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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
CENTRO DE HUMANIDADES
UNIDADE ACADÊMICA DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
FAMÍLIA, PODER LOCAL E DOMINAÇÃO
Um estudo sobre os processos de disputas políticas da(s)
família(s) Ernesto-Rêgo em Queimadas-PB
JOSÉ MARCIANO MONTEIRO
ORIENTADORA: DRA. ELIZABETH CHRISTINA DE
ANDRADE LIMA
CAMPINA GRANDE – PB
Março – 2009
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JOSÉ MARCIANO MONTEIRO
FAMÍLIA, PODER LOCAL E DOMINAÇÃO
Um estudo sobre os processos de disputas políticas da(s)
família(s) Ernesto-Rêgo em Queimadas-PB
Texto apresentado ao Programa de
Pós-Graduação de Ciências Sociais da
Universidade Federal de Campina
Grande, em cumprimento às
exigências para obtenção do título de
Mestre em Ciências Sociais.
CAMPINA GRANDE – PB
Março – 2009
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MONTEIRO, José Marciano.
FAMÍLIA
, PODER LOCAL E DOMINAÇÃO
: um
estudo sobre os processos de disputas políticas entre a(s) família (s) Ernesto-
Rêgo em Queimadas/Paraíba. José Marciano Monteiro. Campina Grande, 2009.
168p.
Inclui Bibliografia
Orientadora: Profa. Dra. Elizabeth Christina de Andrade Lima
1. Relações de Poder 2. Poder local 3. Família 4. Habitus Político.
UFCG
CDU
TERMO DE APROVAÇÃO
JOSÉ MARCIANO MONTEIRO
FAMÍLIA, DOMINAÇÃO E DISPUTAS
Um estudo sobre os processos de dominação e de disputas políticas da(s)
família (s) Ernesto-Rêgo em Queimadas/Paraíba.
Dissertação apresentada para defesa em ____ de abril de 2009 em cumprimento
às exigências para a obtenção do grau de Mestre em Ciências Sociais, junto ao
Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de
Campina Grande, pela seguinte banca examinadora:
____________________________________________
Profª. Dra. Elizabeth Christina de Andrade Lima
ORIENTADORA
____________________________________________
Profª. Dra. Mércia Rejane Rangel Batista
EXAMINADORA INTERNA
____________________________________________
Prof. Dr. Roberto Véras de Oliveira
EXAMINADOR INTERNO
____________________________________________
A definir
EXAMINADOR EXTERNO
D
EDICO ESTE ESTUDO
:
A minha avó paterna Eudocia Souto Vélez
E ao meu avô materno Manoel Teófilo da Silva
(ambos in memoriam).
A todos os professores/educadores que
contribuíram para minha aprendizagem.
AGRADECIMENTOS
A caminhada foi bastante árdua no que diz respeito aos passos realizados por mim,
para que aqui pudesse chegar. Muitos obstáculos foram superados. Muitas noites foram
minhas companhias, mas não só elas, os autores com seus textos também me foram
companhias. Mas, além destes, tive também, nesta trajetória, companheiros, diria, pessoas
amigas que me orientaram no decorrer da construção desse texto, com sugestões, opiniões e
dicas, cito aqui, Elizabeth Christina de Andrade Lima, carinhosamente, Bebety, orientadora
e amiga, pessoa humana que muito contribuiu e tem contribuído para a minha formação
profissional e humana, a quem agradeço profundamente. Aos professores Mércia Batista e
Roberto Véras, a minha profunda admiração enquanto profissionais e seres humanos que
respeitosamente fizeram sugestões e me apontaram caminhos quando da defesa do texto
para Exame de Qualificação.
Este texto, portanto, embora escrito por mim, nele se encontram falas, vozes e
palavras de muitos. Muitos que, embora o saibam, sem eles, não seria possível realizar
este trabalho. Refiro-me as pessoas que me concederam o espaço nos seus lares, abrindo
suas portas, para que eu pudesse registrar suas memórias. Agradeço profundamente aos que
através de suas lembranças, recordações e memórias, possibilitaram-me o consentimento de
entrevistá-los: Williams dos Correios, Paulo de Américo, Edmundo da Silva, Poeta
Kabôclo, João Vitorino, Albertina de Souza Andrade, Antônio Carlos Ferreira Lopes,
Antônio Olímpio de Arruda, Maurício da Silva Xavier, Francisco de Assis Pereira, Maria
das Neves de Lima, Wilson Gomes da Silva, Maria Dulce Barbosa, Cecília Correia Lima,
José Cruz Herculano, Everaldo Alves, Marizabel Toscano de Oliveira, Saulo Leal Ernesto
de Melo, Tereza Leal Ernesto Amorin e José Vital Figueiredo (in memoriam), este último,
amigo que me cedeu a visitação à sua biblioteca particular para que eu pudesse realizar as
minhas pesquisas documentais, e que tão logo ao concluí-las, fiquei sem o seu convívio
sempre amigo.
Não poderia deixar de mencionar os meus agradecimentos àqueles que sempre
estiveram me dando força na construção deste trabalho. Aos meus amigos João Cutia,
Danilo Raimundo e José Ezequiel, professor, que, além de terem me concedido entrevistas,
promoveram profícuos diálogos e conversas, nos bares do município de Queimadas, nos
finais de semanas.
Meus agradecimentos também se direcionam ao corpo docente deste mestrado, que
contribuíram para a minha formação, e aos funcionários que tão bem me atenderam quando
precisei de esclarecimentos sobre alguma dúvida de ordem administrativa. A Rinaldo,
funcionário competente do mestrado vai aqui os meus registros de agradecimentos. A Ruy e
Armany, que sempre me atendeu respeitosamente em seus ambientes de trabalho. A todos
que diretamente ou indiretamente contribuem para o êxito desta instituição, funcionários,
docentes e discentes.
Finalizo, portanto, meus agradecimentos, aos meus pais, José Velez Monteiro e
Maria José Monteiro, pelo apoio, embora com muitas dificuldades, mãe acordando cedo
para fazer tapioca para que meu pai pudesse vender para ajudar nos meus estudos. Com o
esforço destes dois e com a coragem e a vontade de superação que os mesmos têm, é que
consegui alcançar mais uma etapa em minha vida. Mas não poderia deixar de agradecer
também aos meus irmãos Marcia Manuela Monteiro, Flávia Morgana Monteiro e Marlon
Luã Monteiro e o meu sobrinho Kaio Monteiro Silva, a quem carinhosamente tenho
profunda admiração pelo exemplo de família que estamos construindo.
A minha noiva, Kaline, pela compreensão das vezes que não pude ir a sua casa nos
finais de semana, por estar lendo algum texto ou mesmo escrevendo este trabalho. A dona
Anastácia sua mãe, que tem sido pra mim, uma outra mãe, e ao meu cunhado Kleiton, pelos
nossos momentos de diversão, registro aqui meus agradecimentos.
Desculpe-me se faltei mencionar alguém, mas segue, embora não citando o nome,
os meus profundos agradecimentos.
RESUMO
A presente dissertação tem por objetivo analisar os discursos e as práticas que permitiram a
perpetuação do poder local da família Ernesto-Rêgo no município de Queimadas PB.
Analisa o exercício do domínio político por mais de quatro gerações no município e as
razões pelas quais a política queimadense, desde o seu processo de emancipação, tem
apresentado em suas disputas eleitorais ao cargo executivo, uma forte presença e definindo,
a seu favor, a continuidade do poder no interior do grupo familiar ou de seus prepostos.
Objetiva-se responder às seguintes questões: Através de que práticas se instituíram tal
dominação? Qual a origem genealógica dessa família e seus ramos parentais? Quais as
formas ou maneiras dessas famílias realizarem as ações políticas locais? Para responder a
estas questões, em termos metodológicos, fez-se uso do trabalho de campo e da história
oral, recorrendo principalmente, à memória, através de entrevistas abertas; outra fonte de
pesquisa foram os jornais, vídeos e pesquisa bibliográfica. E como fio teórico condutor da
análise, a abordagem de Pierre Bourdieu, a partir de sua proposta de Sociologia da Prática,
pautada na noção de campo, habitus e capitais, atravessa todo o texto analítico. O texto
assim, discorre sobre a genealogia desta família, tentando compreender os capitais que,
historicamente, foram sendo construídos. E associado a isto, a dominação política que esta
família foi exercendo através dos capitais construídos historicamente e das práticas e ações
desenvolvidas localmente. Capitais estes que estão relacionados ao “nome da família”, a
posse de terras, as práticas e ações que dizem respeito às relações de compadrio e as trocas
de favores na sociedade queimadense. Desta feita, constatou-se que a dominação política
local se estabelece a partir das ações de dependência construídas por aqueles que são
detentores de um maior quantum de capital possível em relação àqueles que são
desprovidos de capital. Fato que permite concluir que a dominação política exercida por
esta família a partir das relações de compadrio e das relações de favores, é quem constroem
os laços sentimentais e pragmáticos que ligam as pessoas à liderança, e a dependência
política se traduz na triste frase “eu devo favor”, o que significa uma forma de gratidão,
uma dívida cujo preço é a fidelidade sem limites, que pode resultar na possibilidade
constante de subordinação pessoal e familiar, ou seja, na mais profunda violência
simbólica.
Palavras chaves: Relações de Poder; Poder local; Família; Habitus Político.
ABSTRACT
The present dissertation objectives to analyze the discourses and the practices that allowed
the perpetuation of local power of the family Ernesto-Rêgo in the city of Queimadas - PB.
Analyzes the exercise of politic domain extended for more than four generations in the city
and the reasons why politic of Queimadas, since its process of emancipation, has presented
on its electoral disputes for executive loads, an strong presence and defined on its favor, the
continuity of power in the interior of familiar groups or its functionaries. We objective to
answer the following questions: Which practices instituted this domination? What are the
genealogic origin of this family and its parental branches? How does this family realizes
local politic actions? To answer these questions, in methodological terms, we did a camp
work and oral history, appealing mainly to memory, through open interviews; another font
of researches were the newspapers, videos and bibliographic research. And conducing this
analyze, the boarding of Pierre Bourdieu, from his propose of Sociology of Practice,
following the notions of campo, habitus e capitais, pass through the analytic text. The text
discuss about the genealogy of this family, trying to understand the capitais that
historically, were being build. And, associated to this, the politic domination that this
family was doing through capitals historically constructed and the practices and actions
developed locally. These capitals are related to “family name”, land ownership, the
practices and actions that are related to proximal relationships and exchanged favors on the
society. We contacted that local politic domination is established from actions of
dependency built for those who detain the biggest quantity of possible capital in relation to
that who are disproved of that. Fact that allows to conclude that politic domination exerted
for this family of proximal relationships and favors relationships, build sentimental bows
and pragmatics that link people to leadership, and political dependency is traduced in the
sad statement: “I must reattribute a favor”, what means a way of gratitude, one bill that
price is the fidelity without limits, that can result on the possibility of personal
subordination and familiar, that is, the deepest symbolic violence.
Key words: Power Relations; Local Power, Family, Habitus Politic
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................12
a) Um pouco de história pessoal ...............................................................................12
b) Apresentando o objeto de estudo .........................................................................15
CAPÍTULO I – DISCUSSÃO TEÓRICA E CAMINHOS DA PESQUISA..................20
1.1. Algumas questões teóricas ............................................................................................20
1.2. A vigilância epistemológica: a construção do objeto e a instituição de um novo
olhar. .........................................................................................................................25
1.3. Passos metodológicos para um exercício do “olhar” sobre o “outro” na sociedade do
pesquisador ...............................................................................................................29
1.4. Apontamentos sobre as técnicas utilizadas na pesquisa e a metodologia da história
oral.............................................................................................................................31
CAPÍTULO II – HISTÓRIA LOCAL, FAMÍLIA E PODER........................................35
2.1. A história contada..........................................................................................................35
2.2. O espaço local construído pelas relações de poder........................................................39
2.3. A genealogia política dos Heráclio-Ernesto-Rêgo.........................................................42
2.4. A família no Poder e o poder da família........................................................................46
CAPÍTULO III TRADIÇÃO FAMILIAR E DOMINAÇÃO NA POLÍTICA
LOCAL ...............................................................................................................................51
3.1. Do Coronel Chico Heráclio ao Major Veneziano .........................................................51
3.2. O fazer político de Carlos Ernesto ................................................................................63
3.2.1. Relações de “favores”, relações de “compadrio” e dominação.......................63
3.2.2. Dádiva e troca de favores................................................................................76
3.2.3. Troca de favores, jogos sociais e violência simbólica.....................................82
3.2.4. O padrinho político..........................................................................................87
CAPÍTULO IV – TRAJETÓRIAS, RITUAIS E DISPUTAS POLÍTICAS..................95
4.1. Pelas trilhas históricas dos agentes políticos .................................................................95
4.1.1. A trajetória política de Sebastião de Paula Rego ...........................................95
4.1.2. A trajetória política de Saulo Ernesto ...........................................................106
4.2. Campo Político e Rituais .............................................................................................121
4.2.1. Campanhas franciscanas ...............................................................................121
4.2.2. O nascimento dos “showmícios” .................................................................132
4.3. Os discursos e os jogos de linguagem .........................................................................137
4.3.1. A Raposa e o Lagarteiro ...............................................................................137
4.3.2. O Matuto sabido e o Doutor .........................................................................143
CAPÍTULO V – CULTURA POLÍTICA ..................................................................
....150
5.1. Sobre uma possível nobreza no poder..........................................................................150
5.2. Cultura política e o habitus..........................................................................................154
5.3. Sujeição e morte da alteridade.....................................................................................157
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................161
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................163
ANEXOS............................................................................................................................169
12
INTRODUÇÃO
a) Um pouco de história pessoal
Resultado de vivências, experiências, vontades, desejos, angústias, emoções e
paixões, o presente estudo, surgem como produto do envolvimento que tive
teoricamente e empiricamente com os estudos da antropologia da política e da minha
inserção, desde cedo, no espaço da política local no município de Queimadas
1
.
Aos 18 anos de idade ocorreram os meus primeiros contatos com os textos das
ciências humanas, especificamente com os textos de antropologia e de política, esta
combinação, deste o início do meu ingresso na Universidade Federal de Campina
Grande, já me acompanhava, se tornando uma das minhas paixões. Posteriormente, com
a minha inserção junto ao Programa de Educação Tutorial PET à época, Programa
de Especial de Treinamento veio a contribuir e intensificar o meu interesse por
esses estudos.
Associado a isso, e também ainda aos 18 anos de idade, iniciava-se minha
participação política no município de Queimadas, cidade em que nasci e resido até hoje,
através da minha filiação junto ao Partido dos Trabalhadores (PT) vale salientar que
desde a minha infância fui envolvido com organizações sociais, particularmente aquelas
ligadas ao segmento religioso, cito a Pastoral da Juventude do Meio Popular PJMP ,
Grupo de Crisma, de Catecismo, enfim, desde criança sentia esta admiração pelo
campo político, ou com o que estivesse relacionado ao fenômeno do poder, mesmo que
entrecortado pelo campo religioso.
Mas foi o meu envolvimento e militância no Partido dos Trabalhadores que me
trouxe algumas questões, não tão formalizadas, mas questões que despertava o
interesse em compreender a vida política do município de Queimadas, a vida política
1
O Município de Queimadas pertence à região semi-árida do Nordeste brasileiro. Situado no Estado da
Paraíba, com uma área total de 399 km² o que corresponde a 0,68% da área do Estado da Paraíba. No que
diz respeito à localização geográfica, o município situa-se na Mesorregião do Agreste da Borborema, na
Microrregião de Campina Grande, conforme o IBGE. O município foi criado em 1961, pela lei 2.622
de 14/12/191, sendo instalado em 30/12/1961, até então, pertencia ao território do município de Campina
Grande.
13
local. Questões do tipo: Por que Saulo Ernesto
2
sempre sai candidato ao pleito
executivo para disputar com Sebastião de Paula go
3
ou com um candidato indicado
por este? Por que Tião apelido de Sebastião de Paula Rego é quem sempre indica o
sucessor, quando não é ele o candidato? Indagações como estas me despertavam o
interesse e a paixão, por assim dizer, pelo objeto que me proporia investigar anos mais
tarde. Além disso, no ambiente familiar, sempre ouvia comentários tais como: “se a
disputa não for Tião e Saulo Ernesto não tem graça”. Ou seja, os dois líderes dividiam o
município em termos de disputas e de grupos familiares a eles unidos.
Portanto, em Queimadas, cidade do interior da Paraíba, seria possível encontrar
um cenário ideal de disputas políticas, dois grupos que, hegemonicamente, disputavam
as eleições: o grupo ligado ao líder político Sebastião de Paula Rêgo, conhecido
popularmente por Tião, e o grupo ligado ao líder político Saulo Leal Ernesto de Melo,
conhecido popularmente por Saulo Ernesto.
Estas disputas me conduziram a querer entender o por quê destes dois grupos
disputarem o poder e não outros, aliás, o Partido dos Trabalhadores, partido do qual
pertencia à época, se constituía, na década de 1990, enquanto outro grupo político, mas
sem expressão, não era um grupo que se constituía hegemônico dentro deste campo
político, como fora o grupo ligado a Tião do Rêgo e o grupo ligado a Saulo Ernesto.
Posteriormente, a esta minha inserção e envolvimento na vida política local
através do PT, fui convidado no ano de 2003 para fazer parte do Partido Socialista
Brasileiro PSB mas ignorei o convite, e continuei no PT. As eleições municipais de
2004 se aproximavam e o PT, historicamente, no município de Queimadas, ainda não
havia conseguido eleger, sequer, um vereador, tendo mais de 16 anos de fundação no
município.
Este fato do PT não conseguir eleger um candidato ao cargo de vereador me fez
levantar alguns questionamentos no interior do Partido: qual o papel deste partido na
construção da sociedade queimadense? Afinal, um Partido que tem na presidência da
república um representante e que não consegue eleger sequer um dos seus candidatos a
vereador no decorrer dos 16 anos de fundação, tem alguma coisa de errado? Estes meus
questionamentos no interior do Partido causou certo mal estar, tendo em vista que
2
Saulo Ernesto vem de uma família tradicional local e é uma figura política de destaque no município de
Queimadas. Candidato a prefeito do município por cinco vezes, nos anos de 1976, 1988, 1992, 1996 e
2004, consegue no último pleito eleger-se prefeito do município.
3
Sebastião de Paula Rêgo é originário de uma família tradicional do município, a família Rêgo. Foi
candidato à vice-prefeito, foi vereador por dois mandados e prefeito três vezes.
14
afirmei, a época, que os culpados éramos nós que fazíamos o Partido e não nos
abríamos para o debate com outras forças políticas locais, estávamos agindo da mesma
maneira que os outros grupos ou organizações partidárias locais, ou seja, nos
apresentávamos à sociedade em períodos eleitorais e pior, não aceitávamos acordo com
nenhum grupo.
Mas quais forças, ou melhor, quais grupos políticos estavam no cenário? Os
grupos políticos ligados a Tião do Rêgo e a Saulo Ernesto. Mais uma vez, a
discussão/eleição se polarizaria entre esses grupos. Um outro candidato também se
apresentara na disputa política local, Ronaldo Lucena (PMN), filho de uma família
tradicional, mas inexpressiva em termos políticos, visto que saíra candidato várias vezes
e não passara de 500 (quinhentos) votos, ou seja, a mesma inexpressividade que o PT
apresentava nas eleições ao cargo majoritário. O PT em nenhuma das eleições que
disputou nas eleições majoritária conseguiu mais de 250 votos e na proporcional não
conseguia eleger nenhum representante para o legislativo. O que eu propus internamente
no Partido foi à abertura, em termos de diálogo com essas forças tradicionais da política
local, visto que não caberia mais ao PT lançar candidato à majoritária, mas sim eleger
um representante ao legislativo. Esta minha proposta dividiu o grupo do PT o que levou
alguns a afirmarem que “fazendo aliança com qualquer um dos grupos ligados a Tião do
Rêgo ou Saulo Ernesto” sairiam do Partido dos Trabalhadores.
Com esta postura assegurada pala maioria dos representantes, foi possível
realizar algumas “conversas” com essas forças tradicionais, mas nenhuma aliança
ocorreu com essas lideranças tidas como raposas velhas” da política local. A aliança
foi realizada com Ronaldo Lucena, o que mais uma vez confirmou a inexpressividade
dos dois grupos, posto que o citado candidato obteve apenas 133 votos nas eleições de
2004.
Com este resultado se confirmava o que, alhures, eu havia debatido no interior
do Partido. Saulo Ernesto é eleito com o apoio da máquina administrativa local, liderada
pelo Deputado Jacó Maciel, e ao assumir, me fez o convite para ser Chefe de
Departamento de Cultura. Aceitei o convite e a partir disso se deu, para mim, uma nova
fase de envolvimento com a política local de Queimadas.
Antes desse convite, até então, tive um “olhar de fora” da máquina
administrativa, agora, depois de inserido neste Departamento, fazendo parte da
Administração local, sou um agente que tenho um “olhar de dentro”, estou inserido no
próprio seio das decisões. A minha permanência neste cargo durou 02 (dois) anos.
15
Posteriormente, fui convidado a me filiar ao Partido Socialista Brasileiro PSB do
qual em termos de Paraíba havia elegido o Prefeito da Capital – Ricardo Coutinho – este
que também era dissidente do PT.
Posteriormente, em março de 2006, fui convidado a ser responsável pela pasta
de Secretaria de Desenvolvimento, através da qual conduzi o Planejamento Estratégico
do Município – Plano Diretor, até o final de 2008.
Todas essas experiências e vivências vieram a contribuir para com o meu
fascínio pelo objeto que me propusera a estudar, uma vez que agora não percebia a
política local apenas como um pesquisador que “olha de fora para dentro”, agora sou
também um agente envolvido, que posso olhar igualmente o objeto de estudo de “dentro
para fora”, nesta relação dialética, sabendo que posso correr o risco de me envolver
demais com o objeto, mas afinal, para ser pesquisador tem que ter interesse e paixão
pelo que se estuda e isso, sem nenhuma falsa modéstia, eu tenho. Não sei se conseguirei
em sua totalidade, realizar a vigilância epistemológica proposta por Pierre Bourdieu
(1996), mas tentei, o tempo inteiro, me vigiar.
b) apresentando o objeto de estudo
Baseado nessa vivência e com as informações acumuladas com essa experiência,
outras questões foram surgindo em minha mente inquieta, questões do tipo: por que a
política de Queimadas, em termos de disputa, em sua história política pós-didatura
militar, sempre se deu entre a família Ernesto e Rêgo? O que permite que estas famílias
permaneçam disputando e ocupando o cargo executivo local desde praticamente a
fundação deste município? Através de que elementos se construíram esta dominação?
De onde se originam essas famílias? Quais as formas ou maneiras dessas famílias
realizarem as ações políticas locais? Estas são algumas das indagações que pretendo
responder neste texto dissertativo.
Foram essas indagações que surgidas da própria experiência e vivência no
espaço da política local e somadas as discussões que realizei com minha orientadora no
decorrer de minha trajetória acadêmica, em especial nestes últimos três anos, que me
fizeram lançar o olhar epistemológico com o intuito de problematizar e tentar
compreender a dominação política destas duas famílias, Ernesto e go, no município
de Queimadas.
16
O que proponho, portanto, na presente dissertação, é analisar, remontando
através da genealogia das famílias Ernesto e Rêgo, a dominação política que estas
exerceram e ainda exercem no município de Queimadas; tenho por intenção ainda
investigar quais os elementos que possibilitaram esta dominação, e como se deram às
disputas no seio destes grupos, bem como quais os capitais,
4
no sentido de Bourdieu
(1996) que estão em jogo. Com isto, tentarei perceber como se estruturou o campo
5
e o
habitus
6
político local e que práticas foram utilizadas para a realização destes.
Desta feita tentarei, a partir das práticas realizadas pelos agentes locais,
estabelecer compreensões sobre a sua cultura política, no sentido de compreender as
estruturas sociais, na qual os agentes estão envolvidos e as estruturas mentais (habitus).
Em outras palavras, buscarei investigar como esta estrutura social, através dos
valores, foi incorporada aos agentes e, conseqüentemente, como estes orientaram e
orientam às suas práticas através da percepção que fora internalizada tornando-se uma
legítima matriz de percepção e de orientação do agir no espaço social no qual os agentes
se encontram inseridos num espaço que é de disputa e de relações de poder, ou seja, um
espaço de dominação e de violências simbólicas.
Assim tentarei compreender a cultura como sendo marcada e construída a partir
das práticas desenvolvidas pelos agentes sociais e políticos, pelas instituições e
indivíduos que atuam dentro do espaço social
7
, conforme Bourdieu (2001a). Por assim
dizer, uma das maneiras de compreender a constituição política de um país, de um
estado ou de um município, pode ser através do entendimento de como se constituiu
4
Por capitais aqui é entendido, conforme Bourdieu, elementos distintivos, princípios de diferenciação
entre os agentes que se encontram em um espaço social estruturado através dos campos. Neste caso,
conforme o quantum de capital, os indivíduos assumem uma posição dentro do campo, do espaço da
prática. Capitais, para tanto, enquanto elementos de distinção, diferenciação, não são apenas de ordem
econômica, mas também de ordem cultural, político ou social.
5
Conforme a análise de Bourdieu “campo é esse espaço onde as posições dos agentes se encontram a
priori fixadas. O campo se define como o locus onde se trava uma luta concorrencial entre os atores em
termos de interesses específicos que caracterizam a área em questão; O campo se particulariza, pois,
como um espaço onde se manifestam relações de poder, o que implica afirmar que ele se estrutura a partir
da distribuição desigual de um quantum social que determina a posição que um agente específico ocupa
em seu seio”. Bourdieu denomina esse quantum de “Capital social”. (BOURDIEU, 1983, p. 19-21)
6
“os habitus são princípios geradores de práticas distintas e distintivas o que o operário come, e
sobretudo sua maneira de comer, o esporte que pratica e sua maneira de praticá-lo, suas opiniões políticas
e sua maneira de expressá-las diferem sistematicamente do consumo ou das atividades correspondentes
do empresário industrial; mas são também esquemas classificatórios, princípios de classificação,
princípios de visão e de divisão e gostos diferentes.” (BOURDIEU, 1996, p. 22)
7
O espaço social, isto é, a estrutura das distribuições, é o fundamento de tomadas de posições antagônicas
sobre o espaço, vale dizer, sobretudo, sobre a distribuição, e, ao mesmo tempo, um móvel de lutas e de
confrontos entre os pontos de vista (...) essas lutas para impor a visão e a representação legítimas do
espaço, a orto-doxia, recorrendo frequentemente, no campo político, à profecia ou à previsão, pretendem
impor princípios de visão e divisão (...) que a partir de self-fulfilling prophecy, podem contribuir para
fazer os grupos existirem. (BOURDIEU, 2001a, p. 224)
17
e/ou se constitui o campo e o habitus político, situando e estabelecendo a relação entre
as estruturas objetivas, no âmbito da sociedade, e as estruturas subjetivas, no que diz
respeito aos valores, costumes e crenças incorporadas e transmitidas pelos agentes
quanto a sua maneira de fazer política.
Especificamente nesta dissertação o objetivo é compreender o que levou estes
dois grupos políticos a permanecer tanto tempo no domínio político local, quais relações
sociais se desenvolveram no seio desta sociedade e que práticas políticas foram
desenvolvidas que possibilitaram tais práticas de dominação. A partir disso, entender-
se-á como se constituiu a estruturação deste espaço e qual o habitus político no
município de Queimadas, a partir da década de 1970 até final da década de 1990,
remontando através da genealogia, a origem destes grupos.
Com tal intento, problematizo e identifico as principais práticas políticas
desenvolvidas pelos dois agentes políticos locais Sebastião de Paula Rêgo e Saulo
Ernesto, os quais são herdeiros políticos diretos da liderança Carlos Ernesto.
8
Com base no exposto, o meu objeto de estudo é a análise da dominação política
local através da tradição familiar, enfatizando as práticas dos agentes envolvidos nas
disputas pelo poder executivo local. Para tanto, realizo uma análise do espaço social e
do campo político, conseqüentemente, como espaço das relações de poder e do
exercício da violência simbólica.
Para tanto, a dissertação encontra-se dividida em cinco capítulos; no primeiro
capítulo intitulado: “Discussão teórica e caminhos da pesquisa”, apresento alguns
aspectos teórico-metodológicos da abordagem. Baseando-me na proposta sociológica de
Pierre Bourdieu, explicito alguns de seus conceitos com os quais teoricamente
operacionei e dialoguei com os dados empíricos e, em termos metodológicos, discuto o
que Bourdieu propôs através da noção de vigilância epistemológica enquanto um
exercício de instituição do olhar do pesquisador em relação aquilo que está
investigando, no que diz respeito ao objeto pesquisado.
No segundo capítulo: “História local, família e poder” apresento sucintamente
a maneira como a história local de Queimadas é contada a partir das famílias
tradicionais e destaco, em um segundo momento, como essa história é apenas uma
versão dos dominantes, visto que estas famílias se construíram historicamente no
8
Como será visto no Capítulo III “Tradição familiar e dominação na política local”, Carlos Ernesto é uma
das lideranças locais advindas da família Heráclio-Ernesto-Rêgo que exerceu domínio político no
município de Queimadas da metade da década de 1960 até o início da década de 1980.
18
município de Queimadas a partir de práticas e ações, portanto, exercícios de poder,
sobre as demais famílias e sobre o espaço local, de dominação dos espaços locais por
meio do controle da maioria das terras e do domínio político através dos diversos
capitais, construídos historicamente pela família e consentido, portanto, legitimado, por
aqueles que são subsumidos ao capital, mas que sobrevivem de suas dependência quer
seja econômica, quer seja política. Assim problematizo a origem genealógica da família
“Ernesto-Rêgo”, a ocupação por ela nas instâncias de poder local, estadual e nacional e
poder desta família nos Estados da Paraíba e Pernambuco.
No terceiro capítulo: “Tradição familiar e dominação na política local”, tendo
no segundo capítulo destacado e a genealogia e o exercício de dominação da família
‘Heráclio-Ernesto-Rêgo’ e apresentado suas influências, no estado de Pernambuco e da
Paraíba, analiso como se deu a dominação política por esta família no município de
Queimadas, através das práticas desenvolvidas pela liderança Carlos Ernesto. Com isso,
apresento as práticas de compadrio e a troca de favores, enquanto práticas norteadoras
do fazer político local, como exercícios de dominação violenta, ou seja, como violências
simbólicas sobre aqueles que se encontram nestas relações de dependência e submissão.
No quarto capítulo: “Trajetórias, rituais e disputas políticas”, apresento a
trajetória de duas lideranças construídas e apresentadas para o poder executivo local por
Carlos Ernesto, na década de 1970, e que, posteriormente, nas décadas de 1980 até o
final da década de 1990, se constituíram como os dois grupos políticos locais que
disputariam os pleitos subseqüentes ao executivo. Para tanto, tento perceber os rituais e
as metáforas que foram construídas para a atuação destes personagens,
conseqüentemente, os elementos de distinção, que foram sendo construídos um em
relação ao outro. Apresento, dessa maneira, as metáforas da “raposa e o lagarteiro” e o
“matuto sabido e o doutor” não apenas como visão de um em relação ao outro, mas
como uma imposição de um modo de fazer política de cada um e di-visão, portanto,
diferenciação, de um em relação ao outro, sendo, enquanto elementos discursivos, jogos
de linguagens e jogos estratégicos de disputas políticas.
No quinto e último capítulo, intitulado: “Cultura Política”, apresento, uma
discussão sobre a cultura política, a partir das práticas desenvolvidas por esta “possível
nobreza” que dominou politicamente Queimadas, percebendo-a como uma cultura da
“sujeição”, da dependência e da subserviência o que conduz os agentes sociais,
subsumidos ao acesso de qualquer tipo de capital, a sofrerem através das práticas e
trocas de favores, violências simbólicas e a perda da autonomia, tornando-os
19
verdadeiros “devedores de favores”, muitas vezes sendo levados a contrair “dívidas
eternas”, perdendo assim a autonomia e se tornando sujeitos heterônomos”, submissos
e dependentes dos favores praticados pelas lideranças políticas locais.
Por fim, apresento as considerações finais, tentando identificar os resultados
finais a que cheguei com o presente trabalho e esperando sinceramente, que esse texto
seja uma contribuição à área de estudos de Cultura Política e de Antropologia da
Política, bem como das Relações de Poder Local e que sirva, sobremaneira, à
curiosidade acadêmica e desperte em seus leitores o desejo de continuidade de
realização de pesquisas na área em questão.
20
CAPÍTULO I – DISCUSSÃO TEÓRICA E CAMINHOS DA
PESQUISA
1.1. Algumas questões teóricas
A sociologia de Pierre Bourdieu é caracterizada por uma ênfase atribuída,
fundamentalmente, às relações de poder. Por isso, a linguagem, a comunicação, para
além de possibilitar a interação, propicia também a construção de relações de poder;
como explica o autor:
as relações de comunicação o, de modo inseparável, sempre,
relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder
material ou simbólico acumulado pelos agentes (ou pelas instituições)
(...) cumprem a sua função política de instrumento de imposição ou de
legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a
dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o
reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam
contribuindo assim, segundo a expressão de Weber, para a
‘domesticação dos dominados’ (BOURDIEU, 2001, p. 11)
Uma vez que os agentes sociais estão situados dentro de um campo, este espaço
da prática e de disputas é que ocupam posições diferenciadas.
A sociedade é constituída por campos nos quais os agentes disputam posição
dentro destes. Assim o campo, ensina Ortiz,
“se particulariza, pois, como um espaço onde se
manifestam relações de poder, o que implica afirmar que ele se estrutura a partir da distribuição
desigual de um quantum social que determina a posição que um agente específico ocupa em
seu seio. Bourdieu denomina este quantum de ‘capital social’” (ORTIZ, 1983, p. 21)
Sendo a sociedade estruturada pelos campos os quais são estrutura estruturada,
nele se encontram os dois pólos, ou seja, os dominantes e os dominados. Ao primeiro,
está relacionado à maior dimensão do quantum, ao maior acúmulo de capital; ao
segundo se relaciona a raridade de capital. Quanto maior for a quantidade de capital
acumulado, mais o indivíduo tende a ser dominante no campo.
Daí a tentativa, nesta dissertação, de compreensão dos capitais que se
encontravam em jogo, em disputa, a partir das duas lideranças Sebastião de Paula Rego
e Saulo Ernesto, no campo político no município, destacando a posição que cada um
ocupa dentro do espaço social, sua origem e os capitais simbólicos que permeiam o seu
habitus político.
Ora, assim poder-se-á destacar que no campo político, concebendo este
enquanto espaço da prática e de disputa, se encontra a concorrência por determinados
21
tipos de bens simbólicos, a exemplo, o poder, que é o elemento essencial de disputa
dentro do campo político; em torno disso, ou melhor, em busca deste bem, o campo se
estrutura a partir de toda uma distribuição desigual de capital, assim como de uma luta
desigual visto que existem os agentes que possuem mais capital político que outro.
Estes capitais possuídos por determinados indivíduos mais que por outros é o que
possibilita a diferenciação, a distinção, ou seja, este “traço distintivo propriedade
relacional que só existe em relação a outras propriedades” (BOURDIEU, 1996, p. 18).
Nestes termos, para uma leitura que leve em consideração tanto à dimensão do
dominante quanto a dimensão do dominado, ver-se-á, através da análise do sociólogo
francês Pierre Bourdieu, principalmente em seu livro O poder simbólico”, à
problemática dos “sistemas simbólicos”, sistemas estes que são, antes de mais nada,
pensados como estruturas estruturantes.
O habitus, por exemplo, pode ser pensado como uma estrutura estruturante, está
no plano da subjetividade e se relaciona aos indivíduos e grupos. Em outros termos, o
habitus é o processo de inculcação dos valores, normas e princípios sociais; é o não-
conhecido, o que não se reduz ao moldes das estruturas objetivas. nele, portanto, um
quantum de vago que necessita de pesquisa empírica para que o conceito não seja letra
morta. Assim, para saber, numa dada pesquisa, quais foram às estruturas objetivas que
realmente foram incorporadas, faz-se necessário observar, associado às posições que os
agentes ocupam no campo, os móveis da ação individual implicada que serão
localizados na idade, sexo, nível social, econômico etc.
Logo, o habitus é um conceito que precisa de pesquisa e investigação, que
esse conceito foi forjado por Bourdieu para dar conta das dinâmicas sociais, dos
confrontos.
O sociólogo francês chama a atenção quando desenvolve e recupera o conceito
da tradição filosófica (Aristóteles), para a dimensão não tão somente da ação individual
dos agentes, mas também para o contexto no qual este agente está inserido. Dito de
outra maneira, o habitus é a conexão individual e grupal com o mundo social, é a
incorporação de valores, costumes, que os agentes adquirem no decorrer de suas
trajetórias de vida, as quais são construídas em contextos sociais e dentro de espaços de
lutas e disputas por capitais. Assim, não se torna cabível pensar apenas as ações
subjetivas dos agentes como sendo construtoras do mundo social, mas antes observar
que o mundo social existe porque há a confluência entre estruturas objetivas (que
existem fora e antes do indivíduo) e estruturas incorporadas (que existem no indivíduo
22
que o formarão como agente social). Ou seja, não há, conforme Bourdieu, por que se
decidir entre um pólo e outro, visto que ambos interagem dialeticamente.
9
O habitus,
10
por assim dizer, não se reduz à mera cultura individual, posto que é
a interiorização da exterioridade, é o processo através do qual os indivíduos, enquanto
agentes sociais, incorporam por meio do processo de socialização os valores e costumes
existentes na sociedade; é o plano subjetivo da ação do sujeito; é a maneira como a
mente incorpora as estruturas objetivas. Em outros termos, é a maneira como a mente
organiza os valores da sociedade, das estruturas estruturadas, ao mesmo tempo
convertendo-as em estrutura estruturante.
As estruturas estruturantes são antes estruturas estruturadas, estas que se
remetem à dimensão objetiva da sociedade; os campos sociais, por exemplo, são
estruturas estruturadas. Estruturas que possuem uma gica própria e automizados, ou
seja, a cada campo cabe funcionar da sua forma, sendo, portanto, interligados uns aos
outros; no sentido de que os participantes, podem muito bem participar de um e de outro
conforme o seu capital. O “prestígio”, por exemplo, é o capital por excelência, no
campo religioso, o dinheiro”, no campo econômico e o poder” no campo político, em
princípio.
Assim, os indivíduos agem a partir da posição que ocupa na sociedade, porém
esta posição está relacionada a toda a organização da sociedade e ao espaço social do
qual o agente faz parte.
Além disso, dentro do espaço social estão constituídos os “sistemas
simbólicos”
11
que funcionam também como sistemas de dominação, uma vez que
exercem força sobre os indivíduos. Daí que Pierre Bourdieu (2001) irá falar sobre o
“poder simbólico”, entendido como
9
Aqui se percebe a crítica e, ao mesmo tempo, a recuperação que Bourdieu faz das duas vertentes do
pensamento sociológico clássico, uma que atribuiu ênfase à estrutura (sociedade) e outro que privilegiou a
ação (indivíduo). Bourdieu fugindo desta dicotomia postula uma sociologia da prática uma vez que
recupera a análise daqueles que atribuíram maior ênfase à força exercida pela sociedade, pela estrutura
estruturada, a exemplo Durkheim e Marx, percebendo que estes esqueceram de atribuir importância a
ação dos agentes dentro desta estrutura, assim como também recupera a análise sociológica de Weber que
se coloca no outro pólo do debate, qual seja, atribuindo ênfase a ação individual dos sujeitos, mas
esquecendo da estrutura (sociedade).
10
Antes de Bourdieu, outros intelectuais, como Norbert Elias já fazia uso do termo habitus como conceito
sociológico que visava superar o dualismo entre indivíduo e sociedade. Aparentemente, Bourdieu parte
dessa concepção de habitus de Elias para resolver essa dicotomia entre as duas instâncias do social.
11
Os sistemas simbólicos (arte, religião, ciência e língua) exercem um poder estruturantes porque, antes
são estruturados. São instrumentos de construção e interação do mundo social, assim como são
instrumentos de dominação, visto que sistemas simbólicos são sistemas de comunicação e as “relações de
comunicação são de modo inseparável, sempre relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo,
do poder material ou simbólico acumulado pelos agentes (ou pelas instituições) envolvidas nas relações”.
(BOURDIEU, 2001b, p. 11)
23
poder invisível o qual pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o
exerce e, ainda, o poder simbólico como poder de constituir o dado
pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de
transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo,
portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o
equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica),
graças ao efeito específico de mobilização, se exerce se for
reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. (BOURDIEU,
2001b, p.14)
E ainda, conforme Louis Pinto (2000: p.77), o poder simbólico é entendido
como sendo este dispositivo que não pode ser “estabelecido pela separação entre o
poder e a violência, o conhecimento e a política (...),” daí que, para Bourdieu, o
simbólico se exprime pelo seu “contrário” aparente, o poder e a violência.
Nesses termos, é possível perceber, a partir da própria noção de poder simbólico,
as relações políticas e as práticas que irão se construindo e se constituindo pelas
lideranças locais, as quais possuem características que por muitos eram e são tidas como
naturais, como sendo características pessoais da personalidade das mesmas; deixando
assim de perceber que é a cultura incorporada e o seu modo de agir historicamente
construído que se apresenta como sendo algo inerente a sua natureza.
Esta concepção de um poder invisível que caracteriza o poder simbólico pode
ser percebida através do modo como é exercida a dominação política local através das
lideranças por intermédio de suas práticas políticas. Para tanto, compreender a
dominação é perceber o exercício do poder não apenas do ponto de vista do ‘detentor’,
mas por aqueles que são dominados, uma vez que o poder simbólico se legitima e se
exerce quanto mais for ignorado, e mais se constrói na relação. Assim, o que tentarei a
partir do aporte teórico bourdiniano será compreender a dimensão relacional do poder
simbólico e o exercício legítimo da dominação presentes nos dois principais grupos
políticos locais do município de Queimadas.
Os agentes, muitas vezes, deixam de perceber que os poderes atribuídos são
produzidos socialmente numa relação na qual os seguidores ou liderados depositam no
dirigente a crença e credibilidade nos seus dons extraordinários como portador de uma
missão ou algo semelhante e que é preciso ele acreditar nesta crença para que seja
legítima.
Assim, ocorre, nesta relação, o que Bourdieu denomina de poder invisível, poder
simbólico, poder dissimulado, uma vez que os indivíduos não percebem os processos
24
que estão por traz das ações dos mesmos. Eles reconhecem, legitimam o poder, porém
não compreendem que este é construído a partir deles, dos dominados que depositam a
crença e a credibilidade nas lideranças.
Nesta relação de dominação pelas lideranças ocorre uma violência simbólica
onde se apresentam encobertas as relações de poder, tendo em vista que a sua força é
tanto maior quanto menos os dominados reconhecerem a engrenagem, o funcionamento
e a maneira pela qual se o surgimento e a perduração desta forma de poder. Desta
feita, legitima-se este poder como algo originário das próprias lideranças, percebendo
como algo “natural”, e não identificando assim os seus processos e não encarando como
algo que se construiu relacional e socialmente pelos envolvidos.
Ver-se-á, dessa maneira, que o poder simbólico, exerce também uma violência
simbólica, visto que o seu exercício se de maneira invisível, porém reconhecível,
senão não seria efetivo. Aliás, todo poder é reconhecível, os sinais e os símbolos
envolvidos no contexto social e, portanto, nas relações de poder, são reconhecíveis, o
problema está em que as pessoas reconhecem, mas não entendem os seus processos. É,
portanto, o não entender os seus processos que Bourdieu vai afirmar que quanto mais
ignorado mais efetivo ele o é, e cabe ao pesquisador desvendar estes processos.
O poder simbólico é um poder reconhecido e legitimado. É um poder camuflado
em seus processos, posto que exerce sobre os indivíduos uma violência simbólica já que
não se percebe os seus processos que são invisíveis se observado não com um olhar
diferenciado. Diferenciado, nesse sentido, de não se analisar que as crenças e as
credibilidades são decorrentes da legitimidade dos correligionários, crentes e
seguidores; são eles quem imprime visibilidade às lideranças. A legitimidade, nesse
sentido, se torna possível pelo fato de que as pessoas que admiram aquela liderança,
passam a exaltá-la, aliás, a crer naquilo que ela representa. É essa crença e a
credibilidade que o torna visível.
Com isto, Bourdieu irá, a partir da elaboração do conceito de poder simbólico,
perceber que são os dominados, que não percebendo os processos do poder, acabam
legitimando a autoridade como se a liderança surgisse dos poderes deles próprios.
Assim, para se compreender essa forma de poder é necessário levar em consideração: a)
a sua forma de representação; b) a sua natureza relacional e a c) sua relação com o
capital político do grupo e do líder, situando-o dentro do campo.
O poder simbólico enfim, é uma forma legítima de poder, reconhecido na sua
constituição de poder e irreconhecível na sua constituição de, enquanto poder, ser
25
exercício de uma violência simbólica. E enquanto violência simbólica, ser instrumento
de imposição e de legitimação da dominação.
Com base neste aporte teórico e com base na presente proposta investigativa,
creio que este estudo não somente pode ser classificado como uma investigação sobre
famílias, dominação política e disputas, mas também busca problematizar e apresentar
as alianças locais como uma via de interpretação para compreender as formas de
organização política local e, por conseqüência, compreender a organização política da
Paraíba a partir das relações parentais com base no domínio historicamente exercido
pelas famílias tradicionais, destacando o tipo de dominação que estas exercem
politicamente.
Por último, esse texto foi construído com o sincero desejo de vir a ser uma
contribuição aos estudos de poder local, bem como aos estudos de cultura política do
município de Queimadas.
1.2. A vigilância epistemológica: a construção do objeto e a instituição de um novo
olhar
Um trabalho que se pretende científico deve, antes de tudo, explicitar qual
metodologia que orientou a pesquisa. Como a linguagem denuncia a perspectiva
daquele que a escreve, pela linguagem e pelos conceitos que venho trabalhando desde a
introdução, fica notório que Pierre Bourdieu é o principal teórico que me utilizo como
suporte teórico para a construção deste texto. E não seria diferente em se tratando de
metodologia, até porque este também nos oferece uma proposta para se pensar o ofício
do sociólogo e, por assim dizer, o ofício do cientista social.
Em toda e qualquer pesquisa científica a relação que se estabelece é entre o
sujeito e o objeto. Nas ciências humanas esse objeto estudado são seres concretos e
históricos (agentes sociais), assim como o pesquisador. Daí decorre as dificuldades e a
problemática discussão de como obter resultados científicos nas ciências humanas
(ciências do espírito) de maneira que estes sejam objetivos. Que os resultados não sejam
apenas a descrição da realidade (senso comum) ou o que Bourdieu chama de descrição
da realidade realizada pelo empirismo, ou que os conceitos não sejam apenas modelos
heurísticos que se encaixam numa dada realidade.
As teorias científicas e as construções conceituais científicas devem ser sempre
testadas com o mundo empírico. É esta relação entre teoria e prática que permite a
26
construção do conhecimento científico. Esta se não de maneira mecânica na
aplicação da teoria à prática, mas de forma dinâmica numa relação entre o pesquisador e
o objeto pesquisado.
Portanto faz-se necessário ao pesquisador romper com o senso comum, com
aquilo que se apresenta para ele; nestes termos ensina Bourdieu: “a construção do objeto
– pelo menos na minha experiência de investigador – não é uma coisa que se produza de
uma assentada, por uma espécie de ato teórico inaugural, e o programa de observações
ou de análises por meio do qual a operação se efetua, não é um plano que se desenhe
antecipadamente, à maneira de um engenheiro: é um trabalho de grande fôlego, que se
realiza pouco a pouco, por retoques sucessivos, por toda uma série de correções, de
emendas, sugeridos por o que se chama ofício, quer dizer, esse conjunto de princípios
práticos que orientam as opções ao mesmo tempo minúsculas e decisivas”.
(BOURDIEU, 2001, p. 26-27)
O objeto ou o fato científico é conquistado, construído e constatado. E não
apenas constatado como o faz o empirismo. Portanto, aqui se apresenta na perspectiva
metodológica de Bourdieu toda uma hierarquia dos atos epistemológicos, ou seja,
construir um objeto científico não é apenas descrevê-lo, mas analisá-lo, e nessa análise
romper com o conhecimento de primeira ordem, aquilo que se apresenta para o
pesquisador. Em outras palavras, “construir o objeto supõe também que se tenha,
perante os factos, uma postura ativa e sistemática”. (BOURDIEU, 2001, p.32)
Para romper com a passividade empirista, que não faz senão ratificar as pré-
construções do senso comum, não se trata de propor grandes construções do senso
comum, não se trata de propor grandes construções teóricas vazias, mas sim de abordar
um caso empírico com a intenção de construir um modelo que não tem necessidade de
se revestir de uma forma matemática ou formalizada para ser rigoroso –, de ligar os
dados pertinentes de tal modo que eles funcionem como um programa de respostas
sistemáticas, apropriadas a receber respostas sistemáticas. Em resumo, trata-se de
construir um sistema coerente de relações, que devem ser postas à prova como tal.
Trata-se de interrogar sistematicamente o caso particular, construído em “caso particular
do possível”, como diz Bachelard, para retirar dele as propriedades gerais ou invariantes
que se denunciam mediante uma interrogação assim conduzida (se esta intenção está
ausente, freqüentemente, dos trabalhos dos historiadores, é sem dúvida porque a
definição social da sua tarefa, que está inscrita na definição social da sua disciplina, é
27
menos ambiciosa ou pretenciosa, mas também menos exigente, deste ponto de vista, do
que a que se impõe ao sociólogo”. (BOURDIEU, 2001, p. 32)
A atividade de pesquisa, nesse sentido, requer, por parte do pesquisador, aquilo
que Bourdieu denomina de vigilância epistemológica o que leva o cientista social a
romper com a familiaridade que o universo social constitui e que é, para o pesquisador
social, um obstáculo epistemológico por excelência porque ela produz continuamente
concepções ou sistematizações fictícias (BOURDIEU, 2004a, p.23).
Com esta vigilância o pesquisador se distancia das opiniões comuns a qualquer
sociologia espontânea a qual apresenta a realidade da maneira que esta se apresenta. E
assim, realizada esta ruptura com o senso comum, pode-se dizer que o olhar sociológico
é científico, no sentido de não afirmar aquilo que está se apresentando pela realidade,
mas por tentar compreender os processos que originaram tal realidade. Portanto, para
Bourdieu, “não é a descrição das atitudes, opiniões e aspirações individuais que tem a
possibilidade de proporcionar o princípio explicativo do funcionamento de uma
organização, mas a apreensão da lógica objetiva da organização é que conduz ao
princípio capaz de explicar, por acréscimo, as atitudes, opiniões e aspirações. Esse
objetivismo provisório que é a condição da compreensão da verdade objetivada dos
sujeitos é também a condição da compreensão completa da relação vivida que os
sujeitos mantêm com sua verdade objetivada em um sistema de relações objetivas”.
(BOURDIEU, 2004a, p. 29)
Com esta proposta metodológica faz-se necessário não tão somente romper com
o senso comum, mas também romper com o senso comum da ciência, com os conceitos
que são usados de maneira mecânica sem que estes sejam testados conforme a realidade
estudada, é romper com o pré-construído para que a partir da realidade estudada possa
conquistar, construir e constatar o objeto que nela se encontra.
