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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO – FAED
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA - MESTRADO
MICHELE RODRIGUES TUMELERO
A LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA E OS INVESTIMENTOS
FEITOS SOBRE AS MULHERES E AS CRIANÇAS NA CONSTRUÇÃO
DE UMA ‘NOVA’ CHAPECÓ-SC (1940 – 1960)
FLORIANÓPOLIS,SC
2010
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MICHELE RODRIGUES TUMELERO
A LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA E OS INVESTIMENTOS
FEITOS SOBRE AS MULHERES E AS CRIANÇAS NA CONSTRUÇÃO
DE UMA ‘NOVA’ CHAPECÓ-SC (1940 – 1960)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História, Área de Concentração
em História do Tempo Presente, como requisito
parcial para a obtenção do tulo de Mestre em
História.
Orientadora: Profa. Dra. Cristiani Bereta da
Silva
FLORIANÓPOLIS,SC
2010
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MICHELE RODRIGUES TUMELERO
A LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA E OS INVESTIMENTOS
FEITOS SOBRE AS MULHERES E AS CRIANÇAS NA CONSTRUÇÃO
DE UMA ‘NOVA’ CHAPECÓ-SC (1940 – 1960)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, Área de
Concentração em História do Tempo Presente, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em História.
Banca Examinadora
Orientadora: _____________________________________________
Profa. Dra. Cristiani Bereta da Silva
UDESC
Membro: ______________________________________________
Profa. Dra. Lidia Maria Vianna Possas
UNESP
Membro: ______________________________________________
Profa. Dra. Silvia Maria Fávero Arend
UDESC
Suplente: ______________________________________________
Profa. Dra. Marlene de Fáveri
UDESC
Florianópolis, SC, 25/02/2010
4
AGRADECIMENTOS
Nessa caminhada percorrida durante o mestrado, pude vivenciar momentos
de amizades e de solidariedade na construção de um projeto de vida. Mesmo
correndo o risco de deixar de citar pessoas que tomaram parte nessa trajetória,
gostaria de lembrar e agradecer algumas pessoas especiais. Meu primeiro
agradecimento será sempre à minha mãe, que se tornou um exemplo para que eu
nunca desistisse de meus objetivos.
À minha avó Maria Jorgina e à minha tia Maria Gleci, que me acolheram em
sua casa durante a escrita da dissertação.
À Denise, por ter ficado ao meu lado me incentivando durante a pesquisa.
À professora Cristiani Bereta da Silva, que, além de ser uma orientadora
segura, atenta e paciente, mostrou-se uma verdadeira amiga. Sou grata a ela por
suas críticas, sugestões e pelo permanente estímulo.
Ao Willian, colega de jornada acadêmica que se tornou um grande amigo.
Agradeço também aos professores do Programa de Pós-Graduação em
História da UDESC, em especial às professoras Silvia Maria Fávero Arend e Marlene
de Fáveri, por haverem participado da minha qualificação e pelas contribuições à
minha pesquisa.
Aos funcionários do Centro de Memória do Oeste Catarinense, do Arquivo
Público do Estado de Santa Catarina e do Arquivo da Legião Brasileira de
Assistência da Previdência Social de Florianópolis, em especial à Roseli Machado,
que contribuiu muito na captação das fontes.
Ao seu Antonio de Camargo, que abriu as portas de sua casa, na busca de
fonte para a minha pesquisa. Pessoa querida, amável, gentil e que tenta de todas as
maneiras guardar a história de vida de seu pai, Darcy de Camargo.
À UDESC pela concessão da Bolsa Promop, que possibilitou a mim maior
tranquilidade no último ano da pesquisa.
Ao Daniel Mendonça pela revisão primorosa.
Meu eterno carinho a todos.
5
RESUMO
TUMELERO, Michele Rodrigues. A Legião Brasileira de Assistência e os
investimentos feitos sobre as mulheres e as crianças na construção de uma
“nova” Chapecó-SC (1940–1960). 2010. 132 f. Dissertação (Mestrado em História
Área: História do Tempo Presente). Universidade do Estado de Santa Catarina.
Programa de Pós-Graduação em História, Florianópolis, 2010.
Esta dissertação problematiza o processo de disciplinamento das práticas e
costumes na cidade de Chapecó entre as décadas de 1940 e 1960, sobretudo, e
principalmente, a partir da implantação da Legião Brasileira de Assistência na
cidade. A pesquisa realizada a partir de diferentes fontes documentais revela
que esse processo enfatizava sobremaneira um determinado projeto de civilidade
que teve como principais alvos as crianças e as mulheres. Tal projeto buscava
intervir na organização familiar no que toca ao cuidado das crianças pela família e
também visava moralizar e disciplinar o corpo infantil e o feminino dentro de uma
lógica voltada ao higienismo e ao eugenismo. A criação de políticas sociais, bastante
evidentes a partir da implantação da Legião Brasileira de Assistência na cidade,
voltava-se à saúde e à educação. Era a partir desses lugares que se buscava a
reformulação dos hábitos e costumes da família nos espaços público e privado,
elegendo-a como construtora e mantenedora de uma sociedade sadia, educada e
organizada. O esforço em civilizar Chapecó foi feito num contexto de
recrudescimento do nacionalismo e na busca de se integrar a cidade ao território
catarinense. Antes representada como terra violenta, de índios e caboclos, Chapecó
vai ser alvo de projetos que objetivam deslocar essa ideia para a de terra de
trabalho, de povo desbravador e educado, disposto a concretizar o ideal de cidade
moderna e civilizada.
Palavras-chave: Legião Brasileira Assistência, infância, mulheres.
6
ABSTRACT
This dissertation discusses the process of disciplining the practices and habits in the
city of Chapecó between the 1940s and 1960s, especially from the implementation of
the Brazilian Legion of Assistance in the city. The research – carried through different
documental sources reveals that this process greatly emphasized a certain project
of civility which aimed children and women, mainly. Such project sought to interfere
in family organization with regard to the care of children and also tried to moralize
and discipline the infantile body as well as the feminine one through a system based
on hygienism and eugenism. The creation of social policies, quite evident from the
implementation of the Brazilian Legion of Assistance in the city, was directed to
health and education. It was from these places that a recast of the familiar habits and
customs in the public and private spaces was sought, choosing it as a builder and
maintainer of a healthy, educated and organized society. The efforts to civilize
Chapecó took place in the context of a recrudescence in nationalism and a seeking
to integrate the city to the territory of Santa Catarina. Inicially represented as a violent
land, of Indians and caboclos, Chapecó has been the subject of projects that aimed
to change this idea to the concept of work land, of pioneer and educated people
willing to achieve the ideal of a modern and civilized city.
Keywords: Brasilian Legion of Assistance. Childhood. Women.
7
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS
........................................................................................................................ 4
RESUMO
.............................................................................................................................................. 5
ABSTRACT
.......................................................................................................................................... 6
INTRODUÇÃO
.................................................................................................................................... 8
PRIMEIRO CAPÍTULO - “CIDADE DAS ROSAS” OU “TERRA DE NINGUÉM”?
REPRESENTAÇÕES SOBRE CHAPECÓ E A INSTAURAÇÃO DE UMA NOVA
ORDEM
............................................................................................................................................... 22
1.1 A ocupação e o desejo de integrar o Oeste ao Estado catarinense ..... 34
1.2 A preocupação em salvar a população: a vinda do médico Dr. Darcy de
Camargo e a implantação de uma política higienista ...................................... 47
SEGUNDO CAPÍTULO - A LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA E AS
INTERVENÇÕES EM BUSCA DE UMA NOVA NORMA FAMILIAR
.............................. 53
2.1 A Legião Brasileira de Assistência e os cuidados com a criança:
intervenções em busca de uma nova norma familiar ...................................... 63
2.2 A incorporação da Legião Brasileira de Assistência nos discursos do
jornal A Voz de Chapecó .................................................................................... 76
2.3 A Semana da Criança e os concursos infantis ........................................... 79
TERCEIRO CAPÍTULO - O PRIMEIRO-DAMISMO E AS INTERVENÇÕES DAS
POLÍTICAS ASSISTENCIAIS SOBRE AS MULHERES
..................................................... 89
3.1 Um novo conceito de educação para as famílias ..................................... 101
3.2 Mães cuidadosas, filhos saudáveis: intervenção da Legião Brasileira no
disciplinamento da mulher em Chapecó ......................................................... 111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
........................................................................................................ 119
FONTES
........................................................................................................................................... 123
REFERÊNCIAS
.............................................................................................................................. 125
8
INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem como cenário de investigação a cidade de
Chapecó
1
, e neste espaço se pretende analisar em que medida a instalação da
Legião Brasileira de Assistência esteve relacionada ao projeto de civilidade e
moralização do Oeste Catarinense no período de 1940 a 1960.
A Legião Brasileira de Assistência, a partir de 1945, teve como objetivo
estender sua luta em defesa da maternidade e da infância, em prol do Estado
nacional. Essa instituição, preocupada em garantir a moralização e o reajustamento
infantil, se disseminou por todo o território nacional imbuída do discurso de proteção
à maternidade, à infância e à adolescência desprovidas de recursos materiais. Tal
política estava diretamente associada à preservação e manutenção da célula familiar
responsável, em primeira instância, pela formação de bons cidadãos e cidadãs.
A delimitação temporal é dada a partir da instalação da Legião Brasileira de
Assistência em Chapecó, no ano de 1943. Com a instalação dessa instituição
observam-se intervenções bem específicas, com o objetivo de construir uma
Chapecó mais moderna e civilizada. Essas intervenções acontecem, sobretudo, a
partir de uma distribuição discursiva produzida sobre as mulheres e as crianças
chapecoenses, que circulam visando fixar na cidade modelos hegemônicos de
família e infância. Nesse sentido, a presente pesquisa problematiza diferentes
questões relacionadas às mulheres e à infância, a partir das categorias de gênero e
de representações. Tanto os temas quantos as categorias analíticas que pretendo
utilizar vêm norteando dezenas de pesquisas que fizeram uma renovação na
historiografia construída sobre o Brasil, pelo menos a partir dos anos 1980 do século
XX.
Para entendermos o processo de construção de civilidade e moralização da
sociedade chapecoense, precisamos compreender o processo de colonização no
Oeste Catarinense. Convém lembrar que esse processo ampara-se na ideologia da
colonização europeia no país. Sobre os descendentes de europeus vindos das
colônias velhas do Rio Grande do Sul investiam-se ideias e depositavam-se
expectativas de civilidade e progresso. E, se considerarmos que as teorias
1
Cidade localizada no Oeste Catarinense, a 650 quilômetros da capital do Estado, Florianópolis. Ver
mapa na página 21.
9
evolucionistas e eugenistas ainda estavam latentes nos anos 1920, supõe-se que o
branqueamento da população também era bastante desejável com a vinda desses
imigrantes. Esse projeto colonizador da região deixava bem claro também que a
preferência por descendentes de europeus excluía ou ocultava o elemento caboclo
do Oeste Catarinense.
Abandonada pelos poderes públicos, essa região era vista como uma terra de
ninguém, violenta, incivilizada. Foi marcada por conflitos étnicos e econômicos, bem
como por disputas de fronteiras, levando à construção de um imaginário social que
remetia a uma região do caos. Com a chegada dos imigrantes descendentes de
italianos oriundos do Rio Grande do Sul, começa a configurar-se outra imagem para
a região. Através de colonização de terras pela Colonização Bertaso, percebe-se,
nos discursos, uma série de enunciados que procuraram constituí-la como região
opulenta em recursos naturais e extensão geográfica; com uma população voltada
para o trabalho, fadada ao progresso. Nesse mesmo período havia toda uma
preocupação do então interventor Nereu Ramos (1937-1945) de integrar o Oeste
Catarinense ao território de Santa Catarina. Para o governo, a região só se integraria
a partir da implantação de políticas blicas relacionadas à saúde e à educação
como um caminho racional para consolidar o ideal de família brasileira.
Entre o período de 1920 a 1940, consolidavam-se discursos sobre civilidade e
progresso ligados à chegada dos imigrantes à região. Observa-se também a partir
disso a efetivação do recorte regional do Oeste Catarinense como terra do trabalho
ou celeiro do Sul do país, juntamente com um discurso que procurava forjar novas
identidades de gênero e novas formas de definição e redefinição de família, em
oposição a uma imagem de terra de ninguém, de banditismo e de caudilhismo, mais
visível e divisível.
A partir da década de 1950, esses discursos põem em perspectiva novas
questões na cidade Chapecó. Essas questões foram construídas com a intervenção
da Legião Brasileira de Assistência e as políticas públicas trazidas por ela à região.
As mulheres e as crianças são os principais sujeitos dessas ações e políticas, alvos
de intervenções centralizadas em um processo de civilidade e de moralização em
que o controle e a limpeza do espaço público eram emergenciais, e possíveis por
meio da educação e saúde da população. “A emergência é, portanto, a entrada em
cena das forças; é sua interrupção, o salto pelo qual elas passam dos bastidores
10
para o teatro”.
2
Como instituição catalisadora e veiculadora dessas intervenções, a Legião
Brasileira de Assistência ocupa lugar privilegiado nesse processo. De acordo com
René Lourau
3
, denomina-se instituição o conjunto de forças sociais em atuação
numa situação aparentemente regida por normas universais em vista de uma
produção precisa. Dessa forma, a instituição pode ser entendida como aquela que
assume a reprodução e a produção de relações sociais num dado momento.
A
instituição é, assim, uma dinâmica que se constrói na história e em relação a esta,
devendo ser tomada sempre como um movimento, jamais como imobilidade.
4
E,
ainda segundo esse estudo, a noção de instituição abarcaria três movimentos: o
instituído, significando o jogo de forças que atuam no sentido de produzir certa
imobilidade; o instituinte, que se define como conjunto de forças que tendem a
transformar as instituições ou produzi-las quando não existem; e a
institucionalização, que é o produto contraditório do instituinte e do instituído, em luta
permanente, em constante transformação como as forças que entram em
dissolução.
5
Cumpre destacar que a partir da ideia de instituição diferencia-se a noção de
estabelecimento, sendo este último definido como um local geográfico onde se
utilizam as diferentes instituições, como estrutura, hierarquia, horários, utilização do
tempo, regulamento, entre outras. O estabelecimento pode ser definido como
espaço ocupado por muros, mobiliários etc. As instituições seriam o oposto, não
podem ser apreendidas através da realidade das coisas das organizações.
Os estudos sobre a história da infância sofreram impactos significativos a
partir da publicação do trabalho pioneiro de Philippe Ariès, que analisa, por meio de
pesquisa iconográfica, como se deu a produção da infância na Europa
6
. Uma série
de acontecimentos localizados entre o final da Idade Média e o século XIX
possibilitou a emergência, na Europa, da preocupação com a criança como um ser
particular, separado do adulto e alvo dos princípios da disciplina e da racionalidade.
A partir dessas mudanças a criança passaria a ser observada, paparicada, mimada
2
FOUCAULT, Michel, 1993, p. 24.
3
LAPASSADE, Georges & LOURAU, René, 1971, p. 45.
4
LOURAU, René,1992, p.12
5
Idem.
6
ARIES, Philippe, 1981
11
e definitivamente amada. Segundo Van Ussel
7
, antes dessa época não havia uma
fronteira formal entre a criança e o adulto, ou entre o jovem e o adulto, mesmo em
relação ao afeto. A linguagem não oferecia conceitos diferentes para o adulto e para
as crianças. Tampouco havia a preocupação em medir exatamente o tempo de vida
dos sujeitos ou mesmo das coisas, o que resultava na falta de marcos ou começos
definidos de quando uma criança passava a ser um jovem ou de quando este
passava a ser um adulto.
Essa preocupação em salvar a criança, despertada no século XVIII, gera a
necessidade da inserção de uma norma familiar burguesa. Tornava-se essencial
organizar as famílias, evidenciando a figura das mulheres, como mães, responsáveis
em garantir a eficácia na gestão do caráter infantil. Assim, a família desenvolveu
uma aliança com a medicina, através da submissão à higiene, que resultou na
intimização e estatização dos indivíduos. Produzem-se indivíduos preocupados com
sua intimidade física e emocional, desprendidos de suas raízes familiares extensas e
centrados na família nuclear, preocupada com cuidados físicos e sentimentais. A
produção do indivíduo moderno necessitou de uma ruptura com as relações de
casta, religião e propriedade.
A emergência dessa nova ordem burguesa reflete-se no Período Republicano
no Brasil, com a necessidade de romper com as visões estereotipadas de um país
arcaico, conservador, atrasado e pouco desenvolvido em seus conceitos sociais,
culturais e econômicos. Para isso, era preciso acabar com a imagem que assolava
as cidades, de insalubridade e insegurança com a construção de um modelo de
urbanização que atingisse as expectativas de um país civilizado e nos caminhos do
progresso sob a ideia de modernização. Para Nicolau Sevcenko, essa situação
mudaria na medida em que “somente oferecendo ao mundo à imagem de plena
credibilidade era possível drenar para o Brasil uma parcela proporcional da fartura,
conforto e prosperidade em que já chafurdava o mundo civilizado”.
8
Para que essa imagem de credibilidade, fartura e conforto viesse a se
concretizar, era necessário investir na regeneração da família brasileira. Como
objeto de intervenção e interdição, a família passa a ser preparada dentro dos
aspectos higiênicos “para acomodar-se e participar na criação dos valores de classe,
7
VAN USSEL, Jos, 1980. p. 47.
8
SEVCENKO, Nicolau, 1989. p. 29.
12
corpo, raça e individualismo característico do Estado Burguês”.
9
A partir disso, os
pais modificaram suas relações com seus filhos, e a família passou a ser concebida
como um lugar exclusivo de proteção e cuidados da infância.
Nietzsche, em sua obra “A Genealogia da Moral”
10
, contextualiza que a
moralidade não é um traço natural e nem um legado da graça de Deus, ela foi
adquirida através de um processo de adestramento que tornou o homem um ser
previdente e previsível. Foi preciso que se construísse uma memória sobre a moral.
Nesse sentido percebe-se como a Legião Brasileira de Assistência apropriou-se de
uma memória da moralidade traçada na disciplina, na ordem e na norma para atuar
como um programa de condicionamento das famílias, das mulheres e das crianças,
através de representações de práticas higiênicas, estabelecendo um novo olhar no
comportamento da população e modelando seus hábitos e costumes.
A Legião Brasileira de Assistência estabelece uma parceria através de
convênios com a saúde e a educação que vão ser os grandes motores da
implantação do programa almejado por ela em todo o Brasil. “Desempenharia um
papel especial de grande importância no progresso de um mecanismo do processo
civilizador do homem civilizado”.
11
O desenvolvimento de uma nova individualização
dos agentes sociais como frutos de um processo civilizador, através de uma
contenção própria de comportamento, aparece na constituição da civilidade, a partir
do século XVI.
As novas abordagens da história permitem pensar a História do Tempo
Presente, domínio de estudos que busca problematizar questões contemporâneas
ao historiador. Narrar, interpretar, buscar explicações para acontecimentos,
fenômenos sociais, culturais, práticas, enfim, encetar uma produção historiográfica
situada no domínio do tempo presente não significa propriamente fazer um trabalho
relacionado a um período muito próximo. Segundo François Dosse, a História do
Tempo Presente é diferente também porque participa de um paradigma buscado na
ruptura com o tempo único e linear e que pluraliza os modos de racionalidade, não
deve limitar seu objeto ao instante
12
. Os longos debates sobre o estatuto da História
e a busca por outros paradigmas explicativos da realidade nas últimas décadas
impõem reflexões sobre as implicações e tensões sobre as fronteiras, alcances,
9
COSTA, Jurandir Freire, 1983, p.151
10
NIETZSCHE, Friedrich, 2007.
11
ELIAS, Norbert, 1994, p. 23.
12
DOSSE, François, 2001, p.93.
13
possilidades das pesquisas realizadas sob esse domínio. As fontes utilizadas, os
temas e problemas assumidos nesta pesquisa notadamente possuem elementos
para a realização de uma história consequente sobre temas do presente e das
questões que lhe são inerentes.
Essas politicas públicas relacionadas à infância e à maternidade
implementadas durante o Estado Novo tinham a criança como o futuro da nação.
Era preciso inserir na sociedade um sentimento de infância, para que ela crescesse
saudável, feliz, bem educada dentro do seio da família. Essa problemática sobre a
infância continua sendo questão de estudo para a História do Tempo Presente, visto
que o maior controle por parte do Estado ainda não tem garantido proteção e direitos
as crianças e adolescentes no Brasil.
A partir da pesquisa empírica nos arquivos do Estado de Santa Catarina
pretende-se analisar a implantação da Legião Brasileira de Assistência e seus
compromissos com a integração de Chapecó no cenário modernizante da nação
brasileira. Esta pesquisa, portanto, justifica-se por contribuir para a compreensão da
história de Chapecó e da região, durante o período do Estado Novo, a partir do
estudo da Legião Brasileira de Assistência e dos discursos proferidos por ela. Dessa
maneira busca-se compreender os aspectos da história de uma instituição que atuou
como representante da história e da memória da sociedade, e que, em sua atuação
e produção de discursos, em parte centrada na ideia do progresso e da civilização
da região, contribuiu para mapear e reorganizar a cidade de Chapecó, no Oeste
Catarinense.
A pesquisa histórica caracteriza-se sobremaneira pela utilização frequente de
fontes escritas e iconográficas. Essa relação com as fontes marca significativamente
o fazer do historiador. Assim, a investigação que resultou neste trabalho foi
realizada em diferentes arquivos do Estado de Santa Catarina, nesses lugares foram
pesquisados documentos tais como: relatórios das atividades realizadas pela Legião
Brasileira de Assistência durante os anos de 1943, 1944, 1945, 1965 e 1978 nas
cidades de Santa Catarina; o Arquivo da Previdência Social, em Florianópolis, em
que se encontra toda a documentação da Legião Brasileira de Assistência de
Chapecó e de outras cidades catarinenses. Esse arquivo contém orçamentos para
aberturas de centros de puericultura no Estado, dossiês com prestações de contas
do dinheiro que foi entregue ao estabelecimento para construção dos projetos, todos
os gastos com notas fiscais anexadas de infraestrutura, alimentação, material
14
didático, contratação de funcionários etc., cartões-ponto em que constam os dias de
trabalho dos funcionários e as portarias em que estão as mudanças de normas da
instituição, contratações, férias e demissões de funcionários. Quando a Legião
Brasileira de Assistência foi extinta em 1995, toda a sua documentação foi
armazenada nesse local.
Além desses documentos foram trabalhados também impressos jornalísticos,
como o jornal A Voz de Chapecó, fundado em 3 de maio de 1939, durante o Estado
Novo, pelo Coronel Ernesto Francisco Bertaso, pelo juiz em disponibilidade Antonio
Selistre de Campos e pelo advogado e futuro prefeito de Chapecó (1947) Vicente
Cunha. Tratava-se de um jornal que dava total cobertura ao pessedismo,
defendendo os interesses do partido nos âmbitos federal, estadual e municipal,
principalmente nos períodos de campanhas eleitorais, promovendo suas
realizações, bem como as da Empresa Colonizadora Bertaso e de pessoas ligadas à
família.
13
Também foi pesquisado o Jornal Imparcial, fundado em 17 de julho de
1946 na cidade de Palmitos. O referido jornal depois migrou para Chapecó, onde
obteve maior circulação. Esses jornais se encontram no Centro de Memória do
Oeste Catarinense (CEOM), em Chapecó. Nesses jornais encontramos os discursos
que eram enunciados pelas autoridades locais e pela sociedade em geral sobre a
formação de cidadãozinhos catarinenses.
Partindo-se da pressuposição de que a linguagem jornalística se apresenta
com pretensões de subjetividade, visando como se deram as formas de ação,
silêncio e divisões de papéis. Portanto, as fontes escolhidas para este estudo se dão
pela riqueza de informações, bem como por fornecer caminhos metodológicos que,
no caso específico, ainda não foram explorados dessa forma. uma série de
questões a serem observadas, tendo em vista que a linguagem enquanto discurso é
uma interação, um modo de produção social; não é neutra, inocente, e nem natural,
por isso é um lugar de manifestação de ideologia.
14
No momento em que a linguagem como palavra disseminada, se
torna um objeto de conhecimento, eis que aparece sob uma
modalidade estritamente oposta: silenciosa, cautelosa deposição da
palavra sobre a brancura de um papel, onde ela não pode ter nem
13
HASS, Monica, 1999, p. 161.
14
BRANDÃO, Helena H. Nagamine, 1997, p. 12.
15
sonoridade, nem interlocutor, onde nada mais tem a dizer senão a si
própria, nada mais a fazer senão cintilar no esplendor de seu ser.
15
O trabalho com a imprensa exige que o pesquisador perceba as
intencionalidades tecidas nos discursos jornalísticos em que o mundo da infância
torna-se um fenômeno crescente de noticiabilidade a partir da própria realidade do
país e de seu jornalismo nas ultimas décadas. Essas intenções vão ao encontro de
como o jornalista encara a infância e a criança enquanto “potencial noticioso e em
que medida considera que o jornalismo deve ter um papel social de compromisso
com a lei aprovada pelas Nações Unidas, e com as crianças de cada país e do
mundo”.
16
Para Cristina Ponte a criança torna-se um material noticiável a partir da
realidade da imprensa norte-americana, a partir do pós-Guerra, nomeadamente nas
batalhas pelos direitos cívicos ocorridas nas décadas de 1950 a 1960, e no esforço,
sobretudo, nos finais dos anos de 1960 e nas décadas seguintes, em prol de
sistemas facilitadores de integração social da maioria da étnica, nomeados por um
programa de compensação educativa e de assistência pública. Nos anos de 1960 a
1970, a educação e a assistência foram marcadas por discursos engajados
socialmente, que impulsionam a sua democratização e alargamento das
possibilidades de acesso e o sucesso de crianças socialmente desfavorecidas.
17
A
autora destaca, ainda, que o jornalismo trabalha como uma espécie “de agenda
pública é feita com base na auscultação de grupos locais, com contraponto às
agendas oficiais.”
18
Dessa forma o jornalismo aparece como uma forma de democracia cujo
objetivo final não é fazer notícia, reputação, manchetes, mas simplesmente fazer a
democracia funcionar. Assim, quem continua a decidir o que é notícia são os
jornalistas. Para Cristina Ponte o interesse noticioso pela cobertura dos temas
ligados à infância e à família tem crescido, e como o uso de imagens de crianças em
matérias nacionais e internacionais é recente. A criança passa a ser eleita como
símbolo da pureza e da inocência, e é tomada como referência moral. Salvar a
democracia implica salvar as crianças da fome e dos maus-tratos.
19
15
FOUCAULT, Michel, 1999, p.416
16
PONTE, Cristina, 2005, p. 84
17
Idem, p. 85.
18
Idem, p. 86.
19
Idem, p. 86-87
16
O acesso a essas fontes possibilitou uma leitura acurada a respeito dos
diferentes discursos, mensagens, artigos, propagandas e publicações de decretos,
leis, atos do poder municipal relativos à necessidade de identificar a formação do
cidadão em Chapecó e região. Outro acervo que pude analisar pertence a família do
médico Darcy de Camargo, que trabalhou na Legião Brasileira de Assistência. Esse
acervo encontra-se na casa de seu filho Antonio de Camargo, um senhor muito
simpático e comprometido em guardar a história o só de seu pai, mas também da
cidade. No acervo pude encontrar o “diário de anotações” do médico, documentos e
também várias fotos dos concursos de Robustez Infantil, Garoto do Ano, Rainha
das Bonecas e desfile de moda infantil. Todos esses concursos ocorriam na
Semana da Criança em Chapecó. Essas fotos estavam em seu poder, pois afinal
quem fazia a inscrição era o médico da Legião Brasileira Darcy de Camargo.
A escolha das fontes depende não apenas do objeto de pesquisa, mas
também da delimitação do problema da pesquisa, isto é, dos recortes efetuados. As
investigações no diário de anotações do médico Darcy de Camargo foram muito
importantes para a realização desse trabalho. No que se refere a esses relatos,
convém não esquecer do alerta de Pierre Bourdieu sobre a ilusão bibliográfica”
20
.
Ou seja, aquela gerada pelo individuo que conta sua história e expõe sua memória.
Para Bordieu, esse processo evidencia o sujeito que conta como ideólogo de sua
própria história, selecionando certos acontecimentos significativos em razão de uma
intenção global e estabelecendo conexões adequadas para dar-lhes coerência, nos
quais os sentidos são produzidos por uma retórica ordenadora marcada pela
descontinuidade do real. Trata-se de um esforço de representação, ou melhor, de
produção de si mesmo, realizada pelo memorialista.
21
Certamente as anotações do
médico Darcy de Carmargo sobre as práticas de saúde da região e seu próprio
posicionamento sobre essas práticas, dizem muito sobre as práticas de saúde
levadas a cabo naquele momento e lugar, em meio ao processo de instauração de
um saber autorizado pela medicina oficial - sob os auspícios da Ciência - em
contraposição as práticas de saúde caseiras da população local.
Partindo da premissa que toda a “fotografia é um resíduos do passado”
22
o
trabalho com as imagens fotográficas encontradas no acervo particular da família do
20
BOURDIEU, Pierre, 1996.
21
Idem, p.57.
22
KOSSOY,Boris, 2001, p.45.
17
médico Darcy de Camargo possibilitou a construção de fragmentos da memória,
como descrições visuais, situando o investigador no tempo e no espaço. O
pesquisador Boris Kossoy lembra que “toda fotografia tem atrás de si uma história”
23
.
Nesse sentido, reconhecer essa história significa reconhecer a existência pelo
menos de três estágios que marcaram sua trajetória: em primeiro lugar, a intenção
para que a fotografia existisse; em segundo o ato do registro que deu origem a
materialização da fotografia e, finalmente, os caminhos percorridos por ela.
24
No
caso das fotografias em questão, trata-se de artefatos em cuja descrição se
encontra os sinais da intenção do ato fotográfico e dos caminhos por ela percorrido:
registrar os acontecimentos relativas a constatação e efetivação da construção das
políticas públicas de saúde envolvendo famílias, mulheres e criança no município de
Chapecó. Desse modo, ainda, segundo Boris Kossoy:
Ver, descrever e constatar não é suficiente na analise de uma
fotografia. É necessário buscar o significado do conteúdo do assunto
registrado que quer ser concebido como resultado de uma seleção
de possibilidades de ver, optar, fixar um certo aspecto da realidade
primeira, cuja a decisão coube exclusivamente ao fotógrafo, quer
estivesse ele registrando o mundo para si mesmo, quer a serviço de
seu contratante. Haveria, nessa seleção, uma primeira
manipulação/interpretação da realidade, pelo fotógrafo que pode ser,
consciente ou inconsciente premeditada ou ingênua, estando ele a
serviço ou não do contratante
25
.
Evidentemente que as fotografias usadas nesse trabalho, embora sejam
tomadas como fragmentos do passado, não são pias do real, mas uma emanação
do real passado
26
. As fotografias relativas as comemorações da Semana da Criança
mostram a criança como foco principal de intervenções, sugerem interpretações
sobre um contexto histórico bastante específico, local, em suas articulações e
referências com políticas públicas nacionais e internacionais. Sugerem ainda, que
eram sim usadas para fixar sentidos sobre essas políticas entre a população local,
lembrando que eram publicadas nos jornais locais, eram dadas a ver, circulavam
nos jornais locais, eram expostas nos postos de saúde, mostradas para amigos e
parentes.
Para Michel Foucault, em toda a sociedade a produção do discurso é ao
mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número
23
Idem.
24
Idem.
25
Idem, p. 95.
26
BARTHES, Roland, 1984, p. 132.
18
de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu
acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade
27
. Foucault
lembra que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar tudo em que
qualquer circunstância, que qualquer um enfim, não pode falar de qualquer coisa.
Tudo isso remete a um tabu do objeto, ritual de circunstância, direito privilegiado ou
exclusivo do sujeito que fala. Temos o jogo de três tipos de interdições que se
cruzam, se reforçam ou se compensam, formando uma grande e complexa rede que
não cessa de modificar o discurso. Chama atenção, ainda, para o fato de que as
discussões cerradas são as regiões da sexualidade e da política: como se o
discurso, longe de ser um elemento transparente ou neutro no qual a sexualidade se
desarma e a política se pacifica, fosse um dos lugares onde elas exercem, de modo
privilegiado, algum de seus temíveis poderes. Por mais que o discurso seja
aparentemente bem pouca coisa, as interdições que atinge revelam logo,
rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder, ou seja, o discurso não é
simplesmente aquilo que traduz as lutas ou sistemas de dominação, mas aquilo pelo
que luta o poder do qual queremos nos apoderar.
