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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
A MORADA DO PENSAMENTO: um encontro com
Platão na busca da natureza do sentido em Frege
JEZIEL CORDEIRO FALCÃO
NATAL (RN)
2008
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2
JEZIEL CORDEIRO FALCÃO
A MORADA DO PENSAMENTO: um encontro com
Platão na busca da natureza do sentido em Frege
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Filosofia da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Filosofia.
Prof. Daniel Durante Pereira Alves, Dr. - Orientador
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3
A MORADA DO PENSAMENTO: um encontro
com Platão na busca da natureza do sentido em
Frege
Por
JEZIEL CORDEIRO FALCÃO
Dissertação apresentada à Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Programa de Pós-Graduação em
Filosofia, para obtenção do grau de Mestre em
Filosofia, pela Banca Examinadora, formada por:
________________________________________________________
Presidente: Prof. Daniel Durante Pereira Alves, Dr. – Orientador, UFRN
Membro: Prof. Cláudio F. Costa, Dr., UFRN
Membro: Prof. Anastácio Borges de Araújo Júnior, Dr., UFPE
4
À minha mãe, D. Clotilde, que me ensinou o olhar no espelho. À
meu pai, João Marinho, que me ensinou o olhar além.
In memoriam.
5
Tarde te amei, Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei!
E, no entanto, estavas dentro de mim, e eu fora, a te procurar!
Minha feiúra se lançava sobre toda a beleza que criaste.
Estavas comigo, e eu longe de ti.
Prendiam-me longe de ti coisas que nem existiriam, se não
existissem em ti.
Tu me chamaste, gritaste por mim, e venceste minha surdez.
Brilhaste, e teu esplendor pôs em fuga minha cegueira.
Exalaste teu perfume, respirei-o, e agora suspiro por ti.
Eu te saboreei, e agora sinto fome e sede.
Tocaste-me, e o desejo de tua paz me inflama.
(Santo Agostinho).
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos professores e colaboradores do curso de Filosofia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Suas aulas, seus debates, suas reflexões filosóficas e seus
auxílios foram de inestimável valia para o desenvolvimento da presente dissertação.
Registro aqui também um agradecimento especial ao nosso orientador, prof. Dr.
Daniel Durante Alves, por sua atenção em nos ouvir e sugerir temas que envolveram esta
dissertação, onde dúvidas cruciais surgiram e com ele debatidas, revelando, assim, seu
interesse e paciência em bem conduzir um iniciado pelo emaranhado lógico-filosófico do
pensamento em Frege.
Gostaria de agradecer ainda a todos os amigos e colegas que, de maneira direta ou
indireta, nos deram incentivo no caminhar pelos jardins da filosofia. Em sua companhia nos
sentimos como em casa, e, sem eles, esse percurso teria sido mais árido.
Nesse caminhada obstáculos surgiram, mas o coração acolhedor da minha família
permitiu que esta dissertação tivesse não referência, mas também sentido. E ela não teria
sentido sem o incentivo de minha alma gêmea Rosalba, que encanta com sua própria luz e
espanta minha cegueira. Não sem a presença do meu filho Saulo, eterno caçador em mim, por
seu companheirismo de corpo e alma. Não sem o estímulo da minha filha Sarah, espelho da
minha alma, pelo seu calor humano transbordante de amor e energia. Não sem o exemplo de
minha filha Jordana, minha eterna juventude, por sua sensibilidade e reflexivas ponderações.
Nessa caminhada devo muito aos meus aliados, qualquer que seja seu status
ontológico, aos que me guiam não iluminando mas também gritando e tocando-me.
Tocam-me e sinto-me em mãos seguras, gritam e sei que não estou só, mesmo quando arrisco
travessias através dos abismos vertiginosos do conhecimento, mesmo quando encontro-me
sem referências e sem sentidos.
7
RESUMO
A investigação ontológica do sentido, a partir do ponto de vista do filósofo alemão
Gottlob Frege, tem por base o entendimento das categorias da referência, das representações,
do pensamento e do próprio sentido. Em Frege, conforme seus textos Sobre o Sentido e a
Referência, e O Pensamento uma investigação lógica, o sentido impõe-se como solução
para o problema trazido pela relação de identidade. Com o sentido ele busca o acréscimo de
conhecimento que a identidade não produz. Mas aqui surge um problema: a definição da sua
natureza. O sentido não pode ter sua natureza definida estritamente, pois assim seria reduzido
à categoria da referência, e com isso poderia ser confundido com o próprio objeto
extralingüístico. Mas Frege diz que o pensamento é o sentido de uma frase. Assim, nesse
estreitar de relações entre o sentido e o pensamento, a presente investigação passa a focalizar
o pensamento. Para Frege, o pensamento não é o simples ato de pensar do sujeito, não é sua
subjetividade em forma de representações, mas é sim uma coisa objetiva, real, eterna, e que
existe “em sinum “terceiro reino”. O pensamento existe num reino para além do mundo das
representações do sujeito e do mundo percebido pelos sentidos, e isso também leva esta
investigação para o mundo das Idéias em Platão. Assim, o pensamento platônico foi incluído
no debate sobre a metafísica do terceiro reino em Frege, na tentativa de melhor esclarecer as
origens dos conceitos conhecimento, realidade e verdade, fundamentais na abordagem
fregeana. Para isso foram pesquisados os diálogos: Teeteto, A República e Fédon. E, para o
âmbito de Frege foram trazidas as questões: como ocorre o conhecimento novo? Qual é a
realidade do terceiro reino? Qual é a relação entre verdade e pensamento? E estas
investigações evidenciaram tanto as origens platônicas da abordagem fregeana, quanto certas
diferenças de pensamento entre os dois filósofos.
Palavras-Chave: Sentido. Referência. Representações. Pensamento.
8
ABSTRACT
The ontological investigation of sense, from German philosopher Gottlob Frege’s
point of view, has, as its foundation, the understanding of reference, representation, thought
and sense’s categories. According to Frege’s writings, On Sense and Reference, and Thoughts
– Logical Investigations, sense carries itself the solution for the problem of identity’s relation.
Sense gives us the knowledge’s increment that identity doesn’t give. But still there is a
problem: the definition of sense's nature. Sense couldn’t have its nature strictly defined
because, in this case, it would be reduced to reference’s category and thus, sense would be
identified with the own extra-linguistic object, and this is a misconception. But Frege said
that thought must be considered as the sense of the sentence. So, with this close relationship
between sense and thought, a new goal in this investigation is putt in focus: thought. To
Frege, thought is not a simple subjective performance of thinking, it is not a subjective
representation, but it is an objective content that is real, eternal, and that exists by “itself” in a
“third realm”. Thought exists in a realm beyond the world of subjective representations and
beyond the world of sensible perception. From this point, the present investigation went back
to Plato’s World of Ideas. So, the platonic thinking was included in this debate about the
metaphysic of the third realm in Frege, trying to clarify the original concepts of knowledge,
reality and truth. To achieve this objective, the following dialogues had been included in our
research: Theaetetus, Republic and Phaedo. And the following fregean questions had been
brought to Plato's scope: how happens the new knowledge? What is the third realm’s reality?
What is the relation between truth and thought? Doing that we could see as much some of the
platonic origins of Frege's approach, as some differences between this two philosophers.
Key-Words: Sense, Reference, Representations, Thought.
9
LISTAS
FIGURA
Triângulo ABC............................................................................................................... 22
QUADRO
Atividades do Conhecimento .........................................................................................48
10
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 11
1.1CAMINHOS................................................................................................................12
1.2 ESTRUTURA.............................................................................................................14
1.3 UM ENCONTRO.......................................................................................................15
2. SENTIDO, REFERÊNCIA, REPRESENTAÇÕES E PENSAMENTO 17
2.1 O DESAFIO DA IDENTIDADE...............................................................................18
2.2 O CONHECIMENTO REAL.....................................................................................21
2.3 UM CONVITE AO SENTIDO E À REFERÊNCIA .................................................24
2.4 UM CONVITE ÀS REPRESENTAÇÕES ................................................................26
2.5 UM CONVITE AO PENSAMENTO.........................................................................29
2.6 ATOS PARA CONHECER A VERDADE ...............................................................32
2.7 UM CONVITE A PLATÃO ......................................................................................35
3. PLATÃO E FREGE: A BUSCA DO CONHECIMENTO 43
3.1 O QUE É CONHECIMENTO?..................................................................................44
3.2 UMA REFLEXÃO: A ATIVIDADE DO CONHECIMENTO.................................46
3.3 O CONHECIMENTO PELAS DIFERENÇAS. ........................................................49
3.4 FREGE: CONHECIMENTO, DIFERENÇAS E REINOS........................................52
3.5 UM DEBATE INTRODUTÓRIO AO TERCEIRO REINO.....................................54
4. PLATÃO E FREGE: A BUSCA DE REALIDADES 57
4.1 A REALIDADE DAS SOMBRAS ............................................................................58
4.2 A REALIDADE DO INTELIGÍVEL.........................................................................61
4.3 FREGE NO MUNDO INTELIGÍVEL.......................................................................63
4.4 A COMUNICAÇÃO E SEUS PROBLEMAS...........................................................64
4.5 UM DEBATE: EM BUSCA DA NATUREZA DA LINGUAGEM.........................67
4.6 UMA REFLEXÃO: O CONTEÚDO DA CONSCIÊNCIA ......................................69
4.7 O PENSAMENTO DO TEOREMA DE PITÁGORAS ............................................70
4.8 UMA RELAÇÃO DIFERENTE................................................................................72
5. PLATÃO E FREGE: A BUSCA DA VERDADE 76
5.1 OS CAÇADORES DA VERDADE...........................................................................77
5.2 APRENDER É RECORDAR.....................................................................................80
5.3 AS LIÇÕES DO MÉNON ..........................................................................................83
5.4 O PENSAMENTO É O SABER ETERNO ...............................................................84
5.5 UM ENCONTRO ENTRE PLATÃO E FREGE.......................................................87
5.6 A MORADA NUM ENCONTRO DE IDENTIDADES ...........................................88
6. UM REINO PARA O PENSAMENTO 93
6.1 O ENCONTRO COM O ELO FALTANTE..............................................................94
6.2 O TERCEIRO REINO................................................................................................96
6.3 A REALEZA DO REINADO ....................................................................................97
6.4 VERTIGENS..............................................................................................................99
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 107
11
1. INTRODUÇÃO
Às vezes, o homem se a beira do abismo, paralisado de medo,
incapaz de agir e de seguir em frente. Ele não sabe que a
proximidade desse abismo pode lhe permitir uma poderosa
metamorfose. Recuperar as asas do espírito, abandonar-se em toda a
confiança e lançar-se no vazio. A proximidade do abismo lembra ao
homem que ele tem o poder de voar. (Tradição indígena).
12
1.1 CAMINHOS
Para a presente dissertação propomo-nos, de início, a um entendimento sobre os
aspectos filosóficos e lingüísticos das categorias do sentido e da referência abordadas pelo
lógico e filósofo alemão Gottlob Frege (1848-1925). Tal caminho, entretanto, se revelou
muito amplo e algumas placas sinalizadoras pareceram nos indicar uma via mais especifica: o
estatuto ontológico do sentido.
Frege, em seu texto Sobre o Sentido e a Referência, ao se interrogar sobre os
problemas da identidade, procura saber se ela ocorre com os nomes que damos às coisas ou
com as próprias coisas. E nessa procura, observou que a única maneira de explicar porque, em
certos casos, as relações de identidade não são tautológicas, isto é, não são relações vazias,
mas produzem novos conhecimentos, foi lançar mão da categoria do sentido. Para além da
referência, o objeto extralingüístico, e para além do nome da coisa, o signo, o sentido vem
acrescentar um conhecimento novo, mas também vem trazer um novo problema: sua natureza.
E esse é o problema do sentido: se pudermos “definir estritamente”
(1)
sua natureza,
corremos o risco de reduzi-la à referência
.
Assim, Frege tem o cuidado em dizer que o
sentido não é o objeto extralingüístico, mas é a maneira como esse objeto nos é apresentado.
Assim, no contexto de uma expressão lingüística, o sentido da frase é o pensamento que ela
expressa
(2).
Assim, em Frege, sentido e pensamento estão essencialmente ligados. Com isso, outro
caminho de entendimento surgia: tentando compreender o que seja pensamento, poderíamos
também compreender o que seja sentido. Mas, esse caminho também não se revelou tão
acessível, pois, para Frege o pensamento não é o simples ato subjetivo de pensar, não faz
parte das representações do sujeito, mas tem uma objetividade especial: é “não-sensível” e
“em si”. E com isso, conforme frisa em seu texto O Pensamento uma investigação lógica,
ele dá contornos ao pensamento como uma coisa objetiva e que existe num mundo que chama
de “terceiro reino”.
Agora nossa caminhada entrava numa escorregadia metafísica de um terceiro reino
para o pensamento e que lembrava o mundo das Idéias em Platão. Além dessa lembrança,
observamos também que os comentadores de Frege dizem que ele é um “platonista”
(3).
E
com essas pistas, decidimos dar o próximo passo na busca do pensamento platônico. Assim
13
nessa caminhada a Platão, onde procuramos um entendimento básico das suas doutrinas,
surgiu outro momento de virada no presente trabalho: a presença do pensamento de Platão.
Com essa decisão, tivemos a oportunidade de nos debruçar sobre o que aquelas pistas
indicavam ser uma fonte de inspiração filosófica de Frege. E mais especificamente, com esse
novo foco de atenção no pensamento platônico, teríamos a oportunidade, não de dizer
simplesmente que Frege é um platonista, mas também de apontar os pensamentos, que
acreditávamos serem aqueles que mais se harmonizavam com os de Platão, e, com os quais
Frege buscava explicar sua metafísica para o terceiro reino. E, nessa busca, destacamos nele
três problemas centrais:
1) O problema do novo conhecimento: como adquiri-lo? Como incrementar o
conhecimento?
2) O problema da natureza do terceiro reino: como explicar sua existência? Como
explicar a existência do pensamento objetivo, real e eterno? Como explicar que o
pensamento está para além das subjetividades das representações e das
objetividades do mundo exterior?
3) O problema da origem do conhecimento: se o conhecemos uma coisa como
encontrá-la? Como explicar que antes do velho Pitágoras nascer existia o
pensamento do seu teorema?
E essas questões em Frege nos levaram até Platão. Para o problema do conhecimento
novo nos voltamos para uma leitura do seu diálogo Teeteto, e encontramos a abordagem
platônica do conhecimento pelas diferenças. Para o problema da realidade do terceiro reino
fomos ao diálogo A República, mais especificamente no relato do mito da caverna, e lá
encontramos, entre outras, as explicações metafísicas da coisa em si. Para o problema da
origem do conhecimento nos voltamos para o diálogo Fédon, onde Platão, com sua teoria da
reminiscência, nos afirma da necessidade lógica de já termos nascido com a categoria do Igual
a si, e, assim, para termos conhecimento das coisas, precisamos apenas delas nos recordar.
Nessa caminhada tortuosa, de encontros e desencontros, foi também cogitado o
abandono de nossa proposta inicial, o entendimento do sentido e da referência, em detrimento
desse debate mais amplo sobre essas especulações metafísicas de um terceiro reino. Mas, tal
abandono não se efetivou, pois, ao descobrirmos que as categorias do sentido e da referência
estavam ligadas essencialmente ao pensamento, conseguimos também vislumbrar que Frege
procura usar a linguagem tendo em vista uma relação lógica e objetiva com o pensamento.
Para Frege, cabe à lógica discernir as leis do pensamento, e isso ocorre quando
conseguimos distinguir entre o pensar, o julgar e o inferir verdadeiros: o pensamento
14
apreendido é julgado e o reconhecimento da sua verdade é expresso em forma de frase com
sentido. E em sua objetividade, o pensamento também se distingue do ato subjetivo de pensar
do sujeito.
Eis ai os passos dados em nossa caminhada para a elaboração do presente trabalho.
Nessa descrição, onde procuramos mostrar seu tema e suas questões centrais, tentamos
também condensá-la em seu título A MORADA DO PENSAMENTO: um encontro com
Platão na busca da natureza do sentido em Frege.
Agora vejamos sua estrutura.
1.2 ESTRUTURA
Esta dissertação tem, em sua estrutura textual, sete capítulos, neles já incluídos a
presente introdução e as referências bibliográficas. E em todos eles, excetuando-se este
último, foram inseridas seções secundárias e, no final, notas de rodapé.
Essa colocação das chamadas “notas de rodapéno final, e não previstas nas normas
de publicações técnicas, precisa de uma justificativa. Ela ocorreu tanto por acreditarmos dar
uma maior leveza ao texto central, como também por acreditarmos vir a solucionar o
problema do aspecto estético do texto. Apesar de tentarmos colocar um mínimo possível de
notas sucintas, apesar de tentarmos colocar somente aquelas notas que considerávamos serem
necessárias para um melhor esclarecimento do texto, algumas delas vieram a tomar um espaço
maior do que aquele que inicialmente esperávamos. Portanto, se essas notas extensas viessem
a ser colocadas no rodapé de cada página, poderiam se estender para além das mesmas,
tomando outras páginas. Com isso elas poderiam criar um aspecto visual esteticamente
duvidoso onde poderia haver notas mais extensas que o próprio texto central.
Em algumas seções secundárias, ou terciárias, onde colocamos a epígrafe
“REFLEXÕES”, ou “DEBATE”, objetivamos destacar assuntos tratados no desenvolvimento
do presente trabalho que achamos serem filosoficamente mais polêmicos, ou mais abertos ao
debate. E neles procuramos ter um melhor entendimento em forma de um debate reflexivo.
Assim, em resumo, temos na presente dissertação sete capítulos, sendo os seis
primeiros com seções secundárias, e notas que incluem tanto as notas bibliográficas como as
notas explicativas. E no capitulo final, o sétimo, temos as referências da bibliografia utilizada
15
tanto no texto central como nas notas. Procuraremos agora dar uma visão geral e resumida da
parte central desse conjunto.
Capítulo 2. Sentido, Referência, Representações e Pensamento. Neste capítulo,
como o próprio título sugere, serão introduzidas as categorias do sentido, da referência, das
representações e do pensamento em Frege, abordadas nos seus textos Sobre o Sentido e a
Referência e O Pensamento uma investigação lógica. Além dessas categorias, também
serão vistas as da identidade e do conhecimento.
No conjunto dos capítulos 3, 4 e 5, abaixo elencados, serão abordados Platão e Frege
na busca, respectivamente, do conhecimento, da realidade e da verdade. Nesses capítulos se
procurará, na medida do possível, confrontar seus pensamentos, procurando-se assim,
esclarecer como os entendemos. A seguir, serão destacadas algumas características dos
mesmos.
Capítulo 3. Platão e Frege: a Busca do Conhecimento. Neste capítulo é introduzido
o pensamento platônico sobre o que é conhecimento, a partir do diálogo de Platão Teeteto,
onde será destacada a atividade do conhecimento pela “diferença”, observado o ponto de vista
de ambos os pensadores, Platão e Frege.
Capítulo 4. Platão e Frege: a Busca de Realidades. Neste capítulo abordaremos
Platão em seu diálogo A República, com foco no chamado “Mito da Caverna”, onde serão
levantados, entre outros, os problemas do mundo das Idéias e da “coisa em si”. Com isso
procuraremos as bases metafísicas do terceiro reino em Frege.
Capítulo 5. Platão e Frege: a Busca da Verdade. Neste capítulo, Platão será
abordado em seu diálogo Fédon, onde será vista a teoria da reminiscência e da identidade
como essência do pensamento. Com isso será será procurado um ponto de encontro entre os
pensamentos de Platão e Frege.
Capítulo 6. Um Reino para o Pensamento. Neste último capítulo será elaborado
nosso entendimento sobre a metafísica do terceiro reino em Frege. Ele, que não existia em
nosso projeto original, se deu para encerrarmos a busca do último elo que faltava para
esclarecer a realidade do reino do pensamento.
1.3 UM ENCONTRO
Vimos até aqui o projeto do presente trabalho, mas falta-nos ainda saber em que
terreno construí-lo. E eis onde devemos lançar suas bases: no encontro de identidades. E é
16
nesse encontro onde deve se achar A MORADA DO PENSAMENTO. Mas ela não é um
locus para onde devemos levar chaves, pois não tem portas nem tem janelas. Nela não o
que fechar, não o que abrir, pois abriga o pensamento e ele é livre. E nessa condição de
liberdade o pensamento é puro e, em sua pureza, se identifica com as essências puras, e com
elas se torna um. Assim essa morada não é alcançada com essas chaves, mas com aquelas
que se identificam com o pensamento: a alma em sua condição de pureza e dignidade que a
tornam única. Eis então seu endereço: a morada está na rua das essências, no estado de alma
também conhecido como encontro de identidades. Vamos, então a esse encontro.
NOTAS DO CAPÍTULO 1
Nota 1. Definir estritamente o sentido.
Este assunto será tratado com mais detalhes na seção 2.5.
Nota 2. O sentido é o pensamento.
Em apoio a essa afirmação, cito Frege: [....] o sentido da sentença, isto é, o pensamento por ela
expresso [....] (FREGE, G., 1978, p.86). Este assunto será debatido com mais detalhes no capitulo 2.
Nota 3. Frege como “platonista”.
A afirmação de Frege ser um “platonista” será abordada com mais detalhes na seção 2.7.
17
2. SENTIDO, REFERÊNCIA, REPRESENTAÇÕES E
PENSAMENTO
[........] Pois dificilmente se poderá negar que a humanidade possui
um tesouro comum de pensamentos, que é transmitido de uma
geração para outra. (Frege).
18
2.1 O DESAFIO DA IDENTIDADE
2.1.1 A igualdade.
Vamos a um primeiro encontro com a identidade. E comecemos falando da igualdade,
esse algo que nos parece tão simples, tão elementar, tão óbvio, que às vezes esquecemos até
que existe. Aqui começaremos tentando fazer um exercício de recordação do que é igualdade.
A igualdade é a propriedade do ser igual, é a propriedade do ser o mesmo, que pode
ocorrer com relação ao “número”, com relação à “espécie”, e com relação ao “tipo”. Neste
ultimo caso, a igualdade pelo tipo, temos, por exemplo, os bens fabricados em série:
automóveis, moedas, etc. Assim, se digo que duas moedas de um real são do mesmo tipo, é
porque elas têm a propriedade de serem fabricadas com um mesmo padrão-tipo: de valor, de
formato, de matéria prima, etc. Com relação à igualdade das espécies, se falo, por exemplo, da
igualdade da espécie “homem”, falo da mesma coisa, mas que são muitas. Assim, muitos
homens dentro da mesma espécie homem, e, todas as coisas que recebem esse rótulo
“homem”, são ditas serem da mesma espécie. Essas igualdades, como estamos vendo,
enfatizam as relações entre as qualidades das coisas: aqui uma, ou algumas, qualidade
comum, entre duas ou mais coisas. Por isso a igualdade, com relação à espécie e ao tipo, pode
ser chamada de qualitativa, e corresponde a uma extensa lista de coisas distintas, mas com
algumas semelhanças entre si.
Mas existe ainda a igualdade com relação ao mero, a igualdade numérica. E, diz-se
que ela é a igualdade do desafio: é a igualdade que desafia a reflexão. A igualdade numérica
não se entre coisas semelhantes, como a igualdade qualitativa, mas se na coisa consigo
mesma. E toda coisa tem essa propriedade fundamental: de ser igual a si mesma. Assim “são
um”, todas aquelas coisas cuja matéria é “uma única”
(1)
. Por exemplo, uma moeda qualquer
é, obviamente, igual a si mesma, e, nessa condição, ela é singular, é única e, assim, não
comporta uma lista extensa de outras moedas. Esse tipo de igualdade, da coisa igual a si
mesma, pode também ser chamado de “identidade numérica”, ou, simplesmente, de
“identidade”
(2)
.
E de inicio fazemos a seguinte questão: por que a identidade, que é uma relação tão
óbvia, desafia a reflexão?
2.1.2 O desafio.
19
O matemático, lógico e filósofo alemão Gottlob Frege, ao refletir sobre os problemas
da identidade em seu texto, Sobre o Sentido e a Referência ( Über Sinn und Bedeutung ),
começa logo nos dizendo que não devemos esperar respostas fáceis para as questões da
identidade. Ao nos dizer isso, talvez esteja, como um guia a mostrar escarpadas montanhas a
escalar, a nos indicar dois caminhos: o caminho de volta ou o caminho do desafio. Talvez
esteja a nos apontar o caminho da desistência ou o caminho da reflexão provocada pelo
desafio da identidade. Em suas palavras:
-A igualdade desafia a reflexão dando origem a questões não muito fáceis de
responder. É ela uma relação? Uma relação entre objetos ou entre nomes, ou sinais de
objetos? (FREGE, G.,1978, p. 61).
Ao aceitar o caminho do desafio, nos deparamos logo com as questões que a
identidade provoca: será ela uma relação? Será ela uma relação entre objetos ou entre os
nomes dos objetos?
Frege, em sua “Ideografia” ( Begriffsschrift ), tinha feito a opção pela identidade como
uma relação entre os nomes. Em suas palavras:
Em minha “Begriffsschrift” assumi a última alternativa. As razões que
parecem apoiar essa concepção são as seguintes: a=a e a=b são,
evidentemente, sentenças de valor cognitivo diferentes; a=a sustenta-se à
priori e, segundo Kant, deve ser denominada de analítica, enquanto que
sentenças da forma a=b contém, freqüentemente, extensões muito valiosas
de nosso conhecimento, e nem sempre podem ser estabelecidas à priori.
(Ibidem).
Para Frege essa opção era justificada ao verificar sentenças
(3)
dos tipos:
1. a = a
2. a = b
Tais sentenças têm diferentes conteúdos cognitivos, isto é, cada uma dessas
identidades traz em seu interior um conteúdo informativo diferente, uma possibilidade de
conhecimento que as diferencia entre si: o valor cognitivo da sentença 1 sustenta-se à priori e
a sentença 2 contém extensões valiosas de conhecimento que não são determinados à priori.
Para o conhecimento à priori as sentenças que lhes dão sustentação são chamadas de
“sentenças analíticas”
(4),
pois devem explicar e esclarecer que o objeto de que se fala é o
próprio objeto. Assim, por exemplo, se digo o homem é homem”, estou afirmando uma
sentença do tipo 1, estou afirmando uma sentença “tautológica”, “vazia” ou “sem
conseqüências”
(5).
Se eu digo do homem que ele é homem, então afirmo de “a” o que sei
20
sobre a”. E isso é um conhecimento sobre a”, mas nada mais acrescenta a ele. Portanto as
sentenças tautológicas trazem conhecimento, mas não o acrescentam, mas não criam
extensões do conhecimento, como as sentenças do tipo 2. Para estas, por exemplo, quando
digo “o ouro não enferruja”, digo uma sentença extensiva, isto é, digo uma sentença que
acrescenta algo ao conceito de ouro, e esse algo acrescentado é o conhecimento de que o ouro
não enferruja.
2.1.3 A busca da identidade nas coisas.
Frege, a seguir, expressa a identidade entre as coisas:
[...] Se quiséssemos considerar a igualdade como uma relação entre aquilo
a que os nomes “a” e “b” se referem, pareceria que a=b não poderia
diferir de a=a, desde que a=b seja verdadeira. Deste modo, expressaríamos
a relação de uma coisa consigo mesma, relação que toda coisa tem consigo
mesma, mas que nunca se dá entre duas coisas distintas
. (Ibidem).
A identidade entre as coisas
(6)
busca expressar a relação da coisa consigo mesma. A
questão é: como isso ocorre?
Se considerarmos a identidade entre coisas como uma relação entre aquilo a que os
nomes “a” e “b” se referem, neste caso, sendo verdadeira a relação a = b, então também é
verdadeiro que a = a. Ora a relação a = a, como vimos, é uma relação de uma coisa consigo
mesma. É uma relação vazia de conseqüências, é uma relação de identidade, e ela nunca se dá
entre duas coisas distintas. Então, a identidade entre as coisas nos leva a uma relação
tautológica ou vazia, sem acrescentar conhecimento.
2.1.4 A busca da identidade nos nomes.
Frege agora reformula sua opção da identidade como uma relação entre nomes, feita
anteriormente em sua “Ideografia”
(7)
. E em sua nova concepção, ele nos convida a pensar
que uma relação entre nomes que designamos para as coisas, é uma relação arbitrária”, e,
portanto, não nos conduz ao incremento do conhecimento:
Por outro lado, parece que por a=b quer-se dizer que os sinais ou os nomes
“a” e “b” referem-se à mesma coisa, e neste caso, a discussão versaria
sobre estes sinais; uma relação entre eles seria asserida. Mas esta relação
se manteria entre os nomes ou sinais, apenas na medida em que
denominassem ou designassem alguma coisa. Ela seria mediada pela
conexão de cada um dos dois sinais com a mesma coisa designada. Esta
conexão, porém, é arbitrária. Ninguém pode ser impedido de empregar
qualquer evento ou objeto arbitrariamente produzido como um sinal para
21
qualquer coisa. Com isso, a sentença a=b não mais se referiria a uma coisa,
mas apenas à maneira pela qual a designamos; não expressaríamos por seu
intermédio, propriamente, nenhum conhecimento
. (Ibidem).
Temos que se a relação a = b quer dizer que os nomes “a” e “b” referem-se a uma
mesma coisa, então aqui a discussão estaria no campo de uma relação em que se afirma dos
signos. E tal relação é mantida porque tais signos designam alguma coisa. Entretanto, tal
conexão entre signos que podem designar a mesma coisa, é uma relação arbitrária porque
ninguém pode ser impedido de empregar um determinado signo para designar qualquer
objeto. Assim, uma sentença do tipo a = b não iria se referir a uma coisa, mas ao modo em
que, arbitrariamente, designamos as coisas, e isso também não iria acrescentar conhecimento.
2.2 O CONHECIMENTO REAL
Frege, a seguir, enfatiza que ele procura o incremento de conhecimento, e, com
isso, introduz um novo elemento, introduz uma “diferença”, que se encontra “no modo de
apresentação” do que é designado:
Mas é justamente isto o que queremos em muitos casos. Se o sinal “a”
apenas enquanto objeto (aqui, por sua configuração), não enquanto sinal
isto é, não pela maneira como designa alguma coisa então o valor
cognitivo de a=a tornar-se-ia essencialmente igual ao de a=b, desde que
a=b seja verdadeira. Uma diferença só poderá aparecer se à diferença
entre os sinais corresponde uma diferença no modo de apresentação daquilo
que é designado. Sejam a, b, c as linhas que ligam os vértices de um
triângulo com os pontos médios dos lados opostos. O ponto de interseção de
a e b é, pois, o mesmo que o ponto de interseção de b e c. Temos, assim,
diferentes designações para o mesmo ponto, e estes nomes (“ponto de
interseção de a e b” e “ponto de interseção de b e c”) indicam,
simultaneamente, o modo de apresentação e, em conseqüência, a sentença
contém um conhecimento real. (Idem. Página 62. Os destaques em negrito
são nossos.).
Até aqui Frege fez-nos refletir sobre o problema da identidade das coisas e dos nomes.
Vimos que a identidade dos nomes é arbitrária, e que a identidade das coisas nos leva a
relações do tipo a = a, que são à priori e, portanto, não nos trazem novos conhecimentos.
Assim, se o novo conhecimento não se encontra na identidade entre nomes e nem se encontra
na identidade das coisas, precisamos saber onde encontrá-lo. E ele nos adianta que esse
22
incremento de conhecimento está na diferença que aparece no modo de apresentação da coisa
que é designada pelo nome. A questão que surge aqui é: o que é esse modo de apresentação?
2.2.1 O modo de apresentação.
Um exemplo poderá melhor esclarecer o que é o modo de apresentação. Seja um
triângulo com vértices A, B e C, conforme apresentado na figura Triângulo ABC, abaixo. Seja
“a” a linha que liga o vértice A com o ponto dio de seu lado oposto, BC. Seja “b” a linha
que liga o vértice B com o ponto médio do seu lado oposto, AC. E seja “c” a linha que liga o
vértice C com o ponto médio do seu lado oposto, AB.
