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IZABELA TERRES LEÃES
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: OS
DISCURSOS PEDAGÓGICOS E CLÍNICOS
ITAJAÍ (SC)
2009
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1
UNIVALI
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
Programa de Pós Graduação em Educação – PPGE
IZABELA TERRES LEÃES
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: OS
DISCURSOS PEDAGÓGICOS E CLÍNICOS
Dissertação apresentada ao colegiado do PPGE
como requisito parcial à obtenção do grau de
Mestre em Educação. Área de concentração:
Educação - Grupo de Pesquisa Políticas
Públicas de Currículo e de Avaliação.
Orientadora: Profª. Dra. Regina Célia Linhares
Hostins.
ITAJAÍ (SC)
2009
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L47a
Leães, Izabela Terres, 1968-
Avaliação da aprendizagem na educação inclusiva
[manuscrito] : os discursos pedagógicos e clínicos / Izabela
Terres Leães. – 2009.
64 f. ; 30 cm
Cópia de computador (Printout(s)).
Dissertação (mestrado) – Universidade do Vale do Itajaí, Pró-
reitoria de Pesquisa. Pós-graduação, Extensão e Cultura, 2009.
“Orientadora: Profª. Dra. Regina Célia Linhares Hostins”.
Bibliografia: f. 59-63.
1. Educação inclusiva. 2. Inclusão em educação. 3.
Aprendizagem - Avaliação. 4. Educação. I. Universidade do Vale
do Itajaí. II. Título.
CDU: 376
Cristina M. V. Porciúncula – CRB 14/966
3
UNIVALI
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
Programa de Pós Graduação em Educação - PPGE
CERTIFICADO DE APROVAÇÃO
IZABELA TERRES LEÃES
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: OS
DISCURSOS PEDAGÓGICOS E CLÍNICOS
Dissertação avaliada e aprovada pela Comissão
Examinadora e referendada pelo Colegiado do PPGE
como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Itajaí (SC), 17 de dezembro de 2009.
Membros da Comissão:
Orientadora: ___________________________________________________
Profª. Dra. Regina Célia Linhares Hostins.
Membro Externo: __________________________________________________
Profª. Drª. Geovana Mendonça Lunardi Mendes
Membro representante do colegiado: __________________________________________________
Profª. Drª. Verônica Gesser
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Dedico este trabalho ao Farwell, filho amado e
companheiro de todos os momentos, das
celebrações, das lutas e vitórias, e quem muito
admiro pela sua sensibilidade aguçada e pelo seu
olhar de amor, esperança e confiança, que me
fortalece e me impulsiona a crescer e ser a cada dia
uma pessoa melhor.
5
AGRADECIMENTOS
À Secretaria Municipal de Educação de Itajaí, por ter me concedido uma bolsa
de estudos para a realização de um sonho e por entender a importância de investir na
formação de seus profissionais de educação.
À direção, equipe pedagógica, em especial às orientadoras Isabel Arceno e Tânia
Coutinho, e aos professores da escola em estudo da Rede Municipal de Ensino, que me
possibilitaram o contato com o material da pesquisa, minhas indagações e inquietações,
para então (re) direcionar o meu olhar para além das diferenças.
Às Professoras Doutoras Verônica Gesser e Geovana Mendonça Lunardi
Mendes, por suas contribuições, que me apontaram um novo caminho para alinhar esta
pesquisa.
À Professora Doutora Regina Célia Linhares Hostins, orientadora deste trabalho,
pela sensibilidade, amizade, cumplicidade e generosidade sem tamanho, indescritível.
A todos os professores (as) do Programa de Mestrado Acadêmico em Educação
da Univali, por suas contribuições refletidas nesse trabalho.
Aos amados amigos Valmício e Rozilda Luis, Marco e Eliane Bitencourt,
Márcio e Elizângela, Rogério e Daniela Jaques, Avelina Francisco, Eva Ponciano,
Nádia Paulo, Ester Teixeira e Ana Caetano, por acompanhar e dividir os momentos de
desabafos, angústias, desafios e conquistas.
Aos meus colegas de direção Vilmar Valdir Phillips e Neusa Pfeilsticker,
especialistas, professores e funcionários da família CAIC, pelo companheirismo e
aprendizado diário no fazer pedagógico.
Ao meu pai Arlindo e a minha mãe Marisa, que mesmo não estando fisicamente
entre nós, porém sempre lembrados em cada etapa por mim vivida e vencida. Estendo e
multiplico esse amor e agradecimentos as minhas carinhosas tias: Marta Terres, Fátima
Regina Terres e Helena Terres. Aos meus primos e a minha avó Izalina (vó Vica).
Aos meus amados irmãos que estão longe, Denise, Eduardo e Deise, aos meus
sobrinhos Ricardo, Flávia e Munique, e a minha irmã amiga, confidente, generosa, justa
e sempre presente Sibele Terres Leães.
Aos meus “novos” amores Roberto, Rodolfo e Renan, pelo carinho e amor a
mim retribuídos.
6
À Deus, por seu infinito amor, um amor verdadeiro, genuíno, ágape, e
principalmente, por nunca desistir de mim. Por me amar, e me amar e me amar...
Muito obrigada!
7
RESUMO
A presente pesquisa - vinculada ao Grupo de Pesquisa Políticas Públicas de Currículo e
Avaliação do PPGE da UNIVALI - teve como propósito aprofundar estudos sobre avaliação da
aprendizagem, na perspectiva da Educação Inclusiva, a partir da análise dos discursos
pedagógicos e clínicos sobre alunos com necessidades educacionais especiais matriculados em
escola da Rede Municipal de Ensino de Itajaí/SC. Decorridas duas décadas de implantação das
políticas de integração e de educação inclusiva no Brasil (1980) observa-se que importantes
iniciativas foram desenvolvidas como: garantia do acesso, implantação do atendimento
educacional especializado na maioria dos municípios, aquisição de recursos pedagógicos e
tecnológicos, no entanto, inúmeras lacunas, entre elas a avaliação da aprendizagem, que
comprometem de forma direta o desempenho do aluno, sua participação, aprendizagem e
continuidade nos níveis mais elevados do ensino. A abordagem metodológica adotada
caracterizou-se pelo enfoque qualitativo, com base em pesquisa documental e análise do
discurso. Relatórios descritivos dos professores e do atendimento médico e especializado foram
às principais fontes de análise, no sentido de compreender as “vozes” que participam do
discurso sobre a avaliação da aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais.
Um olhar mais atento aos relatórios suscitou dois importantes eixos de análise: o discurso
fortemente marcado pelo silenciamento pedagógico e o jogo de repasses de um aluno de
“ninguém”. Para aprofundar a compreensão dos discursos procurou-se estabelecer um diálogo
com interlocutores como Vygotsky e Bakthin, sustentados na abordagem histórico-cultural,
mediante articulações com estudos de Eni Orlandi, no campo da análise do discurso. Com a
mediação desses interlocutores foi possível observar as contradições e o jogo de repasses em um
discurso que manifesta formações discursivas historicamente construídas. O estudo revelou a
falta da informação pedagógica nos registros do processo de aprendizagem do aluno; o silêncio
sobre os conhecimentos trabalhados e a resposta do aluno a esse ensino. Evidenciou traços
marcantes de um movimento ou de um fluxo constante e vicioso de repasse do “aluno
ninguém”, do professor para o médico, do médico para o atendimento especializado, e desse
para a escola, num eterno retorno sem saídas. Nesse processo, muitos olham para “ninguém” e
se lhe perguntarem quem efetivamente o viu, ele poderá dizer: ninguém, ninguém, ninguém.
Palavras-chave: Educação Inclusiva, Avaliação da Aprendizagem, Discurso Pedagógico,
Discurso Clínico.
8
ABSTRACT
The aim of this research, which is linked to the Research Group Public Policies on Curriculum
and Evaluation of the PPGE of UNIVALI, was to investigate learning evaluation, from a
perspective of Inclusive Education, based on an analysis of pedagogical and clinical discourses
relating to students with special educational needs enrolled in a school of the Municipal
Education Network of Itajaí/SC. Following two decades of implementation of policies for
integration and inclusive education in Brazil (1980), it is observed that major initiatives have
developed, such as: guarantee of access, implementation of specialized educational service in
the majority of municipalities, and acquisition of pedagogical and technological resources.
However, there are many gaps, including learning evaluation, that directly affect the student's
performance, participation, learning and continuity at the higher education levels. The
methodological approach adopted is characterized by a qualitative focus, based on document
research and discourse analysis. The main sources of analysis were descriptive reports of the
teachers and medical and specialized care, with the aim of understanding the “voices” that
comprise the discourse on learning evaluation of students with special educational needs. A
closer look at the reports led to two main axes of analysis: The discourse strongly marked by
pedagogical silencing and the game of passing on a student that belongs to “nobody”, no one is
responsible. To gain a better understanding of the discourses, this work seeks to establish a
dialog with interlocutors such as Vygotsky and Bakthin, supported by a historical-cultural
approach, through articulations with the studies of Eni Orlandi, in the field of discourse
analysis. With the mediation of these interlocutors, it was possible to see contradictions and the
game of passing on in a discourse that shows historically constructed discursive formations. The
study revealed a lack of pedagogical information in the records of the student's learning process;
silence on the knowledge taught; and the student’s response to this learning. Marked traces were
evidenced of a movement or of a constant and vicious flow of passing on of the “nobody
student”, from the teacher to the doctor, from the doctor to specialized care, and from the latter
to the school. In this process, many look to “nobody” and he/she ask them who effectively saw
him/her, he/she could say: nobody, nobody? nobody.
Key words: Inclusive Education, Learning Evaluation, Pedagogical Discourse, Clinical
Discourse.
9
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLA.........................................................................................................10
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11
CAPÍTULO I – OS INTERLOCUTORES E O PERCURSO METODOLÓGICO
........................................................................................................................................ 17
1.1 Abordagem teórico-metodológica da pesquisa .................................................... 17
1.2 Delimitação e organização do campo de investigação ......................................... 20
CAPÍTULO II – AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: ORIENTAÇÕES NOS ÂMBITOS NACIONAIS E
MUNICIPAIS ............................................................................................................... 24
2.1 Princípios Históricos da Educação Inclusiva ....................................................... 24
2.2 Concepções que norteiam as Políticas de Educação Inclusiva no Brasil e no
município de Itajaí ........................................................................................................ 26
2.2.1 A política de Educação Inclusiva no município de Itajaí. ..................................... 28
2.3 A avaliação da aprendizagem na política de Educação Inclusiva do município
........................................................................................................................................ 30
CAPÍTULO III – O SILENCIAMENTO PEDAGÓGICO NOS DISCURSOS
PEDAGÓGICOS .......................................................................................................... 34
3.1 Quando o comportamento se sobrepõe ao pedagógico: a estereotipia do
discurso da falta ............................................................................................................ 38
CAPÍTULO IV – O JOGO DO REPASSE: O ALUNO DE NINGUÉM ................ 45
4.1 O aluno de ninguém ................................................................................................ 46
4.2 O aluno “ninguém” ................................................................................................. 48
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 55
REFERÊNCIAS ................................................................. Erro! Indicador não definido.
APÊNDICE....................................................................................................................64
10
LISTA DE SIGLAS
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
MEC – Ministério da Educação e Cultura
PPGE – Programa de Pós Graduação em Educação
CEMESPI – Centro Municipal de Educação Alternativa de Itajaí
SEESP – Secretaria de Educação Especial
HUMANITY Associação para o Desenvolvimento do Potencia
l Humano de
Santa Catarina
APAE - Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais
ANEEs- Alunos com Necessidades Educacionais Especiais
11
INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea, a partir do final do século XX e início do século
XXI têm vivenciado experiências de inclusão social decorrentes dos amplos
movimentos sociais, da revolução tecnológica que aproximou diferentes realidades e
culturas e das relações econômicas que se expandem para todas as esferas da vida social
transformando as diferenças e a diversidade em mercadoria.
Na Educação, como espaço de expressão e síntese desse amplo movimento
social, essas experiências tem se fortalecido e obtido especial direcionamento das
políticas internacionais e nacionais, no sentido de garantir a equidade em termos de
acesso e permanência de todos nas escolas.
A escola, por sua vez vivencia, nesse período, mudanças significativas nas suas
práticas educativas, no que se refere à incorporação dessas políticas que propagam o
reconhecimento das diferenças, com ênfase na inclusão de alunos que apresentam
necessidades educacionais especiais.
No Brasil, na década de 1980 e 1990 essas idéias começaram a se propagar,
tanto que a Constituição Federal promulgada em 1988 pode ser considerada um marco
de defesa dos princípios inclusivos. No seu artigo 206, inciso I, estabelece a “igualdade
de condições de acesso e permanência na escola”, como um dos princípios para o ensino
e, garante como dever do Estado, a oferta do atendimento educacional especializado,
preferencialmente na rede regular de ensino (Art. 208). A Constituição defende a
educação como um direito público e subjetivo e menciona o direito de acesso de todos
aos “níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um” (Art. 208).
A divulgação de documentos como a Declaração Mundial de Educação para
Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994), influenciou na formulação das
políticas públicas da Educação Inclusiva. Tanto que em 1996, com a aprovação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN - Lei nº 9.394/96) incorporou-se a
idéia de que o sistema educacional deve estar centrado nos alunos, independente de suas
características e necessidades.
O artigo 59 desta Lei preconiza que os sistemas de ensino devem assegurar aos
alunos: currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender às suas
necessidades; assegurar a terminalidade específica àqueles que não atingiram o nível
12
exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências e a
aceleração de estudos aos superdotados para conclusão do programa escolar. Em face
dessa disposição legal, a educação especial assume o lugar de modalidade que perpassa
todos os níveis, desde a educação infantil até o ensino superior.
Em 2008, o Ministério de Educação, por meio da Secretaria de Educação
Especial, publicou o documento com a Política de Educação Especial na perspectiva de
Educação Inclusiva. Nesse reafirma-se o objetivo de assegurar a inclusão escolar de
alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação.
Essa política orienta os sistemas de ensino a garantir o acesso de alunos com
Necessidades Educacionais Especiais ao ensino regular, com participação,
aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da
modalidade de educação especial da educação infantil ao ensino superior; atendimento
educacional especializado; formação de professores para a inclusão; participação da
família e da comunidade; acessibilidade
1
e articulação intersetorial na implementação
das políticas públicas (BRASIL, 2008). Como se vê, em decorrência dessas políticas,
importantes iniciativas foram desenvolvidas, no entanto, ainda inúmeras lacunas que
comprometem de forma direta o desempenho do aluno e sua inserção no processo de
aprendizagem.
