Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS RURAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EXTENSÃO RURAL
ÁGUA E MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA:
UMA ANÁLISE A PARTIR DOS ORIZICULTORES DE
CACEQUI - RS
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Nádia Bolzan Soares
Santa Maria, RS, Brasil
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
ÁGUA E MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA
: UMA ANÁLISE A PARTIR DOS ORIZICULTORES DE
CACEQUI - RS
por
Nádia Bolzan Soares
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Extensão Rural, da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Extensão Rural.
Orientador: Prof. Dr.
José Marcos Froehlich
Santa Maria, RS, Brasil
2008
ads:
3
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Rurais
Curso de Pós-Graduação em Extensão Rural
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação de
Mestrado
ÁGUA E MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA
: UMA ANÁLISE A PARTIR DOS ORIZICULTORES DE CACEQUI - RS
elaborada por
Nádia Bolzan Soares
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Extensão Rural
COMISSÃO EXAMINADORA:
___________________________
José Marcos Froehlich, Dr. (UFSM)
(Orientador)
______________________________
Flávio Sacco dos Anjos, Dr. (UFPEL)
______________________________
Pedro Selvino Neumann, Dr. (UFSM)
Santa Maria, 29 de agosto de 2008.
4
DEDICATÓRIA
Dedico esta conquista, aos meus pais, Amauri e Daili que confiaram em mim e,
em minha competência, sustentando meus intermináveis anos de estudo e me
presenteando com seu apoio incondicional.
5
AGRADECIMENTOS
Existem pessoas para as quais singelas palavras não são suficientes para
traduzir minha gratidão. Mesmo assim, não posso deixar de registrar meu
agradecimento a algumas delas:
À minha família, em especial, a meu pai e minha mãe.
À meu namorado, Vinícius, pela paciência e amor que me dedicou nas horas
mais difíceis desta jornada.
Ao orientador desta pesquisa, Prof. Marcos Froehlich, por suas contribuições,
críticas e incentivos carregados de compreensão e confiança que possibilitaram a
concretização deste trabalho.
À meus colegas de mestrado com quem dividi momentos de aprendizagem,
ansiedade e dúvidas.
À minha amiga, Bióloga Lara Acosta que me acompanhou em muitos momentos
durante a jornada de campo desta pesquisa. Ao Engenheiro Agrônomo Jorge Salomão
que dividiu seus conhecimentos e informações.
À EMATER de Cacequi e à todos os orizicultores que se disponibilizaram a
contribuir com esta pesquisa.
E, finalmente, mas não menos importante a todos aqueles que de alguma forma
participaram desta realização.
6
Cada geração desenha seu perfil e seu entorno.
Cada geração inventa sua identidade e
circunstâncias. Cada geração escava seu rosto e
sua paisagem. Somos tão responsáveis pelo olhar
que contempla como pelo panorama contemplado”.
(Luiz Fernandes Galino)
7
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural
Universidade Federal de Santa Maria
ÁGUA E MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA: UMA ANÁLISE
A PARTIR DOS ORIZICULTORES DE CACEQUI – RS
AUTORA: Nádia Bolzan Soares
ORIENTADOR: José Marcos Froehlich
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 29 de agosto de 2008.
A abordagem multifuncional da agricultura articula-se genuinamente com as premissas
institucionalizadas pela atual Política Nacional de Recursos Hídricos, sendo ambas
resultado de uma lógica que busca atender aos fortes apelos sociais pela proteção
ambiental e por práticas voltadas ao desenvolvimento sustentável. Frente a esta
conjuntura, a presente dissertação aborda como o segmento de orizicultores irrigantes,
um dos principais usuários de recursos hídricos, percebe as novas demandas sociais
sobre o rural, mais especificamente a ambiental. Também busca analisar
empiricamente o potencial que a adoção de um instrumento econômico na gestão das
águas tem de influenciar os usuários a buscarem formas mais sustentáveis de uso
deste recurso, promovendo mudanças atitudinais em suas práticas agrícolas. O
universo de investigação foi composto por vinte orizicultores com lavouras situadas no
município de Cacequi/RS, o qual baseia grande parte de sua receita financeira pautada
na produção de arroz irrigado. Como aporte metodológico utilizou-se a abordagem
qualitativa tendo como ferramentas de coleta de dados o uso de questionários e a
realização de entrevistas semi-estruturadas. O estudo mostrou que a maior parte dos
orizicultores trata a função ambiental do agricultor meramente como uma
obrigatoriedade legal. Também se pôde perceber que, caso não houvesse uma gida
legislação e, principalmente, se esta o estivesse intimamente atrelada à lógica
monetária, haveria pouca mudança na postura destes sujeitos frente às suas práticas
profissionais que interferem negativamente no ambiente. Embora a maior parte dos
orizicultores concorde que a questão da água merece cuidados, de modo geral,
mostram-se inconformados com o novo ordenamento jurídico que regula o uso de tal
recurso natural. Os orizicultores entrevistados avaliam a cobrança pela captação e uso
da água como um instrumento meramente arrecadatório e sem eficácia prática.
Transparece a grande dificuldade deste segmento de vislumbrar a agricultura por uma
lógica multifuncional, que além da produção de alimentos, capaz de contemplar
outros papéis para o agricultor e a agricultura no mundo contemporâneo. A lógica que
está orientando estes orizicultores ainda é a da agricultura como mero recorte setorial
da economia.
Palavras-chave: multifuncionalidade da agricultura; Política Nacional de Recursos
Hídricos; orizicultores irrigantes.
8
ABSTRACT
Master's Dissertation
Post-Graduate Program in Rural Extension
Federal University of Santa Maria
MULTIFUNCTIONALITY OF THE AGRICULTURE AND WATER: AN
ANALYSIS OF RICE PRODUCERS FROM THE CACEQUI - RS
AUTHOR: Nádia Bolzan Soares
ADVISOR: José Marcos Froehlich
Date and Place of the Defense: Santa Maria, August 29th of 2008.
The multifunctional approach of the agriculture articulates genuinely with the premises
institutionalized by the current National Politics of Water Resources, which both result of
a logic that looks for to assist to the forts social appeals for the environmental protection
and for practices returned to the maintainable development. Before these events, this
dissertation approaches as the segment of irrigate rice producers, one of the main users
of water resources, they notices the new social demands on the rural, more specifically
the environmental. Also it approaches the potential that the adoptions of an economical
instrument in the administration of the water tend to influence the users to seek
maintainable forms of use of this resource, promoting changes attitudinal in their
agricultural practices. The investigation universe was composed by twenty rice producer
with farms located in the municipality of Cacequi/RS, which it bases the larger part of its
financial income based in the production of irrigated rice. As methodological contribution
was used the qualitative approach tends as tools of collection of data through the use of
questionnaires and the accomplishment of semi-structured interviews. The study
showed that the majority of the rice producers consider the environmental function of the
farmer as merely legal obligation. Also it is noticed that, case did not have a rigid
legislation and, mainly, if it not intimately harnessed to the monetary logic, it had little
change there would be in the posture of these people front to their professional practices
that they interfere negatively in the ambient. Although the majority of the irritant rice
producers agree that the subject of the water deserves cares, in general, they disagree
with the new juridical ordainment that it regulates the use of such a natural resource.
The interviewees’ rice producers evaluate the charge for the reception and use of the
water as an instrument merely ornament and without practical efficacy. The great
difficulty of this segment of to perceive the agriculture for a logic multifunctional, that it
goes besides the production of foods capable to contemplate other functions for the
farmer and the agriculture in the contemporary world. The logic that is guiding these rice
producers is still of the agriculture as mere cutting of the sectoral economy.
Keywords: multifunctionality of the agriculture; National Politics of Water Resources;
irrigate rice producers.
9
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01 - Gráfico da estimativa de consumo de água doce no Brasil ............ 80
FIGURA 02 - Gráfico da expansão da área irrigada no Brasil .............................. 81
FIGURA 03 - Mapa de localização do Município de Cacequi ............................... 90
FIGURA 04 - Gráfico dos sistemas de captação de água - Cacequi, 1999/00 ..... 99
FIGURA 05 - Gráfico dos sistemas de irrigação - Cacequi, 1995/96.................. 100
FIGURA 06 - Fotografia lavoura de arroz Cacequi.............................................. 118
FIGURA 07 - Fotografia leito do Rio Cacequi - Fev/2008 ................................... 125
FIGURA 08 - Fotografia mata ciliar, margem esquerda do Rio Cacequi - Fev/2008
............................................................................................................................. 125
FIGURA 09 - Fotografia mata ciliar, margem direita do Rio Cacequi - Fev/2008
............................................................................................................................. 126
FIGURA 10 - Fotografia Rio Ibicuí - Fev/2008 .................................................... 126
FIGURA 11 - Fotografia água na lavoura de arroz ............................................. 128
FIGURA 12 - Fotografia lavoura de arroz situada na margem direita do Rio
Cacequi - Fev/2008 ............................................................................................ 129
FIGURA 13 - Fotografia bomba de captação d’água no Rio Cacequi -
Fev/2008.............................................................................................................. 131
FIGURA 14 - Fotocópia reportagem Jornal Gazeta dos Pampas - Abertura da
temporada 2008 de veraneio do Balneário de São Simão/ Cacequi - RS .......... 146
FIGURA 15 - Fotocópia reportagem Jornal Gazeta dos Pampas - Escolha da
Garota Verão Cacequi - 2008 ..............................................................................147
FIGURA 16 - Fotografia banhistas no Rio Ibicuí - Fev/2008 ...............................147
FIGURA 17 - Fotografia Balneário São Simão - Fev/2005 ................................. 148
10
FIGURA 18 - Fotografia desperdício de água por problemas no sistema de
irrigação ...............................................................................................................151
FIGURA 19 - Fotografia bomba de captação d’água no Rio Cacequi -
Fev/2008...............................................................................................................163
FIGURA 20 - Fotografia leito do Rio Cacequi com baixa disponibilidade hídrica -
Fev/2008 ..............................................................................................................163
11
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01 - As multifunções da agricultura e suas atribuições
específicas............................................................................................................. 54
QUADRO 02 - Produto Interno Bruto (PIB) do Município de Cacequi no ano de
2004 ...................................................................................................................... 93
QUADRO 03 - Estabelecimentos agrícolas do Município de Cacequi: 1980, 1985 e
1995/96 ................................................................................................................. 94
QUADRO 04 - População do Município de Cacequi no período de 1970 a 2005
............................................................................................................................... 94
QUADRO 05 - Síntese da caracterização dos sujeitos da pesquisa .................. 113
12
LISTA DE TABELAS
TABELA 01 - Indicadores de área plantada e irrigada em 2003/04 .................. 82
TABELA 02 - Lavouras temporárias - Cacequi/RS em 2003/04 ....................... 94
13
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 01 - Questionário........................................................................... 207
ANEXO 02 - Roteiro de Entrevista ............................................................. 208
ANEXO 03 - Termo de autorização............................................................. 209
14
SUMÁRIO
I – INTRODUÇÃO ......................................................................................... 16
1.1 Problema de pesquisa ......................................................................... 16
1.2 Objetivos ............................................................................................... 24
1.3 Justificativa .......................................................................................... 24
II – NOVAS RURALIDADES: O ENFOQUE MULTIFUNCIONAL DA
AGRICULTURA E OS DESAFIOS PARA A MULTIFUNCIONALIDADE .... 27
2.1 Trajetórias do espaço rural: do produtivismo a multifuncionalidade da
agricultura .................................................................................................. 27
2.2 Tendências Contemporâneas do espaço rural .................................. 34
2.3 Multifuncionalidade da agricultura ..................................................... 41
2.3.1 A noção de multifuncionalidade da agricultura no contexto europeu... 41
2.3.2 A noção de multifuncionalidade da agricultura no Brasil...................... 48
2.3.3 Função ambiental da multifuncionalidade da agricultura ..................... 52
III – ÁGUA E MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA: LEGISLAÇÃO,
USOS E CONFLITOS ................................................................................... 57
3.1 Água e legislação brasileira: um breve resgate histórico.................. 57
3.2 Princípios orientadores da gestão das águas ...................................... 64
3.2.1 Outorga de direito de uso ...................................................................... 66
3.2.2 Cobrança pelo uso da água................................................................... 68
15
3.3 As múltiplas demandas: usos e conflitos acerca dos recursos
hídricos........................................................................................................... 76
3.4 Usos da água na irrigação agrícola ....................................................... 79
3.4.1 Agricultura irrigada no Brasil e no mundo ............................................. 79
3.4.2 A orizicultura e o uso de recursos hídricos ........................................... 85
IV – MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA ............................................. 90
4.1 Localização da Área de Estudo.............................................................. 90
4.2 Produção dos dados ............................................................................. 102
4.3 Caracterização dos sujeitos da pesquisa ............................................107
V – ÁGUA E PROBLEMÁTICA AMBIENTAL NA VISÃO DOS ORIZICULTORES
IRRIGANTES ................................................................................................ 115
5.1 Os problemas da orizicultura irrigada na ótica dos orizicultores ..... 115
5.2 Orizicultor: mocinho ou vilão? ..............................................................117
5.3 Mudanças no meio ambiente: elas ocorreram?.................................. 123
5.4 Orizicultores: culpados ou vítimas da deterioração ambiental?....... 127
5.5 A atuação dos órgãos ambientais pelo prisma dos orizicultores .... 136
5.7 Água e lavoura de arroz irrigado: uma combinação turbulenta ........ 140
5.8 As contendas pela água........................................................................ 143
5.9 Desperdício de água: mito ou realidade?............................................ 150
VII – OS ORIZICULTORES, A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL E A
MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA ......................................... 155
6.1 Como os orizicultores interpretam a Lei das Águas .......................... 155
16
6.2 Críticas à legislação de recursos hídricos .......................................... 158
6.3 Vantagens práticas da legislação de recursos hídricos..................... 161
6.4 Cobrança pela captação e uso da água............................................... 164
6.5 Indução ao uso hídrico racional pela lógica monetária: uma estratégia
eficiente? ...................................................................................................... 170
6.6 Consciência do Agricultor: uma nova postura? ................................. 173
6.7 Multifuncionalidade da agricultura: atribuição do agricultor ou imposição
social? ........................................................................................................ 179
VII - CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................183
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 192
ANEXOS ...................................................................................................... 206
ANEXO 01 - Questionário ............................................................................ 207
ANEXO 02 - Roteiro de entrevista ............................................................... 208
ANEXO 02 - Termo de autorização ............................................................. 209
17
I INTRODUÇÃO
1.1 Problema de pesquisa
A crescente escassez de água potável no planeta foi definida pela UNESCO
como o provável problema ambiental mais grave deste século XXI. Neste contexto,
enquanto o século passado foi palco de guerras pelo controle do petróleo, organizações
como o Banco Mundial e as Nações Unidas alertam que este século poderá ser
dominado por conflitos provocados pela insuficiência de outro líquido, a água.
O acelerado crescimento da população mundial, a melhoria da qualidade de vida,
a industrialização e a modernização agrícola têm conduzido ao aumento da demanda
de água, o que, associado à exploração predatória e ao desperdício, vêm ocasionando,
em várias regiões do mundo, a escassez desse recurso.
Conforme dados divulgados pela Agência Nacional de Águas (ANA, 2002),
estima-se que, atualmente, mais de 1 bilhão de pessoas vivem em condições
insuficientes de disponibilidade de água para consumo e a tendência é que esse quadro
venha a piorar. Segundo prospecções realizadas pelo Banco Mundial, até o ano de
2030 cerca de 2,3 bilhões de pessoas poderão não ter acesso à água tratada.
Tal perspectiva mobilizou amplos setores econômicos e sociais mundiais para a
necessidade da preservação hídrica, desencadeando um amplo processo de discussão
sobre instrumentos de gestão, legislação e uso de recursos hídricos.
No Brasil, em consonância com essa inquietação, nasceram políticas federais e
estaduais voltadas para a melhoria da oferta de água, em qualidade e quantidade, bem
como, para o gerenciando das demandas e a redução dos conflitos reais e potenciais
de uso da água visando garantir sua utilização sustentável.
Embora o país disponha de um Código de Águas datado da década de 1930,
contendo normas para o aproveitamento dos recursos hídricos, especialmente para a
geração de energia, em vistas do aumento da demanda e das mudanças institucionais,
esse ordenamento jurídico, de concepção avançada para a época, não foi capaz de
combater o atual desequilíbrio e os conflitos de uso hídrico.
18
No que tange aos marcos regulatórios da administração das águas no Brasil,
mais especificamente no período entre a promulgação do Código das Águas (1934) e a
Constituição de 1988, a qual estabelece o Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos e fundamenta os princípios da Política Nacional de Recursos
Hídricos, que viria a ser promulgada em 1997, a maior parte está representada por
iniciativas de gestão do setor elétrico.
Assim, após um período fortemente marcado pela intervenção estatal na
regulação e uso das águas para fins de geração de energia elétrica, foram sancionadas
a Lei 9.433 de 08 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos
Hídricos, conhecida também como "Lei das Águas". Este instrumento, inspirado no
modelo francês, permite a gestão participativa e descentralizada dos recursos hídricos e
estabelece o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, bem como a
Lei 9.984 de 17 de julho de 2000, que criou a Agência Nacional de Águas. O modelo
de gestão das águas vigente no país trouxe consigo um marco legislativo atual e um
novo paradigma, ou seja, a proposta de gestão por bacia hidrográfica de forma
compartilhada, integrada, participativa e descentralizada.
Componente essencial a todos os organismos vivos do planeta Terra, a água é o
elemento da paisagem responsável por manter o equilíbrio do meio ambiente,
prestando-se a uma gama de atividades individuais e sociais, entre elas, a geração de
energia elétrica, o abastecimento doméstico e industrial, a irrigação de culturas
agrícolas, a navegação, a recreação, a aqüicultura, a piscicultura, a pesca e também a
assimilação e o afastamento de esgotos. Diante da diversidade de atividades que
necessitam deste recurso é fácil compreender porque, desde a antiguidade, o acesso à
água é fonte de poder e, ao mesmo tempo, ponto de conflito de interesses.
Nas civilizações antigas, a água era usada para funções primordiais como
dessedentação, usos domésticos, criação de animais e usos agrícolas a partir da
chuva. Com o surgimento de formas sociais mais complexas, o aumento da população,
e, sobretudo, com o processo de industrialização, outros tipos de necessidades foram
surgindo, despertando interesses variados, difusos e, na maioria das vezes,
antagônicos. Contudo, paradoxalmente, o empreendimento que implica um dos mais
19
altos índices de consumo hídrico é, justamente, uma das atividades mais antigas do
homem: a agricultura.
Ao investigar a organização dos grupos humanos primitivos os historiadores
definiram o cultivo agrícola como um dos marcos que determinaram o fim da Pré-
História (Paleolítico) e o início da História (Neolítico), posto que a domesticação de
plantas, iniciada pela observação casual da germinação de grãos distribuídos ao acaso,
amenizou a dependência humana dos caprichos da natureza no que concerne à
provisão alimentar.
No início, a agricultura dependia inteiramente das chuvas. Com o tempo, os
camponeses sedentários aprenderam a construir canais de irrigação utilizando a água
dos rios. O desenvolvimento das atividades de cultivo da terra diretamente associadas
ao domínio dos processos de irrigação aumentou a capacidade de produção de
alimentos possibilitando o rápido crescimento da população e promovendo o
surgimento das primeiras grandes civilizações humanas.
Atualmente a agricultura consome 70% dos recursos hídricos utilizados no
mundo, sendo a área irrigada global de aproximadamente 278 milhões de hectares, o
que representa 18% da área total cultivada e contribui com 44% da produção de
alimentos (CHRISTOFIDIS, 2006).
No Brasil, a agropecuária consome cerca de 72% da água doce utilizada
nacionalmente, enquanto o uso industrial é estimado em 9,5% e o uso doméstico
alcança 18%. Tal fato por si só configura um conflito potencial entre o uso da água para
agricultura e os demais usos, principalmente no tocante ao abastecimento humano e à
indústria; entretanto, também devem ser citadas a recreação, a pesca, e até mesmo a
navegação.
Segundo Santos (1998), a área irrigada do país representa cerca de 5% da área
total cultivada, equivalendo a três milhões de hectares que contribuem com 16% da
produção agrícola nacional. Do total da área brasileira irrigada 41% encontra-se na
região Sul, onde existe uma volumosa demanda hídrica destinada ao cultivo de arroz
por inundação.
Dentre as culturas irrigadas a orizicultura aparece como uma das maiores
consumidoras de recursos hídricos. E, embora o cultivo de arroz irrigado seja praticado
20
em todas as regiões do Brasil, aproximadamente 70% da área correspondente a essa
cultura concentra-se no Rio Grande do Sul, ou seja 830.000 ha, que totaliza cerca de
50% da produção e 90% do arroz irrigado nacional.
Segundo Jollivet, embora as inquietações ambientais não tenham surgido
exatamente a partir da agricultura e do campo, posto que se iniciaram pela poluição
industrial, “a agricultura, os recursos naturais renováveis (a água em particular, mas
também os solos, as florestas etc.), a qualidade dos produtos agrícolas e do espaço
rural não tardaram a entrar em cena, e mesmo a ocupar um lugar especial no tema
ambiente” (JOLLIVET, 1998, p. 12).
Historicamente, a associação do espaço rural com paisagens naturais
determinou o contraponto entre a valorização ou depreciação deste espaço. Assim, ao
longo dos séculos, as visões acerca do rural flutuaram entre conceitos positivos e
negativos. Em constante disputa por legitimidade, tais visões são mormente
simplificadas em três momentos distintos, quais sejam, o rural atrasado; o rural
moderno e o rural multifuncional.
Conforme Froehlich (2002), ao longo da modernização, o espaço rural foi
definido negativamente, como forma de ocupação territorial residual ao processo de
industrialização e conseqüente urbanização. O estilo de vida camponês foi considerado
atrasado em relação à forma de sociabilidade dominante, própria da experiência
urbana. O modo de vida rural, em contraste com a vida urbana, foi classificado e
rotulado de obsoleto, de modo que seu desaparecimento tornar-se-ia um processo
desejável e, até, inevitável.
Orientados por esta visão nasceram ltiplos planos de intervenção no espaço
rural que privilegiaram a transposição de modelos gerados na cidade para o campo,
desprezando outros modos de ver e viver as experiências e as dinâmicas rurais. Neste
contexto, o advento da chamada modernização do campo passou a conduzir a direção,
as formas e o ritmo da mudança na base técnica da agricultura impondo a racionalidade
técnica e científica e difundindo novas tecnologias agrícolas.
Todavia, ao privilegiar unicamente o crescimento econômico como mola
propulsora, este modelo foi o responsável pela degradação ambiental, pelo êxodo rural
e conseqüente inchaço dos centros urbanos e pela marginalização sócio-econômica de
21
uma grande parcela da população mundial. Assim, frente ao agravamento da
problemática sócio-ambiental nas últimas décadas, este modelo produtivista começou a
ser questionado e, no seio de tal conjuntura, emergiu a noção de sustentabilidade, que
ganhou força em amplos setores das sociedades mundiais.
Para Carneiro (2002), a busca por soluções para as “disfunções” do modelo
produtivista promoveram novos sentidos e atribuições para o rural. Nesta nova
conjuntura, outras funções o atribuídas ao meio rural, destacando-se o equilíbrio
territorial e a conservação ecológica; a produção de uma paisagem agradável, aberta e
“natural” em contraposição à paisagem “artificial” e claustrofóbica das cidades; além do
aporte de recursos naturais saudáveis, como água limpa e ar puro; e de atividades de
lazer e recreação ao ar livre, além da produção de alimentos saudáveis (GRAZIANO DA
SILVA, 1997; DURÁN, 1998; JOLLIVET, 1997; FROEHLICH, 2002).
Esta nova visão sobre a agricultura pretende reinterpretar o papel dos territórios
rurais em uma sociedade mais cautelosa quanto à preservação ambiental, a
especificidade da paisagem rural e a qualidade dos alimentos. Fruto desta lógica, nasce
um novo conceito denominado multifuncionalidade da agricultura. Lançada ao debate
público poucos anos, principalmente no âmbito da União Européia, e, mais
especificamente, na França, a abordagem da multifuncionalidade da agricultura valoriza
as peculiaridades do agrícola e do rural e suas outras contribuições que não apenas a
produção de bens primários, rompendo com o enfoque setorial e ampliando o campo
das funções sociais atribuídas à agricultura. Em outras palavras, pode-se dizer que
trata-se de “uma visão sociopolítica” que rompe com o enfoque setorial e amplia o
campo das funções sociais atribuídas à agricultura que deixa de ser entendida apenas
como produtora de bens agrícolas. A noção de multifuncionalidade busca resgatar um
conjunto de contribuições para a dinâmica econômico-social dos territórios que
faziam parte da prática camponesa e que foram inibidas pelo modelo produtivista
(CARNEIRO, 2002).
Está em questão a própria "função social" dos agricultores, no sentido não
apenas de valorizar suas funções produtivas, mas de reconhecer que eles
desempenham um papel positivo na manutenção da natureza, da paisagem e do tecido
social nos espaços rurais (CARDOSO; FLEXOR; MALUF, 2003, p. 60). Neste contexto,
22
a agricultura torna-se responsável pela conservação dos recursos naturais como água,
solos, biodiversidade e outros; do patrimônio natural, ou seja, das paisagens, pela
qualidade dos alimentos e por aportar atividades recreativas e de lazer (CARNEIRO;
MALUF, 2003). Entretanto, muitos autores defendem que tais atribuições, na verdade,
são independentes e não complementares da agricultura.
Conforme Carneiro; Maluf (2003), noções como multifuncionalidade da
agricultura são passíveis de diversas acepções por terem surgido como objetivo de uma
política pública. Além disso, o desenvolvimento conceitual da noção de
multifuncionalidade da agricultura é ainda reconhecidamente insuficiente. Coloca-se em
discussão a utilização da agricultura como lócus da multifuncionalidade posto que, na
prática, tal utilização se defronta com o embate marcado pela polarização entre duas
concepções distintas.
Por um lado, a moderna agricultura, pautada em uma visão meramente
econômica, sinônima de monocultivo, balizada na determinação das leis do mercado
que, em última instância, se exprime pelo drástico decréscimo do número de
agricultores e pelo aniquilamento desta atividade. Por outro lado, uma visão que
defende o princípio de que a atividade agrícola o se esgota na simples oferta de
produtos no mercado, mas oferece igualmente outros bens à sociedade, inclusive bens
considerados imateriais (WANDERLEY, 2003).
Deste modo, ainda que a noção de multifuncionalidade da agricultura esteja em
elaboração, a passagem do discurso em favor da modernização agrícola para o da
multifuncionalidade estabelece um verdadeiro divisor de águas, não apenas enquanto
padrão de desenvolvimento, mas como objeto de investigação social.
Tendo em vista a atual conjuntura social onde a noção de colapso e as
inquietações ambientais tornaram-se globais e promoveram uma crescente associação
entre meio rural e qualidade de vida, passou-se a exigir práticas agrícolas menos
agressoras e a produção de alimentos mais saudáveis (WANDERLEY, 2003). Assim, o
agravamento do quadro ambiental que afeta a disponibilidade dos recursos hídricos e o
acirramento da competitividade pelo uso da água nos diversos setores e atividades,
somados a aplicabilidade dos instrumentos de gestão de recursos hídricos, introduzidos
pela Lei 9.433/97, e as correspondentes leis estaduais que regulam a mesma matéria,
23
neste caso a Lei 10.350/1994, tornou premente que o setor agrícola e, principalmente, a
orizicultura, ajuste-se aos novos paradigmas e exigências da sociedade com relação
aos aspectos ambientais e de sustentabilidade.
Neste contexto, a questão ambiental vem interferindo no meio rural,
configurando-se em um novo componente definidor de práticas agrícolas, contribuindo
para novas apreciações do mundo rural e modificando a percepção social do papel da
agricultura (JOLLIVET, 1998; CARNEIRO, 2002; WANDERLEY, 2003).
Diante disso, uma pressão social no sentido de que os agricultores assumam
uma postura de proteção aos recursos naturais e a paisagem e, especificamente no
que tange aos orizicultores irrigantes, espera-se que estes conservem especialmente
os recursos hídricos, de modo a evitar o assoreamento e a poluição dos cursos d’água,
seja por transporte de solo, nutrientes, matéria orgânica e agrotóxicos, além de
conjugar esforços em torno da racionalização do uso da água.
Assim, no momento em que a sociedade passa a entender a água como algo
que deve ser regulado, de onde surge a atual Política das Águas, o rural, que
anteriormente tinha apenas a atribuição de produzir alimentos ganha, entre outras,
também a função de preservar os mananciais. Portanto, pode-se dizer que a
abordagem multifuncional da agricultura articula-se genuinamente com as premissas
institucionalizadas pela Política Nacional de Recursos Hídricos, sendo ambas resultado
de uma lógica que prima pelo desenvolvimento sustentável decorrente, entre outros
fatores, de forte pressão da opinião pública por proteção ambiental.
Portanto, é plausível que uma atividade como a orizicultura irrigada por
submersão que, no caso do estado do Rio Grande do Sul, sem considerar qualquer
outro tipo de impacto, estima-se que anualmente consuma em torno de 15,5 bilhões de
metros cúbicos de água, provenientes de rios, riachos, lagoas, barragens e de açudes,
configure-se em uma das primeiras atividades agrícolas a sofrer fortes exigências da
sociedade. Passa-se, portanto, a exigir da orizicultura e de seus praticantes, os
agricultores irrigantes, que assumam uma postura centrada nas premissas da
multifuncionalidade da agricultura, ou seja, que tornem-se protetores do entorno no qual
desenvolvem sua atividade, o que tornou-se uma obrigatoriedade imposta pela Lei das
Águas.
24
De tal modo, no intuito de promover a adaptação a este novo enfoque de
desenvolvimento rural, ou seja, na tentativa de minimizar os impactos ambientais da
prática agrícola, os orizicultores deparam-se com alternativas polarizadas entre duas
concepções distintas de agricultura que, antagonizando em ideologia e prática,
“prometem” tal resultado. Quais sejam, apostar na proposta e, principalmente, na
abordagem multifuncional ou investir na tecnificação da lavoura. Independentemente da
via pela qual optarem seguir, os orizicultores não estarão imunes aos apelos pela
preservação da natureza. Nem tampouco refratários à legislação ambiental vigente.
Neste sentido, a forma mais expressiva de controle institucional/legal direto sobre
o acesso e uso dos recursos hídricos vem sendo a adoção dos chamados instrumentos
econômicos
1
. No Brasil, a Política Nacional de Recursos Hídricos, bem como a Política
de Recursos Hídricos do Estado do Rio Grande do Sul, onde a inquietação com o
acesso e uso dos recursos naturais ganhou força ao longo dos últimos anos, adotam a
cobrança pelo uso e captação como instrumento de gestão hídrica, objetivando a
indução ao uso racional. Assim, diante da alta dependência hídrica apresentada pela
orizicultura irrigada por submersão, a intenção da nova legislação, confronta-se
diretamente com as correntes práticas de produção de arroz no Rio Grande do Sul
tornando a orizicultura uma das atividades mais afetadas pela nova Lei das Águas.
Assim, esta pesquisa propõe-se a verificar de forma empírica como o segmento
dos orizicultores irrigantes, situados no município de Cacequi - RS, o qual baseia sua
receita municipal basicamente na produção de arroz irrigado, percebe as novas
demandas sociais sobre o rural, mais especificamente a ambiental, posto que os
recursos naturais estão na base dos processos produtivos agrícolas, e a água, neste
caso, configura-se em um insumo capital. E também verificar e analisar empiricamente
o potencial que a adoção de um instrumento econômico na gestão das águas tem de
influenciar os usuários a buscarem formas mais sustentáveis de uso deste recurso,
promovendo mudanças atitudinais em suas práticas agrícolas.
1
Gradualmente, vários países, sobretudo nos pertencentes à Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) vêm adotando os chamados instrumentos econômicos. Os
instrumentos econômicos de controle tem como função induzir os agentes econômicos a comportarem-se
de acordo com padrões socialmente desejados, dentre estes, destaca-se a valoração dos recursos
hídricos, tida, tanto pela OCDE quanto pelo Banco Mundial, como instrumento privilegiado de gestão de
águas (OCDE, 1999; BANCO MUNDIAL, 1998).
25
1.2 Objetivos
a) Investigar como o segmento dos orizicultores irrigantes, situados no município
de Cacequi - RS, percebe e se posiciona sobre a pressão social por conservação
ambiental que atinge suas práticas agrícolas, bem como seu papel/função enquanto
agricultores.
b) Verificar as posições dos orizicultores irrigantes acerca da cobrança pela
captação da água, bem como sua tendência a rever seu processo de irrigação em
função da mesma.
c) Analisar e discutir sobre a pertinência e potencialidade da adoção do
mecanismo econômico como forma eficaz e adequada de promover mudanças
atitudinais em direção a sustentabilidade no uso dos recursos hídricos.
1.3 Justificativa
O debate sobre o desenvolvimento rural tem sido tema de diversos trabalhos
acadêmicos além de constantemente retomado pelos movimentos sociais e sindicais,
órgãos governamentais e organizações não governamentais (ONGs) e outros atores
que operam no meio rural. Contudo, estudos sobre a multifuncionalidade da agricultura
ainda são recentes em nosso país.
De modo genérico, no que tange à implementação de projetos de
desenvolvimento do rural brasileiro, atualmente podem ser assinaladas duas grandes
vertentes. Uma pautada no desenvolvimento agrícola, centrado no agronegócio, cujo
caráter é eminentemente setorial. A outra, segue o princípio do desenvolvimento rural
sustentável, centrado na abordagem de multifuncionalidade do espaço rural,
associando atividades agrícola e não agrícolas, rurais e urbanas, multisetoriais e
territoriais.
Desdobrando-se empiricamente, no mapeamento da interpretação dos
orizicultores cacequienses acerca das novas demandas sociais do rural, mais
especificamente a ambiental, bem como, na avaliação das possíveis mudanças no
26
status quo da orizicultura irrigada frente da Política Nacional de Recursos Hídricos e,
mais especificamente diante da valoração monetária da água buscando identificar
empiricamente se a adoção de um instrumento econômico na gestão das águas poderá
influenciar os usuários a buscarem formas mais sustentáveis de uso deste recurso
promovendo mudanças atitudinais em suas práticas agrícolas.
Ao proporcionar aos orizicultores irrigantes a oportunidade para que repensem
seu papel social enquanto agricultores, também almeja-se corroborar com o debate
sobre a necessidade da mudança para uma lógica orientada para a sustentabilidade
que incorpore outras dimensões que ultrapassam a tradicional perspectiva orientada
pela dimensão econômico-financeira. O que, no caso dos orizicultures, se iniciaria pela
utilização racional do recurso hídrico.
Ciente de que muitos estudos sobre a cobrança pela captação e uso dos
recursos hídricos já foram desenvolvidos posto que são inúmeros são os eventos,
relatórios, teses e artigos que abordam esse tema configurando este um dos temas de
maior interesse técnico e acadêmico após a instituição da Lei das Águas. Todavia, a
maior parte destes estudos está restrito ao caráter jurídico ou econômico privilegiando
os aspectos conceituais da cobrança, desenvolvendo simulações e modelagens, ou
propondo metodologias de cálculo o que faz das implicações sociais deste instrumento
um assunto ainda pouco explorado.
Assim, esta pesquisa ambiciona, sem a pretensão de esgotar tal temática,
contribuir com o enriquecimento de tais discussões acerca da cobrança pela água
atrelando a nova Política Nacional de Recursos Hídricos as proposições da
multifuncionalidade da agricultura.
Nesse sentido, ao verificar a percepção dos orizicultores, acerca da cobrança
pela captação da água, bem como sua tendência a rever seu processo de irrigação em
função da mesma este trabalho almeja fornecer subsídios empíricos pautados em uma
visão social deste instrumento.
Ao identificar o papel que estes agricultores atribuem-se esta pesquisa poderá vir
a contribuir para que tais funções possam ser reconhecidas enquanto cidadãos e
produtores através de políticas públicas e articuladas aos projetos de desenvolvimento
territorial posto que, comunga-se da opinião de Wanderley (2003), quando esta afirma
27
que a legitimação da concepção da multifuncionalidade da agricultura no Brasil poderá,
antes de tudo, ajudar a fazer emergir a consciência de que os agricultores assumem
responsabilidades sociais que deveriam merecer o reconhecimento da sociedade
brasileira, a qual segundo ela, por diversas razões históricas, até hoje é indiferente a
algumas dimensões imateriais da atividade agrícola.
28
II NOVAS RURALIDADES: O ENFOQUE MULTIFUNCIONAL DA
AGRICULTURA E OS DESAFIOS PARA A SUSTENTABILIDADE
2.1 Trajetórias do espaço rural: do produtivismo à multifuncionalidade da
agricultura
Historicamente, a associação do espaço rural com paisagens naturais
determinou o contraponto entre a valorização ou depreciação deste espaço. Assim, ao
longo dos séculos, as visões acerca do rural flutuaram entre conceitos positivos e
negativos.
Segundo Durán (1998), para além do seu meio físico-natural, “el espacio
territorial rural es concebido como un ámbito social que es, al mismo tempo, substrato
condicionante y producto de acción social conducentes a su construcción y cambio
social” (DURÁN, 1998, p. 19). Desse modo, a apreciação do rural, configura-se em uma
construção social contextualizada no âmbito de determinadas coordenadas temporais e
espaciais que, por sua vez, originam distintas concepções de rural. Na prática, o
conceito de rural carrega uma variada gama de manifestações em constante debate,
cujo substrato de construção, bem como, sua trajetória histórica e dimensões sócio-
territoriais, são produzidas em um espaço e um tempo específicos (JOLLIVET, 1997;
DURÁN, 1998).
Conforme Froehlich,
o Ocidente tem experimentado tendências de ruralização e desruralização, com
suas conseqüentes desvalorizações e revalorizações sócio-culturais e
intelectuais do rural. Porém, de modo geral, a perspectiva dominante nos
últimos dois séculos, e que informou a maioria das leituras sociais do rural, foi a
daqueles grupos sociais ou intelectuais compartilhantes do entusiasmo pela
idéia de progresso, sendo este entendido como uma evolução para níveis cada
vez mais altos de civilização (FROEHLICH, 2002, p. 26).
A visão “Moderna” de rural, ou seja, o rural como local do atraso, está ancorada
em uma concepção dicotômica que procurava definir o rural em oposição ao urbano,
atribuindo-lhe características como a baixa mobilidade e estratificação social, forte
tradição, dependência da agricultura, entre outras. Dentro de tal lógica, alguns autores,
29
entre eles destacando-se Sorokin; Zimmerman; Galpin (1986), classificaram o campo
como impermeável a mudanças. Ao elencar as “Diferenças Fundamentais entre o
Mundo Rural e o Urbano”, eles consideraram as variáveis opositivas clássicas entre
campo e cidade enumerando os aspectos diferenciais entre o campo e a cidade. Com
base em um conjunto de variáveis composto por categorias como trabalho, emprego,
mobilidade social, meio-ambiente, densidade populacional, estabeleceram uma
oposição dualista entre o rural e o urbano.
Tais autores utilizaram-se notadamente de um olhar que parte do urbano
atribuindo ao rural acepções que remetem à cidade a qualidade de centro dinâmico da
sociedade. Portanto, a percepção do rural como lugar do atraso e do urbano como lugar
do moderno é fruto de um pensamento que tem o urbano como um modelo de
referência a ser alcançado.
Segundo Froehlich (2002), ao longo da modernização, o espaço rural foi definido
negativamente, como forma de ocupação territorial residual ao processo de
industrialização e conseqüente urbanização. O estilo de vida camponês foi considerado
atrasado em relação à forma de sociabilidade dominante, própria da experiência
urbana.
A polarização rural x urbano correspondeu, ao longo do século XX, à
construção de um sistema hierárquico e rígido, onde a definição de rural se
afastou de sua origem etimológica, quando se relacionava à qualidade
“campestre”, passando a designar certo meio social caracterizado por
atividades produtivas agropecuárias-florestais-mineradoras, e por valores
culturais a serem superados pela desejável urbanização das sociedades
(FROEHLICH, 2002, p. 1-2).
O modo de vida rural, em contraste com a vida urbana, foi classificado e rotulado
de obsoleto, de modo que seu desaparecimento tornou-se um processo desejável e
visto como inevitável. Assim, ainda para Froehlich, como forma de superar, ou seja,
modernizar o rural tradicional/arcaico havia a necessidade de difundir em seu seio
práticas sócio-econômicas, formas de vida e cultura do meio urbano-industrial.
Recorreu-se, para tanto, a estereótipos dos rurais como atrasados, ignorantes,
inferiores culturalmente frente à elegância e indiscutível superioridade que se
pressupôs ao habitante citadino como fundamento para legitimar uma dada
intervenção e um entendimento da modernização do rural, que implicava sua
necessária desruralização e adequação às pautas do mundo urbano-industrial
(FROEHLICH, 2002, p. 30).
30
Esta mentalidade desprezava a importância da sociedade rural, considerando-a
unicamente como um mundo arcaico e antiquado que deveria ser transformado e
superado por inovações sócio-culturais e tecno-econômicas provenientes das cidades e
da indústria. Nesse contexto, o rural assume o papel de receptor passivo de tais
inovações, que haveriam de modelá-lo e adaptá-lo às exigências e características da
sociedade urbano-industrial, considerada o paradigma soberano da civilização.
A partir de então articulou-se um plano de modernização que, para intervir no
rural, projetou sobre o mesmo uma representação social altamente pejorativa criando
uma imagem negativa dos seus atributos, os quais interessava modificar. A visão do
rural como local do atraso deu base para diversos projetos de intervenção no espaço
rural que privilegiaram a transposição de modelos gerados na cidade para o campo,
desprezando outros modos de ver e viver as experiências e as dinâmicas urbano-rurais.
O rural moderno, gestado no seio das sociedades industriais capitalistas e
implementado no pós-guerra, foi norteado por uma racionalidade técnico-econômica
onde para superar, leia-se, modernizar, o rural tradicional/arcaico era necessário
difundir nele as práticas sócio-econômicas, as formas de vida e cultura do meio urbano-
industrial. O modelo produtivista engendrado pela idéia de progresso se colocava em
um contexto social global no qual a tecnificação terminou por impregnar os estilos de
vida e trabalho (FONSECA, 1985; FROEHLICH, 2002).
No Brasil, podemos captar a existência de um movimento quase-contínuo que se
iniciou com a introdução dos transportes ferroviários, a partir da metade do século XIX,
e culminou na década de 1970 do século XX quando se começou a falar intensamente
na “revolução modernizante” do rural e da agricultura, com o incremento exponencial da
moto-mecanização e quimificação na produção agrícola, e com a alteração do regime
de identidades socioculturais que em período anterior distinguia o agricultor do
trabalhador industrial (FROEHLICH; MONTEIRO, 2004).
O advento da chamada industrialização do campo que, conforme Kageyama
(1987), passa a conduzir a direção, as formas e o ritmo da mudança na base técnica da
agricultura impôs a racionalidade técnica e científica difundindo novas tecnologias
agrícolas.
31
A principal realização científica que deu suporte a esse processo foi a difusão
de técnicas de criação de plantas desenvolvidas na agricultura de clima
temperado para as condições ambientais de regiões tropicais e subtropicais. Os
altos rendimentos e as variedades de culturas positivamente sensíveis ao uso
de fertilizantes constituem a inovação central da “Revolução Verde
2
”, principal
veículo para a transformação da agricultura do Terceiro Mundo por parte dos
capitais agro-industriais multinacionais. Não obstante, as bases teórica e prática
para este desenvolvimento estavam estabelecidas desde o inicio do século,
especialmente a partir da utilização de técnicas de hibridação em sementes de
milho nos Estados Unidos (CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p. 17).
O emprego de variedades híbridas colaborou de forma expressiva para a
interrupção da tendência decrescente da produtividade física ocorrida no final do século
XIX e princípio do século XX, e desempenhou um importante "papel catalisador" na
expansão dos mercados de fertilizantes e produtos químicos para a proteção
fitossanitária. Além disso, a concepção de plantas com características particulares
minimizou as perdas em colheitas mecanizadas abrindo caminho à mecanização
completa do cultivo.
Os avanços na genética vegetal foram, pois, acompanhados também de novas
tecnologias químicas e mecânicas, criando maiores oportunidades para que a
agricultura incorporasse crescentemente em sua base técnica os insumos
produzidos industrialmente. Todos os setores agro-industriais, o de maquinaria
agrícola, o químico e o de processamento, foram forçados a adaptar suas
estratégias de crescimento com o objetivo de incorporar as oportunidades
revolucionárias criadas pelas sementes híbridas e pela nova genética das
plantas [...] A tendência dominante tem sido a convergência das inovações
mecânicas, químicas e genéticas para formar um “pacote” tecnológico
complementar e de integração crescente, que incorpora tanto o processo de
trabalho como o processo natural de produção (CAPORAL; COSTABEBER,
2004, p. 19).
Para Goodman et al. (1990), a “Revolução Verde”, em sua firme intenção de
controlar e modificar os processos biológicos na agricultura, “marca uma maior
homogeneização do processo de produção agrícola em torno a um conjunto diverso de
práticas agronômicas e de insumos industriais genéricos” (GOODMAN et al., 1990, p.
2
Conforme Costabeber; Caporal (2004) Revolução Verde refere-se ao ápice da primeira transição
agroecológica em grande escala iniciada no final do século XIX na Europa e EUA e que estendeu-se até
a metade do século XX. Seus pilares eram a difusão de pacotes tecnológicos básicos montados a partir
de sementes de variedades de alto rendimento e de um conjunto de práticas e insumos agrícolas
necessários para assegurar que as novas cultivares alcançassem níveis crescentes de produtividade.
“Essa transição supôs o declínio da influência das forças biofísicas na determinação das práticas agrárias
e o começo de uma fase na qual um reduzido número de tecnologias genéricas fizeram possível uma
significativa homegeinização das agriculturas mundiais” (BUTTEL, 1995 apud COSTABEBER;
CAPORAL, 2004, p. 17).
32
26). O incremento e o uso dessas tecnologias genéricas proporcionaram a superação
relativa da variabilidade agroecológica local, determinante em grande medida dos
sistemas e formas de produção das agriculturas tradicionais camponesas.
Postulou-se mundialmente, a partir de então, a existência de uma outra
configuração no espaço social, onde a dicotomia rural x urbano deixou de ser suficiente
na medida em que a realidade considerada rural sofreu uma clivagem que distinguia um
rural moderno/modernizado, equipado e rico, e um rural tradicional, conservador e
pobre
3
.
Contudo, sua tendência e necessidade de incorporar continuamente inovações
tecnológicas ao processo produtivo, com o objetivo de reduzir os custos de produção e,
por conseguinte, aumentar as margens de rentabilidade econômica, determinou a
dependência do setor agrícola por máquinas, equipamentos e insumos, intensivos em
capital e energia, aliada a uma maior subordinação aos grandes grupos industriais,
quais sejam, fornecedores de insumos e compradores/processadores da produção.
Além disso, com a ênfase na especialização, justificada por ganhos de escala no
curto prazo, esqueceram-se os problemas ecológicos daí advindos, posto que, “a
redução da biodiversidade desestabiliza o agroecossistema e o esforço para conservar
a estabilidade implica na importação de energia, na degradação ambiental e no
aumento dos custos de produção” (PEREIRA FILHO, 1991, apud CAPORAL;
COSTABEBER, 2004, p. 8). Conforme Froehlich,
tal utilização do aparato tecno-científico se fez para alcançar um crescimento e
uma acumulação econômicos e lineares, de caráter intensivo e produtivista,
baseado na gica do máximo benefício ao mínimo custo e no menor tempo
possível, sem pensar nas ‘gerações futuras’ e nas conseqüências indesejadas
e imprevistas em relação ao ambiente natural e humano (FROEHLICH, 2006, p.
07).
Assim, o intenso processo modernizador da agricultura, entre outras mazelas,
promoveu o acirramento das disparidades sociais, concentração de renda, exclusão
social, desemprego, guerras e guerrilhas, superpopulação urbana e desertificação rural,
insegurança e violência urbana, poluição do ar, água e solo, contaminação química dos
alimentos, doenças infecciosas e degenerativas, o stress cotidiano no trabalho, entre
3
Ver Graziano Silva (1999); Wanderley (1997); Carneiro (1998); Froehlich (2002), entre outros.
33
outros problemas sociais, que por sua vez, vem fomentando o aprofundamento da
crítica à sociedade urbana-industrial.
A crescente consciência dos efeitos negativos deste modelo industrialista de
desenvolvimento no âmbito sócio psíquico-cultural dos indivíduos e grupos sociais,
conjugado à deflagrada aparição dos problemas ambientais contemporâneos,
transformou esse modelo em alvo de contundentes objeções no que tange à
interferência humana sobre o seu meio cio-natural (FROEHLICH, 2006; CAPORAL;
COSTABEBER, 2004; GRAZIANO NETO, 1982).
Disso decorre que, como resposta aos impactos promovidos pelo modelo
produtivista e suas demandas, e no intuito de encontrar soluções que possam resolver
ou mitigar os efeitos não desejados, e em muitos casos nefastos, dos processos
desencadeados por tal modelo, nascem os movimentos ambientalistas
4
e com eles o
discurso do “desenvolvimentoem contraposição a noção de “crescimento
5
(SACHS,
1986; LEFF, 2001; CAPORAL; COSTABEBER, 2004).
Assim, o expressivo incremento das preocupações ambientais, em grande
medida, em reação às condições de vida cada vez mais abrasivas e stressantes
impostas pelas cidades, consolida-se, entre outras implicações, na disposição coletiva
para a revalorização do rural, que passa a ser concebido como um espaço “ecológico a
conservar”, como um recinto de vida em contato mais direto com a natureza sadia e
harmoniosa (JOLLIVET, 1997; DURÁN, 1998; FROEHLICH, 2006).
4
A década de 1970 remonta aos primeiros passos da questão ambiental. O ano de 1972 é considerado
um marco importante na discussão ambiental, posto que criou-se na Nova Zelândia o primeiro Partido
Verde e, em Estocolmo, foi realizada a “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano”. Nesta oportunidade, pela primeira vez, foram discutidos problemas políticos, sociais e
econômicos do meio ambiente global em uma instância inter-governamental. A partir das discussões
desta Conferência, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
5
Nesse contexto, surgem novas orientações teóricas que, partindo dos impactos negativos causados
pelo modelo de desenvolvimento convencional até então adotado, propõe o uso de conceitos mais
abrangentes tais como o “desenvolvimento com equidade” ou o “desenvolvimento sustentável”. A partir
da construção do pensamento liberal, aplicação do conceito de desenvolvimento passou a conotar a idéia
de crescimento econômico adotando como parâmetro definidor do desenvolvimento os padrões de vida e
consumo alcançados pelas nações ocidentais industrializadas. O conceito de desenvolvimento passaria a
significar, portanto, a corrida de sociedades distintas e heterogêneas em direção a um modelo de
organização social e econômica considerado “desenvolvido”, ou seja, “passar de uma condição indigna”
chamada subdesenvolvimento, para um modelo, de sociedade ocidental capitalista e industrializada
mediante estratégias geradoras de crescimento econômico (ESTEVA, 1996, apud CAPORAL;
COSTABEBER, 2004).
34
Ante os preocupantes problemas ambientais e sociais, como exclusão social,
desemprego e marginalização no mundo urbano-industrial, mergulhado em
profunda crise de legitimidade, a revalorização do rural passa a ser concebida
por muitos como o retorno a um arquétipo de vida desejável frente a todos os
inconvenientes e aspectos negativos que hoje estas representações associam à
vida das cidades (FROEHLICH, 2006, p. 20).
Na visão de Carneiro (2002), a busca por soluções para as “disfunções” do
modelo produtivista promovem novos sentidos e atribuições para o rural. Nesta nova
conjuntura, outras funções o conferidas ao meio rural, entre elas destacando-se, o
equilíbrio territorial e a conservação ecológica; a produção de uma paisagem agradável,
aberta e “natural” em contraposição a paisagem “artificial” e claustrofóbica das cidades;
além do aporte de recursos naturais saudáveis, como água limpa e ar puro e de
atividades de lazer e recreação ao ar livre sem esquecer a produção de alimentos
saudáveis (GRAZIANO DA SILVA, 1997; DURÁN, 1998; JOLLIVET, 1997;
FROEHLICH, 2002).
Conforme Graziano da Silva (1998), estas transformações ou novas funções
assumidas contemporaneamente pelo rural, além das atividades produtivas
convencionais ligadas à agricultura, podem ser catalogadas por atividades de lazer,
turismo rural, conservação dos ecossistemas e dos recursos naturais, agricultura
ecológica, educação ambiental, proteção da paisagem e dos patrimônios culturais e
naturais, residência, prestação de serviços, manutenção do território
6
, etc.
