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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CCHLA- DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
ÁREA: POLÍTICA, DESENVOLVIMENTO E SOCIEDADE
SÃO PÚBLICAS AS CONTRATAÇÕES DO ESTADO BRASILEIRO?
- uma experiência de contratações públicas junto à comunidade Coqueiral em
Aracaju/SE
MARIA ANÁBER MELO E SILVA
NATAL-RN
2009
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MARIA ANÁBER MELO E SILVA
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do título de mestre em Ciências Sociais
no Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Bastos Costa
NATAL-RN
2009
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SÃO PÚBLICAS AS CONTRATAÇÕES DO ESTADO BRASILEIRO? –
uma experiência de contratações públicas junto à comunidade Coqueiral em
Aracaju/SE
MARIA ANÁBER MELO E SILVA
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título de mestre no Curso de
Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Membros da Banca Examinadora:
______________________________________________________
Professor Doutor Orivaldo P. Lopes Júnior (PPGCS/UFRN)
Presidente da Banca
_______________________________________________________
Professor Doutor João Bosco de Araújo Costa (PPGCS/UFRN)
Examinador
_____________________________________________________
Professora Doutora Jussara Maria Moreno Jacintho (UFS)
Examinadora
Natal, 30 de novembro de 2009.
S586s Silva, Maria Anáber Melo e.
São públicas as contratações do estado brasileiro?: uma
experiência de contratações públicas junto à comunidade
coqueiral em Aracaju. / Maria Anáber Melo e Silva;
orientação [de] Fernando Bastos Costa. – Natal, 2009.
199 p. : il.
Inclui bibliografias
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
1. Atos administrativos. 2. Contratos. I. Costa, Fernando
Bastos (orient.). II. Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN). III. Título.
CDU: 342.924:351.712
A Deus, minha família, meus amigos, meu orientador amigo e ao professor
Orivaldo que assumiu com dedicação o encargo de presidente de banca na
ausência do professor Fernando Bastos.
“A revolução democrática do direito e da justiça só faz verdadeiramente
sentido no âmbito de uma revolução democrática mais ampla que inclua
a democratização do Estado e da sociedade."
Boaventura de Sousa Santos
RESUMO
As intervenções que se efetivam através do Estado, de modo geral, exigem a
compra ou a locação de bens e serviços, e essas aquisições estão condicionadas
a marcos legais indispensáveis. Para isso, no Estado brasileiro, a Lei 8666, de 21
de junho de 1993 e outras normas regulam a necessidade de um procedimento
formal, em regra, a licitação. Haja vista a importância do assunto para as esferas
públicas e privadas, essas regras formais de contratação têm como um dos
pressupostos a transparência dos atos públicos, o conhecimento e o
acompanhamento através da sociedade. Este trabalho de dissertação tem como
objetivo investigar a participação da sociedade nas contratações públicas e para
este propósito dialoga com teóricos da relação estado/sociedade, estudiosos de
políticas públicas e autores voltados aos aspectos jurídicos relacionados às
licitações. A questão central desta pesquisa é que, apesar da possibilidade de
participação da sociedade estar prevista nos marcos legais que orientam as
licitações, por que esse controle social não se efetiva? Por que ocupa apenas
uma posição secundária junto aos agentes individuais e coletivos? Para testar
algumas hipóteses da pesquisa foi realizado um trabalho empírico na
Comunidade Coqueiral, em Aracaju/SE, relativo às aquisições públicas de bens e
serviços durante o período de maio a setembro de 2009, fazendo visitas de
observação, fazendo entrevistas com roteiro junto a membros da referida
comunidade e representantes do setor público. As hipóteses do trabalho se
confirmaram, pois esse controle social não vem se efetivando, mesmo em
espaços onde a participação popular é um componente forte da cidadania local,
como ocorre na Comunidade Coqueiral.
Palavras-chave: Estado e Sociedade – Contratações Públicas – Participação
ABSTRACT
State intervention generally demands the purchase or rental of goods and
services, and such acquisitions are subject to a number of indispensable legal
frameworks. In the Brazilian State, Law 8.666 of 21 June 1993 and further norms
regulate the necessity of a formal process, usually licitation. Given the importance
of this subject to public and private spheres, one of the prerequisites of these
formal contracting rules is the openness of public acts, and society’s knowledge
and accompaniment. The objective of this study is to investigate society’s
participation in public contracting, with the aim of debating theories surrounding
the state/society relationship proposed by public political thought and authors in
relation to legal aspects involving licitations. The principal question of this research
is: despite the possibility of society’s participation being predicted in the legal
frameworks which orientate licitations, why is this social control not carried out?
Why does it only occupy a secondary position to both individual and collective
agents? In order to test some of this study’s hypotheses, field research was
carried out in the Coqueiral community in Aracaju, Sergipe, in relation to public
acquisitions of goods and services during the period of May to September 2009.
Research involved observation visits and guided interviews with the relevant
community and public sector representatives. This project’s hypotheses were
confirmed, as this social control is not apparent, even in areas where popular
participation is a strong component in asserting ones local rights, like in the
Coqueiral community.
Key words: State and Society, Public Contracting, Participation
ABREVIATURAS
ANATEL – AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES
ASCOAMI – ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA AMIGOS DO COQUEIRAL
CEHOP – COMPANHIA ESTADUAL DE HABITAÇÃO E OBRAS PÚBLICAS
CPL – COMISSÃO PERMANENTE DE LICITAÇÃO
DASP - DEPARTAMENTO ADMINISTRATIVO DO SERVIÇO PÚBLICO
DEP – DEPARTAMENTO DE EDIFICAÇÕES PÚBLICAS
EC – EMENDA CONSTITUCIONAL
EMSURB – EMPRESA MUNICIPAL DE SERVIÇOS URBANOS
EMURB - EMPRESA MUNICIPAL DE OBRAS E URBANIZAÇÃO
MPE – MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
OP – ORÇAMENTO PARTICIPATIVO
PAC - PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO –
PMA - PREFEITURA MUNICIPAL DE ARACAJU
PMDB – PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO
SCC – SUPERINTENDÊNCIA DE COMPRAS CENTRALIZADAS
SEAD – SECRETARIA ESTADUAL DE ADMINISTRAÇÃO
SEMAD – SECRETARIA MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO
SEPP -- SECRETARIA EXTRAORDINÁRIA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR
SMTT – SUPERINTENDÊNCIA MUNICIPAL DE TRANSPORTES E TRÂNSITO
TCE – TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
TCU – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................10
CAPÍTULO I – DA FORMAÇÃO DO ESTADO ÀS AÇÕES DE INTERVENÇÃO
1.1. A formação do Estado..........................................................................16
1.2. O Estado moderno: tarefas e emergências........................................22
1.3. A burocracia e o estado brasileiro......................................................32
CAPÍTULO II – A SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA E A REPRESENTAÇÃO
DE INTERESSE
2.1. Conceitos de sociedade civil....................................................................39
2.2. O poder do Estado e da sociedade civil nas ações públicas................44
2.3. Mobilização social......................................................................................52
CAPÍTULO III – REGULAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO PARA AS
LICITAÇÕES
3.1. O aparelho do estado brasileiro e suas regras de contratação............57
3.2. As normas de contratações públicas vigentes no Brasil......................64
3.3. Recursos legais de interferência da sociedade......................................75
IV – LICITAÇÃO PÚBLICA EM SERGIPE
4.1. Contratações públicas em Sergipe e Aracaju..........................................81
4.2. A comunidade Coqueiral: um espaço de organização social em
Aracaju................................................................................................................88
4.3. Uma experiência de participação em contratações públicas no
Coqueiral.............................................................................................................94
CONCLUSÃO.....................................................................................................109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................114
ANEXOS..............................................................................................................118
INTRODUÇÃO
No decorrer da história a sociedade vem se transformando, e o Estado,
enquanto produto de sua criação, imprescindível à manutenção da ordem e
atendimento das necessidades dos seus membros, também tem se modificado.
O papel do Estado durante seu longo processo de formação vem se
adequando às mudanças sociais e políticas desde sua origem, que segundo
estudiosos da ciência política ocorreu em fases distintas, alguns defendem
origem marcada na Idade Antiga, outros na Idade Média com Maquiavel, até
chegar aos nossos dias, após um longo processo de transformação em face da
evolução social e da realidade política em cada canto do mundo.
O Estado moderno enquanto órgão social investido no poder legal e
legítimo de coerção em prol da coletividade, em oposição ao Estado absolutista,
caracterizado pela busca da satisfação dos interesses da minoria monárquica,
atua através dos agentes públicos, baseado-se no ordenamento jurídico. Mas, na
medida do desenvolvimento da sociedade e, por sua vez, de suas necessidades
crescentes, ampliou-se o papel do Estado, com tarefas cada vez mais
diversificadas, e por conta desta situação, a atuação antes resumida às tarefas
básicas, se ampliou para ações mais complexas. Além das crises porque passa o
Estado e suas instituições, confirma-se cada vez mais que não existe Estado
eficiente isolado da sociedade, demandando a participação dos agentes sociais,
seja como executor de serviços públicos ou como cidadãos na defesa de direitos
e fiscais das atividades públicas.
A Administração Pública, através de todo aparato administrativo composto
por órgãos, procedimentos e servidores que a fazem ter “vida”, atua em busca da
satisfação do interesse público, que simplesmente significa promover ações
capazes de atender as necessidades da coletividade em todas as áreas. E, nos
diversos momentos da história da evolução social brasileira o direito enquanto
expressão da sociedade, principalmente com o advento da Constituição
Democrática de 1988, tem deixado cada vez mais claro o papel do Estado e a
obrigatoriedade deste quanto ao respeito aos princípios constitucionais da
10
moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, entre outros, detalhados
neste trabalho. Aliados a esses, cabe ressaltar, os direitos conquistados pelos
cidadãos quanto à possibilidade de interferência nas ações públicas, através de
vários instrumentos jurídicos ou não, em prol da consolidação cada vez mais
latente da democracia.
As ações públicas, conforme ressaltado devem ser realizadas para atender
sempre, sem exceção, os interesses da sociedade, não cabendo interesses
outros. Não pode haver Estado voltado para os interesses individuais ou de
grupos, mas se isso ocorrer, como acontece na vida real, à revelia da lei,
providências devem ser adotadas para coibir atitudes ilícitas e prejudiciais,
usando os instrumentos legais, eficiente no sentido de enfraquecer essas práticas
dentro da sociedade. E para isso, os cidadãos e órgãos legítimos do próprio
Estado devem agir frente às ilicitudes cometidas por agentes públicos ou por
membros da sociedade em favor da coletividade. E, em meio às situações de
desvios estão também as licitações ou contratações públicas.
Apoiado numa idéia de cidadania com bases profundas nos princípios que
regem a Administração Pública, o cidadão ou qualquer interessado, também a
pessoa jurídica devem atuar como instrumento de controle social na medida da
participação direta ou não das ações de Estado, reforçando a idéia de gestão
democrática participativa inserida na Carta Magna, fiscalizando a atuação dos
agentes públicos e a execução das ações implementadas na gestão pública. Isto
pode acontecer de diversas formas: judicialmente, utilizando-se dos instrumentos
democráticos de interferência nas ações públicas; administrativamente com
representações dirigidas aos órgãos competentes; através de pressões dos
movimentos sociais, entre outras.
Em meio aos interesses e direitos assegurados legalmente, o direito
administrativo, uma das bases legais e principais para a atuação dos agentes
públicos, vem sofrendo alterações, principalmente com a influência de uma
interpretação hermenêutica constitucional, valorizadora dos princípios
constitucionais basilares do Estado democrático de direito.
Não cabe mais pensar em agentes públicos atuando estritamente conforme
a lei, sem considerar a legitimidade de sua aplicação, sem observar as
necessidades e reclames sociais, e por isso, a participação dos cidadãos na
11
formação e execução das políticas públicas, seja como fiscais ou meros
beneficiários colocando-se na ordem do dia, com vistas a garantir a função do
Estado, que segundo Burdeau (2005) “é uma força nascida da consciência
coletiva e destinada ao mesmo tempo a assegurar a perenidade do grupo, a
conduzi-lo na busca do que ele considera seu bem e capaz, se necessário, de
impor aos membros a atitude exigida por esse busca”. Contudo, apesar do Estado
ter o direito de usar a violência legítima para garantir a serenidade da sociedade,
ele também pode passar de agente garantidor da organização e moralidade a
fiscalizado por esta mesma sociedade (BURDEAU, 2005, p. 5).
Na execução das ações públicas o Estado é obrigado a formalizar uma
relação contratual com particulares quando necessita adquirir bens e contratar
serviços de qualquer espécie, através do procedimento de licitação pública, ou
excepcionalmente, diretamente com o particular, mas também a partir de um
procedimento administrativo, onde os princípios constitucionais gerais e os
específicos devem ser cumpridos. A licitação representa acima de tudo um
procedimento formal onde a administração pública escolhe a proposta mais
vantajosa ao atendimento do interesse público, com qualidade e menor preço,
preservando os cofres públicos. Não podem os agentes públicos agirem à revelia
da lei para beneficiar-se ou a beneficiar amigos e parentes, agindo assim
configura além de outras fatos, a imoralidade refutada constitucionalmente.
No Brasil, a administração pública de todas as esferas, conforme
determinação constitucional não escapa à exigência de contratar com particular,
em regra, após conclusão de prévio procedimento licitatório, visando selecionar a
proposta mais vantajosa, exigindo para isso critérios formais em conformidade
com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da
igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao
instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
É salutar ressaltar que o objeto licitado ou contratado, em geral serve à
sociedade para atendimento de suas necessidades, como a construção de ruas,
pontes, escolas, postos de saúde, ou até mesmo na compra de bens utilizados
pela administração na execução de suas tarefas públicas. E, por ser a sociedade
legítima detentora de seus benefícios como também financiadora desses gastos,
a constituição e a legislação infra-constitucional garantiram ao cidadão e às
12
pessoas jurídicas o direito de intervirem e terem acesso aos procedimentos de
contratação, permitindo assim a fiscalização e controle da atividade pública.
Então, como conseqüência da importância do estudo da participação da
sociedade enquanto instrumento de controle social nas contratações públicas,
deve-se destacar também a importância da função estatal na construção da
democracia e na abertura de canais democráticos de discussões, configurando
uma atuação mútua de realizações e fiscalizações, o que segundo Bastos (2006)
“refletem a consciência de que as intervenções na sociedade não ocorrem num
vácuo, sem custos de transação nem conflitos políticos, e que os scripts dos
organismos concebidos racionalmente constituem apenas uma parcela dos
processos sociais em curso [...].” Não é possível imputar ao Estado tudo que
acontece na sociedade nem a ele próprio, pois ambos estão envolvidos em erros
e acertos a serem considerados, e por isso, neste trabalho será abordada a
participação da sociedade nas contratações públicas a partir da realidade da
comunidade denominada Coqueiral, localizada no município de Aracaju-SE,
analisando ações originárias do poder público e da sociedade.
Em meio a essa problemática sobre contratações públicas a questão
central reside na participação ou não da sociedade nas contratações públicas e
para confirmar ou não as hipóteses, no presente trabalho foram utilizadas
fundamentações teóricas com autores de linhas sociológica, política e jurídica;
entrevistas com alguns líderes comunitários do Coqueiral, agentes públicos
membros de comissões de licitação, pregoeiros, promotor de justiça, membros de
tribunais de contas da União e do Estado. Essas hipóteses são as seguintes:
- a sociedade não participa dos processos de contratações públicas porque
não tem informações quanto às possibilidades que permitem esta participação,
seja interferindo, fiscalizando ou simplesmente buscando conhecer;
- o poder público não atua satisfatoriamente no sentido de aproximar a
sociedade das atividades públicas.
A Comunidade Coqueiral foi a escolhida para a presente pesquisa em
virtude de seu histórico social, aliado a atual situação de carência, principalmente
em relação às necessidades básicas que exigem uma atuação organizada de
parcela desta comunidade para garantir o cumprimento das ações públicas. É um
espaço em processo dinâmico de transformação que apesar de ter melhorado em
13
condições de vida desde seus primeiros moradores no início da década de 90,
ainda existem problemas de saneamento básico, transporte público, moradia,
água encanada em todas as casas, energia elétrica, entre diversos outros. E esta
situação de total carência, inevitavelmente, exige do poder público a formalização
de contratações a serem realizadas, pelo menos a maioria delas, por processo de
licitação pública, permitindo assim investigar as hipóteses levantadas.
Este trabalho está estruturado em quatro capítulos para atingir o objetivo
proposto.
O primeiro capítulo é reservado a relatar o processo de formação do
Estado, trazendo informações históricas elucidativas ao leitor quanto à origem de
sua formação, os papéis assumidos dentro desse processo de aprimoramento e
os mecanismos de atuação durante a estruturação do aparato administrativo,
enfrentando mudanças de ordem política e administrativa.
O segundo capítulo é dedicado aos vários conceitos da sociedade civil, a
partir das diversas concepções de especialistas das ciências sociais, que
segundo alguns deles, em certo momento o termo sociedade civil se confundiu
com o termo Estado. Serão analisados também o poder do Estado e o da
sociedade enquanto interventores nas ações públicas, mostrando que não só o
Estado tem este poder, como também a sociedade mais ou menos organizada, na
medida que interfere nas realizações emanadas da administração pública,
principalmente quando há participação dos movimentos sociais.
No terceiro capítulo aborda-se a regulação do Estado brasileiro em relação
às licitações públicas, especificando a estrutura do aparelho burocrático e as
normas vigentes de abrangência na união, nos estados e nos municípios,
especificamente em Sergipe e Aracaju respectivamente, informando como a
Administração Pública formaliza os procedimentos de contratações públicas e as
bases legais utilizadas.
Mas é no capítulo quarto onde se testam as hipóteses levantadas, relativas
à participação da sociedade nas contratações públicas e às possibilidades
ofertadas ou não pelo poder público para viabilizá-la, especialmente na
divulgação dos direitos dos cidadãos. E para isso, foram realizadas entrevistas
com líderes comunitários do Coqueiral e agentes públicos ocupantes de várias
funções da esfera municipal, envolvidos direta ou indiretamente nas ações
14
necessárias à satisfação do interesse público, especialmente as de contratações
públicas, perfazendo um total de dez entrevistados. Além das entrevistas com
utilização de roteiros e questões abertas estão aqui inseridas as observações de
campo.
15
CAPÍTULO I – DA FORMAÇÃO DO ESTADO ÀS AÇÕES DE INTERVENÇÃO
1.1. Aspectos históricos sobre a formação do Estado
Antes mesmo de tratar sobre Estado Moderno é importante conhecer como
aconteceu a sua formação, desde as primeiras células embrionárias até a
institucionalização como poder organizado politicamente.
Vários estudiosos do pensamento político levantam diversas teses sobre o
estudo da formação do Estado, e para melhor compreensão sobre a matéria é
preciso compreender realmente a importância do marco diferencial entre o que
chamaríamos de era primitiva e era social, devido à direta ligação entre o
surgimento da sociedade e o aparecimento do Estado. Nesse diapasão é sabido
que a formação de qualquer objeto material ou imaterial passa por longos
processos de desenvolvimento, seja no campo das idéias ou da efetiva
construção. Levam-se em conta, no presente caso, os interesses individuais e
coletivos existentes na sociedade.
As diversas concepções atribuem o surgimento do Estado, enquanto
ordenamento político organizado, segundo características e pontos de vista
diversos: uma, defende a tese de seu surgimento a partir da dissolução da
comunidade primitiva, fundada sobre a união entre parentes e, depois da
formação de comunidades mais amplas, derivadas da união entre famílias movida
pela necessidade de sobrevivência ligada ao sustento material e à defesa dos
grupos familiares; duas, atribui o nascimento do Estado quando da passagem da
idade primitiva, nas diversas fases de evolução, até chegar à idade civil, sendo
civil sinônimo de cidadão e civilizado, que representam a antítese do estado de
natureza e da societas civilis, defendida pelos jusnaturalistas; três, pode ser
compreendido em três fases distintas: a primeira bestial (associal), a das famílias,
“que é um estado social mas não ainda propriamente político, e nasce quando,
em seguida à revolta dos ‘fâmulos’, os chefes de família são obrigados a se unir
16
e a dar vida à primeira forma de Estado, a república aristocrática”; outros como
Rousseau defende a idéia da sociedade civil surgida a partir da instituição da
propriedade privada, no momento em que alguém se propôs a cercar um terreno
e tomá-lo para si, fazendo nascer no decorrer dos séculos o chamado Estado,
juntamente com a formação da sociedade; também Marx e Engels ratificam o
nascimento do estado com a propriedade privada, onde advém a divisão do
trabalho, e como conseqüência, a divisão da sociedade em classes representadas
nos detentores dos meios de produção e nos vendedores da força de trabalho, e
por força dos diferentes interesses entre os detentores do poder e os que nada
têm, nasce o órgão social e político para manter o domínio de uma classe sobre
outra (BOBBIO, 2005, p. 73-74).
Durante a história da humanidade e da formação da sociedade, nem
sempre o Estado existiu enquanto instituição politicamente organizada, mesmo
que tenha havido organização política, como ocorria em organizações tribais
também portadoras de regras e costumes usados nas relações internas do poder
distribuído entre seus membros. Mas, nem por isso, se depreende a existência de
um Estado. Essas diversas formas de organização geraram controvérsias em
relação ao uso do termo Estado, fazendo alguns estudiosos preferir o uso do
termo “sistema político”. Mas de alguma forma todos eles apresentam
características inerentes ao poder. (idem, ibidem, p. 75)
O Estado, segundo as teorias acima, representa a passagem de um
modelo bárbaro para um civilizado ou a representação dos interesses de uma
classe dominante sobre a maioria, com vista a dirimir seus antagonismos movidos
principalmente pela situação econômica que dava a poucos tudo e a muitos
quase nada. Mas enfim, todos concordam que o Estado é fruto de um processo
evolutivo da sociedade.
A origem do nome Estado remonta ao século XVI, na obra “O Príncipe” de
Niccolò Machiavelli, escritor italiano, nascido a 03 de maio de 1469, na cidade de
Florença. Além de estudioso foi ocupante de cargos públicos e dedicou parte de
sua vida a escrever sobre política, abordando discussões relativas a formas de
governo e a importância da centralização do poder, em face da realidade social e
política da época, onde a Itália encontrava-se esfacelada, em constantes guerras
17
com várias cidades rivais. Esse ambiente o colocou para o mundo como defensor
aguerrido da unidade política, título motivado porque as cidades italianas
funcionavam como Estados divididos, deixando a Itália totalmente enfraquecida, a
mercê de invasores, desprovida de um comando unitário e forte. Nesse sentido,
definiu Estado como “[...] todos os domínios que têm havido e que há sobre os
homens, foram e são repúblicas ou principados”. (MACHIAVELLI, 2001, p. 27).
O referido termo passou a ser usado por outros autores, também por conta
das características dessas organizações sociais com traços similares de unidade
política, podendo apresentar-se nos diversos cantos do mundo com diferenças
ocasionadas pelo próprio estágio de desenvolvimento social. E, partindo da idéia
de Estado como instrumento de dominação, este pode ser representado como
“todas as sociedades políticas que, com autoridade superior, fixaram as regras de
convivência de seus membros” (DALLARI, 2007, p. 52).
Ainda em relação a essas concepções teóricas, Dallari (2007) cita em sua
obra mais algumas delas, inclusive a de Eduard Meyer e Wilhelm Koppers os
quais condicionam a existência do Estado à própria existência do homem, que
sempre esteve inserido numa organização social dotada de poder suficiente para
dirigir o grupo, independente da presença de regras escritas coercitivas ou
direcionais; a segunda, ao contrário da primeira, aponta a inexistência do Estado
num determinado momento histórico-social, apesar de surgir posteriormente no
decorrer do desenvolvimento das sociedades, visando assegurar a convivência
dos seus grupos, como instituição social e política, apesar de seu aparecimento
não ter ocorrido ao mesmo tempo em todos os lugares; a terceira teoria
compreende o Estado como a sociedade política dotada de certas características
muito bem definidas, independente do nome adotado. Karl Schmidt atribui vários
conceitos de Estado de acordo com o período, mas sem dúvida em qualquer um
estaria inserida a prática da soberania; na mesma obra, cita o autor Balladore
Pallieri defende o ano de nascimento do Estado com a assinatura da Paz de
Westfália
1
, em 1648, fato histórico e político de grande importância envolvendo
diversas nações (DALLARI, 2007).
1
Paz de Westfália foi um tratado assinado nas cidades alemãs de Münster e Osnabrück entre maio
e outubro de 1648, pondo fim a Guerra dos 30 Anos, e tendo como signatários vários países da
Europa. Esse fato é tido por alguns historiadores como a Primeira Grande Guerra Mundial devido
18
A divisão da história em Idades e a divisão do Estado em Antigo, Medieval,
Moderno e Contemporâneo têm função meramente didática; na prática elas não
existem apenas apresentam características em consonância à condição de
desenvolvimento social e político em certo momento histórico. Os fatos relevantes
marcam momentos históricos, e por isso, servem como referência e ponto divisor
de passagens alcançadas dentro de um longo processo de evolução para uns e
involução para outros. Assim, traçaremos algumas características sobre o Estado,
considerando os termos clássicos divisores.
O Estado Antigo referido por alguns autores são formas rudimentares de
organização política entre as civilizações do Oriente quando havia um misto entre
a religião, o Estado, a família e a organização econômica. Ainda podem ser
consideradas características marcantes desse período: a natureza unitária, por
não admitir divisão em seu interior, seja territorial ou de funções; a religiosidade
influía na política e no comportamento da sociedade, afirmando o poder dos
governantes, contribuindo no comando de seus súditos. Naquele momento da
história era comum em muitas civilizações a prática do politeísmo, provocando
grande influência religiosa nos costumes daquelas organizações sociais. Por
conta dessa marcante característica religiosa, alguns autores qualificam o Estado
como teocrático. E duas das principais civilizações da época - grega e a romana
experimentaram uma organização social e política como cidades-Estado,
formação modificada através do tempo em virtude, principalmente, do
crescimento da população e dos acréscimos territoriais conquistados,
especialmente no caso do Estado Romano, marcado por grandes guerras,
derrotas e conquistas. (DALLARI, 2007).
A polis grega é referida em muitas obras sobre teorias políticas e de Estado
enquanto concepção de organização social e política, apesar das discussões
acerca dos destinos políticos do povo em plena praça pública (Ágora), local
restrito a alguns privilegiados de determinadas classes. Também o Estado
Romano em grande período da história foi organizado em cidades-estado, com
características marcadas pela base familiar, forçando a formação do Estado a
partir das civitas, resultantes da união de grupos familiares, detentores de
a sua abrangência em quase todo o Velho Continente. Este documento foi o grande marco inicial
do direito internacional.
19
poderes e servidos de privilégios, a exemplo dos patrícios, conforme ressalta
Dallari (2007). A Idade Média, compreendida nos calendários históricos entre
século V até o fim do Império Romano do Oriente, com a queda de
Constantinopla (no século XV, 1453 d.C), foi um período marcado pela forte
influência religiosa na política, ainda não muito estruturada do ponto de vista da
unificação do poder estatal, apesar da igreja defender a universalidade cristã, com
vistas à construção de uma sociedade cristã unificada (Idem, ibidem).
A divisão dos territórios em feudos, organização na Idade Média, dificultava
uma unidade política, fator prejudicial à formação de um Estado politicamente
organizado com as características modernas de unidade, apesar da Igreja
dominante à época ter procurado favorecer o fortalecimento do Império, visando
seu próprio poderio, haja vista o prejuízo também causado por conta dessa
descentralização e das constantes lutas pelo poder entre os nobres (senhores
feudais, cavaleiros, condes, duques, viscondes, reis) e o próprio clero (a igreja e
demais organizações religiosas). Essa estrutura patrimonialista medieval, sem
quase alguma mobilidade social era marcada pela dependência à propriedade, de
onde todos tiravam seu sustento.