Logo, construir um objeto científico é, antes de mais e, sobretudo,
romper com o senso comum, quer dizer com representações
partilhadas por todos, quer se trate dos simples lugares comuns da
existência vulgar, quer se trate das representações oficiais,
freqüentemente inscritas nas instituições, logo, ao mesmo tempo na
objetividade das organizações sociais e nos cérebros. O pré-construído
está em toda a parte. O sociólogo está literalmente cercado por ele,
como o está qualquer pessoa. O sociólogo tem um objeto a conhecer,
o mundo social, de que ele próprio é produto e, deste modo, todas
as probabilidades de os problemas que põe a si mesmo acerca deste
mundo, os conceitos e, em especial, as noções classificatórias que
emprega para conhecer, noções comuns como os nomes de profissões,
28
noções eruditas como as transmitidas pela tradição da disciplina
sejam produto desse mesmo objeto. Ora isto contribui para lhes
conferir uma evidência a que resulta da coincidência entre as
estruturas objetivas e as estruturas subjetivas – que as põe a coberto de
serem postas em causa. (BOURDIEU, 2001, p. 34)
Ora, assim cabe ao cientista, não somente desconfiar deste olhar da familiar
realidade que está estudando, mas desconfiar da teoria que está se utilizando para
realizar o estudo. Isto equivale afirmar que cabe ao cientista social vigiar-se
constantemente contra dois “sensos comuns”: 1) o senso comum da realidade que é
visto e concebido por todos, são representações, conceitos compartilhados por todos ou
pela maioria dos que naquela realidade vivem, é a produção de certa “sociologia
espontânea”, que é importante para o estudo sociológico crítico, mas que não deve ser a
descrição verdadeira dos fatos, mas sim o ponto de partida para se chegar a uma
compreensão do fato científico; e 2) do senso comum que é advindo da doxa do senso
comum douto, o senso comum da ciência, ou seja, cabe também ao pesquisador colocar
sob o crivo da crítica a própria construção social dos conceitos produzidos pela
sociologia. Com esta postura o cientista social poderá, conforme Bourdieu, “romper
com os instrumentos de ruptura que anulam a própria experiência contra a qual eles se
construíram”. (BOURDIEU, 2001, p. 48)
Nestes termos, Bourdieu acrescenta que a “ruptura é, com efeito, uma conversão
do olhar, e pode-se dizer de ensino de pesquisa em sociologia que ele deve em primeiro
lugar “dar novos olhos” como dizem por vezes os filósofos iniciáticos. Trata-se de
produzir, senão “um homem novo”, pelo menos, “um olhar novo”, um olhar
sociológico. E isso não é possível sem uma verdadeira conversão, uma metanoia, uma
revolução mental, uma mudança de toda a visão do mundo social”. (BOURDIEU,
2001, p. 49). E, ainda, continua Bourdieu, deixando-nos a reflexão de que “aquilo a que
se chama a “ruptura epistemológica”, quer dizer, o pôr-em-suspenso as pré-construções
vulgares e os princípios geralmente aplicados na realização dessas construções, implica
uma ruptura com modos de pensamento, conceitos, métodos que têm a seu favor todas
as aparências do senso comum, do bom senso vulgar e do bom senso científico (tudo o
que a atitude positivista dominante honra e reconhece)”.
Em termos metodológicos fica, portanto, a lição de que o fato deve ser
conquistado, construído e constatado no próprio processo de pesquisa e é nesse
processo, por sua vez, nesta relação com a empiria, que as hipóteses são verificadas e
29
testadas, cabendo, ao pesquisador, a realização neste estudo do exercício da vigilância
epistemológica constante e, conseqüentemente, o “policiamento” em relação aos
“sensos comuns” em que pode recair o trabalho.
1.3. Passos metodológicos para um exercício do “olhar” sobre o “outro” na
sociedade do pesquisador
O que proponho estudar, como já mencionado, é a dominação política local
através da tradição familiar. É um estudo que se relaciona ao fenômeno do poder e que
exige um exercício epistemológico feito por parte do pesquisador numa tentativa de
compreender as práticas desenvolvidas por esta tradição familiar. Isto exige, na
linguagem de Bourdieu, o exercício da vigilância epistemológica constante para não cair
no senso comum ou na descrição da realidade da maneira tal qual ela se apresenta e,
assim, cair no erro da sociologia espontânea que de nada apresenta de científica.
Trata-se também de um estudo antropológico, de um olhar antropológico sobre o
fenômeno da política, em especial sobre a dominação política, através de instituições
tais como a família, a dádiva e a reciprocidade, que se fortalecem por meio das práticas
e trocas de favores. Trata-se de um estudo sobre o cotidiano da política, através dos
jogos de linguagens utilizados pelas lideranças locais e significados e legitimados pelos
agentes sociais. Trata-se ainda, de uma compreensão sobre a cultura política local,
pensada a partir das estruturas sociais que se encontram estruturadas (estruturas
objetivas) e as estruturas estruturantes, incorporadas nos agentes em forma de habitus e
que situadas num espaço de poder possibilitam disputas e concorrências, assim como
exercícios de dominação e, conseqüentemente, de violência simbólica.
É um olhar, enfim, mais uma vez, sobre o “outro”, olhar que caracteriza a
antropologia, desde a sua formação. O olhar sobre a alteridade, sendo que, neste
momento, o “outro” não é mais o distante, mas, sim o próximo, o familiar, que faz parte
da sociedade, do contexto cultural do pesquisador, daí a necessidade do policiamento do
olhar, da vigilância constante. Ou seja, a necessidade de construir este texto para além
da descrição empírica dos fatos, de compreendê-lo a partir da conquista, da construção
e, por conseguinte, da constatação, uma vez que o que nos é familiar é como se não
tivesse algo para desvendar, como se ele por si só já fosse explicativo.
12
12
Sobre a questão do exótico e do familiar, do próximo e do distante, consultar os trabalhos de Roberto
DaMatta: “O ofício do etnólogo, ou como ter Anthropological Blues’”; e de Gilberto Velho,
30
A necessária vigilância epistemológica refere-se ao processo de ruptura com os
“sensos comuns”, diz respeito a uma ruptura epistemológica que requer por parte do
pesquisador, uma nova postura crítica diante do objeto estudado. É uma postura que
requer uma compreensão teórica da tradição sociológica, mas que não fique apenas na
repetição desta, visto que o objeto estudado é novo em termos de olhar e em termos de
contexto no qual está inserido. É uma postura, portanto, que não despreza a empiria,
mas que não cabe apenas descrevê-la. Esta realidade que será por mim estudada deverá
portanto, ser pensada de maneira relacional e histórica.
Nesse sentido, em termos de ciência histórica são dois sujeitos que se encontram
(o sujeito-pesquisador e o sujeito-objeto pesquisado), ambos fazendo parte do mesmo
contexto sócio-cultural. Nestes termos:
a interpretação que se constrói sobre análises qualitativas o está
isolada das condições em que o entrevistador e o entrevistado se
encontram. A coleta de material não é apenas um momento de
acumulação de informações, mas se combina com a reformulação de
hipóteses, com a descoberta de pistas novas que são elaboradas em
novas entrevistas. Nestas investigações, o pesquisador é o mediador
entre a análise e a produção da informação, não apenas como
transmissor porque não são fases sucessivas, mas como elo necessário.
(CARDOSO, 1986:p. 101)
Esse encontro com o “outro” da mesma sociedade, esse encontro do sujeito-
pesquisador com o informante, entrevistado, não é um subjetivismo extremista, pois
existe uma reflexão racional e relacional nesse encontro, como salienta Ruth Cardoso:
não se trata do subjetivismo descontrolado invadindo o campo da
reflexão racional, mas sim da natureza intersubjetiva da relação
entre o pesquisador e o informante. (CARDOSO, 1986, p.102)
E acrescenta a referida autora:
a relação intersubjetiva não é o encontro de indivíduos autônomos e
auto-suficientes. É uma comunicação simbólica que supõe e repõe
processos básicos responsáveis pela criação de significados e de
grupos. É nesse encontro entre pessoas que se estranham e que fazem
um movimento de aproximação que se pode desvendar sentidos
ocultos e explicitar relações desconhecidas. (CARDOSO, 1986, p.
103) (grifo nosso)
“Observando o familiar”, ambos podem ser encontrados no livro organizado por NUNES, E. O. “A
Aventura Sociológica”, Rio de Janeiro, Zahar, 1987.
31
Neste campo político, campo de disputa, o simbólico assume relevância
fundamental para a compreensão da construção do personagem político, uma vez que as
próprias festividades da política, como comícios e passeatas, são exemplos de ritos
constitutivos deste fenômeno que é a política. E a antropologia, enquanto ciência do
“outro”, busca compreender o sentido simbólico desta alteridade.
O “outro”, portanto, é aqui encarado como o “outro-distante”,
epistemologicamente, uma vez que se faz necessário este distanciamento do “olhar”, ou
melhor, esta vigilância epistemológica. É um objeto de estudo em que o pesquisador
convive na ambiência do objeto pesquisado. A política, os processos de dominação e o
exercício de poder pelas elites políticas local, através de suas práticas costumeiras, é
algo da sociedade do pesquisador, dessa maneira, necessitando constantemente desta
vigilância epistemológica, para não cair no erro de uma sociologia espontânea.
1.4. Apontamentos sobre as técnicas utilizadas na pesquisa e a metodologia da
história oral
Para realizar este estudo fez-se necessário à utilização de recursos e cnicas
metodológicas que possibilitassem arregimentar os dados empíricos e documentais.
Após um ano de intensa coleta e análise de dados, tais como: discursos gravados em
fitas K7, vídeos de campanhas, fotografias, registros documentais, consultas ao jornal
local, consultas ao site do Tribunal Regional Eleitoral, entrevistas abertas com roteiro
semi-estruturado, creio ter conseguido os dados necessários e suficientes para a escrita
da presente dissertação.
Realizei ao todo 21 (vinte e uma) entrevistas. Para selecionar os informantes
estes foram escolhidos com base nas variáveis: faixa etária, sexo, local de origem se
na zona rural ou urbana profissão, vinculação partidária e vínculo a grupo político
local. Com este feito, o intuito foi situar as falas dos agentes dentro do campo, para
detectar de onde o agente fala. Percebendo, assim e, metodologicamente, conforme
Bourdieu, que a linguagem não é apenas um elemento de comunicação, mas também de
poder.
Foi também realizada pesquisa bibliográfica sobre o tema abordado,
destacando os trabalhos de diversos antropólogos desde a chamada Antropologia
clássica à contemporânea, passando por alguns estudiosos da ciência política, da
sociologia, da comunicação e da filosofia.
32
Durante a pesquisa realizei intenso trabalho de campo, no que diz respeito à
busca de informantes que pudessem indicar as pessoas que viveram nos momentos das
disputas políticas existentes no município, a partir da década de 1960. Com os
informantes, foi adotado também a metodologia da História Oral, visto que
constitui uma metodologia qualitativa de pesquisa voltada para o
conhecimento do tempo presente, permite conhecer a realidade
presente e o passado ainda próximo pela experiência e pela voz
daqueles que os viveram. Não se resume a uma simples técnica,
incluindo também uma postura, na medida em que seu objetivo não se
limita à ampliação de conhecimentos e informações, mas visa
conhecer a versão dos agentes. Permite conhecer diferentes versões
sobre um mesmo período ou fato, versões estas marcadas pela posição
social daqueles que os viveram e os narram. (LANG apud MENEZES,
2003, p.06)
13
O pesquisador se encontra envolvido num contexto sócio-cultural que no
processo de entrevistas têm-se as interações sociais, nas quais cada um dos
entrevistados, a partir de sua posição dentro do campo, apresenta suas diferenças de
narrativas pela posição de classe ou de gênero que ocupam. Daí decorre que “a
entrevista é apenas um momento da prática de pesquisa e não se orienta por
procedimentos pré-fixados e rígidos, mas trata-se de um espaço de interação entre
pessoas em posições sociais diferenciadas, em que se negociam saberes, práticas e
interesses”. (MENEZES, 2003, p. 06)
A entrevista, por assim dizer, defende ainda a citada autora, se constrói no
envolvimento entre duas subjetividades, a do pesquisador e a do pesquisado, e que
possibilita uma prática reflexiva que acompanha todas as etapas de realização da
pesquisa, desde a construção do objeto até a construção do texto final.
O olhar, o ouvir e o escrever se coadunam dentro do processo de pesquisa,
posto que é “nesse ímpeto de conhecer que o ouvir, completando o olhar, participa das
mesmas precondições desse último, na medida em que está preparado para eliminar
todos os ruídos que lhe parecem insignificantes, isto é, que não façam nenhum sentido
no corpus teórico de sua disciplina ou para o paradigma no interior do qual o
pesquisador foi treinado”. (Oliveira, 2000, p.21)
13
Consultar MENEZES, Marilada Aparecida. História oral: uma metodologia para o estudo da
memória. CNPQ, 2001-2003.
33
É exatamente no que diz respeito ao ouvir que surgem alguns problemas. Um
deles é que se encontram dois mundos diferentes: o do pesquisador e o do pesquisado,
mesmo quando o objeto de estudo é da mesma cultura, esta questão se apresenta. Outro
problema que surgiu durante a pesquisa foi o fato de nem sempre as pessoas
manifestarem motivação para falar sobre o tema da política, visto que envolviam os
agentes políticos no estudo ora realizado, sendo notório um forte receio, o que levou
alguns dos entrevistados a desmarcarem seus agendamentos para realização das
entrevistas e a assumirem o que Gerald Berreman
14
denominou de controle de
impressões, ou seja, “como forma de interação, a observação participante envolve
sempre controle de impressões”. (BERREMAN, 1980, p.143)
Em outras palavras, nem sempre os informantes falam espontaneamente aquilo
que poderia corresponder ao fato investigado. Selecionam as palavras, controlam as
impressões, tentando transmitir o melhor para o pesquisador, principalmente quando
este lhe é familiar. Por isso estivemos bastante atentos ao “olhar” e ao “ouvir” de como
transcorreram as entrevistas e os relatos de história oral. Com tais cuidados, foi possível
a aquisição de importantes e ricas informações. Mesmo com essas dificuldades, o
“ouvir” é fundamental porque está relacionado a um processo de interação entre
sujeitos, no espaço da observação participante. Esta participação, juntamente com os
conceitos teóricos apreendidos, possibilitou a construção deste texto.
Chega-se ao momento da escrita, “o escrever”, conforme Oliveira (2000). É o
momento da sistematização dos dados colhidos, é a relação direta entre o pensar e o
exercício da construção do texto, não que este pensar, este ato reflexivo não se
acompanhe de todo o processo. Mas agora chega o momento em que as escritas não
sistematizadas e anotadas no momento do “ouvir”, que foram transcritas as
entrevistas, serão trabalhadas pelo pensar e discutidas com as teorias ou leituras que
foram adquiridas sistematicamente, assim, o escrever passa a ser parte quase
indissociável do nosso pensamento, uma vez que o ato de escrever é simultâneo ao ato
de pensar”. (OLIVEIRA, 2000, p.31)
Assim e, seguindo, os passos de Bourdieu a relação de pesquisa
é uma relação social que exerce efeitos (...) sobre os resultados
obtidos. Sem dúvida a interrogação científica exclui por definição a
intenção de exercer qualquer forma de violência simbólica capaz de
14
Consultar BERREMAM, Gerald. “Por Detrás de Muitas Máscaras”. In: Desvendando Máscaras
Sociais. 2ª edição, Rio de Janeiro, RJ, Livraria Francisco Alves Editora S.A, 1980.
34
afetar as respostas; acontece, entretanto, que nesses assuntos não se
pode confiar somente na boa vontade, porque todo tipo de distorções
estão inscritas na própria estrutura da relação de pesquisa.
(BOURDIEU, 1997, p. 694)
A situação de pesquisa, nesse sentido, necessita por parte do pesquisador de uma
atitude reflexiva constante, de uma vigilância epistemológica, desde o momento da
entrevista até o momento da escrita, desde o olhar e o ouvir até o escrever.
Os resultados da análise dos dados, juntamente com a atitude reflexiva sobre os
dados coletados e as teorias discutidas, estão presentes nos capítulos seguintes, que
compõem esta dissertação.
35
CAPÍTULO II – HISTÓRIA LOCAL, FAMÍLIA E PODER
2.1. A história contada
A história do município de Queimadas
15
encontra-se umbilicalmente ligada à
história do município de Fagundes, pelo fato dessas duas localidades estarem próximas
e por se situarem na serra do Bodopitá; igualmente, a história de Queimadas, enquanto
espaço geográfico, é pautada pela história das famílias tradicionais, a começar pelos
Oliveira Ledo. E, como nos afirma Elpídio de Almeida,
16
A história de Fagundes
começa com a de Campina Grande, ou começa antes, pois quando Teodósio de Oliveira
Ledo aldeou os ariús na grande campina (1967), já os padres da Companhia de Jesus se
haviam retirado da serra de Bodopitá (Fagundes), onde tentaram sem persistência a
agricultura, retornando com seus índios à missão do pilar” (ALMEIDA, 1993, p. 399),
portanto, foi com o abandono da aldeia pelos jesuítas, não deixando nenhum marco de
sua permanência que, afirma Almeida, permitiu a Teodósio de Oliveira Ledo
17
requerer
ao governador da então capitania, no ano de 1702, terras devolutas na parte mais fértil
da serra de Bodopitá, onde hoje se localiza a cidade de Fagundes.
Continua Almeida (1993) fazendo menção a Irineu Jóffily sobre “Sinopse das
Sesmarias”, que Teodósio de Oliveira Ledo afirmava em seu requerimento que “tinha
descoberto com grande trabalho e despesa de sua fazenda na serra chamada Bodopi
um brejo de canas bravas e matas em que um olho d’água ... e nesses brejos e matas
que nela há lhe parecem capazes de produzir roças e outros legumes necessários para a
conservação com mais cômodo, não da guerra contra os Tapuias, mas também dos
15
Os dados utilizados na formulação desse capítulo foram retirados do Diagnóstico do Plano Diretor
Participativo do Município de Queimadas Diagnóstico Síntese da Leitura Técnica e Comunitária da
Realidade. Os dados secundários utilizados para a elaboração do Diagnóstico foram obtidos no Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNUD; Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste SUDENE; Atlas Escolar da Paraíba;
Prefeitura Municipal de Queimadas; Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil, entre outros.
16
Consultar, ALMEIDA, Elpídio. História de Campina Grande. Campina Grande/PB (1962). Edição
(facsimile), Epigraf – 1993.
17
Salienta Linda Lewin (1993): “líderes da abertura dos sertões da Paraíba ao povoamento, entre os anos
de 1660 e 1720, e fundadores de Pombal, Campina Grande e um grande mero de outros povoados no
interior, os Oliveira Ledo constituíram o mais importante tronco ancestral das “primeiras famílias do
sertão”. Antônio de Oliveira Ledo, o mais antigo desbravador pertencente a essa família, foi nomeado
governador militar do sertão pela Coroa portuguesa. Seu título, capitão-mor de Piranhas, Cariri e Piancós
(...). sucederam-no primeiramente seu irmão Custódio de Oliveira Ledo, depois o filho de Custódio,
Constantino de Oliveira Ledo, e finalmente o famoso irmão de Constantino, Teodósio de Oliveira Ledo.
Os laços agnatícios o parentesco entre irmãos, pai e filho, tio e sobrinho definiram a conquista, a
ocupação e o domínio político-militar como um negócio de família para os Oliveira Ledo até o final do
século XVIII”. (LEWIN, 1993, p. 53)
36
moradores do dito sertão, que mais facilidades as poderão povoar e assistir nelas; por
isso requeria a mercê de quatro guas de comprimento e uma de largura no dito brejo e
olho d’água das canas bravas na serra de Bodopitá, tomada de norte a sul” (ALMEIDA,
1993, p. 399).
Dez anos após esta solicitação, em 1712, será a vez de Pascácio de Oliveira
Ledo requerer também junto ao governador da capitania, apresentando os mesmos
motivos, ou seja, que também havia descoberto “um olho d’água no da serra
chamada Bodopitá, na qual havia terras devolutas e até o presente sem serem cultivadas
para lavouras e do pé da dita serra para baixo, fazendo-lhe benefício, se pode também
criar” duas léguas de comprimento por uma de largura. (ALMEIDA, 1993, p.400),
Estas terras foram concedidas pelo Governador a Pascácio de Oliveira Ledo,
mas logo este as vendeu ao seu parente o Sr. Capitão-mor Francisco de Oliveira Ledo.
Este, por sua vez, “transpassou, em 1765, a Antônio Soares da Silva, da freguesia do
Taipu. Declarou ele na escritura, ainda existente no Cartório “Cel. João Queiroga”,
Pombal, que entre os bens que possuía, ‘estava de mansa e pacífica posse de um sítio de
terra de criar e lavouras no sertão do Cariri de Fora, chamado As Queimadas, o qual
sítio houve por tulo de compra que dêle fez a Pascácio de Oliveira Ledo... contesta
pela parte do nascente com as terras do brejo, pela parte do poente com terras do
Bodocongó, pela parte sul com terras da data de André Vidal e pela parte do norte com
terras de Campina Grande, o qual sítio das ‘Queimadas’(ALMEIDA, 1993, p.400)
(grifos nossos).
A partir do exposto, percebe-se que é datado de 1712, da origem da sesmaria, a
origem a cidade de Queimadas. Sesmaria esta que fora requerida por Pascácio de
Oliveira Ledo e que nasceu com o nome que a cidade ainda conserva, mas que, em
1943, fora mudado, através do decreto-lei 520, para Tataguaçu, topônimo este que, a
bem de preservação histórica do lugar, teve curta duração oficial, conforme afirma
Almeida.
Destaca Antônio Lopes (2006, p.09) que “antes da efetiva exploração
comandada pelos burgueses, mais precisamente pela família Oliveira Ledo, esta parte da
Borborema da qual faz parte do município de Queimadas, era habitada por um povo
nativo que vivia em harmonia com a natureza retirando da mesma a sua sobrevivência”.
A ocupação dessa região aconteceu em decorrência de que sendo o Brasil
colônia de Portugal, o seu rei tinha interesse em explorar a colônia para garantir a sua
posse, no entanto, lhe faltava recursos financeiros para tal intento. A solução encontrada
37
para esse problema foi à criação do sistema de Sesmaria e de Data, que consistia em
distribuir terra para quem tivesse prestado serviço à coroa e possuísse condições de
explorá-la, vale salientar que estas duas políticas encontradas pela coroa para distribuir
terras através da Sesmaria e da Data, diferenciava-se uma da outra quanto ao tamanho, à
segunda em relação à primeira era menor em termos de tamanho das terras.
Como bem salienta Nelson Werneck Sodré (1979), em seu livro “Formação
histórica do Brasil”, “a dádiva principal que a Coroa fazia era a da terra, e havia terra de
sobra. A Carta de Doação concedia ao donatário não a propriedade da capitania inteira
mas a propriedade de uma parte dela; o restante, ele poderia conceder em sesmarias (...)
o sesmeiro poderia alienar o que recebia, arrendar, ceder, transmitir por herança,
segundo a legislação vigente”. (SODRÉ, 1979, p.68)
A sesmaria
18
da terra onde hoje está assentada a cidade de Queimadas foi
concedida a Pascácio de Oliveira Ledo. Segundo Lopes (2006), em seu livro
“Queimadas, seu povo sua terra”, explica que conforme a “tradição popular Pascácio
namorava uma moça na Bahia e os pais da mesma, por serem de família tradicional, não
aprovavam o casamento, sendo assim, a opção mais viável foi roubar a moça e fugir
para o Sertão da Paraíba”.
Ao chegar ao sertão, especificamente, Pombal, Pascácio recebeu a concessão de
duas Datas de terra, uma de Cabaceiras e a outra que também fora citado com os
motivos acima apresentados, na serra de Bodopitá. A Data da serra de Bodopitá,
inicialmente chamada de Tataguassu, palavra indígena que significa fogo grande, refere-
se certamente ao fogo posto na mata por Pascácio de Oliveira Ledo e seus homens, por
volta de 1712.
Ainda Lopes (2006) acrescenta que foi no século XIX que a localidade ganhou o
seu nome definitivo. Pessoas residentes em Fagundes dirigiam-se ao Boqueirão da serra
de Bodopitá, ao chegar ateavam fogo na mata para utilizar a terra para a pecuária,
com a criação de gado e a agricultura. Essa prática tornou-se comum e as pessoas que
saíam de Fagundes, geralmente diziam: “vamos para as Queimadas”.
Esse nome instituiu-se conforme dito em 1943 através da Lei de 520;
tentaram ainda, posteriormente, mudar o nome para Tataguassu, mas não deu certo e o
nome oficial passou a ser definitivamente Queimadas.
18
Conforme Almeida “a Carta Régia de 7 de dezembro de 1697, fixou as sesmarias em três léguas de
comprido e uma de largura” (ALMEIDA, 1993, p.37).
38
Por volta do ano de 1882, destaca Lopes que existiam no local onde hoje é a
cidade de Queimadas duas casas, uma de propriedade da família Tavares e outra da
família Muniz. Poucos anos depois chegavam ao local à família Manoel Lopes de
Andrade e a família Gonzaga que possibilitaram um aumento da população na cidade de
Queimadas. Teve também presença marcante na formação da população queimadense
as famílias Maia, Cardoso, Vélez, Pachu, Rego, Araújo, Ernesto, Duarte, Teixeira e
Gomes.
Conforme Epaminondas Câmara (1998) foi a partir de 1889 que Queimadas teve
início enquanto povoado. E Lopes (2006) afirma que o decreto estadual 37, de 15 de
outubro de 1890, criou o município de Fagundes na qual ficou pertencendo a sub-
delegacia de Queimadas. Área esta que pertencia ao município de São João do Cariri
que deu ensejo a Campina Grande, que por sua vez, cedeu área para Queimadas.
Campina Grande foi emancipada através da “Lei provincial 137 de 11/10/1864”,
e foi a Lei 533, de 25 de outubro de 1921, que criou o distrito de Paz de Queimadas,
em Campina Grande, tendo a frente da presidência da província Sólon de Lucena.
Foi através do decreto Lei federal 311, de 1938 que determinou a
transformação das sedes municipais em cidades e as sedes distritais em vilas sendo
assim Queimadas foi transformada em Vila, que esta pertencia a Campina Grande na
condição de Distrito.
Programação das Festas Comemorativas da Instalação do município de Queimadas. (In.: LOPES, Antonio
Carlos Ferreira. Queimadas, seu povo sua terra. Queimadas, 20006. p.11)
39
A partir da lei nº 2.622, de 14 de dezembro de 1961, que Queimadas passou a ser
considerada município, sendo assim instalada a sua sede no dia 30 do mesmo mês e ano.
O município de Queimadas, portanto, passou a ser reconhecido enquanto instância legal
e ente da federação a partir do dia 14 de dezembro de 1961.
Destaca-se desde o povoamento do município de Queimadas as práticas de
queimadas, coivaras e desmatamentos, os quais contribuíram e contribuem até os dias
de hoje para o predomínio da agricultura rudimentar. O uso indevido do solo, a
monocultura em áreas íngremes da Serra de Bodopitá, o superpastejo da pecuária
extensiva, a devastação da caatinga para a produção de lenha e carvão, com destaque as
espécies jurema e angico, hoje em extinção, tem sido práticas que m reduzido a
biodiversidade local. Observa-se ainda, que desde a formação do município predomina
uma estrutura agrária concentradora de terra. Esse fato é algo comum não para o
município de Queimadas, mas para o Nordeste como um todo. Este dado é importante,
visto que as lideranças políticas locais, da década de 60 até a década de 90, todas foram
advindas da zona rural e, em sua maioria, filhos de grandes proprietários de terras no
município.
2.2. O espaço local construído pelas relações de poder
José Adilson Filho, em seu livro A cidade atravessada: velhos e novos cenários
na política belojardinense”, abre o Capítulo II – A Cidade do Progresso: Mitos e
Emblemas, com a seguinte narrativa: “toda cidade é um fenômeno socialmente
construído que se materializa em maneiras e estilos de vida que são ao mesmo tempo
marcados por uma certa universalidade e particularidade histórico-espacial”
19
, a cidade
de Queimadas não seria diferente; esta foi construída socialmente a partir das ações e
relações de poder constituídas pelos que neste espaço a habitavam e habitam; ou seja, o
espaço é construído conforme as práticas que neles são desenvolvidas.
Quando se pergunta a qualquer queimadense sobre a história e a fundação deste
município, muitos se remeterão ao discurso que acima está posto, ou seja, a narrativa
que se escuta é que Queimadas se origina a partir do momento em que diversas pessoas
vinham realizar “queimadas”, queimar o “agave”, o “sisal”, que por aqui existia. Mas
quem foram essas pessoas que trabalhava queimando o sisal? quem trabalhavam nas
19
ADILSON FILHO, José. A cidade atravessada: velhos e novos cenários na política belojardinense.
Recife, COMUNIGRAF, 2009, p. 87.
40
atividades braçais? Eram exatamente os mais pobres, aqueles que prestavam serviços
aos donos e proprietários de fazendas, assim a história, ou uma das formas de expressar
o discurso historiográfico, como o imaginário local, é de que foi a partir das
“queimadas” que se originou o município. E, posteriormente, contraditoriamente, os que
serão relembrados como fundadores deste são os responsáveis por torná-lo legal diante
da ordem jurídica. Os membros da elite política local.
A história do município de Queimadas, portanto, é uma história de dominação
política econômica, cultural e territorial. O espaço fora ocupado por diversos agentes,
cabendo aos agentes das famílias tradicionais o domínio sobre as melhores terras, os
melhores espaços físicos territoriais. Logo, este espaço físico-territorial foi construído a
partir de um espaço na ordem do poder, ou como sugere Bourdieu, no campo do poder.
Daí o motivo de que quando se fala em Queimadas, são reconhecidamente relembrados
aqueles que a dominaram politicamente, mas não se faz menção aos processos e práticas
de dominação por estes exercida e como esta se construiu.
As famílias caracterizadas como tradicionais no município são exatamente
aquelas que possuíam sobre o espaço do município as melhores terras, são as que
conseguiam ter mais trabalhadores atuando em suas terras em uma determinada época
queimando o sisal, e em outra época do ano plantando e colhendo o algodão, o milho e
o feijão. É do tronco dessas famílias que exerceram domínio e poder sobre as relações
trabalhistas locais que se tornaram historicamente reconhecidos como a “possível
nobreza” que, posteriormente, assumirá o poder do município. Portanto, fazer parte
dessas famílias ou ter “o sangue” dessas famílias é possuir capitais simbólicos que
tornaram esses agentes diferentes dentro do campo político.
E não foi por mero acaso ou por observância da lei divina que estas famílias
historicamente dominaram política, econômica, espacial e culturalmente o município de
Queimadas, mas através de suas práticas desenvolvidas no interior de um espaço social
construído desigualmente por elementos de diferenciação, tais como família, terra e
poder econômico, político e cultural. Os filhos das famílias tradicionais, em sua grande
maioria, saiam para estudar nos grandes centros e voltavam para o exercício de cargos
públicos locais como “Doutores”, mais acúmulo de capital simbólico, o que permitem o
exercício legítimo da dominação política local, como sendo aqueles mais preparados
para o ofício da governança local.
41
Dados do Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, mostra-nos
aproximadamente uma década algo que até o presente momento não é tão dispare, mas
que se aproxima, ou seja, a razão de dependência que mede o quanto às pessoas são
dependentes de fonte de renda externa ou de outra pessoa para sobreviver. Esse índice,
embora bastante elevado, caiu de 87,1% (1991) para 73,9% (2000).
ANO - POPULAÇÃO 1991 2000
Menos de 15 anos 12.785 12.533
De 15 a 64 anos 17.401 20.722
De 65 e mais 2.369 2.777
Razão de dependência 87,1% 73,9%
Quadro 01: Distribuição da População
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil
As principais atividades econômicas do município nos últimos anos são o
comércio e a pecuária leiteira que tem uma produção estimada de mais 6.000 litros/dia.
O Produto Interno Bruto - PIB do município em 2003 foi de R$ 9.174 milhões e o PIB
per capita de R$ 2.546,07. A análise das receitas públicas do município mostra a forte
dependência em relação às transferências constitucionais do Governo Federal onde
99,0% dos recursos públicos advêm de repasses constitucionais federais
(QUEIMADAS, PDPQ, 2007).
Ressaltam-se, nesse sentido, os problemas relacionados à dependência das
transferências do Governo Federal, a desordem do sistema tributário do município, a
dificuldade de acesso ao crédito pelos pequenos e médios agricultores, a estrutura
agrária, ainda, concentradora de terra, como é característico do Semi-Árido nordestino,
a baixa produtividade em todos os setores da atividade econômica, uma elevada
concentração de renda com o índice de GINI
20
(que mede a concentração da renda),
elevando-se de 0,48 (1991) para 0,52 (2000) e a baixa qualificação da mão-de-obra
(QUEIMADAS, PDPQ, 2007).
Outro dado a ser observado e que confirma a alta concentração de renda do
município é que o mesmo possui 9.126 domicílios (IBGE, 2000). Desse total, recebem
até 2 (dois) salários mínimos, 6.658 responsáveis pelos domicílios ou 72,96%; enquanto
20
Segundo Sandroni (2005, p.156) o coeficiente de GINI é a medida da concentração, principalmente,
aplicado a renda. Os valores desse coeficiente variam entre 0 e 1, assim, quanto mais próximo de zero
menor a concentração e quanto mais próximo de um maior a concentração.
42
que 27,04% dos responsáveis por domicílios recebem mais de 2 (dois) salários mínimos
mensais.
Todas essas características tornam perceptível o processo de desigualdade social
e distribuição de renda desde que a cidade foi construída. Além disso, demonstra
como o processo de concentração de renda nas mãos de poucos possibilita a que muitos
agentes locais se tornem reféns do assistencialismo e clientelismo políticos e de práticas
de ajudas proporcionadas pelas lideranças tradicionais locais.
Desta feita, para estabelecer a compreensão do espaço local e,
conseqüentemente, a construção do espaço físico-territorial de qualquer cidade ou
município faz-se, necessário, antes indagar e analisar como este foi conquistado e
dominado, através dos agentes sociais; como esses agentes exerceram e/ou exercem
domínio, e, assim, entender quais deles exerceram e/ou exercem domínio através dos
seus diferentes capitais, compreendendo isto se compreenderá que o espaço social e a
construção de um município não são resultado do acaso ou de um mero ato da lei, mas
sim dos diversos interesses e relações de poder estabelecidos no espaço social e que
sobre ele os domínios são efetivados.
2.3. A genealogia política dos Heráclio-Ernesto-Rêgo
A árvore genealógica que servirá de base para as análises das relações de poder
no município de Queimadas e representada abaixo, é composta por seis gerações da
família Heráclio, da qual se constituem alguns ramos
21
que serão fundamentais na
construção desta família, enquanto uma família de poder, de influências e de dominação
política. Os Ernesto-Rêgo são variantes dos Heráclio. No município de Queimadas, por
exemplo, esta família Ernesto-Rêgo será a que vai exercer a dominação política,
inclusive, até o momento atual. Os primeiros a chegarem ao município de Queimadas,
foram o filho primogênito de Ernesto Ciridião de Araújo go, José Vital do Rego, o
que se casou com a sua prima Maria Heráclio do Rêgo, no começo de suas vidas pós
matrimônio, o casal habitou a fazenda salinas, propriedade de seu sogro, trabalhou
muito e, com o lucro obtido, começou a comprar terras nas proximidades. Tais
aquisições não foram, entretanto, as mais importantes. Ele comprou posteriormente boas
21
Veja em anexo alguns ramos desta tradição política, baseado nos estudos realizados por RÊGO, André
Heráclio do. Família e Coronelismo no Brasil: uma história de poder. São Paulo, Girafa Editora, 2008.
43
terras nas fazendas Jardim e Caridade
22
, as primeiras terras situavam-se no município de
Fagundes, próximo a Queimadas, e a segunda, com a ajuda de seu sogro, fica
atualmente em Campina Grande, saída para João Pessoa, em seguida, como herança,
recebeu a fazenda Campo de Boi, esta última foi herdada pelo seu filho Major
Veneziano Vital do Rêgo, situa-se entre Campina Grande e Queimadas, além dessas,
também comprou a fazenda Castanho em Queimadas, onde viveu e exerceu o poderio
político durante muitos anos principalmente na década de 1940 à década de 1950, com o
auxílio e ajuda do seu filho e herdeiro político Veneziano Vital do go. É deste ramo
que irá advir à liderança política Antônio Vital do Rêgo, conhecido como Vital do Rêgo
e deste Vital do Rêgo filho, Deputado Federal e Veneziano Vital do Rego Neto
Segundo, atual prefeito da Cidade de Campina Grande.
Outro que habitou e comprou terras e construiu sua vida no município de
Queimadas foi Francisco Ernesto do Rêgo, que primeiramente morou na fazenda do
Castanho, e posteriormente, comprou suas terras, onde residiu até o fim da sua vida e
onde criou os seus filhos, Carlos Ernesto e Beatriz Ernesto. Conforme escrito em um
dos informativos da Fundação Carlos Ernesto:
Em 1919, no tio Castanho, no então distrito de Fagundes do
município de Campina Grande, nascia Carlos Ernesto, filho do Sr.
Francisco Ernesto do Rêgo e Dona Adiles Ernesto de Melo, teve como
irmã, Beatriz Ernesto, filha primogênita do casal. Radicado
definitivamente na fazenda Munbuca, hoje município de Queimadas, a
família de Francisco Ernesto tornou-se ponto de referência e
admiração, para todos aqueles que desfrutavam o seu afável convívio.
Foi nesse círculo de afeto, que cresceram para a vida o casal de irmãos
Beatriz e Carlos. (Informativo da Fundação Carlos Ernesto, maio de
2004).
22
RÊGO, André Heráclio do. Família e Coronelismo no Brasil: uma história de poder. São Paulo, Girafa
Editora, 2008, p. 89.
Chico Ernesto, como era conhecido, construiu assim como o seu irmão o seu
patrimônio, a sua propriedade em território do então distrito de Queimadas. É deste
ramo local que advirão as lideranças políticas locais, Carlos Ernesto, filho de Chico
Ernesto e Saulo Leal Ernesto de Melo, ex-prefeito de Queimadas. João Ernesto do
Rêgo, também filho de Ernesto Seridião, irmão de José Vital do Rêgo e Francisco
Ernesto do Rêgo, diferenciando-se destes radica-se em Pernambuco, casado com a sua
prima Josefa Heráclio do go, passa a adquirir terras, propriedades, não somente no
Pernambuco, mas também na Paraíba. Em Limoeiro PE, adquiriu de seu cunhado e
primo, Jerônimo Heráclio do Rêgo, fazendeiro e político, a fazenda Bom Jejum, e em
Vertentes PE, a propriedade Riacho da Topada. João Ernesto deixou como herdeiros
Ernesto Heráclio do Rego casado com Edite Pereira de Lucena, filha do coronel José
Braz Pereira de Lucena, chefe político de Santa Maria de Cambucá
23
, então distrito do
município de Taquaritinga, no agreste de Pernambuco, esta sua esposa é irmã de
Josefina Pereira de Lucena, esposa do seu tio Jerônimo Heráclio do Rêgo, fazendeiro e
político em Limoeiro e Isaurita Ernesto do Rêgo, casada com seu primo Heráclio
Moraes do go, filho do coronel Francisco Heráclio do Rêgo, fazendeiro, deputado
estadual e federal por Pernambuco. Ernesto Heráclio do go, radica-se em Cabaceiras
PB e passa a atuar politicamente neste município do qual pertencera Boqueirão,
situado no cariri paraibano. Afirma André Heráclio que Ernesto e Veneziano eram
como irmãos, em suas palavras,
Ernesto dividia seu tempo entre Limoeiro e Cabaceiras e, na década de
1940, começou a ocupar espaços políticos nesse município, que era o
centro de irradiação dos descendentes de seu antepassado Joca das
Salinas. Era muito ligado a Veneziano, seu primo considerando-se os
dois como irmãos, já que ambos o possuíam irmãos homens, pelo
menos os que se consideravam filhos legítimos.
24
De Ernesto Heráclio do Rêgo, conhecido posteriormente como Ernesto de Boqueirão, o
herdeiro político viria ser o seu filho, José Braz do Rêgo, fazendeiro, deputado estadual e
conselheiro do Tribunal de Contas da Paraíba, mas este morre em um acidente de carro, e quem
passará a ser o herdeiro político de Ernesto Heráclio é o ex-deputado federal e ex-senador
Carlos Marques Dunga.
23
RÊGO, André Heráclio do. Op. cit, p. 107.
24
RÊGO, André Heráclio do. Op. cit, p. 117.
46
Ligado ao grupo de Carlos Dunga, no município de Queimadas, a partir da década de
1980, destacam-se os nomes de Sebastião de Paula Rêgo, filho de Joventino Ernesto do Rêgo,
este primo legítimo de Ernesto de Boqueirão, de Carlos Ernesto e de Major Veneziano Vital do
Rêgo.
A partir do exposto, é patente e inegável às influências e, conseqüentemente, o domínio
político dessa família não somente no Estado de Pernambuco, através da maior liderança Chico
Heráclio e os outros seus irmãos Jerônimo Heráclio do Rêgo e todos os seus descendentes, mas
também o domínio político no interior da Paraíba e, em especial, no cariri Paraibano e as suas
influências e domínio em algumas regiões no Agreste da Borborema. Domínios e influências
políticas através dessa família advinda da divisa entre Pernambuco e Paraíba, Salinas, que
permanece até os dias atuais, como exemplo da continuidade do poder local basta citar os
nomes de Veneziano Vital do Rêgo Segundo Neto, atual prefeito de Campina Grande; Vital do
Rêgo Filho, atual deputado federal; José Carlos de Souza Rêgo, atual prefeito de Queimadas;
Carlos José, prefeito de Boqueirão, e seu imão Dunga Júnior, deputado estadual, ambos filhos
de Carlos Dunga.
2.4. A família no Poder e o poder da família
André Heráclio do Rêgo em seu livro “Família e Coronelismo no Brasil: uma
história de poder” no qual estuda a família Heráclio e da qual o mesmo herda o
sobrenome, apresenta uma interessante síntese estatística em termos de ocupação nos
poderes legislativo e executivo dos Estados de Pernambuco e Paraíba, pela família
Heráclio do Rêgo.
Apresenta-nos André Heráclio que “a família Heráclio do Rêgo iniciou suas
atividades políticas em 1920, dando-lhes continuidade até hoje. Essas atividades se
traduzem em trinta mandatos (vinte e três em Pernambuco e sete na Paraíba), se se
considera também os membros ligados à família pelo casamento. Os Heráclio do Rêgo
são o grupo familial que de 1947 a 2000 elegeu mais representantes à Assembléia
Legislativa de Pernambuco. No que concerne ao Congresso Nacional, a família
conquistou nove mandatos de deputado (seis em Pernambuco e três na Paraíba), e um
mandato de senador por Pernambuco”
25
. Mas essa família não ocupou cargos apenas
nas esferas estadual e federal, mais construiu também uma sólida base na esfera
municipal, em outras palavras “na esfera local, os membros da família assumiram vinte
e oito mandatos de prefeito (dezoito em Pernambuco e dez na Paraíba), em sete
25
RÊGO, André Heráclio. Família e Coronelismo no Brasil: uma história de poder. São Paulo, A Girafa
editora, 2008, p. 18.
47
diferentes municípios. A família também elegeu representantes às Câmaras Municipais
do Recife (um), de Campina Grande (quatro) e de João Pessoa (dois), para não
mencionar seus representantes nas câmaras municipais de Limoeiro, Surubim,
Boqueirão e Queimadas.”
26
A partir desses dados fica notório o exercício e a força política de uma família na
participação dos poderes existentes no Estado de Pernambuco e na Paraíba, além de
ocupações em cargos na esfera nacional e local. Portanto, nota-se o poder que esta
família foi construindo a partir do ingresso no cenário político, um poder que, para além
da materialidade através das grandes extensões de terras que passaram a possuir e a
concentrar, se constitui através de outros capitais, não na ordem da materialidade
econômica, mas, sim, na dimensão simbólica, como exemplo o “nome”, que enquanto
capital simbólico pode ser convertido em capital econômico ou político.
Os laços de casamentos estabelecidos com outras famílias tradicionais locais, de
grande capital material, em termos de propriedade, e de enorme capital simbólico em
termos de representatividade da família local, assumem uma dimensão estratégica
fundamental para o exercício da ampliação do patrimônio, quer seja material quer seja
simbólico, e, conseqüentemente, o exercício da dominação posto que além de ter um
aumento do capital econômico através da herança que é herdada em termos de
propriedade, também reunem-se grupos familiares, fortalecendo, ainda mais, os laços de
parentesco e a dominação política local.
Esses casamentos poderiam ser de ordem endogâmica ou exogâmica, dentro ou
fora do grupo familiar, mas todos com a intenção quando não de conservar, ampliar o
poderio da família. Se observarmos, conforme a árvore genealógica da família Heráclio-
Ernesto-Rêgo, exposto páginas atrás, dos filhos de João Heráclio do Rêgo e dos filhos
do seu irmão Ernesto Seridião de Araújo Rêgo casaram-se: Josefa Heráclio do Rêgo
com seu primo João Ernesto do Rêgo e Maria Heráclio do Rêgo com o seu primo José
Vital do Rêgo. Esses são apenas alguns exemplos estratégicos de casamento dentro
desta família através da endogamia, ou seja, casamento dentro do próprio grupo, o que
contribuiria para a conservação do patrimônio da família. Mas outras estratégias
também podem ser constatadas ainda nas práticas desta família, os matrimônios
cruzados, “dois outros filhos, Antônio e Francisco, casaram-se na família Cavalcante, e
outros dois, Ernesto Pompílio e José, com duas irmãs oriundas de uma família de senhor
26
RÊGO, André Heráclio. Op. cit, p. 18.
48
de engenho Nazaré da Mata, os Coutinho”
27
. Com esta maneira de realização da
prática do matrimônio cruzado, entre irmãos de uma família com irmãs de outras
famílias, ou vice-versa, foi possível a estratégia de ampliar os laços e aumentar o
patrimônio.
Essa prática no seio da família vai ser realizada também na próxima geração, ou
seja, dos cinco filhos de Maria Heráclio do go e José Vital do Rêgo, residentes no
distrito de Queimadas, dois desses realizarão matrimônios cruzados, Veneziano Vital do
Rêgo se casará com Vicentina Figueiredo, e sua irmã Isolina Vital do Rêgo, com João
Figueiredo, ambos filhos de Cel. Silvino Figueiredo, grande proprietário de terras e
chefe político de Campina Grande, pai de Acácio Figueiredo e Argemiro Figueiredo,
lideranças políticas no Estado da Paraíba. A família de José Vital e Maria Heráclio,
dessa forma se aliavam estrategicamente ao governador e interventor da Paraíba,
Argemiro de Figueiredo, cunhado de Veneziano e de Isolina. Das outras irmãs de
Veneziano, duas casaram-se com famílias de proprietários de terras em Campina
Grande e a terceira conservou-se celibatária
28
. Eutícia Vital do Rêgo casa-se com José
Ribeiro, filho de proprietários de terras e produtores de Algodão, residiram em
Queimadas e foram proprietários do Cartório do município. Desta união nasceu, José
Maria Ribeiro, o qual foi prefeito interino no município, após a criação do projeto lei do
seu primo Antônio Vital do Rêgo.
Da mesma maneira seguem os filhos de Francisco Ernesto do Rêgo, Carlos
Ernesto e Beatriz Ernesto, primos de Veneziano Vital do Rêgo. Carlos Ernesto se casa
com Maria Leal de Melo e Beatriz Ernesto com Patrício Leal de Melo, médico
renomado e conceituado no município de Queimadas e em Campina Grande, foi
também Deputado Estadual. À próxima geração continuam essas relações estratégicas
matrimoniais na família Heráclio-Ernesto-Rêgo tendo em vista que, Antônio Vital do
Rêgo reproduzindo as estratégias matrimonias da geração anterior, casa-se com
Ozanilda Gondim, filha da liderança política e governador da Paraíba, Pedro Gondim.
Então, fica claro que existe toda uma prática estratégica, no seio desta família e
das famílias tradicionais, em realizar casamentos com outras forças políticas ou
econômicas, posto que estas já possuíam certo tipo de capital, e dentro do espaço social,
que é constituído, por relações de poder, quem possui um maior quantum de capital,
27
RÊGO, André Heráclio. Op. cit, p. 84.
28
RÊGO, André Heráclio. Op. cit, p. 107.
49
defende Bourdieu, ocupa o espaço enquanto dominante
29
, aqueles que são desprovidos
ou possuem pouco capitais econômico, político, cultural ou social, pertencem à posição
dos dominados.
Essa estratégia realizada pela maioria das famílias tradicionais vinha a
reforçar o seu poderio político, econômico e simbólico sobre os agentes desprovidos
desses capitais mencionados. Dessa maneira, e estando essa família no poder, é que
aumenta o poder dessa família, haja vista que nela se encontra uma concentração de
capitais. Ou seja, são possuidores de terras
30
(capital econômico), possuidores de cargos
legislativos e executivo, exercendo influência, junto ao poder judiciário (capital
político) e são possuidores de um “nome”, o qual não é apenas uma palavra, mas sim e,
conforme o sociólogo francês, um elemento de distinção, de diferenciação, capital
simbólico, posto que a representação deste nome configura toda uma história de
domínio e de poder, tendo sido construído histórico e simbolicamente, exercendo assim
um poder reconhecido como legítimo, sendo, portanto, o nome um dos elementos de
distinção social.
Nesse sentido, “o nome da família pode ser considerado como uma forma de
capital simbólico que garante a identidade coletiva de um grupo determinado e que é em
parte responsável pela representação que outros indivíduos fazem deste grupo”
31
. Os
Ernesto e os Rêgo, em Queimadas, advindos da família Heráclio, possuem em termos
de “nome” todo um capital simbólico herdado historicamente por esta tradição, assim
como desenvolveram práticas como a prestação de favores pautadas na pessoalidade
que contribuiu profundamente para o exercício da dominação política por mais de
quatro décadas. Assim, esta família conseguiu a permanência no poder desde a década
de 1920 até os dias atuais, obviamente tendo momentos de maior destaque, mais
evidente no cenário e menos evidente, porém sempre ocupando os espaços da política
através dos seus representantes, tornando-se, em termos político, uma família de
influência nas decisões tomadas no cenário político do Estado da Paraíba e de
Pernambuco e, em algumas localidades, como é o caso aqui estudado, o município de
Queimadas foi dominado politicamente por representantes desta família desde o
processo de emancipação até o presente momento, demonstrando, assim, o poder da
família e a família no poder.
29
BOURDIEU, Pierre. Sociologia. São Paulo, Ática, 1983, p. 21.
30
No que diz respeito ao acúmulo de patrimônio material e econômico ver: RÊGO, André Heráclio. Op.
cit, p. 82-93.
31
RÊGO, André Heráclio. Op. cit, p. 18.
50
Mas como é possível pensar a continuidade do poder local, via laços de
parentesco, mas também via tradição familiar e dominação na política local? Esses são
alguns dos temas do próximo capítulo.