Portanto, ao permear transversalmente a sociedade contemporânea, a chamada
“crise ambiental” interferiu diretamente nas construções sociais do rural contemporâneo
produzindo novos sentidos para o rural e associando-o de modo amplo a uma noção
positivada de natureza. Neste contexto, a apreciação das diferenças culturais e das
biodiversidades; as possibilidades de se construir identidades culturais, étnicas,
regionais; o resgate e a conciliação das tradições com o moderno são fatores que se
articulam na construção de novos sentidos e funções para o rural, conjuntamente com a
associação positivada deste com a natureza. Em conjunto, tais fatores têm permitido
aos espaços rurais o estabelecimento de novos patamares de relações, experiências e
6
Autores como Graziano da Silva (1998), Carneiro (1998), Jollivet (1998), Durán (1998), classificam
essas novas funções como bens e serviços não-materiais.
35
valorizações, que expressam o caráter estratégico do rural nas perspectivas de futuro e
no contexto presente das sociedades contemporâneas.
2.2 Tendências contemporâneas do espaço rural
As últimas cadas aprofundaram a crise sócio-ambiental no meio rural, posto
que a introdução da chamada moderna tecnologia na agricultura, encarregada de
promover o desenvolvimento
7
no campo, brindou a sociedade em geral com problemas
como a destruição dos solos; o descontrole de pragas e doenças; a contaminação dos
alimentos; intoxicações humanas e do meio ambiente; concentração de renda, exclusão
social, desemprego, etc.
Deste modo, embora outros aspectos também precisem ser considerados, os
citados anteriormente bastam para dar conta do impacto negativo da moderna
agricultura no espaço rural como um todo. Na visão de Graziano Neto (1982), a análise
dos aspectos econômicos, sociais e políticos da modernização do campo permite
perceber que tal processo de transformação agrícola se configurou em um grave
desastre.
Para os trabalhadores rurais, ela significa a perda da moradia, salários
miseráveis, comida fria, desemprego, favelas; para os pequenos produtores
rurais, proprietários ou não, essa moderna agricultura representa a perda da
terra onde trabalham e alimentam a família, a submissão aos grandes capitais,
o endividamento crescente; para os segmentos das classes de baixa renda nas
cidades ela significa falta de alimentos no prato, altas de preços, inflação e
fome (GRAZIANO NETO, 1982, p. 54).
Ao privilegiar o crescimento econômico como mola propulsora, este modelo foi o
responsável pela degradação ambiental, pelo êxodo rural e conseqüente inchaço dos
centros urbanos e pela marginalização sócio-econômica de uma grande parcela da
população mundial.
Assim, frente ao agravamento da problemática sócio-ambiental nas últimas
décadas, este modelo produtivista começou a ser questionado e, no seio de tal
7
O conceito de desenvolvimento, “neste caso”, denota apenas uma idéia de crescimento econômico.
36
conjuntura, emerge a noção de sustentabilidade
8
ganhando força em amplos setores
das sociedades mundiais.
Para Caporal; Costabeber (2004), o intenso processo modernizador da
agricultura acarretou impactos ambientais e transformações sociais em magnitudes tão
amplas que, por si , justificam a revisão de todo o modelo de desenvolvimento
imposto ao setor agrícola.
Tudo isto tem contribuído para que se comece a questionar o modelo
tecnológico dominante, tanto pelos problemas sociais e econômicos, como
pelos desequilíbrios ecológicos e ambientais que tem causado ou que, pelo
menos, não tem sabido resolver. A suposta crise do modelo tecnológico
agrícola tem sido considerada muitas vezes como uma crise do paradigma
produtivista, e o discurso da produtividade a qualquer custo tem cedido espaço
para a emergência do discurso da sustentabilidade - esta reivindicada por
muitos como um novo paradigma para a agricultura do próximo século
(CAPORAL; COSTABEBER, 2004, p. 63).
Assim, embora o processo desenvolvimentista, que no campo foi representado
pelo processo de modernização da agricultura, tenha atingido seus objetivos de
maximização da produtividade agrícola
9
e, por conseguinte, aumentado os lucros dos
produtores rurais, na verdade teve como grande resultado inúmeros problemas à
sociedade em geral.
Os problemas oriundos desse processo e as insuficiências do enfoque
desenvolvimentista são bastante conhecidos e não necessitam ser aqui
pormenorizados; basta lembrar que o reconhecimento da crescente insustentabilidade
do modelo convencional de desenvolvimento vem despertando a comunidade cienfica,
bem como, a opinião pública sobre a necessidade de novos enfoques mais respeitosos
com o meio ambiente, socialmente desejáveis, politicamente aceitáveis e viáveis sob o
ponto de vista econômico (COSTABEBER; CAPORAL, 2002).
8
Conforme Costabeber; Caporal (2004), a sustentabilidade não é algo estático ou fechado em si mesmo,
mas faz parte de um processo de busca permanente de estratégias de desenvolvimento que qualifiquem
a ação e a interação humana nos ecossistemas. Este processo deve ser orientado por certas condições
que, no seu conjunto, permitam a construção e a conformação de um contexto de sustentabilidade
crescente no curto, médio e longo prazo. Entretanto, deve-se salientar a existência de diferentes
discursos sobre a sustentabilidade, o que, mormente, promove uma profunda confusão, posto que tais
discursos carregam as discrepâncias comuns as correntes de pensamento a que representam, quais
sejam, a liberal, a culturalista e a ecossocialista.
9
Alguns autores como Graziano da Silva (1997) discordam da real eficiência da chamada moderna
agricultura que se instala no Brasil a partir de 1970. Para ele tal processo de transformação agrícola é um
desastre ecológico e um fracasso agronômico posto que foi pouco eficiente e não conseguiu elevar a
contento os níveis de produtividade física da produção agropecuária.
37
Frente a essa realidade, os anos oitenta se caracterizaram pela agudização de
um debate político-acadêmico onde a noção de desenvolvimento é contraposta à noção
de crescimento. De modo que, nas palavras de Leff (1994), a crise ambiental e em
manifesto o mito do desenvolvimentismo e mostra o lado oculto da racionalidade
econômica dominante. Sendo assim, diferentes conceitos ou enfoques de
sustentabilidade em torno de um novo modelo de desenvolvimento, bem como, de
sociedade, têm sido formulados como solução da crise sócio-ambiental.
Esta crítica terminou por construir uma crescente consciência dos efeitos
negativos deste modelo industrialista de desenvolvimento no âmbito psíquico-
cultural dos indivíduos e grupos sociais, o que, conjugado à aparição dos
problemas ambientais contemporâneos, constituiu tal modelo em alvo de
contundentes objeções referentes à interferência humana sobre o seu meio
sócio-natural (FROEHLICH, 2002, p. 32).
Ao aprofundar sua compreensão acerca dos problemas ecológicos e sociais, a
contemporaneidade vem promovendo a retratação da imagem do rural. Antes visto
como atrasado, retrógrado e obsoleto, neste contexto o meio rural ganha um novo
enfoque, um olhar diferente do anterior. A noção de crise ambiental e as preocupações
daí derivadas fazem ressurgir a problemática da natureza e remetem a ressignificação
dos espaços rurais. Neste contexto, a visão dualista que opunha o rural ao urbano
como realidades distintas e de negação uma a outra, associando o rural ao agrícola e
ao atrasado e o urbano ao industrial e ao moderno, busca ser superada (CARNEIRO,
1998).
Nesta trama as históricas interpretações dualistas sobre o rural, que operam
com categorias opositivas (rural/urbano; cidade/campo; tradicional/moderno),
vêm sendo esvaziadas cada vez mais em seu sentido explicativo. Diversos
elementos vem sendo mencionados para ilustrar a falência destas teorias e
para demonstrar a necessidade de uma nova leitura para os processos sociais
no espaço rural (FROEHLICH, 2002, p. 7).
Ao mesmo tempo em que ocorrem mudanças e transformações que vem
redefinindo o que entende-se por rural fala-se também em revitalização dos espaços
rurais. Neste contexto, o meio rural passa a ser visto como lugar de paisagem
agradável, aberta e natural que contempla recursos naturais saudáveis, como água
limpa e ar puro; produção de alimentos sadios; atividades de lazer e recreação ao ar
livre, baseadas no turismo rural e ecológico, entre outros. Ou seja, o rural perde a
conotação de lugar indesejável e passa a ser considerado “lugar de consumo,
38
residência, lazer, turismo, esportes, etc, além das tradicionais funções da produção
agropecuária e alimentar” (FROEHLICH, 2002, p. 47).
Las apelaciones al reencuentro con la naturaleza, a la armonía con el entorno,
a la calidad de vida y al respeto del medio ambiente manifestadas a tráves de
las nuevas imágenes de la ruralidad evidencian la crisis de la idea de progreso
continuo y sin límites que alentara los procesos de industrialización,
modernización y urbanización durante siglo XIX y gran parte del XX
(DURÁN¸1998, p. 86).
A criação e agregação de novos valores e bens econômicos, tangíveis ou não
tangíveis, deriva de uma mudança cultural na escala de valores sociais sobre o rural na
qual as novas funções associam-se as demandas ecológicas e a busca pela “natureza”.
Dentro de tal conjuntura, o potencial da agricultura e do meio rural são destacados na
reconstrução destes novos espaços sociais, capazes de comportar reformas societárias
de cunho integrativo e como base para se repensar a qualidade de vida na
contemporaneidade (FERREIRA, 2002).
Portanto, a atual disposição para a revalorização do rural não resulta meramente
de ingênuas e nostálgicas lembranças de um passado distante, mas principal e
efetivamente de manifestações e atitudes que moldam uma nova postura frente à crise
ambiental e existencial vivenciada atualmente por muitas das sociedades urbano-
industriais (JOLLIVET, 1997; DURÁN, 1998; FROEHLICH, 2002; CAPORAL;
COSTABEBER, 2004). Na visão de Wanderley (1999), a crise do modelo de sociedade,
inspirou “novos olhares” sobre o meio rural, de modo que, aos poucos, ele passa a ser
visto como “portador de soluções” para a crise contemporânea.
Para Durán (1998), o atual retorno à ruralidade mostra uma tendência a optar por
qualidade de vida.
De acuerdo con el contexto posmaterialista y posfordista en el que se
desarrolla, el actual retorno a la ruralidad muestra una tendencia a optar por la
calidad productiva y de vida. Esto da lugar a un fortalecimiento de
medioambientalismo y a una creciente conciencia acerca de la necesidad de
mantener o recuperar los entornos naturales y paisajísticos (DURÁN¸1998, p.
94).
O processo em curso, de ressemantização do rural, deriva-se, então, da própria
revalorização do espaço rural, a qual estaria influenciando, segundo Mormont (1996),
nas transformações sociais do modo de se relacionar com a natureza. A influência
39
deste enfoque sobre o rural, e, por conseguinte, sobre a agricultura, tem levado a uma
série de rupturas com o modo clássico de interpretação do desenvolvimento agrário. A
principal delas é em relação ao conceito de “rural”. Em passado recente, predominava
uma visão de um rural como sendo equivalente, ou seja, sinônimo de espaço agrícola,
principalmente em função do modelo de desenvolvimento, pautado em uma visão
fundamentalmente produtivista e “homogeneizadora” da realidade.
Atualmente, o rural não deve/pode mais ser atrelado especificamente a base
geográfica de um setor econômico, nem entendido como o resíduo daquilo que não
pertence às cidades, mas compreendido como um espaço que guarda suas
especificidades e é capaz de contribuir para uma proposta mais ampla de
desenvolvimento sustentável, recolocando a problemática da ruralidade no contexto das
sociedades modernas (SARACENO, 1996; CARNEIRO, 1998; WANDERLEY, 1999;
ABRAMOVAY, 1999).
Para Abramovay (1999), contemporaneamente os espaços rurais passaram a ser
associados à diversidade e diversificação da economia de regiões determinadas
através da inserção de atividades não agrícolas e pela valorização dos seus atributos e
potencialidades locais referentes ao seu entorno físico e sócio-cultural e a vinculação
de sua população ao manejo dos recursos naturais, favorecendo e conformando
dinâmicas territoriais específicas.
Segundo Carneiro (1998), o “Novo Rural”
10
caracteriza-se basicamente por não
configurar-se unicamente como unidade agrícola e pela valorização de um novo modo
ou estilo de vida (lifestyle), pautado por novos valores advindos do ambientalismo e da
demanda por lazer, que tem valorizado positivamente o mundo rural.
Nestes termos, realocar a problemática da ruralidade exige o entendimento das
mudanças e das novas “funções” que a agricultura pode preencher para a sociedade
enquanto forma de uso dos recursos naturais e como forma de ocupação de um
determinado território.
Dentro desse enfoque, as atividades agrícolas stricto sensu passam a se
articular a outros temas e preocupações, tais como a segurança alimentar, a qualidade
10
Termo cunhado por José Graziano da Silva que através de pesquisas desenvolvidas no “Projeto
Rurbano” publicou diversos estudos a respeito do que seriam as novas relações cidade/campo e um
“Novo Rural” brasileiro. Na seqüência tratar-se-á mais sobre o autor e seu respectivo projeto.
40
dos alimentos, a proteção do meio ambiente, a valorização dos diferentes tipos de
territórios e a geração de oportunidades de emprego, de renda e lazer. A esse conjunto
de funções convencionou-se chamar de multifuncionalidade da agricultura.
A multifuncionalidade da agricultura “representa um novo discurso que busca
legitimar-se na contemporaneidade, apoiado em novos conceitos do ponto de vista da
regulação das atividades sócio-econômicas que afetam aos espaços não-densamente
urbanizados” (SACCO DOS ANJOS; CALDAS, 2006, p. 4). O reconhecimento da
multifuncionalidade da agricultura leva à redefinição da lista de atividades reconhecidas
como complementares à agricultura. Todavia, muitos autores defendem que tais
atividades na verdade são independentes e não complementares da agricultura.
Neste caso, o espaço rural, como um todo, toma o lugar atribuído
exclusivamente à agricultura tornando-se o protagonista de diferentes usos e funções
que dão a ele um caráter multifuncional, ou seja, deixa-se de falar em
multifuncionalidade da agricultura e passa-se a tratar de multifuncionalidade do espaço
rural.
Discussão acirrada no meio acadêmico
11
, a caracterização da
multifuncionalidade enquanto atribuição da agricultura está em conflito com a noção de
multifuncionalidade do espaço rural. O que está em debate é a utilização da agricultura
como lócus da multifuncionalidade posto que, na prática tal utilização se defronta com o
embate marcado pela polarização entre duas concepções distintas.
Por um lado, a moderna agricultura, pautada em uma visão meramente
econômica, sinônima de monocultivo, balizada na determinação das leis do mercado
que, em última instância, se exprime pelo drástico decréscimo do número de
agricultores e pelo aniquilamento desta atividade e, por outro lado, uma visão
sóciopolitica que defende o princípio de que “a atividade agrícola não se esgota na
simples oferta de produtos no mercado, mas oferece igualmente outros bens a
sociedade, inclusive bens considerados imateriais, o que faz da agricultura uma
atividade de múltiplas funções”, isto é, multifuncional (WANDERLEY, 2003, p. 12-13).
Ambas consideram a agricultura como aporte de sua prática, entretanto, são totalmente
11
Principalmente entre os estudiosos da temática multifuncional no Brasil. Conforme Wanderley (2003), a
utilização de tal conceito entre os pesquisadores brasileiros é frequentemente vista como “modismo” ou
exercício de “transposição artificial” e, portanto, incapaz de dar conta da realidade nacional.
41
opositivas, enquanto a primeira define-se pelo viés meramente econômico a segunda
utiliza-se, inclusive terminologicamente, da categoria multifuncional e busca fugir dos
recortes setoriais.
Conforme Carneiro; Maluf (2003), noções como multifuncionalidade da
agricultura são passíveis de diversas acepções por terem surgido como objetivo de uma
política pública. Além disso, o desenvolvimento conceitual da noção de
multifuncionalidade da agricultura é ainda reconhecidamente insuficiente. Para tais
autores, cabe fazer duas ressalvas aos termos empregados na própria denominação de
multifuncionalidade da agricultura: a primeira delas advém do viés funcionalista do
conceito de “múltiplas funções” da agricultura, em parte explicado pelo intuito inicial de
seus propositores de conseguir o reconhecimento social da concessão de uma
retribuição monetária para as contribuições, “funções”, não exclusivamente agrícolas.
O segundo entrave origina-se do uso, no mínimo “complacente” do vocábulo
agricultura, cujo significado é ampliado até o ponto de englobar um conjunto diverso de
elementos econômicos, sociais, culturais e ambientais presentes no mundo rural.
Se a abordagem analítica sobre a perspectiva da multifuncionalidade da
agricultura é crítica da abordagem setorial, caberia perguntar qual o sentido de
centrar o olhar na agricultura. Se um dos objetivos implícitos nessa noção é
resgatar as “funções” não agrícolas da agricultura, principalmente as de caráter
ambiental, no sentido de ampliar a população beneficiária dos subsídios
governamentais (no caso francês) e, assim, melhorar suas condições de
reprodução social, por que insistir na agricultura como referência? (CARNEIRO,
2002, p. 236).
Assim muitos defendem que a intenção de atribuir à agricultura caráter
multifuncional atribuindo a terminologia multifuncionalidade da agricultura às novas
funções sociais, culturais e ambientais, além das de caráter econômico e de
abastecimento tradicionalmente atribuídas à agricultura, não passa de uma estratégia
empreendida por diversos agentes no sentido de granjear certos benefícios através de
políticas de desenvolvimento rural (SARACENO, 1996). Neste sentido, a
multifuncionalidade da agricultura tem sido percebida por seus críticos como um
pretexto para que os “países desenvolvidos” mantenham altos benefícios de apoio
interno e de proteção à fronteira agrícola em favor de uma agricultura não competitiva.
Ou seja, justifica-se a remuneração, sob diversas formas, dos serviços prestados à
sociedade, mas consumidos como se fosse um bem “natural” (CARNEIRO, 2002).
42
Para Carneiro; Maluf, “vale dizer que o recurso à noção de multifuncionalidade
da agricultura mantém a controvérsia a cerca da definição de rural, seja porque este
último comporta o não agrícola, seja porque aquela noção tende a atribuir um peso
excessivo á dimensão agrícola e econômica” (CARNEIRO; MALUF, 2003, p. 19).
Portanto, para muitos, o mais correto seria utilizar a terminologia multifuncionalidade do
espaço rural, haja vista a agricultura configurar-se em apenas mais uma das ocupações
que se desenvolvem dentro do meio rural.
Contudo, em conformidade com o foco de análise da pesquisa, ou seja, a
agricultura stricto sensu, mais especificamente, a orizicultura irrigada, optou-se neste
trabalho por utilizar a terminologia multifuncionalidade da agricultura. Neste sentido,
embora tal terminologia carregue uma inevitável ambigüidade, as referências textuais
acerca da multifuncionalidade que seguem, para evitar possíveis confusões, utilizarão
unicamente a nomenclatura de multifuncionalidade da agricultura.
2.3 Multifuncionalidade da agricultura
2.3.1 A noção de multifuncionalidade da agricultura no contexto europeu
Desde seu surgimento a agricultura, materializada na figura do camponês,
configurava-se em uma atividade de caráter multifuncional, ou seja, atendia a funções
sociais, ambientais e, mais tarde, a funções econômicas que contribuíram de forma
direta e indireta na formação e funcionamento das estruturas sociais
12
. Todavia, nos
últimos dois séculos, seu caráter multifuncional perdeu muitas das valências que
abarcava cedendo espaço para a agricultura unicamente mercantil, ou seja, a produção
agrícola calcada no monocultivo com vistas ao aspecto comercial.
Somente na primeira metade dos anos 1980, em um contexto onde o mercado
internacional começou a padecer com os resultados negativos dos excedentes de
produção causados pela impressionante máquina produtiva em que se converteu a
12
A noção de multifuncionalidade busca resgatar um conjunto de contribuições para a dinâmica
econômico-social dos territórios que faziam parte da prática camponesa e que foram inibidas pelo
modelo produtivista da modernização agrícola (CARNEIRO, 2002).
43
agricultura dos países capitalistas avançados, voltou-se a repensar acerca das
multifunções assumidas pela agricultura (SACCO DOS ANJOS; CALDAS, 2006).
Responsável, entre outros, pela produção de externalidades negativas,
representadas em última instância pela perigosa posição em que a moderna agricultura
se colocou em termos da sustentabilidade dos recursos naturais e da conservação do
ambiente, a atividade agrícola, enquanto recorte setorial meramente economicista, com
suas contradições e desequilíbrios, entrou em crise promovendo uma modificação
radical no cenário político dos países industrializados.
Deste modo, diante das constantes tensões provocadas pela superprodução
agrícola, bem como, frente ao permanente clima de instabilidade promovido pelo
mercado agrícola, os aspectos ecológicos, os problemas gerados pela agricultura de
base fordista e a incessante pressão que acarretavam sobre os recursos naturais
tornam-se foco de atenção. Frente a tal conjuntura, cresceu o número daqueles que
passaram a reconhecer que a prática agrícola, na forma como vinha sendo realizada,
configurava-se em uma atividade onerosa; incapaz de ocupar a totalidade da força de
trabalho rural gerando êxodo e inchaço nas grandes cidades; causando graves
impactos ambientais; promovendo uma série de conflitos e distorções no comércio
mundial, entre outros efeitos negativos (SACCO DOS ANJOS; CALDAS, 2006).
Tal concepção ganhou mais força na medida em que surgiram vestígios claros
de uma crise de legitimidade do Estado Moderno no que tange à regulação da atividade
agropecuária nos “países desenvolvidos”. Neste contexto, o tradicional papel do setor
agrário enquanto provedor de alimentos começou a ser repensado.
Em 1985 a Comunidade Européia elabora um documento intitulado
“Perspectivas para a PAC
13
, conhecido também como “Livro Verde”, no qual
13
Política Agrícola Comum. Instrumento utilizado pela União Européia para regulamentar o setor agrícola.
Instituída em 1962, a PAC contempla em seu âmbito as Organizações Comuns de Mercado (OCMs), que
correspondem a políticas setoriais específicas. São objeto da OCMs produtos como cereais, carne suína,
ovos, carne de frango, frutas e legumes, vinho, produtos lácteos. Desde sua instituição, a PAC passou
por diversas reformas. Em 1992, iniciou-se a progressiva substituição dos instrumentos de sustentação
dos preços dos produtos pelo aumento dos pagamentos diretos aos produtores, assim como foram
reduzidos os subsídios à exportação, abordagem que foi reforçada na reforma de 1999. Diante da sua
reduzida abrangência setorial e por não contemplar diretamente uma abertura significativa do mercado
comunitário, perpetuando os mecanismos de subsídios ao mercado interno e às exportações, ambos
geradores de graves distorções competitivas no mercado internacional, a reforma da PAC aprovada em
1999 teve um caráter limitado. Assim, em 29 de setembro de 2003, a nova reforma da PAC foi aprovada
através do Regulamento (CE) n.° 1782/2003 do Conselho, que estabelece regras comuns para os
44
são introduzidas algumas propostas e elementos inovadores e onde aparece
destacado o papel da agricultura na proteção do meio ambiente e a
conveniência de concessão de ajudas diretas orientadas à melhoria das rendas
dos agricultores, sempre e quando estas não se traduzam em geração de
novos excedentes
14
(SACCO DOS ANJOS; CALDAS, 2006, p. 08).
Todavia, como a adoção de tais medidas não surtiu o efeito pretendido no
sentido de uma redução substancial no volume da produção agrícola aos níveis
desejados o imperativo por mudanças tornou-se ainda mais forte. Assim, no período
compreendido entre 1985 e 1991 foi lançado o segundo grande ciclo de reformas.
Surgido em 1988, o importante estudo intitulado “O Futuro do Mundo Rural”
marca uma guinada decisiva, enquanto marco conceitual, o qual repercutirá
decisivamente nos rumos da PAC. O traço essencial repousa na efetiva opção
que se faz em favor do “desenvolvimento do meio rural” em lugar da reiterada
insistência no conteúdo eminentemente agrarista que até então pautava a
atuação eurocomunitária. Posteriormente, mas neste mesmo ano, aparece o
Informe da Comissão sobre Agricultura e Meio Ambiente”, expondo a
necessária vinculação existente entre a atividade agrária e a dimensão
ambiental. Em última instância, este documento reivindica o sentido da reforma
da PAC no caminho da incorporação dos aspectos ecológicos ao debate
(SACCO DOS ANJOS; CALDAS, 2006, p. 09).
Inaugurou-se então um período marcado, sobretudo, pela inserção das
perspectivas espacial e ambiental no domínio da política agrária. O mencionado estudo
“O Futuro do Mundo Rural” lançou luzes para os entraves oriundos da agricultura
intensiva praticada pela recém-criada "União Européia", bem como, chamou atenção
para o fato de que o espaço rural não pode estar meramente reduzido ao cumprimento
de funções produtivas, devendo cumprir um papel decisivo no equilíbrio ecológico, bem
como, de suporte às atividades de lazer e recreação.
Na prática, os “países desenvolvidos” alcançaram um patamar no qual os
avanços tecnológicos no campo da agricultura ultrapassam sua própria capacidade de
consumo e absorção de alimentos e matérias-primas. Frente a este quadro, o essencial
é que o espaço rural passa a perder paulatinamente o protagonismo como item de
produção agrícola em detrimento de outros papéis ou funções, como as funções
regimes de apoio direto no âmbito da PAC e institui determinados regimes de apoio aos agricultores,
alterando os regulamentos anteriores, possibilita que os Estados Membros iniciem sua aplicação até o
ano de 2007 (RIBEIRO, 2006).
14
O novo enfoque expressa a idéia de subvenções destinadas a fomentar a diversificação das atividades
junto às propriedades através do turismo, do artesanato, da transformação e elaboração de alimentos
nas próprias unidades produtivas (SACCO DOS ANJOS; CALDAS, 2006, p. 08).
45
paisagísticas, turísticas e ecológicas, que devem ser objeto de constante valorização
por parte de uma sociedade moderna e plural (SACCO DOS ANJOS; CALDAS, 2006).
Neste contexto, a avaliação das limitações do modelo produtivista no
desenvolvimento agrícola promoveu o desenho de uma proposta alternativa de política
conhecida como multifuncionalidade da agricultura “um neologismo que é rapidamente
incorporado ao jargão acadêmico e político internacional” (SACCO DOS ANJOS;
CALDAS, 2006, p. 09). A passagem do discurso em favor da modernização agrária para
o da multifuncionalidade da agricultura estabelece um verdadeiro divisor de águas, não
apenas enquanto padrão de desenvolvimento, mas como objeto de investigação social.
Ainda que a noção de multifuncionalidade da agricultura esteja em elaboração e
promova debates e divergências
15
ela refere-se, de modo geral, ao reconhecimento de
que à agricultura, e aos agricultores cabe, além da produção agropecuária, a garantia
da qualidade dos alimentos, a manutenção do potencial produtivo do solo, a
conservação das características paisasticas das regiões, a proteção ambiental no
meio rural, a manutenção de um tecido econômico e social rural, a conservação do
capital cultural e a diversificação das atividades rurais (FROEHLICH, 2002).
O conceito de multifuncionalidade da agricultura foi “formalmente elaborado”
tendo em vista o recente contexto social da agricultura e do meio rural da União
Européia, particularmente, da França onde
a disseminação do chamado modelo produtivista de modernização da
agricultura garantiu a segurança alimentar interna e sua posição extremamente
favorável no mercado internacional. No entanto, este mesmo modelo, provocou
efeitos nefastos aos níveis econômicos (a superprodução), social, (a redução
dos efetivos agrícolas necessários à consecução das metas produtivas e a
expansão de espaços socialmente vazios ou esvaziados) e ambiental (profundo
desgaste dos recursos naturais). A necessidade de repensar os processos de
modernização, num momento em que as pressões internacionais exigiam a
eliminação dos subsídios vinculados aos preços e as quantidades dos produtos,
até então praticados, repercutiu em um campo social particularmente fértil
(WANDERLEY, 2003, p. 12).
Todavia, pode-se dizer que a primeira alusão ao conceito de multifuncionalidade
da agricultura, surge durante a Conferência Rio-92
16
, oriunda da concepção de
15
Seja na Europa, onde surgiu o conceito, ou em outras partes do mundo.
16
Declaração do Rio de Janeiro sobre o Desenvolvimento Sustentável denominada Conferência das
Nações Unidas sobre meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável ocorrida de 03 a 14 de junho de
1992. Também conhecida por Eco-92.
46
Desenvolvimento Sustentável no âmbito da agricultura e do meio rural (WANDERLEY,
2003).
Na seqüência, em 1998, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OECD) reconhece que, além de sua função primária de produção de
alimentos e fibras, a atividade agrícola pode também moldar a paisagem, prover
benefícios ambientais, como conservação dos solos, gestão sustentável dos recursos
naturais renováveis e preservação da biodiversidade, e contribuir para a viabilidade
socioeconômica em várias áreas rurais.
No ano de 1999, o conceito de multifuncionalidade da agricultura ganha
destaque internacional por sua inserção na Lei de Orientação Agrícola
17
(LOA) da
França. A partir de então o tema difundiu-se entre os demais países da União Européia
e, posteriormente, em outras regiões do mundo.
A LOA francesa, alicerçada em conceitos de profundo rigor teórico como o
referente à multifuncionalidade da agricultura, favoreceu a adoção de políticas originais
e inovadoras e através de Contratos de Agricultura Sustentável (CAD)
18
prevê formas
de retribuição aos agricultores pela oferta de bens imateriais, que não tenham
expressão mercantil (WANDERLEY, 2003).
Conforme a nova Lei de Orientação, a agricultura, além de seu papel
estritamente econômico, deve levar em conta uma realidade complexa na qual deve
assegurar, por um lado, uma função social, graças à criação e manutenção de
empregos, promovendo também a ocupação equilibrada do território e, por outro lado,
uma função ambiental decorrente da preservação e renovação dos recursos naturais e
paisagísticos (ROUX; FOURNEL, 2003).
17
A Lei de Orientação Agrícola votada em 1999, prometida pelo presidente da República à Fédération
Nationale des Syndicats d'Exploitants Agricoles (FNSEA), na ocasião de seu cinqüentenário, em 1996, é
obra de dois governos, de três ministros da Agricultura, de longos debates em comissão, depois na
Assembléia nacional e no Senado, mas também de todo um trabalho de reflexão prévia conduzido com
organizações profissionais agrícolas e também com outros grupos de usuários do espaço rural e da
natureza. Grupos e sensibilidades aos quais a lei oferece, desde então, um estatuto no interior mesmo do
projeto institucional agrícola (RÉMY, 2003, p. 154).
18
Sigla para o termo em francês “contrats d’agriculture durable” principal instrumento da LOA que
sucedeu os Contratos Territoriais de Estabelecimento conhecidos por CTE, embora não tenham
representado nenhuma mudança radical em sua filosofia (RÉMY, 2003; ROUX; FOURNEL, 2003).
47
Todavia, também é neste mesmo país que a discussão sobre a
multifuncionalidade da agricultura gera um ímpeto maior, pelo fato de tal conceito servir
de base para a adoção de políticas públicas de grande repercussão social e que,
posteriormente, poderão servir de norte a outros países da União Européia
19
. Para
Froehlich (2002), pode-se entender esta polêmica européia em torno da tentativa de
atribuir a agricultura todas estas ltiplas funções como a expressão de disputas no
âmbito do processo de integração da União Européia, no qual está em jogo a existência
de subsídios agrícolas, pautas de exportação de gêneros alimentícios, as
regulamentações para o exercício profissional e suas conseqüências para o sistema
previdenciário, etc. Assim, “através de seu histórico estatuto econômico adensado
agora por outros valores, está se tentando angariar apoio e reconhecimento social para
a manutenção (ou ampliação) de políticas de crédito e benefícios sociais em jogo no
processo de integração europeu” (FROEHLICH, 2002, p. 114).
Em contrapartida, também pode-se dizer que, no caso francês, a firme atuação
dos produtores rurais solidamente organizados, e possuidores de uma longa tradição
de colaboração com as instituições públicas, entrecruzou-se com o governo,
especialmente durante as gestões socialistas mais recentes.
Este se revelou sensível não as demandas dos agricultores, mas a uma
certa representação, crescente no conjunto da sociedade, que associa o meio
rural e a prática da agricultura as exigências da qualidade do quadro de vida
dos produtos alimentares. O resultado foi à construção de um campo que,
alicerçado por alguns conceitos de profundo rigor teórico como o referente a
multifuncionalidade da agricultura, favoreceu a adoção de medidas originais e
inovadoras (WANDERLEY, 2003, p. 12-13).
Trata-se, de fato, de um acordo, fundamento de um contrato social que,
reconhecendo direitos e deveres, tem como meta acolher as demandas formuladas
pela sociedade aos agricultores e, inversamente, por estes ao conjunto da sociedade.
Conforme Wanderley (2003), tais demandas, basicamente se expressam em três
níveis complementares. Em primeiro lugar, no que tange ao meio ambiente, os
agricultores devem comprometer-se com a preservação dos recursos naturais e a
19
A promoção da multifuncionalidade da agricultura na Europa es associada a uma estratégia de
alocação individual e contratual de recursos públicos aos agricultores para retribuir as funções sociais e
ambientais de interesse publico associadas à produção (FAO, 1999; CAZELLA; MATTEI, 2002; MALUF,
2002).
48
conservação das paisagens. Isto força os mesmos a adotar medidas positivas de
proteção ambiental e a abandonar toda ação poluidora em sua atividade produtiva, bem
como, em seu estilo de vida.
Em segundo lugar, no tocante ao acordo quanto à qualidade dos produtos, os
consumidores buscam segurança quanto à condição e atributos dos alimentos que
adquirem e, neste sentido, cada vez mais demandam produtos associados a valores
específicos, como localidades, tradições, processos de produção técnica, ou seja,
ganha espaço a procedência dos alimentos pautada na confiança nos agricultores e em
seus produtos socialmente aceitáveis.
E, em terceiro lugar, leva-se em conta o protagonismo dos agricultores nos
processos de ocupação e dinamização dos espaços rurais. “Rejeitando o esvaziamento
e o abandono de vastas áreas rurais, a sociedade espera que os agricultores, como
portadores da tradição local, possam assegurar que este mundo rural permaneça como
um importante espaço de vida e de dinamismo social” (WANDERLEY, 2003, p.13).
O surgimento desta noção e as circunstâncias que têm afetado sua difusão
internacional refletem duas ordens de fatores distintos, porém, interligados. De um lado,
a noção pretende realçar as demais funções que devem ser desempenhadas pela
agricultura além da sua função primária de produzir bens agropecuários, como
alimentos, fibras, carnes, etc, em vista das conseqüências negativas em termos sociais,
ambientais e culturais das formas predominantes em que é realizada a atividade
agrícola.
De outro lado, constitui-se uma conexão indissolúvel entre a trajetória da noção
de multifuncionalidade da agricultura e o debate internacional no que tange as
considerações não comerciais da agricultura (non-trade concerns on agriculture) e “da
concessão de tratamento especial e diferenciado, no âmbito do acordo agrícola da
Organização Mundial do Comércio, em contraste com a primazia quase que absoluta
conferida aos aspectos mercantis do comércio agrícola” (CARNEIRO; MALUF, 2003,
p.18).
A abordagem da multifuncionalidade da agricultura distingue-se de suas
antecedentes por prestigiar as singularidades do agrícola e do rural e suas outras
colaborações que não apenas a produção de bens privados, além disso ela reflete a
49
atual censura às formas predominantes assumidas pela produção agrícola por sua
insustentabilidade e pela qualidade duvidosa dos produtos que gera.
Portanto,
a noção de multifuncionalidade rompe com o enfoque setorial e amplia o campo
das funções sociais atribuídas à agricultura que deixa de ser entendida apenas
como produtora de bens agrícolas. Ela se torna responsável pela conservação
dos recursos naturais (água, solos, biodiversidade e outros), do patrimônio
natural (paisagens) e pela qualidade dos alimentos (CARNEIRO; MALUF, 2003,
p. 19).
A formulação da noção de multifuncionalidade da agricultura acolhe, assim,
contribuições com distintas origens e preocupações, isto é, aportes provenientes de
abordagens que buscam responder a impasses que vão desde a natureza do processo
produtivo agrícola e seus impactos sócioambientais aa dinâmica de reprodução das
famílias rurais e de ocupação do espaço social agrário.
Em termos conceituais, apresenta-se o desafio colocado para a noção em pauta
de unificar estes elementos de modo a oferecer uma nova compreensão sobre a
inserção da agricultura e do mundo rural nos processos econômicos, sociais e políticos
de médio e longo prazo, isto é, nos processos de desenvolvimento.
Em outras palavras, a noção de multifuncionalidade da agricultura propõe a
integração das diferentes demandas e preocupações em relação ao mundo rural e às
unidades familiares que o compõem, numa espécie de nova síntese em substituição ao
paradigma que esteve na base da "modernização da agricultura" (CARNEIRO; MALUF,
2003).
2.3.2 A noção de multifuncionalidade da agricultura no Brasil
No cenário nacional, recentemente, o debate acerca da multifuncionalidade da
agricultura vem sendo ampliado e reforçado, à medida que o tema ganha destaque
internacional. Conectado ao processo de transformação que se desenrola em nível
mundial, o Brasil assume o compromisso de promover um desenvolvimento sustentável,
e nesta empreitada enfrenta o desafio de conciliar o crescimento da produção agrícola
com a preservação ambiental e o compromisso público com a sustentabilidade.
50
A partir da Rio-92, o conceito de multifuncionalidade da agricultura ganha forma
nacionalmente no intuito do reconhecimento “popular” das funções sociais, ambientais,
econômicas ou culturais, não diretamente produtivas ou não mercantis, associadas à
atividade agropecuária.
Todavia, é preciso levar em conta que, no Brasil, a diversidade de situações
verificadas no meio rural faz com que as múltiplas funções não sejam análogas ao
conjunto da agricultura de modo que, em muitos casos, os serviços prestados pelos
diferentes setores agrícolas à sociedade podem ser classificados como antagônicos, o
que representa um complicador para a validação prática da multifuncionalidade da
agricultura no caso brasileiro (SOARES, 2001).
Para Wanderley (2003), ao contrário da França, onde a apreciação das funções
não diretamente mercantis da agricultura encontra eco em uma visão particular da
sociedade daquele país acerca da agricultura e do meio rural, no Brasil
a sociedade brasileira, por diversas razões históricas, é até hoje pouco sensível
a algumas dimensões imateriais da atividade agrícola. Assim, por exemplo o
rápido e intenso processo de esvaziamento populacional dos espaços rurais,
provocado pelo avanço das grandes culturas, como a cana-de-açúcar e a soja,
tem merecido muito pouca atenção, obscurecido que foi pelo impacto da
extensão das plantações e do aumento vertiginoso das toneladas produzidas.
Da mesma forma, tende-se a desconhecer ou mesmo a qualificar como
descaracterizadoras da condição de agricultor as estratégias produtivas que
incluem o autoconsumo, em muitos casos como uma atividade central dos
estabelecimentos agrícolas mais fragilizados (WANDERLEY, 2003, p. 14-15).
No contexto do modelo de desenvolvimento brasileiro, quando não considerado
um setor atrasado e expressão do subdesenvolvimento, mormente atribuía-se à
agricultura, exclusivamente, a função de produtor de alimentos para os mercados
urbanos em expansão e fonte de divisas internacionais para contrabalançar os
desequilíbrios provocados pelos esforços que visavam fortalecer a almejada base
industrial nacional.
Assim, pode-se dizer que, para a maior parte do conjunto da sociedade e,
inclusive para a maioria das estruturas do Estado, contrariando as tendências
contemporâneas, ainda prevalece a visão convencional dos papéis desempenhados
pela agricultura. Logo, “a percepção sobre o papel do rural no Brasil ainda carrega a
histórica valorização da agroexportação, o que pode ser facilmente verificado pelo
51
destaque na mídia dado as supersafras de grãos e aos grandes produtores
considerados reis da soja, da laranja ou do gado” (ALTAFIN, 2005, p. 13).
A experiência européia comprova que a tensão econômica provocada pela
agricultura de caráter mercadológico restabeleceu aos territórios locais o caráter de
regulação promovendo a regulamentação das mudanças através da legislação e de
acordos entre os diferentes atores sociais. Para Maluf (2003), o Brasil vem trilhando
este mesmo caminho, especialmente no que tange as proposições relativas às políticas
de desenvolvimento rural.
Contudo, no Brasil, os altos índices de pobreza rural, além de fatores como
acesso a terra e o nível de renda adquirida com a atividade agrícola propriamente dita,
configuram-se em elementos que problematizam relacionar o enfoque da
multifuncionalidade da agricultura com o objetivo, obrigatório no Brasil, da erradicação
da pobreza. Criar condições para manter a população no campo representa, por si só, o
desempenho de uma função com importante repercussão social (MALUF, 2003).
A disparidade e a desigualdade social existente no mundo rural brasileiro
originam-se, entre outros, de restrições ao acesso a terra, que se refletem no acesso
aos recursos produtivos em geral e no padrão de uso dos recursos naturais. Todavia,
as políticas voltadas para questões como a regularização fundiária, a reforma agrária,
as leis de arrendamento e os procedimentos sucessórios podem ser pensadas com o
intuito de explorar suas contribuições para o desenvolvimento de uma agricultura
multifuncional. “O redesenho dos respectivos instrumentos de apoio e de intervenção
define uma estratégia de desenvolvimento cujo êxito estará intrinsecamente ligado às
capacidades inovadoras desencadeadas por esse processo” (MALUF, 2003, p. 150).
Neste sentido, através do movimento de valorização das multifunções da
agricultura, observado de forma mais evidente na Europa e, ainda embrionário no
Brasil, essa gama de atribuições, contempladas pela multifuncionalidade, ganha
destaque cada vez maior no meio acadêmico, nos movimentos sociais do campo e em
setores específicos das esferas públicas, reunindo lentamente componentes positivos
como o avanço das políticas nacionais acerca da agricultura familiar
20
, embora tais
20
Com destaque para o Ministério do Desenvolvimento Agrário/MDA criado em 25 de novembro de 1999
pela medida provisória 1.911-12 e sua última estrutura regimental foi definida pelo decreto nº 5.033 de
5 de abril de 2004. Tendo por competências a reforma agrária, a promoção do desenvolvimento
52
aspectos ainda permaneçam secundários na agenda política brasileira (FROEHLICH,
2002).
Para Wanderley (1999), a ruralidade e o desenvolvimento sustentável, no que
tange ao aspecto concernente ao desenvolvimento local/territorial, em grande medida,
são temáticas incorporadas, pela comunidade acadêmica, pelos movimentos sociais
e pelos formuladores das políticas públicas, todavia em um compasso mais lento em
comparação aos países da União Européia.
Neste contexto, ações com enfoque multifuncional têm resultado no crescimento
das oportunidades de trabalho rural não agrícola e na valorização de processos
produtivos artesanais, avessos à produção em larga escala e, que destacam um saber
que é intrínseco à produção familiar, resgatando qualidades da agricultura mais
“tradicional”.
Para Graziano da Silva (1999), o rural brasileiro, o qual define por “Novo Rural
21
”,
está criando um outro tipo de riqueza, além dos produtos agrícolas, baseada em bens e
serviços o-tangíveis e não suscetíveis de “desenraizamento”. O espaço rural no país
teria, assim, ganhado novas funções e novos tipos de ocupação como lazer, turismo,
moradia, conservação ambiental, atividades de serviços diversas, etc. Na visão de
Graziano da Silva (1997), o crescimento das atividades não-agrícolas, nas áreas ditas
rurais, parece ser uma tendência das mais importantes, tanto nos países desenvolvidos,
como é o caso dos Estados Unidos da América, como na América Latina, de modo
geral e, no Brasil, em particular.
Dentro da mesma lógica, apresentada por Graziano da Silva (1997), os debates
sobre a noção de multifuncionalidade da agricultura pretendem, entre outros,
sustentável da agricultura familiar e identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação
das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos. Dentro de suas realizações
práticas, Maluf (2002), destaca um de seus principais programas, o Programa Nacional de Fortalecimento
da agricultura familiar (Pronaf), que embora não especifique a noção da multifuncionalidade da
agricultura, configura-se em um exemplo da abordagem mais ampla sobre as características da
agricultura familiar e seu papel no desenvolvimento rural.
21
Para o exame dos elementos que têm sido levantados na investigação do chamado Novo Rural”
brasileiro, destaca-se a conclusão deste autor de que o meio rural no Brasil não pode mais ser
caracterizado como agrícola. Seus números indicam que, enquanto a População Economicamente Ativa
(PEA) agrícola diminuiu, a PEA rural aumentou nos últimos anos, e isto teria acontecido em razão de um
conjunto de atividades não-agrícolas - tais como prestação de serviços (pessoais, de lazer ou auxiliares
das atividades econômicas), o comércio e a indústria - que vem respondendo cada vez mais pela nova
dinâmica populacional do meio rural brasileiro (GRAZIANO DA SILVA,1999).
53
reinterpretar o papel dos estabelecimentos rurais numa sociedade mais atenta à
preservação do meio ambiente, à especificidade da paisagem rural e à qualidade dos
alimentos. Está em questão a própria "função social" dos agricultores, no sentido não
apenas de valorizar suas funções produtivas, mas de reconhecer também que eles
desempenham um papel positivo na manutenção da natureza, da paisagem e do tecido
social nos espaços rurais.
São ainda, noções complementares ao passo em que apontam para aspectos
diferentes do lugar da agricultura no mundo contemporâneo e mobilizam arenas
políticas diferentes, tendo em comum a definição da multifuncionalidade da agricultura
como a expressão de novas demandas sociais valorizando as contribuições específicas
e não mercantis dos agricultores (CARDOSO; FLEXOR; MALUF, 2003).
A noção de multifuncionalidade da agricultura representa uma tentativa de
reconhecer que os estabelecimentos agrícolas e, portanto, os agricultores que neles
vivem e estabelecem suas estratégias familiares desempenham funções sociais o
exclusivamente produtivas e mercantis conforme demonstrado por Graziano da Silva
(1997), permitindo uma abordagem articuladora entre a agricultura e o desenvolvimento
local. Ela estabelece uma ponte entre a atividade agrícola e o território, realçando seu
papel na manutenção do emprego nas zonas rurais (MALUF, 2003).
Nestes termos, Wanderley (2003) prevê que a legitimação da concepção da
multifuncionalidade da agricultura no Brasil poderá, principalmente, ajudar a fazer
emergir a consciência de que os agricultores assumem responsabilidades sociais que
deveriam merecer o reconhecimento da sociedade brasileira, contemplando estas
funções e bens públicos através de políticas públicas específicas articuladas aos
projetos de desenvolvimento local/territorial.
2.3.3 Função ambiental da multifuncionalidade da agricultura
O conceito de multifuncionalidade da agricultura se opõe à idéia de que a
agricultura configure-se apenas em uma atividade exclusivamente produtora de bens
alimentares de caráter mercantil. Todavia, as múltiplas funções da agricultura o são
novas.
54
Embora, atualmente, a maior parte dos agricultores desenvolvam uma agricultura
de caráter monofuncional, focado apenas na produção primária, com vistas a
comercialização, ainda hoje, muitos agricultores exploram as diversas funções da
agricultura tal como faziam os primeiros camponeses. Assim, não são as funções da
agricultura que são novas, mas seu reconhecimento explícito em nível de políticas
nacionais, regionais e internacionais, bem como, a compreensão de que essas funções
podem se fortalecer mutuamente (CARVALHO et al., 2004).
Conforme Maluf (2002), além de sua função primária de ofertar alimentos e
fibras, a atividade agrícola pode também moldar a paisagem, prover benefícios
ambientais tais como a conservação do solo, o manejo sustentável de recursos
naturais, a preservação da biodiversidade, além de contribuir à viabilidade de muitas
áreas rurais.
Neste sentido, a definição de multifuncionalidade da agricultura apresenta-se
como o conjunto de contribuições a um desenvolvimento econômico e social
considerado em sua unidade que, para além da produção de alimentos, pautando-se
em funções claramente inter-relacionadas, responsabiliza-se pela segurança alimentar;
manutenção do território; proteção ambiental; salvaguarda de capital cultural e
paisagístico; manutenção do tecido econômico e social rural, diversificação das
atividades que podem passar a incluir práticas como o agroturismo, o turismo rural,
mostras gastronômicas, etc.
A multifuncionalidade também pode ser vista na perspectiva da variedade de
produtos que a atividade agrícola é capaz de fornecer à sociedade. Para tal é
necessário relembrar que a atividade agrícola produz bens alimentares e bens não-
alimentares (energia); produz bens primários e bens transformados; produz bem estar
material e bem estar imaterial (conservação do solo, biodiversidade, etc); produz bens
públicos (paisagem, cultura, ambiente) e bens privados (bens alimentares); produz bens
comercializáveis e bens não comercializáveis (CARVALHO et al., 2004).
O quadro abaixo, ilustra de forma sucinta, as funções assumidas/elencadas pela
agricultura multifuncional.
55
FUNÇÕES DA
AGRICULTURA
ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS
Função
Alimentar e
Econômica
• Garantir a auto-suficiência alimentar nos mercados de
consumo local;
• Atrair novos investimentos e ativos;
Assegurar vias de acesso aos mercados: valorizar as vias de
acesso existentes e/ou criar outras;
Criar/adaptar infra-estruturas necessárias às atividades
econômicas.
Função
Social
• Gerar empregos e distribuir renda;
• Frear o êxodo da população rural em direção as zonas
urbanas;
• Inclusão social e qualificação profissional;
• Melhoria de qualidade de vida no meio rural;
• Reforçar a coesão social fazendo do espaço rural um local de
convivência e de cidadania.
• Valorização do estilo da vida rural.
Função
Patrimonial
• Manutenção, reprodução e diversificação de numerosas
espécies vegetais e animais;
• Promover os valores do patrimônio e da história local;
• Preservação dos conhecimentos e dos saber-fazeres
tradicionais;
• Conservar e valorizar os traços visuais que participam na
identidade do território: arquitetura, patrimônio construído, etc;
• Promover e fortalecer as manifestações artísticas, os saber-
fazeres antigos, incluindo-se aí os modos de vida, as relações
humanas e de produção, os vestígios arqueológicos, vestígios
de campos ou florestas anteriores, os contos e cantos, os
hábitos, usos e costumes.
Função
Recreativa e
Estética
• Responder a diversas necessidades da sociedade urbana:
locais de descanso e de lazer, atividades desportivas e de
melhoria das condições físicas, etc;
Construir locais de frequentação e espaços de lazer, pondo
em destaque os valores do patrimônio;
• Preservação dos aspectos visuais da paisagem original;
• Manutenção e diversificação das paisagens elemento
importante para a valorização do espaço rural e que serve de
base para o desenvolvimento de outras atividades, como o
turismo.
Função
Terapêutica e
Pedagógica
• Utilização na educação especial destinada às crianças e
adultos portadores de deficiências físicas e mentais;
Espaço de educação e de descoberta;
• Inter-relacionamento entre as pessoas do meio rural e urbano
e com o próprio espaço é permeado de descoberta para
ambos;
56
FUNÇÕES DA
AGRICULTURA
ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS
Função
Ambiental
• Garantir uma produção agrícola de qualidade e respeitadora
do meio ambiente;
• Valorizar os recursos locais assegurando a sua regeneração:
água, madeira, etc;
• Preservar a biodiversidade;
• Conservar e valorizar as especificidades naturais e
paisagísticas;
• Assegurar uma sintonia entre a produção agrícola e o meio
natural: relevo, natureza dos solos, recursos hídricos, etc.
Quadro 01 - As multifunções da agricultura e suas atribuições específicas. Fonte: Grupo de Trabalho
Inovação do Observatório Europeu LEADER (2000), adaptado.
A visão do rural como um território multifuncional
22
, circunscrito pela inter-relação
de diferentes funções, busca abrir um leque de novas possibilidades visando à
superação dos desequilíbrios sociais, econômicos e ambientais vivenciados
contemporaneamente, além da efetiva participação e desenvolvimento humano no meio
rural.
A interligação das múltiplas funções da agricultura contribui para a obtenção de
sistemas agrícolas mais sustentáveis e equilibrados enquanto produtores de alimentos.
Frente a tais ambições, todas as funções acima descritas desempenham um papel de
extrema relevância, todavia, no que tange, ao marco teórico desta pesquisa, cumpre
pormenorizar a função ambiental da agricultura.
A função ambiental é uma das funções primordiais da agricultura. Adormecida
durante as “décadas de ouro” da modernização agrícola, esta função ressurge
fortalecida como resultado de todos os problemas ambientais ligados à agricultura
intensiva e moto-mecanizada e insumizada de produtos químicos.
Conforme discutido anteriormente, pode-se citar inúmeros problemas oriundos
do que se convencionou chamar de “Revolução Verde”. Entre eles, merecem destaque
22
A noção de território é constituinte da noção de multifuncionalidade da agricultura na medida em que
reforça o espaço como base para os contratos entre os indivíduos e o Estado. Constituída não apenas
em termos geográficos ou político-administrativos, a noção de território é muito mais uma referência para
a elaboração de identidades a partir do cruzamento de aspectos geofísicos, econômicos e culturais, e
pode se expressar também na identidade de um produto (CARNEIRO, 2002, p. 231).