O Estado medieval apresentava uma estrutura social e política
descentralizada, onde cada domínio territorial dos senhores feudais, dos demais
nobres e da igreja formavam um suposto Estado privado com normas de
dominação servíveis à manutenção de seus poderes e à exploração dos servos
desprovidos de liberdade, agricultores, devedores eternos de impostos. Não só
esses agricultores, mas parte da nobreza também era obrigada a pagar tributos
obrigados pelos monarcas, fazendo nascer frequentes conflitos sociais em torno
da luta pela preponderância do poder de mando. Esses conflitos, “apimentados”
com o crescente aumento dos proprietários de terras, sejam os de grandes
latifúndios ou de pequenas propriedades, também em permanente litígio entre si,
fizeram nascer um emergente modelo hierarquizado capaz de dirimir questões
para por ordem na sociedade. Surge então o chamado Estado Moderno, como
ordem política da sociedade, organizado, unificado e, ao contrário da realidade
anterior, incumbido de dirimir os conflitos através de um poder legítimo, com
vistas a manter a ordem social, agregar pessoas de uma mesma sociedade, sob o
mando do poder único do Estado.
20
Em meio a lutas sociais entre vários “governantes”, a monarquia ampliou
sua competência e tomou para si o comando de todo o reino, colocando todos
subordinados ao rei, incluindo-se entre estes, os membros da nobreza (senhores
feudais, condes, duques, entre outros) e os do clero.
A centralização do poder é elemento do Estado moderno a nível histórico-
institucional, sinônimo do monopólio de força legítima que vai além do fator
organizacional. É certamente a nova tendência encarregada de destruir o antigo
sistema “policêntrico” medieval, rumo à consolidação do poder unitário e
exclusivo, contrário ao modelo da alta Idade Média, formado a partir da realidade
histórica em constante movimento (SHIERA, 2006).
O Estado é dotado de alguns elementos imprescindíveis, entre eles o
território
2
, considerado essencial à sua formação, é o espaço de terra necessário
à existência e subsistência das pessoas (povo), detentoras de características
culturais comuns, submetidas à mesma ordem jurídica (poder centralizado). Este
espaço territorial compreende o mar territorial, a terra firme, o subsolo e a
plataforma continental, bem como o espaço aéreo, onde a soberania do Estado
prepondera, sem interferência e poder de nenhum outro (BONAVIDES, 2008).
O Brasil não foi poupado de passar por fases politicamente difíceis para
estabelecer o Estado Moderno. Teoricamente, esse modelo de organização social
chegou pronto ao desembarcarem os colonizadores no novo território
conquistado. Os agentes representantes da coroa portuguesa e os jesuítas
estiveram empenhados em converter os nativos ao cristianismo, sobrepondo a
cultura ibérica religiosa à cultura dos índios, habitantes do território brasileiro.
O marco inicial do Estado brasileiro data da implantação do governo-geral
em Salvador, no ano de 1549, responsável pela proteção de todo o território
contra os invasores e em garantir a exploração das riquezas naturais enviadas
para Portugal. O primeiro governador-geral nomeado por Dom João III, Tomé de
Souza, empreende seus esforços contrários à fracassada experiência das
Capitanias Hereditárias, impondo um governo centralizado, característico do
Estado Moderno. Os governos-gerais seguintes, em alguns momentos, dividiram
2
Definiu Ferrucio Pergolesi (apud Bonavides, 2008, p. 95) o território como “a parte do globo terrestre na
qual se acha efetivamente fixado o elemento populacional, com exclusão da soberania de qualquer outro
Estado”.
21
o poder central entre Salvador e Rio de Janeiro, oscilando entre o modelo
centralizado e descentralizado. Essa nova formação administrativa não pôs fim às
capitanias hereditárias, mas aos poderes de mando dos donatários, substituídos
pelo poder do governador-geral. (SCHILLING, 2003)
O desenvolvimento do Estado Moderno brasileiro desde a época colonial
apresentou modelos de organização política e de administração diversificados, de
acordo com os governantes e os grupos sociais preponderantes. O poder do
Estado, por conseqüência dessas modificações é também parte dessa história e
move-se de acordo com a realidade social e política. Em dado momento histórico-
político o poder do Estado esteve concentrado em pessoas: no rei (de Portugal)
ou no imperador (do Brasil), era um poder pessoal; na República, o poder era
dividido, portanto, mais impessoal, sementes democráticas de frutos pendentes
para consolidação de um modelo de Estado. Neste processo de democratização
estão incluídas as organizações sociais e políticas que direta ou indiretamente
interferem na formação desse Estado, perfilando o caminho da democratização e
o fortalecimento do Estado de Direito, com o fim de prestar e realizar o interesse
público, fundamentado nas normas jurídicas capazes de proporcionar harmonia e
segurança social.
Abordada resumidamente a formação histórica do Estado para melhor
compreensão de sua representação nas diversas fases e na sociedade,
importante se faz conhecer também sobre as funções e estruturas no decorrer de
seu desenvolvimento, frente à responsabilidade principal de atendimento ao
interesse da coletividade, o que será abordado a seguir.
1.2. O Estado Moderno: tarefas e emergências
O Estado moderno vem progressivamente mudando suas atribuições
principais enquanto produto da sociedade, desde os primeiros embriões de sua
formação, como a polis grega e a civitas romana, as quais traziam em si a ideia
22
de comunidade organizada e de cidadania, onde a participação de algumas
classes privilegiadas em discussões políticas era permitida e legítima. Esta prática
desapareceu na Idade Média, ressurgindo posteriormente em virtude da
necessidade de um Estado capaz de centralizar o poder sustentado na soberania.
Este organismo social se sobrepõe aos demais poderes sociais, exercendo sobre
o território e sobre a população (povo) sua vontade suprema (a suprema
potestas), que “deflui de seu papel privilegiado de ordenamento político
monopolizador da coação incondicionada na sociedade” (BONAVIDES, 2008, p.
133).
O poder, um dos elementos de formação do Estado, sem o qual não se
estabeleceria a soberania interna (perante as unidades federadas) ou externa
(perante outros Estados), passou por uma progressiva e lenta interferência da
sociedade. Mesmo quando o comando político esteve personificado na figura do
monarca, investido de direito divino e poder absoluto ou quando essa
personificação submeteu-se à impessoalidade, característica do Estado
democrático de direito baseado nas normas jurídicas, especialmente na
Constituição Federal, responsável pela condução do Estado, voltado à satisfação
do interesse público, diferente do Estado medieval descentralizado e dirigido por
diversos representantes sociais (igreja, nobreza).
A soberania foi o marco inicial dessa organização social transformada,
materializada inicialmente no rei, representante supremo do Estado, desprovido
de impessoalidade, protagonista de um marco histórico-político diferencial,
mesmo sendo desvirtuado dos objetivos sociais, políticos e econômicos ansiados
pelas comunidades do fim da Idade Média. O peso do poder fechado do
soberano sobre os súditos o fez perseguidor assíduo de interesses pessoais,
unindo em si, concomitantemente, a lei e o Estado, servíveis tão-somente ao
enriquecimento e a manutenção do poder. Esta prática fomentou revoltas e
movimentos contra a Coroa durante longo período, em vários territórios.
Os mercadores e pequenos comerciantes residentes nas fortalezas
denominadas de burgos e os mercantilistas da Idade Média, progressivamente,
no decorrer das transformações sociais movidas por necessidades políticas e
23
econômicas, passam a formar a classe que futuramente seria batizada por Karl
Marx como burgesia, detentora dos meios de produção capitalista.
O fortalecimento do mercantilismo foi proporcionado pelo subsídio da
monarquia às empresas e companhias de navegação, aplicando-se o esforço
também ao fomento do comércio e da indústria, configurando o primeiro
intervencionismo estatal do Estado moderno. Isso favoreceu o crescimento
robusto da burguesia, responsável pelo incremento de uma economia consolidada
num sistema econômico novo - o capitalismo, baseado na propriedade privada
dos meios de produção e comercialização de seus produtos para obtenção do
lucro a partir do trabalho contido no valor desses bens. (BONAVIDES, 2008)
Esse novo modelo econômico não recepcionava a concepção de um
Estado personificado na figura de um mandante rei, instituidor das leis de versão
autocrática, pois a nova realidade exigia mais liberdade para expansão do
comércio crescente em vários cantos do mundo. A nova classe dirigente dos
destinos econômicos da Europa Ocidental, espalhar-se-ia gradativamente pelo
mundo e, devido a sua importância e poder estabelecidos em consonância com a
detenção da propriedade privada (empresas e negócios em geral), não mais se
submetia ao comando despótico do rei. Insere-se também como descontentes, os
fidalgos, compreendendo-se nestes, os nobres conviventes do soberano, não
mais toleráveis à política absolutista, impregnada de interesses particulares,
frequentemente desleal aos demais membros da sociedade. Ambos, fidalgos e
burgueses, cada um dentro de seu papel, passou a provocar movimentos
capazes de modificar o modelo decadente, inadequado aos anseios vigorantes,
fazendo-o decair gradualmente. Esses movimentos socio-políticos foram
veementemente contrários ao modelo absolutista, com fundamento no interesse
dos burgueses e dos nobres desprestigiados do rei. (Idem, ibidem)
Os burgueses visavam a interferência na política estatal para viabilizar
seus projetos de intervenção capitalista, respaldado na dominação cada vez mais
crescente sobre a propriedade e sobre os meios de produção, compatíveis com o
crescimento acelerado da sociedade, criadora de novas necessidades e
tendências consumísticas, passíveis de atendimento com o incremento da
produção e comercialização de bens de consumo. A importância econômica da
24
nova classe a elevou de desprestigiada, restrita aos muros dos Burgos a
detentora do poder estatal e de sua preponderância hierárquica social devido ao
seu enriquecimento alcançado com o comércio crescente de bens e serviços,
favorecedores dos avanços industrial e tecnológico, “criadora” do proletariado,
classe trabalhadora vendedora de sua força de trabalho em troca de salário.
A evolução do Estado do século XIII ao século XIX traz em si
peculiaridades marcantes relacionadas diretamente ao desenvolvimento social e
político, determinantes do seu papel, ou melhor, de suas tarefas, somente
possíveis num modelo organizacional de poder centralizado em instância mais
ampla e superior. E, nesse amplo espaço temporal os ideais de liberdade
conquistados com movimentos revolucionários marcados por lutas de vida e
morte, como a Revolução Gloriosa da Inglaterra (1688), a Revolução Americana
(1776) e a mais propagada politicamente por seus ideais, a Revolução Francesa
(1789), todas com influência burguesa, moldaram a volúvel “feição” do Estado,
consagrando uma política não-intervencionista, sob o emblema da liberdade e
igualdade entre os homens. (MARTINEZ, 2006)
A liberdade difundida no Estado Liberal vem acompanhada de uma ordem
econômica marcada pelo novo sistema capitalista incrementado com a Revolução
Industrial que ocorreu em duas fases: a primeira em 1750, época da criação das
primeiras máquinas de fiação, seguida da máquina a vapor; a segunda fase, em
meados do século XIX, acelerou o processo tecnológico, com a criação de novas
máquinas (eram as máquinas que criavam outras máquinas), época nascimento
dos bancos e estabelecimentos de créditos incrementadores da economia, a
descoberta do petróleo, representando a nova fonte de energia revolucionadora
do mundo capitalista. Não havia mais freio para o desenvolvimento tecnológico
saído da Europa e espalhado pelo mundo, cada vez mais optante pelo uso das
máquinas em substituição a manufatura (produção de bens com dominação de
todo o processo por uma pessoa, geralmente o artesão, desde a obtenção da
matéria prima à sua comercialização).
O novo processo mecanificado coloca o trabalhador (operário) como peça
de uma produção coletivizada de bens, sem qualquer possibilidade de detenção
dos meios de produção, pertencentes à burguesia. O operário, ao contrário da
25
burguesia, é somente parte da produção de um bem, detentor apenas de sua
força de trabalho. O novo modo de produção se desenvolveu juntamente com a
tecnologia, trazendo profundas transformações políticas, econômicas e sociais,
que influenciaram no papel do Estado, seja como garantidor dos interesses da
burguesia ou de outros grupos sociais, conforme a relação de poder estabelecida
no novo sistema capitalista.
O Estado, nesta fase, pouco interfere na vida social, econômica e religiosa
dos indivíduos, e a liberdade individual difundida servia na prática,
prioritariamente, aos interesses burgueses e latifundiários. Não cabia neste
momento histórico qualquer questionamento à propriedade privada dos
abastardos, a maioria herdeiros da nobreza e dos burgueses, principais
movimentadores da economia e da política.
O direito à liberdade e aos demais direitos individuais difundidos pelo
Estado liberal dos séculos XVIII e XIX foram escritos em declarações históricas,
mas não serviam à classe operária, desprestigiada e desprovida de direitos reais
(verdadeiros), na medida em que se torna refém dos seus “senhorios”, donos dos
meios de produção, empregadores da sua força de trabalho, único meio de
sobrevivência, numa época de longa carga horária e de trabalho duro em
condições precárias. Era uma escravidão velada sob o manto da liberdade,
igualdade e fraternidade.
O ordenamento jurídico não é formulado, em tese, em favor de uma classe,
estando todo o povo inserido num mesmo Estado sob seu comando e
direcionamento, independente da classe ou grupo ao qual pertence o indivíduo, é
a concepção de Estado enquanto elemento universal na organização social
humana. Mas, conferir direitos ou exercitá-los pressupõe fatores de interferências
econômica e política, suficientemente fortes para privilegiarem um em detrimento
de outro, principalmente quando uma classe ou grupo detém os meios de
produção, como é o caso da burguesia e do proletariado no período comentado.
(KRADER, 1970)
Em meio a realidade sócio-econômica relatada, o Estado dos séculos XVIII
e XIX buscava a satisfação dos direitos individuais, com uma estrutura
administrativa reduzida, proporcional às poucas tarefas que desempenhava,
26
restritas à prestação de serviços públicos coletivos. A maior parte desses serviços
era voltado à segurança interna para manutenção da ordem na sociedade, e à
segurança externa, nas fronteiras, como proteção às invasões de qualquer
natureza, representando o poder de polícia; a prestação jurisdicional que
compreende o poder judiciário; a arrecadação de impostos para auto sustentar-
se, desempenhada por um corpo funcional reduzido e centralizado. As demais
atividades eram executadas pelas empresas privadas sem regulação estatal. Este
fato contribuiu para a concentração do capital, trazendo como consequência o
enriquecimento de grandes monopólios e o empobrecimento de grande parte da
população, composta de maioria assalariada e pequenos empresários. O Estado
liberal prolongou a política de não intervir nas áreas sociais e econômicas,
garantindo-se apenas na capacidade auto reguladora da sociedade civil até final
do século XIX e início do século XX, em momentos distintos em alguns países.
No pós Segunda Guerra Mundial, com o crash, uma nova ordem política
surge, voltada a garantir a igualdade de acesso da coletividade aos serviços
essenciais e outros considerados necessários à satisfação de seus interesses. O
princípio do bem estar social (welfare state) passa a se sobrepor aos praticados
pelos princípios liberais, quando atua intervindo no social e no econômico,
promovendo programas sociais populares, visando assegurar a igualdade. O
Estado passa a ter maior intervenção social e econômica, o colocando como
condutor do progresso social, visando, dentre outros objetivos, reduzir as
diferenças sociais, a partir de ações voltadas a melhoria das condições de vida
das pessoas, especialmente daquelas pertencentes às camadas sociais mais
baixas, pouco amparadas na prática política anteriormente adotada, que acabou
por privilegiar os interesses privados ( das empresas), fator marcante do sistema
capitalista. Contudo, “o caso brasileiro e as rarefeitas referências a países da
região latino-americana assumem, então, as características de casos de um não-
desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social ou, na melhor das hipóteses, de
casos particulares, ‘anômalos’ [...]”. Portanto, no Brasil, na visão de alguns
estudiosos como Draibe (1989); essa política de práticas sociais positivas não
funcionou, pois a miséria estabelecida, acrescida do suporte financeiro
inadequado, ou melhor, insuficiente à prática objetivada e não alcançada
(DRAIBE, 1989, p. 14)
27
A adoção da política intervencionista leva o Estado a executar também
tarefas características das empresas privadas: atividades comerciais e industriais
passam a fazer parte da atividade pública, que vai além das tarefas básicas a
exemplo da segurança, fiscalização, entre outras. A mudança do Estado que o
elevou à condição de grande interventor é justificada na idéia de garantidor do
bem estar da coletividade e levou os governantes a desenvolver programas e
projetos dando-lhe tarefas diversificadas, que possivelmente contribuiram para
um desequilíbio entre a capacidade da estrutura estatal em relação às demandas,
funcionando como um “Estado-securitário”
3
. “ A essência do Welfare State é um
padrão mínimo garantido pelo Estado de renda, alimentação, saúde, alojamento e
instrução, assegurado a qualquer cidadão como um direito político e não
beneficência.” (Idem.Ibidem)
Segundo Azevedo (1997, p. 55) “a forte presença do Estado no setor
produtivo, através de empresas controladas pelo poder público e de organizações
paraestatais, levaria a déficits crônicos, comprometendo o equilíbrio fiscal.” Aliado
a isso, a crise se acentua com o endividamento externo e interno, aumentando,
inevitavelmente, a inflação. Apesar do modelo Welfere, segundo Draibe (1989),
não se restringe à busca da igualdade sócio-econõmica, mas também à
segurança sócio econômica, a prática de suas políticas mostraram uma situação
desastrosa. Mas a realidade dessa política mostra-se, em conformidade com a
realidade histórica, com características diferenciadas em determinados aspectos.
Exatamente o que os estudos comparativos têm mostrado é que o
Welfare State pode ser mais universalista, institucionalizado e
estatizado, em alguns casos, ao passo que em outros mostra-se
mais privatista e residual; em uns, mais generoso na cobertura e
na diversificação dos benefícios, em outros mais seletivo e
assistencialista; em alguns países é mais infenso aos
mecanismos e à dinâmica político-partidária e eleitoral, enquanto
em outros é mais “politizado” e clientelisticamente utilizado
(DRAIBE,1989, p. 15)
As práticas governamentais, aliadas a outros fatores, adotadas em alguns
países contribuíram para crise do Estado intervencionista, levando em alguns
3
O Estado entendido por Ewald (apud DRAIBE, 1989) é aquele de bases sociais, com distribuição de
serviços securitários e com critérios de transferências em dinheiro, não limitada à assistência emergencial.
28
casos à ineficiência na prestação de serviços públicos. As intervenções geraram
problemas de desequilíbrio entre a arrecadação (receita) e os gastos públicos,
devido a consecução das diversas ações implementadas, a exemplo das obras
públicas, suporte primário à realização de outras ações, tais como as de melhoria
da infra-estrutura do transporte, a ampliação do serviço de saúde, a ampliação da
oferta de vagas nas escolas e universidades públicas; destacando-se também
problemas com a estrutura administrativa, em muitos casos com desequilíbrio de
número de servidores.
Essas tarefas levaram à realização de gastos crescentes e incontroláveis:
com folha de pessoal, aluguel e aquisição de prédios e novos equipamentos,
trazendo consequências que geraram problemas de desequilíbrio entre a
arrecadação (receita) e os gastos públicos com as novas ações propostas, a
exemplo das obras públicas para a melhoria da infra-estrutura do transporte; a
reformulação do serviço de saúde com novos postos; a ampliação da oferta de
vagas nas escolas e universidades públicas.
O Estado intervencionista, visando ultrapassar a crise reduz
paulatinamente sua interferência na esfera social e econômica, passando a
fortalecer o papel regulador, como no caso argentino. Esta saída coloca-se
imprescindível para evitar problemas advindos das privatizações, medida que
seria adotada em vários países, inclusive no Brasil, como solução para a crise
(STEINMETZ, 2005).
A privatização de empresas estatais resolve determinados
problemas, mas pode gerar outros, tais como: abusos dos
monopólios; continuidade, na gestão privada, de hábitos da anterior
gestão estatal; não atendimento das necessidades sociais, atendo-
se, exclusivamente, ao critério da rentabilidade; desrespeito aos
direitos dos usuários; distorções na competição ( PUCEIRO, 2005,
apud Steinmetz, p. 3).
Uma das medidas para retirar o Estado das diversificadas e excessivas
tarefas empreendidas nos programas de governo de base intervencionista, devido
29
à crise apontada em várias áreas, é a delegação de algumas atividades para
empresas privadas, através dos contratos de concessões e permissões públicas,
com o objetivo de executar serviços públicos sujeitos ao controle, fiscalização e
regulação do poder público. Essa forma indireta de prestação de serviço público,
a exemplo do serviço de transporte coletivo, pode deixar vulnerável o Estado em
relação ao resultado fim, tanto negativamente ou positivamente.
É comum a publicação na imprensa de casos negativos em relação a esse
serviço, principalmente no item condições do veículo, geralmente muito velhos.
Contudo, apesar da responsabilidade legal como executante ou fiscalizador de
todo serviço público, é difícil para os representantes do Estado perceberem todas
as irregularidades, necessitando da sociedade civil para agir como uma aliada em
seu próprio benefício, denunciando possíveis erros das empresas privadas
quando da prestação dos serviços públicos, ou também sugerindo alterações de
qualquer natureza. Na verdade, a sociedade civil, organizada ou não, deve
funcionar como “olhos e ouvidos do Estado” com foco nas empresas privadas, e,
no caso das ações do poder público deve utilizar os meios legais (esmiuçados em
capítulo posterior) para coibir erros ocasionados por ação ou omissão, pois
independente do autor da prestação do serviço público ou da função assumida
(executante, fiscalizador ou regulador) o beneficiário é sempre a sociedade.
Os Estados que aderiram ao neoliberalismo, em momentos distintos,
conforme a realidade vigente em cada um, apresentaram dificuldades na
aplicação de sua política, que ocasionou estrangulamento administrativo e
financeiro. As crises fiscal e o modelo de intervenção no econômico e social pós
década de 70, acentuadas pelo processo de globalização, colocaram como
urgência a reformulação do Estado, ao mesmo tempo que se amplia o papel do
mercado na coordenação do sistema econômico defendido por alguns estudiosos.
Nesse sentido, “diante da crise do Estado e do desafio representado pela
globalização, a sociedade civil de cada país democrático demonstrou que
desejava redefinir o papel do Estado mas não reduzí-lo ao mínimo, e sim
fortalecê-lo [...]”. A aceleração do progresso tecnológico e outros fatores
acentuavam, dentro de uma realidade com desequilíbrios sociais, a inserção da
30
sociedade civil com um papel estratégico na reforma das instituições básicas: do
Estado e do mercado (BRESSER PEREIRA,1999, p. 67-69).
Bresser Pereira (1999, p. 70-71) considera o regime democrático
dominante, o mais capaz de manter a ordem e promover o desenvolvimento
econômico ao lado do Estado e do mercado, instituições estas criadas pela
sociedade com as seguintes funções: “a primeira, para regular ou coordenar toda
a vida social inclusive estabelecendo as normas de mercado; a segunda, para
coordenar a produção de bens e serviços realizados por indivíduos e empresas.”
Quando estas funções são postas em prática, paulatinamente surgem mudanças,
positivas ou não e, por força de inevitáveis mudanças necessárias à garantia de
sobrevivência do Estado surge a preocução sobre o agente de mudança
responsável por esta reforma, que dependerá do grau de desenvolvimento da
sociedade, e como colocam-se o Estado e mercado.
Independente de quem será o agente de mudança de um Estado com
problemas em várias esferas e especialidades, a revisão de seu papel perante a
sociedade é imprescindível, principalmente porque é produto dela, criado como
instrumento de organização e realização de seus interesses, devendo, enquanto
organismo social reformular-se e adequar-se às realidades postas e impostas. E,
no Brasil, no período (principalmente dos anos 30 aos 70) de construção de um
certo Estado do Bem Social (Welfare State), um conjunto de transformações
foram empreendidas, trazendo em seu bojo novas concepções (legais e
institucionais) capazes de fazer da proteção social objetivada, campo fértil ao
assistencialismo e clientelismo, reproduzindo a desigualdade social já existente. A
busca da igualdade coloca-se de forma desigual,veja-se a análise:
São escassos seus aspectos redistributivos e igualitários, teoricamente
presentes tão-somente no âmbito da educação básica (obrigatória e
gratuita) e no da saúde (atendimento de urgência). Assim, a inexistência
de mínimos sociais (em natura , renda, serviços ou bens) extensivos a
todos os cidadãos, independentemente de sua posição no mercado de
trabalho, faz com que, na relação Estado/Mercado, sejam de fato muito
frágeis, no Brasil, os mecanismos corretores que, em princípio, deveriam
operar por intermédio das políticas sociais. (DRAIBE, 1989, p. 33-34)
31
O modelo welferiano aplicado no Brasil traz, conforme dito, diversos
problemas de ordem política, administrativa com reflexos nos resultados
buscados, qual seja, a universalização social para redução das desigualdades,
apresentou-se com marcas mistas de padrões meritocráticos e clientelistas.
. Apontadas resumidamente as características do supracitado modelo e os
resultados advindos na área social de alguns países e no Brasil, é mister
estabelecer um breve estudo sobre o aparelho estatal brasileiro, trazendo a teoria
da burocracia de Max Weber como um dos focos de análise do processo de
estruturação administrativa, na medida em que coloca-se inserido dentro da
realidade histórico-política de seu processo de estruturação.
1.3 – A Burocracia e o Estado Brasileiro
O Estado brasileiro, no decorrer dos séculos tem passado por mudanças
políticas profundas e preocupantes em relação aos resultados de suas ações,
conforme entendimento dos autores anteriormente destacados. E, as
consequências negativas advindas de suas práticas, em dado momento exigiram
uma grande estrutura para movimentação de suas ações públicas, principalmente
quando da aplicação dos projetos sociais, que exigiram a diversificação de
tarefas, causadoras, entre outros fatos, de estrangulamentos administrativo e
econômico. Bernardo Kliksberg (1993) responsabiliza essas mudanças como
consequência do crescimento do papel do Estado, ao tratar sobre a relação entre
a crise econômica e a reformulação del aparato público por déficite em sua
capacidade gerencial nos países da América Latina:
El Estado ha ampliado y diversificado continuamente sus
metas. Consecuentemente, ha multiplicado sus medios de
acción, y en ese marco ha establecido numerosos
organismos públicos nuevos. […] Estos desarrollos han
conducido a un crecimiento sustancial de la demanda por
capacidad administrativa en el aparato público. Las
respuestas han sido de efectividad limitada, y el Estado
latinoamericano tipo se debate en medio de significativos
déficit de capacidad de gestión (KLIKSBERG,1993, p. 13).
32
As conjunturas críticas ocorridas a partir da década de 80 apresentam três
dimensões: a crise de legitimação de um tipo de Estado característico de um
capitalismo incompleto, desigual e combinado; a crise de Estado como efetividade
da lei; a crise do Estado enquanto Estado nacional. A primeira delas se revela
quanto aos critérios de legitimidade introduzidos com a democratização, onde a
relação entre sociedade e Estado, e Estado e mercado são diferentes das de
bases liberais, é o incício do processo de institucionalização do controle
democrático. A segunda, demonstra a ineficiência do Estado em exercer sua
autoridade política, capaz de fazer valer sua coerção em toda sua jurisdição,
permitindo não só o exercício da cidadania, mas também como garantidor dos
direitos civis. A terceira, proveniente da globalização dos processos de mudanças
sociais que provocam uma ruptura em relação às transformações estruturais e
das capacidades governativas, gerando mudanças no comportamento social e
político (WILHEIM, 1999).
