Download PDF
ads:
ADRIANA DA SILVA GOMES
REPRESENTAÇÕES DE PESSOAS COM TRANSTORNO MENTAL
SOBRE AS INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS E O
HIV/AIDS
BELO HORIZONTE
ESCOLA DE ENFERMAGEM DA UFMG
2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ADRIANA DA SILVA GOMES
REPRESENTAÇÕES DE PESSOAS COM TRANSTORNO MENTAL SOBRE AS
INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS E O HIV/AIDS
Dissertação apresentada ao Colegiado de Pós-Graduação da Escola de
Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em Enfermagem.
Área de concentração: Saúde e Enfermagem
Orientadora: Profª. Drª. Maria Imaculada de Fátima Freitas.
Belo Horizonte
Escola de Enfermagem da UFMG
2010
ads:
Gomes, Adriana da Silva.
G633r Representações de pessoas com transtorno mental sobre infecções
sexualmente transmissíveis e o HIV/Aids [manuscrito]. / Adriana da Silva
Gomes. - - Belo Horizonte: 2010.
135f.
Orientadora: Maria Imaculada de Fátima Freitas.
Área de concentração: Saúde e Enfermagem.
Dissertação (mestrado): Universidade Federal de Minas Gerais, Escola
de Enfermagem.
1. Síndrome de Imunodeficiência Adquirida/psicologia. 2. Doenças Sexualmente
Transmissíveis/prevenção & controle. 3. Pessoas Mentalmente Doentes. 4. Enfermagem
em Saúde Pública. 5. Assistência em Saúde Mental. 6. Pesquisa Qualitativa. 7.
Dissertações Acadêmicas. I. Freitas, Maria Imaculada de Fátima. II. Universidade
Federal de Minas Gerais, Escola de Enfermagem. III. Título.
NLM: WC 503
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
ESCOLA DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Dissertação intitulada “Representações de pessoas com transtorno mental sobre as
Infecções Sexualmente Transmissíveis e o HIV/Aidsde autoria da mestranda Adriana da
Silva Gomes, aprovada pela banca examinadora constituída pelos professores:
Profa. Dra. Maria Imaculada de Fátima Freitas Escola de Enfermagem da Universidade
Federal de Minas Gerais (Orientadora)
Pr. Dr. Alain Giami - INSERM - CESP - U 1018, Equipe Santé sexuelle et
reproductive, Le Kremlin Bicêtre, França
Prof. Dr. Renato Diniz da Silveira – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Profa. Dra. Maria Flávia Carvalho Gazzinelli - Escola de Enfermagem da Universidade
Federal de Minas Gerais
Prof. Dr. Francisco de Assis Acúrcio Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de
Minas Gerais
Dedico este trabalho a minha família, meu berço, meu apoio, meu caminho, minha vida.
Meus pais sempre grandes incentivadores,
Meus irmãos sempre meus companheiros,
Em especial, a Fernando, meu exemplo.
A vocês, sou eternamente grata por tudo.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pois não há vitória sem Ele.
À Profª. Drª. Maria Imaculada de Fátima Freitas, obrigada pela
disponibilidade, competência e ensinamentos, não durante a realização deste
estudo, mas também nos demais anos de convivência. Agradeço por me acolher,
por sua confiança, seu carinho e sua preciosa amizade, contribuindo para meu
crescimento profissional e, é claro, pessoal. Sua orientação foi, para mim, um
privilégio.
Ao GPEAS, em especial ao coordenador, Prof. Dr. Mark Drew
Crosland Guimarães, pela oportunidade de participar do Projeto
PESSOAS e pela contribuição para meu desenvolvimento profissional.
Ao Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde, pelo
financiamento do Projeto PESSOAS, por meio de recursos provenientes da
UNESCO, com o número 91BRA3014.
Ao Colegiado de Pós-Graduação, em especial à sua coordenadora Cláudia
Matos Penna e às funcionárias Grazielle e Luciene, pelo auxílio, cuidado e
respeito ao aluno.
À CAPES, pelo apoio financeiro nestes dois anos, fundamental para a
realização deste trabalho.
Aos colegas do mestrado, pelas oportunidades de aprendizado, em especial a
Meiriele, Suelen, Tatianne e Walquíria.
Aos bolsistas de Iniciação Científica: Flaviana, Cristal, Raphaela e Kelly,
pela colaboração e pelo incentivo.
Aos participantes da pesquisa, pela disponibilidade em contribuir, apesar de
todas as adversidades, tornando possível a realização deste estudo.
A todos os meus familiares e grandes amigos, pelo carinho e incentivo na busca
desta conquista.
A meu marido, querido colaborador, por aceitar a falta de tempo, de paciência e
de delicadeza, nos momentos difíceis desta jornada.
FIGURA: O grito
Pintura em óleo sobre tela e pastel sobre cartão de Edvard Munch, 1893.
Fonte: WIKIPÉDIA, 2010.
“Eu estava a passear cá fora com dois amigos e o Sol começava a pôr-se – de repente o céu
ficou vermelho, cor de sangue – Eu parei, sentia-me exausto e apoiei-me a uma cerca – havia
sangue e línguas de fogo por cima do fiorde azul-escuro e da cidade – os meus amigos
continuaram a andar e eu ali fiquei, em pé, a tremer de medo – e senti um grito infindável a
atravessar a natureza”.
Edvard Munch
RESUMO
Pessoas com transtornos mentais apresentam maior vulnerabilidade para infecções sexualmente
transmissíveis - IST e o HIV/Aids, agravos, atualmente, de grande importância para saúde
pública. A aproximação dos sujeitos às doenças permite a re/construção de representações sobre
estas, expressas nas atitudes, palavras e ações nas relações com os outros. O objetivo deste
estudo foi compreender representações de pessoas com transtorno mental acerca do HIV/Aids e
das demais IST, comparando-as com as de outros grupos populacionais apresentadas na
literatura. Para alcançar o objetivo proposto, utilizou-se a metodologia qualitativa, com a
orientação teórico-metodológica da Teoria das Representações Sociais. A pesquisa foi realizada
em dois hospitais psiquiátricos de Minas Gerais e dois Centros de Atenção Psicossocial, um em
Minas Gerais e um no Rio de Janeiro. Foram entrevistadas 39 pessoas em acompanhamento
nesses serviços, que se encontravam fora de crise e capazes de aceitar sua participação no estudo.
As entrevistas foram individuais, com questões abertas e em profundidade. A análise foi
fundamentada na Análise Estrutural de Narração. Os resultados foram organizados em três
categorias: 1/Representações sobre as IST e o HIV/Aids; 2/Representações de transmissibilidade
e prevenção das IST e do HIV/Aids; e 3/Representações sobre risco e educação preventiva para
as IST e HIV/Aids. A interpretação dos dados revelou que as representações de IST são de
doenças transmitidas sexualmente, “perigosas”, relacionadas à sujeira e que têm visibilidade pela
“maneira de andar da pessoa”. Não se faz distinção entre a infecção pelo HIV e a aids, as
mesmas representações das IST estão presentes para a aids, sendo considerada doença que mata,
provoca vergonha, medo e leva ao preconceito. Para a prevenção, o preservativo é lembrado
como importante, mas seu uso é quase inexistente, pois considera-se possível se prevenir não
tendo relações sexuais com “pessoas que não se conhece”; que são “bonitas demais” e com
“mulheres da vida”. Homens e mulheres consideram os primeiros mais atirados e mais
“irresponsáveis” nos relacionamentos sexuais. Eles se acham “espertos” e invulneráveis,
enquanto as mulheres que tiveram ou têm vida sexual ativa se percebem em risco de infecção
pela baixa capacidade de negociação sobre o uso do preservativo. Em geral, as representações
são semelhantes àquelas encontradas em outros grupos da população, mas a vulnerabilidade
social e cultural de pessoas com transtorno mental é aumentada pelas situações específicas do
quadro clínico; sentimento de invulnerabilidade diante da vida, em geral; ocorrências de abuso
sexual; dificuldade de relacionamentos estáveis; sexo pago não seguro e pelo não uso de
preservativos. Para acrescer a esses aspectos de vulnerabilidade social, o acesso à escola é baixo
e os serviços de saúde mental não têm atividades de educação em saúde sexual como prática
corrente, sendo as experiências de vida, os amigos e a televisão as principais fontes de
construção de representações. A articulação entre políticas públicas, serviços sociais e de saúde,
e seus profissionais para realização de ações de educação sexual e de acompanhamento,
específicas para pessoas com transtornos mentais, além de proteção efetiva daqueles em situação
de desamparo, definem-se como fundamentais para a integralidade da assistência.
Palavras-chave: Representações sociais. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida/psicologia.
Doenças sexualmente transmissíveis/Prevenção & controle. Pessoas mentalmente doentes.
Assistência em saúde mental. Enfermagem em Saúde Pública. Pesquisa Qualitativa
0
ABSTRACT
Patients with severe mental illness are more vulnerable to sexually transmitted infections – STIs,
and HIV/AIDS, diseases that have a big impact on public health nowadays. Creating a link
between these subjects and the diseases allows for the (re)construction of their representations
about the latter, expressed in attitudes, words, and actions, in their relationships with others. The
aim of this study was to understand the representations patients with severe mental illness have
in relation to HIV/AIDS and other STIs, comparing them to those of other population groups
available in the literature. In order to reach said objective, we used a qualitatice methodology,
with theoretical-methodological orientation based on Social Representation Theory. The research
was carried out at two psychiatric hospitals in Minas Gerais, at two Psychosocial Attention in
Minas Gerais and in Rio de Janeiro, Brazil. We interviewed 39 people followed at the
abovementioned services, who were not in a crisis and who understood and accepted taking part
in the study. They were interviewed individually, answering open-ended and in-depth questions.
The answer analysis was based on Structural Analysis of Narrative. The results were divided into
three categories: 1/Representations of STIs and AIDS; 2/Representations about transmissibility
and prevention of STIs and HIV/AIDS; and 3/Representations about risk and preventive
education on STIs and HIV/AIDS. Data interpretation revealed that representation of STIs are of
diseases transmitted through sex, that are “dangerous”, related to dirtiness, that can be seen “in
the way people walk”. No distinction is made between HIV and AIDS, and the representations
are the same found for other STIs, that the disease “kills”, causes “shame” and fear; and can lead
to prejudice. For prevention, condoms are listed as important, but its use is close to none,
because it is possible to prevent catching the disease by not having sexual intercourse with
“people you don’t know” and well as “women who work in the streets”. Men and women
consider the former more “forward”, but men also consider themselves “smarter” and
invulnerable, whereas women who have been or are sexually active feel more at risk of infection
because they have less room for negotiation in relation to condoms. In general, thus,
representations are the same found in other population groups, but the social and cultural
vulnerability, access to school is rare and mental health services is increased by situations
specific to the clinical picture; by a powerful feeling of invulnerability when facing life in
general; moreover, there are many occurrences of sexual abuse for both genders, by the
difficulties in maintaining stable relationships, by paid and unsafe sex without the use of
condoms. In addition to these aspects of social vulnerability, access to school is low and mental
health services do not have educational activities on sexual health as common practice, thus
making life experiences, friends and television the main source for the construction of
representations. Articulating public policies, social and health services, and making available
professionals who can carry out sexual education actions and follow up, with the specific
audience of people with mental disabilities, as well as the effective protections of those in a
situation of destitution, is essential for an integral assistance.
Key words: Social representation. Sexually transmitted disease/Prevention. HIV/AIDS.
Mentally disabled people. Aids/Sociology. Aids/Psychology.
Public health nursing.
0
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 - Categorias principais acerca das IST e do HIV/Aids................................ 56
FIGURA 2 - Representações sobre as IST e o HIV/Aids.............................................. 57
FIGURA 3 - Representações de transmissibilidade e prevenção das IST e do
HIV/Aids................................................................................................... 82
FIGURA 4 - Representações sobre risco e educação preventiva para as IST e
HIV/Aids................................................................................................... 94
QUADRO 1 - Identificação dos homens entrevistados: perfil, comportamento
social e sexual, local da entrevista (Continua).......................................... 48
QUADRO 1 - Identificação dos homens entrevistados: perfil, comportamento
social e sexual, local da entrevista (Conclusão)........................................ 49
QUADRO 2 - Identificação das mulheres entrevistadas: perfil, comportamento
social e sexual, local da entrevista (Continua).......................................... 50
QUADRO 2 - Identificação das mulheres entrevistadas: perfil, comportamento
social e sexual, local da entrevista (Conclusão)........................................ 51
QUADRO 3 - Representações sobre o HIV/Aids de grupos populacionais:
origem da aids, exposição ao risco e percepção do próprio risco
- literatura e PESSOAS.............................................................................106
QUADRO 4 - Representações sobre o HIV/Aids de grupos populacionais:
HIV/Aids – doença, sinais e sintomas, consequências da doença
e sociais - literatura e PESSOAS..............................................................107
QUADRO 5 - Representações sobre o HIV/Aids de grupos populacionais:
transmissibilidade e prevenção - literatura e PESSOAS...........................108
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 10
2 OBJETIVO................................................................................................... 24
3 REFERENCIAL TEÓRICO ...................................................................... 26
4 METODOLOGIA........................................................................................ 37
4.1 Referencial Teórico-Metodológico............................................................. 37
4.2 Percurso Metodológico................................................................................ 40
4.2.1 Aprovação dos Comitês de Ética e Financiamento..................................... 41
4.2.2 Sujeitos e Cenário do Estudo........................................................................ 42
4.2.3 Método de Análise das Entrevistas............................................................... 44
5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ..................................... 47
5.1 Participantes................................................................................................. 47
5.2 Construção das Categorias ......................................................................... 54
5.2.1 Representações sobre as IST e o HIV/Aids ................................................. 56
5.2.1.1 O sexo e as IST.............................................................................................. 57
5.2.1.2 O segredo sobre “determinados” assuntos .................................................. 70
5.2.1.3 Reconhecimento das IST e do HIV/Aids ..................................................... 73
5.2.2 Representações de Transmissibilidade e Prevenção das IST e do
HIV/Aids ....................................................................................................... 82
5.2.2.1 Sexo e preservativos..................................................................................... 83
5.2.2.2 Transmissão pelo contato com sangue ........................................................ 90
5.2.2.3 Outras formas de transmissão para as IST e o HIV/Aids........................... 92
5.2.3 Representações sobre Risco e Educação Preventiva para as IST
e HIV/Aids..................................................................................................... 94
5.2.3.1 Risco face às IST e o HIV/Aids.................................................................... 94
5.2.3.2 Percepção da educação preventiva...............................................................101
5.3 Síntese das Representações sobre HIV/Aids dos Entrevistados
do Projeto PESSOAS e de Outros Grupos Populacionais.......................106
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................111
REFERÊNCIAS...........................................................................................115
APÊNDICES E ANEXOS...........................................................................124
Introdução
10
1. INTRODUÇÃO
A síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) é caracterizada pela diminuição drástica das
células CD4 do sistema imune do organismo humano, tornando-o susceptível a diversos
microorganismos oportunistas e a certos tipos de câncer. A infecção foi identificada, pela
primeira vez, em 1981, nos Estados Unidos, quando surgiram os primeiros casos de
pneumonia por Pneumocostis carinii e de sarcoma de Kaposi em homens que fazem sexo com
homens, bissexuais, hemofílicos e usuários de drogas injetáveis (BRASIL, 2005).
O agente etiológico, um retrovírus, foi isolado, pela primeira vez, em 1983, pelo francês Luc
Montaigner e pelo norte-americano Robert Gallo, sendo denominado vírus HIV (Human
Immudefifiency Virus).
O vírus se espalhou rapidamente pelo mundo, com alta letalidade, tomando proporções de
pandemia e acometia homens que fazem sexo com homens e, também as demais pessoas
consideradas marginalizadas, como trabalhadoras do sexo. A infecção limitava-se a grupos
populacionais específicos, chamados de “grupos de risco”, o que dava a ilusão de segurança e
imunidade aos demais grupos populacionais.
No Brasil, os primeiros casos foram identificados em 1982, na região sudeste, sendo
relacionados à contaminação fora do país. Considerando a história natural da doença,
acredita-se que a introdução do vírus HIV, no país, ocorreu no início da década de 1970 e que
sua difusão se deu, inicialmente, nas principais áreas metropolitanas do sudeste brasileiro,
seguida de um processo de disseminação para as diversas macrorregiões (BRASIL, 1999a).
O passar dos anos trouxe à tona a verdadeira face da infecção. Primeiramente, confirmou-se a
transmissão do HIV nas transfusões de sangue, alterando-se o mito de um risco restrito a
determinados grupos. Ao mesmo tempo, convivendo de perto com o risco de se infectarem, os
sujeitos pertencentes aos chamados “grupos de risco” travavam uma batalha na proteção de
seus corpos e de seus parceiros, tendo promovido algumas alterações em seus
comportamentos, logo no início da epidemia, como a adoção do uso de preservativos nas
relações sexuais. Casos da doença foram sendo detectados na população, em geral, entre
11
adultos, adolescentes e recém-nascidos, desvelando-se riscos também para homens e
mulheres, com parceiros sexuais estáveis e heterossexuais (BRASIL, 2005).
Cada vez mais, mulheres, jovens e crianças foram infectados pelo HIV, indicando a direção
da epidemia e estabelecendo novas concepções, tais como “situações de risco” e
“comportamentos de risco” em detrimento do conceito “grupos de risco”. Isso implicaria,
posteriormente, numa concepção mais abrangente de vulnerabilidade
1
diante da aids.
A divisão de DST/Aids do Ministério da Saúde foi criada em 1986, com posicionamento dos
governantes em relação à infecção. Até o final da década de 1980, havia pouco conhecimento
sobre a patogênese e a história da infecção pelo HIV, o que condicionava e limitava a atenção
aos portadores e doentes de aids ao tratamento das infecções oportunistas (BRASIL, 2005).
A zidovudina (AZT) surgiu em 1987 e foi a primeira droga para combate ao vírus. Nos anos
seguintes, novas pesquisas de antirretrovirais (ARV) abrem perspectivas para o tratamento da
aids. No final da década de 1990, as pessoas infectadas passam a contar com mais
medicamentos que melhoram suas condições e aumentam seu tempo de vida.
Nos anos subsequentes, inicia-se o Programa de Controle de DST/Aids com distribuição de
ARV com base na “Lei Sarney” 9.313/86, realização de carga viral para o HIV, contagem
de células CD4, além do projeto para "Desenvolvimento de Serviços de Assistência aos
pacientes com HIV/Aids", incluindo as modalidades assistenciais: Serviços de Assistência
Especializada (SAE), Hospital-Dia (HD), CTA (Centro de Testagem Anônima) e Assistência
Domiciliar (BRASIL, 2005).
A introdução das potentes drogas ARV na prática clínica e as profilaxias primárias para
infecções oportunistas diminuiram a letalidade e a morbidade da infecção, tornando-a um
agravo crônico controlável e não aparente, mas com a mesma capacidade de transmissão. Os
serviços de referência têm visto sua demanda aumentar, em virtude, principalmente, das novas
1
O significado do termo vulnerabilidade refere-se à chance de exposição das pessoas ao
adoecimento, como resultante de um conjunto de aspectos que, ainda que se refiram imediatamente
ao indivíduo, recoloca-o na perspectiva da dupla-face, ou seja, o indivíduo e sua relação com o
coletivo. Deve ainda incorporar o contexto como lócus de vulnerabilidade, o que pode acarretar maior
suscetibilidade à infecção e ao adoecimento e, de modo inseparável, à maior ou menor
disponibilidade de recursos de todas as ordens para a proteção das pessoas contra as enfermidades
(AYRES et al., 1999).
12
tendências epidemiológicas da infecção pelo HIV/Aids como a heterossexualidade, a
feminilização, a juvenilização e o aumento da transmissão vertical (BRASIL, 2008a).
Mesmo com o enfrentamento da epidemia pela Saúde Pública do Brasil, dados de 2008
mostram uma estimativa de infecção pelo HIV acima de 500 mil pessoas, com distribuições
diferentes entre os sexos, faixas etárias e classes sociais, mas presente em toda a sociedade
indiscriminadamente (BRASIL, 2008a).
O agravante quadro de tendências alerta para a vulnerabilidade de alguns grupos da
sociedade. Exemplo disso são as pessoas com transtornos mentais que vivem a realidade de
uma sociedade excludente que os isola e estigmatiza. A organização da assistência
psiquiátrica passa, atualmente, por mudanças com o objetivo de melhorar a qualidade de vida
dessas pessoas e promover sua reinserção na sociedade, o que é resultado de luta legítima e de
longos anos no Brasil. Porém, um efeito não esperado pode ser o de deixar pessoas com
transtornos mentais mais expostas aos demais agravos em saúde, caso não haja uma
organização que permita a educação dos pacientes para uma vida saudável. O risco de se
infectar pelo HIV é de todos, e, mais elevado, em populações vulneráveis socialmente, como
pessoas com transtornos mentais.
Constata-se que pouco se conhece, no Brasil, sobre a vida e a saúde dessas pessoas, fora da
abordagem psíquica dos transtornos mentais. Considerando-se sua volta ao convívio social, a
preocupação é maior com relação ao adoecimento físico a que estarão sujeitas como quaisquer
outras pessoas.
As novas propostas de assistência à pessoa com transtorno mental foram iniciadas para
rechaçar o tratamento de exclusão conferido no passado, derivado de processo histórico
político-econômico não só brasileiro.
O conceito de loucura sofreu modificações ao longo dos anos, devido às formas de se
perceber a loucura e as maneiras de se lidar com o louco e de se cuidar do louco, que
variavam de acordo com as políticas econômicas e sociais de cada época. O que se tem hoje
foi alcançado com o avanço do saber, a especialização dos profissionais para o cuidado, as
novas substâncias farmacológicas para controle dos agravos, bem como as mudanças
nas
representações sobre a doença e os doentes presentes na sociedade.
13
Inicialmente, na Grécia Antiga a loucura foi considerada algo positivo, um privilégio, sendo o
delírio uma possibilidade de se ter acesso à verdade divina. Os loucos não eram considerados
normais ou iguais, mas portadores de uma desrazão que precisava ser mantida à distância,
separando-se o sagrado das experiências terrenas (SILVEIRA; BRAGA, 2005). Não existiam,
no entanto, procedimentos e espaços sociais destinados especificamente aos loucos. Eram
vistos como um problema privado ou familiar e não como um problema social. O poder
público interferia apenas quando se envolviam assuntos ligados ao direito, como invalidação
ou anulação de casamentos por enlouquecimento de um dos cônjuges ou proteção de
patrimônio de indivíduos insanos perdulários (RESENDE, 1990). As representações sobre o
louco se organizaram, portanto, em torno do misticismo, tendo como mito fundador a idéia de
loucura igual à desrazão e, por isso mesmo, a representação de exclusão se erige também
desde o início, mesmo sendo o louco considerado um problema do mundo privado, familiar.
Na Idade Média, com o Cristianismo, a loucura afastou-se dessa experiência mística
“positiva”, caminhando para uma direção oposta, passando a representar não o divino, mas o
símbolo do Mal. Muitas vezes, havia a tentativa de tratar a doença mental por meio de rituais
religiosos de exorcismo realizados por padres, beatos ou membros da nobreza, considerados
homens santos. Porém, os portadores de distúrbios mais graves ou os loucos mais agressivos
eram flagelados, acorrentados e submetidos a jejuns prolongados, sob a justificativa de
estarem possuídos pelo demônio (VIANNA; FREITAS, 2007). A loucura passa a ser
representada como perigosa e intrinsecamente ligada às forças demoníacas, o que mantém as
representações de desrazão, ligadas ao misticismo religioso da época, um problema
compartilhado com o grupo social religioso, mas fator de exclusão.
A partir do século XIV, no Renascimento, a filosofia escolástica e religiosa foi substituída
pela retomada de princípios racionalistas na observação e descrição das doenças mentais,
opondo-se ao misticismo religioso característico do período medieval. A transição do sistema
feudal para o capitalista provocou mudanças na organização da sociedade: as cidades
cresceram, aumentou-se a concentração da população, surgiram problemas sanitários, novas
relações de comércio foram estabelecidas e, com isso, acentuaram-se as diferenças sociais e a
segregação do “louco” (VIANNA; FREITAS, 2007).
14
O advento do mercantilismo, o fim do campesinato como classe social e o declínio dos ofícios
artesanais elevaram a loucura à categoria de problema social, tornando-se corrente a
representação do louco como ser improdutivo, portanto excluído da sociedade (RESENDE,
1990).
No momento em que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza,
da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se ao grupo;
no momento em que começa a inserir-se no texto dos problemas da cidade,
ela designa um evento decisivo. As novas significações atribuídas à
pobreza, a importância dada à obrigação do trabalho e todos os valores
éticos a ele ligados determinam a experiência que se faz da loucura e
modificam-lhe o sentido (FOUCAULT, 1978: p.78).
Os loucos que não tinham família para deles se ocupar foram condenados ao isolamento,
sendo recolhidos em hospitais gerais. Eram instituições com características asilares,
destinadas a receber pessoas pobres, portadoras das mais diversas moléstias. Esses locais de
isolamento reservados aos doentes mentais eram redutos dos miseráveis sem famílias, não
havendo preocupação com terapêutica ou cuidados médicos, sendo sua contribuição sanear as
cidades de mendigos e anti-sociais em geral, oferecer trabalho aos desocupados, punir a
ociosidade e reeducar para a moralidade mediante instrução religiosa e moral (MIRANDA,
1994). Os demais loucos ficavam sob a responsabilidade de suas famílias.
A psiquiatria surgiu no século XVIII, quando a loucura passou a ser percebida como um
fenômeno que requeria um saber específico e a ser considerada como doença mental,
necessitando de conhecimentos médicos. Nesse momento, os loucos eram representados como
seres perigosos e inconvenientes, incapazes do conhecimento sobre si mesmos e sobre sua
doença, ficando o especialista a cargo desse saber (SILVEIRA; BRAGA, 2005). Fez-se
necessário o surgimento do hospital como “espaço terapêutico”, com delimitações físicas,
vigilância e registros constantes, tornando-se um mundo à parte com institucionalização das
relações exercidas e afastando o indivíduo de suas relações exteriores (SILVEIRA;
BRAGA, 2005).
No Iluminismo a loucura tem um contorno nosológico e excludente que traz:
a passagem de uma visão trágica para uma visão crítica. A primeira permite
que a loucura seja inscrita no universo de diferença simbólica e se permita
um lugar social reconhecido no universo da verdade, enquanto a visão
15
crítica organiza um lugar de encarceramento, morte e exclusão para o louco
(AMARANTE, 1995: p.24).
A representação, erigida com o passar dos tempos, estabelece-se como central a partir dessa
época: o louco é um alienado social e, portanto, não pode viver com as pessoas “comuns”,
“normais”.
Durante o século XIX, as grandes descobertas científicas influenciaram o conhecimento sobre
a loucura e seus tratamentos. Aos poucos, o que era considerado doença moral passou,
também, a ter uma concepção orgânica. As técnicas de tratamento usadas pelos que
defendiam teorias organicistas eram as mesmas empregadas pelos adeptos do tratamento
moral
2
, todas com explicações e justificativas fisiológicas para sua utilização (VIANNA;
FREITAS, 2007). Junto às demais representações já existentes sobre a loucura, outra se
inscreve: a de disfuncionamento fisiológico, uma doença do corpo. A medicina torna-se a
instituição que representa o poder sobre a situação de doença mental.
O século XX foi caracterizado como um momento de reação a essa nosografia, e a nova
abordagem considerou as doenças mentais como síndromes semiológicas ou evolutivas,
indicando etiologias diversas. Surgiram, também, as idéias de Freud (1856-1939) e Pierre
Janet (1859-1947) que colocavam a “possessão” do neurótico como uma possessão pelo
automatismo inconsciente e pelas pulsões inconscientes reprimidas. Os chamados doentes
mentais continuavam assistidos em regime hospitalar fechado, como instituições de separação
concreta entre o real do “lado de fora” e a loucura reprimida e controlada do “lado de dentro”
(VIANNA; FREITAS, 2007).
Foi no período pós-guerra, sobretudo na segunda metade do século XX, que surgiram os
movimentos reformistas da psiquiatria, com questionamentos quanto ao modelo
hospitalocêntrico, apontando para a necessidade de reformulação desse espaço e colocando
em questão o aparato médico psiquiátrico e as instituições a ele relacionadas (SILVEIRA;
BRAGA, 2005).
2
Pinel descreve o tratamento moral como sendo uma forma de “subjugar e dominar o alienado,
colocando-o em uma estreita dependência de um homem que, por suas qualidades físicas e morais,
seja próprio a exercer sobre ele uma autoridade irresistível e a mudar a cadeia viciosa das suas
idéias” (PINEL, 1800, p.59 citado por RICCIARDI, 2002).
16
Tais discordâncias foram também influenciadas pela carência de mão de obra para o trabalho,
sobretudo na Europa Ocidental, ao término da Segunda Grande Guerra. Assim, há uma
tendência à transformação do hospício em um espaço terapêutico com política de portas
abertas para diminuir o isolamento do doente internado. Em meados de 1950, os psiquiatras
iniciaram o uso de novos medicamentos, os neurolépticos, que permitiram o controle de
muitos distúrbios mentais (VIANNA; FREITAS, 2007).
A partir dos anos de 1960, um novo modelo de assistência, com foco na prevenção dos
agravos, atuando em fatores que podem interferir no bem-estar das pessoas, é pensado como
proposta de reformulação para a assistência psiquiátrica. Silva Filho (1990) considera que
esse modelo permitiu uma racionalização dos serviços psiquiátricos, o que levou à diminuição
do número de internações hospitalares e do tempo de permanência dos doentes nos hospitais.
Com isso, desenvolveram-se a assistência ambulatorial e modalidades alternativas de atenção
e reabilitação de pacientes crônicos, o que não aconteceu no Brasil.
No país, o processo histórico das formas de se lidar com a loucura teve algumas
diferenciações do cenário europeu, desde o início, uma vez que, aqui, foram buscados a
exclusão social e o confinamento dos considerados loucos, apesar das representações se
estabelecerem de forma quase hegemônica no mundo.
A chegada da família real, no início do século XIX, proporcionou várias mudanças sociais e
econômicas. Para ordenar o crescimento das cidades e das populações, foram tomadas
medidas de controle, como a criação de espaço que recolhesse das ruas os que ameaçavam a
paz e a ordem sociais (AMARANTE, 1995).
A instituição psiquiátrica brasileira buscou remover, excluir, abrigar, alimentar, vestir e tratar
o doente mental recolhido, mas o realizado estava centrado, com maior firmeza, em ações de
remoção e exclusão, sem grande preocupação com as demais ações (RESENDE, 1990).
Inicialmente, pessoas com transtornos mentais foram recolhidas nas Santas Casas de
Misericórdia e, posteriormente, em Hospitais Psiquiátricos do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Esses hospitais caracterizavam-se pela utilização do trabalho de pacientes, representado como
um recurso terapêutico, mas, sobretudo, esse trabalho contribuiu para diminuir as despesas do
Estado no custeio do hospício:
17
Fica claro que o indigente, o pobre e o marginal, considerados como
infratores de uma norma social de conduta, deveriam agora se redimir
trabalhando, não para sua melhora em verdade, mas sim em favor do Estado
(MAGRO, 1992, p.40).
Nessa época se implantou, no país, uma política de construção de colônias agrícolas também
para atender a demanda do incipiente capitalismo brasileiro. Buscava-se, com essa proposta,
recriar o ambiente rural e recuperar o paciente pelo trabalho agrícola para devolvê-lo à
comunidade como cidadão útil.
No entanto, apesar de a lavoura cafeeira exportadora exigir mão de obra, observou-se que o
hospício não teria condições de ofertar indivíduos eficientes e disciplinados para tal dinâmica.
Fracassado em seus objetivos, o hospital agrícola caracterizava-se como ambiente propício à
exclusão do doente do convívio social.
Ao fim da década de 1950, a população de internos nos hospícios não cessou de crescer e
mais hospitais foram criados. Mesmo com a administração exercida por médicos, havia maus
tratos, superlotação, deficiência de pessoal capacitado e ausência de assistência eficiente.
Nos anos de 1960, surgiram denúncias sobre a precariedade da assistência prestada aos
doentes mentais no Brasil, a desestruturação dos serviços e as más condições de vida dentro
das instituições psiquiátricas. As representações sobre a loucura foram se cristalizando na
idéia de que o louco é um ser menor que deve ser excluído porque perigoso, sobretudo o
pobre. Esse era o paradigma da assistência.
Na década de 1970, surgiu o movimento da Reforma Sanitária que trouxe, entre outras, a
proposta de democratização da saúde no país. O direito à saúde foi visto, então, como um
direito humano e de cidadania, sendo que o Estado deveria assegurar, com as políticas
econômicas e sociais, os meios para que os indivíduos tivessem acesso aos bens e serviços
que lhes assegurassem a saúde (ACÚRCIO, 2002; AMARANTE, 1995; BRASIL, 2002).
Uma das principais influências deste movimento veio das experiências da Antipsiquiatria e da
Reforma Psiquiátrica Italiana, que teve como idealizador o psiquiatra Franco Basaglia. Seus
questionamentos não eram somente em relação à instituição hospitalar psiquiátrica, mas
quanto aos saberes psiquiátricos que embasavam as práticas terapêuticas e o conceito de
18
doença mental. Franco Basaglia entendeu a doença como uma construção nas relações entre o
indivíduo e as instituições primárias, tais como família, trabalho, escola, etc (AMARANTE,
1995).
Franco Basaglia esteve no Brasil, no final da década de 1970, visitou instituições psiquiátricas
e teve importância histórica com a divulgação de seu trabalho realizado na Itália. Sua postura
crítica em relação ao tratamento asilar possibilitou o desenvolvimento de uma nova
perspectiva para as práticas profissionais, organização dos serviços e abordagem do processo
de saúde-doença, na área da saúde mental (DALLA VECCHIA; MARTINS, 2006).