57
a poluição dos recursos hídricos, a erosão e perda de fertilidade dos solos, a diminuição
da biodiversidade, entre tantos outros.
A percepção de tal realidade, atrelada aos demais impactos do modelo de
desenvolvimento adotado nas últimas décadas, vem promovendo a busca pela
conservação da natureza. Esta busca faz com que o rural seja associado à natureza
fornecendo-lhe assim uma conotação positivada.
Jollivet lembra que, embora não tenha sido exatamente a partir da agricultura e
do campo que as preocupações ambientais tomaram corpo, posto que se iniciaram pela
poluição industrial, “a agricultura, os recursos naturais renováveis (a água em particular,
mas também os solos, as florestas etc.), a qualidade dos produtos agrícolas e do
espaço rural o tardaram a entrar em cena, e mesmo a ocupar um lugar especial no
tema ambiente” (JOLLIVET, 1998, p. 12).
Frente a tal conjuntura, a variável ambiental vai ganhando espaço no meio rural,
sendo um novo elemento definidor de práticas agrícolas e na configuração de novas
paisagens (CAZELLA; MATTEI, 2003; BRANDENBURG et al., 2004). A função
ambiental está atrelada à conservação e proteção dos recursos naturais e a
recuperação ambiental e refere-se à forma como todos os sistemas agrícolas e de
utilização da terra interferem diretamente nos componentes e no funcionamento dos
ecossistemas locais.
O compromisso público com a sustentabilidade, refletido no desafio de conciliar o
crescimento da produção agrícola com a preservação ambiental, ratificado pelo Estado
brasileiro quando da Rio-92, pode ser traduzido de forma simples, em uma postura
prática que prima pela conservação do solo, da água, dos recursos genéticos vegetais
e animais, ou seja, pela proteção do entorno no qual desenvolve-se a prática
agropecuária.
Neste sentido, sobretudo do ponto de vista institucional, é fundamental que haja
articulação entre políticas ambientais, que visem formas de regulação dos usos do solo
e da água, e políticas agrícolas e agrárias fortemente comprometidas com a justiça
fundiária, a geração de tecnologias limpas e a definição de metas sócio-ambientais a
serem atingidas pelo setor (MARTINS, 2005).
58
III ÁGUA E MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA:
LEGISLAÇÃO, USOS E CONFLITOS
3.1 Água e legislação brasileira: um breve resgate histórico
O crescimento demográfico brasileiro associado às transformações por que
passou o perfil econômico do país, conseqüência do aumento desordenado dos
processos de urbanização, industrialização e expansão agrícola, iniciados a partir do
último terço do século XX, rapidamente passou a ocasionar o aumento da demanda de
água e a exigir maior regularidade no seu fornecimento e instrumentos legais mais
complexos para o seu gerenciamento (PLANO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS,
2006).
A migração da população do campo para a cidade e a industrialização, além de
desempenharem expressivo acréscimo na demanda das águas dos mananciais,
também exigiram o crescimento do parque gerador de energia elétrica que, por sua vez,
implicou na necessidade de construção de aproveitamentos hidrelétricos. Neste
contexto, a possibilidade de produção de energia elétrica a partir do aproveitamento de
potenciais hidroenergéticos é um notório fator de incremento pelo interesse em
sistemas legais e institucionais de controle do uso da água que propiciassem maior
segurança aos investidores, até então privados em sua quase totalidade.
Adicionalmente, o aumento da população exigiu uma maior produção de alimentos o
que veio a encontrar na agricultura irrigada o veículo apropriado para satisfazer essa
demanda (SOUZA JÚNIOR, 2003).
Todavia, a história da preocupação com o estabelecimento de normas para o uso
da água no Brasil, considerando as suas várias possibilidades de fruição humana, o
é muito longa. Fazendo um breve retrospecto sobre a evolução da legislação nacional
acerca dos recursos hídricos identifica-se que somente com o advento da República e o
início da sofisticação da Administração Pública, que a sociedade brasileira inicia seus
primeiros passos para a conformação de um aparato legal e institucional destinado ao
59
controle sobre o uso dos seus recursos naturais, entre os quais a água (PLANO
NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS, 2006).
Conforme Pagnoccheschi (2000), até início do século XX, o aproveitamento da
água no Brasil pautava-se, fundamentalmente, na iniciativa de agentes privados e para
o abastecimento público. Neste contexto, vigorava o modelo de propriedade conjunta
terra-água, sendo virtualmente ausente o papel de regulação do poder público. Com a
evolução da tecnologia, promovendo um uso mais intensivo, uma maior geração de
cargas poluidoras e a implantação de obras de engenharia de grande porte, tornou-se
necessário o gerenciamento de tal recurso natural.
Depois de mais de vinte anos de discussões sobre a matéria, em 1934 foi
sancionado o Decreto Federal no 24.643, de 10 de julho, que ficou conhecido como
Código de Águas. Esse Código, julgado inovador para a época, substituiu o domínio
privado das águas pelo domínio público, assegurando o uso gratuito de qualquer corpo
hídrico (COSTA, 2003; SOUZA JÚNIOR, 2004; PLANO NACIONAL DE RECURSOS
HÍDRICOS, 2006). Neste período, as atribuições e competências acerca dos recursos
hídricos nacionais estavam relegadas ao Ministério da Agricultura, posto que a
prioridade do uso da água no país era eminentemente agrícola.
Segundo o Plano Nacional de Recursos Hídricos (2006), o Código dividia as
águas nacionais em: águas públicas, águas comuns e águas particulares, assegurando
o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de água para as primeiras
necessidades da vida, permitindo, a todos, o uso de quaisquer águas públicas,
conformando-se com os regulamentos administrativos. O Código se constituiu como um
“marco regulatório fundamental” para o setor elétrico (BARTH, 1999).
Do ponto de vista institucional, esse período após a instituição do Código de
Águas, caracterizou-se pela consagração do modelo burocrático de gestão de recursos
hídricos, cujo principal objetivo era cumprir e fazer cumprir os dispositivos legais, com
concentração do poder nas instituições públicas que aprovavam concessões e
autorizações de uso da água, licenciamento de obras, ações de fiscalização, de
interdição ou multa, entre outras ações (SOUZA JÚNIOR, 2004).
Na década de 1950, em decorrência da estratégia governamental de promover a
infra-estrutura necessária para a expansão do parque industrial brasileiro, tais
60
competências passaram para o setor elétrico, junto ao Ministério das Minas e Energia
(MME) (PAGNOCCHESCHI, 2000).
Em 1965, foi criado o Departamento Nacional de Águas e Energia que, em 1969,
assumiu as atribuições do Conselho Nacional de Energia Elétrica, passando a ser
denominado de Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE). Além
dessas atribuições, coube ao DNAEE executar o Código de Águas, cuidando do regime
hidrológico nacional, nos rios de domínio da União, o que lhe atribuiu a competência
para outorgar as concessões, autorizações e permissões de direitos de usos da água
(COIMBRA et al., 1999).
Na Constituição de 1967, tornou-se unicamente da União a pertinência de
legislar sobre toda água nacional. Neste sentido, em 1968, aglutinam-se as atribuições
do Departamento Nacional de Águas e Energia (DNAE) com as do Conselho Nacional
de Águas e Energia (CNAE) no Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica
(DNAEE), acentuando ainda mais a hegemonia que o setor elétrico tinha sobre os
demais aproveitamentos dos recursos hídricos. Em decorrência, apenas o capítulo
referente aos aproveitamentos hidrelétricos do Código das Águas é regulamentado,
enquanto os demais dispositivos, como os concernentes à proteção da qualidade das
águas, ficaram esquecidos (MUÑOZ, 2000).
Até a década de 1970, a legislação brasileira sobre recursos hídricos se
preocupava, principalmente, em disciplinar a propriedade e o uso da água, sem se ater
às necessidades de conservação e preservação, principalmente em razão da
abundância relativa de água no país e da percepção de que se tratava de um recurso
renovável e, portanto, infinito. As Constituições de 1934, 1937, 1946 e de 1967 refletem
tal pensamento, definindo a dominialidade das águas públicas e as atribuições
administrativas dos três níveis da Federação.
A partir dos anos 1970, a recorrência de graves contendas pelo uso da água
suscitaram discussões no meio técnico e acadêmico com vistas a minimizar tais
disputas. Os conflitos envolviam diferentes setores usuários, bem como, unidades
político-administrativas distintas. Conforme o Plano Nacional de Recursos Hídricos
61
(2006) ocorre neste período a implementação do modelo econômico-financeiro
23
de
gestão de recursos hídricos, que se desenvolveu a partir da inoperância do modelo
burocrático. O modelo econômico-financeiro se caracteriza por uma forte intervenção do
Estado, com predomínio das negociações político-representativas e econômicas, bem
como de instrumentos econômicos e financeiros para induzir à obediência as
disposições legais vigentes.
Em 1973, como resultado institucional imediato da realização da Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo, criou-se no país a Secretaria
Especial do Meio Ambiente (SEMA). Neste contexto, os Estados passaram a legislar
sobre o controle da poluição das águas, vinculando o assunto à proteção da saúde e do
meio ambiente, como forma de contornar a exclusividade federal para legislar sobre a
água e de tentar deter a atitude predatória das empresas, incluindo as da União,
identificadas como representativas da ideologia do crescimento econômico a todo custo
(MUÑOZ, 2000).
Ao longo da década de 1970 e, mais acentuadamente na década de 1980, a
sociedade começa a acordar para as ameaças a que estava sujeitando-se caso não
revisse sua atitude quanto ao uso de seus recursos hídricos. Nesse período, várias
comissões interministeriais foram instituídas no intuito de buscar alternativas de
aprimorar o sistema brasileiro de uso múltiplo dos recursos hídricos e minimizar os
riscos de comprometimento de sua qualidade, principalmente no que se refira às futuras
gerações, posto que começava a se fazer sentir a vulnerabilidade desse recurso
natural.
Embora o poder ainda permanecesse muito concentrado na esfera federal, tendo
partido justamente de técnicos do Governo Federal a iniciativa de criar estruturas para
gestão dos recursos hídricos por bacia hidrográfica, em 1976, em decorrência do
Acordo entre o Ministério das Minas e Energia e o Governo do Estado de São Paulo
cria-se o Comitê do Alto Tietê, cujo objetivo era buscar, a partir da operação das
23
O modelo econômico-financeiro objetivava a promoção do desenvolvimento econômico, nacional ou
regional, fundamentado em prioridades setoriais do governo central. Sua força motora eram os
programas de investimentos em saneamento, irrigação, eletrificação, entre outros e tinha como entidades
privilegiadas as autarquias e as empresas públicas (PLANO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS,
2006; SOUZA JÚNIOR, 2004).
62
estruturas hidráulicas existentes para produção de energia, melhores condições
sanitárias nas bacias dos rios Tietê e Cubatão (HAASE, 2005). Datam deste período as
iniciativas geridas pelo Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas
(CEEIBH), constituído conjuntamente pelo Ministério de Minas e Energia e Ministério do
Interior, que resultaram na criação de mais de dez comitês hidrográficos de rios
federais.
Em 1979, a Lei 6.662 retirou do DNAEE a atribuição de outorgar direitos de uso
da água para irrigação, passando-a ao Ministério do Interior, gerando muita confusão
que freqüentemente acabava em conflitos entre os Estados e a União (MUÑOZ, 2000).
A partir de 1983, com o período de redemocratização do País, inicia-se o
processo de descentralização, com ganho de maior poder por parte dos Estados e
perda de influência do nível federal (COSTA, 2003). Conforme Lanna (1997), os
instrumentos legais que até então disciplinavam as atividades do setor, eram
desarticulados, estabelecendo freqüentes conflitos e sobreposições. A estrutura
organizacional, incluindo diversas entidades blicas, federais, estaduais e municipais,
e privadas, originava uma administração confusa, dificultando o uso múltiplo e integrado
dos recursos hídricos e exigindo, portanto, aprimoramentos. Assim, somente a partir do
processo de redemocratização nacional e, com a nova Constituição de 1988, que deu
maiores poderes para os Estados e municípios, nasce uma nova fase no processo de
gestão dos recursos hídricos
24
.
Neste contexto, criam-se novas organizações, fruto tanto da evolução do quadro
político institucional, quanto do agravamento dos problemas concernentes aos recursos
hídricos, que passaram a ser mais complexos e a demandar uma maior participação
direta da sociedade para sua solução. Assim, levando em conta a política anteriormente
dispensada aos recursos hídricos, classificada como confusa e conflitante, tornou-se
premente a busca por um modelo de gestão hídrica mais integrada, que envolvesse os
24
Tendo como base o estabelecido na Constituição Federal de 1988 e nas decorrentes Constituições
Estaduais, alguns estados voltaram seus esforços para a elaboração das respectivas leis de recursos
hídricos. São Paulo foi o primeiro Estado a discutir o tema, promulgando a Lei Estadual em dezembro de
1991. Em seqüência, no mês de julho de 1992, foi a vez do Estado do Ceará, seguido pelo Distrito
Federal, em julho de 1993. No ano seguinte, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul
sancionaram suas leis de recursos hídricos, nos meses de junho, novembro e dezembro,
respectivamente. Em 1995, os estados de Sergipe e da Bahia promulgaram suas leis e, em 1996, Rio
Grande do Norte e Paraíba (PLANO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS, 2006).
63
diversos setores usuários, como os governos estaduais e municipais, bem como,
organizações civis e representantes dos diversos segmentos socioeconômicos, na
intenção de exigir a percepção da interatividade entre recursos distintos, como os do
solo, da atmosfera, da reserva hídrica e da diversidade biológica (BORBA; MERCANTE,
2001).
Em 1991, o governo federal encaminha ao legislativo o primeiro projeto de lei
propondo e instituindo o Sistema Nacional de Recursos Hídricos (SINGREH) bem
como, a definição da Política Nacional de Recursos Hídricos. A tramitação do projeto
avançou com a realização de debates, audiências públicas e seminários buscando
institucionalizar as diretrizes e programas de ação recomendados pela Conferência de
Dublin
25
acolhidos na Rio-92 e incorporados a seu principal instrumento programático, a
Agenda 21 (MUÑOZ, 2000). Segundo Pagnoccheschi (2000), a responsabilidade
simultânea pelas políticas de geração de energia e de recursos hídricos por parte do
setor elétrico perdurou até 1995
26
.
Refletindo as recomendações resultantes da Conferência de Dublin,
referendadas na ECO-92, por intermédio da Agenda 21, bem como, visando
regulamentar o inciso XIX, artigo 21, da Constituição Federal de 1988, e com base nos
dispositivos constitucionais, foi instituída a Política Nacional de Recursos Hídricos
(PNRH), pela Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Esta Política demonstra a
importância da água e reforça seu reconhecimento como elemento indispensável a
todos os ecossistemas terrestres, como bem dotado de valor econômico, além de
estabelecer que sua gestão deve ser estruturada de forma integrada, com necessidade
da efetiva participação social (PLANO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS, 2006).
Segundo Muñoz (2000), a Lei das Águas, aprovada em 1997, foi o produto de
quatorze anos de trabalho e discussões. Suas origens remontam aos debates ocorridos
durante o Seminário Internacional de Gestão de Recursos Hídricos, organizado pelo
25
A Declaração de Dublin sobre Recursos Hídricos e Desenvolvimento Sustentável, de 1992,
estabeleceu recomendações com base em quatro princípios: o primeiro refere-se ao reconhecimento da
água como um recurso finito e vulnerável, essencial para a sustentação da vida; o segundo salienta a
importância da participação dos usuários, planejadores e políticos de todos os níveis na gestão da água;
o terceiro enfatiza o papel das mulheres no aprovisionamento, gestão e proteção da água; e o quarto
reconhece o valor econômico da água (MUÑOZ, 2000).
26
Neste ano o então presidente, Fernando Henrique Cardoso, cria um espaço administrativo específico,
na forma de uma Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, dos
Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (PAGNOCCHESCHI, 2000).
64
Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) em 1983, em Brasília.
Bem como às primeiras reuniões de órgãos gestores de recursos hídricos durante o ano
de 1984, onde registravam-se duras contestações à atuação do DNAEE, classificada
por alguns Estados como centralizadora e setorial, posto que, no Brasil,
tradicionalmente, o setor elétrico atuava como único agente do processo de gestão dos
recursos hídricos superficiais, ilustrando a clara assimetria de tratamento conferida pelo
poder central, o que favorecia esse setor em detrimento das demais categorias usuárias
da água. Muñoz (2000), também ressalta a importância da Associação Brasileira de
Recursos Hídricos (ABRH) através de recomendações que foram totalmente acolhidas
no texto da lei
27
.
A gestão dos recursos hídricos no Brasil é um grande desafio, sob vários
aspectos, de modo que a Lei das Águas representou um grande avanço no sentido da
gestão integrada da água, visando sua conservação e uso racional, além de iniciar um
novo modelo de gestão para os recursos hídricos no país denominado sistêmico,
juntamente com várias outras legislações estaduais e municipais que vêm sendo
publicadas (SOUZA JÚNIOR, 2004; HAASE, 2005).
E, finalmente, a Lei n.° 9.984, sancionada em 17 de julho de 2000, criou a
Agência Nacional de Águas (ANA), uma Autarquia sob regime especial, com autonomia
administrativa e financeira, vinculada ao Ministério de Meio Ambiente. A ANA tem como
missão implementar a Política Nacional de Recursos dricos e o Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos (CARDOSO, 2003; SOUZA JÚNIOR, 2004;
HAASE, 2005).
Para finalizar, pode-se dizer que a gestão hídrica brasileira começa nos anos
1930, a partir da promulgação do Código das Águas, e vem até os dias atuais. Assim, o
período que se estende da criação do Código das Águas aos anos 1970 estaria
representado pelo modelo burocrático, tendo havido então uma transição para o modelo
27
Na Carta de Salvador, de 1987, a Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH) recomendou a
garantia de usos múltiplos, a descentralização, a participação comunitária e a necessidade de criação de
um sistema nacional com participação da União, Estados e Municípios. A Carta de Foz do Iguaçu, de
1989, pronunciou-se favorável a indissociabilidade dos aspectos qualitativos e quantitativos da água, à
adoção da bacia hidrográfica como unidade de gestão e dos instrumentos de outorga e cobrança,
institucionalizando o princípio usuário-pagador. E a Carta do Rio de Janeiro, de 1991, enfatizou a
necessidade da gestão integrada dos recursos dricos, do uso e ocupação do solo, da compatibilização
do gerenciamento dos recursos hídricos interiores com o gerenciamento costeiro, além da articulação das
políticas de meio ambiente e recursos hídricos (MUÑOZ, 2000).
65
econômico-financeiro. Atualmente estaríamos caminhando para o modelo sistêmico,
considerado como o mais moderno em termos de gestão pública
28
(SOUZA JÚNIOR,
2004). Assim, é consenso que as progressivas mudanças no arcabouço legal e
administrativo, no trato da problemática ambiental, configuraram-se em uma evolução
conceitual, doutrinária e metodológica atinente à gestão dos recursos naturais, entre
eles, as águas, especialmente.
3.2 Princípios orientadores da gestão das águas
O modelo de gerenciamento hídrico adotado no Brasil representa um novo marco
institucional, incorporando princípios e instrumentos de gestão inteiramente novos,
embora aceitos e praticados em vários países. Ele enquadra-se no modelo sistêmico
de integração participativa que tem como “característica básica a incorporação, de
forma sinergética, de quatro tipos de negociação: econômica, política direta, político-
representativa e jurídica” determinando a criação de uma estrutura sistêmica, na forma
de matriz institucional de gerenciamento, responsável pela execução de funções
específicas (SETTI et al., 2000; SOUZA JÚNIOR, 2004; PLANO NACIONAL DE
RECURSOS HÍDRICOS, 2006).
A Política Nacional de Recursos Hídricos é clara e objetiva na definição de
diretrizes gerais de ação (Capítulo III, artigo , incisos I a VI), as quais se referem à
indispensável integração da gestão das águas com a gestão ambiental. Outros avanços
confirmam o caráter de bem essencial à vida, onde, em situações de escassez, o uso
prioritário é o consumo humano e de animais, devendo a gestão dos recursos hídricos
proporcionar sempre o uso múltiplo das águas. Além disso, a Lei elegeu ainda outros
dois fundamentos essenciais a que se referem os incisos V e VI do seu artigo 1º: a
bacia hidrográfica como unidade territorial para implementação da Política de Recursos
Hídricos, bem como a determinação legal de que a sua gestão deve ser
28
Classifica-se o Modelo de Gestão Burocrático como centralizado no Estado pautado em instrumentos
de comando e controle. O Modelo Econômico-financeiro configura-se em um planejamento estratégico
pautada por instrumentos econômicos e tecnocracia; e o Modelo Sistêmico define-se como
descentralizado, pautado no compartilhamento do planejamento, em instrumentos econômicos e na
gestão participativa (SOUZA JÚNIOR, 2004).
66
descentralizada e contar com a participação de todos, Poder Público, Setores Usuários
e Sociedade Civil (PLANO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS, 2006).
Dentro de tal lógica, a legislação dispõe de cinco instrumentos de gestão que se
destacam entre os demais, quais sejam, os Planos de Recursos Hídricos (PRH), neles
incluídos o Plano Nacional, dos estados e de Bacias Hidrográficas; o enquadramento
dos corpos d’água em classes, segundo seus usos preponderantes; o Sistema Nacional
de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH); a outorga de direito de uso e a
cobrança pelo uso da água.
Os Planos de Recursos Hídricos (PRH)
29
, instrumentos de caráter técnico, visam
fundamentar e orientar a implementação da Lei 9.433/97, bem como o gerenciamento
dos recursos hídricos. São documentos programáticos para o setor no espaço de cada
bacia hidrográfica
30
. Trata-se de um trabalho de profundidade, que contempla não a
atualização das informações regionais que influenciam na tomada de decisão na região
da bacia hidrográfica, mas que também procura definir, com clareza, a distribuição das
vazões entre os usuários (SETTI et al., 2000).
O enquadramento dos corpos d’ água em classes de usos preponderantes é um
instrumento de planejamento, que visa indicar as metas de qualidade das águas a
serem alcançadas em uma bacia hidrográfica, em determinado período temporal, a
classe que os corpos de água devem atingir, ou em que classe de qualidade de água
deverão permanecer para atender às necessidades de uso definidas pela sociedade
(PLANO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS, 2006). O enquadramento é
29
O conteúdo mínimo desses planos encontra-se definido no artigo da Lei nº 9.433/97, sendo que
essa definição legal é complementada pelas Resoluções de nº 17/2001 e nº 22/2002 do CNRH. A
primeira estabelece as diretrizes para os planos por bacia hidrográfica, detalhando os tópicos que
integram seu conteúdo mínimo recomendado, além de apresentar um fluxograma do processo de
elaboração desses planos. A segunda contempla diretrizes para inserção dos estudos sobre águas
subterrâneas nos Planos de Recursos Hídricos, incorporando a temática dos múltiplos usos dessas
águas, as peculiaridades dos aqüíferos e os aspectos relacionados à sua qualidade e quantidade
(PLANO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS, 2006).
30
Os Planos de Recursos Hídricos de Bacias Hidrográficas serão elaborados pelas Agências de Água e
submetidos à apreciação e aprovação aos respectivos Comitês, conforme o artigo 38, III e 44, X.
Enquanto não houver Agências de Água ou entidade delegatária das funções de Agência, os Planos de
Bacia poderão ser elaborados pelas entidades gestoras, detentoras do poder outorgante, sob supervisão
e aprovação dos respectivos Comitês. No caso de não existir Comitê de Bacia, as competentes entidades
ou os órgãos da Administração Pública responsável pela gestão de recursos hídricos serão responsáveis,
com a participação dos usuários de água e das entidades civis de recursos hídricos, pela elaboração da
proposta de Plano de Bacia, bem como deverão implementar as ações necessárias à criação do
respectivo Comitê, que será responsável pela aprovação do referido Plano (Plano Nacional de Recursos
Hídricos, 2006, p. 68).
67
extremamente importante para se estabelecer um sistema de vigilância sobre os níveis
de qualidade da água dos mananciais. Esse instrumento, classificado como técnico,
permite fazer a ligação entre a gestão da quantidade e a gestão da qualidade da água.
O Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH),
instrumento de caráter técnico, é destinado a coletar, organizar, criticar e difundir a base
de dados relativa aos recursos hídricos no que concerne a seus usos e ao balanço
hídrico de cada manancial e de cada bacia, provendo os gestores, os usuários, a
sociedade civil além de outros segmentos interessados, com as informações
necessárias para opinar de forma embasada no processo decisório.
A outorga de direito de uso dos recursos hídricos é o instrumento pelo qual o
usuário recebe autorização ou concessão para fazer uso da água. A cobrança pelo uso
da água se propõe a criar as condições de equilíbrio entre as forças da oferta
(disponibilidade da água) e da demanda, visando promover, em conseqüência, a
harmonia entre os usuários competidores, ao mesmo tempo em que também almeja a
redistribuição dos custos sociais, a melhoria da qualidade dos efluentes lançados, além
de ensejar a formação de fundos financeiros para o setor. Instrumento de caráter
técnico, a outorga, e de vertente econômica, a cobrança, ambos configuram-se em
conceitos de grande importância nesta pesquisa, de modo que serão pormenorizados
na seqüência.
Os instrumentos da Política têm relação estreita com as entidades que integram
o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), sendo que
alguns dos instrumentos que compõem SINGREH merecem destaque, quais sejam, o
Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH); A Secretaria de Recursos Hídricos
(SRH); a Agência Nacional de Águas (ANA); os Conselhos Estaduais de Recursos
Hídricos (CERH); os Comitês de Bacias Hidrográficas (CBH) e as Agências de Água,
todos qualificados como instrumentos institucionais
31
. Entre eles julga-se relevante
31
Todavia, é importante salientar que não se pode atribuir maior relevância a nenhum dos órgãos e
entidades integrantes do SINGREH isoladamente, por outro lado, é forçoso reconhecer, no atual estágio
de implementação deste sistema, a dimensão gerencial e a responsabilidade técnica sobremaneira
acentuadas que se revestem os Comitês de Bacia Hidrográfica e suas agências executivas: a estas
incumbe a função de prestar o suporte técnico-operacional às decisões dos Comitês.
68
enfatizar o papel dos Comitês de Bacias Hidrográficas considerados por alguns como o
maior desafio na construção desta nova institucionalidade.
Os Comitês de Bacias Hidrográficas, ou o “Parlamento das Águas”, o órgãos
colegiados locais cujas atribuições, a teor do disposto no § 1º do artigo 1º da Resolução
CNRH 05/2000, devem ser exercidas na bacia hidrográfica de sua jurisdição,
incumbindo-lhes promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e
articular a atuação das entidades intervenientes, bem como arbitrar, em primeira
instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos, aprovar o
Plano de Recursos Hídricos da bacia, acompanhar a sua execução e sugerir as
providências necessárias ao cumprimento de suas metas (PLANO NACIONAL DE
RECURSOS HÍDRICOS, 2006).
São compostos por representantes do poder blico nas esferas federal,
estadual e municipal, bem como, representantes da sociedade civil e dos usuários.
Compete aos Comitês de Bacia Hidrográfica, no âmbito de sua área de atuação:
promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação
das entidades intervenientes; arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos
relacionados aos recursos hídricos; aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia,
acompanhar a sua execução e sugerir as providências necessárias ao cumprimento de
suas metas.
A constituição do comitê de bacia hidrográfica visa à promoção de uma
negociação social através da formação de um fórum no qual todos os interessados
possam expor seus interesses e discuti-los, de forma transparente e inequívoca. Ou
seja, a legislação federal flexibilizou a participação social, transferindo para os comitês
o esforço de negociação dos representativos. Todavia, como forma de regulação, ela
prevê os limites máximos e mínimos para a participação do poder público (União,
Estados e Municípios) e da sociedade civil, respectivamente (SOUZA JÚNIOR, 2004).
Segundo Grassi (1999) apud SEMA (2002), a composição qualitativa dos
comitês deve considerar as funções e os interesses dos usuários, públicos e privados, e
da população da bacia, com referência ao bem público, água. Neste particular, os
usuários se distinguem pelos interesses utilitários, econômicos e sociais; a população,
pelos interesses difusos vinculados ao desenvolvimento sócio-econômico local ou
69
regional, a aspectos culturais ou políticos, e a proteção ambiental, entre outros; e o
poder público, como detentor do domínio das águas.
3.2.1 Outorga de direito de uso
A outorga de direito de uso é um dos principais instrumentos da Política Nacional
de Recursos Hídricos, estabelecidos no inciso III, do art. 5° da Lei Federal n° 9.433, de
08 de janeiro de 1997. Esse instrumento tem como objetivo assegurar o controle
quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à
água, configurando-se em um instrumento de prevenção, ou resolução, de conflitos de
uso, comuns na inexistência ou inaplicação do mesmo (PLANO NACIONAL DE
RECURSOS HÍDRICOS, 2006).
A outorga de direito de uso de recursos hídricos é o ato administrativo mediante
o qual o poder público outorgante, quais sejam, União, Estado ou Distrito Federal
facultam ao outorgado, ou requerente, o direito de uso de recurso hídrico, por prazo
determinado, nos termos e nas condições expressas no respectivo ato administrativo.
Portanto, este é um instrumento discricionário que os poderes públicos, proprietários
constitucionais das águas, dispõem para promover o seu uso adequado, sob o ponto de
vista da sociedade, conformando-se em instrumento de racionalização quando outros
mecanismos de indução não funcionam (SETTI et al. 2000).
Contudo, é importante enfatizar que a outorga não representa alienação das
águas, posto que os recursos hídricos nacionais são inalienáveis, porém tem o condão
de separar das águas genericamente consideradas como bem de uso comum do povo,
a parcela outorgada, conferindo prioridade ao outorgado, passível de suspensão nos
casos previstos no artigo 15 da Lei 9.433/97, destacando-se entre eles as situações
em que estiver ameaçado o interesse público e a prioridade ao abastecimento humano
e a dessedentação de animais.
Assim, o instrumento de outorga é de extrema relevância para o gerenciamento
dos recursos hídricos, pois permite ao administrador, outorgante, realizar o controle
quali-quantitativo da água, e ao usuário, requerente, a necessária autorização para
implementação de seus empreendimentos produtivos. É, também, um instrumento
70
importante para minimizar os conflitos entre os diversos setores usuários e evitar
impactos ambientais negativos aos corpos hídricos (ANA, 2002).
Segundo Kelman (1999) apud Machado (2001), a outorga visa dar garantia ao
usuário outorgado quanto à disponibilidade de água, como insumo básico de processo
produtivo. Salienta também que a outorga tem valor econômico para quem a recebe, na
medida em que oferece garantia de acesso a um bem limitado. A emissão de outorgas
também pode ser trabalhada na perspectiva de garantir vazões para a manutenção dos
ecossistemas.
De acordo com o artigo 12° da Lei Federal 9.433/97 estão sujeitos a outorga
pelo Poder Público os direitos dos seguintes usos de recursos hídricos:
- Derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo d'água para
consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo;
- Extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de
processo produtivo;
- Lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou
gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;
- Uso de recursos hídricos com fins de aproveitamento dos potenciais
hidrelétricos;
- Outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água
existente em um corpo de água.
A Lei, em seu artigo 12, §1°, também enumera os usos que não dependem de
outorga, ou seja, os destinados ao abastecimento de pequenos núcleos rurais, as
derivações, captações e acumulações de água, como também os lançamentos de
efluentes considerados insignificantes. Vale ressaltar que, mesmo os usos dispensados
de outorga, são passíveis de cadastramento (PLANO NACIONAL DE RECURSOS
HÍDRICOS, 2006).
Conforme o inciso IV, do art. 4° da Lei Federal n° 9.984, de 17 de junho de 2000,
compete à Agência Nacional de Águas (ANA) outorgar, por intermédio de autorização, o
direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União, bem como
emitir outorga preventiva. Em corpos hídricos de domínio dos Estados e do Distrito
71
Federal, a solicitação de outorga deve ser feita às respectivas autoridades outorgantes
estaduais responsáveis pelo gerenciamento dos recursos hídricos
32
(ANA, 2002).
Toda outorga estará condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos
Planos de Recursos Hídricos e deverá respeitar a classe em que o corpo de água
estiver enquadrado. Durante o período de vigência da outorga o requerente deverá
manter em seu poder todos os documentos comprobatórios das informações prestadas
nos formulários de solicitação de outorga, comprometendo-se a disponibilizá-los, ao
outorgante, a qualquer tempo, caso necessário, ficando sujeito às penalidades legais
em caso de inexpressão da verdade (ANA, 2008).
3.2.2 Cobrança pelo uso da água
O fundamento legal para a cobrança pelo uso da água no Brasil remonta ao
Código de Águas, Decreto Lei 24.642/34, que estabelecia (artigo 3°, parágrafo 2°) o uso
comum das águas, gratuito ou retribuído, de acordo com as leis e os regulamentos da
circunscrição administrativa a que pertencerem (MENDONÇA, 2002; ANA, 2008).
Na seqüência, a Lei 6938/81, que trata da Política Nacional de Meio Ambiente,
contempla a possibilidade de aplicação ao poluidor e ao predador, da obrigatoriedade
de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela
utilização de recursos ambientais com fins econômicos, conceito denominado de
poluidor-pagador, ou usuário-pagador
33
(ANA, 2008).
32
A outorga no Rio Grande do Sul esdefinida no Art. 29 da Lei 10.350/94. Em seu artigo 29, a Lei
10.350, explica que qualquer empreendimento ou atividade que alterar as condições quantitativas e/ou
qualitativas das águas, superficiais ou subterrâneas, tendo como base o Plano Estadual de Recursos
Hídricos e os Planos de Bacia Hidrográfica, dependerá de outorga. Caberá ao Departamento de
Recursos Hídricos a emissão de outorga para os usos que alterem as condições quantitativas das águas.
Em 1996, o Decreto 37.033, de 21 de novembro, regulamentou este instrumento, estabelecendo os
critérios para a concessão, "licença de uso" e "autorização", bem como para a dispensa. O Decreto
42.047, de 26 de dezembro de 2002, regulamenta disposições da Lei n° 10.350, de 30 de dezembro de
1994, com alterações, relativas ao gerenciamento e à conservação das águas subterrâneas e dos
aqüíferos no Estado do Rio Grande do Sul (SEMA, 2006).
33
O princípio poluidor-pagador obriga quem polui a pagar pela poluição que causou ou que pode vir a ser
causada. O principio usuário-pagador, por sua vez, estabelece que quem utiliza a água deve pagar por
ela e abrange o abastecimento domiciliar, irrigação, produção industrial, energia hidráulica, navegação e
pesca.
72
Por fim, a Lei 9433/97 legitima a cobrança de quantitativos monetários como um
dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos nacionais. Subseqüentemente, a Lei
9984/2000, que instituiu a Agência Nacional de Águas (ANA), atribuiu a esta Agência a
competência para implementar, em articulação com os Comitês de Bacia Hidrográfica, a
cobrança pelo uso dos recursos hídricos de domínio da União (ANA, 2008).
Todavia, é importante salientar que as instâncias responsáveis pelo
estabelecimento do sistema de cobrança são os Comitês de Bacia Hidrográfica de
modo que a cobrança pelo uso de recursos hídricos depende de decisão dos mesmos
para efetivar-se na prática. Além disso, compete aos comitês, juntamente com a ANA, o
estudo dos valores a serem cobrados (ANA, 2002). A Lei também prevê que esses
recursos sejam aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que forem gerados
(artigo 22, caput, da Lei n° 9.433/1997).
Conforme a mesma Lei, os usos de recursos hídricos a serem cobrados são
aqueles sujeitos à outorga e, ademais, os valores a serem fixados para a cobrança são
diretamente relacionados com parâmetros utilizados para outorgas no âmbito de uma
bacia hidrográfica (PLANO NACIONAL DOS RECURSOS HÍDRICOS, 2006). Além
disso, o texto legal é explícito ao imprimir o caráter de negociação social ao instrumento
da cobrança, o que impede a adoção, pela Administração, de um caráter meramente
arrecadador, quando define, no artigo 38, VI, da Lei, que compete aos Comitês de
Bacia estabelecer os mecanismos da cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir
os valores a serem cobrados. Nesse mesmo artigo, inciso V, é explicitada a
competência dos Comitês em propor aos Conselhos Estaduais e ao Conselho Nacional
os usos de pouca expressão, a serem isentos de outorga e, conseqüentemente, da
cobrança. Assim, pressupõe-se um amplo processo de negociação para a implantação
da cobrança, que tem nos Comitês de Bacia Hidrográfica seu principal lócus.
Segundo ANA (2008), vinte e quatro Estados e o Distrito Federal aprovaram
suas Leis sobre Política e Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos
34
. Todas
elas incluíram a cobrança pelo uso dos recursos hídricos como instrumento de gestão.
Nesse contexto, a cobrança pelo uso da água configura-se, no que tange aos conceitos
34
No Estado do Rio Grande do Sul a Lei 10.350, de 30/12/1994, institui o Sistema Estadual de
Recursos Hídricos, regulamentando o artigo 171 da Constituição do mesmo Estado.
73
introduzidos pelas leis brasileiras, em um instrumento econômico de gestão, valorização
e racionalização da água bruta pautado na fixação de preço para o uso privativo das
águas dos rios, lagos, aqüíferos e outros corpos d’água. Assim, a cobrança é entendida
como um preço público e como uma retribuição que o usuário faz à sociedade por
utilizar privativamente um bem que é de uso comum (GRANZIEIRA, 2001).
Carrera-Fernandez; Garrido (2002) resumem bem o argumento da necessidade
da aplicação da cobrança da água, associando-o com o momento em que ocorre a
escassez de água. Para eles, sempre que houver abundância de água de boa
qualidade, ela poderá ser considerada como bem livre, sem valor econômico.
Entretanto, a cobrança pelo uso da água se justifica sempre que o balanço hídrico de
uma bacia ou acumulação subterrânea se torne crítico, bem como nos casos onde a
poluição da água possa comprometer a sua qualidade, exigindo assim recursos para
financiar ações, projetos e obras hidráulicas.
Assim, pode-se dizer que, por trás das considerações legais no que concerne ao
reconhecimento da água como bem de valor econômico e da participação social na
gestão hídrica está o cerne da ciência econômica em sua vertente clássica
35
pautada
na possibilidade de escassez do bem e nos conflitos originados de tal escassez
(SOUZA JÚNIOR, 2004).
No que tange a Lei 9433/97, o artigo 5, item IV, destaca o instrumento
econômico adotado, ou seja, a cobrança pelo uso da água. No artigo 19, itens I e II, a
35
Para os clássicos, como Smith e Ricardo, o valor de um bem é dado por sua raridade e tempo de
trabalho incorporado. Todavia, no contexto em que desenvolveram seus estudos, a água, embora de
grande utilidade, era tida como abundante não requerendo trabalho para ter acesso a mesma de modo
que, em tais circunstâncias, os recursos hídricos não possuíam valor de troca. os neoclássicos, não
atribuem nenhum papel e importância à água. Essa ruptura introduz uma mudança radical, pois retira da
econômica toda referência à natureza. O meio ambiente é visto como insumo ou como campo neutro
para a realização das atividades econômicas. A discussão passa a se centrar na distribuição entre os
fatores de produção. Todavia, nos anos 1970, os recursos naturais foram re-introduzidos no escopo da
teoria neoclássica, posto que o se podia ignorar os impactos ambientais causados pelas atividades
econômicas assim como a fragilidade da teoria em explicá-los. A solução neoclássica foi resgatar vários
teóricos como: Hotelling (1931), Coase (1961); Pigou (1920), entre outros. Destaca-se, dentre estes,
Arthur Cecil Pigou (1877-1959), que, em 1920, no livro Economics of welfare, identificou os efeitos
externos ou externalidades, como prejuízos suportados por terceiros, alheios ao processo econômico, em
decorrência do uso de determinados recursos naturais, ou seja, falhas no funcionamento do mercado que
deveriam ser incorporados ao cálculo econômico dos agentes de mercado. Estes custos devem ser
valorados e incluídos nos custos privados, através do processo de correção dos efeitos externos
negativos, ou internalização das externalidades. Para isso, utilizam-se mecanismos de cobrança,
impostos e taxas, efetuados pelo Estado, como forma de ação corretiva (MUELLER, 1996; GODOY,
2007).
74
mesma Lei descreve claramente os princípios do custo marginal e da racionalidade, na
determinação dos seguintes objetivos:
a) reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de
seu real valor; o que significa adotar uma visão de eficiência econômica para a gestão
das águas, adotando o custo marginal da água como referência;
b) incentivar a racionalização do uso da água, o qual consiste em estabelecer o
acordo social em torno de seu valor, devidamente discutido no âmbito do comitê de
bacia;
c) obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções
e intervenções contempladas nos planos de recursos hídricos.
Conforme Souza Júnior (2004), o primeiro destes objetivos traz a noção de valor,
colocada como “real valor” da água. O segundo objetivo embute uma preocupação com
a sustentabilidade como base na mudança de paradigma da administração dos
recursos naturais, do gerenciamento da oferta de um recurso abundante para o
gerenciamento da demanda para um recurso limitado. Todavia, as iniciativas de
cobrança da água, pioneiras no Brasil
36
, se concentram especialmente no terceiro
objetivo, por dois motivos centrais, quais sejam: a identificação dos níveis de
36
O Comitê para Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Ceivap), instituído pelo Decreto
Federal 1.842, de 22 de março de 1996 e formalmente instalado em 18 de dezembro de 1997, foi o
primeiro Comitê a implementar a cobrança pelo uso da água em rios de domínio da União no ano de
2003. A arrecadação da Bacia nos anos de 2003 e 2004 foi de R$ 12,23 milhões, com uma média mensal
de R$ 510 mil. O setor que mais contribui com esta arrecadação foi o Saneamento (59,28%), seguido do
setor Industrial (40,55%), do setor Agropecuário (0,05%) e outros setores (0,12%), tais como aqüicultura
e a mineração. Souza Júnior (2004) enfatiza que o pressuposto mais importante que norteou a definição
do sistema de cobrança do Ceivap foi a simplicidade conceitual e operacional, que possibilitou sua
aplicação em curto prazo na bacia. A cobrança na Ceivap foi definida pela equação:
Valor mensal = Qcap { Ko + K1 + ( 1 - K1). (1 - K2.K3) } . PPU
Qcap = Volume de água captada durante um mês (m³/mês);
Ko = Multiplicador de redução do preço unitário para captação (Inferior a 1 e definido pelo comitê). O
artigo 2° estabelece o valor de 0,4 (quatro décimos) para Ko;
K1 = Coeficiente de consumo (uso consuntivo) para a atividade em questão, ou seja, a relação entre o
volume consumido e o volume captado pelo usuário;
K2 = Porcentagem do volume de efluente tratado em relação ao total produzido, ou a razão entre a vazão
de efluente tratada e a vazão de efluente bruta;
K3 = Nível de eficiência de redução de carga orgânica, medida em DBO, do tratamento de efluentes do
usuário;
PPU = Preço Público Unitário pelo uso da água, seja para captação, seja para consumo e/ ou diluição de
efluentes, estabelecido em R$/m³; o valor definido pela deliberação Ceivap 8/2001 é de R$ 0,02/m³.
A equação acima descrita é dividida em três parcelas, onde a primeira é referente à cobrança pelo
volume de água captada no manancial, a segunda refere-se à cobrança pelo consumo e por último a
cobrança pelo despejo de efluentes no corpo receptor (SOUZA JÚNIOR, 2004).
75
degradação dos recursos hídricos, bem como a atribuição de valores monetários para
sua recuperação, com base em parâmetros tradicionalmente utilizados para este fim,
como por exemplo, a demanda biológica de oxigênio (DBO) e oxigênio dissolvido (OD).
E, a possibilidade do auto-investimento com base nos recursos de cobrança em ações
de impacto (obras que resolveriam a questão da degradação de maneira concentrada)
criar a sinergia necessária para a implementação de ações de cunho mais prolongado,
rompendo com a inércia do sistema.
A internalização das externalidades ambientais via multas, pagamentos, taxas,
entre outros, aplicadas ao poluidor parte do princípio que ao pagar o poluidor mudará
seus hábitos de consumo; portanto, o pagamento atuará como limitador dos abusos de
determinadas pessoas ou grupos acerca da utilização da água. Tal princípio faz parte
da política ambiental de vários países e está claramente ratificado na Lei das Águas do
Brasil (GODOY, 2007).
Na análise econômica tradicional, a condição básica para determinação de
preços do uso da água é o conhecimento de seu mercado demandante e,
conseqüentemente, de suas curvas de demanda. A curva pode ser definida
como o lugar dos pontos de um gráfico de preços e quantidades demandadas
que indica par a par, a quantidade (Q) de água demandada pela população
(demanda agregada), em uma unidade de tempo, a um preço determinado (P).
Representa, pois a tentativa de relacionar a intensidade da procura em uma
unidade de tempo. Para diagnosticar as inflexões ao longo do tempo, é
importante conhecer o comportamento do consumidor em relação ao preço do
produto (água) e também em relação à sua renda. Em síntese, necessitamos
conhecer a elasticidade-preço e a elasticidade-renda da demanda (SOUZA
JÚNIOR, 2004, p. 85).
No Brasil, os estudos de cobrança lançam mão de pesquisas com consumidores
baseados em valores previamente estabelecidos, geralmente associados aos pagos
nas contas de água, os quais se referem aos custos de tratamento e distribuição, e não
ao valor da água em si. Tais técnicas, determinadas por estimativas de disposição a
pagar (DAP), definem curvas de demanda
37
teóricas para o bem estudado (SOUZA
JÚNIOR, 2004).
37
A determinação das curvas de demanda da água com o propósito de estabelecer preços ótimos
baseia-se no conhecimento do comportamento do consumidor perante preços e quantidades negociados
no mercado tratando-se de uma de determinação posterior a existência de um mercado (SOUZA
JÚNIOR, 2004).
76
Conforme ANA (2008), a cobrança pelo uso da água vem sendo efetivada em
duas bacias hidrográficas, quais sejam, a Bacia Hidrográfica Capivari e Jundiaí e a
Bacia Hidrográfica Paraíba do Sul e Piracicaba, que percorrem os estados de São
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, contemplando uma população de cerca de 10
milhões de habitantes
38
.
Como afirma Mota (2001)
a finalidade dos instrumentos econômicos é proporcionar os melhores
resultados em termos de eficácia ambiental e de eficácia econômica, tendo
como objetivo assegurar um preço apropriado para os recursos ambientais, de
forma a promover seu uso e alocação, o que permite garantir aos
ativos/serviços ambientais tratamento similar aos demais fatores de produção
(MOTA, 2001, p. 129).
Todavia, Barth (1987) lembra que a cobrança pelo uso dos recursos hídricos
precisa ser vista em um contexto mais amplo que a relacione com outros instrumentos
jurídicos como outorga de direitos de uso, licenciamento ambiental, sistema de
informações,monitoramento, fiscalização, etc.
É importante salientar que a questão da cobrança pelo uso dos recursos hídricos
é polêmica e causa reações negativas de pessoas ou grupos que entendem ser mais
uma forma de aumento de imposto e, por isso, a desaprovam enfaticamente. Deve-se
levar em conta que a idéia subjacente deste instrumento é que a bacia deve gerar os
recursos financeiros para seus próprios investimentos, assim como o faz um
condomínio de edifício (SETTI et al., 2000).
Neste mesmo contexto, a cobrança poderá ser entendida e aplicada como
instrumento eficaz de política pública quanto ao ordenamento territorial, especialmente
considerando o caráter estruturante da atividade econômica que têm as águas,
fortemente impulsionador de desenvolvimento e ao mesmo tempo assegurador de
qualidade de vida das comunidades de uma bacia hidrográfica (PLANO NACIONAL
DOS RECURSOS HÍDRICOS, 2006).
38
Segundo o Plano Nacional dos Recursos Hídricos (2006), o estado do Ceará cobra pelo uso da água
há vários anos e o estado do Rio de Janeiro instituiu esse instrumento no ano de 2004.
77
3.3 As múltiplas demandas: usos e conflitos acerca dos recursos hídricos
Para atender à demanda de água, a humanidade tem alterado o ciclo hidrológico
desde o início de sua história, mediante a construção de poços, barragens, açudes,
aquedutos, sistemas de abastecimento, sistemas de drenagem, projetos de irrigação e
outras estruturas.
Contudo, com o desenvolvimento econômico e o modo de vida capitalista, as
demandas relacionadas a este recurso se intensificam no que tange ao aumento da
quantidade exigida, quanto no que refere à variedade de tais utilizações, de modo que,
passou-se a disputar águas muitas vezes escassas, estabelecendo conflitos entre
usuários e tornando aguda a concorrência entre as atividades que fazem uso da água.
Surge, então, a necessidade de planejar e coordenar o desenvolvimento e a
repartição das disponibilidades hídricas para vários fins e de criar novos
enquadramentos institucionais, ou seja, novas leis e novas estruturas orgânicas que
assegurem a gestão da água numa perspectiva global.
Entre os domínios correspondentes a atividades usuárias da água, destacam-se:
a agricultura, pelo papel relevante que a água assume como fator de produção na
atividade agrícola; a produção de energia, no que se refere, sobretudo, aos
aproveitamentos hidroelétricos; a utilização na indústria, em conseqüência dos
elevados consumos e das fortes poluições da água que algumas atividades industriais
provocam; a utilização para fins domésticos; a pesca, pelas implicações do regime de
utilização da água na atividade pesqueira; o turismo, pela importância das utilizações
recreativas da água; e os transportes, pelos condicionamentos resultantes para a
navegação interior.
Existem também os domínios que, embora o envolvam utilização direta da
água, condicionam decisivamente os recursos hídricos, por exemplo: o ambiente, pela
importância que a água, e em particular a sua qualidade, tem na qualidade de vida; a
saúde, pelas repercussões que a qualidade da água pode ter nas condições sanitárias
das populações; a educação e a cultura, pelo papel reservado às instituições de
formação e investigação e pelas implicações culturais das utilizações dos recursos
hídricos; as obras relacionadas com os recursos hídricos, por serem indispensáveis ao
aproveitamento, à conservação e ao desenvolvimento desses recursos; e as finanças,
78
pela importância fundamental da atribuição de recursos financeiros aos projetos de
conservação, controle e desenvolvimento dos recursos hídricos.
De modo que, diante da diversidade de atividades que necessitam deste recurso,
é fácil compreender porque desde a antiguidade o acesso à água é fonte de poder e, ao
mesmo tempo, ponto de conflito de interesses. Neste contexto, onde as disputas de
múltiplos atores pela utilização da água tornaram-se comuns, classificou-se tais
contendas em categorias específicas. Assim, as disputas pelo uso da água podem ser
classificadas como conflitos de destinação de uso; conflitos de disponibilidade
qualitativa e, por fim, conflitos de disponibilidade quantitativa (SETTI et al., 2000).
Os conflitos de destinação ocorrem quando a água é utilizada para fins outros
que não aqueles estabelecidos por decisões políticas, fundamentadas ou o em
anseios sociais, que as reservariam para o atendimento de necessidades sociais,
ambientais e econômicas como, por exemplo, a retirada de água de reserva ecológica
para a irrigação.
Os conflitos de disponibilidade qualitativa são típicos de uso em corpos de água
poluídos. Existe um aspecto vicioso nesses conflitos, pois o consumo excessivo reduz a
vazão de estiagem deteriorando a qualidade das águas comprometidas pelo
lançamento de poluentes. Tal deterioração, por sua vez, torna a água ainda mais
inadequada para consumo.
Decorrentes do esgotamento da quantidade hídrica passível de utilização os
conflitos de disponibilidade quantitativa são ocasionados em situações de uso intensivo,
como o uso intensivo de água para irrigação, impedindo outro usuário de captá-la,
ocasionando, em alguns casos, esgotamento das reservas hídricas. Esse conflito pode
ocorrer também entre dois usos não-consuntivos, ou seja, entre a operação de
hidrelétrica com estabelecimento de flutuações nos níveis de água que acarretam
prejuízos à navegação (SETTI et al., 2000).
Conforme Setti et al. (2000), em consonância com os conflitos descritos, é
importante salientar, que também ocorrem incrementos das demandas hídricas devido
ao aumento populacional, agravando o problema de abastecimento, particularmente
nas regiões semi-áridas. Outra dificuldade é o controle de inundações, que se tornou
imperativo nas regiões que sofreram o efeito simultâneo da urbanização não planejada,
79
que impermeabilizou o solo e invadiu o leito maior dos rios, e do manejo do solo não
adequado, que assoreou os cursos de água.
Neste contexto, o uso múltiplo das águas pode ser uma opção inicial, todavia, é
também uma conseqüência natural do desenvolvimento econômico e do aumento
populacional, de modo que a única opção existente para a solução de conflitos entre
usuários é a integração harmônica desses usos. Com a intenção de facilitar este
processo, os diferentes tipos de uso foram divididos em categorias, levando em conta a
natureza de sua utilização, quais sejam, usos não consuntivos, usos consuntivos e usos
locais (SOUZA JÚNIOR, 2004).
