segundo Belchior, Baltasar Fernandes era tabelião do público, judicial e notas,
provido em 22 de fevereiro de 1567, e um dos primeiros que tinham vindo povoar o Rio
de Janeiro com a mulher e os filhos. Para ocupar o cargo, vago pela morte de um certo
Miguel Ferrão, um outro conquistador chamado Gomes Enes, certamente homem de
maior cabedal, em março de 1567 prestou fiança a favor de Fernandes.
Este fato indica que Baltasar Fernandes parecia não dispor de recursos para
almejar tal cargo, sendo homem pobre e que teve o mesmo destino de muitos
conquistadores: morrer em combate contra os indígenas. Seus herdeiros iriam manter
questão pelas terras com os jesuítas, localizadas na agora sesmaria jesuítica de
Macacu.
88
Serafim Leite comenta sobre a diferença de opiniões de dois padres frente ao
caso: contra os Fernandes, o padre Beliarte
89
, provincial jesuíta; e a favor, padre
Cristóvão de Gouveia
90
, visitador, que tinha ordenado em 1585 que as 600 braças
realmente pouco - fossem entregues aos herdeiros de Baltazar Fernandes. Gouveia, em
carta de 11 de setembro de 1585, sobre o caso, declarava que
87
BELCHIOR, Elysio de Oliveira. Conquistadores e Povoadores do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Brasiliana, 1965, p. 334 e 335.
88
Id. 1965, p.188
89
Ibid. p.85. (Jesuíta português, nascido em Lisboa em 1543. Chegou ao Brasil em 1587. Foi deputado do
Santo Ofício e provincial da Companhia de Jesus no Brasil. Segundo Serafim Leite, seu provincialato “foi
fértil em incidentes, pouco amante da pobreza e de caráter precipitado, concitou contra si muitos padres
da Província, entre os quais Fernão Cardim e Pero Rodrigues. (...) Procurou, com todo o empenho, elevar
a cultura literária e científica nos Colégios e no Brasil, mandando vir livros de Portugal e dando todo o
brilho aos estudos da Baía, que ele teria elevado a universidade se lho tivessem consentido”).
90
Ibid. p.245. (Jesuíta português. Deixou Lisboa em 1583, como visitador nas terras do Brasil. Segundo
Serafim Leite “foi o grande codificador e legislador da Companhia de Jesus, no Brasil, no século XVI”).
60
son seis o siete hombres pobres, que conquistaron aquella tierra com
mucho trabajo, y no tienem otras de que pueden sustentarse, y por la
justicia “saltem” en el foro interior estar por sua parte dellos e por el
grande escândalo que auria em les echar fuera y auver muchos años
que estan de posse com suas grangearias y principalmente por que la
tierra no ualdra, mas que hasta quarenta ducados y a los Padres sobran
lãs tierras, y que allende desta data tiene outra cerca de la ciudad, y los
hombres no tiene adonde labrar por el coll.º tener lo mas e meior delas
tierras.
91
Segundo a fonte, os Fernandes dependiam do que pudessem arrancar de
alimentos das suas terras, já que com o seu patriarca falecido, provavelmente não
poderiam mais contar com o usufruto do seu cargo de tabelião. Sensível à pobreza dos
Fernandes, Gouveia lançou o argumento de que a Companhia possuía já muitas e
excelentes terras na região, mas não surtiu efeito. Ao final, os herdeiros de Fernandes,
segundo Belchior, terminaram como arrendatários dos padres.
No cuidado de não assumir a defesa de nenhum dos lados, cumpre levantar a
questão de que o cargo de tabelião do público exercido por Fernandes lhe trazia acesso à
feitura de documentos. Entre estes, papéis ligados à oficialização de posse da terra.
O fato demonstra que nem todos que vieram para o Brasil eram homens
abastados da Metrópole, significando que as novas terras do Brasil eram sim, um espaço
possível para grupos de mais baixo estrato buscarem ascensão social e econômica e, ao
mesmo tempo, se abria uma possibilidade a El Rey em presentear.
Contudo, na ampla doação de sesmarias que se procedeu no Brasil, muitos
receberam grandes extensões de terra. Através de uma relação de recebedores de
sesmarias no recôncavo da Guanabara compilada por Pizarro, foi possível montar uma
listagem, de 1565 a 1700, dos que unicamente receberam terras na região dos rios
Macacu e Guapiaçu
92
.
Esses sesmeiros não tinham certamente muita noção do que recebiam, dada a
extensão de seus lotes, ou em alguns casos, sua distância em relação ao Rio de Janeiro,
tendo também que redobrar-se em esforços para conquistá-las e sujeitos ao risco corrido
por Baltazar Fernandes.
93
Medir, confirmar e ocupar as terras era empresa que deveria
91
Ibid.p.190.
92
Lista de Sesmarias Extraídas dos Livros do Cartório do Tabelião Antônio Teixeira de Carvalho – IHGB
(Lata 90 Pasta 2). Acrescentei sesmarias doadas no rio Guapiaçu, pelo deste e do Macacu se constituírem
como os principais que cortam de norte a sul a região.
93
Tal sorte também atingia homens de maior poder. Mem de Sá, a exemplo, perderia o filho, Fernão de
Sá, em combate contra os indígenas na conquista do Espírito Santo. Cf. WETZEL, Herbert Ewaldo. Mem
de Sá Terceiro Governador Geral: 1557-1572. Conselho Federal de Cultura: Rio de Janeiro, 1972, p.17.
61
ser custeada com recursos próprios. Entretanto, deve-se levar em conta que nem tudo
seria tão difícil como parece a esses homens, que o simples fato de obter terras -
léguas em alguns casos - ‘de graça’, significava um primeiro e grande passo no
caminho da obtenção do status e da acumulação mercantil desejada.
Com os dados montou-se o seguinte quadro:
Quadro 1: Sesmarias concedidas nos rios Macacu e Guapiaçu (Séc. XVI e XVII)
Fonte: Lista de Sesmarias Extraída dos Livros do Cartório do Tabelião Antônio Teixeira de Carvalho –
IHGB (Lata 90 Pasta 2).
O Quadro I, no qual se considera o número de recebedores como mínimo e em
cuja montagem aplicou-se a periodização proposta por Fragoso, percebe-se significativo
aumento de doações de terras após o período dos conquistadores (1555 - 1600).
A estes coube ‘abrir as portas’ a outros homens na ocupação dos sertões do
Macacu. Há o exemplo de Pedro, Vicente, Miguel e Leonor Bentes: provavelmente uma
mesma família, recebedora de 6.000 braças (13.200 m) no rio Macacu, em 10 de junho
de 1624. também casos de sesmeiros de sobrenomes distintos, possivelmente
aparentados por casamento entre famílias. É o caso de Francisco e Gonçalo de Pina,
Francisco Viegas e Antonio Andrade, que receberam, em 06 de junho de 1614, nove mil
1555 a 1600 1601 a 1620 1621 a 1700
Cristóvão de Barros, Miguel
de Moura, Jerônimo
Fernandes, Alexandre Dias,
Gonçalo de Aguiar, Diogo
Ferreira, Antonio Fernandes.
Francisco Alves (o Moço), Antonio
Fernandes Góis, Lázaro Fernandes, padre
Antonio Pinto, Balthasar de Seixas Rabelo,
Jorge de Souza, João Danhaja, Pedro da
Silva, Sebastião Gonçalves, Pedro de
Azevedo, João Nunes Monrroi, Antonio
Soares Louzada, Francisco de Pina, Gonçalo
de Pina, Francisco Viegas, Antonio Andrade,
Antonio Soares, Manoel Quinteiro, Jerônimo
Vieira, Ambrosio de Paiva, Alexandre Lopes,
Pedro Bentes de Souza.
Domingos da Silva, Pedro Bentes,
Vicente Bentes, Miguel Bentes, Leonor
Bentes, João Gomes Sardinha (o Moço),
Braz Sardinha, Paschoal Sardinha,
Gaspar Sardinha, João Fernandes
Fontes, Gonçalo Fernandes, Gaspar de
Magalhães (o Moço), Miguel Carvalho,
João Gomes Sardinha, Manoel
Fernandes dos Ouros, Magdalena André,
Constantino de Paiva e outros, Capitão
Gonçalo de Murros, Domingos de
Murros, Capitão Manoel de Aguila
Elqueta e outros, Assenço Vaz Tenreiro,
Gabriel da Rocha Ferreira, Francisco
João, Gabriel da Rocha Silva, Manoel de
Coimbra, Antonio Gonçalo Meira,
Gabriel da Rocha Freire e outros,
Ignácio Correia de Magalhães.
62
braças (19.800 m) no “Rio Papocaia”. É plausível supor a formação de sociedades entre
homens para obter e explorar uma dada extensão de terras.
Das concessões com extensões citadas, nenhuma foi menor que 1.500 braças
(3.300 m) dadas a Antonio Soares Louzada no Rio de Guapiaguasu em 31 de agosto de
1612. A ocupação do vale do Macacu parece ter alcançado seu limite no séc. XVIII.
em 14 de março de 1692, Ignácio Correia de Magalhães recebeu Terras nas Caxoeiras
de Macacu athe onde chamão o Salto do Peixe. No início do setecentos, as doações
chegaram à serra dos Órgãos: Antonio Pacheco de Oliveira, 05 mil braças (11 mil
metros) em 18 de agosto de 1725
nas cabeceiras do Rio Macacu e, em 1763, Matheus
Antonio da Silva,
3000 braças em quadra nos sertoens e Matos Geraes do Rio de
Macacu. Nas Relações Parciaes Apresentadas ao Marquez de Lavradio, há uma relação
de Terras por cultivar..., com a qual se montou outro quadro:
Extensão Localização Proprietário
449 braças com 01 légua de sertão
Parte esquerda do
Macacu,
subindo para a serra.
Mestre de Campo Alexandre
Alvares Duarte e Azevedo
520 com 01 légua de sertão
Padre Franciscio da Silva
Pereira
300 com o mesmo sertão João da Silva Beleira
375 com o mesmo sertão André Roiz Antunes
200 braças com o mesmo sertão Joanna Correia
750 braças com o mesmo sertão João Correia Marvam
Hua Sismaria de meya Legoa com húa de Sertão Dos Índios
Húa Sismaria de húa Legoa em Coadra [do] alto
da Serra agoas vertentes pª o Rº Macacu
Braz Gonçalvez
400 braças de testada com húa Legoa de Sertão
Capitam Ignácio da Veiga de
Barbuda
100 de testada com húa Legoa de Sertão Aleixo Paz Sardinha
900 com o mesmo Sertão João Correia Marvam
432 com o mesmo Sertão Ignacio Roiz
150 braças de testada com o mesmo Sertão Antonio Soares
714 com o mesmo Sertão Aleixo Paz Sardinha
1.480 com o mesmo Sertão João Correia Marvam
Hua Legoa encoadra
Erdeiros de Manoel Ferreira da
Silva
Hua Sismaria de Legoa encoadra (... virando a
Serra para o Sertão)
Cônego Antonio Lopes Xavier
Hua Sismaria de Legoa encoadra (..virando a
Serra para o Sertão)
Joze Francisco
Quadro 2: Terras cedidas e por cultivar em Macacu no ano de 1778
Fonte: Relações Parciaes Apresentadas ao Marquez de Lavradio - 1778.
94
94
Relações Parciaes Apresentadas ao Marquez de Lavradio. 8 de outubro de 1778. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB, Tomo 76, Parte 1 – 1913- Rio de Janeiro, 1980, p.293-294.
63
No final do século XVII, já se encontrava fundada entre os rios Macacu e
Cacerebu a primeira vila do Recôncavo - Santo Antônio de - por ato do governador
da capitania do Rio de Janeiro, Artur de Sá e Menezes, em 05 de agosto de 1697.
95
Em suma, devido à ocupação do vale do Macacu como área propícia à aquisição
de terras para expansão agrícola, a criação de sua elite senhorial pode ser resumida de
acordo com o que demonstrou Sampaio, ao estabelecer critérios para a formação da
estrutura socioeconômica do agro fluminense para finais do século XVIII e início do
XIX.
96
Havia grande autonomia da economia fluminense em relação às conjunturas
internacionais para o período anteriormente enfocado, desvinculando a sua análise das
teorias que estabeleciam a dependência absoluta da economia colonial às regularidades
do mercantilismo, onde a agroexportação
não teria gerado um mercado interno
significativo e nem, portanto, setores produtivos coloniais ligados ao seu
abastecimento.
97
Essa autonomia, segundo Sampaio, seria gerada por fatores ligados à sua própria
formação: a aquisição de mão-de-obra escrava barata para produção de alimentos e
atividades monocultoras da plantation; baixo custo na produção de alimentos com
formas não-capitalistas de produção, gerando um mercado interno onde se abasteciam
as plantations escravistas; aquisição de terras, obtidas em grande parte através de
concessões reais, o que promoveu a acumulação desse fator de produção por pequeno
grupo de agraciados, e a presença de forte acumulação endógena de capital gerado no
setor mercantil.
98
Neste quadro, de uma estrutura socioeconômica de base agrária e escravista,
tendo no comércio uma possibilidade de acumulação de capital mercantil, este não era
95
Auto de ereção da vila de Santo Antônio de Sá, antiga Macacu. 05 de gosto de 1697.6 p. Cópia.
Original no Arquivo Nacional. Notação Final DL 04.017. Notação Original DL 4.74. Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro – IHGB, Rio de Janeiro. Ver também: Auto de Ereção da Vila de Santo Antônio de
Sá. Registro de Ordens Régias - Códice 78. Vol. 12 p. 132v -134v - Arquivo Nacional - Rio de Janeiro
– Brasil.
A organização territorial da Vila e outras medidas administrativas encontram-se na CARTA DE
DILIGÊNCIA de d. Pedro II, rei de Portugal, criando a vila de Santo Antônio de (Cachoeiras de
Macacu). Santo Antônio de Sá, 7 de agosto de 1697. 5p. IEB/USP-COL. ML, 88.2.
96
SAMPAIO, Antonio Jucá de. Na encruzilhada do Império. Hierarquias Sociais e Conjunturas
Econômicas no Rio de Janeiro (c.1650-c.1750). RJ: Arquivo Nacional, 2003, p.23.
97
FRAGOSO, João Luís. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do
Rio de Janeiro – 1790 – 1830. RJ: Civilização Brasileira, 1998, p.63.
98
SAMPAIO, 2003, op. cit. p.23
64
vinculado à sua reprodução
99
. Não se trata aqui de uma sociedade capitalista, de valores
burgueses, pois,
a acumulação ocorrida na esfera mercantil significava, na verdade,
uma apropriação contínua na circulação de riquezas que, numa
sociedade pré-capitalista, são geradas essencialmente na atividade
agrária. O que torna possível essa esterilização de recursos, sem que
essa atividade seja destruída, são seus baixos custos.
100
O comércio de escravos e gêneros produzidos no setor agrário por cativos foi
gerador de fortunas que se voltaram, mesmo com expansão do capital mercantil, para a
reiteração da hierarquia social calcada, justamente, na manutenção e reprodução desse
sistema agrário, escravista e excludente.
A aquisição de status social era o objetivo último de muitos homens e famílias
ao adquirir terras coloniais, em especial no que tange a este trabalho, em áreas
fluminenses. Portanto,
esse capital concentrado em sua origem mercantil, ao retornar á
paisagem rural, cria necessariamente uma estrutura agrária igualmente
concentrada
.
101
Sampaio relaciona essa mecânica das relações socioeconômicas coloniais à
formação, no agrofluminense, da futura atividade cafeeira (séc. XIX), onde se
destacaram atividades de caráter rentista. Mesmo assim, semelhante ao agrarismo dos
séculos anteriores ao café, o resultado era mais uma vez a reiteração de uma ordem
social fortemente hierarquizada e excludente, na qual os mecanismos de acumulação
estavam concentrados em pouquíssimas mãos.
102
Em Macacu fixaram-se indivíduos representantes da elite colonial fluminense
como o capitão Braz Carneiro Leão, senhor de engenho e segundo Cavalcanti,
o
negociante mais rico do Rio de Janeiro em 1808
103
, ano do seu falecimento.
Aparecem também membros da família Velho, como o capitão Manoel Velho da
Silva, senhor de engenho; e da família Rocha, o tenente-coronel Antonio Ferreira da
Rocha, com fábrica de farinha. Segundo Florentino, integrantes de famílias importantes
- de onde afluíram grandes traficantes de escravos do Rio de Janeiro - tais como
99
Id., 2003, p. 24
100
SAMPAIO, 2003, op. cit. p.24
101
Id., 2003, p.24
102
Ibid.
103
CAVALCANTI, Nireu Oliveira. O comércio de escravos novos no Rio setecentista. In:
FLORENTINO, Manolo (org).
Tráfico, cativeiro e liberdade. Rio de Janeiro, séculos XVII – XIX. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.51.
65
Ferreira, Rocha, Gomes Barroso, Ferreira dos Santos, Silva Porto, Pinheiro Guimarães,
Pereira de Almeida
104
e a citada família Velho.
105
Reproduziu-se em Macacu, portanto,
uma organização social hierarquizada e excludente, estruturada com base no
escravismo.
Embora a produção açucareira tivesse curso, constituindo-se como mais elevado
símbolo de distinção social, determinadas áreas do recôncavo da Guanabara - em
particular o vale do rio Macacu - voltaram-se primordialmente para a produção de
gêneros alimentícios, participando significativamente no setor de mercado interno da
economia colonial, e por que não, do abastecimento de alimentos para o negócio
negreiro?
Com uma vigorosa produção de mandioca, feijão, milho e arroz, as centenas de
propriedades agrícolas do vale abasteciam o Rio de Janeiro. A farinha de mandioca,
produto básico na dieta das populações coloniais, ocuparia o primeiro lugar no volume
da produção agrícola macacuana, até mesmo ultrapassando o produto-rei colonial, o
açúcar.
104
Henrique José de Araújo, patriarca do clã dos Araújo em Macacu, terá grande contato com essa família
através de um contrato para fornecimento de gêneros para municio das tropas no Rio Grande de São
Pedro, após 1804, como se verá.
105
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico atlântico de escravos entre a
ÁQfrica e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). RJ: Arquivo Nacional, 1995, tabela 13, p. 161-178.
66
CAPITULO TRÊS
O VALE DO MACACU
Características de uma economia de
abastecimento interno e extrativista
No processo de consolidação da ocupação do recôncavo da Guanabara e sertões
do Macacu, as freguesias da Vila de Macacu e outras da capitania do Rio de Janeiro,
constituirão centros de produção de alimentos, característica marcante na economia
dessa região. Segundo Silva,
As maiores freguesias produtoras de alimentos, de toda a capitania
eram as de Cabo Frio, Campos, Santíssima Trindade, Itaboraí e
Jacutinga, com amplo predomínio do cultivo da mandioca e o fabrico
de farinha. Porém, por todas as informações que possuímos, a
produção de Cabo Frio e de Campos estava voltada para o seu próprio
abastecimento, em particular do seu vasto hinterland açucareiro, e não
desempenhava nenhum papel de monta no abastecimento do Rio de
Janeiro.
106
Este também informa que essa produção de alimentos para o Rio de Janeiro
concentrava-se no recôncavo da Baía da Guanabara e Sertão da capitania, com 22
freguesias nessa atividade: 75% de toda a produção de farinha da capitania; 86% de
todo o arroz, 81% do milho e 60% da produção de feijão.
107
Era o arroz, por exemplo,
objeto da política econômica portuguesa devido
a toda uma política de fomento baseada em dois eixos centrais: de um
lado, as isenções fiscais patrocinadas pela Coroa, por 10 anos, desde
1760, e renovadas em seguida; por outro lado, a garantia de compra,
com preços pré-estabelecidos, com o patrocínio do governador
associado a mercadores de Lisboa.
108
Política que gerou uma produção de mais de 20 mil alqueires (604.500 kg) de
arroz graúdo e 30 mil (906.750 kg) de arroz pequeno, produzido por cerca de 300
lavradores na capitania, onde
106
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A morfologia da escassez: crises de subsistência e política
econômica no Brasil Colônia (Salvador e Rio de Janeiro, 1600-1790). (Tese de doutoramento). Niterói,
UFF, 1990, p.166-167.
107
Id., 1990, p.166-167.
108
Memórias Públicas e Econômicas da Cidade de São Sebastião...1779. Revista do IHGB, Rio de
Janeiro, 1884, t. XLVII, p. 27. In: SILVA, 1990, op. cit., p.168.
67
a cultura do arroz consolidou-se na capitania constituindo um amplo
arco do fundo da Baía da Guanabara até Itaboraí, com Iguaçu
produzindo 24% do arroz colhido, Pilar do Iguaçu (Duque de Caxias),
8%; Santo Antônio de e Itaboraí, com 7% cada; Suruí, com 6% e
Pacobaíba, com 5%.
109
Mapa 4: Cinturão do arroz no século XVIII
Fonte: Old and Historic Maps of Rio de Janeiro
110
(The Bay and Environs of Rio de Janeiro, 1908)
O mapa, de 1908, serve apenas de referencial para demonstrar, de forma
aproximada, a extensão do arco de produção de arroz no século XVIII. Observe-se a
presença de vários rios que serviam para escoamento da produção até a baía da
Guanabara:
Assim, nos rios São João de Meriti, Sarapuí e Iguaçu, de um lado da
baía, e o Macacu, Guapi e Guaraí, do outro lado, apresentavam um
intenso movimento comercial. Só Cachoeiras de Macacu tinha 24
portos visitados por saveiros e barcos, enquanto em Pilar do Iguaçu
mais de 100 barcos transportavam exclusivamente mantimentos.
111
109
SILVA, 1990, op. cit. p.169.
110
The Bay and Environs of Rio de Janeiro, 1908. Stanford's general map of the Federal District, showing
railroads, major and minor, as well as those projected. Site Old and Historic Maps of Rio de Janeiro.
Disponível em: <http://www.brazilbrazil.com/riomaps.html> Acesso em: 20 nov. 2008.
111
SILVA, 1990, op. cit. p.172.
68
O Relatório do Marques do Lavradio apresenta, para Macacu, no ano de 1778, a
presença de 35 barcos para condução de mantimentos e mais feitos
112
, além de uma
barca com a mesma função. Para o transporte da produção até os portos de embarque, o
Relatório lista 53 Carros de conduzir mantimentos além de outros de pescaria.
113
Outro
produto, a farinha de mandioca, constituía-se então no maior gênero agrícola, em
relação à quantidade, produzido na capitania do Rio de Janeiro.
O cultivo da mandioca, e o fabrico da farinha, era praticamente
universal na capitania, com uma grande concentração nas freguesias
da Jacutinga, com 11,6% do total da produção; Santíssimo
Sacramento
, com 11,3%; delineando assim um grande cinturão
mandioqueiro que se extendia pelos atuais municípios de Duque de
Caxias, Nova Iguaçu, Cachoeiras de Macacu e Itaboraí.
114
Mapa 5: Cinturão mandioqueiro no século XVIII.
Fonte: Old and Historic Maps of Rio de Janeiro
115
Silva apresenta também para a região a produção da ‘goma’, o derivado mais
fino da farinha de mandioca, fina e alva, uma variável da tapioca.
116
112
Relações Parciaes Apresentadas ao Marquez de Lavradio. 8 de outubro de 1778., 1980,op. cit. p. 295.
113
Id. 1980, p.295.
114
SILVA, 1990, op. cit. p.172.
115
The Bay and Environs of Rio de Janeiro, 1908, op. cit.
69
Voltando ao Relatório do Lavradio, para a Vila de Macacu e suas freguesias,
este registra que possuíam perto de 17.329 habitantes, sendo 8.371 livres, 8.958
escravos. Havia 2.085 residências, numa área total aproximada de 1.500 km².
Tabela 1: Produção agrícola da Vila e Município de Santo Antônio de Sá - 1778
117
Fonte: Relatório do Marquês do Lavradio – 1778.
Pode-se, pela medição com mesma unidade (litros), calcular o percentual da
produção dos gêneros farinha, feijão, milho e arroz nas freguesias de Macacu.
118
De um
total de 4.011.124 litros (1.819.103 kg) de gêneros produzidos - exceto açúcar e
aguardente - a farinha de mandioca correspondeu a 64,2% da produção (2.576.620
litros/1.168.535 kg ); o milho, 12,3% (495.180 l/224.571 kg); o feijão, 12,2% (491.040
l/222.693 kg) e o arroz 11,1% (448.284 l/203.303 kg).
Se considerado o milhão de litros de farinha produzidos na freguesia da
Santíssima Trindade, região inserida na área objeto da pesquisa, se alcançam 453.514
kg de farinha, 24,93% de toda produção agrícola das freguesias da Vila.
numa outra fonte, as Relações Parciaes Apresentadas ao Marquez de
Lavradio, de 1778, todo o distrito de Macacu produziu 28 mil e 500 alqueires de farinha
(1.163.662 kg), 2.900 de feijão (87.652 kg), 2.480 de milho (74.958 kg) e 9.600 de
arroz (290.160 kg). Um total de 43.480 alqueires de produtos. Novamente a farinha teve
116
SILVA, 1990, op. cit. p.176. Trata-se do polvilho, uma farinha especial utilizada na feitura de bolos,
brevidades, roscas e biscoitos.
117
A unidade de litros como medida de sólidos foi transformada em kg por meio de uma fórmula de
conversão, dando melhor percepção das quantidades. Uma arroba (@) tem cerca de 15 kg e cada caixa de
açúcar, 35 arrobas.
118
O Relatório do Marquês do Lavradio não apresentou dados para a freguesia de N. Senhora da
Conceição do Rio Bonito e de São João do Itaborai, também integrantes do município e vila de Santo
Antonio de Sá. (Para confirmar a formação distrital desta Vila, ver dados acerca desta freguesia em
Visitas Pastoraes’ de Monsenhor Pizarro e Araújo, 1794-95. Cópia datilografada do original manuscrito.
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro).
Freguesia Açúcar Cachaça Farinha Feijão Milho Arroz
Santo Antº de Sá 73 caixas 52 pipas
360.000
Litros
14.400
Litros
18.000
Litros
108.000
litros
Ssma Trindade 26 caixas 15 pipas
1 milhão
Litros
79.200
Litros
61.200
Litros
126.000
litros
Guapimirim 50 caixas 5 pipas
324.000
litros
72.000
Litros
7.200
Litros
90.000
litros
Itambi 115 caixas 180 pipas
54.000
litros
36.000
Litros
2.880
Litros
21.000
litros
S.J. de Itaboraí 290 caixas 160 pipas
838.620
litros
289.440
Litros
405.900
Litros
103.284
Litros
70
a primazia, com 65,5% da produção. O açúcar, em 17 engenhos, teria alcançado, em
1778, um total aproximado a 273 caixas, perfazendo 9.555 arrobas ou 143.325 kg.
Somando-se a produção de açúcar com a de farinha, arroz, milho e feijão, alcança-se
1.457.508 kg, correspondendo o açúcar a apenas 9,83% desse total.
119
No manuscrito Correspondência e documentos relativos às novas Minas de
Macacu,
120
do final do século XVIII (1786-1790), comenta-se sobre existência de ouro
nos sertões de Leste, na capitania do Rio de Janeiro. Nesse documento, encontra-se uma
listagem de lavradores a quem o Estado comprou farinha para abastecer tropas de
milícias. Tropas essas encarregadas de controlar a entrada e o contrabando de ouro nas
rotas de acesso às ambicionadas - e supostas - minas.
Figura 3: Uniformes Militares da Vila de Macacu - 1786
121
Fonte: Biblioteca Nacional Digital
119
Relações Parciaes Apresentadas ao Marquez de Lavradio, 08 de outubro 1778, 1980, Op. Cit. p.289-
295. As 9.55 arrobas equivalem a 143.325 kg, que dividos pelo índice 30,225, equivalem a 4.741
alqueires (aproximado).
120
Correspondência e documentos relativos às novas Minas de Macacu, do Rio de Janeiro, de que era
superintendente Manuel Pinto da Cunha e Souza – 1786 a 1790. Seção de Manuscritos. Biblioteca
Nacional. Catálogo 09,3,017-021.
121
Guarnição do Rio de Janeiro com seus Uniformes, e Mappas do numero de Homens, tanto dos
Regimentos pagos como dos Auxiliares feito por Jozae Correa Rangel, Ajudante de Infantaria com
exercício de Engenheiro 1786. Cód. 34-4. Seção de Manuscritos Biblioteca Nacional RJ. esq.
uniforme de Oficial do Terço Auxiliar de Macacu e à dir. o de Oficial das Ordenanças da Vila de
Macacu). A guarnição de Macacu, em abril de 1786, era integrada por: 1 mestre de campo, 1 sargento-
mor, 9 capitães, 10 alferes, 60 oficiais inferiores, 10 “tambores”, 2 ajudantes, 1 capitão de campanha, 1
furriel-mor, 1 cirurgião-mor e 756 soldados, sendo 629 “prontos”, 43 doentes, 22 “destacados”, 2 presos,
41 sob licença, 19 ausentes. Desses todos, 238 estavam sem armas e 632, desfardados.
71
Tal produção farinheira era armazenada no paiol da Caxoeira’, localidade
estabelecida provavelmente junto à subida da serra dos Órgãos. Segundo a fonte, o
sargento-mor Joaquim José da Fonseca comunicava ao vice-rei do Brasil, Luís de
Vasconcelos e Sousa, conde de Figueiró (1778-1790), através de três cartas, de 14 de
janeiro, 13 de fevereiro e 22 de maio de 1786, a aquisição de 899 alqueires (27.172 kg)
de farinha de mandioca. Produto comprado aos lavradores das freguesias da Vila de
Santo Antonio de Sá (Macacu) pelo preço global de 423$120 réis. Com dados presentes
nas cartas do sargento-mor foi possível construir a tabela abaixo:
Tabela 2: Informações sobre produção de farinha de mandioca na Vila de Santo Antonio
de Sá - 1786
Fonte: Novas Minas de Macacu. Original Manuscrito – 1786
Entre os 196 produtores listados
122
, foi observada a presença de 22 mulheres
(11,2%) proprietárias de terras e plantações. Faria, em sua tese sobre a família no
cotidiano colonial em Campos dos Goitacazes, afirma ser comum haver mulheres
chefiando lares no mundo colonial, mas relativiza essa informação considerando sua
maior incidência nas áreas urbanas, que a mulher sozinha, com filhos consumidores,
dificilmente conseguiria sobreviver enquanto ‘cabeça de família’ em área rural, sem
escravos ou agregados.
123
Foi possível subdividir essas entregas de farinha em três grupos: um primeiro e
grande grupo com capacidade de fornecimento de 01 até 04 alqueires (de 30,22 a 120
kg) por lavrador, formado por 142 entregas; um segundo grupo, de 6 a 10 alqueires
122
Foi desconsiderada, nas três listagens, a repetição de nomes, sendo analisadas em conjunto e
abordadas as três datas de compra como listagens independentes entre si, na busca de caracterizar essa
oferta do produto.
123
FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento: Fortuna e Família no Cotidiano Colonial. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p.53.
Alqueires
de farinha
Número
de
produtores
Menor preço
(réis p/alqueire)
Maior preço
(réis p/alqueire)
Menor
entrega
(alqueires)
Maior
entrega
(alqueires)
Valor total
14.01 210 29 $360 $500 01 24 87$960
13.02 467 121 $320 $520 01 32 218$720
22.05 222 46 $400 $640 01 20 116$440
72
(181,3 a 302,2 kg), com 28 entregas e um terceiro grupo, de 12 a 32 alqueires (362,7 a
967,2 kg), formado por 18 entregas.
Configura-se assim, a existência de uma hierarquia entre estes lavradores de
farinha, sendo maior fornecedor o padre Francisco da Silva Ferreira, vendedor da única
entrega de 32 alqueires (967 kg), ao preço de $480 réis por alqueire, perfazendo 15$960
(quinze mil novecentos e sessenta réis). O menor fornecedor foi Francisco Lopes, com
apenas meio alqueire (16,1 kg), a $400 réis o alqueire inteiro, em 13 de fevereiro.
Os preços estipulados para a compra apresentam uma lógica interessante:
tomando-se como exemplo onze fornecedores de oito alqueires no dia 13 de fevereiro,
dois receberam 400 réis por alqueire; um apenas, o forro Francisco, 440 réis; quatro,
480 réis e outros quatro, 500 réis por alqueire de farinha. Brígida Vieira, nesse mesmo
dia, recebeu 520 réis pelo único alqueire entregue ao sargento-mor Joaquim José da
Fonseca, ao passo que Joana Emerenciana, no dia 12 de janeiro, lucrou menos: 320 réis
por também um único alqueire.
Infelizmente os dados disponíveis não permitem elucidar que regras ou
negociações regularam o preço da farinha nesses três meses de fornecimento. Talvez a
explicação possa ser a distância entre o local de produção e entrega da farinha, no
“paiol da Cachoeira”, o que traria diferença no preço do frete. Poderia também, ser a
qualidade do produto.
Uma oscilação de preços ligada à quantidade de produtores/mês pode ser
observada no valor do alqueire da farinha indicado pela Tabela 2. Para os produtores
que venderam maiores quantidades, o preço do alqueire foi ‘valorizando’ durante esse
trimestre de fornecimento: em janeiro, 500 réis; fevereiro, 520 e em maio chegava-se a
640 réis por alqueire. No caso dos menores fornecedores, em janeiro o alqueire estava
‘cotado’ a 360 réis, diminuindo esse valor para 320 em fevereiro, mês em que maior
número de fornecedores entregou remessas do produto. Em maio, o preço subiu para
400 réis.
Talvez a capacidade de oferta do produto fosse baixando, que a produção da
farinha está associada ao tamanho das roças de cada produtor e o tempo de maturação
da raiz para que pudesse ser submetida ao processo de fabricação.
Entretanto, a listagem de 196 produtores de farinha, como se viu, comprada para
abastecer as tropas encarregadas de vigiar caminhos e coibir contrabando de ouro das
Minas de Macacu, não representa, nem de longe, o número de produtores listados na
73
Discripção...
124
, de 1797. Nela, considerando-se os 27 senhores de engenho de açúcar, e
que também faziam farinha, os 238 donos de fábricas de farinhae 649 lavradores
125
,
tem-se o total de 887 produtores, ultrapassando a primeira listagem em 691 indivíduos.
Talvez embora seja uma suposição frágil - se explique pelo fato das autoridades
coloniais terem limites para compra de farinha para as tropas que talvez não fossem tão
numerosas assim.
Na verdade, a análise desse momento em que se registrou a compra da farinha
não contribui de forma significativa para a compreensão da real capacidade de produção
farinheira de Macacu. Serviu sim, para demonstrar que havia em Macacu uma produção
farinheira excedente, de caráter mercantil e, portanto, comercializável. Infere-se que a
região atendia às necessidades de autoconsumo, abastecimento e também de
atendimento das demandas alimentares da administração colonial.
Por sua vez, Lisboa
126
informa que em 1790 a Vila, ou seja, o conjunto de suas
freguesias, era habitado por cerca de 30 mil pessoas.
127
Os moradores produziam açúcar
e as safras beiravam em torno de 900 a 1.000 caixas, com 2.273 escravos. Contava 126
fábricas de anil, com 530 escravos de serviço, que fizeram 540 arrobas do produto, além
do trabalho nas 12 olarias,
da mais excellente argila de diversas variedades, que sendo preparadas
como convinha á indústria e riqueza Nacional fornecerião a mais rica
porcelana em vez dos rudes trabalhos da louça mal cozida que
fabricam, occupando utilmente muitos braços, e produzindo variados
objetos do Comercio de honesto trafico
.
128
A respeito dessa produção oleira, o dado da Discripção... se aproxima do de
Lisboa, que aquela lista 10 olarias. Interessante observar que pelo menos seis delas
pertenciam a senhores de engenho: Marcos da Costa Falcão, Antonio de Oliveira Braga,
os capitães Manoel Velho da Silva, Braz Carneiro Leão, João de Souza Lobo, além da
124
Discripção..., 1797, Op. Cit.
125
Como caracterização do termo ver SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos. Engenhos e escravos
na sociedade colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. Cap. 11.
126
LISBOA, Balthazar da Silva. Anais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. Leitura, 1967 [1834-5].
127
A freguesia de Nossa Senhora da Ajuda de Guapimirim fora desmembrada pouco antes (1789) para
integrar o território da Vila de Magé (Magepe). Cf. MAIA FORTE,
Vilas Fluminenses Desaparecidas
Santo Antonio de Sá, Rio de Janeiro: Prefeitura Municipal de Itaboraí, 1980.
128
LISBOA, 1967, op. cit.
74
olaria de Dona Angélica Rita Gago da Câmara. Nessas olarias estavam trabalhando, em
1797, 70 escravos no total.
129
Sobre o anil os dados de Lisboa destoam dos do marquês do Lavradio e da
Discripção..., no que se refere à produção do derivado da anileira, em Macacu.
Enquanto Lavradio nada informa, a Discripção... limita-se a apresentar uma desanimada
nota: O Anil dá em algumas das partes deste Districto; porém mal e segundo as
experiências q. se tem feito não faz conta por q. o seu rendimento he muito diminuto, q.
lhe serve mais de prejuízo, do q. de conveniência; e por isso não usão della.
130
Pesavento, por sua vez, apresenta a produção do anil através de listagem das
fábricas existentes na capitania do Rio de Janeiro. Entre São José de El Rey (antiga São
Barnabé) e Tapacorá, existiam 29 fabricantes e 31 lavradores de anil, num total de 31
produtores. Nesse trecho localizava-se a região de Macacu:
De Vila Nova de Sam Joze
até Tapacorá
Fabricantes Lavradores Fábricas
Ingá Vila Nova de Sam
Joze
1 0 1
Taborahy 3 11 3
Cabossú 2 2 2
Dendê 1 0 1
Boa Vista de Cabossu 2 7 2
Carandahy 2 0 2
Íngua 2 0 3
Matoapira 1 5 1
Tangua 2 0 2
Rio Seco 3 0 3
Macacu 5 0 5
Tapacorá 1 0 1
Riaxinho 1 6 1
Monte Nédio
2 0 2
TOTAIS
28 30 29
Quadro 3: Localização das fábricas de anil no Rio de Janeiro entre S.J.Del Rey e Tapacorá
1772-85
131
Fonte: O Azul Fluminense, op. cit.
129
Discripção, 1797, op. cit.
130
PESAVENTO, Fábio. O azul fluminense:m o anil no Rio de Janeiro colonial, 1749-1818. Dissertação
de Mestrado. Niterói: UFF, 2005, p.56.
131
Jeronimo Vieira de Abreu. Mapa assinado por Jeronimo Vieira de Abreu, registrando o exame
realizado ao estabelecimento, funcionamento e produção das fábricas de anil na Capitania do Rio de
Janeiro, em resposta a uma portaria do vice-rei do Estado do Brasil, [Luís de Vasconcelos e Souza],
datada de 8 de janeiro de 1783. Rio de Janeiro em 31/05/1784. AHU, Conselho Ultramarino, Brasil, Rio
de Janeiro, caixa 123, doc. 9937. In: PESAVENTO, 2005, Op. Cit.p.54.
75
Apenas 05 fábricas de anil são apresentadas por Pesavento para Macacu, entre o
período de 1772 a 1785. Isso na fase que menciona ser de auge da produção do gênero,
que
se no espaço de tempo compreendido entre 1779 a 1807 tem-se a apogeu das
exportações de anil fluminense, na época ora estudada
[1808-1818] nota-se a
decadência desta atividade.
132
Portanto, a informação de Lisboa a respeito do anil parece exagerada ou
equivocada. Pesavento apresenta, para toda a capitania do Rio de Janeiro, um número
máximo de 282 fabricantes de anil, entre 1779 e 1807. Na estatística de Lisboa, em
1790 a Vila de Santo Antônio de Sá, com suas tidas 126 fábricas de anil abarcaria então
44,68% do total das instalações calculadas por Pesavento.
133
Este, para as regiões fora
da área de Macacu, apresenta um total de 240 fábricas de anil, ou seja, 85,10% do total
da sua estatística.
134
Os dados evidentemente destoam entre si. Mesmo assim,
isoladamente, Macacu apresentou nos dados de Pesavento, o maior número de
fabricantes de anil no trecho que ia de São José de El Rei até Tapacorá.
Quanto ao número de escravos, enquanto a Discripção... enumera 6.827 cativos
ao todo, Lisboa fala de apenas 2.803. Mas esse autor não deixou de apontar, embora em
tom ufanista, a pujança econômica da região de Macacu. De qualquer forma, no final do
século XVIII, Macacu contava com sólida produção agrícola patrocinada por centenas
de produtores. Entre estes, senhores de engenho de açúcar, farinha de mandioca e
lavradores.
O melhor documento encontrado acerca desse período - e que corrobora a
capacidade produtiva de Macacu na agricultura - é a mencionada Discripção..., de
1797. Por esse motivo, o documento reclama uma observação um pouco mais acurada.
Acerca dessa fonte, minucioso levantamento socioeconômico, somente se sabe que foi
produzida a pedido do conde de Resende (José Luís de Castro, 1790-1801), vice-rei do
Brasil. Ignora-se completamente, quem teria sido a pessoa que realizou o levantamento:
se um alferes, mestre-de-campo ou outro qualquer funcionário real.
A Discripção... é um documento ímpar: constitui-se no conjunto mais completo
até agora encontrado e que reúne, numa única fonte, informações acerca da situação
social e econômica da região do Macacu para final do setecentos, reunindo milhares de
dados criteriosamente recolhidos e organizados.
132
PESAVENTO, 2005, op. cit. p.56
133
Id., 2005, p.56
134
Ibid., p.56
76
Proprietários de terras e escravos, serrarias, oficinas e tavernas são apresentados
numa longa lista nominativa que traz para cada proprietário ou proprietária listado,
dados como a extensão de sua propriedade – em léguas ou braças - estado civil, número
de filhos por sexo e faixa etária, além do levantamento de cada escravaria, também por
sexo e grupo etário (se criança ou adulto).
As produções de açúcar, farinha de mandioca, aguardente, arroz, milho e feijão,
cada qual na sua respectiva unidade de medida arrobas para o açúcar, pipas para
aguardente e alqueires para as demais - aparecem bem detalhadas, assim como a
quantidade de bois, cavalos, ovelhas, bestas (mulas ou burros) e poldros, de cada um
dos listados.
Outros dados que complementam a fonte referem-se à produção de telhas, tijolos
e à atividade madeireira na região. Para as madeiras, além de uma listagem das espécies
vegetais as quais se tinha interesse, ou seja, para aplicação em obras civis e hidráulicas,
a atividade extrativa vem apresentada pela quantidade de cada subproduto obtido desta
extração, como tábuas e ‘pernas de serra’, entre outros.
Toda esta ‘estatística’ vem acompanhada de longo relatório, onde o anônimo
autor apresenta os limites geográficos da Vila de Santo Antônio de de Macacu,
capacidade produtiva da terra, discussão de problemas observados, o regime hídrico da
região do Macacu, estradas etc.
No
Resumo Geral dos Engenhos, Fogos, Almas, Rendimento etc da Vila de
Santo Antonio de de Macacu
existente ao final da Discripção..., pode-se observar
que a região de Macacu possuía, em 1797, 11.538 habitantes. Uma intensa atividade
econômica se desenvolvia nos seus 27 engenhos de açúcar, 02 fábricas de
beneficiamento de arroz, 238 engenhos de farinha e 10 olarias. Um total de 649
lavradores produzia farinha de mandioca ao lado do trabalho de 30 oficiais de ofício, 55
serradores e 66 proprietários de tavernas.
O perfil escravista da sociedade ‘macacuana’ pode ser inferido pela presença, no
conjunto da população da Vila de Santo Antonio de Sá, os citados 6.831 cativos
(59,2%), em contraste com 4.707 livres (40,7 %), o que dá, em média, pouco mais de
um cativo (1,4) para cada livre. Este aspecto em particular será abordado mais à frente,
visando-se caracterizar Macacu como área com forte presença de uma economia
pequeno escravista.
77
A Discripção... menciona também que a região produzia, além dos gêneros
citados, algumas plantações de café em propriedades pequenas e médias, utilizando para
isso poucos ou mesmo nenhum escravo. O informante salienta que esta era uma prática
local, porque se tratavam de proprietários pobres, e como a terra era boa o suficiente
para não precisar de preparo, apenas uma pessoa podia plantar e posteriormente colher o
café. Observa-se que a rubiácea não apareceu na lista de produtos analisados pelo
marquês do Lavradio. Pode-se inferir que se trata de uma pequena produção voltada
para o consumo local e com representatividade econômica pouco expressiva. Voltar-se-
á a tratar do café mais à frente.
O documento salienta que havia muitas terras devolutas na região e as que
ficavam cansadas devido ao constante uso eram abandonadas em busca de novas.
Todavia, esta informação precisa ser relativizada, pois desde o século XVI ocorriam
constantes disputas por terras na área. As disputas deveriam ser comuns, que parte
das terras disponíveis ficava inundada durante parte do ano, impossibilitando o cultivo.
Na Discripção..., também é citada a cana-de-açúcar. Entretanto, segundo o
informante, não era uma boa planta para a região e os agricultores experimentavam,
anos, constantes prejuízos. Não só por causa do excesso de águas, que impedia o cultivo
ou estragava a planta, mas também porque a umidade favorecia o aparecimento de
pragas que destruíam os pés ainda novos. Cita também as plantações de arroz e milho,
mas para ele, a mandioca era a principal lavoura da região e era em seu cultivo que a
maior parte dos lavradores se voltava. Ainda assim, havia constantes perdas por causa
das regulares enchentes e do calor excessivo.
O levantamento global da produção anual de gêneros para abastecimento foi
também possível pelo uso de mesma unidade de medida. Foram produzidos 98.528
alqueires, subdivididos em 71.111 de farinha de mandioca (72%), 19.269 de arroz
(19,5%), 3.676 de feijão (4,5%) e 4.472 de milho (3,7%). Aparece a farinha mantendo o
primeiro lugar no conjunto da produção, e a maioria do número de estabelecimentos
produtores. de se ressaltar que parte destas unidades agromanufatureiras de farinha
estavam instaladas nas propriedades com engenhos de açúcar.
Comparando-se o conjunto da produção de farinha, milho, arroz e feijão (98.528
alqueires) com a de açúcar, esta última teve sua produção, em 1797, calculada em
69.733 alqueires. Infere-se, a partir destes dados, que a região caracterizava-se como
78
grande produtora de gêneros para mercado interno. Produção, como se verá mais
detalhadamente, disseminada em muitas propriedades e com utilização de um menor
número de cativos por unidade produtora, ou nenhum escravo, em vários casos, como já
se disse.
Schwartz
135
, em seu trabalho sobre a economia baiana, apresenta para a segunda
metade do século XVIII um quadro de crise na produção do gênero (açúcar), que a
tensão entre a produção de alimentos e a agricultura para a exportação era um
problema antigo e incessante, exacerbado principalmente durante os períodos de
expansão da exportação
.
136
Essa expansão, voltada para o mercado externo, direcionou lavradores para as
atividades de produção de açúcar e fumo, mais lucrativas. Agravou-se essa crise pela
transferência de populações para áreas contíguas às de produção para exportação,
diminuindo-se a produção de alimentos. A partir de 1785, ainda segundo Schwartz, a
câmara municipal de Salvador tomou medidas para ampliação da produção da farinha
de mandioca, e de outros gêneros, como feijão, arroz e milho, com o intuito da
aquisição dessa produção pelo celeiro público, na busca do abastecimento da capital
soteropolitana. Essa política, de caráter mercantilista, com centralização das compras da
farinha pelo celeiro público, atingiu cerca de 300 mil alqueires entre 1785 e 1812
137
, e
restringiu o mercado dos preços, não sendo bem recebida pelos lavradores, que
buscaram contorná-la.
A apresentação dessa peculiaridade do caso baiano com respeito à produção da
farinha de mandioca, coloca em tela a ação do Estado na busca do controle da oferta,
restringindo o acesso e o consumo do produto no mercado local. Além disso, tanto na
Bahia, como no Rio de Janeiro, a produção da farinha era recurso mais acessível por
parte de grupos sociais formados por indivíduos e famílias economicamente menos
favorecidas. Tal situação se dava devido ao caráter dessa planta: pobre, abundante,
barato, a mandioca acompanha a exploração das humanidades mais pobres e mais
desfavorecidas.
138
135
SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, SP: EDUSC, 2001.
136
Id., 2001, p.157.
137
Numa média aproximada de 10.714 alqueires/ano e para cada ano, 892 alqueires/mês.
138
CHAUNU, Pierre. A história como ciência social. Rio de Janeiro: Zahar, 1974, p.194.
79
Silva, entretanto, não corrobora a hipótese de crises crônicas de alimentos para a
região do Rio de Janeiro como apresentou Schwartz para o caso baiano.
139
Menciona
sim, que para as áreas de produção baianas, foi de aplicação corrente a lei de 1688, que
obrigava ao cultivo de 500 covas de mandioca por escravo e que pouco efeito teria no
Rio de Janeiro, citando caso ocorrido em 1703, como uma das únicas vezes em que a
Coroa tomou medidas reguladoras da agricultura de mercado interno no âmbito da
capitania do Rio de Janeiro.
140
Em carta ao governador do Rio, a Câmara refutou a necessidade da medida,
devido à
abundância e tanta quantidade [de farinha] que sustenta o Povo
largamente e de fácil provimento às frotas (...) as terras [em que se
costumam plantar as mandiocas] são possuidores vários donos e nelas
não engenho que prejudiquem suas plantas (...) porque é certo que
as mandiocas de que se sustenta e as que lhe bastão e muitas vezes
sobram todas se plantam no Recôncavo desta mesma Cidade
141
Na capitania do Rio de Janeiro, particularmente a Vila de Magé, limítrofe a
Santo Antônio de e inserida na macrorregião do rio Macacu, Sampaio apresenta um
quadro de similaridade com o caso macacuano, chamando atenção para o papel de
região abundante na produção mandioqueira, superior inclusive às demais culturas de
abastecimento, já que a mandioca
tratava-se de um único produto respondendo por mais da metade da
produção agrícola de alimentos (já que não são considerados
aqueles de origem animal). Temos, assim, mais uma vez confirmada a
grande importância do "pão da terra" na dieta alimentar de então.
Quanto a isso, Afonso de Alencastro mostra-nos, baseado em Câmara
Cascudo, que os principais ítens na alimentação brasileira de então
eram a mesma farinha de mandioca e o feijão (se possível
acompanhado de carne seca). Este predomínio refletia-se,
consequentemente, nas regiões produtoras de alimentos, que
terminavam por privilegiar sua produção.
142
139
SILVA, 1990, op.cit.
140
Id., 1990, p.171.
141
Carta dos oficiais da Câmara do Rio de Janeiro dirigida ao Governador no qual ponderam os prejuízos
que causaria aos lavradores daquela capitania a execução da lei sobre a plantação da mandioca. Rio de
Janeiro, 06.11.1703, Mss. B.N., Mss. II-42, 33, 11 apud SILVA, 1990, op. cit. p. 171
142
SAMPAIO. 1994, op. cit. p. 6
80
Também em Magé, como se viu para Macacu, predominava a farinha de
mandioca como principal gênero agrícola no contexto da produção de alimentos e
artigos para exportação:
A produção da farinha de mandioca não predominava, porém,
somente sobre as demais culturas alimentares em Magé, mas também
no que se refere às produções voltadas para a exportação, sobretudo o
café e a cana. Larissa Brown mostra-nos, a respeito, que no século
XVIII e início do seguinte as freguesias de Magé "eram
primariamente produtoras de gêneros de primeira necessidade",
contando com apenas 6 engenhos de açúcar em 1778 e 10 em 1820.
Nos inventários por nós analisados a esse respeito, as referências a
ambos os cultivos são escassas, sendo mais raras ainda no caso da
cana-de-açúcar.
143
Abrindo um parêntesis, Sampaio demonstra que, como em Macacu, o café tinha
pouca expressão econômica na região de Magé:
No que tange aos cafezais, além dos valores encontrados serem
bastante modestos, estes vinham em geral avaliados entre os
"arvoredos frutíferos", o que parece apontar para uma escassa
importância econômica dos mesmos. Talvez sua produção se
destinasse mais para o consumo próprio do que para a venda. Seja
como for, o fato é que sua participação era meramente residual no
quadro das fortunas analisadas. Para este desenvolvimento tão
incipiente do café em terras mageenses com certeza contribuíram as
condições climáticas locais. Por ser uma área litorânea e de baixada,
portanto com um clima bastante quente, Magé prestava-se mal para
este tipo de cultivo. Além disso, a ocupação secular da área tornava
seus solos empobrecidos, pouco úteis portanto para uma cultura tão
exigente quanto o café.
144
As fontes para Macacu também não destacam a presença de forte produção
cafeeira, aparecendo o produto agrícola apenas como alternativa dos mais pobres por
sua tida facilidade de plantio, como abordado. Inclusive, pelo fato do lavrador não ter
que para isso possuir escravos:
e suposto q em algumas partes tenhão tido a curiozidade de fazerem a
plantação do Café, comtudo neste genero não se empregão como para
estabelecimento; a excecção de algum Lavrador mais pobre, q por lhe
faltarem as precizas forsas, q são de possuírem Escravos, tem algum
pequeno estabelecimento neste gênero por lhe ser mais fácil a
Colheita, e não terem a precizão de prepararem a terra para esta
143
Id., 1994, p. 6-7
144
SAMPAIO. 1994, op. cit. p.7
81
plantação, q com muita suavidade se faz; por que homem a
planta, hú só a colhe e beneficia o q não acontece nas outras.
145
Portanto, ao contrário da produção da mandioca, milho, arroz e feijão, culturas
para as quais se reputava uma necessidade relativa - de maior utilização de mão-de-
obra, o café era plantado por poucos e de forma esporádica, tanto em Macacu como em
Magé. Se para isso era necessário apenas o trabalho de um único homem, não poderia
mesmo ser volumosa essa produção. Estava ainda bem longe a prática de um plantio
sistemático da rubiácea.
Voltando à mandioca, planta que realmente estava na ordem do dia dos
plantadores, foi possível considerar a existência de características similares ao contexto
baiano no que tange ao quadro social dos produtores de farinha: produção nas mãos de
roceiros, baixa aplicação de mão-de-obra cativa e pequenas áreas de terra próprias ou
arrendadas, o que traz a possibilidade de existirem lavradores capazes apenas de
fornecer pequenas partidas de farinha para abastecimento. Essa similaridade com
Macacu, e que será vista com maiores dados no capítulo seguinte, foi percebida por
Sampaio em Magé:
apesar do predomínio da produção de mandioca sobre os demais
cultivos alimentares em Magé, essa região possuía, em meados do
século passado, um perfil produtivo razoavelmente diversificado,
sobretudo se comparado com esta mesma Bahia setecentista.
146
Em meio a essas similaridades, segundo Silva, a diferenciação entre o Rio e a
Bahia, (...) residia na abundância dos gêneros seja para abastecimento do povo, seja
para fazer face às necessidades da governamentabilidade lusa na América.
147
Se foi possível perceber similaridades e discrepâncias - da atividade farinheira
macacuana com os casos mageense e baiano, passar-se-á à caracterização que Schwartz
faz a respeito dessa produção como uma alternativa dos pobres. Característica que se
reforça se associada a outro caso: o de Paranaguá, uma localidade no Sul do Brasil.
Leandro discutiu as formas de produção econômica para essa região litorânea e
portuária da província do Paraná. Além da produção do mate, característico dessa
região, o autor apresentou a farinha como um produto também largamente produzido e
145
Discripção..., 1797, op. cit.
146
SAMPAIO, 1995, op. cit. p. 9
147
SILVA, 1990, op. cit. p. 172.
82
de melhor acesso por parte dos menos favorecidos pela Fortuna, onde pela posse ou
arrendamento de pequenas áreas, produziam sua farinha.
Considerando esta produção condicionada à quantidade possível de covas
plantadas, infere-se que muitos produziriam pequenas quantidades do gênero. Produção
talvez voltada para autosustento e nem sempre disponível em quantidades suficientes
para venda de excedentes.
148
pode-se afirmar que aqueles que não possuíam cativos, e que
conseqüentemente estavam mais próximos ao cotidiano da pobreza,
também viviam "presos" à civilização da mandioca. (...) A partir de
todos os inventários analisados, com ou sem propriedade escrava, é
possível concluir que o principal traço do ambiente rural da comarca
de Paranaguá era a vinculação das suas propriedades agrícolas ao
cultivo da mandioca e sua transformação em farinha. Quase todas as
propriedades inventariadas possuíam utensílios relacionados ao
mundo da farinha, aquilo que o jesuíta José Rodrigues de Melo
chamou, no final do século XVIII, de "bens que o uso reclama.
149
Realidade distante dos muito pobres, que geralmente não possuíam todos os
utensílios necessários para produção de farinha: roda, prensa, forno e tacho (de cobre).
Leandro induziu a presença de formas alternativas para a produção de farinha
por parte dos que não possuíam esses utensílios. Embora não tenha encontrado menção
a estas formas na documentação por ele analisada, é plausível sua argumentação de que,
de alguma forma, dada a universalidade da produção da farinha na população da
comarca de Paranaguá, as pessoas deveriam produzir a sua própria.
Por sua vez, Castro, em trabalho para Capivari (hoje município de Silva Jardim),
freguesia integrada economicamente à região de macacuana, fez menção a formas
alternativas de se elaborar farinha, mencionando três tipos de preparo da raiz da Maniot
utilissima, relacionados à maior ou menor possibilidade de aquisição dos utensílios
necessários: a farinha d´água ou farinha gorda, farinha d´água de mistura e farinha seca.
No primeiro caso, apenas o forno era requerido para a última etapa,
sendo primeiramente a mandioca amolecida em água exposta ao sol,
espremida à mão e coada em peneira grossa. No segundo caso, o forno
de cobre e a roda de ralar eram indispensáveis: "a mandioca é
primeiramente ralada e depois misturada com água, espremida à mão
e passada em peneira fina, misturando então o que 'passou' e o que
148
LEANDRO, José Augusto. Gentes do Grande Mar Redondo riqueza e pobreza na comarca de
Paranaguá – 1850-1888. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2003. p. 265-267
149
Id., 2003, p. 268
83
ficou na peneira, de modo a formar novamente uma só massa, de novo
espremida e levada ao forno". No terceiro caso, entravam em cena os
utensílios mais comuns no preparo da chamada "farinha seca": "a
mandioca raspada é lavada e ralada em um ralador que pode ser
movido à mão ou a água, submetida neste estado durante várias horas
à ação de uma prensa, passada em peneira fina e levada ao forno ou
tacho para ser cozida e torrada
.
150
Assim, quem não possuía os utensílios, poderia utilizar-se de um ou outro
método - ou até mesmo distinto destes - o que oferecia possibilidades baratas de
produção. A proximidade entre as regiões de Capivari e Macacu sugere uma possível
difusão destas técnicas.
A falta de recursos levaria então os pobres a ‘improvisar’, criando novas formas
de produção. Vale ressaltar que os indígenas, de onde o colonizador português
aprenderia primeiramente a comer e depois a produzir farinha, provavelmente
desconheciam roda, tacho e ‘forno’ para sua produção farinheira.
Leandro apresenta, para Paranaguá, em Santa Catarina, que:
No mundo rural da comarca de Paranaguá, nas unidades agrícolas de
proprietários de escravos e nas unidades agrícolas daqueles que a
historiografia rotulou como "livres pobres", foi possível observar a
existência de um modo de vida cujo trabalho ao redor da mandioca e
da farinha da mandioca encontrou sua expressão máxima. A mandioca
garantia os mínimos vitais da população livre pobre e escrava. Estes a
tinham como a sua principal referência alimentar, a sua primordial
fonte calórica disponível à época.
151
Apresenta este autor uma peculiar importância cultural da agromanufatura da
farinha entre Paranaguá e o Recôncavo baiano
152
, sendo plausível de ser observada
também para a região mageense: levando-se em conta o que a historiografia brasileira
tem produzido a respeito da agromanufatura do açúcar como determinante de formas de
organização social e cultural, Leandro atribui à produção da farinha de mandioca a
característica de ser um elemento também determinante de relações sociais muito
próprias, que se poderia chamar de uma “Cultura da mandioca”, que, com ou sem
propriedade de cativos, possuindo ou não agregados, o fato é que as famílias que
150
CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Ao sul da história. Lavradores pobres na crise do trabalho escravo.
São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 86
151
LEANDRO, 2003, op. cit, p.15.
152
Id. 2003, p.272.
84
viviam no ambiente rural da comarca de Paranaguá organizavam o seu cotidiano em
torno da mandioca.
153
Conclui-se que, respeitadas as peculiaridades regionais, a produção de farinha
representava atividade econômica para sustento das famílias e potencialidade comercial,
sendo alimento basilar na Colônia, independente da distância existente entre as áreas
analisadas: Salvador, no Nordeste; Paranaguá, no Sul e as Vila de Santo Antônio de
(Macacu) e Magé, demonstrando o caráter generalizado da mandioca no mundo colonial
como um produto local.
Portanto, a farinha de mandioca era largamente produzida de norte a sul no Brasil
oitocentista, e mesmo sendo produto que concentrava sua produção nas mãos da
multidão dos mais pobres, constituía-se gênero básico na alimentação de todos: livres,
libertos, cativos, ricos e pobres, além de possuir valor comercial.
Alimento tão essencial e cotidianamente presente na dieta colonial, que até
mesmo viajantes que por aqui passaram, e que a viram sendo produzida em várias
regiões do país, fizeram questão de registrá-la em seus escritos. Dentre eles, estão John
Lucock (1942), para o Rio de Janeiro; Henry Koster (1942), para o Nordeste e
Maximiliano Neuwied (1940), príncipe de Wied, em sua viagem entre o Rio e a
Bahia.
154
Todos, de uma forma ou outra, identificaram a farinha de mandioca como o
alimento básico dos escravos, libertos e livres. Comida pura, misturada ao feijão,
charque ou rapadura, a farinha estava presente na mesa das elites, nos picuás dos
viajantes e no dia-a-dia dos pobres.
Com uma produção disseminada em maior ou menor escala na quase totalidade
das propriedades rurais macacuanas, a farinha de mandioca alimentou populações,
serviu ao comércio e disputou com o açúcar a posição de produto-rei no século XVIII.
153
Ibid. p.276
154
AGUIAR, Pinto de. Mandioca – Pão do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
85
3.1. Pobres e ricos; livres e escravos: escravismo e estratificação social no vale do
Macacu
Os dados socioeconômicos até aqui utilizados, circunscritos a fontes referentes
ao século XVIII e relatos coevos, tiveram na Discripção do que pertence ao Districto
da Vila de Santo Antônio de de Macacu,
a fonte de maior volume e importância.
Após ser feito estudo comparativo, com base na fonte citada, da região de Macacu com
outras localidades, além de um levantamento de quais gêneros agrícolas eram
produzidos nessa região e o volume da produção, passar-se-á à interpretação da
Discripção... através de uma tipologia oferecida pela própria fonte.
Atualmente, as novas abordagens da história colonial consideram que,
convivendo com os senhores de engenhos e cativos havia um grande estrato de homens
livres pobres. Pobreza esta caracterizada pelo fato desses mesmos homens encontrarem-
se despossuídos de terras e escravos. No dizer de Schwartz, o cultivo da mandioca era a
agricultura dos pobres, sempre organizado como produção de roça.
155
Nesse ponto também se perceberam, para Macacu, características similares no
tocante ao quadro social dos produtores de farinha: produção nas mãos de roceiros,
baixa aplicação de mão-de-obra cativa e propriedade de pequenas áreas de terra,
próprias ou arrendadas.
Tal condição significava, para os moldes socioeconômicos de uma sociedade
escravista como a colonial, dificuldades no acesso a alimentos. Conseqüentemente, isso
trazia obstáculos na geração de excedentes, ocasionando uma não acumulação de capital
mercantil, imprescindível para a aquisição de escravos. Estavam esses homens,
portanto, distantes de alimentos e de prestígio que a posse de terras e escravos poderia
gerar.
Boa parte das populações que viviam e produziam em Macacu, constituía-se não
de senhores de engenhos abastados, mas na verdade de pessoas pobres, trabalhando em
suas roças, pequenas extensões de terras próprias ou cedidas. No tocante a este último
ponto, registra a Discripção... por exemplo, um número de 401 agregados, sobre os
quais se abordará adiante.
155
SCHWARTZ, 2001, Op. Cit. p.166.
86
A Vila de Santo Antonio de de Macacu, ao longo do século XVIII,
caracterizava-se por apresentar, em conjunto com poucas plantations, uma economia de
mercado interno de gêneros variados, que englobava o cultivo de arroz, feijão, farinha,
milho e fumo; a extração e comércio de madeiras, criação de aves, com comercialização
de ovos, além da criação de porcos.
Toda esta produção tinha parte consumida na própria Macacu e parte exportada
para as localidades vizinhas, inclusive a cidade do Rio de Janeiro, através dos rios da
região. Estes rios em muito auxiliaram o comércio, posto que muitos, ou se constituíram
como afluentes do maior rio do recôncavo da Guanabara, o Macacu, ou tinham sua foz
diretamente na Baía.
A maior parte da população de Macacu era formada por pequenos e médios
proprietários, muitos com pequenas escravarias ou até mesmo sem registrar a posse de
sequer um cativo. A maior parte da riqueza concentrava-se nas mãos de uma elite
diminuta e que também produzia os mesmos produtos, que em grandes quantidades.
Aí estava a grande diferença.
A Discripção... confirma essa condição socioeconômica em terras macacuanas:
Alguma decadência q. nestes Povos, conhece-se nascer da falta de
escravos, q. a não haveria se o tivessem, o q. muitos não podem
conseguir pelo exorbitante preço em q. estão, motivo de não poderem
adiantar as suas Lavouras; por. q. estas não se podem maniar sem as
precizas forsas, q. esta Cultura requer e por esta cauza muitos perdem
o animo, por não poderem com hum trabalho braçal, sendo esta a
razão de viverem alguns em ociozidade ou vadiação, e outros q.
também tem tido decadência pela mortandade de Escravos athe o
ponto de ficarem pobres; porque n´estes mesmos Escravos consiste o
cabedal destes Lavradores.