A relação entre sociedade e Estado dentro de um processo de
transformação emergente demonstra uma convergência entre as áreas
econômica e política geradoras de conflitos, e um controle social a partir das
garantias constitucionais de exercício da cidadania.
Em meio ao crescente processo democrático a política intervencionista em
crise no final da década de 70 varando a década de 80, e faz o Estado brasileiro,
tanto quanto outros países, a exemplo dos Estados Unidos, rever as suas práticas
políticas, forçando o nascimento de um novo modelo (mas não tão novo assim).
Surge então a reformulação da política liberal, mais conhecida como
neoliberalismo, a qual baseia-se na liberdade econômica e na não intervenção do
Estado na economia.
No entendimento de Claus Offe (apud AZEVEDO e ANDRADE, 1997) a
crise do Estado em países desenvolvidos, segundo correntes neoliberais, ocorreu
a partir da década de 70 por força direta da decadência do modelo originário do
welfare state, criador de excessiva demanda para o sistema político, incluindo
gastos sociais incompatíveis com a capacidade de arrecadação do Estado. Mas,
33
em países da América Latina, inclusive no Brasil, com exceção do Uruguai na
década de 60, a responsabilidade dessa crise não é exclusivamente pelo excesso
dos programas sociais, mas sim, em virtude da grande intervenção direta na
economia, através das empresas contoladas pelo poder público ou organizações
paraestatais, verdadeiros responsáveis pelo desequilíbrio fiscal, que certamente
trazem consequências ao aparelho administrativo do Estado (OFFE apud
AZEVEDO e ANDRADE, 1997).
A correta adequação do aparelho estatal é imprescindível para o sucesso
de suas ações, na prestação dos serviços e no atendimento do interesse público.
E, a política que cria grande demanda de programas, como ocorreu com a prática
intervencionista, influencia no funcionamento dos órgãos e empresas públicas,
devido à pulverização administrativa, necessária para atingir o grande território
brasileiro, compreendendo-se nesse conjunto a burocracia que pode representar
eficiência ou não, conforme os critérios adotados, os quais devem servir como
meios de alcance dos objetivos fins do Estado.
A burocracia administrativa, ou seja, o aparato administrativo, incluindo os
funcionários públicos envolvidos na realização dos programas sociais e outros
inseridos em tarefas de produção de bens, em razão da intervenção na área
econômica, em cada canto do Brasil, atrelado a outros fatores anteriormente
comentados, pode ter sido um dos itens prejudiciais ao alcance dos objetivos
planejados. A grande extensão geográfica do Brasil, suas diferenças regionais e
culturais naturalmente exigem dos governantes mais preparo e ações mais
planejadas, que por não terem havido, contribuiram também gradativamente para
o enfraquecimento de toda máquina administrativa, transformada num grande
emaranhado de órgãos públicos e agentes deslocados e ineficientes.
A burocracia nasce com a necessidade de organização humana baseada
em normas estabelecedoras de condutas e procedimentos. E, quando estas
referem-se a estruturação normatizada da administração pública se tem portanto,
a ordem legitimadora do poder estatal, exercido por funcionários públicos,
treinados, capazes e vinculados a um cargo. Essa autoridade legal na qual estão
investidos os governantes e todos os funcionários públicos na execução das
ações e tarefas públicas emana da crença do povo na ordem jurídica e, por sua
vez, este mesmo povo, por força dessa crença, confia ao Estado as tarefas
34
públicas necessárias a realização do interesse coletivo, que exige procedimento
administrativo eficiente.
A ordem jurídica, suporte dos governantes e funcionários é conceituada por
Weber (2006, p. 130) como a burocracia que representa “o tipo tecnicamente
mais puro da dominação legal”, contudo, não é a única, podendo ser exercido (o
poder, a dominação) por funcionários eleitos ou nomeados e todas as espécies
de colegiados de governo, sempre que suas competências estejam consignadas
em normas jurídicas próprias e que o exercício do direito de domínio seja
congruente com o tipo de administração legal. Curiosamente, o mesmo autor
atribui o conceito de “serviço” à existência dessas corporações colegiadas,
derivadas do Estado moderno, as quais contribuiram para o desenvolvimento da
forma de dominação legal.
É função da burocracia proporcionar a melhoria da atividade administrativa
a partir de alguns fatores imprescindíveis: padronização de tarefas e
procedimentos; eficiência técnica do pessoal (governantes e funcioários);
impessoalidade nas relações; hierarquia da autoridade; e principalmente,
racionalidade. A uniformidade de rotinas e procedimentos reduzem tempo na
execução das atividades e também os custos, incluindo neste, a redução de
pessoal técnico, voltado às funções claramente definidas.
O modelo burocrático, apesar de propor a necessidade de um
procedimento racional da atividade administrativa aparentemente metódico, não o
coloca como óbice ao alcance da eficiência, ao contrário, quando uma atividade
pública apresenta-se normatizada e composta por todas as características acima
esmiuçadas, leva-se a crer no alcance não só de objetivo perseguido pela
administração pública, como no atendimento do interesse público com eficiência.
Não adianta ao gestor público, ou a qualquer funcionário agir dentro de
suas atividades inerentes ao cargo, pensando isoladamente em suas
responsabilidades; deve todo o conjunto estatal (burocracia) estar em sintonia,
pois de nada serve o alcance do objetivo sem eficiência, entendendo-se este
como a realização do interesse público da melhor forma possível. Aduz Chicoski
(2004, p. 3) sobre “o verdadeiro problema a ser enfrentado para a manutenção da
legitimidade estatal, ou mesmo para se chegar a essa legitimidade, é adequar a
35
eficiência dos meios administrativos aos fins de um Estado Social e Democrático
de Direito”.
Quando a atividade pública se sustenta em normas que legitimam o poder
estatal, ou seja, com base num modelo racional-burocrático de dominação, se
deve ter claro que os seus desvios podem ser provenientes de inadequações,
seja por consequência do momento histórico (da criação da teoria e da atual
realidade) ou inabilidade político administrativa. Contudo, o Estado não está
imune aos oportunismos do agentes que disvirtuam o fim legal e legítimo a ser
alcançado, aliado à parcela privada dos chamados rent sinking que agem para
atingir seus objetivos em detrimento do interesse da maioria, ressaltando que a
própria sociedade civil pode interferir na atividade pública, seja positivamente ou
negativamente.
As distorções sobre a burocracia a conduziram atualmente ao sinônimo de
ineficiência. Nesse sentido, Chicoski (2004) alerta para o déficit de legitimidade
provocado pelo agigantamento dos meios em detrimento da justiça dos fins, não
garantindo portanto, a eficiência do Estado frente às demandas. Há de observar-
se a necessidade da racionalidade formal e material coexistirem para formação de
um Estado democrático capaz de garantir a eficiência na prestação da atividade
pública administrativa (CHICOSKI, 2004).
Bresser Pereira (1996) atribui à crise fiscal do Estado brasileiro a diversos
fatores, inclusive à burocracia:
[...] é que a crise dos anos 80 e 90 do Estado (brasileiro e latino-
americano), é uma crise fiscal do Estado, é uma crise do modo de
intervençao do Estado Social, é uma crise da forma burocrática e
ineficiente de administrar um estado que se tornou grande demais
para poder ser gerido nos termos da ‘dominação racional-legal’
analisada por Weber. (BRESSER PEREIRA, 1996, p. 15)
A crise da burocracia administrativa não é isolada, está dentro de uma
realidade política e econômica de tentativas mal sucedidas, num país de grande
proporção, conforme ressaltado. Os paradigmas pecisavam mudar, longe das
premissas de administração patrimonialista, oligárquica ou puramente liberal de
moldelo europeu, em virtude da complexidade social e, por consequência, da
36
necessidade de uma administração pública gerencial, emergida “como um modelo
ideal para o gerenciamento do Estado reformado” (PAES DE PAULA, 2005, p.
124).
Nesse diapasão, obviamente o sistema constitucional legal também deve
mudar, na medida em que este determina a organização e competência do
Estado. “ O Estado é muito mais do que um simples aparelho ou organização: é o
sistema constitucional legal, é a ordem jurídica e a organização que o garante”.
Bresser Pereira (2007, p.7). Não há como fugir de uma revisão do aparelho
administrativo (burocracia) e da própria atuação dos técnicos burocratas e demais
funcionários públicos, incluindo os gestores autores de programas e dirigentes do
país, em relação às suas funções públicas, sem a devida reformulação normativa,
pois a legitimidade a qual estão investidos, parte das normas jurídicas
racionalmente estabelecidas, fundamento do Estado Democrático de Direito.
A burocracia weberiana, baseada na racionalização (adequação dos meios
aos objetivos) e na previsibilidade do seu funcionamento, segundo Raymond Aron
(2003, p. 777) é também “definida por alguns traços estruturais: é a organização
permanente da coorperação entre numerosos indivíduos, na qual cada um exerce
uma função especializada”. Essas características principais engendraram uma
cooperação praticada entre os especialistas do Estado, na busca da satisfação do
interesse público, que se ampliou e se complicou, na medida em que o Estado
capitalista brasileiro do século XX cresceu e assumiu papéis diversos,
especialmente quando passou a intervir nas áreas social e econômica, com
recursos e inovações tecnológicas inimagináveis, o que exigia uma burocracia
reformulada, ou melhor, um procedimento ajustado às realidades funcionais e
históricas, muito diferentes da época da concepção burocrática weberiana.
A reforma do Estado brasileiro do século XX não exige o abandono à
aplicação da teoria de Weber em sua estrutura gerencial administrativa, mas sim,
esta reformulada, vez que nos moldes originalmente concebida estaria superada,
considerando a complexidade social e política, os avanços tecnológicos
modernos, muito mais voltados para o controle de resultados da satisfação
pública do que para o controle do procedimento.
O fato da teoria weberiana não colocar óbice a eficiência não significa a
impossibilidade de sua revisão procedimental para o alcance dos objetivos do
37
Estado, principalmente quando a própria prática burocrática alcançou em dado
momento disfunções, passando a ser sinônimo de ineficiência, conforme
ressaltado acima. Suas disfunções vão desde a própria imperfeição da burocracia
em si, aos desvios ocasionados por práticas inadequadas (clientelismo,
corporativismo, apego exagerado a pepelada, etc.).
O importante é ressaltar que o presente é capaz de provocar reações de
mudanças para evitar danos irreparáveis, não sendo poupada a burocracia
clássica desse processo de reformulação. Isso não significa seu abandono, pois
não há dúvida sobre sua importância às garantias democráticas legítimas de
legalidade, impessoalidade e moralidade, pressupostos dos atos administrativos,
princípios
4
norteadores das ações de Estado, com força normativa, previstos,
entre outros, na Constituição Federal de 1988, fruto do poder originário
constituinte, democrático e outorgado pelo povo brasileiro
5
.
4
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: [...] Constituição da República Federativa do Brasil. Org. Alexandre de Moraes, 27ª ed.,
São Paulo: Atlas, 2006, p. 70.
5
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Preâmbulo da Constituição de 1988: “Nós,
representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um
Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL.” (Grifo nosso, Idem, Ibidem)
38
II – A SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA E A REPRESENTAÇÃO DE
INTERESSE
2.1. Conceitos de Sociedade Civil
Falar de Estado sem adentrar no entendimento de sociedade civil resultaria
num estudo incompleto na medida da vinculação, levando-se em conta a ligação
entre ambos. Durante a evolução da sociedade e do aparecimento do Estado
enquanto organização política, o termo sociedade civil abrigou diversas
conotações, inclusive em contraposição ao que pertencesse a esfera estatal,
enquanto entidade suprema possuidora de poder legal e legítimo capaz de
cumprir seu objetivo fim de manter organizada a sociedade, impondo-lhe respeito
às normas, através de instrumentos como o poder de polícia e a atuação dos
órgãos judiciários.
O termo depois de ter sido usado pela primeira vez por Ferguson (apud
BONAVIDES, 2008) com o nome de sociedade civil (civil society) se firma no uso
político graças ao aparecimento da burguesia, e foi Rousseau (apud
BONAVIDES, 2008) quem melhor o abordou, considerando sociedade enquanto
conjunto de grupos fragmentários, que mesmo possuidora de conflitos de
interesses, deixa prevalecer a vontade de todos e, neste sentido, apresenta-se a
figura do Estado enquanto representante da vontade geral, extrapolando assim os
interesses individuais e de grupo. No decorrer da história o termo apresentou três
principais acepções: a primeira jurídica, com Rousseau; econômica, com
Ferguson, Smith, Saint-Simon e Marx, ao considerá-la substrato materialmente
econômico em face da classe burguesa, detentora dos meios de produção e do
crescimento econômico, com criação de frentes de trabalho, acelerando o
processo de crescimento da indústria de bens; e por derradeiro, a sociológica,
com Comte, Spencer e Tönnies (BONAVIDES, 2008).
O conceito de sociedade civil entre os jusnaturalistas como Hobbes, Locke
e Kant parte da dicotomia estado de natureza x estado de sociedade. Segundo
39
eles, antes de se organizar em sociedade o homem viveu em condições
primitivas, movido pelos instintos naturais, levando-o a agir com base em
condutas e padrões sem a interferência de qualquer autoridade superior. Mas, os
interesses antagônicos, favorecedores de um ambiente ameaçador da
manutenção da sociedade que crescia, provocaram o surgimento de instrumentos
de controle da ordem para garantir-lhe a sobrevivência, surgindo portanto o
Estado para cumprir este papel garantidor. Era materializado a partir de uma
estrutura legítima, autorizada por acordo geral, assegurando assim o direito de
todos, deixando para trás o estado de natureza indirigível. O homem passa de
um estado de natureza para um estado de sociedade, onde segundo Kant (apud,
TONET, 1989) no estado de natureza o homem segue “os seus caprichos da
própria fantasia, para unir-se com todos os outros [...] e submeter-se a uma
pressão externa publicamente legal [...] quer dizer, que cada um deve, antes de
qualquer outra coisa, entrar num estado civil” (TONET, 1989, p. 6).
A contraposição jusnaturalista da sociedade civil à sociedade natural
atravessa a idade moderna, fazendo prevalecer em relação ao termo “sociedade
civil” o significado de “sociedade artificial”. Thomas Paine, referenciado por
Bobbio (2005) defende a criação da sociedade como obra das nossas
necessidades e o Estado, que se confunde com a civilização, é criado por nossa
maldade, uma vez que o homem é naturalmente bom e toda sociedade, para
conservar-se e prosperar precisa limitar o emprego das leis civis, impostas com a
coação a fim de consentir a máxima explicitação das leis naturais, não carecendo
de coação para serem aplicadas (BOBBIO, 2005, p. 34).
Hegel e Marx deram o sentido de sociedade civil que mais se aproxima ao
entendimento hodierno, remetendo-o a uma separação da esfera política (Estado)
da esfera não política (sociedade, simplesmente). O desenvolvimento histórico da
sociedade, em especial com o surgimento da burguesia e de todas as condições
materiais que a cerca leva a uma concepção econômica de Estado e ao
entendimento de sociedade civl enquanto representação da relação entre as
forças produtivas, moldando assim a concepção moderna de sociedade civil.
Segundo Marx, é intima a relação entre sociedade civil e Estado (idem, ibidem).
40
O Estado não pode elimlinar a contradiçao entre a função e a boa
vontade da administração de um lado e os seus meios, bem como
as suas possibilidades de outro, sem eliminar a si mesmo, uma
vez que ele repousa sobre tal contradição. Ele repousa sobre a
contradição entre vida privada e vida pública, sobre a contradição
entre os interesses gerais e os interesses particulares. Por isso a
administração deve limitar-se a uma atividade formal e negativa,
uma vez que exatamente lá onde começa a vida civil e o seu
trabalho, cessou o seu poder. Pelo contrário, frente às
consequências que brotam desta propriedade privada, deste
comércio, desta indústria, desta rapina recíproca das diferentes
esferas civis, frente a essas consequências, a impotência é a lei
natural da administração [...] (MARX, apud TONET, p. 8)
Tonet (1989) ao citar entendimento de Marx aponta o Estado em constante
conflito entre o público e o privado e mesmo numa sociedade mais politizada, em
pleno exercício da cidadania, a libertação dos indivíduos implica necessariamente
a exclusão do Estado, pelo próprio fim das classes sociais, em virtude da
ausência de intrigas e disputas provenientes de interesses adversos individuais e
de grupos. Seria portanto inviável a busca da democracia, mesmo que segundo
ele, represente um grande progresso, uma vez que os ordenamentos dessa
sociedade permanecerão preservados, mesmo em nova “roupagem”, em favor
dos interesses da classe dominante. Como bem sintetiza Marx na Miséria da
Filosofia ao comentar sobre a transformação, ou melhor, substituição da
sociedade civil:
A condição de lilbertação da classe trabalhadora reside na
abolição de toda a classe. No curso do seu desenvolvimento, a
classe trabalhadora substituirá a antiga sociedade civil por uma
associação que excluirá as classes e seus antagonismos, uma vez
que o poder político constitui, precisamente, o resumo oficial do
antagonismo na sociedade civil (MARX apud TONET, p. 8).
A sociedade civil de Karl Marx se confunde com a ascenção da burguesia
que paulatinamente modificou o curso da história, fazendo sucumbir o poder do
Estado absoluto. A burguesia sai da insignificância dos pequenos mercadores
41
para se transformar na classe que reescreverá o rumo da história, a partir da base
econômica, enquanto detentora dos meios de produção. Esse Estado moderno
tem como base a sociedade civil que coincide com a base material, diferente
daquela pertencente à superestrutura onde estão as ideologias e as instituições,
que sob o comando da burguesia refletem seus interesses. Apesar de Gramsci
considerar as ideologias pertencentes à superestrutura tal como Marx, difere
deste ao alocá-las na sociedade civil, onde afirma agirem os aparatos ideológicos
que visam a hegemonia do consenso. Vale transcrever seu entendimento:
Podem-se, por enquanto, fixar dois grandes planos
superestruturais, o que se pode chamar de sociedade civil, ou
seja, o conjunto de organismos vulgarmente denominados
privados, e o da sociedade política ou Estado, que correspondem
à função de hegemonia que o grupo dominante exerce em toda a
sociedade, e ao do domínio direto ou de comando que se
expressa no Estado ou no governo jurídico. (GRAMSCI apud
TONET, 1989, p. 9)
Em síntese, segundo Tonet (1989) a sociedade civil para MARX representa
o conjunto das relações econômicas constitutivas da base material e para
Gramsci a esfera na qual agem os aparatos ideológicos, agindo na
superestrutura, representada pelo conjunto de organismos não estatais através
dos quais as classes dominantes exercem a direção da sociedade pela via do
consenso, formamdo o poder ideológico diferente do poder político pertencente ao
Estado.
O entendimento de sociedade, conforme visto, passa por diferentes
conotações em oposição a outros autores, a exemplo de Aristóteles com a
dicotomia sociedade civil-família. Os jusnaturalistas encontram na dicotomia
estado natural/estado civil, a melhor correlação, onde este último tem o
significado de estado politicamente organizado, como bem diz Kant o homem
passa do estado de natureza para submeter-se a coação legal, fazendo-o entrar
num estado civil, é o entendimento de sociedade civilizada tanto quanto o de
política. Neste caso se observa que sociedade civil tem o mesmo significado de
Estado.
42
Tonet (1898) aborda crítica de Hegel aos jusnaturalistas que afirma haver
equívoco quanto aos fatores caracterizadores da sociedade civil, pois não se
opera o consenso neste estado de civilidade, ao contrário, o Estado representa a
racionalidade que ocorre independente de acordo, ele se impõe enquanto
sociedade política; neste a dicotomia opera-se entre sociedade civil/sociedade
política ou Estado.
O fundamento do Estado encontra amparo na necessidade de existência
de uma organização político-racional capaz de sobrepor-se aos interesses
econômicos dos grupos sociais por incapacidade deles mesmo darem cabo a
anarquia provocada por esse foco de interesse diverso do interesse coletivo
defendido pelo estado político (Estado). A idéia marxista de Estado se opõe ao
entendimento hegeliano enquanto representante da liberdade dos homens pelo
seu próprio fundamento como representante dos interesses da classe burguesa,
na verdade o Estado cria a ilusão de liberdade, como é o caso da democracia,
sistema político que divulga as liberdades individuais e fundamentais do homem,
mas totalmente manipuladas por interesses econômicos dos detentores do poder,
mesmo que afastados materialmente do aparato estatal.
Hodiernamente é comum o entendimento de sociedade civil enquanto
oposição ao não estatal, apesar das atividades públicas estarem relacionadas
com ela na função de executor e fiscalizador por exemplo. Mas esta delineada
separação se confunde com o desenvolvimento das relações econômicas que
marcaram o surgimento da burguesia enquanto classe dominante e, obviamente
com o capitalismo. Esta sociedade civil passa a ser o lugar das relações
econômicas, a base sobre a qual se apresenta o Estado, dentro de uma
superestrutura política e jurídica, que teoricamente deveria se sobrepor aos
interesses privados e individuais.
Esta marcante separação entre sociedade civil e Estado do século XVIII foi
modificada por mudanças sociais e políticas no decorrer dos séculos seguintes,
onde em alguns momentos o Estado penetrou ou até mesmo se confundiu com a
sociedade civil ao praticar a política do Estado social. Mas, mesmo tendo havido
no Brasil mudanças quanto à adoção dessa política, a ligação entre Estado e
sociedade civil passou a ser muito mais estreita, consagrada com a participação
das organizações sociais nas decisões políticas e delegação de serviços públicos
43
às organizações privadas sem fins lucrativos. Sociedade/Estado é a “parceria”
inevitável para ampliação e fortalecimento da democracia.
Na relação entre sociedade e Estado se apresenta um cenário de poder
característico dos Estados democráticos, interferferindo diretamente nas ações
públicas, na medida do poder de cada membro. E, sendo de tal importância o
estudo mais elaborado dessa matéria, adiante delinear-se-á melhor seus
elementos e características.
2.2. O Poder do Estado e da Sociedade Civil nas Ações Públicas
O poder é elemento formal constitutivo do Estado, imprescindível para sua
existência coesa; representa a força e a competência originárias de um acordo
inconsciente da sociedade, que o legitima para, em nome dela, decidir e atuar,
realizando as ações públicas. No modelo democrático, o poder de agir, apesar de
legítimo e de ter como base principal o ordenamento jurídico que o limita, inclui
também a possibilidade de participação direta ou indireta da sociedade, neste
último, através de seus representantes.
O poder no Estado moderno deixou de ser aquele da pessoa do soberano
absoluto, imperativo e antidemocrático para tornar-se impessoal, bem descrito por
Bonavides (2008, p. 115) como sinônimo do “processo de despersonalização do
poder, a saber, a passagem de um poder de pessoa a um poder de instituições,
de poder imposto pela força a um poder fundado na aprovação do grupo, de um
poder de fato a um poder de direito.”
A força exercida pelo Estado compreende a legitimidade para comandar as
ações imprescindíveis ao exercício da soberania externa e interna
6
que tem
fundamento no ordenamento jurídico pátrio e no de ordem internacional.
6
A soberania interna é a manifestação do poder do Estado sobre seu território; a soberania
externa compreende o exercício deste poder perante a comunidade internacional, ou seja, perante
outros Estados, dando-lhe competência para assinar tratados e convenções, entre outros atos de
relações internacionais.
44
Enquanto modelo democrático atua em confronto com outros poderes inseridos
na sociedade e permite interferências. A coexistência de diversos poderes
políticos dentro de uma mesma sociedade, não exime a sobreposição do poder
do Estado em relação aos demais, desde que seja em favor do interesse público.
Segundo Boaventura Sousa Santos (2001, p. 264-267) a “forma de poder
que circula na sociedade é produzida pela própria sociedade, e não pelo Estado,
segundo regras, princípios e mecanismos totalmente autônomos do Estado.” Este
poder representa o poder disciplinar da ciência moderna, e se diferencia do poder
jurídico do Estado Moderno, pois não se encontra em posição de superioridade e
não age com o uso de proibição e coerção, é o poder presente em todos os
lugares e exercido por seus próprios sujeitos nas relações de força. Acrescenta o
mesmo autor que “o poder nunca é exercido numa forma pura e exclusiva, mas
sim como uma formação de poderes, isto é, como uma constelação de diferentes
formas de poder combinadas de maneiras específicas”.
Importante resumir a definição de poder por Foucoult apresentada por
Boaventura Souza Santos quando da análise e crítica ao seu pensamento:
Foucault considera que o poder disciplinar não é um poder de
soma zero, não é exercido do topo para a base nem do centro
para a periferia, não assenta distinção entre governante ou entre
amo e servo, não se baseia na negação, na proibição ou na
coerção.É uma forma de poder sem centro, exercida
horizontalmente através de seus próprios sujeitos (a começar pelo
corpo humano); os sujeitos desse poder só podem desejar ou
conhecer os desejos ou o conhecimento das instituições
disciplinares públicas e privadas, escolas, hospitais, quartéis e
prisões, famílias e fábricas e são constituídos por elas como
sujeitos (e não como objectos) da sua própria sujeição. (SANTOS,
2001, p.264)
Para Foucault (s/d, p.94) “as regras do direito que delimitam formalmente o
poder e, por outro, os efeitos de verdade que este poder produz, transmite e que
por sua vez reproduzem-no. Um triângulo, portanto: poder, direito e verdade.”
Como bem se percebe a partir das assertivas, o direito e o poder são “siameses”,
e por isso, imprescindíveis à própria existência da sociedade, impondo-lhe a
verdade legal, traduzida nos interesses do poder mais forte da teia de poderes
sociais. No campo das forças reinantes, “o direito deve ser visto como um
45
procedimento de sujeição, que ele desencadeia, e não como uma legitimidade a
ser estabelecida.” (idem, ibidem, p. 102)
O poder existente nas relações sociais gera desigualdades provocadas por
todas “as condições que determinam a acção e a vida, os projetos e as
trajectórias pessoais e sociais, tais como bens, serviços, meios, recursos,
símbolos, valores, identidades, capacidades, oportunidades, aptidões e
interesses” (SANTOS, 2001, p.266) E mesmo sendo o poder formado a partir de
um grande jogo de interesses e de desigualdades, é necessário a ilusão da
igualdade plantada, que segundo Boaventura Sousa Santos (2001) tem o seu quê
de verdade.
Na sociedade onde vivemos, o poder se apresenta em todos os campos:
nas ações públicas, nas organizações sociais e políticas, conviventes dentro do
mesmo território, encoberto sob o manto do poder do Estado de Direito, que
impõe a todos obediência indistintamente. Mas, apesar do poder estatal influir
diretamente na conduta dos indivíduos, ele também sofre a influência advinda da
luta política existente entre as forças que atuam na sociedade, fazendo nascer a
então malversada ilusão de igualdade. Prova da ilusão reinante são os direitos
dos cidadãos e das organizações sociais contidos na Constituição Federal e nas
normas infraconstitucionais brasileiras, que mesmo sendo o Estado e os membros
da sociedade obrigados a obedecê-las, frequentemente as desrespeitam.
Inclusive por ação ou omissão do próprio Estado, responsável lagítimo por
garantir-lhes o cumprimento, em favor de interesses alheio, ou por percepções e
aplicações inadequadas e ineficientes dos atos administrativos.
