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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educação e Humanidades
Instituto de Letras
Elaine Brito Souza
Idéias, livros e polêmicas:
a nossa vida literária nas páginas do Jornal do Brasil
Rio de Janeiro
2008
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Elaine Brito Souza
Idéias, livros e polêmicas:
a nossa vida literária nas páginas do Jornal do Brasil
Dissertação apresentada, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre, ao Programa
de Pós-Graduação em Letras, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração:
Literatura Brasileira.
Orientador: Prof. Dr. Flávio Martins Carneiro
Rio de Janeiro
2008
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CEHB
S729 Souza, Elaine Brito.
Idéias, livros e polêmicas: a nossa vida literária nas
páginas do Jornal do Brasil / Elaine Brito Souza. – 2008.
86 f.
Orientador: Flávio Martins Carneiro.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Instituto de Letras.
1. Literatura brasileira – História e crítica – Teses. 2. Jornal
do Brasil – História – Teses. 3. Jornalismo e literatura – Teses.
4. Jornais – Seções, colunas, etc. – Resenhas – Teses. I.
Carneiro, Flávio Martins. II. Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Instituto de Letras. III. Título.
CDU 869.0(81)(091)
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação
__________________________ __________________
Assinatura Data
Elaine Brito Souza
Idéias, livros e polêmicas:
a nossa vida literária nas páginas do Jornal do Brasil
Dissertação apresentada, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre, ao Programa
de Pós-Graduação em Letras, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração:
Literatura Brasileira.
Aprovado em _______________________________________________
Banca Examinadora:
_________________________________________________
Prof. Dr. Flávio Martins Carneiro (Orientador)
Instituto de Letras da UERJ
__________________________________________________
Prof. Dr. João Cezar de Castro Rocha
Instituto de Letras da UERJ
__________________________________________________
Profª Drª Cristiane Henriques Costa
Faculdade de Comunicação da UFRJ
Rio de Janeiro
2008
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Raimundo e Maria, pelo exemplo diário de perseverança. A José
Roberto, companheiro de hoje e sempre, pela paciência. À amiga Aline Fernanda, pela
cumplicidade. E especialmente a Giovanna, que veio ao mundo para nos ensinar a
sermos melhores.
AGRADECIMENTOS
Aos professores da UERJ que acompanharam minha formação acadêmica: Adriana
Freitas, Adriane Farah, Cláudio Cezar Henriques, Fátima Rocha, Flávio Carneiro,
Gustavo Bernardo, Helênio da Fonseca, Sílvia Regina. Pessoas admiráveis não só pela
capacidade intelectual, mas pela seriedade com que conduzem suas carreiras e pela
generosidade com que incentivaram alunos como eu.
Aos meus amados colegas de trabalho, com os quais divido as angústias e as alegrias
que só o magistério é capaz de proporcionar.
O jornal é mais que um livro.
Machado de Assis
RESUMO
SOUZA, Elaine Brito. Idéias, livros e polêmicas: a nossa vida literária nas páginas do Jornal
do Brasil. 2008. 87 f. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira) – Instituto de Letras,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
O Jornal do Brasil surgiu em 1891, quando a proclamação da República ainda dividia
opiniões entre políticos, intelectuais, escritores e homens de imprensa. No mesmo ano, Said
Ali assina os primeiros artigos de crítica literária do novo periódico, até que José Veríssimo
assume o cargo de crítico titular. No folhetim “Às segundas-feiras” passou em revista a nossa
pacata vida literária, ofuscada pelos debates políticos. Na virada para o século XX, Osório
Duque-Estrada transfere sua coluna “Registro literário”, antes mantida no Correio da Manhã,
para o Jornal do Brasil, onde permanece até 1927, ano da morte de Carlos de Laet,
controverso colaborador e ex-crítico de arte do jornal. Duque-Estrada é sucedido por João
Ribeiro, que mantém a coluna “Dia sim, dia não” até o ano de 1934, quando a crítica literária
fica a cargo de Múcio Leão. Nos anos trinta, surgem os primeiros especialistas em literatura
formados pelas universidades, o que proporcionou o embate entre os críticos de rodapé, que
imperaram nos jornais durante os anos quarenta, e os acadêmicos, cada vez mais empenhados
em participar da vida cultural do país. Em 1956, surge o Suplemento Dominical do Jornal do
Brasil, que deu início à reforma editorial sofrida pela folha carioca. Concentrando intelectuais
e representantes das mais diversas correntes artísticas, o suplemento logo assumiu uma
postura de vanguarda, radicalizada quando leva para suas páginas os ideais da poesia
concreta. A seção dominical foi palco da cisão entre os concretistas paulistas e cariocas,
trazendo à público uma debate cujos ecos ainda se fazem sentir trinta anos depois, quando
Ferreira Gullar e Haroldo de Campos trocam insultos através das páginas do Idéias:
suplemento de livros, o caderno literário criado pelo Jornal do Brasil em 1986, ano em que o
mercado editorial brasileiro sofreu uma expansão nunca antes sentida em função do processo
de abertura política. Em 2006, o suplemento, agora intitulado Idéias e Livros, completou trinta
anos de existência, sobrevivendo às sucessivas crises financeiras por que passou o jornal. No
entanto, as polêmicas já não ocupam as páginas das seções literárias, hoje dominadas pelas
resenhas, de caráter mais divulgativo do que analítico. Mesmo assim, vez por outra, surge um
debate envolvendo as declarações de algum crítico, mas que não passa da réplica. Para traçar
a evolução da crítica literária brasileira, desde o século XIX ao atual, recorreu-se às páginas
do Jornal do Brasil em diferentes momentos históricos. Apesar das transformações sofridas
pela imprensa e pelo papel social atribuído ao escritor, pode-se dizer que pouca coisa mudou
na relação entre jornalismo e literatura. Assim como os romancistas do século XIX, os
escritores contemporâneos continuam a trabalhar nas redações para dar conta de suas
necessidades materiais. O dilema entre sobrevivência e vocação literária permanece na nossa
vida literária.
Palavras-chave: Jornalismo. Literatura. Mercado editorial. Crítica. Polêmica. Vida literária.
ABSTRACT
Jornal do Brasil was first published in 1891, when the proclamation of the Republic
still divided opinions among politicians, intellectuals, writers and people of the press. In the
same year, Said Ali signs the first article of literary critique of the new periodical, until José
Veríssimo assumes the post of head critic. In the leaflet “Às segundas-feiras” all our orderly
literary life, obscured by political debates, went through a revision. At the turn to the 20th
century, Osório Duque-Estrada transfers his column “Registro literário”, until then part of
Correio da Manhã, to Jornal do Brasil, where it remains until 1927, year of the death of
Carlos de Laet, a controversial collaborator and former arts critic of the paper. Duque-Estrada
is then succeeded by João Ribeiro, who keeps the column “Dia sim, dia não” until 1934,
when Múcio Leão becomes in charge of the literary critique. In the 30’s come into scene the
first specialists in literature who graduated from university, which provided the clash between
the foot-note critics, sovereign in the newspapers up to the 40’s, and the academics, more and
more interested in taking part of the country’s cultural life. In 1956 appears the Suplemento
Dominical do Jornal do Brasil, which starts the editorial reform suffered by the carioca
paper. Concentrating intellectuals and representatives of the most diverse artistic tendencies,
the supplement soon assumed a position of vanguard, which becomes more radical when the
ideals of concrete poetry figure in its front page. The Sunday session staged the split between
concrete poets of Rio and São Paulo, making public a debate from which the echoes are still
present, thirty years later, when Ferreira Gullar and Haroldo de Campos exchange insults on
the pages of Idéias: suplemento de livros, the literary session created by Jornal do Brasil in
1986, year when the Brazilian editorial market went though an expansion never before seen,
due to the process of political opening. In 2006, the supplement, now entitled Idéias e Livros,
completed thirty years of existence, surviving to the successive financial crisis through which
the newspaper has gone. Nevertheless, the polemics no longer take up the literary pages,
currently occupied by reviews of a more divulging than analytical character. Even so, once in
a while there is a debate involving the declarations of a critic, but it does not go past the reply.
In order to trace the evolution of Brazilian literary critique, since the 19th century up to the
present, we have appealed to the pages of Jornal do Brasil at various historical moments.
Despite the changes suffered by the press and the social role attributed to the writer, it is
possible to say that little has changed in the relation between journalism and literature. In the
same manner as the novelists of the 19th century, contemporary writers continue to work at
editorships in order to fulfill their material needs. The dilemma between survival and literary
vocation still remains in our literary life.
Keywords: Journalism. Literature. Editorial market. Critique. Polemics. Literary life.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................11
1. PRIMÓRDIOS ...........................................................................................................13
1.1 José Veríssimo no Jornal do Brasil ..............................................................................13
1.2 Outros críticos e cronistas ............................................................................................24
2. ENCONTROS ..............................................................................................................30
2.1 Jornalismo, política e literatura ....................................................................................30
2.2 Literatura e mercado:
o caso da publicação de Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá....................................34
2.3 Os críticos de rodapé e seus adversários ......................................................................38
2.4 O Suplemento Dominical do Jornal do Brasil ..............................................................43
3. O JORNAL, O LIVRO E O LEITOR ..........................................................................48
3.1 Idéias: suplemento de livros .........................................................................................48
3.2 Resenhas e resenhistas .................................................................................................56
4. CRÍTICA DA CRÍTICA ..............................................................................................64
5. O NOVO IDEAL DO CRÍTICO ..................................................................................78
5.1 O crítico ideal para Machado de Assis .........................................................................78
5.2 O híbrido conciliador ....................................................................................................80
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................83
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................85
11
INTRODUÇÃO
Muitos especialistas, tanto da área de comunicação como de letras, já se dedicaram ao
estudo da relação entre jornalismo e literatura. No entanto, poucas são as publicações que
contemplam o tema de forma ampla, delimitando a análise a momentos históricos específicos.
O livro no jornal, por exemplo, de Isabel Travancas, traz estudo comparativo entre os
principais suplementos literários brasileiros e franceses. A pesquisa abrange apenas os anos
noventa. Muito antes, Brito Broca já havia escrito obra de referência sobre o tema. Mas A vida
literária 1900, como sugere o título, dá conta apenas da primeira década do século XX.
Portanto, a contribuição deste trabalho consiste na abrangência de um período
histórico muito mais amplo. Nosso objetivo é traçar a evolução da crítica literária brasileira
desde o final do século XIX até o início do século XXI. Como se trata de tarefa extremamente
árdua, dada a complexidade desse processo, optamos por um único periódico para a realização
da pesquisa.
A escolha recaiu sobre o Jornal do Brasil em função de alguns fatores. Por ser um dos
jornais mais antigos da imprensa brasileira, conseguiu acumular ao longo dos anos inegável
tradição no meio político e intelectual, não obstante as sucessivas crises pelas quais tem
passado. O Jornal do Brasil também sempre exerceu influência na nossa vida cultural e
literária, mantendo até hoje dois suplementos de reconhecida qualidade: Caderno B e Idéias
& Livros.
Durante a consecução deste trabalho, uma questão revelou-se fundamental: esclarecer
de que forma a crítica militante em vigor desde o século XIX manteve-se nos jornais até hoje,
ainda que variando em forma.
Para isso, algumas obras fizeram-se relevantes, como O crítico literário, de Alceu
Amoroso Lima, e Pena de aluguel: escritores jornalistas no Brasil 1904-2004, de Cristiane
Costa. Além disso, recorremos aos arquivos da Biblioteca Nacional para termos acesso a
edições antigas do Jornal do Brasil, disponíveis apenas em microfilmes. Quanto às edições
mais recentes, foi possível obtê-las através de cópias fornecidas pelo departamento de
pesquisa e documentação do jornal.
Logo, em função das obras consultadas e dos seus objetivos, nosso trabalho não
pretende ser um tratado sobre a crítica literária brasileira, em seu sentido estrito. Ao
relacionar, sempre que possível, escritor, público, jornal, cultura e política, nossa pesquisa
inscreve-se mais no campo da vida literária como um todo.
12
Dessa forma, esperamos que este trabalho possa subsidiar outras pesquisas acerca do
lugar da imprensa escrita na nossa vida cultural, bem como a importância do jornal para a
manutenção do nosso ambiente literário.
13
1. PRIMÓRDIOS
1.1 José Veríssimo no Jornal do Brasil
O Jornal do Brazil nasceu a 9 de abril de 1891 com o “z” no lugar do “s”. A edição de
estréia traz um longo editorial em que o mais novo periódico vem a público “em fase deveras
singular e momento realmente crítico até para a imprensa, mas sobretudo para o país; quando
velhas são chamadas instituições ainda de ontem”.
1
Junto com Rodolfo de Sousa Dantas, ex-ministro do Império, Joaquim Nabuco funda o
jornal com o objetivo de criticar o governo republicano e defender a monarquia. Logo o jornal
começa a ter problemas com os governantes. Uma série de artigos intitulados Ilusões
republicanas criticava o novo regime, provocando a ira do presidente Deodoro da Fonseca e
do vice Floriano Peixoto. A redação do Jornal do Brasil, então na rua Gonçalves Dias, no
centro da capital Rio de Janeiro, chegou a ser atacada em 16 de dezembro de 1891, dias após
a publicação de uma edição especial sobre a morte de Pedro II.
O jornal deixa de ser monarquista quando Rui Barbosa assume a direção, em 1893.
Mas o apoio ao regime republicano não foi total. Decepcionado com os destinos do regime
monarquista, Rui adere à república, mas condenava a forma ditatorial como era conduzida por
Floriano Peixoto, o “Marechal de Ferro”. No mesmo ano eclode a Revolta da Armada, e Rui
Barbosa é considerado um dos líderes do movimento. Então o presidente decreta estado de
sítio e o fechamento do Jornal do Brasil. Rui Barbosa torna-se um homem procurado, vivo ou
morto, mas consegue sair do país. As atividades da empresa foram interrompidas por mais de
um ano. Quando volta a funcionar, o jornal hasteia bandeira republicana. Agora, sua proposta
era menos politizada e mais popular.
Quando surgiu, o Jornal do Brasil trazia na primeira página textos de Joaquim Nabuco
e a coluna “Dia-a-dia”, assinada por Sandro Constâncio Alves. Nabuco abordava assuntos
políticos e históricos, como a crise da América Latina, a soberania territorial e as origens da
monarquia. Seus textos não eram nada breves, aproximando-se do ensaio. Mundos em
formação e A questão das missões precisaram de várias edições para serem publicados. Já a
coluna “Dia-a-dia” trazia textos mais breves e próximos da crônica diária. Os fatos eram
selecionados a partir da vida social ou da imprensa local. Na edição de 12 de abril de 1891, a
coluna comenta a uniformização da hora no mundo. O cronista questiona se os brasileiros
1
NABUCO, Joaquim. Jornal do Brasil. 09 abr. 1891. Editorial.
14
precisavam realmente ser tão rigorosos com o tempo, já que seriam tão frouxos em relação a
seus compromissos. E conclui ironicamente que “o relógio, para nós, não é uma utilidade,
mas sim uma jóia.”
2
Diariamente, o Jornal do Brasil também oferecia aos seus leitores a seção de crítica
teatral “Teatros e salões” (que depois passou a “Teatros e concertos”), assinada por Alfredo
Camarate. Em um de seus primeiros artigos, de abril de 1891, ele compara o teatro ao
jornalismo ao afirmar que as duas áreas “servem de refúgio para os que não encontraram
outra.”
3
De fato, a imprensa acolhia em suas redações jovens talentosos com as palavras, mas
sem dinheiro nem diploma. Como observa Camarate no mesmo artigo, “pede-se diploma ao
médico, ao engenheiro, ao advogado, mas ninguém os pede ao jornalista e ao ator”
4
. Essa
situação permaneceria ainda por muito tempo na imprensa brasileira, até a regulamentação da
profissão de jornalista, quase um século depois.
Dois dias depois do número inicial da folha, estréia a seção “Bibliografia”, assinada
por Said Ali, considerado o primeiro crítico literário do Jornal do Brasil. Seu artigo inicial
analisava um volume de etimologia, o Dicionário Manual, de Adolfo Coelho. Filólogo e
sintaxista, Said Ali pertencia a uma linhagem de críticos que alguns estudiosos chamam de
“gramatical”
5
, que privilegia os aspectos lingüísticos no processo de análise e julgamento das
obras. Essa é uma corrente que contou com inúmeros adeptos, entre eles João Ribeiro e
Osório Duque Estrada, ambos com passagem como críticos titulares do Jornal do Brasil.
Em 14 de abril de 1891, Said Ali analisa Traduções do Romanceiro de H. Heine, de
José de Souza Monteiro. Porém, o nome da coluna já é outro: “Crítica literária”. Vê-se,
portanto, que o espaço destinado à crítica não tinha formato, lugar nem dia definido para ser
publicada.
Como quase todos os jornais da época, o Jornal do Brasil mantinha diariamente seu
“Folhetim” nos rodapés das páginas. Num país com uma indústria editorial ainda precária, os
romances folhetinescos trouxeram para muitos escritores a chance de ganhar leitores. Os
primeiros folhetins do periódico foram Memórias de Talleyrand e Sant’illario, de F. Marion
Crowford. As duas obras foram traduzidas pelo próprio jornal. Em seguida foi a vez dos
2
ALVES, Constâncio. Jornal do Brasil. 12 abr. 1891. Dia-a-dia.
3
CAMARATE, Alfredo. Jornal do Brasil. 11 abr. 1891. Teatros e Salões.
4
Ididem.
5
Cf. MARTINS, Wilson. “A linhagem gramatical”. In: A crítica literária no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1983. p. 188-201. De acordo com classificação proposta por Wilson Martins há ainda as linhagens humanística, histórica,
sociológica, impressionista e estética.
15
romances Em Évora, de Fialho D’Almeida, e a tradução de Três milhões de dote, de Xavier de
Montepun.
O nome “Folhetim” também foi atribuído a outras seções. O folhetim “Aos domingos”
era usado para falar de política. Tendo durado poucos meses, a coluna de Said Ali foi
substituída pelo folhetim “Às segundas-feiras”, assinado por José Veríssimo. A partir de
então, a crítica literária do Jornal do Brasil passou a ter dia certo para ser publicada. Além
disso, ela ocupava sempre o rodapé da página, assim como os capítulos dos folhetins de
ficção.
Num de seus primeiros artigos no jornal, Veríssimo analisa a questão das escolas
literárias. Em outros, reflete sobre assuntos como educação nacional, pintura nacional, teatro
nacional e educação física. Portanto, o crítico aborda os grandes temas nacionais de uma
república nascente e parece distanciar-se do julgamento de obras, ou seja, da crítica
propriamente dita. O próprio Veríssimo questiona a relevância dos assuntos literários naquele
momento de grande efervescência política graças ao embate entre monarquistas e
republicanos.
Para Veríssimo, a vida literária no Brasil nunca fora tão apagada como naquele
momento, embora nunca tivesse sido muito agitada. No artigo A nossa vida literária, de 19 de
outubro de 1891, Veríssimo pergunta a si próprio “se, num tempo em que a política e o
financiamento estão como a atrair e avassalar todas as atenções, haverá lugar para outras
preocupações.”
6
E conclui que a literatura, “ao menos no Brasil, parece fugir às épocas
agitadas e ser avessa aos períodos de excitação política”.
7
Veríssimo parecia realmente incomodado com a falta de assunto. No mesmo artigo,
ele se queixa da estagnação que sofre o mercado de livros e demonstra-se interessado,
sobretudo, por autores nacionais:
Fora para mim singular e inestimável fortuna ter sempre um novo livro brasileiro, que a estas
despretensiosas palestras de segunda-feira servisse de assunto ou desse motivo. Raros são,
porém, em nosso pequeno mundo literário os livros novos
.
8
Se não há livros novos, então que se fale dos velhos. No início de novembro de 1891,
o folhetim “Às segundas-feiras” traz o artigo Um velho romance brasileiro, em que Veríssimo
analisa Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida. Por volta de
1853, o romance foi publicado em forma de folhetim em “A pacotilha”, suplemento literário
6
VERÍSSIMO, José. Nossa vida literária. Jornal do Brasil. 19 out. 1891. Folhetim.
7
Ibidem.
8
Ibidem.
16
do Correio Mercantil, onde o escritor também trabalhou como redator e revisor. José
Veríssimo revela o desejo de escrever um livro sobre o romance e os romancistas brasileiros.
Mas seus objetivos não seriam meramente cronológicos ou biográficos. Ele diz que não quer
fazer simplesmente a apreciação biográfica e literária do artista e de sua obra: “não, meu
desejo seria surpreender na obra dos nossos novelistas a palpitação da vida brasileira”.
9
O
crítico chega a afirmar que talvez nunca escrevesse o livro, mas elege a história do anti-herói
Leonardo como aquela que mais atenderia aos seus objetivos.
Como se não bastasse a falta de livros novos, no seu primeiro artigo de 1892,
Veríssimo também aponta a escassez de dados sobre a produção editorial do ano anterior. Em
A carência de publicações bibliográficas, ele lamenta que não “possuamos nem publicações
nem estatísticas bibliográficas, de modo a podermos avaliar precisamente o nosso trabalho
intelectual no ano e compará-lo com a dos outros que acontecerão.”
10
O mercado editorial para ter ouvido as preces do crítico. Veríssimo enfim escreve
sobre um lançamento, mas o autor não era nenhum novato. Artigo de janeiro de 1892 fala de
Um novo livro do sr. Machado de Assis. Na semana anterior, o livro já havia sido publicado,
mas não houve tempo suficiente para comentá-lo:
O novo livro do sr. Machado de Assis, um romance com o título de Quincas Borba,
conquanto tenha na capa a data de 1891, só foi dado a público nos primeiros dias do
ano que começa, de 1892. Por isso escapou à resenha que na última segunda-feira fiz
da nossa produção literária
.
11
A partir desse trecho, podemos perceber que José Veríssimo estava mais preocupado
em dar conta das novidades vindas do mundo dos livros do que em suscitar polêmicas. O
mesmo não se pode dizer de seu contemporâneo Sílvio Romero, que começou a publicar seus
artigos a partir de 1870, período em que chegam ao Brasil as teorias positivistas e do
evolucionismo social. Romero chega a dizer que o Brasil vê-se invadido por “um bando de
idéias novas”. De fato, o país vivia uma onda de cientificismo que parece ter perdurado até
pelo menos a década seguinte. Em 1891, quando foi fundado, além das colunas “Necrologia”
(correspondente ao nosso “Obituário”) e “Higiene”, o Jornal do Brasil mantinha a “Seção
Científica”, que várias vezes retorna ao mesmo tema: “Saneamento da Capital Federal”.
As novas idéias também influenciaram o nosso jeito de fazer e de julgar literatura. Os
“romances de tese” naturalistas surgem em oposição ao subjetivismo romântico. No terreno
da crítica, Sílvio Romero defende que, assim como a sociedade, a literatura está condicionada
9
VERÍSSIMO, José. Um velho romance brasileiro. Jornal do Brasil. 02 de nov. 1891. Folhetim.
10
VERÍSSIMO, José. A carência de publicações bibliográficas. Jornal do Brasil. 04 de jan. 1892. Folhetim.
11
VERÍSSIMO, José. Um novo livro do sr. Machado de Assis. Jornal do Brasil. 11 de jan. 1892. Folhetim.
17
ao meio e, portanto, não deve distanciar-se de sua realidade local. Dessa forma, a literatura
deveria ser o espelho da nação.
Apesar da distância que tenta manter dos debates mais calorosos, Machado de Assis
demonstra-se atento à questão do nacionalismo literário, ponderando sobre o assunto em
vários artigos na imprensa. O mais famoso, Notícia da atual literatura brasileira, foi
publicado em 1873 no jornal nova-iorquino Novo Mundo com o subtítulo “Instinto de
Nacionalidade”: “
Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve
principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece sua região; mas não estabeleçamos
doutrinas tão absolutas que a empobreçam.”
12
Apesar de não ser uma alusão direta a Sílvio Romero, historiadores apontam a
publicação do estudo como o marco inicial da animosidade do crítico sergipano contra o
romancista carioca. Referência clara a Sílvio Romero surgiria em 1879, quando a Revista
Brasileira publica o ensaio A nova geração, no qual Machado de Assis analisa a produção de
escritores surgidos no período. Machado pressente a presença de uma poesia nova, avessa aos
valores românticos e influenciada pelo desenvolvimento das ciências. O crítico reconhece que
Sílvio Romero é um dos mais estudiosos representantes dessa geração. No entanto, seu
volume de poesias Cantos do fim do século não recebe nenhum elogio de Machado: “(...) e
para tudo dizer numa só palavra, o Sr. Romero não possui a forma poética (...) Que o Sr.
Romero tenha algumas idéias de poeta não lho negará a crítica; mas logo que a expressão não
traduz as idéias, tanto importa não as ter absolutamente.”
13
Na opinião de Machado, atribuiu-se a Sílvio Romero uma importância “infinitamente
superior à realidade”
14
. Alguns anos foram necessários para que o ilustre representante da
Escola de Recife viesse a público rebater as críticas de Machado. A revanche deu-se em 1897,
com a publicação de Machado de Assis, em que o autor é extremamente severo com o
desafeto.
Ao tecer a crítica sobre Quincas Borba, Veríssimo descarta o critério privilegiado por
Sílvio Romero, considerado insuficiente diante da complexidade do texto machadiano, e
chama de “vulgar” a preocupação de ser nacional:
A obra do sr. Machado de Assis não pode ser julgada segundo o critério que eu peço
licença para chamar nacionalístico. (...) Eu não indago se o sr. Machado de Assis é um
moderno ou um antigo, um velho ou um novo, um romântico ou naturalista. (...)