No cenário escolar, as diferenças de opiniões entre indivíduos e grupos sobre a
educação inclusiva entram em conflito constante com os modos de funcionamento da
escola. “A tensão entre a inclusão, agora no âmbito educativo, e o desempenho em
relação ao currículo e às avaliações oficiais” (LAPLANE, 2006, p.692) exemplifica de
modo particular o conflito vivenciado pela escola. Essa se obriga a refletir sobre os
1
. O Censo Escolar/MEC/INEP, realizado anualmente em todas as escolas de educação básica e
na educação especial evidencia indicadores de acesso à educação básica, matrícula na rede
pública, inclusão nas classes comuns, oferta do atendimento educacional especializado,
acessibilidade nos prédios escolares e o número de municípios e de escolas com matrícula de
alunos com necessidades educacionais especiais. Dados do Censo Escolar/2006 registram o
crescimento de 640% das matriculas de alunos com necessidades educacionais especiais em
classes comuns do ensino regular. Se em 1998 havia 43.923 alunos incluídos, em 2006
registrou-se um numero expressivo de 325.316 alunos incluídos no ensino regular. O indicador
de acessibilidade arquitetônica em prédios escolares, por sua vez, sinaliza que, em 1998, 14%
das 6.557 escolas com alunos com necessidades educacionais especiais matriculados, possuíam
sanitários com acessibilidade. Em 2006, das 54.412 escolas cadastradas, 23,3% possuíam
sanitários com acessibilidade e 16,3% registraram ter dependências e vias adequadas (indicador
não coletado em 1998). (BRASIL, 2008).
13
princípios desse novo paradigma, que propõe a superação do trato desigual dado à
diversidade e a mudança na organização do trabalho pedagógico escolar.
São inúmeras as indagações dos educadores envolvidos direta ou indiretamente
com o processo educacional de alunos com necessidades educacionais especiais, mas a
avaliação da aprendizagem é a que mais tem suscitado dúvidas e angústias. É certo que
essa temática vem sendo objeto de estudo e questionamento em todos os âmbitos e
níveis de ensino e representa um desafio em relação a todos os alunos.
Práticas meramente instrumentais de avaliação têm sido veementemente
criticadas por inúmeros autores (LUCKESI, 1996 e 2000; PERRENOUD, 2001;
HOFFMANN, 1999 e 2001; HADJI, 2001; VASCONCELLOS, 1998 e outros) que
entendem a avaliação como parte constitutiva do projeto pedagógico da escola e não
apenas como procedimento técnico de medição dos desempenhos dos alunos.
Como profissional atuante na supervisão pedagógica, em uma Escola da Rede
Municipal de Ensino de Itajaí, desde o ano de 2000, tenho acompanhado o processo de
discussão de novos paradigmas da avaliação da aprendizagem e sua operacionalização.
Paralelamente, acompanho também o processo de discussão desse novo panorama de
Educação Inclusiva, especialmente nas séries iniciais de ensino, sendo estes nem sempre
bem sucedidos no interior da escola.
Em alguns momentos, a equipe pedagógica se depara com dificuldades de ordem
metodológica e conceitual, que interferem significativamente na participação,
aprendizagem e continuidade dos estudos, em especial dos alunos com necessidades
educacionais especiais.
Observa-se, por parte dos professores e demais profissionais da educação,
grande resistência em aceitar o desafio de trabalhar com alunos com dificuldades na
aprendizagem, o que parece compreensível, dada a sua formação. Tal resistência surge,
em decorrência da frágil discussão do assunto, dos poucos momentos propiciados na sua
formação e na própria escola, entre outros fatores limitantes que os levam às formas
inadequadas de entendimento do processo de aprendizagem e do trabalho docente.
Essa problemática tem sido para mim, o ponto crucial nos debates e decisões dos
quais participo como supervisora da rede. Ponto de angústias, de busca por alternativas,
de dúvidas e de impasses existentes especialmente nos momentos de avaliação: Qual o
procedimento mais adequado? Quando o aluno está apto para avançar? Quais os
critérios indicativos do domínio dos conhecimentos pelo aluno? O que a legislação
indica a respeito? Como proceder sem ser injusto, ou complacente, ou classificatório, ou
14
preconceituoso? Que aspectos legais amparam o aluno e a escola no processo de
avaliação para a aprovação/reprovação? Essas questões me inquietam como profissional
e me impulsionam a investigar e discutir sobre essa problemática com maior clareza e
consistência.
Como supervisora da escola, venho atuando nesses oito anos de trabalho na
operacionalização das políticas de educação inclusiva e na redefinição de alguns
encaminhamentos pedagógicos com vistas à inclusão. No que se refere à avaliação da
aprendizagem busquei definir com a equipe administrativa e pedagógica, alternativas
que superassem a concepção e as práticas sedimentadas de avaliação, com ênfase nos
resultados quantitativos.
Por esse motivo implantou-se na escola algumas ações consideradas relevantes
para atingir esse propósito. Entre elas destaco um novo formato de Conselho de Classe,
a adoção de instrumentos de avaliação descritivos, a discussão colegiada professor,
supervisor, orientador, professor e/ou equipe do atendimento especializado do
desempenho do aluno e encaminhamentos necessários para seu sucesso escolar.
Tais alternativas produziram um movimento coletivo, no entanto, não tem sido
suficientemente efetivas para garantir a mudança necessária nas práticas avaliativas e
nem tampouco, nas concepções de ensino e de aprendizagem que orientam as práticas
na escola. Por assim o ser, merecem ser investigadas e submetidas à análise de modo a
compreender porque as mudanças demoram a acontecer e quais os discursos que a
configuram.
Em decorrência da implantação da política de educação inclusiva, algumas
pesquisas têm sido realizadas no âmbito dos Programas de Mestrado e Doutorado em
Educação. No que se refere ao tema em estudo, avaliação da aprendizagem e Educação
Inclusiva constatou-se que no período de 2001 a 2007
2
foram realizadas investigações
que buscavam analisar questões relacionadas à: avaliação inicial, mudanças nas práticas
pedagógicas, práticas avaliativas, avaliação como mediação da aprendizagem, processos
de inclusão e erros na avaliação escolar.
Para os propósitos desta pesquisa destacam-se os estudos realizados por: Gomes
(2002) que analisa o erro na avaliação como elemento significativo para o processo de
ensino-aprendizagem; Schütz (2006) que busca respostas para a seguinte indagação:
Como os professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental utilizam os resultados
2
Esses dados foram coletados mediante consulta no site da CAPES. www.capes.gov.br. Acesso
em 19 de setembro de 2008.
15
da avaliação escolar dos alunos que apresentam Deficiência Mental e/ou Déficit
Cognitivo para planejar e organizar a prática pedagógica? Rodrigues (2006) que
investiga a avaliação nas práticas pedagógicas inclusivas, particularmente o modo de
avaliar os alunos, verificando se práticas inclusivas estão ocorrendo na sala de aula.
Nessa mesma linha Souza (2007) trata da Inclusão e avaliação no cotidiano da
escola, tendo como referência as práticas pedagógicas dos professores e a reflexão sobre
a avaliação no processo de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais;
Sousa (2007) analisa a Avaliação Inicial de alunos com indícios de Deficiência Mental
frequentando a Escola Regular, na perspectiva inclusiva, e sua contribuição para o
processo de aprendizagem.
Apesar de reconhecer a importância da inclusão é recorrente nos estudos a
compreensão de que a Educação Inclusiva exige uma real transformação da escola. É
preciso que ela se adapte as condições do aluno estando preparada para ensiná-lo
independentemente de suas dificuldades ou características individuais.
Em face desse cenário, interessa-me na presente pesquisa, aprofundar a
investigação da temática avaliação da aprendizagem, na perspectiva da Educação
Inclusiva. Para tal, encaminhei os estudos a partir das avaliações do desempenho dos
alunos com Necessidades Educacionais Especiais - ANEEs
3
efetuados pelos professores
do ensino regular e profissionais do atendimento especializado.
Essas avaliações são descritivas e servem de suporte para as discussões e
reflexões nos Pré-conselhos e Conselhos de Classes, com vistas às decisões de
aprovação e ou reprovação, assim como para o planejamento pedagógico.
Considerando sua relevância no encaminhamento do processo pedagógico e na
definição dos caminhos de inclusão do aluno optei por defini-los como fonte de
investigação. Considero que os registros advindos da escola podem nos oferecer um
quadro rico e vivo das concepções de mundo, da multiplicidade de textos existentes,
possíveis e imaginários, dos sujeitos e da situação. A partir deles poderemos alcançar
outros dizeres, outros sentidos possíveis, outros textos.
A partir desse instrumento, levanto as seguintes questões de pesquisa: Como se
constituem os discursos pedagógicos e clínicos de avaliação de alunos com
3
A definição de Alunos com Necessidades Educacionais Especiais, adotada no presente estudo,
pauta-se nas orientações estabelecidas no documento da Política de Educação Especial na
perspectiva da Educação Inclusiva, publicado em 2008, que considera ANEEs aqueles que
apresentam deficiência (auditiva, visual, física e intelectual), transtornos globais do
desenvolvimento e Altas Habilidades (BRASIL, 2008).
16
Necessidades Educacionais Especiais incluídos na Rede Municipal de Ensino de Itajaí?
Quais são seus traços definidores? Que concepções de aprendizagem e de deficiência
revelam? Em que aspectos os discursos e os sujeitos se aproximam e/ou se distanciam
na leitura do desempenho do ANEEs?
A partir dessas questões, defini como objetivo central da pesquisa analisar a
constituição dos discursos pedagógicos e clínicos que avaliam os ANEEs incluídos na
escola regular de ensino de Itajaí. Nessa constituição, de modo mais específico, busco
identificar os traços definidores desses discursos; analisar as concepções de
aprendizagem e de deficiência que os orientam; e avaliar suas convergências e/ou
divergências na leitura do desempenho do ANEEs.
Para empreender esta tarefa a dissertação foi organizada da seguinte forma: no
primeiro capítulo indico os caminhos teórico-metodológicos percorridos e apresento os
autores com os quais mantive interlocução sistemática no sentido de estabelecer um
diálogo com as evidências; no capítulo II discuto alguns referenciais históricos que
possibilitam compreender como vem se produzindo na história os processos de inclusão
social e da educação inclusiva, tão marcantes na sociedade contemporânea. Nesse
contexto destaco a concepção de Educação Inclusiva presente nas políticas educacionais
do início do século, nos âmbitos nacional e municipal e descrevo as orientações sobre
avaliação da aprendizagem evidenciadas nessas políticas. No capítulo III analiso os
sentidos e significados, temas e significações presentes nos discursos de avaliação da
aprendizagem de alunos com Necessidades Educacionais Especiais em processos de
inclusão. Discuto especialmente uma das categorias centrais depreendidas no processo
de análise, ou seja, a falta da informação pedagógica nos registros do processo de
aprendizagem do aluno; o silêncio sobre os conhecimentos trabalhados e a resposta do
aluno a esse ensino. Examino ainda o modo como se interpõem nas falas dos
professores e especialistas os discursos de outrem, discursos “alheios” que dialogam e
se constroem penetrados por idéias de senso comum, por produções da ciência, pela
ideologia. No último capítulo, ao qual atribuí o título de “O jogo do repasse: o aluno de
ninguém” discuto a evidência marcante nos discursos de um movimento ou de um fluxo
constante e vicioso de repasse do “aluno ninguém”, do professor para o médico, do
médico para o atendimento especializado, e desse para a escola, num eterno retorno sem
saídas. Nesse processo, muitos olham para “ninguém” e se lhe perguntarmos quem
efetivamente lhe viu ele poderá dizer: ninguém, ninguém, ninguém.
17
CAPÍTULO I
OS INTERLOCUTORES E O PERCURSO METODOLÓGICO
1.1 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA
O estudo caracteriza-se como qualitativo cujo processo metodológico vale-se de
uma pesquisa documental. As principais fontes de dados são os relatórios descritivos de
avaliação do desempenho dos ANEEs produzidos por professores dos anos iniciais do
ensino fundamental e profissionais do atendimento Especializado, em fonte impressa.
A pesquisa documental caracteriza-se em cnica valiosa de abordagem de
dados qualitativos. Em articulação com a problemática do pesquisador, que realiza
intensa observação extraída de sua documentação permite formular explicações
plausíveis, produzir uma interpretação coerente e realizar uma reconstrução de um dado
objeto de estudo.
Por essa razão, a pesquisa documental é considerada uma pesquisa qualitativa.
Ela permite romper a unidade artificial da categorização estatística, e estudar o
problema a partir da própria expressão do indivíduo, ou seja, a partir do seu próprio
discurso.
São considerados documentos, os materiais escritos que possam ser utilizados
como fonte de informação sobre o comportamento humano. “Não são apenas uma fonte
de informação contextualizada, mas surge num determinado contexto e fornecem
informações sobre esse mesmo contexto” (ANDRÉ; LÜDKE, 1986, p.39).
Realizei a análise dos documentos a partir dos estudos de Eni Orlandi, os quais
contribuíram para a leitura do discurso como “linguagem em interação, ou seja, aquele
em que se considera a linguagem em relação às suas condições de produção”
(ORLANDI, 1996 a).
“A Análise de Discurso visa à compreensão de como um objeto
simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos”
(ORLANDI, 1999, p.26). Nessa nova prática de leitura, que é a discursiva, procura-se
“considerar o que é dito em um discurso e o que é dito em outro, o que é dito de um
modo e o que é dito de outro, procurando escutar o não-dito naquilo que é dito, como
uma presença de uma ausência necessária” (Ibidem, p.34).
Do ponto de vista da teoria auxiliaram-me nessa investigação os autores -
Vygotsky e Bakhtin - que tem trabalhado na interface dos estudos sobre linguagem e
18
sobre os processos de aprendizagem de sujeitos com Necessidades Educacionais
Especiais. O pensamento desses autores apresenta aproximações importantes, embora
partam de objetivos diferentes - o primeiro da formulação de uma psicologia histórico-
cultural e o segundo da construção de uma concepção histórica e social da linguagem.
Tanto Vygotsky quanto Bakhtin enfatizam a existência de uma unidade dialética
entre sujeito e objeto e analisam a experiência dos homens simultaneamente em sua
totalidade e em sua singularidade. Falam, portanto, de um sujeito histórico, datado,
concreto, marcado por sua cultura. Partindo da concepção dialética, ambos constroem
uma visão da realidade, não fragmentada, mas enraizada na história, que busca
compreender o homem constituído no conjunto das relações sociais.
Bakhtin, numa abordagem epistemologicamente próxima da de Vygotsky,
oferece importantes contribuições para entendermos a linguagem a partir do campo da
lingüística e da filosofia da linguagem. Como Vygotsky, o homem não como um ser
biológico abstrato, mas histórico e social, historicizando a linguagem na existência dos
homens.