As políticas públicas devem ser implementadas com base no interesse da
sociedade, isso é determinação contida no ordenamento jurídico, mas nem
sempre o objetivo a ser atingido é este, pois muitas são realizadas por
manipulação e interesse político de grupos, indiferentes às reais e imprescindíveis
necessidades da sociedade. As decisões desta ordem são tomadas à revelia da
participação da sociedade, maior conhecedora de suas prioridades, sem
considerar principalmente as necessidades das camadas sociais mais carentes.
Foi o que aconteceu com “a experiência brasileira na implementação de políticas
públicas direcionadas às populações excluídas no meio rural vem demonstrando
46
que não bastam apenas os marcos legais para a redução do passivo social“
(BASTOS, 2006, p. 21).
Ações isoladas na história dos programas sociais trouxeram resultados
drásticos, a exemplo do que ocorreu com os pequenos agricultores, antes da
criação do PRONAF, na década de 90, muito mais vítimas do Sistema Nacional
de Crédito Rural do que beneficiários de possíveis ganhos, apesar da legislação
apresentar um “mar de rosas” (BASTOS, 2006).
A criação do PRONAF, segundo Fernando Bastos (2006), foi resultado das
reivindicações de representações de trabalhadores e de organismos
internacionais e, apesar de algumas dificuldades, tal como a ampliação do quadro
de beneficiários, por meio de uma maior disponibilidade de recursos, ainda assim,
representou um avanço frente à agricultura patronal, que mais foi beneficiada em
outros programas em detrimento da agricultura familiar.
Enquanto reflexo das ações dos poderes existentes na sociedade, o
ambiente institucional
7
pode favorecer ou não resultados mais positivos para
aqueles que estiveram historicamente em desvatagem social por muito tempo (e
ainda estão), do ponto de vista das garantias fundamentais pertinentes à
dignidade da pessoa humana, compreendendo-se entre outros o direito à vida
digna, direito ao trabalho para sustentação das necessidades materiais, ambiente
saudável, os quais representam atributos que elevam o homem à condição
diferencial entre os outros seres. A análise feita por Fernando Bastos em sua obra
sobre o ambiente institucional no financiamento da agricultura familiar mostra as
consequências do atrelamento do poder à posse da terra.
No Brasil, os conflitos entre ações públicas e o meio agrário são
intensos, devido à dívida social construída no transcorrer da
história deste país, onde o poder sempre esteve de mãos dadas
com a posse da terra e foi exercido plena e soberanamente na
direção dessa característica. [...] As políticas públicas, diante da
natureza dual do campo, findaram atingindo desigualmente seus
potenciais beneficiários e suas expectativas de demanda,
7
Entendendo-se ambiente institucional, nesse contexto, como um conjunto de organismos, regras,
convenções e valores que, na forma como intermedeiam a implementação das políticas públicas vis-à-vis às
demandas locais, acabam determinando os resultados dessas políticas. (BASTOS, 2006, p. 22)
47
reproduzindo, assim, instituições que apenas reforçam a
exclusão, a desconfiança, a deserção, o isolamento e a falta de
reciprocidade. Em boa medida, essa frustação decorre do fato de
que os principais agentes de mediação dos esforços despendidos
estão sempre sob controle dos “donos do poder” local. (BASTOS,
2006, p. 24)
A
s conquistas por melhorias de vida, a exemplo do que relatou o referido
autor no caso da influência dos movimentos sociais na criação do PRONAF,
resultam de um processo histórico de lutas entre poderes eminentemente de
bases sociais (relativos às organizações sociais e aos movimentos sociais que
também são políticos) e/ou de bases políticas (inerentes às ações dos partidos
políticos). Movido por essas infuências, o Estado criou novas estruturas
institucionais para espaços de discussão com a sociedade, através de suas
representações, possibilitando o conhecimento mais real das demandas. Neste
sentido ratifica esta idéia BASTOS (2006).
Assim, só o surgimento de novas institucionalidades proporcionando
maior capacidade de mobilização e de instituir consensos, permitiria
uma explicitação mais clara das demandas, o atendimento destas e
a inserção da maioria da população mais pobre.[...]sendo capaz de
produzir e fazer cumprir regras, o Estado pode criar espaços
stratégicos de interação dos atores sociais, assegurar o
cumprimento de acordos e equilibrar o acesso a informações,
potencializando as políticas públicas. (BASTOS, 2006, p. 25)
Convém ressaltar que as mudanças operadas de dentro para fora, ou seja,
do Estado para a sociedade, não são mera obra de concessão deste, mas o
resultado, conforme dito, de greves, passeatas, lutas físicas e ideológicas; são
meios de articulação de poder dos grupos organizados, presentes nos Estados
democráticos (pode legalmente criar novos espaços) que se fundam na
participação dos cidadãos nos processos de decisões das políticas públicas que
devem ocorrer, não de forma esporádica, mas presente e persistente para assim
lograrem êxito.
A pariticipação popular nos processos de decisões nas gestões públicas
exige conhecimentos diversos dos cidadãos, capazes de lhes possibilitar um
48
“caminhar” mais seguro, fortalecendo o poder de conquista, além da coesão
necessária a todo movimento reinvindicatório que busca influir nas decisões
relativas à coletividade. Carlo Amirante e Francesco Rubino reforçam este
entendimento ao ressaltarem que
“[...] uma participação ulterior pressupõe outros tipos de
conhecimento por parte dos cidadãos do contexto normativo,
político, financeiro, que condicionam a possibilidade da correta
gestão dos entes locais, conhecimentos que podem ser adquiridos
e realizados racionalmente, se enquadrados em uma reorganização
das relações cidadão/administração, o que requer uma pequena
revolução (AMIRANTE, Carlo. RUBINO, Francesco, 2006, p. 1820).
A participação popular na ordem estatal é fruto do avanço paulatino da
democracia, que tem como grande marco a afirmação dos Estados
representativos, tipo surgido inicialmente na Inglaterra do século XIX e difundido
para outros países, inclusive no Brasil, alargando-se com o sufrágio universal
masculino e feminino, o desenvolvimento do associativismo político até a
formação dos partidos de massa e o reconhecimento de sua função pública.
(BOBBIO, 2005, p. 153)
A teoria da democracia participativa reforçada com a constituição de 1988
trouxe inovações quanto à distribuição de competências administrativas aos
municípios, possibilitando maior aproximação do Estado com a sociedade, em
face da descentralização de tarefas, possibilitando assim maior participação dela
nas políticas públicas e no controle dos atos administrativos.
As formas de controle social comentadas ratificam a teoria da participação
popular estabelecida pela Constituição de 1988, que introduziu em seu texto
diversos artigos que reforçam a possibilidade de participação da sociedade no
Estado, sugerindo programas, indicando prioridades ou avaliando as ações
públicas, seja dentro dos diversos conselhos, colegiados, associações, ou ainda,
individualmente enquanto cidadão, tendo como base, os princípios norteadores da
administração pública. O controle social exige a participação, mas nem toda
participação egendra o controle das ações públicas que exige conhecimento,
persistência e poder.
49
O orçamento participativo enquanto instrumento de democracia e de controle
social foi fortemente motivado pela nova Constituição Federal de 1988, como
recurso democrático e representa “[...] um espaço de discussão de problemas, de
identificação de demandas e de acompanhamento na execução de demandas.
Acima de tudo, é um espaço em que os cidadãos decidem sobre as suas vidas e
sobre como melhorar as condições necessárias para uma vida mais digna”.
(PEREIRA, 2007, p. 41).
Foi em 1986, em Porto Alegre – Rio Grande do Sul onde surgiram os
primeiros sinais do orçamento participativo, como uma resposta a uma proposta
de conselhos populares feita pelo então prefeito Alceu Colares do PDT. Mas
efetivamente, foi no Governo de Olívio Dutra (PT) quando foram tomadas as
principais decisões políticas ao OP, as quais enfrentaram algumas dificuldades
para implementação, inclusive do ponto de vista dos recursos, que exigiram uma
reforma tributária para dar sustentação aos projetos (MARQUES, disponível em
www.politicaufpe.t5.com.br/papers, acesso em 06 de setembro de 2009).
A primeira indicação de que a Constituição Federal de 1988 adotou a idéia
de participação contida no parágrafo único do artigo 1º ao afirmar que “todo o
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição”. No texto constitucional os
representados (povo) exercerem o direito à participação, através de seus
representantes quando da escolha dos candidatos nos processos eleitorais;
utilizando os recursos legais das ações constitucionais; ou se inserindo nos
órgãos de discussão da gestão pública, nascidos do princípio da soberania
popular, como os conselhos de saúde, de educação, de assistência social, do
orçamento participativo, instrumentos democráticos de participação.
Em Aracaju, o OP nasceu no Governo de José Augusto Gama (PMDB –
1997-2000), funcionando em três etapas: a) plenárias de bairros para discussão;
b) levantamento e sistematização das demandas; e c) elaboração de projeto de lei
orçamentária para ser levado à votação pela Câmara de Vereadores; outros
eventos também envolveram discussões sobre orçamento participativo. Mas foi
realmente em 2001, no governo de Marcelo Déda (PT) fortaleceu a
implementação do OP com a criação da Secretaria Extraordinária de Participação
Popular (SEPP), órgão subordinado ao gabinete do prefeito sem autonomia
50
administrativa e financeira, responsável pelo desenvolvimento do OP,
implementando políticas de gestão participativa, conforme se destaca do exemplo
a seguir, colhido do site da Prefeitura Municipal de Aracaju, alguns eventos
ocorreram neste sentido, conforme se demonstra na matéria veiculada no portal
oficial da prefeitura de Aracaju, na figuras 01 se destaca a obra decidida pela
participação popular, e na figura 02 registra evento ocorrido em julho de 2009,
quando se reuniram para decisões sobre o OP.
Conferir de perto as ações da Prefeitura de Aracaju em benefício
da população. Esse é o objetivo da Caravana da Cidadania,
realizada anualmente pela Secretaria Extraordinária de
Participação Popular (SEPP). No último sábado 19, a caravana
percorreu vários pontos da cidade contemplados pela
administração municipal com obras e serviços, executados para
atender as solicitações e necessidades manifestadas pelo povo.
Mais de 180 pessoas participaram das atividades, entre delegados
e conselheiros do Orçamento Participativo (OP), além de
dirigentes de associações de moradores e representantes da
SEPP. O grupo visitou o antigo farol da Farolândia e bairros como
o Santa Maria, Lamarão, Soledade, entre outras localidades
beneficiadas com iniciativas resultantes da interação entre
cidadãos e poder municipal, mediada pela SEPP.
Segundo o secretário de Participação Popular, Rômulo Rodrigues,
a população dos locais visitados se mostrou bastante interessada
em conhecer melhor as atividades da SEPP. "Muitos se
aproximavam para dar seu depoimento sobre as melhorias na
região e parabenizar o trabalho da Prefeitura. Houve muita
integração e participação do povo", conta.
(www.aracaju.se.gov.br/participacao_popular,- acesso em 07 de
setembro de 2009)
Foto: Pedro Leite
FIG. 01 – A Reforma da Praça Fausto Cardoso foi uma
das demandas do Orçamento Participativo de Aracaju.
51
FIG. 02. Caravana da Cidadania em evento realizado em julho
de 2009, sob a direção da SEPP em diversos bairros de Aracaju
Conforme visto nas figuras 01 e 02, em Aracaju o trabalho da atual
administração tem procurado, em meio aos poderes existentes dentro da
sociedade aracajuana, possibilitar a participação popular nas decisões relativas
às obras de interesse e da aplicação do orçamento público como pressuposto de
atendimento aos princípiios constitucionais mais democráticos. Esta atitude
demonstra também que a sociedade contemporânea tem aproveitado os
incentivos legais garantidos pelo Estado, entre eles a abertura de discussões
públicas, dividindo-se, de certa forma, a responsabilidade sobre as escolhas
feitas.
2.3 Mobilização Social
As desigualdades sociais, políticas e econômicas não podem ser corrigidas
somente por iniciativa das instituições públicas isoladamente, independente das
reformas administrativas e políticas que realizem, necessitam do impenho de
todos os envolvidos, desde os diferentes órgãos dos governos que sozinhos são
limitados na realização de ações dirigidas aos cidadãos, pois qualquer ação
requer cooperação de vários órgãos independentes.
52
O envolvimento dos que fazem parte da estrutura administrativa pública faz a
diferença para a efetiva realização dos fins públicos, formando uma máquina de
várias peças, cada uma com seu papel e importância, atuando nas ações e
fiscalizações mutuamente. São os mecanismos “horizontais” que representam
instâncias institucionais de controle e avaliação (checks and balance) mútuos,
entre os diferentes níveis de governo, funcionando como auto-controle, que
agregado ao princípio basilar da eficiência pública podem garantir os direitos dos
cidadãos. Já os chamados mecanismos verticais são as ações de controle
exercidas pelos cidadãos sobre as ações do governo, ou seja, de fora para
dentro, necessárias a coibir atuações contrárias ao interesse coletivo, como
acontece com os representantes eleitos pelo povo, coagindo-o a obedecê-los,
desde as simples decisões às mais complexas (idade escolar, tipos de tributos,
acordos internacionais, guerra e paz, etc), mesmo contra os interesses dos
representados. (PRZEWORSKI, 1999, p. 326-328)
Os mecanismos democráticos estão dentro e fora da estrutura estatal e
muitas são as suas formas de construção e atuação para garantir direitos dos
cidadãos, complementando toda a cadeia democrática, pois dentro da estrutura
de poder formada dentro e fora (sociedade civil) do Estado, todos têm papel
fundamental para garantir a democracia, ampliá-la e exercê-la. Nesse sentido,
cada setor da sociedade deve assumir sua tarefa dentro de um conjunto de
necessidades e atribuições, fazendo como uma orquestra, onde todos
harmonicamente unidos executam belas cações, ao passo que, basta um
elemento sair do compasso para não alcançar o objetivo fim. Isso ocorre na
democracia, no caso das lutas por melhores condições de vida, quando o Estado
perde o compasso da democracia, os movimentos sociais, entre outros
mecanismos de interferência agem para manter a harmonia nem sempre
alcançada, utilizando-se dos diversos recursos disponíveis.
A formação do ator, a coordenação social, estratégica e política dos
movimentos sociais são temas de discussões teóricas importantes, contudo, não
serão objeto de estudo mais detalhado neste trabalho que visa abordar a
participação dos cidadãos nas ações públicas, especialmente quando o assunto é
contratação pública. Mas, sem dúvida, os movimentos sociais têm seu ponto de
53
destaque nesse contexto de participação e controle das ações públicas por
“serem um tipo de ação coletiva orientada para a mudança, em que uma
coletividade de pessoas ou uma massa descentralizada é dirigida, de modo não-
hierárquico”(MUNCK, 1997, p.01). E como ação coletiva de controle será tratada
e investigada no presente trabalho, apontando a existência ou não de sua
influência nas contratações públicas.
A abordagem sobre os movimentos sociais prescinde de uma prévia
discussão sobre cidadania, que tem como sujeito ativo o cidadão, possuidor de
direitos de um Estado que vem se desenvolvendo como reflexo do progresso
democrático, tanto do ponto de vista do marco estatal em que se defendem os
direitos adquiridos; e do marco superestatal no qual se definem novas dimensões
de cidadania. Independente do marco, o exercíco da cidadania acontece por
necessidade dos membros da sociedades pós-industriais em criarem um tipo de
identidade para se sentirem pertencentes ao mesmo ambiente (sociedade
legítima), possibilitando adesão para os desafios que atingem a todos. A
cidadania é um conceito complexo que abrange várias dimensões e possibilita,
“ao menos teoricamente, o desempenho do conjunto de papéis sociais que
permitem aos cidadãos intervir nos assuntos públicos (votar, ser eleito, participar
de organizações políticas e sociais), exercer plenamente as liberdades e direitos
reconhecidos pela lei” (BORJA, 1999, p. 362-364).
Exercer a cidadania através dos movimentos sociais possibilita a
participação individual do cidadão unido a outros; gera uma ação coletiva conjunta
em busca da satisfação de um ou vários interesses que os identificam, identidade
esta formada no interior da estrutura de conflitos de uma determinada sociedade
(TOURAINE, 1977 apud MUNK op, cit. p. 04).
As lutas dos movimentos sociais são provocadas pelas demandas dos
problemas sociais, das mais diversas áreas: melhoria da educação, melhoria da
saúde, greves de categorias profissionais, poluição ambiental, etc, podem levar a
mudanças estruturais ou ocasionais de acordo com a força coletiva do movimento
perante o Estado e os demais atores envolvidos. E “a conjuntura política da
sociedade é o fator determinante no desenvolvimento e disseminação dos MSUs
e seus impactos na cena urbana e política” (JACOBI,1993, p.138).
54
Covém salientar que o movimento social, em muitos casos, possui atores
sociais que, apesar de não terem sobreposição hieráquica, são referenciais para
todos os demais integrantes. são líderes capazes de manter a coesão e
coordenar as ações dos seus participantes, seja enquanto entidade liderante ou
como pessoa-líder. E, este direcionamento ocorre não só por questões ligadas ao
perfil individual do líder, mas também por possuírem um aporte de conhecimentos
ligados aos direitos dos cidadãos, nem sempre com toda a abrangência
necessária e ainda pela própria identidade deste no processo ao qual está
inserido. No caso da identidade, enquanto organizadora de significados, é
definida por Castells (1999, p. 23) “como a identificação simbólica, por parte de
um ator social, da finalidade da ação praticada por tal ator.”
O ator social constrói sua identidade a partir do conhecimento absorvido
durante sua vida, nas diversas áreas a que tem acesso, o que contribui para sua
ação racional ou não, conforme o processamento dessa construção de identidade
coletiva de resultado ideológico e/ou de interesses que busca alcançar, dando
“sentido e direção ao movimento”. A identidade do movimento social decorre de
seus projetos, que se firma no processo interativo, moldados a partir da ideologia
que corresponde ao conjunto de crenças, valores e ideais que fundamentam suas
reivindicações e propostas. (GOHN, 2004, p. 258-261)
As demandas da ação coletiva de um movimento prescinde de uma
carência não atendida (de ordem econômica, política, social e cultural), seja
material ou simbólica. Nesta última, existem as lutas contra as desigualdades no
tratamento das pessoas em relação a cor, a religião, sexo, nacionalidade, etc.
Essas demandas são articuladas externamente por seus membros e líderes,
enquanto interlocutores do movimento, com outros movimentos sociais, órgãos
estatais e demais agências da sociedade política, diversas organizações
religiosas, a mídia, empresários, organizações sociais, revelando assim o que se
chama de princípio articulatório, responsável pela estruturação do movimento
como um todo (idem, ibidem, p. 255).
A articulação externa do movimento é de grande relevância para o alcance
de seus objetivos, mas também exige anteriormente uma articulação interna
formada a partir das bases demandatárias: as lideranças e as assessorias, em
que os dois primeiros são elementos nativos, ou seja, pertencem à realidade de
55
onde se insere o movimento, e o último agrega-se a ele em algum momento. Esta
articulação interna contribui para a organização do movimento, pois na medida
em que ele cresce, se torna imprescindível a definição de tarefas e distribuição de
competências, dispersando a possibilidade de um poder absoluto internamente,
geralmente ocasionando a concentração de tarefas e competências em uma
pessoa, em geral o líder que pode ter sido o fundador do movimento, sendo esta
uma realidade dos movimentos mais estruturados, ao contrário de outros de
características mais informais e mais abertos em termos de valores e ideologias,
que não apresentam este tipo de organização, bem como os originários de
explosão de massa, a exemplo dos quebras-quebas. (idem, ibidem, p. 259-260)
A comunidade Coqueiral em Aracaju é um exemplo de permanentes lutas
originárias de movimentos sociais, em sua maioria formados a partir de atores
sociais que os coordenam de forma não hierárquica, organizam e estimulam a
agregação de cidadãos em prol de melhorias ligadas a garantia da dignidade da
pessoa humana, fundamento da maioria dos direitos naturais e fundamentais.
56
III – REGULAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO PARA AS LICITAÇÕES
3.1 – O aparelho do Estado brasileiro e suas regras de contratação
O Estado é o gestor de sua própria mudança e ela é inevitável quando visa
a melhoria de sua capacidade governativa, fazendo-o passar obrigatoriamente por
um processo de reinvenção política, econômica e administrativa, inclusive o seu
aparelho, compreendendo-se neste o aparato estrutural (órgãos e empresas) e o
aparato técnico-burocrático (pessoal). Mister é apresentar antecedentes históricos
sobre a administração pública para uma melhor compreensão e conhecimento do
seu aparelho.
O aparelho administrativo no período colonial, dominado por uma poder
político centralizado no rei e em seus representantes (conselheiros), não possuía
normas gerais, hierárquicas e definições de competências; a legislação resumia-
se em determinações particulares e casuísticas, favorecedoras de uma confusão
de atribuições e poderes nos órgãos da administração geral e civil, e os ligados às
esferas locais tinham pouca autonomia, deixando para segundo plano, a
construção do aparelho do Estado em função do principal interesse do poder
absolutista portugues: arrecadar tributos e explorar os recursos naturais: ouro,
diamantes, madeira, etc.
Os cargos públicos não eram profissionalizados e as posições pertenciam
a nobres ou burgueses; as esferas política e econômica se confundiam e estavam
frisadas na busca da posse de bens (sistema patrimonialista). Além disso, a
herança colonial contribuiu para que a centralização do poder e o autoritarismo
marcassem os traços mais fortes da administração brasileira que persistiram
durante a República Velha e na era Vargas. Neste último foi criado o primeiro
departamento de administração, denominado Departamento Administrativo do
Serviço Público (DASP), criado através do Decreto-Lei nº 579, de 30/07/1938,
57
subordinado ao Presidente da República, prova da primeira tentativa de
profissionalização do serviço público (PAES DE PAULA, 2005).
Conforme relatado anteriormente, a partir da década de 30, ainda
timidamente, a política do Welfare State marcou o Estado brasileiro como autor
principal dos programas sociais que lhe exigiram mais participação direta na
sociedade. Mas isso foi mudando, e paulatinamente se afastou da atividade
intervencionista, trazendo profundas alterações nas contratações públicas, na
medida em que transferiu para a esfera privada certas responsabilidades antes
sob sua égide.
Nas décadas de 80 e 90 o Estado brasileiro reforçou a desestatização,
pondo à venda empresas públicas rentáveis ou não, com o objetivo de afastar-se
da área de produção de bens e prestação de serviços mais específicos da área
privada. Seria o início do afastamento ao intervencionismo e a adoção de políticas
voltadas para as atividades indelegáveis do Estado, as consideradas estratégicas,
bem como o incremento das atividades de regulação e de parcerias com
diferentes atores da sociedade civil (terceiro setor).
O Estado volta a ser não interventor, com certa diferença da política liberal,
não se restringindo apenas às atividades essenciais do Estado, há um misto entre
um modelo (liberal) e outro (neoliberal). A nova política governista passa a usar
intermediários (concessões e permissões) na prestação dos serviços e a
incentivar o crescimento econômico, mas não como produtor direto, como
fiscalizador e realizador de medidas políticas capazes de fazer as empresas
produzirem bens e gerarem empregos. É o momento de um Estado brasileiro
mais regulador de atividades paraticadas por empresas privadas, que fez nascer
os órgãos regulatórios.
O objetivo principal dessa mudança política era possibilitar maior
capacidade financeira e administrativa do Estado, que havia sido comprometida
com as diversas investidas programáticas, responsáveis por endividamentos,
inclusive perante o Fundo Monetário Internacional (FMI), principalmente no fim da
década de 80 e início da década de 90.
Para possibilitar essas mudanças foi necessário o governo travar
mudanças na legislação, inclusive com alterações constitucionais, seguidas de
58
ações políticas de ordem econômica e administrativa, que exigiram primeiramente
a criação das novas agências reguladoras, através de leis, processo inaugurado
com a criação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), através da
Lei
9.427, em 26 de dezembro de 1996, inserida na administração indireta, atribuindo
novas tarefas ao Estado que deixa de atuar mais na área econômica par
delegando ao setor privado essa tarefa, sob sua regulação, o que motivou o
processo de desestatização, com a venda de empresas públicas.
As inovações trazidas pela reforma do Estado ocorrida em meados da
década de 90, conforme dito, foi no sentido de transferir as ações públicas para
o setor privado, incluindo-se as novas organizações sociais de interesse público
sem fins lucrativos, introduzidas pela Medida Provisória n
o
1.591, de 9 de outubro
de 1997, reeditada várias vezes, até a promulgação da Lei Federal n
o
9.637, de
15
de maio de 1998.
8
Não será enfocada especificamente a estrutura administrativa dos órgãos e
empresas da administração pública, mas sim, apresentar-se-á como o Estado
brasileiro realiza, através de seus órgãos e empresas, e organizações sociais e
empresas tercerizadas que executam serviços públicos, suas contratações
públicas, considerando o avanço da democracia que prescinde de participação
popular nas ações públicas, seja direta ou indiretamente, como fiscal ou
interessado.
O grande marco da legalidade de contratação pública ocorreu com o
Código de Contabilidade Pública, onde tratou-se pela primeira vez, em suas
Seções II e III, sobre as concorrências públicas, através do Decreto 15.783, de
08.11.1922, mas com competência somente para a Administração Pública
Federal, os estados e municípios agiam independentes, sem o direcionamento
centralizado, mas esse panorama sofre grandes alterações. Vários decretos e leis
de âmbitos compreendidos nas três esferas (federal, estadual e municipal)
8
A Lei n° 9.637, de 15 de maio de 1998, dispõe sobre a qualificação de entidades como
organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e
entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras
providências.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9637.htm Acesso em 21.03.2009
59
dedicaram espaços sobre a matéria contratação pública, conhecida inicialmente
como concorrência e, posteriormente (atualmente) como licitação.
Foi referencial para as contratações públicas o Decreto-lei 200, de
25.02.67, restrito ao âmbito federal, fruto da reforma administrativa do governo
militar, dando nova sistemática ao assunto. E, segundo Brazilli(1999, p. 19) “esta
sistemática bem como as demais normas sobre licitação, consagradas pelo
diploma federal vieram alcançar Estados e Municípios, por força da Lei federal
5.456, de 20.06.1968, em plena ditadura militar.
Havia controvérsia quanto a competência para legislar sobre licitação, em
virtude da falta de previsão constitucional, dirimida com o advento do Decreto-lei
n° 2.300, de 21.11.86
9
, dentro do processo de redemocratização que passava o
país, ampliando para os estados e municípios a obrigatoriedade de licitar e a
competência de legislar em relação às normas especiais sobre a matéria, ficando
para a União a responsabilidade de editar normas gerais, que implica o poder de
veicular regras mínimas para todos os entes federados.
A Constituição Federal de 1988 vem fortalecer essa competência, deixando
consagrado o poder da União em legislar sobre licitação, em relação as regras
gerais, conforme adiante se detalhará.
Saber o significado teórico da licitação é salutar para noção de sua
importância prática, ou melhor, possibilita melhor compreensão da necessidade
desse instrumento para realização das contratações públicas.
É o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no
exercício da função administrativa, abre a todos os interessados,
que se sujeitam às condições fixadas no instrumento
convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as
quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a
celebração do contrato (DI PIETRO, 2001, p. 291).
9
Dispõe sobre licitações e contratos da Administração Federal e dá outras providências. Em seu
Art. 85 Aplicam-se aos Estados, Municípios; Distrito Federal e Territórios as normas gerais
estabelecidas neste decreto-lei.
60
Entenda-se procedimento administrativo como uma série de atos
praticados pelos agentes ou gestores públicos para alcançarem o objetivo final,
no caso da licitação, a contratação da proposta mais vantajosa, assegurando
obrigatoriamente a igualdade de direitos a todos os interessados em contratar
com o Estado.