12
ASSIS, Machado de. “Instinto de nacionalidade”. In.: Crítica literária. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1962. p. 129
13
Id. “A nova geração”. In.: Crítica literária. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1962. p. 225
14
Ibidem.
18
Acabando de ler o seu livro (...) acode-me a idéia brevialíssima que o melhor meio de
servir uma literatura é ainda fazer livros – principalmente bons, como este.
15
“Fazer livros” parece uma coisa óbvia para um escritor. Mas não é o que atesta José
Veríssimo ainda no mesmo artigo. Segundo ele, eram poucos os escritores com um número
expressivo de livros publicados. Por outro lado, considerava grande a quantidade de escritores
dos quais não se conhecia um livro.
Ao mesmo tempo em que descarta um método, José Veríssimo não adota outro. É
verdade que Sílvio Romero cometeu uma série de equívocos em seus julgamentos. Por outro
lado, é preciso considerar que foi o primeiro a esboçar a tentativa de estabelecer um corpo de
critérios para a crítica. Mesmo que seu método seja discutível, ainda assim é um método. É o
que pensa Afrânio Coutinho, para quem nenhum dos dois críticos pode ser considerado
exemplar. Mas reconhece em Sílvio Romero maior importância:
Não se pode aceitar em bloco, como a última palavra em matéria de crítica, a obra de nenhum
dos dois escritores.(...) É possível, no entanto, interpretar-lhes a mensagem, fixando o
significado de ambos em nossa história literária. E, nessa perspectiva, a mensagem de Sílvio
avulta sobre a de Veríssimo
.
16
Por sua vez, Wilson Martins releva a imprecisão de Veríssimo em nome da sua
produção freqüente. Veríssimo exercia a chamada “crítica militante”, colaborando com vários
periódicos ao mesmo tempo. Sílvio Romero, ao contrário, era homem mais do livro que do
jornal e condenava a atividade excessiva do desafeto. É justamente por esse motivo que José
Veríssimo teria sido mais importante que o seu opositor: “Sílvio Romero era muito mais
historiador do que crítico, ao contrário de Veríssimo, que foi, acima de tudo, um crítico
literário”.
17
Sílvio Romero travou árduo combate contra José Veríssimo, cujo auge dá-se em 1909
com a publicação de Zeverissimações ineptas da crítica (Repulsas e Desabafos), pela Oficina
do Comércio do Porto. As agressões dirigidas a José Veríssimo ficavam mais no terreno
pessoal do que no das idéias. Logo no primeiro capítulo, manda o “Sainte-Beuve peixe-boi
pescar tartarugas nas margens do Amazonas e deixar de dizer asnidades”
18
. Sílvio Romero
alude ao período em que José Veríssimo deixa os estudos no Rio de Janeiro e volta ao Pará,
em 1876. Na terra natal, funda a Gazeta do Norte e a Revista Amazônica. Como resultado dos
15
VERÍSSIMO, José. Um novo livro do sr. Machado de Assis. Jornal do Brasil. 11 de jan. 1892. Folhetim.
16
COUTINHO, Afrânio. “A crítica no Brasil”. In.: Crítica e críticos. Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1969. p. 23
17
MARTINS, Wilson. “Introdução”. In: A crítica literária no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983. p. 28
18
Silvio Romero Apud BROCA, Brito. A vida literária no Brasil – 1900. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. p. 267
19
estudos sobre os índios e mestiços da região, Cenas da Vida Amazônica é publicado em 1886
e recebe nova edição em 1899, quando Veríssimo já se encontra novamente no Rio de Janeiro.
No início do ano, o livro recebe crítica favorável de Machado de Assis na Gazeta de
Notícias: “Aqui está um livro que há de ser relido com apreço”
19
.
Mais adiante Sílvio Romero afirma que José Veríssimo é “um espírito malévolo e
indeciso, pretensioso e precavido, insolente e cheio de cautelas e receios”
20
. Veríssimo parece
não ter sido imparcial em relação ao opositor quando escreveu sua História da literatura
brasileira, uma vez que lhe dedicou apenas algumas poucas linhas.
Na verdade, podemos dizer que Sílvio Romero e José Veríssimo são os precursores de
duas orientações distintas para a crítica brasileira, a sociológica e a impressionista.
A primeira é centrada na relação entre a obra e as condições sociais em que é produzida.
Dessa forma, críticos como Sílvio Romero não alcançam a totalidade do fenômeno literário e
oferecem respostas esteticamente insatisfatórias. Embora considerado um dos continuadores
da linhagem sociológica, Antônio Cândido reconhece suas limitações. Autor de tese de livre-
docência sobre o método crítico de Sílvio Romero, Cândido aponta as transformações sofridas
na forma de entender a relação entre literatura e sociedade ao longo do tempo: “É o que tem
ocorrido com o estudo da relação entre a obra e seu condicionamento social, que a certa altura
do século passado chegou a ser vista como a chave para compreendê-la, depois foi rebaixada
como falta de visão (...).”
21
Cândido entende que a obra só pode ser compreendida integralmente se o texto for
fundido ao contexto. Nesse caso, o processo de interpretação consiste na combinação entre os
fatores externos e a estrutura.
A segunda tendência pressupõe que a atividade crítica deve ter como ponto de partida a
“impressão” sobre a obra. O juízo seria o ponto de chegada. Mas entre os dois pontos deve
haver um método, o que justamente falta a críticos como José Veríssimo. Veríssimo acerta
quando percebe que Machado de Assis não pode ser considerado autor de uma “obra menor”,
como queria Sílvio Romero. Porém, o único atributo dedicado ao “novo livro do sr. Machado
de Assis” é “bom”, adjetivo vago e impreciso. Enfim, Veríssimo não possuía um método para
analisar uma obra literária. Por isso, sua crítica teria mais valor histórico do que literário:
“Seus artigos de crítica literária são documentos da época; e só como documento da época
tem grande valor histórico.”
22
19
ASSIS, Machado de. “Cenas da vida amazônica”. In: Crítica literária. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1962. p. 245
20
Silvio Romero Apud BROCA, Brito. A vida literária no Brasil – 1900. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. p. 267
21
CÂNDIDO, Antônio. “Crítica e sociologia”. In: Literatura e sociedade. São Paulo: Editora Nacional, 1980. p. 4-5
22
CARPEAUX, Otto Maria. “O passado e a hora”. In: Ensaios reunidos. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999. p. 842
20
Alfredo Bosi atribui a ausência de um critério em Veríssimo à sua desconfiança em
relação às idéias de seu tempo, sobretudo as positivistas:
Daí, seu escorar-se em critérios fugidios, difíceis de determinar, bom gosto, senso
comum, prazer intelectual (...) O resultado foi uma crítica que se situava a meio
caminho entre o reconhecimento dos dados psico-sociais e a leitura vagamente
estética de algumas obras
.
23
José Veríssimo não escondia sua admiração por Machado de Assis. No mesmo artigo
em que analisa Quincas Borba, ele faz questão de manifestá-la: “Ele é o homem de letras
segundo meu coração, vivendo senão de suas letras.”
24
De fato, Machado de Assis foi um dos
primeiros escritores a defender a profissionalização de sua classe. Isso significava viver
apenas de literatura, uma questão nevrálgica ainda para os nossos contemporâneos.
Machado de Assis tinha pouco mais de quinze anos quando ingressou como caixeiro
na livraria de Paula Brito, depois passando a empregado da tipografia, onde era editada a
Marmota Fluminense, jornal que publicou seu primeiro poema, em 6 de janeiro de 1855. No
ano seguinte, Machado tornou-se aprendiz de tipógrafo da Imprensa Nacional, dirigida por
Manuel Antônio de Almeida. Em 1858, passa a revisor de provas de Paula Brito e, no ano
seguinte, ocupa o mesmo cargo no Correio Mercantil. Em 1860, com pouco mais de vinte
anos, Machado é contratado pelo Diário do Rio de Janeiro, do amigo Quintino Bocaiúva.
Embora a atividade jornalística tenha contribuído para seu desenvolvimento como
escritor, Machado sente-se sobrecarregado com o trabalho na imprensa. Somente depois de
um período afastado das redações, publica Memórias póstumas de Brás Cubas, considerado
por muitos sua obra-prima.
No final do século XIX, ainda não havia uma distinção nítida entre literatura e
jornalismo. Na virada para o XX, entretanto, as fronteiras começam a se delinear com mais
força, até que o jornalismo passa a ser visto como uma prática mercantilista e a literatura
como atividade verdadeiramente artística.
A discussão em torno da crescente oposição entre jornalismo e literatura não escapou a
um dos membros mais ilustres da redação do Jornal do Brasil. Em Um perfil de jornal, artigo
de outubro de 1891, Joaquim Nabuco julga negativa a influência da atividade jornalística
sobre a literária. Para ele, o jornalismo é mesmo fatal à produção literária de primeira ordem,
a que se pode chamar artística: “Seria belo o dia em que os melhores talentos do nosso país
achassem lucrativo entregar-se ao livro e preparar-se para fazê-lo.”
25
23
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 254
24
VERÍSSIMO, José. Um novo livro do sr. Machado de Assis. Jornal do Brasil. 11 de jan. 1892. Folhetim.
25
NABUCO, Joaquim. Um perfil de jornal. Jornal do Brasil. 27 de out. 1891. Editorial.
21
Considerações como as de José Veríssimo e Joaquim Nabuco parecem antecipar o
questionamento que será feito por João do Rio anos depois: o jornalismo, especialmente no
Brasil, é um fator bom ou mau para a arte literária? Em 1904, o jornalista e escritor publicou
na Gazeta de Notícias uma pesquisa com os principais intelectuais do período. Após três anos,
as respostas foram compiladas na obra O momento literário. Para muitos dos entrevistados, o
jornalismo é visto como um mal necessário. Por um lado, garante a sobrevivência; de outro
consome muito tempo, um tempo precioso para a criação literária. É como se o jornalismo
fosse aos poucos aniquilando a vocação literária da sua vítima. Foi o que ocorreu a Aluísio
Azevedo. Depois de ingressar na carreira diplomática em busca de estabilidade financeira,
não encontrou mais tempo disponível para seus projetos literários. Em carta de 1905, o autor
de O cortiço queixa-se a um amigo da falta de tempo até mesmo para participar da pesquisa
de João do Rio dizendo que “o cônsul inibe o escritor de responder”
26
.
Medeiros e Albuquerque é um dos únicos que defendem o jornalismo. Sob o
pseudônimo J. Santos, matinha no jornal A Notícia a seção “Crônica literária”. Na sua coluna,
passava em revista livros não somente de literatura como de outros gêneros. Sua crítica era
ligeira, informativa e impressionista. Em função da intensidade de sua atividade na imprensa,
compara a baixa produção dos escritores “puros” a “uma espécie de prisão de ventre
intelectual, para a qual o exercício braçal do jornalismo seria o melhor remédio”.
27
O próprio
Machado de Assis seria exemplo do efeito benéfico do jornalismo: “A disciplina da
colaboração freqüente, a sensação do contato com os leitores de toda natureza amadureceram
rapidamente esse rapaz de 21 anos”.
28
Um século depois, a questão é retomada por Cristiane Costa em Pena de aluguel:
escritores jornalistas no Brasil 1904-2004. A autora é ex-editora-chefe do caderno Idéias e
Livros do Jornal do Brasil e entrevistou autores contemporâneos para lançar nova luz sobre o
questionamento feito por João do Rio. Dos 32 entrevistados, apenas cinco consideraram a
atividade na imprensa prejudicial para o escritor. Quinze disseram que é positiva, dez
afirmaram que tanto ajuda quanto atrapalha e dois não responderam.
29
Portanto, ao contrário
do que ocorreu com a enquete de João do Rio, o lado positivo de trabalhar como jornalista foi
mais lembrado do que o negativo. Uma saída encontrada pelos escritores contemporâneos foi
trabalhar como free-lancer, evitando que se dediquem em tempo integral ao jornalismo.
26
Apud BROCA, Brito. A vida literária no Brasil – 1900. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. p. 49
27
Apud Ibidem p. 21
28
Lúcia Miguel Pereira Apud COSTA, Cristiane. Pena de aluguel: escritores jornalistas no Brasil 1904-2004. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005. p. 35
29
As entrevistas realizadas por Cristiane Costa podem ser conferidas no site criado pela autora: www.penadealuguel.com.br.
22
Na passagem para o século XX, o Jornal do Brazil já trazia o “s” no título. Mas a
atualização não foi só ortográfica. A imprensa passava por um processo de modernização que
incluía a progressiva substituição da subjetividade pela objetividade. Os assuntos políticos
cederam lugar a outros. As notícias policiais, que antes recebiam algumas linhas, agora
chamavam a atenção dos leitores na primeira página. Manchetes como “Parricídio”,
“Assassinato, um mistério”, “Suicídio a faca no necrotério” e “O matador de Irajá” traduzem
as conseqüências do processo de urbanização do Rio de Janeiro. Até os folhetins cederam aos
novos tempos. Maldição, de Maxime Vilhemer, estréia em 03 de janeiro de 1900. Dias
depois, a tradução de Dom Quixote de La Mancha também começa a ser publicada em
capítulos.
Crescia então no público o interesse pelo sensacionalismo, que passou a orientar a
produção na imprensa. Os jornais solicitavam cada vez menos contribuição literária dos
escritores, que passaram a produzir reportagens. Nesse contexto, desponta a figura de Paulo
Barreto que, sob o pseudônimo de João do Rio, tornou-se o precursor do jornalismo
investigativo no Brasil.
Outra inovação importante foi o uso de ilustrações. Com o tempo, os jornais também
receberiam o incremento da fotografia. Para atrair o público, o jornal procura valer-se de
fotografias e ilustrações, identificando-se com os motivos sociais e mundanos. Anos antes, a
coluna “Dia-a-Dia” já mostrava de que forma a fotografia também seria útil ao jornalismo:
“Uma folha desta cidade noticiou, há dois dias, que a polícia está sem fotógrafo para tirar o
retrato dos senhores gatunos”.
30
No início do século XX, José Veríssimo continua a atuar na imprensa. Em 1901 surge
o Correio da Manhã, onde assinava a seção de crítica literária. No Jornal do Commercio,
publicou artigos em “A semana literária”. Em 1908 já não exercia crítica em nenhum jornal.
Mas a Campanha Civilista incita os ânimos de Veríssimo. Ele volta ao O Imparcial, jornal
fundado em 1912, para criticar, além de livros, os desmandos do marechal Hermes da
Fonseca.
Em 1914, quando eclode a Primeira Guerra Mundial, José Veríssimo posiciona-se a
favor dos aliados. Na verdade, essa foi a postura da maior parte de nossos intelectuais, cuja
formação tinha muito de influência francesa. A 7 de agosto do mesmo ano João do Rio
publica na Gazeta de Notícias o artigo O imperador louco. No mesmo mês, Veríssimo assina
30
ALVES, Constâncio. Jornal do Brasil. 13 abr. 1891.
23
em O Imparcial o artigo Nós americanos e a guerra, voltando várias vezes ao mesmo tema,
com algumas interrupções, para falar de literatura.
A 27 de janeiro de 1916, o crítico publica seu último artigo no jornal, intitulado
ironicamente No aniversário do kaiser. Nele, Veríssimo atribui à ambição de Guilherme II
toda a responsabilidade pelo confronto. José Veríssimo não estaria vivo para escrever sobre o
fim da guerra, vindo a falecer em 02 de fevereiro, seis dias depois. Sua História da literatura
brasileira seria publicada postumamente ainda no mesmo ano.
Embora acusado de superficialidade, ganhou fama o trocadilho feito com seu nome:
“Severíssimo”. Algumas unanimidades, como Coelho Neto, não passaram pelo seu crivo. O
romance Rei Negro, de 1914, foi desancado pelo crítico. Quanto ao romance de Júlio Ribeiro
exagerou nas imagens ao classificá-lo como “parto monstruoso de um cérebro artisticamente
enfermo”
31
. Há mesmo quem achasse que A carne deveria chamar-se A carniça. Ao contrário
do desafeto sergipano, não desprezou a poesia de Castro Alves e zombou da Réplica, de Rui
Barbosa. José Veríssimo teve sua cota de equívocos. Afirmou ser Cruz e Souza “decadente”,
frisando o tom pejorativo do termo, e não apostou no poder de influência de Anatole France.
32
Além disso, apesar de admirar a obra de Machado de Assis, não conseguiu determinar sua
posição no quadro evolutivo da literatura nacional.
Superficial ou severo, o certo é que José Veríssimo já falava em resenha e buscava
livros novos, fornecendo dados sobre eles para quem se interessasse em comprá-los.
Veríssimo parecia mais preocupado com a realidade da nossa literatura do que com a tarefa de
decifrar livros, a grande missão do crítico do século XIX. Mais que um intermediador entre
obra e público, era uma ponte entre o mercado e os leitores. De fato, como nos diz um dos
maiores críticos militantes do século XX, a crítica praticada na imprensa, apesar das ressalvas
teóricas de que sempre foi alvo, tem sua razão de ser. Para Alceu Amoroso Lima, “é ela que
mantém o ambiente literário. Que coloca os autores em contato com o público e em contato
uns com os outros”. Enfim, “é ela que vai permitir aos autores sentirem a presença de um
meio intelectual”.
33
Como herdeiros do legado militante, podemos citar os autores de rodapé dos anos 40 e
50 do século XX, igualmente atentos às movimentações do mercado editorial e movidos,
antes de qualquer teoria, pela impressão que o livro causa. O tom impressionista de Veríssimo
pode ser sentido através de palavras escritas sobre ele mesmo. Certa vez, respondendo a uma
31
José Veríssimo Apud Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 253
32
Ibidem
33
LIMA, Alceu Amoroso. O crítico literário. Rio de Janeiro: Agir, 1945. p. 52
24
acusação de Euclides da Cunha, José Veríssimo faz uma auto-avaliação: “Quanto ao saber e à
competência, estou bem longe do que desejaria. Quanto ao resto, trato de dar a cada um o que,
pela balança de meu critério, ele pagou e mereceu.”
34
(grifo nosso) Como se vê, José
Veríssimo era o critério em pessoa.
1.2 Outros críticos e cronistas
José Veríssimo foi seguido no Jornal do Brasil por outros nomes, como Osório
Duque-Estrada. No início do século, os brasileiros ainda não tinham um hino para cantar, mas
apenas para ouvir. É que a música de Francisco Manuel não conseguia encontrar letra à altura.
Foi então que Coelho Neto, representante do Maranhão na Câmara Federal, aprovou projeto
que concederia quantia em dinheiro ao autor da composição poética que melhor servisse ao
Hino Nacional. A comissão julgadora elege os versos de Osório Duque-Estrada.
Entre 1908 e 1914, o autor manteve no Correio da Manhã a seção “Registro
Literário”. No artigo inicial, Duque-Estrada abre fogo contra os gramáticos, que sofriam de
“miopia crônica” e limitavam-se às “nequices ridículas de uma filologia barata”. Por outro
lado, acusa certos “parvoalhos da literatura” de manifestarem falso desdém em relação às
regras gramaticais para melhor cometerem crimes “contra a sintaxe e o bom senso”.
35
De fato, Houve tempo em que nossos debates literários giravam em torno de regras
gramaticais e lições de filologia. Um dos primeiros a fomentar esse tipo de polêmica foi José
de Alencar, que ingressa na imprensa carioca como cronista do Correio Mercantil em 1854,
onde mantém a coluna “Ao correr da pena”. Depois passa a redator do Diário do Rio de
Janeiro para o qual escreve, sob o pseudônimo de “Ig”, uma série de artigos em formato de
carta sobre o poema A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães. Publicada em
1856, a epopéia foi alvo de severas críticas por parte de Alencar pelo tratamento dispensado à
língua portuguesa.
36
Alencar acreditava que uma literatura que se quer nacional deve ser feita
numa língua própria:
Nós, os escritores nacionais, se quisermos ser entendidos do nosso povo, havemos de falar-lhe
em sua língua, com os termos e locuções que ele entende, e que lhe traduz os usos e
sentimentos. Não é somente no vocabulário, mas também na sintaxe da língua, que o nosso
34
José Veríssimo Apud Broca A vida literária no Brasil – 1900. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. p. 316
35
Osório Duque Estrada Apud Ibidem p. 319
36
Cf. COUTINHO, Afrânio. Caminhos do pensamento crítico. Rio de Janeiro: Americana, 1974. p. 99
25
povo exerce o seu inauferível direito de imprimir o cunho de sua individualidade,
abrasileirando o instrumento das idéias
.
37
O escritor põe em prática seu projeto de “abrasileiramento” da língua lusitana com
Iracema, a lenda do Ceará, de 1865. O livro recebe crítica favorável de Machado de Assis,
para quem o poema em prosa de Alencar é modelo para o cultivo da poesia americana. O
crítico dirige-se diretamente ao escritor quando pede que “não esmoreça, mesmo a despeito da
indiferença pública.”
38
Ao preconizar uma língua genuinamente brasileira, Alencar tornou-se
alvo de puristas, sobretudo portugueses. Antônio Henriques Leal condena a língua literária de
Alencar ao tecer comentário sobre Iracema:
(...) o defeito que eu vejo nessa lenda, o defeito que vejo em todos os livros brasileiros, e
contra o qual não cessarei de bradar intrepidamente, é a falta de correção na linguagem
portuguesa, ou antes a mania a tornar o brasileiro uma língua diferente do velho português
(...).
39
Historiadores da nossa crítica literária consideram esse debate lingüístico uma das
primeiras manifestações da linhagem gramatical que, no caso brasileiro, sempre contou com
um número expressivo de adeptos.
Um ano antes da morte de José Veríssimo, Osório Duque-Estrada passa a colaborar
com O Imparcial. Em 6 de dezembro de 1921, estréia como crítico titular do Jornal do Brasil,
para onde transfere sua coluna “Registro literário”, publicada às terças-feiras, na qual analisa
principalmente volumes de poesia. Permanece no periódico até 1927, ano da morte de outro
famoso e não menos controverso colaborador da folha, Carlos de Laet. Monarquista
fervoroso, teve passagem por diversos órgãos da imprensa carioca. No Jornal do Brasil, onde
ingressou em novembro de 1894, fazia crítica de arte sob o pseudônimo de Cosme Peixoto.
Logo no primeiro número do folhetim, dirigiu duras críticas a Rodolpho Bernardelli, escultor
e diretor da Escola Nacional de Belas Artes. Em fevereiro de 1895, o crítico dá início aos seus
escritos sobre literatura com o artigo Estudo etimológico, deixando claro o tipo de análise que
praticaria a partir de então.
Duque-Estrada é sucedido por João Ribeiro, também filiado à crítica gramatical. Mas
suas preocupações foram além de questões vernaculares e sintáticas. Segundo Alfredo Bosi
40
,
o crítico conferiu a José de Alencar o mérito de ter sido o primeiro a adotar uma estilística
37
José de Alencar Apud MARTINS, Wilson. “Teoria e prática da crítica”. In: A crítica literária no Brasil. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1983. p. 188
38
ASSIS, Machado de. “Iracema”. In: Crítica literária. Crítica literária. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1962. p. 83
39
Afonso H. Leal Apud MARTINS, op. cit., nota 21. Cf CASTELLO, José Aderaldo. A polêmica sobre a Confederação dos
Tamoios. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1953.
26
diversa da portuguesa. No entanto, João Ribeiro considerava prematura a afirmação de que
havia uma língua essencialmente brasileira, como queria o romancista.
Pela suas formulações acerca da língua pátria, o crítico foi considerado por alguns
modernistas como o verdadeiro precursor do Movimento de 22. Para Cassiano Ricardo, João
Ribeiro foi até mais pioneiro que Graça Aranha: “Quero dizer que Graça Aranha (..) terá sido,
em 1924, um grande agitador da idéia, na memorável conferência aqui pronunciada
tumultuosamente. Mas João Ribeiro, já em 1917 (portanto, sete anos antes), havia tomado sua
posição de vanguarda.”
41
O pioneirismo de João Ribeiro foi além das ponderações sobre a língua para penetrar o
campo da estética. Ele teria sido o primeiro a se insurgir contra a herança parnasiana ao
manifestar o desejo de que poetas como Olavo Bilac e Alberto de Oliveira se acomodassem
aos novos tempos: “De coisas velhas estamos fartos. Foi algum arauto da Semana de Arte
Moderna que assim se exprimiu? Não; foi João Ribeiro.”
42
No Jornal do Brasil, João Ribeiro manteve a coluna “Dia sim, dia não”, publicada
conforme expressa o título. No artigo de estréia, o crítico queixa-se da situação do romance
nacional, tipo de publicação rejeitada pelas editoras que, segundo ele, interessam-se apenas
por livros didáticos: “O romance nacional é publicado à custa do autor. Às vezes, é um favor
das editoras a preço de outras vantagens secretas. Em geral, quando o editor chega ao
sacrifício de fazer qualquer edição, não paga coisa alguma dos supostos direitos autorais,
figura de retórica na nossa legislação.”