Nesse sentido, o presente trabalho visa problematizar quem foi o produtor dos
discursos, de que forma e como se produziu sem perder de vista as questões
referentes para quem produziu e quais as consequências dessa produção para a
sociedade. De igual modo, contribui com os estudos de gênero na medida em que
se trata de investigar a história das mulheres e das crianças que foram ocultadas,
mas que desempenharam papel tão importante quanto os homens na história.
Assim, a categoria nero pode ser usada para refletir acerca do convívio
entre homens e mulheres, relações que foram construídas historicamente, calcadas
nos discursos sobre a diferença sexual. A categoria gênero deve ser intercalada com
outras categorias especialmente para o estudo das relações familiares –, como
classe, raça/etnia. Para a historiadora norte-americana Joan Scott:
O termo gênero” além de um substituto para o termo mulheres é
também utilizado para sugerir que qualquer informação sobre as
mulheres é necessariamente informação sobre os homens, que um
implica o estudo do outro. Essa utilização enfatiza o fato de que o
mundo das mulheres faz parte do mundo dos homens, que ele é
criado nesse e por esse mundo masculino.
28
27
FOUCAULT, Michel,1996, p. 8-10.
28
SCOTT, Joan, 1995, p. 75.
19
A investigação proposta trabalhará a partir de problematizações da história
cultural para lidar também com a categoria de representação. Segundo Roger
Chartier o principal objetivo dessa corrente historiográfica é identificar o modo como,
em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é construída,
pensada, dada a ler.
29
São esses esquemas intelectuais incorporados que criam as
figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro torna-se inteligível
e o espaço, decifrado. Dessa forma as representações do mundo social são sempre
determinadas por interesse de grupos que as forjam. Portanto, para cada caso
torna-se necessário relacionar os discursos proferidos com a oposição de quem os
utiliza.
O primeiro capítulo, ‘Cidade das Rosas’ ou ‘Terra de Ninguém’?
Representações sobre Chapecó e a instauração de uma nova ordem, pretende
principalmente situar a cidade de Chapecó no tempo e nas relações que lhe
conferiam lugar específico no território catarinense. Além disso, se quer aqui
problematizar, a partir da literatura disponível, as representações tecidas sobre a
cidade de Chapecó e as ideias de civilidade influenciadas pela lógica das práticas
higienistas e eugenistas. O discurso de moralidade e disciplinamento imposto à
família na remodelação de hábitos, costumes e práticas higiênicas e a atuação da
Legião Brasileira de Assistência, atuando na cidade para construir essas
representações sociais de civilidade são objetos de análise centrais nesse primeiro
capítulo.
O segundo capítulo, intitulado A Legião Brasileira de Assistência e as
intervenções em busca de uma nova norma familiar, historiciza brevemente a
criação da Legião Brasileira de Assistência e se propõe a pensar e discutir como
suas intervenções passaram a impor, sobretudo a partir de políticas públicas, uma
nova ordem voltada à saúde e à educação da criança. As representações sobre a
criança e as mulheres, principalmente no que toca à maternidade e à família,
inserem todo um conjunto de práticas em que tanto a criança como as mulheres
adquirem um novo lugar, a partir de um discurso higiênico de moralidade e
disciplinamento da família. Essas ações buscavam a sensibilização da sociedade
chapecoense sobre cuidados e proteção da criança. Era necessário acabar com a
“mortalidade infantil” para almejar um projeto de civilidade.
29
CHARTIER, Roger, 1998, p.16-17.
20
No terceiro capítulo, O primeiro damismo e as intervenções das políticas
assistenciais sobre as mulheres, buscaremos discutir a participação das mulheres
na atuação das políticas assistenciais da Legião Brasileira de Assistência e suas
conseqüentes intervenções sobre as mulheres es. Com a participação das
primeiras damas as mulheres são chamadas a ser voluntárias dessa instituição
durante e após a Segunda Guerra Mundial. A atuação das mulheres foi marcada por
intervenções nas políticas blicas destinadas à infância e a mães, em que se
buscou internalizar e legitimar o papel das mulheres como guardiãs da vida das
crianças e com isso garantir que ela nascesse e crescesse feliz. As intervenções
sobre o corpo das mulheres procurou conduzi-las para dentro do lar, afinal à elas
cabia a importante missão de regenerar a familia. Além disso, as mulheres foram
alvo do discurso médico, que procurou transformar a atividade maternal em
sanitária, incitando valores de como deveria ser e o que deveria fazer uma mãe.
21
Figura 1 - Mapa político-administrativo de Santa Catarina.
30
30
Disponível em <www.sul-sc.com.br/afolha/cidades/image/mapasc.htm>. Acesso: 15 de dezembro
de 2009.
22
PRIMEIRO CAPÍTULO
“CIDADE DAS ROSAS” OU “TERRA DE NINGUÉM”? REPRESENTAÇÕES
SOBRE CHAPECÓ E A INSTAURAÇÃO DE UMA NOVA ORDEM
Era aproximadamente meia-noite do dia 4 de outubro de 1950 quando um
incêndio, na igreja de Chapecó, abalou os habitantes do lugar. Assustados, pois
despertados pelos sons de tiros e pelo badalar dos sinos, os habitantes viram sua
igreja em chamas. Tal acontecimento foi como um desfecho tanto material quanto
simbólico dos embates e combates que marcaram o processo eleitoral da cidade
naquele ano.
O calor da apuração dos votos da eleição aquecia os ânimos das pessoas,
que de fato mudaria o cenário político existente, estabelecido desde 1917. Como a
União Democrática Nacional (UDN) estava ganhando as eleições, em oposição ao
Partido Social Democrático (PSD), os primeiros comentários davam conta de que o
incêndio tinha conotação política. O delegado Arthur Lajus, que pertencia ao PSD,
foi atrás dos culpados. Foram presos Romani Ruani, Ivo Oliveira Paim, Orlando Lima
e seu irmão Armando Lima. Os irmãos Lima negavam participação no incêndio. Os
moradores da cidade exigiam os nomes dos culpados, e o padre Roberto clamava
por justiça. Diz-se que os presos foram torturados até confessarem. O povo estava
sendo agitado através de um abaixo-assinado que circulava na cidade e que pedia o
linchamento dos presos acusados de ter incendiado a igreja. A revolta contra eles
crescia a cada momento. Não apenas o incêndio, mas também os acontecimentos
posteriores tornaram-se o assunto principal dos homens da cidade nas rodas de
chimarrão em frente às lojas e aos botecos, onde a conversa era acompanhada de
baforadas em cigarros de palha.
31
As mulheres, é claro, circunscritas aos seus
espaços também delimitados social e culturalmente –, provavelmente tratavam do
mesmo assunto.
Nesse meio-tempo Romani Ruani e Ivo Oliveira Paim inocentam os irmãos
Lima e assumem a culpa pelos incêndios que estavam ocorrendo na cidade, mas
mesmo assim o delegado não solta os irmãos. Uma das causas era que Orlando
31
HASS, Mônica, 1999, p.72.
23
Lima tinha um desentendimento com o delegado Lajus e também pertencia ao
diretório do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que havia se coligado com a UDN,
tendo envolvimento na campanha política das eleições de 1950.
O padre Roberto, da Congregação Franciscana, o acreditava em incêndio
acidental. No dia seguinte ao incêndio havia pregado, num sermão, que “quem
queimou a igreja tem que ser queimado, como as imagens dos santos da igreja o
foram”.
32
O padre era muito respeitado na região, afinal o vigário de batina, junto
com o juiz, o prefeito e o delegado, estava entre as autoridades mais importantes do
lugar. O pedido de justiça do padre contribuiu fortemente para incitar a população
local a tomar uma atitude, o desfecho seria trágico, como veremos a seguir.
Numa noite fria de 18 de outubro de 1950, duzentos homens armados de
revólveres, paus, facões e foices entraram na cadeia descarregando tiros, pauladas
e golpes de facões nos acusados. Depois de matá-los, os homens arrastaram os
corpos para os fundos da cadeia, empilharam uns sobre os outros e, em seguida,
despejaram em cima dos cadáveres um galão de gasolina e colocaram fogo neles.
As pessoas envolvidas no massacre ficavam ao redor da fogueira observando os
quatro corpos empilhados em chamas. Em seguida dispersaram pelas ruas escuras
do povoado, acompanhados pelo cheiro acre da morte. A ordem havia sido
estabelecida na comunidade.
33
Consideramos essa descrição construída tanto a partir de pesquisas
realizadas sobre o tema quanto de histórias preservadas pela tradição oral
necessária por pelo menos duas razões: além de o episódio ter sido utilizado para
reafirmar a ideia de uma cidade violenta e sem lei, vai assinalar uma série de
intervenções havidas na cidade, em busca de um projeto civilizador. Em seu livro O
linchamento que muitos querem esquecer, Chapecó, 1950-1956, Mônica Hass
analisa, a partir das ginas de revistas e jornais regionais, nacionais e até
internacionais, como esse crime projetou negativamente a região, mas também
colaborou para o desenvolvimento regional, inserindo um novo contexto de
mudanças que punham no horizonte os ideais modernizador e civilizador o
desejados para a cidade. Tal contexto traria mudanças estruturais na economia
local, sobretudo aquelas resultantes da intensificação do processo de
industrialização, que ocorria em nível nacional. Segundo aponta Mônica Hass, é
32
Idem, p.79.
33
Idem, p. 75-88.
24
comum ouvir dos antigos moradores da cidade que Chapecó começou a se
desenvolver depois da chacina
34
. Ou seja, a chacina teria ao mesmo tempo um tom
trágico e de ruptura entre uma Chapecó incivilizada e atrasada e outra moderna e
civilizada.
Chapecó, nos anos 1950, era uma cidade em evidente transformação.
Naquele momento se efetivou a constituição do recorte regional do Oeste
Catarinense como terra do trabalho ou celeiro do Sul do país, juntamente com um
discurso que procurava forjar novas identidades de gênero e novas formas de
definição e redefinição de família no contexto da própria produção do Oeste do
Estado. Porém, ao mesmo tempo que a cidade passava a ser identificada com a
ideia de trabalho, prosperidade, progresso e civilização, ainda permanecia a imagem
de terra de ninguém, de banditismo, de caudilhismo
35
e sem acesso a políticas
públicas, principalmente aquelas relacionadas à educação e à saúde.
O violento incidente ocorrido em Chapecó provocou o declínio político do
segmento ligado ao Coronel Bertaso. Mais ainda, provocou o esfacelamento do
poder instituído, bem como atritos e lutas políticas acirradas, diante dos diferentes
interesses de grupo em choque na luta pela afirmação do espaço e da dominação
locais. Quer dizer, a quebra da hegemonia política municipal nas eleições de três de
outubro, proporcionada pelos trabalhistas, veio acompanhada de fatos que mudaram
totalmente a vida da comunidade chapecoense.
Mais de meio século depois do episódio do massacre na cidade, Chapecó
quer ser conhecida como Cidade das Rosas. Com 187 mil habitantes
36
, esforça-se
para se legitimar como uma terra de povo acolhedor, desbravador, como terra do
trabalho. Passados quase cem anos da chegada das primeiras levas migratórias de
descendentes de italianos ao Oeste catarinense, os discursos oficiais reiteram e
atualizam a representação da lógica do trabalho. Exemplo disso pode ser visto no
principal monumento da cidade: o “Desbravador”, estátua de quatorze metros de
altura, que representa um gaúcho empunhando numa mão um machado,
simbolizando o trabalho e na outra, um louro, simbolizando a vitória, que reina
solene, ao lado da Catedral Católica, no coração da cidade.
34
Idem, p.14.
35
Caudilhismo, neste caso, pressupõe a submissão da população local aos mandos e desmandos
dos patrões da região. Cf. BREVES, Wenceslau de Souza, 1985, p. 29.
36
IBGE. Censo Demográfico Estado de Santa Catarina 2007. Disponível em:
<www.ibge.gov.br>. Acesso: 13 de março de 2009.
25
É possível que essas representações tanto as relacionadas ao trabalho
quanto ao gaúcho começaram a ser construídas no inverno de 1917, quando as
terras do Oeste Catarinense tornaram-se mercadoria lucrativa para as companhias
colonizadoras, que se utilizaram dos jornais e dos cultos religiosos como meios de
divulgação das belezas das novas terras, fazendo com que diariamente chegassem
“caravanas e caminhões abarrotados de colonos
37
descendentes de italianos, vindos
do Rio Grande do Sul”.
38
Ao adquirir a nova propriedade, o trabalho familiar era
empregado no desmate, na formação da roça, na construção da moradia e das
benfeitorias; bem como na construção e manutenção dos caminhos e traçados da
nova cidade. A força do trabalho familiar foi à base desse esforço produtivo. O
trabalho era dividido entre adultos, jovens, crianças e idosos, e todos trabalhavam
com a mesma intensidade.
Dessa forma o processo de colonização instituiu novas relações econômicas
e sociais na região, e os colonos produziam gêneros alimentícios para subsistência
– o excedente era vendido no comércio local e regional.
A leva de imigrantes descendentes de italianos vinda do Rio Grande do Sul e
estabelecida em Chapecó e a configuração de uma identidade italiana para a cidade
apresentam-se como fatores de sucesso e progresso, assinalando fortemente a
discriminação de caboclos e índios que habitavam a região. Para a antropóloga
Arlene Renk
39
, o governo decidiu colonizar o Oeste Catarinense, contratando para
isso as companhias colonizadoras “as áreas de floresta e campo foram divididas
em pequenos lotes, chamados colônia e vendidas aos colonos do Rio Grande do
Sul”.
40
A colonização patrocinada pela Empresa Colonizadora Francisco Bertaso era
intensa. A compra de lotes era facilitada com as terras sendo vendidas com 30% de
desconto e o restante dividido em duas parcelas semestrais. A maioria delas
consistia em pequenas propriedades caracterizadas pela agricultura familiar. A
Empresa Colonizadora Francisco Bertaso priorizava os descendentes de italianos,
mas também vieram para a região descendentes de poloneses, alemães, russos,
37
Como expressão de uma identidade camponesa, o termo colono foi atribuído aos imigrantes pelas
leis e regulamentos que nortearam a política de colonização desde a sua implantação, no século XIX.
Acabou se transformando numa identidade assumida pelos indivíduos descendentes de imigrantes
europeus na região. Cf. RENK, Arlene, 2004, p.19.
38
VICENZI, Renilda, 2003, p. 116.
39
RENK, Arlene, 1999, p.10.
40
Idem, p.12.
26
entre outros, o que tornou o Oeste Catarinense uma região bastante pluriétnica. Faz-
se necessário não esquecer, porém, que antes da chegada dessas populações a
ocupação humana da região contava com a presença de comunidades indígenas, as
quais, segundo observa Délcio Marquetti, vivenciariam:
a partir da penetração do elemento português a fase cabocla.
Indígenas e caboclos foram responsáveis pela proto-colonização. No
entanto tais grupos foram condenados ao silêncio imposto pelos
colonizadores, caindo praticamente no esquecimento.
41
As dificuldades enfrentadas nos primeiros anos – mato, solidão, trabalho
árduo, via de acessos difíceis, mercado praticamente inexistente – fizeram existir um
forte espírito comunitário entre moradores na região. Os colonos se reuniram para
abrir estradas, construir a escola, a igreja, o clube. Na religiosidade encontraram
consolo para as dificuldades passadas naquela terra desconhecida. A vida social
girava ao redor da religião. O padre em lombo de cavalo visitava regularmente a
comunidade.
O espaço de diversão e lazer configurava-se em momentos de socialização
das experiências cotidianas. Segundo pesquisas realizadas pelos historiadores
Juçara Nair Wollf e Marcos Batista Schuh, a ideia de lazer para os habitantes do
Oeste Catarinense fazia-se a partir de espaços delimitados entre homens e
mulheres. Diversas formas de brincadeira acompanharam várias gerações de
moradores.
Preocupados com a questão da moral familiar, as brincadeiras que
envolviam meninos e meninas, homens e mulheres eram bem
delimitadas. Espaços masculinos como campo de futebol, jogo de
quatrilho, de bisca e bate-papo regado a bebidas exclusivamente dos
homens. (...) No entanto, roda de chimarrão, cantorias e brincadeiras
com a criança configuravam-se espaço eminentemente feminino,
sobretudo porque a educação das crianças era também uma
responsabilidade da mulher.
42
Arlene Renk mostra que a eficácia do projeto colonizador requereu agentes
humanos cujo modelo foi o descendente de europeu oriundo das colônias velhas do
Rio Grande do Sul. “Este aspecto traz simultaneamente com a ideologia da
colonização européia do país, tendo como protagonistas os colonos trabalhadores,
41
MARQUETTI, Délcio, 2002, p.320.
42
WOLLF, Juçara Nair; SCHUH, Marcos Batista, 2000, p.160.
27
construtores do progresso e da civilização.”
43
Se considerarmos as teorias
evolucionista e eugenista, justificaremos a provável preferência de descendentes de
europeus para o branqueamento da população do Oeste Catarinense e a exclusão
do caboclo. De acordo com esse projeto, constituía-se a imagem do “colono
trabalhador”, construtor do progresso e da civilização, que passaria a ocupar o
Oeste Catarinense, antes chamada de “terra de ninguém”, e em processo de
transformação em “terra do trabalho”. Dessa forma, os indígenas e caboclos que
povoavam esses territórios foram gradativamente expropriados da posse da terra e
expulsos da região. Nesse sentido:
A colonização do Oeste Catarinense foi um empreendimento de
natureza econômica, e que empresários do estado do Rio Grande do
Sul, baseado na experiência da expansão nos núcleos coloniais em
seus estados, investiram vultuosos capitais em Santa Catarina. Era
inteiramente diferente das colônias militares do século anterior, em
que o objetivo fundamental, de natureza política, foi de posse de
terra.
44
A imagem do colono trabalhador, construtor do progresso, é agenciada como
projeto civilizador da região em questão, o que não difere muito da justificativa dos
projetos de colonização do século XIX. Além disso, “antes da chegada dessas
desejadas gentes para a colonização, era necessário superar alguns obstáculos
como associação da área à imagem de caos sendo que a debelação do
Contestado teria sido a vitória sobre uma situação caótica – ao caudilhismo”.
45
Reforçamos que é essa a imagem residual que se tem do Oeste Catarinense:
região ainda associada à imagem do caos, violenta, incivilizada e abandonada.
Outro aspecto importante a ser enfrentado e vencido foi o caudilhismo, o faroeste,
intrinsecamente associado ao Oeste Catarinense, que se construía na disputa do
campo político, por cargos públicos e pelo poder.
Em Chapecó, após o Contestado, foram acirradas as disputas entre
dois coronéis locais: de um lado Fidêncio de Mello e de outro Santo
Marinho, com alianças políticas, rupturas e arbitrariedades. Estas
disputas implicaram em contínuos deslocamentos da sede da
comarca, que, simbolicamente, não passava de uma medição de
força entre os dois coronéis. Tudo isso deixava a população
43
RENK, Arlene, 2006, p. 55.
44
VOJNIAK, Fernando, 2004, p. 373.
45
Idem, p. 55.
28
desnorteada, por via comarca andando sobre cargueiro de pra e
pra cá.
46
O êxito do projeto colonizador em Chapecó requereu a pacificação. Coube
então ao Coronel Passos Maia, vindo do Rio Grande do Sul, ficar responsável pela
venda das terras de Bertaso.
47
De acordo com a jornalista Mônica Hass, o poder
chapecoense, desde a criação do município, em 1917, até por volta de 1950,
caracterizou-se por um forte mandonismo local, que se identifica com aspectos do
coronelismo brasileiro. O poder político do município, durante esse período, esteve
na maior parte do tempo nas mãos dos coronéis ou de pessoas ligadas a eles. A sua
dominação tinha por base a supremacia econômica e os laços de dependência. A
estrutura de dominação e as formas de controle social faziam parte de toda a cultura
social e política resultante das relações de poder da época em que o público e o
privado tornam-se complementares.
Sobre essa importante questão, relacionada ao mandonismo local, cabe uma
observação. De acordo com o historiador Paulo Pinheiro Machado, “o Coronelismo é
caracterizado como um fenômeno político essencialmente ligado ao período da
Primeira República (1889-1930)”.
48
Essa prática expressou o poder local dos
grandes fazendeiros. Fortaleceu-se em muitas regiões do país antes da República e
também após a Revolução de 1930. O alicerce do poder político dos coronéis era a
grande “propriedade fundiária, geralmente habitada por muitos peões e agregados,
homens de sua confiança, que junto com os fazendeiros, posseiros e lavradores
vizinhos colocavam sua lealdade a serviço do Chefe Político local”.
49
Os coronéis influenciavam os eleitores de forma a persuadi-los e, assim,
terem o poder de decidir as eleições municipais, estaduais e nacionais. Além disso,
estavam investidos de um poder sobre as pessoas, resolvendo rixas, discursando
sobre julgamentos e agindo como árbitros. Faziam parte da base das políticas
regionais, estaduais e federais, e obtinham aliança para afirmar e reproduzir seu
46
Idem, p. 56.
47
O Coronel Passos Maia, recém chegado ao Passo dos Índios (Hoje, Chapecó) para iniciar a
colonização juntamente com Bertaso, deslocou-se da área comprada para uma fazenda em Passo
Bormann. O Coronel Fidêncio Mello impediu-o de entrar sob o pretexto que aquelas terras pertenciam
aos seus moradores e que ali não havia terras para colonizar. Mello e o delegado haviam avisado a
população moradora da fazenda comprada de que seriam expulsos. Diante disso, o colonizador
apelou para o governo do Estado, que interessado na ocupação da região, nomeou o delegado
especial do município, a quem coube instaurar a paz. Cf. BREVES, Wenceslau de Souza, 1985, p.15.
48
MACHADO, Paulo Pinheiro, 2004, p. 90.
49
Idem, p. 91.
29
poder. Com isso conseguiam influenciar na nomeação de funcionários públicos
como delegados de polícia, juízes, promotores, coletores de impostos e, em nível
federal, coletores de impostos, agentes de correios, telegrafistas etc. Os coronéis
tinham de cuidar dos encaminhamentos e soluções das demandas provenientes da
clientela política, que incluíam alguns setores urbanos, como os pequenos
comerciantes.
Paulo Pinheiro Machado chama a atenção, ainda, para o fato de que os
coronéis eram respeitados em relação à força de seu contingente de milicianos
particulares, não apenas por seus vizinhos e adversários, mas também pelos
próprios grupos oligárquicos estaduais que neles se apoiavam. Esse poder atingia
de diferentes formas a área urbana do município de Chapecó. Este é o ponto
decisivo: a clientela política dos coronéis não era a mesma clientela de empregados
e agregados no qual recrutavam suas milícias, pelo menos nas primeiras décadas
da República.
O coronelismo não expressa apenas um sistema político, mas como
o desdobramento político de uma forma de dominação de classe. E
apenas a partir de 1930-1940 que o eleitorado rural terá um peso
mais significativo no conjunto do eleitorado nacional, dando espaço
às práticas coronelistas.
50
O domínio econômico e consequentemente político da região passaria a ser
exercido pelas companhias colonizadoras, a partir de 1920. Várias empresas
atuaram no Oeste Catarinense. Em Chapecó salienta-se o papel da Colonizadora
Bertaso, Maia e Cia., que se instalou na localidade de Passo dos Índios (atual
Chapecó) por volta de 1920 e, a partir de 1923, passou a pertencer somente aos
Bertaso, com o nome de Empresa Colonizadora Ernesto Francisco Bertaso.
Quando os colonizadores chegaram ao Oeste Catarinense, o ambiente estava
tenso por causa da luta política entre os coronéis Manoel dos Santos Marinho, de
Passo Bormann, e Fidêncio Mello, de Xanxerê, que disputavam o poder político local
e o domínio sobre o comércio de erva-mate e sobre as mercadorias da região.
Preocupados com a consolidação do projeto de ocupação da região, o
governo do Estado nomeou o coronel Manoel dos Santos Maia, sócio da
Colonizadora Bertaso, Maia e Cia., delegado de polícia de Chapecó, em 1919.
50
Idem, p. 93.
30
Coube a ele cuidar da ordem e consequentemente o progresso para a região,
seguindo os princípios de uma ideologia liberal orientada na Primeira República.
Esse seguimento dos colonizadores teve sua força política reproduzida no
governo Vargas, de 1931 a 1944, com os representantes das empresas
colonizadoras perdendo espaço no poder local. Durante a maior parte do governo
Vargas, as nomeações para o executivo municipal incluíram uma burocracia militar
de altas patentes e elementos que nem sempre possuíam identificação com o lugar
(eram oriundos do Rio Grande do Sul ou do litoral catarinense). Durante quatorze
anos, o município de Chapecó teve dez prefeitos nomeados e um eleito que o
tomou posse. O governo de 1930 amenizou as disputas políticas locais, instalando a
sede do município da comarca, em 1931, em território neutro Passo dos Índios,
onde ficava a sede da Colonizadora Bertaso, responsável pela colonização dessa
área. Evidencia-se o interesse do governo em atrair aqueles que representavam o
poder econômico local. Por outro lado, houve a introdução, através das nomeações
dos interventores, de elementos estranhos aos quadros políticos locais, também
reduzindo os violentos atritos. Ficou claro então o fortalecimento do Estado.
Somente no final do Estado Novo, mais precisamente em 1944, o filho do
Coronel Ernesto Bertaso, o engenheiro civil Serafim Enoss Bertaso, foi nomeado
prefeito de Chapecó. A família Bertaso dominava politicamente a região,
restabelecendo a participação do grupo vinculado às empresas colonizadoras, que
na ocasião já haviam diversificado ainda mais seus interesses econômicos.
A colonizadora Bertaso tinha uma grande preocupação com o
desenvolvimento da cidade. Era a grande patrocinadora e organizava festas de
integração comunitária, além de facilitar o pagamento e doar lotes de terra para
estabelecimento público, religioso e de entidades com fins recreativos e esportivos.
Também se preocupava com a infraestrutura da localidade ruas traçadas, lotes
urbanos, casa comercial, igreja, escola e hotel como forma de viabilizar o progresso
dos núcleos de povoação.
Nas representações construídas pelos moradores de Chapecó, o coronel
Bertaso era tido como “o colonizador que utilizava a maior parte de suas terras para
a comercialização, existindo uma relação de paternalismo entre eles e os migrantes
31
que incentivou a exploração na região”.
51
A dominação política de Bertaso tinha
como base o prestígio que possuía junto ao governo estadual e à população local.
Figura 1 – Coronel Ernesto Francisco Bertaso.
52
A cidade crescia, estava cada vez mais movimentada e a vida social também
se intensificou. Um grupo de pessoas se reuniu e fundou em 1938 o Clube Esportivo
Chapecoense, chamado mais tarde de Clube Recreativo Chapecoense. A
construção da sede, que também se incendiaria no carnaval de 1950, iniciou com a
reunião da comunidade e um terreno doado pelo Coronel Bertaso. Festas, reuniões
dançantes, rifas foram realizadas, e os lucros foram direcionados para a edificação
da sede. Os madeireiros doavam madeira e os comerciantes colaboravam com o
que podiam. Esse espaço passou a ser um lugar de festas, jantares e
comemorações da comunidade, mas nem todos os que residiam na região podiam
usufruir dele. Afinal, uma das cláusulas de seu estatuto proibia a entrada de negros
no lugar.
A extração de madeira era umas das principais atividades econômicas da
região, principalmente entre as décadas de 1930 e 1960, e praticamente toda a
madeira extraída era exportada para a Argentina. O principal meio de transporte
utilizado era a balsa, também chamada de “remoque”. Nesse sentido representava
uma realidade vivida em praticamente toda a região, principalmente nos municípios
51
HASS, Monica, 1999, p.31.
52
O coronel Bertaso no tempo em que era caixeiro viajante, antes de sua atuação política e
empresarial na Região Oeste. Possivelmente essa foto é de 1910. Acervo Fotográfico do Centro de
Memória do Oeste de Santa Catarina – CEOM/UNOCHAPECÓ. Chapecó.
32
e vilas localizados às margens do rio Uruguai. Mas não eram a extração de
madeira e seu transporte que interligavam essas vilas e municípios. A exploração de
madeira passou a ser substituída gradativamente pela exploração de erva-mate.
Faz-se necessário dizer que os ervais eram nativos da região. No passado as
folhas eram colhidas e beneficiadas por caboclos que depois as vendiam para
comerciantes das vilas mais próximas. A produção do mate era extremamente
trabalhosa, envolvendo a mão de obra de toda a família cabocla, normalmente nos
meses de inverno, quando a pecuária e a agricultura não davam muito serviço. O
processo de produção até meados do século XX seguia o modelo indígena. A
intensificação da exploração dos ervais resultou no esgotamento e na morte das
árvores. A lei Estadual n
o
700, de novembro de 1906, procurou regular a extração da
erva-mate em terras de domínio estatal, evitando a exaustão das reservas. Para isso
fixou-se o período de corte entre 1
o
de maio e 30 de setembro e proibiu-se novo
corte nas mesmas árvores por prazo de 3 meses. A erva-mate era o principal artigo
de exportação do Estado entre o final do século XIX e o início do XX. Os principais
consumidores e importadores eram a Argentina, o Uruguai e Chile.
53
Desde a década de 1940, a cidade de Chapecó vinha se destacando na
região por sua madeira e pela exploração de erva-mate. Estabeleciam-se na cidade
algumas casas comerciais de secos e molhados que abasteciam a população. A
falta de mercadorias era constante, pois elas vinham de Erechim (RS) e Joaçaba
(SC) e atrasavam por causa das poucas e péssimas estradas e das habituais
enchentes. Além das lojas, havia um escritório bancário, um hospital, um campo de
aviação, um jornal, uma rádio, um posto de gasolina, advogados, médicos,
engenheiros, obras assistenciais e sociedades recreativas e desportivas. Além da
instalação de novas casas comerciais e indústrias, das construções de residências e
edifícios públicos (agora de alvenaria), o progresso se fazia presente na abertura
de novas ruas, no alargamento e calçamento das antigas e na remodelação da
praça, tudo facilitado pela colonização planejada.
54
Chapecó nos anos 1940 e 1950 estava passando por grandes mudanças em
sua estrutura demográfica, econômica, social e política. Nesse período houve um
crescimento populacional de 117,34% na área urbana e 116,09% na área rural. O
comércio quase quadruplicou, apresentando um crescimento de 246,97%. A
53
MACHADO, Paulo Pinheiro, 2004, p.133-134.
54
HASS, Monica, 1999, p. 47.
33
indústria também dobrou, passando de 57 para 118 estabelecimentos. Não obstante
esse crescimento Chapecó ainda seguia com características rurais bem marcadas. A
agricultura foi a que apresentou maior desenvolvimento ampliou suas atividades
para 4.056 estabelecimentos agrícolas, numa expansão de 1.597,47%,
transformando o município num grande produtor de milho e feijão
55
.
No entanto, não foram somente os fatores econômicos os responsáveis pela
transformação na configuração do poder político de Chapecó. O novo contexto
político que surgiu a partir de 1945, com a derrubada de Getúlio Vargas e a criação
de novos partidos políticos, contribuiu para essa significativa mudança. Inaugurou-
se, na época, uma fase mais pluralista de poder, com a expansão da representação
política entre várias facções partidárias. Sete partidos foram criados no município
entre 1945 e 1965: Partido Social Democrático (PSD), União Democrática Nacional
(UDN), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido de Representação
Popular(PRP), Partido Social Progressista (PSP), Partido Libertador (PL) e Partido
Democrático Cristão (PDC).
56
Os grupos tradicionais prosseguiram dominando a política municipal pós-1945
em torno do Partido Social Democrático (PSD), liderado por Serafim Bertaso, filho do
Coronel Ernesto Francisco Bertaso. Estes, como já vimos, estavam à frente do grupo
que dominava a política municipal desde 1944. Eles venceram as eleições
municipais de 1947, elegendo o prefeito, o advogado e o diretor do jornal A Voz de
Chapecó, Vicente Cunha.
A ruptura do domínio dos colonizadores e dos madeireiros ocorre na década
de 1950, quando o Partido Social Democrático (PSD) é derrotado nas eleições
municipais pela coligação opositora, formada pelo Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB), pela União Democrática Nacional (UDN) e pelo Partido Social Democrático
(PSD), agremiações lideradas por políticos vinculados a atividades urbanas, de
cunho industrial, comercial e de profissões liberais. Na vitória da oposição esteve
expressa a resistência em torno dos que se consideravam donos do poder. Era em
meio a esse cenário que ocorriam também intervenções no espaço urbano,
sobretudo sobre as famílias, como veremos a seguir.