51
CAPÍTULO III TRADIÇÃO FAMILIAR E DOMINAÇÃO NA
POLÍTICA LOCAL
3.1. Do Coronel Chico Heráclio ao Major Veneziano
Encarado como sistema político, clientelismo e/ou mandonismo local, o
coronelismo teve como período de maior vitalidade, o período que abrange a chamada
Primeira República. O coronelismo além de se apresentar, neste período, como peça
fundamental de um jogo de poder, era ainda concebido como um conjunto de práticas
de dominação política que se institui como resultado das lutas estabelecidas entre as
classes sociais. A ação do coronel, além dos mecanismos formais e legais de controle
político, era a violência, a vingança, a solidariedade dentro da parentela, a política de
favores e de punições, a corrupção eleitoral e a apropriação privada do Estado. O
coronelismo, portanto, é visto como um produto da concentração da terra, considerando-
se uma vinculação entre o econômico e o político, ora como fenômeno que ocorre muito
mais no plano político, como afirma FORTUNATO (2008: 47), em seu livro “O
conceito de coronelismo e a imagem do coronel: de símbolo a simulacro do poder
local”.
Outra importante obra que faz referência às práticas coronelistas é a obra
“Política e Parentela na Paraíba: um estudo de caso da oligarquia de base familiar” na
qual LEWIN (1993) entende o coronelismo como forma de domínio do poder local e o
domínio este que é exercido por meio da posse da terra, associado a uma linhagem de
prestígio; dito de outro modo, o padrão de propriedade da terra é refletido na
organização política local das oligarquias que tem por base o sistema de parentelas, e
este sistema é distribuído através das famílias tradicionais, as elites tradicionais.
FORTUNATO (2008) ao comentar a obra de LEWIN (1993) destaca que esta “aborda
as práticas coronelistas como práticas que se configuram a partir do atraso tecnológico,
econômico e social que se verifica no nordeste brasileiro; concluindo que uma das
chaves mais fascinante para decifrar a história rural da nação, particularmente ao vel
regional, é exatamente a parentela de elite no Brasil com sua política de família”.
(FORTUNATO, 2008: 152) Além disso, FORTUNATO (2008) destaca que, conforme
LEWIN (1993), ainda ocorre uma perpetuação dessas práticas, ou seja, uma perpetuação
da força do parentesco na política paraibana. É na esteira desta análise que proponho
52
apresentar neste texto a influência de base familiar advindas do coronel Francisco
Heráclio do go e do Major Veneziano Vital do Rêgo, na perpetuação e, ao mesmo
tempo, disputas políticas entre duas famílias, Ernesto e Rêgo, na política local do
município de Queimadas, ambas advém do mesmo tronco familiar, possuindo uma
relação muito próxima em termos de parentesco e que são exatamente essas duas
famílias, que dominaram o cenário político do município, em termos de disputas, da
década de 1970 até o final da década 1990.
O coronel Francisco Heráclio do go popularmente conhecido por coronel
Chico Heráclio, é natural de Limoeiro, no estado de Pernambuco; é destacado, por
VILAÇA & ALBUQUERQUE (1978), no livro Coronel, Coronéis”, como sendo o
caso mais interessante do seu estudo visto que, Chico Heráclio
é coronel-vaqueiro, coronel-político, coronel-dominador, (..) que
sofreu combate com a cidade grande e em processo de rebelião.
Que enfrentou lutas muitas vezes vencida com a incipiente
burguesia comercial e industrial, a desafiar seus domínios. Que viu
crescer, à sombra da urbe, grupos de interesse e até ideologias de
esquerda e revolucionárias que o antagonizaram e se antagonizaram
na luta pelo poder. Que, mais do que nenhum outro, revela a
ambigüidade particular de sua situação histórica (VILAÇA &
ALBUQUERQUE, 1978, p.44)
Homem de poucas letras, mas de muita inteligência, Chico Heráclio nunca
gostou de estudar, embora seu pai, João Heráclio do Rêgo, houvesse colocado para
estudar em uma escola na cidade do Recife. Foi sempre um amigo da imprensa, devido
ao poder que exercia na cidade de Limoeiro, no estado de Pernambuco, atribuindo
inclusive concessões locais para os meios de comunicação, como exemplo, a Empresa
Jornal do Comércio S.A. Casou-se três vezes, a primeira vez com Dona Maria Miguel, a
segunda com Dona Virgínia, com esta teve três filhos, Heráclio Moraes do Rêgo, que
foi uma vez deputado estadual e três vezes deputado federal; Francisco de Moraes
Heráclio, prefeito por duas vezes e deputado estadual por quatro mandatos; e José
Heráclio do Rêgo, este vereador em um só período, não simpatizava com a vida pública.
Teve, ainda, também como esposa, de quem se separou posteriormente, Dona Consuelo.
Como nos afirmam ainda VILAÇA & ALBUQUERQUE (1978), Chico Heráclio
tem capacidade incomum de comando, decidido e corajoso mesmo
assim, no auge das lutas políticas jamais descurou da segurança
pessoal, ainda que seja homem de coragem incomum. Quando o
tempo eleitoral esquenta, Vigia fica-lhe na retaguarda,
53
impressionantemente fiel e desacomodado se o patrão as costas à
rua, quando senta em casa de amigo ou faz a catequese eleitoreira aqui
e ali. (VILAÇA & ALBUQUERQUE, 1978, p.111).
A sua força política era tamanha que fizera, como visto, dois filhos de destaque
na política pernambucana, além de oferecer uma estrondosa votação, no município de
Limoeiro, ao candidato ao Governo do Estado de Pernambuco, Agamenon Magalhães,
aproximadamente 90 por cento dos votos de Limoeiro. Afirmava Chico Heráclio que
o governo do estado é produto de Limoeiro. Posteriormente elegera-se
suplente de Senador junto a Agamenon Magalhães. O coronel de
Limoeiro possuía um vasto número de compadre e comadres,
chamava-se do Estado inteiro pelos seus préstimos e o seu compadrio,
causa e efeito de prestígio político, aumentou grandemente. Atencioso
para os compadres e delicado no trato às comadres, usou-as sempre
que possível como instrumento de combate às candidaturas
adversárias, dando-lhes a pecha de comunistas, qualificação a afastá-
los do eleitorado feminino. (VILAÇA & ALBUQUERQUE, 1978, p.
116)
Ainda no mesmo livro, acima citado, podem ser lidas algumas passagens que
nos deixa claro a força política deste coronel na década 1950, força política esta que,
embora ele não aceitasse ser Governador do Estado de Pernambuco, sempre atuou nos
bastidores do poder, influenciando diretamente nas decisões do Governo e na indicação
de nomes para o executivo e o legislativo do Estado. Isto fica evidente quando
VILAÇA
& ALBUQUERQUE (1978)
citam o cronista João do Mato que afirma:
Chego a dizer que no seu Partido ninguém dispõe de igual prestígio. O
Governador do Estado deve ser quem o senhor quiser, caso o PSD
esteja em condições de eleger o governador. Conhecendo assim a sua
importância na política do Estado de Pernambuco é que eu me resolvi
a lhe fazer um pedido que o senhor influa para que a Assembléia
Estadual não se encha de gente que não queira fazer alguma coisa pelo
povo. (VILAÇA & ALBUQUERQUE , 1978, p.116).
O poderio político do coronel estava aliado ao poderio fundiário. Possuidor de
grandes fazendas a exemplo de Escuro, Baixa Verde, Varjadas (a mais famosa e a
melhor), São Roque, Santa Tereza, Carié (no município de Buíque e a maior, com
52.000 hectares), Jerimum, Três Lagoas, Taquari, Salinas (herdada do pai), Queira
Deus, Viração, Areias e os engenhos Santa Cruz e Riachão, Chico Heráclio exercia
domínio, assim, sobre rios redutos eleitorais chegando a ter 31 municípios enquanto
54
base eleitoral. Destaca-se estes municípios através dos versos de Ernesto Cândido, que
foi vereador, graças a Chico Heráclio, em Glória de Goitá,:
Mas, contudo, o coronel
Está muito satisfeito
Tem 31 municípios
Que estão todos direitos
Fazendo o que é necessário
E, os seus correligionários
Chegando tudo de eito.
A Glória de Goitá
Já está em suas mãos
Carpina, Pau D’Alho, São Lourenço
Vitória de Santo Antão
Paulista, vai mais ou menos,
Gravatá, Bezerros, Moreno,
Escada e Jaboatão.
Buíque e João Alfredo
Nazaré e Surubim
Escada, Cabo, Catende
Pesqueira, Belo Jardim
São Caetano e Barreiros
Lagêdo e Limoeiro
Bonito e São Joaquim.
Bom Jardim e Rio Branco
Orobó e Umbuzeiro
Ele tem a votação
Quase como em Limoeiro
O coronel de persi
Conta com 40 mil
Em um cálculo verdadeiro.
(...)
O coronel vai eleger
O Governo do Estado
Também uns 20 prefeitos
E uns 12 deputados
Sendo 2 federais
10 estaduais
Será o resultado.
(...)
(VILAÇA & ALBUQUERQUE, 1978, p.124)
Vê-se que aliado ao grande número de compadres e comadres que o Coronel
tinha, têm-se também este domínio sobre as grandes propriedades fundiárias e,
conseqüentemente, o domínio sobre vários redutos eleitorais dos municípios de
Pernambuco. A sua liderança, portanto, não pode ser analisada exclusivamente pelo
domínio econômico que o mesmo exercia, mas também se deve levar em consideração a
55
sua figura carismática associada a sua vasta parentela
32
e sua enorme quantidade de
compadres e comadres. Assim, e concordando com Queiroz que, relativizando a
propriedade fundiária, assevera que
o coronelismo tem como base o poder político do coronel que advém
das relações de solidariedade vertical e horizontal no seio da
parentela. Segundo Queiroz, é na parentela, como grupo, que se
apresentam interligados o aspecto político, o econômico e o de
parentesco, e que se desenvolve a reciprocidade que se estenderá ao
setor político. (FORTUNATO, 2008, p. 34)
É dessa liderança política tradicional que advém à liderança do Major Veneziano
Vital do Rêgo. Major Veneziano, como assim gostava de ser chamado, nasceu no
município de Bom Jardim, Pernambuco, e muito cedo veio para o então distrito de
Queimadas, pertencente a Campina Grande, onde residia com seu pai Coronel Vital, na
fazenda existente na comunidade do Castanho. Major Veneziano, assim, radicou-se em
Campina Grande, onde ainda solteiro instalou e dirigiu a Companhia de Ferro Carril,
uma Empresa de bondes de burro pertencente ao seu tio Pompílio Ernesto do Rêgo.
Mas foi a partir do seu sogro, Coronel Silvino Figueiredo, que Major Veneziano
passou à militância político-partidária na cidade de Campina Grande. Em 1947 foi
lançado candidato a prefeito de Campina Grande, pelo então Deputado Federal
Argemiro Figueiredo
33
e sob a legenda da extinta União Democrática Nacional (UDN),
enfrentando uma poderosa coligação de forças políticas.
32
Por parentela brasileira, Queiroz entende “um grupo de parentesco de sangue formado por várias
famílias nucleares e algumas famílias grandes (isto é, que ultrapassam o grupo pai-mãe-filhos), vivendo
cada qual em sua moradia, regra geral economicamente independentes (...) Além de grupo econômico, era
também a parentela um grupo político, cuja solidariedade interna garantia a solidariedade dos membros
para com os chefes (...) Como grupo, apresentava pois a parentela três aspectos interligados – o político, o
econômico e o de parentesco (...)” (apud Fortunato. Cf. Queiroz, 1977, p.165-167)
33
Em seu livro “Lutas de vida e de mortes: fatos e personagens da História de Campina Grande
(1945/1953)”, Josué Sylvestre destaca que é impossível escrever sobre a história de Campina Grande, a
partir de 1928, sem colocar em destaque um político que se transformaria com o passar do tempo na mais
polêmica personalidade do município e um dos mais importantes líderes do Estado da Paraíba. Argemiro
de Figueiredo, filho do Cel. Salvino Gonçalves Figueiredo e de D. Luíza Viana Figueiredo. Filho e irmão
de líderes políticos (seu irmão mais velho, Dr. Acácio Figueiredo, foi eleito deputado estadual em 1928 e
posteriormente chegava à Câmara Federal), Argemiro demonstrou desde cedo uma vocação natural para
as lides da vida pública. Em 23 de agosto de 1932 foi nomeado Secretário do Interior e Justiça pelo
interventor Gratuliano da Costa Brito, tomando posse no dia 5 de setembro. Estavam fixadas as bases do
seu prestígio a nível estadual. Em 1933 e 1934 se empenharia ao lado de José Américo, então seu chefe
político, na consolidação do partido que fundaram, o Progressista. Com a reformulação político-
administrativa ocorrida no País em decorrência da Constituição de 34, foi eleito Governador da Paraíba
no dia 24 de janeiro de 1935, pela assembléia Constituinte do Estado, composta de 30 membros. Com a
implantação do Estado Novo em 10 de novembro de 1937, teve a sua permanência na direção da Paraíba
confirmada e foi nomeado interventor federal no dia 24 de novembro.” (SYLVESTRE, 1982, p.67-68)
56
Embora Argemiro Figueiredo contasse no Governo do Estado da Paraíba com o
Dr. Osvaldo Trigueiro, sentia a necessidade para a realização do projeto político,
conquistar a prefeitura da maior cidade do interior da Paraíba e, em termos de colégio
eleitoral, a mais importante do interior paraibano, para isso far-se-ia necessário um
nome de uma pessoa que fosse leal e de confiança, esta pessoa indicada foi Major
Veneziano Vital do Rêgo, posto que era um amigo e parente fiel, cunhado de Argemiro
de Figueiredo.
Salienta SYLVESTRE que Argemiro tendo o seu cunhado na Prefeitura tinha
acima de tudo “um amigo incondicional e voluntarioso, audaz e corajoso, pronto para
enfrentar adversários e barreiras por maiores que fossem, contanto que o objetivo final
fosse alcançado: chegar, como governador eleito, ao Palácio da Redenção”.
(SYLVESTRE, 1982, p.76). Mas esta escolha do nome de Major Veneziano Vital do
Rêgo, por Argemiro de Figueiredo, como seu candidato à prefeitura de Campina
Grande, causou muitas discordâncias dentro do grupo argemirista, inclusive o seu irmão
mais velho e ex-deputado federal Acácio Figueiredo, foi contra esta indicação, assim
como Agripino Agra, seu outro cunhado.
Embora tendo estas discordâncias dentro do grupo, Argemiro não desistiu de
apoiar Major Veneziano, para tanto, alegava dois motivos, (além daquele motivo,
posto, que era por ser uma pessoa de confiança, cunhado, aquele que seria o elo, se
chegasse a Prefeitura de Campina Grande, para o apoio incondicional a Argemiro a
chegada Governo do Estado); os dois motivos, nesse sentido, eram: 1) de ordem política
e 2) de ordem pessoal. Quanto ao primeiro motivo, de ordem política, residia no fato de
Major Veneziano ter sido para Argemiro de Figueiredo um grande arregimentador
eleitoral, afirmava Argemiro, fazendo alusão ao Major, que “rende as homenagens ao
seu esforço quase sobre-humano, na cidade, nos bairros, nos distritos, dia e noite, sem
descanso, algumas vezes expondo a própria vida, pela vitória do partido a que nos
filiamos” (SYLVESTRE, 1982, p.78); o motivo de ordem pessoal relata Sylvestre que,
quando da tentativa de invasão da residência de Argemiro, em 1930, no auge das
manifestações liberais para vingar a morte de João Pessoa,
Veneziano, então com 23 anos de idade, postou-se
sozinho no quintal da casa que dava para a rua hoje
denominada Major Jovino Do Ó, pronto para repelir com
sua arma à ameaça de linchamento do Dr. José Agra,
parente de Argemiro, embora ardoroso prócer perrepista
ao lado do Cel. Salvino Figueiredo. Na parte da Frente,
57
na rua Vidal de Negreiros, ficaram alguns Ribeiros, e
outros poucos amigos e parentes. (SYLVESTRE, 1982,
p.78)
Sempre apoiado por lideranças expressivas e vinculado aos laços de parentesco,
Major Veneziano, não vencendo esta eleição de 1947, desloca-se para o seu Estado de
origem, onde reside o seu tio Coronel Francisco Heráclio do Rêgo, a maior liderança
coronelista de Pernambuco. Com o apoio desta liderança, que possuía sobre seu
comando mais de 30 municípios de Pernambuco, Major Veneziano é eleito deputado
estadual em 1951 e 1955. Posteriormente a este período, e a duas magistraturas, Major
se despede da Assembléia legislativa de Pernambuco e retorna a Paraíba,
especificamente, Campina Grande, por motivos diversos, especialmente para colaborar
junto ao seu filho, para seu ingresso na política paraibana.
34
Após a chegada de Major Veneziano à Paraíba e tendo Antônio Vital do go,
seu filho, e Petrônio Figueiredo, seu sobrinho eleito em 1958, mais uma vez com apoio
do líder da política paraibana, Argemiro de Figueiredo, se aproxima mais um evento
histórico, qual seja, a emancipação política dos distritos, que pertenciam à época a
Campina Grande: Galante, Fagundes e Queimadas. Conforme José Cruz, um dos meus
informantes e proprietário do Cartório do município de Fagundes, quando indagado
sobre a emancipação do município de Fagundes e de Queimadas afirmou que
o município de Queimadas e Fagundes foi tudo um projeto só,
Queimadas, Fagundes e Galante; Galante contestou e quase caia o
município de Queimadas e o de Fagundes, porque Vital do Rêgo
colocou Antonio Lucena pra defender no Supremo Tribunal Federal,
nesse caso a gente ganhou lá. (Entrevista com José Cruz, em 06 de
agosto de 2008)
Como afirma José Cruz, a luta em prol do processo de emancipação política do
município de Queimadas deveu-se ao então deputado estadual Vital do Rêgo, que
escreveu o projeto de lei 2.622, de 14 de dezembro de 1961, e o município foi
instalado no dia 30 do mesmo mês e ano. Este projeto que tornou o município de
Queimadas politicamente independente de Campina Grande não foi uma ação sem
34
Em uma coletânea de textos intitulada “Major Veneziano: Tempos de sempre”, no artigo: “Uma
Presença”, de Virginius da Gama e Melo, afirma que os motivos de Major Veneziano não querer mais ser
deputado estadual pelo estado de Pernambuco “são diversos, inclusive o ingresso do seu filho na política
paraibana, foi um dos motivos que fizeram com que não se candidatasse ao Parlamento pernambucano,
mais uma vez. Eleito seria, como fora das duas vezes anteriores, todos sabem os que vivem esses
tempos”. (MELO, 1979:p. 35)
58
interesse, muito pelo contrário, havia toda uma articulação para que ele fosse prefeito
do município de Queimadas;
A influência de Vital do Rego era aqui em Queimadas e Fagundes, o
avô dele é daqui dos Jardins o Coronel Vital. O Coronel Vital e a base
política dele era aqui, João Figueiredo que era aqui de Fagundes era
quem, era um dos líderes dele nessa região. (Entrevista com José
Cruz, em 06 de agosto de 2008)
João Figueiredo
35
, por assim dizer, era irmão de Argemiro Figueiredo, por sua
vez, ambos cunhados de Major Veneziano, e possuía fazenda em Fagundes, era o
grande líder na localidade:
Coronel Heráclio que tinha essas regiões todinhas aqui, o Castanho
era dele, o Campo de Boi era dele, os Jardins era dele, do Coronel
Heráclio. Campo de Boi, Castanho. Jardins aqui de Fagundes. Aquela
fazenda de Maria como que chama, Caibeira era tudo do Coronel
Heráclio. (Entrevista com José Cruz, em 06 de agosto de 2008)
Foi o pai de Major Veneziano, Coronel José Vital do Rêgo, que herdou a
fazenda do Castanho. Em síntese a família de Major Veneziano era detentora das
grandes extensões de terras existentes no município de Queimadas, assim como do
município de Fagundes, em especial o seu cunhado João Figueiredo, grande líder
político da localidade. A emancipação, nesse sentido, favoreceria a possível candidatura
ao cargo executivo, por parte de um representante desta família influente politicamente
e poderosa pelo fato de serem grandes latifundiários. O próprio Major Veneziano
trazia consigo uma forte carga para usar uma terminologia de Bourdieu, de capital
simbólico, visto que era filho de Coronel José Vital do Rêgo, primo do Coronel
Francisco Heráclio de Pernambuco, Estado do qual o Major havia, com o apoio do
seu tio, sido eleito por duas vezes ao cargo de deputado estadual; somando-se a isso, a
influência argemirista, dos seus dois cunhados, Argemiro de Figueiredo, como
mencionado, grande líder político da Paraíba, e João Figueiredo, chefe político do
município de Fagundes, associado a isto se tinha, ainda, o representante mais novo desta
tradição, Antônio Vital do Rêgo, deputado estadual e pai do projeto de emancipação
política de Queimadas. Era o primeiro projeto, na história do município, para se fazer
esta liderança tradicional o primeiro prefeito de Queimadas.
35
Vale destacar que a esposa de João Figueiredo, Izolina Vital Figueiredo, era irmã de Major Veneziano,
e por sua vez Major Veneziano era casado com a irmã de João Figueiredo e Argemiro Figueiredo.
59
Mas em termos de liderança, o então distrito de Queimadas que se destacava no
município de Campina Grande, não tinha apenas os representantes da família Rêgo,
tinha, também, obviamente, outras famílias influentes, a exemplo da família Barbosa,
família tradicional e possuidora de grandes extensões de terras. Desta família se
destacou no campo da política a Sra. Maria Dulce Barbosa
36
, que assumiu o mandato de
vereadora por três legislaturas consecutivas de 1947 a 1959. Interessante destacar dessa
figura política, entre outras coisas, que ela não foi favorável ao processo de
emancipação política do município no ano de 1961, assim afirmou em 1992 numa
entrevista concedida ao “Jornal Acontece”: “eu desejaria que Queimadas tivesse mais
amadurecimento, antes de ser emancipada”
37
, muito embora mais a frente fosse
candidata e eleita prefeita do município em 1963.
Foi a partir de 1946, após a queda da Velha República e o fim do Estado Novo,
que se deu à promulgação da nova e democrática Constituição do Brasil. Pela primeira
vez as mulheres podiam não votar, mas também se candidatar a Cargos Públicos
Eletivos. E eleições nacionais foram então convocadas, inclusive para preencher os
cargos das recém formadas Câmaras Municipais. O clima da época era muito politizado.
Havia uma agitação geral e os vários caciques políticos se sentiam inseguros e tentavam
garantir os seus vários “redutos políticos” através das velhas práticas de intimidação,
perseguição e arbítrio.
A professora Maria Dulce Barbosa, como assim também era conhecida, havia
iniciado sua carreira no Magistério nos primeiros anos da década de 30 e, como
Diplomada no Colégio das Neves, em João Pessoa, foi logo nomeada pelo Governo do
Estado para ser Diretora do recém formado Grupo Escolar José Tavares, fundado em
substituição à Escola que previamente funcionara na Vila e Distrito de Queimadas, sua
terra natal. Foi também no início dos anos 30 que ainda jovem vira falecer o seu pai e,
não tendo irmãos, mas apenas uma irmã, a Sra. Lourdes Barbosa, Dulce se empenha e
36
Nasceu em 1916, em Queimadas, na época distrito de Campina Grande (PB), filha de Cecília de Melo
Barbosa e de João Barbosa da Silva, próspero agricultor de algodão e cereais na região. Maria Dulce fez o
curso pedagógico no tradicional Colégio das Neves na capital do Estado e retornou à sua terra natal para
lecionar. A agitação política dos anos 1930 e 40, principalmente o movimento de mulheres na Paraíba,
atraíram-na para esse campo, entusiasmada com a idéia de que as mulheres também deveriam participar
do espaço público. Engajou-se, então, no movimento pela redemocratização em 1945 e nas eleições
municipais de 1947, candidatou-se ao cargo de vereadora do município de Campina Grande pela legenda
da União Democrática Nacional (UDN). Seu reduto eleitoral foi o distrito de Queimadas, onde sua família
era importante proprietária de terras. Elegeu-se vereadora por três mandatos consecutivos. Dona Dulce,
como é chamada, foi à primeira mulher eleita vereadora na Paraíba e figura entre as mulheres brasileiras
de mais longa carreira política. (In:Dicionário das Mulheres do Brasil, 2000, p. 388)
37
Este depoimento está no livro: LOPES, Antônio Carlos Ferreira. “Queimadas, seu povo sua terra”.
Queimadas, 2008. p.107.
60
se dedica em desenvolver o Grupo Escolar José Tavares, fazendo deste uma referência e
modelo a ser emulado por outras instituições de ensino no âmbito do Estado. Dessa
forma, nos afirma sua sobrinha Germana Correia Lima que, “pelo seu esforço e sucesso
Dulce Barbosa foi adquirindo influência e respeito da população local, e muitos a
buscavam com freqüência para obter orientação ou ajuda” (...). Continua Germana:
isso naturalmente não passou despercebido entre as velhas lideranças
políticas do continuísmo na Paraíba, durante o período crítico e
superaquecido da redemocratização e, como o seu idealismo jovem a
marcava como seguidora natural das novas tendências democráticas,
ela passou a ser alvo de pressões, cada vez mais intensas para que se
mantivesse “neutra” ou preferencialmente apoiasse as forças do
continuísmo reacionário. (Entrevista com Germana Correia Lima, em
06 de fevereiro de 2006)
Em entrevista realizada com Dulce Barbosa, em 30 de abril de 2008, fica muito
nítido em suas memórias a figura do seu Pai, que lhe foi sempre de inspiração e apoio e
que, antes dela, teria seguido a orientação política do Dr. Argemiro de Figueiredo. No
entanto é importante salientar que Germana, sua sobrinha, acentua que João Barbosa,
conhecido como Joca Barbosa, fazendeiro e homem respeitado, que exercia a função de
autoridade civil a cargo do policiamento local, havia falecido mais de 10 anos
quando Dulce Barbosa, sua filha primogênita, se decidiu a embarcar na carreira política.
Com este argumento ela tenta mostrar que Dulce Barbosa ingressa na política pelos
méritos próprios, entretanto destaca-se que embora a iniciativa tenha sido própria, Dulce
Barbosa trazia consigo o nome e a representação de uma família tradicional e de líderes
ou chefes políticos, arregimentadores de votos da vertente argemirista. Esta condição
que ela tinha não se deve descartar, visto que o sobrenome Barbosa é um elemento
distintivo, dentro do campo político local da época.
Ela carregava pois consigo como importante referência o ser filha primogênita
de João Barbosa, e pelo fato deste não possuir filhos, esta se tornou à herdeira política
dos Barbosa. Isto se torna claro em uma das falas de um dos entrevistados:
existia um tio de Dona Dulce, chamado Joaquim Barbosa, que foi
representante de Queimadas no Conselho Administrativo de Campina
Grande, em 1926. Quer dizer, vem de longe. O pai de Dona Dulce,
chamava-se João Barbosa, ele era liderança política da região;
quando ele morreu em 36, Dona Dulce herdou dele essa liderança,
certo? Onde foi candidata em 45 ou 46, não sei a data direito
pelo partido de Argemiro Figueiredo. Ela era a liderança coronelista
de Queimadas. (Entrevista com José Ezequiel, em 18 de abril de 2008)
61
No livro de Josué Silvestre (1988), citado alhures, ele nos afirma que
Argemiro Figueiredo recebia um grande apoio dos coronéis existentes nos distritos, a
exemplo, ele cita Dulce Barbosa como sendo desta tradição, até pelo fato do poderio
sobre as propriedades de terras que seu pai deixou no município.
É notório que a grande liderança política da Paraíba nesta época fora Argemiro
de Figueiredo, membro da União Democrática Nacional (UDN), embora apoiado pelas
tradições coronelistas, comandava o partido que reunia as forças em prol da
redemocratização brasileira, e o qual abandonou no início dos anos 50, em favor do
Partido Trabalhista Brasileiro. Nessa ocasião, Dulce Barbosa seguiu igualmente a sua
liderança como já o havia feito em 1947 e o faria em 1951. Em 1955
38
, mais uma vez, é
eleita vereadora e ao término deste mandato, coincidiria que Queimadas passaria,
através da lei já mencionada, a ser município.
A historia política de Dulce Barbosa de agora em diante passará a ser com a sua
terra de origem, na condição de cidade e não mais distrito. Queimadas se tornou
município e teve dois prefeitos interinos: Lourival Barbosa (1961-1962) e José Maria
Vital Ribeiro (1962-1963) nomeados pelo Governador do Estado, Pedro Gondim
39
. Este
último prefeito interino é filho de Zé Ribeiro e Eutícia Vital Ribeiro, ir de Major
Veneziano. E Vital do Rêgo era casado com a filha do então Governador Pedro
Gondim.
Essas famílias tradicionais que exerciam forte poder político sobre Queimadas,
e estendendo-se sobre a Paraíba e Pernambuco, faziam os casamentos quase que todos
entre esses grupos de parentes; tal fato é notório posto que Major Veneziano era casado
com a irde Argemiro Figueiredo e de Joãozinho Figueiredo, e este casado com a
irmã de Major Veneziano. Sobre essa questão, assevera um outro informante:
38
Vale salientar que neste período compreendido entre 1951 e 1955, o Major Veneziano estava atuando
como deputado estadual representando o Estado de Pernambuco com o apoio do seu tio o coronel Chico
Heráclio, enquanto que aqui, na Paraíba, a liderança de Queimadas, distrito de Campina Grande, quem
Argemiro Figueiredo apoiava era Dulce Barbosa. Para tanto, Argemiro e Severino Cabral apoiaram em
1962 Dulce Barbosa e Veneziano com o poderio do Estado, à época, governado por Pedro Gondim, sogro
de seu filho Antônio Vital do Rêgo, o que leva a crer que a separação entre Argemiro e Major Veneziano
(cunhados e antigos aliados) fazia parte de um projeto político de Antônio Vital do Rêgo, que via na
possibilidade de ser diretamente ligado ao Governo do Estado, passar a ser a liderança principal de
Campina Grande.
39
Pedro Gondim, sogro de Vital do Rêgo, é eleito Governador do Estado nas eleições de 03 de outubro de
1960, obtendo 18.114 votos em Campina na Grande e 148.961 votos em todo o Estado, concorrendo com
Janduhy Carneiro, irmão de Ruy Carneiro, que obteve 11.322 votos em Campina Grande e 124.041 votos
em todo Estado. (SYLVESTRE, 1988, p.318)
62
Barbosa, Araújo, Maia, Ernesto e Rêgo tudo isso advindo desta
mesma rama e claro ia se misturando, mas um fato curioso é que eles
casavam entre eles mesmos, inclusive famílias que tem primos com
primos, se uma esposa falecesse casava com uma irmã se existisse, se
existisse uma irmã solteira era quase regra dele se casar com aquela
irmã. (Entrevista com Antônio Carlos, em 14 de abril de 2008)
Eram famílias possuidoras de grandes extensões de terra e interligadas umas as
outras. Seguidora do grupo argemirista, Dulce Barbosa, quando candidata, em 1962,
disputa eleição com o Major Veneziano. Este com o apoio do Governador do Estado, do
seu sobrinho José Maria Vital Ribeiro, prefeito interino e Antônio Vital do Rêgo, seu
filho, então deputado estadual e, em temos de famílias tradicionais do município,
contará com o apoio da família Ernesto.
Por sua vez, Dulce Barbosa, como já mencionado, contará com o apoio de
Argemiro de Figueiredo e Severino Cabral, além da grande maioria das famílias
tradicionais, como as famílias Ribeiro, Muniz, Gonzaga, Albuquerque e Maia, conforme
detalhou um dos entrevistados
O Major Veneziano apoiado pelo seu filho, o então deputado Vital do
Rêgo, e pelo governador da época, Pedro Moreno Gondim, o sogro do
seu filho Vital do Rêgo. E Dulce tinha o apoio de Doutor Maia e de
Argemiro Figueiredo, e também dos Ribeiro aqui, que eram os fortes
comerciantes de algodão da época. Então era o poder político do
Estado, contra o poder econômico de César Ribeiro e Argemiro
Figueiredo. Então Dulce ganhou a eleição, na época, por setenta e um
votos. Teve como seu vice Camões, e Veneziano teve como seu vice
Raimundo Montenegro. Então ganhou a eleição, na época, Dulce
Barbosa. (Entrevista com Antônio Olímpio, em 17 de abril de 2008)
Esta campanha, como relatado por grande parte dos informantes, foi muito
acirrada. Até porque se encontrava em jogo, e essa é uma das minhas hipóteses, um
projeto maior que diria respeito ao fortalecimento político da família Rêgo no
município, sendo, posteriormente, base para que Vital do Rêgo, tendo o seu sogro no
Governo do Estado, pudesse vir a ser o prefeito de Campina Grande. Este o motivo que
tornou Dulce Barbosa contra o projeto de emancipação do município, posto que sabia
ela que para a campanha municipal Major Veneziano viria muito forte; este também foi
o motivo que fez com que Major Veneziano retornasse a Paraíba, deixando o Estado de
Pernambuco. A intenção seria fortalecer politicamente a família Rêgo no Estado da
Paraíba, e o momento seria este. Por isto a articulação de Vital do Rêgo em transformar
o distrito de Queimadas e o de Fagundes em município.
63
3.2. O fazer político de Carlos Ernesto
3.2.1. Relações de favores, relações de compadrio e dominação.
No contexto político nacional, especificamente no início da década de 60, o
Brasil passava por transformações políticas que repercutiriam em todas as esferas. É
nessa década que será deflagrado e declarado o Golpe Militar, este que perdurará até os
cinco primeiros anos da década de 80. É, portanto, nesse período que serão constituídos
legalmente e institucionalizado o Bipartidarismo através da Aliança Renovadora
Nacional ARENA e Movimento Democrático Brasileiro MDB. O primeiro,
entendido como partido situacionista, e o segundo, sobreviventes do processo de
cassação e oposicionista ao regime militar. Em termos de representatividade no Senado
Federal, com esta reforma partidária que o regime militar realiza do pluripartidarismo
para o bipartidarismo, a situação consegue através da ARENA obter uma
representatividade de 69,2 %, enquanto que a oposição alcançaria uma
representatividade de 30,8 % , o que equivaleria em termos numéricos a 45 Senadores
da ARENA e 20 Senadores do MDB, isto a composição do Senado Federal em
1965/1966. (SCHMITT, 2000, p.36). Através desses números se percebe a
disparidade representativa entre ARENA e MDB, e a maneira através da qual o regime
militar manteria domínio sobre a situação política.
Esta dinâmica de domínio político por parte dos militares ocupando a maioria
das cadeiras no Senado e na Câmera Federal, conseguindo eleger a maioria dos
representantes na Câmara e no Senado, perdurou durante todo o regime. Para tanto, vale
destacar que em termos de Nordeste, nos final dos anos 70, os situacionistas
apresentaram-se ainda com uma representatividade extraordinária, ou seja, “a maioria
da ARENA no Congresso Nacional foi obtida no Nordeste, garantindo-se, segundo
alguns, a estabilidade do regime (...) O partido do Governo preencheu 08 das nove
vagas senatoriais em disputa e elegeu 92 Deputados Federais contra 34 do MDB,
correspondendo, neste caso, a uma diferença de 58 cadeiras.”. (ROLIM, 1979, p. 53)
Estes dados permite afirmar o controle político que o regime militar mantinha
sobre a maioria das lideranças do Nordeste e o será diferente com a Paraíba. Nas
eleições municipais de 1972 e 1976, para se ter um exemplo, verificou-se que a ARENA
elegeu a maioria esmagadora dos Prefeitos e Vereadores em todos os Estados, o MDB
64
elegera, em todo o Brasil, 463 Prefeitos, enquanto que a ARENA com os prefeitos
nomeados somava-se 3.484. No Nordeste seguia-se o mesmo ritmo, em termos de
maioria, a ARENA obteve 1.229 prefeituras e o MDB 145. Embora, à época, a Paraíba
se destacasse por possuir 36 prefeituras governadas pelo MDB dos 171 municípios, vê-
se que a maioria estava sob o controle dos partidaristas da ARENA. (ROLIM, 1979)
É inserido nesse contexto político nacional e regional que no município de
Queimadas irá se destacar como liderança local o Tenente Carlos Ernesto, advindo de
uma família tradicional de políticos, mas que não participava da vida pública através de
cargos executivos ou legislativos. Como exposto no capítulo anterior, Carlos Ernesto
é filho de Francisco Ernesto do Rêgo, sobrinho de José Vital do Rêgo, e primo legítimo
de Major Veneziano, este que exerceu grande influência política no município de
Queimadas até o início dos anos 60.
É desta família tradicional, de influência política e detentora de boa parte das
terras existentes no município de Queimadas que advêm Carlos Ernesto. Faz-se, assim,
necessário compreender o fazer político da liderança Carlos Ernesto no município de
Queimadas, visto que sea partir do seu fazer político juntamente com o fazer político
do Major Veneziano que serão construídas as duas lideranças de destaque da política
local e que perdurará nas próximas três décadas (1970, 1980, e final da década de 1990)
de dominação política e de disputas de capitais simbólicos no campo político local, com
especial acirramento entre as lideranças Tião e Saulo Ernesto, a partir da década de
1980 e 1990. Na década de 60 no município de Queimadas
40
a economia local
40
Conforme os dados da dissertação “Agricultura Familiar no município de Queimadas, PB: Forma de
organização, desafios e perspectiva” de Antônia Maria da Silva (2001: 61), apresentada à Coordenação do
curso de Mestrado em Economia Rural, da Universidade Federal da Paraíba, em 27 de Abril de 2001, nos
mostra que os números revelam uma mudança nos dados populacionais do município, na “década de 1970
Queimadas possuía uma população de 21.258 habitantes, sendo deste total, 18.248 residiam na zona rural
e 3.010 área urbana; no censo de 1980 os dados revelam mudança no panorama populacional no
município. Queimadas contava com uma população total de 25.473 habitantes, desta vez com uma
população rural de 19.704 habitantes e uma urbana de 5.769 habitantes. Comparando-se com os dados de
1970, tem-se um crescimento na população total de 20%, enquanto que a população rural cresceu apenas
8% e, o mais expressivo, o crescimento da população urbana alcançou 91%, revelando, portanto, um
grande salto da população urbana, mais ainda distante da população da zona rural. O censo de 1991
mostra continuidade da tendência revelada na cada de oitenta. A população total do município somou
32.555 habitantes, enquanto a população rural apresentou o total de 20. 741 habitantes, e a urbana, 11.814
indivíduos. Desta vez, o incremento da população total foi da ordem de 28%, sendo o crescimento rural
de 5% e o crescimento urbano alcançou o patamar de 104%. Em 1996, os dados revelam tendência de
redução relativa da população rural ainda mais significativa. Neste ano, a população total registrada foi de
33.461 habitantes, dos quais 19.141 residentes na zona rural e 14.312 na zona urbana. Sendo assim, o
crescimento da população total foi de 3%, enquanto que a população rural sofreu uma redução de 8% e a
população urbana, por sua vez, cresceu 21%. Os dados sinalizam que houve, neste período, grande perda
da participação da população rural em relação à população total, haja vista que, se em 1970 a população
65
praticamente girava em torno da agricultura e dos poucos empregos que o poder público
local produzia. A maioria da população vivia na Zona Rural vivendo dos lucros
advindos daquilo que na terra plantava, principalmente o milho, feijão e algodão. O
comércio era muito incipiente, inexistindo praticamente estabelecimentos comerciais.
Os comerciantes nesta época que se destacavam eram os donos de mercearias, pequenas
vendas, que comercializavam, em sua grande maioria, produtos relacionados à
alimentação e a limpeza, cito aqui, como comerciantes de destaque à época o senhor
José Tavares, o senhor João Virgínio e o Senhor Vital Francisco da Silva.
Poucas eram as ruas existentes e as que existiam não eram calçadas, a não ser a
Rua da Igreja Matriz, conhecida como a Rua João Barbosa da Silva, nome dado em
homenagem ao pai da primeira prefeita constitucional de Queimadas, Maria Dulce
Barbosa.
As famílias denominadas tradicionais que aqui residiam e exerciam poder
político, eram as famílias Barbosa, Gonzaga, Ernesto, Rêgo, Maia, Ribeiro e Lucena.
Todas essas famílias exerciam domínio sobre as melhores terras do município e,
conseqüentemente, possuíam as grandes extensões de terras. Os Maias, por exemplo,
possuíam mais de três mil hectares de terras, os Ernestos só aqui em Queimadas
possuíam mais de 600 hectares de terras e todas essas terras além de serem propícias
para o plantio das culturas como: milho, feijão, fava e algodão; possuía ainda grandes
reservatórios de águas que, em período de seca, servia a toda a população carente.
Soma-se a isso, o gado que estas famílias criavam e destes tiravam o leite para ser
vendido na cidade vizinha e pólo comercial Campina Grande. Associava-se a isso o
que, era de costume na região, o fazendeiro garantir, por dia, um litro de leite ao seu
afilhado. Em outras palavras, era de costume as pessoas carentes e os mais necessitados
atribuir seus filhos a uma dessas famílias tradicionais, visto que além da proteção” e
“segurança”, o leite já estava garantido para a criança.
Além disso, geralmente essas famílias carentes, das quais era a grande maioria
da população no município, em épocas de seca, como mencionado, dependia das
famílias tradicionais em relação aos reservatórios de água, assim como também muitos
trabalhavam na agricultura nas terras dessas famílias tradicionais locais. Trabalhavam
como meeiros, vaqueiros, cultivando o algodão, o milho e o feijão, em período de
plantação e em período de colheita, colhendo estas culturas; na seca trabalhavam
rural representava 86% da população total, em 1980 esse percentual cai para 77%e, na década de noventa,
há uma acentuação desta tendência: em 1991, representa 64% e, por fim, em 1996, fica 57%”.
66
cortando lenha e ajudando, cortando palma, capim, alimentos em geral para o gado.
Nesse sentido, criava-se toda uma relação de dependência para com estas famílias
tradicionais as quais em troca garantiria a “segurança”, a “proteção” e o básico para a
sobrevivência de todo o grupo familiar.
É nesse contexto, em que politicamente predominava no Brasil um regime
autoritário e de relações sociais permeadas pelos favores e relações de dependência, que
se constitui socialmente a liderança política de Carlos Ernesto, este que exercerá grande
influência a partir da metade da década de 60 até o início da década de oitenta, através
da sua forma de fazer política.
Neste capítulo a pretensão analisar como se instituiu, dentro do campo político
local, a liderança de Carlos Ernesto, primo do Major Veneziano Vital do Rêgo. A
principal tentativa é compreender as práticas desenvolvidas por Carlos Ernesto que o fez
conseguir uma forte hegemonia no campo político, o autorizando, por exemplo, a ter o
direito de indicar sucessivamente quatro nomes para concorrer nas eleições à prefeitura
municipal, tendo feito a todos eleitos. Cabe indagar: que capitais sociais foram
construídos e que capitais estavam em disputa neste campo político? O que tornou
Carlos Ernesto figura tão evidente dentro deste campo político? Que elementos de
distinção/diferenciação o fez ter mais notoriedade que os outros? Em síntese, que tipo
de dominação foi estabelecida por Carlos Ernesto no município de Queimadas através
de suas práticas políticas? E que práticas/ações foram estas numa sociedade com
características basicamente rurais?
Carlos Ernesto, liderança do município de Queimadas da década de 1960 até o
final da década de 1980, apresenta algumas características interessantes para se
compreender as relações sociais, os laços e o elo moral que caracterizavam o habitus
político do município. Ele serviu ao exército brasileiro, em meados do período da
segunda grande Guerra Mundial, na cidade de Recife, chegando, assim, a receber a
patente de Tenente. Foi também Secretário de Agricultura no Governo de Severino
Cabral, no Município de Campina Grande. Foi o único cargo público que ocupou,
mesmo assim, não chegou ao término do mandato, renunciando, pois não se adequou ao
trabalho público, ainda assim foi destaque no cargo que ocupou durante este tão curto
período, como nos afirmou o seu filho de maneira um tanto apaixonada, Saulo Ernesto:
Era muito interessante o trabalho dele, ele nunca, ocupou o cargo
público, apenas uma vez ele foi secretário de agricultura do
governo Severino Cabral, quando Queimadas ainda pertencia a
Campina Grande foi um grande secretário inovador porque a primeira
67
frota de trator de Campina pra agricultura foi adquirida por ele, ele
tem um trabalho brilhante, embora não tenha passado mais que um
ano, porque ele não se adequou ao serviço público. (Entrevista com
Saulo Ernesto, em 13 de abril de 2006)
Corroborando com o discurso acima, outra informante, Tereza Leal, também
filha de Carlos Ernesto acrescenta que o pai não gostava de assumir cargos públicos e
nem tampouco de ser chamado à atenção pelo seu superior, no caso, por Severino
Cabral, então prefeito de Campina Grande, que havia chamado à atenção de um de
seus secretários em público. Disso resulta que Carlos Ernesto pela sua própria formação
de tenente e pela tradição familiar, não admitia receber nenhuma reprimenda ou ser
chamado à atenção por pessoa nenhuma, até porque no município de Queimadas, ele já
exercia certo domínio político, associado à figura do seu pai Francisco Ernesto do
Rêgo. Por tradicionalmente ter evitado assumir cargos públicos cabe investigar os
mecanismos de mando e de poder utilizados por Carlos Ernesto para se transformar em
uma importante liderança política.
Um dos depoentes, João Vitorino Filho, homem do campo, agricultor e
residente ainda hoje na zona rural do município de Queimadas, apresentam-nos Carlos
Ernesto como sendo
uma pessoa que resolvia qualquer problema no município, problema
de ordem inclusive muito particular, a exemplo de brigas entre casais,
entre outros colocados pela sociedade de queimadas, quando não dava
mesmo para resolver ele avisava antecipadamente a pessoa. A palavra
de seu Carlos valia tudo, pois o que ele dizia, podia confiar. Carlos
Ernesto foi uma liderança em todos os aspectos, não gostava de
participar de governo, nem tampouco subir ao palco para pedir votos,
gostava de ficar entre o povo, conversando com seus compadres, e o
que prometia, cumpria. (Entrevista com João Vitorino Silva, em 27 de
maio de 2006).
Conforme a conversa que tive com uma de suas filhas, Tereza Leal, Carlos
Ernesto teve muito mais de (300) trezentos afilhados, as crianças quando nasciam no
município, os pais ‘davam’ para que Carlos Ernesto fosse, juntamente com Maria Leal,
seus padrinhos, isto ficou perceptível a partir do trabalho de campo e das entrevistas
realizadas junto a alguns habitantes da zona rural do município; até hoje muitas são as
pessoas que falaram que se orgulhavam e agradeciam aos seus pais por eles terem
“dado” elas para serem afilhadas de Carlos Ernesto. Afirmavam, essas pessoas que
em sua grande maioria são carentes e pobres: que Carlos Ernesto era como um pai, uma
vez que tudo que precisava ele “ajudava”. É nesse sentido, que as palavras do senhor
68
João Vitorino confirma o exercício de dominação exercido por Carlos Ernesto, uma vez
que “o que ele dizia, podia confiar”. Podiam confiar as pessoas que pertenciam a este
sistema de apadrinhamento, seus compadres, comadres e afilhados, e os que seguiam e,
sobretudo, respeitavam as suas “palavras de ordem”. Digo “palavras de ordem” pelo
fato de que na resolução de problemas, como as brigas entre casais que ele resolvia,
conforme os discursos dos entrevistados, não era apenas Carlos Ernesto, que lá estava
resolvendo o determinado problema, mas “o Tenente Carlos Ernesto”, filho de
“Francisco Ernesto” que, por sua vez é da família do conhecido Coronel Chico
Heráclio”, ou seja, é perceptível os elementos de distinção/diferenciação que traz a
liderança Carlos Ernesto, a dominação que o mesmo exerce no município se estabelece
por estes capitais simbólicos acumulados no decorrer de sua própria história social.
uma dominação que se pauta na tradição familiar e associado a sua imagem
existe a representação do “tenente”, representante do poder militar, e é este poder que
no período de domínio político local de Carlos Ernesto, está também dominando o país,
e não seria diferente uma vez que a liderança política local comunga da cartilha da
própria ARENA, que embora não seja candidato para disputar o cargo executivo local,
é quem indica os nomes, entre as suas indicações destacam-se Sebastião de Paula go
e Saulo Ernesto, este último primo do primeiro e filho de Carlos Ernesto, considerado o
seu herdeiro político.
Nestas referências feitas acerca da liderança Carlos Ernesto, -se que alguns
elementos merecem uma maior atenção. As relações de compadrio, por exemplo, como
mencionado, assume uma importância fundamental para se compreender as relações
sociais desta família em Queimadas, visto que é a partir destas relações que os
processos de dominação se farão mais presentes, ou seja, nesta relação do “dando” que
se “recebe”, movido pelas trocas de interesses, que na maioria das vezes não são
racionalmente calculadas, mas sim tomadas e guiadas pelo senso prático dos agentes, é
que se constroem toda a relação de dependência e, conseqüentemente, de dominação.
Desta feita, o compadrio assume uma característica fundamental, qual seja, a
característica de ser um ritual
41
em que os pais para “dar” o seu filho a alguém ou a
41
Conforme nos define Martine Segalen (2002), “o rito ou ritual é um conjunto de atos formalizados,
expressivos, portadores de uma dimensão simbólica. O rito é caracterizado por uma configuração espaço-
temporal específica, pelo recurso a uma série de objetos, por sistemas de linguagens e comportamentos
específicos e por signos emblemáticos cujo sentido codificado constitui um dos bens comuns do grupo”.
E, continua a autora, “o ritual faz sentido, visto que ordena a desordem, atribui sentido ao acidental e ao
incompreensível, confere aos atores sociais os meios para dominar o mal, o tempo e as relações sociais.
Sua essência é misturar o tempo individual e o tempo coletivo. Definido em suas propriedades
69
algum casal para serem padrinhos, não o fazem por mero acaso, tem algumas
características que permeiam esta relação, tais como: credibilidade (confiança), respeito
(admiração), segurança (proteção).
Este ritual, portanto, de “dar” os filhos para que Carlos Ernesto e Maria Leal
fossem padrinhos são característicos de ações simbólicas manifestas por emblemas
sensíveis e materiais; além disso, possui toda uma função estratégica, visto que a
credibilidade confiança, está no fato, como mencionado, de Carlos Ernesto ser um
“homem de palavra”, o que “dizia cumpria”, e isto lhe conferia respeito, pois o espaço
da política nem sempre é o espaço da “palavra cumprida”, porém, mais e muito mais,
da “palavra prometida”, daí também se desenvolve a idéia e o por quê de Carlos
Ernesto não querer subir no palanque e ficar ao lado dos candidatos que ele
apresentava, preferindo agir nos bastidores do poder, exercendo sua liderança política
por trás do “palco”, na coxia, posto que é uma atitude totalmente estratégica
permanecer junto aos compadres, na mesma condição, de “igual para igual”; é a
liderança que, embora ocupando uma posição diferente, das demais pessoas dentro da
estrutura política e social local, está no mesmo espaço compartilhando conversas e
saberes do cotidiano com os seus compadres e amigos.
Aqui se encontra presente mais uma maneira tática e estratégica de se relacionar
com os seus “conterrâneos”, demonstrando simplicidade, mas, ao mesmo tempo,
exercendo dominação, visto que as pessoas nestes espaços quase sempre “pedem” algo
à liderança política local. Temos, nesse sentido, uma aproximação afetiva e econômica
que se imbricam nas relações da construção do fazer político local.
