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UNIVERSI DADEFEDERALDOPIAUÍ
CENTRODECIÊNCIASDAEDUCAÇÃO
PROGRAM ADEPÓSGRADUAÇÃOEMEDUCAÇÃO
MESTRADOEMEDUCAÇÃO
CRISTIANEFEITOSAPINHEIRO
HISTÓRIAEMEMÓRIADAESCOLANORMALOFICIALDE
PICOS(19671987)
TERESINAPIAUÍ
2007
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2
CRISTIANEFEITOSAPINHEIRO
HISTÓRIAEMEMÓRIADAESCOLANORMALOFICIALDE
PICOS(19671987)
Dissertação  apresentadaaoProgramade PósGraduaçãoem
Educ ação, do Centro de Ciências da Educação, da
UniversidadeFederaldoPiauí–UFPI,comoexigênciaparcial
paraobtençãodotítulodeMestreemEducação.
Orientadora:Profª.Drª.MariadoAmparoBorgesFerro
TERESINAPIAUÍ
2007
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3
P65 4h PINHEIRO,CristianeFeitosa.
HistóriaeMemóriadaEscolaNormalOficialde
Picos(19671987)/CristianeFeitosaPinheiro.Te
resina:2007.
205fls.Ilust.
Dissertação(MestradoemEducação)UFPI.
1. Educ ação–FormaçãodeProfess ores.2.Es
colaNormalOficialdePicos–Memória.3.Sujei
to–constituição.
I. Título.
C.D.D–370.7
4
CRISTIANEFEITOSAPINHEIRO
HISTÓRIAEMEMÓRIADAESCOLANORMALOFICIALDE
PICOS(19671987)
Dissertação  apresentadaaoProgramade PósGraduaçãoem
Educ ação, do Centro de Ciências da Educação, da
UniversidadeFederaldoPiauí–UFPI,comoexigênciaparcial
paraobtençãodotítulodeMestreemEducação
APROVADOEM:TERESINA(PI),11DEDEZEMBRODE2007.
BANCAEXAMINADORA:
_____________________________________________
ProfªDrªMariadoAmparoBorgesFerroOrientadora
UniversidadeFederaldoPiauíUFP I
_____________________________________________
ProfªDrªDiomard asGraças Motta
UniversidadeFederaldoMaranhão–UFMA
_____________________________________________
ProfªDrªJosâniaLimaPortela
UniversidadeFederaldoPiauí–UFPI
_____________________________________________
ProfªDrªAntôniaEdnaBrito
UniversidadeFederaldoPiauíUFP I
5
ADeus ,autordaminhavida,companheirofiel,realizadordosmeussonhos.
Aomeupai,BrázPinheiro(
inmemoriam
),exemplodeluta,féeamor.Pessoa que
euqueriatantoteraomeuladonessaconquista.
6
AGRADECIMENTOS
[...]. Escrever é triste. Impede a conjugação
de tantos outros verbos. Os dedos sobre o
teclado, as letras se reunindocom maior ou
menorvelocid ade,mascomigualindiferença
peloquevã odizendo,enquantoláforaavida
estouranão sóembombascomotambémem
dádivasdetodanatureza,inclusiveasimples
claridade da  hora, vedada a você, que está
de olho na maquininha. O mundo deixa de
ser realidade quente para se reduzir a
marginália, purê de palavras, reflexos no
espelho(infiel)dodicionário.[...].
CarlosDrummonddeAndrade
Ao longo da vida vivi a experiência da leitura e da escrita, mas uma
experiênciadespretensios a,desprovidadoviésacuradodapesquisaedaprodução
acadêmicas.Boaleitoraeboaescritoraeraoquediziamameurespeito,massabia
que faltava algo para que isso realmente se concretizasse. Faltavame um olhar
maisseletivo,maisdirec ionadoparaummelhoraproveitamentodasleiturasfeitase
dasescriturasproduzidas.Faltavameoapoiodaacademia.
OapoioveioaoingressarnoMestradoemEducação,doProgramadeP ós
GraduaçãoemEducação,daUniversidadeFederaldoPiauí,noanode2006.Nele
encontreiprofissionaispreparadosparaaconduçãodoolharqueeuqueriatereque
necessitava para o aproveitamento de uma idéia que eu tinha na cabeça e que
precisava pôla em prática: historiar uma instituição escolar de significação ímpar
paraaminhacidade–aEscolaNormalOficialdePicos.
Mas,descobriqueserpesquisadoratambémtinhaoseupreço.Opreçoda
solidão da clausura em um quarto por meses, tendo por companheiros algumas
dezenasdelivros,blocosdeanotações,canetaselápisesp alhadospelobirôjásem
enfeites, por ocomportálos mais, umnotebookquerecepcionava as idéias, às
7
vezes, claras e rápidas, outras tantas  vezes con fusas, que emergiam da minha
cabeça madrugadas a dentro, uma impressora que me revelava a cada capítulo
impresso o volume da minha produção e minha Bíblia Sagrada, companheira
inseparávelemeusuporte,minhabase,textoparaondesemprerecorriaquandoas
iias fugiam ou a mente en contravase cansada demais para refletir sobre meu
objetodepesquisa.ComodizDrummond,“escreverétriste”.
Eé tristetambémpo rque afastao autordoconvíviodosseus,daquelesa
quemmaisamaequequersempretêlosaoseulado.Masaescrituraéegoísta,ela
tornaoautorrefémdasuarevelação.Paraserevelar,precisadasolioedosom
dotecladofazendoaparecernatelaoresultadodemesesdeleitura,de pesquisa,
deconversasgravadasedefontesoutrasencontradas,aquieali,resultadodolento
trabalhodevasculhararquivosebaús.
Mas a solidão é produtora. E o resultado dis so é a escritura que lhes
apresento:minhaDissertaçãodeMestrado.Meusonhorealizado!
Seiquepoderiaterfeitomais,porémapresentolhesomeupossível.Oque
estava ao alcance do tempo exíguo dado pelo M estrado. O restante virá na
produção futura do Doutorado, continuação de alguns fios de Ariadne soltos pelo
textoqueelaborei.
Embora seja umtrabalhosimples, reconheço que com ele estoudeixando
uma contribuição significativa para a história da educação  do  Estado do Piauí, e
especificamentep araadacidadedePicos.
ADeus,porterabertotodasasportasnecessáriaspa raqueatravésdelas
eupassasse.Porteracreditadonomeu sonhoeportêlotornadorealidade,queme
capacitouemedeufo rçaspa raconc luirmaisumaetapad aminhavida.
ÀProfª.Drª.MariadoAmparoBorgesFerro,minhaorientadora,porterme
aceitadocomosuaorientanda,quandomevisemumorientadornoPrograma.Pelo
tratamento de mãe e de amiga que ela me destinou. Pelo consolo a mim dado
quandodaperdadomeumaiorreferencialnaterra,meupai,quefoirecolhidopor
Deusaindaquandoeucursavaasdisciplinasdocurso.Pelasorientaçõesdadasea
suavidadecomq uemeconduziunoresultadodessetrabalho.
Aos professores do Mestrado em Educação, pelos conhecimentos
repassadosaolongodocurso,mas,principalmente,pelocarinhocomquetratamos
mestrandose ozelodestinadoaoProgramadePósGraduaçãoemEducação, da
UniversidadeFederaldoPiauí.
8
Aos funcionários do Mestrado em Educação, pela dedicação e bom
tratamentodadoaosmes trandosquandoaelesnosdirigíamos.
À Profª. Drª. Olivette Rufino Borges Prado Aguiar e à Profª. Drª. Antonia
Edn aBritoquepartic iparamdaBancadeQualificaçãopelassugestõesdadasparaa
melhoriadasconclusõesdaminhapesquis a.
Aos mestrandos, meus amigos, da 13ª turma do Mestrado em Educação,
pelaformacarinhosaesoliriacomquemetrataramduranteasnossasaulas.
À minha mãe, Aldenora Feitosa da Rocha Pinheiro, pelas orações
constantes em prol da minha vida e dos meus estudos. Pela preocupação com
minhasaúde,quandomeviufragilizardiantedocansaçoqueapesquisaocasionou.
Ao meu irmão Welbert Feitosa Pinheiro, minha âncora, meu incentivador
primeiro,quequandopercebeuqueeu estavadesistindo, seguroumepela mãoe
mepôsnovamenteempé.Agradeçopelasorientaçõeserevisãodomeutextofinal,
por ter me acompanhado nas entrevistas  e loc alização das fontes necessárias à
realizaçãodapesquisa.
Ao meu irmão Wellington  F eitosa Pinheiro, meu anjo protetor, amigo e
companheiroemtodososmomentosdaminhavida.Exemploderesignaçãoezelo.
Quecuidademimcomosecuidadeumfilho.
Àminhacunhada,LavinhaNancyBorgesdeSousaPinheiro,pelasoraç ões
intercessóriasepelocarinhocomquesempreaceitavaasausênciasdomeuirmão,
Welbert,quandocomigoficavadiscutindotextospelamadrugada.
Aos meussobrinhos,TiagoePedroAugusto,pelaalegriada infânciacom
que invadiam meu quarto e faziam dele u m jardim de alegria, solicitando minha
atençãoeoxigenando,comisso,minhaalma,dandomemaisvigorparapross eguir.
Aosdepoentesque,atravésdasuamemória,foramosresponsáveisdiretos
pelaconsolidaçãodaminhapesquisaeporteremcedidopartedoseutempopara
tão carinhosamenteme receberem em suascasas.Pessoasque faço questão de
nomear:
· LuziaMouraBarros
· OlíviadaSilvaRufinoBorges
· CéliaNeivadeSousaLima
· MariaDarcydeDeus
9
· RaimundaFontesdeMoura
· MariaNancyPereiraAlencarFerreira
· IsabelBatistadeBarros
· OneideSantosMartinsdeSá
· MariaFátima
· MariaHosanade Araújo
· MariaHelenaAraújoLuz
Àdireção daEscolaNormalOficialdePicos,pelarecepçãoamimda dae
pelaconfiançaempermitirqueeuvasc ulhasseosarquivosdaescolaembuscade
documentos.
Àprofessorada EscolaNormalOficialdePicos,senhoraMaria IvaneideLeal
Silva, pelo carinho com que me conduziu nos meus primeiros passos dentro da
escola,favorecendoomeuacessoaosarquivos .
ÀexnormalistaMariadeLourdesCarvalho,pelocarinhocomqueabrius eus
baúsparamefornecerdocumentospessoais.
À exnormalista Maria Zuleide Gomes  Lopes pela generosidade em me
cederfotografiasecadernosdeépoca.
ÀfamíliaPortela,napessoadoseupatriarcaPastor AntônioJoãoPortela,
pela acolhida de filha  que me deu ao chegar a Teresina e por ter sido a minha
referêncianessacidade.
Àamiga,professoraDrªJosâniaLimaP ortela(UFPI/CCE/DMTE)eesposo
Josiel Carvalhedo Lima, companheiros de  muitos anos e amigos fiéis, c om quem
semprepudecontar.
Atodosaquelesquediretaouindiretamentecontribuíramparaarealização
daminhaDissertação,omeumuitíssimoobrigada.
10
RESUMO
PINHEIRO, Cristiane Feitosa. História e memória da Escola Normal Oficial de
Picos (19671987). 205 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade
FederaldoPiauí,Teresina,2007.
Apresentepesquisaanalisou,apartirdocotidiano,aculturaescolareaconstituição
dosujeitoprofessor,noespaçodaEscolaNormalOficialde P icos,duranteosanos
de 1967 a 1987, buscando compreender o tipo de professor que, a partir dessa
cultura,aescolapretendiaformarparaentregaràsociedade.Paratanto,adotouse
osaportesteóricosdaNovaHistóriaCultural, respaldandosenosconceitosteóricos
de Jacques Le Goff, Peter Burke, Roger Chartier, Michel de Certeau, Paul
Thompson, Michel Pollak e Maurice Halbwachs, além dos conceitos de Miche l
Foucaultemtornoda soc iedade disciplinar e dossistemasdevigilânciae castigo.
Ancorouse também nas pesquisas em educação de Agustín Escolano, Maria
CecíliaCortezChristianodeSouza,AntônioVinãoF ragoeIrlenAntonioGonçalves
e Luciano Mendes de Faria Filho, também estudiosos do campo da história da
educação.AprofundouseaanálisenosmotivosquelevaramàfundaçãodaEscola
Normal Oficial de Picos, a importância do segundo espaço em que a escola
funcionou,aorganizaçãopanópticadomesmoeaconfiguraçãodeumainstituição
tipicamente feminina. Compreendeuse a sistemática de funcionamento da Escola
Normal Oficial de Picos, destacandose a relação entre alunos e professores, as
práticasdosprofessores,asrepresentaçõesemtornodaescola,asfestasemquea
escolaparticipavaeativ idadesqu eenvolviamasnormalistas.Explicouseosistema
de normas vigentes na Escola Normal Oficial de Picos e a que elas visavam.
Destacouse a imporncia dessa escola para a cidade de PicosPi e sua
macrorregião, enquanto agência formadora de professores primários. Para tanto,
adotousecomométododepesquisaahistóriaoral.Oconhecimentodocotidianoda
ENOP revelou a cultura escolar própria dessa escola, geradora de um tipo
específico de professor: dó cil e útil, capaz de se ajustar ao modelo de Estado
existenteeàsociedadelocalequesoubessecumprirasnormasdaescolaaquese
vinculassem
Palavraschave: Educação, Escola Normal Oficial de Picos, memória, normalistas,
cotidiano,culturaescolar,constituiçãodosujeito.
11
RÉSUMÉ
PINHEIRO,CristianeFeitosa.Histoire et mémoire de l'École Normale Officielle
de Picos (19671987). 205 f. Dissertation (Diplôme d'études approfondies dans
Éduc ation).Universidade Fédéral doPiauí,Teresina,de2007.
La recherche présente a analysé, à partir du quotidien, la culture scolaire et la
constitutiondusujetenseignant,dansl'es pacedel'ÉcoleNormaleOfficielledePicos,
pendantlesannéesde1967à1987,encherchantcomprendreletyped'enseignant
que, à partir de cette culture, l'école prétendait se former pour livrer à la société.
Pou rtant,onaadoptéles accostes théoriquesdelaNouvelleHistoireCulturelle,en
s'appuyantdansles conceptsthéoriquesdeJacquesLeGoff,PeterBurke,Roger
Chartier,Miche ldeCerteau,PaulThompson,MichelPollaketMauriceHalbwachs,et
aussidans les conceptsdeMichelFoucaultautourdelasociétédisciplineret des
systèmes de surveillance et de punition. Comme se traite d'une recherche dans
Histoire de l'Éducation, il s'est ancré aussi dans les recherches en éducation
d'AgustínEscolano,MariaCecíliaCortezChristianodeSouza,AntónioVinãoFrago
et Irlen António Gonçalves et Luciano Mendes de Faria Filho. Cet analyse s'est
approfondie surles raisonsquiontprisàlafon dationdel'ÉcoleNormaleOfficielle
de Picos, l'importance dusecondespace où l'école a fonctionné, l'organisation
in
panoticon
du même et la configuration d'une institution typiquement féminine. La 
systématique a été comprise de fonctionnement de l'École Normale Officielle de
Picos,ensedé tachantlare lationentredesélèvesetlesenseignants,lespratiques
des enseignants, les représentations autour de l'école, les fêtes dans  lesquelles
l'école participait et les activités qui impliquaient les normalistas. S'est expliqué le
systèmedenormesefficacesdansl'ÉcoleNormaleOfficielledePicos etàqu'elles
visaient.S'esttachéel'importancede cetteécolepourlavilledePicosPietsa
macroregion, comme agence formatrice d'enseignants primaires. Pour cela , la
méthodede  recherce quiaétéad opté fut l'histoireverbale.Laconnais sancedu
quotidien de ENOP a révélé la culture scolaire propre de  cette école, génératrice
d'un type spécifique d'enseignant : docile et utile, capable de s'ajus ter au modèle
d'Étatexistantetlasociétélocaleetlaquelleilsavaitaccomplirlesnormesdel'école
àl'laq uelleilss'at tachaient.
Motsclés : Éducation, École Normale Officielle de Picos, mémoire, normalistes,
quotidien,culturescolaire,constitutiondusujet.
12
LISTADEILUSTRAÇÕES
Figura1.VazantesdoRioGuaribas................................................................32
Figura2.CatedraldeNossaSenhoradosRemédios......................................34
Figura3.PraçaFélixPacheco.........................................................................35
Figura4.ConviteparasolenidadedeinstalaçãodaENOP (1967).................63
Figura5.SolenidadedeinauguraçãodoprédiodaENOP(1969).................64
Figura6.Atad esolenidadedeinstalaçãodaENOP(1967)..........................66
Figura7.Atad esolenidadedeinstalaçãodaENOP cont.(1967)................67
Figura8.PrimeiroespaçodaENOP(1967)....................................................77
Figura9.Gov.HelvídioNunesdeBarrosdiscursandonainauguraçãodopré
diodaENOP.Fachadadafrente(1969).........................................79
Figura10.AlunasperfiladasemfrenteàENOP,nainauguraçãodoprédio.
Fachadadafrente(1969)...............................................................79
Figura11.Pad reda ndoasbênçãosnainauguraç ãodoprédioda ENOP.....80
Figura12.NormalistascomaprofessoraAutaMariaNunes,notérreoda
ENOP(1973)..................................................................................81
Figura13.Normalistanaantigarampadeacessoàescola(s/d)....................84
Figura14.Normalistas,professoraediretora,naescadadaENOP(1973).....85
Figura15.NormalistasnopátiotérreodaE NOP,n orecreio(1973)...............102
Figura16.Normalistasemmomentode descontraçãonopátiotérreoda
ENOP(1973)..................................................................................103
Figura17.Grupo“OsLeões”,formadoporexalunosdaENOP(s/d).............104
Figura18.Diplomadeconclusãodocursonormalanverso(1973).............107
Figura19.Diplomadeconclusãodocursonormal–verso(1973)..... ............108
Figura20.NormalistaseexbibliotecáriodaENOP(1973)............................115
Figura21.Normalistasemd esfiledeSetedeSetembro(s/d).......................117
Figura22.NormalistasemdesfiledeSetedeSetembro(s/d).......................118
Figura23.NormalistasemdesfiledeSetedeSetembro(s/d).......................120
13
Figura24.NormalistasemdesfiledeSetedeSetembro(s/d)......................121
Figura25.FichaindividualdeestágiodaENOPanverso(1981).................125
Figura26.FichaindividualdeestágiodaENOPverso(1981).....................126
Figura27.ÁlbumdeMetodologiadoCálculo(1968)................... ..................130
Figura28.ÁlbumdeMetodologiadoCálculo(1968)................... .................130
Figura29.ÁlbumdeMetodologiadoCálculo(1968)................... ..................131
Figura30.ÁlbumdeMetodologiadoCálculo(1968)................... ....................132
Figura31.ÁlbumdeMetodologiadaLinguagem(1968)...............................133
Figura32.ÁlbumdeMetodologiadaLinguagem(1968)...............................133
Figura33.ÁlbumdeMetodologiadaLinguagem(1968)...............................134
Figura34.ÁlbumdeMetodologiadaLinguagem(1968)...............................134
Figura35.Planodeaulausadoemesgioanverso(1969)........................138
Figura36.Planodeaulausadoemesgioverso(1969)............................139
Figura37.ConvitedeformaturadaprimeiraturmadaENOPparte1............141
Figura38.ConvitedeformaturadaprimeiraturmadaENOPparte2...........142
Figura39.ConvitedeformaturadaprimeiraturmadaENOPparte3...........142
Figura40.ConvitedeformaturadaprimeiraturmadaENOPparte4...........143
Figura41.Formandada1ªturmadaENOP,naColaçãodeGrau(1969)......145
Figura42.Normalistasnaauladasaudade–1ªturma(1969).......................146
Figura43.Alunanamissaemaçãodegraças.Formatura(1969)..................147
Figura44.Entregadoaneldeformatura(1969).............................................148
Figura45.Missaemaçãodegraças.Formatura(1969)... .............................148
Figura46.Recebimentodec anudosimbólico.Formatura(1969)..................149
Figura47.Baile deformatura(1969)..............................................................150
Figura48.Baile deformatura(1969)..............................................................150
Figura49.Formandasedocentes,n obailedeformatura..............................151
Figura50.NotíciasobreformaturanaENOP(1972).....................................152
Figura51.Normalistanacolaçãodegrau(1975)..........................................153
Figura52.Normalistanacolaçãodegrau,sentadanacadeiratradicional
demestre(1975)..........................................................................154
Figura53.Cadernoderecordação–pág.deabertura(1969)........... ...........155
Figura54.Cadernoderecordação–pág.deabertura–cont.(1969)..........156
Figura55.Cadernoderecordação–mensagemdenormalista(1969).........157
Figura56.Cadernoderecordação–mensagemdenormalista(1969).........158
14
Figura57.LuziaMouraBarros–primeiradiretoradaENOP(s/d).................160
Figura58.NormalistaseaprofessoraM ariaHelena,naescadad aENOP
(1975)..............................................................................................172
Figura59.Normalistasemtrajedegala,naescadadaENOP(1969).............174
Figura60.NormalistasnaescadadoMorrodaMariana(1969).....................176
Figura61.Normalistasemmomentodedescontração...................................177
15
LISTADEQUADROS
QUADRO1.PrimeirosfuncionáriosdaadministraçãodaENOP................70
QUADRO2.FuncionáriosdaadministraçãodaENOP...............................70
QUADRO3.PrimeirosprofessoresdaENOP............ .................................71
QUADRO4.ProfessoresparticipantesdocursodeMetodologias.............71
QUADRO5.MatrículageraldosalunosdaENOP(19671987).................92
16
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................... ..................................................................................
1.DIALOGANDOCOMATEORIA:DABASETEÓRICAÀSMOTIVAÇÕES
HISTÓRICAS........................... ...............................................................................
1.1. Objetivo,objetoejustificativa........................................................................
1.2. Enfocando ateoria:aNovaHistóriaCultural.............. ..................................
1.3. Embuscadedocumentos:vasculhandoarquivoselocalizandoométodo..
1.4. Estudando aconstituiçãodosujeito:entreopodereosaber........... ...........
1.5. Conceituandoaculturaescolar.....................................................................
2. ESCOLANORMALOFICIALDEPICOS:DA INSTALAÇÃOÀCONSOLIDAÇÃO.
2.1. OnascimentodaEscolaNormalOficialdePicos..........................................
2.2. Primeirosdocentesefuncionários:critériosdeescolha................................
2.3. Transitandoentreespaços diferentes.................................. ..........................
2.4. Doingress onaEscolaNormalOficialdePicos.............................................
2.5. Escolaparamulheres,saídadoshomens.................. ...................................
2.6. OagigantamentodaEscolaNormalOficialdePicos:au mentodade manda
3. UMMERGULHONOCOTIDIANODAESCOLANORMALOFICIALDEPICOS....
3.1. Osturnosdefuncionamento:ocontroledotempo.........................................
3.2. Osprofessoresesuaspráticas......................................................................
3.3. Orecreioealiberdadevigiada.......................................................................
3.4. Asrepres entaçõesemtornodaEscolaNormalOficialdePicos...................
3.5. Amediaçãodosconteúdos:entrelivros,apostilhasecadernos..................
3.6. Asat ividadesemgrupo:aaprendizagemforadasaladeaula....................
17
27
28
38
40
47
54
57
62
69
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91
94
96
98
102
105
111
113
17
3.7. Osporesseabremeasnormalistasdesfilam:oSetedeSetembro.........
3.8. Denormalistaaprofessoranda:oEstágioSupervisionado..........................
3.9. Assolenidadesdeformatura:denormalistaaprofess ora...........................
3.10. DonaLuziaMouraBarros:vinteanosde gestão.........................................
4. ACULTURAESCOLARNOESPAÇODAESCOLANORMALOFICIALDE
PICOS...............................................................................................................
4.1. Asnormasoficiaiseseus propósitos...........................................................
4.2. Dasobriedadedouniforme:ocontroledoscorpos.....................................
4.3. Entreprovasecolas:danormaàtransgressão..........................................
4.4. EmtemposdeDitaduraMilitar,desfilareraanorma,cercarosmuroseraa
regra............................................................................................................
4.5. Aprenderaserprofessora:aconstituiçãodosujeito..................................
4.6. Modelandofigurashumanas:formandooprofessor...................................
CONSIDERAÇÕESFINAIS..................................................................................
REFERÊNCIAS.......................................................... ...........................................
117
122
140
159
164
166
171
178
180
182
189
195
199
18
INTRODUÇÃO
Donoveloemaranhadodamemória,daescuridãodos
nóscegos,puxoumfioquemeaparecesolto.
Devagaroliberto,demedoquesedesfaçaentreos
dedos.
Éumf iolongo,verdeeazul,comcheirodelimos,
etemamaciezaquentedolodovivo.
Éumrio.
Corremenasmãos,agoramolhadas.
Todaaáguamepassaentreaspalmasabertas,ede
repentenãoseiseaságuasnascemdemim,oupara
mimfluem.
Continuoapuxar,nãojámemóriaapenas,maso
própriocorpodorio.
(...)
JoséSaramago
Darseá início a essa narrativa, através da voz do poeta português Jos é
Saramago,nosversosextraídosdapoesiaProtopoema.Poemaque,logonotítulo,
conduzoleitora umolhardebusca,deidentificaçãodosignificado,delocalização
doprincipaldascoisas.
O eulírico do poema fala de memória e de tudo que é capaz dela ser
extraído. Na memória informações, há vida. Metaforicamente, o eu do texto
apresenta a memória como um novelo, formado por “nós cegos”, através do qual
puxa“umfio”longoesoltoquecheiraalimosequetemamaciezdolodo.Ofio“é
umrio”.Erio écorrentedeáguaquefluicontinuamente.
19
Memória–riovida. Através dela, é possível buscar informações sobre uma
época, sobre um povo. É possível revelar o
modus vivendi
daqueles que, por
exemplo,viveramacontecimentosparticulares,masquerevelamocoletivo.
Aqu i entra o trabalho do historiador. Do historiador ora l que tem como
matériaprimaamemóriadaquelesqueviveram,quetestemunharamfatosemuma
dada época. Busca, nesse rio, conhecer as suas águas, e elas passam pelas
“palmas abertas”das suas mãos, dandolhe informaçõessuficientes para registrar
aquiloquepartiuàcat a.
Oseutrabalhoélento,complexoerequerpaciência,poisnesserio,norio
da memória, há dados que precisamser lidos e relidos, postosemconfrontocom
outros dadospa ra,assim,podersedeleextrairaverdade.Fazendoassim,estaráo
historiador puxando continuamente novos fios, fios que se cruzarão e revelarão
novosdadossobreoobjetohistóricoquetêmemmãos.
É, pois, com os versos de  José Saramago que se dá iníc io à escrita da
história de uma instituição escolar formadora de professoras para o magistério
primário:aEscolaNormalOficialdePicos¹.
Fundadaem1967,nacidadedePicosPi,essaescolacon tribuiuparatirar
não apenas Picos, mas as cidades que a circunvizinham, do atraso educacional,
umavezquepreparouparao mercadodetrabalhoaseducadorasqueiriamatuar
nasescolas,emumaép ocaemque,paraointeriordoEstadodoPiauí,disporde
profess orasformadasemumaescolanormal,eraumararidade.
AEscolaNormalOficialdePicosche gounessacidadeemumacadaem
queatéaluzelétricaeracoisarara,umavezqueofornecimentodeenergiasedava
apenasatéàs22h,depoisdessahora,asfamíliasrecorriamaousodelamparinas,
velaselampiõesparailuminaras residênc ias.
Cidade de estrutura patriarcal e de cunho católico, as famílias picoenses
possuidoras de poder aquisitivo enviavam suas filhas para estudarem o curso
normal e adquirirem o diploma de professora normalista, em Teresina, capital do
PiauíouemoutrosEstados;asdemaismoçasficavamapen ascomocursoginasial,
dificultandooacessoaosab erpa raessas .
____________
¹AEscolaNormalOficialdePicospode rásertratadaaolongoda DissertaçãocomoENOP.
Abreviaturaquetambémaidentificaemfonte sescritasencontradasemseusarquivos.
20
A chegada da Escola Normal Oficial de Picos e a possibilidade de
continuaçãodos estudos eaaberturadehorizontesdecun hoprofissional paraas
mulheresdacidadeedamacrorregiãopicoensefavoreceuamelhorianaeducação
local, ampliando o acesso de muitos ao ensino normal e, conseqüentemente, ao
ensinoprimário,atravésdaposteriorampliaçãodaredepúblicaescolar.
Masoquemotivaaescrituradahistóriadeumainstituição escolar?Nocaso
em tela, algumas motivações  de cunho objetivo e subjetivo impulsionaram essa
escritura.P rimeiro,pelopapelsocialerepresentacionalqueaEs colaNormalOficial
de Picos teve durante os seus vinte primeiros anos de funcionamento, que se
estenderamde1967a1987,formandoasprofessorasnormalistasqueiriamsomar
esforços,juntamentecomasprofessorasnormalistasformadas emoutrascidades,
paramelhoraremoensinoemPicosecidadesfronteiriças.
Seg undo pela importância que a sua primeira diretora, dona Luzia Moura
Barros, adonaZizi,teveàfrente dessainstituição,conferindoàmesma,umperfil
específico,duranteosvinteanosemqueadirigiu(19671987).Terceiro,portersido
apesquisadora,autoradapresenteprodução,alunadessaescola,duranteosanos
de1987a1989e,posteriormente,tambémprofessoradainstituição, nosanosde
1995a1997.Asmotivaçõesdeordemobjetivaesubjetivasomadasfavoreceramo
seuinteresseemhistoriar, paraqueocaísse noesquecimento,acontecimentos
quemarcaramatrajet óriadessaescola.
Além diss o, tratase de uma contribuição a ser dada à História da
Educãolocalquedispõedeparcostextosrelatandoeanalisandoacontecimentos
passadosdaeducação
inloco
,alémdec ontribuirparaoentendimentodaeducação
noEstadodoPiauíed asociedadepicoensequerecepcionouessaescola.
Nenhum historiador se propôs a registrar e analisar a história da Escola
NormalOficialdePicos.Diantedessevaziodeprodução,asmotivaçõessetornaram
mais fortes, uma vez que se nãose esc revesse essa história, os depositários da
memória dessa instituição escolar poderiam deixar de existir e com eles se
perderiamasinformaçõesnecessáriasparaessaescritura.
Falase aqui de memória, pois foi através dela que s e de resgatar o
passado dessa escola, adotandose o método da história oral para tal empresa.
Ado touse como referencial teórico, os conceitos extraíd os da Nova História
Cultural, que oportuniza ao pesquisador investigar temas que antes não eram
21
considerados como acontecimentos históricos importantes, logo, deveriam ficar
afastadosdoregistrohistórico.SegundoLopeseGalvão(2001,p.39):
A‘revolução’provocadanocampodaHistóriasobretudopelaEscola
dosAnnales e,posteriormente,peloqueseconvencionoudenominar
de Nova História, que buscou alargar os objetos, as fontes e as
abordagens utilizados tradicionalmente na pesquisa historiográfica,
aospoucosinfluenciouoshistoriadoresdaeducação.
Oalargamentodosobjetosdepesquisa,fontesparasubsidiarec onduziro
olhardohistoriadoreapossibilidadedadiversidadedeabordagenstrazidoscoma
NovaHistória,favoreceuaconduçãoeexecuç ãodapresentepesquisa.
TomousecomoobjetodeestudoahistóriaeamemóriadaEscolaNormal
Oficial de Picos , instituição escolar encravada no interior do Estado do P iauí,
assunto pouco nobre para a história tradicional, mas de importância para a linha
teóricaquerespaldaapresentepesquisa,comotambémparaaquelesquefizeram
partedessainstituiçãoeparaacidadequearecepcionou.
Ado tousecomofontescapazesderevelarosacontecimentosdessaescola,
não apenas as fontes escritas encontradas nos seus arquivos e elaboradas
conforme as intenções de uma época, mas também as fontes orais, o relato
daqueles que estudaram e trabalharam na escola e qu e tinham algo para revelar
sobreela:exalunos, exprofessorese exdiretoraque transitaram pelaescolanos
seusvinteprimeirosanosdefuncionamento.
Comisso,aabordagemdapesquisatomoucursopróprio.Privilegiouseo
estudodocotidian odaEscolaNormalOficialdePicospara,atravésdele,identificar
se aculturaescolarprópriadelae o tipo de sujeito que elaformou. Diantedisso,
buscousetambém contextua lizar o ob jeto da pes quisa,centrandoo noBrasil dos
anos de chumbo, da Ditadura Militar (19641985) e na Picos do mesmo período.
Umavezque,conformeLopes eGalvão(2001,p.46):
[...]. É preciso que o período escolhido seja significativo para a
conf iguraçãoeaexplicaçãodaquiloqueestáestudando,oquenem
sempre virá do campo da educação. E m muitos casos, o período
escolhidoauxiliaadefiniropróprioob jeto.[...].
E o perío do escolhido trás, por si só, explicações suficientes pa ra se
entenderotipodepa ísquesequeriaconstruir.Conseqüentemente,otipodesujeito
22
que se queria moldar. E a Escola Normal Oficial de Picos, enquanto instituição
disciplinar,conformepensamentodeMichelFoucault,assimiloumuitodocontexto
históricoemqueestavainserida .
Buscouse entender os comos e os porquês que envolveram o
processodeformãonoespaço/tempoemestudodessainstituiçãoescolar,apartir
dosseguintesquestionamentos:
a) Como era vista a função da Escola Normal Oficial de Picos sob a ótica da
sociedadepicoense?
b)ComoeraocotidianonaEscolaNormalOficialdePicos?
c)Comoeraaculturaescolarevidenc iadanoespaçodaEscolaNormal?
d) Quais as diretrizes norteadoras de funcionamento da Escola Normal Oficial de
Picos?
e) Que hábitos e saberes os professores formados por essa instituição deveriam
dominaretransmitir?
f) Como se estabeleciam as relões profess oraluno, alunoaluno, no espaço da
EscolaNormalOficialdePicos?
g)Comoeramrepassadososconteúdosequaisossistemasdepuniçãoaplicados
naescola?
h)Qualopapeldesuaprimeiradiretoranaconduçãodaformaçãodasprofessoras
normalistas?
De posse das respostas para essas indagações, passouse a historiar a
trajetóriadaEscolaNormalOficialdePicos.Ratificandoanecessidadedeadentrar
nocotidianodasinstituiçõesescolares,paraentendersuadinâmica,Lo peseGalvão
(2001,p.52)defendemque:
[...]Os historiadorestêm consideradoque éprecisotambémtentar
penetrarnodiaadiadaescoladeoutro stempososmétodosd e
ensino, os materiais didáticos utilizados, as relações professor
(a)/aluno(a),osconteúdosensinados,ossistemasd eavaliaçãoede
punições...[...].
Ao adentrar a escola através da memória dos  informantes, aqui
considerados como agentes históricos, foi possível nela identificar uma cultura
própria, que se relacionava diretamente com o estilo de vida do homem local.
23
Cultura esc olarcapazde  dizero indivíduo queporelacirculava eque formouum
tipodesujeitoespecífico:dócileútil.SegundoVidal(2005,p.5):
Procurandoperceber adinâmicainternadofuncionamentoescolar,a
investigaçãohistóricaemeducaçãonoBrasil,[...],veminterrogando
seacercadapropriedadeemconceberaescolacomoprodutorade
umaculturaprópriaeoriginal,constituídaporeconstituinte,também,
daculturasocial.[...].
E foi a dinâmica interna da Escola Normal Oficial de Picos que guiou a
pesquisadoranaleituradasfontes,queestabeleceuoquedeveriaserescrito,oque
precisava ser analisado e o que urgia ser questionado. Orientoua, inclusive, na
escolhadosentrevistados.ParaVidal(2005,p.15):
Conduzir um estudo que tome a cultura escolar como objeto de
investigação e se sensibilize pela análise das práticas escolares,
enquanto práticas culturais, impõe um duplo investimento. Por um
lado,ocuparsedomapeamentodoslugaresdepoderconstituídos,
inventariandoestratégias.Por outro,conferir atenção àsaçõesdos
indivíduos,nas relações queestabelecem comos objetos culturais
que circulam no interior das escolas, esmiuçando astúcias e
atentandoàformalidadedaspráticas.
Enq uantoinstituiçãodisciplinar,aEscolaNormalOficialdePicosorganizou
umarede dedisciplinaqueconsistianavigilânc iaconstantedasnormalistas,como
fitodepromoveromáximoaproveitamentodotempo,enquadrandoasemespaços
específicoseexaminandoseushábitoseatitudes,pa radelasextrairumsaber.
Com a finalidade de formar a professora primária, a escola promoveu o
cumprimentodiáriode normasquevisavamconstituílasemprofessorassegundoo
modelo existente na própria escola: mulheres comportadas, preparadas para
ensinaremascriançaseaseusprópriosfilhos.
Parasechegar aessesdados,apenas ovasculharos arquivosda escola
seriainsuficiente,umavezquenelesapenasexistemlivrosdematrícula,deponto
de pessoal, de notas de alunos e de atas, além dos diários de classe. Logo,
documentos insuficientes para rev elarem o cotidiano da Esc ola Normal Oficial de
Picos.Porisso,aadoçãodahistóriaoral.ConformeRagazzini(1999,p.26 ):
[...], a história das instituições não pode se limitar a os aspectos
estritamentenormativos:ainstituiçãoégovernada[...];édefinidapor
espaçosorganizados,te mposadministradosemodalidadesinternas
24
de funcionamento; possui figuras profissionais e usu ários próprios;
possuirelaçõesexternascomoutrasinstituições, comoscontextos
ambientaiseadinâmicasocial.[...].
Daí a necessidade da ampliação das fontes nessa escritura. O interior de
umaescolaémuitomaiscomplexodoqueoqueconstanosseuslivrosemarquivo
morto. Para conhecer uma instituição escolar, a sua dinâmica interna, é preciso
recorreràquelesqueviveramoseudiaadia.Àquelesquefizerampartedojogode
poderalievidenc iado.
ParasechegaràelaboraçãodaDissertação,necessáriofoiseguiralgumas
etapas napesquisa.Primeiro, buscouse apropriarse dosconceitosdo  referencial
teóricometodógico aserusadonapesquisa,queserviria defarolna conduçãodo
olharparaoobjetodepesquisaemtela.E mseguida,passouseà revisãodoestado
daarte.
Foramfeitasleiturasdiversasdeproduçõesnacionaisemtornodasescolas
normaiseissoreforçouointeresseem desenvolvermaisaindaapes quisa,umavez
que, embora todas se encaixem no estud o da história das instituições  escolares,
nenhumacolidiacoma outra,nemcomaquesedesenvolveu nesseestudo,pois
cadaumaestu douaescolanormalapartirdecritériospróprios.
Posteriormente  passouse ao contato com o universo específico da
pesquisa. Foram feitas visitas à Escola Normal Oficial de Picos, com o fito de
levantaradocumentaçãoexistenteemseus arquivosquecontemplassemoperíodo
deenfoque.
Dessasvisitas,foramencon trados documentoscomoaAtadefundaçãoda
EscolaNormalOficialdePicos,LivrosdeReg istrodeMatrícula,LivrosdeRegistro
de Notas, Livros de Ponto de Pessoal e Diários de Classe, além de um
documentárioemDvd,algumasfotosdoacervodaescolaeohinooficialdaENOP.
Comos livrosdematrículafoipossívelfazerolevantamentodaquantidade
dealunasmatriculadasnaEsc olaNormalOficialdePicosaolongodos vinteanos
que contempla a pesquisa, identificar peculiaridades próprias a essa instituição
comoaorige mdeseusegressos,queabraçaaquasetotalidadedamacrorregiãode
Picos, e o fato de na primeira turma ter hav ido a presença de homens como
normalistas.
25
Após a coleta de documentos escritos, deuse início à realização das
entrev istasc omexalunas,exprofessoreseexdiretora.Paraocumprimentodessa
etapa, foi necessário identificar o endereço das pessoas escolhidas, que não foi
difícil,uma vez que a escoladisponibilizouendereços e telefones desses agentes
históricos,atravésdeseusfuncionários.
Para a realização das entrevistas, os entrevistados foram contactados
inicialmente, momento em que houve a apresen tação da pesquisadora, do seu
objeto de pesquisa e a definição do dia e hora em qu e as entrevistas iriam
acontecer. No dia e hora marcados, aconteceram as entrevistas que foram
realizad asnacasadasentrevistadas.Comosetratadeumapesquisahistóricaque
abraça os anos de 1967 a 1987, optouse por entrevista r exnormalistas das três
décadas.
Foramentrevistadas 08 exnormalistas, 02 exprofessoras e 01exdiretora
que forneceram, através da memória, informações suficientes para a produçãoda
análiseedasconclusõesdapesquisa.
Seg undo Thompson (2002, p.271), “uma entrevista é uma relão social
entrepessoas,comsuasconvençõesprópriascujaviolãopodedestruíla”.Dessa
forma,aentrevistarequer,nalinhateóricadeThompson(2002),ambientepropício,
confiança, respeito mútuo, cooperação e interação entre pesquisador e o agente
histórico. Não dispensa, também, um roteiro que lhe dê maior segurança na
conduçãodaentrevista.
Comisso,adotouse,napresentepesquisa,aentrevistasemiestruturada.
Foramelaboradas previamentealgumasperguntasqueserviramcomonorteparaa
entrev ista.Asperguntasforamorganizadasemsubtemasquegiraramemtornoda
instalaçãodaescolaeacessoaela,aculturaescolareasrelaçõesnoespaço,as
atividades pe dagógicas  freqüentes, a representação das normalistas na cidade, a
sociedadeeaescola,opapeldadireçãoeocotidiano.Paracadaentrev istadoex
aluna,exprofessora,exdiretora–foielaboradoumroteiroespecífico.
Embora se tenha adotado a entrevista semiestruturada, a condução da
conversa foi feita de forma a deixar as informantes à vontade, para que as
entrev istadas pudessem falar o que sabiam, pudessem, através da memória,
resgatar fatos significantes da história da  escola em estudo. Com isso, perguntas
outras foramfeitas quenãoestavamnoroteiro,eahistóriadesuasvidaspôdes er
26
revelada, para que se pudesse ter acesso à história da Escola Normal Oficial de
Picos.
Após  as entrevistas, passouse à etapa da transcrição das mesmas.
Posteriormente seguidapelaanáliseeinterpretaçãodasnarrativaseocruzamento
dasfontesoraiscomasfontesescritas,numtrabalhodecríticaeproblematização
constantes. De posse dos dados, passouse à produção do relatório f inal da
pesquisa.
Aointerpretarasentrevistas,ohistoriadororal,conformeThompson(2002,
p.309),“podeprocurarcompreenderumaentrevistadomodosensívelehumanista
do crítico literário tradicional que interpreta os significados pretendidos pelo autor,
muitas vezes num texto confuso e contraditório, a partir de todas as pistas que
possamparecerúteis”.
Historiador ecríticoliteráriosãointérpretesdenarrativas,detextosque
se põem diante de si para serem lidos, para serem ditos. E  isso requer, nocaso
específico do crítico literário, o apenas de conhecimen tos teóricos oriundo s da
TeoriaLiterária,mastambémdasuasensibilidadedeleitorquesedeparacomum
texto artisticamente elaborado que quer ser revelado, que quer ser interpretado,
mesmosendoumtextohermético,dedifícilpenetração.
Da mesma forma, Thompson (2002) apresenta a possibilidade de o
historiador ora l se colocar diante das narrativas que possui pa ra análise e
interpretação.Emboradevaes tarmunido deconhecimentosteóricos ,elenecessita
de sensibilidade para dizer o texto, para apresentar o seu sentido e a sua 
significação, apartirdocontextodequeemana.ParaThompson(2002,p.304),“o
material deve ser interpretado com plena consciência do contexto em que foi
coletado,dasformasdeviésaqueestásujeitoedosmétodosdeavalião então
necessários”.
Assim foifeitona interpretação das entrevistas coletadas.B uscouse olhá
lasdeformacrítica,respaldandose,naanálise,alémdabaseteóricaescolhidapara
nortearapesquisa,tambémpelasensibilidadedeleitorquesevêcomumanarrativa
nasmãosequequerserrevelada,umavezqu econtéminformaçõesoutras,além
dasoficiais,sobredeterminadosfatos.