156
Neste capítulo, comentou-se acerca de uma tipologia presente nas unidades de
produção agrícola em Macacu, organizada através dos dados presentes na Discripção...
A partir daqui ela será analisada através da separação das propriedades rurais
macacuanas presente na fonte, tendo como base a especialização dos produtores em três
nichos da produção agrícola: senhores de engenho, fábricas de farinha e lavradores.
Essa análise também estará relacionada juntamente com a posse de escravos,
visando comprovar que um perfil pequeno escravista era predominante no vale do
Macacu. Essa estrutura socioeconômica pequeno escravista, reitera-se, era formada por
156
Discripção..., 1797, Op. Cit.
87
pequenas e médias propriedades, com utilização de pequenas escravarias por unidade
produtiva, e mesmo produtores que não possuíam sequer um escravo.
Configura-se desta forma, em Macacu, um amplo setor produtivo voltado para a
produção de gêneros agrícolas para mercado interno, em suma, para abastecimento. A
produção de gêneros para exportação, mormente o açúcar, não se constituía no setor
econômico dominante no que se refere ao volume da produção agrícola macacuana em
seu todo, como já se viu.
É portanto, de importância, a percepção de uma íntima relação dessa cultura de
gêneros de exportação e de abastecimento que compunha a organização socioeconômica
do vale do Macacu, relacionada a aspectos voltados para a produção, trabalho e
propriedade dos principais fatores da produção na sociedade escravista: os homens e a
terra.
Tem-se considerado superada, na historiografia brasileira, a visão da
sociedade colonial segmentada em dois únicos grupos antagônicos: senhores de
engenho e escravos. Silva criticou essa abordagem situando que, até em regiões onde,
por pressuposto, deveríamos encontrar a mais nítida polarização senhor/escravo, uma
análise mais detalhada nos permite ver estratos sociais mais variados.
157
Desta forma, esse esquemático binômio se vê ‘desqualificado’, já que entre estes
dois extremos constatou-se existir uma miríade de pequenos produtores escravistas
não excluídos na estrutura da sociedade colonial, mas integrados a elas através de uma
peculiar atividade econômica: a produção de alimentos por homens livres pobres.
Segundo Sampaio,
Esse homem livre e pobre, visto como uma verdadeira contradição por
historiadores que conseguem dividir a sociedade de então entre
senhores (aliás, grandes senhores) e escravos, deixa, a partir daí, de
ser apontado como um "excluido" ou "desclassificado". Estamos,
agora, falando da maioria da população do Brasil colonial e
imperial
158
, que ao participar da produção de alimentos tornava-se co-
responsável pela própria sobrevivência da sociedade como um todo.
159
157
SILVA, 1990, Op. Cit. p.65
158
GRAHAM, Douglas H. & MERRICK, Thomas W. População e desenvolvimento econômico no
Brasil
. Rio de Janeiro: Zahar, 1985 apud SILVA, 1994, Op. Cit. p.65 (nota 7).
159
SAMPAIO, 1994, Op. Cit. p.14-15. Em seu trabalho, Sampaio apresenta dois exemplos clássicos dessa
tendência em se definir a sociedade escravista como bipartida entre senhores (de engenho) e escravos:
FURTADO, Celso.
Formação econômica do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1986 e PRADO
JUNIOR, Caio.
História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990 (38ª. ed.).
88
Feitas esssas considerações, primeiramente que se criticar o termo,
subsistência. O mesmo foi utilizado para definir a produção externa ao binômio senhor
de engenho/escravos por Caio Prado Júnior, ao explanar sobre o que intitulou de
caráter
geral da colonização brasileira
:
se verificou que ele é o de uma colônia destinada a fornecer ao
comércio europeu alguns gêneros tropicais de grande expressão
econômica. É pára isto que se constituiu. A nossa economia
subordinar-se-á por isso inteiramente a tal fim, isto é, se organizará e
funcionará para produzir e exportar aqueles gêneros. Tudo mais que
nela existe, e que, aliás, será sempre de pequena monta, é subsidiário e
destinado unicamente a amparar e tornar possível a realização daquele
objetivo essencial. Inclui-se aí a economia de subsistência (...)
160
Afora outras críticas feitas às teses de Caio Prado, a expressão economia de
subsistência é hoje tida como imprecisa para caracterizar estruturalmente o sistema
produtivo colonial. Este era anteriormente visto a partir da idéia de absoluta
autosuficiência mantida por essas propriedades. Bluteau, em 1789, já definia o vocábulo
subsistência como ligado à idéia de existência individual.
161
Para Sampaio,
os trabalhos existentes comprovaram de forma definitiva o caráter
comercial da produção de alimentos. A posse de escravos por parte
destes produtores (muitos com dezenas deles), e a sua relação com o
mercado (patente na análise das dívidas ativas/passivas e na
especialização da produção), acabam com a falsa relação estabelecida
por diversos historiadores entre "produção de alimentos" e "produção
de subsistência",entendida aqui como produção voltada para o
autoconsumo.
162
Também Meneses, em trabalho voltado para Minas Gerais, discutiu a respeito
desse aspecto:
O sistema de organização da agricultura denominado “de
subsistência” implica em objetivos restritos de assegurar a vida do
agregado humano, mediante a obtenção de alimentos e outros bens
essenciais, na quantidade estritamente necessária. A relação da
unidade produtiva com o grupo humano é de laços estreitos, formando
um todo inseparável. A ação produtiva e o consumo se confundem,
havendo apenas algumas trocas (escambo), principalmente de
160
PRADO JÚNIOR, 1994, Op. Cit. p.41
161
BLUTEAU, Rafael. Diccionario da Lingua Portugueza. Lisboa, 1789, Tomo II, p.426. Disponível
em:
<http://books.google.com.br/books?id=4FkSAAAAIAAJ&printsec=frontcover&dq=bluteau#PPP11,M1>
. Acesso em: 09 dez. 2008
162
SAMPAIO, 1994, Op. Cit. p.20.
89
prestação de serviços artesanais. Inexiste a relação de quem produz
com o mercado de seus produtos, o mesmo ocorrendo com o mercado
de fatores de produção. No sistema de subsistência, ainda, está ausente
o cálculo econômico intelectualizado e o custo de produção é simples,
havendo apenas a medição do trabalho em unidade de tempo.
Enquadrar tais características na unidade de produção da agricultura
de alimentos do período colonial mineiro é forjar uma estrutura que
não se sustenta. Seu objetivo é mais amplo e suas relações com o
mercado de produtos e de fatores são mais complexas. Além disso,
essa produção se realizava com um cálculo econômico e uma estrutura
de custo de produção simples.
163
Portanto, para que se possa dizer que a produção agrícola macacuana, com seu
caráter pequeno escravista, fosse de subsistência’, deveria esta abranger as
características citadas por Meneses. Entretanto, dado o estabelecimento dessa produção
na conjuntura de uma agricultura de abastecimento, o termo não parece, de fato, ser o
mais preciso para a caracterização. As próprias fontes para o século XVIII parecem
caminhar em direção contrária à idéia de subsistência, que, o
s senhores de engenho
pela maior parte abandonam totalmente a cultura da mandioca, achando melhor
conveniência em comprá-la do que em plantar a farinha para a sustentação da sua
família e dos seus escravos...
164
.
Segundo Silva, os pequenos cultivadores e roceiros não se encontravam
esquematicamente subordinados aos plantadores de cana-de-açúcar. Com seus poucos
escravos, produziam gêneros alimentícios para o mercado, configurando um estrato
social de produtores pequeno escravistas. Esta mesma conjuntura traria a possibilidade
de duas situações distintas:
nem o abastecimento da plantagem, ou sua escravaria, se dava em
termos de uma unidade retroprodutora mormente baseada em uma
economia natural e nem tampouco, era a plantagem, através do seu
setor natural, responsável pelo abastecimento dos núcleos urbanos, das
tropas ou da matalotagem das naus.
165
Nesse sentido, infere-se que, era a produção da farinha de mandioca - alimento
básico do mundo colonial - bem como de outros gêneros agrícolas, atividade
163
MENESES, José Newton Coelho. Produção de alimentos e atividade econômica na comarca de
Serro Frio
Século XVIII. IX Seminário sobre a Economia Mineira. Minas Gerais, p.134-135.
Disponível em: <http://www.cedeplar.ufmg.br/diamantina2000/2000/MENESES.pdf>. Acesso em: 09
dez. 2008
164
Carta do Conde de Resende à Coroa comunicando as razões que se tem oposto ao aumento da cultura
da mandioca...Rio de Janeiro, 21 de abril de 1798. Arquivo Nacional, Códice 69, vol.8. Apud SILVA,
1990, Op. Cit. p.68
165
SILVA, 1990, op. cit. p.68
90
generalizada em Macacu, com vários produtores integrando, ao lado dos grupos sociais
de elite – maiores detentores de terras e homens - esse grande conjunto de homens livres
pobres.
Produção não no sentido de subsistência, mas de autosustento, sendo esta
orientada também para o mercado visando garantir, através da venda ou troca, o acesso
a outros bens. Configura-se assim, no contexto da economia do recôncavo da
Guanabara, um nicho econômico macacuanoformado por uma produção de caráter
mercantil e de estrutura pequeno escravista. Acredita-se ser esta a característica básica
da economia do vale do Macacu.
Sampaio, analisando a estrutura socioeconômica da Vila de Magé para a
segunda metade do século XIX apresentou características de uma produção pequeno-
escravista de alimentos:
temos mais uma vez a demonstração clara do caráter comercial da
produção de alimentos no período, ainda quando os agricultores a ela
ligados tivessem poucos ou nenhum escravo. Mostra-nos, igualmente,
que a possibilidade de acumulação de capitais por parte de tais
agricultores não estava ligado apenas ao tipo de produção, mas à
própria sociedade em que esta se inseria. Assim, tais possibilidades
dependeriam de fatores os mais variados, tais como: a estrutura
fundiária, a distância em relação ao mercado consumidor, a política
estatal de abastecimento, o poderio dos
produtores ligados à agroexportação, etc. Fatores estes que não devem
ser tomados isoladamente, pois é na sua articulação que explicam não
a produção de alimentos, mas a própria sociedade em que a mesma
se situava.
166
Ainda em relação a seu estudo sobre Magé, Sampaio não corrobora a pertinência
de uma agricultura de tipo camponesa para aquela região. A presença dos agregados nas
propriedades era também importante. Estes poderiam garantir seu sustento e, por sua
vez, proporcionar às famílias que lhes facultavam o acesso a terra a possibilidade de
mais braços para o trabalho ou mesmo algum retorno na forma de pagamento de
arrendamento.
A Discripção..., vale relembrar, traz dados recolhidos apenas para 1797.
Entretanto, se vistos em conjunto com os dados referentes aos anos de 1778 (Relatório
do Marquês do Lavradio), 1790 (Annaes do Rio de Janeiro, de Bhaltazar Lisboa) e
1794/95 (Visitas Pastoraes de monsenhor Pizarro), aqueles oferecem certa regularidade
166
SAMPAIO, 1994, op. cit.
91
no tocante ao volume e espécies vegetais produzidas em Macacu. Infere-se daí que essa
produção se deu, nestes anos de referência – até mesmo por sua proximidade - com base
em semelhante estrutura socioeconômica.
Mais detalhadamente, percebeu-se na Discripção..., as seguintes categorias de
propriedades relacionadas ao trato com a terra, e que compõem a sua referida
tipologia:
CATEGORIA I- Senhores de engenho – 27 integrantes; agrega os produtores de
açúcar, embora também produzissem farinha;
CATEGORIA II-
Fábricas de farinha 238 integrantes; abrange propriedades
especializadas na produção sistemática de farinha de mandioca;
CATEGORIA III- L
avradores – 649 integrantes; categoria representada por
indivíduos voltados mais para a produção de farinha, arroz, milho, feijão, sem caráter de
especialização.
Apesar da produção de farinha ser realizada pelos integrantes dessas três
categorias, e uns poucos lavradores chegarem a produzir algum açúcar, esta última
categoria, de Lavradores, agrupa indivíduos excluídos das duas categorias anteriores.
Estes mesmos lavradores poderiam moer alguma cana ou produzir sua farinha nos
engenhos locais ou fábricas de farinha da região mediante aluguel. Muitos poderiam ser
agregados, convivendo junto com o grupo familiar de algum pequeno proprietário, ou
habitando em terras cedidas por donos de áreas maiores.
Infere-se então que a própria organização da fonte, onde as listagens nominais se
apresentam na categorização acima apresentada, representava a visão do seu anônimo
organizador acerca das hierarquias sociais presentes na região. Assim, hipoteticamente,
um lavrador que alcançasse a situação de possuir sua própria fábrica de farinha’,
escalaria um degrau na escala social, atingindo seu ápice quando alcançasse o pequeno e
seleto corpo social dos senhores de engenho. Na fonte não houve a adoção de critérios
de seleção tais como o tamanho das escravarias, a extensão da terra ou a quantificação
da produção, para orientar a organização do documento.
outra racionalidade ali presente, onde transparece a intenção de se organizar
uma listagem de caráter econômico, mas não economicista. Parece mais ligada,
possivelmente, à lógica de distinção social do mundo colonial: o pertencimento a corpos
sociais distintos.
92
Observa-se na Discripção..., que as três categorias iniciais listadas, relacionam-
se a atividades exclusivamente ligadas ao trato da terra. Após a listagem desses grupos é
que se apresentam indivíduos desenvolvendo atividades ‘mecânicas’ e comerciais:
detentores de ofícios, olarias, ‘serradores’ de madeiras e por fim, os taverneiros.
Todos hierarquicamente dispostos em seus respectivos corpos sociais e
integrados numa economia agrária de relações escravistas. Os que não possuíam
escravos ou terras, não se encontravam menos integrados nessas relações, posto que
detinham status menos elevado justamente pelo fato que, sua posição social se
estabelecia quando em confronto com o mundo dos proprietários.
Em suma, uma sociedade fortemente diferenciada não somente entre livres e
escravos, como também no interior da própria população livre. Diferenciação esta que
se reitera no tempo através de mecanismos de acumulação mercantil de capitais.
167
3.2. Açúcar: senhores, escravos e arrobas
A primeira categoria analisada a partir da Discripção..., é a dos senhores de
engenho de açúcar, vistos aqui em comparação com as demais categorias de produtores
rurais, de acordo com a tabela abaixo:
Tabela 3: Posse de escravos por grupos de produtores e arrobas de açúcar produzido
Fonte: Discripção do que contém o Districto da Vila de Santo Antônio de Sá de Macacu
Dos 914 produtores que integram as três categorias listadas na Discripção...,
apenas 27 (2,9%) dedicavam-se à produção de açúcar. Atuavam em contraste com 238
fabricantes de farinha (26%) e 649 lavradores (71%). Os integrantes das propriedades
listadas, que fabricantes de farinha e lavradores também produziram pequenas
quantidades do condimento, fabricaram, em 1797, um total de 23.097 arrobas de açúcar.
167
SAMPAIO, 1994, op. cit.
CATEGORIAS Arrobas Escravos
Senhores de engenho 27 18.869 1.499
Fábricas de farinha 238 1.450 2.746
Lavradores 649 2.778 2.167
TOTAIS 914 23.097 6.412
93
Desta produção, 81,6 % (18.869 arrobas) foi realizada pelos engenhos de açúcar
existentes, que concentravam, num universo de 6.412 escravos, a posse de 1.499 cativos
(23,3%), numa média de 55 cativos por unidade.
Como exemplos, o engenho de Antonio de Oliveira Braga, com 43,5 km²,
possuía 207 escravos e uma produção de 1.300 arrobas. O de Jerônimo Gomes Pacheco
(0,968 km²), por sua vez, possuía apenas 08 (2 homens, 4 mulheres adultas e 2 crianças)
e produziu 100 arrobas. Dois casos curiosos: enquanto o engenho de Bento Joaquim
(4,93 km²), com 34 cativos, declarou nada ter produzido em 1797, o de dª. Josefa
Francisca de Miranda (2,47 km²), viúva, com 66 escravos, foi o que mais registrou
produção: 2.964 arrobas. Ou moeu mais que os demais isoladamente ou acrescentou à
sua produção a cana de lavradores proprietários de terras ou arrendatários, através da
cobrança das taxas devidas pelo uso de seu engenho.
As 238 unidades classificadas como fábricas de farinha, produziram 1.450
arrobas (6,2%) de açúcar, tendo no total, 2.746 escravos (42,8%), numa média de 11
escravos por produtor. Por sua vez, os 649 lavradores produziram 2.778 arrobas (12%) e
concentraram a posse de 2.167 escravos. Média de 03 cativos por produtor.
Tomadas em conjunto, ‘fábricas de farinha” e lavradores integram 887
propriedades. Também produziram açúcar, mas apenas 4.228 arrobas (18,3%), numa
média baixa de 4,7 arrobas (70,5 kg) por unidade/ano. Na posse de escravos, um total de
4.913 cativos, média de 05 escravos por propriedade. Nesse quadro, infere-se que, dada
a pequena média produtiva de açúcar, este grande grupo de produtores moía cana nos
engenhos, pagando taxas de costume pelo seu uso.
3.3. Escravos, alqueires e homens livres pobres
Tabela 4: Posse de escravos e alqueires de farinha, feijão e milho produzidos em 1797
Fonte: Discripção do que contém o Districto da Vila de Santo Antônio de Sá de Macacu
CATEGORIA
Farinha % Feijão % Arroz % Milho % Escravos
Senhores de
engenho
27 3.671
5,41 441 12,6 196 1,1 392 9,7 1.499
Fábricas de
farinha
238 38.633
56,94 1.489 42,7 11.397 66,4 1.811 44,9 2.746
Lavradores 649 25.548 37,65 1.557 44,7 5.573 32,5 1.833 45,4 2.167
TOTAIS
914 67.852 100,0 3.487 100,0 17.166 100,0 4.036 100,0 6.412
94
O perfil pequeno escravista de Macacu se define a partir deste grande grupo de
produtores de farinha, arroz, milho e feijão. Para tanto, serão analisadas,
pari passu,
cada uma das categorias apresentadas.
Os 27 senhores de engenho são, em volume de produção, os menores produtores
de gêneros alimentícios. Dos 67.852 alqueires de farinha produzidos, foram
responsáveis por 3.671 alqueires (5,41%), o mesmo se dando para o feijão (12,6%),
arroz (1,1%) e milho (9,7%). Esses engenhos também produziram, em conjunto, um
total de 582 pipas de aguardente e apenas 01 alqueire de goma (polvilho). Sustenta-se
nesse trabalho que os engenhos de açúcar não produziram gêneros alimentícios a ponto
de garantir seu próprio abastecimento.
O maior detentor de escravos, o engenho de açúcar de Antonio de Oliveira
Braga, com 207 cativos, foi produtor, em 1797, de 400 alqueires de farinha (12.090
kg)
168
. Considerando-se que toda a produção de farinha fosse integralmente consumida
no interior do engenho e apenas pelos escravos, alcançaria-se uma média aritmética de
1,9 alqueires, correspondente a cerca de 58,4 kg/pessoa/ano. Reduzindo-se o prazo de
consumo dessa farinha para apenas um mês, teria-se o consumo de 1,94 kg/dia/pessoa.
Metade da escravaria de Braga era composta por 101 escravos ‘pequenos’ e 106
grandes’, ou seja, adultos. Evidente que deveriam existir diferenças no atendimento de
necessidades alimentares. Outro fator que deve ser levado em consideração é o de que
não seria possível a produção de primeiramente toda a farinha, para somente depois se
ver disponibilizado o seu consumo. Deve-se também levar em conta as fases de preparo
da terra, plantio, maturação, colheita, preparação da farinha e a qualidade da terra, além
das questões climáticas e ambientais, fazendo com que essa produção farinheira se
desse ‘aos poucos’. Braga teria informado ao responsável pela coleta de dados uma
estimativa da produção global do engenho para aquele ano.
Parece razoável considerar que esses 400 alqueires de farinha não bastariam para
o sustento dessa numerosa escravaria. Entretanto, quando se observa que o mesmo
engenho gerou, respectivamente, 20, 80 e 20 alqueires de feijão, arroz e milho, torna-se
mais arriscado considerar que não fosse necessário a Braga ter que recorrer ao mercado
para garantir reposição de estoques.
168
O cálculo foi feito com base no maior fator de conversão de alqueires para quilogramas 30,225,
apresentado nesse trabalho.
95
Mais evidentes são os casos dos engenhos dos herdeiros do capitão-mor
Barreiros, de dª. Rita Gago da Câmara e do capitão Braz Carneiro Leão. Juntos,
produziram míseras 40 arrobas de açúcar com um total de 187 cativos, dos quais 111
eram homens adultos. Em 1797, segundo a Discripção..., esses engenhos não
produziram nem um alqueire sequer de farinha, dois deles não colheram nenhum feijão
ou milho e apenas um não produziu arroz. O que foi colhido importou em 36 alqueires
de arroz e 10 de feijão. Parece claro que para alimentar 111 escravos adultos (e não se
adicionaram mulheres e crianças), foi preciso buscar, via mercado, alimentos
suficientes.
Quando postos em contraste com as unidades de produção das outras duas
categorias, torna-se claro que não foram nos engenhos que se produziram alimentos
responsáveis pelo seu próprio autosustento, nem para abastecimento da região e, muito
menos fornecer, em quantidades consideráveis, farinha, arroz, milho e feijão para a
cidade do Rio de Janeiro.
As 238 fábricas de farinha, por sua vez, constituíam o carro-chefe da atividade
farinheira, o que ratifica o caráter especializado de Macacu na produção desse gênero.
Muito provavelmente essas propriedades eram detentoras, em sua maioria, dos
equipamentos básicos: roda, tacho de cobre e forno. Equipamentos estes que nem
sempre deviam ser disponíveis a todos. Produziram 56,93% de toda a farinha (38.628
alqueires) fabricada na região. Também foram responsáveis pela produção, em
conjunto, de goma, com 92 alqueires. A Discripção... registra que essas unidades
produtivas não fabricaram uma única pipa de aguardente sequer.
A qualidade da terra, o clima e as pragas eram fatores que prejudicavam a
obtenção de melhores resultados na lavoura da mandioca:
Também tem os Lavradores prejuízo neste gênero, pq há annos q
apodresse muita por cauza da Extação não ser temperada, ou pela
qualidade da terra, q sendo arienta com os muitos Soes se recozinha, e
sendo humida quando há Chuvas, com abundancia apodressem; e
aquelle prejuízo q experimentão os Lavradores da Cana com a Barata,
experimentão estes com outro Inseto chamado Lagarta, que dando as
destroe de forma q ficão sem rama alguma, e morrem e se destroem
com a mesma sircunstancia da da Cana, ficando a sua raiz em muito
pouco rendimento; esta se entra a Colher de anno e de anno e meio
conforme a sustância, e qualidade da terra.
169
169
Discripção,1797, Op. Cit.
96
Essas condições adversas atacavam de igual forma as duas culturas: da cana e da
mandioca. Mas uma distinção pode ser observada no tocante à qualidade das terras.
Enquanto que as da mandioca eram
arientas (arenosas) ou úmidas, as utilizadas no
plantio da cana, embora em muitos casos fossem inutilizadas por muitas chuvas, eram
em geral de melhor qualidade.
He este Districto bastantemente extençoso e nelle muita terra inútil
para Lavouras, por ser baixa e encharcada, o q se não pode remediar,
quando seos donos são opulentos, q as exquartejão com Vallas, e
vem desta sorte e terem utilidade; porem em outras partes o não
podem fazer;(...) He a terra do Districto de Macacu na maior parte
bastantemente fértil, principalmente as q são mais próximas ás
Caxoeiras de todos os Rios mencionados; e o seu Clima Clima
temperado a produção das Plantas de donde tirão os Lavradores
grandes vantagens nas Colheitas q. fazem das suas Lavouras, sendo as
principaes a Cana, o Arroz, o Milho, o Feijão e a Mandioca, q. são os
gêneros em q. elles mais se empregão e em q. tem formado os seus
estabelecimentos..
170
Essas propriedades obtiveram também o primeiro lugar na produção de arroz:
66,3%, equivalentes a 11.397 alqueires de um total de 17.166. Por razão do arroz ser
plantado em áreas alagadiças (várzeas), é possível que o dado esteja relacionado à
produção da farinha, que a mandioca é planta rústica, adaptável a solos inferiores aos
de produção da cana, a qual, como já se viu não se dava bem em terras muito úmidas.
Todos estes Rios no tempo das enchentes, com o crescimento das
águas se fazem mais Caudalozos, principalmente o de Macacú,
Guapiassú e Guapimirim em tão grande abundancia q. transbordando
innundam-se todas as terras baixas, não as que são de natureza
humidas, a q. chamão Brejos; como também as que servem para a
Lavoura e do mesmo modo todos os mais a ponto de experimentarem
os Lavradores grandes prejuízos, o q. não podem evitar com industria
alguma, ficando estas terras de tal sorte cobertas, q. admitem
navegação por muitas partes, ainda de Embarcaçoens grandes por
lugares q. antes da enchente se anda a pé enchuto, formando esta
imnundação a vista de hu Mar
171
Os fabricantes de farinha produziram 44,8% de todo o milho (1.811 arrobas) e
42,7% do feijão (1.489 arrobas). Chega-se, por fim, à categoria dos Lavradores: estes
têm em sua conta, 37,65% da farinha (25.548 alqueires) e 44,6% do feijão (1.557
170
Id., 1797, Op. Cit.
171
Discripção..., 1797, Op. Cit.
97
arrobas). Também produziram 5.573 arrobas de arroz (32,4%) e 1.833 arrobas de milho
(45,4%).
Analisando-se detidamente a categoria dos
Lavradores no tocante à posse de
escravos, foi possível organizar a seguinte tabela:
Tabela 5: Quantidade de escravos por lavrador – 1797
Fonte: Discripção do que contém o Districto da Vila de Santo Antônio de Sá de Macacu – 1797.
Estabelecendo-se a posse de 01 a 05 escravos como parâmetro na caracterização
de uma faixa de pequenos produtores escravistas para Macacu, alcança-se, num
universo de 649 lavradores, uma elevada porcentagem de 48,6%, ou seja, 316
produtores. Se observado este último número numa relação percentual com o total de
914 listados, constantes na Discripção.., chega-se a consideráveis 34,5 %.
Nº de
Escravos por
produtor
Nº de
Produtores
Total de escravos do grupo
00 206 00
01 90 90
02 80 160
03 66 198
04 44 176
05 36 180
06 23 138
07 19 133
08 17 136
09 08 72
10 16 160
11 13 143
12 03 36
13 04 52
14 05 70
15 03 45
16 02 32
17 01 17
19 01 19
21 03 63
22 02 44
23 02 46
24 01 24
27 01 27
31 01 31
34 01 34
41 01 41
TOTAIS 649 2.034
98
Extraindo-se da Tabela 5 essa faixa de proprietários de 1 até 5 escravos e
calculando-se os percentuais sobre o total de 649 Lavradores, é possível matizar com
cores mais vivas essas propriedades pequeno escravistas:
Tabela 6: Posse de 1 a 5 escravos por Lavrador - 1797
Fonte: Discripção do que contém o districto da Vila de Santo Antonio de Sá de Macacu
Destes, 90 (13,86%) possuíam apenas 01 escravo, seguidos de 80 (12,32%) que
detinham 02 escravos cada. Possuir apenas 03 escravos era a condição de 66 lavradores
(10,17%). Respectivamente, 04 e 05 escravos serão possuídos por cada um dos 44
(6,80%) e 36 (5,54%) Lavradores listados, perfazendo-se um percentual de 48,69%
sobre o total.
O grupo dos que não possuíam nenhum escravo, na categoria dos Lavradores
perfazia um total de 206 homens num percentual expressivo de 31,74%, quando
calculado sobre o número total de
Lavradores (649). Em relação ao total de homens e
mulheres presentes em toda a
Discripção..., ou seja, 914, esse percentual chega a
22,53%.
Tal condição por si constitui, dada a conjuntura que ora se analisa, ou seja,
de uma sociedade escravista, um referencial para identificação do status desses homens
e mulheres: gente possivelmente inserida num contexto de pobreza. Afora sua condição
de homens e mulheres livres, talvez pouco mais que isso deveriam possuir. Muitos
inclusive não dispunham sequer de terra para plantar. Dentre os 649 Lavradores, 438
(67,48%) aparecem na condição de sem-terra.
Esse quadro de sugestiva pobreza pode ser bem aquilatado através da tabela
abaixo:
Escravos por produtor 01 02 03 04 05 TOTAL
Nº de Produtores 90 80 66 44 36 316
% 13,86 12,32 10,17 6,80 5,54 48,69
99
Quantidade
produzida
Número de Lavradores e Percentuais
Açúcar % Farinha % Arroz % Milho % Feijão %
Nenhuma arroba
ou alqueire
565
87,06 86 13,25 508 78,27 535 82,43 533 82,12
1 a 3 alq. 01 0,15 00 00 00 00 03 0,46 07 1,08
4 a 6 alq. 10 1,54 03 0,46 11 1,70 28 4,31 34 5,24
7 a 9 alq. 04 0,62 09 1,39 14 2,16 13 2,00 11 1,70
10 a 12 alq. 11 1,70 42 6,47 20 3,08 24 3,70 32 4,93
13 a 15 alq. 01 0,15 10 1,54 05 0,77 06 0,93 03 0,46
16 a 20 aq. 16 2,46 123 18,95 26 4,01 22 3,40 18 2,77
+ de 20 alq. 41 6,32 376 57,94 65 10,01 18 2,77 11 1,70
TOTAIS
649 100,0 649 100,0 649 100,0 649 100,0 649 100,0
Tabela 7: Produção de gêneros pelos Lavradores - 1797
Fonte: Discripção do que pertence ao Districto da Vila de Santo Antonio de Sá de Macacu – 1797
(
A unidade de medida para o açúcar é a arroba. Para os demais gêneros, o alqueire).
Nota-se uma estratificação bem demarcada nesta categoria, onde a esmagadora
maioria de Lavradores declarou não ter produzido gêneros alimentícios. Destes, 565
(87,06%) não produziram nenhuma arroba de açúcar. Em relação ao arroz, não foi
produzido por 508 (78,27%) Lavradores. O milho, 535 (82,43%) e o feijão por sua vez,
não foi plantado por 533 (82,12%) dentre os 649 produtores listados pela fonte.
Registrou-se também a mínima produção de 34 alqueires de goma e apenas um
lavrador, Custodio Pereira da Silva, registrou ter produzido aguardente, com apenas 07
pipas, possivelmente o subproduto de suas 200 arrobas de açúcar.
O cômputo geral da produção oferece o seguinte quadro para essa categoria: a
farinha de mandioca, com 26.548 alqueires, segundo a fonte, foi o gênero mais
produzido, corroborando inclusive o que afirmou Schwartz a respeito de ser a farinha
uma produção dos mais pobres.
Enquanto somente 86 produtores não produziram farinha, o restante o fez em
quantidades muito parecidas, embora pequenas, considerando-se que a Discripção... faz
referência a apenas 01 ano de produção (1797). A tabela abaixo apresenta
destacadamente essa produção farinheira, revelando o caráter generalizado da
fabricação desse gênero alimentício na região, embora com uma baixa produtividade
por lavrador.
100
Tabela 8: Produção de farinha de mandioca (Alqueires/Lavradores)
Fonte: Discripção do que pertence ao districto da Vila de Santo Antônio de Sá de Macacu - 1797
Em seu conjunto, esses dados apontam um possível quadro de pobreza por parte
de significativo grupo de não proprietários de terras e escravos. Realidade
compartilhada por grande parte dos integrantes desta categoria. Condição esta que se
agrava ao levar-se em conta que, segundo a fonte, observa-se que muitos não chegaram
a plantar mais de um produto ao mesmo tempo. Por exemplo: havendo entre os 649
lavradores, 535 que não plantaram milho e, no mesmo grupo, 533 que não colheram
feijão, é evidente que, na intersecção entre esses dois conjuntos, deduz-se que muitos
não plantaram nenhum dos dois gêneros juntos.
É possível, portanto, visualizar-se o grupo dos pequenos produtores escravistas
do distrito da Vila de Santo Antônio de de Macacu. Estes homens pobres livres,
quiçá alguns libertos, relacionavam-se entre si e com os demais produtores das outras
duas categorias, imersos numa conjuntura socioeconômica caracterizada por profunda
concentração de riqueza, que pode ser expressa pela posse de escravos.
Dos 27 senhores de engenho, 24 deterão, individualmente, a posse de 14 até 95
escravos. Os donos de engenho menos “afortunados” serão apenas dois: Jerônimo
Gomes Pacheco, com 08 escravos e Francisco Xavier da Costa, com 09.
Totalmente atípico nesse grupo revela-se Antonio de Oliveira Braga: sozinho
ostentava a posse de 207 cativos, ou seja, 13,8 % do total de 1.499 escravos
pertencentes a essa categoria.
Na categoria dos donos de fabricas de farinha, 66 produtores constituirão a faixa
dos detentores de 1 a 5 escravos. Treze não dispunham de cativos e somente uma terá
Alqueires Nº de Lavradores Alqueires Nº de Lavradores
00 86 50 34
06 a 08 12 54 até 59 03
10 20 60 33
12 22 68 até 70 03
13 até 15 11 80 19
16 até 18 36 92 até 97 04
20 87 100 até 110 43
22 até 29 40 120 até 200 20
30 67 350 01
32 até 38 15 380 01
40 68 400 01
41 até 49 22 600 01
TOTAIS 486 - 163
101
90 cativos: uma das fazendas da Ordem do Carmo
172
, que é citada duas vezes na fonte:
como proprietária de engenho e como dona de fábrica de farinha, em propriedades com
áreas territoriais diferentes.
O engenho de açúcar, listado como Da Religião da Senhora do Carmo, era a
maior propriedade da região em extensão, com 02 léguas e 1.000 braças (2.200m) de
testada, por 01 légua de fundo (em torno de 101,64 km²). Possuía 70 escravos: 20
homens e 27 mulheres adultos e 23 crianças. Produziu 280 arrobas de açúcar e 80
alqueires de farinha. Em seu rebanho contava-se 37 bois, 05 vacas, 06 novilhos, 82
cavalos e 18 bestas. Não produziu arroz, milho ou feijão e não abrigava, em 1797,
nenhum agregado. Segundo Pizarro, nessa fazenda se encontrava a capela de Nossa
Senhora de Monserrate, fundada no ano de 1713 (...) em sítio distante oito léguas [da
Vila de Santo Antonio de Sá], pelo capitão Domingos Garcia, que não deixando filhos,
legou-a com a fazenda à Religião do Carmo.
173
Foi vendida anteriormente ao capitão
Domingos Garcia por Gaspar de Magalhães, segundo escritura no Livro de Tombo
carmelita, passada em 1717:
Escreptura de venda de terras q’ fes Gaspar de Magalhães a Domingos
Garcia q’ pertenssem a fazenda do Mons-Serate em Macacú. 1651.
Saibam quantos este p.co instrumto de Escriptura de venda de
Engenho virem que, no anno do Nascimto de Nosso Senhor Jezus
Christo de mil e seis centos e cincoenta e hum annos, e nos catorze
dias do mês de Abril do ditto anno em esta cidade de Sam Sebã.º do
Rio de Janeyro em pouzadas de Gaspar de Magalhaiñs, aonde eu t.am
fui, e sendo por elle e bem assim sua molher Catherina Roiz’, por
ambos juntos me foi dito em prezença das testemunhas ao diante
asignadas, que elle tinha hum Engenho de fazer asuquar no Rio de
Macacú da Emvocação N. ª Sr.ª do Mons-Serrate; o qual engenho
estava situado em quinhentas brassas de testada, que comessam donde
acabam duzentas brassas , que elles vendedores deram a seu genro
Fran.co Vieira, e acabam athe emtestar com Pedro Pinheiro com todo
o sertam q’se achar do Rio de Macacú athe o Rio de Imbuy, o qual
engenho e caza de engenho, e caldeiras, com huã caldeira e tres tachos
e sua bacia de Resfriar, e os coais meudos com desaseis bois de Roda,
e carro com coatro carros, trez vzados, e hum novo a moenda
172
A presença da Ordem do Carmo na região perpetuou-se na memória local. Existe atualmente a
Associação Agro-Brasil de Nossa Senhora do Carmo, fundada pelos atuais moradores da localidade onde
outrora se estabelecia essa fazenda. A povoação é mais conhecida pelo nome Agro-Brasil, devido ter sido
a área de propriedade da Agro-Brasil Empreendimentos Rurais S/A. Houve portanto, uma fusão desses
dois nomes para denominar a associação dos moradores do local, limítrofe à localidade de Papucaia, no 2º
distrito de Japuiba, em Cachoeiras de Macacu, e fazendo limite com o distrito de Sambaetiba, município
de Itaboraí.
173
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Memórias Históricas do Rio de Janeiro. Vol. II. RJ:
Imprensa Nacional, 1945, p.153.
102
chapeada, com tres aguilhoiñs de sobresalente, corenta e sete chapas
entre novas e velhas formão de tijolos os q’se acharem e tudo o mais
pertençente ao d.º engenho; o q’tudo atras declarado disseram
vendiam, como com efeito venderam a Domingos Garcia em presso, e
contia de quatro mil e quinhentos cruzados(...)
174
Em relação à fábrica de farinha, é citada na fonte como Fazenda dos Religiosos
do Carmo, que tinha 10,16 km² de área. Havia, em 1797, os citados 90 escravos, sendo
que 15 eram homens, 43 mulheres e 32 crianças (escravos pequenos). Ao que parece
uma escravaria ‘especializada’ na produção de farinha devido ao grande número de
mulheres. Produziu míseras 03 arrobas (45 kg) de açúcar, talvez para consumo próprio,
960 alqueires de farinha de mandioca, 100 de arroz e 30 de milho. Seu rebanho
constituía-se de 13 bois, 06 vacas, 03 novilhos, 11 ovelhas e 07 cavalos. Nessa fazenda
residiam 07 agregados.
A Discripção... trouxe dados que vieram contradizer pesquisas anteriores a
respeito de uma outra fazenda, a das Religiosas da Ajuda. Nessa fazenda, segundo a
fonte, havia 68 cativos e em seus 43,56 km² produziu 912 alqueires de farinha (27.565
kg), 100 de arroz e 30 de milho. Possuía, em 1797, 02 bois, 06 vacas, 06 novilhos e 14
ovelhas. Dados recolhidos das Visitas Pastoraes de monsenhor Pizarro indicaram que
nela situava-se uma capela, a de Sant´Ana, na
Fazenda chamada Japoahiba, hoje do Convento de N. Sra. D’Ajuda
desta Cidade, por doação e ttº [título] de dote de 3 filhas de Manoel
Ferreira da Silva, que alí professaram em 1759. Foi eréta por
faculdade do Ilmo. Sr., Bispo D. Fr. Antonio de Guadalupe, em
despacho de 22/4/1731 á requerimento do dito Manoel Ferreira da
Silva , e de sua mulher Mariana Rodrigues, passando-lhe Provisão de
ereção aos 3/9/1.732. (...). Tem patrimônio estabelecido na mesma
Fazenda, por escritura celebrada no ano de 1.732. Aqui faz-se uso de
Batismos, e de Santos Óleos para os Enfermos (...) Tem uso de
Sepulturas, das quais se utiliza grande parte da Freguesia com notável
prejuízo da Fabrica da Matriz, e dos direitos paroquiais, de que são
causa principalmente os RR capelães, que tem havido, e os
Administradores da Fazenda assalariados pela Me. Abadessa do
mesmo Convento.(...) Dista 1.1/2 leg. Ao NE da Matriz.
175
Pela concordância das datas, ou seja, a fazenda ter passado para a posse do
Convento da Ajuda em 1759, a visita de Pizarro ter sido feita entre 1794/95 e os dados
174
Tombo dos bens pertencentes ao Convento de N. Sa. do Monte do Carmo da capitania do Rio de
Janeiro.[s.d.] Convento de Nossa Senhora do Monte do Carmo. Loc. 02,2,14. 295 p. Biblioteca Nacional,
Rio de Janeiro.
175
ARAÚJO, 1795, Op. Cit.
103
da Discripção... de 1797, tudo indica ser esta a fábrica de farinha das ‘Religiosas da
Ajuda’ mencionada nessa última fonte.
Na tradição local da região de Macacu, ainda persiste no que esta capela, e
consequentemente a fazenda, foram pertencentes à Companhia de Jesus. Pesquisas
posteriores chegaram a considerá-la como de propriedade da Ordem do Carmo.
176
Entretanto, pareceu ser excessivo a região apresentar quatro propriedades
carmelitas.
177
A revisão oriunda dos dados apresentados pela Discripção... revelou que
as freiras em Sant´Ana pertenciam, na verdade, a uma congregação religiosa franciscana
para mulheres, a Ordem de Nossa Senhora da Conceição da Ajuda, instalada no
Convento da Ajuda, no Rio de Janeiro em 30 de maio de 1750.
178
Esclarecido esse pormenor, o retorno aos dados demonstra que a Ordem do
Carmo,
179
com suas três fazendas, era uma grande proprietária de terras em Macacu,
tendo, em conjunto, 111,80 km² de terras, a posse de 160 escravos (ainda assim, menor
que a escravaria de Antonio de Oliveira Braga), 50 bois, 11 vacas, 09 novilhos, 89
cavalos e 18 bestas. Produziu 283 arrobas de açúcar, 1.040 alqueires de farinha e 30 de
milho.
Adicionando-se a faixa de posse de 01 a 05 escravos por produtor nas duas
categorias - fábricas de farinha e lavradores - chega-se a um total de 1.010 escravos, ou
seja, 20,55% de um total de 4.913 cativos nessas duas categorias. Dentro do grupo
lavradores tomado isoladamente, subsistia inclusive um estrato mais rico formado por
12 proprietários que possuíam, individualmente, de 21 a 41 cativos.
176
Cf. CARDOSO, Vinicius Maia. Páginas da História Macacuana: de Santo Antonio de a
Cachoeiras de Macacu. Cachoeiras de Macacu: Trielli Editorações, 1995. 65 p.
177
O engenho de açúcar, a fábrica de farinha, mencionada e uma outra propriedade localizada ao norte da
freguesia de Santo Antônio de Sá, junto ao rio Guapiaçu e, equivocadamente, a Fazenda das Religiosas da
Ajuda.
178
Cf. Noticia da chegada das Religiosas que vierão da Bahia para fundarem o Convento de N. Senhora
da Conceição d’Ajuda na Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro este anno de 1749. Manuscrito,
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. (BN ms- II 34, 15, 45). Ver também site da Ordem Franciscana.
Disponível em: <http://www.franciscanos.org.br/provocacoes/concepcionistas/mosteiro.php > Acesso
em: 04 fev. 2009.
179
Existe referência a outra propriedade do Carmo para a Freguesia de Santo Antônio de Sá, como
comenta Pizarro a respeito da capela
da Senhora do Monte do Carmo, na Fazenda da Religião
Carmelitana. Não sei da sua fundação pela mesma causa apontada na capela de Santa Ana, da mesma
Religião, na Freguesia de Magepí. Achei-a muito asseada e bem paramentada pelo atual Fazendeiro Fr.
Inácio Gonçalves, que mostra ter sobre ela muito especial zêlo. Nesta o uso de Sepulturas. Dista da
Matriz [da Vila de Santo Antônio de Sá] 8 legoas
”. Cf. ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e.
Visitas Pastoraes. Freguesia de Santo Antônio de Cassarabu ou Macacu. 1795. Cópia datilografada do
original manuscrito. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro.
Na mesma fonte Pizarro listou os engenhos de açúcar. Entre estes, o “da Religião do Carmo, que terá
pouco mais de 40 escravos, e móe com bestas. Dista 8 legoas
”.
104
O último grupo que resta finalmente analisar é o dos agregados. Estes apenas
aparecem na fonte através da informação de sua quantidade referente a um determinado
senhor de engenho, fabricante de farinha ou lavrador. Por este motivo, não puderam ser
aqui classificados numa quarta categoria.
Barickman, em seu trabalho sobre o recôncavo baiano, discutiu a similaridade
que percebeu, na análise de suas fontes, entre os termos agregado e doméstico. Definiu
o termo agregado como o equivalente de um ‘morador de favor’: um indivíduo que
vivia de favor em terras alheias, mas que chefiava seu próprio fogo.
180
E doméstico,
como um sinônimo ou quase sinônimo de agregado, no sentido de um indivíduo
incorporado a um fogo.
181
Exatamente como no caso de Macacu, os censos fazem pouco mais que
enumerar os agregados e domésticos; não fornecem nenhuma informação direta sobre
as obrigações que os vinculavam a um fogo.
182
E ainda:
Mesmo no caso daqueles agregados e domésticos que trabalhavam
regularmente nas lavouras e faziam outros serviços em troca de casa e
comida, não está claro que devem ser vistos como fonte de mão-de-
obra não familiar. Faziam parte da unidade doméstica formada pelo
chefe do fogo e sua família; viviam juntos com o chefe e seus
familiares sob o mesmo teto; pelo menos nos fogos mais pobres,
certamente, participavam das refeições da família; e, muitas vezes, o
tipo de trabalho que faziam devia ser o mesmo realizado pelos
membros da família: parentes mais pobres ou filhos adultos que ainda
não tinham estabelecido seus próprios fogos. Portanto, seria razoável
argumentar que os agregados e domésticos serviam para aumentar o
‘fundo comum’ de mão-de-obra familiar disponível na unidade
doméstica.
183
Para Macacu não apareceu o termo doméstico, mas somente o de agregado. Não
foi possível saber se possuíam fogos próprios ou viviam nos dos proprietários a quem
deviam o favor da alimentação e moradia. Outra questão em aberto é se o número de
agregados listados para um respectivo nome na Discripção... se refere a indivíduos ou
ao chefe do fogo.
180
BARICKMAN, Bert Jude. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no
Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 219. ‘Fogo’ aqui tem o sentido de
‘unidade doméstica’.
181
Id., 2003, p. 219
182
Ibid., p. 219
183
BARICKMAN, 2003, op. cit., p. 220-221.
105
Tabela 9: Agregados em 1797
Fonte: Discripção do que contém a Vila de Santo Antonio de Sá de Macacu - 1797.
O maior grupo de agregados aparece relacionado ás propriedades de Lavradores,
indiciando o que Barickman define como sendo os agregados representando a
possibilidade de uma mão-de-obra adicional.
Infere-se que, dado o elevado número de livres pobres existente nessa categoria,
ou seja, de Lavradores, a aceitação de moradores agregados às propriedades que
poderiam ser também seus parentes - pode indicar realmente necessidade de braços
adicionais para o trabalho, pela absoluta impossibilidade que muitos deveriam ter em
comprar escravos.
Outra atividade também se constituiu como de importância na economia
macacuana:
Alem dos estabelecimentos referidos, que os Lavradores tem
formado para sua conveniência, que vem a ser o Assucar, a Farinha, o
Milho, Feijão e o Arroz, sendo estes gêneros os principaes o seo
Comercio, he o da factura das Madeiras hum dos negócios em q.
muito se empregão com o qual se faz mais vantajoza a sua negociação
pela utilidade q. da atracção d´ellas q. he grande e geral, não as
fazendo conduzir a Cidade, como vendendo nos seos Portos aos
Negociantes, ou atravessadores, assim chamados, com o qual gênero
se aumenta e se faz mais opulento o Comercio deste Districto.
184
Portanto, além da agricultura, a Discripção... faz menção a essa outra atividade,
que tinha papel relevante na economia da região de Macacu: a extração e comércio de
madeira, abundante e presente em variadas espécies. Essa atividade madeireireira,
apesar de ser, certamente, de muito difícil execução face as possibilidades tecnológicas
da época, assim mesmo atraía muitos extratores: Ella he de tal interece, q. sendo
184
Discripção, 1797, op. cit.
Categorias Agregados
Percentual
sobre total de
agregados
Senhores de engenho 27 47 15,9
Fabricas de farinha 238 64 21,6
Lavradores 649 185 62,5
TOTAIS 914 296 100,0
106
laborioza e pezada a sua factura, e conducção para os Portos de Embarque, nem por
isso deixão de continuar com as fabricar...
185
Cortar a machado, preparar e retirar as madeiras das matas puxadas por bois
devia ser trabalho realmente duro, mas os lucros compensavam. Levadas aos portos
fluviais, eram vendidas a negociantes que as vinham buscar, garantindo parte dos lucros
a esses “atravessadores”. O relatório do Marques do Lavradio, para o ano de 1778,
aponta a produção, sem indicar a capacidade de transporte, de 70 barcos de carvão, 400
de lenha e 150 de madeira de falquejo.
186
Na mesma Discripção... se encontra um detalhado levantamento das madeiras
existentes na região, apresentando seus nomes e utilidades,
não se fazendo menção de
outras de q. se não sabe os nomes e préstimos, q. por não haver necessidade não se tem
uzado dellas.
187
A respeito da biodiversidade da floresta, apesar das diversas espécies
citadas pela fonte, esta deveria ser com toda certeza, muito maior, que se listou o
que interessava de imediato ao comércio.
Leandro identificou, para a comarca de Paranaguá, no Paraná, que a madeira
constituía-se também como produto extrativo de valor capital e alvo de interesse - da
mesma forma que na capitania do Rio de Janeiro - das autoridades do setor naval. O
trabalho de retirada da mata era feito pelos pobres, que tinham aí outra forma de
garantir a sobrevivência.
Com efeito, para muitos lavradores pobres, ter acesso a boa madeira
(muitas vezes "de lei" e tirada freqüentemente nas matas nacionais)
significava o primeiro passo para a garantia da locomoção, fato
fundamental naquela sociedade em que os caminhos eram as águas.
Tirar madeiras do mato era costume comum, a despeito das proibições
desde o início da Colônia.
188
Segundo Cabral, sobre a atividade madeireira da capitania do Rio de Janeiro,
apesar de haver registros de extrativismo madeireiro no Vale do
Paraíba , na ilhas da Baía de Guanabara e na Baía da Ilha Grande, o
grosso da fibra lenhosa, ao longo do século XVIII, parece ter sido
extraído[a] das médias e altas porções das grandes bacias
hidrográficas da Baixada Fluminense como as do Macacu, do São
185
Id., 1797, op. cit.
186
Relações Parciaes Apresentadas ao Marquez de Lavradio. 8 de outubro de 1778. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB, Tomo 76, Parte I, 1913, p.295.
187
Relações Parciaes Apresentadas ao Marquez de Lavradio. 8 de outubro de 1778, 1913, op.cit, p.295.
188
LEANDRO, 2003, op.cit. p.276.
107
João, do Macaé e do Muriaé onde ainda remanesciam, pouco
modificados, vultosos estoques de Mata Atlântica primária.
189
Macacu era a campeã no fornecimento de madeira, mas também nos
desmatamentos. Cabral considera a extração de madeiras em Macacu atividade
realizada desde Martim Afonso de Souza, no século XVI, o que demonstra o aspecto de
abundância de espécies da região. Em 1678, Antonio de Muros possuía uma sesmaria de
duas léguas na região do rio Guapiaçu, afluente do Macacu. Esse rio localizava-se na
freguesia de Santo Antônio de - que se estendia da Vila de Macacu até a serra dos
Órgãos. Na medição das suas terras, o Livro de Tombo carmelita registrou o interesse
do capitão Antonio de Muros nas madeiras presentes na região do rio Guapiaçu:
fomos pelo dito Rio [Guapiaçu] acima uma légua pouco mais ou
menos e chegamos a um porto onde o dito Capitão Antonio de Muros
tem feito um sitio de fazenda, principiado com muitas bananeiras,
limeiras, feijões, fumo, carazais e outras mais plantas e muito taboado
o qual sitio está da parte esquerda do dito Rio indo por ele acima.
190
A atividade madeireira no setecentos era tão importante como a produção de
açúcar e farinha, com aquela tomando impulso após a criação do Arsenal de Marinha,
em 1763, no Rio de Janeiro
191
. Com esta criação, a madeira necessária ao
empreendimento foi encomendada às pessoas que assistem no termo de Macacu, e
costumam fazer negócio em madeiras, segundo o Conde da Cunha
.
192
Eram tão valiosas
as madeiras, que serviram como moeda de troca política.
Em 1800, o tenente de cavalaria do Rio de Janeiro, Francisco Marinho Machado,
encaminhou ao príncipe regente pedido de promoção a capitão das Ordenanças da Vila
de Santo Antônio de Sá. Machado apresentou suas qualidades como morar na vila,
aonde possue hum grande Engenho de Assucar (...) e alem disso ao que tem feito à Sua
Real Fazenda contribuindo com muitas Madeiras para o Arsenal do Rio de Janeiro,
fazendo-as conduzir a elle á sua custa.
193
Ao que parece obteve a mercê: em 1805,
189
CABRAL, Diogo de Carvalho. A bacia hidrográfica como unidade de análise em história
ambiental
. Revista de História Regional.12 (1):133-162, Verão, 2007.
190
Livro de Tombo dos bens pertencentes ao Convento de Nossa Senhora do Carmo da Capitania do Rio
de Janeiro. Sesmarias. Catálogo I-32,3 , 1571- 1729. Seção de Manuscritos. Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro.
191
CABRAL, 2007, op. cit. p. 147
192
Id., 2007, p. 147
193
Requerimento do tenente de Cavalaria Auxiliar do Rio de Janeiro, Francisco Marinho Machado, ao
príncipe regente [D. João], solicitando nomeação por decreto no posto de capitão-mor das ordenanças da
vila de Santo Antônio de 22 de dezembro de 1880. Documento 90309 AHU-ACL-N- Arquivo
108
uma fonte apresenta Marinho Machado no posto de capitão-mor do Terço das
Ordenanças da Vila de Macacu.
194
Mapa 6: Distritos produtores de taboados na Capitania do Rio de Janeiro - 1778
195
Fonte: A bacia hidrográfica como unidade de análise em história ambiental - 2007
O mapa apresenta, com base no ano de 1778 (o mesmo ano do Relatório do
marquês do Lavradio), uma estimativa da intensa extração de madeiras em Macacu,
apesar de sua diminuta extensão se comparada a Campos dos Goytacazes, por exemplo.
Enquanto Campos dos Goytacazes e Angra dos Reis (áreas 2 e 3), que
abrangiam uma grande área, produziram juntas 19.920 tábuas (1.660 dúzias); de
Macacu (área 1), isoladamente, se extraíra de uma área com cerca de ¼ da extensão da
anterior, 18.000 tábuas (1.500 dúzias). Somente uma comprovada abundância em
madeiras pode explicar tal regime extrativo.
histórico Ultramarino Rio de Janeiro. Disponível em <http://www.cmd.unb.br/resgate/resultado-
pesquisa.jsp>. Acesso em 22 novembro 2008
194
Requerimento do alferes da Companhia do capitão Alexandre Álvares de Castro do Terço das
Ordenanças da vila de Macacu, Joaquim Ferreira da Silva, do qual é capitão-mor Francisco Marinho
Machado, por seu procurador Manoel Lourenço Monteiro, ao príncipe regente [D. João], solicitando
confirmação da carta patente no dito posto, vago por promoção de Antônio da Costa Sousa a tenente. 23
de dezembro de 1805. Documento 92523 AHU-ACL-N- Arquivo Histórico Ultramarino - Rio de Janeiro.
Disponível em <http://www.cmd.unb.br/resgate/resultado-pesquisa.jsp>. Acesso em 22 novembro 2008.
195
CABRAL, 2007, op. cit. p. 133-162
109
Outra forma de comércio era o realizado nas vendas de beira de estrada ou nas
localidades. Uma economia, entretanto, realizada não exclusivamente pela compra com
dinheiro em espécie, mas também à base de troca entre os lavradores e os comerciantes,
estes recebendo madeiras e alimentos em troca de outros produtos.
196
Tal condição pode
indicar uma baixa circulação de moeda na região, sendo esta falta remediada pela
melhor “moeda” que possuíam os lavradores: seus produtos agrícolas.
197
Além das madeiras e dos produtos comprados ou trocados nas vendas, a
população explorava também outras formas de subsistência e comércio como a
produção ‘caseira’ de aves, ovos, crias de quintal e algum fumo.
198
Também nas Aves domesticas e Ovos fazem o seu interece alguns
destes moradores, principalmente as mulheres, por serem as q. cuidam
mais na criação dellas, em as vender aos Quitandeiros q. vem a este
lugar e em as mandar a Cidade, e outros também percebem algum
lucro na vendage de alguns Porcos e Carneiros; como também do
Fumo, formado em Molhos, a q. chamão Fumo de folha.
199
Trabalhavam na região homens especializados em várias atividades tais como
serradores e taverneiros, mencionados também na Discripção... Aqueles encontravam-
se divididos em atividades ligados ao setor madeireiro: 10 carpinteiros, 03 marceneiros
e 02 tamanqueiros.
Um aspecto, apesar de ainda obscuro pela ausência de informações, está na
mão-de-obra utilizada para o manejo de toda essa madeira. Na Discripção..., o conjunto
dos 55 indivíduos classificados como serradores detinham a posse, em conjunto, de
apenas 07 escravos. Uma possibilidade é inferir que esse setor da economia macacuana
contratava trabalhadores para esse tipo de tarefa. Talvez este fosse um tipo de trabalho
sazonal, levado a cabo quando da encomenda de uma determinada partida de madeiras
para um fim específico.
Indício de que indígenas eram contratados para esse trabalho e em caráter
sazonal, se através da Informação sobre o transporte de madeira nas regiões de
Macaé, Cabo Frio, Cantagalo, cabeceiras de Macacú e Guapi, informando a
necessidade de ordens ao vice-rei do Estado do Brasil, [conde Resende, D. José Luís de
196
CABRAL, 2007, op. cit. p. 133-162
197
A respeito dessa questão monetária na Colônia ver artigo de Antonio Carlos Jucá de Sampaio
intitulado “Crédito e circulação monetária na Colônia: o caso fluminense, 1650-1750” Disponível em
<http://www.abphe.org.br/congresso2003/Textos/Abphe_2003_75.pdf> Acesso em 13 abril 2008.
198
Discripção, 1797, op. cit
199
Id., 1797, op. cit.
110
Castro] para que os capitães-mores dêem todo o apoio; e que se paguem as despesas
que se fizerem com os índios e negros no manejo do trabalho, existente no Arquivo
Histórico Ultramarino
200
.
No setor de ‘serviços’, atuavam 04 ferreiros, 02 pedreiros, 03 alfaiates, 03
sapateiros, 01 calafate, 01 latoeiro e 01 cabeleireiro. Exceto Francisco José da Silva,
sapateiro, casado e com um filho menor, e que possuía um lote com 4.840 m², nenhum
deles apareceu como possuidor de terras. Escravos, muito poucos, havendo 20 cativos
para todo o grupo de 30 ‘oficiais’.
Sobre os taverneiros, a
Discripção... enumera 66 indivíduos que exerciam essa
atividade e possuíam, em conjunto, 166 cativos. Desses, 17 (25,75%) não possuíam
nenhum escravo. Os maiores taverneiros donos de cativos eram Manoel João e
Francisco de Abreu, com 17 escravos cada um. O primeiro era viúvo com 04 filhos
adultos (03 homens e 01 mulher) e proprietário de um lote com 6,53 km². Produziu com
seus escravos 20 alqueires de farinha (604,5 kg), 60 de feijão (1.813,5 kg), 40 de arroz
(1.209 kg) e 100 de milho (3.022,5 kg). Possuía um rebanho de 06 vacas, 12 ovelhas e
02 cavalos.
Francisco de Abreu era casado, 04 filhos (01 homem e 03 mulheres). Não
produziu nenhum cereal naquele ano e possuía 04 bois, 03 vacas, 02 novilhas e 04
cavalos. Seu terreno possuía uma área de 1,66 km². Por sua vez, Gabriel Martins,
solteiro, possuía 05 cativos. Destes, somente 02 eram homens adultos. Sua produção
agrícola foi a maior de todos os taverneiros tomados isolados, calculada em 100
alqueires de farinha, a mesma medida de feijão e arroz e 90 de milho. Sua propriedade
tinha uma área de 2,90 km².
Pode-se inferir que esses taverneiros proprietários de terras poderiam produzir os
gêneros que comercializavam ou mesmo arrendar suas terras para essa produção.
Para tração, transporte, produção de carne e leite, segundo a
Discripção... havia
na região considerável número de bovinos, ovinos, caprinos, eqüinos e muares, os quais
aparecem enumerados na fonte: 1.821 bois, 1.186 vacas, 590 novilhos, perfazendo um
total de 3.597 bovinos; 855 carneiros e ovelhas, 839 cavalos, 565 bestas muarese 32
poldros.
200
Cf. Arquivo Histórico Ultramarino. AHU-ACL-N-Rio de Janeiro. Documento 88717. 12 de agosto de
1797. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate..> Acesso em: 31 dez. 2008.
111
Em suma, uma economia diversificada e dinâmica, integrada às características
do ambiente e organizada numa conjuntura social de base agrária e escravista.
Analisada a produção de açúcar, gêneros alimentícios e da conjuntura social que
acompanha essa estrutura produtiva, no item seguinte, um outro produto terá maior
destaque, tendo servido tanto para obtenção de lucros, como na busca nem sempre
frutífera, como se verá, de sinais de distinção pessoal: as madeiras.
3.4. E receberá mercê: madeiras e busca pelo prestígio no interior da elite
macacuana
O citado Antônio de Oliveira Braga, proprietário da Fazenda Papucaia (ou
Colégio), em Macacu, não tinha a produção de açúcar como única atividade econômica.
Além de ser produtor de farinha
201
, envolvia-se na extração e comercialização de
madeiras das suas preservadas matas em Macacu. Através de dois pequenos estudos de
caso, buscar-se-á demonstrar a importância da madeira e sua retirada das florestas
macacuanas. Apesar da abundância de espécies vegetais existentes, pelo que apresenta a
Discripção..., não era atividade isenta de conflitos. Em 31 de julho de 1800 escrevia o
Intendente da Marinha José Caetano de Lima:
Pelo q pertence ao Corte das Madeiras da Papaocaya ou Collegio em
Macacú. Este Corte se faz nas grandes Matas q deixarão quaze
intactas os Jesuítas possuidores da Faz. chamada Papaocaya, a qual
pertence a Antônio de Oliveira Braga. Haverá huma legua na maior
distancia q vay desde lugares em que se tem Cortado Madeiras, athe o
Rio Macacú., onde ligadas aos lados das Canôas rodão athe a sua
confluencia com o Rio Guapiguasú, para daly serem conduzidas em
Barcos, athe esta Cidade(...)
202
O trecho integra documento dirigido a d. Rodrigo de Souza Coutinho, voltado
para a retirada de madeira na “Papaocaya ou Collegio em Macacu”, tratando dos
201
Segundo a Discripção..., Braga produziu, em seu engenho, 400 alqueires de farinha no ano de 1797, o
que corresponde a 12.090 kg do produto.
202
Oficio do intendente da Marinha José Caetano de Lima, datado do Rio de Janeiro à 14 de Agosto de
1800 e dirigido a d. Rodrigo de Sousa Coutinho, sobre objetos relativos aos cortes de madeira de
construcção nas mattas da Posse e da Papaocaya ou Collegio, nos districtos de Tapacurá e de Macacú. Rio
de Janeiro, 1800 Cópia. Manuscrito. 7,4,55 – Seção de Manuscritos – Biblioteca Nacional
112
procedimentos para extração, sob a coordenação local do alferes Antonio de Amorim
Lima.
As madeiras seriam cortadas, na área mais distante, a seis quilômetros (cerca de
01 légua) mata adentro. O governo colonial, segundo o tom do discurso no documento,
praticamente impôs aos senhores de engenho a cessão do necessário recurso para o
transporte dessas madeiras às margens dos rios, por onde desceriam até o Rio de
Janeiro: os seus bois.
A Administração dos mesmos Cortes e da Condução das Madeiras
está confiado por V. Ex.ª ao Alferes Antonio de Amorim Lima,
official q. pela sua actitude, honra e zelo no desempenho de sua
Comissão tem merecido de V. Excia. as mais honrosas expreções.
Com tudo sendo como he, muito mais fácil o transporte das ditas
Madeiras por terra, do q. as da Posse, elle encontra iguaes
difficuldades em falta de Boys, que as Puxem, por não se cumprirem
segundo diz elle, exactamente as respeitáveis ordens de V. Exª sobre
esta matéria.
203
O documento expõe o método para se obter dos senhores a cessão de seus
bovinos:
No Districto de Macacu, onde poucos Senhores de Engenho
muitos Lavradores de diversos gêneros, menos Boys de Carros, do
que no de Tapacura. Com tudo são bastantes para se fazer o transporte
das Madeiras (...)se faz necessário que o Coronel de Miliciais do
Districto e o dito Alferes Antonio Amorim formem cada hum seu
Mappa de todos os Senhores de Engenho e Lavradores que possuírem
Boys de Carro para V. Excia. Mandar a vista de ambos os Mappas
formar outro em q. com atenção á Possibilidades e distancias em q.
viverem os donos dos Boys se destribua com igualdade por todos, o
Real Serviço, ao qual ninguém se recuzará conhecendo que nem o
Ódio nem a amizade tem parte naquela destribuição. Por este Mappa
(...) deve servir de norma impreterível ao dito Alferes Amorim, o qual
alem do hábil Sargento q. lhe está subordinado, deve ter mais hum ou
dous Soldados para os Avisos que se devem derigir aos donos dos
Bois.
204
Percebe-se aqui o conflito de interesses existente entre os senhores de engenho
do Macacu e as autoridades coloniais ‘por não se cumprirem segundo diz elle [o
203
Oficio do intendente da Marinha José Caetano de Lima..., 1800, Op. Cit.