43
Mesmo autores renomados sentem-se ludibriados pelas editoras quando o assunto é
remuneração por direitos autorais. O problema apontado por João Ribeiro é o mesmo de que
trata Manuel Bandeira cerca de trinta anos depois. Na crônica Copyright, de março de 1956,
Manuel Bandeira conta aos leitores do Jornal do Brasil que, procurando certa vez por
novidades em uma livraria, deparou-se com a Antologia da poesia universal, de Sérgio
Milliet. Qual foi sua perplexidade ao perceber que no volume, de 1951, constavam várias de
suas traduções:
Assim, meu amigo editor Martins encomenda uma antologia da poesia universal ao meu
amiguíssimo Sérgio, a coisa é publicada e nem ao menos se manda um exemplar ao poeta,
cujos trabalhos foram nela aproveitados! Nem tampouco se pediu autorização para tal
aproveitamento. Que não me pagassem nada vá lá, que afinal de contas o Brasil, em matéria
de direitos autorais (e em outras matérias) ainda é uma selva de Jacarecanga. Mas que não me
41
Cassiano Ricardo Apud BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 315-316
42
Ibidem.
43
RIBEIRO, João. Editores. Jornal do Brasil. 7 dez. 1927. Dia sim, dia não.
27
tenham mandado uns dois exemplares da obra é demais. Martins, Sérgio, amigos meus,
protesto!
44
João Ribeiro é autor de Curiosidades verbais, livro resenhado por Múcio Leão em fins
de 1927. Múcio reconhece no colega de redação um crítico avesso aos rigores da gramática,
apesar de sua vasta erudição no assunto: “Esse homem, que tem passado a vida a estudar a
Filologia, não crê na Filologia. Ele sorri dos sábios que sonham erguer fogueiras nas praças
públicas para torrar os que ousam dizer blasfêmias contra as virtudes da sintaxe”
45
. João
Ribeiro falece em 1934, ano em que Múcio Leão assume a crítica literária do Jornal do
Brasil, permanecendo nessa função até 1941.
Anos antes, o movimento liderado por Getúlio Vargas derrubou o governo de
Washington Luís. A Revolução de 30 põe fim à chamada República Velha, iniciada em 1889.
Tido como oposicionista ao novo governo, o Jornal do Brasil foi invadido por simpatizantes
da Revolução e permaneceu fechado por quatro meses. Em 1932 o jornal volta a fazer
oposição ao Governo Provisório de Getúlio ao apoiar a Revolução Constitucionalista em São
Paulo. Apesar da derrota do movimento, o país passa a ter uma nova Constituição em 1934.
No ano seguinte, eclode a Intentona Comunista e o governo cria a Lei de Segurança Nacional.
O quadro político culminaria com o golpe que instaura o Estado Novo em 1937, dando início
à ditadura Vargas.
A primeira edição do Jornal do Brasil de 1940 traz uma nota sobre a recente criação
do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). O jornal não andava bem com o governo
nem com as finanças. A Primeira Guerra Mundial, em 1914, havia levado o jornal a uma crise
financeira graças ao encarecimento do papel e os problemas com o caixa atravessaram
décadas. Desde os primeiros anos do século XX, os classificados ocupavam boa parte do
jornal, inclusive a primeira página. Agora, a solução seria investir mais ainda nos anúncios,
sobretudo os do tipo “precisa-se”. Para se ter uma idéia do volume de classificados, a folha
passou a ser conhecida como o “jornal das cozinheiras”.
Além da maior quantidade de anúncios, a edição de domingo traz a “Segunda Seção”,
cuja primeira página ostenta o aviso “Parte inseparável do jornal”. Temos, então, os
primórdios do que seriam mais tarde os segundos cadernos. No clima da Segunda Guerra
Mundial, a primeira edição de 1940 da “Segunda Seção” traz a matéria Amazonas de todos os
tempos. Ilustrado por fotografias de mulheres fardadas, o texto fala sobre a participação
feminina em conflitos de várias partes do mundo. Na edição seguinte, o caderno traz
44
BANDEIRA, Manuel. Copyright. Jornal do Brasil. 04 mar. 1956. Crônica.
45
LEÃO, Múcio. Curiosidades verbais. Jornal do Brasil. 30 dez. 1927. Crônica.
28
reportagem sobre a depressão, abordado como um problema que acomete principalmente as
mulheres. Dessa forma, a “Segunda Seção” teria como objetivo a aproximação junto ao
público feminino. De fato, como atestam alguns historiadores da imprensa, muitos cadernos
de cultura e literários tiveram origem em cadernos femininos: “Os suplementos estavam
voltados para a vida familiar; a mulher era ainda nessa década a grande consumidora de
produção literária, de poesias, crônicas, romances. Muitos escritores tinham basicamente no
público feminino os seus leitores, como Érico Veríssimo.”
46
Assim como Barbosa Lima Sobrinho, que escreveu no Jornal do Brasil por quase
oitenta anos, Benjamim Costallat também firmou seu nome como cronista no periódico,
escrevendo sobre vários assuntos, como “O drama dos bondes”, “O problema do turismo” e
“A presença dos Estados Unidos”. É curiosíssimo o artigo Malícia oriental, de 06 de janeiro
de 1940, em que o autor de romances com grande sucesso de público demonstra toda sua
impaciência contra os aspirantes a escritores que entopem as redações com seus manuscritos:
“Os editores e os jornais são vítimas constantes do assalto de escritores que se julgam sempre
gênios incompreendidos”.
47
Os americanos chamam de slush pile a pilha de livros não solicitados que chegam às
editoras para ser lidos e, quem sabe um dia, publicados. No Brasil, o problema apontado por
Costallat parece ter se agravado com o tempo. Atualmente, são cerca de cem originais que
surgem mensalmente pelos correios, mas pouquíssimos são realmente avaliados. Editores
acreditam que escritores em potencial conseguem chegar a eles por outros meios, como a
recomendação de um autor mais experiente. Isso não impede que a “pilha de lama”, tradução
literal da expressão inglesa, é motivo de angústia para quem tem na mão o sonho alheio de
virar escritor.
48
Costallat diz que na China e no Japão os diretores de jornais e revistas descobriram
uma fórmula contra os “literatos desinteressantes”. Ao devolver a obra ao escritor seria
costume dos editores chineses redigir a seguinte mensagem: “O diretor dez mil vezes se
prosterna diante do autor ilustre deste manuscrito incomparável. Ele sente grande mágoa de
não estar em condições de publicar esta obra (...)”.
49
Já os japoneses recorreriam às tradições religiosas para parecerem convincentes,
jurando “pelas cinzas passadas dos nossos antepassados” que “nunca havíamos sentido tanto
prazer em ler um livro.”
46
ABREU, Alzira Alves. “A reforma do Jornal do Brasil”. In: A imprensa em transição. Rio de Janeiro: FGV, 1996. p. 21
47
COSTALLAT, Benjamim. Malícia oriental. Jornal do Brasil, 06 de janeiro de 1940.
48
CONDE, Miguel. Pilhas de ilusões. O Globo. 02 set. 2006. Prosa e Verso.
49
Ibidem.
29
Costalatt conclui o artigo dizendo que “os maníacos que querem escrever” acham que
fazer literatura é o mesmo que fazer ginástica sueca, “que é só acordar cedo e levantar as
pernas até tirar a barriga”.
O problema é que Costalatt fazia exatamente da literatura uma ginástica sueca. Como
outros, escrevia sob encomenda, tornando-se um homem de negócios quando abriu sua
própria editora. Além disso, fazia uma espécie de merchandising quando seus personagens
usavam determinado produto. Todavia, a ligação entre literatura e indústria não era novidade.
Até mesmo quem defendia a “arte pela arte” emprestou seus versos para campanhas
publicitárias. No artigo “Poesia de circunstância”
50
, Manuel Bandeira, outro ilustre
colaborador do Jornal do Brasil de 1955 a 1961, lembra que Olavo Bilac havia escrito
anúncios rimados para um fabricante de velas. Assim como Costallat, Bilac foi um best-seller
de sua época. O trabalho na imprensa conferiu aos dois escritores de momentos históricos
diferentes a visibilidade necessária para se tornarem conhecidos do grande público.
50
BANDEIRA, Manuel. Poesia de circunstância. Jornal do Brasil 10 ago. 1956. Crônica.
30
2. ENCONTROS
2.1 Jornalismo, política e literatura
Oficialmente o Brasil só passou a produzir jornais e livros a partir de 1808, com a
chegada apoteótica de d. João e sua corte. Antes disso, a imprensa era atividade proibida na
colônia, mas não inexistente. Houve várias tentativas de instalação de tipografias, todas elas
duramente reprimidas. A metrópole temia que idéias contrárias aos seus interesses se
alastrassem pela colônia, o que faria do sentimento nativista uma peste a ser combatida. E foi
o que aconteceu. Apesar da censura, muitas idéias consideradas “perniciosas” passaram a
circular em terras brasileiras. Sem encontrar condições de impressão, manuscritos eram
decorados ou copiados e, dessa forma, levados adiante. O poeta Gregório de Matos foi
exemplo dessa interdição de idéias, uma vez que seus versos repletos de crítica social e sátira
política renderam-lhe uma deportação para Angola.
A proibição às atividades tipográficas foi uma das responsáveis pela baixíssima
produção editorial no Brasil, se comparada a de outros países vizinhos. Para termos idéia
dessa defasagem, em 1549 o México publica seu primeiro livro. Em 1584 o Peru já dispunha
de tipografia e em 1690 os Estados Unidos lançavam seu primeiro jornal. No Brasil, o
primeiro periódico surgiria muito mais tarde e, mesmo assim, driblando a censura. Com o
claro objetivo de questionar as ações da metrópole, o Correio Braziliense era impresso na
Inglaterra e levado clandestinamente para o Brasil. Em oposição a ele, no mesmo ano começa
a circular a Gazeta do Rio de Janeiro, criada por iniciativa da Coroa e publicada pela
Imprensa Régia, também responsável pelo nosso primeiro livro.
Nas primeiras décadas do século XIX, a quantidade de livros ainda era irrelevante.
Quanto à circulação de periódicos, pode-se dizer que recebeu algum incremento. Nesse
período, os assuntos literários tinham pouca importância, pois a Independência era o tema
preferido pelos poucos homens verdadeiramente intelectualizados da colônia. Nesse contexto
emerge a figura de José Bonifácio de Andrada e Silva, que ganhou o epíteto de “Patriarca da
Independência” graças à sua atuação como político e jornalista. Como observa Sílvio Romero,
31
intelectual dessa época tinha múltiplas habilidades: “o literato é jornalista, é orador e é
político”.
51
Estamos na época dos grandes publicistas, gente como Hipólito da Costa, Evaristo da
Veiga e Frei Caneca, jornalistas preocupados com o destino político do país mais do que com
os rumos da literatura pátria. O próprio José Bonifácio chegou a publicar um livro de poemas,
mas nada muito significativo perto da qualidade de seus textos jornalísticos.
A partir de 1840, o jornalista entra em metamorfose: o político ganha ares de literato.
Sílvio Romero assim resume a simbiose entre política, jornalismo e literatura: “No Brasil,
mais ainda do que em outros países, a literatura conduz ao jornalismo e este à política”.
52
Nesse ponto, façamos uma interferência nas palavras de Sílvio Romero. No Brasil, o
jornalismo é que conduz à literatura. Vejamos o exemplo de José de Alencar. Para ele, a
literatura surgiu como conseqüência de seu trabalho na imprensa, o que ocorreu a tantos
outros grandes romancistas do século XIX. Na obra-depoimento Como e por que sou
romancista, o escritor esclarece como começou sua carreira literária:
Em fins de 1856, achei-me redator-chefe do “Diário do Rio de Janeiro”. Ao findar o ano,
houve idéia de oferecer aos assinantes da folha um mimo de festa. Saiu um romance, meu
primeiro livro, se tal nome cabe a um folheto de 60 páginas. Escrevi “Cinco Minutos” em
meia dúzia de folhetins, que iam saindo na folha dia por dia, e que foram depois tirados em
avulso sem nome do autor.
53
Mas o folhetim do Diário de Rio de Janeiro encontraria verdadeiro sucesso com outro
romance de Alencar. De fevereiro a abril de 1857, O Guarani alavancou as vendas do jornal.
Em 1860, o periódico repetiu a dose com A Viuvinha.
Como vimos, o folhetim abriu as portas da ficção para muitos homens de imprensa,
incrementando tanto a produção quanto o consumo de literatura no Brasil. De um lado, soltou
a pena dos nossos jornalistas, despertando neles a vocação para romancistas. De outro, foi
capaz de criar um público leitor assíduo, ainda que frívolo, uma vez que era composto por
jovens de classes altas ou médias em busca de entretenimento.
54
Por isso, o folhetim é a origem do best-seller moderno e teve origem na França do
século XIX. A expressão roman-feuilleton foi cunhada pelo jornal Le Presse, de Émile de
Girardin, por volta de 1836. A folha francesa é exemplo da imprensa de grande tiragem à qual
51
Sílvio Romero Apud SODRÉ, Nelson Werneck. “A imprensa do Império”. In: História da imprensa no Brasil. Rio de
Janeiro: Mauad, 1999. p. 184
52
Sílvio Romero Apud SODRÉ, loc. cit.
53
José de Alencar Apud Ibidem p. 191
54
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 128
32
ficou atrelado o folhetim, chamado por Gustave Flaubert de “literatura industrial”
55
. Enfim,
os folhetins significavam a possibilidade de fazer literatura em um país com uma indústria
editorial ainda nascente e dominada por grupos estrangeiros.
Em 1838, dois irmãos alemães fundam a casa Laemmert. Eduardo e Henrique
mandavam imprimir os livros que lançavam na Alemanha, enquanto outros editores instalados
no Brasil enviavam seus originais para França ou Portugal. De acordo com a História da
imprensa no Brasil, de Nélson Werneck Sodré, a casa Laemmert especializou-se em obras de
Direito e Medicina, mas também acolheu muitos escritores representativos do período, entre
eles Machado de Assis, Said Ali e Coelho Neto. Ainda publicou as duas primeiras edições da
História do Brasil, de Varnhagen, e as três primeiras de Os sertões, de Euclides da Cunha. A
editora gozou de grande prestígio na época, mas a Garnier é considerada, sem dúvida, a
editora mais importante da segunda metade do século XIX.
Batista Luís Garnier chegou ao Brasil em 1844, mas só uma década depois abriu
pequena loja de livros. Em 1901, a Livraria Garnier transfere-se para o prédio que antes
pertencia à Briguiet. Na inauguração, os convidados receberam um volume autografado de
Machado de Assis. Conta-se que era para lá que o escritor se dirigia depois de um dia de
trabalho. Ser editado pela Garnier era expressão máxima de prestígio. Entre os ilustres
editados estavam, além de Machado de Assis, José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo,
Bernardo Guimarães, Sílvio Romero, Aluísio Azevedo, Joaquim Nabuco, Graça Aranha e
João Ribeiro. Assim como os cafés e confeitarias, como a Colombo, na rua Gonçalves Dias, e
a Pascoal, na rua do Ouvidor, as livrarias também eram ponto de encontro da intelectualidade
carioca. Em artigo de 1908, João Luso refere-se à entrada da Garnier como “a sublime porta”
e a sua simples travessia já significava um marco na vida de um escritor: “Parar àquela soleira
ilustre (...) é posar para a posteridade”.
56
O português Francisco Alves de Oliveira também teve importante participação no
mercado editorial brasileiro. Tendo trabalhado na Corte de 1863 a 1870, especializara-se em
livros didáticos, chegando a absorver 90% do mercado de livros no Brasil com a aquisição de
outras livrarias e editoras, entre elas a Laemmert, em 1905. Antes de morrer, em 1917,
Francisco Alves fez da Academia Brasileira de Letras a herdeira de boa parte de sua fortuna.
No mesmo ano em que Francisco Alves veio a falecer, O Estado de S. Paulo publica
artigo de Monteiro Lobato que traz crítica desfavorável à exposição de uma pintora estreante,
Anita Malfati. A liberdade das cores e a inovação do traço desagradaram a Lobato, que
55
SODRÉ, Muniz. Best-Seller: a literatura de mercado. São Paulo: Ática, 1988. p. 11
56
João Luso Apud BROCA, Brito. A vida literária no Brasil – 1900. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. p. 80
33
condena a atitude estética da artista. Contra a opinião do ex-fazendeiro, Oswald de Andrade
sai em defesa de Anita nas páginas do Jornal do Comércio. A polêmica entre os dois instaura
a animosidade entre Monteiro Lobato e o grupo dos modernistas paulistas, do qual Oswald
tornou-se líder.
Monteiro Lobato começou a despontar na imprensa paulista em 1914, quando ganhou
grande repercussão a carta enviada à seção “Queixas e reclamações” de O Estado de S. Paulo.
Nela, o ainda fazendeiro denuncia as freqüentes queimadas realizadas nas mediações de sua
propriedade. A partir de então, passa a colaborar com alguma freqüência no jornal, até que se
torna um de seus membros mais importantes. Porém, outros motivos o levavam a dedicar-se à
atuação na imprensa. Em carta enviada ao amigo Godofredo Rangel, Lobato analisa de que
forma escrever em um jornal de grande circulação pode trazer benefícios para quem deseja ser
escritor:
(...) Isto é como eleitorado. Escrevendo no Estado, consigo um corpo de 80 mil leitores (...).
Ora, se me introduzir num jornal do Rio de tiragem equivalente, já consigo dobrar meu
eleitorado. Ser lido por 200 mil pessoas é ir gravando o nome (...). Para quem pretende vir
com livro, a exposição periódica do nomezinho equivale aos bons anúncios das casas de
comércio (...).
57
A partir das palavras de Lobato podemos concluir que os jornais eram o palco
preferido daqueles em busca de notoriedade intelectual e reconhecimento literário. Parece que
Lobato soube usufruir de seu espaço na imprensa para lançar-se como escritor de sucesso. Em
1918, ele lança um livro de contos que se tornou um dos maiores “best-sellers” da época.
Tendo Lobato percebido que as dez histórias a serem publicadas tinham sempre a morte como
desfecho, decide intitular o livro Dez histórias trágicas. Porém, outro amigo, Arthur Neiva,
chefe do serviço sanitário estadual, convenceu Lobato a adotar o título Urupês. Trata-se do
artigo com o qual Lobato encerrava o livro de contos. Para surpresa do autor, a obra alcança
um impressionante volume de vendas, como conta em nova carta endereçada ao amigo de
sempre: “Meu livrou esgotou-se no dia 26, exatamente um mês após a saída. Estou a rever as
provas da segunda edição”.
58
57
LOBATO, Monteiro. A barca de Gleyre. São Paulo: Brasilense, 1948. p. 20
58
CAVALHEIRO, Edgard (org.). A correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto. Rio de Janeiro: Departamento
de Imprensa Nacional, 1955. p. 7
34
2.2 Literatura e mercado: o caso da publicação de Vida e morte de M. J. Gonzaga
de Sá
Em função do sucesso obtido com Urupês, Lobato conclui que uma editora poderia ser
um bom negócio. Portanto, de escritor passa a editor, tornando-se um dos grandes
empresários do ramo. A editora dá início às suas atividades em fins de 1918, aparecendo os
primeiros livros sob a responsabilidade da prestigiada e deficitária Revista do Brasil,
adquirida por Lobato com o dinheiro da venda de sua fazenda. Em 1920, a revista desdobra-se
na Monteiro Lobato & Cia.
Enquanto seus concorrentes ocupavam-se da publicação apenas de nomes já
consagrados, Monteiro Lobato lança-se à busca de novidades. Ele já era admirador do carioca
Lima Barreto quando o convida a ser colaborador da Revista do Brasil em carta de 2 de
setembro de 1918:
A Revista do Brasil deseja ardentemente vê-lo entre os seus colaboradores. Ninhos de
medalhões e pérolas, ela clama por gente interessante, que dê coisas que caiam no gosto do
público. Em Lima Barreto, mais do que nenhum outro, possui o segredo de bem ver e melhor
dizer, sem nenhuma dessas preocupaçõezinhas de toilette gramatical que inutiliza metade dos
nossos autores.
59
Atendendo à solicitação de editor, Lima envia os originais de Vida e morte de M. J.
Gonzaga de Sá. Então, Lobato faz uma proposta financeira irrecusável ao escritor. Irrecusável
não só pelo valor, mas pelo fato de fazer questão de pagar pelos direitos autorais, o que de
longe era costume na época. O diálogo epistolar travado entre Lima e Lobato ultrapassou os
interesses comerciais para se tornar importante documento da vida literária nas primeiras
décadas do século XX.
60
Lima Barreto já havia publicado outros romances. Em carta a Monteiro Lobato, o
romancista também envia exemplar da segunda edição de Recordações do escrivão Isaías
Caminha. Para fazê-la por conta própria, tomou emprestado vinte contos de réis de agiotas, o
que lhe rendeu sérios aborrecimentos. Quanto ao Triste fim de Policarpo Quaresma, Lima
demonstra-se extremamente queixoso na carta escrita em janeiro de 1919, durante uma de
suas internações por crise alcoólica: “O meu Policarpo do qual tirei 2.000, há dois anos, está
59
Ibidem. p. 13
60
Cf. SOUZA, Elaine. Meu caro Lima, assinado Lobato: correspondência entre editor e editado (Monografia). Rio de
Janeiro: UERJ, 2006.
35
longe de esgotar-se, apesar de tê-lo vendido quase pelo preço da impressão. (...) Isto dá a
medida da inteligência do leitor do Rio.”
61
Na mesma carta, Lima compara o leitor de São Paulo ao leitor do Rio de Janeiro. Julga
o leitor de sua cidade mais frívolo do que o leitor paulistano. A prova dessa diferença estaria
no sucesso alcançado por Urupês em São Paulo e o fracasso de Policarpo Quaresma no Rio
de Janeiro. Para Lima, isso significa que o leitor comum do Rio de Janeiro aprecia uma
literatura de amenidades enquanto o leitor de São Paulo está atento a questões de maior
gravidade. O escritor ainda atribui à “tendência erótica” o sucesso dos livros junto ao público
carioca.
A trajetória da publicação de Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá funciona como
retrato vivo das condições de produção e da necessidade de divulgação dos livros. No início
de 1919, Monteiro Lobato informa ao editado a situação em que se encontram os negócios
com o romance:
O livro está pronto. Remeti-o hoje para todas as livrarias e agentes da Revista (cerca de
duzentos) de maneira que a penetração se fez em regra, com 2.000 exemplares de um baque.
Mando-lhe vinte exemplares para distribuir entre os críticos do Rio e jornais. Querendo mais,
peça. Para os jornais de São Paulo e resto do Brasil, já remetemos. A edição é matadinha,
porque continua a crise de papel. Estamos montando oficina, e logo poderemos iniciar edições
decentes. Você precisa aí fazer propaganda da Revista e nela farei do livro
.
62
Tanto Lobato como Lima tinham consciência de que Gonzaga de Sá precisava ser bem
recebido pela crítica jornalística. Mas, como veremos adiante, o livro praticamente não é
citado pelos jornais de São Paulo, o que preocupa o editor Monteiro Lobato. Dos periódicos
do Rio de Janeiro o livro receberá algumas notícias e artigos.
Como o próprio Lobato reconhecia, a edição tinha saído “matadinha”. O papel era de
jornal, muito fino, de maneira que a brochura, apesar de suas 201 páginas, saiu nada atraente.
Ao ver de perto os problemas que emperram a formação de uma indústria editorial no Brasil,
anos depois Lobato vem a público defender a livre importação de papéis para livros em uma
série de artigos intitulada “Direitos e esquerdos autorais”, em que critica as altas taxas sobre a
importação de maquinário e papéis para impressão.
63
A capa também não era boa. Tendo o livro encalhado, Lobato providenciou
posteriormente uma nova, aproveitando a circunstância do romance ter recebido uma menção
honrosa da Academia Brasileira de Letras em 1921. Mas a nova capa também não foi muito
61
CAVALHEIRO, Edgard (org.). A correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto. Rio de Janeiro: Departamento
de Imprensa Nacional, 1955. p. 23
62
Ibidem p. 24
63
Cf. LAJOLO, M. E ZILBERMAN, R. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1996.
36
feliz. Vê-se que Lobato, como editor, reconhecia que a apresentação gráfica da obra tem
influência sobre a recepção da obra junto ao grande público. Mais uma vez Lobato se
anteciparia a um problema que toma boa parte da atenção dos editores contemporâneos. Hoje
as grandes editoras dispõem de departamentos específicos e bem estruturados responsáveis
pelo projeto gráfico dos livros, que inclui cuidados com capa, ilustrações, tipo de fonte e
escolha do papel.
Além de publicar e divulgar, era preciso distribuir os livros. Em carta ao seu editado, Monteiro Lobato
ironiza nosso sistema postal, considerado inimigo do seu ramo comercial. Compara o extravio de
correspondência a um “monstro” que “encarece o negócio de livros”: “
Para o Norte e Sul do Brasil o livro
está caminhando e dos remetidos uns noventa por cento vão chegar ao destino. O resto será
devorado pelo Moloc do extravio, monstro postal que em nosso país encarece o negócio dos
livros com a exigência de um tributo pesado.
64
A estratégia de Lobato era abranger todo o território nacional, do “Amazonas ao
Prata”, mas demonstra-se irritado com a escassez de livrarias em alguns estados: “A venda do
Gonzaga faz-se já em todo o país. Com exceção do Espírito Santo (q. me parece uma ficção
geográfica, e onde não tenho uma só livraria, nem um assinante) o livro figura hoje em cerca
de 200 casas, do Amazonas ao Prata, do Borla ao Monsenhor Aquino.”