Coma análise das entrevistas elaborada e o cruzamento das fontes feito,
passouse à escritura da Dissertação, que se encontra ap resentada em quatro
capítulos,antecedidosporumaintroduçãoeseguidosdasconsiderõesfinais.
27
No primeiro capítu lo, Dialogando com a teoria: da base trica às
motivõeshistóricas,foifeitaadiscussãoteóricaqu eembasouostrabalhosda
pesquisa.Apresentousedeformadetalhadaoobjeto,oob jetivo,ajustificativaeo
métododepesquisaadotados.
No segundo capítulo, Escola Normal Oficial de Picos: da instalão à
consolidão,foifeitooregistrodo processodefundaçãoedaformadeacessoà
Escola NormalOficialdePicos.Asmotivaçõespolíticasesociaisquerespaldarama
implantaç ão dessa escola na cidade de Picos. Além disso, tratouse da
representaçãodanormalistanasociedadepicoenseenasuamacrorregião.
Noterceirocapítu lo,UmmergulhonocotidianodaEscolaNormalOficial
dePicos,enfocou seocot idianodaEscolaNormalOficialdePicos.Destacaramse
as formas de relacionamento entre normalista e professores, as práticas
pedagógicasdosprofessoresformadoreseotipodesaberquesequeriatransmitir,
alémd eseenfatizara importânciadasfestasprópriasdaesc ola.
Noquartocapítulo,AculturaescolarnoespodaEscolaNormalOficial
dePicos,tratousedaculturaescolarevidenciadanaEscolaNormalOficialdePicos
edosmodosdeobediênciaeresistênciaaessacultura,alémdeenfocarosmodos
deconstituiçãodaprofessoraprimá riaesuaatuaçãonomercadodetrabalho.
28
1. DIALOGANDO COM A TEORIA: DA BASE TEÓRICA ÀS MOTIVAÇÕES
HISTÓRICAS
Todoscantamsuaterra
Tambémvoucantaraminha.
CasimirodeAbreu
Duranteoperíodohistóricodachamadaestéticaromântica,noséculoXIX,
que se efetivou tanto na E uropa quanto na recémformada nação brasileira,
constituiusemarcadosautoresqueaderiramaomovimento,cantarasuapátria,em
ummistodena cionalismo,buscadacorloc aleapresentaçãoaosoutrospovosdo
queexistiademelhoremseuterritório.
Através dessa prática comum, muitos nomes de poetas e prosadores
surgiramehojeasletrasnacionaispossuemumarsenaldetextosespecíficosdessa
épocaequedenunciamummodelodeidentidadedadaeconstruída.Foi,nocaso
brasileiro,atentativadesefirmarenquantonaçãoquemuitosdessestextosforam
aceitosecantados.Dentreeles,destacaseopoemaMinhaterra,deCasimirode
Abreu, poeta romântico brasileiro que, ao lado de Gonç alves Dias, Castro Alves,
JosédeAlencareoutros,cantounaliraascoresdoBrasiledeixouregistrados ,para
as gerações posteriores, as principais marcas das feições da recéminaugurada
nação:oBrasil.
Mas, embora tenham falado do Brasil e de suas marcas identitárias, os
autoresdoRomantismoprenderamse,emsuamaioria,àapresentaçãoufanistada
terra,desconsiderando,emquasetodososcasos,umaabordagemdosproblemas
existentes no país. Cantar a pátria significava, para esses poetas/prosado res,
apresentar o que de melhorelaposs uía, o seu lado positivo: a fauna, a florae o
homem.
É o que acontece, por exemplo, no poema “Minha terra”, de Casimiro de
Abreu,queparacáétrazidocomoprovocaçãoaotemadapresenteDissertãode
Mestrado.Nessepoema,emboraoautorapresenteaoseuleitorapátriamãe,essa
lheédadade formaidealizada,logo,subjetiva.
29
Eleacantacomorainha,como“terradeam ores”onde“tantasbelezas”há ,
como“terraencantada”e“domundotododesejada”.Desenhaparaoleitorumpaís
inexistente,  porémexistente navisão do euque canta a terra.É, através de uma
memóriaf ictícia,queoeulíricorepassaemversoahistóriadeglóriadoseupovo:
do achamento do Brasil até ao Reinado, não de forma direta, mas através da
sugestão.
1.1.Objetivo,objetoejustificativa
Apresentepesquisapercorreucaminhocon trário,objetivourec onstruir,pelo
viésdamemóriaindividualecoletiva,atrajetóriahistóricadaEscolaNormalOficial
dePicos,entreosanosde1967a1987.Caminhocontráriopois,atravésdorelato
oral dos sujeitos da história, reconstruiu o cotidiano daqueles que viveram no
espaço dessa escola e mostrou como se deu o proc esso de constituição dos
sujeitos ali formados, tudo isso através do registro da cultura escolar ali
evidenciada.
Porém, seguiu o mesmo caminho do poema, no tocante ao pretender
historiar o passado de uma instituição escolar que teve significação ímpar para a
cidadeemqu e seencontrainseridaeaquelasqu ecompõemasuamacrorregião,
sem idealização e ufanismo,mascom vistas a revelar, através das fontes orais e
escritas, a cultura escolar ali presente. Foi feito aqui o mesmo que outros
pesquisadorespeloBrasiladentrofizeram quando  analisaramasescolasnormais
dopaís,dentreeles,PaoloNosellaeEsterB uffa(2002),CarlosMonarcha(1999),
Ana mariaGonç alvesBuenodeFreitas(2003),IriaBrzezinski(1999)eMariaTeresa
CanezimeWalderêsNunesLoureiro(1994)easpiauiensesFranciscaCardosoda
Silva Pires (1985), Norma Patrícya Lopes Soares (2004) e Rita de Cássia Lima
Pereira(1996).
Cada um desses pesquisadores investigou, a pa rtirde critérios próprios, a
escola normal de sua região/cidade e oportunizou, aos novos pesquisadores e
estudantes, o acesso a informações significantes dessas escolas, historiandoas.
Assim como viabilizarama introdução, na História,de uma instituição escolar que
30
exerceu, no caso brasileiro, importância capital na formação de docentes para o
exercíciodomagistérioprimário.
Assim como fizeram esses  pes quisadores, foi feito na presente pesquisa.
Aqu iseprendeuaoestudoeanálisedaculturaescolareaconseqüenteconstituição
do s ujeito, a normalista, futura profess ora primária que essa escola engendrou
durante os anos em tela. Tal pesquisa se tornou necessária em virtude da 
significaçãosocialque aE NOP teve paraessacidadee osnúcleospopulacionais
vizinhos, uma vez que formou as professoras que iriam assumir o controle da
educaçãoemtodaamacrorregiãodePicosPI.
Aescolhadorecortetemporaljustificaseporters idoesseoseuperíodode
apogeunoprocessodeformaçãodedocentesparaomagistérioprimário,apósesse
período,comachegadadasUniversidadesemPicos,juntamentecomamudança
dementalidadedasociedadelocaledasprópriasalteraçõesnaLegislaçãoemtorno
da educação, a ENOP entrou rapidamente em uma crise conceitual, vivendo seu
declínio enquanto instituição formadora de professores. Além de ter sido ess a a
época em que a ENOP foi dirigida pela Srª Luzia M oura Barros, sua primeira
diretora,queficouàfrentedaescolaporvinteanos(05/03/1967a18/08/1987).
Evidentemente foinecessário retomarse o período anterior à implantação
daEscolaNormal,pararegistraroporquê desua instalãoemPicoseconhecer
umpoucosobreasociedadequearecebeueasconcepçõesdessepovoemtorno 
daeducaçãoedaprofessoranormalista.
Ora, se todos cantam sua terra/ também vou cantar a minha”, se todos
enredaram ess a instituição educacional e seu papel social nas cidades em que
estiveramencravadas,aquitambémfoifeitaamesmacoisa.OucomodizFernando
Pessoa(1998,p.113),atravésdoseuheterônimoAlbertoCaeiro:
Maspoucossabemqualéoriodaminhaaldeia
Eparaondeelevai
Edondeelevem.
Eporisso,porquepertenceamenosgente,
Émaislivreemaiororiodaminhaaldeia.
PeloTejovaiseparaomundo.
ParaalémdoTejoháaAmérica
Eafortunadaquelesqueaencontram.
Ninguémnuncapensounoquehápa raalém
Doriodaminhaaldeia.
31
É nessa linha de  pensamento, e intertextualizando aqui Fernando Pessoa
comorioquecorrenasuaaldeiaeaescolanormalqueseformouesedesenvolveu
nacidadedePicos,quesejustificatambémapresentepesquisa.Anecessidadede
conhecerahistóriadocotidianodessaescola,seuspersonagens/atores,suacultura
particularqueadife redasdemaisdopaíseque,porisso,lheaspectospróprios,
nemmelhoresnempioresqueas escolasnorma isdasoutraspartesdopaís.
Se“poucossabemqualéoriodaminhaaldeia/e paraondeelevai/edonde
elevem”,comodisseopoetaportuguêsaofalardoriodesconhecidoquecortavaa
suaaldeia,emoposiçãoaograndeeconhecidoTejo,majestosoefamoso.Poucos
tambémsabemaformaçãoeaestruturaçãodaEscolaNormalOficialdePicosea
contribuiçãode laparaaeducação. Ese“ninguémnuncape nsounoquehápara
além/doriodaminhaaldeia”,ous eja,seninguémnuncapensounoquehaviapara
alémdosmurosdaEscolaNormalOficialdePicos ,comoeraseucotidiano,quaisas
relações quealiseestabeleciam,comosedavaoensinoaprendizagemalivivido,o
modelo de professor que se es tava gestando e, até mesmo, o jogo de poder
empreendidona queleespaçoenotempoemestudo,aquisefezisso,respaldando
esseresgatenamemóriadosquenelaseformarame/outrabalharam.
FincadaemumacidadedointeriordoEstadodoPiauí,Picos,aENOP foi
fundada em 1967 e, a partir dessa data, assumiu o controle da formão de
profess oresparaoensinoprimáriolocal.Voltadaespecificamenteparaaformação
de mulheres, a ENOP representou, para as normalistas, a poss ibilidade de sua
saídadoprivadodomésticoparaoespaçopúblico,umavezque,apósaconclusão
docursonormal,taisprofessorasviamdiantedesiaoportunidadedeingressarem
nomercadodetrabalho.
Mas que dizer de Picos – Piauí? Como er a a cidade que recepcionou a
ENOP? É através do poema Picos é assim, de Maria Crismanda Saraiva de
Oliveira,quesefaráaapresentaçãodessacidade.
Picoséassim
VocêqueédoPiauí,jáfoiaPicos?
Porturismo,si,!
Paraverbelezas,
Novidadessemfim.
Rodoviasquesebifurcam
Paraonorte,
Paraosul,
32
Paraoleste,
Paraooeste,
IntegrandooBrasil,
Unindoospovos!
Picos–entroncamen torodoviário!
Picos–pontedeintegraçãonacional!
[...]
SeoGuaribas,correcaudaloso,
Quebom!Asafraéboaegrande!
Sedeixaoseuleitoarenosodescoberto,
Aíentão,meuirmãopiauiense,
Élindoverabrancura
Nacolheitadoalho
Oudacebola!
Ei,gente!Valeapen a
Veressescanteiros
Artisticamenteconfeccionados,
Decorados,enfeitados...
_“Cebolaealho,minhadona!”
[...]
Entre,entrenaminhacidade.
Ei,moço,podemeacompanhar...
Vamos,entrenafeira...
Quebeleza!
Estávendotantabarracacoberta?
Éafeira!Éafeiradosáb ado,moço!
Alho,cebola,farinha,goma...
Feijãodobom!Quemvaiquerer?
Carneseca!Tripa!Carneboa!
Panelasdebarro!Louçabemfeita!
Nãoqueralmoçar?Sentese!
Quebraqueixo!Quebom!
Porquenãolevaumvestido?
Umarede?Sim,senhor!
Laranjas,mangas,docedeburiti!
Galinhas,porcos,bodes...
Temtudooquevocêqu iser
Nafe iradosPicosdoPiauí!
Oqueéaquilolá?
Nãoestávendo?ÉamajestosaCatedral!
NossaSenhoradosRemédios,apadroeira!
Nodia15deagosto,moço,vocêprecisaver!
Procissões,cantos,velas...
[...]
Oque?!!!Aindanãosabe?
PorquesechamaPicos?Oxente!!!
Vejamoço,acidade!
Acidadesededomunicípio,
Écercadade“picos”!!!
Olhe...àdireita,àesquerda...
[...]
(IrmãMariaCrismandaSaraivadeOliveira,1978)
33
OsversosdaautoraconvidamoleitoraconheceremomunicípiodePicos,
elevado à categoria de cidade em 12 de dezembro de 1890. Encravada entre
morros,queacercamedãolhefeiçõesparticulares,essacidadesurgiuàmargem
direitadoRioGuaribas,formouumdosprincipaispólospopulacionaisdoEstadodo
Piauíetornouse,emvirtudedasua posiçãogeográfica,entroncamentorodoviário
deacessoaoutrosEstadosdoNordestebrasileiro.
TevenoRioGuaribas,rioquecortaacidade,umadassuasprincipaisfontes
derenda. NoGuaribasplantavamsealho,cebola,milho,feijãonosroçados enas
vazantes.Serviamtambémsuaságuasparaatenderemàdemandadelavadeirasde
roupas quedali tiravamseusustento, além de  ser espaçode lazer,pois emsuas
águasbanhavaseepescavase.SegundoFranco(1955,p.69):
Agra ndepartedoplantio,especialmentedecebolaealho,quePicos
exportaemgrandequantidade,éfeitonoregimemdevasantesdorio
Gua ribasquebanhaboaextensãodassuasterras.Essasvasantes
quesãodealtorendimentocustamhojeumelevadopreçoavaliadas
quesãoembra çasquadradas,disputadascomoestalãoderiquezas
delaboriososlavradore s.
Além de exportarem a colheita, os produtos extraídos  das vazantes do
Guaribas eram comercializad os no Mercado Público local e na grande feira da
cidade.
Figura1.VazantesdoRioGuaribas
Fonte:ArquivoparticulardeFábioNeiva
34
A feira livre  de P icos, realizada nos sábados, na Praça Justino Luz, no
centro da cidade, tornouse uma das principais características locais e uma das
baseseconômic asdomunicíp io.Nelaseenc ontrav a,eaindaseencontra,detudo
umpouco.Vendemseprodutos loc aiseadquiridosnascidadeseEstadosvizinhos,
especialmentenoCeará.
Acomercializaçãodediversosprodutos agrícolasemanufaturadoserafeita
nasfeirassemanais.Dentreeles,destacamseoalho,acebola,ofeijão,omilho,o
arroz, a mandioca, a farinha, a goma, frutas e verduras diversas e outros,
associados à venda de bodes, jumentos, galinhas, porcos, peças de barro como
potes e panelas, além de bileiras, cadeiras e mesas, produtos de couro como
chapéus, esteiras, vassouras, abanadores para fogareiros e outros. A venda de
comidas, de roupas e calçados e também a presença de cantadores locais,
apresentandosuascançõeserecebendoporelas.
Além do aquecimento econômico promovido pelas  feiras, a venda de
mercadorias era efetivada no comércio atacadista e varejista, destacando a
comercialização de gêneros de exportação, como a cera extraída da carnaúba e
industrializada na Usina local, lojas  de tecidos e calçados, estivas e miudezas,
padarias, farmácias, peças para v eículos, motocicletas e bicicletas, hotéis e
pensões,alémdeumasériedequitandasespalhadas pelasruasdacidade.
Mas “O que é aquilo lá?/Não estávendo?É a majestosa Catedral! Nossa
Sen horadosRemédios,apadroeira!”.AP icos,dosanosemestudo,tambémteve
sua cultura religiosa e em Nossa Senhora dos Remédios a sua padroeira. A
explicaçãohistóricadissoremontaaoséculoXIX,conformeestudodeJoséAlbano
deMac edo,noJornalOMacambira,de31081982,paraquem:
Na tarde do dia 31 d e de zembro de 1847, chegou a Picos a
imagem de Nossa Senhora dos Remédios, conduzida de
Salvador,Bahia,atéPicos,porumescravo,apé,que,poresse
motivo, recebeu a  ca rta de alforria. [...] A imagem foi
encomendadapeloCoronelVictordeBarros,emcumprimentoà 
promessafeitapelovaqueiroJoãodasDores.Pelaimagem,que
veio de Portugal, Victo r de Barros pagou a importância de
40$000 (quarenta mil réis), o produto da venda de dez vacas
paridas.[...]PelaResoluçãoCivilnº308,de11desetembrode
1851,apovoaçãodosPicoséelevadaàfreguesia,soboorago
de Nossa Senhora dos Remédios. [...] Somente em 1871, foi
edificadaaimagemdaPadroeiradePicospeloPe.Dr.Antônio
MariaJoséIbiapinaqueaconstruiuemapenasnoventadias.A
imagemdeNossaSenhoradosRemédiosemfestivaprocissão,
35
foilevadaparaoseutemplo,comgrandeacompanhamento,pelo
Frei Ibiapina, como era, popularmente, conhecido. [...] Por ter
sidobentanoDiadeAno,af estadaPadroeirafoi,d urantemuito
tempoa1 ºdejaneiro.OPe.JoãoSeverinodeMirandaOzônio,
vigáriodePicos(1878–1896),mudouosfestejosparaodia13
deoutubro,dataessaqueemtodosospaíseslatinosfestejase
NossaSenhoradosRemédios.Em1910,oPe.JoãoHipólitode
Sousa Ferreira fez voltar a festa para o 1º de janeiro. Dom
ExpeditoLopes,1ºBispodeOeiras,transferiuafestaparaod ia
15deagosto.DomEdilbertoDinkelborgtornouatransferirafesta
parao1ºdejaneiro.Finalmente,apósconsultaaosparoquianos,
NossaSenhoradosRemédiosestásendocomemoradaa15de
agosto.
Acadadia15deagosto,ospicoensesrealizamosfestejosreligiososlocais
com missas, proc issões, batismos, casamentos, leilões e outras atividades que
celebram a sua padroeira. R ituais rigorosamente cumpridos e sua significação
levadaparaavidadiária.
Figura2.Catedralde NossaSenhoradosRemédios(2007)
Fonte:ArquivoparticulardeWelbertFeitosaPinheiro
Destaquepara asuntuosidadedaarquiteturadaCatedraldeNossaSenhora
dos Remédios, que demonstra em seus traços  a dimensão da fé e do zelo da
populaçãolocal.
36
A atual catedral substituiu o templo da antiga igrejamatriz de Nossa
Sen hora dos Remédios, que fora edificada em 1871. Conforme Duarte (1991,
p.103):
Em 1948, por decisão do vigário de Picos, Padre José Inácio de
Jesus Madeira, iniciouse a demolição da igrejamatriz de Nossa
Senhora dos Remédios construída no ano de 1871 pelo Frei
AntônioIbiapina–paraquefosseerg uido,nomesmolugar,umnovo
templo.
Os principais acontecimentos locais, como comícios e desfiles
carnavalescos,assimcomopartedaredecomercial,gravitavamtambémemtorno
daPraçaFélixPacheco,nocentrodePicos.Espaçodeencontrosedenegociações,
por ela transitavam os  picoenses, e servia de palco para mendigos, curiosos,
rapazesemasenamoradosepontodetáxi.SegundoDuarte(1991,p.31):
A Praça Félix Pacheco, além de ser, então, o único jardim
público da cidade, combinava as funções de área comercial e
residencial com a de local de socialização dos picoenses. [...].
Haviasempremovimentaçãonapraçanosfinsdetardeeànoite.
Nas manhãs de domin go o movimento crescia, mas era n as
noitesdesábadoedodomingoqueapraçaseenchiadegentee
decores.
Figura3.PraçaFélixPacheco(s/d)
Fonte:ArquivoparticulardeFábioNeiva
37
Aindaemmeadosde1970,apraçaFélixPachecocontinuavaaserlocalde
encontro,especialmentedejovensàcatadediversãoedenamoro.Pelopasseioda
praça, osjovenscirculavameformavamnovasamizades ouiníciodenamoro.
Aforaessees paçodeentretenimento,ospicoensesdispunhamdeumclube
local,ondeeramrea lizadososprincipaisbaileseeventossociais,oPicoenseClube,
localizadonocentrodePicos.
Nãosetratadeumacidadeemqueháapresençadesuntuos oscasarões
ou de grandes obras arquitetônicas que remetam às linhas do Brasil colônia. Em
Picos, aarquiteturalocalsefirmouemformassimples,masbe mpeculiareseque
dizem, revelam o tipo de homem ali existente: religioso e tradicional. Sobre iss o,
Duarte(1991,p.30)afirmaque:
Por ser uma cidade relativamente nova, fundada em meados do
século passado, P icos não foi contemporânea do esplendor
arquitetônico do período colonial e da época imperial, [...]. Assim,
Picos nunca teve exemplares arquitetônicos expressivos ou
suntuosos. [...]. As residências típicas da cidade eram casas
conjugadascomportaeuma,duas,ouquatrojanelas.
Por se tornar  uma cidade de referência econômica e de  oportun idade de
estudodiantedocrescimentodaredeescolarlocal,paraPicossedirigirampessoas
da sua então microrregião e de outros Estados do país, promovendo uma
redefinição docontrole docomérciolocal e da amplião do contingente humano,
especialmentenazonau rbanadomunicípio.SegundoDuarte(1991,p.191):
No caso de Picos, o que se observa é, de fato, um fenômeno
complexoquerevelanãosóosurgimentodeumaeliteeconômicade
origem forânea, como também um processo de mobilidade social
através do qual representantes dos extratos médios da população
local passam a integrar a nova elite empresarial da cidade. [...].
Como resultado disso, tem sido expressivo o crescimento
demográfico do município de Picos ao longo das últimas quatro
décadas. É sugestivo, a propósito, a evlução da densidade
demográfica do município, que se elevou  de 12 hab/km² em 1950 
para26hab/km²em1970,tendoalcançado77hab/km²em1989,o
que equivalia a sete vezesa densidade demográfica doEstadodo
Piauí.
Masalgosedestacavanoc otidianodacidade,jáantesdadécadade1960,
o trânsito dos estudantes pelas ruas em direção às escolas locais, numa franca
apresentaçãodasituaçãodarealida deescolar.ConformeDuarte(1991,p.55):
38
Durante o dia, o vaivém dos colegiais fardados dava um certo
colorido e movimentava as quietas ruas da cidade. Havia duas
escolas públicas de ensino primário – o Grupo Escolar Coelho
Rodrigues (fundado em 1928) e a  Escola Municipal Landri Sales
(criada em 1935) – e um educandário particular, o Instituto
Monsenhor Hipólito [...], além de pequenas escolas particulare s de
propriedade das muitas professoras que ajudaram a formar várias
geraçõesdepicoenses.
Politicamente,omundovivianosanosde1970apreocupaç ãocomaGuerra
Fria entre a UniãoSoviética e osEstadosUnidos daAmérica, os jovens viviama
revolução sexual em uma década de experimentalismos, da contracultura, do
underground
, do surgimento de revistas, jornais e livros de intenç ão política, de
denúncia da situação ditatorial em que se encontrava o país, as ruas brasileiras
eraminvadidaspelossapatosplataforma,pelascalçasbocadesinoepelo
rock in
roll
, em Picos a vida seguia seu curso normal, marcado pelos velhos costumes
familiares.
Assim,conformeassinalaRolnik(2004,p.12),acidadeécomo“umímã,um
campo magnéticoqueatrai,reúnee concentraos homens”.Esseímãtemaforça
suficientedeenvolveraquelesquesãoatraídosaele,moldalhes,imelhessuas
marcas,dálhesumestiloprópriodevida.AssimaconteceucomacidadedePicose
seushabitantes.
Essepovo,conformeoapresentado,possuíaum
modusvivendi
próprio,sua
cultura con duzia seu cotidiano, as formas geográficas da cidade fixaram o povo
picoensenesseespaçoefezcomqu efosseumgrupovoltadoparaaagriculturae
paraocomércio,especificamenteparaacompraevendaemfeiraslivres.
Seg undoRolnik(2004,p.1 7),“odesenhodasruasedascasas,daspraç as
edostemplos,alémdeconteraexp eriênciadaquelesqueoscons truíram,denotao
seumundo”,denotaacosmovisãodogrupoemtornodesiedoseupovo.Foioque
aconteceue é revelado, porexemplo, nasuntuosidade do temploda Catedral, no
traçad odaPraçaFélixPacheco,nasuaposiçãocentral,mastambémespa çosae
bemdes enhada,alémdefreqüentementeterassuas formasredefinidas;nalargura
das avenidas centrais, c omo a Avenida Getúlio Vargas, que liga o centro às ruas
mais distantes, finalizando na chamada Igreja do  Sagrado Coração de Jesus, a
popularIgrejinha.
39
1.2.Enfocandoateoria:aNovaHistóriaCultural
Para o registro analítico da história dessa ins tituição escolar, adotouse a
abordagem historiográfica vinculada à História Cultural. A Nova História Cultural
considera de imporncia para o estudo e registro histórico a microhistória e a
história da vida cotidiana. Segundo Burke (1992,p.23), “outrora rejeitada como
trivial,ahistóriadavidacotidianaéencaradaagora,poralgunshistoriadores,como
aúnicahistóriaverdadeira,ocentroaquetudoomaisdeveserrelacionado”.
Aocolocarocotidianocomocentro,aHistóriaCu lturaldáposs ibilidadeao
aparecimento do discurso nãooficial, o discurso elaborado por grupos que, do
contrário,nãoteriamoportunidadedeversuavozemevidência,excluindoaidéiade
trivialidade que tais discursos poderiam conter e valorizando o s eu conteúdo.
Enq uanto discurso nãooficial, a voz dos que viveram, de fato, a história é agora
valorizad a,sendoelevad aàcategoriade documento.Documentoportadordeum
enredo peculiar: o enredo da vida, o enredo  dos que viveram os episódios da
história. Em francas ubstituiçãoaochamadodiscursooficialoriundod osgabinetes,
eivadosdeintencionalidadeeconstruídosemtornode umadeterminadaideolog ia
emvigor.ConformeSouza(2000,p.52):
Éprecisoqueahistóriadaeducaçãoincluaopontodevistadesses
seusagentes,alémdeoutros, comopaise administradores,e  não
somente o ponto de vista do discurso emanado das esferas mais
altasdopoderinstitucional.
E,aofazerisso,aHistóriadaEducãoestaráop ortunizandooresgate ,a
análise e o registro de fatos importantes queaconteceramnos espaços escolares
em épocas específicas, através daqueles que efetivamente os vivenciaram e que
através  delespodese obterasuarealsignificão.Tirandoocontroledosrelatos
daqueles que detê m a oficialidade do discurso e oportunizando a alunos e
profess ores espaço de v oz dentro da narrativa histórica. Ou como ainda defende
Sou za(2000,p.52):
É preciso incorporar à análise histórica [...] a idéia de que  p ara
compreenderoque aescolarealizouemseupassado(ourealizana
40
atualidade), não é suficiente estudar idéias, discursos, programas,
papéis sociais nela desempenhados, suas práticas e métodos de
trabalho;tornasenecessáriotambémtentarco mpreenderamaneira
comq ueprofessorese alunosreconstruíramsuaexperiência,como
constituíramre lações,estratégias, significaçõespormeiodasquais
construíramasipróprioscomosujeitoshistóricos.
Diante disso, realizouse o registro histór ico da Escola Normal Oficial de 
Picos dandose prioridade à memória dos seus agentes históricos. Claro que
documentosescritosequeseencontramarquivadosnaENOPforamincluídosc omo
fontes,masoenfoqueprimeirodaanálisesecentrounos relatosorais.Relatosde
exprofessores, exalunas e exdiretora que estudaram e trabalharam nessa
instituição escolar e que ainda trazem na memória, por ainda gu ardarem o
sentimentodepe rtencimentoaogrupo,fatosedadosimpo rtantessobreopassado
da ENOP.E éexatamenteem torno desses sujeitos que a pesquisa gira. Da sua
experiência, das s uas relões , estratégias e resistências e tudo o que a cultura
escolar foi capaz de  promover neles para a sua construção enquanto sujeitos,
principalmenteenquantosujeitoshistóricos.
ParaRogerChartier(1988,p.1617),“ahistóriac ultural[…]temporprincipal
objecto ident ificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma
determinadarealidadesocialéconstruída,pensada,dadaaler”.Arealidadesocial
que se c olocou em evidência aqui para análise é a da Escola Normal Oficial de
Picos e o que se revelou,a partir das entrevistas feitas e análise de documentos
diversosfoicomoessainstituiçãodeensinofoicapazde,atravésdeseucotidiano
constituirumdeterminadotipodeprofessor,apartirdesuasnormalistas.
Sab er como o sujeito professor primário foi ali cons tituído, quais as
relações deforçasquenesseespaçoforamcaracterísticas,comoasnormalistase
futuras professoras primárias eram pensadas, não apenas pelos agentes
educacionaisquenessaescolatrabalhav am,mastammpelasoc iedadepicoense
comoumtododuranteosanosemquesua primeiradiretoraesteveàfrentedessa
instituição foram elementos que se fizeram presentes de forma constante nessa
pesquisa.
Com iss o, na presente pesquisa, deuse voz às exnormalistas, ex
profess ores e exdiretora da ENOP para que, através do seu testemunho, fosse
possível registrar os fatos vividos no espaço e no tempo que se delimitou para
estudo. P essoas que, certamente, não teriam oportunidade, de outra forma, de
41
trazeremàtona,atravésdamemória,ahistóriadessainstituição.Ahistóriadoseu
cotidiano, a história das aulas,das atividades pedagógicas em geral,dossaberes
repassadoseapropriados,dossistemasdevigilânciaederesistênciaàdisciplinaali
imposta.Ahistóriaquenão seencontranosarquivosdessaescolae,certamente,de
outras tantasnopaís.
1.3.Embuscadedocumentos:vasculhandoarquivoselocalizandoométodo
Dissertandosobreosdocumentosearquivosescolares,Vidal(2005,p.23)
destaca a importância da  inclusão de outros documentos nos arquivos escolares
alémdosditos oficiaisoucomumentechamadosdehistóricos,como“cadernosde
alunos, exames, trabalhos escolares e, mesmo fotografias de eventos recentes ”,
somente dessa forma os arquivos escolares poderiam també m ser elevados à
categoriadelugaresdememória.Documentosque,infelizmente,aindanãoforam
recepcionados pelos arquivos das escolas. Só assim, ainda s egundo Vidal (2005,
p.2324):
Integrado à vida da escola, o arquivo podefornecerlhe elementos
paraa reflexão sobreopassadoda instituição,d aspessoasque a
freqüentaramoufreqüentam,daspráticasquenelase produzirame,
mesmo, sobre as relações que estabeleceu e estabelece com seu
entorno(acidadeearegiãonaqualseinsere).
Talpropostaéinovadora,porémaindanãoaplicadaeminstituiçõescomoa
que se pesquisa agora. Diante da ausência de um arquivo com espaço para a
memória daqueles que realmente fizeram a história da escola, dos que a
freqüentaram estudando, ensinando, dirigindo ou servindoa de alguma forma,
através  de serviços diversos, como os de secretaria, mecanografia, biblioteca,
cantina, faxina e outros que oportunizassem a pesquisadores ou curiosos e, até
mesmo,ànovageraçãoqueemseusbancosatualmenteseencontramsentados,a
se informarem sob re o c otidiano da escola e suas relões  com o meio sócio
históricoculturalemqueseencontrainseridaéquesefeznecessárioadotarcomo
métododepesquisaoindicadopelahistóriaoral,queproporcionaaopesquisador
ocontatodiretocomessesdepositários damemóriacoletiva.
42
Atravésdahistóriaoral,possibilitasequeaschamadasvozesocultasda
história se manifestem. Ocultas por não terem oportunidade de revelarem o
conteúdohistóricodepositadoemsuamemória.Conteúdosque,diantedadinâmica
da vidae da cotidianidade são os que, na maioriadas vezes, c onseguemmelhor
revelaroocultodosfatos.SegundoThompson(2002,p.16):
A história oral tem um poder único de nos dar acesso às
experiências daqueles que vivem às marge ns do poder, e cujas
vozesestãoocultas porque suas vidas são muitome nos prováveis
deseremdocumentadasnosarquivos.
E,aooportunizaraos quevivemàmargemdopoderfalar,dizeralgoque
reveleopassadoequesejapossívelatravésdissocompreendêlomelhor,équea
história oralfoiadotadacomométododepesquisa.
Alémde oportunizar aentradaemcenadasvozesocultas,ahistória oral,
enquantométododepesquisa,favoreceoingressodaschamadasesferasocultas
norelatohistórico.Ouseja,detemasque,possivelmente,nãoseriamcontemplados
poroutrométododepesquisa.Temastambémocultos,pornãoestaremregistrados
emarquivos oficiais, mas guardadosna memóriadaqueles que osvivenciaram. E
aquicolocase em evidência,como esfera oculta,o c otidiano escolar que gerou a
cultura escolar que caracterizou a ENOP durante os anos que a pesquisa
contempla.
Dessaforma, conformeVidal (2005, p.24),“no  queconcerneaumestudo
sobreaspráticasescolares,oretornoàmaterialidadedaescolaenvolveconsiderar
osdocumentosparaalémdo papel”.Daíapossibilidadedaampliãodasfontese
dainclusãodedocumentosoutros,quenãoosoficiais,noroldasfontes.Ratificando
talafirmação,LeGoff(1998,p.28)consideraque:
a história nova ampliou o campo do documento histórico: ela
substituiu a h istória (...) fundada essencialmente nos textos, no
documentoescrito,porumahistóriabaseadanumamultiplicidadede
documentos: escritos de todos os tipos, documentos figurados,
produtosdeescavaçõesarqueológicas,documentosorais,etc.
Diante da possibilidade de ampliação do campo documental, foi possível
utilizar,nocorpodaDissertação,diversasfotografias.Algumascomofitoilustrativo,
43
outrascomafinalidadederespaldaroditopelasentrevistadasoucomodocumentos
suficientesp araanálisedeumdeterminadodado.
Elevada à categoria de documento, a fotografia forne ce ao seu leitor o
instante, a captura de um momento vivido pelas pessoas e que não se repetirá.
Momentoquetevesignificação paraaqueles queforamfotografadosequedizem,
semretoque,oquedefatoaconteceu.OucomoassinalaKubrusly(2006,p.17),ao
falardametáforado “grandemágico”,ofotógrafo,que fotografou umafamíliaque
nãoconheciafotografias:“Eisaqui,aprisionadonestafolhadepapel,umfragmento
do tempo, um instante preservado,que não se perdeu como se perdemtodos os
instantes”.
As fotografias, enquanto “um instan te preservado”, “um fragmento do
tempo”, foram analisadas com o fito de nelas localizarse informações suficientes
sobreocotidiano,aculturaescolareosujeitoconstituídonaENOP.
Por conteremimagens do real, elas podem apresentar informaçõessobre
algo,uma vezquesempre informam.Diant e de uma fotografia, segundo Kubrusly
(2006, p.25), “[...]. Queremos saber sobre antes e depois, perguntamos sobre as
pessoas,olugar,oevento,aépoca.Buscamosahistorinhaqueaimageminsinuae
oculta,otextoquefalta,faladoouesc rito”.Afotografiaé,assim,umacondutorade
informações. A imagem nela contida trás dados sobre um instante ímpar, que
envolve,emalgunscasos,p essoaseespaços.
Sob reo instantecaptado,RolandBarthes(1984,p.13),aoapresentarseu
métododeleituradafotog rafia,dizque“[...].OqueaFotografiareproduzaoinfinito
sóocorreuumavez:elarepetemecanicamenteoquenuncamaispoderárepetirse
existencialmente”. Embora possa ser reduplicada infinitas vezes, o conteúdo será
sempreomesmo:oinstantecaptado,ahistóriaregistrada.
A história da ENOP está contida também em fotograf ias, desde a s ua
fundaçãohouveapreocupaçãoemregistraroinstante,omomento.Asimagensse
diversificam em uma gama significante de situações que precisam ser lidas, para
seremreveladas.
Considerouse na leitura da trama fotográfica, a pose dos manequins,
especialmente das normalistas. Uma vez que, para Barthes (1984, p.27), “[...].
Diantedaobjetiva,  souaomesmotempo:aquelequeeu  mejulgo,aqueleque eu
gostariaquemejulgassem,aquelequeofotógrafomejulgaeaqueledequeelese
serveparaexibirsuaarte”.
44
Assim, a  fotografiapô de ser lida como uma escritura, mas  també m como
um texto carregado de intencionalidade. Priorizouse, pois, diante dis so, por uma
leitura objetiva, concentrandose no jogo das imagens e no que elas diziam,
considerandose que, mesmo diante de imagens às vezes tendencios as, “toda
fotografiaéumcertificadodepresença”(BARTHES,1984,p.129),da presençade
algo,deumdadosignificativodahistória.
Comonarrativa,aimagempodeserlida,umavezque“asimagens ,assim
comoashisrias,nosinformam”(MANGUEL,2001,p.21).Informam,porexemplo,
nocaso emtela,comoerarealmente ouniformedasnormalistas,comoagiamno 
seucotidiano,ocomportamentonosrecreios,opróprioespaçodaescolaeoutros.
Seg undoManguel(20 01,p.25):
Comocorrerdotempo,podemosvermaisoumenoscoisasemuma
imagem, sondar mais fundo e descobrir detalhes, associar e
combinaroutrasimagens,emprestarlhepalavrasparacontaroque
vemos mas, em si mesma, uma imagem existe no espaço que
ocupa,independentedotempoquereservamosparacontemplála.
E,comoasfotografiaseasdemaisimagensus adasnointeriordaanálise
estãodeslocadasdo tempodesuaprodução,oleitordehojepodeidentificarnelas,
bemmelhor,aspectosquetraduzemotipodesujeitoespecíficodaépocaemque
foramproduzidas,aposturaexigida,oestilodevida.Eissoporteremasimagens
existênciaprópria,oatestadodeinstan tesvividos.
Evidentemente que as chamadas fontes documentais escritas também
foramusad ascomosuportenapesquisa,sobretudoas encontradasnoarquivoda
ENOP, em seus livros. Mas priorizouse na pesquisa as fontes orais, po r serem
consideradasaquiasquemelhorrevelariamaculturaescolarvividanaENOP.
Com isso, além de documentos em arquivos, especificamente escritos,
passouseaadotarosdocumentosorais,adquiridosapa rtirdométododahistória
oraldevidaque,paraThompson(2002,p.44):
é uma história construída e m torno de pessoas. Ela lança a vida
para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação.
Admite heróis vindos não só dentre líderes, mas dentre a maioria
desconhecida do povo. (...). Traz a história para dentro da
comunidadeeextraiahistóriadedentrodacomunidade.
45
O que se destaca, assim, é a importância dada às pessoas, às s uas
experiências de vida. Não espaço para heróis inventad os, mas para os que
viveramosfatos,osque sentiramoimpactodosacontecimentos.
E,porgravitaremtornode pessoase lançálas paradentroda história, a
memóriaseráoseuobjetoprimeiro.Comosevê,aescritadahistórianãopodese
dar apenas através de fontes documentais escritas, foi necessário recorrer aos
agentes que fizeram parte da época do objeto em estudo, que presenciaram os
episódiosdocotidianoaseremreconstruídose/ouhistoriados.Assim,éamemór iaa
principal atriz nesse contexto de reconstrução, uma vez que cada memória
individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista
muda conformeolugarqu ealieuocupo,equeestelugarmesmomudasegundoas
relações  que mantenho c om outros meios”, conforme assinala Halbwachs
(1990,p.51).
Sab endo disso, foi preciso, no processo de reconstrução da história da
ENOP,noperíodoemapreç o,entrevistarpessoasqueocuparamespaçosdiferentes
nessa instituição escolar. Com iss o foi possível obter mais informões sobre a
escola,peloviésdamemóriaindividualquerepresentapartedamemóriacoletivae,
posteriormente, o encontroda memória individual dos divers os agentes da escola
favorec euaapresentaçãodamemóriacoletiva.
Entendesepormemória,c onformePollak(1989,p.9):
Essaoperaçãocoletivadosacontecimentosedasinterpretaçõesdo
passado que se quer salvaguardar, se integra, [...], em tentativas
maisoumenosconscientesdedefiniredereforçarsentimentosde
pertencimento e  fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos
diferentes.
Daíadvémaimportânciadamemória,deelaoperarcoletivamenteedes er
possível, através doseu resgate, interpreta r o significado e o sentido de fatos do
passado,vividosporgruposespecíficos,comofitodeconserválos.
Mas, não se pode deixar de registrar qu e, embora detentores de uma
memória, as pessoas também poss uem o esquecimento, esse c ompanheiro da 
memória.Esquecimentoque,àsvezes,écapazdeocultardadosimportanteseque
tornarseão inviáveis de serem reconstruídos e, consequentemente, historiados.
Dissertandosobreessatemática,Pollak(1989,p.8)afirmaque:
46
Existem nas lembranças de uns e de outros zonas de sombra,
silêncios,‘nãoditos’.Asfronteirasdessessilênciose‘nãoditos’com
o esquecimento definitivo e o reprimido inconsciente não são
evidentementeestanqueseestãoemperpétuodeslocamento.Essa
tipologia de discursos, de silêncios, e também de alusões e
metáforas,émoldadapelaangústiadenãoencontrarumaescuta,de
serpunidoporaquiloquesediz,ou,aomenos,deseexporamal
entendidos.
Comose vê,aoladodoesquecimento,comoelementoimpeditivoderevelar
fatosdopassadovividosesentidos,hátambémos silênciose osnãoditosque
cruzam os discursos daqueles que são chamados para, através de sua memória
individual,relatarepisódiosconhec idosapenasporeles.Essessilênciosenãoditos
podemserprov ocadospormotivosdiversos,dentreeles,destacaseaqui,omedo
detrazeràtonafatos passadoscapazes dege rarconstrangimentoemalguémou
emalgumainstituição.E ,comisso,oagentehistóricoterminaporsilenciarsediante
dessaevidência.
Ométododahistó riaoralpossibilitou,dessaforma,aentradaemcenade
atoresdiversosque,atravésdosseusrelatospossibilitaramoresgateeoregistrode
fatos do passado da E NOP que somente eles sabiam, que somente eles tiveram
acessoeque,seofossemregistrados,umdiadesaparec iamcomeles.Através
dasentrevistasfoipossíveltrazer,paraopresente,aculturaescolarquemarcoua
história dessa instituição de ensino, como também o tipo de professor que ela
pretendiaformarequeformou.
Essaspessoas,naverdade,sãoastestemunhasdahistória. Dahistóriaque
nãoseencontraregistradanos arquivos daescola,masdahistóriaqueseencontra
registrada em sua memória. É a vida cotidiana sendo resgatada, analisada e
registrada,comopretendeaHistóriaCultural,queseinteressaportodaaatividade
humana e, por isso, acabou por ampliar o campo do documento histórico, numa
verdadeirarevoluçãodocumental.ParaLeGoff(2003,p .531):
Essa revolução é, ao mesmo tempo, quantitativa e qualitativa. O
interesse da memória coletiva e da história já não se cristaliza
exclusivamente sobre os grandes homens, os acontecimentos, a
históriaquea vançadepressa,ahistóriapolítica,diplomática,militar.
Interessaseportodososhomens,suscitaumanovahierarquiamais
oumenosimplícitadosdocumentos.
47
Daísejustificaabuscadetestemunhasdahistóriaoriundasdopovo,como
as que na  presente pesquisase encontram.São exnormalistas, exprofessores e
exdiretorafalandodesuasexperiênciasdentrodaEscolaNormalOficialdePicos,
durante os anos de 1967 a 1987. Os materiais da memória, nesse cas o, se
apresentam como monumentos e documentos. E ntendendo monumento como
“tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação”, conforme
assinalaLeGoff(2003,p.526).
Os primeiros espaços da ENOP, que hoje infelizmente foram
descaracterizados e estão a serviço de outros órgãos públicos, são monumentos,
evocam o passado. Porém, evocamno para aqueles que neles transitaram, que
neles passaram momentos de suas vidas. São detonadores das lembranças,
comoass inalaNascimento(2002,p.172).