Assim, o estar próximo é estratégico do ponto de vista político, haja vista que
desta forma, ele podia conversar com diferentes pessoas e, podia analisar, no interior do
espaço social, como as pessoas estavam se comportando e que atitudes tomavam
quando os candidatos, por ele apoiado, estavam discursando, como atuavam etc.
Assim, as relações parentais e os laços de credibilidades vão se construindo na
força da palavra, das “ajudas”, dos “favores”, em uma frase: “do que se promete, faz”.
Todas estas ações trazem consigo uma dimensão simbólica muito forte posto que
imprimem valores que conduz os agentes a passarem a ter respeito admiração,
levando várias famílias a tomar Carlos Ernesto, como exemplo de uma pessoa a ser
morfológicas e através de sua eficácia social, os ritos também se caracterizam por ações simbólicas
manifestas por emblemas sensíveis, materiais e corporais.” (SEGALEM, 2002:32)
70
seguida, tornando-se, assim, num misto de “protetor dos pobres” e “conciliador de
conflitos”:
Porque o povo tinha ele com maior respeito, ninguém ia na casa dele
para voltar com as mãos sem nada, ta um doente aqui, o momento de
precisão mais do cara é quando ta morrendo de fome ou doente, quem
chegar é o primeiro. Seu Carlos cobria tudo de remédio, de feira. Era
todo mundo que adoecesse, que precisava de alguma coisa, era ir
lá. Ele conseguia, fazia de todo o jeito, mas, dava jeito. Tinha dia que
eu trabalhando lá, o dinheiro que ele recebia do leite, ele tirava, tirava
do dinheiro do leite que era dele e ajudava, ajudava a todo mundo, o
povo que ia atrás. Nunca foi uma pessoa pra dizer assim voltei sem
nada, nunca, nunca, até hoje. Morreu, mas, a fama ficou que até hoje
está por aí, é, e outro que nem ele não tem mais não. A palavra dele
era um tiro, se ele dissesse assim, é assim, é assim, pronto, podia
escrever, podia escrever que era aquilo mesmo, e o pessoal obedecia
ao conselho que ele dava, sempre para o bem. Olhe você ia tremendo
de raiva, vamos dizer assim, você tinha raiva de mim, você ia para me
pegar com a maior raiva, se ele encontrasse com você ou mandasse
chamar você, você vinha rindo para o meu lado, você vinha
“olá rapaz tudo bom”. Eu vi muitas vezes lá, os cabras ali do Oití, do
Balanço, ali da Serralta, quando pegava briga pra lá, corria lá pra seu
Carlos. O pessoal não precisava ir para a delegacia, ele mandava o
recado, diga a fulano que venha aqui, acabavam as encrencas.
(Entrevista com João Vitorino de Andrade Filho, em 27 de maio de
2006)
Este discurso pronunciado por um dos entrevistados que conviveu com Carlos
Ernesto, trabalhador inclusive da sua fazenda situada na Comunidade da Mumbuca,
deixa claro, o tratamento que as pessoas atribuíam e até hoje tem como representação
desta liderança local, tendo-a e concebendo-a como “protetora”, aquela liderança que
sempre está a “ajudar” os mais humildes e os mais necessitados. Em outras palavras,
este exercício político demonstra claramente a prática do assistencialismo tão utilizada
no modo de fazer política no nordeste, revela ainda que, além dessas práticas, Carlos
Ernesto conseguia empregar também diversas pessoas nos setores que exercia
influência, ou seja, no setor público local, assim como nos estabelecimentos públicos
do Estado, o que nos conduz a afirmar que associado ao assistencialismo tinha-se
também a prática do clientelismo, as quais vão se constituindo como uma rede de
relações legítimas e reconhecíveis que vai moldando juntamente com as relações de
compadrio o exercício de dominação através dos laços de dependência. Ou seja, é daí
que se constroem os laços sentimentais e pragmáticos que ligam as pessoas à liderança
e a “dependência política se traduz na triste palavra “eu devo favor”, o que significa
uma forma de gratidão, uma dívida cujo preço é a fidelidade sem limites, mas que pode
71
resultar na possibilidade constante da humilhação pessoal e familiar, (...). Noutras
palavras, perde mais que ganha, devido aos prejuízos causados pela perda da
autonomia”.
42
Noutra dimensão, qual seja, a dimensão da segurança – proteção, as pessoas que
escolhiam Carlos Ernesto e Maria Leal para serem padrinhos de seus filhos e,
conseqüentemente, compadre e comadre, escolhem no sentido de “receber”, por parte
do casal proteção, haja vista que ele resolvia qualquer problema”, quer fosse na esfera
política, judicial, econômica e, até mesmo, nas relações de micro-poderes entre as
famílias. Assim, “oferecer” à criança, a Carlos Ernesto e Maria Leal era estar
atribuindo-lhes não apenas do ponto de vista do “conforto espiritual”, tendo em vista
que o ritual de passagem do batismo
43
caracteriza-se por isso, mas era também e
sobretudo, ter “conforto material”, segurança, sentir-se protegido. Esta noção fica
ressaltada, de maneira nítida, nas palavras de uma de suas afilhadas:
eu gostava muito dele, é ... para mim é mesmo que ser meu pai.
Maravilhoso ele, muito bom , para mim e para todo mundo, qualquer
coisa que o povo queria era com ele. Ia lá e ia ser muito bem recebido,
do jeito que ele recebia um rico recebia um pobre, do mesmo jeito. Ele
não tinha escolha, não tinha distinção, meu padrinho não tinha
escolha. E sempre muito educado. Eles dois aí, eu sempre olho muito
para eles porque são maravilhosos, e agente todinho lá de casa ama
eles todo. (Entrevista com Albertina de Souza Andrade, em 27 de
maio de 2006).
Esta é, a meu ver, uma estratégia fundamental desta relação de compadrio, que
faz dessas relações processos rituais no sentido de que devem ser consideradas “como
um conjunto de condutas individuais ou coletivas relativamente codificadas, com
suporte corporal (verbal, gestual e de postura), caráter repetitivo e forte carga simbólica
para atores e testemunhas” (SEGALEN, 2002, p.32).
Não é a toa que, para além dos padrinhos, a quem os pais “prometiam” seus
filhos, tinha-se também a madrinha de apresentação e todos aqueles também que viam
ritualisticamente este ato. Assim, “o rito é uma linguagem eficaz na medida em que
atua na realidade social, decorrendo daí que o rito não se pode fazer de qualquer
42
ADILSON FILHO, José. A cidade atravessada: velhos e novos cenários na política belojardinense.
Recife, COMUNIGRAF, 2009, p. 73.
43
Conforme Ellen F. Woortmann, “Toda criança, ao ser batizada, ganha um padrinho, um “pai
espiritual”, e uma madrinha, “mãe espiritual”, que, como em todas as sociedades de tradição cristã,
mantêm com seus afilhados determinadas relações de obrigações social e ritual”. Essa relação é fundada
em um rito de passagem, o batismo, enquanto nascimento simbólico. (WOORTMANN, 1995, p.285)
72
maneira, precisando se apoiar em mbolos reconhecidos pela coletividade”
(SEGALEN, 2002, p.32).
Neste caso, especifico de Carlos Ernesto três elementos são fundamentais
enquanto símbolos reconhecidos pela coletividade, a saber: à credibilidade (confiança),
o respeito (admiração) e a segurança (proteção). Tais elementos são fundamentais para
a construção desta tradição familiar e, conseqüentemente, para a legitimidade desta
liderança através do exercício de dominação material e simbólica, uma vez que se por
um lado tem-se instituído na cultura local a prática política baseada no assistencialismo
e no clientelismo, como já aventado, por outro, tem-se associado a esta a prática
simbólica do batismo, do “dar o filho” como forma de reconhecimento legítimo do
poder exercido por Carlos Ernesto. Percebe-se assim, que para além dos “favores” que
se realizavam no espaço político propriamente dito através do assistencialismo e do
clientelismo, também se tinha os favores no espaço religioso.
Dito de outra maneira, o compadrio tem outras funções além das espirituais, ou
seja, assegura socialização das crianças, estabelecendo laços entre pessoas da mesma
classe ou de classes sociais diferentes, atendendo às necessidades da família, garantindo
trabalho e abrigo, etc. As relações, para tanto, funcionam da seguinte forma: “na
maioria das vezes é o padrinho quem fornece ajuda e proteção aos afilhados e
compadres, mas esses também o ajudavam, ao trabalhar para ele sem cobrar, ao
executar tarefas graciosamente, ao votar em seus candidatos, entre outros”
44
.
Com base no exposto, o compadrio é para além do parentesco ritual, parte da
própria estrutura do parentesco, em outras palavras, como ensina Ellen Woortmann
(1995),
o compadrio não é apenas uma forma de ‘parentesco ritual’ ou de
‘parentesco fictício’, isto é de paraparentesco. Ele é parte da própria
estrutura de parentesco. (...) considero o significado do compadrio (...)
destacando a relação entre padrinhos e afilhados, assim como a
relação entre compadrio e nomeação. (WOORTMANN, 1995, p.285).
Observa-se, com isso, seguindo os passos, ainda de Ellen Woortmann que
entre padrinho e pai estabelece-se, então, uma relação de troca, pois a
obrigação de um tem como contrapartida a obrigação do outro. É
preciso lembrar que pelo menos em tese, todo pai é também padrinho,
e todo padrinho é pai. Instaura-se uma relação de reciprocidade de
44
RÊGO, André Heráclio. Família e Coronelismo no Brasil: uma história de poder. São Paulo, Girafa
Editora, 2008, p. 48.
73
obrigação entre pai e padrinho em função de um terceiro termo, o
filho/afilhado(a), que no futuro será pai e padrinho. (WOORTMANN,
1995, p.290) (grifos nossos)
Ellen Woortmann destaca dois tipos de compadrio, o que se caracteriza por ser
“horizontal” e “intensivo” no qual os pais convidam pessoas do mesmo status social
para serem padrinhos dos seus filhos e que residam dentro do mesmo sítio, do mesmo
círculo de parentes; e o outro é o que se caracteriza por ser “vertical” e extensivo” no
qual as relações se dão com pessoas de status superior, caracterizado pela patronagem,
e os laços se dão fora do círculo, do sítio, ampliando as redes de solidariedade.
É neste modelo de compadrio, “vertical” e “extensivo”, que se coloca Carlos
Ernesto, visto que, para a sociedade de Queimadas da época, ele tinha status, possuía
capital simbólico incorporado, posto que pertencia a uma família de tradição”, cujo
nome remete a uma investidura de poder, associado a isto também havia recebido a
patente de “Tenente Carlos Ernesto”, e as pessoas que “davam”, “ofereciam” seus
filhos para serem afilhados dele, eram, em quase sua totalidade, pessoas exteriores a
família Ernesto.
Desta feita, aumentavam-se às relações de solidariedade, criando através do
compadrio, vínculos alternativos e análogos ao parentesco, estendia-se à rede de
favores, os laços de dependência, e o exercício de dominação material e simbólica
sobre estes que ficavam devendo-lhes sempre “favores”, é a dádiva, enquanto dívida
permanente.
Portanto, “o compadrio é ademais uma forma de elevação social para as classes
mais desfavorecidas: ter por padrinho um senhor rural era uma espécie de promoção
social para o afilhado e para seus pais. Tratava-se também de uma forma de
dependência econômica”.
45
O respeito, que do latim respectu, reverência, veneração, que Carlos Ernesto
adquire no decorrer do processo histórico de dominação política no município de
Queimadas, vem a reforçar e legitimar as práticas de convivência por ele adotada.
Ou seja, admira-se e respeita-se a liderança, posto que muitos cidadãos necessitam e
dependem das ações do dominante; Carlos Ernesto serve como uma espécie de
mediador entre o povo e o estado instituído, na satisfação de suas demandas.
Logicamente as famílias que ficam na dependência destas práticas, recebem também
45
RÊGO, André Heráclio. Op. cit, p. 47.
74
algo em troca que é a segurança, por exemplo, e as benesses do poder atribuído à
liderança, em contrapartida, perdem a sua autonomia, tornando-se submissos e reféns
das ações da liderança política local.
Nesse sentido, pode-se notar que “dar” o filho para ser afilhado de Carlos
Ernesto e Maria Leal, está intrínseco, para além, da segurança, a noção de “honra”, daí
se perceber, a partir desse elemento, que a palavra “dar” o filho para alguém ser
padrinho é uma honra, pois, honra-se a pessoa que recebe e esta pode vir a contribuir
com os seus saberes práticos, com a confiança, a admiração e a segurança, criando
relações de amizade e relações parentais. (WOORTMANN, 1995, p.310).
Percebe-se a partir desses elementos, que as relações sociais entre as pessoas
(compadrios) vão se moldando muito mais na sua dimensão afetiva e na sua submissão
econômica a partir das relações parentais verticais, construindo verdadeiros laços de
reciprocidade.
Numa conversa com um senhor, chamado Kbôclo, poeta popular do município,
ele afirma que tanto Carlos Ernesto como Saulo Ernesto tem um “feitiço que toda
pessoa que se aproxima passa a admirar”, afirma ainda o mesmo, “eu não sei o que é
isso não, que até as crianças quando se aproximavam deles gostam”. Além desse
“feitiço”, outra característica que constituía a liderança de Carlos Ernesto seria a sua
característica de “despreendimento” e “devotamento” em “ajudar” as pessoas em
qualquer problema que elas tivessem, conforme depoimento de seu filho, Saulo
Ernesto:
Papai era uma pessoa que a comunidade de Queimadas o chamava de
Padre, Delegado, Juiz, coisas dessa natureza, porque ele resolvia
sempre as grandes questões de Queimadas e pouca a justiça daqui era
ocupada, porque ele era um mediador, ele era um pacificador. Até
briga de casais, coisas dessa natureza, ele conseguia reconciliar,
casais, pessoas que vamos supor antigamente essa questão de perdição
de moças, ele fazia o casamento então por isso que entrava de padre,
então ele era uma pessoa dessa natureza, e nunca quis ocupar cargo.
(Entrevista com Saulo Ernesto, em 13 de abril de 2006)
A partir da fala de seu filho, percebe-se que Carlos Ernesto tinha um “especial
talento” de concentrar vários poderes e atributos em suas mãos, chegando a poder ser
comparado a uma espécie de déspota, ou seja, Carlos Ernesto concentra em suas mãos
diversas esferas de poder encarnada em pessoa, é o poder tendo uma fisionomia, a de
quem o exerce, essa liderança, portanto, “encarna o poder: reveste-o de um corpo
carnal, atribui a essa abstração uma forma humana, material e sensível”.
75
(SCHWARTZENBERG, 1977, p.10) O que nos leva, à luz de uma sociologia crítica, a
perceber não como virtude o fato de Carlos Ernesto concentrar tanto poder sobre sua
liderança, mas sim como esta concentração de poder o conduz a dominar as diversas
esferas da sociedade queimadense, inclusive a exercer influência nos espaços mais
micros da sociedade, que é no espaço familiar. A dominação se instaura com a
cumplicidade daqueles que a sofrem, como acontece com as relações domésticas. O
dominado favorece a elaboração da sua própria dominação através da afeição e
admiração
46
que sente pelas elites políticas ou, neste caso, por este representante da
elite política local e, dessa forma, legitima o exercício do poder simbólico
compreendido através desta violência simbólica que conduz os agentes a se tornarem
submissos e com dívidas de “favores” impagáveis.
O poder passa de algo meramente abstrato e se corporifica na liderança política
local. É no corpo que o poder se torna morada privilegiada das práticas e das
representações. “O corpo fala e sua linguagem revela a maneira como pensamos,
agimos e sentimos a vida política”.
47
Desembocando e se efetivando nas “relações de favores”, “no sentimento”, nas
relações de “dar” e “receber” e “retribuir”, é que vão se fundamentando as práticas, os
exercícios de poder, e o processo de dominação a partir dos laços de dependência que
os favores constroem.
As relações eminentemente pessoais
48
, essa maneira de tratar o “outro”
atendendo aos seus pedidos, em sua própria casa que se localizada na Fazenda
Mumbuca, o fato de ter sido tenente do exército, tudo isso foi fundamental para a
construção e o exercício de dominação política realizado por Carlos Ernesto. Então, se
construiu, se legitimou e muitos incorporaram, e este o fato de perdurar, até o presente
momento, o domínio desta família, em grande parte da população local do município de
Queimadas, a imagem e o discurso corporificado de que Carlos Ernesto foi um homem
de palavra e que, portanto, qualquer problema ele resolvia, contribuiu para tornar
muitos corpos dóceis e adestrados pelo exercício do poder, contribuiu para que essas
práticas fossem consumidas. Reforçando este argumento, uma de suas filhas narra o
46
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, 1997, p. 181.
47
ADILSON FILHO, José. Op. cit, p. 59.
48
Conforme Jessé Souza, essas relações eminentemente pessoais de favores funcionam como “um u
mascarador que permite aquilo que Bourdieu chama de ‘mais-valia simbólica’, no sentido em que as
relações aparentemente simétricas permitem a reprodução de trocas assimétricas legitimando, dessa
forma, uma relação arbitrária” e, continua o autor, é o que caracteriza o exercício do capital simbólico
através do mascaramento das precondições econômicas para o exercício de qualquer forma de
dominação” (SOUZA, 2003, p. 49 e 50)
76
exercício de poder de Carlos Ernesto e como este dominava, através das práticas por ele
desenvolvidas, seus subordinados:
esses favores se dava na Mumbuca. Era aberta dia e noite (se referindo
a casa na Mumbuca). E ele (Carlos Ernesto) fazia isso não pensando
em retribuir na política não, era dele (...) ele era médico, ele era
advogado e era juiz, toda pendenga, tudo daqui de Queimadas ia pra
seu Carlos Ernesto resolver. Era briga de marido e mulher. Era se seu
fulano fosse preso, era seu Carlos quem iria soltar. E as brigas, tudo
corria pra Mumbuca (...) (Entrevista com Tereza Leal, em 08 de abril
de 2006)
Vê-se aqui que as relações de favores e a sua retribuição não aconteciam na
política não”, este dado é muito importante, uma vez que essas relações de favores são
relações eminentemente políticas, haja vista que “a política não é apenas um discurso ou
uma atividade própria de um grupo a ela dedicado diariamente, mas é parte integrante
da sociedade desde sua constituição, permeando todas as relações sociais”
(MAGALHÃES, 1998, p.17). Portanto, as trocas (favores) serão os elementos
fundamentais para garantir e fundar a “vida política” do município, aliás, como já
discutido, as relações de favores e de compadrios são relações de troca, e todas essas
relações serão constitutivas, a partir desta tradição familiar, para a constituição e
exercício dos herdeiros políticos desta tradição.
3.2.2. Dádiva e troca de favores
A partir das práticas de trocas de favores e de compadrio que ajudaram a
construir o poder e a liderança política de Carlos Ernesto, é possível observar a
presença do personalismo, do populismo, do clientelismo e do chamado “jeitinho
brasileiro” sobrepondo a lei institucionalizada sobrepondo a ordem política racional e
impessoal, uma vez que, enquanto agente do poder, ele é metamorfoseado, encarnado
com o próprio poder, sendo assim a própria lei.
Portanto, toda uma imposição política e um centralismo por parte da
liderança local, o que possibilita e impõe exercícios de dominação sobre os agentes de
maneira que estes legitimam e reconhecem, mas nem sempre compreendem a violência
que é exercida através deste modo de dominação amparado nas relações de favores.
Existe, portanto, “uma resistência de nossa mentalidade ruralista; personalista e pouco
racionalista, que ainda confunde os agentes do poder com o poder”. (GOMES, 1989,
p.10)
77
Nestas relações, a noção de “pessoa”, ou esta cultura personalista, fica muito
clara quanto à própria idéia de justiça, que Carlos Ernesto era quem a fazia, ele é
quem era a lei, como já dito, não precisava da instituição jurídica e/ou de um juiz
institucionalmente legitimado para fazer a justiça, bastava ir até a Fazenda Mumbuca
que ele resolvia. Assim ele foi se instituindo enquanto liderança e personalidade. É
como vai defender Gomes (1989), “entre nós vigora um padrão de sociabilidade que
tem como cleo a vida familiar e a autoridade do patriarca. Vale dizer, um tipo de
autoridade e de vínculos políticos e sociais personalizados e que recorrem à fidelidade e
à afetividade” (GOMES, 1989, p.11)
O que não impede de perceber o quanto este modo de realizar a política local é
violento, ou seja, ele se torna lei pelo fato do acúmulo ou do centralismo de poder que o
mesmo possui, em contraposição tem-se nesse campo a maioria da população pobre e
necessitada das “ajudas” desta liderança, o que leva a entender também que é
diferenciado o índice de capital cultural e de capital econômico dessas pessoas,
tornando-as submissas e, ao mesmo tempo, reféns desse exercício de dominação local,
o qual se pauta num extremo processo de distinção e diferenciação.
Estas relações de favores que não eram realizadas apenas às vésperas das
eleições, mas, cotidianamente, tem um caráter muito importante para se pensar à prática
política local. A noção de “favor” dentro do campo social possui uma relação direta
com a noção de “dádiva”.
Dentre os estudos antropológicos clássicos sobre a “dádiva” destaca-se Marcel
Mauss (1974), que ao fazer a análise do Potlach levanta o seguinte questionamento:
“que força na coisa dada que faz com que o donatário a retribua?”. Esta é uma
indagação básica para se compreender as relações de favores que se estabeleciam entre
os citadinos e Carlos Ernesto.
Segundo Marcel Mauss (1974), na dádiva existem três obrigações distintas, são
elas: dar, receber e retribuir. A coisa dada, seja ela qual for, traz uma característica
para além da materialidade, pois trás consigo um significado simbólico, e isto fica claro
uma vez que Marcel Mauss estende a noção de símbolo para muito além dos signos
lingüísticos, em outras palavras, conforme Caillé,
o emprego da noção de símbolo para muito além dos signos
lingüísticos ou pictóricos exclusivamente, é o fato de radicalizar esse
conceito da natureza simbólica da relação social, e de tirar daí todas as
implicações, negativas e positivas. As palavras, as saudações, os
presentes, solenemente trocados e recebidos, e obrigatoriamente
78
retribuídos sob risco de guerra, o que são, senão símbolos?. (CAILLÉ,
1989, p.5)
E ainda acrescenta o referido autor,
No fundo símbolos e dádivas são idênticos para Mauss, ou pelo menos
co-extensivos num sentido que ainda está por explorar. Não
dádiva que não exceda, por sua dimensão simbólica, a dimensão
utilitária e funcional dos bens e serviços. E, reciprocamente, o que é
um símbolo, senão as palavras, gestos, atos, objetos e, principalmente,
as mulheres e, portanto, os filhos por vir, que são dados solenemente,
criando a aliança que afasta a guerra, uma aliança constantemente
ameaçada de recair no conflito? Assim, a dádiva e o símbolo são de
fato co-extensivos. (CALLIÉ, 1989, p.5).
Assim a relação de compadrio que se estabelece é uma relação ainda mais
simbólica porque cria a aliança; é um laço social que é construído por algo que é dado,
neste caso, o filho. Entretanto, não necessariamente aquele que recebe precisa retribuir
da mesma forma, ou seja, com outro filho, acredito que aqui está a grande contribuição
de Marcel Mauss, em pensar este lado simbólico, ou melhor, pensar a dádiva e o
símbolo como co-extensivo, como um fato social total.
49
Dessa maneira é possível perceber que as relações de compadrio não são meras
ações utilitaristas, com meios determinados e calculados racionalmente para se chegar a
algum fim, mas sim fundamenta algo que é inerente à vida humana, qual seja, o
estabelecimento de laços, e a dádiva, nesse sentido, enquanto pautada em três
obrigações dar, receber e retribuir assume uma característica fundamental, como
já dito, firmar e fortalecer os laços sociais.
Neste caso, a dádiva assume características importantes, pois é ela quem funda
as relações sociais através dos laços que se estabelecem entre indivíduos através da
coisa dada, coisa dada esta que possui um espírito, e que, portanto, quem recebe algo
que foi dado tem obrigação de retribuir, como nos ensina Marcel Mauss (1974):
49
Como bem afirma Alain Callié, “os fatos sociais, diríamos, para resumir da melhor forma a
especificidade da visão maussiana, tornam-se totais e não devem mais ser considerados como coisas, e
sim como símbolos. Esse princípio não tem um alcance apenas metodológico, mas sócio-ontológico. Não
mais se dirá que se deve tratar os fatos sociais "como [se fossem] coisas", subentendendo "quando
sabemos perfeitamente que não o são", e sim que se deve tratar os fatos sociais como mbolos, porque
sabemos perfeitamente que é essa, na verdade, a sua natureza” (CALLIÉ, 1989, p. 6). E ainda como nos
ensina Lévi-Strauss (1976), “um fato social total é dotado de significação simultaneamente social e
religiosa, mágica e econômica, utilitária e sentimental, jurídica e moral” (LÉVI-STRAUSS, 1976, p. 92).
79
o que trocam não são exclusivamente bens e riquezas móveis e
imóveis, coisas economicamente úteis. Trata-se, antes de tudo, de
gentilezas, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças,
danças, festas, feiras em que o mercado é apenas um dos momentos e
onde a circulação de riqueza constitui apenas um termo de um
contrato muito mais geral e muito mais permanente. Enfim, essas
prestações e contra-prestações são feitas de uma forma sobretudo
voluntária, por presentes, regalos, embora sejam, no fundo,
rigorosamente obrigatórios, sob pena de guerra privada ou pública.
Propusemo-nos chamar tudo isso de sistema de prestações totais.
(MAUSS, 1974, p.45).
Assim, e conforme Marcel Mauss, a dádiva é voluntária e obrigatória, em
outros termos, segundo Caillé (1989), a dádiva é
indissociavelmente "livre e obrigada" de um lado, e interessada e
desinteressada do outro. Obrigada, pois não se qualquer coisa a
qualquer pessoa, num momento qualquer ou de qualquer modo, sendo
os momentos e as formas da dádiva de fato socialmente instituídos,
como bem nota o holismo. Contudo, se se tratasse unicamente de
mero ritual e pura mecânica, expressão obrigatória de sentimentos
obrigados de generosidade, então nada ocorreria na verdade, que,
mesmo socialmente imposta, a dádiva adquire sentido numa certa
atmosfera de espontaneidade. É preciso dar e retribuir. Sim, mas
quando, quanto, com que gestos, quais entonações? Quanto a isso,
mesmo a sociedade selvagem mais controlada pela obrigação ritual
deixa ainda um grande espaço para a iniciativa pessoal. (CAILLÉ,
1989, p.14)
50
As pessoas, ao que tudo indica, nestas relações de compadrio, davam a Carlos
Ernesto os filhos para que ele fosse padrinho e, assim, recebiam em contrapartida a
honra, sentiam-se honrados por ter um filho ou filha cujo padrinho fosse “Seu Carlos”,
como assim o chamavam; aqui mais uma vez se observa um outro elemento
importantíssimo da dádiva que é a honra. Marcel Mauss defende, através de seu estudo
sobre o Potlach que, na dádiva dois elementos o essenciais o “elemento da honra, do
prestigio, de mana que confere a riqueza e o da obrigação absoluta de retribuir essas
dádivas sob pena de perder esse mana, esta autoridade, esse talismã e esta fonte de
riqueza que é própria da autoridade”. (MAUSS, 1974, p.50).
A honra é, portanto, uma das formas de retribuição que se encontra no campo do
simbólico e o que fortalece este laço existente. Além disso, firma-se após este laço toda
50
Aqui Alain Caillé vai fazer uma crítica tanto ao holismo quanto ao individualismo metodológico, uma
vez que com essa análise que faz sobre a dádiva, o referido autor vai propor um novo paradigma para as
ciências do espírito tendo como fundamento a dádiva, uma vez que tanto o modelo holístico de explicação
quanto o modelo pautado no individualismo metodológico são extremistas. Para melhor compreensão
destes dois modelos ler: Nem holismo nem individualismo metodológicos: Marcel Mauss e o paradigma
da dádiva. São Paulo, Revista de Ciências Sociais, 1989, nº 38.
80
uma relação mais forte entre os compadres e inclusive os afilhados, por terem muitos
compadrios e, conseqüentemente, afilhados, criou-se, a partir desses laços constituídos,
toda uma rede de relações, entendendo-se, portanto, rede aqui como sendo “o conjunto
das pessoas em relação às quais a manutenção de relações interpessoais, de amizade ou
de camaradagem, permite conservar e esperar confiança e fidelidade. Mais do que em
relação aos que estão fora da rede, em todo caso.” (CAILLÉ, 1989, p.17).
Cabe agora reconhecer o que são essas alianças que constituem as redes; estas
atualmente, como nas sociedades arcaicas, se criam a partir da aposta da dádiva e da
confiança. Vale salientar que o vocabulário da fidelidade e da confiança é indissociável
do da dádiva (SERVET, 1994), que a palavra dada vale mais do que o juramento
(VERDIER, 1991).
Essas alianças vão dando contorno a uma rede de relações que para a vida
política é fundamental, tendo em vista que os vínculos que são estabelecidos vêm a
fortalecer as relações sociais que estão inseridas no campo político. Afinal de contas o
que são as relações políticas senão estas relações entre o dar, receber e retribuir?
a questão política, que não é senão a outra face da questão da dádiva,
a de saber quem são os amigos e quem são os inimigos. Em outras
palavras, e em termos mais maussianos do que schmittianos: com
quem se faz aliança (e contra quem)? A quem se deve dar e de quem
se pode receber? (CAILLÉ, 1989, p.29).
Assim a presente discussão vai conduzindo para a diferenciação entre a dádiva-
partilha e a dádiva-agonística, a primeira pode-se afirmar que diz respeito à dádiva que
é construída nos espaços de solidariedade, de fidelidade entre amigos, enquanto que a
segunda se constrói no embate, como a própria palavra do grego, agonistikós, que está
relativo à luta. O campo político é um campo de luta, de disputa, de dádiva-agonística;
entre essas duas esferas de um lado, a da pequena sociedade que se
comunica mais ou menos bem na dádiva-partilha ou na dádiva
agonística, e, do outro, a sociedade tendencialmente infinita
constituída por todos os aliados virtuais, a da humanidade inteira –, o
político traça a fronteira entre os amigos e os inimigos do momento,
repetindo na escala da grande sociedade o gesto ancestral da dádiva
agonística. (CAILLÉ, 1989, p.33)
Desta feita, pode-se identificar apontamentos para uma relação intrínseca entre:
a dádiva, o simbólico e o político, através das trocas de “favores”, quer sejam, no
81
espaço familiar, as relações de compadrios, quer sejam no espaço do poder público
local, nos atos de empreguismo, para a clientela. Portanto, os favores prestados por
Carlos aos cidadãos queimadense, criavam toda uma “obrigação” de retribuir e esta
retribuição não podia ser de outra forma, senão através do voto, isto pelo fato de que,
como mencionado, as pessoas não tinham outra maneira de retribuir o “favor” a não
ser através do voto, assim como mostra esta passagem da entrevista realizada com uma
de suas filhas, Tereza Leal:
(...) ele trazia aqui pra cidade e dia de eleição agente trabalhava. (...)
ele botava um tamboretinho ali na porta de Orizete, quando o
pessoal chegava: “seu Carlos em quem é que eu vou votar, o
senhor me faz favor à vida toda eu posso lhe pagar com um
voto, eu voto em quem seu Carlos?” Vote em fulano, ele chegava a
eleger todos os vereadores, o pessoal que ele indicava, ele elegia.
(Entrevista com Tereza Leal, em 08 de abril de 2006) (grifos nossos)
Esta imagem representada discursivamente por Tereza Leal, mostra-nos de
maneira nítida a relação de submissão dos eleitores que votavam em seu pai, assim
como apresenta a dádiva como uma dívida, esta que é paga através de um exercício de
poder, ou seja, as trocas de favores construídas socialmente por Carlos Ernesto
juntamente as pessoas mais carentes do município não se resume apenas ao dar, receber
e retribuir, mas sim se encontram, também, nessas relações uma demonstração clara de
que o poder não se sustenta apenas reprimindo, excluindo, mascarando, mas se
utilizando de formas sutis, sofisticadas para aprimorar e domesticar o corpo dos
indivíduos. Sua positividade reside na capacidade de “neutralização dos efeitos de
contrapoder, isto é, de tornar homens dóceis politicamente”
51
.
A dádiva está intrinsecamente relacionada com a dívida, não que aquele que
“deu” e o que “recebeu” de maneira calculista fique racionalmente identificando a
necessidade de pagar, muito pelo contrário, tal fato assume um ato moral. O “dar” não
tem preço, assim como o “retribuir” também não têm preço, por isso a dádiva é
intrínseca a dívida, ela não assume uma relação mercantil com meio e fim, ela extrapola
esta dimensão, uma vez que os agentes não agem somente em função dos seus
interesses, mas também em função de normas e valores, em função do senso prático.
A pessoa, por exemplo, que pede a Carlos Ernesto que indique em quem ela
deve votar é munido por um sentimento de retribuição por ter sido alhures ajudado, mas
51
. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 15ª ed. Rio de Janeiro, Graal, 2000, p. 15.
82
isso não se encerra com o processo eleitoral, pois tal ato não é uma relação meramente
instrumental, mas acima de tudo, uma relação moral, e por ser moral ela perpassa deste
ato único relacionado meio-fim, está além de uma relação determinista, mesmo a pessoa
dizendo que é a forma que pode pagar. Assim, enquanto “que o mercado se baseia na
liquidação da dívida. A dádiva baseia-se, ao contrário, na dívida. Isso pode ser
observado tanto nos laços primários como nas relações de parentesco, na doação a
um desconhecido, na doação de órgãos.” (GODBOUT, 1997, p.07) (grifos nossos).
Essa dívida é construída a partir da dependência política a qual é traduzida na
triste palavra
‘eu devo favor’, o que significa uma forma de gratidão, uma dívida
cujo preço é a fidelidade sem limites, mas que pode resultar na
possibilidade constante de humilhação pessoal e familiar, ou seja, o
favor realizado, o benefício gerado, implica àqueles que recebem uma
retribuição maior do que o que foi recebido. Noutras palavras, entra-se
num jogo do tipo perde mais do que ganha, devido aos prejuízos
causados pela perda da autonomia. (ADILSON FILHO, 2008, p.73)
3.2.3. Troca de favores, jogos sociais e violência simbólica
O médico era endeusado, Dr. Patrício Leal em Queimadas, Dr,
Antonio Heráclio em Campina Grande, Dr. Eustáquio, na Malhada e
Dr. Gilvan Barbosa, em Galante, o povo só ia pra eles, no caso quando
Dr. Patrício chegava lá na Mumbuca tinha de cinqüenta a cem pessoas
na porta da casa dele pra fazer consulta, e por conta disso, não tinha
exame e não tinha nada, mas acertava nos remédios tudinho, até hoje
nunca soube que uma pessoa morreu por causa de um erro médico de
nenhum deles. Dos Ernestos, foi, foi Dr. Patrício que sustentou como
médico, eles tinham muita liderança, por que era um povo que servia
muito ao povo, mas o médico era quem segurava tudo, né? (Entrevista
com José Cruz, em 06 de Agosto de 2008)
O depoimento acima descrito aponta para um caminho de interpretação da
cultura política local e sua definição com base na legitimação de certas práticas e ações
sociais. No depoimento, o entrevistado, José Cruz, proprietário do cartório do município
de Fagundes, pessoa que viveu e conviveu com Major Veneziano Vital do Rêgo,
destaca a figura do médico como sendo uma figura de sustentação de base política local,
vale destacar que o Dr. Patrício Leal, a quem o entrevistado se refere, era concunhado
de Carlos Ernesto, o qual atendia diariamente várias pessoas na fazenda Mumbuca, onde
residia Carlos Ernesto. Destaca-se ainda, que a população de Queimadas,
83
principalmente na década de 60, era muito carente e Carlos Ernesto fazia da sua casa, na
fazenda, um espaço para atender as pessoas, que por sua vez, compunham sua clientela,
servidas a partir da prática do assistencialismo.
Além de ser um latifundiário, proprietário de terras nas quais possuía mais de
uma barragem que, em épocas de seca, no verão, eram liberadas para a população mais
carente para que pudessem utilizar as águas para suas necessidades diárias, também
possuía uma quantidade enorme de afilhados, assim como, através da máquina pública e
das influências políticas, conseguia, também, através de sua influência pessoal,
empregar várias pessoas residentes no município junto aos organismos públicos, tudo
isto como formas de construir laços sociais através da “prática de favores”. Outro
entrevistado, que foi Candidato em 1982 à vice-prefeito, apoiado por Saulo Ernesto,
filho de Carlos Ernesto, e que conviveu com este, destaca que,
O forte de Seu Carlos Ernesto era a palavra e a ação, ele tinha palavra
e tinha ação. A casa dele, na época, em mil novecentos e sessenta e
poucos, tinha tudo, era cinqüenta, cem pessoas todos os dias: aquela
pessoa comia, aquela pessoa procurava um advogado, ele resolvia;
procurava o juiz, e ele mesmo aconselhava a pessoa. Negócio de
casamento, ele aconselhava a pessoa, a pessoa se casava. Se a pessoa
se separasse, ele ia lá, dava um conselho à pessoa, a pessoa voltava a
conviver normalmente. Foi um grande líder, Carlos Ernesto, um
grande líder. Um homem de palavra, um homem de ação, um homem
muito sério. (Entrevista com Antônio Olímpio, em 17 de Abril de
2008)
Vê-se a partir disso que o “fazer favor” está na base da construção dessas
práticas. O “fazer favor” está na base do “fazer político”, e este, por sua vez, é moeda
corrente que se converterá em uma retribuição, o “fazer favor” – é um dar –, portanto,
está no plano da dádiva, destaca-se que toda dádiva é em si mesma uma dívida
exige obrigatoriamente, um compromisso moral, uma retribuição, esta que não se
realiza través de um cálculo racional, mas sim pelo simples fato de estar em jogo, de dar
importância a um jogo social. Outro depoente e opositor historicamente ao grupo
representado pelo filho de Carlos Ernesto, Saulo Ernesto, quando perguntado como ele
via Carlos Ernesto, qual a representação deste para ele, a resposta foi a seguinte:
Carlos era um homem de ação, era um homem de ação. Ele não
gostava de duas conversas. Se ele pudesse te ajudar, estava te
ajudando; se ele não, não podia também te ajudar. Ele não tinha esse
desencontro de informação. Se você dissesse “eu preciso”, ele estava
ali. Então ele era um homem de “sim?”, “sim”; e eu creio que também
no “não”, “não”, ele também sabia dar e com isso fez a diferença e
84
ainda faz a diferença, hoje tem um nome forte por isso. Era um
homem íntegro; era um homem que tinha, portanto, além da
integridade, respeito ao ser que tinha menor condição material do que
ele e às vezes ele se colocava até no mesmo nível para resolver o
problema dele. Por isso ele fez a diferença. (Entrevista com Maurício
Xavier, em 18 de Abril de 2008)
A fala deste entrevistado, professor de matemática e atual vice-prefeito do
município, opositor a Saulo Ernesto, reforça a fala do aliado de Carlos Ernesto, em
termos de representação quanto ao fazer política local, ou seja, ambos os entrevistados
reforçam e legitimam, por assim dizer, o discurso de que Carlos Ernesto era um homem
de ação”. Ação esta referente ao modo de “fazer ajudas”, de realizar “favores” para os
mais humildes, não percebendo, assim, os interesses de dominação que estão por traz de
todas essas formas de realizar ajudas. Aceitam a prática como formas virtuosas do agir
de Carlos Ernesto, não as vêem e não as percebem como maneiras sutis de adestrar os
corpos, de tornar os corpos dos agentes menos favorecidos e de seus subordinados,
frágeis e disciplinados através das ajudas recebidas. Estes ficavam então, presos a um
regime político de dominação e de dívidas quase “eternas”, as quais perpetuaram como
dívidas para serem pagas, preferencialmente e principalmente, na forma de votos. Ou
seja, as relações de favores, as ajudas, se criam num espaço social específico, com
valores construídos historicamente por agentes que detêm os capitais simbólicos de
notoriedades legitimados, logo as pessoas participam desses “jogos sociaisatravés da
necessidade que os levam a sempre recorrer à liderança que pode “ajudar”.
Bourdieu (1996) utiliza a palavra illusio que vem da raiz da palavra latina ludus
(jogo), e assim substitui a palavra interesse, visto que interesse é “estar em”, participar,
admitir que o jogo merece ser jogado. Portanto,
os jogos sociais são jogos que se fazem esquecer como jogos e a
illusio é essa relação encantada com um jogo que é produto de uma
relação de cumplicidade ontológica entre as estruturas mentais e as
estruturas objetivas do espaço social. Isso é o que quero dizer ao falar
de interesse: vocês acham importantes, interessantes, os jogos que têm
importância para vocês porque eles foram impostos e postos em suas
mentes, em seus corpos, sob a forma daquilo que chamamos de o
sentido do jogo. (...) assim pode-se estar interessado em um jogo (no
sentido de não lhe ser indiferente) sem ter interesse nele.
(BOURDIEU, 1996, p. 139)
85
Logo essas práticas de ajudas, através do atendimento médico gratuito, de
serviços advocatícios gratuitos, de conselhos e desses favores em maneira geral, fazem
parte de jogos sociais, que os agentes participam, embora o agente político saiba a
intenção dessas suas práticas, onde ele quer chegar, mais isto faz parte de uma escolha
particular dele, visto que possui toda uma sociedade que vive e sobrevive dessas
relações de favores.
Então, no princípio dessa ação “generosa” de uma variedade de favores
prestados e, conseqüentemente, de trocas de favores, ao contrário de existir uma
intenção consciente de um indivíduo isolado, “o que existe é essa disposição do habitus
que vem a ser a generosidade e que tende, sem intenção explícita e expressa, à
conservação ou aumento do capital simbólico
52
: como o sentido da honra”.
(BOURDIEU, 20001a, p. 236). Vejamos o depoimento de uma das entrevistadas:
Você sabe que Patrício Leal foi à pessoa de destaque na Saúde de
Queimadas e ninguém nunca fez uma homenagem a ele, a primeira
pessoa a fazer uma homenagem a ele aqui em Queimadas foi eu, com
um desfile em que eu homenageie ele, aí eu disse: “Bau eu vou decidi
uma coisa agora você não vai dizer, e nem falar no meu nome porque
se você falar, ninguém vai querer porque eu sou contra, você vai a
Patrícinho e pede a Patrícinho que quer colocar na Câmara um projeto
pra que o nome do projeto seja o nome do pai dele, pra que Patrícinho
tome conta disso tudinho e faça com você isso tudinho porque você
não sabe como fazer você vai”, ele foi pra João Pessoa, chamou
Patrícinho fizeram tudinho quando trouxeram de João Pessoa pra
câmara por um deputado , tudo e aqui foi aprovado aí levaram pros
deputado foi aprovado e o nome do hospital é o nome dele Patrício
Leal, me disseram que era e eu acredito que seja, eu pedi a Bau e Bau
fez, agora Bau não teve essa idéia e nem ninguém teve essa idéia,
que eu nunca quis dizer isso a ninguém porque era uma coisa que me
interessava, sabe por quê? Porque ele quem salvou minha vida, porque
eu estava desenganada, eu estava morrendo, e ele me salvou. (....)
(Entrevista com Maria das Neves, em 14 de Abril de 2008)
Estes favores prestados pelos médicos, algo que ainda se faz cotidianamente no
município, possui um significado muito grande para a pessoa que recebe o favor,
gerando nesta um sentimento quase “eterno” de gratidão.
52
Fazendo uma leitura de Bourdieu, Jessé Souza destaca o capital simbólico como sendo um capital
negado e travestido. Em outras palavras esse capital é “percebido como legítimo quando desconhecido
enquanto capital”. Logo, continua Jessé, “Capital simbólico parece significar o capital, ou melhor, uma
espécie de crédito social no sentido mais amplo, que logra transmutar-se e não revelar suas origens
arbitrárias. Desse modo, capital simbólico pressupõe mascaramento e opacidade com relação às suas
origens e funcionamento prático”. (SOUZA, 2003, p. 48)
86
Aqui o dom se exprime na linguagem da obrigação, “que se converte em
reconhecimento incorporado, em inscrições nos corpos sob forma de paixão, amor,
submissão, respeito, de uma dívida insolvente e, como se diz, freqüentemente eterna”
(BOURDIEU, 2001a, p. 242)
É nesse sentido que Bourdieu (2001) nos chama a atenção para o efeito
simbólico dessas relações, além disso, para o fundamento do poder simbólico, que é um
poder que cria, se acumula e se perpetua pelo fato de haver uma troca simbólica, “em
relações duráveis de poder simbólico pelas quais se é obrigado e com as quais a gente se
sente obrigado; ela transfigura o capital econômico em capital simbólico, a dominação
econômica em dependência pessoal até em devotamento, em piedade (filial) ou em
amor”. (BOURDIEU, 2001a, p. 242)
Essas relações de favores, para tanto, se constituíram como algo muito forte na
cultura política local, criando assim aquilo que denominamos de dependência pessoal,
posto que este modo de fazer política reproduz “agentes históricos dotados, através de
sua aprendizagem, de disposições duráveis que os tornam aptos e inclinados a participar
de trocas, iguais ou desiguais, geradoras de relações duráveis de dependência (...)
(BOURDIEU, 2001a, p. 244) estas relações não são necessariamente fundadas a partir
de um cálculo econômico racional, podendo, sim, sempre dever algo à dominação
durável garantida pela violência simbólica.
Daí que, seguindo a trilha de Bourdieu (1996), os agentes sociais, orientam suas
práticas, a partir do sentido do jogo, incorporando uma cadeia de esquemas práticos de
percepção e de apreciação que funcionam como instrumentos de construção da
realidade. E não a partir de um objetivo que calculadamente se pretende chegar através
dos meios.
A relação de favores que vão constituindo o habitus político local, por exemplo,
de dar remédios para pessoas enfermas, consultas médicas, feiras, trabalhos
advocatícios, carro para transportar mudanças, entre outros, são favores que, devido à
precariedade das famílias, não se tem como recompensar, além do mais, embora sejam
realizados com recursos, na maioria das vezes, do governo municipal, através do líder
político, passa como se fosse resultado da bondade de seu autor, como resultado de sua
generosidade, inclusive financeira.
Isto imprime ao beneficiado uma dependência que o leva, na maioria das vezes,
a comprometer-se com a liderança em questão; sendo assim, uma forma de retribuir a
87
“atenção recebida” é o voto ou naquele de quem se recebe a ajuda ou em quem ele
indicar.
A lealdade política, lealdade do voto, é adquirida via compromisso: ela não
implica, necessariamente, ligações familiares ou vinculação a um partido; a lealdade
política tem a ver com o compromisso pessoal, com favores devidos a uma determinada
pessoa, em determinadas circunstâncias”. (PALMEIRA, 1996, p. 46).
3.2.4. O padrinho político
Agora, faz-se necessário, perceber como o sentido do jogo, colocado e
incorporado pelos agentes através da prática e das relações de favores na cultura política
local, se institui e constrói maneiras de agir e de pensar, assim como maneiras de
orientar as escolhas políticas no decorrer de aproximadamente quatro cadas. Ou seja,
as trocas de favores com dívidas “quase eternas” é o que permitirá que o modo de fazer
política de Carlos Ernesto, construa sustentação de quatro lideranças políticas locais,
que aturaram no município de Queimadas, da metade da década de 1960 à década 1990.
A primeira campanha, posterior a emancipação política do município, como
visto, se deu em 1962, entre Major Veneziano Vital do Rêgo e Dulce Barbosa; seguido
a esta campanha, em 1966, Dulce Barbosa indica o seu parente, José Camões Barbosa
Pinto, que já havia também composto a chapa majoritária com ela, na condição de vice-
prefeito em 1962 pelo PTB, e que agora tem como vice-prefeito, Severino Barbosa.
José Camões Barbosa sai candidato pelo MDB e perde a campanha para o
candidato a prefeito José Ribeiro de Albuquerque Júnior e seu vice Severino Amaro do
Nascimento. José Ribeiro recebeu o apoio de Major Veneziano e Carlos Ernesto.
É a partir desta campanha que Carlos Ernesto começa a surgir como liderança. É
notório que até o processo de emancipação política do município de Queimadas duas
lideranças assumiam destaque dentro do campo político local: Dulce Barbosa e Major
Veneziano. Até o presente momento, Carlos Ernesto não se apresentava como liderança
política, à força política de Carlos Ernesto começa a surgir com este apoio que ele,
juntamente com Major Veneziano, oferece ao candidato José Ribeiro de Albuquerque
Júnior, pai do prefeito interino José Maria Vital Ribeiro e esposo da Sra. Eutícia Vital
Ribeiro, irmã do Major Veneziano.
88
Cargo: Prefeito
Candidato Partido / Coligação Votação
Situação
José Ribeiro Albuquerque Junior
Vice: Severino Amaro do Nascimento
ARENA
1.380
Eleito
José Camões Pinto
Vice: Severino Barbosa
1.268
Votos brancos 159
Votos nulos 135
Total apurado 2.942
Eleitorado 4.124
Abstenção 1.182
28,6%
Dados do Tribunal Regional Eleitoral. Tabela 01
A partir da campanha de 1966, cujo resultado final da campanha eleitoral se
encontra na página acima, Carlos Ernesto apóia Ribeiro, todos os demais prefeitos
sucessores serão indicados por ele, ou seja, numa prática política denominada de
mandonismo. Este que, por sua vez, só vem a reforçar a prática centralizadora e
concentradora do próprio momento histórico que vivenciava o Brasil, ou seja, Carlos
Ernesto, além de exercer todo este poder de dominação através das práticas de favores
locais, tais como clientelismo, assistencialismo e outras, estava também apoiando
politicamente o regime militar, no mesmo Partido deste, até porque o mesmo havia
sido militar e tinha uma relação estreita de amizades com este grupo que agora se
encontra no governo central e centralizando as decisões políticas na sociedade
brasileira.
Convêm acrescentar que a escolha pelo Partido da Aliança Renovadora
Nacional não é desinteressada ou inconsciente, muito pelo contrário, é uma escolha
estratégica e inclusive de interesse pessoal, haja vista que sempre foi um simpatizante
do modo militar de disciplinamento, logo isto viria a se tornar mais evidente no campo
político local com o apoio dos militares às candidaturas apresentadas por Carlos
Ernesto ao poder executivo e, além disso, ficam também nítidas as relações de
consangüinidade ou de parentesco, quanto à indicação dos quatros nomes por ele
sugeridos para o exercício do executivo local. O primeiro nome indicado foi José
Ribeiro Albuquerque Junior, casado com a irmã de Major Veneziano, portanto, com a
prima legítima de Carlos Ernesto; o segundo, Leonardo Honório de Melo, primo
legítimo de sua Esposa, Maria Leal Ernesto de Melo; o terceiro, Sebastião de Paula
Rêgo, filho de Joventino Ernesto do Rêgo, primo legítimo de Carlos Ernesto e, por
última indicação, Saulo Leal Ernesto de Melo, o seu filho primogênito.