65
As dificuldades encontradas por Monteiro Lobato podem ser sentidas ainda hoje. Em
sua dissertação de mestrado Literatura e mercado editorial no Brasil: dos anos 90 à
contemporaneidade, Renata Loureiro Frade afirma que existem 3 mil editoras para cerca de
1.500 livrarias atualmente no Brasil
66
. Porém, de acordo com os padrões recomendados pela
Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), deveria existir
uma livraria para cada 10 mil habitantes. Com base nesse cálculo, o Brasil deveria ter cerca de
17 mil livrarias. A autora também cita a pesquisa realizada pela Gazeta Mercantil em 2003
sobre a distribuição do livro. Os dados apontam a carência de distribuidores em âmbito
nacional, problema já identificado por Monteiro Lobato no início do século anterior.
Enfim, surge uma menção a Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá na imprensa
paulista. Ela veio da pena de Plínio Barreto, que por muito tempo fez crítica literária em O
Estado de São Paulo. Lima recebera do crítico o título de “Romancista do Rio”. A
identificação territorial da obra de Lima com a cidade do Rio de Janeiro pode ter feito com
que seu texto não encontrasse ressonância junto à crítica paulista. Na tentativa de remediar a
64
CAVALHEIRO, Edgard (org). A correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto. Rio de Janeiro: Departamento
de Imprensa Nacional, 1955. p. 29
65
Ibidem.
66
FRADE, Renata Loureiro. Literatura e mercado editorial no Brasil: dos anos 90 à contemporaneidade (Dissertação de
mestrado). Rio de Janeiro: UERJ, 2005. p. 12
37
situação, o Monteiro Lobato aconselha Lima Barreto a procurar alguém na imprensa que
possa ajudá-lo: “Se pilhas um bom artigo no Estado, como aquele do Oliveira Lima, era
ótimo. Do Medeiros, por exemplo. Se você se dá com ele, arranja isso.”
67
Oliveira Lima considerou Triste Fim de Policarpo Quaresma o “Dom Quixote
Nacional”. “Medeiros” é Medeiros de Albuquerque, que manteve durante muitos anos no
jornal A Notícia a seção “Crônica literária”. A sugestão de Lobato confirma a necessidade de
exposição na imprensa para que a obra se torne conhecida pelo grande público. Os escritores
passam a depender de uma opinião favorável da crítica feita em jornais de grande circulação.
Caso contrário, seus livros correm o risco de encalhar nas prateleiras.
Definitivamente, o romance de Lima fica aquém do sucesso esperado. Em carta ao
romancista, Lobato deseja encontrar uma explicação para o empreendimento mal-sucedido.
Segundo ele, o problema estava no título: “O título não é psicologicamente comercial. Um
bom título é metade do negócio. Ao ler o título do teu romance toda a gente supõe que é a
biografia de um ilustre desconhecido.”
68
Como se vê, Monteiro Lobato era um homem de visão. Entretanto, a vida de
empresário trouxe conseqüências ao escritor, confessadas ao amigo Godofredo Rangel.
Lobato admite ter-se submetido às regras do mercado e vê-se dividido entre o literato e o
homem de negócios: “Já meço literatura às toneladas. (...) Vendendo, vendendo coisas. Que
sórdido fiquei! (...) Meu nome, que aparecia no alto dos livros ou embaixo de artigos, virou
agora objeto de registro na Junta Comercial.”
69
Lobato prossegue lamentado-se da estagnação em que se encontra sua obra literária
em função dos inumeráveis compromissos comerciais. Ele tem esperança de que, um dia,
quando já estiver completamente rico e sem preocupações materiais, volte a se dedicar a ela.
Lima Barreto e Monteiro Lobato encontraram-se pessoalmente apenas uma vez. Em
1921 o romancista candidata-se à vaga deixada por João do Rio na Academia Brasileira de
Letras. Dois meses depois, ele retira a candidatura. Lima viera a falecer em novembro de
1922, ano em que a vida cultural brasileira foi sacudida pela tropa de choque formada pelos
modernistas.
Quanto a Monteiro Lobato, podemos dizer que os negócios iam de vento em popa até
1924, quando São Paulo chegou à beira de um colapso com a “Revolução Esquecida”, como
67
CAVALHEIRO, Edgard (org.). A correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto. Rio de Janeiro: Departamento
de Imprensa Nacional, 1955. p. 34
68
Ibidem p. 42
69
CAVALHEIRO, Edgard (org). A correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto. Rio de Janeiro: Departamento
de Imprensa Nacional, 1955. p. 34
38
ficou conhecida a segunda revolta tenetista. Inspirados pelo movimento paulista, motins
surgiram em outros estados, como o Rio Grande do Sul e o Amazonas, que também exigiam a
renúncia do presidente Artur Bernardes. Em 1925, Monteiro Lobato muda-se para o Rio de
Janeiro, onde tenta dar novo rumo aos negócios com a criação da Gráfica Editora Monteiro
Lobato, considerada a pioneira das grandes editoras modernas brasileiras. Graças ao espírito
empreendedor e às estreitas relações com o novo presidente, Washington Luís, Monteiro
Lobato é nomeado adido comercial brasileiro em Nova Iorque, para onde se muda com a
família em 1927. Na Big Apple, Lobato redescobre o fascínio pela aposta e passa a jogar na
Bolsa de Valores, com ela quebrando durante a crise de 1929.
Quando retorna ao Brasil, então com cinqüenta anos e novamente falido, Monteiro
Lobato multiplica sua jornada de trabalho e passa a incentivar a criação de companhias para a
exploração de petróleo. Em 1936, o livro O escândalo do petróleo torna-se sucesso de público
e causa da tensa relação entre o escritor e o governo de Getúlio Vargas, que depôs
Washington Luís em 1930. Em 1940, Lobato recusa a direção do Ministério de Propaganda e
é preso no ano seguinte depois de ter escrito uma carta ao ditador responsabilizando-o pela má
condução da política brasileira de minérios. Enfim, Monteiro Lobato vai para a cadeia no
mesmo ano em que a Academia Brasileira de Letras altera seus estatutos para admitir Getúlio
Vargas entre os imortais.
2.3 Os críticos de rodapé e seus adversários
No plano intelectual, a década de 30 é marcada pelo surgimento das primeiras
faculdades de Filosofia do Rio de Janeiro e de São Paulo. Delas vieram os primeiros críticos
formados nos bancos das universidades. A partir de então, acirra-se a tensão entre a crítica
jornalística e a crítica acadêmica, que chegaria ao auge na década seguinte. Enquanto os
primeiros foram criticados pelo autodidatismo, impressionismo e superficialidade, os outros
eram reconhecidos pelo discurso excessivamente rebuscado e pela terminologia às vezes
incompreensível.
Expressão desse duelo é a querela travada entre Oswald de Andrade e Antônio
Cândido na imprensa paulista. Boa parta da atuação de Oswald nos jornais, que começa em
1909 com uma coluna de crítica teatral no Diário Popular, pode ser entendida como o gesto
de um autor que sai em defesa da própria obra. No artigo Fraternidade de Jorge Amado, de
39
1943, publicado no jornal Folha da Manhã, Oswald refere-se ao romancista baiano como “o
novo Castro Alves” em função do épico Jubiabá, considerado pelo crítico uma espécie de
“Ilíada negra”: “Já disse em artigo que Jubiabá é um comício, o mais belo comício que o
Brasil ouviu depois do Navio negreiro de Castro Alves.”
70
Oswald atribui a Jorge Amado o
estímulo necessário para a ressurreição de sua vida literária, que havia morrido junto com seu
prestígio social:
Quando, depois de uma fase brilhante em que realizei os salões do Modernismo e mantive
contato com a Paris de Cocteau e de Picasso, quando num dia só da débâcle do café, em 29,
perdi tudo, os que se sentavam à minha mesa iniciaram uma tenaz campanha de
desmoralização contra meus dias
.
71
A campanha a que se refere o autor de Memórias sentimentais de João Miramar
resumiu-se, segundo ele, à idéia de que ele só fazia piada e irreverência, ofuscando sua
contribuição para a cultura brasileira: “(...) uma cortina de silêncio tentou encobrir a ação
pioneira que dera o ‘Pau Brasil’, donde, no depoimento atual de Vinícius de Moraes, saíram
todos os elementos da moderna poesia brasileira.”
72
No mesmo ano, Oswald publica Marco Zero, com o qual pretendia superar o estigma
de blageur explorando questões sociais. No entanto, a obra recebeu crítica desfavorável de
Antônio Cândido, para quem o romancista não alcançou o objetivo de tornar-se um escritor
“sério”. Além disso, o primeiro volume, composto pelo romance A revolução melancólica,
não seria a “obra máxima” que Oswald vinha anunciando. Na série de artigos publicados por
Cândido na Folha da Manhã, o crítico definia Oswald de Andrade como um “problema
literário”, graças ao peso dado à vida do autor na análise de sua obra. Portanto, sua proposta
era tecer um julgamento totalmente desvinculado do que ele chamou de “mitologia
andradina”. Naturalmente, os artigos não agradaram Oswald de Andrade, que decidiu revidar
no seu melhor estilo, ou seja, com ironia. Na réplica “Antes do Marco Zero”, Cândido e seu
grupo recebem de Oswald a alcunha de “chato-boys”: “O Sr. Antônio Cândido, e com ele
muita gente simples, confunde ‘sério’ com ‘cacete’. Basta propedeuticamente chatear, alinhas
coisas que ninguém suporta, utilizar uma terminologia ‘in-foglio’ (...).
73
Portanto, o romancista centra sua ironia no que o texto crítico de Cândido teria de mais
característico: a dicção universitária.
No ano anterior, Antônio Cândido passou a integrar o corpo docente da Universidade
de São Paulo. Apesar de representante da crítica acadêmica, Cândido não ficou restrito aos
70
ANDRADE, Oswald. Fraternidade de Jorge Amado. Folha da Manhã. 26 out. 1943.
71
Ibidem.
72
Idibem.
73
Oswald de Andrade Apud SUSSEKIND, Flora. “Rodapés, tratados e ensaios”. In: Papéis colados. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 1993. p. 18
40
muros da universidade. Por dois anos, manteve na Folha da Manhã um rodapé semanal
intitulado “Notas de crítica literária”, depois transferido para o Diário de São Paulo, onde
permaneceu de 1945 a 1947. Em 1956 elaborou o plano do Suplemento Literário do jornal O
Estado de S. Paulo, e de 1973 a 1974 foi um dos dirigentes da revista Argumento, proibida no
quarto número pelo regime militar.
Postura semelhante foi a adotada pelo contemporâneo Afrânio Coutinho, que passou a
exercer o cargo de professor da Faculdade de Filosofia da Bahia em 1941. No ano seguinte,
foi para os Estados Unidos a convite de uma revista nova-iorquina, onde foi redator por cinco
anos. Em 1947, quando regressou ao Brasil, fundou a cadeira de Teoria e Técnica Literária na
Faculdade de Filosofia do Instituto Lafayette, a primeira iniciativa do gênero no Brasil.
A participação de Coutinho na imprensa deu-se de 1948 a 1961, período em que
manteve a seção “Correntes cruzadas” no suplemento literário do Diário de Notícias,
debatendo problemas de crítica e teoria literária, educação e ensino. Através dela empreendeu
verdadeira campanha contra a “crítica de rodapé”, assim denominada por ocupar a parte
inferior da página do jornal.
Em artigo de 1943, escrito ainda em terras norte-americanas, o crítico responsabiliza o
rodapé pelo atraso da crítica literária no Brasil, afirmando que é apenas o espetáculo o que
eles oferecem. Ele é ainda mais enfático quando afirma que o crítico de rodapé é envolvido
por uma “auréola de falso prestígio, geralmente mais condicionado pelo jornal onde
aparece.”
74
Em oposição não só ao impressionismo reinante na imprensa como a outras
correntes teóricas, Coutinho defendia uma crítica literária baseada em critérios
exclusivamente estéticos, ainda que reconheça a contribuição de elementos externos a ela:
“Não é que fosse preciso acabar com o outro tipo de estudo literário. Não seria possível, nem
desejável. O essencial era colocá-lo no seu devido lugar. Porque, no estudo da literatura, todas
as contribuições esclarecedoras são úteis e devem ser arroladas.”
75
Portanto, aspectos históricos, sociológicos, psicológicos ou filológicos ocupariam uma
posição secundária na análise de uma obra literária, cujo julgamento deveria ater-se a
elementos intrínsecos a ela.
Assim como José Veríssimo foi criticado pela falta de um método de análise literária,
os críticos de rodapé do século XX também o foram. Para Afrânio Coutinho, a falta de
especialização é a causa de todos os equívocos cometidos pelos críticos de rodapé, entre os
quais são poucos os profissionais: “Freqüentemente são fracassados em qualquer ramo da
74
COUTINHO, Afrânio. Crítica e críticos. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1969. p. 19
75
Ibidem p. 41
41
literatura, ou são garotos que começam a escrever, e precisam receber livros de graça.”
76
Apesar da pouca bagagem teórica, não se sentem impedidos de exercer sua função, pois seria
relativamente fácil “encher” um rodapé: “Basta freqüentar as rodas literárias, ouvir as
conversas, recolher opiniões de uns e outros e tirar uma média. Escrever então um artigo é só
questão de talento e habilidade em encher papel.”
77
Um dos maiores representantes da crítica de rodapé durante os anos 40 e 50, e alvo
freqüente de Afrânio Coutinho, foi Álvaro Lins, que escrevia para vários jornais. Como já
ocorria desde as primeiras décadas do século XX, os jornais de grande circulação mantinham
estreita relação com o mercado editorial, o que explica o sucesso da crítica de rodapé no
período. Enquanto a crítica especializada primava pela análise, a jornalística dispunha de uma
linguagem mais próxima aos objetivos das editoras em busca de espaço. Para Flora Süssekind,
a crítica ensaística encontra dois fortes antagonistas no período:
De um lado, um mercado editorial crescente e muitas editoras preocupadas em promoção, não
em crítica. De outro, uma indústria cultural onde só parece haver lugar para a palavra
afirmativa, o “slogan”, e que precisa, portanto, desqualificar todo tipo de texto
argumentativo.
78
Exemplo da influência exercida pela crítica de rodapé sobre os resultados comerciais
das editoras é fornecido pelo artigo publicado no jornal A Manhã, em maio de 1946: “No dia
seguinte à publicação do rodapé de Álvaro Lins sobre ‘Sagarana’, a obra de Guimarães Rosa
passou a ser procuradíssima nas livrarias.”
79
Enfim, à medida que a crítica universitária reivindica para si a legitimidade em
assuntos literários, os críticos de rodapé vão sendo marginalizados intelectualmente, a ponto
de suas obras passarem ao limbo das editoras. É o que observa Silviano Santiago em
depoimento recente ao jornal O Globo: “Toda a geração de críticos chamados impressionistas,
que precedeu a crítica literária de formação universitária, tem seus livros esgotados ou então
reeditados em coleções que desapareceram do mercado.”
80
Santiago revela que conseguiu
comprar os sete volumes do Jornal de Crítica, de Álvaro Lins, apenas em sebos. O mesmo
ocorreu com os seis volumes do Diário Crítico, de Sérgio Milliet. Para o autor de Uma
literatura nos trópicos, a caçada ao rodapé anulou uma fase importante da nossa vida cultural
e literária:
76
Ibidem p. 76
77
Ibidem.
78
SÜSSEKIND, Flora. Süssekind. “Rodapés, tratados e ensaios”. In. Papéis colados. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1993. p.
14
79
Ibidem p. 16
80
CONDE, Miguel. Procura-se. O Globo. 20 jan. 2007. Prosa e Verso.
42
O Coutinho voltou de Nova Iorque querendo modernizar, entre aspas, as faculdades de letras.
É claro que ele tem também suas razões, mas a partir disso houve exageros absurdos.
Iniciativas assim sempre têm um lado negativo e meio funesto.
81
Enquanto a crítica de rodapé ficava restrita aos jornais, a crítica acadêmica podia ser
encontrada em livros. No entanto, sempre que podia variava de formato. Em 1941, surge a
revista Clima, criada por recém-formados pela Universidade Paulista (USP). O manifesto
publicado pelos redatores no primeiro número dizia que o objetivo do órgão era agitar o
mundo das idéias, criando um “clima de interesse e ventilação intelectual”.
82
O periódico teve vida breve, totalizando 16 números até 1944. À equipe de jovens
redatores da revista Clima pertencia Antonio Candido, cuja Formação da Literatura
Brasileira, de 1959, seria a obra mais representativa das idéias do grupo.
Os moços ligados à Clima faziam questão de buscar apoio de nomes já consagrados
para legitimar suas propostas, como o de Mário de Andrade. Ele demonstra certo
constrangimento por ser convidado a assinar o texto de abertura da revista: “(...) poucas vezes
me vi tão indeciso como neste momento em que uma revista de moços me pede para iniciar
nela a colaboração de veteranos”.
83
Cerca de dez anos depois, em 1951, surge a revista Noigandres. Ao contrário de
Clima, o novo grupo, formado inicialmente pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e
Décio Pignatari, não tem base universitária. Além disso, enquanto a turma de Antônio
Cândido mantinha forte diálogo com a nossa tradição literária, Noigandres herda a
irreverência e o espírito de demolição que culminou na Semana de Arte Moderna. Isso
explica porque a turma de 1951 prefere a figura de Oswald de Andrade a de Mário de
Andrade, que havia cortado relações com o primeiro.
Sem o respaldo da academia paulista, a revista Noigandres encontrará no Rio de
Janeiro um importante aliado: o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, cuja criação deu
início a um amplo movimento de renovação pelo qual o jornal passaria.
81
Ibidem.
82
Apud MOTTA, Leda Tenório da. “Sobre Clima e Noigandres”. In: A crítica literária brasileira no último meio século. Rio
de Janeiro: Imago, 2002. p. 45
83
Mário de Andrade Apud ibidem p. 46
43
2.4 O Suplemento Dominical do Jornal do Brasil
Em 2006, a primeira edição de Encontro marcado, de Fernando Sabino, completou
cinqüenta anos. O protagonista do romance ilustra a dependência da classe intelectual e
artística em relação ao Estado, o que já havia sido experimentado por escritores do século
XIX. Eduardo Marciano abandona a provinciana Belo Horizonte para viver no Rio de Janeiro
em função de seu casamento com a filha de um ministro. O sogro prontamente lhe concede
um cargo público, conferindo ao personagem a tranqüilidade necessária para honrar seus
compromissos. O círculo de amizades de Eduardo na capital federal inclui um poeta de talento
reconhecido, um artista plástico e um jornalista. Eduardo também escreve crítica literária para
um jornal e se vê atingido em cheio pela transformação sofrida pela imprensa no período: “Já
não publicava mais nada – o jornal cortara seus artigos semanais por falta de espaço.”
84
O que aconteceu a Eduardo é sintoma da progressiva redução do espaço dedicado à
literatura nos jornais. Como bem define Silviano Santiago, “a história da imprensa escrita na
sociedade ocidental é a história de sua desliteraturização.”
85
No século XIX e boa parte do
século XX, os folhetins ocupavam-se da publicação de narrativas de longa duração que,
depois de publicadas, tomavam a forma de romance. Colunas de crítica literária dividiam
espaço com as de política e economia. Os suplementos literários gozavam de prestígio junto
ao grande público e eram considerados importantes pelos jornais que os acolhiam. Porém, a
partir de meados do século XX, ocorrerão mudanças significativas nesse cenário.
Essas mudanças são analisadas em A imprensa em transição, obra organizada por
Alzira Alves de Abreu. A autora cita o artigo “Da decadência dos suplementos literários”,
publicado em 1953 por Heráclito Graça, então responsável pelo suplemento literário do
Diário de Notícias. O editor critica a diminuição dos cadernos dedicados ao movimento
literário no país publicados pelos grandes jornais. Como exemplo, ele fala sobre o Correio da
Manhã, que passou a publicar seu suplemento literário apenas aos sábados, o que geralmente
ocorria durante a semana. Segundo Alberto Dines, a palavra de ordem dentro das redações da
década de 50 era “compactação”: “simplesmente, ceifaram-se páginas, cadernos, atrações e
abateram-se equipes. Com os orçamentos na mente, submeteram jornais a gigantescas prensas
para apertá-los, encurtá-los, mutilá-los”.
86
84
SABINO, Fernando. Encontro marcado. Rio de Janeiro: Record, 2006. p. 218
85
Silviano Santiago Apud TRAVANCAS, Isabel. O livro no jornal. Cotia: Ateliê Editorial, 2001. p. 43.
86
DINES, Alberto. O papel do jornal. São Paulo: Summus Editorial, 1966. p. 99
44
De fato, a imprensa não era mais a mesma. O modelo francês foi substituído pelo
norte-americano, e a informação toma o espaço da reflexão. Isso se deve à experiência de
jornalistas nos Estados Unidos, como Samuel Wainer, que aplicaria as novas idéias no jornal
A Última Hora, criado em 1951. Surgido em 1928, o Diário Carioca seria o primeiro jornal a
adotar a “pirâmide invertida”
87
e o copidesque. A excessiva preocupação com a informação
“seca” e sem rodeios de linguagem levou Nelson Rodrigues, nosso último grande folhetinista,
a chamar os copidesques de “idiotas da objetividade”.
88
Seguindo essa tendência, o Jornal do Brasil também daria início a uma série de
medidas que constituíram a famosa “reforma editorial do Jornal do Brasil”, um divisor de
águas na imprensa brasileira.
Sob a direção da condessa Pereira Carneiro, o jornal sai em busca de novas idéias.
Como conseqüência, em dezembro de 1956, o poeta Reynaldo Jardim cria o Suplemento
Dominical, substituindo o antigo Segundo Caderno, também publicado aos domingos. Logo
em seguida, Odylo Costa é convidado para coordenar a reformulação do jornal,
permanecendo como chefe de redação até 1958. Quando assumiu a redação, em 1961, depois
de ter passado pelo Los Angeles Times, Alberto Dines consolida o projeto de renovação do
Jornal do Brasil, onde trabalhou por mais de dez anos.
Marco inicial da reforma do Jornal do Brasil, o Suplemento Dominical contou com a
presença do poeta Mauro Faustino e do escritor e copidesque Ferreira Gullar. Mario assinava
a seção “Poesia-Experiência”, uma espécie de semanário de poesia:
Trata-se de uma tribuna e de uma oficina, onde os poetas novos falarão ao público e, em
particular, a outros poetas novos e, onde, ao mesmo tempo, os jovens poetas e deus leitores
procurarão reviver a boa poesia do passado, à medida que aprendem a fazer e a reconhecer a
boa poesia do presente e do futuro
.
89
Sob o lema “Repetir para aprender, criar para renovar”, “Poesia-Experiência” estréia
com um poema O albatroz, de José Lino Grünewald, que em breve se uniria ao grupo dos
concretistas paulistas.
Gullar, ao lado de Oliveira Bastos, era o responsável pela coluna de pintura e artes
plásticas. Dois anos antes, em 1954, havia publicado o livro de poesias A luta corporal, o que
o aproxima dos paulistas Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, ligados ao grupo
Noigandres.
87
Técnica que consiste em apresentar os fatos partindo do mais importante até o menos importante.
88
Nélson Rodrigues Apud COSTA, Cristiane. Pena de aluguel: escritores jornalistas no Brasil 1904-2004. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005. p. 124
89
FAUSTINO, Mário. Poesia-experiência. Jornal do Brasil. 23 set. 1956. Suplemento Dominical.
45
No ano em que foi lançado, o Suplemento Dominical realizou ampla cobertura da
Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo,
tornando-se principal espaço de divulgação do concretismo. A edição de 7 de outubro de 1956
do Suplemento Dominical traz artigo de Ligya Clark sobre o acontecimento cultural do ano:
À primeira vista, a nota curiosa de tal exposição é que dela não participam apenas pintores e
escultores (...) mas também poetas. De fato, mais do que uma simples mostra coletiva,
pretende ela revestir-se das características de um amplo movimento estético destinado a
imprimir novo rumo às artes de vanguarda do País.
Enfim, tratava-se da primeira apresentação de caráter nacional do nosso concretismo.
No entanto, as divergências entre Ferreira Gullar e os concretistas paulistas tornam-se cada
vez mais evidentes. Portanto, em 1957, Gullar e Reynaldo Jardim passam a liderar o
movimento batizado de neoconcretismo. Aos dois poetas reuniram-se em 1959, na Exposição
de Arte Neoconcreta no Museu de Arte Moderna do Rio, os artistas Amílcar de Castro, Franz
Weissmann, Lígia Clark, Lígia Pape e Theon Spanudis.
O primeiro número do Suplemento Dominical traz na primeira página um artigo de
Ledo Ivo sobre o ofício de crítico literário. Há também a coluna “Nossas Mestras”, assinada
por Mariza Lira, cujo objetivo é homenagear educadoras brasileiras de várias épocas. A seção
“Perfis Musicais” também é assinada por uma mulher, Beatriz Leal Guimarães. As duas
colunas foram mantidas do “Segundo Caderno”, onde já existia a coluna “Poemas Modernos”.
Encontramos no interior do caderno o conto “Três quadros”, de Virgínia Woolf. O
suplemento contempla as artes plásticas com a seção “Painel”, onde constam reproduções de
trabalhos de artistas de várias partes do país.
No início, o Suplemento Dominical abrangia as manifestações artísticas em geral.
Somente depois torna-se um suplemento especificamente literário. Mesmo assim, o Jornal do
Brasil matinha durante a semana uma coluna de crítica literária, assinada por Múcio Leão.