Podemos verificar na figura que as linhas “a”, “b”, e “c” têm um ponto de
interceptação comum, que podemos chamar de “O”. Tal ponto comum “O”, entretanto, pode
ser apresentado dos seguintes modos:
1. Ponto de interceptação de “a” e “b”;
2. Ponto de interceptação de “b” e “c”;
3. Ponto de interceptação de “a” e “c”.
Temos, então:
Figura: Triângulo ABC
A figura do triângulo ABC acima mostra o ponto
médio comum “O” de interceptação de todas as
linhas “a”, “b” e “c”, que partem, respectivamente,
dos vértices A, B, e C até o encontro com o ponto
médio oposto.
23
Verifica-se na figura acima, que o ponto comum “O” pode ser apresentado de diversos
modos, e isto quer dizer que ele tem diversos modos de apresentação. Em nosso exemplo, o
ponto “O” tem exatamente três modos de apresentação. Deve-se observar ainda que esses
modos de apresentação são distintos entre si, ou se apresentam de modos diferentes uns dos
outros, e isto caracteriza a diferença. Entretanto, todos eles têm um ponto comum em “O”,
que é o ponto onde as diferentes linhas se interceptam. Isto quer dizer que, no ponto comum
as diferentes linhas se identificam com o ponto “O”, e nele ocorre a identidade entre os
diferentes modos de apresentação.
2.2.2 O conhecimento real.
Vimos acima que o novo conhecimento se encontra na diferença e essa se encontra no
modo de apresentação da coisa designada pelo nome. Vista a diferença e visto o modo de
apresentação, a questão agora é saber onde está o novo conhecimento?
Em nosso exemplo, um conhecimento “real”, um conhecimento novo, que foi
adquirido através de uma elaboração geométrica. E esse conhecimento pode ser a simples
descoberta de que os pontos de interceptação das linhas que ligam o rtice de um triângulo,
ao seu ponto médio oposto, têm em comum um novo ponto em “O”. E esse conhecimento
novo não se encontra nem na identidade do ponto “O” consigo próprio, nem se encontra no
nome dado ao ponto quando o chamamos de “O”, mas nos diversos modos em que ele, o
ponto “O”, é apresentado. E por que isso ocorre?
Isso ocorre porque ao elaborar a figura do Triângulo ABC, ao elaborar sua
representação gráfica a partir das diversas linhas “a”, “b” e “c”, descubro um conhecimento
que não estava na identidade da coisa consigo mesma, nem estava na expressão lingüística do
nome dado a essa coisa. Esse novo conhecimento estava como que escondido, estava como
que para ser descoberto. E essa descoberta que amplia o conhecimento, que amplia a extensão
do conhecimento geométrico, é a da simples existência de um ponto médio “O” num triângulo
ABC, com características bem determinadas. E, essa descoberta pode trazer novos
desdobramentos, pode trazer novas aplicações, pode trazer novos conhecimentos. Por
exemplo, o ponto “O” pode ser considerado como a representação do vértice de uma pirâmide
triangular de base ABC, vista a partir do seu topo. Ou, inversamente, o ponto “O” pode ser
considerado como o ponto de fuga de um prisma de base triangular ABC, de altura infinita,
vista a partir de sua perspectiva geométrica.
24
2.3 UM CONVITE AO SENTIDO E À REFERÊNCIA
Frege agora nos convida a pensar numa referência e num sentido:
É, pois, plausível pensar que exista, unido a um signo (nome, combinação de
palavras, letra), além daquilo por ele designado, que pode ser chamado de
sua referência, [e] ainda o que eu gostaria de chamar de o sentido do signo,
onde está contido o modo de apresentação do objeto. Conseqüentemente,
segundo nosso exemplo, a referência das expressões “o ponto de interseção
de a e b” e “ponto de interseção de b e c” seria a mesma mas não os seus
sentidos. ( FREGE, G., 1978, p. 62.).
Unidos ao signo, existem a referência
(8),
e algo “além daquilo por ele designado” que
é o sentido, “onde está contido o modo de apresentação do objeto”. Assim, o sentido existe e
tem uma localização: não está no objeto, mas está no modo como ele é apresentado.
A partir do exemplo do Triângulo ABC, na seção anterior, as expressões, “o ponto de
interceptação de a e b”, o “ponto de interceptação de b e c”, e o “ponto de interceptação de a e
c”, têm o mesmo o ponto “O”, e isso que dizer que eles têm a mesma referência. Temos
também que esses três modos de apresentação desse elemento comum, nos dão os seus três
sentidos. Assim, a referência dos diversos modos de apresentação do ponto “O”, seria uma
“mesma”, mas não os seus sentidos. Portanto, pode-se dizer que para uma mesma referência,
podemos ter diversos sentidos.
2.3.1 A referência do nome próprio.
Frege agora procura explicar o que é a referência de um nome próprio:
Nesse contexto fica claro que, por “signo” e por “nome” entendi qualquer
designação que represente um nome próprio, cuja referência seja um objeto
determinado [....], mas não um conceito ou uma relação [....] A designação
de um objeto singular pode também consistir em varias palavras ou outros
signos. Para sermos breves, chamaremos cada uma destas designações de
nome próprio.
( Ibidem.).
A referência de um nome próprio
(9)
é um “objeto determinado”. Frege, apesar de
tomar o termo “objeto” numa ampla acepção, nos diz que nela não está contida nem a acepção
de “conceito” nem a de relação”. Assim, por negação, a referência de um nome próprio não
é seu conceito, mas é o objeto, e ele está além do signo. Não é a relação entre o signo e o
objeto, mas é o próprio objeto extralingüístico.
25
2.3.2 Expressões com sentido e sem referência.
Para Frege o sentido de um nome próprio
(10)
ocorre pelo entendimento, e esse
entendimento se para todos aqueles que estão “familiarizados com a linguagem” (idem, p.
63). Ele observa ainda que a conexão entre o sentido e a referência do signo não garante que
ao sentido corresponda sempre uma referência. Em suas palavras:
A conexão regular entre o signo, seu sentido e sua referencia é de tal modo
que ao signo corresponde um sentido determinado e ao sentido, por sua vez,
corresponde uma referencia determinada, enquanto que a uma referencia (a
um objeto), não deve pertencer apenas um único signo. O mesmo sentido
tem expressões diferentes em diferentes linguagem, ou até na mesma
linguagem. É verdade que exceções a esta regra ocorrem. Certamente
deveria corresponder, a cada expressão, que pertença a uma totalidade
perfeita de signos, um sentido determinado; mas, frequentemente, as
linguagem naturais não satisfazem a esta exigência e deve-se ficar satisfeito
se a mesma palavra tiver sempre o mesmo sentido num mesmo contexto.
Talvez possa ser assegurado que uma expressão gramaticalmente bem
construída, e que desempenhe o papel de um nome próprio, sempre tenha
um sentido. Mas com isto não se quer dizer que ao sentido corresponda
sempre uma referência. As palavras como “o corpo celeste mais distante da
Terra” têm um sentido, mas é muito duvidoso que tenha uma referência. A
expressão “a série que converge menos rapidamente” tem um sentido, mas
provadamente não tem referência, já que para cada série convergente dada,
uma outra serie que converge menos rapidamente pode sempre ser
encontrada. Portanto, entender-se um sentido nunca assegura sua
referência. ( Idem. Pg. 63).
Podemos ter as seguintes conexões regulares entre o sentido e a referência do signo: ao
signo corresponde um sentido determinado, ao sentido corresponde uma referência
determinada e, a uma referência pode corresponder mais de um signo.
O mesmo sentido pode ser expresso diferentemente, tanto em línguas distintas, como
de diversas maneiras numa mesma língua. A exceção a essa regra estaria numa linguagem
perfeita, mas as linguagens “naturais” não satisfazem essa exigência de fornecer somente um
determinado sentido. Entretanto, podemos nos dar por satisfeito se a mesma palavra tiver o
mesmo sentido, num mesmo contexto, dentro do mesmo ambiente da linguagem natural.
É possível que uma expressão bem construída em termos gramaticais, e que, além
disso, desempenhe a função de “nome próprio”, venha a ter sempre um mesmo sentido. Mas
isso não quer dizer que ao sentido corresponda sempre uma referência. Se dissermos, por
exemplo, “o corpo celeste mais distante da Terra”, tal expressão tem um sentido, mas
encontrar sua referência é uma tarefa duvidosa. Também, se dissermos “a série que converge
26
menos rapidamente”, observamos que ela tem um sentido, mas também é pouco provável que
tenha referência, pois sempre se pode encontrar outra série que converge menos rapidamente.
O que se conclui é que entender-se um sentido nunca assegura sua referência.
Portanto, podemos ter um sentido para uma expressão, mas isto não quer dizer que essa
expressão tenha uma referência. Essa conclusão quebra, de alguma maneira, aquelas
conexões regulares entre o signo, seu sentido e sua referência. Mais especificamente, essa
conclusão quebra a conexão de que a um sentido de uma expressão sempre corresponda uma
referência determinada.
2.4 UM CONVITE ÀS REPRESENTAÇÕES
Vimos que o sentido ocorre com o entendimento. Vimos que o sentido de uma
expressão não garante a ocorrência de sua referência, pois sentido em expressões mesmo
que para ela o haja uma referência determinada. Estando assim o sentido a depender do
entendimento, mas não da referência, será ele uma representação?
Para Frege, a representação é um elemento distinto da referência e do sentido do
signo:
A referência e o sentido de um signo devem ser distinguidos da
representação associada a este signo. Se a referência de um signo é um
objeto sensorialmente perceptível, minha representação é uma imagem
interna, emersa das lembranças de impressões sensíveis passadas e das
atividades, internas e externas, que realizei. Esta imagem interna está
freqüentemente saturada de emoções; a claridade de suas diversas partes
varia e oscila. Até num mesmo homem, nem sempre a mesma representação
está associada ao mesmo sentido. A representação é subjetiva: a
representação de um homem não é a mesma de outro. (Idem. Páginas 64 e
65. Os destaques em negrito são nossos.).
As nossas representações estão saturadas de emoções, e isso é um indicativo de que
elas são bastante instáveis, tanto entre os homens como num mesmo homem. Para Frege, as
nossas representações são subjetivas: a representação de um homem não é a mesma de outro
.
E isso nos leva a uma reflexão, a seguir.
2.4.1 Reflexão: um primeiro encontro com a subjetividade.
Em nosso primeiro encontro com a subjetividade, nesse texto, vejamos sua definição
como
(11)
: o caráter de todos fenômenos psíquicos enquanto fenômenos de consciência
(12),
que o sujeito relaciona consigo mesmo e os chama de “meus”, isto é, do próprio sujeito, então
27
a representação de um objeto externo qualquer é, para ele, um algo subjetivo. E esse algo é
sua imagem interna, associada ao objeto, que emerge das suas lembranças, que emerge de
impressões de suas atividades passadas.
E aqui surge um problema: com esse caráter da subjetividade como fenômeno de
consciência, posso falar de minhas imagens internas, posso falar das minhas representações,
mas não sou autorizado a falar das representações dos outros. Assim, sendo a representação
subjetiva, só posso dizer que a representação que tenho é minha e somente minha. Entretanto,
isso parece não me garantir que, se o outro tenha representações, elas sejam diferentes da
minha.
Assim não tenho garantias que o outro tenha representações. E mesmo que eu admita
isso, não tenho garantias que ele tenha representações distintas da minha, e nem de que ele
tenha as mesmas representações minhas. Dentro desse ponto de vista cético, a única garantia
que tenho é o que está dentro de minha mente. Assim posso garantir minhas representações,
mas não as do outro. Mas eu posso fazer uma concessão: admito que o outro exista e com ele
suas representações, desde que ele admita que eu exista e também minhas representações
(13).
2.4.2 Em busca das representações.
Feitas as devidas concessões
(14),
vejamos um exemplo que talvez venha a esclarecer
melhor o que Frege quer dizer com as representações e sua diversidade. Em suas palavras:
-Disso resulta uma variedade de diferentes representações associadas ao mesmo
sentido. Um pintor, um cavaleiro e um zoólogo provavelmente associariam representações
muito diferentes ao nome “Bucephalus”. (Ibidem).
Vamos supor três pessoas com profissões distintas: um pintor; um cavaleiro e um
zoólogo. Vamos também supor um “algo” que chamaremos de Bucephalus. O pintor
associará ao nome Bucephalus uma imagem interna A. O cavaleiro associará a esse mesmo
nome, uma imagem interna B. E o zoólogo associará, a esse nome, uma imagem interna C.
Assim, as representações associadas ao signo Bucephalus pelos três profissionais, serão as
imagens internas A, B e C, e elas são distintas entre si. Agora a questão é: onde está a
referência ao signo Bucephalus?
A referência ao signo Bucephalus, é um “algo” externo, qualquer que seja ele. Por
exemplo, esse algo externo, essa referência, pode ser o intrépido, impetuoso e infatigável
cavalo de Alexandre Magno
(15)
.
Mas esse seu cavalo tinha um ponto fraco: como seu dono, temia sua própria sombra.
E, assim, voltamos às representações. E a história do cavalo de Alexandre pode nos levar a
28
muitas representações: cada pessoa que a lê, cada um que pesquisar seu mito, terá uma
representação, que será distinta da do outro que ler, ou pesquisar, a mesma historia. E também
cada leitor, cada pesquisador, poderá, por si mesmo, fazer associações diversas, e, assim, terá
muitas imagens internas distintas umas das outras.
Vista a referência, com seu caráter objetivo, e vista as representações com seu caráter
multifacetado, oscilante e subjetivo, a questão agora é saber onde está o sentido?
2.4.3 Em busca do sentido.
Frege nos diz que o sentido pode ser a “propriedade comum de muitos”:
A representação, por tal razão, difere essencialmente do sentido de um
signo, o que pode ser a propriedade comum de muitos, e, portanto, não é
uma parte ou modo da mente individual; pois dificilmente se poderá negar
que a humanidade possui um tesouro comum de pensamentos, que é
transmitido de uma geração para outra. (Idem. Pg. 65. Os destaques em
negrito são nossos.).
A característica do sentido parece ser a de um “tesouro comum de pensamentos”
possuído pela humanidade. Além disso, esse tesouro é transmitido de uma geração para outra.
Assim a questão é: será o sentido um tesouro comum de pensamentos?
Bem, vemos que esse tesouro de pensamentos tem a qualidade de ser “comum”,
semelhantemente ao sentido. Além disso, ele não deve ser propriedade particular de um
indivíduo. Com isso está se dizendo que esse tesouro de pensamentos não é uma
representação associada a uma pessoa, mas é um tesouro possuído pela humanidade. Parece
então, que aqui podemos afirmar que o sentido de um signo é um tesouro de pensamentos que
a humanidade possui. Portanto, o sentido não tem um caráter privado, não tem o caráter das
representações individuais, mas tem um caráter comum, mas tem o caráter de ser para muitos.
O sentido de um signo tem, enfim, um caráter público. Por isso a representação difere, em sua
essência, do sentido: a representação é subjetiva, enquanto o sentido é objetivo. O problema
agora parece ser descobrir o mapa desse tesouro. O problema agora está em descobrir o que é
isso: um tesouro comum de pensamentos?
É o que veremos a seguir.
29
2.5 UM CONVITE AO PENSAMENTO
2.5.1 As questões do pensamento.
Vimos que Frege colocou em discussão três grandes categorias, distintas entre si: o
sentido, a referência e a representação. Vimos que ele deixou bem claro que tais categorias
não podem ser confundidas. A referência é o objeto externo a que o signo se refere, mas não é
uma relação entre o sujeito e o objeto e nem é um conceito do sujeito através do signo. O
sentido de um signo se através do entendimento que temos dele, mas esse entendimento
não é subjetivo, não faz parte das representações do sujeito, não se confunde com suas
imagens internas. O sentido não é minha imagem interna do objeto, pois se confundiria
com minhas representações. O sentido não é um objeto externo, pois se confundiria com a
referência, e assim seria “estritamente”
(16)
definido. Vimos que o sentido é a propriedade
comum de muitos, e que a humanidade possui um “tesouro comum de pensamentos”. Frege,
ao nos dizer isso, está também nos dizendo que o sentido se confunde com o pensamento, pois
este é propriedade de todos, é um tesouro comum da humanidade. Em suma, o que se
aqui é que parece haver uma relação entre o sentido e o pensamento. E aqui surgem as
questões: qual será o tipo de relação entre o sentido e o pensamento? Será o sentido da
expressão o seu pensamento, ou será o pensamento o sentido da expressão? É o que
tentaremos ver a seguir.
2.5.2 A verdade e o pensamento.
Frege, em seu texto O Pensamento - uma investigação lógica ( Der Gedanke eine
logische Untersuchung ), nos diz que o pensamento é "algo" onde a verdade pode ser
questionada legitimamente. Em suas palavras:
Sem querer dar uma definição, chamo de pensamento algo sobre o que a
verdade pode ser legitimamente colocada em questão. Também o que é falso
conto como sendo um pensamento, tanto quanto o que é verdadeiro. Posso
então dizer: o pensamento é o sentido de uma frase, com o que não quero
afirmar que o sentido de toda frase seja um pensamento. O pensamento, que
em si mesmo é não-sensível, veste-se com a roupagem sensível da frase,
tornando-se assim apreensível para nós. Dizemos que a frase expressa um
pensamento. (FREGE, G., 1999. Páginas 5 e 6. Os destaques em negrito são
nossos.).
Para Frege o pensamento recebe um certificado de legitimidade quando sua verdade
pode ser questionada. E, ao nos perguntar pela verdade do pensamento, só temos duas
30
respostas, temos dois valores: ou é falso, ou é verdadeiro. Assim, o valor da verdade do
pensamento ou é falso ou é verdadeiro, e, com isso, teremos pensamentos legítimos tanto
falsos como verdadeiros.
Além disso, para ele o pensamento se veste com a roupagem da frase e com isso pode-
se dizer que o pensamento é o sentido de “uma frase”
(17),
mas nem sempre o sentido de “toda
frase” é um pensamento. Assim, nem toda frase que tenha sentido expressa um pensamento.
Essa afirmação, entretanto, nos provoca a questão: por que nem toda frase com sentido
expressa um pensamento?
2.5.3 O pensamento e a frase assertórica.
Para elaborar mais precisamente o pensamento, devemos distinguir as frases que
questionam a verdade, das que não fazem isso. Nas palavras de Frege:
Para elaborar mais precisamente o que quero chamar de pensamento,
distinguirei alguns tipos de frase. Não se negaria que uma frase imperativa
tem sentido; mas esse sentido não é do tipo acerca do qual se questionaria a
verdade. Por isso não chamarei o sentido de uma frase imperativa de
pensamento. Igualmente, excluem-se frases que expressam desejos e
pedidos. aquelas frases com as quais comunicamos ou asserimos algo é
que podem entrar em consideração. Mas exclamações, nas quais alguém dá
livre curso aos seus sentimentos, gemidos, suspiros, risos, não conto como
tais, a menos que, por meio de convenções especiais, sejam destinadas a
comunicar algo. Mas que dizer de frases interrogativas? Em uma pergunta
com pronome interrogativo (Wortfrage), pronunciamos uma frase
incompleta, que somente através da complementação por ela convocada
vem a receber um verdadeiro sentido. As perguntas com pronome
interrogativo ficam desse modo fora de consideração. Outro é o caso de
perguntas em forma de frase. Esperamos ouvir 'sim' ou 'não'. A resposta
'sim' diz tanto quanto a frase assertórica; pois através dela o pensamento,
que se encontra completo na pergunta, é apresentado como verdadeiro.
Para cada frase assertórica pode ser assim construída uma pergunta. Eis
porque uma exclamação não pode ser vista como uma comunicação:
nenhuma pergunta correspondente pode ser construída. Uma frase
interrogativa e uma frase assertórica podem conter o mesmo pensamento;
mas a frase assertórica contém algo mais, a saber, a asserção. Também a
pergunta contém algo mais, a saber, uma convocação. (Idem. Pg. 7 . Os
destaques em negrito são nossos.).
Uma frase do tipo imperativa como “faça isso!”, tem sentido, mas não aquele que nos
interessa: o sentido que questiona a verdade. Uma ordem dada como essa, parece que não
admite questionamentos, e, assim, podemos dizer que ela tem sentido, mas seu sentido não
questiona a verdade, e por isso ela não é um pensamento. Portanto, para elaborar o
31
pensamento, precisamos nos expressar com frases que tenham sentido. Mas isso não basta:
é preciso também que as frases com sentido questionem a verdade do pensamento.
Outros tipos de frases, como as que expressam desejos e pedidos, como as que
expressam os gemidos e os sussurros, não são consideradas pensamento. As frases que
devemos considerar como pensamento são aquelas que comunicam algo, são aquelas que
asserem algo
(18),
são aquelas chamadas de frases assertóricas”
(19).
E o que é isso: frases
assertóricas?
Frases assertóricas são frases completas, que têm sentido, que questionam a verdade e
que comunicam algo de modo assertivo.
E o que dizer das frases interrogativas com um pronome, como por exemplo,
“quem”? “O que”?
Essas frases não são assertóricas, mas são frases incompletas, são frases que para
terem sentido precisam ser completadas, e por isso não são consideradas como pensamento.
Entretanto, outros tipos de frases interrogativas a serem consideradas, como por exemplo:
“isto é uma formação cristalina?” Nesse tipo de pergunta esperamos ouvir um sim,
concordando, ou um não, discordando dela. Ao ouvirmos um “sim”, isto nos diz tanto quanto
uma frase assertórica. E por que isso?
Um simples “sim” nos diz tanto quanto uma frase assertórica, porque o pensamento,
que já se encontrava completo na pergunta, agora é apresentado como verdadeiro. Assim, o
estudante de geologia quando pergunta ao professor “isto é uma formação cristalina?”, já tem,
nessa pergunta, um pensamento completo. E, ele agora espera uma resposta. Se ela for
afirmativa lhe apresentará o pensamento como verdadeiro. Se for negativa, lhe apresentará o
pensamento como falso.
Quando dizemos que o pensamento é formado por frases assertóricas, estamos dizendo
que ele é formado por frases completas, que têm sentido, que questionam a verdade, que
comunicam algo de modo assertivo, e que apresentam o pensamento como verdadeiro. Assim,
podemos dizer que o sentido de uma frase, é um pensamento, mas somente se ela é uma frase
assertórica. Mas não podemos dizer que “toda frase” com sentido é um pensamento, pois
frases como as que vimos, por exemplo, as frases imperativas, que têm sentido, mas que não
questionam a verdade e, assim, não podem ser consideradas um pensamento. Portanto,
podemos concluir dizendo que somente o sentido de uma frase assertórica é um pensamento.
A questão agora é saber como conhecer sua verdade?
32
2.6 ATOS PARA CONHECER A VERDADE
2.6.1 Pensar, julgar e asserir.
Frege, para nos responder como podemos conhecer a verdade de um pensamento, nos
diz primeiro que, em uma frase assertórica, duas coisas são distintas: o conteúdo e a asserção.
O conteúdo contém o pensamento, e com ele o expressamos. Somente com o conteúdo da
frase posso expressar o pensamento, sem a necessidade de apresentá-lo como verdadeiro. E a
verdade de um pensamento não é reconhecida por seu conteúdo, não é reconhecida pelo modo
como a expressamos, mas sim por sua forma assertiva. Mas, na frase assertórica, o conteúdo e
a asserção vêm tão unidos, que sua separação nos passa despercebida. Entretanto, podemos
fazer as seguintes distinções:
a) No ato de pensar, apreendemos o pensamento;
b) No ato de julgar, reconhecemos a verdade do pensamento;
c) No ato de asserir, manifestamos nosso julgamento.
2.6.2 O progresso na ciência.
Feitas tais distinções, Frege fala-nos da verdade que é reconhecida na ciência:
Um progresso na ciência acontece habitualmente do seguinte modo:
primeiro um pensamento é apreendido, tal como ele poderia vir expresso em
uma pergunta; após apropriada investigação, esse pensamento é finalmente
reconhecido como verdadeiro. Expressamos o reconhecimento da verdade
na forma da frase assertórica. [...] (Idem. Página 8).
Eis os modos de acontecer o progresso na ciência: primeiro o ato da apreensão do
pensamento, depois o reconhecimento da sua verdade, e, finalmente, a expressão do
reconhecimento dessa verdade em forma de uma frase assertórica.
Agora vamos tentar ver como ocorrem esses atos do conhecimento, refletindo sobre
seus passos.
2.6.3 Reflexão: os passos para o conhecimento.
Vimos que o passo primeiro para o conhecimento ocorre com a apreensão do
pensamento, ocorre quando questionamos. Assim, o conhecimento se desenvolve a partir de
uma pergunta. Para compreender um pouco mais o que Frege quer com isso dizer, vamos
33
exercitar o entendimento de um aspecto básico da dinâmica dos corpos. Por exemplo,
podemos perguntar:
- Por que os corpos caem?
Com essa questão inicial realizamos o primeiro ato, o ato de "apreender o
pensamento", ou o ato de pensar. Assim, ao fazermos essa pergunta, delimitamos o campo
de abrangência, ou o campo de investigação de nossa pesquisa que são os corpos físicos em
queda livre. Dentro dessa delimitação de assuntos, dentro dessa apreensão dos elementos a
serem objetos de nosso estudo, estamos como que procurando apreender também o
pensamento e assim, vamos buscar uma solução para a questão levantada. Assim, tudo que
sabemos, e tudo o que pudermos saber a respeito da física dos corpos em queda livre, será
objeto de nossa investigação.
Vimos que o segundo passo ocorre quando reconhecemos a verdade do pensamento.
Com o desenrolar da investigação provocada pela pergunta, encontramos uma explicação que
pode ser reconhecida como verdadeira, ou falsa. Efetuamos, assim, o ato de julgar porque
reconhecemos na resposta a verdade, ou a falsidade, desse pensamento apreendido pela
pergunta.
Vimos que o terceiro passo, para o conhecimento, ocorre quando expressamos a
verdade do pensamento. Assim, a explicação encontrada, sendo reconhecida como verdadeira,
será a expressão de nossa descoberta em forma de uma frase assertórica:
- É certo que os corpos caem porque se atraem.
E nessa simples asserção está a síntese de nossas pesquisas, está um acréscimo de
conhecimento para o homem, está, enfim, um progresso para a ciência.
2.6.4 Nada é adicionado ao pensamento.
Feita essa reflexão, observamos que o reconhecimento da verdade nessa investigação,
é expresso na frase assertórica, mas sua força não é alterada se usamos, ou não, a palavra
“verdade”:
[...] Para tal não precisamos da palavra 'verdade'. E mesmo quando a
usamos, a força assertórica como tal não reside nela, mas na forma da frase
assertórica; e onde essa forma perde a sua força assertórica, a palavra
'verdade' também é incapaz de restituí-la. Isso acontece quando não falamos
a rio. Como o trovão e a luta em um teatro, que são apenas aparência de
trovão e de luta, a asserção no teatro é apenas uma asserção aparente. É
apenas representação, ficção. O ator não assere em seu papel; ele também
não mente, mesmo quando diz algo de cuja falsidade está convencido. Na
poesia temos o caso em que, apesar da forma assertórica da frase,
34
pensamentos são expressos sem que eles sejam realmente apresentados
como verdadeiros, embora seja solicitado ao ouvinte um juízo de
assentimento. Assim sendo, mesmo naquilo que se apresenta sob a forma de
uma frase assertórica, pode ser sempre questionado se contém realmente
uma asserção. E essa questão é para ser negativamente respondida quando
faltar a necessária seriedade. Se a palavra 'verdade' for usada junto, isso é
irrelevante. Assim se esclarece por que nada parece ser adicionado ao
pensamento quando se lhe atribui a propriedade de ser verdadeiro. (Idem.
Página 8).
A verdade é reconhecida na “forma” da frase assertórica, e é nessa forma que está sua
“força”. Essa força, entretanto, não está no uso que podemos fazer da palavra “verdade”.
Assim, ao acrescentar a palavra “verdade” numa frase assertórica, não estou alterando sua
força: não estou aumentando-a nem estou diminuindo-a. Mas ela pode ser perdida. E isso nos
provoca a seguinte questão: como se perde a força de uma frase assertórica?
A força de uma frase assertórica pode ser perdida quando não falamos a sério. Por
exemplo, nas representações teatrais uma ão de uma luta encenada ou o som de um trovão
são apenas aparências. As asserções dos atores, as suas falas, também são asserções aparentes,
pois são representações teatrais e podemos dizer que seus pensamentos são expressos sem que
eles sejam apresentados como verdadeiros. Mas os pensamentos expressos, mesmo sem ser
verdadeiros, exigem do ouvinte um juízo de assentimento.
Ao ouvirmos uma frase assertórica devemos questionar se ela contém, na realidade,
uma asserção. E essa questão será respondida negativamente nas representações teatrais,
mesmo que o ator afirme que está dizendo a verdade. Assim, pode-se dizer que nada pode
ser adicionado ao pensamento quando se afirma sua verdade ou falsidade, pois o pensamento
já está completo, em forma de frase assertórica, mesmo antes desse juízo.
2.6.5 Questões básicas.
Aqui falamos da verdade, falamos do reconhecimento da verdade no pensamento, do
progresso da ciência que nos leva ao novo conhecimento e também falamos do sentido que
ocorre em forma de frases assertóricas. E algumas grandes questões básicas parecem que aqui
se impõem: o que é identidade, o que é verdade, o que é pensamento, o que é conhecimento?
E, como estamos vendo, tais perguntas não tem respostas simples ou fáceis. Por isso, façamos
uma pausa para uma tomada de posição a partir do que vimos, e do que pode se desdobrar, a
seguir.
35
2.7 UM CONVITE A PLATÃO
Vimos até aqui uma ampla discussão em Frege que girou, principalmente, em torno da
identidade, do sentido, da referência, da representação, da verdade, do pensamento e do
conhecimento. Além disso, sua formação parece ter sido lançada sobre o princípio da
identidade, onde se chegou às relações tautológicas, onde se chegou a relações que não
produzem novos conhecimentos, mas que fundamentam a relação da coisa consigo mesmo.
Vimos a necessidade de se incrementar o conhecimento a partir dos diferentes modos
de apresentação dos nomes próprios, a partir dos diversos sentidos das frases, a partir do
reconhecimento da verdade das frases assertóricas. Vimos a necessidade dos atos de
apreender, de julgar e de expressar a verdade dos novos conhecimentos. Tendo em vista tais
necessidades, fazemos a seguinte pergunta:
-Será que podemos dizer que o discurso de Frege, que aqui vimos, tem como objetivo
o incremento de conhecimento?
Bem, para ele é preciso encontrar uma relação que acrescente conhecimento e a
solução não está na identidade da coisa consigo mesma, mas parece que se encontra na
“diferença”. Vimos a identidade naquilo que é comum, mas é preciso encontrar aquilo que
diferencia a coisa desse comum. Assim, ao querer encontrar o caminho da diferença, Frege
nos indica o caminho do conhecimento. Ao querer encontrar o caminho do pensar, do julgar e
do inferir verdadeiros, ele nos aponta para o conhecimento. Parece, então, que todos os
caminhos, em Frege, nos levam para o conhecimento. Mas antes de nos lançarmos nesse
caminho, precisamos de outra companhia, precisamos de outro guia, e, por isso, devemos
justificar um convite.
2.7.1 Um convite.
Esse debate se deu até agora em torno do pensamento de Frege, em torno de seus
conceitos e opiniões. E, como não podia deixar de ser, trouxemos, além das contribuições de
seus comentadores, nossas próprias opiniões e comentários em forma de reflexões.
A partir de agora, procuraremos trazer para o presente discurso o pensamento grego
antigo, mais especificamente, o pensamento de Platão. Enfim, fazemos um convite ao
pensamento platônico para que participe da nossa discussão. E a questão que surge
naturalmente está em saber por que fizemos essa opção?
36
Aqui o pensamento platônico é o acréscimo que vem a enriquecer o conhecimento,
que vem a enriquecer o discurso. Mas o acréscimo nos traz a diferença, e o incremento de
conhecimento é uma relação de diferenças. E, como vimos no próprio Frege, é na diferença
que o conhecimento vem a ser acrescentado ao que já foi adquirido.
2.7.2 Uma justificativa.
Outra questão tem que ser feita: por que a escolha por Platão?
Seria insensatez de nossa parte ignorar Platão
(20),
pois ele, além de nos trazer as
questões originárias do pensamento, parece ter exercido uma grande influência sobre o
pensamento de Frege, ao ponto dele ser considerado como um “brilhante”, mas
“intransigente” representante do platonismo
(21).
Por tais motivos, faço uma volta em direção
às origens do pensamento filosófico, mais precisamente em direção ao pensamento grego
antigo em Platão.