A Reforma Psiquiátrica surgiu nesse bojo, caracterizada por uma nova consciência contra a
exclusão do louco, propondo a humanização dos hospitais psiquiátricos, bem como o
desenvolvimento de práticas assistenciais renovadas.
Porém, essa nova consciência não era de todos, estava presente entre alguns trabalhadores da
saúde, políticos e intelectuais sem atingir a sociedade de forma mais abrangente. Como
quebrar paradigmas anteriores de assistência, com representações tão fortalecidas
socialmente?
Alverga e Dimenstein (2006, p.15) colocam em discussão a reforma psiquiátrica com seus
desafios de superação de modelo, afirmando que a desinstitucionalização requer:
uma complexidade de fatores administrativos, financeiros, organizacionais,
técnicos, afetivos, subjetivos, enfim, uma gama de questões que estão no
socius articuladas com a produção de formas de vida em sociedade,
especificamente outros modos de existência.
Com o processo de renovação da assistência, iniciou-se a discussão sobre a reintegração dos
loucos à sociedade. Tal reinserção remete ao pleno direito dessas pessoas à autonomia,
cidadania, ao convívio social com a necessidade de trabalhar, poder acumular bens, relacionar
com as demais pessoas, ter filhos e formar famílias.
Dentre todos esses aspectos, a condução das relações afetivas e sexuais entre as pessoas com
transtornos mentais torna-se um ponto importante de discussão, considerando o risco de
19
infecções sexualmente transmissíveis IST e aids
3
a que estão expostas. A ocorrência dessas
doenças persiste na população em geral e pode ser ainda maior nesses sujeitos, por sua
condição clínica e psíquica.
Aliado a isso, é importante lembrar que a sexualidade dos loucos e os comportamentos
relativos a ela foram, também, negados, negligenciados ou marginalizados pela “antiga
assistência psiquiátrica”. Tais representações podem explicar a ainda presente negação,
negligência e discriminação da sexualidade dessas pessoas pelos serviços de saúde no Brasil
(FREITAS et al., 2008).
Enfatizando esse passado, o estudo de Engel (1998-1999) apresenta teses do século XIX e
início do século XX sobre a psiquiatria, em que os principais sintomas para diagnósticos de
doenças mentais eram os comportamentos sexuais considerados anormais, fossem na
exacerbação ou na ausência do desejo buscando, sempre, os desvios. Esse autor, citando
Teixeira Brandão (1888), afirma que há:
...profunda proximidade entre a loucura e as anomalias do instinto sexual,
definidas como a diminuição ou ausência, o exagero (veemência ou
insaciabilidade) e a perversão (ou aberração) do apetite sexual. O excesso, a
falta e/ou a perversão constituíam, portanto, os elementos básicos que
definiam os limites extensos e incertos das anomalias sexuais. Note-se,
entretanto, que os alienistas trataram de definir também, e talvez de um
modo até mais claro e inequívoco, os limites da normalidade das práticas
sexuais, circunscritas, concomitantemente, ao prazer moderado e à
finalidade reprodutora (ENGEL, p. 560, 1998-1999).
O mesmo autor avalia a relevância da sexualidade das pessoas com transtornos mentais,
relembrando as primeiras experiências de esterilização de indivíduos diagnosticados como
degenerados, realizadas na Suíça:
[...] com assentimento próprio, da família, e das autoridades, havia uma
mulher de 25 anos “epilética e ninfomaníaca”, uma outra de 36 anos, “pobre
de espírito e sujeita a crise de agitação e excitação sexual”, e um homem de
32 anos, “homossexual, recidivista e extramoral” (DR. RENATO KEHL,
1921, p.152, citado por ENGEL, 1998-1999).
3
As Infecções Sexualmente Transmissíveis, Doenças Sexualmente Transmissíveis, ou ainda,
doenças venéreas, são definidas por infecções transmitidas por relação sexual desprotegidas, com
parceiro infectado. São elas: Sífilis, Cancro Mole, Candídiase, Herpes Simples Genital, Gonorréia,
HPV, Linfogranuloma Venéreo Inguinal, Pediculose do púbis, Hepatites B e C, Aids, Vaginoses,
Molusco Contagioso (BRASIL, 2008c).
20
Estudos atuais demonstram que a sexualidade de pessoas com transtorno mental não se
diferencia da sexualidade das demais, mas que essas pessoas apresentam risco de adoecimento
pelas IST e aids maior que o do restante da população (BRASIL, 2008b; COURNOS, 1991,
1997; OLIVEIRA, 1998; WILSON; DONENBERG, 2004).
Em relação a essa vulnerabilidade, Oliveira (1998) afirma que algumas situações próprias do
doente mental podem deixá-lo mais exposto ao HIV. Cita, dentre elas: a dificuldade de se
manter união estável; encontrar-se social e economicamente em desvantagem; ser vítima de
abuso sexual; estar com o juízo crítico prejudicado, principalmente nos surtos psicóticos;
hipersexualidade; impulsividade e baixa auto-estima; além de hospitalizações frequentes que
expoem os pacientes a parceiros desconhecidos. A autora coloca, ainda, que, em grande
parcela das instituições, a sexualidade dos usuários é desconhecida e sua atividade é
formalmente proibida. Diante dessa proibição, criam-se restrições ao acesso aos preservativos
e às informações específicas, acarretando falta de suporte das instituições às iniciativas,
mesmo que pontuais, de prevenção (CARVALHO et al., 2004).
Uma gama de artigos científicos publicados nos Estados Unidos (GRASSI, 1996; SACKS et
al., 1990; VOLVAKA et. al., 1992) mostra a vulnerabilidade desses pacientes às IST e,
especialmente ao HIV/Aids, considerando que as próprias condições de vida e da
subjetividade dos sujeitos usuários dos serviços psiquiátricos constituem, em si mesmas,
situações de vulnerabilidade à infecção pelo vírus (ROCHA, 2002).
As taxas de prevalência entre pacientes psiquiátricos, incluindo drogaditos, alcoolistas,
presidiários, moradores de rua, homo ou bissexuais são superiores às registradas para a
população em geral, com as taxas mais elevadas sendo registradas quando estão associadas a
mais de um comportamento ou situação de risco.
Em trabalhos publicados entre 1991 a 1994, com pesquisas variando de 90 a 971
pacientes, as taxas de prevalência oscilaram entre 0,0 a 22,9%, com máximo de 41% na
presença de riscos associados, sendo que apenas 15 a 50% dos pacientes HIV positivos
tinham conhecimento de sua situação sorológica (GRASSI, 1996; SACKS et al., 1990;
VOLVAKA et al., 1992).
21
Em recente estudo quantitativo sobre as IST e aids em pacientes acompanhados em serviços
públicos de saúde mental do Brasil, dentro do Projeto PESSOAS - Pesquisa em
Soroprevalência de Aids na Saúde Mental, do qual o presente estudo faz parte, foi verificada a
prevalência de 0,8% para o HIV, sendo que a estimativa para a população brasileira, segundo
o Ministério da Saúde, é de 0,6%. Também foram pesquisadas as soroprevalências para o
HBsAg, Anti-HBc, Anti-HCV e sífilis que foram, respectivamente, 1,64%, 14,7%, 2,63%, e
1,12% (GUIMARÃES et al., 2007).
Este foi o primeiro estudo de soroprevalência no país, que mostra também outros problemas
relacionados aos pacientes em saúde mental, tanto no que se refere às dificuldades para o
acompanhamento e a prevenção desses e de outros agravos no âmbito da atenção em saúde
mental, como na organização dos serviços.
A prevenção em IST e HIV/Aids e o acompanhamento de pessoas com transtornos mentais
infectadas aparecem como um problema relevante de saúde pública. Seu enfrentamento
requer que se conheçam bem as representações dessas pessoas acerca dessas doenças e suas
formas de prevenção. Considera-se que a compreensão das representações de pessoas com
transtornos mentais acerca das IST e do HIV/Aids contribua para se construir novas
abordagens em relação à prevenção e às intervenções que estejam mais próximas da realidade
desses sujeitos.
Percebe-se que as pessoas com transtornos mentais podem ter entraves sociais, familiares e
pessoais que as afastam de uma capacidade plena de vivência sexual saudável. Essas
limitações podem trazer consequências importantes na prevenção, auto-cuidado e cuidado
com os outros, no dia-a-dia dos pacientes. Porém, não se conhece o que eles pensam sobre os
agravos em questão, quais representações têm sobre a infecção pelo HIV e aids e as IST, e se
elas são as mesmas de outros grupos sociais.
Portanto, para este estudo, a questão principal é: as representações acerca das infecções
sexualmente transmissíveis IST e do HIV/Aids em pessoas com transtornos mentais são as
mesmas da população em geral?
Pressupõe-se que as representações sobre as IST e o HIV/Aids das pessoas com transtornos
mentais possam ser diferentes daquelas da população em geral. Espera-se que os resultados
22
deste estudo possam contribuir com a reflexão sobre as maneiras de organizar a atenção
integral em saúde, para este grupo considerado vulnerável socialmente.
23
Objetivo
24
2 OBJETIVO
Compreender representações de pessoas com transtornos mentais acerca do HIV/Aids e das
infecções sexualmente transmissíveis, comparando-as com aquelas dos demais grupos
populacionais apresentadas na literatura.
25
Referencial Teórico
26
3. REFERENCIAL TEÓRICO
As IST têm grande importância ao se observar que tratam de um expressivo problema de
saúde pública, por apresentarem significativa magnitude e transcendência, com importantes
impactos sobre a saúde individual e coletiva. Entre algumas consequências para as IST e,
principalmente, considerando-se a sífilis, hepatites B e C e o HIV, estão relacionadas maiores
incidências de morbidade perinatal, mortalidade infantil, doenças neurológicas, câncer
hepático e maiores possibilidades de interações entre outras IST com o HIV.
Muitos são os estudos publicados com achados relevantes acerca do pensamento social sobre
o HIV, a infecção e a epidemia de aids (ALVES, 2003; ANDRADE; NÓBREGA-
THERRIEN, 2005; BARBARÁ et al., 2005; CAMARGO, 2000, 1998; DAMASCENO et al.,
2009; FLORES-PALACIOS; LEYVA-FLORES, 2003; GIACOMOZZI, 2004;
GIACOMOZZI; CAMARGO, 2004; GIAMI; VEIL, 1997; GIFFIN, 1994; HERZLICH;
PIERRET, 1988; JODELET, 2001; JOFFE, 1998a; OLIVEIRA et al., 2006; THIENGO et al.,
2005; PAILLARD, 1993; PARKER, 2000; PINTO et al., 2007; SONTAG, 1989; TRONCA,
2000). A introdução e a disseminação do vírus pelo mundo influenciaram os modos de pensar
e agir das pessoas, no que se refere a sua própria sexualidade e, também, a do outro, tendo
sido, inclusive, suporte para reforçar o estigma e a discriminação de alguns grupos da
sociedade.
Historicamente, o HIV/Aids teve relevância como um novo agravo de caráter epidêmico no
contexto mundial, com consequências no âmbito social, econômico e político, provocando a
construção de representações que se organizaram em torno de conceitos e preconceitos na
sociedade, presentes ainda hoje, após quase 30 anos do início da epidemia.
Jodelet (2001) afirma que a aids foi a primeira doença cujas histórias, médica e social, se
desenvolveram juntas. Mídia e sociedade apropriaram-se do mal desconhecido e estranho,
sendo que o que se sabia sobre a transmissão da doença e de suas vítimas favoreceu a eclosão
de duas concepções: uma do tipo moral e social, outra do tipo biológico, com influência de
cada uma delas sobre os comportamentos, nas relações íntimas ou com os infectados pela
doença. A falta de informação e a incerteza da ciência contribuíram para que tais
27
representações que circulavam entre as pessoas ou distribuíam-se pela dia se tornassem
verdades e justificativas para se julgarem os outros.
Para Barbará et al. (2005), a aids, como um fenômeno social, provoca ameaças e enigmas que
podem desencadear um processo de elaboração, em planos individual e coletivo, de teorias
que combinam valores, crenças, atitudes e informação, construindo as representações, em
forma de afirmações, metáforas e atitudes na sociedade.
Dessa forma, Sontag (1989) coloca que a aids representou, para a população em geral, mais
que uma morbidade, ocupando, inclusive, o lugar injurioso do câncer, chamado de “mal do
século” XX, e se tornou a doença mais estigmatizante da sociedade.
Esse início de apropriação da infecção pela sociedade criou diversas denominações, que por si
só fizeram aumentar o preconceito em relação aos acometidos pelo HIV, entre as quais
“pneumonia dos homossexuais”, “peste gay” e “câncer gay”. Mesmo a ciência tendo criado
um termo científico, considerado neutro, para designar a doença, aspectos pejorativos
continuaram a ser associados ao novo vocábulo. É importante ressaltar que a mídia da época
continuou associando aids e homossexualidade, o que contribuiu significativamente para a
disseminação e o enraizamento dessa relação no imaginário da sociedade (HERZLICH;
PIERRET, 1988).
A construção social da aids foi norteada por idéias de morte e promiscuidade, existindo um
“grupo de risco” com vítimas inocentes (exemplo dos hemofílicos) e outros de culpados
(prostitutas, homossexuais e viciados em drogas), criando o termo “aidético” para identificar
essas pessoas anormais”, que fogem dos códigos morais estabelecidos (BARBARÁ et al.,
2005). Essas representações foram disseminadas mundialmente, possibilitando uma falsa idéia
de segurança ou “imunidade” às demais pessoas frente ao vírus HIV.
Os primeiros anos da epidemia de aids, no Brasil, foram marcados pela forma alarmista e
sensacionalista adotada pelos meios de comunicação em sua divulgação, reforçando as
representações sobre a doença de “grupo de risco”, “doença de gay” e doença “do outro”.
Para Camargo (2000), as representações sociais da epidemia de HIV/Aids têm relevância no
modo como se age diante dela e das formas de realizar a prevenção. Tais representações são
28
ancoradas no preconceito, medo e intolerância da sociedade ante o desconhecido, podendo
estar fundadas, principalmente, no início de sua disseminação na comunidade considerada
“marginal”.
Tronca (2000) apresenta, em estudo sobre textos literários, um paralelo entre o imaginário
social da lepra e da aids, referindo imagens semelhantes de ambas, cada uma em seu momento
histórico, envolvendo “a raça, a geografia e a sexualidade”.
No Brasil, os estudos com enfoque psicossociológicos tratando especificamente das
representações sociais acerca da aids datam de fins dos anos de 1980, tendo a enfermagem
uma importante contribuição para a construção desse conhecimento. Oliveira et al. (2006), em
estudo sobre as publicações brasileiras acerca do HIV/Aids entre 1980 a 2005, afirmam que a
epidemia repercute em diferentes aspectos do processo de trabalho e no cuidado prestado às
pessoas pela enfermagem, consistindo, portanto, em uma temática de significativo interesse
para essa profissão.
Giami e Veil (1997) discutem, em estudo das representações de profissionais de enfermagem
e de serviço social sobre o HIV/Aids, que essas duas áreas de conhecimento são campos de
importância estratégica para a sensibilização à informação científica e técnica, no contato com
pessoas portadoras do vírus e com os sintomas produzidos, além de contar com experiências
acumuladas com a ação desse cuidado desde o início da epidemia. Para esses autores, as
representações são atitudes explicitadas nos modos de cuidar e de promover prevenção, as
quais estão presentes entre profissionais de saúde.
A construção do conhecimento acerca do HIV/Aids, não na área da enfermagem,
possibilitou uma aproximação desse objeto, impulsionando melhoras nas formas de se lidar e
de se cuidar dos sujeitos infectados com o HIV, ao mesmo tempo em que foram evoluindo
também o acompanhamento e o tratamento com antirretrovirais, contribuindo
significativamente para a qualidade de vida e possibilitando planejamentos futuros para os
infectados, o que não era possível no passado.
Barbará et al., (2005) colocam que, no início da disseminação do vírus HIV, a pessoa
infectada vivenciou um duplo sofrimento: estar acometido por uma nova doença com clara
perspectiva de morte, além de se tornar socialmente excluído. Tal situação trazia, ainda,
29
transtornos econômicos, uma vez que as comorbidades e seu tratamento geravam dificuldades
para o desempenho das atividades cotidianas, como por exemplo, as de trabalho remunerado
(BRASIL, 2005).
Parker (2000) discute a epidemia de HIV/Aids como um conjunto de epidemias com crises
múltiplas, que atinge diferentes grupos e setores da população em geral, que se “sobrepõem
ou se entrelaçam” para moldar o HIV/Aids da sociedade.
Joffe (1998a), em estudo de 1990 com jovens sul-africanos e britânicos, apontou que os
entrevistados acreditavam que infectados pelo HIV/Aids assim se encontravam por terem
cometido práticas sexuais “aberrantes” e pecaminosas. Referiam-se, ainda, a certa
possibilidade de o surgimento da infecção dever-se a “rituais experimentais em laboratório”.
A promiscuidade e a falta de higiene também apareceram, reforçando as representações de
práticas individuais do “outro” como geradoras da doença. Dessa forma, a aids apareceu
representada na responsabilidade e culpabilidade de determinados grupos sociais, que não
aquele do qual “eu” faço parte, sendo doença do “outro”, sendo esses “outros” perigosos. Por
isso, conclui que considerar a infecção como responsabilidade do “outro” protege, de certa
forma, as pessoas, sobretudo, por criar um distanciamento da situação ameaçadora.
Camargo (1998) coloca, também, essa ligação entre aids e comportamento perigoso, o que
para Sontag (1989) pode ser encarado como algo mais do que mera fraqueza, uma
“irresponsabilidade” e “delinquência” do próprio indivíduo, considerado viciado em
substâncias ilegais, ou de uma sexualidade distinta, e, em ambos os casos, gerando estigma.
No que concerne à sexualidade dos infectados, há uma exacerbação de conotação moralista de
um “sexo descontrolado”, sendo colocado como “a grande causa do mal”. Dessa forma, o
sexo que, historicamente, se apresenta como um risco para a manutenção de normas e valores
estabelecidos nas sociedades tem, com o HIV, um reforço para as concepções de vilão e
ameaça para a continuidade da humanidade (BARBARÁ et al., 2005).
Joffe (1998b) coloca que, para a compreensão da formulação das representações sobre o
HIV/Aids, deve ser considerada a influência das emoções, dentre elas, medo, ansiedade e
impotência diante ao agravo e que, essas emoções são coletivas e não individuais, produtos de
representações surgidas historicamente. Corroborando tal afirmação, encontram-se os escritos
30
de Paillard (1993) sobre o medo da epidemia, do incontrolável e da indignidade que deixa
cada sujeito e a coletividade à mercê do risco. Oltramari e Camargo (2004) afirmam que essas
representações estarão em consonância com os conhecimentos que cada grupo elabora, por
meio das relações sociais e de comunicação, historicamente, por objetos simbólicos.
Em estudo de Thiengo et al. (2005) com 15 adolescentes soropositivos e soronegativos sobre
representações sociais do HIV/Aids, esta é considerada uma doença ruim, que não tem cura e
mata, apresentando sintomas de emagrecimento, queda de cabelo e manifestações
dermatológicas. O aparecimento desses sintomas concretiza a condição de soropositividade
que, por sua vez, é associada à morte. Além disso, para esses adolescentes, viver com aids
seria algo insuportável, que provoca a vontade de se matar devido ao desespero e a uma vida
sem sentido, além da possibilidade de discriminação e preconceito. Para esses adolescentes, a
aids foi considerada, desde seu surgimento, uma doença perigosa, que gera dúvidas, medo e
insegurança acerca da aceitação social. Além disso, gera dificuldades para os relacionamentos
interpessoais, fazendo com que os soropositivos prefiram manter o segredo a respeito de sua
condição de infectado.
Em estudo de Flores-Palácios e Leyva-Flores (2003) com um grupo de jovens mexicanos (16
a 23 anos), as representações da aids mostram associação com sexo, doença e morte. A
transmissão e a prevenção estão vinculadas ao contato com vírus, sexo e uso de preservativos.
Porém, os autores verificaram uma atitude ambivalente desses jovens em relação à prevenção
do HIV, pois se consideram somente “meio responsáveis” por uma possível infecção, uma vez
que situações de violência, transfusão sanguínea e seringas infectadas estão fora de seu
controle. Além disso, o uso de preservativos foi mais associado à prevenção de gravidez do
que das IST.
Oltramari e Camargo (2004), em estudo com profissionais do sexo, descreveram
representações da aids como uma ameaça generalizada e que está próxima de todas as
pessoas. Além disso, as entrevistadas relacionam suas atividades profissionais à aids.
preocupação das entrevistadas com o uso de drogas, principalmente de bebidas, porque as
fazem perder o controle da situação, pois, conforme elas, muitas vezes, durante o
relacionamento, os clientes retiram o preservativo sem a profissional perceber.
31
Parker (2000) aponta que a epidemia tem seu enfoque na população mais marginalizada da
sociedade, que vive situações de “violência estrutural”, devido a pobreza, racismo,
desigualdade de gênero, opressão sexual e exclusão social de um modo geral.
Em relação ao gênero, alguns estudos discutem uma maior vulnerabilidade para as mulheres,
por se apresentarem socialmente em desvantagem econômica e cultural. Além disso, a
incidência de HIV/Aids tem aumentado entre indivíduos com relações heterossexuais estáveis
e em regime de conjugalidade, tendo as mulheres, em sua maioria, se infectado pelo HIV por
intermédio do parceiro.
Em estudo de Giacomozzi e Camargo (2004) sobre as representações sociais de mulheres com
parceiro fixo acerca da sexualidade e prevenção a aids, foi explicitado que as mulheres têm
conhecimento da doença e são informadas a respeito de práticas preventivas, mas não fazem o
uso de proteção em seu relacionamento conjugal, por terem sentimento de segurança no
casamento e confiança em seu parceiro. Além disso, elas se percebem mais seguras que outras
pessoas que não têm um relacionamento fixo, estando, portanto, mais expostas ao vírus HIV.
Em estudo de Giacomozzi (2004), houve comparação de representações de mulheres com e
sem parceria fixa, sendo que as representações para as primeiras reiteram as encontradas no
estudo anterior, e as mulheres sem parceria fixa apresentam representações que compreendem
maior vulnerabilidade frente ao HIV utilizando o preservativo em suas relações sexuais.
Um levantamento de Giffin (1994) sobre violência de gênero, sexualidade e saúde, o autor
coloca que, para os homens, as mulheres, em geral, dividem-se entre “virtuosas” e “perdidas”,
sendo que as “mulheres perdidas” existem somente à margem da sociedade “respeitável”. A
virtude da mulher está em não sucumbir às tentações sexuais e aceitar sua subserviência ao
sexo masculino. O autor coloca ainda que as mulheres sofrem também com as agressões
sexuais. Vítimas de abusos sexuais podem apresentar alguns problemas relacionados à saúde,
tais como: presença de IST, gravidez indesejada, aborto espontâneo, dor pélvica crônica, dor
de cabeça, problemas ginecológicos, abuso de álcool e drogas, comportamentos danosos à
saúde (fumar, sexo inseguro); aleijamento parcial ou permanente, depressão, ansiedade,
disfunção sexual, desordens da alimentação, problemas ltiplos de personalidade,
comportamento obsessivo compulsivo, suicídio e homicídio (GIFFIN, 1994).
32
Os homens, em relação à própria sexualidade, posicionam-se claramente sobre uma maior
necessidade de variedade sexual e de quantidade de relações, o que é colocado por Giddens
(1993) como uma crença de manutenção da saúde física masculina. O mesmo autor coloca
que é tradicionalmente aceitável o envolvimento de homens em encontros sexuais múltiplos
antes do casamento.
Estudo de Andrade e Nóbrega-Therrien (2005), com homens heterossexuais, discutiu as
representações apreendidas sobre sexualidade e vulnerabilidade ao HIV, revelando que a
sexualidade é representada como sexo e que sexo é considerado incontrolável nos homens por
uma condição natural. Apesar de se colocarem como vulneráveis e ancorarem a aids à morte,
ela aparece distante do cotidiano real. O uso da camisinha aparece como uma saída para a
prevenção, mas revela-se um processo doloroso e difícil, pois interfere no prazer sexual.
Estudo de Alves (2003), sobre as concepções de homens rurais residentes na zona da mata
pernambucana acerca de práticas sexuais e a prevenção de DST/aids, mostrou que a primeira
relação sexual tem caráter de aprendizado, sendo marcada, por vezes, pela violência. Os
homens fazem distinção entre mulheres “de casa e da rua”, reconhecem o desejo feminino e
valorizam a reciprocidade nas relações sexuais, diferenciando o sexo que se faz com distintas
categorias de mulheres. Alguns homens relatam experiências homossexuais na adolescência,
atribuídas à imaturidade e que não afetam a identidade heterossexual. O uso do preservativo é
percebido negativamente, sendo inconstante e irregular, com o conhecimento da parceira. As
DST são pouco temidas ao passo que a aids é associada à morte, com os entrevistados não se
vendo em risco de contraí-la.
Sobre as demais IST (hepatites virais e sífilis), os estudos encontrados apresentam
representações parecidas com as acima mostradas para o HIV/Aids, no que se refere ao medo
de contraí-las e à prevenção difícil. É o caso de estudo realizado com gestantes acerca das
DST e aids, no qual as representações sociais expressas por evocações são de: camisinha,
coceira, corrimento, prevenção, relação, dor e doença. Além dessas representações, foram
associados aspectos psicológicos ancorados nas palavras apoio, arrependimento, discrição,
medo, pavor, horror, insegurança, cuidado, perigo, rejeição e solidariedade (DAMASCENO
et al., 2009).
33
Em relação às hepatites virais, do tipo B ou C, em estudo de Tura et al. (2008) com
profissionais de saúde, encontraram-se representações sociais centrais de “doença” e
periféricas de “contágio”, “saneamento”, “sexo”, “tratamento”, “morte”, “cuidado”, “dieta”,
“tipos”, “vigilância” e “repouso”. Além disso, as hepatites são ainda associadas a riscos de
transmissão por água contaminada, promiscuidade sexual e transfusão sanguínea. Os autores
destacaram, na análise dos resultados, a contradição entre teoria e prática, com ressalva para a
fragmentação da formação dos profissionais de saúde.
Em relação às pessoas que apresentam algum tipo de transtorno mental, os resultados de
alguns estudos com esses sujeitos mostram que, de forma geral, apresentam maior
vulnerabilidade para as IST e HIV/Aids, mas não estudos específicos sobre os modos de
pensar/agir desses sujeitos, a partir de seus próprios relatos.
Cournos e Mckinnon (1997) apontam que, embora a infecção pelo HIV tenha aparecido nas
pessoas com transtorno mental no início da epidemia, investigações sistemáticas foram
iniciadas somente após 1990, em parte devido a falsa premissa sobre sexualidade, em relação
as múltiplas hospitalizações, necessidade da manutenção da medicação e severas
desabilidades funcionais, além de diminuição da atividade sexual.
No Brasil, tal situação foi demonstrada com dados do eixo quantitativo do Projeto PESSOAS,
no qual pessoas com transtorno mental acompanhadas em serviços públicos foram testadas
para HIV/Aids, hepatites B e C e filis. Os resultados mostraram que a soroprevalência para
essas infecções é mais elevada que na população em geral (GUIMARÃES et al., 2007).
Em relação ao gênero, as mulheres que apresentam doenças mentais foram consideradas, no
estudo de Weinhart et al. (1998), com maior chance para o risco de infecção pelo HIV. Em
geral, mulheres doentes mentais têm baixo acesso às oportunidades de emprego e renda, além
de acesso limitado aos cuidados adequados de saúde. Tendem a viver em ambientes com altas
taxas de crime e uso de drogas e são mais susceptíveis do que as mulheres da população geral
a envolvimentos em relações de abuso físico e sexual. Além disso, os resultados indicam que,
tanto homens quanto mulheres, apresentam-se mais preocupados com uso de drogas, crime,
discriminação, problemas financeiros e gravidez do que com a aids.
34
Vários estudos avaliados por McKinnon et al. (2002), em revisão de literatura de incidência
de IST e HIV/Aids entre pessoas com transtornos mentais severos, referem altas taxas desses
agravos nessa população, além de apresentarem comportamento sexual de risco e uso de
drogas. Dessa forma, os autores consideram que seja uma população em vulnerabilidade,
necessitando de intervenções específicas para realização do cuidado. Nessa mesma vertente,
estudo sobre as publicações da América Latina realizado por Carvalho et al. (2004) também
aponta as pessoas com transtorno mental com alto grau de vulnerabilidade para as DST e
HIV/Aids, porém existindo entre elas uma distorção da percepção para o risco de infecção,
além de dificuldades de adoção de medidas preventivas e de acesso ao tratamento quando
infectadas.
Artigo de Perry e Wright (2006) compara a sexualidade de pessoas com problemas mentais
graves com a população em geral de dois institutos, um de referência em saúde mental e o
outro em saúde geral, dos Estados Unidos, investigando as diferenças entre comportamento e
identificando fatores que influenciam a vivência da sexualidade nesses dois grupos.
Os resultados mostraram que uma amostra significante dos pacientes da saúde mental é do
sexo masculino, com menor escolaridade, mais velhos, solteiros e sem parceiros fixos. A
maior duração dos relacionamentos, na amostra, é de três meses. Segundo os autores, os
fatores que influenciam a atividade sexual nas pessoas portadoras de doenças mentais são os
mesmos na população em geral: estado civil, sexo, anos de escolaridade, religião. Porém, os
resultados sugerem uma importante diferença nas formas de relacionamentos das pessoas com
doenças mentais graves e da população em geral, pois as primeiras não possuem parcerias
fixas e as segundas, em geral, tem pelo menos uma.
Estudo de Cournos (1991) apresenta a vulnerabilidade de pacientes psiquiátricos crônicos as
IST, uma vez que o contato sexual é presente. Um total de 44% de pacientes esquizofrênicos
manteve contatos sexuais nos seis meses anteriores à pesquisa; 62% informaram múltiplos
parceiros; 12% lembraram contato sexual com pessoa infectada pelo HIV ou usuária de
drogas injetáveis; 50% praticaram sexo por dinheiro, droga ou bens; 22% dos contatos foram
homossexuais e o uso do preservativo era incorreto ou raro.
Estudo de Wilson e Donenberg (2004), com adolescentes em cuidados psiquiátricos para
discussão da comunicação sobre sexualidade e risco com seus pais, mostra que o
35
desenvolvimento de programas de prevenção e intervenção para a aids, direcionados a esses
pacientes, é um importante passo para impedir a disseminação da infecção. Esse grupo está
em maior risco que os demais adolescentes por ser ativo sexualmente, ter múltiplos parceiros
e fazer menor uso de preservativos. O estudo mostra que existe, também, dificuldade para os
pais dialogarem com frequência com seus filhos sobre as relações sexuais, o que contribui
para aumentar o risco. Estudo etnográfico, com enfoque nos profissionais dos serviços de
referência em saúde mental, acerca da sexualidade de pessoas com transtornos mentais e do
HIV/Aids, realizado em duas instituições de referência em saúde mental do Estado do Rio de
Janeiro (PINTO et al., 2007), mostrou que os profissionais de saúde consideram a sexualidade
dos pacientes como sendo exacerbada, apresentando uma “hipersexualidade” pertencente ao
quadro da doença, e afirmam ser “um problema (...) dentro das instituições”. Também, há
profissionais dentro das instituições que entendem a sexualidade dos usuários como algo
normal, inerente ao ser humano. Para os pacientes, as relações sexuais mantidas nas
enfermarias é algo primitivo e vazio de afeto.
Essas representações persistem em formas de tabus, mitos, esteriótipos e preconceitos em
relação às pessoas com transtornos mentais e podem impedir que os profissionais de saúde
acolham diferenças de forma solidária e apresentem cuidados integrais, que incluam o direito
desses sujeitos a relações afetivas e sexuais plenas e saudáveis.
36
Metodologia
37
4 METODOLOGIA
O presente estudo inscreve-se no âmbito da pesquisa qualitativa, tendo como referencial
teórico-metodológico a teoria das representações sociais (TRS). Moscovici (1978) e Jodelet
(1998), entre outros, enfatizam o significado das representações como fenômeno psicossocial
arraigado no espaço blico e nos processos pelos quais o indivíduo desenvolve uma
identidade social, cria símbolos e abre-se para a diversidade de um mundo coletivo. Os
significados são explorados por um grupo social transformam-se, tornam-se subjetivados e
são expressos nas atitudes, palavras e ações nas relações com os outros. As representações
são, portanto, sempre, sociais e são práticas e discursos sobre os objetos (GIAMI; VEIL,
1997).
Tal perspectiva não busca, portanto, um conhecimento para ser universalizado como regra,
mas o aprofundamento das particularidades e singularidades da experiência social dos sujeitos
participantes (FREITAS, 1998).
Neste estudo apresentam-se os dados abordados nas questões subjetivas e de contexto sócio-
cultural, expressas pelos sujeitos participantes da pesquisa.
4.1 Referencial Teórico-Metodológico
Segundo Freitas (1998), os estudos sociológicos com base na compreensão das representações
mostram-se importante instrumento para o conhecimento das relações sociais e de sua
interação com o objeto pesquisado. Como toda teoria, possibilita a formulação de métodos
para se aprofundar o conhecimento sobre a realidade.
Para as pessoas com transtornos mentais, as representações são apropriadas dentro das
limitações próprias ao tipo de agravo, mas estão sempre presentes nas formas de se lidar com
a prevenção e o controle da aids.
38
Conforme Moscovici (1978, p.31), idealizador da teoria, entendem-se as representações
como:
Um conjunto de conceitos, preposições e explicações originado na vida
cotidiana no curso de comunicações interpessoais. Elas são o equivalente,
em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades
tradicionais; podem também ser vistas como a versão contemporânea do
senso comum.
Outros estudiosos trazem também importantes contribuições para facilitar a compreensão
dessa teoria. Jodelet (2001, p.22) define as representações como “uma forma de
conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, que tem um objetivo prático e concorre
para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. Essa modalidade de
conhecimento particular tem por função a adoção de comportamentos e a comunicação entre
pessoas de modo a conferir sentido e a assegurar a participação de sujeitos na sociedade.