“Vida dos livros”, publicada às quintas-feiras, fornecia resenhas sobre livros publicados
recentemente, pelo menos até o ano anterior. No seu artigo de estréia, Múcio Leão, que já
tinha passagem pelo jornal, fala sobre o seu retorno e estabelece com o leitor um pacto:
Fica estabelecido entre mim e o leitor que ele não verá aqui nenhum espetáculo prestigioso e
suculento, em que um professor de grandes ares empunhe palmatória para dar polos em
noviços.
90
Dessa forma, o crítico parece ter objetivos mais práticos do que protagonizar
polêmicas. Ele promete tratar apenas daquilo que realmente lhe agrada, dizendo que prefere
90
LEÃO, Múcio. Jornal do Brasil. 05 jan. 1956. Vida dos livros.
46
deixar de lado obras que merecem censura, na “reprovação sumaríssima do silêncio”. O autor
escolhido para sua estréia foi Carlos Leão. Ao final do texto, ele fornece os dados sobre a
obra, incluindo editora: “Carlos Leão. Poesias. 1855-1919. Pongetti, Rio, 1955”.
Enquanto Múcio Leão dava conta das novidades do mundo dos livros, a postura do
Suplemento Dominical era de vanguarda. Mas o excesso de intelectualismo afastaria o
caderno do grande público, tornando-o desinteressante tanto para o jornal quanto para o
mercado. Em 1960, o Suplemento Dominical dá origem ao Caderno B, que se tornou modelo
para os futuros cadernos culturais.
Se tivesse sobrevivido, o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil teria completado
trinta anos em 1986. A data não passou despercebida. Em outubro, o jornal trouxe extensa
matéria sobre o tema, repleta de depoimentos fornecidos por antigos colaboradores. Para
Décio Pignatari, o suplemento foi um fato inédito e revolucionário no Brasil: “O Jornal do
Brasil era um jornal conservador, de classificados e escolheu a vertente cultural para se
modificar, para mostrar sua nova face. Mas não optou por qualquer vertente cultural. A opção
foi a vanguarda, que na época era a arte e a poesia concreta.”
91
O poeta recorda as intrigas que
levaram às cisões dentro do suplemento, que resultaram na saída de alguns membros: “Os
cariocas criaram o grupo neo-concreto e nós, paulistas, fomos praticamente alijados.” Para se
ter idéia da influência do suplemento, Décio Pignatari recorda-se do período em que o
Concretismo chegou ao Rio, com a exposição no realizada em fevereiro de 1959: “Era
Carnaval e até as fantasias concretas surgiram nas ruas”. Ao analisar a importância do
Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, Haroldo de Campos vais mais longe ao compará-
lo ao que foi o movimento em torno da Semana de Arte Moderna em 1922.
92
A essa altura, o país já era outro. Em 1954, o presidente Getúlio Vargas abandona a
vida para entrar na história. O suicídio do chefe político da nação abre caminho para a eleição
de Juscelino Kubitscheck em 1956. O “slogan” “cinqüenta anos em cinco” sugere uma
vontade de renovação que extrapolou a política e a economia para penetrar diversos setores da
vida social. O “Presidente Bossa Nova” mudou a capital do Rio de Janeiro para Brasília, cujo
projeto arquitetônico daria à dupla Oscar Niemayer e Lúcio Costa reconhecimento
internacional. Com uma câmera na mão e uma idéia na cabeça, Glauber Rocha lanças as bases
do Cinema Novo e os primeiros filmes de Nelson Pereira dos Santos ganham as grandes telas.
Nos palcos, o Teatro do Oprimido quer dar voz às massas. No entanto, o país sofreria novo
91
VENTURA, Zuenir. A mística trinta anos. Jornal do Brasil. 11 out. 1986. Idéias: suplemento de livros.
92
Ibidem.
47
impacto com o golpe militar de 1964. Mais uma vez a sede do Jornal do Brasil seria invadida
por militares, como represália às suas posições políticas.
48
3. O JORNAL, O LIVRO E O LEITOR
3.1. Idéias: suplemento de livros
Lançado em setembro de 1960, o Caderno B é considerado um desdobramento do
lendário Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, extinto em 1961. Entre os ilustres que
contribuíam com o caderno estão Carlos Drummond de Andrade, Carlinhos de Oliveira e
Clarice Lispector. Clarice ingressa no jornalismo nos anos quarenta, mas passa a fazer parte
do corpo de cronistas do Jornal do Brasil apenas em 1967, atendendo a um pedido feito por
Alberto Dines. Na época, o editor do Caderno B era Paulo Afonso Grisoli e as subeditoras
eram Marina Colasanti e Lea Maria. Clarice manteve sua coluna sempre aos sábados até
1973, e em 1984 suas crônicas publicadas no jornal foram reunidas no volume A descoberta
do mundo, onde encontramos uma série de reflexões sobre o trabalho no jornal.
No terceiro texto da série Escrever, de 1970, Clarice analisa a diferença entre escrever
em jornal e escrever em livro:
Escrever para jornal não é tão impossível: é leve, tem que ser leve, e até mesmo superficial: o
leitor, em relação a jornal, não tem vontade nem tempo de se aprofundar. Mas escrever o que
se tornará depois um livro exige às vezes mais força do que aparentemente se tem
.
93
Além de demonstrar clareza quanto ao que significa escrever em um jornal de grande
circulação, Clarice tem consciência de que todo cronista corre o risco de expor-se além do que
gostaria, tendo em vista o tom pessoal impelido ao texto. Um dos maiores temores de Clarice
era justamente a superexposição através da imprensa, o que nos é revelado em crônicas como
Fernando Pessoa me ajudando, de onde extraímos a seguinte preocupação: “Nesta coluna
estou de algum modo me dando a conhecer. Perco minha intimidade secreta? Mas que
fazer?”
94
Em função do teor confessional das crônicas escritas por Clarice Lispector, alguns
biógrafos da escritora chegam a afirmar que esses textos podem ser lidos como uma espécie
de autobiografia não planejada. Na biografia Clarice: uma vida que se conta, Nádia Battella
Gotlib considera os escritos publicados ao longo de sete anos no Jornal do Brasil “um extenso
diário”
95
.
93
LISPECTOR, Clarice. Aprendendo a viver. Rio de Janeiro: Rocco, 2004. p. 180
94
Ibidem p. 186
95
GOTLIB, Nádia Battella. Clarice. Uma vida que se conta. São Paulo: Ática, 1995. p. 376
49
Atualmente, muito tem se pesquisado sobre o lugar ocupado pelo jornalismo na
trajetória dessa escritora. Em 1952, a convite de Rubem Braga, Clarice passa a escrever a
página feminina do tablóide O comício, sob o pseudônimo Teresa Quadros. O jornal durou
apenas quatro meses. No início da década de 60, Clarice assume o posto de gost writer da
atriz e manequim Ilka Soares na coluna Nossa conversa, do Diário da noite. Ao mesmo
tempo, Clarice assina a seção Correio feminino – feira de utilidades do jornal Diário da noite.
Dessa vez, ela recorre a outro pseudônimo, Helen Palmer. Em 1975, começa a realizar
entrevistas para a revista Fatos & Fotos, atividade que se estende até 1977, quando é
contratada pelo jornal Última hora para fazer uma crônica semanal. No Jornal do Brasil os
pseudônimos ficam de lado e quem assina as crônicas é Clarice Lispector, exemplo de
escritora que levou às últimas conseqüências a simbiose que pode ocorrer entre jornalismo e
literatura.
Muitos textos publicados no jornal aparecem inseridos em romances da escritora,
assim como fragmentos de romances parecem ter sido aproveitados como crônicas. Em
muitos casos, fica difícil dizer quem veio primeiro, se foi a crônica, o conto ou o romance.
Tortura e glória, crônica de 1967, aparece com modificações sob o título Felicidade
clandestina no livro de contos publicado em 1971. O milagre das folhas, de 1969, é uma
passagem de Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, publicado no mesmo ano, assim
como as Enquanto vocês dormem e O ritual, crônicas de 1968, aparecem no mesmo romance
como impressões da personagem Lori.
Assim como outros tantos escritores brasileiros, Clarice tinha consciência das
conseqüências que o trabalho em um jornal influente poderia acarretar: “Daqui a pouco serei
popular? Isso me assusta”
96
. Apesar de dizer-se avessa à fama, em Pertencer, crônica de
1968, a ucraniana que vivia a viajar pelo mundo para acompanhar o marido diplomata,
demonstrava-se completamente integrada não só às terras, como também às letras tropicais:
“(...) eu, que não quero a popularidade, sinto-me no entanto de feliz de pertencer à literatura
brasileira. (...) Sou feliz por pertencer à literatura brasileira por motivos que nada têm a ver
com literatura, pois nem ao menos sou literata ou intelectual. Feliz apenas por ‘fazer parte’.”
97
Nas crônicas, Clarice também demonstra a vontade de parar de escrever. Parece que o
trabalho no jornal lhe supria todas as necessidades de escritora: “Acho que livros não
pretendo nunca mais escrever. Só vou escrever para este jornal.”
98
96
Ibidem p. 76
97
Ibidem p. 53
98
Ibidem p. 155
50
Enfim, como ocorreu a tantos outros escritores dos séculos XIX e XX, Clarice
Lispector mantinha com a imprensa uma relação baseada em duas necessidades: de projeção
no cenário cultural e de retorno financeiro. Realmente, é inegável que escrever aos sábados no
Jornal do Brasil durante sete anos contribuiu para que Clarice Lispector se tornasse uma
escritora conhecida do grande público. Porém, ela mesma sugere que, no seu caso, o aspecto
financeiro sobrepunha-se aos demais. “Aliás, eu não quero mais escrever. Escrevo agora
porque estou precisando de dinheiro”, declara na crônica Anonimato, de 1968.
99
Concentrando informações e debates sobre diversos setores da vida cultural, o
Caderno B é considerado por muitos o modelo dos cadernos culturais surgidos depois dele.
Para se ter idéia da sua importância para o Jornal do Brasil, basta lembrar que, ainda na
década de oitenta, ele era publicado em todos os dias da semana. Aos domingos, contava com
uma edição especial, onde havia a coluna Livros, que ocupava uma página inteira.
A partir de 1986, o Jornal do Brasil passa a publicar, além do Caderno B, um
suplemento dedicado apenas ao mercado editorial. Trata-se do Idéias: suplemento de livros,
cujo primeiro editor foi Zuenir Ventura. Em entrevista ao Jornal do Brasil em 2006, o
jornalista sintetiza o momento histórico vivido pelo Brasil quando da criação do Idéias: “O
ano de 1985 foi fundamental para os debates na área de cultura que se seguiram. Depois das
diretas, em 1984, o país estava se abrindo e todo mundo queria escrever e falar”.
100
De fato, a primeira metade da década de 80 foi marcada pelo processo de abertura
política. Em 1979, quando o general Ernesto Geisel é sucedido pelo general João Figueiredo,
o Congresso aprova a Lei da Anistia, fazendo com que os primeiros brasileiros exilados no
exterior pela Ditadura voltassem ao país. Depois, em 1984, o movimento pelas eleições
diretas para presidente ganha a adesão de diversos setores da sociedade. No entanto, a
proposta é rejeitada pelo Congresso Nacional. Por isso, o primeiro civil a ocupar a presidência
depois de 20 anos de regime militar foi eleito ainda indiretamente, mas Tancredo Neves
morreu antes de ser empossado. O posto foi assumido pelo vice José Sarney em 1985. No ano
seguinte, novas eleições foram convocadas, agora para outros cargos. A disputa pelo governo
estadual foi particularmente acirrada no Rio de Janeiro e São Paulo, ocupando boa parte das
páginas do Jornal do Brasil em 1986. Na edição de 1º de outubro, uma das manchetes
principais é “Brizola admite que é difícil eleger Darcy”. O atual governador, eleito
diretamente em 1982, diz que o discurso do candidato do seu partido é “acadêmico, narcisista
e atabalhoado”. Por isso, a eleição de Moreira Franco era considerada mais provável. Outra
99
Ibidem p. 196
100
Entrevista concedida a Cláudia Nina. Jornal do Brasil. 7 out. 2006. Idéias e Livros.
51
notícia destacada é o apoio declarado de uma personalidade do meio cultural a um
empresário: “Ruth Escobar diz que adere a Ermírio para poder derrotar Maluf”. Porém, ambos
os candidatos foram derrotados por Orestes Quércia.
Portanto, a criação do Idéias deu-se em um momento em que a classe intelectual
voltava aos poucos a se manifestar depois de anos de silêncio forçado. O recém-criado
suplemento representa um espaço de crítica e debate sobre questões típicas de um período de
transição. Na primeira página do Jornal do Brasil de 1º de outubro de 1986, a chamada para o
caderno Idéias, publicado todos os sábados a partir dessa data, destaca a seção Ensaio, que
traz um texto do filósofo José Américo Pessanha sobre o nosso processo de democratização.
O texto de abertura do suplemento sugere certa desconfiança em relação à euforia trazida pela
sensação de liberdade: “Nesses tempos de pós-ditadura, onde se esconde o autoritarismo? Por
meio de que sutilezas, disfarces e artifícios ele se infiltra no discurso dos políticos e nos textos
publicitários, dos jornalistas e até dos cientistas?”.
Mas não era só a vida política brasileira que merece atenção nesse período. O
surgimento do Idéias também coincide com o momento em que o mercado de livros no Brasil
encontrava-se em plena expansão. Editores e livreiros comemoravam os bons resultados e
eram unânimes quanto ao boom vivido pelo setor.
O Caderno B Especial de 24 de agosto de 1986 traz longa matéria sobre o assunto.
Dizia um dos trechos que especialistas atribuíam o aumento do consumo de livros a um
conjunto de fatores: o sucesso do Plano Cruzado, preços mais baixos e profissionalização das
editoras. Ivan Pinheiro Machado, fundador da L&PM, de Porto Alegre, assim declarou:
“Acontece agora o que se achava impossível há dez anos: uma superlotação nas gráficas,
tamanho é o volume de títulos editados hoje.” De acordo com a matéria, o campeão de vendas
em 1986 seria o segmento de literatura infantil, graças a campanhas de incentivo à leitura. No
ano anterior, foram vendidos 25 milhões de livros infantis, contra 13 milhões em 1982.
Segundo dados da Câmara Brasileira de Livros (CBL), 360 milhões de exemplares
seriam vendidos até o final de 1986, o que representaria cerca de três unidades por cada
habitante. Isso colocaria o Brasil, para o então Ministro da Cultura e escritor Celso Furtado,
entre os dez maiores produtores de livros no mundo. Apesar do otimismo, a matéria faz uma
importante ressalva quanto ao acesso aos livros: “É evidente que as coisas não são tão simples
assim. Os leitores do décimo produtor de livros vão tão mal quanto os consumidores da oitava
economia do mundo. Só uma ínfima minoria terá acesso a esses 360 milhões de exemplares.
Não pudemos verificar se a estimativa de vendas feita pela CBL para 1986 foi confirmada.
Mas é possível falar com mais certeza sobre os números atuais. De acordo com pesquisa
52
realizada pela entidade em conjunto com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros
(SNEL), em 2006 o setor editorial vendeu, incluindo negócios com o governo, cerca de 310
milhões de exemplares, com destaque para os livros didáticos e vendas pela internet. Isso quer
dizer que vinte anos depois do boom editorial brasileiro o setor vendeu menos ou os 360
milhões de exemplares vendidos esperados para 1986 revelam um excesso de otimismo diante
de quadro tão favorável?
A matéria lembra ainda que o principal meio de acesso aos livros para as pessoas de
baixo poder aquisitivo são as bibliotecas. Em 1986, elas compravam menos do que 2% das
tiragens das editoras. Já na Europa esse percentual variava de 10 a 30%. Ainda hoje o
reduzido número de bibliotecas preocupa governo e educadores. Elas foram um dos temas
centrais do II Seminário Planos Nacionais de Livro e Leitura no Mercosul, realizado
simultaneamente no Brasil e Chile em outubro de 2007. O evento deu origem a um
documento que resume as discussões em torno do acesso ao livro na América Latina. Entre as
propostas da Declaração de Porto Alegre e Santiago, está a “criação de uma rede de
bibliotecas de acesso público”.
101
Na reportagem publicada pelo Idéias em 1986 encontramos depoimentos de editores e
livreiros, entre eles Caio Graco, dono da editora Brasiliense. Para ele, o boom da leitura no
Brasil começou em 1978, com a crise gerada pelo fim do “milagre econômico”: “(...) as
pessoas começam a pensar, a enxergar com mais clareza o sentido e a necessidade da crítica.”
Fundada na década de 40 por Caio Prado Jr., a editora passou a ser dirigida pelo filho a partir
dos anos 70. Caio Graco conseguiu tirar a editora da rota de falência ao inovar com séries que
cabiam no bolso, tanto no tamanho como no preço. Voltada para jovens universitários em
busca de entendimento do que estava acontecendo no Brasil e no mundo, a coleção Primeiros
Passos, iniciada em 1980, vendeu 2 milhões de livros em apenas dois anos. O que é
Constituinte, de Marília Garcia, vendeu 110 mil exemplares em seis meses, e O que é
ideologia, escrito pela filósofa Marilena Chauí, chegou à marca de 200 mil exemplares
vendidos. Outro grande sucesso da Brasiliense foi a publicação de Feliz ano velho, romance
autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva, ganhador do Prêmio Jabuti em 1982. Considerada
uma das pioneiras em livros de bolso, hoje a Brasiliense não é a única no mercado, que conta
com editoras que se especializaram nesse tipo de publicação, como a L & PM Pocket.
Além de fatores econômicos, os entrevistados pelo Idéias em 1986 citam outra razão
para o aquecimento do setor: a influência da televisão e do cinema. Nessa época, várias obras
101
Porto Alegre e Santiago, 27 de outubro de 2007.
53
literárias foram adaptadas para as pequenas e grandes telas. No depoimento concedido ao
jornal, Aluízio Leite, da Livraria Timbre, até hoje na Gávea, diz que houve muita procura pelo
livro A vida em flor de Dona Beija, de Agripina Vasconcelos, em função da novela exibida
pela Rede Manchete em 1986. Os livros sobre a vida do lendário Tenório Cavalcanti também
foram muito procurados, graças ao filme O homem da capa preta, protagonizado por José
Wilker e dirigido por Sério Rezende. Além de sucesso de bilheteria, o filme ganhou vários
prêmios no Festival de Gramado de 1986.
Na verdade, a união entre literatura e cultura de massa virou uma tendência. O filme
Gabriela, cravo e canela, de 1983, e a novela Tieta, de 1989, ambos inspirados na obra de
Jorge Amado, alcançaram grande sucesso de público. Fenômeno semelhante ocorrido
recentemente envolveu O auto da compadecida, de Ariano Suassuna e o romance-reportagem
Olga, de Fernando Morais, publicado pela primeira vez em 1895 com 600 mil exemplares
vendidos. Em 2004, uma semana antes do lançamento da versão cinematográfica de Jayme
Monjardim, o livro já havia vendido 8.500 exemplares.
Para alguns, a conseqüência mais importante da expansão do mercado editorial foi o
crescente interesse pelo autor nacional. Na matéria publicada em 1986 pelo suplemento
Idéias, Pedro Paulo de Senna Madureira, ex-monge beneditino e editor da Guanabara na
época, diz que à medida que o movimento industrial se expande, expande-se o interesse das
editoras pelo autor brasileiro, que só havia acontecido com a José Olympio nos anos 30 e 40 e
com a Civilização Brasileira na década de 60.
O incremento do mercado editorial não trouxe mudanças apenas na forma de atuação
das editoras. Ele também foi acompanhado de modificações no comportamento do leitor.
Sobre o assunto, a mesma matéria traz uma declaração de Sebastião Lacerda, editor da Nova
Fronteira: “Antes, as pessoas compravam dois ou três romances sem se preocupar se eram de
um bom escritor. Hoje em dia há livros de maior densidade que se vendem bem como se
vendiam antigamente os ‘água-com-açúcar’”. Hoje, Sebastião Lacerda está à frente da editora
Nova Aguilar, especializada em lançar obras completas de escritores considerados clássicos
da literatura. A empresa foi adquirida em 1975 pelo pai dele, o ex-governador do Rio de
Janeiro Carlos Lacerda. A família Lacerda era proprietária da Nova Fronteira também, mas
em 1996, Sebastião e seu sobrinho, Carlos Augusto Lacerda, decidiram separar as duas
editoras.
Sinal de que o mercado editorial brasileiro estava realmente mudando é a eleição de
Luiz Schwarcz como o “Homem de idéias” de 1987. A premiação foi criada pelo Idéias:
suplemento de livros para reconhecer e incentivar o trabalho da personalidade que mais se
54
destacou no meio cultural durante o ano. O conselho responsável pela indicação foi composto
por oito representantes de diferentes áreas do conhecimento. Além de Zuenir Ventura, editor
do Idéias, também participaram Flávio Rangel, teatrólogo e cronista do Jornal do Brasil; João
Cabral de Melo Neto, poeta, diplomata e acadêmico; José Paulo Paes, poeta, tradutor e
ensaísta; Luiz Costa Lima, teórico e crítico literário; Renato Mezan, psicanalista e professor;
Sérgio Abranches, cientista político. Para finalizar a lista, o editor-assistente do Idéias,
Luciano Trigo, então um jovem de 23 anos.
Na primeira edição do prêmio, o eleito não foi nenhum escritor, mas sim um
empresário, o dono da recém-criada Companhia das Letras. O mérito da editora foi ter
transformado em best seller títulos de reconhecida qualidade. Apesar de ser uma obra
sofisticada, considerada distante do leitor comum, Rumo à Estação Finlândia, de Edmund
Wilson, foi um dos livros mais vendidos em 1986. O fato foi entendido como uma verdadeira
façanha, já que uma obra de filosofia conseguiu enfrentar a concorrência de títulos com largo
alcance popular, como Só é gordo quem quer, livro de dietas escrito por de João Uchoa Jr.
A matéria Vocação para vencer, de dezembro de 1987, trata das estratégias utilizadas
pela Companhia das Letras para disputar o mercado. Além da sofisticação do catálogo, a
editora se destacou pelo esmero com que confeccionava a capa dos livros. O próprio Luiz
Schwarcz assume que a ousadia foi um componente necessário para colocar sua editora mais
perto do público: “A gente tem ousado um pouco. A biografia de Dashiel Hamett, que
acabamos de publicar, tem metade da tiragem com a capa de uma cor, e a outra metade tem a
capa com uma cor diferente, para colorir as estantes das livrarias.”
A preocupação com o produto que chega às mãos do leitor foi vista com bons olhos
tanto por críticos como por jornalistas e acadêmicos. Para David Arrigucci, a Companhia das
Letras soube estimular o leitor, pois segundo ele “o prazer de ler começa pelo prazer de ver”.
Matinas Suzuki Jr., secretário de redação da Folha de São Paulo, acha que Luiz Schwarcz
trabalha bem seu produto do ponto de vista mercadológico: “Ele sabe divulgar porque edita
pouco”. José Miguel Wisnek, músico e professor de Literatura Brasileira da USP, reforça as
opiniões favoráveis. Para ele, o diferencial da Companhia das Letras é apresentar textos
novos, que abrem novas frentes de interesse.
102
Apesar dos elogios, Luiz Schwarcz não era nenhuma unanimidade. Eleito o
personagem mais interessante da nossa vida literária em 1987, o editor compõe sozinho a capa
da última edição do Idéias daquele ano. Porém, fazendo valer sua preferência pelo debate, o
102
MARQUES, Toni. Vocação para vencer. Jornal do Brasil. 26 dez. 1986. Idéias: suplemento de livros.
55
suplemento não esqueceu de dar voz àqueles que pensam diferente. Flávio Kohte, por
exemplo, acha que o editor tem uma postura ideológica bem definida e é taxativo ao expor sua
opinião: “Ele é um ideólogo do capitalismo”. Quando interpelado ao telefone pela reportagem
do suplemento acerca de eleição do “Homem de Idéias”, Antonio Callado demonstra-se
indiferente: “Luiz o quê? Nunca ouvi falar, nem da Companhia das Letras”. Para outros, Luiz
Schwarcz é considerado conservador na escolha dos títulos. De fato, a editora fundada por ele
não foi a mais empenhada em publicar ficcionistas brasileiros. Garotos da Fuzarca, de Ivan
Lessa, teria sido uma exceção. O empresário não usa muitas palavras para justificar-se: “A
prosa no Brasil vive um momento sombrio. A ensaística, pelo contrário, refulge”.
103
Na lista dos livros mais vendidos em 1986, elaborada pela equipe do Idéias com base
em dados de mercado, figuram duas obras publicadas pela Companhia das Letras. Outras
grandes editoras do período também marcaram presença na lista com mais de um título. A
L&PM experimentou o sucesso com dois pockets de não ficção: Sartre, 1905-1980, de Annie
Cohen-Solal, e Sob o signo de Saturno, de Susan Sontag. Na mesma categoria, a Nova
Fronteira foi representada por Rubro veio, de Evaldo Cabral de Mello. Na lista de ficção, a
editora responde por Os cantos, de Erza Pound. Mas as obras de ficção mais arrebatadoras do
ano vieram da Record: O perfume, de Patrick Suskind, e O amor em tempos de cólera, de
Gabriel Garcia Márquez.