Os usos não consuntivos referem-se às utilizações que retornam à fonte de
suprimento praticamente a totalidade da água utilizada, podendo haver alguma
modificação no seu padrão temporal de disponibilidade quantitativa. Entre eles podem
ser citados os seguintes usos: geração de energia elétrica; navegação fluvial; recreação
e harmonia paisagística; pesca; diluição; assimilação e transporte de esgoto e resíduos
líquidos e preservação (SETTI et al., 2000).
Os usos consuntivos, referem-se aos usos que retiram a água de sua fonte
natural diminuindo suas disponibilidades quantitativas, espacial e temporalmente. Os
usos consuntivos de água, nos quais perdas entre o que é derivado e o que retorna
ao curso natural, devem ser considerados para a elaboração do balanço entre a
disponibilidade e a demanda, quais sejam, o abastecimento de água, o abastecimento
industrial e a irrigação (SETTI et al., 2000).
A demanda urbana de água é constituída pela demanda doméstica, acrescida
de outras, praticamente inseparáveis desta, visto que se referem às atividades que dão
origem ao cleo urbano: indústria, comércio, prestação de serviços públicos e
privados. Já o abastecimento doméstico da área rural é pouco significativo por serem as
demandas dispersas e de pequena monta. Outros usos, como a dessedentação de
animais, poderão ser de importância em regiões semi-áridas, embora bem menores do
que as demandas para irrigação.
No que tange à utilização da água na indústria, há vários tipos de uso, como
para refrigeração e geração de vapor, incorporação aos produtos, higiene e limpeza. As
demandas industriais dependem de coeficientes de uso e de perdas de cada tipo, de
80
cada ramo industrial e, ainda, da tecnologia adotada. Os usos locais referem-se aos
usos que aproveitam a disponibilidade de água em sua fonte sem qualquer modificação
relevante, temporal ou espacial, de disponibilidade quantitativa.
É claramente perceptível a importância da água para múltiplas funções.
Componente essencial a todos os organismos vivos do planeta Terra, a água é o
elemento da paisagem responsável por manter o equilíbrio do meio ambiente
prestando-se a uma gama de atividades individuais e sociais, conforme visto
anteriormente. No que tange à agricultura, a água configura-se em insumo essencial.
O setor agrícola brasileiro é o principal usuário consuntivo dos recursos hídricos.
Todavia, é justamente na área física abrangida pelo setor onde pode ocorrer a maioria
das intervenções para a melhoria da utilização deste recurso fundamental aos
processos produtivos. Assim, a integração entre as políticas hídrica, ambiental e
agrícola é fundamental para que o país possa se desenvolver sustentavelmente.
3.4 Usos da água na irrigação agrícola
3.4.1 Agricultura irrigada no Brasil e no mundo
Adotada e praticada milhares de anos, a irrigação é uma prática utilizada de
forma a complementar a necessidade de água, naturalmente promovida pela
precipitação, proporcionando teor suficiente de umidade no solo durante o período
vegetativo de uma determinada cultura. Lima et al. (1999) definem irrigação como o
conjunto de técnicas destinadas a deslocar água no tempo ou no espaço para modificar
as possibilidades agrícolas de cada região.
O crescimento da população e do consumo per capita tem requerido o aumento
da produção de alimentos e influenciado o incremento da prática da irrigação na busca
pelo atendimento aos padrões externos de consumo e do aumento de produtividade.
Além disso, a agricultura irrigada tem sido apresentada como uma alternativa para
quebrar o ciclo vicioso da pobreza e da exclusão social instaurado em muitas regiões
do globo. Contudo, se por um lado a prática da irrigação permite ampliar a oferta de
81
alimentos, ainda que, com menor expansão da fronteira agrícola, possibilitando a
preservação ambiental das áreas não ocupadas, por outro lado, é a maior usuária
consuntiva de água (PLANO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS, 2006).
Embora uma parcela representativa de água retorne para a bacia hidrográfica
como água subterrânea ou escoamento superficial
39
, estima-se que, mundialmente, a
agricultura irrigada utilize cerca de 70% da água captada dos rios e lagos (ANA, 2004).
Conforme Christofidis (2006), no mundo, uma área de cerca de 1,532 bilhão de
hectares corresponde à produção agrícola, dos quais cerca de 278 milhões de hectares
se encontram sob o domínio de infra-estrutura hídrica de irrigação. A área de 18% sob
cultivo irrigado produz cerca de 44% da produção agrícola total, enquanto a agricultura
de sequeiro responde pelo restante. No ano 2000, as captações de água para produção
de alimentos foram de 2.595 km³, que corresponderam a 70,2% do total captado.
Segundo Lima (2000) apud Setti et al. (2001), estima-se que 72 % das captações
de água doce no Brasil sejam utilizadas para irrigação. Conforme a figura abaixo pode-
se observar uma estimativa das captações de água doce no Brasil por setor.
Estimativa de uso de água doce no Brasil
18%
72%
10%
Abastecimento Doméstico Uso Agrícola Uso Industrial
Figura 01 - Estimativa de uso da água doce no
Brasil por setores. Fonte: Lima (2000) apud Setti
et al. (2001), adaptado.
No Brasil, a evolução da superfície dominada com sistemas de irrigação e
drenagem destinados à agricultura indica que, no período dos últimos trinta anos
39
Conforme Brito et al. (2002), cerca de 97% do volume destinado às plantas é perdido para a atmosfera
através da evapotranspiração das culturas, de forma que, apenas de 3 a 5% de toda a água usada para a
irrigação é efetivamente retida pelas plantas.
82
(1975/2003), houve a incorporação média anual de cerca de 78 mil hectares de solos à
prática da irrigação (CHRISTOFIDIS, 2006).
A Figura 02 representa a expansão das áreas irrigadas no Brasil a partir do ano
de 1940.
Expansão das Áreas Irrigadas no Brasil a partir de 1940
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
Superfície Irrigada ( m il hectares)
Figura 02 - Expansão das áreas irrigadas no
Brasil a partir de 1940. Fonte: Christofidis (2006),
adaptado.
Conforme demonstra o gráfico acima, embora nos últimos anos tenha ocorrido
um aumento considerável nas áreas irrigadas, o país permanece com pouco mais de 3
milhões de hectares irrigados. Segundo Christofidis (2006), na safra 2003/04 haviam
3,44 milhões de hectares dominados por sistemas de irrigação no país, porém esse
valor é considerado baixo se comparado à área plantada nacional.
De acordo com Santos, (1998) apud ANA, (2004) a área irrigada no Brasil
representa cerca de 5% da área total cultivada, mas contribui com 16% da produção
agrícola e representa 35% do valor total dessa produção. Portanto, pode-se concluir
que cada hectare irrigado equivale a três hectares de sequeiro, em produtividade física,
e a sete hectares de sequeiro, em produtividade econômica. Neste contexto, é possível
observar a importância da irrigação no contexto nacional.
Segundo ANA (2004), a área irrigada no país distribui-se nas regiões brasileiras
aproximadamente nos percentuais de 3% Região Norte; 19% Região Nordeste; 7%
Região Centro-Oeste; 30% Região Sudeste e, finalmente, com o maior percentual a
Região Sul com 41% de suas áreas irrigadas. Segundo dados de Christofidis (2006), na
safra 2003/04, o Brasil plantou, entre culturas permanentes e temporárias um total de
83
58.460.963 hectares sendo que, destes, 3.440.470 ha eram áreas irrigadas. Dentre as
regiões brasileiras, tem destaque a Região Sul que, entre culturas permanentes e
temporárias, somou 19.222.360 hectares dos quais 1.301.660 ha eram áreas irrigadas.
No mesmo período, especificamente o Estado do Rio Grande do Sul, somou 7.917.179
ha entre culturas permanentes e temporárias, tendo 1.086.000 hectares irrigados,
configurando-se no estado com maior área irrigada no país, ou seja, cerca de 55% de
sua área.
Tabela 01 - Indicadores de área plantada e irrigada em 2003/04
Fonte: Christofidis (2006)
Em termos de porcentagem ocupada por método de irrigação no país, ANA
(2004) observa os seguintes índices: irrigação por superfície 58%; irrigação por
aspersão convencional e auto-propelida 17%; irrigação por aspersão mecanizada 19%
e microirrigação 6%.
Com base em Christofidis (2006), na safra 2003/04, de um total de 3.440.470
hectares irrigados no país, 1.301.660 ha estão na Região Sul, dos quais 1.155.440 ha
são irrigados pelo método de superfície, 94.010 ha pelo método de aspersão
convencional, 37.540 ha por pivô central e 14.670 ha por irrigação localizada. É
importante salientar que, no mesmo período, o Estado do Rio Grande do Sul
apresentou um total de 1.086.000 ha irrigados, sendo que, deste número, 1.016.000 ha
configuram-se em áreas onde utilizou-se a irrigação por superfície.
84
Conforme Christofidis (2001), o indicador médio de água derivada para irrigação
no Brasil
40
é de 11.758 m³/ha/ano. Todavia, a água efetivamente considerada como
transportada e distribuída anualmente corresponde a 7.330 m³/ha/ano o que resulta em
uma eficiência média de 65,26%. Assim, pode-se dizer que, cerca de 35% da água
derivada para irrigação no Brasil, constituiu-se em perdas por condução e por
distribuição nas infra-estruturas hidráulicas situadas entre as captações e a “porteira” da
propriedade produtiva.
Assim, dentre os principais problemas encontrados na agricultura irrigada
merecem destaque a baixa taxa de utilização de técnicas de manejo de irrigação, com
desperdício de água e energia. Outro grande equívoco que se tem cometido é com
relação à escolha do método e do sistema de irrigação. Muitas vezes o agricultor, por
desconhecimento ou por assessoria inadequada, faz a opção por um sistema de
irrigação totalmente inadequado para as suas condições ou para o tipo de cultura.
Outro ponto a considerar é o projeto de irrigação em si, e o dimensionamento do
sistema e dos equipamentos de irrigação, que muitas vezes são feitos sem muito
critério. Entretanto, além desses problemas tecnológicos existem outros entraves de
ordem socioeconômica e até mesmo cultural (ANA, 2004).
A irrigação, apesar de todos os seus benefícios econômicos e sociais, pode
causar grandes impactos ambientais quando ocorre manejo inadequado da água e da
lavoura. Esses impactos se iniciam na derivação ou captação da água na fonte,
principalmente quando se constroem grandes obras como barragens, diques, açudes,
canais e aquedutos. A outra grande vertente de impactação ambiental é através do
sistema de irrigação, quando mal dimensionado ou manejado inadequadamente.
Outro risco ambiental ocorre na utilização inadequada de práticas agrícolas em
uma lavoura irrigada pelo carreamento de resíduos de agroquímicos através do
escoamento superficial ou da percolação no solo. Em grandes projetos de irrigação,
onde a água normalmente é distribuída através de canais, ou em projetos que utilizam
40
No estudo realizado por Christofidis a indicação do volume de água derivado dos mananciais e os
utilizados para o desenvolvimento da agricultura irrigada na parcela agrícola, realizada em 1988, por
estado, baseou-se nas características de solos, nos tipos e variedades de cultivos, no clima, na eficiência
de condução, na distribuição e aplicação de água, nos métodos e sistemas de irrigação, nos fatores de
uso do solo, na adoção de cultivos permanentes ou temporários, e nas características regionais de
precipitação (e adoção de chuva efetiva), que são os fatores mais representativos dentre os que
influenciaram tal definição (CHRISTOFIDIS, 2006).
85
irrigação por sulcos ou faixas, é esperada uma sobra de água no final da área, que
retorna diretamente para os cursos d’água ou segue antes para sistemas de drenagem
superficial. Essa água, que terá outras utilizações a jusante, leva sais dissolvidos,
defensivos, metais pesados e sedimentos, tendo degradada a sua qualidade
(RHEINHEIMER et al., 2003).
Para Paz et al. (2000), a expansão da agricultura irrigada se tornará uma
questão preocupante, devido ao elevado consumo e às restrições de disponibilidade de
água. Avaliando-se a necessidade de água dos cultivos, em termos médios, é possível
verificar-se que, para produzir uma tonelada de grão são utilizadas mil toneladas de
água, sem se considerar a ineficiência dos métodos e sistemas de irrigação e o seu
manejo inadequado; avaliações de projetos de irrigação no mundo inteiro indicam que
mais da metade da água derivada para irrigação se perde antes de alcançar a zona
radicular dos cultivos.
Hoje, com o acirramento da competitividade pelo uso da água nos diversos
setores e atividades e com a maior aplicabilidade dos instrumentos de gestão de
recursos hídricos introduzidos pela lei 9.433/97 e as correspondentes leis estaduais, é
necessário um maior grau de organização do setor agrícola para se ajustar aos novos
paradigmas e às exigências da sociedade com relação aos aspectos ambientais e de
sustentabilidade (PAZ et al., 2000).
Um dos maiores desafios, portanto, é a necessidade de se aperfeiçoar a
eficiência no manejo da irrigação, da drenagem agrícola e das práticas
conservacionistas na agricultura convencional de sequeiro, com aumento da
capacidade, da academia e do setor industrial, conjuntamente com a ciência e com a
tecnologia, de elevar o discernimento humano, que é o mais capaz das alternativas de
manejo, além da formação técnica, otimização dos equipamentos e dos tradicionais
instrumentos de gestão da água (CHRISTOFIDIS, 2006).
86
3.4.2 A orizicultura e o uso de recursos hídricos
O arroz, Oryza sativa, é um dos cereais mais produzidos e consumidos no
mundo, caracterizando-se como principal alimento para mais da metade da população
mundial e, segundo estimativas, até 2050, haverá uma demanda para atender ao dobro
desta população.
A primeira planta cultivada na Ásia foi, provavelmente, o arroz. Suas mais
antigas referências constam na literatura chinesa cerca de cinco mil anos. O uso do
arroz é muito antigo na Índia, sendo citado em todas escrituras hindus. Da Índia, essa
cultura provavelmente estendeu-se, a China e a Pérsia. Aproximadamente 90% de todo
o arroz do mundo é cultivado e consumido na Ásia. Na Europa, o arroz começou a ser
cultivado nos séculos VII e VIII, com a entrada dos árabes na Península Ibérica.
Sua importância é destacada principalmente em países em desenvolvimento, tais
como o Brasil, desempenhando papel estratégico em níveis econômico e social
(EMBRAPA
41
, 2005).
O arroz é um dos alimentos com melhor balanceamento nutricional, fornecendo
20% da energia e 15% da proteína per capita necessária ao homem, e sendo uma
cultura extremamente versátil, que se adapta a diferentes condições de solo e clima, é
considerado a espécie que apresenta maior potencial para o combate a fome no mundo
(EMBRAPA, 2005).
Conforme a EMBRAPA (2005), a produção anual de arroz em nível mundial é de
aproximadamente 590 milhões de toneladas que correspondem à cerca de 150 milhões
de hectares de arroz, sendo que mais de 75% desta produção é oriunda do sistema de
cultivo irrigado.
O Brasil está entre os dez principais produtores mundiais de arroz com cerca de
11 milhões de toneladas proveniente de dois sistemas de cultivo, quais sejam, o irrigado
e de sequeiro. No país 61% da área é cultivada com arroz de sequeiro que responde
por 35% da produção nacional. O restante, ou seja, cerca de 39% da área é cultivada
com arroz irrigado. Todavia, apesar de possuir menor área o cultivo irrigado responde
por 65% da produção nacional.
41
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
87
O cultivo do arroz irrigado está presente em todas as Regiões brasileiras, mas
destaca-se na Região Sul que é responsável, atualmente, por 60% da produção total
deste cereal. Nas demais regiões a produção de arroz irrigado não é significativa
(EMBRAPA, 2005).
A lavoura de arroz irrigado no Rio Grande do Sul produz anualmente cerca de 5
milhões de toneladas, sendo considerado estabilizador da safra nacional, responsável
por cerca de 50% da produção brasileira, a maior entre os Estados da Federação.
Cultivado em cerca de 950 mil hectares, apresenta uma produtividade dia em torno
de 5.500 kg por hectare, próxima das obtidas em países tradicionais no cultivo de arroz
irrigado, ficando pouco abaixo das obtidas nos EUA, Austrália e Japão. Considerando
os últimos dez anos, a área de cultivo do cereal no RS passou de 856 mil (1991/92)
para 940 mil ha (2000/01), (EMBRAPA, 2005).
A orizicultura no Rio Grande do Sul é uma das atividades do setor primário da
mais alta e estável produtividade. Segundo a EMBRAPA (2005), esta produção
representa 3,1% do PIB (Produto Interno Bruto) e gera R$ 175 milhões em ICMS
(Imposto para Circulação de Mercadorias e Serviços) e 250 mil empregos no Estado.
Contudo, apesar de sua importância ecomica e social, a lavoura arrozeira tem
sido muito visada quanto ao aspecto ambiental e é lembrada como grande consumidora
de água. Os valores de consumo hídrico são variáveis e os volumes aplicados chegam
a 9000 m³/ha/ano, podendo ultrapassar 25.000 m³/ha.ano, todavia, é difícil estimar com
precisão o real consumo
42
(LORENSI, 2008).
A maior parte da água utilizada no sistema de irrigação por submersão é captada
principalmente de rios, lagoas e açudes, sendo que 43% de todo o processo desde a
captação, condução e distribuição são feitos por gravidade (ZAFFARONI; TAVARES,
1999).
Conforme Gomes et al. (2002) a orizicultura utiliza em média 2000 litros de água
para produzir um quilo de grãos com casca, configurando-se em uma das culturas mais
exigentes no que diz respeito ao consumo de água. Porém, outros estudos indicam que
os valores de consumo podem ser menores. Motta et al. (1990) relatam que a
42
Segundo Lorensi (2008), não existe uma relação segura entre as “variáveis” envolvidas (tipo de solo,
declividade, método de preparo e semeadura, temperatura, precipitação, entre outros) que permita
estimar o real consumo de cada lavoura, em cada safra.
88
evapotranspiração do arroz no Rio Grande do Sul, com período de irrigação de 90 dias,
é em média de 6.120 a 7.740 m³/ha/ano. Segundo os autores, esses totais
representam, aproximadamente, 70% da água usada no sistema de irrigação por
inundação permanente.
Frente a tais dados, agregados ao fato do Rio Grande do Sul enfrentar períodos
alternados de estiagem durante o verão, posto que tais déficits coincidem com o
período de cultivo do grão
43
, percebe-se a importância da conjugação de esforços em
torno da racionalização do uso da água nas lavouras de arroz do estado. Assim,
conforme o Instituto Riograndese de Arroz (IRGA), os orizicultores gaúchos vêm se
empenhado nesse sentido. Segundo dados deste Instituto em, 1960 eram necessários
5,7 mil litros de água para produzir 1kg de arroz. Hoje, muito produtores conseguem a
proporção de mil litros de água para cada quilo de arroz (IRGA, 2007).
Conforme a Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul -
SEMA (2007), na década de 1970, eram usados 15 metros cúbicos de água para
produzir 4.000 quilos de arroz por hectare. Atualmente os produtores têm como meta
usar 8 metros cúbicos de água para uma produção de 10.000 quilos de arroz por
hectare. Para Machado et al. (2003), o consumo de água nas lavouras de arroz do
Estado vem diminuindo ao longo do tempo, mas ainda se encontra em patamares
elevados.
Em condições adequadas de solo, relevo e manejo de água, a eficiência da
irrigação atinge valores em torno de 60%. No entanto, citações de que a eficiência
da irrigação situa-se em cerca de 45%. Além das implicações hídricas também os
impactos ambientais da atividade. Merecem destaque o uso intensivo de defensivos
agrícolas considerando os processos de transporte entre os compartimentos, a
lixiviação e o escoamentos superficial. O escoamento superficial favorece a
contaminação das águas de superfície, com o produto sendo carreado para fora da
lavoura, absorvido ao sedimento ou solução. Portanto, depende do manejo adotado
pelos produtores e da precipitação pluvial, existe o risco de que resíduos destes
43
Conforme Machado et al. (2003), mesmo em anos com chuvas normais, no período de maior demanda
de água pela cultura, o nível dos reservatórios e de rios baixa significativamente, trazendo conseqüências
para o ambiente e insegurança para os produtores.
89
compostos sejam carreados para fora da lavoura, contaminando mananciais hídricos
(MACHADO et al., 2003).
Minimizar os impactos ambientais causados pela utilização de insumos agrícolas
é essencial para reduzir os conflitos potenciais, especialmente quanto ao uso da água.
Conforme muitos estudos, a orizicultura atual visa à conservação dos recursos hídricos,
de modo a evitar, por exemplo, o assoreamento e a poluição de cursos d’água por
transporte de solo, nutrientes, matéria orgânica e agrotóxicos, entre outros. Além dos
impactos que provoca ao meio ambiente, a água utilizada para irrigação da lavoura
arrozeira é alvo de disputas com outras atividades agrícolas, com a indústria, com o
abastecimento doméstico, bem como com atividades como a recreação, o lazer e a
pesca.
Ao refletir sobre a questão ambiental no meio rural, em particular na agricultura,
Jollivet (1998) observa que a biodiversidade, o ar, a paisagem, a água, são
componentes fundamentais para serem analisados. Nesse aspecto se observa que a
água, questão crucial do século XXI, é um dos problemas não somente para as cidades
mas também para o campo. O agricultor deve praticar uma agricultura não poluente
para não contaminar rios ou lençol freático, conservar florestas e áreas ribeirinhas,
preservar as matas ciliares, entre outros.
De modo que, o agravamento do quadro ambiental que afeta a disponibilidade
dos recursos hídricos e o acirramento da competitividade pelo uso da água nos
diversos setores e atividades, somados a aplicabilidade dos instrumentos de gestão de
recursos hídricos, introduzidos pela lei 9.433/97, e as demais leis ambientais, tornou
premente que o setor agrícola e, principalmente, a orizicultura, ajuste-se aos novos
paradigmas e exigências da sociedade com relação aos aspectos ambientais e de
sustentabilidade.
Frente a esta conjuntura, a questão ambiental passa a intervir no meio rural
configurando-se em um novo componente definidor de práticas agrícolas, contribuindo
para novas apreciações do mundo rural e modificando a percepção social do papel da
agricultura (JOLLIVET, 1998; CARNEIRO, 2002; WANDERLEY, 2003). Assim, os
agricultores passaram a sofrer pressões sociais no sentido de que assumam uma
postura de proteção aos recursos naturais e a paisagem e, especificamente no que
90
tange aos orizicultores irrigantes, espera-se que estes conservem especialmente os
recursos hídricos.
91
IV MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA
4.1 Localização da área de estudo
A escolha do Município de Cacequi deve-se a grande importância da orizicultura
irrigada na economia local, posto que este setor desempenha um papel de destaque na
conformação do PIB municipal. O Município de Cacequi ocupou, na safra 2003/2004, a
21ª colocação no ranking da produção de arroz entre 133 municípios do Estado do Rio
Grande do Sul. Além disso, Cacequi possui uma profunda identificação paisagística
com seus três principais rios, Rio Santa Maria, Rio Cacequi e Rio Ibicuí, expressa por
manifestações culturais como músicas, trovas, entre outras, sendo estes os principais
rios que fornecem água para a irrigação das lavouras de arroz do Município.
Cacequi localiza-se no sudoeste do Rio Grande do Sul, entre as coordenadas
geográficas de 29º53’01” de latitude sul e 54º49'30” de latitude oeste. O município
pertence Microrregião de Santa Maria. A área municipal é de 2.370,02 km²
representando 0.8814% do estado do RS. A figura abaixo, mostra a localização do
Município de Cacequi no Estado do Rio Grande do Sul.
Figura 03 - Mapa de localização do Município de Cacequi. Fonte:
Guareschi et al.
92
A região onde se localiza o Município de Cacequi foi inicialmente povoada por
indígenas, sendo seu nome de origem indígena, Cacequi que significa “Água do
Cacique” ou “Rio do Cacequi”. Com o processo de ocupação e povoamento do Rio
Grande do Sul, os indígenas foram expulsos da região, permanecendo apenas o nome
do local dado por eles, ou seja, uma referência ao arroio Cacequi.
Inicialmente, as terras que hoje correspondem ao Município de Cacequi
pertenciam ao Município de Rio Pardo, criado em 27 de abril de 1809. Nesta época, a
parte oeste do Rio Grande do Sul não encontrava-se efetivamente povoada, bem como,
a região de Cacequi.
No final do culo XIX (1890), o Estado passa a contar com a rede ferroviária,
que ligava Cacequi a Porto Alegre, Santa Maria, Bagé, Santana do Livramento,
Uruguaiana e ao restante do Estado. A Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), trouxe
significativas contribuições para Cacequi incrementando sua economia e realizando
importante função no transporte de mercadorias e de passageiros. A partir da chegada
da rede ferroviária e da estação ferroviária, nasce o núcleo urbano de Cacequi que se
desenvolve adquirindo novas funções para atender os serviços do novo transporte.
Assim, constroem-se casas residenciais, comerciais, hotéis e oficinas. Com isso,
Cacequi, passa a ter grande importância estratégica e econômica.
Em 1913, o recente núcleo de Cacequi, “Povoado do Município de São Vicente”,
junto à estação ferroviária, contava com 50 casas e 200 habitantes. Somente em
de janeiro de 1945, Cacequi passa a se constituir em município através do Decreto
715, que cria a nova unidade administrativa.
A partir dos anos 1950, o município passou a receber agricultores descendentes
de imigrantes italianos e alemães, provenientes de outros locais do Estado, que se
instalaram na região para desenvolver a orizicultura.
Dentre os aspectos econômicos, o município insere-se no contexto histórico da
região da Campanha Gaúcha, que durante séculos teve sua economia calcada na
pecuária tradicional de baixa produtividade, conformando-se ao longo do tempo na
região menos desenvolvida do Estado do Rio Grande do Sul, caracterizada pela baixa
atividade econômica e alta desigualdade social.
93
Na área urbana, apesar da maior concentração da população, as atividades
econômicas são pouco desenvolvidas, incapazes de promover uma alternativa sólida à
atividade primária. Assim, a economia municipal encontra-se extremamente dependente
do setor primário, mais especificamente na produção de arroz e na pecuária de corte.
O quadro abaixo mostra claramente a importância do setor primário na economia
municipal através da análise do PIB do município no ano de 2004.
SETOR VALOR EM REAIS (R$)
Agropecuária 82.127 mil reais
Indústria 4.569 mil reais
Serviços 46.632 mil reais
Quadro 02 - Produto Interno Bruto (PIB) do Município de
Cacequi no ano de 2004. Fonte: IBGE, adaptado.
Observa-se que a contribuição da atividade agropecuária para a formação do
PIB municipal é quase o dobro do setor de serviços, que aparece como o segundo
maior contribuinte.
De acordo com o Censo Agropecuário 1995/96, as propriedades com áreas até
200 hectares representam aproximadamente 55,75% dos estabelecimentos rurais. Fica
evidente a falta de oportunidades econômicas para as pequenas propriedades, bem
como a necessidade de alternativas para suprir a carência do setor agropecuário por
investimentos, seja no processo de produção ou no setor de transformação de produtos
primários, pois praticamente não existem agroindústrias no município.
O valor da produção agropecuária do município em 1995/96 totalizou R$
27.915.000,00, dos quais cerca de 72% foi originado da produção vegetal e 28% do
segmento dos produtos de origem animal.
Dos produtos de origem animal, os animais de grande porte atingem quase 95%
do total. A bovinocultura de corte detém a quase totalidade da participação. No
segmento da produção vegetal, as culturas temporárias participam com mais de 90% do
total, destacando-se o arroz irrigado, com mais de 95% dentre as culturas temporárias.
Entre as lavouras temporárias do município em 2006, além do arroz destacam-se
também a soja, a melancia, o milho e o trigo.
94
Tabela 02 - Lavouras temporárias no Município de Cacequi-RS, em 2003
Espécie Área Plantada (ha)
Valor da Produção (R$ mil)
Arroz 16.000 36.096
Batata doce 60 190
Fumo 12 113
Mandioca 288 1.100
Melancia 1.700 10.540
Melão 50 275
Milho 1.000 207
Soja 17.000 5.883
Sorgo 250 140
Tomate 4 166
Trigo 800 269
Fonte: IBGE - Lavouras temporárias municipais (2006), adaptado.
Em área plantada a única cultura que ultrapassou o arroz neste ano foi a soja.
No entanto, nenhuma outra cultura obteve maior área colhida que o arroz, uma vez que
as 16.000 ha plantadas foram colhidas integralmente, bem como essa produção foi a
que apresentou maior valor econômico, seguido da melancia, tradicionalmente cultivada
no município.
Entre os hortifrutigranjeiros destaca-se a produção de tomates, embora com uma
área plantada ainda muito reduzida. Esse setor é incipiente no município que não
produz o necessário para atender a demanda interna da população. Incentivos a essa
atividade aumentariam a produção e atenderiam as necessidades do município,
proporcionando oportunidade de trabalho e renda para pequenos produtores rurais,
incorporando-os ao processo produtivo.
A análise da estrutura fundiária do município de Cacequi 1995/96, Quadro 03,
revela que no estrato de até 100 hectares inserem-se 42,15% dos estabelecimentos
rurais, perfazendo, no entanto, apenas 3.56% da área.
95
1980 1985 1995/96
% % %
Menos de 1 ha 1 0,19 7 1,17 11 2,12
1 a (-) 2 ha 5 0,96 9 1,5 8 1,53
2 a (-) 5 ha 14 2,7 22 3,67 27 5,17
5 a (-) 10 ha 20 3,85 25 4,18 22 4,21
10 a (-) 20 ha 27 5,2 42 7,01 31 5,94
20 a (-) 50 ha 86 16,57 95 15,86 65 12,45
50 a (-) 100 ha 62 11,94 84 14,02 56 10,73
100 a (-) 200 ha 84 16,18 95 15,86 71 13,6
200 a (-) 500 ha 100 19,27 101 16,86 102 19,54
500 a (-) 1.000 ha 57 11 64 10,68 79 15,13
1.000 a (-) 2.000 ha 41 7,9 37 6,18 33 6,32
2.000 a (-) 5.000 ha 20 3,85 17 2,84 16 3,07
5.000 a (-) 10.000 ha 2 0,38 1 0,17 1 0,19
Total 519 100 599 100 522 100
Quadro 03 - Número e percentagem de estabelecimentos de Cacequi, por estrato de área:
1980, 1985 e 1995/96. Fonte: IBGE - Censo Agropecuário 1980, 1985 e 1995/96,
adaptado.
Em 1995/96, segundo o IBGE, no estrato de 100 a 500 hectares localizam-se
33,14% das propriedades, representando 20% da área dos estabelecimentos rurais.
as propriedades com área entre 500 e 5000 hectares representaram 72,9% do total da
área rural do Município, sendo 24,52% do número de estabelecimentos.
Quanto aos aspectos demográficos do Município, observa-se que a dinâmica do
crescimento populacional apresentou uma considerável taxa de crescimento negativa
no período de 1970 a 1980, seguida de uma relativa estagnação até o início da década
de 2000, para novamente tender ao crescimento negativo na primeira metade desta
década. No quadro abaixo, é possível verificar a população urbana, a população rural, a
população total e as taxas de urbanização do Município de Cacequi no período de 1970
a 2005.
Anos 1970 1980 1990 2000 2005
Urbana
11.766 11.396 12.631 13.015 13.155
Rural
6.910 3.808 3.147 2.296 1.828
Total
18.676 15.204 15.778 15.311 14.983
Taxa de Urbanização (%)
63,0 75,0 80,1 85,0 87,8
Quadro 04 - População urbana, população rural, população total e taxas de urbanização do
Município de Cacequi no período de 1970 a 2005. Fonte: FEE Fundação de Economia e
Estatística do Rio Grande do Sul (2008), adaptado.
96
O processo histórico de ocupação da metade sul do estado definiu a
predominância pelo menos em áreas da grande propriedade, por conseqüência os
municípios possuem grande extensão territorial, com baixa densidade populacional no
campo e grande concentração urbana.
Cacequi pode ser considerado um município que apresenta tendência à
urbanização. Verifica-se que a população rural diminui significativamente em relação à
população urbana, conforme demonstra a tabela acima. Isso acontece mesmo com
municípios que tem suas economias baseadas nas atividades rurais, evidenciando a
presença de tecnologias adaptadas às culturas agrícolas que utilizam pouca mão-de-
obra, fazendo com que o trabalhador rural seja obrigado a buscar alternativas no meio
urbano, muitas vezes em subempregos, que a redução das ofertas de trabalho no
campo provoca o aumento do êxodo rural.
Em relação aos elementos naturais do município, o clima predominante segundo
a classificação de Köppen, citado por Nimer (1977), é temperado quente (mesotérmico
brando Cfa), o qual apresenta-se com características de invernos frios, com
temperatura média do mês mais frio entre 13°C e 15°C e verões quentes, com média
do mês mais quente superior a 24°C. As precipitações são regulares durante o ano
todo, não apresentando estação seca, com índices pluviométricos anuais entre 1500
mm e 1600 mm.
Em termos geomorfológicos, conforme as definições estabelecidas pelo
RADAMBRASIL (1986), Cacequi apresenta-se inserido na unidade de relevo
Depressão Rio Ibicuí-Rio Negro. Nesta unidade de relevo estão incluídos os
sedimentos fluviais que compõem os terraços e várzeas, situados, principalmente, ao
longo dos rios Ibicuí Mirim, Santa Maria, Cacequi e Saicã, os sedimentos da Formação
Rosário do Sul e da Formação não determinada, provavelmente Cenozóica, as quais
dão origem às colinas, regionalmente denominadas de coxilhas, constituindo formas de
relevo com altitudes que variam entre 100 e 210 metros em relação ao nível do mar.
os sedimentos fluviais, situados, principalmente, ao longo dos rios Ibicuí Mirim, Santa
Maria, Cacequi e Saicã encontram-se em níveis altimétricos que variam entre 80 a 100
metros (RADAMBRASIL,1986).
97
A presença de voçorocamento e posterior evolução para areais como ocorrem
em diversas localidades do município estão diretamente associadas às estruturas
sedimentares e aos processos hídricos atuantes (SUERTEGARAY, 2006).
Os solos do município, segundo o Levantamento de Reconhecimento dos Solos
do RS (Brasil, 1973) são predominantes os Podzólico Vermelho Amarelo (PV),
ocupando 49% do município e correspondendo a relevos onduladas, seguido dos
Planossolos que ocupam 34% do município, com relevo plano a suavemente ondulado
e mal drenados, formando extensas várzeas que são utilizadas para a cultura do Arroz
irrigado. Por último, ocupando 16% das áreas do município destacam-se os solos
Podzólico Bruno – Acinzentado conformando relevos suavemente ondulados.
A vegetação natural do município compreende extensas áreas de Savana -
Estépica (Campos), e Florestas Ciliares ou Florestas de Galeria ao longo dos cursos
d’água, podendo ocorrer áreas com vegetação em diferentes estágios de sucessão
(Veloso et al, 1991). Essas florestas Ciliares ou de Galeria representam os maiores
remanescentes da vegetação florestal do município.
Em relação à hidrografia o Município insere-se dentro de duas Bacias
Hidrográficas, quais sejam, a Bacia Hidrográfica do Rio Ibicuí e a Bacia Hidrográfica do
Rio Santa Maria.
A Bacia Hidrográfica do Rio Ibicuí localiza-se no oeste do Rio Grande do Sul nas
províncias geomorfológicas do Planalto Meridional e Depressão Central. Com uma área
total de 35.439,25 km² ela abarca 414.321 habitantes. Sua precipitação média anual é
em torno de 1.588 mm sendo a vazão média da bacia mais próxima da foz cerca de
849,04 m³/s ou 630 mm/ano conforme dados da Estação Passo Mariano Pinto - Rio
Ibicuí. Entre os principais usos consuntivos da água superficial na Bacia do Ibicuí,
99,25%, destinam-se ao uso para irrigação de arroz; 0,63% destinam-se para
abastecimento público e industrial e, por último, 0,12% destinam-se a dessedentação
animal. Portanto, no que tange a seus usuários consuntivos, o principal uso da água
nesta bacia se destina à irrigação do arroz, ou seja, a orizicultura, o que intensifica a
insuficiência hídrica nos meses de verão (SEMA
44
, 2008). Entre os principais usos não
consuntivos destacam-se a diluição de esgoto doméstico realizado pela Companhia
44
Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul.
98
Riograndense de Saneamento (CORSAN) e pelas prefeituras municipais além da
diluição de esgoto industrial e da drenagem urbana.
Cacequi apresenta 54,49% de sua área municipal dentro da Bacia do Ibicuí
englobando uma população de 1.251 habitantes. A disponibilidade hídrica superficial no
Passo Santa Vitória, localidade dentro dos limites do Município, no Rio Ibicuí é de 65,19
m³/s (STE
45
, 1998).
Os estudos quantitativos realizados pelo STE em 1998
46
revelaram a presença
de altos déficits na Bacia Hidrográfica do Rio Ibicuí, durante o período de novembro a
março, associados a altas taxas de evaporação e aos solos rasos e arenosos. O
relatório destaca que este período coincide com o aumento das demandas de água
para a irrigação do arroz. Segundo o referido estudo, o nível médio atual de consumo
de água para arroz, por safra agrícola, é da ordem de 12.000 m³/ha. (FEPAM
47
, 2002).
A Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria localiza-se no sudoeste do Rio Grande
do Sul, nas províncias geomorfológicas do Planalto Meridional e Depressão Central,
abarca uma população total de 186.116 habitantes, drenando uma área de 15.720,96
km². A precipitação média anual está em torno de 1.444 mm e a vazão dia mais
próxima da foz é de 205 m³ /s ou 535 mm/ano (Estação Rosário).
O principal uso consuntivo da água superficial na Bacia do Santa Maria é a
orizicultura irrigada com 99,995%. Somente 0,005% da água superficial da bacia são
destinadas ao abastecimento público e industrial e a dessedentação de animais
(Bourscheid, 1997). Entre os usos não consuntivos destacam-se a diluição de esgotos
domésticos e residenciais e a drenagem urbana.
O município de Cacequi apresenta 45,51% de sua área dentro dos limites da
Bacia Hidrográfica do Santa Maria, incluindo a sede municipal que se localiza
totalmente dentro dessa bacia hidrográfica. De um total populacional de 15.311
habitantes do município registrados pelo IBGE em 2002, 14.060 habitantes estavam
inseridos dentro do perímetro da bacia (SEMA, 2002). A disponibilidade hídrica
superficial no Rio Cacequi, um dos principais afluentes do Rio Santa Maria, é de 36
m³/s (BOURSCHEID, 1997).
45
Serviços Técnicos de Engenharia S.A.
46
Estudos realizados em 1998 por solicitação do Governo Estadual do Rio Grande do Sul.
47
Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Estado do Rio Grande do Sul.
99
Estudos desenvolvidos por Bourscheid Eng. Ltda para a SEMA em 2002, e
apresentados ao Governo do Estado, apontam para a ocorrência de déficits hídricos
verificados, especialmente no verão, quando as demandas para a orizicultura se
acentuam. Segundo o relatório, em alguns municípios da Bacia Hidrográfica do Santa
Maria, nos períodos de estiagem insuficiência de água para atender usos nobres,
como o abastecimento público; além disso, existem evidências de conflitos entre
usuários do setor da irrigação, ou seja, orizicultores e entre estes e o abastecimento
público.
Especificamente no Município de Cacequi não ocorrem conflitos entre a irrigação
agrícola e o abastecimento público, pois a água para esse fim provem de fontes
subterrâneas captadas através de poços artesianos. No entanto, tanto na Bacia
Hidrográfica do Rio Santa Maria como na Bacia Hidrográfica do Rio Ibicuí verificam-se
disputas e conflitos entre os próprios agricultores irrigantes e destes com os usuários de
balneários.
No que tange à orizicultura irrigada no município de Cacequi, a atividade iniciou-
se a partir da década de 1950, quando a região recebeu a inserção da cultura do arroz,
responsável pelo surgimento de uma nova elite agrícola baseada na orizicultura,
promovendo a diversificação da economia local. No entanto, a efetiva consolidação da
cultura do arroz ocorreu na década de 1970, principalmente pelo crescimento do
mercado consumidor e pela disponibilidade de crédito subsidiado, através de
Programas como o Pró-Várzeas, que incentivaram durante uma década a drenagem
dos banhados para o cultivo de lavouras (SCHULT, 2002). Atualmente, o setor orizícola
vem mantendo-se estável, com pequenas variações na área plantada, em função dos
preços pagos pelo produto no mercado financeiro.
Segundo dados do IRGA concernentes a safra 1999/2000 a lavoura de arroz
irrigado no município de Cacequi foi responsável pela geração de 357 empregos
permanentes e 164 postos de trabalho temporários, para uma área plantada de 18.079
hectares. Os rendimentos do empregado, na lavoura de arroz, situam-se na faixa de um
salário mínimo por mês, em alguns casos ganham participação na produção da lavoura.
Além disso, a maioria recebe pagamentos indiretos, como alimentação e transporte.
100
Entre os empregos indiretos destacam-se as atividades de apoio à lavoura, que
movimentam outros setores da economia como a comercialização de máquinas
agrícolas e de insumos, emprego nos postos de combustíveis, nas oficinas mecânicas,
nos serviços bancários e no comércio em geral.
Em relação aos sistemas de captação de água para irrigação das lavouras de
arroz, predomina a forma natural. Isso se deve ao fato da grande maioria dos
orizicultores irrigantes possuírem barragens para o armazenamento de água em suas
propriedades. Entre os orizicultores que captam água diretamente dos rios, a proporção
dos que utilizam bombas de captação movidas à óleo diesel e à energia elétrica,
conforme dados do Censo da Lavoura de Arroz Irrigado do Rio Grande do Sul Safra
1999-2000, produzido pelo IRGA, é praticamente a mesma, como mostra a figura
abaixo.
Sistemas de captação de água - Cacequi, 1999/00
23%
23%
54%
Mecânica Elétrica Mecânica Diesel Natural
Figura 04 - Sistemas de captação de água –
Cacequi, 1999/00. Fonte: IRGA, Censo da
Lavoura de arroz irrigado do Rio Grande do Sul
– Safra 1999 - 2000, adaptado.
Como demonstra a Figura 04, tanto o sistema de captação elétrico quanto o
sistema de captação movido a diesel são responsáveis por 23% das áreas irrigadas
para o cultivo do arroz, respectivamente, o que equivale a aproximadamente a 4.000
hectares.
No que tange ao sistema de irrigação utilizado predomina a inundação,
configurando-se em 89% dos estabelecimentos situados no município. A Figura 05
ilustra tal situação.
101
Sistemas de irrigação - Cacequi, 1995/96
89%
6% 4%
1%
Inundação Aspersão Infiltração Outros
Figura 05 - Sistemas de irrigação Cacequi,
1995/96. Fonte: IBGE - Censo Agropecuário
1995/1996, adaptado.
Segundo Bourscheid (1997), o arroz cultivado na Bacia do Rio Santa Maria, uma
das bacias no qual Cacequi se insere, tem 80% de sua água de irrigação fornecida por
pequenas barragens, construídas em nível de propriedade. Os restantes 20% das
lavouras obtém água derivada diretamente dos cursos d’água da bacia. Conforme o
relatório as formas de captação da água estão em suas capacidades máximas de
funcionamento, ou seja, não existem mais locais, em nível de propriedade, para novas
barragens, nem os rios apresentam volumes hídricos suficientes para a expansão das
áreas cultivadas ou para a implantação de qualquer atividade que demande água nos
meses de verão.
Desta forma, decorrem problemas ambientais da relação entre a sociedade e a
natureza e se apresentam como reflexo do modelo de desenvolvimento pautado no
crescimento econômico, que cada vez mais procura meios de maximizar a produção e o
consumo, aumentando a pressão sobre os recursos naturais. Para entendê-los é
necessário ter conhecimento sobre os recursos naturais disponíveis e a forma como o
espaço é planejado e ocupado pela sociedade.
Neste sentido, Cunha; Guerra (2003) destacam que
o estudo da degradação ambiental não deve ser realizado apenas sob o ponto
de vista físico. Na realidade, para que o problema possa ser entendido de forma
global, integrada, holística, deve-se levar em conta as relações existentes entre
a degradação ambiental e a sociedade causadora dessa degradação que, ao
mesmo tempo, sofre os efeitos e procura resolver, recuperar, reconstituir as
áreas degradadas (CUNHA; GUERRA, 2003, p. 337-338).
102
O Município de Cacequi tem a sua base econômica ligada principalmente ao
setor primário. Disso decorre que os maiores problemas ambientais estão relacionados
diretamente às práticas agrícolas e de pastoreio, implicando em erosão e compactação
dos solos, desmatamentos com redução de espécies tanto animais quanto vegetais,
contaminação de rios por agrotóxicos, assoreamento, uso inadequado de água
proveniente dos rios para a irrigação das lavouras de arroz, entre outros.
Alguns pesquisadores acreditam que o modelo produtivo baseado na pecuária
adotado durante séculos na região causou danos ambientais de menor proporção ao
equilíbrio ecológico, já que o gado utilizava-se das condições naturais para pastagem.
No entanto, a inserção da orizicultura vem provocando grande desgaste
ambiental, utilizando as áreas frágeis como as planícies de inundação dos cursos
d’água, a qual constituem áreas com solo de alta fertilidade, mas que são
fundamentais para a manutenção dos ecossistemas, e proteção dos recursos hídricos.
A intensificação desta cultura exige um volume abundante de água, o que modifica a
dinâmica natural dos recursos hídricos locais, repercutindo no atual padrão de uso e
gerando problemas ambientais e conflitos pelo uso da água (SCHULT, 2002).
É possível verificar que os conflitos pelo uso da água se acentuaram na medida
em que a atividade econômica da orizicultura se intensificou. A situação fica mais grave
no período de verão, justamente quando a disponibilidade hídrica se reduz coincidindo
com a produção do arroz irrigado. Muitos produtores, com a intenção de garantirem o
volume de água necessário à sua produção, construíram barragens, prejudicando a
vazão a jusante. Em diversas ocasiões as atividades turísticas e de lazer associadas às
praias naturais também foram afetadas (SCHULT, 2002).
4.2 Produção dos dados
A metodologia de pesquisa, entendida como o caminho do pensamento e da
prática exercida sobre a realidade, ocupa um lugar central no interior das teorias. Ela
inclui as abordagens teóricas e o conjunto de técnicas que possibilitam a construção da
realidade e a criatividade do pesquisador (MINAYO, 1998).
103
Mais do que a simples escolha de uma abordagem metodológica e suas
ferramentas de coleta de dados a metodologia que norteia a pesquisa científica
explícita a concepção na qual o trabalho se baseia.
No caso desta pesquisa, por abordar um processo dinâmico e de grande
complexidade que contempla uma série de dimensões subjetivas levando em conta a
natureza das questões propostas e vislumbrando as dificuldades em limitar essa
complexidade a uma avaliação quantitativa, julgou-se pertinente a utilização de uma
abordagem qualitativa como aporte metodológico deste estudo
48
. Conforme Minayo
(1998), a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e
relações humanas, lado este o perceptível e o captável em equações, médias e
estatísticas.
A pesquisa qualitativa não busca enumerar ou medir eventos e geralmente não
emprega instrumental estatístico para análise dos dados. A abordagem qualitativa parte
do pressuposto de que as pessoas agem em função de suas crenças, percepções,
sentimentos e valores e seu comportamento tem sempre um sentido, um significado
que não se dá a conhecer de modo imediato, ou seja, precisa ser desvelado. Não existe
uma realidade exterior ao sujeito, ela é uma construção íntima. Assim, a abordagem
qualitativa exige que o pesquisador interaja com o pesquisado valorizando-o e
considerando seu cotidiano. Os sujeitos do estudo são vistos como parte de um todo,
sendo ressaltada a natureza subjetiva do comportamento humano (GIL, 1999).
O desenvolvimento de um estudo de abordagem qualitativa supõe um recorte
temporal-espacial de determinado fenômeno por parte do pesquisador. Neste contexto,
dentre os métodos da abordagem qualitativa, optou-se nesta pesquisa pelo uso do
método do estudo de caso com caráter exploratório.
Conforme Gil (1999), a pesquisa exploratória assume, na maioria das vezes, o
formato de pesquisa bilbliográfica ou estudo de caso, a exemplo desta pesquisa. Um
trabalho é de natureza exploratória quando envolver levantamento bibliográfico,
entrevistas com pessoas que tiveram (ou tem) experiências práticas com o problema
48
Cumpre esclarecer que a opção pela pesquisa qualitativa não significa a aceitação desta como
expressão da verdade absoluta e nem tampouco a desconsideração da relevância da pesquisa
quantitativa, posto que o aspecto quantitativo deverá ser utilizado, em determinados momentos do
estudo.
104
pesquisado e análise de exemplos que estimulem a compreensão. Possui ainda a
finalidade básica de desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias para a
formulação de abordagens posteriores. Dessa forma, este tipo de estudo visa
proporcionar um maior conhecimento para o pesquisador acerca do assunto, a fim de
que esse possa formular problemas mais precisos ou criar hipóteses que possam ser
pesquisadas por estudos posteriores (GIL, 1999).
De acordo com Yin, (1981) apud Gil, (1999), o estudo de caso é um estudo
empírico que investiga um fenômeno atual dentro do seu contexto de realidade, quando
as fronteiras entre fenômeno e o contexto não são claramente definidas e no qual são
utilizadas várias fontes de evidência. O estudo de caso vem sendo utilizado com
freqüência cada vez maior pelos pesquisadores sociais, visto servir a pesquisas com
diferentes propósitos como: explorar situações da vida real cujos limites não estão
claramente definidos; descrever a situação do contexto em que está sendo feita
determinada investigação; e explicar as variáveis causais de determinado fenômeno em
situações muito complexas que não possibilitam a utilização de levantamentos e
experimentos.
No que tange às ferramentas de pesquisa, julgou-se relevante o uso da
entrevista semi-estruturada como ferramenta principal, optando-se pelo uso de
questionários como instrumento complementar. Segundo Duarte (2002), de um modo
geral, as pesquisas de cunho qualitativo exigem a realização de entrevistas, quase
sempre longas e semi-estruturadas.
A entrevista semi-estruturada é um método de coleta de informações em que se
dispõe de uma rie de “temas-guia”, relativamente abertos, os quais m o propósito
de receber informações sobre o assunto em estudo diretamente dos atores sociais
envolvidos com a questão. Segundo Quivy e Campenhoudt (1992), nesse tipo de
entrevista deve-se, tanto quanto for possível, “deixar andar” a entrevista para que o
entrevistado possa falar abertamente, com as palavras que desejar e na ordem que lhe
convier. Contudo, o entrevistador deve preocupar-se em re-encaminhar a conversa para
os objetivos centrais, sempre que o informante se afastar demasiadamente deles,
devendo fazer isso da forma mais natural possível.
105
Minayo (1998) define a entrevista semi-estruturada como uma “conversa com
finalidade”, onde o roteiro tem a função de orientação e balizamento para o pesquisador
e não de cerceamento da fala dos entrevistados. Uma das principais vantagens da
entrevista é o grau de profundidade das informações recolhidas, uma vez que ela
permite obter dados objetivos (quantidades, datas, números, locais) e também
subjetivos (valores, atitudes, opiniões).
Enquanto técnica de pesquisa, Gil (1999) ressalta que a entrevista é bastante
adequada para a obtenção de informações acerca do que as pessoas sabem, crêem,
esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram, bem como acerca de
suas explicações ou razões a respeito das coisas precedentes.
Assim, considerando o sujeito como fonte direta dos dados, o processo
metodológico transcorreu na seguinte seqüência: fase exploratória, trabalho de campo
e tratamento do material.
A fase exploratória teve início com as indagações, os questionamentos e os
pressupostos que levaram a escolha da temática, qual seja, a água e a
multifuncionalidade da agricultura. Em seguida, buscou-se as teorias e aportes teóricos
pertinentes à temática com a posterior elaboração da revisão de literatura da pesquisa.
Conforme Quivy e Campenhoudt (1992) a pesquisa bibliográfica coloca frente a frente
os desejos do pesquisador e os autores envolvidos em seu horizonte de interesse.
Segundo os autores, esta forma de investigar, além de ser indispensável para a
pesquisa básica, permite articular conceitos e sistematizar a produção de uma
determinada área de conhecimento. Neste caso, para atender aos objetivos propostos,
ou seja, averiguar como os orizicultores irrigantes interpretam o novo momento da
agricultura, não no que tange ao espaço e a prática agrícola, bem como, no que se
refere ao seu papel enquanto agricultor frente às exigências legais de proteção e
preservação da água, a revisão bibliográfica centrou-se na discussão acerca das novas
ruralidades, delineando as trajetórias do espaço rural e vislumbrando suas tendências
contemporâneas. O ponto central da discussão situou-se na multifuncionalidade da
agricultura e suas vinculações diretas com os recursos hídricos, bem como, no atual
arcabouço jurídico que contempla a questão da água no país.
106
Também nesta etapa elegeu-se os critérios de seleção dos sujeitos da pesquisa.