204
Id., 1800, op. cit.
113
alferes], exactamente as respeitáveis ordens de V.Exª sobre esta matéria’
205
, no tocante
à cessão dos bois chamados “de carro”, ou seja, para tração de cargas.
Bois eram imprescindíveis para o trabalho nos engenhos, “tratores vivos”,
transportando a cana das plantações para as moendas, a lenha para as fornalhas, além de
outros trabalhos e de igual importância também para pequenos plantadores de cana.
Esses lavradores, que não possuíam moendas e muitas vezes nem terras,
precisavam transportar sua produção para atender aos senhores de engenho, de quem
recebiam, após o processo de moagem e feitura do açúcar, apenas uma parte do produto,
além da aguardente, subproduto daquele processo de produção. Parece, entretanto, que o
problema em si não era exatamente retirar madeira das matas de Macacu:
Esta plantação [da cana] se faz nas terras mais fracas nos mezes de
Janeiro, Fevereiro e principalmente em Março e nas mais fortes, he
em Agosto, Setembro e Outubro e a sua Colheita principia se a fazer
de Mayo ou Junho do anno q. se segue até Outubro, q. são os mezes
de maior rendimento deste fruto..
.
206
Aí a provável origem do conflito! Não no fornecimento de madeiras, abundantes
e presentes nas matas de um único dono, Antonio de Oliveira Braga. O da questão
parece ter sido a cessão dos preciosos bois de carro para transporte das madeiras nos
meses de colheita e moagem, que o documento referente ao fornecimento dos
bovinos foi escrito em finais de julho, durante a colheita.
A Coroa, representada pelos interesses da Intendência da Marinha e com recurso
à autoridade de d.Rodrigo de Sousa Coutinho (1755-1812), Secretário de Estado da
Marinha e Domínios Ultramarinos, procurou garantir aos senhores condições favoráveis
no sentido de que se destribua com igualdade por todos, o Real Serviço, propondo total
isenção do Estado por preferências, já que nem o Ódio nem a amizade tem parte
naquela destribuição.
Schwartz, em seu trabalho sobre os engenhos de açúcar na Bahia para o período
colonial, escreveu sobre as complexas relações sócio-econômicas existentes entre
senhores de engenho e lavradores.
207
Estes, tanto poderiam arrendar terras a um
determinado senhor ou possuir terras próprias, o que dava a eles lavradores,
possibilidades de negociar frente às pesadas condições impostas pelos senhores de
205
Ibid.
206
Discripção…, 1797, op. cit.
207
SCHWARTZ, 1988, op. cit. p.247.
114
engenho aos arrendatários (50% do açúcar produzido). Os lavradores livres mais
poderosos também negociavam a primazia da moagem, cessão de bois e outras
particularidades do negócio.
208
Esse autor dissertou também sobre os riscos existentes em atrasos no processo
de produção do açúcar, e que seriam assaz prejudiciais, tanto no retardamento do
processo de produção, podendo a cana sair do ponto ideal do caldo por amadurecimento
do fruto ou perder-se a que estava colhida, comprometendo-se toda a safra. E cita
palavras de Santos Vilhena:
O triste lavrador, que em menos de uma semana
perdido o trabalho de mais de um ano.”
209
Semelhante risco aos senhores de engenho e lavradores se tornaria dor de cabeça
para as autoridades, problema que parece ter ‘estourado’ nas mãos do alferes Antonio
de Amorim Lima, o qual alem do hábil Sargento q. lhe está subordinado, deve ter mais
hum ou dous Soldados para os Avisos que se devem derigir aos donos dos Bois.
210
Essa insignificante força militar, ao que parece formada no intuito de simbolizar
o poder do Estado frente aos senhores e possivelmente garantir a vida do alferes -
deveria comunicar aos proprietários a cessão de seus imprescindíveis bois de carro, ao
qual ninguém se recuzará.
211
É plausível relativizar, o que não representa nada de inaugural na historiografia,
a tese da inquestionável autoridade do Estado moderno absolutista, dado o cuidado na
abordagem feita a esses senhores locais.
Homens de poder econômico e político, simbolizado por suas terras, escravos,
títulos e cadeiras nas Câmaras Municipais, a quem a Coroa nem sempre pôde impor
inteira vontade, a ponto do Intendente da Marinha buscar oferecer garantias aos
senhores, num trecho do documento que soa mais como argumento favorável aos
proprietários dos bovinos junto ao vice-rei, do que no exercício de submetê-los a uma
tácita obediência.
O Estado reconhecia sua fragilidade nessa particular questão que He de toda
razão e justiça q. os Boys que morrerem por cauza do trabalho das conduções das
madeiras sejão pagos pelo seu justo valor a custa da Fazenda Real.
212
208
SCHWARTZ, 1988, p. 247.
209
Id., 1988, p.256
210
Ofício do intendente da Marinha José Caetano de Lima, 1800, op. cit.
211
Id., 1800.
212
Ibid.
115
Mais um problema para os senhores e lavradores de cana: dada a tarefa de se
cortar toras de madeira que deveriam ser arrastadas pelos bovinos por quilômetros na
mata virgem, os senhores tinham nas promessas dos representantes do Estado o único
alento para a reposição de bois que certamente se perderiam no árduo trabalho.
Promessa que aparenta ser menos um compromisso firmado do que mera recomendação
para que se estabelecesse tal comprometimento.
E ainda se descortina novo problema: quem emprestaria bois que iriam tracionar
as toras de madeira mais pesadas ou nos piores trajetos, possivelmente mais íngremes e
de maior distância na mata? A recomendação de
que nem o Ódio nem a amizade tem
parte naquela destribuição
na quantidade e local de uso dos bois, pode indicar a difícil
divisão, agravada pelo fato do tecido social, ainda naquele período, se constituir
inserido nos quadros mentais de rígida hierarquia dada pelo prestígio e posição social,
aos moldes de uma sociedade de Antigo Regime.
Não foi possível, por ausência de fontes, confirmar se a intenção da Intendência
da Marinha em recolher a madeira foi coroada de êxito, mas outro documento, a Carta
régia a D. Fernando José de Portugal vice-rei e capitão general do Estado do Brasil
autorizando cumprimento das medidas propostas pelo Intendente da Marinha José
Caetano de Lima relativas ao corte da madeira de construção nas matas da Posse e da
Papucaia ou do Colégio, distritos de Itapacorá e Macacu, escrita em Lisboa e datada de
05 de Janeiro de 1801, confirma ao menos a intenção do Estado em fazer valer a sua
autoridade.
213
Outras fontes, do Arquivo Ultramarino, e também da Seção de Manuscritos da
Biblioteca Nacional, trazem não a importância da extração da madeira da região de
Macacu, bem como a ligação desta atividade às possibilidades de ascensão social. Nos
relatos que se seguirão, pode-se perceber que as relações existentes no exercício da
economia do bem comume da economia do domeram produzidas e reproduzidas na
busca da melhoria de status. Tentativas vitoriosas e outras, nem sempre coroadas de
êxito.
Um caso é o de Francisco José Marinho, na busca de uma promoção no serviço
militar através de requerimento encaminhado ao príncipe regente D. João, em dezembro
de 1800:
213
Ofício do intendente da Marinha José Caetano de Lima, 1800, op. cit.
116
Diz Francisco Marinho Machado, Tenente da Cavallaria Auxiliar do
Rio de Janeiro, filho do Cappam do mesmo Regimento Francisco
Marinho Machado, que elle desejando imitar ao dito seu Pay e aos
mais seus Ascendentes, que sempre se empregarão e destinguirão no
Real Serviço assentou Praça voluntariamente e continuou no mesmo
Serviço, hoje doze annos, com tal actividade e inteligência,
promptidão e zello, que mereceo o Posto de Tenente aq foi
sucessivamente promovido, depois de ter sido Cabo de Esquadra e
Alferes e captivou de tal modo com a sua prudência, limpeza de
maons e Christaos procedimentos, a benevolência dos Moradores da
Villa de Santo Antonio de Sá, aonde tem a sua Caza, e aonde possue
hum grande Engenho de Assucar, que a Camara daquella Villa o
propôs; em primeiro lugar para o Posto de Sargento-Mor das
Ordenanças daquella Villa como consta do Documento junto, q He a
melhor Attestação que o Sup.e pôde produzir da sua idoneidade e
bondade.
214
O postulante apresentou os seus feitos, buscando adquirir sua mercê: havia sido
bom militar e angariado promoções por boa conduta e tinha o apoio da Câmara da Vila
de Santo Antônio de onde era morador e senhor de engenho. Na lista de seus feitos,
Machado deixou para o final a menção de sua doação em madeiras para a fazenda Real,
além de um forte argumento:
Recorre a V. A. R. para que tendo concideração ao Serviço Militar do
Sup.e, e alem disso ao que tem feito á Sua Real Fazenda,
contribuindo com mtas Madeiras para o Arcenal do Rio de Janeiro,
fazendo-as conduzir até elle á sua custa, e bem assim a sua idoneidade
pessoal, authorizada com a proposta da Camera, se digne honrado
nomeando-o Capitão Mor Aggregado das Ordenanças daquella Villa
de Santo Antonio de Sá; pois que ao mesmo tempo que V. A. R. com
esta Promoção o anima a continuar com mais gosto no Real Serviço
premiando-lhe o que já tem feito nenhum prejuízo se segue desta
Graça nem á Real Coroa nem á Real Fazenda, nem a Terceiro.
O suplicante deixou bem claro que a Fazenda Real teria a ganhar se lhe
atendesse o pedido, animando-o a seguir com mais gosto no Real Serviço. Francisco
Marinho Machado teve sucesso em seu intento, que aparece em requerimento de
1805, enviado ao príncipe regente de Portugal (D. João) por João da Costa Cardoso,
214
Requerimento do tenente de Cavalaria Auxiliar do Rio de Janeiro, Francisco Marinho Machado, ao
príncipe regente [D. João], solicitando nomeação por decreto no posto de capitão-mor das Ordenanças da
vila de Santo Antônio de Sá. AHU-Rio de Janeiro, cx.171, doc. 119. AHU-ACL-CU_017, Cx. 188, Doc.
13618.
Arquivo Histórico Ultramarino, 22 de dezembro de 1800. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/folhearDocumento.jsp?iddoc=90309&idimg=1186205&pagina=1>.
Acesso em: 21 fev. 2009.
117
com o solicitado posto de Capitão Mor das Ordenanças da Vila de Santo Antônio de
Sá.
215
Entretanto, outro caso não apresenta uma história de êxito. Vicente Jose
Marinho Machado, que embora apresente o mesmo sobrenome de Francisco Marinho
Machado, não foi possível estabelecer qual grau de parentesco havia entre os dois, era
senhor de engenho na freguesia da Santíssima Trindade, em Macacu e havia recebido
do rei importante privilégio: o Hábito de Cavaleiro da Ordem de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Por um requerimento, datado de 1821, tinha a intenção de conseguir para o filho,
Marcos da Costa Falcão, a mesma mercê:
Senhor.
Diz Vicente Jose Marinho, Cavalleiro Professo da Ordem de Christo,
estabelecido com Engenho d´assucar, de que he proprietário no
Districto de Macacu, que lhe tem servido a V. A. Real com honra e
préstimo, tendo feito (além de outros serviços) Donativos de Madeiras
ao Arsenal Real do Exército desta Corte e ao Arsenal Real da Marinha
(...) em os annos de 1811 e 1813(...) e porque V. A. Real não deixa de
premiar e distinguir aos seus fieis Vassalos que tanto se distinguem
com taes serviços, e confiado na Real Grandeza e alta Munificência de
V. A Real, supplica a Mercê do mesmo Habito de Christo pª seu único
filho Marcos da Costa Falcão, Alferes do Regimento de Cavallaria
de Milícias da Corte, que também se acha estabelecido naquelle
Districto.
216
Marcos da Costa Falcão, filho de Vicente José Marinho Machado, era um dos 27
senhores de engenho de Macacu segundo a
Discripção... Sua propriedade, de 39,2 km²,
produziu naquele ano com o trabalho de 71 cativos, entre homens, mulheres e crianças,
1.541 arrobas de açúcar (23.115 kg), 30 pipas de aguardente e respectivamente 160
(4.836 kg), 100 (3.025 kg) e 30 (906,7 kg) alqueires de farinha, feijão e milho. Possuía,
em 1797, 50 bois, 30 vacas, 20 novilhos, 06 ovelhas e 05 cavalos. Residiam na sua
propriedade, 10 agregados. segundo o relatório do Lavradio (1778), o engenho de
215
Requerimento de João da Costa Cardoso, por seu procurador Antônio Lopes Soares, ao príncipe
regente [D. João], solicitando confirmação da carta patente no posto de tenente da Companhia da
meia Brigada de Cavalaria de Milícias do Rio de Janeiro, do qual é chefe o brigadeiro Joaquim José
Ribeiro da Costa, vago por promoção de Francisco Marinho Machado a capitão-mor das Ordenanças da
vila de Santo Antônio de Sá. AHU-Rio de Janeiro, cx. 221, doc. 27. AHU-ACL-N-Rio de Janeiro. Doc.
92181, 25 de maio de 1805. Arquivo Histórico Ultramarino. Disponível em:
http://www.resgate.unb.br/resgate/folhearDocumento.jsp?iddoc=92181&idimg=1202953&pagina=1
Acesso em: 21 fev. 2009.
216
Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando mercê do Habito da Ordem de
Cristo. Solicita também certidão das madeiras remetidas gratuitamente para o Arsenal da Marinha situado
na Freguesia da Santíssima Trindade da Vila de Santo Antonio de de Macacu.1809-1827.19
doc.Original manuscrito.Catálogo C-0266,006. Seção de Manuscritos – Biblioteca Nacional.
118
Falcão havia sido feito a 3 annos faz 26 caixas de Asucar
217
, 15 pipas de agoa ardente,
tem 48 Escravos.
218
Tendo como correta a informação do mestre de campo Alexandre Alvares
Duarte e Azevedo, que confeccionou o relatório do Lavradio, o engenho de Falcão
havia sido instalado na região por volta de 1775. Quando em comparação com os dados
de 1797, infere-se um sólido crescimento da sua atividade açucareira na região, que
aumentara sua produção de açúcar em 631 arrobas, passando de 910 para 1.541 arrobas
do produto, dobrara sua produção de aguardente e para tanto, adquirira mais 23
escravos. Entretanto, um crescimento lento, levando-se em conta que uma diferença
de 19 anos entre os dois anos-base das informações.
No conjunto de fontes existentes acerca do caso, encontram-se anexos
documentos comprobatórios dos feitos do pai de Marcos da Costa Falcão. Entre estes, a
cessão das dependências de seu engenho para abrigar suíços que passaram pela região
em direção à localidade do Morro Queimado, mais tarde Vila de Nova Friburgo
219
e
uma grande doação de madeiras para a Intendência da Marinha, no Rio de Janeiro.
Dando ‘corpo’ à petição, foram anexados recibos das partidas de madeira enviadas por
Marinho ao Arsenal
220
e referências de autoridades a respeito de sua fidelidade à Coroa.
Referenciando Marinho estava o capitão de fragata e cavaleiro da Ordem de São
Bento de Avis, Joze Caetano Filgueiras Negrão; o Cavaleiro da Ordem de Cristo,
desembargador da Casa de Suplicação e Juiz de Fora das Vilas de Santo Antonio de
e Magé, Sebastião Luiz Pinheiro da Silva e Joze Constantino Lobo Botelho, cavaleiro
na Ordem Militar de S. Bento de Aviz e coronel do Regimento de Infantaria de
Milícias da Corte.
217
Cada caixa com 35 arrobas dá uma produção de 910 arrobas, ou 13.650 kg de açúcar.
218
Relações Parciaes Apresentadas ao Marquez de Lavradio. 8 de outubro de 1778, 1913,.op. cit, p.293
219
João Raimundo de Araújo problematizou a fundação daquela colônia no início do século XIX, tendo
como base a comemoração do centenário da sua criação: “Não se tratava de festejar os 100 anos a
chegada dos colonos suíços à região da antiga fazenda do Morro Queimado. Tratava-se sim, de
comemorar, de festejar, o Centenário da assinatura do acordo realizado entre o rei do Brasil D.João VI e
Nicolau Gachet que se encarregaria da seleção e do transporte dos futuros colonos. (...) Festejava-se sim,
o aniversário da criação de uma colônia sem colonos. Os primeiros colonos somente começaram a chegar
a Nova Friburgo em janeiro de 1820.” (Cf. ARAÚJO, João Raimundo de.
Nova Friburgo: a construção
do mito da Suíça Brasileira
(1910-1960). Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2003, p. 157).
Disponível em: <www.bdtd.ndc.uff.br/tde_busca/processaArquivo.php?codArquivo=2168 > Acesso em:
13 abr. 2008.
220
A doação em madeiras de Marinho compunha-se, segundo as fontes, de “setecentos paos entre vigas e
Estacame, trezentos Pranxões e trinta e seis dúzias de Remos
”. (Cf. Oficio do intendente da Marinha
José Caetano de Lima, 1800, op. cit.).
119
Vicente José Marinho empregara toda sua história de prestígio para tentar obter
a mercê, através do “empréstimo” de seus feitos ao filho. Joze Caetano Filgeiras
afirmava que,
o dito Marinho fez promptificar com muito zelo e inteireza, fazendo
escolha da melhor madeira, preferindo corta-la nos seos Matos e
empregando seos Escravos e Boyadas na conducção de muitas e todo
este Serviço sem despeza algua da Real Fazenda antes sim em
grandíssimo detrimento seu.
221
Sebastião Luis Pinheiro da Silva confirma Marinho como pessoa influente na
sociedade:
Attesto e faço certo que o Tenente Vicente Joze Marinho se acha
actualmente servindo o Cargo de Vereador mais velho na Câmara
desta Villa e como tal por duas vezes tem servido de Juiz pella Ley em
minha auzencia tendo sido sempre comportado com honra, zello e
actividade e dezinteresse, o que sendo necessário Juro pello Habito
que professo e por me ser esta pedida a passei nesta villa de Santo
Antonio de Sá. 24 de Dezembro de 1811.
222
Jozé Constantino Lobo Botelho confirmou que a mercê de Marinho havia sido
concedida por volta de 1810:
E como no fim de 1809 a princípios de 1810, já aquele trabalho estava
muito adiantado e parte daquelas madeiras postas beira rio para serem
exportadas ao Rio de Janeiro, e he provável que agora tenha
completado a sua brioza offerta, se faz por isso digno de merecer da
Real e Illimitada Grandeza do Príncipe Regente Nosso Senhor aquelas
Mercês e Graças com que o Mesmo Augusto Senhor costuma premiar
os seus beneméritos Vassalos, que com tanta distinção se empregão no
Seo Real Serviço.
223
Marinho obtivera seu Hábito através dos serviços prestados ao rei. No seu
exercício da economia do dom, pelos seus feitos realizados em benefício do ‘bem
comum’, angariara a ambicionada mercê. Agora, com atestados passados por pessoas
influentes, tentava ferrenhamente estender o privilégio ao filho.
O que significava obter um Hábito da Ordem de Cristo? Krause explica:
221
Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando mercê do Habito da Ordem de
Cristo. 1809-1827, op. cit.
222
Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando mercê do Habito da Ordem de
Cristo. 1809-1827, op. cit.
223
Id., 1809-1827, op. cit.
120
A Ordem de Cristo era uma ordem religioso-militar portuguesa sob o
controle da Coroa desde finais do século XV, domínio este
consolidado em meados do XVI. A partir deste período, o hábito de
Cavaleiro da Ordem de Cristo – honraria nobilitante
acompanhada de um pequeno rendimento monetário (tença) e
importantes privilégios
jurídicos e fiscais passou a carregar o significado de leal e honrado
servidor da monarquia. Para ser admitido nesta Ordem, era necessário
passar por um exame que procurava descobrir se o candidato era
limpo de sangue, ou seja, se tinha ascendentes cristão-novos (judeus
ou mouros convertidos); se ele ou seus ascendentes tinham “defeito
mecânico”, isto é, se haviam trabalhado com as mãos; e se vivia
nobremente. Desta maneira, ser um cavaleiro significava o
pertencimento ao menos à base da nobreza lusa e a concessão de
hábitos contribuiu significativamente para a ampliação desta base. As
comendas da Ordem constituíam outra honraria com um valor
simbólico ainda maior, por serem muito mais raras. Além disso, eram
também importantes rendimentos monetários, ainda que de valores
variáveis.
224
Mas, Marcos da Costa Falcão não foi teve a mesma sorte e tanto malabarismo
não surtiu o efeito desejado. Em resposta à petição de Vicente José Marinho Machado,
o conde dos Arcos enviaria decepcionante indeferimento:
Vicente José Marinho allega que tem feito continuados Donativos de
Madeiras ao Arsenal Real do Exército desta Cidade, e igualmente ao
Arsenal Real da Marinha, como constava dos conhecimentos e
Attestação, que ajunta em contemplação dos quaes pedia a Mercê do
Habito de Christo para seu filho Marcos da Costa Falcão, visto achar-
se elle Suppe condecorado com a referida Ordem. E como estes
Serviços não são dos contemplados e marcados no Regimento de
Mercês, parece-me que não he deferível sua pretensão. Deos Guarde a
V. Exª. Rio, 25 de Maio de 1821. Ilmo. Exmo. Sr. Conde dos Arcos
Em requerimento datado de 26 de setembro de 1824, Marcos da Costa Falcão
voltou à carga, reiterando a petição do pai. A solicitação foi acompanhada da citação de
um conjunto de documentos que Falcão cuidou de enumerar, cuidadosamente no texto,
associando-o aos feitos do pai, enquanto apresenta sua petição, alegando também seus
feitos - que não foram mencionados - exceto uma doação de madeiras (pranxõens) ao
Arsenal do Exército. Curiosamente, conseguira uma autorização para passar da
Cavalaria para à Infantaria da Vila de Macacu.
224
KRAUSE, Thiago Nascimento. Em Busca da Honra: os pedidos de hábitos de Cristo na Bahia e
Pernambuco, 1644 1676. In: XIII Encontro de História da ANPUH: Rio de Janeiro, 2008. Disponível
em:
<http://www.encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/1212608874_ARQUIVO_ThiagoKrause-
ANPUHRJ2008.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2009.
121
Diz Marcos da Costa Falcão, Alferes do Regimento de Milícias 8
Documento 1 que tendo Servido a mais de oito annos como
Miliciano no Regimento de Cavalaria, no de Infantaria acima
mencionado na Villa de Santo Antonio de de Macacu, filho do Snr
d´Engenho o Tenente Vicente Joze Marinho Machado, o qual tem
prestado serviços relevantes à Nação como mostrão os Documentos de
2 a 13 constantes da madeira de construcção em grande
quantidade offerecida e conduzida gratuitamente para o Arsenal de
Marinha (...) não memorando os Serviços que o dito Pay do Suppe.
prestou com os Suissos hospedados em sua caza e os Empregados
na Collonia, dando conducções gratuitas, e cedendo o dito Seu Pay
todos os Serviços acima mencionados ao Suppe pella Escriptura
Publica Documento 14, não narrando o Suppe os seus e os
pranxões que já esta promptificando para offerecer ao Arsenal do
Exercito vem (...)Implorar a Graça de o ellevar a Cavalleiro da Ordem
de Christo em remuneração aos Serviços do Suppe e aos de Seu Pay,
estando o Suppe nas circunstancias de tratar-se com decência, pelos
Serviços narrados.. Marcos da Costa Falcão.
225
Parece que Falcão queria pressa, que se considerava como estando o Suppe
nas circunstancias de tratar-se com decência, pelos serviços narrados. No conjunto
documental pesquisado, não foi possível encontrar se ele recebeu ou não a mercê, mas o
caso de receber uma primeira recusa, alcança o que se quer expor: a dificuldade de
alguns em angariar as ambicionadas mercês do rei, aqui tentadas através da doação de
madeiras.
É instigante supor, pela proximidade de datas e mesma tipologia de caso, que a
tentativa do Estado em conseguir madeiras através do estropiamento dos bois dos
fazendeiros tivesse fracassado e Marinho percebeu a oportunidade em prestar serviço e
angariar para si mercê do rei. Entretanto, a ausência de fontes não permitiu corroborar
essa hipótese, como seria também apressado afirmar que apenas a doação de madeiras
foi suficiente para a concessão do privilégio, o que parece ter ocorrido no caso da
primeira resposta negativa a Marcos da Costa Falcão.
A madeira em Macacu, além de ter sido explorada com objetivos econômicos,
propiciou também a busca do prestígio, que estabelecia uma condição social mais
elevada, garantia de acesso a títulos – e com eles seus proventos. Em suma, uma
peculiar forma de enriquecimento daqueles macacuanos setecentistas.
225
Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando mercê do Habito da Ordem de
Cristo. 1809-1827, op. cit.
122
CAPÍTULO QUATRO
FAZENDA DO COLÉGIO
Dos Jesuítas aos Araújo
A fazenda jesuítica de Papucaia, em Macacu, daqui por diante denominada
sempre de Fazenda do Colégio
226
, pelo fato de ser unidade de produção agrícola
pertencente ao Colégio da Companhia de Jesus na cidade do Rio de Janeiro, foi o
núcleo original do complexo agrário do clã Araújo.
Deve-se então buscar entender como que a “Fazenda do Colégio” chegou às
mãos de Henrique José de Araújo. Para o alcance desse objetivo, será necessário um
rápido recuo até o século XVI, quando da ocupação do recôncavo da Baía da Guanabara
pelos portugueses no intuito de se buscar sua contextualização.
No processo de ocupação do vale do Macacu, anteriormente discutido no
Capítulo II, Cristóvão de Barros, além das suas terras em Macacu, possuía também
terras em Magé, concedidas por despacho do governador geral Mem de Sá, em outubro
de 1566.
227
As terras de Barros principiavam no final da sesmaria que Miguel de Moura
doara à Companhia de Jesus, estendendo-se por uma légua e adentrando o sertão. Os
jesuítas, por sua vez, tal qual Cristóvão de Barros, também possuíam terras mageenses.
Os jesuítas e Barros permutaram então suas terras em 10 de maio de 1580.
Barros ficou com as terras jesuíticas de Magé (que acrescentou às que já possuía
naquela região) e os jesuítas se apropriaram da sua sesmaria, localizada ‘nos fundos’
das terras recebidas de Miguel de Moura. O negócio foi confirmado através do
Instrumento do conserto das terras de Magé com Cristóvão de Barros
228
. Esta légua
adicional aparece mencionada também como légua da Sapucaia.
229
226
A menção de Burmeister, no Capítulo I, referente ao “Campo do Colégio”, ou mesmo “Colégio dos
Jesuítas’, se relaciona mais ao que foi mantido pela tradição, do que à existência de um Colégio da
Companhia de Jesus em Macacu, não corroborada por nenhuma fonte.
227
Segundo Serrão, Barros recebeu uma carta de sesmaria em 12 de Outubro de 1566 de uma terra com
4500 braças ao longo da água [da baía da Guanabara] e 7500 para o sertão de Magepe...’
(Cf. Revista
Trimensal do IHGB; tomo LXIII, parte 1ª; Rio de Janeiro, 1901, pp. 96-98 apud SERRÃO, 1965,
Op.Cit.p.137).
228
Livro do Tombo do Colégio Jesus do Rio de Janeiro, Op. Cit.
229
Id. Esta légua “da Sapucaia” também aparece no Índice Toponímico do “Livro de Tombo do Colégio
de Jesus do Rio de Janeiro”, como “Pacocaya.” E no mesmo Índice encontramos a menção a uma “Tapera
de Pacacaya” ou “Pacaraya”. Aqui se levanta a hipótese de que o nome da atual localidade de Papucaia,
no distrito de Japuíba, em Cachoeiras de Macacu, poderia ser uma variação de “sapucaia” (
Lecythis
ollaria ou L. pisonis
), que nomeia árvore presente na região. O vocábulo teria se “corrompido” com o
123
A medição da légua da Sapucaia foi feita em 03 de setembro de 1587 e a
demarcação das terras em 08 de setembro do mesmo ano, ampliando ainda mais as
extensas terras dos padres. Esta ação associa-se à comentada política jesuítica que
combinava aldeamento, aqui o de São Barnabé, com a aquisição de terras para
instalação de uma unidade produtora de alimentos uma fazenda -, imprescindível para
a sustentação econômica desse aldeamento.
A Companhia de Jesus, participante ativa da conquista do recôncavo da
Guanabara e também inserida na continuidade do processo de ocupação em direção á
serra dos Órgãos, onde se poderia ‘encaixar’ na nomenclatura de Fragoso apropriada
para analisar esse processo de colonização? No contexto da “fase” dos conquistadores
ou dos povoadores? Parece que a Companhia figura nesses recortes temporais de
maneira bem peculiar, não se encaixando de forma absoluta em nenhum desses
períodos, ressalvado que Fragoso tem como ponto de chegada de sua análise, a
constituição de famílias senhoriais, donas de moendas.
Como a definitiva ocupação das terras do Macacu pelos jesuítas, segundo
Serafim Leite, se deu após a “guerra” com os indígenas, talvez pudesse se pensar em
encaixá-los no segundo recorte, como povoadores. Porém, não se pode esquecer o papel
inaciano na conquista,
230
através de sua atuação como missionários, que culminaria, na
região do Macacu na criação do mencionado aldeamento de São Barnabé e, “anexa” a
este, a Fazenda do Colégio.
Matiza-se assim a posição dos inacianos naquela periodização, que a mesma
não foi concebida por Fragoso com a intenção prévia de incluí-los, pelo simples fato de
que um jesuíta não poderia constituir família. Tal questão, entretanto, em nada
prejudica, ou inviabiliza essa periodização. A intenção é demonstrar que a atuação da
tempo, o qual denomina árvore presente na região. Segundo a Discripção..., a madeira dessa árvore servia
para “Moendas de Engenhos, curvas de Embarcaçoens, Esteios
, Vigas, frexaes e Carvão: a sua fruta He
saborosa e Medicinal. (Rellação das Madeiras que abundão os vastíssimos Sertõens do Districto da Villa
de Santo Antonio de de Macacú, e de seos nomes, quantidade e préstimos, e exceção daquellas que
somente servem para Lenha)”.
230
“No acampamento de Estácio [de Sá] havia três jesuítas: dois padres (Gonçalo de Oliveira e Vicente
Rodrigues) e um irmão leigo, os quais animavam os soldados e incentivavam os índios, levados ao zelo
de manter na colônia a unidade da fé. O Pe Antonio Rodrigues, que chefiava os índios do Espírito Santo
era o “Alferes da Bandeira de Cristo”, uma espécie de “segundo” nas campanhas de Mem de Sá.” (Cf.
Serafim Leite, Breve Itinerário 190). E ainda “O dito Pe. José de Anchieta dava avisos ao Capitão Estácio
de Sá o qual aí (no Rio) residia por ordem do Rei Dom João III, ou da Rainha Dona Catarina, advertindo-
o que não mandasse partir as canoas para determinados lugares da nossa conquista, porque sabia que os
índios tamoios tinham preparado emboscadas. E aconteceu diversas vezes que por causa de tais avisos,
se acautelara o dito capitão das emboscadas, saindo-se bem de alguns empreendimentos por se valer
desses avisos.” (Cf. ASV. Congr. Rit. Anchieta, nº 306, 88v In: WETZEL, 1972, op. cit.)
124
Companhia de Jesus não se deu isolada, nem desconectada de todo o processo
analisado por Fragoso. Eram eles, também, parte da elite colonial e dela aliados.
Mapa 7: Capitania do Rio de Janeiro - 1730
231
231
Mappa corographico da Capitania do Rio de Janeiro por Domingos Capassi da Compa. de Jesu
[Ca.1730]. Cartografia ARC.023,01,001. Biblioteca Nacional.
Aldeamento de São
Barnabé.
-
1578
-
Vila de Macacu -
1697
-
Fazenda do Colégio
Fazenda da Ordem do Carmo
jesuírcarmelita
125
O mapa do jesuíta Domingos Capassi, mostra propriedades da Companhia de
Jesus na capitania do Rio de Janeiro no ano de 1730. Pode-se observar o Macacu como
maior rio que corre para a baía da Guanabara. Às suas margens Capassi assinalou o
aldeamento de São Barnabé e acima deste, a Vila de Macacu junto a um rio que deve
ser o Cacerebu. Acima da Vila, encontram-se demarcadas duas fazendas entre dois rios.
Uma dessas, a que beira o Macacu, certamente é a fazenda do Colégio (Papucaia). A
outra, a fazenda do Carmo. Um detalhe interessante é o fato de Capacci ter assinalado a
presença de florestas às margens dos rios que delimitam a área ocupada pelas duas
fazendas.
Segundo Serafim Leite, nas terras recebidas pelos jesuítas, e aumentadas com a
légua permutada com Cristóvão de Barros, existiam
terras ainda suficientemente vastas para nelas se situar com o tempo
esta Aldeia [de São Barnabé] e constituir, separada dela, uma
importante fazenda, a que se o nome ora de Macacu, ora de
Papucaia e às vezes Macacu na Papucaia. A Fazenda incluía em si
outros sítios, toponímia miúda, que às vezes aparece nos documentos,
e nos quais havia a sua Casa e pequena Capela e Cruz, que a tradição
ainda hoje conserva, aqui e além, na região. Tentou-se em Macacu a
criação do gado e a policultura, habitual às Fazendas dos Jesuítas, mas
verificando-se que as suas terras se prestavam mais à cultura da
mandioca, centralizou-se nela a fabricação da farinha do Brasil e diz-
se em 1757 que era a mais importante fazenda do Colégio na produção
de farinha. Ocupavam-se então nesse trabalho 223 servos. Para o
serviço de lavragem e carretos existiam nela 117 bois e 20 cavalos. A
Igreja dessa fazenda, recebeu nesse ano, para ‘’’’’’’’’’’’’as despesas
do culto, 89 escudos romanos e gastou 67. Tomou conta dela para o
Estado, em 1759, e da farinha que nela achou e era muita, o Ouvidor
do cível, homem correto, Gonçalo José de Brito.
232
As atividades anteriormente centradas na policultura e a pecuária, segundo Leite,
foram modificadas para uma monocultura de mandioca visando a produção farinheira.
Tanto o é, que a fazenda foi considerada por Leite, em 1757, como a mais importante
fazenda do Colégio na produção de farinha. Informação que delega à ‘Colégio’ grande
importância econômica, se levar-se em consideração, por exemplo, as dimensões de
fazendas jesuíticas como a de Santa Cruz, no Rio de Janeiro.
A atividade farinheira da fazenda era possível devido às suas terras,
disponibilidade de mão-de-obra indígena e negra - e grande quantidade de bovinos e
232
LEITE, 2000, op. cit.p.114-115.
126
eqüinos para aragem e transporte das raízes para o engenho e da produção para outros
centros consumidores. Em 1759, a produtiva unidade agrícola inaciana foi alvo da
política de Pombal de expulsar os jesuítas de todas as possessões portuguesas. Moraes
menciona que a expulsão dos padres da região macacuana, com conseqüente sequestro
de seus bens encontra-se numa lista anexa a documentos enviados ao Conde de
Bobadela no biênio 1759/60. A lista informa sobre a expulsão de 199 padres de
propriedades jesuíticas em várias partes do Brasil. Cita a fonte: Padres vindos no dito
dia 11
[de novembro de 1759], remettidos da fazenda de Macacú pelo dezembargador
Gonçalo José de Brito Barros – 2.
233
O jesuíta José Caeiro registrou rara informação a respeito do seqüestro dessa
fazenda, alcançando-nos sua atividade econômica, número de cativos e inclusive o
nome dos dois padres presos pelo desembargador:
O desembargador Gonçalo de Brito foi o encarregado de expulsar os
padres da residência de Macacu. De lá, assim como da fazenda do
Saco, tirou grande quantidade de farinha de mandioca e muitas
madeiras, traves e tábuas, além de trezentos e cincoenta escravos.
Estavam os dois padres, Gonçalo Costa e Manuel Leão, que não
tiveram razão de queixa pelo modo como foram expulsos.
234
A fonte confirma a informação de Serafim Leite, revelando que, além dos nomes
dos jesuítas “gentilmente” expulsos e a destinação da fazenda para a produção
farinheira, atividade nitidamente voltada para o abastecimento, os jesuítas dedicaram-se
também à extração de madeiras, indiciando que talvez possuíssem artesãos voltados
para seu aparelhamento, devido às traves e tábuas mencionadas. Outra valiosa
informação refere-se à sua grande escravaria, composta por 350 cativos. Infelizmente,
Caeiro não oferece dados referentes à composição étnica, etária ou sexual desses
escravos.
Esses dois padres foram remetidos para Portugal, junto com os outros 197
padres, na nau Nossa Senhora do Livramento e S. José em 14 de março de 1760.
235
233
MORAIS, Alexandre José de Melo. Corographia histórica, chronographica, genealógica,
nobiliária, e política do Imperio do Brasil
. Rio de Janeiro Typ. Americana, 1858-1863, 5 v.1, p. 479.
234
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Primeira publicação após 160 anos do manuscrito inédito
de José Caeiro sobre os Jesuítas do Brasil e da India na perseguição do marques de Pombal (século
XVIII). Bahia: Escola Tipográfica Salesiana, 1936, p. 194-195
235
MORAIS, 1858-1863, op. cit., p.480.
127
Após a expulsão, o destino dessas terras ficou nas mãos das autoridades
portuguesas. Sequestradas pelo Estado, as propriedades inacianas por toda a capitania
do Rio de Janeiro seriam, aos poucos, arrematadas por compradores. Foi possível saber
por qual preço a fazenda jesuíta em Macacu foi vendida após seu sequestro. Segundo
fonte do Conselho Ultramarino, de 1785, que informa sobre a venda de algumas das
fazendas inacianas no Rio de Janeiro
236
, a “Fazenda da Papocaya”
237
foi vendida pela
quantia de 21:600$000 (vinte e um contos e seiscentos mil réis).
238
O mapa abaixo, retirado de Cartas Topográficas da Capitania do Rio de
Janeiro
239
, de Manuel Vieira Leão, em 1767, assinala, no local indicado no mapa de
Capassi,
Pacocay d´El Rey, junto ao rio Pacocay. Ao seu lado, na mesma posição,
Religiosos do Carmo. Sem dúvida que se trata da Fazenda do Colégio ou Fazenda da
Papucaia , já na posse da Coroa Portuguesa
Mapa 8: Fazendas Pacocay d´El Rey e dos Religiosos do Carmo
Fonte: Cartas Topográficas da Capitania do Rio de Janeiro.
236
Junto com a “Papocaya” outras fazendas mencionadas na fonte, vendidas entre 1759 e 1785, foram: a
fazenda de São Francisco Xavier (8:800$000); Itapoca (20:890$075); Macahé (34:330$023) e Campos
Novos (24:548$428)
237
Tanto a denominada residência de Macacu”, citada na referência da nota 239, quanto a Fazenda da
Papocaya
”, se tratam da mesma unidade de produção dos jesuítas no vale do Macacu, ou seja, a Fazenda
do Colégio, nome adotado neste trabalho a fim de se simplificar a referência a essa propriedade inaciana
neste trabalho.
238
Relação dos rendimentos e despesa anual dos bens confiscados aos extintos jesuítas da capitania do
Rio de Janeiro entre os anos de 1781 e 1785. AHU_ACL_CU_017, Cx.127, D.10151. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/folhearDocumento.jsp?iddoc=86779&idimg=1157898&pagina=2>
Acesso em: 16 abr. 2009.
239
LEÃO, Manuel Vieira. Cartas topographicas da capitania do Rio de Janeiro: mandadas tirar pelo
Illmo. Exmo. Sr. Conde da Cunha Capitam general e Vice-Rey do Estado do Brasil - 1767. Cartografia
CAM.02,008. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
128
O ano de confecção da carta topográfica é 1767. Seria possível que desde 1759,
ano do seu seqüestro, a fazenda jesuítica tivesse ficado “parada”, com seus 350 cativos,
aguardando comprador? Não foi possível sabê-lo. Contudo, ao que indicam as fontes
coevas, o primeiro a adquirir o imóvel foi Nicolao Bonarrota, conforme indica Pizarro
ao comentar sobre a capela de Nossa Senhora da Conceição da Papocaia, em suas
Visitas Pastoraes, no final do século XVIII:
Eréta pelos Jesuítas, e conservada por eles como Curada. Com a
extinção deste passou com a Fazenda a mesma capela para o domínio
do Capitão Nicoláo Bonarrota, por compra feita à fazenda Real; e por
falecimento deste, casando-se a mulher com Antonio de Oliveira
Braga, passou ao mesmo o Senhorio da Fazenda com a Capela. (...)
nela faz-se uso de Sepulturas para os escravos da Fazenda, por
conceção do Pároco. Dista 1/2 légua para o Sul”.
240
Bonarrota se casou com Maria Feliciana Cordovil, e sua presença na freguesia
da Trindade pode ser reforçada pelo registro de falecimento de um seu escravo, o
“inocente” Manoel, em 30 de maio de 1782. No registro, Bonarrota aparece como
alferes.
241
Passados 25 anos após o seqüestro da fazenda, Bonarrota faleceu, deixando
Maria Feliciana como sua herdeira e proprietária de um atraente dote. Não foi possível
saber se os mesmos tiveram filhos.
Aos vinte e coatro de Março de mil setecentos e oitenta e coatro anos
nesta Freguezia faleceu da vida presente com todos os Sacramentos
Nicolau Antonio Bonorota, Alferes de Auxiliares, filho legitimo de
Lazaro Maria Bonorota e de Thomazia Maria Bonorota, falecidos,
natural do Porto, baptizado na freguesia de Santo Ildefonço Maior,
cazado nesta Cidade com Dona Maria Felicianna Cordovil, foi
encommendado pelo Reverendo Parocho e Padres; amortalhado no
habito de Cavalheiro da Ordem de Christo, sepultado no Carmo.
242
Se Bonarrota faleceu em 1784, a informação no documento do Conselho
Ultramarino de que a fazenda Papocaya (Colégio) fora vendida a ele entre 1759 e 1785
é fidedigna.
240
ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Visitas Pastoraes 1794/1795 Freguesia da
Santíssima Trindade. Cópia datilografada do original manuscrito. Arquivo da Cúria
Metropolitana do Rio de Janeiro)
241
O dado foi recolhido dos registros de falecimento de escravos da Freguesia da Santíssima Trindade, no
século XVIII, existentes no Arquivo da Mitra Diocesana de Nova Friburgo - RJ. As páginas dos registros
encontravam-se desorganizadas, não se podendo explicitar a que livro pertenciam.
242
Registro de falecimento de Nicolao Antonio Bonorota. In Habilitação Matrimonial de Antonio de
Oliveira Braga. Caixa 1065 - Notação 2831- Maço 68. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro
– Brasil.
129
Prosseguiu então a seqüência de transferência dessa propriedade. Sua segunda
mudança de dono se deu pelo casamento da viúva de Nicolau Bonarrota, d.ª Maria
Feliciana Cordovil de Siqueira, com Antonio de Oliveira Braga, união que gerou ao
menos uma filha: Maria Bibiana.
Dizem Antonio de Oliveira Braga, filho legítimo do Capm Antonio de
Oliveira Durão, defunto e de D. Jacintha Lourença de Jesus,
morador na Freguesia de Santa Rita, e Dna Maria Feliciana Cordovil
de Sequeira Bonaroty, viúva que ficou do Alferes Nicolao Antonio
Bonaroty e filha ligitima de Francisco Cordovil de Sequeira e Mello,
defunto, e Dna Catherina Vas Moreno moradora na Freguezia de N.
Sra da Candelária desta Cidade que elles achão Contractados e Justos
a receberem-se em Matrimonio na forma da Igreja...
243
Braga parece ter sido homem influente. Havia buscado angariar um Hábito da
Ordem de Cristo mediante solicitação em 1802 ao príncipe regente de Portugal. No
documento, como de praxe, o solicitante enumerou seus feitos:
Antonio de Oliveira Braga morador (ilegível) na Fazenda da Papocaia,
termo da Cidade do Rio de Janeiro, tendo servido V. Alteza Real mais
de vinte annos nos Empregos de Escripturário e Contador da Junta da
Fazenda desta Cidade tendo igualmente occupado interinamente
muitas vezes o ministério de Thesoureiro geral das Tropas e officio de
Escrivão da dita Junta (ilegível)
244
No extenso documento de dezesseis páginas que acompanha sua petição,
menciona-se que Braga perdeu os documentos comprobatórios de seus serviços,
resultando num rebuscado trâmite burocrático a que teve de submeter-se no intuito de
provar a realização de suas atividades. Em uma parte do documento, seu procurador
Antonio Jose da Costa reiterou o pedido da mercê. Entre seus feitos, a cessão de
madeiras para a Fazenda Real.
Nestas circunstâncias, prova o Suppe. não os relevantes serviços a
V. Alt. ao bom Expediente dos cargos que servia, mas também e
muito mais, quando o Suppe, em beneficio da Real Fazenda lhe tem
243
Habilitação Matrimonial de Antonio de Oliveira Braga, op. cit.
244
Requerimento do escriturário e contador da Junta da Fazenda Real do Rio de Janeiro, Antônio de
Oliveira Braga, por seu procurador Manoel José Nunes, ao príncipe regente [D. João], solicitando um
hábito da Ordem de Cristo, em remuneração dos seus serviços. Documento 91120, 23 de novembro de
1802. AHU-ACL-N- Rio de Janeiro. Arquivo Histórico Ultramarino.
Disponível em:
<http://www.cmd.unb.br/resgate/folhearDocumento.jsp?iddoc=91120&idimg=1193937&pagina=2>
Acesso em: 23 nov. 2008.
130
dado do seu próprio Patrimonio, ou seja, facultando graciosamente por
espasso continuo de treze annos, a extração e cortes de muitas e
importantes madeiras que se tem buscado de sua Fazenda da Papucaia,
termo daquella Cidade, para construcção e conserto a Embarcasoens
da Esquadra..
245
Braga não liberara apenas a simples retirada das madeiras da Papucaia,
contribuindo para a extração com recursos próprios, por concorrer ao transporte a
Escravatura do ditto Braga os seus Carros e Bois, resulta ao referido Braga o maior
damno e por que a exportação das Madeiras para a Corte se da pelo porto da Fazenda,
destruindo se plantas, canaviaes...
246
Os pais dos noivos, o capitão Antonio de Oliveira Durão, pai de Antonio de
Oliveira Braga, e Francisco Cordovil de Siqueira e Melo, pai de Maria Feliciana,
pareciam ser, por sua vez, membros da elite portuguesa em elevado grau de “limpeza de
sangue”. Alguns dados das suas genealogias puderam ser encontrados em documentos
do Arquivo Histórico Ultramarino que indiciam essa condição:
Diz Antonio de Oliveira Braga, preci e como Tutor de Seus Irmãos Manoel
de Olivrª Durão, Maria Jacintha de Santa Thereza, Anna Barbara de Jesus,
filhos legítimos do Cap.am Antonio de Oliveira Durão, defunto, e de sua
m.er D. Jacinta Lourença de Jesus, que seu Tio, o Cap. AM Fran.co
Caetano de Olivr.ª lhes fes duação da ametade das Terras pertencentes ao
enge nho novo com invocação N. Srª da Piedade, cito na freg.ª de Irajá, e da
mesma forma de ametade do campo do engenho, cazas de vivenda e Capella
da fazenda, e juntamente de hua data de Terras chamadas de S. Bernardo,
místiças as do engenho Novo, que houve p. Título de compra q. fes a Seu
Pay bento de Olivrª Braga, e a sua Avó Anna do Espírito Santo, e a seus
filhos Ant.º e Jozé da Rosa, como tudo se faz certo pella Escriptura de
Rateficação da d.ª Duação juntos Remetindo de sim [de si] logo todo o
direito, posse e domínio dos ditos bens...
247
245
Id., 1802.
246
Requerimento do escriturário e contador da Junta da Fazenda Real do Rio de Janeiro, Antônio de
Oliveira Braga, 1802, op. cit.
245
Requerimento de Antonio de Oliveira Braga e seus irmãos à rainha [D. Maria I], solicitando a
confirmação da doação de metade das terras pertencentes ao engenho novo Nossa Senhora da Piedade, de
metade do campo do engenho, das casas de vivenda e capela do engenho novo, situado na freguesia de
Irajá, feita a si e seus irmãos menores por seu tio o capitão Francisco Caetano de Oliveira, bem como de
metade da data de terras de São Bernardo, que o suplicante comprara a seu pai Bento de Oliveira Braga,
conforme comprova a escritura de ratificação das doações. AHU-ACL-N-Rio de Janeiro. Documento
85954. 10 de fevereiro de 1780. Disponível em: <http://www.cmd.unb.br/resgate/resultado-pesquisa.jsp>
Acesso em: 07 dez. 2008.
131
Antonio de Oliveira Durão ocupara o cargo de Provedor da Santa Casa de
Misericórdia do Rio de Janeiro de 1764 a 1765. Segundo o Compromisso da entidade,
os candidatos deveriam ser
homens de autoridade, prudência, virtude, reputação e
idade, de maneira que os outros irmãos possam reconhecer como cabeça e lhes
obedeçam com mais facilidade; e ainda que por todas as sobreditas partes o mereça,
não poderá ser eleito de menos idade de quarenta anos.
248
Em 1753, Antonio de Oliveira Durão ocupou vaga como Deputado na Mesa
do Bem Comum do Comércio e da Junta do Comércio, posição a que teve acesso por
ser da “nobreza da terra”.
249
Francisco Cordovil de Siqueira e Melo, pai de Maria Feliciana, requereu o
cargo de Provedor da Santa Casa, contador da Fazenda Real e vedor da gente de guerra
da Capitania do Rio de Janeiro
250
. Entretanto, não ocuparia tais cargos sem passar por
rígida avaliação de sua ‘limpeza de sangue’. Segundo Cavalcanti,
Por trás dos bastidores, o Conselho Ultramarino, preocupado em
recolher informações sobre o requerente, solicitou que ‘em segredo’, o
juiz de fora da cidade do Rio, o provedor da comarca de Évora e mais
testemunhas confiáveis buscassem averiguar sobre a ‘pureza de
sangue’ de Francisco Sequeira, que, ao final do processo, foi nomeado
pela portaria de 2 de março de 1743,
251
Fica a dúvida do que motivara esse secreto cuidado em relação a Francisco
Cordovil, inclusive pelo fato de existir em meio aos documentos do Arquivo
Ultramarino, um registro de confirmação de sua genealogia, datado de 1750:
Francisco Cordovil de Sequeyra e Mello, natural da Cidade do Rio de
Janeyro, baptizado na freguezia de N. Srª da Aprezentação de Iraja,
filho legitimo de Bartholomeu de Sequeyra Cordovil, natural da
Cidade de Lisboa, baptizado na freg.ª de N. Srª da Encarnação do
Alecrim, e de D. Margarida Pimenta de Mello, natural da Cidade do
Rio de Janeiro, neto pella paterna de Francisco Cordovil de Sequeyra
248
Site da Santa Casa de Misericórdia. Disponível em:
<http://www.santacasarj.org.br/h_provedores.htm>. Acesso em: 19 out. 2008.
249
CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista. A vida e a construção da Cidade da Invasão
Francesa até a Chegada da Corte. RJ: Jorge Zahar, p.251
250
Órgão pagador existente em cada capitania, anexo às Provedorias da Fazenda Real. Era chefiado
pelo Vedor Geral dos Exércitos, cargo exercido pelo próprio Provedor da Fazenda. Suas funções eram
as de matricular todos os militares pagos da capitania, verificar, através de revistas periódicas, quais
eram os efetivos reais e pagar os soldos. O Vedor tinha o direito de andar "arvorado" com um bastão,
símbolo de seu cargo. Era auxiliado pelo Escrivão da Matrícula da Gente de Guerra, e pelo Contador da
Gente de Guerra. STUDART,
Datas e Factos para a História do Ceará, 265 - ABN, 28:469 e 39:367.
251
Id. p.108.
132
e de Magdalena Pacheca de Ayro, ambos naturaes da Villa de Alvito e
pela parte materna de Gregorio Nazianzeno da Fonceca e D. Maria
Pimenta, amboz naturaes do Rio de Janeiro.
252
Siqueira obteve a mercê e foi provedor da Santa Casa no biênio 1760/1761,
quatro anos antes de Durão. Existia uma íntima relação de poder e privilégios entre as
famílias que compunham o clã parental a que Francisco Cordovil tivera ingresso.
Fragoso analisa este aspecto do poder que desfrutava essas elites através do
relacionamento entre seus clãs desde o período quinhentista e do controle que exerciam
da Fazenda Real e da Alfândega. O autor relaciona os contatos entre os Siqueira
Cordovil e outra família da elite colonial: os Correia Vasques:
Bartolomeu Cordovil, Provedor da Fazenda Real por várias décadas,
ao casar, entrou numa teia parental constituída pelos quinhentistas
Homem da Fonseca e os nobres Pimenta de Carvalho, estes com
ramificações em Irajá e na Ilha Grande. O filho de Bartolomeu e
herdeiro do referido ofício, Francisco da Siqueira Cordovil de Melo,
foi esposo de Catarina Vaz Moreno, em 1742. Catarina era neta de
Manuel Teles Barreto e prima de João Manuel de Melo, ambos
aparentados e provenientes do bando Teles/Correia. Do mesmo bando,
sairia Manuel Correia Vasques, o juiz da Alfândega. Este grupo
dominou a paisagem política da segunda metade do seiscentos, passou
por dissensões em finais do mesmo, porém continuou como referência
no início do século seguinte.
253
Nestes círculos clânicos de poder e influência, nos anos 1729 a 1730 havia
também alcançado o cargo de Provedor, Manoel Vaz Moreno, sogro de Francisco
Cordovil de Siqueira e Melo portanto pai de Catarina Vaz - e capitão em Sacramento,
no Sul, em 1705. Para Fragoso,
provavelmente, a nobreza fluminense via nestas ligações com
militares da fronteira a ampliação geográfica de suas influências
políticas e econômicas para muito além do Rio. Seja como for,
aquelas alianças parentais viabilizavam, à moda do Antigo Regime,
rotas coloniais de longa distância, ou seja, circuitos comerciais
baseados numa economia política sustentada por bandos.
254
252
Lembrete sobre a genealogia de Francisco Cordovil de Sequeira e Mello. AHU-ACL-N-Rio de
Janeiro. Documento 81052. 1750. Disponível em: <http://www.cmd.unb.br/resgate/resultado-
pesquisa.jsp>. Acesso em: 07 dez. 2008.
253
FRAGOSO, João. Afogando em nomes: temas e experiência em história econômica. Topoi, Rio de
Janeiro, dezembro 2002, p. 41-70. Disponível em: <http://www.ifcs.ufrj.br/~ppghis/pdf/topoi5a2.pdf>.
Acesso em: 19 out. 2008.
254
Id, 2002, p.41-70
133
Através de um requerimento de 1795, Felipe Cordovil de Siqueira e Melo, outro
membro do clã, encaminhou à rainha D. Maria I solicitação para ser colocado no ofício
de provedor da Fazenda Real do Rio de Janeiro
255
. Felipe defendia que, pelo
reconhecimento de seus serviços prestados e por terem sido proprietários do cargo seu
avô Bartolomeu de Siqueira Cordovil e seu pai Francisco Cordovil de Siqueira e Melo,
teriam que atender ao
direito legítimo que entendia ter no mesmo ofício.
256
Embora não
tenha sido possível saber se o neto de Bartolomeu de Siqueira Cordovil conseguiu seu
intento, fica evidente que Antonio de Oliveira Braga e Maria Feliciana traziam em seus
‘currículos’ ligações de prestígio com antepassados de conquistadores e povoadores do
Rio de Janeiro.
Rememorando a sequência de posse da Fazenda do Colégio, esta passara, do
controle da Fazenda Real, certamente por leilão em hasta pública, para a posse de
Nicoláo Bonarrota. Deste, a fazenda passou por herança para a viúva Maria Feliciana e
esta, casando-se com Antônio de Oliveira Braga, passou a este o senhorio da fazenda.
Será neste grupo seleto da elite colonial que Henrique José de Araújo irá penetrar
através do casamento com Maria Bibiana, filha de Antonio de Oliveira Braga e Maria
Feliciana.
255
Segundo o site da Receita Federal, a Provedoria da Fazenda Real no RJ foi instalada em
3.12.1566 (...) Em 1710 a provedoria, a alfândega, o palácio do governo e outras repartições foram
incendiadas pelos franceses de Duclerc. A essa época, a Provedoria da Fazenda e a Alfândega
estavam separadas, em obediência a uma Carta Régia de 05.05.1703. Nos 50 anos que se seguiram
aos ataques franceses, a provedoria ficou sob o comando da família Cordovil, enquanto a alfândega
se mantinha autônoma. Em 08.08.1798, uma portaria do Vice-Rei extinguiu ilegalmente a
provedoria. Essa extinção foi revalidada em 08.04.1807. O último provedor, segundo parece, foi
Simão Estelita Gomes da Fonseca, nomeado em 1797. Disponível em:
http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/administracao/reparticoes/colonia/provedfazreal.asp.Ace
sso em: 19 out. 2008.
256
Requerimento de Felipe Cordovil de Siqueira e Melo à rainha [D. Maria I], solicitando ser provido no
ofício de provedor da Fazenda Real do Rio de Janeiro, do qual foram proprietários seus avô, Bartolomeu
de Siqueira Cordovil, e seu pai, Francisco Cordovil de Siqueira e Melo, em reconhecimento pelos
serviços prestados pelo suplicante e atendendo ao direito legítimo tem ao mesmo ofício. AHU-ACL-N-
Rio de Janeiro. Documento 88.348. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/resultado-
pesquisa.jsp. Acesso em: 19 out. 2008.
134
Gráfico 1: Genealogia de Maria Bibiana Cordovil
Maria Bibiana Cordovil de Oliveira Braga nasceu em 02 de dezembro de 1785
no Rio de Janeiro e faleceu na mesma cidade em 05 de fevereiro de 1860. Ela se casaria
em oito de setembro de 1804, com dezenove anos, também na cidade do Rio, com o
português Henrique José de Araújo, negociante de 36 anos de idade
257
.
A atividade de Henrique José de Araújo no comércio, sua ligação com grandes
comerciantes e traficantes de escravos da praça comercial do Rio de Janeiro e o
matrimônio com a filha de Antonio de Oliveira Braga, senhor de engenho da freguesia
da Santíssima Trindade, no vale do Macacu foram estratégias de enriquecimento e
obtenção de prestígio realizadas por Araújo. Prestígio e riqueza transferidos aos seus
herdeiros diretos. Após sua morte, em 1840, os bens divididos garantiriam a eles a
mesma vida opulenta que certamente tivera o patriarca.
Antes, porém, de se adentrar no que pode ter sido o mais desastroso momento na
história do clã de Henrique José de Araújo, deve-se conhecer um pouco mais de perto
quem foi esta personagem da elite patriarcal, agrária e escravista do vale do Macacu.
257
Antonio de Oliveira Braga pode ter incluído a fazenda da “Papaocaya” como dote da filha, sendo
também possível a hipótese, embora a considere menos plausível, que Araújo a tivesse comprado do
sogro.
Antonio
de Oliveira
Braga
Maria Feliciana
Cordovil de
Siqueira
Antonio
de Oliveira
Durão
Jacintha
Lourença
de Jesus
Francisco
Cordovil de
Siqueira e Mello
Catherina
Vaz
Moreno
Bartholomeu
de Siqueira
Cordovil
Margarida
Pimenta
de Mello
Francisco
Cordovil de
Sequeyra
Magdalena
Pacheca
de Ayro
Gregorio
Nazianzeno
da Fonseca
Maria
Pimenta
Felipe Cordovil
de Siqueira e
Mello
Maria Bibiana
Cordovil de
Oliveira Braga
135
4.1. A naveta e o turíbulo: Henrique José de Araújo, de negociante a senhor de
engenho
O padre Joaquim Mariano de Castro deixou registradas no Livro das Pastoraes e
Capitulos de Visita
258
da matriz freguesia da Santíssima Trindade anotações que se
mostraram preciosas para a pesquisa, por fazer especial menção a Henrique José de
Araújo. A primeira, de dezembro de 1825, em tom de gratidão, registra o fato da matriz
da Santíssima Trindade ter recebido, para o seu culto, a doação de duas alfaias: um
turíbulo e uma naveta, ambos de prata.
259
O presente fora entregue ao vigário, padre
Francisco Fernandes Amorim, que teria comunicado o acontecido aos seus fregueses,
sendo que o doador solicitara a omissão do seu nome. Entretanto, a pena do
entusiasmado Joaquim Mariano não primou pela discrição.
Figura 4: Turíbulo e naveta de prata lavrada.
Fonte: Acervo do museu da Fazenda Ponte Alta – Barra do Piraí (RJ). Foto do autor.
258
Pastoraes e Visitas da Freguesia da Santíssima Trindade. Rio de Janeiro (1727 1812). 140f. Cópia
manuscrito. Loc. 14,3,7. (O catálogo no site da Biblioteca Nacional está grafado “Pastores” e não
“Pastoraes”).
259
A naveta e o turíbulo compõem um conjunto de alfaias que se usa nas cerimônias religiosas para o ato
de incensar. A naveta para armazenar o incenso e o turíbulo para queimá-lo.
136
Segundo o documento,
o Rvdo. Pe. Francisco Fernandes Amorim
260
na fala, em prezença de
muitas pessoas me entregou hu Toribulo e Navetta de prata de muito
bom gosto e valor, dizendo-me que hu Devoto oferecia esta Alfaia
para serviço das Festividades desta Freguezia da SSma. Trindade, e
não quis declarar por determinação do mesmo devoto quem era este
generoso Bemfeitor, mas todos sabemos que he o senhor Capitão
Henrique Jozé de Araújo, cuja piedade, Zello de Religião e Amor de
Deos são bem notórios...
A anotação, em seu conjunto, enumera as virtudes, poder e riqueza de Henrique
José de Araújo, trazendo informações primordiais para a pesquisa. Cruzando-a com
outras fontes, pode-se tentar traçar um perfil deste homem da elite senhorial do vale do
Macacu.
O português Henrique José de Araújo nasceu em Santa Maria do Landim, em
Braga, em doze de janeiro de 1769, falecendo com 71 anos na cidade do Rio de Janeiro,
em quatorze de agosto de 1840. Era filho legitimo de Antonio Jose de Miranda e de
Maria Joanna de Araújo, natural e baptizado na freguesia de Santa Maria do Landim,
do Arcebispado de Braga.
261
.
Araújo, ao que parece, desde cedo esteve ligado à elite comercial da Colônia. No
seu processo de Habilitação Matrimonial, aberto na cidade do Rio de Janeiro em 1804,
por motivo de seu casamento com Maria Bibiana Cordovil, uma das suas três
testemunhas foi Jose Francisco da Rocha, natural da cidade do Porto (Portugal) e
caixeiro do Sargento-Mor Thomaz Gonçalves.
As outras duas testemunhas que declararam que Araújo era desimpedido e
solteiro, foram Joaquim Joze da Rocha, solteiro, natural do Bispado do Porto, morador
na Rua Direita com Negocio, (...) de idade de trinta anos.
262
Talvez Rocha tivesse
atuado no circuito comercial de longa distância, dado que possuía barco próprio, de
acordo com requerimento datado de 1824, existente no Arquivo Histórico Ultramarino,
do mestre do bergantim
263
Maria Triunfante, João Fernandes Tomás Junior, ao rei [D.
260
Em nota no mesmo livro de Pastoraes e Visitas, datada de 1830, tem-se que “Por fallecimento do Vig.
Antonio Joaquim Mariano entrou (ilegível) encomendado, o Reverendo Francisco Fernandes de
Amorim”. Sendo assim, Amorim seria o padre coadjutor do padre Joaquim Mariano, falecido em 1829. A
nota registra que o padre Amorim era natural da própria freguesia da Trindade.
261
Habilitação Matrimonial de Henrique José de Araújo - 1804. Caixa 15/13 Notação 17.406. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro – Brasil.
262
Habilitação Matrimonial de Henrique José de Araújo, 1804, op. cit.
263
O bergantim era um pequeno veleiro utilizado nos séculos XVIII e XIX, principalmente para o
comércio e o transporte em rotas pequenas. Possuía dois mastros e gurupés. Com a necessidade de navios
137
João VI], solicitando passaporte para a dita embarcação, de construção portuguesa, da
qual são senhorios Joaquim José da Rocha e sobrinho
264
. O documento serviria para
autorizar a viagem deste navio entre o Porto e o Rio de Janeiro, com escala numa
localidade denominada Figueira.
Fragoso apresenta Joaquim José da Rocha como detentor de uma das maiores
fortunas do Rio de Janeiro, segundo seu inventário post-mortem de 1846, ou seja, 42
anos após o seu testemunho nos banhos de Araújo. Seu monte-bruto, representado pela
considerável quantia de 55:519$920, encontrava-se distribuído da seguinte forma:
padrão de vida, 17,4%; jóias, 1,4%; prédios, 25,8%; moeda, 54%.
265
Atuara no setor de
aluguéis de prédios urbanos e possivelmente no de empréstimos, dado o maior volume
do inventário representado pelo item moeda. Fragoso não identificou nenhuma riqueza
deste negociante voltada para negócios mercantis, nem tampouco ter ele morrido com
dívidas ativas. Possuía, segundo seu inventário, apenas 08 cativos.
Manolo apresenta Joaquim José da Rocha como traficante de escravos.
266
Rocha
aparece como reexportador de mercadorias, visando aquisição de escravos africanos, no
caso comentado por Manolo: os sócios no bergantim Flor d´América, aprisionado pela
marinha britânica em Loango, na África, eram Joaquim José da Rocha, Francisco José
da Rocha, José Marcelino Gonçalves e Antonio Fernandes da Costa. A carga da
embarcação era destinada ao escambo por escravos, constituindo-se de tecidos ingleses
no valor de 3:000$000. A mesma estratégia também foi feita pelos traficantes de
escravos Elias Antônio Lopes e Simão da Rocha Loureiro.