55
IBGE. Censo Demográfico Estado de Santa Catarina 1940-1950. Disponível em:
<
www.ibge.gov.br>. Acesso: 13 de março de 2009.
56
HASS, Mônica,1997, p. 250.
34
1.1 A ocupação e o desejo de integrar o Oeste ao Estado catarinense
Desde a década de 1920 a literatura disponível sobre Santa Catarina mostra
o desejo e a necessidade de integrar a região Oeste ao Estado, pois:
até 1916 podia-se dizer que realmente catarinense eram somente as
terras do litoral e o planalto, até o rio do Peixe, no Meio-Oeste. Parte
disto e todo o extremo-Oeste, até a fronteira com a Argentina, era
território sobre o qual se discutia a posse, apesar de existir um
início de colonização em toda a região, aumentada a partir dessa
data, realizada por várias empresas particulares, principalmente
gaúchas.
57
Vale lembrar que a delimitação territorial de Santa Catarina foi marcada por
diferentes contestações e conflitos com a Argentina e o Estado do Paraná. Os
embates com o vizinho Paraná juntaram-se aos demais problemas sociais da região
e contribuíram para a configuração de conflitos armados entre caboclos e
representantes dos poderes locais e estaduais que ficaram conhecidos como a
“Guerra do Contestado”, que durou de 1912 a 1916.
Para o historiador Carlos Humberto Correa “o Oeste catarinense foi criado,
desenvolveu-se e organizou-se com a mínima interferência das demais regiões do
Estado, criando um verdadeiro hiato entre os territórios separados pelo rio do
Peixe”.
58
Esse hiato certamente constituía-se como uma importante preocupação
para o poder estadual que via necessidade de integrar a região ao Estado.
Representativos desse desejo são os registros de viagem do governador Adolfo
Konder, primeiro governador a visitar oficialmente o Oeste catarinense, em 1929. Os
escritos do então governador evidenciam o investimento tanto na construção da
brasilidade quanto na própria divulgação identitária relacionada à representação do
catarinense. Mas quem seria esse catarinense? A heterogeneidade histórica e
cultural de Santa Catarina, marcada por diferentes ascendências como a
portuguesa, mais predominantemente no litoral; a germânica no Vale do Itajaí e
Nordeste do Estado; a italiana no Sul; e assim por diante, revela tanto a
singularidade da ocupação do território catarinense como a variedade cultural daí
57
CORREA, Carlos Humberto P., 1997, p.181.
58
Idem, p. 181-182.
35
advinda. A região Oeste escancarava ainda mais as fissuras e fraturas do processo
que visava amalgamar a região como catarinense e brasileira.
Para garantir a posse e integração definitiva, o governo do Estado de Santa
Catarina implantaria uma política de povoamento que se arrastava desde os fins do
século XIX, com imigrantes de origem italiana e alemã, procedendo do Rio Grande
do Sul. Afinal, a população de índios, africanos e portugueses vivia do extrativismo e
da agricultura de subsistência, o que contrastava com um ideal do Brasil de vocação
agrícola. Preencher esse “vazio demográfico” significava preencher os espaços com
o progresso pautado numa cultura que fizesse frente à cultura dos antigos
habitantes da região. Sobre as razões oficiais da viagem do governador Adolfo
Konder, afirmava-se que o objetivo era inteirar-se das necessidades da região, para
integrá-la definitivamente à comunidade catarinense, demonstrando aos vizinhos do
Rio Grande do Sul, do Paraná e da Argentina a intenção do Estado de Santa
Catarina de exercer soberania sobre a terra do Oeste.
Figura 3 – Visita de Adolfo Konder, 1929.
59
Os historiadores Maria Bernardete Ramos Flores e Élio Cantalicio Serpa
60
pontuam três razões que justificam a viagem do governador Adolfo Konder ao Oeste
59
Autoridades reunidas em “Passo dos Índios” em 1929, na ocasião da passagem da comitiva de
Adolfo Konder (Bandeira Konder), local em que hoje se encontra a Avenida Getúlio Vargas, em
Chapecó. Acervo Fotográfico do Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina
CEOM/UNOCHAPECÓ. Chapecó.
36
de Santa Catarina e se constituem eixos da discussão deste texto: a questão da
fronteira nacional com a Argentina e a consequente construção da brasilidade; a
permanência da ocupação do Oeste Catarinense como expansão de um processo
civilizador para o interior do interior não do Estado, como também do país; o
empenho em debelar as acusações da Guerra do Contestado, vencendo poderes
locais, em torno dos quais gravitavam grupos conflitantes. Ao elencar os pontos, os
autores ressaltam que todos são apenas facetas de uma única questão: a
interiorização do país, projeto que pretendia eliminar os considerados vazios
demográficos e fazer com que as fronteiras econômicas, geográficas e culturais
coincidissem com as fronteiras políticas.
No início do processo de colonização do Oeste Catarinense, a terra servia de
uso aos grupos que historicamente a habitavam, constituía-se num privilégio aos
latifundiários, que de diferentes maneiras se apropriaram de grandes extensões, e
transformou-se em mercadoria nas mãos das empresas colonizadoras. Numa
perspectiva diferente daquela, também se tornou de uso aos migrantes. Como se
procurou mostrar, no início do século XX o ponto de vista dos governantes era de
difundir a imagem da região como uma grande área abandonada, com escassa
população e que, por isso, necessitaria de efetiva colonização para garantir a sua
posse. Sobre essa necessidade, a historiadora Eunice Nodari
61
afirma que se
desencadeou um processo de colonização e povoamento a partir da junção de
interesses e que isso competia a dois grupos de interesses distintos, mas que se
aliavam para atingir seus fins e incrementar o aumento populacional. De um lado
temos o Estado de Santa Catarina, que necessitava povoar urgentemente a região
para garantir a sua posse, e, de outro, as companhias colonizadoras, com seus
proprietários e agentes de vendas que, em troca do assentamento dos “colonos” na
região e da construção de estradas, recebiam do governo as chamadas “terras
devolutas”, que eram por eles demarcadas e vendidas aos imigrantes.
A estratégia de ocupação e delimitação do Oeste Catarinense envolveu um
casamento entre o governo estadual e as empresas colonizadoras, que incentivaram
a vinda de imigrantes, dando início ao processo de ocupação capitalista na região.
“A solução viria com a colonização, cujo modelo dar-se-ia pelo assentamento de
60
FLORES, Maria Bernadete Ramos; SERPA, Élio Cantalício, 1999, p. 12.
61
NODARI, Eunice; NODARI, Renato, 1999, p.30-31
37
descendentes europeus, portadores do progresso e da civilidade”
62
. Os relatos da
viagem do governador evidenciam fortemente o desejo da “transformação de um
vazio, o deserto num Éden, numa nova canaan”
63
, objetivo que seria alcançado com
a participação da inteligência e do braço do homem disposto a trabalhar,
representado pelos imigrantes. Os obreiros da civilização são os colonos nascidos
no Rio Grande do Sul, “descendentes de alemães e italianos, toda uma gente forte e
decidida, disposta ao trabalho, levando aqueles rincões, até pouco incultos por
abandonados a prosperidade e riquezas”.
64
Em relação à existência de “vazios demográficos”, o historiador José Carlos
Radin
65
nos mostra que o sertão trazia consigo a ideia de ausência de civilidade, e
se entendia que sua conquista efetiva faria parte de um projeto patriótico, de espírito
bandeirante. Assim, nesse período, nas representações construídas no Oeste de
Santa Catarina, implícita ou explicitamente, convocavam-se “os mais corajosos” para
a tarefa de efetivar tal projeto. Os colonizadores brancos, descendentes de italianos,
alemães e poloneses, na maioria das vezes apareciam com uma espécie de missão
atribuída de levar a civilização aos espaços não civilizados.
Por isso, colocava-se a necessidade de superar esse modo de ser e de
trabalhar, pois não interessava aos governantes, nem às elites, por não se inserir na
perspectiva do progresso e da civilização almejados. Mas era nesse sentido que,
oficialmente, colocava-se a “ocupação efetiva do território” e a “conquista do sertão”
como forma de tornar plena a construção do Brasil, pois, além de dar unidade
territorial, tal conquista era considerada imprescindível na construção da própria
nação.
Em se tratando da idéia de construção de região, dentro dessa idéia de
territorialidade, convém não esquecer que os aspectos relacionados as divisões
“naturais” acabam sendo os que menos importam. Para os historiadores Bernardete
Ramos Flores e Élio Cantalício Serpa,
Na delimitação de fronteiras, a ngua, o habitat, a realidade social,
tanto quanto as classificações mais naturais, apóiam-se em traços
que não tem nada de natural, sendo em ampla medida, o produto de
uma imposição arbitrária, quer dizer, de um estado anterior de
relação de forças no campo de lutas pela delimitação legítima.(...) O
discurso regionalista é, portanto, um discurso performático, que visa
62
RENK, Arlene, 2006, p. 32.
63
BOITEUX, José Arthur, 1931, p. 7-8.
64
Idem, p.10.
65
RADIN, José Carlos, 2006.
38
impor como legítima uma nova definição de fronteiras, e fazer
conhecer e reconhecer a região assim delimitada.
66
A preocupação com a saúde pública e com a educação que agrega-se mais
tarde a Legião Brasileira de Assistência, como a instituição que contribuiu na
legitimação desse progresso - voltado para o interior do Brasil - passou a ser o mote
mobilizador das chamadas práticas higienistas e civilizadoras. Convém notar, porém,
que essas práticas levadas a cabo pela Legião Brasileira de Assistência no interior,
já circulavam como necessidades prementes a partir de diferentes lugares. O interior
era atrasado, revelava a face de uma nação que se queria deixar pra trás, precisava,
portanto, de intervenção urgente. O intelectual Monteiro Lobato, com a sua
coletânea de ensaios intitulada “Urupês”, destacava essa questão por meio do
personagem Jeca Tatu. Intelectuais ligados à Semana de Arte Moderna de 1922,
como Plínio Salgado, Graça Aranha e Cassiano Ricardo, lançaram o manifesto
“Nhengaçu Verde e amarelo”, de cunho integralista; o segundo manifesto
“Antropofágico”, em defesa do nacional e o terceiro a “Marcha para o Oeste”,
argumento para que a bandeira penetrasse o interior.
67
Para que o Brasil alcançasse a modernidade, segundo José Carlos Radin
68
,
necessitava também ocupar e civilizar o sertão, o interior do Brasil. Mesmo em
interpretações nas quais o sertanejo era visto como legítimo brasileiro, nem sempre
era apresentado como o elemento ideal para a chamada “efetiva ocupação do
território” ou para dar suporte à propalada construção da nação. Isso não quer dizer
que o sertanejo seja literalmente um Jeca Tatu. Porém, quem viaja e pelo sertão
o fatalismo sertanejo, a limitação de sua agricultura, a instintiva desconfiança pela
civilização, a sua habitual indolência “[...] a sua palestra, a sua ignorância política,
enfim, os remédios populares, a ingênua crendice dos curandeiros e das meizinhas
verá a imensa verdade das páginas vivas de Urupê”
69
. Esses discursos voltados a
brasilidades evidenciam o discurso de poder que traduzia a brasilidade a parâmetros
geográficos e econômicos. Para Alcir Lenharo “o povoamento ocupação e a
integração constituíam os novos movimentos da Nação em busca de sua
plenitude”.
70
Nos discursos dos intelectuais ligados ao Estado, a palavra-chave era a
66
FLORES, Maria Bernadete Ramos; SERPA, Élio Cantalício, 1999, p 217.
67
RADIN, José Carlos, 2006.
68
Idem, p. 40.
69
CASCUDO, Câmara. Apud LUCA, Tânia Regina de, 1999, p. 203.
70
LENHARO, Alcir, 1986, p.57.
39
brasilidade, mobilizadora de homens e mulheres e crianças. Assim, o controle social
teve um deslocamento significativo do espaço privado para o público.
Se a política do Estado Novo estava voltada à constituição de uma nação
forte e homogênea, no Oeste Catarinense e mais especificamente em Chapecó,
percebemos que a construção desse estado promoveu o surgimento de políticas
públicas que colaborassem também para a consolidação desta nação brasileira.
Questões que podem ser constatadas nos relatórios do interventor Nereu Ramos a
partir de ações que deflagraram o processo inicial de integração da região ao
território catarinense.
Para a historiadora social da área da família Silvia Maria de Fávero Arend,
essas políticas públicas de proteção à maternidade e à infância implementadas no
Estado Novo são visualizadas a partir das obras de caridades desenvolvidas por
“instituições ligadas à Igreja Católica Apostólica Romana em relação à assistência
dos infantes pobres de Florianópolis nas primeiras décadas de século XX”.
71
Essas
instituições ligadas à Igreja são “como marco na assistência à infância desprovida
pobre e inauguraram na cidade de Florianópolis as políticas sociais de
abrigamento”.
72
Outras ações foram realizadas pela família Ramos, que foram os
provedores das ações assistenciais em Florianópolis, as quais elenco:
J. Otaviano Ramos era provedor da Irmandade do Divino Espírito
Santo, em 1941. Alcimiro Silva Ramos presidente da União
Recreativa Beneficente Recreativa Operaria, na gestão 1940-1941.
Ambos os irmãos do Interventor Federal Nereu Ramos. Os
presidentes de honra da sociedade de Assistência aos zaros e o
Combate a Lepra, responsável pela construção no município de São
José do Asilo denominados preventório onde seria alojados os filhos
dos portadores de mal de Hansen, era Nereu Ramos e sua esposa
Beatriz Pederneiras Ramos, o arcebispo D. Domingues de Oliveira e
o prefeito Mauro Ramos e sua esposa Dulce Ramos. A primeira-
dama do Estado Beatriz Pederneiras Ramos, da mesma forma que
Darcy Vargas, a esposa do presidente da República, anualmente
patrocinava festas para angariar fundos para crianças carentes. As
barraquinhas da festa “Pessegueiro em Flor” em prol dos infantes do
Preventório instalada na praça Getúlio Vargas no centro da cidade.
73
A autora lembra, ainda, que a partir de 1930, com a emergência do clã dos
Ramos ao poder político em Santa Catarina, “as práticas desenvolvidas pela Elite na
71
AREND, Silvia Maria Fávero, 2005, p.189.
72
Idem, 192
73
Idem, 199.
40
capital aproximadamente 250 anos que objetivavam a preservação da vida dos
infantes despossuídos, mesmo sem mudança do status quo econômico e cultural
dos mesmos passam a ser controlada pelo Estado”.
74
E ressalta que tais ações
foram denominadas pela historiografia e pelos pesquisadores das Ciências Sociais,
do Serviço Social e do Direito, de políticas sociais assistencialistas. Os pobres da
cidade eram de fundamental importância no projeto urbano-industrial do grupo que
passou a administrar a federação no período de Getúlio Vargas.
Nas discussões da historiadora Cynthia Machado Campos pode-se observar
as especificidades desse processo em Santa Catarina, centrado, em grande parte,
no reordenamento do contexto escolar do Estado e na criação das instituições de
reclusão e de assistência, especialmente em Florianópolis.
O crescimento da intervenção junto às escolas nas décadas de 30/40
foi contemporâneo ao processo que afastou do campo de visão das
modernas elites catarinenses, a população intolerável como pobres,
loucos e prostitutas. Há que se considerar que, além da simples
exclusão, como foi o caso da fixação de alguns segmentos da
população nos morros e arredores das cidades de Santa Catarina, ou
do confinamento em instituições de isolamento, o movimento parece
ter-se orientado no sentido de garantir um certo retorno à sociedade,
através de educação eficiente para adaptar corpos e
comportamentos às novas condições que configuraram o espaço
urbano. Assim, ao mesmo tempo em que foram isolados indivíduos
em instituições como prisão, hospício, hospital e casas para menores
cresceram também a preocupação com a escola. No caso da
criança, ela foi afastada do convívio da família e da vizinhança,
delegando-se à instituição escolar a maior parcela da
responsabilidade por sua aprendizagem. Esse afastamento não
constitui-se em isolamento da família, mas, ao contrário, configurou-
se como forma de integrá-la à novas formas de sociabilidade.
Intervindo junto às crianças, no sentido de disciplinar seus hábitos, a
escola foi capaz de interferir na família, e, através do reordenamento
do seu cotidiano, atingir também a comunidade social mais ampla.
75
Implantar escolas no Oeste Catarinense era uma das formas encontradas
pelo interventor para integrar essa região definitivamente ao Estado. Era a tão
propagada “Marcha para o Oeste”, defendida e anunciada por Getúlio Vargas. Além
disso, constituía-se um caminho racional para consolidar o ideal de família brasileira.
Isso significava uma melhor administração dentro da lógica que priorizava o
planejamento como forma de garantir o objetivo maior, qual seja: a organização
74
Idem, 201
75
CAMPOS, Cynthia Machado, 1999, p. 154.
41
social – a necessidade de formar uma consciência nacional, porque a marcha para o
Oeste significava a integração de milhares de brasileiros à comunhão nacional.
Nesse contexto a marcha para a construção de nação plena e harmônica põe
em perspectiva a solidariedade e a fraternização como imprescindíveis para a
consolidação desse sentimento nacional. Logo esse sentimento estaria constituído e
todos marchariam, promovendo obediência e ordem. A marcha significava um
movimento coordenado, orientado, disciplinado, que tinha a pretensão de formar um
povo obediente e bem-educado para dentro dos princípios de moralidade que
pudessem garantir a construção de uma nação forte e próspera.
Para romper com as estruturas irracionais que geriam a nação, a escola, a
partir de ensinamentos voltados à moral e ao civismo, cumpria o papel de educar as
crianças para a obediência das ações que vinham sendo propostas e que estavam
em comum acordo com a Igreja.
76
Tais práticas contribuiriam para o progresso, para
a construção de um Brasil próspero viabilizado pelo trabalho, pela disciplina e
pela ordem.
No entanto, para garantir o avanço da nação através de investimentos na
área social, fez-se necessário reorganizar o Estado brasileiro, rompendo com os
vícios da República Velha que estavam amarrados à cultura do regionalismo político.
Nesse sentido, seriam definidas medidas consideradas essenciais, como aumento
de agência, instituto, conselho e autarquias etc. Segundo Sônia Mendonça, seriam
muitos os conselhos criados no período:
Embora os conselhos não tivessem função deliberativa ou executiva,
eles funcionavam como formuladores de pareceres, tornando-se
instância de informação e formação de opiniões, exercendo
igualmente o papel de canais de expressão das demandas da
sociedade civil. Logo, foi nessas brechas do funcionamento do
aparelho do Estado que o empresariado nacional definiu o perfil
formal da luta pela afirmação de seus interesses, posições e
valores.
77
Não é difícil entender que tal política fluía de um Estado intervencionista que
buscava, no processo disciplinador, estabelecer uma natureza modernizante do
Estado. Tal estrutura voltava-se para implantar um capitalismo nacional autônomo
“a transfiguração do que era privado em público, do que era individual em coletivo,
76
LENHARO, Alcir, 1986, p. 35.
77
MENDONÇA, Sonia Regina de, 1990, p. 325.
42
sendo considerados importantes e legítimos, apenas os interesses que construíram
o bem-estar nacional”
78
Outro aspecto importante do período em questão, discutido pela historiadora
Maria Helena Capelato, diz respeito ao uso dos meios de comunicação, sobretudo
jornais, para a exaltação da figura de Getúlio Vargas como promotor do progresso.
Anúncios publicitários enalteciam as ações e os serviços em empresas com vistas
ao progresso. O trabalho era um dever do cidadão garantido pela Constituição de
1937.
(...) O texto do anúncio esclarecia que cumprir ao dever era sinônimo
de “servir ao progresso”, e concluía: para o engrandecimento do
Brasil, cada brasileiro, cada coletividade de brasileiros, em qualquer
ramo de atividade, precisa fazer a sua parte, servindo ao progresso.
Dentro dessa idéia e que nós da empresa fazemos o possível para
servir bem os nossos clientes do comércio e da indústria.
79
O anúncio mostra o ideário do Estado Novo na construção de um sentimento
nacional. Perpassa a ideia de que a nação é fruto da soma dos esforços individuais.
Portanto, é no coletivo que se faz a nação. O nacionalismo também correspondia ao
Estado nacional, projeto mais amplo, que visava construir a própria categoria de
nação. Com algumas divergências, as visões das relações entre Estado e sociedade
partilhavam de um mesmo ponto em comum:
(...) a construção da nação passaria, necessariamente, pelo controle
da classe trabalhadora pelo Estado. A cidadania seria definida,
doravante, pela integração ao mundo do trabalho, enquanto que,
simultaneamente, fabricava-se a mística da colaboração e da
harmonia entre as classes. “A chamada ‘questão social’ isto é, a
materialização dos conflitos tenderia a ser sublimada pela união
entre elite e massas, que o Estado se encarregaria de promover,
organizando o povo em uma nação”.
80
A divergência ocorre no que tange à questão da colaboração entre as classes
subalternas. Os empresários legitimavam o termo “autoritário”, mas se colocavam
contrários ao corporativismo. Aceitavam-no, na medida em que colaborasse com a
coerção sobre a vida associativa dos trabalhadores.
Para Alcir Lenharo, Getúlio Vargas utiliza a estratégia da militarização
psicológica: converter toda uma classe trabalhadora em soldados da pátria e
colocar-se como patrão de todos eles. Dessa maneira, atacava a subjetividade de
78
Idem.
79
CAPELATO, Maria Helena, 1990, p. 350.
80
Idem, p. 230
43
cada trabalhador, apoiando-se na dimensão humanizante e regeneradora do
trabalho, cuja intenção seria a de nuclear a noção de classe e esmagar o “ser
operário”. “Vargas associava a indústria ao operário patrão e empregado todos
trabalhadores, unidos no esforço construtivo da Nação. Trabalhador, nesse caso,
era um termo que consagrava, do ponto de vista do poder, a unidade indiferenciada
das classes sociais”.
81
Outro aspecto discutido por Alcir Lenharo diz respeito ao
discurso ambíguo quanto à aplicação de dispositivos para dignificar o trabalhador:
(...) os trabalhadores são diagnosticados no seu dia-a-dia, clinicado
através de dispositivos que permitam a sua regeneração física e
moral; espera se deles que incorporem hábitos de higiene,
alimentação, repouso e que se tornem disciplinados, produtivos e
ambiciosos, bem como almejem escapar à sua condição de classe.
82
Nesse sentido, a nação se tornaria presente na medida em que essas
políticas/ações se espraiassem pelo território nacional, e para isso Getúlio Vargas
nomeará interventores. A partir da Constituição de 1937, os Estados passaram a ser
governados por interventores federais. Refletindo um governo forte e as tendências
da política internacional, a política de nacionalização ganhou nova roupagem. O
autoritarismo dessa nova lei, aliado a um forte espírito de nacionalização, cercava o
problema da instrução pública com um carinho todo especial. Assim é que as
autoridades educacionais, tanto na esfera federal como na alçada dos Estados, se
viram estimuladas a pôr em prática uma política de nacionalização que em muito se
distinguia de tudo aquilo que se tinha até então.
É nessa lógica que, em Santa Catarina, o interventor Nereu Ramos cria
políticas convergentes com os interesses nacionais e traz para o Oeste, mais
especificamente para Chapecó, práticas, ões e discursos amplamente difundidos
em nível nacional. Foram difusoras dessa ideologia escolas, igrejas e, sobretudo,
postos de saúde.
Tal política estava diretamente associada à preservação e manutenção da
estrutura familiar, responsável, em primeira instância, pelo modelo da sociedade
brasileira e pelo imaginário de “bons cidadãos” que tal processo político-ideológico
sustentava. Essa força centralizadora do Estado Novo, instituído por Getúlio Vargas
em 1937, se fez presente em Santa Catarina através da ação política do interventor
81
LENHARO, Alcir, 1986, p. 55
82
Idem, p. 58.
44
Nereu Ramos, que empreendeu um movimento de homogeneização da sociedade e
integração do território catarinense, em oposição à diversidade e aos regionalismos
dos grupos populacionais catarinenses. Conforme coloca Walter Piazza:
A sua administração, quer como Governador quer como Interventor,
teve duas temáticas principais: a educação primária e a saúde pública.
No setor da educação primária ampliou a rede estadual de ensino
como, também, o fez no setor de saúde publica, onde reorganizou
todo o sistema, a partir do Departamento Estadual de Saúde Publica,
atingindo cada um dos municípios catarinenses, além de construir a
colônia ‘Santa Teresa’, para hansenianos, e a Colônia ‘Sant’Ana’, para
doentes mentais”. (...) O centro das preocupações dos projetos
localizou-se na população trabalhadora catarinense, alvo de
empenhos normatizadores e disciplinadores. Tratava-se de
regulamentar práticas de tais segmentos da população, dentro ou fora
das fábricas, no campo ou na cidade.
83
O interventor Nereu Ramos pensava em criar mecanismos de controle da
população. Era necessário criar anteriormente um sentimento catarinense para que
este pudesse se transformar em sentimento nacional. Tal discurso encontrou
ressonância em Chapecó: o jornal A Voz de Chape, em sua edição de 11 de
agosto de 1946, no que tange ao desenvolvimento de um espírito de cooperação
voltado a consolidar um mercado forte e em desenvolvimento, destaca que:
Em nenhuma fase de sua existência Chapecó apresentou melhores
perspectivas de progresso e desenvolvimento do que na atual. [...]
No entanto, ainda falta aos nossos profissionais agrícolas o
desenvolvimento do espírito de cooperação capaz de torná-los
suficientemente fortes para reputar seu produto na altura dos
mercados de consumidores, [...], igualmente, agora, com as
enchentes sucessivas e os bons realizados pela maioria das
madeireiras locais, por intermédio da Cooperativa Madeireira,
somente se poderá prognosticar crescimento na vida comercial da
cidade bem como, ampliação de seus quadros sociais, melhoria
urbanística, progresso, enfim.
84
Conforme discurso veiculado no jornal, o ramo madeireiro, por intermédio da
Cooperativa Madeireira, seria um dos caminhos para garantir a ampliação de seus
quadros sociais, a melhoria urbanística e o progresso. Sendo assim, a proposta das
autoridades estaduais para a “melhoria do quadro social” de Chapecó, vislumbrando
o desenvolvimento, intensificou a vinda cada vez mais intensa de imigrantes de
83
PIAZZA, Walter, 1983, p. 641.
84
Jornal A Voz de Chapecó, 11 de Agosto de 1946, p. 3
45
origem italiana e alemã. Na perspectiva de tais autoridades, esse seria o caminho
natural para a qualificação social de Chapecó. Isso nada mais é do que a ampliação
da política eugênica. O discurso “renovador” do governo, evidenciando
preocupações características da modernidade, intencionava modificar as formas
obsoletas de gerenciamento do Estado sobre a sociedade, expressas através de
práticas privadas das oligarquias. A ruptura com tais práticas ocorreria à medida que
fossem instaurados dispositivos disciplinadores e de controle através de instituições
ligadas ao Estado. Assim, portanto, o governador teria duas principais ações para
disciplinar o Estado: a educação e a saúde. A partir dessas duas ações pretendia
gestar um imaginário de uma sociedade brasileira de bons cidadãos.
Para Alcir Lenharo, “a vida moral assim com a vida política encontra-se
determinadas pela irracionalidade e pela inteligibilidade dentro deste Estado Novo.”
85
Isso significa dizer que o Estado getulista objetivava romper com as estruturas que
geriam o Estado. A Legião Brasileira de Assistência, nesse sentido, cumpriria o
papel de difundir valores pertinentes à política que atenderia aos interesses do
Estado. Assim, o trabalho educacional, terapêutico e profissionalizante voltava-se
para um ensinamento associado à moral e ao civismo, doutrinando as crianças e
adolescentes desgarrados de seus “lares”. Essas ações vinham sendo propostas
pelo Estado e estavam em comum acordo com a Igreja. Tais práticas contribuiriam
para o progresso, para a construção de um Brasil próspero, o que seria possível
via trabalho, disciplina e ordem.
Uma das práticas trazidas pelo interventor a Chapecó foi fazer com que, por
meio de discursos, a ideia de cidadãos ordeiros e moralmente disciplinados se
disseminasse no lar chapecoense. Um dos meios para concretizar tal ideia é
retratado através de matérias veiculadas pelo jornal A Voz de Chapecó, o que as
torna práticas normalizadas e naturalizadas. Sendo assim, o jornal traz enunciados
sobre o sentimento de educação que queria despertar na população: “ensino
primário e educação dos sentimentos” (por Ozires).
“(...) de nascer, do sorriso sadio de todos, um ambiente moral
agradável e uma disciplina fora dos programas de ensino, mas que
está, indiscutivelmente, dentro dos princípios da sabedoria e bom
senso. (...) o aluno que tenha conseguido a educação e cultura dos
sentimentos será depois, uma agradável criatura, acessível, bem-
humorada, distribuindo ao longe de sua vida o sorriso que anima, a
85
LENHARO, Alcir, 1986, p. 40.
46
palavra que encoraja e o gesto que exige imitação. Rosseau, o
filósofo e autor inesquecível, que nos legou o Contrato Social” e
“Emílio”, sentenciou certa voz, num tanto intranqüilo que ‘o homem
nasce bom e a sociedade o corrompe”. Direi que nem bom nem mau
nasce o homem; nasce, sim amoldável, como se fora argila mole em
mãos mais ou menos hábeis. E estas mãos hábeis ou inábeis de que
falo são: - pais, professores, amigos, ambiente. (...) Da educação dos
sentimentos surgirão os homens de bem, e os professores tem parte
importante nesta reconstrução espiritual da humanidade. (...) Esta
Educação dos Sentimentos é importante e quando não possa dar
homens sábios nos dará, pelo menos, homens bons.
86
A educação dos sentimentos vista por essa ótica passa por uma
reestruturação do ser humano, faz uma prospecção de como deve ser a pessoa.
Porque ela não nasce nem boa nem má, e nesse sentido precisa ser moldada,
ajustada dentro daquilo que é bom, ou melhor, do que seja moralmente justo. Dessa
forma, constituir-se-ia como cidadão, tornando-se um homem íntegro e que possa
responder às exigências da sociedade em ascensão. Sendo assim, a família, os
agentes de saúde e os educadores passam a ser responsabilizados por tal
formação.
A construção desse sentimento nacional ficaria, em parte, sob
responsabilidade da educação escolar. Da escola dependeriam também a
construção e a consolidação do projeto de sociedade almejada. A instituição de
hábitos moralizantes e costumes regrados passava pela organização familiar.
A família nuclear, reservada, voltada sobre si mesma, instalada
numa habitação aconchegante deveria exercer uma sedução no
espírito do trabalhador, integrando-o ao universo dos valores
dominantes. (...) “À mulher cabia, agora, atentar para os nimos
detalhes da vida cotidiana de cada um dos membros da família,
vigiar seus horários, estar a par de todos os pequenos fatos do dia-
a-dia, prevenirem a emergência de qualquer sinal da doença ou do
desvio”.
87
Dessa forma, a família deveria tornar-se o alicerce dessa nova ordem. É
nessa estrutura que o Estado Novo estabelece uma política de vigilância e controle
familiar. A fundamentação da construção de um Estado nacional moderno, civilizado
e desenvolvido. Essas práticas modernizadoras e nacionalizantes pretendiam
alcançar e interferir nos espaços sociais: a família, a escola e as instituições em
86
Jornal A Voz de Chapecó, 16 de setembro de 1945, p. 2.
87
RAGO, Margareth,1985, p 147.
47
geral, ordenando a vida das pessoas, bem como suas condições de moradia, lazer,
comportamento e trabalho.
Outra forma encontrada para transformar a sociedade, na década de 1930, foi
o corpo. Foi durante esse período que se instituiu o programa estatal de proteção à
maternidade, à infância e à adolescência no Brasil, através do Departamento
Nacional da Criança (DNCR), criado em 1940 e pautado num discurso de
preservação do amor às crianças, compreendendo a juventude, participando de
suas expansões, sentindo seu afeto e considerando que todos mereciam cuidados e
bênçãos do Estado. A personificação desse discurso se pelo aspecto
conservador do regime, mas também pela longa tradição que associa a infância com
a pureza e uma atitude carinhosa.