No processo de reformulação do papel do Estado brasileiro, incluindo seu
aparato burocrático, surgem essas normas especiais sobre licitação, como
consequência da consolidação da democracia, através dos recursos jurídicos
normativos, base de sua legitimação, comprovada pela teoria weberiana, que tem
como regra a normatização dos atos como garantia de segurança.
É na Constituição Federal onde se encontra a base da contratação pública,
assim confirma Justen Filho (1998, p. 13) ao comentar sobre a matéria: “o núcleo
primordial da disciplina se encontra na Constituição Federal, que consagra os
princípios e normas fundamentais acerca da organização do Estado e do
desenvolvimento da atividade da administração”.
A Constituição Federal de 1988 no art. 22, XXVII
10
, consolida a
competência privativa da União em legislar sobre normas gerais de licitação e
contratação para todos os órgãos da administração pública direta ou indireta, de
todas as esferas. Mas o grande avanço da democracia quanto à obrigatoriedade
de licitar está no caput de seu art. 37, com a inserção dos princípios
constitucionais norteadores da administração pública de todas as esferas (União,
Estado e Município): os de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência.
É óbvio que os princípios existiam como fundamento da sociedade, mas
juridicamente ele tomou força constitucional, trazendo assim, maior segurança
jurídica e consolidação da democracia na medida em que representam valores
sociais, de força jurídica e, hierarquicamente mais fortes em relação as demais
normas, pois é também considerado uma espécie de norma.
10
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XXVII – normas gerais de licitação
e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e
fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37,
XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°,
III;
61
A Lei 8.666
11
, de 21 de junho de 1993, nascida de um poder derivado
constituinte de 1988, que regulamentou permissivamente o art. 37, inciso XXI
12
,
sofreu várias alterações posteriores, por meio de leis ordinárias, visando adequar
necessidades jurídicas ou administrativas, provocadas pelo processo de reforma
do Estado.
A Constituição Federal de 1988 estabelece no referido art. 22, XXVII,
combinado com o art. 37, XXI que todos os órgãos que compõem a Administração
Pública direta e indireta (autarquias e fundações) da União, Estados e Municípios
são obrigados a contratar obras, serviços, compras e alienações mediante
processo de licitação, eximindo-se deste excepcionalmente nos casos previstos
em lei.
O parágrafo 1º, inciso III, do art. 173, da citada Carta Constitucional permite
à sociedade de economia mista e as suas subsidiárias que explorem atividade
econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços
a terem seu próprio estatuto jurídico, sem deixar de observar os princípios da
administração pública, basilares da democracia e das garantias constitucionais.
Todos da administração pública, exceto as empresas descritas no
parágrafo anterior seguem as regras de contratação com base na Lei 8.666/93 e
outras normas que tratam sobre a matéria, especialmente a Lei 10.520, de 17 de
julho de 2002, que instituiu para todos os entes federados a nova modalidade de
licitação, o pregão.
Há previsão legal para a não utilização de licitação. Na Lei 8.666/93 está
clara a excepcionalidade nos artigos 24 (dispensa) e 25 (inexigibilidade), mas
convém frisar, a adminstração pública só poderá se eximir da obrigatoriedade de
licitar quando estiver demonstrada, inequivocamente, a possibilidade de haver
11
Lei 8.866, de 21.06.93. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui
normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.
12
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XXI -
ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão
contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos
os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as
condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de
qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
62
prejuízo quando do cumprimento dos prazos e atos da licitação para o alcance do
interesse público, ou ainda, por haver incapacidade de competição.
As regras de contratação pela Administração Pública atualmente em
vigência têm garantias constitucionais e normas infra constitucionais bastante
claras, e isso certamente favorece a democracia e a transparência, permitindo ao
cidadão conhecer seus critérios e procedimentos, reforçados por possibilidades
jurídicas de interferência direta quando lhe possibilita impugnar um edital,
participar das sessões ou denunciar irregularidades aos órgãos fiscalizadores.
Os funcionários ou gestores públicos têm papel de grande importância
quando em favor da sociedade contratam bens ou serviços, pois o objeto
resultado dessas contratações servirá para atender necessidades administrativas
e sociais.
É comum ver-se na imprensa notícias envolvendo casos de licitações
fraudulentas. Contudo, é salutar observar-se que o processo de licitação envolve
agentes públicos e membros da sociedade civil, entendendo-se estes os que não
estão naqueles. Por isso, antes de conclusões precipitadas quanto aos culpados,
é de bom alvitre lembrar que os atos ilícitos por ventura praticados nos processos
de contratações públicas podem ter causas pertencentes às duas esferas (pública
e privada), ou melhor, dentro da sociedade como um todo. Quando ocorrem
fraudes ou outras práticas ilícitas, mostram-se os desvios de finalidade,
certamente realizados para consagração de interesses individuais ou de grupos.
Enfim, independente das causas das ilicitudes acima apontadas, a
sociedade e os agentes públicos investidos como representantes do Estado ou
mesmo enquanto fiscalizadores (Ministérios Públicos e Tribunais de Contas)
devem estar atentos aos acontecimentos para garantir o atendimento do interesse
público.
As normas são garantias inalienáveis do povo e este tem a
responsabilidade de as fazer cumpridas, como assim prescreve a democracia.
Não basta que as leis coibam as ações ilícitas, é preciso que o povo consciente e
o Estado comprometido com a sociedade as façam valer, objetivando a
manutenção do Estado democrático de direito. E para isso, é salutar conhecer as
principais normas de contratações públicas vigentes no Brasil, as quais serão
detalhadas a seguir.
63
3.2. As Normas de Contratações Públicas Vigentes no Brasil
As normas existentes enquanto fundamento de um Estado Democrático de
Direito, pertinentes ao complexo jurídico, têm função social ao estabelecer
critérios norteadores de uma sociedade, contribuindo para dirimir os conflitos,
naturais das diferenças que existem em todos as áreas componentes da
formação de uma sociedade, tanto politicamente quanto administrativamente.
O direito positivado, formado por normas que se subdividem em princípios
e regras, representa segurança social, mas para ser efetivo não é auto-suficiente,
ou melhor, não se estabelece por si só, é necessário haver uma relação de
interferência da sociedade. A normatização dessa base jurídica não tem obstado
desmandos e ilícitos em todas as áreas, inclusive na pública, e por isso é
importante conhecer o aparato de regras jurídicas pertinentes às compras e
contratações públicas.
É salutar compreender os princípios norteadores da Administração Pública
como fonte do direito e produto da sociedade, limitadores das ações políticas e
jurídicas dos agentes públicos. Veja-se o entendimento a seguir, esclarecedor
sobre a importância dos princípios constitucionais.
Os princípios constitucionais são os conteúdos primários diretores
do sistema jurídico normativo fundamental de um Estado. Dotados
de originalidade e superioridade material sobre todos os
conteúdos que formam o ordenamento constitucional, os valores
firmados pela sociedade são transformados pelo Direito em
princípios. Adotados pelo constituinte, sedimentam-se nas
normas, tornando-se, então, pilares que informam e conformam o
Direito que rege as relações jurídicas no Estado. São eles, assim,
as colunas-mestras da grande construção do Direito, cujos
fundamentos se afirmam no sistema constitucional (ROCHA,
1994, p. 25).
64
A base principiológica que concede fundamento axiológico e normativo ao
ordenamento jurídico, inclusive a todo procedimento administrativo encontra
assento especial na Constituição Federal vigente, especialmente nos artigos 22 e
37 (acima transcritos em notas de rodapé), obrigando as normas
infraconstitucionais a observarem os seus mandamentos explícitos e implícitos.
No art. 37 da Carta Magna de 1988 se estatui a obrigatoriedade a todos os
órgãos pertencentes à administração pública direta e indireta
13
de qualquer um
dos poderes, das três esferas públicas: federal, estadual e municipal, sem
qualquer tipo de exceção, de contratar mediante licitação pública, e nas exceções
previstas em lei não deixar de observar os princípios constitucionais que a norteia,
acrescendo ainda o da legitimidade que significa a adequação das normas aos
interesses sociais.
É fato normativamente comprovado a submissão da administração pública
a todo o ordenamento jurídico, com poder de impor aos gestores públicos uma
atuação condicionada aos ditames legais, mesmo quando da prática de atos
discricionários
14
, também passíveis de fiscalização pelos órgãos
constitucionalmente competentes (ministérios públicos, tribunais de contas etc) e
exigíveis nas normas infraconstitucionais, a exemplo da Lei 8.666 de 21 de junho
de 1993.
Os princípios constitucionais são de extrema importância para a sociedade
na medida em que também a norteiam sobre a atuação pública dos agentes e
gestores (espécies de agentes que possuem cargos de gestão: diretores, chefes
de departamentos, coordenadores, etc). E dentre eles, especificamente, os da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, imprescindíveis
13
Em sentido subjetivo, a Administração Pública Direta é composta por todos os órgãos
integrantes das pessoas jurídicas políticas (união, Estados, Municípios e Distrito Federal), aos
quais a lei confere o exercício de funções administrativas; e a Administração Pública Indireta
(autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas), composta
por pessoas jurídicas de direito público ou privado que executam atividades administrativas
conferidas por lei . DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13 ª ed. São Paulo:
Atlas, 2001, p. 61-62.
14
Atos discricionários são os que a Administração pode praticar com liberdade de escolha de seu
conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua
realização. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª edição, atualizada. São
Paulo: Malheiros, 1998, p. 148.
65
à realização de qualquer ato administrativo, inclusive a todos os atos pertinentes à
realização das contratações públicas, objeto de nosso estudo.
Quando surge a necessidade de qualquer tipo de contratação pública, a
autoridade competente para autorização do procedimento deve ter como bases:
da primeira, a necessidade da realização do gasto para satisfação do interesse
público a ser perseguido; da segunda, a obrigatoriedade de atendimento aos
procedimentos administrativo e legal, objetivando selecionar a proposta mais
vantajosa, mesmo sem a realização da licitação pública, conforme prescrevem os
artigos 24
15
e 25
16
da Lei 8.666/93.
A sociedade tem várias necessidades de interesse coletivo satisfeitas
através das compras e contratações públicas realizadas por todos os órgãos da
administração pública de qualquer um dos poderes, sendo a decisão em realizá-
la, a priori, dos agentes públicos incumbidos de executar os serviços de sua
competência. Contudo, não há impedimento legal para interferência de parcelas
da sociedade, seja de forma direta, apresentando sugestões de contratações,
visando atender um problema específico e pontual; ou ainda, de forma indireta,
reivindicando ações públicas as quais exigirão a inevitável contratação de bens ou
serviços públicos com terceiros, a exemplo da construção de um posto de saúde,
que obrigará a realização prévia da licitação para edificação (se for o caso) do
prédio e outras para aquisição de equipamentos, medicamentos, prestação de
serviço contínuo e tudo mais necessário ao pleno e adequado funcionamento, ou
ainda, fiscalizando a gestão pública. A própria Constituição Federal fortalece a
participação como condição de validade dos atos da Administração Pública, uma
vez que as normas infraconstitucionais devem estar em conformidade com as
normas, e em especial, com os princípios constitucionais, como prova de
15
Lei 8.666/93. Art. 24. É dispensável a licitação: I – para obras e serviços de engenharia de valor
até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea “a” do inciso I do artigo anterior, desde que
não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da
mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente; II –
para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea “a”,
do inciso II do artigo anterior, e para alienações,nos caos previstos nesta Lei, desde que não se
refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser
realizado de uma só vez; [...]
16
Lei 8.666/93 Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em
especial: [...]
66
evolução do Estado Social em concomitância com o Estado Democrático de
Direito.
As principais leis relativas ao assunto são as leis 8.666/93 e a mais recente
Lei 10.520/02
17
, que introduziu para todas as unidades federadas a modalidade
de licitação denominada pregão, destinada a aquisição de bens e serviços
comuns. Antes da promulgação da referida lei do pregão, esta modalidade só era
utilizado no âmbito da União, e foi primeiramente experimentada em 1988 pela
Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL.
Quando um gestor público autoriza a contratação de bens ou serviços,
conforme prescreve o art. 22 da Lei 8.666/93, a depender do valor da despesa ou
da complexidade do objeto, utilizará as modalidades convite, tomada de preços,
concurso ou concorrência, e ainda, independente do valor, somente para compra
de bens e serviços comuns, o pregão, existente nas formas presencial e
eletrônica (com recursos da tecnologia da informação), modalidade esta
estabelecida no art. 1º da Lei 10.520/02.
Além de haver a possibilidade de a Administração Pública contratar através
das modalidades acima descritas, há excepcionalmente a possibilidade da
contratação direta sem o uso da licitação. A regra geral ditada no art. 37, XXI da
Constituição Federal é a licitação, fundamentada na supremacia do interesse
público. Contudo, visando perseguir o alcance desse interesse, abre-se exceção
quando é incompatível o cumprimento dos prazos legais inerentes a esse
procedimento, possibilidade esta prevista nos artigos 24 (dispensa) e 25
(inexigibilidade) da Lei 8.666/93, sendo a diferença básica entre ambas a
possibilidade ou não de competição.
Os gestores ou agentes públicos responsáveis pelo procedimento
administrativo da contratação, utilizando-se da licitação ou da forma direta
(dispensa ou inexigibilidade) jamais devem deixar de observar os princípios
constitucionais ou agir como bem entender. Perseguir a melhor proposta em
17
Lei 10.520/02. Institui no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37,
inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e
serviços comuns, e dá outras providências.
67
preço e atendimento da necessidade é regra sem exceção. Tal como ocorre no
procedimento da licitação, o da contratação direta exige também a definição
adequada do objeto descrito no termo de referência ou projeto, previsão
orçamentária e a busca no mercado do melhor contratado (pessoa física ou
jurídica), possibilitando a participação do maior número de interessados, para
assim formalizar a contratação com aquele que apresentou a melhor proposta.
Exigências que devem ser fiscalizadas pelos órgãos competentes e pela
sociedade como toda.
Importante reflexão sobre o assunto é trazida pelo jurista Marçal Justen
Filho que ressalta a incompatibilidade de escolhas ‘despropositadas’,
especialmente no caso da contratação direta.
Entre propostas de qualidade equivalente, deverá escolher-se a
de menor preço. Quando for escolhida proposta de maior preço,
deverá indicar-se o motivo para tanto. Nada impede que esse
motivo seja a qualidade do serviço, a reputação do contratado, o
preço por ele exigido para contratos similares etc. Por tudo isso,
afirma-se que a contratação direta não legitima escolhas
despropositadas da Administração Pública. Não é válido
desembolsar inadequadamente recursos públicos, sob pretexto da
necessidade de licitação. O campo da contratação direta não está
excluído da incidência dos princípios norteadores da atividade
administrativa do Estado (JUSTEN FILHO, 1998, p. 211).
A escolha da mais adequada modalidade de licitação a ser utilizada é
tarefa que envolve aspectos técnicos e políticos, mas aliado a estes deve
observar sempre o atendimento do interesse público com eficiência, ou seja, o
agente público deve executar as tarefas e obrigações públicas da melhor forma
possível, orientado somente por resultados positivos a serem alcançados com a
presteza e o melhor rendimento. O princípio constitucional da eficiência
introduzido com a EC nº 19, de 04 de junho de 1998, fortaleceu enquanto norma a
obrigatoriedade da eficiência na prestação do serviço público e em tudo a ele
inerente. Apesar de antes da Constituição Federal de 1988 a eficiência na
prestação do serviço público ser uma obrigatoriedade à atividade pública, mas foi
somente a partir da referida Emenda Constitucional que ela passou a ser princípio
normativo.
68
Agora é “Lei”: eficiência é uma obrigação constante no universo jurídico e
não no subconsciente ou consciente das pessoas. Por isso, é obrigação a
eficiência pública para aquele que está investido em função pública, independente
do cargo ocupado, não cabendo mais a observância isolada da legalidade.
O resultado positivo das atividades públicas deve ser cobrado tanto quanto
se cobra no caso da aplicação correta do dinheiro público, pois quando se trata de
agir em função do direito da coletividade o cuidado, a cautela e o esforço devem
ser prioritários e redobrados. É importante trazer à colação o entendimento acerca
do significado da eficiência, expresso pelo autor muito antes da sua
constitucionalização.
O que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições
com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais
moderno princípio da função administrativa, que já não se
contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo
resultados positivos para o serviço público e satisfatório
atendimento das necessidades da comunidade e de seus
membros (MEIRELLES, 1996, pp. 90-91).
Quando um agente público compra um bem para atender uma determinada
necessidade deve adequar a agilidade, o preço e as características do objeto do
contrato, deixando fora do procedimento os interesses e gostos pessoais,
literalmente expurgados da moralidade e legalidade administrativas públicas, a
exemplo da previsão contida na Lei 8.666/93
18
, art. 3º, inciso I que proíbe a
inclusão de caracteres impertinentes na escolha do objeto do contrato.
A eficiência enquanto princípio da atividade de Estado vem exigindo
inovações para realização do interesse público com técnicas, flexibilização,
18
Lei 8.666/93. Art. 3
o
A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional
da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e
julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao
instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. § 1º É vedado aos
agentes públicos: [...] I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou
condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam
preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de
qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato.
69
delegações, parcerias, concessões, entre outras formas para tentar atender as
necessidades da contemporânea sociedade complexa que exige cada vez mais
uma adequada prestação de serviço público, seja diretamente pelo Estado ou por
quem o represente ou por ser quem seja regulador ou fiscalizador.
Conforme relatado, é exigência constitucional a realização de licitação para
obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões,
permissões e locações para todos os órgãos da Administração Pública direta,
também as fundações, as autarquias e empresas públicas, as sociedades de
economia mista da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, com
as exceções previstas em lei (dispensa e inexigibilidade). Portanto, independente
de quem possui a competência para editar a norma licitatória, de acordo com o
art. 22, XXVII da Constituição Federal (União as normas gerais e demais entes
federados as especiais) “ninguém” foge à referida obrigatoriedade.
A Lei 10.520/02 introduziu para todas as esferas públicas a modalidade
pregão, inovando na forma eletrônica, e trazendo assim, maior possibilidade de
controle e acompanhamento a qualquer interessado - transparência pública. Os
pregões disponíveis nas formas presencial e eletrônica, principalmente em
relação a esta última, tem tornado esta modalidade a mais usada para as
contratações de bens e serviços comuns, proporcionando maior transparência,
haja vista a possibilidade de conhecimento dos acontecimentos através da
internet por qualquer interessado, seja um cidadão ou representante de empresa,
onde estarão geralmente disponíveis: edital, valor estimado da contratação,
número de interessados ou licitantes, vencedor, recursos interpostos, etc.
Apesar das facilidades proporcionadas com o recurso da internet, ainda
assim a maioria da população brasileira não possui computador ou sequer tem
conhecimento dessas possibilidades. Para melhor demonstrar esta proporção, a
Fundação Getúlio Vargas apresentou pesquisa em 2008 que mostra a existência
de 50 milhões de computadores em uso no Brasil, “volume que leva em
consideração as máquinas instaladas tanto em residências quanto nas empresas.
O número representa crescimento de mais de 200% sobre o início da década [...]”
Apesar de grandioso número que se divide entre computadores instalados em
empresas, com fins apenas profissionais, inclusive até para participar de
licitações, ainda assim, está muito longe de abranger a maioria da população que
70
poderia utilizá-lo como recurso do conhecimento, controle ou fiscalização dos atos
públicos, considerando os 191,5 milhões de habitantes estimados pelo IBGE.
A União e todos os órgãos e entidades a ela vinculados utilizam o site
www.comprasnet.gov.br para divulgação dos bens e serviços que pretendem
contratar, independente da modalidade a ser utilizada. Excluindo o pregão
eletrônico, as demais modalidades têm publicados os chamamentos à
participação e os resultados das propostas, não havendo possibilidade de
acompanhamento da disputa como ocorre na nova modalidade. O governo
federal, especialmente, vem divulgado em seus sítios oficiais os ganhos advindos
para os cofres públicos com o uso do pregão eletrônico, proporcionando maior
transparência, ou seja, maior possibilidade de conhecimento por maior número de
pessoas sobre a realização das compras públicas e a possibilidade de ampliação
do número de participantes.
Os ganhos com o uso da internet como meio de publicidade das
contratações públicas tem sido crescente não só para o governo federal, mas
também para os estados e municípios que adotam essa metodologia de trabalho,
trazendo como possibilidade a participação de mais interessados, e por sua vez,
com probabilidade de economia para os cofres públicos, pois quando mais
interessados enviam propostas, a tendência é ter menores preços, é a livre
concorrência. As notícias abaixo colhidas dos sites oficiais do Governo Federal e
do Governo do Estado de Sergipe, respectivamente, comprovam estas
afirmações.
O Governo Federal economizou R$ 3,8 bilhões com o pregão
eletrônico em 2008. Esse valor corresponde a uma redução de
24% entre o valor de referência (o valor máximo que o Governo
está disposto a pagar na aquisição de um bem ou na contratação
de um serviço) e o que efetivamente foi pago pelos órgãos
públicos. No ano passado essa modalidade respondeu por R$
12,2 bilhões (73,7%) do valor de bens e serviços comuns licitados
e por 33.972 processos de compra (79,4%) dos procedimentos. O
pregão é destinado à contratação de bens e serviços comuns -
aqueles cuja especificação é facilmente reconhecida pelo
mercado. Em 2008 o Governo Federal licitou ao todo R$ 16,6
bilhões de bens e serviços comuns. (www.comprasnet.se.gov.br,
acesso em 17.07.09)
O Governo de Sergipe se destacou na modernização das
compras públicas durante o ano de 2008. No ano passado, foram
71
economizados R$ 100 milhões nas compras públicas. O resultado
é superior ao registrado no ano anterior, quando o Governo do
Estado economizou R$ 62 milhões. O cálculo dessa economia é
realizado através da diferença entre o menor valor cotado no
mercado e do objeto comprado ou contratado e o valor
efetivamente arrematado ao final do processo licitatório.
(www.comprasnet.se.gov.br/modules, acesso em 17.07.2009).
A nova realidade posta com o uso da internet para divulgação de
contratações tem cumprido com mais eficiência a publicidade sobre as
contratações públicas, antigamente restritas somente aos jornais oficiais e/ou
jornais de grande circulação. Convém salientar que os jornais oficiais (Diários da
União e dos Estados) não são lidos normalmente pela população, principalmente
porque não são vendidos em bancas de revistas como os jornais comerciais,
restringindo-se aos assinantes em sua maioria formada pelos próprios órgãos que
compõem o aparelho do Estado. As modalidades de concorrência, tomada de
preços, concurso e leilão
19
contidas na Lei 8.666/93 atendem aos ditames do
art.21
20
em relação à publicação sobre os editais, não mencionando o uso da
internet. Já a Lei 10.520/02 é clara no art. 4º
21
quando faculta usar, além dos
jornais indicados na outra Lei, faculta o uso dos meios eletrônicos. Apesar de não
19
A modalidade leilão não é para contratar, é utilizada para venda de bens móveis inservíveis,
produtos apreendidos ou penhorados, e bens imóveis.
20
Lei 8.666/93. Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das
tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição
interessada, deverão ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez: I - Diário Oficial
da União, quando se tratar de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública
Federal e, ainda, quando se tratar de obras financiadas parcial ou totalmente com recursos
federais ou garantidas por instituições federais; II - no Diário Oficial do Estado, ou do Distrito
Federal quando se tratar, respectivamente, de licitação feita por órgão ou entidade da
Administração Pública Estadual ou Municipal, ou do Distrito Federal; III - em jornal diário de
grande circulação no Estado e também, se houver, em jornal de circulação no Município ou na
região onde será realizada a obra, prestado o serviço, fornecido, alienado ou alugado o bem,
podendo ainda a Administração, conforme o vulto da licitação, utilizar-se de outros meios de
divulgação para ampliar a área de competição.
21
Lei 10.520/02. Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos
interessados e observará as seguintes regras: I - a convocação dos interessados será efetuada
por meio de publicação de aviso em diário oficial do respectivo ente federado ou, não existindo,
em jornal de circulação local, e facultativamente, por meios eletrônicos e conforme o vulto da
licitação, em jornal de grande circulação, nos termos do regulamento de que trata o art. 2º;
72
ser obrigatório o uso da internet, a administração pública a vem utilizando pelo
custo mais baixo e mais eficiente quanto ao objetivo final: dar maior publicidade;
pode alcançar um número infinitamente maior de pessoas, na maioria da
realidade brasileira, apesar de algumas regiões possuírem peculiaridades
relativas aos meios de comunicação disponíveis.
Em estudo de pesquisa para apresentação de dissertação, Francisco
Valério Alves Filho (2008) apresenta dados sobre o ganho econômico no campo
das compras públicas no estado de São Paulo, com o uso do pregão eletrônico,
reforçando as assertivas anteriores sobre as vantagens adquiridas com o uso da
internet.
Surgiram avanços em São Paulo a exemplo da Bolsa Eletrônica
de Compras (BEC), em funcionamento desde 2000. Exemplifica a
prática de técnicas aplicadas no campo da informática, nos entes
públicos passam a ter uma lista com 28 mil itens e a um registro
de 55 mil fornecedores. Com as compras feitas por meio da BEC
e pelo pregão, foi viável obter uma diminuição média de 18%, o
que representa uma economia de R$ 600 milhões por ano,
recursos que podem ser investidos em áreas prioritárias tais como
saúde, educação, dentre outras (ALVES FILHO, 2008, p.30).
A gestão pública federal tem usado o recurso da internet para dar
conhecimento à sociedade de suas atividades e, no caso do pregão eletrônico,
modalidade mais recente, defende o supracitado autor, as vantagens trazidas
principalmente nos aspectos da transparência, da economia para os cofres
públicos e da eficiência no alcance dos objetivos, contribuindo para uma gestão
pública mais aproximada dos princípios constitucionais.
Dessa forma o Estado brasileiro, na maioria dos membros da federação,
tem buscado fortalecer a chamada transparência pública, com o instrumento da
internet, publicando informações como: repasses de verbas públicas, programas
disponíveis, arrecadação, devedores de devedores públicos, apresentação e
formação dos órgãos, e, também, as contratações públicas já mencionadas. Esta
iniciativa traz a sociedade para mais perto do Estado, fazendo acontecer a
reinvenção do Estado como grande desafio imposto para “dar conta da
problemática da reforma [...] enquanto meta de ação coletiva e, enquanto critério
73
de legitimação. Pois, o que se visa é um tipo específico de capacitação do
estado: enquanto autoridade política democrática”(SOLA, 1999, p. 31).
A atitude do Estado em ampliar as publicações em portais oficiais contribui
de certa forma para a democracia quando permite maior número de pessoas
saberem dos acontecimentos públicos e, consequentemente, legitimar essa
capacidade governativa, com possibilidades de maior participação, reivindicação
e fiscalização dos atos públicos.
As publicações de matérias relativas a atos públicos determinadas pela
legislação, a exemplo das determinações contidas no art. 21 da Lei 8.666/93 e no
art. 4º da Lei 10.520/02, relativas às contratações, eram feitas em jornais oficiais
e jornais de grande circulação, apesar da Lei 8.666/93 sugerir também outros
meios, de acordo com o vulto da licitação. Quando da publicação da Lei
10.520/02 sugere-se, além daqueles tradicionais meios, facultativamente, a
publicação pela internet. Convém frisar que as modalidades licitatórias, exceto o
pregão eletrônico, por muitos anos foram publicadas por meios de mídia
imprensa não lidos pela maioria da população, uma vez que os jornais oficiais
não são vendidos em bancas de jornal, restringindo-se a assinantes em sua
maioria formada por órgãos e entidades públicas.