267
A outra testemunha foi Joaquim Jose Gomes de Araújo, casado, natural do
Bispado do Porto, morador na Rua da Quitanda com loja de Fazendas, (...) de idade de
trinta annos e ao costume disse ser Compadre do Justificante.
268
Um caixeiro, um detentor de seu próprio negócio e um comerciante de fazendas
(tecidos). Todos, homens ligados ao circuito comercial do Rio de Janeiro.
maiores no final do século XVIII, surgiram bergantins com três mastros. Site Brasil Mergulho.
Disponível em: <http://www.brasilmergulho.com.br/port/naufragios/descricao/index.shtml>. Acesso em:
19 out. 2008.
264
AHU- Rio de Janeiro, cx.322, doc. 108 e AHU_ACL_CU_017, Cx. 293, D.20.722. Arquivo Histórico
Ultramarino- Rio de Janeiro RJ. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/resultado-
pesquisa.jsp> Acesso em: 19 out. 2008.
265
FRAGOSO, 1998, op. cit., p.318.
266
Listagem dos traficantes de escravos entre a África e o porto do Rio de Janeiro, atuantes entre 1811 e
1830. In FLORENTINO, Manolo, 1997, op. cit. p.256.
267
FLORENTINO, Manolo, 1997, op. cit. p.126.
268
Habilitação Matrimonial de Henrique José de Araújo, 1804, op. cit.
138
Henrique José de Araújo, portanto, ao menos desde sua chegada ao Brasil por
volta de 1787, com 19 ou 20 anos, mantinha contato com homens de negócio e
comerciantes da praça do Rio de Janeiro. Teria, como era comum a outros que vieram
tentar melhor sorte no Brasil, começado sua vida como caixeiro? Não foi possível saber.
O certo é que Araújo envolveu-se em atividades, comerciais e/ou rentistas, que lhe
trouxeram riqueza e poder. Tanto que dezessete anos depois, em 1804, com 36 anos,
conseguira desposar Maria Bibiana Cordovil, filha certamente do segundo casamento de
Antonio de Oliveira Braga, com Maria Feliciana.
O
Capitão Henrique foi homem rico, com cabedal suficiente para despender
generosas somas em obras pias como
as contínuas beneficencias q. alguas Igrejas da
Cidade tem recebido do ditto Senhor, principalmente a Capella q. foi do Sacramento na
Igreja do Rozario no Rio de Janeiro, com q. tem despendido mais de seis mil
cruzados.
269
Contribuir para igrejas era sinal de distinção social, o que Araújo também fizera
na matriz da freguesia da Santíssima Trindade em mais de uma oportunidade. É
provável que ele, sua esposa, ou ambos, pertencessem à Irmandade do Santíssimo
Sacramento, importante e presente em capelas e matrizes do Rio de Janeiro, controlada
e freqüentada pela elite “branca”. Na página 130 verso do mesmo livro de Pastorais e
Visitas da Freguesia Santíssima Trindade, uma segunda nota, de 1828, referente à
necessidade de reforma na matriz, ao mesmo tempo em que registra duras críticas a um
senhor de engenho local, faz rasgados elogios a Henrique José de Araújo.
Não podendo concluir a obra da Capella- Mor, e Sachristia por não
haver maior numerário no Cofre, (ilegível) conservava nesta a
afflição, recorri ao tenente Vicente José Marinho q. tendo prometido
todo o seo socorro, em qualquer precisão mas percebi nelle hua fria
escuza, o que me poz na maior consternação visto q. prezentemente
ate povo padecia os mayores prejuízos, e era geral a calamidade
publica; mas o Nosso Senhor que acode nas maiores precizoens me
inspirou recorrer a generoso catholico e piedozo Henrique Joze de
Araújo q. liberalmente nos socorreo gratuitamente com a quantia de
200$000 que logo entreguei ao ditto Portella visto a boa que todos
nele tem; e esperamos a próxima ocazião para continuar a obra da
Igreja, visto que estes [tempos?] de agoas em que se acha o Rio
condução de materiais. Freg.ª, 20 de Nov. de 1828. O Vig. Antonio
Joakim Mariano.
270
269
Livro das Pastoraes e Visitas da Freguesia de Santíssima Trindade (1727-1812), op.cit.
270
Livro das Pastoraes e Visitas da Freguesia de Santíssima Trindade (1727-1812), op.cit.
139
Na página 133 verso, encontra-se terceira anotação, que descreve a participação
de senhores de engenho da freguesia da Trindade também na reforma da igreja.
Fez um altar novo para a Senhora do Terço com esmolas agenciadas
por Salvador Freire da Cruz, cujo altar o Capitão Marcos da Costa
Falcão mandou pintar e dourar. Mandou-se levantar e aprontar o
Frontispício da Igreja para a qual derão tijolos o tenente Coronel
Francisco Álvares Velloso e o Collegio suprio com o que faltou, e
mandou quatro Pedreiros se telhou-se e rebocou-se por fora toda
Igreja a custa do Tenente Vicente José Marinho, para o que tão bem
pedi os Pedreiros do Collegio aos quais gratifiquei; o Commendador
Henrique Joze de Araújo mandou encarnar as Imagens das Três
Pessoas, fazer-lhe um Camarim envidraçado, pintado, dourado e seo
cortinado de damasco para o Sacrário do Ssmo.
271
Salvador Freire da Cruz coletara, entre os proprietários locais, dinheiro
suficiente para fazer um novo altar secundário para entronização da imagem de Nossa
Senhora do Terço. Marcos da Costa Falcão, que mandara pintar e dourar o mesmo altar,
é citado por Pizarro em suas
Visitas Pastoraes de 1795 como dono de engenho de
açúcar na freguesia da Santíssima Trindade
272
. Em meio a essa elite local, figurava
Henrique José de Araújo, que recebeu três referências na nota de reforma da matriz: as
duas primeiras pelo apoio da fazenda do Collegio, de sua propriedade, pela doação de
tijolos e cessão de quatro pedreiros. Não foi possível confirmar se eram escravos da
fazenda detentores de ofício ou trabalhadores livres remunerados por Araújo.
A terceira referência foi nominal, devido à sua contribuição em mandar
encarnar as Imagens das Três Pessoas
273
, além de fazer-lhe um Camarim envidraçado,
pintado, dourado e seo cortinado de damasco para o Sacrário do Ssmo.
271
Id., 1727-1812, op.cit.
272
A relação traz ainda os nomes de Catarina (Caterina) Francisca de Azevedo Lemos, viúva do auditor
Joaquim Mariano de Castro; Francisco Xavier da Costa Moura e o tenente Francisco Ferreira da Silva.
273
A técnica de encarnar imagens significa dar-lhes cor de carne ao pintá-las. FERREIRA, Aurélio
Buarque de Holanda. Mini Aurélio Século XXI Escolar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. Essas
imagens da Santíssima Trindade encontram-se atualmente na matriz da Paróquia de Sant´Ana de Japuiba,
em Cachoeiras de Macacu.
140
Figura 5: Ruínas da Igreja Matriz da Santíssima Trindade
274
Foto: Cortesia Robson S. Nascimento.
Araújo centrara seu apoio em melhorias na capela-mor, lugar principal da
matriz. Nela ficava o conjunto de imagens representando a trindade divina e o
compartimento (sacrário) onde se guardavam as sacratíssimas hóstias consagradas nas
missas. A capela-mor também era local das sepulturas dos homens e mulheres de maior
prestígio na sociedade. Araújo poderia, com toda certeza, garantir seu enterramento
nessa ‘área nobre’ da Igreja, por meio de tantas ações pias.
Não poderia ser mais evidente sua demonstração de prestígio e poder local. Sua
colaboração na matriz, após a doação da quantia em dinheiro de duzentos mil réis,
mencionada pelo padre Joaquim Mariano na primeira nota, provavelmente deve ter
colocado o tenente-coronel Vicente José Marinho, que segundo a mesma nota se
comprometera junto ao padre em prestar sempre seu apoio à Igreja, em delicada
situação.
A riqueza de Araújo lhe trouxera poder e influência, riqueza à qual se
acrescentam posses no Rio de Janeiro, representadas por muitas e ricas propriedades na
Cidade, Chácaras, Quintas, de acordo com a nota do padre referente à doação da naveta
e do turíbulo. Essas posses na Cidade revelam Henrique José de Araújo solidamente
fixado na Corte, outrora centro do comércio atlântico português e agora, brasileiro, além
de sede do poder imperial.
274
Esta é a segunda matriz da Trindade, “inaugurada” em 1743 e centro das atenções dos senhores de
engenho de Macacu. Situa-se na localidade hoje denominada Belém, a cinco quilômetros de Papucaia,
distrito de Japuiba, Cachoeiras de Macacu. A frente localizava-se do lado esquerdo da foto.
141
Joaquim Mariano, em seu elogio, apresentou ainda um balanço da fortuna de
Araújo: o seu fundo anda por mais de hu Milhão de Cruzados, o que não admira poder
contribuir tanto para a matriz. Araújo, segundo seu
biógrafo, enriqueceraobtivera boa
parte de toda essa riqueza graças à
sua Ilma. Consorte a qm elle deve pte de sua
Furtuna. Outro aspecto do seu poder econômico, não esquecido por Mariano, era o
número de cativos de sua propriedade, com mais de quatro centos escravos entre todos.
as informações sobre a personalidade de Henrique José de Araújo terão que
ficar circunscritas à visão particular e comprometida do padre Joaquim Mariano,
que lhe atribuiu os epítetos de
generoso Bemfeitor (...) tratamento muito afável muito
familiar e todo cheio da mayor urbanidade...nunca quis ocupar cargo algum honorífico
e o privilegio de Captam de Malta...
. generoso catholico e piedozo.
275
Chama a atenção
o cuidado que parece ter padre Mariano em tentar legitimar a posição política de Araújo
em meio aos demais senhores locais: He hu verdadeiro Brasileiro, bom Patriota q.
sempre seguio a cauza da Independência.
Outra coisa que o trecho revela, é o sentimento de nacionalidade expresso por
Mariano, ao se utilizar do termo Brasileiro, o que parece tentar estabelecer uma posição
de ‘oposição’ de Araújo ao partido português. Vale frisar que no ano da primeira nota,
1825, onde este dado aparece, vivia-se ainda a novidade da independência. Construía-se
o Estado Nacional brasileiro, dado a recente promulgação da Constituição de 1824, no
ano anterior.
Esse português, em 1825, três anos após a Independência era um respeitável,
rico e poderoso negociante e senhor de terras de 56 anos, figurando como um dos
maiores proprietários de terras e escravos da região, dada a sua numerosa escravaria.
Devido a falta do inventário post-mortem de Henrique José de Araújo, não foi possível
uma melhor caracterização dos cativos de sua propriedade no vale do Macacu.
Contudo, existe outra informação que se aproxima muito da registrada por
Joaquim Mariano em 1825 – sendo mesmo anterior a este - acerca do número de
escravos de Araújo. Nicoulin, em trabalho sobre a vila de Nova Friburgo, transcreveu
observação de Meiret de Miécourt sobre a passagem dos suíços pelo vale do Macacu no
ano de 1821, em direção à subida da serra:
275
Livro das Pastoraes e Visitas da Freguesia de Santíssima Trindade (1727-1812), op.cit
142
Os colonos percorreram a metade da viagem. Vão deixar os barcos para
empreender a última parte do trajeto. O primeiro dia leva-os à fazenda do
Colégio, distante 18 quilômetros da última parada
.(...) Chegando à fazenda
do Colégio, entram em contato com outra realidade brasileira. Essa fazenda
pertence a um proprietário “imensamente rico”, que possui mais de 300
negros e um engenho de açúcar. Ali são bem recebidos, bebem a aguardente
do país, a cachaça.”
276
Parece ser acertado o julgamento de Mariano acerca da urbanidade de Henrique
José de Araújo. Miécourt registra apenas um engenho, enquanto padre Joaquim diz que
Araújo possuía quatro. O relato de Miécourt (1821) precede o do padre (1825),
apresentando a grande disparidade de três engenhos a menos do que comentou Joaquim
Mariano. Teria o empreendimento do
Capitão Henrique, em apenas quatro anos,
crescido tão vertiginosamente? É possível que sim, mas também pode tratar-se apenas
de falha na observação de Miécourt.
Pizarro, em suas Memórias Históricas, apresenta São João Batista de Itaboraí
como a maior freguesia produtora de açúcar da vila de Macacu.
277
Apesar disso, pode-se
afirmar com certeza que Henrique José de Araújo, radicado na freguesia da Santíssima
Trindade, era o grande proprietário isolado de escravos na região de Macacu, tanto
pelos muitos registros de batismo de seus cativos e as fontes coevas, havendo entre
estes, significativo número de adultos.
Essa destacada posição de Araújo no contexto dos corpos sociais de Macacu,
deve ter lhe conferido, o que Fragoso denomina de sentimento de superioridade.
tal sentimento de superioridade, era um dos resultados do Antigo
Regime nos trópicos. (...) prendia-se a um gênero de sociedade na qual
a posição de uma pessoa/família na hierarquia social dependia de sua
qualidade, leia-se de sua capacidade de mando na República e, no
nosso caso, de usufruir as benesses da economia do bem comum. (...)
suas estratégias matrimoniais mudavam conforme as conjunturas
históricas e com elas as escolhas dos tipos de genros, “nobres” ou não.
(...) tais preferências se traduziram em casamentos com esposos
forasteiros à cidade (...) Passados os tempos heróicos da montagem da
economia açucareira, consolidadas as posições das famílias
conquistadoras como senhoriais e como hegemônicas na República,
sua política matrimonial mudaria completamente. Nas últimas décadas
do século [XVII], elas “optaram por matrimônios com seus pares
276
NICOULIN, Martin, 1996, op. cit.
277
“Trinta e duas fábricas trabalham a cana para açúcar e aguardente, cujos efeitos, bem como a farinha,
milho, feijão, arroz e café, produtos mais principais das lavouras do distrito, são conduzidos ao Porto das
Caixas, onde um armazém que os recolhe, enquanto se aprontam os barcos de transporte para levá-los
à cidade”. Cf. ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro, 1945, op. cit. p. 165 - 166.
143
sociais, o que facilitava as alianças políticas, ou melhor, a formação de
“bandos” no interior da nobreza da terra.
278
Parece plausível considerar, tendo como exemplo o caso de Henrique José de
Araújo, que esse sentimento de superioridade perdurasse na longa duração, avançando
mesmo pelo século XIX. Henrique José de Araújo certamente conseguiu avultados
resultados financeiros e muitas propriedades através de ao menos duas estratégias
distintas, mas interligadas: o comércio e o matrimônio.
Por sua condição de homem rico e casado com filha de influente família da elite
fluminense
279
, ou seja, Maria Bibiana Cordovil, Araújo usaria dessa riqueza em
políticas para obtenção de prestígio e demarcação de seu espaço social em meio à elite
rural e escravista do vale do Macacu. No seu interior, era influente membro e
competidor com os demais senhores locais, por posições na hierarquia de poder pessoal.
Cronologicamente, após seu casamento com Maria Bibiana, seguiu-se uma vantajosa
relação comercial de Araújo com o poderoso negociante português João Rodrigues
Pereira de Almeida.
Osório, em tese sobre a província do Rio Grande de São Pedro (Rio Grande do
Sul), analisou as profundas conexões econômicas e sociais existentes entre o Rio
Grande de São Pedro e a praça do Rio de Janeiro, além de contribuir para a
identificação de mecanismos de constituição da elite mercantil do Centro-Sul do vice-
reino do Brasil.
280
A autora estuda a concessão de quatro desses contratos destinados ao Rio
Grande: três de cobrança de impostos e um de fornecimento de mercadorias.
Respectivamente, a arrecadação dos dízimos, dos proventos do Registro de Viamão, do
quinto dos couros e gado em e do fornecimento de alimentos às tropas sediadas na
região do Rio Grande de São Pedro.
Sobre esta prática Osório comenta ser vigente nas monarquias do Antigo Regime
europeu, de ceder a particulares, por meio de contratos que eram arrematados, a
278
FRAGOSO, João.2001, op. cit.p. 53-55.
279
Habilitação Matrimonial de Henrique José de Araújo, 1804, op. cit.
280
OSÓRIO, Helen. As elites econômicas e a arrematação dos contratos reais: o exemplo do Rio Grande
do Sul (século XVIII) In:
O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI a
XVIII). FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda Baptista; GOUVÊA, et alli. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001.
144
prerrogativa de cobrar direitos, negociar com exclusividade algum produto ou
abastecer alguma região ou instituição, foi transladada às colônias.
281
Essa política facilitava a Portugal, como a outros Estados modernos, a
distribuição de mercadorias por amplas áreas, além de desonerar o Estado das
responsabilidades de cobrar impostos, quando seria preciso montar uma pesada e
custosa burocracia. A Coroa tinha como certo o recebimento, pelo direito de usufruto,
que o concessionário do privilégio angariava. Em suma: recebia antes mesmo de cobrar.
Miranda explica como eram arrematados esses contratos:
os contratos eram estabelecidos entre a Coroa e indivíduos ou
companhias, normalmente vendidos em hasta pública àqueles que
fizessem os lances mais elevados, por períodos determinados,
geralmente por três anos. Quando as ofertas fossem inferiores àquelas
da arrematação anterior ou não surgissem interessados, a Fazenda
Real se encarregava de “administrá-los”. Os arrematadores
adiantavam à Coroa a quantia acertada usualmente em prestações
(“quartéis”), lucrando com a diferença entre esta e o que pudessem
extrair dos súditos lances mais elevados, por períodos determinados,
geralmente por três anos. Com esse sistema, a Coroa buscava garantir
um fluxo regular de renda monetária e superar as limitações de
quadros e de recursos para fazer chegar ao contribuinte o braço
arrecadador, ao mesmo tempo em que fazia convergir seus interesses e
dos grandes comerciantes associados ao Estado na arrecadação de
impostos, na exploração de monopólios régios e no abastecimento de
tropas.
282
Miranda explicou também como os contratadores pagavam esses contratos e a
forma como eram extremamente disputados e lucrativos:
Os contratos eram vendidos por um valor final composto pelo preço
principal (“livres para a Fazenda Real”), sobre o qual incidia 1% para
obras pias, propinas para munições e propinas para o presidente e
deputados da Junta da Fazenda onde era rematado. Responsável pela
arrecadação, cabia ao contratador todas as despesas dela decorrentes.
Seus lucros dependiam assim da eficiência da cobrança, pois lucrava
com a diferença entre o preço devido à Fazenda Real e aquilo que
houvesse arrecadado. Negócio atrativo, o direito de cobrar tributos
também foi objeto de pedidos de mercê em retribuição por serviços
prestados pelos próprios requerentes ou por seus antepassados. (...)
reconhecimento por parte do Rei, uma forma de distinção na
sociedade colonial e a possibilidade de gozar de privilégios previstos
nas Ordenações aos rendeiros reais.
283
281
OSÓRIO, Helen, 2001, op. cit. p. 110
282
MIRANDA, Márcia Eckert. A estalagem e o Império: crise do antigo regime, fiscalidade e fronteira
na província de São Pedro(1808-1831).Campinas;UNICAMP,2006.p.65-66.Disponível em:
<http://libdigi.unicamp.br> Acesso em: 19 dez. 2008.
283
MIRANDA, 2006, op. cit. p.65-66.
145
Nesses contratos, o predomínio das arrematações ficava com a elite comercial do
Rio de Janeiro, graças a sua capacidade de mobilização de capitais e às suas fortunas,
muito superiores às dos comerciantes sulistas
.
284
.
Voltando a Osório, seu trabalho comenta sobre o período em que a arrematação
dos contratos foi transferida da cidade do Rio de Janeiro para Lisboa, sendo então
realizadas pelo Erário Régio. O trio de comerciantes integrado por José Rodrigues
Pereira de Almeida e os cunhados Antonio Ribeiro de Avellar e Antonio dos Santos e
Companhia, monopolizou o contrato dos dízimos de 1791 a 1796, o do quinto dos
couros e o do municio das tropas no triênio 1794-1796.
De 1797 a 1805, associou-se ao grupo João Rodrigues Pereira de Almeida,
irmão de José Rodrigues Pereira de Almeida. Aquele era comerciante de grosso trato do
Rio de Janeiro e um dos principais negociantes de produtos do Rio Grande.
285
Sobre ele
escreveu Fragoso: não apenas atuava em diversos ramos tráfico de escravos,
abastecimento interno e finanças -, como também detinha posições monopolistas em
cada um desses setores do mercado.
286
Segundo Sampaio, a origem dessa elite de negociantes se aprofunda pelos
séculos XVII/XVIII através do comércio interno e externo, constituindo-se como
principal elite mercantil da América portuguesa, suplantando mesmo a da antiga capital,
Salvador:
A documentação do período é próspera em exemplos (...) que
ressaltam o papel estratégico que o Rio de janeiro passa a
desempenhar após a descoberta do ouro, graças exatamente às suas
relações privilegiadas com as regiões auríferas. Ao longo da primeira
metade do século XVIII, a praça carioca vai sobrepujando a de
Salvador em importância dentro do sistema mercantil imperial,
tornando-se assim a principal da América portuguesa.
287
Henrique José de Araújo entraria nesse negócio com a província do Rio Grande
de São Pedro através de sua associação ao grupo do poderoso negociante João
Rodrigues Pereira de Almeida. A nova sociedade comercial agora seria formada por
parentes de João em Portugal: Joaquim Pereira de Almeida, Antonio Ribeiro Pereira de
Almeida e Mateus Pereira de Almeida; por Henrique José de Araújo e também o
284
OSÓRIO, 2001,op.cit. p.117
285
OSÓRIO, 2001,op.cit. p.119.
286
FRAGOSO, 1998, op. cit. p. 329.
287
FRAGOSO, 2001, op. cit. p. 75.
146
traficante de escravos Antonio José da Costa Barbosa. Esse grupo de comerciantes
conseguiu novamente o monopólio dos contratos dos dízimos, quinto dos couros e
municío das tropas com a província do Rio Grande de São Pedro para o triênio 1806,
1807 e 1808.
288
Sampaio define o objetivo desses negociantes ao se organizarem em sociedades,
que
funcionavam como importante instrumento de acumulação de capital.
Isso fica claro na diferença entre a participação de cada um dos sócios
no capital da mesma e a divisão dos lucros. Frequentemente elas
representavam associações entre capital e trabalho, cuidando o sócio
capitalista somente de garantir sua participação nos lucros, enquanto o
(os) outro (os) responsabilizava(am)-se por toda a administração do
comércio (ou outra atividade) de que era objeto aquela sociedade.
289
É evidente que algo de significativo no fato de Henrique José de Araújo
entrar para esta sociedade comercial, integrada por tão importantes negociantes, dois
anos após seu casamento com Maria Balbina de Oliveira Braga, em 1804, o que o liga
ao assenhoramento de uma grande fazenda no vale do Macacu. Miranda analisou
criticamente esse monopólio fluminense sobre os negócios com o Rio Grande:
em 1779, uma nova Junta da Fazenda foi instalada em fevereiro de
1803. Como órgão colegiado, era formada pelo Governador, pelo Juiz
de fora da Vila de Porto Alegre, por um procurador a ser nomeado
entre as pessoas letradas do Continente, por um tesoureiro eleito, por
um escrivão e o pelo Intendente da Marinha. (...) No entanto, sob a
presidência do Governador Paulo José da Silva Gama, (...)a Junta da
Fazenda transformou-se num instrumento de afronta aos interesses
privados locais, servindo para concentrar poderes e recursos pelo
governo. (...) Em 1805, estava a cargo da Junta da Fazenda realizar o
leilão dos contratos régios da capitania, mas, ao invés de facilitar o
acesso de residentes a estes negócios, a participação desses
comerciantes foi sistemática e violentamente barrada pela Junta da
Fazenda, em favor de interessados residentes nas praças do Rio de
Janeiro ou de Lisboa. Naquele ano, três comerciantes de Porto
Alegre, José Antônio dos Prazeres e os capitães Antônio Soares de
Paiva e José Francisco dos Santos Sampaio tentaram participar da
rematação dos contratos do quinto dos couros e do gado em do
triênio de 1806 a 1808. Por decisão da Junta, foram impedidos de
participar da licitação por julgá-los “negociantes pouco idôneos para a
rematação de semelhantes contratados”, o que deu origem a uma
contenda prolongada que chegaria ao Erário Régio em Lisboa.
290
288
OSÓRIO, 2001, op. cit. p.120
289
SAMPAIO, 1994, op. cit. p. 97
290
MIRANDA, 2006, op. cit.
147
Podem ter havido relações políticas, de caráter pessoal, determinando a
concessão e arrematação destes lucrativos contratos comerciais no Rio Grande de São
Pedro
. Há de se mencionar ainda, complementarmente, outras tantas características
desse negócio mencionadas por Osório:
Os contratadores não lucravam apenas com a diferença entre o preço
do contrato e seus gastos de arrecadação e o produto arrecadado. As
cláusulas dos contratos lhes garantiam uma série de privilégios
mercantis que permitiam sua atuação no mercado de forma
diferenciada e monopolística.
291
Em carta do governador de Rio Grande de São Pedro, Sebastião Xavier da
Veiga Cabral da Câmara, ao vice-rei d.Rodrigo de Souza Coutinho, aquele não
escondeu sua indignação com as estratégicas formas de lucrar dos contratantes em
relação ao contrato do quinto dos couros, de 1797:
Abusando da necessidade, miséria e falta ou demora de pagamentos
dos Militares compram-lhes pela oitava parte do seu valor aquelas
mesmas letras com que ajustam as suas contas, sem rebate algum,
aceitando-lhes a Real Fazenda pelo seu legítimo valor, de que se segue
que despendendo estas grossas somas de dinheiro em pagar o que com
tanto trabalho e risco vencem os defensores da Coroa, e da Pátria, vem
estes a receber ad´sumo a oitava parte, e algumas vezes em fazendas,
ou gêneros avariados, cujo sacrifício, além de involuntário ou para
melhor dizer forçado se lhe faz tanto mais sensível por não ser em
obséquio da Real Fazenda, mas sim de uns particulares que se tem
erigido em opressores.
292
Havia a possibilidade de pagar parte do contrato com letras da Fazenda Real,
que no Rio Grande serviam para pagar os soldos atrasados dos militares, além das
requisições de gado e trigo feitas por várias vezes pelos contratadores aos estancieiros e
lavradores para abastecimento das tropas do exército. Como as letras não apresentavam
perspectivas de resgate pelo governo do Rio Grande, os negociantes, como comenta o
governador, compravam-nas dos empobrecidos portadores muitos deles homens das
tropas coloniais - e as utilizavam no pagamento dos seus contratos, renegociadas com
291
OSÓRIO, 2001, op. cit.p.122.
292
Governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara a D. Rodrigo de Souza Coutinho. Rio
Grande, 18/02/1800. AHU, RG, av, cx.7, doc.25, apud. OSÓRIO, 2001, op. cit.
148
ampla vantagem. Além disso, tinham a prática de instalar lojas junto aos locais de
cobrança de tributos.
293
Talvez estas práticas comerciais possam ajudar a intuir aspectos da
personalidade de Henrique José de Araújo não tão
afáveis como os que seriam
futuramente apresentados, em 1825, por Joaquim Mariano.
Henrique José de Araújo, como negociante, não limitaria suas atividades
comerciais ao Rio Grande do Sul. Na Biblioteca Nacional, outro conjunto de fontes
apresenta as relações de Araújo com o padre Francisco Sabino, reitor do Seminário dos
Meninos Pobres e Órfãos do Distrito de Ilha Grande. Através de dois requerimentos, o
padre Sabino tentava regularizar o recebimento das côngruas
294
atrasadas do Seminário:
O Pe. Francisco Sabino Presbítero a Congregação do Oratório reitor
do Seminário dos Meninos pobres e órfãos no Districto da Ilha Grande
reprezenta a V. Excia. que o Exmo. Senhor Ministro da Fazenda pede
huma Portaria de V. Excia. no Thezouro poder mandar pagar ao
Supe como Reitor do mesmo Seminário as Côngruas mensaes e
annuaes q. Sua Magestade Imperial manda dar para subsistência do
mesmo Seminário[...]
295
Esses recursos financeiros serviriam para remunerar Henrique José de Araújo
pelo fornecimento de gêneros para abastecimento do mesmo seminário. No documento
que se segue, chama atenção o fato de que as côngruas deveriam ser repassadas
diretamente às mãos de Araújo e não ao padre reitor da instituição. Para tanto, em 22 de
junho de 1824 escrevia o clérigo:
O P. Francisco Sabino Reitor do Seminário dos Meninos pobres e
órfãos no Districto da Ilha Grande reprezenta a Vossa Magestade
Imperial a Henrique Joze de Araújo Negociante desta Corte foi
concedido a Sup.e por especial Mercê de Vossa Magestade Imperial pª
suprir o mesmo Seminário nas despezas q. forem necessárias e
receber no Thezouro publico todas as Côngruas pertencentes ao
mesmo Seminário porem como o dito Negociante não pode receber as
dittas Côngruas sem ficar isso authorizado por Vossa Magestade
Imperial por tanto. Pede a Vossa Magestade queria dignar-se
authorizar o ditto Negociante Henrique Joze de Araújo q. possa
mandar receber no Thezouro publico as dittas Côngruas de cem mil
293
Id., 18/02/1800, op. cit.
294
Francisco Sabino, padre da Congregação do Oratório. Requerimento encaminhado ao Ministério do
Império, solicitando providências no sentido seja executado tendo o que resolver a Junta do Governo
sobre sua estadia na congregação de Pernambuco; pede que o tesouro pague as côngruas vencidas do
seminário dos meninos pobres de Ilha Grande, do qual é reitor; e licença para que o negociante Henrique
José de Araújo, possa receber as côngruas que lhe compete como fornecedor do seminário. 1815-1824. C-
0800,034. Seção de Manuscritos – Biblioteca Nacional.
295
Francisco Sabino, padre da Congregação do Oratório, 1815-1824, op. cit.
149
reis cada mez e de quatro centos mil reis por anno q. Vossa Magestade
Imperial manda dar pª subsistência do mesmo Seminário
296
Araújo recebera como mercê do Imperador o monopólio no fornecimento de
gêneros ao Seminário infelizmente sem mencionar quais. Tal fato comprova que
dezesseis anos após ter arrematado o lucrativo contrato do Rio Grande de São Pedro
(1806 a 1808), em 1824 ainda dedicava-se à atividade comercial e, ao que parece,
comércio não apenas de açúcar. Infere-se então que naquele anterior contrato para
municio das tropas, no Sul, Araújo possa ter entrado no negócio através do
fornecimento de farinha de mandioca, que possuía terras e suficientes escravos
inclusive uma maioria de mulheres - que o possibilitariam à produção desse gênero.
Levando em consideração que Araújo adquiriu para si a
Fazenda do Colégio
pelo dote da filha de Antonio de Oliveira Braga, é plausível supor que produzisse na sua
propriedade os gêneros que forneceu àquele contrato do Rio Grande e posteriormente,
ao Seminário dos Meninos Pobres e Órfãos da Ilha Grande. Tendo em vista o exposto a
respeito do quadro socioeconômico do vale do Macacu nos capítulos anteriores, é
igualmente plausível que a farinha de mandioca, o arroz, milho e feijão, pudessem estar
entre os gêneros fornecidos.
A escravaria da Fazenda do Colégio, ao menos no tempo do Braga, em 1797,
contava 62 mulheres, 44 homens e outros 101 escravos e escravas mais jovens. Cativos
estes que Araújo adquirira pelo casamento com Maria Feliciana Cordovil sete anos
após. Evidente que este grande grupo sofrera alterações no decorrer deste tempo, mas
provavelmente mantivera-se relativamente íntegro, além do que muitos dos 101 mais
jovens teriam alcançado idade produtiva e se voltariam para a produção mercantil da
farinha e outros gêneros.
Araújo talvez tivesse planejado outro passo na ascensão social através de um dos
filhos. Mais uma vez o matrimônio foi política utilizada, através do ajuste do casamento
de seu filho, Joaquim Henrique de Araújo, com a filha do visconde de Olinda, Pedro de
Araújo Lima.
297
Entretanto, não a veria concretizar-se, que faleceu em 1840. Por
296
Id., 1815-1824, op. cit.
297
Pedro de Araújo Lima, (Antas, PE, 22.12.1793; Rio de Janeiro, RJ, 07.06.1870). Representou
Pernambuco nas Cortes de Lisboa (1821) e na Constituinte brasileira (1827), na Câmara dos Deputados
(1826-37) e no Senado (1837-70). Conselheiro de Estado (1842), ministro da Justiça e Estrangeiros
(1832), de Estrangeiros e Fazenda (1848). Presidente do Conselho de Ministros (1848, 1857, 1862 e
1865). Regente do Império (1837-40). Organizou o ministério conservador (1848) e chefiou o
Gabinete
150
outro lado, pode ter sido o próprio Joaquim quem particularmente e na ausência do
pai, tivesse arquitetado o enlace, o que da mesma forma conferiria maior prestígio ao
clã.
Um requerimento do visconde de Olinda, datado de 20 de abril de 1843,
confirma o sucesso do contrato de enlace:
P. Ato de Licença. P. Alvará em 20 de Abril de 1843 Senhor. O
Visconde de Olinda, tendo ajustado o casamento de sua filha D. Luisa
Bambina de Araújo Lima com Joaquim Henrique de Araújo, filho do
Commendador Henrique José de Araújo, e não o podendo concluir
sem approvação de Vossa Magestade Imperial, por isso P. a V.M.I. a
graça de a dar. O Visconde de Olinda.
298
Segundo Faria, em trabalho sobre famílias coloniais para Campos dos
Goytacazes,
Comerciantes enriquecidos transmutados em grandes senhores de
terras e escravos detinham lógica própria de comportamento, para eles
próprios e seus familiares, ditada, certamente, pela fase de vida em
que se encontravam. Quando comerciantes, estavam solteiros e
migravam por distâncias relativamente longas. O sucesso nos
negócios representava o estabelecimento de aliança matrimonial com
filhas de senhores prestigiados, constituindo uma nova fase em que o
objetivo tornava-se a consolidação do espaço social conquistado.
Cabia-lhes manter esse prestígio através do casamento de seus filhos –
principalmente mulheres tanto escolhendo bem seus afilhados
quanto os padrinhos de sua prole.
299
A lógica de se arranjar casamento para as filhas se associa ao fato de Pedro de
Araújo Lima - futuro marquês de Olinda e regente no período anterior à subida ao trono
de Pedro II pelo Golpe da Maioridade (1840) - casar Luisa Bambina com Joaquim
Henrique de Araújo, o que realça a importância social do clã Araújo e da descendência
do seu patriarca.
dos Velhos - 1862 e o Gabinete das Águias (1865). Sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. Disponível em: <http://www.ihgb.org.br/acervo311.php?f=ACP000024>Acesso em: 13 abr.
2008.
298
Pedro de Araújo Lima, Visconde de Olinda. Requerimento encaminhado ao Ministério do Império,
solicitando licença para casar sua filha com Joaquim Henrique de Araújo, filho do comendador Henrique
José de Araújo. 1843 - C-0317,011 nº 005.Seção de Manuscritos – Biblioteca Nacional
299
FARIA, Sheila de Castro, 1988, op. cit. p. 217-218.
151
4.2. O barão e visconde de Piracinunga
Joaquim Henrique de Araújo, depois de seu casamento com Luisa Bambina,
alcançou o título de barão de Piracinunga, por Decreto de 06 de dezembro de 1850. Na
divisão da
Fazenda do Colégio, Joaquim herdara a parte denominada Fazenda da
Papucaia.
300
O poder local do filho barão de Henrique José de Araújo pode ser experimentado
através de sua ação durante a grande epidemia de cólera morbus ocorrida em 1855 na
Província do Rio de Janeiro, ceifando centenas de vidas de livres e escravos. A rápida
disseminação da doença, na região do Macacu, foi registrada pelo vice-presidente da
Província, o visconde de Baependy:
fui informado de que a epidemia lavrava na povoação do Porto das
Caixas, do município de Itaborahy, assim como nas villas de Magé e
de Santo Antonio de Sá, tendo-se os primeiros casos em indivíduos
das tripulações de barcos que navegão entre a corte e aquelles pontos.
Para ali mandei todos os soccorros de que pude dispor.
301
No mesmo Relatório encontram-se registradas as tentativas do governo
provincial, em conjunto com senhores locais e colaboradores, em solucionar a endemia.
Entre estes, figurou de forma significativa, o apoio de Piracinunga no vale do Macacu:
Para estas freguezias [Sant´Anna de Macacu, e S.José da Boa Morte]
nomeei commissões filiaes, compondo-se a primeira do Barão de
Pirassinunga, subdelegado Francisco José da Gama, tenente-coronel
Zozimo Ferreira da Silva, e do reverendo parocho; e a segunda do
presidente da câmara Joze Emygdio Duque-Estrada, subdelegado José
Lopes Xavier, João José Domingues, e do reverendo parocho.
302
Joaquim Henrique de Araújo não participaria somente integrando a comissão
sanitária local, como informa o documento, mas também através de sua ação particular
semelhante a outros senhores locais - em oferecer atendimento ‘aos pobres’, em sua
Fazenda Papucaia, para onde fora enviado um acadêmico de medicina:
300
Na página 179 da Seção Província, do Almanaque Laemmert de 1850, aparece na freguesia da
Santíssima Trindade, município de Santo Antônio de Sá, no item Fazendeiros, a “Viuva & filhos de
Henrique José de Araújo, senhores de cinco fazendas”. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1850/00000619.html>. Acesso em: 15 fev. 2009.
301
Relatório da Província do Rio de Janeiro, 1855, p.08. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u832/000007.html>. Acesso em: 15 fev. 2009
302
Relatório da Província do Rio de Janeiro, 1855, p.23.
152
O Barão de Pirassinunga estabeleceu uma enfermaria para o
tratamento dos pobres da vizinhança na sua fazenda em Sant´Anna de
Macacu, correndo por conta do dito Barão as despezas com o preparo
della, medicamentos e dietas: o sext´annista Vicente Moncarda
encarregou-se gratuitamente do tratamento dos doentes que se
recolhessem a esta enfermaria.
303
A epidemia de cólera de 1855, que teve seus primeiros casos registrados no
município de Santo Antonio de em 06 de outubro daquele ano, foi devastadora. Um
levantamento parcial de vítimas na vila de Santo Antonio de Sá, Sant´Anna de Macacu
e São José da Boa Morte, oferecem um painel do horror que deve ter se instalado na
região:
Segundo communicou a commissão sanitária municipal em officio de
29 de outubro, a enfermidade continuava ali com intensidadee: o
numero dos acommetidos na freguezia da vila [de Santo Antonio de
Sá] desde o dia 4 do mesmo mez até aquella data era de 170, dos
quaes havião fallecido 30. Na freguezia de Sant´Anna de Macacu até o
dia 25 derão-se 14 casos de cholera, dos quaes 11 forão fataes. Na de
S. José da Boa Morte, segundo communicações de 28, a enfermidade
grassava com força, havendo sido sepultados até aquella data 26
cadaveres. Constou depois que até o dia 4 de novembro corrente o
numero de mortos elevára-se a 82 nesta freguezia.
304
Em pouco mais de um mês, de 06 de outubro a 04 de novembro, o cólera matou
pelo menos 123 pessoas, somente no Vale do Macacu. O Relatório de 1856 apresentou
um levantamento geral, que o vice-presidente Nicoláo Tolentino reconhecia ser
incompleto, dos atingidos pela epidemia para toda a província: de um total de 4.542
mortos, 948 eram livres, 1.677 escravos e 1.917 não tiveram informada sua condição.
Em Santo Antônio de Sá, curiosamente, o número de mortos cativos e livres foi o
mesmo: 82 pessoas. Acrescentando-se mais 45 com condição não declarada, o
município alcançaria a cifra de 207 mortos pelo cólera.
305
O barão de Piracinunga seria elevado ao título de visconde com grandeza do
mesmo título, por Decreto de 11 de outubro de 1876. Recebeu ainda as comendas da
303
Id., 1855, op.cit., p.08.
304
Ibid. p.08.
305
Relatório da Província do Rio de Janeiro,1856, p.3. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u833/000006.html>. Acesso em: 15 fev. 2009
153
Ordem de Cristo, Ordem da Rosa e o título de comendador da Ordem Romana de São
Silvestre
306
.
Não se pode afirmar categoricamente que foi apenas o seu casamento que lhe
conferiu tais títulos, mas não é seguro, por sua vez, afirmar que sua união com Luísa
Bambina de Araújo Lima não lhe tenha garantido uma porta aberta para receber seus
títulos e comendas.
É plausível que essa lógica se desse, também, de forma inversa, ou seja, ao então
visconde de Olinda interessaria garantir a tranqüilidade material da filha ao casá-la com
um dos herdeiros do rico Henrique José de Araújo. Inclusive, o próprio documento em
que solicita autorização para o casamento da filha revela o evidente interesse de Olinda
em concretizar a união.
A das últimas fontes que fazem referência ao barão é uma carta enviada em
novembro de 1865 por este à sua esposa.
Barbacena, 27 de Novbro 1865
Recebi sua carta de 24 e mto estimo as melhoras da Mamãe e a tua
boa saúde. Eu vou bem Graças a Deos estou bom de todo o
incommodo q tive no estomago. Agora vou te pedir hum favor, qe He
fazer ver a Papai os obséquios q Dr. Jose Rodrigues Lima Duarte nos
tem feito, e sua família, estou certo q. Papai não será indiferente a
isso; diga-lhe que no anno q. viemos Barbacena elle nos
emprestou 2 liteiras, 12 bestas, 5 pretos para nos conduzir, e q. na
estalagem em q. jantamos, e dormimos, não só nos quiserão levar nada
porque elle já tinha prevenido ao homem da estalagem e a despesa não
havia de ser pequena porq. Herão 14 pessoas, e 22 animaes e os mais
annos q. temos vindo elle sempre nos obsequiar, principalmente qdo
estou doente ou alguém da casa como vce bem sabe de tudo q. elle nos
tem feito; a mobília que me está servindo He delle Vce bem sabe q.
aqui não nem comprar e nem alugar-se. Visto todos esses
obséquios, desejava fazer algum a elle e então lembrava-me de Vce
pedir a Papai como lhe disse, mais como sou mto infeliz nos meos
pedidos, por isso peço a Vce eu ligo neste pedido tanto interesse q. te
digo q. peça como se fosse mim; o Lima Duarte de nada sabe por
isso se formos felizes de Papai annuir peça logo licença eu saber
delle se quer; corre por aqui que o Martim Francisco não acceita a
presidência da Parahyba, esta estava boa para elle. Se Papai, por
duvida Presidente, então peça Vice-Presidente de Minas q.
vaga, consta por aqui q. se empenhão q. seja nomeado Vice-
presidente de Minas o Vigario do Ouro Preto, diz o Barão do Prado q.
este Padre He homem sem influencia alguma, e nem He conhecido na
Provincia. Bambina, eu tenho mto empenho em obsequiar ao Lima
Duarte elle me pedio hum favor e eu pedi a Papai [palavra riscada]
não foi servido, elle pedio pª o Torres Homem ser nomeado pª cadeira
306
Almanaque Laemmert, 1877, p.55. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1877/00000063.html>. Acesso em: 15 fev. 2009.
154
de Higiene e Historia da Medicina, e elle não foi nomeado. Adeos,
lembranças a Papai, Mamãe e [ilegível]. Barão de Pirassininga.
307
Não foi possível saber o que o barão estava fazendo em Minas um ano após a
crise do Souto e poucos meses antes da venda de sua Fazenda da Papucaia, em Macacu.
Pode ser que os fatos não apresentem nenhuma correlação, mas o barão declarar
depender de forma tão veemente da ajuda de seu benfeitor, o dr. João Rodrigues Lima
Duarte, pode ser um indício. O tom na carta à esposa Luiza Bambina de Araújo Lima,
quase subserviente e ao mesmo tempo carinhoso, revela um homem fragilizado? Não é
possível sabê-lo.
Parece que existia distância do barão nos contatos com o marques de Olinda:
quando eu ahi estive quis pedir a Papai como lhe disse, mais como sou mto infeliz nos
meos pedidos, por isso peço a Vce eu ligo neste pedido tanto interesse q. te digo q. peça
como se fosse mim”. Quem sabe a filha amolecia o pai a atender o genro? Como
últimos cartuchos, Piracinunga assume a função de informante da situação política em
Minas, possivelmente na intenção de demonstrar proximidade e confiança ao poderoso
marques de Olinda:
Diga a Papai q. tem sido mal recebida a nomeação do novo Presidente
de Minas, o barão de Prados, me disse q. o Governo tinha se
enfraquecido mto com esta nomeação, e q. julga o Governo não ter
maioria na Cãmara com q. para contar, pela do barão a deputação
Mineira não está satisfeita. Diga isto só a Papai, e a mais ninguém
.
308
Teria o barão de Piracinunga relações comerciais com Minas Gerais? A carta do
barão à esposa comenta o empréstimo de 12 bestas e depois menção ao uso de 22
animais. O trecho da carta e os mais annos q. temos vindo elle sempre nos obsequiar
sugere anteriores contatos, embora a indisponibilidade de fontes torne muito frágil esta
hipótese.
A ausência de fontes infelizmente não permitiu avançar mais. O que se sabe com
certeza, é que o casamento de Henrique José de Araújo lhe trouxe vários filhos, os quais
subdividiriam entre si a fortuna do pai formada por prédios e terrenos na cidade do Rio
307
Carta do barão de Pirassinunga à esposa (filha do marques de Olinda) pedindo-lhe obter do pai um
cargo de presidente (ou vice) da província para o dr. João Rodrigues Lima Duarte a quem o casal deve
obséquios; e comentando a reação desfavorável dos mineiros ao novo presidente barão de Prados.
Barbacena, 27 de novembro de 1865. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB. Coleção
Marques de Olinda, Lata 210, Doc. 77.
308
Carta do barão de Pirassinunga à esposa (filha do marques de Olinda)..., 1865, Op. Cit.
155
de Janeiro, além de sua propriedade rural no vale do Macacu. Esta se constituiria como
parte do ‘complexo agrário’ do clã Araújo na freguesia da Santíssima Trindade.
309
Gráfico 2: Genealogia de Henrique José de Araújo
309
Registros Paroquiais de Terras do Século XIX. Santo Antonio de Sá de Macacu. Freguesia da
Santíssima Trindade. Livro 79 (1854-1857). Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro APERJ.
Disponível em <http://www.docvirt.no-ip.com/aperj/acervo.htm> Acesso em 13 abril 2008.
Henrique
José de
Araújo
Maria Bibiana
Cordovil de
Oliveira Braga
Antonio
Jo de
MIranda
Maria
Joanna
de Araújo
Antonio
de Oliveira
Braga
Maria Feliciana
Cordovil de
Siqueira
Antonio
de Oliveira
Duo
Jacintha
Lourença
de Jesus
Francisco
Cordovil de
Siqueira e Mello
Catharina
Vaz
Moreno
Joaquim Henrique de
Araújo Bao e
Visconde de Piracinunga
Henrique Jo
de Araújo
((Filho))
Jo
Henrique
de Araújo
Antonio
de Araújo
Braga
Luiza Bambina de Araújo
Lima Baronesa e
Viscondessa de Piracinunga
Maria Jo de
Araújo Baronesa
do Pilar
Jo Pedro da
Motta Sayão
Bao do PIlar
Pedro de Araújo
Lima Marques
de Olinda
Luisa
de
Figueiredo
Luiza
LIma
Araújo
Jo
Antonio
Alves Souto
156
CAPÍTULO CINCO
FARINHA BRANCA, SUOR NEGRO
O escravismo macacuano através dos
registros de batismo da Freguesia da Santíssima
Trindade de Sant´Anna de Macacu – Séc. XIX
O escravismo brasileiro, do ponto de vista da historiografia, nos últimos trinta
anos tem sido analisado por uma gama de novas interpretações oriundas do acesso a
arquivos, novas epistemologias e metodologias.
310
Uma profusão de trabalhos
monográficos, muitos dos quais produzidos com abordagens em âmbito regional,
trouxeram revisões de anteriores análises modelares e dos grandes esquemas
explicativos da escravidão. Toda essa complexidade, essas novas nuances acerca do
viver escravo, não mais compreendido como dicotomizado entre senhores e cativos,
talvez possa ser sintetizada citando-se Faria, no tocante a que ser escravo
não era trabalhar, comer, dormir acorrentado a grilhões silenciosos.
Em termos figurativos, é a ponta de um véu que, levantada, deixa
entrever uma comunidade não fechada em si mesma, que em seu dia-
310
Alguns exemplos são: AMANTINO, Marcia. Os escravos fugitivos em Minas Gerais e os anúncios
do Jornal “O Universal”
1825 a 1832. In: LOCUS Revista de História, v. 12, 02. Juiz de Fora:
UFJF, 2006; AMANTINO, Marcia.
O mundo das feras. Os moradores do sertão oeste de Minas Gerais –
Século XVIII. São Paulo: Anablume, 2008; ANDRADE, Marcos Ferreira de.
Rebeldia e resistência: as
revoltas escravas na província de Minas Gerais
. Belo Horizonte, FAFICH/UFMG, Dissertação de
mestrado, 1996; CHALHOUB, Sidney.
Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da
escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990; ENGEMANN, Carlos.
De laços e nós. Rio
de Janeiro: Apicuri, 2008; FLORENTINO, Manolo; FRAGOSO, João et alli.
O Antigo Regime nos
trópicos
: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI a XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2001; FREITAS, Marcos Cezar de (Org),
Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo:
Contexto, 1998; GÓES, José Roberto.
A paz das senzalas. Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de
Janeiro, c. 1790 - c.1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977; IVO, Isnara Pereira & PAIVA,
Eduardo França.
Escravidão, mestiçagem e histórias comparadas. São Paulo: Anablume; Belo
Horizonte: PPGH-UFMG; Vitória da Conquista: Edunesb, 2008; KARASCH, Mary C.
A vida dos
escravos no Rio de Janeiro
, 1808 1850. São Paulo: Cia das Letras, 2000; LARA, Silvia Hunold.
Campos da Violência: escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1988; LIBBY, Douglas Cole.
Transformação e Trabalho em uma economia escravista.
Minas Gerais no século XIX. SP: Brasiliense, 1988; MARTINS, José de Souza.
O cativeiro da terra.
São Paulo: Hucitec, 1996; SCHWARTZ, Stuart.
Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, São Paulo:
EDUSC, 2001; SILVA, Eduardo.
As camélias do Leblon e a abolição da escravatura. Uma
investigação de história cultural. São Paulo: Companhia das Letras, 2003; SILVA, Eduardo & REIS,
João.
Negociações e conflitos: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras,
1989; SLENES, Robert W.
Na senzala, uma flor: Esperanças e recordações na formação da família
escrava Brasil Sudeste, século XIX. RJ: Nova Fronteira, 1999; SOUSA, Jorge Prata de.
Escravidão:
ofícios e liberdade no Rio de Janeiro
: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998.
310
LIMA, Henrique Espada. Sob o domínio da precariedade: escravidão e os significados da liberdade
de trabalho no século XIX.Topoi: Revista de História. Rio de Janeiro: UFRJ, Volume 6, número 11, jul-
dez, 2005, p.298.
157
a-dia trabalhava, comia, amava, odiava, convivia intimamente com os
livres, comercializava, andava por caminhos e ruas, conversava,
tramava, etc. Vivia, em suma. Mas vivia escrava! E esse dado é
fundamental.
311
Apesar do baixíssimo status escravo, inferior ao de um homem livre pobre, os
cativos conviveram entre si, com os livres e os libertos tramando suas estratégias de
sobrevivência, vivendo as diversas situações cotidianas do mundo escravista. Cotidiano
esse produzido e reproduzido em espaços onde a constituição de solidariedades
individuais, a formação de famílias escravas e, num nível de complexidade, de maiores
agregados sociais escravos, foram elemento de primordial importância para os cativos.
Espaços de sociabilidades, de ajuda mútua, de conflitos e estratégias de sobrevivência
no seio de uma sociedade que tinha como interesse último, a coercitiva extorsão do
trabalho de homens e mulheres cativos.
Após essas primeiras considerações, passar-se-á ao objeto deste capítulo, que se
constitui na análise das relações escravistas para a freguesia da Santíssima Trindade,
termo da Vila de Santo Antônio de Sá, no vale do Macacu.
Como se delimitou, foram eleitas como fontes primárias básicas 2.583
registros de batismo de adultos e crianças escravas coletados no arquivo da paróquia de
Sant´Ana de Japuíba,
312
no recorte temporal de 1819 a 1873.
313
Para melhor
organização e visualização desses registros de batismo, estes foram subdivididos em
dois grupos: o Grupo A, integrado por registros no recorte temporal de 1819 a 1840 e o
Grupo B, entre 1852 a 1873, ambos coincidentemente representando intervalos iguais
de 21 anos. O primeiro extremo do recorte, o ano de 1819, foi demarcado pela não
disponibilidade de registros para anos anteriores e o outro, 1873, por motivo que, por
volta desta data, desaparecem dos livros os registros de cativos do clã Araújo.
314
No Grupo A, além de registros de outros senhores, estão os batismos dos cativos
da grande propriedade de Henrique José de Araújo, a Fazenda do Colégio, quando ainda
311
FARIA, 1998, op. cit. p.291-292.
312
Japuiba é segundo distrito do município de Cachoeiras de Macacu (RJ), que compreende em seu
território as localidades de Papucaia e Agro-Brasil, onde outrora situava-se o complexo agrário do clã
Araújo.,
313
Os registros entre 1841 e 1851 não foram encontrados. Os batismos estavam anotados em um livro de
1852 a 1873, e os demais em outros dois maços de registros, os quais encontravam-se, inclusive,
misturados com os de outra freguesia, a de São José da Boa Morte.
314
Pressupõe-se que esse desaparecimento é fruto do abandono da região pelo clã após seus membros
terem se desfeito de suas fazendas no Macacu por motivo da crise financeira da Casa Souto, a partir de
1864 (Ver Cap. IX)
158
em sua integridade territorial e antes do seu falecimento, em 1840. O Grupo B integra
em seu bojo cativos já subdivididos pelas cinco fazendas do clã Araújo.
Sobre o espaço geográfico, o recorte temporal adotado e as fontes, antes da
apresentação de seus desdobramentos, que se fazer algumas observações: sobre a
região delimitada e o recorte temporal extenso, estabelecido devido ao
acompanhamento da trajetória de formação, crescimento e decadência do clã Araújo na
região, como argumentado na Introdução. A busca, pouco frutífera, de inventários post
mortem,
contribuiu para não se poder ver com muita clareza a constituição dessas
escravarias. Neste sentido, restou o recurso de se trabalhar as fontes disponíveis através
da observação da freqüência de cativos batizados por um mesmo senhor num
determinado recorte temporal, bem como acesso a relatos coevos.
Feitas estas observações, e delimitada a tipologia da fonte básica a ser utilizada,
cumpre qualificar as fontes, no sentido de se evidenciar a importância que teria o ritual
do batismo, sacramento católico, para a vida de um cativo.
5.1. Batismos: “política inclusiva”.
A priori, se poderia dizer que para um cativo africano o batismo não traria
nenhum significado, a não ser o recebimento de um nome cristão em lugar do original
no dialeto de sua etnia ou substituir um possível nome em árabe caso se tratasse ser
africano islamizado. Mas o batismo tinha também função em inserir o africano, trazido
ao Brasil por intermédio do tráfico negreiro, numa nova realidade social. Passa então
esse rito a ter um preciso significado, sendo necessário avaliar sua relevância.
Batizar era uma agenda nas formalidades do tráfico negreiro. No porto de
embarque na África ou no Brasil, era obrigatório se batizar os cativos. Inclusive,
muitos o foram possivelmente duas vezes, dada a incerteza de muitos senhores se seus
cativos, os quais adquiriam no mercado negreiro, já haviam passado pelo rito na África.
Tal condição reporta à situação de que a escravidão não continha em si um
aspecto unicamente econômico, mas também um caráter salvífico, pela redenção dos
159
negros africanos de uma suposta condição de maldição e condenação divinas
315
,
possível de ser remediada pelo acesso aos sacramentos da Igreja. O batismo era porta de
entrada do africano escravizado no mundo colonial, neste caso em particular, o mundo
cristão e católico do outro lado do Atlântico. Mundo no qual agora se encontrava
forçosamente inserido. Segundo Guedes,
Os batismos eram registrados em livros específicos, quase sempre
separados dos de casamento e óbito. Porém, como fontes paroquiais,
todos trazem o testemunho de quem os deixou, a Igreja. Até inícios do
século XVIII, a feitura dos registros não seguia uma norma estipulada
pela Igreja. Posteriormente, sua elaboração seguiu as instruções do
Concílio de Trento, adaptadas à realidade colonial através do Sínodo
Diocesano, reunido na Bahia, em 1707, que criou as Constituições
Primeiras do Arcebispado da Bahia, publicadas em 1720.
316
Esta normatização buscou uma padronização dos registros:
Para os registros de batismo, as Constituições estipulavam que certas
informações deveriam constar, incluindo, dentre outras, a data e o
local do batismo, o nome do batizando, dos seus pais, o nome dos
padrinhos, se estado matrimonial, o nome dos proprietários dos
padrinhos, caso estes fossem escravos, a paróquia a que pertenciam
pais e padrinhos dos batizandos.
317
Como afirma Guedes, uma clara intenção de padronização dos registros e,
paradoxalmente, as Constituições não mencionavam que os livros de registros de
homens livres e cativos fossem separados, mas o foram. Afinal, trata-se também de
livros de registros de uma sociedade escravista.
318
Sobre este particular aspecto,
também ressalta Guedes, ao considerar que
os registros referem-se a percepções de agentes sociais que as pessoas
ocupavam (Gudeman e Schwartz, 1998; Faria, 1998; Soares, 1997).
315
Para uma abordagem mais ampla deste particular aspecto ver ‘A Bíblia, a escravidão e as nações do
homem’ In: BLACKBURN, Robin.
A construção do escravismo no Novo Mundo: Do Barroco ao
Moderno. 1492-1800. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2003. p. 85 a 99.
316
GUEDES, Roberto. Notas sobre fontes paroquiais de batismo. In: Caderno de Estudos e Pesquisas.
Ano VIII. Nº 19 (janeiro/abril 2004). São Gonçalo, Rio de Janeiro: UNIVERSO, 2004, p.98
317
Id. 2004, p.98
318
Ibid., p. 98. A esse particular, salvo a possibilidade de demarcar espaços bem definidos de distinção,
reputa-se essa prática a uma melhor organização dos registros. Posto que impossível de serem
organizados em ordem alfabética de nomes, e nem sempre cronológica, como no caso dos registros que vi
no Arquivo da Paróquia de Sant´Ana, seria muito mais difícil encontrar o nome de um cativo em meio a
um livro, ou muitos, em que se misturassem estes, os livres e os libertos. Tal praticidade é percebida no
livro de registro de filhos de escravas nascidos após a lei do Ventre Livre (1871) aberto separado de todos
os outros, na mesma paróquia.
160
Para além da concepção dos párocos e do discurso da Igreja, os
registros de (e sobre os) atores sociais de então. Portanto, trata-se de
documentos sociais, estando neles presentes hierarquias e valores.
319
O caso é que de uma forma ou de outra, o batismo era realmente obrigatório e
considerado necessário que se ministrasse. Entretanto, a aplicação do sacramento teve
significados distintos quando levada em consideração a época em que foi feita. Segundo
Lott,
O batismo é o primeiro sacramento. É a porta por onde se entrava na
Cristandade. Somente após ter recebido o batismo o crente podia
receber os demais sacramentos. A matéria era a água “natural” e sua
forma definia-se pelas palavras instituídas pelo próprio Jesus, como
acontecia com os demais sacramentos. Todos tinham como base
doutrinária palavras e ações do Cristo, através da Bíblia. O batismo
era tão importante que na falta do pároco, ou em casos extremos,
qualquer pessoa “ainda que seja mulher ou infiel” podia validamente
administrá-lo.
320
A inserção dos cativos no mundo colonial deve levar em consideração os
quadros mentais presentes na contemporaneidade da sociedade que inicialmente
traficara estes africanos: a sociedade de distintos corpos sociais portuguesa.
Acerca dessa particularidade, o Sermão XIV do padre Antônio Vieira, pregado
em 1633 numa igreja da Bahia, esclarecia aos presentes, entre eles mulheres e homens
cativos, a missão de salvar das chamas do inferno as amaldiçoadas gerações de Cam,
um dos três filhos de Noé.
De acordo com uma tradição do catolicismo
321
, Noé após o dilúvio plantou uma
parreira, produziu vinho e ingeriu dele uma generosa quantidade. Cam, após ver o pai
embriagado e nu nada fez, tendo sido Noé socorrido pelos seus outros dois filhos, Sem e
319
GUEDES, 2004, op. cit. p.99.
320
LOTT, Miriam Moura. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. FAFICH/UFMG. Texto
apresentado no VII Simpósio da Associação Brasileira de História das Religiões, realizado na
Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte: MG, 2005. Disponível em:
<br.geocities.com/adarantes/artigos_mirian_lott/CONSTITUI__ES_PRIMEIRAS_DO_ARCEBISPADO
_DA_BAHIA.doc> Acesso em: 17 ag. 2008. A respeito de leigos ministrarem o batismo por motivo do
risco de morrer a criança sem o sacramento, vários casos nos registros pesquisados na paróquia de
Sant´Ana de Japuiba, como o de Manoel, em 6 de outubro de 1834, filho natural de Lodovina, escrava de
Fortunata Maria da Gloria, batizado ‘em perigo de vida por Francisco Agostinho’ ou do também Manoel,
batizado em 8 de abril de 1834, filho natural de Anna. O cativo foi batizado ‘em risco de vida’ pelo
tenente-coronel Francisco Dias, seu próprio senhor. Benedicto, escravo de Constança Maria, filho natural
de Joanna, de nação, também foi batizado ‘em perigo de vida’ por Joaquim Mariano de Araújo, em 1833.
321
Cf. PRIORE, Mary Del & VENANCIO, Renato Pinto. Ancestrais: uma introdução á História da
África. São Paulo: Campus, 2003.
161
Jafet. Refeito da embriaguez, e sabedor da atitude de Cam, Noé o amaldiçoou,
profetizando que teria sua descendência como serva da de seus irmãos.
Sendo Noé lavrador, passou a plantar uma vinha. Bebendo do vinho,
embriagou-se e se pôs nu dentro de sua tenda. Cam, pai de Canaã
vendo a nudez do pai, fê-lo saber, fora, a seus dois irmãos. Então Sem
e Jafé tomaram uma capa, puseram-na sobre os próprios ombros de
ambos e, andando de costas, rostos desviados, cobriram a nudez do
pai, sem que a vissem. Despertando Noé do seu vinho, soube o que lhe
fizera o filho mais moço e disse: Maldito seja Canaã; seja servo dos
servos a seus irmãos.
322
Oliveira apresenta ainda outros exemplos de religiosos que fundamentaram a
escravidão nessa tradição:
O jesuíta italiano Jorge Benci, que viveu no Brasil na segunda metade
do século XVII, publicou seus sermões, reunidos sob o título
Economia Cristã dos Senhores no Governo de seus Escravos.
Justificou na obra que o fato de haver existido senhores e escravos
devia-se, sem dúvida, ao pecado original praticado por Adão e Eva.
Os africanos eram escravos por castigo, devido ao atrevimento de
Cam, o filho de Noé, que zombou da nudez de seu pai durante o sono.
Cam e toda a sua descendência foram amaldiçoados e condenados à
escravidão e consequentemente, ao cativeiro. Logo, simbolicamente
Cam passou a representar o primeiro pai dos negros.
323
Incluído o cativo na corporificada sociedade portuguesa mediante o tráfico, o
batismo era rito necessário a essa inclusão. Neste sentido, inseria-se o cativo como
integrante do corpo social escravo, status quo qualificado pela condição inferior mesma
ao mais baixo estrato dos homens livres. Homens-mercadoria submetidos a todas as
movimentações que uma mercadoria poderia sofrer. Segundo Engemann, A mera
afirmação da exclusão social não nos permite qualificá-la e, portanto, entende-la em
suas dimensões mais amplas. Antes do mais, óbvio está que os escravos não eram
indivíduos excluídos da sociedade, encontravam-se nela, dela faziam parte (...).
324
Mattos
325
analisa essa inclusão do cativo na sociedade de Antigo Regime lusa
não apenas observando um contexto e uma lógica absolutamente econômica, mas sim,
322
Gênesis: 9, 18 - 29.
323
OLIVEIRA, Patrícia Porto de. Desfazendo a maldição de Cam por meio dos assentos de batismos
de escravos adultos na Matriz do Pilar de Ouro Preto
1712-1750. In: XI Seminário sobre Economia
Mineira, 2004, Diamantimna. CD-ROM. Belo Horizonte : UFMG, 2004. v. 01. p. 40-45.
324
ENGEMANN, 2008, Op. Cit. p.51
325
MATTOS, Hebe Maria. A escravidão moderna nos quadros do Império Português: o Antigo Regime
em perspectiva atlântica, in FRAGOSO, João et alli.
O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial
portuguesa (séculos XVI a XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p.21.
162
agregando essa inclusão a esse contexto. Desta forma, argumentos econômicos não são
considerados como exclusivamente determinantes para que se justificasse escravizar.