Contudo, esse processo de representação não se caracteriza por uma simples incorporação do
real. Segundo Moscovici (1978, p.58):
Representar uma coisa [...] não é, com efeito, simplesmente duplicá-la,
repeti-la ou reproduzi-la, é reconstruí-la, retocá-la, modificar-lhe o texto. A
comunicação que se estabelece entre o conceito e a percepção, um
penetrando no outro, transformando a substância concreta comum, criam a
impressão de realismo.
Assim, o processo de uma representação vai do percebido ao concebido, existindo, entre um e
outro, o representado, ou seja, o significado, o sentido conferido ao objeto pelo sujeito que
nele se inclui.
Ainda segundo Moscovici (1978), podem ser identificados dois processos geradores de
representações, por meio dos quais se podem apreender como o social transforma um
conhecimento em representação e como a representação transforma o social. Para isso, ocorre
a imbricação e a articulação entre a atividade cognitiva e as condições sociais em que se
processam as representações. Trata-se dos processos de ancoragem e objetivação.
O primeiro, ancoragem, é o “processo que transforma algo estranho e perturbador, que nos
intriga, em nosso sistema particular de categorias e o compara com um paradigma de uma
categoria que nós pensamos ser apropriada” (MOSCOVICI, 2003, p.61). uma integração
cognitiva do objeto representado com o pensamento social pré-existente e com as
39
transformações dele decorrentes. Inclui, então, ações mentais que aproximam objetos
estranhos ao individuo, pois coisas não classificadas, que não possuem nomes, são estranhas e
não existentes; por isso mesmo, são ameaçadoras (MOSCOVICI, 1978; 1996; 2003).
O outro processo, chamado de objetivação, consiste em “transformar algo abstrato em algo
concreto, transferir o que está na mente em algo que existia no mundo físico” (MOSCOVICI,
2003, p.61). Trata-se de uma operação em que se a união da “idéia de não familiaridade
com a realidade”, e esta “torna-se verdadeira essência da realidade” (MOSCOVICI, 2003,
p.71). Por esse processo, ocorre uma forma de corporeidade do objeto abstrato, passando esse
objeto, como tal, a ocupar lugar no espaço.
Todo ato de representar vincula-se sempre a um sentido simbólico, havendo, em qualquer
representação, participação desses dois processos, uma vez que a objetivação é possível
graças ao processo de ancoragem. A formalização definitiva desses processos objetivação e
ancoragem – dá-se pela transformação do não-familiar em familiar.
O acesso às representações permite trazer à tona alguns elementos importantes para a
compreensão das construções sociais e da apropriação que o sujeito faz dessas construções,
uma vez que a representação de um objeto é resultado de um conjunto de informações,
crenças, opiniões e atitudes, constituindo um sistema sócio-cognitivo específico, não havendo
separação absoluta entre o sujeito e o objeto do conhecimento.
No campo as saúde, a TRS tem uma relação histórico-lógica, pois foi em torno das questões
ligadas à saúde psíquica e física que esse campo de estudo foi elaborado (JODELET, 1998).
Oliveira, Siqueira e Alvarenga (2000, p.187) afirmam que:
Pensar em um novo projeto para a saúde implica em conhecer a diversidade
de ações necessárias para abordar o sujeito coletivo. Essa é uma função de
todos e tem seu inicio no reconhecimento da distância entre representações
sociais, práticas cotidianas e do conhecimento científico constituído.
Para transformar uma realidade, temos de pensar em suas expressões objetivas e subjetivas,
uma vez que as estratégias de intervenção em saúde são realizadas por indivíduos que
representam a realidade e que agem de acordo com suas representações do real e do possível.
Mudar as ações do homem implica transformar suas representações. Esse processo não se dá
40
apenas com a evolução científica, mas como resultado de um processo ativo no qual “as
realidades” são reconstruídas em um contexto de associações e de valores (OLIVEIRA;
SIQUEIRA; ALVARENGA, 2000).
Giami (2007) afirma que a ciência é influenciada por estereótipos, citando os casos das
inovações científicas e médicas em sexologia comprometidas pelos estereótipos de gênero,
por exemplo. Pode-se, então, afirmar a existência de um processo de transformação de certas
representações e concepções, científicas ou não, em teoria científica que poderá ser utilizada
posteriormente pelo senso comum, e vice-versa.
Assim, as representações estão presentes nas falas e nas práticas das pessoas, servem de guia
ou de defesa para suas condutas, têm conteúdo de justificação ou de interpretação dos fatos,
acontecimentos e sentimentos que as envolvem, além de se configurarem como um sistema
“pronto para pensar”, “pronto para sentir”, como o prêt-à-porter na moda (GIAMI; VEIL,
1994).
A construção desse pensar implica reconhecer, ainda, as práticas em saúde não mais como
derivações puras do conhecimento científico e sua expressão no cotidiano dos serviços, mas
como um trabalho solidário, coletivo e multiprofissional.
Para Jodelet (2001), o estudo das representações como teoria e opção metodológica está em
expansão, uma vez que possibilita a apreensão de processos e mecanismos pelos quais o
sentido do objeto em estudo é construído pelos sujeitos concretos, em suas relações
cotidianas.
4.2 Percurso Metodológico
O estudo apresentado faz parte do eixo qualitativo da “Pesquisa em soroprevalência da aids na
Saúde Mental” Projeto PESSOAS - realizado pelo GPEAS, Grupo de Pesquisa em
Epidemiologia e Avaliação em Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
Minas Gerais.
41
O Projeto PESSOAS contou, também, com um eixo quantitativo, de corte transversal,
realizado entre junho e setembro de 2006, que determinou prevalências de infecção pelo HIV,
sífilis e hepatites B e C em uma amostra de pacientes internados em hospitais psiquiátricos ou
em atendimento nos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) e Centros de Referência em
Saúde Mental (CERSAM), cadastrados junto ao Ministério da Saúde até janeiro de 2004.
Foram coletados dados sobre a atenção à saúde, características comportamentais e o perfil
sócio-demográfico dos participantes, retrospectivamente, por meio de entrevistas; foram
coletadas informações sobre dados clínicos obtidos dos prontuários e características dos
serviços por meio de entrevistas realizadas com profissionais responsáveis pelos centros
participantes.
Para o quantitativo, foi definida amostra estratificada por região do país (Norte, Nordeste,
Centro-Oeste, Sul e Sudeste) com partilha proporcional de acordo com a distribuição de casos
de aids notificados até dezembro de 2003, e com o tipo de atendimento (hospitais e CAPS).
Fez-se seleção aleatória de centros e de participantes, o que resultou na realização de coleta de
dados em 26 centros e 2.238 pessoas entrevistadas (BRASIL, 2008b).
Para o eixo qualitativo aqui discutido, os serviços foram escolhidos pela facilidade de acesso
dos pesquisadores e considerando que a representatividade desse tipo de pesquisa está na
saturação de conteúdos e não na distribuição espacial no país.
4.2.1 Aprovação dos Comitês de Ética e Financiamento
O estudo teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas
Gerais, ETIC 125/03 (ANEXO A) e do Comitê Nacional de Ética em Pesquisa CONEP
592/2006 (ANEXO B), pela realização em caráter nacional do Projeto PESSOAS.
O projeto teve financiamento do Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde,
por meio de recursos provenientes da UNESCO, com o número 91BRA3014.
42
4.2.2 Sujeitos e Cenário do Estudo
Foram entrevistadas 39 pessoas acompanhadas em serviços públicos de saúde mental,
hospitalizados ou em acompanhamento ambulatorial. As entrevistas eram previamente
agendadas por um responsável pelo campo da pesquisa, obrigatoriamente, um profissional do
serviço. Para inclusão no estudo observaram-se os seguintes critérios: sujeitos fora de crise e
em condições de manter diálogo com o pesquisador, além de aceitar participar da parte
quantitativa do estudo.
Os serviços de saúde escolhidos foram:
a) Dois hospitais psiquiátricos de Belo Horizonte, referências para o Estado de Minas
Gerais: Hospital Galba Veloso e Instituto Raul Soares;
b) Centro de Referência em Saúde Mental de Betim (CERSAM Cezar Campos),
localizado no Bairro Citrolândia em Betim, Minas Gerais. O serviço funciona no
conjunto da Colônia Santa Izabel, antigo serviço de atendimento e moradia dos
pacientes hansenianos de Minas Gerais;
c) Centro de Atenção Psicossocial do Carmo (CAPS Carmo), localizado em Carmo, no
Estado do Rio de Janeiro.
Anteriormente ao agendamento da entrevista, os sujeitos eram informados sobre o estudo,
pelos profissionais de saúde que os acompanhavam nos tratamentos e eram avaliados
clinicamente para se definir a possibilidade de sua participação na pesquisa.
Antes de iniciar a entrevista, os participantes foram informados dos riscos e benefícios da
pesquisa, com os devidos esclarecimentos sobre seus objetivos e finalidades, lembrando a
importância da preservação do sigilo e respeito à vulnerabilidade desse grupo. Após os
esclarecimentos, deram-se a leitura e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, conforme Res. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (APÊNDICE A).
A coleta dos dados deu-se em duas partes. A primeira consistiu na obtenção de dados
objetivos dos entrevistados, como: idade, situação conjugal, renda, etc, seguindo roteiro
previamente elaborado (APÊNDICE B); e a segunda, de entrevista aberta, em profundidade,
com as questões propostas e de relance para esclarecimento de algumas situações ou
43
contextos. As questões eram pertinentes ao tema, obrigatoriamente gravadas e os principais
temas abordados foram: acompanhamento psiquiátrico, história de vida, relações afetivas e
sexuais, infecções sexualmente transmissíveis e aids, risco e prevenção a agravos. Esse
encontro ocorreu em sala reservada, preservando a intimidade dos sujeitos. Foi realizada,
também, busca dos dados objetivos da vida do sujeito, histórico e contexto da doença mental e
de vida, no prontuário, para esclarecimentos das situações narradas.
Não foi definido a priori o número de participantes, sendo o critério para suspensão da coleta
de entrevistas o de saturação dos dados, pela repetitividade e exaustividade dos significados
em torno dos temas tratados. Para isso, a cada entrevista, os pesquisadores foram realizando a
leitura do texto transcrito e prévia análise do conteúdo, confirmando saturação após 20
entrevistas em Minas Gerais e após 10 no Rio de Janeiro. Durante a coleta das primeiras
entrevistas, duas foram descartadas porque em uma delas houve interrupção depois de o
entrevistado solicitar que não se usasse gravador, o que dificultaria a análise, e outra porque a
gravação ficou inaudível. Em seguida, incluíram-se mais 11 entrevistas, sendo todas
realizadas em Belo Horizonte, para se confirmar a saturação e a fidedignidade dos dados,
totalizando, portanto, 39 entrevistas analisadas.
Para fins de comparação, foram coletados dados sobre representações sociais de outros grupos
populacionais sobre a aids, nas seguintes bases: Pubmed/Medline (Literatura Internacional
em Ciências da Saúde), Scientific Electronic Library Online - Scielo e Literatura Latino-
Americana e do Caribe em Ciências da Saúde - Lilacs, considerando que são as maiores bases
disponíveis na área da saúde para o Brasil.
Para a busca foram utilizados os seguintes descritores, combinados ou não, aceitos pelas bases
consultadas: Aids, Doenças Sexualmente Transmissíveis, HIV, HIV/Aids, Pesquisa
Qualitativa, Representação Social, Saúde, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Foram
analisados resumos ou artigos completos pertinentes ao tema.
44
4.2.3 Método de Análise das Entrevistas
A análise estrutural de narração proposta por Demazière e Dubar (1997) foi utilizada para o
procedimento de análise do material coletado nas entrevistas dos participantes da pesquisa.
Segundo Barthes, tudo em uma narrativa tem significado e, portanto:
Compreender uma narrativa não é apenas acompanhar o desenrolar
da história, é também reconhecer “estágios”, projetar os
encadeamentos horizontais do “fio” narrativo sobre o eixo
implicitamente vertical; ler (ouvir) uma narrativa não é apenas passar
de uma palavra para outra, é também passar de um nível a outro
(BARTHES, 2001, p.112).
Desse modo, por mais completa que seja uma análise do conjunto vertical do discurso, para
ser eficiente, faz-se necessário realizá-la horizontalmente, uma vez que o sentido não está
‘no fim’ da narrativa, ele a perpassa” (BARTHES, 2001, p.112). Para apreender o significado,
o sentido de uma fala, que se desconstruir o discurso, pois, na fala das pessoas, estão
registradas as suas histórias, percepções e explicações acerca do mundo (DEMAZIÈRE;
DUBAR, 1997).
Considera-se que as representações são significantes e estão estreitamente ligadas aos
fenômenos da comunicação, construindo-se e reconstruindo-se na atividade discursiva do
sujeito (DEMAZIÈRE; DUBAR, 1997). Nessa mesma vertente, Anadon e Machado (2001,
p.55) afirmam que é “pela linguagem que os indivíduos constroem o sentido de suas práticas e
de seus discursos em meio à heterogeneidade social”.
Ressalta-se, ainda, que a análise estrutural de narração valoriza a teia de construção
argumentativa do sujeito e não somente ilustrações ou partes consideradas pertinentes ao
objeto em questão. Tudo tem importância na narração, fazendo com que as representações se
explicitem na análise pelos fatos narrados, nas explicações e julgamentos sobre eles. O
sujeito, ao narrar, está interpretando o mundo, com disjunções e conjunções, explicitando
coerências e contradições sobre os objetos apresentados.
Para identificar as representações nas entrevistas, a proposta de análise estrutural é dividida
em três etapas, sendo que as duas primeiras foram organizadas utilizando-se o software
45
NVivo©. Cada entrevistado recebeu um pseudômino, escolhido por cada um ou pelo
pesquisador, e uma numeração em ordem crescente, como por exemplo, E1, E2, E3
(APÊNDICE C), para organização do banco de dados e apresentação dos resultados.
A primeira etapa do trabalho correspondeu à análise de cada entrevista, separadamente. Nessa
etapa, o primeiro momento é o de “leitura vertical” (BLANCHET; GOTMAN, 1992),
buscando o sentido global de cada uma quando também noções e palavras que chamam a
atenção são marcadas, permitindo conhecer o “tom” da entrevista e indicar temas presentes.
Num segundo momento, chamado “leitura horizontal” (BLANCHET; GOTMAN, 1992) o
conjunto do texto foi numerado em sequências, fazendo surgir os enunciados que explicitam o
campo de significados para a pessoa que fala em torno de cada objeto do discurso (FREITAS,
1998). Segunda a mesma autora, esses objetos encontram-se, obviamente, espalhados ao
longo da fala, pois esse processo é sempre de idas e vindas para apresentá-los e justificá-los.
Em seguida, os objetos e suas explicações foram reagrupados, reorganizando-se as sequências
por temas, na totalidade do relato, tentando-se encontrar, acompanhar e reproduzir o trabalho
de categorização que o próprio entrevistado realizou. Esta organização permite, assim,
recuperar a complexidade das experiências dos entrevistados, numa leitura horizontal, e os
enunciados são categorizados em suas similitudes e diferenciações, nas disjunções e
conjunções apresentadas. Essa fase resultou em síntese de cada entrevista, chamada de
“reconstrução dos dados”, para explicitação do conteúdo de cada entrevista.
A segunda etapa do trabalho consistiu em encontrar o que é comum e discordante no conjunto
de entrevistados, para agrupar e categorizar os significados explicitados, numa leitura
chamada de “transversal” por Blanchet e Gotman (1992). Nessa etapa, desvelaram-se as
representações dos entrevistados sobre os objetos pesquisados, como o HIV/Aids e as IST,
suas formas de contágio, prevenção, adoecimento, entre outras.
Para o fechamento do trabalho de interpretação dos dados, foi realizada análise dos bancos
bibliográficos da área da saúde, identificando representações encontradas por outros
autores, em estudos com outros grupos populacionais. Passou-se, então, à terceira etapa, que
se pode chamar de teorização, na qual as categorias surgidas na análise das entrevistas foram
aprofundadas com os dados encontrados e pelas leituras e reflexões teóricas do pesquisador
(DEMAZIÈRE; DUBAR, 1997).
46
Análise e Interpretação dos
Dados
47
5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
5.1 Participantes
Foram entrevistados um total de 22 homens e 17 mulheres. Abaixo estão apresentadas os
dados sócio-demográficos e de comportamento sexual dos participantes: homens no
QUADRO 1 e mulheres no QUADRO 2.
Dos entrevistados, 10 pacientes estavam internados no Hospital Galba Veloso, nove
hospitalizados no Instituto Raul Soares, (Belo Horizonte Minas Gerais), 11 acompanhados
no CERSAM Cezar Campos (Betim - Minas Gerais) e nove no CAPS Carmo (Carmo - Rio de
Janeiro). Dez homens encontravam-se em regime de hospitalização e 12 em atendimento
ambulatorial (CERSAM e CAPS) e, dentre as mulheres, nove estavam hospitalizadas e oito
sendo atendidas ambulatorialmente.
A faixa etária dos participantes variou de 18 a 72 anos. Foram dois entrevistados com 18 e 19
anos, 11 na faixa entre 21 e 30 anos, quatro entre 31 e 40 anos, 13 participantes na faixa entre
41 e 50 anos, quatro entre 51 e 60 anos, quatro na faixa entre 61 e 70 anos e um de 72 anos de
idade. Os homens têm em média 41,9 anos, e as mulheres, 39,9 anos.
São, portanto, pessoas, em sua maioria, em faixas etárias produtivas, mas com agravos
mentais e situações sociais que interferem em suas capacidades e possibilidades de trabalho:
somente sete entrevistados disseram ter emprego” ou um “serviço”, sendo três com carteira
assinada funcionário de escritório, jardineiro e terapeuta ocupacional (que estão recebendo
benefício por afastamento devido à doença); três trabalhadores informais sucateiro,
vendedor de balas nos sinais e profissional de sexo – e um servente de pedreiro. Esses últimos
não auferem nenhum rendimento quando em crise ou hospitalizados. Dos demais, 13
participantes estão aposentados pelo INSS; dentre estes, cinco recebem ajuda do Programa
“De volta pra casa” do governo do Rio de Janeiro, e 16 estão desempregados, recebendo
algum tipo de ajuda da família (14) ou vivendo de caridade alheia (dois). Nesse último caso,
está, portanto, quase a metade dos entrevistados.
QUADRO 1
Identificação dos homens entrevistados: perfil, comportamento social e sexual, local da entrevista
(Continua)
Ident.
Idade Escolaridade
Situação
conjugal
Filhos
Mora
com
Ocupação/
rendimentos
Opção sexual
Desejo
sexual
atual
Relações
sexuais
atuais
Relações
sexuais
pagas
Violência
sexual
Uso de
drogas
lícitas e
ilícitas
Local
entrevista
E01 23
Ens. Fund.
incompleto
Solteiro Não Pais
Jardineiro/
afastado INSS
Hetero Existente Não Cliente
Sem
relato
Não Hospital
E02 27
Ens. Fund.
incompleto
Solteiro Não Irmão
Aposentado
INSS
Bissexual
Existente Sim
Cliente e
prostituto
Sofrida Sim Hospital
E03 50
Ens. Fund.
incompleto
Separado
Sim
(5)
Um
irmão
Aposentado
INSS
Hetero
Ausente Não Cliente
Sem
relato
Sim Hospital
E05 44
Ens. Univ.
completo
Casado Não Parceiro
Terapeuta
Ocupacional/
Afastado INSS
Homo (ativo
ou passivo)
Existente Sim Não Sofrida Sim Hospital
E07 52
Ens. Fund.
incompleto
Separado
Sim
(5)
Irmão
Aposentado
INSS
Hetero Ausente Não Cliente
Sem
relato
Não Hospital
E10 25
Ens. Fund.
incompleto
Solteiro Não Família Desempregado
Hetero
Existente Não Não
Sem
relato
Não Hospital
E12 30
Ens. Fund.
incompleto
Separado
Sim
(1)
Família Desempregado
Bissexual
(afirma-se
ativo e hetero)
Existente Sim
Cliente e
prostituto
Sem
relato
Sim Hospital
E15 25
Ens. Fund.
incompleto
Solteiro Não Irmão
Servente de
pedreiro
Hetero Existente Não Não Sofrida Não Hospital
E19 37 Analfabeto Solteiro
Sim
(2)
Sozinho
(apoio)
Aposentado
INSS
Hetero Ausente Não Cliente Sofrida Sim CAPS
E20 25
Ens. Fund.
incompleto
Solteiro Não Irmão
Vendedor de
doces
Hetero Existente Não Cliente
Sem
relato
Não CAPS
E22 46 Analfabeto Amigado
Sim
(3)
Parceira
Aposentado
INSS
Hetero Existente Sim Não
Sem
relato
Sim CAPS
49
QUADRO 1
Identificação dos homens entrevistados: perfil, comportamento social e sexual, local da entrevista
(Conclusão)
Ident.
Idade Escolaridade
Situação
conjugal
Filhos
Mora
com
Emprego Opção sexual
Desejo
sexual
atual
Relações
sexuais
atuais
Relações
sexuais
pagas
Violência
sexual
Uso de
drogas
lícitas e
ilícitas
Local
entrevista
E25 42
Ens. Fund.
incompleto
Solteiro Não Sozinho
Desempregado Hetero Ausente Não Cliente
Sem
relato
Sim CAPS
E26 24
Ens. Fund.
incompleto
Solteiro Não Tia Desempregado Hetero Ausente Não Não
Sem
relato
Não CAPS
E27 46
Ens. Fund.
incompleto
Separado
Sim
(3)
Irmão
Desempregado/
Benefício INSS
Hetero Existente Não Cliente
Sem
relato
Sim CAPS
E29 42
Ens. Médio
completo
Desqui-
tado
Sim
(3)
Mãe
Assist.
Administrativo/
Afastado INSS
Bissexual Ausente Não
Cliente e
prostituto
Sem
relato
Sim Hospital
E30 24
Ens. Fund.
incompleto
Solteiro Não
Mãe e
irmãos
Desempregado Hetero Existente Não Cliente
Sem
relato
Sim Hospital
E34 57
Ens. Fund.
incompleto
Solteiro
Sim
(3)
Abrigo
público
Aposentado
INSS
Hetero Existente Não Cliente
Sem
relato
Não CAPS
E35
64
Analfabeto Solteiro Não Sozinho
Aposentado/
Benefício
Hetero Ausente Não Não
Sem
relato
Não CAPS
E36 72 Analfabeto Viúvo
Sim
(3)
Sozinho
Aposentado/
Benefício
Hetero Ausente Não Não
Sem
relato
Não CAPS
E37 70
Ens. Fund.
incompleto
Solteiro Não
Abrigo
público
Aposentado/
Benefício
Homo (ativo
ou passivo)
Ausente Não Não
Sem
relato
Não CAPS
E38 44 Analfabeto Solteiro Não
Abrigo
público
Aposentado/
Benefício
Hetero Existente Não Cliente
Sem
relato
Não CAPS
E39 51
Ens. Fund.
incompleto
Solteiro Não
Abrigo
público
Aposentado/
Benefício
Hetero Ausente Não Cliente Sofrida Não CAPS
50
QUADRO 2
Identificação das mulheres entrevistadas: perfil, comportamento social e sexual, local da entrevista
(Continua)
Ident.
Idade Escolaridade
Situação
conjugal
Filhos
Mora
com
Ocupação/
rendimentos
Opção sexual
Desejo
sexual
atual
Relações
sexuais
atuais
Relações
sexuais
pagas
Violência
sexual
Uso de
drogas
lícitas e
ilícitas
Local
entrevista
E04 30 Analfabeta Solteira
Sim
(5)
Filha Desempregada Hetero Ausente Não Não Estupro Não Hospital
E06 18
Ens. Fund.
completo
Amiga-
da
Não Mãe Desempregada Hetero Existente Não Não
Sem
relato
Sim Hospital
E08 40
Ens. Fund.
incompleto
Solteira Não Família Desempregada Hetero Ausente Não Não
Sem
relato
Não Hospital
E09 19
Ens. Fund.
completo
Solteira Não Tia Prostituta Hetero Existente Sim Prostituta Sofrida Sim Hospital
E11 44
Ens. Fund.
incompleto
Casada
Sim
(2)
Marido
e filhos
Desempregada Hetero Ausente Não Não
Sem
relato
Não Hospital
E13 52
Ens. Fund.
incompleto
Separa-
da
Sim
(5)
Filhos Do lar Hetero Ausente Não Não
Sem
relato
Não Hospital
E14 22
Ens. Fund.
incompleto
Solteira
Sim
(2)
Família Desempregada Hetero Existente Sim Prostituta Sofrida Sim Hospital
E16 38
Ens. Fund.
incompleto
Separa-
da
Sim
(4)
Filho Sucateira Hetero Existente Não Prostituta Sofrida Sim Hospital
E17 47 Analfabeta Casada
Sim
(2)
Filhas e
netas
Aposentada
INSS
Hetero Existente Não Não
Sem
relato
Não CAPS
E18 42
Ens. Fund.
incompleto
Solteira
Sim
(5)
Amigos
Desempregada Hetero Ausente Não Não Sofrida Não CAPS
E21 41
Ens. Fund.
incompleto
Solteira
Sim
(5)
Filhos Desempregada Hetero Ausente Não Não Sofrida Não CAPS
E23 38 Analfabeta Solteira Não
Abrigo
público
Desempregada Hetero Ausente Não Não
Sem
relato
Não CAPS
51
QUADRO 2
Identificação das mulheres entrevistadas: perfil, comportamento social e sexual, local da entrevista
(Conclusão)
Ident.
Idade Escolaridade
Situação
conjugal
Filhos
Mora
com
Ocupação/
rendimentos
Opção sexual
Desejo
sexual
atual
Relações
sexuais
atuais
Relações
sexuais
pagas
Violência
sexual
Uso de
drogas
lícitas e
ilícitas
Local
entrevista
E24 68 Analfabeto Viúva
Sim
(7)
Filha
Aposentada
INSS
Hetero Ausente Não Não
Sem
relato
Não CAPS
E28 63
Ens. Fund.
incompleto
Desqui-
tada
Sim
(3)
Sozinha
Desempregada Hetero Ausente Não Não
Sem
relato
Não Hospital
E31 29
Ens. Fund.
incompleto
Amiga-
da
Sim
(2)
Parceiro
e filho
Do lar Hetero Existente Sim Não
Tentativa
de
estupro
Sim CAPS
E32 40
Ens. Fund.
incompleto
Solteira
Sim
(11)
Família Desempregada Hetero Ausente Não Não
Sem
relato
Sim CAPS
E33 46
Ens. Fund.
incompleto
Casada
Sim
(5)
Marido
e Filha
Do lar Hetero Ausente Sim Não
Sem
relato
Não CAPS
52
A escolaridade apresenta-se como mais um indicador da situação social de pobreza e falta de
oportunidades no grupo de entrevistados: dez afirmam ser analfabetos e um ter feito somente
o primeiro ano de escola, 11 estudaram até, no máximo, quatro anos, e 15 até, no máximo,
oito anos, não chegando à conclusão do 1º grau. Somente um entrevistado completou o ensino
médio e um tem diploma universitário. Uma diferença notável entre homens e mulheres diz
respeito à observação de um maior percentual de mulheres com mais baixa escolaridade do
que os homens, o que considerado um indicador de maior empobrecimento das mulheres. No
estudo quantitativo de amostra representativa para o Brasil, do total de 2475 participantes, a
maioria, 1733, estudou menos que oito anos e 742 estudaram mais de oito anos (BRASIL,
2008b).
Em relação à situação conjugal, 14 homens apresentam-se como solteiros, cinco são
separados ou desquitados, dois vivem maritalmente e um é viúvo, enquanto que, entre as
mulheres, 11 solteiras, sendo cinco separadas ou desquitadas, cinco vivendo maritalmente
e uma viúva. Dados do estudo quantitativo aproximaram-se deste resultado, sendo 1548
participantes solteiros ou separados e 927 com parceiro estável (BRASIL, 2008b).
Dentre os homens, 13 não têm filhos, destacando-se aqueles na faixa etária de 18 a 30 anos.
Dos nove restantes que os têm, cinco estão entre aqueles na faixa etária de 31 a 50 anos e
quatro têm entre 51 e 70 anos ou mais, sendo que, dentre eles, somente dois ainda têm contato
permanente com os filhos, mesmo não morando com eles. Tais dados traduzem as
dificuldades para se manter reunida a família quando adoecimento por transtornos mentais
graves, relatados nas entrevistas.
Dentre as mulheres, quatro não têm filhos, sendo duas na faixa etária de 18 a 30 anos. Das 13
mulheres que os têm, quatro não têm mais contato com os filhos (duas na faixa etária de 31 a
50 anos com mais de quatro filhos, uma na faixa de 51 a mais de 70 anos, com três filhos e
uma de 31 a 50 anos com dois filhos), sendo que as nove outras relatam dificuldades variadas
de interação com os filhos, sentindo, muitas vezes, falta de apoio e mesmo negligência por
parte dos que estão mais velhos. Os dados do estudo quantitativo mostraram que mais da
metade dos participantes (1438) tinham pelo menos um filho (BRASIL, 2008b).
Em relação ao comportamento sexual, 18 homens se definiram heterossexuais, sendo que um
deles manteve relações com outros homens na adolescência e dois não iniciaram prática
53
sexual com parceiro(a); três se declararam bissexuais e dois homossexuais. Em relação ao
desejo sexual, dez homens afirmaram não o ter mais, fato justificado, principalmente, pelo
efeito dos medicamentos, sendo que somente quatro estavam mantendo relações sexuais com
outras pessoas no período da pesquisa.
Dentre as mulheres, todas se declaram heterossexuais, sem relatos de homossexualidade nos
discursos, sendo que uma entrevistada nunca teve relações sexuais. Somente seis dizem ainda
sentir desejo sexual, sendo que quatro estavam mantendo relações no período da pesquisa,
entre estas, uma mantinha relações por sentir-se na obrigação do casamento, porém o
realizava sem desejo e sem gozo.
No que se refere aos diagnósticos clínicos dos entrevistados, apesar das dificuldades na fonte
de informação dos prontuários que, em alguns casos, têm até diagnósticos contraditórios em
uma mesma época de suas trajetórias de adoecimentos, pode-se afirmar que estão
principalmente relacionados a psicoses graves, esquizofrenias, transtornos afetivos e uso de
álcool e drogas.
Os diagnósticos, relacionados segundo o CID-10, apresentaram a seguinte distribuição nos
prontuários dos entrevistados:
Transtornos mentais orgânicos, inclusive os sintomáticos (F00-F09): nove citações;
Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa (F10-
F19): oito citações;
Esquizofrenias, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes (F20-F29): 24
citações;
Transtornos de humor - afetivos (F30-F39): 15 citações;
Transtorno da personalidade e do comportamento do adulto (F60-F69): três citações;
Retardo mental (F70-F79): três citações.
Os diagnósticos encontrados entre os pacientes do eixo qualitativo são semelhantes ao
encontrado na pesquisa quantitativa no Brasil, sendo a maioria dos participantes com
diagnóstico de esquizofrenia (1181), seguido de transtornos afetivos (629), transtornos por
uso de substâncias (173) e o restante em diagnósticos diversos (BRASIL, 2008b).
54
Um total de 12 entrevistados, sendo sete mulheres e cinco homens, relatou episódios de
violência sexual em algum momento da vida. Nos relatos dos homens, os abusos ocorreram
durante as internações hospitalares ou em instituições penitenciárias. A maioria das mulheres
afirmou violência por pessoas desconhecidas, mas duas relataram tentativa ou terem sido
vítimas de estupro por familiar próximo. Os dados do estudo quantitativo mostraram
frequência menor destes episódios, sendo que do total de 2475 participantes, 458 tiveram
história de violência sexual alguma vez na vida (BRASIL, 2008b).
5.2 Construção das Categorias
A peculiaridade dos sujeitos entrevistados, por serem portadores de agravos mentais, é
passível de questionamento, à primeira vista, por ser vista como empecilho para a realização
de pesquisa com uma abordagem de caráter qualitativo, fundamentada em entrevista aberta,
na qual o sujeito constrói sua narrativa da maneira que considerar mais adequada. Pode-se
dizer que nas representações sociais sobre a loucura, a pessoa com agravo mental é
considerada como alguém que tem um “desligamento do real” (AZZI, 2007) ou muitas
dificuldades de julgamento, porém, esta consideração não é admissível porque a “realidade”,
para o entrevistado, com ou sem agravos mentais, é aquilo que ele descreve, interpreta e
explica em sua narrativa, sendo, portanto, a sua “ligação com o real” e aquilo que considera
como verdade. Os entrevistados expuseram em suas narrativas, histórias e julgamentos que
têm valor para eles, e é com este respeito que suas falas foram interpretadas.
Ao se iniciar a análise, explicitou-se que suas narrativas estão estruturadas com
representações sobre os diversos objetos abordados da mesma maneira que pessoas sem
agravos mentais. O que apresentam de diferente na estruturação dos discursos, em alguns
casos, diz respeito à dificuldade de manter um mesmo fio da conversa por um período maior
de tempo e insistência na repetição de algumas afirmações, além de algumas frases
incoerentes em meio a explicações sobre o que estavam narrando. Nada disso foi empecilho
para se conhecer o que pensam sobre a infecção pelo HIV e aids, como representam esses
agravos e sua prevenção, com a finalidade de responder a pergunta central da pesquisa: as
representações são as mesmas de outros grupos da população?
55
Vale lembrar, ainda, que os sujeitos foram convidados a participar das entrevistas, após
avaliação por um profissional dos serviços públicos nos quais eram acompanhados, sob
critérios que incluíam estar fora de crise, aceitar participar, ter discernimento para
compreender os aspectos éticos e assinar o Termo de Consentimento, ter capacidade de
manter diálogo e responder as questões propostas, revivenciando suas experiências e
desvelando suas representações, especialmente sobre os objetos deste estudo, de acordo com
os critérios iniciais da pesquisa, tanto para o questionário da parte quantitativa como para a
entrevista do eixo qualitativo.