Apesar dos bons resultados obtidos, nem tudo são flores para os editores. O aumento
expressivo das atividades do setor trouxe conseqüências que se tornaram motivo de queixas,
como o encarecimento do papel. Alguns empresários passaram a importá-lo da Finlândia, de
melhor qualidade e sem problemas de entrega. Outro problema foi a carência de tradutores,
fazendo com que muitos livros ficassem muito tempo à espera de quem os apresentasse em
bom português.
Enfim, o diretor-presidente da Record, Alfredo Machado, sintetiza o que o ano de
1986 representou para as editoras brasileiras: “Depois de viver o pesadelo da repressão e da
ditadura, passamos a viver o pesadelo do sucesso.”
104
103
Ibidem.
104
MARQUES, Toni. O pesadelo do sucesso. Jornal do Brasil. 27 dez. 1986. Idéias: suplemento de livros.
56
3.2. Resenhas e resenhistas
Atenta ao novo cenário, a Câmara Brasileira de Livros realizou pesquisa sobre as
motivações e hábitos de leitura dos brasileiros. Os resultados foram o tema da matéria “Leia e
apareça’, publicada em dezembro de 1987 no Idéias. Um dado chama a atenção: a associação
entre leitura e status. Ficou constatado que, para grande parte dos brasileiros, “ser
reconhecido como um leitor, mesmo de best-seller, é uma qualidade e um triunfo social”.
Há quem considere o sucesso de uma obra junto ao grande público como o pior
testemunho em favor dela. De acordo com esse pensamento, os best-sellers são classificados
como subliteratura, em oposição a uma literatura com L maiúsculo. Porém, há quem defenda
a existência de duas literaturas, com regras distintas de produção e consumo. Enquanto a
literatura culta é fomentada por instituições, a literatura de massa encontra estímulos na lei
da oferta e procura que rege o mercado.
105
Nesse sentido, os folhetins do século XIX representam a literatura de massa num
tempo em que oferecer entretenimento aos leitores era garantia quase absoluta de aumento das
vendas do jornal. Parte da obra de autores como José de Alencar, Machado de Assis, Manuel
Antônio de Almeida, Joaquim Manuel de Macedo e Lima Barreto surgiram sob encomenda,
sem o prestígio do clássico, mas com o passar do tempo e graças às sucessivas revisões
críticas, passaram a integrar nosso cânone. Como bem observa Muniz Sodré em seu estudo
sobre o best-seller é possível que “um escritor possa produzir romances com um projeto de
largo alcance popular, em bases folhetinescas, e depois ter suas obras reconhecidas como
‘cultas’.”
106
Na década de oitenta, a lista dos livros mais vendidos do caderno Idéias dividia-se em
apenas duas categorias: ficção e não ficção. Atualmente, a lista recebeu o incremento de uma
nova categoria: auto-ajuda e esoterismo. As resenhas sobre livros desse segmento são raras
nos suplementos literários. Geralmente, eles são citados nas colunas de lançamentos.
A mesma pesquisa publicada pelo Idéias em 1987 revela ainda outro comportamento comum
entre os leitores: além dos comentários de parentes e amigos e da lista dos mais vendidos, “as
resenhas na imprensa são as principais fontes utilizadas (...) para o conhecimento dos novos
livros”.
105
SOBRÉ, Muniz. Best-seller: a literatura de mercado. São Paulo: Ática, 1988. p. 6
106
Ibidem p. 13
57
De uma forma geral, os dicionários costumam definir “resenha” como “pequeno sumário
crítico de uma obra publicado na imprensa”.
107
No entanto, nem tudo que chega às redações
dos cadernos literários vira resenha. No seu estudo sobre a presença da literatura nos jornais,
Cláudia Nina, ex-editora do caderno Idéias, esclarece que os livros passam por uma espécie
de triagem. Depois de selecionados, eles são distribuídos entre as seções do suplemento:
Na maioria dos cadernos literários, os livros de auto-ajuda vão para a coluna de lançamentos,
em que ganham pequenas notas com as informações básicas, enquanto os livros mais
consistentes podem virar resenha ou entrevista. No caso de um lançamento muito esperado
(...), costuma-se pedir uma entrevista com o autor
.
108
Ainda segundo a autora, as resenhas podem sofrer variações de formato e as submete a
uma classificação. As resenhas-resumo funcionam como instrumentos de divulgação.
Elaboradas pelos assessores de imprensa, aproximam-se do release jornalístico, com
informações sobre obra e autor capazes de despertar interesse. Esse tipo de material não é
feito para ser publicado. Sua função é servir como ponto de partida e de referência para os
resenhistas.
109
Nas resenhas-ensaio, o mais importante não é o lançamento do livro, mas o seu
assunto. Por isso, o livro acaba funcionando como um “pretexto para uma reflexão mais
aprofundada sobre o tema abordado pela obra”.
110
Esse tipo de resenha é muito freqüente nas colunas fixas assinadas por críticos como
Wilson Martins, que passou a escrever semanalmente no Idéias a partir de setembro de 2005.
Na verdade, trata-se de um retorno, pois Wilson Martins já havia exercido as funções de
crítico titular do Jornal do Brasil de 1978 a 1995. Na volta ao antigo posto, o colunista aborda
o exercício da crítica literária, dizendo que sempre a entendeu “como um diálogo ou, antes,
um ‘triálogo’, no qual se ouvem as vozes do Autor, com a obra, do Crítico, com a análise, e
do Leitor, com o julgamento final”.
111
Apenas no quarto parágrafo ele cita a publicação que
ensejou sua reflexão: Ensaios escolhidos, de Ivan Junqueira. Para o crítico, a obra dividida em
dois volumes (De poesia e poetas e Da prosa de ficção, do ensaísmo e da crítica literária) dá
continuidade a uma tradição da qual fazem parte os seis volumes de Estudos de literatura
brasileira, de José Veríssimo, os sete volumes do Jornal de crítica, de Álvaro Lins e os dez
volumes do Diário crítico, de Sérgio Milliet. Segundo Wilson Martins, os críticos reúnem
periodicamente em volumes seus trabalhos porque “a crítica literária tem compromisso com a
107
Dicionário Larousse da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Cultural, 1995 p. 975
108
NINA, Cláudia. Literatura nos jornais: a crítica literária dos rodapés às resenhas. São Paulo: Summus, 2007. p. 44
109
Ibidem p. 45
110
Ibidem
111
MARTINS, Wilson. Sobre a crítica. Jornal do Brasil. 03 Set 2005. Idéias e livros.
58
atualidade e a ambição da permanência”.
112
Dessa forma, o colunista não analisou o livro de
Ivan Junqueira, apontado-lhe aspectos positivos ou negativos, mas de que forma ele se filia a
gerações anteriores da crítica literária brasileira.
Outro exemplo pode ser encontrado na edição de 29 de abril de 2006 do caderno
Idéias. Na sua coluna, Wilson Martins discute prós e contras das antologias, tipo de
publicação bastante explorada pelas editoras. Segundo o crítico, “estamos na época das
antologias, tão abundantes que já começam a se envergonhar delas mesmas”.
113
O ponto de
partida de Wilson é o volume organizado por Rinaldo de Fernandes intitulado Contos cruéis:
as narrativas mais violentas da literatura brasileira contemporânea. No prefácio ao livro,
Linaldo Guedes adverte que a obra “não pretende, e é bom que isso fique bem claro, ser uma
antologia”. Contrariando a vontade do prefacista, editor do Correio das Artes, que circula
mensalmente encartado no jornal paraibano A União, Wilson afirma que “a reunião de autores
e textos diversos com temática comum continua sendo uma antologia”.
Nos dois parágrafos seguintes, o colunista dedica-se a apontar os males e as virtudes
das antologias. Segundo Wilson, elas representam “a literatura das famílias ou para usar em
casa, destinada antes aos amadores do que aos amantes das belas-letras”. Por outro lado, o
crítico destaca sua finalidade didática, “poupando professores e alunos de leituras exaustivas”.
Voltando ao livro de Rinaldo de Fernandes, colunista fixo do suplemento editado por Linaldo
Guedes, Wilson Martins sugere que o autor foi pretensioso ao inserir um conto seu na própria
obra: “Empenhado em organizar a sua [antologia], Rinaldo de Fernandes também se incluiu
no elenco, porque a boa modéstia começa por casa”. Portanto, temos uma resenha-ensaio com
foco no tipo de publicação, e não no tema. Caso contrário, o título da coluna seria “Tempo de
violência” e não “Tempo de antologias”.
Wilson Martins tem longa trajetória na crítica em jornais, área em que atua desde
1946. Durante vinte anos escreveu rodapés para O Estado de São Paulo, trabalho
interrompido em 1974. No final dos anos setenta, volta à crítica militante no Jornal do Brasil.
No suplemento Prosa e Verso, do jornal O Globo, permaneceu de 1995 a 2005, continuando a
escrever na folha paranaense Gazeta do Povo.
A esta altura, é preciso dizer que a “resenha-ensaio” distingue-se do “ensaio”. Na
edição de 4 de março de 2006 do Idéias, Wilson Martins escreve sobre a obra de Otto Maria
Carpeaux, cujos ensaios foram reunidos em volume publicado em 2005. Ao analisar a
produção do autor, Wilson Martins fornece uma definição para “ensaio”: “Sendo
112
Ibidem
113
MARTINS, Wilson. Tempo de antologias. Jornal do Brasil. 29 abr. 2006. Idéias e livros.
59
especialmente ensaísta, Carpeaux espera do leitor que tenha conhecimento substancial de
obras e autores, além, bem entendido, dos contextos históricos e culturais em que se
inscrevem”.
114
O colunista ilustra a afirmação com um exemplo: “Será possível admirar
Milton e Shelley ao mesmo tempo? Byron e Shelley é um absurdo, mas Donne e Shelley ou
Keats e Shelley é razoável”. Nesse caso, as palavras soam como um enigma para o leitor que
nada souber a respeito de literatura inglesa. Portanto, como esclarece Wilson, não devemos ler
um ensaio à procura de informações didáticas.
Exemplo semelhante dessa dicção ensaística é fornecido pelo texto de Maria João
Cantinho, crítica, ficcionista e professora da Universidade de Lisboa, sobre o romance O poço
dos milagres, de Carlos Nejar:
A arte narrativa de Carlos Nejar tem vindo a afirmar-se solidamente nos vários romances que
já escreveu (...). Trata-se de uma escrita profundamente inatual, e digo-o no sentido
nietzschiano. (...) Estes são, não simples palavras que designam lugares físicos, mas antes
nomes que suspendem o mundo e rasgam a luz, abrindo mares límpidos, rios como o Eufrates,
também ele rio físico – metáfora heraclitena do tempo, também – e mítico, simultaneamente.
115
No trecho acima não há preocupação em explicar ao leitor o que vem a ser
“nietzschiano” e “heracliteana”. Neste caso, parte-se do pressuposto de que o leitor é alguém
que já disponha de conhecimentos sobre as concepções filosóficas de Friederic Nietzsch e
Heráclito.
Textos como esse não são numerosos nos suplementos literários, que buscam cada vez
mais aproximar-se do leitor médio, evitando excessos de rebuscamento tanto lingüístico
quanto conceitual. Quando o suplemento Idéias surgiu, um princípio o norteava: “quanto mais
densa a idéia, mais clara deve ser a sua expressão”.
116
Por isso, textos dotados de certo didatismo são mais comuns nos suplementos. Em 16
de julho de 2005, Álvaro Costa e Silva escreve sobre novo livro de Rubem Fonseca:
Seria o novo Rubem Fonseca um Mandrake mandrake? Explica-se: com maiúsculas,
Mandrake é um dos mais famosos personagens a freqüentar a obra do escritor, um advogado
criminalista cuja maior qualidade parece ser o jeito cafajeste com o qual resolve seus casos
(...) E mandrake, com minúsculas e grifo, é uma gíria (...) que serve para identificar alguma
coisa falsa ou alguém que se vale de truques e mágicas.
117
Percebemos que depois de esclarecer conceitos iniciais, logo no parágrafo de abertura,
o autor, então editor-assistente do caderno Idéias, garante a possibilidade de aprofundar-se no
114
MARTINS, Wilson. Carpeaux entre os livros. Jornal do Brasil. 4 mar. 2006. Idéias e livros.
115
CANTINHO, Maria João. A poesia na obra romanesca de Carlos Nejar. Jornal do Brasil. 30 jul. 2005. Idéias e livros.
116
Apud TRAVANCAS, Isabel. O livro no jornal. Cotia: Ateliê Editorial, 2001. p. 29
117
SILVA, Alvaro Costa. Mandrake não é mais aquele. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 16 jul. 2005. Caderno Idéias.
60
assunto tratado, seguro de que seu leitor, sem grande esforço, poderá estabelecer as relações
necessárias para a compreensão do texto.
Às vezes, alguns exageros são cometidos em nome de um texto mais acessível, como
o emprego de gírias. Em resenha sobre o romance-reportagem O sorriso da sociedade: intriga
e crime no mundo da belle époque, da jornalista Ana Lee, encontramos a seguinte sentença:
“(...) a jornalista Ana Lee teve uma bela sacada”
118
. Nesse caso, o autor quis dizer que a
jornalista teve uma idéia original, inédita.
Além das resenhas-resumo e das resenhas-ensaio, Cláudia Nina identifica ainda um
outro tipo: a resenha crítica. Entendida como uma proposta de leitura, sua função é analisar a
obra selecionada, geralmente emitindo opiniões sobre ela. Como focaliza o texto em si
mesmo, o que não deixa de incluir a relação com outros, a resenha crítica exige mais
intimidade com o livro do que os outros tipos de resenha. Por isso, a leitura não deve ser
apressada ou superficial.
Não é por acaso que a primeira lição do Decálogo do resenhista, publicado pelo Idéias
em 2005, traz como primeira regra: “Leia o livro todo”
119
. Quem assina o breve manual é
Nelson de Oliveira, escritor, crítico e colunista do jornal literário Rascunho. Por também atuar
na imprensa, escrevendo com freqüência para jornais do Rio de Janeiro e São Paulo, conhece
de perto o trabalho dos resenhistas. Para eliminar qualquer dúvida quanto ao empenho na
leitura do livro, ele recomenda: “(...) o resenhista deve organizar seu comentário crítico de
maneira que nele apareçam sinais inequívocos e marcas precisas, às vezes sutis, de que o livro
foi integralmente lido”.
120
A dica é realmente válida, pois não é raro um resenhista ser acusado de não ter lido o
livro comentado e avaliado por ele. Em função de resenha assinada por Alexei Bueno, o
suplemento em que escreve viu-se obrigado a publicar carta enviada por representante da
editora responsável pela obra comentada:
(...) manifestações produzidas ao longo da resenha leva-nos a crer que o resenhista, ao
destratar a obra de forma irresponsável e carente de premissas sólidas, produziu um texto
baseado exclusivamente na quarta-capa e na orelha do livro, aventurando-se, no máximo, até
a folha de rosto, sem comentar uma linha sequer do conteúdo da obra, o que denota a falta de
um cotejo sério e detalhado entre o original em inglês e a obra do tradutor.
121
118
ALVES, Uelinton Farias. A inesquecível belle époque carioca. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 21 out. 2006. Idéias e
Livros.
119
OLIVEIRA, Nelson de. Decálogo do resenhista. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 23 jul. 2005. Idéias e Livros
120
Ibidem
121
MACEDO, Alberto José Marchi. Jonh Donne. O Globo. 21 jul. 2007. Prosa e Verso.
61
As últimas palavras indignadas do editor apontam para outra regra do decálogo de
Nelson de Oliveira: “Só resenhe uma tradução cotejando-a com o original”. O resenhista não
deve fazer de conta que a tradução e a obra original são a mesma coisa.
Alexei Bueno rebate as acusações do editor afirmando que leu integralmente a edição
da editora Landmark e explica por que não se estendeu mais sobre a tradução:
(...) preferi informar os leitores sobre o autor e a obra do que falar sobre uma tradução no
espaço limitado de uma resenha. Se a editora considera a tradução tão importante, como de
fato sempre é, deveria ter posto o nome do tradutor no frontispício, e não, em letra minúscula,
nos créditos, o que para mim é um desrespeito à importância da própria.
122
Entre os outros princípios elencados por Nelson de Oliveira estão: “Não resenhe o
livro dos amigos” e “Não resenhe o livro dos desafetos”. Em ambos os casos, o vínculo
afetivo pode comprometer a análise literária. Os itens 4 e 5 do decálogo dizem respeito ao tipo
de conhecimento necessário para a redação da resenha: “Compreenda toda a cadeia evolutiva”
e “Colete o maior número possível de informações sobre o livro”. Para fazer um bom
trabalho, o resenhista deve ser capaz de estabelecer relação entre o título analisado e as
demais obras do autor.
Para Nelson de Oliveira, um dos piores vícios de quem escreve sobre livros é repetir o
que já foi dito em outras resenhas. Por isso, ele recomenda: “Diga algo novo”. A regra
número 9 traz uma informação relevante para quem pretende escrever num suplemento
literário: “A resenha, como o conto, é o texto que demanda de cinco a vinte minutos de
leitura. Nem mais nem menos”. Logo, Nelson aconselha evitar digressões e desvios próprios
do ensaio. As duas lições restantes referem-se ao modo como o resenhista deve posicionar-se
diante do objeto de análise: “Não ignore aspectos materiais do livro” e “Siga seu instinto”.
Quanto à primeira, Nelson de Oliveira acredita que aspectos externos, como capa, papel e
ilustrações, devem ser observados. Quanto à segunda, o autor do decálogo adverte que não
existe resenha imparcial. Portanto, o resenhista deve desconfiar “dos métodos de análise que
prometem revelar, de maneira exata, a verdade absoluta e irrefutável de determinada obra”.
O curioso é que boa parte das recomendações feitas por Nelson de Oliveira no século
XXI coincide com as observações que Alceu de Amoroso Lima fez em meados do século
passado sobre a crítica de rodapé, a começar pela importância da leitura. Para Tristão de
Ataíde, pseudônimo adotado por Alceu quando estreou como crítico em 1919 em O Jornal, a
obra deve ser lida ao menos duas vezes antes de ser comentada. Na primeira leitura, o crítico
122
BUENO, Alexei. Jonh Donne. O Globo, Rio de Janeiro: 28 jul. 2007. Prosa e Verso.
62
comporta-se como um leitor comum. Na segunda, a leitura descompromissada é substituída
por uma “leitura armada”. No entanto, o próprio Alceu Amoroso Lima reconhece que o
crítico militante geralmente faz apenas uma leitura, em função dos prazos estipulados pelos
jornais.
123
Nelson de Oliveira também aponta a falta de tempo como uma das dificuldades
encontradas pelos resenhistas atuais: “A pressa da imprensa e a baixa remuneração fazem com
que muitos resenhistas apenas sobrevoem, apenas cheirem os livros”.
124
Para Alceu Amoroso Lima, além da leitura, o trabalho do crítico passa por outras
fases. A preparação, que antecede a leitura, consiste no contato indireto com a obra, através de
notícias, anúncios ou conversas sobre ela. Em seguida, o crítico entra em contato direto com a
obra, que começa quando ela chega às suas mãos. Assim como Nelson de Oliveira, Alceu
Amoroso Lima acredita que os aspectos físicos do livro influenciam o trabalho do crítico,
inclusive o título: “O público se deixa levar muito pelos títulos. E os críticos também. Não
somos melhores do que o público. Somos apenas um público ranzinza”.
125
A fase final é
composta pela redação, considerada a mais difícil, pois “uma coisa é anotar (...) outra a
fixação definitiva de um juízo”.
Assim como ocorreu aos rodapés, a relação das resenhas atuais com o mercado
editorial é alvo de ressalvas por parte de especialistas. Para Nelson de Oliveira, por exemplo,
elas se tornaram reféns da vida social literária e da massificação das revistas e dos cadernos
culturais. Segundo ele, “não é incomum o caso do resenhista que também publica livros e,
para manter as boas relações com o editor, sempre favorece os lançamentos da sua editora”.
126
Na verdade, as resenhas representam a continuação de um processo que teve início no
século XIX, com a crítica impressionista feita para ser publicada em jornal, como a de José
Veríssimo. Herdeiros dessa crítica militante são os rodapés, formato de crítica literária que
imperou nos jornais brasileiros durante os anos 40 e 50 do século XX. Como eram textos
longos, os rodapés tiveram que se adaptar à progressiva perda de espaço destinado aos
assuntos literários nos jornais. Hoje, temos um texto enxuto, objetivo e sem digressões: as
resenhas. Por isso, podemos dizer que as resenhas são filhas dos rodapés e netas dos folhetins
de crítica do século XIX.
Por fim, apesar das semelhanças, um aspecto distancia os críticos de rodapé dos
resenhistas. Enquanto os primeiros gozavam de prestígio no meio intelectual (Álvaro Lins foi
considerado pelo poeta Carlos Drummond de Andrade como “o imperador da crítica literária
123
LIMA, Alceu Amoroso. O crítico literário. Rio de Janeiro: Agir, 1945. p. 53
124
OLIVEIRA, loc. cit.
125
LIMA, op. cit., nota 31, p. 39
126
OLIVEIRA, op. cit., nota 32
63
de 1940 a 1950
127
), os resenhistas queixam-se do estigma a que foram submetidos. Em
matéria publicada pelo Idéias em fevereiro de 1987, Toni Marques lamenta: “Os resenhadores
são encarados como profissionais menores, apressados, superficiais”. Portanto, o já conhecido
duelo entre especialistas e não especialistas aparece reencenado em épocas diferentes, só que
com novos personagens.
127
SÜSSEKIND, Flora. “Rodapés, tratados e ensaios”. In.: Papéis Colados. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1993. p. 15
64
4. CRÍTICA DA CRÍTICA
Em 2006, o caderno literário do Jornal do Brasil completou vinte anos. Entre
setembro e outubro, quatro edições especiais foram publicadas para comemorar mais um
aniversário do suplemento, agora intitulado Idéias e livros. Um dos primeiros entrevistados
foi Ferreira Gullar, eleito “Homem de Idéias” em 2004. O poeta relembra as intrigas e
polêmicas em torno Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, além de falar sobre
concretismo e política. Ao avaliar o espaço destinado à literatura nos jornais atuais, ele
reclama da subtração da poesia: “Antigamente, os suplementos publicavam poemas, o que é
raro hoje”.
128
De fato, como constatam alguns pesquisadores, o romance é o gênero literário
predileto dos suplementos literários contemporâneos. Na visão de Isabel Travancas, “o único
que contrabalança o peso do romance é o caderno Mais! Que também abre bastante espaço
para a poesia. Os outros tratam deste gênero apenas eventualmente”
129
.
Quando surgiu, em 1986, o Idéias matinha a seção “Texto novo”, assinada por Felipe
Fortuna. O objetivo da coluna era publicar escritos em prosa ou verso de autores
recentíssimos: “Poemas, contos, textos curtos. Toda liberdade é possível em até 50 linhas, de
preferência datilografadas, em espaço dois”.
130
No extinto Suplemento Dominical do Jornal
do Brasil houve coluna semelhante, intitulada “Poeta novo”, que revelou alguns nomes
ligados ao concretismo.
Em abril de 2006, o Idéias passa a publicar uma coluna semanal de poemas,
assinados por Reynado Jardim. O poeta, considerado um dos criadores do Caderno B e
membro do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, reconhece que nunca foi fácil para as
editoras vender poesia, mas queixa-se da pouca visibilidade que os suplementos conferem a
poetas além do eixo Rio-São Paulo.
Além de Gullar, ex-editores do Idéias foram ouvidos pelo suplemento. Zuenir
Ventura revela que, para criar o Idéias, teve que retirar páginas do Caderno B, pois o custo do
papel era muito alto. Luciana Villas-Boas acredita que o suplemento que editou de 1992 a
1995 faz parte da história cultural do Brasil do século XX.
128
Entrevista concedida a Álvaro Costa e Silva. Jornal do Brasil. 7 out. 2006. Idéias e livros.
129
TRAVANCAS, Isabel. O livro no jornal. Cotia:Ateliê Editorial, 2001. p. 61
130
FORTUNA, Felipe. Texto novo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 04 out. 1986. Caderno Idéias.
65
José Castello, hoje colunista fixo do Prosa e Verso, do jornal O Globo, editou o
suplemento quando ele se dividiu em dois: Idéias e Livros, aos sábados, e Idéias e Ensaios,
aos domingos. Em seu artigo, Castello critica a imprensa brasileira atual pela ausência de
debate, pois para ele “assinaturas diferentes defendem o mesmo ponto de vista”
131
. Na sua
opinião, a exceção fica por conta dos suplementos literários, marcados pelo pluralismo de
opiniões. No entanto, mesmo os suplementos não suscitam polêmicas como antigamente.
Até os anos oitenta, alguns debates ainda movimentaram a nossa vida literária,
alguns deles realizados através das páginas do Jornal do Brasil. José Guilherme Merquior
iniciou a carreira de crítico no Suplemento Dominical com apenas 19 anos. Em janeiro de
1974, ele publica o artigo “Estruturalismo dos pobres”, em que condena a aplicação
indiscriminada de métodos “científicos” pela crítica literária:
(...) o estruturalismo é o paraíso do Método; a nova crítica, por exemplo, se alimenta do mito
do Modelo mecanicamente aplicável. Pós-graduandos incrivelmente ignaros, outrora
incapazes, por simples analfabetismo, de empreender a interpretação de obras pejadas de
referências culturais, agora se entregam sem nenhuma inibição à volúpia de aplicar a torto e a
direito modelos “científicos” de análise. O Método está ao alcance de todos (em módicas
prestações); e “o crítico é o seu método”, sentencia com fervor um dos mais recentes
oficiantes do culto estruturalista.