Através da afirmação da presença de uma relação dinâmica naquela sociedade,
Mattos a define como uma sociedade que se queria imóvel, mas estava em constante
transformação, caracterizando a sociedade de Antigo Regime como
a tradicional representação das três ordens medievais (clero, nobreza e
povo), com base (...) numa concepção predominantemente
corporativa da sociedade e do poder, onde a sociedade era vista como
um corpo articulado, naturalmente ordenado e hierarquizado por
vontade divina. Ao rei como cabeça deste corpo, caberia
fundamentalmente distribuir mercês conforme as funções e privilégios
de cada um de seus membros, exercendo a justiça em nome do bem
comum (...) uma miríade de subdivisões e classificações (...)
expandindo a nobreza e seus privilégios, redefinindo funções,
subdividindo o “povo”entre estados “limpos” ou vis (ofícios
mecânicos).
326
A autora discute a abordagem que a historiografia tem feito sobre a aceitação de
uma contradição através do surgimento de novas sociedades escravistas nas Américas,
no contexto da consolidação dos Estados modernos na Europa e do virtual
desaparecimento da escravidão como instituição no continente europeu.
327
Essa dinâmica a que se refere Mattos, existente nas estruturas da sociedade
européia, teria trazido a sua transformação com a criação de novas categorias sociais,
fenômeno complexo que acompanhara a expansão ultramarina e a necessidade de
absorção de um número crescente de indivíduos a essa sociedade, de caráter corporativo
e com base nos costumes.
Para demarcar as novas distinções sociais no corpo jurídico do Antigo Regime
português, figuraram as Ordenações Afonsinas (1446/1447), no início da expansão
portuguesa, incorporando descendentes de mouros e judeus. As Manuelinas
(1514/1521), no início da colonização na América, onde ciganos e indígenas
aparecem e nas Ordenações Filipinas (1603), com negros e mulatos inseridos, durante a
colonização, como cativos.
Na discussão historiográfica sobre os motivos pelos quais se justificaria a
escravidão, a argumentação de base econômica seria desencadeada pela expansão
326
XAVIER & ESPANHA, 1993, p.121-156
327
MATTOS, 2001. Op. Cit.
163
comercial européia, seja a insuficiência de algumas regiões da América para garantir
trabalho compulsório, ainda que não escravo, aos interesses da colonização
328
.
a vinda de negros da África para a Colônia, como defendeu Vieira, era fruto
da concessão de uma graça da Virgem Maria, pela da invocação de Nossa Senhora do
Rosário, o que justificaria a escravização pela
guerra justae a conversão, cujo ato
que a confirma é o batismo. Sendo assim, inseria-se o cativo na sociedade colonial não
somente como braço para o trabalho, mercadoria que visava ao lucro, mas também
como alma a ser salva. Cumpriam-se as determinações jurídicas, delimitando o espaço a
ser ocupado por estes novos inclusos no sistema.
Retornando a Mattos, esta englobou teses, associando as que se estruturavam
com base no econômico e as que se fixavam na análise das estruturas das sociedades
européias vigentes à época, protestantes e católicas. Mattos parte de outra premissa: a
escravidão na Colônia tem por base a existência prévia da instituição da escravidão no
Império Português, calcado nas estruturas do Antigo Regime. Seus quadros mentais e
sociais foram incorporados à nova realidade vivida no processo de expansão
portuguesa, com a admissão de novos conversos, fossem mouros, judeus, ameríndios ou
africanos.
Em suma, se a escravidão não foi, como se sabe, introduzida na África pelos
europeus, foi por sua vez inaugurada a sua prática como atividade mercantil pelos
portugueses nos trópicos por motivo da colonização. Necessidade esta que um
pragmatismo com base nas experiências prévias dos portugueses buscou como solução
para o problema de mão-de-obra nessa nova colônia.
Mattos critica a posição dos autores que entendem que a legitimação da
escravidão teria vindo na contra-mão dos valores cristãos vigentes à época, contrapondo
que esta legitimação surge como fruto dos quadros mentais presentes numa sociedade
que se não corporativa, mas também naturalizada, litúrgica e estamental.
Sociedade onde a distinção social se dava com base no critério de limpeza de sangue, no
corpo jurídico representado pelo conjunto das Ordenações e não no pseudocientífico
conceito de raça.
As Ordenações seguiam o costume, não o estabelecimento de um “direito
positivo”, configurando-se o justo pela arbitragem do rei, cabeça dos corpos sociais, nos
conflitos que surgissem dentro do sistema. Uma noção de justiça em que a manutenção
328
Id., 2001.
164
de privilégios a cada categoria social, criada no processo de expansão ultramarina seria
função do rei. O conceito de justiça era garantir, a cada corpo social, conforme o grau
de distinção, um limite de privilégio. Entram nesse conceito a legitimação e
naturalização da escravidão, como “cativeiro justo”, acorde com o sistema jurídico
apresentado.
Assim, novas categorias de distinção social, criadas na Colônia, como a de
“pardo livre”, por exemplo, desvelam a ascendência africana - portanto escrava -
comparada à de cristão-novo para uma ascendência judia. Sua presença em registros
paroquiais de batismo, falecimento, testamento ou casamento, “denunciava” essa
ascendência escrava, estigmatizando os ligados a estas pessoas. “Mancha” social
buscada apagar com a eliminação do termo que desvela essa condição em registros
posteriores.
Não se descarta a possível e comprovada - ascensão social de escravos no
interior dos corpos sociais de tipo Antigo Regime no Brasil. Neste sentido, se torna
mais compreensível o fato de que um escravo ou escrava, ao alcançar a alforria,
ascendia socialmente embora de forma relativa -, podendo, caso conseguisse recursos,
também adquirir para si um ou mais escravos, na busca de lograr maior distinção.
Alguns exemplos podem ser vistos em trabalho de Mott:
a ex escrava Dona Maria do Ó seguiu a mesma estratégia econômica
de muitas libertas: Investiu seu capital sobretudo na posse de outros
cativos: ao morrer tinha 12 escravos, sete machos e cinco fêmeas,
incluindo nativos de Angola, Benguela ..e de sua própria etnia, além
de quatro crioulos. entre estes, duas pardas. Como boa cristã do
período barroco, teve muito medo do purgatório, tanto que além de
exigir que fosse sepultada com o habito de São Francisco e
encomendada por quatro sacerdotes, determinou que se celebrassem
900 missas pelo descanso eterno de sua alma, 840 das quais no Reino
de Portugal, certamente com a de que na Metrópole tais cerimonias
teriam maior eficácia sobrenatural
.
329
Conforme o caso, a relação com mulher ou homem livre, quiçá de posses,
também poderia ser estratégia na busca de maior ‘prestigio’.
330
Entretanto, seu registro
de batismo revelaria, por ocasião da realização de banhos por exemplo, sua mancha
329
MOTT, Luiz. De Escravas a Senhoras. Estudios Afroamericanos Virtual, maio, 2004. Disponível em:
<http://www.ub.edu/afroamerica/EAV2/mott.pdf>. Acesso em: 11 abr. 2009. O texto apresenta outros
casos de negras alforriadas que se tornaram senhoras de escravos (Maria da Costa, Josefa Maria, e Rosa
Maria)
330
Cf. NETTO, Rangel Cerceau . "Um em casa de outro”: concubinato, família e mestiçagem na
Comarca do Rio das Velhas 1720/1780. São Paulo: Annablume, 2008;
165
social escrava. Nódoa que cobrava alto preço, elevado custo de muitas gerações para
que se pudesse apagar, já que
a longa trajetória em busca de minimização dos estigmas de escravo,
de cor e de estrangeiro, começava com aquele ancestral que aqui
aportou após transpor o Atlântico. Seria por isso que, para os crioulos,
verem-se com iguais a africanos implicaria um retrocesso?
331
Retomando a linha de argumentação anterior, esta se distancia de uma análise
unicamente econômica como justificativa da escravidão negra, sendo também o batismo
mecanismo de introdução do cativo nos corpos da sociedade de Antigo Regime
portuguesa. Percebe-se então, como imprescindível, o rito do batismo, configurando-se
este como ritual religioso que insere o indivíduo africano, árabe, judeu, indígena -
nesses corpos sociais.
Inserção esta, que no dizer de Engemann, atua não como propiciadora da
exclusão do indivíduo, mesmo com seu status quo escravo. Pelo contrário é forma sim
de inclusão numa sociedade
per si excludente, ao tempo que registro da mancha
social dada por ‘defeito mecânico’ em níveis absolutos. Mancha a muito custo
removível. Mais que mera obrigação, o batismo integra essa “política inclusiva” –
expressa nas Ordenações - de novos indivíduos em condição escrava num mundo
governado por homens livres, libertos e “brancos”.
A obrigatoriedade do batismo aos cativos, como também o era aos livres,
garantia, por sua vez, o acesso aos demais sacramentos, a confissão, eucaristia, o
matrimônio, a Ordem e a extrema-unção e estava determinada nas Constituições
Primeiras do Arcebispado da Bahia. Para os cativos adultos elas se reportavam de forma
especial. Segundo Lott,
As Constituições destacavam um título para o batismo de adultos, que
no Brasil significava basicamente de escravos. A idade da razão
(iniciada aos sete anos) determinava que a partir daí o batizado
somente ocorresse com seu próprio consentimento. Como o adulto
fazia uso da razão, devia preencher três requisitos: ter a intenção de
receber o batismo, estar instruído na e ter contrição ou atrição dos
pecados da vida passada. Para se estabelecer a instrução da era
necessário que lhe fosse ensinado ao menos o Credo, o Padre Nosso,
Ave Maria e os Mandamentos da Lei de Deus, além do modo correto
de se confessar. Os escravos boçais (recém-chegados da África, que
não falavam a língua portuguesa) deviam ser inquiridos através de
331
ENGEMANN, 2008, Op. Cit. p.54
166
intérprete sobre seu desejo de receber o batismo através de perguntas
simples que seriam respondidas pessoalmente. Caso não fosse
possível saber de sua intenção para o batismo, era permitido batizar os
escravos “sub-conditione” para se assegurar a salvação de sua alma.
Esta forma de batismo era aplicada também quando havia dúvida
sobre o fato do batismo já ter sido ministrado anteriormente, como no
caso dos próprios escravos e das crianças expostas (enjeitadas e
deixadas na porta de uma residência ou de capela ou igreja). Podia ser
realizado também no caso dos batismos feitos em casa por perigo de
morte do inocente, pela dúvida de terem sido feitos validamente.
332
Deve-se abordar com cuidado a respeito do cumprimento das condições
preconizadas nas Constituições. Certamente nem todos os senhores devem ter sido tão
criteriosos em seguir essas trabalhosas instruções, mesmo que sob o olhar reprovador de
um ou outro padre mais turrão.
Por sua vez, deve-se ter cuidado ao abordar a finalidade dos batismos de cativos
no século XIX, onde se circunscreve o recorte temporal desta pesquisa. Se o batismo
inseriu cativos em séculos pretéritos, nas estruturas da sociedade de corpos portuguesa
no século XIX, quando ocupava a cena o pensamento liberal pós-iluminista, talvez a
concepção de uma sociedade alicerçada em valores religiosos mais profundos não
fosse tão marcante.
Acerca dessa passagem de um discurso de legitimação da escravidão com base
num argumento religioso, para outro de matriz mais racionalista, Engemann observa
que a circulação das idéias do liberalismo político iluminista nas cidades revelara uma
nova tendência modernizadora. Neste contexto, surgiu como contraponto um novo texto
clerical de tanta importância quanto o do padre Manuel Ribeiro da Rocha
333
: o do bispo
Azeredo Coutinho.
Coutinho baseou-se na defesa das diferenças ‘naturais’ entre os homens, tendo a
natureza como medida para se manter homens como escravos. A escravidão teria um
sentido libertador semelhante ao discurso da redenção pelo cativeiro - que atuaria
como civilizadora.
Se a natureza não trabalha por saltos, o processo de erguer e civilizar o
africano não poderia se dar de um só golpe. O destino redentor não era
332
LOTT, 2005, op. cit. p. 04
333
Engemann refere-se, à página 39 de “De laços e de nós”, ao texto do sacerdote regular, mas educado
por jesuítas, Manuel Ribeiro da Rocha, intitulado “O Etíope resgatado, empenhado, sustentado, instruído,
corrigido e libertado”, de 1758. Uma cópia da obra foi publicada pela Editora Vozes (São Paulo), em
1992.
167
contestado, era uma questão de método para alcançá-lo. Este texto foi,
assim, um marco de distinção entre o que se aceitava e o que se
rejeitava no Brasil dos intelectuais católicos como argumento para a
consideração do escravo e, por conseguinte, da escravidão. De certo
modo, marcou o encerramento de uma fase religiosa nas
considerações acerca da escravidão e abriu, com o avançar do século
XIX, espaço para outras considerações sobre o tema.
334
Se a ultrapassagem dessa fase ‘religiosa’ para uma mais ‘liberal’ no século
XIX, que se argumentar que o registro de batismo, além de seu cunho religioso, que
evidentemente não perdeu, poderia ser também encarado como registro de propriedade.
Dada a estrutura dos registros, onde obrigatoriamente aparece o local do batizado, nome
do cativo, pai, mãe, padrinhos, o nome do proprietário, os registros serviam como uma
espécie de ‘título de propriedade’ de valor potencializado após o fim do tráfico. Num
exemplo, desde extinto o tráfico negreiro em 1850, os batizados de cativos adultos
feitos antes da promulgação da Lei Euzébio de Queirós se tornaram documentos
garantidores da posse do cativo, atestado pela autoridade eclesiástica, ‘testemunho’
dessa posse por parte de um senhor ou seus possíveis herdeiros.
5.2. Batismos, apadrinhamentos e a possibilidade da comunidade escrava
A tabela apresenta a totalidade de batismos entre 1819 e 1873 na freguesia da
Santíssima Trindade, num total de 2.583 registros. Observe-se o elevado índice de
naturalidade (76,8%), em comparação com os nascidos legítimos (18,3%). que se
notar também o baixo índice de batismos de escravos adultos (4,2%) para tão extenso
período, onde se infere que pode ter havido entradas na região de escravos adultos
anteriormente batizados. Os “Inaproveitados” (0,7), são registros destruídos ou
ilegíveis, em proporção que não compromete a análise
Tabela 10: Batismos de escravos – Freg. Santíssima Trindade de Sant´Anna de Macacu –
1819/1873
Fonte: Livro de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – C. Macacu(RJ)
334
ENGEMANN, 2008, Op. Cit. p. 40
Categoria Quantidade %
Filhos naturais 1.983 76,8
Filhos legítimos 472 18,3
Adultos 108 4,2
Inaproveitados 20 0,7
TOTAL 2.583 100,0
168
Uma particularidade destes registros se dá através dos batismos de adultos.
Subdividindo-se o recorte temporal em dois grupos, tem-se para o Grupo A:
Tabela 11: Batismos escravos adultos Freg. Sant. Trindade de Sant´Anna de Macacu
1819/1840.
Fonte: Livros de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – C. Macacu (RJ)
No período referente aos primeiros 21 anos de registros (Grupo A), realizaram-
se 1.113 batismos, sendo o único que apresentou batismos de cativos adultos (9,7%). Há
um índice mais ‘equilibrado’ entre naturalidade (58,6%) e legitimidade (31,0%).
A Tabela 12 apresenta os batismos no recorte temporal subseqüente, de 1852 a
1873 (Grupo B), num total de 1.470 registros também para 21 anos. Não se registrou
nenhum registro de batismo de escravo adulto, evidenciando eficácia no cumprimento
da Lei Euzébio de Queirós.
Tabela 12: Batismos de escravos – Freg. Santíssima Trindade de Sant´Ana de Macacu – 1852 a
1873
Fonte: Livros de registro de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – C. Macacu(RJ)
A inexistência de batismos de adultos pode ser explicada pelo próprio recorte
temporal, que a vigência, a partir de 1850, o fim do tráfico negreiro certamente
motivou o desaparecimento destes batismos nos livros. Cativos “novos” - ditos boçais -
poderiam ser adquiridos mediante contrabando nesse momento. Seria descuido, além
de declarada ilegalidade, aparecerem no livro de batismo. Reitera-se então que sua
ausência não permite afirmar categoricamente que não entrou escravo adulto
contrabandeado na freguesia da Santíssima Trindade.
Categoria Batismos %
Filhos naturais 653 58,6
Filhos legítimos 344 31,0
Adultos 108 9,7
Sobra 08 0,7
TOTAL 1.113 100,0
Categoria Batismos %
Filhos naturais 1.330 90,5
Filhos legítimos 128 8,7
Adultos 0 0,0
Sobra 12 0,8
TOTAL 1.470 100,0
169
A quase absoluta naturalidade (90,5%) reduziu a níveis comparativamente muito
baixos os nascidos legítimos (8,7%). Essa baixa legitimidade por sua vez, pode também
ter sido reflexo da definitiva lei do fim do tráfico. Motivos plausíveis como a não
entrada de novos cativos, a elevada mortalidade motivada por epidemias, maus-tratos e
condições de sobrevivência inadequadas, a venda ou impossibilidade de compra no
tráfico interno dada pelo elevadíssimo preço que alcançaram no mercado, e a lentidão
para que as “crias” do sexo feminino atingissem idade fértil, certamente inviabilizaram
a formação de relações estáveis entre escravos na região do Macacu. Campearia então a
naturalidade.
A tipologia dos apadrinhamentos apresenta a seguinte tabela:
Tabela 13: Apadrinhamento de escravos por cativos, livres, libertos - Freguesia da Santíssima
Trindade de Sant´Anna de Macacu – 1819/1873
FONTE: Livro de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – C. Macacu(RJ)
A Tabela 13 apresenta escravos que formaram casais, ou seja, foram descartados
os batismos feitos sem a presença de madrinhas, para todo o recorte temporal
selecionado (1819 a 1873). Um total de 2.683 escravos serviram como padrinhos.
Destes, 1.469 (54,7%) eram cativos, em oposição a 1.059 livres (39,4%). Os libertos
pouco apadrinharam. Em relação às madrinhas, também predominaram as cativas. Do
total de 1.401 madrinhas, 867 eram escravas (61,8%) e 404 livres (28,8%). Foi
igualmente reduzido o número de escravas libertas que foram madrinhas. Analisando-se
o recorte temporal nos seus dois grupos, A e B, separadamente:
Tabela 14: Apadrinhamento de escravos por cativos, livres, libertos - Freguesia da Santíssima
Trindade de Sant´Anna de Macacu – 1819/1873
Fonte: Livro de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – C. Macacu(RJ)
Padrinhos % Madrinhas %
Cativos 1.469 54,7 867 61,8
Livres 1.059 39,4 404 28,8
Libertos 36 1,3 33 2,3
Inaproveitados
119 4,4 97 6,9
TOTAIS 2.683 100,0 1.401 100,0
Padrinhos % Madrinhas %
Cativos 666 54,9 446 61,6
Livres 464 38,2 216 29,8
Libertos 28 2,3 23 3,1
Sem declaração 55 4,5 39 5,3
TOTAIS
1213 100,0 724 100,0
170
Tabela 15: Apadrinhamento de escravos por cativos, livres, libertos - Freguesia da Santíssima
Trindade de Sant´Anna de Macacu – 1852/1873
Fonte: Livro de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – C.Macacu(RJ)
Comparativamente, o percentual de padrinhos cativos é quase o mesmo, de 54,9
% no Grupo A contra 54,6% no B. aumento de mais 131 pessoas (8,9%) no número
de padrinhos livres, de 464 (38,2%) no primeiro período (1819 a 1840), para 595
(40,4%) no segundo (1852 a 1873). Os apadrinhamentos feitos por libertos, embora
pequeno, diminuiu bastante, de 28 no primeiro período (2,3%), para apenas 08 (0,5%)
no Grupo B. Em relação às madrinhas os números são próximos: 446 (61,6%) no Grupo
A e 421 (62,1%) no B, persistiu a baixa incidência de libertas amadrinhando.
Analisando apadrinhamentos, o conjunto abaixo de trabalhos em âmbito regional abre
possibilidades distintas para cada região e recorte temporal. Alguns apresentaram
predominância de homens e mulheres livres apadrinhando cativos;
Sílvia Maria Jardim Brügger, ao fazer uma análise de apadrinhamento
de cativos em São João Del Rei, 1730-1850, constata que existia um
amplo predomínio de homens livres a apadrinharem filhos de cativas,
variando entre 62% [e] que em apenas 150 casos, ou seja, 1,1% das
crianças cativas, batizadas entre 1736 e 1850, foram apadrinhadas por
seus senhores.
335
Outros encontraram escravos apadrinhando outros escravos de maneira
predominante.
Maria de Fátima Rodrigues das Neves, ao analisar o compadrio de
escravos de São Paulo, no século XIX, apresenta a maioria dos
escravos sendo batizados por livres e na grande maioria os homens
serviam de padrinhos de crianças escravas, estendendo laços
familiares a pessoas mais “qualificadas” socialmente, que “os
335
BRÜGGER, Sílvia Maria Jardim. Compadrio e escravidão: uma análise do apadrinhamento de
cativos em São João Del Rei, 1730-1850. XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP.
Caxambu- Minas Gerais, 20-24 de setembro de 2004. p.3 - 6.
Padrinhos % Madrinhas %
Cativos 803 54,6 421 62,1
Livres 595 40,4 188 27,7
Libertos 08 0,5 10 1,4
Inaproveitados 64 4,3 58 8,5
TOTAIS
1.470 100,0 677 100,0
171
proprietários em raras oportunidades servia como padrinhos de seus
escravos”.
336
Márcia Cristina de Vasconcellos, em estudos feitos nos batistérios de
Angra dos Reis, no século XIX, uma região não agro-exportadora do
Rio de Janeiro, chegou à conclusão que os escravos apadrinhavam a
maioria dos cativos, 473 (91,6%) e apenas 37 deles (7,2%) tinham
como padrinhos livres.
337
Na região de Inhaúma, Rio de Janeiro, na primeira metade do século
XIX, José Roberto Góes
338
também concluiu que os senhores nunca
apadrinhavam seus cativos. Dos batizandos escravos, 66,6% tinham
como padrinhos outros escravos, “os escravos reunidos em plantéis
menores buscavam padrinhos, via de regra, em cativos de outros
senhores, e o inverso se dava nos maiores”.
339
Figura 6: Debret: escravos indo ao batismo - 1816-1831
Fonte: John Carter Brown Library at Brown University
340
336
NEVES, Maria de Fátima Rodrigues das. Ampliando a família escrava: compadrio de escravos em
São Paulo do século XIX. História e População. Estudos sobre a América Latina-
BEP/IUSSP/CELADE.São Paulo, 1990, p.241 e 243
337
VASCONCELLOS. Márcia Cristina. Que Deus os abençoe. Batismo de escravos em Angra dos Reis
(RJ), no século XIX. p.7-27.História e perspectivas. Revista dos cursos de História. Universidade Federal
de Uberlândia, 1997.
338
GÓES, José Roberto. O cativeiro imperfeito. Um estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro na
primeira metade do século XIX. Vitória: Lineart, 1993. p.118
339
ANDRADE, Vitória Fernanda Schetinni. Ilegitimidade e compadrio: o estudo dos nascimentos de
filhos de mães escravas, São Paulo do Muriaé, 1852 1888. XV Encontro de Estudos Populacionais,
ABEP, realizado em Caxambu Minas Gerais Brasil, 2006. Disponível em:
<http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_478.pdf>. Acesso em: 31 jul.
2008.
340
Jean Baptiste Debret, Voyage Pittoresque et Historique au Bresil (Paris,1834-39), vol. 3, plate 8, p.
129 (top). (Copy in the John Carter Brown Library at Brown University) In: The Atlantic Slave Trade and
Slave Life in the Americas: A Visual Record. Disponível em:
172
Tabela 16: Apadrinhamento de escravos – Freg. Sant. Trindade de Sant´Ana de
Macacu – 1819/1873
Fonte: Livro de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – Cachoeiras de Macacu(RJ)
A Tabela 16 indica que, semelhante aos casos para Angra dos Reis e Inhaúma,
freguesia da cidade do Rio de Janeiro, também em Macacu, no conjunto dos batismos
analisados, houve predomínio de escravos apadrinhando escravos em todo o recorte
temporal analisado. Esse predomínio se deu tanto para batismos onde se registrou a
presença do padrinho, num total de 649 escravos apadrinhando (24,51%) contra 574
livres (21,68%), como para os casos onde se registrou a presença de ambos, padrinho e
madrinha, com 735 escravos e escravas (27,76%). Os casais de livres que apadrinharam
cativos perfizeram um total de 363 pessoas (13,71%).
Nos apadrinhamentos mistos (casais de padrinhos formados por cativos, livres
ou libertos), aqueles em que ao menos um era escravo, quer seja padrinho ou madrinha,
prevaleceu sobre os demais. Por sua vez, isoladamente ou formando pares, 1.383
pessoas, 52,27% do total das 2.647 pessoas que apadrinharam cativos em todo o recorte
de 1819 a 1873, eram escravas.
Tal resultado diferencia Macacu dos casos de São Paulo no século XIX,
apontado por Rodrigues, e São João Del Rey, em Minas Gerais, de 1730 a 1850,
descrito por Brügger. Os que mais apadrinharam cativos naquelas localidades foram os
<http://hitchcock.itc.virginia.edu/Slavery/index.php> Acesso em: 14 abr. 2009. Os pés descalços apontam
a condição escrava.
Só o padrinho Padrinho e
Madrinha
Mistos Mistos Mistos
C
A
T
I
V
O
L
I
V
R
E
L
I
B
E
R
T
O
C
A
T
I
V
O
S
L
I
V
R
E
S
L
I
B
E
R
T
O
S
Padr.
cativo
Madr.
Livre
Padr.
cativo
Madr.
Liberta
Padr.
livre
Madr.
cativa
Padr.
livre
Madr.
liberta
Padr.
liberto
Madr.
cativa
Padr.
liberto
Madr.
livre
Não
aprov.
1819 a 1840
233 201 10 378 197 12 14 10 60 00 06 01
61 1183
1852 a 1873 416 373 04 357 166 00 21 09 55 01 04 00 58
1464
TOTAL 649 574 14 735 363 12 35 19 115 01 10 01 119 2.647
% 24,5 21,6 0,52 27,7 13,7 0,45 1,32 0,71 4,34 0,03 0,37 0,03 4,49 100%
173
livres. Subdividindo-se nos dois grupos, A e B, pode-se observar a mesma dinâmica nos
apadrinhamentos.
Tabela 17: Tipologia de apadrinhamentos escravos – Grupo A: 1819-1840 – Freg. Sant.
Trindade de Sant´Ana de Macacu
FONTE: Livro de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – Cachoeiras de Macacu(RJ)
A Tabela 17 aponta o Grupo A (1819 a 1840), onde permanece o predomínio de
escravos servindo como padrinhos isoladamente (19,7%), ou formando casais de cativos
(31,95%). Igualmente, nos apadrinhamentos mistos, foi maior a incidência de casais
onde ao menos um padrinho ou madrinha era cativo. No segundo recorte (Tabela 18)
permanece o mesmo padrão:
Tabela 18: Tipologia de apadrinhamento de escravos - Grupo B: 1852 a 1873 – Freg. Santíssima
Trindade de Sant´Ana de Macacu
Fonte: Livro de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – Cachoeiras de Macacu(RJ)
Só o padrinho Padrinho e Madrinha Mistos Mistos Mistos
C
A
T
I
V
O
L
I
V
R
E
L
I
B
E
R
T
O
C
A
T
I
V
O
S
L
I
V
R
E
S
L
I
B
E
R
T
O
S
Padr.
cativo
Madr.
Livre
Padr.
cativo
Madr.
liberta
Padr.
livre
Madr.
Cativa
Padr.
livre
Madr.
liberta
Padr.
liberto
Madr.
cativa
Padr.
liberto
Madr.
Livre
Não
aprov.
T
O
T
A
L
233 201 10 378 197 12 14 10 60 00 06 01 61 1.183
19,70% 17,% 0,85%
31,95
%
16,65
%
1,01
%
1,18% 0,85% 5,07% 00 0,50% 0,09% 5,15% 100%
Só o padrinho Padrinho e madrinha Mistos
C
A
T
I
V
O
L
I
V
R
E
L
I
B
E
R
T
O
C
A
T
I
V
O
S
L
I
V
R
E
S
L
I
B
E
R
T
O
S
Padr.
cativo
Madr.
livre
Padr.
cativo
Madr.
liberta
Padr.
livre
Madr.
cativa
Padr.
livre
Madr.
liberta
Padr.
liberto
Madr.
cativa
Padr.
liberto
Madr.
Livre
Não
aprov.
T
O
T
A
L
416 373 04 357 166 00 21 09 55 01 04 00 58 1.464
28,41
%
25,48
%
0,28
%
24,40 % 11,34 % 00 1,43% 0,61% 4,0 % 0,07% 0,28% 00 3,7% 100,0
174
Embora apresente índices mais aproximados nos batismos onde somente o
padrinho, ou seja, 28, 41% para escravos e 25,48% para livres, nos apadrinhamentos
feitos por casais formados apenas com cativos a diferença entre os percentuais aumenta
significativamente. Para o recorte temporal de 1852 a 1873, 357 escravos (24,40%)
constituíram casais de padrinhos cativos, contra 166 (11,34%) com padrinhos livres.
Uma diferença de 191, ou seja, 53,5%. Persiste, portanto, a predominância de cativos
apadrinhando. Os casos de apadrinhamentos mistos mantiveram o padrão, com a
maioria dos casais de padrinhos integrados por pelo menos um cativo ou cativa.
Analisados os grupos A e B - recortes temporais separados pela vigência da Lei
Euzébio de Queirós - mesmo estando reunidos ou separados, não se percebe nenhuma
alteração no padrão mantido para os apadrinhamentos. Assim, na freguesia da Trindade,
no vale do Macacu, para o recorte temporal analisado, escravos sempre apadrinharam
mais que homens livres.
Da mesma forma, para todo o recorte temporal (1819-1873), somente 36
(1,36%) libertos batizaram isoladamente ou formando casais com madrinhas libertas,
livres ou cativas. (Ver Tabela 16). Isoladamente, somente 0,85% de libertos
apadrinharam (10 casos). Quando formaram casais de padrinhos, responderam pela
pequena cifra de 12 libertos (0,45%). Em apadrinhamentos mistos, estiveram
representados por apenas 31 pessoas, configurando o inexpressivo percentual de 1,17%
frente ao total de 2.647 pessoas que apadrinharam escravos na região de Macacu.
Destes 36 padrinhos libertos, 18 (50,0%), apadrinharam filhos de escrava
nascidos naturais e 14 (38,8%) foram padrinhos de filhos legítimos. Apenas 04 (11,1%)
levaram adultos à pia batismal. Subdivididos nos dois Grupos A e B, temos 08 libertos
(0,30%) apadrinhando entre 1852 e 1873, contra 28 (1,05%) apadrinhando entre 1819 a
1840.
Face tão inexpressiva representação, não é possível estabelecer uma razão
plausível que explique a motivação para estes apadrinhamentos por parte de libertos.
Entretanto, é difícil crer, para esse recorte temporal extenso, que houvesse um número
assim tão pequeno de libertos na freguesia da Santíssima Trindade, mas o reduzido
número percebido nas fontes demonstra que os escravos possivelmente foram preteridos
pelos libertos no apadrinhamento de seus filhos e filhas.
A afirmação de Gudeman e Schwartz a respeito dos apadrinhamentos de
escravos no Recôncavo baiano para o final do século XVIII e início do XIX, quando
175
demonstraram, para aquela região, que em 70%, 20 % e 10% dos casos, os padrinhos
foram, respectivamente, livres, forros e escravos, foi discutida por Guedes.
341
Este
apresenta que, entre outras conclusões, Gudeman e Schwartz inferiram que
batismo e escravidão eram instituições incompatíveis: a primeira
assinalou igualdade, amizade e fraternidade; a segunda, relação de
dominação. No entanto, a “saída” para esta incompatibilidade não foi
abolir o batismo ou a escravidão, mas mantê-los separados. Indo no
sentido oposto aos que postulavam que o batismo serviu como vínculo
ou reforço na relação senhor-escravo, os autores afirmaram que
senhores nunca apadrinharam seus escravos.
342
Segundo Brügger, em sua pesquisa sobre apadrinhamento de cativos em São
João Del Rei (1730-1850), em apenas 150 casos, ou seja, 1,1% das crianças cativas,
batizadas entre 1736 e 1850, foram apadrinhadas por seus senhores
.
343
Neves
apresentou a mesma conclusão a respeito de seus estudos, no mesmo tema, para São
Paulo, concluindo que
os proprietários em raras oportunidades serviam como
padrinhos de seus escravos.
344
Da mesma forma, em sua pesquisa para a região de Inhaúma, no Rio de Janeiro,
para a primeira metade do século XIX, José Roberto Góes
345
também chegou á
conclusão, como Schwartz, de que os senhores nunca apadrinhavam seus cativos.
346
Guedes, para a região da freguesia de São José do Rio de Janeiro, entre os anos
de 1801 e 1821, observou que os senhores só apadrinharam seus cativos 36 vezes
(0,6%), 19 (0,8%) em batismos de adultos e 17 (0,5%) nos batismos de inocentes,
concluindo que
o compadrio também não reforçou, diretamente, os vínculos entre
senhores e escravos, tal como apontaram S. Gudeman e S. Schwartz.
347
Também em Macacu, raríssimos senhores apadrinharam os próprios cativos,
como no caso de Justa, filha natural de Apolinária, escrava de Benedicto Ferreira Pinto.
Batizada em 03 de outubro de 1830, foi apadrinhada pelo seu senhor e Praxedes, filha
de Luiza, viúva de Luiz Pedro.
341
GUEDES, 2004, op. cit.p.109.
342
Id., 2004, p.109..
343
BRÜGGER, 2004, op.cit.p.3 - 6.
344
NEVES, 1990, op. cit.p.241 e 243
345
GÓES, 1993, op. cit.p.118
346
ANDRADE, 2006, op. cit.
347
GUEDES, 2004, op. cit., p.110.
176
Para Macacu, a respeito dos apadrinhamentos feitos por escravos do mesmo
senhor ou de senhores diferentes, observa-se a seguinte tabela:
Tabela 19: Tipologia da propriedade dos escravos formadores de casais de padrinhos – Grupos
A e B - 1819 a 1873 - Freguesia da Santíssima Trindade de Sant´Ana de Macacu
Fonte: Livro de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – Cachoeiras de Macacu(RJ)
No Grupo A, 402 padrinhos (63,4%) eram escravos pertencentes ao mesmo
senhor. o restante dos apadrinhamentos, ou foi feito por ao menos um cativo do
próprio senhor como padrinho (3,4%), ou por escravos de outros donos (33,1%). Estes
dois últimos casos podem ter sido possíveis por atendimento das necessidades de um
possível pequeno proprietário cuja escravaria era tão pequena que não dispunha de
cativos suficientes para a função.
Para o Grupo B, o número de cativos de outros senhores que batizaram cativos já
é um pouco superior ao de senhores que tiveram os próprios escravos como padrinhos.
Entretanto, em números globais, para todo o recorte temporal, foram escravos dos
mesmos senhores que apadrinharam seus escravos. Guedes, que focou sua pesquisa nos
batismos de inocentes, afirma que
quer se tratasse de padrinhos cativos (pertencentes ou não à mesma
escravaria de seus afilhados) ou de livres- forros, não havia interdição
senhorial para a realização de laços de compadrio nos batismos de
inocentes. As exclusões e aproximações ficavam por conta dos
próprios cativos.
348
Parece que relação semelhante se deu em Macacu. Adicionado o percentual dos
batismos com ao menos um padrinho e o de casais de padrinhos ‘de fora’ das
propriedades, chega-se a 46,6%, perfazendo um total de 532 cativos. Significa que se
estende a rede de compadrios escravos para fora das propriedades, estreitando laços
entre cativos de senhores diferentes.
348
GUEDES, 2004, op. cit., p.110.
Grupo A
1819 a 1840
% Grupo B
1852-1873
%
TOTAIS %
Casais de padrinhos
cativos do mesmo senhor
402 63,4 203 40,3 605 53,2
Padrinhos com 01 cativo
do próprio senhor
22 3,4 28 5,5 50 4,3
Casais de padrinhos
cativos de outro senhor 210
33,1 272 54,0 482 42,3
TOTAIS
634 100,0 503 100,0 1.137 100,0
177
Desta forma os batismos tornaram possível a construção de relações de
compadrio e parentesco entre os escravos. Relações que assinalam a construção, no
tempo e pelo convívio, de solidariedades escravas intra e extra propriedade. Por outro
lado, este convívio era certamente mais intenso no interior das maiores escravarias,
como a de Henrique José de Araújo, a mais numerosa percebida no espaço e recorte
temporal pesquisados.
Guedes analisou em seu trabalho sobre Porto Feliz (SP) e a freguesia de São
José (RJ), como o batismo podia contribuir para a formação dessas mesmas
solidariedades, as quais formariam comunidades escravas:
a escravidão manteve um ótimo diálogo com o batismo. Estimulado
por senhores e escravos, demonstra um modo pelo qual o cativeiro
incorporava trabalhadores africanos, ao mesmo tempo em que
propiciava meios de socialização entre os cativos, o que, por sua vez,
conduziu a uma intensa rede de parentesco, que formara uma
comunidade escrava.
349
Da mesma forma que Guedes, escrevendo sobre a constituição de comunidades
escravas em grandes escravarias no sudeste brasileiro, Engemann também reputa às
relações parentais entre cativos a geração de condições que possibilitariam a formação
dessas comunidades, já que
se a reunião de um grande grupo de escravos multiplicava os fatores
de tensão, de igual modo deveria multiplicar os mecanismos de
negociação.(...) Temos então a proliferação das alianças parentais
conduz, de modo geral, à formação de uma estrutura mais abrangente:
a comunidade. O transcorrer das gerações em convívio produz um
efeito gregário que potencializa os laços diretos. Basicamente o que
fornece o amálgama é a existência de antepassados comuns e de
símbolos e crenças - freqüentemente aprendidos desses antepassados -
que também são partilhados pela maioria dos membros da
comunidade.
350
Seria esta possibilidade condizente com a Fazenda do Colégio, pelo fato de
tratar-se de uma propriedade com número marcadamente elevado de cativos, posto que
inserida no contexto socioeconomico de uma região com poucas propriedades
349
Id., 2004, p.110.
350
ENGEMANN, Carlos. Comunidade Escrava e Grandes Escravarias no Sudeste do Século XIX.
In: V Congresso Brasileiro de História Econômica, 2003, Caxambu, 2003, p. 10.
178
agromanufatureiras? Não foi possível avaliar, tal como fez Machado
351
- por motivo da
absoluta ausência de fontes - se os compadrios entre escravos da Fazenda do Colégio se
deram preferencialmente com cativos domésticos apadrinhando escravos do eito.
Porém, a questão levantada por Engemann de que escravos que estavam juntos, em
alguns casos, por gerações, tendendo a formação de ancestrais comuns apresenta
possibilidades mais próximas de observação.
Relativamente apresentando muitos cativos, a Fazenda do Colégio possuiria
reais possibilidades de abrigar, em meio a uma miríade de pequenas propriedades com
escravarias médias e na maioria dos casos, pequenas, algo que poderia ser chamado de
comunidade? Acerca desse debate sobre a pertinência ou não da existência de
comunidades escravas, recupera-se uma observação de Freire:
Os estudos sobre a escravidão no Brasil têm se debruçado sobre novos
temas. O debate que ora se trava aborda o escravo enquanto agente
histórico no processo ao qual esteve inserido. Essa nova abordagem
tem levado as pesquisas a encontrar um sistema escravista diferente
daquele que até então se imaginava. A visão de um escravismo
estático, baseado numa dicotomia entre senhores e escravos no qual
apenas aos primeiros caberia a condução do escravismo, não mais se
sustenta. Está claro que os senhores eram a parte mais forte da
contenda; entretanto, aos cativos havia a possibilidade de se mover
dentro de certos espaços.
352
No contexto desses certos espaços de mobilidade, encontra-se a comunidade
escrava, assunto polêmico cujo termo, como se verá, é difuso e de maior complexidade
nos estudos das solidariedades entre cativos no cotidiano do escravismo. Entretanto, é
necessária a adoção de um conceito que sirva como referência para essa discussão.
Sendo assim, apropria-se a partir aqui o conceito de comunidade formada por escravos
definido por Engemann como
um conjunto de indivíduos que partilham símbolos, ritos, mitos e
parentesco dentro do mesmo espaço socialmente ordenado. A partir
disso, é possível deduzir que os plantéis, principalmente aqueles com
relativo equilíbrio etário e sexual, tenham se constituído em unidades
351
MACHADO, Cacilda. As muitas faces do compadrio de escravos: o caso da Freguesia de São José dos
Pinhais (PR), na passagem do século XVIII para o XIX. In: Revista Brasileira de
História vol.26, nº.52, São Paulo, Dez. 2006, 49-77.
352
FREIRE, Jonis. Expectativas e tensões: estabilidade das famílias escravas, em uma sociedade
escravista mineira, século XIX. In: II Seminário de História Econômica e Social da Zona da Mata
Mineira, 2008, Muriaé. Anais do II Seminário de História Econômica e Social da Zona da Mata Mineira,
2008.
179
comunitárias, uma fez que a comunidade escrava é, em princípio,
produto da família que se instaura no cativeiro.
353
Portanto, mais que um simples “ajuntamento” de indivíduos, seria necessário,
para a constituição de uma comunidade formada por cativos, que se construíssem laços
sólidos, que houvesse um amalgamento com base na cumplicidade de relações e no
estreitamento promovido por uniões consangüíneas no tempo e num mesmo espaço
socialmente ordenado.
Será na família escrava, segundo Engemann, que se encontrará a base para a
constituição da comunidade cativa. Haja vista que, se uma grande escravaria em uma
propriedade se perpetuasse no tempo e mantivesse relativa integridade, seria inevitável
que a formação de laços sociais de todo tipo. Inclusive familiares, ou seja, por meio da
consangüinidade e do compadrio.
Considera-se aqui que a Fazenda do Colégio foi uma propriedade que abrigou
uma escravaria que conseguiu construir, no tempo, relações sociais complexas. A fim de
analisá-las, dividiu-se esta análise em três momentos distintos ligados à posse dessa
fazenda, buscando-se demonstrar também ter havido a sobrevivência de complexas
relações sociais entre cativos - urdidas numa prática jesuítica de constituição de famílias
regulares de escravos - da fazenda do Colégio.
O primeiro momento abrange um período de tempo de 44 anos, compreendido
entre a arrematação da Fazenda do Colégio por Nicolau Bonarrota, possivelmente em
1760
354
, até o casamento de Henrique José de Araújo, em 1804, com a filha oriunda da
união da viúva de Bonarrota com Antonio de Oliveira Braga. Durante todo esse período,
teria subsistido na Fazenda do Colégio uma antiga comunidade formada por escravos
ainda da época jesuítica?
Como se viu, a propriedade de Araújo constituía-se da antiga fazenda jesuíta que
foi repassada, após seu seqüestro pela Coroa em 1759, para no máximo dois posteriores
proprietários, num curto período de anos. Face a essa situação, e levando-se em conta
que as propriedades inacianas eram revendidas a arrematantes a preço baixo e muitas
das vezes completas, ou seja, de ‘porteira fechada”, na arrematação estariam, por
conseguinte, incluídos todos os escravos lá anteriormente existentes.
353
ENGEMANN, 2008, op. cit. p. 27.
354
Embora se desconheça o ano em que se deu essa arrematação, considerou-se o maior intervalo de
tempo possível, fixando-a, aleatoriamente em 1760, primeiro ano após decorrido o seqüestro dos bens
jesuíticos pela Coroa Portuguesa.
180
Couto, em estudo sobre a venda de escravos dos jesuítas no Colégio do Recife
após sua expulsão, informa que a maioria dos escravos foi vendida junto com as
propriedades em que trabalhavam
.
355
O mesmo teria se dado também no Rio de
Janeiro, Teriam sido “transferidos” aos novos proprietários, começando por Bonarrota,
não apenas um conjunto de escravos, mas famílias formadas pelos escravos dessas
fazendas.
Aqui se infere que, sendo possível demonstrar, com base em inventários, ter
existido uma regularidade nessa prática de formação de uniões estáveis em outras
quatro fazendas da Companhia de Jesus na Capitania do Rio de Janeiro - Macaé,
Campos Novos, Engenho Novo e Santa Cruz - essa mesma regularidade poderia
também ter existido na Fazenda do Colégio.
Analisando-se esse particular aspecto para as fazendas jesuíticas apontadas, tem-
se para Macaé
, uma população escrava de 217 indivíduos. Destes, 112 (51,61%) eram
homens e 105 (48,39%), mulheres. Entre os escravos do sexo masculino, apenas
20,72%, ou seja, 45 indivíduos integravam a faixa de idades de 0 a 15 anos. Em relação
às mulheres, apenas 46 cativas (21,18%) integravam a mesma faixa etária
356
. Engenho
Novo apresenta 279 cativos em seu inventário. Da mesma forma que em Macaé,
44,80% dos cativos, ou seja, 125 indivíduos, são do sexo masculino, relacionando-se
com 149 (53,40%) mulheres. Respeitada a mesma faixa etária, de 0 a 15 anos, tem-se,
para o gênero masculino, 47 indivíduos (16,83%) e para o feminino, 55 (19,7%).
Campos Novos, embora não apresente as idades dos cativos, acompanha ao menos esse
padrão de equilíbrio da população escrava, integrada por 152 homens (48,10%) e 163
mulheres (51,58%), perfazendo um plantel de 316 cativos. Santa Cruz, embora possua
número de escravos absolutamente discrepante em relação às fazendas apresentadas,
possuía 1009 cativos à época do inventário, trazendo um equilíbrio sexual representado
por 522 cativos do sexo masculino (51,73%) e 487 femininos (48,26%). Este grande
355
COUTO, Jorge. A venda dos escravos do Colégio dos jesuítas do Recife (1760-1770). In: SILVA,
Maria Beatriz Nizza da (Org).
Brasil: Colonização e escravidão. RJ: Nova Fronteira, 2000, p.195.
356
Considera-se que esta faixa de indivíduos vistos aqui como em idade não reprodutiva, está um tanto
elástica, mas mesmo assim, comprova-se que a maioria da escravaria de Macaé apresentava um equilíbrio
etário e sexual considerável. Portanto, segundo o conceito aqui em discussão, potencialmente promotora
da comunidade cativa
181
grupo de escravos, segundo a fonte, apresentava pelo menos 148 casais escravos, com
ou sem filhos.
357
Para Santa Cruz, um caso é o do casal Pascual e Leonor, listados como pais de
10 filhos (Feliz de Faria, Pedro Milagre, Álvaro Soarez, Ignácio Madeira, Poncianno
Barreto, Basília dos Santos, Enneia Pereira, Adriana Pereira, Cimiana e Apolinário), o
que significa poder-se considerar a existência de uma relação estável. Outro exemplo é
o caso de Maria da Piedade, viúva de Sebastião de Moura e casada com Manoel da
Cruz. Seus filhos eram Emerita, do primeiro marido e Francisco, do segundo. Há
também casos de viúvas que não casaram, mas mesmo assim, está claro que em algum
dia possuíram maridos. que se ressaltar que alguns casais tiveram seus filhos após o
seqüestro da fazenda pela Coroa, ou seja, mantiveram-se unidos.
Parece comprovado que além dessa regularidade no equilíbrio etário e sexual,
existiram basicamente famílias escravas em todas nessas fazendas. Essa, por sinal, pode
ser o maior indício de que nessas fazendas existiu o desenvolvimento de uma ‘política’
de formação de uniões estáveis entre os cativos, perpetrada pelos jesuítas. Ao se analisar
o índice de relações familiares existentes nessas quatro fazendas, obteve-se a seguinte
tabela:
Tabela 20: Relações familiares em fazendas de Jesuítas na capitania do Rio de Janeiro –
Séc.XVIII
Fonte: Arquivo do Ministério da Fazenda
Portanto, de acordo com o conceito exposto, nas fazendas jesuíticas existiriam
comunidades escravas, dado o elevado número de famílias cativas. Estas teriam sido
transmitidas aos seus arrematadores? E a fazenda do Colégio? É plausível, mesmo com
a ausência do seu inventário, inferir que a mesma poderia seguir um idêntico ‘padrão’?
Após o falecimento de Nicoláo Bonarrota
358
em 1784, sua viúva, Maria
Feliciana de Siqueira Cordovil, casou-se em segundas núpcias com Antônio de Oliveira
357
AMANTINO, Marcia. Relações sociais entre negros e índios nas fazendas inacianas na Capitania
do Rio de Janeiro
século XVIII. In: XVI Encontro Regional de História, 2008, Belo Horizonte. Anais
do XVI Encontro Regional de História: Belo Horizonte: UFMG, 2008 – v. 1.
Campos Novos Engenho Novo Macaé Santa Cruz
Média
percentual
73,83% 65,82% 90,32% 100% 82,49%
182
Braga como se viu. Segundo a Discripção..., de 1797, Braga aparece citado como
proprietário de engenho de açúcar e é o maior senhor de escravos no distrito da Vila de
Santo Antônio de de Macacu. Portanto, foi entre os anos de 1784 e 1797 que Braga
desposou Maria Feliciana, tornando-se, através de casamento, o segundo proprietário da
antiga fazenda jesuítica.
Segundo a fonte, existia na fazenda um plantel de 207 escravos, formado por
cativos do sexo masculino num total de 44 homens adultos, ditos grandes (21,25%) e 55
não adultos, ditos
pequenos (26,57%). Do sexo feminino, havia 62 escravas grandes
(29,95%) e 46 escravas pequenas (22,22%). Os escravos grandes, portanto certamente
adultos, apresentavam um percentual de 51,20% (106 cativos e cativas), contra 48,79%,
ou seja, 101 escravos e escravas não adultos, ou seja,
“pequenos”. A fazenda possuía
em 1797 um rebanho de 100 bois, 60 vacas, 20 novilhos, 34 ovelhas, 04 cavalos, 40
bestas (para transporte da produção?) e 04 poldros (potros).
Se o objetivo de Braga era a realização da produção, que para o mesmo ano foi
de 1.300 arrobas de açúcar, 19 pipas de aguardente, 400 alqueires de farinha de
mandioca, 20 de feijão, 80 de arroz e 20 de milho, os quais teriam sido produzidos pelos
cativos “grandes,” parece possível crer que essa produção de gêneros alimentícios tinha
a função de sustentar as famílias escravas existentes na propriedade, haja vista que as
mesmas estariam presentes dado o número elevado de cativos e cativas “pequenos”. O
que se quer aqui argumentar é que não se teria comprado escravos muito jovens, e sim
que os mesmo seriam filhos e filhas dos casais escravos anteriormente residentes na
fazenda quando a mesma passou a ser administrada por Braga juntamente com a esposa.
Tal argumento reforça-se ao se considerar que, a produção de arroz, milho e feijão não
teria a destinação de servir para o comércio, tendo mesmo a função de suprir parte do
abastecimento interno da fazenda.
358
Aos vinte e coatro de Março de mil setecentos e oitenta e coatro anos nesta Freguezia faleceu da vida
presente com todos os Sacramentos Nicolau Antonio Bonorota, Alferes de Auxiliares, filho legitimo de
Lazaro Maria Bonorota e de Thomazia Maria Bonorota, já falecidos, natural do Porto, baptizado na
freguesia de Santo Ildefonço Maior, cazado nesta Cidade com Dona Maria Felicianna Cordovil, foi
encommendado pelo Reverendo Parocho e Padres; amortalhado no habito de Cavalheiro da Ordem de
Christo, sepultado no Carmo. Cópia do registro de falecimento de Nicolau Bonarrota. Habilitação
matrimonial de Antonio de Oliveira Braga,1804. Caixa 1065, Notação 2831, maço 68. Arquivo da Cúria
Metropolitana do Rio de Janeiro– Rio de Janeiro/RJ.
183
Esta suposição se reforça quando analisado o tráfico negreiro para o Rio de
Janeiro no período. Cavalcanti apresentou dados embora os considere ainda
incompletos, sobre esse tráfico:
A partir desses fragmentos documentais, podemos quantificar 37.114
escravos referentes aos anos de 1731 a 1735; 281.323 escravos para o
período de 1759 a 1792; e 28.385 escravos para os anos de 1799, 1800
e 1801. Portanto, para os cinco oprimeiros anos temos uma média
anual de 7.423 escravos; para os 34 anos seguintes, 8.274 escravos; e
9.462 para os três últimos anos.
359
De 1759 a 1771 entraram pelo porto do Rio de Janeiro, vindos da Costa da
Mina, 4.961 escravos adultos e 26 ‘crias’. Por sua vez, de 1799 até 13 de setembro de
1802, entraram vindos da Costa da África, junto a 28.385 escravos adultos, o
insignificante número de 08 ‘crias’. Assim, mesmo com Cavalcanti considerando
lacunas existentes nos dados compilados para tantos anos de tráfico, parece claro que a
compra de crianças não estava presente nos interesses mercantis dos traficantes e
consumidores. Admitir o fato de que se tivesse adquirido tantos escravos “pequenos”
pelo tráfico - já que seria mais barato comprar cativos no Rio de Janeiro - vai na contra-
mão dos levantamentos feitos por Cavalcanti, o qual conclui que a quantidade de
crianças que chegavam continuava reduzida, o que evidencia que o interesse dos
consumidores do Rio de Janeiro era por escravos que estivessem prontos para o
trabalho, escravos que imediatamente amortizassem o investimentos neles aplicado
pelo seu senhor.
360
Reforça-se portanto a idéia de que realmente os escravos ditos
pequenos” e pequenas” nasceram mesmo na fazenda.
Supondo que, devido estar assinalado na Carta Topográfica da Capitania do Rio
de Janeiro (1767) a localidade de Pacocay d´El Rei, comprovando que a fazenda foi
seqüestrada em 1759 e vendida posteriormente com os escravos, supõe-se para
Bonarrota, tal venda poderia ter ocorrido durante ou após o ano de confecção da
Carta. Infere-se que a fazenda teria ficado ‘fechada’ por no mínimo sete anos, o que
também colaboraria para a consolidação – ou a continuidade - das sociabilidades entre a
sua escravaria.
Supõe-se então, que essa escravaria de Antonio de Oliveira Braga constitua-se
pela que “veio junto” com a Fazenda do Colégio à época de sua compra por Bonarrota,
359
CAVALCANTI, 2005, op. cit, p.53.
360
Id., 2005, p.58.
184
e a grande presença de 101 escravas e escravos ‘pequenos’, em meio a uma escravaria
de 207 indivíduos integrava uma tida comunidade escrava na propriedade, constituída
não pelo tráfico, mas de forma semelhante à das fazendas jesuíticas apresentadas, ou
seja, pela constituição de famílias.
Considerando que teoricamente era possível a formação, na fazenda do Braga,
de no máximo 44 casais escravos, pode-se estabelecer uma relação, hipotética, de pelo
menos 2,2 crianças cativas para cada casal, fora a possibilidade de relações geradoras de
crianças naturais. Infelizmente, não se pode precisar qual seria a real organização de
famílias escravas na fazenda, mas que elas estavam lá, isso parece acertado afirmar.
Concluindo, a fazenda de Antonio de Oliveira Braga e Maria Feliciana, em
1797, poderia ter abrigado, com base no conceito de Engemann, uma comunidade
escrava formada quando ainda pertencia aos jesuítas. Óbvio que aquele grande grupo de
escravos não mais se encontrava em sua formação original de 37 anos atrás que
segundo Caeiro era formada por 350 cativos - posto que alterada por nascimentos,
falecimentos, possíveis fugas e eventuais compra de escravos ‘novos’. Mas, mesmo
assim, quantos laços parentais poderiam estar consolidados numa população de 207
escravos em que praticamente metade era formada por crianças ou jovens,
possivelmente nascidos na propriedade?
O intervalo de tempo que caracteriza o segundo momento fixa-se nos anos
decorridos entre o casamento de Henrique José de Araújo, em 1804 e seu falecimento,
em 1840, ou seja, 36 anos. Araújo casaria naquele ano com a filha de Antonio de
Oliveira Braga, o que foi comprovado pela habilitação matrimonial dos nubentes.
O comerciante Henrique José de Araújo tornara-se com essa união, o terceiro
proprietário da Fazenda do Colégio após seu seqüestro. Pelo casamento, alçara o
ambicionado status de senhor de engenho, o que lhe faria merecer a reveladora
observação de Joakim Mariano de que o aumento de sua fortuna se dera graças à união
com sua esposa, filha do senhor de engenho Antonio de Oliveira Braga.
Analisado pelos apadrinhamentos nos registros de batismo coletados para o
período de 1819 a 1840, somados à possibilidade da existência de famílias escravas,
infere-se para este segundo momento, que graças à constituição da escravaria de Araújo,
integrada por casais escravos e elevado número de filhos legítimos, em consonância
com o conceito adotado, teria se perpetuado no tempo essa tida comunidade escrava.
Aliado a isto, houve mínima intervenção de escravos ‘de fora’ nos seus
185
apadrinhamentos escravos, pouco se interferindo na constituição das solidariedades
nesse particular aspecto.
Segundo Engemann,
Cada comunidade cativa se relacionava com um mundo externo ao
seu. Esta simbiose com a sociedade que a abrigava era feita por vários
canais; o seu próprio senhor ou administrador, a religião Católica, as
biroscas, o comércio de seus produtos. Ou seja, existiam vários
conectores que ligavam o aparentemente isolado mundo da plantation
ao outro mais amplo. Assim, com prontidão podemos abandonar a
perspectiva de uma bolha formada pela comunidade escrava, alheia e
imune a tudo o mais que se passava à sua volta.
361
Neste sentido, estas relações fora da Fazenda do Colégio não teriam desagregado
a suposta comunidade. Um ponto que pode ser observado na fonte acerca da observação
de Engemann, é o que se refere às biroscas (tavernas). A Discripção... relacionou
sessenta e seis taverneiros em Macacu.
362
Tavernas eram locais de cotidianas relações
sociais, onde conversas e provavelmente brigas eram regadas com cachaça, farinha e
nacos de carne-seca e onde se praticava a distribuição, via permuta de gêneros ou troca
por moeda, de vários gêneros para alimentação, sendo freqüentadas por escravos,
homens livres, libertos e viajantes.
363
Segundo os batismos, a escravaria de Araújo era, para os padrões da região de
Macacu, realmente atípica e a maior da região analisada. O mais lamentável, entretanto,
em todo o tempo em que decorreu a pesquisa, foi não haver sido encontrado o
inventário post-mortem de Henrique José de Araújo. Tal documento revelaria, de forma
cabal, características mais específicas da escravaria deste senhor. Porém, os poucos
relatos coevos referentes à região do Macacu apresentados referentes a este aspecto,
apresentaram informações próximas a respeito do número de seus escravos.
Vale aqui relembrá-los suscintamente: Meirét de Miecourt comentou em 1821,
quando de passagem pela propriedade de Araújo, que essa fazenda pertence a um
proprietário “imensamente rico”, que possui mais de 300 negros e um engenho de
açúcar.
364
Joaquim Mariano, em 1825, registrou que Araújo possuía mais de quatro
361
ENGEMANN, 2008, op. cit. p. 106.
362
Discripção, 1797, op. cit.
363
Cf. Capítulo I, onde os viajantes mencionados comentam suas paradas nestes estabelecimentos à beira
das estradas, na procura de descanso, alimentação e víveres para a viagem.
364
NICOULIN, 1996, Op. Cit.
186
centos escravos entre todos.
365
De fato, os registros de batismo dos cativos de sua
propriedade entre 1819 a 1833, o comprovam:
Adultos
Batizados
Crianças legítimas Crianças naturais TOTAIS
52 111 10 173
30,05 64,16% 5,78% 100,0%
Tabela 21: Escravos batizados de Henrique José de Araújo – 1819-1833
Fonte: Livro de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – Cachoeiras de Macacu(RJ)
Somando-se estes 173 cativos batizandos citados na Tabela aos seus pais, mães,
padrinhos e madrinhas,
366
todos escravos da fazenda, alcança-se o número de 334
cativos. Surpreende como esse número se aproxima muito dos apresentados pelos
informantes das outras fontes. Em suma, a Fazenda do Colégio era, à época de Araújo, a
maior proprietária de escravos da região, da mesma forma que anteriormente tivera sido
quando ainda na posse de Antônio de Oliveira Braga. Nenhum outro senhor ou ordens
religiosas, representadas na região pelas fazendas do Carmo e da Ajuda, apresentou tal
volume de cativos
. Araújo, inclusive, possuía tantos escravos que dava-se ao “luxo” de
ter distintos casais de padrinhos para seus vários escravos batizandos.
Voltando-se à análise da Tabela 21, chama a atenção o elevado índice de
crianças legítimas na escravaria de Araújo, 111 cativos (64,16%), possível graças à
formação de casais regulares de escravos, embora não se possa afirmar os que seriam
unidos pelo matrimônio, embora isso seja totalmente plausível. Ao menos se pode
aceitar que existiam uniões consensuais devido à grande potencialidade de formação de
casais pelos escravos e escravas da fazenda.
365
Pastoraes e Visitas da Freguesia da Santissima Trindade. Rio de Janeiro (1727-1812). Seção de
Manuscritos. Biblioteca Nacional. Cópia manuscrito. 140 f. 14,3,7. A datação constante no catálogo não
corresponde ao que se encontra no interior do documento, havendo registros em datas posteriores, como o
citado.
366
Nomes repetidos de cativos não foram considerados, embora não se descarte a possibilidade de existir
escravos diferentes e com mesmo nome, o que somente aumenta o número, tornando-o maior que o
apresentado.
187
Tabela 22: Regularidade de convívio entre casais escravos na Fazenda do Colégio
Fonte: Registro de batismos de escravos da Freg. da Santíssima Trindade de Sant´Ana de Macacu – 1819
a 1840
A Tabela 22 apresenta filhos tidos pelo mesmo casal escravo em anos diferentes
na Fazenda do Colégio, o que reforça a formação de uniões estáveis na propriedade de
Araújo. Tal situação indicia a presença de famílias escravas como no caso de Jesuíno e
Catharina, que tiveram filhos nos anos de 1820, 1826 e 1827. Essa possibilidade de
formação de casais foi ampliada pela entrada, entre 1819 e 1840, de 23 homens e 29
mulheres, todos africanos, somando 52 novos escravos ao grupo (15,4%).
Sobre as solidariedades escravas urdidas com a chegada desses “novos”, pode-se
apresentar um exemplo: em 1820, uma cerimônia de batismo coletivo teve curso num
domingo, 16 de abril. Os batizandos eram todos africanos adultos, registrados pelo
padre como gentios da Guiné e de propriedade do capitão Henrique José de Araújo. O
pequeno grupo era constituído por nove mulheres e três homens: Firmiano, Simplício,
Fidélis, Leonor, Sebastiana, Quitéria, Felicia, Escolástica, Mariana, Apolinária, Jacinta
e Desidéria, todos batizados na Capela do Colégio. A cerimônia religiosa na não foi
feita pelo padre da freguesia - este apenas dera autorização para o rito -, nem tampouco
na Igreja Matriz da Santíssima Trindade, embora se encaminhasse rol com nomes dos
escravos para registro no livro de batismos próprio. Consultando-se estes livros, os
escravos de Henrique José de Araújo aparecem na maioria das vezes relacionados em
grupos, de tempos em tempos. também registros de batismos isolados, mas ainda
assim, em número mais elevado que os demais senhores, que também batizavam na
Matriz ou em suas próprias capelas e oratórios.
Casal cativo
Ano do nascimento
do 1º filho
Ano do nascimento
do 2º filho
Ano do nascimento
do 3º filho
Acacio e Antonia 1825 1827 -
Anacleto e Dorothea 1819 1821 -
Francisco e Antonia 1825 1827 -
Jesuíno e Catharina 1820 1826 1827
João e Rosa 1819 1825 1826
Joaquim e Teodolina 1821 1824 -
Pedro e Claudiana 1821 1824 1826
188
Essa assistência religiosa “privada” foi dada á época pelo capelão Francisco
Fernandes, residente na fazenda do capitão Henrique. Servindo-se de capela e padre
próprios, demonstrava este seu poder pessoal e distinção, além de garantir economia de
tempo e recursos - por não ter que levá-los à matriz da Santíssima Trindade, a alguns
quilômetros de distância da fazenda.
Neste grupo havia duas cativas: Jacinta e Sebastiana. Batizadas em 1820, vai-se
reencontrá-las em 1826 ainda trabalhando na Fazenda do Colégio, mas em situação
distinta. Segundo os registros, em 26 de junho de 1826 fez-se o batismo de Urçula,
adulta de nação. Fazendo par com Ventura, Jacinta agora era madrinha da nova
integrante da escravaria de Araújo. Sebastiana por sua vez, aparece no registro de
batismo de Bernardina, sua filha legítima com Lucas, em 20 de janeiro de 1826. Foram
padrinhos Gonçalo e Umbelina.
Umbelina apareceu amadrinhando, juntamente com Gerardo, a ‘cria’ Gerarda,
filha de Dina, em 11 de junho de 1827. Gerardo será reencontrado como pardo liberto
em 10 de março de 1833, apadrinhando, juntamente com a cativa Michelina, a escrava
Darmina, filha natural da citada crioula Dina. O exemplo ajuda a perceber a
formação, entre os cativos do capitão Henrique, de solidariedades no interior da
Fazenda do Colégio. Essa escravaria, por ser numerosa, e segundo os registros de
batismo, a maior de todas, possibilitara essa formação.
Henrique José de Araújo provavelmente conviveu com estas inevitáveis
solidariedades engendradas por seus escravos, e que lhe teriam permitido ou lhe
obrigado a uma maior flexibilidade no trato com seus cativos no momento de lhes
destinar padrinhos.