Aopassarporsuascalçadas,aocontemplarsuasfachadas,aopenetrarseu
interior,aspessoasqueviveramnessesespaçossãocapazesdeselembraremde
acontecimentosdiversos ,poiselesestãoimpregnados delembranças,ratificandoo
pensamento deHalbwachs (1990,p.131),paraquem“nosso entornomater ial leva
ao mesmo tempo nossa marca e a dos outros.” A exdiretora, dona Zizi, é um
monumento,portrazeremsitod aumaconotaçãodeépoc adahistóriadaeducação
emPicos,é“umlegadoàmemóriacoletiva”(LEGOFF,2003,p.526).
Para efeitos de conceito, adotase, na presente pesquisa, o conceito de
documentoelaboradoporLeGoff(2003,p.535).Paraele:
Odocumentonãoéqualquercoisaq ueficaporcontadopassado,é
um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de
forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento
enquanto monumento permite à me mória coletiva recuperálo e ao
historiadorusálocientificamente,istoé,complenoconhecimentode
causa.
Ratificase,assim,aafirmaçãodadaanteriormentedequeosespaçosem
que a ENOP funcionou inicialmente possuem uma significação para os que nela
transitaramenquantoalunos,professores,funcionáriosediretora,espec ialmenteo
segundoespaço.
Significamporquefizerampartede suasvidas.Nessesespaçosocorreram
asmaisdivers assituaçõespedagógicas,administrativaseafetivas.Neles,houveo
processodecons tituiçãodeumtipodeprofessorqueasociedadeesperavater.Isso
48
reforça a tese de Halbwachs (1990, p.85), para quem “toda memória coletiva tem
comosuporteumgrupolimitadonoespaçoenotempo”.Alémdisso,outros“lugares
da memória” foram considerados na pesquisa, como os lugares topográficos, os
lugares monumentais, os lugares funcionais e os lugares simlicos, todos
detonadoresdaslembranç as.
Dessaforma,agrandecontribuiçãodamemóriacoletivaparaestudos como
este reside no fato de projetar seu olhar para o interior do grupo, para o seu
cotidiano,suasexperiênciasvividas.Ouconforme pontua Halbwachs(1990, p.88),
“elaapresentaaogrupoumquadrodes imesmoque,semdúvida,sedesenrolano
tempo,jáquesetratadeseu passado,masdetalmaneiraque elese reconhece
sempredentrodessasimagenssucessivas ”.
1.4.Estudandoaconstituiçãodosujeito:entreopodereosaber
Através da memória coletiva foi possível trazer à tona as experiências
vividas pelasnormalistas,professores,funcionários e diretora, du rante osanos de
enfoque da pesquisa e, com isso, pôdese resgatar e, posteriormente registrar a
história dessa instituição de ensino. Foi apresentado ao grupo um quadro de si
mesmo, de como os saberes foram repassados e assimilados, de como se
estabeleceram as relões de força dentro desse espaço, os processos e
mecanismos de objetivão e subjetivão capazes de constituírem o sujeito, o
sujeitonormalista,osujeitoprofessor.Paraentenderesseprocessodeconstituição
do sujeito, lançoume mão dos ap ortes teóricos de Michel F oucault em torno da
subjetivação dohomemnanossacultura.
Sab endo que não é o poder, mas o sujeito que norteia os estudos de
Foucault e, conseqüentemente, os modos de constituição desse sujeito, que s e
empregouaquiasuateoria.
Para explicar os modos de constituição do sujeito e que definem a sua
identidade, Foucau lt elabora consistente discussão em torno dos  processos de
objetivaçãoes ubjetivão dohomem.ParaFonseca(2003,p.2425),“Foucaultfaz
umestudodaconstituiçãodoindivíduomoderno comoobjeto,umcorpodócileútil.
Alémdeestudaraconstituiçãodosujeitomodernocomosujeito,ouseja:indivíduo
49
preso àsuaprópriaidentidadepelaconsciênciadesi”,en tendendoaquiaidentidade
comoalgodado,atribuído pelooutroequeéassimiladopeloindivíduoques etorna
sujeitodamesma,éalgodeterminado.
Avisão foucautianado indivíduocomo“umcorpodócileútil”,passapeloseu
conceitodedisciplinaoupoderdisciplinar,presentenaschamadasinstituições
disciplinaresoudeseqüestro,geradorasdeumtipoespecíficodesaberedeum
mododeexercíciodepoder,polimorfo.Asinstituiçõesdisciplinarestêmcomobase
arquitetônicaoPanopticon²deBentham,elaboradoemfinsdoséculoXVIIIeque
pretendia, através da obs ervação constante do preso, regular suas ações em um
sistemadevigilânciaconstante.
A normalizão das ões e a sua constante vigilância marcam as
instituições disciplinares . Nelas, através da disciplina, entendida aqui como um
instrumento de controle capaz de organizar o espo em que o indivíduo s e
encontra, definindo a posição de c ada um ou como diz o próprio Foucau lt (1987,
p.123):
Importa estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e
como encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis,
interromperasoutras,poderacadainstantevigiarocomportamento
de cada um, apreciálo, sancionálo, medir as qualidades ou o s
méritos.
Enfim,vigiarefazercomqueovigiadosaibadisso, mesmoquandonãoestá
sendo vigiado. Para que suas ações continuem moldadas no modelo
comportamentalesperado.Alémdereguladoradoespaço,adisciplinatambém,no
sistemadecon troledecorpos,éreguladoradotempo.Essedeves ertotalmente
aproveitado,semdesperdício.
TomouseaEscolaNormalOficialdeP icoscomoumainstituiçãodisciplinar,
emvirtudedaformadeconduçãodamesma,dotipodeprofessorquealisegestou
edasformasderelaçõesdeforçasederesistênciaquenelaseestabeleceram.
____________
²Tratase,segundoFoucault(2002, p.106),de“umaarquiteturadavigilância,que permitea
umúnicoolharpercorreromaiormeroderostos,decorpos,deatitudes,omaiornúmero
decelaspossíveis”.
50
Espaç o de normas e devigilância constantes,aENOP teve,duranteseus
primeiros v inte anos de funcionamento, a marca característica da presença da
vigilância em seu cotidiano. Vigilância que se estendia da normalista aos
profess ores,douniformeaotipodeaulasquesedava,doaproveitamentodotempo
à organização espacial das alunas. Nessa escola, obedecer era a regra. E, para
isso,umarededeolharesfoiimplantadapa raqueomodelodeprofessorquedali
sequeriaextrairpudesseefetivamenteacontecer.
AssimcomonoPanopticonhaviaumaespéciedehierarquiadeolhares,na
ENOPissotambémsefezpresente.Oolhardocentro,oolharprincipal,quevigiav a
asnormalista seraomesmoquevigiavaseussubalternos.Ratificando,comisso,o
que Michelle Perrot, em en trevista com Foucault (1979, p.219) afirma sobre o
Pan opticon:
O funcionamentodopanopticon é, desteponto de vista, um pouco
contraditório.Temseoinspetorprincipalque,datorrecentral,vigia
os prisioneiros. Mas ele também vigia muito seus subalternos, ou 
seja, o pessoal responsável pelo enquadramento; este inspetor
principalnãotemnenhumaconfiançanosvigias.
Nosistemadevigilância impostonasinstituiçõesdeseqüestro,tomandoa
escola como um dos seus modelos, implantase uma espécie de “pimide de
olhares”,ondeoexisteodonodopodermaterializadoemalguémounopróprio
Estado,masoexercíciodomesmoatravésdeváriosolharesqueseentrecruzam.
Seg undoFoucault(19 79,p.219):
Não se tem nesse caso uma força que seria inteiramente dada a
alguémequeestealguémexerceriaisoladamente,totalmentesobre
os outros; é uma máquina que circunscreve todo mundo, tanto
aquelesqueexercemopoderquanto aquelessobreosqu aisopoder
see xerce.
Assim,nasinstituiçõesdisc iplinares,háumsistemadevigilânciaconstante
queenvolv eatodos.Éaaplicãodametáforado“olhodoimperador³”,queatudo
eatodosvê,mesmosemservisto.
____________
³ConformeFoucault(2002,p.107),“oimperadoréoolhouniversalvoltadoparaasociedade
emtodaasuae xtensão.Olhoauxiliadoporumariedeolhares,dispostosemformade
pirâmideapartirdoolhoimperialequevigiamtodaasociedade”.
51
No caso específic o da ENOP, a sensação da vigilância era constante,
mesmoquandoelanãoestavapresenteeissosedavadentrodoseuespaçoefora
domesmo.Dentro,atravésdocomportamentodisciplinadodasalunas;fora,através
daobediência,porexemplo,aonã ousodouniformeemlugaresoutrosqueoa
escola.
Foucault(2002,p.87)de fendeatesedequevivemosemumasociedadeem
quereinaopanoptismo,entendidoporelecomo“umaformadepoder”querepousa
sobreoqueelechamadeexameouvigilância.ParaFoucault(2002,p.103):
O Panoptismo é um dos traços característicos da nossa
sociedade. É uma forma de poder que se exerce sobre os
indivíduosemformadevigilânciaindividualecontínua,emforma
decontroledepuniçãoerecompensaeemformadecorreção,isto
é, de formação e transformação dos indivíduos e m função de
certasnormas.
Vigilância,controleecorrãoéotripéemqueseassentaasociedade
disciplinar.Éotripéqueembasaasinstituiçõesdisciplinares.Éumaformadepoder
caracte rizadapeloolharcontínuodeunssobreoutros .Masoquesedestacanisso
tudoéqueasinstituiçõesdisciplinaresnãoexcluemoindivíduo,pe locontrário,asua
pretensãoéincluílo.Eoexameseria,pors econstituirnuma“vigilânciaquepermite
qualificar, classificare punir” (FOUCAULT, 1987, p154), conformeFoucault (1987,
p.156), “ummecanismoqueliga umcertotipo de formação desabera umacerta
formadeexercíciodopoder”.
Valeressaltarqueope ríodohistóricobrasileiroemquerepousaapresente
pesquisa é o da Ditadura Militar (19641985). Período de repressão e intensa
violência. Época em que os direitos e garantias pessoais foram suprimidos e
implantouse um reg ime de excão que afetou todas as instituições, inclusive as
escolas, através de leis que passaram a regular o novo perfil de  educandos e
profissionaisquesequeriagestar.
AENOP,comoinstituiçãoescolar,tambémfoiafetadapelasnovasnormas
legais.NormasoriundasdeumEstadoditadorequeseajustaramperfeitamenteao
modelo de cultura escolar próprio dela. Estado também panopticon e que criou,
através  de suas instituições, uma verdadeira rede de olhares que incidira m sobre
todaasociedadequesequeria“cileútil”,obediente.
52
Ec omoasinstituiçõesdisciplinaresnãopretendemexcluiroindivíduo,mas
incluílo,paradocilizáloeutilizáloaserviçodasociedade,adotamoexamecomo
umdos  seus principais dispositivos para a efetivação da sua pretensão. Segundo
Foucault (1987, p.155), “o exame permite ao mestre, ao mesmo tempo em que
transmiteseusaber,levantarumc ampodeconhecimentosobreseusalunos”.
O mestre é visto na sociedade disciplinar como portador de s aberes.
Sab eres que são passados aos alunos, através da sua prática pedagógica. Mas
também é visto como aquele através de quem se pode obter o maior número
possívelde informaçãosobre o aluno. Quem é c apaz de extrairdo aluno o saber
queelepossui,paraemcimadessesaber,podertrabalhar,poderadestrálo.Vale
lembrarque,paraFoucault(1987,p.160):
O exameestáno centrodosprocessosque constituemoindivíduo
comoefeitoeobjetodopoder,comoefeitoeobjetodosaber.Éele
que combinando vigilância hierárquica e sanção normalizadora,
realiza as grandes funções disciplinares de repartição e
classificação, de extração máxima das forças e do tempo, de
acumulaçãogenéticacontínua,decomposiçãoótimadasaptidões.
Vêse,dessaforma,oindivíduocomoumprodutoqueseestabeleceentreo
poder e o saber. E  o poder comoalgo produtivo e o repressivo, uma vez que
objetiva,segundoMachado(2002,p.vii),“geriravidado shomens,controlálosem
suasaçõesparaquesejaposs íveleviávelutilizálosaomáximo,aproveitandosuas
potencialidadeseutilizandoumsistemadeaperfeiçoamentogradualecontínuode
suascapacidades”.Éocontroledocorpocomofitodefabricaroho memdócileútil.
Dócil, pors e submeteràsregrasdopanoptismo;útil,porse ajustaraomodelode
sociedadeexistenteeproduzir.Daíseconclui,conformeMachado(2002,p. xix),que
“opoderéprodutordeindividualidade”.
Eédentrodessaconcepçãodopoderenquantoprodutordeindividualidade
e gerador de saber que se busca entender os proc essos de objetivação e de 
subjetivação do indivíduo, em espaços de relões de forças que promovem a
transformãodohomememsujeitovinculadoaumaidentidadequelheéimposta.
Relações de forças que, segundo Fonseca (2003, p.3 3), “em vez de tomar os
objetossobreosquais incideme moldálos,caracterizandoassimumarelaçãode
dominação,os mecanismosdasrelaçõesdepodervisamconstituirtaisobjetos”.E
53
ao constituílo, produzse o sujeito detentor de discursos, atitudes e pensamentos
conformeocotidiano emqu eseencontrainserido.
AoladodarededevigilânciaaplicadanaENOP,promotorada formaç ãode
uma rede de disciplina, formouse também a rede da antidisciplina , marcad a pela
presençadeaç õesdasnormalistasqueinfringiamasno rmasdaescolaecolocavam
osistemadevigilânciaemalerta.SegundoCerteau(1994,p.41):
Seéverdadequeportodaaparteseestendeeseprecisaarededa
‘vigilância’, mais u rgente a inda é descobrir como é que u ma
sociedadeinteiranãosereduzaela:queprocedimentospopulares
(também ‘minúsculos’ e cotidianos) jogam com o s mecanismos da
disciplina e não se conformam com ela a não ser para alterálos;
enf im,que‘maneirasdefazer’formamacontrapartida,doladodos
consumidores (ou ‘dominados’?), dos processos mudos que
organizamaordenaçãosóciopolítica.
Em umaescola, onde freqüentavampessoas das mais diversas partes da
macrorregião, com formação diversa e formas múltiplas de visão de mundo,
indiscutivelmente que, mes mo diante da  rede de vigilância bem organizada e
eficiente,haveriaosurgimentodoafrontamento,daantidisciplina.
Ebusc ouse,aolongodapes quisa,fazerolevantamentoea análisedesses
afrontamentos, para poderse entender tanto o porquê da preocupação com a
disciplinaquantooporquê daindisciplina.Dasmaneirasdefazerdanormalistapara
transgredirem. Entendendo as maneiras de fazer, segundo Certeau (1994, p.41),
como “as  mil práticas pelas quais usuários se reapropriam do espaço organizado
pelastécnicasdaproduçãosóciocultural”.
NalinhateóricadeFoucault,arededadisciplinaafetaocontroledoespaço
e do tempo, para assim, atingir o indivíduo. Espaço controlado, em que há a
distribuiçãodoscorpos,ouseja,“cadaind ivíduonoseulugar;eemcadalugar,um
indivíduo”,(FOUCAULT,1987,p.123).Mas,emboradiantedocontroledoespaço,
houve, na Escola Normal Oficia l de Picos, a tentativa pelas normalistas, da
reapropriãodomesmo,deveremassuasprete nsõesjuvenisserematendidas.E,
paraisso,lançarammãosdetáticasdiversas.
Paratanto,necessáriofoifazerumaleituraarquitetônicadosegundoespaço
daENOP.Umav ezquefoinesselugaremqueosprincipaisacontecimentosdessa
escola se evidenciaram. O espaçoescola não é algo neutro, desprovido de
significação,eleestáimpregnadodesignificação,possuiumc onteúdosemânticoe
54
sintáticopróprioequedeveserexplicado,praseentenderasrelõesdeforçaque
neleacontecem.SegundoEscolano(2001,p.26):
O espaçoescola não é apenas um ‘continente’em que se acha a
educação institucional, isso é, um cenário planificado a p artir de
pressupostos exclusivamente formais no qual se situam os atores
queintervêmnoprocessodeensinoaprendizagempara executarum
repertório deações.A arquiteturaescolaré també m por si mesma 
um programa, uma espécie de discurso que  institui na sua
materialidadeumsistemade valores,comoosdeordem,disciplinae
vigilância, marcos pa ra a aprendizagem sensorial e motora e toda
umasemiologiaquecobrediferentessímbolosestéticos,culturaise
tambémideológicos.
E por ser também um programa, defendese a tese de que a arquitetura
escolarpossuiumcurrículooculto,tambémcapazde informareformaroindivíduo.
Aleituraarquitetônicaécapazderevelaressecurrículooculto,eamemóriadosque
nesseespaçotransitarampoderev elarnuancesmuitoparticularesdomesmo.
ParaVinãoFrago(2001 ,p.62),“aescola,pois,enquantoinstituição,ocupa
um espaço e um lugar”. O espaço é o que s e vê, a arquitetura dada. O lugar é
construç ão,éelaboração,énelequeconcentraadimensãos emânticadoespaço,
umavezquesãoaspessoasqueporeletransitamqueoconstroem,apropriamse
deleedãolhesignificado.
A Escola Normal Oficial de Picos é entendida aqui como lugar, e lugar
antropológico, uma vez que “és imultaneamente princípio de sentido para aqueles
queohabitameprincípiodeinteligibilidadeparaquemoobserva”,conformelições
de Augé (1994, p.51). Significou para seus docentes, dirão e alunas; e
representou para a s ociedade que a recepcionou. Tratase, pois, de um lugar
identitário,relacionalehistórico.
NaENOP,espaçoderelõesdeforças,foiconstituídoumtipoespecífico
de sujeito: a professora primária. A partir da cultura escolar aliempreendida e da
disciplina existente, as normalistas participavam de um cotidiano programado,
normalizado e vigiad o que buscava diuturnamente trans formálas de indivíduo em
sujeito, capaz de se apropriar, através das práticas pedagógicas e das normas
existentes,deumsaberpróprioàprofissãoadesempenharposteriormente.Embora
jáfossenecessárioevidenciáloenquanto estudante.Umavezqueanormalistade
entãoseriaaprofessoradeamanhã.
55
1.5.Conceituandoaculturaescolar
EaENOPestavaali,enquantoinstituiçãodisciplinar,formandoessefuturo
profess or. E a normalista era esse cartãodevisitas que a escola tinha para
apresentar,numaespéciede eisaquiaprofessoraquevocêsterão! .Comisso,
estavase dando, às normalistas, uma identidade pronta. Competiria à professora
queelaseriapôrempráticatudooquenaescolafoiaprendido.
Mas que se entende, para efeito de sistematização da presente pesquisa,
porculturaescolarenquanto objet o histórico?  Adotaseo conceito elaborado po r
DominiqueJulia(1993,p .10),paraquem:
poderseíadescreveraculturaescolarcomoumconjuntode
normas
que definemconhecimentos aensinare condutas a  inculcar,e um
conjunto de
práticas
que permitem a transmissão desses
conhecimentoseaincorporaçãodessescomportamentos;normase
práticas coordenadas a f inalidades q ue podem variar se gundo as
épocas (finalid ades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de
socialização).
Normas e práticas envolvem o conceito de cultura escolar. Estáse, pois,
diantedeumconceitoquevaiaoencontrodoconceitodesociedadedisciplinar.A
cultura escolardizrespeitoàsnormasquedefinemasõesinternasdaescolaeos
modoscomoessasnormass ãoexecutadas.Normasque,naverdade,estabelecem
oque podee oquedeveserensinadoaoaluno,ossaberesepistemológicos que
devemnortearumadeterminadaformão.
Além disso, o conceito de cultura escolar envolve as condutas a serem 
inculcadas, ou seja, uma série de  práticas pedagógicas que objetivam moldar o
comportamento do aluno, conforme um padrão préestabelecido. Uma espécie de
controledocorpo.Tratamse,assim,depráticasqueenvolvemumjogoentrepode r
xsaber,práticasquedirecionamosaberdeformaaserassimilado.Comosevê,a
cultura escolar, na linha teórica de  Julia (1993), tem como meta formar o sujeito,
atribuirlheumaidentidade.
Vale ressaltar, que as normas e as práticas que envolvem o conceito de
cultura escolar estão sempre relacionadas ao contexto sóciohistórico mais amplo
emqueestãoinseridas .ParaJulia(1993,p.10):
56
aculturaesco larnãopodesere stud adasemoexameprecisod as
relações conflituosasoupacíficasqueela mantém,a cadaperíodo
de sua história, com o conjunto das culturas que lhe são
contemporâneas:culturareligiosa,culturapolíticaouculturapopular.
Dessa forma, para se entender a cultura escolar que se desenvolveu no 
espaço da ENOP, necessário será entender a situação histórica em que o Brasil
estava inserido: a Ditadura Militar. Ditadura essa, conforme anteriormente falado,
que esta beleceu a partir de suas instituições um novo modelode Estado a que a
sociedade deveria se submeter. Além disso, ao próprio contexto histórico local: a
cidade de Picose suas peculiaridades.E,com isso, apresentar a relãoque ela
estabelececomessecontexto.
São aspráticascotidianasnoespaçoescolarqueaquiinteressam.Práticas
que o se encontram registradas e arquivadas nos arquivos da escola. É a
cotidianidade e a sua dinâmica que envolve a cultura escolar. A cotidianidade
marcadapornormasaseremcumpridasetransgressõesaessasnormas.Ou,como
assinalamGonçalveseFariaFilho(2005,p.33):
O olhar para as práticas cotidianas da escola fixase nos
acontecimentos silenciosos do seu funcionamento interno.
Silenciosos, seja pela ausência de documentos, ou documentos
poucoconservados,seja,ainda,pornãoteremsidoencontrados.
E,porteremsidoacontecimentossilenciosos,équesebuscounométodo
dahistóriaoralomelhorcaminhopa raresgatareregistrarahistóriadaENOP.Sem
oamparonessemétodo,oregistroeainterpretaçãodaculturaescolarteriamsido
impossíveis.
Assim,aabordagemhistóricaquemelhorseaplicouaoobjetodeestudoda
Dissertação fo i a microhistória, não pela redução da escala de observação que
aquisepropôs,queéaculturaescolareaconstituiçãodosujeitoquenaENOPse
formou, nas cadas de 1967 a 1987, mas porque esta, no dizer de Levi
(1992,p.154):
dedicaseaoproblemadecomoobtemosacessoaoconhecimento
dopassado,atravésdeváriosindícios,sinaisesintomas.E sseé um
procedimentoquetomaoparticularcomoseupontodepartida(um
particularquecomfreqüênciaéaltamenteespecíficoeindividual,e
57
seria impossível descrever como um ca so típico) e prossegue,
identificando seu significado à luz de seu pró prio contexto
específico.
E o acesso aoconhecimento do passadose deu através da memória dos
agenteshistóricosedeseus arqu ivosparticulares,depositáriosdefotografias,livros,
cadernosescolares,cad ernosderecordação,planosdeaulaeoutros.
58
2. ESCOLA NORMAL OFICIAL DE PICOS: DA INSTALAÇÃO À
CONSOLIDAÇÃO
Umdostemasemeducãoquetemmotivadodiscussõesepesquisasestá
centradonaformaçãodosprofessoresparaaeducaçãonoiníciodaescolarização.
E, um dos caminhos vveis, para entender como esses profissionais foram
preparados, é o conhecimento da instituição educacional e da sociedade que os
geraram,ratificando,comisso,opensamentodeTobias(1986,p.26),paraquem“a
educação é o espelho de um povo. O que forem os homens, haverá de ser a
educaçãoporelesministrada.”
DuranteoImpériobrasileiro,firmouseapreocupaçãocomaformaçãopara
omagistérioeforamassimcriadasasprimeirasescolasnormaisnopa ís.Em1835
foicriada a escolanormal emNiteróie em 1836, a da Bahia,visando ummelhor
preparodosprofessores.Taisescolas desenvolveramsemaisintensamenteapenas
durante o período repub licano. Louro (2002, p.448) assim se posiciona sobre o
período:
O abandono da educação nas províncias brasileiras, denunciado
desdeoiníciodoImpério,vinculavase,naopiniãodemuitos,àfalta
de mestres emestrascom boaformação.Reclamavam, então,por
escolasdepreparaçãodeprofessoreseprofessoras.Emmeadosdo
século XX, algumas medidas foram tomadas em resposta  a  tais
reclamos e, em a lgumas cidades do país, logo começaram a ser
criadasasprimeirasescolasnormaisparaformaçãodedocentes.
Oquesebuscavacomaimplantaçãodasescolasnormaiseracertamentea
formação de profiss ionais qualificados para a condução da  instrução primária no
país, que substituíssem lentamen te os antigos mestresescola e preceptores
despreparados para a condução do ensino das primeiras letras e,
conseqüentementeoportunizassemodinamismoeamodernizaçãodoensino.Para
Villela(2000,p.104):
O movimento de criação das escolas normais inseriase, segundo
alguns dirigentes provinciais, numa espécie de cruzada pelo bem
comum da sociedade. Elas formariam aqueles h omens a quem
caberia,pormissão,elevaronívelintelectualemoraldapopulação,
unificandopadrõesculturaisedeconvivênciasocial.
59
Iniciase, oficialmente, a institucionalização da formão docente que,
conformeVillela(2000,p.101),“teriainícioa partirdasdécadasde30e40doséculo
XIX,comosurgimentodasprimeirasescolasnormaisprovinciais.”
As escolas normais espalharamse lentamente no Brasil e serviram para,
formarosfuturos professoresprimáriosqueiriamsubstituirosprofessoresleigosque
atuavamnaeducaçãonopaís,etambém,conformeTobias(1986,p.144):
arrancaram as mulheres de seu enclausuramento, elevandoas,
instruindoas e delas fa zendo as primeiras professoras do Brasil;
além disso, ofereceramlhes oportunidade de serem úteis ao
próximo, de se realizarem, de trabalharem fora, capa citaramnas a
melhor educar seus próprios filhos e deramlhes pela primeira vez
instruçãodeg raumédio,fatojamaisacontecidonoBrasil,aindamais
demaneiraoficialesistemática.
As escolas normais no país foram mais do qu e agências formadoras de
profess ores,foram,também,espaçodesocialização e,sobretudo,deemancipação
damulher,umavezqu eparaelas“ocasamentoeamaternidadeeramefetivamente
constituídoscomoverdade iracarreirafem inina.Tudoquelevasseasmulheresase
afastarem desse caminho seria percebido como um desvio da norma” (LOURO,
2002,p.454)
Seg uindoessalinhaderaciocínio,Freitas(2003,p.37)assimseposiciona:
Asescolasnormaisconstituíamumespaçodeformaçãosocialmente
aceito,responsávelpelaprofissionalizaçãodeumgra ndemerode
mulheres.Apossibilidadedeexerceremumaprofissão socialmente
permitida garantia às mulheres a oportunidade de transcender o
âmbitodomésticonabuscade realizaçãoeindependência sociale
econômica.
Lentamente,asmulheres foramocupandoseuespaçonasescolasnormais
e, conseqüentemente, no exercício da profissão de professora, ass im, c onforme
Louro(2002,p.454455):
Asescolasnormaisseenchemdemoças.A princípiosãoalgumas,
depois muitas; por fim os cu rsos normais tornamse escolas de
mulheres.Seuscurrículos,suasnormas,osuniformes,oprédio,os
corredores, os quadros, as mestras e  mestres, tudo faz desse um
espaçodestinadoatransformarmeninas/mulheresemprofessoras.A
instituição e a  sociedade utilizam múltiplos dispositivos e símbolos
60
para ensinarlhes sua missão, desenharlhes um perfil próprio,
conf iarlhesumatarefa.Aformaçãodocentetambémsefeminiza.
Esse espaço escolar destinado a formar professores devidamente
preparadosparaofu turo exercíciodaprofissãodocente passouaserametanão
apenasdasmoças,mastambémdas própriasfamíliasque,devidoàqualidadedo
ensinoaliexistente,associadoàpossibilidadedainclusãodanormalistanomercado
detrabalhoeàreputaçãopositivade talinstituiçãodeensino,aescolanormalno
Brasilpassouaseroespaçoescolaralmejado.ParaFreitas(2003,p.49),“ocurso
normal poderia ser a concretização de aspirações ligada s a múltiplos fatores, tais
comoa`motivaçãoinfantil`,anecessidadeeconômicaeavalorizaçãosocial”.
NoPiauí,mesmodiante dasituaçãodeatraso emqueseencontravasua
população, sentiuse a necess idade de formar seus professores para atuar nas
escolasdeensinoelementar.SegundoFerro(1996,p.70):
com o objetivo de formar professores para o ensino elementar, é
defendidaacriaçãodeumaEscolaNormal.Aautorizaçãooficialé 
dada pela Lei Provincial nº 565, de 05 de agosto de 1864, ao
Presidente da Província, Franklin Américo de Meneses Dória, para
executar as medidas necessárias à sua instalação.Em 06 de
sete mbro deste mesmo ano, é publicado o regulamento que
determina que a Escola Normal deve funcionar na capital, para a
formaçãodemestresdeprimeirasletras,emregimedeexternato,e
osalunosdeviampagarumataxaanualde80$000(oitentamilréis),
emquatroprestaçõesde20$000(vintemilréis).
Instalase a primeira EscolaNormal no Piauí em03 de fevereiro de 1866
sendoextintaem1867.Apósisso,duasnovastentativasdeimplantaçãodeEscolas
Normaisaconteceram,umaem1871eoutraem1882 .AindaconformeFerro(1996,
p.71):
O ensino normal também passou por sucessivas extinções. Foi
extintoem1867,pelaLeiProvincialnº599de9deoutubrode1867.
OutraLeiProvincial,adenº753de29deagostode1871,criaum
cursonormaldetrêsanosanexosaoLiceu,quetemvidaefêmerae
éextintopelaLeiPro vincialnº858de11dejunhode1874.Coma
denominação de Escola Normal é novamente recriada pela Lei nº
1.062de11dejunhode1882,comocursodedoisanosdedu ração.
[...].EstaescolafoiextintaatravésdaLeinº1.197de10deoutubro
de1888.
61
Mesmodiantedessesavançoserecuosdatentativadeimplantaçãodeuma
escolanormalnoPiauí,emsuacapitalTeresina,queapresentavamumquadrode
faltade interesse político para que aconsolidação da mesmaocorresse,segundo
Soa res(2004,p.63),
um grupo de intelectuais criou em 1908 uma instituição não
governamental a Sociedade Auxiliadora da Instrução Pública que
chamouparasiaresponsabilidadedaformaçãodocentenoEstadoe
instituiuem1909aEscolaNormalLivre.
ComaoficializaçãodoensinonormalnoPiauí,ocorridonogovernodeDr.
Antonino Freire da Silva (19091912), a Escola Normal Livre foi transformada em
EscolaNormalOficial,em1910,sediadaemT eresinaPI.
Comoseviu,paraquetalescolafosseefetivamenteimplantada,necessária
foi a promoção de um verdadeiro movimento próescola normal, empreend ido por
umgrupode intelectuaisquereivindicavaumprofessoradopreparadoparaconduzir
oensinonoEstadoequese incomodavacomainaç ãodo governopiauienseem
mudarocenárioeducacionalexistente.ConformeLopes(2001,p.22),“aindecisão
doGovernoquantoàc riaçãodeumaEscolaNormalensejouainiciativa,tomadaem
1907,deumgrupodeparticularesemproldafundaçãodetalinstituição”.
Diantedainaçãogov ernamentalfoiqueem1909inaugurouse,noPiauí,na
cidadedeTeresina,aEscolaNormalLivreque,emboranãooficial,s egundoLopes
(2001,p.26),
Comestaescolaesperavamseusmentores,finalmente,superaroque
consideravam uma terrível herança do Império: professorado
despreparado,sendoestaocupaçãoummeiodeacomodarprotegidos
sem habilitações para a burocracia, desenhandose um quadro d e
fun cionáriosmalpagosedominadospe lochefepolíticolocal.
Focase, agora, na escola normal, a possibilidade da mudança desse
quadrocríticoemqueseencontravamergulhadaaeducaçãopiauiense,esperava
sequeelagestasseoprofessormodernoqueviessecomoagenteregeneradordo
cenário educacional deficitário piau iense. Vêse na professora normalista esse
agenteregenerador,transformador.
Anecessidadedesubstituirocontingentedeprofessoresleigosemtodoo
PiauípromoveuaimplantaçãodeescolasnormaisemalgumascidadesdoEstad o,
62
dentre elas, Parnaíba (1927), Floriano (1931) e só em 1967 em Picos, em plena
épocadaditaduramilitar.
Para estudar a história de uma instituição educacional é preciso também
adentrarnoespaçosocialemqueestáinserida.ConformeRomane lli(1993,p.23),
“pensaraeducaçãonumcontextoépensaressecontextomesmo:aãoeducativa
processasedeacordoc omacompreensãoquesetemdarealidadesoc ialemque
seestáimerso”.
A Escola Normal Oficial de Picos, com suas normalistas de uniformes
impecáveis, como instituição de ensino, influenciou e sofreu influência da
comunidadeemqueseencontravains erida.Influenciou,poisgestouoprofessorqu e
iria educar os filhos dessa sociedade, pois abriu espaço para as mulheres
estudaremepoderemadquirirumaprofissão;sofreuinfluência,poisfoiimplantada
noseiodeumasociedadedefeiçõespatriarcais,conservadoraereligiosa,comsuas
regras de conduta, terminava impondo um modelo de professor que deveria ser
formado, assim como o própr io comportamento da normalista dentro e fora do
espaçoesc olar.
Mas,parachegarseaoestudodocotidianodessaescolaeentenderotipo 
deprofessorque elaformou,necessárioé fazeruma retrospectivadasituação da
educação escolar no município de Picos pa ra que se possa compreender as
motivõesquecontribuíramparaasuainstalação.Valeressaltarqueasraízesda
educação escolar em Picos, anteriores à implantação da ENOP, encontramse
registradasnostrabalhosacadêmicosdaspesquisadorasMariaAlveniBarrosVieira
(2002)eJaneBezerradeSousa(2005).
Assim, coma implantaçãoofic ialdoGrupoEscolaremPicos,ocorridaem
1928, e a conseqüente inauguração do prédio do Grupo Escolar Coelho
Rodrigues(estadual)em1933,aeducaçãopicoensepassaaviverumanovaetapa
emsuahistória.Essanovafasefoimarcad apelamodernizaçãoepelanecessidade
deprofessoresqualificados.Necessidadeess aquemotivouopoderpúblicolocala
buscar fora dos entornos da cidade, professoras normalistas para atuarem na
educaçãomunicipal.
As primeiras professoras normalistas que c hegaram a Picos, em 1929,
foram Maria das Neves Cardoso, Alda da Mata Rodrigues e Ricardina de Castro
Neiva, que se tornaram as responsáveis primeiras, nesse período, em tirarem a
63
cidade do seu atraso educacional. Situação semelhante à vivenciada no romance
Cazuza(CORREIA,1983)eanalisadaporFerro(2000).
Em 1935 foi fundada a Escola Municipal Landri Sales e em 19 44, o
ColégiodasFreirasqueem1972passouaserchamadodeInstitutoMonsenhor
Hipólito.
Em1949, éfundadooGinásioEstadualPicoenseque,con formeDuarte
(1991,p.108109),teveforteimportânciaparaomunicípioumavezque:
Emprimeirolugar,possibilitouquemuitosjovenspicoensesdessem
continuidadea os seusestudos,oquedocontrário não iria ocorrer,
visto que a maioria deles não tinha condições financeiras. Em
segundolugar,oginásiotrouxeumaespéciedefermentointelectual
paraacidade,cujoloirradiadorfoioGrêmioLiterárioDaCostae
Silva,quetevecomopresidentefundadoroginasianoJosé(Ozildo)
Albano de Macedo, e tinha no jornal Flâmula [...] um importante
instrumento de veiculação de idéias e de divulgação da produção
literárialocal.
Em 1969, o Ginásio Estadual Picoense ganha novo prédio, amplo e
moderno,epassaasechamarGinásioEstadualMarcosParente.
Em sua pesquisa, Sousa (2005, p.50) resume a situação da educação
escolaremPicos,asaber:
Noiníciodadécadad e50,oensinonacidadedePicosestavaassim
constituído:haviaoGinásioEstadualPicoense,emquefuncionavam
o curso ginasial e um cu rso técn ico de comércio; 54 unidades de
ensino primário fundamental, sendo 11 mantidos pelo governo
estadual,30pelomunicipaleuma escolaparticular;ecincocursos
supletivos.
Essa situação acima apresentad a mostra um cenário que demonstrava a
necessidadeda instalaçãodeumcursodeformãode professoresnacidadede
Picos.Éoqueseveráaseguir.
64
2.1. O nascimento da Escola Normal Oficial de Picos: as motivões
diversas
Motivadapelodesejodac omunidadepicoenseedasuamacrorregiãoemter
uma escola formadora de  professores primários para atenderem às escolas
existentesesubstituíremlentamenteamãodeobraleiganaativa,foiinstaladana
cidadedePicos –Piauí,nodia05demarç ode1967,às10h,emsessãosolene,no
auditóriodoColégioEstadualMarcos Parente,aEscolaNormalOficialdePicos.
Figura4.Convitepara solenidadedeinstalaçãodaENOP(1967)
Fonte:ArquivodaENOP
Foi expedido convite (figura 1) para que a sociedade picoense
comparecesseàsolenidadedeinstalaçãodaENOP.Pelodispostonoconvite,vêse
65
oentusiasmocomaimp lantaçãodaescolaeaapresentaçãotextualdanecessidade
localdamesma:“Lá,juntamente,teremosaoportunidadedeviveraconcretização
deumdosmaiscarosanseiosdanossacidadeedanossagente”.Osonhodeter
umaescolaformadoradedocentes,umceleirolocalformadordeprofessorescom
umperfilque atendesse aos interesses gerais da comunidade estão evidentes no
convite.
Na solenidade de instalão da escola marcaram presença autoridades
estaduaisemunicipais,civis,militareseeclesiásticas,dentreeles,oExcelentíssimo
Sr.Governador doEstadodoPiauí,Dr.HelvídioNunes deBarros,oExcelentíssimo
Sr.SecretáriodeEducaçãoeCulturadoEstado,P eBalduínoBarbosadeDeuseo
IlustríssimoPresidentedoConselhoEstadualdeEducação,professorJoséCamilo
Filho.
A figura 2 apresenta o momento simbólico da inauguração do prédio da
ENOP. Nela vêse o governador Helvídio Nunes de Barros (19661970) e o
secretáriodeEducaçãoeCulturadoEstado,cortandoafitadeinauguraçãodanova
escola.Porém,oquesedestacaé oaglomeradodepessoaspresen tenoevento.
Figura5.SolenidadedeinauguraçãodoprédiodaENOP(1969).
Fonte:ArquivodaENOP
Criadaem conformidade com a LeiEstadualnº 2781, de  02 de março de 
1967,emseisartigos,eratificadaatravésdaResoluçãonº4/67,de04demarçode
1967,doConselhoEstadualdeEducação,aEscolaNormalOficialdePicospassou
a funcionar com a mesma organização curricula r aplicada às demais escolas
66
normaisdoEstado,atravésde orientaçãoconstantedoparecerde24desetembro
de1965,domesmoConselhoEstadualdeEducaçãoeo mesmotipodecontratação
depessoaldosdemaisfuncionáriosestaduais.AssimrezaaLeinº2781/67:
PoderExecutivo
Leinº2781de2demarçode1967.
Autoriza a criação da Escola Normal Oficial de Picos, e dá outras
providências.
OGOVERNADORDOESTADODOPIAUÍ:
Faço saber que o Poder Legislativo decreta e eu sanciono e
promulgoaseguinteLei:
Art.1ºFicacriadaaESCOLANORMALOFICIALDEPICOS,com
sedenacidadedemesmonome.
Art. 2ºA Secretaria de Educação e Culturaprovidenciarájuntoao
Conselho Estadual de Educação o competente processo de
verificaçãoprévia,paraefeitodefuncionamento.
Parágrafo único Na organização curricular será obedecida a
resoluçãodoCEEdoPiauíquefixouamatéria.
Art. 3º O pessoal docente perceberá o salário aula fixado pela
legislaçãoestadual.
Art. 4º O pessoal administrativo, Diretor, Secretário, Auxiliar de
Escritório e Servente, será contratado nos termos da Legislação
Trabalhista, ma ntida a paridade de vencimentos atribuídos aos
fun cionáriosestaduais.
Art. 5º Fica autorizada a criação do crédito especial de Cr$
5.550.000(cincomilhões,quinhentosecinqüentamilcruzeiros)para
ocorreraopagamentodasdespesascomaman utençãodaEscola
NormalOficialdePicos,noexercíciovigento,àcontadoexcessode
arrecadação.
Art.6ºRevogadasasdisposiçõesemcontrário,apresenteleie ntra
emvigornadatadesuapublicação.
PaláciodoGovernodoEstadodoPiauí,emTeresina,2demarçode
1967.
Fonte:ArquivodaENOP
ComaautorizaçãodacriãodaENOPatravésdaLeinº27 81/1967que
providênciasoutrasquantoàsuaorganização,aescolapassouaexistirlegalmente
eoseufuncionamentopôde acontecersemnenhumtipodeimpedimento.
67
Figura6.AtadesolenidadedeinstalaçãodaENOP(1967)
Fonte:LivrodeAtasdaENOP
68
Figura7.AtadesolenidadedeinstalaçãodaENOP–cont.(1967)
Fonte:LivrodeAtasdaENOP
69
Dasolenidadedeins talaçãodaENOPfoilavradaAta,conformefiguras3e
4,dofeitoqueap resenta,emsíntese,oarcabouçojurídiconorteadordamesma,as
autoridades civis e eclesiásticas que compareceram ao evento, como também a
iiacentralcontidanodiscursodaquelesquefizeramusodapalavra.Destacando
quetodosenfocarama importânciadetalescolapa rao município,ouseja,“[...]a
importânciaeosentidoregionaldanovaunidadedeensinomédio,quepreencherá
umalacuna,nestafasedeampliaçãodaredeestadualdeensino”.
Alémdanecessidadelocaldeseterumaescolaformadoradeprofessores
paraatuaremnocursoprimário,ressaltasetambémoimpactopolíticolocalquea
sua instalação gerou. Uma família picoense estava no con trole do administrativo
estadual,representadapeloDr.HelvídioNunesdeBarros,governadordoEstadodo
Piauíe,aimplantaçãodaENOP,atrairiamaisrespaldoeforçapolíticosaogrupoa
queestavavinculado.
É oportuno lembrar que o município picoense vivia seu processo de
expansãodaredepúblicaescolarque,decertaforma,ean tenadacomorestodo
país, precisaria dispor de mãodeobra qualificada para atuar no  mercado de
trabalhoeaENOP,enquantoescolaformadoradeprofess ores,tambémassumiria
essepapel.
Isso tudo diante do cenário econômico brasileiro, que vivia uma de suas
pioressituaçõeseconômicofinanceiras,promotoradoarrochos alarial,desemprego
edesvalorizaçãodamoeda,associada,paradoxalmente,àexpansãoda indústriae
docomércio,requerentesdeumamãodeobramaispreparadaparaconduziro“pra
frente,Brasil!”.
EaPicosdosanosdechumbocresciaemtodosossetores daeconomia,
abandonando lenta e gradualmente o modelo agrá rio por um modelo comercial,
vinculandose a uma nova tradição  econômica que, por sinal, ainda vigora na
cidade,edemandandotrabalhadorescommaiorescolaridade.
70
2.2.Primeirosdocentesefuncionários:critériosdeescolha
Asaulasiniciaramnodia27demarçodomesmoano,comduasturmasde
normalistas, no primeiro ano pedagógico,totalizando oitentaalunos,tendo sido as
disciplinasdeHistóriaeGeografia,asquefizeramaaberturadocursonormal.
Para o cargo de diretora foi indicada a professora Luzia Moura Barros, a
donaZizi,queficouàfrentedaENOPporvinteanos,de1967a1987.Naturalda
cidadedePicosefilhadeumada smaistradicionaisfamíliaslocais,fezseucurso
normal na cidade de Teresina, no Colégio Sagrado Coração de Jesus, escola de
ondeextraiuomodelodeserdiretoraeomodelodeseformarumprofessorprimário
eosaplicounaENOP.