O autor complementa essa idéia introduzindo a determinação das marcas
ideológicas nas práticas de significação, tornando possível discutir a diversidade
individual e cultural. Ao chamar a atenção sobre a impossibilidade de interagir com a
linguagem como se ela fosse um “sistema abstrato de normas”, Bakhtin (1990) afirma
que:
Não são as palavras que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas
boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está
sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial (p. 85).
E acrescenta:
É preciso fazer uma análise profunda e aguda da palavra como signo social para
compreender seu funcionamento como instrumento da consciência. É devido a esse papel
excepcional de instrumento da consciência que a palavra funciona como elemento
essencial que acompanha toda a criação ideológica (p. 37).
Bakhtin, em sua concepção dialógica de linguagem, considera falante e
ouvinte, eu e outro, linguagem e consciência, passado e presente, ideologia do cotidiano
e ideologia dominante em diálogo simultâneo e interdependente. Também Vygotsky
assim procede quando estuda pensamento e linguagem, aprendizagem e
desenvolvimento, plano interpessoal e plano intrapessoal, forma e conteúdo (FREITAS,
1997).
19
Para Bakhtin, a linguagem se constitui no diálogo. É nele, e no uso das palavras,
que as pessoas vão descobrindo novos sentidos para o uso comum. Todo o diálogo
supõe uma transcendência para chegar a um ponto de sentido comum. Ele nos apresenta
ainda, a idéia de constituição, isto é, eu preciso do outro para me constituir.
Tanto Bakhtin quanto Vygotsky desenvolveram importantes formulações que
revelam a importância do outro. Sem ele o homem não penetra na cultura, não se
desenvolve, não tem acesso às funções psicológico superiores, não forma sua
consciência, enfim não se torna sujeito. Suas palavras resultam da incorporação das
palavras de outrem. “A palavra do outro se transforma, dialogicamente, para tornar-se
palavra-pessoal-alheia com a ajuda de outras palavras do outro, e depois palavra pessoal
(com poder-se-ia dizer, a perda das aspas)” (BAKHTIN, 1997, 405- 406).
Esse autor (1997) nos diz que não há outra possibilidade de chegar aos homens e
suas vidas, senão através de textos sígnicos. O homem, em sua especificidade, se
expressa falando - portanto, produzindo textos. Assim, para ele a especificidade das
ciências humanas está no fato de que seu objeto é o texto.
À semelhança dos outros autores, Bakhtin (1990, p.146) nos diz que o texto,
“quando sabemos lê-lo”, nos sinaliza não os processos individuais e fortuitos de quem
falou ou de quem recebeu o texto, mas “as tendências sociais estáveis, características da
apreensão ativa do discurso de outrem que se manifestam nas formas da língua”.
Para Vygotsky e Bakhtin, as práticas culturais são constitutivas do psiquismo.
Nas sociedades escolarizadas, a escola exerce papel especial na possibilidade de
inserção do homem na coletividade como cidadão pleno, sendo ela considerada a maior
responsável pela construção de bases para o desenvolvimento psíquico.
São as concepções de linguagem e de palavra propostas por Vygotsky e Bakhtin
que se aproximam das idéias de Orlandi na análise do discurso, especialmente no que se
refere às questões de significado e sentido (VYGOTSKY, 1999), tema e significação
(BAKHTIN, 1990) e inteligibilidade, interpretação e compreensão (ORLANDI, 1999).
O significado para Vygotsky (1989) se refere às definições tais como se
apresentam no dicionário, pois é resultado de uma construção social de natureza
convencional. O sentido é mais amplo, complexo, dinâmico e se constrói a partir de
uma situação de interlocução localizada no tempo e no espaço e a ela deve suas
possibilidades de significação.
Bakhtin (1990, p.330) também distingue tema de significação. O tema é um
“sistema de signos dinâmico e complexo, determinado não pelas formas lingüísticas
20
que entram na composição (as palavras, as formas morfológicas ou sintáticas, os sons,
as entonações), mas igualmente pelos elementos não verbais da situação”. Quer dizer, o
tema tem sentidos diferentes que dependem da situação histórica em que são
pronunciados. A significação, por sua vez, é um “aparato técnico para a realização do
tema”. Seus elementos são reiteráveis, idênticos e abstratos, fundados sobre uma
convenção. Todavia, é impossível separá-los, pois não tema sem significação e vice-
versa.
Bakhtin (1997, p.330), acrescenta: “o que nos interessa, nas ciências humanas, é
a história do pensamento, o sentido, o significado do outro, que se manifestam e se
apresentam ao pesquisador somente na forma de texto. Quaisquer que sejam os
objetivos de um estudo, o ponto de partida só pode ser um texto”.
Na busca do sentido e do tema a Análise do Discurso propõe que se distinga a
inteligibilidade, a interpretação e a compreensão. A inteligibilidade refere o sentido à
língua. A interpretação é o sentido relacionado às outras frases do texto e o contexto
imediato. No entanto, a compreensão é muito mais do que isso. “Compreender é saber
como um objeto simbólico (enunciado, texto, pintura, música, etc) produz sentidos”
(Orlandi, 1999). A compreensão busca a explicitação dos processos de significação e
permite que se possam ler” outros sentidos que ali estão compreendendo como eles se
constituem.
Estes princípios são fundamentais para a discussão que se realiza no presente
estudo, especialmente no que se refere aos discursos pedagógicos e clínicos de
avaliação.
1.2 DELIMITAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO CAMPO DE INVESTIGAÇÃO
Algumas condições foram relevantes para escolha do local e do instrumento de
pesquisa. Esse material foi coletado na escola da rede municipal de Ensino de Itajaí, na
qual atuei como supervisora mais de oito anos, acompanhando o processo de
inclusão de ANEEs e coordenando os Conselhos de classe, cujos relatórios objeto de
estudo - são apresentados e discutidos.
21
Também considerei o fato de esta escola ser pioneira
4
- iniciada na década de
1990 - na integração, e posterior Educação Inclusiva, de ANEEs. A escola aqui
denominada de modo fictício de Escola Pólo I - oferece Ensino Fundamental, no
período diurno e Educação de Jovens e Adultos no noturno.
No que se refere à inclusão, essa escola é reconhecida, atualmente por
apresentar adequadas condições de acessibilidade e de atendimento especializado
(rampas, elevador adaptado, sala de múltiplo uso, monitores e atendimento
especializado no contraturno).
A escola Pólo I, situada no bairro São Vicente, em Itajaí tinha no período
investigado 1011 alunos matriculados no ensino fundamental e EJA, destes 487
pertenciam a a série. Nessa etapa de ensino, haviam matriculado 48 alunos com
necessidades educacionais especiais, com laudo médico, sendo que entre estes, 42
alunos estavam em atendimento especializado.
A escola oferece atendimento na classe de Apoio Pedagógico - CAP- no
contraturno e na sala de Múltiplo Uso com um psicopedagogo para atender
exclusivamente os ANEEs. Paralelamente, o município oferece atendimento em
Instituições Especializadas, tais como o CEMESPI, APAE e HUMANITY.
A avaliação do desempenho desses alunos na classe regular exige um relatório
descritivo do professor e um parecer do profissional do atendimento especializado da
escola e/ou das instituições externas. Esse procedimento pauta-se na Resolução 004/99,
que fixa as normas do Sistema de Avaliação da Rede Municipal de Itajaí. No artigo 37 a
resolução orienta que o “percurso escolar do aluno deve ser documentado de forma
sistemática [...] de modo a facilitar o seu acompanhamento e a intervenção adequada”.
Os múltiplos pareceres eram objeto de discussão no conselho de classe com
vistas à definição dos encaminhamentos pedagógicos posteriores.
A escolha dos registros para análise ocorreu sobre o conjunto de documentos
levantados pela supervisão e orientação pedagógica da escola em estudo, que
disponibilizou para pesquisa todo o material ali registrado e arquivado. Os registros
compõem-se de:
a) Relatório com parecer das professoras regente sobre a avaliação dos alunos
ANEEs, totalizando 10 relatórios;
b) Laudo médico dos alunos analisados;
4
A Escola sediou o CEMESPI então Centro Municipal de Educação Especial de Itajaí, fundado
em 1999. Em meados de 2003, este passa a denominar-se Centro Municipal de Educação
Alternativa de Itajaí.
22
c) Relatório pedagógico elaborado pelos profissionais do atendimento
especializado dos alunos em estudo.
Na escolha dos relatórios, para efeito desse estudo foram priorizadas as turmas
dos anos iniciais que apresentam ANEEs (deficientes, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades) matriculados. Analisei os registros descritivos de
avaliação do desempenho de 10 (dez) ANEEs dos e anos, por apresentarem no
período 2007/2008, registro de desempenho pedagógico e de avaliação e
acompanhamento especializado (médico, físico e psicopedagógico).
Para situar o campo de investigação e compreender o contexto no qual a
avaliação é trabalhada na escola recorri aos documentos orientadores da avaliação da
aprendizagem produzidos pela Rede Municipal de Itajaí (Secretaria de Educação). Entre
eles destaco: Orientações Metodológicas para o processo avaliativo de ANEEs
CEMESPI (2004); Diretrizes Básicas para a Educação da Rede Municipal de Itajaí
Educação Inclusiva (2003); Lei 3.972 do Plano Municipal de Educação de Itajaí (2003).
Do Ministério de Educação destaco: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(1996).
O desenvolvimento da pesquisa ocorreu de acordo com as seguintes etapas
metodológicas:
etapa: Levantamento e escolha dos registros produzidos nesse período
(2007/2008), tendo como critério específico o fato de se tratarem de alunos que
apresentam laudos médicos e acompanhamento pedagógico no serviço especializado;
etapa: Consulta e levantamento de informações presentes nos textos
escolhidos para uma busca de um conjunto de elementos que permitissem situar os
registros quanto aos sujeitos, datas, idade, série e outros dados de identificação;
etapa: Levantamento, análise e aproximação de agrupamentos dos registros
de acordo com a regularidade de enunciados e a frequência com que apareceram nos
textos. Nessa etapa, evidenciei, por meio de marcações e traços, as expressões
recorrentes, os temas, e os modos diversificados de dizer sobre o sujeito em estudo.
Esses traços foram elementos úteis e significativos à construção de categorias relativas
ao conteúdo dos registros (ver quadro no apêndice);
etapa:
Análise dos aspectos simbólicos e subjetivos existentes na relação
pedagógica, de modo a consolidar os objetivos da pesquisa, ou seja, a configuração dos
discursos pedagógicos e clínicos de avaliação de alunos com Necessidades
Educacionais Especiais incluídos na Rede Municipal de Ensino de Itajaí.
23
Na análise do discurso o trabalho do analista inicia-se pela configuração do
corpus, quer dizer, do material empírico que se converte em um objeto teórico,
delineando-se seus limites, fazendo recortes, na medida em que vai se procedendo as
análises iniciais.
Nesse trabalho, é importante que a “teoria intervenha a todo o momento para
‘reger’ a relação do analista com o seu objeto, com os sentidos, com ele mesmo, com a
interpretação” (ORLANDI, 1999, p.64). Nesse sentido, um constante ir-e-vir entre
teoria e retorno ao corpus.
Para tanto, faz-se necessário um entrelaçamento da análise desses discursos
referentes aos alunos com necessidades educacionais especiais, no que tange à
avaliação, e um resgate histórico na perspectiva de uma Educação Inclusiva.
24
CAPÍTULO II
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO
INCLUSIVA: ORIENTAÇÕES NOS ÂMBITOS NACIONAIS E MUNICIPAIS
2.1 PRINCÍPIOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
O resgate dos princípios e da história do atendimento a pessoas com
necessidades educacionais especiais, notadamente daquelas com história de
deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades tem como
propósito oferecer referenciais que possibilitem compreender como vem se produzindo
na história os processos de inclusão social e da educação inclusiva, tão marcante na
sociedade contemporânea e premente no contexto educacional.
Como educadora que vivencia as questões do seu tempo e participa dessa
dinâmica no grupo social, particularmente no cotidiano da escola, parti da compreensão
de que esse momento histórico – no qual se evidencia a Educação Inclusiva - é resultado
de processos anteriores e, ao mesmo tempo um indicador da direção do seu fluxo futuro.
Por entender que a história expressa relações que os homens estabelecem num
determinado contexto e período, e que um fato, discurso ou ação aparentemente simples
oferece indícios que permitem compreender o perfil de uma sociedade, considerei
relevante reconstituir uma linha do tempo destacando alguns fatos ocorridos no Brasil,
na educação de pessoas com necessidades educacionais especiais.
O corte ou o ponto de partida para discussão é o século XX especialmente
porque, nesse período, se consolidam as iniciativas organizadas de atendimento às
pessoas com história de deficiências no ensino regular, no Brasil. Não se está alheio ao
fato de que neste século se vislumbram as possibilidades de conhecimento e de ofertas
educacionais para atender aos indivíduos, até então segregados em instituições
especializadas.
Se na antiguidade praticava-se a eugenia radical daqueles que atentassem contra
o ideal de perfeição e, na idade média, condenavam-se esses sujeitos ao isolamento ou à
purificação nas fogueiras da inquisição, é na modernidade que se buscou conhecer suas
características e prover os meios para atendê-los. Apesar de se verificar nesse período a
legitimação da segregação assinada pelo especialista.
25
Na segunda metade do Século XX é que se institucionalizaram as políticas
nacionais, decorrentes de orientações internacionais, estabelecendo o direito das pessoas
com necessidades educacionais especiais a receberem educação, preferencialmente na
rede regular de ensino, sob o paradigma da integração e/ou inclusão em todas as áreas
da sociedade.
Tendo como foco a Declaração Universal dos Direitos Humanos
5
, grande parte
dos países, nos anos 60 e 70, passaram a buscar uma nova forma de olhar e de tratar a
deficiência. O princípio da normalização contribuiu com a idéia de que pessoas vistas
como diferentes, podiam ser normais e capacitadas para um convívio num espaço
comum na sociedade.
Esse princípio contribuiu de maneira gradativa, para a desinstitucionalização e a
oferta de serviços de avaliação e de reabilitação globalizada, em instituições não
residenciais. Partiu-se então, de uma segregação total, para a busca de uma integração
de pessoas com deficiência, habilitadas ou reabilitadas, numa concepção-modelo
denominada de Paradigma de Serviços.
A idéia de que o problema estava nas características do sujeito deficiente e que
ele precisava ser preparado para alcançar padrões exigidos ou esperados pela sociedade,
surge com o movimento de integração. Aquele deficiente que conseguisse demonstrar
atingir o nível necessário para sua inserção no meio social, era aceito.
Sendo assim, coube às escolas especiais a tarefa de prepará-los para a sua
integração no ensino regular. Quando a escola regular recebia esse aluno, ela não
modificava a sua prática por entender que o aluno é que deveria se moldar aos seus
padrões.