A introdução do recurso da internet como meio de publicação das
contratações públicas a partir da Lei 10.520/02 contribuiu para os gestores
usarem esse meio de publicação também para as outras modalidades (convite,
tomada de preços, concorrência e concurso), apesar da lei assim não exigir,
fortalecendo a gestão democrática de fato, possibilitando maior penetração do
cidadão na esfera pública sem sair de casa.
No caso das normas vigentes no Brasil resumidamente tem-se como base
primordial a Constituição Federal que obriga o uso da licitação, exceto nos casos
especificados em lei, por todos os órgãos da administração pública direta e
indireta de todas as esferas, com base nos princípios constitucionais
mencionados, além das principais normas infraconstitucionais licitatórias: as leis
8.666/93 e 10.520/02.
Adiante serão abordados os instrumentos legais de interferência do
cidadão ou de parcelas da sociedade nas questões ligadas às contratações
74
públicas, de modo a estabelecer uma relação entre a cidadania, a efetividade da
lei e a eficiência do Estado em atuar para garantidor dos direitos estabelecidos.
Estaria o cidadão na dependência do conhecimento dos seus direitos para
efetivá-los? Bem, um dos principais fatores que levam as pessoas a lutarem por
seus direitos é primeiramente conhecê-los, podendo ser agregado também
outros, a exemplo das conseqüências advindas de um direito violado. Por isso,
neste trabalho de pesquisa empenha-se para mostrar um pouco do “mundo”
jurídico, indicando os caminhos legais existentes no Brasil como instrumento de
garantia de direitos, o que faz relacionar o Estado de Direito com o Estado
Democrático. Não basta que as normas sejam sancionadas ou publicadas, é a
ampliação da democracia que garante a manutenção do Estado de Direito,
passando necessariamente por sua legitimação, pois quando um Estado não age,
a sociedade civil passa a atuar com seus recursos legais e, até mesmo, ilegais
visando satisfazer suas necessidades.
3.3 – Recursos Legais de Interferência da Sociedade
Nos capítulos anteriores vimos um pouco sobre a formação do Estado e
sobre a sociedade civil. No primeiro observou-se, que no decorrer da história o
Estado está em constante transformação, provocada essencialmente pela ação
política enquanto prática dos indivíduos pertencentes a uma determinada
sociedade, fruto das diferentes características capazes de fazer movimentar todo
o processo transformador, inclusive do aparelho administrativo estatal.
Dentro do processo de transformação do Estado está a evolução do Estado
de Direito, que representa o conjunto de normas, sejam princípios ou regras,
direcionador e limitador do poder estatal, ao qual estão todos subordinados,
impedindo abusos e arbitrariedades. As autoridades públicas na prática de atos
discricionários devem observar a legalidade e a legitimidade, segundo os
princípios constitucionais, em especial os norteadores da democracia. Segundo
adverte Hermany (2006) o ato administrativo é vinculado à lei, mas com intima
75
relação de efetividade com a legitimidade, emanada dos interesses da sociedade.
E, apesar das diversas normas advertirem sobre a obrigatoriedade vinculante,
fortalecendo a relação Estado/sociedade, ainda assim, o direito do cidadão em
fiscalizar e atuar na defesa de seus direitos e da sociedade está garantido
através dos diversos dispositivos legais vigentes.
A relação mais próxima da sociedade com a Administração Pública
fortalece a gestão democrática e, como se frisou anteriormente reforça o Estado
de Direito apoiado na Constituição, e garantindo os direitos dos cidadãos que
podem exercê-lo em sua plenitude como forma de controle social. Neste sentido,
importante destacar a noção de controle social das decisões públicas, visando
ressaltar sua importância para o fortalecimento da democracia e,
consequentemente, para o exercício da cidadania, fundada especialmente nos
princípios constitucionais.
A idéia de controle social das decisões públicas assume posição de
absoluto destaque nesse novo contexto, em que a discricionariedade
administrativa, tão característica do modelo do Welfare State, cede
espaço para uma atuação do Administrador vinculada aos princípios
constitucionais, dos quais se destaca a consolidação da cidadania,
ou seja, a participação dos atores sociais na formulação das políticas
públicas (HERMANY, 2006, p. 1734).
A Constituição Federal de 1988, conforme dito, é a base do nosso Estado
de Direito e estabelece entre os seus artigos possibilidades de controle dos atos
públicos pela sociedade, seja ela organizada, ou individualmente na pessoa do
cidadão ou da pessoa jurídica. Entre os vários instrumentos jurídicos que
possibilitam um agir dos que estão além dos “muros” institucionais do Estado
tem-se constitucionalmente: o direito de petição (art. 5º, XXXIV, “a”), o mandado
de segurança (art. 5º, LXIX), o mandado de injunção (art. 5º, LXXI) e a ação
popular (art. 5º, LXXIII).
O direito de petição concede a todos, indistintamente, o direito de provocar
o Estado informalmente, sem a necessidade de advogado; representa “um direito
político e impessoal, que pode ser exercido por qualquer um, pessoa física ou
76
jurídica, para que se possa reclamar, junto aos poderes públicos, em defesa de
direitos contra ilegalidade ou abuso de poder.” (NERY JUNIOR, 2009, p. 178).
Este direito permite a qualquer interessado pleitear perante os órgãos públicos,
certidões, informações, reivindicações de direitos, denúncias, entre outras
possibilidades, sem a necessidade de formalidades exigidas em sede de ações
judiciais, bastando a identificação do peticionário e, por precaução, para efeito de
garantias, inserir na fundamentação alusão ao artigo 5º, XXXIV, “a” da
Constituição, além de relatar objetiva e claramente os fatos que norteiam o
pedido. Este direito é um dos mais amplos e servíveis à sociedade como forma
de controle, pois é informal, pode ser pleiteado por pessoas físicas ou jurídicas
sem a necessidade de advogado, podendo solicitar informações, esclarecimentos
e posicionamentos dos agentes públicos também no caso de licitações e
contratos contratações públicos.
O mandado de segurança protege direito líquido e certo infringido por
autoridade ou agente público na prática de ato ilegal ou de abuso de autoridade,
podendo ser promovido por pessoa física ou jurídica em razão de direito
individual, coletivo ou difuso, não amparado por habeas corpus ou habeas data.
“É ação civil constitucional, que pode ser preventiva ou repressiva, quando o
direito líquido e certo tiver sofrido ameaça ou lesão, respectivamente.” (Op. cit.
p.195).
O direito líquido e certo, pressuposto de admissibilidade do writ (termo
inglês usado para referir-se a mandado de segurança e habeas corpus)
representa direito expresso em lei, que deve estar comprovado na propositura da
ação, principalmente por documentos; é o direito que não admite controvérsia,
não deixa dúvida ao magistrado quando de sua análise. Portanto, quando um
licitante (pessoa física ou jurídica) ou qualquer interessado, incluindo-se neste
uma empresa ou uma pessoa (cidadão) que pretenda exercer direitos, seja para
obter informações, adentrar em recintos que estejam realizando licitações, entre
outras possibilidades, enfim quando se sentir lesado por atuação de ilegalidade e
abuso de poder de um agente público, faz uso do mandado de segurança.
O mandado de injunção é um instrumento utilizado quando não há uma
norma regulamentadora de um direito constitucionalmente estabelecido que
viabilize o seu exercício e garanta liberdades constitucionais e prerrogativas
77
ligadas à nacionalidade, à soberania e à cidadania, cabendo ao juiz informar ao
interessado o modo de agir, uma vez que a lei foi omissa. Em relação ao uso
deste, em situações que envolvam as contratações públicas, tem-se pouca ou
nenhuma notícia de seu uso, haja vista as normas regulamentadoras existentes
sobre a matéria. Mas certamente, sendo detectada a inexistência de norma
regulamentadora, o mandado de injunção deve ser usado como pressuposto de
defesa de qualquer direito, inclusive também aquele que envolva “contratação
pública”, seja como licitante ou cidadão beneficiário do objeto fim do contrato, ou
simplesmente como credor direto dos gastos públicos.
A ação popular, que é regulada pela Lei 4.717 de 29 de junho de 1965
,
permite a qualquer cidadão (indivíduo em gozo de direitos políticos) requerer a
anulação de ato lesivo ao patrimônio público e de entidade que participe o
Estado, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico, à moralidade administrativa e
cultural. E, desde que não seja comprovada má fé, ficará o autor isento de custas
e ônus da sucumbência. Esta ação pode ter caráter preventivo com vistas a evitar
o dano ou qualquer ato prejudicial nos casos acima indicados; não é preciso
esperar acontecer o prejuízo para pleitear-se um posicionamento do judiciário
contra quem lhe deu causa, o importante é perceber e agir o mais rápido possível
nas situações colocadas, evitando prejuízos ou reparando os danos, contribuindo
muitas vezes para evitar situações que podem trazer danos de proporções
grandiosas, com prejuízos inestimáveis para a sociedade.
A capacidade legítima para propor a ação popular é exclusiva do cidadão,
não acolhendo a possibilidade para as pessoas jurídicas ou judiciais (massa
falida, por exemplo), podendo, segundo o artigo 6º da referida lei, ser proposta
contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º da
referida lei, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem
autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por
omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra aqueles que se
beneficiaram com o ato ilegal.
As possibilidades de intervenção da sociedade, através de pessoa física ou
jurídica, de forma coletiva ou individual, não se exaurem nas ações judiciais,
encontram amparo também nos processos administrativos para o exercício da
cidadania e garantia da democracia, quando da fiscalização dos contratos
78
públicos. A base desta análise se dá principalmente a partir da Lei 8.666/93 (Lei
de licitações) que traz no corpo de seu texto, dispositivos de intervenção da
sociedade, destinados ao controle dos atos administrativos para realização de
licitações e formalização de contratos. Esta intervenção pode ocorrer não
necessariamente pelo licitante interessado, mas por qualquer pessoa que deseje
a efetividade do procedimento, na tentativa de garantir a necessidade da
sociedade inserida no objeto a ser contratado, na medida em que seu objeto
atenderá o interesse público.
A atuação da pessoa (física ou jurídica) nos procedimentos de
contratações públicas (com licitação ou não) reflete o princípio da fiscalização
contido na Lei de Licitações, mas não mencionado diretamente no rol daqueles
descritos em seu art. 3º
22
. Defende esta idéia, devidamente comprovada, o douto
jurista Carlos Pinto Coelho Motta (2006), ao interpretar a existência do referido
princípio.
Esse diploma legal o hospeda, por exemplo, ao autorizar qualquer
cidadão a acompanhar o desenvolvimento da licitação (art. 4º); ao
legitimar qualquer cidadão a requerer quantitativos das obras e
preços unitários à Administração Pública (art.7º, § 8º); ao legitimar
qualquer cidadão para impugnar preço constante do quadro geral
do Registro de Preços (art. 15, § 6º); ao permitir a qualquer
licitante o conhecimento dos termos do contrato e do respectivo
processo licitatório (art. 63, primeira parte); ao permitir a qualquer
interessado a obtenção de cópia autenticada dos termos do
contrato e do correspondente processo licitatório (art. 63, segunda
parte). Esses dispositivos, entre outros, são os suportes legais do
princípio da fiscalização da licitação, ainda que cada um tenha seu
próprio regime jurídico (MOTTA, 2006, p. 18).
Os exemplos de interferência social no Estado acima destacados permitem
acrescentar ainda outras possibilidades como bem descreveu MOTTA (2006): a
participação popular baseada nos artigos 4º (acompanhamento dos
22
Lei 8.666/93. Art. 3
o
A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional
da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e
julgada em estrita conformidade com os
princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao
instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (grifo nosso)
79
procedimentos), 7º, § 8º (acesso à informações sobre quantitativos das obras e
preços unitários), 39 (audiência pública no caso de licitações de grande porte) e
63 (acesso aos termos dos contratos e do processo licitatório); a representação e
a impugnação inseridas nos artigos 15, § 6º, 41, §§ 1º e 2º, 101, 113; o
contraditório e a ampla defesa contidos nos artigos 43, § 3º, 78, parágrafo único,
86, § 2º; e, os relativos aos recursos, representações e reconsiderações descritos
nos incisos do art. 109.
A sociedade, conforme se destacou, interfere no Estado de várias formas,
mas quando utiliza instrumentos jurídicos tem a garantia legal de estar atuando
para obter uma resposta obrigatória emanada do judiciário ou da administração
pública, sob pena de sanções. Contudo, outras formas de intervenção não têm a
mesma garantia de resposta aos apelos, a exemplo de pressões populares de
grupos organizados, que nem sempre apoiados em instrumentos jurídicos,
buscam a satisfação de interesses usando recursos como denúncias e
reivindicações públicas, greves, passeatas, informativos mais agressivos, entre
outros.
Além dos recursos acima destacados, visando a fiscalização dos atos de
Estado, inclusive os relativos às contratações públicas, a sociedade também
pode valer-se dos órgãos do próprio aparato administrativo estatal,
constitucionalmente legitimados: os ministérios públicos estadual e federal; e os
tribunais de contas estadual e federal. Eles têm legitimidade para agir,
provocados ou não por pessoa física ou jurídica, licitante ou não, contra
irregularidades nos procedimentos das compras públicas.
Os instrumentos de controle existem e representam limites à
discricionariedade administrativa, mas “amplia-se a importância dos instrumentos
de controle externo da gestão, a partir da atuação dos atores sociais, que devem
agir como sujeitos ativos no processo sociopolítico”. (HERMANY, 2006, p. 1735).
Portanto, não basta termos os instrumentos de controle como forma de
interferência da sociedade no Estado, é preciso fazer uso deles exercitando
assim a cidadania e fortalecendo a democracia.
80
IV – LICITAÇÃO PÚBLICA EM SERGIPE
4.1. Contratações Públicas em Sergipe e Aracaju
A administração pública do Estado de Sergipe de todas as esferas (federal,
estadual e municipal) utiliza o procedimento da licitação como regra para a
contratação de bens e serviços com particulares, nas diversas modalidades
disponíveis, seguindo determinação constitucional. É o poder constitucional global
expresso no art. 22, inciso XXVII, que impõe para toda administração pública as
regras gerais de licitação. Acentua o jurista e atual ministro do STF - Carlos Ayres
Britto, que o “diploma constitucional de 1988 é o fio condutor da idéia central de
que as normas gerais de calço legislativo-federal só podem apanhar a licitação
pelo ângulo de uma aplicabilidade comum à Administração Pública de qualquer
dos poderes das pessoas federadas” (BRITTO, 1997, p. 50).
Toda a administração pública, agindo no chamado dever estatal, não tem
outro caminho senão a licitação “para a celebração de um contrato de obtenção
de certos meios materiais de que a Administração carece [...]” (idem, ibidem)
Cumprindo assim, mandamento constitucional que impõe a todo e qualquer órgão
da Administração Pública, a exceção da empresa pública, da sociedade de
economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica que terão,
segundo o art. 173, §
1º, III, da Constituição Federal, seu estatuto jurídico
próprio contendo as regras licitatórias, a obrigação de realizar a licitação quando
houver a necessidade de contratar com o particular. Contudo, mesmo que adotem
suas próprias regras não podem se furtar aos mandamentos constitucionais
principiológicos e da regra de licitar, sob pena de incorrer em ilegalidade,
observadas as exceções definidas em lei.
Após este intróito sobre as competências e responsabilidades
apresentadas o estado de Sergipe e o município de Aracaju não fogem à regra e
agem, ou melhor, devem agir, em conformidade estrita com as referidas normas
(princípios e regras) para contratarem os bens e serviços necessários ao
atendimento das necessidades públicas.
81
No âmbito da administração pública municipal de Aracaju existem várias
comissões de licitação e diversos pregoeiros que atuam no sentido de processar
e julgar as licitações, bem como as dispensas e inexigibilidades. Na administração
direta apenas duas comissões de licitação funcionam para licitar bens e serviços,
excluídos os serviços e obras de engenharia, as comissões permanentes de
licitação – CPL da Secretaria Municipal de Administração – SEMAD, pregoeiros e
equipes de apoio e a da Secretaria Municipal da Saúde. Além das referidas
comissões e pregoeiros, também existem as comissões e pregoeiros próprios das
entidades da administração indireta, a exemplo da Superintendência Municipal de
Transportes e Trânsito - SMTT, EMSURB – Empresa Municipal de Serviços
Urbanos e EMURB - Empresa Municipal de Obras e Urbanização, esta última com
duas, uma para licitar obras e serviços de engenharia para quase toda a
administração municipal e outra para contratação de serviços e bens necessários
ao atendimento das necessidades da própria empresa.
Apesar de apresentar uma estrutura organizada administrativamente com
várias comissões de licitação e pregoeiros, o município de Aracaju apresenta
problemas quanto ao aspecto publicidade dos atos inerentes às contratações
públicas.
No caso da administração pública estadual a gestão operacional das
contratações acontece mais centralizada. A aquisição de bens e serviços, exceto
obras e serviços de engenharia, está sob a responsabilidade da Superintendência
de Compras Centralizadas – SCC, órgão pertencente à estrutura organizacional
da Secretaria de Estado da Administração – SEAD, criado pela lei estadual
5.280
23
, de 29 de janeiro de 2004, com a finalidade de prestar serviços de
administração na área de contratação pública de forma centralizada
(www.comprasnet.se.gov.br, acesso em 20 de setembro de 2009).
23
Lei 5.280/04 Art. 3º A Superintendência de Compras Centralizadas - SCC/SEAD tem
por finalidade a prestação de serviços de administração, mediante procedimentos
centralizados, na área de aquisição de bens e serviços, exceto obras e serviços de
engenharia, para a Administração Estadual Direta, Autárquica e Fundacional, do Poder
Executivo do Estado de Sergipe.
82
As contratações de obras e serviços de engenharia da esfera estadual são
realizadas através da Companhia Estadual de Habitação e Obras Públicas –
CEHOP, sociedade de economia mista da administração indireta, resultado da
junção da extinta Companhia de Habitação de Sergipe e do Departamento de
Edificações Públicas – DEP. A CEHOP, criada pela Lei nº. 1960, de 09 de abril de
1991, com a finalidade de projetar, produzir e comercializar unidades
habitacionais, lotes urbanizados, equipamentos complementares e outros de
interesse social; também planejar, projetar, executar, privativamente todas as
atividades que couberem à Administração Estadual relativas à construção,
reforma, manutenção e ampliação de edifícios e obras públicas e outras
atividades de engenharia civil (www.cehop.se.gov.br , acesso em 20 de setembro
de 2009).
Independente de onde surge a necessidade da contratação pública, como
foi demonstrado, esta deve como regra ser precedida de licitação pública, e os
órgãos da União localizados em Sergipe, seguem procedimento administrativo
próprio, igualmente aos das demais esferas públicas, mas apesar de algumas
especificidades que adotam, todos estão indistintamente subordinados aos
ditames constitucionais e infra-constitucionais específicos.
Os órgãos se diferenciam do ponto de vista da gestão administrativa,
respeitando-se as normas as quais estão subordinados, e no caso das
contratações públicas, apresentam peculiaridades internas, desde o número de
pessoas responsáveis pelo procedimento até os trâmites burocráticos.
Tudo começa com o pedido originário do setor competente encaminhado
ao gestor maior do órgão ou entidade para análise e possível autorização da
contratação no caso de haver orçamento. Justificada a necessidade pública da
contrtação e a existência de dotação orçamentária, a autoridade competente
encaminha a solicitação para o setor competente para realizar os procedimentos
administrativos para a futura contratação, observando-se as exigências legais.
Os pedidos relativos a serviços e obras de engenharia do âmbito estadual
que ultrapassem o valor de R$ 15.000, 00 são encaminhados à comissão de
licitação da CEHOP para processamento e julgamento das licitações, utilizando-
se de uma equipe técnica de apoio, especialmente de engenheiros civis e de
83
arquitetos. E, no caso dos órgãos e entidades pertencentes a administração
municipal de Aracaju, os serviços dessa natureza são encaminhados a EMURB.
Quanto aos demais tipos de contratação (bens ou serviços) que
ultrapassem o valor de R$ 8.000,00, no caso da administração estadual, são
encaminhados a Superintendência de Compras Cetralizadas que distribuirá o
pedido entre as diversas comissões de licitação ou, a depender do objeto, entre
os pregoeiros nomeados com o fim de executar as atividades naquele órgão.
Salienta-se ainda a existência de disputa no portal para aquisição de bens e
serviços inferiores ao valor acima indicado (dispensas de licitação por valor),
apesar da lei federal não exigir esta obrigatoriedade, mas contribui para maior
publicidade dos atos.
Portanto, no caso de qualquer interessado solicitar informações sobre o
procedimento de contratação da esfera estadual deve procurar a SCC ou o órgão
solicitante, ou ainda acessar o portal indicado na figura 03. As dispensas por
valor também publicadas previamente no referido portal são processadas por
agentes públicos dos próprios órgãos e entidades, designados para este fim. No
item dispensas (por valor) estão informações no portal sobre o objeto e o órgão
ou entidade interessada a contratar, possibilitando a sociedade conhecer
contratações sem licitação, não incluídas as inexigibilidades e as outras formas de
dispensa. É um procedimento menos formal daquele adotado nas modalidades
licitatórias, mas de grande relevância para ampliação da disputa e configuração
da transparência pública.
84
FIG.03 – Portal de compras do Estado de Sergipe (comprasnet. se .gov.br)
Apesar das publicações sobre as necessidades de diversas contratações
do Estado e suas entidades, em especial das dispensas por valor fortalecerem a
impessoalidade e possibilitarem a ampliação da competição, como se observa no
próprio site indicado na figura 03, é de bom alvitre os agentes públicos
acautelarem-se do excesso burocrático que muitas vêzes prejudicam e
emperram a eficiência pública e, consequentemente, o atendimento do interesse
público. O uso do portal para as dispensas de licitação inferiores a R$ 8.000 e R$
15.000,00 deve ter critérios bem claros e objetivos para uma rápida e adequada
contratação de pequeno valor, frequentes em qualquer administração pública, não
admitindo as mesmas formalidades exigidas nas outras modalidades, o que não
significa contratar como bem entender.
A lei prevê esses casos de não uso da licitação para também proporcionar
a celeridade necessária aos casos específicos recorrentes na administração
pública, não podendo se sobrepor a formalidades legais previstas em lei. Apesar
de ser adotado um procedimento mais simples, é necessário cumprir alguns atos
85
que o validem do tipo pesquisa de preço e adequação do objeto, visando atender
com celeridade o interesse público Este “espírito” de menos formalidades mas
com responsabilidade está contido nos artigos 24 (dispensa de licitação) e 25
(inexigibilidade de licitação) da Lei 8.666/93. Essa preocupação é discorrida por
Marçal Justen Filho (1998) ao alertar sobre a identificação do procedimento
interno sem licitação, comparando-o ao adotado nas modalidades, fato que impõe
cuidados para não ferir os princípios norteadores da licitação pública.
Nas etapas internas iniciais, a atividade administrativa será
idêntica, seja ou não a futura contratação antecedida de licitação.
[...] a diferença residirá em que, no momento de definir as
fórmulas para contratação, a Administração constatará a
inaplicabilidade das regras acerca de licitação.[...] Ainda assim,
não se admitirá que a Administração simplesmente contrate, sem
a observância de outras formalidades. Definindo o cabimento da
contratação direta, a Administração deverá pesquisar a melhor
solução, tendo em vista os princípios da isonomia e da
supremacia e indisponibilidade do interesse público. Logo, deverá
buscar a melhor solução possível, respeitando (na medida do
possível) o mais amplo acesso dos interessados à disputa pela
contratação (JUSTEN FILHO, 1998, p. 206).
FIG. 04 – Portal de compras do município de Aracaju (www.aracaju.se.gov.br)
86
No site oficial da prefeitura de Aracaju, conforme se vê na figura 04, há
muitas informações sobre a estrutura administrativa, bem como sobre as
licitações realizadas de 2001 a 2009. Contudo, ao solicitar informações dos anos
de 2001 a 2004 não aparece nenhum registro de publicação de licitações; de
2005 a 2007 poucas licitações estão registradas, mas a partir de 2008 até 2009
mais de 100 (cem) por ano foram publicadas. Nele encontram-se inseridas
informações sobre o solicitante (origem do pedido) o objeto a ser contratado, a
fonte de recurso, além do edital completo para consulta. Observa-se ainda a
inexistência de informações sobre dispensas e inexigibilidades de licitação,
causando maior dificuldade de conhecimento pela sociedade sobre as
contratações sem licitação, inclusive por possíveis interessados em contratar com
a municipalidade, atualmente somente disponíveis no órgão ou entidade
contratante (www.aracaju.se.gov.br, acesso em 21 de setembro de 2009).
O procedimento administrativo que não inclui a licitação se não for
amplamente divulgado pode ferir vários princípios, em especial o da publicidade
que tem como objetivos principais ampliar a disputa para contratar a melhor
proposta e dar conhecimento à sociedade. Segundo informaçãos prestadas por
agentes públicos da prefeitura de Aracaju durante as entrevistas, as dispensas e
inexigibilidades são realizadas por cada órgão ou entidade, diferente das
contratações precedidas de licitação enviadas para as comissões de licitação e
pregoeiros com divulgação garantida nos portais e na imprensa escrita, de acordo
com a exigência legal.
A administração estadual publica as dispensas por valor no portal,
contribuindo certamente para ampliação da competição e conhecimento da
sociedade, ao contrário da administração municipal que não as publica nem no
portal ou jornais oficiais previamente. Cuidado deve existir quanto a análise dos
procedimentos adotados, pois o fato de haver publicação, como ocorre no âmbito
estatual, não significa aderir às mesmas formalidades de uma modalidade
licitatória, se abre na verdade mais oportunidade para todos os potenciais
interessados participarem de uma seleção.
Adverte Marçal Justen Filho (1998) que não se pode respeitar prazos e
formalidades como ocorre nas modalidades licitatórias, pois não se trata de
concorrência, mas de um procedimento administrativo de seleção de
87
interessados, em que as formalidades são fixadas segundo a competência
discricionária da administração. E mais, não cabe recurso por infração às regras
previstas para as outras modalidades, mas impugnação por infrigência aos
princípios disciplinadores da atividade administrativa: desvio ou abuso de poder,
vícios, etc (JUSTEN FILHO, 1998, p. 207).
A partir dessas considerações que enfocam a publicidade para fins de
ampliação da disputa, há de se ressaltar que esta não deve ser a única
preocupação do agente público, pois tanto a busca do maior número de ofertas
para contratar a melhor proposta como dar conhecimento a sociedade,
possibilitando-a o controle e a fiscalizão dessas atividades são obrigações dos
agentes públicos envolvidos no processo administrativo de grande relevância. A
observância da publicidade para ampliação da competição é indiscutível, mas dar
conhecimento a sociedade se sobrepõe a este, haja vista a possibilidade de
funcionar como fiscal e controladora das atividades públicas. E conforme se
observará adiante, os dados colhidos na comunidade Coqueiral, comprovam que
a interferência da sociedade na atividade pública é de grande importância para
melhoria das condições de vida e garantia de uma gestão pública voltada para o
alcance do interesse público.
4.2. A Comunidade Coqueiral: um espaço de organização social em Aracaju
Desenho Mapa Coqueiral: Arquivo P.M.A.
88
O Coqueiral é um loteamento localizado na zona norte de Aracaju-SE,
próximo ao conhecido Morro do Urubu, onde está o Parque da Cidade, entre os
bairros Portos Dantas e Japãozinho, dentro de uma área de preservação
ambiental de mata Atlântica, com manguezais em processo de destruição
provocada pela ocupação popular de forma desordenada e, por não possuir infra-
estrutura básica é considerado um assentamento precário. O nome atribuído a
este loteamento se deve aos inúmeros coqueirais alí existentes, isso há mais de
15 (quinze) anos atrás.