Ao chegar a Picos, após a conc lusão do curso normal, receb eu o convite
paraassumiradireçãodanovaescolaqueseinstalarianacidade:aEscolaNormal
OficialdePicos,comotambém,amplospoderesparadirigilaconformeseumodelo
degestão.SegundodonaZizi(20.03.2007):
Para mim foi uma grande surpresa quando eu soube que ia ser
diretora,viu.Porqueeutinhasaídodaescola.Euestudeino colégio
dasirmãsdeTeresina,ColégioSagradoCoraçãodeJesus.Erauma
escola interna. Então lá era naquele sistema antigo, né. Então a
alunanãotinhaodireitodechegarnemnasecretaria.Eunemsabia
nemco moeraquefuncionava,nemnada.Sófaziaerairparaasala
de aula receber as aulas e as informações. Então, mesmo assim,
Deusfoimedandoinspiraçãoedeumuitocerto.GraçasaDeusaté
dizem:“temduasépocas:adeDonaZizieadepoisdeDonaZizi”.E
mesintoentãomuitohonradacomisso.
Conforme depoimento da dona Zizi, a ENOP foi entregue a u ma pessoa 
desprovida de conhecimentos administrativos mas, mesmo assim, ela soube
conduziladeformamuitopart iculareimplantounaENOP,segundo oqueseinfere
da sua fala, o mesmo modelo de administrão a que foi submetida enquanto
normalista.
Paraosetoradministrativo,houveaseg uinteconfigurão:
71
PRIMEIROSFUNCIONÁRIOSDAADMINISTRAÇÃODAENOP–1967
1.DIRETORA LuziaMouraBarros
2.SECRETÁRIA MariadoSocorroCarvalhoFialho
3.A UXILIARDESECRETÁ RIA LindalvaSousaBorgesdaRocha
QUADRO1.PrimeirosfuncionáriosdaadministraçãodaENOP1967
Fonte:LivrodeRegistrodePontodePessoaldaENOP
Esse mesmo quadro se estendeu ao ano de 1968, tendo sido ampliado
somenteno anode1969,comacontrataçãodeumazeladora,asenhoraMariado
Socorro Félix.Noanode1970,novosfuncionáriosforamcontratados,ficandoassim
organizadaaadministraçãodaescola:
FUNCIONÁRIOSDAADMINISTRAÇÃODAENOP–1970
1.DIRETORA LuziaMouraBarros
2.SECRETÁRIA MariadoSocorroCarvalhoFialho
3.A UXILIARDESECRETÁ RIA LindalvaSousaBorgesdaRocha
4.INSTRUTORAS DEALUNOS EvaBarrosdeDeusNunes
ElzaBaldoínodeMoura
5.ZELADORAS EvaMariadaConceição
MariadoSocorroFélix
6.V IGIA AntônioLuizPereiraMarreiros
QUADRO2.FuncionáriosdaadministraçãodaENOP1970
Fonte:LivrodeRegistrodePontodePessoaldaENOP
O primeiro corpo docente que atuounaEscola Normal Oficial de Picos  foi
constituídopelosseguintesprofess ores:
72
PRIMEIROSPROFESSORESDAENOP
1.P ORTUGUÊS AntôniodeBarrosAraújo
2.MATEMÁTICA AutaMariaNunesLeal
3.HISTÓRIA CéliadeCastroNeiva
4.GEOGRAFIA MariaDarcydeDeus
5.CIÊ NCIAS MariadoSocorroAraújo
6.DESENHOEARTESAPLICADA LuzaniraBarrosdeDeusNunes
7.E DUCAÇÃODOMÉSTICA MariaIvetePortelaCardoso
8.B IOLOGIA RaimundodeBarrosAraújo
9.E DUCAÇÃOFÍSICA MariaNunesMaia
10.PORTUGUÊS Benv indaNunesSantos
QUADRO3.PrimeirosprofessoresdaENOP
Fonte.LivrodeRegistrodePontodePessoaldaENOP
Antesdoiníciodasaulas,porém,umaequipedeprofessoresfoiconvidadaa
participardeumcursoemMetodologiadoEnsinoNormal,nacidadedeFortaleza
Ce. Tal curso objetivava dar suporte metodológico aos professores recém
contratados.Participaramdocurso,poráreadeatuação,asseguintesprofessoras:
PROFESS ORESQUE PARTICIPARAMDOCURSODEMETOLOGIASDO
ENSINOEMFORTALEZACE
Matemática AutaMariaNunesLeal
Desenho LuzaniraBarrosdeDeusNunes
Educ açãoDoméstica MariaIvetePortelaCardoso
Geografia MariaDarcydeDeus
Ciências MariadoSocorroAraújo
QUADRO4.Professoresparticipantesdocursodemetodologias
Fonte.DepoimentodeMariaDarcydeDeus
Falando sobre essecurso, a exdiretora da ENOP, Luzia Moura Barros, a
dona Zizi (20.03.2007), informou que, após conversa entre o governador Helvídio
73
Nunes de Barros  e seu irmão José Nunes de Barros, médico da cidade e futuro
prefeitopicoenseentreosanosde19731977:
Foideterminadoq ueosprofessoresfossem paraFortalezafazerum
cursodeape rfeiçoamento.Deinformação,maisdeinformação.Eeu,
eledisse,vaiparaTeresina,paraaEscolaNormaleaí,lá,converse
como diretoro udiretora.[...].Elesforam.Foramseinstruírem,viu.
Assim,emtornodeummês.Foisóummêsparaeles.Nãochegou
nem a um mês. [...]. Então foram poucos dias, mas elas foram
receber instruções, orientações, conteúdo das disciplinas, sabe, o
quefaziapartedaescolaparalecionar.
Embora se tratasse  de um curso de rápida duração, os professores
escolhidos para dele participarem alegam que foi o suficiente para conhecerem a
realida dedocursonormaledecomodeveriamprocedernaprática.
A escolha do pessoal técnic oadministrativo e do corpo docente foi feita
através docrivopolítico,oho uveconcursopúblico.SegundoaexdiretoraLuzia
MouraB arros(20.03.2007):
Helvídioassumiuogoverno,né.Dr.Helvídio,eele erameuprimo.
Então,eurecebianotíciae jáfoi logo dizendoassim: a diretora é
você.Nemconsultahouve.Aíquandoelesvieraminst alaraescola,
entraram com tudo prontinho. Fulano vai para tal lugar, fulano  vai
paratallugar.Tudo,tudo,tudo.Aparamimfoiumasurpresa.
Destacaseemsuafalaograudeparentescodadiretoracomogovernador
eoprefeito.AENOPdariarespaldoatodaumafamíliaqueac onduziu,atravésde
donaZizi,porvinteanos.
Embora tenha sido escolha política, os profissionais que iniciaram as
atividades na escola eram considerados competentes por todos. Isso é ratificado
pelafaladaexnormalista,senhoraRaimundaFontesdeMoura
4
,paraela:
____________
4
RaimundaFontesdeMourafoialunanaE scolaNormalOficialdePicosn osanosde1967
a1969.
74
Na época,tinha crivopolítico, sim[...].agora,anossa sorte,éque
este  crivo político colocava p essoas altamente competentes e
capacitadas, né, para nos dar aula, porque se fosse o contrário,
também,nósreivindicaríamos.
Mas, além do critério polít ico interferir na contratação dos docentes,
posteriormente isso também ficou nas mãos da sua exdiretora que passou a
escolhercriteriosamenteosseusprofessores,tendosempreocuidadodemantera
qualidadenessaescolha.Segundoaexdiretora,donaZizi(20.03.2007):
Chegava a pessoaformada e então eu ia chamando, outros quando
haviafalta, eu podia d izer aqui, também, a José [
Dr. José Nunes de
Barros,irmãodoGov.HelvídioNunesdeBarros.Grifonosso
].Daíele
mandava, indicava uma pessoa e o mais era e u mesma, não tinha
partidoparamim,viu.Eunãoleveiemconta.Teveatéumquedisse
paramim:‘vocêbotadetodosospartidos’.Eaíeudisse:‘eu queroé
qualif icado,sendoqualificado...’.
E isso se ev idenciou mesmo na equipe formada por essa diretora:
profess ores com curso superior e comprometidos com a sua atividade junto à
escola.
Ela buscou profissionais em repartições públicas existentes na cidade, na
época,umavezquenãohaviadocentescomformaçãoespecíficaparacertas áreas
de atuação, na cidade, como Matemática, Química, Física e Biologia. Conforme
depoimentodedonaZizi(20.03.2007):
ChegouoBEC(BatalhãodeEngenhariaeConstrução)neste tempo.
Traziamuitag enteformada,asesposasdosoficiais,eeusabiase
tinhadePortuguês,comtodoso scursossuperiores,sabe?Então,e
osprópriosmilitaressurg iamànoite,viu.Química,Física,queaqui
emPicosjánãotinhaprofe ssorespara isto,né,Biologia.Então,eu
ía convidando. Eu, sabendo, aí e u ia bater lá. Chamava...
convidava...ACepisa(CentraisElét ricasdoPiauí)também.Tinhao
engenheiro da Cepisa, eu também convidava. Três da Cepisa
serviram aqui. E assim era que eu fui usando. Às vezes, eu
perguntava:‘eubotofulanoaí?’,ouentão,à sveze s,eudizia:‘minha
gente,quefaltadeprofessorespara isto’.Aíeuacheiumapessoa
assim,assim,aíeuchegavaláemeapresentava,convidava.
Oques edestacanessedepoimentoéocontroletotalsobreaENOPquea
sua exdiretora possuía. Controle que extrapolava o limite político, muito forte na
75
época, na determinação da escolha de pessoas para trabalharem nos  órgãos
públicos, municipais e estaduais, em Picos. Controle esse que se estendia sobre
alunos, docentes e funcionários. Segundo a dona Zizi (20.03.200 7): “eu mandav a
mesmo!”,epolíticonenhumatrapalhavasuasdecisões.
Além de profissionais externos, com o processo de conclusão das
normalistas,essaspassaramaserconv idadasparadaremaulanaE NOP.Conforme
donaZizi(20.03.2007), mais adiante, os melhores alunosda escola,que agente
conhecia, os próprios professores  indicavam para tal disciplina, ‘fulana é ótima’.
Então,euíabotandoasprópriasalunas’”.
Sob re a sistemática de contratação dos docentes, a exnornalista Maria
HosanadeAraújo
5
(24.09.2007)informouque:
[...]Eulembroqueadiretoraeracomoquemfosseadona,mesmo.
Botava,tiravaquemelaqueria.[...]Elatinhaumbomrelacionamento
comos políticosda época. Elabotavae tirava quem ela quisesse.
Eladiziaquelá,naescoladela,sótrabalhavaqueme laqueria.[. ..]
Nãohaviaconcurso.Concursopraprofessor,não.
Porém,sercontratadoporindicãopolítica,tambémtinhaseupreço:estar
presoàsregrasdo jogopolíticolocaldeentãoenãopodersemanifestardeforma
contrária. Consoa nte fala da exnormalista Isabel B atista de Barros
6
(22.07.2006),
que estudou na Escola Normal Oficial de Picos, no ano de 1976, em torno das
contrataçõesp orindicãopolítica,elaven tilaumepisódiosignificante,asaber:
teve  uma professora que teve um problema [..] numa aula de
Educação Moral, ela falou... eu nem me lembro o que era. Ela foi
repreendida. Ela teve o contrato dela ameaçado. [...] Depois ela
comunicou na sa la pra gente que estava sendo ameaçada porque
umaalunatinhacontadoissopraumdeputadodaépoca.[...]
____________
5
MariaHosana deAraújofoialunadaEscolaNormalOficialdePicosnosanosde1971a
1973.
6
IsabelBatistadeBarrosfoialunadaEscolaNormalOficialdePicosnosanosde1978a
1979.
76
Esse “pacto do silênc io”, em torno de ques tões locais , casouse
perfeitamentecomasituaçãopolíticanacional:aDitadura Militarque,porsinal,era
assunto vetado durante as aulas na escola. Isso de deu ora porque não havia
interesse por parte dos docentes em enfocarem tal assunto com seus alunos,
concentrando seapenasnatransmissãodeconteúdos,oraportemerempossíveis
reações do sistema. Pairou na ENOP uma espécie de desc aso quanto a esse
assunto.SegundoaexnormalistaIsabelBatistadeBarros(22.07.2006),
a gente  nunca ouviu falar assim, [...] de nada. A gente não tinha
conhecimentodenada,eracomoseissonãoexistisse.Eumesma
não sabia,[...] depoisqueeusaídaEscola Normal,quando eufui
estudaremTeresina,foiquee u[...]t omeiconhecimentodisso,quea
gentetavavivendonumaditaduramilitar,essacoisa.MasnaEsco la
Normalninguémnãofaziareferênciaaisso.
E esse “nunca ouvir falar” excluía as normalistas do processo político de
então. Do entendimento do que estava acontecendo aoseu redor,até mesmo de
adquirirem uma v isão mais crítica da rea lidade e se constituírem sujeitos críticos
para,assim,se tornaremprofess orestambémcríticos.
Mesmo assim, ha via aquelas vozes isoladas que “desafinavam ocoro dos
contentes”,parafraseandoaquiTorquatoNeto,noseupoemamusicadoLet´splay
that. Professores que falavam sutilmente do assuntoe alunos quese informavam
sobreemjornaiserevistas,masquenãopoderiamfazermuito.Ementrevistacom
RaimundaFontesdeMoura(25.05.2007),alaafirmaquequandoestudounaENOP,
agentesabiamuitopouco,naépoca,averdadeéesta.Quemsabia
a respeito de todo esse movimento político não passava pra nós,
commedodeatéativaramente dosjovens.[. ..]Eutinhaacessoa
algu masrevistasquevinhamdefora.TinhamuitasimpatiapeloChe
Gue vara,ocubano,oFidel.[...]Eutinhaumamentemaisvoltadapra
essasinovações.[...]Erapassadopranósoutravisão.[...]E radado
uma disciplina Moral e Cívica justamente pra apregoar em nós o
nacionalismo,oamoràpátriaedesenvolveresseamorpelapátria.O
respeito pelosnossos símbolos. Nãodeixasse que viessemacular,
transgredir ou violar. [...] O comunismo iria destruir toda essa paz
que a gente vivia no Brasil. [...] Eles incutiam na gente o medo,
também. [...] Agora como eu gostava muito de ler e tinha acesso,
meutiomandavalivros,revistas.Passeiaverdeformad iferentee
outroscolegas,também.Sóqueagenteopodiasemanifestar.A
gentecalava,né.
77
AEscolaNormalOficialdePicoseraumceleirodeformaçãodeprofessores,
a grande sementeira de mestres , como ficou conhecida através de  seu tema
central, mas um lugar onde assuntos  po líticos de dimensão como o que aqui se
tematizanãotinhaespaço.Apretensãodainstituiçãoeracapacitarasnormalistasa
seremboasprofessorasprimárias,eissoserestringiaàaquisiçãode conhecimentos
esaberesvoltadosparaasatividadespedagógicas,enãoparaatividadespolíticas.
Eraodiscursooficialencontrandoguaridaemumadesuasinstituições.
Sob reesseassunto,adonaZiziinformouquenuncasofreunenhumtipode
pressão política quanto a algum episód io ocorrido na esc ola. Vale ressaltar que
Picos era e é bas e militar. P ara essa cidade foi trazido o 3º BEC – Batalhão de
Eng enhariaeConstrução,queiniciouassuasoperaçõesmilitaresem15dejulhode
1971.Segundoaexdiretora(20.03.2007),aditaduramilitar“nãoalterounada,não.
Aesc olacontinuoudomesmojeito.Nuncahouve ataque,pe dido,[...]reclamação,
nuncahouve, graças aDeus.Écomoeudigo,Deusfoitão bomcomigoquetudo
deucerto,atéparasair”.
2.3.Transitandoentreesposdiferentes
ComaimplantaçãodaEscolaNormalOficialdePicos,acidadedePicose
sua macrorregião passaram a ter um
locus
de  formão do professor primário
necessário ao at endimento da demanda loc al, como também, com a saída das
primeirasno rmalistas, ame lhorianoensino primário. Seg undodonaLuziaMoura
Barros (20.03.2007), falando sobre a necessidade na época da implantação da 
escolanormalemPicos,assimseposicionou:
A necessidade era grande. Tinha poucos mestres, né. Sempre o
povoaspiravaisto,nãoé.Aregiãoeraeépobre,nãopodiasairpra
estudar.Erampoucosprofessores.Entãoatéosmunicípiosvizinhos
eramtodospedindoparacriarumaescolaqueajudasseopovo.E,
defato,serviudemais,porqueaprimeiraturmaquesaiudaE NOP
foramtodascolocadaslogo,paraquandoterminasse,paralecionar.
Davaerafalta.Melhorouoensinocemporcento.
78
Como quadro deprofissionaiscontratado,dese dar icioefetivamente
às atividades pedagógicas da ENOP, mesmo sem possuir prédio próprio para
recepcionaralunos,professoresefuncionários.
Diantedisso,eparaatenderàemergênciadofuncionamentodaescola,uma
vezquejáhaviasidoautorizadoseufuncionamento,ainstalaçãotinhaseefetivado
e haviademanda localde alunos parainiciarem as aulas,foram cedidassalas no
prédio do antigo Colégio Estadual Marcos Parente, localizado na rua Monsenhor
Hilito, desta cidade, para que as aulas pudessem acontecer e os serviços
administrativos pudessem ser realizados. Segundo a exdiretora, dona Z izi
(20.03.2007),“nosderamumasalinhabempequenininhaealinóscomeçamos.Só
tinhaessasala[...]diretoria,secretaria,eratudosónessasalinha”.
OprédiodoantigoColégioEstadualMarcosParenteeraamplo,comsalas
grandes e arejadas, pátio interno e uma área externa ampla, com árvores que
acolhiamemsuassombrasascriançaseasnormalistas,nohoráriodorecreio.Na
figura5,vêseumencontroimportanteentrenormalistas, professoraecrianças.
Aqu elasquefuturamenteseriamprofessorestransitandoentreaquelesque,
embreve,seriamseusalunos.Tendocomoapoio,aprofessoraBenvindaS antos,a
senhoraqueestádeamplabolsa,comocondutoradasuaequipe.
Figura8.PrimeiroespaçodaENOP–antigoprédiodoGinásioEstadualMarcosParente
(1967)
Fonte:ArquivoparticulardaexnormalistaMariaZuleideGomesLopes
79
Nesse espaço, ocorreram as primeiras aulas da ENOP , até que o prédio
próprio fosse construído. Conforme a exnormalista, dona Olívia da Silva Rufino
Borges
7
(30.04.2007):
Nós começamos a Escola Normal Oficial de Picos no prédio onde
hojeéa9ºDiretoriadeEducação.Aqueleprédiofo iconstruídopor
HelvídioNunes,paraabrigaroantigoGinásioEstadualPicoen se.E ,
então, a gente conseguiu uma  p arte do prédio para funcionar a
Escola Normal.Enquanto ele,a toque de caixa, construíao prédio
realdaEscolaNormal,hojeo FórumdePicos.[...]Oprimeiroprédio
é exatamente como ele é hoje. Um prédio só, térreo, com rias
salas.Semmuitoconforto,masmuitoseguro.Mu itobemfe ito.Com
umaá reainternaparaagentedarumaandadanahoradointervalo.
Praépocaeuacheiqueestavamuitobomoprédio.[...]nãoficamos
lá muito tempo. Logo fo i inaugurado o prédio oficial da Esco la
Normal.
Mas, mesmo assim, a ENOP funcionou bem e pôde atender à demanda
inicialdenormalista s.
Com a conclusão do prédio próprio, sediado na rua Santo Antônio, 137,
centrodePicos,anexoaoFórum,aEscolaNormalOficialdePicospassouaviver
seu período de estruturação e consolidação. Inovação para a arquitetura local, o
novo prédio escolar de Picos trouxe as marcas da modernidade: prédio amplo e
construído com um andar superior, possuía oito salas de aula no primeiro andar,
umadiretoria,umasecretaria,umabiblioteca,umasaladosprofessores,umasala
de visitas, um depósito, banheiros, além da escada que servia de acesso ao
pavilhãosuperioredepos todeob servaçãodasnormalistas.Aforaisso,amplopátio
notérreoparaorecreio,duassalasdeaulaeportãonaentradaparaproibirasaída
dasalunas.
____________
7
Olívia da Silva Rufino Borgesfoi aluna na Escola Normal Oficial de Picos nosanos de
1967a1969.
80
Figura9.Gov.HelvídioNunesdeBarrosdiscursandonainauguraçãodoprédiodaENOP.
Fachadadafrente(1969)
Fonte:ArquivodaENOP
Figura10.AlunasperfiladasemfrenteàENOP,nainauguraçãodoprédio.Fachadada
Frente(1969)
Fonte:ArquivodaENOP
81
Figura11.PadredandoasbênçãosnainauguraçãodoprédiodaENOP(1969)
Fonte:ArquivodaENOP
Falando sobre esse espaço, a exnormalista Raimunda Fontes de Moura
(25.05.2007),disseque:
osegundoprédiofoiatéumanovidadepranós,porquejáeramais
central.Muitobonito.Tinhaumaescada,queeranovidadenaépoca.
Primeiro andar. Foi, assim, uma motivação muito grande. Uma
aleg ria. [...] da janela a gente via o movimentoda Avenida Getúlio
Vargas, da Rua Santo Antônio e foi bem diferente. [...] Quebrou
aquela rotina. [...] O segundo prédio tinha um rol de entrada que
ficavapraRuaSantoAntônioeumaescadadea cessoaoprimeiro
andar.Tinhaocorredor,aoladodireitoficavaosetoradministrativo.
Docorredor,osbanh eiros;edoladoesquerdoassalasdeaula.
Descrevendo em minúcias esse espaço,a exnormalista MariaHosana de
Araújo(24.09.2007)informouque:
FicavasituadanaRuaSantoAntônioeeraumprédiojánovo.Erade
andar.Tinhaapartetérreaeoprimeiroandar.[...]Assalasdeaula
ficavamnoprimeiroandar,sóduassalasqueficavamembaixo.[...]
Tinha a secretaria, tinha a sala dos professores, tinha a sala de
espera,asaladadiretorae,depois,vinhamapartedosbanheiros,a
biblioteca e as salas de aula,  [...] eram salas amplas e  arejadas,
onde tinha umas que as janelas ficava m para a Avenida Getúlio
Vargas.[...].
82
Figura12.NormalistascomaprofessoraAutaMariaNunesLeal,notérreodaENOP(1973)
Fonte:ArquivoparticulardeMariaHosanadeAraújo
Devese,pois,promoveraquiumaleituraarquitetônicaespecificamentedo
segundo espaço da ENOP, uma vez que foi nesse espaçolug ar que o enredo
historiográficodemaiorimportânciadessainstituiçãofoiconstruído.Essaleituranos
conduziu a uma história arquitetôtica da escola e aos modos de efetivaç ão de
práticas de vigilância, disciplina, controle, transgressão e configurações de
micropoderesqueoespaçofoicapazdeengendrar.
Olhase,aqui,nãomeramenteparaaarquiteturaemsi,paraoespaçofrioe
oriundode umaprancheta,masparaoespaçoocupado,oespaçoutilizadoporum
grupoemumadeterminadaépoca.Dessaforma,oespaçotrazemsimarcasdesse
grupo, marcas capazes  de dizêlo, de informálo. Conforme Viñao Frago (2001,
p.61):
aocupaçãodoespaço,suautilização,supõesuaconstituiçãocomo
luga r.O‘saltoqualitativo’quelevadoespaçoaolugaré,pois,uma
construção.Oespaçoseprojetaouseimagina;olugarseconstrói.
Constróise ‘a partir do fluir da vida’ e a partir do espaço como
suporte;oespaço,portanto,estásempredisponíveledispostopara
converterseemlugar,paraserconstruído
83
Defendendoatesedequeolugaréconstrução,oautornosapresentaa
iia de que os lugares  trazem em si uma carga semântica, logo, os lugares
significam, e significam para aqueles que neles transitam ou transitaram, para
aquelesqueviveramemseuentorno.Eédessaforma,enquan tolugar,queseolha
paraosegundoprédioquerec epcionouaEscolaNor malOficialdePicos.
Ratificandotaltese,trazse,àbaila,aopiniãodeHalbwachs(1990,p.133),
paraquem,“asimagensespaciaisdesempenhamumpapelnamemóriacoletiva.O
lugarocupadoporumgruponãoécomoumquadronegrosobreoqualescrevemos,
depois apagamos os números e figuras”. E se não é um quad ro negro com
possibilidade deters euconteúdoapagadoé,metaforicamente,umpergaminhoque,
mesmo tendo sua escritura inicial apagad a, pode ter, através do palimpsesto, a
revelaçãodotextoprimeiroquefoiescrito.
Comojádito,osegundoespaçoemqueaescolafuncionoufoitotalmente
transformadoparasediaroFórumSenadorHelvídioNunesdeBarros.Mas ,mesmo
assim,asdepositáriasdamemóriaconseguemdescreversobreaarquiteturaatual,
como era e o que significava aquela construção primeira. É  o palimpsesto da
memória.OucomoafirmaHalbwachs(1990 ,p.143),“nãohámemóriacoletivaque
nãosedesenvolvanumquadroespac ial.Oespaçoéumarealidadequedura”.
E enquanto realidade que dura, o espaço, embora o exista mais em
termos materiais, mas as pessoas que por ele transitaram são capazes de, com
ajudadamemória,reconstruíloe,principalmente,ressignificálo.ParaViñaoFrago
(2001,p.74),“oespaçoescolareduca,possuiumadimensãoeducativa”,trásemsi
uma espécie de “currículo oculto”, em  oposição frontal ao currículo explícito que
contempladisciplinaseconteúdosaseremensinadoseaprendidos.
Mas,seoespaçoeduca,queeducaçãoelepromove?Equetipodesujeitos
ele forma? Já que quando se fala em educação, falase também em suje itos do
processoeducacional.Adotase,paraessadiscussão,ospressupostosteóricosde
MichelFoucault(1979:1987 :1999:2002).
Emseusestudosemtornodachamadasociedadedisciplinar,Foucaulta
caracte riza basicamente como um modo de organização do espaço e controle do
tempodoindivíduo,c omo fitode promoverumav igilânciacons tantedomesmoe
registrodesua conduta,dandolugaraosurgimentodesaberes.Paraisso,elelança
mão das chamadas instituições disciplinares que tem, na escola, um de seus
modelos. Na verdade, as instituições disciplinares são aquelas qu e, num dado
84
contextohis tórico,servemcomobasedeumadeterminadasociedade,regulandoos
corposeinstalandoumtipodepoderpolimorfo.
Asinstituiçõesdisciplinaressãomarcadas,emsuaessência,pelavigilân cia
constante, mesmo que essa não estejaacontecendo.É  o modelo benthanianodo
Panóptico.Onde,atravésdeuma“pimidedeolhares”,objetivasetornarohomem
aliinseridonum indivíduoútiledócil.
Ao falar do Panóptico, estáse enfocando uma estrutura arquitetônica que
nasceu com uma finalidade: resolver os problemas de vigilância. Vigilânc ia sobre
corpos, querefletiria posteriormente nasociedade, agora não mais de espetáculo,
masdisciplinar.Arquiteturadoolhar,queatodosobservaecorrige.
Seg undo Viñao F rago (2001, p.80), “o espaço escolar tornase, assim, no
seu desenvolvimento interno, um espaço segmentado no qual o ocultamento e o
aprisionamento lutam com a visibilidade, a ab ertura e a transparência”.
Ocultamento/visibilidadeeaprisionamento/aberturaformarambinômios centraisno
espaço/lugar da Escola Normal Oficial de Picos. A estrutura arquitetônica do seu
segundoespaçofavoreceuaconsolidaçãodessemodelo.
A sua ordenação interna era segmentada e demarcada. Ali, cada
compartimento tinha sua função. Mas cada um estava ao alcance dos olhos da
diretora que, em uma posição privilegiada, tinha uma visão do todo da escola:
funcionários,professoresealunos.
85
Figura13.Normalista,naantigarampadeacessoàENOP(s/d)
Fonte.ArquivoparticulardaexnormalistaMariaZuleideGomesLopes
Além disso, a escada qu e dava acesso ao andar superior era lugar de
observação, de vigilância. A exdiretora, dona Zizi (20.03.2007), rememoriza um
episódioque ilustra bem a importânciadessa escada eseusistemade vigilância.
Seg undoela:
[...]paraevitarjustamenteoalunofugirdeaula.Comomuita svezes
quandoentravamcomouniformeincompletoeeuficavaláemcima
da escada, onde todas tinham que passar e muitas se escondiam
embaixo,esperandoqueeusa ísseparapoderentrar.Aí,eujásabia
daquilo, eu descia quando todo mundo entrava, aí eu descia, aí
chegavaedizia:“muitobem,bomdia”.Aíelasficavamtudo[gestos]
comigo.Assimagenteevitavamataraula,comosediz.
86
Figura14.Normalistas,professoraediretoranaescadadaENOP(1973)
Fonte:ArquivoparticulardeMariaHosanadeAraújo
Comosesabe,nosistemapanóptico,aredepiramidaldeolharesatingea
todos. Na ENOPos professorestambémeram vigiados. E o modeloarquitetônico
dessaescolafa voreciaisso.Aexdiretoraviadesuasalaoandamentodasaulas,
alémde,atravésdocorredorqueatravessavaaescola,poderverificarquemestava
dandoounãoaula.SegundodonaZizi(20.03.2007),seusprofessores:
nãofaltavam. Eram assíduos.Eeu sempreobservava,passavaali
nocorredorzinhoolhandoume outro,àsvezes,tinhaprofessoraque
esta vamnasalade aulaeiaconversarcomaluno,parecequenão
tinhapreparadoaaula,né,nacerta.Nãodizianada.Nahoracerta
eu dizia: “tu tavaera conversando, nãoera”. (risos), mas reclamar
queerareclamar,eunãoreclamava,não.
A educação promovida nesse tipo de espo, através do s eu currículo
oculto”,éumaeducaçãovigiada,ondesepretendia,atravésdosistemadevigilância
e c ontrole, for mar a professora primária. Aquela que, posteriormente, seria a
reprodutora do modelo de ensino que recebeu e, conseqüentemente, modelaria a
sociedadequearecepcionasse.
Esse“currículooculto”educa,instrui,forma,conduz.Mas,paraisso,eaqui
problematizandoconceitos,énecessáriolembrarqueoindivíduoaseratingidopor
essecurrículoprecisava,conformeAugé(1994,p.45),“reconhecerseaí”.Ouseja,
87
reconhecerse membro do grupo que transita naquele espaço e que ofaz serum
lugarcoms intaxeesemânticapróprias.Marcasessasqueoatingemeque,numa
relação deaglutinação,sãoc apazesde,apartirtambémdocurrículoexplícitoedas
regrasnorteadorasdainstituição,no casoemteladaENOP,transformaroind ivíduo
emsujeito.
A Escola Normal Oficial de Picos representava muito para a sociedade
picoense.Tinhaseaimagemdequenaqueleespaçoformavaseomelhormodelo
deprofessor:aquelequecertamenteiriaeducarosfilhosdemuitos.Logo,esperava
se que as normalistas assimilassem não apenas os  conteúdos e saberes da
profissãoquealieramrepassadosatravésdosprofessores,mastambémummodo
de ser, um modo de portarse. E, naquele espaço, onde se havia instalado as
práticas de vigilância através de um sistema de controle de corpos empreendido
peladirão,funcionárioseprofe ssores,houvetambémafabricação,porpartedas
normalistas, de formas de conduta que iam contra o sistema comportamental ali
imposto.SegundoCerteau(1994,p.40):
a presença e a circulação de uma representação (ensinada
comoocódigodapromoçãocioeconômicaporpregadores,
por educadores ou por vulgarizadores) não indicam de modo
algumoqueelaéparaseus usuários.
Estudar na ENOP significava ter, não apenas emprego garantido, mas
tambémapossibilidadedeumcasamentoedeserumaboaeducadoradosfilhos.
Era essa a imagem construída em torno das normalistas que por aquele espaço
circulavam:profiss ional,esposa,mãe.
Masesse discursoconstruídoemtornodanormalista,esseatodefalaquea
apresentavacomoaboamoça,nems empreeraoatodefalaporelapraticado.No
lugar construído por elas, houve a manifestação de “procedimentos de consumo”
contrários à rede disciplinar da escola. Ali se praticaram “maneiras de fazer” que
infringiam as normas impostas.Houve apresença, ao lado darede disciplinar, de
uma “rede antidisciplinar”, adotando aqui o conceito de Certeau (1994, p.42),
evidenciada através de colas, fugas, contraargumentos, violão do uniforme e
outros posteriormente apresentados nos capítulos seguintes. Para Certeau (1994,
p.42),essaspráticascolocamemjogouma
ratio
‘popular’,umamaneiradepensar
88
investidanumamaneiradeagir,umaartedecombinarindissociávelde umaartede
utilizar”.
Comos evê,olugarconstruídoéumlugaremqueosseusfreqüentadores
atribu emno significado a partirde suaspráticas.Assim,“um lugarpodese de finir
comoidentirio,re lacionalehistórico”,conformeAUGÉ(1994,p.73).Identitáriopor
promover a possibilidade de constituição de sujeitos, no caso da ENOP, sujeitos
dóceiseúteis;relacionais,poressessujeitosmanteremrelaçãodiáriaeabsorverem
as regras impostas e tamm criarem táticas de transgressão, tidas aqui como
indisciplinares;mastambémhistórico,que,numespaçodeterminadoenumaépoca
específica foi capaz de formar as professoras normalistas que iriam educar as
criançasdeentão.Históricotambémporsercapazdeativar namemóriadosqueali
transitaram marcas de um tempo e que para eles vem carregado designificação,
umavezque“olugarrecebeamarcadogrupo,eviceversa.Então,todasasações
do grupo podem se traduzir em termos espac iais e o lugar ocupado por ele é
somenteareuniãodetodosostermos”,(HALBWACHS,1990,p.133).
AENOPfuncionouaté oanode1987, nesseespaço.Quando, atravésde
decisão judicial, a escola pe rdeu seu  prédio para a justiça local, sofrendo,
posteriormente, reformas que alteraram completamente o modelo inicial do antigo
prédio.
Para não ter o ano letivo prejudicado, buscouse apoio junto à Escola
Técnica Estadual P etrônio Portela – PREMEN, que forneceu, através  de sua
direção , salas para recepcionar as normalistas e a equipe técnica e docente da
ENOP,até que o novo prédioficasse concluído, evento ocorrido no ano de 1988,
localizado na rua São Sebastião, s/n. Nesse novo espaço, a ENOP, com o lema
oficialIde,ensinaieeducaicomamor,viveuumanovafasenasuahistória.
Oanode1987foioencerramentodeumciclodahistóriadessainstituição:a
escolaéremovidadoseuespaçolugarrepre sentacionalparaumespaçoprovisório,
atéqueonovoprédiofosseconcluído,aexdiretoraLuziaMouraBarrosentregaa
direção  da escola e oc orre a primeira greve de professores no Estado do  Piauí,
afetandodiretamenteoseuandamento.
Noprédiodosegundoespaço,aEscola NormalOficialdePicosviveuseu
período de apogeu. Ali, foram formadas  as professoras normalistas com perfil
específico para a época. A escola era respeitada pelos que a faziam e pela
89
sociedade local. Era a meta de vida pa ra as moças de então, uma vez que ser
profess oranormalistaeratercertezadeempregogarantido.
2.4.DoingressonaEscolaNormalOficialdePicos
Para ingressarna Escola Normal Oficial de Picos, uma vez que a mesma
nãopossuíaespaçosuficienteparaatenderàdemanda,houveimplantaçãodeum
teste seletivo, composto pelas seguintes disciplinas: Língua Portuguesa,
Matemática, Ciências e Conhecimentos Gerais. O exame era classificatório, afora
isso,ocandidatosóprecisavaapresentaracertidãodenascimentoepreenche ro
requerimento de matrícula. Em meados dos anos de 1980, o teste seletivo foi
abolido.
Consoante relato da exdiretora, dona Zizi, “para en trar na Escola Normal
parafazeraprimeirasérietinhaoexame,viu,tinhaoexame,aísechegasseuma
transferência, se fosse de um colégio reconhecido, hav endo vaga, era aceito”. E,
como não havia o estabelecimento de uma nota mínima para aprovação, entrava
quem obtivesse as maiores notas e, posteriormente, a relação dos candidatos
classificadoserapublicadanaescola,pelaordemdecrescentedeclassificação.
Seg undodonaZizi(20.03.2007):
O que desse as classes era classificado. Agora, a gente ia pelas
notas.[...]iapelasnotas,classificados.Nãoseiabotarumamenina
quenãofeznadaemu maprova,paraumaquetirouboanota,não
era?Então,nósfazíamosarelação.[...]botavalánaparede,então,
lá,e lassabiam.
Paraaprimeiraturma,aexigênciafoiapenasapresen taroboletimescolar
doantigocursoginasial.Apreferênciarecaíasobreoscandidatosquetivessemas
melhores notas. Os selecionados depois apresentariam, no ato da matríc ula, a
certidão de nascimento, o histórico escolar, o certificado de conclusão do curso
ginasial e documentos pessoais. Conforme a exnormalista Raimunda Fontes de
Moura(25.05.2007),ratificandoessainformação:
90
O ingressodessap rimeira turmad eu peloboletimescolar quenós
tínhamos. [...] dava a prefe rência às pessoas que tivesse as
melhores, [..] seriam as selecionadas. Depois, se sobrasse vagas
seriam para as outras com notas abaixo das que já haviam sido
selecionadas.[...]pedirammeuhistóricoescolar,meusdocumentos,
o certidão de nascimento e a [...] certidão de conclusão do curso
gina sial.Levamosedeixamoslánasecretariaedepoisrecebemoso
comunicado que fossem olhar a  relaçãodaspessoas classificadas
paraoingresso.
A escola funcionou inicialmente apenas em um turno, pela manhã.
Posteriormente , com o aumento de matrículas, foi havendo o preenchimento das
salas,oturnodatardefoisendousado,atéquesepassouausartambémoturnoda
noite,comostrêsanosdocursonormal.
2.5.Escolaparamulheres,saídadoshomens
Emboratenhaseconfiguradocomoescolaespecificamentedemulheres,a
primeiraturmarecepc ionouhomens.Ao todo cinco.Masessesalunosnormalistas
não chegarama concluir o primeiroano do curso, abandonaramno porque foram
estudaremoutrasescolasoupornãoseadequaremaoperfilpedagógicodocurso
normal. Sobre ess e aspecto da ENOP, a exdiretora, dona Zizi (20.03.2007),
informouque:
[...]quando elafo ifundadapassaramcincoalunoshomens.Eles
começarama sair,elesforam vendoque nãoeraprofissão para
homem, viu. Foi saindo, eu até dizia: “rapaz é o curso que tem
aqui, vamos estudar”. [...] em ter saído o último, então, eu
determinei só aceito mulheres. [...] hoje professor ganha o q ue
ganha, avaleinaqueletempo. Nãodáparaumhomemsustentar
umafamília.Bem,eunãoaceito,porqueé umcursoquenão
parasustentarfamíliaevemfazerbarulhoaqui,porquemisturou,
já sa be. [...] não aceitei mais homens. Me apoiaram, lá em
Teresina,meapoiaram.
Comosevê,havia tambémo preconceito embutidonessadesistênciados
homens em freqüentarem o curso normal. P reconceito em virtude de, na cidade,
haveraassociaçãoentreomagistérioeafiguradamulher,preconceitoemrelão
ao salário que as professoras, na época, recebiam. Tudo isso junto promoveu a
91
desistência dos homens docurso que faziam na ENOP. Segundo a exnormalista
RaimundaFontesdeMoura(25.05.2007),aofalarsobreosmotivosque conduziram
osexalunosaabandonaremocursonormal,alegouque:
naépocaexistiaadiscriminação.[...]Asdisciplinassãodirecionadas
pramulheres,precisavamd emulheresparatrabalharcomcrianças.
[...]Esseshomensnão iriam sesentirmotivadospra irpra salade
aula exercer a profissão. Então, seria perca de tempo investir no
estudo deles. Eles foram motivados a p rocurar outros cursos. [...]
Existia a  Escola Comercial de Dona Dorinha. [...] Outros, já foram
estudar fora. [...] Elesforam vendo que [...] eram só metodologias.
Eramumasdisciplinasqueprecisavammuito,assim,dacriatividade,
mão de obra mais feminina, de cartazes, material didático. [...]
Homem tinha muito dificuldade com esses materiais didáticos. [...]
Eram todos confeccionados por s, o ábaco, o flanelógrafo, o
quadro de pregas para ensinar a questão numérica pras crianças.
Tinhatodosaquelesmateriais.[...]Elesforamvendoquenãotinha
afinidade para aquelas disciplinas. Era mais na tendênciafeminina
mesma.[...]
Inclusive, essa associação do magistério à mulher e o afastamento dos
homensdaprofissão,estavaimpregnadono imaginá riolocal.Arepresentaçãoquea
EscolaNormalOficialdePicospass ouaapresentarfoiadequecursonormalera
coisaparamulher.Representaçã oessaque,nosprimeirosanosdefuncionamento,
atingiu até a organização do quadro de docentes da escola em si mesma, que
recepcionouapenasdois homens,eassimmesmocasadosecomoutrasprofissões,
para serem ali professores. Claro que, com o passar dos anos, essa imagem foi
sendotransformadaemaisdocentes,dosexomasculino,passaramatrabalharna
ENOP,e issoemvirtudedaes pecificidadedecertasdisciplinasdonúcleocomum
doseucurrículo.SegundoaexnormalistaRaimundaFontesdeMoura(25.05.2007):
naépoca,aquiemPicos,eradifícilvisualizarumprofessorhomem
dandoaula,porque existiaumaquestãodosppriospaisquenão
queriam que a s filhas estudassem com professores homens.
Inclusive,oshomensquelecionavamparas,aexigênciaeraque
elesjáf ossemcasados,comooDr.JoséHeli,oprofessorAntônio.
FoiumalutapraseconseguiroprofessorDoca,queera solteiro,na
época, [...] pra não deixar criar problema para os pais que tinham
aquelespreconceitos.
Posteriormente aessaturma,adireçãodaENOPpassouanã omaisaceitar
homensnoseu quadrodiscente,transformandoaescolaemumlugarvoltadoparaa
educaçãofeminina.Decisãounilateral,semba se legal, e quepassouaassociara
92
imagemdaprofissãodocenteedaE NOPàfiguradamulher.Porém,oquesesabe,
équemuitoshomenstentaram,posteriormente, nelaestudar,masnãoconseguiram
eseviramobrigadosafazeroutroscursos.ConformeaexnormalistaIsabelBatista
deBarros(22.07.2006):
eutinhacolegashomensquetinhaomaiorsonhodeestudarlá.Daí
era proibido. [...] Ele tentou várias vezes [...] fazer o curso
pedagógico,né.Agoraeunãoseiseela,[
donaZizi,grifonosso
],se
baseavaema lgumdocumento.Seeraumanormad aprópriaescola.
Eunãosei.
Mas constituirse numa escola só para mulheres não agradou muito às
normalistas. É o que se depreende da fala da exnormalista Olívia Rufino
(30.04.2007):
se naquela épocaeufosse mocinha. Eu achoaté que eu ia sentir
falta  até nem da palavra namorado, mas dos amigos, da
brincadeira, do companheirismo, maseu já tinha meus6 filhos.
era uma senhora. O relacionamento com as outras mulheres foi
muitobom.Agenteseentendia.[...]faziatudoqueerapreciso.Sóa
gentemesmo.
2.6.OagigantamentodaEscolaNormalOficialdePicos:aumentodademanda
Aolongodosv inteanosemqu edonaLuziaMouraBarrosesteveàfrenteda
ENOP como diretora, o número de alunos matriculados na instituição só cresceu.
Issosedepreendedosseguintesdadosextraídosdoslivrosdematrículadaescola,
de1967a1987.