Somente no final do século XX é que a política da inclusão se efetiva baseada
no modelo de Suportes e no princípio de que todas as crianças deveriam aprender
juntas, independente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter. As escolas
inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades de seus alunos acomodando
tanto estilos com ritmos diferentes de aprendizagem.
5
A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, afirmou que todas as pessoas têm direito à educação. Em
virtude disso, a Constituição da República de 1988, assumiu os mesmos princípios, e ainda previa o pleno
desenvolvimento dos cidadãos, sem preconceito de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação, garantindo o direito à escola para todos.
26
2.2 CONCEPÇÕES QUE NORTEIAM AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO
INCLUSIVA NO BRASIL E NO MUNICÍPIO DE ITAJAÍ
Em 1990, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) passa a ser o
direito à igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, sendo o Ensino
Fundamental obrigatório e gratuito, a partir dos seis anos de idade. O estatuto garante
também, o respeito aos educadores e o atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente, no ensino regular.
Em Salamanca, na Espanha (1994), realizou-se a Conferência Mundial sobre
Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, cuja atenção se voltou à
definição dos princípios, políticas e práticas orientadoras das organizações e governos
em relação à educação inclusiva.
Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996,
o processo de inclusão assume novas diretrizes e a educação especial passa a ser
considerada uma modalidade da educação escolar na rede regular de ensino.
Apesar de representar um avanço, não se pode desconsiderar que essa lei, ao
mesmo tempo em que defende a inclusão das pessoas com necessidades especiais, abre
a possibilidade desse sujeito não ser atendido na escola regular. Ao inserir a expressão
“preferencialmente” no seu texto, admite outras possibilidades de escolarização para
além da escola regular. Ressalta-se ainda, o fato deste condicionante
(preferencialmente) permanecer no discurso das políticas mesmo após uma década da
promulgação da Constituição Federal do Brasil (1988), documento no qual esse termo
foi inicialmente citado.
Essa realidade, no entanto, não se restringe às Políticas desencadeadas no Brasil
ou nos municípios brasileiros. Mendes (2006), ao analisar as várias formas de
operacionalização da proposta de integração escolar no Reino Unido (Warnock Report,
1979; Hegarty, Pocklington & Lucas, 1981) e na Suécia (Söder, 1980) afirma que
também nesses países foram realizados arranjos semelhantes na forma de um contínuo
de possíveis soluções.
Isso indica que desde o início do movimento pela integração escolar houve
restrição ao uso de uma concepção mais ampliada do conceito de normalização, no
sentido de evitar-se a colocação de todo e qualquer aluno na classe comum da escola
regular” (MENDES, 2006, p.390). Os modelos pressupunham a manutenção dos
27
serviços existentes e uma opção preferencial pela inserção na escola comum, mas
admitia-se a necessidade de manter o contínuo de serviços, com diferentes níveis de
integração.
O século XXI inaugura a radicalização da relação integração/inclusão. Nesse
período amplia-se o debate sobre a relevância das diferenças na sociedade globais e
reconhecia-se que a escola estava provocando ou acentuando as desigualdades
associadas à existência das diferenças de origem pessoal, social, cultural e política. Essa
mudança de concepção se instala em todos os grupos sociais e a escola não poderia ficar
indiferente, o que resultou uma mudança educacional no direcionamento das políticas.
As políticas desencadeadas a partir de 2001, tais como as
Diretrizes Nacionais para
Educação Especial na Educação Básica (2001), Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (2008)
indicam uma mudança significativa no discurso.
Percebe-se que termos como: integração e preferencialmente, foram substituídas por:
inclusão, serviços especializados, acessibilidade, qualidade no processo ensino-
aprendizagem, garantia de acesso com participação, aprendizagem e continuidade nos
níveis mais elevados do ensino
.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(2008), por exemplo, diferencia-se das demais especialmente porque define o papel do
atendimento educacional especializado enfatizando sua impossibilidade de substituir a
escolarização. Esse atendimento tem a função de complementar e ou suplementar a
“formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela”
(BRASIL, 2008, p. 16).
Geralmente as palavras integração e inclusão são utilizadas como sinônimas. O
ensino inclusivo, no entanto compreende que todas as crianças são diferentes e que as
escolas e os sistemas de ensino necessitam de uma mudança para responder com
eficiência, às diferentes necessidades, respeitando as individualidades de todos,
indiferentemente de apresentarem ou não necessidades especiais.
Embora na integração o problema estivesse centrado especificamente no
ajustamento da criança com deficiências, na inclusão, amplia-se o olhar para um
conjunto de fatores associados que dizem respeito à escola como um todo. Exigem uma
mudança estrutural da escola, cujo espaço deve ser democrático e inclusivo para
trabalhar com todos os alunos.
É da responsabilidade de cada comunidade escolar se organizar e respeitar o
direito inalienável dos alunos à educação e cumprir com seus deveres na busca de um
28
diferencial, de uma educação de excelência que tanto se apregoa na missão de cada
estabelecimento escolar e que, no entanto, tem sido banalizado em decorrência do seu
não cumprimento.
A terminologia ou a linguagem adotada por um grupo social são expressões do
modo de pensar de determinada sociedade, em determinados momentos históricos. A
linguagem utilizada para se referir às pessoas com deficiência evidencia o modo como à
sociedade significa esses sujeitos.
2.2.1 A política de Educação Inclusiva no município de Itajaí
A partir da promulgação da LDB/96 o município assume a responsabilidade pela
implementação da educação inclusiva, no âmbito da Educação Infantil e Ensino
Fundamental. Com base nesse pressuposto, o município de Itajaí, em 1998, publicou a
Lei nº. 3.352 criando o Sistema Municipal de Ensino de Itajaí. Essa lei configura uma
nova realidade no que se refere à educação especial no município.
Em 1999, a Secretaria Municipal de Educação criou o CEMESPI - Centro
Municipal Especial de Itajaí, constituído de especialistas para o atendimento aos alunos
com necessidades educacionais especiais, priorizando o atendimento àqueles que
apresentassem deficiência auditiva e visual e a orientação aos professores da rede de
ensino.
Em 2003, o CEMESPI passou a se chamar Centro Municipal de Educação
Alternativa de Itajaí, formado uma Equipe de Multiprofissionais composta por
fonoaudiólogos, psicólogos, psicopedagogos, pedagogos e especialistas educacionais.
Essa equipe tinha por atribuição realizar triagens para o atendimento dos ANEEs,
encaminhados com seus laudos médicos, de maneira individualizada à fim de realizar
um serviço de qualidade, no que se refere a educação inclusiva na Rede.
Com a Lei 3.868/2003, criou-se o Quadro de Pessoal de Assessoramento
Pedagógico (composto por instrutor de Línguas de Sinais) e de Assessoramento na área
de Saúde (Coordenador de Equipe Multiprofissional, Psicólogo, Fonoaudiólogo,
Fisioterapeuta, Médico Pediatra, Psicopedagogo, Assistente Social) do CEMESPI.
Em 2003, a Secretaria Municipal de Educação elaborou as Diretrizes Básicas
para a Educação da Rede Municipal de Itajaí, no âmbito da Educação Inclusiva. Como
colaboradora, participei na elaboração desse documento que determinou e orientou
29
ações importantes no município e também na qualidade de atendimento aos alunos com
necessidades educacionais especiais (ITAJAÍ, 2003).
Nesse mesmo ano a Lei nº. 3972/2003 aprovou o Plano Municipal de Educação
definindo as metas prioritárias de políticas públicas, fundamentado na Constituição
Federal, nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no Plano Nacional de Educação e
no Sistema Municipal de Ensino.
Com a finalidade de orientar metodologicamente o processo avaliativo dos
ANEEs, o CEMESPI em 2004, elaborou documento específico, com participação de
diferentes instituições educacionais, destacando a importância de um processo
avaliativo efetivamente comprometido com a criação de condições para aprendizagem
desses alunos.
Na perspectiva desses documentos, todos os alunos com necessidades
educacionais especiais, deveriam ser atendidos no ensino regular e com o direito ao
atendimento especializado no contraturno. Porém, o que se constata, é que muitas
vezes, não lhes é dado o direito a esse atendimento, devido ao grande número de alunos
com laudos médicos. Esses, muitas das vezes, quase que, banalizados e ou
padronizados.
No contexto escolar, o que se observa, é um entendimento contrário,
especialmente no que se refere à definição de papéis, ou seja, a escola muitas vezes
deixa de assumir a sua responsabilidade na escolarização e na aprendizagem dos alunos
com necessidades educacionais especiais e pensa que esse papel é neste caso, do
atendimento educacional especializado.
Na verdade é no ensino regular que a aprendizagem deverá se tornar
significativa e diferenciada. É a escola comum quem deverá proporcionar ou ofertar ao
aluno com necessidades educativas especiais um ensino de qualidade e inclusivo.
A despeito das políticas, o movimento de Educação Inclusiva, requer certos
cuidados e definições mais precisas, caso contrário terá o mesmo destino da ‘integração
escolar’” (MENDES, 2006, p.402). Considera a autora que se corre o sério risco de
perseverar na retórica, na eterna ponderação de início de um processo, aguardando um
novo “paradigma” redentor, do exterior provavelmente, que irá revolucionar o discurso
e talvez um dia transformar as escolas.
O futuro da inclusão escolar em nosso país dependerá de uma revisão na postura
de pesquisadores, políticos, prestadores de serviços, familiares e indivíduos com
30
necessidades educacionais especiais. Todos trabalhando para garantir uma educação de
qualidade.
2.3 A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO
INCLUSIVA DO MUNICÍPIO
A avaliação é um tema bastante discutido e polêmico no meio educacional,
contudo, é uma temática que não se esgota. Essa é uma das dificuldades encontradas na
escola, tanto em âmbito nacional como municipal, definir: quem avalia o que avalia e
quem são os avaliados, quando e onde avaliar.
A LDBEN/96, no capítulo V recomenda aos Sistemas de Ensino a adoção de
currículos, métodos, técnicas para atender as necessidades de alunos com Necessidades
Educacionais Especiais. A Lei recomenda no seu art. 24, parágrafo V a observação dos
seguintes critérios:
avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com
prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do
período sobre os de eventuais provas finais”.
O Sistema Municipal de Ensino de Itajaí (LEI Nº. 3.352/1998) ao se referir à
avaliação propõe que esta deve apoiar o processo pedagógico, de modo a promover o
sucesso de todos os alunos, permitindo o replanejamento das ações educacionais, mais
precisamente da metodologia e recursos didáticos, em função das necessidades de
formação dos alunos.
A LEI Nº. 3.972/2003 do Plano Municipal de Educação de Itajaí assim se
posiciona em relação à avaliação da aprendizagem:
A escola só ensina todos quando fica atenta à necessidade de respeitar o
ritmo e observar as capacidades de cada um, em vez de enfatizar as
limitações. Por isso, rever conceitos e práticas é necessário. Como fazer uma
avaliação formativa quando as metas são apenas “desempenhos ideais?” Para
que esperar que todos se encaixem no comportamento-padrão e obtenha
resultados de algo preestabelecido? Excluir é adotar essas práticas e ainda
colocar a culpa pelo fracasso nas costas do aluno, taxando-o de “burro” e
“problemático”.
Como se observa o Plano Municipal de Educação de Itajaí (2003) aponta a
necessidade de rever conceitos e práticas, respeitando o ritmo e observando as
capacidades de cada aluno, inclusive os com necessidades educacionais especiais, ao
invés de enfatizar ou até mesmo ressaltar as suas limitações.
O município de Itajaí implementou outras políticas com vista a melhoria no
processo de avaliação dos alunos. Com a implantação do CEMESPI a avaliação
31
pedagógica é substituída pela avaliação clínica. Diante desta atitude, o aluno com
necessidades educacionais especiais que apresenta laudo, acaba muitas vezes, sendo
“esquecido” no interior da sala de aula.
O CEMESPI juntamente com outros serviços especializados e instituições, no
ano de 2004, elaboram um documento com Orientações Metodológicas para o
Processo Avaliativo de Educandos com Necessidades Educacionais Especiais, na
busca de caminhos alternativos para a atuação dos educadores, nas questões que
envolvem a avaliação dos ANEEs, dentro do Sistema de Ensino.
Nesse documento, a avaliação é concebida como um processo contínuo e
flexível, devendo observar: a criação de um ambiente facilitador para a aprendizagem
que tome como referência os diversos estilos de aprendizagem dos alunos; postura de
observação permanente do aluno, especialmente em situações reais de sala de aula,
diante das suas peculiaridades e estágios do conhecimento; acompanhamento da
evolução para identificar quais e como as modificações ocorreram; caráter descritivo
que permita verificar se os objetivos propostos foram alcançados. (ITAJAI, 2004).
Vale ressaltar que as orientações metodológicas sugeridas destacam a
importância de um processo avaliativo que se baseie na observação das situações
vivenciadas em sala de aula, considerando os diversos indicadores de evolução que
resultem em parecer pedagógico consistente e coerente para cada situação específica e
para cada caso, em particular.
Este documento é dividido em duas partes: uma apresenta a proposta de
avaliação sugerida, composta por quatro passos definidos como: acolhimento,
sondagem, registro, formalização e encaminhamento, e a outra, à sistematização dos
procedimentos, classificados de acordo com as deficiências de cada aluno.
Essa última descreve indicadores a serem observados e registrados no processo
de aprendizagem, considerando especificidades de cada aluno e suas necessidades
educacionais especiais. Os indicadores dividem-se em quatro modalidades (ITAJAI,
2007, p.14):
1. Orientações gerais, ou o que fazer para melhorar as condições de
aprendizagem dos ANEEs;
2. Observação: ou o que observar no comportamento do aluno e em
situações na sala de aula;
3. Indicadores de evolução ou quais aspectos registrar das observações
para acompanhar as mudanças;
4. Parecer Pedagógico
ou o que se deve descrever sobre o processo de
aprendizagem para fundamentar, complementar ou justificar as avaliações
formais.
32
Vale destacar que entre esses indicadores evidenciam-se número expressivo de
critérios de observação pautados no:
- comportamento do aluno como: interesse e participação do aluno, capacidade
de atenção, tempo dedicado à realização de tarefas, impulso para comunicar-se com
seus colegas, motivação para a aprendizagem.
- domínio de conhecimentos e processos complexos de pensamento como:
manifestações de criatividade e estabelecimento de relações entre os objetos, fenômenos
e situações, habilidades de leitura e escrita, expressão do pensamento e emoções,
acompanhamento do conteúdo mesmo que de maneira peculiar, realização de operações
matemáticas, entre outros.
Em 2007, o Conselho Municipal de Educação de Itajaí COMED fixou as
normas do Sistema de Avaliação da Rede Municipal de Itajaí (Resolução 002/2007).