O principal critério de seleção dos sujeitos que compuseram o universo de investigação
configurou-se no fato de que o indivíduo fosse orizicultor e, por conseguinte, irrigante,
com estabelecimento rural situado no município de Cacequi/RS e utilizasse para irrigar
sua lavoura água captada de um dos três principais rios que cortam o município, Rio
Santa Maria, Rio Cacequi e Rio Ibicuí.
A opção pelos orizicultures que servem-se de água captada de rios, excluindo os
orizicultores que utilizam exclusivamente água de barragens ou açudes, deve-se a
algumas pré-noções que normalmente são associadas a tais agricultores, quais sejam,
a de que consideram a água dos rios que cruzam seus estabelecimentos rurais como
propriedade particular; utilizam a água indiscriminadamente e de forma ambientalmente
impactante sem o mínimo cuidado com os rios; não levam em conta as necessidades
dos demais usuários; são contrários a atual Política Nacional de Recursos Hídricos,
bem como a seus instrumentos de gestão, principalmente a cobrança, valendo-se de
alegações como a de que a água é um bem natural, e portanto, não pode ser cobrada.
A opção pelos três principais rios que cortam o município deve-se a grande
importância social e paisagística destes cursos d’água para a identidade do município
de Cacequi bem como, de sua população.
Na intenção de obter uma lista elencando os orizicultores municipais, visitou-se
os principais órgãos e instituições representativas de tais agricultores como Sindicato
Rural Municipal, Escritório Local do IRGA, Emater/Cacequi, bem como a própria
Prefeitura Municipal, sendo que apenas a Emater/Cacequi forneceu tais dados.
Assim, a seleção dos sujeitos da pesquisa baseou-se no cadastro da
Emater/Cacequi, contendo cento e cinco orizicultores atuantes no município. Neste
contexto, julgou-se relevante selecionar um percentual de vinte porcento do total de
orizicultores, ficando convencionado o número de vinte entrevistados distribuídos entre
os três principais rios locais.
O cadastro utilizado discriminava o nome, a localidade e a área do
estabelecimento rural dos orizicultores locais. Contudo, não identificava quais utilizavam
água proveniente de rios e quais faziam uso de água oriunda de barragens e açudes.
107
Neste contexto, a solução para tal entrave foi a seleção dos sujeitos da pesquisa com
base em informações fornecidas por informantes qualificados.
Assim, identificou-se os orizicultores que captam água dos três principais rios
locais através de indicações do próprio Engenheiro Agrônomo Técnico da
Emater/Cacequi e indicações de um dos membros do Comitê da Bacia Hidrográfica do
Rio Santa Maria, representante do Sindicato Rural de Cacequi
49
. Portanto, com base no
cadastro da Emater/Cacequi e através das informações cedidas por estes informantes
qualificados selecionou-se os sujeitos que compuseram o universo de investigação da
pesquisa, ficando configurados da seguinte forma: oito orizicultores que captam água
do Rio Cacequi, seis orizicultores que captam água do Rio Santa Maria e seis
orizicultores que captam água do Rio Ibicuí.
Em seguida, iniciou-se o trabalho de campo. Conforme Minayo (1998), nesta
etapa realiza-se um momento relacional e prático de fundamental importância
exploratória, de confirmação ou refutação de hipóteses e construção de teorias. O
trabalho de campo compôs-se pelo contato e posterior visita aos orizicultores
selecionados.
Inicialmente os contatos serviram para confirmar ou refutar o sujeito como
possível integrante do universo de investigação. Confirmados os pré-requisitos para
que o orizicultor contatado integrasse o grupo, pedia-se sua autorização para realização
da entrevista. Nos casos afirmativos, realizou-se uma visita, na maioria das vezes
marcada pelo agricultor em sua própria residência, onde inicialmente aplicou-se o
questionário e, em seguida, realizou-se a entrevista semi-estruturada. As entrevistas
foram realizadas de março a maio de 2008, sendo que o bloco de maior vulto foi
realizado no mês de abril de 2008. Em média, tais entrevistas tiveram uma duração de
trinta a quarenta minutos, sendo gravadas com a autorização dos entrevistados.
Durante o tratamento do material, etapa final da pesquisa realizou-se a
reconstrução dos diálogos e a avaliação das entrevistas e questionários. Estes, por sua
vez, promoveram a descrição dos sujeitos pesquisados revelando locais e fatos, seus
49
Engenheiro Agrônomo estabelecido muitos anos no Município e consultor de diversos orizicultores
locais. Escolheu-se tal individuo em função do mesmo conhecer detalhadamente a área agrícola de
Cacequi, bem como, seus agricultores irrigantes, posto que, o mesmo foi responsável pela assinatura de
muitos dos laudos emitidos à Secretaria Estadual de Meio Ambiente na intenção de obter outorga de uso
de captação de água para os rizicultores irrigantes do município.
108
modos de pensar e agir, sua postura e compreensão, bem como, auxiliaram na
identificação dos fatores que interferem na visão de mundo dos sujeitos da pesquisa.
Para Minayo (1998) este é o momento de se estabelecer articulações entre os dados e
os referenciais teóricos da pesquisa, promovendo relações entre o concreto e o
abstrato, o geral e o particular, a teoria e a prática. Todavia, conforme lembra Trivinos
(1987), em tratando-se de pesquisas qualitativas tais ilações, apesar de mencionadas
como um capítulo distinto, acontecem e se desenvolvem durante todas as fases
anteriores, ou seja, acompanham todo o decorrer do processo de pesquisa.
4.3 Caracterização dos sujeitos da pesquisa
O universo de investigação da pesquisa foi composto por orizicultores irrigantes
cujos estabelecimentos rurais situam-se no Município de Cacequi - RS, sendo que
irrigam suas lavouras com água captada dos rios locais. Assim, foram entrevistados um
total de vinte orizicultores. Como forma de identificar tais sujeitos, não expondo suas
identidades, convencionou-se chamá-los de Sujeito A, representado por AS, Sujeito B,
representado por SB e assim subseqüentemente até contemplar os vinte entrevistados.
Na intenção de conhecer melhor os sujeitos da pesquisa, facilitando as possíveis
ilações acerca de suas considerações descritas, mais a frente buscou-se descrever
algumas de suas peculiaridades.
1 - Sujeito A (SA), capta água do Rio Ibicuí. Possui setenta anos, possui Ensino
Fundamental Incompleto tendo cursado até a quarta série. Reside na cidade de
Cacequi. Trabalha somente com a agricultura e há cinqüenta anos cultiva arroz irrigado.
Seu estabelecimento é arrendado. Sua bomba de captação d’água é movida à energia
elétrica. Trabalha juntamente com dois filhos, sendo que possui um terceiro filho que
também trabalha na atividade, porém não trabalham juntos. Na safra 2007/08 plantou
200 hectares, sendo que na safra anterior manteve a mesma área.
2 - Sujeito B (SB), capta água no Rio Ibicuí. Possui quarenta e quatro anos,
possui o Ensino Médio. Reside na cidade de Cacequi. Trabalha vinte e sete anos
unicamente com a orizicultura. Pretende iniciar com o cultivo de soja. Seu
estabelecimento é arrendado. Sua bomba de captação d’água é movida à energia
109
elétrica. o trabalha com familiares. Na safra 2007/08 plantou 210 hectares, sendo
que na safra anterior havia plantado 225 hectares.
3 - Sujeito C (SC), capta água do Rio Santa Maria. Possui quarenta e dois anos,
possui o Ensino Fundamental. Reside na cidade de Cacequi. Trabalha com agricultura
e pecuária, entretanto, a única cultura com que trabalha é o arroz. Há vinte anos
trabalha com a orizicultura. Seu estabelecimento é arrendado. Sua bomba de captação
d’água é movida à energia elétrica. Não trabalha com familiares, contudo, possui um
irmão na mesma atividade. Atividade esta que foi herdada, por ambos, do pai. Na safra
2007/08 plantou 170 hectares, sendo que na safra anterior manteve a mesma área.
4 - Sujeito D (SD), capta água do Rio Cacequi. Negou-se a responder sua idade,
possui Ensino Superior Incompleto, sendo que cursava Administração. Não reside no
estabelecimento agrícola. Trabalha exclusivamente com a agricultura, abrangendo as
culturas de soja, trigo e arroz. Está há mais de vinte anos na atividade agrícola,
contudo, apenas quatro anos trabalha com a orizicultura. Estabelecimento próprio e
arrendado. Possui bombas de captação d’água movidas a diesel e movidas a energia
elétrica. Seus dois filhos trabalham junto a ele na atividade. Na safra 2007/08 plantou
500 hectares, sendo que na safra anterior havia plantado 300 hectares.
5 - Sujeito E (SE), capta água no Rio Ibicuí. Tem trinta e sete anos, possui s-
Graduação, com Mestrado em Administração Rural, Especialização em Produção de
Sementes e Graduação em Agronomia. Trabalha como agricultor e exerce a profissão
de Engenheiro Agrônomo fornecendo consultorias. Na agricultura trabalha há dez anos.
Seu estabelecimento é arrendado. Bomba de captação d’água movida à energia
elétrica sendo que possui dois pontos de captação do rio e um levante. Intercala
metade da semana na cidade de Cacequi e metade da semana no estabelecimento,
porém somente no período de cultivo e colheita. Não trabalha juntamente com
familiares, todavia, seu pai também é agricultor. Freqüentador das reuniões do Comitê
de Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria. Na safra 2007/08 plantou 106 hectares
sendo que na safra anterior havia plantado 78 hectares.
6 - Sujeito F (SF), capta água no Rio Ibicuí. Tem vinte e seis anos, possui Ensino
Médio. Trabalha como agricultor e operador de trem de carga, maquinista. Contudo, é
importante ressaltar que apresentou resistência a identificar sua outra profissão,
110
preferindo se assumir exclusivamente como agricultor. Há oito anos desenvolve a
orizicultura, única cultura com que trabalha no momento. Seu estabelecimento é
arrendado, embora possua uma pequena área própria, onde encontram-se suas
instalações. Assim, apenas a área plantada configura-se como arrendada. Reside na
propriedade que fica próxima à cidade de Cacequi. A bomba de captação d’água é
movida a óleo diesel sendo que se utiliza de três pontos de captação. Não trabalha com
demais familiares. Na safra 2007/08 plantou 31 hectares, sendo que na safra anterior
havia plantado 14 hectares.
7 - Sujeito G (SG), capta água do Rio Cacequi. Tem trinta e sete anos, possui o
Ensino Fundamental. Trabalha com agricultura e pecuária. No que tange à agricultura,
trabalha vinte e dois anos unicamente com a orizicultura. Possui estabelecimento
agrícola próprio e arrendado, com bombas de captação movidas por energia elétrica e
bombas de captação movidas a óleo diesel, sendo que possui três pontos de captação.
Atualmente reside na cidade de Cacequi, até dois anos atrás residia na propriedade
rural, porém com a queda de uma ponte sobre o rio Cacequi; que fazia a ligação entre a
cidade e o estabelecimento agrícola, fixou-se na cidade. Não trabalha com familiares.
Todavia, seu pai também é orizicultor, bem como, dois primos. Segundo SG seu pai foi
freqüentador das reuniões do Comitê da Bacia do Rio Santa Maria, contudo, desistiu de
ir as mesmas. Na safra 2007/08 plantou 490 hectares, sendo que na safra anterior
havia plantado 470 hectares.
8 - Sujeito H (SH), capta água do Ibicuí. Tem quarenta e dois anos, possui
Ensino Médio. Trabalha na agricultura e no comércio de produtos agrícolas, do qual é
proprietário. Cultiva soja e arroz, sendo que há oito anos trabalha com a orizicultura, ou
seja, desde que iniciou na atividade agrícola. Reside na cidade de Cacequi.
Estabelecimento arrendado com bomba de captação d’água movida a energia elétrica e
apenas um ponto de captação. Trabalha juntamente com o pai e o cunhado. Na safra
2007/08 plantou 170 hectares, sendo que na safra anterior manteve a mesma área.
9 - Sujeito I (SI), capta água do Rio Ibicuí. Possui setenta e cinco anos, não
informou o grau de escolaridade. Trabalha com agropecuária, sendo que está na
agricultura, de forma autônoma, desde os dezenove anos e a partir dos treze anos
ajudando, seu pai o que lhe configura sessenta e dois anos de orizicultura, posto que
111
sempre trabalhou com a cultura do arroz. Reside na cidade de Cacequi. Seu
estabelecimento agrícola é próprio. A bomba de captação d’água é movida à energia
elétrica. Também possui barragem para irrigar a lavoura. Trabalha com um filho,
contudo, segundo ele, o filho é responsável pela pecuária. Na safra 2007/08 plantou
300 hectares, sendo que na safra anterior manteve a mesma área.
10 - Sujeito J (SJ), capta água do Rio Santa Maria. Tem quarenta e nove anos,
possui o Ensino Fundamental Incompleto, tendo cursado até a quinta série. Trabalha
exclusivamente com a agricultura, sempre com a cultura do arroz. Assim, há trinta e oito
anos trabalha com a orizicultura, haja vista ter começado na lavoura aos onze anos.
Reside na cidade de Cacequi. O estabelecimento rural é arrendado, sendo que a
bomba de captação d’água desde o ano de 2007 é movida à energia elétrica. Possui
apenas um ponto de captação. Trabalha conjuntamente com dois irmãos. Na safra
2007/08 plantou 92 hectares, sendo que na safra anterior manteve a mesma área.
Todavia, pretende diminuir a área na safra seguinte.
11 - Sujeito K (SK), capta água do Rio Santa Maria. Tem 56 anos, possui o
Ensino Fundamental Incompleto. Trabalha exclusivamente com a orizicultura onze
anos. Reside na cidade de Cacequi. Seu estabelecimento rural é arrendado e a bomba
de captação d’água é movida à energia elétrica. Na safra 2007/08 plantou 100 hectares,
sendo que na safra anterior manteve a mesma área.
12 - Sujeito L (SL), capta água do Rio Cacequi. Tem vinte e quatro anos, possui
o Ensino Médio. Trabalha exclusivamente com a orizicultura seis anos. Reside na
cidade de Cacequi. Seu estabelecimento rural é arrendado e a bomba de captação
d’água é movida à energia elétrica, possuindo um ponto de captação. Trabalha com o
pai. Na safra 2007/08 plantou 65 hectares, sendo que na safra anterior manteve a
mesma área.
13 - Sujeito M (SM), capta água do Rio Santa Maria. Tem trinta e dois anos,
possui o Ensino Médio. Reside na cidade de Cacequi. Trabalha somente com
agricultura, estando na atividade vinte anos. Atualmente, trabalha com soja e arroz,
sendo que há dez anos vem trabalhando com a orizicultura. trabalhou com cana-de-
açúcar para confecção de cachaça em alambique familiar. Seu estabelecimento
agrícola é arrendado e a bomba de captação d’água é movida à energia elétrica. Possui
112
dois pontos de captação hídrica. Trabalha em conjunto com dois irmãos. Na safra
2007/08 plantou 113 hectares, sendo que na safra anterior havia plantado 78 hectares.
14 - Sujeito N (SN), capta água do Rio Cacequi. Tem quarenta e seis anos,
possui o Ensino Médio Incompleto tendo cursado até o segundo ano. Reside na cidade
de Cacequi. Trabalha somente com a agricultura. trabalhou com outros cultivares
mas atualmente está apenas com a orizicultura, sendo que há vinte e oito anos trabalha
com o arroz. Seu estabelecimento agrícola é arrendado. A bomba de captação d’água é
movida a óleo diesel possuindo quatro pontos de captação. Não trabalha com
familiares. Contudo, possui irmão, primos e tio na atividade orizícola. Acompanhou
durante algum tempo as reuniões do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria.
Na safra 2007/08 plantou 350 hectares, sendo que na safra anterior havia plantado 250
hectares.
15 - Sujeito O (SO), capta água do Rio Santa Maria. Tem quarenta e nove anos,
graduado em Medicina Veterinária. Trabalha apenas com agricultura, especificamente
com fruticultura, no cultivo de pêssegos, e orizicultura. cinco anos vem
desenvolvendo a fruticultura e vinte e cinco anos trabalha com o cultivo do arroz.
Possui estabelecimento rural próprio, residindo na propriedade. Sua bomba de
captação d’água é movida à energia elétrica. Não trabalha juntamente com familiares,
embora o pai trabalhe com agropecuária. Acompanha as reuniões do Comitê de Bacia
Hidrográfica do Rio Santa Maria. Na safra 2007/08 plantou 203 hectares, sendo que na
safra anterior havia plantado 174 hectares.
16 - Sujeito P (SP), capta água do Rio Cacequi. Tem cinqüenta e cinco anos,
possui Ensino Médio Incompleto tendo cursado até o segundo ano. Reside na cidade
de Cacequi. Trabalha unicamente com a agricultura, sendo que vinte e um anos
cultiva arroz. Fez questão de acrescentar que também planta culturas de subsistência
como milho, batata, hortifruti, com destaque para a uva. Seu estabelecimento rural é
arrendado, com bomba de captação d’água movida a óleo diesel. Possui apenas um
ponto de captação hídrica. Trabalha com um irmão, embora tenham áreas de cultivo
próprias. Na safra 2007/08 plantou 24 hectares, sendo que na safra anterior manteve a
mesma área.
113
17 - Sujeito Q (SQ), capta água do Rio Cacequi. Tem cinqüenta anos, possui o
Ensino Fundamental. Reside na cidade de Cacequi. Cultiva arroz vinte e cinco anos,
sendo seu único cultivo. Seu estabelecimento é arrendado, com bomba de captação
d’água movida a óleo diesel. Não trabalha com familiares, tendo dois empregados, um
fixo, para cuidar o galpão de secagem e um diarista. Possui familiares também
orizicultores. Na safra 2007/08 plantou 87 hectares, sendo que na safra anterior
manteve a mesma área.
18 - Sujeito R (SR), capta água do Rio Cacequi. Tem trinta anos, possui Curso
Superior com Graduação em Pedagogia. Reside na cidade de Cacequi. Trabalha
exclusivamente com agricultura há cinco anos, nos quais desenvolve orizicultura e
fruticultura, com a uva. Seu estabelecimento rural é arrendado com bomba de captação
d’água movida a óleo diesel possuindo um ponto de captação. Não trabalha com
familiares, porém no último ano assumiu a lavoura do irmão, que sofreu um acidente
que o deixou impossibilitado de desempenhar suas funções satisfatoriamente. Na safra
2007/08, em sua lavoura, plantou 35 hectares, sendo que na safra anterior havia
plantado 29 hectares.
19 - Sujeito S (SS), capta água do Rio Santa Maria. Tem cinqüenta e um anos,
possui Curso Superior com Graduação em Ciências Contábeis. Reside na cidade de
Cacequi. Trabalha com agropecuária. No que tange à agricultura, alterna anos em que
planta soja e anos em que o planta, sendo que na orizicultura possui vinte anos de
atividade. Seu estabelecimento agrícola é próprio, sendo a bomba de captação d’água
movida a óleo diesel. Não trabalha com familiares. Na safra 2007/08 plantou 60
hectares, sendo que na safra anterior havia plantado 40 hectares.
20 - Sujeito T (ST), capta água do Rio Cacequi. Tem quarenta e quatro anos,
possui Ensino Médio. Reside na cidade de Cacequi. Trabalha somente com a
agricultura, sendo que especificamente com a orizicultura dez anos. Seu
estabelecimento agrícola é arrendado, sendo a bomba de captação d’água movida à
óleo diesel. Possui três pontos de captação. Trabalha com dois irmãos. Na safra
2007/08 plantou 78 hectares, sendo que na safra anterior havia plantado a mesma
área.
No quadro a seguir pode-se observar uma síntese da caracterização acima.
114
QUADRO SÍNTESE: Sujeitos da pesquisa
Rio Santa Maria 06
Rio Cacequi
06
Rio do qual capta água
Rio Ibicuí
08
De 20 a 29 anos 03
De 30 a 39 anos 03
De 40 a 49 anos 07
De 50 a 59 anos 04
Mais de 60 anos 02
Idade
Não informou 01
Ensino Fundamental Incompleto 03
Ensino Fundamental Completo 03
Ensino Médio Incompleto 02
Ensino Médio Completo 06
Ensino Superior 04
Pós-Graduação 01
Grau de escolaridade
Não informou 01
Menos de 05 anos 00
De 05 a 09 anos 04
De 10 a 19 anos 03
De 20 a 29 anos 10
De 30 a 39 anos 01
Tempo de trabalho na
agricultura
Mais de 40 anos 02
Menos de 05 anos 01
De 05 a 09 anos 04
De 10 a 19 anos 03
De 20 a 29 09
De 30 a 39 01
Tempo de trabalho na
orizicultura
Mais de 40 anos 02
115
QUADRO SÍNTESE: Sujeitos da pesquisa
Sim
12
Trabalha em outra atividade
Não 08
Sim
02
Residem na propriedade
Não
18
Energia elétrica
11
Óleo diesel
07
Bomba de captação
Energia elétrica e óleo diesel 02
Próprio 03
Arrendado 15
Estabelecimento
Próprio e arrendado 02
De 01 a 100 hectares 09
De 101 a 200 hectares 05
Área plantada safra 2006/2007
Mais de 200 hectares 06
De 01 a 100 hectares
11
De 101 a 200 hectares
04
Área plantada safra 2007/2008
Mais de 200 hectares
05
Quadro 05 - Síntese da caracterização dos sujeitos da pesquisa.
116
V ÁGUA E PROBLEMÁTICA AMBIENTAL NA VISÃO DOS
ORIZICULTORES IRRIGANTES
5.1 Os problemas do cultivo do arroz irrigado na ótica dos orizicultores irrigantes
A crise hídrica planetária que se instalou nas últimas décadas, desencadeou um
amplo processo de discussão sobre os usos da água, principalmente em decorrência
da escassez e contaminação da mesma em muitas regiões do planeta. Tal discussão,
por sua vez, deu origem ao surgimento de instrumentos legais com o objetivo de
controlar o acesso e uso deste recurso.
A orizicultura irrigada, uma das principais matrizes agrícolas do Estado do Rio
Grande do Sul, bem como, pedra angular do Produto Interno Bruto (PIB) do Município
de Cacequi, sofre diretamente com a escassez deste recurso e com os impactos dessa
nova postura social e governamental, posto que necessita de vultosos volumes
hídricos. Frente a tal contexto sócio-ambiental, indagou-se aos orizicultores qual o
principal problema que estes enfrentam na atividade hoje. Todavia, os agricultores não
atribuem as cobranças pela proteção ambiental formalizadas nas Leis Ambientais do
país o peso de principal problema da atividade. Diante de tal questão, o principal
problema da atividade apresentado pelos entrevistados configurou-se no fator
mercadológico.
Nesse sentido, os produtores foram unânimes em indicar o preço pago pelo
produto no mercado como a pior e maior dificuldade que enfrentam hoje na atividade,
seguido dos altos custos dos ativos como maquinário, insumos, combustíveis derivados
do petróleo, entre outros, conforme expõe SC
Problema tem, né! Preço! (SC)
Em consenso SQ afirma e acrescenta
o único problema é o preço, né! E os insumos? Tudo caro! Maquinário. Tudo!
(SQ)
Bom, arroz, o principal problema antes era o preço, né. (...) O ano passado
mesmo, vinte e cinco de custo. Cheguei a vendê arroz a dezoito. Então o
117
problema maior é o preço! A produção. A tecnologia tem! É só aplica. Só que
nem sempre remunera a tecnologia com esses preços que tem. (SO)
É importante salientar que algumas entrevistas foram realizadas
concomitantemente a um aquecimento no preço do arroz no mercado nacional devido a
fatores como a quebra da safra de países tradicionalmente exportadores do grão, como
Vietnã, Índia, Indonésia e Egito que para garantir seu abastecimento interno trancaram
suas exportações. A crise mundial de alimentos, como foi chamada pela mídia, causou
grande alvoroço entre os agricultores, animando-os quanto às possibilidades de renda
na atual safra e influenciando diretamente suas falas. Conforme Revista Veja (2008), o
aumento da demanda na China e em outros países asiáticos elevou o preço do arroz ao
patamar mais alto em 40 anos com uma alta de 70%
50
.
Imbuído de tal espírito, SE afirma
o momento hoje é favorável mas vem de dez anos muito difíceis pra agricultura.
Este ano está valendo a pena! Os outros anos a margem era muito estreita.
(SE)
Outros classificaram a possibilidade de renda futura como a solução para seus
problemas.
Tem problema! Mas agora com essa melhora do preço parece que vai melhorá
um pouco viu! Sempre foi o preço muito baxo! Três ano vendendo arroz a vinte
pila. Dezoito pila. Então se mantê esse preço aqui ainda mais ou meno!
Vendendo arroz a trinta. Trinta e poco eu acho que já pra aliviar um poco.
(SA)
O desgaste ambiental verificado em pontos que causam implicações diretas na
atividade, como falta d’água ou degradação dos solos, bem como a cobrança social e
jurídica pela preservação do entorno não foram mencionados pelos agricultores como
problemas da orizicultura em um primeiro momento.
Tal postura é resultado de uma gama de fatores, dentre os quais podemos citar
alguns dos mais representativos como o fato de nenhum deles ter enfrentado grave
falta d’água na safra deste ano, ou seja, nenhum dos entrevistados perdeu a colheita
neste ano por carência de água; embora, conforme demonstram suas falas na
50
Para maiores informações acerca do assunto ver VEJA.com:crise dos alimentos no endereço eletrônico
http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/crise-dos-alimentos/index.html; Folha Online
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u395708.shtml; G1 Economia e Negócios - Notícias
http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL427246-9356,00.html.
118
seqüência, sofram com constantes déficits hídricos, bem como, com a deterioração do
solo.
Outro aspecto que merece ser pontuado é o fato do abastecimento doméstico
do Município de Cacequi ser realizado através de água oriunda de poços artesianos.
Isso evita que ocorram disputas e altercações entre os usuários domésticos e os
irrigantes, posto que a comunidade não depende da água dos rios para seu provimento
doméstico, conforme relata SH
a gente fala poco, assim, com quem não é do meio. Mas os que a gente
conversa não falam nada a respeito disso de falta d’água. Porque prá eles aqui
na cidade não falta água nunca. É poço artesiano, né. (SH)
Soma-se a tais alternativas o fato da cobrança pela água ainda não se realizar
em nenhuma das duas bacias nas quais o Município de Cacequi está inserido, ou seja,
Bacia Hidrográfica do Ibicuí e Bacia Hidrográfica do Santa Maria. E, talvez devido ao
fato da cobrança social não se efetivar em atitudes práticas como boicote a produtos
agrícolas ou, como citado anteriormente, embates entre consumidores domésticos e
irrigantes.
5.2 Orizicultor: mocinho ou vilão?
Segundo Martins (2004), notadamente a agricultura é a forma de produção social
em que a expressividade da relação sociedade-natureza ganha incontestável
visibilidade. Assim, em tempos onde o cuidado e a proteção ao meio ambiente
tornaram-se mais que uma necessidade e passaram a ser vistos como “exigências
éticas”, os agricultores, por estarem em contato efetivo com o espaço ambiental
considerado por muitos como a vertente mais pura da natureza, ou seja, em contato
com o meio rural, passaram a ser alvos de um olhar mais criterioso acerca daquilo que
realizam em domínios onde outrora o principal era “produzir” e não “como produzir”.
Portanto, é possível inferir que o agricultor de hoje está exposto a múltiplos
olhares de curiosos que não se furtam a avaliar, muitas vezes de forma leiga, o trabalho
119
que o homem do campo vem desenvolvendo em sua propriedade. E, é com base neste
olhar, que se forma o ideário da sociedade acerca da profissão agricultor.
Figura 06 - Fotografia lavoura de arroz Município de Cacequi - RS.
Fonte: Acervo da autora.
Deste modo, questionou-se aos orizicultores, como a sociedade o agricultor,
bem como se ela valoriza sua profissão. Além disso, indagou-se se existem críticas por
parte da mesma à atividade agrícola da orizicultura.
Frente a tais perguntas os orizicultores cacequienses, com exceção de apenas
um agricultor, declararam não se sentirem valorizados pela sociedade e afirmaram
receber críticas acerca de sua prática. Segundo eles, a crítica a qual são submetidos
mais freqüentemente é relativa ao uso de agrotóxicos na lavoura. SM, define bem o
sentimento dos entrevistados quando afirma,
eu acho que a maioria [da sociedade] não valoriza! Todo mundo depende da
agricultura mas não se dão conta! (SM)
Nesse sentido, os orizicultores acreditam que o desconhecimento da atividade no
que tange às dificuldades comuns a seu dia-a-dia, como a penalidade imposta pelo
trabalho diário, as intempéries climáticas, os altos custos dos insumos, entre outras,
interfere na postura da sociedade. Conforme SA
120
o pessoal da cidade não sabe! Não trabalha com isso. Não sabe o que
acontecendo na agricultura. Não sabem o sacrifício que o cara passa na
lavoura. (SA)
Para os entrevistados, o agricultor somente passaria a ser valorizado no
momento em que ocorresse um desabastecimento de alimentos “quando começá a
faltá na mesa” (SJ), “senão ela [a sociedade] acha que vai no mercado e sempre ali.
Não sabe da onde é que sai!” (SO).
Além disso, muitos afirmam que grande parte da comunidade acredita que os
orizicultores auferem grandes lucros em sua atividade, ou seja, consideram que os
mesmos sejam abastados, o que, segundo eles, não ocorre na realidade.
Acham que tem dinhero! Mas não tem! Na grande verdade! Acham que tem um
monte de dinheiro, né! Não é assim! (SQ)
Eles acham que ganha muito fácil. Não sabem o que tem por trás. Enriquece
muito de um ano pro outro! Eles cuidam se tu passa com uma camionete
boa, coisa. Eles não tão preocupado com comida! (SC)
SJ reforça a possibilidade do desconhecimento da população no que tange a
prática da atividade agrícola interferir na postura dos mesmos.
Fui lá no mercado e tava umas mulher de São Paulo lá, apavorada, que subiu o
arroz. Ah, mas eles não sabem o custo! (...) Eles não têm uma consciência
do custo pra produzi um quilo de alimento. E o trabalho que dá! O que... Quanto
suor se derrama pra produzi um quilo de arroz! (SJ)
Nessa tendência, alguns citaram as cobranças sociais pela venda de alimentos a
preços baixos avaliando que a sociedade não valoriza a agricultura ou, mais
especificamente, o agricultor, pois cobra que os produtos cheguem aos supermercados
com valor baixo, desconsiderando os custos de produção arcados pelos agricultores.
Não, ninguém! Nem a sociedade, nem o governo. Porque a sociedade quer
saber de coisa barato! Agora ela não come adubo! Ela não come diesel! O dia
que tomasse diesel e comesse adubo ia senti o preço que é. Não come
picadinho de trator. Não come picadinho de automotriz. Ela questiona
quando o quilo do arroz tá dois pila. (SD)
Quando o preço dos produtos agrícolas estão altos o governo sofre uma
pressão muito grande para que esses preços sejam baxados no canetaço.
Quando os preços dos produtos estão baixos ninguém faz nada! (SE)
121
Conforme SS, a sociedade não apenas desvaloriza o agricultor como faz uma
avaliação pejorativa dos mesmos. Segundo suas palavras
diz que o agricultor é vagabundo! Não trabalha! Só seis mês por ano. (SS)
Neste contexto, fica nítido que quando se refere ao período de seis meses nos
quais o orizicultor trabalharia, SS está aludindo ao período do ano em que efetivamente
ocorre o cultivo e a colheita do arroz, período sazonal no qual os orizicultores costumam
trabalhar arduamente. Contudo, nos demais meses do ano, mesmo aqueles que
dedicam-se exclusivamente à orizicultura, permanecem em atividade, haja vista
utilizarem esse tempo para a manutenção do maquinário, preparo do solo, etc.
SP apresenta um ponto de vista diferenciado dos demais colegas de profissão,
para ele os agricultores que produzem em larga escala são valorizados socialmente,
contudo, desabafa
agricultor com agricultor ele já não se valoriza! Pode que um qué pegá o que
o otro tem! E a sociedade não valoriza! (...) A sociedade, isso aí, pode
certeza, eles não valorizam! Agricultor é tratado assim... A não sê que ele tenha
muito capital é o Seu... Seu Fulano. Mas do contrário, não. Ele é mais um na
estatística como dizem, né! (SP)
É importante pontuar que SP não foi o único a mencionar esse tipo de postura
entre a categoria, em outra oportunidade mais dois entrevistados também se referiram
aos orizicultores como “uma raça muito desunida” (SJ). Neste sentido, SN acrescenta
tem egoísta que chegam torce pro cara perde a lavora pra eles vende a preço
melhor. Isso tem muita gente aí. (SN)
Somando-se a tais queixas aparecem as críticas pontuais à atividade agrícola.
Na avaliação dos agricultores a população faz uma idéia negativa da prática orizícola,
posto que acusa-os de não manterem os cuidados mínimos com o meio ambiente ou
mesmo de não realizarem um trabalho responsável quanto à qualidade de seus
produtos. É possível identificar tal percepção quando SF fala
acha que desmancha! Que atulha banhado! Que não mantêm nada! Que não
conserva! (...) Usam veneno demais! (SF)
Para SE o agricultor é classificado como “vilão”. O maior volume de reclamações,
segundo os entrevistados, está centrado no uso intensivo de defensivos agrícolas
122
químicos, quais sejam, inseticidas, herbicidas e fungicidas, conhecidos popularmente
como agrotóxicos.
Primeira coisa que falam é o agrotóxico na lavora né! Tanto é que tu uma...
Tu uma reportagem na televisão hoje, é o agrotóxico! Primeira coisa que
eles fazem pesquisa é de quanto de agrotóxico que tem naquela... Fizeram pra
produzi aquilo ali. (SL)
Eles ficam preocupado que a gente tá aplicando veneno e vai mata eles! (SI)
Tanto no discurso de SF como no de SI é possível perceber que ambos
consideram “infundadas” tais críticas. SF descreve “acha que desmancha..., ou seja, se
a sociedade “acha” é porque na verdade, segundo ele, na prática isso não ocorre.
Quando SI diz “vai mata eles” pode-se dizer que está ironizando a preocupação da
sociedade com o uso exagerado de agrotóxicos, que segundo subentende-se em sua
fala, ao contrário do que pensam, não mataria ninguém. Contudo, em uma vertente
oposta, SR atribui crédito a tal preocupação quando afirma
eu acho que é dos agrotóxico! Eu acho que a coisa que eles mais reclamam é
isso aí, agrotóxico demais. Porque hoje em dia, tudo é abaixo de veneno, né.
Tudo é abaixo de veneno! Tanto é que tu vai no mercado e os produto
agroecológico são o dobro de preço. Isso porque eles são cultivados sem
veneno. (SR)
A questão do produto orgânico foi pontuada por mais de um entrevistado como
uma forma de diminuir o impacto ambiental da orizicultura, bem como de agregar valor
ao produto. Além disso, muitos consideram que futuramente seexigida tal postura do
orizicultor, porém todos os entrevistados demonstraram receio em adotar tal prática,
sempre qualificando a mesma como algo realizado em outros locais, ou seja, algo
distante deles, como declara SG.
Até tenho uns primo em Uruguaiana que produzem arroz orgânico. Dão toda
a assistência e tudo... E ficam cuidando, né. Pra certifica que o arroz... Mas o
comércio é muito poco, né. No caso o arroz tava R$ 20,00 e eles tavam
vendendo a quarenta e pocos a saca, né. que produz bem menos também,
né tchê. Tem que tê comércio, né. Daqui um poco tu faz investimento e não tem
pra quem vendê. É pra exportação. Parece que é da Holanda o pessoal que tão
fazendo isso. (SG)
Baseado na fala de SG, pode-se inferir diversos motivos para que os agricultores
ainda permaneçam receosos ao cultivo do arroz orgânico, levando em conta que,
embora o entrevistado confirme que o produto orgânico estava sendo vendido ao dobro
123
do preço do convencional, ele considera que o orgânico ainda não possui um mercado
consolidado nacionalmente, configurando-se em produto para exportação. Isto causa
insegurança visto que comercializar a produção internacionalmente não é uma prática
comum entre os orizicultores, que normalmente costumam vender seu produto para
atravessadores ou cooperativas locais.
Além disso, sua produtividade é bem menor posto que não se utilizam insumos
químicos ou que expõe a cultura a diversas pragas e problemas de carência de solo.
Pode-se dizer que fazendo uma relação custo x benefício, ainda pese na decisão do
orizicultor o seguinte raciocínio: embora o cultivo orgânico possua o dobro do valor de
mercado ele tem menor produtividade. Assim, os orizicultores optam pela segurança
daquilo que conhecem, na lógica de que com uma produtividade maior em uma área
maior se equivalem em renda aos orizicultores que investem no orgânico. Ou seja, em
detrimento ao produto orgânico o modo convencional ainda apresentaria vantagem em
termos financeiros. Inquirido se o cultivo de arroz orgânico seria uma tendência para o
futuro, SG argumenta
do jeito que nossas terra acho que não tem fundamento, não tem futuro!
Por mim ali eu sei que não... (SG)
Tal discurso comprova a lógica do raciocínio anterior. O segundo aspecto
levantado pelos entrevistados como causador de críticas por parte da comunidade foi a
questão da água, como ilustra SO
eu acredito que seria, na ordem, seria os agrotóxicos, depois a água e depois o
solo. (SO)
SD acrescenta
a única coisa que sabem é dique os produtores pegam e terminam com a
água. Terminam... Que poluem! Fazem isso! fazem aquilo! (SD)
Mais uma vez é claramente perceptível a aversão às críticas recebidas. Quando
diz “a única coisa que sabem dizê” ele passa a ser o crítico, usando um tom
recriminatório como se o fosse permitido a sociedade criticar algo que
desconhecesse. Contudo, ao avaliar que a sociedade com maus olhos o volume
hídrico de que necessitam, quando diz “pegam e terminam com a água”, demonstra que
124
a mesma não está totalmente alheia ao que acontece na prática agrícola, pois está
ciente dos altos índices de água exigidos pela orizicultura.
5.3 Mudanças no meio ambiente: elas ocorreram?
Conforme Martins (2004), a reprodução das relações sociais, de apropriação da
natureza e da riqueza dela gerada em um dado espaço se estabelece sob a tutela de
formas institucionais historicamente determinadas. Contudo, diante dos inegáveis
impactos provocados pela ação antrópica no meio ambiente pelo desenvolvimento de
atividades como a agricultura altamente tecnificada e de larga escala, buscou-se
verificar se os orizicultores, foco de atenção em tempos de preservação ambiental,
também identificam tais mudanças. Para tanto indagou-se dos entrevistados se estes
perceberam no seu entorno, ou seja, no meio onde desenvolvem suas atividades,
alterações no ambiente.
A maioria dos agricultores, ou seja, dezesseis entrevistados admitem e
percebem a ocorrência de mudanças. Neste contexto, foram levantados muitos
exemplos, como aspectos da morfologia do solo, biodiversidade animal, recursos
hídricos, cursos d’água, intempéries e variações climáticas, entre outros.
o que prá notá é que o solo cada vez mais fraco. Se não botá o que
precisa tu não colhe. Antigamente não! Plantava o solo e colhia né! Hoje não,
se tu não investir em cima tu não colhe! (SQ)
mudô! Mudô! Os rios mudaram né. O curso dos rios. Ah... O assoreamento.
Mudô bastante! Houve uma época que aquela marreca né... Da Patagônia né.
Sumiu do mapa. Diz que houve uma mortandade muito grande na Argentina, na
Patagônia né. elas sumiram. Agora voltaram a aparecer de novo.(...) Isso do
agrotóxico cada vez mais né! Cada vez aparece mais peste. Mais porcaria!
(SG)
Em consonância com o discurso de SG, um dos aspectos citados de forma
recorrente é a questão dos rios, confirmando a deterioração dos cursos d’água da
região. Segundo SN
de primeiro tu não atravessava um rio era puro poço fundo. Hoje tá só areia, né!
(...) Não tem mato na bera dos rio e os barranco dismorona, né. (SN)
125
O rio aonde a gente puxava vinte anos atrás, o poço era na bera do
barranco, agora nos entramo com trator a vinte metro pra dentro pra pode abri o
poço de novo pra pode puxa. (SF)
Esses nossos rios não tem mais! É areia. Quando tem bastante água é um
tantinho assim. Vai dois, três dias e é aquela aguinha correndo.
Terminaram com os banhados! Terminaram com tudo, né! Não tem mais
reservatório. Uma lagoa. Uma coisa. Atulharam tudo! terminaram com tudo.
(SQ)
É possível perceber uma inversão de valores, enquanto os agricultores crêem
que a comunidade critique, de uma forma geral, com maior veemência, o uso de
agrotóxicos, deixando a questão da água em um segundo plano, a percepção dos
impactos na visão dos próprios orizicultores se inverte, ou seja, na maioria dos relatos a
percepção de mudanças refere-se a aspectos tais como o assoreamento dos rios ou os
déficits hídricos. Neste aspecto é importante ressaltar que, embora os mesmos
visualizem, apontando e criticando, a questão da deterioração dos rios, em alguns
casos, a exemplo de SQ, eles utilizam colocações verbais na terceira pessoa do plural,
como no exemplo, “terminaram com os banhados”, “atulharam tudo”, Nestes casos o
orizicultor que relata o ocorrido não se insere como responsável por tais atos. Como se
dissesse, os banhados estão atulhados e tudo terminou, porém quem fez isso foram
“eles”, “os outros”, não eu. “Eles atulharam o banhado”, “eles terminaram com tudo”,
enquanto o orizicultor apenas se coloca como narrador isento do ocorrido. Nas imagens
abaixo pode-se verificar algumas das situações referentes aos rios locais descritas
pelos entrevistados.
126
Figura 07 - Fotografia leito do Rio Cacequi - Fevereiro de 2008.
Fonte: Acervo da autora.
A figura mostra o Rio Cacequi com seu leito totalmente interrompido no final do
período de cultivo do arroz no mês de fevereiro de 2008. Nas Figuras 08 e 09 é
possível identificar o desmatamento da mata ciliar do Rio Cacequi no mesmo período.
Figura 08 - Fotografia mata ciliar da margem esquerda do Rio
Cacequi - Fevereiro de 2008. Fonte: Acervo da autora.
127
Figura 09 - Fotografia mata ciliar da margem direita do Rio Cacequi
- Fevereiro de 2008. Fonte: Acervo da autora.
Na imagem seguinte, Figura 10, é possível verificar a situação do Rio Ibicuí,
também com seu leito quase interrompido, no período de Fevereiro de 2008.
Figura 10 - Fotografia Rio Ibicuí - Fevereiro de 2008. Fonte: Acervo
da autora.
Neste grupo, ou seja, o grupo daqueles que concordam e visualizam mudanças
no entorno, houve casos em que os entrevistados mencionaram unicamente aspectos
climáticos.
Não, de bicho eu não notei diferença nenhuma. Nos solos também não, porque
a gente não... Não desmata nada na bera do rio, né. Procura preserva o que
128
tem. A única diferença que deu é o clima que às vezes quando é pra sê verão é
inverno. Quando é pra sê inverno é verão. Esse ano mesmo falto chuva,
escassez de chuva, né. (SH)
E, apenas para um pequeno grupo, composto por quatro entrevistados, o
ocorreram mudanças no meio rural, ou estas foram pouco significativas. É importante
observar as características pessoais destes produtores. Dois dos orizicultores
pertencentes a este grupo possuem curso superior, sendo que um deles também
possui Pós-Graduação, demonstrando que o fato de negaram a visualização de
mudanças ambientais não se deve a desconhecimento ou desinformação. Ou seja, por
possuírem um grau de escolaridade de nível Superior pode-se atribuir a eles
discernimento suficiente para vislumbrar tais mudanças de modo que, talvez, fosse
mais conveniente dizer que estes negam as mudanças ao invés de dizer que não as
identificam, na gica do “se não vejo, não ocorreram”, “se não ocorreram não tenho
responsabilidade sobre isso”.
5.4 Orizicultores: culpados ou vítimas da deterioração ambiental?
Após pontuarem as possíveis mudanças no ambiente, os orizicultores foram
questionados sobre a responsabilidade por tais mudanças; ou seja, quais são, ou
foram, os responsáveis pelas mudanças apontadas anteriormente. Na imagem abaixo,
Figura 11, pode-se observar a utilização da água na lavoura de arroz.
129
Figura 11 - Fotografia utilização da água na lavoura de arroz, safra
2007 - 2008, Cacequi-RS. Fonte: Acervo da autora.
Neste contexto quatorze entrevistados admitiram que, no mínimo, a classe dos
agricultores possui parcela de culpa nas mudanças do entorno. O relato de SP é
emblemático da percepção geral entre os orizicultores.
A gente faz quase que inconsciente, porque tu tem que produzi. Mas o uso do
veneno, veneno falando é veneno, né. Mas o veneno ele... Não tem, não
tem veneno bom, né! Isso prá natureza, pro próprio ser humano, não tem
veneno bom, né. E mais tarde ele vai, ele vai se prejudicá em alguma coisa, no
solo... Esses veneno que a gente usando prá esse arroz aí, que combate o
vermelho mesmo, que o vermelho é uma praga, hoje ele não tá funcionando
mais, o que que acontece? O agricultor usando veneno mais forte, que
em três anos que a gente usa ele, otra variedade não entra ali porque é
daquela variedade que tolera ele. Do que que acontece? prejudicando,
tu pode plantá ali não vem nada, né! (SP)
SJ concorda com o relato e acrescenta alguns outros aspectos.
Sabe que esses impactos... Isso aí vem muito desses defensivos... Muitas
vezes inseticida, herbicida que são proibidos fora e nós temô usando aqui,
né. (...) A gente nota no... Na questão do meio ambiente, né. O peixe
poluído. O rio Santa Maria (...) daqui a oito, dez ano, não sei o que vai sê da
vida útil dele se não tomá uma medida ali. Os rios tão ficando assoreado! Tá
ficando um areal! (SJ)
É importante salientar que estão sendo tomadas medidas, conforme debatido em
seções anteriores, como a adoção de leis ambientais mais rígidas, com destaque para
a Política Nacional de Recursos Hídricos, bem como, para a Política Estadual que
regula a mesma matéria. Todavia, tais medidas nem sempre agradam aos orizicultores.
130
Conforme identificado anteriormente, quando pediu-se que os orizicultores
pontuassem as mudanças que os mesmos identificam no entorno, onde o aspecto mais
citado foi a visualização do desgaste dos cursos d’água, pode-se perceber uma relação
direta entre tal deterioração e a ação da agricultura, conforme os próprios produtores
relatam. Nesse sentido, SP descreve que
os rio, uns sessenta, setenta porcento é a agricultura que... Que provoca isso
né. Necessidade de... De água, né! Pra produzi. Porque se não tivesse ninguém
puxando esses rio ia sempre tá correndo, por mais secos que sejam, eles iam tá
correndo, né. (SP)
A imagem a seguir, Figura 12, ilustra tal situação.
Figura 12 - Fotografia lavoura de arroz situada na margem direita
do Rio Cacequi - Fevereiro de 2008. Fonte: Acervo da autora.
Na foto, é possível visualizar no lado esquerdo, mais ao fundo, uma lavoura de
arroz próxima à margem do Rio Cacequi do qual é captada água para sua irrigação. É
importante salientar que, de acordo com o Artigo 2° do Código Florestal Brasileiro
51
, ao
longo dos rios ou de qualquer curso d'água, desde o seu nível mais alto em faixa
marginal, a largura mínima de preservação permanente é de trinta metros.
Todavia, o estudo realizado pela Bourscheid Engenharia Ltda por solicitação do
Governo do Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 1997, acerca da Bacia
51
Lei Nº 4.771, de 15 de Setembro de 1965.
131
Hidrográfica do Santa Maria, relata que o cultivo do arroz situado em áreas planas e
pouco inclinadas ao longo dos arroios e rios vem alterando significativamente as áreas
de mata ciliar, ou seja, é o principal fator para a redução de tais áreas, uma vez que,
para diminuir a distância do transporte de água de irrigação, tais lavouras foram
implantadas até as margens dos cursos d’água.
Em conformidade com o depoimento anterior, SI acrescenta
O nosso rio aqui ó... Comporta... O nosso rio Ibicuí aqui ó, prá plantá, acho que
não tem água pra plantá um terço do que plantam, a costa desse rio ó. Água
prá um terço! Então todo mundo planta! o tem água prá plantá, mas ele
planta! Não tem água prá plantá, mas ele planta! (SI)
Importante salientar, que o depoente capta água do Rio Ibicuí, assim, quando
relata “não tem agua prá plantá, mas ele planta”, embora este “ele” esteja referindo-se a
outros orizicultores, o entrevistado também está incluso, pois capta água do mesmo rio.
Portanto, pode-se entender que, se ele sabe que o rio não suporta tantas lavouras,
todavia, não parou nem diminuiu sua área plantada, também é responsável pela atual
situação do curso d’água em questão. A maneira como coloca a situação reporta a
culpa somente aos demais orizicultores, postura recorrente também a outros
entrevistados.
Alguns, embora ratificando sua responsabilidade, buscaram dividir a mesma com
os demais setores da comunidade, como uma forma de diluir sua culpa assumindo um
discurso muito comum atualmente, que afirma
a culpa é de todo mundo, né! Cada um tem a sua... Parcela de culpa. (SG)
Conforme o senso comum, quando algo é de todos, acaba que não é de
ninguém. Neste caso, a lógica seria a mesma, ou seja, se a culpa é de todos, a parte
que cabe ao entrevistado em questão é tão pequena que não pode ser considerada
como culpa, logo ele estaria isento de responsabilidade.
Outros admitiram existir responsabilidade por parte da agricultura, mas não
responsabilidade pessoal, ou seja, repassaram a responsabilidade para agricultores de
outras localizações geográficas. É o caso de SH que considera
na nossa região aqui eu acho que não, né! Mas nos otros lugar. O que a gente
vê na televisão que desmatam prá plantá. Aí tem a culpa sim! (SH)
132
As ilações que podem ser realizadas neste caso são as seguintes: quando o
depoente considera na nossa região aqui eu acho que não”, ele não leva em conta o
impacto da retirada da vegetação nativa, ou seja, a gramínea. Assim, ele pauta sua
noção de degradação pelo impacto visual da retirada de uma floresta que classifica
como grave. Contudo, esquece, ou desconhece que, ao utilizar as várzeas para o
cultivo do arroz, ele também está suprimindo a vegetação nativa, neste caso os
Campos Sulinos, sendo que o impacto ambiental desta prática é proporcional ao
desmatamento de uma floresta. Além disso, as matas ciliares, vegetação arbórea local,
também são impactadas pela orizicultura, posto que, a instalação de bombas de
captação hídrica nos rios, em muitos casos, implica na retirada da vegetação que por
sua vez ocasiona a erosão das margens, sem mencionar o déficit hídrico.
Na imagem abaixo, Figura 13, pode-se visualizar os estragos causados pela
colocação de uma bomba de captação no Rio Cacequi. Entre os mais visíveis está a
supressão da mata ciliar e a erosão da margem do rio em questão.
Figura 13 - Fotografia bomba de captação d’água no Rio Cacequi -
Fevereiro de 2008. Fonte: Acervo da autora.
Conforme Bourscheid (1997), a redução das áreas de mata diminui a capacidade
de infiltração de água no solo aumentando o escoamento superficial e reduzindo a
recarga dos aqüíferos existentes. A retirada das matas de galeria para ceder lugar ao
133
avanço das lavouras, ocasiona a instabilização das margens, favorecendo o
assoreamento dos cursos d’água e conseqüente decréscimo da capacidade de
reservação no próprio leito dos rios.
Houve entrevistados que apontaram aspectos como as conquistas da
tecnificação na lavoura como instrumentos que possibilitam ao orizicultor causar menor
impacto e, portanto, estariam eximindo-se de responsabilidades; ou seja, ele estaria
cumprindo seu papel “preservacionista” ao fazer uso das modernas técnicas agrícolas.
Eu não diria que culpa desse ou daquilo (...) Eu digo com segurança que o
produtor fazendo a parte dele! Uma vez nós gastava vinte litro de água pra
produzi um quilo de arroz. Hoje nós reduzimô pra trinta porcento. E aí? Quer
dizer nos têmo fazendo a nossa parte! (SD)
Para SD, o responsável real pelas alterações no ambiente não são os produtores
mas os moradores dos centros urbanos, opinião que tem adeptos entre os agricultores.