89
Leonardo Honório de Andrade Melo, como já mencionado, é indicado em 1969
para disputar a prefeitura municipal contra o candidato a prefeito José Camões Barbosa
Pinto e o vice Sebastião de Paula Rêgo, também conhecido popularmente pelo apelido
de Tião. José Camões Barbosa Pinto que fora apoiado, na eleição anterior, por Dulce
Barbosa. O candidato de Carlos Ernesto, no referido pleito, foi Leonardo Honório de
Melo, que teve como vice, o seu filho, Saulo Leal Ernesto de Melo:
Quem apoiou Leonardo Honório de Melo foi um dos homens muito
fortes da nossa comunidade, naquela época. Um fazendeiro forte,
homem de dignidade, homem decente, cidadão íntegro: Seu Carlos
Ernesto. (...). E então, na época, ele ia apoiar – Saulo queria que
apoiasse ele, mas Saulo ainda tava na universidade, era muito jovem e
Seu Carlos Ernesto achou por bem apoiar Leonardo Honório de Melo,
era um agricultor forte, tinha uma olaria na Mumbuca, na entrada
do Brito (Entrevista com Francisco de Assis, em 24 de Abril de 2008)
Com esta eleição, embora a diferença tenha sido pouca, entre o primeiro e o
segundo colocado, já é perceptível a força política de Carlos Ernesto, visto que esta é a
segundo eleição no município que Carlos Ernesto apóia, enquanto liderança política,
inclusive colocando o seu filho para ser aos 20 anos de idade, vice-prefeito. Leonardo
Honório é eleito e, assim, se confirma à nova liderança política de Carlos Ernesto.
Neste período começa também a ser construída outra importante liderança local,
Sebastião de Paula Rêgo (Tião) que, embora houvesse sido vice-prefeito de José
Camões Barbosa Pinto e perdido a eleição, havia sido vereador de 1966 a 1969,
sendo no município o vereador mais votado com 601 votos; destaca-se que em 1966,
quando candidato a vereador, Tião também recebeu o apoio de Carlos Ernesto, foi este
quem o apresentou como político. Como informa um dos entrevistados:
Pelo histórico, quem ascendeu ele politicamente foi o saudoso Carlos
Ernesto. Por ser família, são família. Ele é primo do atual prefeito,
primo legítimo salvo engano, os pais são irmãos, ou os avós são
irmãos, alguma coisa assim. Quer dizer que eles são famílias. Então
por ser família, o senhor Carlos Ernesto um homem ligado a um
conceito moral, um dos maiores líderes políticos que Queimadas
teve –, ele projetou, portanto, Tião. (Entrevista com Maurício Xavier,
em 18 de Abril de 2008)
Abaixo, resultado das eleições de 1969:
90
Cargo: Prefeito
Candidato Partido / Coligação Votação
Situação
Leonardo Honório de Andrade Melo
Vice: Saulo Leal Ernesto de Melo
ARENA2
1.098
Eleito
José Camões Barbosa Pinto
Vice: Tião
ARENA1
1.061
Maria Dulce Barbosa
Vice: José Maciel da Silva
MDB
350
Votos brancos 26
Votos nulos 67
Eleitorado 4.298
Dados do Tribunal Regional Eleitoral. Tabela 02
É chegada à eleição de 1972 e nesta quem sai candidato é Sebastião de Paula
Rego (Tião), tendo como vice, Antônio Alves Monteiro, e mais uma vez com o apoio
de Carlos Ernesto, o prefeito é eleito. Aqui se concretiza a legitimidade política de
Carlos Ernesto, enquanto mandatário do poder político local, como nos afirma Antônio
Olímpio,
Apoiado por Carlos Ernesto. Juntou-se o útil ao agradável: porque
Tião, popularmente muito bem situado perante a população, veio com
o apoio de Seu Carlos Ernesto. Foi uma vitória esmagadora mesmo.
(Entrevista com Antônio Olímpio, em 17 de Abril de 2008)
Sebastião de Paula Rêgo (Tião), com o apoio de Carlos Ernesto, consegue
vencer José Maria Vital Ribeiro com 3.373 votos contra 1.076 votos. A partir dessa
vitória, Carlos Ernesto, não apenas se institui como importante liderança local, mas
igualmente cria as condições para legitimar uma outra liderança política que marcará
as disputas da década de 80 até o final da década de 90, encontrando, posteriormente,
enquanto liderança política de tamanha expressão para disputar dentro do campo
político as eleições do município de Queimadas, seu filho, Saulo Ernesto.
Destaco tal informação tendo em vista que a partir de 1980 o campo político de
Queimadas ficará dividido entre os saulistas e os tiãosistas. Estes dois grupos,
enquanto filhos políticos de Carlos Ernesto, se distinguirá dentro do campo político a
partir dos seus capitais específicos, mas que também exercerão domínios nas décadas
mencionadas devido as redes de laços sociais arraigados nas práticas de favores que
foram incorporadas no decorrer da história política e da construção deste município,
91
propiciado pelo empreguismo local e junto ao Estado, pelo assistencialismo prestado as
pessoas mais carentes e pelo clientelismo possibilitado pelo poder público local.
Cargo: Prefeito
Candidato Partido / Coligação Votação
Situação
Sebastião de Paula Rêgo
Vice: Antonio Alves Monteiro
ARENA3
3.373
Eleito
José Maria Vital Ribeiro ARENA2
1.076
Votos brancos 61
Votos nulos 113
Total apurado 4.623
Eleitorado 5.836
Abstenção 1.213
20,7%
Dados do Tribunal Regional Eleitoral. Tabela 03
Posterior a esta campanha, será a vez de Carlos Ernesto lançar seu filho, Saulo
Leal Ernesto de Melo, como nome a candidatura ao executivo, tendo como vice
Severino Souto Vélez, conhecido como Biu Souto. E Carlos Ernesto mais uma vez,
consegue fazer mais um prefeito.
Cargo: Prefeito
Candidato Partido / Coligação Votação
Situação
Saulo Leal Ernesto de Melo
Vice: Severino Souto Velez
ARENA1
3.608
Eleito
José Ribeiro de Albuquerque Júnior
Vice: José de Anchieta Pachu
ARENA3
1.214
Maria Dulce Barbosa
Vice: Clodomiro Gonzaga Albuquerque
MDB1
432
Fernando Gomes da Silva
Vice: Clodomiro Gonzaga Albuquerque
MDB3
55
Votos brancos 116
Votos nulos 127
Total apurado 5.552
Eleitorado 7.080
Abstenção 1.528
21,5%
Dados do Tribunal Regional Eleitoral. Tabela 04
Com base nas tabelas acima descritas, constata-se que a partir de 1966 surge no
campo político do município uma nova liderança política, Carlos Ernesto. É exatamente
a partir deste período, que acontece a paulatina perda de poder político de Dulce
Barbosa e Major Veneziano; fato decorrente do próprio desgaste político que vinham
92
sofrendo ao longo dos anos, visto que tanto um, quanto o outro, ingressam no campo
político de disputas a partir da década de 40, quando Queimadas pertencia, na condição
de Distrito, a Campina Grande. Assim, é notório que essas lideranças vinham
perdendo espaço no campo político local e Carlos Ernesto começa a exercer influência
quanto às escolhas das lideranças para administrar o município.
Um outro importante elemento definidor do enfraquecimento da liderança
política, Dulce Barbosa, dá-se por ocasião da aliança política entre Carlos Ernesto e
Major Veneziano, ambos primos, no ano de 1966, que receberam o apoio do regime
militar, inclusive, sendo eles, os representantes locais da ARENA.
Na campanha de 1969, a tabela 01 não contempla essa informação mas nesta
disputa, várias forças políticas locais se uniram em torno da candidatura de José
Camões Barbosa Pinto, a exemplo de José Maria Vital e Major Veneziano. Assim,
nesta campanha eleitoral, Carlos Ernesto demonstra a sua força política quando lança
o nome de Leonardo Honório de Andrade Melo, e este basicamente contou apenas com
o apoio daquele, uma vez que Dulce Barbosa, uma das grandes lideranças locais da
época, também se lança candidata. Mesmo assim, Carlos Ernesto consegue, na
linguagem popular, “fazer o seu candidato”.
Na primeira eleição, a diferença entre Zé Ribeiro, o primeiro colocado, e
Camões, o segundo colocado, foram de apenas três pontos percentuais. Nesta, Zé
Ribeiro contando com o apoio de Major Veneziano e Carlos Ernesto.
na eleição de 1969, Leonardo Honório, primeiro colocado, obteve quarenta e
três pontos percentuais, enquanto que Camões obteve quarenta e dois por cento do total
de votos apurados. Uma eleição praticamente empatada, mas vale destacar que Carlos
Ernesto apoiara Leonardo Honório basicamente sozinho e contando com uma oposição
que tinha Camões com o apoio de Vital do Rêgo, de José Maria Vital e Severino
Bezerra Cabral, que a época, era a grande liderança de Campina Grande. Associado a
isto, tinha-se Tião, que havia ingressado na política em 1966, como vereador indicado
por Carlos Ernesto, e despontava com uma grande aceitação e reconhecimento popular;
as falas abaixo, demonstram tal assertiva:
(...) e quem foi que criou Tião? E muitas pessoas diziam, “Tião é
coronelista”, quem criou Tião? Quem criou Tião, quem fez Tião? foi
Carlos Ernesto. (Entrevista realizada com Antônio Carlos, no dia 14
de abril de 2008)
93
Em 69. Camões já tinha sido eleito, em 62, vice de Dulce. Em 66, José
Ribeiro foi candidato a prefeito, apoiado por Carlos Ernesto, Major
Veneziano, todo mundo – o próprio Tião apoiou também José Ribeiro.
Quando foi em 69, Tião foi pra vice de Camões – aí perderam a
eleição. Camões tinha o apoio de Cabral Camões e Tião tinham o
apoio de Cabral, que era a maior força política de Campina da época e
do Estado. O outro candidato, Leonardo Honório, teve o apoio de Seu
Carlos Ernesto e José Ribeiro. Os daqui ganharam a eleição, o
Leonardo ganhou a eleição. (Entrevista com Antônio Olímpio, em 17
de Abril de 2008)
Posterior a esta campanha, segue-se a de 1972, os números demonstram que não
só Carlos Ernesto, novamente sai fortalecido como liderança local, mais associado a isto
Sebastião de Paula Rêgo (Tião), demonstra sua capacidade de liderança e sua
aceitação e reconhecimento popular, chegando a obter aproximadamente setenta e três
por cento dos votos apurados, contra vinte e três por cento dos votos do seu concorrente,
José Maria Ribeiro, segundo colocado. A diferença entre este e aquele foi de
aproximadamente cinqüenta pontos percentuais a mais, num universo de 4.623 votos
apurados, o que implica dizer que Sebastião de Paula Rêgo (Tião) obteve 2.297 votos a
mais.
Na campanha de 1976 na qual Carlos Ernesto indica o seu filho para ser o
Candidato a prefeito, mais uma vez consegue eleger o candidato indicado. Nesta, aliado
ao apoio de Carlos Ernesto, o candidato também teve o apoio de Sebastião de Paula
Rêgo (Tião) e conseguiu obter sessenta e cinco por cento dos votos apurados e o seu
concorrente em segundo lugar, José Ribeiro Albuquerque, m vinte e um por cento,
enquanto que a mais importante liderança feminina de Queimadas, Dulce Barbosa,
conseguiu obter apenas sete por cento. O que comprova a força da liderança política
Carlos Ernesto e o surgimento de duas outras lideranças no município, Sebastião de
Paula Rêgo (Tião) e Saulo Leal Ernesto de Melo, ambos apadrinhados e colocados no
cenário político local por Carlos Ernesto.
Saliente-se ainda que José Ribeiro, Leonardo Honório de Andrade Melo,
Sebastião de Paula Rêgo e Saulo Leal Ernesto de Melo, todos esses foram indicações de
Carlos Ernesto, e a coincidência entre todos, como mencionado, além das afinidades
políticas, é a de serem parentes entre si; como reforça o depoimento abaixo transcrito:
então é praticamente aquela história, (...), então Zé Ribeiro é eleito
nesse momento e começa a surgir à figura de quem? De Saulo, de
Tião, de Leonardo e também volto a lembrar são todos da mesma
família, Leonardo Honório era filho de quem? De Júlio Honório que
era da família de Dona Dulce, Júlio Honório de Melo, mesma família
94
de Saulo Ernesto. (Entrevista com Antônio Carlos, em 14 de abril de
2008)
Nota-se que desde a emancipação política de Queimadas, o campo político, no
que diz respeito à ortodoxia, vai se constituindo a partir do domínio exercido
politicamente pelas famílias tradicionais, as quais dominam em termos de possuírem o
maior número de capital econômico, cultural e político. Ou seja, são essas lideranças
pertencentes às famílias tradicionais quem dominam e controlam a distribuição do
capital dentro do campo, posto que o eles quem exercem o domínio político e
econômico.
Assim, destaca-se que, antes da emancipação, as famílias tradicionais que
exerciam domínio estavam ligadas à liderança da família Barbosa e da família Ernesto-
Rêgo, representados respectivamentes, por Dulce Barbosa e Major Veneziano.
Posteriormente, no interior da mesma parentela, apresenta-se, Carlos Ernesto,
igualmente reivindicando o papel de liderança política local; indicando e fazendo
quatro prefeitos, todos da mesma família. Desses quatro, duas serão as lideranças que a
partir da década de 80 passaram a disputar as eleições no campo político local:
Sebastião de Paula Rego (
Tião)
e Saulo Leal Ernesto de Melo, ambas “crias políticas”
de Carlos Ernesto. Como nos afirma, um dos entrevistados, reforçando tal análise;
Vem de toda essa tradição. Saulo Ernesto, Tião, todos vieram dessa
tradição política. Então Queimadas, assim, Queimadas sempre foi,
sempre teve no poder aqui pessoas ligadas à tradição política: o caso
de Tião, o caso de Saulo; Dulce Barbosa, que era da família de João
Barbosa, coronéis também políticos da época; Camões, Camões
Barbosa, que foi vice-prefeito aqui no tempo de Dulce Barbosa e foi
candidato a prefeito depois de Tião, perdendo a eleição para Leonardo
Honório. O próprio Leonardo Honório, também (...) (Entrevista com
Antônio Olímpio, em 17 de Abril de 2008)
Assim, a política local do município de Queimadas tem sido profundamente
entrecortada e influenciada por uma tradição de base familiar, composta de vários
grupos de parentelas instituídas ao longo da história política do município.
Uma vez definido a arqueologia do poder político em Queimadas, a partir dos
laços de parentesco de suas principais lideranças políticas, principalmente a partir da
década de 1960, cabe agora analisar as diversas práticas, trajetórias e rituais das
disputas políticas travadas entre os políticos locais, tema do próximo capítulo.
95
CAPÍTULO IV TRAJETÓRIAS, RITUAIS E DISPUTAS
POLÍTICAS.
4.1. Pelas trilhas históricas dos agentes políticos
4.1.1. A trajetória política de Sebastião de Paula Rêgo
Sebastião de Paula Rêgo é filho de Joventino Ernesto do Rêgo, este que, por sua
vez, é filho de João Ernesto do Rego, irmão de Francisco Ernesto do Rêgo e este pai de
Carlos Ernesto. É, portanto, através deste que Sebastião de Paula Rêgo ingressará na
política no município de Queimadas, a partir da década de 1960.
Tião, como assim é conhecido, ainda jovem ingressa na antiga SANESA, hoje
CAGEPA, localizada na comunidade de Caixa D’Água. Chegou a estudar no Colégio
Pio IX, mas sempre foi uma pessoa de “poucos estudos”, de “poucas letras”, como
popularmente se diz aqui no Nordeste, porém com características pessoais que
rapidamente o destaca: a sagacidade e a habilidade política.
Em 1966 ingressa na vida pública, apresentado por Carlos Ernesto. O seu
ingresso se deu primeiramente como vereador para o qual conseguiu ser eleito com 601
votos. O vereador mais votado, para esta legislatura. Como nos afirmou uma das
depoentes,
Ele foi vereador, ele começou como vereador com o apoio de Carlos
Ernesto, depois foi vice-prefeito, porque nos municípios antigamente
existia uma liderança política que fazia, que preparava uma pessoa
que tinha um certo carisma e que dava pra política, ele era introduzido
na política, pela família e pelo pessoal da comunidade, então eu posso
dizer que existia o carisma político, a tendência política, o sangue,
como povo diz, mas Carlos Ernesto foi influência na vida de Tião
como político. (Entrevista com Marizabel Toscano, em 12 de Julho de
2008)
É interessante observar como a entrevistada vai apontando as características
que irão constituindo o agente político Tião, tais como as habilidades do fazer político;
opinião está compartilhada por outro informante:
96
Era o nome de Tião. Tião era um nome muito maneiro na época.
Estava despontando ali uma verdadeira liderança de Queimadas, todo
mundo só falava em Tião. (Entrevista com Antônio Olímpio, em 17 de
Abril de 2008)
Tendo Tião essas características, já despontando como liderança, Camões o
convida para ser seu vice. Carlos Ernesto, para tanto, lança o seu candidato, Leonardo
Honório e vence as eleições. Mas as pessoas começavam a “pedir” Tião, Carlos
Ernesto percebendo a força de adesão popular dirigida ao seu oponente, chama-o para
si, e se torna o seu aliado, lançando-o prefeito:
O povo mesmo começou a pedir, mas Tião era muito novo ainda,
muito jovem; aí em 69, ele não foi candidato a prefeito, ele saiu
candidato à vice-prefeito de Camões Barbosa. Camões tinha sido o
vice de Dulce Barbosa, era muito mais antigo do que Tião na política
de Queimadas (...) Nessa campanha de 69, com a vitória de Leonardo,
o povo de Queimadas começou a reclamar, dizendo que se Tião
tivesse saído na cabeça da chapa teria sido eleito e o povo ficou
naquilo, só exigindo a presença de Tião. Aí quando foi em 72 foi à vez
de Tião. (Entrevista com Antônio Olímpio, em 17 de Abril de 2008)
O fato é que Tião já vinha se legitimando como um político de característica
popular. Então associado à força política de outro líder carismático, Carlos Ernesto,
Tião consegue também ser prefeito em 1972 com uma grande vitória sobre o seu
concorrente e primo legítimo, José Maria Ribeiro, com
2.297
votos a mais. Além disso,
ocorre um novo fato: um dos candidatos a vereador, Severino Pedro da Silva, conhecido
por “Sr. Pina”, com o apoio de Carlos Ernesto, consegue obter 1.003 votos, num
eleitorado de 4.623 votos apurados, o que implica afirmar que obteve aproximadamente
vinte por cento do total dos votos válidos:
Nessa campanha José Maria já o recebeu o apoio de Carlos Ernesto
e lançou-se candidato e Tião ganhou a eleição para o próprio José
Maria. Tião teve 3.373 votos e José Maria, 1.076 votos. Tião ganhou
por uma diferença de 2.297 votos. Porque você vê, mais de 200%
a diferença. Foi muito amplo; para a época, foi uma maioria muito
grande. Nessa eleição, o que marcou muito também foi à eleição de
Pina para vereador – em 1972, quando Tião foi prefeito. Pina na época
teve, 1.003 votos; mas só que ele teve também 157 votos como Pina
mas na época, como ele não tinha registrado o nome dele de Pina, os
157 votos foram nulos. Então seriam 1.200 votos pra Pina, se tivessem
considerado os outros votos. Foi a maior votação, até hoje, pra
vereador, foi Pina. Pina foi um candidato apoiado por Carlos Ernesto,
e tinha poucos candidatos também. Tinha Anchieta Pachu, Edmilson
Alves, Manoel Candido – na época foram eles mesmos. (Entrevista
com Antônio Olímpio, em 17 de Abril de 2008)
97
Tião foi eleito prefeito em 1972 com o apoio de Carlos Ernesto. Andava a cavalo
saindo de casa em casa. Foi uma campanha, como se costuma dizer, relativamente fácil,
visto que não se tinha uma oposição forte em termos de arregimentação de voto, até
porque a liderança mais forte do município estava apoiando aquele que não tinha
desgaste político.
Posterior a esta eleição, Tião virá disputar outro pleito apenas dez anos após, em
1982, posto que foi prefeito de 1972 a 1976
53
, apoio, juntamente com Carlos Ernesto e
seu primo, Saulo Ernesto. Em 1976 e em 1982, volta para ser candidato a prefeito
novamente. Carlos Ernesto morre em fevereiro de 1982 e, conseqüentemente, ocorre
algumas desavenças no interior do grupo político construído pela liderança.
Tião muito habilidoso politicamente, busca e consegue recompor o quadro de
forças da política local. Tendo Saulo Ernesto a pretensão de ser Deputado Estadual
54
,
renuncia a prefeitura e a entrega nas mãos de seu vice, Biu Souto. Este, no entanto,
resolve aliar-se a Tião no apoio às eleições municipais e trai a Saulo Ernesto, deixando
de fazer parte de sua base política. Biu Souto resolve “apostar” na recente liderança
política local, Tião.
Este acontecimento provoca toda uma mudança em termos de posicionamentos
dos agentes dentro campo político local. Saulo Ernesto perde o apoio de Biu Souto para
sua candidatura a Deputado Estadual e Tião inicia, desta feita, aliado ao poder
executivo, toda uma articulação para construir o seu grupo de lideranças políticas locais.
A partir de então está demarcado, dentro do campo político de Queimadas, as
disputas através das duas lideranças apadrinhadas por Carlos Ernesto: as disputas em
torno de capitais por aquilo que é, por excelência, do campo político, o poder. De um
lado, tem-se o grupo político ligado a Sebastião de Paula go; do outro, o grupo
político de Saulo Ernesto. Tião, como já mencionado, pelas suas características de
excelente articulador político, consegue atrair para seu grupo várias lideranças, assim
como forjar novas lideranças:
Carlos Ernesto morreu em 82. Parece-me que em fevereiro de 82.
Então ele morre nessa época e Tião aproveita para articular o
movimento político em favor dele. Porque Tião já vinha como uma
liderança emergente no município, certo? O único entrave a Tião era
Seu Carlos. Até pela questão de que ele tinha uma questão com Seu
53
Vale salientar que de 1976 até 1982 os mandatos para prefeitos passa a ser de seis anos.
54
Consultar, neste capítulo, o tópico “Trajetória política de Saulo Ernesto”.
98
Carlos, Tião tinha uma questão com Seu Carlos de ... respeito. Muitas
vezes, a gente podia até citar que aquilo era uma questão de
agradecimento a Seu Carlos, ele tinha essa relação. Mas quando Seu
Carlos morre, talvez Tião não tinha o mesmo relacionamento com os
filhos de Seu Carlos, ele rompe com o grupo e passa a liderar o seu
próprio grupo. Eu creio que isso seja a partir do seguinte: Saulo
pode ter – Saulo, como prefeito na época, pode ter – deixado de
favorecer algumas peças, algumas pessoas que eram líderes políticos
da época. Então, Tião simplesmente fez esse grupo partir e daí ele foi.
Está aí as estratégias políticas de Tião. Por que? Porque Tião ele
conseguiu focar nomes importantes da política de Queimadas. Um
novo grupo. Aí a gente cita, na época a gente cita Mário Cardoso, que,
inclusive, foi candidato posteriormente a prefeito, certo. Foi vereador,
presidente da câmara, enfim. Dutra, certo? Isso foi tudo, esse grupo,
Tião foi criando pessoas, pegava do nada e trazia pra e essa
pessoa... Dona Josete mas Josete não é recente, é 88. Mas é dessa
época, os vereadores Toinho da Baixa Verde...Ele começava a
visitar as bases, e nas bases ele observava que faltava, que tinha algum
que era liderança, certo. Então ele apostava. Seu Gedeão; Gedeão
tinha sido candidato, já tinha sido vereador uma vez antes, me parece
que em 69. Mas tinha saído da política, e Tião foi lá, pegou seu
Gedeão, trouxe e seu Gedeão nunca mais perdeu uma eleição, desde
82. Enfim, Tião teve essa coisa: ele forjava nomes. Tanto forjou em
82, quanto forjou em 88, quanto forjou em 92, em 96, e até no ano
2000, nomes que foram criados por ele e hoje estão na disputa.
(Entrevista com José Ezequiel, em 18 de Abril de 2008)
A característica de Tião como um político articulador é comprovada a partir
desta eleição, visto que ele não apenas forja novas lideranças, mas provoca o racha no
grupo que fora criado por Carlos Ernesto, grupo este que participavam as duas
principais lideranças Tião e Saulo Ernesto;
É como o povo dizia antigamente, é o racha da política, o racha do
voto, né? Então foi isso que aconteceu, Saulo foi prefeito, filho de
Carlos Ernesto, Tião foi prefeito de 73 a 77 e quando saiu apoiou
Saulo Ernesto, Saulo Ernesto foi prefeito num mandato de 6 anos de
77 a 82, depois nesse período houve um racha na própria
administração, Tião participava da administração de Saulo também,
então houve esse racha e ficaram como adversários, então ficavam
medindo forças, Tião indicava um prefeito apoiado por ele e Saulo se
candidatava, sempre quando era no período eleitoral a margem de
voto de diferença do ganhador e do perdedor era muito pequena, então
viveram essa luta política por mais de duas décadas. (Entrevista com
Marizabel Toscano, em 12 de Julho de 2008)
Tião tendo forjado essas lideranças sai candidato e, com o seu grupo político
constituído, disputa a eleição com dois nomes respeitados no município de Queimadas
Antônio Olimpio, formado em Farmácia, e Manoel Mendes, formado em Direito, estes
com o apoio de Saulo Ernesto e o então Governador do estado, Clóvis Bezerra, sogro de
99
Patrício Leal Filho
55
, conhecido como Patricinho, primo legítimo de Saulo Ernesto.
Afirma-se que essa campanha foi uma das que mais se gastou dinheiro, visto que o
Governo do Estado usou a estrutura apoiando os candidatos Manoel Mendes e Antônio
Olímpio, conforme este último
essa campanha teve muito dinheiro. A gente estava com o governo na
mão – o governo do Estado era o doutor Clóvis Bezerra e Fabrício era
o secretário de Estado na época. Patrício, no caso, é o primo de Saulo
e era Secretário de Finanças do Estado da Paraíba. Então vinha muito
recurso, a gente fazia muita ponte aí, fazia muito açude. Muito
dinheiro pra ajudar o povo; a campanha foi uma campanha muito rica
em dinheiro. Mas devido ao tempo três meses para a eleição
não deu tempo pra nada. Houve também aquele problema que Biu
Souto era o vice de Saulo Ernesto. Saulo saiu pra ser candidato a
Deputado, Biu Souto assumiu a prefeitura faltando dez meses para
Saulo terminar o mandato. Depois que Biu Souto assumiu, faltando
três meses, ele não quis mais conversar com a gente e procurou se
aliar a Tião. Aí se aliou a Tião e facilitou mais ainda a vitória de Tião.
(Entrevista com Antônio Olímpio, em 17 de Abril de 2008)
Vê-se a partir deste depoimento, a força política da liderança emergente, Tião do
Rêgo, o qual consegue vencer os candidatos apoiados por Saulo Ernesto mesmo esses
contando com o apoio do Governo do Estado. Tião vence esta eleição tendo como vice
Antônio Alves Monteiro, com 5.774 votos e o seu concorrente, segundo colocado,
obteve 1.461, uma diferença de 4.313 votos, em termos percentuais Tião obteve
sessenta e nove por cento e o seu mais forte opositor conseguiu obter apenas dezesete
por cento de votos apurados. Com esta expressiva votação, em termos percentuais, Tião
repetia a sua votação de 1972, já em número de votos, Tião em 1972 obteve 3.373 num
universo de 4.623 votos apurados e de 5.836 eleitores e, dez anos após, teve 5.774
votos, num universo de 8.362 votos apurados e de 11.274 eleitores, ou seja, Tião
consegue nesta campanha obter quase o triplo de votos do concorrente que ficou em
segunda colocação.
Esta campanha, assim, passa a ser, como mencionado, paradigmática pois
surgirão a partir desta, os que seguirão o grupo de Saulo Ernesto, os também chamados
saulistas, e os que irão seguir Tião, os tiãosistas, famílias inteiras passarão a
acompanhar um ou outro, até o final da década de 1990, posto que começam a emergir
55
Patricinho, como assim é conhecido no município de Queimadas, é filho de Patrício Leal que, por sua
vez, é casado com a irmã de Carlos Ernesto, Beatriz Ernesto, e sua irmã Maria Leal é casada com Carlos
Ernesto, são concunhados.
100
novas lideranças políticas no município. Esta demarcação dentro do campo político fica
bem clara, conforme depoimento de um de nossos entrevistados:
Em 82 a demarcação do campo político foi em 82. plenamente nessa
época. Na eleição de 72, o prefeito foi Tião, apoiado por Carlos
Ernesto, certo? 76, o candidato foi Saulo Ernesto, apoiado por Tião,
certo? Em 82 houve a sucessão, a separação, a divisão. Quer dizer,
Tião foi pra um lado, na época Tião se sentiu, com a morte de Seu
Carlos e isso é o divisor de águas, a morte de Seu Carlos, em 82.
Então, a partir daí, em 82, as pessoas que admiravam Tião, passam a
seguir Tião; as pessoas que admiravam Saulo, passam a seguir Saulo.
As pessoas que tinham sido, de uma certa forma, escanteadas por
Saulo, passam a apoiar Tião; as pessoas que tinham sido escanteadas
por Tião, passam a apoiar Saulo. Então começa a existir o
antagonismo a partir daí, de 82.
(Entrevista com José Ezequiel, em 18
de Abril de 2008)
Tião eleito se fortalece cada vez mais. Saulo Ernesto tendo seu primo Patrício
Leal junto ao governo do Estado é chamado para ocupar o cargo de Presidente da
CINEP, através deste cargo, Saulo consegue implantar e criar em Queimadas o Distrito
Industrial. Mas, posteriormente vem à campanha, em 1986, para Governador e Saulo
Ernesto assim como Tião do Rêgo, apóiam Marcondes Gadelha, este perde e Saulo
Ernesto também sai da CINEP e passa a morar e trabalhar como engenheiro concursado
pelo Estado, na cidade de João Pessoa.
Tião na condição de prefeito em Queimadas tendo apoiado para deputado
estadual Carlos Dunga e, após este passar para a bancada governista, logo Tião também
passa a ter o apoio do governador Tarcísio de Miranda Buriti. Com isto Tião passa a ter
também poder junto ao Estado e agora sozinho, em termo de liderança local, passa a
exercer também influência junto ao Estado.
Após esta eleição veio a de 1988, nesta Tião não podendo ser candidato, indica
um homem do povo e tendo chamado um dos vereadores, Francisco de Assis Maciel
Lopes, para ser secretário, resolve indicá-lo como vice-prefeito;
Houve uma pesquisa fechada, eu não sei na realidade se houve um
candidato que foi lançado, porque os candidatos, eu não vou dizer que
não existia aquele voto já com um nome feito por Tião, ai eu não vou
desmerecer, mas a influência de Tião no começo, porque, Tião era o
seguinte, quando assumia como prefeito, com um mês, dois meses ele
tava falando em sucessor, ele já preparava o sucessor dele com
muita antecedência, ele com pouco tempo de campanha, a gente dizia
ta muito cedo Tião de você falar na pessoa que vai lhe suceder, mas
ele dizia eu tenho que organizar, que ajeitar o nome, ele dizia: eu
101
tenho que ter um bom nome de muita influência pra preparar com
antecedência, ele dizia até isso. Então ele lançou Zé Pereira e Assis e
achou que Zé Pereira tava mais preparado na época, o nome Zé
Pereira ia ser mais aceito do que o de Assis, porque Assis foi uma
pessoa que lutou muito tempo nas campanhas com Tião, começou
aqui como tesoureiro, foi tesoureiro duas vezes então passou o nome a
ser conhecido. Então lançou Pereira e Assis o vice, de início não
foi muito bem aceito por Assis, mas depois ele aceitou. (Entrevista
com Marizabel Toscano, em 12 de Julho de 2008).
A partir desse depoimento nota-se o quanto Tião do Rêgo era articulador, posto
que não esperava que se aproximasse o período eleitoral para construir o nome de seu
sucessor, muito pelo contrário, ele começava a fazer a partir do momento em que
ganhava a eleição, já pensava quem seria a pessoa que iria sucedê-lo. Neste caso, para a
campanha de 1988, ele optou por uma pessoa que não estava no governo, mas que era
muito próximo do homem do campo, uma pessoa simples mais de muito respeito junto
aos munícipes de Queimadas. E para ser o candidato à vice-prefeito ele escolhe uma
pessoa que vinha trabalhando com ele como tesoureiro, enfim, uma pessoa a quem
devotava confiança.
Vale salientar que embora José Pereira fosse uma pessoa respeitada, seu nome
não era conhecido no município; foi Tião quem apresentou o nome tanto de José Pereira
como também o nome de Assis, visto que em todas as reuniões que realizavam, antes de
escolher quem seria o “cabeça da chapa”, Tião tinha bastante cuidado com as palavras
para não afirmar, antes do período das convenções, o nome que seria o majoritário, Tais
assertivas ganham visibilidade nas palavras da Sra. Marizabel Toscano:
Até nas conversas, quando ele fazia as conversas, fazia inauguração de
eletrificação rural ele dizia que o candidato dele era Zé Pereira e Assis
ou Assis e Pereira, ele dizia assim um dos dois, apra isso ele
tinha uma visão pra não magoar, nem dizer o nome de Pereira
primeiro ou o de Assis (Entrevista com Marizabel Toscano, em 12 de
Julho de 2008)
Como dito, Tião escolhe José Pereira para ser o seu candidato a prefeito e a
vice-prefeito Assis Maciel, os quais terão como concorrentes, Saulo Ernesto e Vital
Maria Ribeiro. Tião tinha nesta campanha, além da máquina administrativa, tinha o
apoio do Estado. Os candidatos apoiados por Tião vencem esta eleição obtendo 6.047
votos contra o segundo colocado com 3.849, ou seja, uma diferença de 2.198 votos num
total de 15.113 votos apurados, o que implica afirmarmos, em termos percentuais que
102
deste universo de votos apurados, o primeiro colocado obteve 40 por cento dos votos e
o segundo 25 por cento, uma diferença de 15 por cento a mais entre o primeiro e o
segundo colocado.
Após assumir o cargo de prefeito, José Pereira não concordando que Tião
opinasse em sua administração, rompe com aquele que havia indicado para tal posto.
Essa característica de Tião apoiar e, posteriormente, aquele que ele apóia romper com
ele, se tornou um hábito um tanto corriqueiro na política local.
A próxima campanha, em 1992, esta sim, foi à primeira campanha em que se
encontrariam disputando a eleição majoritária, as duas crias políticas de Carlos Ernesto,
Tião do Rêgo e Saulo Ernesto. Tião tinha como vice-prefeito José Maria Vital, seu
primo legítimo, e Saulo Ernesto, Mário Cardoso que havia na eleição anterior sido
candidato a prefeito e obtido 824 votos pelo PMDB, apoiado por Dulce Barbosa. Nesta
eleição Saulo Ernesto teve o apoio de José Pereira, então prefeito e Dulce Barbosa,
liderança política da década de 40 e presidente do PMDB local. Tião recebeu o apoio de
Carlos Dunga, então deputado, e do destacado líder político da Paraíba naquele
momento Ronaldo Cunha Lima:
assim, eu via assim, Tião sabia tirar proveito dos seus apoios, por
exemplo, a partir desse momento que nós podemos despertar, ele
passou a ter os Cunha Lima como referência, então, eu me lembro
uma passagem nos últimos comícios, em frente ao mercado público,
que Ronaldo Cunha Lima chegou rápido porque ia pra Boqueirão,
com Carlos Dunga e aquela multidão esperando Ronaldo falar, porque
falava em versos né? E as pessoas adoravam isso né? Então lhe disse:
“vou embora mas deixo meu coração, a metade com vocês o resto
com Tião”. E assim Tião sabia tirar um bom proveito disso né?
Ronaldo Cunha Lima em pleno alvo dele, fazia aqueles versos
improvisados e dizia isso e estourava muito bem e todo mundo
aplaudia, porque no discurso dele, era ele a pessoa certa, pra
moralizar, pra estar na prefeitura, pra ajudar fulano e cicrano, ele
sempre colocava isso, e isso funcionava, ele não era uma eloqüência
pra deixar a pessoa chorar, estilo Argemiro de Figueiredo que fazia
muito nos discursos dele, ele não era uma pessoa...ele falava pouco
mas falava o que o povo queria ouvir. (Entrevista com Antônio
Carlos, em 14 de abril de 2008) (grifo nossos)
Como destacado, Tião era um político e um grande articulador, sabia tirar
proveito das situações. Associado a isto recebe também o apoio de Cássio Rodrigues da
Cunha Lima e a estrutura da Prefeitura de Campina Grande em Queimadas. Aquele
103
articula com Cássio para que Mário Cardoso não seja candidato à vice-prefeito com
Saulo Ernesto, mas Mário Cardoso não aceita, segundo um dos informantes:
As articulações eram o seguinte... Sim, nessa campanha de 92, José
Pereira não foi o candidato a vice – ele foi na de 96. Em 92 o
candidato à vice de Saulo Ernesto foi Mário Cardoso. Como Tião
tinha o apoio de Cássio Cunha Lima e Mário também era ligado a
Cássio Cunha Lima, Cássio chamou Mário e disse assim: “ô Mário, tu
é de casa...” “tu és de casa e Tião de casa, então vamos fazer uma
chapa eclética, vamos misturar o negócio aí; está sendo uma chapa
hermética” o próprio Cássio falando, porque hermética tem de
casa, ? ele disse: “vamos trazer José Maria do outro lado, bota
como vice de Tião e você sai candidato a vereador, eu lhe dou toda a
condição”. Aí Mário não aceitou. Mário não aceitou, ele meteu os pés,
estrebuchou, perdeu até a gratificação que ele tinha na prefeitura de
Campina por conta disso. José Maria foi o vice de Tião e Mário
passou a ser o vice de Saulo Ernesto. E só a prefeitura de Campina era
metade do Estado, na época. Foi, entrou com peso mesmo, foi. Era
máquina, era tudo, tinha tudo aqui: toda a estrutura da prefeitura de
Campina veio pra aqui, pra Queimadas. (Entrevista com Antônio
Olímpio, em 17 de Abril de 2008)
Nesta eleição correram os boatos de que Tião havia “roubado” a eleição, por
fazer “aparecer” votos favoráveis a ele que não existiam. Ao indagar a nossos
informantes sobre este boato, alguns, obviamente os eleitores de Saulo Ernesto,
afirmaram que sim, visto que Tião, na linguagem dos entrevistados, era muito
“esperto”, enquanto que os eleitores e simpatizantes de Tião afirmaram, também
obviamente, que não. Que a vitória de Tião era justa e legítima da vontade do povo
queimadense. A oposição a Tião fez espalhar um outro boato na cidade de que Tião, por
ser um grande articulador e conhecedor da realidade do município, conhecia inclusive a
maioria dos cidadãos de Queimadas pelo nome, comprava votos às vésperas da eleição,
assim, “Saulo Ernesto dormia prefeito e acordava sem ser”;
Era muito difícil, era muito fiscalizado, quando antes de fechar o
boletim de urna, o BO como chamavam, tinha antes de você fazer o
BO, você sabia quantos votos tinha saído pra Tião e quantos votos
tinha saído pro adversário, ou pra Pereira, ou pra Assis Maciel, ou
pra Saulo, antes de fechar ali tinha, o povo saia com o
comentário, e às vezes assim essa coisa de dormir eleito e acordar
derrotado era aquela história de véspera de eleição, como em outras
eleições ocorreu que a noite nos bastidores, na calada da noite, sai
com alguma coisa assim como compra de voto, tirava aquela votação
que o outro teria, é desse jeito. (Entrevista com Marizabel Toscano,
em 12 de Julho de 2008)
104
Nesta eleição, muito disputada, Tião do Rêgo sai vitorioso, obtendo 7.041 votos
e Saulo Ernesto 6.602 votos, num universo de 18.097 votos apurados, uma diferença do
primeiro colocado para o segundo de 439 votos. Assim, Tião obteve 38,9 por cento dos
votos apurados e Saulo Ernesto, 36,5 por cento dos votos. Os dados confirmam as duas
forças políticas construídas por Carlos Ernesto na década de 70. Assim esta eleição de
certa forma consolida aqueles que na opinião popular foram tidos como “os donos dos
votos de Queimadas”. Conforme Lopes (2006: 31)
Tião saiu bastante fortalecido, pois ia ser prefeito pela terceira vez e
todos os candidatos apoiados por ele ganharam. Saulo Ernesto, por sua
vez, continuava forte, porque apesar de perder, sempre obtinha
expressiva votação mesmo com poucos recursos financeiros, e como
dizia o povo, só chegava a Queimadas nas “vésperas” da eleição.
Portanto Doutor Saulo perdia, mas continuava com o apoio, o respeito
e os votos do povo. (LOPES, 2006, p. 31)
Sucede-se a esta, a eleição de 1996; desta feita Tião apóia o seu secretário de
finanças, Francisco de Assis Maciel Lopes, este que já havia sido o vice-prefeito de José
Pereira, indicado por Tião. Tendo Assis Maciel sendo o cabeça da chapa, agora a grande
preocupação estava na escolha do vice, tinha-se dois nomes à época, o professor e
diretor de um colégio no município, José Miranda, e o vereador Zede Anchieta. Tal
escolha se deu em uma assembléia junto ao diretório do Partido;
uma eleição dentro dos partidos e dos diretórios, o diretório dos
partidos foi quem escolheu, os diretórios dos partidos que faziam
chapa dentro do governo e os pré-candidatos a vereadores que fizeram
a escolha, ai à escolha saiu, Miranda, mas houve a insatisfação de
muitos, quando foi pra suprir essa insatisfação, quando Assis assumiu,
foi assumir, o presidente da câmara, eleito entre os vereadores, ai
colocaram Zezé de Anchieta. (Entrevista com Marizabel Toscano, em
12 de Julho de 2008)
E nesta eleição para a escolha do vice Assis Maciel optou por Miranda. E
muitos, segundo os informantes, saíram insatisfeitos com tal escolha. Mas mesmo
assim, a campanha teve prosseguimento, e do outro lado, como oposição, mais uma vez,
sem nomes de lideranças que pudessem disputar contra o candidato do grupo de Tião, o
nome que se recorre, mais uma vez é o de Saulo Ernesto, o qual tecomo vice o ex-
prefeito que fora apoiado por Tião na campanha de 1992, José Pereira. Foi outra
campanha bem disputada. Assis Maciel teve 9.018 votos e Saulo Ernesto 8.296, uma
105
diferença entre o primeiro e o segundo colocado de 722 votos. Tião mostra assim, a sua
força política fazendo mais uma vez um candidato indicado por ele. Tião se institui
como grande liderança da década de 1990, se tornando para muitos, um candidato e um
político imbatível.
Ocorre que com a vitória de Assis Maciel, observa-se um racha no grupo
político de Tião, visto que devido à disputa para vice, muitos ficaram magoados com a
indicação de José Miranda. E Zezé de Anchieta se candidatou a vereador novamente e
foi eleito. Somando-se este acontecimento ao fato de que quando Assis assume Tião
também queria interferir na sua administração, ocorre mais uma vez um rompimento;
O que levou esse rompimento de 97 de Tião romper com Assis Maciel
foi o problema do candidato à vice, não foi nem Assis porque Assis
apoiou Miranda e antes de Miranda existia uma tendência aqui,
que hoje a escolha de candidato a vice pra fazer chapa com o prefeito,
também é uma escolha muito pesada, começou surgir a escolha pesada
aqui em Queimadas, quando foi o primeiro vice de Assis que existia
de Zé Miranda e Zezé de Anchieta o grupo queria, inclusive pra
escolha desse candidato a vice houve até uma eleição. (Entrevista com
Marizabel Toscano, em 12 de Julho de 2008)
Estes rompimentos, conforme narrou a informante Marizabel, existiam porque
os candidatos colocados por Tião se ressentiam da interferência de Tião na
administração pública;
Um processo de campanha para o substituto e os rompimentos o
pessoal ficava assim na interrogação, porque surgia o rompimento de
Tião logo que ele fazia um candidato, que o candidato era eleito. Era
porque os candidatos que assumiam tinham medo da interferência
política de Tião, então acho que dentro disso do medo de que ele
tivesse alguma interferência na administração, então era criado o
clima, então, muitas vezes o que Tião quando administrador fazia, o
substituto não fazia a mesma coisa, então aquilo chateava ele querer
que a administração fosse pautada em cima da administração dele,
assim do prefeito chegar na prefeitura na hora e atender o povo da
zona rural esse tipo de coisa assim, porque cada um tem seu sistema
de administração, então existia esse afastamento entre Tião e
candidato que tinha sido eleito logo, né? Recente, ai criava logo as
arestas e tinha o rompimento político, porque eles achavam que Tião
ia fazer interferência e Tião às vezes também ter interferência, num
era nem interferência, Tião queria que ele fosse um modelo de
administração pública, seguisse o modelo de trabalho dele, mas cada
um tem seu sistema administrativo. (Entrevista com Marizabel
Toscano, em 12 de Julho de 2008)
106
Após esta eleição, tem-se a eleição de 2000, nesta Assis Maciel irá disputar com
aquele que o havia colocado na vida blica, Tião do Rêgo. Assis Maciel sabendo da
forma de fazer política de Tião, visto que havia sido tesoureiro de Tião várias vezes,
consegue atrair para o seu novo grupo político que começava a emergir a maioria
daqueles que sempre acompanharam Saulo Ernesto, associado a isto surge no município
um outro grupo denominado de “Grupo dos Vinte”, composto por profissionais liberais
do município, mas que residiam e atuavam profissionalmente em outras cidades e até
mesmo em outros estados. Neste grupo participavam engenheiros, médicos, advogados
entre outro, os quais objetivavam realizar uma administração que fosse:
De inovação, o “Grupo dos Vinte” chegou pra reestruturar uma
administração, porque as administrações eram muito fechadas, a
administração era voltada muito para o prefeito, né? Mesmo com as
pessoas que fazem as campanhas e tudo, que tem visões
administrativas sempre são ligadas mais ao prefeito. (Entrevista com
Marizabel Toscano, em 12 de Julho de 2008)
Com o apoio deste grupo, Assis Maciel realiza uma das campanhas mais bem
articuladas e organizadas na história política do município, e assim consegue vencer o
seu padrinho político com um resultado esmagador, com 11.002 contra 6.650 votos.
Destaca-se, conforme os números do Tribunal Regional Eleitoral, que houve uma queda
do eleitorado da campanha de 1996, para a campanha de 2000 no município; o número
de eleitores cai de 25.933 para 21.886
56
, algo merece ser analisado mais
detalhadamente, até para se compreender o que levou a esta diminuição no eleitorado de
4.047 votos. O interessante é que isto ocorre exatamente no período em que o sucessor
de Tião do Rêgo, passa a disputar e a ser concorrente político do seu mentor.
4.1.2. A trajetória política de Saulo Ernesto
A trajetória política de Saulo Ernesto
57
é datada a partir da década de 60, período
no qual Carlos Ernesto (pai de Saulo Ernesto), começa a se destacar como uma
liderança local. O seu ingresso, desta feita, se dá, primeiramente, como vice-prefeito de
56
Consultar o Tribunal Regional Eleitoral.
57
Saulo Leal Ernesto de Melo nasceu no dia 26 de dezembro de 1946, na cidade de Umbuzeiro, Estado da
Paraíba. Seus pais: Carlos Ernesto de Melo e Maria Leal Ernesto de Melo e avós paternos: Francisco
Ernesto do Rêgo e Adiles Ernesto de Melo; e avós maternos: Crispim José de Melo e Ana Leal de Melo.
107
Leonardo Honório de Andrade Melo, pessoa esta indicada também por Carlos Ernesto,
ao cargo majoritário de prefeito, sendo, neste período, seus opositores: José Camões
Barbosa Pinto, como prefeito e Sebastião de Paula Rêgo (Tião), como vice-prefeito. Isto
fica bem claro no depoimento de sua irmã Tereza Leal:
Tudo começou quando papai lançou Leonardo Honório a prefeito, foi
Leonardo contra Camões e Tião como vice, Tião vice de Camões,
então Leonardo não foi um personagem muito bem aceito pelo povo,
então reclamavam muito, seu Carlos porque é que não é o senhor,
porque papai nunca quis ser candidato, toda vida indicava, mas, pra
ele mesmo ele nunca quis ser candidato, o pessoal começou a pedir
porque era que ele não fazia a troca poderia colocar Saulo ou um filho
dele pra ser candidato, mas ele indicou Leonardo e foi levando,
chegou um determinado ponto que ele viu que esta rejeição estava
meio alta pra Leonardo, então, foi quando ele colocou, o pessoal
pedindo, aí ele colocou Saulo como vice. (Entrevista com Tereza Leal,
em 18 de abril de 2006) (grifos nossos)
Leonardo Honório é eleito e Saulo Ernesto aos vinte e um anos de idade assume
o cargo de vice-prefeito do município de Queimadas em 1969, a vitória se deu por uma
diferença de votos de trinta e sete, ou seja, Leonardo Honório e Saulo Ernesto obtiveram
1.098
58
votos contra 1.061 votos dos seus opositores. Nessa época, Saulo Ernesto era
ainda estudante de Engenharia, na Universidade Federal da Paraíba.
59
Esta legislatura vai de 1969 ao final do ano de 1972, período em que Saulo
Ernesto estava se formando, terminando o curso de Engenharia. Leonardo rompe com
Carlos Ernesto e este, por sua vez, convoca Sebastião de Paula Rêgo, e o lança prefeito.
Tião, foi candidato com o apoio de Carlos Ernesto, tendo como vice Antônio Alves
Monteiro. É eleito prefeito em 1973, com uma votação de 3.373 contra 1.076 do seu
opositor José Maria Vital Ribeiro. Saulo Ernesto, já formado, vai trabalhar na Bahia e
passa dois anos. Em 1975, Carlos Ernesto adoece e é submetido a uma operação
cardiovascular, Saulo Ernesto, por ser o filho primogênito, teve que retornar da Bahia
para tomar conta das coisas do pai. Quando retorna a Paraíba, começa a trabalhar na
Companhia das Indústrias do Estado da Paraíba CINEP como engenheiro, assim
58
Esses dados referentes à quantidade de votos e, conseqüentemente, a diferença de votos entre um
candidato e outro, foi obtido no Tribunal Regional Eleitoral.
59
Saulo Leal Ernesto de Melo recebe o diploma de formação em Engenharia Civil do professor e diretor
da Escola de Engenharia da Universidade Federal da Paraíba, Gonzalez y Gonzalez, em 15 de dezembro
de 1973.
108
como também passa a ensinar na FURNE, hoje Universidade Estadual da Paraíba
UEPB e a trabalhar na construtora que ele mesmo funda.
Com o fim do mandato eletivo de Sebastião de Paulo go em finais de 1976,
este indica Carlos Ernesto para ser o próximo prefeito do município e mais uma vez este
rejeita ao cargo e indica o nome de Saulo Ernesto.
Saulo Ernesto, filho de Carlos Ernesto e primo de Sebastião de Paula Rêgo,
tendo apoio desta tradição, consegue ser eleito prefeito do município de Queimadas em
15 de Novembro de 1976, pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA)
60
, com uma
votação de 3.608 votos contra 1.214 votos arregimentado por seu opositor, José Ribeiro
de Albuquerque Júnior e José Anchieta Pachú, como candidatos a prefeito e a vice,
respectivamente.