Com as leituras verticais das entrevistas, à medida que foram sendo colhidas até se atingir o
critério de saturação e não serem necessárias novas coletas, ficou clara, ainda no início, a
repetividade sobre a importância da televisão como a fonte central de construção de
representações para os entrevistados. Nos discursos, em vários momentos, surgem falas que
sugerem a orientação advinda da mídia televisiva, tais como: “vi na televisão”, “sempre se
falou sobre isto na televisão” e aprendi vendo televisão”. Tal constatação é de relevância ao
se considerar que a história da informação sobre aids, na mídia, colaborou para a construção
de representações que influenciaram o nascimento do medo da doença e de práticas
preconceituosas e estigmatizantes em relação às pessoas vivendo com HIV, mas também para
a importância do uso de preservativo, por exemplo. Isso aponta, portanto, para a importância
desse veículo, de modo geral, o qual poderá ser utilizado para reconstruir representações, que
contribuam para uma sexualidade saudável e melhor qualidade de vida para essas pessoas.
Chama a atenção, ainda, o fato de que a maioria dos entrevistados não teve acesso à educação
formal, com descrição de vários aspectos dificultadores para frequentarem instituições
escolares, além de não haver, no seio de suas famílias, pessoas que os orientassem sobre
sexualidade ou quaisquer conversas sobre intimidade e vida amorosa. Tais trajetórias sociais
talvez expliquem a recorrência de informações incorretas e de representações carregadas de
influências negativas.
Nesse mesmo sentido, vale ressaltar que a diferenciação entre infecção pelo vírus HIV e a
síndrome da imunodeficiência adquirida foi realizada por poucos entrevistados.
Da análise, surgiram três categorias relacionadas ao conhecimento das IST e da aids pelas
pessoas com transtorno mental: 1) Representações sobre as IST e o HIV/Aids; 2)
56
Representações de transmissibilidade e prevenção das IST e do HIV/Aids; 3) Representações
sobre risco e educação preventiva para as IST e HIV/Aids. Essas categorias se imbricam,
conforme FIG. 1.
FIGURA 1 – Categorias principais acerca das IST e do HIV/Aids
5.2.1 Representações sobre as IST e o HIV/Aids
Nessa categoria, foram agrupadas representações, encontradas nas narrativas, sobre o que o
as IST e a aids, a sexualidade e sua relação com esses agravos. Dividiu-se em três
subcategorias: o sexo e as IST; o segredo sobre “determinados” assuntos e reconhecimento
das IST e do HIV/Aids, conforme FIG 2.
Representações sobre
as IST e o HIV/Aids
Risco e educação
preventiva para as
IST e HIV/Aids
Transmissibilidade
e prevenção das
IST e do HIV/Aids
57
FIGURA 2 – Representações sobre as IST e o HIV/Aids
5.2.1.1 O sexo e as IST
Os discursos apresentam as formas de pensar e agir dos sujeitos com transtorno mental em
relação à sexualidade e às IST. A apresentação dessa subcategoria foi realizada por gênero,
considerando que, para homens e mulheres, o prazer, a satisfação e o desejo nas atividades
sexuais são diferenciados.
Em geral, os homens entrevistados representam a atividade sexual como algo que dá prazer e
é necessário, sem o qual não é possível viver. A iniciação sexual desses homens acontece, em
geral, na adolescência, com profissionais do sexo e quase nunca envolve relação de afeto com
a parceira, o que persiste, para muitos, ao longo da vida. A idéia de uma vida afetiva com uma
parceira torna-se uma fantasia, um desejo nem sempre realizado. Além disso, os homens
acreditam que apresentam, sempre, um número maior de parceiras sexuais, comparado ao das
mulheres, o que é reiterado por elas.
Nunca namorei, mas tenho vontade. faltando mulher (para isso), sobram
aquelas... Bruno
Eu sinto falta de vez e quando (de namorar). Aí, fica na vontade, né? Eu
pretendo arrumar outra namorada, mas está difícil! Wesley
REPRESENTAÇÕES
SOBRE AS IST E O
HIV/AIDS
O SEXO E AS IST
O SEGREDO SOBRE
“DETERMINADOS”
ASSUNTOS
RECONHECIMENTO
DAS IST E DO
HIV/AIDS
58
Tive um monte de mulheres. Era bom, mas não era de ficar apaixonado,
não. Era só sexual mesmo. Nas viagens que eu fazia. Felipe
Quando eu era solteiro, eram muitas. A gente fica sozinho... a gente diverte.
Mas não guardo quantas mulheres tive, não. Foram muitas. Quando eu era
solteiro, né? Depois eu arrumei uma namorada “séria” e tinha mais umas
seis moças. Gabriel
Tive várias mulheres. Ah, tive muitas... Eu era caminhoneiro. Pegava
muitas mulheres desses postos de gasolina. Wesley
Comecei a ter relação com 18 anos. E era com mulher da vida, mulher da
rua, lá em BH, de bordel. Walter
Eu vou dizer a verdade pra senhora. Eu comecei cedo, cedo. Eu não achava
na rua, ia pro cabaré. Com 16, 17 anos. Eu tinha uma namorada que eu ia
casar, mas procurava outras na rua. Infelizmente eu ia namorar outras
pessoas pra lá, se relacionar com outras pessoas. Eu ficava andando pela
cidade, eu me virava. Ela não sabia. Otávio
Nas relações heterossexuais, os relacionamentos amorosos dos homens entrevistados são mais
raros, o que os leva a procurar sexo em troca de dinheiro. Dos 22 entrevistados, 14 tiveram
relações sexuais com profissionais do sexo, como apresentado no QUADRO 1. A
representação da relação sexual separada da relação afetiva é a mesma da encontrada na
população em geral, o que é discutido por Andrade e Nóbrega-Therrien (2005), e Giddens
(1993) em seus estudos sobre sexualidade. Esses autores enfatizam a crença na necessidade de
múltiplos encontros sexuais pelos homens, visando variedade e quantidade de relações, sendo,
inclusive, sua sexualidade representada como fora de controle e sendo essa uma condição
natural.
Para os entrevistados que se declaram homossexuais, as relações, em geral, são descritas com
maior afetividade entre os parceiros, o que gera uma relação com mais confiança e respeito. O
relato abaixo de Isnex, 44 anos, homossexual, há 14 anos em relação estável, apresenta uma
discussão acerca do abandono dos preservativos nas relações sexuais mantidas entre os
parceiros, pela intimidade da relação:
Eu não era tão promíscuo, sabe? Eu não tinha relacionamentos muito
duradouros, mas eu gostava de estar com uma pessoa. Então tem dez, nove
anos, que eu fiz teste HIV, deu negativo, e eu já estava com meu parceiro. O
dele também deu negativo, nós fizemos um acordo entre nós. Porque a
gente se ama mesmo, isso é um fato pra gente, né? Acordo de a gente
confiar um no outro, nesse sentido. Falei então: “agora, a gente pode abrir
mão desse artefato entre nós”. Com o pacto de que se a gente fosse fazer
isso fora do nosso relacionamento, a gente iria se proteger. Uma estratégia
59
que a gente vem confiando nela. Vem confiando e respeitando. A gente se
completa bem.
Porém, segundo Guedes e Monteiro-Leitner (2007), os comportamentos relativos à
afetividade e ao apego não são diferenciados entre sujeitos vivendo relações com pessoas do
mesmo sexo e indivíduos heterossexuais. O que, em geral, pode acontecer com pessoas que
vivem um relacionamento com outra do mesmo sexo, é que tenham mais facilidade de
desenvolver “comportamentos defensivos”, para o enfrentamento de atos de intolerância
acerca de sua orientação sexual, o que reforçaria sua identidade sexual (MOHR;
FASSINGER, 2006). No caso de conjugalidade homossexual de longa duração,
possivelmente haja maior espaço para negociações em face do risco de infecção sexualmente
transmissível, como parece ser o caso do contexto do entrevistado. Autores que analisaram,
em outros contextos, a relação entre prevenção e conjugalidade, referem-se às dificuldades
dos parceiros homossexuais em falar abertamente de aventuras extra-conjugais e eventuais
esquecimentos do preservativo, além de relações de poder entre os cônjuges que dificultam a
expressão e manutenção de exigências em matéria de prevenção (COURDURIES, 2007;
BOZON; DORÉ, 2007).
Alguns entrevistados, embora afirmem desejo sexual exclusivamente por mulheres, mantêm
ou mantiveram relações sexuais com outros homens. O termo “bissexualidade” não é referido
em suas falas e, mesmo que relatem sentir prazer com pessoas do mesmo sexo, alguns não se
consideram homossexuais ou bissexuais, revelando, inclusive, preconceito em relação à
homossexualidade do parceiro. Poucos são os entrevistados que têm atividades homossexuais
como sendo fruto de desejo. A maioria das relações aqui relatadas não é realizada por desejo
sexual, mas sim por troca de algo, envolvem poder, dinheiro, momento de experiência, ou
mesmo por abuso e violência de pessoas do mesmo sexo.
Na Colônia, tive mais contatos com homem. Amigos. Minha primeira
experiência sempre foi com homens. Eu fazia com eles, era eu quem
penetrava. A gente gostava, né? Sentia bem. Eles também se sentiam bem.
Neneco
Não tenho desejo por homem, mas de vez em quando, eu com um veado
aí. Não tenho desejo por ele, é por mulher, mas fico, ganho alguma coisa.
João
Nunca tive vontade de transar com homem. Eu tive relação com homem
quando era menino ainda, com o filho do prefeito. Eu que tinha com ele, eu
60
transava com ele e gostava. Mas, ele era bicha. Até morreu de aids. Hoje
não tenho, não. De jeito nenhum! Felipe
Meu interesse mais é com mulher. Por homem, não. A não ser assim,
brincadeira de criança, coisa de criança mesmo. Que não deu em nada e que
serviu pra... pra... firmar que eu gostaria mesmo é de ter uma mulher, ser
casado, ter filhos. Nada desse tipo de homossexualismo. Tadeu
Relatos de prostituição, sobretudo dos mais jovens, para compra de drogas, e abuso sexual
praticado por outros pacientes psiquiátricos e, em um caso específico, por outros homens,
quando na prisão, foram também narrados.
(me prostitui). Pra comprar droga, às vezes, eu tinha que... e o cara, o
cara me dava o dinheiro. Tinha relação oral e anal também. Breno
Ele era dono do cinema. Ele me dava ingresso, um montão de ingresso do
cinema. Eu transava com ele. Felipe
tive, mas, coisa que não... coisa que não... não sei, pra... Sei lá! Por
dinheiro ou outra coisa parecida, droga. Me prostitui muito... Até na
cadeia... Na cadeia eu passei por lá e tive que passar muito tempo lá e sem
saber o que estava acontecendo, quando espantei fiquei sabendo que
estavam me molestando na cadeia. Tadeu
Ah, (já fui abusado) isso tem muito tempo, tem muitos anos. Em outra
cidade, em outro serviço (de saúde mental) aconteceu isso. Se eu não
fazia, o cara metia o braço e eu tinha que fazer. Contra a minha vontade.
Eles eram violentos. Mas eu não gostava não. Eu contava pra um
enfermeiro lá. Aí, eles pegavam... eles pegavam o sujeito e prendiam no
quarto forte. Muitas vezes. Carlito
Alguns explicitam sua prática como sendo fruto de desejo, mas historicamente, o fato de
que muitos pacientes com algum agravo mental ficavam internados em hospitais durante boa
parte da vida, sendo a reclusão um dos aspectos que podem contribuir para o envolvimento
com pessoas do mesmo sexo (GIAMI, 2004; GOFFMAN, 1968). Estudos de homens sob
reclusão em instituições penitências (COELHO et al., 2009; GUTIERREZ; ALMEIDA,
2008) referem práticas frequentes de homossexualidade no contexto prisional, tais atividades
estão relacionadas ao ganho de benefícios, como proteção, troca de objetos e drogas. Grassi
(1996) coloca, em estudo sobre o risco para infecção pelo HIV de pacientes psiquiátricos, que
é comum esses sujeitos manterem relações com profissionais do sexo e homossexuais sem
uso de preservativo.
61
Estudo de Alves (2003) sobre representações sociais de homens rurais acerca da sexualidade e
da prevenção em DST/aids aponta que, para os homens heterossexuais, os relacionamentos
homossexuais “ferem a natureza”, o que não é admissível, sendo atitude completamente
rejeitada, negada e homens que fazem sexo com homens são denominados “boiola”, “fresco”,
“veado”, “bicha”, o que também aparece neste estudo. As relações mantidas com outros
homens, segundo a mesma autora, podem acontecer por caracterizarem a identidade
masculina ou mesmo pela “necessidade de sexo”.
Os homens que dizem ter relacionamentos somente heterossexuais apresentam, em geral,
preconceito em relação à homossexualidade, representada como algo que provoca nojo, o que
também foi encontrado no estudo de Alves (2003). A discriminação, o medo de falar nisto, a
recusa de refletir é recorrente na população em geral do país, na qual se incluem as pessoas
com transtornos mentais.
Eu desejo mulher, claro. Homem nem pensar. Eu sou homem com H. Ih!...
eu nem quero falar sobre isso. Não gosto. Meu desejo é por mulher. Mulher
bonita. Agora homem fazer alguma coisa com outro homem é coisa de
boiola, dá nojo... Trombeta
Nesse contexto, o sentimento de inferioridade dos entrevistados, no que se refere ao direito a
ter relação afetiva e sexual plena, está fortemente presente tanto com relação a eles mesmos
quanto a outros homens com agravos mentais. Como se nos relatos a seguir, a busca por
profissionais do sexo é justificada por serem as únicas mulheres a aceitá-los, sobretudo sob
pagamento. Eles acreditam que outras mulheres não os aceitariam, devido, principalmente, a
sua condição de pacientes psiquiátricos.
Ah, as moças acham que a gente é doido e não querem nada com a gente,
não! Se sabem que a gente toma remédio, fica pior ainda. É paciente
psiquiátrico! Aí, eu vou na zona, mas tem muitos dias que eu não fico com
mulher nenhuma... nem com vontade, porque essas mulheres ficam
com a gente por dinheiro, não têm amizade, não têm amor, não têm nada.
Felipe
Elas dão pra mim quando eu pago pra elas, se eu não pago elas não dão
pra mim. João
A maioria dos entrevistados teve sua iniciação sexual com prostitutas, havendo algum tipo de
troca material. Essas relações persistem, após a iniciação, por dificuldades de se aproximarem
de mulheres de seus cotidianos, da vizinhança ou que poderiam conhecer se tivessem acesso à
62
educação formal, aos ambientes escolares ou formais de tratamento e acompanhamento social.
Como não nenhum desses substratos sociais apoiados pelo Estado, resta-lhes uma vida
sexual sem relacionamento afetivo duradouro, com raras exceções.
Alves (2003) afirma que os homens procuram a iniciação sexual cedo, entre 16 e 18 anos, em
“cabarés”, porém essa busca é considerada como “aprendizagem”. Seus entrevistados dizem
que o homem precisa exercitar o sexo, aprender e praticar, sendo uma “necessidade e
obrigação”. Porém, após essa “iniciação sexual”, procuram uma namorada, que, segundo eles,
seria a “pessoa certa”.
Para a maioria dos homens com agravos mentais, a certeza de que as mulheres com as
quais tiveram ou têm relações sexuais são aquelas que recebem pelo ato ou são “interesseiras”
porque querem algum objeto material, mas não envolvimento afetivo, diferente daqueles
homens considerados normais que namoram e se casam “direitinho”. A representação de
normalidade é o casamento, mas somente para homens que não têm agravos mentais. A
normalidade, para si próprios, é a relação com prostitutas.
Entre os homens entrevistados encontram-se também aqueles que não têm relacionamento
sexual devido a sua crença religiosa, afirmando que “sexo antes do casamento é pecado”. Em
geral, são os mais jovens, com grande influência das falas ouvidas em igrejas ou na família.
Veem, na abstinência, a justificativa para não terem uma parceira e misturam isso com “medo
de gravidez”, “transmissão de alguma infecção”, mas, sobretudo, medo de serem traídos.
Não quero sexo. Sexo é doença. Quando arrumar uma namorada, casar,
vou ter sexo. Trombeta
Eu não durmo com ninguém. A Bíblia fala que é pecado fazer relação fora
do casamento, na Bíblia católica também fala, não sei se é católica ou se é
evangélica, na Bíblia também fala. Católica e evangélica falam a mesma
coisa. Edir
Nunca tive relação sexual com ninguém. Não, não pode, só depois do
casamento. Tive namorada, mas quando era para fazer (ter relação sexual),
eu fugi... pra não ter gravidez e minha mãe ficar tranquila. Tinha vontade,
mas... A mulher que tiver sexo comigo antes do casamento pode fazer sexo
com outro e eu nem saber. Já pensou eu ficar chifrudo? Edvaldo
Assim, pode-se afirmar que a vida sexual dos 22 homens entrevistados é vivida dentro das
possibilidades de cada um, mas repleta de representações de menos valia, sem acesso a uma
63
vida sexual e afetiva plena. Isso leva à reflexão sobre a importância de as políticas sociais e de
saúde incluírem, não somente informação de qualidade, mas medidas de inclusão
diferenciadas para essas pessoas, como, por exemplo, moradia digna, acompanhamento social
e profissional em atividades culturais e de lazer para que possam conhecer outras pessoas,
formação escolar e educação para a saúde sexual, o que vale também para as mulheres, como
se pode ver a seguir.
Para as mulheres que se casaram, as primeiras relações sexuais se deram, em geral, após o
casamento, com representações que incluem vergonha em relação ao sexo, educação rígida,
fidelidade, imaturidade e ingenuidade em contraposição à “malícia” existente hoje, além do
temor de gravidez.
Na maior parte dos casos, cada mulher afirma ter tido entre um e três parceiros durante a vida,
não tendo outras relações enquanto está com o parceiro. A representação de fidelidade é mais
presente para as mulheres, que acreditam ser mais fieis do que os homens, algumas até mesmo
depois de viúvas. No geral, as mulheres colocam as relações sexuais envolvendo maior
afetividade entre os parceiros como uma necessidade, o que não aparece nos discursos dos
homens.
transei com um marido, com ele. E ele era muito ciumento. Não tive
outros, não! Nana
O meu marido foi o único homem da minha vida. Antes de casar não tive
outros namorados, não, não tive não. Eu achava que eu era doida por ele.
Nilda
Foram dois parceiros? Com um namorado e o homem que eu fiquei 30 anos
junto. Eu queria que fosse sempre com amor. Celina
tive uns três homens na minha vida. Foi com os três que tive sexo,
com os três. Não gostei de confusão, mas os homens são diferentes. Tarica
Nosso namoro foi desde os 10 anos. Nós conhecemos, namoro de criança.
Naquela época era muito severo. Os pais, se soubessem que (a gente)
namorava, era aquele... Não tinha aquele namoro de maldade, de malícia,
era um namoro ingênuo. Então casei cedo, com 16 anos, Eu tive ele
mesmo. Ele foi a primeira pessoa da minha vida, o único até hoje. Ele já era
experiente, porque ele era uma pessoa já vivida já, ia nos lugares, né.
Porque comigo ele não podia ter essas coisas, né, então... Chiquita
Eu já namorei umas vezes, antes de casar. Mas o primeiro homem foi o meu
marido. Antes dele só beijava na boca, pegava na mão. Juliana
64
A primeira pessoa que eu tive foi o meu primeiro marido. Ao todo, teve
dois. Teve o primeiro, meu marido e teve esse de agora. Quando eu comecei
com ele, eu tinha 13 anos. Eu era tão inocente, na época, que eu pensava
que eu tava do mesmo jeito. Eu pensava que depois que eu ficasse com ele
eu ia continuar do mesmo jeito que eu era... virgem, ? Gostava dele,
depois que a gente que não pode confiar, né? Não sabe o que ele está
fazendo lá fora... Graça
As representações anteriores estão presentes na fala de Vera Lúcia, que, além dos transtornos
mentais psíquicos também apresenta retardo mental e vive em um lar abrigado com outros
doentes. Ela nunca teve relações sexuais, mas em outro trecho da entrevista diz:
Já tive mais de dez namorados (mas não) transava com eles, não. Mexo com
isso, não. Tenho medo de arrumar filho, não quero, não... Não quero ter
nada com ninguém. Não quero, não. Não quero! Filho dá muito trabalho! Só
se eu casar.
Os relacionamentos afetivos e sexuais das mulheres são, em geral, fonte de desprazer, com o
tempo. Muitas sonharam com “um amor de verdade”, mas, em suas trajetórias, encontram
violência, relações sexuais obrigadas com os parceiros, falta de desejo.
Fiquei viúva, daí arrumei outro, mas não deu certo. Eu tava com
companheiro que não presta, não deu certo porque ele bebia demais, tomava
droga demais. Estou sozinha agora. Não transo não, já tem dois anos, Não
tenho atração por homem nenhum, nem vontade de transar. Ah, mas eu
espero ainda encontrar algum companheiro. Porque sinto falta. Lulu
Nunca tive relacionamento com ninguém. abracei muito um rapaz que
queria muito. Queria levar a sério mesmo, estar com ele, entendeu? Mas não
deu certo, não tive oportunidade de casar. Lelena
Eu tive prazer, mas não com meu ex-marido. Ele ficaria revoltado de
saber, mas com ele não. Eu gostava de ter relação sexual e quero voltar a
ter. Ainda tenho vontade. Mas com o homem certo. Nilda
Embora as histórias sejam, em geral, de insatisfação, desprazer, solidão e falta de desejo
(QUADRO 2), a idéia de se ter um companheiro permanece em algumas entrevistadas, como
um sonho para um futuro compartilhado com alguém, uma pessoa companheira. As situações
frustradas do passado o são capazes de fazer desaparecer a esperança de se encontrar o par
ideal.
Eu não transo mais dois anos. Acho bom estar sem porque eu tava com
um companheiro que não prestava. E eu não tenho mais atração, nem
65
vontade de transar, mas, ah... eu espero ainda encontrar algum
companheiro, que seja bom para mim. Lulu
Eu gostava de ter relações. Ainda tenho vontade. Mas com o homem certo.
Porque com o marido era triste, e tem muitos rapazinhos aí que não estão
com nada! Eu prefiro homem mais velho, eu prefiro até policial. Nilda
Em muitos relatos a preferência seria pela abstinência, por não terem desejo sexual, porém, as
mulheres que vivem uma relação matrimonial se sentem obrigadas a manterem o sexo
requerido pelo marido.
Eu não penso nada do sexo. É difícil falar isso. Ah, com alguns tenho
prazer, mas tem gente que não dá. Tem gente que falta mandar você ir
embora. É estúpido! Helenice
Ah, eu não tenho vida amorosa, parceiro, eu não tenho. Eu não quero ter,
não. Porque eu já sofri demais com homem. Briga. Às vezes eu ficava
dentro de casa lavando, passando e cozinhando, pra eles me trair... Eu não
quero, não. Tive o pai dos meus filhos. Depois eu não tive mais ninguém,
não. Não quero ter não. Fernanda
As histórias de agressão e abuso são relatadas desde a infância (QUADRO 2). Violência e
abuso sexual são praticados, inclusive, por parentes, o que leva as entrevistadas, em geral, a
fugirem da família e se casarem. Porém, as histórias de violência se repetem com o parceiro.
A minha primeira relação sexual foi com um rapazinho, eu estava numa
festa, foi com um rapazinho, ele me enfiou dentro do ônibus, foi à força,
numa casa abandonada, ele quase me bateu. Foi horrível. Helenice
Minha mãe separou do meu pai na época, foi embora. Eu era nova, tinha 13
anos. Meu pai tentou me estuprar. Eu gritei, chamei a vizinha, botei a boca
no mundo. Ele estava bêbado. Aí, esse coroa era doido por mim. eu, de
medo do meu pai, fui morar com ele. Esse coroa se aproveitou, né, da
situação. No começo era carinhoso. Eu passei uns três dias morando lá pra
primeiro ter relação com ele, porque eu fiquei com medo. Meu primeiro
marido foi agradável. A gente viveu muito bem uns três, quatro anos. Graça
Eu não gosto de falar de sexo porque eu fui estuprada. Era criança. Foi
alguém da minha casa. Era um senhor, era de dentro de casa. Minha mãe
não quis me ajudar, eu contava pra ela, ela falava que eu era louca, que era
mentira (a entrevistada chora). Foram várias vezes, eu tinha oito anos.
Depois, tive um rapaz que ia casar comigo, que, pela segunda vez, a
mesma pessoa me estuprou de novo, eu fugi de casa. Tive que sair e fui
morar na rua. Sozinha, na rua. Tive um filho que morreu ao nascer, que era
do estupro. (Depois, com outros homens) ah... era muito chato, eu não
conseguia conviver com homem, não; vai indo certo tempo eu tomo raiva
deles. Eles também começam a me trair... Não gosto de sexo e nunca gozei,
não. Por causa que eu fui estuprada, acho que é por causa disso. Às vezes,
66
eu começava a fazer alguma coisa assim... aí, eu lembrava do meu estupro.
Fernanda
As mulheres entrevistadas mantêm relacionamentos violentos com os maridos, inclusive, com
episódios de tentativa de homicídio, como descrito no relato a seguir de Chiquita, 33 anos,
mãe de cinco filhos com um marido que sempre a agrediu, revelou várias tentativas de
suicídio durante sua vida:
Era violento, me batia quando bebia. Uma vez ele tentou me matar, mas
pela misericórdia de Deus minha filha estava dormindo no quarto e quando
ele foi pra descer um cabo de vassoura em mim, minha filha correu e entrou
na frente, e eu parti pra cima dele. E falei que daquele dia em diante ele não
ia mais me bater. eu não cheguei a furar ele, mas eu cheguei cortar ele.
Ele tem a marca na mão. Tudo isso eu passei.
Em geral, a vida conjugal é mantida para se preservar a situação financeira, uma vez que elas
dependem financeiramente dos companheiros, mas também para estar de acordo com o
esperado socialmente para o comportamento de esposa e mãe.
Além disso, as narrativas sobre os relacionamentos sexuais revelam as dificuldades em se
manter tal atividade de forma saudável e satisfatória. A mulher submissa ao marido aparece,
mostrando que apesar da insatisfação sexual, a união conjugal é mantida, salvo em situações
de periculosidade para os filhos.
Eu sou quase virgem, praticamente quem me “deflorou” foi meu filho mais
velho, ao nascer. Mas, meu marido, ele era muito sábio, me deu um livro
que instrui sobre essas coisas. Era até natural que o marido falhe na
primeira noite, que não era o caso dele falhar na primeira noite, ele ia
falhar em todas, da primeira à última. Eu nunca tive relações. O meu
primeiro filho que me deflorou no momento do parto, sim. Eu fui deflorada.
Porque ele não penetrava. Mas eu separei dele porque ele brigava com meus
filhos, batia nos meus filhos. Até que um dia ele deu uma surra tão forte no
meu filho... que quase matou meu filho, e eu separei.. Ita
Era um namorado que morava comigo quase 30 anos, mas ele era ruim. Era
ruim, batia em mim, batia nos meninos, não dava nada pra nós. Batia
demais. Aí, eu não queria mais sexo e passei a não deixar, não. Não sentia
nada. Fazia por fazer mesmo. Nunca tive prazer, fazia porque ele queria.
Acabei ficando livre dele depois. Celina
Ele era uma pessoa muito... Assim, como se diz, era uma pessoa muito
responsável, trabalhava, sempre trabalhou fora. Eu parei de trabalhar pra
cuidar das crianças. De certo tempo pra cá, o sexo começou assim, a ficar
muito frio, por causa que eu sofria muito. Ele é uma pessoa que me judiou
muito. E, naquela época, a mãe da gente era muito rígida, tinha que viver
67
junto, né. Eu não tinha uma renda. Então, eu tinha os filhos, tinha que
cuidar, fui obrigada a ficar, ajeitar com ele e é assim até o dia de hoje. Quer
dizer, tudo material, mas afetivo, o. Ele nunca está comigo. Ele me
espancava. Chiquita
Paralelamente às representações que fundamentam a falta de desejo e disponibilidade para
uma sexualidade saudável, por parte das mulheres, o preconceito sobre os pacientes
psiquiátricos é também incluído, revelando representações em relação à loucura, de que
“louco não dá certo com outro louco”, tem que ter um “normal” pra “controlar” a situação.
Ah, teve um rapaz que queria namorar comigo, mas como que namora
louco com louco? Não certo, não. (risos) Porque se esses dois doidos
começarem a quebrar tudo dentro de casa? Ou se os dois ficarem doidos e
tiver que trazer tudo pro Pinel, os dois de uma vez? Fica difícil! Os doidos
têm que namorar o normal. Porque tem o normal pra segurar, tem o normal
pra proteger. Fernanda
Também entre as mulheres, o discurso de inferioridade perante o restante da sociedade
aparece, revelando sentimentos de incapacidade de se ter relacionamentos sólidos, por não se
considerarem dignas de ser amadas. No relato abaixo, esse estigma aparece duplamente, pois
a entrevistada é uma profissional do sexo e gostaria de ter prazer sexual com os clientes e
namorados, mas nunca o conseguiu, pensando que os sentimentos dos outros em relação a ela
são sempre de “menos valia”:
De graça não faço sexo de jeito nenhum mais! Mas quero, com alguns eu
quero. Tem alguns que a gente gosta, namora... Mas que ninguém gosta
da gente! A gente parece que não vale nada. Eu não tenho prazer, nunca
gozei, eu quase cheguei , mas nunca cheguei lá. Nunca gozei na minha
vida. Vera
Pode-se afirmar que as mulheres têm representações sobre a atividade sexual como algo sobre
o qual não têm pleno direito, tendo como centro a submissão ao homem. A falta de relações
amorosas contribui para a insatisfação sexual. A dependência aparente, muitas vezes, é de
ordem financeira, mas, sobretudo, por não conseguirem ver nenhuma perspectiva fora desse
contexto. No entanto, a própria vida se encarrega das separações, sendo os abandonos e a
solidão o que a maioria vivia no momento das entrevistas. Paralelamente, algumas
entrevistadas, que foram vítimas de abuso, não conseguem exercer uma sexualidade plena e
referem como causa os atos sofridos. Como colocado por Giffin (1994), as mulheres vítimas
68
de violência sexual apresentam, muitas vezes, vários agravos à saúde, sendo também uma das
consequências do abuso, os distúrbios psiquiátricos.
Carvalho e Coelho (2005), investigando a queixa depressiva em mulheres na maturidade,
usuárias de um ambulatório de psiquiatria de Brasília DF, apontaram que as dificuldades
inerentes ao convívio a dois, a criação dos filhos e as atitudes violentas dos parceiros quando
as mulheres não cumprem as expectativas, fazem com que tenham sentimento de culpa e
autodepreciação, reconhecidos como sintomas depressivos. Outro achado importante diz
respeito à identificação do casamento e da maternidade como principais meios de
reconhecimento social dessas mulheres, devido às restrições de suas condições econômicas e
culturais. Além disso, as autoras colocam que, apesar das modificações ocorridas no âmbito
familiar principalmente pela maior presença da mulher no mercado de trabalho, o espaço
doméstico ainda é considerado como predominantemente feminino. A expectativa é de que
cuidem dos filhos e da casa, sem questionar as dificuldades inerentes a essas
responsabilidades, o que reitera os achados deste estudo.
Muraro (1996), em estudo clássico sobre mulheres brasileiras, realizado na década de 1980,
aponta que a influência do modelo patriarcal sobre a família contribui para que as mulheres
sejam subjugadas pela dominação masculina, na qual se incluem as várias formas de
violência.
Segundo relatório da OMS (2002) sobre violência e saúde mundial, uma das formas mais
comuns de violência contra as mulheres é a praticada por parceiro íntimo. O envolvimento
emocional e a dependência financeira do parceiro têm imbricações sobre a dinâmica do abuso,
o qual pode ser: físico, sexual e psicológico.
Muraro (1996) coloca que mulheres de classe burguesa, participantes de seu estudo,
apresentam dois pontos de vista em relação à independência da mulher, alcançada,
principalmente, pelo trabalho fora de casa. O primeiro elucida a mulher como mais satisfeita,
“séria”, “respeitada”, brilhante”, mais interessada no mundo, indo contra as posições
tradicionais de gerações anteriores. Noutro ponto encontra-se a insatisfação da mulher pela
impossibilidade de dedicar-se mais ao lar e a seus filhos, tendo se tornado mais dura, com
“menos coração”. A
maioria das mulheres entrevistadas no Projeto PESSOAS, além de
pertencer a classe social menos favorecida, em geral, não trabalha. O que se percebe é que não
69
independência dessas mulheres e, mesmo apresentando o desejo de transgredir, não
conseguem fazê-lo de forma positiva e restringem suas vidas à manutenção das tradições,
ainda que com sofrimento, autopunições e violência familiar.
Pode-se observar que, tanto nos hospitais quanto nos ambulatórios, as mulheres apresentaram-
se às entrevistas com roupas comuns, muitas vezes rasgadas, cabelos despenteados e pouca ou
nenhuma maquiagem. A falta de vaidade percebida visualmente parece estar relacionada à
fragilidade proveniente do agravo mental, mas, sobretudo, a uma vida difícil de pobreza e
sofrimento, levando à baixa auto-estima.
Muraro (1996), comparando a influência do nível sócio-econômico de mulheres das classes
operária e burguesa em suas condutas, observou que valores e atitudes identificados nas
mulheres da classe operária permitiram classificá-las como detentoras de “um corpo-para-a-
produção”, voltado para o trabalho manual e distante do consumo de bens, como de
embelezamento e manutenção da saúde. Já as mulheres da classe burguesa seriam detentoras
do "corpo-para-o-consumo", empregando cuidados à saúde e à estética.
Nesse sentido, considerando os homens e mulheres entrevistadas no Projeto PESSOAS, existe
o sentimento de serem de sujeitos inferiores e indignos de terem vida amorosa e sexual,
resultando em relações que envolvem troca de dinheiro para os homens e de submissão para
as mulheres.