93
MATRÍCULAGERALDAS ALUNASDAESCOLANORMAL
OFICIALDEPICOS(19671987)
ANOLETIVO TOTALDEALUNAS
MATRICULADAS
1967 80
1968 143
1969 196
1970 169
1971 234
1972 308
1973 395
1974 411
1975 473
1976 556
1977 626
1978 631
1979 594
1980 617
1981 631
1982 615
1983 621
1984 942
1985 996
1986 1.006
1987 1.123
QUADRO5.Matrículageraldasalu nasdaENOP(19671987)
Fonte:LivrodeMatrículasdaENOP
Não apenas o número de alunos matriculados cresceu , mas também o
númerodeprofessorasnormalistasconc ludentestambém.Osaltoquantitativovisto
duranteosvinteanos,de1967a1987,évisível.
94
A ENOP que timidamente recepcionou 80 alunas no seu primeiro ano de
funcionamento, em 1987 dispunha de um contingente estudantil de 1.123
normalistasmatriculadas.
Vale ressaltarque essas alunas eseusprofessoresviviamdiariamente no
espaço da escola. Ali aprendizagens diversas aconteceram, amizades foram 
construídase pessoasforamconstituídas.É,pois, paraocotidianodaescolaque
agoraseprojetaráoolhar.
95
3.UMMERGULHONOCOTIDIANODAESCOLANORMALOFICIALDEPICOS
Penetrasurdamentenoreinodaspalavras.
Láestãoospoemasqueesperamserescritos.
Estãoparalisados,ma snã ohádesespero
hácalmaefrescuranasuperfícieintacta
Eilossósemudos,emestadodedicionário.
Convivecomteuspoemas,ante sdeescrevêlos.
Tempaciência,seobscuros.Calma ,seteprovocam.
Esperaquecadaumserealizeeconsuma
comseupoderdepalavra
eseupoderdesilêncio.
CarlosDrummonddeAndrade
O poeta Carlos Drummond de Andrade, no seu poema Confidência do
itabirano, faz um convite ao leitor/autor para que este mergulhe no reino das
palavras ,paraneleenc ontrarospoemasaindanãorevelados,ospoemasaindanã o
escritos e que estão nesse reino à espera da quele que se dispõe a fazer esse
mergulho.Daqueleque,movidopelacuriosidade, anseia descobriroqueeles têm
deoculto.Eachaveparaessabusca:aconvivência,apaciênciaeacalma.
Pois,assim,osb elostextos,asbelashistórias,serãoaelerevelados .
O excerto do poema aqui trazido, de uma certa forma, dialoga com o
trabalho do historiador, sobretudo, do historiador oral. Daquele que, através do
método da história oral, se coloca diante do universo de informações que seus
informantespossuem,masqueestãonoreinodamemória.Informaçõesguardadas
poraquelesqueviveramumdeterminadoepisódio,numadeterminadaépoca,num
determinadoespaço.Equeprecisam,paranãoseremperdidos,revelados,ditos.
Ohistoriadororal,assim:
vemp araaentrevistaparaaprender:sentarseaopédeoutrosque,
por provirem de uma classe social diferente, ou por serem menos
instruídos,oumaisvelhos,sabemmaisarespeitodealgumacoisa.A
reconstrução da história tornase, ela mesma, um processo de
colaboração muito mais a mplo, em que nãoprofissionais devem
desempenharpapelcrucial(THOMPS ON,1992,p.3233).
Esabemmaisqueohistoriadorporteremvividoosfatos,porteremsidoas
testemunhasdahistória.E,enquantotestemunhas,carregamasinformões.São
96
depositáriasda memóriadeumpovo,damemóriacoletivaque“tirasuaforçaesua
duraçãodofatodeterporsuporteumconjuntodeho mens”(HALBWACHS,1990 ,
p.51). Homens que viveram os mesmos fatos, mas que, por ocuparem posições
diferentes no contexto social em que est avam inseridos, trazem lembranças
específicas,particulares,sobredeterminadoepisódiodahistória.
Assim como no reino das palavras “estão os poemas que esperam ser
escritos”, na memória individual dos depoentes, estão as informações de um
tempo que esperam ser ditas, ser escritas. E estão em “estado de dicionário”, ou
seja,carregamconsigoasmarcasdaobjetividadeeafriezadadistânciadotempo;
eesperamque,a partirdo “ativardeumgatilho”, lembrançassejamdetonadas, e
informaçõesvenhamàtona.
Nopoema,trêsaçõessãonecessáriasàquelesquetentampenetrarnoreino
dapoesiaparae laborarseuspoemas.Nãoser iamelasasmesmasnecessáriasao
historiador? Convivência, paciência e calma funcionam como o caminh o a ser
seguido. A convivência com o entrevistado que, nem sempre está disposto a
informar,ouquete mmedodoqu easlembrançaspossamcausar;paciênciapara
ouvir o que o depoente tem a dizer, para poder fazer posteriormente uma
interpretãohistóricaadequadae,enfim,calmaparainterpretarosatosdefalae
ossilênciosdamemória.
Ana lisar uma instituição escolar e suas especificidades é um trabalho
delicadoelento,principalmentequandosefazumaanálisedecunhohistórico,em
que os sujeitos se encontram afastados do tempo e do espaço, em que os fatos
aconteceram. Delicad o por envolver o registro em si de fatos que marcaram o
grande texto que forma a narrativa de tal instituição, texto esse que se escreve
através  da memória daqueles que por esse espaço transitaram e qu e nele foram
constituídoscomosujeitosdoprocessoeducacional;lento,porqueaquisetrabalhou
comolevantamentodefontesdiversas,oraiseescritas.Fontesqueprecisaramser
analisadaseinterpret adas,paraquefossepossívelhistoriaressaescola.
Ese “não éna história aprendida”,mas “nahistória vivida quese apóiaa
nossamemória”(HALBWACHS,1990,p.60),falardocotidiano daEscolaNormal
OficialdePicosedaculturaescolarquealisedesenvolveu,requeraparticipação
damemóriadaquelesquealitransitaram,queensinaramequeap renderam.
Tratarseá, no presente capítulo, dos modos como as exnormalistas se
apropriaramdoespodaENOP,n oseucot idiano,atravésdaredederelaçõesque
97
aliseestabeleceu.Assimcomoseestabeleceramossistemasdenormasecomo
essasforama ssimiladas,fabricadas pelasnormalistas.
ParaCerteau(1994,p.38), “ocotidianoseinventacommilmaneirasdecaça
não autorizada”. E, essa invenção, que aqui se chamará de construção, de
fabricão,seevidenciounoespaçoenotempoemqu eseconcentraoobjetoda
presente pesquisa. Numa instituição caracterizada basicamente pelo controle e
vigilância, o cotidiano das normalistas foi marcado por assimilões do sistema
impostoetambémportransgressõesa ele.
O cotidiano da ENOP, conforme todas as entrevistadas, era tranqüilo.
Marcadoporumritualdehorárioseaulasaseremcumpridosàriscadiariamentepor
todososquenelatransitavam.
3.1.Osturnosdefuncionamento:ocontroledotempo
NaENOPhaviaaulanostrêsturnos:manhã,tardeenoite.Oquesedestaca
nasuaorganizaç ãotemporaléarigideznocontroledoshorários.Horaparaentrare
horaparasair.Apósosoardac ampainha,nãosepodiamaissairdaescola,anão
seratravés daaprovaçãodasuadiretora.Anormalistaquenãopudesseficaratéo
fim do horário de veria se dirigir à diretoria e expor suas razões à diretora, que a
ouviaejulgavasedev eriaounãoliberaraaluna.Tudoissoparamanteraimagem
de escola organizada e preparadora de excelentes profissionais. Conforme a ex 
normalistaRaimundaFontesdeMoura(25.05.2007):
Onossocotidianoeraassim...[...]1:15heraatolerância.Entrava.
Tinhaoperíododorecreio.Asdisciplinas,não saíaumminutoantes.
Rígidoorelógio.Tinhaqueserbaseadoorelógiopelodasecretaria
de dona Zizi. Ninguém seguia o seu relógio. [...] Ela não admitia
liberar o aluno de sala de aula antes de encerrar aquela carga
horária prevista. Tinha que ser dado aula naqueles 55 minutos,
quase uma hora de aula. Nós tínhamos um e spaçozinho rápido
enquanto chegava outro professor que dava pra tomar água, ir ao
banheiroe,também,orecreiomuitocurto.Erarígidaadisciplinaea
exigência.Asnormasagenteobedecia.
Apreocupaçãodadireçãodaescolaeracomocumprimentodeobrigações.
Os professores tinham a obrigação de darem suas aulas e cumprirem a carga
98
horária das disciplinas. As normalistas tinham a obr igação de serem assíduas e
pontuais, uma vez que o principal de todos os alvos da escola era formálas
conformeummodelodeeducador:tambémassíduoepontual,alémdecumpridor
desuas obriga ções.E, umavez que os professores eram pontuais, c ompetiriaàs
normalistas também seremno. A os professores, cumprir o horário de aula, às
alunas,estaremnasaladeaulanoh oráriodaescola.
Paraqueanormalistapu dessepass arpelov igilantedaescola,eladeveriaa
ele apresentar um cartão que auto rizasse a sua saída. Segundo dona Zizi
(20.03.2007),
quandoentrava,nãopodiasair.P arasair,eutinhaumcartãozinho–
EscolaNormal,umca rimbocomminharubricaatrás–aíaalunaque
precisassepodiairn adiretoria[...]‘DonaZizi,eup recisofazerisso
assim,assim’.‘Poisnão’,eudavaoca rtãozinhoeorapazrecebiae
elapodiasair.Paraevitarjustamenteoalunofugirdeaula.
Como se vê, havia o controle do tempo, que atingia os corpos. O tempo
“ocioso”eraapenasodatrocadeprofessores,queserviaparapromoverumcorre
corre pelo corredor da escola, momento em que as normalistas se dirigiam ao
banheiro ou ao bebedouro, para suprirem suas necessidades. A maior parte do
tempo era mes mo em sala de aula. A exnormalista Maria NancyPereira Alencar
Ferreira
8
(24.07.2006),falandosobreosdiasdeaulanaescola,informouque“não
tinhanegóciode aulavaga.Feriado, só aquele do calendário, mesmo. A nãoser,
nãotinhaferiado.[...]tinhaaulatodososdias”.
Lembrando quese estáfrente a umains tituiçãoem que a disciplina era o
seu sinônimo, disciplina que se pretendia fabricadora de corpos dóceis e úteis.
Dessa forma, “procurase tamm garantir a qualida de do tempo empregado:
controleininterrupto,pressãodosfiscais,anulaçãodetudooquepossaperturbare
distrair; tratase de constituir um tempo integralmente útil” (FOUCAULT, 1993,
p.128). Tempo útil para a divulgação dos sab eres e a aproprião desses pelas
normalistas.
____________
8
MariaNancyPereiraAlencarFerreirafoialunanaEscolaNormalOficialdePicosnosa nos
de1980a1982.
99
3.2.Osprofessoresesuaspráticas
Oc ontroleatingia,comos evê,oapenasasnormalistas,mastambémos
profess ores.Esses,além deteremquecumprircomeficiênciaassuas obriga ções
pedagógicas, sen do assíduos e pontuais, deveriam também impor respeito,
deveriam ser te midos por seus alunos, uma vez que eles eram as principais
referênciasqueasnormalistastinham.Eraomodeloquedeveriaserrepetido.
Respeito, na maioria das vezes, conforme o depoimento das exalunas
entrev istadas, por esses deterem domínio das suas disciplinas, mas també m por
serem alguns conservadores. Conforme a exnormalista Isabel Batista de Barros
(22.07.2007):
a gente chegava às 13:00 horas. Entrava pras salas e quando o
professorchegava ,todomundoestavaemsilêncioecontinuavaem
silêncio durante a chamada. Ninguém podia conversar com as
colegas.Nemhaviadiálogonenhumentrealunaseprofessores.[. ..]
osprofessoresnãosabiamacordavozdagente[...]nahorada
chamada que a gente respondia presente, mas diálogo assim não
havia.[...]masagentetinhamedomesmodosprofessores.
Pelodepoimentodaexnormalista,inferesequeotipodeaulapraticadona
ENOPerapreletiva.O professorerao responsávelpelaconduçãototaldasaulas.
No seu horário de atuação, era em suas mãos que ficava o ato da fala. Aulas
expositivas sem a participação dos  alunos, que se tornavam, assim, em meros
expectadores.
Devido à educação rígida que muitas tinham em casa, marcada pela
obediência e respeito a pais e mais velhos, as  normalistas levaram essa postura
paraaescola,notratocomseusprofessores.Namaioriadasvezes,mesmodiante
daposs ibilidadedefala,sentia mseintimidadascomseusprofess ores.Segundoa
exnormalistaMariaHelenaAraújoLuz
9
(24.0 9.2007):
____________
9
MariaHelenaAraújoLuzfoialunanaEscolaNormalOficialdePicosnosanosde1973a
1975.
100
[...]. Às vezes a gente tinha um poucode medo. Eu lembro quea
gente tinha timidez. Não era muito próximo, não. Às vezes, elas
tiravam alguma brincadeira com a gente, mas ali e ra e m algum
momento que elas davam oportunidade, aquela liberdade. Mas a
gentenãotinhamuitoacesso.[...]Haviaaque ledistanciamento.Eu
nãosei,talvez,pelaprópriaépocadeditaduramilitar.Oprofessorse
colocavanumlocaldedestaque,depatamar,maisimportante.Não
era muito próximo, não. [...] Quando havia dúvida, algumas
aceitavamqueagenteperguntava,davamessaabertura,masoutras
não davam. Até se irritavam. Diziam que era porque a aluna não
prestavaaatenção.[...]Davamuitomedo.Porcontadissoalgumas
alunaspreferiamnãoperguntar.
Respeito associado ao medo da figura do professor e do que ele poderia
fazer.Porseresseodetentordosabereoresponsávelpelaconduçãodasaulas,as
normalistascontinhamsediantedos  mesmos,evitandoquestionarsuaspráticase
expors eupensamentoemtornodasaulas.
Mas, embora as normalistas se sentissem int imidadas com os s eus
profess ores, em seus depoimentos, todas foram unânimes em relatarem sobre a
qualidadedasaulasalipraticadas.Emvirtud edehaverapreocupaçãocomaboa
formação das normalistas, os professores investiam em metodologias inovadoras,
naépoca,paratransmitiremseusconteúdos.SegundoaexnormalistaOlíviaRufino
(30.04.2007):
as professoras que foram estudar fora íam preparadas com uma
metodologianovapraépoca,porqueaquinãoexistia.Elastrouxeram
o que elas aprenderam lá em metodologia e faziam trabalho de
grupo. [...] antigamente quando eu estudei no interior com mestre
escola, chamavadeargumento,né. E elasfaziamuma espéciede
mesaredonda.Agentepreparavaotextoqueelamesmadava.Uma
coisa que ela deu na lousa para escrever e a gente pensava a
respeitoe,àsvezes,agentefaziaumtrabalhoqueagentevêfazer
muitopouco.Sentavatodomundoeconversavaarespeito,opinião
decadaum.[...]cadaumtemqueteroseupontodevista,né.Eu
achoquealiagentefoialgumacoisaque,naépoca,asnovidades
queapareciam,quenostrouxeram,[...]forammuitoboas.
Comosevê,osistemadetrabalhosemgrupotambémocorrianaENOP,
momento de atividades em qu e as normalistas tinham a oportunidade para expor
suavisão emto rnodealgumconteúdo.Eramdebatesesemiriosqueestavam,
naquele cotidiano escolar, preparando a futura professora para o exercício da
docência. Metodologia de ensino, por sinal, elogiada pelas exnormalistas. Tais
101
debateseramnecessários,umavezquesetratadeumaescoladeformaçãoinic ial
deprofesores.
No geral, o relacionamento entre professores e alunos na ENOP foi
marcado pelo respeito. Todas as depoentes informaram que nunca houve atritos
entre eles. Segundo dona Célia Neiva deSousa Lima (16.03.2007), exprofessora
daescola:
eupossoassegurarqueeraumrelacionamentoperfeito,porqueas
alunas que já estavam lá já eram pessoas que estavam iniciando
umafaseadultaejá tinhaconsciênciadoqueeranecessáriopara
haver um respeito entre professores e alunos. Então, era um
relacionamento normal. Exatamente o que todo mundo deseja, né,
quehajaumaintimidademaiorentreprofessoresealunossemfalta
derespeito.
A fala da exprofessora apresenta o que era desejado pela escola e que
deveria ser assimilado pelas normalistas: rendição àsnormas impostas . Obedecer
osprofessoresecomelesserelacionarembem,eraoesperado,umavezqueas
normalistasnãoerammaiscrianças.
AexprofessoraCéliaNeivadeSousaLimaeraumareferêncianoquadrode
docentes da ENOP. Professora de História do Piauí, mas que também atuou em 
outras  disciplinas como Didática, Prática de Ensino e Metodologia, possuía uma
didática que envolvia a todos em sala de aula. Reforçando esse parecer, a ex
normalistaRaimundaFontesdeMoura(16.03.2007)afir mouque:
a didática de DonaCélia...[...] outraqueeu meespelhei, também,
maravilhosa. Ela tinha uma dicção pe rfeita que ela n os transmitia.
Ninguém percebia aaula dela. Ela narrava toda aquela história. A 
genteviajavajunto comela.[...]Naépoca,quandoelafalavasobre
Sete Cidades [...] a Serra da Capivara. Na minha imaginação eu
penetrava naqueles caminhos que ela descrevia. Dona Célia tinha
uma didática maravilhosa, porque eu nunca precisei bater minha
cabeçaparaestudarHistória.Euíapeloesquemadela.Gravavana
minhacabeçaasaulasdelaeeulembravatudonodia.
Esse bom relacionamento entre professores e alunos também se explica
devido a praticamente  todos se conhecerem. Vale ressaltar que no município de
Picos,asfamíliasseconheciam,enosanosde1960e1970issoaindaeramuito
evidentenacidade.Confo rmeaexnormalistaOlíviaRufino(30.04.2007):
102
todomundoseconhecia,amaiorparte,anãoseralgumaalunade
fora.[...]naprimeiraturmafo rampou cas,depoisfoiquecomeçoua
chegarmuitagentedascidadesvizinhas.[...]aEscolaNormalserviu
atodamacrorregiãodePicos,masaquiamaiorparteeraconhecida.
AIveteCardoso,[...]RemédiosAraújo,Socorro Araújo,[...]aprópria
Zizi, que era amiga de todo mundo, [...]  depois chegaram os
professoreshomens,oDoca,quefoiprofessor.Eleerabioquímicoe
foiprofessordeBiologia.Ba rrosAraújo,quenãosepodenegar,[...]
eraótimoprofessordeportuguês,[...]depoiscomeçouachegarum
promotorqueesteveaqui.[...]masorelacionamentoeraótimo.
Além diss o, o respeito dirigido aos profe ssores era uma espécie de
continuaçãodotipodeeducaçãoqueasnormalistasrecebiamemcasaequeeram
solicitadasacontinuarnaescola.Orespeitarosmaisvelhoseraaregra.Conforme
aexnormalistaMariaFátimadeSá
10
(17.09.2007):
A n ormalista respeitavao professor.[...]oque motivavao respeito
eraporqueemminhacasacomagentetinhadere speitarosmais
velhos.Aprimeiracoisa[...].Todososprofe ssoreserammaisvelhos
que a gente. Então, tinha o respeito de ser o mais velho. [...]
naqueletempo,agentecolocavaoprofessorláemcima.
Com a certeza de que não haveria “problemas” com a indisciplina, os
profess ores na ENOP conduziam suas aulas tranqüilamente. Repassando
conteúdos, preparando as normalistas para o exercício futuro do magistério e
também para a vida. Eram os portadores de um saberfazer es pecífico, que os
respaldavaenquantoprofessores.
____________
10
MariaFátimadeSáfoialunanaEscolaNormalOf icialdePicosnosanosde1967a1987.
103
3.3.Orecreioealiberdadevigiada
Nessecotidianotambém arelaç ãoentreas normalistasemsieraboa. As
exnormalistas entrevistadas falam com entusiasmo das colegas de sala qu e
puderamconheceresetornaremamigas.O respeitoeramútuo.Astrocastambém.
Havia, como em todo espaço de aglomerados, pequenos problemas, porém eram 
logoresolvidos.ConformeaexnormalistaRaimundaFontesdeMoura(25.05.2007),
“nosso relacionamento foimu ito bom. Existiam algumas intrigas, mas eramcoisas
passageiras.[... ]Intrigassérias,não.Eraumagrandefamília”.
Nafigura12, o instantecaptadoé odorecreio.Normalistasuniformizadas
sentadasnochão,nopátiodaescola.Vêseoentrosamentoentreelasetambéma
pose esperada de futuras professoras, presente na elegância c om que estão
sentadas. ComoassinalaBarthes (1994, p.22),“[...], a partir do momento que me
sinto olhado pela objetiva, tudo muda: ponhome a ‘posar’, fabricome
instantaneamente um outro corpo, metamorfoseiome antecipadamente em
imagem”.Tratase,pois,daimagemdaboanormalistaquedeveráserlidacomoa
imagemdaboaprofessora.Éaimagemdandoaleroutraimagem.
Figura15.NormalistasnopátiotérreodaENOP,norecreio(1973)
Fonte:ArquivoparticulardeMariaHosanadeAraújo
104
Essebomrelacionamentoentre asnormalistaseranotadonosmomentosde
descontração na escola, principalmente no horário dos intervalos e no recreio.
Onde,pornãoestaremsendovigiadasporcompleto,elasficavammaisàvontadee
podiamfalar,brincar,relaxar,enfim,seremelasmesmasporalgunsmomentos.Iss o
independentementedadécadaemqueasnormalistasestudaramnaENOP.
Na figura 13, o instante captado també m é do “à vontade”. Normalistas
descontraídas nopátiotérreo,emfrente aumasaladeaulaeacompanh adaspor
umaprofessora.E mboraforadoespaçodasaladeaula,permanecemempo sição
deprontidão,demestrediantedaclasse,especialmenteasalunasqueestãoempé.
Figura16.NormalistasemmomentodedescontraçãonopátiotérreodaENOP(1973)
Fonte:ArquivoparticulardeMariaHosanadeAraújo
Essebomrelacionamentopodeserratificadotambématravésdoregistrado
nasfiguras12e13.Nelaspercebeseasexnormalistasnoàvontadedorecreio,no
momentoemquepoderiamextravasarumpoucoasemoçõesbrincando,sorrindoe
atémesmosentandosenochão.Masdes tacaseumdetalhenasduasilustrações:
o zelo pelo uniforme. Embora descontraídas, mantêm a blusa por dentro da saia,
numaposiçãodeprontidão.
Nosanossessenta,segundoaexnormalistaOlív iaRufino(30.04.2007),no
recreio era o momento para atividades  específicas. Segundo ela, “conversava,
contavapiada.Eufalavadomaridocomasquejáeramcasadas,asoutrasfalavam
105
dosnamoradose,enquantoopessoaldos‘Leões
11
’fizeramparte,lev avamoviolão
eagentecantava”.
Figura17.GrupoOsLeões,formad oporexalunosdaENOP(s/d)
Fonte:ArquivoparticulardeMariaCármenGerbasiFonsêca
Nos anos setenta, segundo a exnormalista Isabel Batista de Barros, o
recreioeraassimcaracterizado:
Tinhaumpátio,muitopequeno.Eramuitojuntoqueagenteficavae
odivertimentodagenteerasóolharopovopassandonaruaatravés
da grade que tinha, porque a gente nãopodiasair pra rua. Então,
através dessa s grades, a gente paquerava com os rapazes que
passava,masissosemadireçãosaber,porqueseelasonhasseque
ag enteestavapaquerando,tinhaumaladainhadereclamaçãomuito
grande.
Assimcomonosanossessenta,nosanossetentaorecreioerafechado.As
normalistas não podiamsair da escola.Emborativessemuma visibilidade totalda
rua, pois havia uma grade que formava a fachada da frente da Escola Normal e,
através  dela, as normalistas ali ficavam e podiam, inclusive, conversar com seus
paquerasoucomprarlanchenos vendedoresexternosàescola.
__________
11
OsLeseramumgrupodejovensquetinhamumconjuntomusicalquecantavana
cidade,imitandoaJovemGuarda.EstudaramnaENOP,nasuaprimeiraturma,mas
desistiramlogodocursonormal.
106
Nos anos oitenta, conforme entrevista concedida pela exnormalista Maria
Nancy Pereira A lencar Ferreira (24.07.2006), diante do maior número de alunas
matriculadas, o recreio era momento també m de disputa po r lanche. Havia uma
pequenacantinaondeeramvendidoslanches diversos,masempoucaquantidade.
Seg undoela:
davamuitabrincadeira,viu.Eraumarivalidade.[...].Tinhaturmaque
saía mais cedo, aí a merenda dava para todo mundo, né. [...] era
comprada. As outras turmas que saíam mais tarde, quando
chegavamláembaixo,não tinhamaisnada. Aí aconfusãoestava
feita. A gente queria sair para comprar merenda fora. O vigia não
deixava,porordemdadiretora.Então,muitasvezes,agentepulava
desaioteparacomprarmerendaláfora,né.[...]ha viaessarivalidade
e,portanto,partiudeumaequipefazermerendapraturmaevender
para as outras com fins lucrativos para comprar seus objetos
escolares.
O vender merenda pra outras colegas para, através do dinheiro recebido,
comprar material escolar revela o poder aquisitivo das alunas que estudavam na
ENOP,namaior ia,moçasoriundasdefamíliaspobres.
3.4.AsrepresentõesemtornodaEscolaNormalOficialdePicos
Daíseexplicaumadasprincipaisrazõesquepassouaconduzirasmoças
de Picos e macrorregião a procurarem a ENOP e a fazerem o curso normal: a
possibilidade de emprego que a conclusão do curs o poderia promover, por
estaremvinculadasaumainstituiçãorespeitadanac idade.Eisaíumadasprincipais
representaçõesqueestavamatreladasàENOP.
Pouc as opções de trabalho fora das atividades domésticas havia para as
mulheresemPicosenascidadesqueacircundam.Àsmulhereseramdestinadas
atividades mais voltadas às práticas domésticas, dentre elas, o de costureira,
doceira, cozinheira e outras que as confinavam no espaço privado. O adquirir o
diplomadeprofessoraseriaapossibilidadedesairdoprivadodomésticoeinserirse
no espaço público que a profissão de professora poderia lhes proporcionar.
ConformeaexnormalistaIsabelBatistadeBarros(22.07.2006):
107
representava te r um emprego garantido, né, porq ue e ra um curso
profissionalizante e de muito valor. Era uma pessoa que ganhava
status sociais. Inclusive era até fá cil as pessoas casarem, nesse
tempo,porqueeraumapessoaqueiaserprofessora,[...]quetinha
conhecimentos. Representavatudoisso. Estavapreparada,também,
praserumaeducadoradefilhos,porqueocursopedagógicosempre
teve esseobjetivo.Mesmoqueapessoanãofosseserprofessora,
maselaseriaumagrandeeducadoradeseusfilhosedetodomundo
queseaproximassedela.
OolhardaexnormalistaIsabelemtornodafiguradanormalistarevelamuito
oqueasociedadepicoensepensavadasnormalistas:moçapreparadaparaserboa
profess ora,boaesposa,boamãe.Vêse,assim,queoqueseesperavadaENOP
eraa preparãodamulhernãoapenasparaaatividadeprofissional,mastambém
paraavidadoméstica.SegundoChartier(1988,p.17):
As lutas de representações têm tan ta importância como as lutas
econômicasparacompreenderosmecanismospelosquaisumgrupo
impõe,outentaimpor,asuaconcepçãodomundosocial,osvalores
quesãoosseus,eoseudomínio.
Era,assim,uma“impos ição”doprópriogrupo,comseusconceitosemtorno
da mulher e da professora, logo, em torno do seu mundo, com s eus valores e
regras, engendrandoo tipo de professor que a ENOP deveriaformar.Ressaltase
quesetratadeumdiscursosilencioso,masqueating iuaENOPemseuprocesso
deformaçãodasnormalistas.
Quanto à possibilidade de emprego qu e o curso normal oferecia para as
normalistas, a exnormalista Maria Nancy Pereira Alencar Ferreira (24.07.2006)
informou que a principal marca que a escola trazia para as suas alunas “era a
oportunidade de trabalho, né. [...] aquiem Picos ohavia na époc a. Então, todo
mundopartiac omseriedadeeestudava,porquequeriaexercerumafunçãoláfora,
depoisdotérminodoterceiroanoPedagógico”.
Comisso,aposs edodiplomadeprofessorarepresentavaumacredencial
paraingressarnomercadodetrabalho,mastambémrespeitodiantedasociedade,
que passavaa olharparaaquelanovaprofessoracomo a portadora de um saber
específico. Para a exnormalista Raimunda Fontes de Moura (25.05.2007),
conseguirodiplomadeprofessora:
108
parecia um sonho. A gente aqui em Picos, sem perspectiva de
estudar fora, porque não tínhamos condições financeiras e, de
repente, estarmos ali com o diploma. Muito bonito nosso diploma.
Era em pergaminho, papel pergaminho, grande, colorido. Uma
credencialparanosdáumemprego.[...]Jásabíamosquenãoíamos
ficar desempregadas. Tudo isso fo i muito bom, positivo pro nosso
ego.
E poder compartilhar com os entes queridos a representação do diploma
adquirido, era significan te para as normalistas. Isso se observa, por exemplo, no
depoimentodaexnormalistaOlíviaRufino(30.04.2007):
OqueeujáhaviaaprendidonaEscolaNormal,foraodiplomajáme
bastava.Euq ueria dizerp ravocêquea coisamaisimportantepra
mimfoiterre cebido aquele diplomadasmãosdomeumarido.[...]
quando ele me entregou eu fiquei até surpresa. Foi, assim, um
momentomágico.[...]omeudiplomaéosímbolodoquee uaprendi.
Éumapro vadoqueeuaprendilá,maselemeentregarpramimfoi
maisimportante.
Figura18.Diplomadeconclusãodocursonormalanverso(1973)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaHosanadeAraújo
109
Figura19.Diplomadeconclusãodocursonormalverso(1973)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaHosanadeAraújo
Asfiguras15e16trazemomodelodediplomaexpedidopelaENOP.
A Escola Normal Oficial de Picos significou a possibilidade de saída do
atraso educacional para Picos e as cidades que a circun vizinhavam. A educação
primária picoense pode ser dividida  a partir de dois momentos: antes da Esc ola
Normal e depois dela. Antes, a educação se firmou através do trabalho de
profess oras leigas e de poucas normalistas picoenses que estudaram em outras
cidades;depoisdaENOP,houveumamelho riaexpressivanaeducaçãolocal,pois
ampliouse o quadro docente qualificado na rede pública e também particular da
cidade,comotambém dasuamacrorregião.ConformeaexnormalistaIsabelBatista
deBarros(22.07.2006):
Olha, ela era um marco de desenvolvimento. Eu acho que ela
quebrouumpoucooatrasodePicos,né.[...]SenãofosseaE scola
Normalachoqueagente seriau mpovomaisatrasadoainda.Elafoi
um referencial [...] para a microrregião de P icos, de educação, de
saber, porqueas profe ssoras queexistemhoje na microrregião de
Picos são frutos da Esco la Normal né, é um produto da Esco la
Normal.São professorasconformeo conhecimento quereceberam
[...] mas elas levaram isso para a sua cidade. [...] Eu sou produto
110
destaescolaevolteialecionarnaENOP.Hojeeusouprofessorada
escola.
EserprodutodaENOPeraexatamenteestarmunidadesaberesepráticas
necessárias ao exercício da profissão. No c aso da exnormalista Isab el, ela atua
hojecomodocentenoquadro efetivodaENOPecomaescolaseenvolvemotivada
pelamesmaimagemrepresentacionalqueestapossuíaquandodoseuperíodode
apogeu:osanosaquiemestudo.
A professora oriunda da ENOP era v ista como a portadora de um saber
específico. Quando dúvidas surgiam sobre algo que envolvesse saberes da
profissãoousaberese mtornodealgumc onhecimentohistoricamenteconstruído,às
exnormalistas íamse buscar respostas. Para Raimunda Fontes de  Moura
(25.05.2007):
Naépocamesmo,todasasatençõesd acidadeemicrorregiãoeram
voltadas pra Escola Normal. Nós éramos, realmente, espelhos.
Qua lquer coisa, dúvida [...] era as meninas da E scola Normal. [...]
Era uma responsabilidade muito grande. A gente tinha que estar
preparada, porque quando chegava qualquer pessoa aqui,
procurando coisa de Picos, a história de Picos, procuravam as
normalistas.
AEscolaNormalOficialde  Picos,enquantoespaçodesaberes,tinhauma
representaçãomuitogrande nacidadedePicos.O seunomechegavaa abafaro
nomedocursoqueelaab raçava,ocursonormal.Ainstituiçãoemsimesmatinha
significação própria.  Segundo a exnormalista Olívia Rufino (30.04.2007), o no me
ENOP“abafavasim.EraEscolaNormal.Eraoorgulhodacidade.Eacidadeinteira
gostava e apoiava e tinha as esperanças de melhoras. Naquela época, faltavam
profess ores.Especialmenteprofessoresqualificados ”.
Amelhoriade quefa laaexnormalistadiz respeito aofato dea educação
picoense aindanosanos sessentaesetentadepend erdotrabalhodeprofessores
leigos que, embora se esforçassem para oferecerem ensino com qualidade, não
possuíam o respaldodosconhecimentosoriundos de umaescola de formão de
profess ores. Sobre esse aspecto, a exnormalista Raimunda Fontes Barros
(25.05.2007)info rmaque:
111
naépocaexistiamprofessorasaquieaténazonarural,também.[...]
Asprofessoras,namaioria,[...]leigas.Sesentiramatéameaçadas
por essa nova safra de professoras normalistas. Ficaram
apreensivas, com medo de perder o emprego e gerou um
constrangimento entre elas, uma insatisfação. Muitas já estavam
prestesaseaposentar.Sóquehouveumapreocupaçãodogoverno,
na época, em também preparálas. Trouxe professoras que
ministraramcursosdereciclagemparaessasprofessorasleigaspra
queelascontinuassemnocargo.Nósnãofomostirálasdolugar.[...]
Muitas procuraram as normalistas para orienta ções para elas
continuaremotrabalhodelas.[...]Muitasdelasforamministrarcomo
queaprenderamcomareciclagem,nazonarural.[...]Ficaramláe
conseguiramseaposentarcomoprofessorleigo.
Asprópriasnormalistaspossuíamumconceitoarespeitodesimesmaseda
escola a qual estavam vinc uladas. Sabiam que o fato de vestirem o uniforme da
ENOP era um pá lio que as respaldava no presente e as assegurava o futuro.
Seg undoaexnormalistaMariaHosanadeAraú jo(24.09.2007):
Era muito importantepo rque, assim, a gente era identificada como
uma normalista.Erauma coisa muito importante pra  gente[...] por
que todo mundo sabia que a gente estava estudando pra ser [...],
futurasprofessoras.Eprofessor,nestaépoca,tinhamuitovalor.Era
muito valorizado. Aquele fardamento ia nos ide ntificar como
professorasdaEscolaNormalOficialdePicos.[...]Eraumapessoa
que ia transmitir para os filhos,para os jovens da época todos os
ensinamentos.[...]AgenteaprendianaEscolaNormaltodama neira
de se comportar. Professores [...] não era só transmitir
conhecimentos,masformadoresde opiniões, também.Formadores
de cabeça. Era tudo isso. Era tão valorizado. Todo mundo tinha
respeito, o aluno, os pais, a sociedade. Tinham respeito pelo
professor.
E estar estudando para ser profe ssora representada também a
responsabilidadedemudaroperfileducacionaldacidade,umavezque,sobretudo
nas décadas de 1960 e 1970 havia nas salas de aula do município e da sua
macrorregião muitos professores leigos. E a demanda de alunos nos grupos
escolares era significativa. Segundo a exaluna Oneide Santos Martins de Sá
12
(17.09.2007):
Eraoquetinhademelhor.PicossónosofereciaaEscolaNormal.
SerprofessoraeratudoemP icos.[...]istosignificavamuito.Paraas
alunas da Escola Normal te r um diploma, lecionar, tran smitir
conhecimento às crianças. Picos precisava mu ito. Tinha muita
112
criançasemescola.[...]eraumaoportunidadedeemprego,também.
[...] depois da Escola Normal todo mundo teve acesso à escola.
Aumentouonúmerodeprofessores.Naqueletempoeraresumidoo
número de professores. [...] Depois da Escola Normal isto tu do se
expandiu. [...] melhorou. [...] expandiu os grupos escolares aquina
cidade.Tinhamuitasprofessorasleigas.[...]muitasdelaspassaram
ae studarnaEscolaNormalparasequalificar.
Antes da ENOP ser instalada, apenas as mulheres oriundas de famílias
abastadas poderiam prosseguir seus estudos, uma vez que necessitavam sair da
cidadedePicosparasedirigiremaoutrascidadesnoEstadodoPiauíouemoutros
Estados da federação. E, após a ENOP, esse cenário mudou consideravelmente.
ConformeaexnormalistaMariaHosanadeAraújo(24.09.2007):
Eu lembroque antesdaEscolaNormalhaviaumgrandeproblema
de ser professor em Picos. [...] Tinha que vir formada de fora. Só
algu masfamíliastinhamcondiçãodemandarosfilhosestudarfora.
Depo is da Escola Normal [. ..] a primeira turma já foi, assim, um
passo.[...]UmacoisamuitoboaparaPicos.Apartirdaíaeducação
seevoluiu.[...]Depoisdisso,professoreraoquenãofaltava.[...]A
educaçãosótevequeganharemu itocomisso.
O cotidiano da ENOP também foi marcado pela presença das chamadas
atividades avaliativas. Seminários, debates, confecção de material didático e
provasfaziampartedostiposdeativ idadesqueserviamparaavaliarasnormalistas.
Excetoasprovas,asdemaisatividadeseramtidascomomuitoagradáv eis,pois,na
sua maioria, eram feitas em grupo e as normalistas se sentiam mais à vontade
quantoaisso.
3.5.Amediãodoscontdos:entrelivros,apostilhasecadernos
Os conteúdos das aulas eram dados, na sua maioria, especialmente nas
décadasde1960e1970,atravésdeapostilhasmimeografadasoureduziamsea
anotões no quadrodegiz que eram, automaticamente, copiadas pelas
normalistasemseuscadernos.Nosanosde1980,muitosprofessorespassarama
adotar livros, principalmente os de Didática, Psicologia da Educação, Estrutura e
113
Funcionamento do Ensino de Primeiro Grau, Metodologia do Ensino, Língua
portuguesa,Literatura,QuímicaeFísica.ConformeaexnormalistaIsabelBatistade
Barros(22.07.2007):
eusólembroqueadotavalivroairmãHelena.Elaadotavaolivrode
Português. Ela trabalhava com Português, [...] mas as outras
professoras, não. A gente co piava tudo no caderno. Era a aula
tod inha só copiando. Ela copiava no quadro e a gente copiava no
caderno. A maioria das disciplinas era copiada. Inclusive eu tenho
lembranças desses cadernos, ainda tenho esses cadernos. [...]
Algumas [...] traziam os textos mimeografado s, aí não precisava a
gentecopiar.[...]maslivroerau mararidade.
E,comonaépocanãohaviacopiadoraeascondiçõesfinanceirasdemuitas
normalistas eram precárias, muitas não tinham condições de comprar o livro
adotado, então pediamno emprestado àquelas que o comprava e fazia a cópia
manual do con teúdo trabalhado pelo professor em sala de aula. A exnormalista
Maria NancyPereiraAlencarFerreira(24.07.2006)ratifica isso: “Algunsadotavam.
[...]. Comprava quem podia. Quem não, tomava emprestado ao amigo e cop iava
porque,naépoca,nãotinhaamáquinadetirarxérox.Então,eraàmãomesmo.Era
copiaràmão”.
Era, então, o caderno, o principal meio de  acesso aos conteúdos ali
ensinados.Eraeleomelhorcompanheirodasnormalistas.Essasorganizavamlhes
em matérias, para cada disciplina, uma parte específica do caderno. Mas, vale
ressaltar a participação das apostilhas mimeografadas como outra forma contínua
de acesso aos conteúdos ministrados pelos profess ores. Essas apostilhas eram
datilografadas emimeografadasnaprópria esc ola,que asforneciaa suasalunas,
sem a necessidade de essas pagarempelo mater ial recebido. Segundo dona Zizi
(20.03.2007):
Bem,láeramaisapostilha,viu.[...]logo,eutiveafelicidadedeem
meutempotermuitomaterial,viu.Vinhamuitopapelmimeog rafado,
viu. Então, as meninas podiam fazer à vontade. As professoras
podiamdaramatériaepassavaparaasalunasasapostilhas.
Quantoaessetipodeacessoaoconteúdodasdisciplinas,aexprofessora
CéliaNeivadeSous aLima(16.03.2007)informouque:
114
[...]agentetinhaaquelapreocupaçãode transmitirparaasalunas,
deusarsempreoquadro,alousa,né.Etransmitir[...]àmedidaque
você ia desenvolvendo o assunto, [...] ia colocando os temas na
lousa  e depois [...] fazia uma revisão geral, né, baseado naquele
esquemaquefoicolocadonalousa.[...]
Registrar o conteúdo no quad rodegiz era a regra, especialmente nas
primeiras turmas, uma vez que o havia também o mimeógrafo na escola.
Consoanteobservaçãodaexprofe ssoraMariaDarcydeDeus(09.06.2007):
A maioria das aulas era expositivas, né. Alguns traziam cartazes,
mase rararo.Eramaisaulasexpositivas,noinício.Depoispassava
para ditar os pontos. No início, não existia te xtos mimeografados,
não.Anos1 960,porqueaescolafoifundadaem1967.Atéoinício
dosanos70usavasecaderno.Cadaalunotinhaoseucadernode
apontamentodecadadisciplina.Euteafirmoqueatéoanode1973
tudoerafeitoà mão.[...]posteriormentehouvematériaquepassoua
adotarlivros,outrasdisciplinas[...]mimeografadas.[...]asprovasjá
erammimeografadas,facilitoumuito.
A substituição parcial do conteúdo anotado no caderno pelo conteúdo
datilografado e impresso no mimeógrafo, foi um avanço considerávelna rotinada
ENOP. O trabalho dos professores passou a render mais, e as normalistas
passaramaterapossibilidadedeterem acessoaumvolumemaiordeinformações,
umavez que recebiam o texto pronto, cabendo ao professor, a partirde então, a
responsabilidadeapenasdeexplicaroassuntodaaula.
3.6.Asatividadesemgrupo:aaprendizagemforadasaladeaula
OcotidianodaEscolaNormalOficialdePicoseramarcad oporaulasdiárias,
mas, além dessas, outras ativ idades eram desenvolvidas e que env olviam as
normalistas, principalmente as chamadas Semanas Pedagógicas. Delas, as
normalistas participavam com bastante en tusiasmo, organizavam apresentações
teatrais,exposiçõesdetrabalhosfeitosnasdiversasdisciplinasdocurso,desfilese
outros . Consoante fala da exnormalista Maria Nancy Pereira Alencar Ferreira
(24.07.2006):
115
quandohaviaumaatividadediferenteparaaexposição,então, era
uma rivalidade, porque todo mundo q ueria fazer seu trabalho bem
feito. Colocar na e xposição bem feito. A turma que ganhasse, né,
tinhaumprêmio.[...]então,todomundoficavaempenhadanaquela
atividadeparaseraprimeira daturma,né.Tinhaqueganhardeuma
turmaparaoutra.Entãoninguémqueriape rder.Eraumacompetição
total.
ASemanaPedagógicaenvolviatodaa escolae davaoportunidadeparaa
comunidade ter acesso aos trabalhos que as normalistas faziam exposição. A
primeirarealizaçãoocorreuem1979.SegundoaexprofessoraMariaDarcydeDeus
(09.06.2007):
Nasemanapedagógicahaviacompetiçãoacirradaentreosturnosda
noite, da tarde e  da manhã. Havia gincanas culturais, palestras,
desf iles,passeatas,debates.Havia,também,exposiçãodetrabalhos
naescola.Convidavasetodaa comunidadepraparticipar.Erauma
feiracultural.[...]asemanapedagógicabatiarecorde.Aescolaera
visitada pela manhã, tarde e a noite pelos pais dos alunos e pela
comunidade.[...]todaaescolaseenvolvia.[...]eraquandoaescola
eramaisvisitada.[...]eraummomentoímparnahistóriadaEscola
Normal.