Em meados de 1982, Saulo Ernesto renuncia com a pretensão de pleitear ao
cargo de Deputado Estadual, mas surge uma proposta de ser presidente da CINEP e,
portanto, ele aceita esta proposta e assume o cargo com o intuito de desenvolver o
Distrito Industrial do município de Queimadas, tendo em vista que no decorrer de sua
administração havia começado obras nesse sentido, tal intento é explicado em seu
discurso;
O Distrito Industrial ele foi realmente um gesto ousado porque nós
disputamos com Campina Grande, essa questão do Distrito por ser
uma cidade de meio porte e nós por não termos nada a gente
conseguiu convencer o governador da época o Doutor Burití, que os
preços pedidos em Campina pra ampliação o projeto principal, o
primeiro projeto era a ampliação do Distrito de Campina, mas os
preços estavam impraticáveis, além do que, após a compra do terreno
que era uma coisa na época de muito valor dada à proximidade até da
própria Campina, nós usamos o artifício de colocá-lo no Ligeiro. O
Ligeiro eram cinco fazendas então nós adquirimos uma, a de
Farias, com oitenta e nove hectares a preço razoável, era um quarto do
valor de Campina, então a infra-estrutura já estaria mais facilitada o
terreno plano e próximo a Campina Grande, numa área bem próxima a
Campina Grande, servida por ferrovia. Então fizemos uma
justificativa e ele nos autorizou a negociação, logo foi implantada
durante a minha gestão seguida para consolidação do Distrito foi
quando fui convocado pra ser presidente da CINEP e eu renunciei a
prefeitura para consolidá-lo, então no mesmo ano de oitenta e dois nós
fizemos a inauguração do Distrito com galpão e multiquadras e
com cinco empresas implantadas. (Entrevista com Saulo Ernesto, em
13 de abril de 2006)
60
Para melhor compreender os partidos políticos no período do regime militar consultar Rogério Schmitt
(2000).
109
Tendo assumido o cargo de presidente da CINEP, quem assume a prefeitura é o
vice-prefeito Severino Souto Velez, mais conhecido por Biu Souto. Este que o apoiaria
para Deputado, mas em fevereiro de oitenta e dois, morre a grande liderança do
município de Queimadas, Carlos Ernesto, e este acordo que em princípio se havia
firmado, com a morte de seu Carlos não ocorre mais. Biu Souto não apóia Saulo Ernesto
para Deputado Estadual e se alia a Sebastião de Paula Rêgo, os quais viriam a apoiar,
Carlos Dunga para Deputado Estadual, hoje suplente de Senador da República.
Resumidamente, Saulo Ernesto não sai candidato, uma vez que a proposta do
então governador da época, Clóvis Bezerra, (este que era sogro do primo de Saulo
Ernesto, Patrício Leal), para ser presidente da CINEP é prontamente aceita. Desta feita,
Biu Souto aliado a Tião, apóia Carlos Dunga para Deputado Estadual e Tião pleiteia ao
cargo de prefeito, Saulo Ernesto indica Manoel Mendes para o cargo de prefeito e
Antônio de Olímpio para vice. E para Deputado Estadual Saulo Ernesto apóia Afrânio,
filho de Clóvis Bezerra, candidato que Saulo Ernesto havia apoiado quando prefeito.
Dessas alianças travadas entre um grupo e outro, o grupo vencedor é o de Sebastião de
Paula go que, tendo como vice Antônio Alves Monteiro e o apoio do então prefeito
Biu Souto, conseguem vencer Manoel Maria Mendes e Antônio Olímpio de Arruda,
candidatos apoiados por Saulo Ernesto, por uma diferença histórica, no município de
Queimadas, de 4.313. Assim, Sebastião de Paula Rêgo e Antônio Alves Monteiro
obtiveram 5.774 votos contra 1.461 votos arregimentados por Manoel Mendes e
Antônio de Olímpio.
Em 1986, mesmo sem o apoio das lideranças locais, Saulo se candidata ao cargo
de Deputado Estadual e é no município o Deputado mais votado, mas não consegue
alcançar o coeficiente eleitoral, Saulo perde esta eleição, passa a morar na capital do
Estado da Paraíba, João Pessoa. Mas não deixa de ter os nculos com o município,
porém vem visitar o município só nos momentos que antecedem às eleições para
disputar o cargo de prefeito. Saulo Ernesto passa a residir na capital e a fazer parte,
como engenheiro, de um grupo de pesquisa do Estado;
(...) reassumi minhas funções eu faço parte de um grupo de pesquisa
do Estado, fazia parte, hoje eu sou um engenheiro aposentado, e essa
função poderia ser exercida em João Pessoa, então eu passava todo
tempo em João Pessoa e só podia retornar pra fazer política partidária
em Queimadas nas vésperas das eleições que era o período que a lei
permitia meu afastamento, nós chegávamos aqui a três meses das
eleições e eu me candidatava a pedido dos amigos, isso por três vezes
110
e ainda, sempre com votação expressiva, perdia por poucos votos e
além do que a lei da via era aquela contagem manual e Deus sabe
como é que aquilo se procedia. (Entrevista com Saulo Ernesto, em 13
de abril de 2006)
Em 1988, Saulo Ernesto se candidata novamente à Prefeitura do Município,
após ter deixado o cargo para assumir a presidência da CINEP, tendo como vice-
prefeito Vital Maria Ribeiro e sendo os seus opositores José Pereira dos Santos e Assis
Maciel, estes que tendo o apoio de Sebastião de Paulo go, vencem as eleições, no
referido pleito, por 6.047 votos contra 3.849 votos. Após a eleição, Saulo Ernesto
retorna a João Pessoa, vem na cidade de vez em quando, passando, muitas das vezes,
apenas horas no município.
Posterior a eleição de 1988, ocorre a de 1992. Até então, tinha-se no município
de Queimadas os denominados comícios. É a partir de 1992 que surgem os
“showmícios” e que a espetacularização da política passa a ser bastante enfatizada.
61
Na campanha de 1992 irão se encontrar para a própria disputa no campo político,
Sebastião de Paula Rêgo e Saulo Leal Ernesto de Melo, cada um disputando por
segmentos opostos – convém relembrar que esses eram os dois jovens que Carlos
Ernesto havia inserido no campo político, desta feita, cada um pelo seu partido,
disputando o cargo executivo. Esta foi, sem dúvida, uma das disputas mais
emocionantes até então travadas em Queimadas. Isto porque, de um lado, apresentava-
se o concorrente ao pleito municipal, Sebastião de Paulo Rêgo com o apoio da
prefeitura e do governo do Estado e do outro, Saulo Ernesto com o mesmo modelo de
fazer campanha, qual seja, o “modelo franciscano”
62
, como fica bem claro nas palavras
de sua irmã, Tereza Leal:
então todas elas foram umas campanhas carentes sem ter boas
condições financeiras, os comícios aqueles comícios simples quando
61
Jean Baudrillard nos ensina que “o jogo eleitoral se identifica muito tempo aos jogos televisados na
consciência do povo. Este que sempre serviu de álibi e de figurante para representação política, se vinga
entregando-se à representação teatral da cena política e de seus atores. O povo tornou-se público. É o
jogo, o filme ou os desenhos animados que servem de modelos de percepção da esfera política”. À
Sombra das maiorias silenciosas – O fim do social e o surgimento das massas. Tradução de Suely Bastos,
4ª edição, São Paulo, brasiliense, 1994, p. 34.
62
A palavra franciscana, nesse sentido aqui trabalhado assume a característica de uma categoria nativa,
tendo em vista que foram as pessoas, os participantes destas eleições que Saulo Ernesto disputou que
assim utilizaram o termo. Ela diz respeito à maneira como era feita as ajudas”, na verdade,
contribuições de campanha, para os comícios, para a participação das pessoas nos processos eleitorais, as
camisas, os santinhos, enfim o material de divulgação e os carros que transportavam as pessoas até a zona
rural para os comícios que ocorriam eram quase, em sua maioria, das pessoas que se cotizavam. Aqui
se vê o que outrora ocorria em Queimadas, quando ainda era vivo Carlos Ernesto, às práticas de
reciprocidade e dádiva norteando, desta feita, diretamente à eleição do seu filho, Saulo Ernesto.
111
eles traziam já começavam a trazer shows e trazia, botava um palco,
fazia os shows em um caminhão, caminhão doado, do próprio eleitor,
dava os caminhões pra... Se fosse feito o palanque em quanto os
outros tinham estrutura pra botar em... A gente saía... o comício hoje é
aqui no mercado aí a gente pegava barbante pegava retrato saía
fazendo... Fazia grude pra colar fotos colar retratos quer dizer era todo
mundo voluntário, não tinha negócio de bandeira, não tinha camisas,
porque não tinha condições financeiras pra isso, agente era na, como
se diz no peito e na raça. (Entrevista com Tereza Leal, em 08 de abril
de 2006)
A eleição de 1992 foi uma das eleições mais disputadas no município, tendo em
vista que, na linguagem da comunidade, Saulo Ernesto estava eleito, todos os que
acreditavam em sua campanha e que vinham apoiando e acompanhando as eleições
que ele disputava, afirmavam que Saulo Ernesto não perdia esta eleição de 1992. Na
própria contagem de votos, que nessa época era em cédulas, e a contagem era manual,
os fiscais saiam dos seus setores e conversavam com familiares de vereadores aliados e
afirmavam que não tinha mais condição, Saulo Ernesto é o prefeito, mas, no entanto, o
seu concorrente, Sebastião de Paula go, tinha bem mais fiscais trabalhando para ele,
como ponderaram alguns dos informantes e o próprio Saulo Ernesto.
Talvez sobre este acontecimento seja apropriado o comentário que um dos
assessores de campanha de um candidato a vereador em São Paulo fez para justificar a
derrota de seu candidato, citado pela antropóloga Karina Kurschnir (2000): “Ele
estava eleito, pelos nossos cálculos. Dormiu eleito, mas acordou sem cadeira.
Conseguiram passar a perna nele com métodos que não se consegue provar, mas sabe-se
que houve”. (KURSCHNIR, 2000, p.50)
No entanto, este foi um acontecimento que necessita de uma investigação mais
profunda acerca dos motivos que levaram Tião a vencer em várias campanhas eleitorais,
mesmo com um favoritismo pouco expressivo.
Este caso das dúvidas quanto à lisura do pleito eleitoral, ocorreu na campanha de
1992. Campanha esta que a diferença de votos foi mínima, inclusive o candidato
Sebastião de Paulo Rêgo, afirmou, na época para Saulo Ernesto, seu opositor, que
ganharia a campanha por uma quantidade média de 300 votos de diferença e Saulo
Ernesto não acreditou porque tinha a convicta certeza de que estava eleito, uma vez que
o povo já comemorava sua vitória, assim como não deu credibilidade ao seu opositor no
que diz respeito à diferença de votos que ele falara, pois, era uma diferença muito
pequena para um universo de 22.186 eleitores. Segundo o próprio Saulo Ernesto
112
a de noventa e dois que eu tinha a absoluta certeza de que teria ganho
a eleição, inclusive a própria população já estava me parabenizando,
não se admitia derrota naquela época, e o fato curioso é que o meu
concorrente, no caso Tião do Rêgo, ele disse que ia ganhar por
trezentos votos, eu achei que num eleitorado enorme como era o de
Queimadas na época, você fizesse um cálculo de trezentos votos pra
se ganhar uma campanha, e ganhou por quatrocentos e trinta e nove,
então é uma coisa muito curiosa, é uma coisa que depois de uma
própria revelação dele que saiu, tenho testemunha inclusive, ele hoje
falecido, mas isso aí ele me revelou que eu dormi duas vezes prefeito
de Queimadas, é muito curioso num eleitorado como é o de
Queimadas você dizer que vai ganhar por trezentos votos e ganhar.
(Entrevista com Saulo Ernesto, em 13 de agosto de 2006) (grifo
nosso)
Saulo Ernesto, portanto, perde esta campanha para Sebastião de Paula Rêgo, este
que obteve 7.041 votos contra 6.602 votos.
A história se repete na campanha de 1996, quando novamente, segundo Saulo
Ernesto, “ele dorme prefeito e acorda sem o ser”. É interessante que este fato é revelado
na campanha seguinte, a de 2000, na qual Saulo Ernesto viria a ser o pré-candidato à
vice-prefeito de Assis Maciel que caminhava para a reeleição, mas ocorre nos bastidores
da política outros acordos que fazem com que o candidato à vice não venha a ser Saulo
Ernesto, mas sim, Pedro Saulo Pereira Pachú. Ocorre o que se denomina no meio
político de “traição” e, nesta altura dos acontecimentos, Saulo Ernesto que compunha os
quadros do Partido Democrático Brasileiro PDT não havia mais possibilidade de se
articular e se lançar candidato, pois, como se sabe, existem critérios e períodos
convencionais nos partidos e nas coligações para que se possa sair candidato.
Saulo Ernesto, portanto, na eleição para prefeito seria o vice de Assis Maciel,
mas devido às articulações e as estratégias no campo político, o impedem de sair. Não
tendo mais condições, devido o período das convenções terem passado para Saulo
lançar sua candidatura ou articular uma nova composição de força, se alia a Sebastião
de Paula Rêgo – Tião – o seu adversário político histórico.
Na eleição de 2000, as duas maiores forças da política se encontram pela
primeira vez, na história política do município, unidas em um só palanque objetivando o
executivo, Tião como o candidato e Saulo Ernesto o apoiando. Essa foi uma das
eleições menos emocionantes, como muitos afirmam, devido à falta de disputa, pois,
muitos sempre acompanharam a forte disputa travada entre Saulo Ernesto e Sebastião de
Paula Rêgo no decorrer da historia política de Queimadas e agora estavam os dois,
unidos em um só grupo político.
113
Com este apóio de Saulo Ernesto a Tião, a maioria dos eleitores de Saulo
Ernesto, revoltados, não votaram em Tião, mas sim em Assis Maciel, o candidato
opositor, haja vista que quem votava em Tião o “simpatizava” com Saulo Ernesto e
vice-versa. Assis Maciel é eleito com 11.002 votos, contra 6.650 votos. Esta foi,
portanto, a maior diferença de votos, entre dois candidatos que pleitearam ao cargo de
prefeito, ou seja, 4.352 de diferença.
Tendo em vista que Saulo Ernesto sofre um duro golpe na campanha de 2000,
além das que sofrera em campanhas anteriores, voltará a ser candidato na eleição
de 2004. Nesta eleição que mais uma vez foi muito disputada, merece registro o seu
desgaste político principalmente por ter apoiado, no ano de 2000, Sebastião de Paula
Rêgo, que sempre foi seu opositor.
Mesmo assim, Saulo começa a ir às casas dos seus amigos, das pessoas mais
próximas, das pessoas que acreditavam em seu projeto político e apresentava,
estrategicamente, um folhetinho sobre o que havia feito quando prefeito em 1976. Era
como se fosse um trabalho de esclarecimento sobre as obras que havia realizado no
município. Mas muitas pessoas não acreditavam, outras zombavam, afirmando que
Saulo Ernesto não tinha condições de administrar o município que o seu tempo já havia
passado. Entretanto, ele não deixou de persistir e com esse trabalho de ir a pé, de casa
em casa foi reconstruindo o seu espaço político. Caminhando com a sua esposa Elinete,
foi conseguindo fazer com que as pessoas começassem, partir do panfleto distribuído e
que continha as suas realizações na administração no ano de 1976, e retomando a
imagem de seu pai, Carlos Ernesto, voltassem a acreditar novamente em seu projeto
político.
Convêm salientar que a conjuntura político administrativa do momento também
favoreceu exemplarmente a consolidação de sua candidatura, e conseqüente vitória, pois
a atual situação do município não era nada boa e passava por alguns problemas
administrativos graves, tais como: as sucessivas ausências do prefeito, Assis Maciel, em
seu gabinete de trabalho, para atender no Ligeiro, lugar onde residia; lixo constante na
cidade; descaso para com o município e alguns espaços públicos que se encontravam
abandonados, tudo isso contribuiu para que a oposição se fortalecesse como alternativa
de governo.
Em junho de 2003, em uma reunião convocada pelo Partido dos Trabalhadores,
a oposição do município de Queimadas se reúne para realizar uma discussão em que
pudesse a partir daquele momento fortalecer e cada vez mais o grupo da oposição. Em
114
conjunto iriam todos às comunidades rurais para apresentar o que queriam fazer e/ou
desenvolver para o município, caso viessem a ser eleito. A princípio, todos os
participantes gostaram da reunião conforme nos esclarece o Jornal Folha do Cariri:
os participantes consideraram um sucesso a reunião da cúpula da
oposição, realizada no dia 19 de junho, no Instituto Menino Jesus.
Entre os oposicionistas, marcaram presença na reunião: Antônio
Carlos PT, Dr. Pedro Saulo (sem partido), Ronaldo Lucena (PMN),
Adauto Macário (PV) e Saulo Ernesto (sem partido) além do professor
Mauricio Xavier (PST) que não faz parte do grupo de oposição (Folha
do Cariri, Queimadas - PB, Julho de 2003, p. 05)
Acontece ainda uma segunda reunião da oposição, no dia 27 de junho de 2003.
Nesta reunião se discutiu que em dezembro do corrente ano, far-se-ia uma pesquisa para
prefeito em que o valor desta pesquisa seria dividido por todos os membros do grupo e,
conforme o resultado da pesquisa, quem ficasse em primeiro lugar, democraticamente,
seria o candidato ao cargo de prefeito e quem ficasse em segundo, conseqüentemente,
seria o candidato à vice-prefeito, concordando assim, os demais seriam à base de
sustentação da campanha, assim como, se eleitos, participantes do governo. Conforme a
reportagem
Os líderes de oposição estiveram mais uma vez reunidos para discutir
assuntos relacionados às eleições municipais do ano que vem. O
encontro aconteceu no dia 27 de julho, no Instituto Menino Jesus,
contou com as presenças de Pedro Saulo (PTB), Ronaldo Lucena
(PMN), Arnaldo Maia (PPS), Saulo Ernesto (sem partido), professor
Antônio Carlos do PT e outros convidados. Na pauta do encontro foi
discutida a possibilidade da oposição lançar uma única candidatura
para disputar com o candidato da situação, nas eleições de 2004. Para
isso será lançada até o final do ano uma pesquisa para apontar entre si
quem será o cabeça da chapa das oposições, o segundo colocado das
pesquisas poderá ser o vice, e os demais optarão pelo apoio com ou
sem coligação (Folha do Cariri, Queimadas PB, agosto de 2003,
p.05)
Tudo a princípio parecia que estava acordado, em outras palavras, pactuado, mas
Dr. Pedro Saulo, no período de julho, se encontrava como o candidato mais expressivo
da oposição, e, contrariando a maioria, afirmava que não precisava fazer uma pesquisa
em dezembro, a pesquisa, segundo ele poderia ser realizada em setembro. Sua
justificativa para uma pesquisa em setembro se respaldava no argumento de que todos
os candidatos já eram bastante conhecidos no município.
115
Não concordando com esta postura o pré-candidato do Partido dos
Trabalhadores, Antônio Carlos, assim como Saulo Ernesto, se manifestam contrários, o
primeiro justifica sua postura afirmando que o seu nome não é conhecido em todo o
território do município e que os nomes conhecidos em todo o município são os de Saulo
Ernesto e Pedro Saulo, assim sendo, precisaria de mais tempo para realizar a pesquisa
eleitoral para que cada um, ou em conjunto, ou sozinhos, pudessem ir de localidade em
localidade do município mostrar a sua proposta de governo para o município; o segundo
argumenta que é preciso mais tempo porque é interessante que as comunidades
conheçam todos e vejam as suas propostas de governo.
A reunião foi encerrada com este impasse e uma outra ficou marcada para o dia
23 de julho, que esta não ocorre. Diante de tal quadro divergente, dá-se a ruptura da
oposição e cada um vai para o seu lado. Pedro Saulo se filia ao Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), este que tem como presidente a filha do ex-prefeito de Queimadas,
Sebastião de Paulo Rêgo, Socorro e que, por sua vez, articulava como vice de Pedro
Saulo, o seu marido, Ricardo Lucena. Com essas novas alianças/adesões constrói-se um
grupo muito forte, com o apoio do ex-prefeito Tião e, conseqüentemente, do Deputado
Federal Carlos Dunga, que desde 1982 é aliado de Tião.
Enquanto isso, a “situação”, com muitos problemas, tenta discutir o melhor
nome para o município e aponta como pré-candidatos, Raimundo Farias que, no
momento, era presidente da câmara municipal; Maria, responsável pela pasta de
Agricultura do município, professor Maurício Xavier e João Batista, mais conhecido por
Batista, sogro do então Deputado Estadual Jacó Maciel.
Desses nomes indicados pelo grupo da “situação” para disputar a eleição de
2004, o mais aceito foi o de Maurício Xavier e os outros sofriam grande rejeição,
principalmente, Batista, haja vista que este morava na cidade de Alcantil, e não tinha
aceitação popular, pois, havia chegado ao município de Queimadas apenas para ser
candidato trazido pelo Deputado Jacó Maciel. Conforme o Jornal Folha do Cariri;
(...) a pesquisa encomendada pelo grupo da situação envolvendo os
nomes do presidente da câmara Sr. Raimundo Farias, do secretário de
Agricultura José Maria, do professor Maurício Xavier, entre outros,
(para saber da população o melhor nome para disputar a prefeitura)
garantiu o nome do professor em lugar. (Folha do Cariri,
Queimadas - PB, julho de 2003, p. 05)
116
Pedro Saulo quando indagado sobre a pré-candidatura de Batista, assim se
expressou:
Deve ser uma pessoa de bem, não o conheço, mas respeito. Porém
acho que Queimadas tem filho capaz de representar excelentemente a
cidade, na administração pública, ou seja, como prefeito. E esta idéia
do Deputado, para mim, é um desrespeito com os filhos de
Queimadas. (Folha do Cariri, Queimadas PB, setembro de 2003, p.
03)
O que ocorreu, segundo relatos do Jornal Folha do Cariri e depoimentos de
alguns informantes, foi uma forte rejeição aos nomes postulados como pré-candidatos
da “situação”. Parece que o que ocorreu foi aquele velho paradigma na política que não
adianta ter apenas dinheiro sem um nome construído, assim como não adianta ter um
nome muito bom sem os recursos para custear a campanha. Foi o que aconteceu no
município de Queimadas, por ocasião da campanha eleitoral do município no ano 2002;
a “máquina administrativa”, neste caso a prefeitura, tinha recursos para custear a
campanha até porque também tinha um Deputado Estadual, mas não tinha um nome que
pudesse vir a representar os anseios da população, o nome do professor Maurício era um
nome forte, mas não a ponto de disputar com o de Dr. Pedro Saulo que já vinha fazendo
sua campanha e tinha uma boa aceitação. O nome de Maurício Xavier era forte, mas em
relação aos que faziam parte do grupo da “situação”. Em entrevista com Pedro Saulo, no
Jornal Folha do Cariri, fica nítida a força que este tinha, tanto por estar em um grupo
forte, como também por ter um respaldo positivo enquanto médico:
(...) todas as pesquisas realizadas pela situação, segundo informações
de terceiros, meu nome tem despontado com mais de 50 %, diante de
todos os seus candidatos. Isto prova que a situação está com
dificuldade de apresentar um candidato. (Folha do Cariri, Queimadas
– PB, setembro de 2003, p.03)
O campo político assim vai se estruturando; Saulo Ernesto com o seu trabalho
junto aos amigos, faz uma espécie de trabalho de base, apresentando o que fez quando
foi prefeito e tentando organizar alguns segmentos da sociedade civil, dentre esses se
destaca os segmento comercial e o segmento da juventude, e assim vai paulatinamente
se fortalecendo e se instituindo como um nome na disputa do poder municipal.
Para agradar” ao segmento comercial ele constrói a Associação Comercial que,
notoriamente, é o segmento mais forte de Queimadas, tendo em vista que Queimadas
117
ocupa, em relação ao Estado da Paraíba, a 12ª maior economia devido a forte atividade
comercial e do distrito industrial. Fica clara a influência da Associação Comercial de
Queimadas, a partir do seguinte discurso no Jornal Folha do Cariri:
Os comerciantes começam a organizar-se em associação, na cidade de
Queimadas, com a criação da Associação Comercial. Em reunião
realizada no dia 04 de setembro, foi aprovado o estatuto da entidade, e
eleita uma direção provisória para dar continuidade aos trabalhos de
legalização da Associação Comercial. Esta diretoria vai comandar a
entidade até que seja eleita uma definitiva para o próximo biênio,
segundo informou o idealizador Saulo Ernesto. (Folha do Cariri,
Queimadas – PB, setembro de 2003, p.06)
Em relação ao segundo segmento a juventude, ele organiza a diretoria da
Fundação Carlos Ernesto FUNCER inaugurada no ano de 1983, entidade esta que
traz o nome do seu pai. Em seu estatuto, a FUNCER destina-se a desenvolver trabalhos
nas áreas social e cultural. Um trabalho dirigido à juventude, outro segmento estratégico
do ponto de vista político, é visto com bastante simpatia, haja vista que o município
estava muito carente no que diz respeito às atividades culturais, então se reestrutura a
FUNCER e a partir dela, começa a se realizar eventos que possam envolver a juventude
de Queimadas. Um dos eventos que mereceu destaque foi a “Feira Educativa e Cultural
de Queimadas” – FECQ, realizada em dezembro de 2003.
Essa maneira de trabalho, o incentivo à formação de associações, em organizar a
cidade por segmentos, ganha repercussão no município e passa a receber bastantes
elogios; isso fica claro quando ao ler uma nota de um cidadão queimadense ao Jornal
Folha do Cariri, sobre a Associação Comercial:
(...) É a união fazendo a força, e comprovando o velho chavão das
passeatas, que povo unido jamais será vencido. Pois bem, é preciso
que nós estejamos preparados e organizados para enfrentar as
mudanças surgidas à quase todo instante na sociedade, hoje
globalizada. São novas técnicas comerciais, industriais, novos tipos de
comércio, novas tecnologias, novas alternativas, novos direitos, novos
deveres, novos caminhos que atingem a todos indistintamente. E para
enfrentá-los é preciso que estejamos preparados, e acima de tudo,
organizados. Pois é através da organização que somamos forças, e que
na maioria das vezes, nos levam às conquistas, (...) aqui vai o meu
reconhecimento e agradecimento às pessoas que tem tomado
iniciativas como estas, e me coloco à disposição para cooperar no que
for possível, pois todos só têm a ganhar, principalmente o município
que fica com a sua sociedade organizada e conscientizada. (Folha do
Cariri, Queimadas- PB, outubro 2003, p.04)
118
Após este trabalho desenvolvido por Saulo Ernesto, no ano de 2003, no
município de Queimadas, observa-se um crescimento em seu prestígio político, este se
fortalece politicamente e a sua grande estratégia de visibilidade política é não perder de
vista a campanha que se aproxima com o respaldo do passado, quando foi prefeito de
Queimadas. Saulo Ernesto em uma entrevista concedida ao Jornal Folha do Cariri,
indagado se seria candidato a prefeito ao pleito de 2004, afirmou:
Sou candidato, sim. O meu passado, as minhas raízes políticas, as
minhas realizações como ex-prefeito, a minha dignidade, tudo isso
me recomenda. Como se não bastasse, não poderia ficar omisso num
momento administrativo tão difícil como o que vive o município.
(Folha do Cariri, Queimadas PB, novembro de 2003, p.03) (grifo
nosso)
O seu passado torna-se um referencial para a construção da sua imagem no
presente e por ocasião da campanha eleitoral. O folheto que distribui de casa em casa
com sua esposa, demonstram essa simbiose passado-presente e esta relação se torna um
dos instrumentos de convencimento, principalmente para aqueles que não eram nascidos
no período de sua administração, em grande maioria, a juventude.
Saulo Ernesto se filia ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) que havia criado sua
comissão provisória em 30 de junho de 2003
63
, partido do qual Saulo Ernesto será
membro e que será o nome mais cotado para ser o candidato ao cargo de prefeito. Em
dezembro de 2003, é lançado o nome de Saulo Ernesto como o representante do Partido
Socialista Brasileiro no município para disputar o cargo executivo, conforme o Jornal
Folha do Cariri, que se diga de passagem, exalta, de maneira nada imparcial, a figura do
candidato:
O Partido Socialista Brasileiro da cidade de Queimadas decidiu que
o ex-prefeito Saulo Ernesto será o candidato à sucessão municipal de
2004. (...) Saulo Ernesto é um homem bastante identificado com a
população e a sociedade queimadense. Pois foi vice-prefeito e
prefeito do município por uma vez, fazendo uma boa administração
em termo geral, realizando dezenas de obras, principalmente na área
da educação e do social, proporcionando oportunidade de trabalho aos
filhos da terra. É um homem conciliador de uma boa visão
administrativa e espírito público empreendedor, conhecedor profundo
dos problemas municipais e o qual pode contribuir em muito para
63
“Criado no dia 30 de junho de 2003, o PSB (Partido Socialista Brasileiro) da cidade de Queimadas,
elegeu sua comissão municipal provisória, aprovada pela estadual, cujo objetivo é estruturar o partido
neste município. A comissão ficou constituída dos seguintes membros: Antônio Fernandes da Silva
Tavares (presidente); Samuel Nogueira de Carvalho; Saulo Leal Ernesto de Melo; Elinete da Silva e Luís
Julimar Bezerra” (Folha do Cariri, Queimadas – PB, setembro de 2003, p.03).
119
impulsionar o desenvolvimento e o progresso da cidade (...) (Folha do
Cariri, Queimas – PB, dezembro de 2003, p. 03)
Pedro Saulo continuava com sua aceitação popular, mas agora igualmente
começava a ascender nas pesquisas realizadas pelos grupos políticos locais o nome de
Saulo Ernesto à prefeitura. Nesse novo cenário a “situação” tinha os seus nomes mais
nenhum conseguia ter respaldo suficiente para a disputa, dos nomes cogitados, o de
Mauricio Xavier era o que despontava, mas mesmo assim perdia nas pesquisas para
Saulo Ernesto e Pedro Saulo. Saulo Ernesto, dessa forma, sem apoio político de
nenhuma força, apenas com o nome, a tradição, um passado que poderia mostrar com as
obras realizadas em sua administração anterior, consegue alcançar nas pesquisas o
segundo lugar como favorito ao cargo executivo.
A “situação” que era o grupo do Deputado Jacó Maciel e de Assis Maciel, este
último prefeito em seu segundo mandado, não poderia mais concorrer ao cargo. Para
tanto, tinha a “máquina na mão”, “a prefeitura”, como é denominado no mundo da
política, mas não tinha um nome forte para disputar.
Conforme a gica da política que difere da ética, a “situação” era apresentada
ao seguinte cenário: ou apoiaria Maurício e perderia a eleição, conforme as pesquisas
apontavam, e perdendo estaria entregando a prefeitura ao então vice e opositor mais
ferrenho, e na época pré-candidato, Dr. Pedro Saulo e os seus aliados Sebastião de
Paulo Rêgo, Ricardo Lucena, esses que foram oposição em todo o governo a Assis
Maciel, ou então, a outra alternativa seria apoiar a eleição de Saulo Ernesto, uma vez
que este era o segundo colocado nas intenções dos eleitores.
E este em relação aos dois grupos, tinha um “nome” conhecido em todo o
município, mas não tinha condições de bancar a campanha, fazer comícios, material de
divulgação, adesivos, músicas, camisas, enfim, indumentárias e artefatos para o
marketing político, para a publicidade do candidato. O grupo da “situação” tinha toda
essa estrutura para fazer a campanha, mas não tinha um “nome” que fosse forte a ponto
de disputar com Pedro Saulo, uma vez que este tinha um “nome”, pois, era médico no
município, e bastante conhecido e respeitado, e tinha também o apoio do grupo de
Sebastião de Paula Rêgo, que se mantinha aliado a Carlos Dunga.
120
O quadro político estava muito disputado e a “situação” para não “perder o
poder”, para os seus maiores opositores, convida Saulo Ernesto
64
para ser candidato da
“situação”, mesmo por outro partido, e caberia também a “situação” indicar o vice
prefeito, qual seja, o sogro do Deputado Jacó Maciel, Batista.
Este foi um acontecimento que mexeu com todas as peças do tabuleiro de xadrez
que é a política, pois com este apoio Pedro Saulo, candidato da oposição, que já se
imaginava eleito devido às pesquisas que o indicavam, muda totalmente, uma vez que
Saulo Ernesto agora estava aliado não apenas a Assis Maciel e a Jacó Maciel, mas a
toda uma base de vereadores, dos 15 vereadores da câmara municipal, 13 aderiram a
Saulo Ernesto.
Na eleição de 2004, portanto, ocorre algo importante e inovador, da mesma
maneira que 1972 se implantou em Queimadas os chamados “comícios relâmpagos”,
nesta se implantou os denominados “debates públicos”, os quais possibilitaram um
maior esclarecimento, sobre as propostas/proposituras dos candidatos ao cargo
64
Esta aliança entre Saulo Ernesto e Batista não foi aceita por todos os membros do partido, pois, no
sábado, dia 29 de maio de 2004, alguns representantes do partido ligados a Antônio Barbosa (Bala) e a
José Rodrigues, secretário geral do Partido PSB local, se reuniram para discutir a vice, tendo em vista que
não aceitavam a candidatura de Saulo Ernesto com o vice sendo indicado pela “situação”, ou seja, não
aceitavam Batista, dessa forma Germano, um dos membros do partido recorre à executiva estadual para
resolver este impasse, e a executiva através de sua representante legal Nadja Palitot, envia um documento
autorizando a coligação e a indicação de Batista a Vice-prefeito na chapa com Saulo Ernesto. Com isso
ocorre uma ruptura local entre os membros do partido do qual o presidente do PSB local, Antônio
Fernandes da Silva Tavares, juntamente com seu amigo Samuel Nogueira de Carvalho, passam a apoiar a
campanha de Pedro Saulo contra Saulo Ernesto. Enquanto isso, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o
Partido da Mobilização Nacional (PMN) fazem aliança e lança também os seus nomes, Ronaldo Lucena
candidato a prefeito e Antônio Carlos a vice-prefeito; Maurício Xavier, assim como Raimundo Farias que
eram os nomes cotados para o cargo de prefeito com o apoio da situação, vão cada um tomar seus rumos,
Maurício Xavier, rompe com a situação” e assume uma postura adversa sendo, portanto, candidato a
prefeito pelo Partido Socialista Democrático Cristão PSDC e passa a ser oposição ao grupo político
que sempre esteve aliado. Da mesma maneira Raimundo Farias, por não ser mais o nome indicado para
pleitear o cargo executivo, ele passa agora, ainda presidente da câmara, a ser oposição ao Deputado Jacó
Maciel e ao, então, prefeito Assis Maciel, em seguida, se filia ao PPS e apóia Pedro Saulo para prefeito.
Isto fica claro numa matéria na Folha do Cariri sobre as coligações no município de Queimadas. “No
município de Queimadas, na 5 zona eleitoral quatro candidatos a prefeito foram indicados para
concorrer à prefeitura municipal; o PSDC coligou-se com o PHS, visando disputar as eleições para
prefeito e mara de vereadores no próximo dia 03 de outubro. Para a eleição majoritária a coligação
‘Mudar é Preciso’ homologou o nome do professor Maurício Xavier (27) para prefeito e o professor José
Maria da Silva PHS para vice. Na chapa proporcional, a coligação indicou dezoito candidatos a vereador;
o médico e atual vice-prefeito Pedro Saulo (14), foi indicado pela coligação ‘Muda Queimadas’ formadas
pelos partidos PTB, PPS, PMDB e PSDB, para concorrer a prefeitura no dia 03 de outubro. Para vice-
prefeito foi escolhido o vereador Ricardo Lucena de Araújo. A chapa proporcional PPS e PTB indicaram
dezoito candidatos a vereador, doze homens e seis mulheres; a coligação “É Hora de Mudar” formada
pelos partidos: PMN e PT, homologou o nome do comerciante Ronaldo Lucena (33), para prefeito e do
professor Antônio Carlos para vice. A chapa proporcional tem treze candidatos a vereador para a eleição
de 03 de outubro, são doze do sexo masculino e uma do sexo feminino; a coligação “Queimadas pra
frente”, formada por PDT/PL/PSB/PV, homologou o nome do engenheiro aposentado e ex-prefeito Saulo
Ernesto (40), para concorrer à eleição municipal no dia 03 de outubro. O vice é “Batista”. Na chapa
proporcional foram indicados 35 candidatos a vereador”. (Folha do Cariri, Queimadas PB, julho de
2004, p. 04)
121
executivo. Estes debates ocorreram em alguns estabelecimentos tais como: Sede do
Conselho de Desenvolvimento Rural, Colégio Professor José Miranda e no Ginásio Poli
Esportivo do Ligeiro.
A forma de organização do debate se deu da seguinte maneira: tinha um
mediador que, por exemplo, na comunidade do Ligeiro, foi o professor de Filosofia da
Universidade Estadual da Paraíba, Iomar Ricardo da Silva, o qual conduziu o debate em
torno das propostas e do projeto político que cada um dos candidatos tinha para o
município.
65
Esses debates foram de fundamental importância para o município, tanto do
ponto de vista da sociedade como para os candidatos, uma vez que esse momento
tornou-se um espaço mais democrático, pois os eleitores tinham como ouvir e debater as
propostas dos candidatos, que nos Showmícios os cidadãos vão mais para se divertir
com a “festa” e esse espaço, contrariando, o espaço dos comícios, serviriam para a
discussão das idéias e propostas dos pleiteantes.
Desta feita, as eleições se aproximam e Saulo Ernesto com uma diferença muito
pequena de votos, 269 votos, dentro de um eleitorado de quase 27.000, obtendo,
portanto, 9.741 contra 9.472 do seu opositor Pedro Saulo, é eleito, em 03 de outubro de
2004.
Finalmente após várias campanhas eleitorais e tanta perseverança, Saulo Ernesto
sai vitorioso e novamente, dá-se uma reconfiguração no poder local na cidade de
Queimadas.
4.2. Campo político e rituais
4.2.1. Campanhas franciscanas
Um das maneiras de se pensar a construção dos agentes políticos é inserindo-o e
ou analisando-o dentro do campo político, campo de disputas, em que os rituais de
consagração
66
são fundamentais, a exemplo os comícios e os “showmícios”, para a
65
Consultar Jornal Folha do Cariri, de 18 a 24 de setembro de 2004, Ano II, número 27, Queimadas - PB,
para observar o debate que está ocorrendo nos espaços da sociedade civil organizada do município de
Queimadas.
66
Entende-se aqui por “rito de consagração ou rito de instituição o rito que tende a consagrar ou
legitimar, isto é, a fazer desconhecer como arbitrário e a reconhecer como legítimo e natural um limite
arbitrário, ou melhor, operar solenemente, de maneira lícita e extraordinária, uma transgressão dos limites
constitutivos da ordem social e da ordem mental (...)” (BOURDIEU, 1998, p.98)
122
disputa de capitais simbólicos
67
e, conseqüentemente, a construção dos agentes nessas
disputas com suas características particulares e seus capitais adquiridos historicamente.
Como já afirmado ao longo desse texto, é a partir da década de 1970 até finais da
década 1990, que a história política do município de Queimadas é marcada por grandes
disputas entre duas forças que, historicamente, se constituíram no cenário político
municipal, a força política vinculada a Sebastião de Paula Rêgo e a força política
vinculada a Saulo Ernesto.
A disputa como em todo e qualquer campo sempre foi bastante acirrada. E no
campo político, especificamente, esses acirramentos são mais visíveis posto que se
encontram nas próprias ações cotidianas das famílias, dos indivíduos que optam, por um
candidato ou outro, mas são nos rituais de consagração que os agentes apresentam de
maneira mais nítida este acirramento.
É por ocasião de realização dos comícios, em um primeiro momento, e em um
segundo momento, a partir de 1992, nos “Showmícios”, que a disputa eleitoral terá
como aliada a mídia, como propiciadora da estandartização dos rituais de consagração
da política.
Um dado interessante para se compreender a constituição do campo político no
município é, além de perceber a trajetória política de cada um desses agentes citados,
nos remete as memórias, aos discursos dos entrevistados sobre os rituais de
consagração, pois são neles que ocorrem todo um processo de visibilidade do candidato,
tornando-o, embora o candidato seja aquele que está próximo do eleitor, algo distante,
devido à própria posição que ocupa dentro do campo político.
O candidato, assim, torna-se alguém, que possui uma certa sacralidade, algo
sagrado, um certo poder de encantamento. Tal investimento de poder pode se dar pelo
fato do candidato, ao contrário do eleitor, saber falar em público, ser de uma família
tradicional e respeitada, possuir poder econômico, ser uma pessoa letrada, possuir
carisma, ter acesso às famílias influentes na localidade, entre outras características.
É possível afirmar que são os capitais adquiridos historicamente que fazem com
que ocorra esse distanciamento, por um lado, e, por outro lado, ao mesmo tempo, uma
maior admiração por parte das pessoas, eleitores, para com o candidato. Esses capitais,
67
Conforme a abordagem de BONNEWITZ (2003), os capitais simbólicos correspondem ao “conjunto
dos rituais (como as boas maneiras ou o protocolo) ligado à honra e ao reconhecimento. Afinal, apenas o
crédito e a autoridade conferem a um agente o reconhecimento e a posse das outras três formas de Capital
(Capital econômico, cultural e social). Ele permite compreender que as múltiplas manifestações do código
de honra e de regras de boa conduta não são apenas exigências e controle social, mas constitutivas de
vantagens sociais com conseqüências efetivas”. (BONNEWITZ,2003, p. 53-54)
123
ou seja, capital cultural, social e econômico, todos eles vão constituindo o capital
simbólico que dentro do campo de disputa política, através dos rituais de consagração,
assume uma relevância ímpar, haja vista que cada candidato vai se utilizar das suas
astúcias para tentar conquistar o eleitor.
Esta maneira de conquistar o eleitor no processo de disputa pode acontecer de
diversas formas dentro do campo político, pode ser através do capital econômico ou
através dos demais capitais. Nos comícios, realizados em Queimadas, vários capitais
são utilizados, merecendo destaque, para o agente político Tião a referência à família
Rêgo e o seu jeito carismático e popular de fazer campanha. E quanto a Saulo Ernesto,
destaca além do sobrenome Ernesto, a referência à tradição familiar e o título adquirido,
este enquanto forma de capital cultural, o qual é trabalhado através da sua formação e
dos seus discursos, bem como de suas habilidades para falar em público. Sobre esta
habilidade, informa um dos entrevistados fazendo menção de como Saulo Ernesto era
anunciado nos comícios e a sua oratória como algo de destaque:
“O estudante de Engenharia”, “o jovem estudante de Engenharia”;
Saulo geralmente era anunciado assim. “O jovem universitário de
Engenharia Saulo Ernesto”. Por sinal sempre foi um grande orador e
Saulo empolgou muita gente com seus discursos, sua eloqüência de
oratória, esse negócio todo. Foi um grande orador Saulo, sempre foi;
desde jovem, desde quando estudante, sempre foi um grande orador.
(...) Sem dúvida, sem dúvida, essa oratória contribuiu muito. Além do
prestígio político do pai dele, a oratória dele juntou o útil ao
agradável. Porque na época, sempre quem falava bem, geralmente era
o estudante do clássico, que fazia clássico: que fazia Direito, essas
coisas. Mas Saulo, na área de Engenharia, na área técnica, sempre
falou melhor do que todos os estudantes, sempre foi um bom orador.
(Entrevista com Antônio Olimpio, em 26 de março de 2006) (grifo
nosso)
Aqui se destacam características fundamentais e que, portanto, são constitutivas
da imagem desse personagem político, quando anunciado em 1966 à vice-prefeito,
como o “jovem estudante de engenharia” vê-se aí o adjetivo que qualifica o personagem
Saulo Ernesto, assim como essa relação que faz para com o curso de engenharia, como
sendo elementos que vão dando credibilidade à pessoa política; características essas que
são fundamentais para a disputa dentro do campo político, haja vista que se disputam
também símbolos que representam capitais.
Este destaque quanto à formação acadêmica é um destaque do capital cultural,
entendendo-se que este é um conjunto de qualificações intelectuais que o produzidas
124
pelo sistema escolar ou transmitidas pela família e que, portanto, pode ser distinguido
de três maneiras: em estado incorporado como disposição duradoura do corpo, por
exemplo, a facilidade de expressão em público; em estado objetivo como bem cultural,
com obtenção de quadros de obras de artes, por exemplo; e em estado
institucionalizado, isto é, socialmente sancionado por instituições, como os tulos
acadêmicos.
68
Na referida citação é nítido o capital cultural enquanto disposição duradoura do
corpo, tendo em vista que a oratória, o poder de domínio para com as palavras, como
sendo algo característico deste personagem e a referência ao substantivo engenheiro,
que aqui assume mais uma característica adjetivante, uma vez que é algo que qualifica a
pessoa e que é utilizado também como algo que legitima a oratória, que diferencia o
orador de outro orador, é algo que está intrínseco ao discurso, fortalecendo-o, pois,
quando é anunciado nos comícios o “jovem estudante universitário de engenharia”, esta
maneira de chamar já impõe respeito, uma vez que não é qualquer pessoa que está sendo
convidada a discursar, mas alguém que possui certos atributos que o autorizam a falar.
A referência ao título, legitima a sua oratória. Desta feita
um enunciado performativo está condenado ao fracasso quando
pronunciado por alguém que não disponha do “poder” de pronunciá-lo
ou, de maneira mais geral, todas as vezes que “pessoas ou
circunstâncias particulares” não sejam as mais indicadas que se possa
invocar o procedimento em questão. (BOURDIEU, 1998, p.89)
O discurso político para se legitimar, para ter respaldo, tem que assumir algumas
prerrogativas que estão relacionadas com as propriedades do discurso, propriedade
daqueles que as pronuncia e propriedade da instituição que o autoriza.
69
Neste caso,
Saulo Ernesto encontra-se respaldado por toda uma tradição familiar que o legitima e,
além disso, têm este capital cultural transmitido objetivamente através da oratória e de
sua formação acadêmica. Isto em um período em que poucas pessoas chegavam a se
inserir em cursos universitários, principalmente, quem morava em cidades do interior,
devido às condições materiais que eram escassas e o difícil acesso aos meios de
transportes para fazer este deslocamento.
68
BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre Sociologia de Pierre Bourdieu. Tradução de Lucy
Magalhães, Petrópolis, RJ, Vozes, 2003.
69
Consultar PIERRE, Bourdieu. Linguagem e Poder Simbólico. In: A economia das trocas lingüísticas: O
que falar quer dizer. 2ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998, p.89, (Clássicos, 4)
125
A eficácia simbólica das palavras é exercida na medida em que a pessoa-alvo,
neste caso o eleitor, reconhece quem a exerce como podendo exercê-la de direito,
repousando-a na crença.
70
Esta crença se constrói a partir de elementos que as pessoas
identificam no candidato como legítimos. As ressalvas, por exemplo, de Saulo Ernesto
como filho de Carlos Ernesto, jovem estudante de engenharia, todos esses são
elementos legítimos para tal crença.
Com esses elementos, Saulo Ernesto vai, no interior do campo político, através
desses capitais simbólicos, se instituindo, se consagrando numa terminologia utilizada
por Bourdieu. Como o referido sociólogo afirma,
instituir é consagrar, ou seja sancionar e santificar um estado de
coisas, uma ordem estabelecida.(...) A investidura (...) consiste em
sancionar e em santificar uma diferença, fazendo-a conhecer e
reconhecer, fazendo-a existir enquanto diferença social, conhecida e
reconhecida pelo agente investido e pelos demais. (BOURDIEU,
1998, p.99)
Essa consagração vem como se fosse algo quase que natural, uma vez que as
pessoas começam a percebê-lo de outra maneira, ou seja, não mais como a pessoa Saulo
Ernesto, mas, sim, esta pessoa somada aos atributos que lhe foram imputados bem como
os valores e comportamentos que foram adquiridos historicamente. Passam a tratá-lo
com mais respeito. É a investidura que exerce uma eficácia simbólica pelo fato de
transformar a pessoa consagrada. Como afirma Bourdieu (1998)
71
, de início ela
transforma a representação que os demais agentes tem sobre estas pessoas modificando-
a, atribuindo-lhes ao personagem político, no nosso caso, títulos de respeito e, em
seguida, a pessoa investida também passa a adotar comportamentos condizentes com a
investidura, com a representação que a exerce.
A própria categoria “Doutor”, como assim se começou a denominá-lo, “Doutor
Saulo Ernesto” foi uma dessas concessões de títulos que está diretamente associada a
esta investidura e, conseqüentemente, a eficácia simbólica. Como bem expressa o
senhor Antônio Olímpio quanto a esse título de respeito que o povo passa a atribuir a
Saulo Ernesto:
70
Consultar PIERRE, Bourdieu. Op.cit. 1998: p. 95.
71
Consultar, BOURDIEU, Pierre. Idem. 1998, p. 99.
126
Mas veja bem, essa relação de doutor pra sociedade, ela não pega
muito bem – esse titulo não pega – quando o portador daquele título, o
possuidor daquele título exige que o chamem de doutor. Mas Saulo
nunca ligou pra isso; mas mesmo assim o pessoal sempre o tratou de
doutor. (Entrevista com Antônio Olimpio, em 26 de março de 2006)
A representação que as pessoas farão daqui por diante, a partir da investidura, é
Doutor Saulo Ernesto, a eficácia simbólica está no respeito que ele adquire no decorrer
de sua trajetória pessoal e política. Tudo isto se construiu no cotidiano, mas são nos
espaços de ritos de consagração que isto mais se apresenta, enquanto elementos que o
diferenciam dos outros personagens, principalmente nas eleições que disputou com
Sebastião de Paula Rêgo, o qual lhe atribuía este título, exatamente, como uma maneira
de tentar distanciá-lo do povo, uma vez que nas campanhas que Saulo Ernesto disputou
e que vinha, de João Pessoa para o município de Queimadas, às vésperas das eleições,
Tião o chamava de o “Doutorzinho da capital”
72
, pretendendo, assim, distanciá-lo da
população, e conseguir à sua antipatia, uma vez que Tião morava no município e não
tinha formação acadêmica. Segundo depoimento de um dos informantes, tais assertivas
podem ser constatadas:
Tião se referia a Saulo como “o Doutor”, certo? Ele tentava dizer que
ele era um analfabeto que tinha conseguido chegar ao posto de ser
prefeito de Queimadas, esses detalhes todos; e “o Doutor” não
conseguiu. Então Tião brincava com e trabalhava bem a questão
do pessoal, da psicologia do povo, mostrando que ele se parecia com o
povo, por ser analfabeto na linguagem dele, enquanto Saulo era
totalmente diferente do povo, porque Saulo era “Doutor”. Então criou,
naquela campanha de 88 (oitenta e oito), essa questão: “o Doutor”, “o
Doutor”, “o Doutor”, que era exatamente um termo pejorativo,
pegando a população que não tinha informação, que não tinha
instrução; se comparando com essa população e jogando Saulo
exatamente contra, porque Saulo vinha como o oposto, como o cara
que queria saber mais de tudo e esse negócio todo. (...) (Entrevista
com José Ezequiel Barbosa Lopes, em 23 de março de 2006)
É interessante notar como no campo político, também campo de disputas
simbólicas, uma palavra, uma titulação ela pode adquirir sentidos opostos, sentidos que
venham a favorecer ao opositor, como exemplo, tem-se a utilização e a resignificação
que foi atribuída estrategicamente por Tião para se contrapor a Saulo Ernesto. Em
outras palavras, um recurso simbólico que era muito forte, enquanto capital cultural,
72
Neste capítulo no tópico intitulado “O Doutor e o Matuto Sabino” analisaremos mais detalhadamente
os usos dessa palavra dentro do Campo Político.