As representações sobre as relações sexuais são parecidas com as do restante da sociedade,
(ANDRADE e NÓBREGA-THERRIEN, 2005; DANTAS-BERGER e GIFFIN, 2005;
GIDDENS, 1993; LEAL e KNAUTH, 2006; SALEM, 2004), porém as variações dizem
respeito a um maior acontecimento de abusos sexuais, o que interfere na vivência plena da
sexualidade. Eles se percebem excluídos socialmente e comungam representações com o
restante da sociedade, inclusive, representações preconceituosas em relação a sua condição
psiquiátrica.
O sexo é, então, um momento de risco, uma vez que para os homens as relações pagas, sem
proteção, possibilitam maior contato com pessoas que apresentam as IST e HIV/Aids. Para as
mulheres, as relações com os companheiros são forçadas e desprotegidas. Para ambos, o risco
é considerável nos casos de abuso sexual.
70
Embora Oliveira (1998) refira-se a uma hipersexualidade das pessoas com transtorno mental
nos momentos de crise, isso não foi percebido nos participantes do estudo. Pelo contrário, os
homens entrevistados mostram dificuldade para manter atividades sexuais, revelando falta de
parceiras e falta de desejo sexual, e relatando efeitos medicamentosos de diminuição da
libido. No entanto, a vontade de se ter algum afeto, com um compromisso mais duradouro, é o
que prevalece entre os homens, mas a maioria não tem acesso a esse tipo de relacionamento e
sabe disso. Para as mulheres, as relações afetivas estão tão desgastadas que poucas são as que
querem manter novos contatos amorosos e sexuais, levando-as a certa descrença para a
afetividade, apesar do sonho de um casamento nos moldes tradicionais.
5.2.1.2 O segredo sobre “determinados” assuntos
Os entrevistados do sexo masculino, ao narrarem suas relações no cotidiano, falam daquelas
de confiança, informando sobre o fato de ter um amigo ou familiar confidente para conversar
sobre si e suas dificuldades, sentimentos e segredos, alguém mais próximo possível, inclusive
um parente, sobretudo a mãe.
Dentre esses confidentes eleitos, encontram-se amigos de infância, parceiros, colegas de
trabalho, sobrinha e mãe. Em muitos casos, o escolhido é também a pessoa que mais o apoia e
o acompanha em seu tratamento psiquiátrico.
Tem sim, tem um primo meu que, às vezes, eu converso com ele, ele é mais
do que um amigo, também mais que um irmão. Tadeu
Eu tenho amizade de conversar tudo com uma pessoa. Ela deve estar
com 53 anos. Converso todo assunto bom, eu converso com ela. Raimundo
Assim de desabafar os problemas, eu converso, às vezes, com minha tia,
né? Eu tenho confiança nela. Walter
Então assim, por exemplo, se eu tenho alguma coisa que é mais séria, briga
assim, eu tenho uma amiga que eu posso desabafar com ela. É ela que vem
me ver aqui no hospital, que me traz, me busca... Breno
71
Para as mulheres, há maior dificuldade de ter uma pessoa confiável. As mulheres, em geral, se
afastam, desconfiam mais e dizem não se exporem com outras pessoas, com pouquíssimas
exceções:
Pra conversar eu não tenho, não. É difícil arrumar amizade, sempre foi
assim. Sempre. As mulheres são muito invejosas e é difícil de falar de sexo.
Morena
Conversar sobre essas coisas, não tenho ninguém. Já tive minhas amigas, eu
contava tudo pra elas. Depois elas ficaram bravas, aí... Não teve mais. A
gente não pode confiar quando o assunto é alguma coisa muito da gente,
íntima, né? Se é para falar sobre homem e de sexo, então!... Lelena
Conto meus problemas prá avó do meu filho, do lado do pai. Ela é que
minha confidente. Gosto de conversar com ela, falo de tudo, das
dificuldades... Tudo. Fernanda
A falta de confiança e a representação de que “mulher não é solidária com outra quando o
assunto é homem e sexo” são centrais nos discursos das mulheres com agravos mentais. Pode-
se supor que o próprio agravo exacerbe representações construídas ao longo da vida, mas fica
claro que estão presentes e interferem também para a construção de prazer também no afeto,
na amizade.
Estudo de Andrade et al. (2006) aponta que as mulheres apresentam maiores taxas de
prevalência de transtornos afetivos, alimentares e de ansiedade do que os homens. Os homens
apresentaram maiores taxas de uso nocivo ou dependência de drogas, incluindo tabaco e
álcool. Acredita-se que os esteróides sexuais femininos, particularmente o estrógeno, agem na
modulação do humor, o que, em parte, explicaria a maior prevalência dos transtornos de afeto
e de ansiedade na mulher. Além disso, a trajetória da mulher é permeada pelas diferentes
formas de lidar com problemas e buscar soluções, por gênero; pela influência de pressões
sociais, estresse e baixo nível de satisfação, associados ao desempenho de papéis
tradicionalmente femininos.
Sobre assuntos considerados mais íntimos, por exemplo, algumas mulheres consideram que
não devem ser compartilhados:
De sexualidade, desejos.. Ah, isso eu não falo, não. Não tenho ninguém. (O
que sinto, penso de sexo) Nada. É difícil falar isso. Helenice
72
Dos meus desejos, sexo, paixão, de namorado... Ah eu não converso não.
Nunca conversei. Não. Lulu
As mulheres do presente estudo são pobres, vivem em processos constantes de exclusão
social, mas trazem consigo as mesmas representações das mulheres chamadas de “burguesas”
do estudo de Muraro (1996). A autora coloca que existe uma convenção entre o que pode ser
dito e não dito sobre intimidade sexual, para que as aparências sejam mantidas, preservando-
se a “normalidade” como “fachada”, mesmo que as coisas não estejam indo bem. Segundo a
autora, as mulheres de outras classes sociais, falam de maneira mais aberta sobre a vida
sexual.
Sexo e IST são considerados assuntos que não devem ser compartilhados com outras pessoas
também pelos homens, em geral, e principalmente pelos mais velhos. limites para os
assuntos abordados, sendo que as relações sexuais e os demais temas relacionados estão, de
certa forma, “proibidos”.
Alguns entrevistados se sentiam constrangidos ao início da entrevista, apresentavam
dificuldade para iniciar os relatos, se desculpavam e diziam: “você está pedindo, eu vou falar,
mas tenho vergonha”. Falavam, mas certamente, com alguma dificuldade.
Sobre a sua vida amorosa, sexual, com quem o senhor conversa? Ah, isso aí
eu não converso com ninguém, não. Vou falar agora porque você está
pedindo... Wesley
Eu converso com a minha sobrinha. Falo tudo. Sou liberto pra conversar.
Agora, sobre sexo, isso aí não. Gabriel
Eu converso muito com a minha mãe da coisa pessoal, da coisa pessoal.
Mas tem coisa que a gente não pode falar com a mãe, né? Tem ou não tem?
Então! Isso eu não faço! Eu tenho alguns amigos. Confio no L. Converso
tudo com ele, mas sobre namoradas, coisas do sexo, não. Mas tem coisa
pessoal, medo, coisas que estou sentindo, eu não falo. Sinto minha dor
calado. Trombeta
Eu tenho vergonha de falar essas coisas. Carlito
Eu não gosto de falar de intimidade não, sabe? Conversar sobre minha vida
particular eu não gosto porque a vida é só da gente só, entendeu? Totonho
Eu conto tudo. Eu conto sobre a minha história, sobre a minha doença,
minha vida toda pra ele eu conto. Minha vida amorosa conto. Dos meus
desejos sexuais, não. Isso com ele, não, porque a mãe dele também é
evangélica. Aí, ele não fala nada disso não, porque ele é evangélico. Edir
73
Eu tenho uma vizinha, converso com ela, bato papo com ela, mas,
brincando, brincando, mas fora de... Fora de qualquer coisa sexual. Isso
não. Porque graças a Deus nós fomos criados com muito respeito. Meu pai
sempre falava: "meus filhos, pode ser a mulher mais à toa que seja, vocês
respeitem ela!” Quinzinho
A fala de Trombeta é emblemática, concentrando todos os sentimentos de não
compartilhamento e solidão das pessoas com transtorno mental que foram entrevistadas:
“sinto minha dor calado”. Mesmo quando não se cala, o sentimento parece existir porque as
formas de expressão não são necessariamente aquelas mais fáceis de serem compreendidas
pelas pessoas próximas. Os assuntos que envolvem a sexualidade permanecem um tabu para o
grupo pesquisado, o que pode, inclusive, interferir em suas atitudes frente à prevenção de IST.
Além disso, as IST e o HIV/Aids geram insegurança e medo dos infectados pelas pessoas em
geral, devido ao estigma e preconceito (DAMASCENO et al. 2009; FREITAS, 1998), sendo
este causado, também, pelo comportamento julgado perigoso e desviante que os sujeitos
infectados tiveram (CAMARGO, 1998), o que pode ser representado, ainda, “como algo mais
do que fraqueza, como irresponsabilidade e delinqüência” (SONTAG, 1989, p.31).
5.2.1.3 Reconhecimento das IST e do HIV/Aids
Nem todos os participantes demonstraram conhecimentos sobre nomes, sinais e sintomas,
tratamento e prevenção das IST em geral, ocorrendo, inclusive certa predominância, nos
discursos, de representações específicas sobre o HIV/Aids.
As infecções sexualmente transmissíveis são representadas pelas pessoas com transtorno
mental como “doença venérea”, doença “ruim”, de “pessoas sujas”, que “frequentam
prostíbulos” e de pessoas que “têm muitos parceiros”. As IST são consideradas
estigmatizantes, sendo que, quando alguém se infecta, os outros percebem, porque “a gente
conhece quando a pessoa tem”.
Teve uma mulher lá, eu ia na zona, né? Chegava lá, tinha uma mulher assim
que eu via ela no quarto. Eu olhava pelo buraco da fechadura, entendeu? Na
74
mulher andar eu sabia se ela era doente ou se não era. A gente conhece
quando a mulher tem doença venérea. Raimundo
Nesse sentido, os entrevistados preferem não se relacionar com quem tenha alguma IST, ou
HIV/Aids, para não se infectarem, revelando que também têm preconceito e medo.
A mais lembrada pelos entrevistados foi o HIV/Aids e das demais IST as mais citadas foram:
sífilis/cancro duro, gonorréia, cancro mole e condiloma/crista de galo. Algumas outras
doenças foram relacionadas pelos entrevistados como sendo IST, dentre elas: tuberculose,
vírus de rato e câncer.
Nas narrações sobre as trajetórias de vida, os homens são os que mais relataram IST em
algum momento na vida, inclusive mais de uma vez. Os que nunca as tiverem, pelo menos
conhecem alguém que já as teve e evocam Deus para agradecerem pela graça de nunca terem
sido infectados.
Graças a Deus, nunca tive nenhuma doença sexualmente transmissível. Mas
sabia o que era, sempre soube. Raimundo
Gonorréia? Acho que pega, né? Pega na pessoa, se transar. Quando (uma
pessoa) tem a doença todo mundo fica sabendo e vai avisar a gente, né?
Fernando
Das doenças sexualmente transmissíveis? Eu vejo falar nessa que está
aparecendo. Aids. Esses negócios de hepatite, e fígado, essas coisas eu
tenho ouvido falar. Mas nunca tive nenhuma doença de sexo, não senhora.
Quinzinho
Graças a Deus não, nunca tive dessas doenças. Tadeu
Tem muitas doenças transmissíveis. Gonorréia, cancro. Mas não tive
nenhuma, não. Wesley
Nunca tive. Eu já ouvi falar vírus de rato... Várias coisas. Edir
Conheço algumas doenças. Conheço assim, pelo nome. Olha, tem o cancro
mole, tem a gonorréia amarela e a branca. Você está perguntando eu vou
falar. Tinha a gonorréia amarela, tem o cancro mole, tem o cavalo de crista.
vi muitos amigos meus sofrer com isso, agora eu nunca peguei nada.
Graças a Deus. Gabriel
Eu sempre soube das doenças e me contaminei algumas vezes. Eu tive
gonorréia e sífilis. Foram tratadas. A sífilis é uma coisa que pega e
decididamente não vê, não vê. A pessoa de quem eu peguei sífilis depois eu
falei com ela: “você está com sífilis e você precisa se cuidar”. Eu tive muita
75
dificuldade porque eu tive essa bactéria... tem um nome... elas são
oportunistas. Isnex
Conheço chato. Eu peguei uma doença venérea na zona. Tive a gonorréia.
tive cancro. Foi. Depois o tive mais, não. Nunca mais tive. Parei de ir
lá, né? Walter
Nunca peguei, não, mas tem vários tipos mesmo, né? Gonorréia. Crista de
galo, crista de galo também já ouvi falar. Tem cancro também, né? Nunca
peguei, não! Nunca tive, não! Paulo
Conheço várias. Foi essa doença que peguei...Gonorréia e cancro. Quer
dizer, tudo uma coisa só. Quando eu peguei, eu fiquei quase um mês num
quarto, pra não ir em casa. Eu falei com meu pai e com minha mãe, "eu não
posso ir em casa. Eu tenho cinco irmãs, mulher!" Como que eu ia pra casa?
Otávio
A única doença que eu lembro que eu peguei na Colônia foi cancro. Devo
ter pego umas duas vezes. Conheço a tal de gonorréia, né? Gonorréia eu
nunca tive, não. ouvi falar negócio de aids, esses troços.. Já ouvi falar
muito. Neneco
Entre as mulheres, poucas tiveram alguma IST, porém as que as tiveram foram infectadas
pelo marido e somente se tornaram conhecedoras de seus diagnósticos durante o pré-natal, o
que aponta para a falta histórica não resolvida de atendimento integral também aos doentes
mentais nos serviços de saúde.
As mulheres falam sobre as representações que têm das IST e HIV/Aids, fazendo distinção
entre aquelas que têm sintomas visíveis e as que não os têm. A sífilis, por exemplo, é doença
que está visível “no pênis e na vulva”, mas também invisível, no sangue, “aquilo que não se
vê” (Chiquita). Além disso, enxergam as IST como “doença que o homem traz para casa”,
“que corrimento”, “que tem muitos nomes” e “de homem infiel”. Falam de muitos nomes,
alguns com pronúncia incorreta, mas o conhecimento sobre a transmissibilidade pelas
relações sexuais está claro.
Eu conheço o HIV, filis... eu tenho um livro que tem o nome de todas..
tem um monte de nome. Juliana
Uma amiga minha, eu fui trabalhar numa casa, e ela falou assim que a outra
menina apanhou a doença. eu fui atrás e pedi ela pra mim ver e ela me
mostrou. Era gonorréia. Gonorréia vermelha. Você nunca deve cair nessa
esparrela não! A vida mais triste que a mulher tem. Nana
Das doenças sexualmente transmissíveis, eu li naquelas revistas,
“seborréia”, muitas coisa... Mas eu não sou muito ligada assim, o. Eu
leio, mas não lembro depois. Esqueço. Eu tive quando eu casei, na minha
76
primeira gravidez, ele não tinha a sífilis no pênis, pra mostrar, né, mas ele
tinha no sangue, não tinha tratado ainda direito. Então, quando eu fui ganhar
neném, foi detectado a sífilis, no meu sangue. a minha filha nasceu,
não teve problema nenhum... Mas eu só soube na hora que eu fui ganhar. As
enfermeiras viram um caroço, tipo assim uma crista, né, do lado, e elas
detectaram o que era. Minhas partes ficaram muito grandes. Chiquita
Eu sei, sobre doenças sexualmente transmissíveis. O meu marido, ele me
botou uma. uma. Condison (Condiloma), um nome assim. Essa
condiloma, eu estava até grávida. Mas, ouvi falar de Aids, sífilis e outras
mais, guinorréia (Gonorréia). Graça
Damasceno et al., (2009), em estudo com gestantes acerca das DST e aids, referem-se ao
medo dessas mulheres de se infectarem e às dificuldades de prevenção. Utilizando-se de
evocações, os autores encontraram representações sociais como camisinha, coceira,
corrimento, relação, dor e doença, também ditas pelas entrevistadas do presente estudo. As
gestantes incluiram aspectos psicológicos ancorados nas palavras: apoio, arrependimento,
discrição, horror, insegurança, cuidado, perigo, rejeição e solidariedade, que não foram
expressas claramente no estudo com as pessoas com transtornos mentais.
As representações acerca das IST estão centradas na transmissibilidade por via sexual, sobre o
aspecto sempre degradante das lesões e da vergonha por se infectar. Porém, todos os
entrevistados acreditam que as IST são curáveis, em contraposição à aids, que é “doença que
mata”.
Das doenças sexualmente transmissíveis, eu vejo falar nessa que está
aparecendo: a aids, que mata. Esses negócios de hepatite, de fígado, essas
coisas que eu tenho ouvido falar. Tenho ouvido falar, mas acho que essas
têm cura, né? Outras eu não sei, as que eu sei é porque eu vejo passar pela
televisão. Quinzinho
A idéia de poder ir a uma farmácia e comprar “antibióticos” está presente, sobretudo para os
homens, devido, principalmente, ao fato de que alguns viveram essa situação e outros
ouviram falar a respeito. Porém, narram dificuldades e tempo prolongado do uso de
medicações, representando-o como um tratamento que “dá trabalho, porque é uma coisa
séria”. Alguns lembram que o melhor é se prevenir.
Conheço sífilis e já peguei gonorréia. Tratei. Fui na farmácia tomei quatro
Benzetacil de 1200. Fiquei livre. Felipe
Conheço cancro. Eu tratei. Eu consultei na farmácia e ele (o vendedor) me
deu Benzetacil. Walter
77
E eu fiz o tratamento, fui no médico, fiz tratamento. Tive que passar por
um processo de tratamento, e o marido também. Foi tratado e tudo. É muito
ruim. A filis, esses problemas, transmitem, muitas vezes, pelo assento e
também sem o preventivo, né? Chiquita
Tive uma (IST). A que eu tive (condiloma), eu tive que fazer queimagem, a
que eu tive foi séria, mas não foi a aids. Do mesmo jeito que foi ela, podia
ser aids. E esta doença mata! Com esse marido agora eu me protejo, eu uso
camisinha. Graça
Em referências ao tratamento das IST, os homens de zona rural entrevistados no estudo de
Alves (2003), mencionam a consulta ao médico. Mas a figura do farmacêutico também
aparece de forma importante para ajudar a intervir nessa situação. Outros possíveis
tratamentos incluem a utilização de chás ou fórmulas caseiras, em geral, indicadas pelos
amigos. Tais representações apontam a vulnerabilidade de todos, considerando que não veem
necessidade de tratamento médico, além de que os vendedores podem ser inescrupulosos, com
a forte tradição, no Brasil, da venda de medicamentos sem receita médica.
A experiência do adoecimento traz o elemento tempo como central, porque, apesar de longo,
tem cura. Sobre a sífilis, por exemplo, o tempo de tratamento até permite a apropriação da
doença, com o uso de pronome possessivo “minha” sífilis:
A minha sífilis... depois de um tempo eu parei de fazer o quantitativo... Eu
acompanhei uns três anos, fazia exame de seis meses. Um trabalhão! Era
uma época que eu - com a minha família eu não sentia liberdade de
compartilhar isso, entendeu? Eu tive que fazer o tratamento escondido,
tomava injeção na farmácia, era Benzetacil. A sorte é que cura. Isnex
A sífilis foi a segunda IST mais citada pelos entrevistados, fato que parece relacionado a um
passado de incidência importante desse agravo no país. Como coloca Carrara (1996/1997), a
sífilis teve um forte impacto no séc. XIX e início do séc. XX no Brasil, devido à grande
disseminação e ao caráter avassalador” com que ocorria a doença. A autora aponta que,
como a aids, a sífilis gerou representações sociais que incidem sobre os mesmos pontos: a
sexualidade, principalmente, nos comportamentos considerados excessivos, desviantes e
promíscuos, e o medo do contágio e da contaminação, o que para os entrevistados com
transtorno mental aparece também como o medo do “invisível” e representações de
decadência ou possibilidade de morte coletiva.
78
Há, ainda, representações mais gerais sobre as IST, como a da transmissão com
“conhecimento de causa”, por querer fazer mal à outra pessoa. Para alguns, pessoas com
infecções sexualmente transmissíveis têm vontade de transmiti-las para prejudicar outras
pessoas, por “falta de consciência” ou por instinto de vingança: “fizeram comigo, farei com
outro também”.
Alguns entrevistados revelam medo de contrair IST e, por isso, evitam relações sexuais, se
abstêm ou dizem escolher bem, sendo o julgamento feito, entre outros, pelo aspecto estético
do possível parceiro.
Não tenho mais relação com mulher, não. Porque eu tenho medo de doença.
Se ela quiser namorar a gente namora, mas não que tenha relação! Quer
dizer, com proteção, camisinha e tudo, aí, pode, né? Aí, eu vou! Gabriel
Pode ser uma mulher bonita, se ela chegar perto de mim, eu desconfio. Eu
dou mais valor a uma feia que está ali, talvez a feia quase ninguém quer ela,
mas uma mulher bonita demais, se ela deu de cima de mim, alguma coisa
tem... Porque, hoje em dia, pra prejudicar os outros, eles falam assim: “eu
estou com a doença, vou passar pro outro também”. E vai prejudicar a
pessoa. Chega um cara bonito, perto de uma mulher feinha, fala assim: “ah
eu estou desgraçado mesmo, vou ficar com essa menina, distribuindo pros
outros, porque vai só passando”. Tenho que escolher muito. Adriano
Desses entrevistados, uma única mulher explicou o uso contínuo de preservativo como
necessidade para se proteger das IST.
Usava camisinha, mas agora nem uso mais porque não tenho mais (relações
sexuais)... Antes era porque eu tinha medo. Medo de pegar aids, sífilis...
gonorréia, essas doenças sexualmente transmissíveis. Fernanda
Tanto homens, quanto mulheres em sua maioria até consideram importante se proteger nas
relações sexuais, mas não o fazem e não distinguem sinais e sintomas com facilidade porque
acreditam que as doenças provocam lesões bastante visíveis e “horríveis”. Pode-se afirmar,
portanto, que existe desinformação ou confusão sobre as doenças, mas o uso de preservativo
foi lembrado como necessário, mesmo que quase ninguém o faça. A aparência das lesões e a
necessidade de escolher bem” os parceiros (em geral pela aparência) são bases dos
comportamentos de “prevenção” das IST para os entrevistados, o que resulta em maior
vulnerabilidade, em geral. Achados similares foram encontrados em estudos de Alves (2003);
79
Andrade e Nóbrega-Therrien (2005); Giacomozzi e Camargo (2004), com diversos grupos
populacionais.
Sobre o HIV/Aids, especificamente, rias foram as representações expressas sem
diferenciação entre homens e mulheres. As representações em torno do agente etiológico são
de “micróbio que come a pessoa”, “que mata” ou é “um vírus”, que “causa sérios danos” e
está presente, sobretudo, “nas pessoas bonitas”, “deixando homens mais velhos sem
proteção”. Além disso, a infecção é resultado de “ignorância”, “desafio” ou “negligência em
relação aos outros”.
A aids é um micróbio que come a pessoa. Não tem cura, não. Deus.
Adriano
Eu nunca fui muito santo, mas eu nunca achei a beleza muito atraente. Eu
gosto de homem que tem um pouco de feiúra, um pouco de defeito, então
isso me protegeu um pouco porque infelizmente os rapazes mais velhos
ficavam mais vulneráveis, principalmente ao HIV. Porque a minha geração
é exatamente aquela que transou sem preservativo, até descobrir que era um
vírus que era transmitido prá qualquer pessoa. Isnex
A aids pra mim representa muita coisa, ela pode ser, desde uma ignorância
até um insulto. As pessoas sabem, entendem, mas teimam em fazer aquilo
assim mesmo. A transa sem camisinha é como um desafio: “qual nada, isso
é coisa de careta, coisa de coroa”. O próprio “coroa” também está
aproveitando das jovens para ter um melhor prazer e o se importa com a
saúde das jovens, mas sim com o prazer deles. Ele as induz a o transar
com camisinha, e pode transmitir micróbio pra ela e, se transmitir, vai
causar sérios danos a esta moça. Ita
As representações mais centrais são de “doença sexualmente transmissível”, “sem cura e
perigosa”, que significa o “fim da vida” porque “pegou aids, acabou!” e sobre a qual “todo
mundo tá falando”.
A aids é uma doença perigosa, né, porque até hoje não acharam a cura dela
e eu acho que não vai achar, né? Se tivesse cura eles já tinham achado
muito tempo! Quanto que eles vêm lutando pra achar a cura dessa doença?
Totonho
Eu acho que aids é o fim da vida. Tem que usar o preservativo que é
preciso, tem que usar.. comigo não acontece porque eu uso. Mas quem tem
a vida.... coisa... deve de usar. Quinzinho
Eu sei que a aids não tem cura. Mais nada. Wesley
80
ouvi falar várias vezes. Meu pai advertia... meus irmãos... Que existia,
que existiam várias doenças, que tem aids. Todo mundo conhece, não tem
cura. E que tem outras doenças sexualmente transmissíveis, mas, graças a
Deus, nunca tive. Tadeu
Não tem cura. Mata. Tem cura, não. Pegou aids acabou! Aids mata.
Raimundo
Eu nunca tinha ouvido antes. Agora, tem vez que passa na televisão lá. Eles
falam um negócio de aids... Joana
A aids é uma doença sem cura, que não tem cura. Se ela contaminar o
sangue da gente, a gente vai pro brejo. Pega no sexo. O outro fazendo com
o outro. Aí pega. Tarica
Considerada “um sacrifício” e sofrimento para quem se infecta por um entrevistado, afirma
que a aids resulta “de experiências de laboratório”, pois o “homem seria capaz de fazê-lo por
dinheiro”. Pela falta de sustentação em sua fala e para dar maior credibilidade ao que diz,
lembra que não é paranóico, mas sabe que “foram mexer aonde não deviam”.
Bom, aids pra mim é uma situação que exige uma pessoa bem profissional
mesmo, porque também há muita falta de informação que a aids pega
assim... Que a aids pega daquele jeito... E não é assim, você sabe, você sabe
que não é assim! A aids pra mim é o seguinte: é uma doença que veio,
apareceu, foram mexer aonde não deviam... Tem aquela notícia que vazou
muitos anos atrás... Não que nós sejamos (paranóicos)... mas muito
tempo atrás lançou-se uma idéia, uma matéria que eles abafaram logo, que a
aids era produto de laboratório. Então, assim, eu sei que o homem é capaz
de fazer isso pra ganhar dinheiro e eu vejo a aids como um sacrifício pra
quem tem. Breno
Tal fala aponta a importância de os veículos de comunicação serem claros nas informações,
sobretudo, em relação aos achados não comprovados, mesmo depois da “notícia bombástica”
ter aparecido. Além disso, sem interlocução depois, acaba valendo para o sujeito aquela
informação que parece mais atraente, o que exige dos serviços de saúde a responsabilidade da
educação em saúde, capaz de construir e reconstruir maneiras de pensar e agir.
Além disso, para os entrevistados, a aids é “terrível”, porque faz “emagrecer muito” e “cair o
cabelo”, e deixa a pessoa “acamada”, “abandonada” à própria sorte. A solidão e o sofrimento
da pessoa doente são centrais nas falas dos sujeitos. Essas representações sempre se agrupam
nos relatos sobre “o outro”, o que a literatura sobre o tema é rica em apontar (JOFFE, 1998a;
GIAMI; VEIL, 1997).
81
Conheci um rapaz. Era horrível. Todo mundo sofrendo, todo mundo
sofrendo! Edvaldo
Eu conheci uma mulher, ela veio para BH. Ficou, arrumou um marido,
ficou com ele, e agora está com aids, entendeu? Não tem nem osso dela
mais! E ela arrumou um filho com ele, mas o marido dela morreu. Já foi
embora pro saco. Sobrou só o menino dela que tá com a avó. Raimundo
A aids, a pessoa esmagrece, cai o cabelo.. Heloísa
Com aids, a pessoa fica magra, horrível. A aids eu não sei o que é, mas ela
pira! Conheci um rapaz com aids, ele morreu, coitado! Quando ele tava pra
morrer ele chorava em cima de uma cama, abandonado, ele ficou magro,
magro, magro, chorava, sei , eu fiquei com dele! Mas a mãe dele falou
comigo: “eu não ligo não, já tá morrendo mesmo!”. Eu conheci uma mulher
também com aids, a M., que já foi embora. Ela está magra, feia, coitada!
Ela toma remédio, tem dois filhos, quando eu ganhei a minha primeira ela
ganhou um também, que o pode ficar com ela. Ela tem aids, o marido
dela também tem. Helenice
Eu sei que a morte vem através dela, que a aids mesmo não mata, né? Mata
são as doenças que a pessoa vai pegando. Que o organismo fica sem
proteção, todas as doenças que a pessoa pegar, não fica bom. Pega uma
tuberculose, não fica bom; pega uma doença do pulmão, não fica bom. É
disso que a pessoa morre. Eu tenho um amigo que morreu com aids. Deu
tuberculose nele. Ele morreu rapidinho. Fica fraco e todo tipo de
doença... Graça
Aids é uma doença que a pessoa fica magrinha, que vai caindo até os
cabelos, né? Quando a pessoa está com aids, melhor é nem saber, é melhor
a gente nem saber... Nilda
Joffe (1998a) coloca que a responsabilidade e a culpabilidade de determinados grupos sociais
sobre a disseminação da aids constituem sua representação como os “outros”, que são
perigosos, criando um distanciamento da situação ameaçadora. Os entrevistados com agravos
mentais são capazes de ver que esse outro se infecta, adoece e morre, mas não que represente
um risco para os demais. A situação provoca pena, mas não é, em si, ameaçadora.
As representações das IST aqui encontradas como “doença ruim”, ligadas à sujeira, à
promiscuidade e a pessoas com múltiplos parceiros, o que gera vergonha”, medo e
preconceito, também foram encontradas nos estudos de Alves (2003); Andrade e Nóbrega
(2005); Damasceno et al. (2009); Oltramari e Camargo (2004) e Thiengo et al. (2005). Entre
as representações específicas para o HIV/Aids, a morte ainda é o discurso mais presente, o
que gera sentimentos de tristeza, solidão e grande sofrimento; porém a doença é vista como
resultado da negligência dos “outros”. Achados que corroboram esses discursos foram, entre
outros, os de Coelho (2006), Flores-Palácios e Leyva-Flores (2003); e Giami e Veil (1997).
82
Algumas representações, desde aquelas originadas de informações errôneas sobre as
infecções, até as explicitadas nas dificuldades pelos homens entrevistados para procura e
realização de tratamento das IST ou exposição das mulheres às doenças nas relações com
maridos e dificuldades de incorporação do uso de preservativo, são importantes para se
considerar a vulnerabilidade desse grupo frente a estes agravos, como apresentado a seguir.
5.2.2 Representações de Transmissibilidade e Prevenção das IST e do HIV aids
Essa categoria congrega representações das várias formas de transmissão e de prevenção para
esses agravos, dividida em três subcategorias: sexo e preservativos; transmissão pelo contato
com sangue e outras formas de transmissão para as IST e o HIV/Aids, conforme FIG. 3.
As representações apresentadas de transmissibilidade das IST estão diretamente ligadas às
representações do HIV, sendo algumas erroneamente compartilhadas desde o início da
epidemia mundial de HIV/Aids.
FIGURA 3 – Representações de transmissibilidade e prevenção das IST e do HIV aids
REPRESENTAÇÕES DE
TRANSMISSIBILIDADE E
PREVENÇÃO DAS IST E DO
HIV/AIDS
SEXO E
PRESERVATIVOS
TRANSMISSÃO
PELO CONTATO
COM SANGUE
OUTRAS FORMAS
DE TRANSMISSÃO
83
5.2.2.1 Sexo e preservativos
Os entrevistados, em sua maioria, associaram a transmissão das IST e aids ao sexo, referindo
que as doenças vão “passando de um para o outro” pelas relações sexuais, que podem ser:
vaginal, anal ou oral. Em geral, não objetivação do agente etiológico da doença, sendo,
portanto, o sexo considerado responsável pelas infecções.
Para os homens entrevistados, a transmissibilidade está diretamente associada às relações
sexuais com mulheres, das quais têm sempre que desconfiar. Para se proteger da aids, tem que
“correr de mulher”, daquela que “não conhece ou mesmo que conhece, mas é vadia”, além
das bonitas, porque “se a mulher bonita se aproximar, é melhor desconfiar”.
As mulheres são categorizadas, então, em “direitas” ou “de rua”, “limpas” ou “sujas”. Tais
representações, além de relacionadas ao comportamento e à conduta das mulheres, também se
associam a seu aspecto físico, sendo que aparentar “estar doente”, “não se cuidar”, “não ser
asseada”, ou mesmo “desleixada”, significam risco maior de terem alguma doença e “passar
para a frente”.
Aids é a pessoa transar com outro e transmitir doença pro outro. Transmite
pelo sexo e transar com mulher que tem aids também. Luis Carlos
A aids passa porque se um tiver com o vírus e se o outro não tiver, aí, um
passa de um pro outro. Passa, passa! Quinzinho
Pega através de relação sexual. Tadeu
(Transmite) pelo sexo. Quando faz sexo na boca, né? Paulo
A minha namorada me liga, a gente conversa. Nos últimos dois, três
anos, não tive relação com mulher, não. Essas mulheres são muito
contaminadas. Gabriel
Vou contar pra senhora, tem que ser uma pessoa decente, ter higiene...
Tomar seu banho todo dia, trocar de roupa... Saindo com pessoas que
tomam banho, que trocam de roupa. Pessoa não pode ficar com uma
muda de roupa todo dia. Tem que trocar uma camisa, trocar uma calça. Põe
uma camiseta diferente, troca ela, põe aquela pra lavar, veste outra limpa.