Nesse documento foram estabelecidos os princípios e procedimentos a observar na
avaliação da aprendizagem e do desenvolvimento das habilidades e competências dos
alunos do ensino fundamental na rede.
De acordo com o Art.4º da Resolução a avaliação é um instrumento
complementar e regulador da prática pedagógica, o qual permite o recolhimento
sistemático de informações que, depois de analisadas, instigam a tomada de decisões
apropriadas à ascensão da qualidade das aprendizagens.
Como finalidade (Art. 5º) destaca-se o apoio ao processo pedagógico permitindo
o replanejamento das ações educacionais, mais precisamente da metodologia e recursos
didáticos, em função das necessidades de formação dos alunos.
No que se refere aos tipos de avaliação o documento assume a concepção de
avaliação diagnóstica que “conduz à adoção de estratégias de diferenciação pedagógica”
(Art. 7º); avaliação formativa, considerada a principal modalidade de avaliação do
ensino fundamental por assumir um caráter contínuo e sistemático (Art. 8º); e a
avaliação somativa que “consiste na formulação de um juízo globalizante sobre o
desenvolvimento das habilidades e competências definidas para cada área do
conhecimento” (Art. 10º).
No artigo 15º, que trata do rendimento escolar, o município sinaliza a educação
inclusiva, evidenciando a participação dos alunos, nos serviços de apoio educacional e
especializado e dos demais interventores no processo avaliativo. Esse posicionamento
se destaca no Art. 39º onde a Rede Municipal de Ensino de Itajaí, assume a perspectiva
33
de um sistema educacional inclusivo e assume dizendo: “portanto este documento se
aplica também aos alunos com necessidades educacionais especiais”.
É no capítulo IX, que trata do histórico escolar do aluno, que se percebe a
preocupação com os alunos com necessidades educacionais especiais, como veremos a
seguir:
Art. 37º- O percurso escolar do aluno deve ser documentado de forma
sistemática no Histórico Escolar, proporcionando uma visão integral do
desempenho do aluno, de modo a facilitar o seu acompanhamento e a
intervenção adequada.
II- No histórico escolar do aluno deve constar:
c) Relatórios médicos e/ou de psicológicos, quando existirem;
d) Relatórios de apoio pedagógico e serviço especializado, quando existirem;
e) Outros elementos considerados relevantes para a evolução e formação do
aluno;
f) Portfólio, no caso dos alunos com necessidades educacionais especiais.
Art. 40º É de responsabilidade do professor regente, equipe técnica
pedagógica e administrativa, serviços especializados e de apoio, quando
solicitado, definir planos de ação com estratégias de intervenção e recursos
didáticos específicos e/ou diferenciados, que possibilitem aos alunos que
apresentam necessidades educacionais especiais, o desenvolvimento das
habilidades previstas na matriz curricular, de cada etapa do ensino
fundamental;
Art. 41º É de responsabilidade do professor regente com orientações da
equipe técnica pedagógica e administrativa e serviços especializados, quando
solicitado, redigir um parecer descritivo para acompanhar o boletim de notas
do aluno com necessidades educacionais especiais.
Como se observa, decorre dessa orientação o encaminhamento da avaliação do
ANEEs na perspectiva de uma visão integral do desempenho do aluno e para a qual é
necessário o parecer médico, psicológico, do apoio pedagógico e serviço especializado e
outros elementos considerados relevantes para a evolução e formação do aluno.
Decorre dessa orientação o direcionamento do estudo ora apresentado para a
análise dos relatórios pedagógicos e clínicos de avaliação da aprendizagem dos alunos
com Necessidades Educacionais Especiais em processos de inclusão na rede municipal
de ensino.
34
CAPÍTULO III
O SILENCIAMENTO PEDAGÓGICO NOS DISCURSOS PEDAGÓGICOS
Para empreender a análise dos relatórios pedagógicos e clínicos que são objeto
desta investigação, um dos primeiros trabalhos de análise que realizei foi o de encontrar
nos enunciados traços que mantinham uma regularidade ou uma aproximação nos seus
conteúdos.
Busquei alternar as leituras no sentido horizontal e vertical e estabelecer assim
uma relação entre os traços evidenciados tanto no relatório de um sujeito como nos
relatórios dos demais. Para tanto necessitei estabelecer um código, uma marcação
desses traços por meio de cores que os identificasse.
Defini a cor azul para os enunciados cujos traços indicavam uma leitura de
atitudes positivas e de possibilidades de aprendizagem do aluno; rosa para enunciados
que identificassem o desempenho pedagógico; vermelho para os que enfatizassem o
diagnóstico ou caracterização da deficiência; verde para aqueles que priorizassem os
traços comportamentais; e roxo para os enunciados cujos traços evidenciassem o jogo
do repasse de um aluno invisível para diferentes serviços.
Nesse sentido situei no texto a multiplicidade de sentidos, ou seja, o movimento
entre o dizer sedimentado e o dizer de possibilidades emergentes, tal como propõe
Orlandi (1996 p.20-1):
“[...]
todos os sentidos são de direito sentidos possíveis e, em
certas condições de produção, de fato dominância de um sentido sem por isso se
perder a relação com os outros (implícitos). A sedimentação de processos de
significação se faz historicamente, produzindo a institucionalização do sentido
dominante”.
Os recortes dos relatórios abaixo permitem a identificação de alguns dos indícios
dos diferentes traços presentes no texto:
Aluno A
Relatório do professor
É um bom aluno, independente, faz todas as atividades com capricho, às
vezes precisa de auxílio. foi mais agitado, está mais calmo e tentando ficar
controlado.
35
Déficit de atenção em grau leve e hiperatividade. Não para quieto na sala, é
muito agitado. Suas atividades são sempre bem feitas embora muitas vezes, tenha que
ser chamado a sua atenção. (2008)
Laudo médico
É portador de transtornos de déficit de atenção em grau leve. Como o
desempenho escolar é bom, não necessita tratamento específico por ora. (2007).
Aluno D
Relatório do professor
Realiza as atividades com um grau de dificuldade, mas é um aluno esforçado.
Na matemática, tem sérios problemas de concentração e tem muita dificuldade em
entender situações-problema. Tem pouca concentração, portanto acompanha o
conteúdo com auxílio da professora. Se expressa com clareza, é independente para
tomar suas decisões, mas não tem auxílio nenhum da família, não realiza tarefas,
pesquisas, nem trabalho mandado para casa. É amigo dos colegas de classe,
participativo e comunicativo com todos.
Laudo Médico
É portador de transtorno de hiperatividade com déficit de atenção, associado a
déficit cognitivo leve. Deve permanecer no ensino regular com aulas de reforço e
acompanhamento psicopedagógico.
O que podemos observar na avaliação descritiva da professora em relação às
atividades realizadas pelo aluno A, é que primeiramente esta o elogia quando diz que
ele é independente e as realiza com capricho, e poucas vezes necessita de auxílio. Nessa
fala começam a se configurar traços de leitura positiva do professor em relação às
possibilidades do aluno. Quer dizer, ao indicar que o aluno foi mais agitado, o
professor sinaliza que observou as mudanças no seu comportamento. Ele desloca o seu
olhar para a capacidade de independência, autonomia e autocontrole do seu aluno.
Qualidades essas imprescindíveis para aprender.
O mesmo se observa em relação ao aluno D. Nele encontramos diversos traços
subtendidos ou até mesmo silenciados, que expressam uma dicotomia, pois ele vem
embargado pelo som de muitas vozes que circulam entre as possibilidades de
36
aprendizagem e de independência do aluno e suas impossibilidades de realizar suas
tarefas sozinhas.
Esse deslocamento do olhar para o potencial de mudança do aluno, todavia não
impede a expressão nos discursos médicos (tanto do aluno A como do D) de uma forma
cristalizada de pensamento que se apóia no diagnóstico: Déficit de atenção em grau
leve; e Transtorno de hiperatividade com déficit de atenção, associado a déficit
cognitivo leve.
Em relação ao aluno A, a professora toma a fala do médico para compor o seu
discurso, acrescentando ainda a hiperatividade como uma característica a ser reforçada.
Justifica assim, o fato de, na sua percepção, o aluno ser muito agitado.
O discurso pedagógico, ao se apoiar no laudo médico, demonstra estar
sedimentado sobre preceitos autorizados, portanto, aceitos socialmente. O professor
busca conferir legitimidade ao seu discurso ao dizer sobre o aluno o que oficialmente é
aceitável, considerando que se trata de alguém que apresenta marcas da medicalização.
Suas palavras resultam da incorporação das palavras de outrem. “A palavra do
outro se transforma, dialogicamente, para tornar-se palavra- pessoal-alheia com a ajuda
de outras palavras do outro, e depois palavra pessoal (com poder-se-ia dizer, a perda das
aspas)” (Bakhtin, 1997, p.405- 406).
Outro fator relevante, que merece ser discutido no discurso médico é o fato dele
estar bem informado quanto ao desempenho escolar do aluno em questão. Em seu
diagnóstico, não o encaminha para nenhum acompanhamento específico, nem tampouco
nenhuma medicação, alegando seu bom desempenho escolar.
O enfoque da avaliação desses alunos, apesar de apresentar evidências do seu
crescimento, da sua capacidade de agir com independência, encontra-se
predominantemente voltado para uma avaliação de atitudes e comportamentos apoiados
em carimbos socialmente aceitos, sustentados em procedimentos empíricos.
Do pedagógico, do que o aluno conhece no campo das linguagens, da lógica
matemática, das artes nada se conhece tudo se silencia. “Consideramos que sempre
no dizer um não-dizer necessário. Quando se diz ‘x’, o não-dito ypermanece como
uma relação de sentido que informa o dizer de ‘x’ (ORLANDI, 1999, p.82). Se
entendermos que os dizeres não são apenas mensagens a decodificar, mas “efeitos de
sentido” produzidos em condições determinadas, pode-se retirar daí algumas
possibilidades de compreender os sentidos produzidos.
37
Para quem e com que propósito os professores escreviam esses relatórios? Eles
escreviam para encaminhamento à supervisão pedagógica com vistas à discussão e
reflexão no Conselho de Classe, para tomada de decisões em relação ao aluno e ao
processo pedagógico. Dessa forma, parece justificável recorrer ao sentido dominante e
institucionalizado do laudo médico e dos procedimentos atitudinais observáveis.
Contudo, vale lembrar, que no documento Orientações Metodológicas para o
Processo Avaliativo de Educandos com Necessidades Educacionais Especiais do
CEMESPI elaborado 2004, mencionado no capítulo II, auxiliam de maneira direta e
pontual os professores no momento de realizar a avaliação dos alunos com necessidades
educacionais especiais. Nesse documento são apresentados indicadores de observação
do desempenho nos quais o comportamento é evidenciado, sem, no entanto,
menosprezar indicadores pedagógicos relacionados ao domínio de conceitos nas várias
áreas do conhecimento e habilidades de pensamento.
Na concepção de Bakhtin (1990, p.114) toda enunciação é um diálogo (mesmo
as produções escritas) “socialmente dirigido”. Ela é determinada de maneira imediata
pelos participantes do ato da fala, explícitos ou implícitos, em ligação com uma situação
bem precisa. A forma e o estilo ocasionais são determinados pela situação e os
participantes mais imediatos. Porém, os estratos mais profundos da sua estrutura são
determinados pelas pressões sociais mais substanciais e duráveis a que está submetido o
locutor.
Diálogos sociais que trazem consigo traços de uma leitura positiva: é um aluno
esforçado, independente, faz atividades com capricho; traços de um carimbo: portador
de transtorno de hiperatividade com déficit de atenção, associado a déficit cognitivo
leve; Déficit de atenção; traços de atitudes e comportamentos: Tem pouca
concentração, não para quieto na sala; de culpabilização da família: não tem auxílio
nenhum da família, não realiza tarefas, pesquisas, nem trabalho mandado para casa.
O que merece atenção, no entanto é o vazio do pedagógico num discurso que,
esperava-se, pudesse revelar o que era objeto do trabalho do professor e da
aprendizagem do aluno no espaço escolar: o conceito científico trabalhado e a resposta
do aluno a esse ensino, o fazer pedagógico e a produção do aluno em face dos conceitos
ensinados.
38
3.1 QUANDO O COMPORTAMENTO SE SOBREPÕE AO PEDAGÓGICO: A
ESTEREOTIPIA DO DISCURSO DA FALTA
Nos enunciados apresentados abaixo vemos se revelar traços que enfatizam o
comportamento do aluno e mantém estreita relação com o diagnóstico médico associado
à hiperatividade e déficit de atenção.
Aluno B
Relatório do professor
O aluno acima citado é muito agitado, agressivo, não faz as atividades em sala.
Não respeita as regras do grupo, não pede ajuda, não acompanha a série que está. Não
segue as regras de grupo, É muito distraído e desatento, não consegue trabalhar em
grupo é agressivo com os companheiros, não respeita os funcionários. Não copia a
matéria, não tem material e não tem acompanhamento familiar. Devido ao seu
comportamento agitado e desafiador, acaba por comprometer sua capacidade de
aprendizagem. (2008)
Laudo Médico
É portador de déficit cognitivo leve associado a transtorno de hiperatividade
com déficit de atenção (2007).
Aluno C
Relatório do professor
O aluno é uma criança muito ativa, sem concentração alguma, não realiza
nenhuma atividade proposta em sala e muito menos fora da sala. A família não é
compromissada e ele o tem interesse em estudar, é muito faltoso. Não acompanha os
conteúdos dados. Se expressa com clareza, é independente para tomar qualquer
decisão agressiva, não tem boa socialização com a turma, não tem amigos e todos os
pais reclamam dele agredir e amedrontar os alunos (2008).
Laudo Médico
Déficit cognitivo (2007).
39
O grau de entrosamento e empatia da professora em relação ao aluno B mostra-
se bastante distante, pois em seu discurso ela não cita o seu nome quando o trata como
aluno acima citado”. Essa postura nos leva a pensar na teoria da deficiência cio-
cultural definida por Charlot (2000, p. 30).
Ao realizar uma leitura negativa da realidade e do sujeito aniquilam-se as
relações para torná-las coisas, transformando-as em coisas ausentes. Explica o mundo e
as pessoas pelos deslocamentos das faltas, postulando uma causalidade de falta. Esse
tipo de leitura gera “coisas” como o “fracasso escolar” ou “os sem teto”, “os
hiperativos”, os “agressivos”, os “agitados”. A leitura negativa é a forma como as
categorias dominantes vêem as dominadas.
Outro aspecto observado é que mesmo usando a expressão “é”, o faz de forma
negativa: é muito agitado, agressivo, distraído e desatento”. Apóia-se no discurso da
negação, da impossibilidade de perceber o aluno naquilo que ele tem de positivo.