132
A década de setenta foi marcada pela crescente influência do pensamento estruturalista
nas ciências sociais, sobretudo no meio acadêmico do Rio de Janeiro. Ao preconizar uma
análise literária neutra, alheia à vida social, o estruturalismo logo sofreu forte oposição do
pensamento engajado
133
. No mesmo artigo, Merquior afirma que, graças ao estruturalismo,
“prospera o mais franco terrorismo terminológico”, o que é satirizado logo no início do texto:
Se você quer estudar letras, prepare-se: que idéia faz você, já não digo da metalinguagem,
mas, pelo menos, da gramática generativa do código poético? Qual a sua opinião sobre o
rendimento, na tarefa de equacionar a literariedade do poemático, de microscopias montadas
na fórmula poesia da gramática/gramática da poesia? Quantos actantes você é capaz de
discernir na textualidade dos romances que provavelmente (tres-)leu?
134
Em janeiro de 1985, a seção Folhetim, da Folha de S. Paulo, publica o poema-cartaz
Pós-tudo, de Augusto de Campos, poeta ligado ao movimento concretista, cujo princípio
norteador consiste em explorar a forma e o significante, colocando em primeiro plano a
estrutura verbo-visual. A 31 de março do mesmo ano, o jornal publica artigo de Roberto
Schwarz, que, a partir da composição de Augusto de Campos, critica o projeto estético
131
CASTELLO, José. Laboratório de idéias. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 07 out. 2006. Idéias e livros.
132
MERQUIOR, José Guilherme. O estruturalismo do pobre. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 27 jan. 1974. Idéias e livros.
133
Cf. SÜSSEKIND, Flora. “Um tiro no estruturalismo”. In: Literatura e vida literária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p.
29-41
134
MERQUIOR op. cit. nota 5
66
concretista. Para Schwarz, o que se entende por “vanguarda” confunde-se com conformismo
no contexto cultural de países periféricos. Logo, o “mudar tudo” do poema de Campos não
passa de sintoma da lógica capitalista: “não custa lembrar (...) que a mudança pela mudança é
essencial ao funcionamento do mercado”.
135
De acordo com o pensamento do autor de
Machado de Assis: um mestre na periferia do capitalismo, a literatura brasileira estaria
sempre atrasada em relação às do Primeiro Mundo.
No entanto, para o irmão de Augusto, um país como o Brasil poderia, sim, produzir
manifestações artísticas pioneiras. Na visão de Haroldo de Campos, um país subdesenvolvido
pode perfeitamente tocar o “primeiro violino em literatura”. É o que, segundo ele, teria se
realizado com o concretismo brasileiro, visto como à frente dos demais.
Haroldo ainda participaria de outro debate com a publicação de O seqüestro do
barroco na formação da literatura brasileira, de 1989, em que contesta a exclusão de
Gregório de Matos das origens da literatura brasileira, resultante da noção de “sistema”
adotada por Antônio Cândido.
Anos depois do rompimento entre o concretismo paulista e o carioca (o primeiro
defendia uma abordagem matemática da poesia, enquanto o segundo defendia uma
abordagem fenomenológica), a animosidade entre seus representantes continua viva nos anos
oitenta. Por ocasião dos trinta anos da poesia concreta, Haroldo de Campos concede entrevista
a Toni Marques, publicada pelo Idéias em 06 de dezembro de 1986. Em determinado trecho,
ele se refere diretamente ao desafeto: “Ferreira Gullar, por exemplo, escreveu que um país
subdesenvolvido não pode assumir vanguardas. Ora, isto quer dizer que num país
subdesenvolvido só cabe uma literatura subdesenvolvida”. Gullar recebeu a declaração como
uma acusação, da qual faz questão de se defender na edição seguinte:
Desafio Haroldo de Campos a dizer em que livro, artigo ou entrevista minha fiz semelhante
afirmação. Se Haroldo de Campos não responder a este respeito, considero-me com mais uma
razão para duvidar de sua probidade intelectual e a opinião pública deverá vê-lo com um
escritor sem seriedade que adultera o pensamento alheio a fim de facilmente combatê-lo.
136
Gullar prossegue dizendo que a poesia concreta pertence a um passado remoto e que é
dominado pelo tédio quando é solicitado a falar sobre o assunto. Quanto às divergências com
o grupo paulista e a sua exclusão da história do movimento, ele se diz nem um pouco
ressentido: “(...) dou-me por feliz com isso e desejo ver meu nome desligado para sempre de
tão fajuto episódio da nossa vida literária”.
135
Apud MOTTA, Leda Tenório da. Sobre a crítica literária brasileira no último meio século. Rio de Janeiro: Imago, 2002.
p. 71
136
GULLAR, Ferreira. A fraude de Haroldo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 13 dez. 1986. Idéias: suplemento de livros.
67
É possível afirmar que as discussões em torno do concretismo constituíram o último
grande debate literário na imprensa brasileira. Na opinião de Marcelo Coelho, houve
tentativas no sentido de substituí-lo ou reeditá-lo. No entanto, essas iniciativas “se inscrevem
mais no campo do polemismo que da crítica.” Exemplo disso seriam as intervenções de Bruno
Tolentino na revista Bravo!
137
. Depois desse período, o que se observa é o progressivo
esvaziamento de discussões, o que levou Alfredo Bosi a apontar a “ausência de uma temática
crítica de base” no cenário contemporâneo:
A co-presença caótica de tantas imagens e tantos signos leva o crítico literário formado em
algum padrão de gosto (mesmo o mais literalmente moderno) a abster-se de proferir juízos
estéticos de valor. Nesse vale-tudo do mercado cultural e da pletora informatizada, o crítico,
na maioria das vezes, contenta-se em ser um resenhista idôneo das novidades que mais o
impressionaram
.
138
Bosi é taxativo ao afirmar que hoje não há um clima de vigorosa polêmica artística e
literária, pois o clima cultural pós-moderno não aprofunda as implicações estéticas das
posições de julgamento assumidas.
Realmente, já não se fazem polêmicas como antigamente. Numa tentativa de resgatá-
las, Alexei Bueno e George Ermakoff trataram de reunir dezesseis delas no volume Duelos do
serpentenário, publicado em 2006. Os debates selecionados pela dupla de autores deram-se
no período que vai de 1850 a 1950 e revivem as controvérsias entre escritores brasileiros e os
colegas lusitanos, parnasianos e simbolistas, senadores e poetas, modernistas e seus críticos,
machadianos e antimachadianos. Em entrevista a um suplemento literário, Antonio Fernando
Borges, autor de uma trilogia envolvendo o brasileiro Machado de Assis e o argentino Jorge
Luis Borges, destaca a capacidade de argumentação dos polemistas retratados no volume de
Alexei Bueno. Sobre as críticas de Agripino Grieco contra o romancista carioca, ele diz que
sente prazer em lê-las, apesar de não levá-las a sério: “Não concordo com 80% do que ele diz,
mas é fantástico ver um homem inteligente pensando”
139
.
Duelos do serpentenário foi assunto da coluna de Wilson Martins no caderno Idéias
em junho do mesmo ano. Na opinião do crítico, todas as polêmicas parecem obedecer à
mesma fórmula. Mesmo assim, seria preciso distingui-las: “(...) por um lado, existem aquelas
137
COELHO, Marcelo. “Enquete”. In.: Rodapé: crítica de literatura brasileira contemporânea. São Paulo: Nanquim, 2001.
p. 12
138
BOSI, Alfredo. “Enquete”. In.: Rodapé: crítica de literatura brasileira contemporânea. São Paulo: Nanquim, 2001. p. 15
139
McMILLAN, Douglas. Esgrimistas da palavra. O Globo, Rio de Janeiro: 28 jan. 2006. Prosa e Verso.
68
de ordem efemeramente biográfica, de interesse restrito às pessoas dos contendores e, por
outro lado, as que passaram a pertencer à história da cultura”.
140
No primeiro caso, estaria a troca de insultos entre Júlio Ribeiro e o padre Sena de
Freitas em torno do romance A carne. O próprio escritor reconhece a natureza nada
intelectualizada da discussão: “Uma coisa cumpre que fique liquidada: esta triste questão com
o padre Sena Freitas não é uma questão de princípios, é uma questão pessoal, é o que há de
mais exclusivamente pessoal”.
141
Alexei Bueno chega a afirmar ter sido essa “a mais célebre
polêmica brasileira”, mas não em função do seu conteúdo, e sim pelo escândalo moral que a
revestiu com os ataques à suposta homossexualidade do clérigo. No segundo caso, Wilson
Martins inclui os debates em torno da nacionalidade e da “branquidade”, que deixaram
marcas às vezes difíceis de apagar na forma de interpretar nossos autores do século XIX.
Enfim, polêmicas como as registradas por Alexei Bueno e George Ermakoff estão em
extinção na vida cultural contemporânea. Apesar disso, alguns embates ainda podem ser
assistidos, nem todos tão relevantes, é verdade.
No início de 2006, por exemplo, Ricardo Lísias, autor da orelha de Joana a
contragosto, rebate a resenha escrita por Gustavo de Almeida sobre o livro de Marcelo
Mirisola: “(...) o que mais incomoda na resenha que Gustavo de Almeida publicou (...) é o
tom pedante. (...) Gustavo de Almeida me chama de ‘resenhista’, cita um trecho do meu texto
e, certamente com um sorriso matreiro, arrogantemente acredita que me refuta.”
142
Em resposta, Gustavo de Almeida nega a intenção de “dar aula” a Ricardo Lísias e
lamenta o “tom agressivo e gratuito de alguém com formação acadêmica de nível tão
elevado”.
O escritor Marcelo Mirisola seria o centro de outra polêmica, dessa vez mais séria. Em
março de 2007, o jornal Folha de São Paulo publicou a matéria “Bonde das letras”, que trata
da viagem de dezesseis escritores para diversas cidades do mundo com o objetivo de escrever
uma história de amor. O projeto foi em parte financiado pela Lei Rouanet, como ficou
conhecida a Lei Federal de Incentivo à Cultura. As histórias serão publicadas ao longo de
quatro anos pela editora Companhia das Letras através da série intitulada “Amores
expressos”. No dia seguinte à publicação da matéria, Marcelo Mirisola deixa um recado
140
MARTINS, Wilson. Ajuste de contas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 03 jun. 2006. Idéias e livros.
141
Apud Ibidem
142
LÍSIAS, Ricardo. Mirisola, pomo de discórdia. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 07 jan. 2006. Idéias e livros.
69
indignado na seção “Painel do Leitor” em que acusa os idealizadores do projeto de
oportunismo:
Vou reunir meus amigos de farra e pleitear uma grana da Lei Rouanet. Foi isso o que Rodrigo
Teixeira e o escritor João Paulo Cuenca fizeram - e conseguiram R$ 1,2 milhão. (...) Depois,
basta procurar um editor generoso e idealista. Se for sócio de um banco, melhor. (...) Assim é
que se faz literatura no Brasil.
143
Mirisola refere-se a Luiz Schwarcz e ao Unibanco, instituição financeira que patrocina
a Festa Literária de Paraty. Convidado pelo jornal Zero Hora para cobrir a edição do evento
ocorrida em 2006, o escritor produziu um texto em que sugere o favorecimento de escritores
ligados à Companhia das Letras, referindo-se a eles como “gado”:
A festa ajuda a promover a Companhia das Letras e os patrocinadores. Quanto aos escritores
(sobretudo, os brasileiros), são uns carentes, deslumbrados. Vão lá para aparecer no jornal e
ganhar tíquete-refeição. São gado do senhor Schwarcz. Não se pode falar em "literatura
brasileira" no caso de Paraty. Os escritores que aceitam o curral de Paraty são oportunistas,
omissos e covardes.
144
O texto não foi publicado pelo jornal Zero Hora, nem por nenhum outro. Para alguns,
Mirisola tem a capacidade de dizer o que todos pensam, mas não têm coragem de dizer. Para
outros, o comportamento agressivo tem motivação menos nobre: o fato de não ter sido um dos
escritores escolhidos para fazer parte do projeto. Como ele mesmo diz, “não me convidaram
para essa festa pobre”.
Enquanto a polêmica alimentada por Mirisola girou em torno do uso, devido ou
indevido, de dinheiro público no financiamento de projetos culturais, uma questão parece ter
passado despercebida. É necessário viajar para uma cidade estrangeira com todas as despesas
pagas para criar uma história interessante? Ou seja, para fazer literatura um escritor precisa de
estímulo? Questionamento semelhante pode ser feito quanto à criação de um curso superior
para formação de escritores, tema da matéria principal do suplemento Prosa e Verso em junho
de 2006.
O curso já existe e é oferecido pela Unisinos desde agosto de 2006 em São Leopoldo,
no Rio Grande do Sul. Com dois anos e meio de duração, o objetivo é formar escritores e
agentes literários. Dessa forma, coloca-se um problema: alguém pode tornar-se escritor
através de um curso? O próprio coordenador, o poeta Fabrício Carpinejar, não é capaz de dar
garantias: “Não posso dizer que os alunos formados serão bons escritores, mas posso afirmar
que serão excelentes leitores. Ser escritor é uma decisão pessoal e pressupõe a construção de
143
Apud DENSER, Márcia. Bonde das letras ou trem da alegria? 23 fev. 2008 www.congressoemfoco.com.br
144
Ibidem.
70
uma obra.” Se a única garantia que o curso pode oferecer ao formando é tornar-se um leitor
competente, não haveria nada que o distinguisse dos cursos de Letras já existentes.
Apesar de ser um dos professores visitantes do curso, o gaúcho Moacyr Scliar é
totalmente avesso à idéia de regulamentação da profissão de escritor. Para ele, essa é uma
atividade muito diferente das outras: “Tu imaginas um escritor batendo ponto?”.
145
Apesar da unanimidade em torno da idéia de que falta crítica à crítica nos suplementos
literários atuais, não podemos dizer que ela seja completamente inexistente. Em 2007, Wilson
Martins afirma em sua coluna no Jornal do Brasil que o mais recente livro do pai de Fabrício
Carpinejar não merece o título que lhe foi atribuído:
A história literária é e só deve ser a história das obras, tanto em cada uma delas quanto nas
suas relações recíprocas, constituindo os diversos sistemas (genérico, nacional, cronológico
etc.). À luz desses princípios, percebe-se que Carlos Nejar não escreveu uma história da
literatura brasileira, mas uma sucessão de capítulos sobre os autores, todos independentes
entre si e sucedendo-se por contigüidade, sem que o conjunto proponha a idéia orgânica do
que deve ser o sistema que a configurasse como brasileira e como história.
146
Carlos Nejar não deixa por menos quando vem à público enfrentar a pena de Wilson
Martins, referindo-se a ele como um “crítico esdrúxulo”:
No primeiro instante, julguei não ter sido o Sr. Wilson Martins o autor das notas sobre a
minha História da Literatura Brasileira, recém-publicada pela Ediouro, após um trabalho de
dez anos, ao apagar do ano. Foi o fantasma dos fantasmas do Sr. Wilson Martins, cujas
sombras maledicentes tentaram agravar-me por motivos alheios à criação. Sobretudo porque
um poeta e ficcionista intentou tamanha proeza e ele nunca conseguiu escrever uma história
da literatura brasileira. Pelo contrário, o Sr. Wilson Martins tem se notabilizado
nacionalmente como um crítico esdrúxulo, capaz de afirmar grandes asneiras com total
desassombro e ressentimento.
147
Em março do mesmo ano, Luiz Costa Lima escreve ao suplemento Prosa e Verso para
queixar-se da resenha escrita por Idelber Avelar a respeito de seu livro História. Ficção.
Literatura: “Para manter um tom polido, direi que o resenhador optou por um disparate. Por
sorte, pouco espaço ainda lhe restou. O disparate não admite discussão”.
148
No início do ano anterior, foi a vez de Douglas McMillan envolver-se em uma
polêmica depois de publicar resenha sobre o livro 120 horas, de Luis Eduardo Matta. No
texto, além de dizer que o livro é repleto de clichês, sugere que o movimento liderado pelo
escritor é uma estratégia de marketing para vender seus títulos:
145
CONDE, Miguel. Sai a musa, entra o diploma. O Globo. 3 jun. 2006. Prosa e Verso.
146
MARTINS, Wilson. História literária. Jornal do Brasil. 29 dez. 2007. Idéias e Livros.
147
NEJAR, Carlos. Sobre história literária. Jornal do Brasil. 29 dez. 2007. Idéias e Livros.
148
LIMA Luiz Costa. Uma breve resposta. O Globo. 3 mar. 2007. Prosa e Verso.
71
O autor capitaneia um movimento chamado Literatura Popular Brasileira. Num de seus
manifestos, se pergunta por que não há ainda um ‘thriller’ verde-amarelo, com autores e
mercados nacionais. Lendo ‘120 horas’ dá para entender
.
149
Além disso, compara o gesto de Luis Eduardo Matta ao do chileno Alberto Fuguet
que, em 1996, lançou o movimento “McOndo”, uma mistura de Mc Donald´s e Macondo, a
aldeia que serve de cenário para a saga dos Buendía em Cem anos de solidão, de Gabriel
Garcia Márquez. Em oposição ao realismo mágico, o “McOndo” foi um movimento formado
por jovens escritores latino-americanos que tentam retratar o ambiente urbano, globalizado e
multicultural em que estão inseridos. Fuguet pregava o abandono de uma América Latina
rural e folclórica em nome de um continente mais aberto às questões contemporâneas.
McMillan questiona até mesmo se o caso brasileiro poderia ser chamado de
“movimento”, pois ainda estaria em busca de adeptos. Quanto à proposta de popularização de
títulos de ficção, ele acha que se trata de muito barulho por nada: “Mas será que num país de
Jorge Amado, Paulo Coelho, Rubem Fonseca e Luis Fernando Veríssimo podemos dizer que
não temos literatura acessível, mais ou menos bem acabada, com público imenso?”.
150
As palavras de McMillan parecem ter causado grande repercussão, pois a edição
seguinte do Prosa Verso publicou várias cartas, todas enviadas por pessoas que discordavam
do resenhista. Uma delas foi Vera Carvalho Assumpção, autora do romance policial
Paisagens noturnas: “Li seu artigo sobre a LPB do Luis Eduardo Matta e gostaria de informá-
lo de que não é um movimento de uma só voz. Tem pelo menos mais um sócio, que sou eu
(...)”.
151
A autora esclarece que a iniciativa “foi criada para incentivar o escritor brasileiro a
produzir sem culpa de não estar criando a grande obra”.
152
As demais cartas assumem um tom menos ameno. Uma delas classifica a resenha de
McMillan como “podre”, outra refere-se ao resenhista como um “intelectualóide esnobe”, que
se regojiza “ao ler um texto de Joyce ou de subliteratos como Mirisola e Fernando Bonassi e
vira a cara para uma literatura competente que não se pretende genial”. Há quem defenda
ainda Luis Eduardo Matta da acusação de oportunismo: “Se ele desejasse somente vender
bem os seus livros, faria exatamente o contrário: ficaria quietinho reservando o nicho de
mercado descoberto só para si. (...) Nunca se viu uma estratégia de marketing que deseja
ampliar o espaço da concorrência”.
153
149
MCMILLAN, Douglas. A diferença entre fórmula e química. O Globo. 28 jan 2006. Prosa e Verso.
150
Idem. Muito barulho por, geralmente, nada. O Globo. 28 jan 2006. Prosa e Verso.
151
ASSUMPÇÃO, Vera Carvalho. O Globo. 4 fev 2006. Prosa e Verso. Seção de Cartas.
152
Ibidem.
153
O Globo. 4 fev 2006. Prosa e Verso. Seção de Cartas.
72
Por falar em polêmica, a editora Record foi a responsável pela reedição, em 2006, da
obra completa de Diogo Mainardi, hoje mais conhecido como o controverso articulista da
revista Veja, onde também já assinou uma coluna de crítica literária. Seu último livro como
ficcionista, Contra o Brasil, é de 1998, quando rompeu com a literatura. Hoje ele a considera
coisa para desocupados e parasitas:
Por muito tempo, fui um desocupado e um parasita. Eu era mantido por meus familiares e por
minha mulher. Quando precisei ganhar dinheiro para sustentar meus filhos, arrumei um
emprego e larguei os livros. Pode parecer uma explicação prosaica demais, mas foi o que
aconteceu
.
154
Quanto à fama de polemista, ele diz que seria melhor não tê-la, pois ofusca o seu
verdadeiro talento: “O fato de minha figura provocar polêmica só me atrapalha. Eu sou
irrelevante ao lado de minha obra.”
155
No entanto, há quem não enxergue nada demais na sua
verve, como o poeta não menos polêmico Alexei Bueno:
O Diogo Mainardi é despreparado, chamar isso que ele faz de polêmica não é sério. O modelo
dele, assumidamente, é Paulo Francis, outro despreparado, tido como uma sumidade, quando
era um cara com lacunas gritantes de cultura. O tipo de coisa que só cresce como cresceu num
país de analfabetos. Tenho recortes guardados se você quiser ver: ele não sabia a diferença
entre verso e estrofe!
156
A diferença fundamental entre as polêmicas de ontem e as atuais é a extensão. Antes,
os debates estendiam-se por um longo período, hoje eles não passam da réplica. Parece faltar
fôlego para levar adiante o embate. Por isso, a controvérsia entre Wilson Martins e Daniel
Piza chama a atenção. Além de ter demorado mais do que as outras, extrapolou os
suplementos para ganhar espaço na grande imprensa.
Tudo começou com a publicação de Machado de Assis, um gênio brasileiro, em 2005.
O volume foi tema da coluna de Wilson Martins, para quem o jornalista cometeu erros
factuais: “No livro de Daniel Piza, o que é bom não é novo e o que é novo não é bom (...)”.
157
Ao criticar o trabalho de Piza, que recebeu o terceiro lugar no Prêmio Jabuti, Wilson
Martins tece comentários às vezes pertinentes, às vezes conservadores demais. Afirma ele que
Piza acha “curioso” os resenhistas assumirem que Capitu traiu. Wilson sugere que essa é uma
premissa óbvia: “Ora, sem a traição de Capitu não existiria o romance escrito por Machado de
154
MAINARDI, Diogo. Entrevista concedida a Julio Daio Borges. 5 jun 2007. www.digestivocultural.com
155
GARSCHAGEN, Bruno. Um elogio aos satíricos. Jornal do Brasil. 22 jul. 2006. Idéias e Livros.
156
MCMILLAN, Douglas. Esgrimistas da palavra. O Globo. 28 jan. 2006. Prosa e Verso.
157
MARTINS, Wilson. Tropeções biográficos. Jornal do Brasil. 11 fev. 2006. Idéias e Livros.
73
Assis, estruturado, precisamente, nesse pressuposto, sendo absurdo pretender que haja uma
‘verdade’ fora dele.”
158
Dessa forma, o crítico não parece atualizado em relação às leituras mais recentes sobre
o enigma machadiano. Silviano Santiago, por exemplo, defende que Dom Casmurro deve ser
lido como uma narrativa em primeira pessoa, em que os fatos são apresentados de acordo com
seu ponto de vista, um homem dominado pelo ciúme. Outros enxergam na obsessiva
desconfiança do advogado Betinho uma crítica ao discurso jurídico, uma vez que tece ao
longo do romance uma tese de acusação sem direito a defesa, pois pouquíssimas são as
passagens em que Capitu se manifesta. Podemos citar ainda a tese de Haroldo de Campos,
para quem a personagem principal de Dom Casmurro é o capítulo, haja vista que Capitu é
abreviação de “Capitolina”. O capítulo machadiano, ora fragmentário, ora digressivo, seria
uma afronta ao romance tradicional. Enfim, são muitas as possibilidades de leitura que o
colunista do Jornal do Brasil não leva em consideração ao afirmar que o estudo de Daniel
Piza só “acrescenta mais desleituras às tantas de supostos intérpretes machadianos, cada um
deles criando um Machado de Assis à sua imagem e semelhança”.
159
Em resposta, Daniel Piza publica artigo no mesmo suplemento e não poupa
argumentos contra a leitura de Wilson Martins:
(...) Na edição de 11 de fevereiro, neste caderno, apontou alguns erros de revisão, já
emendados na segunda edição, mas não discutiu nenhuma questão de fundo. Não que se
pudesse esperar algo diferente de um crítico que considera Josué Montello o maior romancista
brasileiro, que nunca soube admirar o talento de João Cabral de Melo Neto e que tampouco
deixou marca nos estudos machadianos. Mas a função do rodapé literário não é debater
idéias? (...) Martins não diz nada, por exemplo, sobre a crítica machadiana à religião, aspecto
fundamental do meu livro. Está tão cansado que só viu o que lhe convinha ver.
160
Enfim, temos uma discussão que ousou ganhar adeptos. Antes do artigo de Wilson
Martins, o escritor e professor de literatura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Luís Augusto Fischer, já havia apontado problemas no jornal Zero Hora. O fato foi
mencionado na matéria Machado não merecia, publicada pela revista Veja, que considerou o
livro “imprestável” em função da falta de precisão de nomes, conceitos e datas,
imprescindíveis a um trabalho que se pretende biográfico.
Na opinião de Piza, os erros que ele atribui à revisão não tornam seu livro imprestável.
Se o fosse, não teria recebido excelente comentário de Roberto Pompeu de Toledo na mesma
revista.
