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Outros aspectos da “velha história” sobre as idéias inatas, começam a ser levantados. Ainda, segundo
HACKING, I., (1997. Página 74), Wittgenstein chama atenção para o “caráter subdeterminado dos conceitos
matemáticos”, sugerindo que “um teorema matemático não tinha as marcas da necessidade até que fosse
provado”. Mas, uma vez que a prova nos é mostrada, nos não podemos deixar de aceitá-la, sob pena de sermos
chamados de “estúpidos” ou “irracionais”. Assim, o que nos faz aceitar as provas não é nosso treinamento
matemático, mas “uma precondição para essas habilidades e conceitos”, e isso faz parte de nossa natureza, e isso
é “inato” ao homem, pois ser humano é “ser capaz de provar alguma coisa”.
Finaliza HACKING, I., (Ibidem), dizendo que se o “Sentido” em Frege, parece ser “algo modesto”, ele
nos leva diretamente para “algo imodesto”, que é a doutrina de que uma vez tendo entendido “como os
significados podem ser dominados e transmitidos” aprenderemos também sobre a “mente e o mundo”.
Nota 3. Estruturas que se destacam.
No diálogo “Ménon”, há também um destaque para o aspecto “ambiente”, e ele pode ser inferido no
texto a partir da exigência de Sócrates em chamar qualquer um dos escravos que “acompanham” Ménon. Aqui,
subentende-se que o escravo não foi ensinado e, portanto, ele não tinha conhecimento ou noções prévias de
geometria elementar, talvez pela sua própria condição social na hierarquia da polis grega, que lhe negava acesso
a esse tipo de aprendizado. Além disso, o locus em que o escravo vive é a casa do próprio Ménon. E essa
condição de convívio ambiental é enriquecida ainda pelo fato daquele escravo ter nascido na casa do seu senhor.
Assim, essa estrutura básica que faz parte do processo de recordação é o ambiente em que a pessoa vive. Aqui
não haveria sentido em se fazer as perguntas a uma pessoa que sempre tivesse vivido de modo isolado e solitário,
sem um mínimo de convívio social. E, talvez, dentro deste aspecto, podemos dizer que aprender é também
recordar o conviver. Assim, o processo de aprendizado se dá com a influência do ambiente social, se dá com a
influência do outro. Sob essa perspectiva, vemos seu despontar na psicologia, com diversas escolas e pensadores,
e, entre elas, a escola comportamentalista, no final do século XIX e início do século XX.
Apesar de sua importância, a escola psicologista do comportamento humano não parece ser uma
preocupação central em Frege. O que ele se preocupa sim é evitar a confusão entre leis psicológicas e leis do
pensamento. Em suas palavras: assim chega-se à opinião de a que lógica trata do processo anímico do pensar e
das leis psicológicas segundo as quais este ocorre. Mas com isso seria mal interpretada a tarefa da lógica, pois
a noção de verdade não obteria o lugar que lhe é devido. ( FREGE, G., 1999, p. 2).
Nota 4. Não é somente o igual.
Ainda no diálogo “Ménon”, a matemática parece ser usada pela alma, como uma espécie de
“idealidade”, em seu processo de recordação. O jovem escravo, guiado pelas perguntas de Sócrates, consegue
“recordar” a resposta correta para obter um quadrado de área dupla, em relação ao primeiro quadrado. E isso
parece ser também uma “prova” da reminiscência, que garante a existência separada das “Idéias”, que foi
contemplada pela alma em tempos passados.
Mas, conforme observa ROGUE, C. (2005, p. 182), esse diálogo não deve ser lido somente na
perspectiva do “dualismo ontológico”, isto é, na perspectiva entre corpo e alma, mas também pelo interesse
particular de Platão pelos “incomensuráveis”, ou pelo problema do irracional. Longe de ocultar esse problema,
como fizeram os pitagóricos, ele procura aqui incluí-los como um programa de educação. Ora, dobrar a área do
quadrado de lado um, por exemplo, se faz pelo quadrado do incomensurável, raiz quadrada de dois. Assim, os
números irracionais entram, de certa maneira, na construção da realidade, mas eles trazem um “desafio para o
pensamento” (Idem, p. 183). Temos que os objetos são analisados em pares de contrários: quente-frio, prazer-
dor, etc., mas os irracionais fogem a essa regra: enquanto todo numero é par ou impar, os irracionais não são
nem uma coisa nem outra, ou são as duas ao mesmo tempo. O interesse de Platão pelos números irracionais
decorria talvez do seu sentimento de encontrar-se diante de “objetos desafiadores das regras da lógica ordinária”
(Idem, p. 184). Ele parece que teve conhecimento dos métodos de aproximação dos irracionais “por excesso e
por falta”, e do seu caráter de processo infinito para mais ou para menos. Assim, à oposição de um principio
indeterminado, inexprimível, e a do limite inteligível pensado pelo espírito que se esforça por “dominar o
indeterminado por meio do logos”, reproduz o procedimento do matemático que multiplica os “logoi”, que
multiplica as relações para “circunscrever o alogos” (Idem, p. 187), para circunscrever o irracional. Assim: o ser
está bem composto de uma mistura de indeterminação pura, de infinito inexprimível e de pensamento
limitante. É ao mesmo tempo desordem e ordem. (Ibidem. O destaque em negrito é nosso). Agora a alma pode
encontrar a ordem imanente às coisas ao reintroduzir em toda parte as relações, ao reintroduzir os logoi que
permitem dominar a desordem.
Fazemos então o seguinte resumo: a lógica é desafiada e o ser ou não-ser de Parmênides, a base do
principio da contradição, tem que ser repensada por Platão. Os irracionais são pares ou são impares? Ou não são
nem pares nem impares? Ou são e não são ao mesmo tempo? Com os irracionais surge uma outra realidade:
surge uma aproximação por excesso, ou uma aproximação por falta, e ambas nos levam ao infinito, e ambos nos