Emprega um discurso sedimentado que parece repetir-se sempre de um único e mesmo
modo e significar uma só e mesma coisa.
O adjunto adverbial de negação, “o não”, intensamente presente no discurso, é
um traço que serve para reafirmar as premissas negativas: não faz as atividades em
sala, não respeita as regras do grupo, não pede ajuda, não acompanha a série que está,
não consegue trabalhar em grupo [...]”. [...] a família não é compromissada e ele não
tem interesse em estudar, é muito faltoso”.
É “natural” discriminar às crianças com necessidades educacionais especiais
devido ao seu comportamento considerado “atípico”. Esse comportamento as reconhece
como “deficientes”, gerando uma rede de sentidos que tem subestimado suas reais
potencialidades.
Na materialidade linguística, isto é, no que se diz como se diz e em que
circunstâncias se dizem, observamos formações imaginárias (ORLANDI, 1999) que
sinalizam a imagem que se tem do aluno com necessidades educacionais especiais. Mas
é importante enfatizar que não estamos tratando de um enunciado isolado ou específico
dessa professora. Nele se manifesta diferentes memórias que denunciam uma relação
com formações discursivas historicamente construídas.
Bakhtin (1990, p.146) nos diz que o texto, “quando sabemos lê-lo”, nos sinaliza
não os processos individuais e fortuitos de quem falou ou de quem o recebeu, mas “as
tendências sociais estáveis, características da apreensão ativa do discurso de outrem que
se manifestam nas formas da língua”.
40
que se considerar, que esses discursos que se manifestam de forma
estereotipada, revelam indiciariamente formações históricas “petrificadas ou
fossilizadas”, como as denomina Vygotsky (1995) que, por parecerem naturalizadas,
têm seu desenvolvimento histórico e suas origens esmaecidos. Porém essa
imutabilidade merece ser questionada se considerarmos que esses sentidos, por se
produzirem histórica e culturalmente na experiência humana, não se repetem, mas
podem vir a ser outros.
Observa-se uma idéia equivocada de uma estreita ligação entre o diagnóstico de
transtorno de hiperatividade e desempenho escolar, como se um jeito diferente de ser,
pudessem dar sinais de impossibilidade de aprender. Um diagnóstico clínico é
importante para outras finalidades terapêuticas e não necessariamente determinante,
para as pedagógicas.
Vygotsky (1997), nos seus estudos sobre defectologia propõe a superação da
leitura negativa do sujeito que apresenta uma deficiência em termos do que lhe falta. O
autor propõe que se preste atenção também ao que o sujeito faz e consegue; que se
busque compreender e explicar como se constroem as situações de fracasso e destaca a
importância de estudar o sujeito como um conjunto de relações e processos.
Aluno E
Relatório do professor
Déficit de atenção, não consegue acompanhar a turma, além de faltoso, não é
esforçado e tem problemas familiares. Faltoso também na CAP.(2008)
Laudo Médico
É portador de hiperatividade com déficit de atenção. Iniciará tratamento médico
adequado. (2007)
Em relação ao aluno E, (como nos demais relatórios anteriormente analisados)
nada foi apresentado sobre as suas reais possibilidades de aprendizagem, pois no
discurso do professor, nada encontramos no que diz respeito ao pedagógico. uma
ausência muito clara, um longo silenciamento. Em seu relatório, a professora apóia-se
também, naquilo que o aluno não faz. Pela mesma via, o médico sinaliza a necessidade
da medicalização adequada e nada acrescenta além do traço de um carimbo excludente,
conferido por um diagnóstico.
41
Vygotsky (1997) considera que as avaliações de alunos com Necessidades
Educacionais Especiais, geralmente se apóiam em critérios não alcançados pelo aluno.
Afirma que é impossível apoiar-se no que falta para uma determinada criança. É
necessário ter uma idéia, ainda que vaga, sobre o que ela possui o que ela é assim como
o lugar que ocupa a deficiência no sistema de sua personalidade.
Desse modo, é importante conhecer não somente que defeito tem dada criança,
mas que criança tem um dado defeito e como domina essa deficiência (VYGOTSKY,
1997, p.116).
Não se trata de negar por esta via, a existência de sujeitos com quadros lesionais
orgânicos evidentes, como as lesões cerebrais, as mutilações, as deformidades físicas e
mentais evidentes que geram dificuldades escolares. Trata-se de considerar que não são
as anormalidades que produzem as dificuldades, mas determinadas relações sociais
concretas que significam o defeito como desigualdade e incapacidade.
O que parece comum a todos esses relatórios pedagógicos e clínicos é a ênfase
ao âmbito interno e individual à própria deficiência. Um enclausuramento do sujeito no
mundo de suas “dificuldades”, de tal forma que parece inviabilizar uma saída para o seu
desenvolvimento e/ou para uma intervenção educacional.
Para Vygotsky a relação entre o psicológico e o fisiológico é fundamental. Não
como identidade, mas como unidade, pois caracteriza o movimento permanente que os
produz e os modifica. Isto possibilita destacar a relevância de considerar, no momento
da avaliação a unidade desses aspectos.
Aluno F
Relatório do professor
Ele tem consciência de suas dificuldades e necessidades, escreve sozinho, mas
troca algumas letras, porém com a ajuda da professora com a fonética, ela faz
corretamente à escrita. Sua expressão não é bem clara, porque oralmente ele troca
muito as palavras, assim como na escrita. Sempre desenvolve atividades e quando tem
dúvidas, pergunta. As atividades, ele demonstra maior interesse pelo desenho, pintura,
jogos, vídeos e apresentações artísticas. Sua socialização também é muito boa e ele
está sempre solícito a resolver as tarefas. Concluindo, é uma criança com limitações,
mas, nada o impediu de conviver e acompanhar a sua turma. (2008)
Avaliação Serviço de Atendimento Especializado (Pedagógico e Clínico)
42
Pedagógico
Apresenta dificuldade para pronunciar alguns fonemas que contenha X, J, CH.
Troca letras ao som. Solicito avaliação com fonodiólogo para fonoterapia. (2007)
Clínico
O atendimento fonoaudiológico teve como objetivo trabalhar a consciência
fonológica e discriminação auditiva, considerando que o educando apresenta
dificuldade quanto à sonoridade dos fonemas V, Z, B, D, G, trocando por F, S P, T, K,
tanto na fala como na escrita. O educando já consegue perceber a diferença sonora dos
fonemas, porém ainda permanecem as trocas na fala e na escrita, dificultando a
automatização. Com isto, faz-se necessário dar continuidade ao tratamento
fonoaudiológico. (2007)
O que encontramos na análise desses relatórios realizados pelo pedagógico, é
que muitas vezes, os professores fazem uma representação de si mesmo e do outro em
seus enunciados. Existe uma grande preocupação com o que pode ser dito e
interpretado. Faz-se necessário, no entanto, levar em consideração a situação de
produção desses discursos e do contexto em que são analisados.
É possível constatar na análise dos relatórios do aluno F, que o discurso não é
mais eclético e fragmentário e sim, apresenta-se com coerência e aparente comunicação.
O diferencial observado está na elaboração e consistência pedagógica e na coerência
tanto do professor quanto dos profissionais do atendimento especializado. Tanto o
pedagógico como o clínico estão falando do mesmo sujeito e de suas reais necessidades.
Todas as falas se complementam, apesar de o haver diferenciação. Isto é,
todos abordam o desempenho fonético do aluno como objeto de avaliação: troca
algumas letras (diz a professora), dificuldade para pronunciar alguns fonemas (afirma
o Atendimento Especializado), dificuldade quanto à sonoridade dos fonemas V, Z, B, D,
G, trocando por F, S P, T, K (enfatiza o fonoaudiólogo).
Vale ressaltar também, que nesse relato, a professora detectou a necessidade do
aluno em obter atendimento com um fonoaudiólogo, a fim de suprir as limitações
encontradas.
A realização de uma leitura especializada, neste caso, pelo profissional da área
(fonoaudiólogo) é de suma importância. Ao trabalhar a necessidade do aluno, como a
43
consciência fonológica, a equipe especializada complementa o trabalho realizado em
sala de aula. Porém o que merece questionamento é a ênfase no processo funcional do
desenvolvimento lingüístico. Seu domínio pelo aluno não assegura, por si só, a sua
capacidade de interpretar e compreender a linguagem no seu sentido amplo. A
linguagem, como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social que
o cerca, constitui, modifica, transforma o sujeito, relacionando sua identidade e sua
diferença.
Uma das características bastante pertinentes encontradas no relatório pedagógico
do aluno F está relacionada ao gosto pelas artes: [...] ele demonstra maior interesse pelo
desenho, pintura, jogos, vídeos e apresentações artísticas.
Percebe-se que por meio da arte o aluno tem a possibilidade de se expressar
empregando linguagens diferenciadas e mobilizando o pensamento para atividades de
natureza complexa. A reação estética suscitada pela arte é imprescindível para
compreender o comportamento humano.
Vygotsky (1998) postula que a consciência não se esgota na palavra e na
dimensão semântica da palavra, não esgota a configuração do sentido, e nem contempla
a totalidade. Para compreender o sentido na sua afirmação mais profunda é preciso
recorrer à estética, porque insere as sensações e as emoções como um reflexo na
consciência, diferente daquele do pensamento e da linguagem, mas não o excluiu.
As reflexões de Vygotsky sobre a arte ajudam a compreender que o signo
semântico é indissociável do signo estético. A visão psicológica da arte é o
reconhecimento da arte como técnica social do sentimento.
Ao afirmar que a arte é um conjunto de signos estéticos destinados a suscitar
emoções nas pessoas, o autor está propondo que, a análise desses signos estéticos recria
os fenômenos psicológicos que correspondem aos mecanismos da arte.
A arte introduz cada vez mais a ação da paixão, rompe o equilíbrio interno,
modifica a vontade em um sentido novo, formula para a mente e revive para
o sentimento aquelas emoções, paixões e vícios que sem ela teriam
permanecido indeterminadas e imóveis. (VYGOTSKY, 1998, p. 316).
E acrescenta:
Seria mais correto dizer que o sentimento não se torna social, ao contrário,
torna-se pessoal, quando cada um de nós vivencia uma obra de arte, converte-
se em pessoal sem com isso deixar de continuar social. (VYGOTSKY, 1998,
p. 315).
A arte antecipa a reconstrução da categoria sentido nas relações entre
significado, sentido, emoções, pensamento e palavra sem com isso deixar de ser social.
44
Essa condição recai sobre as diferenças do olhar, a diferença entre o que o sujeito é e o
que ele faz. São na verdade, modos diferentes de ver o sujeito.
Desse modo, se pensar nas palavras, nas entonações, nos traços dos discursos
produzidos sobre os ANEEs, percebe-se que elas se incorporam numa tradição de
explicações clínicas, comportamentais, de senso-comum e de possibilidades dos sujeitos
considerados diferentes; e por outro lado, dialogam com um conjunto de idéias,
conceitos e generalizações elaborados e cristalizados pela ciência e pela escola. Essas
palavras e expressões adquirem, por assim dizer, um polimento e lustro social, pelo
efeito das reações e réplicas, pela rejeição ou apoio do auditório social” (Bakhtin, 1990,
p.121).
Portanto, desse silêncio podemos retirar a compreensão de que para o professor
as dificuldades dos alunos estão desvinculadas do ensino, divorciadas das suas atuações
como professores. Todavia, quando se trata de avaliação da aprendizagem, não se pode
ignorar o fato de que a identificação das dificuldades do aluno emerge do processo de
ensino e aprendizagem instituído.
Dependendo da forma como o ensino se organiza, estaremos diante de
determinadas dificuldades apresentadas pelos alunos. O como ensinar
materializado nas relações, tarefas e materiais utilizados em aula, como o
elemento mais palpável do processo, reflete e também determina o que será
entendido como sucesso e como fracasso dos alunos na aprendizagem
(MENDES, 2008, p. 132).
O professor não se como parte integrante desse processo avaliativo. Quando
aponta o fracasso do aluno, naquilo que este não faz, não realiza, o professor desvincula
o ensino da aprendizagem.
45
CAPÍTULO IV
O JOGO DO REPASSE: O ALUNO DE NINGUÉM
Depois que saiu de Tróia, tentando encontrar o caminho de volta para seu lar,
Odisseu se viu na Terra dos Ciclopes, um lugar habitado por gigantescas criaturas de
um olho só. Estes gigantes viviam das ovelhas e bodes que pastavam nas abundantes
plantações dos solos daquela terra. Ao chegar ali, Ulisses encontrou a caverna de
Polifemo com a entrada aberta.
Quando retornou das plantações, após saborear alguns bodes e ovelhas,
Polifemo encontrou seus inesperados visitantes. Depois de questioná-los sobre suas
origens e motivos de estarem ali, agarrou dois deles e os esmagou apenas com as mãos.
Ao cair no sono, Ulisses e o restante de sua tripulação, tentando fugir, viram
que Polifemo trancou a caverna com uma rocha que somente ele poderia removê-la.
Ulisses, vendo que não poderia contar com sua força humana, usou de sua peculiar
inteligência e arquitetou um plano. Ao acordar, Polifemo encontrou um vinho que
saboreou até a última gota e então adormeceu profundamente.
Ulisses, aproveitando-se do sono do gigante, lançou mão de uma grande estaca,
atiçou sua ponta no fogo e a enterrou diretamente no único olho de Polifemo, que
levantou urrando de dor e gritando perguntou: quem lhe tinha feito aquilo?Como
resposta, Polifemo ouviu de Ulisses: Ninguém, Ninguém, Ninguém.
O grito do gigante era tão pavoroso que os outros ciclopes da ilha, ao ouvi-lo,
moveram a rocha da caverna e indagaram de Polifemo sobre quem lhe tinha feito
aquilo e, quando ouviram dele que quem lhe feriu tinha sido Ninguém, cogitaram que o
grande e terrível gigante estava louco e, desta forma o deixaram ali. Ulisses e sua
tripulação fugiram neste ínterim.
A análise dos discursos pedagógicos e clínicos sobre os ANEEs me levou, por
alguns momentos, a uma analogia em relação à conhecida mitologia grega “Odisséia”
(ou Odisseu), de Homero, a qual descrevemos acima. E que lições ou que reflexões
podemos extrair dessa mitologia? Pensei de imediato em três questões importantes: o
aluno chamado ninguém, o aluno como um ninguém diante do especialista; o aluno que
é de ninguém, porque ninguém o assume.
Se considerarmos os traços que se repetem nos relatórios pode-se entender que o
aluno do qual se fala é invisível, é “coisa ausente”, é “ninguém”. Muito conhecemos
46
sobre sua falta, seu rótulo, seu estigma e muito pouco conhecemos sobre sua presença
viva na sala de aula, no consultório, no atendimento especializado.