Estudar essas políticas e a implantação delas no município de Chapecó é,
portanto, uma tentativa compreender os processos de ordenamento social no campo
e na cidade; é refletir sobre os parâmetros de inclusão e exclusão social e as ações
públicas que estabelecem e ordenam as relações das populações de baixa renda,
principalmente. É procurar dotar de inteligibilidade os propósitos que sustentam e
estabelecimento de políticas de vigilância e controle familiar, por parte do Estado.
1.2 A preocupação em salvar a população: a vinda do médico Dr. Darcy de
Camargo e a implantação de uma política higienista
Foi durante o reinado da rainha Victoria que a humilde cabana de um
guarda florestal do castelo de Balmoral, norte da Escócia, tornou-se
palco de um drama humano. Nela havia uma criança seriamente
doente, a rainha telegrafou a Londres pedindo o comparecimento do
seu médico particular, Sir James Clark, que veio de trem especial e
permaneceu ao lado da criança até a crise passar. Em 1891, a rainha
Victoria encomendou ao pintor Sir Luke Fildes, da Real Academia,
que perpetuasse o fato em um quadro, assim imortalizando a
dedicação do médico.
88
Encontrei essa citação num papel amarelado guardado entre as miscelâneas
do acervo privado do médico Darcy de Camargo. Cito-a aqui numa tentativa de
delimitar tanto o lugar desse médico na implantação dos ideais modernos relativos
ao cuidado e gestão da população na cidade, quanto a inscrição de um novo modelo
fortemente alocado à medicalização - para a cidade, até então bastante esquecida
88
Autor não identificado. Acervo da família do médico Darcy de Camargo.
48
em relação às políticas públicas de educação e saúde, principalmente. Abaixo a
imagem, relatada no fragmento:
Figura 4 – The Doctor de Luke Fildes
89
Essa imagem é como um “lugar de memória”
90
da prática médica e da própria
importância do doutor”, o médico, na vida das pessoas. Vários manuais de cuidado
de crianças usaram essa imagem para ilustrar e fixar sentidos sobre o papel do
médico, da medicina oficial no cotidiano da população. O fato de o médico Darcy de
Camargo ter preservado esse fragmento entre seus “guardados” é indício de sua
importância, ao menos para o médico. Da mesma forma tal episódio parece
caracterizar a profissão do médico que se estende através dos séculos, o lugar
daquele que cuida, zela pela saúde. Sua descrição revela também, de certa forma, o
drama vivido pela população por falta de assistência médica. A falta de assistência
médica era considerada a grande causadora de mortalidade infantil na cidade de
Chapecó. Nesse sentido, tal episódio pode ser comparado com a precariedade de
assistência médica em Chapecó na década de 1940. Com base no diário de
89
Disponível em: <www.tate.org.uk/tateetc/issue8/microtate.htm>. Acesso em: 15 de março de 2010.
90
NORA, Pierre, 1993.
49
anotações do dico Darcy de Camargo, pode-se observar que não havia
assistência médica e as dificuldades para se ter acesso a ela eram enormes.
Automóvel não se tinha para o transporte. Para chegar à cidade mais
próxima que havia assistência médica que no caso era a cidade de
Joaçaba, Santa Catarina, em que levavam doze horas de viagem,
isso quando não chovia. Para se tentar fugir das doenças, buscava-
se socorro em receitas caseiras como usar pó de café, teia de
aranha para estacar o sangue que escorria de ferimentos na roça.
Mas, quando chegavam doenças como tétano, pneumonia,
disenteria, desidratação e outras, muitas vidas eram levadas por falta
de assistência médica.
91
O médico Darcy de Camargo chegou à cidade em 1943, vindo de Curitiba,
Paraná, e ali se estabeleceu. Foi o primeiro médico a viver na região e sua
especialidade era a pediatria. Os atendimentos aos doentes aconteciam em
domicílios, porque o havia hospital. A partir dos relatos do médico nota-se como
aconteciam os atendimentos e ter ideia da falta de estrutura: “era comum sair para
atender um chamado logo ali e chegar horas depois ou só no dia seguinte. Essa
demora às vezes custava a vida do doente. As estradas eram picadas, o trajeto era
feito a cavalo ou a pé até a residência do doente”.
92
Figura 5 – Médico Darcy de Camargo, ao centro.
93
91
Diário de anotações do médico Darcy de Camargo, 1944. Acervo da família.
92
Idem.
93
Acervo da família.
50
Devido à precariedade dos atendimentos de saúde, em 1946 é construído o
Hospital Santo Antônio, de madeira e com mínimos recursos para atender os
doentes. Mesmo com a instalação do hospital a dificuldade continuava. A febre e o
tifo eram o fantasma da época, e famílias inteiras vinham à procura de recursos
médicos. Alguns estavam consumidos pela febre, e não havia mais o que fazer.
Essas epidemias que assolavam a região roubavam muitas vidas e anualmente os
episódios se repetiam. A falta de antibióticos foi uma das maiores causas dos óbitos
à época, segundo anotações do médico Darcy de Camargo.
A cidade de Chapecó pode ser identificada como um dos exemplos de que o
interesse da filantropia higienista detinha-se sobre a criança, mais especificamente
sobre a mortalidade infantil. Em 1947 seria instalado, em Chapecó, o Posto de
Puericultura, disponibilizado pela Legião Brasileira de Assistência para atender as
mães e as crianças da cidade. Segundo estudo realizado pelo Dr. Darcy de
Camargo, médico do posto de saúde, na década de 1940, e publicado pelo jornal A
Voz de Chapecó, o grande fantasma que assolava a população era a mortalidade
infantil. Entre os fatores citados que contribuíam para a elevada taxa de mortalidade
infantil estavam: a falta de condições higiênicas de habitação e alimentação, a
ignorância dos pais e também fatores econômicos e sociais.
Cumpre ressaltar que a taxa de mortalidade infantil era muito alta no Brasil,
não sendo diferente em Chapecó. O Brasil da década de 1940 apresentava uma
taxa da mortalidade infantil alta eram 150 mortes por 1000 nascidos vivos
94
–,
embora segundo estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
esse valor fosse resultado lento, mas consistente de queda de mortalidade. A
partir da Segunda Guerra Mundial o processo de transição da mortalidade infantil de
alta pra baixa parece ter sido um fenômeno de escala mundial. As intervenções do
Estado para solucionar os problemas relacionados à mortalidade foram
implementadas na década de 1940, redundando naquilo que os especialistas
classificaram como uma “revolução na saúde”.
Outro aspecto também trazido pelo prefeito Serafim Bertaso e publicado pelo
jornal A Voz de Chapecó fazia referência “à vigilância sanitária da cidade, como os
cuidados, com a água ao fazer privadas perto do poço, pois estava gerando doenças
94
IBGE. Evolução e perspectivas da mortalidade infantil no Brasil. Disponível em:
www.ibge.gov.br/home/...mortalidade/evolução_mortalidade.pdf. Acesso: 25 de agosto de 2009.
51
na população”.
95
Esses e outros discursos evidenciam a existência de preocupação
higienista com a população e seus costumes. Como diz Jurandir Freire Costa,
“desde o século XIX a medicina apossou-se do espaço urbano e imprimiu-lhe as
marcas de seu poder”.
96
Através desses discursos constata-se que Chapecó estava
vivenciando ações direcionadas à criação de uma estrutura de saneamento e
higienização da cidade, visando à erradicação das condições propícias para a
proliferação de doenças.
A partir dessas evidências faço algumas questões: qual o lugar ocupado pela
Legião Brasileira de Assistência nas tentativas de disciplinar a população de
Chapecó? Como as mulheres e as crianças foram sendo alvo de discursos,
intervenções e interdições na construção de uma nova ordem de civilidade na
cidade? Que discurso de civilidade os jornais chapecoenses veiculavam,
defendiam?
Para o historiador Norbert Elias a civilização é entendida como processo de
civilizar os costumes. A sociedade torna-se uma obra do próprio homem à medida
que as distinções sociais deixam de fundar na natureza e se mostram apenas
artificiais”.
97
Nesse processo de configurações de comportamento, costumes e
condutas, cria-se a intenção de valorizar e perceber o controle dos sentimentos
como forma de alcançar êxito nas relações interpessoais diante de uma nova ordem
social estabelecida. Sendo assim, a fundamentação e a descoberta de um conceito
de civilidade servem para definir o caráter de superioridade das sociedades
ocidentais européias por sua autoconsciência de ser civilizadas, que acabam por
perceber o processo de civilização como terminado, e almeja um cargo em que se
entenderia como “transmissora a outrem de uma civilização existente e acabada, as
porta-estandartes da civilização em marcha”.
98
Ainda para Elias, a fase fundamental
desse processo foi concluída no “exato momento em que a consciência de
civilidade, a consciência da superação de seu próprio comportamento e sua
corporificação na ciência, tecnologia ou a arte começaram a se espraiar por todas as
nações do Ocidente”.
99
95
Jornal A Voz de Chapecó, 15 de setembro de 1948, p.4.
96
COSTA, Jurandir Freire, 1983, p. 30.
97
ELIAS, Norbert, 1993, p.10.
98
ELIAS, Norbert, 1994, p. 64.
99
Idem.
52
Esses ideais civilizatórios construídos por uma autoafirmação de
superioridade das sociedades serviram como base para uma máxima de
restauração das estruturas sociais, culturais e políticas em que se inspiravam os
diversos centros urbanizados ou em urbanização, ao longo do século XIX. Nesse
movimento surge uma “crença sincera no progresso um mito baseado no
significado de aperfeiçoamento, principalmente para os elementos das elites que se
beneficiaram diretamente dos efeitos da modernização’’
100
, tais formas embasavam-
se no movimento iluminista do século XVIII e procuravam extrair um conceito de
civilização vinculado ao desenvolvimento do conjunto de processos científicos,
tecnológicos, da revolução dos costumes.
Pensar o conceito civilidade a partir de Norbert Elias ajuda a compreender os
discursos sobre civilidade que circularam através das políticas públicas
implementadas pela Legião Brasileira de Assistência no Oeste Catarinense e
especificamente em Chapecó. As ões da Legião Brasileira de Assistência
remodelaram hábitos e costumes na cidade. Valores ligados à estrutura familiar,
pautados nas práticas de higienização, redefiniram representações sociais
relacionados ao papel da mulher na família e os cuidados da criança desde a
gestação, por exemplo.
Esse desejo de civilizar a sociedade através do indivíduo passa a
desempenhar um papel importante na mentalidade dos adultos sobre o que é
civilizado. Esse controle se no sentido de reformar mentes e adaptá-las a um
novo modelo de organização. Esse processo de higienização e reformulação pelo
qual passava a família objetivava formar cidadãos que viessem a ser os novos
dirigentes da sociedade, dentro dos princípios morais e intelectuais estabelecidos
pelo Estado.
100
PILLA, Maria Cecília Barreto de Amorim, 2003, p. 01-06.
53
SEGUNDO CAPÍTULO
A LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA E AS INTERVENÇÕES EM BUSCA
DE UMA NOVA NORMA FAMILIAR
No inverno de 1942, Getúlio Vargas declarou o ingresso do Brasil na Segunda
Guerra Mundial. A participação na guerra vai ser decisiva para a criação da Legião
Brasileira de Assistência, em 14 de agosto desse mesmo ano, pois o objetivo inicial
era que a instituição amparasse os soldados que iriam para a guerra, bem como
seus familiares. Todavia, suas ações se entenderiam para além do amparo aos
soldados e seus familiares, posto que se voltariam, sobretudo, para as classes
sociais menos favorecidas do país.
Com o final da Segunda Guerra Mundial, a Legião Brasileira de Assistência
tem as suas atribuições modificadas: os serviços sociais são estendidos
gradualmente a alguns trabalhadores
101
. Com essas modificações a Legião
Brasileira de Assistência buscava distinguir o cidadão de assistência do cidadão da
previdência. Outra atribuição foi “a defesa a maternidade e a infância da proteção à
família, procurando por todos os meios a racionalização de ação tendente a um
perfeito aproveitamento da assistência em suas diversas formas”.
102
A Legião Brasileira de Assistência foi uma das grandes instituições
governamentais de assistência social criadas pelo Estado Novo, ligada ao governo,
que atuaria através de instituições privadas e, em menor escala, públicas (federais,
estaduais e municipais), por meio de convênios estabelecidos. O Departamento
Nacional da Criança, criado em 1940 para fornecer assistência às crianças e
famílias pobres, sofria com a falta de recursos. Essa situação o levou a associar-se à
Legião Brasileira de Assistência. A atuação do departamento incluía a maternidade,
101
Compreende-se como trabalhador aquele que tem nculo formal, ou seja, carteira assinada.
Os serviços públicos mesclam-se com serviços previdenciários que operam sob o padrão da
segurança social, isto é, só se estendem àqueles que possuem uma relação contratual de pré-
pagamento pelos serviços auferidos. Os segmentos mais pobres, sob tal compreensão, não são de
trabalhadores, que subempregados ou sem vinculo formal o são incluídos naqueles serviços
sociais. Para esses últimos, são destinados os programas assistenciais a título compensatório ou de
benesse, por parte do Estado ou da sociedade civil. Cf. SPOSATI, Aldaíza; FALCÂO, Maria do
Carmo, 1989, p. 17.
102
Idem, p.18.
54
a infância e a adolescência. A Legião Brasileira de Assistência possuía receitas
próprias, advindas de contribuições compulsórias de trabalhadores sindicalizados,
além de estar vinculada à autoridade moral da primeira-dama. Dessa forma o
Departamento Nacional da Criança conseguiu meios com a Legião Brasileira de
Assistência para financiar obras de seus programas, principalmente os postos de
puericultura.
Na presidência da instituição a primeira-dama Darcy Vargas desenvolveria um
trabalho filantrópico voltado para a sociedade. Porém, na época da guerra quase
todas as atividades eram mesmo direcionadas aos combatentes brasileiros que
estavam para embarcar para a Itália. Essas ações eram veiculadas por meio do
boletim da Legião Brasileira de Assistência. Tal boletim seria um dos principais
meios de aglutinação dos incentivos às campanhas pró-expedicionárias e de tantas
outras que acabaram por demarcar os vários papéis da Legião Brasileira de
Assistência: ora é benemérita, ora filantrópica, ora patriótica, mas certamente, e
acima de tudo, sempre política. O boletim acompanharia os soldados brasileiros
durante toda a guerra, evidenciando a grande ligação da instituição e seus dirigentes
com o Exército Brasileiro, conforme verificado na consulta que fizemos aos boletins
do período de setembro de 1944 a julho de 1945, durante os preparativos dos
embarques dos soldados da FEB para a Itália.
Dos registros em seus boletins constam desde a saudação protocolar às
autoridades de alto escalão da FEB e aos expedicionários que partiam até as
campanhas diretas para arrecadar diferentes produtos que mais tarde seriam
distribuídos à população ou enviados aos soldados. Além dessas campanhas, os
boletins incentivavam a manutenção da troca de correspondência entre os soldados
e suas famílias, bem como entre os demais brasileiros. O discurso estava alocado
no patriotismo, ou seja, os brasileiros deveriam apoiar e, através de cartas, confortar
os soldados que foram para a guerra, afinal eles estavam distantes da pátria e era
em nome dela que lutavam.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o governo decidiu que a
Legião Brasileira de Assistência continuaria fazendo, no período de paz, o que fez
durante a guerra. Sua intervenção na área social foi justificada a partir dos
problemas que atingiram as crianças brasileiras relativos à educação e à saúde,
considerados responsáveis pelo atraso econômico do país. Tais ações contavam
com o trabalho das esposas de governadores e prefeitos. A então as ações da
55
Legião Brasileira de Assistência “não eram sistemáticas, mas ocasionais, em épocas
de calamidades públicas, como no caso de secas, enchentes e afins”
103
. As
comissões estaduais e municipais foram os embriões da ação oficial da Legião
Brasileira de Assistência no interior do país. Durante sua trajetória a Legião
Brasileira de Assistência foi o principal órgão estatal de enfrentamento à pobreza.
Mãe da sociedade, da pobreza, lar dos carentes, socorro dos aflitos, marcada por
ações paternalistas de prestação de auxílios emergenciais e paliativos à miséria
essa era a representação da instituição que se pretendia fixar. “Comprometendo-se
a atender a população com carinho e atenção, para suprir de alguma forma as
carências não só materiais como também espirituais”.
104
Com esse ideal a Legião Brasileira de Assistência passa a ser implantada em
todo o território nacional com o objetivo de estender sua luta em proteção à
maternidade, à infância, e à adolescência desprovidas de recursos. Convém
destacar que a preocupação maior da instituição voltava-se à preservação da saúde
da criança, o que indicava intervenções na família. É da preocupação pela
construção e manutenção da estabilidade familiar que se constituirão mecanismos e
programas de promoção da integração social, ou seja, o ajustamento de inúmeros
sujeitos sociais desagregados do convívio familiar.
De acordo com Aldaíza Sposati e Maria do Carmo Falcão, até o início dos
anos 1930 o Estado brasileiro assumia a questão social basicamente como uma
questão de polícia e não de política social
105
. É importante observar que a
historiografia acerca da questão social no Brasil é marcada por algumas concepções
que vêm orientando os estudos sobre a assistência social. As interpretações sobre o
tratamento dispensado à questão social são unânimes em informar que até 1930, no
horizonte simbólico da classe dominante e do Estado, a existência da questão social
era negada, apesar dos conflitos operários, das denúncias das condições
degradadas de vida e de trabalho da população pobre, das vozes públicas que
advogavam a exigência de direitos e mudança em relação ao trabalho.
O posicionamento do Estado e das classes dominantes diante da questão
social teria feito que a repressão e a caridade constituíssem as formas de combate
ao problema. As análises partem do princípio de que a questão social adquiriu maior
103
Idem, p. 9
104
Idem.
105
Idem, p.10.
56
relevância e caráter dinâmico a partir da década de 1920. Em virtude da própria
explicitação das condições sociais de grande parte da população brasileira, passou-
se a discutir a questão social como problema legítimo, “questão eminentemente
política pertencente a esfera do Estado, fenômeno que requer soluções mais
sofisticadas de dominação do que intervenção da política”.
106
A questão social transforma-se, assim, em questão política, passando a ser
enfrentada por ações assistenciais. Para Wanderley Guilherme dos Santos:
O conceito chave que permite entender a política econômico-social
pós trinta, assim como fazer a passagem da esfera da acumulação
para a esfera da equidade, é o conceito da cidadania, implícito na
pratica política do governo revolucionário, e que tal conceito poderia
ser descrito como cidadania regulada, ou seja, são cidadãos todos
aqueles membros de comunidade que se encontram localizados em
qualquer das ocupações conhecidas e definidas em lei. A cidadania,
portanto está ligada a profissão, e os direitos como cidadão
resumem-se naqueles referentes a posição ocupada por ele no
processo produtivo e de acordo com que a lei reconhece.
107
Ficaram excluídos todos aqueles cujas ocupações a lei desconhece. A
organização sindical, em consequência, desarticula-se por ser forçada a se definir
nas estruturas burocráticas do Estado, que era “quem definia quem era e quem não
era cidadão, via profissão”.
108
Nessa perspectiva, tem-se a cisão entre cidadãos e
não cidadãos. Os primeiros eram detentores de direitos por exercerem atividades
reconhecidas em lei e poderem ter acesso aos direitos trabalhistas e previdenciários.
Os segundos, desempregados, empregados temporários, bem como aqueles que
exerciam atividades não consideradas pelo Estado, ficavam na condição de pré-
cidadãos, restando-lhes ações assistencialistas, que não se convertiam em direitos.
A assistência - na trajetória das políticas sociais brasileiras - é uma forma
discriminada e parcial de atender alguns segmentos populacionais excluídos
historicamente e que, de forma objetiva, não existem para o capital: desempregados,
indigentes, deserdados, órfãos, abandonados etc.
109
Dessa forma a assistência não
ocorria como direito do cidadão, mas como mérito do necessitado. Não como um
direito, mas como um favor emergencial.
De início as comissões estaduais eram presididas em cada Estado pelas
primeiras-damas, ou seja, esposas de governadores (interventores na época). Esse
106
Idem, p. 75
107
SANTOS, Wanderley Guilherme dos, 1979, p. 75.
108
Idem, p. 70.
109
SPOSATI, Aldaíza; FALCÂO, Maria do Carmo, 1989, p.41.
57
princípio se estendeu aos municípios, onde essas comissões eram também
presididas pelas esposas dos prefeitos. As Comissões Estaduais e municipais eram
constituídas de um presidente (representado pela primeira-dama), um secretário e
um tesoureiro (indicados pela associação comercial do Estado). Pode-se aferir que
as comissões municipais e estaduais foram os embriões tanto da ação oficial da
Legião Brasileira de Assistência na condição de representante do Governo Federal
quanto da formação dos núcleos de voluntários e, ainda, de organismos
assistenciais dos governos estaduais, presididos pelas primeiras-damas.
Em 1945, com a deposição de Getúlio Vargas e a retomada do regime
democrático, vários presidentes alternaram-se na gerência da Legião Brasileira de
Assistência, sendo esta ameaçada de extinção pelo então presidente da república
José Linhares, que exerceria a presidência apenas por três meses e cinco dias, de
29 de outubro de 1945 a 31 de janeiro de 1946. Tal fato não ocorreu, porém, devido
ao grande volume de apelos e cartas que recebeu de vários pontos do país.
“Embora com apenas 3 anos de existência, em 1945 a Legião Brasileira de
Assistência já existia em 90% dos municípios brasileiros”.
110
Nos anos 1950 os programas sociais têm forte caráter assistencial e vão se
alternando e se moldando às diversas conjunturas, respondendo às necessidades
do capitalismo no que toca ao preparo da mão de obra, à ampliação de demandas
de bens de consumo e ao controle social. Esse período representou o início da
modernização do aparelho do Estado. É a era Juscelino Kubistchek, com a
implantação da indústria automobilística, a instalação de grandes usinas
hidrelétricas, da siderurgia etc. E é também a era da implantação gradativa de
órgãos estatais, voltados ao desenvolvimento de políticas sociais com um tom
nitidamente assistencial.
Na década de 1950 a Legião Brasileira de Assistência expandiu suas ões
na maioria dos Estados. Suas práticas assistencialistas evoluíram, englobando:
arrecadação de fundos para a manutenção de instituições carentes; auxílio
econômico, amparo e apoio às famílias; orientação maternal; campanhas de higiene;
fornecimentos de filtros; assistência médica e odontológica; manutenção de creche;
orfanatos; lactários; colônias de férias; concessões de instrumentos de trabalho;
postos de puericultura; hospitais infantis, maternidades e educandários. “Outro
110
Idem, p. 10.
58
serviço disponibilizado a população catarinense seria o posto de puericultura que
atenderia a infância e a maternidade”.
111
Esses serviços disponibilizados pela Legião Brasileira de Assistência buscam
um atendimento especial em favor de mães e de crianças pobres. Além disso,
tinham como intuito fomentar e divulgar conhecimentos e informações, conselhos e
indicações que despertassem a iniciativa em todo o território nacional de proteção e
de assistência à infância na família.
Dois meses depois de sua existência em nível nacional, em outubro de 1942
a Comissão Estadual da Legião Brasileira de Assistência foi instalada em
Florianópolis, capital de Santa Catarina. Em seguida foram instalados 43 centros
municipais, os quais tinham como tarefa prestar assistência social, angariando
fundos através de festas, chás beneficentes, enquanto não vinham os recursos
oficiais. As cidades contempladas com os centros municipais inicialmente foram:
Araquari, Araranguá, Biguaçu, Blumenau, Bom Retiro, Brusque, Caçador, Camboriú,
Campo Alegre, Campos Novos, Canoinha, Concórdia, Criciúma, Curitibanos,
Gaspar, Ibirama, Imaruí, Indaial, Itaiópolis, Itajaí, Jaguaruna, Jaraguá do Sul,
Joaçaba, Joinville, Laguna, Lages, Mafra, Nova Trento, Orleans, Palhoça, Porto
Belo, Porto União, Rio do Sul. Rodeio, São Francisco do Sul, São Joaquim, São
José, Serra Alta, Tijucas, Timbó, Tubarão, Urussanga e Chapecó
112
.
Essas comissões municipais, ou centros municipais, instaladas nas cidades
vão ser os motores para agilizar as ões assistenciais da Legião Brasileira de
Assistência no Estado e no Brasil todo. Dessa forma, “quando o Estado tem
dificuldades de encontrar as novas regras dos jogos, as cidades vão de vento em
popa”.
113
As Comissões Municipais da Legião Brasileira de Assistência cumpririam o
papel de difundir valores pertinentes à política que atenderia aos interesses do
Estado.
A partir das instalações das Comissões Municipais espalhadas por todo o
Estado de Santa Catarina, as mulheres atendem ao chamado de alistar-se como
voluntárias da Legião Brasileira de Assistência, com o intuito de ajudar as famílias
dos soldados que foram para a guerra. A partir da guerra o discurso veiculado
reforçava a necessidade de que as mulheres assumissem a responsabilidade de
111
Idem.
112
LBA. Relatório, 1942 – Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, Florianópolis.
113
VELTZ, Pierre, 1996, p.149.
59
administrar a sobrevivência da família e a educação dos filhos. Com o fim da guerra
essa instituição não acaba, mas aumenta seu campo de atuação na inserção das
políticas públicas que passam a promover o reajustamento das famílias
consideradas desajustadas nos aspectos econômico, sanitário, judiciário,
educacional e moral, do mesmo modo que redimensiona o papel das mulheres em
seus quadros de atuação e intervenção.
Centros Municipais da
Legião Brasileira de
Assistência
Data das Instalações
Número de
Legionárias.
(Inicial 1942)
Número de
Legionárias.
(Inicial 1945)
Araquari (ex-Parati) 29 de setembro de 1942 182 182
Araranguá 13 de setembro de 1942 71 61
Biguaçu 20 de setembro de 1942 28 28
Blumenau 15 de outubro de 1942 31 63
Bom Retiro 24 de setembro de 1942 63 74
Brusque 29 de setembro de 1942 53 46
Caçador 14 de setembro de 1942 80 84
Campo Alegre 21 de setembro de 1942 41 62
Campos Novos 26 de setembro de 1942 18 31
Canoinhas 22 de setembro de 1942 55 83
Concórdia 30 de setembro de 1942 26 48
Criciúma 27 de setembro de 1942 118 97
Curitibanos 18 de setembro de 1942 53 42
Gaspar 16 de setembro de 1942 62 86
Ibirama 08 de outubro de 1942 86 86
Imaruí 25 de setembro de 1942 6 6
Indaial 20 de setembro de 1942 72 72
Itaiópolis 03 de outubro de 1942 30 30
Itajaí 12 de outubro de 1942 35 28
Jaguaruna 27 de setembro de 1942 30 30
Jaraguá do sul 14 de setembro de 1942 48 62
Joaçaba 16 de setembro de 1942 88 88
Joinville 23 de setembro de 1942 6 120
Laguna 19 de setembro de 1942 71 200
Lages 20 de setembro de 1942 93 95
Mafra 25 de setembro de 1942 56 56
Nova Trento 20 de setembro de 1942 37 42
Orleans 30 de setembro de 1942 30 51
Palhoça 31 de outubro de 1942 105 105
60
Porto Belo 05 de abril de 1942 43 48
Porto União 04 de outubro de 1942 96 96
Rio do Sul 12 de outubro de 1942 130 126
Rodeio 01 de outubro de 1942 64 57
São Francisco do Sul 27 de setembro de 1942 38 58
São Joaquim 16 de setembro de 1942 58 132
São José 17 de setembro de 1942 123 123
Serra Alta 14 de setembro de 1942 8 73
Tijucas 14 de setembro de 1942 82 103
Timbó 16 de setembro de 1942 63 96
Tubarão 22 de setembro de 1942 78 78
Urussanga 17 de setembro de 1942 40 40
Chapecó 1943 14 14
Tabela 1 - As mulheres voluntárias
114
No quadro acima é possível observar o ano da instalação da Legião Brasileira
nos centros municipais e o número de mulheres que se colocavam a serviço dessa
instituição. a Comissão Estadual em Florianópolis pôde contar nesse período
com 1580 legionárias, e nos centros municipais distribuídos no interior do Estado
havia 3027, somando o número de 4607 mulheres legionárias construindo o projeto
almejado pela Legião Brasileira de Assistência. Esses dados são importantes porque
permitem avaliar, ainda que tangencialmente, o número de mulheres que assumiram
a missão de prestar “assistência aos soldados e seus familiares e ainda
transformaram a instituição em um ponto de encontro entre as mulheres
desamparadas e mulheres da instituição”.
115
As legionárias que se alistaram na Comissão Municipal da Legião Brasileira
de Assistência, em Chapecó eram mulheres católicas que, em sua maioria,
pertenciam a elite da sociedade chapecoense. Além de pertencerem à elite eram
esposas de homens que estavam envolvidos nos diversos segmentos sociais,
culturais e políticos da cidade. Convém ressaltar que as notas dos jornais de
circulação local evidenciam que essas mulheres vinham desenvolvendo trabalhos
caritativos, antes de se alistarem como legionárias. Organizavam-se em torno do
“Grêmio Feminino Rosa do Sul”, criado em julho de 1950, cuja diretora era Elza
114
LBA. Relatório, 1948, p. 125. Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. Florianópolis.
115
SIMILI, Ivana Guilherme, 2008, p.182.
61
Bertaso. O Grêmio era o lugar em que se promoviam festas, bailes e chás de
caridade servido em finas louças. Dessa forma as mulheres distinguiam-se
socialmente ao mesmo tempo em que participavam dos assuntos locais e se
dedicavam as questões sociais, cívicas e filantrópicas.
Com a finalidade de formar as voluntárias, a Comissão Estadual da Legião
Brasileira de Assistência disponibilizou cursos de voluntárias-socorristas, nos quais
constaram as seguintes disciplinas: Anatomia, Fisiologia, Higiene, Serviços Sociais,
Nutrição, Puericultura, Serviço de Saúde em Campanha e Socorro de Urgência. Na
cerimônia de entrega dos certificados de voluntária-socorrista, esse foi o juramento
feito: “De acordo com os estatutos e as instruções baixadas pela Legião Brasileira
de Assistência, prometo servir o Brasil, assim na paz como na guerra, com lealdade,
disciplina e abnegação, desde que seja chamada para a Pátria para cumprir os
meus deveres de voluntárias-socorristas”.
116
Esse juramento foi repetido pela
presidente estadual da Legião Brasileira de Assistência e confirmado por todas as
voluntárias-socorristas. Mais tarde esse curso de voluntárias-socorristas foi instalado
nas seguintes cidades: Brusque, Blumenau, Itajaí, Tijucas, Gaspar, Joinville,
Jaraguá do Sul e Laguna.
A Legião Brasileira de Assistência também desempenhou campanhas como a
Campanha Horta da Vitória, Campanhas da Borracha, Campanha do Livro,
Campanha Madrinha dos Combatentes, entre outras. Essas campanhas foram
criadas em razão da guerra, para a participação feminina, e teve nos ideais de
cooperação, no conceito de luta pela vitória do país, os ingredientes para o
surgimento de novos comportamentos, novas atitudes e condutas femininas.
A instalação das comissões estadual e municipal surtiu efeitos promissores,
no que se relaciona aos objetivos iniciais da Legião Brasileira de Assistência. As
mulheres catarinenses passaram a se alistar como legionárias, inscrevendo-se nos
cursos citados acima, e após frequentá-los transformaram-se em voluntárias da
Legião Brasileira de Assistência.
Ao frequentarem os cursos, as campanhas e os serviços, essas mulheres
entravam em contato com situações e conhecimento que as impulsionariam à
atuação no espaço público. Observa-se que nos cursos havia uma preparação
feminina que visava reforçar as habilidades e competências conceituadas pelos
116
Idem.
62
homens como inerentes à mulher para transformá-las em mães da nação: mulheres
preparadas para cuidar da população, da família e das crianças e que se
desmembravam em várias grandes mães zeladoras e educadoras da população.
O trabalho das mulheres envolvidas com as ações assistenciais da Legião
Brasileira de Assistência, também pode ser observado como um movimento
importante de distinção de classe, mas também de gênero, visto que as mulheres
passaram a atuar no espaço público com maior visibilidade. Certamente que eram
ações que evocavam a “natural e tradicional benevolência feminina”, ou seja,
designavam a combinação de tarefas relativas ao feminino. Claro está que essas
representações de gênero - que acabam por submeter os sujeitos a uma série de
atributos sociais - são posições sociais, conforme chama a atenção Teresa de
Lauretis. “A proposição de que a representação do gênero é a sua construção,
sendo a um tempo produto e o processo do outro, pode ser expressa com mais
exatidão: a construção de gênero é tanto um produto quanto o processo de sua
representação”
117
.