Parece ter havido uma regularidade na Fazenda do Colégio no que tange à
formação de casais de padrinhos cativos de forma bem distinta do conjunto das outras
propriedades da região, aparecendo, face os índices de nascimento de filhos legítimos e
naturais, como uma ilha de legitimidade escrava”, cercada de propriedades onde a
regra geral foi nascer filhos naturais de escravas. Nesta “ilha” engendraram-se
solidariedades escravas com laços supostamente tão fortes, que transpuseram os limites
territoriais das fazendas criadas após a repartição da Fazenda do Colégio entre os
herdeiros de Henrique José de Araújo após sua morte.
O terceiro momento se justamente a partir desse falecimento em 1840 e se
estende até o ano de 1866, ou seja, um recorte temporal de vinte e seis anos. Após a
189
morte do patriarca do clã, houve a repartição da Fazenda do Colégio em cinco novas
propriedades: as fazendas Colégio, Papucaia, Jaguary, Ribeira e Rio das Pedras. Todas
entregues por herança a filhos de Araújo e a Maria José de Araújo, filha do barão de
Piracinunga portanto neta do patriarca - e esposa do barão do Pilar, José Pedro da
Motta Sayão.
A demarcação do ano de 1866, como o de encerramento dessa última fase, foi
estabelecida em decorrência da crise financeira da Casa Souto (1864), no Rio de Janeiro
que atingiu em cheio as finanças do clã, obrigando os Araújo a hipotecar ao Banco do
Brasil quase a totalidade dos seus bens, constituídos das fazendas, terrenos e prédios no
Rio de Janeiro, ações do Banco do Brasil e da Estrada de Ferro de Cantagalo.
Naquele ano de 1866, o barão de Piracinunga, Joaquim Henrique de Araújo,
filho e herdeiro do patriarca, vendeu a fazenda da Papucaia à viúva Bárbara Maria de
Jesus, assunto tratado no último capítulo. É nesse período, de 1840 a 1866, que se
percebe nos registros de batismo que as solidariedades escravas ainda persistiam através
do cruzamento entre padrinhos escravos das diferentes fazendas.
Não foram observadas uniões entre cativos das fazendas, pelo fato de que,
apesar de parentes, cada um dos filhos constituíra-se em um distinto senhor de escravos.
Uma regularidade nos apadrinhamentos se perpetuou no tempo, mesmo com a fazenda
do Colégio dividida em cinco ‘novas’ unidades. Vale acompanhar vários casos em que
aparecem estas solidariedades. Nas tabelas abaixo, pode-se constatar o apadrinhamento
de escravos por cativos oriundos das outras fazendas do clã. Analisando esses
relacionamentos para cada uma das fazendas, tem-se:
Tabela 23: Cruzamento de apadrinhamentos na Fazenda da Ribeira – 1853 a 1855
Fonte: Livro de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – Cachoeiras de Macacu(RJ).
Cativos na Fazenda da Ribeira, Lucas, Laurindo e Venâncio, respectivamente,
foram batizados por casais escravos das fazendas Rio das Pedras, Colégio e Papucaia. O
Data Cativo Pai Mãe Padrinho Origem Madrinha Origem
06.11.53 Lucas Firmino Miquelina Domingos Faz. Rio das
Pedras
Theodora Faz. Rio
das Pedras
15.10.54 Laurindo Jorge
Nação
Leopoldina
Nação
Laurindo Faz. Colegio Brígida Faz.
Colegio
27.05.55 Venancio Jorge
Cabinda
Grigoria
Moçambique
Paulo Faz.
Papucaia
Archangela Faz.
Papucaia
190
mesmo ocorreu com Leonor, Dionizia e Lucia, na tabela abaixo, referente à Fazenda
Jaguary.
Tabela 24: Cruzamento de apadrinhamentos na Fazenda Jaguary – 1855
Fonte: Livro de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – Cachoeiras de Macacu(RJ)
Na Fazenda do Colégio, há o caso de Izidro, filho de Feliciano, mina, e Cândida,
crioula. Os padrinhos eram da Jaguary: Izydro (mesmo nome da criança), cabra, e
Lucrecia, cabra forra.
Tabela 25: Cruzamento de apadrinhamentos na Fazenda do Colégio – 1853 a 1855Fonte: Livros
de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – Cachoeiras de Macacu(RJ)
Vê-se, por exemplo, o batismo de Ursula, filha legitima de Domingos José e
Laura da Conceição. Foram padrinhos Miguel Couto, da Papucaia, e a cativa viúva
também de nome Ursula da Fazenda do Colégio, indiciando a maior aproximação de
Laura, a mãe, e a madrinha.
Tabela 26: Cruzamento de apadrinhamentos na Fazenda Rio das Pedras – 1853 a 1855
Fonte: Livros de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – Cachoeiras de Macacu(RJ)
Data Cativo Pai Mãe Padrinho Origem Madrinha Origem
01.04.55 Leonor ?
Nação
Sophia
Nação
Jose Faz.
Colegio
Felicia Faz. Colegio
15.04.55 Dionizia Estevão, crioulo Catharina
Nação
Jacintho
Nação
Faz.
Ribeira
Maria
Nação
Faz. Ribeira
13.05.55 Lucia Domiciano, cabra Rosaura
Crioula
Julio
Nação
Faz.
Colegio
Elisiaria
Crioula
Faz. Colegio
Data Cativo Pai Mãe Padrinho Origem Madrinha Origem
03.07.53 Maria - Clara,
Crioula
Tito,
Nação
Faz. Papucaia Engracia Faz. Papucaia
28.01.55 Gervasio - Carolina,
Crioula
Domiciano Faz. Jaguary Rosana Faz. Jaguary
25.02.55 Izidro Feliciano,
Mina
Cândida,
Crioula
Izydro,
Cabra
Faz. Jaguary Lucrecia
cabra forra
Faz. Jaguary
15.04.55 Basílio Sabino,
crioulo
Apollonia,
Crioula
Francisco
Crioulo
Faz. Papucaia Antonia
Nação
Faz. Papucaia
02.09.55 Ursula Domingos
José
Laura da
Conceição
Miguel
Crioulo
Faz. Papucaia Ursula
(viúva)
Faz. Colegio
Data Cativo Pai Mãe Padrinho Origem Madrinha Origem
26.05.53 Gracilacia - Preciliana
Nação
Victorino
Nação
Faz.
Colegio
Escolástica
Crioula
Faz.
Colegio
06.07.54 Gracelacio Firmino,
crioulo
Vitalina
Crioula
Tito Faz.
Papucaia
Engracia Faz.
Papucaia
03.09.54 Severiano Malachias,
nação
Flausina
Crioula
Izach
Crioulo
Faz. da
Ribeira
Thomazia
Crioula
Faz.
Papucaia
17.06.55 Emilia - Angela
Parda
Felismino
Pardo
Faz.
Papucaia
Faustina
Crioula
Faz.
Papucaia
191
Caso também interessante que aparece nesta tabela é o de Severiano: filho de
Malachias, de nação, com a crioula Flausina, foi batizado por Izach, crioulo da Fazenda
da Ribeira e Thomazia, também crioula e escrava de outra fazenda, a Papucaia. Caso
semelhante ao ocorrido na Fazenda do Colégio, Anastácia, filha dos crioulos Mamede e
Christina, da Fazenda Papucaia, recebeu o nome de sua madrinha, cativa na Jaguary.
Tabela 27: Cruzamento de apadrinhamentos na Fazenda da Papucaia – 1853 a 1855
Fonte: Livros de batismos de escravos - Arquivo da Paróquia de Sant´Ana – Cachoeiras de Macacu(RJ)
Assim, mesmo com a antiga Fazenda do Colégio de Henrique José de Araújo
repartida, os escravos continuaram constituindo casais para apadrinhar os filhos
nascidos nas agora ‘novas’ propriedades. Vários casais de padrinhos eram formados por
escravos de propriedades e donos distintos. Propriedades estas limítrofes e que
anteriormente formavam uma única fazenda!
Os cativos dos Araújo teriam dado continuidade às solidariedades que haviam
construído - mesmo que divididos pelas linhas imaginárias que ‘separavam’ as
fazendas. Muito provavelmente se escolhiam como padrinhos e madrinhas de seus
filhos e dos adultos que chegavam. Estes ao menos até 1850. Isto leva a supor que
continuaram de forma distinta, a manter o convívio que tinham quando a Colégio ainda
possuía sua integridade territorial.
Poderia-se apresentar o argumento da falta de escravos em alguma das fazendas
como motivo para os apadrinhamentos entre as mesmas, o que seria feito entre os filhos
dos Araújo por ‘empréstimo’, obrigando-os a uma transferência de escravos para sua
execução. Tal situação, entretanto, não se plausível quando se observa a quantidade
Data Cativo Pai Mãe Padrinho Origem Madrinha Origem
14.05.54 Lucia Desiderio
Crioulo
Eugenia
Crioula
Joaquim,
Crioulo
Faz.
Colegio
Escholastica Faz.
Rio das Pedras
31.12.54 Manoel Domingos
Crioulo
Epiphania
Crioula
Felizardo Faz.
Colégio
Severiana Faz.
Colegio
15.01.55 Anastácia Mamede
Crioulo
Christina
Crioula
Thelesforo Faz.
Jaguary
Anastacia Faz.
Jaguary
25.02.55 Geraldo Jose Chama
Nação
Luzia
Crioula
Venerando Faz.
Colégio
Silvana Faz.
Colegio
12.06.55 Deolinda Affonso
Crioulo
Adriana
Crioula
Aleixo
Pedro
Faz.
Rio das
Pedras
- -
06.11.53 Lucas Firmino Miquelina Domingos Faz.
Rio das
Pedras
Theodora Faz.
Rio das Pedras
192
de escravos de cada uma das fazendas. Curiosamente, na listagem das fazendas
hipotecadas pelos Araújo na crise, não aparece a fazenda que manteve o nome Colégio.
Tabela 28: Número de escravos nas fazendas dos Araújo – Séc. XIX
Fonte: Inventário de Antonio de Araújo Braga – 1871- Arquivo Nacional.
mais casos visíveis de apadrinhamentos de escravos de outras fazendas para
a Fazenda da Papucaia, esta com 100 escravos, do que para a Jaguary, com 40 cativos.
Esta tem o menor número de escravos é verdade, mas apadrinha tanto quanto a Rio das
Pedras, com 140 cativos. A Papucaia, por sua vez foi a que recebeu o maior número de
padrinhos ‘de fora’.
Parece certo que existiam fortes laços de compadrio e proximidade criados,
recriados e perseverados por estes escravos e suas conseqüentes gerações. Os escravos
de Henrique José de Araújo conviveram no cotidiano da escravidão através da
construção de parentelas e compadrios como estratégia de resistência ao escravismo.
Esses laços de compadrio, contudo, teriam formado uma comunidade escrava, de
acordo com o conceito tomado como base?
5.3. Fazenda do Colégio: comunidade escrava
A intenção não é aqui apontar quem teria razão, ou não, no tocante à formação
de comunidades de cativos, mas até que ponto haveria a pertinência na aplicação do
termo comunidadepara explicar esse espaço de sociabilidades escravas produzidas
em nível complexo.
Segundo Albuquerque, a tradição sociológica weberiana fundou conceitos para
comunidade e sociedade, que foram sistematizados por Tönnies nos termos
Proprietário Fazenda Nº de Escravos
Comendador Henrique José de Araújo
da Ribeira
70
Comendador José Henrique de Araújo
do Rio das Pedras
140
Comendador Antonio de Araújo Braga
Jaguary
40
Barão de Piracinunga (Joaquim Henrique de Araújo)
da Papucaia 100
193
Gemeinschaft e Gesellschaft no século XIX. Estes têm sido instrumentos de
identificação e de compreensão de contextos e períodos históricos desde o XVIII.
367
Em
Weber, Aron buscou delimitá-los:
Quando o resultado do processo de integração é uma comunidade
(Gemeinschaft), o fundamento do grupo é um sentimento de
pertinência experimentado pelos participantes, cuja motivação pode
ser afetiva ou tradicional. Se este processo de integração leva a uma
sociedade (Gesellschaft), isto se deve ao fato de que a motivação das
ações sociais se constitui de considerações ou ligações de interesses,
ou leva a um acerto de interesses.
368
A sociedade, portanto, surgiria de uma interação de contrato entre os homens,
enquanto a comunidade, por relações construídas no convívio, trazendo um ‘sentimento
de pertinência.’ Talvez o conceito de comunidade escrava tenha sido aplicado com essa
concepção sociológica moderna, na busca de se explicar esse espaço relacional mais
complexo engendrado pelos cativos. Faria demonstrou que a definição do termo
comunidade é bem complexa:
Usa-se comunidade como se houvesse um consenso sobre seu
significado. Não há. G. A. Hillery, há décadas atrás, analisou 94
definições de “comunidade” em diversos autores e chegou à conclusão
de que “exceto quanto à concordância pacífica de que as pessoas
vivem em comunidade, nenhum consenso existe entre os cientistas
sociais quanto à sua natureza”. Alguns empregavam o termo num
sentido mais amplo, confundindo-o com sociedade, organização social
ou sistema social. Alguns até mesmo o identificam com a idéia de
nação. A maioria, entretanto, relaciona-o a um lugar territorial
específico, inclusive no tempo..
369
Portanto, Faria demonstra o quanto o conceito de comunidade pode ser amplo e
questiona se as comunidades escravas surgiriam unicamente em grandes escravarias.
Considera em sua discussão a posição de autores opositores da noção de comunidade de
cativos, que colocaram o tráfico como elemento desestabilizador da sua formação, ou
seja, a não possibilidade de uma coesão entre os escravos que os fizesse agir de acordo
com uma ‘identidade comum’.
370
367
ALBUQUERQUE, Leila Marrach Basto de. Comunidade e Sociedade: conceito e utopia. Revista
Raízes. Ano XVIII, Nº 20, novembro/99, p. 50 – 53.
368
ARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.805.
369
FARIA, Sheila de Castro. Identidade e comunidade escrava: um ensaio. Tempo. Revista do
Departamento de História da UFF, v. 11, p. 133-157, 2007.
370
Cf. FLORENTINO, Manolo Garcia & GÓES, José Roberto. A paz das senzalas. Famílias escravas e
tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c.1790-c.1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977 e MATTOS,
194
Por outro lado, aborda que em outros autores, como Slenes, o argumento de que
o processo de crioulização traria a formação de relações mais horizontais entre os
cativos, os distanciaria de conflitos, de um “estado de guerra” constante,
371
o que
poderia possibilitar, por sua vez, a formação de comunidades.
Em sua caracterização, a comunidade escrava seria constituída através de
relações afetivas com base em estruturas parentais (casamentos, compadrio) construídas
no tempo.
372
Tais solidariedades, por sua vez, seriam possíveis se construídas em níveis
complexos em grandes escravarias.
373
Assim, o número elevado de escravos num
determinado espaço propiciaria solidariedades em nível comunitário, já que, nas regiões
com predomínio de grande plantéis, por exemplo, o percentual de escravos
apadrinhando escravos era mais significativo,
374
embora tal circunstância não possa ser
encarada como regra.
375
Com base nessas características, a comunidade escrava para constituir-se,
deveria apresentar um conjunto de condições ideais básicas: grande número de escravos
ampliando as tensões e forçando “negociações”, as quais gerariam alianças pelo
convívio prolongado, promovendo uma ou mais gerações de escravos e formando um
amálgama cultural com base na memória dos antepassados do grupo. Surgiria então um
espaço relacional complexo denominado comunidade escrava.
O exposto acerca da Fazenda do Colégio aponta para as características acima
apresentadas, reforçadas inclusive pelo que indiciam as fontes: a escravaria da
“Colégio” era a maior da região, tanto no século XVIII quanto no XIX. Além disso, a
composição sexual da fazenda à época de Antonio de Oliveira Braga (1797) e a forma
peculiar de seus batismos quando de posse de Henrique José de Araújo, circunscrevem
a Fazenda do Colégio como detentora de uma comunidade de cativos, de acordo com o
conceito exposto por Engemann.
Entretanto, qualificando-se o conceito de comunidade, a qual, segundo Aron,
deveria ser necessariamente partilhada por pessoas com cultura comum e que
Hebe Maria. A Cor Inexistente. Os significados da Liberdade no Sudeste Escravista, ed., Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
371
Cf. SLENES, Robert. Na Senzala uma Flor: as esperanças e as recordações na formação da família
escrava – Brasil, sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998
372
GUEDES, 2004, op. cit.
373
ENGEMANN, 2008, op. cit., p. 26
374
MACHADO, 2006, op. cit, p.49-77.
375
Segundo Brügger, em estudos feitos com batismos de cativos em São João Del Rei entre o extenso
período que vai de 1730 a 1850, predominaram homens livres apadrinhando escravos em níveis próximos
a 62%. Cf. BRÜGGER, 2004, op. cit. p.3-6.
195
apresentam uma identidade distinta como grupo,
376
uma aproximação com o que
expõem seus opositores. O termo comunidade, como também se viu, serviria para
conceituar sociedade, organização social, sistema social ou mesmo nação. Nesses
sentidos, ao que parece, o termo comunidade seria ‘mal ajustado’ para conceituar esse
espaço relacional complexo entre escravos. Seria possível considerar que escravarias,
mesmo que grandes, poderiam constituir um sistema social distinto, no interior do
sistema escravista? Talvez não, mas que relações de caráter comunitário teriam existido
e consolidado uma
organização social peculiar entre os cativos da Fazenda do Colégio
parece certo afirmar.
É, portanto, inegável que fortes laços de compadrio foram criados, recriados e
mantidos pelos seus escravos. Entre os cativos de Antonio de Oliveira Braga e quiçá de
Henrique José de Araújo, alguns poderiam ter sido mesmo descendentes de escravos
dos padres jesuítas. Acaso as outras fazendas jesuítas citadas não apresentaram elevado
índice de formação de famílias escravas
após seu confisco? Não estariam estas famílias
já consolidadas, já que apresentavam filhos legítimos, gerados anteriormente à sua
tomada das mãos dos padres? Estes escravos teriam então vivido juntos por décadas,
suportando agruras do cotidiano escravista através da construção de solidariedades
como estratégia de sobrevivência. E a Colégio havia sido também da Companhia de
Jesus.
Em suma, independente de qual lado se escolha nesse debate, ou seja, a favor ou
contra a existência de comunidades de cativos, no caso em tela – a Fazenda do Colégio -
as fontes indiciam que a mesma responde favoravelmente, por suas características, à
existência de uma comunidade escrava em seus limites. Relações sociais em nível mais
complexo entre cativos, embora não necessariamente harmônicas, parece mesmo
impossível de se ignorar que não houvessem lá existido.
376
ARON, 2002. op. cit., p. 805.
196
CAPÍTULO SEIS
CRISE!
A derrocada do clã Araújo no contexto
da Crise do Souto – Séc. XIX
Fragoso discutiu a formação da diferenciada sociedade escravista no que tange à
produção e reprodução de corpos sociais hierarquizados através da atividade mercantil.
Esta, em estreita ligação com a agricultura, acrescentando a esta dinâmica a adoção do
trabalho feito por escravos. Junto a estes mecanismos, também atuou um setor de
crédito, que contribuiu para o que Fragoso chama de ‘
cultura do endividamento’.
Neste contexto complexo, também a prática dos arrendamentos, que traz a
questão da acumulação da terra, contribuiu para esse processo de enriquecimento.
377
No que se refere aos mecanismos econômicos de produção/reprodução
da sociedade escravista, o trabalho mais importante para nós foi o de
João Fragoso (...) em sua obra, comprova cabalmente que o eixo da
reprodução da sociedade escravista ao longo do tempo estava na
atividade mercantil. Atividade esta que engendrava as maiores
fortunas dentre as analisadas pelo autor. Eram os "comerciantes de
grosso trato", responsáveis não pela reprodução, mas pela própria
liquidez deste sistema econômico. Nem por isso, contudo, a atividade
mercantil era vista como um fim em si mesmo por estes comerciantes.
Em verdade, eles tendiam, mais cedo ou mais tarde, a desviar seus
investimentos para a atividade rentista ou, como era mais comum,
para a atividade agrícola. Investimento este que permitia, geralmente,
um final de vida tranqüilo para aquele que o fazia, mas que de forma
alguma garantia a manutenção do mesmo padrão de fortuna pelos seus
herdeiros.
Embora pareça contraditório, era justamente na repartição da riqueza que o risco
de decadência se estabelecia, já que os herdeiros,
costumavam sofrer um rebaixamento no seu status econômico após a
partilha da herança. A solução para sair deste rebaixamento era, no
mais das vezes, um retorno à atividade comercial por parte da segunda
geração, numa espécie de ciclo vicioso (ou seria virtuoso?) que
garantia um financiamento constante para a agricultura.
378
377
Cf. FRAGOSO, João Luís R. Comerciantes, fazendeiros e formas de acumulação em uma economia
escravista-colonial: Rio de Janeiro, 1790-1888. Niterói: UFF, 1990 (Tese de doutorado).
378
SAMPAIO, 1994, Op. Cit.
197
Embora Fragoso esteja se reportando à formação da elite senhorial no Rio de
Janeiro nos idos dos séculos XVI e XVII, não se pode desconsiderar que o processo de
reprodução dessas hierarquias sociais desenvolveu-se na longa duração, alcançando
mesmo o século XIX.
No oitocentos estarão presentes ainda a atividade comercial e rentista, tendo
como base o trabalho feito por escravos e a produção agrícola é da terra que vêem os
bens comercializáveis , bem como a prática, cultural no dizer de Fragoso, do
endividamento.
O clã Araújo, no século XIX, foi uma das ‘vítimas’ desse ‘ciclo vicioso’.
Dentro da sua dinâmica, a morte de Henrique José de Araújo trouxe a repartição de sua
grande fazenda no vale do Macacu bem como suas propriedades urbanas no Rio de
Janeiro - entre seus herdeiros. Não é possível, por indisponibilidade de fontes, afirmar
que os mesmos voltaram-se para atividades comerciais, o que, contudo, é muito
plausível. Se é que já não as praticavam. O que se pode afirmar, com toda certeza, é que
membros do clã aventuraram-se no mundo financeiro, como se verá com maior detalhe
neste Capítulo. A crise financeira de 1864, a chamada Crise do Souto, irá alcançar como
um maremoto o patrimônio desse grupo familiar, afundando o clã numa dívida de quase
mil contos de réis.
Não pareceu desprovido de propósito o casamento de Joaquim Henrique de
Araújo, filho de Henrique José de Araújo com a filha de Pedro de Araújo Lima, o
marquês de Olinda, que ocupou a Regência Una no regresso conservador de 1837. Essa
ligação, familiar e também política, desvela o clã Araújo ligado ao cerne do
conservadorismo no Império.
Em 1854, membros do clã como José Pedro da Mota Sayão, o barão do Pilar,
além de dois outros filhos de Henrique José de Araújo - Henrique José de Araújo Junior
e José Henrique de Araújo -, encontravam-se bem situados em cargos no recentemente
fundado, inclusive com a sua participação, Banco Rural e Hipotecário do Rio de
Janeiro.
Este foi um dos bancos comerciais criados após o encerramento do tráfico
negreiro (1850), o advento do Código Comercial e a reativação do Banco do Brasil,
com objetivo de negociar e lucrar - com valores que anteriormente eram dispendidos
198
na compra de cativos. O Banco Rural e Hipotecário do Rio de Janeiro captava depósitos
e oferecia crédito, muitas vezes com coberturas feitas pelo Banco do Brasil.
No fechar das portas da Casa Souto & Cia, em 1864, um dos primeiros sintomas
visíveis da crise, os Araújo encontravam-se bem no epicentro desse furacão financeiro.
No ano seguinte, entravam em um cartório no Rio de Janeiro para registrar a escritura
de hipoteca ao Banco do Brasil, de praticamente todos os seus bens. Entre eles, as suas
fazendas no vale do Macacu. Segundo o Artigo 91, Capítulo IX, do Registro das Terras
Possuídas na Lei de Terras de 1850,
Art. 91. Todos os possuidores de terras, qualquer que seja o título de
sua propriedade, ou possessão, são obrigados a fazer registrar as
terras, que possuírem, dentro dos prazos rareados pelo presente
Regulamento, os quais se começarão a contar, na Corte, e Província
do Rio de Janeiro, da data fixada pelo Ministro e Secretário de Estado
dos Negócios do Império e nas Províncias, da fixada pelo respectivo
Presidente.
379
Os registros das terras dos Araújo na freguesia da Santíssima Trindade, em
Macacu, encontram-se no Livro 79 do Registro Paroquial de Terras, referente aos
anos de 1854 a 1857
380
, onde se podem ler as declarações feitas ao vigário. Segundo o
artigo 97,
Os Vigários de cada uma das Freguesias do Império são os
encarregados de receber as declarações para o registro das terras, e os
incumbidos de proceder a esse registro dentro de suas Freguesias,
fazendo-o por si, ou por escreventes, que poderão nomear, ou Ter sob
sua responsabilidade
381
O Registro Paroquial de Terras aponta os limites entre as fazendas dos Araújo
declarados aos vigários, bem como seus proprietários. Para a Fazenda da Papucaia,
segundo registro feito em 29 de fevereiro de 1856, a mesma confrontava-se:
379
Lei de Terras. Capítulo IX, parágrafo 91. Disponível em
<http://www.webhistoria.com.br/lei1850.html>. Acesso em 03 novembro 2008.
380
Registros Paroquiais de Terras do Século XIX, Santo Antônio de Sá de Macacu, Freguesia da
Santíssima Trindade, Livro 79, 1854-1857. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro APERJ.
Disponível em: <http://www.docvirt.no-ip.com/aperj/acervo.htm>. Acesso em: 03 nov. 2008.
381
Lei de Terras, Capítulo IX, parágrafo 97. Disponível em
<http://www.webhistoria.com.br/lei1850.html>. Acesso em 03 novembro 2008.
199
pelo lado de baixo com a fazenda do Collegio pertencente ao Barão do
Pillar, e a do Rio das Pedras do Commendador José Henrique de
Araújo, e pelo lado de cima com a fazenda do Jaguary do
Commendador Antonio de Araújo Braga e terras do major Francisco
Jose Fernandes Panema, fazendo fundos para o lado do Braçanã, tendo
a dita fazenda a configuração triangular com vértice para o rio Macacu
que quadrada ela fica com uma testada de mil trezentas e vinte e cinco
braças, com três mil e oitocentas de fundos.
382
A partir deste registro, tem-se a base para o levantamento das confrontações das
demais fazendas. Para a Fazenda do Colégio, de propriedade do barão do Pilar, cujo
registro foi feito em 01 de março de 1856 pelo barão de Piracinunga, Joaquim Henrique
de Araújo, tem-se que:
O abaixo assignado é Senhor e possuidor de mil oitocentas e setenta e
oito braças de terras na freguesia de Sant´Anna de Macacu em que
está a Fazenda do Collegio fazendo testada no rio Macacu e o fundo
com que de Direito pertence com a Fazenda do Rio das Pedras,
propriedade do Snr. Commendador José Henrique de Araújo partindo
do lado direito com a Fazenda da Papocaia, propriedade do Exmo
Barão de Piracinunga, pelo esquerdo com terras dos Religiosos do
Carmo, cujas terras houve por herança de seu sogro o Commendador
Henrique José d´Araújo
.
383
Para os limites da Fazenda Rio das Pedras, de José Henrique de Araújo, este
declarou em 13 de janeiro de 1856, que era
senhor e possuidor de uma dacta de terras sita no lugar denominado
Rio das Pedras, onde se acha a minha Fazenda e são da forma
seguinte: Mil oitocentos e trinta e oito braças de testada, e mil
setecentas e quarenta e oito braças de fundos, fazendo esta testada em
um travessão que se acha em divisa com terras do Exmo. Barão do
Pillar e confinam com terras de (ilegível)de Braçanam, e do lado de
cima com terras do Exmo. Barão de Piracinunga e pelo lado de baixo
com terras dos Religiosos do Carmo, as quaes possuo por herança.
384
Resta a Fazenda da Ribeira, declarada em 29 de novembro de 1857 por Henrique
José de Araújo (Junior):
sou senhor e possuidor de diversas datas de terra nesta Freguesia. A
primeira no logar denominado Ribeira fazendo testada no rio Macacu
com o computo de mil setecentas e duas braças e fazendo fundos na
382
Registros Paroquiais de Terras, 1856, op. cit, fls. 111, registro 394.
383
Registros Paroquiais de Terras, 1854-1857, op. cit., fls. 111, registro 394.
384
Id.,fls. 24, registro s/nº.
200
lagoa de Traimerim, partem por baixo com terras dos herdeiros do
fallecido Antonio Coelho de Britto e por cima com terras que forão do
fallecido Manoel Gonçalves Pina, existindo encravadas dentro desta
data uma outra de cincoenta braças pertencentes à Irmandade do
Santíssimo Sacramento, e Santíssima Trindade.
385
Acerca das terras da Irmandade mencionada nos registros, as mesmas foram
declaradas pelo seu procurador, José Francisco Neto, em 16 de fevereiro do mesmo ano
de 1857:
José Francisco Netto, na qualidade de procurador da Irmandade do
Santíssimo Sacramento annexa á da Santíssima Trindade, orago desta
Freguesia declara que aquela mesma Irmandade é Senhora e
possuidora de cincoenta braças de terras de testada no lugar da extinta
freguesia com uma legoa de sertão ou o que se achar, principiando no
rio de Macacu até o riacho do Rabello, partindo pelo lado de baixo
com terras dos herdeiros de Pedro do Amaral e pelo lado de cima com
a fazenda dos herdeiros de Dona Catherina Francisca de Azevedo
Lemos cujas terras a mesma Irmandade as houve por compra como
consta da folha cento e vinte e quatro e declaração de mil setecentos e
oito feita no livro de tombo da mesma freguesia da Santíssima
Trindade de Sant´Anna de Macacu.
386
6.1. A crise do Souto
Crise! Crise! Crise! / Tal foi o grito angustioso que se ouviu, durante a
semana passada, de todos os peitos da população e de todos os
ângulos da cidade. / A fisionomia da população exprimiu
sucessivamente o espanto, o terror, o desespero,
conforme cresciam
as dificuldades e demorava-se o remédio. // Era triste o espetáculo: a
praça em apatia, as ruas atulhadas de povo,
polícia pedestre a fazer
sentinela, polícia eqüestre a fazer correrias, vales a entrarem,
dinheiro a sair, vinte boatos por dia, vinte desmentidos por noite,
ilusões de manhã, decepções à tarde, enfim uma situação tão
impossível de descrever como difícil de suportar,
− tal foi o espetáculo
que apresentou o Rio de Janeiro durante a semana passada. (Machado
de Assis)
387
A denominada Crise do Souto é famosa na historiografia pelo fato de ter havido
o encerramento dos pagamentos feitos pela então instituição bancária Casa Souto & Cia,
385
Ibid., fls. 124v, registro 445.
386
Registros Paroquiais de Terras, 1854 -1857, op. cit., fls. 121v, registro 435.
387
ASSIS, Machado de. Diário do Rio de Janeiro. 10 de setembro de 1864. Disponível em:
<http://epoca.globo.com/edic/541/Carta-0084.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2008.
201
causando verdadeira correria às demais casas bancárias do Rio de Janeiro. Na ânsia dos
investidores em retirar e salvar seus capitais investidos, pela crônica diminuição da
liquidez na capital do Império, teve curso uma quebradeira financeira sem precedentes.
Os efeitos da crise podem ser abstraídos através de matéria veiculada em revista da
época:
(...) A notícia era verdadeira, mas incrível. Não há, nos tempos
modernos colossos inabaláveis. Porque a Casa Souto era de fato um
colosso de crédito. (...) Casas reputadas sólidas, fortunas julgadas
inabaláveis, viam-se em um momento ameaçadas de total ruína. A
inquietação foi grande; o pânico geral. (...) O povo afluiu à rua Direita
e à rua da Alfândega. Abalado o crédito geral, todos correram aos
bancos (...) para salvar a sua propriedade ou o resto das economias
acumuladas. A força pública teve de intervir para a segurança da
ordem (...) A surpresa de uns, a inépcia de outros, a inércia, a
especulação, tudo se acumulou impedindo a adoção de medidas
enérgicas e prontas que restituíssem a calma ao espírito público e
salvassem o comércio de um cataclisma.
388
A notícia transparece o clima de desespero gerado por esta crise, que arrastou às
casas bancárias do Rio de Janeiro, ávidos para sacar seus valores ali depositados,
centenas de investidores. Segundo Guimarães, o gatilho para semelhante bancarrota
financeira se deu porque
a cidade do Rio de Janeiro viu desenvolver-se uma forte atividade
bancária privada, motivada pelo fim do tráfico negreiro, que tornou
disponível o capital mercantil até então direcionado para os grandes
lucros do “Comércio das Almas”, pela criação do Código Comercial,
que legalizou a atividade bancária e tornou possível a organização das
sociedades anônimas e sociedades comerciais, e pela estabilidade
política após um longo período de crise, com as revoltas provinciais
do período 1830/1840.
389
uma relação íntima entre o incremento na criação de casas bancárias no
Brasil e a Lei Eusébio de Queirós, o conhecido mecanismo legal que coibiu
efetivamente o tráfico negreiro a partir de 1850. Essa liberação de capitais, antes
direcionados para aquisição de escravos e que motivou a criação do Código Comercial
388
Semana Ilustrada nº 197. Rio de Janeiro, 18 de setembro de 1864, p. 1590
389
GUIMARÃES, Carlos Gabriel. O Império e o crédito hipotecário na segunda metade do século
XIX
: os casos do Banco Rural e Hipotecário do Rio de Janeiro e do Banco Comercial e Agrícola na
década de 1850 In: GUIMARÃES, Elione Silva & MOTTA, Márcia Maria Menendes (orgs.)
Campos
em Disputa
: História Agrária e Companhia. São Paulo: Anablume; Núcleo de Referência Agrária, 2007,
p.13
202
através da Lei n ° 556, de 25 de junho de 1850 - medida que legalizou a atividade
bancária e fundou a profissão de banqueiro - veio acompanhada de uma outra medida
legal, a Lei n° 601, de 18 de setembro de 1850, a Lei de Terras, que transformou a terra
em ativo negociável.
390
Graças ao Código Comercial - que deu garantias legais à organização
de empresas no Brasil - e a disponibilidade de capitais foi possível a
abertura no Rio de Janeiro de novas sociedades anônimas,
principalmente, no setor de serviços e de infraestrutura econômica
destas empresas, especialmente de bancos e de companhias de
seguros, deram início as atividades da Bolsa de Valores do Rio de
Janeiro. Esta última existia desde 1848, mas os corretores
concentravam as suas atividades na negociação de títulos da dívida
pública e não de ações de empresas privadas.
391
Piñero analisa esse processo no contexto da adoção, no Império, do padrão-ouro
e a disputa política no interior de um projeto de centralização e descentralização do
poder, marcado no setor financeiro pela disputa entre papelistas e metalistas:
Os papelistas defendiam a pluralidade de bancos emissores, onde
seriam fundamentais os bancos provinciais, o que reforçaria o poder
regional. Os metalistas defendiam a unidade emissora. Desse modo, a
derrota da proposta papelista é uma derrota política: a da
descentralização.
392
A vitória da centralização – ou seja, do grupo regressista, ao qual estavam
ligados os Araújo, sendo um dos grandes ícones o marquês de Olinda - deu-se com a
criação, em 1853, do terceiro Banco do Brasil, que iniciou suas atividades em 1854,
fundindo-se a este o Banco Comercial e o Banco do Comércio e da Indústria do Brasil
nesse mesmo ano. A intenção da medida era
criar um banco privado, ligado ao governo, para financiar o Tesouro e
controlar, através de emissões e do redesconto, os bancos provinciais e
o próprio crédito no país, com a instalação de caixas filiais nas
províncias. (...) O fato de trabalhar com título de segundo endosso
390
MULLER, Elisa. Moedas e Bancos no Rio de Janeiro no século XIX. (versão preliminar). Rio de
Janeiro: UFRJ. p.22. Disponível em:
<http://www.ie.ufrj.br/eventos/seminarios/pesquisa/moedas_e_bancos_no_rio_de_janeiro_no_seculo_xix.
pdf.> Acesso em: 10 nov. 2008
391
Id., p.22.
392
PIÑERO, Théo Lombarinhas. Política e crédito agrícola no Brasil do século XIX. Revista America
Latina em la Historia Económica. Num. 6, Julio-deciembre de 1996, p. 43-44.
203
mostra que não visava fornecer prioritariamente crédito
diretamente ao comércio ou à produção, e sim, às instituições que
financiavam tais atividades. Assim, cria-se uma rede de
financiamento, sendo os recursos do Banco usados para manter a
liquidez no mercado.
393
Entre 1853 e 1856, surgiram duas novas casas bancárias na cidade do Rio de
Janeiro: o Banco Rural e Hipotecário, uma sociedade anônima criada graças ao
estabelecido no Código Comercial e que teve início com um capital inicial de oito mil
contos de réis. Foi o primeiro estabelecimento bancário do Rio de Janeiro a emprestar
dinheiro aceitando como garantia hipotecas de bens de raiz e de propriedades urbanas e
rurais.
394
Por causa desta característica, esse tipo de banco ficou conhecido na
historiografia bancária como banco comercial
.
395
O procedimento para empréstimos feitos pelo Banco Rural e Hipotecário do Rio
de Janeiro foi estabelecido mediante regras estabelecidas nos seus estatutos:
A propriedade urbana poderá obter dous terços do seu valor e a
rústica metade, e na mesma proporção a sua renda. O valor de
qualquer dellas será estimulado por peritos, sendo o mutuário
obrigado a exigir documentos que provem estar a propriedade segura
contra fogo, onde o possa ser, e em todo o caso livre e desembaraçada
de letígio, hipotheca ou de qualquer outro ônus. Na respectiva
escriptura se incluirá como condição, nos casos permitidos pela
Legislação, a faculdade ao banco para vender em leilão ou hasta
publica, independente de quaesquer formalidades judiciaes, a
propriedade hypothecada, quando no dia do vencimento da obrigação
não for esta solvida, sujeitando-se o hypothecante á pagar mais uma
décima parte do valor emprestado (...)
396
Os estatutos incluíam normas referentes a outros bens penhoráveis tais como
ouro, prata e diamantes, sobre os quais se emprestaria metade do seu valor em vista do
preço do mercado; as ações de companhias, apólices da dívida pública dita geral ou
provincial, liberando-se capitais referentes ao preço da praça com um abatimento ao
prudente arbítrio da direção [do Banco]. Também penhoráveis eram as letras e títulos
particulares ou públicos.
397
393
Id., 1996, p.44.
394
MULLER, s/d, op. cit.
395
GUIMARÃES, 2007, op. cit. p.15
396
Estatutos do Banco Rural e Hypothecario do Rio de Janeiro, Título VI, Artigo 50º §1º a Apud:
GUIMARÃES, 2007, op. cit. p. 15-16.
397
Id., 2007, p. 15-16
204
No artigo estabelecia-se que os empréstimos sempre se verificarão por meio
de letras aceitas pelo mutuário, embora sejam garantidas por escrituras de hypothecas,
penhores e cauções.
Por fim, no artigo que, o prazo sobre hypothecas não excederá
de 12 mezez, nem o de seis em outros quaesquer empréstimos
.
398
Estas condições, de garantia de retorno aos cofres do banco dos valores
disponibilizados por empréstimo, recuperáveis inclusive pela possibilidade de venda
compulsória dos bens de raiz hipotecados, fossem rurais (rústico) ou urbanos, serão
claramente percebidas ao se analisar a derrocada do clã Araújo.
Outro banco foi a Sociedade Bancária Mauá Mac Gregor,
esta última a maior
casa bancária privada de toda a época do Império,
399
organizada em julho de 1854, mas
que abriu as portas em 1855, como uma sociedade em comandita por ações.
400
Outra
instituição também criada nesse período foi o Banco Comercial e Agrícola. Estas quatro
instituições financeiras se constituíram nas principais fontes de crédito para o comércio
do Rio de Janeiro, Corte e Província, da década de 1850.
401
As fontes revelam o envolvimento do clã Araújo neste novo cenário financeiro
do Rio de Janeiro. A tabela abaixo apresenta a composição da primeira diretoria do
Banco Rural e Hipotecário:
Nome Natural/Residência Comercial Atividades
Diretoria
Belarmino Ricardo de Siqueira
(Barão de São Gonçalo)
Saquarema
Fazendeiro e Capitalista* Deputado
Provincial da Província do Rio de Janeiro
José Pedro da Motta Sayão
(Barão do Pilar)
Rio de Janeiro/ Campo da
Aclamação, 18. Rua Direita, 91.
Negociante Nacional*. Comércio de
descontos.**
João Baptista Fonseca Antonio
/Ribeiro Fernandes Forbes.
Minas Gerais/Rua Direita, 91
Portugal/Rua Direita, 21
Negociante Nacional*. Comércio de
comissões**. Negociante Nacional*.
Comércio de Grosso Trato e Capitalista.
SUPLENTES
Francisco Casimiro da Crua Teixeira Portugal/Rua da Candelária,36
Negociante Estrangeiro de Importação e
Exportação*; Comércio de comissão de
gêneros Nacionais.
João Pires da Silva /Manoel de
Araújo Coutinho Vianna
Rua Direita, 58
Negociante Nacional* Diretor da Cia de
Seguro contra Fogo e Raio.
José Henrique de Araújo
402
398
Ibid., p. 15-16
399
MULLER, s/d, op. cit.
400
Id., op. cit.
401
GUIMARÃES, 2007, op. cit., p. 14
402
Segundo o Guia do Almanaque Laemmert, de 1860, à página 63, José Henrique de Araújo residia na
cidade do Rio de Janeiro à rua do Hospício, esquina do Campo [da Aclamação]. O mesmo Guia apresenta
também Henrique José de Araújo (filho) residindo na mesma rua, nª 287. O barão de Piracinunga,
205
Antonio Joaquim Dias Braga Portugal/Rua de São Pedro, 2
Negociante Estrangeiro de Importação e
Exportação*; Comércio de Comissão de
Café .
Antonio José Monteiro Amarante Portugal/Rua de São Pedro, 30
Negociante Nacional*; Comércio de grosso
trato de fazendas secas.
Tabela 29: Primeira Diretoria do Banco Rural e Hipotecário do Rio de Janeiro
Fonte:*AN Almanaque Laemmert Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, Typ. Un. Laemmert, 1851-1854.
Negociante Nacional: Domicílio Comercial no Brasil (sede da firma)
** AN Registro de Cartas de Matrículas dos Comerciantes, Corretores, Agentes de Leilões, trapicheiros e
Administradores de Armazéns de Depósitos do Tribunal do Comércio da Capital do Império. Livro I, IC
57, Tomo I de 1851/1855.
SILVA, Salvador da Mata. Sesquicentenário da Irmandade de São Vicente de Paulo. Niterói, Ed.
Muiraquitã, 2004.
É possível caracterizar os membros dessa diretoria a partir das suas relações de
parentesco com os Araújo: o barão do Pilar, genro do barão de Piracinunga, com
endereço no Campo da Aclamação. O suplente José Henrique de Araújo, único que não
aparece referenciado no quadro, tinha endereço também no Campo da Aclamação, onde
possuía propriedades que seriam hipotecadas na crise. Era um dos filhos e herdeiro do
patriarca Henrique José de Araújo, tio da esposa do barão do Pilar (José Pedro da Motta
Sayão) e irmão de Joaquim Henrique de Araújo, o barão de Piracinunga.
403
No Almanaque de 1855, José Henrique de Araújo ainda aparece como suplente,
mas residindo à Rua do Hospício, esquina da Aclamação. Neste mesmo endereço
também residiu outro membro do clã, seu outro irmão, Henrique José de Araújo Junior,
que detinha no Banco o cargo de Recebedor
404
. No Almanaque de 1864, ano da crise,
detinha já a função de Tesoureiro
405
.
A crise de 1864 foi precedida por uma crise anterior, a de 1857, causada por uma queda nas exportações de café,
do Souto - resultando na adoção de uma medida centralizadora, a aprovação da chamada
“Lei dos Entraves”, de 1860. Essa lei restringiu de forma determinante o crédito
(trazendo diminuição de liquidez na praça comercial) e apresentou uma proposta de
Joaquim Henrique de Araújo, na Aclamação, 30. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1860/00001533.html>. Acesso em: 07 dez. 2008.
403
Almanaque Laemmert,1854, p.286-287. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1854/00000290.html>. Acesso em: 10 nov. 2008.
404
Id., 1855, p.357. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1855/00000365.html>.
Acesso em: 10 nov. 2008.
405
Ibid. 1864, p.434. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1864/00000442.html>.
Acesso em: 14 nov. 2008.
406
MULLER, s/d, Op. Cit. p.26.
206
reforma bancária e monetária. Piñero comentou sucintamente as medidas criadas com
essa lei:
estabelecia a necessidade de autorização do governo para criação de
sociedades anônimas, podendo vender ações após aprovação.(...)
obrigava os bancos a reduzir suas emissões à média existente no
primeiro semestre daquele ano, ‘enquanto não estiver habilitado para
realizar em ouro o pagamento de suas notas.’ O banco que não
pudesse efetuar a troca de seus bilhetes por moeda corrente ou ouro
teria falência declarada. Previa ainda a substituição, na composição
dos fundos dos bancos, das ações das sociedades anônimas por títulos
da dívida pública e por ações das ferrovias. Ao fim e ao cabo, houve
uma grande contração do meio circulante, com enorme influência nas
atividades urbanas do país.
407
Piñero explica também que houve uma alteração no Banco do Brasil, podendo o
mesmo financiar atividades no setor agrícola com recursos do setor urbano através de
uma Carteira Hipotecária, com dotação determinada em lei.
408
Segundo Müller,
além da Casa Mauá McGregor e Companhia, do Banco do Brasil e de
bancos comerciais privados, operavam no Rio de Janeiro desde a
primeira metade do século XIX pequenas casas bancárias que apesar
de realizarem operações idênticas às dos bancos comerciais diferiam
destes em relação à natureza jurídica e ao volume de capital
necessário para o seu funcionamento
.
409
Estas pequenas casas bancárias - Gomes & Filhos e Companhia, especializada
na captação de pequenas poupanças de trabalhadores livres e escravos. Montenegro,
Lima & Companhia, Oliveira Bello e a Casa Amaral Pinto nasceram como sociedades
anônimas, pelo fato, segundo Müller, de terem sido abertas com capitais girando em
torno de 300 a 1.500 contos de réis durante a década de 1850, graças aos negócios com
o café.
Dentre essas casas bancárias no Rio de Janeiro encontrava-se também a Souto &
Cia, fundada pelo português Antonio José Alves Souto, que anos trabalhava na
Corte como corretor de títulos e de outros valores, tinha título de nobreza [visconde] e
407
PIÑERO, 1996, Op. Cit., p.45.
408
Id., 1996, p.45
409
MULLER, s/d, op. cit. p.25.
207
gozava de muito prestígio junto à colônia portuguesa fluminense chegando a ocupar o
cargo de presidente da Beneficência Portuguesa.
410
Novamente as relações parentais foram importantes, e determinantes, para
possível acesso irrestrito ao crédito por parte de membros do clã Araújo, numa festa de
compromissos financeiros adquiridos, configurando o lodaçal de dívidas bancárias em
que se atolou até o pescoço.
As relações familiares dos Araújo estendiam-se ao âmbito religioso, pelo
pertencimento à Irmandade de São Francisco de Paula, cujo atual cemitério do Catumbi,
na cidade do Rio de Janeiro, ainda é de propriedade da irmandade e foi local onde o
visconde e a viscondessa de Piracinunga, tiveram sepultura.
411
No Almanaque
Laemmert de 1846, Joaquim Henrique de Araújo, ainda futuro barão de Piracinunga,
aparece como membro da Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula, no
cargo de Definidor, uma espécie de conselheiro da Ordem. No ano de 1866, ao que
parece, nenhum deles integrava mais a Ordem.
412
Sobre um aspecto que pode estar relacionado às muitas tomadas de empréstimos
pelos Araújo, Andrade
413
comenta que o cliente preferencial dessas casas bancárias era
aquele cuja demanda de crédito não podia ser satisfeita através de empréstimos diretos
do Banco do Brasil, ou dos bancos comerciais privados. A oferta de crédito destas casas
bancárias não era composta apenas de depósitos feitos pelo público, mas também, de
empréstimos obtidos em bancos particulares e no Banco do Brasil.
Parte dos lucros destes estabelecimentos advinha de operações triangulares, ou
seja, das diferenças entre os valores das taxas de desconto pagas pelas casas bancárias
aos bancos comerciais e dos altos juros cobrados dos tomadores de empréstimos.
Trocando em miúdos, haviam casas bancárias que tomavam empréstimos ao Banco do
Brasil, e também comissários que pegavam empréstimos, e os repassavam com altos
juros, para os proprietários.
410
Id.s/d, p.26
411
O visconde de Piracinunga, Joaquim Henrique de Araujo e a viscondessa, encontram-se sepultados no
Cemitério do Catumbi, na cidade do Rio de Janeiro.
412
Almanaque Laemmert, 1866, p.362. Disponível em
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1866/00000366.html>. Acesso 14 novembro 2008.
413
ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de. 1864: conflito entre metalistas e pluralistas. Rio de Janeiro: IFCS
In: MULLER, Elisa.
Moedas e Bancos no Rio de Janeiro no século XIX. (versão
preliminar).UFRJ.p.25. Disponível em:
<http://www.ie.ufrj.br/eventos/seminarios/pesquisa/moedas_e_bancos_no_rio_de_janeiro_no_seculo_xix.
pdf.> Acesso em: 10 nov. 2008
208
Exemplo do sistema de tomadas de empréstimos ao Banco do Brasil feito por
casas bancárias, está na própria Casa Souto & Cia, que quando se suspendeu o
pagamento de seus bilhetes, no dia 09 de setembro de 1864, 66% do capital do Banco
do Brasil estava emprestado a ela. Essa suspensão de pagamentos, motivada pela
impossibilidade da Casa Souto de pagar as letras dos investidores, pode ser atribuída à
restrição do crédito promovida pela Lei dos Entraves, de 22 de agosto de 1860. Muller,
a respeito dessa lei, explica que a mesma
abalou o sistema bancário carioca. Os bancos Comercial e Agrícola e
o Rural e Hipotecário perderam seus direitos de emissão e o Banco
Comercial e Agrícola, fundado durante a administração de Souza
Franco, foi liquidado. Houve uma forte retração da liquidez, seguida
da alta das taxas de juros e da falência de casas bancárias. O Banco do
Brasil tentou intervir na crise e concedeu empréstimos à Casa Souto
que acumulou uma dívida de 22 mil contos de réis
414
Granziera apresentou as principais características da política econômica
empreendida a partir da Lei dos Entraves como sendo de restrição fiduciária e
conversibilidade-ouro; os entraves às companhias nacionais; a concessão da
cabotagem; a política de alta taxa de câmbio; o Governo cliente da nova rede
bancária; a garantia de remuneração aos capitais investidos.
415
Botelho Junior analisou os efeitos dessa política:
A lei de 1860 liquidou forçosamente várias casas que se consolidariam
com o tempo, pois diversas transações dependiam do longo prazo para
se realizar sem prejuízo. Diminuíram-se bruscamente as iniciativas
empresariais e aumentaram-se as falências. Estas, na opinião do
Governo, referiam-se apenas aos empreendimentos de caráter
especulativo. Em termos práticos, a lei de 1860 trouxe diversos
obstáculos à criação de novos empreendimentos. Na época, um
economista francês a denominou de lei de entraves, termo que se
tornou referência constante a acadêmicos que viriam estudar o assunto
posteriormente.
416
414
MULLER, s/d, op. cit, p.27.
415
GRANZIERA, Rui G. A Guerra do Paraguai e o capitalismo no Brasil: moeda e vida urbana na
economia
brasileira. São Paulo: Hucitec / Unicamp, 1979, p.85 In BOTELHO JUNIOR, Cid de Oliva.
Instabilidade financeira na primeira década republicana. Campinas, São Paulo: 2002. p. 11.
Disponível em <http://libdigi.unicamp.br/document/?view=vtls000246437>. Acesso em 14 novembro
2008
416
Id., 2002, p. 12
209
Piñero, acerca do mesmo tema, acrescenta que as casas bancárias, no seu
conjunto, para sobreviver à necessidade de cumprirem com seus compromissos com os
investidores, ou seja, de restituir os dividendos devidos a estes de acordo com os
capitais aplicados,
tiveram que recorrer ao redesconto e a caução do Banco do Brasil no
mês de setembro, para dar conta da corrida sobre os seus depósitos.
Com relação aos bancos estrangeiros, nessa época restritos aos bancos
ingleses, como o London and Brazilian Bank e o Brazilian and
Portugueses Bank, ambos recorreram também ao Banco do Brasil,
porém com quantias bem menores se comparadas com as dos bancos e
casas bancárias “nacionais”.
417
Ou seja, tomar mais dinheiro emprestado do Banco do Brasil para cobrir os
compromissos com os correntistas e investidores. Para se ter uma idéia do volume
destes valores resgatados pelas casas bancárias no fundo do Banco do Brasil visando
garantir os seus pagamentos, uma tabela apresentada por Piñero oferece um panorama
dessa ciranda de empréstimos. Prenúncio do cataclisma financeiro que se formava.
Tabela 30: Demonstrativo de quantias fornecidas pelo Banco do Brasil - 10 a 30.09.1864
Fonte: Ministério da Justiça - 1865
418
417
PIÑERO, 1996, op. cit., p.4.
418
BRASIL. Ministério da Justiça. Commissão de Inquérito sobre as causas da crise na praça do Rio de
Janeiro. Relatório da commissão encarregada pelo governo imperial por avisos do de outubro a 28 de
dezembro de 1864 de preceder a um inquerito sobre as causas principaes e acidentaes da crise do mês de
Instituições Descontos Cauções
Banco Rural e Hipotecário 1.240:000$000 4.630:000$000
Banco Mauá, Mac Gregor & Cia 5.246:440$136 -
London & Brazilian Bank 382:766$240 500:000$000
Brazilian and Portuguese Bank - 1.013:300$000
Gomes & Filhos 3.222:239$512 1.934:000$000
Bahia, Irmãos & Cia 8.207:231$061 1.804:600$000
Montenegro, Lima & Cia 2.108:507$274 1.088:000$000
Oliveira & Bello 22:250$000 -
D´Illion & Marques Braga 682:349$604 -
Portinho & Moniz 850:895$569 63:000$000
Silva Pinto, Melo & Cia 337:458$220 -
João Baptista Vianna Drummond 254:233$971 -
Manoel Gomes de Carvalho 183:343$282 -
Lallemant & Cia 347:884$570 -
210
O quadro inclui casas bancárias estrangeiras (Brazilian and Portuguese Bank,
London & Brazilian Bank), demonstrando que o fato de pegarem menor montante de
empréstimos pode estar relacionado a uma maior estabilidade desses bancos, que
certamente tinham a possibilidade de buscar em suas matrizes do exterior, recursos para
cobrir buracos no orçamento.
Apresentado sucintamente o cenário da crise, seu início, ou seja, a correria para
sacar valores, foi descrito na cronologia existente no Projeto de Impacto nos Negócios –
PIN,
da Fundação Getúlio Vargas:
Com o fechamento inesperado em 10 de setembro de 1864, da Casa
Souto, espalhou-se o pânico em toda a cidade do Rio de Janeiro,
provocando a corrida de credores e depositantes aos estabelecimentos
bancários.O Banco do Brasil esteve no epicentro desse terremoto
econômico, pois havia adiantado recursos àquela casa, ultrapassando
os limites do socorro tecnicamente possível. Pela manhã, Alves Souto
consultou um diretor do Banco, no sentido de obter mais 900 contos
de réis. A resposta teria sido que era inviável, e melhor seria se a Casa
Souto encerrasse suas atividades. A notícia correu e o Banco do Brasil
passou a ser encarado como responsável pelo cataclismo. Desordem e
agitação perduraram uma semana. Em 17 de setembro, o Governo
Imperial decretou a suspensão por 60 dias de todos os vencimentos,
prorrogando-os por igual período. Além disso, deu curso forçado às
cédulas emitidas pelo Banco do Brasil, evitando as falências em
cascata, tranqüilizando o mercado financeiro e permitindo a posterior
recuperação da economia.
419
6.2. Tudo que é sólido, se desmancha no ar
Pelo que indicam as fontes, o patrimônio do clã Araújo sofreu duramente os
efeitos da crise financeira da praça do Rio de Janeiro, ocorrida no ano de 1864. A partir
daqui, é possível demonstrar o quadro de endividamento dos Araújo no contexto
dessa onda de quebradeiras que envolveu o nascente mundo financeiro carioca.
setembro de 1864. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1865. Documentos anexos ao Relatorio da commissão
de Inquerito (...), serie A, p.4.
419
KRUGER, Jean Marcos. Projeto de Impacto nos Negócios PIN. Cursos auto-instrucionais no BB
avaliação e propostas de melhoria. Fundação Getúlio Vargas online. Florianópolis SC, 2006, p.24-25.
Disponível em:
<fgvrj82.fgv.br/Uploads/PINEAD_T16_022005/2CA7D_ED619_D99D5_TRABALHO_FINAL.doc>
Acesso em: 11 nov. 2008.
211
A participação dos Araújo em casas bancárias como o Banco Rural e
Hipotecário e suas relações íntimas com o fundador da Casa Souto podem ter
contribuído, possivelmente, para a tomada de avultados empréstimos para custeio,
inclusive de suas atividades na área rural, através da já mencionada Carteira Hipotecária
do Banco do Brasil. Os Araújo, vale frisar, tinham também ações de empresas como a
Companhia de Paquetes e a Estrada de Ferro de Cantagalo.
Ao que parece, não pegaram empréstimos diretamente no Banco do Brasil, mas
através das outras casas bancárias que tomavam empréstimos daquele banco e os
repassavam, juro sobre juro (redescontos), aos proprietários tomadores de empréstimos.
Daí a razão de estar o clã devendo igualmente a tantas casas bancárias do Rio de
Janeiro, como se verá.
O clã Araújo era bem estabelecido no Rio de Janeiro: possuía muitas
propriedades em forma de bens imóveis, na cidade e no interior, ou seja, as suas
fazendas oriundas da repartição da Fazenda do Colégio. Esses bens é que serão
hipotecados para pagar a dívida com os bancos.
No inventario de Antonio de Araújo Braga, falecido em 1871, encontra-se anexa
a Escriptura de dívida e obrigação com garantia de hypotheca e penhor, do ano de
1865. A escritura, distribuída em cartório no dia 17 de dezembro de 1864, demonstra
efeitos imediatos da crise sobre o patrimônio dos Araújo e foi pedida em certidão para
anexar ao inventário em 19 de janeiro de 1865. Os outorgantes, ou seja, os devedores,
eram
os Excellentíssimos Barão do Pilar e sua mulher a Baroneza do
mesmo titolo, representados por seu bastante procurador Henrique
José de Araújo Junior pelos poderes da procuração que apresentou; o
Commendador Henrique José de Araújo e sua mulher Dona Anna
Virginita de Araújo; os Commendadores José Henrique de Araújo e
Antônio de Araújo Braga e os Excellentíssimos Barão de Piracinunga
e sua mulher a Baroneza do mesmo titolo, representados por seu
bastante procurador o Doutor José Bernardo de Figueiredo pelos
poderes da procuração que apresentou
420
Encontravam-se arrolados como devedores: o barão de Piracinunga, Joaquim
Henrique de Araújo e sua esposa, a filha do marquês de Olinda; o barão do Pilar, José
Pedro da Motta Sayão e sua esposa, Maria José de Araújo, filha do barão de
Piracinunga; Henrique José de Araújo Junior, que era Recebedor no Banco Rural &
420
Inventário de Antonio de Araújo Braga - 1871. Arquivo Nacional
212
Hipotecário; José Henrique de Araújo, que fora suplente na primeira diretoria daquele
banco, e Antonio de Araújo Braga. A teia familiar transformara-se numa rede de
endividamentos. Como outorgados, ou seja, credores,
o Banco do Brasil representado pelo seu Diretor o Doutor Manoel de
Oliveira Fausto (...); o Banco Rural e Hypothecario representado pelo
seu Diretor Doutor Roberto Jorge Haddock Lobo (...); o
Commendador Jerônimo José de Mesquita Fortinho e Monniz (?)
firma Social representada pelo sócio João da Costa Fortinho; o Banco
Mauá Mac Gregor e Companhia, representado pelo seu Gerente João
Ignácio Tavares; Bahia Irmãos & Companhia, firma Social
representada pelo sócio João Duarte Coelho Junior; o Excellentíssimo
Marquês de Olinda representado pelo seu bastante procurador José
Duarte Coelho Junior, digo, Joaquim Henrique de Araújo,(...); José
Bernardo de Figueiredo, a massa fallida de Montenegro Lima e
Companhia, representada pelos Doutores Manoel d´Oliveira Castro e
Roberto Jorge Haddock Lobo, membros da comissão liquidadora da
mesma massa; João Miranda de Araújo e Fr. José Damásio de São
Vicente Ferreira representados por seu bastante procurador José
Henrique de Araújo (...); e os herdeiros de Dona Maria Bibiana de
Araújo, representados pelo seu bastante procurador José Barbosa Leão
(...)
421
Assim, o conjunto de credores dos Araújo constituía-se pelos bancos, do Brasil;
Rural e Hipotecário; Mauá McGregor; Bahia Irmãos & Cia; Montenegro Lima & Cia. A
fonte informa haver dívidas também com pessoas físicas, como o próprio marquês de
Olinda, com João Miranda de Araújo
422
, frei José Damásio de São Vicente Ferreira e os
herdeiros de d.ª Maria Bibiana de Araújo.
A esta extensa lista de credores deviam os Araújo a elevada soma de novecentos
e oitenta e três contos e quatrocentos mil réis (983:400$000). Este montante deveria ser
pago no prazo de quatro anos, de acordo com condições acordadas entre outorgantes e
outorgados. Os termos do acordo foram fixados da seguinte forma: foi permitido aos
devedores designar, dentre os bens que possuíam, os que deviam ser vendidos por
último para o pagamento da divida, sendo que os bens do barão de Piracinunga
deveriam ficar livres e salvo, tanto quanto for possível. Durante o prazo concedido para
o pagamento integral da divida, se o barão vendesse algum ou alguns dos seus prédios,
poderia fazê-lo entrando assim directo da venda para o Banco que for escolhido e no
qual ficando em conta corrente com juros até que sejão vendidos os bens dos outros
Outorgantes.
421
Id., 1871
422
Segundo carta anexa ao inventário de Antonio de Araújo Braga, residia na Europa.
213
Durante os primeiros dois anos do prazo concedido ficariam os Outorgantes
(devedores) livres e isentos de pagarem qualquer juro. Nos últimos dois anos pagariam
a juro de 6% ao ano, correspondente a soma de que ficassem os devedores obrigados a
pagar ao fim dos dois primeiros anos, devendo os juros ser pagos no fim de cada ano.
Todas as quantias que fossem sendo apuradas seriam depositadas no Banco que fosse
escolhido pelos devedores. Tinha pressa o Banco do Brasil.
As quantias apuradas e depositadas para pagamento, quando chegassem a dez
por cento da importância total da dívida seriam distribuídas pelos credores na proporção
dos seus créditos, exceto as quantias provenientes dos bens que o barão de Piracinunga
houvesse vendido e que ficariam em depósito no Banco até que fossem vendidos os
bens dos outros outorgantes. Ao que parece, este recurso, de comprometer os bens do
barão, só seria utilizado caso não se alcançasse o valor da dívida.
Os credores arbitrariam uma quantia para garantir alimentos dos devedores, que
estes distribuiriam entre si como julgassem e nomeariam dois representantes entre si
para acompanhar e fiscalizar a liquidação dos bens dos devedores, bem como assistir a
venda destes bens, determinar quais e quando deviam ser vendidos, com obrigação de
apresentar no fim de cada ano do prazo um relatório ou demonstração do estado da
liquidação, para ciência dos credores.
O prazo de quatro anos não era obrigatório e seria considerado apenas como
período máximo para liquidação e pagamento da dívida aos credores. Da importância
total da divida que eram os responsáveis obrigados em conjunto a pagar, passariam os
devedores letras a cada seis meses, reformadas sem juros no respectivo vencimento até
o prazo de dois anos, e devendo, em cada reforma, abater nas novas letras a importância
de que tivesse sido distribuído, como pagamento, aos credores.
Condições de certa forma satisfatórias, mas duras de se cumprir, o que fizeram
os Araújo mesmo com sacrifício de bens que posteriormente iriam ter direito por
herança. Na intenção de solver a dívida hipotecaram seus bens. A tabela apresenta a
extensão do patrimônio hipotecado aos credores para solver a dívida de cerca de mil
contos de réis.
214
Barão e
baronesa
do Pilar
Casas na rua de Matacavalos, do Lavradio, do Rezende, rua Nova do Conde, na Ladeira
de João Homem, no Morro de Santa Thereza, no Campo da Aclamação, na rua do
Andaraí; uma casa em Petrópolis; 1/6 dos terrenos do Andaraí; 1/6 de uma Chácara na
rua Nova do Conde; as fazendas Camboatá; de Nazareth;de Capivari e do Gavião, todas
na freguesia do Pilar, município da Estrela.
Henrique
José de
Araújo (fº) e
Anna
Virginita de
Araújo
Um sobrado na rua do Hospício; uma outra casa na mesma rua; casas na rua dos Arcos;
do Carro; outra de sobrado no Campo da Aclamação; casas térreas no Morro de Santa
Thereza; do Piracinunga (Andaraí); na própria rua do Andaraí; na Travessa do Andaraí;
1/6 do terreno do Andaraí;1/6 da rua Nova do Conde;
a fazenda da Ribeira.
José
Henrique de
Araújo
Casas na rua dos Pescadores; dos Ciganos; do Hospício; do Campo da Aclamação; da
Travessa do Desterro; na rua do Príncipe do Catete; na Travessa do Andaraí; 1/6 do
terreno do Andaraí; 1/6 da chácara da rua Nova do Conde; a
fazenda Rio das Pedras.