Se nós analisarmos tecnicamente nós vamos que quem polui se chama
cidade. Ninguém discuti isso! O grande poluidor do meio ambiente hoje são as
cidades. E aonde que tá? Alguém levanta essa questão? O grande problema
hoje é lixo urbano. Aondé que vai pára tudo isso aí? Aondé que os
mananciais... Contaminação de água vai aonde? Ninguém discute isso! Todo
mundo... É muito fácil dizê que é o produtor. Por que ele usa agrotóxico, ele...
que as pessoas não se dão conta que o produtor usando agrotóxico lá na
sua lavora e as ema, as ave tão tudo ao redor dos trator e elas sobrevivem
tranqüilamente e ao redor da cidade só dá dengue. (SD)
Nesse contexto SE afirma
tem que caber à comunidade como um todo, né. que ele não pode construir
barragem por que a comunidade tá dizendo que ele não pode construir. Por que
são as instituições e as instituições representam os desejos e a vontade da
comunidade ou dos seus políticos que estão sendo colocados lá. A comunidade
tem que pagar a conta, né. Porque os produtores pagaram a sua conta e de
muitas gerações. (SE)
Em seu discurso SE mostra-se ciente das atuais exigências sociais que a
sociedade impõe ao agricultor, ou seja, do papel de protetor do entorno, regimentado
por Lei, a que o agricultor vem sendo submetido. Neste contexto, e em função de tais
exigências, SE defende que os produtores rurais, segundo suas palavras, “já pagaram
a sua conta e de muitas gerações”, de modo que não cabe a eles, e sim, à comunidade
em geral arcar com os custos ambientais de sua atividade. Ou seja, ele nega que o
agricultor possua responsabilidade nas mudanças ambientais, porém, quando diz “já
134
pagaram a sua conta” ele assume a existência de uma dívida e, por conseguinte, a
responsabilidade dos orizicultores nos impactos ambientais.
ainda aqueles que atribuíram a responsabilidade a fatores naturais, sendo
estes os mesmos que, interrogados sobre as mudanças que visualizavam, indicaram
exclusivamente fatores climáticos. Conforme SI o responsável
é o clima, né. O clima. Falta de chuva. Eu prá mim é falta de chuva. Chuvas
torrenciais, aí. Prá inundá. Prá enchente como antigamente. (...) Não sei o
que tranco essas tornera lá, de São Pedro! (SI)
Ou seja, as mudanças na natureza são de responsabilidade da própria natureza
e a ação antrópica é totalmente desconsiderada, deixando claro que se as mudanças
são naturais os orizicultores não tem responsabilidade sobre as mesmas.
É interessante salientar que um dos produtores que, anteriormente, havia
respondido que não identificava mudanças no entorno ou que estas seriam
insignificantes, interrogado acerca da responsabilidade sobre as mudanças ambientais
que o planeta vem sofrendo, acaba admitindo a existência das mesmas.
Acho que houve desmatamento. Isso realmente tem. Isso é olha a
imagem de satélite tu pode percebe. Isso é uma realidade. Mas não é
isso. Isso tem que ficar muito claro! Que o produtor tem que produzir bem. A
baixo custo prá alimentar a população que tá na cidade. E pra ti aumenta a área
um tempo atrás tu tinha que desmatar. Tu não podia aumentar tua escala.
Tu não podia produzir a um preço equivalente. (...) Então o produtor não tinha
como fazer isso nas áreas que tavam disponíveis. (SE)
Fica nítido que na sua avaliação o desmatamento de áreas nativas é justificável
e, segundo suas palavras, os agricultores “foram pressionados a isso.” (SE) Portanto,
dentro de tal lógica, não se configuraria propriamente em algo que o agricultor pudesse
ser responsabilizado. Isso fica mais claro na fala a seguir
é lógico que alguma parcela (de culpa). Mas eles foram pressionados a isso.
Comé que tu vai sê competitivo se tu planta uma área de 10 ha no momento em
que tudo te leva a mecanização senão tu o consegue? Comé que tu vai
contratá 150 pessoas prá fazê a colheita da tua lavoura de arroz de 20 ou 30
ha? E pra ti consegui comprá uma colhedora tu no mínimo tem que ter uma
área de 100 ha. (...)Tanto que o problema todo é uma questão que o produtor
foi realmente pressionado! Porque antigamente... te um exemplo.
cinqüenta anos atrás, o meu avô plantava as várzeas altas com uso de bois
e colhia manual. Só que a evolução tecnológica e os preços foram sendo
pressionados pra baixo. E a evolução tecnológica entrô propondo redução de
135
custo e aumento de produtividade. Só que pra ti consegui adquiri a tecnologia tu
tinha que tê uma escala maior. Então isso foi pressionando... (SE)
Neste sentido, conforme Graziano da Silva (1993), a tecnologia adotada em um
determinado momento histórico é a expressão das relações de produção existentes.
De modo que, para ele, um cidadão pode tomar, individualmente, decisões morais,
éticas e religiosas. Todavia, nem mesmo as decisões do que consumir são de seu livre
arbítrio, tampouco as opções tecnológicas disponíveis para um produtor qualquer no
sistema capitalista são de sua livre decisão. Assim, Graziano da Silva corrobora o
argumento expresso por SE, quando afirma que “o agricultor foi pressionado”. Porém, o
mesmo autor também adverte
por certo a tecnologia muda no curso do desenvolvimento social. Ninguém
discorda que, em cada etapa do desenvolvimento das forças produtivas, estas
determinam o avanço de uma dada tecnologia, a qual, por sua vez, influi
retroativamente na forças produtivas. Mas a tecnologia é apenas uma
expressão num momento determinado das forças produtivas, as quais são
produto (resultado) de fenômenos sociais em si mesmos. (...) a tecnologia é
uma variável resultado: ela é a consumação do capitalismo moderno, não a sua
causa inicial (GRAZINO DA SILVA, 1993, p. 09-11).
Segundo Schneider (2006), o processo de passagem do sistema produtivo
colonial constituiu-se essencialmente em uma mudança no processo de produção
agrícola até então vigente, posto que a produção para consumo e a subsistência
enfraqueceu significativamente e a produção voltada à comercialização se expandiu.
Em função dessa mudança ocorre um processo de especialização produtiva onde
ganham destaque os cultivos mais rentáveis. Neste contexto, para ampliar as áreas
reservadas a estes cultivos, os agricultores precisam alterar o sistema de produção.
Conforme Romeiro apud Martins (2004), este novo arquétipo agrícola ficou
conhecido como
modelo euro-americano de modernização agrícola, um sistema de produção
que tornou viável a difusão em larga escala da prática da monocultura. Trata-se
de um sistema de produção baseado na utilização intensiva de fertilizantes
químicos combinados com sementes selecionadas de alta capacidade de
resposta a esse tipo de fertilização, no uso de processos mecânicos de
reestruturação e condicionamento de solos degradados pela monocultura e no
emprego sistemático de controle químico de pragas (ROMEIRO apud
MARTINS, 2004 p. 84).
Esse processo caracterizou a mercantilização socioeconômica da prática
agrícola que se expande “à medida que um processo de produção qualquer começa a
136
funcionar nos marcos das relações de troca de mercadorias” (SCHNEIDER, 2006, p.
44).
É importante lembrar que, conforme alerta Schneider, e segundo alega o
entrevistado SE,
o processo de mercantilização das relações sociais de trabalho e produção
tendem a alterar o ambiente social e econômico - o território - em que estão
situadas as unidades familiares, portanto quanto maior for o grau de
mercantilização em um determinado território, mais forte tenderá a ser a
pressão para que o conjunto das relações sociais siga este mesmo padrão de
funcionamento (SCHNEIDER, 2006, p. 44).
Por fim aqueles para os quais os agricultores não teriam responsabilidade
sobre nenhuma alteração na natureza.
Não. Não concordo! Não concordo! Já te dizê porque. Se tu for num rio hoje.
O rio tá seco e aqui no município de Cacequi não tem nenhum agricultor
puxando água. Então não é o agricultor que secô o rio como muita gente diz. Se
tu passá em cima do Santa Maria. Se tu passá aqui na ponte do Cacequi. O
Cacequi seco. Tem água que pra ti atravessa com água na canela e não
tem nenhum produtor puxando água. Porque que o rio tá seco? vão dizê que
é influência dos produtores, não é! (SO)
Neste caso o orizicultor tenta defender-se utilizando um argumento de baixa
sustentação, contrariado anteriormente pelos próprios colegas de profissão. SO alega
que na data da entrevista
52
a captação havia se encerrado, posto que estavam
encerrando a colheita do grão, e os rios permaneciam secos. Entretanto, é necessário
acrescentar que, retrocedendo a um período de um mês, talvez um pouco mais em
alguns casos, os mesmos produtores estavam captando água dos rios. Ou seja, o
estado dos rios na data da entrevista deve-se a uma conjuntura de fatores que não
remontam apenas aos últimos dias nos quais os orizicultores haviam encerrado seu
período de aguação; assim, não basta parar de captar água para o rio recuperar-se
imediatamente. Portanto, é impossível descartar a influência do período de irrigação no
estado de déficit hídrico dos cursos d’água do município.
É interessante pontuar que aqueles que buscam defender uma postura que
nega suas responsabilidades pela alteração do entorno e, portanto, alegam não
visualizar nenhuma variação no meio, são aqueles que possuem maior nível de
52
A entrevista com SO realizou-se no dia 18 de abril de 2008.
137
escolaridade
53
e por conseguinte tem conhecimento, ou pelos menos deveriam ter,
sobre as implicações ambientais de suas práticas. Todavia, não se pode atribuir ao
fator idade tal posicionamento, posto que, a maioria dos entrevistados nesta situação
não são sujeitos idosos, o que nesta conjectura, poderia contribuir para que estivessem
menos dispostos a aceitar sua responsabilidade. Nem tampouco possuem áreas
cultivadas extremamente extensas, o que configuraria aos mesmos caráter de grande
latifundiários, haja vista seus estabelecimentos agrícolas encontrarem-se em uma faixa
de 106 a 225 ha, dos quais apenas um é próprio.
5.5 A atuação dos órgãos ambientais pelo prisma dos orizicultores
Diante dos inegáveis impactos da atuação antrópica no meio ambiente, bem
como do clamor de grande parte da população por medidas de controle, fiscalização e
também punição, a Legislação Ambiental do país sofreu um enrijecimento claramente
perceptível na atuação dos Órgãos de Proteção e Fiscalização Ambiental.
Um dos principais alvos de tais medidas são indiscutivelmente os agricultores,
cuja atividade é comprovadamente uma das mais impactantes ao meio ambiente.
Quando trata-se de irrigantes, como no caso dos orizicultores, cujo processo de
irrigação exige grandes quantidades de água, essa regulamentação, bem como a
fiscalização é mais acirrada. Diante de tal realidade perguntou-se aos orizicultores
Cacequienses como estes vêem os órgãos de proteção ambiental.
Nesse quesito, grande parte dos agricultores, treze entrevistados, vêem com
maus olhos a atuação dos órgãos ambientalistas, ou seja, consideram negativa a
performance dos mesmos. Segundo estes entrevistados eles são unicamente uma
forma de taxar o produtor. Conforme declara SD
eles são muito mais prá multá do que prá orientá. Então se nós tivé essa visão
não adianta! Isso é taxa! Taxa! Taxa! Arrecadá! Arrecadá! E arrecadá! (SD)
53
Com exceção de um agricultor que possui Ensino Fundamental Incompleto tendo cursado até a quarta-
série, com setenta anos.
138
Além disso, os agricultores alegam que os órgãos ambientalistas detêm-se em
aspectos pouco relevantes ou que poderiam ser classificados como coisas pequenas.
Segundo SA
eles tão apertando até demais viu! Hoje em dia o cara não pode mais fazê uma
fumaça. Cortá uma árvore. O cara não é mais dono de nada viu! (...) É
exagerado! (SA)
tem que fazê alguma coisa mas... Do jeito que eles tão agindo! Tão tentando
amedronta só! Eles tão agindo... Comé que eu te dizê?! Vendo coisas que...
As vezes até o é tanto e dexando passa otras. Tem coisa bem pior prá... Prá
cuida. As vez tão cuidando um lavoreiro lá, e tão deixando otro que tira areia
assim... E coisa e tal. Fazendo coisa bem pior. (SG)
SH ilustra relatando seu caso particular
olha eu acho que eles agem com uns critérios diferentes, porque aconteceu um
caso comigo que eu. Não eu, mas lá fora. Tive que colocá uma bomba e
cortâmo cinco. Seis árvore. E os cara foram lá e me multaram. E eu tô pagando
até hoje cinco salário mínimo por causo disso. E os que cortam bastante não
acontece nada! Acho que tinha que um critério, por exemplo assim, tu cortá
quatro, cinco árvores não é a mesma coisa que tu cortá um mil. Duas mil árvore
como os cara cortam. (SH)
O restante dos entrevistados dividiu-se entre aqueles que ficam em um nível
intermediário, ou seja, acham necessária a atuação dos órgãos ambientais, embora
discordem da prática destes em alguns aspectos. E aqueles que concordam com a
atuação dos órgãos ambientalistas.
No primeiro grupo encontram-se quatro orizicultores. Para SJ
a intenção deles é das melhores, mas eu acho que tá faltando muito, assim...
Realmente em prática. Conhecimento dos próprios técnicos. Realmente um
conhecimento. Por que às vezes assim, se ouve falá, lacraram uma bomba,
coisa assim. Eles não querem sa se o produtor tem perjuízo ou não tem!
Então! Eu acho que tem que existi assim, uma maneira assim de... De
resolverem antes. Pra não tê um perjuízo malhor. Depois de tu planta comé que
tu não vai podê puxa água? Comé que tu vai tê o perjuízo? Isso é realmente por
falta de conhecimento. Se eles pegarem mais. Eles procurarem mais.
Procurarem conhecer realmente o lado do agricultor. Realmente i qual é a
realidade. (SJ)
E o segundo grupo, composto por três agricultores, possui um perfil mais jovem,
cujas idades são de vinte e quatro, trinta e quarenta e dois anos. Seus
estabelecimentos agrícolas possuem estratos de área de sessenta e cinco, trinta e
cinco e cento e setenta hectares, respectivamente. Possuindo Ensino Médio, Curso
139
Superior e Ensino Fundamental. Todos arrendatários
54
. Tais indivíduos consideram
importante a atuação dos órgãos ambientalistas. Para SL
eles tão trabalhando pra melhorá isso que a gente tá fazendo de errado! Porque
se não fosse isso aí seria... Então eu acho que eles tão trabalhando pra isso aí.
Pra não... Não aumenta cada vez mais! Se eles trabalhando acontece o que
acontecendo então... Eu acho que tem que tê. Eu acho que eles tão
trabalhando... (SL)
É importante pontuar que o entrevistado SC, que hoje concorda com a atuação
dos órgãos ambientalistas, inicialmente não possuía a mesma opinião. Segundo ele, a
atuação
é positivo! A principio não era, né. Mas hoje é muito positivo! (SC)
Conforme o agricultor tal mudança de percepção se deve ao fato de
anteriormente desconhecer os efeitos de seus atos.
Nós que não tava... Não sabia as conseqüência! (SC)
Quando SC relata que não sabia as conseqüências, refere-se principalmente à
diminuição dos recursos hídricos e aos impactos provocados aos cursos d’água
oriundos de ações como a prática de atacados, aspecto no qual percebeu maior
vantagem na atuação dos órgãos de proteção ambiental, conforme a seção seguinte.
Cumpre destacar que ao analisar a fala dos agricultores percebe-se que estes
referem-se aos órgãos de proteção ambiental como “eles”, “esses cara”, o que sugere
uma certa contrariedade, um distanciamento, uma impessoalidade, uma desconfiança.
Mesmo aqueles que acham importante a atuação de tais órgãos utilizaram esse tipo de
denominação, o que sugere, se podemos assim denominar, um certo mecanismo de
defesa inconsciente.
É relevante salientar que os orizicultores esperam que os órgãos ambientalistas
atuem não apenas como fiscalizadores mas como órgãos de extensão, o que pode ser
identificado na colocação de SP
se não existisse era melhor até. Porque se eles fossem atuante... Na nossa
área eles não... Não tem dado muita... Assim... Não tem... Eles não tem feito
nada de projeto, alguma coisa, né. E se tem eles não... Não divulgam, né! A
54
Nenhum dos orizicultores elencados nesta categoria apresenta área igual ou superior aos
entrevistados, mencionados anteriormente, pertencentes ao grupo daqueles que negam as mudanças no
entorno, bem como sua responsabilidade acerca das mesmas.
140
FEPAM então é... É assim... Um órgão muito fechado! Eles vem fiscalizá e
não... A gente paga e não retorno. É essa a queixa da maior parte. Nem
tanto por culpa nossa mas por culpa do próprio governo. Que ele é
simplismente um órgão que arrecada e não nos oferece nada, né. (SP)
SD também destaca a importância desse trabalho afirmando que o mesmo
poderia ser realizado “vias órgãos técnicos. Seus sindicatos. Seus órgãos de pesquisa”.
Porém esta não é atribuição dos órgãos ambientais, ou seja, eles não possuem caráter
extensionista
55
.
Muitos orizicultores comungam dessa opinião e acrescentam que estes órgãos
atuam unicamente por denúncia de modo que seus técnicos não visitam as
propriedades, não conversam com agricultores, etc, conforme relata SR
eles querem mais é aplicá multa e não o... Assim... O lado educativo. O lado
sociológico. (...) Fazê um trabalho mais (...) fiscalizador! Fiscalizá. Í na
propriedade e coisa. (SR)
Segundo os entrevistados as denúncias, na maioria das vezes, são provenientes
dos próprios colegas de profissão. O que resgata a colocação anterior de SJ quando
afirma que os agricultores “são uma raça muito desunida”. Neste contexto, SC declara
tanto é que um tem medo do outro. (SC)
55
Quanto às atribuições dos órgãos citados, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) autarquia federal de regime especial vinculada ao Ministério do Meio
Ambiente, criada pela Lei n° 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, tem como principais atribuições exercer o
poder de polícia ambiental; executar ões das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às
atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à
autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental; e
executar as ões supletivas de competência da União. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente
(SEMA), criada em 1999, é o órgão central do Sistema Estadual de Proteção Ambiental (SISEPRA),
responsável pela política ambiental do RS. É constituída por três departamentos, quais sejam, o
Departamento Administrativo, o Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (Defap) e o
Departamento de Recursos Hídricos (DRH), e por duas vinculadas, a Fundação Estadual de Proteção
Ambiental (Fepam) e a Fundação Zoobotânica do RS (FZB-RS). Além disso, também merecem destaque
o Departamento de Recursos Hídricos (DRH) coordena a implementação do Sistema Estadual de
Recursos Hídricos. Entre suas funções estão a emissão de outorga para o uso da água; regulamentar e
operar instrumentos de gestão de recursos hídricos; elaborar relatórios anuais sobre a situação hídrica do
Estado e assistir tecnicamente o Conselho de Recursos Hídricos (CRH). E, finalmente, a Fundação
Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) tem como atribuições o licenciamento, a fiscalização, o
monitoramento e a educação ambiental. Contudo, é importante salientar que, conforme Falkenberg
(1998), os chamados órgãos de controle atualmente assumem novas funções como o assessoramento e
a parceria ganhando o rótulo de órgãos de proteção ambiental. Para maiores esclarecimentos ver
Falkenberg (1998).
141
O fato de ocorrer esse tipo de comportamento, ou seja, denúncias vindas dos
próprios orizicultores que pela lógica do corporativismo deveriam se proteger, não se
deve necessariamente ao fato destes estarem cientes de que os colegas estão
realizando atos indevidos que podem vir a prejudicar o meio ambiente. O mais provável
é que tais denúncias enquadrem-se dentro da lógica descrita por SN anteriormente.
Segundo ele,
tem egoísta que chegam torcê pro cara perdê a lavora pra eles vendê a preço
melhor. Isso tem muita gente aí. (SN)
Portanto, esta seria uma forma de materializar tal torcida. Todavia, SC lembra
“não precisa agricultor pra denunciá”, fazendo menção aos demais componentes da
comunidade, que podem também efetuar denúncias contra procedimentos ilícitos por
parte dos agricultores.
5.7 Água e lavoura de arroz irrigado: uma combinação turbulenta
A questão dos recursos hídricos é um ponto de fundamental importância para os
agricultores irrigantes. Assim, embora os entrevistados não tenham classificado os
déficits hídricos como o entrave mais preocupante para a atividade fazem constante
referência à temática em diferentes oportunidades da entrevista.
Quando questionados se a água é um problema para a atividade, ou seja, se a
escassez dos recursos hídricos é percebida como um entrave e qual a possibilidade de
evolução da atual situação hídrica para níveis mais críticos, a maior parte dos
agricultores, quatorze dos entrevistados, consideram que a escassez de água é visível
e configura-se em um problema que tende a piorar cada vez mais. Para SE este
é um problema sério que a gente vai pros próximo vinte anos. E tem que sê
pensado. (SE)
Cada vez vai ficar pior. Com certeza! (SF)
Alguns, como SN, mostram-se em dúvida quanto à possibilidade de
recrudescimento da situação ao afirmar “piorá eu não digo que piore”. Entretanto, alerta
se continuá assim não é fácil! é horrível, né! Se piorá Deus oh livre, né!
Nós vamô virá um nordeste lá! (SN)
142
Para outros, a exemplo de SL
a tendência é piorá! ( SL)
Cada vez vai ficar pior, sabe porque? Embora tenham consciência. Tejam
fazendo tudo pra reduzi a água na lavora de arroz mas... Vai piorá o seguinte, a
lavora. O produto valoriza e vão aumenta as área de arroz. Então naturalmente
vai precisa de mais água. (SP)
Quanto aos motivos de tais déficits hídricos a maior parte dos entrevistados
alega desconhecer as razões que levaram a tais índices, a exemplo de SC que
comenta
eu acho que veio pra ficar. Tanto é que tão batendo nesse negócio da água, né.
Não sei por que! (SC)
Outros atribuem a atual situação a fatores climáticos, como SH, que afirma
pelo que a gente é os fator climático que acontecendo, né. Aquecimento
global, esses negócios. (SH)
O El niño, a La niña. Como se fala, né. (SJ)
Existem aqueles que compreendem a complexidade que envolve a questão da
água e afirmam que
nossos leito dos rio tão ficando assoreado. Não existe mais poço. Não existe
mais nada. É um areal. Um areal. Não tem. Não segura água. Então se fizé
cinqüenta dias de estádio no tempo, seca tudo. E antigamente não. A...
Questão também dos... Mananciais. não existe mais os banhados. Que isso
era uma fonte de irrigação pros rios, né. E o existe mais. Drenaram. (...)
Então tudo isso aí. Destroem os mananciais. As fontes de água naturais. As
nascentes. A nascente do Santa Maria em Dom Pedrito. Também, né!
comé que tá? Quantos anos faz que Dom Pedrito sofre?! E em Bagé! A questão
da água. Anos. Faz anos que Bagé vem sofrendo o problema da água, né! (SJ)
Porém, mais uma vez cumpre salientar que, novamente, o depoente utilizou a
terceira pessoa do plural, ou seja, “drenaram”, eles drenaram. O tempo verbal que usa
indica que ele, o entrevistado, não se coloca com responsabilidade sobre o ocorrido.
Segundo o estudo realizado pela Bourscheid (1997), grande parte da lavoura
orizícola localizada nas várzeas se desenvolve em áreas que originalmente se
constituíam em banhados. Estes banhados agiam como reservatório naturais, retendo
os excessos de precipitação nos períodos úmidos, liberando-os durante os períodos de
estiagem, mantendo assim vazões mínimas significativas nos cursos d’água. A redução
143
das áreas de banhado, através de sistemas de drenagem, reduziu significativamente a
capacidade de reservação da bacia, e conseqüentemente, a capacidade de
regularização dos fluxos. Desta forma, conforme o estudo, as amplas várzeas do Rio
Santa Maria que antes se constituíam em reservatórios naturais de água, estão em
avançado estágio de degradação. A expansão da lavoura de arroz sobre estas áreas
retirou destas a condição de armazenamento hídrico. Como conseqüência, os cursos
d’água da bacia tornaram-se excessivamente dependentes do regime de chuvas.
SL pontua aspectos especificamente antrópicos que interferem na
disponibilidade da água.
Eu acho assim ó, a coxilha. A área de coxilha. É muito trabalhada hoje.
Antigamente na nossa região. Antigamente que eu digo quatro cinco anos atrás.
Não tinha... Era o gado na coxilha. Hoje noventa e cinco porcento é plantação
de soja. Que que acontece? O soja, eles trabalham a terra, o soja absorve mais
a água não deixa fao escoamento pra... Pra rio, pra sanga. Então eu acho
que acaba tendo essa... Essa dificuldade pra... Pra água chega até o rio, né.
Devido a isso tem, muita gente fazendo os atacadinho na coxilha. Fazendo
açudezinho. Represo. Então eu acho que que dificultando. Dificultando a
chegada da água no rio. (SL)
Segundo Bourscheid (1997), a utilização de técnicas inadequadas de cultivo do
solo, notadamente nas áreas de coxilha favoreceu a instalação de processos erosivos
principalmente em zonas de solos desenvolvidos sobre os arenitos da Formação
Botucatu e Formação Rosário do Sul, esta última de grande ocorrência na Bacia do
Santa Maria. Estes processos erosivos carrearam sedimentos para o leito dos cursos
d’água provocando seu assoreamento.
Para a minoria dos entrevistados não existem problemas ou estes são cíclicos.
Eu acho que tá se mantendo. Não é assim tão alarmante a falta. (SO)
Não. Pra nós aqui não tem problema! De momento não, né! Problema de falta
d’água é a falta de chuva pra umidece os campo. Pra vim à grama pro gado.
Pra planta do seco. Planta do seco por exemplo, sofre muito com falta dágua.
Mas é por causa de... Falta de chuva... Falta de água nos rio não! (SI)
Nestas declarações pode-se inferir que, se não existem problemas também não
existem responsáveis. No que tange à escassez, SI argumenta “talvez eles falem
futuramente. Pro futuro, que vai falta água. Mas no momento não”, em uma alusão aos
144
apelos para a preservação dos recursos hídricos em função da provável escassez. Para
alguns o problema é cíclico.
Oscila anos de seca e anos de inundação. Coisas que contam antigamente que
acontece hoje. (...) Normal, acho que é natureza. (SB)
Nesse sentido, SG afirma
eu nasci e me criei ali na bera daquele rio e esses problema de falta água pra
irrigação no caso, como tamô falando, sempre teve. Sempre teve, né! (SG)
Conforme a declaração de SG, a falta d’água é algo que ocorre desde sua
infância e, embora possa até ser preocupante, não é algo novo. Se não é novo, não é
sua responsabilidade. Pode-se perceber que muitos entrevistados, embora assumam
que existem problemas, principalmente no que tange ao desgaste do solo e ao aspecto
hídrico, buscam se eximir das culpas, ou da responsabilidade por tal situação, posto
que, ao assumi-la, sabem que estarão trazendo para si uma carga que com certeza virá
acompanhada de novas atribuições e possivelmente custos, palavra maldita da qual
todos os orizicultores buscam fugir.
5.8 As contendas pela água
Disputas pela água sempre foram comuns desde a idade antiga, quando o
homem começou a viver em sociedade, perpetuando-se através dos culos. Muitas
pesquisas que apontam para a expressiva diminuição da água potável no planeta
alertam para a grande probabilidade da escassez deste recurso tornar-se o novo motivo
de guerras nos próximos séculos.
Quando trata-se de usuários irrigantes, ou seja, agricultores irrigantes, tais
contendas ganham força principalmente em função dos altos volumes hídricos
utilizados pelos mesmos. Assim, são recorrentes as disputas e altercações entre
usuários domésticos e agricultores em municípios abastecidos pela água de rios.
Entretanto, como citado anteriormente, o município de Cacequi possui abastecimento
doméstico proveniente de poços artesianos, fato que diminui a possibilidade de
embates entre estes dois setores da comunidade.
145
Contudo, isso não significa que os orizicultores estejam isentos de disputas pela
água, haja vista a grande pressão existente dentro do próprio setor rizicultor. Nos
momentos de déficit hídrico a relação entre os irrigantes torna-se instável e propensa a
graves crises internas, posto que a falta deste precioso recurso implica diretamente no
sucesso ou fracasso da produção final do grão.
É necessário levar em conta que os agricultores a jusante sempre estarão em
desvantagem frente aqueles que situam-se antes, ou seja, a montante do curso d’água.
Conforme ilustra SM
meu vizinho puxando. chegando água na bomba dele e, na minha não
chegando. Ele tá em cima. Eu não posso fazê nada! A pessoa não pode
reclamá! (SM)
Quando SM declara a pessoa não pode reclamá” deixa implícito que isto é uma
convenção mas que na prática existe, e muita, vontade por parte de quem está a
jusante de reclamar com o colega que, porventura, venha a impedir, ou pelo menos,
dificultar o livre trânsito da água, beneficiando a si e prejudicando os próximos
orizicultores.
Agregam-se às dificuldades impostas pela localização o fato dos orizicultores
construírem atacados nos rios. Os atacados configuravam-se, posto que estão
legalmente proibidos, em prática comum entre os orizicultores impedindo a livre
circulação da água nos cursos d’água e prejudicando, principalmente, os agricultores a
jusante. Conforme SH
os que tão mais acima botam mais bomba e atacam o rio antes. (SH)
Os orizicultores foram unânimes em considerar que as disputas entre colegas de
profissão, existem, foram muito graves mas, atualmente, o resolvidas na base da
conversa e, em alguns casos, através da organização de turnos diferenciados de
captação. SJ afirma
nisso até que existiu uma grande evolução sobre esse aspecto. (SJ)
Vale ressaltar que SJ deixa bem claro que “nisso existiu uma grande evolução”, o
que leva a julgar que existem ainda muitas coisas erradas e que precisam ser
melhoradas. Segundo relata SF,
146
antigamente era assim, eu quero água pra mim e tu que se vire. Tu pula pra
eu te boto fogo! Tu pula pra lá e... E assim vai! (SF)
Depende do lugar gera um poco de crise. Porque as vez um cara qué puxa
mais abaxo no rio. Otro puxando em cima. Não tem mais água. um stress
mas, não digo que seja um problema de puxá facão. (SO)
Hoje a opinião recorrente entre os agricultores é a de que
não é questão de vizinho puxá. Vizinho não puxá. Hoje se não tivé pra mim não
tem pra ele também. (SJ)
Os ajustes entre turnos e horários de captação foram citados por mais de um
entrevistado, conforme menciona SQ
nós ali temo uns vizinho tão bom. Esse ano mesmo. Foi um ano ruim. Faltou
água. E, os vizinho parava em cima e eu puxava. Eu parava e outro puxava. (...)
Nós meio que se ajudava nesse termo aí para não faltar para nenhum. (SQ)
tem várias bombas acima da nossa e várias abaixo, então a gente depende dos
de cima e os debaixo depende da gente. Então eu acho que não acontece!
Ainda não aconteceu, esse motivo de... Tipo uma briga por causa disso. Aquela
coisa assim, ah o fulano puxo mais, não. A gente as vez fala com a bomba de
cima, se ele vai puxá de dia eu espero e puxo de noite. Aí de noite ele pára, eu
puxo. Aí otro dia eu páro, vamos supor de manhã, o cara não vai puxá de dia, o
otro lá de baxo puxa durante o dia. Assim, a gente ainda tá fazendo isso aí. Não
sei até quando vai, sabe. Mas tá acontecendo isso aí. (SL)
Entretanto, é importante ressaltar que os agricultores que relataram esse tipo de
atitude são aqueles que possuem as lavouras de menor área. Nesse sentido, SN alerta
briga não digo que dê mas... Mas que tem uns egoísta! Tem ainda. (SN)
SQ discorda, argumentando no sentido contrário
isso mudô bastante! Antigamente os caras olhavam diferente! Bah, ele cólhe
mal! Vô pegá a lavoura dele. Hoje não tem mais esse pensamento. Todo
mundo qué que todo mundo bem, né! tudo sentindo a coisa mais ou
menos como funciona, né! (SQ)
Neste contexto, pode-se inferir que as disputas entre usuários do mesmo
segmento ainda ocorrem, contudo, não existem mais os embates físicos que existiram
em tempos anteriores. Porém, permanece inegável o fato de que a atividade orizícola
altera de forma invasiva a vazão dos rios, tornando os níveis hídricos bem mais baixos
do que seriam se não houvesse captação para as lavouras. Assim, além das disputas
entre os próprios orizicultores merece destaque o comprometimento do uso recreativo
147
dos rios que gera desgaste entre duas categorias distintas, os agricultores e os
banhistas. É importante destacar que no Município de Cacequi a captação hídrica para
orizicultura não compromete o abastecimento da cidade, de modo que não existem
contendas entre os usuários domésticos e os produtores rurais irrigantes.
Todavia, os três rios que cortam o município de Cacequi compõem uma
configuração paisagística que propicia o lazer. A cidade conta com o Balneário
Municipal de São Simão, situado no rio Santa Maria, que configura-se no principal
espaço de recreação da população local durante o verão, que a cidade não conta
com muitas alternativas de lazer.
Figura 14 - Reportagem Jornal Gazeta dos Pampas -
Abertura da temporada 2008 de veraneio do Balneário de
São Simão/Cacequi-RS. Fonte: Jornal Gazeta dos Pampas
- Edição 11 de janeiro de 2008, p. 13.
No Balneário também acontece anualmente o Concurso Garota Verão promovido
pela RBS TV em conjunto com a Prefeitura Municipal, com a escolha da representante
local.
148
Figura 15 - Reportagem Jornal Gazeta dos Pampas -
Escolha da Garota Verão Cacequi 2008. Fonte: Jornal
Gazeta dos Pampas - Edição 22 de fevereiro de 2008,
capa.
Embora não possuam infra-estrutura apropriada, os rios Ibicuí e Cacequi também
recebem banhistas, bem como campistas no período do verão. A imagem abaixo,
Figura 16, mostra banhistas aproveitando o domingo no Rio Ibicuí.
Figura 16 - Fotografia Banhistas no Rio Ibicuí - Fevereiro de 2008.
Fonte: Acervo da autora.
Diante da intervenção direta da orizicultura na vazão dos rios, indagou-se aos
orizicultores se os mesmos percebem ou, porventura, foram alvos de críticas dos
149
banhistas em função da captação de água para suas lavouras. Assim, para seis
agricultores não existe esse tipo de “censura” por parte dos banhistas. Segundo SB
nunca me chegou esse tema assim, dizer um banhista que se banhá no rio
chegue lá diga: Ah, os orizicultor usaram a água! (SB)
Não. Não. Acho que quanto à agricultura não. A maioria não têm nem noção!
Não tem noção do que que é puxá água. Reclamam de falta de chuva talvez”.
(SC)
Nove entrevistados concordam que os banhistas associam a falta d’água nos rios
à ação dos orizicultores, sendo que alguns chegaram a confessar ter ouvido esse tipo
de reclamação.
Em tom de brincadeira, sim! Mas não, nada nunca... (SG)
Conforme SI
alguns, principalmente esses que gostam de praia, né! Rosário, Cacequi, São
Simão. se falta água no rio é por que os lavoreiro tão tirando água! Isso
tem quexa. Desse povo sim. Mas não é geral! Geral não! (SI)
Em verdade, na maioria dos anos os rios não oferecem boas condições para os
banhistas. A imagem abaixo mostra o Balneário de São Simão, Rio Santa Maria, no
Verão de 2005.
Figura 17 - Fotografia Balneário São Simão - Fevereiro de 2005.
Fonte: Fotografia de Luiz Carlos Santos retirada de Google Earth.
150
A fotografia mostra claramente o baixo nível d’água em que se encontra o rio no
período de balneabilidade.
Outros, embora aleguem não terem presenciado nenhum tipo de relato do
gênero, ou mesmo sofrido críticas, “eu nunca vi falá: ó pára de puxá que não temô água
pra nós tomá banho!” (SQ), acreditam que os banhistas sentem-se incomodados pela
prática orizícola.
Acho que o pessoal da cidade que vai lá, tomá um banho, aproveitá o final de
semana no rio. Não tem água no rio! A primeira coisa, né! Bah, as bomba
puxaram toda água. (SL)
ainda aqueles que encaram tais reclamações como oriundas de indivíduos
desqualificados para contestar sua prática.
uns pensam, principalmente a pessoa que não vive disso. Querem só
mordomia! (SM)
Por que não toma banho em casa? Nem vi falá isso aí! O cara não vai dexá de
puxá água pra formá uma lavoura pros bundinha í tomá banho lá na... (SA)
Nos dois relatos é possível identificar o tom pejorativo com que os entrevistados
se referem aos banhistas, ou seja, aqueles que “querem mordomia” ou os
“bundinha” rotulando as pessoas que buscam no rural um local de recreação como
desocupados e vagabundos. Nesta analogia tais sujeitos não possuem qualificação que
permita a eles contestar a falta d’água nos rios, posto que a mesma estaria sendo
usada para motivos mais nobres como a produção de alimentos, enquanto estes
indivíduos reclamam a água para fins meramente recreativos. Assim, fica claramente
perceptível que o rural para tais orizicultores não configura-se em um espaço
multifuncional que comporta o desenvolvimento de atividades de recreação e lazer. No
ponto de vista destes orizicultores permanece a visão do rural como mero recorte
setorial produtivista, onde eles se vêem e desempenham sua função de trabalhadores.
E os banhistas, ou todos aqueles que vêem o rural sob outro enfoque que não o
produtivista, são desqualificados para contestá-los.
151
5.9 Desperdício de água: mito ou realidade?
Indagados se existe perda de água no caminho entre a captação e a lavoura, ou
seja, se o sistema de irrigação apresenta falhas, os orizicultores consideram em sua
maioria, nove entrevistados, que tal desperdício não ocorre.
Não tem não! Ninguém desperdiça! (SA)
Mas olha, eu acho que não tem muito desperdício não! Por que é tudo limitado!
Esse ano mesmo, não tem como ninguém desperdiça por que Deus oh livre
uma gota fora! O cara vinha levando certinho pra conseguir banhar a lavoura,
né. Não tem como! (SQ)
Segundo os entrevistados isso ocorre em função dos altos custos de irrigação.
Hoje em dia pra puxa água o preço é alto então o cara tem que ocupa o que
precisa. Não bota fora uma gota! (SA)
Por causa do custo. O custo da água em irrigação é muito alto. Seje com
barragem armazenada, ou com irrigação bombeada. Com o custo que a gente
tem pra irrigar uma lavoura, não existe desperdício, (...) pode existi carência de
irrigação. Desperdício não existe mais! Isso foi nos anos 80, 90 porque dali pra
cá... Pra ti uma idéia eu paguei R$ 14.700,00 de luz em um mês. Isso
corresponde a um bom pedaço de área de arroz pra cubri esse custo. Eu, na
minha situação, não vejo como desperdiçar. Aquele que desperdiça é por que o
empregado não cuida direito. Por que ele não vai na lavora. Ele pergunta:
Ah, comé que as coisa? tudo ok! Mas quem lá, participando do...
ele não pode perde nada. (SB)
Não, não tem. Muito não! Acho que não! Agora o pessoal quando ta gastando lá
o combustível tem que cuidar o máximo a água pra não ir embora, né. E se ela
sai ela volta pro rio novamente! Ela não sai do círculo, né! Ela sai aqui e volta lá
de novo! (SI)
Todavia, no discurso de SI é possível identificar aspectos dúbios, inicialmente ele
afirma categoricamente “não, não tem”, para em seguida dizer “muito não”. Somente
isso seria suficiente para configurar incerteza, contudo ele ainda arremata e se ela
sai ela volta pro rio novamente! Ela não sai do círculo”. Portanto, neste caso pode-se
inferir que realmente existem perdas de condução na lavoura, embora o agricultor
alegue que as mesmas não ocorrem em função dos custos de captação d’água.
No entanto, eles não estão errados, segundo o IRGA (2006) na safra 2005/06 o
custo de irrigação da lavoura de arroz no Rio Grande do Sul representou 11,49% do
custo total.
152
Na Figura 18 verifica-se problemas nos dutos de condução do sistema de
irrigação de uma lavoura de arroz, demonstrando o desperdício de água no caminho
até a lavoura.
Figura 18 - Fotografia Desperdício de água por problema no
sistema de irrigação. Fonte: Fotografia Acervo GERHI. Retirado de
Lorensi, 2008.
Para seis entrevistados, ainda existem problemas nessa área, ou seja, admitem
a existência de perdas, mas percebem que isso é um entrave para a atividade que deve
ser corrigido em função dos altos custos.
Ah, muito poco! Se acontece é muito poco, porque o custo que sai pra bombea
a água hoje faz a pessoa tê... mais cuidado! Entendeu?! Se tu vai puxá prá
colocá água fora tá... tendo prejuízo! Hoje o pessoal mais importância
nisso aí ó! Tu não vai coloca um trator a puxá ali e sai do lado! Í água fora. (SM)
Tem! Tem! Não dizendo que não tem, né! Mas todo mundo tentando se
corrigi. Quem a gente conversa, conhece assim um pouco. (SC)
SD coloca a situação da seguinte forma
Pode sê! Pode sê! Temo avançando. O produtor avançando nessa área. A
por que é um limite! Porque hoje a água é um limite! Em termos de produção.
Mas é questão de tempo. Hoje tem... Tem novas tecnologia, novos
equipamentos, formas de plantio. Só que isso é um processo lento! (SD)
Conforme Arns (1995), o custo da irrigação poderia ser reduzido com o uso
racional da água e, conseqüentemente, de energia. O desperdício de energia elétrica
em estações de bombeamento de lavouras de arroz do Rio Grande do Sul foi superior a
153
200 MW por safra em, aproximadamente, 6.000 estações de bombeamento em
operação. Segundo Vianna (1997), o consumo de energia elétrica na irrigação das
lavouras de arroz do estado é superior a 600.000 MWh por safra, o que representa, em
muitos casos, um desperdício superior a 50% do consumo, sendo que a principal
causa é o consumo hídrico aproximadamente 20% acima do necessário.
Outros cinco entrevistados consideram que perdas d’água são comuns.
Tem. Tem desperdício. Hoje é noventa e oito porcento não tem como fazê uma
lavora que... Ó colocá a água pra dentro dela ali e ali ela vai ficá, a água.
Hoje a gente coloca um poco e em algum lugar ela saindo fora. Tu não
consegue fazê cem porcento de aproveitamento daquilo tudo que tu coloco prá
dentro da lavora. (SL)
Um poco tem. Um poco é normal, né. (SF)
Ah tem! Toda tem! É difícil não tê porque se é uma lavora grande o controle tem
que se muito, tem que se muitas pessoas pra te controle, né. Geralmente, a
pessoa procura economiza mão-de-obra o que dá. (SP)
Dentro da lógica exposta por SP, ou seja, a customização de mão-de-obra
implica no desperdício, pois com um número reduzido de empregados, dependendo da
área da lavoura, não como manter um controle rígido do sistema de irrigação. Neste
contexto, conforme SJ, a exemplo do relato de SB, tais desperdícios são freqüentes em
grandes propriedades, onde o proprietário delega a função de controlar a irrigação
unicamente aos empregados, o que não ocorre com os pequenos agricultores. Para SJ,
o pequeno agricultor é o único que tem condição de controlar o processo de irrigação e
afirma
o pequeno agricultor, aquele que vive realmente o dia-a-dia, que trabalha em
cima ali, ele sabe! Ele tem a consciência e ele sabe. Mas se é aquele lavoreiro
que não entra na lavora, ele vai sabê? Ele não vai sabê! Como que ele vai
sabê? (SJ)
Tal discussão aponta para as diferenças existentes entre a agricultura familiar e
a agricultura patronal, com destaque para o maior controle do processo de produção,
bem como, para a preocupação com a customização e eficiência do processo
apresentada pelo agricultor familiar. Portanto, o agricultor familiar estaria mais atento às
questões ambientais justamente por compartilhar do dia-a-dia da lavoura, a exemplo do
descrito por SJ, avaliando e pesando quais medidas serão benéficas e quais trarão
conseqüências futuras. Enquanto os agricultores patronais, dentro da lógica do
154
produtivismo mercadológico, se atêm exclusivamente ao resultado final no que tange à
produtividade, com vistas a reverte-la em capital financeiro. E, embora também
preocupem-se com os custos de produção, na maioria das vezes, como estão focados
especificamente na produtividade, os problemas ambientais são vistos apenas como
“detalhes”, “entraves” com os quais tem que conviver. Ou seja, se a produtividade
estiver assegurada, quase sempre através da artificialização xima dos meios
naturais e da eliminação dos meios biológicos, mesmo que em detrimento da “saúde”
do entorno, não há problema relevante.
Contudo, embora concordem com a existência de desperdícios, identificando tais
perdas d’água, esse grupo de entrevistados discute as dificuldades que o agricultor
enfrenta para eliminar tais perdas.
Segundo eles, suprimir os desperdícios, ou seja, obter total eficiência no
processo de irrigação não é tão simples, pois implica em custos que o produtor, muitas
vezes, não tem condições de arcar, seja através da contratação de mão-de-obra, seja
pela modernização da estrutura física da aguação. Nesse sentido, SL alerta
teria que um investimento do próprio agricultor. Mas isso, pra ti fa um
investimento desse, tu tem que um retorno, né. Eu acho que se o agricultor...
Fosse um poquinho mais valorizado o produto, teria como fa um melhor
investimento na sua lavora. (SL)
Para Neumann; Loch (2004), a configuração de um desenvolvimento sustentável
aponta para a necessidade de se criar mecanismos e instrumentos de gestão
ambiental, que sejam capazes de dar respostas aos problemas colocados, em sintonia
com o contexto social, econômico e ambiental onde se manifestam, e adequados às
diferentes categorias e atores sociais presentes no rural. Neste contexto, seria
pertinente a criação de programas e/ou políticas públicas para investimento em
tecnologias limpas e mais sustentáveis.
Conforme estes autores apesar da Política Nacional de Meio Ambiente
56
prever
três categorias de instrumentos de gestão ambiental pública, quais sejam, Instrumentos
Regulatórios e Punitivos do tipo Comando e Controle; Instrumentos de Mercado ou
Incentivos Econômicos; e Instrumentos de Informação, em sua essência, bem como na
56
Lei 6.938/81.
155
prática, ela compõe-se basicamente por instrumentos de Comando e Controle
57
, ou
seja, por regras e padrões a serem seguido, atribuindo penalidades aos que não as
cumprirem. Essa situação resulta do fato da gestão ambiental brasileira estar associada
a idéia de meio ambiente como um bem público, o qual somente pode ser resguardado
eficientemente através de uma incisiva intervenção normativa e reguladora do Estado.
Assim, os defensores desta visão confiam excessivamente na capacidade do Estado
em exercer os devidos mecanismos de controle e comando (BRESSAN, 1991;
NEUMANN; LOCH, 2004).
Portanto, no país, conforme reclamação de SL deixam-se de lado os
Instrumentos de Mercado ou Incentivos Econômicos e os Instrumentos de Informação
que, com um viés contrário aos Instrumentos Regulatórios e Punitivos, aproveitam o
vínculo positivo entre desenvolvimento e ambiente, corrigindo ou prevenindo falhas e
aumentando o acesso a recursos e tecnologias e promovendo um aumento eqüitativo
da renda. Tais políticas ambientais propõem melhorias econômicas e ambientais tendo
como exemplo o subsídio aos processos ou atividades agrícolas sustentáveis; a
redução de incentivos dados a atividades agrícolas de grande impacto ambiental;
dedução no Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) dos agricultores que
realizam trabalhos como o reflorestamento de mata ciliar, no caso dos orizicultores, ou
adotam tecnologias mais limpas; a criação de linhas de crédito para adoção de tais
tecnologias, entre outras (NEUMANN; LOCH, 2004).
57
São exemplos de instrumentos de regulação as licenças, padrões, zoneamentos, outorga.
156
VII OS ORIZICULTORES, A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL E A
MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA
6.1 Como os orizicultores interpretam a Lei das Águas
Em busca de uma otimização do uso da água, a exemplo do que vêm ocorrendo
em outros países, o Brasil, um dos maiores reservatórios de água potável do planeta,
instituiu a atual Legislação de Recursos Hídricos.
Essa Lei tornou mais rígidas as regras para o uso dos recursos hídricos
estabelecendo modernos mecanismos de gestão. Tal ordenamento jurídico atinge a
toda a população, entretanto, alguns setores da sociedade sofrem de forma mais direta
os impactos da nova Lei. Podemos citar os orizicultores que, por necessitarem de
grandes volumes d’água para alimentar suas lavouras, enquadram-se neste grupo.
Desde a instauração da nova legislação, os orizicultores vêm se deparando com
uma nova realidade, ou seja, o maior controle e fiscalização acerca da água que
utilizam. De forma direta, tais inovações implicaram, entre outros, em novas licenças,
como a outorga de direito de uso
58
, e na possibilidade da cobrança pela captação e uso
da água. SN exemplifica bem a atual situação,
antigamente, não existia essa fiscalização. Era à vontade! Tu queria colocá uma
bomba ali. Puxá água ali. Tu botava onde tu queria, né! Hoje, pra ti colocá...
Botá uma bomba pra puxá água, tu tem que a licença
59
do... Da FEPAM e
tem que tê a outorga. (SN)
58
A outorga de direito de uso de recursos hídricos é um dos instrumentos da Política Nacional de
Recursos Hídricos, estabelecidos no inciso III, do art. da Lei Federal 9.433, de 08 de janeiro de
1997. Esse instrumento tem como objetivo assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da
água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água.
59
Conforme o IRGA (2005), o licenciamento ambiental dos irrigantes está estabelecido na Resolução do
CONAMA 237/1997. A Resolução 284/2001 do CONAMA dispõe sobre o licenciamento de
empreendimentos de irrigação, como é o caso da lavoura de arroz irrigado do estado do rio Grande do
Sul. Os empreendimentos de irrigação são classificados em categorias, de acordo com o tamanho da
área irrigada por propriedade e o método usado: aspersão (pivô central), localização (gotejamento,
microaspersão, xique-xique) e superficial (sulco, inundação, faixa). O conceito de empreendimento de
irrigação compreende o reservatório e captação de água, adução e distribuição, drenagem, caminhos
internos e a lavoura propriamente dita. Esses empreendimentos devem estar cadastrados e licenciados
pelo órgão ambiental competente, que expede a Licença Prévia-LP, Licença de Instalação-LI e a Licença
de Operação-LO, isoladas ou sucessivamente, conforme a natureza, características e fase do
empreendimento.
157
Diante desta nova realidade, onde a água começa a ser regulada, criam-se os
Comitês de Bacias Hidrográficas e passa-se a exigir do agricultor, de forma direta e
indireta, uma postura de proteção aos recursos hídricos, o que implica, entre outros
aspectos, na diminuição das quantidades captadas e, portanto, no uso racional. Assim,
indagou-se dos agricultores o que eles pensam, ou seja, como percebem a atual
política nacional pertinente aos recursos hídricos.
Frente a tal questionamento os entrevistados dividiram-se em três grupos, quais
sejam, aqueles que concordam e aprovam, aqueles que identificam alguma legitimidade
na Lei, todavia, mostram-se desgostosos com tal ordenamento e o grupo dos radicais
contrários.
Como componentes do primeiro grupo temos apenas dois entrevistados que
posicionaram-se de forma concordante com a nova legislação. SC afirma,
concordo! Concordo! Por que eu vi resultado! Tanto é que, esse ano, se eles
não tivessem agindo não teria água lá em baixo, eu sô o último. (SC)
Tendo vivenciado a mesma situação, SL compartilha do mesmo raciocínio e
conclui,
isso é uma coisa que eles tão trabalhando certo! Se não fosse isso eu
acho que até muito agricultor não taria na agricultura. Teria abandonado! Por
causa disso, que quem em cima pega água. Quem em baixo não
pega! Se não tem uma fiscalização do IBAMA, certinho, tem draga no rio, tem...
Depois abre um buraco lá, a água já não corre prá baixo. (SL)
Para ele a legislação veio frear os abusos cometidos pelos orizicultores o que
considera
positivo! Hoje pra colocá uma bomba no rio, se não é legalizado pelo IBAMA, tu
vai e desmata dez árvores pra chega no rio. Hoje não. Hoje tu tem o IBAMA.
Tu vai lá tira uma licença. Ele vai lá demarca uma área pra ti desmatá. Pra ti tirá
tantas árvores tu tem que plantá tantas. (SL)
Entretanto, a maior parte dos orizicultores entrevistados enquadram-se entre o
segundo e o terceiro grupo, tais orizicultores possuem opiniões similares, pois mesmo
aqueles que consideram os motivos que promoveram tal ordenamento, mostram-se
desconfiados e receosos quanto aos métodos do mesmo.
No segundo grupo encontram-se nove agricultores. Representante do segundo
segmento, SN avalia
158
acho que tiveram motivo pela falta d’água, né. Ou falta d’água ou o pessoal não
respeitava. (SN)
Isso aí, acho que fundamento tem! Isso até teria que te sido mais tempo.
(SJ)
SM, fazendo referência à atuação de alguns orizicultores, acrescenta
isso aí, por um lado, vai se bom, né! É. Porque se fiscalizarem, tem gente aí,
grande, que tá... Que planta uma quantia. Tá plantando mais... Além da... (SM)
É importante salientar que no discurso de SM ao dizer “por um lado”, ou seja, o
ordenamento poderá ser positivo apenas em alguns aspectos comprovando sua dúvida
quanto às contribuições efetivas do mesmo. Portanto, pode-se dizer que, para estes
agricultores, a nova legislação é justificável, entretanto, causa receio, desconfiança e
alguma contrariedade, pois impõe a necessidade de licenças, como a outorga. Embora
as outorgas emitidas até o presente momento limitem-se a regularizar as quantidades
captadas, posto que não houve restrições aos volumes requeridos pelos agricultores,
elas implicam em custos para os mesmos. SQ ilustra o sentimento comum a muitos
orizicultores
essa outorga não tem fundamento nenhum, né! Só é bem caro, isso sim! O
laudo técnico e uma taxa no banco que o cara paga ali. (SQ)
O grupo dos que se colocam radicalmente contrários à nova legislação, ou seja,
oito orizicultores entrevistados, defendem que a única finalidade da mesma é arrecadar
fundos para o governo. Nesse sentido SG afirma
Eu pago aquela... Comé que é... licença ambiental. A outorga. Mas eu até hoje
não tive relação nenhuma com esses cara. É prá capta dinheiro. Pegá dinheiro!