. No Cadastro Único da Assistência Social – CADUNICO, realizado pela
Secretaria Minicipal de Assistência Social e Cidadania – SEMASC (2007), existem
1.750 famílias residentes, dentre essas 605 famílias, número correspondente a
aproximadamente 35%, são contempladas com benefícos oriundos da política
nacional de assistência social (Bolsa Família, PETI, Criança Cidadã e PAIF). A
renda da maioria das famílias varia entre R$ 60,00 e R$ 120,00 evidenciando a
situação de dificuldade da população local, onde a falta de recursos financeiros
mínimos para uma sobrevivência digna exige da municipalidade mais intervenção
pública, no sentido de reduzir as desigualdades.
Apesar da subsistência básica precária, a maioria das residências são
próprias (64%) ou invadidas (21%) e o restante do percentual se divide entre os
cedidos, alugados e arrendamento, a rede pública de abastecimento de água e de
iluminação pública são deficientes. Muitos problemas assolam a referida
comunidade, tal qual a falta de saneamento básico que contribui para situações
insustentáveis, com ruas alagadas em épocas de chuva, fazendo residentes e
transeuntes conviverem com o mau cheiro e a sujeira acumulada nos esgôtos a
céu aberto, a falta de iluminação em algumas ruas provoca medo na população,
muito carente do serviço de segurança pública; e também a inexistência de locais
destinados ao lazer. Esses dados sobre a situação da comunidade, contido no
Plano de Trabalho, do segundo relatório 2007 da SEMASC, demonstra a situação
de precariedade em todos as áreas da referida localidade.
Os trabalhos sociais existentes na localidade, segundo o relatório 2007
SEMASC, são desenvolvidos de diversas formas: a Unidade de Saúde da Família
Eunice Barbosa de Oliveira presta serviços básicos de saúde com uma equipe de
02 médicos clínico-geral, 01 médico pediatra, 01 médico genicologista, 02
89
odontólogos, 02 enfermeiros, 09 agentes de saúde, 02 auxiliares de enfermagem,
06 funcionários administrativos, 01 assistente social e 02 equipes do Programa de
Saúde da Família; que promove palestras educativas sobre saúde e cidadania,
visando contribuir para redução do alto indice de alcoolismo e depressão
decorrentes do desemprego; o Centro Social Santa Terezinha, mantido pela Igreja
Católica presta serviço de educação pré-escolar; o Centro de Referência da
Assistência Social – CRAS, órgão ligado à Secretaria Municipal de Assistência e
Cidadania, é responsável pela execução de serviços de proteção social básica e
especial, organização e coordenação da rede local de serviços sócio-assistenciais
da política de assistência, com profissionais (assistente social, psicólogo,
educador social, etc) de áreas diversificadas que atuam no fortalecimento do
vínculo familiar, através de programas como PETI, PROJOVEM-Adolescente,
Grupos de Convivência, Inclusão Produtiva, além dos programas de transferência
de renda promovidos pelo governo federal. Convém salientar que o número de
profissionais existentes nessas unidades pode variar para mais ou menos.
Na área da educação existem duas escolas: o Colégio Estadual Senador
José Alves do Nascimento com os ensinos fundamental e médio, com mais de mil
alunos matriculados nos três turnos entre jovens e adultos; a Escola Municipal
Etelvina Amália de Siqueira tem capacidade para atender mais de 300 (trezentas)
crianças na faixa etária de 04 a 06 anos; a Creche Municipal Berenice Campos,
que atende crianças de meses até 05 (cinco) anos de idade, possui serviço de
berçario e pré-escola.
Quanto à situação de renda da população local não é das melhores, pois é
formada por maioria de desempregados e de trabalhadores informais autônomos
(catadores de lixo, carroceiros, diaristas, comércio ambulante, etc), pequenos
comerciantes e outros dependentes de programas de transferência de renda.
As famílias contam com uma composição familiar média de 04 a 05 filhos e
há baixo nível de escolaridade, pois mais de 70% não concluiram o ensino
fundamental (1ª a 9ª série) e os demais sequer são alfabetizados, demonstrando
o grau de dificuldade para ascensão social e profissional.
Esta comunidade foi beneficiada com recursos federais na ordem de R$
30.000.000,00 trinta milhões do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC
para realização de obras de saneamento e construção de casas populares,
90
conforme constatação na comunidade e em matéria veiculada em 16.06.09 no
site da prefeitura.
No Coqueiral, serão aplicados até o ano que vem cerca de R$ 30
milhões em terraplanagem, recapeamento da avenida Euclides
Figueiredo, drenagem, pavimentação, saneamento, abastecimento
de água e construção de 600 casas populares. A Prefeitura de
Aracaju já concluiu o recapeamento da avenida Euclides Figueiredo
e de parte da terraplanagem da área. O Governo do Estado, por sua
vez, também já começou a etapa de construção das moradias.
O objetivo da Prefeitura é investir os recursos do PAC em áreas
tradicionalmente esquecidas pelo poder público", destacou Paulo
Costa. Para se ter uma idéia da grandiosidade do empreendimento,
serão pavimentados 15,5 km de ruas, num total de 116 vias, e
recapeados 6,1 km da avenida Euclides Figueiredo; colocados
5.200 metros de tubos para drenagem e mais 15 mil metros de
tubulação de esgoto. Das 600 famílias contempladas com
residências, cerca de 220 são oriundas de áreas de risco
(www.aracaju.se.gov.br acesso em 27 de setembro de 2009)
FIG. 5 - Construção de 600 casas no Coqueiral
Foto: www.aracaju.se.gov.br. Acesso em 27.09.09
É fato que a região foi beneficiada com os recursos federais do PAC (FIG. 5),
contudo muitos questionam o uso dos R$ 30.000.000,00 a exemplo de alguns
entrevistados que apresentaram desconfiança quanto ao efetivo uso do referido
valor nas obras, contradizendo a matéria acima descrita, divulgada na imprensa,
através da internet.
Mas, apesar do site oficial da prefeitura divulgar a celeridade dos trabalhos
em relação às obras do PAC no Coqueiral e a fluente atividade social da
91
prefeitura, encontram-se na imprensa também informações diversas que
denunciam a situação de precariedade da comunidade e da pouca celeridade das
referidas obras, as quais puderam ser constatadas quando da efetivação desta
pesquisa, nas diversas idas ao bairro, pois apesar do grande valor divulgado para
as obras, não presenciei grande atividade de obras no local.
Em Sergipe foi criada uma comissão formada por deputados estaduais,
tendo como integrantes deputados do PSC e do DEM, partidos que não estão na
base aliada do governo. A matéria publicada em 31/08/09 pelo site oficial da
Assembléia Legislativa de Sergipe, transcreve parte da fala do deputado estadual
Augusto Bezerra (DEM) na tribuna sobre as obras do PAC.
Segundo os deputados da oposição, consta no relatório de
ações do PAC que o governo federal já liberou mais de R$
31,6 milhões para a realização de serviços no bairro. Durante a
exibição do vídeo-reportagem, Augusto Bezerra relatou para
todos o que ele entende por descaso do poder público
municipal e estadual, com ruas esburacadas e cheias de lama,
sem saneamento básico e sem condições do tráfego de
veículos, e com um acúmulo grande de lixo.
“O cenário que nós presenciamos foi desolador! Talvez seja
por isso que a ministra Dilma Rousseff (PT) – pré-candidata à
presidência da República, não chega nem a 10% das intenções
de voto em Sergipe. A Comissão agora vai convidar o
presidente da Deso porque a Prefeitura de Aracaju culpa da
Companhia pelo atraso no início das obras no Santa Maria e
Coqueiral. A Deso, por sinal, culpa as empreiteiras, que
alegam não poder fazer o serviço porque não receberam a
ordem de serviço. As imagens exibidas aqui são fortes e
alguém tem que assumir a responsabilidade pela falta de
saneamento básico no Coqueiral e no Santa Maria”, comentou
o democrata (www.agenciaalese.se.gov.br acesso em 27 de
setembro de 2009).
As denúncias, como as acima transcritas, feitas na tribuna da
assembléia legislativa de Sergipe, conveniente aos opositores da base
aliado do governo, não têm chegado à comunidade, restringindo-se a bate-
bocas e discussões entre os membros da casa. E esta prática isolada, sem a
interferência da comunidade que está sofrendo diretamente com as
92
irregularidades apontadas, não é suficientemente forte para pressionar as
autoridades públicas, promotoras das obras denunciadas. Infelizmente, a
distância entre os deputados que em sua maioria aparecem nas
comunidades somente próximo ao período eleitoral, não agem na busca de
manter um elo de relacionamento com seus representados.
A nenhuma ou quase nenhuma presença dos representantes do povo
na comunidade Coqueiral não influi para estagná-la. Desde 1998, conforme
informações colhidas nas entrevistas, o Coqueiral tem passado por um
processo de mudança para tornar mais digna a situação dos moradores. O
poder público e os líderes comunitários envolvidos nas lutas têm interferido
para isso, mesmo com os antagonismos e interesses diversificados
existentes dentro da própria comunidade. Segundo um dos entrevistados, a
situação era muito mais precária do que hoje, mas poderia ser bem melhor
se as lideranças se unissem.
Na época, o objetivo da entidade foi primeiramente para brigar
pelas questões daqui do Coqueiral, não tinha água, não tinha luz,
não tinha nada. [...] E aí como existiam outras lideranças aqui do
Coqueiral, em vez dessas lideranças se somar pra poder
brigarmos juntos, simplesmente elas se rachavam, brigavam entre
si, e o Coqueiral ficou esquecido do poder público [...] porque
quem vinha pra cá sempre contrariava as outras lideranças: vinha
uma assistente social aqui, pra fazer um cadastro da comunidade,
e o que é que acontecia...? Eles brigavam porque não era para a
assistente social não fazer o cadastro porque veio através de
outra associação, queria que viesse através da dele. (A.F.S,
membro da Associação Comunitária Loteamento Coqueiral
entrevistado em 19.09.09)
As lutas de poder para obtenção de conquistas por interesses individuais
ou coletivos não só existem dentro dos parlamentos, ou entre os partidos, mas
também estão presentes no seio da sociedade civil, entre os grupos organizados
ou entre os próprios cidadãos, que muitas vezes se utilizam de instrumentos
prejudiciais à sociedade apontando os erros e fatos negativos de outros, mesmo
que isso possa prejudicar o interesse coletivo. É óbvio que numa democracia é
importante se ter a garantia da liberdade de expressão, contudo, ela não pode
93
ferir direito alheio, tampouco se sobrepor ao interesse da coletividade, como
acontece no Coqueiral de acordo com relatos colhidos nas entrevistas.
As mudanças vêm acontecendo no Coqueiral e a participação do poder
público e da sociedade civil nesse processo comprova que ambos são
imprescindíveis ao progresso e ao avanço social onde todos tenham o mínimo
necessário a uma existência digna. E isso, passa necessariamente pelo
conhecimento dos direitos que têm os cidadãos, inclusive em relação às
contratações públicas, conforme adiante se aponta.
4.3. Uma Experiência de Participação em Contratações Públicas no
Coqueiral
A comunidade do Coqueiral, desde as primeiras invasões feitas por
migrantes no terreno pertencente ao Banco do Brasil há aproximadamente quinze
anos, passou por dificuldades das mais básicas às mais complexas e, desde
então, na medida da agregação de mais membros nesta comunidade, as
lideranças e os movimentos sociais foram surgindo, fato confirmado nas
entrevistas realizadas com membros de entidades do loteamento e com alguns
atores sociais. Entre eles, destaca-se J. D., atualmente membro da Associação
Comunitária Amigos do Coqueiral – ASCOAMI, entrevistado em 19 de setembro
de 2009, que informou participar dos movimentos para melhoria da comunidade
desde meados da década de 90 quando a organização era conhecida por
“comissão de mobilização”.
A infraestrutura de uma comunidade exige muitas ações para satisfação
das necessidades básicas: água encanada, energia elétrica para iluminação
pública e de residências, sistema de transporte coletivo, postos de saúde,
escolas, ruas abertas, serviço de esgôto; enfim, condições que visam a melhoria
da vida das pessoas . E este processo de transformação não acontece da noite
para o dia, exige o envolvimento e iniciativa de muitas pessoas, entre os
94
moradores da comunidade, os órgãos e entidades públicas responsáveis por
realizar os serviços básicos, intermediado na maioria das vêzes por agentes
públicos ligados aos setores de assitência social, no caso de Aracaju, os da
Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania.
Quando se busca agregar melhorias de qualquer espécie, na maioria das
vêzes é necessária a contratação de bens e serviços com particulares, vez que o
Estado não detém todo o aparato e condições para tal feito, e por isso, utiliza o
instrumento do contrato administrativo, com base em regras pré-estabelecidas
juridicamente, utilizando um procedimento característico de um Estado
Democrático de Direito, onde há possibilidades de particulares concorrerem a
partir de regras iguais para todos e a sociedade acompanhá-lo. Quando o Estado
possui características autoritárias, os particulares são pressionados a servirem e
os bens são tomados de assalto, sem direito a indenizações ou reparações de
qualquer espécie, como aconteceu nos estados absolutistas e em ditaduras
politicas. Neste sentido é salutar trancrever ensinamento de Marçal Justen Filho.
Em um Estado democrático, os bens ou serviços dos particulares
somente poderão ser obtidos mediante a observância de certos
procedimentos e dentro de limites específicos. Manteve-se o
instituto da expropriação (subordinada, como regra, à prévia e
justa indenização em dinheiro), instrumento que dispensa a
concordância do particular. No entanto, é juridicamente impossível
ao Estado obter serviços privados através de instrumentos
jurídicos autoritários. O acordo de vontades vai-se configurando
como o instrumento jurídico de maior relevância para o Estado
obter acesso aos bens e serviços dos particulares (JUSTEN
FILHO, 1998, p. 12).
A licitação, como regra, é o procedimento administrativo usado para se
contratar com o particular mais qualificado e detentor da melhor proposta e
condições necessárias à satisfação do interesse público. Outros países usam o
mesmo modo de escolha, mas apresentam diferenças em relação ao que é
adotado no Brasil, em relação a todas as esferas públicos, a partir de comando
constitucional.
95
Algumas legislações como a francesa remetem à escolha da
própria Administração a realização (ou não) de um procedimento
prévio à contratação, visando obter a melhor solução, destinado a
selecionar o contratante e definir o contrato. Em outros Estados, é
obrigatória a realização de uma seleção preliminar (licitação). Na
Espanha, como observam García de Enterria e Ramón
Fernandez, a seleção de contratantes privados pela
Administração envolve ‘fórmulas de licitação pública com as quais
pretende garantir-se tanto a igualdade dos particulares dos
particulares como a adoção pela Administração, através de
competição, das condições mais vantajosas para o interesse
público’. Qualquer que seja o grau de liberdade reconhecido à
Administração para decidir sobre a contratação, o legislador
busca sempre consagrar o regime mais eficaz para a realização
dos interesses públicos (idem, ibidem, p. 12-13).
O interesse público, independente das peculiaridades do procedimento de
contratação adotado em cada Estado, é o alvo a se atingir a partir de critérios
esboçados em editais públicos ou minutas contratuais, apoiados nos princípios
constitucionais, oportunizando a vários particulares concorrerem à contratação
pretendida. Mas, em meio a esta relação encontra-se a sociedade civil, ou
simplesmente sociedade beneficiada.
No caso da realidade da comunidade Coqueiral constatou-se a partir dos
relatos dos entrevistados que muitos feitos foram realizados por inciativa dos
cidadãos residentes na localidade, sem a interferência ou orientação do Estado,
situação esta muito comum em comunidades formadas a partir de invasões.
Essas iniciativas de membros da sociedade local ocorrem quando o Estado não
aparece para cumprir sua responsabilidade constitucional de garantir o mínimo:
saúde, educação, moradia digna, valores consignados no princípio da dignidade
da pessoa humana. Na falta do Estado para suprir essas faltas, a sociedade se
mobiliza pela urgente necessidade de resolução. Veja-se o relato do entrevistado,
líder comunitário, sobre a situação do loteamento na década de noventa e as
iniciativas próprias de serviço público sem a ajuda do Estado.
E conversava com ela o que a gente podia melhorar. E ela dizia
que aqui não tinha jeito. Não tinha água, não tinha luz, a luz era
gambiarra, água não existia de jeito nenhum, só tinha uma
torneira lá no começo do Porto Dantas
24
. E eu digo, por que a
24
O Porto Dantas é um bairro que se limita com a comunidade Coqueiral e o bairro Industrial.
96
gente não se soma, conversa com os moradores e eles ajudam
nos canos e a gente puxa uma água até o Coqueiral. [...] Eu me
decidi de mim mesmo que não podia viver assim, eu queria
melhorar. [...] A questão da água... vim e conversei com dez
moradores e eu vim com os canos do Porto Dantas até o
Coqueiral. No domingo tivemos um mutirão e Maria do Coqueiral
fez uma confusão! Disse que era ilegal e que a gente não podia
fazer isso. Eu disse .... deixe o problema vim para cima da gente,
a gente não pode é ficar sem água. Se a DESO achar ilegal então
coloque a água que a gente vai pagar. E colocamos a água e
melhorou 50% a vida dos moradores. Foi uma torneira para cada
um e mais cinco para servir de chafariz (A.F.S, membro da
Associação Comunitária Loteamento Coqueiral entrevistado em
19.09.09).
A situação relatada pelo líder comunitário comprova a ausência do Estado
na localidade para atender os problemas básicos como a água encanada, que
exigiu mobilização de alguns cidadãos, liderados pelo entrevistado para iniciar
uma atividade que iria beneficiar não só aos participantes, mas a várias pessoas.
Neste caso específico a mobilização resultou na construção de alguns chafarizes,
possibilitando o acesso à água para muitas pessoas, inclusive para os residentes
na parte alta. Convém frisar que antes dessa importante iniciativa popular os
moradores tinham de pegar água no bairro Porto Dantas a aproximadamente oito
quilômetros.
Em 20 anos muito aconteceu, não se pode negar a participação e
contribuição de pessoas da comunidade, organizadas ou não em entidades,
dentro do processo de construção social. Reforça essa idéia de participação como
necessidade de construção de uma realidade mais adequada à condição mínima
o relato de outro líder comunitário, hoje representante da associação dos
carroceiros em vias de formalização legal.
Mais ou menos em 1996 a gente começou a invasão [...] com a
necessidade da moradia começamos a invadir. [...] Na
necessidade primeiramente fizemos uma associação com grupos
de família. Conseguimos, com o movimento, a posse da terra, o
posto de saúde, escola, com nossas reivindicações. Cobramos do
governo a creche para todas as famílias aqui do Coqueiral. Nós
não tínhamos nem água nem energia, hoje em dia temos água e
energia. (M.S.C., membro da associação dos carroceiros,
entrevistado em 15.05.09).
97
Foto: Maria Anáber Melo
FIG. 06. Colégio Estadual Deputado José Alves do Nascimento
A realidade atual é um pouco diferente da de 20 anos atrás, com ruas
abertas, água encanada, energia elétrica, transporte urbano, escola (FIG. 06),
mas ainda há deficiência, exigindo da comunidade acompanhamento e
participação para a realização de melhorias pelo poder público. E para
implementar essas melhorias, no caso das iniciativas públicas de serviços obra ou
aquisições de bens, é imprescindível a abertura de procedimento administrativo
para contratar com particulares e assim atingir o objetivo de sanar os problemas.
Frisa-se portanto, que apesar do poder público ter construído ao longo desse
anos obras no Coqueiral, muitas delas aconteceram com a interferência da
sociedade tal como a unidade de saúde (FIG. 07), de acordo com informações
prestadas por M.S.C., membro da Associação dos Carroceiros do Coqueiral.
FIG. 07 - Unidade de Saúde da Família Eunice Barbosa. Foto: Tâmara Melo
98
A comunidade Coqueiral foi beneficiada com recursos federais do PAC,
através do contrato de repasse nº. 218819-92/2007/MC/CAIXA, celebrado em 01
de outubro de 2007, originando outros convênios com a interveniência de
entidades e órgãos do Município e do Estado.
Em 07 de dezembro de 2007 foi publicada a licitação na modalidade
Concorrência (nº. 22/2007) pela EMURB, tendo como objeto a infra-estrutura do
Coqueiral e recuperação da pavimentação da avenida principal, General Euclides
Figueiredo, contando com o valor estimado da obra em R$ 11.130.299,85 e prazo
para execução de 570 dias. A empresa vencedora do certame foi a Torre
Empreendimentos Rural e Construção Ltda. Mas as licitações não se encerram
nesta, pois outros órgãos e entidades envolvidos nos convênios devem realizar
licitações para cumprir suas responsabilidades institucionais atribuídas no projeto.
Os movimentos sociais são importantes para a solução das necessidades
dos cidadãos e o sucesso em suas atuações em prol de um objetivo coletivo, ou
não, depende de vários fatores, entre eles o de conhecimento dos direitos
capazes de fortalecer o processo de interferência.
Durante as entrevistas realizadas no Coqueiral com membros de entidades,
se constatou a realização de mobilizações ocorridas desde as primeiras invasões,
em sua maioria visando a conquista de melhorias básicas, algumas atendidas,
outras não atendidas satisfatoriamente, e outras ainda sequer alcançadas, como
saneamento básico, iluminação e coleta de lixo ainda muito restritos. E mesmo os
líderes comunitários que revelaram ter conhecimento quanto aos caminhos de
ligação entre a sociedade e o Estado para tentativa de satisfação das
necessidades, apresentaram limitações quanto ao conhecimento dos direitos
estabelecidos legalmente, especialmente em relação às contratações públicas. O
relato abaixo transcrito demonstra bem esta constatação.
Esse negócio de licitação a gente não participou não, sabe...,
porque foi um projeto deles aí para beneficiar a gente. A gente
acompanhou assim: nas indenizações das famílias na época. Todo
mundo recebeu direitinho em cheque. E aí, a gente acompanhou a
obra, mas esse negócio de licitação a gente não teve conhecimento.
(M.S.C., membro da Associação dos Carroceiros, entrevistado em
15.05.09)
99
O entrevistado M.S.C., membro da associação dos carroceiros, demonstrou
em seu relato ser participativo na busca de soluções para as carências da
comunidade e ter discernimento quanto aos caminhos a serem perseguidos na
busca de soluções, como assim fazem outros líderes da localidade. Sabe que
para conquistar alguns direitos (casa, rua, energia, posto de saúde, escola, etc) é
preciso brigar, lutar, se organizar em grupo para um determinado fim comum. Ele
tem consciência da importância de mobilizar as pessoas organizadas para o
alcance dos objetivos pretendidos. Contudo, a falta de conhecimento mais
aprofundado dos direitos, ou pelo menos dos direitos fundamentais garantidos na
constituição, se revelam superficiais, especialmente quando o assunto é
contratação pública. E apesar dos entrevistados terem consciência da existência
do procedimento da licitação, demonstraram conhecimento muito vago sobre o
assunto, conforme se percebe nos relatos a seguir destacados.
Quando o setor público quer contratar serviços ou comprar com o
setor privado.[...] Procuro sempre me informar sobre isso. Sei que
tem um trâmite burocrático e que tem uns critérios e são
mostrados. Não entendo porque uma empresa que ganha uma
licitação e não cumpre não é penalizada. (J.D., membro da
Associação Comunitária Amigos do Coqueiral, entrevistado em
19.09.09).
Quando tem um projeto e precisa de um despacho de alguém
para ele ser realizado. Sei que qualquer obra tem de ter licitação
antes, e demora muito. (M. J. membro da Associação dos
Catadores de Material Reciclado do Coqueiral, entrevistada em
19.09.09)
Licitação é quando você quer fazer um projeto, e tem de ser
liberado aquele projeto aí tem de ter a licitação para poder ganhar
ou perde. Como agora as obras daqui, o cara ganha a licitação
para fazer a obra e depois pensa que a obra vai dá prejuízo e
simplesmente abandona. E aí é outro protocolo para outra
empresa ganhar. (A.F.S. membro da Associação dos Feirantes do
Coqueiral, entrevistado em 19.09.09)
O fato dos entrevistados saberem da necessidade de um procedimento
administrativo realizado pelo poder público para contratar com o particular não
100
induz diretamente à idéia de conhecerem os direitos concedidos legalmente aos
cidadãos e interessados em geral para acompanharem, reclamarem, fiscalizarem
esses certames ou qualquer tipo de contratação, apesar de terem demonstrado
participação freqüente nas reivindicações de melhorias. Reforçam esta
constatação os trechos abaixo das entrevistas quando foram perguntados se
tinham conhecimento do direito de poder denunciar, participar e acompanhar,
inclusive ver documentos relacionados às licitações ou qualquer contratação
pública, e todos foram unânimes ao dizer que não sabiam dessas possibilidades
legais de interferência.
Buscava informações sobre as licitações do Coqueiral na DESO e
na EMURB, inclusive pessoalmente. Somente isso. Nunca vi
processo, nem nada. As informações sobre preço e quem ganha
sempre foram omitidas, apesar de serem perguntadas ao
presidente. [...] Não sabia que qualquer cidadão pode denunciar ou
qualquer outra coisa da licitação; quando perguntava sobre os
preços e não diziam, acreditava que eles podiam omitir. (J.D.,
membro da Associação Comunitária Amigos do Coqueiral,
entrevistado em 19.09.09).
Não sabia não. Eu tenho aqui quatro mandatos de delegado do
orçamento participativo. A gente participa aqui das obras do
Coqueiral; fui eleito fiscal das obras também, mas licitação não
tenho conhecimento.[...] Não tenho conhecimento dessa licitação.
Hoje agente tem problema aqui, as obras tá parada. A SERCOL
chegou aí pegou e não cumpriu o contrato. Aí agora parou as obras
e tá solicitando outra empresa para vim pro lugar dela. Aí a gente
não tem conhecimento. (M.S.C., membro da Associação dos
Carroceiros, entrevistado em 15.05.09)
Sabe que todo cidadão tem o direito de saber de tudo. Não basta
gritar aqui, tem de correr atrás. Tem de procurar saber das coisas.
Já que informaram que o Coqueiral está no mapa de Aracaju vai
saber. Mas nunca participei de licitação. Nunca pensamos nisso. (M.
J. membro da Associação dos Catadores de Material Reciclado do
Coqueiral, entrevistada em 19.09.09)
Já procurei o presidente de EMURB para saber sobre as
providências de melhoria, mas não sobre as licitações e nunca
discuti com a comunidade sobre isso. A Secretaria de Participação
Popular – SEPP nunca discutiu sobre isso, os direitos dos cidadãos,
sobre licitação. (A.F.S. membro da Associação dos Feirantes do
Coqueiral, entrevistado em 19.09.09)
101
É flagrante a limitação quanto ao conhecimento dos direitos concedidos aos
cidadãos para controle das contratações públicas, apesar de a legislação vigente
esboçar diversos instrumentos que permitem aos cidadãos fiscalizarem,
acompanharem, impugnarem, enfim, de exercitarem a cidadania de forma mais
segura e ampla, salutares para preservação da moralidade administrativa e
eficiência na prestação dos serviços públicos, na medida de sua interferência, que
exige, além desse conhecimento é necessário agregar alguns fatores como
persistência, coragem e força (poder).