Antonio de
Araújo Braga
Casas na rua do Ouvidor;
na rua da Alfândega*; três casas na rua do Hospício; rua
Formosa; rua Nova do Conde; no Campo da Aclamação;
1/6 que possui no Andaraí*;
1/6 dos terrenos da Chácara na rua Nova do Conde;
a fazenda do Jaguary.*Vendidos em
1872 (Braga faleceu em 1871).
Barão e
baronesa de
Piracinunga
Casas na rua Direita, a qual vai até a praia dos Mineiros; três casas na rua do Hospício;
1/6 dos terrenos do Andaraí, menos um com 23 braças e 3,5 palmos de testada com 60
braças de fundo do qual fizeram doação a sua filha, mulher de José Antonio Alves
Souto; 1/6 dos terrenos da chácara da rua Nova do Conde;
a fazenda Papucaia.
Tabela 31: Bens do clã Araújo hipotecados ao Banco do Brasil
Fonte: Inventário de Antônio de Araújo Braga – 1871 Arquivo Nacional
Além de todos esses bens, os devedores comendadores José Henrique de Araújo
e Antônio de Araújo Braga também hipotecaram: o primeiro, duzentas ações do Banco
do Brasil, cento e vinte e quatro ações da Companhia Brasileira de Paquetes a Vapor e
cem ações da Companhia da Estrada de Ferro de Cantagalo. O segundo, cento oitenta e
quatro ações do Banco Rural e Hipotecário e cinqüenta ações também da Companhia
Estrada de Ferro de Cantagalo, que segundo o documento de dívida e hipoteca foram
declaradas livres e desembaraçadas de todo e qualquer ônus e elles Outorgantes as dão
aos Outorgados em penhor para segurança e garantia do pagamento da dívida
commum delles e dos outros.
423
O comprometimento do patrimônio dos Araújo com a dívida pode ser
exemplificado pelo próprio inventário de Antonio de Araújo Braga. Os membros da
423
Inventário de Antonio de Araújo Braga – 1871. Arquivo Nacional.
215
família que tinham direito a partes da herança deixada por esse filho de Henrique José
de Araújo, como o barão do Pilar e o próprio barão de Piracinunga, tiveram que desistir
do seu direito de recebê-las, para integrar o pagamento da dívida com o Banco do Brasil
como parte que devia ser paga por Antônio de Araújo Braga por responsabilidade
indirecta, embora falecido.
Sendo assim, em 1872 foram emitidos documentos que integraram o inventário
na tentativa de organizar a transferência dos bens para um herdeiro em especial, João
Miranda de Araújo, um outro filho de Henrique José de Araújo, que vivia na Europa.
Outra parte foi negociada entre os herdeiros no Brasil.
Um dos documentos inclusive solicita a venda dos bens para cobrir parte da
dívida.
Illmo. Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 1ª Vara.
Diz o Barão de Piracinunga por si, e como procurador de seu irmão
João Miranda de Araújo, Henrique José de Araújo e o Barão do Pilar,
por cabeça de sua mulher, herdeiros do finado seu irmão Antonio de
Araújo Braga que tendo-se feito o calculo para pagamento dos direitos
fiscaes onde se mostra ter interesse algum a Fazenda Nacional por se
achar o monte onerado de dívidas, querem os Suppes fazer venda dos
bens para maior proveito do espolio, dando conta a este Juizo e
pagando os direitos que porventura se verifiquem dever, e mesmo para
entre elles fazerem partilha e assim, Pª V. Excia se digne mandar
passar Alvara de authorização Rio de janeiro, 15 de março de 1872
Henrique José de Araújo
O juiz não veria com bons olhos a iniciativa de se vender a um comprador
particular os bens do falecido, colocando no verso do documento anotação de que os
bens deveriam ser vendidos em leilão público e que se apresentassem notas
confirmando que realmente estavam sendo feitos o pagamento da dívida conforme a
escritura do endividamento e das hipotecas mencionada. Tal medida motivou
protestos do barão de Piracinunga, o inventariante. O documento revela que, após
livrarem-se do imposto de transmissão de bens que deveria ser pago à Fazenda
Nacional, o que diminuía o prejuízo, os Araújo viviam uma situação de aparente aperto,
que o barão relata que mesmo que se vendessem todos os bens de Antonio de Araújo
Braga, daria o montante para solver o compromisso:
216
Illmo. Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 1ª Vara.
Diz o Barão de Piracinunga, como inventariante dos bens do finado
seu irmão Antonio de Araújo Braga que, com quanto nada oppusesse
o Dr. Procurador dos Feitos no calculo feito para pagamento de
direitos fiscaes onde se declara nada ter que haver a Fazenda
Nacional, por se achar o monte onerado com dividas e hipoteca
superior aos bens do espolio, exige entre tanto agora, sendo ouvido
sobre outra deligencia, que o Suppe. exhiba os títulos de dívida do
Inventariado que consentrão obrigação directa.
O Suppe. satisfazendo essa exigência appresenta as duas letras
ultimamente reformadas, conforme as contas de f. 49 e f.51 e pondera
que pela escriptura de fl. 28 se qual a responsabilidade do Suppe. e
dos outros herdeiros e que depois de esgotados os bens de um se
poderá lançar mão dos de outros responsáveis.
Em conclusão, não havendo herança não pode haver pagamento de
direitos, e assim não se tratando da hypotheca do Art. do
Regulamento de 15 de Dezembro de 1860, como bem diz o Dr.
Procurador dos Feitos, não pode o Suppe. ser coagido a vender em
praça bens que estão hypothecados, e requer a V. Excia que mandando
ir esta por linha nos autos de inventario diga sobre ella o Dr.
Procurador dos Feitos e que affinal o escrivão lhe passe o Alvara de
Authorização requerido.Rio de Janeiro, 23 de março de 1872.Barão
de Piracinunga.
424
Os bens seriam vendidos e passados os documentos de comprovação de parte do
compromisso. O Juiz apertou os Araújo, exigindo saber se o dinheiro apurado iria para
os bancos.
Illmo. Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 1ª Vara.
Diz o Barão de Pirassinunga, como inventariante dos bens do finado
seu irmão Antonio de Araújo Braga que tendo os autos de Inventario
ido do Contador para fazer o calculo para pagamento dos direitos
fiscaes, declarou este que não o podia fazer por se achar o monte
onerado com dividas e hypotheca muito superior aos bens avaliados, e
mandando V. Excia ouvir o dr. Procurador dos Feitos, concordou este
com a nota do Contador exigindo entretanto que o Suppe declare o
destino que quer dar aos bens. O Suppe satisfazendo tal exigência
declara que na forma da escriptura de hypotheca pretende pagar a
divida da melhor maneira que lhe convier.Pª V. Excia que junte esta
aos autos seja julgado o calculo por sentença.Rio de janeiro, 15 de
março de 1872. Henrique José de Araújo.
425
O inventariante barão de Piracinunga respondeu pelo cumprimento do mandado:
Diz o Barão de Pirassinunga, inventariante dos bens do seu finado
irmão, o Comendador Antonio de Araújo Braga, que para sciencia de
Juizo, esclarecimento da partilha a que se tem de proceder, quer fazer
424
Inventário de Antônio de Araújo Braga, 1871. Arquivo Nacional.
425
Id. 1871.
217
juntar aos autos de inventário. 1º a relação dos bens que em virtude da
authorização concedida a fl. 115 v forão vendidos na importância de
34:780$000, sendo a mesma importância aplicada ao pagamento da
responsabilidade indirecta em que o inventariado se achava
constituído para com o Banco do Brasil, e Hypothecario, segundo a
escriptura de fl. 28 a 48. a escriptura de quitação passada pelos
referidos Bancos. Assim, pois, o Suppe. requer a V. se sirva
mandar que se faça a junção requerida. Rio, 20 de maio de 1873. O
Advogado Izidro Borges Monteiro.
426
Os bens vendidos constam em fls. 18 da Relação dos bens que se venderão
pertencentes ao inventariado finado Commendador Antonio de Araújo Braga, para
amortização de sua responsabilidade indirecta nos Bancos do Brasil e Rural e
Hypothecario por seu inventariante Barão de Piracinunga competentemente
authorizado por Alvará do Exmo. Sr. Juiz do Inventário.
427
Vendeu-se o terreno na
travessa do Andaraí por 4:780:000 e a casa à rua da Alfândega, por 30:000$000. Diz a
fonte que a quantia acima de trinta contos e setecentos e oitenta mil réis foi paga aos
Bancos do Brasil e Rural Hypothecario pela sua responsabilidade indirecta. A
derrocada dos Araújo pode ser inferida pela venda de suas propriedades no interior.
Primeiro a Papucaia, vendida em 1866 pelo barão. Este foi inventariante da fazenda
Jaguary, de seu irmão Antonio de Araújo Braga, em 1871. O inventário apresenta a
situação de decadência:
Tabela 32: Prédios da Fazenda Jaguary - 1871
Fonte: Inventário de Antonio de Araújo Braga
426
Inventário de Antonio de Araújo Braga, 1871. Arquivo Nacional.
427
Id. 1871.
Prédios Valor
Engenho de moer canas montado com todos os seus pertences para fazer assucar com alambique de
condensador para fazer aguardente, com caza de vivenda por cima, tudo coberto de telha com paredes
de pau a pique formado sobre esteios, achando-se parte deles cortados na superfície da terra e
algumas das paredes a desabar.
7:500$000
Engenho de fazer farinha com pilões para socar com todo os pertences para um e outro mister movido
por água, caza coberta de telhas com paredes de pau a pique sobre esteios (...), tudo muito arruinado.
500$000
Huma caza que serve para enfermaria com leitos ordinários para os doentes sobre paredes de pau a
pique esteios (...) muito arruinado.
60$000
Hum lance com oito senzalas cobertas de sape com paredes de pau a pique sobre esteios (...) quaze a
cair.
60$000
Huma caza pequena que serve para galinheiro, coberta de telha com paredes de [pau a ] pique sobre
esteios(...) muito arruinado.
20$000
A caza do sítio denominado Santo Antonio coberta de telhas, paredes de pau a pique sobre esteios (...)
arruinada.
200$000
218
Os termos arruinado, quase a cair, a desabar, denunciam que as coisas não
andavam nada bem na Jaguary. Embora tenha sido vendida somente em 1871, foi
envolvida nos bens do clã para pagamento de sua avultada dívida, seu estado de
conservação revela seu abandono nos anos anteriores. Desta forma, a crise foi sim um
motivo que pode estar associado à sua venda, que mesma se encontrava em estado
deplorável.
Outros bens listados e avaliados foram os animais da Jaguary: 60 bois de carro
imundos e magros; 51 cabeças de gado; 40 éguas, cavalos e poldros; 05 bestas de carga;
50 porcos, leitões e leitoas, 30 carneiros e ovelhas, tudo avaliado em 3:320$000. O que
representou maior valor foi a terra, onde é possível perceber em seus limites o desmonte
do complexo agrário dos Araújo.
Terras
Valor
Setecentos e trinta e duas braças de testada no Rio Macacú e uma légua de fundos a
intestar com a légua chamada do meio hoje pertencente a Dona Luiza, partindo por um
lado com terras da Papocaia que pertence hoje ao Coronel Francisco José Fernandes
Panema e o Excellentíssimo Barão de Piracinunga e pelo outro com os herdeiros do
finado Manoel de Souza Castro e outros.
(15$000 a braça)
10:980$000
Uma porção de terras além do Rio Macacu com quinhentas braças mais ou menos que
as faz no mesmo Rio e fundos, e fundos até a estrada que vai da extinta freguezia da
Trindade para o lugar denominado Passagem, partem por um lado com as terras
incravadas entre esta fazenda e a da Ribeira pertencendo aos herdeiros de Manoel
Gonçalves Pereira e pelo outro com terras que forão do finado Vigário Francisco
Antonio Soares de Medeiros e hoje com quem de direito for. (6$000 a braça)
5:000$000
Tabela 33: Terras da Fazenda Jaguary - 1871
Fonte: Inventário de Antonio de Araújo Braga – Arquivo Nacional -1871
A comprovação da decadência da Jaguary encontra-se na composição da sua
escravaria. 55 cativos: 29 do sexo masculino e 26, feminino. A composição etária é
a seguinte:
Tabela 34: Idades dos escravos na Fazenda Jaguary - 1871
Fonte: Inventário de Antonio de Araújo Braga – Arquivo Nacional -1871
0 a 5 6 a 10 11 a 20 21 a 30 31 a 40 41 a 50 51 a 60 61 a 70 71 a 80 TOTAIS
Homens 03 01 00 01 08 12 02 00 02 29
Mulheres 01 00 01 06 08 02 02 01 05 26
TOTAIS 04 01 01 07 16 14 04 01 07 55
219
Uma escravaria um tanto velha, que 47,27 % dos escravos possuem idades
que vão de 41 a 80 anos. Em relação às suas funções, a Jaguary possuía 22 escravos de
serviço de roça, 13 para serviço doméstico
428
, 01 tanoeiro, 01 aguardenteiro, 01
pedreiro, 01 carpinteiro, 01 ferreiro, 01 cozinheiro, 03 carreiros e 01 mestre de açúcar.
Dez outros escravos não tiveram indicada a função. Aparentemente produtiva,
apresentava um quadro formado por escravos com doenças e defeitos físicos.
Nome Etnicidade Idade Doença ou defeito físico Função
Antonio Macuco Pardo 56 Quebrado de uma verilha -
Maria Mouzinha Nação 40 Thysica no terceiro grau -
Manoel Grande Crioulo 46 Muito reumático aguardenteiro
Anacleto Nação 47 Ferida chronica na perna Carreiro
Cypriano Nação 40 Quebrado de ambas as verilhas
mestre de
açucar
Jorge Nação 46 Rendido de uma verilha
Todos de
serviço
de roça.
Melaquias Nação 40 Pés defeituosos
Jezuino Nação 44 Asmático
Manoel Mina 48 Sofrendo do peito
Lourenço Nação 38 Catarata em ambas as vistas
Fedeliz Nação 42 Defeituoso das pernas
Bonifácio Nação 48 Aleijado mão direita e defeituoso perna esquerda
José Barrica Nação 80 Sofrendo de ambas as vistas
Maria Maquenda Crioula 38 Reumática
Maria Bacató Nação 40 Muito ... (?)
Eufrazino Crioulo 38 Bastante surdo
Engracia Crioula 80 Sofrendo de uma vista
Marcolina Nação 74 Sofrendo de uma das vistas
Ritta Nação 70 Aleijada de ambas as pernas
Benedicto Crioulo 58 Com formigueiro crônico em ambas as pernas
Tabela 35: Doenças e defeitos físicos de escravos da Fazenda Jaguary - 1871
Fonte: Inventário de Antonio de Araújo Braga – Arquivo Nacional -1871
428
Tantos escravos para serviço doméstico induzem que alguns poderiam trabalhar em alguma
propriedade de Antonio de Araújo Braga na cidade do Rio de Janeiro, mas o inventário não apresenta essa
especificação.
220
A maioria dos vinte cativos com problemas físicos e doenças declaradas são
escravos de roça, não figurando neste grupo nenhum escravo doméstico. As idades
circunscrevem-se ao grupo de escravos mais produtivos, com a presença de alguns bem
idosos: José Barrica (80), Engracia (80), Marcolina (74) e Ritta (70). Uma escravaria
dessas, com 36% da força de trabalho comprometida por escravos doentes e 23,63%
(13) de cativos no serviço doméstico, não deveria ser capaz de gerar uma produção
agrícola satisfatória. Entretanto, não se descarte a possibilidade de, em momentos de
absoluta necessidade, terem sido aproveitados em atividades na roça.
O restante dos bens móveis avaliados completa o quadro de ruína da Jaguary:
Tabela 36: Bens móveis da fazenda Jaguary - 1871
Fonte: Inventário de Antonio de Araújo Braga – Arquivo Nacional -1871
Outra referência à crise do clã Araújo, está presente no Inventário e Partilha
amigável a que procedem os abaixo assignados na qualidade de herdeiros do fallecido
Pai o Commendador Henrique José de Araújo dos bens pelo mesmo deixados no tempo
Dois carros usados 80$000
Hum dito em mau estado 16$000
Enxadas, foices e machados de serviço, tudo usado 20$000
Huma carroça para Burros 50$000
Hum ventilador (...) 50$000
Trança de mesa e clozinha, copos, talheres, bandejas, toalhas e guardanapos em pequenas
porçoes e muito usados.
6$000
Huma bacia de cobre para pés pesando trinta e quatro libras e quatrocentos 13$000
Quatro camas com colchões, travesseiros, lençóis, colchas, cobertores, fronhas... para elas. 60$000
Huma mesa com pedra mármore 20$000
Huma dita de madeira para jantar 20$000
Hum aparador 10$000
Hum canapé com palhinha 6$000
Vinte cadeiras de palhinha 10$000
Huma dita de balanço em mau estado 3$000
Hum lavatório com espelho e pedra mármore 12$000
Duas cômodas usadas 32$000
Huma mesa com cabeceira de pedra mármore 12$000
Huma mesa de jacarandá com abas 10$000
Duas mesas pequenas muito usadas ???
Huma franca(?) de ferramentas pertencente a ferraria 20$000
...paramentos da Igreja muito arruinados, um cálice e patena de prata dourada avaliados em
vinte mil reis. Não tendo o Juiz concordado com essa avaliação, combinou com os louvados e
derão o valor de...
50$000
221
do seu falecimento.
429
Assinaram o documento Henrique José de Araújo Junior,
Antonietta Henrique de Araújo, José Caetano de Araújo e Maria Henriqueta de Araújo.
Presume-se que a fonte cita os bens deixados pelo patriarca Henrique José de Araújo
para seu filho homônimo. De qualquer forma, os mesmos foram partilhados e entre eles
não aparece nenhum bem rural.
Tabela 37: Escravos do espólio de Henrique José de Araújo - 1875
Fonte: Inventário e partilha amigável – Arquivo Nacional - 1875
Cinco mulheres e seis homens com idades que vão de 8 até mais de 60 anos. Dos
11 escravos, cinco possuem mais de 40 anos. Cinco são domésticos, duas lavadeiras e
um cozinheiro. Com certeza escravos urbanos. Os demais bens também eram
localizados na cidade do Rio de Janeiro.
429
Inventário e Partilha amigável a que procedem os abaixo assignados na qualidade de herdeiros do
fallecido Pai o Commendador Henrique José de Araújo dos bens pelo mesmo deixados no tempo do seu
falecimento. Arquivo Nacional - 1875
Nome Naturalidade Cor Idade
Ofício Estado
Valor
(mil réis)
Filiação
Adelaide - Preta 35 Lavadeira Solteira 400$000 Desconhecida
Agostinho Cabinda Preta 66/64 serviço doméstico Solteiro 400$000 Idem
Perpétua Brazil Preta 56 Lavadeira Solteira 400$000 Idem
José Luiz Brazil Pardo 28 Cozinheiro Solteiro 400$000 Filho de Luiza
Belizário Cabinda Preta 46 serviço doméstico Viúvo 400$000 Desconhecida
Amaro Brazil Preta 16 serviço doméstico Solteiro 400$000 Filho de Eufrozina
Maria Brazil Preta 9 serviço doméstico Solteiro 400$000 Filho de Perpétua
Hermenegildo Brazil Pardo 8 - Solteiro 600$000 Filha de Adelaide
Laurentino África Preta 41 - Solteiro 600$000 ??????
Luiza Brazil Preta 48 serviço doméstico Solteiro 400$000 Desconhecida
Thereza 400$000
Bens imóveis
Valor (mil réis)
Prédio na rua do Hospício 2:000$000
Prédio da rua do Hospício 20:000$000
Prédio na Ladeira de Santa Thereza 1:000$000
Prédio na Ladeira de Santa Thereza 1:000$000
Prédio na rua Piracinunga 6:000$000
Terreno na rua do Andarahy 180$000
Terreno na rua dos Araújo 660$000
Terreno na rua de D. Feliciana 236$000
Terreno na rua dos Araújo 710$000
Terreno na rua dos Araújo 192$000
Terreno na rua dos Araújo 192$000
222
Tabela 38: Bens imóveis do espólio de Henrique José de Araújo - 1875
Fonte: Inventário e partilha amigável – Arquivo Nacional - 1875
A partilha ficou concretizada na forma abaixo:
Tabela 39: Partilha do espólio de Henrique José de Araújo - 1875
Fonte: Inventário e partilha amigável - 1875
Fragmentação de bens onde não aparecem as fazendas do clã em Macacu na
partilha. A Papucaia, vendida em 1866 e a Jaguary, constante do inventário de Antonio
de Araújo Braga. Qual o destino da Fazenda Ribeira, anteriormente listada nos bens de
Henrique José de Araújo Junior? Uma última observação, que contribui para análise das
transformações ocorridas no período posterior ao fim do tráfico na região macacuana -
devido o impacto que a Crise do Souto trouxe ao clã - será a conjuntura das populações
em Macacu para 1872, através do Recenseamento Geral do Império, embora o
levantamento seja passível de imprecisões.
Tabela 40: População livre e escrava – 1872
Fonte: Recenseamento Geral do Império - 1872
430
430
Recenseamento Geral do Império de 1872. Diretoria Geral de Estatística, Rio de Janeiro, Typ.
Leuzinger / Tip. Commercial, 1876, 12 volumes.
Terreno na rua dos Araújo 235$000
Terreno na rua dos Araújo 235$000
Terreno na rua Piracinunga 336$000
Terreno na rua de Santo Henrique 514$000
Terreno ‘no encanamento’ 1:200$000
Herdeiro (a) Bens Valor
Henrique José de Araújo Quarta parte dos prédios e terrenos, Belisário, José Luiz e Amaro 9:872$000
Antônio Henrique de Araújo Quarta parte dos prédios e terrenos, Laurentino e Hermenegilda 9:872$000
José Caetano de Araújo Quarta parte dos prédios e terrenos, Adelaide e sua filha Thereza 9:872$000
Maria Henriqueta de Araújo Quarta parte dos prédios e terrenos, Perpétua e sua filha Maria, Agostinha. 9:872$000
Localidade
Livres Escravos
Brancos Pardos Pretos Caboclos Total Pardos Pretos Caboclos Total
Porto das Caixas 1.701 463 311 13 2.488 142 316 - 834
Magé 2.298 914 523 21 4.456 433 905 - 1.338
Guapimirim 1.043 861 621 72 2.597 1.330 3.384 - 4.714
Sant´Anna de Macacu 3.215 1.716 618 22 5.571 362 1.623 - 1.985
S. Antº de Sá de Macacu 965 205 83 33 1.306 143 343 - 488
Itaboraí 8.521 2.195 1.987 13 12.716 1.653 4.151 - 5.804
Rio Bonito 9.595 2.601 1.298 29 13.523 1.631 2.966 - 4.597
Capivari 4.707 1.457 803 53 7.020 527 1.986 - 2.513
Nova Friburgo 4.126 739 513 28 5.406 369 528 - 897
TOTAL 55.083 - 23.170
223
Numa análise comparativa entre a população escrava de várias paróquias
limítrofes à região de Macacu, observa-se uma preponderante população livre de 55.083
indíviduos, contra 23.170 escravos. Infere-se que este quadro teria sido influenciado
pelo efetivo encerramento do tráfico negreiro a partir de 1850 e o direcionamento do
tráfico interprovincial para as áreas cafeeiras.
A vila de Santo Antônio de apresenta um quadro que indicia sua decadência:
uma população livre de apenas 1.306 habitantes e pequeno número de cativos: 488. As
doenças e o distanciamento da vila em relação ao ramal ferroviário de Cantagalo
tiveram seus efeitos.
Em Sant´Anna de Macacu, a mesma situação se repetiu: 5.571 livres contra
1.985 cativos registrados pelo Recenseamento de 1872. Vista essa região com uma lente
mais próxima, observa-se a seguinte tabela para as idades:
Idades 01 a 05 06 a 20 21 a 40 41 a 60 61 a 80 81 a 100 TOTAL
Quantidade 265 411 492 673 148 12 2001
% 13,2 20,5 24,5 33,6 7,3 0,5 99,6
Tabela 41: Escravos por faixa etária - 1872
431
Fonte: Recenseamento Geral do Império, Op. Cit.
A maior faixa de escravos por idades compreende cativos mais velhos, de 41 a
100 anos, perfazendo um total de 833 escravos de ambos os sexos, ou seja, 65,9%. A
faixa de escravos mais jovens, portanto teoricamente mais produtivos, encontra-se entre
as faixas de 06 a 20 anos e 21 a 40 anos, perfazendo 903 cativos, ou 45%. Uma
significativa faixa totalmente improdutiva é compreendida por 265 escravos de 01 a 05
anos (13,2%). Não houve registro de escravos em idades abaixo de 01 ano.
Destes cativos, o Recenseamento para Sant´Anna de Macacu apresenta, entre
homens e mulheres, 801 escravos ditos lavradores, ao lado de 105 dados como criados
e jornaleiros, 471 escravos de serviço doméstico e 470 escravos registrados como sem
profissão.
Portanto, demonstra ser uma escravaria envelhecida, em sua maior parte, para as
atividades declaradas, composta por escravos de roça. O fim do tráfico, que
431
Curiosamente, os números apresentados no recenseamento geral da paróquia de Sant´Anna de Macacu,
não bateram com o levantamento por idades, havendo uma diferença, para mais, de 16 escravos.
224
posteriormente traria a crise do escravismo, parece fazer-se sentir em Macacu,
anunciando o período de transição do trabalho cativo para o livre.
Nessa altura dos acontecimentos, em 1872, não mais aparecem nos registros de
batismo da freguesia de Sant´Anna de Macacu escravos do clã Araújo. Atingido pela
crise do Souto, desfizera-se de suas propriedades na região.
Em 1866, o barão de Piracinunga, Joaquim Henrique de Araújo, vendia a
Bárbara Maria de Jesus, viúva e fazendeira em Rio Bonito, por vinte contos de réis, a
sua Fazenda da Papucaia, herdada de seu pai Henrique José de Araújo. No ano anterior,
o clã firmara em cartório na cidade do Rio de Janeiro, o documento de hipoteca de todos
os seus bens ao Banco do Brasil.
225
CAPITULO SETE
O CORONEL E A SOGRA
A Fazenda Papucaia através de
um processo judicial – 1873
Minha sogra, em breve a Senhora há de comer em pratos de ouro – e mal sabia
a autora embargada que tão lisongeiras palavras occultavão a espoliação que
projectara o réo embargante.
O revoltado desabafo encontra-se no
Processo de Prestação de Contas
432
que
Bárbara Maria de Jesus abriu em 1873, na Câmara Municipal da Vila de Sant´Anna de
Macacu, contra seu genro o coronel da Guarda Nacional Francisco José Fernandes
Panema. O motivo da discórdia? O lucro da exploração da Fazenda Papucaia, adquirida
por Bárbara em 1866. Segundo ela, Panema negara apresentar os dividendos da fazenda,
que aquela julgava ser opulentos.
Não serão trazidas aqui minúcias do processo embora haja necessidade de se
caminhar um pouco por ele -, nem se vai buscar discutir quem tinha razão, se o Coronel
ou a Sogra. Através desse episódio, que traz um relato dos destinos da Fazenda
Papucaia após a propriedade do barão de Piracinunga (Joaquim Henrique de Araújo), se
buscará apresentar indícios do contexto socioeconômico da região de Macacu, na
segunda metade do século XIX. Os relatos de testemunhas, declarações das partes,
fontes inclusas no processo, além de outras como o Recenseamento Geral do Império,
para a Província do Rio de Janeiro, em 1872, podem oferecer esses indícios. Salvo
expressa indicação, todas as fontes e referências citadas neste capítulo foram extraídas
do próprio Processo de Prestação de Contas.
Em 1866, após falecimento do marido, o tenente-coronel da Guarda Nacional
Joaquim Rodrigues Braga, d.ª Bárbara Maria de Jesus, dona de terras e escravos na Vila
de Rio Bonito, província do Rio de Janeiro, adquiriu a Fazenda Papucaia. Ali colocou o
genro, Francisco José Fernandes Panema, como administrador. Bárbara moveu o
processo contra o genro alegando que Panema não havia prestado contas da
administração da fazenda e questionou os valores que este lhe apresentara o réo
limita-se a apresentar as despezas não justificadas dando insignificante receita e o
432
Translado dos Autos de Prestação de contas que faz D. Barbara Maria de Jesus contra o Coronel
Francisco José Fernandes Panema – Sant´Anna de Macacu – 1873. Arquivo do Fórum de Cachoeiras de
Macacu. (Daqui em diante denominado apenas de
Processo de Prestação de Contas).
226
redículo saldo de setenta e um mil novecentos e setenta e seis réis”. O coronel
contestou as acusações da sogra produzindo-se o embate jurídico vencido por ele na
Câmara Municipal da Vila de Sant´Anna de Macacu.
433
O processo foi enviado pelos
herdeiros de d.ª Bárbara - falecida em 1874
434
- ao Tribunal da Relação do Rio de
Janeiro. A Fazenda foi então vendida, dois anos depois, a dª. Luiza Alexandrina
Rodrigues. Panema faleceu em 1879, segundo registro na Freguesia da Santíssima
Trindade de Sant´Anna de Macacu.
435
Gráfico 3: Genealogia de Joaquim Rodrigues Braga
que se fazer uma ressalva: que se trata de um processo judicial, os relatos
são obviamente comprometidos pelo interesse das partes: para d.ª Bárbara e suas
433
Segundo o Processo, a sentença foi proferida em Nova Friburgo, a 21 de abril de 1874: ... julgo
provados quanto a negação da obrigação de prestação de contas até trinta e um de Dezembro de mil
oitocentos e setenta e dous, havendo o réo embargante por exonerado dessa obrigação e a intimação para
prestação por procedente somente na parte relativa as contas da administração de um de janeiro de mil
oitocentos e setenta e três em diante
434
Diz o registro, anotado no Processo: Aos dez dias do mês de Junho do anno de mil oitocentos e setenta
e quatro, falleceu no lugar [denominado] das Duas Barras Dona Bárbara Maria de Jesus, branca, com a
idade presumível de sessenta e cinco annos, viúva do Tenente Coronel Joaquim Rodrigues Braga, foi por
mim encommendada na forma do Ritual Romano e seppultada em caixão no cimeterio da Irmandade.
Vigário Jose Emygdio Jorge de Lima. Freguesia da Villa de Sant´Anna de Macacu, dezoito de julho de
mil oitocentos e setenta e quatro
435
Aos vinte e um dias do mês de Agosto do anno de mil oitocentos e setenta e nove, n´esta freguesia
falleceu de desastre, o Coronel Francisco José Frz. Panema, branco, com a idade presumível de cincoenta
annos, cazado com Dona Luiza Roiz. Panema. Foi por mim e pelo Reverendo Padre Candido solenemente
encommendado e sepultado em carneira no cemitério da Irmandade. Vigrº José Emygdio Jorge de Lima.
D. 1866
Clara
Maria
Antunes
?
Zozimo
Ferreira
da
Silva
Thereza Ludovina
de Mendonça e
Silva
Clara
Justiniana
da Silva
Braga
1834 - 1867
Joao Pinto
Rodrigues
Braga
33
Joaquim
Rodrigues
Braga
1835
Luiza Rodrigues
Fernandes
Panema
172
Francisco José
Fernandes
Panema
Justiniana
Rosa
da Silva
José
Ferreira
da Costa
Francisco
Joaquim
Ferreira da Silva
Bonifácio
Miguel
Antunes
Maria
Cecília
de Sá
Anna
Joaquina
da Silva
Maria
Firmina
Duarte
Izaías
Ferreira
da Silva
Maria
Joaquina do
Nascimento
Ignacio Joaquim Joze Joanna Clara Pedro João Izaías
José da
Rosa Duarte
Júnior
João
Carlos
da Silva
Thereza
Benigna
de Moura
Jozé
Clemente da
Costa Moura
D. 1874
Bárbara
Maria de
Jesus
1840
Manoel Pinto
Rodrigues
Braga
167
1838
Alexandre
Rodrigues
Braga Coaracy
169
1837
Ursula
Francisca da
Conceição
170
Joaquim
Ferreira
da Silva
Ursula
Francisca da
Conceição
Ursula
Francisca da
Conceição
Alexandre
Rodrigues
Fellipa
Maria de
Jesus
Félix da
Cunha
Pinto
227
testemunhas, a fazenda sempre produziu bem e regularmente. O coronel Panema
apresentou também suas testemunhas e argumentos que convenceram o juiz em Nova
Friburgo - para justificar que, além da Papucaia possuir uma irregular produção, não
deveria pagar os valores atribuídos por sua sogra. Sendo assim, os relatos das partes
nesse particular não podem ser dignos de crédito para avaliação da capacidade produtiva
da Papucaia, nem quem falava a ‘verdade’ no caso.
Entretanto, os relatos de ambos, mesmo contraditórios, mencionam as produções
de açúcar, madeira, milho, arroz, feijão e café, indicando que, de uma forma ou de
outra, esses gêneros, tradicionais na região, constavam ainda da pauta de produtos
agrícolas – e extrativos no que se refere à madeira - no vale do Macacu.
Mas, em alguns pontos, os relatos das partes se aproximam: os que se referem à
proximidade da vila de Sant´Anna como centro comercial de importância, o papel da
recém instalada Estrada de Ferro de Cantagalo nesse comércio; a ação do clima e do
regime de águas do rio Macacu influenciando o cultivo, doenças locais e algumas
formas de organização da produção agrícola. Além desses pontos, que serão abordados
com o uso das fontes, a constituição da escravaria da fazenda suscitou acalorados
debates, com argumentos também contraditórios.
Primeiramente, vale acompanhar os destinos da Fazenda Papucaia através das
relações sociais que Panema mantinha com a família de d.ª Bárbara Maria de Jesus e
com membros do clã Araújo, começando com seu casamento com Luiza Alexandrina
Rodrigues, em 1851, segundo certidão inclusa no Processo de Prestação de Contas:
Aos dezeseis de Agosto de mil oitocentos e cincoenta e um nesta
Parochia do Rio Bonito, pelas dez horas do dia, em presença do
Reverendo João de Araújo Alves Marinho e das testemunhas Antonio
Joaquim dos Santos e Joaquim Pereira de Mesquita,(...)por palavras de
presente se recebeu em matrimonio Francisco José Fernandes Panema,
natural e baptisado na freguesia de Itaborahy com Dona Luiza
Alexandrina Rodrigues, filha legítima do Capitão Joaquim Rodrigues
Braga e Dona Bárbara Maria de Jesus, a contrahente natural e
baptisada e moradora nesta do Rio Bonito e elle morador na da
Santíssima Trindade e logo lhes deu a benção nupcial na forma do
Ritual Romano, do que fiz este assento que assignei. O Vigário Tito
Pereira de Carvalho (...) Villa do Rio Bonito, quatro de Julho de mil
oitocentos e setenta e quatro.
228
Os padrinhos, Antonio Joaquim dos Santos e Joaquim Pereira de Mesquita,
segundo o Almanaque Laemmert de 1851, eram vereadores na Câmara de Rio Bonito e
fazendeiros, sendo que o primeiro produzia açúcar e o segundo, café
436
.
Em 1864, segundo certidão inclusa no P
rocesso de Prestação de Contas,
Panema foi padrinho de casamento de Joaquim Ferreira da Silva, filho do coronel
Zózimo Ferreira da Silva, oficial da Ordem da Rosa, fazendeiro e vereador da Câmara
da Vila de Santo Antônio de Sá
437
, com outra filha de Joaquim Rodrigues Braga, Úrsula
Francisca da Conceição.
No ano de 1869, portanto três anos após assumir a direção da Fazenda Papucaia,
com Joaquim Rodrigues Braga falecido e através de um provável convite de d.ª
Bárbara, Panema foi novamente padrinho de casamento na família. Desta vez, a união
matrimonial se deu entre seu cunhado João Pinto Rodrigues Braga e Clara Justiniana da
Silva, filha do finado coronel Zózimo. O também padrinho capitão Francisco Nunes
Fagundes, era lavrador e proprietário de engenho de serra também em Sant´Anna
438
. Na
transcrição do registro de casamento, também incluso no processo, consta que o
celebrante foi o padre Alexandre Rodrigues Braga, filho do casal Joaquim e Bárbara, de
acordo com assento de batismo de 24 de junho de 1838 - a cerimônia foi realizada no
oratório da fazenda do coronel Zózimo. João Pinto faleceu de febres, sem filhos e
sacramentos.
439
Declarou em seu testamento dever valores em dinheiro a Panema:
436
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte da Corte e Província do Rio de Janeiro, 1851,
p.166. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1851/00000607.html Acesso em: 22 jan.
2009.
437
Almanak, 1864, Op. Cit., p.360. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1864/00001079.html> Acesso em: 22 jan. 2009
438
Almanak, 1869,Op.Cit.,p.091. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1869/00000815.html>
Acesso em: 22 jan. 2009
439
Diz seu registro de falecimento anexo no Processo: Aos quatorze dias do mês de Julho de mil
oitocentos e setenta e quatro, digo, aos quatorze dias do mês de Julho e mil oitocentos e sessenta e sete,
n´esta freguesia, de febres e sem sacramentos João Pinto Rodrigues Braga, branco, casado com Dona
Clara Justiniana Rodrigues Braga, foi por mim emmcomendado e acompanhado até o cemitério da
Irmandade, donde foi sepultado. Vigário Jose Emygdio Jorge de Lima (...) freguesia da Villa de
Sant´Anna de Macacu, vinte de Julho de mil oitocentos e setenta e quatro.
Houve algum erro de transcrição, que a data corrigida (1867) do falecimento, não bate com a data de
seu casamento (1869). A de 1874 deve ser a data certa, já que segundo a testemunha José Antonio
Marcellino, na audiência para habilitação dos herdeiros do casal Joaquim e Bárbara, disse que João Pinto
Rodrigues Braga, filho ligitimo de Dona Bárbara Maria de Jesus, falleceu depois desta, sendo casado com
Dona Clara Justiniana da Silva, fallecendo com testamento instituindo, no mesmo, sua herdeira universal
a referida sua mulher Dona Clara e isto sabe não por ter visto o testamento como por ser publico e
notório.
229
Declaro que devo ao Coronel Francisco José Fernandes Panema a
quantia de um conto e dezentos mil reis por letra e a José Joaquim
Lopes a quantia de setenta e tantos mil reis, por um vale a cujo Valle
já pedi ao Major Francisco Rodrigues Ferreira para pagar. Declaro que
quando houver de fallecer meu primeiro testamenteiro faça o meu
enterro conforme sua vontade.
Panema foi inventariante do sogro, falecido em 1866 e da própria sogra, com
quem contendia na Justiça!
Ilustríssimo senhor Doutor Juiz de Órfãos. Joaquim Ferreira da Silva
precisa por certidão em relatório dos autos de inventario por
fallicimento do Tenente Coronel Joaquim Rodrigues Braga e sua
mulher Dona Bárbara Maria de Jesus de que é inventariante o Coronel
Francisco José Fernandes panema, quaes os herdeiros declarados no
inventário. (...) Rio Bonito, dezenove de Julho de mil oitocentos e
setenta e quatro.Ferreira Pinto. João Hilário de Menezes Drummond
(...)
E além de ficar responsável pelo inventário, teve direito a entrar, também, como
herdeiro:
Certifico que revendo os autos de inventário de que tracta a petição
retro, delles consta que os herdeiros o Coronel Francisco José
Fernandes Panema, por cabeça de sua mulher Dona Luiza Rodrigues
Fernandes Panema, João Pinto Rodrigues Braga, Joaquim Ferreira da
Silva, o supplicante por cabeça de sua mulher Dona Ursula Rodrigues
da Silva, Alexandre Rodrigues Braga Coaracy e Manoel Pinto
Rodrigues Braga, o referido é verdade do que dou e aos ditos autos
me reporto. Villa do Rio Bonito, dezenove de Junho de mil oitocentos
e setenta e quatro. Eu, João Hilário de Menezes Drummond que o
escrevi e assigno.
Panema solicitou então que se provasse em juízo que realmente os parentes do
casal falecido eram seus herdeiros por direito, o que explica existir no processo várias
certidões de batismo, casamento e óbito da família Braga. Não bastasse esses
documentos, foram ouvidas também testemunhas para atestar que realmente os filhos de
Joaquim e Bárbara eram seus! O juiz então, emitiu sentença garantindo direitos dos
parentes do finado casal:
Julgo por sentença provados (...) que os habilitantes Manuel Pinto
Rodrigues Braga, Alexandre Rodrigues Braga Coaracy, Joaquim
Ferreira da Silva por cabeça de sua mulher e Clara Justiniana da Silva
e alem dos ditos habilitantes o Coronel Francisco José Fernandes
230
Panema são herdeiros da finada Bárbara Maria de Jesus, hei portanto
os mencionados habilitantes e o referido Coronel Panema por
habilitados para sucederem na presente causa e mando que com elles
continue a acção, pagas as custas pelos habilitantes. Nova Friburgo,
quatro de setembro de mil oitocentos e setenta e quatro Antonio
Augusto Ribeiro d´Almeida.
Como se percebe, os herdeiros também se habilitaram a continuar movendo na
justiça o
Processo de Prestação de Contas aberto por dª. Bárbara. Em 10 de setembro
de 1874 - sob intimação - Panema assistiu os herdeiros encaminhar o processo à
instancia superior do Tribunal da Relação, no Rio de Janeiro.
Mandado para intimação na forma abaixo. O doutor Antonio Álvares
Velloso de Castro Juiz Municipal nesta Villa de Sant´Anna de Macacu
e seo termo etcetera. Mando (...) intime ao Coronel Francisco José
Fernandes Panema para ver-se expedir a appelação para o tribunal da
Relação do Districto, da sentença em autos de prestação de contas que
o mesmo Coronel contendia com a finada Dona Bárbara Maria de
Jesus. Cumpra
O coronel Panema provavelmente ainda residia na Fazenda Papucaia nessa data,
já que para lá se dirigiu o oficial de Justiça com a missão de intimá-lo.
Certifico que em cumprimento do mandado retro fui a Faze
[destruído] da Papucaia e [destruído] ao Coronel Fra [destruído] José
Fernand [destruído] nema e sendo [destruído] o intimei em sua própria
pessoa [destruído] todo o contheudo [do] mesmo mandado do que
ficou bem sciente
.
Pelo exposto, percebe-se que Panema mantinha fortes relações com os membros
da família Braga, casando-se com a filha do casal, sendo padrinho de casamentos,
emprestando dinheiro, servindo como inventariante, inclusive durante o período de
contenda com a sogra. Entretanto, esse conflito nunca desapareceu no convívio entre os
membros da família Braga, já que para garantir seus direitos como herdeiros, os filhos e
demais parentes envolvidos na partilha continuaram movendo a causa contra Panema
após o falecimento de d.ª Bárbara.
Embora demitido da função de administrador, ainda poderia estar morando na
fazenda, pois o oficial de justiça o encontrou a fim de intimá-lo a acompanhar o
andamento do processo junto aos filhos da matriarca.
Ao que tudo indica, Panema ascendeu socialmente após o controle da fazenda
Papucaia. Quando do seu casamento em 1851 com a filha de Joaquim Rodrigues Braga,
231
seu sogro detinha o posto de capitão da companhia de infantaria da Guarda Nacional
em Rio Bonito
440
, enquanto Panema não aparece citado em nenhuma função naquele
município, em Itaboraí (onde nasceu) ou na freguesia da Santíssima Trindade onde
residia, de acordo com o registro de casamento. Em um dos registros paroquiais de terra
citados neste trabalho, em 1856, Panema aparece com a patente de major da Guarda
Nacional. No Almanaque de 1864, Joaquim Rodrigues Braga figura como fazendeiro e
tenente-coronel da Guarda Nacional em Rio Bonito.
Panema novamente não aparece citado no Almanaque Laemmert em nenhum
desses três municípios,
441
mas uma obscura declaração sua no Processo, na réplica a d.ª
Bárbara em setembro de 1873, na intenção de justificar motivos pelos quais aceitara
administrar a Papucaia, aponta onde estaria antes da compra da fazenda:
provará o réo por consideração de amizade e parentesco com a autora
assim procedeu sendo pelo mesmo motivo levado a deixar a Côrte,
onde vivia bem e desta sombradamente, digo, bem e
desassombradamente para incumbir-se da administração da fazenda
que só lhe tem causado atrasos e desgostos
.
Embora tenha continuado uma incógnita o que fazia antes de residir na Papucaia,
é certo que o gesto de Francisco José Fernandes Panema lhe trouxe mais benefícios do
que atrasos e desgostos. Ao menos no que se refere ao seu status.
No Almanaque Laemmert de 1867, Panema já aparece como fazendeiro de
açúcar na freguesia da Santíssima Trindade, embora a compra da fazenda se desse por
ele, mas em nome de d.ª Bárbara, como consta no Processo de Prestação de Contas.
442
No ano de 1871, se tornara coronel da Guarda Nacional. Portanto, após sua ascenção
social como fazendeiro é que certamente alcançou esses mais elevados postos.
Havia também próximas relações sociais entre o barão de Piracinunga e
Francisco José Fernandes Panema. Este foi um dos avaliadores da fazenda Jaguary,
pertencente a Antônio de Araújo Braga, cujo inventariante foi o barão, que o nomeou
por petição de setembro de 1871:
440
Almanak, 1850, Op. Cit. p.175. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1850/00000615.html> Acesso em: 21 jan. 2009
441
Almanak, 1864, Op. Cit, p.132. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1864/00000852.html> Acesso em: 21 jan. 2009.
442
Id., 1867, Op. Cit, p.145. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1867/00000823.html> Acesso em: 21 jan. 2009.
232
Ilustrissimo Senhor Doutor Juiz municipal da primeira vara. Dizem o
Barão de Piracinunga por si e como procurador bastante de seu irmão
João Miranda de Araújo, Henrique José de Araújo e o Barão do Pilar,
por cabeça de sua mulher a Baroneza do mesmo titulo herdeiros do
seu finado irmão Antonio de Araújo Braga que estando a proceder se a
avaliação dos bens deste consta entre elles uma Fazenda com escravos
e mais pertences sitta na Vila de Macacu Município de Santo Antonio
de então apresentão como avaliadores desses bens o Coronel
Francisco José Fernandes Panema e o Tenente-Coronel Emigdio
Antonio Lopes Vieira, Fazendeiros residentes no lugar o requerem a
Vossa Senhoria que mande o Doutor Procurador dos Feitos se digne
mandar expedir carta precatória para a avaliação destes bens pelo que
de receber mercê. Rio de Janeiro, vinte e sete de setembro de mil
oitocentos e setenta e um. Barão de Piracinunga Henrique José de
Araújo P.P. do Exmº Senhor Barão do Pilar Henrique José de
Araújo Junior.
Panema fora requisitado como avaliador pelo barão e reconhecido por este como
fazendeiro na Papucaia, não havendo nenhuma menção a d.ª Bárbara. Os avaliadores
foram intimados em outubro para prestar juramento e proceder à avaliação.
Curioso é que no mês de novembro, por razões desconhecidas, foi substituído na
função de avaliador pelo capitão José Anastácio Lopes. Se este fato representou ou não
algo de negativo para o coronel Panema, também não foi possível sabê-lo.
Certifico que por carta que da qual tive resposta, intimei os
avaliadores o Tenente Coronel Emigdio Antonio Lopes Vieira e o
Capitão José Anastácio Lopes, para comparecerem no dia oito do
corrente mês na fazenda de Jaguary e depois de juramentados
procederem na avaliação dos bens deixados pelo finado Antonio de
Araújo Braga que lhes forem apresentados pelo inventariante do
mesmo finado, o Barão de Piracinunga ou seu procurador, de que
ficarão bem scientes. O referido é verdade e dou fé. Villa de Santo
Antonio de Sá em Sant´Anna de Macacú, de Novembro de 1871. O
Escrivão.(ilegível) Antonio de Freitas.
443
Na avaliação da Fazenda Jaguary (1871), abordada no capítulo anterior, em uma
das duas datas de terra avaliadas uma apresenta limites com a Fazenda Papucaia. Nessa
data, consta que a Papucaia pertence hoje ao Coronel Francisco José Fernandes
Panema e o Excellentíssimo Barão de Piracinunga! Curioso que não citar d.ª Bárbara
como a proprietária...
Anexas ao Processo de Prestação de Contas há cópias de duas cartas, datadas de
1873: uma enviada por Panema ao barão de Piracinunga e a outra, a respectiva resposta.
443
Arquivo Nacional. Inventário de Antonio de Araújo Braga – Arquivo Nacional -1871
233
O agora coronel a enviara na intenção de consolidar sua versão no processo contra dª.
Bárbara. Na carta ele solicita que Piracinunga confirme que sua sogra lhe devia alto
valor em dinheiro e também um favor, pela compra da Fazenda Papucaia:
(Carta) Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor Barão de Piracinunga.
Papucaia, vinte e quatro de Agosto de mil oitocentos e setenta e três.
A bem de meos direitos preciso que Vossa Excellencia em culto a
verdade me declare n´esta se não vendeu a fazenda de Papocaia a
Senhora Dona Bárbara Maria de Jesus sobre minha fiança, isto é, por
letras acceitas por ella, e endossadas por mim a prazo de um, dous e
três annos na importância de vinte contos de reis se essa importância
Vossa Excellencia recebeu da acceitante ou de mim como endossante,
bem assim se a fazenda foi vendida com animaes e lavoras ou se foi
somente o casco da fazenda, permittindo Vossa Excellencia que de
sua resposta faça o uso que me convier, sem outro assumpto preso.
Assignou-me. De Vossa Excellencia, amigo muito obrigado.
Francisco José Fernandes Panema (Coletoria de Sant´Anna de
Macacu, 20 de outubro de 1873)
Cinco dias depois chegava a resposta do barão:
(Carta) Ilustríssimo Senhor Francisco José Fernandes Panema. Em
resposta ao favor de sua carta retro tenho a dizer-lhe que foi com
Vossa Senhoria que tractei a venda da fazenda de Papocaia a qual me
comprou para a Senhora Dona Bárbara Maria de Jesus e que na
occasião de assignar-se a escriptura meu Procurador recebeu as letras
no valor de vinte contos de reis sendo uma a prazo de doze meses,
outra de vinte e quatro e outra de trinta e seis meses, acceitas pela
Senhora Dona Bárbara Maria de Jesus e endossadas por Vossa
Senhoria. Nos seus vencimentos recebi a importância dessas letras de
sua mão e a venda foi somente das terras e casas como consta da
respectiva escriptura e não animaes. Pode, pois Vossa Senhoria fazer
desta minha resposta o uso que lhe convier. De Vossa Senhoria,
amigo muito attento e venerador. Barão de Piracinunga. Rio de
Janeiro, vinte e cinco de Agosto de mil oitocentos e setenta e três.
(Coletoria de Sant´Anna de Macacu, vinte de outubro de mil
oitocentos e setenta e três.)
Se Piracinunga falou a verdade, o coronel Panema cobriu as parcelas de
pagamento da Fazenda Papucaia. Como explicitado anteriormente, não cabe aqui tentar
julgar quem tinha ou não razão no processo, mas inferem-se ao menos algumas
hipóteses: d. Bárbara estava com razão e a fazenda produzia, tendo Panema lhe
escondido e usurpado os lucros do imóvel para com eles pagar a fazenda, como lhe
declarou o barão e ficar com ela para si; a fazenda realmente não produzia, mas isso não
explica como Panema conseguira recursos para cobrir as letras.
234
E finalmente, a fazenda não produzia tudo o que d.ª Bárbara esperava a ponto
dela um dia poder comer em pratos de ouro como afirmou que lhe dissera o genro -
embora seus lucros fossem suficientes para pagar o custo do imóvel.
Panema continuou na fazenda e na sua ascenção social: no Almanaque
Laemmert de 1875, um ano após o falecimento de sua sogra, o coronel Francisco José
Fernandes Panema apareceu ainda como fazendeiro na freguesia da Santíssima
Trindade e na qualidade de Comandante Superior da Guarda Nacional da Vila de Santo
Antônio de Sá, ostentando a comenda da Ordem da Rosa, no grau de cavaleiro.
444
Com ou sem razão, Panema parece ter levado a melhor na disputa com os
herdeiros de d.ª Bárbara. Em janeiro de 1876, ele e a esposa, Luiza Rodrigues Panema,
venderam a Papucaia por 20:000$000 (vinte contos de réis), a dona Luiza Alexandrina
Rodrigues:
Aos vinte e oito dias do mês de janeiro, nesta Vila de Sant´Anna de
Macacu, em casas de residência do Senhor Cyrillo Lemos Nunes
Fagundes dou fé, que são senhores e possuidores da Fazenda de
Papucaia, situada na Freguesia desta Villa com trezentas braças de
testada que a faz na Estrada de Ferro de Cantagalo, devide pelo lado
de cima com a fazenda de Jaguary, por uma linha, digo, desta Villa,
com seis centos e sessenta metros de terra de testada que a faz na
estrada geral de Cantagallo, devide pelo lado de cima por uma linha
de oitocentos, digo, uma linha de dois mil e oitocentos metros com a
fazenda de Jaguary e por uma linha de dois mil quatrocentos e vinte
metros com os engenhos de serra dos outorgantes e de Antonio de
Almeida e Silva Junior, pelos fundos por uma linha de dois mil
oitocentos e quarenta metros com terras de Francisco José Vieira, e
pelo lado de baixo com quatro mil e quatrocentos metros com terras
das fazendas do Rio das Pedras e Colégio...
445
A trajetória novelesca do coronel Panema apresenta, de acordo com as fontes,
ainda dois últimos capítulos: em junho de 1876, ele e a mulher, Luiza Rodrigues
Panema, venderam uma grande data de terras de sua propriedade:
Venda de uma data de terras a Carlos Augusto Brandão, morador em
Rio Bonito. Terras sitas no lugar do Tatu, desta Freguesia de
Sant´Anna de Macacu cujo terreno, de forma triangular tendo a
444
Almanak Laemmert, 1875, op. cit, p.210. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1875/00001160.html> Acesso em: 21 jan. 2009.
445
Escritura de venda da Fazenda Papucaia, suas terras, casas, dependências, engenho e pertences que
fazem o Coronel Francisco José Fernandes Panema e sua mulher Dona Luiza Rodrigues Panema a Dona
Luiza Alexandrina Rodrigues. 28.01.1876 Livro 29, fls. 50 a 52 v. Cartório do Ofício. Cachoeiras de
Macacu.
235
primeira e segunda linha dois mil e quatrocentos e vinte metros cada
uma e aa terceira linha com três mil trezentos e sessenta e seis metros,
que devidem: a primeira com, digo, a primeira linha com terras delles
outorgantes e de Antonio Joaquim d´Almeida Junior, a segunda com
terras com o rumo Geral de Braçanã, digo, a segunda linha com o
rumo Geral de Braçanã, com terras de João Domingues Gauda e
herdeiros do finado Manoel José Rodrigues e outros e a dita linha
divide também o município do Rio Bonito do de Santo Antonio de Sá,
a terceira linha com Manoel da Silveira Lima e Floriano Duarte Silva
e Joaquim Marcellino.
446
Em fevereiro de 1877, dois anos antes do falecimento do coronel Panema, o
mesmo casal comprou a Fazenda do Soarinho por 3:500$000 (três contos e quinhentos
mil réis), situada também na freguesia da Santíssima Trindade, nos fundos da fazenda
Jaguary e à frente das terras do finado tenente-coronel Joaquim Rodrigues Braga:
Fazenda do Soarinho, no lugar Soares e Tatu, freguesia desta Villa
compondo-se a mesma de casa de vivenda, engenho de assucar com
todos os seos pertences, engenho de socar café com todos os seus
pertences tudo coberto de telhas e todas as benfeitorias existentes com
mil trezentos e vinte metros de terras de testada faz com terras do
Commendador Antônio de Araújo Braga e os fundos com terras do
finado Tenente-Coronel Joaquim Rodrigues Braga e sua mulher,
dividindo por um lado com terras de Francisco José Machado, Manoel
José da Silveira e Floriano Duarte Silva e herdeiros do finado Manoel
Marcellino e por outro lado com terras do mesmo finado
Commendador Braga e o finado Luiz Francisco das Chagas.
447
Tendo-se acompanhado um pouco da trajetória da Fazenda Papucaia e da
biografia do coronel Francisco Panema, passar-se-á, com ajuda das fontes, à análise da
conjuntura socioeconômica do vale do Macacu no período pós-decadência do clã
Araújo. Diz o documento de venda da Fazenda Papucaia feita pelo barão de
Piracinunga, em 1866:
Escriptura de venda de uma data de terras no lugar denominado
Papocaia com casa e benfeitorias que fazem o Barão de Piracinunga e
sua mulher a Dona Bárbara Maria de Jesus. Saibão quanto esta virem
que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil
oitocentos e sessenta e seis, aos quatro dias do mês de Agosto, nesta
446
Escriptura de venda de uma data de terras e benfeitorias que fazem o Coronel Francisco José
Fernandes Panema e sua mulher Dona Luisa Rodrigues Panema na forma abaixo a Carlos Augusto
Brandão. 24. 06.1876. Livro nº 89, fls 25 a 26v. Cartório do 2º Ofício. Cachoeiras de Macacu
447
Escriptura de compra e venda e obrigação da fazenda denominada Soarinho com casas, terras,
engenhos e benfeitorias que faz Antonio Lutterbachs e sua mulher ao Coronel Francisco José Fernandes
Panema. 07.02.1877. Livro nº 89, fls. 119 a 121v. Cartório do 2º Ofício. Cachoeiras de Macacu
236
Corte do Rio de Janeiro, em meu cartório perante mim comparecerão
partes justas e contractadas como outorgantes vendedores o Barão de
Piracinunga, fazendeiro, moradores nesta Corte a rua do Lavradio
numero cincoenta e três B e como outorgado Dona Bárbara Maria de
Jesus...
448
O barão, entretanto, não vendeu a fazenda toda. Não entrou no negócio a parte
em que se localizava o engenho de serra e mandiocais anteriormente plantados,
certamente no intuito de explorar a retirada de madeiras da região e garantir a produção
imediata da farinha que pudesse obter. De acordo com a escritura, os limites da Fazenda
e o rol dos bens vendidos constituíam-se da seguinte forma:
com frente para a estrada Provincial, antiga de rodagem de Cantagallo,
partindo uma linha desse ponto que devide com terras do Collegio e
Rio das Pedras contendo mil e duzentas braças de testada e mil e
seiscentas e vinte e cinco de ângulo, com casa de vivenda engenho de
moer canna, tudo coberto de telhas, os utencilios do mesmo engenho e
de mais benfeitorias existentes na referida data de terras, excepto os
mandiocaes, sendo que alem da linha divisória, digo da linha
indicada acima, estas terras dividem por uma linha com o sitio das
Granadas, por outra com o engenho de serra da Vargem, pertencente
aos vendedores, e ainda outra que vai dar na referida estrada, limite
com as terras de Jaguary a Antonio de Araújo Braga.
Os limites da Papucaia em ambas as escrituras de venda, de 1866 e 1876,
demonstram de forma cabal a quebra da integridade territorial do complexo agrário dos
Araújo. Essas escrituras, inclusive, mencionam outras localidades ainda existentes em
Cachoeiras de Macacu, como Granadas e Soarinho.
Figura 7: Entrada para Granadas e Soarinho, em Papucaia (foto do autor)
448
Escritura de venda da Fazenda da Papocaia feita pelo Barão de Piracinunga a Dona Bárbara Maria de
Jesus. 04.08.1866. Cartório do 2º Ofício – Cachoeiras de Macacu – RJ.
237
7.1. Imprescindíveis escravos
Em meio à disputa entre sogra e genro, iniciada em 22 de julho de 1873, em
pleno período de decadência do escravismo, os braços cativos eram tidos como
primordiais para o sucesso da Fazenda Papucaia. Dona Bárbara dizia haver oitenta
escravos para o serviço da fazenda, ao passo que o coronel contestou esse número,
dizendo haver sessenta. Menores custos. Curiosamente aparece também um relato no
Processo que dá a fazenda com quarenta escravos!
Segundo o Processo, d.ª Bárbara os havia trazido do município vizinho de Rio
Bonito, da sua Fazenda do Sambê, para o trabalho na Papucaia. Analisada, mesmo que
de forma incompleta por falta de informações, a composição da mão-de-obra empregada
na Papucaia - misto de trabalho livre e escravo - a questão do número de cativos
constituiu-se tema de acalorado debate. Dizia o coronel em seu embargo às acusações
de d.ª Bárbara,
que eram sessenta e não oitenta escravos do casal do tenente Coronel
Joaquim Rodrigues Braga, tendo entre eles muitos velhos e enfermos. Retrucou a
fazendeira, dizendo haver retirado
do Termo do Rio Bonito, os escravos alludidos que estavão
empregados no cultivo das terras do seu casal, e os entregou à
administração do réo embargante que effectivamente os empregou no
cultivo da referida fazenda, orçando o seu número por oitenta
escravos, quase todos válidos, e muitos com offício, e não sessenta
como declara o réo embargante.
A confusão aumenta devido ao argumento deixado pelo coronel Panema em sua
tréplica, quando acrescentou mais alguns dados:
A estrada da foto une-se à RJ-122 Niterói-Friburgo, na localidade homônima originada pela Fazenda Papucaia, em
Cachoeiras de Macacu. Aqui encontrava-se instalado o trilho de ferro que se unia à Estrada de Ferro de Cantagalo e
que servia na condução das madeiras trabalhadas no engenho de serra da Fazenda. Trafegando alguns quilômetros
pela RJ-116, à esquerda chega-se à Fazenda Jaguary e à direita, Rio das Pedras. Por essa estrada de terra alcança-se
a ainda existente Fazenda do Soarinho. Ao fundo, a serra homônima e no detalhe um dos ‘pregos de linha
encontrados no local pelo autor, e escavado para melhor visualização.
238
os escravos empregados na fazenda não erao oitenta, mas quarenta
escravos de serviços, os outros são escravos digo, e as outras só
creanças, e os mais escravos se achavão no Sambe em poder dos
diversos herdeiros, muito delles inválidos ou quase inválidos pela
idade e enfermedades e freqüentemente distrahidos e empregados no
serviço da fazenda.
Florêncio da Silva testemunha arrolada no processo por dª. Bárbara, era jovem
de 20 anos, lavrador, solteiro e morador em Rio Bonito, em audiência dia 21 de outubro
de 1873, na Câmara da Vila de Sant´Anna de Macacu, declarou
sabe que os escravos do monte do Coronel Joaquim Rodrigues Braga
algum tempo depois forão levados para a fazenda do Papocaia e que
afirma por lhe ser dito por Dona Bárbara que disse, digo, que desses
escravos oito para nove forão trabalhar no Sambe, que não sabe se
d’entre os escravos que forão levados para a fazenda do Papocaia,
alguns estiverão em poder de terceiro, que os escravos que estavão na
fazenda do Papocaia trabalharão um anno, que não se recorda durante
uma semana nas terras do Sambe, limpando mandiocas e como não
acabasse o serviço na semana referida, trabalharão mais alguns dias da
seguinte e nesse serviço estiverão empregados todos os escravos que
estavão no Papocaia, que estes mesmos escravos logo depois que os
viu limpando mandiocas estiverão colhendo cafés durante cinco dias
no Sambe. Que de entre os escravos que estão no Papocaia uns oito ou
nove são ruim, isto é, pouco aptos para o trabalho.
Em seu depoimento, dia 05 de novembro de 1873, o coronel Panema confirmou
que os escravos que trabalhavam na Papucaia tinham vindo da Fazenda do Sambê, em
Rio Bonito:
effectuou-se a compra da fazenda do Papucaia e forão para ali trazidos
os escravos hypothecados a Dona Luiza , algum gado muito pouco,
seis ou oito ovelhas e alguns Burros, tudo pertencente ao casal de
Braga. Que os escravos que estiverão empregados na fazenda do
Papocaia durante sua administração são os que estão matriculados no
termo de Sant´Anna. Que alguns desses escravos cerca de seis aqui
matrciulados estiverão sempre ao serviço da fazenda do Sambé. Que
não se recorda se algum dos escravos matriculados no Rio Bonito
estiverão na fazenda do Papocaia. Que alguns escravos que não forão
matriculados por estarem mortos estiverão até seu fallicimento ao
serviço da fazenda do Papocaia. Que entre os escravos da fazenda
dous carpinteiros que tem trabalhado por seu officio no serviço da
fazenda, um pedreiro que ora trabalha pelo seu officio na fazenda e
ora na roça.
Parece certo que muitos desses cativos tiveram que conviver com um vai e vem
entre as fazendas de d. Bárbara. Escravos prá lá, escravos prá cá, de Papucaia para a
239
Sambê, de novo de volta á Papucaia, desempenhando serviços de roça e ofícios
especializados. Por sinal, escravos com ofícios que nos momentos de necessidade
desempenhavam também trabalhos na lavoura. A fonte também apresenta que alguns
desses escravos pertenciam aos filhos herdeiros de d.ª Bárbara, aos quais se deviam
‘salários’, ou seja, o aluguel pelos seus serviços. Salários os quais os filhos cobraram no
processo.
Uma escravaria basicamente de roça, escravo de eito, segundo listagem anexa ao
processo em setembro de 1873 pelo procurador de d.ª Bárbara, o advogado Bonfim
Miguel Antunes. Esses cativos teriam estado a serviço do coronel Panema. Nessa lista
constam 65 escravos – número diferente dos apresentados anteriormente – divididos em
dois grupos: um por tempo de serviço na Papucaia e outro por idades.
Tabela 42: Escravos por tempo de serviço na Fazenda Papucaia
Fonte: Processo de Prestação de Contas - 1873
A outra tabela representa um grupo maior de cativos, divididos por idades,
talvez na intenção de dª. Bárbara querer demonstrar que a maioria da escravaria era apta
para o trabalho, embora omitisse se estes escravos possuíam doenças ou defeitos físicos
que os impossibilitassem ao serviço.