Quem faz assim não tem perigo de passar nada. Otávio
Pra proteger (da aids) tem que correr das mulheres, uai! Não é porque elas
tem muitos homens, é porque as bonitas são mais perseguidas. Eu falo que
eu era bonito antes e era perseguido! Se for mulher que não conhece,
84
fora! E, mesmo que conhecer, quando é vadia não tem jeito! Porque eu acho
assim, se, por exemplo, se você não conhece o parceiro, tem que prevenir,
não é? Se você não conhece, ela pode ir com um e outro, e você não sabe.
Aí, então, eu acho que tem que sair fora! Adriano
O preservativo masculino é lembrado, por todos, como necessário, mas seu uso ainda é
pontual. Os homens entrevistados usam o preservativo quando as parceiras o exigem, em
geral em casas de prostituição, ou definindo a necessidade pela aparência da parceira.
O não uso de preservativo pelos homens é justificado, por eles, pelo fato de se conhecer a
parceira, além de sua avaliação intuitiva ou física, considerando boa aparência e cuidado com
o corpo. No caso de uso do preservativo, é feito pelo cuidado quanto a uma gravidez
indesejada, deixando de lado o risco de se contrair uma IST. Porém todos afirmam sua
importância:
Aids é o tal negócio, tem que usar camisinha. É o único meio. Se bem que...
tem no beijo e sentar no vaso, mas eu acho que é mais difícil, né? Neneco
Com camisinha pra proteger das doenças. Da aids, e pra ela não pegar um
filho também. Bruno
Não sei como pega doença, mas tem que usar camisinha... Tem que usar. Eu
vou usar, mas ainda não... Junior
Uso camisinha de vez em quando. Pego no Posto de Saúde lá perto de casa.
Eu decido com quem vou usar olhando na cara mesmo. Olhando se é falsa
ou não. São as que eu pago tudo, pago pra beber, pago tudo pras meninas.
Tem umas que a gente não sabe! João
(E tem jeito de se proteger?) Tem, usando camisinha. Sempre... sempre...
sempre fazendo sexo com a mesma parceira, ou mesmo parceiro. Sempre
usar camisinha, mesmo sabendo que... sei lá, não pra confiar em
ninguém. Às vezes até casado também tem, né? Porque uma pessoa pode
trair a outra e ter uma doença mesmo no casamento. Tem que saber confiar
no outro e sempre estar fazendo exame. Se for fazer sexo com outra
parceira tem que prevenir e se a mulher também for fazer, ela deve usar.
Tadeu
Tem que prevenir com a mente, pensando: “aquela coisa não vai ser boa pra
mim não vai fazer aquilo”. A camisinha é preciso quando for num motel ou
boate, tem que usar, claro. Tanto um, quanto o outro. Mesmo assim é
perigoso ainda de apanhar doença. Trombeta
As mulheres do posto (de gasolina) eu pagava. E eu protegia, eu usava
camisinha (???). Mas algumas (destas) mulheres engravidaram, porque, na
época, eu não tinha esclarecimento, né? Wesley
85
Botar camisinha. Camisinha. Botar camisinha. Não lembro mais, não. Sem,
pega aids. Luis Carlos
Eu vejo na televisão, direto passando lá que tem risco, até mulher casada, se
for transar sem camisinha, sem camisinha pega risco... Edir
Se não for conhecida, eu tenho cuidado. Se for, eu não tenho não. Na
verdade, não uso camisinha. Nunca usei. Sabia que (tinha) que usar, mas eu
olhava e via que a pessoa estava sadia, que não tinha problema. Eu
perguntava a ela se ela tinha algum problema, ela falava que não tinha.
“Você já fez exame de aids?” Ela falava: “Não tenho problema de aids, não.
Pode confiar”. E eu ficava mais com mulher casada. usei camisinha com
a mulher que eu morei com ela porque ela tinha medo de engravidar de
novo. Felipe
As relações sexuais em troca de dinheiro são referidas pela maioria dos homens. Relatam
preocupação com o risco nas relações sexuais com profissionais do sexo, escolhendo aquelas
mulheres consideradas “limpas”. Tal situação pode significar um pagamento maior do que o
valor normal pelo ato sexual, na garantia que a profissional não tenha IST ou o HIV/Aids. Tal
garantia é dada pelo exame visual da parceira, observando a higiene, a aparência, os dentes e,
também, pela confirmação verbal da mulher escolhida.
Se eu ficar com a mulher, ela podia cobrar o valor dobrado que eu pagava.
Eu falo pra elas assim “Oh: se você tiver contaminada, desculpa eu te falar,
se sua vida é essa e não é vergonha você falar, se você tiver contaminada
com alguma doença, problema de doença venérea, eu te pago você em
dobro, mas não quero que você me contamine com essa doença”. Ela teria
que me falar. Gabriel
Em alguns casos, os homens acreditam que médicos em prostíbulos, responsáveis pelo
cuidado das mulheres, tratando-as quando necessário. Quando alguma aparece infectada,
descobre-se o transmissor e este é impedido de frequentar a casa.
As mulheres nos “bordel” que eu andava neles tinham médico três, quatro
vezes por semana. Essas mulheres falavam que não tinham nada. Os
médicos faziam os exame, eles estavam fazendo exames e tudo. Se um
homem, ele contaminasse uma mulher daquelas, ele tinha processo fechado.
Pra ter relação não podia mais. Não bolia com elas. Gabriel
Para as mulheres, a representação mais central para transmissão está relacionada à relação
sexual sem o uso de preservativo. também representação de transmissão pelo beijo e a
saliva, além de uma transmissão difusa, que pode vir do carinho físico entre os parceiros,
86
quando ocorre “muita manipulação” da mulher pelo homem, sendo considerado o modo de
transmissão mais perigoso, até mais do que a relação com penetração.
Sei como que pega: fazendo a transa sem camisinha. Juliana
Pega na relação. Eu acho que é pelo beijo também. Nilda
É não usando camisinha, né? vai passando essas doenças pra outro. Eu
acho que pela saliva tem jeito de pegar aids porque às vezes está com
infecção na boca aí o outro beija, pela saliva eu acho que pega. Eu acho né?
Então, se beijar pega. Pela saliva. Eu acho né? Sexo anal. Eu acho que é
assim. Fernanda
Acho que não resolve muito a camisinha, porque a gente não transa com
o pênis, nem com a vulva, antes da penetração existe muito carinho,
muita coisa. No meu modo de ver, principalmente homem, eles te
manipulam muito, se ele é um aidético, no ele fazer um carinho na mulher,
a meu ver, ele transmite se houver alguma coisa de estranho, qualquer coisa
assim, ele vai transmitir pra essa mulher sem ser via pênis. Pênis seja
apenas o órgão mais, mais fraco. Ita
Aquelas mulheres que dizem solicitar o preservativo no momento da relação sexual, ou que
foram taxativas sobre a necessidade de seu uso, afirmam sobre a prevenção:
Quais são as maneiras? Eu acho que só uma, né, usando preservativo. Graça
Usava camisinha. Ah porque eu tinha medo. Medo de pegar aids, sífilis...
gonorréia, essas doenças sexualmente transmissíveis. Fernanda
Tem que usar o preservativo né? Não tem outro jeito. Homem nenhum a
gente pode confiar, até mesmo no marido. Lulu
As mulheres entrevistadas apontam algumas representações semelhantes às presentes entre os
homens, sobretudo em relação à aparência do parceiro, mas exprimem, também,
representações de transmissibilidade pelo fato de o homem ser casado ou estar doente.
Não transar com homem casado, nem com homem doente... Eles são os que
não falam nada, mas são os mais perigosos. (Como você sabe que é casado
ou está doente?) Ah! eu desconfio logo. Nilda
Além dessas representações, aparece aquela fundada nas condições de higiene do parceiro,
que pode ser “limpo” e “sujo”, para se identificar o risco de transmissão de doenças. Para
muitas, o homem está sujo se frequenta prostíbulos e, implicitamente, trai a companheira.
87
Doença venérea vem conforme for o rapaz. Tem que ver se ele está limpo
ou se ele está sujo. Esses rapaz de zona, assim.. meu namorado uma vez,
falou assim: “eu fui na zona”. Me deu nojo, eu não quis mais nada com ele,
porque ele queria ficar me abraçando, me agarrar e podia pegar uma doença
em mim. Eu não deixei ele me beijar mais. Lelena
As mulheres apontam dificuldades da situação feminina nos relacionamentos sexuais,
principalmente quando a mulher é casada, para se fazer prevenção de IST e HIV/Aids, exigir
o preservativo ou se negar a ter relações. Sentem a importância de manter o relacionamento,
se sentem na obrigação de serem agradecidas por terem um companheiro na situação de
pessoa com transtorno mental, além de consideraram que o normal é homem ser “atirado”,
correr mais riscos e gostar de ter mais de uma mulher. A representação central é de que
“homem sempre pode trair, é ele querer”, porém, acreditam que solicitar o uso do
preservativo pode gerar desconfiança sobre seu próprio comportamento e prejudicar o
casamento.
Nesse sentido, o uso de preservativos é também representado por alguns homens como uma
forma de confirmação de que a pessoa está infectada, como aparece no relato abaixo. Para o
entrevistado, tem que fugir de pessoas que usam preservativo:
Você vai saber que a pessoa está doente se ela usar camisinha. Aí sabe! Não
pode mexer não, tem que largar pro lado. Tem que largar pro lado... Junior
Estudo de Oliveira et al. (2004) sobre prevenção em DST, com agentes comunitários de saúde
(22 mulheres e dois homens), mostrou que representam a mulher como submissa, fraca,
passiva, dependente e sentimentalista, o que prejudica a negociação do uso do preservativo
com o parceiro. Os agentes comunitários, assim como as mulheres do presente estudo,
acreditam que sugerir o uso do preservativo poderia indicar uma traição, gerar desconfiança e
estranhamento no seio do casal.
Para não correr riscos de se infectar, algumas mulheres afirmam a necessidade do uso de
preservativo masculino, mas o veem como fator gerador de desconfiança sobre a fidelidade no
casal, e sequer sabem da existência de preservativo feminino.
Depende do parceiro, tem que usar o preservativo, né? Não tem outro jeito.
A camisinha, de homem. Tem de mulher? Lulu
88
O pessoal fala: o negócio de camisinha, camisinha! Eu, graças a Deus, não
usei, não. Eu não usei porque eu queria ter filhos. Joana
Eu uso, mas tem muitas vezes entre o casal, muitas vezes a mulher quer
usar, mas... O meu esposo mesmo chega pra mim e fala: “Porque você quer
usar preservativo? Você tem outro homem?” Então, a gente tem ainda esse
preconceito, do marido chegar e falar isso, né? Eu não questiono se ele tem
outras mulheres porque hoje eu vejo que ele não tem. Antes, eu não
confiaria, mas hoje... Não é que a gente confia, a gente tem sempre uma
desconfiança! A gente não confia porque é homem, né? Mas, por ele ter
sido uma pessoa assim... e pelo que ele fala pra mim hoje, que jamais traria
ou faria certas coisas pra trazer doença pra dentro de casa. Às vezes, eu me
previno e, às vezes, termino de fazer uma relação sem a camisinha. Não
quero que ele me largue. Chiquita
As mulheres entrevistadas não exigem, portanto, o uso de preservativo aos companheiros e
afirmam nem ter conhecimento do preservativo feminino. Vale refletir sobre a necessidade de
pesquisas que desvelem os motivos de seu uso e da criação de hábito de fazer sexo seguro por
esse meio, tanto pelos homens como pelas mulheres.
Em relação ao preservativo feminino, sua introdução no Brasil deu-se a partir de 1997, com o
intuito de aumentar a autonomia das mulheres para praticarem o sexo seguro. Porém, o que se
observa é a pouca difusão do método, sendo explicado pela pouca indicação e orientação dos
profissionais de saúde para o uso (OLIVEIRA et al., 2008); pelas dificuldades de seu
manuseio; além de desconforto e ruído durante a relação (BRASIL, 1999b).
A realização de exames anti-HIV pelo casal também legitima, para as mulheres, a decisão de
não usar o preservativo durante as relações, sobretudo quando o parceiro mostra desejo de ter
um filho, confundindo-se com o seu desejo de agradar esse parceiro:
Eu tomava pílula e ele usava camisinha, no início. Depois, nós não usamos
camisinha. A gente fez exame, aquele da... aquele que tem, da aids.
Resolvemos que não ia usar mais...Porque... não sei, era melhor do que com
a camisinha. Juliana
eu parava de usar porque eles falavam que queria ter filho e aí, eu como
trouxa, parava. Aí, engravidava. Mas antes, eu pedia a eles pra fazer exame
pra ver se tinham alguma coisa, alguma doença. Fernanda
Outras representações encontradas dizem respeito à transmissão porque o espermatozóide está
infectado ou a pessoa tem um ferimento, está machucada ou “goza demais”, talvez se
referindo à fricção das mucosas provocando lesões, além da imagem de que existe ou não
89
uma “compatibilidade natural” entre os parceiros. Para se prevenir, o seguro é ter limites ou
encontrar parceiros “compatíveis”.
É transmissível. Tem espermatozóide infectado, aí pega doença. Bruno
Se uma pessoa está machucada, passa aids através de relação sexual.
Também muita gente faz sexo gozando demais e aí vai passando pras
pessoas e vai tendo as doenças todas. Pode provocar doença. Eu tenho o
meu limite. Dentro do meu limite. E tem a pessoa certa, não são todos que
são igual a gente, né? Tem uns que são compatíveis com a gente. Trombeta
Os entrevistados relataram, ainda, fazer prevenção das IST e HIV/Aids como se fosse
prevenção de gravidez e também com uso de medicamentos anteriormente ao ato sexual:
Tem prevenção com a ligação (de trompas), tem a camisinha, o
preservativo. E tem alguns comprimidos pra gente também tomar. Tarica
Olha, na época, que eu tinha meus 17, 18 anos, não tinha essas doenças
venéreas não, mas tinha proteção pra se defender. Eu protegia. Tomava
remédio. Tomava remédio pra não pegar doença venérea, antes do sexo.
Nunca peguei doença venérea nenhuma, graças a Deus... nenhuma! Gabriel
Abstinência também aparece como forma de prevenção. Dessa forma, o sexo é representado
como meio de se infectar com alguma doença. Portanto, evitá-lo é método para não se ter uma
IST ou aids.
Não transar com a pessoa assim, né? Não transar. De outra forma (de
prevenção), eu sei não. Fernando
Masturbar é melhor que ter doença! Depois que tem (relação sexual), fica...,
né não? Trombeta
Antes, eles não usavam camisinha, eu não usava anticoncepcional, e me
engravidavam. Prefiro não ter nada para poder proteger dessas doenças.
Tem que evitar o contato da pessoa com a gente. Beijo na boca, isso não
pega, e sexo não pega se estiver usando camisinha. Mas o melhor é não
fazer. Nilda
As representações acerca da transmissibilidade das IST e do HIV são as mesmas circuladas no
início da epidemia e, portanto, a prevenção ocorrendo pela simples escolha do parceiro, em
detrimento do uso contínuo de preservativos. A sujeira, o sexo impuro, a promiscuidade, a
aparência “desleixada”, são representações presentes nas diversas populações desde o início
da epidemia de aids e foram identificadas por vários autores, dentre eles Alves (2003);
90
Andrade e Nóbrega (2005); Barbará et al. (2005); Flores-Palácios e Leyva-Flores (2003);
Giami e Veil (1997); Joffe (1998a); Souza Filho e Henning (1989) e Thiengo et al. (2005),
como citado anteriormente. Tais representações remetem os sujeitos, na maioria das vezes, a
maneiras incorretas de se pensar o risco de transmissão e resultam em aumento de sua
vulnerabilidade no cotidiano.
Como a população em geral (ALVES, 2003; BRÊTAS, et al., 2009; SOUZA FILHO;
HENNING, 1992; OLIVEIRA et al., 2008; THIENGO et al. 2005), as pessoas com
transtornos mentais representam o uso do preservativo como necessário, mas uma boa
quantidade de justificativas para o não uso. A maior vulnerabilidade desse grupo está no fato
de que suas capacidades de negociação são diminuídas socialmente, mais do que a dos
demais. A perda do afeto e a destruição de uma imagem de si pesam para as mulheres, que
querem ser amadas e não somente ter relações sexuais sem envolvimento. Para os homens, a
prevenção parece ligada mais a um fato de um instante, por oportunidade e disponibilidade de
se conseguir uma parceira que os aceitem, o que também se relaciona à auto-imagem e
vontade de ser aceito, mesmo que somente para o ato sexual, do que à atitude, propriamente
dita, de se proteger. Ora, um e outro estão, portanto, sujeitos ao risco de infecção, com
nenhuma ou pouca reflexão e com nenhuma ou pouca postura de proteção.
5.2.2.2 – Transmissão pelo contato com sangue
Alguns entrevistados referiram transmissão das IST e aids pelo contato com o sangue de
outras pessoas, sendo possível nas transfusões de sangue e no compartilhamento de seringas
entre usuários de drogas injetáveis, não havendo diferenças de representações entre homens e
mulheres, nesse sentido.
Se tiver contato com o sangue do outro, pega. Lelena
Eu acho que é necessário estar usando preservativo, não usando seringa dos
outros, e injeção, na hora que tomar, ficar olhando se é descartável ou não.
Graça
Pega com uso de droga pela seringa. A seringa vem com o que eles aplicam
na veia... Juliana
91
Porém, alguns poucos acreditam que a transmissão ocorre somente pelo sangue, sem ligar a
infecção aos outros fluidos corpóreos.
É uma doença que transmite do sangue. Ah, só pelo sangue... Paulo
O uso ou presença do uso de drogas ilícitas por pessoas próximas foi narrado como rotineiro
para os sujeitos entrevistados, sobretudo os homens. Existem, então, representações sobre
prevenção de IST e HIV/Aids que emergem dessa experiência. Dentre essas representações, o
não compartilhamento de seringas para os usuários de drogas é considerado fundamental para
não se infectar:
Tem transmissão através de drogas injetáveis. Aids, né? vi muitos
usarem, sem cuidado nenhum. Tadeu
Aparecem, ainda, nos discursos, representações de prevenção de infecções pelo sangue
transfundido. A idéia é de que deve haver melhor preparo do sangue nos serviços de
transfusão, com realização de sorologia para alguns agravos, embora os sujeitos não tenham
conhecimento de como seja feito:
Pelo sangue, pela injeção, pela seringa. Se tomar na mesma seringa do
outro... E doação de sangue tem que ser bem tratada pra não poder passar a
doença no sangue. O sangue tem que ser bem tratado pra dar pra outros.
Fazer exames, olhar, ver se não tem nada... Fernanda
As representações de transmissibilidade pelo recebimento de hemoderivados contaminados
dos bancos de sangue, presentes no início da epidemia, ainda permanecem nos discursos.
Parece, que o alto número de casos de contaminação até o início da década de 1990 (SILVA;
BARONE, 2006), com ampla divulgação pela mídia, principalmente, nos casos de pacientes
hemofílicos, ancora tais representações.
A incidência de casos de transmissão de HIV e Hepatite C por transfusão sanguínea ainda
acontece no Brasil e também no restante do mundo, porém com frequência bem inferior à do
início da epidemia (FERREIRA et al., 2001). Vale lembrar que, além do HIV, a hepatite C
também teve disseminação pela contaminação de bolsas de sangue, inclusive mais
92
significativa que o HIV (SILVA; BARONE, 2006), mas não há, nas entrevistas, referências a
esse fato.
O governo brasileiro tomou medidas importantes, desde a última década, para controle da
coleta e distribuição dos hemoderivados, realização de testes para identificação de doenças e
uso obrigatório de material descartável nos serviços responsáveis, garantidas com a Portaria
1.376/1993 e Lei n
o
10.205/2001 (BRASIL, 2009). Essa lei ficou também conhecida como
Lei Betinho, em referência a um dos casos mais lembrados de contaminação pelo HIV por
transfusão sanguínea no país.
Carrazzone et al. (2004) colocam, ainda, que, para minimizar as possibilidades de transmissão
de infecções por transfusão sanguínea, são necessárias ações que incluem aumento da
captação de doadores, seleção clínica e epidemiológica e triagem sorológica. Além disso,
ações para diminuir a ocorrência de doadores infectados devem realizar-se rotineiramente
para incentivar a testagem do HIV, quando bem indicado, nos Centros de Triagem e
Aconselhamento que realizam os testes de forma anônima, o que contribui para garantir ainda
mais segurança do sangue.
5.2.2.3 - Outras formas de transmissão para as IST e o HIV/Aids
Representações de transmissão das IST, que foram relacionadas também à aids no início da
epidemia, ancoradas em conceitos e informações errôneas sobre transmissibilidade, foram
construídas pelo medo, desconhecimento da doença e pelo caráter epidêmico e mortal do
evento.
Algumas representações de transmissão, principalmente do HIV/Aids, ainda hoje presentes na
sociedade, também foram relatadas por esse grupo de entrevistados, com conteúdo muitas
vezes precursor de preconceito, proveniente de outras epidemias de doenças transmissíveis
como a tuberculose e a lepra, e que apontam o desamparo e a vulnerabilidade social das
pessoas em face das doenças (CLARO, 1995).
93
Além de pegar transando, tem outras formas. Aliás, pra mim, tirar sangue é
uma forma, às vezes até banheiro. Breno
Sei lá, a gente vê assim, uns falam que pega até no sentar... por exemplo, se
a pessoa tiver com aquela doença, diz que pega, né? É. Eu até acredito,
sabe? Até num beijo, num abraço, né? Pode pegar, se a pessoa está
infectada. Neneco
Eles falam que pela boca pega, eu nunca tive, não. Walter
Se não sentar no vaso, se não por a bunda no vaso... Tem muita gente que
mija ali e pega doença. Pega doença que não cura. Isso que gera aids. Já vai
sentando no vaso e pega essa transmissão lá, que transmite a doença.
Trombeta
Eu sentado aqui, a pessoa vem, sentou aqui... Se ela usar um copo, a
pessoa não lavar o copo... No mesmo copo. É. Até uma roupa, passar prum
colega seu sem lavar... Otávio
Pega sentando... Sentar na cadeira. Ou na cadeira ou no banco. A pessoa
saiu, a gente vai e senta e pega. Os outros falam, né, que pega. Mas, eu não
tenho esse negócio comigo, não. Vestir roupa dos outros também não deve
ser bom. Usar roupa dos outros não deve ser bom. Joana
Beijo também pega doença. Quem tem aids, quem tem HIV também, beijar
na boca transmite. Igual minha tia teve... Beijar na boca, nosso Deus, tá
doido! Edir
A doença pega na relação sexual, no beijo, e de sentar no vaso. Celina
Eu acho que é pelo beijo. Acho que não tem outro jeito... Nilda
Pela saliva tem jeito de pegar aids, porque, às vezes, está com infecção na
boca e o outro beija... Pela saliva eu acho que pega. Eu acho, né? Pela
saliva. Fernanda
As representações parecem vir do mistério insondável de algo que não se vê, não se controla,
desconfia-se, provoca medo, mas não se sabe onde se encontra. Ter certeza demais não é
possível e as frases do tipo: “os outros é que dizem que pega, mas comigo não tem disso” ou
repetir várias vezes: “eu acho, não é?”, como se quisesse a confirmação do interlocutor, estão
nos discursos com essa função. Na falta de certezas, o melhor é considerar como verdade
mesmo aquilo que não está claro.
As representações com inclusão de falta de informação ou informação incorreta sobre a
transmissão também aparecem em estudos realizados com mulheres (FERNANDES et al.,
2000); adolescentes (BRÊTAS et al., 2009; GOMES et al., 2005) e com idosos
(LAZZAROTTO et al., 2008), sendo de transmissibilidade pelo beijo na boca e no rosto;
94
abraço; pessoas na rua; sabonetes e toalhas; banheiro e assentos sanitários; falta de higiene; e
beber no mesmo copo. Nesses estudos, as informações aparecem de forma mais incorreta nas
pessoas mais velhas (acima de 40 anos); sendo que, para os idosos, a representação de
transmissão da aids pela picada de mosquito esta presente.
5.2.3 – Representações sobre Risco e Educação Preventiva para as IST e HIV/Aids
Nesta categoria foram agrupadas as representações dos entrevistados sobre risco e percepção
das práticas de educação preventiva face às IST e o HIV/Aids. Dividiu-se em duas
subcategorias: risco face às IST e o HIV/Aids e percepção da educação preventiva, conforme
FIG 4.
FIGURA 4 – Representações sobre risco e educação preventiva para as IST e HIV/Aids
5.2.3.1 – Risco face às IST e o HIV/Aids
Os entrevistados, em sua maioria, identificaram a presença do risco para infecção pelo HIV e
outras IST por meio das relações sexuais. Porém, tanto homens quanto mulheres não
promovem a incorporação da necessidade do uso de preservativo, em uma tentativa de
minimizar o risco reconhecido. Há, ainda, relativa negação de vulnerabilidade individual
destes entrevistados, estando o risco presente somente para “os outros”.
REPRESENTAÇÕES SOBRE
RISCO E EDUCAÇÃO
PREVENTIVA PARA AS IST E
HIV/AIDS
RISCO FACE ÀS IST
E O HIV/AIDS
PERCEPÇÃO DA
EDUCAÇÃO
PREVENTIVA
95
Em relação ao uso de drogas injetáveis, a referência ao risco pelo compartilhamento de
seringas e agulhas é mínima, mesmo para os entrevistados que afirmaram uso de drogas em
algum momento da vida.reconhecimento de que pode haver transmissão por esta via, mas
ninguém se sente verdadeiramente incluído, mesmo fazendo uso de drogas (QUADRO 1 e 2).
Outro ponto instigante refere-se à inobservância de risco nas situações de abuso sexual,
embora tenha havido relatos importantes dessa ocorrência. De fato, nenhum entrevistado,
homem ou mulher, relacionou a violência sofrida (QUADRO 1 e 2) ao risco para a infecção
pelo HIV/Aids e as demais IST.
Na mesma vertente de uma reflexão cada vez mais presente nos debates atuais acerca da
adesão individual na prevenção das IST e HIV/Aids (BOZON; DORÉ, 2007), o relato de
Quinzinho de 72 anos, viúvo, analfabeto e que vive só, que aponta a presença do risco para
todas as pessoas da sociedade, pela falta de cuidado da pessoa com o outro:
A gente tem que pensar na gente e pensar no próximo também, porque o
mesmo sangue que corre aqui corre na senhora, corre em outro qualquer. Se
todos pensassem isso, o nosso mundo era um mar de rosas. Mas é que
ninguém não pensa. Quinzinho
Tal temática apresentada remete aos diversos problemas sociais, econômicos e ambientais
contemporâneos, que tanto se tem discutido na atualidade, buscando reaver posições e
atitudes que favoreçam o coletivo e não só o individual. Logicamente, os passos dados têm
sido curtos em relação ao que é realmente necessário avançar para o desenvolvimento
mundial, em todos os aspectos, porém não se deve deixar de reconhecer o que já foi
alcançado. As representações sobre o outro e ao coletivo estão revestidas, hoje, de uma ética
chamada de “ética da s-modernidade”, na qual os interesses imediatos do indivíduo devem
ser respondidos a qualquer custo e no menor tempo possível, sobrepondo os interesses dos
outros, da coletividade, no curto, médio, ou longo prazos.
Se a pós-modernidade tem significado abertura para a “aceitação das diferenças”
(LYOTARD, 2002), “valorização da subjetividade, reconhecimento dos mais variados
movimentos e organizações sociais, ampliação dos espaços de liberdade e criatividade,
multiculturalismo, novas formas de expressão, e debate sobre o meio ambiente e formas
alternativas de produção e de vida” (PATRUS, 2006), também definiu uma retificação do
96
niilismo, do profundo relativismo e da racionalidade tecnicista e instrumental da sociedade,
que fundam a alienação dos sujeitos e do próprio Estado em relação à sociedade.
O compromisso e responsabilidade em relação ao outro, se mais presentes na sociedade, de
certo mudariam os rumos da história mundial e trariam avanços sociais importantes.
Relembrando a história da disseminação mundial do HIV/Aids, em que o preconceito e
estigma foram “incentivados”, em detrimento do estímulo à proteção específica individual
contra o HIV e o cuidado aos infectados (HERZLICH; PIERRET, 1988), cabe-se pensar que
estas últimas atitudes, provavelmente, teriam diminuído as proporções da pandemia que se
espalhou pelo mundo.
Uma intervenção de base comunitária em um município da região amazônica, apresentada por
Benzaken et al. (2007), foi inspirada na pedagogia da autonomia de Paulo Freire (1996) e
explorou a capacitação de profissionais do sexo para constituírem-se agentes de saúde e
multiplicadoras de conhecimento sobre a aids. Segundo os autores o projeto tem sido
desenvolvido desde 1997, quando se previu um possível aumento da transmissão de HIV no
município, pelo incentivo ao turismo ecológico. Como resultados, obteve-se diminuição das
taxas de incidência das principais IST e a manutenção em baixo nível da epidemia de
HIV/Aids, o que demonstra a importância da autonomia e responsabilização dos sujeitos na
promoção à saúde individual e coletiva.
Sobre as demais posturas dos entrevistados em relação à percepção do risco, os achados
mostram que este é representado diferentemente entre os gêneros. Para os homens, o risco é
identificado nas relações sexuais, e mais especificamente, nas mulheres como
“transmissoras”.
Contudo, a maioria dos homens nega haver risco para si próprio de se infectar pelo HIV e
outras IST, afirmando serem “espertos” ou “cobra criada”. O risco, presente nas relações com
mulheres, pode ser diminuído se avaliações estéticas de asseio” e “beleza” forem positivas;
número de parceiros da mulher de interesse for baixo; e se o tempo de conhecimento entre
eles permitir mais informações sobre o comportamento da mulher.
Eu acho que tenho risco de pegar aids? Eu acho, né. Que tenho. Porque
quero transar. Luis Carlos
97
Hoje o senhor acha que tem algum risco de pegar aids? Do jeito que tá...
vem as coisas , acho que pode correr risco, né. Posso ser contaminado
pela sexualidade, né. Não é qualquer um que pode? Neneco
Ah, tem risco, corre risco. Corre risco, corre risco de pegar. É. Corre risco
de pegar sem camisinha, né? Paulo
Eu acho que tem. Todo mundo tem, os pacientes que trata aqui. Tem risco,
tem gente que tem. Numa época em que as meninas iam todo dia ao quarto
com o B. (referindo-se a relações sexuais na Instituição na qual está
hospitalizado). Nossa! Edir
Não acho que corro risco porque eu, graças a Deus, reservo muito o meu
corpo, o tem que dizer assim que eu vou fazer bagunça com uma e com
outra porque eu não quero. O que é meu eu não quero pra ninguém, e não
quero o de ninguém pra mim. Quinzinho
Não corria risco não. Antes eu saia com viúva, mulher que ninguém tinha
saído com elas e com menina novinha que eu era o primeiro homem dela.
Agora tambémo tenho não, porque agora eu sei me prevenir, né? Wesley
Não tenho medo de pegar doença. Eu faço exame, de ano em ano, eu faço
exame de sangue. Eu só não tinha feito HIV. Felipe
Olha, não tinha risco pra pegar porque essas mulheres desdeixadas pra lá,
pra mim não valem nada! Não vale nada! Que mulher que mantém relação
sexual com um com outro, eu passo longe delas. Gabriel
Essa questão desse casamento me deu nojo de mulher que transa com um,
transa com outro. Fiquei enojado com isso. Tenho antipatia disso. Então,
automaticamente, pra manter relação sexual, primeiro eu vou ter que
conhecer a menina, ver se ela é uma pessoa direita. Porque transar não é
sinônimo de sem-vergonhice, mas galinhagem é sinônimo de sem-
vergonhice. Se eu chegar a ter uma parceira é porque a observo um
tempo. Sou gato escaldado. Não tenho medo de pegar doença. Também,
uai.. eu não transo. eu brinco: “de aids, desse mal não morro”. Eu não
transo e pico eu não tomo. Breno
Eu procuro a pessoa adequada pra não pegar porque antigamente eu peguei
(uma IST) e fiquei com medo. Então vou na pessoa certa pra não pegar
nunca mais. Eu tenho medo de pessoal de rua. Nunca usei preservativo. Se
eu não escolher, vai acontecer igual o que me deu da outra vez que eu
peguei isso. Depois que eu fiz, não peguei mais. Otávio
Analisando as falas apresentadas, percebe-se que, para os homens “cuidar do corpo”; realizar
“exames médicos periódicos” (não necessariamente o anti-HIV) e manter relações sexuais,
mesmo sem uso de preservativo, com mulheres “virgens”, “viúvas”, “direitas” e “féis”, os
livra de qualquer risco para as infecções pelo HIV e IST.
98
A relação com mulheres “direitas”, que não são “de um e de outro”, também é vista
positivamente em estudo de Alves (2003). Para os homens rurais entrevistados do estudo, à
mulher compete um comportamento bem exemplar, para que esta tenha chance de ser vista
como uma mulher passível de compromisso sério.
Tais mulheres apresentam diferenciação, segundo os homens entrevistados do presente
estudo, em relação às outras” “desdeixadas”, pois as primeiras são consideradas melhores
porque são “limpas”. Porém, pelos seus relatos explicita-se que a maioria das relações sexuais
acontece com profissionais do sexo, que se dividem entre as “de rua”, que são “perigosas”, e
as de “cabaré”, que exigem o uso de preservativo. No momento de escolher os homens, no
entanto, não necessariamente optam pelo sexo seguro.
Em relação às contínuas relações pagas pode-se afirmar, como já apresentado em outra
categoria e relembrando relatos de João, que: “elas dão pra mim porque eu pago” e de Felipe:
“elas são as únicas que aceitam a gente, mas não tem amor, nem carinho”, que estas não
acontecem por uma escolha autônoma, mas sim pela falta de opção destes homens, que vivem
uma condição estigmatizante.