A primeira idéia nos conduz a pensar no que Vygotsky discute sobre a avaliação
das pessoas com deficiência. Este considera que é importante saber qual enfermidade,
deficiência ou limitação a pessoa tem. Mas, mais importante que isso é saber qual
pessoa tem a deficiência.
Nesse sentido afirma:
Para nós é importante conhecer não somente que defeito tem sido medido com
exatidão numa dada criança como foi afetada, senão que criança tem um dado
defeito. Interessa saber que lugar ocupa a deficiência no sistema da
personalidade, que tipo de reorganização tem lugar, como a criança domina sua
deficiência (VYGOTSKY, 1997, p. 146).
Entretanto, para que o aluno deixe de ser ninguém precisaríamos olhar para ele,
para suas efetivas reações e respostas no momento da realização de suas atividades no
contexto escolar, dentro e fora da sala de aula.
Do mesmo modo, como professores, especialistas, profissionais devemos ter
cuidado com aqueles a quem silenciosamente chamamos de Ninguém. À medida que
estudamos nos tornamos mais confiantes de que os nossos conhecimentos, nossos
saberes, nos tornam melhores e que por isso podemos focar nosso olhar no sujeito com
os óculos do conhecimento e, simplesmente denominá-los de “ninguém”.
Por último, a mitologia nos permite relacionar o fluxo constante e vicioso do
repasse de “ninguém”, do professor para o médico, do médico para o atendimento
especializado, e desse para a escola, num eterno retorno sem saídas.
4.1 O ALUNO DE NINGUÉM
Nas análises dos relatórios, podemos observar os diversos fragmentos dos
discursos pedagógicos e clínicos evidenciando que alguns alunos parecem realmente
alunos de ninguém, como podemos constatar nos recortes abaixo apresentados:
Criança Portadora de déficit cognitivo leve. Deve permanecer no ensino regular
com aulas de reforço ou acompanhamento psicopedagógico. Sugiro avaliação no
CEMESPI. (aluna G, laudo médico, 2007).
Eu (professora), não tenho como avaliá-la, pois não a acompanho em sala, pois
ela não fica em sala e sim fora de sala com a monitora
. O pouco que pude observar é
47
uma criança muito agitada, agressiva e sem nenhuma socialização com colegas,
monitora ou professor. (aluno J, relatório professor, 2008).
Não passamos nenhuma orientação pedagógica pelo fato da mesma não estar
frequentando assiduamente a Humanity, por problemas pessoais conforme os relatos do
pai e da orientadora retornarão à escola com informações pedagógicas e
comportamentais conforme a frequência da mesma na Humanity. (aluna J, outro
atendimento especializado, 2007).
Neste caso orienta-se a retirada da aluna da classe para um ambiente mais
arejado sem que haja o desvio de atenção. Observação: esta aluna já teve atendimento
na HUMANITY e hoje está sendo atendida pela APAE. (aluno J, atendimento
especializado, 2007)
A aluna apresenta laudo médico, onde atesta ser portadora de Transtorno
Invasivo do Desenvolvimento Infantil, Hipotonia, Sinais Genéticos Menores e Déficit
Cognitivo Leve e moderado”. A referida aluna freqüenta a APAE duas vezes por
semana onde recebe tratamento especializado ao qual não estou a par, pois nem a
família nem a respectiva entidade repassam informações sobre a mesma. (aluna H,
relatório do professor, 2008)
Os alunos G, H e J, por suas deficiências e por apresentarem dificuldades na
aprendizagem, foram encaminhados pela escola a um atendimento médico
especializado. O médico da aluna G diagnosticou-a como portadora de déficit cognitivo
leve e ainda prescreveu em seu diagnóstico, aulas de reforço ou acompanhamento
psicopedagógico e avaliação no CEMESPI.
No registro médico é possível constatar seu conhecimento em relação ao trâmite
legal da rede de ensino. Isto é, o profissional parece conhecer todos os procedimentos
legais e pedagógicos que poderão ser realizados na escola, como as aulas da CAP
(Classe de Apoio Pedagógico) classificadas por ele como aulas de reforço e de
acompanhamento psicopedagógico.
Para tanto, em sua concepção e informação, o município oferece outros
profissionais que poderão apoiá-lo no momento de diagnosticar e encaminhar os seus
48
pacientes, para dar uma continuidade ao tratamento. Inicia-se assim, um jogo de
repasses.
Hoje, vemos se configurar nas escolas da rede municipal de ensino a presença de
uma equipe de suporte bem significativa no que se refere à educação inclusiva. Essa
equipe é composta por especialistas - orientador pedagógico, supervisor e administrador
escolar - um psicopedagogo, um professor regente, um professor da CAP, um monitor
que atua em sala de aula. Além dessa ampla equipe a escola conta também com outros
serviços de atendimento especializados oferecidos pelo município, no contra turno,
como o CEMESPI e outras instituições parceiras como a HUMANITY e a APAE.
Não se pode dizer então que não oferta de atendimento ou que o professor
esteja nesse trabalho. O que se questiona é o modo como essas equipes se
comunicam e o entendimento que cada qual tem do que seja o processo de ensino-
aprendizagem, de inclusão e de avaliação do ANEEs.
4.2 O ALUNO “NINGUÉM”
Outro aspecto que remete a pensar no “aluno ninguém” diz respeito a alguns
enunciados presentes nos discursos cujo foco baseia-se mais na informação sobre a
deficiência do que no sujeito que a apresenta. Trata-se de um modo de falar sobre
ninguém utilizando o diagnóstico como referência como veremos nos recortes abaixo.
Apresenta quadro compatível com transtorno Invasivo do desenvolvimento
infantil. Tem ainda hipotonia, sinais genéticos menores e déficit cognitivo leve a
moderado. Apresenta estereotipias auto-agressividade e atraso na aquisição da
linguagem. (aluno I, outro atendimento especializado, 2007)
Após exames de tomografia computadorizada de crânio, chegou-se a seguinte
opinião: O aspecto tomográfico é compatível com esquizencefalia de bios fechados
fronto-parietal direita (paralisia cerebral). (aluno J, médico, 2007).
É portadora de transtorno de Autismo, possuindo assim déficit na comunicação,
na atenção e interação social. O trabalho com ela exigirá dos profissionais algumas
medidas diferenciadas, perante algumas situações:
49
Raramente mantém contato visual: Sendo assim torna-se necessário ao
começar uma atividade sempre estar tocando-a e direcionando seu olhar para o que vai
acontecer. Apresenta modos e comportamentos arredios: Deve-se buscar com
paciência a sua participação, mas não deixá-lo sem contribuir de alguma forma, pois
apesar de não ser acessível tem compreensão do que está se passando. Resiste ao
aprendizado: Porém deve-se estimulá-la e às vezes direcioná-la com contenção física e
ação solicitada. Não demonstra medo de perigos: A aluna deve ser orientada e contida
nas situações de perigo, em constante observação. Possui acentuada hiperatividade:
Desanimando constantemente do que esta fazendo, sempre procurando outra atividade
ou objeto para descontrair. Resiste à mudança de rotina: é necessário comunicá-la
visualmente sempre do que irá acontecer e lavá-la a participar com paciência. Interage
pouco com o outro: Nesta situação o professor e /ou monitor deve mediar situações de
socialização para que o aluno possa aos poucos adquirindo o hábito da troca com o
outro. Às vezes chega a ser destrutivo: se deixada ociosa, poderá apresentar este
comportamento, ou em crises nervosas. (aluna J, outro atendimento especializado,
2007)
No relatório clínico da aluna J, observa-se que ela é caracterizada pela sua
deficiência, no caso o autismo e por essa razão, classificada pelas suas características
comuns a toda a pessoa autista e não pelo progresso ou necessidade específica da aluna.
Não se pode desconsiderar o fato de haver bem marcado no discurso
institucional, nos documentos orientadores da Educação Inclusiva, uma referência às
deficiências com base em um discurso padrão. No documento da Política de Educação
Especial na Perspectiva de Educação Inclusiva (BRASIL, 2008, p.15), por exemplo, o
conceito de transtornos globais do desenvolvimento se refere a “alterações qualitativas
das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e
atividades restrito, estereotipado e repetitivo”.
Ela não é tratada em sua individualidade ou particularidade, mas a partir de sua
condição legada com base em discursos medicalizado. Aqui se apresenta um forte
indício do “aluno ninguém”. Tanto faz ser aluna J, R ou S, sendo autista, o quadro é o
mesmo.
Os posicionamentos, tanto clínicos como pedagógicos dos serviços de
atendimento especializado, carregam consigo traços acentuados de atitudes e de
comportamentos. Um jogo do sim e do não, em relação ao comportamento do sujeito,
50
num movimento de ação/reação/interação, de um entendimento da igualdade como
produção da uniformidade e não como direito à diferença.
São discursos padrão da deficiência, onde encontramos visivelmente as
necessidades educacionais especiais e invisivelmente o aluno. Contudo, o diagnóstico é
um dos fatores que precisam ser observados, mas não considerados como decisivos.
Além dele, existem outros fatores que constituem o sujeito, tais como, o contexto social
onde está inserido e as situações de aprendizagens que foram vivenciadas pelos
ANEEs.
Wertsch (1996, p.135) destaca os conceitos de Bakhtin no que se refere ao
enunciado, como unidade real da comunicação verbal; a voz como a personalidade ou a
consciência falante, o dialogismo e a multivocalidade, e a linguagem social e gênero de
discurso:
Um falante qualquer de uma língua natural toma suas falas de enunciados
reais e concretos e não de frases ou palavras de um dicionário. Ele sempre
expressa um ponto de vista particular, e sempre se dirige a alguém. Sua fala,
portanto, contempla pelo menos duas vozes e, por isso, é inerententemente
dialógica, pois buscam as respostas, as concordâncias, as discordâncias, e não
a interpretação literal. Esse falante utiliza sempre uma linguagem social
específica, que espelha sua posição social e seu pertencimento profissional ou
geracional. Por outro lado, ele sempre fala em contextos sociais e culturais
bem específicos e para isso usa gêneros de discurso ligados a essas situações.
Nesse sentido, um gênero de discurso não é uma forma de linguagem, mas
uma forma típica de enunciado.
É possível perceber também, o quanto os discursos sobre os alunos com
necessidades educacionais especiais revelam nossas concepções. E o quanto esses
discursos sobre o sujeito falam de nós mesmos, ao apresentar um modo diferente de vê-
lo, provenientes das nossas leituras e da nossa própria formação. O que trazemos
conosco, através do nosso meio e das nossas relações.
O que nos chama a atenção são as diferenças existentes no olhar sobre a atitude
do comportamento, isto é, a diferença entre o que o sujeito é e o que ele faz, num
discurso padrão de deficiência.
Moysés, (2001, p. 23) afirma que:
Perceber e assumir os limites do olhar coloca limites à pretensão avaliatória.
Não podemos deixar de registrar que a não-percepção de limites costuma
chegar a tal ponto que os avaliadores não apenas acreditam em seu acesso
direto ao objeto da avaliação, como ainda no acesso às intenções de quem
está sob avaliação. Anotação sobre as intenções de quem está sendo avaliada,
geralmente negativas, com destaque para a agressividade, o frequentes nos
laudos, evidenciando a carga de juízos de valor incorporada à avaliação, ao
diagnóstico.
51
Esse juízo de valor advém de preconceitos e pensamentos cristalizados. Perceber
e admitir como se localiza o nosso olhar acaba por limitar toda e qualquer avaliação
coerente em relação ao aluno.
É comum encontrarmos nos laudos, registros negativos e principalmente com
ênfase na agressividade, atribuindo assim, um juízo de valor, no momento da avaliação
do aluno com necessidades educacionais especiais, sustentados por um diagnóstico.
Todo o sujeito traz consigo, um conhecimento prévio, ninguém é nulo e
ninguém é ninguém. Desta maneira, ao invés de a criança ter que se adequar ao que o
profissional sabe perguntar, este é quem deverá se adequar às suas expressões, a seus
valores, a seus gostos.
Devemos educar o nosso olhar, para além das impossibilidades, mas sim, com
sensibilidade. É olhar o que a criança tem e acreditar nas possibilidades que ela tem
de aprender. Educar o olhar é procurar o que a criança sabe e o que ela pode
avançar.
Para Moysés (2001, p. 123), esta proposta de avaliação tem um requisito
essencial:
[...] profissionais mais competentes, com conhecimentos mais sólidos e
profundos sobre o desenvolvimento da criança, sobre o conceito de
normalidade, profissionais que não se satisfaçam com visões parciais,
estanques, que não tenham medo de suas próprias angústias. Profissionais
que considerem que todos os homens são de fato iguais, tornados desiguais
por uma sociedade dividida em classes, profissionais que compartilhem o
respeito por cada homem, por seus valores, por sua vida. Sem dúvida, é mais
difícil de ser aplicada do que um teste padronizado; porém, também sem
dúvida, restitui ao profissional sua condição de sujeito, capaz de enxergar a
criança como outro sujeito.
Percebe-se nas análises dos relatórios, que é possível sim, a produção de outro
discurso que vê o sujeito como alguém, como o que vemos configurado abaixo.
A aluna J é uma criança muito especial e surpreendente. Assim como outra
criança ela tem suas diferenças, porém, devido a esta diferença, ela precisa e merece a
nossa atenção, compreensão e carinho. Durante o tempo que a aluna está em sala de
aula, ela apresenta um comportamento de querer estar caminhando pela sala. Sobe
em cadeiras, às vezes senta em seu cantinho. A professora procura chamar a atenção
dela, chamando-a, cantando e batendo palmas a fim da mesma entrar em contato com a
turma. Tem momentos que ela se auto agride, porém, rapidamente a monitora intervém,
tirando sua atenção para outra coisa, a aluna atende muito bem. O que observamos é
52
que ela, por si própria, gosta de se aproximar dos alunos da classe. Quando algum
aluno se abaixa perto dela, ela senta em cima dele, acreditamos que é uma forma de
interagir. Outro comportamento da aluna que nos surpreende, é que, por várias vezes,
ela pega pelo braço da professora, pede colo, quer que ela caminhe pela sala. A
professora para por alguns segundos e a devida atenção que a aluna necessita.