A Lei 8.666/93 (art. 21) e a Lei 10.520/02 (art. 4º) impõem ao poder público
de todas as esferas a obrigatoriedade de publicação prévia do resumo dos editais,
contendo as características para contratação com particulares. Esta publicação
apesar de acontecer em sua maioria, através dos diários oficiais e, conforme o
caso (valor da obra), em jornal de grande circulação, ou ainda utilizando recursos
da internet, este último introduzido com a Lei 10.520/02, ainda assim se mostram
insuficientes para cumprirem o princípio da publicidade, informando a sociedade
sobre as contratações públicas, como se observa em relatos colhidos nas
entrevistas.
O povo não participa de licitação porque é acomodado, espera que
os outros façam. Nunca a gente teve qualquer orientação dos
órgãos. Eles só fazem colocar as placas das obras. Não tenho
computador para ver sobre as licitações. A Secretaria de
Participação Popular – SEPP nunca veio aqui, alguns órgãos da
prefeitura quando têm reuniões informam se forem perguntados (M.
J. membro da Associação dos Catadores de Material Reciclado do
Coqueiral, entrevistada em 19.09.09)
Os princípios constitucionais, como o da publicidade, são dotados de força
jurídica positivada, os quais exigem condutas compatíveis com os valores da
sociedade, e por isso não servem para cumprimento de meras formalidades
legais, devem ser observados para atingir o objetivo de dar ampla publicidade.
Mas os pregoeiros e membros de comissões de licitação, conforme constatação
nas entrevistas, se restringem a dar publicidade das possíveis contratações,
conforme exigência nas duas referidas leis, e com isso, pensam estar agindo em
consonância com as normas. E mais, nenhuma preocupação nota-se quanto ao
102
alcance do objetivo de tornar amplamente públicas as possíveis contratações com
os particulares que podem ser pessoas físicas ou jurídicas.
As publicações em diários oficiais, em jornais de grande circulação e em
sites oficiais são realizadas a revelia do resultado de informar efetivamente aos
possíveis interessados e à sociedade. A prática da administração pública
municipal é de publicar os resumos de editais, contudo não divulga os resultados
das licitações, tampouco as contratações realizadas sem licitação (dispensas e
inexigibilidades); se restringem a publicar o resumo dos contratos nos diários
oficiais porque há exigência legal, sob pena de nulidade do ato da contratação,
demonstrando assim uma atitude fria do Estado, apenas com o objetivo de se
mostrar independente em relação aos possíveis licitantes, deixando de dar ciência
pública ampla à sociedade.
A administração pública estadual difere um pouco da municipal porque
publica quase todos os procedimentos de compras no site oficial, mas isso não
caracteriza preocupação em informar a sociedade, mas de ter uma relação de
independência perante os contratados.
A gente faz a publicidade legal: nos jornais e também na internet. A
assessoria de comunicação aqui da EMURB repassa para os
setores competentes no caso das denúncias de falta de serviço
(problemas como buracos nas ruas). O cidadão não participa de
licitação, mas solicita providências, geralmente no rádio.(R.C.,
membro da comissão permanente de licitação de bens e serviços
(exceto obra) da EMURB, entrevistado em 17.09.09)
As licitações são publicadas em jornal, em diários. É uma
divulgação ampla, principalmente os pregões, e já tem tanto
problema de impugnação, de recurso, de tudo. Imagine se o povo
também estivesse aqui toda hora pedindo processo pra dá uma
olhada, eu ficaria mais estressada do que já sou! As impugnações e
recursos são feitos pelas empresas interessadas. (A. C. pregoeira
do município de Aracaju, ligada a Secretaria Municipal de
Administração, entrevistada em 19.09.09)
Além das publicações enviamos também para entidades ligadas a
área de competência do objeto da licitação. Mando para o
SIDUSCOM, CREA, Associação Sergipana dos Empresários de
Obras Públicas – ASEOPP; as entidades civis. Para divulgar a
licitação e para eles também divulgarem. Também publica através
do site e as publicações oficiais. Mandamos as correspondências
para entidades civis para que venham outras participar. (A.C.C,
103
membro da comissão permanente de licitação de obras e serviços
de engenharia da EMURB, entrevistado em 17.09.09).
Os supra mencionados membros das comissões de licitação e pregoeiros ao
serem questionados por que as pessoas não participam das licitações, todos
falaram que o motivo principal reside na ausência de conhecimento, como afirmou
R.O., membro da comissão permanente de licitação da EMURB. Acrescentou
ainda haver mais possibilidade de participação da comunidade no caso de obras
como escolas, postos de saúde e ruas por serem mais “sentidas”, diferente
daquelas licitações realizadas para satisfação das necessidades dos órgãos, sem
existência de um beneficiário mais direto. Contudo, apesar dos entrevistados
concordarem em haver falta ou insuficiência de conhecimento dos cidadãos em
relação às contratações públicas, em nenhum momento se incluem como
responsáveis por isso.
Um dos líderes entrevistados, J.D., membro da Associação Comunitária
Amigos do Coqueiral, afirmou nunca ter denunciado algo sobre obras por não ter
as informações do certo e do errado. E, apesar de sempre ter buscado melhorias
para a comunidade, nunca fez denúncias sobre contratações, e acha importante
que o Estado e outras entidades promovam palestras, cursos e outros eventos
para eles terem conhecimento dos direitos garantidos nas normas, o que
demonstra a ausência da administração pública nesse aspecto. O mesmo
destacou também sobre o papel do MP nas obras do Coqueiral que, com a
intervenção do movimento (antes comissão de mobilização) interferiu no
andamento das obras para melhoria da localidade.
O ministério público estadual e o ministério público federal de todas as
especialidades, segundo o artigo 127 da Constituição Federal de 1988, têm como
função a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis. E, para isso, deve atuar com independência
funcional, possibilitando assim um trabalho enquanto guardião da sociedade, da
democracia e da cidadania livre de qualquer intervenção de outros poderes.
No campo da licitação é tarefa do Ministério Público zelar pelo patrimônio
público, e caso haja notícia de irregularidades em qualquer tipo de contratação
pública ele deve atuar enquanto protetor da sociedade e de seu patrimônio.
104
Inclusive é fato muito comum na imprensa a denúncia de fraudes em licitação
detectadas pelo ministério público após denúncias, exigindo-lhe atuação imediata
para apuração dos fatos e posterior proposição das ações cabíveis. E por ter esta
função institucional de grande relevância para a sociedade, este órgão foi alvo da
pesquisa, visando estabelecer uma relação entre sua atuação e a participação da
sociedade.
Segundo E. B. D. F, promotor de justiça há 19 anos, a atuação do MPE é
movida, no caso das contratações públicas, por notícia de irregularidade ou
quando eventualmente informado pelo TCE/SE. E quando o entrevistado foi
questionado sobre a existência de participação da sociedade nos casos de
contratações públicas, o promotor apresentou um dado que confirma nossa
hipótese de que a sociedade não participa das contratações públicas, ou melhor,
participa pouco, através de algumas entidades sociais, do tipo sindicatos,
associações, mas isso quando há interesse político.
Quando alguém tem algum interesse (político, financeiro,
administrativo, etc) é que algum cidadão comparece ao MP para
exigir alguma apuração. Do meu conhecimento as entidades
sociais somente atuam quando há algum interesse envolvido, que
geralmente está atrelado ao político. É o caso dos Sindicatos que
somente fazem alguma denúncia de governos que em tese são
opositores. Há casos de entidades ligadas a hipossuficientes que
apenas buscam melhorias na qualidade de vida dos seus
tutelados. (E.B.D.F., promotor de justiça, entrevistado em 22 de
setembro de 2009)
Os Tribunais de Contas da União e do Estado têm a função constitucional
de auxiliar o poder legislativo no controle externo das finanças públicas de todos
os entes federados, dentro de cada competência; também tem legitimidade para
receber denúncias sobre irregularidades ou ilegalidades cometidas na esfera da
administração pública, incluindo entre elas as ocorridas em licitações ou
contratações de qualquer natureza. Posta tal importância institucional para a
sociedade, membros desses tribunais foram entrevistados e apresentaram
informações valiosas quanto a participação da sociedade nas contratações
públicas e sobre as funções do órgão.
105
A participação da sociedade civil deveria ser mais intensa através
do exercício da denúncia, quando for o caso, do cidadão que tiver
conhecimento concreto de fatos irregulares ou ilegais. É preciso
um maior exercício da cidadania por parte do cidadão. Tal atitude
será de grande valia para o exercício das funções de fiscalização
e controle por parte do Tribunal de Contas.[...] E a forma de
apresentar denúncia é simples, basta que a pessoa física ou
jurídica, por escrito, se qualifique e apresente concretamente, não
de forma vaga, a ação por parte do Poder Público que considera
irregular, ilegal ou danosa para o patrimônio público. Tal
documento escrito deverá ser protocolado, endereçado ao
Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe. (C. A. S.
S., conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe,
entrevistado em 01.10.09)
Em Sergipe o TCU recebe muitas denúncias do SINTESE, que é
o mais atuante. Outras entidades da sociedade civil não têm
demonstrado muita atuação e, por essa razão os mecanismos de
controle que se espera a partir da atuação de tais entidades
restam prejudicados. Como exemplo, podemos citar os conselhos
que devem fiscalizar os programas que usam recursos federais,
como os Conselhos Municipais de Alimentação Escolar (CAE) e
os Conselhos do FUNDEB. Esses colegiados muitas vêzes são
integrados por servidores municipais e têm sua atuação
prejudicada por terem medo de contrariar os superiores; ou ainda
porque não têm preparo em termos de conhecimento e percepção
do seu papel no conselho, como ocorre no CAE e FUNDEB,
algumas pessoas sequer sabem que participam deles. No canal
da ouvidoria há muitos casos de denúncias feitas por cidadãos. O
serviço de ouvidoria do TCU é centralizado em Brasília e,
conforme a região onde se dá a irregularidade denunciada a
manifestação (esse é o nome adotado pelo serviço de ouvidoria
do TCU) é encaminhada para providências pela Secretaria
Regional. Em Sergipe são em torno de 05 (cinco) por mês. A
grande maioria que usa esse meio é de cidadãos. E, no caso das
entidades o meio é a representação escrita, a qual acontece em
menor quantidade (P. S., auditor federal de controle externo do
Tribunal de Contas da União em Sergipe, entrevistado em 14 de
setembro de 2009).
Ambos servidores dos dois tribunais de contas (estadual e federal)
confirmaram a existência de denúncias protocoladas por cidadãos, mas ainda em
número muito tímido em relação ao número de contratações realizadas pelo
poder público, pois no caso do TCU o entrevistado apresenta em média cinco
denúncias por mês, encaminhadas pelo canal da ouvidoria, e que nem sempre
prosperam para efeito de ação judicial para responsabilização dos culpados.
O Ministério Público Estadual, o Tribunal de Contas da União e o Tribunal
de Contas do Estado de Sergipe, informaram nas entrevistas haver ações que
106
podem aproximar mais os cidadãos desses órgãos, como ocorre nos canais de
denúncias disponíveis: ouvidorias e protocolos para entrega de documentos.
No Ministério Público do Estado de Sergipe atualmente está sendo
desenvolvida uma campanha
"O QUE É QUE VOCÊ TEM COM A CORRUPÇÃO", com o
objetivo de
mostrar ao cidadão que ele tem tudo a ver com a corrupção, na
medida em que se omite nas denúncias, ou vota nos corruptos. O TCU conta com
um programa informativo sobre a atuação do TCU na TV Senado, em dois dias da
semana, e quando visitam municípios para fiscalização externa, as equipes de
fiscalização do TCU aproveitam para convocar os Conselhos Municipais e passar
orientações e informações acerca da execução e fiscalização dos programas a
serem acompanhados pelos mesmos, distribuir material informativo sobre direitos
dos cidadãos e falar sobre o papel do TCU. O TCE/SE promove cursos de
capacitação para gestores e servidores públicos e divulga no site oficial do órgão
e na TV ALESE as ações relacionadas não só às contratações públicas, mas
também a outros atos da gestão pública estadual.
O retrato da situação de participação da comunidade Coqueiral está
gravada nas palavras acima ditas pelo promotor de justiça quando afirmou haver
casos de entidades ligadas a hipossuficientes que apenas buscam melhorias na
qualidade de vida dos seus tutelados; nas declarações do auditor do TCU e do
conselheiro do TCE que confirmaram a necessidade de haver mais participação
da sociedade no controle das ações públicas, incluindo as contratações.
Os fatos colhidos nas entrevistas realizadas na comunidade Coqueiral e
com agentes públicos de vários órgãos demonstram que algumas entidades
organizadas, como sindicatos e associações de classe, buscam intervir na esfera
pública em relação a denúncias de irregularidades em licitações públicas, mas por
interesses políticos que de alguma forma trazem informações veiculadas na
imprensa e possíveis de serem conhecidas pela sociedade.
Os integrantes dos movimentos sociais ou conselheiros locais
representantes da comunidade procuram atuar muito mais em reivindicações de
melhorias e poucas vezes buscam apenas informações básicas (se já contratou,
quando começa a obra, etc) sobre as contratações de obras que estejam
acontecendo para servirem a comunidade, não adentrando em questões
procedimentais e de legalidade. Todos os atores sociais entrevistados, atuantes
107
nos movimentos sociais da localidade, demonstraram conhecimento incipiente
quanto aos direitos dos cidadãos na interferência ou participação nas
contratações públicas e nas ações dos órgãos e entidades públicas. E, por outro
lado, a atuação meramente formal da administração pública, quando das
publicações sobre as contratações, é ineficiente com tímidas iniciativas de
programas, que mesmo tendo afirmado seus representantes visarem esclarecer
os direitos dos cidadãos, não contribuem na prática para mudar esse quadro.
A atuação dos tribunais de contas e do ministério público
constitucionalmente deve incluir ações de intervenção na esfera pública para
proteger a sociedade, mas a realidade constatada demonstra que se colocam
com isenção de culpa quanto a falta de conhecimento dos cidadãos sobre os
direitos que possuem no exercício da cidadania para o controle das atividades
públicas, o que lhes serviriam como aliados nas atividades de controle. As
palavras de P. S., auditor do TCU, confirmam esta afirmação quando coloca que
“outras entidades da sociedade civil não têm demonstrado muita atuação e, por
essa razão os mecanismos de controle que se espera a partir da atuação de tais
entidades resta prejudicado. “[...] Esses colegiados muitas vezes são integrados
por servidores municipais e têm sua atuação prejudicada por terem medo de
contrariar os superiores; ou ainda porque não têm preparo em termos de
conhecimento [...]”. Leva-se a crer que esses órgãos de assessoramento do
legislativo, ao invés de se colocarem mais comprometidos com a sociedade,
servem de legitimação do poder público, não atuando como órgãos de controle da
atividade pública em prol da sociedade.
O controle social é um caminho sem volta que deve ser fortalecido com o
uso dos recursos legais disponíveis, e para isso é necessária a atuação do
Estado para encontrar os meios de popularizá-los e assim dar conhecimento à
sociedade dos direitos inerentes ao exercício da cidadania, entre eles os das
contratações públicas, contribuindo para maior interferência e controle da
sociedade na esfera pública, como proteção do interesse público, principalmente
os das comunidades mais carentes, como a do Coqueiral.
108
CONCLUSÃO
O Estado, desde sua formação, tem papel relevante para a sociedade
enquanto autoridade legítima, responsável por criar estruturas, funções,
mecanismos e órgãos capazes de manter a sociedade organizada, coesa e
atendida em suas necessidades, podendo fazer uso da força legítima dentro dos
limites estabelecidos em lei. E Estado moderno, ao contrário do modelo
absolutista, tem grande diferença, pois se baseia no Estado de Direito, e numa
visão mais sociológica, transforma-se em Estado social, enquanto “forma
complexa de organização social, da qual o direito é apenas um dos elementos
constitutivos” (BOBBIO, 2005, p. 57). Convém frisar que a autonomia Estatal é
relativa, limitada aos ditames legais e às necessidades sociais.
Em linhas gerais o Estado é imprescindível à sociedade no atual grau de
desenvolvimento em que se encontra. Contudo, o papel do Estado enquanto
agente social de organização, detentor de um poder soberano, atualmente é
hipossuficiente, incapaz de agir isoladamente. E por isso, coloca-se na ordem do
dia a gestão participativa, envolvendo a sociedade no processo de tomada de
decisão pública, com definição de metas e resolução de problemas, bem como no
controle e fiscalização dos atos administrativos.
Na comunidade Coqueiral, os atores sociais agem no sentido de reivindicar
melhorias básicas, imprescindíveis a uma vida menos penosa, uma vez que
convivem com dificuldades de todas as espécies, desde a baixa condição
financeira, formada por maioria de desempregados e autônomos sem trabalho
fixo, a inexistência ou insuficiência de serviços públicos. E apesar dos líderes
serem participativos e alguns fazerem parte de conselhos e entidades
comunitárias, ainda não possuem o conhecimento suficiente dos direitos
necessários ao exercício da cidadania, principalmente em relação às contratações
públicas.
É obrigação do Estado, através dos órgãos e entidades públicas, promover
ações visando a melhoria de vida da população, haja vista a competência
constitucional de único arrecadador de tributos, onde o montante recolhido serve
para construir escolas, postos de saúde, pontes, ruas, executar obras de
109
saneamento básico, praças, fornecimento de mão de obra para proporcionar uma
boa educação e saúde, além de pagar os custos de manutenção da “máquina”
estatal, entre outras possibilidades. Mas nem sempre as necessidades são
atendidas, e por isso a gestão participativa deve ser ampliada cada vez mais para
possibilitar a garantia dessa satisfação, mas também para dividir a
responsabilidade de certos acontecimentos com a própria sociedade.
O Estado vem ampliando os espaços de discussões com a sociedade,
como ocorre no caso dos conselhos de saúde, de educação, do orçamento
participativo, existentes em algumas cidades brasileiras, inclusive em Aracaju,
mas não ampliado para todos os bairros. Mesmo com estes canais, ainda
deficientes do ponto de vista do objetivo de envolvimento dos representantes da
comunidade para o controle e tomadas de decisões, como ocorre no conselho
participativo da comunidade Coqueiral, os movimentos sociais são importantes
nas lutas por melhorias, no atendimento do interesse público em geral e também
como canais de denúncias dos desvios de finalidade. É o verdadeiro ambiente da
democracia que para se materializar, ou seja, para deixar de ser só lei, existir de
fato, prescinde do exercício da cidadania. E foi com a interferência (poder de
pressão) dos movimentos sociais organizados, de formação temporária ou não,
dirigidos por diversos atores individuais e coletivos, que a comunidade do
Coqueiral vem conquistando melhorias.
A licitação pública, em meio à construção de uma comunidade coloca-se
em posição de destaque, pois é através deste procedimento formal que a
administração pública contrata com particulares, visando atender as
necessidades, com observância dos princípios constitucionais discorridos no
presente trabalho como garantia de atingir-se o objetivo maior: contratar com o
particular que melhor atenderá o objetivo pretendido, incluindo-se o menor preço
e as melhores condições. Assim ocorre naturalmente com relação às
necessidades das comunidades locais, tal qual a do Coqueiral.
Mesmo sendo a comunidade do Coqueiral a beneficiária direta do objeto
contratado ela não acompanha esses procedimentos de contratação, quando
muito procura saber se os serviços já foram contratados, como relataram alguns
entrevistados. Há também eventualmente representações e denúncias sobre
irregularidades em licitações, movidas em sua maioria por pessoas ligadas a
110
partidos políticos, como afirmaram os entrevistados do Ministério Público e do
Tribunal de Contas da União.
O canal da ouvidoria do Tribunal de Contas da União recebe em média 05
denúncias por mês, algumas com fundamento suficiente para abertura de
procedimento administrativo e outras não. Mas o número ainda é muito baixo,
comparando com o número de contratações formalizadas com recursos federais,
o que nos leva a pensar em dois fatores: ou tudo está indo muito bem, sem
irregularidades; ou os cidadãos e entidades ainda não fazem uso em massa
desse caminho para denunciar, fatos não esclarecidos na entrevista. Contudo,
cruzando as informações prestadas pelos entrevistados no Coqueiral,
beneficiários de recursos federais para realização de algumas obras atualmente
em execução, e mesmo tendo havido problemas na execução de alguns
contratos, nenhum deles sequer citou o Tribunal de Contas da União.
Nota-se a partir desta pesquisa que os atores sociais, representando ou
não setores da sociedade, reclamam dos órgãos públicos o atendimento das
necessidades e quase nunca solicitam informações sobre as contratações
públicas, mas por não saberem dos direitos que lhe assistem. A falta de
informação sobre os direitos dos cidadãos contribui para que não haja
fiscalização, controle ou até mesmo interferência destes nas contratações
públicas, pondo em risco a lisura dos atos formalizados e o alcance do objeto fim,
com o menor preço e a melhor empresa. Lembrando quase sempre os problemas
advindos das contratações públicas envolvem membros da sociedade, seja
enquanto corruptor ou como corrupto, quando não ocorre o abandono de uma
obra pelo contratado. E, no caso do Coqueiral, as notícias sobre a participação de
membros da comunidade nas contratações públicas são praticamente nulas,
apesar de muitas terem sido realizadas com o fim de suprir as necessidades da
localidade.
Alguns dos entrevistados, membros da administração pública, expressaram
a necessidade de participação da sociedade enquanto fiscalizadora e
controladora das contratações públicas e das ações em geral, deixando clara a
insuficiência de iniciativas de alguns órgãos capazes de informar aos cidadãos
sobre os direitos contidos nas normas vigentes, que lhes garante a promoção de
111
ações, desde representações no âmbito administrativo, a outras judicialmente
asseguradas.
Os membros das comissões de licitação e os pregoeiros entrevistados,
enquanto representantes do Estado, cumprem as publicações das contratações
públicas de acordo com o mínimo estabelecido em lei, sem qualquer preocupação
se estas publicações, realizadas em diários oficiais (maioria), jornais de grande
circulação (poucas) e internet (os entrevistados alegaram não ter internet)
cumprem a tarefa de informar à sociedade e não somente aos possíveis
interessados que vivem de contratos públicos e por isso possuem as assinaturas
dos jornais e o acesso a internet, muito diferente da realidade da maioria dos
cidadãos que vivem em localidades carentes, tal qual a do Coqueiral.
As normas relativas às contratações públicas, conforme constatação feita
nesta pesquisa, não são suficientes para garantir a eficiência da atuação pública,
e a participação da sociedade coloca-se como uma das soluções para modificar
este panorama. Mais ainda, os cidadãos são carentes de informações sobre os
direitos garantidos legalmente que possibilitam “meter o dedo” nessa história de
contratação pública, frequentemente noticiada na imprensa brasileira com
irregularidades das mais diversas.
As escolhas que se efetivam nos contextos individuais e coletivos são
decorrentes dos limites de informação a que os atores estão submetidos, o que
reforça a importância do Estado na oferta de espaços institucionais adequados
para que essas escolhas se manifestem cooperativamente. Essas inovações na
rede de sociabilidade poderão modificar a natureza das mudanças sociais
(BASTOS, 2006).
Nesse sentido, deve se evitar também uma suposição fácil de que todos os
agentes são virtuosos e preocupados com o bem comum, permitindo espaço para
a prática de um “egoísmo inteligente“, tal qual afirma Sen, 2000 (apud BASTOS,
2006), condição necessária à mudança de atitude dos agentes, de um meio
receptor de benefício do poder público para um sujeito pro ativo, que reflete sobre
sua realidade e interfere no curso dos acontecimentos.
Esta confirmação de haver insuficiência ou até mesmo ausência de
conhecimento dos cidadãos sobre determinados direitos, especialmente quanto
às contratações públicas, motivou futuros projetos de pesquisa, no sentido de
112
reforçar a idéia de que o conhecimento dos direitos contribui para melhoria da
sociedade, através do exercício da cidadania, pois não há como exercitá-la sem
dominar os direitos e deveres que a garantam. Como bem diz Carlos Pinto Coelho
Motta (2006, p. 19), “a fiscalização da licitação pode ocorrer, no entanto, não
apenas no interesse do licitante ou do contratado, mas pela ação legítima e
permitida de qualquer pessoa que não tenha, necessariamente, direito imediato,
mas interesse na efetividade dos regramentos da Lei Nacional de Licitações”.
Contudo isso só se efetivará quando a sociedade tiver conhecimento do direito de
fiscalizar as contratações públicas.
113
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Estado em Transformação. São Paulo: Unesp/Enap/Imprensa Oficial, 1999.
117
ANEXO I
(ROTEIROS DE ENTREVISTAS)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: São Públicas as contratações do Estado brasileiro? – uma
experiência de contratações públicas junto à comunidade Coqueiral em Aracaju.
MESTRANDA: Maria Anáber Melo e Silva
ORIENTADOR: Professor Doutor Fernando Bastos
ROTEIRO DE ENTREVISTA (01) – MEMBROS DE ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
(ASSOCIAÇÕES, SINDICADOS, CONSELHOS, OUTROS.
1) Denominação da associação (ou outro tipo).
2) Localização da sede.
3) Quando foi fundada e se funciona regularmente.
4) Quais são as principais participações empreendidas?
5) Sabe o significado de licitação?
6) Já acompanhou alguma licitação ou qualquer outro tipo de contratação pública?
7) Já houve alguma denúncia feita sobre casos relacionados à qualquer contratação?
8) sabia que qualquer cidadão pode denunciar, participar e acompanhar, inclusive ver
documentos relacionados a licitações ou qualquer contratação pública?
ROTEIRO DE ENTREVISTA (02) – MEMBROS DE COMISSÃO DE LICITAÇÃO E
PREGOEIROS
1) Há quanto tempo trabalha com licitação ?
2) Quais funções ocupou?
3) Em quais órgãos trabalhou e quais tipos de bens ou serviços licitou?
4) Nesse período lembra-se de ter havido participação de qualquer cidadão ou organização
social nas licitações?
5) O objeto contratado servirá para quem?
6) Por que a sociedade não participa ou acompanha esses processos? (no caso da resposta
do item 4 ser negativa).
118
7) O que poderia ser feito para mudar esse quadro de desinteresse de participação ou
conhecimento sobre os processos de licitação? (no caso da resposta do item 4 ser negativa).
ROTEIRO DE ENTREVISTA (03) – MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
(PROMOTOR OU PROCURADOR)
1) Há quanto tempo está no MP?
2) O MP acompanha as contratações públicas independente de denúncias?
3) Sendo constitucional a obrigação do MP em proteger o patrimônio Público, você acha
que vem atuando a contendo no que se refere às contratações públicas?
4) Há casos vivenciados onde associações, sindicatos, qualquer outro tipo de organização
social ou ainda movimentos sociais, solicitaram investigação do MP sobre irregularidades
em contratações públicas?
5) O MP já promoveu algum tipo de debate nas comunidades sobre temas relacionados às
contratações públicas, com o objetivo de esclarecer direitos e motivar a fiscalização
voluntária da sociedade?
ROTEIRO DE ENTREVISTA (04) – MEMBROS DE TRIBUNAL DE CONTAS
1)Nome e função.
2) Há quanto tempo está no TC?
3) O TC acompanha os procedimentos para as contratações públicas independente de
denúncias? Se sim, acontece regularmente? De qual forma?
4)De modo geral como tem sida a participação da sociedade civil nos procedimentos de
contratação
5) Há casos em que associações, sindicatos, movimentos sociais, ou qualquer outro tipo de
organização, ou pessoas físicas, apresentam denúncias sobre irregularidades em
contratações públicas? Se positivo, como acontecem?
6) Existe alguma disponibilidade do Estado em tornar transparentes essas contratações? Se
sim, quais medidas? Se não, como se realizam esses procedimentos?
7) O TC já promoveu ou está programando algum tipo de debate ou qualquer outra
atividade que possibilite às comunidades conhecimento sobre temas relacionados às
contratações públicas? Se sim, quantas, mas tratando sobre o que especificamente?
119
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