Alémdassemanaspedagógicas,haviaasatividadesdepesquisa,nãono
sentido acad êmico do termo, mas no do que é empregado costumeiramente na s
escolas:idaàbibliotecaparabuscarinformaçãosobrealgo.Quandoasnormalistas
eramsolicitadasafazeremalgumaatividadeness esentido,dirigiamseàbiblioteca
daprópriaescolaelátinhamacessoaoseupequenoacervo.Oslivrospodiamser
retiradosdabibliotec a,comprazocertoparadevolução.Conformeaexnormalista
RaimundaFontesdeMoura(25.05.2007):
116
As atividades extraclasse eram poucas, raras. [...] A gente não
dispunha,naquelaépoca,delocaisadequadosparafazerpesquisa.
[...]Existiaabibliotecalán aescolaque [...]tinha muitos livrosda
partepedagógica.[...]DonaZiziemprestavapragente.Agentetinha
muito cuidado. Tinha o prazo “x” de devolver. Ela deixava que a
gente pesquisasse. [...] As atividades extraclasse era mais no
museudeOzildo
13
. [...]Ele instalou na residênciadele, quee rana
AvenidaGetúlioVargas,noquartodelemesmo.Então,eletinhaum
pequenoacervoeemprestava.Eletinhaomaiorprazeremreceber
asnormalistas.Eraparaondeagentesedirigia.[...].Pediam, assim,
entrevistas, nós f izemos dentro da Me todologia da Linguagem, né.
Fomos entrevistar [...] p areceme que fo i o Dr. Virgílio Madeira
Martins,opadreMadeira,queentrevistamosemtermosdeassunto
religiosos. O que eu me lembro d e minha turma, mesmo, a lgumas
pesquisasnessesentido,assim.
Comosev ê,asnormalistastransitavamentrediversostiposdeatividadesno
seu cotidiano escolar. Atividades que ob jetivavam tornálas boas professoras,
capazesdeassumirem,apósac onclusãodocurso,umasaladeaula.
Figura20.NormalistaseexbibliotecáriodaENOP(1973)
Fonte:ArquivoparticulardeMariaHosanadeAraújo
____________
13
JoséAlbanodeMacedo(19301989),conhecidocomoOzildoAlbano,nasceue mPicos
PI.Foi Juiz de Direitonas Comarcasde PioIXe Jaicós,noPiauí,profe ssore secretário
MunicipaldeCultura,emPicos,alémde incentivadordacultura.Em1966fundouemPicos
PI o MuseuBiblioteca João Gomes Caminha, hoje, Museu Ozildo Albano, com o fito de
preservaraculturalocalesuahistória
117
Outra atividade que marcou o cotidiano da  ENOP foi a organização do
Clubinho Cívico Da Costa e Silva, em 1972. Como não havia espaço para
grêmios, as normalistas criaram o Clubinho com a finalidade de organizarem,
através  de le, festas, brincadeiras, jornais que divulgavam fatos da escola, mas
principalmentecomemorarnaescolaasdatasdocalendáriocíviconacional.
Sob  a dirão dos professores de Língua Portuguesa, as normalistas
participavam das atividades do Clubinho e alegravam o cotidiano da escola,
especialmentenasdatascívicas.AidealizadoradoClubinhoCívicofoiaprofessora
Diva Damasceno, da disciplina  Educação Moral e Cívica. Segundo dona Zizi
(20.03.2007):
Era chamado Clubinho, viu. Era o Clubinho eera bom. Era. Tinha
jornal,tinha.Tinhaumasprofessorasencarregad as.Asprofessoras
de português, as professoras dessas d isciplinas mais necessárias.
Saía anedotas. Saía tudo. Saíanotas.Criticavaoprofessor[...]ou
elog iava. Era o Clubinho Da Costa e Silva. [..] muito bom.
Funcionava. Todas as festas fazia uma sessão. A gora, ía o aluno
quequisesse,né .Nãoeraobrigado,né.Masíasempremuitag ente,
porque tinha representações, tinha brincadeira e o Clubinho era
muitobom.Depoisnóspegamosumbiomboeaífezomural,sabe.
Todasasnotíciassaíamali.Tudo,tudo,tudo,tudo.MasoClubinho
fun cionavamuitobem.
OClubinho,conformedepo imentodaexdiretora,eraograndepromotorde
eventos da ENOP e vêse, pelo entusiasmo com que dele fala, que a mesma
apoiava suas atividades. Não era um componente curricular, mas era bem
recepcionado naescola,umavezqueserviaparaintegrarasnormalistasentresi,
comotambémenvolvêlasnadinâmicadaescola.
O Clubinho Cívico mov imentava a ENOP, com suas atividades,
especialmentequandohaviaeleiçãoparacomlo.Consoantedepoimentodaex
profess oraMariaDarcydeDeus(09.06.2007):
[...].Naépoca,haviaoClubinho.[...]oClubinhoCívico daescolaque
foi um grande progresso, Nós devemos muito a professora de
Educação Moral e Cívica, a dona Diva Damasceno. Era quem
tomavadeconta.CriouoClubinhoCívico.Fezaformaçãodachapa,
né.Presidente,vicepresidente,secretárioseteso ureiro.Aatividade
doClubinhoerapromovereparticipardasfestascívicasesociaisda
escolaqueocalendárioaplicava.Outracoisa,também,elastinham
quecolaborarcomasdespesas.Justamentequandoquisessefazer,
118
assim,umpasseio,umaexcursão,trabalhosartísticos,apre sentação
de números de hora social uma vez por mês. Através do clubinho
cívico foi criado um jornal “O Elo”. O jornal “O Elo” era pra se r
quinzenal, na época. Raramente falhava. Mas houve a nos aí que
passava era um mês às mesmas notícias. Ma s o Clubinho Cívico
sempreestavaatuando.Passouumperíododesativado.Umperíodo
crítico,masdepoisvoltouafuncionar.[...]Oclubinhocívicofoicriado
em1972.
ComoClubinho,asnormalistaspodiamcircularpelaescola,umavezque,
através  do seu periódico, o jornal O Elo, elas necessitavam colher informações
sobreocotidianodaescolaeregistrálasparadivulgação.
3.7.Osportõesseabremeasnormalistasdesfilam:oSetedeSetembro
Além das atividades pedagógicas, outras marcavam o cotidiano da escola
em datas do calendário cívico, dentre elas, destacase o Sete de Setembro.
Duranteosvinteanosdecoberturadapresentepesquisa,aENOPviveumomentos
importantesededestaquenessesdesfiles.
As figuras 18 e 19 apresentam as normalistas em desfile de Sete de
Setembro. Era o momento oficial de apresentação da ENOP à cidade. As duas
figurasmostramasnormalistasusandootrajedegala.
Figura21.NormalistasemdesfiledeSetedeSetembro(s/d)
Fonte:ArquivodefotosdaENOP
119
OSetedeSetembro,nacidadedePicos,eracomemorado commuitafesta,
e os desfiles das escolas públicas e particulares, em homenagem à semana da
pátriacaracterizavatalda ta.Asescolascolocavamnasruasdacidadeseusalunos
enfileirados, marchando em homenagem aoaniversário da pátria e, juntos,faziam
umafestapatrióticabemorganizada.
Figura22.NormalistasemdesfiledeSetedeSetembro(s/d)
Fonte:ArquivodefotosdaENOP
EranessadataqueaEscolaNormalOficialdePicosapresentavaàcidadeo
que ela tinha de melhor: suas normalistas. O desfile da ENOP era um momento
esperado,umavezqu easalunaslevavamparaasruastemasestudadosnaescola,
moçasfantasiadas,pelotõesformadoscomasfuturasprofessorasvestidasemseu
uniformeazulebrancooucomumtrajeespecífico,estavamali,representandouma
instituição séria e sóbria. Descrevendo esse momento de festa, a exnormalista
RaimundaFontesdeMoura(25.05.2007)informouque:
120
Os desfiles na Escola Normal não apresentavam muitas alegorias,
não. [...] As alegorias era a porta bandeira, o pelotão de elite, né.
Realmenteeramescolhidasas maiores.Comoeu erabaixinha,eu
ficavanogrilo.Elamesmadizia
[donaZizi]
:‘Asbaixinhasjásabe,é
o grilo, né
14
’. E ntão, as maiores, né, porta bandeira. Toda s de
branco,deluva s.Tinhaumaboina,ta mbém,prausar,degala,nos
desf iles.Umaboininhabranca.Ficavalinda.Quandoasnormalistas
passavam,paravam.Tudoparaolharasnormalistas.
Onãoapresentarmuitasalegoriasfoisomentenocomeçodofuncionamento
da escola, posteriormente, os desfiles da ENOP eram impecáveis também na
quantidade de alegorias. Na fala da depoente destacase o olhar dela para a
organizaçãodospelotões.Normalistasmaioresnosblocosdafrente,easmenores
nosblocosdetrás,seguindoopadrãodeorganizaçãodasForçasA rmadas.
Porém, para que tudo saísse bonito, havia os ensaios durante o mês de 
agosto,quepreparavamasnormalistasparaomomentododesfileoficial.Segundo
faladaexnormalistaRaimundaFontesdeMoura(25.05.2007):
[...] Os ensaios com muita rigidez. Tinha que march ar bem, igual.
Exércitomesmo.Todomundoma rchandobempramostrarpostura,
né. Ela
[dona Zizi]
se prendia mais a mostrar, a ssim, os cartazes
grandes, que era o que dispunha na época. [...] Na época era
cartolina, mesmo, papel laminado, brilhoso, e que fazia até no
duratex. Monta va aquele escudo da Escola Normal pra mostrar. A
bandeira que ela levava. As três bandeiras:a bandeiranacional, a
bandeira do Estado e a bandeira da Escola Normal. O hino era
cantado de frente ao palanque. Todo mundo impecavelmente ali.
Postura para cantar. [...] No desfile co locavamalgumas frases,né,
sobre a educação e, também, homenageados. Uma vez
homenagearamVidaldeFreitas,umeducadorhomenageado.Dona
Zizinãotinhaessapreocupaçãocomcarroalegórico.[...]Noprimeiro
desf ile descreveu as disciplinas, as me todologias. [...] Aí tinha
aquelessímbolos,oábaco,queagentetrabalhavacomosalunos.
Mostrar postu ra, que a exnormalista fala, diz respeito o apenas à
elegância no desfilar, mas também à postura de professora, da professora que a
escolaestav aformandoequeestavaalinaavenidasendoapresentadaatodos.
____________
14
O grilo era a posição ocupada pelo aluno no último pelotão, em dias de desfiles. Nos
primeirospelotõesficavamosalunosmaiores,nosú ltimos,osmenores.
121
Nas figuras 20 e 21 vêse os blocos organizados. Na figura 20, bloco
temáticnafigura21,afanfarra.
Figura23.NormalistasemdesfiledeSetedeSetembro(s/d)
Fonte:ArquivodefotosdaENOP
EraaENOPsendoapresentadaàsociedadepicoense.Eraumaespéciede
abertura oficial dos portões, que passavam anualmente fechados, para a
comunidade; assim como uma autorização, com ressalvas, para as normalistas
transitaremnasruasdacidadeeseremvistas, umaespéciede
voyerismo
:prazer
emservisto,prazeremolhar.Aparticipaçãodanormalistanodesfileeraobrigatória.
Não podia faltar, a não ser em caso de doença comprov ada através de atestado
médico.
122
Figura24.NormalistasemdesfiledeSetedeSetembro(s/d)
Fonte:ArquivodefotosdaENOP
Umaspectoquemarcou ahistóriadaENOPeseucotidianoeraofatodeas
normalistas terem uma alcunha na cidade: eram chamadas de coroas . Isso de
deveemvirtudedaorganizaç ãodaprimeiraturmatersidofeitapelocritériodaidade
eestadocivil:casadasemumasala,solteirasemoutra.Segundoaexnormalista
MariaNancyPereiraAlencarFerreira(24.07.2007),falandosobreodesfiledo Sete
deSetembro:“eradoloroso,porqueninguémqueriadesfilarporcontadapopulação
chamar as pobres normalistas de coroas, velhinhas, encalhadas, mas, mesmo
assim,agenteía,né.”
Porém,omaissignificativodetodososdesfilesdeSetedeSetembroparaa
ENOP foi o de quando a escola completou os seus quinze anos. Era a escola
debutandoemplenaavenida.Conformeaexdiretora,donaZizi(20.03.2007):
Ah, nosdesfilesaescola participava eoprincipaleu sempredigo,
que as atividadesmelhores que tevenaEscola Normal foiquando
elacompletou15anos,viu.Nodia7deSetembrosecobriuumjipe
tododecorrosa.Escolhemos15meninas,todasde15anos.Cada
uma co m uma fita cor de rosa saindo de dentro do jipe, viu. E no
desf ileaítinhaqueiro15emcima,viu.Essedesfilefoibonito.[...]
professortalorganizavaumpelotão,aíelascriavamaquiloesaíam.
[...]ode15anosfoiextra.
Estarnasruasdacidadedesfilandoun iformizada,representandoaENOP,
requeriaumapostu raespecíficadasnormalistas.Disciplina,sobriedadeeelegância.
Eram as damas do saber desfilando diante da comunidade que as estavam
123
gestando e que as esperavam embreve nas salas de aula educandoseus filhos .
Sob reisso,aexnormalistaMariaFátimadeSá(17.09.2007)info rmouque:
O desfileeraumacoisaimpressionante. Todomundobem vestido.
Todomundoorganizado.Vocênemmexiaacabeça.Eu,quelevava
abandeiradoBrasil,não virava nemorostopraolharnada.Erau m
negócioimpressionante.Comoeraabeleza,aorg anizaçãoetudo.
Todoso sseusaspectos.Éaíqueeudigo,éq uestãodecultura,é
questão dos pais, é questão de escola. Se em casa você tem o
respeito,naescolaéacontinuação.Tudodácerto.
3.8.Denormalistaaprofessoranda:oEstágioSupervisionado
Mas no cotidiano da ENOP também existiam as turmas de terceiro ano
pedagógico. As turmas das formandas, das professorandas, daquelas que iriam
colocarempráticaosconhecimentosadquiridosaolongodocurso,nasescolasde
ensinoprimário,comoestagiárias.
Paramuitasnormalistas,eraomomentomaisdifícildocurso.Paraoutras,o
momento mais prazeroso. O estágio supervisionado, como requisito para a
conclusãodocurso normal e momento para colocar emprática os conhecimentos
adquiridosaolongodocurso,tammmarcouocotidianodaENOP.
Paraosgruposescolaresdac idadesedirigiamasprofessorandas.Vestidas
emseusjalecosbrancosemunidasdediversosrecursosdidáticos;íamtentarfazer
a diferenç a, levar o novo para as crianças, alfabetizar, educar. Segundo a ex
normalistaOlíviaRufino(30.04.2007):
EufiznaescolachamadaJustinoLuz,lánaperiferia,[...]nobairro
Bomba. Eu p assei lá, se eu não estou enganada um mêse meio.
Todo dia, na sala de aula, como se fosse a  regente da sala. A
professora ia lá e sentava. [...] eu tomava conta da  sala de aula.
Adoreiasaladeaulae osmen inos.Ora,quandosaídelá,aturma
até chorou.[...]oestágiofo ialgopositivo.Euachoumacoisamuito
importante o estágio supervisionado, porque ali você vai pôr em
prática tudo o que você aprendeu e não só o que você aprendeu,
masaquiloquevocêentendeoqueéumasaladeaula,aívocêvai
colocar as suas idéias e, também, o seu relacionamento com as
124
pessoas, especialmente com o aluno que você vai cuidar,
encaminhar.
O estágio era o momento efetivo da prática,momento primeirode contato
com o campo profissional. Nele, as normalistas literalmente vestiam a farda de
profess or, em franca substituição da farda de normalista. Era o momento da
apresentaçãodoperfilqueforaconstruídoduranteocurs o,naENOP.
Pelo depoimentoda exnormalista  Olívia Rufino (30.04.2007), “alivocê vai
pôrempráticatudo oquevocêap rendeu”,vêseaconcepçãodeestágiopresente
naépoca:aseparaçãoentreteoriaeprática.
NaENOPaprendiasetodaateoriaesónoestágioanormalistaentravaem 
contatocomaprática. Dissociaçãoentreateoriaeapráticae,aomesmotempo,a
visãodeindivíduopronto,acabadoéoqueseinferedotipo deestágiopresentena
escola.SegundoLima(2004,p.16):
Oestágionãoéahoradaprática!Éahoradecomeçarapensarna
condiçãodeprofessornaperspectivadeeternoaprendiz.É a hora
de começar a vislumbrar a formação contínua como elemento de
realimentaçãodessareflexão.
Porém,nocotidianodaENOP,apráticasóeravividanofinaldocurso,no
momentodoestágiosupervisionado.Eopensaracondiçãodeprofess orcomoum
eterno aprendiz, ou como disse Guimarães Rosa, “mestre o é quem sempre
ensina,masquem,derepente,aprende”,estavalongedesuarealidade.
A professoranda era vista como a portadora de saberes, logo, um sujeito
pronto, preparado para o labor da profissão. A formação inicia l era vista como
suficientepa raapráxiseducativadesseprofessor.Depossedeumsaberfazer,as
profess orandas eram afastadas da possibilidade de questionar sua prática, de
questionar seu fazer, logo, de se tornarem profissionais reflexivos e distantes de
avaliaremsuaprópriaprática.ConformeLima(2004,p.55),“[...].A reflexãonaão 
e sobre a ão possibilitará posturas  de redimensionamento das propostas de
trabalho,tantonoâmbitopedagógico,quantosocialdoprofessor”.
Como redimensionar a práxis pedagógica, se estavam sendo preparadas
para serem profess oressegundo modelo préestabelecido? A ENOP preparou um
tipodeprofessorapartirdomodeloqueelamesmaoferecia,eissofortaleciaovalor
daformaçãoinicial.
125
Essavisãonegavaapossibilidadedareflexãonaaçãoes obreaação,no
momento do estágio e, conseqüentemente, na vida profissional. Segundo Lima
(2004, p. 47), “o estágio supervisionado prosseguirá sendo espaço de
questionamentoededebate,continuandoamerecersemprenovosolhares”.
O estágio supervisionado, nas suas três modalidades observão,
participãoeregênciarepresentavaessapossibilidadeprimeiradecontatocom
o futuro campo de trabalho. Mas um contato, assim como se dava na escola,
também monitorado, v igiado, controlado pelo professor da sala, que deveria
acompanhar os passos  da normalista e narrálos, em forma de  relatório, para a
profess ora do estágio. Consoante relato da exnormalista Raimunda Fontes de
Moura (25.05.2007), [...] Havia uma vigilância no momento do estágio. [...].
Professora assistindo à aula, a professora da disciplina assistindo, também. [...]
Havia,também,aficha.Agentemorriademedodaficha.Demancharohistórico.
[...]Agentefaziatudopramanteropadrãodanossaficha”.
126
Figura25.Fichaindividu aldeestágiodaENOPanverso(1981)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaDarcydeDeus
127
Figura26.Fichaindividu aldeestágiodaENOPverso(1983)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaDarcydeDeus
Na etapa da observão, as normalistas  íamparaas escolas observar o
seucotidianoe levantaras ituaçãodaestruturadogrupoesc olaremquefariamo
estágio. Nessa etapa, a preocupação da orientação do estágio residia no contato
inicialdanormalistacomapráticadocente.Eraomomentoemqueaprofessoranda
se depararia com o espaço do grupo escolar, com professores, coordenadores,
diretorese,especialmente,comosalunos.
128
Competiriaàsnormalistasfazerumlevantamentocompletodaestruturada
escola em que estagiaria, a saber: o ambiente físico, as atividades diárias, as
técnicasdeensinoaplicadasnasrespectivassériesdeensino,omanejodeclasse
dosprofessores,assimcomootipoderecursodidáticoutilizado.
Naetapadaparticipão,asnormalistaseramsolicitadasaparticipardas
aulas. Não podiam ainda dar os conteúdos aos alunos, mas faziam atividades
outras , como fazer a chamada dos alunos, apagar o quadrodegiz, anotar os
conteúdoseas atividades noquadro,orien taras tarefasdascriançase outrasdo
cotidianoescolar.
A terceira etapa era a da regência, que se dividia em duas: regência
alternadaeregênciaintensiva.Naprimeira,aprofessorandac omeçavaadaraulas,
massob  asupervisãoe a presença da professora de turma,na hora da aula. Na
segunda, ela assumia totalmente o controle da turma. Sobre o esgio
supervisionado,assimseposicionouaexnormalista OneideSantosMartinsdeSá
(17.09.2007):
Eraescolhidoo colégioeaíagenteía. Agente tinha contatocom
aquelecolégioesabiaqua ladisciplinaefaziaseuplanodeaulae,
naquele dia, era supervisionado por uma professora daquele
estabelecimento. Depois dava sua nota e fazia suas correções no
planodeaula.[...]nóséramosbemsucedidasnosgru posescolares.
[...]ascriançascantavamquandoa gentechegavanasaladeaula.
Erau manovidadeparaascrianças.Antes,aprofessorajáanunciava
queía,naquelasemana,iatervisitadeprofessoranda.[...]preparava
recurso didático. Tudo feito pela normalista. [...] A E scola Normal,
também, supervisionava. [...] as Metodologias foram muito
importante, porque o professor da Escola Normal ensinava como
transmitir para os alunos. Va mos dizer: a idéia da moeda, da
quantidade,idéiadecontagem,n ãoé.[...]asMetodologiasserviam
para isso. Através de cartazes, através de recursos que os
professoresfaziamparalevarparaoseuestágio.
Ocontatoinicialcomaescolacampodoestágioeraaprimeiraoportunidade
que a normalista tinha para se familiarizar com aquele espaço escolar novo. Os
gruposescolareslocaisrecepcionavambemasnormalistas,segundoodepoimento
daexnormalistaOneideSantosMartinsdeSá.Masoquesedes tacabemdasua
fala é a certeza de que as normalistas estavam prontas para a prática,
demonstrandocomissoaconcepçãodeestágiopres entenaENOP.
129
Cumprirtodasasetapasinicialmentepreocupavamuitoasnormalistas.Era
omomen todamaiordetodasasprovaspelasquaiselaspassavamnaescola.Eo
temor, quanto a isso, era evidente, embora tivessem recebido orientações
suficientes para realizarem com eficiência as atividades a que eram convidadas.
Orientaç ões advindas, especialmente, das disciplinas metodológicas. Conforme a
exnormalistaRaimundaFontesdeMoura(25.05.2007),
Muito importante a questão do estágio. Era uma coisa que, a
princípio, nos amedrontou. A gente ter que ir pra sala de aula,
enf rentaraquelesmeninos.[...]Passaraserprofessora.Eraaquele
impacto, massóquenossosprofessoresnosprepararam.Tivemos
umaprévia.Durantetodoperíododasmetodologias.Elaspassavam
pragenteorganizarumálbum.[...]Oálbumeracomosefosseum
croqui.Fazíamostudoe mminiaturas.Decadamaterialdidáticoque
agenteprecisasse[...],[...]porexemplo,na4ªsériee stavafalando
sobre ‘a mudança monetária no B rasil’, a gente já selecionava
dinheiros antigos, moedas. Pregava no cartaz e mostrava pros
meninos. A gente fazia um roteiro, no álbum. [...] Essas
metodologias. [...] A programação do que era importante ser
ministrado. [...] Toda seqüência era delimitado pra gente. [...] O
álbu m,tudo,comacapaetudo.Eraumaexigência.Davanotapelo
álbu m. [...] Tínhamosálbum de todas as disciplinase tudo. Já era
umapréviaparaoestágio.Quandochegouaépocadoestágionós
jásabíamos.Foiumsorteio.Primeirofezumcontatocomosgrupos
escolares.EuestagieilánoJustinoLuz.Distante,né?Aprofessora
nos recebeu muito  bem. [...] Elas queriam que a gente fosse dar
aula,porqueelasnãoeramportadorasdediploma,entendeu?Elas
eramleigas.[...]Elasnãoqueriamqueagentefossesóobserválas.
O amedrontarse diante da idéia de ir para o estágio, de enfrentar a
realida deescolarsobreaqualtantoouviramfalarduranteasaulasteóricas,estava
relacionadoexatamenteàfaltadepráticaqueasno rmalistaspossuíam,aotipode
concepçãodeestágioqueaescolapossuía,comosendoesteomomentoespecífico
da prática. E o “passar a ser profe ssora”, deixar de lado o pálio da condição de
estudante e vestir a bata do estágio, uma espécie de rito de passagem para a
condiçãodeprofessor,eraenfrentararealidadefrenteafrente,semdemonstração
dequalquertipodefraqueza,umavezquesupunhamestarempreparadas,prontas
paraoexercíciodoofício.
Oálbum dequeaexnormalista fala,eraumaespéciedecroquidestinadoà
preparação técnica da normalista para a prática pedagógica. Eram montados,
basicamente, três álbuns, um da Metodologia da Linguagem, outro da
130
MetodologiadoCálculoeumterceirodaMetodologiadosEstudosSociais.As
noçõesbásicasdacomunicaçãoeexpressão,damatemáticaedosestudossociais,
paraasséries iniciaisdoantigocurs oprimário,eramnelespostas.
Os álbuns traziam, con forme a visão das metodologias, o caminho a ser
seguidopelasnormalistasnomomentodaprática.Asuaelaboraçãoeranecessária
paraotipodeprofessorquese estavafo rmando:dócileútil.
ConformeafaladaexnormalistaRaimundaFontesdeMoura(25.05.2007),
neleshavia“aprogramaçãodoqueeraimportantesermin istrado”.Asprofessoras
dasmetodologiasseencarregavamdisso,faziamo levantamentodaprogramação
básicadaescolaprimáriae conduziaasnormalistas namontagemdos álbuns,na
confiança de que assim estariam preparandoas suficientemente para o esperado
momentodaprática.Criouse,comosevê,umhiatoentreateoriaeaprática.
Destacase, porém,a organizaçãodos álbuns. Parasua confecção, diante
dos poucos recursos ilustrativos que a cidade oferecia, as normalistas usavam
recortes de revistas, de caixinhas diversas, papel de bombom e outros que
pudessemcontribuirnoembelezamentodoálbum.
Comosevênasfiguras24a31,haviapreocupaçãocomaescritadoálbum.
Letras  coloridas e bem desenhadas acompanhad as por gravuras, sempre bem
posicionadas.
131
Figura27.ÁlbumdeMetodologiadoCálculo(1968)
Fonte.ArquivoparticulardeOneideSantosMartinsdeSá
Figura28.ÁlbumdeMetodologiadoCálculo(1968)
Fonte.ArquivoparticulardeOneideSantosMartinsdeSá
132
Nafigura25,queestavalocalizadanaaberturadoálbumdeMeto dologiado
Cálculo, da exnormalista Oneide Santos Martins de Sá, destacase a visão da
normalista em torno da educação, como sendo a flor da civilização”. Visão
românticaemetafóric a,informamuitopoucodaiiade educaçãonecessáriatanto
para o país, quanto paraPicos, naquelemomento histórico: a idéia de educaç ão
transformadora.Sendoflordacivilização,elaseria,infelizmente,apartemaisfrágil
desta.
Figura29.ÁlbumdeMetodologiadoCálculo(1968)
Fonte.ArquivoparticulardeOneideSantosMartinsdeSá
133
Figura30.ÁlbumdeMetodologiadoCálculo(1968)
Fonte.ArquivoparticulardeOneideSantosMartinsdeSá
No álbum de Metodologia do Cálculo(v er figuras 24a 27),asnormalistas
organizavam, a partir de gravuras, as noções básicas  de tamanho, posição,
quantidade, distância, tempo, valor, peso, contagem e outros, necessários à
educaçãoinfantil.
Noitemdestinado,porexemplo,ànoçãodecontagem,alémdasgravuras,o
álbumcontémc antigasinfantis,comoasqueseguemabaixo:
Um,dois,
Feijãocomarroz.
Três,quatro,
Feijãonoprato.
Cinco,seis,
Boloinglês.
Sete,oito,
Caféebiscoito.
Nove,dez,
Mostreospés
Um,dois,três,
Bomdia,Sr.Freguês.
Quatro,cinco,seis,
Bomdia,Sr.Inglês.
Sete,oito,nove,
Ogarotinhosemove.
Dez,onze,doze,
Ecumprimentacompose.
134
Figura31.ÁlbumdeMetodologiadaLinguagem(1968)
Fonte.ArquivoparticulardeOneideSantosMartinsdeSá
Figura32.ÁlbumdeMetodologiadaLinguagem(1968)
Fonte.ArquivoparticulardeOneideSantosMartinsdeSá
135
Figura33.ÁlbumdeMetodologiadaLinguagem(1968)
Fonte.ArquivoparticulardeOneideSantosMartinsdeSá
Figura34.ÁlbumdeMetodologiadaLinguagem(1968)
Fonte.ArquivoparticulardeOneideSantosMartinsdeSá
136
No álbum de Metodologia da Linguagem (figuras 28 a 31), de stacamse
partes  importantes como a dedicatória e a prece. Na dedicatória, do álbum em
apreço,anormalistaodestinaàprofessoradadisciplina ,aSrªBenvindaNunes, que
foi,durantesosanosemqueatuounaENOP,umadas suasprincipaisprofessoras.
Respeitada, amada e admirada por suas exalunas. Segundo a exnormalista
RaimundaFontesdeMoura(25.05.2007):
a Dona Benvinda que ainda hoje mora no meu coração. Aprendi
muito com ela. A didática dela, a paciência, a tolerância e os
ensinamentos dela não só na parte de metodologia, de conteúdo,
masnaminhaformaçãocomojovem.
Naprece,presentenoálbumdeMeto dologiadaLinguagem,aexnormalista 
assimsedirigeaDeus:
O pedido da exnormalista é para ter “solícita mão que espalha”, ser a
semeadoradecon hecimentosaseusalunos,seraquelaque os  tiraráda noiteda
ignorância e os conduzirá às luzes do saber. Há, aí, a consciência em torno da
profissãoqueassumiriam,mastambémoretratodotipodeprofessorqueiriapara
asescolas:umprofissionalreligioso.
O álbum de Metodologia da Linguagem era montado com o objetivo de
conhecer o desenvolvimento lingüístico da crianç a e seu comportamento em face
aos livros na ida de préescolar. Nele podese encontrar as fases do
desenvolvimento da criança, do nascimento aos seis anos. Uma espécie de
apresentação à normalista de todas as fas es de aprendizagem pelas quais as
criançaspassam.
Concedeme, Senhor,agradeserboa,
Deterocoraçãosingeloqueperdoa,
Asolícitamãoqueespalha,semmedidas,
Estrelaspelanoiteescurad eoutrasvidas,
Etirad’almaalheia oespinhoquemagoa.
137
Alémdisso,apresentaoprocessodeencontrodoalunocomoprofessor.As
suasreaçõesemedos,ecomooprofessordevesecomportardiantedacriançaque
chega à escola. A aplicação dos testes de AB C, com diversas fórmulas verbais.
Orientaç ão de atividades de coordenação motora e de interpretação de gravuras,
dramatizações,adivinhaseoutras.
Por se tratar de um álbum em torno da linguagem, não poderia deixar de
apresentardicasemtornoda leitura,linguagemoral,composição,escrita,ortografia
e gramática. Sendo que todos os itens apontados são apresentados em pá ginas
colorida s,combastantesgravurasedesenhosgráficosdiversos.
Atravésdaorganizaçãodosálbuns,percebesequehaviaumapreocupação
técnica, instrumental, por parte da escola, vendo nisso o meio se dar suporte
suficienteparao momento da prática. Dissertando sobre a perspectiva técnica da
prática,PimentaeLima(2004 ,p.37),informamque:
Nessa perspectiva, a atividade de estágio fica reduzida à hora da
prática, ao ‘comofa zer’,às técnicasaserempregadas em salade
aula, ao desenvolvimentode habilidades específicasdo manejode
classe, ao preenchimento de fichas de observação, diagramas,
fluxogramas.
Ouseja,aopreparoinstrumentaldofuturoprofessor.Nãosedefendeatese
de que isso seja desnecessário, mas de que nã o poderia aparecer dissociado da
relação teoriaprática,emmomentosdistintos,comooquesedavanocotidianodas
normalistas.
A concentração do olhar das Metodologias na instrumentalização das
normalistasterminavaporafastálasdarealidadeescolarparaaaqua lsedirigiam,
nofamigeradomomentodoestágio,umavezque,conformeP imentaeLima(2004,
p.39):
Aperspectivatécnicanoestágiogeraumdistanciamentodavidae
do trabalho concreto que ocorre na s escolas, uma vez que as
disciplinasquecompõemoscursosdeformaçãonãoestabelecemos
nexosentreosconteúdos(teo rias?)quedesenvo lvemearealidade
nasquaisoensinoocorre.
Eessehiatoentreoaprendidonaescola(ENOP)eoensinadonosgrupos
escolares,reforçavaapossibilida dedeumaformãoparaomagistériosempassar
pelocrivodareflexão.
138
Alémdaperspectivatécnica,destacouse,atravésdafaladasnormalistas,a
existênciaocultadapráticaenquantoimitaçãode modelos.Eessaperspectivafoia
que as normalistas melhor assimilaram, uma vez que a levaram para a sua
profissão,nãoapenasparaoestágio.
Na ENOP, as normalistas estavam aprendendo a ser professoras,
apropriandosedeconceitos etécnicasparaisso,massofreramtambémainfluência
dos professores que conduziam sua formação. Segun do Pimenta e Lima (2004,
p.35),omododeaprenderaprofissão,conformeaperspectivadaimitação,seráa
partirdaobservação,imitação,reproduçãoe,àsvezes,reelaborãodosmodelos
existentesnapráticaconsagradoscomobons.”
Nasentrevistas,todasasdepoentesapresentaramumprofessorqueserviu
demodeloparaasuavidaprofissional,alguémemquemelasseespelharamnasua
práxispedagógicaedequemapropriaramoc hamadomanejodeclasse.
Após saberememqualescolairiamrealizaroestágio,asnormalistas,soba
orientação da professora do Estágio, informavamse com a professora da turma
quais conteúdos seriam trabalhados  durante a etapa da regência e elaboravam o
seuplanodeaula,queeraapresentadoàprofessoradoEstágioparasercorrigido
eavaliado.Tratavasedeumaespéciederoteiroaserseguidonasaladeaula.
Asfiguras32e33ilustramumplanodeaulausadoporumaexnormalista,
noanode1969,emumaturmadealfabetização.Nele,podeseverapreocupaç ão
daprofessorandaemtransmitiroconteúdoprogramadoatravésdousoderecursos
didáticos. Usar recursos didáticos diversos estava associado à imagem de bom
profess or,daquelequesepreocupavacomaqualidadedaaulaaserdada.
139
Figura35.PlanodeaulausadoemEstágioanverso(1969)
Fonte.ArquivoparticulardaexnormalistaOneideSantosMartinsdeSá
140
Figura36.PlanodeaulausadoemEstágio–verso(1969)
Fonte.ArquivoparticulardaexnormalistaOneideSantosMartinsdeSá
Afigura33ilustraumdadoimportantenaconstruçãodosujeitonoespaço
da ENOP: a sua postura enquanto futuro professor. Na observação feita pela
profess oradoestágio,háapreocupaçãocomaposturadanormalistanaprática,a
saber: “Você precisa, na hora de contar a história ficar em frente dos alunos,
procurandoevitarmuitospasseios.Paraquepossaatrairaateãodetodosparaa
mesma”.
Oprofessorseriaaquelequenãosairiadeseulugar,doseuposto.Aquele
quedeveriaserocentrodasatenções,oportadorúnicodafalaemsaladeaulae,
porextensão,osilenciadordosalunos.
141
Vêse,noplanodeaulaacima,apreocupaçãoqu eaprofessoradoEstágio
tinha em controlar as atividades das normalistas. Corrigia o plano, elogiava os
pontospositivosea presentavaospontosnegativos,dandodicasàprofessoranda.
A presença, porém, das normalistas, sobretudo nos primeiros anos de 
atuaçãodaENOP,nasescolasemqueatu avamcomoestagiárias,gerouumcerto
desconforto,nas professoras leigas. Mas facilmen te c ontornado pelas normalistas,
sobaorientaçãodaprofessoradoestágio.
3.9.AssolenidadesdeFormatura:denormalistaaprofessora
Duranteoterceiroanopedagógico,outrapreocupaçãomarcavaavidadas
normalistas: a conclusãodocurso normale as solenidadesde formatura.Era
um ano marcado por muitas atividades escolares e outras que se faziam
necessáriasparaaorganizaçãodaformatura.
Cumprir as metas do estágio supervisionado, das disciplinas do currículo,
provas, trabalhos e seminários. Isso tudo associado à preparação da aula da
saudade,damissaemaçãodegraças,dasolenidadedecolaçãodegrauedobaile
de formaturaque necessitavamser previamente pensados.Para atingirem a meta
de tais eventos, precisavam as normalistas dispo rem de dinheiro para bancarem
todasasetapasdoseventosalusivosàconclusãodocursonormal.Organizavam,
para isso, bingos, rifas , leilões, livro ouro, escolhiam patrocinadores, patronos e
paraninfos que se dispusessem a ajudálas financeiramente nessa empresa.
Seg undoaexnormalistaMariaNancyPereiraAlencarFerreira(24.07.20 06):
Era um ano de trabalho, né. Qu em tinha condições guardava o
dinheiro para comprara s coisasnodia,. Quemnão tinha, tinha
que“galinhar”,fazerfestinha,fazerbingo,saircomlivrosped indoem
outrascidadese,assim,pordiante.Mase raumafestamuitobonita.
Todomundoparticipavadafesta,né.Tantoasreligiosasco moasde
outras entidades religiosas, né. Então, todo mundo participava
aleg rementejuntamentecomseusfamiliares.[...].
142
A prime ira turma de normalistas da ENOP formou 85 (oitenta e cinco)
profess oras primárias. Nos dias 21 e 22 de novembro de 1969 aconteceram as
solenidadesdeformatura.
Nodia21denovembrode1969,às18h,houveaMissaemAçãodeGraças,
com bênção dos anéis e a Colação de  Grau na Catedral de Nossa Senhora dos
Remédios. No dia 22 de novembro de 1969, houve o baile de formatura, no
PicoenseClube.
A dona Luzia Moura Barros foi a homenagea da com o nome da turma, o
patronofoioexgovernadorHelvídioNunesde Barroseoparaninfo,oexprefeitode
Picos, José Nunes de Barros. Recebera homenagem especial o Pe. Balduíno
Barbosa de Deus e o Pe. Joaquim Rufino do Rego. A oradora da turma foi a
normalistaMariadasGrasMartinsGranja.
Figura37.Convitedeformaturada1ªturmadaENOP–parte1
Fonte:ArquivoparticulardeOlíviaRufino
143
Figura38.Convitedeformaturada1ªturmadaENOP–parte2
Fonte:ArquivoparticulardeOlíviaRufino
Figura39.Convitedeformaturada1ªturmadaENOP–parte3
Fonte:ArquivoparticulardeOlíviaRufino
144
Figura40.Convitedeformaturada1ªturmadaENOP–parte4
Fonte:ArquivoparticulardeOlíviaRufino
A organização do convite demonstra muito o t ipo de visão em torno da 
docênciaedavidaqueasnormalistasposs uíam.
Oadeusaoscolegas(figu ra34)“Queoadeusdehojeabraaspo rtasda
lembrançadosnossosditosostempos,quetransportaremospelofuturo”demonstra
a certeza de que estavam levando para a vida, para a profissão, conhecimentos
necessáriosparaobomexercíciodaquiloaquefossemsolicitadas,umavezquesó
precisavam recorrer às lembran ças, no futuro profissional, para resolv erem tudo:
ajudaremaseusalunosnaaquisiçãodeconhecimentosepreparaçãoparaavida.
Nadedicatória(figura35),voltadaparaDeus,paisemestres,percebesea
presençadacosmovisãoprópriadasnormalistase dasociedade naqu alestavam
inserida s:mulherestementesaDeuseobedientesapaiseprofessores.
Reconhecemsemestres,masmestresinferioresaoDeusaquemcultuam.
Semestres,detentorasdeumsabercapazdeatingirosoutros.Logo,agentes.No
caso das normalistas, detentoras dos saberes da profissão. Saberes capazes de
fazerematransformaçãonecessárianaeducaçãolocal.
145
Aodirigiremseaospais,asnormalistasmostramsecomofilhasobedientes
ecarinhosas.Comodeveriaseramulheresposaeprofessoranaépoca.
Porém, o aspecto mais considerável na  dedicatória (figura 35), é o
agradecimen todirecionadoaosmestresdaENOP,asaber:
Vós que vivestes repartindo bondade e sa ber infinitamente,
repartindovivereisnasfolhas,nasflores,nasaudade.
Nãomorrequemnosoutrosvive,nãomorrequemnosoutrosvivos
vive.
Aoreconheceremotrabalhodosseusprofessores,asnormalistasdeclaram,
naspáginasdoconvite,queestariamlev andootipodeprofessoresquetiveramem
suaformãoparaasuaprática,umavezque“não morrequemnos  outros vivos
vive”.Seriaapossibilidadedareduplicãodomodelo.
Valeressaltarqueoshomenageadosdaturma(figura36)foramospaisdas
normalistaseosseusprofessores.Logo,osprincipaisagentesnasuaformão.E ,
quanto aos  mestres, a homenagem excede, a partir do momento em que, ao
organizaremalistacomosnomesdasformandas(figura37),formaramc omesses
umacrósticocomosseguintesdizeres:AprimeiraturmadeprofessorasdaEscola
NormaldePicoselevau mpreitodegratioaosseusmestres”.
146
Figura41.Formandada1ªturmada ENOP,aoladodospais,naColaçãodeGrau(1969)
Fonte.ArquivoparticulardeMariadeLourdesCarva lho
No juramento (figura 36) expresso pela primeira turma de norma listas da
ENOP,vêsemaisumavezotipode mulhere,conseqüentemente,deprofessora
que se estava formando: a boa profissional temente a Deus e ao Estado, logo, a
profess ora conforme.Conforme o tipode sociedade na qualestava inserida,uma
vezqueassimilouaolongodos trêsanosdocursonormal,asregrasnorteadorasda 
instituiçãoàqualestavamvinculadas,regrasformadorasdaculturaescolarprópria
da escola. No juramento  “prometo cumprir os deveres de professora, com o
pensamentoemDeu s,visandosempreosaltosinteress esdoEstadoedapátria”–
mostrasea profissionalformadaparaobedecer.
Sob re os eventos específicos da formatura das normalistas, a aula da
saudade acontecia sempre na própria escola. Um professor era escolhido para
ministrálaeosdemaisdav amassistência.Nessemomentoeramrelembradosfatos
docotidianoescolar,episódiosemqueasnormalistasseviamenvolvidas.Choroe
risosmarcavamessemomento.
Atravésdafigura39vemosasnormalistasnasaladeaula,nomomentoda
auladasaudade.Todasuniformizadas, mas,diante domomentodedespedidada
147
escola,descontraídas, inclusivesentadasnascarteiras,oqueseria inc ogitávelem
outras situações.
Figura42.NormalistasnaAuladaSaudade–1ªturma(1969)
Fonte:ArquivoparticulardeRaimundaFontesdeMoura
Na missa em ão de gras, as normalistas se dirigiam à Catedral de
NossaSenhoradosRemédios,acompanhadasporseuspadrinhosefamiliares,para
agradeceremaDeus avitóriaconquistada.Elasparticipavamdetodooritodamissa
e,nocasodasprimeirasturmas,alimesmo,erarealizadaasolenidadedeColão
de Grau, com a entrega simlica do diploma. O templo católico nesse dia era
sempre muito bem decorado e a nav e da igreja ficav a cheia de pessoas, para
prestigiaremoenc erramentodeumaetapanavidadaquelasmulheres:aconclusão
docurs onormal.ConformedonaZizi(20.03.2007):
a formatura, a primeira foi na igreja, dentro da missa, viu. Nós
fazíamos sempre, não foi só a primeira, não.Todas eram feitas na
igreja,nahoradamissa.Mas[...]jápensou180alunaspara entregar.