2.7.3 Os problemas.
Mas, antes disso, quero reconhecer o problema de ter dois pensadores opinando sobre
um mesmo assunto central, o conhecimento. Acredito ser esse um problema, por exemplo, o
de querer atribuir a um filósofo o que o outro pensa, ou o de querer transferir conceitos de um
como se fossem do outro. Assim, para tentar contornar isso, procuraremos deixar claro o que
pensa cada um deles sobre cada assunto a ser aqui abordado. E, para isso utilizaremos,
preferencialmente, suas próprias citações, onde procuraremos questioná-las deixando que o
texto fale por si mesmo.
Sabendo ainda que nas águas da filosofia “não fundos rasos”, não uma filosofia
“elementar”
(22),
quero também reconhecer o problema das águas profundas do pensamento
metafísico em Platão. Quero reconhecer que sua filosofia, sem um bom guia, pode nos levar a
um “emaranhado” de doutrinas sem solução, pode nos levar à emaranhados filosóficos que
alguns chamam de “a barba de Platão”
(23).
Digo “reconhecer” no sentido de vislumbrar e
não de “conhecer”, e por isso, não tenho a pretensão de querer debater Platão sem o auxílio de
seus comentadores, sem o auxílio de seus guias
(24).
Nesse afã, buscaremos as questões
originárias sobre o conhecimento, provocadas por ele, e assim, acreditamos poder trazer mais
riqueza ao debate em Frege, na forma de velhas, e sempre novas, questões filosóficas sobre o
conhecimento.
37
NOTAS DO CAPÍTULO 2
Nota 1. Igualdade.
Estamos nos referindo a Aristóteles, citado por TUGENDHAT, E., & WOLF, U., (1997, p. 131 e 132),
e a seus comentários sobre igualdade. Para o autor se pode falar em igualdade como sinônimo de identidade e
seu conceito tem tanto o sentido da identidade qualitativa como de identidade numérica, já observados por
Aristóteles em sua Metafísica ( 1016b32s):
Costumamos falar de “mesmocom respeito ao número ou com respeito à espécie
[....] Com respeito ao número, são um aquelas coisas cuja matéria é uma única. [...
] Com respeito à espécie, são o mesmo coisas que são muitas, sendo contudo
indiferenciáveis quanto à espécie, como p. ex., homem e homem ou cavalo e cavalo.
É que todas as coisas que caem sobre a mesma espécie são ditas ser o mesmo no
que toca à espécie. (Apud TUGENDHAT, E., & WOLF, U., 1997, p. 131. Os
destaques em negrito são nossos.).
Assim, de acordo com o número”, se “a” e “b”, são o mesmo, eles são uma única coisa, eles são uma
única “matéria”, e estamos lidando com uma identidade numérica, estamos lidando com uma identidade em seu
“sentido estrito”, isto é, com uma identidade que não comporta extensão. A identidade com relação à “espécie” é
também chamada de identidade “qualitativa” e se com dois objetos “distintos”, mas iguais em uma, ou
algumas, de suas propriedades. Aristóteles, na passagem acima, nos fala do “mesmo” com relação ao predicado
da espécie “homem”, e da espécie “cavalo”. Um caso importante de identidade qualitativa é o de objetos do
mesmo tipo, como, por exemplo, o de automóveis produzidos em série: eles concordam entre si quanto a forma,
tamanho, tipo de material, etc. O conceito de identidade numérica é o que está mais aberto ao debate filosófico.
Nota 2. Identidade.
A opção do uso do termo “igualdade” com o mesmo de sentido de “identidade” também é dada por
FREGE, G.: “uso esta palavra [igualdade] no sentido de identidade”. Se “a=b”, então “a é o mesmo que b”, ou
“a e b coincidem”. (FREGE, G., 1978. Nota 1, p. 61).
Nota 3. Sentenças.
Reproduzimos aqui ALCOFORADO, P., (1978, p. 61), que traduziu o original alemão do texto de
Frege: “As razões que parecem apoiar essa concepção são as seguintes: a = a e a = b são, evidentemente,
sentenças de valor cognitivo diferentes;” (FREGE, G., 1978, p. 61. O destaque em negrito é nosso). A tradução
desse mesmo trecho, do alemão para o inglês, de GEACH, P., & BLACK, M., ( 1977, p. 56. O destaque é
nosso.), é: “.... statements of differing cognitive value;” Assim, para evitar a confusão, talvez seja melhor
entender o termo “sentença” da p. 61 acima, em Alcoforado, como o sugerido por Geach: “statement”, ou,
enunciado.
No trecho mais na frente, ALCOFORADO, P., (1978, p. 67), usa ainda o termo “sentença” noutra
concepção: “Agora, passemos a investigar qual seja o sentido e a referência de uma sentença assertiva
completa.” Para esse trecho, Geach, P., & Black, M., (p. 62), traduz para o inglês: “....for an entire
declarative sentence”, assim justificando em seu “glossary”(p. ix): “sentence, proposition, theorem, clause
[according to context]” para a palavra alemã “Satz”. (Todos os destaques em negrito são nossos).
Nota 4. Sentenças analíticas.
Frege ao falar sobre as sentenças analíticas, nos indica Kant como sua fonte de referência. Assim,
conforme KANT, I., ( 2002, p. 48 a 52), temos que a questão que norteia sua busca ontológica é: Como são
possíveis os conhecimentos a priori?
Para ele a razão humana é “dialética” no sentido de que temos capacidade de demonstrar que uma
afirmação é verdadeira e é ao mesmo tempo falsa. Tal “contradição interna”, nos leva ao chamado “principio da
contradição” que diz: “A nenhum sujeito compete um predicado que lhe seja oposto”. E isso também é um
“critério de verdade para a possibilidade do conhecimento. Para ele existe, em todo conhecimento, duas
espécies de juízos: juízos analíticos e juízos sintéticos.
Um juízo é analítico quando nada se indica no sujeito que já não esteja contido no seu conceito e que
se pode explicar através da análise”. Por exemplo, quando digo: “O ouro é metal amarelo”, digo um juízo
analítico, pois ele explica e esclarece que objeto do qual se fala é um metal amarelo. Todos os juízos analíticos
são “juízos a priori”, pois o “predicado é deduzido do próprio conceito do sujeito”, e, além disso, todos os juízos
analíticos “derivam do principio da contradição”.
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Um juízo é sintético quando “uno ao sujeito um predicado que acrescento ao conceito, sem explicá-lo
através da análise”. Por exemplo, quando digo: “O ouro não enferruja”, digo um juízo sintético, ou um juízo
“extensivo”, isto é, digo um juízo que “acrescenta” algo ao conceito de ouro, e esse algo acrescentado é que o
ouro não enferruja. Os juízos sintéticos, para Kant, não se fundam no principio da contradição.
Nota 5. Sentenças tautológicas.
Como ainda observa Kant: As proposições tautológicas são virtualiter vazias ou sem conseqüências;
pois elas são sem utilidade e sem uso. Tal é, por exemplo, a proposição tautológica: o homem é homem. Pois
não sei dizer do homem outra coisa que ele é homem, então nada mais sei dele. (KANT, I., 2003. Pg. 130).
Nota 6. Identidade das coisas e dos nomes.
Observando QUINE, W. O.,( 1996, p. 117 a 119), a identidade é uma noção simples e fundamental que
pode ser assim resumida: “Dizer que x e y são idênticos é dizer que são a mesma coisa. Todo objeto é idêntico a
si mesmo e a nada mais” ( Idem, p. 117). Apesar dessa simplicidade, a identidade esconde confusões que tem
sua origem no tratamento do aspecto temporal. Por exemplo, consideremos a afirmação de Heráclito de que “não
podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio”. Ora, o rio é um objeto extenso tanto no tempo como no espaço.
Ele é o total de seus diversos estados instantâneos, assim como de suas diversas seções transversais entre a
fonte e a foz”( Idem, p. 118). Assim, o rio por mais que ele mude, “permanece o mesmo idêntico total dos
diversos estados instantâneos” (Ibidem). E cada um desses estados instantâneos é também idêntico a si mesmo.
Outro aspecto da confusão que a identidade pode causar é a não distinção cuidadosa entre os objetos e
seus nomes. Por exemplo, podemos dizer: ‘Cícero = Cícero’, ‘Cícero = Catilina’ e ‘Cícero = Túlio’. Desses três
enunciados, o primeiro é vazio, o segundo é falso e o terceiro é “informativo”, pois, neste caso, “combina dois
nomes diversos” (Ibidem) e , além disso, ele é verdadeiro, uma vez que os dois nomes são nomes do mesmo
objeto, são nomes da mesma pessoa. O que temos aqui é que o homem Cícero é idêntico ao homem Túlio,
embora o nome “Cícero” seja diferente do nome “Túlio”.
Nota 7. Ideografia.
No § 8 de sua “Ideografia”, Frege tinha feito a opção pela identidade entre os nomes, que ele agora
reformula e vem a chamar de “arbitrária”. O termo “Ideografia”, que foi traduzido como “Conceitografiapor
SANTOS, L.H., (1983, p.179), e, em sua justificativa, (“justificação de uma conceitografia”), Frege nos diz que
a “simbologia das relações lógicas” em Leibniz, por exemplo, falta “o conteúdo” e por isso não é uma
“verdadeira conceitografia”, e esta, para ele “deve possuir para as relações lógicas expressões simples que,
limitadas em número ao necessário, possam ser fácil e seguramente dominadas.” (FREGE, G., 1983, p. 192).
Nota 8. Referência.
Conforme observa HOTTOIS, G., (2002, p. 179), a literatura relativa a questão da “referência” é
abundante, mas não é homogênea. Compreende-se que essa questão é importante, pois trata em termos “lógicos e
lingüísticos” do chamado “problema ontológico”. Mas o objeto “extralingüísticoao qual se refere um símbolo
recebe, indiferentemente, o nome de “referência”, “referido”, “referente”, “denotado”, “denotação”, “extensão”,
etc. Sua proposta é fazer os seguintes usos:
a) Referido: para designar o “objeto extralingüístico”;
b) Referente: para designar o “símbolo”, ou o “significante” que refere;
c) Referência: para designar a “relação” entre referente e referido.
Como se observa acima, Hottois sugere o uso do termo “referência” como uma “relação” entre o objeto
extralingüístico e o nome do objeto. Frege, entretanto, evita o uso do termo “relação” para designar aquilo que
ele chama de “referência”. Como vimos, ele nos diz: nesse contexto fica claro que, por “signo” e por “nome”
entendi qualquer designação que represente um nome próprio, cuja referência seja um objeto determinado [....],
mas o um conceito ou uma relação [....] (FREGE, G., 1978, p. 62). Então, para Frege, a referência não é uma
“relação” entre o símbolo e o objeto, mas é simplesmente, o objeto. Assim, dentro da terminologia de Hottois,
quando Frege usa a palavra “referência” ele está querendo dizer “referido”, isto é, ele esquerendo designar o
objeto extralingüístico.
Nota 9. Nome próprio.
Ainda conforme HOTTOIS, G., (2002, p. 227), temos que o nome próprio é: o termo singular por
excelência, cujo portador é suposto existir e ser único. Idealmente, a significação de um nome tende a
identificar-se com o seu referido. Aqui temos, em resumo, as características do nome próprio:
1. É o termo singular por excelência;
2. Supõem-se duas coisas do portador do nome próprio: a) que ele exista e b) que ele é único;
3. Ao se perguntar ao nome próprio o que ele significa, tem-se como resposta seu próprio portador. Isto
quer dizer que a significação de um nome próprio identifica-se com o seu referido.
39
Nota 10. O sentido de um nome próprio.
Conforme GOLDSTEIN, L., e outros ( 2007. Pg. 101 a 105), existem duas questões a serem feitas aos
nomes próprios: a questão do significado e a questão da referência. Por exemplo, para o nome próprio “França”,
como se a questão do significado? E essa questão nos leva a outra: o que significa “significado”? Para evitar
ambigüidades, podemos selecionar uma concepção comum de significado: é o “conjunto de associações
subjetivas que cada falante faz com o nome” (Pg. 101). Mas esse ainda não é seu “sentido relevante”, pois, sendo
a linguagem um “meio de comunicação”, os filósofos, lógicos e lingüistas estão mais interessados em sua função
comunicativa, e, assim, este é seu sentido relevante: aquele que identifica o significado de uma expressão com “o
que esta expressão comunica”. E assim, surge a questão mais especifica do significado do nome próprio: se antes
perguntávamos o que eles significam, agora a pergunta é saber o que os nomes próprios comunicam? E a
resposta é: nada, “os nomes não comunicam absolutamente nada” (Pg.102). Assim, quando falo “França” posso
associar a esse nome a torre Eifel, ou a revolução francesa, ou o pão francês, mas o problema é que não posso
comunicar essas associações simplesmente falando o nome “França”. O que pode ser comunicado é que varias
coisas são ou não são. Por exemplo, podemos comunicar que a França é um pais da Europa, ou que está longe da
cidade de Natal, etc., e para isso nos utilizamos de “sentenças”, pois elas “carregam partes completas de
informação” (Pg. 102). A outra questão, a da referência, o é a de saber sobre “que” coisa um certo nome se
refere, pois esta é uma resposta óbvia: ‘Aristóteles’ se refere a Aristóteles. A questão relevante da referência é
sobre o “mecanismo de referência” para nomes. Isto é: como um nome “passa a ter” a referência que tem? Ou,
como um nome próprio consegue se referir a uma coisa particular?
A solução de Frege para as questões do nome próprio convenceu os filósofos que o seu significado
deveria ir “além de seu referente” (Pg. 104). Ao nos dizer que o nome próprio tem sentido e referência, Frege
está nos dizendo que mais no significado do nome do que o seu referente. Se antes essa concepção era
consensual, na atualidade ela é de uma minoria. Hoje a teoria dos nomes próprios predominante é conhecida
como a “teoria da referência direta”, que recusa tanto os argumentos fregeanos, como sua conclusão. Para essa
teoria, o nome próprio contribui “apenas com seu referente- nada mais e nada menos” (Pg. 105).
Nota 11. A subjetividade.
Conforme observa NAGEL, T., (2007, p. 7 e 8. Os destaques são nossos), a única coisa que posso ter
certeza é o interior de minha mente, onde moram minhas representações, minhas subjetividades. Qualquer coisa
que eu acredite ver, como a luz, a casa do vizinho, etc., está baseada em minha experiência, meus pensamentos,
sentimentos e impressões sensoriais. O argumento de que existe um mundo fora é esse: se não houvesse
coisas que refletissem ou difundissem a luz nos meus olhos, produzindo experiências visuais em mim, eu não
poderia ver as pessoas, ver os edifícios. Como estou vendo as coisas externas, então elas existem. A questão é:
como podemos saber disso? Apenas afirmamos a existência do mundo externo baseado na evidencia de nossos
sentidos. E eu posso confiar nas evidências de como se produzem as experiências visuais, se puder confiar no
conteúdo da minha mente que me diz como é o mundo externo. O que está em questão é justamente isso: se eu
tentar provar a credibilidade de minhas sensações recorrendo a minhas impressões, estarei andando em
círculos e não chegarei a lugar algum.
Ainda para NAGEL, T., (2007, p. 19 e 20), mesmo que eu acredite existir, além de minha mente, um
mundo externo, eu não tenho certeza quanto a existência de outras mentes ou de outras experiências alem das
minhas. A pergunta cética é essa: o que eu sei realmente o que se passa na mente de outra pessoa? Eu posso
observar as pessoas, seus corpos, suas vestimentas, suas conversas, seus comportamentos, sua anatomia, etc.,
mas nada disso me acesso aos seus sentimentos, às suas experiências, aos seus pensamentos. Por isso o
radicalismo cético questiona: o que eu sei realmente sobre a vida consciente que no mundo além do fato de
que eu tenho vida consciente?
Nota 12. Fenômeno de consciência.
Referimo-nos à citação de ABBAGNANO, N., (2003, p. 922), verbete “subjetividade”, aqui
parafraseada e adaptada ao texto.
Nota 13. Admita que eu exista.
Ainda conforme NAGEL, T., (2007, p. 27, 28 e 37. Os destaques são nossos.), podemos, por um
momento, esquecer o ceticismo e admitirmos a existência do mundo externo, a existência do meu corpo e
cérebro e a existência de outras mentes. Assim, eu faço uma concessão e admito que voé consciente, se
você admitir que eu também o sou. Agora a questão é: qual é a relação entre a consciência e o cérebro? Se
tropeçarmos numa pedra, sentimos dor. Assim, uma relação entre a nossa consciência e o nosso corpo. Para
que algo venha a despertar a nossa consciência, primeiro é preciso a passagem pelo nosso rebro. Se ao bater o
dedão do meu na pedra, os nervos da perna e da coluna não transmitissem impulsos ao cérebro, eu não
sentiria dor. Hoje sabemos um pouco mais sobre a relação cérebro e mente e como elas se afetam entre si.
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Sabemos que quando decido comer mais um pedaço de bolo, certas células cerebrais enviam um impulso aos
músculos do meu braço. E isso é fisiologia. Mas também uma indagação filosófica: a mente é diferente do
cérebro, embora esteja vinculada a ele, ou a mente “é” o cérebro?
Tais questões podem ser formuladas de outro modo: meus pensamentos, sentimentos, percepções,
sensações e desejos são “coisas” que acontecem “além” de todos os processos físicos do cérebro ou são eles os
próprios processos físicos? No mundo parece que temos dois tipos de coisas distintas: as coisas que pertencem à
realidade física que podemos observar de fora, e as coisas que pertencem à realidade mental, que podemos
experimentar interna e individualmente. Até agora nossa concepção do mundo não nos explica de que modo os
elementos físicos, quando combinados dentro de uma maneira certa, formam tanto um organismo biológico
funcional como um ser consciente. Se a consciência pudesse ser “identificada” com um estado físico, estaria
assim, aberto o caminho da “teoria unificada da mente e do corpo” (Idem, p. 37) e assim, talvez, uma teoria
unificada do universo. Entretanto, isso é duvidoso, pois a ciência deixou a mente de fora em seus avanços de
explicar o mundo. Mas “pode ser que haja mais sobre o mundo do que a ciência física é capaz de entender
(Ibidem).
Nota 14. Uma concessão.
Uso esse termo “concessão” das representações, no sentido observado por NAGEL, T., ( 2007, p. 27),
mas não no sentido de Frege. A respeito da questão das representações, vejamos o que Frege nos diz ainda:
A referência de um nome próprio é o próprio objeto que por seu intermédio
designamos; a representação que dele temos é inteiramente subjetiva; entre uma e
outra está o sentido que, na verdade, não é tão subjetivo quanto a representação,
mas que também não é o próprio objeto. A comparação seguinte poderá, talvez,
esclarecer estas relações. Alguém observa a lua através de um telescópio. Compara
a própria lua à referencia; ela é o objeto de observação, proporcionado pela
imagem real projetada pela lente no interior do telescópio, e pela imagem retiniana
do observador. A primeira comparo-a ao sentido, a segunda à representação ou
intuição. A imagem do telescópio é, na verdade, unilateral; ela depende do ponto-
de-vista da observçao; não obstante, ela é objetiva, na medida em que pode servir a
vários observadores. Ela poderia ser disposta de tal forma que vários observadores
poderiam utilizá-la simultaneamente. Mas cada um teria sua própria imagem
retiniana. Devido à diversidade da configuração dos olhos, mesmo uma
congruência geométrica entre estas imagens dificilmente poderia ser obtida, e uma
coincidência real seria impossível. Esta comparação poderia, talvez, ser
desenvolvida ainda mais, admitindo-se que a imagem retiniana de A pudesse tornar-
se visível para B; ou, ainda, que A pudesse ver sua própria imagem retiniana num
espelho. Desta forma poderíamos, talvez, mostrar como uma representação pode,
ela mesma, ser tomada por objeto, mas o obstante, ela não é, para o observador,
o que ela é diretamente para seu sujeito. Mas prosseguir neste caminho nos levaria
longe demais. ( FREGE, G., 1978, p. 65 e 66).
Assim, para Frege a representação do sujeito pode ser exemplificada e comparada a sua “imagem
retiniana” da lua alcançada através de um telescópio. E eis seus argumentos: cada pessoa tem a própria imagem
fixa nas suas retinas, e mesmo que outra pessoa pudesse vê-las, isto é, mesmo que B estivesse vendo a imagem
retiniana de A, suas imagens continuariam distintas e uma “coincidência real” entre A e B seria “impossível”,
dada a “diversidade da configuração dos olhos”.
Como se vê, Frege não faz concessões. Para ele não concessão a ser feita, pois trabalha com uma
espécie de certeza quanto às distintas representações do sujeito. E aqui ele parece disposto a “provar” sua
existência. E sua argumentação gira em torno das evidências que colho através da minha visão, através das
imagens em minhas retinas. Mas com isso, segundo NAGEL T. ( conforme Nota acima), estarei andando em
círculos, sem chegar a nenhum lugar. Assim, uma prova da diversidade das representações, utilizando os dados
dos sentidos, está sujeita a refutações. Mas isso é fundamental na sua teoria: que as representações existam e que
sejam diversificadas e subjetivas. Somente assim, elas não serão confundidas com o pensamento em sua
objetividade.
Nota 15. Bucephalus.
Conforme CHEVALIER, J. & GHEERBRANT, A., (2002. Pg. 147), Bucephalus era o nome do cavalo
de Alexandre, o Grande, e tinha uma história que era a de aceitar ser montado pelo próprio Alexandre, e,
apesar de impetuoso e infatigável nas batalhas, temia sua própria sombra, por isso, buscava sempre estar de
41
frente para o sol. Alexandre, tal como Bucephalus, não podia viver à sombra do seu pai, Felipe, rei da
Macedônia, e por isso sentia necessidade de horizontes mais vastos que a da sua cidade natal, buscando assim
estar sempre procurando a direção do sol, em suas cavalgadas rumo à conquista da Índia, através da Pérsia.
Nota 16. Definir estritamente o sentido.
Estamos parafraseando e nos referindo a citação de HOTTOIS, G., ( 2002, p. 183): Frege não consegue
definir o sentido de maneira rigorosa, e isso não se deve a uma fraqueza da sua análise, mas sim a uma
dificuldade irredutível”,pois “se pudéssemos definir estritamente a natureza do sentido, reduzi-lo-íamos à
referência”.
Nota 17. Frase.
No texto "Sobre o Sentido e a Referência", ALCOFORADO, P., (1978), ao traduzir a palavra ale
"Satz" optou pelo termo "sentença", enquanto COSTA, C. F., (1999, p.5) no texto "O pensamento - uma
investigação lógica", preferiu traduzi-lo por "frase", fazendo a seguinte justificativa:
[Nota do tradutor]: O termo alemão 'Satz' foi traduzido como 'frase'. A palavra
'Satz' tem sido em geral traduzida como 'proposição', em parte devido à influência
do uso da palavra 'proposition' na literatura filosófica inglesa (Peter Geach,
contudo, preferiu em sua tradução de "O pensamento" a palavra 'sentence').
'Proposição' é, porém, um termo ambíguo, que também pode denotar um conteúdo
de pensamento que independe de sua expressão lingüística, o que Frege chama de
pensamento. Ora, em português podemos evitar essa ambigüidade, dado que
dispomos da palavra 'frase', um equivalente natural e semanticamente mais próximo
à palavra 'Satz', que significa em Frege (geralmente) frase com sentido. É verdade
que essa tradução mais técnica e menos literal [proposição] tornou-se usual; mas é
sempre tempo de se tentar corrigi-la. (COSTA, C.F., 1999. Página 5.).
Com relação ao uso técnico do termo “proposição”, conforme observa BRANQUINHO, J., e outros (
2006, p. 628), significa o pensamento “literalmente expresso por uma frase declarativa com sentido”. E ele é
distinto da frase. Tal distinção pode ser vista a partir desses exemplos: Sócrates era um filósofo” e “Socrates
was a philosopher”. Aqui essas duas frases são dois “objetos lingüísticos”, que exprimem o mesmo pensamento.
Assim, temos duas frases distintas que exprimem “uma única proposição”. Semelhantemente, uma única frase
pode exprimir proposições diferentes. Por exemplo, se o português Antonio Franco diz “eu sou português”, essa
frase exprime uma proposição verdadeira. Mas se o escritor brasileiro João Ubaldo diz a mesma frase, “eu sou
português”, ele esta exprimindo uma proposição falsa. Assim, em resumo, uma mesma frase pode exprimir
proposições, ou pensamentos, distintos, e duas frases distintas podem exprimir o mesmo pensamento ou a
mesma proposição.
Nota 18. Asserir algo.
O termo “asserir” vem do latim “as-sero”, que significa “agarrar, reivindicar, reclamar”. Em português,
esse verbo é usado como: atrair para si, tomar, libertar, afirmar. Assim, um pensamento que “assere algo”, seria
um pensamento que atrai para si algo, que toma para si algo ou que afirma algo. Na teoria da linguagem, a
palavra “asserção” quer dizer: um ato lingüístico em que o locutor compromete-se “com o valor de verdade da
frase que profere” ( BRANQUINHO, J, e outros, 2006, p. 71).
Nota 19. Frase assertórica.
Frege introduziu o símbolo de asserção para indicar que a proposição está “sendo afirmada ou
asserida”, conforme observa BRANQUINHO, J, e outros (2006, p. 701), contrastando assim, com as simples
considerações, hipóteses ou conjecturas. Com a utilização do símbolo , indica-se explicitamente que as
premissas e a conclusão são empregadas com “força assertórica” (Ibidem).
Nota 20. A insensatez da ignorância.
Aqui parafraseamos RUSSELL, B. sobre Platão: Poucos filósofos, se é que algum, alcançaram a sua
amplitude e profundidade e nenhum o superou. Qualquer pessoa que se dedique à investigação filosófica será
insensata se ignorá-lo. ( RUSSELL, B., 2001.Pg. 121 e 122).
Nota 21. Um brilhante, mas intransigente platonista.
BARKER, S. ( Encyclopedia of Philosophy, volume 5 ), antes de dar sua opinião sobre Frege, nos diz o
que entende por “platonismo”:
42
By platonism is understood the realistic view, akin to that of Plato himself, that
abstract entities exist in their own right, independently of human thinking.
According to this view number theory is to be regarded as the description of realm
of objective, self-subsistent mathematical objects that are timeless, non-spatial, and
non-mental. Platonism conceives is to be the task of the mathematician to explore
this and other realms of being. Among modern philosophers of mathematics Frege
is a pre-eminent representative of Platonism, distinguished by his penetrating
lucidity and his intransigence. (Apud RECK, E. H., 2000, p. 1 e 2. Os destaques
são nossos.).
Assim, o platonismo é entendido como uma visão realista do mundo, onde entes abstratos existem por si
próprios, independentemente de serem pensados pelo homem. Dentro desse mundo, a teoria dos números
descreve um reino objetivo, um reino de objetos matemáticos que existem por si mesmos, que são atemporais,
não-espaciais e não-mentais. Conceber o platonismo é tarefa que tem o matemático quando quer explorar este e
outros reinos do ser. E entre os filósofos da matemática, Frege se destaca como um “brilhante”, mas
“intransigente” representante do platonismo.
Nota 22. Filosofia elementar.
Utilizamos a citação de STRAWSON, P.F. (1992, p. 9): “Não existe filosofia elementar. Não fundos
rasos nas águas da filosofia”.
Nota 23. A barba de Platão.
Utilizamos e adaptamos ao nosso texto, a seguinte citação de QUINE, W.V ( 1980, p. 217): “Esse é o
velho enigma platônico do o-ser. O não-ser deve em algum sentido ser, caso contrário o que seria aquilo, que
não é? Essa doutrina emaranhada pode ser apelidada de a barba de Platão...”
Nota 24. Guias.
Neste trabalho, como guia de inestimável valia para o estudo da filosofia antiga, e especialmente de
Platão, nos valemos principalmente dos textos de Giovanni Reale, e de Dario Antiseri, conforme constam nas
Referências Bibliográficas. Mas, para uma introdução ao Teeteto, trabalhamos com Benedito Nunes, e para uma
introdução a Parmênides, buscamos John Burnet e José Trindade Santos.
43
3. PLATÃO E FREGE: A BUSCA DO CONHECIMENTO
No desvio de algum rincão do universo inundado pelo fogo de
inumeráveis sistemas solares, houve uma vez um planeta no qual os
animais inteligentes inventaram o conhecimento. Este foi o minuto
mais soberbo e mais mentiroso da “história universal”, mas foi
apenas um minuto. Depois de alguns suspiros da natureza, o planeta
congelou-se e os animais inteligentes tiveram de morrer.
(Nietzsche).
44
3.1 O QUE É CONHECIMENTO?
Aqui iremos abordar Platão em seu diálogo Teeteto
(1)
onde buscaremos as origens das
questões sobre o conhecimento. Nessa busca pela fonte onde beberam gerações de filósofos,
parece que se precisa de certa coragem para se dar os primeiros passos na procura das
respostas a essa velha pergunta:
- O que é o conhecimento?
Ora, coragem é uma virtude buscada para os que se deparam com os embates, com as
batalhas, mas parece ser também a virtude procurada para os que querem se iniciar na jornada
do conhecimento. E é isto o que o diálogo entre Sócrates e Teeteto nos sinaliza, pois assim se
inicia:
-Sócrates [....] Teeteto [...] cria coragem, pois, e respondes à minha pergunta: no teu
modo de pensar, que é conhecimento? ( PLATÃO. Teeteto, 146,c).
E o corajoso Teeteto nos diz, como que tateando no escuro:
-
[....] O que se me afigura neste momento é que conhecimento não é mais do que
sensação. (Idem. 151, e).
3.1.1 Conhecimento é sensação.
Eis o que é conhecimento para Teeteto: sensação. Não podemos conhecer as coisas
senão pelas sensações. Tudo o que precisamos para obter o conhecimento do mundo são os
órgãos dos nossos sentidos. Mas esse conhecimento parece ser limitado, pois as sensações só
nos dão um conhecimento particular do mundo, um conhecimento que pode modificar-se a
depender de nossa idade, ou a depender de nossos estados emotivos, e isso pode prejudicar a
precisão de nossos julgamentos. Portanto, o conhecimento advindo pelos sentidos não nos
aquela estabilidade que seria tão necessária para termos um conhecimento seguro, para termos
um conhecimento estável.
Por sua própria natureza, as coisas estão sujeitas ao devir, estão sujeitas às
transformações: formam-se, destroem-se, alteram-se. Assim, ninguém pode asseverar a
estabilidade das coisas que estão sujeitas a ação da natureza, que estão sujeitas a ação do
tempo, e quem assim o fizer, será facilmente refutado. Por isso, precisamos encontrar uma via
de acesso mais confiável para o conhecimento que a simples sensação.
3.1.2 Percebemos com a alma.
E a nova pergunta socrática está nessa procura:
45
[ ...] Por qual órgão se exerce a faculdade que te permite conhecer o que
de comum a todas as coisas e às de que nos ocupamos, para que de cada
uma possas dizer que é ou não é....? [...] Que órgão quererás admitir, por
meio do qual perceberá as coisas o que em nós percebe? (
Idem,
185, c).
Temos um “órgão” que nos permite conhecer, não as coisas que estão sujeitas ao
devir, mas o que “há de comum à todas as coisas”, e, assim possamos dizer delas o que “é” ou
o que “não é”. Assim, a questão é saber que órgão é esse?
E o órgão que estamos a buscar é a alma. Com ela percebemos o ser e o não-ser, a
semelhança e a dessemelhança, a identidade e a diferença, a unidade e os números diferentes
da unidade.
A questão agora é saber onde reside o conhecimento que nos leva a verdade. E isso é
o que Sócrates responde:
-Naquelas impressões [...] não é que reside o conhecimento, mas no raciocínio a seu
respeito; é o único caminho, ao que parece, para atingir a essência e a verdade; de outra
forma é impossível. (Idem, 186, d).
O conhecimento não reside em nossas sensações, não reside em nossas impressões,
mas no raciocinar a respeito delas, mas no raciocínio a respeito do próprio conhecimento. E
esse parece ser o único caminho possível para descobrirmos a essência, para descobrimos a
verdade: o raciocínio sobre o conhecimento. Mas o caminho das sensações para se atingir a
essência, para se atingir a verdade, parece ser o caminho do impossível.
3.1.3 Conhecimento é opinião verdadeira.
Assim, para Sócrates, a resposta de que conhecimento é sensação precisa ser
reformulada. E ele pergunta:
-E agora dize mais uma vez o que é conhecimento?