No estudo citado de Alves (2003) os homens rurais também apresentam uma visão negativa
das mulheres profissionais do sexo, pela exigência de pagamento pela relação sexual, por
terem vários parceiros, fazerem “sexo apressado” pensando nos próximos clientes, além de
considerarem arriscado transar com elas, entendendo que estas representam um maior risco
para que eles adquiram IST e HIV/Aids. A autora coloca, ainda, que esta preocupação com as
infecções aparece também em relação à possibilidade de infectarem a esposa ou a “pessoa
certa”, e os seus filhos, o que não apareceu no discurso dos pacientes entrevistados. Para os
homens com distúrbio mental, o seu risco de infectar outras pessoas não está presente talvez
pela falta de concretização do risco ou porque não conseguem ter alteridade que leve à
preocupação com o bem estar da companheira. Para os entrevistados do presente estudo, a
preocupação de risco nesse contexto não existe ou é esquecida no momento que têm a
oportunidade de manterem uma relação sexual.
Para as mulheres com transtorno mental entrevistadas, a manutenção da virgindade e
abstinência, além de parceria fixa, são representações de invulnerabilidade. O risco, no
entanto, aparece de forma mais real do que para os homens, principalmente ao terem relações
99
sexuais com seus maridos sem preservativo, considerando a suposta ou reconhecida
infidelidade de seu parceiro que “nunca é 100% confiável”. Além disso, a não utilização de
preservativo, constante submissão às decisões do homem e uso de bebidas alcoólicas estão
nas suas narrativas e são consideradas como situações de risco.
Me protejo com meu marido. Não confio em homem, não. Graça
Eu tenho medo, mas acho que o corro risco de pegar doença, não. Por
causa que eu só tenho ele, meu parceiro, né. Juliana
corri risco sim, mas agora não tenho mais, não transo com ninguém. O
rapaz com o qual eu vivi sete anos, acabou me contando que ia com outras,
mas dizia que não levava a relação até o fim. Ele não era mentiroso, ele
falava as coisas pra mim, mas eu achava que ele era... porque geralmente,
todo homem é mentiroso, né? Fiquei sem usar, até que eu encontrei uma
camisinha na sua bolsa. Eu perguntei: “onde você arrumou essa camisinha e
porque você arrumou essa camisinha?” Ele não era mentiroso, ele conta
tudo, mas negou que tinha comprado a camisinha. Eu insisti, ele falou
assim: “eu comprei sim, foi no hotel”. “Isso quer dizer que você transou
com alguém. Então pra mim não serve, porque eu não vou transar com você
sem camisinha porque eu não te traio”. Aí, acabou. Ita
Você acha que você corre algum risco de pegar alguma dessas doenças?
Não. Não, acho que tenho risco. Porque eu não transo com ninguém. Nilda
Eu corro risco sim, porque é o programa (trabalho) que eu procurei. Mas aí,
na hora que eu bebo, eu fico com medo de engravidar e de pegar doença.
Vera
Ah, eu não poderia pegar porque eu não sou boba, eu não aceito eles com
doença... Eu fico sabendo que eles têm doença porque às vezes a gente sabe,
né?... Mas eles têm que falar também porque senão eu não vou ficar
sabendo. E aí, eu não aceito! Quem me chamar pra fazer o negócio e tiver
alguma doença, eu o aceito! Então pronto: se eu não aceitar, eu não
vou pegar aids. Eu me protejo assim, né? Você não vai pegar se não fizer,
né? Tarica
As posturas aqui são todas de que não risco porque têm atitudes de proteção, mas ao
descreverem os fatos e suas explicações, constata-se a ineficácia de tais atitudes. No Brasil, o
número de casos de aids é de 506.499 pessoas (notificados desde 1980), sendo que, deles,
65,8% (333.485) são homens e 34,7% (172.995) são mulheres. Observa-se que o número de
mulheres infectadas aumenta gradualmente a cada ano e incremento da categoria
“heterossexual”, sendo que, até 1995, eram 14,4% de homens infectados heterossexuais,
passando a 45,7%, em 2008 (BRASIL, 2008a).
100
Estes dados confirmam a atual vulnerabilidade à infecção pelo HIV das mulheres com
parceria fixa. Giacomozzi (2004), em estudo de representações sociais de mulheres, sobre
confiança no parceiro e prevenção para as DST/aids, encontrou que, após estabelecimento de
relação de confiança e intimidade com o companheiro, dispensam o uso de preservativos nas
relações sexuais. No mesmo estudo, mulheres sem parceiros fixos aparecem como mais
atentas às práticas de prevenção, inclusive por sentirem medo de se infectar.
As mulheres, portanto, embora demonstrem ter conhecimento dos riscos e das infecções, não
fazem uso de proteção no seu relacionamento conjugal por terem sentimento de segurança no
casamento e confiança em seu parceiro, colocando-se em posição mais vulnerável.
Nesse sentido, Giacomozzi (2004), afirma que há várias dificuldades vividas pelas mulheres
para negociarem o uso de preservativos com os parceiros fixos. Primeiramente, pela
submissão histórica da mulher ao homem e receio de conflitos pela sua dependência
financeira no casal; aceitarem, sem discussão, o pretexto de que a camisinha incomoda ou
reduz o prazer sexual; além do medo de julgamento e questionamento a respeito de sua
fidelidade. No caso das mulheres com agravos mentais, o espaço de negociação parece ser
ainda menor, inclusive pelo sentimento de inferioridade existente em relação ao parceiro e
haver descrição de relações muito agressivas no interior do casal, que impedem explicitação
franca e respeitosa entre os parceiros.
Conclui-se, portanto, que embora os entrevistados conheçam os riscos de infectar-se pelo HIV
e IST por meio das relações sexuais, as formas utilizadas para diminuí-los é subjetiva, com
avaliação do comportamento e física do parceiro pretendido, além da confiança no
companheiro(a), ao invés do uso objetivo e contínuo do preservativo. Vale ressaltar que as
queixas sobre o preservativo existem, com representações de que relação sexual com ele é
igual “chupar balas com o papel”, além de que “o homem diz que não sente prazer”, sem que,
no entanto, a maioria o tenha experimentado.
Estes aspectos favorecem a vulnerabilidade destes sujeitos, uma vez que os coloca em
situações de risco, por meio de relações desprotegidas consentidas ou não. Isto exige dos
profissionais de saúde, incluindo aqueles responsáveis do Estado pela educação em saúde
veiculada pelos meios de comunicação, a capacidade de inventar modos de adesão que cada
101
sujeito com agravo mental possa assumir, comprometendo-se com o parceiro, e dentro dos
contextos próprios do grupo.
5.2.3.2 – Percepção da educação preventiva
Apesar da importância da prevenção em IST/aids insistentemente anunciada pelos órgãos de
saúde do governo, o Projeto PESSOAS, em seu eixo quantitativo, verificou que existem
poucas atividades educativas de prevenção nos serviços públicos de saúde mental do Brasil
(BRASIL, 2008b).
Com intuito de conhecer, do ponto de vista dos pacientes acompanhados em instituições de
saúde mental, as práticas para educação em saúde que estariam sendo desenvolvidas nos
serviços, os participantes entrevistados do eixo qualitativo do projeto, foram questionados
sobre a ocorrência e conteúdo de tais atividades, e o interesse dos mesmos no assunto.
Nos relatos, os entrevistados revelaram que, em geral, não recebem informações, nos serviços
de saúde freqüentados, sobre as doenças sexualmente transmissíveis, seus métodos de
prevenção e controle, com algumas exceções. o há, também, diálogos sobre sexualidade e
relacionamento amoroso. Tais conhecimentos provêm “da vida”, dos amigos e, sobretudo, da
televisão, que parece ter um papel mais importante na formação destes sujeitos do que o
ensino formal por meio de escolas, ao qual a maioria nem teve acesso.
Ouvi falar na televisão e na escola. Pouquinho na escola. E com os amigos.
Edvaldo
Olha, eu sempre estudei sobre isso. Nas farmácias, quem estava
contaminado, então, eles chegavam e compravam remédio na farmácia e a
farmácia explicava o sentido. Gabriel
Já. Sempre fui informado e sempre tive noção do perigo da aids, da
gonorréia, da sífilis, do cancro, tudo. Sempre propaganda do Ministério da
Saúde, sempre... na televisão, todos os meios de comunicação existe isso
desde muito tempo. Tadeu
Porque é doença sexualmente transmissível, ? Normal... eu fiquei
sabendo assim... Na rua. Bruno
102
(Onde que você aprendeu essas coisas sobre sexo, sobre doenças
transmissíveis?) Aprendi na vida. Eu aprendi sozinho, através de um amigo.
Com a vida, tantas coisas que a vida deu experiência pra mim. E na
televisão. Trombeta
Como foi descrito anteriormente, os entrevistados dizem ter informações, mesmo mostrando
que algumas são bastante confusas, sobre a infecção pelo HIV e outras IST. No entanto, a
maioria, apesar de desconfiar da situação, gostaria de participar de atividades educativas sobre
sexualidade e prevenção de doenças nos serviços de saúde, sobretudo para “ajudar os outros”.
No CAPS não tive informação sobre sexo, sobre sexualidade. Nunca
conversaram sobre isso, não. Será que teria jeito? Totonho
Não recebi informação aqui no serviço sobre sexo, sobre as doenças, mas
gostaria. Wesley
no CAPS, sobre aids, sexo, a gente conversa. Sempre tem reunião lá,
sempre a gente conversa. Eu acho muito importante essa conversa. O
pessoal perguntou quem se interessava, eu falei, que eu. Eu penso muito
em mim, penso nos meus filhos e penso nos outros também. Saber pra
ajudar as pessoas, porque se eu sei... Quinzinho
Dentre os homens, os que não o querem têm vergonha de ouvir falar no assunto em público
por questões morais, sentindo-se constrangidos.
Eu não acho importante (falar sobre sexo, sexualidade lá no CAPS)
porque geralmente as cidadãs são tudo gente de família. vergonha na
gente. Otávio
Os homens consideram as atividades de educação em saúde mais necessárias que as mulheres,
como verificado nas falas a seguir. As mulheres justificam tal postura por acreditarem “saber
o suficiente” ou por “não quererem mais relações sexuais”, considerando que estas foram
desagradáveis, em algum momento da vida.
Algumas que acreditam saber o suficiente, afirmam:
Eu aprendi na televisão. Falava muito. Aí, meu pai foi conversar comigo
sobre isso. Sei direito. Juliana
Sobre as doenças sexualmente transmissíveis nunca aprendi, não. O que
aprendi foi na rua. Também todo mundo falava. Helenice
Eu não gostaria que conversassem sobre isso aqui no serviço. Acho que não
precisa mais não. nem quero saber de sexo. Falar disso e ouvir os outros
falando é falta de vergonha. Celina
103
Nunca ninguém falou sobre como se prevenir, não. Nem no centro de saúde,
CERSAM, o. Eu acho importante, né? Mas eu já sei. Agora, saber de
sexo não quero mais, não. Fernanda
Porém, algumas consideram interessante poder ouvir e falar sobre sexualidade e sobre
prevenção de IST e HIV/Aids, sem poderem explicar as razões e outra considera que é bom
“levar a informação para outras pessoas”.
Eu estudei no colégio, algumas coisas eu fiquei sabendo se não me engano.
Eu já li também, eu já li. E gostaria que o pessoal daqui do serviço
conversasse mais sobre isso. Gostaria. Lelena
Não tive informação aqui, não. Eu gostaria. Gostaria pra orientar as pessoas.
Eu gostaria de ter mais informação. Nilda
Chama a atenção, portanto, a falta de expressão quando o assunto é sexualidade, tanto entre os
homens como entre as mulheres com agravos mentais, como um tabu que a sociedade tem.
Aqui, os entrevistados demonstram terem absorvido suficientemente o imaginário de
interdição do assunto, permeado pela vergonha, pela baixa comunicação nas relações pessoais
e, sobretudo, pelo medo que se tem de o “louco” ser capaz de desrespeitar limites e normas
sociais (JODELET, 2004), além da falta de informações corretas e claras sobre as doenças
sexualmente transmissíveis e o HIV/Aids.
Segundo Ferreira e Gepsaids (2008), o grau de informação sobre a infecção pelo HIV/Aids
não é, por si só, suficiente para que uma pessoa modifique o comportamento e adote uma
postura mais protetora em relação a si própria. Entretanto, estes autores afirmam que a falta de
informações básicas contribui, de forma substancial, para aumentar a vulnerabilidade ao
HIV/Aids.
De fato, os entrevistados reconhecem a existência de riscos e percebem a necessidade destes
conhecimentos para proteção de sua saúde, embora o sentimento de invulnerabilidade esteja
presente, sobretudo para os homens. Esse sentimento de invulnerabilidade parece estar
presente não dentre os entrevistados, mas é difundido na população em geral, considerado
como uma característica do ser humano, mais ou menos pronunciada, de representar a vida e a
luta contra a morte. Le Breton define os estudos que integram tais pressupostos na linha da
“sociologia do risco”, afirmando a existência de um eixo positivo do risco na vida, em
contraposição àquele da epidemiologia e do setor saúde, em geral. Este, segundo o autor, ao
apontar a prevenção como seu centro, está dizendo de uma “racionalidade que desarme
104
meticulosamente os perigos, como uma imagem antecipada do imaginário da doença, da
morte, do acidente, do desastre ecológico ou da catástrofe natural, (...) afim de prever o pior e
suspender antecipadamente seu eventual aparecimento” (LE BRETON, 1995, p. 25). Na
sociologia do risco, Le Breton lembra, portanto, que, outro eixo, o do risco como desafio,
como uma medida para o sujeito se sentir vivo, invulnerável e mais forte que a morte, o que,
muitas vezes, leva-o a se testar e a testá-la, de maneira mais ou menos refletida. Talvez, tal
sentimento de invulnerabilidade, que parece ser bastante acentuado entre os entrevistados,
dificulte a incorporação em suas rotinas de cuidados necessários para prevenção e promoção
da saúde.
Ora, o risco é uma noção socialmente construída, variável no lugar e no tempo, apreendida
psicológica e cognitivamente em diversos graus pelas pessoas, o que fala a favor de
informação, construção e reflexão coletivas, além de acompanhamento individual, no que se
refere à sexualidade e, consequentemente, ao risco de infecção pelo HIV/Aids e outras IST.
Embora as pessoas com transtorno mental tenham acompanhamento periódico nas instituições
de saúde mental e as políticas de saúde no Brasil incluam a importância da atenção integral, a
educação em saúde, as informações sobre métodos de prevenção e controle não acontecem
com regularidade. Considerando os aspectos relativos às suas condições clínicas e
psicológicas, além dos aspectos objetivos de desvantagem sócio-econômica que indicam
maior vulnerabilidade para as IST e HIV/Aids, os profissionais de saúde devem encontrar
caminhos para incluir atividades que propiciem a autonomia, a decisão mais equilibrada e o
direito a uma sexualidade saudável dessas pessoas.
A educação em saúde, importante na realização de prevenção de agravos e promoção da
saúde, é reconhecidamente importante no campo da saúde coletiva e devem ser específicas ao
grupo e ao seu contexto de vida. Entretanto, Merchán-Hamann (1999) chama a atenção para
práticas de educação para a saúde utilizadas, principalmente destinadas à prevenção do
HIV/Aids, que apresentam uma “dissociação paradoxal” entre a teoria e a prática. O autor
coloca que houve um desenvolvimento de abordagens educacionais, de estratégias e métodos
de intervenção que não foram acompanhados por avanços nos modelos teóricos que
incorporaram as noções de subjetividade, deixando-os ainda “sujeitos a algumas das
premissas deterministas e reducionistas da psicologia behaviorista ou comportamentalista”
105
(MERCHÁN-HAMANN, 1999), o que parece não construir mudanças enriquecedoras e
consistentes.
Para Merchán-Hamann (1999, p.86):
É comum, particularmente no campo da prevenção de HIV/Aids, a
utilização do termo “intervenção comportamental” quando, na realidade, os
comportamentos estão imersos em um oceano mais profundo, vasto e
complexo, que envolve percepções, valores, sentimentos, representações
simbólicas e relações de poder.
Os serviços de saúde, responsáveis pelo acompanhamento destes pacientes, parecem estar
engessados no manejo desta temática, desprezando o conhecimento produzido, ignorando a
natureza sexual inerente ao ser humano e negligenciando a assistência integral, além de fechar
os olhos para abusos entre internos nas enfermarias.
Melo et al. (2007) mostrou que nos 26 serviços de saúde mental pesquisados pelo projeto
PESSOAS, somente em 26,9% existiam programas de educação sexual; 31% indicaram
oferecer programas e atividades de educação específicas para IST, sendo que 25% destes
consideraram-nas pouco satisfatórias ou insatisfatórias. Mesmo com acompanhamento de
sujeitos sabidamente portadores da infecção pelo HIV houve distribuição de preservativos em
apenas 30,8% das instituições. Esta falta de distribuição é justificada pela mesma ser realizada
em unidades básicas e pelos serviços de saúde mental pesquisado não terem programas de
educação sexual. Além disso, os serviços são considerados local impróprio para relações
sexuais, com pressuposto que os pacientes não mantêm relações sexuais durante a internação.
Acredita-se que muitas ações que poderiam ser implantadas junto à distribuição de
preservativos nos serviços de saúde mental são negligenciadas, deixando essas pessoas
submetidas ao sexo desvalorizado e desprotegido. O uso consistente de preservativo não é
tarefa fácil, mas necessária, devendo ocorrer distribuição de preservativos nos serviços de
saúde mental, acompanhados de aconselhamento nos programas de educação em saúde
sexual.
106
5.3 Síntese das Representações sobre HIV/Aids entre os Entrevistados do Projeto
PESSOAS e de Outros Grupos Populacionais
A síntese da análise das representações sobre o HIV/Aids de pessoas com transtornos mentais
e dos achados encontrados na literatura, sobre os demais grupos populacionais, estão nos
QUADRO 3, 4 e 5, seguindo ordem cronológica dos dados.
107
QUADRO 3
Representações sobre o HIV/Aids de grupos populacionais: origem da aids, exposição ao risco e percepção do próprio risco – literatura e PESSOAS
SOUZA
FILHO;
HENNING
(1989)
GIAMI;
VEIL
(1997)
JOFFE
(1998a)
FLORES-
PALACIOS;
LEYVA-
FLORES
(2003)
THIENGO
et al. (2005)
ALVES
(2003)
COELHO
(2006)
OLTRAMARI;
CAMARGO
(2004)
GIACOMOZZI;
CAMARGO
(2004)
ANDRADE;
NÓBREGA
(2005)
PROJETO
PESSOAS
(2010)
Sujeitos/
Ano da coleta
de dados
Hetero,
homo e
bissexuais
Brasília-DF/
1989
Enfermeiras
e assistentes
sociais
França/
1989-90
Jovens
África do
Sul e
Inglaterra/
1990
Jovens
universitários
México/
1999-2000
Adolesc.
soropositivo
e negativo
Rio de
Janeiro-RJ/
2000
Homens
da zona
rural
Recife-
PE/
2001
Homens
soropositi-
vos Belo
Horizonte-
MG/
2001-03
Profissionais do
sexo
Florianópolis-SC/
2003
Mulheres com
parceiro fixo
Florianópolis-SC/
2003
Homens
hetero
Fortaleza-CE/
2003
Pessoas com
transtorno
mental
Brasil/
2006
Origem da aids
Dos “outros”
(não
especifica-
dos);
Não sabe
Das pessoas
com
sexualidade
errada
Práticas
sexuais
aberrantes;
Prod. de
laboratório
higiene
Muito antiga ... ... ... ... ... ...
Produto de
laboratório
Exposição ao risco
Todos
Homosse-
xuais;
Múltiplos
parceiros;
Toximanía-
cos;
“Vítimas
inocentes”
Os outros;
Homosse-
xuais;
“Vítimas
inocentes”
Todos
Pessoas
desacredi-
tadas;
Não
confiáveis
Homem,
pois não
escolhe,
Mulher
promís-
cua;
Homos-
sexuais;
...
Travestis;
Moças que
trabalham na rua;
Homens casados
que procuram
prostitutas;
Outros, nos quais
não se confia
Homens, pelos
comportamentos
impulsivos
Os “outros”,
culpados
Pessoas com
múltiplos
parceiros;
Sem higiene;
Mulheres
promíscuas
Percepção do
próprio risco
...
Não se
sentem em
risco
Não se
sentem,
pois
mantêm
“práticas
puras”
Pouco risco ...
Não se
percebem
em risco
...
Sim, o
preservativo pode
romper durante o
“programa”
Não, pois têm
parceiro fixo
Não, está
distante do
seu cotidiano
Homens não
se sentem em
risco;
Algumas
mulheres
sim, pela
infidelidade
do parceiro
108
QUADRO 4
Representações sobre o HIV/Aids de grupos populacionais: HIV/Aids - doença, sinais e sintomas, consequências da doença e sociais – literatura e PESSOAS
SOUZA
FILHO;
HENNING
(1989)
GIAMI;
VEIL
(1997)
JOFFE
(1998a)
FLORES-
PALACIOS;
LEYVA-
FLORES
(2003)
THIENGO et al.
(2005)
ALVES
(2003)
COELHO
(2006)
OLTRAMARI;
CAMARGO
(2004)
GIACOMOZZI;
CAMARGO
(2004)
ANDRADE;
NÓBREGA
(2005)
PROJETO
PESSOAS
(2010)
Sujeitos/
Ano da coleta
de dados
Hetero,
homo e
bissexuais
Brasília-DF/
1989
Enfermeiras
e assistentes
sociais
França/
1989-90
Jovens
África do
Sul e
Inglaterra/
1990
Jovens
universitários
México/
1999-2000
Adolesc.
soropositivos e
negativos Rio de
Janeiro-RJ/
2000
Homens
da zona
rural
Recife-
PE/
2001
Homens
soropositi-
vos Belo
Horizonte-
MG/
2001-03
Profissionais do
sexo
Florianópolis-
SC/
2003
Mulheres com
parceiro fixo
Florianópolis-
SC/
2003
Homens
heterossexuais
Fortaleza-CE/
2003
Pessoas com
transtorno
mental
Brasil/
2006
HIV/Aids -
doença
Epidemia
grave
Humanida-
de em
perigo;
Sem
distinção
entre HIV e
aids
Conspira-
ção;
Arma
Doença
incurável;
Contagiosa
Doença
perigosa;
O HIV
“transforma-se”
em aids;
Tem que manter
segredo
...
Sujeira;
Segredo;
Morte social
Fatalidade;
Doença;
Distinção entre
HIV e aids;
Pior doença do
mundo
...
Punição
moral;
Ameaça
“Micróbio
que come a
pessoa”;
Negligência
em relação
ao outro;
Sujeira
Sinais e
sintomas
Alterações
corporais
externas e
internas;
Infecções
... ... ...
Emagrece;
Caem os
cabelos;
Sinais
dermatológicos
Faz a
pessoa
secar
Doente;
Fraco;
Caquético;
Feio
No estágio
terminal caem os
cabelos;
Perda de peso
...
Emagreci-
mento
Emagrece;
Caem os
cabelos;
Deixa a
pessoa
acamada
Conse-
quências
da doença
Tratamento;
Tratamento
paliativo
Medo;
Rapidez da
morte;
Punição
...
Tristeza;
Sofrimento;
Morte;
Medo das
hospitalizações
Desespero;
Medo;
Morte rápida;
Inevitável
Mata
aos
poucos
Morte
anunciada
Medo;
Fatal
...
Medo;
Morte
imediata
Medo;
Sofrimento;
Sem cura;
Mata
Consequên-
cias sociais
...
Estigma
...
Solidão
Discriminação;
Preconceito
...
Preconceito;
Estigma
Viver sem
problema
...
Discriminação
Preconceito
Preconceito;
Estigma
109
QUADRO 5
Representações sobre o HIV/Aids de grupos populacionais: transmissibilidade e prevenção – literatura e PESSOAS
SOUZA
FILHO;
HENNING
(1989)
GIAMI;
VEIL
(1997)
JOFFE
(1998a)
FLORES-
PALACIOS;
LEYVA-
FLORES
(2003)
THIENGO
et al. (2005)
ALVES
(2003)
COELHO
(2006)
OLTRAMARI;
CAMARGO
(2004)
GIACOMOZZI;
CAMARGO
(2004)
ANDRADE;
NÓBREGA
(2005)
PROJETO
PESSOAS
(2010)
Sujeitos/
Ano da coleta de
dados
Hetero,
homo e
bissexuais
Brasília-DF/
1989
Enfermeiras
e assistentes
sociais
França/
1989-90
Jovens
África do
Sul e
Inglaterra/
1990
Jovens
universitários
México/
1999-2000
Adolesc.
soropositi-
vos e
negativos
Rio de
Janeiro-RJ/
2000
Homens
da zona
rural
Recife-
PE/
2001
Homens
soropositi-
vos Belo
Horizonte-
MG/
2001-03
Profissionais do
sexo
Florianópolis-SC/
2003
Mulheres com
parceiro fixo
Florianópolis-SC/
2003
Homens
hetero
Fortaleza-CE/
2003
Pessoas com
transtorno
mental
Brasil/
2006
Transmissibilidade
Relação
sexual;
Sangue;
Drogas
injetáveis
Via sexual
Práticas
sexuais
Relação sexual
sem proteção
ou degenerada;
Prostituição;
Homossexu-
alidade;
Infidelidade
Relação
sexual;
Uso de
drogas;
Transfusão
de sangue
Assento;
Beijo;
Seringa;
Relação
sexual;
Relações
sexuais
com multi-
parceiros,
homosse-
xuais e
Desprotegi
-das
Sexo;
Relação sexual
com uso de álcool
e drogas;
Sexo com
parceiro fixo, sem
preservativo
Relação sexual
fora do contexto
do casamento
Relação
sexual
desprotegida
Relação
sexual;
Uso de
drogas;
Transfusão
sanguínea
Prevenção
Preservativo;
Abstinência;
Seringa
descartável;
Parceiro
fixo;
Evitar
grupos de
risco
Preservativo
(sem a
própria
prática)
Respon-
sabilidade
Preservativo
Preservati-
vo;
Seringa
descartável;
Conhecer o
parceiro;
Realização
de exames;
Evitar
grupos de
risco
Preserva-
tivo (sem
a própria
prática);
Parceira
saudável,
avaliada
física-
mente
Preserva-
tivo,
preferência
pela
abstinência
Preservativo;
Realizar exame
Preservativo pra
quem não tem
parceiro fixo
Preservativo,
(sem a própria
prática);
Escolha de
parceiras
Preservativo
(sem a
própria
prática);
Avaliação
física e
comporta-
mental do
parceiro
110
109
Verificando esses achados percebe-se que as representações sobre o HIV/Aids dos diversos
grupos populacionais, incluindo as pessoas com transtornos mentais, são muito próximas.
Observa-se, ainda, que, mesmo com o passar dos anos, com a evolução da epidemia, dos
conhecimentos sobre o vírus e sobre a síndrome, obtidos pela ciência, as representações
principais se modificaram muito lentamente, contribuindo para a manutenção de
vulnerabilidades psicossociais em todos os grupos da população. O exemplo clássico é sobre
o uso de preservativo, considerado necessário para se proteger do HIV, mas não usado porque
a representação corrente é de que “o sujeito o se sente em risco, o risco é do outro”,
presente na maioria dos estudos analisados.
Acreditava-se, ao início do presente estudo, que haveria diferenças significativas nas
representações entre pessoas com transtorno mental e outros grupos da sociedade, mas isto
não é explícito e deve ser relativizado. Pode-se afirmar que diferenças de intensidade na
maneira de vivenciá-las porque essas representações são narradas como “verdades absolutas”
para os sujeitos do presente estudo, o que deve ser refletido como um aspecto importante que
acresce à vulnerabilidade de pessoas com transtornos mentais. Refletir estratégias de
educação em saúde que tenham as representações como eixo metodológico e como conteúdo,
para gerar possibilidades de reconstrução de identidade e de percepção de responsabilidade
como sujeito social, é um caminho de continuidade do presente estudo.
111
111
Considerações Finais
112
112
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo buscou compreender representações de pessoas com transtorno mental acerca do
HIV/Aids e das demais IST, comparando-as, ainda, com as representações de demais grupos
populacionais, com o pressuposto de serem diferentes.
Os resultados encontrados, divididos em três categorias: 1) Representações sobre as IST e o
HIV/Aids; 2) Representações sobre transmissibilidade e prevenção das IST e do HIV/Aids; e
3) Representações sobre risco e educação preventiva para as IST e HIV/Aids, apresentaram
um conhecimento importante sobre as formas de pensar e agir das pessoas com transtorno
mental frente a estes agravos.
Incluem-se, neste conhecimento, os aspectos psicossociais, tais como: a dificuldade de
vivência de sexualidade plena; a frequente exposição a abusos físicos e sexuais; a dificuldade
de manter relacionamentos estáveis; a procura por profissionais do sexo; e o sentimento de
inferioridade em relação às outras pessoas. Em relação às infecções, encontram-se: a falta de
informações corretas sobre as doenças, a procura por tratamentos inadequados e a dificuldade
de uso de proteção individual. Em relação ao risco, verificou-se a crença na invulnerabilidade
desses sujeitos e a falta de ações de educação em saúde nas instituições de acompanhamento.
Acredita-se que se possa usar o conjunto desses dados para contribuir para o cuidado integral
dessas pessoas. Faz-se necessário, em próximos estudos, incluir aqueles sobre adequação de
métodos de abordagem de educação em saúde para pessoas com transtornos mentais, de
forma individual e coletiva.
No que se refere às IST e HIV/Aids, cabe frisar que não foram encontradas diferenças entre as
representações dos sujeitos com transtorno mental entrevistados e aquelas encontradas na
literatura dos diversos grupos populacionais.
As representações de IST como “doença ruim”; de pessoas sujas; transmitidas pelo sexo; que
são difíceis de tratar, mas trata-se na farmácia; que dá vergonha e que são de pessoas que “vai
com um e com outro”; além das representações específicas sobre o HIV/Aids de doença que
provoca medo, morte, preconceito e estigma, e que pode transmitir, também, pelo sangue e
113
113
uso de seringas, são descritas desde o início da epidemia, tendo poucas variações de alguns
elementos que ora aparecem mais fortes, ora não.
Dessa forma, a maior vulnerabilidade dos participantes do estudo, confirmada no estudo
quantitativo, não se deve somente às maneiras de representar a doença em si, mas sim às
representações sobre seu estar no mundo, a ambiguidade entre ser forte e fraco, vulnerável e
invulnerável, esperto ou submisso; às maneiras, portanto, de se posicionar diante da vida.
Exemplifica-se com o fato de a representação mais importante sobre a prevenção das IST e
aids ser o exame visual do parceiro(a), verificação de suas condições de higiene, com rápida
análise física, o que indica que representações que mulher “limpa”; “homem limpo”; que têm
cuidado com o corpo; que “tomam banho” e têm “todos os dentes”, não têm doença. Essas
representações legitimam a decisão do não uso do preservativo, expondo estes sujeitos ao
risco de se infectarem.
Além disso, observa-se que as pessoas com transtorno mental parecem, de alguma forma,
querer testar o limite, no sentido de enfrentar certos obstáculos, arriscar na vida, “aceitando” a
essência natural do ser humano de se colocar, a todo instante, à prova de algo, para se sentir
mais forte do que a morte, o que pode ocorrer com qualquer outra pessoa na sociedade.
Em relação ao gênero, merece atenção a situação das mulheres entrevistadas, que relataram
tentativas e ocorrência de abusos sexuais constantes, muitas vezes por agressor do próprio
núcleo familiar. Além disso, percebe-se que as mulheres que, em geral, têm parceiro fixo,
diferentemente dos homens, têm pouca ou nenhuma autonomia sobre suas decisões, acatando
as preferências do companheiro por subordinação e dominação. Agrava-se tal fato, por muitas
vezes, a infidelidade desse companheiro, mantendo o sexo desprotegido com a esposa.
Portanto, para essas mulheres, as relações sexuais sem o uso de preservativo não se dão por
mera irresponsabilidade, mas sim ancoradas na forma como as relações de gênero se
estabelecem socialmente.
Dessa forma, os programas e ações para educação em saúde para as IST e HIV/Aids alcançam
uma importância real, para que se consiga reconstruir as representações destes sujeitos e
interferir na tendência que se verifica atualmente. Faz-se necessário, para tanto, realizar,
114
114
primariamente, um trabalho com os profissionais de saúde envolvidos com a assistência na
saúde mental, buscando reconstruir as questões que envolvem significações, crenças, tabus e
preconceitos em relação às pessoas com transtorno mental, modificando os conceitos hoje
utilizados na maioria das instituições.
Ainda é importante considerar que a aids apresenta forte imbricação nos aspectos
socioculturais e políticos que envolvem os sujeitos em seus contextos, não sendo a
responsabilidade somente individual pela contaminação ou exposição ao vírus HIV. Dessa
forma, espera-se que ações e programas realizados em educação em saúde sexual e IST sejam
problematizados como uma construção histórica, para se elaborar e implementar estratégias
de prevenção específicas para as pessoas com transtorno mental.
Acredita-se que tais atividades podem reduzir a vulnerabilidade dessas pessoas, uma vez que
aumentam o acesso à informação, possibilitam melhor apreensão da informação, por estarem
direcionadas a um público específico, além de influenciarem positivamente as práticas sexuais
para que os sujeitos tenham sexo seguro.
Além disso, a distribuição de preservativos nas instituições de saúde, aliadas às atividades de
educação, buscando e realizando a atenção integral, é também um direito dos usuários dos
serviços de saúde mental.
Finalmente, espera-se que este trabalho ajude a compreender um pouco mais sobre o mundo
das pessoas com transtorno mental, permitindo a construção de políticas públicas voltadas
para esses sujeitos, possibilitando que deixem de “sentir caladas suas dores” (Trombeta).
115
115
Referências
116
116
REFERÊNCIAS
ACÚRCIO, F. A. Evolução Histórica das políticas de saúde no Brasil (Adaptado). Belo
Horizonte: UFMG/ Faculdade de Medicina/ NESCON. Caderno de Textos. 2002. 12 p.
ALVERGA, A. R.; DIMENSTEIN, M. A reforma psiquiátrica e os desafios na
desinstitucionalização da loucura. Interface Comunic., Saúde, Educ., v 10, n20, p.299-
316, jul/dez 2006.