Aí nós começamos a fazer uma entrega simbó lica. Depois ficou
mesmoparaoclube.Tinhaamissa,elasiamparaamissa,depois
damissa,outrodia,ma rcavamefaziamobaile.
Nasfiguras40a43vêseasnormalistasnofechamentodeumciclodesuas
vidas.Estaremvestidasnabataescolhidapelaescola,usandoocap elo,apossando
148
sedoaneldeformaturaerecebendoocanudosimbólico,eraumritode passagem,
dacondiçãodenormalistaàcondiçãodeprofessorapriria.
Figura43.MissaemAçãodeGraças.Formatu ra(1969)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaFátimadeSá
Falandoumpouco sobreamissa emãode graças dasua turma, aex
normalista Raimunda Fontes de Moura falou sobreo traje usado pelas formandas
nessedia:“[...]Nóstivemosumamissacomabenç ãodosanéis.Todomundocoma
batinhabranc aechapeuzinho.Ochapéuclássicodasformandas.[...].”
149
Figura44.Entregadoaneldeformatura(1969)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaZuleideGomesAlves
Comoenc erramentodamissa,asnormalistasestavamdepossedeumdos
símbolosdaprofissão:oaneldeprofessora.Símbolodaposseedomíniodeum
saber.Faltavaapenasocertificado,queseriaent reguenasolenidadeseguinte.
Figura45.MissaemAçãodeGraças.Formatu ra(1969)
Fonte:ArquivoparticulardeMariaZuleideGomesAlves
150
Figura46.Recebimentodecanudosimbólico.Formaturaem1969
Fonte:ArquivoparticulardeOlíviaRufino
Comoaumentodonúmerodealunas,aescolaseparouoseventos:amissa
passouaseremumadataeacolaçãodegrauemoutra.Oloc alescolhidoparaos
demaiseventosp assouaserumclubelocalchamadoPicoenseClube.
Localizado no centro de Picos, para lá se dirigiam as formandas  e seus
familiares, para participarem da Colão de Grau e do Baile de Formatura.
Discursosac alourados,aplausos,choro,risos ,fotografias,valsa,despedidas.Tudo
isso fazia parte desse momento. As próprias normalistas  decoravam o clube, não
haviaempres a especializada,na  época,nacidade.SegundoRaimundaFontes de
Moura(25.05.2007):
nós mesmas decoramoso PicoenseClube. Nosso tema, como era
próximoa onata l,mêsdenovembro,nósmontamosumaárvorebe m
grande, natalina. Colocamos, na época, um boneco de neve.
Chamou muita a  atenção. [...] Era novidade. [...] Foi muito 
interessante. O Picoense ficou belíssimo com essa decoração
natalinaqueatéfoielogiado.A sautoridadesforampra lá.Muitobem
recebidos. Teve coquetel, também. [...] Meu padrinho foi o Barros
Araújo,porqueeraumvizinhomuitoquerido,amigodomeupai.[...]
Na época, quase todas dançou com o s irmãos, com os pais. Os
151
namorados ficaram pra segundo plano. Era honraria [...] os pais
inaugurarem o salão. Um baile muito bem organizado. Foi muito
bonitoobaile.
Afa ladaexnormalistadestacaaimportânciadoeventoemsimes mo,como
tambémofatodeviraserpadrinhodeumaformanda.Homenagemque,namaioria
dasvezes,erarestritaaospa is,cônjugesouautorida deslocais.
Asfiguras44a46apresentamobailedeformaturaeomomentodavalsa.
Eramasnovasprofessorassendoapresenta dasàsociedade.
Figura47.BailedeFormatura(1969)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaFátimadeSá
Figura48.BailedeFormatura(1969)
Fonte.ArquivoparticulardeMariadeLourdesCarva lho
152
Figura49.Formandasedocentes,noBailedeFormatura(1969)
Fonte.ArquivoparticulardeMariadeLourdesCarva lho
Detodasassolenidades,aúnicadeparticipaçãoobrigatóriae raaColação 
deGrau,asd emaiseramfacultativas.
Serfotografada,organizarumálbumcontendooregistrodassolenidadesde
formatura era regra seguida pelas  normalistas. Sentada na cadeira tradicional de
mestre, vestida na beca e com o capelo na mão (figura 49) ou fazendo poses
acompanhadaspelosfamiliares(figura38),professoresousozinhas(figura48)era
umritualseguidopelasnormalistas.
153
Figura50.NotíciasobreformaturanaENOP(1972)
Fonte.ArquivoparticulardeOzildoBatistadeBarros
Os bailes movimentavam a cidade. Para a época, era como se fosse um
baile de formatura de um curso superior. A cidade comparecia pra prestigiar as
novasprofessorasnormalistaseaimprensalocalseresponsabilizavapordiv ulgaro
154
evento(figura47).SegundoaexprofessoraMariaDarcydeDeus(09.06.2007),os
bailesdeformatura:
Eraopontoaltodaescola.Quandoeranofinaldoanoacolaçãode
grauenvolviatodaaescola.Tinhaosparaninfos,onomedaturma,
os padrinhos. [...] Havia missa solene com a entrada dos
concludentescomseuspadrinhos.[...] asf amíliasqueiamagradecer
aDeusporaquelagraçareceb ida.[...]erarealmenteumagraçade
Deus.Asfestas,também,erammuitobadaladas.[...]pareciacolação
degraudeuniversidade.
Figura51.NormalistanaColaçãodeGrau(1975)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaHelenaAraújoLuz
155
Figura52.NormalistanaColaçãodeGrau,sentadanacadeiratradicionaldemestre(1975)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaHelenaAraújoLuz
Umapráticacomumnocotidianodaescolafoi,antesdaconclusãodocurso,
asalunasorganizaremochamadoCadernodeRecordões,feitocomoobjetivo
de recolhermensagens das colegasque juntas estudaramao longo detrêsanos.
Eram mens agens de otimismo, recordação de  fatos que vivenciaram e projeções
futuras.
156
Figura53.CadernodeRecordação–páginadeabertura(1969)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaZuleideGomesAlves
157
Figura54.CadernodeRecordação–Páginadeabertura,cont.(1969)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaZuleideGomesAlves
158
Figura55.CadernodeRecordação.Mensagemdenormalista(1969)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaZuleideGomesAlves
159
Figura56.CadernodeRecordação.Mensagemdenormalista.(1969)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaZuleideGomesAlves
Napáginadeabertura(figuras50e51),aexnormalistaexpressasuavisão
e esperança em torno do futuro. Fala da necessidade de elas, as futuras
profess oras,preparem“oter renododestino,abrindosulcosedepositandoneles a
160
sementedonossolabor,paralevantarmosmaistarde acolheitadafelicidade”.Mas
queterrenoéesse?Quesementessãoessas?Dequecolheitaelafala?
O terreno é o da educação. É o grande campo a ser desbravado que se
apresenta diante das  normalistas. Campo que precisava ser trabalhado por
profissionaispreparados,detentoresdoaradoedasemente.Oaradoéametáfora
de todos os instrumentos e técnicas que as normalistas agora eram detentoras e
quesabiammanusear;asementeéametáforadosaber,dosconhecimentosqueas
normalistaspossuíamequeseriamlançadasnagrandeterra,quee raaeducação.
Acolheitaseriao resultadodoseutrabalho:criançasalfabetizadas,jovens
leitores e adultos conscientes do seu papel social. É o resultado do labor das
normalistas.
A idéia contida na figura 53  é a do magistério enquan to espaço de
transformão, de mudança e da professora normalista como a detentora de
sabereseaseguidorademodelos.
3.10.DonaLuziaMouraBarros:vinteanosdegestão
Todos osat oreshistóricosquetransitarampeloespaçoetempodaEscola
Normal Oficial de Picos se des tacaram por alguma contribuição nocrescimento e
estruturação dessaescola,masdevesec onsideraropapeldasuaprimeiradiretora:
aSrªLuziaMouraBarros.
Oriundadeumaescolaondehaviaumcontrolesobreoscorpos,foi,apartir
dessemodelo,queelaidealizouadireçãoeocotidianodaENOP.Tudoparaqu ea
escolanormalpudesseoferecerumensinodequalidadeàssuasalunasepudesse
formarcomeficiência,apartirde critériosmorais,afuturap rofessoraprimária.
161
Figura57.LuziaMou raBarros–primeiradiretoradaENOP
Fonte.ArquivodefotosdaENOP
O dizerem na cidade de Picos que existem duas épocas na história da
EscolaNormalOficialdePicos,antesdedonaZiziedepoisdela,estárelacionado
exatamente ao modo de administração que a escola possuía e à qualidade de
ensinoquealiexistia.Nostempo sdedonaZizi,aENOPrepresentavaparaPicose
suamacrorregião,apossibilidadededesenvolvimentonaeducaçãolocal,umavez
que as professoras normalistas tinham como função inovar a educação onde
estivessem atuando. Consoante a exnormalista Raimunda Fontes de Moura
(25.05.2007):
ComoadministradoraeuachoqueaEscola Normalfoicriada para
donaZizi.Eud igoquesetivessecolocadonasmãosdeumaoutra
pessoa,nãote riadadocerto.AquiemPicossóexistiaduaspessoas
aptasasegurarmesmocommãoforte,comessagarraemantera
educaçãocomofoi[...]donaZizioudonaBenvinda.Então,foimuito
bemadministrada.Deixo uumalacunaenormequandoelasaiu.E m
termosdeorganização,deconhecimento,donaZizisemprebuscava ,
sempreviajava.Elaprocuravacomospedagogos,comaspessoas
de alto nível e ducacional de Teresina. Ela trazia coisas nova s pra
gente, quando existia. Quando tinha mudanças ela mostrava pra
gente. [...] Eu acredito que a coisa mais certa foi ter entregue a
EscolaNormalpradonaZizi.
162
AfaladaexnormalistademonstraaaceitaçãoquefoionomededonaZizi
para o cargo de diretora da ENOP. Concebiase a diretora como aquela que
controlariaaescolacom“mãoforte”,eadonaZiziincorporouessapersonagem.
Todas  as entrevistadas, exnormalistas e exprofessoras foram unânimes
quantoàimportânciadadonaZizinaconduçãodaENOP.Todasfalaramdaforma
como ela administrava a escola com pulso firme, e da necessidade de manter o
controleeadisciplinanoespaçodaescola.Masdestacaramqu e,dessaforma,ela
conseguiusustentaraENOPfuncionandocomqualidadee mantendoumconceito
positivo na sociedade local. Destacaramque muitas alunas não gostavam do seu
estilo de administrar, mas que a maioria concordava com ela. Segundo a ex
normalistaMariaNancyPereiraAlencarF erreira(24.07.2006),adonaZiziera:
Umapessoamaravilhosa,né.[...]era muitorígida, masera  parao
bemdetodos,né.Portanto,depoisqueelaseafastounãoficoumais
aquelaescolanormalqueeraantes,né.Então,elaregiacomordem
e com ordem. [...] todo mundo tinha ela como um deus. [...] todo
mundo respeitava ela e ninguém tinha mágoa. A gente chorava.
Dizia as co isas porbaixo, mas nunca tinha coragem de dizerpara
ela.Eraumapessoamaravilhosa.Elasófezobemparatodos.
O administrar com ordem,que a depoente enfoca diz respeito ao controle
totalqueagestoradetinhadaescola,associado aosresultados positivosqueisso
trazia: a formação das normalistas. Formação que deveria acontecer sem
questionamentodosmétodosadotados,mesmoqueissogerassecons trangimentoe
provocasseochoro.
Na sua gestão, a ENOP era, metaforicamente, uma locomotiva a vapor,
onde ela era o carvão, a energia que fazia a escola funcionar. Não pa rava de
funcionarumsómomento.Asnormalistassaíamdes uascasassabendoqueteriam
ascincoaulasdiáriasprogramadas,umavezqueosprofessoresnãopoderiamfaltar
àssuasatividades.Horacertapa raentrareparasair.Controledotempo,controle
doespaço,controle doscorpos.SegundoaexnormalistaIsabelBatistadeBarros
(22.07.2006):
[...] eu não tenho lembrançasde ter tido uma aula vaga duranteo
período que eu estudei na Escola Normal. [...] As professoras não
falta vam,porqueela
[dona Zizi
] selecionava.Inclusive ela diziapra
todo mundoq ue osprofessoresdelaeram selecionados,né.Havia
163
um rigor mu ito grande. [...] Ela conhecia profundamente os
professores.Sóconvidavapraserseusprofessoresaquelaspessoas
muito responsáveis e muito comprometida com a educação. [...] A
disciplinaerarigorosa.[...]Elatinhaessamarcadeserorganizada,
mas também, muito severa. [...] Ela causava medo, mas ela era
muitosincera.[...]Elan ãotemiafalarnadadoqueelatinhavontade.
[...] Depois de mu ito tempo, num depoimento dela, ela disse que
quando[...]deixouaEscolaNormal,[...]elaconseguiafazeroque
elafez,porqueelatinhadesdeovigiaatéoPresidentedaRepública.
Aíeis arazãoporqueelatraziaaEscolaNormalnoseixos.Elausou
esta palavra,né,[...]porquetinhatod oapoiopolítico,[...]financeiro,
oqueelaqueriaelatinha,né.
O ter aulas diárias, sem faltas de professores, segundo fala da ex
normalista, estava relacionado diretamente ao conhecimento prévioque donaZiizi
possuía das pessoas que contratava para com ela trabalhar. Pessoas que
estivessemdispostasacomelasustentarumaadministraçãorigorosa,marcadapela
ordemepeladisciplina.
Ter todo o apoio político era a possibilidade de administrar conforme.
Conforme os interesses do grupo que estava no poder e do qual ela fazia parte,
mas,principalmente,conformeomodelodeprofessorqueadiretoraacreditavaser
necessárioestaratuandonasescolas.
HouveumaespéciedeassociaçãoentreonomeDonaZizieEscolaNormal
Oficial de Picos. Uma era o sinônimo da outra. Uma revelava a outra. E isso
dificultouatémesmotiráladafrentedaescola.ConformeaexnormalistaRaimunda
FontesdeMoura(25.05.200 7),fa landosobreessaaglutinaçãono minal:
Eu acho que foi uma simbiose perfeita. Eu acho que foi um
fenômeno. Raríssimo, né. Em termo s de educa ção que se diga.
Educação é uma área complicada, porque existe a s interfe rências
políticas, partidárias. Dona Zizi passou por diversas mudanças
políticasepermaneceuintactaali.Atravésdetantobombardeio,mas
quandoaoposiçãosediziaestápreparadapradescartardonaZizi,
namesmahoradizia:“NãopodemosdescartardonaZizi”.[...]Não
se via, na época, alguém capaz de dar continuidade ao trabalho
desenvolvidoporela.
E isso de fato aconteceu. Quando ela saiu da ENOP e se ap osentou das
suas atividades pedagógicas, a ENOP passou a viver uma crise conceitual mu ito
grande, perdendo rapidamente a representação que dantes possuía. Muitas
diretorasocuparamocargoporelaantesocupado,massemomesmofôlegoque
elapossuía.ConformeaexnormalistaMariaFátimaSá:
164
Olha, Dona Zizi foi muito importante. Ela foi uma boa educadora,
umaboadiretora.Tinhaseusproblemas.Tinhasuasco isas,masera
irrelevante.Eranormalparaoperíodoqueagentevivia.Então,eu
acho,admiroporqueelaeramuitohonesta,centralizadanascoisas,
sabia discernir. Apesar da gente ser de política diferente, naquele
período, ela era de um partido e eu era de outro, aquele negócio
todo.Mastodavidaelamerespeitou.Elaconversavamuitocomigo.
Éumapessoaqueaindahojeeuvousemprenacasadela.Euvisito 
porqueeuachoqueelafoiumapessoamuitoimportantepraregião
dePicos,nãosóparaaEscolaNormal,masparatodaacidade.
O depoimento da exnormalista revela a dimensãoda  preocupação daex
diretora quanto à escola em si, sem se envolver em ques tões políticas ou em
disputas partidárias dentro do  espaço da ENOP. Ser da oposição em Picos, nos
tempos dagestãodedonaZizi,eraestardestinadoàperseguiçãopolítica,masna
suaóticadeeducadora,issonãotenhaespaço.
Dessa preocupação com a dimensão educacional com a qual a escola
estava vinculada é que advém também a admirão local em torno da dona Z izi,
entendidaaquicomomonumentodahistóriade umpovo.Conformeaexnormalista
MariaHelenaAraújoLuz(24.09.2007):
Uma pessoa muito admirada, respeitada por todos nós que
estudamoslá,portodaasociedadepicoense.Atépelacontribuição
que eladeu pra educação picoense. Até comomodelode pessoa.
Muitodigna,íntegra.Eua choquenãopoderiaseroutra.Teriaque
ser a dona Zizi pra conduzir durante tanto tempo senão não teria
ficadolá,20anos.Então,eu achoqueelacontribuiu,ajudoumuito
na formação de muitas pessoas, da maioria dos profissionais da
educaçãoquepassaramporlá.Maseudigoqueelaera ,assim,pela
época que  ela conduziu o trabalho lá. Ela era muito rígida. Rígida
demais.
Além do modelo de professor que a ENOP possuía para influenciar na 
formaçãodasnormalistas,podeseafirmarqueadonaZizieraummodelodediretor
asercop iadoporelas,umavezqueposteriormentemuitasdaquelasexnormalistas
tornarseíamdiretorasnasescolasemqueatuariam.
Apartirdomodelodeges tãoaplicadonaENOP,entreosanosde1967a
1987, podese apresentar também a existência de uma cultura escolar que s e
atreloutambémaela.Éoqueseráenfocadonocapítuloaseguir.
165
4. A CULTURA ESCOLAR NO ESPAÇO DA ESCOLA NORMAL OFICIAL DE
PICOS
Picos,terraamada!
Teusfilhosguerreiros
Heróisaltaneiros
Velandoporti
Ouvindoosclarins
Daalvoradaporvir.
Plantaramasemente
Queaosaberconduz
Edosdesafios
Alutavencida
Escoladevida
Caminhodeluz.
Deazulebranco
Aluzdamanhã
Iluminada
Cristalinassão
Dealmaaberta
Lápisnamão
Formaeliberta
Ocidadão
Sounormalista
Sonhosinfinitos
NaEscolaNormalOficialdePicos
Tesourodelei
Viçosoeagreste
Oamordosoutros
Fazendocrescer
Comaforçada
Aprendiavencer
Colhendoasemente
Queaosaberconduz
Edosdesafios
Alutavencida
Escoladevida
Caminhodeluz
(RUFINO,Olívia.HinodaEscolaNormalOficialdePicos)
OHinodaEscolaNormalOficialdePicos,deautoriadaexnor malistaOlívia
Rufino, conta um pouc o da visão do picoense em torno da ENOP e das suas
normalistas.
Faladodesejoinicialquemotivouasociedadelocalalutarpelaimplantação
de uma escola de formação  de professores primários, para atender à demanda
166
crescentedealunosnosgruposescolaresdacidadede Picosesuamacrorregião.
Demandaqu eseevidenciavanãoapenasnaépocadareivindicãopelavindada
escola, mas pelo próprio cotejar do futuro da cidade, que crescia e via no
contingente de professoras normalistas existente, mãodeobra insuficiente para
atenderà necessidadedaeducação,esseéo“ouvindoosclarins/daalvorada por
vir”dequefalaohino.
A implantação  da ENOP era o plantar “a semente/ que ao saberconduz”.
Sementequegerminariaefar iabrotarumalindaárvore,comfrutosbo ns:asfuturas
profess orasp rimárias.A escolaera,assim,adepositáriadosaber.
Equemeramasnormalistas?Aquelasque“dealma aberta/lápisnamão/
formae liberta/o cidadão”. Seriam as responsáveis pela transformãoda cidade
em que se encontrassem, as portadoras do saber extraído da Escola Normal. O
lápis é a metáfora do conhecimento. Conhecimento que liberta, que transforma o
homemefazdeleocidadão.Aalmaabertaéametáforadalibertaçãopessoal,do
indivíduo que já fora constituído, objetivado e subjetivado. Do sujeito de uma
identidadeconforme.
Porém,paraseentenderotompresentenohino,épreciso,antes,entender,
apartirdocotidianojárelatado,aculturaescolarprópriadaEscolaNormalOficialde
Picos. Cultura essa que foi capaz de, a partir de suas  normas, práticas e
comportamentos,formaraprofessoraprimáriapicoenseedesuamac rorregião .
NocotidianodaENOPduasgrandesredesrelacionaisseestabeleceram:a
rededadisciplinaearededaantidisciplina.Naprimeira,buscouse,eafirmase,
conseguiuse, formar o sujeito, darlhe uma identidade conforme o modelo de
profess orquedalise quer iaconstituído;nasegunda,ocorreram osprocedimentos
de consumo desse sistema de normas, os modos como o “consumidor cultural”
fabricou,construiu,assimilou,essasnormaseastransgrediu.Ouseja,osmodosde
transgressãoàsnormasimpostasequepossibilitaramosurgimentodeumacultura
escolarespecífica.ParaCerteau(1994,p.44):
daíanecessidadedediferenciaras ‘ações’[...]que seefetuamno
interior da rede do s consumid ores pelo sistema dos produtos, e
estabelecerdistinçõesentreasmargensdemanobrapermitidasaos
usuáriospelasconjunturasnasquaisexercemasua‘arte’.
167
Asaçõesaseremdiferenciadasaquisãotodasaquelaspraticadaspelasex
normalistasnocotidianodaENOPemopos içãoàquelasesperadaspelaescola.
Como já fora dito no primeiro capítulo da presente pesquisa, adotase o
conceitodeculturaescolarelaboradoporJulia(1993,p.10),paraquem,é:
um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e
condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a
transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses
comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que
podem variarsegundoàsépocas (finalidadesreligiosas, sóciopolíticas
ousimplesmentedesocialização).
Diante da dimensão do conceito de cultura escolar, foi qu e se optou por
trabalharcomocotidianoqueabraçoutalcultura.Aculturaescolarenvolvenormas,
práticas e incorporão de comportamentos. Envolve, por assim dizer, o
indivíduoquesepretendeformar.
4.1.Asnormasoficiaiseseuspropósitos:
A seguir, as normas publicadas pela direção da Escola Normal Oficial de
Picose queafetavamtodooseucorpodiscente.
168
NORMASASEREMCUMPRIDASPELOSALUNOSDAENOP
A Direção da Escola Normal Oficial de Picos, no uso de suas
atribuições legais, resolve public ar as NORMAS, abaixo relacionadas, a
seremcumpridaspelosALUNOSdesteEstabelecimentodeEnsino,durante
operíodod egestãodessaequipeadministrativa.
Na certeza de conta r com a colaboração ao que diz respeito à
disciplina da Escola, desenvolvendo o senso de responsabilidade e o
assumirdesuasatividades.
Adisciplinaéindispensávelnaescola,enenhumainstituição poderá
sobreviveremuitomenosprogredirsemela.
O problema de disciplina é preocupação constante da escola, do
profess oreseusdirigentes.
Contamoscomvocê.“Procuremelhorarsuaescola,melhorandoasi
mesmo”.
É indispensável que todos e cada um assuma o seu processo
educativo,dandoatençãoespec ialasnormasdaescola:
1.Oportãof echado,terátolerânciade10minutos,naprimeiraaula.
2.Respeitarosfuncionáriosdaescola:vigias,zeladores,auxiliarde
secretaria,s ecretária,dactilógrafo,bibliotecária,professores,supervisorese
diretores.
3.Ver,napessoadoprofessor,umamigo,experiente,empenhado
emajudálonaedu cão.
4.P edirlicençaaoprofessor,paraentraresairdasaladeaula.
5. Usar diariamente o fardamento completo, sem introduzir
modificações.Oprofessortemautorização paraausentardasaladeaula,
alunosemodevidofardamento.
6.Nohoráriodeaula,seforprecisosair,pedirautorizaçãoàdireção 
ejustificarse.
169
Fonte:ArquivoparticulardeMariaDarcydeDeus
7. Participar integralmente d e todas as aulas, quando tiver horário
pedagógico, não ficar nos corredores, atrapalhando as outras turmas qu e
estãoemaula.
8. Z elar a escola, evitando prejuízos por menor que seja, não
escrever nas carteiras, portas, paredes, banheiros, cartazes, etc. Não
quebrar carteiras, mesas ou qualquer objeto pertencente ao colégio. O
infrator desta norma terá que se responsabilizar pelos danos, repondo o
prejuízo.
9.Nãoentrarnasaladosprofessoresesec retariadaescola.
10. Saber usar os banheiros, o jogar papel no chão ne m tão
pouconosaparelhossanitários.Useosextoaolad o.
11. Conservarse fiel ao calendário de provas, quando perder,
justificarse ao professor, tendo um prazo de 15 dias, para fazêla, não
fazendonoprazodeterminado,ficacomzero.
12. Não ficar na biblioteca desocupado, somente quando estiver
pesquisandooulendo.Pediroslivrosà bibliotecária,aosair,deixálossobre
amesa.
13.Acolherosavisosecomunicações,valorizandoape ssoaqueos
transmite,demodoespecial,seforemdadosemsaladeaula.
14. Esforçarse para tornarse consciente, livre, criativo, fraterno e
comunicativo,aproveitan dotodasasoportunidadesqueaescolaoferece.
Para ser aluno des te estabelecimento de ensino, tem que estar
disposto a respeitar, a assumir todas as normas acima relacionadas. O
infratordestasnormasserápunido,inclusivecomsuspensão.
ADirão
170
Como se vê, a ENOP possuía um rol de normas publicadas, pa ra serem
cumpridaspelasnormalistas.Normasquealcançamtodosospassosdasalunas,da 
suaentradanaescola,passandopeloseurelacionamento comprofessoreseoutros
queformavamaescola,atéaquestões dehigiene,comoosaberusarobanheiro.
Seg undoaexnormalistaMariaFátimaSá(17.09.2007):
[...].Agenteseguiatodaaorientaçãodela[
dedonaZizi
,grifonosso].
Porexemplo,tinhaumbanheiro,tinhao ssanitários.Eladiziacomo
eraquede veriaserusado.Eratudoassim.Agenteiadeacordocom
ela, porque, naque le período, tinha uma disciplina e a gente
obedecia.AEscolaNormalpreparavaagentepraserprofessorae
paraavida.[...]Eraumaformaçãocompleta.
A preocupação da escola com a formação das normalistas excedia a sua
formaçãoescolareatingia,comosevê,aformaçãoparaavida.
Apreocupaçãocomorespeitoaosdocentesedemaisfuncionáriosestábem
claronalistadenormas.Respe itálossignificavarespeitaraquelesquefaziam,que
pensavam a escola. Aqu eles que ali estavam para contribuir na formaç ão das
normalistas.ConformeaexnormalistaMariaFátimaSá(17.09.2007):
Anormalistarespeitavaoprofessor.[...]Oquemotivavaorespeito
erap orquenaminhacasaagentetinhaderespeitarosmaisvelhos.
Aprimeiracoisa.[...]Todososprofessoreserammaisvelhosquea
gente. Então, já tinha o re speito de ser o maisvelho. [...] Naquele
tempo, a gente colocava o professor lá em cima. [...] Professor
ganhavamaisqueumbancáriodoBancodoBrasil.
Eaconquistadorespeito,comosevê,nãoeraalgodifícil,umavezquea
práticadorespeitoaosmaisvelhoscomeçavaemcasaenaescolachegava.Erao
reflexo daculturalocal,adentrandoosmurosdaENOP.
Quanto às regras  de trânsito na escola, fica evidente que às normalista s
eramdestinadosespaçosespecíficos,restringindoasnasaladeaulaou,nohorário
do recreio, ao pátio térreo. Espaços como a sala da dirão, da secretaria e dos
profess ores eram proibidos às alunas. Consoante depoimento da exprofessora
MariaDarcydeDeus(09.06.2007):
[...]. Nós tínhamos,também,asnormasdaescoladeentrada ede
saída.Orecreio,né.Eramnormasexigidas.Oalunonãopodiaandar
em sala de aula, nas galerias, no período de aulas, não. Era
chamadanadiretoria.[...].
171
E o c ontrole do te mpo, do tempo produtivo, era preocupação explícita,
evidenciado no controle da entrada e saída. As normalistas estavam ali para
aprender,eoaproveitamentodotempoerapreocupaçãodaescola.Tempoútilatéo
últimominuto.SegundoaexnormalistaIsabelBatistadeBarros(22.07.2006):
[...]. A gente entrava... [...] eraregime fechado. Depois qu e a
gente entrava, 7:00 h ou 1:00 h da tarde, só saia às 17:00
horas. Depois que entrasse, pronto, só se fosse um motivo
superiorprasair,aítinhaquepassarporváriaspessoas,pelo
bedel, coordenador e a diretora. Tinha que conversar com a
gentepra[...]podersair.[...].
Ecumprirasnormastinhaumpropósitomaior:aformaçãoparaaobediência
e a reprodão. Formar professores, segundo a proposta pedagógica da Escola
Normal, excedia o apropriarse de conteúdos, mas também, apropriarse de uma
postura, a postura de um professor ético, sério, competente. Conforme a ex
normalistaOlíviaRufino(30.04.2007):
Horário. Tinha que chegar na hora. Cumprir as normas que
estavam lá escritas ou que a diretora explicasse pra gente.
Inclusiveafarda, adiretora policiava todo diaquembotavaa
saia acima do joelho. A saia tinha que ser abaixo do joelho.
Ninguémpodiairmalvestida.Chamandoaatenção.Elafalava
logo, explicava logo a função do professor e, também, a
compostura, a maneira de se apresentar que era muito
importante. [...] as  normas elas visav am a um modelo de
profess ora, compete ntee respeitada. [...] naverdade a gente
se comportava muito bem. Sempre sem muito barulho, sem
muita esculhambação, sem anarquia, sem gritaria. Onde tem
muita mulher, sempre tem. Pod ia até gritar, mas de repente,
elachegava,adiretora,praperguntaroqueeraaquilo.
Assim, buscavase melhorar a escola, a partir da formão da normalista:
“Procuremelhorarsuaescola,melhorandoasimesmo”.
172
4.2.Dasobriedadedouniforme:ocontroledoscorpos
Uma das principais exigências da ENOP era com o uso do uniforme
escolar. Para ele todas as atenções deveriam ser voltadas. A forma como a
normalistaseapresentavaàsociedadeeraatravésdoseuuniforme,apartirdeleela
demonstrava seu vínculo a uma instituição formadora de docentes. A partir do
uniforme,anormalistarepresentavatodaacargasimbólicaqu eaENOPpossuíana
cidadedePicos .
Por isso a preocupação da administração em estabelecer vigilância
constantesobreofardamentodasnormalistas.SegundodonaZizi(30.03.2007):
eueramuitorigorosa.Assim,euachomuitofeioumaaluna,comoeu
játe nhovisto,ultimamente,embares,nasruas,dechinelajaponesa.
Então, o caso era esse, sapato preto, meínha branca, saia azul,
blusabrancacombolsinhocomasiniciaisdaescola,né,esó.
Uniformesimplesesóbrio,de monstravaasobriedadeeoequilíbriodaquela
que o usava. O rigor assumido pela exdiretora, quanto à vigilânc ia sobre as
normalistasnousodouniforme,mostraessapreocupaçãoconceitual.
Aalunaquetransgredisseessanormanãoentravanaescola.Eavigilância
começavadoportãodeacessoeseestendiaaointeriordaescola.Conformeaex
normalistaMariaNancyPereiraAlencarF erreira(24.07.2007):
As normaseram meio severas, né. [...] a nossa diretora era muito
gida. Então,ofardamentotinhaquesercorreto,completo.Sapato
preto,meiabranca,saiaemcimadojoelho,ablusinhatinhaqueser
demanganolocalqueelamarcava.Então,atéosacessóriostinha
queserdacorqueelaoptava.Ninguémpoderiapassarporcimadas
normasdela,porquesenãotodososalunosiriamserpunidos,né.
E não era apenas estar com o uniforme completo, era preciso que ele
estivessebemapresentável.Sobreisso,aexnormalistaRaimundaFontesdeMoura
(25.05.2007)afirmouque:
Tinha que tá a roupa higienicamentebem tratada. Não gostava de
ninguémquechegassecomafardaamassada,porqueeladiziaque
era desleixo e o professor que e stava se preparando pra ser
educadoranãopoderiateru niformeemdesleixo.[...]Naépoca,se
173
usavaotinteiro.Aquelacomtinta,depoisfoiqueveioaquelaBICe
substituíram.Aquelacanetasujavamuitoasmãoseela[donaZizi]
dizia: “ Olhem, lavem as mãos. Normalista tem que andar
impecável.[...]Outracoisaasaiadoisdedosabaixodojoelho.Não
tinhadedinhoacimadojoelho.
EraanormalistaaportavozdaEscolaNormal,maseratambémaportavoz
dafuturaprofessoraquedaliiriasair.Eotipode professorqueaENOPacreditava
formareraumeducadorquedeveria sercomoo uniforme vestidope lanormalista:
também impecável, bem apresentável, que transmitisse segurança àqueles que
fossemserseusalunos.
A figura 55 mostra normalistas uniformizadas, fazendo pose ao lado da
profess ora Irmã Maria Helena Martins. Percebese um deta lhe na farda: as saias
acimado sjoelhos,nã omaisos“doisdedosabaixodojoelho”,comoinformaraaex
normalista Raimunda Fontes, mesmo assim, ainda o era a minissaia desejada
pelasalunas.
Figura58.Normalistaseaprofe ssoraMariaHelenaMartinsnaescadadaENOP(1975)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaHelenaAraújoLuz
174
Inicialmen te,aENOPadotoudoistiposdeuniforme:odocotidianoeode
gala.Ouniformedocotidianoeraformadopelosapatospretos,meiasbrancas,saia
azul de pregas e blusa branca com bolso com o nome da escola. O uniforme de
gala,usadoemeventosespeciais,eracompostotambémporsapatospretos,meias
brancas, saia azul de  pregas e blusa branca com mangas longas e uma fita no
colarinh o. O modelo que inspirou o primeiro  uniforme da ENOP foi o usado na
EscolaNormal,emTeresina.Aofalardouniformedas normalistas,aexnormalista
Raimunda Fontes de Moura (25.05.2007) afirmou que o mesmo era assim
composto:
A sa ínha deprega a zul marinho eumablusinhade  tecidotricolina
com o bolso com o emblema da Escola Normal. Essa era do
cotidiano,né. Agora,afarda de gala eraa saiatropical queficava
impecável. Nem amassava as preguinhas e a blusa de langeri de
mangas compridas, com o lacinho de reluz azul, que ficava até
romântica a no rmalista. Só que era um calor... Ela exigia mangas
compridasporque[...]mangascurtasnãoficavabem.[...]Olha,não
admitiaqueviolasseouniforme,porquecomunicariaaospais.
Nafigura56vêsenormalistasemtrajedegala,emdiadefestanaescola,
fazendopos enaescadaquedavaacessoaoprimeiroanda rdaENOP.Entendendo
pose, como “o termo de uma ‘intenção’ de leitura” (BARTHES, 1984, p.117). A
inteão quese evidencianessafotografiaé adeservistacomonormalista,a de
seraad olescenteprivilegiadaporestaraliestud andopa raserprofessora,eafarda
eraess eindicativo.
175
Figura59.Normalistasemtrajedegala,naescadadaENOP(1969)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaFátimaSá
Enã ohaviaposs ibilidadede anormalistanãoseapresentarcomouniforme
completo. Até em cas os de doença alérgica a escola não dispensava o uso do
uniformecompleto.ComosededuzdafaladaexnormalistaIsabelBatistadeBarros
(22.07.2006):
[...] Na época, eu tive grande dificuldade, passei por vários
problemas.[...]Eutiveumproblemanospés,dealergia.[...]quando
eu vim estudar na Escola Normal, [...] então eu ia com um p é
inchado no sapato [...] e o outro de sandália, porque era proibido
entrarsódesandália.[...]ospéssangravammesmo.Eraumaferida
abertaetudoecadavezqueeuiasemsapato,[...]eraumahorade
briga,dedesaforo.
Anormalista opodia,como sev ê,demonstrarnenhumtipodefragilidade.
Mesmo estando com pé s feridos, como o do caso acima apresentado, não era
dispensadoousodosdoissapatos,apenasododoente.Ooutrodeveriaestar
comosapato.Mas,paraqueos apatofossedispensado,eraprecisoanormalista
apresentaratestadomédicodescrevendoadoença. Conformeafirmaaexdireto ra
176
donaZizi(20.03.2007):“[...]agora,quemfo ssesemmeia,nãoentrava,quemfosse
sem sapato,também.Seomédicodesseumatestado,podiair.[...]”.
Mas, nem todas as normalistas obedeciam essa norma. Havia as
resistências , mesmodianteda rede devigilânciapresentenaENOP.Consoantea
exnormalistaMariaNancyPereiraAlencarFerreira(24.07.2007):
[...] Algumas queriam andar de minissaia, né. [...] a dona Zizi, a
diretora,naépoca,elafaziavistorianafila,né.Então,tinhaaquelas
quefaziamoembanhadobemcurtinhodasa ia,né.Eno,elaíalá
comodedinhodelaezapim.Rodavaedeixavaasaialáembaixo.
No outro dia era do mesmo jeito. Então, ela reclamava até três
vezes.Naquartavez,jáerapunição,porqueelasemprefa lavaque
uma instituição tem que ter respeito. Então, o fardamento é o
respeito da empresa. Que empresa é essa que anda com seus
fun cionáriosseminus?
Assim,ousodiáriodofardamentoeranorma,masdeveriaestarcondizente
tambémcomoesperadopelaadministraç ãodaescola.Vistoriarasnormalistasna
fila era a regra, para saber se o disposto nas normas da escola estava sendo
cumprido.
Ean darcomuma saianumtamanhopadrãoemplenaépocadaschamadas
minissaias, era um convite à desobediência, à transgressão. Vale ressaltar que a
maioriada salunasquefreqüentavaaENOPeracompostapormulheressolteirase
adolescentes.Aindasobre esseaspecto,aexnormalistaMariaHelenaAraújoLuz
(24.09.2007)informouque“[...]amoda,daépoca,era minissaia.Ficavabarrandoas
minissaiaseagenteficavainsistindo,teimando[...]”.
Alunasenfileiradasparavistoriadouniforme.Eraos ujeitosendoconstituído.
Eraaculturaescolaremevidência.Seouniformerepresentaaescola,essadeveria
ser bem representada através dassuas alunas. Se a aluna representava a futura
profess ora,essadeveriaserbemrepresentada.Ouseja,boaescola,boaaluna,boa
profess ora.
Asnormalista seram“proibidas”dec ircularempelasruasdacidadevestidas
nouniformedaescola.Apósaconclusãodaaula,elasdeveriamretornarparacasa
para tirarem o uniforme e vestirem outra roupa. Circular com o uniforme era
transgredirumanormaespecíficadainstituição.M as,mesmoassim,algumasalunas
desobedeciamna.ConformeaexnormalistaIsabelBatistadeBarros(22.07.2006):
177
“[...] Depois que a gente saía da escola, não podiair a outro lugar de farda, não,
porqueeraproibidoandardefardaforadaesc ola.[...]”.
Porém, as figuras 57 e 58 destoam da fala da depoente. Vêse nelas as
normalistas fora do espaço da  ENOP usando o uniforme. Na figura 57 as
normalistasestãofazendoposenaescadadeacessoaoMorrodaMariana,principal
morro que circula a cidade. Na figura 58 estão mais à vontade, sentadas nu m
veículoautomotor,numverdadeiroafrontamentoàsregras.
Figura60.NormalistasnaescadadoMorrodaMariana,emPicosPi(1969)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaFátimaSá
178
Figura61.Normalistaemmomentodedescontração(1969)
Fonte.ArquivoparticulardeMariaFátimaSá
Alémdessatransgressão,hav iatambémaquelasnormalistasquedobravam
o cós da saia, para deixála mais curta e aquelas mais ousadas que levavam a
agulhaealinhaparaaescolae,apósaaula,faziaabarradasaiaeíampassear,
vestidasnouniforme.SegundoRaimundaFontesdeMoura(25.05.2007),“[...]tinha
meninasquelevavamagulha,alinhaequandosaiadaEscolaNormalagentefazia
oembanhad inhoalierapidinhoagenteíaprapraça.[...]”.
Nosanosoitenta,ouniformesofreumudanças.Ablusade tecidocombolso
comosímbolo daescolafoisubstituídaporc amiseta demalhacomosímboloda
escola pintado na frente, além disso, a saia azul poderia ser de qualquer tecido.
Nessadécada,otamanhodasaiajánãoeramaispossíveldesercontroladopela
direção .AssaiasmenoresinvadiramaENOP.
179
4.3.Entreprovasecolas:danormaàtransgressão
Jánosdiasdeprova,emvirtudedeseremindividuaise,nasuamaioria,de
memorização,haviaumcertodesconfortonasnormalistasemterqueenfrentarodia
dasabatina.Diadetensão,deprovadeconhecimentos,defiscalização,controlee
de transgressões também. Isso se evidenciava nas chamadas colas , prática
recorrentepelasa lunas,quecriavammétodososmaisvariadospossíveis.
ConformeaexnormalistaRaimundaFontesdeMoura(25.05.2007):
Olha, fiscalizava mesmo. Quando tinha suspeita... [...] Lá na
secretariamesmo.Queria vêameia,o sapatopra vê senãotinha
pesca escond ida dentro do sapato. Era uma vigilância na entrada.
Nascarteiras.[...]S aiatodomundoparaocorredor.Depoisentra va
paravê.Sehaviaalgoescrito.Algumacoisa.Colocavaascarteiras
distanteumadasoutraspraap licaraprovaenãopodiadarumpio.
Muito rígida a fiscalização. [...] Havia pesca. [...] Eu dava logo o
nervosismo.Eucommaisquatrocolegasdesenvolvemosumcódigo
quequandoerapramarcarrea lmenteasquestõesbastavacolocara
mão na cabeça, o dedinho no nariz, já dava o sinal. [...] E ra um
código.Depois,a professoradescobriuqueagente secomunicava
porcódigo.[...]Masagentesempredavaumjeitinho.
Como se vê, fiscalização rigorosa que atingia o mobiliário da sala e os
corpos das alunas. Umcontrole que se infiltrava numarede de disciplina rigorosa
que objetivava eliminartodo e qualquer tipo de transgressão.Mas, mesmo assim,
umaredede indisciplinaandavaparalelaaela,comooapresentadonodepoimento
acima, da exnormalista Raimunda Fontes. A busca da “cola” e a descoberta do
transgressoreraoevidenciadoness arotina.
Ainda sobre os  diasde provas e seusistema de controlee transgressão,
destacaseocontroledosprofessoressobreosalunos.Osprofessoresaplicavamas
provas empé , circulando peloespaçodasalanuma tentativa de inviabilização  da
pesca, enquanto as normalistas deveriam ficar fixadas  na sua atividade,
concentradasnaproduçãoderespostasparaasquestõespropostas.Segundoaex
normalista Maria Nancy Pereira Alencar Ferreira (24.07.2006), sobre os dias de
provas:
180
Ah...eraumDeusnosacuda! Então,eraassim,asprofessoras,elas
ficavamcircu landootempotodo.Oalunonãopoderiaolharnemde
banda,nemdefrente,nem de costas,nemolharparao soladodo
pé,nãopodia.Tinhadeserosolhosfixosparaamesinha.Todoo
tempo em cima de sua prova, né. Tinha de ler a sua prova. [...]
Então,agenteficavanervoso.Diadepro va[...]ningué mpod ianem
beliscarooutro.[...]uma coisaquememarcou.[...]mederamuma
pescaeeutivequeengoliressapesca[risos].Aprofessorafoiatéa 
irmãHelena.Elapercebeuqueeutinharecebidou mab olinhaeeu
[...] rodei, rodei no dedo que cansei e eu vi que ela não sairia de
pertodemim[...]eengoliopapel.
“Engolir o pape l” da cola era a única saída para esconder a prova da
transgressão, assim, evitar a punição , seja ela qual fosse, pois, quando alguma
alunaerasurpreendidacolando,erapunida.E apuniçãoerapública,numatentativa
da escola de coibir tal prática. Conforme a exnormalista Isabel Batista de Barros
(22.07.2006):
Eratomadaaprova.Elaeradesfeitan omeiodetodomundo.Não
erau macoisare servada,[...]umadesmoralizaçãomuitogrande.[...]
iapradiretoria.Tinhamuitasvezesqueiaatésuspenso,perdiaaula,
perdiaprovas.Nessassuspensõesera[...]baixada,lánaparede,no
flanelógrafo,[...]ea pessoacumpriamesmo.Suspendeunãotinha
devoltaratrás,não.