De todo o modo, é certo que sob a aprovação dos respectivos maridos e/ou
pais as mulheres da classe dia davam seus passos para fora do lar. Nas
atividades desempenhadas pelas mulheres na Legião Brasileira de Assistência,
constata-se que a guerra produziu readequação nas concepções e representações
de gênero, construindo estilos e perfis femininos designados às mulheres. Para
Silvana Vilodre Goellner “as representações não o universais nem mesmo fixas.
São sempre temporárias, efêmeras, inconstantes e variam conforme o lugar/tempo
onde esse corpo circula, vive, se expressa, se produz e é reproduzido”.
118
As representações do feminino construídas pela Legião Brasileira de
Assistência produziram também uma relação de poder entre as mulheres: as
mulheres da instituição, ou seja, aquelas que atuavam na efetivação das ações
assistenciais e as mulheres pobres que necessitavam do auxilio desses serviços
assistenciais. Assim as mulheres pobres ao procurar os serviços prestados pela
instituição tiveram sua vida vasculhada no aspecto econômico, social, sanitário e
moral pelas mulheres que representavam a Legião Brasileira de Assistência. Essa
prática permitia a obtenção de um saber sobre as mulheres pobres, marcando assim
a intervenção e o controle do Estado sobre as elas.
117
LAURETIS, Teresa de, 1994, p.212.
118
GOELLNER, Silvana Vilodre, 2003, p. 27.
63
Outro trabalho realizado pela Legião Brasileira de Assistência eram os
serviços do registro civil, disponibilizando certidões de nascimento, casamento,
óbito, atestado de pobreza, petições judiciais, entre outros serviços. Esses serviços
assistenciais foram instituídos com o objetivo de levantar o moral e o ânimo
daqueles que se encontravam à mercê da sociedade e não conheciam seus direitos.
Na cidade de Chapecó essas ações assistenciais podem ser melhor
observadas através da Comissão Municipal da Legião Brasileira de Assistência,
organizada após a volta do município ao Estado de Santa Catarina, com a extinção
do Território do Iguaçu, a partir de 1946. Dessa forma a Legião Brasileira de
Assistência torna-se interventora das ações assistenciais no município, responsável
pela reeducação da população chapecoense. Assim pode-se dizer que essa
instituição estava de mãos dadas com o espírito da política que o interventor Nereu
Ramos almejava consolidar, a integração do Oeste Catarinense ao território
catarinense pautada na saúde e na educação. Essa instituição teria a
responsabilidade de constituir e consolidar o projeto de sociedade almejada pelo
Estado no Oeste Catarinense.
2.1 A Legião Brasileira de Assistência e os cuidados com a criança:
intervenções em busca de uma nova norma familiar
A infância é o momento de construção de um futuro adulto, através
da lenta incubação de valores, comportamento e práticas. As
sociedades destinam diferentes papéis e atitudes para esse início da
vida. Em nossa sociedade um sentimento de infância, no entanto,
ele nem sempre existiu dessa forma.
119
Pode-se afirmar que a Legião Brasileira de Assistência, por meio de suas
ações, foi propulsora de uma nova cultura urbana na cidade de Chapecó. Essa nova
cultura seria imposta através de políticas que estabelecessem uma nova ordem
voltada à saúde e à educação da criança. A partir dessas representações pautadas
na saúde e na educação, insere-se todo um conjunto de práticas em que a criança
adquire um novo lugar, com base em um discurso de moralidade, disciplina e
sensibilização da sociedade chapecoense sobre cuidados em relação à criança. É
importante destacar que se tinha todo um interesse em convocar a sociedade no
119
RENK, Arlene, 2003.
64
envolvimento dessas práticas, para com isso despertar o sentimento de infância na
família que se queria naquele momento.
A família não deve ser mais apenas uma teia de relações que se
inscreve em um estatuto social, em um sistema de parentesco, em
um mecanismo de transmissão de bens. Deve-se tornar um meio
físico, saturado, permanente, contínuo que envolva, mantenha e
favoreça o corpo da criança. Adquire então uma figura material,
organiza-se como meio mais próximo da criança; tende a se tornar,
para ela, um espaço imediato de sobrevivência e de evolução.
120
Essas mudanças geravam um sentimento de cuidados e valorização em
relação à criança, que passa a ser vista como um ser particular separado do adulto
e, portanto, alvo dos princípios da disciplina e da racionalidade. Torna-se
fundamental enquadrá-la ao novo sistema, que inclui o controle moral. Se até o
século XVIII a preocupação com o controle da sociedade voltava-se para o
fortalecimento do Estado, a partir do século XIX a preocupação com a formação
biológica, moral e filosófica das crianças associou-se à formação de homens e
mulheres voltados ao mundo do trabalho. A criança adquire um novo valor por
representar a intenção de garantir o poderio militar e a futura mão de obra para as
indústrias nascentes. Um estado e poderoso na medida em que é povoado (...)
em que os braços que manufaturam e os que defendem são mais numerosos”
121
.
Essa preocupação com a criança está “relacionada na valorização do corpo e
da saúde com a consolidação da hegemonia burguesa”.
122
O corpo passa a ser um
lugar de interdição que deve ser protegido, higienizado e controlado. É nessa esteira
que “o corpo infantil e a sexualidade tornam-se alvo de constante intervenção
através de dispositivos institucionais e estratégias discursivas”.
123
Num contexto de
reorganização das relações entre pais e filhos, a sexualidade das crianças adquiriu
um lugar perigoso, que deveria de ser controlado, vigiado e preservado. As
campanhas contra a masturbação infantil tinham todo um olhar sobre a criança,
semente das gerações futuras.
Na encruzilhada do corpo e da alma, da saúde e da moral, da
educação e do adestramento, o sexo das crianças tornou-se ao
mesmo tempo alvo e um instrumento de poder. Foi constituída uma
sexualidade das crianças especifica, precária, perigosa, a ser
120
FOUCAULT, Michel, 1979, p.199.
121
LINS, Regina Navarro, 2000, p. 102.
122
FOUCAULT, Michel, 2003, p. 115.
123
Idem, p. 232.
65
constantemente vigiada. (...) Daí uma miséria sexual da infância e da
adolescência de que nossas gerações ainda não são livraram; mas o
objetivo era proibir. O fim era construir através da sexualidade
infantil, tornada subitamente importante e misteriosa, uma rede de
poder sobre a infância.
124
Essas representações criadas e legitimadas na década de 1950 em Chapecó
repercutem até hoje no imaginário da população da cidade. Pensamos ser possível
analisar esses resíduos a partir da observação do historiador Pierre Veltz, para
quem a representação situa-se antes de tudo nas temporalidades curtas dos ritmos
do cotidiano que cadenciam as práticas ordinárias
125
. Assim, pode-se dizer que a
Legião Brasileira de Assistência desempenha a função de um ator coletivo na
cidade, atuando como remodeladora dos hábitos, costumes e valores ligada às
estruturas sociais e econômicas, dando uma nova dinâmica urbana à Chapecó.
Como forma de garantir esse bem-estar nacional, tornava-se necessário criar
órgãos que dessem sustentação a esse ideal. Para Vargas apenas um Estado forte
poderia impedir a divisão que ameaçava a sociedade. O controle social foi uma das
primeiras ações desse Estado intervencionista. Seu desdobramento se daria a partir
de ões políticas que visavam à manutenção da ordem pública através da família.
Tal estreitamento entre Estado e família facilitaria assim o controle governamental
sobre a população.
O controle social é analisado por Michel Foucault nos estudos sobre controle
da população desenvolvidos no final do culo XVI, a partir da arte de governar.
Esse estudo se situa na literatura de anti-Maquiavel, em que a sociedade ocidental
começa a produzir um discurso pautado na relação no governo, na família e no
Estado, nos campos da economia, da moral e da política.
A arte de governar, tal como aparece em toda essa literatura, deve
responder essencialmente à seguinte questão: como introduzir a
economia isto é, a maneira de gerir corretamente os indivíduos, os
bens, as riquezas no interior da família ao nível da gestão de um
Estado? A introdução da economia no exercício político será o papel
essencial do governo. E foi assim no século, também será no XVIII,
como atesta o artigo Economia Política, de Rousseau, que diz
basicamente: a palavra economia designa originalmente o sábio
governo da casa para o bem da família. O problema, diz Rousseu, é
como ele poderá ser introduzido, mutatis mutandis, na gestão geral
do Estado. Governar um Estado significará portanto estabelecer a
124
Idem, p. 232
125
VELTZ, Pierre, 1996.
66
economia ao nível geral do Estado, isto é, ter em relação aos
habitantes, às riquezas, aos comportamentos individuais e coletivos,
uma forma de vigilância, de controle tão atenta quanto a do pai de
família.
126
De acordo com Michel Foucault, a “arte de governar” será pensada através da
família, a partir de uma economia entendida como gestão da população. Quando a
família passa, torna-se um “segmento privilegiado”.
127
A população passa a ser a
partir de seus comportamentos sexuais, da demografia, do consumo etc. A família
se torna instrumento em relação ao controle da população.
A população aparece, portanto, mais como fim e instrumento do
governo que como força do soberano; a população aparece como
sujeito de necessidades, de aspirações, mas também como objeto
nas mãos do governo; como consciente, frente ao governo, daquilo
que ela quer e inconsciente em relação àquilo que se quer que ela
faça. O interesse individual como consciência de cada indivíduo
constituinte da população e o interesse geral como interesse da
população, quaisquer que sejam os interesses e as aspirações
individuais daqueles que compõem constituem o alvo e o
instrumento fundamental do governo da população. Nascimento
portanto de uma arte ou, em todo caso, de táticas e técnicas
absolutamente novas.
128
A partir da implantação dos postos de puericultura, a família se torna alvo das
intervenções da saúde. As crianças e as mulheres vão ser doutrinadas, educadas e
higienizadas dentro de seus lares de acordo com as ações que vinham sendo
propostas pelo Estado. Tais práticas contribuiriam para o progresso, para a
construção de um Brasil próspero que seria possível via trabalho, disciplina e
ordem.
Em 1901, Dr. Moncorvo Filho cria o Instituto de Proteção e Assistência à
Infância do Rio de Janeiro, uma instituição privada, de caráter filantrópico e que,
nascendo sob a bandeira da República e dos valores positivistas, encontra respaldo
para sua criação médico-higienista e eugenista. É o início do conflito entre caridade
e filantropia. Enquanto a primeira era o campo exclusivo das irmãs de caridade, a
segunda teve compromisso com a ciência. Inicia-se uma campanha contra asilos de
caridade e Sistema de Rodas
129
, levada a cabo por médicos e juristas. A questão da
126
FOUCAULT, Michel, 1986, p. 281.
127
Idem, p. 289
128
Idem.
129
Para a historiadora Maria Luiza Marcilio, antes mesmo do século XX já existiam práticas relativas à
infância abandonada, através de instituições como as Casas dos Expostos, asilos para a criança
67
racionalização da saúde do menor é levantada devido às taxas de mortalidade
infantil, tanto na sociedade como nos asilos. Quanto a esses últimos, as críticas
giravam em torno da falta de cientificidade presente no trabalho caritativo, dos
castigos corporais, da alimentação, da educação prioritariamente religiosa e do
tratamento não espiritualizado. Trata-se aqui de um segundo momento da
assistência à infância, caracterizando em essencial o trabalho do médico. E a
passagem da caridade para uma filantropia esclarecida.
Getúlio Vargas delegou à Legião Brasileira de Assistência a função de
desenvolver a gestão populacional da nação, através de suas políticas assistenciais,
com convênios estabelecidos nas áreas da assistência social e da educação, que
caminham em direção ao controle da população. O planejamento passaria a ser
pensado a partir da instrumentalização da família. Para Foucault “a família vai se
transformar em instrumento, e instrumento privilegiado, para o governo da
população e não um modelo quimérico para um bom governo.”
130
A
instrumentalização da família vai ser fundamental para a instauração da ordem, do
progresso e da civilidade como “demonstrados nas campanhas de mortalidade, as
campanhas relativas a casamento, a campanhas de vacinação, etc.
131
A população
passa a ser considerada a riqueza do país. Os números de nascimentos passam a
ser fundamentais. “A economia política pôde se constituir a partir do momento em
que, entre os diversos elementos de riqueza, apareceu um novo objeto: a
população”.
132
Através da política de planejamento de gestão populacional a família
se torna a célula mátria da sociedade.
A partir da instrumentalização da família, durante o período estadonovista a
implementação do uso da medicina social acompanha a lógica de uma sociedade
militarizada que passa a vigorar não só no Brasil, mas em vários espaços da
sociedade ocidental. Tal lógica não pretende apenas a redenção dos corpos, mas
também a formação do corpo brasileiro. E para isso promove a junção da medicina
abandonada mantidos pela Santa Casa de Misericórdia, com a utilização da Roda, dispositivo
giratório que permitia a entrada de crianças nessas instituições, anonimamente. Criada na Itália no
século XII, a Roda é introduzida no Rio e Janeiro em 1738, por iniciativa de Romão Duarte e Inácio
da Silva Medella, através de doação para a Santa Casa de Misericórdia, que, àquela altura, abrigava
expostos junto aos doentes. A Roda garantia a manutenção do anonimato e da moralidade das
crianças das mães, além de preservar a sociedade dos enjeitados, vistos como desviantes em
potencial. Cf. MARCILIO, Maria Luiza, 1997.
130
FOUCAULT, Michel, 1979, p. 289.
131
Idem. p. 289.
132
Idem. p. 290.
68
social com a medicina estatal, sendo que a “medicina do Estado não tem por
objetivo a formação de uma força de trabalho adaptada às campanhas das
indústrias, sua preocupação recai sobre o corpo dos indivíduos enquanto constitui
globalmente o Estado”.
133
Nesse sentido pode-se analisar como a Legião Brasileira de Assistência
atuaria na sociedade no sentido de moldar o corpo brasileiro às novas necessidades
da indústria que se constituía. Buscavam-se, assim, estratégias que normalizassem
e moldassem a família dentro dos princípios da norma familiar burguesa. O Estado
passaria a atuar com interventor, desenvolvendo no espaço doméstico a
reorganização das famílias em torno da conservação das normas postas em
evidência e da educação das crianças, segundo esses preceitos. a intervenção
nas camadas populares seria desenvolvida por meio de campanhas de moralização
e higiene. A partir das políticas públicas de controle, observa-se que a população é
vista como a riqueza da nação, daí surgem a necessidade e a “vontade de preservar
a criança viva e poupar-lhe da doença e do sofrimento”.
134
não seria mais a
linhagem que importaria, mas o indivíduo que se perpetua através da criança, das
crianças consanguíneas.
O discurso da Legião Brasileira de Assistência estava voltado à família
nuclear, que valorizava e incentivava a existência de um pai provedor e uma mãe
dona de casa, objetivando assim o desenvolvimento da criança. É com base nessas
representações -que respaldavam as intervenções sobre o corpo da criança - que a
partir de 1945 a Legião Brasileira de Assistência vai dar prioridade à assistência à
maternidade e à infância. Era preciso traçar ações de projeção da construção de um
amanhã. Essas preocupações estavam ligadas com o presente da cidade. A criança
e o jovem seriam os novos protagonistas ou alvos dessa preocupação imposta. O
jornal A Voz de Chapecó traz vários enunciados ligados com “a formação intelectual
e moral da criança e da juventude”.
135
Essas preocupações não estavam somente
ligadas com o presente de Chapecó, mas refletia toda uma nação. Para Fúlvia
Rosemberg essas preocupações com o futuro fizeram com que a Legião Brasileira
de Assistência atuasse na perspectiva preventiva, que justificava a atuação do
órgão junto à infância, aparece com conotação eugênica: a Legião Brasileira de
133
Idem.
134
GÉLIS, Jacques, 1991, p. 317.
135
Jornal A Voz de Chapecó, 08 de setembro de 1947, p. 05.
69
Assistência orientava sua atividade e seus recursos na defesa da raça, cuidados
com as mães das crianças e das crianças, homens do amanhã”
136
.
Nesse momento de intervenções das quais a sociedade estava sendo alvo,
falar em criança era falar em profilaxia, em prevenção. A preocupação com o corpo
da criança também redundou na preocupação com a mortalidade infantil, sobretudo
no primeiro ano de vida. A criança vira alvo das preocupações médicas e sobre ela
são criadas políticas bastante específicas. Esse novo olhar sobre a criança impõe
outra relação com a saúde. Fundam-se aí as bases da puericultura no Brasil,
definida como a “ciência que trata da higiene sica e social da criança”.
137
Os
princípios da puericultura estavam associados à higiene, à maternidade e à infância;
“tem origem em movimento nascido na Inglaterra e na França no século XVIII sobre
as nações da conveniente criação humana”.
138
Essas representações relativas aos cuidados com a criança podem ser
percebidas através das práticas que começam a ser instauradas em Chapecó, com
a implantação do Posto de Puericultura. Sobre o Posto, importa observar que sua
instalação seria atrasada por um incêndio ocorrido no dia 18 de julho de 1946. Para
que o posto de puericultura viesse a funcionar a Comissão Municipal Legião
Brasileira de Assistência de Chapecó, contou com ajuda financeira da Comissão
Estadual da Legião Brasileira de Assistência, bem como arrecadação dos
comerciantes de Chapecó. Essa iniciativa resultou no valor de dois mil cruzeiros,
que possibilitou que o posto de puericultura fosse reconstruído.
Em 19 de maio de 1947, o posto de puericultura deliberado e supervisionado
pela Comissão Municipal da Legião Brasileira de Assistência começa a prestar
atendimentos em Chapecó. Foi nomeado para o cargo de diretor do posto o médico
Darcy de Camargo. Essa instituição visava atender as crianças pobres. O posto de
puericultura funcionaria em um prédio cedido pela Sociedade Hospitalar Santo
Antônio do município, com serviço de pré-natal ou maternidade, serviço infantil e
lactário”
139
.
A constatação dessas práticas de saúde e a concretização dessa política
pública de saúde voltada ao amparo da maternidade e da infância pobre podem ser
vistas através da publicação de um ofício, publicado pelo jornal A Voz de Chapecó,
136
ROSEMBERG, Fúlvia, 1997, p. 140.
137
GESTEIRA, Martagão, 1957, p. 109
138
LESSA, Gustavo de Sá, 1937, p.109.
139
Jornal A Voz de Chapecó, setembro de 1947, p. 5
70
que informa a inauguração do Posto de Puericultura em Chapecó, supervisionado
pela Legião Brasileira de Assistência.
LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA. ESTADO DE SANTA
CATARINA
Com a máxima satisfação abrimos espaço para publicação do
seguinte oficio que recebemos:
Chapecó 10 de setembro de 1947.
Neste:
Tenho o prazer de comunicar a esse conceituado semanário, que foi
inaugurado o posto de puericultura, desta cidade, supervisionado
pela Legião Brasileira de Assistência, que tem por finalidade o
amparo a maternidade e infância pobre. O posto está sob a direção
do abalizado médico Dr. Darcy de Camargo, chefe do posto de
saúde local, tendo como enfermeira a professora Diva Lorenzen, que
atenderam gratuitamente, todos os dias úteis das 9 horas as 12
horas, no mesmo prédio onde funciona o posto de saúde.
Grata pela publicação, aproveito a oportunidade para apresentar as
minhas:
Saudações cordiais:
Elsa F. Bertaso
Presidente da Comissão Municipal da Legião Brasileira de
Assistência
140
O Posto de Puericultura, de acordo com o ofício expedido por Elsa Bertaso,
forneceria atendimento gratuito todos os dias, das 9 horas da manhã até as 12
horas, com médico e uma enfermeira para atender a população. Os serviços
disponibilizados pelo posto são: “pré-natal, maternidade, serviço infantil e lactário”. A
partir da instalação desses serviços em Chapecó emerge uma nova concepção de
saúde para a população.
Como forma de ressaltar a função social e política, o poder público, através
do posto de puericultura, buscou “elevar o nível de vida social e material das
crianças. Intencionava ainda impedir que as concepções erradas sobre a saúde
circulassem entre as pessoas ricas e pobres”.
141
Essa preocupação com os
cuidados relativos à saúde da criança pode ser percebida no discurso do médico
Darcy de Camargo, que no dia da inauguração do Posto de Puericultura fez o
seguinte pronunciamento:
140
Jornal A Voz de Chapecó, setembro de 1947, p.4.
141
PEREIRA, André Ricardo, 1999, p. 175.
71
Esperamos que a população chapecoense, culta e humanitária,
reconheça o valor inestimável desta organização que irá beneficiar,
não somente a infância pobre e desamparada, mas também as
futuras mães para que seus filhos nasçam fortes e sadios, pois além
da parte da puericultura, propriamente dita, teremos uma sessão de
maternidade com internato de gestante
142
.
Percebe-se no discurso proferido pelo médico o desejo de que a população
chapecoense absorvesse essa ideia da prática da puericultura com a finalidade de
acabar com a mortalidade infantil. Funda-se, portanto, “uma cultura nacional, um
discurso um modo de construir sentido que influencia e organiza tanto nossas
ações quanto a concepção que temos de nós mesmos”
143
. Para Foucault e outros
analistas do discurso, o discurso não reflete e representa uma sociedade, mas
também a significa, a constrói e a modifica. Alguns dos efeitos construtivos do
discurso podem ser vistos na criação e modificação de identidades sociais. O
discurso ajuda a construir tanto identidades sociais quanto relações sociais.
Assim esses serviços cumpriam o papel de suprir a ausência de uma saúde
de qualidade na cidade. Antes da implantação do Posto de Puericultura, da Legião
Brasileira de Assistência, o que predominava eram as práticas da medicina popular,
uma vez que a população não tinha acesso à medicina oficial e não havia um
serviço preventivo. Quando as pessoas ficavam doentes, procuravam, no primeiro
momento, o tratamento com remédios caseiros, feitos de plantas medicinais, e
rituais. Do diário de anotações do médico Darcy de Camargo pode-se citar alguns
tratamentos que eram praticados por curandeiros, remedieiros e benzedores:
Como bater na criança até que o mal do espírito abandonasse o
corpo, era um dos tratamentos aplicados em caso de (convulsões).
Nas convulsões infantis o tratamento consistia em benzer e fazer um
colar de alho para dependurar no pescoço da criança. Para combater
os ataques de bicha esfregava-se o alho em todo o corpo da criança.
Besuntar o corpo da criança com olho de mocotó, sebo de carneiro,
usados para infecção respiratória. E para as cólicas intestinais eram
usados os variados benzimentos. Para sarar o umbigo eram usadas
algumas espécies de folhas e ervas milagrosas e enfaixando o
umbigo bem apertado. Ao nascer o umbigo da criança, era cortado
com qualquer tesoura ou faca, amarrando com uma tira de pano sem
a mínima condição de higiene.
144
142
Jornal A Voz de Chapecó, 10 de julho de 1947, p. 4.
143
HALL, Stuart, 2003, p. 50.
144
Diário de anotações do médico Darcy de Camargo, 1944. Acervo da família.
72
Esse tratamento fazia parte do saber popular que passava de pai para filho.
Em todas as localidades de área rural sempre existia alguém experiente na prática
de ensinar remédios e benzimentos. Para acabar com essas práticas da medicina
popular que levavam muitas crianças a óbitos, o médico da Legião Brasileira de
Assistência Dr. Darcy de Camargo apropriava-se do jornal A Voz de Chapecó na
divulgação de notícias sobre os serviços que estavam sendo disponibilizados pelo
Posto de Puericultura, principalmente quando pretendia conscientizar a população
da importância desse serviço. A partir disso pretendia-se mostrar que a medicina
oficial era o melhor caminho para proteger as crianças das doenças. Com isso havia
toda uma defesa feita pelo médico Darcy de Camargo contra as práticas
reconhecidas como caseiras, “os benzedores, as parteiras que eram vistos como
charlatões davam passes e garrafas de remédio causadores da mortalidade da
criança e só atrapalhavam a verdadeira ciência”.
145
Com a instalação dos Postos de Puericultura, legitimidade da medicina
oficial. As questões eugênicas do Estado Novo estabeleciam uma nova forma geral
para a população: o asseio e o aperfeiçoamento do corpo e a constituição da moral.
Eram procedimentos pensados para atingir toda a população por estratégias
direcionadas a famílias e mulheres, mas com foco principal na criança. “A higiene na
maternidade e na infância estava encarregada de uma missão particular uma vez
que não afetava simplesmente o indivíduo, mas também toda a nação”.
145
Jornal A Voz de Chapecó,11 de outubro 1948, p.6
73
Figura 6 - Posto de Puericultura da Legião Brasileira de Assistência, em Chapecó
146
Acima é possível observar o primeiro posto de puericultura de Chapecó em
pleno movimento, conforme a chamada do jornal com “inúmeras crianças pobres
matriculadas na cozinha dietética”.
147
O Posto de Puericultura de Chapecó contava
com a seguinte estrutura: ambulatórios de higiene pré-natal e higiene da criança;
sala da secretaria; cantina da maternidade, onde as senhoras lactantes inscritas no
centro podiam tomar diariamente suas refeições; secção de vestuários e lactantes,
divididos em duas alas, de recebimento e entrega de mamadeiras; cozinhas
dietéticas; sala de triagem onde são realizados exames na criança para ter ingresso
na creche, visitas das visitadoras atendentes em suas casas; e uma sala de
amamentação.
148
A partir dessa estrutura instalada em Chapecó criou-se um programa de
atendimento gratuito às mães necessitadas. Cada mãe que cadastrasse seu filho no
programa de atendimento do posto de puericultura tinha distribuição diária de leite e
de mamadeiras. Em atendimentos médicos e de vacinação, eram dados conselhos
às mães sobre a higiene da criança desde o pré-natal, instruindo-se como evitar
doenças infecciosas. Esse programa também permitiu o aparecimento de trabalhos
voltados à prevenção e com isso buscava a redução da mortalidade infantil. A
família, a mãe e a criança pobres foram alvos privilegiados do Estado. Essas
146
Jornal A Voz de Chapecó, setembro de 1947, p. 6.
147
Idem.
148
LBA. Relatório, 1944 – Arquivo Público de Estado de Santa Catarina, Florianópolis.
74
medidas levaram naturalmente à queda da mortalidade infantil, porque as es
pobres e trabalhadoras encontravam agora novos meios para criar seus filhos.
As preocupações com a infância tinham como pano de fundo as questões
nacionalistas, relacionadas ao processo de normalização da sociedade brasileira. Na
tentativa de formação dessa nova sociedade, a condição da criança foi sendo
redefinida, passando de um papel secundário e indiferenciado à condição central
para o alcance do progresso. Assim, as ideias da puericultura trariam para Chapecó
as preocupações de alimentação, brinquedos, tratamentos diferenciados, dentição,
desenvolvimento sico e moral. Descobre-se a infância, que assume um espaço
próprio e demanda de atenção particular, através de seus cuidados.
A criança torna-se objeto privilegiado do projeto da Medicina Social, de
acordo com o entendimento de que as outras fases da vida dependem de cuidados.
Faz-se necessário, na visão do historiador Roberto Machado, o “controle positivo da
vida da criança para ela votada através de uma instituição perfeitamente
medicalizada. Exigência justificada pela importância da criança para a sociedade. O
progresso desta depende do desenvolvimento saudável de cada indivíduo”.
149
Secção higiene Pré-Natal:
30 gestantes inscritas, 6 encaminhadas a maternidade, 26 partos,
todos nativos, sendo que 15 crianças do sexo feminino e 11 do sexo
masculino.
150
Secção higiene Pré-Escolar: 59 pré-escolares inscritos,
108 consultas, 73 injeções aplicadas, 32 receitas fornecidas, 66
imunizações, 10 demonstrações a mães. Secção higiene Infantil, 68
Infantes inscritos, 191 atendimentos, 46 Receitas fornecidas, 39
prescrições de regimes, 23 imunizações, 19 demonstrações a mães
na cozinha dietéticas.
151
Secção da cozinha dietética: 1.029
atendimentos de criança com menos de um ano. 82 atendimentos de
criança com mais de um ano. 5.736 mamadeiras distribuídas.
152
Michel de Foucault nos lembra que no século XVIII em alguns países
ocidentais a estatística, também tida por ciência do Estado, era usada como
instrumento essencial no governo das populações de acordo com a conveniência do
momento. Em Chapecó, essas estatísticas são percebidas com a implementação do
Posto de Puericultura, que passa a contabilizar o número de atendimentos às mães
149
MACHADO, Roberto et. al., 1978, p.297.
150
LBA. Relatório, 1950 – Arquivo do INSS – Ivo Silveira, Florianópolis.
151
Idem.
152
Idem.
75
e às crianças, estratégia que foi bastante utilizada nos discursos justificadores das
políticas públicas de controle da população.
Em relação aos números de atendimentos prestados pelo Posto de
Puericultura em Chapecó às mães e às crianças, esses dados servem de pano de
fundo do poder público e do poder científico sobre as camadas populares, tentando
instituir no imaginário da cidade o conceito de saúde e a certeza da cura das
doenças e o controle sobre os corpos, principalmente das mulheres e das crianças,
pois havia uma luta contra a mortalidade infantil na cidade que para se tornar mais
eficaz focalizava como seu principal alvo o medo da morte.
Os serviços do Posto de Puericultura espalhados pelo território estadual “são
prova evidente de carinho dispensado pelo governo do Estado ao nosso mundo
infantil”.
153
Essa preocupação do governo com a população infantil é refletida
através da cozinha dietética, das repartições de saúde e das instalações na quase
maioria dos grupos escolares estaduais, o preparo das sopas escolares, os lactários,
as salas de exames de pré-natal, os cuidados dispensados às mães, antes e após a
maternidade. Assim esses serviços evidenciam “tudo o que governo estadual tem
feito no sentido do fortalecimento da criança, adaptando para os dias de amanhã,
quando então já adulto será um ente útil à pátria e à comunhão social”.
154
Figura 7 – Posto de Puericultura de Florianópolis.
155
O posto de puericultura que vemos na imagem acima leva o nome de Beatriz
Perdeneiras Ramos, primeira-dama da capital. Esse posto era referência para todos
153
LBA. Relatório, 1944 – Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, Florianópolis.
154
LBA. Relatório, 1948 – Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, Florianópolis.
155
LBA. Relatório, 1948 - Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, Florianópolis.
76
os municípios de Santa Catarina. Localizava-se na Rua Mauro Ramos, no Centro de
Florianópolis, e fornecia os seguintes serviços: ambulatórios de odontologia, de
higiene pré-natal, de higiene da criança e de fisioterapia; sala da secretaria;
biblioteca em que se encontram trabalhos, obras e livros que relacionam a ciência
com a puericultura; cantina da maternidade, onde as senhoras lactantes, inscritas no
centro; podiam tomar diariamente suas refeições; secção de vestuários e lactantes,
dividida em duas alas, de recebimento e entrega de mamadeiras; cozinhas
dietéticas; sala de triagem, onde eram realizados exames na criança ao ter ingresso
na creche e recebiam as visitas em sua casa das visitadoras atendentes; e uma sala
para a amamentação, onde as lactantes podiam vir amamentar seus filhos no
intervalo de seus trabalhos.
156
Assim as mães pobres encontravam um lugar para
deixar seus filhos enquanto iriam trabalhar.
Essas representações dos serviços de cuidados com a saúde da criança
construídas através do Posto de Puericultura de Florianópolis, que incorporava um
modelo de saúde voltado às famílias, às mulheres e às crianças. Assim pode-se
dizer que Chapecó também está inserida no modelo civilizatório da Capital.
2.2 A incorporação da Legião Brasileira de Assistência nos discursos do jornal
A Voz de Chapecó
O jornal A Voz de Chapecó é um periódico semanal que circulou entre o
período de 1939 até meados de 1950, principalmente na cidade de Chapecó, mas
também alcançou toda a região Oeste. Esse periódico foi um forte instrumento de
discernimento na construção e na formação da ideia de um mundo simbólico
relacionado à infância, em Chapecó. Seu público-alvo era a comunidade de
Chapecó e arredores, composta por famílias de colonos. O poder blico
apropriava-se desse meio de comunicação para atingir o maior número de famílias,
na cidade e na região. Através desse meio de comunicação as notícias sobre os
cuidados de saúde da criança estavam presentes nas casas das famílias.
E importante ressaltar que a partir de 1946 o jornal A Voz de Chapecó torna-
se grande aliado e propulsor de um discurso de representações de cuidados com a
criança pela Legião Brasileira de Assistência. Era preciso acabar com a mortalidade
156
LBA.Relatório, 1944 – Arquivo Público de Estado de Santa Catarina, Florianópolis.
