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Sobre a saga dos trabalhadores envolvidos na construção da EFMM, existem, então,
outros indícios a partir das obras de Neville Craig, Manoel Rodrigues Ferreira, Márcio Souza,
além do já citado Francisco Foot Hardman.
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Em todas elas os barbadianos são mencionados,
como parte da massa de trabalhadores para aquele empreendimento, constituindo uma
memória daquele lugar como marcado pela exploração, mas, principalmente, pela morte de
seus trabalhadores. “Cada dormente uma morte”, célebre frase apresentada em “A Ferrovia do
Diabo” (Ferreira, 1981). Quanto aos barbadianos, de forma mais específica, a literatura que
procura dar conta da história da EFMM, corrobora determinadas imagens/idéias sobre sua
diferença, lingüística, racial, religiosa, às vezes como negros estranhos, violentos, e como um
contraponto a outros trabalhadores com os quais são contrastados racial e culturalmente, como
é o caso dos alemães; imagens que, difundidas de longa data, alcançaram recentemente o
grande público com a apresentação da minissérie Mad Maria, pela Rede Globo, em de janeiro
de 2005, baseada no romance de Márcio Souza, e que impulsionou uma série de reportagens
sobre a “ferrovia da morte” e seus trabalhadores “mortos-vivos”.
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Importante, contudo, é destacar que as diferentes obras que tratam da EFMM, para
além das pistas que possam fornecer sobre as imagens acerca dos trabalhadores e dos
significados de que a entrada de negros, como os barbadianos, possam ter se revestido
naquele contexto na região, indicam o movimento mais amplo de trabalhadores de diferentes
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A obra de Neville Craig (1947) é, na verdade, o relato de alguém contemporâneo ao fato, lá atuando na
condição de engenheiro que, no seu relatório, apontava os problemas enfrentados pelos trabalhadores. Manoel
Rodrigues Ferreira (1981 [1959]) é o autor que mais claramente trabalhou com a idéia de uma “ferrovia do
diabo”, dados os percalços para sua construção, doenças e mortes dos trabalhadores. Ao discorrer sobre a
“legião estrangeira de trabalhadores” utilizada na construção dessa ferrovia do diabo, afirmou que apenas no ano
de 1910, dos 6.090 homens engajados nas obras, 494 eram engenheiros, maquinistas, mecânicos, dentre outras
especialidades, enquanto a grande maioria, isto é, 5.596 eram operários, exercendo atividades braçais; destes
operários, o maior contingente teria vindo das Antilhas e de Barbados, mais especificamente: 2.211
trabalhadores. Os demais seriam brasileiros e portugueses (1.636), espanhóis (1.450), sendo que 299 tinham
procedência desconhecida. Márcio Souza (s/d [1980]), conhecido escritor nascido no Amazonas, produziu um
romance, em que a locomotiva, Mad Maria (Maria Louca) aparece como uma mulher naquele cenário de
homens, povoando os sonhos dos engenheiros e os pesadelos dos trabalhadores. Realidade e ficção se misturam
numa narrativa que recupera importantes fatos da história da construção de ferrovias no Brasil, e na qual uma
atenção especial é conferida pelo autor aos barbadianos, sempre às voltas com conflitos ora com os
preconceituosos alemães, ora com os famintos e subordinados hindus. Francisco Foot Hardman (1988),
finalmente, analisa a história da EFMM no quadro geral da construção das ferrovias, do império do ferro e do
vidro, a partir das proposições marxistas críticas ao capitalismo, e apontando modernidade e fantasmagorias
como elementos que caminham juntos. Trata-se de uma obra fundamental, sobretudo, pela pesquisa de fôlego
que disponibiliza ao leitor, feita em arquivos e bibliotecas nacionais e estrangeiros, que procura apontar,
também, os problemas enfrentados por aqueles trabalhadores, “proletários nômades contratados”, como definiu
Hardman, denunciando a situação dos mesmos, que foram valorizados apenas enquanto força de trabalho.
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O governo do estado de Rondônia financiou a execução do projeto, com claros fins turísticos. Além disso, e
aproveitando aquele momento, publicações foram lançadas, como o “DOSSIÊ Madeira-Mamoré. A Ferrovia da
Morte”. In: Revista História Viva, n. 14, 30-53, São Paulo: Duetto, dez. 2004; e outras relançadas, como a obra
aqui já mencionada de HARDMAN, 1988, pela Companhia das Letras, em edição revista e ampliada.