Seg undo o depoimento de Isabel Batista de Barros, a punição era
cumulativa: a prova era tomada da normalista, ela era encaminhada à diretoria e
aindaficavasujeitaàsuspensão,comseu nomeexpostonoflanelógrafodaescola.
Aescola,aopuniraalunainfratora,estavatentandocoibiraproliferãodaprática
dacola.
Sob re a prática da “cola”, en quanto comportamen to que transgredia às
normas daesc ola, a exnormalista MariaHosana deAraújo(24.09.2007)informou
que:
[...] Naquela época, já existia pesca . Agora, eu acho que não era
tantocomoexistehoje.[...]Nós,alunas,tínhamosumrespeitopelo
professor.Eagentejáestavalápraterumaformaçãodeprofessora.
Seagentefossepescar,oqueagenteiaserdepois?.Seria ummau
exemplopragentee[...]íamosdeixardeaprender.[...]Agentesabe
quepescaéquandoagentenãoaprendeascoisas.Paraqueera
que a gente estava lá ?. [...] Quando colava era chamada. [...] A
diretoraconversava,oprofessor.Mostravammuitopraoa luno que
nãoeraassimqueeleiaserprofessor.
181
Como se percebe, embora houvesse a existência da “cola”, havia a
consciência,nasnormalistas,de queaquelaerauma práticainadequadaparaotipo
de profissional que ela estava se preparando para ser. Havia a consciência
inculcadadequeobomprofessornãopoderiacolar,poisassimestariada ndoprova
de que seria um mau profissional, um mau exemplo. Era, como se vê, a
incorporaçãodeumcomportamentoesperadoparaaépoca.
4.4.EmtemposdeDitaduraMilitar,desfilareraanorma,cercarosmuroseraa
regra
A sistemática da suspensão era aplicada também quan do, no Sete de
Setembro, a normalista não comparecia ao desfile, sem justificação plausível ou
delefugia,apóspegarasen ha.
Participar do desfile de Sete de Setembro era obrigatório, apenas as
normalistasgrávidaseasportadorasdenecessidadesespeciaiseramdispensadas.
Ressaltase que os anos de que se trata a presente pesquisa eram os anos da
Ditadura Militar, e a idéia de  patriotismo invadia as escolas. E isso deveria s er
evidenciadonasruas,atravésdodesfile.EraaescolaaserviçodoEstadoditador.
Falandosobreas fugasaosdesfiles, aexnormalistaMariaNancyPereiraAlencar
Ferreira(24.07.200 7)informouque:
Apesar de que eu só desfilei duas vezes. Uma vez eu recebi a
senha, mas fugi. [...] eu fui penalizada. Eu peguei três dias de
suspensãoporcontadafujança.[...]odesfileeraobrigatório.S óse
[...]estivessehospitalizadoenãopudessevirparaaavenidadesfilar.
Comoha viahoráriocertoparaaentradaeparaasaída,comocrescimento
daescola,evidenciadocomoau mentodocontingentedealunaseousodetodos
osturnosmanhã,tardeenoite,algumasalunas,pormotivosdiversos,dentreeles,
encontrarse com o namorado ou por não quererem estar ali “presas”, pulavam a
gradeprotetoradomurodafrentedaescolaedelafugiam,emborasoubessemdo
castigo que poderiam receber posteriormente. Segundo a exdiretora dona Luzia
182
Moura Barros (20.03.2007), “[...] o castigo que eu dizia era isso, um aluno, po r
exemplo,pulouomuro,então,eudeiocastigodedoisdiasdeaula,sóeraisso”.
Paraainfraçãodepularomuro,asuspensãopordoisdiasdasaulas.Eisso
poderiaatingiraalunaemumdiadeprovaouseminário.
E, como a ENOP ficava numa posição central na cidade de  Picos, entre
duas das principais ruas: a rua Santo Antônio e a avenida Getúlio Vargas, as
normalistastinhamumavisãoprivilegiadada  cidadee docorrecorreurbano , uma
vez que ocentro comercial e financeiro da cidade se localiza exatamente nessas
ruas.
Diante disso, e por a escola possuir janelões que facilitavam a visão, por
partedasalunas,dessasruaseseuburburinhoepornãoternafachadafrontalum
muro que obstruísse a visibilida de da rua, algumas normalistas aproveitavam os
intervalosdasaulaseficavamolhandoasruas,pa querandoou aproveitavamalgum
descuido da  vigilância e saltavam as grades da escola e fugiam. Segundo  a ex
normalistaIsabelBatistadeBarros(22.07.2006):
[...]nosgruposhumanosmaquelesqueousam,né,desobedecem
as normas. [...] tinha muita colega que pulava o portão, subia em
jane la pra paquerar os rapazes que iam passando [...] na avenida
Getúlio Vargas, né. A nossa sala tinha uma janela que ficava pro
lado da avenida, né, [...] as transgressões eram essas, né, [...]
Quando isso acontecia era u ma grande confusã o, [...] a diretora
vinhaeeraumahoradefalação ,mesmo.[...]Elanãomediapalavra,
não.Elaeramuitorígida.Traziaaescolaemordemmesmo,masera
deumarigidezmuitogrande.Causavamedo,mesmo,pavor.
Mesmodiantedeumespaçograndeecomtantasalunasporelecirculando,
adiretoraconseguiasurpreenderasnormalistasemsuasindisciplinas.Comodisse
aIsabelBatista(22.07.2006),ela“[...]traziaaescolaemordemmesmo”.
Ainda s obre essa temática, a exnormalista Maria Helena Araújo Luz
(24.09.2007)info rmouque:
Osanosemqueeuestivelá,e m1973epróximos,aindaeraaquele
tipo de escola um pouco gida, autoritária. [...]. A gente já tudo
garota de 15, 16 anos querendo olhar para a Avenida Getúlio
Vargas. Tinha outra janela que dava acesso à Avenida. Tu sabes,
jovempraficarpresonumaescolagrande,queeraaEscolaNormal,
no1ºandar.Então,qualqueroportunidade,nosintervalos,eracorrer
paraasjanelasquedavamacessopraaAvenidaouPetropicos.[...]
Quando eram surpreendidas, nas janelas, a diretora vinha  logo de
183
imediato,“saiamdaí,meninas,vocêsnãopodemficarnasjanelas”.
Aíelarepreendia[...]pegavanopémesmodagente.
Havia,comosevê,apreocupaçãoemconservarasnormalistasdentrodo
espaço da escola, sem que fossem vistas pelas pessoas fora da mes ma. Uma
esciedeproteçãodaimagemdaescolapelocomportamentoeocultamentodas
alunas,umavezqueessasopoderiamserassociadasaoutrasatitudesqueo
aspedagógicas.
4.5.Aprenderaserprofessora:aconstituiçãodosujeito
Eram as duas redes relacionais se cruzando: a da disciplina e a da
antidisciplina. O sistema de normas da escola em oposição ao sistema de
transgressões.Umaemdisputacomaoutra,natentativadeimporumavontade.
Era a ENOP na tentativa de, a partirde suas normas, que definimos  aqui
como sendo consuetudinárias , formar o sujeito.  Além dos conhecimentos
historicamenteconstruídos,queeramossaberesdaprofissão,queestavamsendo
repassados às normalistas diariamente pelos seus  professores em forma de
conteúdosapostilhadosoudispostosemlivros,haviaanecessidadedetransmissão
de um outro tipo de conhecimento, mais voltado para a conduta do sujeito, sua
posturanasoc iedade.
E as normas queas  normalistas deveriam cumprir e que, freqüentemente,
alguma transgredia,objetivavaminculcarne lascondutasconformeasociedade na
qual estavam inseridas, a saber, de uma sociedade ainda patriarcal e religiosa.
Essasnormassemostravamexatamentenaspráticaseposturados exprofessores
e da exdiretora, práticas essas que deveriam ser observadas e copiadas pelas
normalistas.T aisprofissionaisrepresentavam,noespaçodaescola,umaespéciede
espelho, através do qual, as normalistas dev eriam olhar e ver um modelo. Era o
modeloaserc opiado,aserreduplicado.
Ressaltase também que essa sociedade estava mergulhada no cenário
político do regime de exceção e isso favorecia ainda mais a preocupação com a
formaçãointegraldasalunas.Darlhesnãoapenasformaçãopedagógica,masuma
184
formaçãohumanísticacompleta.Eformaçãodequalidade.Comocupaçãototaldo
tempo, emum sistema rígido e de controle.Fazêlas professoras, paraeducarem
conforme foram educadas. Sob re isso, a exnormalista Mar ia Hosana de Araújo
(24.09.2007)info rmouque:
Eu acho que era porque ela
[dona Zizi, grifo nosso]
queria uma
escola de qualidade. Através disso, até nós, alunas, íamos
aprendendo.[...]Euachoqueserviumuitodeexemplopragentepor
queeraatéuma maneira,também,deensinamento.[...]Eraporque
elaqueriaqueandassetudodireitinho.Euachoqueera,assim,que
elaconseguia.Tudoeradireito.Seoalunocomeçasseare laxar,o
professor relaxava. Isso era para o aluno, mas também, para o
professor.Oprofessornãopodiachegaratrasado.Tinhaque estarlá
para dar aula. Só se fosse uma coisa muito grave, se não fosse,
assim, ia debandar as coisas. [...] Havia uma finalidade nessa
rigidez,eu acredito que  sim,umapossívelformação.Depois dalia
gente ia sero quê?Professor.A genteiaparaa salade aulae ia
deixaraturmaaí,àvontade,semordem,semnada?.Euachoque
eracomoumcurrículooculto,mesmo.Eraumamaneiradeensinar
pra gente como um exemplo. Mostrando que s íamos ser
professoras.[...]Tinh aqueterestasnormas.
Aprender a ser professor através do modelo da ordem, da disciplina e da
vigilância,evidenciados na posturados exprofessores eexdiretora.A normalista,
através  desse sistema de normas e de rigidez, deveria se apropriar do
comportamento esperado pela escola, por isso a fiscalização do comportamento
diariamente.
Mas será que a escola conseguiu mesmo atingir ess a pretensão: formar
profess ores conforme o modelo padrão que ela apresentava? Pelos depoimentos
das normalistas, isso foi possível e a maioria das  alunas que dela s aíram se
apropriaramdetalmodelo,masasexceçõesaconteceram.Houveaalteraçãodesse
modelo, e  a busca, por parte de algumas normalistas, da prática docente que
rompesseomodelocriadopelaENOP.
Considerase essa atitude, para fins de análise, como uma transgressão,
umaindisciplina.A rededaindisciplinaatuando
aposteriori
daformação.Segundoa
exnormalistaMariaHelenaAraújoLuz(24.09.2007),falandosobreoqueelalevou
para a sua prática docente dos ensinamentos adquiridos na ENOP, ela informou
que:
185
Euachoqueosconceitosqueeuadquirilá,naminhaformação.Não
dápraserprofessorasevocênãotrazemsuabagagemconteúdos
decomoserprofessor.Principalmente,aquestão didática,decomo
preparar uma aula, um plano de aula, quer dizer, isso me ajudou
demais.Essavisãodesociedadeque aprendi ládentro,a questão
gramatical. [...] Totalmente moldada, não. Apesar de ter aprendido
muitonaEscolaNormal.Muitascoisasquesãoimportantesequeeu 
voucarregarprorestodaminhavidaficaramimpregnadas.Nãotem
comoeutirar.Maseumoldeimuitascoisas,eure tireimuitascoisas
daquelesquetentaramimpregnaremmimcomautoridadeetudo.Eu
tenteitirar.Euachoqueacadadiaagentevaisemoldando,mesmo,
a gente vai se construindo, refazendo. Acho que a gente tem que
mudar[...]Apesardeteraprendidomuito,eunãoquisserportoda
vidaaqueletipodeprofessorqueaprendi,vietivelá,naépoca,que
euestudei.
Pela fala da exnormalista, percebese que houve a aceitação da
apropriaçãodeconceitosoriundosdaescola,mashouvetammarecusaemser
reflexo deumespelho.Earecusagravitaexa tamen tenos aspectosautoritáriosdo
modeloqueelastinhamdiantedesi.
A exnormalista falou dos chamados “conteúdos de como ser professor”.
Conteúdos que eram repassados através das disciplinas  do  núcleo específico do
curso normal. Mas o “como ser professor” ía além da apropriação de conteúdos,
passavatambémpe locontroledoespaço edo tempoemquese encontravamas
normalistas, pe lo controle dos s eus corpos e pela apropr iação de um
comportamento.
Todas  as entrevistadas apresentaram o nome de um professor que mais
marcouasuaformão,enquantoalunasdaEscolaNorma lOficialdePicos.Cad a
uma escolheu um modelo, um t ipo específico de professor que contribuiu na sua 
formação. De todos os docentes mencionados, uma professora se destacou
enquantoreferêncianaformaç ão:aprofessoraBenvindaNunesSantos.Consoante
faladaexnormalistaMariaHosanad eAraújo(24.09.2007 ):
Primeiramente, responsabilidade. Ter muito cuidado de transmitir o
conteúdodireitinho.Amaneiradetrataroaluno.Amaneiradedara
vezparaoaluno.[...]Daroportunidadeparaoaluno.Eratudoisso.
Não era só transmitir conhecimentos. Era dá o exemplo. Até na
maneiradagenteandar,sevestir,secomportar,detudodentroda
saladeaula.Tudoissoelatransmitiapragente.Achoqueeupeguei
tudo isso. [...] Aprendi conteúdos e um perfil. Como ser professor,
mesmo.[...]DonaBenvinda,elaeraaEscolaNormalensinandovocê
ase rprofessora.
186
É nesse conteúdo discursivo que residia a pretensão oficial da escola.
Formarprofes soresquefossemtambémexemplo:namaneiradeandar,dese vestir
e de secomportar dentro da sala de aula.Mas essa maneira, esse modo de ser
profess ora afetava também a vida particular dessas mulheres, pois deveriam
também andar, vestiremse e comportaremse no seu diaadia como sendo a
profess ora.Logo ,oexemploaserseg uido.Aprende rconteúdoseumperfilera,na
verdade,oqueseesperavadasnormalistas.Dominaremossaberesdaprofissãoe
ossaberesdomodelodeprofessor.
Ainda sobre o papel formador que a exprofessora dona Benvinda
desempenhou na Escola Normal, ressalta a exnormalista Raimunda Fontes
(25.05.2007)que:
[...] dona Benvinda que ainda hoje mora no meu coração. Aprendi
muito com ela. A didática dela, a paciência, a tolerância e os
ensinamentos dela não só na parte de metodologia, de conteúdo,
masna minhaformaçãocomojovem.Emtermosdenamoro.[...] Ela
paravanos intervalospraconversarconoscoedizia: “Olha, minha
filha, essas mocinhas muito atiradas... Vocês m que te r uma
postura, porque vocês, mesmo que não estejam com a farda  da
Escola Normal...”,ela semprefrisavaa farda. Com o uniformenós
não podíamos fazer molequeira nenhuma na rua. Se estivesse  na
sorveteriaquefossepracasatirarafarda.[...]Eladavamuitasaulas
deaprendizadodomésticopragente,dapostura,maisdeetiquetas.
[...]HaviaumapreocupaçãodeformaçãopravidaeadonaBenvinda
eadonaZizi,também,davammu itasorientaçõesnessesentido.[...]
Elasd iziam:“Vocêssãonormalistas,olha ocomportamento,porque
vocês têm que ser respeitadas como normalistas, pra depois ser
respeitadascomoeducadoras,comoprofessoras”.
EstarouovestidanouniformedaENOPeraumaresponsabilidade,como
sededuzpelodepoimentoacima.Tatuavasenaalunaamarcadainstituiçãoeessa
marcaaacompanhava,atéoexerc íciodaprofissão,ondeoseroriundada ENOP
maisseev idenciavanaspráticasdiárias.
AlémdaexprofessoraBenvinda,outrasforamc itadaspelasexnormalistas,
comodocentesquemarcaramsuaformaçãoequeterminaramcopiandoalgodoseu
jeitode  serprofessor.Destacaramsenas  entrevistasosnomesdasseguintesex
profess oras, asaber, Célia de Castro Neiva, Remédios A raújo Sousa, Irmã Maria
HelenaMartins, Eunice Soares, Iracema Gerusa B.Luz, LuzaniraBarros de Deus
Nunes,M ariaIvetePortelaCardosoeAutaMariaNunesLeal.
187
Como ficou bem frisado na entrevista da exnormalista Maria Hosana de
Araújo (24.09.200 7), havia dois tipos de professores no universo da ENOP: os
profess oresq uesepreocup avamcomatransmissãodeconteúdoseaquelesquese
preocupavam com a formação do homem. Quanto a isso, apresentando os
profess oresq uemarcaramsuaformação,elaafirmouoseguinte:
Tem dois professores que [...] mais marcou. Não sei tanto porque,
mas eu  acho que elas duas foram quem fizesse com que hoje eu
fosse  professora de português. No meu ginásio eu nunca aprendi
português.[...]EuvimaprenderportuguêsnaEscolaNormalcoma
professoraRemédiosAraújoSousaeaprofessoraIrmãHelena.As
duasmemarcarammais.Euachoqueporcausadelas,hoje,eusou
professora d e português. Lecionei trinta anos. Hoje eu estou
aposentada. Mas me considero professora de português. [...] Eu
tenho a impressão que foi por causa das duas que eu fui ser
professoradeportuguês. [...]Achoque eraamaneiradetransmitir,
deensinar.[...]Quandoeufuicomeçaralecionarfoicomportuguês.
[...]Leveidelaspraminhapráticapedagógica,tudo.Amaneiradeser
responsável.[...]Essamaneirad eserabertoparaoaluno.[...]Nãoé
que outros professores não fossem responsáveis. [...] Teve outras
professoras, também. [...] A professora de Prática de Ensino,
Didática e Práticas Escolares, a dona Benvinda. Ela fazia era
ensinar.Achoqueatéaspalavrasdeladepoiseuuseinaminhasala
deaula.Parecequeelabotava[...]nacabeçadagente,nãosabe?.
“Olha,minhasfilhas,vocêsquandoestiveremlecionando,éassim”.
Era aquela maneira dela ensinar a gente ser professora. [...] As
outrasduasdeportuguêsfoiaquelama neiradetransmitiraLíngua
Portuguesa. E, ela, era a maneira de como a gente ensinar,
comportardentrodeumasaladeaula.
As normalistas tinham, assim, a possibilidade de assimilar dos seus
profess ores o comportamento específico para cada ato. Através de um grupo de
profess ores, obtinham as informações necess árias para o domínio dos conteúdos
das disciplinas que viriam a ser responsáveis no futuro da profissão; com outro
grupo deprofessores,o jeito deser docente,a maneirade ensinare decomose
comportarnasaladeaula.
Ressaltase que as normas e práticas de que aqui se fala estavam
relacionadas a uma finalidade de s ocialização. A ENOP estava gestando, através
dassuasnormalistas ,aprofessorapririaqueiriaassumirocontroledaeducação
na cidade para a qual se destinasse. E la seria a responsável pela formação de
pessoas.
E o aprender a “ser professora” passava também pela aquis ição de
comportamentosquedeveriamserrepetidosnocotidianoda práticadocente,dentre
188
eles, ressaltase inclusive o momentodachegada dodocenteemsalade aula. O
queestedeveriafazer,oseuprimeirocontatocomosalunos.Segundoinformoua
exnormalistaRaimundaFontes(25.05.2007):
Olha,umacoisaqueeuaprendi.[...]Quandooprofessorentrava,ele
cumprimentava, ou bom dia ou boa tarde. As professoras
costu mavam rezar. Tinha o momento da oração. Todo mundo em
silêncio. Depois,ssentávamos e tinha aquele professor[...] que
faziaoesquemanoquadro.
Contra isso ninguém s e posicionava. Como se tratava de uma cidade
tipicamente católica, a prática da oração anterior ao início da exposição de
conteúdos não era qu estionada por nenhuma aluna, não havia rebeldia quanto a
isso.
As orientações do como ser professora se estendiam também na forma
comoasnormalistasdeveriamserelacionarcomseusalunosecomodeveriamse
portarem em sala de aula. Conforme a exnormalista Raimunda  Fon tes
(25.05.2007):
Dona Benvinda, que dirigia a parte de didática, dizia pra gente
observar.Sabercomoconduziroalunoetudo.Atéamaneiracomo
você escreve. Não dá as costas pro aluno. Sempre olhar para o
aluno.[...]Quandofossedaraula,nãosedirigissepra umafila.
[...]Nãosentar,também.Nãopodiadaraulasentada.Podiasentar
só no momento que o aluno fosse fazer as tarefinhas no seu
caderninho.[...]Empé,andandoecirculando,motivandoaaula.[...]
Masaindisciplina seevidenciava,porexemplo,quandoasalunasestavam
diante de algum tipo de aula monótona, sem motivação alguma. Isso era motivo
suficiente para o início de fugas, ao menos mental. Consoa nte dispôs a exaluna
RaimundaFontes(25.05.2007):
[...]tinhaaquelesprofessoresquetinhaumadidáticapéssima,ruim.
Nãoexplicavaequeeuachavamaçante.Então,eupassavaaaula
desenhando.Fuichamadaváriasvezesnasecretariaporqueestava
desenhando.[...] Eu erauma pimentinha, mas tinha muito respeito
pelosprofessores.Nuncadesrespeitei.Quandochamavaaatenção
eureconheciaqueestavamcorretos.
189
A exaluna em apreço é artista plástica e o comportamento típico dos
artistas,querequersempreonov oeadinâmicadascoisasseefetivando,faziacom
quetivesseessetipodeposturacontráriaàmonotoniadealgumasaulas.Pass ara
auladesenhandoeraumaatitudecontráriaaoqueeraexigidonaescola.Eraumato
derebeldia,queprecisavaserfreado.
As normas da escola contribuíam, assim, para que conhecimentos e
condutas pudessem ser ensinados e inculcados. A indisciplina existia, mas a
incorporação dosconhecimentos pretendidos pelaescola acontecia. Isso devido o
sistemadevigilâncianoespaçodaENOPs erdotipoeficiente.
Nogeral,amaioriada snormalistascumpriaasregrasdaescola.Umavez
quenãohaviatempoociosoeosespaçoseramocupados,aindisciplinaerapouca,
e a vigilância grande. Conforme a exnormalista Maria Helena Araújo Luz
(24.09.2007):
Tinha algumas alunas que eram um pouco rebeldes. A maioria a
gentepercebiaqueeramtímidas.Cumpriammesmo,rigorosamente.
Nãotinhamcoragemderompernenhumadasnormas,mastinham
umasqueeramchamadaslánadireção.Adiretorachamavaospais.
Dava suspensão. Tinha suspensão, mesmo, quando transgrediam
essas leis. Desrespeitar os professores, questionaros professores.
[...]Tinhaqueterrespeitopeloscolegas,professores,peladiretora.
Tinham algumas que chegavam a discordar de até, mesmo,
discussões de texto. Até ignorância do professor de  ser rígido
demais.Elaseramasuspensasdaescola.
Sersuspensadasaulaseraamaiordetod asaspunições.E,paraseevitar
ser exposta a uma punição, as normalistas optavam por cumprir as normas e
entrav amnojogodaaprendizagem.SegundoaexnormalistaM ariaHelenaAraújo
Luz(24.09.2007):
Naescolaeup udemeencaixaremeenquadrardentrodasregras.
Cumpria as regras da escola, direitinho, porque eu não quis em
nenhum momento ser contra. [...] Elas colocavam tanto medo na
gentequeeunãotinhacoragemderompercomosprofessores,de
questionar com os professores. Qu ando eu tive oportunidade eu
transgredi,mesmo,nãoeraaquiloqueeuqueriasernão.
E a oportunidade de transgredir para muitas no rmalistas só veio após  a
conclusãodocursono rmaleseuingressonomercadodetrabalho.Porém,aregra
190
eraabsorveradinâmicadaENOPepraticaroquenelaseaprendeu.Sobreisso,a
exnormalistaMariaHosanad eAraújo(24.09.2007 )informouque:
Dentrodaminhaprofissão,sendoprofessora,todavidaeuprocurei
dar do melhorque  tinha.Serprofessora comresponsabilidade.[...]
Eu me considero moldada pela fôrma da Escola Normal. [...] Foi
positivo. [...] Meu nome ficou por ai, em colégio público, colégio
particular, tanto aqui como em colégios da macrorregião, onde eu
lecionei.GraçasaDeus,eissoéresquíciosdelá.Resultadodelá.
4.6.Modelandofigurashumanas:formandooprofessor
OsversosdopoetaVitorHugo“Ébelomodelarumaestátuaeda rlhevida;
masésublimemodelarumainteligênciaedarlheav erdade”,presentesnoconvite
daprimeiraturmadeformandasdaEscolaNormalOficialdePicosdizemmuitodo
que foi essa escola e seu propósito educacional; dizem também do tipo de
profissionalquenelacirculouedasalunasqueporelaforamformadas.
O modelar uma estátua requer técnica e habilidade, o uso de materiais
diversoseaaplicãonaelaboraçãodaobradasensibilidadedoartista.Iss oébelo.
Mas,conformeopoeta,alémdisso,oimpactodomodela rumainteligência”,de
dizerqu emalguéméequelugarocupa,dedizerlheaverdadedequeméequala
suafunção.
É próprio da histó ria do homem o modelar a matéria e o indivíduo. Isso
passa pelo desejo ora de massificação de gostos e atitudes, ora de formação de
grupos pe nsantes conforme o modelo de um Estado, de uma instituição. Afeta,
inclusive,asualiteratura,osseusmitos.
Pigmaleão,nabuscaincansávelpelamu lherpe rfeita, modelousuaGa latéia,
sua estátua de marfim e Vênus deulhevida. Na literatura moderna, MaryShelley
construiuoromanceFrankenstein,ondeoseuherói,ocientistaVitorFrankenstein
se vê na  condição de construtor, de modelador de um ser. No cinema, vêse
constantemente a montagem de películas em que ocorre a presença do desejo
humanodecriar,demodelarooutro,éoquesevê,porexemplo,emInteligência
Artificicial.
191
Tanto no mito quanto nas obras apresentadas, os modeladores de figuras
conseguem construir o outro, transformam a matéria bruta em algo vivo.
Ultrapassam a barreira do inanimado e atingem o limite do animado, do vivo.
Galatéiadeixadeserestátuaepassaàcondiçãodehumana;amatériainanimada
oriunda de cadáveres é transformada em um homem, com feições horripilantes e
força inexplicável, no romance Frankenstein e no filme, máquinas são feitas para
alegraraspessoas,masganhamtambémsentimentos,ganhamdimensãohumana.
Essastrêssituaçõesfictíciasnosconduzemao planodarealidadedaEscola
NormalOficialdePicos.Naficção,seresforamdotadosdevidaecadaumcomuma
função específica. Na ENOP, podese afirmar que também estát uas foram
modeladas e, metaforicamente, pelo processo da cera perdida”. Onde a fôrma, a
matriz estavanos docentes quecircularamno  seu espaço eserviram de exemplo
vivoparaasnormalistasseguirem.Éoqueseinfere,porexemplo,dodepoimento
da exnormalista Maria Fátima Sá (17.09.2007), ao falar sobre uma de suas
profess oras:
[...]CéliaNeivaeraum negócio impressionante.Elachegavanasala
deaulasóco mogiz.Eladavaumaaulaquetodomundo saiadalie
podia perguntar qualquer coisa que sabia. Ela fazia com que as
pessoasentendessemoqueelaestavaquerendodá.Éumnegócio
que euficoemocionadaporque,naqueletempo, a gente nãotinha
recursos.Ninguémtinhaumabibliotecaparafazerestudo.Erasóo
professoreogiz.
A professora deveria ser aquela que dominava um determinado  tipo de
conteúdo,a queseria capazde apenas como giz na mão repassar o necessário
paraosalunose,comisso,ocorreraaprendizagem.Easnormalistasprecisavamse
apropriar dessas características, precisavam copiar o modelo, para aplicarem em
sua prática no exercício da docência futura, e todas as entrevistadas concordam
com isso. V ale ressaltar que, como se trata de pessoas, houve a apropriação do
modelo, mas também a releitura do mes mo. É o que se deduz da fala da ex
normalistaMariaHelenaAraújoLuz(24.09.2007):
Embora todos fossem professoras competentes, preparadas, mas
pra mim [...] eu tinha aquela vontade de uma abertura, de uma
discussão maior na sala de aula. Eu não  me sentia bem [...] com
medo,sabe?Eutinhavontadedeperguntar,mastinhamedo.Então,
serprofessora,n aquelaépoca,teriadeserumprofessorquedesse
192
oportunidade para que a gente pudesse conversar, dialogar, ter
maior particip ação na sala de aula. A gente não podia ter
participação.Pequenasparticipaçõesjáaconteciam,maspequenas.
[...]Praserumprofessorideal,naquelaépoca,jánãoeramaisaquilo
que estava sendo. Teria de ser um professor que desse mais
oportunidade de questionar. [...] A maioria dos professores era
fechados.[. ..]Eulembroatédeumaprofessoraquequestionou,né,
a professora de português.Ela via muitopelaquestãodagrafia. E
elaquestionouqueaminhaletraeramuitoenrolada.Eraruimdelê.
Elamecriticouperanteaturma.Aquiloeunãogostei.[. ..]Maserao
jeitodela,daépocadela,talvezhojeelanãopensemaisdaforma
queelapensava.Elesera mcapazesdelherotularperanteaturmae
vocênãosesentiabem.Então,naquelaépoca,eu jádetestavaejá
queriaumoutrotipodep rofessor.Nãoeraaqueletip oqueeuqueria
copiar.[...]Euqueriaumprofessormaisaberto.Quenãocolocasse
medo nos alunos. Eu aprendi muito essa questão do respeito. De
construir bons relacionamentos com todos, com os amigos. [...] O
tipo de professor que eu copiei de respeito, de hone stidade, de
compromisso.
Pela fala da exnormalista, havia o modelo a ser c opiado, mas  ele não
agradavaatodos.Emboraasnormalistasestivessemtambémsendoobjetivadasa
partir dos docentes da escola, percebese que havia a rebeldia, o afrontamento
diantedessemodelo.
E a transgressão às normas da escola e ao modelo de docente que  ela
queriaformar,estendiaseasituaçõesdiversasdocotidianoescolar.Segundoaex
normalistaRaimundaFontes(25.05.2007):
Existiamaquelasnormalistasqueerammais,assim,asrebeldes.Eu
esta vaincluídaentree las.Apesar determuito respeitopelasminhas
professoras. Eu gostava muito. [...] Existiam coisas que a gente
questionava.Íamosparaad iretoria.Agenteprocuravamelhorar.Às
vezes, até uma questão de didática de uma certa disciplina, como
esta va sendocobrada.Tinhaumasqueeramsó ditadas.[...]Nada
dexéroxnaépoca.[...]Aquelasaulasseguidassemdarumespaço
pra outra e que a gente questionava muito essas coisas com a
diretora.A pesardelasermuitorígida,masemmuitasocasiõesela
procuravanosouvireatéprocuroumelhoraressasmetodologiasde
ensinodealgunsprofessores.
Todos os aspectos até aqui apresentados conduzem ao conhecimento de
comohouveaconstituiçãodosujeitoprofessor,apartirdasno rmalistas.Decomose
tornaramsujeitosdeums abereobjetostambémdosaber,apartirdasrelõesde
poderpresentesnoespaçodaENOP.Interessouse emapresentarcomosurgiu a
profess orapriria,queatuouemPicos,formadapelaENOP,paraosabere,para
193
sechegarao“como”,foiprecisoconhecer,paraentender,asformas decontroledo s
corposqueestavampresentesnaescola,atravésdocontroledoespaçoedotempo,
emumsistemadevigilân cia.
Práticas ep istêmicas e disciplinares foram capazes de moldar as
normalistas, de dizerem o que elas eram e qual o seu papel. As práticas de
vigilância e de con trole, no cotidiano da ENOP, efetivadas através da rede de
olhares, fa voreceram isso. Vigilância dos corpos e controle das ações, tudo isso
para tornarem as alunas ceis, para absorverem as normas da instituição e os
conteúdos c urriculares para o exercício da profissão e, conseqüentemente,
tornaremseprofessoras.
Tratase, comose vê, do indivíduo “fabricado”a partirde relões entreo
podereosaber.ParaFoucault(1987,p.143):
A disciplina ‘fabrica’ indivíduos; ela é a técnica específica de um
poder que toma o s indivíduos ao mesmo tempo como objetos e
comoinstrumentosdeseuexercício.Nãoéumpodertriunfanteque ,
apartirdeseup róprioexcesso,podesefiaremseusuperpoderio;é
um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma 
economiacalculada,maspermanente.
Relaçõesessasqueseapresentaramemumquadroregidopornormasque
deveriam ser seguidas , obedecidas. Porém, como se v iu, as normas eram
freqüentementequestionadaseatémesmovioladas.Haviaoenfrentamentodentro
darededadisciplina,quefezsurgirumarededaantidisciplina .
A arquitetura do prédio da ENOP favorecia a ap licão de uma vigilânc ia
constante. Vigilância que almejava transformar o indivídu o. Para Foucault (1887,
p.144),essaé:
[...]umaarquiteturaqueseriaumoperadorp araatransformaçãodos
indivíduos: age sobre aquele que abriga, dar domínio sobre o seu
comportamento,reconduziratéelesosefeitosdopoder,oferecêlos
au mconhecimento,modificálos.[...].
A posição de frente às salas de aula que a sala da direção ocupava
favorec iaavisualizaçãototaldaescola.Aescadadeacessoaoprimeiroandar,que
serviadepostoparaadiretorafiscalizarouniformedasalunastambém.Segundo
depoimentodaexnormalistaMariaFátimaSá(17.09.2007):
194
Tinhaumdetalheimportante.NaEscolaNormaltinhaumaescadae
a farda, era saia. Então, dona Zizi sempre ficava na escada
prestando atenção à altura das saias das meninas. Então, todo
mundoria,achavabometudo.Erainteressanteaquelacena,né.Ela
prestandoatençãoàsaia.Fiscalizava,mesmo.
Emborapossuidoradeumaarquiteturaquefacilitavaavigilânciaconstante
das alunas, através dos funcionários, a ENOP não conseguiu controlar a todas,
comose viu,haviafugas,resistênciacontraousodouniformelongo,colaseoutros.
Eram,como sevê, as relões de podersendo evidenciadas.Relações de poder
que,segundoFoucault(2003,p.232):
[...] suscitam necessariamente, apelam a  cada instante, abrem a
possibilidadede resistênciae resistência real que o poderdaquele
quedominatentasemantercomtantomaisforça,tantomaisastúcia
quantomaiorforaresistência.[...].
Deveseretomaragoraasegundapartedos versosdeVitorHugo,presente
no convite da primeira turma de normalistas: “mas é sublime modelar uma
inteligênciaedarlheaverdade”.
Modelarinteligênciasedarlhesaverdadeestáalémdomodelarcorpos.É
sujeição.Éfabricão.E,nocasoemtela,afabricaçãodosujeitosedeua partirdos
dispositivos próprios do poder disciplinar: a vigilânc ia hierárquica, a sanção
normalizadoraeo exame.Asnormalistassetornaram,noquadrodasrelaçõesde
poder,objetoesujeitodosaber,eaculturaescolarfavoreceuessaconstituição.
Aescoladizia,apartirdeseusprofessores,diretoraenormasquemeramas
normalistas e quem seriam as professoras primárias que elas estavam se
preparandoparaser.Davalhesaverdade.Parafinsdecompreensão, adotaseo
conceitodeverdadeap ontadoporF oucault(2003,p.233),paraquemverdadeé“o
conjuntodeprocedimentosquepermite ma cadainstan te ea cadaumpronunciar
enunciadosqueserãoconsideradosverdadeiros”.
Mas quem seriam os portadores dessa verdade, no espaço da Escola
Normal OficialdePicos?Quemdiziao queeraserprofessorecomodeveriamse
comportarasnormalistas? Queprocedimentos eramusadosparafixaraverdade?
Eram,comosesabe,osdocentesdaescolaeadiretoradamesma,osportavozda
verdade,dodiscursonorteadordaformaçãodoserprofessor.Eosprocedimentos
195
apareciamnas práticas pedagógicas diárias desses mestres,nasnormasaserem
cumpridasenosistemadevigilânciaaplicado.ParaFoucault(1979,p.12):
[...] a verdade não existe fora do poder ou sem o poder [. ..]. A
verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas
coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada
sociedade tem seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de
verdade:istoé,ostiposdediscursoqueelaacolheefazf uncionar
como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem
distinguirosenunciadosverdadeirosdosfalsos,amaneiracomose
sanciona uns e outros; as cnicas e os procedimentos que são
valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que
têmoencargodedizeroquefuncionacomoverdadeiro.
Foi dentro, pois, das relões de poder que a verdade sobre como as
normalistasdeveriamsecomportar,oquedeveriamconsumirecomodev eriasera
profess ora primária aparec eu. Havia um discurso coeso em torno disso. E, dessa
forma,asinteligênciaserammodeladas.OucomoafirmaFoucault(2002,p.87),era
o“poderdoespíritosobreoespírito”.
196
CONSIDERAÇÕESFINAIS
Sobanévoaconfusadodiscurso
Edepoisosilêncio,eagravidade
Dasestátuasjazentes,repousando,
Nãomortas,nãogeladas,devolvidas
Àvidainesperada,descoberta,
[...]
Eramestasasgrandezasquedizia
Oudiriaomeuespanto,sedizêlas
Jánãofosseestecanto.
JoséSaramago
AgrandenarrativadaEscolaNormalOficialdePicosfoiiniciadacomv ersos
de J osé Saramago, e é com seus versos que encerramos essa etapa da sua
história. Nãosepo dedizerquetudofoidito.Afinal,issoéimpossível.
Mas o que foi dito é suficiente para s e entender a proposta dessa escola
durante os anos de 1967 a 1987: formar a professora normalista conforme a
necessidade da sociedade local. Um professor que se ajustasse ao modelo de
Estado existente e à cultura local. Um professor dócil, que soubesse cumprir as
normasdainstituiçãoàqualsevinculariaquandoentrassenomercadodetrabalhoe
quetambémseriaútilnapropagãodosvaloresecostumesdanaçãoedopovo
localqueaformou.
Muitas coisas deixaram de ser ditas , mas sabese que muitas foram
reveladas ou, no mínimo, apresentadas ao leitor através, não apenas através de
documentos arquivados eencontrados naescola,mas atravésda experiênc ia dos
197
quenelatrabalharameestudaram,atravésdamemória.Esquecimentosesilêncios
aconteceram nesse percurso historiográfico, uma vez que mexer no passado é
mexernumrioquecorrepordetrásdaalmaequesuacorrenteza,àsvezes,oculta,
àsvezes,revela.
Porém,entreoocultare o revelarda memóriae“sob  anévoaconfusado
discurso”,do discursopa rticularqueformouograndedisc ursocoletivo,ouseja,da 
memóriaindividualquefoicapazderevelaramemóriacoletiva,foipossívelhistoriar
a Escola Normal Oficial de Picos e devolver “à v ida inesperada, descoberta” as
mulheresestátuas que ela fabricou: as professoras normalistas. Mulheres que
seriamexemplodeserprofessor.
Masasestátuasidealizadasnopassado,foram,nopresente “devolvidasà
vida”e puderamdize r o que foie o que representou a ENOP para elas e paraa
sociedade picoense. De posse da memória, que é rio contínuo da vida, as
normalistas apresentaram em suas entrevistas o cotidiano da escola, a cultura
escolarpres enteemseuespaçoeotipodes istemadevigilânciaimplantadonessa
instituição.
FoipossívelentenderosmotivosquelevaramàimplantaçãodaENOPem
Picos, motivos que estavam calcados na necessidade, não apenas local, mas de
toda a sua macrorregião, de ter uma agênc ia formadora de docentes para o
magistérioprimário,umavezquepoucasprofessorasnormalistasexistiamemPicos,
eoquedizernascidadesqueacircunvizinhavam.
A ENOP era carregada de significação durante as cadas em que se
concentraramos esforços da pesquisa. Significava possibilidade de emprego para
aquelas que a freqüentavam, uma v ez que representava uma instituição  sólida  e
formadaporprofissionais experien tes ebem preparados.Sernormalista, pelo que
foiditopelasentrevistadas, eraserrespeitadaporserarepresentantedaescolaque
gestavaasfuturasprofessorasdacidade.
Representoutambémapossibilidadedecontinuação dosestudos,umavez
que antes damesma,ou asmulheres dacidadese dirigiam para lugares em que
haviaescolas normais,ouparavamosestudoseseded icavamaoutrasatividades.
Através da leituraarquitetônica do segundo espaço daENOP, foi possível
identificarquealiseefetivouumainstituiçãodisciplinar,aosmoldesdoP anópticode
Ben tham. Escola marcada pela presença de uma rede de disciplina qu e se
estruturouemtornoda vigilânciaedocastigo,quepretendia,comisso,moldarum
198
tipo de professor quesesubmetesse às regras existentes e que também levasse
paraasuapráticapedagógicafuturaomodelodeprofessorexistentenaesc ola.
Espaç o de vigilânc ia total, em que todos eram observados, para que as
normas existentes ali fossem cumpridas à risca. Através do cotidiano da ENOP,
identificousearotinadiáriaquefavoreciaaformaçãodaseducandasequ egerou
um tipo de cultura escolar específica, em que as normas eram respeitadas pelo
temor da punição; mas também detectouse a existência de uma rede de
antidisciplina, em que as normalistas se rebelavam de alguma maneira,
transgredindo as normas e fabricando um tipo de comportamento paralelo ao
desejado pela escola ou, como assinala Foucault (2002, p.xiv), “qualquer luta é
sempreresistênciadentrodaprópriarededepoder,teiaquesealastraportodaa
sociedadeeaquening uémpodeescapar”.
E a resistência se efetivou principalmente no afrontamento a normas
voltadas ao uso do uniforme, à permanênciano espaço da escola durante todo o
horáriodeaula,aodesfiledoSete deSetembroetambémnascolasnosdiasde
provas.
Mas a rede de poder existen te na ENOP era inclusiva, pretendia atingir a
todos, para todos s e apropriarem dos saberes da profissão, mas também de
condutas,hábitoses aberesoutrosqueafetavamaformãodoindivíduocomoum
todo.Esenãopretendiaexcluir,objetivavatornarasnormalistasdóceiseúteis,uma
vez que “o poder disciplinar o destrói o indivíduo; ao contrário, ele o fabrica”
(FOUCAULT,2002,p.xx).
Destacousenapes quisaaimportânciadafiguradaexdiretoraLuziaMoura
Barros, como agrande guardiãda  ENOPeresponsávelpela consolidação deum 
modelo deens inocentrado nadisciplina,ordeme v igilância,queobjetivava,como
se viu,atingiraquelas que es tavam sob asua ins peção: as normalistas, uma vez
queentendiaaeducaçãocomoaformãototaldoindivíduo.Transformouse,pela
análise fe ita dos depoimentos das  exnormalistas e exprofessores, em um
monumentovivo,temidaeamadaportodos,masquefoicapazdesustentarobom
andamentodaENOPduranteosvinteanosemqueesteveàfrentedessaescola.
A presente pesquisa atingiu o resultado esperado por ter se aderido às
propostas teóricometodológicas da Nova História Cultural que promoveu, através
dosseus conceitos,apossibilidade deinclusãodetemas pouconobresno estudo
historiográfico, como também o alargamento das fontes . Assim como pela
199
apropriaçãodosconceitosextraídosdaliteraturadeFoucault,especificamenteode
poder/saber/disciplina.
Espe rasequeosresultadosdapesquisacontribuamparaaampliaçãodos
estudos em torno da história da educação piauiense e picoense, mas que
principalmente contribua pa ra a divulgação do papel da Escola Normal Oficial de
Picosn essacidadeenaquelasqueacircundam,duranteosanosde1967a1987.
Assim...
Eramestasasgrandezasquedizia
Oudiriaomeuespanto,sedizêlas
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