77
infantil. O chefe do Posto de Saúde de Chapecó divulgava a informação de que, no
centro urbano de Chapecó, de 100 crianças nascidas 30 morriam, frisando ainda
que, no interior do município, os dados de mortalidade eram ainda maiores, devido à
ignorância e ao nível cultural das famílias. Ocorre que a preocupação em mostrar a
mortalidade infantil fez com que os jornais relatassem a negligência das mães com a
criança. Além disso, quando os jornais aludem o cotidiano das crianças é
perceptível, e excessivo o grau de representa - e associá-las com a falta de
higiene, a doenças e a falta de cuidados.
Os jornais referiam-se aos médicos como os “delegados da saúde”. As
preocupações médicas com a preservação da infância refletiam nos discursos dos
jornais. Esses enunciados vão trazer uma série de conselhos às mães, como
tratamento e alimentação, vestuários, higiene em relação à criança. O poder médico
procurou legitimar-se como orientador da família, os médicos como conselheiros de
uma ação governamental. “Os médicos procuram representar-se como autoridade
mais competente pra prescrever normas racionais de condutas e medidas
preventivas, pessoais e coletivas, visando produzir uma nova família e futuro
cidadão”.
157
A aceitação do discurso da medicina pela família se verificava na reprovação
dos erros e na ignorância, atestando pela sua correção diante da comprovação do
saber médico. O médico desenvolveria o papel de higienista, corrigindo as
irresponsabilidades dos pais, ao mesmo tempo que a sociedade e o Estado exigiram
suas responsabilidades com o futuro do País.
A informação anunciada nos jornais sobre o índice de mortalidade infantil
levava à necessidade de elaborar práticas para a melhoria do nível de saúde da
população. Nesse processo a medicina se une ao Estado pela preocupação com
suas populações, toma forma o que Michel Foucault chamou de o privilégio da
infância.
158
Como privilégio a infância entende-se não com a relação de
natalidade, mas também com uma gestão de vida. Dessa forma, os discursos
presentes no jornal passam a reproduzir os discursos do Estado e da medicina, que
vão estar preocupados com “a sobrevivência das crianças até a fase adulta, as
condições físicas e econômicas desta, sobrevivência além dos investimentos
157
RAGO, Margareth, 1985, p. 118
158
FOUCAULT, Michel, 1979, p.198
78
necessários e suficientes para que período de desenvolvimento se torne útil”.
159
Como forma de ressaltar a função social e política, o poder público, através do posto
de puericultura, buscou “elevar o nível de vida social e material das crianças.
Intencionava ainda impedir que as concepções erradas sobre a saúde circulassem
entre as pessoas ricas e pobres”.
160
O jornal A Voz de Chapecó defendia apaixonadamente os serviços de saúde
pública e o trabalho dos higienistas. Em suas matérias, apresentava nos enunciados
explicações sobre os princípios da puericultura e sua importância no
aperfeiçoamento da raça dentro de uma lógica eugenista, cujo discurso inseriu-se na
lógica científica e portanto caracterizava-se como uma construção de verdade
autorizada.
A puericultura pré-concepcional, por sua importância consiste na
ciência constituinte na ciência a parte que chamaremos de Eugenia.
Eugenia ou hominicultura segundo o professor Laudouzy, é a ciência
que estuda os meios de melhorar, física e moralmente a espécie
humana; quem dera que pudéssemos conseguir uma espécie forte e
sadia, expurgando os indivíduos doentios, indolentes, incapazes,
criminosos, e anormais, então segundo a palavra de “R. Kiel”, o que
não é utopia, os descendentes de Adão viveriam novamente no Éden
Terrestre, depois de haverem tão cruelmente, e por milênios pago o
pecado original.
161
A eugenia era vista como a ciência que estuda a reprodução, o melhoramento
da raça e a saúde da raça humana, bem como as condições propícias para a
influência da medicina. A proliferação discursiva amparada nos princípios eugênicos
iria se afirmar como uma corrente que condenava “os contágios entre as pessoas de
diferentes como fonte de degeneração racial e de degeneração moral”
162
.
O enfoque do discurso estava nas estratégias pensadas em termos de uma
construção sadia e robusta da população chapecoense. A implantação do discurso
da puericultura era de cunho eugênico e tinha por finalidade procurar convencer a
população dos benefícios que a puericultura acarretaria para a sociedade, pois por
meio dela homens, mulheres e crianças o sofreriam mais com as doenças e
padeceriam no paraíso. A missão da puericultura era salvar vidas e acabar com o
159
Idem, p.199.
160
PEREIRA, André Ricardo, 1999, p.175.
161
Jornal A Voz de Chapecó, 20 de julho de 1947, p. 5.
162
ADORNO, Sergio, 1994, p.15.
79
sofrimento dos pais que tentavam incansavelmente “arrancar a criança da doença e
da morte prematura”.
163
Assim, o Posto de Puericultura traz um novo imaginário de vida e de tempo.
Com um saber autorizado pela ciência, adquiriu autoridade de estabelecer normas
capazes de reduzir a mortalidade infantil e a maioria das doenças que assolavam a
população, formando uma nova sociedade, constituída por adultos saudáveis.
2.3 A Semana da Criança e os concursos infantis
No que diz respeito à assistência médica, Foucault observa que muitos
grupos, baseados num saber que começava a se estruturar, levaram a efeito ões
diversas na Inglaterra e na França do século XVIII: “A nosopolítica, mais do que o
resultado de uma iniciativa vertical, aparece, no século XVIII, como um problema de
origem e direções múltiplas: a saúde de todos como urgência para todos; o estado
de saúde de uma população como objetivo geral”.
164
Para esse autor, um dos
fatores decisivos para o desenvolvimento da arte do governo foi a descoberta da
população como uma unidade específica de governo e irredutível à família, que era
considerada a unidade social básica até o século XVIII na Europa ocidental. A
população e os seus fenômenos próprios, os quais podiam ser estudados mediante
o emprego das técnicas estatísticas (taxas de natalidade e mortalidade, movimentos
migratórios, expectativa de vida e os fatores que poderiam interferir em todos esses
índices), passaram a constituir um campo privilegiado da atenção e da intervenção
do governo. O objetivo do governo passou a ser prioritariamente o de defender a
vida e o bem-estar da população, na medida em que isso fosse considerado
importante para o crescimento e a segurança do Estado. À modalidade de poder
exercida sobre as dinâmicas populacionais, Foucault denominou “bio-política”.
Foi a partir da instalação da Legião Brasileira de Assistência que o saber
médico em Chapecó alcançaria um desenvolvimento expressivo. Elegendo como
uma de suas questões prioritárias a educação, na medida em que se passou a
considerar que o principal objetivo dos médicos deveria ser a prevenção da doença,
o que exigiria simultaneamente a produção de saberes sobre a cidade e a população
163
GÉLIS, Jacques, 1991, p. 310
164
FOUCAULT, Michel, 1996, p. 194.
80
e a intervenção do médico no espaço social. Para o educador José Gonçalves
Gondra foi nesse período que surgiram duas das características mais marcantes da
medicina: a inserção dos médicos na sociedade, que se tornaria alvo das práticas e
das reflexões da medicina, e, como decorrência, a atuação dos médicos como um
sustentáculo do poder político.
165
Foram, sobretudo, os médicos higienistas que se
ocuparam dos objetos sociais e se dedicaram a educar a população, elegendo as
famílias os “principais destinatários das prescrições médicas”.
166
A Semana da Criança teria a finalidade de tecer essas intervenções do
médico na sociedade e especificamente na família. A criança seria o principal alvo
das ações levadas a cabo a partir da saúde infantil, prática de saúde, vigor e beleza
da criança e assim estabelecendo um “corpo ideal’ para a população. Com isso
tentava-se inserir na população mais carente a necessidade de adotar práticas e
hábitos de higiene em relação a suas crianças, e dessa forma se despertaria nas
mulheres o instinto de ser mães melhores. A Semana da Criança era marcada por
grandes comemorações. É importante lembrar que esse evento acontecia em todo o
Estado de Santa Catarina e no mesmo período. A comissão estadual fazia um apelo
às legionárias para que participassem das comemorações. Essa semana estava
associada ao espírito de um sentido verdadeiramente nacional e um cunho de alto
patriotismo. Pode-se dizer a partir da leitura dos relatórios da Legião Brasileira de
Assistência, que esta instituição procurou congregar todas as
Comissões nacional,
estadual e municipal para dar uma ênfase maior as festividades da Semana da
Criança, buscando incluir nessa comemoração “todas as crianças ricas, pobres,
pequenas e grandes”.
167
165
GONDRA, José G., 2000, p. 505-537.
166
Idem, p. 525
167
LBA. Relatório, 1948, p. 110. Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. Florianópolis.
81
Figura 8 – Folder da Semana da Criança, em Chapecó, 1948.
168
A primeira Semana da Criança foi comemorada em Chapecó em 1948, num
momento de reflexão sobre as crianças. Todos os segmentos sociais do município
eram conclamados a resolver um dos grandes problemas sociais que afetavam seu
progresso: a mortalidade infantil. Era preciso sensibilizar a sociedade chapecoense
sobre a significação das crianças para o fortalecimento da nação, que seriam os
futuros cidadãos. É importante destacar que se tinha todo um interesse em convocar
a sociedade no envolvimento dessas práticas, para com isso despertar o sentimento
de infância na família que se queria naquele momento, que estava associada e
relacionada com cuidados, higiene, saúde, moralidade e civilidade. Essa semana era
organizada com palestras nas escolas com alunos e pais, filmes educativos aos
alunos, concursos e festa no Clube Recreativo Chapecó. Além disso, várias
reportagens veiculavam a programação da Semana de Criança com o tema
mortalidade infantil. Referente a esse tema, no dia 15 de outubro realizou-se na
Escola Básica Marechal Bormam uma conferência envolvendo professores, prefeito,
médicos e pais dos alunos para explicar as causas que levavam à mortalidade
infantil.
No século XX, surgem vários concursos promovidos durante a Semana da
Criança em Chapecó, como: Robustez Infantil, Garoto do Ano, Rainha das Bonecas,
168
LBA. Relatório, 1948. Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. Florianópolis.
82
desfile de moda infantil. Esses concursos eram termômetros de constatação que
verificavam se a população estava aderindo a essas políticas de saúde implantadas
nos postos de puericultura.
Segundo Michel Foucault essas políticas estão inseridas dentro da lógica da
biopolítica. É desse espaço de intervenções que a biopolítica definirá seu campo de
intervenção, trazendo consigo o biopoder. A biopolítica trabalha com a população.
Ela até pode agir sobre os indivíduos, mas sempre visando a uma alteração dos
dados globais, procurando sempre uma regularidade, um equilíbrio, uma média. E é
que constata a diferença entre o poder disciplinar, que age sobre os indivíduos, e
o biopoder, que age sobre as populações; permanecendo claro que o poder
disciplinador não desaparece com a biopolítica. Assim o biopoder, próprio da
biopolítica, admite o fortalecimento da população, a melhoria da raça.
É nesse contexto que inserimos os concursos nos princípios da eugenia, no
melhoramento da raça. O historiador Viegas Fernandes da Costa
169
, ao analisar os
ensaios de antropologia brasiliana de Edgar Roquete-Pinto, em 1933, concluiu que
os concursos têm uma existência de estratégia eugênica o no Brasil, mas em
todo o Ocidente. Segundo o autor o concurso não tem o objetivo de escolher o tipo
humano mais comum, mas o tipo ideal.
Os concursos que aconteciam durante a Semana da Criança, não só em
Chapecó, mas em todo o Brasil, não pretendiam escolher a criança mais bela ou a
robustez como sinônimo de gordura, mas aquela que estivesse dentro dos critérios
das normas estabelecidas pela a Legião Brasileira de Assistência. Para Da Costa
“essa escolha não se dava apenas através das opiniões pessoais de jurados, ela
estava dentro de uma racionalidade que constrói os critérios de análise. “Um dos
critérios é o uso da antropometria, isto é, quanto mais próximo dos padrões
antropométricos predeterminados estiver um indivíduo, mais próximo do corpo ideal
desejados pelos diagramas de poder”.
170
Um ano depois da implantação do Posto de Puericultura em Chapecó, foi
oficializado o Concurso de Robustez Infantil para crianças de 6 meses a 72
semanas, cujo mérito seria a robustez da criança, ou seja, sua condição física. A
inscrição da criança ocorria no consultório do médico da Legião Brasileira de
Assistência. Para fazer a inscrição, a mãe levava uma foto e eram verificados o
169
COSTA, Fernandes Viegas da, 1999, p.53.
170
Idem.
83
peso, a altura, o perímetro cefálio e o perímetro torácico da criança. A criança que
tivesse peso e medidas certas ficava em primeiro lugar. Esse concurso não era um
fato isolado de Chapecó, ocorria em várias cidades do Brasil, desde a década de
1920. O historiador Viegas Fernandes da Costa mostra que:
Concurso de Robustez infantil tem como principal objetivo
pretendido: a construção de um corpo ideal que se dá desde a
infância. Ao se declarar uma norma, a robustez, e se institui um
modelo, a criança vencedora, declara-se também com um “corpo
deficiente” que, neste caso, será a criança não robusta. E a robustez
ocorre com a beleza, não é avaliada senão dentro dos padrões de
uma racionalidade. A criança vencedora não é aquela que parece ser
a mais robusta aos olhos dos jurados; a criança vencedora é aquela
que passou por exames médicos e que se aproximou do “tipo ideal
171
Para o médico Darcy de Camargo, responsável pelo Posto de Puericultura do
município e dirigente da Legião Brasileira de Assistência, o concurso era um
termômetro de que a política de cuidados com mães e crianças estava dando certo.
Figura 9 – Jussara Ribas, primeiro lugar no Concurso de Robustez de 1950
172
171
Idem.
172
Fotos do Concurso de Robustez, 1950. Acervo da família do médico Darcy de Camargo.
84
A criança que tirava o primeiro lugar era presenteada por prêmios que os
comerciantes da cidade davam para as crianças. Assim, o concurso verificaria se os
preceitos de saúde, higiene e nutrição ensinados no Posto de Puericultura estavam
sendo colocados em prática pelas mães, como foi o caso de Jussara Ribas, que
levou o prêmio de primeiro lugar no Concurso de Robustez, representando o bebê
ideal.
Na França em 1854, Morel, prefeito de Villiers-le-Duc, iniciou um programa
para conter o desperdício de vidas infantis. O programa consistia em oferecer um
prêmio a cada mãe cujo filho conseguisse viver até a idade de um ano. Com a
execução de tal programa conseguiu-se reduzir a mortalidade infantil da aldeia de
trezentos para duzentos, por mil nascidos vivos. Com o tempo, esse programa se
acabou; mas em 1893, um filho de Morel, sucessor do pai como prefeito, reviveu o
plano e organizou-o com maior sucesso. O plano era um programa completo de
bem-estar da maternidade e da criança. Toda mulher, ao comunicar gravidez,
recebia imediatamente a visita de um clínico, que mais tarde também examinava o
recém-nascido e o atendia nas enfermidades; e a cada duas semanas se pesava o
bebê. Lançou-se ainda uma campanha para levar cada mãe a amamentar seu filho
ao menos por um ano, e para se providenciar uma ama de leite, se a mãe não
pudesse aleitar. A comunidade, além do mais, mantinha um rebanho para fornecer
leite puro a mães e crianças. Esse programa alcançou tamanho êxito que de 1893 a
1903 a taxa de mortalidade infantil em Villiers-le-Duc caiu para zero.
Para o historiador Michel Foucault o sistema gratificação-sanção, que torna
operante todo o processo de treinamento e correção, fazendo que toda a conduta
fosse distribuída em dois polos extremos, um positivo e outro negativo, o que
funciona como estratégia de normalização.
173
Fazendo mais frequentes as
gratificações do que as sanções, a disciplina procura estabelecer bons
comportamentos através de recompensas, tornando-os modelos para os demais.
Neste é possível notar que o sistema gratificação-sanção discutido por Michel
Foucault se aproxima do sistema dos concursos de Robustez Infantil, Garoto do Ano
ou Rainha das Bonecas, em que as mães levam seus filhos para serem premiados
por ter seguido corretamente os preceitos da puericultura.
173
FOUCAULT, Michel, 1987, p 85.
85
(...) as crianças não constituem nenhuma comunidade isolada,
mas antes fazem parte do povo e da classe a que pertencem.
Da mesma forma, os seus brinquedos não dão testemunho de
uma vida autônoma e segregada, mas são um mudo diálogo
de sinais entre a criança e o povo.
174
Os concursos Garoto do Ano e Rainha das Bonecas, realizados na Semana
da Criança, que acontecia de 10 a 12 de outubro, tinham o intuito de substituir o
concurso de Robustez Infantil em 1960, que acontecia em Chapecó também na
Semana da Criança. Esse concurso vai caminhar nas mesmas discussões do
concurso de Robustez Infantil.
Essa imagem deixa transparecer a tentativa de imposição de um “poder
simbólico”
175
que pretende se instalar sub-repticiamente no imaginário infantil, uma
vez que é direcionada para a identificação com a aparência musculosa do boneco
caricaturalmente representativo de um ser masculino. Assim, pode-se entender o
brinquedo como um “sistema de significados e práticas, produzidos não só por
aqueles que o difundem como por aqueles que o utilizam”.
176
Se os brinquedos são
um sistema de significados produzido, então importa conhecer quais significados,
notadamente os de gênero, têm sido construídos nas representações e no
imaginário de nossas crianças.
Em relação aos concursos Garoto do Ano e Rainha das Bonecas, é
importante analisar que quem poderia alcançar o primeiro lugar neles eram o
candidato e a candidata para os quais se vendesse o maior número de bilhetes e
que estivessem dentro dos padrões de robustez estipulados pelas instituições. O
concurso permite refletir sobre as relações de poder constituídas a partir de posições
de sujeitos, através de diferenças e desigualdades sociais de classe, gênero, etnia.
Segundo Joan Scott, “o gênero é um elemento construtivo de relações sociais
fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro
modo de dar significado às relações de poder”
177
.
174
BENJAMIN, Walter, 2002, p.2.
175
BOURDIEU, Pierre, 1987, p.16.
176
BROUGÈRE, Gilles, 2004, p.14.
177
SCOTT, Joan, 1990, p. 10.
86
Figura 10 – Primeiro lugar no Concurso Garoto do Ano em Chapecó.
Na fotografia vemos um menino eleito no concurso Garoto do Ano. O prêmio
recebido foi um triciclo, que permite uma interação com o ambiente, usufruída
durante o deslocamento da criança quando passeia. Também envolve duas
dimensões opostas: a casa e a rua. O triciclo leva para as representações de ocupar
espaço no futuro e também dirigir carros e suas próprias vidas; serem protetores e
provedores do lar.
Figura 11 - Primeiro lugar no Concurso Rainha das Bonecas em Chapecó, 1956.
87
Na imagem que vemos da menina fotografada, eleita a Rainha das Bonecas,
e da boneca
178
que aparece ao seu lado, ambas estão vestidas de forma igual. A
reverência da menina pela imagem da boneca revela o desejo de ser/ter a mesma
aparência da boneca. Do cenário da imagem e do discurso que se está passando,
percebe-se que há a perspectiva de vivenciar o próprio futuro feminilizado, para o
qual as crianças vão sendo conduzidas. A preferência pelas bonecas no concurso
da Legião Brasileira de Assistência não é algo não é algo ingênuo, indica a
introjeção de valores que conduzem a mulher para a função futura de dona de casa,
rainha do lar sublimada, sem coroa, salário, valor social ou status, esposas, mães.
Percebemos então a formação de uma subjetividade feminina. Assim, a socialização
da menina vai dar-se a partir da socialização no interior do lar e da maternagem.
Assim, pode-se dizer que os concursos buscam tecer detalhamentos de
papéis sociais, comportamentos e valores adequados aos indivíduos portadores dos
órgãos sexuais de distintos formatos. E dessa forma aprendemos como ser homens
e mulheres, segundo a nossa sociedade, a nossa cultura. O que vestir, do que
brincar, como reagir a determinadas situações, o que preferir, o que rejeitar, as
opções são diferentes para os que são homens e as que são mulheres. De acordo
com a filósofa Simone de Beauvoir “tornar-se homem ou mulher depende de um
longo processo de socialização, durante o qual os indivíduos vão adquirindo
referências de conduta que os identificaram, socialmente como pertencentes a tal,
ou a qual”
179
Outro aspecto que se pode analisar são as fotos das crianças que
participaram do concurso: meninas e meninos de pele clara, de origem europeia e
que são frutos da migração ocorrida no Oeste Catarinense desde os primeiros
tempos de colonização italiana.
Por fim, percebe-se que essas representações de família, mulheres e
crianças construídas entre as décadas de 1940 e 1960 podem ajudar a compreender
as relações sociais e as características que o Oeste Catarinense apresenta hoje, e
que quase cem anos depois ainda estão presentes no cotidiano da população
178
Para Atzingen, na Grécia e em Roma em 500 a.C. as bonecas recebiam os nomes de nynpha e
pupa, que significavam “moça pequena”. As meninas gregas brincavam com bonecas que as
acompanhavam até a época do casamento, quando eram dedicadas a Afrodite, deusa do amor e da
fertilidade. Na Idade Média, as bonecas passaram a ter grande importância para a moda. Estilistas
vestiam-nas com suas criações e as enviavam para as rainhas e damas escolherem os modelos de
seus vestidos. Os meninos romanos, por sua vez, se divertiam com bonecos de cera e argila que
representavam soldados. Cf. ATZINGEM, Maria Cristina Von, 2001, p.6.
179
BUTLER, Judith, 2003, p. 57.
88
chapecoense. Basta lembrar que "A infância que determina as práticas do espaço
desenvolve a seguir os seus efeitos, prolifera, inunda os espaço privados e públicos,
desfaz as suas superfícies legíveis e cria, na cidade planejada, uma cidade
'metafórica' ou em deslocamento (...)”.
180
É esse o cenário em que as crianças de
outrora são inseridas e educadas no seio de suas famílias.
180
DE CERTEAU, Michel, 1998, p.191.
89
TERCEIRO CAPÍTULO
O PRIMEIRO-DAMISMO E AS INTERVENÇÕES DAS POLÍTICAS
ASSISTENCIAIS SOBRE AS MULHERES
Mas o que é uma mulher? Antes de mais e essencialmente, um ser
que tem um sexo bem singular relativamente ao homem. A diferença
sexual, estudada por anatomista, médicos, etc., provoca por sua vez
uma interrogação fundamental: não teria havido na origem de um
sexo não diferenciado, um órgão comum de onde teriam nascidos o
masculino e o feminino? Não podemos supor até que o sexo não
passa da transformação do da mulher? Assim pensava Galeno. Não
se pode afirmar que Deus é,simultaneamente, macho e fêmea.
181
É impossível escrever a história da Legião Brasileira de Assistência sem
mencionar como foi fundamental o papel das mulheres na condição de protagonistas
das políticas públicas destinadas à área social. E foi na qualidade de mulheres-mães
que foi imposto a elas o legado da responsabilidade pela saúde de seus filhos.
Essas mulheres eram esposas de prefeitos, governadores e presidentes a
primeira-dama, que representava a “mãe da nação”, figura que desenvolvia à época
trabalhos destinados à pobreza brasileira. Além das primeiras-damas, outras
mulheres se inscreveram na Legião Brasileira de Assistência para serem voluntárias
no desenvolvimento das políticas da instituição.
Partindo primeiramente do protagonismo das mulheres na política, pode-se
inferir como as primeiras damas e mulheres da elite, esposas e mães construíram
um caminho marcado pelo envolvimento na política e por formas de participação na
política, principalmente na política assistencial.
Para Joan Scott, no que tange o conceito de política, nota-se que este
carrega múltiplos significados e ressonância. Essa historiadora identifica três
significados: o primeiro pode ser uma atividade dirigida para/ em governos ou outras
autoridades poderosas, atividades esta que envolve um apelo à entidade coletiva, à
mobilização de recursos, à mobilização de recursos, à avaliação estratégica e a
manobra tática,
o segundo é também utilizado para referir-se às relações de poder
181
CRAMPE-CASNABET, Michele, 1991, p. 381.
90
mais gerais e as estratégias avisadas para mantê-las ou contestá-las; no terceiro, a
palavra política é aplicada ainda mais amplamente às práticas que reproduzem ou
desafiam o que, às vezes, é chamado de ideologia e que, por isso, o encaradas
como naturais,
182
normativas ou auto-evidentes. Ainda, segundo Joan Scott, o
emprego da palavra, em qualquer sentido, tem sempre ltipla ressonância
produzindo varias narrativas políticas.
A Legião Brasileira de Assistência foi conduzida sobretudo pelas mulheres e
se utilizava particularmente da mobilização feminina no enfrentamento dos
problemas sociais gerados pela participação do país na Guerra. Nessa perspectiva
pode-se dizer que o trabalho realizado pela Legião Brasileira de Assistência projetou
no espaço público a imagem da mulher, que estaria atrelada ao trabalho de
caridade. De acordo com Aldaíza Spozati e Maria do Carmo Falcão, em
consonância com as políticas públicas desenvolvida pelas mulheres “o espírito
norteador dessa política é ilustrado na frase: ‘pobre é coisa das mulheres que têm
coração e não do governo que tem razão’”
183
.
O trabalho assistencial realizado por mulheres girou em torno da proteção à
infância. Tal prioridade encerrava dupla orientação. De um lado atendia aos
pressupostos que guiavam as relações sociais de gênero, uma vez que essa
ocupação era considerada como extensão da função maternal inerente à natureza
das mulheres. De outro lado mostrava-se em sintonia com o ideário nacionalista que
depositava nas crianças a esperança do progresso e da construção da nação
brasileira.
Com essa preocupação com a saúde e a educação infantil, as mulheres de
classe alta e dia urbana se engajaram em ações assistenciais de auxílio às
crianças pobres. Esses trabalhos eram voltados às crianças e adquiriram uma
conotação patriótica. Através deles as mulheres poderiam dar sua contribuição para
o progresso da nação.
Na interpretação da historiadora Michelle Perrot
184
, a filantropia abriu as
portas e introduziu as mulheres europeias no espaço público. Essa incursão à esfera
pública, ainda que limitada pelas condições históricas, pode ser compreendida como
“matriz de uma consciência de gênero” e manifestação do “sair”.
182
SCOTT, Joan, 1992.
183
SPOSATI, Aldaíza; FALCÃO, Maria do Carmo, 1989, p.16.
184
PERROT, Michelle, 1994, p. 503 – 539.
91
Sair fisicamente: deambular fora de casa, na rua, ou penetrar em
lugares proibidos um café, um comício viajar. Sair moralmente
dos papéis que lhes são atribuídos, ter opinião, passar da submissão
à independência: o que pode acontecer tanto no público como no
privado.
185
Através das atividades filantrópicas, diversas esferas foram ocupadas por
mulheres que negaram os lugares e os papéis tradicionais. Essa circulação ampliou
a influência feminina na sociedade. Apesar das investidas masculinas no sentido de
impedir essa liberação, “as mulheres souberam apoderar-se dos espaços que lhes
eram deixados ou confiados para alargar a sua influência até as portas do poder”.
186
Ao mesmo tempo que essas mulheres alcançavam lugares de visibilidade nas
atividades filantrópicas, elas buscavam se mostrar como mães e esposas. Mesmo
porque a filantropia se apresentava como atividade essencialmente feminina,
vinculada à sua natureza em geral e em particular à sua condição materna. Partindo
dessas representações de comportamentos, introduziu-se um discurso de que o
casamento e a maternidade eram a missão das mulheres aqui na Terra. Assim,
legitimava-se um discurso um tanto masculino, segundo o qual elas não eram
impedidas de trabalhar desde que não fossem prejudicadas as funções de esposa e
mãe. Através das atividades filantrópicas exercia-se um papel exemplar moralizador
sobre as mulheres pobres.
Distante da circunscrição ao espaço doméstico, “os censos do século XX
revelam, em certas cidades, uma proporção surpreendente de mulheres chefes-de
família até 40%”
187
convém sublinhar que a história mostra que muitas mulheres
sempre trabalharam. Na década de 1950 embora, em muitos casos, a mulher
figurasse como a pessoa responsável pelo sustento principal da casa, o trabalho
feminino continuava a ser encarado de modo subalterno, como um suplemento à
renda masculina. Os empregadores preferiam contratar mulheres e crianças
justamente porque essa mão de obra custava em média 30% menos. Além da
remuneração inferior, as mulheres com trabalho assalariado tinham de defender sua
reputação moral, que a norma oficial ditava que as mulheres deveriam ficar em
casa. Toda sorte de preconceitos, comumente associados ao estereótipo da mulher
pública, recaía sobre as que trabalhavam nas ruas. Aquelas que se ocupavam nas
185
Idem, p 503
186
Idem.
187
FONSECA, 1997, p. 522.
92
tarefas caseiras também não estavam livres de serem rotuladas negativamente.
Segundo a antropóloga Claudia Fonseca:
As mulheres que trabalhavam nas tarefas caseiras tradicionalmente
femininas, lavadeira, engomadeiras, pareciam correr menos perigo
moral do que as operárias industriais, mas mesmo nesses casos,
sempre as ameaçavam de serem mães relapsas.
188
Não se pode deixar de observar que os trabalhos realizados pelas mulheres
nas atividades filantrópicas eram facilitados pela ajuda das outras mulheres pobres
que deixavam suas próprias crianças em casa ou em instituições para se dedicar
aos trabalhos domésticos, incluindo o cuidado com os filhos da patroa. O que vemos
nas relações estabelecidas na Legião Brasileira de Assistência é uma relação
hierárquica também bastante presente entre as mulheres de diferentes camadas
sociais.
Darcy Vargas foi a primeira esposa de presidente a se tornar responsável
pela condução das políticas públicas do Estado no que tange à área social. Ao se
tornar presidente da Legião Brasileira de Assistência em 1942, possibilitou o
surgimento do primeiro-damismo brasileiro, como mulher responsável pela condução
das políticas públicas do Brasil. Durante o período de existência da Legião Brasileira
de Assistência, todas as mulheres dos presidentes ocuparam a presidência da
instituição e responderam pela área social do governo. A Legião Brasileira de
Assistência institucionalizou “a ação da mulher como voluntária e a mobilização para
enfrentar a situação adversa”
189
da sociedade brasileira.
Com esse objetivo de mobilizar as mulheres a compor os quadros de
voluntariado feminino civil na instituição, Darcy Vargas enviou telegramas a todas as
mulheres de governadores para que fizessem parte da Legião Brasileira de
Assistência. Esse período teria sido marcado pelo forte chamamento aos
governadores estaduais e prefeitos municipais por meio das primeiras-damas, com o
propósito de unir os esforços ainda durante a Segunda Guerra Mundial.
190
188
Idem, 516.
189
Idem.
190
SPOSATI, Aldaíza; FALCÃO, Maria do Carmo, 1989, p.14.
93
Figura 12 - Darcy Vargas, presidente nacional da Legião Brasileira de Assistência
191
Esse apelo é visto em Santa Catarina no telegrama enviado na ocasião para
Beatriz Pederneiras Ramos, primeira-dama do Estado de Santa Catarina: “a mulher
brasileira será chamada a cumprir a importante missão na proteção das famílias dos
nossos bravos soldados, a que esta respondeu não poupar esforços para
corresponder os valorosos esforços para responder ao seu valoroso apelo.”
192
Através desse apelo feito às mulheres catarinenses por Darcy Vargas, as
mulheres catarinenses passam a ser voluntárias da Legião Brasileira de Assistência
oportunidade percebida como ato cívico, afinal elas estariam servindo a Pátria.
Deveriam estar disponíveis para trabalhar na guerra em qualquer lugar, onde e no
que fosse necessário. Nesse momento:
Os usuários são as famílias dos pracinhas, os servidores, dessa
sociedade de frágil organização burocrática são as voluntárias e
alguns funcionários disponibilizados para trabalhar com as primeiras
damas. Naquele momento a Legião Brasileira de Assistência não
tinha um quadro funcional próprio. Era o tempo das madrinhas dos
combatentes, das campanhas do cigarro etc. Sua organização
expressa a parceria entre o voluntariado civil e o empresariado. Com
191
LBA. Relatório, 1945. Arquivo do Estado de Santa Catarina. Florianópolis.
192
FÁVERI, Marlene de, 2004, p.71
94
a criação da legião Brasileira de Assistência, o papel contributivo da
mulher no enfrentamento das situações sociais adversas reforça-se,
que esse órgão coube mobilizar a sociedade civil durante a
Segunda Guerra Mundial.
193
Esse apelo feito pela primeira-dama da Comissão Estadual também refletiu
em Chapecó. Quando Elsa Bertaso assume a presidência da Comissão Municipal de
Assistência, ocupa o cargo na condição de funcionária da Legião Brasileira de
Assistência. Porque naquele momento o prefeito da cidade não era Serafim Bertaso,
seu esposo, e sim Vicente da Cunha, que por sua vez era solteiro.
Com o fim da guerra essas mulheres continuaram servindo o Brasil e com
isso constituíram-se como agente essencial no processo de criação da puericultura,
por defenderem sobretudo a ideia de maternidade como função pública e principal
papel social feminino.
Figura 13 - Elsa Bertaso: presidente de honra da Comissão Municipal da Legião
Brasileira de Assistência de Chapecó.
194
193
SPOSATI, Aldaíza; FALCÃO, Maria do Carmo, 1989, p.14.
194
Jornal A Voz de Chapecó, outubro de 1946, p.7
95
Quando Elsa Bertaso assume a Comissão Municipal da Legião Brasileira de
Assistência, passa a aparecer sempre em destaque nos jornais como a presidente
de honra. Está em todas as festividades da Legião Brasileira de Assistência. Mas
suas falas não são registradas. O que de fato aparece é a voz do médico da Legião
Brasileira de Assistência, Darcy de Camargo, e os médicos convidados para
conferências que aconteciam na Semana da Criança em prol da mortalidade infantil.
Nessa relação observa-se o silenciamento de Elza Bertaso nos jornais está
relacionado com a história tanto do corpo quando dos silêncios sobre o corpo.
Michele Perrot, em Os silêncios do corpo da mulher, atenta ao discurso que envolve
as mulheres. Apesar de o corpo feminino estar exposto ao discurso e ao público,
essas vozes não poderiam aparecer, deveriam ser silenciadas.
As representações religiosas, existentes nas grandes religiões
monoteístas ocidentais, adotam essa perspectiva. Segundo o
Gênese, foi por causa da mulher Eva que a dor e ao sofrimento
ingressaram no mundo. É preciso impor-lhe o silêncio. “Uma mulher
não deva falar nas assembléias”, diz São Paulo na epístola aos
coríntios.
195
Sob essa análise de gênero pode-se perceber como os sujeitos se
organizaram em sociedade identificando-se como homens ou mulheres. De acordo
com Joan Scott, “o gênero é um elemento construtivo de relações sociais e o
primeiro a dar significado às relações de poder”.
196
Para ela as relações de gênero
se constituem como elementos culturalmente simbólicos para representar o
masculino e o feminino. Nessas representações de espaços que separam o
masculino do feminino, deduz-se por que as falas de Elsa Bertaso não foram
registradas pelos jornais. Na verdade ela estava nas solenidades da Legião
Brasileira de Assistência mais como um corpo decorativo, um suporte de legitimação
do papel da primeira-dama.
Além de atuar na implantação dos serviços da Legião Brasileira em Chapecó,
também era presidente do Grêmio Feminino Rosa do Sul, criado em julho de 1950 e
administrado pelas mulheres da sociedade chapecoense. Era o lugar onde se
promoviam festas, chás e bailes para a elite chapecoense encontrar-se e
confraternizar. Mas também era um espaço de organizações de festas e chás
beneficentes que se tornaram verdadeira moda em Chapecó, conformando um
195
PERROT, Michele, 2003, p. 21.
196
SCOTT, Joan, 1990, p.14.
96
espaço privilegiando de contatos sociais para as mulheres, e também expressão de
seu caráter cívico e patriótico. Assim, angariavam-se fundos financeiros para a
Legião Brasileira de Assistência e a Cruz Vermelha organizarem seus eventos para
a população carente de Chapecó.
Ao realizarem esse trabalho de voluntárias e contribuírem para amenizar as
consequências perniciosas da falta de cuidados com a saúde infantil, teriam de
exercer um papel exemplar e moralizador sobre as famílias e mulheres das classes
populares. Assim constituiriam uma configuração perfeita da mulher como “mãe da
nação”, esposa e mulher-mãe, um exemplo a ser seguido.
Dessa forma, essas atividades desenvolvidas pelas voluntárias da Legião
Brasileira de Assistência de Chapecó desempenharam um papel precursor na
estruturação de uma rede materno-infantil que incluía orientação às mães para o
exercício da maternidade. Assim, essa mobilização feminina proporcionou às
mulheres da elite chapecoense o ingresso na vida pública para o exercício de
atividades consideradas quase que como extensão daquelas desenvolvidas na
esfera doméstica. Dessa forma contribuíram para que se estabelecesse em
Chapecó uma relação de aliança e parceria em torno dos princípios da puericultura.
Figura 14 - Ely de Camargo.
197
197
Ely de Camargo, esposa do medico Darcy de Camargo, trabalhava como voluntaria na Legião
Brasileira de Assistência em Chapecó. Acervo do Medico Darcy de Camargo /Fotos da Semana da
Criança. Acervo particular da família.
97
Na fotografia acima verifica-se os trabalhos desenvolvidos pelas mulheres
voluntárias da Legião Brasileira Assistência em Chapecó. Pode-se ver a Senhora Ely
de Camargo trabalhando na Semana da Criança promovida pela Legião Brasileira
de Assistência, entregando um presente a uma criança.
A benevolência praticada pelas voluntárias da Legião Brasileira de
Assistência deixava clara sua natureza: “um socorro e atendimento de emergência
que não se convertesse em um direito a pobreza”.
198
Essas questões podem ser
consideradas quando se observa que as ações assistenciais dessas mulheres
colaboravam nas disputas políticas de seus respectivos maridos. Delineiam-se aí
múltiplas razões que envolvem vínculos entre os assistidos e quem presta a
assistência, de onde surge a necessidade da retribuição. Também a prática da
caridade era algo bem-visto para as mulheres que pertenciam às classes sociais
mais privilegiadas. São ações políticas praticadas de forma emergencial, mas não
consistem em direitos aos beneficiados, o que, por conseguinte, leva à retribuição
em forma de apoio a quem faz a doação.
Assim, analisa-se que a assistência social foi, no contexto brasileiro,
historicamente detida pelas instituições religiosas e utilizada como moeda de troca à
política, seja na zona urbana, seja na zona rural, com o poder dos coronéis. O
estado varguista criou grandes instituições, e a Legião Brasileira de Assistência não
fugiu da lógica da benemerência do primeiro-damismo e do favor aos pobres: a
política social de assistência sempre foi, portanto, acunhada pela ótica do favor, a
serviço da manutenção da miséria e dos interesses das elites brasileiras.
Estudos realizados pela historiadora Lucia Avelar
199
mostram que a
historiografia sobre assistência social reconhece o papel e a importância da Legião
Brasileira de Assistência como política pública governamental, contudo ainda não
trata sobre a atuação das mulheres, as voluntárias e primeiras-damas na condução
das políticas sociais como atuação política. Essa concepção pode ser explicada pela
incorporação de um dado conceito de política e de participação, no qual as
atividades filantrópicas realizadas no âmbito assistencial não são caracterizadas
como políticas e, por extensão, a atuação das mulheres não tem caráter de
participação política.
198
ADORNO, Sergio, 1990, p. 17.
199
AVELAR, Lucia, 2002, p.56.
98
Os estudos de gênero nos ajudam a entender por que a historiografia não
considera a participação das mulheres na política. A historiadora norte-americana
June Judithe Hahner lembra que a atuação das mulheres na política pode ser
entendida ainda como uma forma de atuação feminina cabível ao movimento político
realizado pelos homens.
200
Assim, pode-se dizer que as mulheres auxiliavam os
homens em suas lutas e disputas políticas em posição tida como secundária,
preservando a diferença da atuação de gênero: ao homem, as discussões políticas;
às mulheres, as festas e outras formas de arrecadação de fundos, colocando a
filantropia a serviço do país. Para Ivana Guilherme Simili
201
, a participação de Darcy
Vargas na Legião Brasileira de Assistência pode ser considerada um importante
marco na história das mulheres, no âmbito da política, tendo em vista tratar-se do
primeiro momento em que uma mulher passou a ocupar um cargo de direção política
social”
202
num cenário em que atuação da mulher na área social oscilava muito.
Essas ações assistenciais envolvendo o voluntariado feminino podem ser
percebidas desde o século XIX, a partir do médico Moncorvo Filho, que buscava
sensibilizar as mulheres das camadas mais altas da sociedade urbana para a luta
pela higienização da criança, como estratégia de enfrentamento do problema da
infância, representado sobretudo pela mortalidade infantil.
Assim, no decorrer da história, vê-se exemplos de outras mulheres que
promoveram ões assistenciais voltadas à maternidade e à infância pobre ou que
participaram delas. Para a historiadora Mônica Raisa Schpum
203
, a história das
mulheres de certa forma está relacionada às questões da maternidade e da infância.
Na Assembleia Constituinte em 1933, Carlota Pereira de Queiroz, médica paulista
que participara do Movimento Constitucionalista de 1932, foi empossada deputada
federal. A trajetória dessa mulher e seu posicionamento na Câmara de Deputados
evidenciavam as preocupações que orientariam a sua atuação no poder legislativo,
as quais se relacionariam às mulheres e à infância. Antes de tornar-se deputada,
havia criado em São Paulo, em 1932, o Departamento de Assistência aos Feridos
(DAF), uma entidade com fins assistenciais para prestar socorro aos combatentes,
trazendo, portanto, em seu percurso as marcas de ligações com o universo da
200
HAHNER, June Edith, 1981, p. 120.
201
SIMILI, Ivana Guilherme, 2008.
202
Idem, p. 32.
203
SCHPUN, Mônica Raisa, 1997, p.170.
99
filantropia paulista, a fim de vislumbrar, nas ações caritativas e filantrópicas, um meio
legítimo de atuação.
A estreita relação de Carlota Pereira de Queiroz com o assistencialismo,
originária de sua formação como médica, educadora e participante de entidades de
cunho filantrópico na capital paulista nos anos 1930, refletiu-se em sua postura
como deputada federal, com interesse voltado para a criação de serviços sociais
direcionados a mulheres e crianças. É dela o projeto de criação do Departamento de
Amparo às Mulheres e à Criança, futuro Departamento de Assistência Social, em
substituição a esse projeto original que circulou na Câmara dos Deputados, da
instituição de um Departamento Nacional da Mulher.
Essas preocupações relacionadas às mulheres estiveram no cerne da
atuação de Carlota Pereira de Queiroz, bem como de outra feminista, Bertha Lutz. O
trabalho feminino, inclusive aqueles das mulheres pobres, era uma forte inquietação
na militância de Bertha Lutz, que nesse âmbito sugeriu a criação das associações de
classe para diversas categorias profissionais. Em 1919 ela cria a Liga pela
Emancipação Intelectual da Mulher, substituída em 1922 pela Federação Brasileira
pelo Progresso Feminino (FBPF), e participa ativamente do movimento nacional e
internacional. A feminista negava a oposição entre educação, trabalho, emancipação
feminina e vida familiar. Ao contrário, defendia com outras militantes a ideia que o
domínio da mulher era o lar. Muitas de suas propostas, como licença-maternidade e
garantia de aleitamento durante o horário de trabalho, chegaram a ser incorporadas
na Constituição de 1934.
Bertha Lutz, como parlamentar, a partir de 1935 desdobrou-se na criação da
Comissão do Estatuto da Mulher, da qual foi presidente, com o propósito de
regulamentar os artigos constitucionais relativos aos assuntos femininos. Além
dessa iniciativa, foi criada no Ministério da Saúde uma Divisão de Ensino Doméstico
e Vocacional, revelando, assim, em suas práticas, a manutenção das concepções
acerca da divisão social do trabalho. Seu ideal de assegurar a domesticidade
feminina foi mais longe, sobretudo quando sugeriu a criação de uma faculdade de
Ciências Domésticas e Sociais destinada à formação de especialistas nos
problemas domésticos e sociais e a treinamentos para os serviços federais de
ensino doméstico e à formação de professoras secundárias.
Embora pertencentes a movimentos feministas distintos, pode-se dizer que o
enfoque da atuação feminista de Carlota Pereira de Queiroz e Bertha Lutz tinha
100
preocupações nítidas: a maternidade e a infância são os temas principais de sua
agenda. Atuava para criar projetos elaborados, que visavam contribuir para a
melhora nas condições de vida de mães e crianças.
Para Maria Lucia Mott
204
a maternidade e a infância também orientaram
outras ações assistenciais no espaço público, com o objetivo de criar projetos e
programas destinados ao atendimento de mães e crianças. Em são Paulo, em 1930,
foi criada por Pérola Byington a Cruzada Pró-infância. Sob responsabilidade de
Pérola e de Maria Antonieta de Castro, a Cruzada tinha como objetivo combater a
mortalidade infantil por meio de um programa de assistência para as crianças e suas
mães. A criação dessa entidade deveu-se à situação concreta da mortalidade
infantil, decorrente das péssimas condições sanitárias e de trabalho.
Homens e mulheres das camadas médias e das elites passaram a denunciar
esse desperdício de vida para a não. A criação da Cruzada inseriu-se nesse
campo como forma de combater a mortalidade infantil. Essas ões faziam parte do
quadro de iniciativas femininas de criação de projetos e programas de amparo à
infância, a Cruzada Pró-infância e a Fundação Darcy Vargas, esta criada pela
primeira-dama no Rio de Janeiro em 1938. Para Maria Lucia Mott, “os estudos da
trajetória da cruzada possibilita matizar algumas afirmações feitas sobre a
participação das mulheres em entidades beneméritas”.
205
A participação das mulheres nas atividades beneméritas em Chapecó se
estabeleceu através de uma aliança entre elas e os médicos, um casamento
realizado pela Legião Brasileira de Assistência e que resultou em bons frutos para a
sociedade chapecoense, dentro dos princípios da higiene e da eugenia. Na
campanha contra a mortalidade infantil liderada pelo médico Darcy de Camargo e
pela primeira-dama Elza Bertaso, foram instituídas as práticas de puericultura, que
tiveram uma aceitação bem promissora por parte da população chapecoense.
Pode-se inferir que a população, de algum modo, tenha aceitado essas
intervenções, algo que pode explicar a necessidade de ampliação da rede de
serviços de saúde em outros estabelecimentos, e de continuação de difusão das
práticas de puericultura para dar maior visibilidade ao serviço. Em meados de 1960
é criado o Estatuto da Associação de Proteção à Maternidade e à Infância de
Chapecó. Essa associação visava “a proteção e maternidade e a infância, tendo
204
MOTT, Maria. Lucia, 2001, p.227.
205
Idem, p. 233.
101
como objetivo desenvolver atividades filantrópicas em favor da maternidade, da
infância e da adolescência do município de Chapecó”.
São os fins principais da associação: a) zelar pela saúde, o bem-
estar e as necessidades da infância, b) difundir o estudo da higiene
da puericultura e dos serviços sociais sob os auspícios médicos, c)
colaborar com os poderes públicos e particularmente com prefeitura
municipal de Chapecó, no sentido de promover o mais
eficientemente possível em todo o município, o amparo a
maternidade e a infância, como preceituam a Constituição Federal e
leis posteriores, d) organizar e instalar postos e centro de
puericultura a outros estabelecimentos.
206
Assim, essa aliança uniu forças em defesa racional e eficiente da criança, seguindo a
proposta da associação entre Estado e a benemerência.
3.1 Um novo conceito de educação para as famílias
A preocupação do Estado brasileiro com o estabelecimento de políticas
públicas voltadas ao controle social e à medicalização da família pode ser
visualizada no Estado Novo, implementado por Getulio Vargas no período de 1937-
1945. Essa política desenvolvida junto às famílias visava garantir a ordem e a
segurança da sociedade moderna. A família se torna a instância primeira da
medicalização do indivíduo e no interior dessa as mulheres tornam-se a principal
atenção. Com esse intuito, a medicina social procurou modificar a conduta física,
moral, sexual e social da nação.
Segundo Jurandir Freire Costa
207
, os objetivos políticos relacionavam-se à
autodefesa da classe dominante diante da proporção crescente da população negra
no Brasil e de algumas insurreições populares. A necessidade era criar uma
população racial e socialmente identificada com a camada dominante. O controle
familiar da higiene foi englobado nessa política visando a multiplicar indivíduos
brancos e politicamente adeptos das ideologias nacionalistas.
206
Livro de registro da sociedade civil de pessoas jurídicas do Cartório Olavo de Castro. Livro nº. 01,
Fls. 86 e verso sobre a ordem nº. 92. Chapecó, 14 de março de 1958. Acervo particular da família do
médico Darcy de Camargo.
207
Costa, Jurandir Freire, 1983.
102
Lilia Schwarcz, ao estudar a radicalização da raça na sociedade brasileira a
partir de debates fisiológicos, éticos, científicos e jurídicos no período da transição
Império/República, demonstra que o termo “raça” ganhou uma interpretação social,
apresentando-se como modelo teórico viável para se justificar um jogo de interesses
que se montava no fim do sistema escravista. Acreditava-se que a mestiçagem fosse
uma pista para explicar o atraso e a invisibilidade da nação.
A partir da medicina legal, nascia junto com a faculdade na década de 1870,
Nina Rodrigues que, assim como outros higienistas, pretendia sarar um país doente.
Esses cientistas concluíam que a miscigenação gerava doença, e por isso
atrapalharia os planos de progresso da elite, que negava a civilização aos negros e
aos mestiços. Acabar com a miscigenação era garantir que o futuro da nação fosse
branco e ocidental, e, assim, moderno e civilizado.
O aperfeiçoamento da raça foi uma proliferação discursiva apontada para os
imensos males advindos do contágio entre as raças diferentes, ou seja, qualquer
tentativa de mestiçagem com negros, índios ou mulatos etnias não pertencentes à
considerada raça branca não era bem recebida; pelo contrário, era inimaginável
que houvesse sequer o esboço de um movimento nesse sentido. Isso porque era
unânime a ideia de degeneração moral e social que esse cruzamento
desencadearia:
As trilhas ideológicas perfiladas pelos eugenistas, como as teorias de
Galton, de Gobineau, de Gustavo Le Bom, de Renan e de Taine,
entre outros; a fundação da sociedade eugênica de São Paulo à qual
se filiaram personalidades ate então insuspeitas, como Fernando
Azevedo; as conexões entre lideranças empresariais, entre políticas
e médicas em torno dos ideais eugênicos, que propunham estreita
associação entre educação moral, higiene e hereditariedade,
manifesta em propostas tais como regulamentação do casamento, da
imigração, da prostituição em maior controle psiquiátrico da
loucura.
208
É nessa nova ordem que a higiene configura-se como forma interventiva de
controle de homens e mulheres no espaço público, mas também no privado. Tal
invasão não possuía outro objetivo senão imprimir novos costumes e valores
condizentes com a realidade que estava se constituindo. A tarefa dos higienistas era
converter a ordem social vigente em uma ordem urbana. Essa nova ordem
208
ADORNO, Sergio, 1994, p.15.
103
declarava uma luta contra o inimigo comum, a doença que ameaçava a sociedade,
que espalhava suas garras predatórias nos amontoamentos urbanos. Médicos e
autoridades impunham como parte das políticas de educação e saúde a
higienização dos costumes, deplorando práticas consideradas maléficas ao bem-
estar, entre elas a falta de higiene das mães e das crianças, causa da mortalidade
infantil e de gastos governamentais.
A criação dessa cultura urbana a partir do século XVIII, associada ao
higienismo, exige redimensionamento de novos espaços e organização destinada à
família, a célula base que garantiria a moralidade natural tão bem difundida pelo
Estado. Nesse sentido, a família passa a desencadear um papel fundamental para a
sociedade. Torna-se a base da sociedade civil, a grande transmissora de valores
como o casamento, a construção de uma nova identidade nacional, amor à pátria e
a criadora da cidadania. até o século XVIII a preocupação com o controle da
sociedade voltava-se para o fortalecimento do Estado, a partir do século XIX a
preocupação com a formação biológica, moral e filosófica das crianças vai estar
associada à construção de homens e mulheres voltados ao mundo do trabalho.
Essa preocupação passa a ser percebida na década de 1920, quando a Liga
Brasileira de Higiene Mental começa a difundir a necessidade de intervir, desde os
primeiros meses de vida da criança, nos hábitos, nas questões de saúde física e na
higiene mental. Esse processo deveria ser iniciado pela mãe, já que essa função era
de sua inteira responsabilidade. Esse projeto interligou o Estado a setores da
medicina e da psiquiatria no Brasil, através da Liga Brasileira de Higiene Mental, na
busca da educação e do disciplinamento da nação brasileira.
Tome o Estado entre as mãos, depois, o filho bem nascido. Ela não é
propriedade dos pais que o pervertem a sombra do pátrio do poder.
Os filhos são, como qualquer cidadão, um valor econômico que
interessa ao patrimônio coletivo. Se for difícil realizar-lhe a educação
integral pelo Estado, desde os primeiros anos, controle esse a
educação domestica, por meio de técnicas e evoque a si, por fim, a
tarefa de educar as crianças cujos os pais sejam incapazes de fazê-
lo.
209
Na perspectiva do historiador José Franco Reis, a Liga Brasileira de Higiene
Mental tinha como princípio promover o bom desenvolvimento físico, psíquico e
moral de crianças oriundas de grupos sociais desfavorecidos economicamente. Essa
209
REIS, José Roberto Franco, 2000, p.58.
104
ação alocava-se na idéia de que essas crianças eram portadoras de conduta
desenvolvida pela incapacidade da família de educá-las corretamente. Assim, esse
segmento social passa a ser alvo dos olhares disciplinadores dos órgãos e agentes
do Estado intervencionista. Seu desdobramento se daria a partir de ações de
políticas públicas que visavam à manutenção da ordem pública através da família e
assim facilitariam o controle do Estado. “O Estado diz às famílias: mantende vossa
gente nas regras da obediência às nossas exigências, com que podereis fazer deles
o uso que vos convier e se transgredir vossa injunção, nos vos fornecemos o apoio
necessário para chamar à ordem”.
210
Pensar na ordem era voltar os olhos do governo para ações em relação à
família, estabelecendo uma política de vigilância e controle familiar. Com isso a
família torna-se o alicerce dessa nova ordem. A partir de políticas públicas a Legião
Brasileira de Assistência ajudaria a família a descobrir o sentido da vida, no amor, na
vida familiar, na dignidade do trabalho e na educação.
De acordo com Margareth Rago, até a metade do século XX, as expectativas
sobre a conduta feminina, as doutrinas religiosas impostas pela Igreja Católica, as
implicações na sexualidade, o controle da feminilidade e as normatizações sociais,
aliadas às exigências do casamento religioso, do batismo dos filhos e da confissão
dos pecados, também significavam uma exacerbada vigilância do corpo e da alma
das mulheres.
De um lado, expurgam-se recompensas da carreira do casamento e
da maternidade: uma relação mais sólida entre os membros da
família, o amor do marido, a mulher elevava a condição de figura
central do seu território. De outro, as punições: sentimento de culpa,
frustração, os castigos de natureza contrária, os perigos físicos de
não procriação ou da redenção, nos caso das mães, etc...
211
As mulheres estavam fadadas à missão de procriar, que seria o objetivo de
sua vida, e para esse fim eram educadas desde a infância: conceber, parir e educar.
A ideia de sexo para mulher honrada estava intimamente ligada à dessexualidade do
corpo. A mulher não precisaria sentir prazer no intercurso sexual e de preferência
deveria manter a castidade. A forma de preservar essa castidade seria relacionar-se
sexualmente apenas para procriação. O desejo e o prazer eram reservados aos
210
DONZELOT, Jaques, 1986, p. 51.
211
RAGO, Margareth, 1991, p. 80.
105
homens, os quais, segundo o discurso dico, eram biologicamente voltados para a
essência carnal por conta da virilidade. A eles caberia o papel de provedores do lar.
Para a antropóloga Cynthia Andersen Sarti, “o homem corporifica a idéia de
autoridade, como mediação da família com o mundo externo. Ele é a autoridade
moral, responsável pela respeitabilidade familiar”.
212
Enquanto para a mulher é
reservado o espaço da casa, cabe a ela outra dimensão da autoridade, ainda
segundo essa pesquisadora “a autoridade feminina vincula-se à valorização da mãe,
num universo simbólico em que a maternidade faz da mulher mulher, tornando-a
reconhecida como tal.”
213
É nessa esfera de intervenções familiares que a Legião Brasileira de
Assistência buscava constituir seu verdadeiro alicerce da sociedade chapecoense. A
família passa a ser a estratégia eficaz para se chegar à civilidade. Isso significa dizer
que a formação moral, intelectual e psíquica do verdadeiro cidadão chapecoense
estava nas mãos da família, cujo papel seria educar dentro de um sentimento
unificado, harmônico e ordeiro, em que todos os membros da família estivessem
imbuídos de um sentimento único, mantendo-os em clima de harmonia e felicidade.
Somente esse sentimento poderia viabilizar o projeto de civilidade almejado pela
cidade de Chapecó.
Dessa forma, pode-se perceber como a Legião Brasileira de Assistência,
durante as comemorações da Semana da Criança, se apropria da imagem de família
feliz e a utiliza como modelo responsável por enquadrar, disciplinar, moralizar e
construir as novas famílias chapecoenses. Assim, a imagem da família revela a
valorização e além de tudo reforça o peso da família como instituição na estrutura da
sociedade chapecoense. De acordo com a historiadora Olga Brites, “ao mesmo
tempo em que representavam a dimensão da vida bem-sucedida dos fotografados,
contribuíram para consolidar a imagem das famílias estruturadas como modelo ideal
de sociedade.”
214
212
SARTI, Cynthia Andersen, 2003, p.63.
213
Idem, p.64
214
BRITES, Olga, 2000, p. 168.
106
Figura 15 - A família da menina vencedora do concurso Rainha das Bonecas.
215
Através da fotografia acima verifica-se a imagem perfeita de família nuclear
que também é ganhadora do concurso Rainha das Bonecas, que a Legião Brasileira
de Assistência promovia na Semana da Criança, com o objetivo de inserir no
imaginário da sociedade chapecoense um padrão de família composta de um pai
provedor e orgulhoso da situação que está vivenciando e uma mulher-mãe
responsável pela saúde e educação dos filhos e pela harmonia da família.
Mãe, quão sublime essa palavra; ser mãe é divino, pois e com as
dores que traz o ser humano ao mundo, alimentando com o seu
próprio sangue seu ente querido, desde os primeiros dias de sua vida
de sua vida intra-uterina. O bebê é o enlevo maior do lar, da
felicidade completa dos casais, e estímulo para o trabalho dos pais.
O bebê ao dizer as primeiras palavras, balbucia mãe.
216
Assim, mulher-mãe passa a desempenhar um papel fundamental no
nascimento da família nuclear moderna. Vigilante, atenta e soberana no seu espaço
de atuação, ela se torna:
[...] a responsável pela saúde das crianças e do marido, pela
felicidade da família e pela higiene do lar, num momento em que
cresce a obsessão contra os micróbios, a poeira, o lixo e tudo que
215
Fotos do Concurso Rainha das Bonecas pertencentes ao médico Darcy de Camargo. Acervo
particular da família.
216
Jornal A Voz de Chapecó, 05 de maio de 1951, p.6
107
facilita a propagação das doenças contagiosas. A casa é
considerada o lugar privilegiado onde se forma o caráter das
crianças, onde se adquirem os traços que definirão a conduta da
nova força de trabalho do país. Daí a enorme responsabilidade moral
atribuída à mulher para o engrandecimento da nação
217
Para se estabelecer esse sentimento familiar, a imagem feminina passa a
ser associada ao cuidado da maternagem e aglutina em duplo simbolismo de
mulher-mãe. Como a Legião Brasileira de Assistência é moralizadora, disciplinadora
de corpos, vai eleger a mulher a figura de mantenedora, transmissora e veiculadora
da moralidade, unificadora da família, disseminadora no ambiente sagrado do lar,
dos hábitos e dos costumes de uma sociedade que quer ser sadia, educada e
organizada.
A Legião Brasileira de Assistência vai se apropriar de um discurso higienista
de transformar a mulher na principal responsável pela saúde dos filhos, e dessa
forma a maternidade passa a ser, além de um objetivo individual e familiar, uma
aspiração dos responsáveis pelas políticas públicas de saúde e educação
implementadas pela Legião Brasileira de Assistência. Nesse cenário social criado
por esta instituição em relação a família, emerge fortemente um discurso de
valorização da mulher como mãe, para quem o lar era o altar no qual depositava sua
esperança de felicidade, sendo o casamento e a maternidade suas únicas
aspirações.
É nessa configuração da sociedade que a Legião Brasileira de Assistência vê
as mulheres como potencial de regeneração nacional. Havia a crença na
maternidade e a função da mulher como potencial domesticadora: a e cuida,
ampara, protege, ama e educa. Essa crença vai ser o motor para a condução de
políticas públicas e para a proliferação de um discurso voltado aos cuidados da
saúde e educação da criança e que vai colocar nas os femininas a
responsabilidade de guiar e higienizar as crianças e moralizar os costumes.
Esses discursos aparecem claramente no jornal A Voz de Chapecó, quando
trata de “assistência à maternidade”
218
, e buscavam incutir sentimentos de ordem,
de respeito à norma, de estímulo e amor à família como uma forma de prevenir e
corrigir irregularidades em relação à criança, as quais levavam à mortalidade de
inúmeras crianças.
217
RAGO, Margareth, 1985, p.80.
218
Jornal A Voz de Chapecó, 11 de março de 1949, p. 5
108
Figura 16 - Fotos de mulheres na comemoração do Dia das Crianças.
219
Pode-se constatar que, durante as festividades que a Legião Brasileira de
Assistência promovia na Semana da Criança, essa instituição elegia as mulheres
como as primeiras educadoras da infância, sustentáculo da família e da Pátria, a
partir da ideologia do amor materno, plenamente apoiado pela Igreja Católica. As
mulheres eram representadas como protetoras do lar, depositárias das esperanças
da raça e responsáveis em formar o corpo e a alma dos futuros cidadãos.
Dessa forma a medicina, a anatomia e a fisiologia, ou seja, a “natureza
biológica” consistiam em fundamentos para estabelecer o papel do homem e o da
mulher. A função e o comportamento feminino estariam, de acordo com essa
perspectiva, definidos pelo aparelho reprodutivo. Nesse ponto, são pertinentes as
considerações da historiadora Tânia Navarro Swain ao problematizar o “natural” nos
discursos referentes ao corpo e ao sexo. Para a autora, o sexo é uma construção
social que estabelece sua importância nos papéis generalizados tendo como
premissa a norma binária/heterossexual. Através das tecnologias de gênero, a
instauração do corpo sexuado estabelece representações e identidades e constitui-
se, portanto, em:
219
Fotos da Semana da Criança de 1950 pertencentes ao médico Darcy de Camargo. Acervo
particular da família.
109
[...] uma invenção social, que sublinha um dado biológico cuja
importância, culturalmente variável torna-se um destino natural e
indispensável para a definição do feminino. A questão se articula
sobre a importância social: isto significa que a materialidade do corpo
existe, porém a “diferença entre os sexos” é uma atribuição de
sentido dada aos corpos.
220
Em especial para as moças, no mês de maio, o jornal A Voz de Chapecó
tinha uma coluna que se intitulava “Moça para Casar”
221
. Essa coluna trazia
conselhos às moças para arrumar um bom casamento. Nesses conselhos, as
leitoras eram instruídas a respeito da importância da castidade e da pureza, que
seriam responsáveis pela preservação da família e da moral cristã. Esses discursos
da pureza feminina e de suas qualidades morais “serviam tanto para preservar os
estereótipos da feminilidade instruídos, e conseqüentemente, justificar a exclusão da
mulher dos espaços masculinos de atuação social”
222
A cidade de Chapecó buscava a manutenção da ordem através dos discursos
da introdução da norma familiar burguesa dentro dos princípios do casamento, da
proteção à infância, da valorização da maternidade e da mãe de família. Nesse
sentido a imagem que fora construída para as mulheres em Chapecó conforme os
discursos dos médicos explícitos nos jornais buscavam construir a figura das
mulheres em função da maternidade. As mulheres eram reificadas como
predestinadas a ser mães e cuidar de seus filhos. Se a maternidade era alvo de
engrandecimento nos discursos médicos, estes usavam tom pejorativo e dramático
na condenação das mulheres que descumpriam o seu dever maternal.
Infelizmente o grande número de mulheres modernas procura
evitarem ter filhos, por um meio ou outro, seja ele qual for, muitas
vezes mesmo criminosos, a maioria das vezes por comodismo ou
para não perder as sinuosas linhas do seu belo corpo, ignorando que
as conseqüências futuras serão terríveis para seu organismo,
contando para esse fim com a colaboração das comadres,
entendidas ou curiosas e mesmo com profissionais
inescrupulosos.
223
Dessa forma, a expressão “mulheres modernas” era empregada com o
sentindo claramente pejorativo, particularmente quando os articulistas desejavam
associá-las a atitudes imorais e transgressoras. Regrar, normatizar os costumes,
220
SWAIN, Tânia Navarro, 2000, p. 51.
221
Jornal A Voz de Chapecó, 3 de maio de 1942, p. 2.
222
RAGO, Margareth, 1991, p. 149.
223
Jornal Imparcial, 02 de maio de 1951, p. 7.
110
enfim, civilizar, pareciam ser a principais exigências da modernidade, e as mulheres
eram alvo desse movimento civilizatório. Conforme nos esclarece Jurandir Freire
Costa:
Do ponto de vista dos higienistas, a independência da mulher não
podia extravasar as fronteiras da casa e do consumo de bens e
idéias que reforçassem a imagem da mulher-mãe. Por isto, sua
presença nas catedrais da ciência era intolerável. A mulher
intelectual dava mau exemplo às outras mulheres.
224
Assim, a maternidade – na qualidade de principal exercício da condição
feminina - aparece associada ao discurso nacionalista, investida de uma roupagem
moderna. Mais do que dar filhos ao marido, o ideal da maternidade é reformulado
para garantir cidadãos para a pátria. O exercício da maternidade passa a ser
compreendido em termos científicos, constituindo uma missão patriótica e uma
função pública. Trata-se de superar as práticas atrasadas das comadres, os
conselhos e crenças entendidos como arcaicos e fundamentados no senso comum.
Sobre isso nos fala Freire em seu artigo “Ser mãe é uma ciência”:
Entre outros agentes que participaram desse processo, os médicos
consolidaram seu papel por meio da enunciação de um discurso que
condenava o exercício tradicional da maternidade, redefinindo-a em
novas bases. Signo máximo da modernidade e ferramenta
propulsora privilegiada no processo de transformação social em
curso, a ciência foi acionada na conformação de um determinado
modelo de maternidade, configurando-se, através da maternidade
científica, um novo papel feminino: a mãe moderna.
225
Nesse imaginário o sexo feminino estava à mercê de seu aparelho
reprodutivo, que, segundo se acreditava, tornava seu comportamento emocional
errático e imprevisível. Nesse momento, a imagem construída para a mulher
destacava a sua fragilidade física, da qual decorriam sua delicadeza e debilidade
moral. No entanto, a tese da inferioridade feminina encontra raízes ainda na filosofia
iluminista. De acordo com a historiadora Rachel Soihet:
Constituem-se as mulheres, de acordo com a maioria dos filósofos
iluministas, no ser da paixão, da imaginação, não do conceito. Não
seriam capazes de invenção e, mesmo quando passíveis de ter
acesso à literatura e a determinadas ciências, estariam excluídas da
genialidade. A beleza atributo desse sexo era incompatível com as
224
COSTA, Jurandir Freire, 1979, p.260.
225
FREIRE, Maria Martha de Luna, 2008, p.154.
111
faculdades nobres, figurando o elogio do caráter de uma mulher
como a prova de sua fealdade.
226
Para a maioria dos pensadores sob a influência do Iluminismo, a razão era
um atributo que não estava presente nas mulheres, mas apenas nos varões. A
mulher teria permanecido na etapa da imaginação e da infantilidade. Não exercer o
controle sobre seus comportamentos significaria, portanto, deixá-la sucumbir ao
risco da loucura. Nesse sentido, o oposto da “mãe” é a mulher histérica e nervosa.
Assim, pode-se dizer que os médicos da Legião Brasileira de Assistência em
Chapecó, embebidos de uma atmosfera iluminista, buscavam urgentemente todas
as formas de atribuir às mulheres chapecoenses o papel de boas mães e esposas
perfeitas. Tal aliança resultou na legitimação desses médicos como especialistas em
puericultura e na construção de um novo papel social de mãe.
3.2 Mães cuidadosas, filhos saudáveis: intervenção da Legião Brasileira no
disciplinamento da mulher em Chapecó
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, levantam-se vozes reacionárias
pedindo a volta das mulheres ao lar e sua moralização dessexualizada como fatores
de reordenamento da família. Nos discursos de diversos setores sociais, a saída da
mulher para o mercado de trabalho era concebida como um elemento
desestabilizador da família: na auncia da figura materna, os filhos ficavam
abandonados e sem apoio moral. Assim, essas mulheres são chamadas a
desempenhar a função de mães da nação.
Acompanhando as correntes de pensamento europeias, no Brasil, durante o
século XIX, foi grande a difusão do Positivismo e do Evolucionismo. Essas teorias
utilizavam a diferença biológica entre os sexos como uma justificativa para as
desigualdades sociais e culturais entre homens e mulheres, conforme foi
demonstrado anteriormente. No entanto, a partir da década de 1920, assiste-se a
um deslocamento nos discursos. A ênfase destinada à inferioridade da mulher é
substituída pela ideia de que as diferenças biológicas e sociais são necessárias e
226
SOIHET, Rachel, 1997, p. 9.
112
complementares. Moncorvo Filho, um dos principais expoentes da medicina
higienista no Brasil, em discurso por ocasião do Dia das Mães nos fala:
O homem tantas vezes amando a sangueira guerras, revoluções,
crimes e vícios nem sempre é o animal dócil, meigo e cordato que
fôra para desejar. A mulher, quasi sempre bondosa e meiga
pensamento inclinado para o Bem com encantadora meiguice
olhos fitos nos filhos, prodigalizando-lhes o carinho, o afago, a
educação e os bons sentimentos, não raro se constituem um
verdadeiro anjo do lar!
227
Por meio desses atributos, buscava-se reconduzir as mulheres ao seu
ambiente considerado único e natural, o lar. Projeto que deveria fazê-la se sentir
rainha do lar, acompanhando os mínimos movimentos da vida cotidiana familiar,
vigiar seus horários, controlar seus gestos, antecipando-se a qualquer
comportamento desviante do marido e dos filhos.
Essas ações de reconduzir a mulher para dentro de casa está atrelada ao
novo sentimento de infância que começa a se manifestar de maneira linear na
sociedade. Em Chapecó, a partir de 1946, com a implementação das políticas da
Legião Brasileira que pode-se perceber através do posto de puericultura, todo um
discurso voltado às mulheres.
O posto de puericultura da Legião Brasileira de Assistência em
Chapecó, por intermédio de seu diretor e de acordo com as
possibilidades, tem procurado dar assistência a Maternidade e a
Infância, orientando as mães, aconselhando, dando noção das
práticas da puericultura, as mães e futuras mães, a fim de que seus
filhos sejam fortes e sadios.
228
Esses discursos voltados às mulheres são refletidos no jornal A Voz de
Chapecó, que foi um instrumento divulgador das ideias, opiniões e discursos da
Legião Brasileira de Assistência, que queria prescrever às mulheres como deveriam
ser e se comportar para cumprirem o papel de boas donas de casa, esposas
dedicadas e mães perfeitas.
Dessa forma, a luta pela moralização e disciplinamento das mulheres na
cidade de Chapecó tornou-se um desafio constante. Havia todo um discurso
moralizador que foi articulado em prol do triunfo da moral e dos bons costumes. Isso
nos faz lembrar o que Michel Foucault propôs com relação às intenções dos
médicos, juristas, pedagogos e religiosos, entre outros, do século XVIII na Europa
227
MONCORVO FILHO, A., 1925, p. 4.
228
Jornal A Voz de Chapecó, 11 de julho de 1949, p 3.
113
Ocidental, quando diz que estes classificaram e catalogaram as diferentes formas de
sexualidade, construindo desafios e a normalidade.
229
Assim, pensamos que a
imprensa, ao dar visibilidade às mulheres no papel de mães, através de notas, teve
como preocupação e função divulgar como as mães não deveriam ser e o que elas
não deveriam fazer com seus filhos.
Através dessa política, as futuras es eram convocadas, através de
campanhas em matérias de jornal, a realizar o pré-natal, “que tem por fim educar,
aconselhar a futura mamãe, como deve proceder durante o tempo de gestação,
pois, a vida da criança não começa ao nascer e sim alguns meses antes”.
230
Essa
campanha procurava incentivar as mulheres a aderir a esses novos valores, pois
não bastava criar o estabelecimento, era necessário criar nas mulheres o hábito de
frequentá-lo.
Nos relatórios apresentados pela Legião Brasileira analisa-se o movimento de
atendimentos realizados na Sessão de Pré-Natal de1950:
Gestantes inscritas 50, Ao decurso do primeiro mês ao terceiro mês
13, ao decurso do quarto e seis meses 16, sétimo e nono mês 21.
Comparecimento subseqüente de gestante 220. Exames post-partum
17. Com puerpério normal 12. Com puerpério patológico 5.
Gestantes encaminhadas a maternidade a maternidade 9.
Prescrições de tratamento antiluético 6. Injeções aplicadas no
dispensário 248. Partos de gestantes inscritas: a) a termos normais
14, B) nati-vivos. Assistidos a domicílios 11. Por médicos 4. Por
curiosas 7. Assistidos em maternidade 4. Por médico 3. Por curiosa
1. Intervenções obstétricas 1. Abortos 6. Óbitos 1. Visitas as
gestantes 184. Por médico 85. Por enfermeiras 114.
231
Nos relatórios pode-se verificar a quantidade de atendimentos que o posto de
puericultura prestava às mulheres. Ao comparar o número de atendimentos,
percebe-se que nem todas as mulheres usufruíam desses serviços. Mesmo com
todo o discurso da Medicina Oficial, as práticas populares ainda permaneciam no
cotidiano da população chapecoense. Por mais que os médicos tentassem
demonizar as parteiras, elas tinham o respeito e a confiança das mulheres na hora
de parir seus filhos.
Esses relatórios também são indícios de como o corpo das mulheres passa a
ser controlado, disciplinado e moralizado a partir do trabalho da puericultura. Mesmo
229
FOUCAULT, Michel, 1985, p, 35.
230
Jornal A Voz de Chapecó, 13 de setembro de 1948, p.5
231
LBA. Relatório de atendimento, 1950. Arquivo da Previdência Social. Florianópolis.
114
que a mãe não tivesse seus filhos na maternidade, elas de uma forma ou outra
buscariam esse tipo de atendimento.
Com a introdução desses atendimentos, esperava-se conscientizar as
mulheres que, não apenas deveriam levar à criança nove meses em seu ventre, mas
sim garantir-lhe a vida. Para tanto elas deviam fazer o pré-natal, seguindo todas as
orientações sobre os cuidados necessários para defender as crianças das doenças.
Como por exemplo: ter o filho na maternidade, amamentá-lo, vaciná-lo etc. Ações
que propagavam uma ideia dissociável da mãe e a criança, tornando a mãe
responsável não apenas pela garantia da vida, mas também pelos cuidados físicos e
pela educação moral das crianças.
Para atingir o objetivo do progresso biológico defendido pela higiene e pela
eugenia, está explícita e latente a ideia de que educar as mães nos modernos
preceitos de preservação e saúde é amparar a criança para que tenha uma infância
robusta, preparando a nação para ser forte e vigorosa. A mãe é a figura central no
processo de higiene da infância, e de nada valem cuidados médicos e boa
alimentação se a criança não estiver rodeada de cuidados maternos.
A mãe é responsável pela saúde do nenê e deve familiarizar-se com
as regras simples de alimentação, vestuário, repouso, exercícios,
banho e iluminação e meio ambiente. O instinto materno não basta,
não é um guia seguro para ser uma boa mãe. É preciso aprender.
Muitíssimas crianças morrem antes de completar um ano por falta de
cuidados e alimentação apropriada. As mães ignorantes e o leite
contaminado são as causas principais dessas mortes. O cuidado
com o bebê deve começar nove meses antes de seu nascimento.
232
Vê-se que os discursos dos higienistas censuram totalmente as mulheres
pelos cuidados que estas dispensavam às crianças, sem o nimo de orientação e
higiene. Através da descrição acima, os preceitos dicos e moralistas convenciam
a mãe a amamentar a criança e a cuidar dela, pois filho amparado, orientado e
consequentemente saudável resulta em vantagem e redução de problemas futuros
tanto à família quanto ao Estado. Para Jane Soares de Almeida, “as mães devem
ser aliadas do Estado e dos sanitaristas, cerrando fileiras para proteger a saúde da
infância. Amparando-se a mãe, instruindo-a durante e após a gestação é o segredo
do Estado para construir uma nação perfeita”.
233
Nesse cenário, o casamento entre
o Estado e a medicina é consumado. Pouco a pouco, o padre, como referência para
232
Jornal A Voz de Chapecó, 15 de outubro de 1948, p.6.
233
ALMEIDA, Jane Soares de, 2004, p.10.
115
as questões familiares, passa a ser substituído pela figura do médico de família.
Este se torna um dos agentes principais na intervenção e controle dos indivíduos.
Os argumentos médicos do final do século XVIII se imbuem, dessa forma, do
encargo de convocar a mãe para as atividades instintivas. Como afirma Badinter,
“será preciso culpá-la a até ameaçá-la para reconduzi-la a sua função nutritícia e
maternante, dita natural e espontânea”
234
, para obter sucesso na edificação do
amor materno, visto como dever da mulher. Esse convencimento das mulheres à
sua função essencial foi implementado pelos discursos de ordem médica no
estabelecimento de uma norma familiar burguesa, que incluía a função da mãe nos
cuidados com o filho, da nutrição à educação.
Assim, as práticas impostas pela Legião Brasileira de Assistência buscam
modificar a imagem das mulheres e auxiliam na construção de um novo conceito, o
amor materno, propiciado pela percepção da mãe que nutre seu filho. A mãe passa
a ser aliada dos dicos e do novo saber da medicina. “A amamentação colocou a
sexualidade da mulher a serviço da família, deixando-lhe a margem estreitíssima
para o livre funcionamento”.
235
A partir da introdução dessa prática, associa-se a construção do amor
materno que caminha nas discussões de Elizabeth Badinter,
236
a construção do
mito da mãe e da criança se transforma em uma representação social de um
sentimento excêntrico da natureza feminina pelo convencimento do ato de cuidar da
criança desde sua gestação. A construção desses discursos não é à toa. Passa-se a
naturalizar a mulher como mãe zelosa, porém não se prova a universalidade desses
sentimentos. A ausência da sensibilidade materna, a indiferença das mães com seus
filhos e a negligência na maternidade não eram sentimentos condenáveis em
sociedades antecedentes ao século XVIII.
Além de serem produtores de uma vasta literatura de aconselhamento ou
pedagogia materna, os médicos foram considerados os grandes defensores da
saúde materno-infantil, embora com ênfase maior na criança, vista como o futuro da
nação. Parte-se de uma visão instrumental em relação as mulheres, os médicos
pretendiam, através da educação e orientação sob os preceitos de higiene infantil,
234
BADINTER, Elizabeth, 1993, p.100.
235
Idem, p. 263.
236
Idem, p. 144.
116
melhorar os problemas ligados à saúde das crianças, principalmente no que se
refere aos altos índice de mortalidade.
Quase todas as mortes das crianças podem ser evitadas mediante
um moderno regime alimentício e um escrupuloso asseio do corpo,
do vestuário e da alimentação – Dr. Donadieu.
O momento mais perigoso para a vida da criança é o primeiro mês, e
dentro do primeiro mês, a primeira semana – Dr. Luiz Morquio.
Descura-se, em geral, e principalmente com relação às crianças, da
higiene da boca. Não se pode cometer falta mais grave. É a cavidade
do nosso organismo que se processa pela boca o primeiro ato da
digestão, o ato inicial que vai concorrer para a nutrição da economia
e ainda a boca representa um papel de capital importância na nossa
vida social, porque ela é o órgão da palavra. Essas duas grandes
funções exigem por amor a nós e por amor dos outros, que traga a
cavidade bucal num asseio que não será jamais excessivo – Dr.
Mario Totta.
237
Esses aconselhamentos dos médicos sobre como as mulheres deveriam
cuidar de seus filhos têm como pano de fundo as preocupações atreladas aos
discursos da pediatria. A linguagem era bastante simples e tinha dupla função: a
primeira e mais evidente era sim o cuidado com as crianças, mas também, e,
sobretudo, trazia consigo o discurso da civilidade, da urbanidade que se pretendia
instaurar em Chapecó. Para tanto era preciso chamar a atenção da população,
ensiná-la os preceitos da higiene, do bom comportamento, conforme propunham os
manuais de civilidade publicados à época. A escolha do Doutor Mario Totta pelo
jornal, evidencia isso. O Doutor Mario Totta (1874-1947) foi um médico gaúcho, que
dentre suas funções exerceu a de Secretário Geral de Instrução Pública do Rio
Grande do Sul, em 1898, e a de professor de Higiene na Escola Normal de Porto
Alegre. São assinados pelo Doutor Mario Totta os seguintes manuais: O médico em
Casa e Medicina em pílulas: breviário de saúde mas ele também divulgaria suas
idéias através de crônicas e poesias e breves colunas de matéria médica no jornal o
Correio do Povo.
238
A historiadora Maria Stephanou ao discutir sobre a relação
entre os manuais de civilidade, saúde e a higiene sublinha a abrangência e a
intensidade das ões médicas nas cidades entre os anos 1930 e 1950, no Brasil.
Ações que iam desde a formulação de propostas de saneamento, passando pela
discussão sobre o tipo brasileiro, bem como a educação e propaganda sanitária.
239
237
Jornal A Voz de Chapecó, 11 de fevereiro de 1940, p.5
238
STEPHANOU, Maria, 2004, p.5.
239
Idem, p.1
117
Tal abrangência pode ser verificada no espaço destinado pelo Jornal A Voz
de Chapecó para a difusão de manuais de higiene e saúde. Outro exemplo foi a
atenção dispensada a publicação do “guia prático de saúde”, que trazia uma série de
aconselhamentos às mães quanto a tratamento, alimentação, vestuário e higiene da
criança. Segundo o jornal bastaria que as mães seguissem rigorosamente os
princípios da puericultura para evitar o surgimento de doenças.
“Cuidado às Crianças”
Do livro guia pratico de Saúde, de autoria do Dr. F. Rossiller,
extraímos os seguintes conselhos, como guia às mães. Os meninos
e bebês são muito mais sujeitos às doenças do que as pessoas
grandes. A mãe é responsável pela saúde do nenê e deve
familiarizar-se com as regras simples de alimentação, vestuário,
repouso, exercício, banho e iluminação e meio ambiente. O instinto
materno não basta, não é guia seguro para uma boa mãe. É preciso
aprender. Muitíssimas crianças morrem antes de completar um ano
por falta de cuidados e alimentação apropriada. As mães ignorantes
e o leite contaminado são as causas principais dessas mortes. O
cuidado com o bebê deve começar nove meses antes de seu
nascimento
240
.
A pediatria estava direcionada à eugenia e à puericultura. Eram, portanto, os
meios de que os higienistas dispunham para intervir preventivamente na sociedade.
Um aspecto-chave dessa prevenção era a aliança entre os médicos e as mães, pois
eram elas que lhes dariam acesso aos domicílios, mais especificamente ao
dormitório do casal, que representava o início de tudo, e ao quarto do recém-
nascido. Vale dizer que os pediatras atribuíam uma importância especial ao primeiro
mês de vida, período em que a criança passava de recém-nascida a lactente. Isso
porque a maioria das mortes ocorridas no primeiro ano de vida se dava nesse
intervalo de tempo. Essa relação entre os papéis distintos, embora complementares,
entre o dico e a mãe estabelecia uma aliança privilegiada “o médico prescreve
e a mãe executa”
241
O médico desenvolveria o papel de higienista, corrigindo as
irresponsabilidades dos pais, ao mesmo tempo que a sociedade e o Estado
exigiriam suas responsabilidades com o futuro do país através das crianças. Dessa
forma o sentimento familiar de responsabilidade com o futuro de seus filhos,
garantindo-lhes a sobrevivência material, afetivos até a fase adulta, estava também
240
Jornal A Voz de Chapecó, 20 de maio de 1940, p.3.
241
DONZELOT, Jacques, 1986, p. 23
118
investido de certo sentimento cívico e compromisso com o desenvolvimento rumo a
civilidade.
Assim, o controle, a vigilância e as punições espalhavam-se pela cidade.
Atos que até então eram aceitos pelas autoridades, pelas famílias em geral e pela
sociedade, aqueles que Michel Foucault chamou de “pequenas ilegalidades
aceitas”
242
, passaram a ser encaradas como crimes contra a ordem e a higiene da
cidade.
O poder médico procurou legitimar-se como orientador da família. Os médicos
atuavam como conselheiros de uma ão governamental. Para Margateth Rago, “os
médicos procuram representar-se como autoridade mais competente para
prescrever normas racionais de condutas e medidas preventivas, pessoais e
coletivas, visando produzir uma nova família e futuro cidadão”.
243
Assim, a família torna-se responsável por promover a socialização inicial da
criança. A mãe, geralmente a responsável por dispensar os primeiros e decisivos
cuidados ao filho, começava a ser advertida a observar não apenas as condições
higiênicas do lar, mas também suas condições psicológicas, de modo a propiciar um
ambiente harmônico e educativo para seus filhos.
No momento em que Chapecó passou a almejar a construção da civilidade,
as mulheres adquiriam um papel central, visto a preocupação de tornar as mulheres
mães responsáveis pela formação dos futuros cidadãos chapecoenses. Assim, a
construção da aliança estabelecida entre médicos e mulheres foi muito produtiva,
pois conseguiram incutir no cotidiano da população os preceitos da puericultura e
assim difundir as práticas sobre os cuidados com os filhos.
Mesmo no tempo presente a população de Chapecó vivencia essa
preocupação com a civilidade, a aliança estabelecida entre médicos e mulheres foi
muito propulsora. Essas práticas da puericultura são percebidas no cotidiano da
população como práticas naturalizadas. Pode-se hoje dizer que o discurso é oposto
ao da década de 1940. Atualmente as pessoas ficam horrorizadas ao saber que uma
criança morreu por doenças corriqueiras, por falta de higiene ou por negligência da
mãe.
242
FOUCAULT, Michel, 1987, p. 78.
243
RAGO, Margareth, 1985, p.118.
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de disciplinamento de práticas e costumes associado à ideia de
civilização e modernização em Chapecó promoveu inúmeros deslocamentos e
mudanças no município. Essas mudanças foram produto e resultado da implantação
de políticas públicas que, através de mecanismos disciplinadores e moralizantes,
mudariam os hábitos, os costumes e a mentalidade da sociedade chapecoense.
Construir uma sociedade civilizada em Chapecó passava necessariamente pela
implantação de políticas assistenciais voltadas à questão da infância e da
maternidade. Disciplinar e educar as famílias, as mulheres e as crianças era uma
ordem, e progredir era o caminho, afinal o futuro da nação estava nas mãos da
família. A sociedade toda deveria abraçar essa árdua tarefa de reconduzir a criança
ao caminho da moral e da disciplina.
Tornar Chapecó a cidade das rosas, dos valores morais e higiênicos
implicava resolver o grande problema que assolava a cidade, a mortalidade infantil.
Para resolver essa situação era necessário desconstruir antigos hábitos, costumes,
crenças voltadas às práticas da medicina popular. Precisava-se introduzir na mente
da população chapecoense os preceitos dos métodos de trabalho dos médicos
higienistas. Disso resultou a implantação de uma nova cultura voltada à medicina
oficial, que andava nos caminhos da “verdadeira ciência”. A partir da instalação do
Posto de Puericultura na cidade permitiu-se o controle ao corpo das mulheres e das
crianças, institucionalizado dentro da família.
Com a implementação dessa política pública, a Legião Brasileira de
Assistência tinha por objetivo conjugar esforços do poder público e da comunidade
para a solução de problemas como a mortalidade infantil, que assolava a população
chapecoense, proporcionando dessa forma atendimento integral a crianças, mães e
gestantes.
A inserção dessas políticas blicas de saúde para crianças começa a ter
visibilidade a partir das representações de infância que começam a ocupar um lugar
importante na construção da sociedade chapecoense. Por um lado havia o discurso
que a Legião Brasileira de Assistência propagava sobre as preocupações com a
120
mortalidade infantil. Por outro lado também existia todo um discurso voltado aos
cuidados higiênicos com o corpo da criança.
O corpo das mulheres também torna-se alvo de um discurso moralizador que
as investia de um caráter regenerador e salvacionista. Buscava-se com isso
estabelecer uma aliança entre a saúde das crianças e o cuidado das mães, através
de uma nova maneira de exercer a maternidade dentro dos pressupostos da ciência.
Em decorrência desses discursos, as políticas de valorização da família e das
relações mães e filhos tornam-se um fator importante na sobrevivência das crianças.
Em 1959, com a Declaração Universal dos Direitos da Criança da ONU, as
crianças passavam a ser portadoras de direitos. O Estado assume a
responsabilidade pela proteção à infância fundamentada nos direitos universais da
criança, proclamados pelas Nações Unidas: direito à vida e à saúde; à liberdade, ao
respeito, à dignidade; à convivência familiar e comunitária; à educação, à cultura, ao
esporte e ao lazer; e à profissionalização e à proteção no trabalho.
A população chapecoense passou a vivenciar essa nova norma estabelecida.
Era preciso que a criança crescesse saudável e bem educada. Dessa forma foi
necessário construir políticas públicas de assistência às mães por meio de
intervenções, muitas vezes travestidos de auxílios e conselhos para acabar com o
grande vilão que era a mortalidade das crianças. Precisava-se unir forças e
conscientizar a sociedade no intuito de protegê-las.
O discurso de proteção à infância centrava-se na valorização da família.
Assim, foi introduzida na família a consciência de proteção e cuidados higiênicos.
Passa a ser inaceitável as crianças morrerem por doenças corriqueiras, erros
alimentares, falta de higiene e de cuidados etc.. O poder do discurso médico foi
fundamental para a construção das políticas públicas de proteção à maternidade e à
infância, e se tinha todo um discurso voltado às práticas de higiene no espaço que a
família habitava.
As mulheres passaram a ser a chave mestra para a inserção dessa política na
família. A elas foi atribuída a tarefa mais importante, de ser mães cuidadoras da
prole. Elas são responsabilizadas pela salvação da vida, desde a gestação até o
desenvolvimento, a partir da higiene da criança, dos cuidados maternos, de uma boa
alimentação etc.
Outro papel para o qual as mulheres foram chamadas a desempenhar
relaciona-se à sua participação nas ações públicas, implementadas pela Legião
121
Brasileira de Assistência, como, por exemplo o “primeiro-damismo”. Em Chapecó o
primeiro-damismo significou a inserção das mulheres nas atividades filantrópicas e
profissionais, o que redefinia a função materna e também conferia a dimensão de
contribuir na construção de um discurso moralizador e disciplinador sobre o corpo
das mulheres pobres. Com essa participação, mobilizou-se uma legião de mulheres
para que fossem voluntárias e prestassem serviço à pátria durante a Segunda
Guerra Mundial. Com o fim da guerra essas mulheres passaram a enfrentar os
problemas relacionados à maternidade e à infância.
A partir disso pode-se dizer que a Legião Brasileira de Assistência
configurou-se numa figura materna, como que representando a mãe do Brasil.
Vestida de um caráter assistencialista, por meio do qual buscava a implantação de
políticas públicas como moeda de troca, visava à assistência como algo que fosse
um favor a ser prestado ao indivíduo, nunca como um portador de direitos.
Chapecó segue sendo alvo de discursos e intervenções no presente, sob
outras bases e outras instituições, como as Secretarias municipais voltadas para o
atendimento da população carente ou mesmo ONGs. Intervenções que na década
de 1950 estavam centradas em introduzir na família um conceito de higiene, saúde e
educação através do Posto de Puericultura. Tais postos faziam parte de uma ordem
discursiva voltada às mulheres. Eram as mulheres as responsáveis por regenerar a
família e também a elas era atribuído um papel central no exercício de sua função
maternal. Eram as mães as grandes responsáveis pelo fim da mortalidade infantil,
com essa estratégia se alcançaria a ordem, a civilidade almejada.
De certo modo pode-se dizer que mesmo após a extinção da Legião Brasileira
de Assistência, em 1995, as políticas públicas semeadas e impostas à população
chapecoense ganharam forças com a implementação tanto do Estatuto da Criança e
adolescente (ECA)
244
, em 1990, quanto da Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS)
245
, em 1993. Nesse longo caminho percorrido na área assistencial em
Chapecó vê-se avanços e retrocessos. A cidade, hoje, conta com uma Fundação de
Ação Social que estabelece políticas públicas voltadas a população carente como:
habitação, alimentação, moradia, saúde, educação e benefícios como Bolsa Família,
Bolsa Escola, Programas de Combate ao Trabalho Infantil, Proteção dos Direitos da
244
Lei n.° 8.069, de 13 de julho de 1990, dispõe sobre a proteção integral a criança e ao adolescente.
245
Lei n.° 8.742, de 7 de dezembro de 1993, dispõe sobre a organização da Assistência Social.
122
Criança e Adolescentes através do (ECA) e a Delegacia da Mulher e da Criança e
Adolescente.
Pode-se sentir que essas ações continuam dando continuidade a uma política
atrelada por um viés higienista e sanitarista buscando a introdução de uma norma
familiar burguesa. Os programas sociais de combate ao trabalho infantil, tão
presentes em Chapecó, muitas vezes parecem buscar a retirada das crianças das
ruas muito mais para não perder o brilho das vitrines e das ruas limpas, do que
propriamente a proteção das crianças carentes.
Penso que essa pesquisa contribui para o entendimento de como a Legião
Brasileira de Assistência foi propulsora de uma política de introdução de outras
ideias de infância na família, a construção da imagem de mãe que temos e a
configuração da família nuclear. E de como essas representações estiveram
atreladas a urbanidade e ideais de civilidade para Chapecó. Hoje essas questões
em relação as crianças, as mulheres-mães e as famílias continuam sendo uma
demanda para os estudos de uma História do tempo presente, com outras lacunas e
consequências, tais como aquelas que envolvem novas tecnologias tanto para gerar
uma criança quanto para impedir a concepção; as novas configurações de famílias,
o desaparecimento da infância dentre tantas outras dimensões. Mas essas questões
sempre vão estar atreladas aos vestígios de um tempo...
123
FONTES
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Fotos do Concurso de Robustez, 1950.
Fotos do Garoto do Ano, 1956.
Foto da Rainha das Bonecas, 1956.
Diário de anotações do Médico Darci de Camargo, 1944.
Livro de registro da sociedade civil de pessoas jurídicas do Cartório Olavo de Castro.
Livro nº. 01, Fls. 86 e verso sobre a ordem nº. 92. Chapecó, 14 de março de 1958.
Acervo do Centro de Memória do Oeste Catarinense (CEOM-UNOCHAPECÓ),
Chapecó.
Periódicos:
Jornal A Voz de Chapecó, 11 de fevereiro de 1940.
Jornal A Voz de Chapecó, 20 de maio de 1940.
Jornal a Voz de Chapecó, 3 de maio de 1942.
Jornal A Voz de Chapecó, 16 de setembro de 1945.
Jornal A Voz de Chapecó, 11 de Agosto de 1946.
Jornal A Voz de Chapecó, 08 de setembro de 1947.
Jornal A Voz de Chapecó, 10 de julho de 1947.
Jornal A Voz de Chapecó, 20 de julho de 1947.
Jornal A Voz de Chapecó, 10 setembro de 1947.
Jornal A Voz de Chapecó, 30 setembro de 1947.
Jornal A Voz de Chapecó, 05 de setembro de 1948.
Jornal A Voz de Chapecó. 15 de setembro de 1948.
Jornal A Voz de Chapecó, 15 de outubro de 1948.
Jornal A Voz de Chapecó, 11 de outubro 1948.
Jornal Imparcial, 11de novembro de 1958.
124
Acervo fotográfico:
Coronel Bertaso.
Comitiva do “Presidente” de Santa Catarina Adolfo konder.
Acervo do Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, Florianópolis:
Legião Brasileira Assistência. Relatório, 1942.
Legião Brasileira Assistência. Relatório, 1944
Legião Brasileira Assistência. Relatório, 1945.
Legião Brasileira Assistência. Relatório, 1948.
Acervo do Arquivo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS),
Florianópolis:
Legião Brasileira Assistência. Relatório, 1950.
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