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ponte entre o inteligível e o sensível, sendo uma espécie de “veículo” das Formas
153
. Com
efeito, o lógos é um elo entre o sensível e o inteligível, mas não se deve esquecer que também
o é no inteligível, entre o Intelecto e a alma, o que faz com que esses últimos não estejam
completamente separados.
Fattal desenvolve um comentário acerca do lógos na matéria. Ele mostra que tal lógos
é uma potência produtora que modifica a matéria para lhe informar e produzir as coisas e que
se encontra na alma vegetativa, assegurando a geração dos corpos e de todas as espécies de
seres
154
. Por isso, é graças ao lógos que os viventes surgem (IV 7 [2], 2, 22-25 e II 7 [37], 3,
1-12)
155
.
Fattal ressalta que Plotino diferencia o lógos das Formas exatamente pela noção de
imagem. O lógos, na medida em que é uma imagem, deriva e participa das Formas, de sua
separadas umas das outras, apresentando-se sobre o plano do pensamento, ora pelo raciocínio, ora pela palavra
no discurso. Disso, pode-se dizer que o lógos na alma individual humana é princípio de raciocínio, de um
modo geral. Brisson mostra que algumas vezes a Alma hipóstase é tida como o próprio lógos (II 9 [33], 8 e V
1 [42], 10). Quanto à Alma do mundo, seu nível inferior, a natureza, é a multiplicidade dos lógoi. Cf.
BRISSON, Logos et logoi chez Plotin. Leur nature et leur rôle, p. 92-94. O lógos também perpassa a matéria,
agindo nela e lhe conferindo forma, qualidade e movimento. Lembramos que, enquanto no tratado 38 (Enéada
VI 7) o lógos é produção ou princípio formador, no 30 (Enéada III 8) ele é contemplação. Desse modo, vemos
que algumas noções nas Enéadas têm mais de um sentido, dependendo de seu contexto.
153
Cf. TURLOT, Le “logos” chez Plotin, p. 518-519. Turlot observa que, apesar de estabelecer essa ponte entre
o Inteligível e o sensível, o lógos não é um princípio intermediário por estar na alma, entre o inteligível e o
sensível; “ele não é a alma, embora não seja independente dela”. O lógos tem seu princípio no Intelecto, o qual
só abandona para se fixar na alma. Portanto, o lógos não é um princípio ou hipóstase, uma vez que não é
produzido pela conversão em direção ao princípio superior, mas é um produto ao mesmo tempo do Intelecto,
sua fonte, e da alma, seu “lugar”. Ou seja, o lógos não é um princípio nesse sentido estrito, mas, em um
sentido amplo, é um princípio de transmissão dos objetos de pensamento à Alma e de produção das coisas
sensíveis. Turlot lembra outros sentidos do lógos nas Enéadas: 1. a Alma é o lógos e o ato (e)ne/rgeia) do
Intelecto e o Intelecto é o lógos e o ato do Uno (V 1 [10], 6); 2. o lógos é contemplação (III 8 [30], 3, 3) e
também tem o sentido de discussão (III 8 [30], 8, 25). Cf. TURLOT, Le “logos” chez Plotin, p. 520-522.
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Fattal indica importantes passagens que apontam que a alma vegetativa recebe sua potência de produção da
Alma universal (yuxh/ panto/v), a qual a ilumina e lhe transmite as Formas. A Alma universal comunica esse
poder à alma vegetativa quando contempla as Formas. A alma vegetativa é uma imagem (i!ndalma) ativa e
produtiva da Alma universal. Cf. FATTAL, Logos et image chez Plotin, p. 24. Cf. II 3 [52], 17, 13-17; 18, 9-
16. O estudo de Fattal, como o de Brisson, estende-se para o comentário do lógos perpassando todos os planos,
do Uno à matéria. Ele explica que o lógos tem origem no Uno, potência de produção primeira e última de
todos os seres. Nesse sentido em que depende do Uno, ele é um lógos, antes de tudo, henológico. Não
obstante, o lógos é igualmente produto do Intelecto e representa a projeção das Formas na alma. Por
conseguinte, ele também é algo da alma. Assim, na medida em que os lógoi informam os viventes no sensível,
é possível constatar que o lógos opera em todos os níveis, do Uno ao sensível.
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Nesse sentido, pode-se dizer que o lógos é uma imagem ativa das Formas. Fattal compara a concepção
plotiniana de imagem com a dos estoicos, mostrando a originalidade do caráter ativo da imagem plotiniana.
Cf. FATTAL, Logos et image chez Plotin, p. 45-58. A imagem também inclui a imitação, pois na medida em
que ela espelha seu objeto, o imita. A participação também se relaciona com a imitação. Sobre o tema da
imagem e da imitação, ver PRADEAU, L’imitation du príncipe. Plotin et la participation, p. 69-79.