Todos os ano tem que pagá essa outorga, né. Tu paga o laudo de dois em dois
ano. Se tu pagá dois ano tu tem uma vantagezinha. Mas... Não sei por que isso
aí! Se é prá melhorá alguma coisa. Eu não tô vendo nada! (SG)
O que funciona é as taxa! (SO)
Temô vendo! Te acompanhando! E, eu pelo menos, na minha visão, tem
algumas coisas que são boas. Tem outras que deixam algumas dúvidas. No
fundo, no fundo, a dúvida maior nossa é o seguinte: Será que não vai ser
mais uma forma de arrecadação? (...) Por que no fundo, no fundo, no
finalmente, se chama taxas! É uma forma de pode tê cobranças. Então se é pra
tê, mais uma taxa, e, nós não vê outros benefício, não teria sentido! (SD)
Em consonância com a colocação anterior SE, declara
159
ele tem que produzí atento a essas questões ambientais de preservação da
natureza. Mas ele sê, sobretaxado, por exemplo, no uso da água para irrigação
na minha opinião é complicado. (SE)
SE faz alusão às atuais exigências sociais atribuídas ao agricultor, como a
preservação do ambiente e proteção do entorno, com as quais ele, aparentemente,
concorda. Todavia, mostra-se contrário a forma como o Estado encontrou para fazer
com que os orizicultores passem a utilizar a água de modo racional, ou seja, através
dos instrumentos previstos na Política Nacional de Recursos Hídricos. Aqui, no caso, a
outorga, classificada por ele como sobretaxas aplicadas a orizicultura.
6.2 Críticas à legislação de recursos hídricos
O enrijecimento da legislação ambiental formalizado na atuação de órgãos de
fiscalização e controle é alvo de muitas críticas. Entre as críticas, é possível identificar
muitas dúvidas, como a exposta por SQ, interrogação comum entre a maioria dos
agricultores,
O que que é o fundamento daquela outorga? (SQ)
Muitos desconhecem o objetivo prático da outorga e, por ignorarem a finalidade
da mesma, muitos orizicultores consideraram-na apenas mais um meio de arrecadação,
principal crítica dos agricultores ao novo ordenamento jurídico. Entretanto, é importante
ressaltar que tal censura não se restringe apenas aos orizicultores que conhecem
superficialmente as propostas de gestão da nova legislação, alguns dos críticos mais
mordazes, a exemplo de SO, tem amplo conhecimento sobre o tema, inclusive tendo
participado de reuniões no Comitê de Recursos Hídricos da Bacia da qual pertencem.
Eu acho que tem umas coisa que são um abuso! Por exemplo, uma taxa da
FEPAM que o ano passado custo R$ 576,00 que a FEPAM não faz nada, ela
tira guia pela Internet, ela nunca veio olha se eu fiz alguma coisa. Nada,
nada. Não faz nada. Ela só... Tu tira guia pela internet e paga. Tu faz o projeto.
Tudo tu que faz. Contrata um técnico, ele que faz o projeto. Tudo! Uma taxa da
FEPAM custava R$ 576,00 o ano passado esse ano tá pra R$ 1.200,00. Qualé
a justificativa disso? Esse tipo de coisa que eu não... Eu não, não... Pra ti te
uma idéia nesses vinte anos veio uma vez o pessoal do IBAMA dá uma
palestra aqui no CTG. Depois andaram fora olhando os levante e coisa. Fora
disso eles nunca vem. Eles vem multá ou encomodá. Quando o rio tá seco
vem se não tá atacado, não sei o que. É só pra isso que serve! (SO)
160
Outra reclamação recorrente, contida no discurso de SO, é a questão da
fiscalização. Os agricultores criticam o fato de que exige-se deles que estejam em dia
com a legislação ambiental, todavia não existe uma forte fiscalização acerca disso.
Conforme SP
a fiscalização ela é assim ó... Ela não é atuante aqui na nossa região. Não é
atuante! Eles fiscalizam mas... Tem anos que eles vai numa bomba. Tem
anos que eles vai... o olham se tem o ralo que é essencial! Tem que botá no
rio. Eles não olham isso aí. Não tem fiscalização! Aí o que acontece? Esse caso
mesmo, que eu tava te falando, da FEPAM, né. Eles te cobram aí, depende o
tamanho da lavora, é R$ 300,00 por licenciamento, e tu não vê nada! Tu não vê
fiscalização! Eles não vão lá olhá se a gente tá derrubando mato. Se fazendo
certo ou errado! Eles não tem fiscalização atuante! Mas prá arrecadá eles são
bom, né! Tu não vê nada, nada de proveito! Mas tu todos os anos tem que fazer
o licenciamento! E tudo é pago, né. (SP)
SH concorda e acrescenta
eles só vão se denunciam, senão não vão. (SH)
Este é outro fator de desgaste entre os agricultores, que, embora qualquer
pessoa possa realizar uma denúncia conforme os entrevistados relataram
anteriormente, na maior parte das vezes, quem faz as denúncias, são os próprios
colegas de profissão, como relata SC
causô esse problema com os outros, tanto é que eu fui denunciado. Peguei um
ano de pena. Hoje um tem medo do outro. (SC)
Embora pareça ser uma crítica contraditória, posto que, se houvesse uma
fiscalização rígida os agricultores deveriam proceder de forma ainda mais atenta a
algumas questões que, às vezes, no dia-a-dia da atividade, é necessário “burlar”. A
falta de fiscalização propicia que, enquanto alguns estão em conformidade com a lei,
outros encontrem-se fora da mesma. Assim, enquanto alguns pagam as taxas para a
obtenção das licenças, aqueles que estão à margem da lei não arcam com os custos
das mesmas, conforme declara SH
eu acredito que tenha alguns que puxem que nem licença tem! Porque não
fiscalizam, né. (SH)
Todavia, se a fiscalização é considerada fraca, ocorrendo na maioria dos casos
por denúncia, existe um motivo mais forte que impulsiona os orizicultores a entrarem,
161
ou não, em conformidade com a lei, ou seja, as exigências para obtenção do crédito
agrícola.
Os órgãos financiadores cobram daqueles que buscam retirar empréstimos
agrícolas que estes apresentem negativas da FEPAM confirmando que estão em dia
com as exigências legais, ou seja, a licença ambiental e a outorga. Neste sentido SE
declara
é o crédito. O acesso ao crédito. Isso força ele, com certeza, a fazê. Isso é
uma das coisas inteligentes que o Estado fez. Vinculá crédito à questão da
licença. (SE)
Assim, quando SJ interroga “porque que hoje, como é o causo as outorga, não
tão todas regulamentadas?” reporta a um leque de razões, entre as quais, destaca-se a
fraca fiscalização e a necessidade, ou não, de crédito. O caso de SB é ilustrativo dessa
situação. Ele conta,
no rio Santa Maria existe. Eu procurei um agrônomo pra me informar dessa
situação. Ele disse que no rio Ibicuí não tão exigindo a outorga. Não tiro
financiamento, não tiro... Não preciso das negativa da FEPAM. (SB)
O que é preciso observar neste relato, são os dois motivos citados
anteriormente, ou seja, em função do Comitê do Rio Santa Maria ser bastante atuante e
a quase totalidade dos orizicultores situados na Bacia do Santa Maria estarem
enquadrados na Lei, por medo de possíveis denúncias, ou mesmo da fiscalização, este
orizicultor procurou a orientação de um técnico para avaliar sua situação, posto que
situa-se na Bacia do Ibicuí. Como o necessita de financiamento agrícola e o técnico
consultado afirmou, erroneamente, que a Bacia do Ibicuí não exige a outorga, o
agricultor o identificou necessidade de se enquadrar na Lei. Porém é importante
ressaltar que todos os irrigantes do Estado, independente da Bacia na qual estão
inseridos, necessitam de outorga para captação d’água. O que ocorreu neste caso
explica-se pelo fato da Bacia do Ibicuí não se apresentar tão ativa quanto a Bacia do
Santa Maria, motivando comentários como o do Agrônomo consultado.
Além disso ocorrem outros problemas, conforme relato de SE
Eu acho que é importante mapear os irrigantes do Estado e quantificar. Eu acho
que é importante. Mas, ah... Os nossos... Por exemplo a Secretaria... Comé que
é... O Departamento de Recursos Hídricos do Estado não tem capacidade de
receber todas as outorgas e não conseguindo processar a tempo isso aí.
162
Então é complicado! O produtor fica desarmado. Fica... Aí não pode financiar no
Banco do Brasil por que não tem outorga. E aí? E agora José? (SE)
Mais uma vez, a outorga aparece atrelada ao crédito, e desta vez, não é apenas
uma questão de se adequar à Lei, a crítica é a de que mesmo agricultores que buscam
estar em dia com o ordenamento jurídico, em função de necessitar de crédito, acabam
prejudicados, desta vez, pela morosidade dos órgãos responsáveis.
Para SB,
quem vem do escritório bonitinho pra chega em lavora e acha que tudo
certo, quebra a cara! Por isso que, esses caso, de controle de rio, isso não
dando certo! É muito bonito comitê de controle, tudo. É muito bonito! que no
meio dessa legislação não adianta muito. Bom senso o vai a lugar nenhum!
Então, tem que tentar achar um meio termo, pra tentar levar com a barriga do
jeito que dá.(SB)
Neste depoimento é possível identificar o embate entre a postura
ambientalmente correta e a prática da orizicultura promovido pela atual legislação de
recursos hídricos. Quando SB afirma “é muito bonito comitê de controle”, embora
utilizando um tom pejorativo ele admite a necessidade da existência destes. Na
seqüência ele completa no meio dessa legislação não adianta muito. Bom senso não
vai a lugar nenhum! Então, tem que tentar achar um meio termo pra tentar levar com a
barriga”. Ou seja, ele está ciente da importância de tais medidas de proteção chegando
a utilizar a expressão bom senso”, porém conclui “não vai a lugar nenhum”,
comprovando que sabe que age de forma errada. Todavia, considera que agir de forma
a burlar a lei, ou seja, “levar com a barriga” é o modo indicado para conciliar a profissão
com as atuais exigências legais.
6.3 Vantagens práticas da legislação de recursos hídricos
Os ordenamentos jurídicos acerca do meio ambiente sofrem críticas de todos os
gêneros, conforme demonstrado anteriormente, contudo, na prática essa legislação
mais rígida vem gerando frutos concretos a favor do ambiente, bem como, dos próprios
orizicultores. Mesmo entre aqueles que ainda vêem a legislação de forma receosa tais
benefícios não podem ser negados.
163
Neste sentido, SC descreve uma das mudanças mais perceptíveis
Aqui todo mundo atacava rio, então, se tu ataca em cima e eu puxo aqui em
baixo, três atacam, chove lá não vai chegá água aqui. Hoje ninguém pode atacá
então a água sempre chega. Não pode! Eles não deixam! Então quem que
reclama de rio hoje, aqui no Cacequizinho, quem planta? Alguém fico sem
colhe? Todo mundo colheu! E agora se tu bota um atacado em cima, que
tinha, comé que vai chegar água aqui? Não dava nem pra um nem pra outro!
Porque um atacava. Outro mais de cima atacava. E, no fim, ninguém ficava com
água. O primeiro só ficava com água e o resto tudo sem água. (SC)
Isso acontecia! Hoje não acontece mais porque hoje não pode atacar o rio
mais. Antigamente atacavam, hoje ninguém ataca. (...) Vem a FEPAM, vêm
esses órgão aí e tá feita a porquera, né. Então termino a água, termino pra todo
mundo, ninguém ataca mais nada. E antes atacavam. Esse ano mesmo, se eu
quisesse podia atacado. Puxava muito mais água, mas nem pensa tchê!
Paro de corre, ou a bomba não pegava, o que sobrava ia pra baixo e deu outro
vizinho que puxa lá. Tem menos água, mas pelo menos pra todo mundo, né
tchê! Quando tem todo mundo tem! Quando não tem, não tem! Não adianta, tu
querer atacar o rio, bebe tudo tu e dexá teu vizinho sem nada. (SQ)
SC exemplifica remetendo à experiência da última safra
esse ano se eles não tivessem agindo, não teria água em baixo. Eu o
último. Imagina se tem um atacadão lá em cima! Não choveu. Aqui em Cacequi
fico... Choveu em janeiro uns poco mm e, eu sempre tive água. Mas choveu
em São Gabriel. Chovia bem em Rosário. (SC)
Nas imagens abaixo, Figura 19 e Figura 20, pode-se observar a baixa
disponibilidade hídrica do rio Cacequi no período do fim de safra no ano de 2008.
164
Figura 19 - Fotografia bomba de captação d’água no Rio Cacequi -
Fevereiro de 2008. Fonte: Acervo da autora.
Figura 20 - Fotografia leito do Rio Cacequi confirmando a baixa
disponibilidade hídrica - Fevereiro de 2008. Acervo da autora.
As imagens confirmam as declarações de SC. Nesta conjuntura SL também
relata
eu vejo resultados. Vejo! Por que assim ó, se não fosse isso aí. Vamos supor,
tem dez bombas acima da nossa, se não é o IBAMA tê uma fiscalização
direitinho, não teria água pra mim lá em baixo. (SL)
É importante lembrar que tanto SC quanto SL foram os únicos entrevistados que
se posicionaram totalmente favoráveis à nova legislação hídrica. Contudo, é claramente
165
perceptível que alguns dos agricultores ainda não associam as mudanças que
visualizam com a nova legislação, como pode-se perceber no depoimento de SG.
Agora, os últimos ano pra cá, melhorô! Eu não sei se foi porque diminuiu o
número de plantador pra cima, ou que! Com todas essas secas que vem
dando aí, né. Eu não tenho muito problema. Falta, mas não é aquele negócio
como tinha antigamente, sabe! Sei lá! (SG)
O mesmo ocorre com SD, que atribui os méritos do “virtual aumento” de
disponibilidade hídrica ao emprego de novas tecnologias no campo.
Esse ano nós tivemos quarenta dia de seca na nossa região. Corto rios, etc.
Mas nós não tivemos assim grandes danos econômicos. Em função das
próprias tecnologias que tão sendo usadas. Tivemos muito mais problema em
soja do que em arroz. (SD)
Ao negar as conquistas advindas da nova Lei das Águas, em parte os
orizicultores negam que instrumentos como a outorga, ou mesmo, a ainda não
deflagrada cobrança, estejam cumprindo seu objetivo, ou seja, o uso racional e
preservacionista da água. É importante salientar que todos os custos a que os
orizicultores são impostos, como os advindos de políticas de proteção ambiental, são
encarados como taxações pela maior parte dos entrevistados. Assim, admitir que tal
estratégia está logrando êxito seria admitir socialmente que a utilização de mecanismos
com lógica monetária é eficiente. Dentro deste raciocínio, em tendo sua eficiência
confirmada, logo tais instrumentos podem ser difundidos, exatamente o que os
orizicultores não desejam.
6.4 Cobrança pela captação e uso da água
Conforme Leff (2001), a economia neoclássica busca ajustar os ciclos
econômicos atribuindo preços de mercado à natureza. Assim, a cobrança pelo uso e
captação da água é o instrumento de gestão mais polêmico dentre os instituídos pela
nova legislação de recursos hídricos. Sua função é servir como fomentador do uso
racional, ou seja, servir de incentivo financeiro para a mudança dos padrões de
consumo dos usuários. Segundo Martins,
166
subjaz nessa relação a crença neoclássica de que o agente econômico usuário
do recurso estaria propenso a, sob tais circunstâncias, induzir o processo
técnico no afã de conciliar a demanda social por sustentabilidade ambiental
com seu interesse de preservar sua acumulação. Trata-se, assim, de uma
forma de internalização da problemática ambiental pelo usuário no que se
refere a sua competitividade. (2004, p. 78)
Apesar da cobrança ainda não ocorrer em nenhuma das duas bacias que
englobam os limites geográficos do município de Cacequi, os orizicultores algum
tempo convivem com o fantasma da mesma. Assim, perguntados sobre a possibilidade
da cobrança, cinco entrevistados afirmaram estarem pagando pela captação,
confundindo as taxas pagas pela outorga e licença ambiental, com a real cobrança pela
água. Essa confusão fica explicitada no discurso de SE, quando este afirma
já se cobra água. No Estado se cobra (...) pela captação. (SE)
Importante destacar que SE é um dos orizicultores mais bem esclarecidos dentre
o grupo de entrevistados, além de agricultor é Engenheiro Agrônomo, tendo trabalhado
com a confecção de laudos para encaminhamento dos pedidos de licença e outorga de
outros agricultores, além de freqüentar as reuniões dos Comitês de Bacias.
Embora exista uma certa confusão, posto que muitos orizicultores consideram
estar pagando pela captação, o que em certa medida é verdadeiro, pois a obtenção da
outorga implica no pagamento de uma taxa que varia conforme a área da lavoura, bem
como, nos custos do laudo técnico encaminhado ao órgão responsável. Todavia,
quando indagados se concordam com a cobrança, com exceção de seis orizicultores
que podemos classificar como radicais, os entrevistados demonstraram não considerar
esta uma proposta totalmente arbitrária.
Isso deve-se ao fato de alguns entrevistados associarem a cobrança pela
captação da água em rios ao arrendamento de barragens particulares, prática comum
entre os agricultores da região. Entretanto, isso o significa que os mesmos queiram
ou concordem com o pagamento. Conforme SD,
o setor anda assim, com tantos problemas, que mais uma cobrança é visto
como uma taxação! Um castigo por tu tá produzindo. (SD)
Assim, pode-se dizer que a maioria dos agricultores, quatorze entrevistados, não
desejam a cobrança, todavia, ela é admitida, e, para alguns, ela chega a ser
167
considerada como positiva, caso os volumes hídricos de que suas lavouras necessitam
lhes sejam assegurados. Ou seja, o discurso entre os produtores é o de que
se garantirem a água eu concordo! Sem dúvida! Mas tem que garanti a água!
(SG)
eles tinham que cobrá e uma garantia de a água, né! Fazê um depósito
que a hora que faltá dá! É fácil tu cobrá uma coisa e depois chegá na hora e tu
não tê! A não sê que se tu não tivé a água eles vão cobrí os teu prejuízo. (SM)
Até seria bom pagar! Não tem problema! Claro, se tem água, né! Agora e se
não tem. Tu garante água pra lavoura? Pode cobrá um percentual. Não tem
problema! A gente fica mais tranqüilo ainda, né! Por que o nosso único
problema aqui é água. Colhê a gente colhe, mas tendo água. E se não tem?
(SQ)
Na mesma lógica SL concorda, afirmando
se for uma coisa assim ó... Certo que tu vai tê. Eu acho certo. Por que tu
póde investí sabendo que tu vai água. Hoje acontece, a nossa área aqui ó, a
nossa região, tu não investe mais porque tu não sabe se vai água numa
lavora. Hoje, noventa e cinco porcento, é a água, se tu não tivé a água tu o
vai o produto e aí, vai fazê um investimento? Não. Se tu tivé água, tanto é
que hoje quem arrenda terra com água de barragem paga mais caro, por que
sabe que te. Ele vai colhê mais. Então, eu, se tivesse hoje que pagá a água,
pagaria, sem problema nenhum, desde que fosse certo que tivesse água. (SL)
Fica nítido no relato dos entrevistados que a diferença entre a aprovação ou o
repúdio para com o novo instrumento de gestão hídrica está na vinculação, ou não, do
mesmo à garantia da disponibilidade hídrica.
É importante ressaltar que, além de motivar o uso hídrico racional, a cobrança
objetiva arrecadar fundos para obras na bacia. A escolha das obras é realizada em
assembléia onde os usuários, através de seus representantes, deliberam quais as
necessidades da bacia, obras de saneamento, construção de barragens, educação
ambiental, entre outros. Entretanto, não existe nenhuma garantia, ou mesmo
obrigatoriedade, de que ao pagar pela água o agricultor tenha a mesma assegurada.
Na prática, a única garantia com que os agricultores contam é a participação no Comitê
de Recursos Hídricos de sua bacia, onde podem articular-se e pleitear, desde que em
consenso com os demais usuários, a construção de barragens para assegurar seu
abastecimento. Todavia, para a construção de barragens é necessário que a Bacia
efetive a cobrança como forma de custeio das mesmas.
168
Mais uma vez, entre os agricultores que discordam veementemente da cobrança,
o principal argumento são os custos. Sejam os custos com que arcaram para a
construção do sistema de irrigação de suas lavouras e, nesse sentido, SO argumenta
não concordo, te explica porque. Porque à parte da irrigação que tem na
lavora toda foi feita particular, desda rede elétrica. Não tem nada de dinheiro
público, desda rede elétrica foi feita particular. Então comé que agora eles vão
cobrá uma coisa que foi eu que fiz. Se eles me indenizassem, toda a instalação
elétrica que eu tenho, toda à parte de bomba, de canais e me dessem água
dentro da lavora, daí eu até poderia pensa. Mas assim como não. Porque
toda manutenção, tudo faço tudo particular. Agora o cara vai te cobra a água,
não! (SO)
Ou os custos com que terão que arcar caso a cobrança se efetive, o que
segundo SE
vai quebrá o produtor. Aí realmente vai parar! Realmente vai quebrá! (SE)
Cumpre salientar que SE foi o entrevistado que demonstrou maior contrariedade
com a possibilidade efetiva de cobrança. Caso a cobrança tenha início ele afirma
botá fogo em tudo que é coisa estadual se acontece isso daí! explodi
alguma coisa! Vô explodi alguma coisa! Eu vô botá uma bomba em algum lugar.
(SE)
Embora, na prática exista uma probabilidade muito grande de que o entrevistado
não venha a cumprir suas ameaças, configurando sua retórica como figura de
linguagem, através de tal depoimento ele expressa claramente sua revolta. Contudo,
sua postura surpreende justamente por seu perfil, ou seja, jovem, trinta e sete anos,
possui Pós-Graduação, etc. Entretanto, SE não foi o único jovem a mostrar-se contrário
à cobrança. Para SF, vinte e seis anos,
quando começarem a cobrá a água, no caso pra puxá, vai um absurdo
também, né! Se tivé que puxá, pagá a água, pagá o óleo, pagá a terra e pagá
tudo as outras coisa, então... Para, vende tudo, compra dois, três apartamento
em Santa Maria, bota numa imobiliária e atira os pé pra cima. Quem tem
condição de fazê isso ainda. (SF)
SF é uma exceção entre os demais entrevistados que, em sua maioria, estão
envolvidos de forma direta com a atividade agrícola, ou seja, aqueles que não são
exclusivamente agricultores, são agricultores e pecuaristas, houve um caso em que o
agricultor também é agrônomo e um caso em que o entrevistado é proprietário de
estabelecimento comercial, porém trabalhava vendendo insumos agrícolas. Assim SF
169
foi o único que apresentou uma profissão, complementar a de agricultor, totalmente
distanciada da agricultura. Além de trabalhar na agricultura ele é condutor de trem, ou
seja, maquinista. Porém, quando questionado sobre sua profissão SF demonstrou certa
relutância em assumir a profissão de maquinista, chegando a perguntar se poderia
responder no questionário que preencheu apenas “agricultor”. Tal atitude demonstra
claramente sua forte vinculação, ou melhor, seu sentimento de pertencimento a uma
classe específica. A identidade de agricultor define este entrevistado enquanto indivíduo
inserido em uma sociedade. Portanto, quando SF sugere pára, vendê tudo, compra
dois, três apartamento em Santa Maria, bota numa imobiliária e atira os pra cima”,
alternativa exposta por ele em caso de efetivação da cobrança pela água, poderíamos
perguntar porque SF ainda não o fez, uma vez que julga essa uma oportunidade de
atirar “os pé pra cima”. Neste contexto, pode-se inferir que sua ligação com a identidade
agricultor talvez nunca permita que SF faça o que propôs como solução, independente
da cobrança se efetivar ou não e por mais penosa que seja a atividade agrícola.
Outro aspecto que merece ser destacado é o fato de que os orizicultores
mostram-se muito mais avessos e revoltados com a cobrança do percentual referente à
água armazenada em barragens do que propriamente com a cobrança pela captação
da água de rios. Tal sentimento pode ser captado no discurso de SS, que indaga
se eu tenho uma barragem na minha propriedade, comé que os cara poderia
cobrá? Não deveria cobrá eu acho. Se fosse dum rio ainda, talvez. Sei lá, né. É
porque, o cara gastá pra fazê uma barragem depois vai tê que pagá ainda! (SS)
Esse é um aspecto muito interessante do posicionamento dos entrevistados, ou
seja, a idéia da cobrança pela água captada do rio não lhes agrada. Contudo, ainda é
tida como aceitável e, em certa medida, chega a ser compreendida por alguns
orizicultores. Contudo, a cobrança pela água armazenada em barragens ou açudes
construídos por eles próprios não é bem vista, nem compreendida.
Dentro da lógica descrita anteriormente, pode-se atribuir essa percepção ao fato
de que é prática corrente entre os orizicultores, em função de sua grande dependência
hídrica, arrendar água, muitas vezes pagando pela mesma valores bem elevados. O
que, segundo eles, compensa, pois tendo água a produção da lavoura está
170
praticamente garantida, salvo a ocorrência de alguma intempérie climática, como chuva
de granizo.
Deve-se ressaltar que esperava-se, com base na pré-noções de senso comum,
que os agricultores recorressem a argumentos do gênero “a água do rio é de todos”,
“como podem cobrar algo que é da natureza”, ou ainda “está no meu campo é minha”.
Todavia, apenas dois entrevistados, de maneiras distintas, lançaram mão de tais
argumentos, SB e SO, dois dos mais contrários à nova Lei da Águas. Eles pertencem
ao grupo que nega a ocorrência de mudanças ambientais e consideram que o agricultor
não possui responsabilidade alguma pela degradação do entorno. Conforme SB
cobrá pela água do rio é uma pergunta muito engraçada! Por que o rio desde
que Deus fez o mundo ele fez prá todos e alguém vai cobrá? Mas alguém, é os
humano, as pessoas. Que não seriam dono. Seriam os mesmo dono que eu
que com a bomba que vai desfrutá de um bem que eu não usando pra
mim. Eu tô usando pra produzí alimento que vai sê um benefício pra população.
(SB)
Fica claro que o depoimento de SB se enquadra perfeitamente dentro do modelo
de resposta que esperava-se previamente dos orizicultores. Além disso, sem
desmerecer as funções de abastecimento e segurança alimentar de responsabilidade
do agricultor, quando SB afirma que utiliza a água para benefício da população, ele o
faz de um modo que sugere não estar tratando-se de sua profissão, ou seja, que a
produção de arroz não tem vinculação com sua renda familiar, ou com sua
sobrevivência e de sua família, configurando-se apenas em uma benfeitoria deste à
população. O depoimento de SO não segue a mesma lógica, embora também
questione a cobrança. Segundo ele a água dos rios
é um bem público, mas a barranca do rio, aonde eu tenho... Onde o rio passa
eu que sô responsável. (SO)
Ou seja, na verdade fica subentendido que ele considera-se o dono e não o
responsável. Assim, se ele é o dono da parte do rio que cruza sua propriedade, ou com
a qual se limita, não necessita pagar ao Estado por esta água.
Conforme Pompeu (2000) cabe ao ordenamento jurídico de cada país definir a
natureza jurídica das águas nele existentes. No Brasil, a Constituição Federal de 1988
praticamente publicizou todas as águas ao reparti-las entre União e Estados, sem
171
deixar espaço para inclusão das águas municipais, das particulares e das comuns
como anteriormente existia. Assim, pelo fato de pertencerem a União e aos Estados,
pessoas jurídicas de direito público, os recursos hídricos nacionais se inserem na
categoria de bens públicos. Podendo ser principalmente, de uso comum e dominicais.
Resgatando o raciocínio anterior, embora os agricultores entrevistados não
concordem com a cobrança, conforme discussão anterior, e excluindo o depoimento de
SE que mostrou-se agressivo à possibilidade da cobrança, os demais orizicultores
demonstraram compreender a lógica da mesma. No entanto, a cobrança pelo
armazenamento de água por barragem pode ser classificada como muito mais polêmica
entre os agricultores. Contudo, como o foco da pesquisa foram os orizicultores
irrigantes que captam água do rio, não foi possível desenvolver melhor tal temática.
Entretanto, com base no depoimento dos sujeitos da pesquisa que captam água do rio
mas também possuem barragens ou açudes, pode-se inferir que tal postura deva-se ao
desconhecimento do ciclo hidrológico. Assim, os orizicultores o percebem que ao
reter a água da chuva em barramentos feitos dentro de sua propriedade, estão
impedindo que está atinja o curso d’água ou mesmo infiltre no lençol freático durante
seu percurso até o rio, o que influencia diretamente na vazão dos cursos d’água. Como
não fazem tal associação, julgam estar sendo prejudicados, que na sua maneira de
ver foram apenas precavidos retendo água nos períodos em que esta é abundante. E, é
importante que se destaque, tais obras foram realizadas com seus recursos
particulares.
6.5 Indução ao uso drico racional pela lógica monetária: uma estratégia
eficiente?
Como citado anteriormente, um dos objetivos da cobrança é a indução ao uso
racional pela lógica monetária, posto que o custo da água pressionaria os usuários a
reduzir seu consumo. Diante da possibilidade do efetivo emprego deste novo
mecanismo de gestão hídrica, indagou-se dos agricultores qual seria sua resposta
prática se consagrada a cobrança, ou seja, o orizicultor adotaria a postura de
172
racionalizar a água, conforme o instrumento prevê, ou o contrário, que estaria
pagando pela água?
Neste sentido, apenas cinco entrevistados confirmaram que, em sendo
cobrados, os orizicultores diminuiriam seu consumo hídrico corrigindo falhas no sistema
de irrigação.
Mas, certamente vai! É que nem o óleo diesel. Ele vai procurá usá o mínimo
possível daquela água ali. (SJ)
Entretanto, SN alerta
depende conforme eles... Como eles vão cobrá. Por que se eles cobrarem uma
taxa x, aí o cara vai usá água também a vontade, porque não tem... Tô
pagando, né. Aí depende como vai sê isso aí. A cobrança. (SN)
SD concorda que a cobrança
60
reduziria o consumo, entretanto, avalia
eu acho que a questão é só a seguinte, se o produto valesse, o cara mudaria
muito mais rápido. Se nós tivesse preço justo pelo que nós produzimô, as
mudança aconteceriam mais rápida. Não é questão de cobrá do produtor isso e
aquilo, é as tecnologia pra ele pode acompanhá. E pra ele pode fazê. Por
que se nós pegá e botá hoje que todo produtor pudé tê uma tecnologia de ponta
coisa e tal. Automaticamente ele reduzindo o consumo. Agora não adianta
dizê assim, nós obriga ele, se financeiramente aquela cultura não suporta. (SD)
Os demais entrevistados não concordam que a cobrança serviria como indutor
de uso racional, porque para eles os orizicultores estão no limite daquilo que podem
reduzir, ou seja, estão utilizando os menores volumes hídricos possíveis dentro das
exigências da cultura. Segundo eles, os custos da irrigação já pressionam o orizicultor a
diminuir ao máximo possível o uso hídrico, conforme declara SC.
Não tem desperdício por causa do bolso. Eles tão pensando no agricultor
antigo, como eu te falei no tempo ... Hoje em dia não! Eles tão pensando no
tempo que tu largava lá aquela bomba e, esquece. Seja o que Deus quiser! Mas
quebrado, esse daí tá quebrado! Esses o tão mais plantando. (...)
Eu não tenho mais como economizar, água não, eu no limite. Até eu
precisaria de mais água. Tô no limite da coisa. (SC)
60
Existem estudos promovendo simulações e modelagens ou propondo metodologias de lculo
especificamente para a Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria. No entanto, esta ainda está em discussão
nesta Bacia permanecendo indefinida a base de lculo que pautará a cobrança pela captação e uso da
água. Neste sentido, ver os trabalhos desenvolvidos por Morais (2005); Forgiarini (2006).
173
Segundo os orizicultores, utilizar a alegação de que existe desperdício de água
no sistema de irrigação para justificar a cobrança como mecanismo de uso racional é
apenas uma estratégia arrecadativa.
O produtor vem assim ó... Poupando água! Por que a conta de luz é cara.
Óleo diesel nem se usa mais por que é inviável. O produtor ele qué, ele faz o
que pode pra poupar água. Ele em cima da aguação. Isso é um... Isso é
uma disculpa esfarrapada do Estado pra arrecada mais. Tá! É uma desculpa
esfarrapada! Por que eu não acredito que um produtor quere desperdiçar
água se vai te que pagá mais óleo diesel ou mais energia elétrica. (SE)
Conforme os entrevistados os atuais custos de irrigação são suficientes para
promover o uso racional da água. “Não precisam nem cobrar se eles pensam assim”
afiança SC fazendo menção à cobrança como estratégia para induzir a economia. É
importante salientar que SC, foi um dos orizicultores que posicionaram-se favoráveis à
nova Lei das Águas. Todavia, quando o assunto é cobrança, sua defesa acirrada dos
benefícios da Política de Recursos Hídricos deixa de ser fervorosa e passa a ser
extremamente cautelosa. Para SM
o custo que sai pra bombea a água hoje faz a pessoa tê... mais cuidado!
Entendeu?! Se tu vai puxá pra colocá água fora tá... Tá tendo prejuízo! Hoje o
pessoal mais importância nisso aí ó! Tu não vai coloca um trator a puxá ali e
saí do otro lado! Í a água fora. (SM)
SH concorda e acrescenta
se bota o necessário, né. Tu vai puxando água sem necessidade? Pagando
óleo ou luz, quando cheia a lavora? Tu pára, né! Vai pagá óleo? Não tem
coisa mais cara que óleo. Vai usando, puxando pra botá fora. É mais caro
do que pagá essa coisa deles aí. (SH)
Destaque para como SH se refere à cobrança: “essa coisa deles”, ou seja,
pejorativamente. Além disso, os entrevistados consideram que não há possibilidade de
reduzir ainda mais os volumes utilizados hoje. Segundo eles, o orizicultor algum
tempo vem utilizando subterfúgios para utilizar a menor quantidade possível de água
dos rios, seja em função dos custos de irrigação seja porque aprenderam que não
podem confiar nos rios como fontes perenes de água. SF exemplifica
o que eu pude fade atacado, antes, pra mantê com água natural, eu fiz.
Os atacadinho. Aí, se é um ano meio chuvoso, molho com água da chuva.
Não preciso nem da água do rio. Agora, quando tem que puxá não adianta!
(SF)
174
No relato de SF é possível encontrar algumas contradições, por exemplo, ele
relata que fez atacados, ou seja, fazendo atacado, mesmo que na melhor da intenções,
ele contribui para a defasagem hídrica do curso d’água. Além disso, esta água é tão
natural quanto a captada diretamente do rio, na verdade é a mesma água.
Diante de tal impasse, SH acredita que a única alternativa para diminuir a água
utilizada seria “diminuindo a lavora”. Além disso, para ele, a exemplo do que SN alertou
anteriormente, o instrumento, cobrança, surtiria efeito inverso do objetivado. Ele avalia
que
aí vai usá mais, se tá pagando! (SN)
A possibilidade de perdas hídricas por falhas no sistema de irrigação é
considerada pouco relevante pelos orizicultores, conforme discutido anteriormente.
Neste sentido, perguntado se obteria economia d’água revisando o sistema de
irrigação, SG considera que “não teria nada que rever nisso aí!”. Todavia, pondera
o problema é que nós têmo numa situação que nós não têmo condição de fa
um encanamento novo. Por que se tu investi nisso não te sobra prá plantá!
(SG)
Postura comum a outros entrevistados que apontaram as dificuldades e os
entraves que dificultam a revisão do sistema de irrigação.
6.6 Consciência do Agricultor: uma nova postura?
Questionados sobre a atual postura do produtor rural acerca do meio ambiente,
ou seja, se os orizicultores estão mais atentos às questões ambientais, os
entrevistados, de uma forma geral, avaliaram que o produtor vem assumindo uma
atitude diferente no que tange à tais cuidados, preocupando-se com o meio ambiente e
com formas de produção mais sustentáveis.
Para onze entrevistados o orizicultor adotou uma nova postura em relação ao
entorno. Segundo eles, o agricultor está “muito atento! Está consciente!” (SE). Nesse
sentido, SD considera que
175
existe uma conscientização bem forte a nível de produtores. A grande maioria
não é consciente como bem consciente! Muito mais do que uns anos atrás.
Se depender do produtor ele vai fazê a parte dele. Já está fazendo e vai fazê! E
sabe que o amanhã depende do hoje! (SD)
eu acho que existe! Existe uma economia sim! Uma conscientização! De
primeiro era pior! De primeiro era pior! Era assim, cada um por si e Deus por
todos, né! Não tinha assim essa preocupação. Hoje tão mais voltado a isso.
Hoje tão mais voltado a... Se preocupando realmente com o amanhã, né!
Porque diz assim ó, tão sentindo muito na pele isso aí. Então existe uma
grande preocupação nisso aí, nesse sentido assim, da preservação, do meio
ambiente e tal. Uma conscientização, assim como eu tive. Eu também atrás
fui depredador da natureza, né. Dessa forma. Utilizei mal a água, a terra. Hoje
não, eu aprendi, eu sei que ela é a minha vida! A minha fonte de vida é a
água e a terra! Eu preciso dela! Então, existe essa conscientização. E eu acho
que cada vez vai existi isso aí! (SJ)
Todavia, SD e SE fazem questão de acrescentar que o agricultor está sendo
penalizado pelo Estado através da imposição de normas rígidas de controle ambiental,
entre elas, a Legislação de Recursos Hídricos.
Ele não pode arcá com a responsabilidade de fazê todo o reflorestamento da
área que foi desmatada ao longo de duzentos, trezentos anos. Eu acho que
esse ônus... Não pode! Tem que caber a comunidade como um todo. (SE)
por exemplo, mata ciliar, se o produtor pegá e vai fazê isso na propriedade, ele
continua pagando imposto... Ele faz... Quem paga. Quem faz tudo é o produtor.
Então, é um custo? Não, é um castigo ele tá perto de um rio. (SD)
Quatro agricultores consideram que apenas alguns orizicultores assumiram uma
nova postura, conforme expõe SG
tem bastante gente preocupada sim. Mas tem uns que nem dão bola! (SG)
Neste contexto percebe-se que SG destaca “uns que nem dão bola”, ou seja,
outros, não ele. Segundo relata,
sempre tem que tê uma conscientizaçãozinha! (SG)
Porém SG coloca a conscientização no diminutivo, ou seja, ela existe na medida
em que não atrapalhar os demais interesses. Nesta lógica SR acrescenta
em relação à antigamente, eu acho que sim, mas tem muita gente ainda que tá
atrasado nisso aí. (SR)
176
Ou seja, quando o depoente descreve “em relação à antigamente” está
admitindo que para os padrões atuais, os orizicultores não se enquadram. Obviamente,
em comparação ao passado estão muito bem, mas em vista do momento com certeza
deixam a desejar.
Para dois entrevistados os orizicultores estão atentos aos aspectos em que são
cobrados. Conforme SQ eles
se adequaram ao que é necessário no que exige. (SQ)
Assim, SJ, embora creia na existência de mudanças, pondera
eu não digo bem mais consciente, mas informado tão! Fazem sabendo! (SJ)
Indagados sobre os motivos que promoveram tais mudanças, houve
divergências entre os entrevistados. Enquanto uns acreditam que foi um processo
natural.
A preocupação do produtor com o meio ambiente é a seguinte, se ele degradá
o lugar que ele produz a tendência é dele não produzi mais. (SO)
Eu penso que o próprio agricultor se deu conta, que nos anos de 80, 90 era
tudo jogado pro alto ninguém esperava que tinha futuro. E hoje quase que 90%
sabem que tem futuro pela frente. Se o mantê o sistema em ordem a casa
cai. Então eu tô com a idéia de que tá certo preservá enquanto dá tempo. (SB)
Outros avaliam que essa postura se deve a fatores como a “pressão de opinião!
Da própria mídia” (SP), associada à efetiva atuação dos órgãos ambientais, assertiva
mais recorrente entre os entrevistados.
Tão fazendo, por que senão levam um cutucão! Levam uma multa. (SF)
Noventa porcento foi obrigado! Foi pedido. Insistido. E o cara fez. Mas senão
não faria. (SQ)
Eles tão consciente com a lei, né. A lei tá obrigando mais e eles tão começando
a... (SN)
Nesse sentido, SM acrescenta
hoje tu têm que se preocupá com isso por que tu tá sujeito a sê punido! Quem é
que vai gostá de... Fai fazê ali por conta e vem ali um IBAMA, uma FEPAM e te
multa. (SM)
Para SP tudo se resume ao aspecto financeiro,
177
o pessoal consciência, não tem! Quando pesa no bolso, a consciência é o
bolso! (SP)
Percebe-se que os depoimentos acima ilustram os resultados práticos do
enrijecimento das Leis Ambientais, bem como da ação dos órgãos de proteção
ambiental. Contudo, é importante salientar que embora tais estratégias estejam
logrando êxito, posto que as práticas comprometedoras do ambiente vem sendo
reduzidas, elas não levam à efetiva conscientização do agricultor conforme percebe-se
nos depoimentos anteriores. Por mais que os orizicultores venham moldando-se aos
padrões de proteção ambiental tal comportamento deve-se, conforme suas próprias
palavras, às exigências legais. Porém, a gestão ambiental brasileira pautada
basicamente em mecanismos fiscalizatórios e coibitivos, através de sanções e
punições, que na prática resultam em multas, ou de mecanismos como o princípio
poluidor-pagador que orienta a cobrança pela água, um dos instrumentos da Política
Nacional de Recursos Hídricos, embora preconizem educar não atingem o resultado
almejado. Na prática, o agricultor passar a agir por medo de ser punido e ter de arcar
com os custos financeiros de seus atos ilícitos, ou seja, como declarou SP a
consciência é o bolso”.
Conforme Neumann; Loch, (2004) a questão ambiental não pode se resumir a
expressões como “é proibido”, é “vetado”, “não é permitido”, “sanções penais”, “auto de
prisão”; mas deve postular a construção de conhecimentos, através de situações
específicas da realidade, como forma de produzir intervenções humanas adequadas às
condições específicas de cada agricultor. Neste sentido, o desenvolvimento de políticas
públicas que estimulem a utilização de tecnologias limpas que geram menos resíduos,
utilizam menos matéria prima, bem como a eficiência produtiva na relação insumo x
produto, configuram estratégias capazes de produzir melhor resultado do que
mecanismos meramente punitivos.
SG acredita que o agricultor educou-se, contudo, corrobora com os demais
quando admite que a ação dos órgãos de fiscalização e punição influenciaram nesta
postura.
Sei lá, sei lá! A gente mesmo foi se educando. O IBAMA teve lá. Deu multa.
Deu problema! Tudo, né! E a gente foi vendo mesmo que... (SG)
178
Todavia, seu depoimento deixa dúvida quando relata “a gente mesmo foi se
educando” que possuir medo de ser novamente alvo de punição não significa
aprender com a experiência anterior identificando e admitindo os erros cometidos no
passado. Indagados sobre quais foram essas mudanças, os orizicultores citaram
uma série de fatores, começa com o uso de agrotóxicos, a escolha, o tipo de
produto que usamos, tipo de manejo do solo. (SD)
Os exemplos mencionados por SD são comuns para a maior parte dos
entrevistados, sendo que também foram pontuados aspectos para além das conquistas
técnicas, como a questão do recolhimento das embalagens de agrotóxicos, o tema dos
recursos hídricos, da mata ciliar, da biodiversidade animal, entre outros.
Conforme SH,
hoje diminuiu a colocação de herbicida em função do produto que tão usando, e
outra coisa agora que tão preocupado é com os descarte de embalagem. Antes
pegavam, abriam um buraco e enterravam, agora, tem um ano prá entregá as
embalagens de volta. Tem que recolhe nas propriedade, não pode por fogo,
não pode botá nada, nem enterra. Tem que recolhe. (SH)
Para SC houve mudanças variadas, destacando-se
desde lubrificante hoje tudo se entrega. Tem que ajudar, né. Antigamente tu
enterrava. No tempo do meu pai ele enterrava. Hoje um cara que me larum
lixo, um litro no chão atirado, mando juntá. Juntá e botá no galpão. Qualquer
litro que for, plástico também. Costume de... A marreca mesmo, antes do
IBAMA agi colocava veneno prá matá. Com a marreca tu matava um horror de
bicho junto hoje não. O IBAMA entrô, tudo já tá mais... Não pode! Se te
pegarem dá problema, então tu não faz mais. Evita de outra maneiras, né.
Espanta com foguete, se tu bota veneno pra marreca outro bicho vai comê.
(SC)
Entretanto, SP alerta que, embora os agricultores possam estar mais
conscientes, ou melhor, mais atentos a questões que há algum tempo atrás eram
desconsideradas pela categoria, a atividade agrícola, em determinadas situações, exige
dos agricultores ações que vão contra esse novo perfil. Para SP
quando pesa no teu bolso não tem consciência que te ataque! Digo, eu vô
perdê a minha lavora? Não! Eu fazê o que eu... salvá a minha lavora!
Porque sei que o Banco não alivia! Quero vê Banco aliviá! Não alivia pra
ninguém! (SP)
Isso deve-se ao fato da atividade agrícola ser uma atividade econômica onde os
produtores investem alto esperando retorno financeiro. Diante disso, entre manter-se
179
fiéis aos novos e, principalmente, frágeis princípios de proteção ambiental, arriscando
perder seus investimentos e ainda ficarem onerados financeiramente, os agricultores
optam por passar por cima das exigências ambientais. Nesse sentido, SG acrescenta,
Tem que fazê uma... cagadinha, como se diz, né! As vez... Comé que eu te
dizê? Tu tem que desvuma água lá, que tu sabe que fazendo um troço
errado! Uma coisa! Mas tu tem que ir lá, com uma retroescavadeira, um troço lá
e cavocá e... Arrancá uma árvore, uma coisa, né. (SG)
Outro tema citado repetidamente pelos entrevistados e de grande
representatividade diz respeito às mudanças de postura no que concerne ao uso dos
recursos hídricos. Conforme os orizicultores a mudança mais visível está na diminuição
da prática dos atacados. SG confidencia,
Eu, particularmente, parei com os atacado. Eu abro os rio pra água chegá até a
bomba por que o é poço, né! Mas eu o ataco mais. Simplesmente o que
chega na bomba chega e o que passa, passa! Nós, lá mesmo, fazia cada
atacadão dessa altura! Era uma barragem! Agora não! (SG)
Em referência a mesma temática SQ relata
antigamente atacavam, hoje ninguém ataca. (...) Vem a FEPAM, vêm esses
órgão e feita a porquera, né. Então termino a água, termino pra todo
mundo, ninguém ataca mais nada. E antes atacavam. Esse ano mesmo, se eu
quisesse podia atacado puxava muito mais água, mas nem pensá né tchê!
Paro de corre, ou a bomba não pegava, o que sobrava ia prá baxo e deu. O
outro vizinho que puxa lá. (SQ)
Contudo, mesmo com a fiscalização e, principalmente, com a possibilidade de
duras punições, SF entrega
se eles atacam, atacam cinco, seis metro pra mantê um canto ali. E mantêm
o outro canto correndo. Aí ele enche mas vai um poco pra baixo. (SF)
Ou seja, a prática do atacado não foi totalmente extinta, ela permanece
camuflada, demonstrando que mesmo nos aspectos onde houve avanços, a velha
mentalidade depredatória, que não se importa com colegas de profissão, muito menos
com o ambiente, teima em persistir.
180
6.7 Multifuncionalidade da agricultura: atribuição do agricultor ou imposição
social ?
Conforme Carneiro (2002), o rural não pode mais ser unicamente marcado como
unívoco de espaço agrícola ou mesmo de espaços ocupados majoritariamente por
atividades direta ou indiretamente atreladas à atividade agrícola. Isso implica na
assunção, ou em outra análise, no resgate das práticas, aqui denominadas de funções
não agrícolas da agricultura, principalmente as de caráter ambiental. Para Carneiro
(2002, p. 235), essa é uma “situação bastante complexa e remete a disputas sobre as
representações da natureza e da agricultura que merecem ser observadas com
cuidado”.
Diante dessa nova etapa da agricultura, ou seja, frente as pressões sociais para
que o agricultor retome aspectos historicamente pertinentes à agricultura e
abandonados pelo modelo capitalista de produção, perguntou-se aos orizicultores se
estes consideram a função ambiental como uma de suas atribuições dentro da
propriedade. Os entrevistados dividiram-se entre aqueles que consideram a produção
de alimentos como única função do agricultor; os que apresentam uma visão mais
elaborada sobre sua função enquanto agricultor e os que assumem seu papel
ambiental; aqueles que levam em conta a função ambiental em decorrência das
imposições legais, ou seja, aqueles para os quais esta função é apenas obrigatória por
lei; os que vêem esta função como uma forma de agregar valor ao produto e, portanto
dentro de um viés mercadológico; e, finalmente, aqueles que, se pudessem, eximiriam
tal atribuição de sua lista de funções sociais.
Neste contexto, quatro orizicultores declararam que a função do agricultor é
unicamente a produção de alimentos, como SA de setenta anos, que afirma de forma
categórica e sucinta “só produzir alimento”.
Os produtores com idade inferior a este patamar, como SD, estão mais
propensos a apresentar uma visão mais elaborada de sua função enquanto
agricultores.
Eu acho que o produzí alimentos é um algo... Bastante... Digamos assim,
complexo! Aonde um... Tu tem uma estrutura montada, com funcionários que
dependem. Com famílias. Com meio ambiente, com respeito, com agrotóxico. É
muito complexo isso a sociedade não dá valor. sabem, sabem quando
181
acontece os acidentes: Ah, mas foi negligência! Foi isso! Foi aquilo! Mas não! É
bem complexo! (SD)
No que tange à função ambiental do agricultor, dentro das perspectivas
propostas pela multifuncionalidade da agricultura, no aspecto aqui considerado, ou seja,
a função de proteção ambiental, quatro entrevistados posicionaram-se partidários a tal
postura confirmando esta como mais uma função do agricultor. Neste sentido, SC
considera,
tem que ajudar de todas as maneiras. A gente lida com meio ambiente. A água.
Tudo... Tem que se preocupar, né! E, é pra sociedade. (SC)
Seguindo a mesma tendência SR afirma,
claro que é! Mas é lógico! Isso é lógico, é a função dele! Porque ele utiliza o
meio ambiente. Ele precisa do meio ambiente, por que o que que é a
ferramenta de trabalho dele? É o meio ambiente. É a natureza. É a terra. Se ele
não cuidar da terra ele vai tê o que, né!? (SR)
Cumpre salientar que SR, trinta anos, com raras exceções, principalmente no
que concerne às cobranças, mostrou-se extremamente favorável ao enrijecimento da
legislação ambiental nacional. De modo que tal posicionamento não é surpresa. Além
disso, é importante destacar que ele possui Curso Superior e seu estabelecimento rural
pode ser classificado como familiar.
Dos demais orizicultores, onze entrevistados dividem-se entre aqueles que,
como SM, consideram a função ambiental apenas em decorrência do fator
obrigatoriedade legal e punição por multas.
Hoje tu têm que se preocupa com isso por que tu tá sujeito a se punido! (SM)
E, a exemplo de SP, aqueles que consideram a função ambiental como uma
forma de agregar valor ao produto.
Isso é o seguinte, se tu tivé produto de qualidade e coisa, tu vai pegá mais
valor, no produto. Se tivé produto que não tem veneno, vai pegá o... Vai sê mais
valorizado! Então, o pessoal vai tomá mais consciência disso aí. E otra coisa, tu
vai fazê o que te mandam, por exemplo, procurá não bota mais veneno, procurá
fazê uma coisa natural, porque tu sabe que vai te retorno, né! Então é... Eu prá
mim é isso que vai acontece! E a tendência é essa, não tem otra. (...) Vai levar
um tempo. Vai levar uns cinco, seis anos. Mas, se não entrá nessas regra aí,
simplismente, ô ele sai da lavora, ou ele pára, né. (...) Por exigência do
mercado internacional! Então a tendência é essa! (SP)
182
É importante destacar que, mesmo aqueles que consideram a função ambiental
do agricultor, levam em conta as dificuldades de colocá-la efetivamente em prática.