158
MARTINS, Wilson. Tropeções biográficos. Jornal do Brasil. 11 fev. 2006. Idéias e Livros.
159
Ibidem.
160
PIZA, Daniel. Resposta de Daniel Piza. Jornal do Brasil. 25 fev. 2006. Idéias e Livros.
74
Em maio de 2006, Wilson Martins volta a atacar Daniel Piza em sua coluna. Dessa
vez, o motivo foi o livro Academia Brasileira de Letras: histórias e revelações, cuja
circulação foi impedida pela própria agremiação. Mais uma vez Wilson Martins dedica-se à
tarefa de inventariar as incorreções cometidas por Piza. Sobre o legado de cinco mil contos
que o livreiro Francisco Alves deixou para a Academia, Piza escreve que a instituição usou
parte do valor para criar prêmios literários, mas tinha ainda outros projetos: “Com o restante
do dinheiro, além de aumentar o jeton para 100 réis, pensou em investir numa sede nova, pois
o Silogeu já estava apertado”. Wilson Martins explica que Daniel Piza quis dizer certamente
cem mil réis, “pois 100 réis era o preço de um sorvete pequeno no carrinho da esquina ou o
equivalente a uma passagem de bonde.”
161
Neste ponto devemos observar que, em meio a tantas publicações disponíveis no
mercado à espera de quem se interesse por resenhá-las, Wilson Martins ocupou duas vezes a
sua coluna com títulos de um autor que não lhe desperta a menor admiração. O mesmo gesto
seria repetido ainda outras vezes. Em 2006, por exemplo, o crítico põe abaixo a biografia de
Lira Neto, escritor, jornalista e ex-ombudsman do jornal O povo, sobre seu conterrâneo José
de Alencar. Wilson diz que a obra é popularesca e vulgar no estilo narrativo, a começar pelo
título: O inimigo do rei: uma biografia de José de Alencar ou A mirabolante aventura de um
romancista que colecionava desafetos, azucrinava d. Pedro II e acabou inventando o Brasil.
O colunista do Jornal do Brasil chega a afirmar que a obra teria consternado José de Alencar.
162
Meses antes, o mesmo livro recebeu resenha assinada por Gustavo Bernardo no Prosa
e Verso. Ao contrário de Wilson Martins, que aponta erros de avaliação histórica, o escritor e
professor de Teoria da Literatura da Uerj teceu comentários favoráveis ao estudo de Lira
Neto, que já havia se dedicado ao legado de outro cearense com O poder e a peste, sobre a
vida do escritor e sanitarista Rodolfo Teófilo: “A biografia de José de Alencar escrita pelo
jornalista Lira Neto se mostra um trabalho de historiador rigoroso”.
163
No entanto, faz uma
ressalva: “O livro, como estudo do escritor, deixa a desejar”
164
. Como o livro não se pretende
um estudo literário, o fato não chega a se constituir em defeito.
Nesse caso, façamos o seguinte questionamento: se é tão pouco o espaço disponível
para falar de literatura nos jornais, por que ocupar-se de obras que não merecem o apreço do
crítico?
161
MARTINS, Wilson. História mal contada. Jornal do Brasil. 6 maio 2006. Idéias e Livros.
162
Idem. Biografia popularesca. Jornal do Brasil. 20 maio 2006. Idéias e Livros.
163
BERNARDO, Gustavo. José de Alencar, o polemista. 25 mar. 2006. Prosa e Verso.
164
Ibidem.
75
Na seção “Rodapé” de julho de 2006, Cláudia Nina reflete sobre o tema. A ex-editora
do Idéias defende a tese de que se o espaço é restrito, devemos preservá-lo para exaltar os
bons: “Na maioria das vezes, a escolha para uma obra ruim é o silêncio”.
165
Conselho, aliás,
já proferido por Alceu Amoroso Lima, para quem o silêncio já em si mesmo uma opinião.
166
No entanto, há situações em que a crítica vê-se obrigada a não ficar em silêncio. É o
caso de um grande autor que publica um livro que fica aquém das expectativas geradas em
torno dele. Como exemplo, temos a resenha sobre Berenice procura, na qual Sergio Mota
afirma que “o novo romance de Garcia-Roza frustra os leitores fiéis”. Luiz Alfredo Garcia-
Roza é o criador do personagem Espinosa, o detetive com ares de literato que ganhou o
público em histórias como Achados e perdidos, Vento sudoeste, Uma janela em Copacabana,
Perseguido e No silêncio da chuva, este último contemplado com os prêmios Nestlé e Jabuti.
Apesar do sucesso dos romances anteriores, que receberam, inclusive, comentários em jornais
internacionais, como The New York Times e Washington Post, Sergio Mota considera que a
primeira trama sem Espinosa não alcançou o resultado esperado: “Garcia-Roza mexeu num
vespeiro retirando seu personagem clássico do centro da narrativa”.
167
Outra publicação que causou grande expectativa em 2006 foi Pequenas memórias, de
José Saramago, obra em que o escritor português, Nobel da Literatura em 1998, debruça-se
sobre seus primeiros quinze anos de vida. O livro foi lembrado na estréia da coluna de José
Castelo como crítico principal do suplemento Prosa e Verso, no início de 2007. Em “A força
delicada”, Castelo reflete sobre a relação entre literatura e memória e cita o intento
autobiográfico de Saramago: “A crítica, em geral, desprezou o livro. É claro, ele não tem a
grandeza de romances como ‘Ensaio sobre a cegueira’.”
168
O mesmo livro foi resenhado por Cláudia Nina no suplemento Idéias. Corroborando a
opinião crítica geral, a jornalista considera que no relato, “saltados alguns momentos de
surpresa e encanto, tem-se passagens que interessam pouco; detalhes da vida em família que
fazem do livro pouco universal. Ainda que sejam as memórias de um Saramago”.
169
Enfim, “falar mal” tem assumido diversos significados ao longo do tempo. No século
XIX e em parte do XX, muitos forçaram sua entrada no meio intelectual e literário através de
polêmicas. É como se a obra não fosse suficiente para chamar a atenção do público e dos
holofotes. Era preciso achincalhar, subestimar, espinafrar o outro. Para alguns, ser polemista
165
NINA, Cláudia. Vale a pena falar mal? Jornal do Brasil. 29 jul. 2006. Idéias e Livros.
166
LIMA, Alceu Amoroso. O crítico literário. Rio de Janeiro: Agir, 1945. p. 40
167
MOTA, Sergio. Berenice procura e não acha. Jornal do Brasil. 07 jan. 2006. Idéias e Livros.
168
CASTELLO, José. A força delicada. O Globo. 06 jan. 2007. Prosa e Verso.
169
NINA, Cláudia. As pequenas aventuras de um grande ensaísta. Jornal do Brasil. 11 nov. 2006. Idéias e Livros.
76
exige dedicação integral. Nesse caso, Sílvio Romero, Rui Barbosa, José de Alencar, Monteiro
Lobato ou Mário de Andrade não foram polemistas no sentido estrito do termo porque se
tornaram famosos também à custa de outros tantos feitos. Para outros, como o escritor e
crítico Silviano Santiago, sequer houve polêmica no Brasil:
O que vejo são pessoas arrancando o rabo um do outro. Isso não é polêmica, é male leche,
como dizem os espanhóis. Polêmica para mim são aqueles debates que tiveram Jean-Paul
Sartre e Albert Camus. Aquilo teve repercussão no mundo todo. Do debate entre Roland
Barthes e Raymond Picard, por exemplo, nasceu o estruturalismo! Na polêmica tem que haver
posições definidas. Na história das idéias do Brasil, as polêmicas tiveram um papel
mínimo
.
170
É verdade que, ao negar unanimidades, o crítico convida tanto autores como leitores a
concordar ou discordar das suas idéias. Por isso, há quem atribua à crítica de Wilson Martins
o mérito de saber incomodar a opinião geral. Por outro lado, na arte de “falar mal”, é inegável
que o crítico titular do Jornal do Brasil faz afirmações tão categóricas quanto impertinentes.
Ele considera exagerado, por exemplo, o prestígio de Guimarães Rosa. Clarice Lispector não
é boa romancista e Nélson Rodrigues não passa de um sensacionalista. Também surpreendeu
ao sair em defesa de Paulo Coelho: “Não sou leitor de seus livros nem seu admirador, mas ele
deve ser aceito como um dado da vida brasileira contemporânea. (..) Não devemos desdenhá-
lo. Paulo Coelho é um fenômeno muito brasileiro.”
171
É dono também de declarações
contundentes, como a que fez sobre as intenções literárias de Chico Buarque: “Ele é um
grande músico, mas como escritor é apenas um autor de segundo cozimento.”
172
Considerado um crítico à moda antiga, Wilson Martins coleciona desafetos. Affonso
Romano de Sant’anna propôs até um cálculo:
"Soma-se 52 críticas por ano, uma por semana,
há 50 anos e o resultado são 2,6 mil inimigos, quase o total de escritores do País"
173
. Para
Haroldo de Campos, Wilson Martins “não é um crítico, é um homem equivocado, um erudito
que carrega uma carga enorme de livros nas costas, mas, quando tem de avaliar, define Érico
Veríssimo como escritor de vanguarda, e não Oswald de Andrade"
174
. Quando A História da
inteligência brasileira foi publicado, nos anos setenta, recebeu do antropólogo Darcy Ribeiro
o seguinte comentário: “É o livro mais burro que já li”.
175
170
Apud McMILLAN, Douglas. Esgrimistas da palavra. O Globo. 28 jan. 2006. Prosa e Verso.
171
MARTINS, Wilson. Entrevista concedida a José Castello. Jornal de Poesia. 30 de maio de 2005.
www.secrel.com.br/jpoesia
172
Ibidem.
173
Apud Norma Couri. Entrevista com Wilson Martins. Jornal de Poesia. 23 de setembro de 2005. ww.secrel.com.br/jpoesia
174
Ibidem.
175
Ibidem.
77
T.S. Elliot dizia que para ser crítico só há um método: ser muito inteligente. Quando
diziam que os críticos erravam muito, ele respondia: "Os escritores também." É verdade que
os críticos podem errar, como todo mundo, mas há os que erram pouco e os que erram quase
sempre. Para os que erram demais, é preciso dizer claramente que se tratam de críticos ruins,
assim como se diz que há escritores ruins.
78
5. O NOVO IDEAL DO CRÍTICO
5.1. O crítico ideal para Machado de Assis
Do grego kritikós, pelo latim criticus, “crítico” costuma ser definido como aquele que
examina, estuda e avalia obras literárias. Como a avaliação nem sempre é positivo, fica claro
por que “crítica” tem a ver com “crise”, do grego krísis, ação de separar, escolher, decidir,
julgar.
Em sua História da Literatura Brasileira, Sílvio Romero dedica todo um capítulo ao
exercício da crítica. No entanto, o título “Da crítica e sua exata definição” encerra uma
contradição, pois o próprio autor reconhece a auncia de uma conceituação satisfatória: “(...)
apesar dos seus dois mil duzentos e noventa e dois anos de idade, não existem dois críticos
que a definam do mesmo modo e formem dela o mesmo conceito.”
176
Para Sílvio Romero, ninguém havia conseguido até então delimitar com nitidez o
terreno, nem a natureza da crítica. Na sua visão, porém, ela deve ser entendida como um
processo, um método, enfim, “não é mais que um simples controle das vistas alheias”.
177
Esse caráter disciplinador da crítica também é enfatizado por Machado de Assis. Em
1865, Machado publica no Diário do Rio de Janeiro o ensaio Ideal do crítico, no qual afirma
que a crítica de seu tempo encontra-se desamparada pelos esclarecidos, sendo exercida pelos
“incompetentes”. Para o autor, as conseqüências dessa situação são óbvias: “As musas,
privadas de um farol seguro, correm o risco de naufragar (...).”
178
Portanto, Machado deixa clara uma opinião controversa: a de que a crítica literária é
necessária para o estabelecimento de uma literatura, ou melhor, de uma literatura de
qualidade: “(...) mas qualquer pode notar com que largos intervalos aparecem as boas obras.
(...) Quereis mudar essa situação aflitiva? Estabelecei a crítica (...)”.
179
Bastante pessimista em relação à crítica de seu tempo, resta a Machado levar o olhar
para adiante. Como se nada adiantasse exigir qualidades dos seus contemporâneos, Machado
176
ROMERO, Sílvio. “Da crítica e sua exata definição”. In: História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio, 1953. p. 316
177
Ibidem p. 344
178
ASSIS, Machado de. “Ideal do crítico”. In: Crítica literária. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1962. p. 11
179
Ibidem p. 12
79
põe-se a dissertar sobre o que espera das gerações seguintes: “(...) eis o que eu exigira do
crítico do futuro”.
180
O crítico ideal de Machado deve ser independente, imparcial e tolerante, pois “A
intolerância é cega, e a cegueira é o elemento do erro.”
181
Além disso, por mais severa que seja, a opinião do crítico deve primar pela urbanidade
e moderação, pois a agressividade é inimiga da lucidez:
Uma crítica que, para expressão de suas idéias, só encontra fórmulas ásperas, pode perder as
esperanças de influir e dirigir. Para muita gente será esse o meio de provar independência;
mas os olhos experimentados farão muito pouco caso de uma independência que precisa sair
da sala para mostrar que existe
.
182
À época do artigo, Machado era um homem de imprensa, ainda um pouco longe do
grande romancista que conhecemos hoje. Em 1860, pelas mãos de Quintino Bocaiúva, foi
levado ao Diário do Rio de Janeiro, onde era responsável pelas resenhas dos debates do
Senado. Na mesma década, escreve quase todas as suas peças e os versos românticos de
Crisálidas. Somente depois de amparado por uma carreira no funcionalismo público é que o
escritor pôde se entregar à sua vocação de ficcionista. De 1870 a 1880, Machado produz os
contos e romances de sua fase “romântica”. É apenas em 1881, com Memórias póstumas de
Brás Cubas, que Machado atinge a maturidade literária, dando início a uma nova fase.
Portanto, a própria trajetória de Machado ilustra a idéia por ele defendida de que a
literatura alcança patamares mais elevados se norteada por uma crítica literária. Talvez o
exercício da crítica tenha contribuído para a formação de Machado como escritor.
Apesar disso, Machado tem consciência de que o estabelecimento de uma crítica
literária vigorosa exige tempo: “Se esta reforma, que eu sonho, sem esperanças de uma
realização próxima, viesse mudar a situação atual das coisas, que talentos novos!”.
183
Interessante é perceber que o mesmo gesto de Machado – o de olhar para o futuro –
será repetido pelas novas gerações de críticos, tão idealizadas por ele.
180
Ibidem
181
Ibidem p. 15
182
Ibidem p. 16
183
Ibidem p. 18
80
5.2 O híbrido conciliador
Depois da crítica literária brasileira ter passado pelo embate entre especialistas e não
especialistas em literatura, resta saber qual das duas deve permanecer nos jornais. A que
vencedor, enfim, devem ser entregues as batatas?
Alceu Amoroso Lima iniciou sua carreira de crítico militante em O Jornal, do Rio de
Janeiro, no ano de 1919. No primeiro artigo, intitulado Iniciando, Alceu esclarece os
princípios que nortearão sua coluna: “Ao jornal compete menos a obra de criação do que o
comentário e a divulgação. O jornal deve ser um orientador de espíritos, um guia
consciencioso de consulta fácil. Assim, não pode uma seção de bibliografia confinar-se na
seca enumeração de livros que afloram.”
184
Dessa forma, Alceu Amoroso Lima sugere que a simples enumeração de obras é tarefa
facilmente realizada por não especialistas, cabendo ao crítico literário o dever de
complementar a informação com o comentário responsável. Portanto, no início do século XX,
Mestre Alceu, como costumava ser chamado por alguns admiradores, já propunha um modelo
de crítico apto ao trabalho na grande imprensa: alguém que concilie embasamento teórico e
capacidade de diálogo com os leitores em busca de informação.
O mesmo pensamento será exposto por Flora Süssekind décadas mais tarde. Segundo
a autora, a década de oitenta é marcada pela aproximação entre imprensa e a universidade,
que até então se encontravam bastante distanciadas. Porém, para que o acadêmico conquiste
seu espaço nas seções de literatura, é preciso abrir mão do jargão especializado em nome de
um texto mais claro e objetivo, o que resulta na formação de um crítico acadêmico mais
atento às necessidades dos leitores comuns: “Da tensão entre o crítico-jornalista e o crítico-
scholar se originou o perfil do crítico moderno no Brasil”.
185
Contemporaneamente, Nélson de Oliveira, autor de diversas obras sobre a relação
entre jornalismo e literatura, ressente-se da ausência de um “híbrido conciliador”, capaz de
atender tanto aos objetivos da crítica acadêmica quanto aos interesses da crítica jornalística.
Para o autor de Verdades provisórias, a crítica literária brasileira atual vive uma crise
diferente das anteriores. Se antes acadêmicos e jornalistas se confrontavam nas páginas da
imprensa, agora parecem viver em esferas totalmente diferentes:
184
LIMA, Alceu Amoroso. Iniciando. O Jornal. 17 jun. 1919.
185
SÜSSEKIND, Flora. “Rodapés, tratados e ensaios”. In: Papéis Colados. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1993. p. 30
81
A verticalidade das teses acadêmicas, ruminadas ao longo de meses ou anos, e a
horizontalidade das resenhas jornalísticas, noticiando em primeira mão os momentos mais
promissores do mundo editorial, ainda não deram à luz o híbrido conciliador.
186
No entanto, para alguns, esse “híbrido conciliador” já pode ser encontrado nos jornais.
Seria o caso de acadêmicos cujos textos não são considerados herméticos. Seria o caso de
Antônio Cândido e Silviano Santiago, entre os mais antigos. Beatriz Resende, Gustavo
Bernardo e Flávio Carneiro estariam entre os mais recentes.
Portanto, temos delineado um novo ideal de crítico: alguém que, oriundo da
universidade, conjugue linguagem acessível e elegante a um conteúdo teórico na medida certa
para os leitores de suplementos literários.
Outro acadêmico, João Cezar de Castro Rocha, também tem lugar cativo nos
suplementos literários. Em recente artigo, ele analisa a relação entre literatura, crítica e
imprensa, citando o exemplo do polonês Marcel Reich-Ranick, sobrevivente do Gueto de
Varsóvia que conseguiu alcançar grande popularidade na Alemanha com seu programa sobre
literatura. Para João Cezar, o formato da sua crítica em muito se assemelha aos rodapés
brasileiros, mais próximos dos leitores do que a crítica acadêmica: “A maior parte da crítica
universitária trata a literatura como se ela fosse prioritariamente um artesanato intelectual,
retirando de seu tecido a preocupação com questões que diariamente afeta a todos.”
187
Dessa forma, João Cezar explica o sucesso de Marcel Reich-Ranick justamente por ele
ter percebido que falar sobre literatura deve ser uma prática que afete o cotidiano dos leitores.
Assim como outros especialistas no assunto, João Cezar também aponta para o surgimento de
uma nova geração de críticos formada na universidade, mas atenda à dinâmica da vida
cultural:
Teríamos, assim, não o retorno à ‘crítica de rodapé’, mas provavelmente a criação de um novo
tipo de comentário crítico. Comentário esse que, sem abrir mão das conquistas do ensino
universitário, dialogasse com as preocupações típicas do público leitor, cuja maior parte, salvo
engano, não freqüentou a Faculdade de Letras
.
188
No Idéias e Livros, do Jornal do Brasil, João Cezar mantém uma coluna de revisão de
clássicos, onde publicou textos como Alencar, autor de Madame Butterfly, em que traça um
paralelo entre Iracema e a ópera de Puccini estreada em 1904. Como o romance de Alencar é
de 1865, João Cezar sugere que a heroína indígena seja uma antecipação da gueixa Cio-Cio-
186
OLIVEIRA, Nelson de. Uma cajadada no cocoruto da crítica. Jornal do Brasil. 25 jun. 2005. Idéias e Livros.
187
ROCHA, João Cezar de. Literatura, crítica literária e a imprensa. Hoje?. O Globo. 28 jan. 2006. Prosa e Verso.
188
Ibidem.
82
San.
189
Vez por outra toca outros temas, como no artigo em que analisa a importância dos
suplementos literários. Nele, João Cezar defende a tese de que esses cadernos são os
responsáveis pela mediação entre o mundo da alta cultura e a sociedade. Por isso, sua
ausência ou falta de vigor é sintoma de uma vida cultural precária. Depois de citar alguns
exemplos bem-sucedidos ao redor do mundo, João Cezar afirma que não há muitos estudos
sobre os suplementos brasileiros, para os quais a sobrevivência ainda é a grande prioridade.
Por isso, ele faz um convite ao editor de qualquer jornal que se pretende importante: “(...)
invista com coragem num suplemento de qualidade, não espere resultados imediatos, antecipe
com bom-humor as perdas financeiras e simplesmente conquiste a posteridade.”
190
O autor lembra que os criadores do revolucionário Suplemento Dominical do Jornal
do Brasil, lançado nos anos 1950, ganharam a aposta e entraram para a história do jornalismo
brasileiro.
189
Cf. ROCHA, João Cezar de. José de Alencar: autor de Madame Butterfly. Jornal do Brasil. 7 jan. 2005. Idéias e Livros.
190
ROCHA, João Cezar de. Suplementos: a face da sociedade. Jornal do Brasil. 14 out. 2006. Idéias e Livros.
83
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No primeiro capítulo, vimos em que contexto histórico se deu a fundação do Jornal do
Brasil, um dos mais antigos e tradicionais da imprensa brasileira. Apesar do clima de
efervescência política, em função do fim da monarquia e da instauração da república, o jornal
consegue dedicar um pouco de suas páginas para assuntos ligados a diversas manifestações
culturais, como artes plásticas, teatro e literatura. Coube a José Veríssimo, em 1891, a tarefa
de dar início a uma crítica literária regular no jornal. No entanto, o crítico encontrou
dificuldades para exercê-la, visto que a nossa vida literária no período se encontrava bastante
ofuscada pelos últimos acontecimentos políticos. Até que Veríssimo se depara com a
publicação de Quincas Borba, de Machado de Assis, considerado por ele um modelo a ser
seguido pelos demais escritores em função de sua dedicação integral à literatura. Data dessa
época o embate público entre José Veríssimo e Silvio Romero, para quem Machado de Assis
não produzia uma obra à altura da nação, de acordo com sua crítica naturalista. Por outro lado,
Machado, a partir de seu posto de crítico, também havia considerado insignificante a poesia
de Silvio Romero.
No mesmo capítulo, tratamos dos sucessores de José Veríssimo no Jornal do Brasil,
dos quais merecem destaque Osório Duque-Estrada e João Ribeiro, ambos filiados à crítica
gramatical, surgida entre nós desde os tempos em que José de Alencar foi alvo de puristas,
sobretudo portugueses, em função do seu projeto de criação de uma língua literária
genuinamente brasileira.
Nesse ponto, pudemos afirmar que José Veríssimo, com sua crítica militante, e Silvio
Romero, com sua crítica sociológica, lançaram as bases para a formação de nossa crítica
literária. Entre os herdeiros da crítica militante estariam nomes como Alceu Amoroso Lima,
para quem esse tipo de atividade promove a vida literária, não obstante a superficialidade de
que pode ser vítima. Quanto à crítica sociológica, Antonio Cândido tratou de conferir a ela
uma nova perspectiva, aliando elementos os externos aos internos no processo de análise de
uma obra literária.
No segundo capítulo, abordamos o surgimento da indústria editorial no Brasil,
considerada precária desde os tempos de colônia. Esse estado de coisas começou a mudar com
a chegada da família real em 1808, quando a imprensa sofreu algum incremento por parte do
governo. No entanto, a mudança definitiva se deu somente a partir das primeiras décadas do
século XX, quando desponta na imprensa paulista o nome de Monteiro Lobato. Logo ele
84
passaria a ser um dos empresários mais importantes do setor de livros, revelando forte espírito
empreendedor na condução dos negócios de sua editora.
Mais adiante, abordamos o embate entre a crítica de rodapé e a acadêmica que foi
responsável por boa parte das polêmicas surgidas nos anos 40, como a querela entre Antonio
Cândido e Oswald de Andrade e entre Afrânio Coutinho e Álvaro Lins. Na década seguinte, o
Jornal do Brasil passa por uma ampla reforma editorial, cujo marco inicial foi a criação do
Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Divulgador de novas tendências estéticas surgidas
nos 50, como o concretismo, o suplemento pode ser considerado, em si mesmo, uma obra de
arte, tendo em vista que o seu projeto gráfico era extremamente arrojado para a época.
Depois, pudemos verificar que a situação do escritor no século XIX em pouco difere
daquele do século atual, que ainda se vê dividido entre a vontade de escrever e a necessidade
de sobreviver. Desde Machado de Assis a Luiz Rufatto, passando por Carlos Drummond de
Andrade e Clarice Lispector, boa parte dos nossos melhores escritores ganhou a vida nas
redações.
Por fim, constatamos que o embate entre a crítica militante e a acadêmica, ou entre
especialistas e não especialistas em literatura, foi reinventado através das décadas, resultado
numa permanente disputa por espaço nas editorias de cultura e literatura dos jornais de grande
circulação.
Porém, nosso trabalho não insistiu na manutenção dessa ambivalência, apontando para
um novo modelo de crítico de jornal, que consiste em alguém capaz de dialogar com os
leitores sem dispensar bons fundamentos teóricos.
85
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