127
capital de notoriedade, reconhecimento, para Saulo Ernesto. Tião a utiliza dando-lhe um
significado oposto, tentando, assim, promover o distanciamento dos eleitores para com
o seu opositor, com o elemento da espacialidade e da respeitabilidade através do titulo
de reconhecimento. O primeiro, o elemento da espacialidade é quando se refere que
Saulo Ernesto é da capital, vive em João Pessoa, e o segundo diz respeito ao título, a
investidura simbólica adquirida. São as estratégias utilizadas, no campo político, para se
chegar ao poder.
É como nos ensina Maria Helena Weber (1996:11) em “Mídia e Eleições:
Relações (Mal)Ditas”: “fazer política é dizer bem, dizer em parte, dizer mal, dizer
estrategicamente. Os dizeres bem ditos ou mal ditos constituem paisagens para as
disputas entre eleições, mídias e cidadãos”.
73
Nos comícios esses discursos eram quase sempre ressaltados, principalmente no
de 1988. Entretanto, contrapondo-se a esse distanciamento ocorre no ritual de
consagração – comício – dois fenômenos ritualísticos importantes:
1) os comícios relâmpagos; e
2) as campanhas franciscanas.
Fenômenos estes que merecem ser trabalhados mais detalhadamente, uma vez
que são antropologicamente acontecimentos relevantes, pois, apresentam certas
características do ritual dos comícios da época, unidos ao cotidiano da política.
Em todos os municípios brasileiros e em Queimadas não seria diferente,
existiam os comícios que se caracterizavam pela realização de discursos proferidos
pelos candidatos em vias públicas, geralmente em praças, ruas etc. Os discursos eram
longos, debatiam-se idéias, projetos para o município, e, após estes discursos, havia
alguma atração musical para os cidadãos-eleitores ali presentes. Sobre este tempo,
informa um dos depoentes, José Ezequiel:
Quando eu vinha pra os comícios meu pai me trazia pra os comícios
aqui na rua muita gente, a concentração dos comícios ali na rua do
mercado, aonde ainda hoje se faz àqueles comícios e desde aquela
época que era ali que se fazia e já havia muita gente participando
disso. E nos sítios também, mesmo sem energia elétrica, mas muita
gente ia assistir, participar dos comícios daquela época. É totalmente
diferente dos comícios que a gente vê hoje, que hoje é mais questão de
festa, mais a questão de showmício e naquela época mesmo o
73
Consultar o texto Mídia e Eleições: Relações (Mal) Ditas de Maria Helena Weber. IN: NETO, Antônio
Fausto & PINTO, Milton José (Org.). O Indivíduo e as Mídias. Rio de Janeiro: Diadorim, Editora LTDA,
1996.
128
pessoal ia pra escutar o candidato (Entrevista com José Ezequiel
Barbosa Lopes, em 23 de março de 2006).
E ainda,
(...) nós levávamos esses triozinho de forró local mesmo, não tinha
essa história de banda dessas coisas cara não, né, então os comícios
eram mais na base do entusiasmo mesmo da população esse ouvia os
moradores se davam atenção aos moradores, ao mesmo tempo, que
pra divertir um pouco a população se colocava os artistas da terra
mesmo. (Entrevista com Saulo Ernesto em 13 de abril de 2006)
Estrategicamente devido à boa retórica, a qual ainda é o princípio de disputa
argumentativa indispensável à sedução e a persuasão para o voto, como nos ensina
Weber (1996), Saulo Ernesto nos comícios sempre conseguia atrair muitas pessoas. O
interessante é que na época da campanha para o pleito de 1976, não existia transportes
para conduzir as pessoas para as localidades onde estavam sendo realizados os
comícios. As pessoas/cidadãos saiam a para escutar as propostas e as idéias dos
candidatos, além de serem também seduzidas pelos discursos. Dessa forma, de maneira
estratégica e diferenciando-se dos comícios convencionais, nos quais reuniam pessoas
de todas as comunidades, nesta relação de proximidade para com o povo, Saulo Ernesto
institui, desde 1976, nas práticas da política queimadense, os chamados comícios-
relâmpagos, como ele mesmo explica;
Isso foi uma idéia que tive, na campanha de setenta e seis, eu num
comício de encerramento de campanha, eu como não tinha condição
financeira pra transportar, porque ninguém transportava gente, hoje é
usual a se transportar, na época então procurei movimentar a cidade eu
chegava em, na, nos bairros e nas pontas de ruas faladas com carro de
som subia numa caminhonete e convocava a população fazia um
comício relâmpago vinte, trinta, quarenta pessoas cinqüenta pessoas e
a noite o comício foi um estrondo, porque eu procurei movimentar a
cidade e deu certo sem gastar um tostão com transporte de pessoas pra
comícios até porque não tinha atração nenhuma, não existia atração
nenhuma. (Entrevista com Saulo Ernesto, em 13 de abril de 2006)
O “comício-relâmpago” além de trabalhar a imagem de um agente político o
qual discursaria em pouco tempo, era realizado em diferentes localidades do município,
tornando o candidato, cada vez mais próximo do eleitor, e que, portanto, se aproveitava
do momento para falar sobre a sua plataforma de governo e convidar para o comício
convencional à noite. Ainda nas palavras de Saulo Ernesto,
129
era o comício onde falava um orador que no caso o que estava
convocando a população, e ali eu aproveitava pra dizer alguma coisa
que fiz na localidade, então era coisa rápida coisa de quinze, vinte
minutos e dali partia pra outra localidade. Então ali não se
estabelecia o comício convencional, ali se estabelecia o movimento
pra exatamente movimentar a população. (Entrevista com Saulo
Ernesto, em 13 de abril de 2006)
O “comício-relâmpago” era realmente estratégico no campo político, tendo em
vista que no comício convencional a estrutura era maior que esses e que quem detinha o
poder econômico poderia alugar transportes para conduzir os eleitores até o local da
realização do mesmo. Dessa maneira o “comício-relâmpago” do ponto de vista político,
era mais econômico, linguísticamente falando, que os discursos eram mais curtos,
assim como os gastos com recursos financeiros, eram amenizados, que o candidato
saia em um transporte junto às comunidades, como nos explicou Antônio Olimpio:
A finalidade do comício-relâmpago era abranger o maior número de
eleitores possível, no menor espaço de tempo e com mais economia
também. Então, naquele tempo, os recursos de campanha eram
poucos, então a gente tinha que procurar fazer o comício relâmpago.
O tempo, a gente estava andando contra o tempo, contra o relógio,
então o comício-relâmpago, a gente começava com muita gente, em
poucos minutos; em muitos locais, em pouco tempo também.”
(Entrevista com Antônio Olímpio, em 26 de março de 2006)
O tempo é o que caracteriza o “comício-relâmpago”, é ele que o diferencia do
comício convencional, e tudo que ocorre é em torno dele. Na campanha, o tempo se
torna curto para o candidato devido à grande quantidade de comunidades existentes no
município a serem visitadas. No modelo convencional de comício, além de gastar
muito, não é possível realizá-lo junto a todas as comunidades, uma vez que a estrutura é
maior e é necessário um planejamento e uma maior demanda de tempo.
No “comício-relâmpago”, mesmo sendo um improviso planejado
74
, mas não
anunciado, sua estrutura é bem menor o que possibilita ao candidato o deslocamento de
uma comunidade a outra em um mesmo dia,
74
É caracterizado por improviso planejado pelo fato que se improvisava no ambiente, em decorrência da
estrutura da organização do comício não ser bem trabalhada, como seria no comício convencional, mas
ocorre também o planejamento para saber quais as comunidades que irão passar, mesmo que estas não
saibam que será realizado este comício-relâmpago, assim a curiosidade é algo que também é enfatizado,
como estratégia para atrair as pessoas da comunidade e aqueles que por perto estão passando. É notório
que em política a expectativa gerada pode se transformar em um importante aliado.
130
(....) era uma coisa improvisada quando chegávamos colocávamos
um som e chamava né? Agora à curiosidade já ia chegando gente
naturalmente pra saber o que é que estava existindo, o locutor
começava a fazer a convocação e dali, as pessoas que, os passantes,
então, iam ficando e juntava vinte, trinta, quarenta pessoas e em torno
desse movimento havia aqueles que escutavam a nossa mensagem e
tal, então por curiosidade, à noite tava ao lado conosco. (Entrevista
com Saulo Ernesto, em 13 de abril de 2006)
Desta feita, o aproveitamento do tempo é bem maior, assim como a quantidade
de pessoas que se reúne. A partir desta variável se obtém uma economia lingüística, no
espaço onde se reúne com as comunidades, bem como uma economia financeira. E se
amplia à quantidade de eleitores para ouvir as propostas e, por conseguinte, o estar-
junto, algo que é fundamental em uma sociedade em que as relações de reciprocidade
são bastante definidoras e constitutivas no cotidiano das pessoas.
O distanciamento dos candidatos que a princípio se dá no comício convencional,
a partir deste novo modelo assume um novo significado: o candidato se aproxima do
eleitor, e o eleitor se sente mais próximo do candidato. Ocorre uma brevidade temporal
e uma brevidade discursiva nos comícios relâmpagos, algo que será posteriormente
característico no espaço do “showmício”.
É, portanto, uma nova linguagem que começa a surgir de maneira estratégica no
campo político, é o que Carlos Félix Piovezani Filho (2003)
75
caracteriza de brevidade e
conversação, utilizando-se de um discurso próximo às pessoas simples, valendo-se do
que elas conhecem, assim como, através da conversação, por meio deste discurso
próximo, construindo a imagem do político acessível sempre próximo e aberto ao
diálogo.
Outra característica dessas campanhas e que perpassam pelas falas de todos os
entrevistados é a categoria nativa de “campanhas franciscanas” que se relaciona também
com a estratégia dos “comícios-relâmpagos”, tendo em vista que nestes os gastos são
bem menores. Dito isto, as “campanhas franciscanas”, ou o “franciscanismo político”,
foi uma maneira que as pessoas, os compadres e amigos de Carlos Ernesto, encontraram
para “ajudar” a campanha do seu filho Saulo Ernesto, em suas campanhas; era como se
fosse uma maneira de retribuir os favores prestados por Carlos Ernesto.
75
PIOVEZANI, Carlos Félix Filho. Política Midiatizada e Mídia Politizada: fronteiras mitigadas na Pós-
Modernidade. In: GREGOLIN, Maria do Rosário. Discurso e Mídia: A cultura do Espetáculo. São Carlos,
Claraluz, 2003, p. 49 a 64.
131
As campanhas franciscanas se caracterizavam pelo sistema de distribuição sw
cotas entre as pessoas. As pessoas se cotizavam para ornamentar os comícios, se
cotizavam para comprar as camisetas, cediam caminhões para realização dos comícios,
uns dividiam o dinheiro da gasolina, outros ajudavam com o carro para se deslocar da
cidade à zona rural nas realizações dos comícios, enfim era uma ação franciscana,
remetendo-se a idéia de que “é dando que se recebe”, é “ajudando que serás ajudado”,
(...) então todas elas foram umas campanhas carentes sem ter boas
condições financeiras, os comícios aqueles comícios simples quando
eles traziam já começavam a trazer shows e trazia, botava um palco,
fazia os shows em um caminhão, caminhão doado, do próprio eleitor,
dava os caminhões pra... Se fosse feito o palanque em quanto os
outros tinham estrutura pra botar em... a gente saía... o comício hoje é
aqui no mercado a gente pegava barbante pegava retrato saía
fazendo... Fazia grude pra colar fotos colar retratos quer dizer era todo
mundo voluntário, não tinha negócio de bandeira, não tinha camisas,
porque não tinha condições financeiras pra isso, agente era na, como
se diz no peito e na raça (Entrevista com Tereza Leal, em 08 de abril
de 2006)
Esta cultura política da ajuda perpassa por todas as campanhas de Saulo Ernesto,
as pessoas ajudavam sempre, se cotizavam. É interessante perceber que esta ajuda se
dava não em relação ao “partido” como ocorrem com as doações, por parte de grandes
empresas privadas, em nível nacional, aos “partidos políticos”. Essas doações, ajudas,
eram direcionadas ao agente político, ou melhor, a campanha que cada um fazia se
cotizando para ajudar o candidato e não o partido, em outras palavras, transpondo esta
análise micro para o plano macro, as pessoas votam e estabelecem relações políticas
para com os agentes-candidatos e não para com os partidos que o candidato representa.
Não é, por acaso, que em todos os entrevistados ficou patente a referência que
se faz a pessoa Saulo Ernesto e não ao partido do qual ele faz parte e o representa, o
partido fica como se fosse algo em segundo plano, e, portanto, perde visibilidade na
cotidianidade da política, uma vez que o eleitor não leva em conta a dimensão
institucionalizada, não vota através do projeto pensado pelo partido, mas pela relação
que o agente assume. É o agente, conforme seu fazer política, seu capital político que
está firmado no crédito, na crença e no reconhecimento que o torna diferente, são,
portanto, características firmadas no agente que o diferencia dos demais.
Esse modelo de “campanha franciscana” fortalece no plano da cultura essas
relações mais próximas e mais de contato direto entre o eleitor e o candidato,
132
principalmente em uma sociedade como a de Queimadas em que as relações de
compadrio são muito fortes, assim como as relações de favores.
Algo interessante a observar é que este “modelo franciscano” de campanha em
que a ajuda era norteadora, perpassa pelas campanhas até início da cada de 1990 em
que Saulo disputou, mas nem todas merecem a ênfase como as primeiras em que o ritual
de consagração eram os comícios,
Saulo (...) contava mesmo com os artistas da casa; os artistas da casa
iam, a título de ajuda assim, todo mundo fazia o seu showzinho lá: um
cantador de viola, um aboiador, um sanfoneirozinho da região. Então
todo esse pessoal participava dos comícios, já pra... em forma de ajuda
a Saulo. (Entrevista com Antônio Olímpio, em 26 de março de 2006)
O modelo “franciscano de campanha” é algo que se relaciona diretamente ao
tempo dos comícios-relampâgos”, tendo em vista que esta maneira de fazer comício
está relacionada à variável tempo, que diz respeito a uma economia lingüística ou
discursiva, assim como a uma economia de recursos, devido à inexistência destes para
fazer grandes comícios, em decorrência dos poucos recursos eram realizados poucos e
os poucos que eram realizados tinham, em sua constituição, a prática do franciscanismo,
das ajudas e doações para a realização dos mesmos.
São, portanto, essas práticas que nortearam o cotidiano da política, tornando as
eleições bem mais emotivas, com a proximidade entre candidato e eleitor, a “ajuda”
como sendo uma característica definidora das relações entre os indivíduos.
4.2.2. O nascimento dos “showmícios”
A partir de 1992 é demarcado o período em que começa a se desenvolver os
showmícios. Com o showmício o debate entre as idéias se esvai, se fragmenta; de 1992 a
2000 as campanhas passam a ser realizadas com grandes shows, com grandes atrações;
as pessoas não vão mais as ruas ou em tal localidade onde se realiza tal ritual tão
somente para escutar as propostas de seu candidato, mas sim, para ver e ouvir o
espetáculo, a apresentação das grandes bandas. Os shows passam a sobrepor o discurso
político apresentado durante os comícios. Este é ofuscado pelo brilhantismo dos jogos
de luzes que espetacularmente fazem parte do cenário no qual as bandas se apresentam,
o político é também quem anuncia, quem deseja uma boa festa aos cidadãos e, esses,
133
por sua vez, se divertem, pois o intuito, o que o atrai para o ritual da política é também,
a festa.
É o processo de espetacularização do social e do campo político, que começa a
ser ambientado pela mídia. De uma sociedade em que a imagem vai se tornar centro,
pensando globalmente, esta nova era, a era da telepolítica,
76
mediapolítica (Roger-
Gerárd Schwartzenberg) ou vídeopolítica (Giovanni Sartori), como tem sido apontado
por alguns autores “se caracteriza pelo predomínio da imagem sobre a palavra, do
visível sobre o inteligível, da percepção sobre o conceito, da capacidade de ver sobre a
capacidade de pensar” (RUBIM, 2000, p.53)
É como bem afirma um dos entrevistados, quando indagado sobre o período dos
comícios em relação aos showmícios,
(...) porque quem vai pro comício vai pra escutar o que o candidato
quer dizer e quem vai pra um showmício vai pra ver festa. Então tem
uma diferença muito grande. Então a mensagem dos candidatos não
está se passando. Hoje o pessoal está votando num produto e talvez,
com a volta principalmente em cidade pequena com a volta
daqueles, das campanhas como era feito antigamente, talvez o pessoal
escute mais o candidato, tenha tempo de ouvir as propostas do
candidato e isso é interessante. Porque hoje não está havendo isso, não
está se passando nada pra o pessoal, o pessoal vai pra os comícios
apenas pra ir pra uma festa. (Entrevista com José Ezequiel Barbosa
Lopes, em 23 de março de 2006).
Na era da espetacularização da política, Schwartzenberg (1977, p. 09), formula
que, “a política, outrora, eram as idéias. Hoje, são as pessoas. Ou melhor as
personagens.” O poder, portanto, continua Schwartzenberg, “tem uma fisionomia: a do
dirigente que o exerce. De abstrata, a arte política se fez figurativa. O poder, então, se
humaniza, se anima e adquire vida. Personaliza-se. No sentido dado por Littré a
“personalizar”: “conferir uma existência pessoal a uma abstração, ou a um ser
inanimado”. (SCHWARTZENBERG, 1977, p.10)
Os candidatos rapidamente se tornam produtos vendáveis aos cidadãos
consumidores, usando aqui uma terminologia de Nestor Garcia Canclini; assim, a
76
Como bem nos esclarece Rubim (2000, p.50) “O equacionamento privilegiado das novas configurações
do campo político nesta circunstância histórica e midiática peculiar deve acompanhar e dar ênfase às suas
inovadoras espacializações sociais, aos registros de funcionamento acionados e aos formatos adquiridos
pela política. A Idade da Mídia redimensiona e resignifica a política em três patamares distintos: na
telepolítica, isto é, na política realizada em redes eletrônica, analógicas ou digitais; no aparecimento de
novos ingredientes políticos; e na redefinição dos regimes de funcionamento e dos formatos da política
realizada em espaços geográficos determinados aqui apreendidos pela metáfora da rua pela
virtualidade da sua possível absorção em redes midiáticas, retidas na noção metafórica de tela”.
134
marca do dirigente passa a equivaler à marca de fábrica e de comércio, utilizada para
distinguir os produtos de um fabricante ou as mercadorias de um comerciante, a marca
se relaciona diretamente à pessoa tornando-a capaz de ser identificada pelo rótulo que é
a sua marca, é algo que adquire corpo, fisionomia, vida.
77
O homem político, portanto,
nesta fase da espetacularização da política, se torna um personagem que desempenha
papéis, assim como um ator que figura seu personagem no palco de um teatro.
Esta maneira de expressar a política tem contribuído muito para a construção de
candidatos como meros produtos midiáticos, produtos construídos a partir de elementos
em que a própria sociedade clama em determinada época histórica.
Na sociedade brasileira há um exemplo recente no que diz respeito a esta
construção e concepção de um produto
78
a ser consumido pelos cidadãos e construído
pela mídia o personagem político Fernando Collor de Melo. Como atesta Luis Felipe
Miguel (2002):
A Rede Globo, a maior rede de televisão do Brasil, trabalhou bem a
manipulação das imagens para a apresentação de um candidato ainda
desconhecido no Brasil, Fernando Collor de Melo, pois este não
estava ligado as grandes tradições da política brasileira, assim como
pertencia a um dos Estados mais pobres da federação. Mas a Rede
Globo, o apresentou como um candidato jovem, alto, forte,
demonstrando virilidade e modernização, ao contrário do seu opositor,
Luis Inácio Lula da Silva, que se apresenta como um candidato
barbudo (simbolizando a velhice), baixo, com um discurso comunista,
simbolizando o atraso. Ainda mais, a Rede Globo passa a transmitir,
através das telenovelas da época, a novela “Que rei sou eu?”, a qual
era, por sua vez, uma alegoria a conjuntura política brasileira na qual
se relatava a história do reino de Avilán, cujo povo sofrido
reencontrava a esperança ao conduzir um jovem der que desafiava a
corrompida elite local. (MIGUEL, 2002, p. 40)
Acrescenta o citado autor: “candidato improvável de outras épocas
(parlamentar inexpressivo, governador de um estado periférico, sem apoio de estruturas
77
Consultar: SCHARTZENBERG, Roger-Gérard. O Estado Espetáculo: ensaio sobre e contra o star
system em política. Tradução de Heloysa de Lima Dantas, São Paulo, Círculo do Livro, 1977, p.14.
78
Como formula George Balandier (1982, p.62), “a multiplicidade e a difusão dos meios de comunicação
modernos modificaram profundamente o modo de produção das imagens políticas. Elas podem ser
fabricadas em grande quantidade, por ocasião de acontecimento ou de circunstâncias que não tem
necessariamente um caráter excepcional. Elas adquirem, graças aos meios audiovisuais e à imprensa
escrita, uma força de irradiação e uma presença que não se encontram em nenhuma das sociedades do
passado. Elas se tornam quotidianas; isto quer dizer que elas se tornam banais e se desgastam o que exige
renovações freqüentes ou a criação de aparências de novidade”.
135
partidárias fortes), Collor foi uma espécie de “prova viva” da midiatização da política
no Brasil redemocratizado”. (MIGUEL, 2002, p. 40)
A partir desse panorama pode-se perceber a força que adquire os meios de
comunicação, a mídia na construção de personagens políticos. É preciso destacar que
isto é uma realidade em que a partir da modernidade se instituiu, mesmo sabendo que
estes processos de midiatização e de espetacularização não se dão de maneira
homogênea, ou mesmo, de forma igual em todas as sociedades, dependendo do grau de
técnicas informacionais em cada espaço social, dependendo da tecnologia que é
investida, ou seja, quanto mais tecnologia investida, maior a espetacularização, pois,
mais artifícios, mais maneiras são exploradas para trabalhar a construção dos
candidatos-personagens e o espetáculo da política.
Assim, vê-se que os rituais de consagração, os showmícios são atividades
presentes na maioria das cidades do Brasil, cada uma com as suas peculiaridades,
tentam trabalhar nesses rituais os seus personagens políticos, utilizando recursos da
mídia e recursos da tradição.
Com as campanhas políticas em cidades de dimensão menor, como é o caso de
Queimadas, cria-se toda uma tensão entre as pessoas tanto do ponto de vista dos
candidatos que estas apóiam, como em relação aos boatos que surgem em relação aos
candidatos, boatos do tipo se tal candidato X ganhar vai transferir pessoa Y para tal
lugar por que votou contra. Se tal pessoa ganhar vai cortar as bolsas de estudo” que
são dadas aos colégios. A construção de uma espécie de “circuito de boatos” é comum
entre os grupos que estão disputando no campo político. Os boatos são construções, na
maioria das vezes, dos próprios eleitores ou assessores dos candidatos, que “jogam na
rua” tal ou qual boato e a cidade passa a viver politicamente desses boatos no período
que antecedem as eleições.
O município todo se mobiliza, a “política” passa a ser o assunto do dia, o
interessante é que muitas pessoas falam que não gostam de “política”, mas nos
momentos desses rituais, que são as campanhas, elas se envolvem cada uma a sua
maneira. E como nos afirma Irlys Barreira (1998), os boatos são peças que integram o
jogo eleitoral, principalmente, quando as disputas são acirradas, algo que, como
demonstrado, se evidencia entre o grupo de Saulo Ernesto e/ou o grupo de Sebastião de
Paula Rêgo. O boato surge como algo novo, algo que pode desestabilizar uma disputa.
Vale salientar que o comício assume também uma característica de espaço no
qual o candidato pode e deve se justificar ou mesmo se pronunciar sobre tal boato que
136
surgiu no município, em decorrência do eleitorado ter depositado a crença no candidato
ele também quer, agora, que o candidato se justifique, se posicione sobre tal
acontecimento. O comício é o espaço no qual as “conversas” cotidianas são “passadas a
limpo”. Entretanto, vale salientar, que a dinâmica dos boatos é permanente nas
campanhas e disputas políticas locais, e, essas justificativas, ocorrem quando o “boato”
é algo muito “forte”. E isto, serve, em contrapartida, como uma forma estratégica de
atrair mais pessoas ao espaço onde está sendo realizado.
Em Queimadas aconteceu um episódio interessante na campanha de 2004 que
foi uma música que lançaram, em apenas um dia, uma música que se opunha a Saulo
Ernesto, era uma música de conteúdo político, dirigida pelo candidato Pedro Saulo, e a
música dizia em seu refrão
Eu voto, ou não voto, não voto no velho
Eu voto, ou não voto, não voto no velho
Este refrão teve uma repercussão grande na cidade, pois, Pedro Saulo, conforme
as pesquisas demonstravam, tinha uma aceitação muito boa entre os idosos. Com esta
música, em destaque o refrão, o boato que surgiu, devido à campanha ser bastante
acirrada, foi que essa era uma crítica direta ao candidato Saulo Ernesto. À noite, teria o
comício realizado pelo grupo ao qual estava vinculado Saulo Ernesto, este
estrategicamente sabendo que as pesquisas apontavam uma maior aceitação de Pedro
Saulo entre os idosos, rebate a crítica afirmando que era idoso e que o candidato da
oposição não respeita os que estão mais bem aceitos para com ele, se referindo aos
eleitores. Desta feita, a música deixa de ser tocada e Pedro Saulo, em outro comício, no
dia seguinte, vai se justificar afirmando que não era contra as pessoas idosas”, o velho
a quem ele se referia era o modelo administrativo, a atual administração da cidade que
já fazia oito anos no poder.
Dito isto, percebe-se que no campo político, no campo de disputa, as palavras, as
músicas, as imagens devem ser trabalhadas com bastante controle e cuidado, pois, a
ambigüidade do discurso, das letras de músicas e ou imagens podem ser interpretadas e
atribuídas a elas um sentido diverso oferecendo, sem querer, pólvora para o adversário,
pois a política é estratégia e manipulação.
137
4.3. Os discursos e os jogos de linguagem
4.3.1. A Raposa e o Lagarteiro
A construção dos sentidos e usos, como nos diria Wittgenstein,
79
é produto das
relações sociais e depende muito do contexto social, falar é também praticar ações, é
mais que dizer algo sobre o mundo, é construir o próprio mundo. algo a mais no
discurso que exige interpretação e sensibilidade do pesquisador que investiga a relação
entre discurso e mundo social. Daí que este autor não pensa a linguagem de maneira
essencialista através da qual pudesse existir uma referência universal, muito pelo
contrário, o que existem são jogos de linguagem. O jogo de linguagem, nesse sentido,
se no lugar onde concretamente a linguagem é apreendida, utilizada e é neste lugar
onde ela ganha sentido revestindo-se assim de humanidade. Desta feita, Wittgenstein
nos chama a atenção para a compreensão de que o aprendizado das palavras nunca
termina, haverá sempre um processo de aquisição de novas formas de criação de
sentido, conforme o
§23 Quantas espécies de frases existem? Afirmação,
pergunta e comando, talvez? inúmeras espécies
diferentes de emprego que chamamos de “signo”,
“palavras”, “frases”. E essa pluralidade não é nada fixo,
um dado para sempre: mas novos tipos de linguagem,
novos jogos de linguagem, como poderíamos dizer,
nascem e outros envelhecem e são esquecidos. (uma
imagem aproximada disto pode nos dar as modificações
da matemática) O termo “jogo de linguagemdeve aqui
salientar que o falar da linguagem é parte de uma
atividade ou de uma forma de vida. (Wittgenstein, 1979,
p. 18)
A linguagem, por assim dizer, está integrada à prática diária na qual são
construídas as formas diversas de significados e usos. Dito de outra forma, a linguagem
além de meramente expressar um uso contextual, ela se relaciona a uma forma de vida,
que, para Wittgenstein, significa os contextos mais significativos da experiência social
da linguagem, são nas formas de vida que se dão às marcas mais fortes dos significados
79
Foi a partir do contato com as obras do filósofo Wittgenstein e Bourdieu, ambos autores
contemporâneos, que surgiu a necessidade de escrever este tópico. Digo isto pelo fato de que ambos
concordam em captar a prática dos indivíduos e não se perder em especulações sobre como se daria à
formação dos sentidos da linguagem e das práticas sociais.
138
dotando não apenas a linguagem usada, mas toda prática social e corporal de sentido. As
formas de vida, por assim dizer, estão relacionadas às semelhanças de família, as quais
são as aproximações entre jogos que inicialmente são os usos de determinadas palavras.
Portanto, um uso contextual recebe seu sentido no encadeamento lingüístico que foi
desenvolvido pelos participantes de uma interação. No entanto, haverá aspectos que se
preservarão no uso de uma palavra, noção, idéia, quando transferido para outro contexto
de uso.
As formas de vida possibilitam que em cada caso as intenções dos falantes não
digam apenas as palavras, mas estas associadas e somadas a novos significados. Isto é,
uma forma de valorar e simbolizar diferentemente uma palavra/atividade. São, portanto,
usos que demarcam vivências; formas de vida que redefinem a forma de jogar com uma
palavra, assim como as intenções íntimas de vida que redefinem a forma de jogar com
uma palavra.
Descobrimos ao pesquisar o poder político e as práticas políticas no município
de Queimadas, duas imagens através das quais foram construídos dois discursos e, mais
que isto, duas constituições distintivas de mundos construídas e legitimadas dentro do
espaço social, nas lutas políticas. Duas imagens que foram constituindo e demarcando a
posição de cada um dos agentes envolvidos nas disputas local em busca do poder
executivo. Às imagens da Raposa e do Lagarteiro.
Essas duas imagens foram construídas dentro de um contexto cultural específico,
a partir de um tempo específico e delimitado: o tempo da política, porém, extrapolou
esse próprio tempo. Foram construídas dentro do espaço social o qual é definido pela
distinção das posições que o constituem. Os usos realizados com essas duas imagens,
Raposa e Lagarteiro, não dizem respeito aos animais em si, embora, numa leitura
Wittgensteiniana, se tenha uma semelhança de família, porém assumem outras
conotações, outros sentidos, como veremos, dentro do contexto ora estudado.
A imagem da Raposa, na literatura política já fora consagrada em um belo texto
clássico da literatura política, do pensador italiano Nicolau Maquiavel em sua obra o
Príncipe. Este que fez o uso desta imagem para que o príncipe tivesse também
habilidades para poder utilizá-las em momentos necessários
Portanto, a um príncipe torna-se necessário saber bem empregar o
animal e o homem. Esta matéria, aliás, foi ensinada aos príncipes,
veladamente, pelos antigos escritores, os quais descrevem como
Aquiles e muitos outros príncipes antigos foram confiados à educação
139
do centauro Quiron. Isso não quer dizer outra coisa, o ter por
preceptor um ser meio animal e meio homem, senão que um
príncipe precisa saber usar uma e outra dessas naturezas: uma
sem a outra não é durável. Necessitando um príncipe, pois, saber
bem empregar o animal, deve deste tomar como modelos a raposa e
o leão, eis que este não se defende dos laços e aquela não tem
defesa contra os lobos. É preciso, portanto, ser raposa para
conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos. Aqueles que
agem apenas como o leão, não conhecem a sua arte. Logo, um senhor
prudente não pode nem deve guardar sua palavra, quando isso
seja prejudicial aos seus interesses e quando desapareceram as
causas que o levaram a empenhá-la. Se todos os homens fossem
bons, este preceito seria mau; mas, porque são maus e não
observariam a sua a teu respeito, não razão para que a cumpras
para com eles. Jamais faltaram a um príncipe razões legítimas para
justificar a sua quebra da palavra. Disto poder-se-ia dar inúmeros
exemplos modernos, mostrar quantas pazes e quantas promessas
foram tornadas írritas e vãs pela infidelidade dos príncipes; e aquele
que, com mais perfeição, soube agir como a raposa, saiu-se melhor.
Mas é necessário saber bem disfarçar esta qualidade e ser grande
simulador e dissimulador: tão simples são os homens e de tal forma
cedem às necessidades presentes, que aquele que engana sempre
encontrará quem se deixe enganar. (MAQUIAVEL, Capítulo XVIII)
(grifos nossos)
O pensador florentino recupera, traz ao campo da política, duas imagens que
remontam à mitologia. Para tanto, atenta que o homem político deve ser possuidor desta
dimensão animal e homem, ou seja, a dimensão da força e a dimensão do consenso;
além disso, destaca que se o homem deve possuir características de algum animal, essas
características devem ser da raposa e do leão,
raposa para conhecer os laços e leão para
aterrorizar os lobos”.
Veja-se que passagem interessante, posto que cabe a raposa
conhecer os laços, que laços são esses? O presente estudo, como mencionado,
pretende analisar a constituição do campo político, este que se institui através das
tramas que nele são construídas, conforme o posicionamento de cada agente político;
assim como através de disputas de capitais dentro do campo, este que, por sua vez, “é o
princípio da eficácia de todos os atos de consagração, o lugar da energia social
acumulada, reproduzido com a ajuda dos agentes e instituições através das lutas pelas
quais eles tentam apropriar-se dela, empenhando o que haviam adquirido de tal energia
nas lutas anteriores” (BOURDIEU, 2006, p. 25).
Tião do Rêgo destaca-se no campo político como aquele que sabe articular, que
sabe ser manso e sabe ser bravo, conforme um dos entrevistados, afirma que Tião
Na hora de ser manso ele era manso é tipo raposa e cordeiro né, na
hora de ser cordeiro, cordeiro, na hora de ser manso, manso, na hora
140
de ser bravo, bravo, tem que ser esperto (...) sabe planejar as coisas,
sabe convencer, o termo é esse convencer as pessoas a apoiá-lo, na
política tem isso, você tem que ter essa arte, falar mesmo se não for
verdade o que está falando, mas passa de uma forma tão consistente
que passa uma segurança pras pessoas, e essas pessoas terminam lhe
apoiando, naquele momento, era característica dele, tinha momento
que ele era duro, quando ele achava que tinha de ser, muito duro lá no
poder, sentado na cadeira do prefeito pra fazer o que ele
mandava e não se discute. (Entrevista com Antônio Carlos, em 14 de
abril de 2008). (Grifos nossos)
No depoimento acima, vê-se essas características do agente político bem
destacadas, ou seja, Tião jogava conforme o jogo, ele conhecia os laços, visto que
residia no município e conversava com todas as pessoas conhecendo cada um pelo
nome. Conforme Maquiavel, fazendo uso da imagem da Raposa, esta tem que ser
esperta, para conseguir conhecer esses laços, deve ser um articulador. Ainda o mesmo
entrevistado, nos afirma, em epígrafe
quem conviveu com ele no poder, na administração fala isso
abertamente e gritava qualquer um, dava ordem e tinha que ser
cumprida, não tinha outra história não, ao mesmo tempo quando
chegava à casa do povo ele praticava aquela imagem de manso e de
popular tipo, chamar um homem de “corno” e se abraçar com ele,
chamar de “corno velho”, chamar uma senhora de “bicha velha feia”,
esse tipo de coisa que ele fazia, “tai lascada velha” e as pessoas
achavam bom né? Pois demonstrava uma intimidade, quem era que
não queria ter intimidade com o prefeito, ele chegava, ia pra cozinha,
se abraçava com uma velha senhora muito carente né? Chamar ela de
nega velha esse tipo de coisa que ele usava, e isso influencia muito.
Portanto, uma das seguidoras dele que é Josete, que ele morreu
chamando “nega”, a nega, quer dizer, torna-se carinhoso inclusive
vereadora por vários mandatos, e era vereadora dele na região
(Entrevista com Antônio Carlos, em 14 de abril de 2008)
Esta passagem apresenta a esperteza, característica da raposa, que Tião do Rêgo
tinha quanto ao fazer política, além disso, demarca dentro do campo político a sua
forma de fazer política, impõe e torna-se legítima, visto que é reconhecida uma visão
de mundo. O uso que se faz da imagem raposa não é por acaso, é porque possui
incorporado ao agente político toda uma maneira fazer política, algo que para muitos se
apresenta como sendo algo que natural, não percebendo, assim, que historicamente Tião
havia convivido com grandes lideranças políticas locais, a exemplo de Carlos Ernesto e
Major Veneziano, o primeiro que tinha muito essa habilidade política de resolver os
problemas locais através do consenso, das conversas enquanto que o segundo, ficou no
141
imaginário popular, como aquele que resolvia pela força, ou seja, dois perfis políticos
que foram de extrema influência na formação da liderança política Tião do Rêgo, vale
destacar nestas breves passagens,
ele conseguiu realmente passar isso claro e evidente que ele copiou
muita coisa de Carlos Ernesto pra se tornar à liderança que se tornou
pra ser adorado pelo povo mesmo dessa forma, mesmo de ter um
desgaste político mas agente viu muitas pessoas até hoje né? Que deu
também a admiração a Tião. (Antônio Carlos, 14 de abril de 2008)
E continua outro entrevistado,
É porque são famílias, alguém herda alguma coisa, não é? Não eram
homens de duas conversas também. Por isso que herdaram, acho que
esses princípios também. O princípio também de fazer política, criar
envolvimento, de conquistar, ele aprendeu muito com Carlos Ernesto.
Era o corpo a corpo, é se tornar igual ao outro que vai ser interpelado,
que vai ser solicitado a um voto, a uma coisa assim, e que no histórico
passado foi aquela pessoa amiga, aquela pessoa que atendeu, aquela
pessoa que deu atenção. A gente sabe da história de Carlos Ernesto:
ele chegava na sua casa, ele tomava água no copo que você tomava,
não precisava de um outro, era uma pessoa assim. Era uma pessoa que
tinha condições materiais, muito bem, a exemplo dos maiores
latifundiários também aqui do município.
(Maurício Xavier, 18 de
Abril de 2008)
A raposa, por assim dizer, é caracterizada com o modo de fazer política a partir
da liderança política Tião do Rêgo que se caracteriza como um político que conhece os
meandros da política local. Um político esperto que sabe, antes de tudo, jogar com as
palavras dentro do campo político, tornando-as elementos distintivos, impondo uma
visão legítima, pelo fato de ser reconhecida, de mundo. Uma passagem de um
depoimento de um de nossos informantes, reforça essa análise:
Certa vez eu tava em Queimadas indo para o cartório, chegou um cara
que até morreu agora, era jornalista e veio fazer a campanha de
Veneziano, chegou perguntando: onde é que morava a raposa velha?
Que era Tião. Ai uma pessoa foi levá-lo lá na fazenda dele (Entrevista
com José Cruz, em 06 de Agosto de 2008)
Convêm acrescentar que as palavras no interior do campo político, assumem
força já que criam mundos e visões, assim como constroem divisões. O uso que Tião do
Rego irá fazer da imagem do lagarteiro, quando se aproximavam os pleitos eleitorais,
142
referindo-se ao seu opositor Saulo Ernesto, que chegava em Queimadas exatamente
na época da campanha eleitoral, é extremamente emblemática e provocativa para
construir uma espécie de simbiose entre o político e a ave, que aparecem de “tempos
em tempos.” Vejamos as alusões que Tião do Rego fazia, referindo-se ao seu opositor
Saulo Ernesto, segundo o discurso de alguns de nossos informantes:
É, na época da chuva. Tião espalhava aquilo por toda a cidade.
Tião ia fazer uma reunião num sítio assim: “ô minha gente, tem
novidade pra vocês”; “e o que é, Tião?”; “o lagarteirão chegou em
Queimadas de novo”. toda campanha era assim. Em 88, Tião tinha
terminado o mandato e lançou José Pereira. José Pereira foi eleito por
uma maioria de 2.198 votos. (Entrevista com Antônio Olímpio, em 17
de Abril de 2008)
"lagarteiro" ele chamava Saulo de "lagarteiro". Você sabe que o
lagarteiro é uma ave que existe aqui na nossa região, que só surge,
assim, nas primeiras chuvas de inverno, de ano em ano, pra o mês
de março agora até escutando um cantar ali, na serra. Ele
aparece, assim, nessa época de início de chuva, quando começam as
primeiras folhagens. Aí, esse lagarteiro aparece cantando e, depois, ele
some, aparece em épocas... É. Então, Saulo era comparado assim,
um político "de épocas", oportunista, só aparecia nas épocas de
eleições, e Tião tava aqui todo dia. (Entrevista com Francisco de
Assis, em 24 de Abril de 2008)
O lagarteiro é uma ave que aparece de tempos em tempos. E também é
muito cil de abater pelos caçadores, é um passarinho pesado, anda
devagarzinho, fica bem mansinho, bem pacifico. (Entrevista com José
Cruz, em 06 de Agosto de 2008)
O campo político é regido por lutas simbólicas, as quais são inseparavelmente
cognitivas e políticas, e que se dão através de jogos e usos de linguagem, por meio dos
quais se impõe uma imagem de si que a distingue da imagem do outro. A luta política,
por assim dizer, seguindo a trilha de Bourdieu, é uma luta que se numa tentativa de
impor uma visão legítima do mundo social, ou melhor, “pelo reconhecimento,
acumulado sob a forma de um capital simbólico de notoriedade e respeitabilidade, que
confere autoridade para impor o conhecimento legítimo do sentido do mundo social, de
sua significação atual e da direção na qual ele vai e deve ir”. (BOURDIEU, 2001a, p.
226)
A visão legítima que Tião quer impor é a de que é um político que está
cotidianamente junto às pessoas, ele que é o político de Queimadas, que vive em
143
Queimadas e está junto ao povo todos os dias; Saulo Ernesto, por sua vez, é o político
que só aparece em épocas de eleição, assim como a ave “Lagarteiro”, que só aparece em
épocas de chuva. Percebe-se, assim, como as posições ocupadas dentro do campo são
bem demarcadas, o lugar que o político ocupa e a visão de mundo que o mesmo impõe.
Uma visão de mundo pautada no próprio conhecimento prático da realidade. Ou seja,
cada agente possui um conhecimento prático, corporal, de sua posição
no espaço social, um “sense of one’s place”, como afirma Goffman,
um sentido de seu lugar, convertido num sentido de localização que
comanda sua experiência do lugar ocupado, definindo absolutamente
e, sobretudo, em termos relativos como nível hierárquico, bem como
as condutas a serem mantidas a fim de mantê-lo (“manter seu lugar”) e
de nele se manter (“ficar em seu lugar” etc.). (BOURDIEU, 2001a, p.
224)
Assim, conforme já mencionado, mais reforçando a análise, a raposa e o
lagarteiro não são simples palavras soltas apenas no tempo da política, elas dizem algo
sobre o mundo e, melhor, elas constroem as distinções existentes na política local, assim
como demarcam posições e elementos que vão caracterizando quanto à forma de fazer
política em Queimadas, traçando os perfis das lideranças locais em disputa.
4.3.2. O Matuto sabido e o Doutor
Configurar opiniões e disposições afetivas, fazer com que
contingentes expressivos de pessoas as adotem, produzir a
manutenção dessa adoção através de reforços constantes etc, tudo isso
configura a prática fundamental do fazer pensar e do fazer sentir (...)
A configuração de opiniões e disposições se faz em situação de
arraigada competição interna entre partidos, classes de partidos, de
grupos ou de pessoas, de forma que uma das várias arenas em que a
disputa política se realiza hoje em dia é certamente a arena de lutas
pela imposição da opinião publicamente dominada e pela conquista
dos imaginários sociais. A competição política em geral depende cada
vez mais da disputa por fazer pensar e fazer sentir. (GOMES, 2004,
p.259)
São com essas palavras, extraídas do texto, “Transformações da política na era
da comunicação de massa”, de autoria de Wilson Gomes, que inicio esta abordagem
sobre O Matuto Sabido e o Doutor.
O Matuto Sabido e o Doutor é mais uma das formas de se pensar o campo
político de disputas no município de Queimadas, a partir da diferenciação existente
144
entre a liderança política Tião do go e Saulo Ernesto, na década de 1980 e 1990,
enfatizando assim os capitais simbólicos neles constituídos;
Os dois tinham uma formação cultural totalmente adversa. Tião era o
matuto inteligente, sábio, cheio de estratégias políticas. E Saulo era
um estudioso, cientista, engenheiro, professor de universidade, tinha
uma formação cultural boa. Enquanto Tião pregava o assistencialismo,
Saulo sempre pregou, trabalhou, implantou o socialismo legal.
(Entrevista com Francisco de Assis, em 24 de Abril de 2008)
Embora tenham sido agentes políticos colocados no campo de disputas por
Carlos Ernesto, Tião do Rêgo e Saulo Ernesto possuem trajetórias de vida e de
profissionalismo totalmente opostos. O primeiro chegou a estudar no colégio Pio IX, em
Campina Grande, mas nunca foi uma pessoa dedicada aos estudos, possuindo assim, em
termos de escolaridade, o ensino médio. O seu pai Joventino Ernesto do Rêgo, primo
legítimo de Carlos Ernesto, era agricultor na comunidade de Guritiba. Tião teve como
seu primeiro emprego, a chefia da SANESA, hoje CAGEPA, indicado por Major
Veneziano. E por ser uma pessoa que possuía certa habilidade para a política foi
apresentado, como já dito anteriormente, por Carlos Ernesto, pai de Saulo Ernesto. Este,
por sua vez, além de ser filho da grande liderança política da década de 60 até a década
de 80, Carlos Ernesto, o qual já havia sido Secretário de Agricultura de Severino Cabral
e servido ao exército chegando a receber a patente de Tenente. Tinha como avô paterno,
o senhor Francisco Ernesto do go, que possuía grandes extensões de terras no
município, as quais foram herdadas por Carlos Ernesto e Beatriz Ernesto, seus dois
filhos.
Saulo Ernesto passa, ainda jovem, a residir em Campina Grande, na Rua Frei
Caneca, e a vir a Queimadas, para a fazenda dos seus pais, apenas aos finais de semana.
Estuda no Colégio Alfredo Dantas, onde termina o ensino secundário, hoje ensino
médio, e, posteriormente, ingressa a Universidade Federal da Paraíba, onde irá cursar
Engenharia Civil, posteriormente, ao término do curso viaja para a Bahia e Manaus
onde exerce sua profissão como engenheiro.
Neste breve curso biográfico vêem-se as diferenças, em termos de formação,
existente entre os dois agentes políticos, ora analisados. Vê-se que, e seguindo a trilha
de Bourdieu, o espaço social, enquanto conjunto de posições distintas e coexistentes, se
constrói de tal maneira que os agentes são, assim, distribuídos por três princípios de
145
diferenciação, o capital econômico, o capital cultural e o capital político. Um dos
informantes assim explica as diferenças entre as duas lideranças locais:
A formação social deles era diferente. Enquanto Tião tava no meio do
povão, da pobreza, Saulo era mais no meio da elite, se educando,
fazendo universidade quem era universitário naquela época, naquela
conjuntura, era tido, assim, como filho de barão, filho de rico, filho de
coronel, filho de fazendeiro. Enquanto Tião nasceu numa comunidade
pobre, chamada Sítio Guritiba, e vivia sempre, foi criado no meio da
pobreza, ele olhava mais o assistencialismo. Saulo já partiu mais pra o
lado tecnológico, o lado científico, o lado de curso superior, e partiu
mais pra linha de construção, de edificação, de ampliação, do
crescimento estrutural da comunidade. (Entrevista com Francisco de
Assis, em 24 de Abril de 2008)
Este depoimento nos apresenta pontos interessantes para nossa análise. A
começar pelos elementos distintivos da liderança: Tião do go e Saulo Ernesto. O
primeiro era tido como aquele do povão, da pobreza, enquanto que o segundo é
associado àquele que vive no meio dos abastados econômica e intelectualmente. Atente
o leitor para o fato do entrevistado relacionar o agente político Saulo Ernesto, não só ao
fato de cursar universidade, mas de afirmar que aquele que realizava algum curso na
universidade era filho de rico, filho de coronel, filho de fazendeiro, imediatamente o
entrevistado relaciona o agente a sua condição social, a sua posição social, ou seja, filho
de Carlos Ernesto, possuidor de terras e líder político, que possui riqueza material e
simbólica.
Daí que o próprio nome Saulo Ernesto é um elemento distintivo dentro do
campo político, porque traz consigo, mais que o sobrenome, traz a história de uma
família local. Em outros termos, “através desse modo singular de nominação que se
constitui no nome próprio, institui-se uma identidade social constante em todos os
campos possíveis nos quais ele intervém como agente, isto é, em todas as suas histórias
de vida possíveis”, e continua Bourdieu, “compreende-se, então, que o nome próprio é
sempre também, por um lado, um nome coletivo, como nome de família, especificado
por um prenome”. (BOURDIEU, 1997, p. 78).
Destaca-se, ainda, que outra forma de diferenciação dentro do campo político se
pelo acúmulo de capital cultural, este podendo existir no seu estado incorporado, no
objetivado ou institucionalizado. Neste último, vê-se que o entrevistado destaca o fato
de Saulo Ernesto ser universitário e que, por conseguinte, recebeu o título de
engenheiro, o certificado escolar, é um doutor.
146
É portanto a partir destes elementos de distinção dentro do campo político e
dentro do espaço social, que são construídos o modo no qual os agentes são distribuídos
de maneiras diferentes e distintivas, respeitando às suas características, que Tião do
Rêgo, entendido como “raposa” no município de Queimadas, fará uso de outra imagem
que possibilita a diferenciação do seu oponente dentro do campo político, faço menção
aqui a categoria “Doutor”, visto que é este um outro atributo a ser somado a constituição
da imagem política de Saulo Ernesto, dentro do campo de disputa.
Nestes termos, pensar a construção e a constituição do campo político de
Queimadas, a partir da década de 80 até finais da década de 90, é acima de tudo,
estabelecer uma análise relacional, quanto às posições que os agentes ocupam dentro do
campo político, haja vista que o campo é o espaço da prática e das disputas de bens quer
sejam materiais ou simbólicos.
A palavra “Doutor”, seguindo uma leitura Wittgensteiniana, assume um novo
sentido dentro deste contexto local, é um novo uso que dota esta palavra de um sentido
imediato. Convêm insistir na máxima de que o campo político é um espaço de jogos, e
principalmente, jogos de linguagem, de novos sentidos atribuídos às palavras e ações
neles contidos. O próprio habitus possibilita esta dimensão do jogo. Isto fica claro
quando Tião, de maneira habilidosa, consegue jogar com a palavra “Doutor”, esta que
simboliza certa superioridade dentro do campo político, visto que o seu contrário diz
respeito àquele que não possui conhecimento. Tião utiliza o termo Doutor” atribuindo
outro sentido que vem a lhe fortalecer no campo político; segundo um dos
entrevistados ao se remeter a Tião do go e aos usos que ele fazia do termo “Doutor”,
assim explicou:
(risos) Tião era muito astucioso nisso aí. Porque “doutor”, naquela
época, não era doutor, era se misturar com o povo; e os doutores não
se misturavam com o povo, entendeu? E Tião se misturava. Tião criou
aquilo ali, criou aquela imagem do doutor, “doutor não-sei-o-que”: “ô
minha gente, vocês vão votar em mim, um pobrezinho, um -de-
chinelo, ou vão votar no doutor?”. Aí o povo dizia: “não, eu vou votar
no pé-de-chinelo”. (Entrevista com Antônio Olímpio, em 17 de Abril
de 2008)
Observe como Tião do Rêgo impõe um novo significado, atribui um novo uso à
palavra “Doutor”, ao mesmo tempo em que tenta positivar uma característica negativa, a
ele atribuída, não ser doutor, pelo uso pejorativo desse termo. Doutor aqui não significa
apenas aquele que é formado, mas também aquele que não está próximo do povo, que
147
não se identifica com o povo. Tião impõe mais uma vez uma visão de mundo, uma
visão que é legítima, visto que é reconhecível. Ao mesmo tempo, tenta a partir desta
significação atribuída, distanciar o seu concorrente do povo, ou seja, demonstrando que
seu opositor, além de ser aquele que é advindo da capital, João Pessoa, não residindo,
portanto, no município, é também distante do povo, ou seja é “Doutor”. Daí que Tião
apresenta esse distanciamento de Saulo Ernesto tanto pelo fato dele residir em João
Pessoa (distanciamento relacionado ao lugar de origem), assim como o distanciamento
político, pelo fato de ser “Doutor” e não ser do “povão”:
Ele não era tão presente, pelo fato dos estudos, ser professor de
universidade é óbvio que ele tinha que no reduto social dele, e se
afastava um pouco da população. E Tião era no dia-a-dia, de manhã
até a noite, abraçando o pobre, tomando café com o pobre, sorrindo
com o pobre, ao lado do pobre, conhecendo o problema de cada um, o
nome de cada um, da criança menor até o mais velho ele conhecia o
nome de todo mundo, chamava pelo nome –, conhecia o problema de
cada um. Era uma pessoa, assim, muito aproximada do povo. E Saulo,
pela sua posição social que ele exercia, como professor universitário,
como uma pessoa de classe média alta, já havia isso... E Tião tirava
um certo proveito. (Entrevista com Francisco de Assis, em 24 de Abril
de 2008)
Esta fala mostra o fazer político de Tião e como ele ao estabelecer a
diferenciação entre o Doutor e o homem matuto, ele mostra a sua forma de fazer política
no município, estando próximo das pessoas e conhecendo os problemas destas no dia-
a-dia. Em outros termos, com esta diferenciação Tião não demarcava sua posição
dentro do campo político, como também imprimia certo fazer pensar e fazer sentir na
sociedade local, a partir da sua visão de mundo, do seu senso prático. O ato de falar,
portanto, exige o controle da situação ou ao menos saber o que se passa mesmo que não
se esteja em posse e domínio completo do contexto, diziam “os sofistas que o
importante no aprendizado da linguagem é o aprendizado do momento oportuno
(kairós), do senso do oportuno; que pouco importa o que se diz se não for dito
oportunamente” (BOURDIEU, 2000, p. 52)
Tião era considerado, conforme a maioria dos entrevistados, como sendo aquele
político popular, do “povão”, uma liderança carismática, conforme a fala de uma das
entrevistadas,
O Tião era muito carismático, Tião foi aquele prefeito que não era
prefeito de gabinete, de ter um gabinete de sentar e ficar lá, em todo
148
canto ele se sentava, onde ele menos despachava era no gabinete,
como o povo diz o gabinete do prefeito, ele despachava em qualquer
sala e era o prefeito que ia na casa do povo, ia tomar aquele cafezinho,
a prefeitura mesmo no começo dos dias da semana, de segunda a sexta
feira vinha aquele povo da zona rural, aquelas lideranças política rural
que vinham resolver os problemas da comunidade, porque
antigamente quem vinha resolver os problemas da comunidade num
era nem associação era a liderança daquela comunidade e vinha e
servia aquele cafezinho, ali ele ia conversar e buscar resolver o
problema daquela comunidade, Tião era povão, toda vida foi povão
nunca foi ligado, nunca foi ligado a classe mais favorecida, mas você
sabe no Brasil existe a classe mais favorecida e a menos favorecida e
toda vida ele foi povão mesmo, foi carismático era pessoa mesmo
ligada ao povo, então não teve doutor que, o simples fato de ser doutor
ia ter uma administração melhor do que quem não era doutor , era pelo
contrário à administração de Tião ficou conhecida em toda a Paraíba.
(Entrevista com Marizabel Toscano, em 12 de Julho de 2008)
Vê-se a partir desta fala como Tião se institui enquanto agente político no
município de Queimadas como sendo aquele que se identifica com o povo, não tão
somente pelo fato de residir no município, mas por atender as pessoas e visitá-las em
suas residências, em tomar um café, bater um papo. Enfim, Tião do Rêgo trazia as
características do homem comum, diferente do herói, que é aquele que se apresenta
como distante, como algo fora do comum, o extraordinário, aquele que vem como
salvador, como o messias, aquele que possui características “divinas”, Tião se apresenta
como aquele que é igual ao povo, aquele que está no plano humano, “em escala
humana. Superstar da normalidade, anti-herói, antítese da autoridade heróica, ele
representa a autoridade rotineira por excelência” (SCHWARTZENBERG, 1971, p.51).
Nesses termos que Tião incorpora todo um habitus político, um modo de fazer
política, caracterizado por essa assistência cotidiana junto às pessoas, além disso, um
político muito articulador, habilidoso nas palavras e na forma de arregimentar aliados e
de perseguir inimigos políticos, em síntese, uma raposa;
um homem que era extremamente astuto, era Tião; inteligente com
forma de lidar com o povo, bem distinto da de Saulo, Tião é mais
ligado direto ao povo de tipo um homem assim, meio, vamos dizer
que não tinha uma instrução de escola não era um homem estudado
muito estudado, mas era um homem inteligente que sabia conversar
com o povo, sabia conversar a linguagem do povo, Saulo pelo
contrário, o homem formado, um doutor, inteligente, com grande
discurso, para quem sabia discursar, tinha também aquele carisma
também com povo, bom alguma coisa ele pegou na campanha né?
(Entrevista com Antônio Carlos, em 14 de abril de 2008)
149
E continua outra entrevistada,
É o que eu disse, ele era muito centralizador, ele era muito
carismático, era muito articulador, além de articulador (...), quando
surgia uma liderança nova de influência no governo federal ele sempre
ele tava ali ao lado, que ele sempre dizia a mim, ele dizia: olhe Maria
Izabel, eu vou atrás de quem tiver pra me dar, quem não tiver pra
me dar eu num quero. Então era aquela pessoa que ia buscar muito
fora, sabe? Raposa velha por que era uma pessoa tradicional na
campanha. (Entrevista com Marizabel Toscano, em 12 de Julho de
2008)
Observa-se que Tião, embora não possuindo este capital cultural
institucionalizado, que também é elemento de distinção e diferenciação dos agentes
dentro do campo político, consegue a partir do seu habitus lingüístico, esse sistema de
disposições que permite falar oportunamente” (BOURDIEU, 2000, p. 53) impor uma
visão e divisão de mundo a partir do seu fazer político, a partir do uso que atribuí a
determinadas palavras, deixando, assim bem claro a sua posição dentro do campo
político, ao mesmo tempo, visto que é relacional, demarcava a posição do seu
concorrente, assim como as distinções existentes entre eles. Assim como se também
que mesmo ocupando posições diferenciadas dentro do campo e parecendo opostos em
tudo, observa-se que um acordo oculto e tácito a respeito do fato de que vale a pena
lutar a respeito das coisas que estão em jogo no campo. (BORDIEU, 1996, p. 141)
A raposa e o lagarto, o matuto sabido e o doutor, foram adjetivos que ajudaram a
instituir as figuras desses personagens políticos, para demonstrar mais uma vez que a
prática política, é antes de mais nada, uma construção simbólica.
No próximo capítulo, e último dessa dissertação, a tentativa é de propor algumas
linhas de análise sobre a cultura política no município de Queimadas partindo do
binômio dominação X sujeição, como condição para a reprodução do poder local por
meio das práticas do mandonismo e clientelismo, tão presentes na cultura local.
A idéia básica é problematizar a noção de campo político e de como este se
institui no município através das práticas das lideranças políticas e dos eleitores. Neste
ínterim, a noção da dádiva, da troca de favores, aparece como condição para a
reprodução e perpetuação do poder local.
150
CAPÍTULO V – CULTURA POLÍTICA
5.1. Sobre uma possível nobreza no poder
A construção do campo político no município de Queimadas, não difere em
termos de constituição do campo político de diversos outros municípios. Ou seja, uma
construção que se deu a partir das elites políticas locais dispondo e impondo
estratégias bem elaboradas para produzir nossas identidades políticas,
mediante a construção de um cenário e de um papel secundário a ser
desempenhado na sociedade pela maioria dos seus cidadãos. Vale
dizer que, embora tais identidades sejam construções históricas
provisórias, elas ganham estabilidade, permanência e solidez através
da força dos diversos tipos de capitais (econômico, social, político e
cultural) que as elites detêm, em contrapartida as camadas populares
não dispõem efetivamente de quase nenhum tipo de capital
80
.
As estratégias de dominação que foram construídas socialmente pelas elites
locais vão sendo incorporadas nos agentes, como se fossem naturais, ou seja, os corpos
passam a ser o espaço do exercício da dominação e da incorporação dos valores
construídos por um pequeno grupo que tem um maior quantum de capital. Após
incorporado esses valores como legítimos, os desprovidos de capital dentro da estrutura
social, acabam reproduzindo a concepção dominante como se esta não pudesse ser
mudada, assim como se esta fosse a única verdadeira. Com isso, “a força política dos
grupos locais se inscrevem, primeiramente nos corpos e mentes dos indivíduos através
de valores e imaginários que existem na própria cultura do povo e que favorecem
substancialmente a sua dominação”.
81
Através desta incorporação os indivíduos passam
a orientar suas práticas e suas maneiras de agir e tomar decisões por meio dos valores
que estão lhes servindo, depois de incorporados, de matriz de percepção e de escolhas e
decisões no seio da sociedade. Ou seja, os indivíduos passam a orientar suas práticas
pelos valores construídos e impostos pela elite política local.
É a partir desta certa “naturalização”, desta incorporação de valores produzidos
pelos que detêm um maior número de capitais, que se sustentam às idéias de que os
“caminhos da política somente podem ser trilhados por alguns poucos personagens ou
algumas poucas famílias como sendo as únicas capazes do exercício do poder público
80
Ver. ADILSON FILHO, José. A cidade atravessada: velhos e novos cenários na política belojardinense.
– Recife: COMUNIGRAF, 2009, p. 60.
81
ADILSON FILHO, José. Op. Cit., p. 60.
151
municipal”
82
. É a força desta prática discursiva incorporada que levou e ainda hoje
leva muitos cidadãos e cidadãs no município de Queimadas a acreditarem e
reproduzirem o discurso de que a política deve ser para os filhos daqueles que atuam ou
atuaram no cenário político por que tem sangue político e não é por acaso que o
município de Queimadas, em termos de ruas e estabelecimentos de ordem pública,
recebem os nomes, em sua grande maioria, dos familiares dos políticos que pelo
executivo passaram, ou seja, é mais uma maneira de deixar marcado no imaginário
popular aquilo que fez, e de sobretudo referendar e fortalecer a tradição familiar.
Neste sentido, constrói-se no município, certa nobreza familiar da qual deverá
sair os nomes, posto que se concebem como se fossem, os verdadeiros herdeiros da
representação política local. Estes são encarados como os detentores “legítimos” para a
representação do poder público local. Daí decorre que, até o presente momento, o
município continua sobre o domínio da família Ernesto-Rêgo, e as outras famílias
tradicionais dão base de sustentação a estes grupos, enquanto seus prepostos, pois
também são beneficiados com cargos nos órgãos e instituições públicas locais.
O significado incorporado de que a nobreza
83
familiar, ou as famílias de
tradição, “as fundadoras do município”, é quem devem, legitimamente ocupar os
espaços do poder público local se apresenta de maneira tão contundente na cultura
política local que, em período de “crises de lideranças”, digo aqui que com a falta de
liderança para as disputas, sempre procuram recorrer àqueles que estão ligados a
algumas das famílias tradicionais.
Isto não se estabelece de maneira aleatória, mas sim pelo fato que são esses
representantes, possuidores de elementos de distinção, que são mais fortes em termos de
concorrência dentro do campo político, associados a isso acrescente-se que eles
tenderão a reproduzir as práticas dos seus antepassados políticos, como maneira,
inclusive de “honrar” o nome da família, garantindo os empregos àqueles que sempre o
“acompanharam” politicamente.
A nobreza, portanto, enquanto representantes legítimos, visto que são
reconhecidos através dos capitais sociais, se tornam por excelência aqueles que podem e
devem dominar o município, posto que são eles os consentidos pela maioria da
82
ADILSON FILHO, José. Op. Cit., p. 60.
83
Ver. BOURDIEU, Pierre. O Campo econômico: dimensão simbólica da dominação. Campinas, São
Paulo, Papirus, 2000, p. 60. A idéia de nobreza é construída e desenvolvida a partir da concepção que
Bourdieu oferece, recuperando do latim, ou seja, “o nobre, segundo o latim, é um nobilis, um homem
“conhecido” e “reconhecido”.
152
população a qual de maneira direta ou indireta, foi beneficiada por algum favor
dessas famílias e é nos momentos de campanhas eleitorais que as famílias tradicionais
relembram aqueles que foram beneficiados dos favores que foi realizado junto à
família carente.
Conforme o depoimento de Antônio Carlos, professor de Geografia da rede
pública municipal de Boqueirão, e cidadão do município de Queimadas, afirma que as
famílias tradicionais do período de emancipação política e que até hoje perdura são:
as primeiras famílias mais influentes, Barbosa, Araújo, Maia, Ernesto
e Rêgo tudo isso advindo desta mesma rama e claro ia se misturando
mas um fato curioso é que eles casavam entre eles mesmo, inclusive
famílias que tem primos com primos, se uma esposa falecesse casava
com uma irmã se existisse, se existisse uma irmã solteira era quase
regra dele se casar com aquela irmã, aqui mesmo existiu isso, um dos
donos da capivara faleceu e a esposa casou com o irmão dele, uma
dessas filhas do irmão dele que foi assassinato, foi Maria de
Capitaluche, mas que aponta Dona Dulce, então existia toda uma
relação onde não podia sair fora da família. (Entrevista com Antônio
Carlos, em 14 de abril de 2008)
Os casamentos, conforme afirmou o entrevistado Antônio Carlos, se realizavam entre as
famílias tradicionais, como maneira, inclusive, de ampliar o poderio e a dominação local. Haja
vista que se fortaleciam bem mais as famílias em termos de indicação de um nome para
administrar a coisa pública, que neste caso se tornava uma extensão do privado, utilizando-se
das mesmas práticas e das relações personalistas e pessoais quanto ao gerenciamento do poder
público, posto que eram essas famílias que exerciam o domínio político econômico e cultural.
Exerciam, no sentido de Bourdieu, o poder simbólico, por excelência, que o poder simbólico
é um poder econômico, político, cultural ou outro que “está em condições de fazer reconhecer,
de obter o reconhecimento, ou seja, de se fazer ignorar em sua verdade de poder, de violência
arbitrária”
84
.
O entrevistado José Vital Figueiredo quando indagado sobre o tamanho das
propriedades de terras de Dulce Barbosa afirmou que tanto Dulce Barbosa quanto Major
Veneziano possuíam grandes propriedades, tendo este uma propriedade maior que a de Dulce
Barbosa, destaca ainda o entrevistado que em termos de famílias a de Dulce Barbosa era mais
expressiva e maior que a de Major Veneziano. Vê-se, dessa forma alguns capitais
importantíssimos para as disputas locais a partir dessas lideranças, isto no início da década de
1960, a família e a terra como sendo imprescindíveis para o exercício da dominação.
84
BOURDIEU, Pierre. Op. Cit., 2000, p. 60.
153
Em outras palavras, uma grande família e inclusive unida, como era a família Barbosa,
politicamente falando, resulta em bons cabos eleitorais, além disso, têm-se as terras através das
quais construía-se outra forma de dominação pautado num capital específico, que é o capital
econômico, visto que as pessoas trabalhavam nas terras dessas “famílias tradicionais”. Abaixo o
sugestivo depoimento de José Vital Figueiredo,
Dulce também tinha mas Veneziano tinha mais, a propriedade de
Veneziano era maior, agora a família de Dulce em Queimadas era
maior do que a de Veneziano, a família Barbosa, a família dela era
maior do que a de Veneziano. (Entrevista com José Vital Figueiredo,
em 08 de agosto de 2008)
Este senso de nobreza, enquanto os reconhecidos e os legítimos, em conduzir o
município, até hoje é presente entre as pessoas mais necessitadas; associado a isto também,
ainda se encontra as formas de dominação através do exercício do poder simbólico, sendo que
este domínio não se estabelece prioritariamente sobre o poder exercido pelos possuidores de
proprietários rurais, mas ainda por aqueles que possuem este capital simbólico de notoriedade,
representado pelo nome de família tradicional, o nome que é um elemento distintivo dentro dos
espaços de poder, associado a isto tem-se também a prática de empreguismo local, pelos
empresários oriundos do campo para a cidade, e as trocas de favores através de uma política
pautada em práticas assistencialistas e clientelísticas.
A dominação nesse sentido é exercida e se exerce pelo fato que é reconhecida, em
outras palavras, permitida, legitimada, posto que possuem os que acreditam que as famílias
tradicionais são as representantes políticas do poder político local. Não percebendo que este
discurso incorporado que se apresenta de maneira natural, foi construído historicamente através
de profundas violências promovidas pela elite política local que se manteve e se mantêm no
poder reproduzindo as mesmas práticas estabelecidas pelos seu grupo parental, se constituindo
como os herdeiros da política local. Conforme um dos entrevistados quando perguntado sobre
essa possível nobreza familiar que domina historicamente o município, ele afirma:
O povo acha que se é pra ser submisso a alguém, que seja submisso a
alguém que tenha tradição, certo? Então, nunca eu vou querer ser
mandado, ou dominado, ou sei lá, ou liderado por uma pessoa que seja
do mesmo nível que eu. (...) Então sempre vai continuar assim. É mais
fácil votar no filho de Saulo Ernesto, do que votar no filho de um
agricultor por isso é muito simples. O povo é que cria essas
situações. (Entrevista com José Ezequiel, em 18 de Abril de 2008)
José Ezequiel Barbosa Lopes, refere-se ao “povo” de Queimadas, enfatizando a relação
de dominação que existe entre este e as lideranças locais através do elemento distintivo o nome
da família. Apresenta-nos como se isto fosse culpa do povo, no entanto, em primeiro momento,
154
não se coloca como pertencente a esta concepção de que quem deve governar o município
sejam apenas pessoas das famílias tradicionais, mas percebe-se, noutro momento, e se coloca
como povo quando afirma “que sempre vai continuar assim”, ou seja, ele também incorpora em
parte a visão de que a “nobreza familiar” é quem continuará a dominar o município, uma vez
que “o povo é quem cria as situações”.
Em outras palavras, as práticas realizadas por estas famílias tradicionais, o exercício de
poder sobre os corpos dos agentes, a maneira de pensar as estruturas mentais desse “povo” que
o entrevistado se remete, estão incorporados na pele destes agentes, nas falas e no modo de
agir, isto que a percepção de escolhas são orientadas a partir da história que fora incorporada e
da dominação através das práticas realizadas pelas elites locais, as quais construíram
historicamente todo um modo de fazer política através de violências arbitrárias que foram
marcadas na pela das pessoas e, muitas dessas, não conseguem se desprender percebendo este
modo como legítimo e, portanto, como verdadeiro.
5.2. Cultura política e o habitus
Neste trabalho desenvolvi uma linha de análise que tem levado em consideração
as maneiras através das quais as práticas e as relações sociais pautadas em “trocas de
favores” foram instituídas a partir do exercício de dominação política exercido a partir
do grupo familiar Ernesto-Rêgo. Levando-se, assim, como base compreensiva à origem
dessas famílias e como essas práticas foram sendo incorporadas pelos agentes de
maneira natural a ponto deles são perceberem o próprio processo de docilidade que os
seus corpos foram moldados através de regimes de poder, de imposição e,
conseqüentemente, incorporação de práticas políticas que historicamente constituíram
profundas dependências por parte dos menos favorecidos em relação aos grupos que
dominaram ou pertenceram à ortodoxia do campo político local.
Para tanto, cabe agora destacar não somente a maneira como cada personagem
foi se legitimando, de forma relacional, inseridos nas disputas e articulando capitais,
como elementos diferenciadores e distintivos dentro do campo de disputas, mas também
perceber a dimensão cultural na qual esses agentes estão inseridos.
Assim como a maioria dos municípios brasileiros, Queimadas possuiu, desde o
seu processo de formação, e ainda hoje possui, uma grande dependência de receitas
públicas do ente federal, da União, mostrando-se assim esta submissão quanto a sua
receita em relação às transferências constitucionais do Governo Federal, chegando a
99,9% dos seus recursos dependentes de repasses unilaterais. Associado a isto se tem
também, um sistema tributário do município desajustado, enormes dificuldades de
155
acesso ao crédito pelos pequenos e médios agricultores, uma estrutura agrária, ainda,
concentradora de terra, característica do Semi-Árido nordestino; a baixa produtividade
em todos os setores da atividade econômica; uma elevada concentração de renda (de
9.126 domicílios existentes no município, 6.658 domicílios, equivalente a 72,96%,
recebem até 2 salários mínimos, enquanto que 27,04% dos responsáveis pelos
domicílios recebem mais de 2 salários mínimos mensais e a baixa qualificação da mão
de obra.
Em relação aos índices relacionados ao campo educativo, destaca-se que ainda
se encontram muito aquém, e um dos elementos que nos desperta a atenção é que o
município se caracteriza com um estado de analfabetismo funcional de grande parte da
população jovem, ou seja, a quantidade de analfabetos do município ainda é bastante
elevada.
Destaca-se, também, e ainda, que do ponto de vista político-institucional uma
carência muito grande em termos de organização da sociedade civil, ou seja, não existe
uma sociedade civil empoderada, organizada política e socialmente, o que não
possibilita por em prática mecanismos de participação e controle social de políticas e de
fundos públicos, e com isto se fortalece uma cultura política antidemocrática.
Os partidos políticos o apropriados por lideranças locais, as quais decidem
quais as alianças devem ser realizadas em períodos eleitorais, sem que antes consultem
os filiados para tomarem suas decisões. Em outras palavras, as decisões são tomadas
pelo dono” do partido, políticos locais e não através de debates em fóruns públicos,
conforme o ideal democrático. Diante deste quadro, o município se caracteriza através
de práticas tidas, no jargão da ciência política, como personalistas, por parte das
lideranças políticas locais, clientelísticas, assistencialistas, nepotistas e centralizadoras,
focalizadas em interesses individuais dos agentes envolvidos. Soma-se a isto, o fato de
que, embora possuindo, 54 associações estas funcionam como instrumentos de
arregimentação de votos em períodos eleitorais, visto que a relação com o gestor se
através do vereador e este junto à associação.
Numa sociedade onde ainda impera o clientelismo e outros padrões de relações
sociais baseados em códigos de ética e de direito privado próprio das oligarquias
agrárias, apesar de envernizados de modernos, os valores que presidem tais relações são
seguidos pelo conjunto da população como algo transcendente e imutável, e não como
algo construído socialmente e passível de tematização pública e questionamento.
156
Nesse sentido, a cultura política local se constitui enquanto cultura política de
sujeição, visto que é marcada por práticas políticas autoritárias e que, em geral, tende a
reagir às mudanças sociais, ao processo de difusão e exercício de uma cultura política
baseada no ideal da democracia participativa. Nessas culturas, a atitude da população,
inclusive de suas lideranças políticas e celebridades, é geralmente de passividade diante
dos problemas sociais, por isso mesmo tornam-se crônicos, apresentando-se como saída
à fuga da população de tais problemas pela via da emigração, do êxodo rural, o que tem
sido notório no município. Estando os agentes sociais sempre à espera das decisões do
Governo Federal, da burocracia estatal encarregada da face provedora de um Estado
Providência, conforme dados do PDPQ.
Então, numa realidade dessas o horizonte de mudança esperado não estaria no
seu protagonismo cidadão, na sua ação, avaliação e conhecimentos com relação ao input
do conjunto do sistema político, tudo parece depender da sorte de ter um “bom” ou
“mau” governante, um der com poderes extraordinários e que encarne a “alma
popular” e seja “benevolente” com o povo. Portanto, tem-se uma cultura política
pautada em crenças, atitudes e sentidos voltados unilateralmente para os benefícios que
poderão ser pleiteados pela fase provedora do Estado, particularmente possíveis de
serem obtidos nas relações estabelecidas com os governantes.
Nessa cultura política as perspectivas da população são de satisfação de seus
interesses imediatos e particulares. Ao contrário de uma cultura política de participação
(SANI, 1995), certa passividade e espírito de complacência diante dos problemas
sociais e outros que atingem uma grande parte ou o conjunto da população.
Constata-se, conforme os dados contidos no PDPQ, que cerca de 95% das
associações comunitárias estão atreladas a vereadores e cabos eleitorais, ou seja, onde se
poderia encontrar um associativismo cívico e outras entidades pautadas na cooperação,
na confiança, em relações menos hierárquicas e heterônomas, por sua vez, alicerçadas
em uma cultura política de participação (SANI, 1995), e não baseadas num simulacro de
associativismo.
Ao invés das associações comunitárias de Queimadas estarem em busca de
interesses coletivos e de valores, normas e atitudes culturais, por sua vez expressos em
estruturas sociais e padrões de comportamentos que configuram a comunidade cívica,
como as estudada por Alexis Tocqueville nos Estados Unidos e por Robert D. Putnam
na experiência da Itália Moderna (PUTNAM, 1996), estão, pautadas em interesses
eleitoreiros e particularistas, portanto, favoráveis à reprodução do status quo.
157
Assim, ao invés das associações comunitárias estarem pautadas na cooperação e
requerendo aptidão e confiança interpessoais, aptidões essas naturalmente reforçadas
pela colaboração organizada (PUTNAM, 1996), se têm associações pautadas na
subordinação dos agricultores familiares e dos moradores de bairros aos “caciques
políticos locais” e sua política de troca de favores e fidelidades, razões mesmas da
subserviência da maioria daqueles que se apropriam e usaram recursos e fundos
públicos para reprodução do status quo, do atraso econômico, político e cultural do
povo.
Sabe-se que nesse contexto as associações não contribuem, portanto, para
democratização da sociedade, mas são instrumentos utilizados pelas elites locais para
realizar o seu contrário. O que se é que prevalece à força do hábito, da tradição, dos
valores culturalmente incorporados, inculcados, chamados por Pierre Bourdieu (1998)
de habitus. Ou seja, o que se tem do ponto de vista da estrutura social são instituições
que longe de se pautarem em relações horizontais e de reconhecimento do “outro”, se
pautam em princípios hierárquicos e desiguais de relações.
Os agentes políticos locais, por exemplo, encararam e tem encarado o espaço
público como se este lhes pertencesse. Portanto, será a partir da extensão do público
concebido como privado que os agentes políticos desenvolverão suas práticas e políticas
de “ajuda”.
Isto é decorrente, conforme os discursos dos entrevistados, desde o processo de
emancipação política do município, ou seja, desde a sua fundação enquanto unidade
política independente. E essas relações são as que foram moldando e,
conseqüentemente, constituindo o fazer político local, até os dias atuais.
5.3. Sujeição e morte da alteridade
É consenso nos estudos de antropologia, principalmente na vertente da produção
da escola sociológica francesa, afirmar que as sociedades se constituem a partir do
elemento da troca, quer seja troca de bens materiais quer seja troca de bens simbólicos
Mauss (2003) e Lévi Strauss (1976). Todavia salienta-se que as trocas de favores, como
mencionadas entre os agentes sociais e os agentes políticos locais, além de estabelecer
toda a ordem de funcionamento de modus operante de fazer política, também possibilita
aos agentes sociais se tornarem submissos nesta relação de poder, àquele (político) que
oferece algo ao agente necessitado.
158
Assim essas práticas clientelistas e assistencialistas longe de serem encaradas
como privatização de bens públicos, por parte do agente político local, conforme
concebe a ciência política, são encaradas sob a ótica “nativa”, a partir dos benefícios
que recebem do político, como sendo acesso a bens e serviços públicos as pessoas que,
devido a sua própria condição social, não os teriam de outra forma. Nesse contexto, a
palavra “público” não significa “recursos que pertencem a todos”, mas recursos
monopolizados pelas elites políticas e econômicas”. Ou seja, pessoas “ordinárias” de
estratos inferiores da sociedade não participariam dessa definição de “público”.
(KUSCHNIR, 2007). Por isso mesmo, o acesso às fontes públicas de bens e serviços
precisa ser intermediada pelo político ou por alguém ligado ao político, como o médico
citado acima, por exemplo, e é visto como um bem extraordinário “que não tem preço”.
Por esta análise suscitam-se duas compreensões: primeiro, que o clientelismo e o
assistencialismo possibilitam acesso a bens e serviços públicos; e segundo, que a
concepção de “público” para o “nativo” significa recursos monopolizados pelas elites
políticas e econômicas e não a concepção compreendida e entendida idealmente pela
ciência política para o ideal democrático, que significa recursos que pretendem a todos.
Nesse sentido os agentes sociais orientam suas práticas pelo senso prático,
conforme o seu habitus, o qual é construído historicamente e incorporado pelo agente
no decorrer de sua vida. O que se tem percebido, a partir dos discursos e dos dados
analisados, é que as práticas políticas, no município de Queimadas, são profundamente
marcadas pelo assistencialismo e clientelismo, por “ajudas” por parte dos políticos aos
agentes sociais, o que tem se constituído naquilo que tem se denominado de uma cultura
da sujeição, a qual se e se firma através dos laços de dependência, que como visto no
tópico anterior, não deixa de ser uma violência simbólica. E assim sendo contribui para
a sujeição do “outro” em relação ao “eu”, ou seja, a sujeição do agente social em relação
ao agente político local, tornando-se, nesta relação, um agente heterônomo, ao invés de
autônomo, o que provoca a submissão e atitudes de subserviência. Daí que este fazer
político fundamentado nestas “relações de favores” proporciona esta denominada
violência simbólica, a qual é decorrente da própria maneira como se encontram
estruturadas as relações sociais e políticas no município de Queimadas.
Nesse sentido reconhecer os agentes sociais não é apenas atribuir-lhes “ajudas”
tornando-os reféns destas ações e tornando-os dependentes do próprio fazer político
pautado em profundas desigualdades. Reconhecer os agentes é, antes de tudo, garantir-
lhes a possibilidades de agentes autônomos e não heterônomos. É preciso reconhecer no
159
sentido teológico e antropológico, enquanto seres humanos, e não enquanto seres que
votam e que através das “ajudas” retribuirão no dia da eleição. É reconhecer, sobretudo,
o seu capital social que faz, por exemplo, as pessoas ganharem mais confiança umas nas
outras, tornarem-se altruístas no que fazem, cooperativas e respeitosas ao outro e,
capazes de conseguirem com isto resultados que cada um sozinho não conseguiria.
Reconhecer, portanto, é levar o outro em consideração, ouvi-lo, escutar o que
tem para dizer e o que não quer dizer, deixar tomar a sua palavra e considerá-la, refleti-
la, avaliá-la. E, então, abrir possibilidades de reconhecer-se no que foi dito e no que está
para se dizer, porque o que está para ser dito está nascendo no próprio acontecer que o
pároco espera acontecer. Em outras palavras, reconhecimento é também ter uma
representação ou idéia, numa imagem positiva do outro, de valorização do outro,
interpelando-o como sujeito concreto. Portanto, como portador de certas virtudes, de
certas habilidades, de certas competências, crenças e valores, no caso particular, certo
capital social. E por isto tem um nome, uma identidade, uma missão, um lugar no
mundo e com o mundo.
Reconhecer é ainda, ir até o indivíduo ou à instituição e interpelá-los como
sujeitos, debater o que pensam, o que fazem e o que podem fazer, para melhorar coisas
desse mundo. Aqui começa de fato, a participação ou não? O não reconhecimento de
certas entidades e personagens de ascendência moral e intelectual na sociedade pode
redundar na perda de capital social e humano mobilizável e mobilizador do processo de
construção de uma política pública, ao mesmo tempo, processo de aprendizagem social
e, portanto, de possibilidade de mudança social e elevação cultural do conjunto da
sociedade. O atrelamento que se têm tido aos políticos e a forte polarização entre
partidos/grupos e políticos locais é tão exacerbada que impedem diálogos e processos
mais participativos de discussões e busca de alternativas para os problemas locais. De
fato, nos contextos de uma cultura política de “sujeição”, o medo e a subserviência
presidem as relações entre mandatários de cargos públicos e o eleitorado dependente de
suas políticas de favores e recompensas às custas do erário público. Conforme descreve
Putnam (1996, p. 91), nestes contextos, como é o caso do Sul da Itália:
[...] a participação política e social organizava-se verticalmente, e não
horizontalmente. A desconfiança mútua e a corrupção eram
considerados normais. Havia pouca participação em associações
160
cívicas. A ilegalidade era previsível. Nessas comunidades as pessoas
sentiam-se impotentes e exploradas. E com razão.
Naquela realidade, acrescenta esse autor, que o contexto social e histórico local
condicionaram profundamente o desempenho das instituições, ou seja, se “o solo é
ruim, as novas instituições se definham” (idem, ibidem). Pode-se dizer que:
A existência de instituições eficazes e responsáveis depende, no jargão
do humanismo vico, das virtudes e práticas republicanas.
Tocqueville tinha razão: diante de uma sociedade civil vigorosa, o
governo democrático se fortalece em vez de enfraquecer. (PUTNAM,
1996, p. 191)
E acrescenta:
Pelo lado da demanda, os cidadãos das comunidades vicas querem
um bom governo e (em parte pelos seus próprios esforços) conseguem
tê-lo. Eles exigem serviços públicos mais eficazes e estão dispostos a
agir coletivamente para alcançar seus objetivos comuns. os
cidadãos das regiões menos cívicas costumam assumir o papel de
suplicantes cínicos e alienados. (PUTNAM, 1996, p. 191)
Trata-se do que se denominou anteriormente de cultura política de “sujeição” e
de cultura política de “participação”. Nas “de sujeição” espera-se apenas pelo lado da
oferta, das “ajudas”, das saídas do sistema político. As pessoas não lutam para ter um
bom governo, políticas públicas governadas com seriedade e mais eficazes. Nestes
contextos, instrumentos como os conselhos partidários e setoriais de políticas públicas,
as associações, tendem a ter aversões e a serem condicionados pelo contexto adverso,
predominando, assim, o autoritarismo, o clientelismo, o familismo amoral travestido de
oligarquias e elites sedentas e abocanhadoras da coisa pública, a desgovernança, e
conseqüentemente, a morte do “outro” enquanto ser autônomo.
Estes são os valores que norteiam a cultura política local. Mas a cultura não é
algo estanque e muito menos ossificada. É algo em movimento e em interlocução com
outras culturas, outras identidades, outros valores e com outros interesses. É algo que
está sempre interagindo com os diferentes contextos e em diversos momentos
históricos. É tanto que não a cultura, culturas que se interagem. A cultura é algo
em constante processo de mudanças e atualizações num mundo cada vez mais global e
multicultural.
161
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi pela escrita que tentei expressar a construção da dominação existente no
município de Queimadas. Mas não somente por ela, posto que nela estão os sentimentos
vividos, as angústias e os sonhos que incorporados a minha pessoa, fazem parte da
minha história, ao mesmo tempo em que fazem parte da história do município em que
resido. Não sou das “famílias tradicionais”, nem tampouco da “nobreza”, embora tenha
participado, vivido e vivenciado no seio e no meio daqueles que fazem parte desta
“nobreza”. Daqueles que fazem parte da elite que dominou e continua dominando
politicamente o município através das práticas que foram por mim analisadas neste
trabalho.
Espero que tenha conseguido alcançar meus objetivos: Em termos
metodológicos, o exercício da vigilância epistemológica, do policiamento e controle do
olhar e da linguagem, ou seja, de não reproduzir aquilo que a maioria da população
percebe como natural ou como virtudes, práticas políticas que historicamente se
constituíram e foram incorporadas pelos agentes a partir de práticas violentas e de forma
arbitrária, mas consentidas, reconhecidas, portanto, legitimadas. Violentas posto que
foram encaradas como virtudes ou bondades por parte dos governantes e lideranças
locais, sem perceberem os processos que possibilitaram o exercício da dominação,
remeto-me aqui as práticas de favores em todos os aspectos existentes no município.
Em termos práticos, outro objetivo, diz respeito ao fio condutor desta pesquisa
que foi compreender que elementos foram norteadores para que o município de
Queimadas fosse dominado politicamente por famílias tradicionais durante várias
décadas. Tentei compreender o que essas famílias possuíam que as tornavam especiais a
ponto de ser permitido, aceito, pela maioria da população, os processos de dominação.
Percebi, desta feita, que o exercício da dominação está relacionado à eficácia do
poder, mas este não é um poder apenas das elites tradicionais, ou seja, não depende
apenas do seu caráter arbitrário (extração da força física ou econômica), mas sim da
aceitação implícita e dissimulada por parte da maioria da população. É o
reconhecimento das práticas e do exercício destas como legítimas que as tornam
eficazes.
Feito isto, lancei bases para a compreensão do espaço de disputas na década de
oitenta e noventa a partir das duas principais lideranças locais, Tião do Rêgo e Saulo
162
Ernesto, reconstruindo suas trajetórias políticas, baseadas no eixo de herdeiros políticos
da liderança Carlos Ernesto, esta que por sua vez adveio dos Heráclio de Pernambuco,
que é o tronco de origem política e de dominação.
E, por fim, tentei apontar algumas implicações do modo de fazer política local
baseado na “sujeição do outrem”, daqueles que são desprovidos de qualquer tipo de
capital e que vivem e sobrevivem da dependência dos dominantes, dos pertencentes à
ortodoxia política local; portanto por meio desta prática política violenta e de
dependência demonstrei a perca da autonomia por partes dos agentes sociais e com isto
a morte da alteridade, ou seja, destes que vivem e sobrevivem dos favores e da
dependência por parte das lideranças locais.
Tentei ainda chamar a atenção para o aspecto sobretudo simbólico da construção
do poder e de sua reprodução, chamando atenção para as práticas do dar, receber e
retribuir como uma verdadeira instituição a fomentar o acesso a bens, status, poder a
aqueles destituídos do poder político, econômico, cultural e social, bem como a permitir
a reprodução e a continuidade do poder e da atuação política daqueles detentores do
poder político, econômico, cultural e social.
Creio que esse texto serve para confirmar e reforçar a evidência de que poucos
são na sociedade brasileira, em geral, e na sociedade queimadense, em particular que se
sentem atendidos em suas demandas pelo poder público, e talvez essa seja a grande
violência prática e simbólica a que se vêem submetidos: a necessidade de um mediador
a permitir-lhes o acesso a esses bens e serviços. O político, tem sido, na história da
cultura política do Brasil, esse mediador. Talvez daí resida não só o seu poder mas a sua
legitimidade.
Com este trabalho, portanto, não foi minha pretensão esgotar os
questionamentos e, nem tampouco, dar uma resposta fachada aos questionamentos por
mim levantados. A minha pretensão foi compreender os processos de dominação
política local partindo da origem das famílias tradicionais que dominaram o cenário
político local desde o processo de sua emancipação política até o presente momento.
163
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169
ANEXOS
ANEXO I – Relação e dados sobre os
Informantes
FONTES ORAIS:
DADOS REFERENTES AOS ENTREVISTADOS
1) NOME DO ENTREVISTADO: William dos Correios
DATA DE NASCIMENTO: 28 anos
NATURALIDADE: Queimadas
ESTADO CIVIL: Solteiro
PROFISSÃO: Carteiro
2)NOME DO ENTREVISTADO: Paulo de Américo
DATA DE NASCIMENTO: 45 anos
NATURALIDADE: Queimadas
ESTADO CIVIL: Casado
PROFISSÃO: Motorista
3) NOME DO ENTREVISTADO: Edmundo da Silva
DATA DE NASCIMENTO: 35 anos
NATURALIDADE: Queimadas (Sítio Torrões)
ESTADO CIVIL: Solteiro
PROFISSÃO: Artista Plástico
4) NOME DO ENTREVISTADO: Poeta Kabôclo
DATA DE NASCIMENTO: 66 anos
NATURALIDADE: Queimadas (Sítio Torrões)
ESTADO CIVIL: Viúvo
PROFISSÃO: Pedreiro e Poeta popular
5) NOME DO ENTREVISTADO: João Vitorino de Andrade Filho
DATA DE NASCIMENTO: 55 anos
NATURALIDADE: Queimadas (Sítio Catolé)
ESTADO CIVIL: Casado
PROFISSÃO: Agricultor
6) NOME DO ENTREVISTADO: Albertina de Souza Andrade
DATA DE NASCIMENTO: 54 anos.
NATURALIDADE: Queimadas (Sítio Catolé)
ESTADO CIVIL: Casada
PROFISSÃO: Agricultora
7) NOME DO ENTREVISTADO: Antônio Carlos Ferreira Lopes
DATA DE NASCIMENTO: 25/08/1969
NATURALIDADE: Queimadas (Sítio Caracolzinho)
ESTADO CIVIL: Casado
PROFISSÃO: Professor
8) NOME DO ENTREVISTADO: Antônio Olimpio de Arruda
DATA DE NASCIMENTO: 06/04/ 1946
CIDADE: Queimadas Zona Urbana (x) Zona Rural ( )
ESCOLARIDADE: Superior (Farmácia)
ESTADO CIVIL: Casado
PROFISSÃO: Bioquímico
9) NOME DO ENTREVISTADO: Maurício da Silva Xavier
DATA DE NASCIMENTO: 05/03/1963
CIDADE: Queimadas Zona Urbana (x) Zona Rural ( )
ESCOLARIDADE: Ensino Médio
ESTADO CIVIL: Casado
PROFISSÃO: Funcionário Público
10) NOME DO ENTREVISTADO: José Ezequiel Barbosa Lopes
DATA DE NASCIMENTO: 19/02/ 1970
CIDADE: Queimadas Zona Urbana (x) Zona Rural ( )
ESCOLARIDADE: Superior (Biologia)
ESTADO CIVIL: Casado
PROFISSÃO: Professor de Biologia
11) NOME DO ENTREVISTADO: Francisco de Assis Pereira
DATA DE NASCIMENTO: 11/01/1954
CIDADE: Queimadas Zona Urbana (x) Zona Rural ( )
ESCOLARIDADE: Superior Incompleto
ESTADO CIVIL: Casado
PROFISSÃO: Comerciante no segmento de confecções
12) NOME DO ENTREVISTADO: Maria das Neves de Lima
DATA DE NASCIMENTO: 1947
CIDADE: Queimadas Zona Urbana (x) Zona Rural ( )
ESCOLARIDADE: Superior (História)
ESTADO CIVIL: Casado
PROFISSÃO: Diretora do Colégio Menino Jesus
13) NOME DO ENTREVISTADO: Wilson Gomes da Silva
DATA DE NASCIMENTO: 15/07/1947
CIDADE: Queimadas Zona Urbana (x) Zona Rural ( )
ESCOLARIDADE: Ensino Médio
ESTADO CIVIL: Casado
PROFISSÃO: Assistente Administrativo
14) NOME DO ENTREVISTADO: Maria Dulce Barbosa
DATA DE NASCIMENTO: 1916
CIDADE: Campina Grande Zona Urbana (x) Zona Rural ( )
ESCOLARIDADE: Superior (História e Direito)
ESTADO CIVIL: Solteira
PROFISSÃO: Professora/ Advogada
15) NOME DO ENTREVISTADO: José Cruz Herculano
DATA DE NASCIMENTO: 12/06/1937
CIDADE: Fagundes Zona Urbana (x) Zona Rural ( )
ESCOLARIDADE: Superior (História e Direito)
ESTADO CIVIL: Casado
PROFISSÃO: Aposentado/ Dono do Cartório de Fagundes
16) NOME DO ENTREVISTADO: Everaldo Alves
DATA DE NASCIMENTO: 1968
CIDADE: Queimadas Zona Urbana (x) Zona Rural ( )
ESCOLARIDADE: Ensino Médio
ESTADO CIVIL: Solteiro
PROFISSÃO: Agente de Combate as Endemias
17) NOME DO ENTREVISTADO: José Vital Figueiredo
DATA DE NASCIMENTO: 17/10/1931
CIDADE: Campina Grande Zona Urbana (x) Zona Rural ( )
ESCOLARIDADE: Superior (Direito)
ESTADO CIVIL: Casado
PROFISSÃO: Aposentado/ Advogado
18) NOME DO ENTREVISTADO: Marizabel Toscano de Oliveira
DATA DE NASCIMENTO:08/11/1949
CIDADE: Queimadas Zona Urbana (x) Zona Rural ( )
ESCOLARIDADE: Superior (Administração)
ESTADO CIVIL: Casada
PROFISSÃO: Secretária de Administração
19) NOME DO ENTREVISTADO: Saulo Leal Ernesto de Melo
DATA DE NASCIMENTO: 24/12/1946
ESTADO CIVIL: Casado
PROFISSÃO: Engenheiro
FORMAÇÃO ACADÊMICA: Engenharia Civil
CIDADE: Queimadas
20) NOME DO ENTREVISTADO: Tereza Leal Ernesto Amorim
ESTADO CIVIL: Casada
PROFISSÃO: Engenheira
FORMAÇÃO ACADÊMICA: Engenharia Civil
CIDADE: Queimadas
ANEXO II – Árvores genealógicas da
família Heráclio-Ernesto-Rêgo
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Essas árvores genealógicas das lideranças políticas da família, Heráclio-Ernesto-Rêgo, foram contruídas
com base nos Livros: “Chico Heráclio: o último coronel.” de Reginaldo Heráclio; “Chico Heráclio: a
herança política”, de Reginaldo Heráclio e Ricardo Herráclio e “Família e Coronelismo no Brasil: uma
história de poder. Além dos livros, também foi muito importante as entrevistas realizadas e,
consequentemente, a memória dos entrevistados.
ANEXO III – Fotografias da família Heráclio-
Ernesto-Rêgo e de lideranças locais
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As fotografias da família, Heráclio-Ernesto-Rêgo, foram extraídas dos Livros: “Chico Heráclio: o último coronel. de
Reginaldo Heráclio; “Chico Heráclio: a herança política”, de Reginaldo Heráclio e Ricardo Herráclio e “Família e
Coronelismo no Brasil: uma história de poder”. Outros livros consultados em termos de arquivos fotográficos foram:
“Nacionalismo e Coronelismo” e “Lutas de Vida e de Morte” de Josué Sylvestre. O livro “Queimadas, seu povo sua terra”,
de Antônio Carlos Ferreira Lopes, professor de Geografia residente no município de Queimadas. Além dos arquivos
fotográficos oferecidos pela família Ernesto ao autor.
Os irmãos ribeiro. Baluartes do argemirismo nos distritos de Pocinhos, Puxinanã,
Massaranduba e Queimadas. Autênticos coronéis da velha UDN na zona rural do
município.
José Maia, filho da tradicional família Maia do município. Em sua residência, Anália
Heráclio do Rêgo (irmã e Chico Heráclio) e Luiz do Castanho, seu esposo, vereador,
representando o Distrito de Queimadas, em Campina Grande, de 1951 a 1955.
Da esquerda para a direita: Dulce Barbosa e dois amigos parlamentares, em evento,
representando assembléia legislativa de Campina Grande. O senhor José Maia, Severino
Cabral e Major Veneziano Vital do Rêgo.
Comício em Queimadas. Newton Rique falando, ladeado por João Pinga Cega, Dulce
Barbosa e Bonald Filho. Podem ser vistos ainda Raymundo Asfora, Antonio Morais, Ivo
Leal e José Mota.
Algumas imagens da primeira mulher vereadora e prefeita do Estado da Paraíba. A
primeira e única, até o momento, a ocupar o poder executivo no município de Queimadas.
Desfiles cívicos no município de Queimadas na década de 1960. É possível também ver
Dulce Barbosa toda de preto (na foto acima).
Vereadora Dulce Barbosa, a líder do argemirismo no Distrito de Queimadas, falando no
comício de encerramento da campanha de Argemiro a governador, em 30 de setembro de
1950. Podem ser vistos na foto. Anastácio Maia (juiz no Rio de Janeiro); Petrônio
Figueiredo e o jovem estudante de então, João Ribeiro.
Comício de Dulce Barbosa na década de 1940, na rua central do município de Queimadas,
Rua João Barbosa da Silva.
Da Esquerda para a direita: Dulce Barbosa e sua ir Lourdes Barbosa, as primeiras
professoras e educadoras da Escola José Tavares do município de Queimadas.
Beatriz Ernesto, filha de Francisco Ernesto, e Patrício Leal, seu esposo e médico que atuou
no municipio de Queimadas prestando assistência médica local. Chegou a ser Deputado
Estadual.
Maria Leal, irmã de Patrício Leal, e Carlos Ernesto, irmão de Beatriz Ernesto, seu esposo
e líder político em Queimadas da metade da década de 60 até o final da década de 80.
Carlos Ernesto e seu filho, herdeiro político local, Saulo Ernesto.
Carlos Ernesto e seus descendentes políticos. Abaixo, lado esquerdo, Saulo Ernesto,
candidato a prefeito, pela ARENA 1, em 1976. E do lado direito, Sebastião de Paula Rêgo,
cria política de Carlos Ernesto, três mandatos de prefeito no município.
José Vital Figueiredo, filho de João Figueiredo e Isolina Vital do Rêgo, vereador em 1969
no município de Queimadas. E ao lado direito, José Maria Ribeiro, primo de José Vital
Figueiredo, e sobrinho de Major Veneziano, filho da sua irmã Eutícia Vital do Rêgo e de
José Ribeiro, prefeito interino no município de Queimadas.
Queimadas no final da década de 70. Pode se ver a BR 104 e o entroncamento da rodovia
PB 148. Além do antigo açude de Queimadas, o ônibus d Condor parado no início da Rua
Francisco Ernesto do Rêgo (Rua nova) e as poucas casas existentes na rua Odilon Almeida
Barreto.
Festa de confraternização. Sentado pode ser visto o der político local Carlos Ernesto
(usando óculos) e o seu filho prefeito em 1976, por trás de Carlos Ernesto pode se ver
também Maria Leal, sua esposa.
Da esquerda para a direita: Saulo Ernesto (primeiro), Biu Souto (terceiro), Sebastião de
Paula Rêgo (quarto) e com um cigarro na mão (Carlos Ernesto), assinatura de convênios
com o Estado para a maternidade Adiles Ernesto de Melo.
Evento de inauguração do Grupo Escolar da comunidade da Guritiba, em 1978.
Da esquerda para a direita sentados: Wilson Braga (segundo), Patrício Leal Filho
(terceiro) e Saulo Ernesto (quarto). Em pé: Antônio Olímpio (terceiro) e Raimundo Farias
(sexto). Reunião com o governador Wilson Braga.
Da esquerda para a direita: Tião do Rêgo, Wilson Braga e Carlos Dunga. Reunião no
palácio da redenção com o governador Wilson Braga em busca de recursos para o
município de Queimadas, em 1986.
Um dos primeiros jornais do município de Queimadas.
Nem só de política vive o homem. O município também necessita de fé. Padre Lisboa e Frei
Damião.
A fé vivida pelos representantes políticos. Em cima do carro Frei Damião e usando camisa
vermelha, o genro de Tião, Ricardo Lucena, casado com Socorro.
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