-Teeteto Dizer que tudo é opinião, Sócrates, o é possível, visto haver opinião
falsa. Mas pode bem dar-se que o conhecimento seja a opinião verdadeira [...] (Idem, 187, b).
A resposta do que é conhecimento precisa ser dita mais uma vez, precisa ser
repensada. Não podemos mais dizer simplesmente que conhecimento é sensação, pois através
dela não atingimos a verdade. Não podemos dizer que conhecimento é somente opinião, pois
opinião falsa. E o homem tem opiniões: tem opinião falsa e tem opinião verdadeira. O que
podemos dizer é que conhecimento é a opinião verdadeira. Mas as perguntas que aqui surgem
são: o que é opinião? E como sabemos que a nossa opinião é verdadeira?
46
3.1.4 Eis o que é opinião.
Ouçamos essa dupla questão:
-Sócrates - [...] Mas por pensar entendes a mesma coisa que eu?
-Teeteto – Que queres dizer com isso? (Idem, 189, e).
E eis a bela e perene resposta de Sócrates:
Um discurso que a alma mantém consigo mesma, acerca do que ela quer
examinar. Como ignorante é que te dou essa explicação; mas é assim que
imagino a alma no ato de pensar: formula uma espécie de diálogo para si
mesma com perguntas e respostas, ora para afirmar ora para negar.
Quando emite algum julgamento, seja avançando devagar seja um pouco
mais depressa, e nele se fixa sem vacilações: eis o que denominamos
opinião. Digo, pois, que formar opinião é discursar, um discurso enunciado,
não evidentemente, de viva voz para outrem, porém em silêncio para si
mesmo. (
Idem
, 189, e, 190 a. Os destaques em negrito são nossos. ).
O pensamento é um discurso que a alma tem consigo mesma. Assim, a alma no ato de
pensar, dialoga fazendo perguntas e procurando respostas, dentro de si. Quando encontra a
resposta que precisa, quando não mais vacila entre as diversas opções, quando encontra um
ponto fixo e certo
(2)
e emite um juízo, está com sua opinião formada. Assim, formo uma
opinião quando faço um discurso para mim mesmo, no silêncio de minhas reflexões.
3.2 UMA REFLEXÃO: A ATIVIDADE DO CONHECIMENTO
3.2.1 Platão e a Atividade do Conhecimento.
Na resposta de Sócrates, sobre o que ele entende por “pensar”, podemos vislumbrar
dois aspectos distintos na atividade de se obter o conhecimento: o ato de pensar e o ato de
julgar. E esses atos do conhecimento também podem ser chamados, respectivamente, de ato
de formar opinião e ato de emitir opinião.
Formamos uma opinião quando enunciamos um discurso, não de viva voz para o
outro, mas em silêncio, para nós mesmos. É nesse ambiente onde o pensar é formado: como
discurso silencioso que a alma mantém para si mesma, onde um começo com perguntas
que se desdobram em respostas, que afirmam ou que negam suas próprias perguntas. Aqui, o
discurso silencioso para si coincide com o ato da formação da opinião, e assim ocorre o “ato
de pensar”.
47
Após formarmos nossa opinião, queremos emiti-la, queremos dar nosso julgamento.
Formamos nossa opinião no discurso silencioso com a nossa alma, e, assim, quando temos
uma opinião formada, emitimos um julgamento, não para nós mesmos, mas para o outro, num
discurso enunciado. É nesse ambiente onde se o ato de enunciação do discurso, não mais
no ato de pensar, mas no ato de julgar.
Em resumo, distinguimos em Platão, o ato de pensar do ato de julgar. Temos a etapa
do discurso silencioso para si quando o pensamento se forma, quando formamos nossa
opinião, e é aqui que se o ato de pensar. E temos também uma etapa distinta, mas que
parece inter-relacionada com o ato de pensar, quando emitimos uma opinião, quando
emitimos um julgamento. Ora, emitimos um julgamento porque primeiro formamos uma
opinião, e, além disso, não emitimos esse julgamento para nós mesmos, mas para o outro.
Assim, ao enunciar nossa opinião em viva voz para outro, realizamos o ato de julgar.
3.2.2 Frege e a Atividade do Conhecimento.
Em Frege, vimos na seção 2.6 como ocorre o progresso na ciência, como se dão os
passos para o conhecimento. Vimos que, para ele, temos etapas distintas para se obter o
conhecimento. Há uma primeira etapa, quando temos a apreensão do pensamento expresso em
forma de pergunta. uma segunda etapa, quando, após uma laboriosa investigação, essa
pergunta busca respostas até encontrar aquela que julga ser a verdadeira. E distinguimos
também uma terceira etapa, quando expressamos o reconhecimento dessa verdade em forma
de uma frase assertórica.
Assim, nessas etapas, estamos, respectivamente, no ambiente do pensamento
apreendido, no ambiente das questões e das investigações, e no ambiente do julgamento da
verdade do pensamento. E, nesse ultimo ambiente, fazemos o reconhecimento da verdade do
pensamento apreendido, expressando-o em forma de uma asserção.
Em resumo, podemos dizer que em Frege, três etapas distintas, e que também
parecem ser inter-relacionadas, para a formação do conhecimento: a etapa da apreensão do
pensamento, a etapa da investigação da sua verdade, e a etapa da expressão do
reconhecimento dessa verdade.
A questão que fica aqui é: será que o que Platão entende por “pensar” pode se
encontrar com o que Frege chama de “progresso na ciência”? Perguntando de outro modo:
será que aqui podemos encontrar pontos de semelhanças entre os pensamentos de Platão e
Frege?
Na busca das respostas a essas questões elaboramos o quadro de atividade a seguir.
48
QUADRO: ATIVIDADES DO CONHECIMENTO
PLAO E FREGE: A ATIVIDADE DO CONHECIMENTO
PLATÃO
FREGE
QUES-
O que é pensar?
Como se dá o progresso na ciência?
RESP.
Um discurso que a alma mantém consigo mesma, acerca do que
ela quer examinar. Como ignorante é que te dou essa explicação;
mas é assim que imagino a alma no ato de pensar: formula uma
espécie de diálogo para si mesma com perguntas e respostas, ora
para afirmar ora para negar. Quando emite algum julgamento,
seja avançando devagar seja um pouco mais depressa, e nele se
fixa
sem vacilações: eis o que denominamos opinião. Digo, pois,
que formar opinião é discursar, um discurso enunciado, não
evidentemente, de viva voz para outrem, porém em silêncio para si
mesmo.
(PLATÃO. TEETETO, 189, e, 190 a.).
Um progresso na ciência acontece
habitualmente do seguinte modo: primeiro
um pensamento é apreendido, tal como ele
poderia vir expresso em uma pergunta; após
apropriada investigação, esse pensamento é
finalmente
reconhecido como verdadeiro.
Expressamos o reconhecimento da verdade
na forma da frase assertórica.
[...]
(FREGE,
G.,1999. Página 8).
PALA-
Ato de pensar. Discurso consigo mesmo. Diálogo
Pensamento apreendido com per-
VRAS-
com perguntas e respostas. Emissão de julgamento
guntas. Pensamento investigado e
CHA-
Discurso não de viva voz. Discurso enunciado para
reconhecido como verdadeiro. A
VE
o outro.
verdade é expressa em forma de
frase. As perguntas são expressas.
RESUL
O ato de pensar é uma atividade silenciosa de
O pensamento é uma atividade de
TADO
perguntas e respostas. Ele se diferencia do ato de
perguntas, respostas e julgamento.
viva voz para o outro. Emitimos um julgamento.
A linguagem expressa a verdade
Realizamos um ato de julgar.
desse julgamento
CON-
Em Platão, o ato de pensar é diálogo para si com perguntas e respostas e o ato de julgar
CLU-
é o enunciado de nossa opinião. Assim, nele, o ato de pensar e o ato de julgar são distintos.
O
Em Frege expressamos a pergunta e o reconhecimento da verdade do pensamento.
Nele, a linguagem faz parte da apreensao do pensamento.
3.2.3 Comentários.
Vimos no Quadro de Atividades acima, que, mesmo partindo de questões diferentes
para Platão e para Frege, chegamos a alguns pontos de encontro entre os dois filósofos. Para
ambos, dentro de um contexto onde se busca o conhecimento, o pensamento é atividade, o
pensamento é discurso que gira em torno de questionamentos e de respostas e, além disso, de
um reconhecimento em forma de nosso próprio julgamento sobre essas questões e suas
respostas.
Mas a semelhança entre ambos parece acabar aí. Em Platão, temos a distinção entre
discurso para si e discurso enunciado para o outro
(3).
Temos a distinção entre ato de pensar e
ato de julgar, onde o ato de pensar é um discurso para si, mas não é um discurso para o outro,
não é um discurso em que nos expressamos para o outro, emitindo um julgamento, pois esse é
o ato de julgar. Em Frege, o pensamento é “apreendido”, e isto é uma atividade que começa
49
com perguntas que são expressas. Assim, o pensamento é atividade que se inicia com um
questionamento e termina com o reconhecimento de sua verdade, ou de sua falsidade,
expresso em forma de frase assertórica.
Essa distinção em Frege parece ser coerente com o que vimos dele na seção 2.6,
onde ele diz que o pensamento torna-se apreensível para nós, quando se veste com a frase que
lhe dá sentido e onde sua verdade pode ser questionada. Com isso, ele procura dar um
envolvimento maior à linguagem quando a relaciona com o pensamento.
Encerrada essa pausa reflexiva, concluiremos a seguir, a busca de Sócrates e Teeteto
pelo conhecimento.
3.3 O CONHECIMENTO PELAS DIFERENÇAS.
Continuando o diálogo “Teeteto”, observamos que Sócrates, não tendo ficado
satisfeito com a resposta de que conhecimento é opinião verdadeira, diz:
se conhecimento e
opinião verdadeira nos tribunais fossem a mesma coisa, nunca o melhor juiz julgaria sem
conhecimento. Mas agora parece que são coisas diferentes. (
PLATÃO. Teeteto,
201, c).
A função do juiz é julgar, é emitir uma opinião verdadeira, e isso é conhecimento.
Assim, se conhecimento e opinião verdadeira são a mesma coisa, então a sentença de um juiz
é sempre um conhecimento, e um juiz nunca julgaria sem conhecimento. Mas a realidade
parece que contradiz essa afirmação, e as coisas não se passam assim, mas de modo diferente.
Assim, precisamos reformular a resposta do que é conhecimento.
3.3.1 Conhecimento é a opinião verdadeira explicada racionalmente.
Eis a terceira resposta reformulada do que é conhecimento. Nas palavras de Teeteto:
[...] Conhecimento é a opinião verdadeira acompanhada da explicação
racional, e que sem esta deixava de ser conhecimento. As coisas que o
encontram explicações não podem ser conhecidas [...] sendo, ao revés disso,
objeto do conhecimento todas as que podem ser explicadas. (
Idem,
201, d).
Vimos que o conhecimento é sensação, que o conhecimento é a opinião verdadeira e
agora, precisamos de uma explicação racional para o conhecimento. Agora vemos que o
conhecimento deixa de ser conhecimento, se não vier acompanhado de uma explicação
racional. Assim, o conhecimento não é opinião verdadeira, mas é opinião verdadeira em
50
companhia da explicação racional. Mas a questão que surge é por que a opinião verdadeira
deve vir acompanhada da explicação racional?
A resposta de Sócrates é que se uma coisa não encontra sua explicação, não pode ser
conhecida. Assim, precisamos saber o que vem a ser essa explicação. Em suas palavras:
[...] Se apanhares num determinado objeto o que o distingue dos demais,
apanhastes, como dizem alguns, sua explicação ou definição. Mas enquanto
atingires caracteres comuns, tua explicação dirá respeito apenas aos
objetos que tenham de comum essa característica. [.....] Assim, quem
acrescentar à opinião verdadeira de um ser a diferença que o distingue dos
demais, terá adquirido o conhecimento do que antes ele tinha apenas
opinião. (
Idem
, 208, d, e. Os destaques em negrito são nossos. ).
3.3.2 O conhecimento pelas diferenças.
A explicação é a definição. Aquilo que explica é aquilo que define o objeto. Aquilo
que é apanhado num objeto é aquilo que é apreendido quando determinamos nesse objeto algo
que o distingue dos demais. Assim enquanto ficamos somente com as características comuns,
a nossa explicação dirá respeito a esses objetos que tenham as mesmas características, e
estaremos no campo da opinião comum. Mas aquele que acrescentar a essa opinião comum
uma “diferença que o distingue dos demais”, terá adquirido conhecimento daquilo que ele,
antes, tinha opinião. Terá adquirido a opinião verdadeira. Logo, a opinião verdadeira de
qualquer coisa diz respeito às diferenças. (Idem, 209, d).
3.3.3 A diferença no Sol.
Um exemplo de Sócrates pode esclarecer melhor, o que ele quer dizer com
“diferença”:
Teeteto E nesse sentido, saberás apontar o sinal característico de alguma
coisa?
Sócrates Sei, caso queiras: o sol, cuja referência, tenho certeza, te
parecerá cabal, se disser que é o mais brilhante dos corpos que se movem
ao redor da terra. (
Idem,
208. XLIII, c, d.).
A diferença deve ser tratada como um “sinal” que caracteriza o objeto, e um exemplo
nos é dado quando se busca a definição do sol. Assim, busca-se algum sinal que caracterize o
sol, busca-se um sinal que o distingue dos demais astros. E o que caracteriza o sol é ser o mais
brilhante dos corpos “que se movem ao redor da terra”. Entre todos os corpos, que têm em
comum o movimento ao redor da terra, o sol se destaca por ser o corpo que brilha mais, e este
51
é o sinal que o caracteriza. Aqui, na explicação do corpo mais brilhante dos que se
movimentam ao redor da terra, está a definição do sol dada pelos gregos antigos.
3.3.4 Reflexão: a novidade do sol a cada dia.
Aqui foi respondido como sabemos se uma opinião é verdadeira, ou não. Temos uma
opinião naquilo que é comum a todos, temos uma opinião naquilo que é de domínio público.
Mas isso não quer dizer que a opinião seja verdadeira. A opinião verdadeira deve ser
procurada com as diferenças. No exemplo dado do sol, entre os corpos que se movem ao
redor da terra, um que brilha mais. Se um corpo que se destaca mais pelo seu brilho,
então essa diferença acrescenta um conhecimento que faltava ao que era comum aos demais.
E isso é a opinião verdadeira, e isso é um novo conhecimento. Assim a opinião verdadeira é
explicada pelas diferenças, é explicada pelas partes não comuns, é explicada pela relação de
diferentes, é explicada pela razão. Daí a definição platônica: conhecimento é a opinião
verdadeira explicada racionalmente.
Entretanto, desde a Idade Média sabemos que o sol não se move ao redor da terra, ao
contrário do que os antigos gregos acreditavam, mas que é a terra que faz o movimento de
rotação em torno do sol. Assim, o conhecimento, o qual os antigos diziam ser verdadeiro,
hoje sabemos ser falso. Com esse “erro” de conhecimento, como podemos dizer que eles
tinham uma opinião “verdadeira”? Como podemos dizer que eles tinham “conhecimento”?
Parece que temos um problema de entendimento do que é conhecimento para Platão.
Por isso precisamos refazer as questões, e comecemos com esta: como sabemos hoje que o sol
não se move ao redor da terra?
O que se pode dizer é que hoje sabemos que o sol não se move ao redor da terra
porque temos uma explicação racional, temos uma explicação baseada em cálculos precisos e
observações astronômicas confiáveis. Mas aqui surge outra questão: será que os velhos
observadores gregos também não tinham uma explicação racional para o que hoje
consideramos ser um conhecimento falso?
Podemos dizer que hoje temos conhecimento de um fato novo. Mas os velhos
observadores também tinham um novo conhecimento. Para eles era um fato novo que o sol,
ao contrário do que então se acreditava, não era um astro novo a cada dia
(4),
mas apenas
girava em torno da terra. E isso, em ambos os casos, parece ser uma adição de conhecimento.
E tanto hoje como antigamente, parece que temos conhecimento baseado numa diferença,
baseado numa explicação racional.
52
No exemplo dado por Sócrates, temos um sinal que caracteriza a explicação, temos o
sinal do astro mais brilhante, e isso é uma observação visual, e isso é uma observação dos
sentidos. Portanto, dentro da definição de conhecimento, como opinião verdadeira explicada
racionalmente, parece que ainda permanecem vestígios da primeira definição de que
conhecimento é sensação. Assim, a descoberta moderna de que o sol não gira ao redor da
terra, parece não invalidar que adquirimos conhecimento com uma explicação racional
mesmo que mais tarde ele revele ser um conhecimento falso. Mas essa descoberta parece nos
dizer, simplesmente, que o conhecimento está sujeito a mudanças, está sujeito ao tempo e ao
espaço, está, enfim, sujeito às nossas sensações.
Agora vejamos o que Frege pode ainda nos dizer sobre o conhecimento e as
diferenças.
3.4 FREGE: CONHECIMENTO, DIFEREAS E REINOS
3.4.1 O conhecimento pela adição.
Segundo Frege, para algumas pessoas o conhecimento de algo que não pertence ao seu
mundo interior, parece ser impossível se não tiver como fonte segura as sensações. Mas as
impressões sensíveis sozinhas, não revelam o mundo exterior. Nas suas palavras:
[...]
A alguns parecerá, eu penso, impossível obter conhecimento de algo
que não pertença ao seu mundo interior, a não ser pela percepção sensível.
De fato, a percepção sensível é freqüentemente vista como sendo a mais
segura, até mesmo como a única fonte de conhecimento para tudo o que não
pertence ao mundo interior. Mas com que direito? À percepção sensível
pertence, é certo, como constituinte necessário, a impressão sensível, e essa
é parte do mundo interior. Em todo caso, dois homens não podem ter a
mesma impressão sensível, ainda que eles possam ter impressões sensíveis
assemelhadas. Elas sozinhas não nos revelam o mundo exterior. [....] Ter
impressões visuais é de fato necessário para se verem as coisas, mas não é
suficiente. O que ainda precisa ser adicionado nada tem de sensível. E isso é
exatamente o que nos descerra o mundo exterior; pois, sem esse algo não-
sensível, cada qual permaneceria fechado em seu mundo interior. (FREGE,
G.,1999. Páginas 24 e 25. Os destaquem em negrito são nossos. ).
Necessitamos das impressões visuais para que possamos ver as coisas, para que
possamos obter conhecimento das coisas. Assim, nossas sensações são necessárias para o
conhecimento, entretanto, elas não são suficientes para isso. Algo está faltando, e a questão é
saber o que falta para obtermos o conhecimento?
53
Algo precisa ser adicionado às nossas impressões para obtermos conhecimento. E essa
adição, e esse incremento é um “algo não-sensível” que nos descerra o mundo externo, nos
abre as portas do mundo externo. Sem o incremento deste algo não-sensível,
permaneceríamos, como que, fechados em nosso mundo interior.
3.4.2 O conhecimento pelo terceiro reino.
Para Frege, o fator decisivo, para nos abrir as portas do mundo externo, está no
domínio do não-sensível que nos conduz para fora do nosso mundo interior e nos possibilita a
apreensão de pensamentos. Devemos distinguir entre o mundo das coisas percebidas pelos
sentidos, do mundo das coisas que não são percebidas pelos sentidos. Para o reconhecimento
dos reinos do mundo externo e do reino do mundo interior necessitamos de algo não-sensível.
Em suas palavras:
[....] Assim, dado que o fator decisivo permanece no domínio do não-
sensível, algo não-sensível, mesmo sem qualquer colaboração de impressões
sensíveis, poderia conduzir-nos para fora do mundo interior e possibilitar-
nos a apreensão de pensamentos. Fora de nosso mundo interior, deveríamos
distinguir o mundo exterior propriamente dito das coisas perceptíveis aos
sentidos, e o reino daquilo que não é sensivelmente perceptível. Para o
reconhecimento de ambos os reinos necessitamos de algo não-sensível; mas
na percepção sensível de coisas são requeridas impressões sensíveis, as
quais pertencem inteiramente ao mundo interior. [....] ( FREGE, G. 1999.
Páginas 24 e 25. Os destaques em negrito são nossos.).
Frege fala de três reinos. Fala do reino das coisas do mundo externo, do mundo das
coisas que são percebidos pelos sentidos. Fala do reino do nosso mundo interior, que faz parte
de nossas “impressões”. E fala do reino do que não é perceptível pelos sentidos, e, assim nos
introduz o terceiro reino. Para este, ele diz que é o reino do que “não é sensivelmente
perceptível”, mas é necessário para o reconhecimento dos dois primeiros reinos.
3.4.3 O conhecimento convive com a diferença.
A diferença entre os modos de um pensamento e de uma coisa ser dada, baseia-se em
algo que não pertence ao terceiro reino, nem pertence ao reino das coisas, mas pertence ao
reino do mundo interior. Nas palavras de Frege:
[....]
Assim, a diferença entre os modos pelos quais um pensamento e uma
coisa são dados baseia-se principalmente em algo que não pertence a
nenhum dos dois reinos, mas ao mundo interior. Assim, não posso
considerar essa diferença tão grande a ponto de tornar impossível que
54
sejam dados pensamentos não pertencentes ao mundo interior. (FREGE,
G.,1999. Página 25. Os destaques em negrito são nossos. ).
Existe uma diferença, entre como um pensamento e uma coisa são dados, que não é
tão grande assim, a ponto de tornar impossível que sejam dados pensamentos que não
pertençam ao mundo interior do sujeito. E isso está sujeito a um debate, a seguir.
3.5 UM DEBATE INTRODUTÓRIO AO TERCEIRO REINO
Frege, ao se utilizar das diferenças para fazer distinção entre os diversos reinos, nos
diz que uma coisa nos é dada a partir do mundo exterior, e seu registro, sua impressão, ocorre
em nosso mundo interior. Mas para ele ainda um terceiro mundo, o reino do que não é
percebido pelos sentidos. Conhecemos o terceiro reino pelas suas diferenças com outros
reinos, e elas acontecem pela via da negação: é o reino do que não é sensível e do que não se
em nossa interioridade. E ele nos diz que essas diferenças que caracterizam o terceiro
reino, não são tão grandes assim, a ponto de tornar impossível que haja pensamentos que não
pertençam ao nosso mundo interior.
Portanto, em Frege temos três mundos distintos com suas diferenças, que parecem não
tornar impossível sua existência. Assim, esses mundos existem e têm características distintas.
Temos, portanto uma ontologia rica e diversificada em Frege: o reino do mundo interior, o
reino do mundo exterior e o terceiro reino
(5).
E a questão que surge é: o que é esse terceiro
reino?
Para responder essa questão Frege nos diz que o terceiro reino é o mundo do que não é
sensivelmente perceptível. É o mundo que é necessário para que reconheçamos os dois
primeiros reinos: o reino do mundo interior e o reino do mundo exterior. E o terceiro reino se
reconhece pela via negativa: é o reino do que o é sensível e do que não se em nosso
mundo interior. Assim o terceiro reino é necessário para reconhecermos o reino do mundo
exterior, ou o reino do que é perceptível aos sentidos, mas ele é o reino do não-sensível. O
terceiro reino também é necessário para reconhecermos o reino do mundo interior, mas ele
não se dá no mundo de nossa interioridade.
E Frege ainda nos diz que essas diferenças entre os reinos não tornam impossível a
existência de pensamentos que não pertençam ao nosso mundo interior. Ora os pensamentos
que temos são apreendidos no mundo de nossa interioridade, são apreendidos no mundo de
55
nossas representações, mas Frege está nos dizendo aqui que não é “impossível” que sejam
dados pensamentos que não pertençam a esse meu mundo interior. E a questão que surge é: e
qual é fonte dos pensamentos dados?
Frege nos diz apenas que existe algo mais que nos descerra o mundo exterior, e sem
esse algo mais todos nós permaneceríamos fechados em nosso mundo interior. Ora o algo
mais ao mundo exterior, e o algo mais ao mundo interior, é o mundo do terceiro reino. Assim,
este reino parece ser também o reino do pensamento que nos é dado. Em resumo, podemos
dizer que o terceiro reino parece ser o reino dos pensamentos que nos são dados, e com eles
reconhecemos as diferenças entre os diversos reinos. E isso nos abre as portas do mundo
exterior e também do nosso mundo interior.
Buscando mais esclarecimento
(6)
e tentando entender um pouco mais essa rica e
diversificada ontologia em Frege, que inclui um terceiro reino para o pensamento,
procuraremos encontrar suas bases em Platão. É o que veremos no capítulo a seguir.
NOTAS DO CAPÍTULO 3
Nota 1. Teeteto.
No texto “Teeteto” estamos utilizando os comentários de NUNES, B. ( 2001, p. 23 a 30).
Nota 2. Um ponto fixo e certo.
Aqui nos referimos à citação de DESCARTES, R., (2004, p. 257): Arquimedes, a fim de tirar o globo
terrestre de seu lugar e transportá-lo para outro, não pedia nada mais que não fosse um ponto fixo e certo.
Nota 3. Distinção de discursos em Platão.
A partir da analise do próprio texto de Platão, encontramos dois discursos distintos: o discurso para si,
que seria uma atividade interior do individuo, e um discurso enunciado para o outro, que seria uma atividade de
expressão em forma de frase, que seria uma atividade de comunicação com o outro.
Mas parece que essa distinção não é vista em ABBAGNANO, N., (p. 186, verbete “consciência”). Para
ele a filosofia clássica grega não parece ter reconhecido a “realidade privilegiada da interioridade espiritual”, e,
em seu argumento mostra a definição de pensamento em Platão como a que já vimos: dialogo interior da alma
consigo mesma. E nos diz que o mais notável nessa definição é o fato de Platão “utilizar a linguagem para definir
o pensamento”, ou mais precisamente “a linguagem para perguntar e responder”, e isso é um dialogo ou uma
comunicação. E enfatiza: o “fato originário e privilegiado é a linguagem, não a interioridade da alma” (P. 186).
Assim, dentro dessa concepção não haveria distinção de discursos em Platão, e a linguagem seria o
instrumento privilegiado tanto para a comunicação com o outro como no discurso “para si”. E neste caso, a
definição de pensamento em Platão e em Frege, ambos privilegiariam a linguagem em todas suas etapas.
Nota 4. O sol como astro novo a cada dia.
Nas culturas antigas o sol era considerado divino, e, assim, imortal e novo a cada manhã. Frege, a esse
respeito, faz a seguinte observação: A descoberta de que o sol nascente não é novo cada manhã, mas é sempre o
mesmo, foi uma das descobertas astronômicas mais ricas em conseqüências. (FREGE, G., 1978, p. 61). Isso nos
leva a lembrar seu forte simbolismo para os antigos, conforme a seguinte citação: O Sol imortal nasce toda
manhã e se põe toda noite no reino dos mortos; portanto, pode levar com ele os homens e, ao se r, dar-lhes a
morte; mas ao mesmo tempo, pode guiar as almas pelas regiões infernais e trazê-las de volta à luz no dia
56
seguinte. (CHEVALIER, J. & GHEERBRANT, A.,2002, p. 836). Portanto, a descoberta de que o sol girava em
torno da terra, era um fato que deve ter revolucionado o conhecimento da época.
Nota 5. Primeiro, segundo, e terceiro reinos.
Frege não nomeia os reinos de “primeiro” nem de “segundo”, mas nomeia apenas o “terceiro” reino.
Assim ele não nos diz se o mundo exterior, ou o mundo interior, é o primeiro ou o segundo reino. Entretanto, seu
comentador, RECK, E.R., (2006, p. 4), nos diz: [...] This third realm is presented as parallel to the “first
realm”, the spatio-temporal word of physical objects and processes, and to the “second real”, the world, or
worlds, of mental pictures, subjective ideas, etc., as occurring in individual people’s minds”.
Nota 6. Esclarecimento sobre o terceiro reino.
Vejamos o que o comentador de Frege, Dummett, M., pode nos esclarecer sobre o terceiro reino:
A thought, for Frege, is not one of the contents of the mind, as is a sense-impression
or a mental image. These are subjective and incommunicable; but it is of the essence
of thoughts to be communicable. Different people can grasp the very same thought;
it cannot therefore be a content of any of their minds. This rejection of psychologism
was the greatest importance: it rescued the philosophy of thought and of language
from explanations given in terms of private psychological processes. Frege’s
alternative explanation was neither so popular nor so successful. He recognized no
intermediate category between the subjective and the wholly objective. He took
thoughts and their component senses to constitute a “third real”: like the physical
universe, its inhabitants are objective, but unlike it, they are not in time or space or
perceived by the senses. But it is only through our grasp of the inhabitants of the
third realm that mere sense-impressions are converted into perceptions, and so we
become aware of the external world. We can grasp thoughts and express them: but
we human beings can grasp them only as expressed in language or in symbolism. (
DUMMETT, M., p. 17).
Conforme Dummet, o pensamento para Frege não faz parte do conteúdo de nossa mente, não é nossa
imagem mental, pois estas são subjetivas e incomunicáveis e faz parte da essência do pensamento ser
comunicável. Diferentes pessoas podem se deparar com o mesmo pensamento, portanto, ele não pode ser o
conteúdo de suas mentes. Essa rejeição ao psicologismo em Frege, foi da maior importância, pois vem a
resguardar a filosofia da mente e da linguagem das explicações dadas em termos de processos psicológicos
privados. A alternativa de Frege foi a de não reconhecer uma categoria intermediaria entre o subjetivo e o
objetivo. Para ele o pensamento e o sentido, constituem um “terceiro reino”, que é como um universo físico onde
sua população é objetiva, mas não são percebidas pelos sentidos, não são percebidas no tempo e no espaço. Mas
é somente por nos depararmos com o pensamento, no terceiro reino, que as impressões de nossos sentidos se
transformam em percepções, e assim, nos tornamos cientes do mundo externo. s podemos nos deparar com
pensamentos e expressá-los, mas só podemos nos deparar com eles através da linguagem, expressando-os através
da linguagem.
Eis, portanto, mais uma função do terceiro reino fregeano, para Dummett: resguardar a filosofia da
mente e da linguagem dos psicologismos. Ora, o terceiro reino não é subjetivo, mas é objetivo, pois os mesmos
pensamentos podem ser percebidos por muitos. Alem disso, no terceiro reino, os pensamentos não estão sujeitos
as modificações do tempo e do espaço, pois ele é atemporal. E, mais uma vez, a importância da linguagem em
Frege é enfatizada: nós não criamos o pensamento, mas apenas nos deparamos com ele e este ato pode se dá
quando o expressamos objetivamente, quando expressamos o pensamento publicamente, através da linguagem.
57
4. PLATÃO E FREGE: A BUSCA DE REALIDADES
[....] O homem sempre temeu de certo modo este dois e dois são
quatro... Suponhamos que [ele] não faça outra coisa senão procurar
este dois e dois o quatro: ele atravessa os oceanos a nado,
sacrifica a vida nessa busca, mas quanto a encontrá-lo
realmente...tem medo. Bem que ele sente: uma vez encontrado isto,
não haverá mais o que procurar [...] Ele ama o ato de alcançar, mas
alcançar de fato, nem sempre. ( Dostoiévski).
58
4.1 A REALIDADE DAS SOMBRAS
4.1.1 Imagine que....
Platão, em seu texto A República, nos ensina o processo de aquisição do
conhecimento. Através do diálogo entre Sócrates e Glauco, no chamado “mito da caverna”,
ele assim se inicia:
Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à
instrução e à ignorância. ( PLATÃO. 2000. Livro VII. Página 225).
Platão pede que utilizemos nossa imaginação. A imaginação cria o mito, e o mito faz
parte de nosso imaginário, faz parte de nossas representações. Mas, para Platão, não é
somente isso. Para ele, o mito parece ter um significado especial: busca expressar uma “fé” e
uma “crença”
(1)
. Em outras palavras, ele busca no mito racionalizar a fé, através do logos,
através da “clarificação no logos
(2),
e o logos, por sua vez, busca se complementar com o
mito. Isso quer dizer então que, quando a razão chega ao limite, ele então confia à força do
mito a tarefa de superar intuitivamente esses limites, elevando o espírito a uma visão, ou,
pelo menos, a uma tensão transcendente
(3).