ALVES, M. F. P. Sexualidade e prevenção de DST/AIDS: representações sociais de homens
rurais de um município da zona da mata pernambucana, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de
Janeiro, 2003.
AMARANTE, P. (org). Loucos pela vida: a trajetória da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Rio
de Janeiro: FIOCRUZ, 1995.
ANADON, M.; MACHADO, P. B. Reflexões teórico-metodólogicas sobre as
representações sociais. Salvador: Uneb, 2001.
ANDRADE, L. S.; NÓBREGA-THERRIEN, S. M. A sexualidade masculina e a
vulnerabilidade ao HIV/Aids. DST J bras Doenças Sex Transm, v. 17, n. 2, p. 121-126,
2005.
ANDRADE, L. H. S. G. et al. Epidemiologia dos transtornos psiquiátricos na mulher. Rev.
psiquiatr. clín., São Paulo, v. 33, n. 2, 2006.
AYRES, J. R. C. M. et al. Vulnerabilidade e prevenção em tempos de Aids. In: BARBOSA,
R.; PARKER, R. (org.). Sexualidade pelo avesso: direitos, identidades e poder. Rio de
Janeiro: Relume Dumará; p.50-71, 1999.
AZZI, I. C. S. Realidade: uma razão que não se explica, mas se crê. Ágora (Rio J.), Rio de
Janeiro, v. 10, n. 2, dez. 2007.
BÁRBARA, A.; SACHETTI, V. A. R.; CREPALDI, M. A. Contribuições das representações
sociais ao estudo da aids. Interação em Psicologia, v. 9, n. 2, p. 331-339. 2005.
BARTHES, T. A aventura semiótica. Tradução Mario Laranjeira. São Paulo: M. Fontes,
2001. 339p.
BENZAKEN, A. S. et al. Intervenção de base comunitária para a prevenção das DST/Aids na
região amazônica, Brasil. Rev Saúde Pública. n. 41 (Supl. 2), p. 118-26. 2007.
BLANCHET, A.; GOTMNAN, A. L”enquete ES sés methodes: l”entretien. Paris: Nathan,
1992. 112p.
BRANDÃO, J. C. T. Sintomatologia da loucura. Perturbações físicas e elementares. Instintos
e vontade. Brazil Médico, p. 349-50, p. 357-8; p. 41-2. 1888-89. In: ENGEL, M. G. As
fronteiras da anormalidade: psiquiatria e controle social. História, Ciências, Saúde
Manguinhos, v. 3. p. 547-63, nov. 1998-1999.
117
117
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Sangue e hemoderivados.
Manuais e publicações. Disponível em: http:www.anvisa.gov.br/sangue/legis/index.htm.
Acesso em janeiro 2009.
BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico: Aids DST. Ano V - 1 - 27ª -
52ª - semanas epidemiológicas - julho a dezembro de 2007; Ano V - nº 1 - 01ª - 26ª - semanas
epidemiológicas - janeiro a junho de 2008. Brasília. Dezembro 2008a.
BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de
DST e Aids. Prevenção e atenção às IST/aids na saúde mental no Brasil: análises, desafios
e perspectivas. Brasília: Ministério da Saúde, 2008b. 252p.
BRASIL. Ministério da Saúde. Doenças Sexualmente Transmissíveis. Disponível em:
http://www.dst.com.br. Acesso em: Maio de 2008c.
BRASIL. Ministério da Saúde. Aids vinte anos - Esboço histórico para entender o
Programa Brasileiro. Adaptado do texto original de Kenneth Camargo pelo Dr. Pedro
Chequer. Brasília, 2005. Disponível em:
http://www.aids.gov.br/data/Pages/LUMISBD1B398DITEMIDCF21498585DB4D9F8F812B
75B92305DAPTBRIE.htm. Acesso em Março 2008.
BRASIL. Ministério da Saúde. Desenvolvimento do Sistema Único de Saúde no Brasil:
avanços, desafios e reafirmação de princípios e diretrizes. Conselho Nacional de Saúde,
Brasília, 2002. 61p Disponível em
http://www2.eptic.com.br/sgw/data/bib/artigos/f4413ba8f1b9ed3735dec6499be24e9c.pdf.
Acesso em Março 2008.
BRASIL. A resposta brasileira ao HIV/Aids: Experiências exemplares. Ministério da
Saúde. Secretaria de políticas de saúde, Coordenação Nacional de DST e Aids. Brasília, DF,
1999a. 180p.
BRASIL. Ministério da Saúde. Aceitabilidade de condom feminino em contextos sociais
diversos: relatório final de pesquisa. Brasília, DF, 1999b. Disponível em
http://www.itarget.com.br/newclients/sggo.com.br/2008/extra/down-load/Aceitabilidade-do-
Condom-Feminino-em-Contextos-Sociais-Diversos. Acesso em Dezembro 2008.
BRÊTAS, J. R. S. et al. Conhecimento de DST/aids por estudantes adolescentes. Rev. Esc.
Enferm USP, São Paulo, v. 43, n. 3, p. 551-7, 2009.
BOZON, M.; DORÉ, V. (Org.). Sexualité, relations et prévention chez les homossexuels
masculins, un nouveau rapport au risque. Paris: ANRS, Col. Sciences Sociales et Sida, mai
2007. 106p.
CAMARGO, B. V. Sexualidade e representações sociais da AIDS. Revista de Ciências
Humanas – Especial, Florianópolis: EDUFSC, p. 97-110, 2000.
CAMARGO, B. V. Representações sociais do preservativo e da AIDS: spots publicitários
escritos por jovens para a televisão francesa. In: MADEIRA, M.; JODELET, D. (Orgs). AIDS
e Representação sociais: à busca de sentidos: EDUFRN, 1998. p. 17-46.
118
118
CARRARA, S. A. geopolítica simbólica da sífilis: um ensaio de antropologia histórica.
História, Ciências, Saúde — Manguinhos, Rio de Janeiro, v. III, n. 3, p. 391-408, nov. 1996
/ fev. 1997.
CARRAZZONE, C. F. V. et al. Importância da avaliação sorológica pré-transfusional em
receptores de sangue. Rev. Bras. Hematol. Hemoter., São José do Rio Preto, v. 26, n. 2,
2004.
CARVALHO, C. M. L. et al. Aids e saúde mental: revisão bibliográfica. DST J bras
Doenças Sex Transm., v. 16, n. 4, p. 50-55, 2004.
CARVALHO, I. S; COELHO, V. L. Mulheres na maturidade: histórias de vida e queixa
depressiva. Estud. Psicol., Natal, v. 10, n. 2, Aug. 2005.
CLARO, L. B. L. Hanseníase: representações sobre a doença. Rio de Janeiro; FIOCRUZ;
1995. 110 p.
COELHO, A. B. Representações sociais de homens infectados pelo HIV acerca da aids.
2006. 143f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem, Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
COELHO, H. C. et al . Seroprevalence of Hepatitis B virus infection in a Brazilian jail. Rev.
bras. epidemiol., São Paulo, v. 12, n. 2, junho 2009.
COURDURIES, J. Conjugalité et prévention du sida chez les gays. In: BOZON, M.; DURÉ,
V.(Org.). Sexualité, relations et prévention chez les homossexuels masculins, un nouveau
rapport au risque. Paris: ANRS, Col. Sciences Sociales et Sida. p. 45-56, mai 2007.
COURNOS, F. Sexual activity and risk of HIV infection among patients with schizophenia.
Am J psych, v.15, p. 229-2. 1991.
COURNOS, F.; MCKINNON, K. HIV seroprevalence among people with severe mental
illness in the united states: a critical review. Clinical Psychology Review,v. 17, n. 3 , p. 259-
269, 1997.
DALLA VECCHIA, M.; MARTINS, S. T. F. O cuidado de pessoas com transtornos mentais
no cotidiano de seus familiares: investigando o papel da internação psiquiátrica. Estud.
psicol. (Natal), Natal, v. 11, n. 2, Aug. 2006.
DAMASCENO, D. O. et al. Representações sociais das DST/aids elaboradas por gestantes.
Texto Contexto Enferm, Florianópolis, Jan-Mar; v. 18, n. 1, p. 116-23. 2009.
DANTAS-BERGER, S. M.; GIFFIN, K. A violência nas relações de conjugalidade:
invisibilidade e banalização da violência sexual?. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21,
n. 2, Apr. 2005.
DEMAZIÈRE, D.; DUBAR, C. Analyser lês entretiens biographiques, l’exemple de récits
d’insertion. Paris: Nathan, Coll. Essais & recherches, 1997. 287p.
ENGEL, M. G. As fronteiras da anormalidade: psiquiatria e controle social. História,
119
119
Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 3. p. 547-63, nov. 1998-1999.
FERNANDES, A. M. S. et al. Conhecimento, atitudes e práticas de mulheres brasileiras
atendidas pela rede básica de saúde com relação às doenças de transmissão sexual. Cad.
Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 16(Sup. 1). p. 103-112, 2000.
FERREIRA, M. P. et al. Testagem sorológica para o HIV e a importância dos Centros de
Testagem e Aconselhamento (CTA): resultados de uma pesquisa no município do Rio de
Janeiro. Ciênc. saúde coletiva, São Paulo, v. 6, n. 2, 2001.
FERREIRA, M. P. & GEPSAIDS. Nível de conhecimento e percepção de risco da população
brasileira sobre o HIV/Aids, 1998 e 2005. Rev Saúde Pública. n. 42 (Supl 1), p. 65-71. 2008.
FLORES-PALACIOS, F.; LEYVA-FLORES, R. Representación social del SIDA en
estudiantes de la Ciudad de México. Salud pública de México. n. 45, supl. 5, p. 624 631.
2003.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra; 1996.
FREITAS, M. I. F. et al. Projeto PESSOAS Práticas e representações de pessoas com
transtornos mentais sobre as infecções sexualmente transmissíveis e a aids e suas formas de
prevenção. Cap. 7. p. 85-108. In: BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em
Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Prevenção e atenção às IST/aids na saúde
mental no Brasil: análises, desafios e perspectivas. Brasília: Ministério da Saúde, 2008.
252p.
FREITAS, M. I. F. A gestão do seguro de vida de casais após a infecção pelo HIV. Belo
Horizonte: UFMG, Programa de Cooperação Técnica SIDA Brasil – França, 1998. 87p.
Relatório de Pesquisa.
FOUCAULT, M. A história da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Editora Perspectiva,
1978.
GIACOMOZZI, A. I. Confiança no parceiro e proteção frente ao HIV: estudo de
representações sociais com mulheres. Revista de Ciências Humanas. Florianópolis
EDUFSC, n. 35, p. 79-98, abril de 2004.
GIACOMOZZI, A. I.; CAMARGO, B. V. Eu confio no meu marido: estudo da representação
social de mulheres com parceiro fixo sobre prevenção da AIDS. Psicologia: Teoria e Prática.
v. 6, n. 1, p. 31-44. 2004.
GIAMI, A. O anjo e a fera: sexualidade, deficiência mental, instituição. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2004. 203p.
GIAMI, A. Permanência das representações do gênero em sexologia: as inovações científica e
médica comprometidas pelos estereótipos de gênero. Physis, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, 2007.
GIAMI, A.; VEIL, C. Enfermeiras frente à aids: representações e condutas, permanência e
mudanças. Canoas: Ed. ULBRA, 1997. 333p.
120
120
GIDDENS A. A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades
modernas. São Paulo: UNESP, 1993.
GIFFIN, K. Violência de gênero, sexualidade e saúde. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, v.
10 (supplement 1), p. 146-155, 1994.
GOFFMAN, E. Asiles: études sur la condition sociale des malades mentaux. Paris: Les
Éditions de Minuit, 1968. 447p.
GOMES, R. et al. Informações e valores de jovens sobre a Aids: avaliação de escolares de
três cidades brasileiras. Ciênc. saúde coletiva, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 381-388. 2005.
GRASSI, L. Risk of HIV infection in psychiatrically ill patients. Aids care. n. 8, p. 103-16,
1996.
GUIMARÃES, M. D. C. et al. PROJETO PESSOAS Estudo de soroprevalência da
infecção pelo HIV, Sífilis, Hepatite B e C em instituições públicas de atenção em saúde
mental: um estudo multicêntrico nacional. GPEAS/FM/UFMG. 100p. 2007. Relatório
Técnico Final.
GUEDES, D. D.; MONTEIRO-LEITNER, J. Modelos de apego, homossexualidade
masculina, e depressão: um relato de experiência. Estud. psicol. (Natal), Natal, v. 12, n. 3,
dez. 2007.
GUTIERREZ, G.; ALMEIDA, M. B. Cultura e lazer: uma aproximação habermasiana. Lua
Nova, São Paulo, n. 74, 2008.
HERZLICH, C.; PIERRET, J. Uma Doença no Espaço Público. A AIDS em seis jornais
franceses. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15(Suplemento), p. 71-101,
2005.
JODELET, D. Folies et représentations sociales. 2 ed. Paris: PUF. 2004.
JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, D. (Org).
As representações sociais. Tradução Lilian Ulup. Rio de Janeiro: Ed da UERJ, p. 17-44. 2001.
JODELET, D. Representações do contágio e a AIDS. In: MADEIRA, M.; JODELET, D.
(Orgs). AIDS e Representação sociais: à busca de sentidos: EDUFRN, 1998. p. 17-46
JOFFE, H. “Eu não”, “o meu grupo não”: representações sociais transculturais da aids. In:
GUARESCHI, P. A; JOVCHELOVITCH, S (Orgs). Textos em representações sociais. 4ed,
Petrópolis: Vozes, p. 297-322. 1998a.
JOFFE, H. Degradação, desejo e “o outro”. In: ARRUDA, A. (Org.). Representando a
alteridade. Petrópolis: Vozes, p. 109-128. 1998b.
KEHL, R. A esterilização sob o ponto de vista eugênico. Brazil Médico, p. 13:23, p. 150-58.
1921. In: ENGEL, M. G. As fronteiras da anormalidade: psiquiatria e controle social.
História, Ciências, Saúde – Manguinhos, n. 3. p. 547-63, nov. 1998-1999.
121
121
LAZZAROTTO, A. R et al. O conhecimento de HIV/Aids na terceira idade: estudo
epidemiológico no Vale do Sinos, Rio Grande do Sul, Brasil. Ciênc. saúde coletiva, São
Paulo, v. 13, n. 6, p. 1833-1840, 2008.
LE BRETON, D. La sociologie du risque. Paris: PUF, Collection QSJ, n. 3016, 1995.
LEAL, A. F.; KNAUTH, D. R. A relação sexual como uma técnica corporal: representações
masculinas dos relacionamentos afetivo-sexuais. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22,
n. 7, July 2006.
LYOTARD, J. F. A condição pós-moderna. São Paulo: José Olympio, 2002. 132p.
MAGRO, J. B. F. A tradição da loucura. Belo Horizonte: COOPMED, 1992. 159p.
MCKINNON, K.; COURNOS, F.; HERMAN, R. HIV among people with chronic mental
illness. Psychiatric Quarterly, v. 73, n. 1, 2002.
MELO, A. P. S. et al. Avaliação de serviços de saúde mental: assistência e prevenção às
doenças sexualmente transmissíveis no contexto do Projeto PESSOAS. Rev Med Minas
Gerais, Belo Horizonte, v. 17(1/2 Supl 4): p. 240-48. 2007.
MERCHAN-HAMANN, E. Os ensinos da educação para a saúde na prevenção de HIV-Aids:
subsídios teóricos para a construção de uma práxis integral. Cad. Saúde Pública, Rio de
Janeiro, 1999.
MIRANDA, M. C. L. O parentesco imaginário. São Paulo: Cortez, 1994. 172p.
MOHR, J. J.; FASSINGER, R. E. Sexual orientation identity and romantic relationship
quality in same-sex couples. Personality and Social Psychology Bulletin, n. 32, p. 1085-
1099. 2006.
MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Tradução:
Pedrinho A. Guareshi. Petrópolis: Vozes, 2003. 404p.
MOSCOVICI, S. The phenomenon of social representations. In: Sá, CP. Núcleo central das
representações sociais. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1996. 181p.
MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. 2 ed. Tradução: Álvaro Cabral. Rio
de Janeiro: Zahar, 1978. 208p.
MURARO, R. M. Sexualidade da mulher brasileira: corpo e classe social no Brasil.
Record: Rosa dos Tempos. 5ª. ed. Rio de Janeiro, 1996. 496p.
O GRITO (EDVARD MUNCH). In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia
Foundation, 2010. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=O_Grito_(Edvard_Munch)&oldid=18522244>.
Acesso em: 15 jan. 2010.
OLIVEIRA, D. C. Análise da produção de conhecimento sobre o hiv/aids Em resumos de
122
122
artigos em periódicos brasileiros de Enfermagem, no período de 1980 a 2005. Texto
Contexto Enferm, Florianópolis, v. 15, n. 4, p. 654-62. Out-Dez 2006.
OLIVEIRA, D. C. et al. A negociação do sexo seguro na TV: discursos de gênero nas falas de
agentes comunitárias de saúde do Programa Saúde da Família de Porto Alegre, Rio Grande do
Sul, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, p. 1309-1318, set-out 2004.
OLIVEIRA, D. C.; SIQUEIRA, A. A. F.; ALVARENGA, A. T. Práticas sociais em saúde:
uma releitura à luz da teoria das representações sociais. In: MOREIRA, A. I. S.; OLIVEIRA,
D. C. Estudos interdisciplinares de representação social. 2 ed. Goiânia: AB, p. 163-190. 2000.
OLIVEIRA, N. S. et al. Conhecimento e promoção do uso do preservativo feminino por
profissionais de Unidades de Referência para DST/HIV de Fortaleza-CE: o preservativo
feminino precisa sair da vitrine. Saúde Soc. São Paulo, v.17, n. 1, p.107-116, 2008.
OLIVEIRA, S. B. Loucos por sexo: um estudo sobre as vulnerabilidades dos usuários dos
serviços de saúde mental. Dissertação. Rio de Janeiro (RJ): Instituto de Psiquiatria da UFRJ;
1998.
OLTRAMARI, L. C.; CAMARGO, B. V. Representações sociais de mulheres profissionais
do sexo sobre a AIDS. Estudos de Psicologia. v. 9, n. 2, p. 317-323. 2004.
OMS. Organização Mundial da Saúde. Relatório mundial sobre violência e saúde. Brasília:
Centro de Documentação OPAS/OMS. 2002.
PARKER, R. (2000). Na contramão da Aids: sexualidade, intervenção, política. edição.
Rio de Janeiro/São Paulo: ABIA/Editora 34, 2000. 160p.
PATRUS, A. Pós-modernidade e ética. Estado de Minas, Minas Gerais, 14 set. 2006.
PERRY, B. L.; WRIGHT, E. R. The sexual partnerships of people with serious mental illness.
The Journal of Sex Research, v. 43, n. 2, p. 174 –181, May. 2006.
PINEL, P. Traité médico-philosophique sur l”aliénation mentale, ou la manie, Paris, chez
Richard, Caille et Ravier, 1800. In: RICCIARDI, F. A. Z. O nascimento da loucura:
concepções teóricas e asilos. CienteFico. Ano I. v. I, Salvador, Janeiro-Julho, 2002.
PINTO, D. S et al. Sexuality, vulnerability to HIV, and mental health: an ethnographic study
of psychiatric institutions. Cad. Saúde Pública, v. 23, n. 9, p. 2224-2233, Set. 2007.
RESENDE, H. Política de saúde mental no Brasil: uma visão histórica. In: TUNDIS; A. S.;
COSTA, N. R. (Org.) Cidadania e loucura: políticas de saúde mental no Brasil. ed.
Petrópolis: Vozes. Cap 1, p. 16-73. 1990.
ROCHA, E. C. Os centros de Atenção Psicossocial e a Reforma Psiquiátrica. In: BRASIL,
Ministério da Saúde. Manual para profissionais de Saúde Mental. 1ª. Ed. Brasília: Ministério
da Saúde, 2002.
SALEM, T. “Homem... já viu?”: representações sobre sexualidade e gênero entre homens de
classe popular. Cap 3. p. 15-17. In: HEILBORN, M. L. (org.). Família e sexualidade. Editora
123
123
FGV, Rio de Janeiro, 2004. 156p.
SACKS, M. H. et al. HIV related risk factors in acute psychiatric in patients. Hosp Comm
Psych, n. 41, p. 440-2. 1990.
SILVA, A. C. M.; BARONE, A. A. Fatores de risco para infecção pelo HIV em pacientes
com o vírus da hepatite C. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n. 3, June 2006.
SILVA FILHO, J. F. A medicina, a psiquiatria e a doença mental. In: TUNDIS, A. S.;
COSTA, N.R. (Org.). Cidadania e loucura: políticas de saúde mental no Brasil. 2ª ed.
Petrópolis: Vozes, p. 75-102. 1990.
SILVEIRA, L. C.; BRAGA, V. A. B. Acerca do conceito de loucura e seus reflexos na
assistência de saúde mental. Rev Latino-am Enfermagem. v. 13 n. 4, p. 591-5. julho-agosto
2005.
SONTAG, S. Aids e suas metáforas. São Paulo: Companhia das Letras. 1989.
SOUZA FILHO, E. A.; HENNING, M. G. Representações sociais da AIDS, práticas sexuais e
vida social entre heterossexuais, bissexuais e homossexuais em Brasília, Brasil. Cad. Saúde
Públ., Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 428-441, oct/dec 1992.
THIENGO, M. A.; OLIVEIRA, D. C.; RODRIGUES, B. M. R. Representações sociais do
HIV/AIDS entre adolescentes: implicações para os cuidados de enfermagem. Rev Esc
Enferm USP, v. 39, n. 1, p. 68-76. 2005.
TRONCA, I. As máscaras do medo: lepra e aids. Campinas: Editora da UNICAMP, 2000.
TURA, L. F. R. Aids e estudantes: a estrutura das representações sociais. IN: MADEIRA, M.;
JODELET, D. (Orgs). AIDS e Representação sociais: à busca de sentidos: EDUFRN, p. 17-
46. 1998.
VIANNA, P. C. M.; FREITAS, M. I. F. Família, doença mental e infecção pelo HIV. Rev.
Min. Enfermagem, [S.l.], v. 11, p. 132-138, 2007.
VOLVAKA, J. et al. Assessment of risk behaviours for HIV infection among psychiatric in
patients. Hosp Comm Psych, n. 43, p. 482-5. 1992.
WEINHARDT, L. S. et al. HIV- risk behavior and the public health context of HIV/AIDS
among women living with severe mental illness and persistent mental illness. J Nerv Ment
Dis. n. 186, p. 276-82. 1998.
WILSON, H. W.; DONENBERG, G. Quality of parent communication about sex and its
relationship to risky sexual behavior among youth in psychiatric care: a pilot study. Journal
of chil psychology and psychiatry. v. 45, n. 2, p. 387-395, 2004.
124
124
Apêndices
125
125
APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Título da pesquisa: As representações sobre Aids em portadores da doença e de agravos mentais: riscos e
prevenção.
Estamos lhe convidando para participar da pesquisa intitulada “AS REPRESENTAÇÕES SOBRE AIDS EM
PORTADORES DE AGRAVOS MENTAIS NO BRASIL: RISCOS E PREVENÇÃO”, incluída na pesquisa
nacional "Estudo de soroprevalência da infecção pelo HIV, Sífilis, Hepatite B e C em instituições públicas de
atenção em saúde mental: Um estudo multicêntrico nacional" sobre a presença de algumas doenças (infecção pelo
HIV/Aids, filis, hepatite B e C) entre usuários de serviços de atenção em saúde mental. Este grande estudo está
sendo desenvolvido pelo (_______________________) em colaboração com outros hospitais e serviços de saúde
do Brasil. Está sendo promovido pelo Ministério da Saúde (Coordenação Nacional de DST/AIDS e Área Técnica
da Saúde Mental) e desenvolvido sob a coordenação da Universidade Federal de Minas Gerais em colaboração
com outros hospitais e serviços de saúde de Belo Horizonte e Rio de Janeiro.
SUA PARTICIPAÇÃO NÃO É OBRIGATÓRIA:
Este termo de consentimento lhe dará informações sobre o estudo. O pessoal deste serviço conversará com você
sobre o estudo e esclarecerá qualquer vida que você tenha. Após você ter entendido o estudo, e se decidir
participar do mesmo, solicitaremos que você assine o termo de consentimento. Voreceberá também uma cópia
para você guardar. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa
não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com este serviço.
OBJETIVOS DO ESTUDO:
Algumas doenças como o HIV/Aids, a sífilis e a hepatite podem ser transmitidas através das relações sexuais
quando um dos(as) parceiros(as) esta infectado(a), através de transfusão de sangue ou compartilhamento de
agulhas ou seringas, da mãe para o bebê ou através de acidente de trabalho. Para que possamos entender melhor
este problema no Brasil, e conhecer mais sobre os comportamentos, os hábitos e sobre a ocorrência dessas
doenças entre os portadores de sofrimento mental, precisamos entrevistar pessoas em tratamento em serviços
como este. Desta forma, se você concordar em participar neste momento, teremos uma conversa com você.
PROCEDIMENTOS:
Sua participação será feita em uma conversa que irá durar cerca de uma hora e será gravada. Nesta conversa
você falará livremente sobre seus conhecimentos e atitudes em relação às doenças sexualmente transmissíveis,
comportamentos de risco e vulnerabilidade para o HIV, além do uso do preservativo. Deverão ainda ser tratadas
questões sobre sua rotina diária, relações afetivas e vida sexual. É importante que você saiba que as informações
fornecidas na gravação serão confidenciais. Você será identificado com um nome fictício. Esta etapa também foi
aprovada previamente por cada serviço participante e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG
CONFIDENCIALIDADE:
A participação no estudo pode envolver algum grau de perda de privacidade. No entanto, você tem a garantia de
que os resultados desta pesquisa e suas respostas serão confidenciais. Nenhuma identificação pessoal estará
vinculada às suas respostas. Todos os dados da pesquisa estão identificados apenas por códigos. Somente você e
algumas pessoas trabalhando diretamente na pesquisa saberão estes códigos. Nenhuma informação sobre os seus
dados será utilizada sem sua permissão. Os dados coletados serão utilizados somente para o estudo.
126
126
POSSÍVEIS RISCOS:
O único risco potencial de participar nesta pesquisa seria um possível desconforto com algumas questões mais
sensíveis sobre atividades sexuais e uso de drogas.
POSSÍVEIS BENEFÍCIOS:
O benefício da presente pesquisa está na possibilidade de permitir um entendimento mais amplo do problema
estudado, contribuindo para a melhoria da atenção saúde, na promoção e prevenção da Aids.
CUSTOS:
Não nenhum custo para você em participar do estudo. Você receberá dois vale-transportes para auxiliar na sua
locomoção até o serviço
OUTRAS INFORMAÇÕES:
Você pode contactar a Profa. Dra. Maria Imaculada de Fátima Freitas, Escola de Enfermagem da Universidade
Federal de Minas Gerais, coordenadora do Projeto pelo telefone 3248-9835 ou 36 ou no serviço de saúde onde
você está sendo atendido, para tirar suas dúvidas sobre sua participação ou para comunicar qualquer problema
com relação a este projeto.
CONSENTIMENTO
Eu li este consentimento e me foram dadas as oportunidades para esclarecer minhas dúvidas. Minha participação
é inteiramente voluntária. No caso de não querer participar, nenhum benefício médico-psicológico poderá ser
negado. Portanto, eu concordo em participar e assino abaixo, em duas vias:
Data ____/_____/_____ _______________________________________ ________________________
NOME LEGÍVEL DO PARTICIPANTE ASSINATURA
Este Centro Participante da Pesquisa compromete-se a conduzir todas as atividades desta pesquisa de acordo com
os termos do presente consentimento e assina abaixo, em duas vias:
Data ____/_____/_____ ____________________________________ ________________________
NOME LEGÍVEL DO RESPONSÁVEL ASSINATURA
PELA OBTENÇÃO DO CONSENTIMENTO
127
127
APÊNDICE B - Roteiro de entrevista
Eixo qualitativo do Projeto Pessoas
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Maria Imaculada de Fátima Freitas - coordenadora
Suely Broxado de Oliveira
Nesta parte da pesquisa, o objetivo é compreender as representações e práticas acerca das IST e Aids
de pessoas com sofrimento mental.
A questão central da pesquisa está relacionada à vulnerabilidade destas pessoas, que, acredita-se, é
maior do que na população em geral. Porém, elas têm noções de risco, percepções de perigos no dia-a-
dia e maneiras de se prevenirem ou buscá-los. Que maneiras são estas? Em que elas se apóiam?
No eixo qualitativo, busca-se, então, compreender como os doentes mentais vivem suas vidas sexual e
afetiva e em que contextos sociais (com quais riscos percebidos ou despercebidos), considerando a
singularidade e a subjetividade envolvidas na construção social do risco frente a estes agravos.
Roteiro da entrevista Depois de ter lido o TCLE, de o entrevistado tê-lo assinado, iniciar a
entrevista, gravando, falando data e hora de seu início, local (nome do serviço e cidade) e
seguindo o roteiro.
Preencha, por escrito, as respostas até a questão 10.5, além de gravar as respostas. As questões
11, 12 e 13 são norteadoras, portanto centrais em relação ao objetivo da pesquisa.
As demais serão colocadas separadamente para aprofundar a discussão ou caso não tenha
havido referência anterior na narrativa do entrevistado.
ESTA É UMA ENTREVISTA ABERTA E EM PROFUNDIDADE, COM DELIMITAÇÃO DE
TEMAS A SEREM TRATADOS, QUE O SERÃO DE ACORDO COM A ESTRUTURA DE
RELATO DO ENTREVISTADO
1) Nome:
2) Idade: 3) Sexo:
4) Situação conjugal: 5) Profissão:
6) Residência: Escolaridade:
7) Com quem você mora:
8) Quantas pessoas moram na sua casa:
9) Tem filhos? 9.1) Quantos?
10) Trabalha atualmente? 10.1) Em que?
10.2) Quanto ganha?
128
128
10.3) Se não trabalha atualmente, desde quando parou de trabalhar?
10.4) Em que trabalhou antes?
10.5) Se não trabalha, você tem alguma renda? Com o que?
10.6) De quanto é esta renda?
11) Gostaria que você me falasse sobre seu acompanhamento psiquiátrico, da sua doença, de como
ocorreu, me contando o que você pensa da sua situação. (Caso o entrevistado não se refira à família,
insira a questão, peça para ele falar das pessoas com as quais conta/ apóia-se para seguir o tratamento,
das dificuldades que enfrenta para isto).
12) Das pessoas com as quais você convive, em quem você confia para conversar sobre sua vida, para
contar suas histórias, sobre sua vida amorosa e sexual, seus medos, suas dificuldades. (Caso ele se
refira a nomes de pessoas, pedir para descrever cada um, buscando compreender a “teia de relações
sociais” do entrevistado).
13) que você está me falando das pessoas que você considera na sua história, também gostaria que,
a partir de agora, você me contasse sobre sua vida amorosa e sexual, dos seus namoros, dos seus
amores, dos seus parceiros sexuais. Fale-me o que você pensa sobre sexo, como você faz sexo, de que
você gosta ou não. Fale-me, então, como é sua vida sexual e afetiva. (Perguntas de relance: quando
começou a ter relações, o prazer que tem com o sexo ou não, o interesse por parceiros do sexo oposto
ou do mesmo sexo, existência de violência sexual, parceiros atuais, etc.).
14) Ao falar de sexo, você falou (ou não) de doenças que são transmitidas (que se “pega”) através das
relações sexuais. Você conhece algumas destas doenças; já ouviu falar delas; já teve alguma? Fale-me
sobre elas e sobre o que você pensa dos riscos que você tem de pegá-las (ou não). (Se o entrevistado
não descrever situações de proteção ou de risco de infecção, pergunte sobre isto na sua história de vida
e também sobre o uso de álcool e drogas).
15) Conte-me sobre as maneiras que você tem de se proteger das doenças que são transmitidas através
de relação sexual. (Caso o entrevistado não fale, insira a questão do uso da camisinha, busque saber o
que ele pensa e sabe sobre ela, se usa ou não usa, se tem estratégias para prevenção que ele reconheça
como tal...).
16) Gostaria que você me falasse das outras maneiras que você conhece que apresentam risco para
pegar estas doenças. Como você acha que se protege delas? (aqui, se o entrevistado não tocou no
assunto ainda, é o momento para inserir a questão da religião/ crença religiosa e prevenção/ crença de
prevenção e de baixo risco. Além disso, puxe assunto sobre o risco na vida em geral - comportamento
recatado ou arriscado).
17) No acompanhamento aqui no serviço (CAPS ou Hospital), você recebe informações sobre sexo,
sobre as doenças sexualmente transmissíveis, sobre riscos e possibilidades de prevenção? Se não
recebe, não conversa, você gostaria que isto acontecesse? O que você acha importante que seja
conversado com você?
129
129
APÊNDICE C – Numeração e pseudôminos dos entrevistados
NÚMERAÇÃO
PSEUDÔMINO
E1 Trombeta
E2 Tadeu
E3 Felipe
E4 Fernanda
E5 Isnex
E6 Juliana
E7 Gabriel
E8 Lelena
E9 Vera
E10 Edir
E11 Nilda
E12 João
E13 Celina
E14 Helenice
E15 Jofre
E16 Morena
E17 Dedé
E18 Tarica
E19 Adriano
E20 Bruno
E21 Lulu
E22 Reginaldo
E23 Ravena
E24 Nana
E25 Walter
E26 Junior
E27 Wesley
E28 Ita
E29 Breno
E30 Fernando
E31 Tatiana
E32 Joana
E33 Chiquita
E34 Otávio
E35 Totonho
E36 Quinzinho
E37 Neneco
E38 Chiquito
E39 Carlito
130
130
Anexos
131
131
ANEXO A - Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal
de Minas Gerais, ETIC 125/03
132
132
ANEXO B - Aprovação do Comitê Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP 592/2006
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo