A terceira fase é o momento do outro sobre o mesmo, conforme Pêcheux (1997a,
p. 315-317), didaticamente apresenta a AD-3:
[...] o primado teórico do outro sobre o mesmo se acentua, empurrando até o limite a
crise da noção de máquina discursiva estrutural. [...] O procedimento da AD por
etapas, com ordem fixa, explode definitivamente. [...] Alguns desenvolvimentos
teóricos que abordam a questão da heterogeneidade enunciativa conduzem, ao
mesmo tempo, a tematizar, nessa linha, as formas lingüístico-discursivas do
discurso-outro: - discurso de um outro, colocado em cena pelo sujeito, ou discurso
do sujeito se colocando em cena como um outro (cf. as diferentes formas da
“heterogeneidade mostrada”); - mas também e sobretudo a insistência de um “além”
interdiscursivo que vem, aquém de todo autocontrole funcional do “ego-eu”,
enunciador estratégico que coloca em cena “sua” seqüência, estruturar esta
encenação (nos pontos de identidade nos quais o “ego-eu” se instala) ao mesmo
tempo em que a desestabiliza (nos pontos de deriva em que o sujeito passa no outro,
onde o controle estratégico de seu discurso lhe escapa). [...] Como separar, nisso que
continuamos a chamar “o sujeito da enunciação”, o registro funcional do “ego-eu”
estrategista assujeitado [...] e a emergência de uma posição do sujeito? Que relação
paradoxal essa emergência mantém com o obstáculo, a irrupção imprevista de um
discurso-outro, a falha no controle? O sujeito seria aquele que surge por instantes, lá
onde o “ego-eu” vacila? Como inscrever as conseqüências de uma tal interrogação
nos procedimentos concretos da análise? Se a análise de discurso se quer uma (nova)
maneira de “ler” as materialidades escritas e orais, que relação nova ela deve
construir entre a leitura, a interlocução, a memória e o pensamento? O que faz com
que textos e seqüências orais venham, em tal momento preciso, entrecruzar-se,
reunir-se ou dissociar-se? Como reconstruir, através desses entrecruzamentos,
conjunções e dissociações, o espaço de memória de um corpo sócio-histórico de
traços discursivos, atravessado de divisões heterogêneas, de rupturas e de
contradições? Como tal corpo interdiscursivo de traços se inscreve através de uma
língua, isto é, não somente por ela mas também nela?
Calcada em tantas indagações e revisões teóricas, mesmo após a morte trágica de
Pêcheux, em 1983, a teoria da Análise do Discurso não esmoreceu. O grupo dissolveu-se
porque, segundo Mazière (2007), temia que a luta renhida de Pêcheux pela consolidação da
AD se transformasse numa disciplina institucionalizada, repleta de especialidades. Além
disso, havia também a questão burocrática: o grupo não possuía vínculo institucional estável
e, após a morte do líder, isso também pesou muito. Todavia,
[...] o percurso de Michel Pêcheux deslocou alguma coisa. De uma ponta à outra, o
que ele teorizou sob o nome de “discurso” é o apelo de algumas idéias tão simples
quanto insuportáveis: o sujeito não é a fonte do sentido; o sentido se forma na
história através do trabalho da memória, a incessante retomada do já-dito; o sentido
pode ser cercado, ele escapa sempre. Por causa de Michel Pêcheux, o discurso, no
campo francês, não se confunde com sua evidência empírica; ele representa uma
forma de resistência intelectual à tentação pragmática. Este pensamento continua a
trabalhar em certas pesquisas sobre o discurso. Para além da lingüística, ele permitiu
a abertura de novas pistas na história, em sociologia, em psicologia, por todo lugar
onde se tem a ver com textos, onde se produz o encontro da língua com o sujeito
(MALDIDIER, 2003, p. 96).