Com o mito, Platão tenta superar os limites da razão, tenta superar os limites da
identidade óbvia, tenta superar o limites da explicação racional, a simples explicação de que
“dois e dois são quatro”
(4),
pois sabe que por esse caminho não irá encontrar o que procura,
pois sabe que através dele não irá tornar mais claro o logos. Talvez com isso se possa dizer
que ele evita esse caminho limitante por temer que as explicações racionais sufoquem nossa
imaginação, sufoquem as novas possibilidades de uma constante procura e, assim, apela para
uma transcendência que o mito fornece.
Dentro desse contexto, o mito da caverna busca expressar Platão em “sua totalidade”
(5).
Para isso o mito simboliza sua metafísica, sua gnosiologia, sua dialética, sua ética e sua
mística. E já de inicio, ele tem um objetivo: mostrar o “estado de nossa natureza” com relação
“à instrução e à ignorância”. Aqui parece que ele quer mostrar que o homem, em seu estado
natural, em seu estado onde as sensações prevalecem sobre a razão, tem somente ignorância.
E nada melhor para representar nosso estado de ignorância, do que imaginarmos nossa vida
numa morada subterrânea. Numa morada onde somos prisioneiros de nossas próprias
sombras.
59
4.1.2 Prisioneiros de sombras.
Visualizemos uma morada subterrânea, em forma de caverna, habitada por
prisioneiros, que, desde sua infância, pertencem a esse mundo de sombras. Os habitantes do
fundo da caverna, são como prisioneiros de sua infância de conhecimento, são como
prisioneiros de sua ignorância. E eles não podem mexer suas cabeças, pois estão com seus
pescoços presos a correntes, e, assim, podem ver o que está diante deles. No fundo da
caverna, a iluminação chega até eles através de uma fogueira que se acha no alto de uma
colina, e atrás deles. Entre essa fogueira e os prisioneiros, passa uma estrada ascendente, onde
se construiu um muro divisório à semelhança daqueles utilizados pelos que exibem
espetáculos de marionetes. Ao longo desse muro divisório, homens transportam estatuetas de
toda espécie de material, e uns estão falando, e outros estão em silêncio.
Um mundo de prisioneiros, um mundo de marionetes. Um mundo estranho, com
estranhos prisioneiros. Mas nem tanto, pois são assemelhados a nós. Em nossa ignorância
somos prisioneiros de nossos preconceitos, e ficamos presos nas cordas de nossas ilusões.
4.1.3 Ora, ouvireis sombras?
Nesse mundo estranho, as sombras são tomadas por objetos reais. E, isso nos leva à
próxima pergunta de Sócrates:
-E se a parede do fundo da prisão provocasse eco, sempre que um dos
transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?
( Idem, p.
226. Os destaques em negrito são nossos).
Em nosso mundo da caverna, os prisioneiros se comunicam tomando sombras como
objetos reais. E agora eles estão ouvindo uma “sombra”. Mas aqui surge uma questão: como
se pode “ouvir” uma sombra?
Podemos ver uma sombra, mas não podemos ouvi-la. Entretanto Platão nos diz: “ouvir
a sombra”. Sabemos que os prisioneiros estão com seu pescoço fixado por correntes e o
podem movê-lo. E surgem mais questões: será que eles, nessas condições, não vêem nada à
sua frente? Será que eles não vêem nem as sombras?
A narrativa nos mostra que os prisioneiros podem ver as sombras projetadas no fundo
da caverna. Eles vivem num mundo de sombras e podem ver sombras. Mas eles também
podem ouvir, eles ouvem o “eco”. Então, em seu mundo, eles podem ver sombras e podem
ouvir ecos. Quando o transportador fala, eles não ouvem sua fala diretamente, mas
indiretamente, através do eco. Quando o transportador se move, eles não vêem esse seu
movimento diretamente, mas apenas indiretamente através da sombra. Quando o
60
transportador se move e fala ao mesmo tempo, os prisioneiros, vêem sombras e ouvem
ecos. Assim, eles ouviriam, como que, uma sombra falando. Assim, eles ouviriam uma
sombra.
Esse é o mundo do fundo da caverna: é um mundo onde os sentidos são confundidos,
onde as sensações não são confiáveis. E, além disso, ouvimos somente através de ecos, não
ouvimos em primeira mão, mas ouvimos das sombras. Não vemos a fonte em toda sua
grandeza, não vemos o objeto tal como ele é. Nesse mundo, no fundo da caverna, no fundo de
nossa ignorância, nossa realidade restringe-se às ilusões de vermos e ouvirmos sombras.
4.1.4 O mundo das cópias.
Sócrates agora vai nos falar da realidade das sombras:
-Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos
fabricados. ( Ibidem).
A questão é: no mundo da caverna, onde está a realidade?
Platão nos diz que, para os prisioneiros, a realidade está nas sombras dos objetos. E ele
nos diz ainda que esses objetos são fabricados. Ora se os objetos são fabricados, então são
cópias e devem seguir um projeto, e devem seguir um modelo. Se os objetos fabricados são
cópias de protótipos, então suas sombras, são as sombras de cópias. E essa parece ser a
realidade do mundo das sombras dos objetos: ser cópia de cópias.
4.1.5 Um maior grau de realidade.
Os objetos fabricados pertencem ao mundo da caverna, e conhecendo eles, estamos
mais próximos da realidade, estamos mais próximos da “justeza”. Nas palavras de Sócrates:
- Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão
fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para os objetos mais reais,
com mais justeza? (Ibidem ).
Nesse mundo dos “objetos mais reais” que o mundo das sombras, que o mundo dos
“fantasmas”, estamos nos aproximando de uma maior realidade, estamos vendo com maior
“justeza”, estamos vendo com maior clareza. Podemos, dizer, então, que no mundo dos
objetos fabricados existe um maior grau de realidade do que no mundo das sombras desses
objetos.
Precisamos agora conhecer o mundo fora da caverna, o mundo inteligível, a seguir.
61
4.2 A REALIDADE DO INTELIGÍVEL
4.2.1 A virada do pensamento.
O mundo inteligível se opõe ao mundo sensível da caverna. Mas não é somente isso. A
passagem do mundo sensível para o mundo inteligível marca uma virada no pensamento
filosófico: se antes a realidade estava nas coisas sensíveis, agora ela é buscada nas coisas
inteligíveis.
O mundo inteligível é a principal novidade da filosofia platônica em relação à filosofia
da physis. Esta tentava explicar o mundo através dos fenômenos físicos e mecânicos, tais
como a busca das suas origens pela água, pelo ar, pelo fogo, pelo calor, etc. É o que se
chamava de “primeira navegação”
(6),
quando os marinheiros estavam entregues às forças
físicas do vento sobre as velas do navio. Semelhantemente, o filósofo ainda estava prisioneiro
dos sentidos e do sensível.
A “segunda navegação”
(7)
entrava em jogo quando a força física dos ventos nas velas,
não era mais suficiente para deslocar o navio nas calmarias, e, então se utilizava a força do
homem no impulso dos remos. De maneira análoga, isso, na filosofia, significa que o filósofo
é liberto das condições de sensações que lhe aprisionam e desloca-se para o plano do
raciocínio puro e daquilo que é captável pelo puro intelecto e pela pura mente
(8).
4.2.2 Arrancado da caverna.
Esse momento da “virada” do pensamento pode ser percebido na narrativa do mito da
caverna, quando Sócrates convida o prisioneiro a sair da “sua caverna”, mesmo que tenha que
arrancá-lo de à força. O prisioneiro sobe a escarpada e difícil encosta que o leva até a
entrada da caverna. Agora a sua visão é de fora da caverna: a visão da luz do sol, a visão das
coisas verdadeiras. E, o prisioneiro, após ter habituado sua vista ao novo ambiente da região
superior, começará a fazer distinções: começará a distinguir mais facilmente as sombras,
depois distinguirá as imagens dos homens e dos objetos refletidos nas águas e por ultimo,
distinguirá os próprios objetos.
4.2.3 O pensamento discursivo.
O prisioneiro ao sair do mundo da caverna, que é o mundo das sensações, se depara
com o mundo do inteligível, governado pela dianoia
(9),
governado pela razão e pelo
62
pensamento discursivo. Ele agora se depara com um mundo onde o pensamento procede
passo -a- passo, procede “dis-correndo”, enfim, procede de modo mediado.
Analogamente, nosso prisioneiro não enfrenta a claridade de modo direto, de modo
imediato, mas de forma indireta, mas de forma mediada. E, nesse procedimento, ele se utiliza
da intermediação do conhecimento prévio que tinha do mundo das sombras, que tinha do
mundo dos ecos e das cópias, e, por esses meios, e por essa mediação, ele chega aos próprios
objetos. Ele chega ao conhecimento dos objetos mediante etapas: primeiro distingue as
sombras, depois os reflexos dos homens e dos objetos, e, finalmente distingue os próprios
objetos.
4.2.4 O mundo inteligível das Idéias.
No mundo inteligível, temos um nível mais elevado que o da razão, que o do
pensamento discursivo. Temos o que Platão chamou de mundo das “Idéias”. A questão é: por
que ele chamou esse mundo de “Idéias”?
Com o termo Idéias”, em grego idéa ou eidos que significam “forma”, Platão quis
denominar as causas de natureza não-física. As Idéias não são conceitos ou representações,
mas são “entidades” ou “substâncias”. Elas não são simples pensamentos, mas aquilo que o
pensamento pensa quando liberto do sensível: constituem o “verdadeiro ser”, o ser por
excelência”
(10).
As Idéias em Platão são as essências das coisas, ou seja, aquilo que faz com
que cada coisa seja aquilo que é
(11).
Em resumo, as Idéias são o modelo permanente de cada
coisa, elas são a “coisa em si”. A questão agora é: por que Platão indica as Idéias por “coisa
em si”?
4.2.5 A coisa em si.
Platão utiliza as expressões “em si”, “por si” e “em si e por si”, para indicar o “caráter
de não relatividade e o de estabilidade”
(12)
das Idéias, para indicar seu caráter de absoluto.
Para ele, afirmar que as Idéias existem “em si e por si”, significa, por exemplo, que o Belo ou
o Verdadeiro, não o são apenas relativamente a um sujeito particular. Significa que o Belo ou
o Verdadeiro não se constituem realidades que o sujeito possa manipular a seu critério, mas,
pelo contrário, se impõem ao sujeito de modo absoluto. Platão ao afirmar que as Idéias
existem “em si e por si”, quer dizer que elas não são arrastadas pelo vórtice do devir que
carrega todas as coisas sensíveis
(13),
pois elas se tornam feias, mas não o Belo em si, ou a
Idéia do Belo.
63
Pode-se dizer, em resumo, que as verdadeiras causas de todas as coisas sensíveis não
podem sofrer mudanças, pois se fosse assim elas não seriam as verdadeiras causas, elas não
seriam “as razões últimas e supremas”. Assim, com a teoria das Idéias, Platão pretendeu fazer
a seguinte sustentação: o sensível só se explica mediante o recurso ao supra-sensível, o
relativo com o absoluto, o móvel com o imóvel, o corruptível com o eterno
(14).
Vimos a “coisa em si”, e agora queremos saber como o pensamento se articula com
ela.
4.2.6 O pensamento é intuição.
Para Platão no mundo das Idéias, o pensamento “é a atividade do intelecto intuitivo”
(15).
Aqui o intelecto tem uma visão direta e sem intermediários do Inteligível, tem uma visão
imediata, e não mais mediata, do Inteligível. O pensamento é “intuição” e nesse sentido ele
se caracteriza por sua identidade com o objeto. O pensamento como atividade do intelecto
intuitivo, ao se identificar com o objeto, quer dizer que ele e o objeto são os mesmos. Assim,
o pensamento e o objeto não mais se distinguem um do outro, pois são idênticos entre si.
Visto o mundo inteligível em Platão, agora tentemos vê-lo em Frege.
4.3 FREGE NO MUNDO INTELIGÍVEL
4.3.1 Em Frege o pensamento é discursivo.
O pensamento, em Frege, é caracterizado como atividade discursiva, mas em sentido
“negativo”
(16).
Isto é, o pensamento discursivo nunca se identifica com seu objeto, mas versa
sobre ele, caracterizando-o e expressando-o. Vejamos o que ele nos diz:
Até aqui só consideramos o sentido e a referência daquelas expressões,
palavras ou signos a que chamamos nomes próprios. Agora passemos a
investigar qual seja o sentido e a referência de uma sentença assertiva
completa. Tal sentença contém um pensamento [....] O pensamento,
portanto, não pode ser a referência da sentença, pelo contrário, deve ser
considerado como seu sentido [....] Entendo por pensamento, não o ato
subjetivo de pensar, mas seu conteúdo objetivo, que pode ser a propriedade
comum de muitos. (FREGE, G.,1978, p. 67 e nota 1 de rodapé. Os destaques
em negrito são nossos.).
64
Uma sentença assertiva “completa” contém um pensamento que deve ser considerado
como o sentido dessa sentença. O pensamento não é “o ato subjetivo de pensar”, mas é o
“conteúdo objetivo” do pensar que é “propriedade comum de muitos”. Portanto, o
pensamento para Frege não se identifica com o sujeito de representações, pois não é seu ato
subjetivo de pensar. O pensamento também não se identifica com o objeto, pois não é a
referência da sentença.
Talvez seja nesse aspecto que se queira dizer que o pensamento é discursivo em Frege,
mas em sentido “negativo”: ele expressa o objeto, ele caracteriza o objeto, mas não se
identifica com ele.
4.3.2 Frege e o pensamento “em si”.
Vimos que Frege caracteriza o pensamento como: [..] em si mesmo é não-sensível.
(FREGE, G.,1999, p. 6.).
Ele, ao nos dizer que o pensamento é “em si” e é “não-sensível”, está querendo dizer
que o pensamento em si” existe e que tem uma realidade que se opõe ao sensível. Assim,
parece que ele está descrevendo o pensamento platônico da “coisa em si”. E, se assim for,
dentro desse contexto, o pensamento “em si” para Frege, deve ter uma existência absoluta,
não condicionada ao sujeito, pois o pensamento não é o seu simples ato de pensar, e nem está
condicionado à sua espacialidade e temporalidade, pois é um “não-sensível”.
Assim, em resumo, o pensamento em Frege, como conteúdo objetivo” do pensar é
acessível a todos, mas não se identifica com o sujeito em seu ato de pensar e nem se identifica
com o objeto que ele descreve e caracteriza. O pensamento existe e tem uma realidade em
si”, uma realidade que não é alcançada pelos nossos sentidos.
Procuremos saber mais sobre a coisa “em si” e seus problemas.
4.4 A COMUNICAÇÃO E SEUS PROBLEMAS
4.4.1 A “coisa em si” sensível.
Vimos em Frege o pensamento como coisa “em si” e “não-sensível”, e, com isso,
ouvimos o eco de Platão. Este, para indicar as Idéias como “em si”, nos dizia que elas não são
relativas, não são instáveis, mas tem no absoluto o seu caráter. E com essa teoria Platão
65
procura explicar o sensível através do “supra-sensível”. Ouvindo em Frege o eco de Platão da
coisa em si, a próxima questão é: será que também ouviremos nele o eco de Parmênides?
Vejamos o que este nos diz:
Resta-nos falar apenas de um caminho, o é. nessa trilha inúmeros sinais
de que o que é é incriado e indestrutível, pois é completo, imóvel e sem fim.
Nunca foi nem será, pois é agora, de uma só vez, um uno continuo. Pois, que
tipo de origem buscarias para ele? Como e a partir de que fonte teria ele
crescido?[...] Não te permitirei dizer nem pensar que proveio do que não é,
pois não se pode pensar nem dizer que algo não é [....]. A coisa que pode ser
pensada e pela qual o pensamento existe são a mesma, pois não podes
encontrar pensamento sem algo que é e sobre o que ele é enunciado. (Apud
BURNET, J., 2006. Páginas 192 e 193.).
Em Parmênides o que é, é “incriado”, “indestrutível”, “completo”, “imóvel” e “sem
fim”. Em outras palavras, o que é, é um pleno corporal infinito, esférico e imóvel, a não
nada além dele
(17).
Assim, a substância primordial que os primeiros cosmólogos buscavam,
transformou-se numa “coisa em si” e depois não mais perdeu esse seu caráter. Mas essa
realidade, essa “coisa em si”, para Parmênides, não era o “não-sensível”, mas o “sensível”,
pois, segundo Aristóteles, Parmênides não acreditava em nenhuma realidade que não fosse
sensível
(18).
4.4.2 O problema da comunicação.
Assim a coisa “em si” parece que tem mudado de realidades: em Parmênides, a coisa
em si é sensível, em Platão a coisa em si é “supra-sensível” e em Frege ela é não-sensível
(19).
E aqui surge a questão: como é que o homem, que faz parte de uma physis, e, portanto, tem
uma realidade sensível, pode ter acesso a um pensamento que tem uma realidade não-
sensível? Perguntando de outro modo: como podem se comunicar duas realidades com
naturezas distintas?
Antes de ver como Frege pode nos responder tais questões, procuremos levá-las para o
pensamento antigo e vejamos o que ele poderia nos dizer a respeito do problema da
comunicação de naturezas distintas
(20).
4.4.3 Parmênides e a comunicação entre semelhantes.
Vimos que Parmênides não acreditava noutra realidade que não fosse a sensível.
Como a “coisa em si” tem, para ele, a realidade sensível, então não naturezas distintas
entre o sensível e a coisa em si. Como não naturezas distintas, então não deve haver
66
problema de comunicação entre o homem e a coisa em si. Para ele o conhecimento é um
encontro do semelhante com o semelhante
(21).
E nos dava o seguinte exemplo: o cadáver
sente o que, como ele, é frio e trevas
(22).
Assim para o pensamento antigo, a essência do
conhecimento consistia numa espécie de encontro e conjunção do semelhante (que está em
nós) com o semelhante (que está fora de nos) [...]
(23).
Mas aqui podemos questionar: como o
cadáver “sente”?
Ora, o cadáver é o corpo de algo sem vida, e, nessas condições, não se pode falar que
esse algo tenha sensações, não se pode falar que esse algo sente frio e trevas. Não podemos
dizer que o cadáver sente frio, pois está sem vida, mas podemos dizer que uma pessoa viva ao
tocar o cadáver sente que ele é frio. Entretanto, para Parmênides, o frio e as trevas eram algo
semelhante ao cadáver em sua frieza e cegueira cadavérica. Como para ele tudo era sensível,
então o cadáver também era sensível, pois fazia parte das coisas sensíveis. Talvez seja nesse
aspecto que Parmênides queira nos dizer que o cadáver também “sente”. Apesar de tal
argumentação não ser muito convincente, parece que nele temos um encontro de realidades
semelhantes entre o cadáver que “sente”, o frio e as trevas. Assim, o conhecimento pode
ocorrer com o encontro de realidades semelhantes. E aqui surge a pergunta: como se ,
então, o conhecimento com realidades distintas?
4.4.4 Aristóteles e a comunicação pelas formas.
Na busca da resposta da questão acima, Aristóteles, talvez sintetizando o pensamento
de Platão, nos dizia que a essência do conhecer consistia em “fazer-se semelhante, na
assimilação”
(24).
Para ele, o conhecimento sensível é uma “assimilação da forma sensível
sem a matéria”,
(25)
enquanto o conhecimento intelectivo é uma “assimilação das formas
inteligíveis por obra do nous
(26) (27),
isto é, por obra da natureza divina da alma. Assim, em
Aristóteles, temos dois tipos de conhecimento, a depender da natureza do objeto a ser
conhecido:
O conhecimento sensível. Conhecemos o objeto sensível assimilando somente suas
formas. Aqui a ponte da assimilação entre naturezas distintas, se pela “forma” do sensível,
onde toda a matéria é desprezada;
O conhecimento intelectivo. Conhecemos o objeto inteligível assimilando somente
suas formas inteligíveis. Aqui a ponte onde essa assimilação se dá pelo nous, que é de
natureza divina.
4.4.5 Frege e o acesso às naturezas distintas
.
67
Voltando à questão em Frege, de como ocorre o conhecimento entre coisas de
naturezas distintas, vimos que quando o pensamento “em si” se veste com a roupa da frase,
ele se torna “apreensível para nós”. A frase expressa um pensamento porque aquele
pensamento “em si”, aquele pensamento que sempre “é”, foi por ela apreendido e se tornou
acessível para nós. Assim, parece que para Frege, o acesso ao conhecimento de naturezas
distintas, se pelas expressões do pensamento, se pela frase, se dá, enfim, pela
linguagem. Por isso precisamos conhecer um pouco mais sua abordagem sobre a natureza da
linguagem.
4.5 UM DEBATE: EM BUSCA DA NATUREZA DA LINGUAGEM
4.5.1 O elo não-sensível do pensamento.
Partamos da seguinte questão: qual é a natureza da linguagem em Frege?
Como vimos, apreendemos o pensamento através da frase, através da linguagem.
Vimos que o pensamento é "em si", é "não-sensível", e pode se comunicar com algo que
tenha sua natureza, com algo também "não-sensível". Vimos que a nossa apreensão é
subjetiva, é particular e faz parte do mundo de nossas representações. Vimos que o mundo das
nossas representações é um mundo "não-sensível", é um mundo que não é apreendido pelos
sentidos. O mundo das minhas representações é o meu mundo, é o mundo de minhas
subjetividades.
Aqui parece que há um elo, parece que há uma "forma" de assimilação entre a
natureza do pensamento e a natureza do sujeito, que é o mundo das representações, que é o
mundo das apreensões. Assim, a comunicação entre o pensamento "não-sensível" e o homem
sensível parece que se dá através da ponte "não sensível" das nossas representações. Assim, a
comunicação de natureza não-sensível do pensamento com a nossa natureza sensível, parece
que ocorre através do seu semelhante não-sensível, parece que ocorre através daquilo não
acessível pelos sentidos, que é o mundo das nossas subjetividades e apreensões. E esse parece
ser o elo não-sensível do pensamento em Frege
(28)
.
4.5.2 O elo faltante.
Na busca da natureza da linguagem em Frege, acreditamos ter encontrado como se dá
o conhecimento entre naturezas distintas, como se a comunicação entre o pensamento e o
68
sujeito que o apreende. E essa apreensão se dá quando pensamos, quando questionamos e
buscamos repostas para os problemas, quando enfim, buscamos o conhecimento.
Encontrado o que acreditamos ser o elo do pensamento em Frege, o elo do não-
sensível, a busca ainda não foi concluída, pois ainda resta outro elo para o pensamento. Vimos
que, para Frege o pensamento é “não-sensível” e também é “em si”. Portanto, vimos o elo que
liga o pensamento ao não-sensível, mas resta ainda aquele elo que se une à natureza “em si”
do pensamento. Mas, antes dessa busca, vejamos mais alguns aspectos do elo “não-sensível”
do pensamento em Frege.
4.5.3 A linguagem privada.
Vimos que, em nossos questionamentos, na busca das respostas que julgamos ser ou
não verdadeiras, as reconhecemos em forma de uma asserção, as declaramos em forma de
uma frase assertórica. Com isso podemos dizer que há um forte componente representacional
na linguagem, em Frege. E o que isto significa?
Como as representações são distintas entre os indivíduos, como o sujeito da linguagem
se comunica com o pensamento através das representações, então aquilo que digo, entendo ou
compreendo, pode não ser o mesmo que o outro diz, entende ou compreende. Em outras
palavras, isso significa que o entendimento entre os homens parece ser distinto para uma
mesma expressão, ou até para uma mesma palavra. E talvez essa dupla questão entre Sócrates
e Teeteto sobre o pensar, possa ser vista sob esse aspecto:
- Mas por pensar entendes a mesma coisa que eu?
- Que queres dizer com isso?
( TEETETO, 189, e).
O aspecto central, desse duplo questionamento, pode ser: será que o que eu entendo
por pensar, é o mesmo que você entende?
Ora esse entendimento, essa compreensão é minha, e faz parte das minhas
representações, de minhas apreensões, que agora exponho para o outro, em palavras. Será
que podemos dizer com isso, que, se o outro, ao ouvir a minha explicação, e disser “sim é
exatamente isso que eu entendo”, concordando, assim, com elas, então concordamos também
entre nossas representações?
Frege responderia a isso com um sonoro NÃO. As nossas representações são
particulares, variam de indivíduo para indivíduo e variam até no mesmo indivíduo a depender
de seus estados emocionais. Assim, se não há duas representações iguais, então não há
concordância de representações. É como se tentássemos ter uma comunicação de uma coisa
que somente eu entendo, é como se tivéssemos uma espécie de linguagem privada
(29).
69
Nas palavras de Frege: ele não pode comunicar um pensamento que só ele pode
apreender ( FREGE, G., 1999, p. 12).
Um pensamento que eu apreendo, é um pensamento meu e faz parte de minhas
subjetividades. Ao falar eu tento comunicar meus pensamentos, mas o outro não pode
entender um pensamento que somente eu posso apreender. Isto é, o outro não pode entender o
pensamento exatamente como eu o entendo. Assim, eu posso tentar comunicar minhas
apreensões, mas eu não posso transmiti-las tais como eu as tenho, tais como eu as vejo.
Assim, eu não posso partilhar minhas representações com o outro. Talvez seja nesse sentido
que ele queira dizer que eu não posso comunicar um pensamento que somente eu possa
apreender.
Na busca da natureza da linguagem, falamos que, através dela “apreendemos” o
pensamento. Agora vamos falar de uma expressão semelhante, “conteúdo de consciência”, a
seguir.
4.6 UMA REFLEXÃO: O CONTEÚDO DA CONSCIÊNCIA
Para Frege: a expressão “apreender” é tão metafórica quanto conteúdo da
consciência”. ( FREGE, 1999, nota 6, p. 28 ).
Parece então que, para Frege, o termo apreender” tem uma carga de significado
metafórico semelhante ao da expressão “conteúdo de consciência”. Assim, tentando entender
essa ultima também entenderemos a primeira.
Mas primeiro, vejamos o que é entendido por consciência. Etimologicamente, o termo
“consciência”, vem da palavra latina conscientia, que é formado pelo adjetivo con-scius,
significando aquilo que “partilha o conhecimento de uma coisa com outros, ou consigo
mesmo”
(30).
Enquanto o substantivo con-scientia é o “conhecimento refletido da
subjetividade”
(31),
ou o “conhecimento que um indivíduo pode ter de si, de seu estado
interior, de suas afecções ou de suas ações”
(32).
Assim, dentro dessa concepção, o sujeito que tem consciência é o sujeito de
conhecimento. O sujeito que tem consciência conhece seus estados interiores, conhece suas
próprias afecções e ações. A questão agora é: e o que é “conteúdo” de uma consciência?
Quando falamos em “conteúdo”, parece que não estamos falando do “conhecimento”
de algo em nossa interioridade, mas estamos falando da “existência” de algo como conteúdo
70
da consciência. Em outras palavras, ao falarmos de conteúdo não estamos nos referindo ao
conhecimento desse conteúdo, não estamos mais nos domínios de uma epistemologia, mas
estamos nos referindo a uma existência, e, portanto estamos nos domínios de uma ontologia.
Ora meus estados de consciência podem ter diversos conteúdos: a dor que sinto, o
prazer de uma boa refeição, uma saudade indefinida, um estado de ciúme ou de inveja, etc.
Assim, por exemplo, minha dor de dente é conteúdo de minha consciência, pois é aquela dor
que somente eu sinto, que somente me afeta. O outro não pode sentir a minha dor, não pode
sentir a dor que eu sinto. E aqui temos a existência da minha dor como uma “ontologia da
primeira pessoa”
(33),
que sou eu.
Assim, os diversos conteúdos de nossa consciência, em suas diversas representações,
fazem com que a consciência seja aquilo que ela é: um foro íntimo e privilegiado de minha
subjetividade. A minha consciência com seus conteúdos, está em minha interioridade. E eu
sou seu expectador com cadeira cativa e em posição privilegiada. A minha consciência não
está andando por aí, e eu não me deparo com ela, pois ela não é objetiva, pois ela não está na
terceira pessoa, mas ela é subjetiva: sua existência está na primeira pessoa, está em mim e
depende de mim.
Vista a questão do conteúdo de consciência, agora vejamos como ela se relaciona com
o terceiro reino.
4.7 O PENSAMENTO DO TEOREMA DE PITÁGORAS
Vimos que o acesso ao terceiro reino não se pelos sentidos, não se pelo sujeito,
pois não precisa do portador de conteúdo de consciência. Vimos que esse conteúdo existe, e
tem uma ontologia característica que é a de estar na primeira pessoa do singular. Assim,
como o terceiro reino dispensa o portador do conteúdo de consciência, então ele não se na
primeira pessoa do sujeito, então ele não se dá na subjetividade do sujeito. O terceiro reino, ao
dispensar a subjetividade das representações, nos sugere o caminho alternativo da
objetividade. Mas Frege nos diz que o terceiro reino não se dá pelos sentidos. Será, então, que
para o terceiro reino teríamos um mundo de realidades objetivas, mas que não podem ser
apreendidas pelos sentidos?
Para tentar responder essa pergunta, vejamos antes um exemplar da espécie de
realidade que parece fazer parte do terceiro reino. Eis o exemplo de Frege:
71
Assim, por exemplo, é o pensamento que proferimos com o teorema de
Pitágoras atemporalmente verdadeiro, verdadeiro independentemente de
qualquer pessoa o tomar por verdadeiro. Ele não precisa de nenhum
portador. Ele não é verdadeiro a partir de quando foi descoberto, assim
como um planeta que, mesmo antes que alguém o tivesse observado, se
encontrava em interação com outros planetas. (FREGE, G.,1999. Páginas
16 e 17. Os destaques em negrito são nossos.).
Para Frege, o pensamento que proferimos com o teorema de Pitágoras, tem a
característica de ser “atemporalmente verdadeiro”, e isto quer dizer que esse pensamento é
verdadeiro, independentemente do tempo em que for enunciado. Assim, o pensamento do
teorema de Pitágoras é sempre verdadeiro, qualquer que seja a época em que for proferido. E
ele nos diz também que esse atributo do teorema de Pitágoras, em ser sempre verdadeiro,
independe do seu portador, pois este pode tomá-lo por verdadeiro, ou não, mas isto não altera
o atributo de ser sempre verdadeiro.
E essa qualidade de verdadeiro do teorema de Pitágoras, ele a compara ao atributo do
enunciado da descoberta de um novo planeta, que é sempre verdadeiro. Mas ele não é
verdadeiro somente a partir da sua descoberta, pois antes do seu enunciado esse planeta
interagia com outros corpos celestes. Semelhantemente, pode-se dizer que o pensamento do
teorema de Pitágoras já existia mesmo antes de Pitágoras ter nascido, e vai continuar sempre a
existir, e isto só pode ser dito, porque o pensamento não está sujeito ao tempo.
Com relação a esse aspecto temporal, parece, entretanto, que temos um problema:
qualquer que seja o planeta descoberto, ou a descobrir, ele tem uma existência temporal, pois
nasce, desenvolve-se e morre. Então, como podemos dizer que o enunciado da descoberta de
um novo planeta tem o atributo de ser sempre verdadeiro?
O que se deve observar aqui é que Frege não está nos dizendo que o planeta ou o
portador do teorema de Pitágoras, são sempre verdadeiros, pois eles estão sujeitos ao devir.
Mas o que é “atemporalmente verdadeiro” é o pensamento, e somente aquele pensamento
“que proferimos”. E esse atributo de verdadeiro não está no planeta como objeto físico, nem
está em Pitágoras como portador do teorema que leva seu nome. A qualidade de ser sempre
verdadeiro, tanto do enunciado do teorema de Pitágoras como do enunciado da descoberta do
novo planeta, está sim no pensamento que proferimos, está sim na verdade do enunciado que
é eterna. Está, enfim, no pensamento que enunciamos com frases dotadas de sentido, onde sua
verdade pode ser legitimamente questionada.
Feitos esses esclarecimentos sobre o pensamento, vejamos o que Frege nos diz sobre
suas diferenças e relações.
72
4.8 UMA RELAÇÃO DIFERENTE
Frege tentando explicar melhor o pensamento, nos diz ainda:
-[...] Quando se apreende ou se pensa um pensamento, não se o cria, mas apenas
depara-se com ele, que existia antes, e isso em uma certa relação que é diferente das
relações do ver uma coisa e do ter uma representação.
(
FREGE, G.,1999. Nota 5. gina 28.
Os destaques em negrito são nossos.).
Tínhamos visto haver um elo do não-sensível” entre o pensamento e o sujeito que
pensa o pensamento. Vimos que esse elo se no mundo de suas representações, se no seu
mundo interior. Mas Frege aqui também nos diz que há outro elo diferente desse, que há outra
“relação que é diferente” de ver as coisas e de ter delas uma representação. Ele nos diz que
quando o sujeito apreende ou pensa um pensamento ele não o cria, mas apenas depara-se
com ele”, pois esse pensamento “já existia antes”.
Ao nos dizer que não criamos o pensamento, pois ele sempre existiu, Frege talvez
esteja apenas reafirmando aquilo que ele tinha dito antes: que o pensamento, além de ser
“não-sensível”, também é “em si”. E isso nos lança para o segundo elo da comunicação de
naturezas distintas faltante, que é o elo do pensamento “em si”, que é o elo do pensamento
que sempre é. E este é o elo do pensamento que nós não criamos, mas que apenas nos
deparamos com ele.
Na busca das bases desse elo faltante, iremos mais uma vez a Platão, no capítulo a
seguir.
NOTAS DO CAPÍTULO 4
Nota 1. Fé e crença.
Estamos nos referindo à citação de REALE, G. e ANTISERI , D., ( 2004, p. 136): “Para Platão, mais
que expressão de fantasia, o mito é expressão de fé e de crença.”
Nota 2. Clarificação no logos.
Citamos REALE, G. e ANTISERI , D., ( 2004, p. 136).
Nota 3. Uma tensão transcendente.
Ibidem.
Nota 4. Dois e dois são quatro.
Estamos nos referindo a citação de DOSTOIÉVSKI, F., ( 1992. Pg. 94) na página introdutória desse
capitulo: “Pelo menos o homem sempre temeu de certo modo este dois e dois são quatro.....”
Nota 5. Platão em sua totalidade.
Citamos REALE, G., e ANTISERI, D. ( 2004, p. 163).
73
Nota 6. Primeira navegação.
Estamos nos referindo a REALE, G., e ANTISERI, D., ( 2004, p. 137).
Nota 7. Segunda navegação.
Ibidem.
Nota 8. O plano da pura mente.
Idem, (p. 138).
Nota 9. Dianoia.
O termo grego, dianoia, nos remete à “razão e pensamento”, conforme observa REALE, G., (200l.
Páginas 74 e 75). Para ele, em Platão esse termo tem um significado mais especifico e mais técnico: designa
“razão ou pensamento discursivo”, onde o pensamento procede dis-correndo, passo-a-passo, mediatamente.
Nota 10. O ser por excelência.
Estamos nos referindo à REALE, G., & ANTISERI, D., ( 2004. Páginas 139 e 140).
Nota 11. Aquilo que “é”.
Idem (Pg. 140).
Nota 12. Estabilidade.
Ibidem.
Nota 13. Sensíveis.
Ibidem.
Nota 14. Eterno.
Idem (p. 141).
Nota 15. Atividade do intelecto intuitivo.
Estamos nos referindo à ABBAGNANO, N., (2003. Página 752. Verbete “pensamento”).
Nota 16. Pensamento como discursivo negativo.
Estamos nos referido a afirmação de ABBAGNANO, N., (2003, p. 752) sobre o pensamento, em Frege:
“[...] a característica do pensamento, visto como atividade discursiva é, em ultima analise, negativa: o
pensamento discursivo nunca se identifica com seu objeto, mas versa sobre ele, ou seja, caracteriza-o e expressa-
o”.
Nota 17. Não há nada além dele.
Estamos nos referindo aos comentários de BURNET, J., ( 2006. Páginas 194 e 197). Para ele
Parmênides é o “pai do materialismo” (idem, p. 197).
Nota 18. Realidade sensível em Parmênides.
Estamos nos referindo a citação de BURNET, J., ( 2006, p. 194 e 209) sobre Aristóteles: “aqueles os
discípulos de Melisso e Parmênides por considerarem que não existe nada além da substância das coisas
sensíveis etc.” (Idem, nota 28, p. 209).
Nota 19. Mudança de realidades.
A mudança de realidades o deve ser procurada na simples etimologia problemática das palavras
“sensível”, “supra-sensível” ou “não-sensível”, mas sim em uma história da filosofia, que aqui tentaremos
sintetizar no que consideramos ser seus aspectos básicos. Conforme MORENTE, M.G., ( 1980, p. 133 -172) ,
para os filósofos realistas, como Parmênides, Platão e Aristóteles, se perguntarmos pelo que existe, eles nos
diriam que: existem as coisas, existe o mundo das coisas e existo eu entre as coisas. E, com esse mundo de
coisas temos uma relação de conhecimento, formando conceitos: que são “noções que reproduzem as essências
das coisas” (idem, p. 133). Assim, para o realista, o saber consiste em ter uma “coleção” de conceitos, que vão se
acumulando, que vão sendo substituídos uns pelos outros. E, assim o pensamento vai se adequando à coisa. E,
assim a verdade vai ser encontrada quando o pensamento se adequar perfeitamente à coisa. A evolução do
pensamento realista é essa continua correção de conceitos: primeiro com Parmênides, que procura formar
conceitos que procurem refletir a realidade, depois com Platão e Aristóteles que os aperfeiçoam. No fundo esse
74
processo de aperfeiçoamento tem a mesma base: as coisas são inteligíveis, as coisas m a essência em seu
próprio ser e, por isso, são acessíveis ao pensamento. Assim, o pensamento procura se ajustar e coincidir
perfeitamente com elas.
O pensamento moderno, a partir de Descartes, entretanto, tem outra preocupação: “como descobrir a
verdade? ”(Idem, p. 138). Assim, seu foco de preocupação sai da ontologia e vai para uma teoria do
conhecimento. Descartes descobre “algo completamente novo: o imediato” (idem, p. 139). Se no pensamento
antigo, “mediante o conceito conhecemos as coisas”, e isso era uma fonte de questões, uma fonte de dúvidas,
agora Descartes procura um conhecimento que não ofereça dúvidas. E assim, ele pergunta: quem existe? E sua
resposta muda o centro de gravidade da metafísica realista, pois sai do mundo das coisas e se desloca para o
sujeito que diz: quem existe sou eu e meus pensamentos. E, se perguntarmos para Descartes: o mundo das coisas
existe? Ele responde: é duvidoso que exista. Assim, a partir de Descartes, a filosofia moderna se debruça sobre
esse problema: “como tiramos o mundo exterior do pensamento e do eu?” (Idem, p. 141). Daí o surgimento das
soluções “psicológicas” que procuraram investigar a alma com suas leis internas. Daí o surgimento das soluções
“logicistas” em Kant, que tentam fundar a objetividade da realidade e das coisas sobre “leis do pensar”, do
pensar racional e lógico, que tentam explicar o mundo sensível como resultado das “leis de síntese lógica do
nosso pensamento” (idem, p. 142), nos advertindo que: a partir de agora, as palavras “ser” e “pensamento” m
uma significação “completamente distinta daquela que tiveram para Parmênides, Platão e Aristóteles” (idem, p.
142).
Em resumo: para o realismo, a realidade do mundo exterior não era um problema, não era posta em
dúvida, era um dado inquestionável. Para o idealismo cartesiano essa realidade é o seu mais grave problema: ele
terá que “deduzir, demonstrar ou construir a realidade do mundo exterior” (idem, p. 172).
Nota 20. O problema da comunicação.
Aqui no enriquecimento do debate, trazemos o problema da comunicação de substâncias. Mas ele não
parece ser um problema da filosofia realista. Não era um problema de Parmênides, Platão ou Aristóteles, mas
surge a partir da filosofia moderna. Conforme MORENTE, M.G., ( 1980, p. 212), Descartes deixa um grande
problema para a geração seguinte de pensadores: o problema de comunicação entre as substâncias, ou o
problema de relação entre a alma e o corpo” (ibidem). Ele tinha estabelecido três substâncias: a substância
divina, a substância extensa ou o corpo, e a substância pensante. E essas são as perguntas: como é possível que o
corpo influa sobre a alma e que a alma influa sobre o corpo? Ou: como é possível uma comunicação entre
substâncias? Para que duas coisas se comuniquem é “preciso que exista entre elas algo comum” (ibidem). Mas
surge outra questão: “o que há de comum entre o puro pensar e o ser extenso?” (Ibidem). E a resposta é: nada
em comum entre eles. E este foi o legado metafísico que Descartes deixou para o debate entre os filósofos da
modernidade.
Nota 21. Encontro de semelhantes.
Estamos nos referindo a REALE, G., (2001. Página 56), e suas citações de Parmênides.
Nota 22. O cadáver é frio e trevas.
Ibidem.
Nota 23. O semelhante.
Ibidem.
Nota 24. Semelhante na assimilação.
Ibidem.
Nota 25. Sem a matéria.
Ibidem.
Nota 26. Obra do nous.
Ibidem.
Nota 27. O nous.
Estamos nos referindo a REALE, G.( 2001. Página 187) e suas citações, que observa ainda que para
Platão, o nous era o “olho divino da alma”, era como uma porta de entrada para o conhecimento das Idéias e do
Bem. E, para Aristóteles, o nous estava na alma racional, concebida como “separada do corpo e imaterial” e,
além disso, o nous é essência do homem, é “realidade em si impassível”, “proveniente de fora”,
“transcendente”, “imortal” e “divina”.
75
Nota 28. O elo do não-sensível.
Como resultado do debate filosófico da natureza da comunicação entre o pensamento “não-sensível” e o
sujeito que apreende o pensamento, nos deparamos com o mundo não-sensível das representações. Mas tal
entendimento, apesar de não estar explicito em Frege, pode, como vimos, ser elaborado a partir de seus próprios
pressupostos: os atos de apreensão e de julgamento do pensamento são atos do sujeito, e, portanto, esse elo do
não sensível tem que ser procurado no próprio sujeito das representações, que age conscientemente.
Assim, apesar do problema da comunicação das substancias de naturezas distintas, ser mais uma
questão da filosofia moderna como legado cartesiano, aqui o utilizamos como uma tentativa instrumental para o
enriquecimento do debate no pensamento contemporâneo em Frege.
Nota 29. Linguagem privada.
Conforme GLOCK, H-J., ( 1997. Páginas 230 - 232), a possibilidade de uma “linguagem privada” é
pressuposta a partir da filosofia moderna, em Descartes, chegando até o “representacionalismo cognitivo
contemporâneo”(idem, p.230). E ela resulta de duas “suposições naturais” (ibidem): a idéia de que o significado
das palavras é dado “por aquilo que elas substituem” e, no caso de termos psicológicos, a suposição de que,
aquilo que substituem, são “fenômenos em um teatro mental, acessível apenas ao individuo” (ibidem). Deve-se
observar que as sensações, as experiências e os pensamentos são “inalienáveis e epistêmicamente privados”
(ibidem). Assim, ninguém pode sentir a minha dor, ou saber o que sinto quando sinto dor. Daí se segue que
ninguém mais pode saber o que quero dizer com minha “dor”. Nesse sentido, pode-se dizer que a linguagem é
“privada”.
Entretanto, Wittgenstein em suas “Investigações”, vai “contra” essa noção de que a linguagem é
“privada”. A sua argumentação prévia pressupõe a existência de uma “regra” a ser seguida. Para ele a linguagem
é uma atividade “guiada por regras gramaticais”(idem, p. 231), que constituem “padrões de correção”(ibidem).
Alem disso, para que um signo como “dor”, por exemplo, seja o “nome de uma sensação” (ibidem), e não um
simples rabisco ou um ruído, é preciso que se “determine como ele deve ser utilizado(ibidem). Assim, em uma
“pretensa” linguagem privada nenhum padrão de correção desse tipo poderia ser estabelecido ou empregado, e,
seus signos “seriam destituídos de significados” (idem, p.232).
Um exemplo dado por WITTGENSTEIN, L. (1999, §244), pode nos esclarecer melhor esses conceitos.
Vemos uma criança que se machuca e grita, pois quebrou a perna. Com seu grito chama a atenção dos adultos,
que dizem: ele quebrou a perna e está com dor. E a criança aprende uma palavra nova, “dor”. A questão é: será
que a palavra “dor” significa o gritar? Para Wittgenstein, não. Para ele a expressão verbal “dor” vem a
“substituir” o “gritar”, mas não o “descreve”. Assim, não preciso mais gritar, mas apenas dizer que tenho uma
dor. Aqui substituí o grito pela palavra “dor”, mas essa substituição não “descreve” meu grito. Aqui temos dois
aspectos: a dor e a manifestação da dor. O grito é uma manifestação da minha dor, e antecede a palavra “dor”. A
palavra “dor” substitui o grito, mas não o descreve. Continuando seu pensamento, Wittgenstein diz ainda:
[....] Uma definição serve para estabelecer a significação de um signo. – Ora, isto se
precisamente pela concentração da atenção; pois desse modo, gravo em mim
mesmo a ligação do signo com a sensação. “Gravo-a em mim mesmo” pode
significar apenas: este processo faz com que no futuro me recorde corretamente da
ligação. Mas, em nosso caso, o tenho critério para a correção. Poder-se-ia dizer
aqui: correto é aquilo que sempre me parecer correto. E isto significa apenas que
aqui não se pode falar de ‘correto’. ( WITTGENSTEIN, L. 1999. §258).
Nota 30. Partilha o conhecimento consigo mesmo.
Estamos nos referido a FONTANIER, J-M., (2007, p. 47, verbete “Conscientia”).
Nota 31. Subjetividade.
Ibidem.
Nota 32. Suas ações.
Ibidem.
Nota 33. Ontologia da primeira pessoa.
Estamos nos referindo à citação de SEARLE, J.R., ( 2000, p. 47): portanto, os estados conscientes têm
o que se pode chamar de “ontologia da primeira pessoa”. Ou seja, existem apenas do ponto de vista de algum
agente, organismo, animal ou pessoa que os possua. Os estados conscientes têm um modo de existência na
primeira pessoa.
O desenvolvimento desse tópico também tem por base a referência acima, (2000, p. 44 a 49).
76
5. PLATÃO E FREGE: A BUSCA DA VERDADE
[.......] De modo que é uma necessidade adquirir o conhecimento de
todas essas coisas antes do nascimento [.....] E também, supondo
que pelo menos depois de tê-lo adquirido não o esqueçamos
constantemente, é uma necessidade lógica que tenhamos nascido
com esse saber eterno, conservando-o sempre no curso de nossa
vida. Saber, com efeito, consiste nisso: depois de haver adquirido o
conhecimento de alguma coisa, dispor dele e não mais perdê-lo.
Aliás, o que denominamos “esquecimento”, não é, por acaso, o
abandono de um conhecimento? ( Platão).
77
5.1 OS CAÇADORES DA VERDADE
5.1.1 O problema do conhecimento.
Na busca de um melhor entendimento sobre o pensamento, voltamos a Platão, que, em
seu diálogo Fédon, nos levanta o problema de como conhecer o inteligível. Aqui, tentaremos
buscar sua resposta, e nessa caminhada, esperamos encontrar também algumas respostas sobre
a natureza do pensamento
(1).
Iniciemos com o diálogo entre Símias e Sócrates, onde este faz as seguintes questões:
- Mas que poderemos dizer, Símias do seguinte: afirmaremos a existência do
“justo em si mesmo”, ou negaremos?
- E também a do “belo em si” e a do “bom em si”, não é verdade?
- Ora, é certo que jamais viste qualquer ser desse gênero com teus olhos?
(PLATÃO. Fédon. 199l. Pg. 66 e 67).
Assim, Sócrates ao perguntar pela existência do “justo em si”, está nos levando ao
cerne do problema do conhecimento que é saber como conhecer as coisas inteligíveis. E o
motivo do problema é justificado, pois se eu nunca vi a coisa em si, como é que vou conhecê-
la quando me encontrar com ela, ou, quem sabe, quando ela se encontrar comigo?
Vejamos o que ele nos diz ainda:
- Mas então é porque os apreendeste por qualquer outro sentimento que não
por aqueles de que o corpo é instrumento? Ora, o que eu disse pouco é
para todos os seres, tanto a “grandeza”, a “saúde”, a “força”, como para
os demais é numa palavra e sem exceção a sua realidade: aquilo,
precisamente, que cada uma dessas coisas é. E será, então, por intermédio
do corpo que o que nelas de mais verdadeiro poderá ser observado? Ou
quem sabe se, pelo contrário, aquele que dentre nós que se tiver o mais
cuidadosamente e no mais alto ponto preparado para pensar em si mesma
cada uma dessas entidades, que considera e toma por objeto – quem sabe se
não é esse quem mais deve aproximar-se do conhecimento de cada uma
delas? (Idem, p. 67. Os destaques em negrito são nossos. ).
Sócrates ao procurar saber como pode ser apreendido o justo em si, o belo em si e o
bom em si, parece que esconde outra dimensão do conhecimento: a realidade. E a questão que
surge é: o que é a realidade?
E a resposta socrática é precisa: a realidade é aquilo que cada uma dessas coisas “em
si” é.
78
Assim, a realidade não está nas coisas, não está nas aparências, não está no corpo. Ela
está na coisa tal como ela “é”, está na coisa “em si”. E Sócrates descarta seu acesso pelos
sentidos, pois aquilo que de mais verdadeiro não pode ser conhecido pelo corpo, não pode
ser conhecido pelas sensações. Agora a pergunta é: e quem está preparado para ter acesso ao
verdadeiro?
E ele nos uma pista, com outra pergunta: quem sabe se não é aquele que está “no
mais alto ponto” que está preparado para pensar “em si” cada uma dessas entidades?
Agora a busca é saber quem é esse que está no ponto mais alto para pensar o
pensamento em si.
5.1.2 O caçador de realidades.
O acesso aos entes supremos não se dá pelo uso de nossos órgãos do sentido, mas pelo
pensamento. Somente aquele que se utiliza do pensamento “em si mesmo”, somente aquele
que usa o pensamento sem o recurso dos sentidos, tem condições de alcançar os entes
supremos. E ele se lança nesse objetivo como um caçador se lança numa caçada. Ele caça
“realidades verdadeiras”, realidades que também são em “si mesmas” e “sem misturas”. Em
suas palavras:
E quem haveria de obter em sua maior pureza esse resultado, senão aquele
que usasse no mais alto grau, para aproximar-se de cada um desses seres,
unicamente o seu pensamento, sem recorrer no ato de pensar nem à vista,
nem a um outro sentido, sem levar nenhum deles em companhia do
raciocínio; quem, senão aquele que, utilizando-se do pensamento em si
mesmo, por si mesmo e sem mistura, se lançasse à caça das realidades
verdadeiras, também em si mesmas, por si mesmas e sem misturas?
(
Ibidem. Os destaques em negrito são nossos.
).
O acesso à realidade é o acesso à coisa em si, é o acesso à coisa, tal como ela é. E esse
acesso é privilégio daquele que usa seu pensamento sem recorrer aos órgãos do sentido, é
privilégio daquele que tem como companhia o seu raciocínio. Assim, o acesso à realidade
como coisa em si é privilégio daquele que se utiliza do pensamento em si. E com esse uso, ele
vai encontrar um tipo de realidade: a realidade verdadeira. Mas essa questão não pode ser
calada: o que é a realidade verdadeira?
A realidade verdadeira é aquela que não é misturada com a aparência, que não é
misturada com as sensações, e, por isso ela também pode ser chamada de realidades “em si
mesmas”, e “por si mesmas”.
79
5.1.3 Uma reflexão: um plural para a verdade.
Deve-se observar que Sócrates não usa essa expressão no singular: realidade
verdadeira. Mas ele a usa no plural: “realidades verdadeiras”. Assim, podemos entender que
não temos uma realidade verdadeira, mas temos diversas realidades verdadeiras, e esse
plural pode ser significativo. Essa realidade plural pode significar que não temos uma
realidade verdadeira de uma pessoa, de um caçador, de um filosofo. Mas temos
realidades verdadeiras de todos aqueles que se lançam à caça da verdade, munidos do
pensamento da verdade, munidos com seu desejo da verdade.
5.1.4 O desejo da verdade.
Tais considerações fazem ainda nascer no espírito do filósofo a crença de que exista
um caminho “que nos conduz de modo reto” quando o raciocínio é nosso guia nessa busca.
Em sua caminhada, na busca de seu objeto de desejo, o filósofo se utiliza do pensamento, se
utiliza do raciocínio como seu guia, mas sempre terá um desafio a vencer: o corpo, “essa coisa
má” (Idem, p. 67). Somente a morte libera a alma do corpo para o pensamento puro. Assim
nessa caçada do objeto do seu desejo, o filósofo vai como que se libertando das amarras dos
sentidos.
Com essa imagem, o filósofo pode ser comparado ao balão que, ao querer alcançar os
céus, se libera das cordas que lhe prendem ao solo, se libera do peso dos lastros que lhes
impedem a ascensão. Assim o filósofo está em seu vôo, está em seu pensamento livre das
amarras dos sentidos, livre das amarras da vida. Nessa libertação, nessa morte como liberação
do pensamento, o filósofo alça vôo em busca daquilo que ele mais ama, em busca daquilo que
mais deseja:
- A verdade.
A questão é: será que Platão e Frege se encontram na busca desse objeto de desejo?
5.1.5 Um encontro na caçada à verdade.
Para Platão, o filósofo tem um objeto de desejo que é a verdade. Como o amante
deseja sua amada, o amante da sabedoria deseja a verdade. Mas ele não a deseja, ele
também vai ao seu encalço. Como o caçador vai atrás da caça, o filósofo vai caçar a verdade,
vai caçar a realidade verdadeira, e nessa caçada o pensamento é seu instrumento.
Para Frege a verdade é o sinalizador, é o farol que deve direcionar a lógica. E nesse
ato de sinalizar, a verdade nos indica o caminho do pensamento.
80
Platão e Frege, parece que se encontram nessa caçada à verdade, parece que se
encontram nessa caçada ao pensamento.
5.2 APRENDER É RECORDAR
5.2.1 O conhecimento por recordação.
Ainda no Fédon, vamos encontrar a fonte do conhecimento: o conhecimento pela
recordação
(2).
Nessa fonte, aprender “não é outra coisa senão recordar”. E aqui a questão é:
como podemos provar isso? Ou: como podemos provar que o aprendizado se pela
recordação?
Uma aplicação prática, pode ser a prova que precisamos
.
Assim, interrogamos uma
pessoa, com perguntas bem conduzidas, e ela, por si mesma, irá nos dizer exatamente como as
coisas “realmente são”. Entretanto, essa pessoa seria incapaz de fazer isso “se sobre essas
coisas não possuísse um conhecimento”, se, sobre elas, não possuísse “um reto juízo”.
Podemos repetir esse procedimento com o uso de figuras geométricas, e os resultados vão ser
os mesmos e a pessoa irá responder, “com toda certeza possível”, aquelas perguntas às quais
foi questionada. Na continuação do diálogo, temos:
Em verdade, Sócrates – tornou então Cebes – é precisamente esse também o
sentido daquele famoso argumento que ...tens o habito de citar amiúde.
Aprender, diz ele, não é outra coisa senão recordar [....] Temos disso
volveu Cebes uma prova magnífica: interroga-se um homem. Se as
perguntas são bem conduzidas, por si mesmo ele dirá, de modo exato, como
as coisas realmente são. No entanto, esse homem seria incapaz de assim
fazer se sobre essas coisas não possuísse um conhecimento e um reto juízo!
Passa-se depois, às figuras geométricas e a outros meios do mesmo gênero,
e assim se obtém, com toda certeza possível, que as coisas de fato assim se
passam. (Idem. Pg. 76. Os destaques em negrito são nossos. ).
A questão é: se essa pessoa é ignorante sobre o assunto, se ele não sabe geometria,
como respondeu a um problema de geometria?
Essa pessoa não poderia ter nos dado a resposta correta, se não tivesse algum
conhecimento esquecido e agora, com perguntas bem orientadas, tivesse que recordar.
81
5.2.2 Será que não falta “algo”?
A questão de Sócrates agora é para procurar saber se, por exemplo, ao vermos a figura
de um cavalo, isso não vai nos fazer recordar outra coisa, como a do seu cavaleiro? Ou se ao
vermos o retrato de uma pessoa isso não pode nos fazer recordar outra pessoa diferente?
Com essas perguntas, parece que ele está procurando um ponto de partida para a
recordação. Está buscando as origens da recordação numa coisa semelhante e, também, numa
coisa diferente.
Considere que o nosso ponto de partida para a recordação seja o semelhante. Nesse
caso, ao recordarmos a partir de um objeto semelhante, pode nos surgir a seguinte pergunta:
será que não está faltando “alguma coisa” ao objeto considerado, quando recordamos o objeto
semelhante?
Utilizamos os nossos sentidos para nos lembrarmos de alguma coisa. Ao vermos o
desenho de uma pessoa, nós nos lembramos daquela pessoa, ou podemos nos lembrar de
outra. Além de nos lembrarmos da pessoa, também somos levados a considerar que está
faltando “alguma coisa” nela. Naquele desenho, naquela foto, aquela pessoa não tinha, por
exemplo, um bigode, ou não tinha um cabelo tão comprido como agora o tem. Ao
observarmos a foto de uma pessoa conhecida, s nos lembramos dela, e ainda mais, somos
levados a considerar as diferenças entre a foto e a própria pessoa. Somos levados a considerar
a falta, ou o acréscimo de alguma coisa. E a questão que surge é: por que será que isso ocorre
em nós?
5.2.3 O Igual em si.
Existe o igual em si, e ele não é, por exemplo, a simples igualdade entre um pedaço de
madeira e outro pedaço de madeira, ou entre uma pedra e outra pedra. O igual em si se
distingue dessa igualdade entre coisas do mesmo gênero, e é o que vamos chamar de “Igual
em si mesmo”. Continuando o diálogo, Sócrates diz:
- Examine agora tornou Sócrates se não é deste modo que isso se passa:
afirmamos sem duvida que um igual em si; o me refiro à igualdade
entre um pedaço de pau e outro pedaço de pau, entre uma pedra e outra
pedra, nem a nada, enfim do mesmo gênero; mas a alguma coisa que,
comparada a tudo isso, disso, porem se distingue: - o Igual em si mesmo.
(
Idem.
Pg. 77).
Assim, ao afirmarmos a igualdade, ao buscarmos a igualdade nas coisas, ou a
igualdade nos gêneros, parece que temos em mente outra igualdade. Parece que temos em
82
mente uma igualdade que se distingue da igualdade entre as coisas. E o que temos é o Igual
em si mesmo. Mas, como isso se dá?
5.2.4 É necessário haver um conhecimento anterior.
Ao vermos uma coisa pensamos em outra, e isso é uma recordação. Nessa recordação,
podemos dizer: esse objeto que estou vendo agora se assemelha a outro. Ele é semelhante ao
outro, mas tem defeitos e não consegue ser tal como o ser igual, que eu recordo, mas lhe é
inferior. Entretanto, para podermos dizer isso, é necessário que tenhamos conhecido esse
ser que se aproxima do objeto que dele nos fez recordar. É necessário que tenhamos
conhecido o Igual antes de termos visto o objeto imperfeito que nos provocou sua recordação.
E o diálogo continua:
[...] Vendo uma coisa, a visão desta faz com que penses numa outra, desde
então, quer seja semelhança ou dessemelhança, necessariamente o que se
produz é uma recordação?
- Necessariamente.
- Estamos, pois de acordo quando, ao ver algum objeto, dizemos:
“Este objeto que estou vendo agora tem tendência para assemelhar-se a um
outro ser, mas, por ter defeitos, não consegue ser tal como o ser em questão,
e lhe é, pelo contrario, inferior”. Assim para podermos fazer essas reflexões,
é necessário que antes tenhamos tido ocasião de conhecer esse ser de que se
aproxima o dito objeto, ainda que imperfeitamente. [.....]
- Portanto, é necessário que tenhamos anteriormente conhecido o
Igual, mesmo antes do tempo em que pela primeira vez a visão de coisas
iguais nos deu o pensamento de que elas aspiram a ser tal qual o Igual em
si, embora lhe sejam inferiores?
- Como quer que seja, seguramente são as nossas sensações que
devem dar-nos tanto o pensamento de que todas as coisas iguais aspiram à
realidade própria do Igual, como o de que elas são deficientes
relativamente a este. (
Idem
. Pg. 78. Os destaques em negrito são nossos).
Assim, as nossas sensações nos fizeram as seguintes provocações: o pensamento de
que todas as coisas iguais aspiram à realidade própria do Igual (Ibidem), e o pensamento de
que todas as coisas iguais são deficientes em relação ao Igual. Mesmo antes dos nossos
sentidos serem despertados, é necessário que tenhamos adquirido o conhecimento do Igual a
si, e assim poderemos comparar essa realidade com as coisas que as sensações nos mostram.
5.2.5 As sensações nos dão o pensamento.
Ao termos uma recordação levantada pelos nossos sentidos, vemos uma coisa e
pensamos noutra. Mas ao nos recordarmos e pensarmos numa outra coisa, vamos compará-la
com o Igual em si. E vamos encontrar um algo que a diferencie, vamos encontrar as
83
diferenças, vamos encontrar os defeitos. Assim a recordação nos leva, por sua vez, a recordar
um defeito.
Por exemplo, se vemos as fotos das pirâmides do Egito, nos lembramos da figura
geométrica da pirâmide. Mas, como as pirâmides do Egito estão sujeitas a mudanças, aquelas
construções não estão mais tão perfeitas como eram inicialmente, como eram no seu projeto
inicial, mas estão gastas e desgastadas pela ação do tempo. Assim, ao nos lembrarmos da
figura da pirâmide, vamos encontrar defeitos na construção das pirâmides, pois estas não mais
coincidem com a figura geométrica de uma pirâmide, perfeita em todos seus vértices e
ângulos. Mas para que nos lembrássemos, mesmo antes da primeira pirâmide ter sido
construída, tínhamos o conhecimento do igual em si, tínhamos o conhecimento das
relações de diferenças.
O conhecimento por recordação ainda pode nos dar outras lições, como veremos a
seguir.
5.3 AS LIÇÕES DO MÉNON
No diálogo Ménon, de Platão, além de termos outra “prova” de que apenas
aprendemos por recordação, podemos também tirar outras lições. Vejamos esse pequeno
trecho do diálogo entre Sócrates e Ménon:
Ménon: Mas limitas-te a afirmar que não aprendemos nada, e que aquilo a
que chamamos aprender não é mais do que recordar? Podes mostrar-me
que assim é? [.......]
Sócrates: Não é fácil, mas gostaria de tentar, por amizade a ti. Chama um
dos muitos escravos que te acompanham, aquele que quiseres, e far-te-ei ver
o que desejas.
Ménon: (Dirigindo-se a um jovem escravo): Vem cá.
Sócrates: É grego? Fala a nossa língua?
Menon: Perfeitamente, nasceu em minha casa.
Sócrates: Presta bem atenção e se ele parece recordar-se ou se parece
aprender comigo. [.....] Dize-me, rapaz, sabes que esta figura é um
quadrado?
Escravo: Sim.
Sócrates: O quadrado tem estas quatro linhas iguais?
Escravo: Sim.
Sócrates: E estas linhas que o atravessam pelo meio também são iguais?
Escravo: Sim.
Sócrates: Uma figura deste gênero pode ser maior ou mais pequena?
Escravo: Certamente. (PLATÃO, Ménon, 2003).
84
5.3.1 A recordação pede uma estrutura lingüística.
Nesse diálogo certas linhas básicas, certas estruturas que se destacam
(3).
O
primeiro destaque é o uso da língua, é a linguagem, e ele pode ser tirado das questões de
Sócrates: o escravo é grego? Ele fala a língua grega? Aqui, além do aspecto do ambiente de
convívio do escravo ser a do mundo grego, uma preocupação central em saber se ele fala
sua língua. Com isso acreditamos que Sócrates quer ter certeza de que o escravo irá entender
as suas perguntas, e de que ele irá entender suas respostas. Assim, podemos dizer que
estrutura básica que sustenta a recordação é o aspecto lingüístico, é a linguagem: o ouvinte e o
falante devem estar se entendendo um ao outro. As perguntas que um faz ao outro devem ter
significado para que, no diálogo, eles se entendam. Portanto, a recordação exige uma estrutura
de comunicação lingüística.
5.3.2 A recordação pede uma consciência do Igual.
Outro aspecto que destacamos ainda é a questão das relações geométricas básicas que
Sócrates usa: o quadrado tem linhas “iguais”, e as linhas que o atravessam também são iguais.
Além disso, essa figura pode ser “maior” ou “menor”. Aqui, portanto, temos um
conhecimento de relações de igualdade e de relações de diferenças.
Assim, outra estrutura básica das recordações parece surgir: a categoria das relações. E
ela parece ser fundamental ao ser pensante, pois sabemos o que é o igual, mas não sabemos
porque o sabemos. Todos nós temos alguma noção previa da igualdade que se estende desde o
ambiente da geometria até o ambiente ético: sabemos o que é igual, e o que não é igual,
quando relacionamos as coisas, quando relacionamos figuras geométricas. Temos, enfim uma
consciência do igual. Mas ela não é somente isso
(4),
pois no campo da ética, por exemplo,
sabemos o que é um ato particular de justiça quando achamos que os direitos também devem
ser iguais para todos e não somente para os mais iguais. Não será isso um sentimento do
paraíso perdido? Ou melhor, não será isso um sentimento da igualdade esquecida?
É o que tentaremos ver a seguir.
5.4 O PENSAMENTO É O SABER ETERNO
Voltando ainda ao diálogo Fédon, vemos que o conhecimento do Igual em si, não
deriva dos sentidos, pois não é um simples dado da experiência. Se ele não deriva dos
85
sentidos, se não deriva do mundo externo, só pode derivar de nós mesmos. Agora a questão é:
se a noção de defeitos, se o conhecimento do Igual em si, deriva de nós mesmos, será que o
criamos?
Parece que não, pois segundo Sócrates:
-[...] Antes de começar a ver, a ouvir, a sentir de qualquer modo que seja, é preciso
que tenhamos adquirido o conhecimento do Igual em si, para que nos seja possível comparar
com essa realidade as coisas iguais que as sensações nos mostram [....] ( PLATÃO, Fédon, p.
78. Os destaques em negrito são nossos.).
Não criamos o conhecimento do Igual em si, pois ele estava em nós, mesmo antes
de começarmos a ver, ou a ouvir, ou a sentir. Então, esse conhecimento se deu mesmo antes
de nascermos. E com esse conhecimento do Igual em si, nos é possível comparar, nos é
possível fazer relações entre as coisas iguais, quando as vemos.
5.4.1 Nascemos com o saber eterno.
O conhecimento necessário, que adquirimos antes e que explica porque recordamos, se
deu antes do nascimento. Esse conhecimento que se deu antes de nascermos, se torna uma
“necessidade gica”, para explicar nossa recordação. Nascemos com esse saber eterno e,
além disso, nós o conservamos no curso de nossa vida. E seguem-se as questões: o que é esse
saber? O que é esquecimento? O que é instruir-se?
Esse saber consiste em dispor do conhecimento, e não mais perdê-lo, depois de termos
adquirido o conhecimento de algo. Esquecimento é o abandono desse conhecimento. Instruir-
se consiste em reaver esse conhecimento que tinha nos pertencido, e também pode ser
chamado de recordar-se. Nas palavras de Sócrates:
[....] De modo que é uma necessidade adquirir o conhecimento de todas
essas coisas antes do nascimento [ ....]
- E também, supondo que pelo menos depois de tê-lo adquirido não o
esqueçamos constantemente, é uma necessidade lógica que tenhamos
nascido com esse saber eterno, conservando-o sempre no curso de nossa
vida. Saber, com efeito, consiste nisso: depois de haver adquirido o
conhecimento de alguma coisa, dispor dele e não mais perdê-lo. Aliás, o que
denominamos “esquecimento”, não é, por acaso, o abandono de um
conhecimento?
[....] Logo, o que chamamos de “instruir-se” não consiste em reaver um
conhecimento que nos pertencia? E não teríamos razão de dar a isso o nome
de “recordar-se”? (
Idem.
Pg. 79. Os destaques em negrito são nossos.).
86
Nascemos com o conhecimento do Igual em si. Ele não foi criado por nós, mas apenas
o encontramos, apenas o descobrimos em nós mesmos como um saber eterno que devemos
dele dispor e não mais esquecê-lo. Assim, esse conhecimento do Igual a si, esse saber eterno,
independe de nós, mas nos foi imposto de modo objetivo e independente do nosso querer,
independente do nosso poder, independente de nossa vontade. Esse conhecimento que não foi
criado por nós, agora nos pertence, e devemos conservá-lo para sempre em nossa vida.
Agora a questão é: e como se dá o pensamento?
5.4.2 A identidade.
O pensamento se quando a alma cessa de vaguear. A alma tem parentesco com os
seres puros. E quando ela examina as coisas em si, quando se lança na direção do puro,
quando se lança na direção do que sempre existe, do que nunca morre, do que se comporta do
mesmo modo, então ela vai com eles ocupar o lugar a que lhe direito a toda realização de
sua existência em si mesma e por si mesma. A alma, então, cessa de vaguear e passa a
conservar sua identidade e seu modo de ser, pois está sempre em contato com as coisas do seu
gênero. Nas palavras de Sócrates:
- Mas quando, pelo contrário [a alma] examina as coisas por si mesma,
quando se lança na direção do que é puro, do que sempre existe, do que
nunca morre, do que se comporta sempre do mesmo modo em virtude de
seu parentesco com esses seres puros – é sempre junto deles que a alma vem
ocupar o lugar a que lhe direito toda realização de sua existência em si
mesma e por si mesma. Por isso, ela cessa de vaguear e, na vizinhança dos
seres de que falamos, passa também a conservar sempre sua identidade e
seu modo de ser: é que está em contato com coisas daquele gênero. Ora,
este estado da alma, não é o que chamamos pensamento?
(Idem. Pg. 84. Os
destaques em negrito são nossos.).
A questão é: será que esse saber eterno, esse conhecimento do Igual em si, enfim, esse
estado da alma quando ela cessa de vaguear, não é o pensamento?
A alma alça vôo, para o que é puro como ela, examinando as coisas, buscando
conhecer as coisas, não por suas aparências, mas por sua essência, pois ela examina as coisas
em si. Quando cessa de vaguear, quando cessa de examinar as essências dos seres puros,
então ela passa também a se identificar com eles em sua pureza. E esse estado da alma em que
ela cessa de vaguear, em que ela cessa de errar, e passa a se identificar com os seres puros, é o
que chamamos de pensamento.
87
O pensamento é, assim, um estado especial da alma: é o estado em que ela não mais
vagueia, não mais examina, não mais procura, não mais erra, não mais se ilude. O pensamento
é um estado de encontro, é um estado de certeza, é um estado em que a alma se identifica com
o ser da coisa que examina. O pensamento é um estado em que a alma não tem mais dúvida
quando encontra o que procura, pois agora ela e o ser em si são os mesmos, ela e a realidade
em si são as mesmas, ela e o saber eterno são os mesmos. Enfim, o pensamento é o estado da
alma em que ela e a verdade são a mesma coisa.
5.5 UM ENCONTRO ENTRE PLATÃO E FREGE
5.5.1 Platão: encontramos o pensamento ao nascermos.
Para Platão, ao vermos uma coisa, nos recordamos de outra, e encontramos
semelhanças e diferenças. A recordação nos vem pelos sentidos, nos vem de fora, mas a busca
dessas diferenças, mas a busca desse “algo” que falta, vem de dentro de nós. Esse algo que
falta vem de nós, mas não o criamos, não criamos essa recordação do Igual em si, pois ela
estava em nós quando nascemos. Mesmo antes de começarmos a ver tínhamos adquirido o
conhecimento do Igual em si. Nós o encontramos quando nascemos e vamos conservá-lo
durante toda nossa vida.
Temos um problema quando tentamos encontrar uma resposta que nos diga como nos
lançamos na busca da verdade, mesmo sem conhecê-la. Temos o problema do conhecimento:
se eu não conheço a verdade, como vou reconhecê-la quando a encontrar? Se eu não conheço
o que estou procurando, como vou saber que o encontrei quando me deparar com ela?
Para responder essas questões, impõe-se a necessidade lógica do recordar. Não
outra maneira de saber o que se estava procurando, se antes eu já não o tivesse conhecido,
mas apenas estava esquecido. Assim, aprender é recordar. Aprender é “reaver um
conhecimento que nos pertencia” (Idem, p. 79). Mas onde está a fonte desse conhecimento?
A fonte desse conhecimento não está no corpo, mas está na alma, pois esta se lança na
direção do puro, na direção do que nunca morre, na direção do que sempre existe. A alma
quando encontra a verdade então ela se realiza, pois vem a ocupar por direito o seu lugar de
existência “em si mesma e por si mesma” (Idem, p. 84), e cessa de vaguear. Ora o estado da
alma em que ela cessa de vaguear e passa a conservar sempre sua identidade e seu modo de
ser, é o que se chama de “pensamento”.
88
5.5.2 Frege: o pensamento já existia antes.
Para Frege, se proferimos o pensamento, por exemplo, com o enunciado do teorema de
Pitágoras, isso não quer dizer que precisamos antes saber geometria para o pensarmos. Ele
nos diz que esse pensamento é verdadeiro “atemporalmente”. Assim, antes de Pitágoras ter
nascido o pensamento do teorema já existia, e quando ele nasceu, encontrou o pensamento do
teorema. Frege nos diz que o pensamento é verdadeiro independentemente de um portador.
Assim, esse teorema o precisa de Pitágoras para ser seu portador, para ser conteúdo de
consciência. E, quando apreendemos um pensamento, nós não o criamos, nós apenas nos
deparamos com ele, pois já existia antes.
5.5.3 Platão e Frege: um encontro com o pensamento.
Como vimos, não como negar a predominância do pensamento platônico sobre
Frege. Não como negar as bases platônicas do seu “O Pensamento”
(5).
Nessa linha de
concordância vemos que, se em Platão a verdadeira realidade o leva ao mundo das Idéias, o
leva à coisa “em si”, em Frege a verdadeira realidade é encontrada no pensamento não
sensível e em si. E seu compromisso é com o pensar, o julgar e o inferir verdadeiros. Seu
compromisso não é com o pensamento como ato particular do indivíduo, mas com o
pensamento objetivo, com o pensamento público, com o pensamento como tesouro comum da
humanidade. E ele procura trazer essa verdade para o âmbito da linguagem, ao nos dizer que
o pensamento é o sentido da frase assertórica, ao nos dizer que o pensamento é o sentido da
frase em que podemos questionar a verdade.
Em Platão temos múltiplas realidades, temos realidades verdadeiras, e que estão no
mundo inteligível para serem buscadas pelo caçador de realidades, o filósofo. No mundo
inteligível temos a contemplação da Idéia do Bem, que está na identificação da alma com o
intelecto único. A verdade está em nossa alma e nasceu com ela. A verdade está mais
próxima de nós do que imaginávamos. A verdade está em nós: basta voltarmos para dentro de
nós, basta nos voltarmos para a morada do pensamento.
5.6 A MORADA NUM ENCONTRO DE IDENTIDADES
Até aqui buscamos um encontro de pensamentos, um encontro de identidades.
Buscamos significados
(6)
, buscamos uma ética da dignidade do homem
(7)
, buscamos, enfim,
referências e sentidos.
89
Quem sabe, se nessa busca não encontraremos nossas referências, em forma de
verdades que brincam em se esconder atrás das densas sombras do fundo das nossas ilusões,
esperando apenas que venhamos a descobri-las? Quem sabe, se nessa busca não nos
encontraremos com o sentido da vida, encantado sob a forma de linguagem universal e
eterna? Quem sabe se nessa busca não chegaremos um dia a conhecermos a nós mesmos, e
assim, quando esse dia chegar, não nos tornaremos dignos de sermos chamados homem?
(8).
5.6.1 Um salto no abismo.
Até aqui talvez tenhamos procurado construir uma fortificação defensiva em torno do
pensar de Platão e Frege. Mas eles, como bons guias nos conduziram e nos ensinaram que o
caminho especulativo do conhecimento exige ainda a coragem do caminhar por si. Assim um
olhar mais livre, mais reflexivo, talvez seja uma atitude mais adequada para os passos
introdutórios no ousar um esclarecimento sobre a realidade singular do terceiro reino em
Frege. E essa é a ousadia do iniciado: sair da fortificação criada em torno do pensar dos outros
e dar um salto no abismo
(9)
do conhecimento que traz o “pensar por si mesmo”
(10).
Bem, pelo menos é isso o que tentaremos no próximo capitulo.
NOTAS DO CAPÍTULO 5
Nota 1. A busca de respostas.
Nesse capítulo buscamos e encontramos importante apoio no texto de REALE, G., e ANTISERI, D.,
(2004. Páginas 146 a 148).
Nota 2. Recordação.
Para Platão, o conhecimento é “anamnese”, ou seja, uma forma de “recordação”, ou um “emergir”
daquilo que sempre existiu em nossa alma. Conforme HACKING, I., (1997. Páginas 63 a 74), desde o tempo de
Platão, os filósofos tem-se sentido “perplexos” de que possa existir conhecimento “a priori”, isto é, que o
conhecimento possa ser obtido independentemente da experiência, como o teorema proposto ao escravo no
“Ménon” de Platão, sobre a duplicação do quadrado. E cita Leibniz: Se alguns eventos podem ser previstos,
antes de qualquer experiência que tenha sido feita com eles, é evidente que devemos estar contribuindo com
algo nosso aí. (Apud HACKING, I.1997. Página 68). Assim, não as “provas” nos possibilitam “prever”
propriedades de “formas e números”, mas também as descobertas na matemática parecem possuir uma
“necessidade universal”, que não podem ser falsas.
Na década de 1970 o lingüista Noam Chomsky reviveu a velha controvérsia sobre “idéias inatas”. Seu
primeiro “alvo” não foi o aprendizado de figuras geométricas ou de palavras, mas o “domínio da gramática”.
Para ele, as crianças aprendem desde cedo a falar “gramaticalmente”. A criança é capaz de proferir não somente
aquilo que escutou, mas também novas sentenças “nunca proferidas” por ninguém. Assim, ele sugere que as
crianças “nascem com uma habilidade inata” para fazer uma projeção correta. Segundo ele: [....] A conclusão de
que a natureza proveu-nos com um estoque inato de conceitos pode ser surpreendente, e os fatos empíricos
parecem deixar abertas outras poucas possibilidades de que a tarefa da criança seja descobrir seus rótulos [...]
(CHOMSKY, N., 2002. Página 130).
90
Outros aspectos da “velha história” sobre as idéias inatas, começam a ser levantados. Ainda, segundo
HACKING, I., (1997. Página 74), Wittgenstein chama atenção para o “caráter subdeterminado dos conceitos
matemáticos”, sugerindo que “um teorema matemático não tinha as marcas da necessidade até que fosse
provado”. Mas, uma vez que a prova nos é mostrada, nos não podemos deixar de aceitá-la, sob pena de sermos
chamados de “estúpidos” ou “irracionais”. Assim, o que nos faz aceitar as provas não é nosso treinamento
matemático, mas “uma precondição para essas habilidades e conceitos”, e isso faz parte de nossa natureza, e isso
é “inato” ao homem, pois ser humano é “ser capaz de provar alguma coisa”.
Finaliza HACKING, I., (Ibidem), dizendo que se o “Sentido” em Frege, parece ser “algo modesto”, ele
nos leva diretamente para “algo imodesto”, que é a doutrina de que uma vez tendo entendido “como os
significados podem ser dominados e transmitidos” aprenderemos também sobre a “mente e o mundo”.
Nota 3. Estruturas que se destacam.
No diálogo “Ménon”, também um destaque para o aspecto “ambiente”, e ele pode ser inferido no
texto a partir da exigência de Sócrates em chamar qualquer um dos escravos que “acompanham” Ménon. Aqui,
subentende-se que o escravo não foi ensinado e, portanto, ele não tinha conhecimento ou noções prévias de
geometria elementar, talvez pela sua própria condição social na hierarquia da polis grega, que lhe negava acesso
a esse tipo de aprendizado. Além disso, o locus em que o escravo vive é a casa do próprio Ménon. E essa
condição de convívio ambiental é enriquecida ainda pelo fato daquele escravo ter nascido na casa do seu senhor.
Assim, essa estrutura básica que faz parte do processo de recordação é o ambiente em que a pessoa vive. Aqui
não haveria sentido em se fazer as perguntas a uma pessoa que sempre tivesse vivido de modo isolado e solitário,
sem um mínimo de convívio social. E, talvez, dentro deste aspecto, podemos dizer que aprender é também
recordar o conviver. Assim, o processo de aprendizado se dá com a influência do ambiente social, se com a
influência do outro. Sob essa perspectiva, vemos seu despontar na psicologia, com diversas escolas e pensadores,
e, entre elas, a escola comportamentalista, no final do século XIX e início do século XX.
Apesar de sua importância, a escola psicologista do comportamento humano não parece ser uma
preocupação central em Frege. O que ele se preocupa sim é evitar a confusão entre leis psicológicas e leis do
pensamento. Em suas palavras: assim chega-se à opinião de a que lógica trata do processo anímico do pensar e
das leis psicológicas segundo as quais este ocorre. Mas com isso seria mal interpretada a tarefa da lógica, pois
a noção de verdade não obteria o lugar que lhe é devido. ( FREGE, G., 1999, p. 2).
Nota 4. Não é somente o igual.
Ainda no diálogo “Ménon”, a matemática parece ser usada pela alma, como uma espécie de
“idealidade”, em seu processo de recordação. O jovem escravo, guiado pelas perguntas de Sócrates, consegue
“recordar” a resposta correta para obter um quadrado de área dupla, em relação ao primeiro quadrado. E isso
parece ser também uma “prova” da reminiscência, que garante a existência separada das “Idéias”, que foi
contemplada pela alma em tempos passados.
Mas, conforme observa ROGUE, C. (2005, p. 182), esse diálogo não deve ser lido somente na
perspectiva do “dualismo ontológico”, isto é, na perspectiva entre corpo e alma, mas também pelo interesse
particular de Platão pelos “incomensuráveis”, ou pelo problema do irracional. Longe de ocultar esse problema,
como fizeram os pitagóricos, ele procura aqui incluí-los como um programa de educação. Ora, dobrar a área do
quadrado de lado um, por exemplo, se faz pelo quadrado do incomensurável, raiz quadrada de dois. Assim, os
números irracionais entram, de certa maneira, na construção da realidade, mas eles trazem um “desafio para o
pensamento” (Idem, p. 183). Temos que os objetos são analisados em pares de contrários: quente-frio, prazer-
dor, etc., mas os irracionais fogem a essa regra: enquanto todo numero é par ou impar, os irracionais não são
nem uma coisa nem outra, ou são as duas ao mesmo tempo. O interesse de Platão pelos números irracionais
decorria talvez do seu sentimento de encontrar-se diante de “objetos desafiadores das regras da lógica ordinária”
(Idem, p. 184). Ele parece que teve conhecimento dos métodos de aproximação dos irracionais “por excesso e
por falta”, e do seu caráter de processo infinito para mais ou para menos. Assim, à oposição de um principio
indeterminado, inexprimível, e a do limite inteligível pensado pelo espírito que se esforça por “dominar o
indeterminado por meio do logos”, reproduz o procedimento do matemático que multiplica os logoi”, que
multiplica as relações para “circunscrever o alogos” (Idem, p. 187), para circunscrever o irracional. Assim: o ser
está bem composto de uma mistura de indeterminação pura, de infinito inexprimível e de pensamento
limitante. É ao mesmo tempo desordem e ordem. (Ibidem. O destaque em negrito é nosso). Agora a alma pode
encontrar a ordem imanente às coisas ao reintroduzir em toda parte as relações, ao reintroduzir os logoi que
permitem dominar a desordem.
Fazemos então o seguinte resumo: a gica é desafiada e o ser ou não-ser de Parmênides, a base do
principio da contradição, tem que ser repensada por Platão. Os irracionais são pares ou são impares? Ou não o
nem pares nem impares? Ou são e não são ao mesmo tempo? Com os irracionais surge uma outra realidade:
surge uma aproximação por excesso, ou uma aproximação por falta, e ambas nos levam ao infinito, e ambos nos
91
levam ao indeterminado. Finalmente ambos nos levam ao apeíron em Anaximandro, para quem: “o principio dos
seres é o infinito”.
Nota 5. Bases platônicas em Frege.
Com relação a influência de Platão no pensamento de Frege, vejamos o que seu comentador, RECK, E.
H., diz:
[...] It is hard to deny that Frege is a platonist in this general, vague sense.
To be sure, he never uses the term “Platonism” himself, and he rejects the
characterization of the natural numbers as “abstract objects”, since he takes the
underlying notion of “abstraction” to be problematic. But at least from Foundations
on he defends the following Platonist theses: numbers are independent “logical
objects”; as such they are different from numerals and other physical objects, on the
one hand, and from mental objects and psychological processes, on the other hand;
furthermore, arithmetic is a science in which we refer to such objects with our
number words and numerals, in which we ascribe properties to them, and in which
we thus make objectively true or false assertions. Finally, in his late article
“Thoughts” Frege use explicitly the term “third realm” for a realm or world of
objects that are neither physical nor mental. (RECK, E. H. 2000, p. 2 e 3).
O que o autor está nos dizendo acima é que é muito difícil negar que Frege seja um platonista, mesmo
quando ele nunca tenha se afirmado como tal, apesar de defender teses tipicamente platônicas em seu texto
“Fundações”, como a de que os números são “objetos lógicos” independentes, diferentes dos numerais, dos
objetos físicos, de objetos mentais e de processos psicológicos. Além disso, a aritmética é, para ele, uma ciência
na qual nos referimos a objetos com meros, palavras e numerais, e com os quais atribuímos propriedades e
fazemos asserções de verdades objetivas ou de asserções falsas. E esse platonismo é muito mais explícito nele,
em seu “O Pensamento”, quando se refere ao “terceiro reino”, como um reino, ou um mundo, de objetos que
nem são físicos nem mentais.
Nota 6. Uma busca de significados.
E essa busca de significados, e esse encontro de identidades também é:
Uma luz.
No principio, desordem e deserto.
Elohîms diz: uma luz será.
E é uma luz.
A criação emerge da desordem, do caos.
A criação emerge do deserto, do vazio.
Do caos ao vazio, o silêncio.
O silêncio espera a palavra, a que nunca foi dita.
A alma do silêncio está grávida da palavra, da primeira palavra.
E a luz é dita.
E o silêncio deu a luz.
E o primogênito é uma luz.
Uma escuridão.
Perdemos a luz.
Perdemo-nos no mundo das sombras.
Moramos no caos, no esquecimento.
Sabemos muitas palavras, mas esquecemos a palavra.
Esquecemos a palavra que cria o mundo, a palavra dos deuses.
Esquecemos o significado das palavras.
Acreditamos que o significado está nas sombras, está nas ilusões.
O significado pode ser redimido.
O significado pode ser reconciliado com a realidade.
Como saber que precisamos da morada das sombras, como saber que precisamos da morada do
esquecimento, para encontrarmos a morada do pensamento?
Um auto-encontro.
O sol, a verdade, espera.
A verdade se esconde atrás do sol.
Recordemos.
Recordar é renascer.
Como renascer?
92
Acaso posso voltar ao útero de minha mãe?
Eis a velha pergunta de Nicodemos a Jesus.
Eis a pergunta daquele que está esquecido da alma.
Renascemos com a alma.
Esquecer é perder.
Perdemos o paraíso.
Perdemos a amada.
O amante deseja sua amada, a verdade perdida.
O caçador deseja sua caça, o conhecimento perdido.
E o caçador saiu a caçar.
E o filósofo saiu a caçar realidades.
Não é isso um recordar-se?
Não é essa uma missão?
E essa missão não envolve a alma?
E a alma não é envolvida em seu estado de pureza?
Nessa missão, a alma pura afasta as falsas crenças, afasta os preconceitos, afasta as ilusões.
Nessa missão a alma se lança nos braços dos seres puros, pois ela é pura como eles e com eles se
identifica.
Não é nessa identidade entre a alma e os seres puros, não é nessa identidade entre a alma e a verdade
onde mora o pensamento?
Nota 7. Ética da dignidade.
Ao falarmos de uma ética da dignidade do homem estamos nos referindo a KANT, I., com seu
“principio da dignidade humana”. Conforme citação de ABBAGNANO, N., ( 2003, p. 276, verbete
“dignidade”), essa é a exigência de Kant em seu segundo imperativo categórico: age de tal forma que trates a
humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca
unicamente como um meio. O que esse imperativo quer dizer é que todo ser racional possui um valor não
relativo, possui uma “dignidade”. Portanto a dignidade não tendo um valor em que se possa substituir por outra
coisa “equivalente”, isto é, por não ter “preço”, então não permite nenhuma equivalência. Assim, as coisas m
valor, tem um preço de compra e de venda, mas o homem não deve ser tratado como coisa. O homem deve ser
tratado como um fim em si mesmo e não simplesmente como um meio. E esse valor não relativo e não
negociável é a dignidade do homem.
Nota 8. Homem, um dia.
Parafraseando e citando SALIS, V.D., (2003, p. 219), temos que no ato religioso, no ato de “religaro
individuo com o cosmo, pode-se tentar responder às questões da Esfinge: de onde vim? Quem sou? Para onde
vou? E Apolo, o deus da totalidade da luz, nos responde: “conhece-se a ti mesmo, depois aos outros e depois aos
homens, e quem sabe um dia te tornarás um homem.”
Nota 9. O salto no abismo.
Aqui estamos nos referindo à citação de BOURRE, J.P., da tradição indígena norte-americana:
Às vezes, o homem se a beira do abismo, paralisado de medo, incapaz de agir e
de seguir em frente. Ele não sabe que a proximidade desse abismo pode lhe permitir
uma poderosa metamorfose. Recuperar as asas do espírito, abandonar-se em toda a
confiança e lançar-se no vazio. A proximidade do abismo lembra ao homem que ele
tem o poder de voar ( BOURRE, J.P. 2005, p. 44).
Nota 10. Pensar por si mesmo.
Estamos nos referido ao comentário e citação de WOOD, A, W. (2008, p. 30 e 31) sobre o texto de Kant
“O que é esclarecimento?”: Ser esclarecido é “ter a coragem e a resolução de ser independente no seu próprio
pensar, de pensar por si mesmo.” (Pg. 31). Para ele, Kant observa o esclarecimento, não como mero
aprendizado ou aquisição de conhecimento, mas sim como “ato de abandono de uma condição de imaturidade,
na qual a inteligência de uma pessoa tem que ser guiada por um outro” (p. 30). Assim não seria esse “ato de
abandono” da imaturidade, uma espécie de rito de passagem kantiano? Não seria essa uma analogia da
metamorfose em “asas do espírito” que nos possibilitaria um “lançar-se no vazio”?
93
6. UM REINO PARA O PENSAMENTO
Pelos deuses, Sócrates, causa-me grande admiração o que tudo isso
possa ser, e só de considerá-lo, chego a ter vertigens. (Platão).
94
6.1 O ENCONTRO COM O ELO FALTANTE
Para chegarmos ao final de nossa caminhada ainda um elo faltante, que precisa ser
encontrado, para tentarmos esclarecer a metafísica do terceiro reino em Frege.
Lembremos o que chamamos, na seção 4.8, dos elos de comunicação entre as
naturezas distintas do pensamento em Frege: o elo do pensamento “não-sensível” e o elo do
pensamento “em si”. Se, por um lado, encontramos no elo do “não-sensível” a forma das
representações relativas ao sujeito que atua apreendendo, julgando e asseverando o
pensamento, falta-nos agora encontrar o elo que une o pensamento à sua natureza não-
relativa, à sua natureza “em si”. Sendo assim, esse elo do pensamento “em si”, em Frege,
deve ser procurado no que é atemporal, no que é eterno, no que é absoluto. Enfim, deve ser
procurado naquilo que não foi criado por nós, mas que apenas nos deparamos com ele.
Em Platão, como vimos na seção 5.4, é através da alma que o pensamento “em si” se
encontra com os seres em seu estado de pureza, em seu estado de pura essência, e com eles se
identifica. E, é nessa identidade da alma com os seres puros, onde mora o pensamento. Assim,
na sua morada, o pensamento é um com os seres puros, e, nessa condição de unidade, e, nessa
condição de pureza, não pode admitir mistura, não pode admitir multiplicidade, não pode
admitir pensamentos múltiplos, mas apenas o um: o pensamento em sua própria essência. E
essa essência é aquilo que faz com que o pensamento seja pensamento. E esse é o mundo
platônico das Idéias, e, nesse mundo encontramos, entre outras Idéias, a Idéia do Pensamento.
Encontramos o Pensamento em si.
Em Frege vimos que a natureza do pensamento “em si”, por sua condição de
atemporalidade e eternidade, não pode se encontrar na natureza temporal e sensível do sujeito,
pois este, por essa própria condição de temporalidade e espacialidade, está condicionado a
mudanças, está condicionado ao devir. Assim, esse elo do pensamento “em si” não ocorre no
ser relativo, não ocorre no sujeito de representações, mas deve estar ligado ao pensamento em
sua essência. Deve estar ligado ao pensamento em sua eterna, única e absoluta essência. Deve
estar ligado à fonte primordial de todo pensamento: o Pensamento em si.
Na busca da comunicação de naturezas semelhantes do pensamento em Frege, nos
deparamos com o elo que o liga ao “não-sensível”, que o liga ao sujeito das representações.
Mas esse elo do “não-sensível” não é ainda o pensamento no terceiro reino de Frege, pois para
ele o pensamento é comum, é público e objetivo. E, como vimos, o elo do pensamento “não-
sensível” está ligado às múltiplas representações do sujeito, e, assim, nessa condição, deixaria
95
de ser objetivo e público, e passaria a ser subjetivo e privado. E, por isso não mais seria o
pensamento no terceiro reino fregeano.
Nessa busca também nos deparamos com o elo do pensamento “em si”, e o chamamos
de “Pensamento em si”. Vimos que o pensamento no terceiro reino, em sua condição de
eternidade e atemporalidade, tem natureza semelhante à essência do pensamento, ao
pensamento em sua condição de pureza e unidade absoluta, ao Pensamento em si. Mas esse
elo, o Pensamento em si, isoladamente também não é o pensamento no terceiro reino de
Frege, pois a essência desse elo é única, pois ele é a única fonte de todos os pensamentos.
Entretanto, o pensamento no terceiro reino não é único. E a questão é: por que o pensamento
no terceiro reino não é único?
6.1.1 Uma condição especial para o pensamento.
Vimos que Frege sustenta uma condição especial para o pensamento no terceiro reino:
o pensamento é o sentido da frase. E essa é uma condição que parece ser necessária para que
ocorra o pensamento no terceiro reino: que seja numa frase com sentido. Mas essa condição
não parece ser suficiente. E a condição necessária e suficiente para a ocorrência do
pensamento no terceiro reino é a de que a frase, além de ter sentido, possa também ter sua
verdade questionada. E Frege nos deu um exemplo dessa espécie, da espécie do pensamento
no terceiro reino: o enunciado do teorema de Pitágoras. Mas o terceiro reino não parece ter
somente o enunciado do teorema de Pitágoras, um enunciado de relações geométricas, um
enunciado de relações matemáticas. O terceiro reino parece ser o reino eterno de todos os
enunciados onde as verdades podem ser sempre questionadas: os enunciados da geometria, os
enunciados da matemática, os enunciados das frases com sentido. E eles, em sua
multiplicidade, se acumulam e formam um “tesouro comum da humanidade”.
Em resumo, podemos dizer que o acesso ao terceiro reino do pensamento em Frege se
faz pelo elo do “não-sensível”, se faz pelo elo das representações não-sensíveis do sujeito. E
também se faz pelo elo do “em si”, se faz pelo elo do pensamento como identidade, se faz
pelo elo do pensamento como essência de todos os pensamentos, enfim, se faz pelo
Pensamento em si. Mas o reino do pensamento em Frege não se isoladamente em nenhum
desses dois elos: não se somente no elo do o-sensível e nem se somente no elo do
“em si”. E a questão que surge é: e como se dá o pensamento em Frege? Como se o
terceiro reino fregeano?
É o que veremos a seguir.
96
6.2 O TERCEIRO REINO
Para tentar responder a questão de como se dá o pensamento no terceiro reino,
precisamos nos reencontrar com Frege. E, para isso, relembremos na seção 4.3, quando ele
nos dizia:
-[....] O pensamento, portanto, não pode ser a referência da sentença, pelo contrário,
deve ser considerado como seu sentido [....] Entendo por pensamento, não o ato subjetivo de
pensar, mas seu conteúdo objetivo, que pode ser a propriedade comum de muitos. (FREGE,
G.,1978, p. 67, 68 e nota 1 de rodapé da pg. 67).
Vimos que o pensamento não se identifica com o objeto, pois não pode ser “a
referência da sentença”. Assim o pensamento expressa o objeto, caracteriza-o, mas não se
identifica com ele. Vimos que o pensamento não se identifica com o sujeito das
representações, pois não é seu “ato subjetivo de pensar”. O pensamento também não é o ato
de pensar do sujeito, e por isso também não se identifica com suas representações. Portanto,
podemos dizer que o pensamento em Frege não é advindo nem da identidade com o objeto,
nem da identidade com o sujeito das representações. Enfim, parece que podemos ter certeza
em dizer que o pensamento em Frege, não é advindo da identidade.
Mas, como tínhamos visto, é na identidade que temos o conhecimento imediato das
coisas, é na identidade que se dá o conhecimento intuitivo das coisas. Assim, podemos dizer
que o pensamento em Frege não se dá com o conhecimento imediato, não se com o
conhecimento como intuição. Mas a pergunta ainda é: se o pensamento em Frege não se dá
imediatamente, não se dá intuitivamente, então, como ele se dá?
Ora, o próprio Frege nos diz, na citação acima, que o pensamento “deve ser
considerado como seu sentido [da frase]”. Assim, o pensamento não deve ser considerado
isoladamente, não deve ser considerado como uma identidade, não deve ser considerado como
uma essência única e pura, mas deve ser considerado como ligado ao sentido da frase. O
pensamento deve ser considerado como contido na frase assertiva completa, na frase dotada
de sentido onde a verdade possa ser questionada. Assim, o pensamento em Frege não está
isolado na essência única, mas está imerso na linguagem, está imerso no discurso, e, portanto,
é um pensamento discursivo, é um pensamento que procede mediado pela razão.
Eis, finalmente, como se dá o pensamento em Frege: no mundo inteligível do discurso
explicativo, no mundo inteligível do discurso racional. Nesse mundo, no terceiro reino
97
fregeano, o pensamento não se dá imediatamente, não se dá intuitivamente, mas se
racionalmente, mas se dá refletidamente.
6.2.1 A reflexiva conselheira.
Se pudermos fazer uma analogia entre o terceiro reino fregeano e os símbolos da
narrativa do mito da caverna em Platão, diremos que o pensamento em Frege, não ocorre no
mundo do conhecimento imediato, simbolizado pela contemplação direta da luz do sol.
Diremos que ele também não ocorre no mundo das sensações, simbolizados pelo mundo das
sombras no interior da caverna.
Então, excluídas as possibilidades do terceiro reino ocorrer no mundo do
conhecimento intuitivo ou no mundo do conhecimento advindo das sensações, nos resta
um mundo intermediário
(1)
, só nos resta um mundo que parece estar entre esses dois mundos.
E esse mundo intermediário é o mundo do conhecimento mediado pelo discurso, é o mundo
do conhecimento mediato. Assim o terceiro reino se no mundo do conhecimento refletido,
no mundo inteligível da reflexão. E isso pode ser simbolizado pelos reflexos da luz fora da
caverna, e pela luz indireta do sol refletida pela lua.
Estendendo essa simbologia, podemos dizer então, que o terceiro reino não se no
mundo das sensações, representando pela terra, nem se no mundo do conhecimento
intuitivo, representado pelo sol, mas se no mundo do conhecimento refletido, representado
pela sábia e reflexiva conselheira do sol, a lua.
6.3 A REALEZA DO REINADO
Chegamos ao final de nossa jornada. Encontrar a morada do pensamento não foi fácil,
mas foi possível. Mas o que parece ser difícil, talvez até impossível, é a sua aceitação. É a
aceitação de que exista um reino independente para o pensamento, de que exista um terceiro
reino, enfim, de que exista uma morada de realeza para o pensamento. E o próprio Frege
reconhece essa dificuldade:
Este resultado, por mais forçosamente que ele possa advir do que foi exposto, não
será talvez aceito sem resistência. A alguns parecerá, eu penso, impossível obter
conhecimento de algo que não pertença ao seu mundo interior, a o ser pela
percepção sensível. (FREGE, G., 1999, p. 24. Os destaques em negrito são nossos.).
98
Aqueles que se opõem a esse resultado dizem: é impossível se obter o conhecimento
de algo que não pertence ao meu mundo interior, a não ser pelo mundo exterior. Assim, se o
pensamento não pertence ao mundo das minhas representações, então ele deve pertencer
necessariamente ao mundo percebido pelos sentidos. E aqui não espaço para um terceiro
reino. Portanto, esse reino, além de parecer impossível parece também ser desnecessário.
6.3.1 A segurança do pensamento.
Frege, ao encerrar sua argumentação na defesa de um terceiro reino, parece que coloca
todas suas fichas no caráter especulativo da escorregadia metafísica platônica. Assim na busca
de uma ontologia para o pensamento ele ainda nos diz:
Decerto, o pensamento não é algo que estamos acostumados a chamar de
real. O mundo do que é real é um mundo no qual isso age naquilo,
modificando-o e, por sua vez, sofrendo reações através das quais se
modifica. Tudo isso é um acontecer no tempo. Dificilmente reconheceremos
como sendo real o que é atemporal e imutável. É então o pensamento
mutável, ou é ele atemporal? O pensamento que enunciamos com o
teorema de Pitágoras é, não obstante, seguramente atemporal, eterno,
imutável.(Idem, p.25. Os destaques em negrito são nossos.).
E as perguntas que parecem lhe perseguir, são: será o pensamento algo que podemos
chamar de "real"? Será o pensamento algo que podemos chamar de mutável?
Ora, será que é real algo que faz parte de um mundo de ações e reações? Que faz
parte de um mundo que se modifica por causas e efeitos, que se modifica no espaço e no
tempo? Se um algo não está sujeito a modificações, se o está sujeito a um acontecer no
tempo, então não o reconhecemos como "real". Se não reconhecemos o pensamento como
algo mutável, será ele, então, atemporal?
Na busca dessa resposta, Frege insiste em afirmar que o pensamento enunciado com o
teorema de Pitágoras é atemporal, é eterno, é imutável. E ele se diz seguro dessa afirmação.
Com isso, talvez tenha querido encontrar aquele ponto fixo e certo, que, como diria
Arquimedes, podia mover o mundo. E nesse mover o mundo, e nessa mudança de concepção
do mundo, ele busca abrir espaço para a realidade singular do terceiro reino.
99
6.4 VERTIGENS
6.4.1 Chego a ter vertigens.
Não faremos conclusões. “Conclusão”, do latim con-cludo, significa “fechar”,
“acabar”. Conclusões são como chaves que fecham, são chaves que fecham o pensamento.
Não faremos um fechamento do pensamento, mas, ao contrário disso, procuraremos dar asas
a ele e, com a nossa imaginação, voltaremos, como numa forma espiralada, às suas origens. E
nessa volta dinâmica às origens, gostaria de aqui lembrar a lição que um velho professor
tentou passar para seus alunos quando perguntou: como começou a filosofia? E eles, querendo
mostrar que tinham feito o dever de casa diziam, que conforme a tradição, a filosofia começou
com Tales de Mileto, pois este foi o primeiro a considerar uma matriz de “todas” as coisas: a
água. Mas o sábio professor ao elogiar o “academicismo” daqueles que respondiam pelo
manual, lembrava também algo que antecedia Tales, e que nos remetia ainda a uma coisa mais
primordial: o espanto, a admiração. Ele nos lembrava que a filosofia nasce com a atituide de
espanto e de admiração do homem, e, assim, nos remetia às palavras de Platão, ditas através
de Teeteto:
- Pelos deuses, Sócrates, causa-me grande admiração o que tudo isso possa ser, e
de considerá-lo, chego a ter vertigens. (PLATÃO. Teeteto. 155, c).
Assim, a filosofia nasce quando algo desperta a nossa admiração, quando algo nos
espanta e nos leva a indagação: o que é isso? E essas perguntas nos levam a ter vertigens: o
que é isso, o terceiro reino para o pensamento? O que é isso um reino que não criamos, que
não inventamos, que não conceituamos, mas apenas descobrimos, mas apenas nos deparamos
com ele, pois sempre existiu independentemente de nós?
Será que podemos usar a imaginação e nos deparar com um reino de objetividades
com o enunciado do teorema de Pitágoras? Será que podemos nos deparar com um reino para
os números,
(1) (2)
para o ponto, a reta, o plano,
(3)
e suas relações,
(4)
como realidades
singulares e objetivas? Será que podemos imaginar um terceiro reino de realidades não-
sensíveis, não sujeitas ao tempo, que sempre foram e que sempre serão?
Ora, se existe algo assim, então é algo que independe de mim, que independe de
minhas representações, de minhas sensações e de minha vontade. E algo cuja existência não
depende de mim para existir, deve ser algo objetivo. Ora esse algo que é objetivo está fora de
mim, mas, paradoxalmente, ele está também em mim, pois quando nasci, estava com ele.
Se esse algo está em mim desde o nascimento, deveria também morrer comigo, pois sou
100
sujeito ao devir, sou sujeito à morte. Mas esse algo objetivo, que contraditoriamente também
está em mim, é atemporal, é eterno.
Usemos nossa imaginação e vejamos onde vamos encontrar um algo com
características tão contraditórias, e que nos parece, ao mesmo tempo, tão estranhas, mas o
familiares. Usemos nossa imaginação para encontrarmos o terceiro reino para o pensamento.
6.4.2 Imagine um ponto solitário.
Imagine que estamos viajando numa nave espacial. Vamos chamá-la de Voyager. Ela
está bem longe da Terra, uns 1,3 bilhões de quilômetros nas proximidades do planeta
Saturno. Seria uma boa idéia olharmos na direção de casa, e registramos esse momento numa
foto. Depois de Saturno a terra apareceria muito pequena para que as câmaras da Voyager
pudessem apanhar qualquer detalhe. A nossa casa seria apenas um ponto de luz, um “pixel”
solitário, dificilmente distinguível de muitos outros pontos de luz que a Voyager avistaria:
planetas vizinhos, sóis distantes, etc. Mas, justamente por causa dessa imprecisão de nosso
mundo assim revelado, valeria a pena ver tal fotografia
(5).
havia sido bem entendido por filósofos e cientistas, que a terra era um mero ponto
em um vasto cosmo circundante, mas ninguém jamais a tinha visto assim. E aqui estava nossa
primeira chance e talvez a última das próximas décadas. Então tiramos a foto da Terra e
vimos isto: um mosaico quadriculado estendido em cima dos planetas e um fundo pontilhado
de estrelas distantes.
Observamos que na foto, por causa da luz do reflexo do sol na espaçonave, a Terra
parece estar apoiada em um raio de Sol como se houvesse alguma importância especial para
esse pequeno mundo. Mas é apenas um acidente de ótica.
Observamos também que não há nenhum sinal de humanos na foto, nem nossas
modificações da superfície da terra, nem nossas máquinas, nem nossas edificações, nem nós
mesmos. Desse ponto de vista, nossa obsessão pelos “ismos”, nossa obsessão por
nacionalismos, academicismos, platonismos, fregeanismos, não aparece em evidência. Nós
somos muito pequenos. Na escala dos mundos, humanos e suas obsessões são irrelevantes.
Somos apenas uma fina película de vida num obscuro e solitário torrão de rocha e metal.
Procuramos, mas não vemos nações, reinos, e, muito menos, o terceiro reino.
Mas espere, considere novamente esse ponto solitário no imenso cosmo. É que
estamos. É nosso lar, somos nós. Estou aqui e a Terra está lá, e posso -la como ela é: um
ponto igual aos demais pontos perdidos no espaço. E posso ver os diferentes astros que
povoam o infinito espaço e posso compará-los com aquele ponto.
101
6.4.3 Questões e relações.
Paremos um pouco para uma reflexão final, para um questionamento final. Paremos
um pouco para tomar consciência da densidade de algumas poucas palavras da nossa
narrativa: o igual, e o diferente.
Reflitamos um pouco mais, em forma de perguntas: será que quando falo do “igual”,
será que quando falo do “diferente”, não estou falando de relações fundamentais que valem
para nós aqui, e para nós em todo o universo?
E quando falo de “relações”, será que não é porque posso recordar da relação “em si”?
E, assim, será que não posso falar da relação que vale hoje, que valia ontem e que valerá
amanhã? E, portanto, não será a relação uma coisa objetiva, uma coisa universal, uma coisa
que vale para todos. E, assim, não seria a relação uma coisa não-sensível e eterna?
6.4.4 E as questões continuam.
Será que quando falo do “igual” não é porque me lembro do Igual a si”, e, assim,
posso falar da coisa igual a si mesma, e, assim, posso falar da identidade?
E quando falo do “diferente”, será que não estou falando daquela diferença que
caracteriza e enriquece minhas explicações, acrescentando novos conhecimentos?
E não será que quando enuncio a identidade e a diferença não é porque estou falando
do sempre eterno, do que sempre “é”, pois do que “não é” não posso sequer pensar?
E quando falo da identidade e da diferença, será que não estou falando dos
fundamentos do pensamento? E não seriam esses os princípios, e não seriam essas as leis que
fundamentam o pensamento: a identidade e a contradição?
E não seria a “contradição interna”
(6)
uma condição inerente ao homem, que
argumenta tanto em favor de uma tese como em favor do seu contrário, uma antítese? E não
seria essa uma razão dialética no homem: que pode demonstrar que uma afirmação é
verdadeira, e ao mesmo tempo é falsa? E, com esse principio da contradição, inerente ao
homem, não seria ele um ser contraditório em si mesmo: um ser que ora diz a verdade, que
ora diz a mentira?
6.4.5 Considere novamente.
Enfim, considere novamente aquele ponto de fuga geométrico, aquele ponto perdido
no espaço. Considere novamente aquela fina película de vida em um planeta obscuro e
solitário. É nosso lar, nosso único lar. É a casa do homem em seu “minuto”
(7)
de eternidade.
É a casa do homem em seu
tempus da atemporalidade”
(8)
.
102
Considere novamente o terceiro reino: somos nós. É o homem, um ser de contradições,
um ser soberbo e mentiroso ao mesmo tempo. E é nesse homem, nesse ser dividido, nesse ser
tão belo e tão feio ao mesmo tempo, onde mora o pensamento
(9).
6.4.6 Cantar um canto.
E nosso viajante, o caçador que caça realidades, cansado e exausto, chega ao final da
sua jornada, chega enfim à morada do pensamento. E no alto da morada, ao contemplar os
vertiginosos abismos do conhecimento que a cercam, sente que algo ainda o incomoda. Um
pensamento escondido lhe persegue. E o caçador desesperado ainda encontra em si energia, e
grita para os abismos:
- Onde estás tu que te chamas dignidade?
Silêncio, nenhuma resposta, nada além do eco de suas próprias interrogações. E no
silêncio das reflexões, distingue uma suave e misteriosa voz que lhe responde:
- A dignidade está em ti que te chamas homem.
E ele, ao ouvir isso, não sabe se canta um canto de alegria, ou se chora um choro de
pesar. E o caçador de referências e de sentidos ainda ousa perguntar:
- E como alcançar a dignidade?
E a voz do mistério lhe responde:
- Conhece-te a ti mesmo, conhece aos outros e conhece aos homens. Quem sabe,
assim um dia tu serás digno de seres chamado homem.
(10)
E ele pode, enfim, suspirar e cantar um velho canto:
-Beleza e feiúra, tão antigas e tão novas, tão longe e tão próximas. Estavam tão
dentro de mim, e eu fora a lhes procurar.......
(11).
103
NOTAS DO CAPÍTULO 6
Nota 1. Um mundo intermediário.
Conforme REALE, G.,(2004, p. 173 e p.176), em Platão temos um lugar “ontologicamente
intermediário” entre os “entes idéias” e os “entes sensíveis”, que é o “plano dos entes matemáticos” onde estão
os “objetos” da matemática, da geometria, da “astronomia pura”, da “musicologia (p. 176). Tais entes
matemáticos são “intermediários”, pois, de um lado “são imóveis e eternos”, justamente como as “Idéias”, ou
como os “Números ideais”, e do outro lado, existem “muitos da mesma espécie”. Eles têm, portanto, “um caráter
fundamental das Idéias” e também um “caráter que é típico das coisas sensíveis” (p. 173). Em apoio a essa
teoria platônica, temos o seguinte testemunho de Aristóteles em sua Metafísica ( A 6, 987 b 14-18):
-Ademais, Platão afirma que, junto aos sensíveis e às Formas [=Idéias], existem os entes matemáticos
intermediários entre uns e outras, os quais diferem dos sensíveis porque imóveis e eternos, e diferem das
Formas porque existem muitos semelhantes, enquanto cada Forma é apenas uma e individual. (Apud REALE,
G., 2004, p. 173).
Nota 2. Números como arché.
Os pitagóricos têm no número a arché, ou “a realidade primeira e última das coisas” (REALE, G., 2001,
p.29). E nessa “ontologia do número”, um principio desse principio, o principio de onde os números derivam:
o limitado e o ilimitado (Idem, p. 203). E isso parece que adentra também no campo da "psicologia profunda"
conforme JUNG, C.G.:
alguma coisa peculiar, poder-se-ia mesmo dizer misteriosa, sobre os números.
Eles jamais foram de todo privados de sua aura numinosa. [...] O número, mais do
que qualquer outra coisa, ajuda a imprimir a ordem no caos das aparências. Ele é
um instrumento predestinado para criar a ordem, ou para apreender um arranjo
regular preexistente, mas ainda assim desconhecido, ou "condição de ordem". É
bem possível que seja o elemento mais primitivo da ordem na mente humana. [....]
Em geral, acredita-se que os números foram inventados ou meditados pelo homem,
e que não são, portanto, nada a não ser conceitos de quantidades, não apresentando
nada que não se achasse anteriormente incluído neles pelo intelecto humano; mas é
igualmente possível que os números tenham sido encontrados ou descobertos. Nesse
caso, eles não são apenas conceitos mas algo mais - entidades autônomas que de
alguma forma apresentam mais do que apenas quantidades. Diferentemente dos
conceitos, baseiam-se não em quaisquer condições psíquicas mas na qualidade de
serem eles mesmos [....] ( Apud EDINGER, E.F., 1999, p. 32 e 33).
Nota 3. Números no terceiro reino.
Serão os números, candidatos ao terceiro reino? Vejamos o que Frege nos diz a respeito:
Cada número singular é um objeto independente. [....] Poder-se-ia objetar que não
podemos representar estritamente o objeto que chamamos de quatro, ou o mero
de luas de Júpiter, como algo independente. Mas a independência que concedemos
ao mero não tem culpa. De fato, é fácil acreditar que na representação de quatro
pontos em um dado haja algo correspondendo à palavra “quatro”; mas isto é uma
ilusão. [.....] Onde está o número 4? Nem fora de nós e nem em s. Entendido em
sentido espacial, isto é correto. Uma determinação do lugar do numero 4 não tem
sentido; mas daí segue-se apenas não ser ele um objeto espacial, e não que não seja
um objeto em absoluto. Nem todo objeto está em algum lugar. Também nossas
representações o estão, neste sentido, em nós (subcutaneamente). Há em nós
células ganglionárias, glóbulos vermelhos, etc., mas não representações. A elas não
se podem aplicar predicados espaciais: uma não está nem à direita nem à esquerda
da outra; não se pode indicar em milímetros as distancias entre as representações.
Se ainda assim dizemos que estão em nós, queremos com isso dizer que são
subjetivas. No entanto, mesmo que o subjetivo o esteja em lugar nenhum, como é
possível que o 4 objetivo não esteja em lugar nenhum? Ora, afirmo não haver
absolutamente nenhuma contradição. Ele é de fato precisamente o mesmo para
todos que com ele se ocupam; mas isto nada tem a ver com a espacialidade. Nem
104
todo objeto objetivo (86) está em algum lugar. ( FREGE, G., 1983, Cap. IV. p.244 e
§ 61, p. 247).
[86. Nota do tradutor]: Objeto: Gegenstand; objetivo: objektiv; em português o
meios de evitar a sugestão de parentesco entre estas duas noções, provocadas
pelo parentesco etimológico inexistente no alemão. Para Frege, como para outros
filósofos alemães na tradição kantiana, elas são independentes. No contexto em
questão, “objeto” opõe-se a “conceito”, e o a “sujeito” (cf. §§ 60, 66 e 97),
enquanto “objetivo” opõe-se a “subjetivo”, e não a “conceitual” (cf. § 47). Pode-se
falar em objetos subjetivos (por exemplo, representações, cf. § 61) e conceitos
objetivos ( por exemplo, o conceito de número, cf. § 47). ( SANTOS, L.H.,1983, p.
247. ).
Para Frege, cada número é um objeto independente. Por exemplo, o número 4: se digo que o planeta
Júpiter tem 4 luas, então as luas e o número 4 são objetos independentes. E aqui surge uma objeção: não posso
representar o objeto que chamo quatro, como algo independente. Posso ver as 4 luas de Júpiter, mas onde está o
número 4? Não está fora de mim, nem está em mim. E a pergunta agora é: será que tem sentido estarmos à
procura de um lugar para o numero quatro? Parece que não. O que podemos dizer é que o número 4 não é
um objeto espacial, mas isso não quer dizer que ele não seja um objeto. Nem todo objeto está em algum lugar.
Nem todo objeto precisa ocupar um espaço. Assim, por exemplo, as nossas representações, onde elas estão?
Podemos responder que estão em nós, mas aonde? Em nós o que temos são células, são glóbulos vermelhos, etc.,
que ocupam espaço, mas não representações. Assim, não posso dizer que minha representação A está à esquerda,
ou à direita, ou acima, ou abaixo da representação B. Mas ao dizermos que as representações estão em nós, não
queremos dizer que elas o estão no sentido espacialmente objetivo, mas queremos dizer apenas que as minhas
representações são subjetivas. Vemos, então, que a representação é subjetiva e não ocupa espaço. E surge a
pergunta: como é que o 4 objetivo não está em nenhum lugar? Ou: como é que o 4 objetivo não precisa ocupar
espaço? Ora não temos aqui nenhuma contradição, pois o número 4 é objetivo: é o mesmo para todos os que com
ele se ocupam. Mas isso não exige que o número 4 ocupe um espaço, e isso não tem nada a ver com a
espacialidade. Enfim, nem todo “objeto objetivo” está em algum lugar.
Objeto objetivo.
Mas o que é “objeto objetivo”? Em português estou usando termos redundantes, pois quando digo de
algo que ele é objetivo, não preciso mais dizer que esse algo é um objeto. Mas isso não parece ser o caso no texto
original, em alemão. Conforme observa o tradutor, “objeto” ( Gegenstand ) e “objetivo”( objektiv ) são termos
independentes no alemão. Quando falo “objeto” estou querendo contrastar com o termo “conceito” e não com o
termo “sujeito”. E quando falo de “objetivo” estou querendo opor-me ao termo “subjetivo” e não ao termo
“conceitual”. Assim, por exemplo, posso falar de “objetos subjetivos” para as representações, e de “conceitos
objetivos” para os números.
O que se observa aqui é que Frege na busca da definição de número, parece passar pelo seu
questionamento como “conceito objetivo” até chegar aqui a conclusão de que eles são objetos independentes. E
aqui essa independência dos números é verificada na própria etimologia da palavra em seu texto original: o
número é um “objeto objetivo” que não precisa ocupar espaço. Assim, ele conclui que o mero não é “conceito
objetivo” e não é um “objeto subjetivo”, mas é um “objeto objetivo”, é um objeto singular e independente do
sujeito.
Dito isso, será que podemos considerar o número como um candidato ao terceiro reino? Ora eles são
objetos independentes de um portador, mas ainda precisariam ser eternos, e não-sensíveis, condições essas que
parecem estar implícitas na definição de Frege. Assim, com essas qualificações eles podem se juntar ao
pensamento em si no terceiro reino.
Nota 4. Ponto, reta e plano.
Como argumentação a favor dos objetos geométricos, como o ponto a reta e o plano, para o terceiro
reino, vejamos o que Frege nos diz:
[....] Um ponto geométrico considerado em si mesmo não se pode absolutamente
distinguir de qualquer outro; o mesmo vale para retas e planos. Vários pontos,
retas, planos podem distinguir-se apenas quando apreendidos simultaneamente em
uma intuição. Se em geometria leis gerais são obtidas a partir da intuição, isto
explica-se pelo fato de que os pontos, retas e planos intuídos o o propriamente
particulares, podendo por isso valer como representantes de toda sua espécie. [....]
As proposições de experiência valem para a realidade efetiva física ou psicológica,
as verdades geométricas governam o domínio do intuível espacial, seja real ou
produto da imaginação. Os delírios mais extravagantes, as invenções mais atrevidas
105
das lendas e dos poetas, que fazem os animais falarem, as estrelas imobilizarem-se,
as pedras transformarem-se em homens e os homens em arvores, e contam como
sair de um pântano puxando seus próprios cabelos, tudo isso, na medida em que
permanece intuível, está preso aos axiomas da geometria. [....] (FREGE, G. 1983.
§ 13 e § 14, p. 214. Os destaques em negrito são nossos.).
Aqui ele faz uma distinção entre pontos, retas e planos “em si” e quando eles são apreendidos numa
intuição. Os elementos geométricos “em si”, não se distinguem uns dos outros: um ponto geométrico em si é
indistinguível de outro ponto geométrico em si. Já os elementos geométricos são distinguíveis quando são
apreendidos simultaneamente numa intuição. Mas, mesmo quando apreendidos por um sujeito particular, tais
intuições privadas podem valer como representantes de toda sua espécie. E as verdades da geometria governam
o domínio do intuitivo espacial, seja ele real ou produto da minha imaginação. Assim, todos meus delírios,
lendas e poesias, na medida em que permanecem espacialmente intuível, estão presos aos axiomas da geometria.
Temos, portanto, por um lado, pontos, retas e planos em si, e, por outro lado, pontos, retas e planos
apreendidos intuitivamente pelo sujeito pensante. Mas essa apreensão não vale somente para o sujeito que o
apreendeu, mas vale para todos. Assim, pode-se dizer que elas são objetivas e valem como representantes de
toda sua espécie. E aqui temos elementos geométricos em si, não sensíveis e eternos, e temos suas apreensões
não particulares, mas objetivas. Assim, eles podem ser bons candidatos a participarem do terceiro reino.
Nota 5. Relações.
A argumentação em favor das relações num terceiro reino, pode ser vista em Frege, ao nos lembrarmos
do que ele diz: [...] Quando se apreende ou se pensa um pensamento, não se o cria, mas apenas depara-se com
ele, que já existia antes, e isso em uma certa relação que é diferente das relações do ver uma coisa e do ter uma
representação. ( FREGE, G., 1999. Nota 5, p. 28. Os destaques são nossos).
Deve-se observar acima, que em Frege, existem dois aspectos da “relação”, e eles são distintos: a
relação de vermos uma coisa e associarmos a ela uma representação, e a relação entre o pensamento em si e sua
apreensão. Na primeira a relação é plural, isto é, o termo que ele usa é “relações”: relacionamos diversas coisas
com a nossa visão, e temos delas múltiplas representações. Na segunda distinção, ela parece ser singular e única,
pois ele se refere a ela como “uma certa relação”: uma relação muito especifica que não se dá a nós por ato de
nossa criação, mas apenas nos deparamos com ela, pois já existia.
E isso nos lembra em Platão a distinção que ele fazia, no “Fédon”, entre o Igual e o Igual a si, conforme
visto no Capítulo 5.4. Com essa analogia poderíamos, distinguir, em Frege, a relação que fazemos quando
visualizamos algo sensível, e a Relação em si quando nos deparamos com o pensamento que não criamos, e por
isso ela é não-sensível e atemporal. Assim, a Relação em si é uma boa candidata para estar no terceiro reino ao
lado do pensamento.
Ainda em apoio à argumentação da independência das relações, podemos observar RUSSELL, B., ao
nos dizer:
Consideremos uma proposição como: “Edimburgo está ao norte de Londres”.
Temos aqui uma relação entre dois lugares, e parece claro que a relação subsiste
independentemente do conhecimento que temos dela. [...] Apreendemos um fato que
existia antes de o conhecermos. [....] Devemos admitir, consequentemente, que
essa relação, assim como os termos relacionados, não depende do pensamento, mas
pertence ao mundo independente que o pensamento apreende mas não cria. (
RUSSELL, B., 2005, p. 77 e 78).
Nota 6. Fotografia.
Esse texto foi aqui editado, adaptado e parafraseado do filme documentário We Are Here: The pale
blue dot, de David Fu. O texto original em que o filme se baseia, é de SAGAN, CARL. Pale Blue Dot: You are
Here. Na sua parte introdutória, é apresentada a fotografia da Terra: um “pixel”, a menor unidade gráfica, vista a
partir do Voyager, que estava nas proximidades do planeta Saturno.
Nota 7. Contradição interna.
Estamos nos referindo a citação de Kant, I., conforme visto no capítulo 2.1. Deve-se observar que ele
chega a condição de “contradição interna” no homem, a partir da questão: como se dá o conhecimento a priori?
Nota 8. Minuto.
106
Estamos nos referindo a NIETZSCHE, F., (2001, §1, p.7): [...] Este foi o minuto mais soberbo e mais
mentiroso da “história universal”, mas foi apenas um minuto. Depois de alguns suspiros da natureza, o planeta
congelou-se e os animais inteligentes tiveram de morrer.
Nota 9. Tempus da atemporalidade.
Estamos nos referindo à citação de Frege: o praesens em ‘é verdade’ não indica, pois, a atualidade do
falante, mas é, se a expressão é permitida, um tempus da atemporalidade. (FREGE, G., 1999, p. 25 e 26).
Nota 10. Onde mora o pensamento.
Como vimos no Fédon (capítulo 5.4), Platão na busca pelo “saber eterno” chega a recordação do “Igual
a si” como uma “necessidade lógica”. Nascemos com esse saber, não o criamos, mas está a nossa disposição, e
“nos” pertence. Aqui se deve observar que Platão não diz que esse saber eterno pertence ao individuo, não
pertence a um sujeito singular, mas pertence a um “nós”, talvez com o sentido coletivo de humanidade.
Frege, parece assumir esse ponto de vista platônico, e diz que o pensamento é “em si”, “não-sensível” e
que apenas nos “deparamos” com ele. A questão é: onde está o pensamento em Frege? Ele nos diz:
A apreensão do pensamento pressupõe alguém que o apreenda, um ser pensante.
Ele é o portador do pensar mas não do pensamento. Ainda que o pensamento não
pertença ao conteúdo de consciência do ser pensante, deve haver algo em sua
consciência que tenha em vista o pensamento. Mas isso não deve ser confundido
com o pensamento como tal. ( FREGE, G., 1999, p. 24. O destaque é nosso).
Aqui a preocupação de Frege é frisar que o pensamento não precisa de um portador, pois assim
cairíamos num psicologismo para explicar o pensamento como ato de pensar do sujeito. Mas ele diz que um
“algo” na consciência do pensante que se relaciona com o pensamento. Assim, o pensamento “em si” não
pertence ao sujeito, mas é comum, está em todos, está em nós, está no homem. Enfim, o pensamento é o tesouro
comum da humanidade.
Nota 11. Conhece-se a ti mesmo.
Essa famosa citação está na base da Esfinge, no templo de Apolo, em Delfos. Parafraseando SALIS,
V.,D (2003, p. 18 e 19), a Esfinge, com seus enigmas e mistérios, nos ameaça asfixiar quando nada sabemos
sobre nós, quando as incertezas nos invadem e nos angustia. Em sua função de oráculo ela exigia que
buscássemos caminhos para nossa passagem de vida na Terra. Ela tinha a cabeça de mulher, que representa a
intuição: a razão e a lógica são inúteis para investigarmos os mistérios da vida. Tinha o corpo de leão: é preciso
ter a coragem e força para questionar e buscar as respostas. Suas asas eram de águia: o caminho do homem é
para o alto e para os deuses. Mas ele deve realizar duas viagens: uma para dentro e outra para fora. E, em ambos
os vôos, não deve levar fardos desnecessários, mas somente a nobreza, a beleza e a bondade.
Nota 12. E eu fora a lhes procurar.
Estamos nos referindo à citação de Santo Agostinho (1985. Pg. 198): “E, no entanto, estavas dentro de
mim, e eu fora, a te procurar!”. Ela foi introduzida, em sua forma completa, na abertura do presente trabalho, e
aqui editada e adaptada.
107
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