Achamos isso importante, pois percebemos que neste momento, ela de alguma forma,
está interagindo conosco e com a turma. A monitora também trabalha com a aluna de
forma especial digna de admiração, pois vemos a aluna ligada e confiante com a
mesma. O fato de a monitora estar sempre direcionando a sua atenção nos momentos
de agressão é fundamental, pois ela para de se agredir. Deve-se destacar que a aluna,
apesar de seus momentos de chateação, não agride nenhum amigo e nem tampouco
impede da professora de aplicar os conteúdos. Quando achamos necessário, a monitora
uma volta com ela pela escola. Deve-se frizar que a ausência da aluna na sala de
aula, é raro de acontecer, mesmo que a aluna apresente indisposição para realizar as
atividades proposta e explicada, ela de alguma forma está visualizando e ouvindo as
explicações e acreditamos que este seja um dos fatores indispensável da Inclusão
Social. Podemos destacar o gosto de aluna em ouvir músicas, ela mesma puxa pela mão
da professora para que a mesma volte a cantar para ela. E quando a monitora também
o faz, ela ri e se alegra. Assim como iniciou este relato, devemos enfatizar que a aluna
não é especial apenas pelas suas limitações, mas acima de tudo, porque ela nos ensina
a cada dia e é capaz de fazer algo que não é fácil a qualquer ser humano, que é
despertar o carinho, o amor e o respeito. E não se esquecendo da falta que sentimos
quando ela está ausente à aula. (aluna J, professora da APAE em observação na escola,
2008)
A preocupação da socialização da aluna J, em relação à escola, professora,
monitora e a turma, aparecem de uma forma bastante positiva no relatório de
observação da professora da APAE, em visita de observação na sala de aula.
É muito marcante a relação de afetividade da professora para com sua aluna. E é
nessas ações que desenvolvemos no nosso dia a dia, que a afetividade está sempre
presente. Sendo assim, o processo cognitivo não poderá de forma alguma ser deslocado
da emoção, portanto, cognição e emoção, encontram-se unidas.
A escola deve considerar o papel das interações sociais, pois este exerce uma
importância bastante relevante para a aprendizagem e o desenvolvimento humano.
53
Vygotsky (1997), em seus estudos, oferece importantes contribuições para compreender
a inclusão e os processos avaliativos e realizar uma leitura das condições histórico-
culturais que interferem na significação da deficiência, o que muda o eixo de
visibilidade para as relações sociais.
O autor (1997, p.116) discutindo o papel da escola na educação de alunos com
necessidades educacionais especiais, notadamente daqueles que apresentam deficiência
mental, afirma:
Precisamente porque a criança com deficiência mental chega com
dificuldades de dominar o pensamento abstrato, a escola deve desenvolver
esta habilidade por todos os meios possíveis. A tarefa da escola em resumidas
contas consiste não em adaptar-se ao defeito, senão em vencê-lo. [...] A
tentativa de nossos programas, de proporcionar à criança com deficiência
mental uma concepção científica de mundo, de descobrir diante dele as
relações de uma ordem não concreta e de formar nele, durante a
aprendizagem escolar, a atitude consciente diante da vida futura, é para a
pedagogia uma experiência de importância histórica.
A aprendizagem dessas crianças ocupou um espaço importante nos estudos
desse autor que considera que o desenvolvimento não acontece de forma linear e
previsível, nem tampouco, é independente da aprendizagem. Significa que é a
aprendizagem que promove o desenvolvimento, logo, no processo de ensino de pessoas
com necessidades especiais, a escola e o professor assumem um expressivo papel. O
conhecimento vai sendo construído pelas trocas de idéias e de interesses entre os alunos
e os professores. É através do diálogo que o aluno estabelece essas relações e o sujeito
aprende quando lhe é dado voz e vez.
Uma das maneiras de remover obstáculos na aprendizagem é torná-la
interessante e significativa. O professor precisa estimular a sua capacidade de escuta,
isto é, ouvir diariamente os seus alunos para reconhecer em suas falas, o que lhes
motiva e o que trazem consigo para a escola.
É através da criatividade e flexibilidade que iremos remover as barreiras da
aprendizagem. O professor vai modificando o seu plano e suas atividades, à medida que
os seus alunos vão respondendo e possibilitando a informação de novas pistas.
Somente com um trabalho em equipe, com as atividades diferenciadas, as
habilidades valorizadas, o diálogo e a interação, que o processo de ensinar e aprender se
efetivará pontualmente. Nesse contexto, o profissional da educação, assume um papel
relevante como mediador num espaço em movimento criado pela relação social.
Nesse trabalho é importante constituir ambientes de aprendizagem nos quais o
aluno socializa o que sabe e confronta com o novo, realiza conexões entre o que
54
aprendeu e o que está sendo aprendido, busca explicações para as suas dúvidas,
elaboram conceitos, significados e sentido a todas as atividades realizadas no
contexto escolar.
Sendo assim, a atenção do professor se direciona para uma resposta positiva e à
altura dos alunos, procurando a todo instante, responder às exigências sejam elas de
ordem metodológica, afetiva ou social, para alcançar uma história de sucesso.
Faz-se necessário, no entanto, termos muito cuidado com a leitura social que
realizamos das diferenças. Os traços da deficiência devem ser analisados sim, mas sob o
ponto de vista de como a sociedade incorpora e age dentro dos padrões de normalidade.
Assim como, é necessário rever as práticas educativas que acabam por nivelar por baixo
esses alunos, devido a sua deficiência, pautadas ou justificadas num laudo médico.
Nesse aspecto, esses traços da deficiência, podem ser vistos também na família, através
das suas atitudes e comportamentos.
Examinando brevemente a história da Educação, é possível verificar que
estiveram presentes em nossa cultura escolar, as práticas de submissão e a valorização
da uniformidade do diferente à norma homogeneizadora.
No entanto, no meio educacional, geralmente somos confrontados com dois
tipos de debates: um que pontua sobre a origem das diferenças entre os alunos e o outro
que gira em torno dos motivos do seu sucesso ou fracasso escolar, e nenhum, quanto às
responsabilidades do “aluno de ninguém”.
55
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa buscou centrar a investigação na avaliação da aprendizagem de
alunos com necessidades educacionais especiais, tendo como objeto de análise os
relatórios pedagógicos e clínicos discutidos nos Conselhos de Classe de uma escola da
Rede Municipal de Ensino de Itajaí.
Vygotsky em seus estudos sobre a defectologia sinalizou a sua preocupação em
livrar-se de um olhar biologizante sobre a deficiência e substituir por um olhar social. É
neste sentido que me propus a buscar o sentido e o significado implícito nesses
discursos a fim de compreender como professores e especialistas concebem a
aprendizagem e a avaliação dos ANEEs.
Considerando que esses discursos se produzem em contextos específicos e se
dirigem a ele como respostas a um auditório social, como nos diz Bakhtin, retomei
alguns referenciais históricos que possibilitaram compreender a produção na história
dos processos de inclusão social e da educação inclusiva, especialmente na
contemporaneidade.
Nesse contexto destaquei a concepção de Educação Inclusiva presente nas
políticas educacionais do início do século, nos âmbitos nacional e municipal e descrevi
as orientações sobre avaliação da aprendizagem evidenciadas nessas políticas. Observei
que tanto os documentos de nível nacional (LDB/96) como os municipais assumem uma
concepção de avaliação formativa e diagnóstica enfatizando a necessidade da escola
tomar com referência o que o aluno conhece e faz, valorizando-o na sua totalidade.
Essas políticas enfatizam também que a avaliação serve como orientação à
tomada de decisões pedagógicas e a reorganização do planejamento. Mas o que mais me
chamou atenção na leitura cuidadosa dos documentos foram as orientações em relação
aos procedimentos metodológicos de avaliação dos ANEEs.
Observei um detalhamento dos aspectos específicos à observar nos quais
destacavam-se tanto critérios direcionados para o comportamento como para o domínio
de conceitos nas diferentes áreas do conhecimento.
No que se refere ao comportamento destaquei: interesse e participação do
aluno, capacidade de atenção, tempo dedicado à realização de tarefas, impulso para
comunicar-se com seus colegas, motivação para a aprendizagem. Nos aspectos
56
relacionados ao domínio de conhecimentos e processos complexos de pensamento
pareceram importantes: manifestações de criatividade e estabelecimento de relações
entre os objetos, fenômenos e situações, habilidades de leitura e escrita, expressão do
pensamento e emoções, acompanhamento do conteúdo mesmo que de maneira peculiar,
realização de operações matemáticas, entre outros.
No processo de análise dos sentidos e significados, temas e significações
presentes nos discursos dos professores e especialistas uma das categorias centrais
depreendidas foi a falta da informação pedagógica nos registros do processo de
aprendizagem do aluno; o silêncio sobre os conhecimentos trabalhados e a resposta do
aluno a esse ensino. Nos registros silenciados se refletida a concepção de mundo, de
ensino e de aprendizagem de cada um.
Analisando os traços desses discursos, observei, na maioria dos textos, uma
atenção centrada nas dificuldades dos alunos, naquilo que o sujeito não faz. Esta
dificuldade ora é justificada pelos traços de carimbo, ora pela medicalização, ora pelo
comportamento e atitudes do aluno, ora pela leitura positiva, ora pelo desempenho
pedagógico, e muito fortemente pelo jogo de repasses.
Nos registros analisados, pode-se observar a relação dialógica em que se
entrelaçam não as concepções dos interlocutores mais imediatos, no caso, os
professores e o atendimento especializado, como também, a visão de mundo de cada
um. Impressionou o fato de haver poucas evidencias nos relatórios que indicassem a
observância aos critérios relacionados ao domínio de conhecimentos e processos
complexos de pensamento como os apresentados nos documentos oficiais para a
avaliação dos ANEEs. Houve sim uma aproximação significativa em relação aos
critérios de avaliação de comportamento.
Na verdade, após as análises foi possível perceber que os professores em seus
discursos, acabam por se esvaziar dos conceitos pedagógicos e transcrevem-nos de uma
forma atitudinal, ou seja, pautado no que o sujeito apresenta como atitudes e
comportamentos, o que acaba por comprometer e validar a avaliação.
É um silenciamento que passa a existir, não como vazio, mas como uma
possibilidade velada de dizer apenas aquilo que é socialmente aceitável. Nesse sentido é
que examinei nos enunciados o modo como se interpõem nas falas dos professores e
especialistas os discursos de outrem, discursos “alheios” que dialogam e se constroem
penetrados por idéias de senso comum, por produções da ciência, pela ideologia. Isso se
57
mostrou principalmente nos momentos em que o professor apoiava seu discurso no
laudo médico.
Para Bakhtin (1990), a palavra é uma arena de luta onde se confrontam os
valores sociais contraditórios. A palavra penetra em todas as relações dos sujeitos e são
tecidas com uma multidão de fios ideológicos. Nessa arena se estabeleceram meus
diálogos com os interlocutores, com os registros, com os professores, com o
atendimento especializado em busca de todas as polifonias que se configuraram sobre o
tema em questão.
Constatou-se uma multiplicidade de profissionais que atendem o ANEEs, dentro
da escola (professor regente, especialistas, monitores, psicopedagogo) e fora dela
(psicólogos, médicos, fonoaudiólogos e instituições) e a consequente fragmentação do
sujeito. É nesse âmbito que me dediquei a pensar sobre as proximidades e
distanciamentos na leitura do desempenho do ANEEs e observei o jogo do repasse de
um aluno de ninguém. Tal constatação me reportou à mitologia grega, na Odisséia de
Homero e sua luta com o ciclope Polifemo para discutir esse jogo.
Discuti a evidência marcante nos discursos de um movimento ou de um fluxo
constante e vicioso de repasse do “aluno ninguém”, do professor para o médico, do
médico para o atendimento especializado, e desse para a escola, num eterno retorno sem
saídas. Nesse processo, muitos olham para “ninguém” e se lhe perguntarmos quem
efetivamente lhe viu ele poderá dizer: ninguém, ninguém, ninguém.
Que aprendizagem foi construída com essa pesquisa? Que relevância encontrou
este estudo? Ou melhor, dizendo: que contribuições ou um movimento de inquietação
foram passíveis de discussões e interlocuções?
Alegrei-me neste trabalho, ao constatar que as minhas empirias e elucubrações
estavam pautadas e registradas nas leituras às quais recorri. É como se confirmasse, ou
outras vozes pensassem, na mesma linearidade das minhas divagações. Se entendermos
que esse processo é contínuo e aberto como é a avaliação, torna-se então, um processo
inacabado e inesgotável.
Como contribuições considero que o estudo é pertinente para um olhar mais
atento da escola e dos profissionais envolvidos com o processo educacional dos ANEEs,
no que se refere ao modo como valorizamos a falta e o rótulo na avaliação da
aprendizagem.
Os resultados contribuem para criar outro espaço escolar que valorize e
possibilite a manifestação da diferença e dos variados modos de construção do
58
conhecimento dos alunos, respeitando o ritmo, as diferenças e o desenvolvimento
individual do sujeito. Dependendo do profissional, de suas histórias, de suas vivências,
ele irá encontrar o prisma pelo qual a criança olha o mundo, e a partir daí, ajustar seu
próprio olhar.
Cabe aos professores, profissionais do atendimento especializado e alunos,
buscar uma aproximação. E isso é possível por meio de uma relação entre dois
sujeitos totais que se reconhecem como tal.
Assim, esta investigação não se encerra neste momento, ela aponta caminhos
para a própria escola rever a sua prática pedagógica, em relação aos alunos com
necessidades educacionais especiais, sua organização escolar e de profissionais, e a
formação de professores, as reuniões pedagógicas, a fim de nos aproximarmos de um
conjunto de possibilidades para avançar com a inclusão e as práticas avaliativas
inclusivas.
É preciso seduzir todos os envolvidos no processo educacional. Nenhum
processo de sedução emerge e sobrevive sem que no horizonte de possibilidades se
configure em futuro projetado e almejado. Precisamos sim, compreender que esse
processo é tão complexo e de fundamental importância. São caminhos que em espaços
educacionais, local de troca de saberes, podem e devem ser (re) avaliados.
São caminhos que dizem respeito ao conhecimento, à prática em sala de aula, ao
planejamento e a definição de objetivos. Falam de posturas, ética, e de políticas públicas
que precisam ser efetivadas.
59
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64
APÊNDICE
Quadro de levantamento, análise e aproximação de agrupamentos de acordo de
enunciados e a freqüência com que apareceram nos textos.
ALUNOS
COMPORTAMEN-
TO E ATITUDE
CARIMBO
DIAGNÓSTICO
TRAÇOS
DE
LEITURA
POSITIVA
ALUNO DE
NINGUÉM
JOGO DE
REPASSE
DESEMPE-
NHO
PEDAGÓGI-
CO
PR M AE PR M AE PR
M
AE PR M
AE
PR M
AE
Aluno A
X X X X X
Aluno B
X X X X X X X X
Aluno C
X X X X X X
Aluno D
X X X X X
Aluno E
X X X
Aluno F
X X X X
Aluna G
X X X X X X
Aluna H
X X X X
Aluna I
X X X X X
Aluna J
X X X X X X X X
LEGENDA: PR – Professor Regente
M – Médico
AE- Atendimento Especializado
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