Tabela 43: Escravos por idades na Fazenda Papucaia*
Fonte: Processo de Prestação de Contas. (*A classificação etária se deu com base na fonte.)
Pela listagem desses escravos, os quais o coronel afirma estarem matriculados
em Sant´Anna, se percebe uma escravaria em que aproximadamente 50% são mais
velhos (32 a 70 anos), com baixo índice de crianças escravas (12,5%). Neste grupo
aparece o maior número de escravos com ofícios: Porfirio e Ambrósio, 25 e 28 anos,
ambos carreiros; Salvino, 28 anos, pedreiro; Candido, 38 anos, carpinteiro; Thomaz, 40,
marceneiro; Izidoro, 50, sapateiro; José e Manuel, 40 e 70 anos, mestres de açúcar. Os
Idades
2 a 8
anos
12 a 19
anos
22 a 30
anos
32 a 40
anos
42 a 70
anos
TOTAIS
Sexo M F M F M F M F M F M F
Quantidade 03 03 03 00 11 09 10 05 04 00 31 17 48
Tempo de
serviço
6 meses 1 ano 2 anos 3 anos 4 anos TOTAIS
Sexo M F M F M F M F M F M F
Quuantidade 0 1 6 0 0 1 5 0 2 2 13 4 17
240
escravos mais velhos exerciam oficios em que provavelmente se exigia maior
conhecimento acumulado, como os de marceneiro, sapateiro e mestre de açúcar. No
anterior grupo dos escravos por tempo de serviço aparece apenas Belmiro, carpinteiro,
que teria trabalhado na Papucaia durante três anos.
Segundo d.ª Bárbara seriam estes os escravos de roça e com ofícios que teriam
sido encaminhados para a Papucaia. Junto às listagens de escravos, outra dos
trabalhadores empregados na Papucaia, inserção de mão-de-obra livre para a execução
de trabalho por tempo determinado. A listagem abaixo chama a atenção pelo elevado
número de feitores (12), trazidos para trabalhar na fazenda. aparece um mestre de
açúcar contratado, Antonio Pedro, por dois anos, talvez pelo fato de ser atividade de
remuneração mais elevada e a fazenda possuir dois escravos que realizavam esse
serviço, José e Manuel. A fazenda portanto continuou produzindo, que foram
contratados os mestres de açúcar e mais quatro aguardenteiros, especialistas no fabrico
do subproduto da produção açucareira.
Nome Função Tempo Observações
Graciano não consta
1 ano
Manoel Rodrigues Marques Junior Aguardenteiro
João Rodrigues Marques Aguardenteiro
Victorino Aguardenteiro
Jose Graciano Feitor
Vicente Aleixo Feitor
Antonio Pedro mestre de açúcar 2 anos
Zacharias Tanoeiro
2 meses
João Bento Feitor
Claudino Feitor
Manoel Braga Feitor
Catharino Feitor Escravo do Braga
Joaquim Rodrigues Marques Aguardenteiro 3 anos
Alexandre Feitor 3 meses
Geremias Tanoeiro
4 meses
João Braga Feitor
Gabriel Feitor Escravo de João Braga
Pedro Soares Feitor
6 meses
Francisco “portugues” Feitor
Francisco Dias Feitor 10 meses
Tabela 44: Trabalhadores contratados na Fazenda Papucaia
Fonte: Processo de Prestação de Contas - 1873
Outras observações são oferecidas pela tabela: dois escravos, Catharino e
Gabriel, eram cativos de dois feitores João Braga e Manoel Braga - que foram
contratados para exercício na mesma função. Chama a atenção esse intenso rodízio de
feitores, embora não ter sido possível definir seu motivo. Outra particularidade se refere
241
aos aguardenteiros: João Rodrigues Marques, Joaquim Rodrigues Marques, Manoel
Rodrigues Marques Junior, que com exceção de Victorino (que poderia ser escravo),
são todos da mesma família, o que se infere tratar-se de um trabalho especializado
controlado por um grupo familiar.
7.2. Endividar: salvar a pele... e o status.
Quando confrontadas novamente as declarações feitas no processo, d.ª Bárbara
culpa o genro pelo fato de ter sido motivada a comprar a Papucaia:
o réu aconselhou a autora a comprar a Fazenda da Papocaia propondo-
se a administral-a asseverando que os lucros serião avultados desde
que fossem empregados nella a maior parte dos escravos do seu finado
sogro, o Tenente Coronel Joaquim Rodrigues Braga. (...) em
attendendo a esse fatal conselho, que lhe tem causado tantos
desgostos, quantos lucros ao réo embargante, e effectuou a compra,
retirou do Termo do Rio Bonito, os escravos alludidos que estavão
empregados no cultivo das terras do seu casal, e os entregou à
administração do réo embargante que effectivamente os empregou no
cultivo da referida fazenda...
O coronel Panema, em sua réplica em setembro de 1873 a respeito da acusação
da sogra, declarou que não é exacto que o mesmo réo d’esse causa à compra da
fazenda, compra que foi resolvida por julgal-a a autora de vantagem, esperando com
ella melhorar de sorte, pois seu marido morrera arruinado.
Teria Joaquim Rodrigues Braga morrido falido em 1866? O trecho abaixo, um
extrato do inventário de Joaquim Rodrigues Braga, incluso no Processo de Prestação de
Contas, menciona que os cativos estavam hipotecados a uma credora desse fazendeiro,
dona Luiza Alexandrina Rodrigues. O inventário havia sido reformado por d.ª Bárbara –
o que também rendeu debates - acrescentando a Papucaia como bem na partilha e
apresentando dívidas e valores ainda a receber:
PASSIVO declarou que o casal deve ao co-herdeiro Francisco José
Fernandes Panema a saber, pelo que pagou pelo casal (debito do
inventariado) a Dona Luiza Alexandrina Rodrigues, sessenta contos
de reis, sendo que por esta quantia a inventariante e todos os herdeiros
242
fizerão escriptura de dívida e hypotheca ao co-herdeiro Fernandes
Panema, em primeiro de Agosto de mil oitocentos e sessenta e oito.
Desse debito achão-se pagos os prêmios até fins de Abril do corrente
anno, e amortizado o capital em oito contos cincoenta e nove mil
novecentos e setenta reis, reduzido pois o debito ao capital de
cincoenta e um contos novecentos e quarenta mil e trinta reis e
prêmios que vão acressendo de primeiro de maio em diante.
Por uma letra acceita pela viúva inventariante por débitos do casal em
onze de Agosto de mil oitocentos e setenta e dous com o prazo de três
meses e na falta os juros d seis por cento ao anno, trinta e quatro
contos duzentos e noventa e seis mil e setenta e um reis, juros desta
letra até trinta de Abril do corrente anno, oitocentos e cincoenta e sete
mil e quatrocentos reis. (...)
Declarou que o casal deve a João Joaquim Lopes duzentos e setenta e
tres mil e tantos reis; declarou que o casal deve ao herdeiro Manoel
Pinto Rodrigues Braga seis annos de feitor, e de um seu escravo no
Sambe a duzentos mil reis, um conto e duzentos mil reis; declarou que
o casal deve ao herdeiro João Pinto Rodrigues Braga quatro annos de
feitor e de um escravo seu a duzentos e cincoenta mil reis, um conto
de reis; declarou que fica para sobre partilhas as dividas que diversas
pessoas devem ao casal por serem quase todas perdidas e algumas em
execuções.
Declarou também que fica para sobre partilha oitocentos e tantos mil
reis que se tem de haver do Thezouro Nacional, por ter cobrado duas
vezes, sizas de quatro moradas de casas na Corte.Declarou também
que fica para sobre partilhas no caso seja verificado pertencer ao casal,
uma data de terras que o casal está de posse mais de vinte ou trinta
annos.
Realmente Joaquim Rodrigues Braga poderia estar ‘quebrado’. Calculando-se o
valor das dívidas, inclusive ao seu genro Panema, chega-se a um montante aproximado
de 89:519$107. Quando se confronta a este rol de dívidas o ativo do inventário, um
quadro de decadência parece aparecer:
ACTIVO: declarou que constituem o activo do casal todos os bens
descriptos e avaliados a saber os que existião e ficarão por morte
do inventariado. A fazenda do Papocaia, em Sant´Anna de Macacu
com suas terras, prédios, máchinas, benfeitorias e animaes comprados
pela viúva inventariante, sob fiança do co-herdeiro Francisco José
Fernandes Panema ao barão de Piracinunga; o valor do escravo
Belmiro vendido pelo herdeiro Alexandre Rodrigues Braga Coaracy,
por um conto e quinhentos mil reis. Vinte acções da Estrada de Ferro
de Cantagallo no valor de quatro contos de reis.
Um montante aproximado de vinte e cinco contos de réis. Embora não se tenha
encontrado em Rio Bonito, o inventário completo de Braga a fim de se saber quais
243
seriam esses bens existentes quando de sua morte, adicionar a Fazenda da Papucaia no
inventário no valor de vinte contos de réis em nada acrescenta para liberar Joaquim
Rodrigues Braga do estado falimentar, visto que a fazenda foi adquirida após este haver
falecido. Compra inclusive feita ao barão sob garantia (fiança) de Panema.
Os demais bens do Braga, portanto, sem a adição dos vinte contos de reis da
Fazenda Papucaia, deveriam ter que chegar a mais de setenta contos de réis para que o
saldo no inventário fosse positivo e não motivasse a declaração do réu de que Braga
falecera falido. Acerca dessa condição falimentar, sugere-se uma hipótese: Braga
poderia ter sofrido também os impactos da crise do Souto, de 1864.
Pelo sim ou pelo não, infere-se que d.ª Bárbara, sem os devidos recursos,
adquirira a fazenda e cobrara do genro, em juízo, justamente os lucros que pretendera
adquirir com sua produção. Lucros que almejara transferindo seus cativos para trabalhar
na Papucaia, distante da Sambê, localizada em Rio Bonito. Parece que a sexagenária
senhora arriscou todas as fichas em sua recuperação econômica, tanto que nas suas
Razões, escritas por seu advogado Bonfim Miguel Antunes e apresentadas ao juiz na
Vila de Nova Friburgo, expôs-se o seguinte:
devemos recorrer aos dizeres das próprias testemunhas pelo Réo
offericidas e verificamos que as de folhas setenta verço a setenta e
três, são accordes em exaltar a topographia da indicada fazenda
demonstrando a fácil communicação desta com a estrada de ferro de
Cantagallo por um lado e por outro com o importante mercado de
Sant´Anna, por meio de tropas e carros de bois, sendo a longitude para
o mercado calculada em duas léguas apenas e a distancia existente em
relação a linha férrea unicamente de pouco mais de quarto de légua.
7.3. Mudanças e permanências: ferrovia, agricultura e escravismo.
Provavelmente, como menciona a fonte, encontrava-se um dos motivos para a
compra da fazenda: a possibilidade de se aproveitar a situação da presença da ferrovia
na região e dar destino certo aos produtos, garantindo lucros. A produção agora poderia
ser exportada pela Estrada de Ferro de Cantagalo, como se verá de forma geral, ou
comercializada na vila de Sant´Anna, localidade que, segundo a fonte, tornava
potencialmente atraente a concretização do negócio.
244
O Processo de Prestação de Contas apresenta a ligação da Papucaia à estrada de
ferro por seu próprio trilho, que teria sido construído após a compra feita pelo coronel
Panema. Segundo uma testemunha sua, Martinho José Gouvea, gaúcho, 39 anos,
solteiro, empregado público e morador na vila de Sant´Ana, em depoimento em outubro
de 1873, o coronel gastara mais de cinco contos de reis em uma estrada de rodagem
com trilhos de ferro, vagões e chave existente na estrada de ferro de Cantagallo, cuja
estrada de rodagem referida é feita pelo réo, segue da fazenda a encontrar a linha
ferrea de Cantagallo.
Na escritura da posterior venda da fazenda feita pelo coronel Panema e esposa a
d.ª Luiza Alexandrina Rodrigues, em 1876, entrou a pequena ligação ferroviária:
Outrossim vendem mais setecentas braças de trilhos assentados na
mesma terra da fazenda com dois trolys, com rodas de ferro para os
mesmos trilhos, cinco carros brasileiros, duas carroças e o direito que
a fazenda tem na chave da estrada de ferro ( o que também faz parte
da fazenda).
449
Nessa mesma escritura, consta entre os bens da fazenda: engenhos de serra, dois
machados
(provavelmente novos) e treze machados velhos
450
, incluem as madeiras
como um dos artigos comercializados pela fazenda e também exportados pela
ferrovia. O Relatório da Província do Rio de Janeiro de 1871, na parte referente à
Estrada de Ferro de Cantagalo, também fez menção a essa ligação ferroviária “caseira”:
Não foi ainda este anno augmentado o número de paradas d´esta
estrada. Continuam a existir cinco nos seguintes lugares: Escurial,
Sumidouro, Collegio, Papucaia e Jaguary. A parada da Papucaia foi
novamente construída, e próximo a ella se estabeleceu um desvio, com
o fim de facilitar o transporte pela estrada das madeiras d´essa
localidade. Esse desvio foi feito por conta de particulares...
451
Através de um pequeno caso, contemporâneo ao andamento do processo movido
por d. Bárbara, foi possível perceber quanto esse trilho de ferro da Fazenda Papucaia e a
extração de madeiras foi importante no cotidiano macacuano do oitocentos. No
inventário post-mortem de Antonio Fernandes Lagoas, falecido em 1871 e morador no
449
Escritura de venda da Fazenda Papucaia, suas terras, casas, dependências, engenho e pertences que
fazem o Coronel Francisco José Fernandes Panema e sua mulher Dona Luiza Rodrigues Panema a Dona
Luiza Alexandrina Rodrigues. 1876. Livro 29, p. 50 a 52v. Arquivo do Cartório do 2º Ofício – Cachoeiras
de Macacu – RJ.
450
Id., 1876, p. 50 a 52v.
451
Relatório da Província do Rio de Janeiro, 1871, p. A4,6-7.
245
lugar denominado Papucaia, consta ter sido proprietário de uma quantidade de
madeiras: 16 dúzias de “prumos”, 8 de “pernas”, 2 de “taboado”, 4 4/12 de “concoeiras”
e 2 dúzias de “madeiras”, perfazendo cerca de 364 peças,
achando-se parte destas madeiras no eng° de serrar da Papucaia e
lugares adjacentes; e como são essas madeiras suceptiveis de
deterioração, por não ter aonde recolhel-as, e poder haver demora
com a avaliação e tempo neccessario para leval-as à praça, a supp°
querendo aproveitar a boa disposição do mesmo Almeida e Silva, que
toma sobre si leval-as a chave da estrada de ferro da Papucaia,
remettel-as acondicionando-as, e remettel-as o Rio de Janeiro, afim
de ali serem vendidas.
452
Leval-as á praça, ou seja, vendê-las, era o objetivo de dª. Cloutildes Maria de
Jesus, viúva e inventariante, para angariar recursos e pagar as dívidas deixadas por seu
marido Lagoas: essas dívidas vieram de gastos com o enterro, serviços médicos,
remédios, empréstimos, salários, por
serviços de madeira no engenho de serrar o que
indica o aluguel do equipamento - gêneros alimentícios, custas do processo de
inventário e outras, na quantia de 1:385$057 (um conto trezentos e oitenta e cinco mil e
cinqüenta e sete réis).
Situação difícil para a inventariante, mulher pobre, que segundo o inventário,
possuía como escrava apenas Huma pardinha de nome Maria de oito annos de idade,
mais ou menos, parecendo doentia, avaliada em 500$000 réis. Em seus poucos bens
ainda constavam:
Huma caza no lugar denominado Papucaia coberta de telhas, sobre
esteios com trinta palmos de comprimento vinte e cinco de fundos,
com duas janelas de frente, achando-se a mesma caza um pouco
estragada, ou velha, que avaliarão por cem mil reis; Huma data de
terras com cento e vinte e seis e meia braças de testada (...) em cujas
terras se achão as Cazas e Engenho acima mencionados (...) cujas
terras avaliamos a seis mil reis a braça que soma em sete centos e
cincoenta e nove mil reis; Hum Caffezal ao lado direito da caza de
vivenda, um tanto entregue ao mato, que avaliamos em cincoente mil
reis; Hum outro Caffezal quaze em direção aos fundos da dita Caza de
rezidencia, um pouco menor que o primeiro, também entregue ao
matto, que avaliamos por quarenta mil reis; Hum pequeno [quartel?]
de Mandioca, que avaliamos em trinta mil reis
453
452
Inventário de Antonio Fernandes Lagoas – 1871. Arquivo do Fórum de Cachoeiras de Macacu - RJ
453
Inventário de Antonio Fernandes Lagoas, 1871, op. cit.
246
Dentre esses bens, entretanto, o melhor deles deixado por Lagoas a d.ª Cloutildes
foi Hum Engenho de mandioca tocado a água, quer para ralar, quer para mecher
farinhas com forno de cobre e todos os mais pertences, tudo em bom uso, e caza
coberta de taboinhas, sobre esteios, cuja caza e fabrica avaliamos por cento e
cincoenta mil reis.
454
Existiam ainda poucos móveis e utensílios, algum gado em pasto alheio, três
bois de trabalho e um burro pelo de rato. A produção de farinha aparece como
atividade econômica dessa família, mas as madeiras foram um alento para diminuir as
dívidas dessa viúva, que desfazer-se do engenho iria obviamente comprometer seu
sustento e dos filhos.
O negócio com as madeiras deu um lucro bruto de 723$310 réis. Descontados
124$660 réis de fretes, chegou-se a um subtotal líquido de 598$650 réis, aos quais são
adicionados 13$000 réis das madeiras que guardou para si, perfazendo um total líquido
positivo de 611$650 réis. Abatendo-se esse valor do montante de suas dívidas, chega-se
a 773$407 réis.
Dona Cloutildes devia ser mesmo bem pobre: cobrou da sogra, d.ª Joaquina
Maria da Conceição, uma dívida de 100$000 réis, diminuindo o prejuízo para 673$407
réis. Com o gado, também vendido para amortização da dívida, amealhou 292$000,
baixando o débito para 381$407 réis.
A venda da madeira foi a melhor contribuição para a dimuição dos seus débitos,
valendo até quatro vezes mais que a sua casa de farinha, negociada a 150$000 réis.
Mesmo assim, viúva e com filhos, com apenas uma “cria” como escrava, avaliada a
mais de três vezes o valor do engenho, e uma pequena propriedade, ficara com saldo
negativo. Pode-se observar que o engenho de serra da Papucaia também prestava
serviços a terceiros e as madeiras saíam da fazenda por linha férrea própria.
No Relatório da Província do Rio de Janeiro de 1860, ano de inauguração da
primeira seção da Estrada de Ferro de Cantagalo (Porto das Caixas – Cachoeiras),
encontra-se a Tabela provisória dos fretes de cargas e taxas de passageiros na estrada
de ferro do Porto das Caixas à raiz da serra de Friburgo. Integrava-se a ferrovia ao
contexto econômico local, com sua missão de transportar produtos agrícolas do interior
e trazer os produtos da capital. Nesta tabela estão fixados os valores de fretes para os
gêneros de importação para o interior da província, os de exportação, os gêneros
454
Id., 1871.
247
alimentícios (batatas, feijão, arroz, milho, farinha, tapioca e polvilho) que pagavam 20
réis por arroba em légua. No artigo 13, figuram as madeiras:
Taboas e pernas de serra pagarão por dúzia, para Sant´Anna, 1$500, e
para Cachoeira 2$000. Páos de prumo, 2$ para o oprimeiro ponto e 3$
para o segundo, também por dúzia. As outras madeiras de maiores
dimensões terão frete convencionado, attento o peso e difficuldade do
transporte, nunca porem excedente ao dobro estabelecido para
aquellas. Do interior para o Porto das Caixas far-se-há nos preços
fixados um abatimento de 20 por cento.
455
Antes via de transporte dos produtos, o rio Macacu aos poucos foi sendo
preterido nessa função, ao que parece, pelas facilidades do transporte ferroviário. A
conveniência dos trens, inclusive por motivo das péssimas estradas e constantes
enchentes do Macacu – que por vezes também danificaram o leito ferroviário - motivou
a ampliação dos serviços da ferrovia para a extração da madeira. Em 1869, anotou o
engenheiro da Estrada de Ferro que seria conveniente que a companhia fizesse
acquisição de outros dous [vagões] para que podesse com promptidão transportar as
madeiras que de diversos pontos, abandonando o rio Macacú, buscam a estrada de
ferro para chegarem aos mercados da Côrte.
456
Construída para transporte de café da região de Cantagalo, a estrada transportou
também outros gêneros agrícolas. Um exemplo desse comércio é oferecido pela tabela
abaixo;
455
Tabela provisória dos fretes de cargas e taxas de passageiros na estrada de ferro do Porto das Caixas à
raiz da serra de Friburgo. Relatório da Província do Rio de Janeiro, 1860, p.790, AD-4. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/790/000114.html>. Acesso em: 28 jan. 2009.
456
Estrada de Ferro de Cantagalo. Relatório da Província do Rio de Janeiro, 1869, p. 800 A5-8.
Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/800/000161.html> Acesso em: 28 jan. 2009.
248
Tabela 45: Gêneros exportados em arrobas pelas estações de Cachoeiras e Sant´Anna – 1869 a
1873
Fonte: Relatório da Província do Rio de Janeiro.
457
A tabela apresenta as produções agrícolas exportadas através de duas estações,
Cachoeiras e Sant´Anna. Não se utilizaram dados para pós 1873 por motivo que neste
ano foi inaugurado o trecho ferroviário entre Cachoeiras e Nova Friburgo e os dados
passaram a apresentar muita discrepância em relação aos anos anteriores pela adição das
cargas oriundas do novo ramal e armazenadas nessas estações.
De qualquer forma, aparecem as produções tradicionais da região de Macacu -
farinha, milho e feijão - com sensível desaparecimento do arroz na pauta de exportados
por essas estações. O grande volume de café na estação de Cachoeiras significa que a
mesma servia de transbordo do café da região de Cantagalo através dessa estação. O
mesmo não acontece para Sant´Anna. Entretanto, face o apresentado anteriormente,
parece improvável que todo o café registrado nessa estação fosse totalmente produzido
na região.
457
Os dados da tabela foram extraídos de Relatórios da Estrada de Ferro de Cantagalo, em várias edições
do Relatório da Província do Rio de Janeiro para os anos de 1869 a 1872. Disponível em
<http://www.crl.edu/content/brazil/jain.htm> Acesso em 28 jan. 2009. O período de referência para os
relatórios da Estrada de Ferro iam de julho do ano anterior a junho do ano correspondente ao relatório.
Estação de Cachoeiras
1869 1870 1871 1872 1873
Totais
Café 625.174 531.175 618.950 388.288 511.954 2.675.541
Farinha 241 866 - 166 75 1.348
Milho 5.073 9.583 2.174 3.790 212 20.832
Feijão 1.074 177 205 757 - 2.213
Estação de Sant´Anna
1869 1870 1871 1872 1873 -
Café 12.632 14.875 22.360 18.507 18.771 87.145
Farinha 33.754 65.160 50.993 50.908 37.916 238.731
Milho 32.806 45.403 48.557 48.903 36.282 211.951
Feijão 220 850 100 231 62 1.463
Arroz 33 - - - - 33
Açúcar - 2.567 2.886 2.000 801 8.254
Estação de Cachoeiras
1869 1870 1871 1872 1873
Totais
Café 625.174 531.175 618.950 388.288 511.954 2.675.541
Farinha 241 866 - 166 75 1.348
Milho 5.073 9.583 2.174 3.790 212 20.832
Feijão 1.074 177 205 757 - 2.213
Estação de Sant´Anna
1869 1870 1871 1872 1873 -
Café 12.632 14.875 22.360 18.507 18.771 87.145
Farinha 33.754 65.160 50.993 50.908 37.916 238.731
Milho 32.806 45.403 48.557 48.903 36.282 211.951
Feijão 220 850 100 231 62 1.463
Arroz 33 - - - - 33
Açúcar - 2.567 2.886 2.000 801 8.254
249
A farinha de mandioca e o milho predominam na estação de Sant´Anna, para
onde afluía a produção das localidades limítrofes a essa estação. A ferrovia servia como
nova forma de se encaminhar a produção local aos grandes centros, corroborando as
expectativas de d.ª Bárbara Maria de Jesus. Excetuando-se o café, a farinha de mandioca
é o produto mais exportado, com o significativo volume de 238.731 arrobas, seguida
pelo milho, com 211.951. O feijão apareceu bem pouco, tendo Cachoeiras exportado
quase o dobro da estação de Sant´Anna.
O açúcar, teoricamente uma produção em latifúndio, apresenta o segundo lugar
como produto regional exportado (8.254 arrobas), mas apenas em Sant´Anna, indicando
que sua produção concentrava-se, ainda, nas regiões do baixo Macacu, mais planas.
É evidente que os dados da tabela, extraídos dos relatórios da ferrovia, devem
ser relativizados. Talvez nem todos produzissem o suficiente para exportar e é possível
que muitos pequenos produtores não tivessem recursos para pagar os fretes cobrados
pela ferrovia. Mas, de qualquer forma, servem para indiciar a conjuntura da produção
agrícola no período apresentado.
Observa-se que há, de forma geral, uma diminuição na exportação de farinha,
milho e feijão em Sant´Anna entre 1871 e 1873. Talvez uma das explicações possa ser a
enchente ocorrida em 1871 e alegada pelo coronel Panema como um dos motivos da
irregularidade produtiva na Papucaia. A este respeito, nos embargos movidos pelo
coronel em agosto de 1873, este alegara que
as lavouras de alguns anos foram ruins em especial a de 1871 e 1872
“que se perderão em razão das grandes chuvas e enchentes. (...) a
embargada [d.ª Bárbara] passava meses na Fazenda da Papucaia
“tendo testemunhado o risco de vida que correrão alguns empregados
d’esse estabelecimento agrícola por occasião d’aquellas enchentes.
Dona Bárbara, em seu depoimento em outubro de 1873, disse que é verdade que
nos annos de mil oitocentos e setenta e um e setenta e dous, houverao grandes chuvas e
enchentes e se bem que houvesse alguns prejuízos na fazenda...digo, porém forão
poucos.
Também em outubro depuseram algumas testemunhas arroladas pelo coronel
Panema. Em seu depoimento, Manoel Mendes Salgado, 67 anos, lavrador, solteiro e
morador na Papucaia, tal qual d.ª Bárbara corrobora a ação destrutiva das enchentes e
apresenta algumas formas como a produção era obtida:
250
Que as cannas novas que sofferão maiores estragos com as enchentes
a que se referiu e as cannas que estavão em estado de moer por não
estarem próximas do Rio não soffrerão tanto. Que logo depois da
enchente o Coronel Panema replantou as cannas novas que tinham
sido estragadas. Que o Coronel, digo, que o cannavial em estado de
moer era bom e bastante extenço. Que era costume da fazenda plantas
feijão, milho nas área do terreno occupado pelo cannavial quando
novo, que alem dessas plantava arroz não em grande quantidade. Que
o Coronel Panema recebia dos lavradores vizinhos mandiocas para
fazer farinhas, sendo metade do producto para a fazenda e a outra para
o lavrador
Dona Bárbara deixara escapar, em sua tréplica ao coronel em setembro de 1873,
as mesmas formas como era feita a produção:
todos os annos os lavradores vizinhos
plantavão canna, que era moída no engenho mediante o ajuste que é de estylo, isto é,
metade do assucar e toda a agoardente para a fazenda pelo trabalho de preparal-a.
Esses depoimentos trazem à luz algumas considerações que vão de encontro ao
exposto sobre a agricultura no vale do Macacu nos capítulos anteriores: a região
sempre sofreu com o regime de águas do Macacu, quando suas cheias invadiam o vale e
destruíam a plantação. Fato inclusive mencionado na Discripção, em 1797. A
Fazenda Papucaia, possuidora de engenho de açúcar e farinha, era ponto de atração dos
que não os possuíam, o que indicia a presença de pequenos produtores.
Em relação ao açúcar e também à mandioca - duas situações são possíveis:
pequenos arrendatários de terras ou agregados plantavam seus partidos de mandioca ou
cana, que transformavam na fazenda, ou pequenos plantadores independentes
utilizavam-se do engenho, sob as duras condições apresentadas: toda a aguardente e
metade do açúcar para a fazenda. Condições estas consideradas de estylo, ou seja, de
costume, por d.ª Bárbara, o que infere que também fossem aplicáveis em Rio Bonito,
Capivary e outras regiões.
O depoimento, em outubro de 1873, de uma testemunha de d.ª Bárbara, Jesoíno
Joaquim da Trindade, 26 anos, lavrador, solteiro, natural de Campos e morador no
Sambê, é um exemplo de que se arrendavam terras em propriedades maiores para
pequenos produtores, que atuavam, portanto, como agregados:
durante três meses no decurso do presente anno esteve como
empregado, isto é, tropeiro e trabalhador de enchada na fazenda de
Francisco Vieira, que não dista muito da fazenda do Papocaia, e por
isso sabe que na fazenda tem um partido de canna em estado de moer
cujo partido não tem muita largura...
251
Concluindo, são perceptíveis algumas permanências no contexto
socioeconômico da região do Vale do Macacu em relação ao exposto para os séculos
XVIII e XIX. A mais evidente, a tradicional inclinação da região como centro produtor
e abastecedor de alimentos para a região do recôncavo da Baía da Guanabara, atendendo
a distintas demandas durante o longo período de anos abordado na pesquisa.
Contudo, transformações viriam a ocorrer na região com as obras de saneamento
da Baixada Fluminense a partir dos anos 1930. Obras que valorizaram as terras, mas
também trouxeram a especulação imobiliária, a grilagem e a ocupação para atividades
não relacionadas à agricultura de abastecimento. No cerne dessas transformações, o
complexo agrário do clã Araújo dissolveu-se, bem como sua memória, restando apenas
as localidades anteriormente mencionadas, embora a região ainda seja uma referência
como centro produtor agrícola no Estado do Rio de Janeiro, junto com o limítrofe
Assentamento Rural de São José da Boa Morte e outras regiões de Cachoeiras de
Macacu. Hoje, a nova transformação trazida com a implantação do Complexo
Petroquímico do Rio de Janeiro, poderá mergulhar a tradição agrária de Macacu numa
lembrança, tal como ocorreu com o complexo dos Araújo, tragado pela crise do Souto e
pelas inevitáveis transformações ocorridas no decurso da história.
252
CONCLUSÃO
A presente dissertação buscou discutir o papel que a região do vale do Macacu
possuiu no contexto da sociedade colonial e escravista brasileira, tendo como foco a
trajetória de Henrique José de Araújo, português negociante estabelecido na cidade do
Rio de Janeiro em finais do século XVIII e posteriormente senhor de engenho radicado
em Macacu a partir de 1804, devido a seu casamento com filha de importante família
carioca descendente dos primeiros conquistadores e povoadores do Rio de Janeiro.
No processo de conquista e ocupação do recôncavo da Guanabara nos séculos
XVI, XVII e XVIII, a penetração através dos rios Macacu e Guapiaçu, atravessando o
vale do Macacu em direção aos sertões, serviu como solução de continuidade na
ocupação da região fluminense e garantiu a retaguarda da conquista portuguesa na baía
da Guanabara. Foi possível demonstrar que essa ocupação, com base na tipologia
apresentada por Fragoso, definida em três fases distintas conquistadores, povoadores
e senhores de engenho foi reproduzida também na ocupação do sertão de Macacu,
através do indício oferecido pelo aumento na concessão de sesmarias respectivamente a
cada uma dessas fases.
Ainda no processo de ocupação do vale do Macacu, a Companhia de Jesus
figurou como instituição de singular importância, devido à constituição de uma
aparentemente sólida estrutura na produção de alimentos. A comumente denominada na
pesquisa de “Fazenda do Colégio”, ou segundo Serafim Leite, fazenda de Macacu,
Papucaia ou Macacu na Papucaia, especializou-se na fabricação de farinha de mandioca,
gênero produzido em larga escala e certamente destinado ao abastecimento de um de
seus aldeamentos na capitania do Rio de Janeiro, o de São Barnabé. Não se descarta,
entretanto, a possibilidade de destinação de parte dessa produção farinheira para
abastecimento da região através de sua comercialização.
Portanto, nas conjunturas dessa ocupação, fez-se necessário abastecer a região
macacuana de alimentos, onde a farinha de mandioca, milho, arroz e feijão
constituíram-se como gêneros agrícolas principais, disponibilizados pelos jesuítas e por
uma miríade de pequenos e médios produtores escravistas.
Da mesma forma, a cidade do Rio de Janeiro possivelmente serviu como
mercado consumidor desses gêneros. A demanda por alimentos produzidos em Macacu,
253
após a elevação do Rio à categoria de capital da Colônia em 1763 - significando a
expansão daquele núcleo urbano - certamente aumentou, sendo atendida graças às
férteis terras do vale do Macacu.
Terras as quais, embora sendo férteis, como aponta a principal fonte sobre o vale
do Macacu analisada na pesquisa, a Discripção do que pertence ao districto da Vila de
Santo Antonio de Sá de Macacu, de 1797, a região apresentava uma grande área
ocupada por brejos e pântanos, numa geografia que mesclava áreas potencialmente
agrícolas, com uma gradação no que tange à capacidade produtiva da terra, e outras
muito alagadas, imprestáveis para a agricultura. Talvez essa geografia possa ter
contribuído para a forma de uso e ocupação da terra e uma não primordial presença de
latifúndios açucareiros.
Acerca desses latifúndios, que segundo a fonte de 1797 eram representados por
apenas 27 propriedades, nem todas necessariamente extensas ou detentoras de grandes
escravarias, a pesquisa demonstrou que não se constituíam como unidades de produção
autosuficientes, devendo recorrer ao mercado de alimentos para atendimento de suas
demandas de gêneros agrícolas de abastecimento.
O centro dinâmico dessa ocupação do vale do Macacu se constituiu com a
instalação, na confluência dos rios Macacu, Cacerebu e Guapiaçu, da Vila de Santo
Antônio de Sá, em 1697, ereta por ato do governador da capitania do Rio de Janeiro,
Artur de e Menezes em 05 de agosto. Estabelecida em área pantanosa e alagadiça, a
também chamada Vila de Macacu, ao que parece, teve sua instalação ligada à
descoberta de ouro nas Minas Gerais, servindo, portanto, como ponto estratégico na
fiscalização e controle do acesso àquele recentemente descoberto centro de produção
aurífera colonial.
A respeito de sua organização fundiária, no interior de sua estrutura econômica
mais voltada para a lavoura de abastecimento, a região do vale do Macacu caracterizou-
se pelo predomínio da pequena e média propriedade. Essas, no interior de 914
propriedades, segundo a Discripção..., eram representadas por 238 engenhos de farinha
e 649 de ‘lavradores’ detentores de unidades agrícolas orientadas para a produção de
gêneros alimentícios para abastecimento e também autosustento, apresentando
reduzidas escravarias e, em muitos casos, não dispondo de cativos, devido à não
possibilidade de sua aquisição. Muitos desses lavradores, inclusive, sequer dispunham
de terras próprias, devendo arrendar terras ou trabalhar no interior das propriedades dos
254
produtores mais abastados. Observou-se, inclusive, a presença de um razoável número
de agregados. Entre esses lavradores que não dispunham de engenhos ou fábricas de
farinha aparece a camada mais pobre da população macacuana, que nesse grupo
figurou o maior número de produtores sem cativos. Homens sem escravos numa
sociedade escravista.
Possivelmente, a maior concentradora de cativos foi a Fazenda do Colégio:
quando ainda de propriedade da Companhia de Jesus, apresentava 350 escravos à época
de seu seqüestro; quando de propriedade de Antonio de Oliveira Braga, possuía 207
cativos. No século XIX, poderia ainda deter essa característica, com os cerca de 300 a
400 escravos de Henrique José de Araújo, segundo relatos de fontes coevas. Como
contraponto, centenas de ‘roceiros’, homens livres pobres sem terras e com poucos
escravos ou sem eles, que tinham que, obrigatoriamente, dividir tarefas de enxada na
lavoura e demais trabalhos do cotidiano ‘ao lado’ de seus escravos e escravas. Infere-se,
portanto, a presença de uma concentração de riqueza terras e escravos por parte de
uma menor parcela da população macacuana no período.
O rio Macacu, principal via de comunicação com a baía da Guanabara em
conjunto com seu maior afluente, o Guapiaçu, foi primordial para o transporte de
produtos agrícolas, reinando por longo período sobre as difíceis estradas que seguiam
em direção à baía da Guanabara. Era cheio de curvas e ladeado por densa mata ciliar,
características que arrancaram reclamações dos viajantes europeus oitocentistas, que
não podiam sequer divisar o que lhes vinha à frente durante a viagem pelo rio. Apesar
de ser importante artéria econômica e abastecedora da região, haja vista que também
serviu para o transbordo de produtos oriundos da capital e do Reino, o Macacu era assaz
perigoso. Enchia fácil em época de chuvas e junto com seu maior afluente, o Guapiaçu,
alagava o vale, destruindo o trabalho de meses, arrasando lavouras de cana e alimentos.
“Criando” brejos e pântanos, o rio espalhou regularmente a destruição e a morte através
de doenças como malária, febre amarela, tifo e cólera na região.
Em algumas regiões, em especial no baixo curso do Macacu e onde este se une
ao Guapiaçu, ainda hoje os alagamentos e perdas da produção se fazem presentes,
tornando ainda atuais as observações do desconhecido relator da Discripção..., de 1797.
Hoje, no atual contexto econômico, ressalvada sua importância para o fornecimento de
água a milhões de habitantes no perímetro de sua bacia e municípios da região
metropolitana, o rio Macacu é apenas um espectro do que foi no passado.
255
Ainda quanto ao aspecto econômico, a extração de madeiras figurou como outra
atividade de importância na região de Macacu, pela presença de grande diversidade de
espécies vegetais utilizadas em obras civis, hidráulicas, além das destinadas à produção
de combustíveis. A atividade madeireira de Macacu sofreu considerável aumento após a
criação do Arsenal de Marinha, em 1763, mesmo ano da elevação do Rio a capital.
Eram exploradas como gênero mercantil através de vários pequenos portos de
particulares, sendo vendidas ou utilizadas em construções, fabricação de carvão, para
produção de tábuas e outros derivados ou mesmo para consumo direto como a lenha,
necessária para a produção de açúcar, aguardente, farinha de mandioca e cocção de
alimentos.
As madeiras das matas macacuanas contribuíram também para que proprietários
rurais buscassem sua elevação de status, através da concessão de madeiras de suas
propriedades para as necessidades do Estado, em especial as de cunho militar. Em troca,
por exemplo, pedia-se a obtenção de um Hábito da Ordem de Cristo ou promoções
militares. Em suma, em Macacu sustentou-se uma dinâmica atividade extrativa de
madeira, promotora, no tempo, da eliminação de grande parte da cobertura vegetal do
vale do Macacu.
Tal estrutura socioeconômica, analisada no contexto de uma sociedade
escravista, apresentou no que tange à sua população escrava para o período
compreendido entre 1819 e 1873, e com base na análise de 2.583 registros de batismo,
algumas características marcantes. Percebeu-se, na maioria dos casos e em contraste
com outras regiões, o predomínio de cativos apadrinhando cativos nos batismos, bem
como a peculiar existência de uma dicotomia entre os batismos realizados no interior da
Fazenda do Colégio e no seu exterior.
A Fazenda do Colégio, propriedade inaciana retransmitida a tantos outros
proprietários após seu seqüestro pela Coroa portuguesa em 1759, apresentará, quando
na posse de Henrique José de Araújo, após 1804, a presença praticamente absoluta de
crianças escravas nascidas legítimas, filhas de casais escravos formados no interior da
fazenda e batizadas igualmente por casais de cativos. No seu exterior, predominou a
naturalidade nos nascimentos e inclusive, apadrinhamentos por parte de cativos de
outras propriedades, o que praticamente não se registrou na ex-propriedade inaciana.
Essas características, ou seja, existência de uma grande escravaria, pressupondo
interações sociais entre os escravos durante um dilatado período de tempo, fez pensar-se
256
sobre a possibilidade da constituição de uma comunidade escrava – com base no
conceito proposto por Engemann na Fazenda do Colégio. Simultaneamente, discutiu-
se a pertinência do termo comunidade para designar esses espaços relacionais
complexos engendrados pelos cativos, com base na existência de famílias escravas, o
que parece ter sido uma realidade concreta naquela Fazenda.
Na análise dessas relações entre escravos no interior da Fazenda do Colégio, foi
possível perceber a permanência de fortes laços sociais construídos pelos cativos,
que, após o falecimento de Araújo, e a consequente repartição da fazenda entre seus
herdeiros, os escravos e escravas continuaram apadrinhando-se, apesar das “novas”
fazendas pertencerem a donos distintos.
O chamado “complexo agrário do clã Araújo”, integrado pelas cinco fazendas
originadas da repartição da fazenda do Colégio, deixou suas marcas na região, visto que
os nomes dessas propriedades rurais Colégio, Papucaia, Jaguary, Rio das Pedras e
Ribeira ainda denominam localidades em Cachoeiras de Macacu, com exceção da
Jaguary, a única que perpetuou-se como unidade de produção agrícola até a atualidade.
Seguindo-se a trajetória do portugues Henrique José de Araújo, percebeu-se que,
através da atividade comercial e do matrimônio, foi possível a este a obtenção do status
social mais elevado naquela sociedade agrária e escravista, ou seja, a propriedade de
terras e escravos. O comércio foi, para Araújo, uma via importante de enriquecimento,
através de sua ligação com a elite comercial do Rio de Janeiro inclusive com ricos
traficantes de escravos - o que lhe tornou possível angariar contratos de fornecimento de
gêneros, possivelmente alimentícios para o Rio Grande de São Pedro e outras
localidades. Inferiu-se que, pelo seu casamento com importante filha da elite carioca, e
o acesso à posse da fazenda do Colégio, por dote da esposa, Araújo dinamizou sua
possível entrada nos seletos grupos de arrematadores de contratos.
Conforme explicita Fragoso, por tratar-se de uma sociedade onde não vigiam
ainda valores burgueses, sendo por este motivo pré-capitalista, a obtenção de capital
mercantil voltava-se não prioritariamente para sua reprodução, mas para a manutenção
de status. Tal característica pôde ser demonstrada através dos dispêndios de Araújo com
doações em dinheiro e custeio de obras em igrejas – na capital e no interior – e
oferecimento de presentes caros – a naveta e o turíbulo de prata – para o culto.
Seguindo-se uma das máximas do período avô taverneiro, filho barão e neto
mendicante -, onde a mentalidade de aquisição de prestígio e o sistema português de
257
partilha de heranças foi diminunindo as riquezas repassadas aos herdeiros, se encontrará
um dos herdeiros de Araújo, já na segunda metade do século XIX, adquirindo o título de
barão e posteriormente visconde de Piracinunga.
O nascente capitalismo brasileiro, expresso, principalmente após o fim do tráfico
negreiro, pela inversão de capitais obtidos no setor agrário para o setor rentista, será
exemplificado pela presença de membros do clã Araújo no setor bancário. A estratégia
vigente neste setor se deu pela tomada de avultados empréstimos nas primeiras casas
bancárias do Rio de Janeiro para custeio das atividades na agricultura, possivelmente
para aquisição de cativos via tráfico interprovincial, bem como para a manutenção de
status, haja vista a impossibilidade da geração de capitais mediane o tráfico ou uma
continuada exploração do braço cativo.
Neste contexto, verificou-se a presença dos Araújo na fundação do Banco Rural
Hipotecário do Rio de Janeiro em 1854, através do qual puderam juntamente ao acesso
a outras pequenas casas bancárias e pelo sistema de redesconto, ou seja, a tomada de
empréstimos do Banco do Brasil por parte dessas casas e repassados aos seus “clientes”,
adquirir avultados empréstimos financeiros, por meio da emissão de letras bancárias.
Semelhante “farra” de empréstimos fáceis, onde possivelmente as relações de
cunho pessoal, típicas da mentalidade colonial e de acordo com o que Fragoso afirma
ser uma “cultura do endividamento”, irá estourar a praça financeira do Rio de Janeiro,
num evento famoso conhecido por “Crise do Souto”, em 1864. A crise atingiu de cheio
o clã Araújo, condenando-o a hipotecar todas as propriedades adquiridas por herança e
as possivelmente obtidas por meio da atividade mercantil ou rentista, acumulando uma
dívida, junto ao Banco do Brasil, de quase um milhão de contos de réis. Seguiu-se o
aparente desmonte da riqueza do clã, sendo um dos efeitos, a venda de suas
propriedades no vale do Macacu, que em 1873 não aparecem mais escravos de seus
membros nos livros de batismo da paróquia da Santíssima Trindade de Sant´Ana de
Macacu, no vale do Macacu. Outro sintoma foi renúncia, por parte de membros do clã,
de suas heranças advindas do falecimento de seus membros, para cobrir compromissos
com o banco.
A venda, em 1866, de uma das fazendas, a da Papucaia, de propriedade do barão
de Piracinunga Joaquim Henrique de Araújo -, a Bárbara Maria de Jesus, além de
significar um evento na derrocada do clã Araújo, serviu para demonstrar certas
mudanças e permanências no contexto socioeconômico do vale do Macacu.
258
A região, na segunda metade do século XIX, ainda produzia gêneros
alimentícios como arroz, milho, feijão e farinha de mandioca, inclusive em sistema de
consórcio das produções feijão plantado em meio às canas novas -, como informa o
Processo de Prestação de Contas, movido por d.ª Barbara contra seu genro, o coronel
Panema. Também se verificou a manutenção, na região, de um costumeiro sistema de
arrendamento da terra, ou seja, o pagamento de 50% do açúcar produzido com canas
plantadas por arrendatários de terras ou proprietários destituídos de engenhos, aos donos
de moendas, bem como a aquisição, por estes senhores ou senhoras, de toda a cachaça
produzida no processo. Tal prática indiciou a crença na permanência de uma estrutura
fundiária de concentração da terra e a presença de muitos homens livres pobres.
Percebeu-se também, através da análise do processo, que o encerrameto do
tráfico e a conseqüente crise no sistema escravista influenciaram a economia
macacuana, haja vista a lenta passagem do predomínio de uma população escrava para
livre ou liberta, conforme apontaram os dados do Recenseamento Geral do Império, de
1872, analisados. Essa dificuldade de aquisição de mão-de-obra cativa pode ser
percebida pela disputa, entre genro e sogra, pelo controle da escravaria da fazenda.
Embora num avançado século XIX, com demonstrações das transformações
ocorridas no contexto mundial, ou seja, o avanço das relações capitalistas de produção
oriundas da Revolução Industrial Inglesa, percebeu-se a existência de uma mentalidade
conservadora e escravista, já que nesse período, acontece a titulação do barão de
Piracinunga como visconde e o crescente aumento do prestígio social alcançado pelo
genro de d.ª Bárbara, cujo ápice pareceu ser sua nomeação como comandante superior
da Guarda Nacional da Vila de Santo Antônio de Sá e sua aquisição da condecoração da
Ordem da Rosa, embora em grau menor. Mesmo na crise, do sistema financeiro e do
escravismo, a elite, num efeito de ‘cair para cima’, buscava manter seu prestígio.
A ferrovia, instalada no vale do Macacu em 1860, dinamizou a extração de
madeiras, o transporte da produção agrícola e de passageiros, relegando o rio Macacu ao
abandono. Nada interessava o avanço da industrialização, figurando o transporte
ferroviário, também em Macacu, como atividade subsidiária da agricultura, já que
vieram os trens com o objetivo de transportar a produção cafeeira do leste fluminense.
Será neste período, entre os anos 1850 e 1870 que os viajantes europeus e um
norte-americano abordados no Capítulo I atravessaram o vale do Macacu, contribuindo
com suas preciosas anotações, as quais serviram para que se pudesse construir um
259
quadro aproximado da geografia e estrutura socioeconômica da região do Macacu, bem
como para lançar indícios que serviram de “guias” para alguns aspectos analisados na
pesquisa.
A análise da estrutura socioeconômica macacuana neste trabalho, com base na
agricultura, pode talvez contribuir para se pensar na vigência de uma mentalidade de
manutenção do agrarismo por parte das elites ou da resistência ao processo de grilagem
ocorrido após a realização das obras de saneamento da Baixada Fluminense nos anos
1930, por parte dos mais pobres. Essas obras, que ampliaram áreas agricultáveis e
valorizaram terras anteriormente disponíveis, encontraram uma majoritária presença das
populações macacuanas na zona rural e motivaram profundos conflitos pela posse da
terra a partir dos anos 1950. A “viragem” da população macacuana para áreas urbanas
ocorrerá somente nos anos 1960 e 1970, curiosamente durante a decadência do
transporte ferroviário, única atividade “industrial” de vulto, verificada em Cachoeiras de
Macacu desde a segunda metade do século XIX.
Conforme se observou na Introdução, com a instalação do Complexo
Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro, onde antigamente situava-se a Vila de Santo
Antônio de Sá, novas transformações no quadro socioeconômico do vale do Macacu,
bem como em todo o recôncavo da Baía da Guanabara, já se encontram em curso. Resta
saber, o quanto essa região, tradicionalmente produtora de gêneros agrícolas de
abastecimento, sofrerá em seu papel histórico na manutenção “dos povos”.
Essas inevitáveis transformações certamente alterarão o quadro econômico da
região de Macacu de maneira tão generalizada, que conforme apresentou Francisco
Carlos Teixeira em seu trabalho “A Morfologia da Escassez”, talvez não será mais
possível escrever-se como o fez a Câmara do Rio de Janeiro, em 1703, respondendo ao
rei acerca da obrigatoriedade da plantação de gêneros agrícolas, naquele tempo a
mandioca, como prevenção às crises de abastecimento. Respondera a Câmara ser
medida desnecessária, devido a abundância e tanta quantidade que sustenta o Povo
largamente e de fácil provimento às frotas (...) das terras são possuidores vários donos
e nelas não há engenho que prejudiquem suas plantas (...) porque é certo que as
mandiocas de que se sustenta e as que lhe bastão e muitas vezes sobram todas se
plantam no Recôncavo desta mesma Cidade.
260
FONTES
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manuscrito inédito de José Caeiro sobre os Jesuítas do Brasil e da India na perseguição
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Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro.
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261
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ponderam os prejuízos que causaria aos lavradores daquela capitania a execução da lei
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11.
Corographia Brazilica ou Relação Historico-Geografica do Reino do Brasil. Rio de
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Correspondência e documentos relativos as novas Minas de Macacu, do Rio de Janeiro,
de que era superintendente Manuel Pinto da Cunha e Souza 1786 a 1790. Seção de
Manuscritos. Biblioteca Nacional. Catálogo 09,3,017-021.
Discripção do que contém o distrito da Vila de Santo Antônio de Sá de Macacu feita por
ordem do vice-rei do estado do Brasil, conde de Resende [D. José Luís de Castro]. 07 de
abril de 1797. Arquivo Histórico Ultramarino-Rio de Janeiro. Cx. 165, doc. 62 e
AHU_ACL_CU_017, Cx.161, D. 12071. Contém anexo com mapas (planilhas).
262
Escriptura de compra e venda e obrigação da fazenda denominada Soarinho com casas,
terras, engenhos e benfeitorias que faz Antonio Lutterbachs e sua mulher ao Coronel
Francisco José Fernandes Panema. 07.02.1877. Livro 89 fls 119 a 121v. Cartório do
2º Ofício. Cachoeiras de Macacu.
Escriptura de venda de uma data de terras e benfeitorias que fazem o Coronel Francisco
José Fernandes Panema e sua mulher Dona Luisa Rodrigues Panema na forma abaixo a
Carlos Augusto Brandão. 24. 06.1876. Livro 89, fls 25 a 26v. Cartório do Ofício.
Cachoeiras de Macacu.
Escritura de venda da Fazenda da Papocaia feita pelo Barão de Piracinunga a Dona
Bárbara Maria de Jesus. 04.08.1866. Livro 82. Cartório do Ofício Cachoeiras de
Macacu – RJ.
Escritura de venda da Fazenda Papucaia, suas terras, casas, dependências, engenho e
pertences que fazem o Coronel Francisco José Fernandes Panema e sua mulher Dona
Luiza Rodrigues Panema a Dona Luiza Alexandrina Rodrigues. 1876. Livro 29, p. 50 a
52v. Arquivo do Cartório do 2º Ofício – Cachoeiras de Macacu – RJ.
Estações Ferroviárias do Brasil. Estação de Cachoeiras. Disponível em:
<http://www.estacoesferroviarias.com.br/efl_rj_cantagalo/cachoeira.htm>.
EWBANK, Thomas. A vida no Brasil. Rio de Janeiro: Conquista, 1973.
Francisco Sabino, padre da Congregação do Oratório. Requerimento encaminhado ao
Ministério do Império, solicitando providências no sentido seja executado tendo o que
resolver a Junta do Governo sobre sua estadia na congregação de Pernambuco; pede que
o tesouro pague as côngruas vencidas do seminário dos meninos pobres de Ilha Grande,
do qual é reitor; e licença para que o negociante Henrique José de Araújo, possa receber
as côngruas que lhe compete como fornecedor do seminário. 1815-1824. C-0800,034.
Seção de Manuscritos – Biblioteca Nacional.
Guarnição do Rio de Janeiro com seus Uniformes, e Mappas do numero de Homens,
tanto dos Regimentos pagos como dos Auxiliares feito por Jozae Correa Rangel,
Ajudante de Infantaria com exercício de Engenheiro – 1786. Cód. 34-4. Seção de
Manuscritos – Biblioteca Nacional – RJ.
Habilitação matrimonial de Antonio de Oliveira Braga,1804. Caixa 1065, Notação
2831, maço 68. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro– Rio de Janeiro/RJ.
Habilitação Matrimonial de Henrique José de Araújo - 1804. Caixa 15/13 Notação
17.406. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro – Brasil.
Informação sobre o transporte de madeira nas regiões de Macaé, Cabo Frio, Cantagalo,
cabeceiras de Macacú e Guapi, informando a necessidade de ordens ao vice-rei do
Estado do Brasil, [conde Resende, D. José Luís de Castro] para que os capitães-mores
dêem todo o apoio; e que se paguem as despesas que se fizerem com os índios e negros
no manejo do trabalho. Arquivo Histórico Ultramarino. AHU-ACL-N-Rio de Janeiro.
263
Documento 88717. 12 de agosto de 1797. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate>.
Inventário de Antonio Fernandes Lagoas – 1871. Arquivo do Fórum de Cachoeiras de
Macacu – Estado do Rio de Janeiro
Inventário e Partilha amigável a que procedem os abaixo assignados na qualidade de
herdeiros do fallecido Pai o Commendador Henrique José de Araújo dos bens pelo
mesmo deixados no tempo do seu falecimento. Arquivo Nacional - 1875
Inventário post mortem de Antonio de Araújo Braga – 1871 – Arquivo Nacional.
Jeronimo Vieira de Abreu. Mapa assinado por Jeronimo Vieira de Abreu, registrando o
exame realizado ao estabelecimento, funcionamento e produção das fábricas de anil na
Capitania do Rio de Janeiro, em resposta a uma portaria do vice-rei do Estado do Brasil,
[Luís de Vasconcelos e Souza], datada de 8 de janeiro de 1783. Rio de Janeiro em
31/05/1784. AHU, Conselho Ultramarino, Brasil, Rio de Janeiro, caixa 123, doc. 9937.
LEÃO, Manuel Vieira. Cartas topographicas da capitania do Rio de Janeiro: mandadas
tirar pelo Illmo. Exmo. Sr. Conde da Cunha Capitam general e Vice-Rey do Estado do
Brasil - 1767. Cartografia CAM.02,008. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
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Lembrete sobre a genealogia de Francisco Cordovil de Sequeira e Mello. AHU-ACL-N-
Rio de Janeiro. Documento 81052. 1750. Disponível em:
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<br.geocities.com/adarantes/artigos_mirian_lott/CONSTITUI__ES_PRIMEIRAS_DO_
ARCEBISPADO_DA_BAHIA.doc>.
Mappa corographico da Capitania do Rio de Janeiro por Domingos Capassi da Compa.
de Jesu [Ca.1730]. Cartografia ARC.023,01,001. Biblioteca Nacional.
264
Memorial descritivo da Vila de Santo Antônio de de Macacu (Cachoeiras de
Macacu) com: localização, portos, estradas, produção, população e dois quadros
demonstrativos. O primeiro refere-se ás madeiras da região, indicando-se-lhes a
utilidade; o segundo contém dados sobre engenhos, instituições, habitantes e
contingentes militares. Sf. 7 de abril de 1797. 61 p. IEB/USP – COL.ML, 88.1.
Memórias Públicas e Econômicas da Cidade de São Sebastião...1779. Revista do IHGB,
Rio de Janeiro, 1884, t. XLVII.
Noticia da chegada das Religiosas que vierão da Bahia para fundarem o Convento de N.
Senhora da Conceição d’Ajuda na Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro este anno
de 1749. Manuscrito, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. (BN – ms- II – 34, 15, 45).
Officios ao Conde de Bobadela, tratando do seqüestro dos bens, reclusão e expulsão e
demais providências tocantes aos Jesuítas” (de 21/07/1759 a 19/10/1760), existentes na
Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional.
Oficio do intendente da Marinha José Caetano de Lima, datado do Rio de Janeiro à 14
de Agosto de 1800 e dirigido a d. Rodrigo de Sousa Coutinho, sobre objetos relativos
aos cortes de madeira de construcção nas mattas da Posse e da Papaocaya ou Collegio,
nos districtos de Tapacurá e de Macacú. Rio de Janeiro, 1800 Cópia. Manuscrito. 7,4,55
– Seção de Manuscritos – Biblioteca Nacional
Ordenações Manuelinas, Livro IV, Título 67, Das Sesmarias. Disponível em:
<http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/l4p164.htm>.
Pastoraes e Visitas da Freguesia da Santissima Trindade. Rio de Janeiro (1727-1812).
Seção de Manuscritos. Biblioteca Nacional. Cópia manuscrito. 140 f. 14,3,7.
Pedro de Araújo Lima, Visconde de Olinda. Requerimento encaminhado ao Ministério
do Império, solicitando licença para casar sua filha com Joaquim Henrique de Araújo,
filho do comendador Henrique José de Araújo. 1843 - C-0317,011 005.Seção de
Manuscritos – Biblioteca Nacional.
Processo de Prestação de Contas que faz Bárbara Maria de Jesus contra o Coronel
Francisco José Fernandes Panema – 1873. Arquivo do Fórum de Cachoeiras de Macacu.
Estado do Rio de Janeiro.
Recenseamento Geral do Império de 1872. Diretoria Geral de Estatística, Rio de
Janeiro, Typ. Leuzinger / Tip. Commercial, 1876, 12 volumes.
Reconhecimento do Rio de Macacu e da estrada que conduz a Nova Friburgo (Colônia
Suissa),1819. Localização: ARC 003, 13,026 ex.1 Cartografia ARC.014,04,006 ex.2
Cartografia ARC 004, 01, 017 ex.3 Cartografia. Seção de Cartografia. Biblioteca
Nacional.
Registro de falecimento de Nicolao Antonio Bonorota. Habilitação Matrimonial de
Antonio de Oliveira Braga. Caixa 1065 - Notação 2831- Maço 68. Arquivo da Cúria
Metropolitana do Rio de Janeiro – Brasil.
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Registros Paroquiais de Terras do Século XIX, Santo Antônio de Sá de Macacu,
Freguesia da Santíssima Trindade, Livro 79, 1854-1857. Arquivo Público do Estado do
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ip.com/aperj/acervo.htm>. Acesso em: 03 nov. 2008.
Registros Paroquiais de Terras do Século XIX. Santo Antonio de Sá de Macacu.
Freguesia da Santíssima Trindade. Livro 79 (1854-1857). Arquivo Público do Estado do
Rio de Janeiro APERJ. Disponível em <http://www.docvirt.no-
ip.com/aperj/acervo.htm>.
Relações Parciaes Apresentadas ao Marquez de Lavradio. 8 de outubro de 1778. Revista
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB, Tomo 76, Parte 1 1913- Rio de
Janeiro, 1980.
Relatório apresentado ao Exmoº Vice-Presidente da Província do Rio de Janeiro o Snr.
Doutor José Ricardo de Rego pelo presidente o Conselheiro Luiz Antonio Barbosa
por occasião de passar-lhe a administração da mesma província.Nictheroy: Typographia
de Quirino & Irmão,1855.p.54.Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u831/000056.html>. .
Relatório da commissão encarregada pelo governo imperial por avisos do de outubro
a 28 de dezembro de 1864 de preceder a um inquerito sobre as causas principaes e
acidentaes da crise do mês de setembro de 1864. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1865.
Documentos anexos ao Relatorio da commissão de Inquerito (...), serie A, p.4.
Relatório da Província do Rio de Janeiro, 1855, p.08. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u832/000007.html>.
Relatório da Província do Rio de Janeiro,1856, p.3. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u833/000006.html>.
Requerimento do alferes da Companhia do capitão Alexandre Álvares de Castro do
Terço das Ordenanças da vila de Macacu, Joaquim Ferreira da Silva, do qual é capitão-
mor Francisco Marinho Machado, por seu procurador Manoel Lourenço Monteiro, ao
príncipe regente [D. João], solicitando confirmação da carta patente no dito posto, vago
por promoção de Antônio da Costa Sousa a tenente. 23 de dezembro de 1805.
Documento 92523 AHU-ACL-N- Arquivo Histórico Ultramarino - Rio de Janeiro.
Disponível em <http://www.cmd.unb.br/resgate/resultado-pesquisa.jsp>.
Requerimento de Antonio de Oliveira Braga e seus irmãos à rainha [D. Maria I],
solicitando a confirmação da doação de metade das terras pertencentes ao engeho novo
Nossa Senhora da Piedade, de metade do campo do engenho, das casas de vivenda e
capela do engenho novo, situado na freguesia de Irajá, feita a si e seus irmãos menores
por seu tio o capitão Francisco Caetano de Oliveira, bem como de metade da data de
terras de São Bernardo, que o suplicante comprara a seu pai Bento de Oliveira Braga,
conforme comprova a escritura de ratificação das doações. AHU-ACL-N-Rio de
Janeiro. Documento 85954. 10 de fevereiro de 1780. Disponível em:
<http://www.cmd.unb.br/resgate/resultado-pesquisa.jsp>.
266
Requerimento de Felipe Cordovil de Siqueira e Melo à rainha [D. Maria I], solicitando
ser provido no ofício de provedor da Fazenda Real do Rio de Janeiro, do qual foram
proprietários seus avô, Bartolomeu de Siqueira Cordovil, e seu pai, Francisco Cordovil
de Siqueira e Melo, em reconhecimento pelos serviços prestados pelo suplicante e
atendendo ao direito legítimo tem ao mesmo ofício. AHU-ACL-N-Rio de Janeiro.
Documento 88.348. Disponível em: <http://www.resgate.unb.br/resgate/resultado-
pesquisa.jsp>.
Requerimento de João da Costa Cardoso, por seu procurador Antônio Lopes Soares, ao
príncipe regente [D. João], solicitando confirmação da carta patente no posto de tenente
da 2ª Companhia da 1ª meia Brigada de Cavalaria de Milícias do Rio de Janeiro, do qual
é chefe o brigadeiro Joaquim José Ribeiro da Costa, vago por promoção de Francisco
Marinho Machado a capitão-mor das Ordenanças da vila de Santo Antônio de Sá. AHU-
Rio de Janeiro, cx. 221, doc. 27. AHU-ACL-N-Rio de Janeiro. Doc. 92181, 25 de maio
de 1805. Arquivo Histórico Ultramarino. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/folhearDocumento.jsp?iddoc=92181&idimg=12029
53&pagina=1>.
Requerimento do escriturário e contador da Junta da Fazenda Real do Rio de Janeiro,
Antônio de Oliveira Braga, por seu procurador Manoel José Nunes, ao príncipe regente
[D. João], solicitando um hábito da Ordem de Cristo, em remuneração dos seus
serviços. Documento 91120, 23 de novembro de 1802. AHU-ACL-N- Rio de Janeiro.
Arquivo Histórico Ultramarino.
Disponível em:
<http://www.cmd.unb.br/resgate/folhearDocumento.jsp?iddoc=91120&idimg=1193937
&pagina=2> .
Requerimento do tenente de Cavalaria Auxiliar do Rio de Janeiro, Francisco Marinho
Machado, ao príncipe regente [D. João], solicitando nomeação por decreto no posto de
capitão-mor das ordenanças da vila de Santo Antônio de 22 de dezembro de 1880.
Documento 90309 AHU-ACL-N- Arquivo histórico Ultramarino Rio de Janeiro.
Disponível em <http://www.cmd.unb.br/resgate/resultado-pesquisa.jsp>.
Requerimento do tenente de Cavalaria Auxiliar do Rio de Janeiro, Francisco Marinho
Machado, ao príncipe regente [D. João], solicitando nomeação por decreto no posto de
capitão-mor das Ordenanças da vila de Santo Antônio de Sá. AHU-Rio de Janeiro,
cx.171, doc. 119. AHU-ACL-CU_017, Cx. 188, Doc. 13618. Arquivo Histórico
Ultramarino, 22 de dezembro de 1800. Disponível em:
<http://www.resgate.unb.br/resgate/folhearDocumento.jsp?iddoc=90309&idimg=11862
05&pagina=1>.
Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando mercê do Habito da
Ordem de Cristo. Solicita também certidão das madeiras remetidas gratuitamente para o
Arsenal da Marinha situado na Freguesia da Santíssima Trindade da Vila de Santo
Antonio de de Macacu.1809-1827.19 doc.Original manuscrito.Catálogo C-0266,006.
Seção de Manuscritos – Biblioteca Nacional.
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