Nesse sentido SL declara
não é cem porcento porque assim, hoje, o agricultor assim ó... Se ele não
colocá uns veneno lá na lavora, cada ano tem um veneno diferente, ele não vai
produzí. Ele se preocupa que vai aquilo ali, que ele se preocupa também
que, se ele não colocá ele não vai produzi! Então eu acho que meio... Tá
meio termo! Tão dividido! (...) É por isso que eu te disse, eu acho que a
preocupação do agricultor é mais em produzir do que preservar hoje. (SL)
Dois orizicultores não identificaram a proteção ao entorno como função pessoal
do agricultor, encarando as tendências e pressões sociais, bem como legais pela
preservação ambiental, como algo arbitrário que não deveria fazer parte de suas
atribuições. Para SE
o produtor faz mais que o seu papel dele porque o Estado faz com que o
produtor cumpra todas as leis vigentes. Leis Trabalhistas, Leis Ambientais... E,
ele ainda tem que ser competente o suficiente para enfrentar toda carga de
impostos que é imposta. E ainda enfrentá o produtor dos EUA, da Argentina, da
Europa que tem subsídios pesados na sua produção. Então o produtor
brasileiro, na minha opinião, o que continua produzindo é um herói. (SE)
SO concorda, e acrescenta
olha o agricultor com as costa muito carregada! Porque se tu pegá hoje, por
exemplo, meio ambiente. Exige do agricultor que recolha vasilha de defensivo
usado. Se tu usá o mesmo defensivo na cidade, tu botá a vasilha desocupada
no lixo comum. O caminhão vem ali e recolhe. Um produtor rural não pode fazê
isso! Ele tem que pegá a vasilha, lavá, recolhê pra um... Uma firma
especializada. Então, eu entendo que o agricultor hoje tá mais carregado assim,
de atividade, de coisa que não depende dele! Se ele tivé que preservá uma
mata nativa, uma coisa, tudo vai por custas dele! Ele não tem um subsídio. Ele
não tem nada! O máximo que ele pode receber é, quando fazem umas
campanha, é recebe umas muda de presente, e o resto, ele tem que fatudo
sozinho. (SO)
Interessante ressaltar que, mais uma vez, SE e SO, respectivamente,
posicionam-se contrários aos apelos ambientais e, por conseguinte, ao papel de
proteção do entorno reservado contemporaneamente ao agricultor. Para SE, o
produtor faz mais que o seu papel”, conforme SO o agricultor hoje carregado de
coisa que não depende dele”. Em ambos depoimentos pode-se inferir que, para estes
entrevistados, o papel, ou melhor, a função do agricultor se resume à produção de
183
alimentos. Neste enfoque, os aspectos que englobam a multifuncionalidade da
agricultura, como a proteção do ambiente, a função paisagística e recreativa, a função
social, entre outras, são negadas por ambos orizicultores que permanecem atrelados
exclusivamente ao antigo modelo de agricultura enquanto recorte setorial econômico.
Cumpre salientar que, principalmente SE, defende com veemência o viés economicista.
Entretanto, fazer ilações acerca dos motivos, ou das características que levam-
nos a tal postura não é uma tarefa fácil. Como relatado diversas vezes, ambos possuem
Curso Superior, o que exclui as considerações de desconhecimento, desinformação,
que poderiam estar atreladas ao nível de escolaridade. Porém, utilizando a mesma
variável, ou seja, grau de escolaridade é possível identificar uma peculiaridade no caso
de SE que possui Graduação em Agronomia, contudo, sendo sua Pós-Graduação em
Administração Rural. Assim, ainda que a mesma permaneça vinculada às ciências
rurais apresenta um caráter específico dentro de uma visão de agricultura vinculada ao
agronegócio.
Todavia, levando em conta o fator idade, SE pode ser considerado jovem, trinta e
sete anos, SO nem jovem, nem idoso, está em uma faixa etária classificada como
madura, ou seja, quarenta e nove anos. Caso ambos possuíssem idade mais avançada
poderia motivar especulações acerca do elemento idade estar interferindo em sua
percepção, posto que pessoas mais idosas normalmente são mais resistentes a
mudanças. Contudo, esta ilação também não se aplica. No que concerne a seus
estabelecimentos agrícolas, com cento e seis e duzentos e três hectares,
respectivamente, seus estabelecimentos agrícolas não se enquadram como grandes
propriedades, tampouco como as áreas de maior volume entre os entrevistados que,
em ordem crescente, foram de quatrocentos e noventa e quinhentos hectares. Assim,
levando em conta que também não tratam-se de áreas que possam ser enquadradas
como pequenas propriedades embora, ao mesmo tempo não configurem-se como
áreas que possam ser classificadas como grandes latifúndios, ou seja, tratam-se de
médios estabelecimentos. Para concluir é importante pontuar que o estabelecimento de
SE é arrendado enquanto o de SO é próprio. Portanto, suas posições não parecem
guardar relação com um perfil espefico que os enquadrem.
184
VII CONSIDERAÇÕES FINAIS
Contemporaneamente a “questão ambiental” passou a intervir no meio rural
conformando-se em um novo elemento definidor de práticas agrícolas, além de
contribuir para novas apreciações do mundo rural alterando a percepção social do
papel da agricultura. Todavia, foi necessária uma longa caminhada para atingir este
estágio.
Historicamente o meio rural é associado ao natural, ou seja, considerado o
espaço no qual o homem está em contato direto com a natureza. Como resultado da
associação com paisagens naturais, ao longo dos séculos, as visões acerca do rural
vem alternando-se entre conceitos positivos e negativos que determinaram o
contraponto entre sua valorização ou depreciação.
Durante um longo período o rural foi considerado como lugar da rusticidade, do
inculto, do atraso, entre tantos outros atributos negativos. Neste contexto, diversos
planos de intervenção no espaço rural foram guiados por tal visão e privilegiaram a
transposição de modelos gerados na cidade para o campo. O advento da chamada
industrialização do campo orientou a direção, o desenho e o compasso da mudança na
base técnica da agricultura impondo a racionalidade técnica e científica e disseminando
novas tecnologias agrícolas.
Todavia, a utilização de tal aparato tecno-científico com vistas a alcançar um
crescimento e uma acumulação econômica linear, de caráter intensivo e produtivista,
pautada na lógica do máximo lucro ao mínimo custo e no menor tempo possível, não
levou em conta as necessidades das “futuras gerações”, bem como as conseqüências
indesejadas em relação ao ambiente natural e humano.
Ao privilegiar a artificialização e o domínio dos processos naturais a
modernização do campo, causou diversas mazelas, que por sua vez, vem fomentando
o aprofundamento da crítica ao modelo contemporâneo de sociedade industrial
(FROEHLICH, 2006; CAPORAL; COSTABEBER, 2004; GRAZIANO NETO, 1982).
Assim, em decorrência do agravamento da problemática cio-ambiental, nas últimas
décadas, a modernização do campo, intimamente atrelada ao modelo produtivista,
passou a ser fortemente questionada.
185
Como resposta aos impactos promovidos pelo modelo produtivista e suas
demandas, e no intuito de encontrar soluções que possam resolver ou mitigar os efeitos
não desejados, e em muitos casos nefastos dos processos desencadeados pela
modernização do campo e pelo modelo produtivista, novos sentidos e atribuições vem
sendo associadas ao rural.
Imbuído de tal gica, nasce um novo conceito denominado multifuncionalidade
da agricultura com uma proposta na qual a agricultura retoma um conjunto de
contribuições para a dinâmica dos territórios que faziam parte da prática camponesa e
que foram obstruídas pelo modelo produtivista. Além da produção de alimentos de
qualidade, tal conjunto de contribuições abarca a conservação dos recursos naturais
como água, solo, biodiversidade, etc; a proteção do patrimônio natural, ou seja, das
paisagens; o aporte de atividades recreativas e de lazer; entre outras. (CARNEIRO,
2002)
Neste contexto, os problemas concernentes à água, recurso natural de valor
incalculável para os seres vivos, ganham destaque como uma das principais
implicações negativas do modelo produtivista.
Com sua disponibilidade diminuindo proporcionalmente ao aumento de sua
demanda, o acesso à água tratada tornou-se uma grave preocupação. Como
conseqüência os agricultores irrigantes, principais usuários de tal recurso, passaram a
sofrer pressões sociais no sentido de que assumam uma postura de uso racional e de
proteção aos recursos hídricos. Pressões essas institucionalizadas pela atual Política
Nacional de Recursos Hídricos, bem como por suas correspondentes leis estaduais.
Neste contexto, passível de críticas, frente a esse, que tornou-se o perfil agrícola
desejável, a orizicultura irrigada encontra dificuldades em se ajustar às novas
exigências sócioambientais, posto que utiliza grandes quantidades de água, que
retornam parcialmente às fontes naturais, contendo resíduos deixados pelo cultivo.
Além disto, sua necessidade de vultosos volumes hídricos, diante do atual quadro de
escassez, passa a se chocar com a disponibilidade deste recurso promovendo disputas
e conflitos, bem como uma avaliação negativa por parte da sociedade em geral, haja
vista configura-se em uma transformação antrópica de grande impacto sobre o meio
ambiente.
186
Assim, esta pesquisa buscou investigar como o segmento dos orizicultores
irrigantes, situados no município de Cacequi - RS percebe e se posiciona sobre a
pressão social por conservação ambiental que atinge suas práticas agrícolas, bem
como seu papel/função enquanto agricultores. Bem como, verificar as posições dos
orizicultores irrigantes acerca da cobrança pela captação da água, bem como sua
tendência a rever seu processo de irrigação em função da mesma. Além de analisar e
discutir sobre a pertinência e potencialidade da adoção do mecanismo ecomico como
forma eficaz e adequada de promover mudanças atitudinais em direção a
sustentabilidade no uso dos recursos hídricos.
Cumpridas tais buscas, pode-se dizer que, a questão ambiental não é
classificada pelos sujeitos da pesquisa como o principal problema da atividade. Embora
pontuada diversas vezes pelos orizicultores a problemática ambiental, seja no que
tange às pressões sociais as quais os orizicultores estão expostos ou as implicações da
mesma no dia-a-dia da prática agrícola são consideradas menos relevantes que o
preço pago pelo produto no mercado nacional classificado como o pior entrave a
orizicultura.
Tal postura pode ser atribuída ao fato de que na safra deste ano, ou seja, no
período em que concederam entrevista, não houve um déficit hídrico capaz de
influenciar na produtividade final de suas lavouras. Em outra analogia, não faltou água
para nenhum dos orizicultores locais. Além disso, pode-se perceber que embora os
sujeitos da pesquisa afirmem sentir as pressões sociais para que assumam uma
postura preservacionista estas ainda não são capazes de fazer com que mudem a
lógica produtivista que atrela a agricultura exclusivamente a um recorte setorial
econômico.
A crise e as preocupações ambientais que emergiram com força nas complexas
sociedades contemporâneas o só recolocaram a problemática das relações entre
sociedade e natureza sob novos prismas como contribuíram para tornar o agricultor
foco de atenção da sociedade em geral. Dentro da atual conjuntura o agricultor, sua
profissão e, principalmente o modo como desenvolve a mesma, passaram a ser alvo
de olhares atentos. Na prática, a atenção que vem recebendo da mídia, como reflexo
da atual preocupação social com aspectos que até outrora eram deixados de lado,
187
como o impacto ambiental da produção agrícola e a qualidade dos alimentos
produzidos, são vistas pelos orizicultores como “modismo”.
Segundo os sujeitos da pesquisa, a sociedade com maus olhos o agricultor
classificando o pejorativamente como aquele que “destrói”. Todavia, os mesmos estão
cientes de que a comunidade está atenta a sua prática, embora avaliem que a mesma
“desconhece o que ocorre na agricultura” o que denota certo despeito pelas críticas da
opinião pública. Neste sentido, acrescentam que a maior preocupação da população
em geral configura-se no uso demasiado de agrotóxicos com o que os próprios
entrevistados concordam. Neste aspecto mesmo aqueles que buscaram negar os
impactos da atividade agrícola como um todo, afirmando não identificar mudanças no
entorno e, aqueles que ironizaram a preocupação com o uso de agrotóxicos, admitiram
que o uso de insumos externos é um grave problema ambiental que causa impacto no
entorno, na biodiversidade, na qualidade dos alimentos e, por conseguinte na saúde de
quem os consome.
Muitos estudos comprovam que a apropriação da natureza pela agricultura,
principalmente após a ascensão do modelo de modernização do rural, é responsável
por diversas mazelas ambientais e sociais, conforme discutido anteriormente, neste
sentido os orizicultores pontuam diversas mudanças promovidas pela atividade agrícola
de caráter tecnificado ao entorno, entre elas tem destaque aspectos ligados a
morfologia do solo, como o empobrecimento e a perda de micronutrientes, os danos a
biodiversidade animal, as intempéries climáticas e, o aspecto citado de forma mais
recorrente entre os entrevistados, as mudanças ocorridas nos cursos d’água da região.
No que concerne aos rios foram destacados aspectos como a drenagem de banhados,
o escorregamentos das margens, o assoreamento do leito dos rios, a supressão da
mata ciliar, etc.
É importante destacar que os orizicultores estão cientes de que possuem uma
parcela muito grande de responsabilidade pelas alterações no ambiente, todavia muitos
utilizaram colocações verbais na terceira pessoa do plural como indicativo da
dificuldade em assumir publicamente tal responsabilidade e, principalmente a
dificuldade em assumir a carga que tal aceitação implica. Apenas a minoria dos sujeitos
188
da pesquisa se mostraram resistentes a aceitar sua responsabilidade negando ou
minimizando a ocorrência de mudanças no entorno.
Diante dos inegáveis impactos ambientais promovidos pela agricultura,
associado ao clamor de grande parte da população pelo desenvolvimento de atividades
que primem pela preservação do ambiente e das paisagens, a Legislação Ambiental do
país tornou-se mais rígida. Como reflexo de tal rigidez os órgãos de Proteção e
Fiscalização Ambiental passaram a agir de forma mais enérgica buscando fiscalizar e
controlar os possíveis danos ao ambiente. Tal atuação atinge em cheio a prática
orizícola o sendo bem interpretada pela maioria dos sujeitos da pesquisa. Para os
orizicultores tais órgãos não são positivos, sendo classificados como “cabide de
emprego” ou meramente “arrecadatórios”. A relação entre orizicultores e órgãos de
proteção ambiental pode ser definida como delicada, posto que mesmo aqueles que
percebem a necessidade dos mesmos ainda demonstram restrições a sua atuação.
Conforme descrito anteriormente, a água, ou seu uso intensivo, é um dos
principais, senão o principal motivo que torna a orizicultura foco de atenção da
sociedade e, por conseguinte da legislação ambiental e dos órgãos de proteção
ambiental. Neste caso os sujeitos da pesquisa estão cientes dos impactos que atividade
orizícola acarreta aos cursos d’água locais, haja vista terem pontuado a atual situação
dos rios locais como a principal mudança ambiental que visualizam.
No município de Cacequi os déficits hídricos sazonais dos cursos d’água,
concomitantes ao período do cultivo de arroz, passaram a ser comuns tornando atípicos
os anos em que não ocorre tal déficit, neste contexto, embora o abastecimento
doméstico da população não seja comprometido, os próprios orizicultores tornam-se
concorrentes pela água. Tais contendas segundo os entrevistados foram muito
agressivas no passado, chegando a atos de violência física, todavia atualmente busca-
se remediar a situação através do diálogo.
Porém, cumpre salientar que a situação daqueles que utilizam a água para
recreação, como os usuários de balneários, banhistas e campistas que freqüentam os
rios do município, não tem a mesma atenção dispensada as contendas internas, não
merecendo nem mesmo ser levadas em conta pelos orizicultores. A maior parte dos
sujeitos da pesquisa mostram desconsiderar a necessidade de tal grupo classificando-a
189
pejorativamente como “coisa de vagabundo” o que demonstra claramente o ideário de
rural como cenário exclusivo da agricultura desconsiderando as demais utilizações
deste espaço.
A crescente inquietação social com o uso e aproveitamento sustentável dos
recursos hídricos se refletiu na consolidação de um processo de gestão das águas
nacionais mais participativo e justo, classificado por muitos especialistas como mais
eficiente. A atual Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei Federal 9.433/1997,
tornou mais rígidas as regras para o uso dos recursos hídricos e, embora tal
ordenamento se estenda a toda população pode-se dizer que os orizicultores, por
necessitarem de grandes volumes d’água para suprir suas lavouras, sofrem de forma
mais direta os impactos da nova Lei. Embora a maioria dos sujeitos da pesquisa
concordem que a questão da água é uma temática que merece cuidados, de modo
geral, os orizicultores entrevistados mostraram-se desgostosos com o novo
ordenamento jurídico.
Isso deve-se em parte ao desconhecimento dos detalhes do mesmo, mas
principalmente pelos instrumentos de gestão de que o mesmo dispõe. Além disso,
muitos criticam os altos custos das taxas para obtenção das licenças para captação
d’água, sendo que o dinheiro arrecado com a cobrança de tais taxas, segundo eles, não
retorna em benefícios práticos aos orizicultores. Também criticou-se a atuação dos
órgãos ambientalistas classificada como pouco ativa, sendo que muitos dos
orizicultores consideram não haver uma fiscalização efetiva para verificar quais
agricultores não estão em dia com a Lei, prejudicando assim aqueles que buscam
cumprir todos os ditames legais.
Com vistas a evitar as práticas não-sustentáveis no uso dos recursos hídricos, a
nova Lei adota como paradigma a consideração da água como um bem público dotado
de valor econômico o que levou a concepção de instrumentos fundamentados no
princípio de uso e aproveitamento eficiente dos recursos hídricos prevendo a indução
ao uso racional pela lógica monetária através do principio usuário-pagador, delineado
na prática através da cobrança pela captação e uso da água.
Na área em que desenvolveu-se o estudo, os orizicultores irrigantes são os
usuários protagonistas assim também são aqueles que sofrem de forma mais abrasiva
190
os ditames da nova Lei. Em nenhuma das duas bacias que se inserem dentro dos
limites do município de Cacequi, quais sejam, a Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria
e a Bacia Hidrográfica do Rio Ibicuí a cobrança pela captação e pelo uso da água foi
instituída de modo que atualmente os agricultores irrigantes apenas preocupam-se em
enquadrar-se com os princípios de uso racional contidos na Lei e obter a outorga de
direito de uso emitida pelos órgãos estaduais responsáveis por tal matéria.
A outorga é outro dos instrumentos de gestão do novo ordenamento jurídico que
causa polêmica. Muitos orizicultores avaliam já estar pagando pela captação e pelo uso
da água em função das despesas financeiras provenientes pela concessão da outorga.
Além disso, muitos não compreendem a finalidade, ou melhor, a utilidade prática de tal
instrumento classificando-o como uma forma de taxação a atividade agrícola. Além
disso, conforme os próprios orizicultores em muitos casos a outorga tornou-se efetiva
não em função da obrigatoriedade da Lei, ou por medo da punição pela falta de tal
licença, na prática a outorga tornou-se corrente em decorrência da exigência das
agências que financiam o crédito agrícola. Assim, todos orizicultores que necessitam
retirar empréstimos em agências bancárias como o Banco do Brasil, entre os pré-
requisitos para que tenham seu crédito deferido, necessitam apresentar a licença
ambiental e a outorga de sua propriedade agrícola. Neste contexto, todos aqueles que
não carecem de empréstimos “não sentem” a mesma necessidade de entrar em
conformidade com a Lei. Tal realidade explica as críticas dos orizicultores a pouca
fiscalização dos órgãos ambientais que de certa maneira tornam-se coniventes com tal
situação.
Quanto às benesses da Política de Recursos Hídricos pode-se dizer que os
orizicultores, em sua maior parte, não visualizam a ocorrência de nenhum benefício
proveniente de tal ordenamento, todavia é possível verificar em seus depoimentos
melhorias na disponibilidade hídrica local, bem como uma postura um pouco mais
atenta ao entorno, como na questão da obstrução dos cursos d’água por atacados,
prática que diminuiu consideravelmente, entre outros aspectos que podem ser
diretamente associados à nova legislação.
No que tange especificamente a cobrança, embora tal instrumento ainda não
esteja em prática muito vem assombrando os orizicultores locais. Pode-se dizer que
191
nenhum dos entrevistados concorda com a cobrança pela captação e uso da água
oriunda dos rios, todavia a cobrança concernente aos volumes hídricos contidos nas
barragens e açudes das propriedades rurais é considerada pelos sujeitos da pesquisa
muito mais descabida do que a cobrança pela captação de rios. Alguns admitem que a
cobrança poderia promover o uso racional da água todavia, a opinião corrente é a de
que não o que ser reduzido, posto que em função dos custos com o sistema de
irrigação, mais especificamente, com a energia elétrica ou com o óleo diesel, os
agricultores estão captando apenas o minimamente necessário para manutenção da
lavoura não havendo desperdícios. Assim, mesmo que efetivada a cobrança, a única
maneira descrita pelos sujeitos da pesquisa para racionalizar o uso da água seria
abandonar o cultivo do arroz irrigado.
A panorâmica obtida pelo prisma dos sujeitos da pesquisa é a que os
orizicultores irrigantes, percebem as novas demandas sociais sobre o rural,
principalmente a ambiental, todavia tais apelos sociais, bem como a realidade que os
próprios sujeitos verificam no entorno, ainda não foram capazes de despertar este
grupo de agricultores permanecendo muito mais como um discurso politicamente
correto e uma prática inatingível.
Muitos dos orizicultores confirmaram seu papel de protetores do ambiente,
todavia é facilmente perceptível que caso não houvesse uma rígida legislação e,
principalmente, caso esta não estivesse intimamente atrelada à lógica monetária, a
postura destes sujeitos não seria alterada. A Legislação Ambiental, embora contestada
por seu viés mercadológico entra em consenso com o pensamento ainda corrente entre
os orizicultores, ou seja, a preocupação exclusivamente com o financeiro. Assim,
infelizmente, não poderia haver uma maneira mais adequada de promover o uso
racional dos recursos hídricos na orizicultura do que através da cobrança de
quantitativos monetários. O que fica nítido, quando percebemos que os orizicultores
algum tempo vem buscando o uso racional da água porém não pela percepção das
múltiplas implicações negativas do uso desta na orizicultura mas prioritariamente
motivados pelos altos custos dos sistemas de irrigação.
A lógica que ainda orienta tais agricultores é a da agricultura como recorte
setorial da econômica, através do acúmulo de lucro a qualquer custo e, embora não
192
seja possível afirmar que tais sujeitos estão se “conscientizando” através da legislação,
ao menos percebe-se que estão agindo de modo mais cauteloso com o entorno em
função da mesma.
Quanto a orizicultura vista por um viés multifuncional, e ao papel dos orizicultores
enquanto responsáveis pelo desenvolvimento de funções que abarcam para além da
produção de alimentos, ainda um longo trajeto a percorrer. Não pode-se afirmar que
todos os indivíduos da pesquisa são “alienados” de suas funções sociais bem como da
importância do agricultor, contudo ainda são muito poucos aqueles que percebem sua
importância social para além do abastecimento e segurança alimentar da população.
Assim, o percurso a ser percorrido por tais agricultores deve iniciar o apenas
pela efetiva e sincera aceitação do impacto da atividade orizícola ao meio ambiente
mas pela compreensão de que o espaço rural não abarca exclusivamente a agricultura,
esta configura-se apenas em uma das atividades aportadas por tal espaço. Assim o
orizicultor deve aprender a respeitar toda atividade, e todo o indivíduo que buscar
utilizar o espaço rural para outras funções que o apenas a produção de alimentos,
como no caso dos usos recreativos e paisagísticos tão desmerecidos por tais sujeitos.
193
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMOVAY, R. Do setor ao território: funções e medidas da ruralidade no
desenvolvimento contemporâneo. In: Interrelações entre as transformações
demográficas e a agenda social. São Paulo: Instituto de Pesquisas Aplicadas - IPEA,
USP, 1999.
ALTAFIN, I. G. Reflexões sobre sustentabilidade e multifuncionalidade nas políticas
para o desenvolvimento rural no Brasil. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 43., 2005, Ribeirão Preto.
Anais... Ribeirão Preto: SOBER, 2005. 1 CD-ROM.
ANA - AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Relatório de Gestão 2001. Brasília: ANA.
2002. 54 p.
______. Agricultura irrigada e o uso racional da água. Brasília: Ministério do Meio
Ambiente. 2004. 32 p.
______. Agência Nacional de Águas. Brasília, 2008. Disponível em:
<http://www.ana.gov.br/gestaoRecHidricos/Outorga/default2.asp>. Acesso em: 29 mai.
2008.
ARNS, R. Racionalização do uso de energia elétrica em bombeamentos de arrozais na
Fronteira-Oeste do Rio Grande do Sul. Lavoura Arrozeira, Porto Alegre, v. 48, n. 418,
p.14-17, jan./fev. 1995.
BANCO MUNDIAL. Gerenciamento de recursos hídricos. Brasília: Secretaria de
Recursos Hídricos, 1988. 292 p.
BARTH, F. T. Modelo para gerenciamento de recursos hídricos. In: REBOUÇAS, A. C.;
BRAGA, B.; TUNDISI, J. G. Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e
conservação. São Paulo: Escrituras, 1987.
______. Evolução nos aspectos institucionais e no gerenciamento de recursos hídricos.
In: FREITAS, M. A. V. O estado das águas no Brasil – 1999: perspectivas de gestão e
informação de recursos hídricos. Brasília: ANEEL, 1999.
194
BORBA, S.; MERCANTE, M. A. Pressupostos teóricos para a promoção da participação
social no processo de gestão de recursos hídricos em Mato Grosso. In: INTER-
AMERICAN DIALOGUE ON WATER MANAGEMENT IN QUEST OF SOLUTIONS, 4.,
2001, Foz do Iguaçu. Anais... Foz do Iguaçu: 2001.
BOURSCHEID, E. Programa de recuperação e desenvolvimento da Bacia Hidrográfica
do Rio Santa Maria. Relatório Técnico. Contrato n° TC 02/95. Mai. 1997.
BRANDENBURG, A.; FERREIRA, A. D. D.; SANTOS, L. J. C. Dimensões
socioambientais do rural contemporâneo. Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Curitiba, n. 10, jul./dez. 2004. Disponível em
<http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/made/article/viewFile/3100/2481>. Acesso em 10
set. 2007.
BRASIL. Decreto n. 24.643, de 10 de julho de 1934. Decreta o Código de Águas.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d24643.htm> Acesso em:
21 abr. 2008.
______. Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o Novo Código Florestal.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4771.htm> Acesso em: 21
abr. 2008.
______. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do
Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L6938.HTM>.
Acesso em: 16 abr. 2008.
______. Lei n. 9.433/97, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de
Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos,
regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. da Lei
8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei 7.990, de 28 de dezembro de
1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9433.htm>. Acesso
em: 23 jan. 2007.
______. Lei n. 9.984, de 17 de julho de 2000. Dispõe sobre a criação da Agência
Nacional de Água - ANA, entidade federal de implementação da Política Nacional de
Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos, e outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9984.htm>. Acesso em: 22 jan. 2007.
195
BRESSAN, S. J. Homem e natureza: elementos para uma abordagem dialética. Ciência
& Ambiente, Santa Maria, v. 2, n. 2, p. 31-39, jan./jun. 1991.
BRITO, R. A. L.; COUTO, L.; SANTANA, D. P. Agricultura irrigada, recursos hídricos e
produção de alimentos. ITEM. n. 55, p. 64-69, 2002.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e Extensão Rural:
Contribuições para a Promoção do Desenvolvimento Rural Sustentável. Brasília:
MDA/SAF/DATER-IICA, 2004.
CARDOSO, J. H.; FLEXOR, G.; MALUF, R. S. Multifuncionalidade da agricultura em
áreas de assentamentos rurais: o caso de Abelardo Luz (SC). In: CARNEIRO, M. J.;
MALUF, R. S. (Orgs.). Para além da produção: multifuncionalidade e agricultura
familiar. Rio de Janeiro: MAUAD, 2003, p. 60-73.
CARDOSO, M. L. M. A Democracia das Águas na sua Prática: O caso dos Comitês
de Bacias Hidrográficas de Minas Gerais. 2003. 243 f. Tese (Doutorado em
Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
CARNEIRO, M. J. Ruralidade: Novas Identidades em Construção. Revista Estudos,
Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, n. 11, p. 53-75. 1998.
______. Multifuncionalidade da agricultura e ruralidade: uma abordagem
comparativa. Rio de Janeiro: CPDA, 2002.
CARNEIRO, M. J.; MALUF, R. S. (Orgs.). Para além da produção: multifuncionalidade
e agricultura familiar. Rio de Janeiro: MAUAD, 2003. 230 p.
CARRERA-FERNANDEZ, J.; Garrido, R. J. Economia dos recursos hídricos.
Salvador: UFBA, 2002.
CARVALHO, M. L. S.; LUCAS, M. R. D.; HENRIQUES, P. D. A multifuncionalidade na
agricultura e as suas valências. In: CONGRESSO DE ESTUDOS RURAIS, 2., 2004,
Açores. Anais eletrônicos... Açores: CER, 2004. Disponível em:
<http://www.sper.pt/IICER/pdfs/Tema1/L_Carvalho.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2007.
196
CAZELLA, A. A.; MATTEI, L. Multifuncionalidade agrícola e pluriatividade das famílias
de agricultores: novas bases interpretativas para repensar o desenvolvimento rural. In:
CONGRESSO SBS-IESA, 4., Santa Catarina. Anais... Santa Catarina, 2002.
CHRISTOFIDIS, D. Água e agricultura. Plenarium, Brasília, ano 3, n. 3, p. 44-59, set.
2006.
COIMBRA, R.; ROCHA, C. L.; BEEKMAN, G. B. Recursos hídricos: Conceitos,
desafios e capacitação. Brasília: ANEEL, 1999.
COSTA, F. J. L. Estratégias de gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil:
áreas de cooperação com o Banco Mundial. Série Água Brasil, vol. 1, Brasília: Banco
Mundial, 2003. 177 p.
CUNHA, S. B.; GUERRA, A. J. T. Degradação ambiental. In: GUERRA, A. J. T.;
CUNHA, S. B. (Orgs.). Geomorfologia e meio ambiente. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2003. p. 337-379.
DUARTE, R. Pesquisa qualitativa: reflexões sobre o trabalho de campo. Cadernos de
Pesquisa, n. 115, p. 139-154, 2002.
DURÁN, F. E. Viejas y nuevas imágenes sociales de ruralidad. Revista Estudos,
Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, n. 11, p. 76-98, 1998.
EMBRAPA. Cultivo do Arroz Irrigado no Brasil. 2005. Disponível em: <
http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Arroz/ArrozIrrigadoBrasil/ca
p01.htm>. Acesso em: 23 jan. 2007.
FALKENBERG, L. Da legalidade da cobrança de taxas pelos apelos órgãos de proteção
ambiental. Ciência e Ambiente. Santa Maria, v. 17, n. 17, p. 95-102, jul./dez. 1998.
FAO. Multiples fonctions de l’agriculture et des terres: l’analyse. Maastricht: FAO,
1999.
197
FEE Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. População
Municipal de Cacequi. 2008.
<http://www.fee.rs.gov.br/feedados/consulta/menu_consultas.asp?tp_Pesquisa=var_RE
M>. Acesso em: 31 jan. de 2008.
FERREIRA, A. D. D. Processos e sentidos sociais do rural na contemporaneidade:
indagações sobre algumas especificidades brasileiras. In: Estudos Sociedade e
Agricultura. Rio de Janeiro, n. 18, abr. 2002.
FONSECA, M. T. L. Extensão rural no Brasil: Um Projeto Educativo para o Capital.
São Paulo: Loyola, 1985.
FORGIARIANI, F. R. Modelagem da cobrança pelo uso da água bruta para
aplicação em escala real na Bacia do Rio Santa Maria. 2006. 158 f. Dissertação
(Mestrado em Engenharia Civil) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria.
FROEHLICH, J. M. Rural e Natureza: a construção social do rural contemporâneo na
região central do Rio Grande do Sul. 2002. 226 f. Tese (Doutorado em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) - Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro.
______. A (re)construção de identidades e tradições: o rural como tema e cenário. In:
FROEHLICH, J. M. E DIESEL, V. (Org.). Espaço Rural e Desenvolvimento Regional:
estudos a partir da região central do RS. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004. p. 291-307.
______. Trajetórias do espaço rural - da modernização à multifuncionalidade. MESA-
REDONDA “AS CONSTRUÇÕES PSICO-SOCIAIS DO ESPAÇO RURAL”. In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA, 2., 2006, São Paulo. Anais... São
Paulo: Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), 2006. 1 CD-ROM.
FROEHLICH, J. M.; MONTEIRO, R. As perspectivas de uma nova ruralidade pela
óptica urbana: o campo semântico rural-natureza. In: FROEHLICH, J. M. E DIESEL, V.
(Orgs.). Espaço Rural e Desenvolvimento Regional: estudos a partir da região central
do RS. Ijuí: Ed. UniJuí, 2004. p. 273-290.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.
198
GODOY, A. M. G. Uma proposta de abordagem teórica sobre a cobrança da água. In:
CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA
RURAL, 45., 2007, Londrina. Anais... Londrina: SOBER, 2007. 1 CD-ROM.
GOMES, A. S.; PAULETTO, E. A.; FRANZ, A. F. H. Uso e manejo da água em arroz
irrigado. In: GOMES, A. S.; MAGALHÃES JUNIOR, A. M. (Ed.). Arroz irrigado no Sul
do Brasil. Brasília: EMBRAPA Informação Tecnológica, 2002. p. 417-455.
GOODMAN, D.; SORJ, B.; WILKINSON, J. Da lavoura as biotecnologias: agricultura
e indústria no sistema internacional. Rio de Janeiro: Ed. Campus. 1990.
GRANZIERA, M. L. M. Direito de águas: disciplina jurídica das águas doces. o
Paulo: Atlas, 2001.
GRAZIANO DA SILVA, J. Uma agricultura alternativa ou um capitalismo verde? Ciência
& Ambiente. Santa Maria, v. 6, n. 6, p. 7-20, jan./jun. 1993.
_________. O novo rural brasileiro. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 7, n. 1, p. 43-
81. 1997.
_________. O que é questão agrária. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1998. 114 p.
_________. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas: Unicamp, 1999.
217 p.
GRAZIANO NETO, F. Questão agrária e ecologia. São Paulo: Brasiliense, 1982.
HAASE, J. O encontro estado e sociedade na política gaúcha das águas. 2005. 315
f. Tese (Doutorado em Ecologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produto Interno Bruto do Município
de Cacequi. 2004. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>.
Acesso em: 05 fev. 2008.
199
______. Censo Agropecuário 1995/96. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>.
Acesso em: 20 set. 2007.
IRGA - Instituto Rio Grandense do Arroz . Censo da lavoura de arroz irrigado do Rio
Grande do Sul - Safra 1999/00. Disponível em:
<http://www.irga.rs.gov.br/index.php?action=publicacoes>. Acesso em: 23 set. 2007.
______. Censo da lavoura de arroz irrigado do Rio Grande do Sul - Safra 2004/05.
Porto Alegre: IRGA, 2006.
______. Irga e Agência Nacional das Águas firmam convênio. Disponível em:
<http://www.irga.rs.gov.br/index.php?action=noticia_detalhe&id=1648> Acesso em: 09
mai. 2007.
JOLLIVET, M. (Org.). Vers un rural postindustriel. Paris: L’Harmattan. 1997.
_______. A vocação atual da sociologia rural. Revista Estudos, Sociedade e
Agricultura. Rio de Janeiro, n. 11, p. 5-25, 1998.
KAGEYAMA, A. (Coord.). O Novo Padrão Agrícola Brasileiro: Do Complexo Rural
aos Complexos Agroindustriais. Campinas: UNICAMP, 1987. 121 p.
LANNA, A. E. Aspectos conceituais da gestão das águas. In: CURSO INTRODUÇÃO A
GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS, 1997, Brasília. Brasília: SRH/MMA, 1997.
LEADER, Observatório Europeu. Abordagem territorial do desenvolvimento rural:
Avaliar a competitividade ambiental de um território. 2000. Disponível em: <
http://ec.europa.eu/agriculture/rur/leader2/rural-pt/biblio/com-env/sub23.htm>. Acesso
em 21 jun. 2007.
LEFF, E. Ecologia y capital. Racionalidad ambiental, democracia participativa y
desarrollo sustentable. México: Siglo Veintiuno Editores. 1994.
______. Saber Ambiental. Sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder.
Petrópolis: Vozes/ PNUMA, 2001. 343 p.
200
LIMA, J. E. F. W.; FERREIRA, R. S. A.; CHRISTOFIDIS, D. O uso da irrigação no
Brasil. In: FREITAS, M. A. V. O estado das águas no Brasil. Brasília:
ANEEL/SIH/MMA/SRH/MME, p. 73-83. 1999.
LORENSI, R. P. Automonitoramento dos recursos hídricos em lavouras orizícolas.
2008. 90 f. Dissertação (Mestrado de Engenharia Civil) - Universidade Federal de Santa
Maria, Santa Maria.
MACHADO, P. A. L. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001.
MACHADO, S. L. O.; MARCHEZAN, E.; VILLA, S. C. C.; CAMARGO, E. R. Lavoura
arrozeira e recursos hídricos. Ciência & Ambiente. Santa Maria. v. 27, n. 27, p. 97-106,
jul./dez. 2003.
MALUF, R. S. O enfoque da multifuncionalidade da agricultura: aspectos analíticos e
questões de pesquisa. In: LIMA, D. M.; WILKINSON, J. (Orgs.). Inovação nas
tradições da agricultura familiar. Brasília: CNPq/Paralelo 15, 2002. p. 301-328.
______. A multifuncionalidade da agricultura brasileira na realidade rural brasileira. In:
CARNEIRO, M. J.; MALUF, R. S. (Orgs.). Para além da produção: multifuncionalidade
e agricultura familiar. Rio de Janeiro: MAUAD, 2003, p. 135-153.
MARTINS, R. C. Agricultura, gestão de recursos hídricos e desenvolvimento rural: A
convergência necessária. In: FELICIDADE, N.; MARTINS, R. C.; LEME, A. A. (Orgs.).
Uso e gestão dos recursos hídricos no Brasil: velhos e novos desafios para a
cidadania. São Carlos: Rima. 2004. p. 77-104.
______. Ruralidade e regulação ambiental: notas para um debate político-institucional.
Revista de Economia e Sociologia Rural, Brasília, v. 43, n. 2, abr./jun. 2005.
Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
20032005000200003>. Acesso em: 15 nov. 2007.
MENDONÇA, M. C. Legislação de recursos hídricos: compilação, organização e
comentários. Belo Horizonte: IGAM, 2002.
MINAYO, M. C. S. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes,
1998.
201
MORAIS, T. Z. Simulação da cobrança para o investimento em barragens na Bacia
do Rio Santa Maria/RS. 2005. 70 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) -
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria.
MORMONT, M. Le rural comme catégorie de lecture du social. In: JOLLIVET, M.;
EIZNER, N. (Orgs.). L’Europe et ses Campagnes. Paris: Presses dês Sciences
Politiques. 2006. p. 161-176.
MOTA, J. A. O valor da natureza: economia e política dos recursos naturais. Rio de
Janeiro: Garamond, 2001.
MOTTA, F. S., ALVES, E. G. P., BECKER, C. T. Informação climática planejamento da
necessidade de água para irrigação do arroz no Rio do Sul. Lavoura Arrozeira, Porto
Alegre, v. 43, n. 392, p. 3-6, 1990.
MUELLER, C. C. Economia e Meio Ambiente na Perspectiva do Mundo Industrializado:
uma avaliação neoclássica. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 261-304,
mai./ago. 1996.
MUÑOZ, H. R. Razões para um debate sobre as interfaces da gestão dos recursos
hídricos no contexto da Lei de Águas de 1997. In: MUÑOZ, H. R. (Org.). Interfaces da
Gestão de recursos Hídricos: Desafios da lei das águas de 1997. Brasília: MMA/
SRH, 2000. p.13-30.
NEUMANN, P. S.; LOCH, C. Legislação Ambiental, desenvolvimento rural e práticas
agrícolas. In: FROEHLICH, J. M. E DIESEL, V. (Orgs.). Espaço Rural e
Desenvolvimento Regional: estudos a partir da região central do RS. Ijuí: Ed. Unijuí,
2004. p. 171-188.
NIMER, E. Clima. In: IBGE. Geografia do Brasil, Região Sul. Rio de Janeiro: IBGE
1977. p. 35-79.
OCDE - Organisation de Coopération et de Développement Economiques. Agricultural
water princing in OCDE countries. Paris: 1999. 59 p. (ENV/EPOC/GEEI 98-
11/FINAL).
202
PAGNOCCHESCHI, B. A política nacional de recursos hídricos no cenário da
integração das políticas públicas. In: MUÑOZ, H. R. (Org.) Interfaces da Gestão de
recursos Hídricos: Desafios da lei das águas de 1997. Brasília: MMA/SRH, 2000. p.
31-56.
PAZ, V. P. S.; TEODORO, R. E. F; MENDONÇA, F. C. Recursos Hídricos, Agricultura
Irrigada e Meio Ambiente. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental,
Campina Grande, v. 4, n. 3, p. 465-473. 2000.
PLANO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS. Panorama e estado dos recursos
hídricos do Brasil. vol. 1. MMA/SRH. 2006.
POMPEU, C. T. Fundamentos jurídicos do anteprojeto de Lei da cobrança pelo uso das
águas do domínio do Estado de São Paulo. In: THAME, A. C. M. (Org.). A cobrança
pelo uso da água. São Paulo: Instituto de Qualificação e Editoração, 2000. p. 41-53.
QUIVY, R.; CAMPENHOUDT, L. V. Manual de Investigação em Ciências Sociais.
Lisboa: Gradiva, 1992.
RADAMBRASIL, P. Levantamento dos Recursos Naturais. Rio de Janeiro: IBGE,
1986. p. 316-404.
RÉMY, J. Os contratos territoriais de estabelecimento ou a conversão inacabada. In:
CARNEIRO, M. J.; MALUF, R. S. (Orgs.). Para além da produção: multifuncionalidade
e agricultura familiar. Rio de Janeiro: MAUAD. p.153-168. 2003.
REVISTA VEJA. Crise dos alimentos. Abril, 2008. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/crise-dos-alimentos/index.html>. Acesso em: 29
mai. 2008.
RHEINHEIMER, D. S.; GONÇALVES, C. S.; PELLEGRINI, J. B. R. Impacto das
atividades agropecuárias e a sustentabilidade ecológica. Ciência & Ambiente. Santa
Maria, v. 27, n. 27, p. 85-96, jul./dez. 2003.
203
RIBEIRO, D. M. G. A multifuncionalidade da agricultura e o aproveitamento dos
recursos naturais: preocupação legítima ou protecionismo disfarçado? In:
CONGRESSO NACIONAL DO CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-
GRADUAÇÃO EM DIREITO, 15., 2006, Manaus. Anais eletrônicos... Manaus:
CONPEDI, 2006. Disponível em
<http://conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Daniela%20Menengoti%20Goncalves%20Ri
beiro.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2007.
RIO GRANDE DO SUL. Lei 10.350 de 31 de dezembro de 1994. Institui o Sistema
Estadual de Recursos Hídricos, regulamentando o Artigo 171 da Constituição do Estado
do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1994.
ROUX, B.; FOURNEL, E. Multifuncionalidade e emprego nos estabelecimentos rurais
franceses: um estudo das zonas montanhosas de Languedoc Roussillon. In:
CARNEIRO, M. J.; MALUF, R. S. (Orgs.). Para além da produção: multifuncionalidade
e agricultura familiar. Rio de Janeiro: MAUAD. p.169-184. 2003.
SACCO DOS ANJOS, F. Agricultura familiar, pluriatividade e desenvolvimento
rural no sul do Brasil. Pelotas: UFPEL, 2003. 374p.
SACCO DOS ANJOS, F.; CALDAS, N. V. Semântica e formação discursiva: A propósito
do debate sobre pluriatividade e multifuncionalidade. In: CONGRESSO DA
SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 44., 2006,
Fortaleza. Anais... Fortaleza:SOBER, 2006. 1 CD-ROM.
SACHS, I. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986.
SANTOS, J. R. M. Irrigar é preciso. Agroanalysis, Rio de. Janeiro, v. 18, n. 3. p. 29-34,
mar. 1998.
SARACENO, E. O conceito de ruralidade: problemas de definição em escala
européia. Seminário INEA sobre Desenvolvimento nas Áreas Rurais. Tradução: Ângela
Kageyama. Roma: INEA, 1996.
SCHNEIDER, S. Agricultura familiar e desenvolvimento rural endógeno: elementos
teóricos e um estudo de caso. In: FROEHLICH, J. M. E DIESEL, V. (Orgs.).
Desenvolvimento rural: tendências e debates contemporâneos. Ijuí: Unijuí, p. 15-64.
2006.
204
SCHULT, S. I. M. A Bacia do Rio Santa Maria, Rio Grande do Sul - 2001. 2002.
Disponível em: <http://www.marcadagua.org.br/santamaria.pdf>. Acesso em: jan. 2008.
SEMA - Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul. Os Comitês de
Gerenciamento de Bacias Hidrográficas. 2002. Disponível em: <
http://www.sema.rs.gov.br/sema/html/rhcomcob.htm>. Acesso em: 12 de fev. 2008.
______. Instrumentos de Gestão: Outorga. 2006. Disponível em: <
http://www.sema.rs.gov.br/sema/jsp/rhinsexo.jsp>. Acesso em: 23 de mar. 2008.
______. Sustentabilidade na orizicultura do Estado. Porto Alegre, 2007. Disponível em:
<http://www.sema.rs.gov.br/sema/jsp/descnoticias.jsp?ITEM=1612&TIPO=1>. Acesso
em 8 mai. 2007.
SEMA - Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul. Relatório anual
sobre a situação dos recursos hídricos no Estado do Rio Grande do Sul. 2002.
Disponível em: <http://www.sema.rs.gov.br/sema/html/pdf/modulo1.pdf>. Acesso em: 23
abr. 2007.
______. Bacia Hidrográfica do Rio Ibicuí. 2008. Disponível em:
<http://www.sema.rs.gov.br/sema/jsp/rhcomibi.jsp>. Acesso em 10 jan. 2008.
SETTI, A. A.; LIMA, J. E. F. W.; CHAVES, A. G. M.; et al. Introdução ao
gerenciamento de recursos hídricos. Brasília: ANEEL/ANA, 2001. 328p.
SOARES, A. C. A multifuncionalidade da agricultura familiar. Proposta, Rio de Janeiro,
n. 87, p. 40-49, dez./fev. 2001.
SOROKIN, P. A.; ZIMMERMAN,C. A.; GALPIN, C. J. Diferenças fundamentais entre o
mundo rural e o urbano. In: Martins, J. S. (Org.). Introdução crítica à Sociologia
Rural. São Paulo: Hucitec, 1986. p. 198-224.
SOUZA JÚNIOR, W. C. Participação social e aspectos econômicos da gestão de
recursos hídricos no Brasil. 2003. 221 f. Tese (Doutorado em Economia Aplicada)
Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
205
________________. Gestão das águas no Brasil: Reflexões, diagnósticos e desafios.
São Paulo: Peirópolis, 2004. 164 p.
STE - Serviços Técnicos de Engenharia S.A. Avaliação quali-quantitativa das
disponibilidades e demandas de água na bacia hidrográfica do Rio Ibicuí. Relatório
do Cenário Atual – Vol. 1. Serviços Técnicos de Engenharia S. A. 1998. 335 p.
SUERTEGARAY,D. M. A.; GUASSELLI, L. A.; ANDRADES FILHO, C. O. Arenização no
sudoeste do rio grande do sul: investigação sobre a relação entre areais, drenagem e
orientação do relevo. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOMORFOLOGIA, 6., 2006,
Goiânia. Anais... Goiânia: IAG/UGB, 2006. 1 CD-ROM.
TRIVINOS, A. Introdução à Pesquisa em ciências Sociais: A Pesquisa Qualitativa
em Educação. São Paulo: Atlas, 1987.
UNESCO. Hydro-environmental indices: A review and evaluation of their use in the
assessment of the environmentalimpacts of water projects. IHP-II Project, 1984.
Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0007/000720/072094eb.pdf>.
Acesso em: 27 out. 2007.
VELOSO, H. P.; RANGEL FILHO, A. L. R.; LIMA, J. C. A. Classificação da Vegetação
Brasileira Adaptada a um Sistema Universal. Rio de Janeiro: FIBGE, 1991.
VIANNA, M. L. S. O desperdício de energia na irrigação do arroz. Lavoura Arrozeira,
Porto Alegre, v. 50, n. 432, p. 9-11, jul./ago. 1997.
WANDERLEY, M. N. B.; O lugar dos rurais: o meio rural no Brasil moderno. In:
CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA
RURAL, 35., 1997, Natal. Anais... Natal:SOBER, 1997. 90-113 p.
______. Olhares sobre o “rural” brasileiro. Recife: UFPE, 1999.
______. A emergência de uma nova ruralidade nas sociedades modernas avançadas: o
rural como espaço singular e ator coletivo. Estudos, Sociedade e Agricultura, Rio de
Janeiro, n. 15, p. 87-146. 2000.
206
______. Prefácio. In: CARNEIRO, M. J.; MALUF, R. S. (Orgs.). Para além da
produção: multifuncionalidade e agricultura familiar. Rio de Janeiro: MAUAD, 2003, p.
9-16.
ZAFFARONI, E.; TAVARES, V. E. O licenciamento ambiental dos produtores de
arroz irrigado no Rio Grande do Sul. 1999. Disponível em: <
http://www.iica.org.uy/p2-8.htm>. Acesso em: 08 ago. 2007.
207
ANEXOS
208
ANEXO 01 - Questionário aplicado aos orizicultores irrigantes do Município de
Cacequi/RS.
QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ORIZICULTORES IRRIGANTES
DE CACEQUI/RS
1. Idade _____________________
2. Grau de escolaridade _____________________________________
3. Trabalha apenas com a agricultura ( )Sim
( )
Não
3.1 Outro. Qual____________________________________________
4. Tempo que trabalha com a agricultura_________________________
5. Tempo que trabalha com a orizicultura________________________
6. Trabalha com outra cultura ( ) Sim
( )
Não
6.1 Qual _________________________________________________
7. Estabelecimento ( ) Próprio ( ) Arrendado
8. Capta água de rio ( )Sim
( )
Não
8.1 Qual__________________________________________________
9. Bomba de captação ( ) Diesel ( ) Elétrica
10. Número de pontos de captação ____________________________
11. Reside na propriedade ( ) Sim ( ) Não
12. Quantos familiares trabalham na atividade orizícola _____________
13. Área plantada neste ano __________________________________
14. Área plantada no ano anterior______________________________
209
ANEXO 02 - Roteiro de entrevista semi-estruturada aplicada aos orizicultores irrigantes
que captam água dos três principais rios do Município de Cacequi/RS, quais sejam, Rio
Cacequi, Rio Ibicui e Rio Santa Maria.
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA APLICADA AOS
ORIZICULTORES IRRIGANTES DE CACEQUI/RS
- Atividade agrícola hoje;
- Orizicultura hoje;
- Crise do segmento;
- Futuro da atividade agrícola e da orizicultura;
- Deseja permanecer na atividade;
- Vê futuro nessa mesma atividade para seus filho(s) e/ou neto(s);
- Função do agricultor;
- A sociedade valoriza a atividade agrícola;
- Pressão da sociedade pela preservação ambiental;
- Responsabilidade preservacionista;
- Pressão por parte da comunidade ou existe uma tensão maior por parte
dos outros orizicultores também irrigantes nos momentos em que falta
de água;
- A escassez da água é um perigo ou apenas algo cíclico;
- Ocorrência de mudanças na paisagem;
- A que, ou ao que ou ainda a quem atribuem tais mudanças;
- Atuação dos órgãos de controle ambiental;
- Atual Política Nacional de Recursos Hídricos;
- Necessidade de impor tais medidas (gestão compartilhada por bacia
hidrográfica, Comitês de Bacia Hidrográfica, enquadramento, outorga,
cobrança pela captação, etc);
- Críticas quanto ao processo de gestão dos Recursos Hídricos proposto
pela atual legislação;
- A cobrança pelo uso e captação da água possa serve como indutor de
uso racional deste recurso;
- Propensão a reformular e/ou modernizar seu processo de irrigação.
210
Anexo 03 - Termo de autorização utilizado para a realização das entrevistas semi-
estruturadas.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS RURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EXTENSÃO RURAL – MESTRADO
CARTA DE AUTORIZAÇÃO
Eu,____________________________________________, CPF__________________,
RG___________________________________, residente na cidade de
___________________________________________________________ no endereço
______________________________________________________________________
___________________________________ AUTORIZO E CONCEDO a Nádia Bolzan
Soares, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da
Universidade Federal de Santa Maria, sob a orientação do Prof° Dr° José Marcos
Froehlich, os direitos de publicar, integralmente ou em partes, sem restrições de prazo e
citação, minha entrevista gravada no dia _____________, desde que mantido o
anonimato das declarações.
Cacequi, ____de ________________de 2008.
__________________________________________
Assinatura do entrevistado
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo