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JÚLIO FLÁVIO BACHA LAMOUNIER
A DIVISÃO DO TRABALHO EM ADAM SMITH E O
PROCESSO DE ESPECIALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO
NO SÉCULO XVIII
História da Ciência
PUC-SP
São Paulo, 2005
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1
JÚLIO FLÁVIO BACHA LAMOUNIER
A DIVISÃO DO TRABALHO EM ADAM SMITH E O
PROCESSO DE ESPECIALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO
NO SÉCULO XVIII
História da Ciência
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para a obtenção do título de mestre em
História da Ciência, sob a orientação da Prof.ª
Dr.ª Ana Maria Alfonso-Goldfarb.
PUC-SP
São Paulo, 2005
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2
Banca Examinadora
__________________________________
__________________________________
________________________________________
3
À minha mãe Maria de Lourdes
4
Agradecimentos
À Professora Ana Maria Alfonso-Goldfarb pela orientação, apoio e
generosidade.
Aos professores do CESIMA, especialmente às Professoras Márcia H. M.
Ferraz e Vera Cecília Machline.
Aos colegas da PUC. Ao Maicol Martins e à Cristiana Couto.
Aos amigos, grandes companheiros nesses dois anos.
Ao Johannes, ao Ricardo, à Calu e à Paula.
À minha irmã Ana.
Ao meu pai Julio pelo carinho e apoio inestimáveis.
Por fim, ao CNPQ pelo apoio financeiro.
5
RESUMO
A obra de Adam Smith (1723-1790) é reconhecida como um marco na
história do pensamento econômico. Isto nos leva a pensar neste autor escocês do
século XVIII como um intelectual de vanguarda à frente do seu próprio tempo.
Diante de novos modelos historiográficos, essa posição merece ser revista. Nesse
sentido, seria interessante rastrear a trajetória intelectual de Smith em busca de
elementos que contribuíram para formatar A riqueza das nações publicada em
1776.
Na década de 1750 e início dos anos 1760, Adam Smith foi professor do
curso de Filosofia Moral na Universidade de Glasgow. O curso de Filosofia Moral
consistia no ensino de teologia, ética e jurisprudência. Os documentos disponíveis
sobre esta época revelam que as idéias econômicas de Smith ocupavam apenas
uma parte da seção sobre jurisprudência. Contudo, a existência de um rascunho,
provavelmente escrito no início da década de 1760, sugere que Smith pretendia
destacar o conteúdo econômico das aulas de Filosofia Moral em um livro
específico sobre economia.
Nesta dissertação pretende-se delinear os elementos que motivaram Smith a
destacar uma parte específica das suas aulas para a publicação. A resposta a
esta questão, em parte, pode ser encontrada no associacionismo científico do
Setecentos. Smith foi membro das principais sociedades científicas escocesas —
6
com destaque para a Royal Society of Edinburgh — onde teve oportunidade de
conviver com estudiosos dedicados a outras áreas do saber. A existência de
traços semelhantes entre a obra de Smith e a de seus contemporâneos indica
que, nas reuniões das sociedades científicas, Smith encontrou o suporte teórico
que norteou a construção dos seus trabalhos.
No final do século XVIII, as sociedades científicas escocesas foram
reestruturadas em função da crescente divisão e especialização do trabalho
intelectual. A criação de A riqueza das nações e a importância que o conceito de
divisão do trabalho assume na obra de Smith foram, possivelmente, influenciados
pelo processo de especialização do conhecimento. Estas considerações situam a
obra de Smith no contexto do século XVIII.
7
ABSTRACT
The work of Adam Smith is acknowledged as a milestone in the history of
economics thought. This leads us to the think about this Scottish author of the 18
th
century as an intellectual in the vanguard of his time. The development of
historiography makes it worth reviewing that idea. Thus it is interesting to track the
intellectual journey of Smith, to seek for the elements that contributed with the
shape of the Wealth of Nation, published in 1776.
During the 1750s and early 1760s, Adam Smith was a professor of the Moral
Philosophy course at the University of Glasgow. The course of Moral Philosophy
taught theology, ethics and jurisprudence. The documents available at that time
show that the ideas of Smith on economics formed just a part of the section on
jurisprudence. However, a draft, probably written in the early 1760s suggests that
Smith intended to separate the syllabus on economics from the classes of moral
philosophy in order to publish it in a book on economics.
The aim of the present paper is to draw up the elements that motivated Smith
to separate a specific part of his classes. Part of the answer to this issue can be
found in the trend towards meeting in scientific societies during the 18
th
century.
Smith was a fellow of the main Scottish scientific societies — the Royal Society of
Edinburgh has to be emphasized — where he had the opportunity of gathering with
scholars coming from different areas of knowledge. Similar lines between the work
8
of Adam Smith and those of his contemporaries indicate that in the meetings of the
scientific societies he received the theoretical support which wrought his works.
In the late 18
th
century, the Scottish scientific societies were restructured due
to the increasing division and specialization of the intellectual work. The process of
specialization of knowledge probably influenced the creation of the wealth of
nations and the importance of the concept of work division assumed in the work of
A. Smith.
9
ÍNDICE
Introdução ....................................................................................................10
Capítulo I: Um mapa da obra de Smith no período de Glasgow..............12
O curso de Filosofia Moral na Universidade de Glasgow.........................15
Adam Smith e as sociedades eruditas de Glasgow e Edimburgo.............20
Algumas consideração historiográficas sobre a divisão do trabalho em
Adam Smith...............................................................................................21
Capítulo II: A Royal Society of Edinburgh e o cenário científico
escocês.........................................................................................................45
A controvertida fundação da Royal Society of Edinburgh.........................51
A especialização do conhecimento como fator relevante para a
organização da Royal Society of Edinburgh..............................................66
Capítulo III: As diferentes expressões do conceito de divisão do
trabalho na obra de Adam Smith................................................................72
Sobre as necessidades naturais do homem.............................................75
A divisão do trabalho.................................................................................81
A natureza humana como cerne da divisão do trabalho...........................90
A divisão do trabalho e a extensão do mercado.......................................94
Considerações finais...................................................................................97
Bibliografia..................................................................................................103
10
INTRODUÇÃO
O objetivo desta dissertação é analisar a posição que o conceito de divisão
do trabalho ocupa na obra de Adam Smith através da comparação de um conjunto
de textos que são representativos das idéias do autor no período em que lecionou
na Universidade de Glasgow — de 1751 a 1764.
A divisão do trabalho é um elemento chave no modelo criado por Smith para
explicar as causas que determinam a abundância ou a escassez de bens
disponíveis para o consumo em uma nação. Não se pretende aprofundar a
discussão sobre os efeitos econômicos da especialização produtiva, mas situar o
modelo econômico deste pensador escocês no contexto científico do século XVIII.
Trabalha-se com a hipótese de que o instrumental teórico desenvolvido por Smith
seja análogo ao modelo de investigação da natureza utilizado pelos estudiosos do
Setecentos. A história da fundação da Royal Society of Edinburgh será empregada
para contextualizar o pensamento de Smith.
O conjunto de textos comparados nesta dissertação é composto por cinco
documentos
1
, que foram escolhidos por conterem as idéias de Smith sobre a
divisão do trabalho nos últimos anos em que o autor lecionou em Glasgow. Esse
conjunto de textos é composto pelos seguintes documentos:
1
Estes cinco documentos foram publicados pela primeira vez em 1978, sob o título de Lectures on
Jurisprudence, no quinto volume da Glasgow edition of the work and correspondence of Adam Smith.
11
1. as notas de aula sobre jurisprudência, conhecidas como Conferências de
Glasgow, as quais foram recolhidas por dois alunos que assistiram ao
curso de Filosofia Moral proferido por Adam Smith, respectivamente nas
sessões acadêmicas de 1762-3 e 1763-4;
2. um esboço de A riqueza das nações, conhecido como Rascunho
preliminar de A riqueza das nações, provavelmente escrito entre 1760 e
1762;
3. dois manuscritos, denominados respectivamente Primeiro e Segundo
fragmentos, cada um deles contendo um breve fragmento sobre a divisão
do trabalho, provavelmente escritos entre 1763 e 1764.
A dissertação será dividida em três capítulos. O primeiro introduz a descrição
do curso de Filosofia Moral proferido por Smith na Universidade de Glasgow,
oferece algumas informações biográficas que permitem traçar a ligação de Smith
com as sociedades eruditas de sua época e apresenta uma breve discussão da
literatura secundária sobre à divisão do trabalho na obra de Smith. O segundo
capítulo analisa os fatores que motivaram a fundação da Royal Society of
Edinburgh. Finalmente, o terceiro capítulo apresenta a comparação entre as idéias
de Smith sobre a divisão do trabalho contidas nos cinco documentos que
constituem as fontes primárias analisadas nessa dissertação.
12
CAPÍTULO I:
Um mapa da obra de Smith no período de Glasgow
A partir da década de 1970, com a publicação da obra completa de Adam
Smith (1723-1790) através do projeto The Glasgow edition of the works and
correspondence of Adam Smith, o interesse pelas idéias deste pensador escocês
foi revigorado. Ocorreu um aumento significativo no número de trabalhos
publicados sobre Smith e uma mudança de abordagem nas análises dedicadas à
obra deste autor. Além disso, as análises críticas que tinham como objetivo
reconstruir a evolução da teoria econômica, destacando as construções que
contribuíram para o avanço da ciência e os obstáculos que retardaram o seu
progresso, foram relegadas a um segundo plano a favor de uma abordagem
histórica, segundo a qual a obra de Smith deve ser compreendida no contexto
intelectual do século XVIII. O resultado desta mudança de posição na
historiografia do pensamento econômico foi a descoberta de um autor mais
complexo e filosófico, rejeitando-se a imagem caricatural, segundo a qual Smith
seria um defensor incondicional do laissez-faire e pai da moderna ciência
econômica.
2
2
V. Brown, “Mere invention of the imagination: a survey on recent literature on Adam Smith”, in Economics
and Philosophy, pp. 281-2.
13
A obra de Adam Smith consiste em dois livros que o autor publicou em vida,
A riqueza das nações (1776) e a Teoria dos sentimentos morais (1759); um ensaio
sobre história e filosofia do conhecimento publicado postumamente em 1795 sob o
título Essays on Philosophical Subjects; a correspondência do autor com
intelectuais e personalidades da época; ensaios e artigos publicados em
periódicos, como a Edinburgh Review; e as aulas sobre retórica e filosofia moral
que Smith proferiu respectivamente em Edimburgo e Glasgow, das quais existem
notas.
3
O livro Lectures on Jurisprudence, quinto volume do projeto The Glasgow
Edition of the Works and Correspondence of Adam Smith, reúne um conjunto de
documentos atribuídos a Adam Smith, os quais são representativos das idéias do
autor no período em que lecionou na Universidade de Glasgow entre 1751 e 1764.
Esse conjunto é composto por cinco documentos que constituem as fontes
primárias analisadas nesta dissertação — as Conferências de Glasgow, o
Rascunho preliminar de A riqueza das nações e os Fragmentos (A) e (B).
Em um primeiro momento pode parecer que notas de aulas, rascunhos ou
fragmentos não sejam fontes adequadas para estudar as idéias de Adam Smith no
período de Glasgow. Porém, a importância destes documentos pode ser ilustrada
3
Ibid., pp. 281-2.
14
por um fato, narrado por Dugald Stewart
4
perante a Royal Society of Edinburgh,
que ocorreu nos últimos dias da vida de Smith.
Poucos dias antes de sua morte, vendo que o fim se aproximava
rapidamente, ordenou que destruíssem todos os seus
manuscritos, salvo alguns ensaios avulsos, os quais confiou aos
cuidados de seus testamenteiros. Em seguida, todo o resto foi
lançado ao fogo. Nem seus mais íntimos amigos sabiam o que
continham especificamente estes papeis; não há dúvida,
entretanto, que parte deles consistia de textos sobre retórica, que
leu em Edimburgo em 1748 e conferencias sobre religião natural
que formavam parte de seu curso de filosofia moral em Glasgow.
5
À exceção dos ensaios avulsos que foram publicados postumamente por
Joseph Black e James Hutton sob o título de Essays on Philosophical Subjects, os
manuscritos originais pertencentes a Adam Smith foram todos destruídos.
6
O valor
das notas de aulas, dos fragmentos e do primeiro rascunho decorre justamente da
escassez de outras fontes que permitam avaliar as idéias de Adam Smith no
período de Glasgow. Esses cinco documentos serão empregados para analisar a
posição que a divisão do trabalho, um conceito chave no esquema de Smith,
ocupa em torno da construção do instrumental teórico que toma forma definitiva
em A riqueza das nações.
4
Dugald Stewart, amigo de Adam Smith e membro da Royal Society of Edinburgh, leu a biografia de Smith
perante a sociedade nas reuniões de 21 de janeiro e 18 de março de 1793.
5
D. Stewart, “Biografia crítica”, in A. Smith, Teoria dos sentimentos morais, p. LXXVI.
6
Ibid., p. LXXVI.
15
O curso de Filosofia Moral na Universidade de Glasgow
Os cinco documentos analisados foram produzidos na época que Smith
lecionava Filosofia Moral em Glasgow. Por essa razão, será interessante
descrever o curso ministrado por Smith e apresentar alguns detalhes biográficos
que contribuem para a reconstrução da trajetória intelectual do autor neste
período. As informações biográficas que evidenciam a ligação de Smith com as
sociedades cientificas de sua época serão destacadas com objetivo de delimitar
as condições de contorno que marcaram a obra de Smith.
Adam Smith foi aceito como professor de Lógica da Universidade de
Glasgow em 1751. No ano seguinte, foi transferido para a cátedra de Filosofia
Moral, posto que ocupou até 1764, quando embarcou para uma viagem a Europa
como tutor do Duque de Buccleuch.
A indicação para integrar o corpo docente em Glasgow deriva do sucesso e
reconhecimento alcançado por Smith nas conferências sobre retórica e história da
filosofia que proferiu em Edimburgo entre 1748 e 1751, sob o patronato de Lorde
Kames. A oportunidade de lecionar em Edimburgo foi a primeira etapa da carreira
de Smith após ter concluído sua formação acadêmica nas Universidades de
Glasgow e Oxford.
7
Nesta época, Edimburgo estava envolvida por um ambiente intelectualmente
intenso, onde era comum a organização de conferências públicas fora dos
7
I. S. Ross, The life of Adam Smith, p. 108.
16
domínios da Universidade. Muitas destas conferências rivalizavam com os cursos
ministrados na Universidade e ofereciam uma oportunidade de trabalho
estimulante para intelectuais em começo de carreira. Lorde Kames era vice-
presidente da Philosophical Society of Edinburgh e acredita-se que esta sociedade
tenha promovido as conferências ministradas por Smith.
8
Edimburgo, a capital política e sede do parlamento escocês antes da união
com a Inglaterra, continuou a ser o centro político da Escócia e um importante pólo
cultural no século XVIII.
9
Em contrapartida, Glasgow, situada na costa ocidental da
Escócia, era uma cidade mercantil que experimentou um vigoroso crescimento
econômico no decorrer do século.
10
Smith foi eleito professor de Lógica na Universidade de Glasgow em janeiro
de 1751. Conforme a tradição estabelecida nas universidades escocesas no final
do século XVII, todos os professores deveriam se comprometer com os valores da
igreja escocesa antes de assumirem a cátedra para a qual haviam sido eleitos. No
dia 16 de janeiro, após assinar sua confissão de fé, Smith recebeu o “Oath de
Fideli” e foi formalmente incorporado ao corpo docente de Glasgow.
11
8
Ibid., pp. 84-6.
9
Ibid., pp. 83-4.
10
Ibid., pp. 30-1.
11
Ibid., p. 107.
17
Do primeiro ano em que Smith lecionou Lógica em Glasgow não restou
nenhum manuscrito ou texto impresso, tudo que se conhece hoje sobre esse
curso deve-se ao relato de John Millar.
12
.
Na cadeira de lógica, para a qual o Sr. Smith foi indicado em sua
primeira nomeação nessa Universidade, logo percebeu a
necessidade de afastar-se amplamente do programa que fora
seguido por seus antecessores, e dirigir a atenção dos alunos
para estudos mais interessantes e mais úteis que a lógica e a
metafísica escolásticas. Assim, depois de apresentar uma visão
geral dos poderes gerais do espírito, e explicar a lógica antiga
tanto quanto fosse preciso para satisfazer a curiosidade dos
alunos sobre um método artificial de raciocinar, que outrora
ocupara a atenção de todos os eruditos, dedicou todo o resto do
tempo a fornecer um sistema de retórica e literatura.
13
O relato de Millar é uma amostra interessante da natureza e da amplitude do
pensamento de Smith. Deve-se notar que o autor de A riqueza das nações — uma
obra que tem o seu escopo de análise tão bem delimitado — se aventurava por
domínios que não se restringiam ao campo econômico.
Em 1752, Smith foi transferido para a cátedra de Filosofia Moral, uma
disciplina central no sistema de ensino das universidades escocesas. O curso de
Filosofia Moral consistia no ensino de teologia, ética e jurisprudência, segundo a
tradição do direito natural, no qual eram expostos os princípios que dirigem a ação
12
John Millar, além de aluno, foi amigo de Smith e destacado professor de Direito Civil na Universidade de
Glasgow; o relato sobre o curso de Lógica e de Filosofia Moral feito por Millar consta da biografia escrita por
Dugald Stewart.
13
D. Stewart, op. cit., p. XVII.
18
humana e as leis que governam a constituição do Estado.
14
Será interessante
recorrer novamente ao relato de Millar:
Seu curso sobre esse objeto dividiu-se em quatro partes. A
primeira relativa a Teologia Natural, tratava das provas da
existência e dos atributos de Deus, e os princípios do espírito
humano sobre os quais se funda a religião. A segunda,
compreendendo a ética em seu sentido estrito, consistia
principalmente nas doutrinas publicadas mais tarde na Teoria dos
sentimentos morais. Na terceira parte, tratou mais
demoradamente a parte da moral relativa à justiça que,
subordinando-se a regras precisas e acuradas, pôde, portanto, ser
explicada de modo tão complexo quanto minucioso. (...) Na última
parte de suas conferências, o Sr. Smith examinou aquelas normas
políticas que se fundamentam menos sobre o príncipio da justiça
que da utilidade, normas cuja finalidade é aumentar a riqueza,
poder e prosperidade de um Estado. Assim, considerou as
instituições políticas relacionadas com o comércio, finanças,
instituições eclesiásticas e militares. O que proferiu sobre essas
questões continha o germe da obra depois publicada sob o título
de Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das
nações.
15
Sobre a primeira parte do curso de Filosofia Moral, não restou nenhum
documento que revelasse o conteúdo apresentado por Smith; contudo, é
importante ter em mente que a Teologia Natural representava uma preocupação
legítima no século XVIII, até mesmo entre intelectuais e eruditos. O historiador M.
14
I. S. Ross, op. cit., pp. 114-6.
15
D. Stewart, op. cit., p. XVIII.
19
A. Stewart afirma que existiam duas tradições que se destacavam no debate sobre
a Teologia Natural na Escócia. De um lado, situavam-se aqueles que acreditavam
que a teologia era a principal fonte de conhecimento e uma referência para todas
as outras áreas do saber. De outro, aqueles que acreditavam na teologia racional
e submetiam as questões religiosas aos métodos e à crítica comuns a outras
áreas do saber.
16
Sobre a segunda parte do curso, embora não exista nenhum outro registro
que permita confrontar a descrição de Millar, não há razão para duvidar que o
texto da Teoria dos sentimentos morais não corresponda ao conteúdo das aulas
sobre ética, uma vez que essa obra foi publicada em 1759. Supõe-se que o livro
reflete o conteúdo das aulas de forma direta, na medida em que foram produzidos
simultaneamente.
17
Finalmente, a terceira e a quarta parte do curso de Filosofia Moral —
respectivamente sobre justiça e sobre as normas políticas que se fundamentam no
princípio da utilidade — correspondem à exposição das idéias de Smith sobre
jurisprudência. Tais idéias sobre jurisprudência estão contidas nos dois conjuntos
de notas (Conferências de Glasgow) recolhidas pelos alunos que assistiram às
aulas de Smith nas sessões acadêmicas de 1762-3 e 1763-4.
18
16
M. A. Stewart, “Religion and rational theology”, in A. Broadie, ed., The Cambridge Companion to the
Scottish Enlightenment, pp. 31-3.
17
R. L. Meek et alii,Introduction“, in Lectures on Jurisprudence, p. 4.
18
Ibid., p. 4.
20
Adam Smith e as sociedades eruditas de Glasgow e Edimburgo
Além das atividades letivas na Universidade de Glasgow, a partição em
clubes e sociedades eruditas foi uma atividade que deve ser destacada, pois muito
contribuiu para a trajetória intelectual de Smith.
A Literary Society of Glasgow e o Political Economy Club, sediadas em
Glasgow, são duas instituições que Smith frequentou na época em que residia na
cidade. Ambas eram frequentadas não só por intelectuais mas também por
homens de negócio, com os quais Smith obteve informações valiosas sobre a
economia da época.
19
Ian Simpson Ross, autor da biografia The life of Adam Smith publicada em
1995, afirma que Smith se tornou membro da Philosophical Society of Edinburgh
(P.S.E.) em 1752.
20
Ross afirma ainda que durante a década de 1750 e início dos
anos 1760, era possível que Smith freqüentasse as reuniões dessa sociedade em
Edimburgo, apesar de residir em Glasgow. Viajando na diligência entre Glasgow e
Edimburgo, Smith poderia chegar à capital na hora do almoço, passar a tarde e a
noite na cidade onde freqüentava as reuniões da P.S.E. e no dia seguinte retornar
a Glasgow.
21
Em janeiro de 1764, Smith renunciou ao posto de professor em Glasgow e
no mês seguinte embarcou para uma viagem de dois anos pela França e Suíça
19
I. S. Ross, op. cit., p. 140.
20
Ibid., p. 370.
21
Ibid., p. 140.
21
como tutor do jovem Henry Campbell Scott (1746-1812), 3º Duque de Buccleuch.
Duas décadas mais tarde, em 1783, Buccleuch viria a se tornar o primeiro
presidente da Royal Society of Edinburgh.
22
Algumas considerações historiográficas sobre a divisão do trabalho em
Adam Smith
O primeiro manuscrito contendo as notas de aula referentes à sessão
acadêmica 1763-4 — o ultimo ano letivo de Smith em Glasgow — foi descoberto
em 1895 por Edwin Cannan (1861-1935) e publicado no ano seguinte. O
manuscrito, provavelmente uma copia “passada a limpo” por um copista
profissional, transcrita a partir das notas de um aluno que assistiu as aulas de
Smith em Glasgow, continha o seguinte título inscrito no seu frontispício: Juris
Prudence or Notes from the lectures on Justice, Police, Revenue and Arms
delivered in the University of Glasgow by Adam Smith.
23
Segundo Cannan, as
características físicas do documento (o papel, o estilo de caligrafia e a ortografia)
e, principalmente, a correspondência entre o conteúdo das notas, a descrição das
duas últimas partes do curso de Filosofia Moral (respectivamente sobre justiça e
economia política) e inúmeras passagens em A riqueza das nações permitem
22
Ibid., p. 195.
23
A data inscrita no frontispício do manuscrito descoberto por Cannan refere-se ao ano MDCCLXVI. Esta
inscrição, provavelmente, refere-se ao ano que o manuscrito foi “passado a limpo” ou transcrito para ser
consultado ou vendido, pois em 1766 Smith não lecionava mais na Universidade de Glasgow. Sobre essa
questão vide A. S. Skinner & R. L. Meek, “The development of Adam Smith’s ideas on the division of
labour”, in The Economic Journal, pp. 1094-1116.
22
constatar a autenticidade do documento
24
— veredicto que tem sido confirmado
pelas pesquisas subseqüentes.
25
Na introdução que antecede a apresentação das notas de aulas sobre
jurisprudência (Conferências de Glasgow), Cannan afirma que a primeira objeção
que emerge com relação às notas de aulas é que estas não seriam
representativas do pensamento de Adam Smith, pois as idéias deste autor
escocês teriam sido descaracterizadas pela pena de seus discípulos. Portanto, as
notas em nada contribuiriam para a reconstrução da trajetória intelectual de Smith.
Cannan rejeita esta posição, argumentando que se todo saber transmitido por
intermédio de escritos feitos por discípulos de grandes pensadores fosse
descartado, haveria um grande lapso no conhecimento filosófico e religioso atual.
“Mas, apesar de tudo, as doutrinas de alguns dos grandes mestres da antiguidade
não seriam conhecidas nos dias de hoje, não fossem os registros deixados por
discípulos que ouviram suas instruções orais.”
26
Segundo avaliação de Cannan, a contribuição mais relevante proporcionada
pela descoberta do manuscrito contendo as aulas de Smith em Glagow, refere-se
à possibilidade de conhecer o pensamento econômico deste autor escocês na
década de 1760. A última parte do curso de filosofia moral, sobre economia
política, corresponde ao material que posteriormente foi publicado em A riqueza
24
E. Cannan, “Editors Introduction”, in A. Smith, Lectures on Justice, Police, Revenue and Arms, pp. xi-
xxxiv.
25
A. S. Skinner & R. L. Meek, “The development of Adam Smith’s ideas on the division of labour”, in The
Economic Journal, pp. 1094-1116.
26
E. Cannan, op. cit., p. xxii.
23
das nações. Como esta obra só foi publicada 12 anos após Smith ter deixado o
posto de professor em Glasgow, as notas de aula sobre jurisprudência, com
destaque para a segunda seção denominada Of Police, permitem examinar de
que modo o pensamento de Smith evoluiu, além de fornecer pistas importantes
sobre as fontes consultadas por Smith.
27
Entre o último ano em que Smith lecionou em Glasgow e a publicação de A
riqueza das nações, Smith passou dois anos no continente, onde conheceu os
fisiocratas franceses, e no restante do tempo dedicou-se à pesquisa e á
elaboração de sua obra mais famosa. Segundo Cannan, a contribuição francesa
ao pensamento de Smith sempre foi motivo de controvérsia, por essa razão a
descoberta das notas de aula é uma fonte importante para avaliar a influencia
fisiocrata sobre A riqueza das nações.
Estas [notas de aula] nos permitem seguir a construção gradual do
trabalho desde a sua origem, e distinguir afirmativamente entre
aquilo que a genialidade original do autor criou a partir de
materiais britânicos de um lado, e materiais franceses por outro.
28
Não há duvida que as Conferências de Glasgow são uma referência
importante para desvendar as fontes escritas e os autores que contribuíram para o
amadurecimento das idéias econômicas de Smith. Contudo, Cannan parece
subestimar a importância do conteúdo das aulas que não está diretamente
relacionado ao material posteriormente publicado em A riqueza das nações. Além
27
Ibid., p.xv.
28
Ibid., p. xxiv.
24
disso, deve-se reconhecer que a descoberta de novas fontes contendo as aulas
sobre teologia natural ou ética proferidas por Smith em Glasgow, seria uma
contribuição valiosíssima para a compreensão global do pensamento de Smith.
Em 1958 foi descoberto por John M. Lothian o segundo manuscrito contendo
as notas de aula referentes à sessão acadêmica 1762-3, que foram publicadas
apenas em 1978 no livro Lectures on Jurisprudence, quinto volume da Glasgow
Edition of the Works and Correspondence of Adam Smith, que reuniu os dois
conjuntos de notas de aula referentes às Conferências de Glasgow, o Rascunho
preliminar e os Fragmentos (A) e (B).
29
Na introdução às Lecuteres on Jurisprudence, R. L. Meek, D. D. Raphael e P.
G. Stein avaliam o impacto da descoberta de um novo conjunto de notas e
comparam o manuscrito descoberto por Lothian com às notas de aula referentes à
sessão 1763-4 que haviam sido descobertas meio século antes por Cannan.
30
Segundo Meek, Raphael e Stein, é possível afirmar que o manuscrito
descoberto por Lothian refere-se ao curso ministrado por Smith na sessão
acadêmica de 1762-3
31
, pois cada aula está especificamente datada, permitindo a
reconstrução da escala de aulas de Smith no período.
Além disso, as notas
referentes à sessão acadêmica 1762-3 apresentam uma redação clara e bem
elaborada, evidenciando que o aluno que assistiu às aulas de Smith
29
R. L. Meek et alii, Introduction, in A. Smith, Lectures on Jurisprudence, p. 4.
30
Ibid., p. 1-42.
31
As notas da sessão acadêmica 1762-3 foram publicadas sob o título Report of 1762-3 nas Lectures on
Jurisprudence.
25
provavelmente teve um cuidado meticuloso ao recolher as notas e transcrevê-las
de forma a compor um texto que reportasse a apresentação de Smith com muita
acuidade.
32
Em contrapartida, as notas referentes à sessão seguinte, isto é, ao período
letivo de 1763-4
33
, aparentemente não foram redigidas com o mesmo cuidado.
Neste conjunto de notas, descoberto por Cannan, não há subdivisão das aulas em
função da data especifica em que foram ministradas. E, as idéias de Smith são
reportadas de forma tão sucinta e econômica que, em alguns trechos, se torna
muito difícil compreender qual era a mensagem do professor.
34
Segundo os editores, comparando lado a lado os dois conjuntos de notas,
pode-se perceber que Smith expôs basicamente o mesmo conteúdo para os seus
alunos nas sessões acadêmicas de 1762-3 e 1763-4. Contudo, a ordem em que
cada tópico é apresentada aos alunos varia consideravelmente de um ano para o
outro.
35
Na versão 1762-3 das Conferências de Glasgow, o conteúdo do primeiro
objeto da jurisprudência — Of Justice — é apresentado na seguinte ordem:
propriedade e outros direitos, leis domésticas e governo. Nas notas referentes ao
32
R. L. Meek et alii, Introduction, in A. Smith, Lectures on Jurisprudence, pp. 9-13.
33
As notas da sessão acadêmica 1763-4 foram publicadas sob o título Report dated 1766 nas Lectures on
Jurisprudence.
34
R. L. Meek et alii, Introduction, in A. Smith, Lectures on Jurisprudence, p. 13.
35
Ibid., p. 22.
26
período seguinte (1763-4), a seção Of Justice é apresentada segundo a ordem
inversa: governo, leis domésticas e propriedade e outros direitos.
36
No que se refere ao segundo objeto da Jurisprudência — Of Police — os
editores afirmam que Smith segue a mesma ordem de apresentação do conteúdo,
porém as notas da sessão 1762-3 contêm apenas 2/3 do material relatado nas
notas da sessão 1763-4. O início de ambas as sessões apresenta o mesmo
conteúdo de forma muito semelhante, porém as notas da sessão 1762-3 são
encerradas subitamente, indicando que a parte final do manuscrito, por razões
desconhecidas, foi destacada do conjunto e até o presente momento não veio à
tona. Outra hipótese, igualmente plausível, é que o aluno simplesmente
abandonou o curso de Filosofia Moral em Glasgow e por essa razão as notas da
sessão 1762-3 foram repentinamente interrompidas.
37
Finalmente, as notas da sessão 1763-4 contêm mais dois seguimentos
extras dedicados a analisar os dois últimos objetos da Jurisprudência — Revenue
e Arms, respectivamente — sobre os quais Smith apenas se refere na introdução
das aulas da sessão acadêmica de 1762-3.
38
O Rascunho preliminar de A riqueza das nações e os dois Fragmentos sobre
a divisão do trabalho foram descobertos e publicados por W. R. Scott, em 1937,
no livro Adam Smith as Student and Professor. Como já foi citado, estes três
36
Ibid., p. 22.
37
Ibid., p. 13.
38
Ibid., p. 13
27
documentos receberam uma nova edição em 1978 na obra Lectures on
Jurisprudence.
39
O Rascunho preliminar de A riqueza das nações é um esboço provavelmente
redigido no início da década de 1760 como uma tentativa de produzir uma versão
escrita da seção Of Police das Conferências de Glasgow. O primeiro capítulo do
Rascunho preliminar que poderia conter a introdução ou o plano da obra
simplesmente não existe. Por razões desconhecidas foi destacado do restante do
manuscrito e até o momento não se conhece o seu conteúdo. O Rascunho
começa com o capítulo de número 2, intitulado “Da natureza e das causas da
opulência pública”, no qual Smith transcreve para o papel a argumentação sobre a
divisão do trabalho apresentada nas aulas em Glasgow. Na parte final deste
capitulo é apresentado um sumário dos capítulos seguintes.
40
Os dois Fragmentos, denominados respectivamente Fragmento (A) e
Fragmento (B), são muito semelhantes. Ambos consistem de uma breve
argumentação — na qual Smith afirma que a divisão do trabalho é proporcional à
extensão do mercado — e os dois documentos começam com uma sentença
incompleta, indicando que existe um desenvolvimento anterior ao qual não se teve
acesso.
41
39
R. L. Meek et alii, Appendix, in A. Smith, Lectures on Jurisprudence, p. 561.
40
Ibid., p. 561.
41
Ibid., p. 561.
28
No Fragmento (A) Smith afirma que a divisão do trabalho é limitada pelo
tamanho da população e associa o estágio de desenvolvimento histórico e social
de cada sociedade com o aperfeiçoamento da divisão do trabalho. No Fragmento
(B), Smith associa o aperfeiçoamento da divisão do trabalho ao desenvolvimento
dos meios de transporte, e afirma que o desenvolvimento da navegação, tanto
fluvial como marítima, contribui para a expansão da atividade comercial e,
portanto, para o incremento da divisão do trabalho.
42
R. L. Meek, no artigo “New light on Adam Smith’s Glasgow Lectures on
Jurisprudence”, de 1976, apresenta algumas considerações sobre as fontes que
influenciaram as aulas de jurisprudência do curso de Filosofia Moral proferido por
Adam Smith no início da década de 1750.
43
Segundo Meek, as Conferências de Glasgow referentes às sessões
acadêmicas de 1762-3 e 1763-4, embora sejam fontes valiosas sobre as aulas de
jurisprudência, são registros apenas dos últimos anos que Smith lecionou em
Glasgow. Uma série de questões permanecem abertas sobre o conteúdo das
aulas quando Smith assumiu o posto de professor de filosofia moral em 1752 e a
forma como as suas idéias amadureceram a partir dai.
44
Em 1970 foi descoberto um novo conjunto de notas no Commonplace Book
de John Andreson, professor em Glasgow e colega de Smith. Todas as evidências
42
Ibid., p. 561.
43
R. L. Meek, “New light on Adam Smith’s Glasgow Lectures on Jurisprudence”, in History of Political
Economy, pp. 430-77.
44
Ibid., pp. 430-1.
29
indicam se tratar de trechos extraídos seletivamente por Anderson (Extratos
seletivos) das aulas de jurisprudência de Smith. Estes Extratos seletivos iluminam
alguns aspectos do pensamento de Smith na década de 1750.
45
Um indício relevante sobre as fontes utilizadas por Smith para elaborar os
seus cursos é a equivalência entre os Extratos seletivos do professor Anderson e
as idéias de Hutcheson. Tal equivalência pode ser constatada pelas citações
diretas ao trabalho de Hutcheson, pela correlação na ordem e no formato de
apresentação dos capítulos e, finalmente, pela analogia de conteúdo.
46
Hutcheson
não só foi professor de Smith, quando este ainda era aluno em Glasgow, e
portanto uma influência inevitável, como também foi uma referência intelectual
para a geração de pensadores escoceses contemporâneos a Smith.
47
A questão mais interessante que emerge da comparação do trabalho de
Hutcheson e Adam Smith refere-se à forma na qual os diferentes tópicos são
apresentados. As considerações sobre preço, juros e dinheiro na obra de
Hutcheson estão inserida na discussão sobre contratos. Nos Extratos seletivos do
professor Anderson, os tópicos sobre economia também estão colocados no
contexto da discussão sobre contratos, seguindo a mesma forma que o trabalho
de Hutcheson, evidenciando que nos primeiros anos em Glagow, Smith seguiu as
idéias de seu mestre muito de perto.
48
45
Ibid., pp. 430-1.
46
Ibid., p. 440.
47
Ibid., pp. 461-6.
48
Ibid., pp. 461-6.
30
A versão 1762-3 das notas de aula segue a ordem de apresentação dos
tópicos inicialmente proposta por Hutcheson, porém a discussão sobre economia
é colocada em um novo capítulo, independente das discussões sobre contrato. Na
versão 1763-4 das notas de aula, Smith altera a forma de apresentação,
rompendo integralmente com a ordem proposta por Hutcheson.
49
Sobre o período de Glasgow, existem muitas questões sobre as quais não se
pode formular mais do que conjecturas para respondê-las. Ainda assim, pode-se
dizer que Hutcheson emerge como uma referencia muito importante no começo da
carreira intelectual de Smith. A comparação dos documentos disponíveis revela
que no início da década de 1750 as aulas de Smith sobre jurisprudência seguiram
o modelo de Hutcheson e, no decorrer dos anos, Smith não só ampliou como
alterou suas idéias, especialmente no que se refere aos aspectos econômicos da
sua obra.
No artigo “The development of Adam Smith’s ideas on the division of labour”,
publicado em 1973, R. L. Meek e A. S. Skinner discutem as diferentes expressões
das idéias de Adam Smith sobre a divisão do trabalho no período de Galsgow. Os
autores comparam as passagens que abordam exclusivamente a divisão do
trabalho nas duas versões das Conferências de Glasgow, no Rascunho preliminar
de A riqueza das Nações, e nos dois Fragmentos.
50
49
Ibid., pp. 461-66.
50
R. L. Meek & A. S. Skinner, “The development of Adam Smith’s ideas on the division of labour”, in The
Economic Journal, pp. 1094-1116.
31
A comparação entre as fontes primárias será objeto do terceiro capítulo
desta dissertação. Por hora é importante apenas ter em vista que na visão de
Meek e Skinner não há razão para supor que existisse alguma diferença
significativa entre o conteúdo apresentado em 1762-3 e as aulas do ano seguinte.
Além disso, os autores afirmam que o Rascunho e os dois Fragmentos, apesar de
serem peças distintas, apresentam conteúdo complementar.
51
Do ponto de vista historiográfico, existe uma diferença entre o artigo escrito
por Meek & Skinner e a proposta de estudo da presente dissertação. Os dois
autores abordam a divisão do trabalho do ponto de vista econômico, sem levar em
conta outros aspectos do pensamento de Smith que podem ser revelados pela
análise das fontes primárias.
Após analisar detalhadamente as fontes e compará-las com a expressão
final das idéias de Smith contidas em A riqueza das nações, Meek & Skinner
afirmam que o conceito de divisão do trabalho não implica apenas a distribuição
das tarefas entre diferentes indivíduos, mas requer que o trabalhador se
especialize em uma função determinada. Os autores concluem afirmando que o
perfeito estabelecimento da divisão do trabalho e a conseqüente especialização
da atividade produtiva na obra de Smith só ocorrem nas sociedades comerciais
em que o mercado está plenamente desenvolvido.
52
51
Ibid., pp. 1094-1109.
52
Ibid., pp. 1108-1109.
32
Conforme mencionado anteriormente, esta dissertação não tem como
objetivo analisar os efeitos econômicos da divisão do trabalho, nem a contribuição
teórica das idéias de Smith sobre divisão do trabalho à ciência econômica. O que
se pretende aqui é mapear o contorno científico que envolve a obra de Smith,
tendo em vista que a percepção dos benefícios econômicos da divisão do trabalho
provavelmente está vinculada ao processo de especialização da ciência.
Salim Rashid, no artigo “Adam Smith and the Division of Labour: a historical
view”, publicado em 1986, analisa os predecessores britânicos que abordaram a
divisão do trabalho e as possíveis fontes que influenciaram a obra de Smith.
53
Rashid identifica duas questões principais sobre o conceito de divisão do
trabalho na literatura anterior a publicação de A riqueza das nações. A primeira
refere-se a percepção que a divisão do trabalho acarreta o aumento da
produtividade; a segunda, refere-se a relação entre divisão do trabalho e extensão
do mercado.
54
Rashid afirma que os benefícios econômicos da especialização do trabalho
eram explicitamente postulados em obras publicadas no final do século XVII e
início do seguinte. Segundo o autor, na obra Political Arithmetick publicada em
1690, Willian Petty (1623-1687) descreve os benefícios da divisão do trabalho em
três circunstâncias: primeiro, em relação ao aumento da habilidade na fabricação
53
S. Rashid, “Adam Smith and the division of labour: a historical view”, in Scottish Journal of Political
Economy, pp. 292-7.
54
Ibid., p. 292.
33
de tecidos; depois, em relação à vantagem que a especialização do transporte
marítimo confere à marinha mercante holandesa; e, finalmente, em relação aos
benefícios da divisão do trabalho na fabricação de relógios.
55
Segundo Rashid a obra de Petty era uma referência importante e bastante
conhecida no final do século XVII e início do XVIII, pois os três exemplos citados
foram empregados por escritores e políticos para ilustrar os benefícios
econômicos da divisão do trabalho. O tratado Considerations on the East-India
Trade e a Fable of the bees são duas das obras em que se pode encontrar
referências aos exemplos citados por Petty. Henry Maxwell, um membro do
parlamento, repetiu o argumento de Petty a favor da especialização na fabricação
de tecido em um artigo publicado em 1721 na Weekly Observations of the Dubin
Society. Segundo Rashid, um exemplar desta publicação fazia parte do acervo de
Smith.
56
O levantamento da literatura realizado por Rashid revela que não estava
claro aos estudiosos britânicos que precederam Smith de que o aprofundamento
da divisão do trabalho é limitado pela extensão do mercado. Petty, embora
afirmasse que a marinha mercante holandesa disponibilizasse um tipo específico
de embarcação para cada ramo do comércio, não compreendeu a importância
55
Ibid., pp. 293-4.
56
Ibid., p. 293.
34
desta proposição e apenas descreveu as características da frota holandesa sem
estabelecer nenhuma relação entre divisão do trabalho e mercado.
57
Rashid conclui afirmando que a contribuição de Adam Smith se refere ao
destaque e a clareza com que este autor escocês compreendeu os efeitos da
divisão do trabalho. Segundo Rashid, Smith não foi original ao escrever sobre a
divisão do trabalho, mas a ênfase que ele atribuiu a este elemento como o
principal fator responsável pelo crescimento econômico não encontra precedente
entre os seus contemporâneos e deve ser destacada como uma contribuição
original. Ao demonstrar com clareza a importância da extensão do mercado para o
aprofundamento da divisão do trabalho, Smith mais uma vez revelou ter sido
capaz de enxergar de forma original as conseqüências de uma fato que já era
conhecido entre os seus contemporâneos.
58
E. G. West, no artigo “Adam Smith’s two views on the division of labour”
publicado em 1964, discute as diferentes abordagens e a possível contradição no
tratamento da divisão do trabalho e suas conseqüências na obra de Adam Smith.
No Livro I de A riqueza das nações, a análise da divisão do trabalho, do ponto de
vista econômico, evidencia os benefícios morais e intelectuais desta para os
trabalhadores, como para o aprimoramento das forças produtivas. Em
contrapartida, no Livro V, a análise sociológica dos efeitos da divisão do trabalho
57
Ibid., pp. 294-5.
58
Ibid., p. 297.
35
revela que esta acarreta a degeneração moral e a estultice mental dos
trabalhadores.
59
Segundo West, a sentença de abertura do Livro I, o mais lido e conhecido de
A riqueza das nações, indica que a divisão do trabalho ocupa um lugar de
destaque na obra de Smith.
60
Nas palavras de Smith:
O maior aperfeiçoamento das forças produtivas do trabalho e a
grande parte da habilidade, destreza e discernimento com que ele
é em todos os lugares dirigido ou aplicado parecem ter sido os
efeitos da divisão do trabalho.
61
Os três primeiros capítulos de A riqueza das nações (na visão de West, os
mais bem elaborados) tratam da economia da divisão do trabalho. O primeiro
capítulo apresenta uma combinação equilibrada entre ilustração empírica e análise
a priori. Neste capítulo, o exemplo da organização das atividades no interior de
uma manufatura de alfinetes em 18 pequenas tarefas é empregado por Smith para
ilustrar as três proposições — aumento da destreza, economia de tempo e
invenção de máquinas — que explicam o aumento da produtividade decorrente da
divisão do trabalho.
62
Citando novamente Smith:
59
E. G. West, “Adam Smith’s two views on the division of labour”, in Economica, pp. 23-32.
60
Ibid., p. 23.
61
A. Smith, A riqueza das nações, p. 7.
62
E. G. West, op. cit., p. 24.
36
O grande aumento da quantidade de trabalho que, em
conseqüência da divisão do trabalho, o mesmo número de
pessoas é capaz de executar deve-se a três diferentes
circunstâncias: em primeiro lugar, ao aumento da destreza de
cada trabalhador; em segundo lugar, à economia de tempo que
normalmente se perdia ao passar de uma tarefa a outra; e,
finalmente, à invenção de um grande número de máquinas que
facilitam e abreviam o trabalho, permitindo que um homem faça o
trabalho de muitos.
63
No segundo capítulo, é discutida a gênesis da divisão do trabalho, um
processo que não depende de nenhuma política pública ou regulação estatal, mas
decorre da propensão natural do homem a permutar. Para obter aquilo que
necessita, através da permuta, o cidadão não recorre a benevolência alheia, mas
ao amor próprio.
64
A divisão do trabalho, da qual resultam tantas vantagens, não
procede originalmente da sabedoria humana, que prevê e projeta
essa riqueza geral a que dá origem. É antes a conseqüência
necessária, embora muito lenta e gradual, de uma certa
propensão na natureza humana que não almeja utilidade tão
abrangente: a propensão a cambiar, permutar e trocar uma coisa
pela outra.
65
O terceiro capítulo é dedicado a demonstrar que a divisão do trabalho é
limitada pela extensão do mercado, pois a especialização depende da existência
63
A. Smith, A riqueza das nações, p. 11.
64
E. G. West, op. cit., p. 24.
65
A. Smith, A riqueza das nações, p. 18.
37
de condições para que os trabalhadores troquem o produto excedente de seu
trabalho.
66
Nas palavras de Smith:
Como é o poder de troca que origina a divisão do trabalho, a
extensão dessa divisão deve ser sempre limitada pela extensão
desse poder, ou, em outras palavras, pela extensão do mercado.
67
Segundo West, Adam Smith não foi o primeiro a escrever sobre a divisão do
trabalho, mas nenhum outro autor atribuiu importância tão grande a este elemento
no processo de desenvolvimento econômico. A divisão do trabalho é em A riqueza
das nações, o principal, senão o único, fator responsável pelo crescimento
econômico e a própria noção de civilização está associada a este conceito
68
.
Adam Smith afirma que o trabalhador mais simples e pior remunerado em uma
sociedade civilizada, desfruta de um conforto material muito superior ao que o
chefe de uma nação selvagem pode usufruir; essa superioridade é resultado do
aprofundamento da divisão do trabalho e indica o grau de civilização de uma
sociedade.
West afirma que as três proposições — aumento da destreza, economia de
tempo e invenção de máquinas — que explicam o aumento da produtividade,
pressupõem que a divisão do trabalho provoca transformações no caráter
humano. O aumento da destreza indica que o trabalhador que se especializa em
66
E. G. West, op. cit., p. 24.
67
A. Smith, A riqueza das nações, p. 23.
68
E. G. West, op. cit., p. 24.
38
uma determinada tarefa realiza a sua atividade específica com maior habilidade e
competência do que de outra forma. A economia de tempo, implicitamente indica
que naqueles trabalhos em que se deve realizar inúmeras tarefas, utilizando
diferentes ferramentas e trocando de lugar constantemente, a atenção do
trabalhador tende a dispersar-se e este torna-se, com freqüência, indolente e
preguiçoso. A terceira proposição contém o argumento mais interessante e
conclusivo sobre os efeitos favoráveis da divisão do trabalho. A invenção de novas
máquinas pressupõe o aumento da atenção e da inteligência; trabalhadores
dedicados a uma atividade específica estariam mais propensos a descobrir novos
equipamentos para abreviar o seu trabalho, a partir daí todo o tipo de tecnologia
seria inventada.
69
Este processo não se restringe a tarefas artesanais, até mesmo
os “filósofos, ou homens de especulação, cujo oficio é nada fazer, mas tudo
observar”
70
se tornam mais produtivos na medida em que podem concentrar seu
foco em apenas um objeto de estudo.
A posição contrária a divisão do trabalho contida no Livro V, expressa pela
constatação de que esta prática provoca a degradação moral e intelectual dos
trabalhadores, contradiz a argumentação contida no Livro I, que claramente
sugere os seus efeitos favoráveis, seja em relação ao aumento da capacidade
mental do homem, como ao aumento da quantidade de bens produzidos pelo
trabalho. West destaca que a percepção dos efeitos negativos da divisão do
trabalho sobre o operário surpreendentemente serve como argumento para Smith
69
Ibid., p. 24.
70
A. Smith, A riqueza das nações, p. 14.
39
defender, de modo excepcional, a interferência do Estado, oferecendo através do
ensino meios para os trabalhadores se emanciparem.
71
A medida que progride a divisão do trabalho, o emprego da
grande maioria dos que vivem do trabalho, ou seja, o grande
corpo do povo, passa a se confinar a poucas operações bastante
simples – freqüentemente duas ou três. Ora, são os empregos
normais que formam necessariamente, o entendimento da maior
parte dos homens. O homem que passou a vida inteira realizando
pouquíssimas operações bastante simples, cujo resultado é
sempre o mesmo ou quase o mesmo, não tem nenhuma
oportunidade de exercitar o entendimento ou exercitar a sua
inventividade para descobrir expedientes que removam
dificuldades jamais enfrentadas. Portanto, naturalmente perde o
hábito de fazer esse esforço e em geral se torna tão estúpido e
ignorante como é possível uma criatura humana tornar-se. (...)
Assim, [o operário] parece adquirir destreza em sua atividade
especifica as custas de suas virtudes intelectuais, morais e
marciais. Ora, em toda a sociedade desenvolvida e civilizada é
esse o estado em que o pobre trabalhador, ou seja, o grande
conjunto do povo, deve necessariamente cair, a menos que o
governo faça alguns esforços para impedi-lo.
72
Segundo West, a contribuição de Smith para história do pensamento pode
ser avaliada a partir de diferentes circunstâncias. A riqueza das nações representa
para a maior parte dos economistas um grande avanço no método de análise.
Segundo este ponto de vista, a contribuição de Smith não se refere ao que ele
71
E. G. West, op. cit, p. 25.
72
A. Smith, A riqueza das nações, pp. 987-8.
40
escreveu, mas como escreveu sobre economia merece maior reconhecimento.
West destaca que a economia não foi o único campo a que Smith empregou seu
método de análise. Na parte final de A riqueza das nações, a análise sociológica
dos efeitos da divisão do trabalho responde pela inconsistência e contradição dos
argumentos apresentados respectivamente no Livro I e V.
73
Nathan Rosenberg, no artigo “Adam Smith’s on the division of labour: two
views or one?”, contesta o argumento apresentado por West, segundo o qual a
forma como Adam Smith analisa a divisão do trabalho é contraditória. A discussão
sobre a divisão do trabalho em A riqueza das nações é de suma importância, pois
cumpre um papel seminal tanto para o desenvolvimento do pensamento
econômico, como para a crítica das instituições capitalistas. Por um lado, a análise
feita por Smith sobre os benefícios da especialização do trabalho e da troca de
bens forneceu, e pode-se dizer, ainda fornece o substrato do qual a ciência
econômica é nutrida. Por outro, a constatação, aparentemente posterior e
contraditória, dos efeitos deletérios da divisão do trabalho sobre os operários,
serve como base para a crítica socialista das instituições capitalistas.
74
Rosenberg examina o tratamento da divisão do trabalho do ponto de vista
dos determinantes da atividade inventiva — um elemento central na obra de Smith
— dado que a perspectiva de crescimento econômico e aumento da renda per
capita a longo prazo dependem da criação de novos padrões tecnológicos.
73
E. G. West, op. cit., pp. 26-8.
74
N. Rosenberg, “Adam Smith on the division of labour: two views or one?”, in Economica, pp. 127-39.
41
Segundo este ponto de vista, a discussão sobre a divisão do trabalho e suas
conseqüências se torna muito mais complexa e livre de inconsistências que
podem existir a primeira vista, pois Smith encara a atividade inventiva como um
processo de múltiplas dimensões.
75
Na visão de Smith, a invenção de novos instrumentos, máquinas e processos
de trabalho é conseqüência da divisão do trabalho, que promove a especialização
do trabalhador a um número restrito de operações simplificadas. Concentrando
seus esforços em um número mínimo de atividades, o trabalhador estaria apto a
descobrir maneiras de abreviar e facilitar as suas tarefas. A leitura do Livro I de A
riqueza das nações freqüentemente conduz a uma interpretação equivocada,
segundo a qual a invenção de novas máquinas seria o resultado apenas do
aumento da inteligência do trabalhador, decorrente da especialização do trabalho;
tal interpretação inevitavelmente se contrapõe a constatação feita por Smith no
Livro V, de que os trabalhadores se tornam mais estúpidos a medida que aumenta
a divisão do trabalho.
76
Segundo Rosenberg, a atividade inventiva é um processo de múltiplas
dimensões na obra de Adam Smith e a divisão do trabalho promove a invenção de
novas máquinas de diversas maneiras. Em primeiro lugar, através do
direcionamento da atenção do trabalhador a um número reduzido de operações,
este se dedica com maior zelo e curiosidade ao trabalho. Sem a necessidade de
75
Ibid., p. 128.
76
Ibid., p. 128.
42
se deslocar de uma atividade para outra, a mente está menos sujeita a distrações
e o trabalho é realizado com uma aplicação vigorosa. Conseqüentemente,
aumenta a possibilidade de se efetuar melhorias que otimizem a realização do
trabalho; na visão de Smith, a inventividade é resultado não do aumento da
inteligência, mas do foco e concentração do trabalhador a uma atividade
específica.
77
Em segundo lugar, a motivação ocupa um papel de destaque na visão de
Smith sobre a atividade inventiva. A maneira como o arranjo institucional influencia
as decisões dos indivíduos – algumas vezes harmonizando interesse privado e
público, outras, interpondo-os – é uma preocupação constante em A riqueza das
nações. Possivelmente o exemplo mais claro da importância da motivação para a
invenção de novas máquinas seja o caso da escravidão. Quando o indivíduo não
encontra a menor possibilidade de melhorar a sua condição através do aumento
da produtividade, não existe o menor incentivo para a criação de mecanismos que
abreviem o trabalho. No caso de um escravo que não pode adquirir nenhuma
propriedade, o seu único interesse é comer o máximo e trabalhar o mínimo que
pode.
78
Finalmente, existe uma hierarquia na atividade inventiva a qual varia
segundo o grau de complexidade e requer diferentes competências técnicas,
sofisticação analítica, capacidade de síntese e criatividade intelectual. Smith
77
Ibid., p. 129.
78
Ibid., p. 130.
43
distingue a capacidade de fazer pequenas invenções, da destreza e engenho
necessários para modificar, melhorar e aplicar os novos inventos a finalidades
diversas do inicialmente planejado. No estágio mais simples e rude da sociedade,
a invenção de dispositivos que simplificam o trabalho foi inicialmente realizada por
trabalhadores comuns. No estágio seguinte, o aperfeiçoamento das máquinas
mais simples, provavelmente ocorreu devido ao engenho de artesões, os quais se
dedicavam unicamente ao ofício de fabricar equipamentos, como no caso do
construtor de moinhos. No estágio de maior complexidade e sofisticação, a
invenção requer discernimento, síntese, criatividade e capacidade de combinar
diferentes formas de conhecimento para finalidade jamais imaginadas antes,
atributos dos filósofos que se dedicam apenas a refletir sobre os fenômenos
naturais e a forma de promover benfeitorias para a sociedade.
79
Do ponto de vista da atividade inventiva a divisão do trabalho resulta em um
processo coletivo de criatividade e desenvolvimento de novas tecnologias, o qual
deve ser analisado de forma ampla, sem perder de vista a sua complexidade.
Embora o trabalhador comum que se dedica a uma única atividade de fato seja
capaz de inventar algumas máquinas muito simples e propor novas formas de
realizar tarefas antigas, não significa que a divisão do trabalho o estimule
intelectualmente. No modelo de Smith, invenções mais sofisticadas envolvem o
trabalho de homens educados em diferentes áreas do saber, com experiência e
competência para combinar o seu vasto conhecimento para algum propósito
79
Ibid., pp. 132-3.
44
específico. O abismo que separa a atividade do trabalhador comum e do filósofo,
deixa espaço para o reconhecimento que a divisão do trabalho pode ter efeitos
negativos sobre os operários.
80
Rosenberg concilia a aparente contradição entre os Livros I e V de A riqueza
das nações argumentando que nas sociedades modernas embora ocorra uma
enorme proliferação do número de atividades produtivas, o trabalhador individual é
confinado a tarefas cada vez mais restritas e monótonas. A constatação que os
trabalhadores se tornam mais hábeis a cumprir atividades específicas as custas
de suas virtudes morais, intelectuais e marciais, é perfeitamente conciliável com a
idéia de que a divisão do trabalho estimula o progresso tecnológico e econômico
da sociedade. Rosenberg afirma que Smith demonstra uma acurada percepção de
que os efeitos da divisão do trabalho não se resumem aos benefícios econômicos
e tecnológicos, mas provoca conseqüências humanas e sociais, as quais são
expostas na parte final de A riqueza das nações.
81
80
Ibid., pp. 134-5.
81
Ibid., pp. 138-9.
45
CAPÍTULO II:
A Royal Society of Edinburgh e o cenário cientifico escocês
A história da Royal Society of Edinburgh, expressão escocesa do processo
de institucionalização do conhecimento, é um exemplo de particular interesse no
caso desta dissertação, pois revela aspectos importantes do que foi a ciência na
Escócia no mesmo período em que Adam Smith viveu e escreveu seus trabalhos.
Campbell & Smellie, no livro The Royal Society of Edinburgh (1783-1983):
the first two hundred years, afirmam que a fundação da Royal Society of
Edinburgh for the advancement of learning and useful knowledge, em 1783, foi
fruto da iniciativa de três importantes instituições culturais — a Universidade de
Edimburgo, a Faculty of Advocates e a Philosophical Society of Edinburgh (P.S.E.)
— que decidiram criar uma sociedade para cultivar as diferentes formas de
conhecimento e sabedoria através da promoção de conferências, da publicação
de ensaios e trabalhos e da criação de uma biblioteca.
82
Segundo os autores, embora a primeira reunião da Royal Society of
Edinburgh (R.S.E.) tenha ocorrido apenas no dia 4 de agosto de 1783, as origens
82
N. Campbell & R. M. S. Smellie, The Royal Society of Edinburgh (1783-1983): the first two hundred years,
pp. 1-20.
46
desta sociedade remetem às atividades de duas outras instituições fundadas na
primeira metade do século XVIII.
83
A primeira instituição a ser citada é a Society for the Improvement of Medical
Knowledge, fundada em 1731, que teve como principal colaborador o Dr.
Alexander Monro primus (1697-1767), primeiro professor de anatomia da
Universidade de Edimburgo. Esta sociedade foi responsável pela publicação de
cinco volumes, reunindo artigos escritos pelos professores da Universidade,
conhecidos como Medical Essays and Observations, que contribuíram para
construir a reputação da escola de medicina da Universidade de Edimburgo.
84
Em 1737, o professor Colin Maclaurin propôs a ampliação do leque de
interesses da sociedade médica através da criação de uma nova instituição que
viria a se chamar Edinburgh society for the improving Arts and Sciences and
particulary Natural Knowledge ou, de forma abreviada, Philosophical Society of
Edinburgh (P.S.E.). Além de temas ligados à medicina, a nova sociedade deveria
compreender áreas do conhecimento como literatura e filosofia natural. A P.S.E.
foi responsável pela publicação da coletânia Essays and Observations, Physical
and Literary contendo ensaios produzidos por seus membros, cuja primeira edição
data de 1754 e a segunda e terceira edições respectivamente de 1756 e 1771.
85
83
Ibid., p. 2.
84
Ibid., p. 2.
85
Ibid., pp. 2-3.
47
Segundo Campbell & Smellie, a P.S.E. foi a predecessora imediata da
R.S.E.. Entre o início das suas atividades em 1737 e a dissolução em 1783, a
P.S.E. foi o fórum que reuniu os estudiosos dedicados ao conhecimento natural.
Porém, a década de 1770 e o início dos anos 1780 caracterizam-se como uma
fase de inércia e declínio das atividades da P.S.E., refletindo em grande parte a
inadequação desta sociedade para promover o desenvolvimento da ciência.
86
A dissolução da P.S.E. e o requerimento do Título Real para a fundação da
R.S.E. são etapas de uma mesma seqüência que reflete a reordenação das
instituições intelectuais de Edimburgo, através da constituição de uma nova
sociedade mais abrangente e composta por um número maior de pesquisadores.
Ao menos em tese, a R.S.E. estava aberta ao desenvolvimento de todas as
formas de conhecimento, das humanidades ao conhecimento natural.
Adam Smith era membro da P.S.E. desde 1752 e foi um dos fundadores da
R.S.E. em 1783.
87
O Duque de Buccleuch foi eleito o primeiro presidente da
R.S.E. Todos os sessenta membros que compunham a P.S.E. até o final de 1782
foram convidados a integrar a R.S.E., sendo que cinqüenta e oito aceitaram o
convite. Além destes, foram convidados os principais advogados e juízes de
Edimburgo, os ministros mais importantes da Igreja da Escócia e um grupo seleto
de nobres e membros da aristocracia política. Os professores da Universidade de
Edimburgo e das demais universidades escocesas (St. Andrews, Aberdeen e
86
Ibid., pp. 2-3.
87
I. S. Ross, op. cit., p.370.
48
Glasgow) foram convidados com o objetivo de atrair uma representatividade para
a R.S.E. que não se limitasse a Edimburgo.
88
O grupo original que integrava a R.S.E. era composto por um total de 165
membros, divididos em dois grupos. O primeiro grupo, denominado Literary Class,
era composto por noventa e três integrantes que se dedicavam a áreas do
conhecimento como literatura, filosofia, história e antiguidades. Adam Smith e
Henry Mackenzie (1745-1831) estavam entre os membros desse grupo. O
segundo grupo, denominado Physical Class, era composto por setenta e dois
integrantes que se dedicavam aos campos da matemática, física, química,
medicina e história natural. Joseph Black, James Hutton e James Watt estavam
entre os integrantes deste grupo.
89
Durante as duas primeiras décadas de existência da R.S.E., ambos os
grupos eram igualmente ativos. Porém, em 1832, a extinção da Literary Class pôs
fim à separação das atividades em dois grupos. Mais de um século depois, na
década de 1970, a Literary Class foi restabelecida entre as atividades da
sociedade. Neste intervalo, a R.S.E. tornou-se uma instituição
preponderantemente dedicada ao cultivo das ciências naturais.
90
Segundo Campbell & Smellie, o projeto de uma nova sociedade estabelecida
sob a patente real não foi motivado apenas pelo ideal de criar um espaço para
88
N. Campbell & R. M. S. Smellie, op. cit., pp. 5-6.
89
Ibid., p. 7.
90
Ibid., pp. 7-8.
49
promover e cultivar o conhecimento natural. Os autores afirmam que a fundação
da R.S.E. foi um evento complexo, motivado por fatores que não se restringem às
demandas intelectuais e científicas do final do século XVIII na Escócia. A P.S.E., a
Faculty of Advocates e a Universidade de Edimburgo teriam decidido apresentar
uma petição oficial para obtenção de um Título Real em virtude da concorrência
que a Society of Antiquaries of Scotland (S.A.S.) impôs às demais instituições
intelectuais de Edimburgo.
91
Em 1780, a S.A.S. foi fundada pelo 11º Conde de Buchan (1742-1829) com o
objetivo de criar uma alternativa às já estabelecidas e tradicionais instituições de
Edimburgo para promover o conhecimento natural e as antiguidades escocesas
92
.
Proferir conferências sobre história natural e estabelecer um museu de história
natural e antiguidades escocesas eram as atividades propostas pela S.A.S.. As
conferências e o estabelecimento de um museu de história natural motivaram a
oposição dos professores da Universidade, que enxergavam esta iniciativa como
uma ameaça a seus interesses, pois a cadeira de História Natural e um museu
dedicado a este tema já existiam na Universidade. O estabelecimento, pela S.A.S.,
de um museu para abrigar peças de antiquário e raridades escocesas colidia com
os interesses da Faculty of Advocates, cuja biblioteca não só continha um acervo
de livros e manuscritos, como abrigava uma coleção de antiguidades escocesas.
93
91
Ibid., p. 3.
92
A expressão em inglês, antiquities of Scotland, refere-se não só a objetos de antiquário, mas a todo um
conjunto de tradições e valores que compõem a memória escocesa.
93
N. Campbell & R. M. S. Smellie, op. cit., p. 3.
50
O Duque de Buccleuch e o Conde de Buchan, respectivamente presidente
da R.S.E. e fundador da S.A.S., duas instituições rivais no ambiente intelectual
escocês, foram ambos alunos de Smith. Entre 1764 e 1766 Smith acompanhou o
Duque à França de quem foi tutor particular.
94
O Conde foi aluno de Smith em
Glasgow no início da década de 1760.
95
Em 1782, o Conde de Buchan decidiu solicitar à coroa britânica o Título Real,
a fim de assegurar à S.A.S. o status necessário para ministrar conferencias e
sediar um museu. Uma patente real também projetaria a S.A.S. além dos
domínios de Edimburgo, o que acirrou ainda mais a oposição às pretensões do
Duque de Buchan. Os membros da P.S.E., em especial, não podiam aceitar que a
face mais visível da ciência na Escócia tivesse a imagem de uma instituição
marginal, como de fato teria ocorrido se apenas a S.A.S. tivesse obtido o Título
Real.
96
Exatamente no mesmo dia — 6 de maio de 1783 — a R.S.E. e a S.A.S.
receberam seus Títulos Reais sob o Grande Selo de Edimburgo.
97
94
I. S. Ross, op. cit., p 195.
95
Ibid., pp. 136-137.
96
N. Campbell & R. M. S. Smellie, op. cit.,p. 4.
97
Ibid., p. 4.
51
A controvertida fundação da Royal Society of Edinburgh
A história da fundação da R.S.E. será utilizada como uma amostra das
transformações que estavam ocorrendo no cenário científico escocês no século
XVIII. Para tanto, a discussão sobre os fatores que levaram à fundação da R.S.E.
será aprofundada através da analise de dois historiadores, Steven Shapin e R. L.
Emerson, que fazem leituras muito diferentes sobre os mesmos acontecimentos.
No artigo “Property, patronage, and politics of science: the founding of the
Royal Society of Edinburgh”, publicado em 1974, Steven Shapin destaca os
fatores políticos que motivaram a fundação da R.S.E. Shapin, inicialmente analisa
a carreira da P.S.E. ao longo do século XVIII para demonstrar que a existência de
fatores além dos estudos científicos afetaram o arranjo institucional na Escócia.
98
Segundo Shapin, a Philosophical Society of Edinburgh (P.S.E.), fundada em
1737 com o propósito de aliar o desenvolvimento do conhecimento natural e sua
aplicação a demandas concretas da sociedade, era um fórum composto por
professores ligados à Universidade de Edimburgo, por membros da elite
profissional da cidade e nobres proprietários de terra
99
.
Shapin destaca a importância do matemático Colin Maclaurin (1698-1746),
designado como professor na Universidade de Edimburgo em 1725, como um dos
mentores do arranjo institucional da P.S.E.. Segundo Shapin, a idéia de criar uma
98
S. Shapin, “Property, patronage, and politics of science: the founding of the Royal Society of Edinburgh”,
in The British journal of History of Science, p. 1-41.
99
Ibid., pp. 6-11.
52
sociedade geral de humanidades e ciência, que reunisse não apenas os
professores mas também os homens eruditos da aristocracia rural, foi concebida
por ele. Assim, a P.S.E. nasceu como a instituição destinada a promover o
conhecimento natural e a história escocesa, aliando a competência cientifica dos
professores ao apoio e à visão dos virtuosi de Edimburgo.
100
Para Shapin, a composição da P.S.E. na primeira metade do século XVIII
revelava alguns aspectos de seus objetivos. Os estudiosos qualificados para
produzir trabalhos de caráter científico na sociedade eram em grande parte
médicos e professores de medicina ligados a Universidade. Um grupo competente
e ativo que foi responsável pela maioria dos trabalhos apresentados nos primeiros
anos da sociedade. Os interesses da sociedade, contudo, não se restringiam à
medicina, como a própria participação do professor Maclaurin na fundação da
P.S.E. evidencia.
101
O estatuto da P.S.E. estabelecia que 1/3 dos sessenta membros da
sociedade deveriam ser nobres e cavalheiros que não faziam da filosofia natural a
sua profissão exclusiva. Os nobres que integravam a P.S.E. eram proprietários de
terras ávidos por temas relacionados à agricultura e ao desenvolvimento
econômico. Este grupo compunha uma audiência interessada nas aplicações
práticas da ciência. James Douglas (1702-1768), 14º
Conde de Morton foi o
primeiro presidente da sociedade. Grande proprietário de terra e membro do
100
Ibid., pp. 7-8.
101
Ibid., pp. 6-11.
53
parlamento, Morton representava o perfil do típico virtuosi que integrava a P.S.E..
Além disso, Conde Morton foi um astrônomo com vários trabalhos publicados,
patrono da ciência e presidente da Royal Society of London de 1764 a 1768.
102
Segundo Shapin, os fundadores da P.S.E. estavam empenhados em unir a
busca do saber com o poderoso incentivo dos patronos. Reunindo aqueles que
possuíam competência para cultivar o conhecimento natural aos nobres que
empregavam seus títulos, influência e dinheiro para promover as atividades da
sociedade, a P.S.E. foi o veículo adequado para sensibilizar a aristocracia
escocesa dos benefícios que a ciência poderia promover, ao mesmo tempo que
emprestava status e visibilidade para o desenvolvimento desta.
103
Shapin afirma que no decorrer do século XVIII os membros da PSE
produziram trabalhos que contribuíram para destacar esta sociedade escocesa
como um corpo competente cuja qualidade e reputação em solo britânico eram
suplantadas apenas pelos trabalhos da Royal Society of London . Shapin cita
Joseph Back (1728-1799), que em 1756 publicou o trabalho “Experiments upon
magnesia alba” nos Essays and observations, physical and literary. Black era
formado em medicina, foi professor em Glasgow e, posteriormente, em
Edimburgo. Apesar de ter publicado pouco, produziu importantes contribuições no
102
Ibid., p. 8.
103
Ibid., pp. 7-8.
54
campo da química.
104
Black não só foi um dos executores testamentários de
Smith, como seu amigo e importante interlocutor.
105
O presidência da P.S.E. entre 1768 e 1782 foi ocupada por Henry Home
(1696-1782), Lorde Kames, um advogado erudito e ativo que se destacou como
um dos principais patronos da ciência escocesa, além de homem de grandes
realizações na agricultura. No direito, Lorde Kames construiu sua carreira atuando
na magistratura, onde chegou a ocupar importantes cargos como juiz. Na
agricultura, Kames incentivou a aplicação do conhecimento natural para melhorar
a produtividade dos campos escoceses, escreveu livros sobre o tema e realizou
importantes benfeitorias nas terras herdadas por sua esposa.
106
Smith foi um dos intelectuais escoceses que se beneficiou do apoio de Lorde
Kames, quando este era apenas vice-presidente da P.S.E. no final da década de
1740.
107
Segundo Shapin, sob a influência de homens como Lorde Kames, a P.S.E.
se constituiu no espaço adequado para aliar pesquisa e crescimento econômico.
Os estudiosos que freqüentavam as reuniões da P.S.E. eram motivados a
pesquisar temas que poderiam ser aplicados à economia, em especial, à
agricultura. Os nobres e membros da aristocracia não só empregavam seu status
para promover a sociedade como, de fato, patrocinavam pesquisas e trabalhos
104
Ibid., p. 9.
105
I. S. Ross, op. cit., p. 406.
106
Shapin, op. cit., p. 10.
107
I. S. Ross, op. cit., p. 85.
55
dos membros da P.S.E. Shapin identifica a presidência de Kames como um
período fértil, no qual a P.S.E. contava com um grupo competente que produziu
contribuições significativas para o avanço do conhecimento natural e para o
desenvolvimento agrícola da Escócia.
108
Para Shapin, do ponto de vista das atividades intelectuais, não havia nenhum
motivo relevante que justificasse a mudança de status da P.S.E. após 1780.
Entretanto, com a fundação da R.S.E. em 1783, a P.S.E. foi incorporada a uma
instituição mais ampla (composta por um número muito maior de membros) e mais
formal (submetida a uma patente concedida pela coroa britânica). Na visão de
Shapin, a incorporação da P.S.E. pela sua sucessora com patente real teve como
principal causa a disputa política pelo controle das instituições intelectuais de
Edinburgo.
109
Como já foi citado, a decisão da P.S.E., da Universidade de Edimburgo e da
Faculty of Advocates de solicitar o reconhecimento da coroa para fundar uma nova
sociedade foi uma reação às pretensões da S.A.S. de se projetar no cenário
intelectual das Ilhas Britânicas. Shapin reconhece que era inadmissível para as
instituições dominantes de Edimburgo que uma sociedade marginal como a S.A.S.
pretendesse ministrar conferências, sediar um museu e, acima de tudo, obter um
Título Real. Contudo, o autor identifica um outro motivo que se sobrepõe aos já
108
Shapin, op. cit., pp. 10-11.
109
Ibid., p. 11.
56
mencionados: a disputa entre os grupos políticos Tory e Whig pelo controle das
instituições intelectuais de Edimburgo.
110
Segundo Shapin no último quartel do século XVIII, as instituições intelectuais
de Edimburgo tornaram-se progressivamente influenciadas pela facção Tory. A
preponderância deste grupo político era representada pela aliança entre e o
Duque de Buccleuch e Henry Dundas que se tornaram respectivamente
presidente e vice da R.S.E. em 1783.
111
Henry Dundas (1742-1811), se tornou Lord Advocate para a Escócia em
1775 e, posteriormente, 1º Visconde de Melville em 1802. Dundas começou a
carreira como advogado, se tornou membro da Faculty of Advocates em 1763 e
rapidamente se destacou na magistratura escocesa. Desde então, Dundas
ascendeu politicamente, ocupando diversos cargos públicos. No que se refere à
fundação da R.S.E., é importante destacar que Dundas se tornou uma peça chave
no cenário intelectual escocês, utilizando o patronato como um instrumento de
poder e influência.
112
David Steuart Erskine (1742-1829), o 11º Conde de Buchan, fundador da
S.A.S., era membro da família Erskine, um tradicional clã da facção Whig. O
Conde de Buchan era um aristocrata que promovia o desenvolvimento da
agricultura e atuava como patrono das artes e ciências. Shapin afirma que,
110
Ibid., pp. 15-17.
111
Ibid., p. 15.
112
Ibid., p. 16.
57
embora o Conde de Buchan fosse um típico virtuosi, ocupava uma posição
secundária no cenário intelectual de Edimburgo no século XVIII.
113
A fundação da S.A.S. teria sido motivada pela ambição e vaidade pessoal do
Conde de Buchan em se promover no cenário intelectual de Edimburgo, pois nas
instituições já estabelecidas ele não encontrava espaço para suas pretensões
intelectuais e políticas. Contudo, a decisão de solicitar um título real para a
sociedade de antiquários provocou uma forte oposição, uma vez que contrariava
os interesses do grupo político rival. Henry Dundas via a ascensão de uma nova
sociedade científica dominada pela facção Whig como uma forte ameaça aos seus
interesses, uma vez que a sua força política estava alicerçada no exercício do
patronato.
114
Shapin, conclui que a disputa entre os rivais Tory e Whig, cuja origem reside
em um terreno estranho à ciência, foi um elemento decisivo para a fundação da
R.S.E..
115
Por outro lado, no artigo “The Philosophical Society of Edinburg: 1768-1783”,
publicado em 1985, R. L. Emerson destaca os fatores inerentes à atividade
intelectual como decisivos para a fundação da R.S.E. O autor analisa em
profundidade as atividades da sociedade entre 1768 e 1782 e afirma que as
mudanças no contexto cientifico na Escócia durante a segunda metade do século
113
Ibid., p. 15.
114
Ibid., p. 16.
115
Ibid., pp.15-17.
58
XVIII e a mudança no perfil dos membros da P.S.E. exigiam uma remodelação das
sociedades científicas.
116
Segundo Emerson, entre 1768 e 1783, trinta e sete novos membros foram
aceitos na P.S.E., a partir de uma base de recrutamento significativamente
diferente em relação à primeira metade do século. Após a segunda metade do
Setecentos, o custo do ensino em Edimburgo caiu, permitindo que um número
maior de jovens tivesse acesso a uma educação profissional. Com isso, a base na
qual os membros da sociedade eram selecionados foi ampliada. Neste período
apenas dois nobres entraram para a sociedade, entre eles o Duque de Buccleuch,
que teve o seu ingresso motivado antes por razões políticas do que intelectuais.
Cerca de metade dos novos integrantes pertenciam a famílias cuja renda era
proveniente de lucros obtidos através da atividade comercial ou de remuneração
profissional. Estas famílias, embora detentoras de pequenas propriedades rurais
tinham uma origem muito diferente das famílias aristocráticas de grandes
proprietários fundiários.
117
,
Ainda segundo Emerson, a média de idade dos membros escoceses ao
entrarem na sociedade era 32 anos, sendo que a maior parte deles já estava
casada e estabelecida profissionalmente. Dentre os que entraram para a
sociedade após 1768, treze eram doutores em medicina, um era médico, três
cirurgiões, cinco advogados, dois juizes, dois funcionários públicos, dois ministros,
116
R. L. Emerson, “The Philosophical Society of Edinburgh: 1768-1783” in The British Journal of History of
Science, pp. 255-303.
117
Ibid., pp. 270-1.
59
três professores, um fazendeiro e erudito, um fazedor de instrumentos, um
impressor, e o Duque de Buccleuch. Além dos três professores citados acima,
mais quatro foram apontados como professores e outros lecionaram fora dos
domínios da universidade, paralelamente às atividades profissionais.
118
Emerson
119
diz existirem poucos documentos sobre as reuniões da P.S.E. de
1768 a 1782. As atas e minutas dos encontros da sociedade foram perdidas e
restam poucos manuscritos ou publicação contendo informações sobre os últimos
anos da P.S.E.. A última edição dos Essays and Observations, Physical and
Literary foi publicada em 1771. Segundo o historiador, é possível inferir os
assuntos discutidos nas reuniões a partir do que se conhece sobre os interesses,
as informações biográficas e as obras publicadas pelos membros que pertenciam
à sociedade neste período.
120
Agricultura e as indústrias correlatas integravam o leque de assuntos que
tradicionalmente ocupavam grande parte das reuniões da sociedade desde a sua
fundação em 1737, mas que perderam interesse após 1768. Lord Kames,
presidente da PSE de 1768 até 1782, destaca-se como um patrono da aplicação
do conhecimento natural à agricultura. Além de Kames, alguns membros ainda
sustentaram o interesse por agricultura, reflorestamento, e a indústria do linho ou
da lã, contudo, sem o destaque do período da fundação da sociedade.
121
118
Ibid., p. 273.
119
Ibid., p. 256.
120
Ibid., p. 256 e p. 280.
121
Ibid., p. 275.
60
Para Emerson, o declínio no interesse por agricultura decorre da mudança
no perfil dos membros da P.S.E.. A partir da década de 1760, a sociedade passou
a contar com colaboradores que exerciam ocupações profissionais ligadas a
atividades urbanas que não estavam relacionadas com agricultura. Portanto, os
interesses intelectuais destes profissionais estavam concentrados em assuntos
específicos, relacionados com a sua área de atuação.
122
A conexão da P.S.E. com a atividade industrial era representada por homens
como Jonh Roebuck (1718-1794), um médico com forte interesse em química e
destacado espírito empreendedor. Roebuck foi um dos fundadores em 1759 da
The Caron Iron Company, empresa de grande importância para o
desenvolvimento da Escócia através da produção de ferro. O prestígio de
Roebuck deve-se, acima de tudo, ao apoio que ele e Joseph Black dedicaram a
James Watt na construção da maquina a vapor. Segundo Emerson, a inovação
tecnológica embora fosse um assunto de interesse para os “filósofos” de
Edimburgo, nem sempre era um assunto discutido nas reuniões, uma vez que
algumas inovações industriais envolviam sigilo. Além disso a aplicação do
conhecimento natural à industria sempre ocorria em localidades distantes de
Edimburgo, uma cidade que não experimentou o surto de crescimento industrial
como Glasgow e outras cidades da Grã-Bretanha.
123
122
Ibid., p. 285.
123
Ibid., pp. 274-5.
61
Emerson afirma que embora nenhum comerciante ou homem de negócios
tenha sido eleito para a P.S.E. após 1768, o interesse por temas comerciais ou
industriais dos novos membros aumentou e assumiu uma importância maior a
partir da década de 1760 do que em anos anteriores.
124
Economia e finanças eram temas tradicionalmente discutidos nas reuniões
da P.S.E., e se tornaram ainda mais relevantes para os membros após 1768. O
Duque de Buccleuch serviu como dirigente do Royal Bank of Scotland de 1777 a
1812. Emerson cita David Hume e Adam Smith como exemplo de membros que
produziram contribuições importantes sobre economia.
125
A riqueza das nações, publicada em 1776 e reeditada apenas dois anos
depois, foi uma obra de forte impacto que certamente atraiu a atenção dos
membros da P.S.E.. Não há dúvida que Smith era um intelectual respeitado e que
a sua obra teve forte influência entre os seus contemporâneos. Contudo, o
objetivo desta dissertação é percorrer o caminho inverso, ao investigar de que
forma as atividades da P.S.E. influenciaram o pensamento de Smith.
A exploração mineral e as pesquisas sobre geologia e química eram
assuntos que possivelmente tiveram grande interesse para a P.S.E.. Alguns de
seus membros estavam envolvidos com a administração de minas ou com a
descoberta de novas jazidas, outros dedicavam-se à análise de amostras
minerais, prestavam consultoria sobre técnicas de refinaria ou lecionavam
124
Ibid., p. 274.
125
Ibid., pp. 275-6.
62
disciplinas relacionadas a estes temas nas universidades. Roebuck, Black e
James Hutton (1726-1797), que entrou para a P.S.E. em 1768, são alguns dos
membros que compartilhavam estes interesses.
126
Hutton não só foi um dos
executores testamentários de Smith, como seu amigo e importante interlocutor.
127
Para Emerson, a escassez de fontes sobre as discussões na P.S.E. sobre
minerais ou geologia pode, em parte, ser explicada pelo sigilo com que este
assunto era tratado, uma vez que informações sobre minerais muitas vezes
estavam associadas à especulação financeira.
128
Textos sobre medicina possivelmente eram o tema mais lido e discutido nas
reuniões da P.S.E.. Tradicionalmente, a sociedade sempre comportou um grande
número de médicos, um quadro que não se alterou a partir da década de 1760,
quando a maior parte dos novos membros continuavam a ser recrutados entre os
médicos de Edimburgo. Emerson afirma que trabalhos sobre aneurismas, a
utilização medicinal das chamadas flores de zinco,
129
o tratamento de inflamações,
a praga russa de 1779, a epidemia de influenza de 1781-2, além de diferentes
procedimentos cirúrgicos eram alguns dos temas discutidos nas reuniões.
130
126
Ibid., p. 274.
127
I. S. Ross, op. cit., p. 406.
128
R. L. Emerson, “The Philosophical Society of Edinburgh: 1768-1783” in The British Journal of History of
Science, p. 286.
129
Nomenclatura ainda hoje utilizada para designar o óxido de zinco sublimado.
130
R. L. Emerson, “The Philosophical Society of Edinburgh: 1768-1783” in The British Journal of History of
Science, pp. 281-2.
63
Trabalhos sobre botânica, segundo avaliação de Emerson, compunham o
segundo tema mais discutido.
131
Os tópicos discutidos sobre botânica
freqüentemente estavam associados aos domínios da medicina ou relacionados a
problemas agrícolas. Willian Wright, em 1778, leu perante a sociedade um
trabalho que pode ser apontado como um exemplo interessante da confluência
entre medicina e botânica. O Trabalho intitulado A Botanical and Medical Account
of The Quassia Simaruba (árvore que produz o córtex Simaruba) continha um
breve histórico da descoberta desta planta em 1713. Em seguida, discutia a forma
como Lineu e outros botânicos a classificavam. E, finalmente, apresentava as
formas de preparar medicamentos com o córtex da Simaruba e as possibilidades
de utilização destes medicamentos no tratamento de diferentes doenças.
132
A construção de instrumentos de medida precisos era um desafio que
estimulava a engenhosidade dos membros da P.S.E.. Um terremoto ocorrido em
Manchester em 1777 teria motivado a discussão sobre métodos e instrumentos
para medir tremores de terra. Além disso, entre os membros da sociedade haviam
aqueles que se dedicavam a fabricar e aperfeiçoar barômetros, termômetros e
instrumentos para observação astronômica. Observação de fenômenos e coleta
de dados meteorológicos também estavam entre as atividades desenvolvidas pela
P.S.E..
133
131
Ibid., pp. 281-3.
132
Ibid., p. 282.
133
Ibid., pp. 286-7.
64
Sobre leitura ou discussão de temas ligados à física e matemática na P.S.E.,
Emerson apenas diz não haver nenhum documento relativo a estes tópicos após
1768.
134
Em relação à pesquisa astronômica, Emerson ainda relata a existência
de um observatório, construído nas proximidades de Edimburgo por Sir Andrew
Pringle, que era utilizado pelos membros em suas observações. O trânsito de
Vênus, a descoberta de um novo cometa em 1770 e o eclipse lunar no mesmo
ano, foram eventos que possivelmente motivaram discussões astronômicas na
P.S.E..
135
Em relação à química, embora existam poucos documentos disponíveis,
Emerson afirma que uma sociedade composta por homens como Joseph Black,
James Hutton e John Robison não podia deixar de considerar o estudo da química
como um assunto relevante. Joseph Black, um dos membros que produziu
contribuições importantes no campo da química, possivelmente leu relatórios
sobre seus experimentos com flores de zinco ou sobre o congelamento de
mercúrio. Black manteve intensa correspondência com estudiosos de outras
nacionalidades, o que possivelmente produziu temas que foram discutidos nas
reuniões.
136
Segundo Emerson, no decorrer do século XVIII, a especialização crescente
do saber provocou a fragmentação da unidade de pensamento que
tradicionalmente caracterizava a filosofia natural. A investigação da natureza
134
Ibid., p. 287.
135
Ibid., pp. 288-9.
136
Ibid., p. 287-8.
65
passou a ser realizada por estudiosos que se dedicavam a disciplinas autônomas
e com um comprometimento quase profissional daqueles que se situavam na
vanguarda da pesquisa.
137
No final do século XVIII, era pouco provável que um nobre, com interesse
amador e genérico na ciência acompanhasse os avanços na fronteira do
conhecimento. Com a especialização, a exigência para um estudioso se tornar
proficiente em uma área especifica, praticamente impedia que este se dedicasse
com a mesma qualidade a outros campos do saber. Além disso, a maior parte dos
estudiosos dedicava-se a disciplinas vinculadas a suas respectivas áreas de
atuação, como os médicos de Edimburgo que estudavam botânica ou química.
138
A descrição dos interesses dos estudiosos que integraram a P.S.E.,
apresentada por Emerson, permite compor um painel do que foram as atividades
desta sociedade entre 1768 e 1782. Segundo o historiador, até que novas fontes
ou documentos sejam descobertos, este painel é uma amostra adequada de como
a ciência era praticada no século XVIII.
139
Emerson afirma que os últimos anos da P.S.E. foram um período de inércia,
devido à inadequação do arranjo institucional da sociedade para abrigar a
promoção do conhecimento natural no final do século XVIII. A mudança no perfil e
137
Ibid., p. 292.
138
Ibid., p. 294.
139
Ibid., p. 289.
66
nos interesses dos membros, aliada ao ambiente mais cosmopolita e
especializado acarretaram o declínio e o fim da P.S.E..
140
A especialização do conhecimento como fator relevante para a
organização da Royal Society of Edinburgh
R. L. Emerson, em um segundo artigo publicado em 1988 sob o título “The
Scottish Enlightenment and the End of the Philosophical Society of Edinburgh”,
reconhece a propriedade com que Steven Shapin descreve os acontecimentos
políticos que antecederam a dissolução da P.S.E. em 1783. Contudo, ratifica que
no final do século XVIII o ambiente intelectual havia se transformado de tal forma
que era necessário remodelar as instituições que promoviam o conhecimento
natural.
141
A controvérsia em torno do reconhecimento pelo coroa britânica da R.S.E. e
da S.A.S. evidenciam que o universo intelectual não era imune a disputas
políticas. A constituição destas duas sociedades, em certa medida, revela a
disputa política entre as facções rivais Tory e Whig. De um lado situava-se Henry
Dundas, cuja influência na Universidade de Edimburgo e nas instituições culturais
havia progressivamente aumentado entre a década de 1770 e o fim do século
140
Ibid., pp. 289-94.
141
R. L. Emerson, “The Scottish Enlightenment and the End of the Philosophical Society of Edinburgh” in
The British journal of History of Science, pp. 33-66.
67
XVIII. Do outro, o Conde de Buchan, que havia fundado a S.A.S. como uma forma
de se projetar no cenário intelectual.
142
Segundo Emerson, os estudiosos que efetivamente se dedicavam à
pesquisa tinham consciência destas disputas e escolhiam um lado em função de
interesses políticos e pessoais. Alguns estudiosos de fato se identificavam com a
ideologia conservadora que dominava Edimburgo. Outros, simplesmente
escolhiam uma posição política em função do apoio que esperavam obter de seus
eventuais patronos. Emerson afirma que um estudioso qualificado a integrar a
R.S.E. poderia ser excluído por questões ideológicas; porém, não há evidência
que as disputas políticas traçadas em Edimburgo tenham efetivamente afetado os
métodos e temas aos quais se dedicavam os membros das sociedades científicas
da cidade.
143
Ainda segundo análise realizada por Emerson, a disputa entre Tory e Whig
proporcionou um fim honroso a P.S.E., pois se esta sociedade continuasse a
existir após 1783, possivelmente se tornaria uma instituição decrépita e inativa.
144
A história das primeiras décadas de existência da R.S.E. e da S.A.S. corroboram
esta tese. Enquanto os membros da R.S.E. demonstraram uma vigorosa
produtividade no período seguinte a sua criação, a S.A.S. logo entrou em declínio
e não foi capaz de sustentar os objetivos a que se propunha.
145
142
Ibid., pp. 33-34.
143
Ibid., pp. 47-8.
144
Ibid., pp. 48.
145
Ibid., pp. 57-61.
68
Emerson destaca três características que teriam contribuído para o declínio
das atividades da P.S.E. no segundo quartel do século XVIII: a criação de novos
canais de comunicação para a publicação de trabalhos científicos, a inserção da
comunidade intelectual escocesa em um universo mais cosmopolita e, finamente,
a tendência a especialização do conhecimento.
146
A publicação de descobertas e trabalhos, tradicionalmente uma das funções
da P.S.E., deixou de ser uma tarefa primordialmente realizada por esta sociedade.
A ultima edição dos Essays and Observations, Physical and Literary foi publicada
em 1771. Após essa data, é possível encontrar ensaios dos membros da
sociedade em periódicos como o Philosophical Transactions ou o Medical and
Philosophical Commentaries.
147
À medida que os estudiosos escoceses progressivamente se integravam ao
ambiente intelectual europeu através de uma rede de intercâmbios, que envolvia
troca de correspondência, publicação e tradução de ensaios e livros escritos em
outros idiomas e, até mesmo, o contato direto com membros de outras sociedades
cientificas, os temas e as questões que interessavam aos membros da P.S.E. se
tornavam mais cosmopolitas. Contudo, uma parte da audiência que comparecia as
reuniões da P.S.E. era composta por nobres que não tinham competência para
acompanhar os resultados das pesquisas de ponta, ou estavam interessados em
146
Ibid., pp. 48-63.
147
Ibid., pp. 56-7.
69
temas circunscritos ao universo escocês. Em um contexto cosmopolita, temas
nacionais, como as antiguidades escocesas, haviam perdido espaço.
148
A S.A.S. havia sido criada segundo um programa inspirado na tradição dos
virtuosi que cultivavam o conhecimento natural por volta de 1700. O próprio Conde
de Buchan era um nobre erudito dedicado a áreas do saber que se estendiam das
antiguidades escocesas à filosofia e história naturais. Ocorre que no final do
século XVIII, o empreendimento científico havia se transformado em uma atividade
complexa e especializada que exigia formação específica e comprometimento
profissional. Os desafios propostos pelos desdobramentos mais modernos da
pesquisa científica não permitiam que amadores com interesses genéricos, como
o Conde Buchan, acompanhassem o desenvolvimento das novas teorias.
149
Emerson afirma que havia se tornado muito difícil para qualquer estudioso se
tornar proficiente em disciplinas que estavam além do seu campo profissional.
Além disso, no ambiente cosmopolita das sociedades de vanguarda na promoção
do conhecimento natural não existia espaço para a coleção de antiguidades nem
para a exaltação de temas nacionais. Por estas razões, num curto espaço de
tempo a S.A.S. se tornou uma instituição obsoleta e comprometida com objetivos
que não eram mais viáveis no fim do século XVIII.
150
148
Ibid., pp. 53-55.
149
Ibid., pp. 61-2.
150
Ibid., pp. 61-2.
70
Segundo Emerson, a crescente divisão do trabalho intelectual que ocorreu
no decorrer do século XVIII demandava um novo arranjo institucional para
promover o conhecimento científico. A imagem tradicional do conhecimento
compondo um sistema único em que não se diferenciava a história ou a filosofia
da matemática ou da química, havia sido fraturada de forma irreversível pela
especialização do saber.
151
Adam Smith, Willian Robertson, Adam Ferguson e John Millar foram autores
escoceses que escreveram sobre especialização e divisão do trabalho no século
XVIII.
152
A constituição da R.S.E. como um corpo abrangente, integrado por um
grande número de estudiosos separados em dois grupos de pesquisa distintos,
respondia à demanda por especialização. A criação da Literary Class e da
Physical Class permitiu a separação formal entre humanidades e ciência e foi a
oportunidade para revigorar as atividades da sociedade. Após a década de 1830,
quando cessaram as atividades da Literary Class, a R.S.E. se transformou em
uma instituição exclusivamente científica, permitindo aos seus membros
dedicarem-se a disciplinas específicas como a física, a química ou a medicina.
153
151
Ibid., pp. 61-2.
152
Ibid., p. 48.
153
Ibid., pp. 48-63.
71
A seguinte citação de Emerson sobre a proposta para a criação da R.S.E.
em 1783 evidencia de forma clara que uma nova instituição seria o meio
adequado para promover a ciência no final do século XVIII:
Embora encorajando um plano para uma sociedade abrangente,
eles estavam também promovendo uma proposta que separaria
homens de ciência e literatura em classes distintas conectadas
entre si apenas pela estrutura formal e acadêmica comum a
ambas. Este plano era o reconhecimento implícito da necessidade
de promover a especialização da sociedade cientifica e expurgá-la
de interesses exógenos como história e antiguidade.
154
154
Ibid., p. 44.
72
CAPÍTULO III
As diferentes expressões do conceito de divisão do trabalho na obra de
Adam Smith
Nas Conferências de Glasgow sessão 1762-3
155
, Adam Smith define
jurisprudência como a teoria das regras segundo as quais os estados devem ser
governados. Segundo o autor, o propósito do curso sobre este tema é analisar as
origens dos diferentes sistemas de governo em cada país e mostrar as razões
pelas quais cada sistema difere entre si. O curso de jurisprudência está
subdividido em 4 seções: Justice, Police, Revenue e Arms.
156
A segunda seção do curso de jurisprudência – Of Police – é o objeto de
estudo deste capítulo pois contém o desenvolvimento das idéias de Smith sobre
divisão do trabalho que estariam envolvidas no processo de especialização do
conhecimento. Optou-se por manter o termo em inglês para preservar a definição
proposta pelo próprio autor:
Police, a palavra foi apropriada pelo idioma inglês imediatamente
do francês, sendo originalmente derivada do grego πολιτεια,
significando policy, politiks, ou a regulação do governo em geral.
155
Por serem as mais completas e detalhadas, as notas da sessão 1762-3 serão utilizadas como referência para
a comparação entre os documentos.
156
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, pp. 6-7. A referência no Report dated 1766
encontra-se na p. 397.
73
Atualmente [século XVIII], contudo, a utilização do termo é restrita
à administração das partes inferiores do governo.
157
Definição análoga de Police é apresentada nas notas da sessão 1763-4.
158
Para Smith, o governante encarregado das partes inferiores do governo deve
observar três condições básicas: 1°) neteté: refere-se à limpeza das ruas e às
condições de higiene nas cidades; 2º) surete: refere-se à segurança e prevenção
de crimes ou distúrbios; 3°) bom marché: refere-se à barateza ou abundância de
bens materiais para consumo. Segundo Smith, apenas os aspectos da
administração pública que se referem à abundância de bens materiais merecem
ser destacados, sendo que as duas primeiras condições (neteté e surete) são
demasiado simples para um curso de jurisprudência.
159
A importância de preservar a definição apresentada pelo próprio Smith
decorre da dificuldade de se utilizar o vocabulário e os conceitos empregados
atualmente nas ciências econômicas para designar uma categoria de
conhecimento pensada segundo o contexto do século XVIII. A administração das
questões materiais do estado poderia, segundo os padrões atuais, ser
considerada como uma parte da Economia Política — um ramo da Ciência
Econômica encarregado de investigar as relações entre o mercado e o estado. O
que, implicitamente, equivaleria a admitir que as preocupações de Smith e de seus
157
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, p. 331.
158
A. Smith, Report dated 1766, in Lectures on Jurisprudence, pp. 486.
159
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, p. 331. A referência no Report dated 1766
encontra-se na p. 486.
74
contemporâneos eram análogas à dos economistas que se dedicam a pesquisas
sobre economia política na primeira década do século XXI.
Nas Conferências de Glasgow, tanto na sessão acadêmica de 1762-3 como
na sessão de 1763-4, Smith expõe apenas algumas breves considerações sobre a
questão da segurança nas grandes cidades, afirmando que a causa da maioria
dos crimes reside na dependência que a maior parte dos serviçais têm de seus
senhores. Em contrapartida, nas cidades onde o povo é mais industrioso e onde
existem oportunidades de trabalho em diferentes ofícios e ocupações, ninguém
seria tolo o bastante para se arriscar cometendo furtos e roubos, nem praticar
crimes mais sérios.
160
Sobre os aspectos da administração pública que se referem à abundância de
bens materiais, Smith afirma que:
O terceiro objeto de administração pública é o meio apropriado de
introduzir ampla disponibilidade e abundância no país, ou de
promover o baixo preço das mercadorias de todos os tipos. Estes
termos são sinônimos, uma vez que o baixo preço é a
conseqüência necessária da ampla disponibilidade.
161
A comparação entre a versão 1762-3 das Conferências de Glasgow e a
versão das notas de aula recolhidas na sessão acadêmica seguinte revela uma
forte correspondência na forma como Smith inicia a exposição da seção sobre
160
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, pp. 332-3. A referência no Report dated 1766
encontra-se nas pp. 486-7.
161
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, p. 333.
75
Police. O conceito de abundância é apresentado como sinônimo do baixo preço
das mercadorias em ambos os documentos. Até o exemplo empregado para
ilustrar a relação entre preço e quantidade é o mesmo em ambas as versões.
Segundo Smith, a água, um elemento indispensável à vida, não custa nada além
do trabalho de recolhê-la, devido à sua abundância. Em contraste, diamantes que
alguém dificilmente pode dizer para que servem, obtêm um preço imenso devido à
sua raridade.
162
Sobre as necessidades naturais do homem
Na versão 1762-3 das Conferências de Glasgow, antes de iniciar a discussão
sobre a natureza e as causas da abundância material, Smith afirma que se deve
previamente considerar as necessidades naturais do ser humano. Essas
considerações, que precedem a discussão sobre os efeitos favoráveis da divisão
do trabalho para o progresso material da sociedade, não encontram lugar em A
riqueza das nações.
Com objetivo de considerar os meios adequados para produzir
opulência será necessário considerar o que significa opulência e
ampla disponibilidade, ou o que são essas coisas que devem
existir em abundância em uma nação. Para tanto, será necessário
162
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, p. 333. A referência no Report dated 1766
encontra-se nas pp. 487.
76
antes considerar quais são as necessidades e demandas naturais
do homem.
163
Nas notas da sessão 1763-4, verifica-se as mesmas considerações.
164
Smith compara o comportamento humano com o dos animais selvagens para
evidenciar quais são as necessidades naturais do homem. Todos os animais
encontram na natureza o alimento que precisam sem necessidade de preparo. O
homem, “dotado de uma constituição mais delicada”, não encontra nada pronto
para satisfazer as suas necessidades e precisa cozinhar os alimentos antes de
consumi-los, para evitar indigestões e outros males provocados pelo consumo de
alimento sem preparo.
165
O ser humano, embora dotado de uma constituição mais frágil, recebe da
natureza capacidade de aprimoramento superior a todos os outros animais,
tornando-se capaz de transformar o ambiente ao seu redor. Smith afirma que até
mesmo o ar, “esse fluido delicado e macio”, é muito severo para a constituição
humana. Os animais são perfeitamente adaptados às condições do tempo, mas o
homem, devido à impossibilidade de interferir nas condições climáticas, cria uma
atmosfera mais amena ao seu redor, utilizando roupas e aquecendo o interior de
163
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, pp. 333-4.
164
A. Smith, Report dated 1766, in Lectures on Jurisprudence, p. 487.
165
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, p. 334. A referência no Report dated 1766
encontra-se na p. 487.
77
suas moradias. Mesmo nas regiões quentes, os homens têm que se proteger do
sol e da chuva com ornamentos e pinturas sobre o corpo.
166
Ao comparar o ser humano com os animais, Smith implicitamente admite que
o homem é parte da natureza, mesmo possuindo algumas características que o
diferenciam dos demais seres. Este é um ponto muito importante na abordagem
de Smith, pois no século XVIII, acreditava-se na existência de leis naturais que
regiam o comportamento do universo.
167
Smith não apenas compartilhava desta
visão de mundo, como acreditava que o próprio homem está sujeito a
pressupostos que regem o seu comportamento de acordo com leis naturais. O
estudo e a compreensão destas leis possibilitaria a construção de teorias sobre o
comportamento humano.
168
Nas duas versões das Conferencias de Glasgow, Smith afirma com muita
clareza que alimento, vestuário e moradia são as três necessidades básicas do
homem. O autor emprega como exemplo a forma de subsistência dos povos que,
em sua visão, ainda vivem em estado primitivo, para ilustrar como estas três
necessidades poderiam ser atendidas em uma época em que as atividades
produtivas ainda não eram plenamente desenvolvidas.
169
166
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, pp. 334-5. A referência no Report dated 1766
encontra-se na p. 487.
167
T. Hankins, Science and the Enlightenment, pp. 3-7.
168
Ibid., pp. 159-61.
169
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, p. 335. A referência no Report dated 1766
encontra-se nas pp. 487-8.
78
Segundo Smith, até mesmo um índio ou selvagem que vive em condições
muito primitivas é capaz de obter para si mesmo e sem a colaboração de nenhum
outro companheiro o alimento, as roupas e o abrigo que necessita. Estas três
necessidades básicas podem ser satisfeitas pelo trabalho rude e individual de um
selvagem, que vive da coleta e da caça, veste-se com penas e peles de animais e
habita cabanas construídas com troncos e folhas.
170
A comparação entre os modos de subsistência do homem em diferentes
sociedades é um recurso constantemente empregado na obra de Smith. O
selvagem que vive em estado primitivo é representado em geral pelas tribos de
índios norte americanos. O homem civilizado, com o qual próprio autor se
identifica, é aquele que vive em uma sociedade comercial onde o governo e a
divisão do trabalho já estão estabelecidos. Smith adota uma teoria de História que
permite traçar conjecturas sobre a evolução da sociedade com base na idéia de
que os seres humanos têm a mesma natureza e, portanto, estão sujeitos às
mesmas leis naturais, independentemente do estágio em que se encontram.
171
Smith prossegue a exposição sobre as necessidades naturais do ser
humano, ao afirmar que o mesmo temperamento delicado e a frágil constituição
que impele o homem a estes melhoramentos rudimentares também induz a
maiores refinamentos e a um estilo de vida mais sofisticado. Os dois conjuntos de
170
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, p. 335. A referência no Report dated 1766
encontra-se nas pp. 487-8.
171
Sobre a teoria de história de A. Smith, vide “Smith, Turgot, and the ‘Four Stages Theory” in R. L. Meek,
Smith, Marx, & After, pp. 18-32.
79
notas, tanto da sessão acadêmica de 1762-3 como de 1763-4, apresentam
basicamente o mesmo ponto nesta passagem, mas com alguns detalhes
diferentes, que merecem ser destacados.
Nas notas da sessão 1762-3, Smith afirma que:
O homem, entre todos os animais do globo, é o único que percebe
diferenças em coisas que não afetam a substancia do objeto, nem
oferecem vantagem superior em suprir as necessidades da
natureza. Até mesmo a cor, a mais sutil e superficial das
distinções, se torna objeto de sua atenção.
172
Nas notas da sessão 1763-4, Smith afirma que:
Assim como a delicadeza do corpo humano exige maior provisão
do que qualquer outro animal, a mesma ou a maior delicadeza de
sua mente exige provisão ainda maior, para a qual todas as
diferentes artes são subservientes.
173
As “diferentes artes” a que Smith se refere correspondem aos diversos
ofícios a que os homens se dedicam com objetivo de transformar matérias primas
em artigos acabados. Deve-se notar que o argumento se torna mais sofisticado,
pois o autor associa, não só as necessidades materiais do homem, mas as
necessidades mais sutis da mente humana ao desenvolvimento das artes e
ofícios.
172
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, p. 335.
173
A. Smith, Report dated 1766, in Lectures of Jurisprudence, p. 488.
80
Nas notas da sessão 1762-3, Smith diz que a sensibilidade humana é
afetada por quatro distinções: cor, forma, variedade ou raridade e imitação da
natureza. Estas quatro distinções são a origem das preferências e necessidades
mais sutis do ser humano. O autor vai mais longe ao afirmar que todas as artes e
ofícios foram inventados para satisfazer as necessidades naturais do homem —
das demandas materiais que alimentam e protegem o corpo às exigências mais
sutis decorrentes da sensibilidade humana.
174
Nas notas da sessão 1763-4, o mesmo argumento é repetido, porém, de
maneira mais sucinta e objetiva. Smith é enfático ao afirmar que todas as
atividades econômicas concorrem para suprir as necessidades naturais do homem
segundo as suas exigências e sensibilidade. O seguinte trecho recolhido na
sessão acadêmica de 1763-4 sintetiza a exposição de Smith:
Toda indústria humana está empregada não em suprir nossas três
necessidades básicas, alimentação, vestuário e moradia, mas em
suprir estas necessidades de acordo com a delicadeza de nosso
gosto. A melhoria e multiplicação dos materiais que são o objeto
principal das nossas necessidades cria oportunidade para toda a
variedade de artes.
175
Cabe lembrar neste ponto que a discussão sobre as necessidades naturais
do homem e a proposição de que todas as artes e ofícios foram criados e
aperfeiçoados para satisfazer as necessidades de alimentação, vestuário e
174
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, pp. 336-7.
175
A. Smith, Report dated 1766, in Lectures of Jurisprudence, p. 488.
81
moradia segundo as exigências da sensibilidade humana são muito importantes,
pois fornecem os fundamentos que alicerçam as idéias de Smith sobre a divisão
do trabalho.
A divisão do trabalho
Nas duas versões das Conferencias de Glasgow, após identificar a
característica humana que promove o florescimento das diferentes artes e ofícios,
Smith apresenta uma descrição destas atividades e afirma que seria impossível
enumerar todos os trabalhadores que juntam os seus esforços para beneficiar as
matérias primas e torná-las disponíveis para o uso. A agricultura e a exploração
mineral são as atividades que fornecem os materiais a serem preparados pelas
diferentes manufaturas. O comércio e a navegação recolhem e transportam o
produto das manufaturas. As artes subsidiárias, como a contabilidade ou a
geometria, fornecem os instrumentos para realizar todas estas tarefas com mais
precisão.
176
E, finalmente, Smith expõe a importância do governo e das leis, instituídos
para preservar a segurança e a iniqüidade de fortuna que pode ser observada em
todas as sociedades desenvolvidas. Até mesmo a instituição do Estado é
entendida sob a ótica das atividades que concorrem para satisfazer as
176
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, pp. 337-8. A referência no Report dated 1766
encontra-se nas pp.488-9.
82
necessidades humanas, pois na visão de Smith o papel do governo é assegurar
um estado de tranqüilidade sem o qual nenhuma arte é cultivada.
177
A diferença no padrão de consumo em uma nação civilizada, em que o
governo já foi instituído e a divisão do trabalho estabelecida, comparada à
condição de vida em uma nação selvagem é o recurso utilizado por Smith, nos
dois conjuntos de notas de aula, para evidenciar como o desenvolvimento das
artes e ofícios proporciona uma maior abundância de bens e conveniências à vida.
Segundo as palavras do autor nas notas da sessão 1762-3:
Todas as artes e indústrias concorrem para tornar as
conveniências e necessidades da vida mais acessíveis. Pode-se
observar que um trabalhador comum, que erroneamente se
considera viver da maneira mais simples, usufrui de mais
conveniências e luxos que o príncipe de uma nação de índios,
líder de 1000 selvagens nus.
178
Neste ponto será interessante inserir mais um documento — o Rascunho
preliminar de parte de A riqueza das nações — que será útil para a comparação
entre as diferentes expressões do pensamento de Smith sobre a divisão do
trabalho. A primeira diferença entre o Rascunho preliminar e as Conferências de
Glasgow é que o primeiro foi escrito pelo próprio autor, enquanto as Conferências,
por mais que o conteúdo destas seja fiel às idéias de Smith, correspondem a
registros de suas exposições orais.
177
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, p. 338. A referência no Report dated 1766
encontra-se nas pp.488-9.
178
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, p. 338.
83
O capítulo do Rascunho intitulado “Da natureza e das causas da opulência
publica”, embora seja o capítulo de abertura do documento, aparece inscrito como
o de número 2. Nesse capítulo, Smith inicia afirmando que o trabalho solitário e
sem assistência de um indivíduo é insuficiente para proporcionar lhe o alimento, a
roupa e a moradia segundo o padrão mais simples e rasteiro em uma sociedade
desenvolvida. Segundo o autor, um trabalhador comum na Grã-Bretanha ou na
Holanda usufrui de um padrão de consumo muito superior do líder de uma nação
selvagem.
179
No Rascunho preliminar e nas Confêrencias, Smith sugere que,
aparentemente, existe um paradoxo nessa diferença de padrão de consumo.
Segundo Smith, entre as nações selvagens não existem senhores de terra, nem
usurários ou coletores de impostos; por essa razão todos os indivíduos podem
desfrutar integralmente do produto do seu próprio trabalho. Em contrapartida, um
trabalhador comum na Inglaterra está sujeito a várias formas de tirania e
opressão. O produto do trabalhador comum é destinado a sustentar os indivíduos
das classes superiores, que na maioria das ocasiões, trabalham menos e
usufruem de uma parcela maior do que é produzido. Ainda assim, ao trabalhador
comum na Inglaterra não falta nenhuma das conveniências materiais que tornam a
vida mais agradável.
180
179
A. Smith, Early draft of part of the Wealth of Nations, in Lectures on Jurisprudence, p. 562.
180
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, p. 339. A referência no Report dated 1766
encontra-se nas pp. 489-90; a referência no Early draft of part of the Wealth of Nations encontra-se nas pp.
562-3.
84
No que se refere a este paradoxo, os três documentos até aqui analisados
expõem o problema da mesma forma. Será interessante citar uma passagem do
Primeiro rascunho na qual Smith sintetiza este paradoxo com muita clareza, além
de ser uma amostra escrita do pensamento de Smith no começo da década de
1760.
No meio de tanta opressão e desigualdade, de que modo nós
podemos considerar a afluência e abundância superiores, em
geral, possuída até mesmo pelo mais humilde e desprezado
membro de uma sociedade civilizada, comparado com o que o
mais respeitado e ativo selvagem pode alcançar.
Smith reponde esta questão com clareza e objetividade:
A divisão do trabalho, segundo a qual cada indivíduo restringe-se
a uma ocupação particular, pode sozinha explicar a superior
opulência que tem lugar em sociedades civilizadas e que, apesar
da desigualdade de propriedade, se estende até o mais humilde
membro da comunidade.
181
A citação acima evidencia a importância que a divisão do trabalho assume
no esquema desenvolvido por Smith para explicar o processo de desenvolvimento
econômico. Deve-se notar que a comparação das duas versões das Confêrencias
de Glasgow com o Primeiro rascunho não revela nenhuma diferença de conteúdo.
A ênfase na divisão do trabalho como única causa que promove a opulência é
181
A. Smith, Early draft of part of the Wealth of Nations, in Lectures on Jurisprudence, p. 564.
85
uma idéia que persiste nos três documentos e que já estava formatada desde o
começo da década de 1760.
Segundo o historiador francês Fernand Braudel, Adam Smith não foi o
primeiro a observar – ou descobrir – a divisão do trabalho, antes deste pensador
escocês vários outros estudiosos já haviam observado este fenômeno. Braudel
afirma que o conceito de divisão do trabalho é conhecido desde a antiguidade e
cita alguns autores modernos que escreveram sobre este tema: Willian Petty
(1623-1687), Ernest Ludwig Carl (1687-1743), Adam Ferguson (1723-1816) e
Cesare Beccaria (1738-1794). Segundo Braudel, o mérito de Smith foi elevar ao
status de teoria um conceito que já era conhecido e que, a partir daí, se tornou
uma referência para os economistas que o sucederam.
182
Mesmo assim, merecem
ser averiguadas as condições particulares que levaram Smith a esse novo
patamar, partindo de uma idéia já conhecida.
Nas Confêrencias de Glasgow e no Rascunho preliminar, Smith recorre à
ilustração empírica da distribuição de tarefas no interior de uma fabrica de
alfinetes — um exemplo que se tornou clássico — para mostrar os efeitos da
divisão do trabalho sobre a produtividade. Cada etapa da confecção dos alfinetes
é realizada por um trabalhador diferente que se especializa naquela função,
tornando-se mais habilidoso e produtivo. Segundo Smith, a pequena oficina de
alfinetes se torna um estabelecimento especializado, onde são realizadas
182
F. Braudel, Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII, p. 513.
86
diferentes operações específicas, como cortar o arame, montar e instalar a
cabeça, afiar a ponta, dourar etc., totalizando dezoito operações distintas.
183
Os editores das Lectures on Jurisprudence
184
fazem referência ao verbete
sobre Épingle da edição de 1755 da Encyclopédie como a fonte que contém a
descrição detalhada das dezoito operações envolvidas na produção de alfinetes e
que possivelmente foi consultada por Smith. Segundo o historiador da ciência T.
Hawkins, a Encyclopédie era um livro de referência consultado por estudiosos e
eruditos no século XVIII.
185
As citações feitas por Braudel e a referência à
Encyclopédie reforçam a tese de que a obra de Smith reúne conceitos que já eram
conhecidos no século XVIII, mas os relaciona segundo outro arranjo lógico.
Assim, após descrever a distribuição de tarefas na fábrica de alfinetes, Smith
analisa os efeitos econômicos da divisão do trabalho.
186
Segundo Smith, a divisão
do trabalho na fábrica de alfinetes em dezoito operações possibilita uma
remuneração melhor para os trabalhadores e maiores lucros para o empregador,
que possui os materiais e organiza o trabalho. Além disso, uma quantidade maior
de alfinetes é produzida e vendida por um preço menor, do que se fossem
produzidos de outra forma. Do ponto de vista econômico, a divisão do trabalho
beneficia a sociedade como um todo, as vantagens que se verifica no caso
183
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, pp. 341-2. A referência no Report dated 1766
encontra-se na p. 490; a referência no Early draft encontra-se nas pp. 564-5.
184
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, p. 342.
185
T. Hankins, op. cit., pp. 163-70.
186
Embora este material tenha alimentado as discussões sobre os benefícios econômicos da especialização
produtiva, será apenas citado nesta dissertação, pois não haveria espaço nem caberia aqui aprofundar uma
analise econômica sobre este tema.
87
particular da manufatura de alfinetes são extensivas a todas as “artes
mecânicas”.
187
O desenvolvimento das artes e ofícios provoca o aumento no estoque de
commodities e o baixo custo do trabalho necessário para produzir este estoque. A
divisão do trabalho possibilita que as mercadorias se tornem mais baratas ao
mesmo tempo que o trabalho pode ser melhor remunerado. Smith identifica a
opulência a um estágio de desenvolvimento no qual as conveniências e
necessidades são facilmente produzidas devido à aplicação correta do trabalho. A
sociedade se torna opulenta quando uma pequena quantidade de trabalho é
capaz de comandar uma grande quantidade de commodities. A divisão do trabalho
é a causa imediata da opulência.
188
Nas duas versões das Conferências de Glasgow e no Rascunho preliminar,
Smith explica que o aumento da produtividade decorrente da divisão do trabalho é
conseqüência de três causas: primeira causa, aumento da destreza do trabalhador
devido à simplificação e repetição das tarefas; segunda, economia de tempo
devido a ausência de deslocamento entre uma tarefa e outra e maior
concentração do trabalhador em uma tarefa específica; terceira, invenção de
novos instrumentos e máquinas
189
. Em relação às duas primeiras proposições não
há nada a acrescentar além do que já foi dito na primeira parte desta dissertação.
187
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, pp. 342-3. A referência no Report dated 1766
encontra-se na p. 490; a referência no Early draft encontra-se na p. 565.
188
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, pp. 343-5. A referência no Report dated 1766
encontra-se nas pp. 490-1; a referência no Early draft encontra-se nas pp. 565-7.
189
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, pp. 345-7. A referência no Report dated 1766
encontra-se nas pp. 491-2; a referência no Early draft encontra-se nas pp. 567-70.
88
Em relação a terceira e última proposição, os três documentos apresentam o
mesmo conteúdo. Porém, o Rascunho preliminar descreve com maior detalhe o
processo através do qual ocorre a invenção de equipamentos. Segundo as
palavras do autor:
Quando todo o poder da mente é dirigido a um propósito
particular, como de fato ocorre em conseqüência da divisão do
trabalho, a mente se torna mais apta a descobrir o método mais
fácil de alcançar aquele propósito do que quando a sua atenção é
dissipada entre uma grande variedade de coisas.
190
Na visão de Smith, a divisão do trabalho proporciona um ambiente mais
favorável à invenção de máquinas. O processo de inovação parece seguir uma
escala, das descobertas mais simples aos aprimoramentos mais complexos. A
invenção das primeiras máquinas empregadas para aliviar o trabalho humano foi
fruto das necessidades diretas no ambiente de trabalho. Segundo Smith, a
primeira forma rudimentar de arado foi originalmente criada por um fazendeiro. Um
escravo obrigado a moer cereais com as mãos possivelmente criou algum tipo de
mecanismo para aliviar seu esforço, mecanismo este que, com o passar tempo,
graças à experiência e astúcia de um grande número de pessoas, foi aperfeiçoado
até dar origem aos primeiros moinhos manuais. Os aprimoramentos
posteriormente realizados nos moinhos foram fruto do trabalho de homens que se
especializaram no ofício de construir moinhos, quando a divisão do trabalho
permitiu que esta tarefa se constituísse em uma profissão especifica. A idéia de
190
A. Smith, Early draft, in Lectures on Jurisprudence, p. 569.
89
utilizar a corrente d’água ou a força do vento para mover os moinhos deriva de um
expediente muito mais sofisticado.
191
A invenção das máquinas mais sofisticadas é trabalho de filósofos ou
estudiosos que não possuem outra função a não ser observar e aprender sobre
todas coisas e, por isso, são capazes de reunir os “poderes dos objetos mais
distantes e opostos”.
Segundo Smith, a utilização da roda d’água para mover o
moinho só poderia ter sido inventada por um filósofo que teve a brilhante idéia de
reunir recursos nunca antes empregados em conjunto:
192
Filosofia ou reflexão, com o progresso da sociedade, naturalmente
se torna, como qualquer outro emprego, a única ocupação de uma
classe particular de cidadãos. Como todas as outras atividades,
está subdividida em diferentes ramos, e nós temos filósofos
mecânicos, químicos, astronômicos, físicos, metafísicos, morais,
políticos, comerciais e críticos.
193
Na citação acima, Smith reconhece que a divisão do trabalho não se limita à
esfera material da atividade produtiva, até mesmo o saber está sujeito à
especialização. É interessante notar que o autor não estava indiferente à
crescente fragmentação do conhecimento em disciplinas específicas que ocorria
em seu próprio tempo.
191
Ibid., pp. 569-70.
192
Ibid., p. 570.
193
Ibid., p. 570.
90
A natureza humana como o cerne da divisão do trabalho
Após demonstrar as três proposições que explicam o aumento da
produtividade, Smith investiga quais circunstâncias propiciam a emergência da
divisão do trabalho. Segundo o autor, a divisão do trabalho não é o efeito de
nenhuma regulação ou política, mas a conseqüência de uma propensão natural ao
ser humano. A propensão a cambiar, permutar e trocar uma coisa pela outra,
comum a todos os homens, mas que não se verifica em nenhum outro animal, é a
razão que dá origem à divisão do trabalho. Esta propensão opera naturalmente
sem ter em vista nenhuma utilidade, como a opulência a qual acaba por
produzir.
194
Para demonstrar de que forma a propensão a cambiar dá origem à divisão
do trabalho, Smith emprega como argumento o comportamento de dois galgos
que atuam em conjunto ao caçar uma lebre, mas o fazem como uma mera
coincidência de suas paixões no momento em que percebem a presa. Ninguém
nunca viu um cão negociar com outro o produto de uma caçada ou estabelecer um
contrato que determina qual parte da presa é destinada a cada um. Segundo
Smith, um animal adulto sobrevive sem a necessidade de auxilio ou cooperação
de nenhum outro. O ser humano, em função da delicadeza própria de sua
natureza, sempre requer a cooperação de um grande número de pessoas para
satisfazer as suas necessidades básicas. Como o homem sempre necessita do
194
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, p. 347. A referência no Report dated 1766
encontra-se nas pp. 492-3; a referência no Early draft encontra-se nas pp. 570-2.
91
auxilio dos demais, argumenta o autor, deve recorrer a algum método para obter o
auxílio de que precisa.
195
Em uma sociedade civilizada as conveniências e necessidades básicas dos
indivíduos são satisfeitas pelo trabalho conjunto de um grande número de
pessoas. Seria impossível para um homem conhecer e sensibilizar todos os
trabalhadores envolvidos na produção de carne, pão ou cerveja para obter os
alimentos de que necessita. Smith afirma que a permuta nada mais é do que o
meio empregado para o indivíduo obter os itens necessários. Quando um homem
propõe uma troca implicitamente está dizendo ao outro: me dê isto que preciso e
você terá aquilo que deseja.
196
Nas notas da sessão 1762-3, Smith afirma:
Quando você solicita cerveja ou carne ao cervejeiro ou ao
açougueiro, você não expõe a nenhum deles o quanto você
realmente necessita de cada uma destas, mas o quanto seria do
interesse de cada um deles consentir que você as obtenha por um
determinado preço. Você não recorre humanidade deles, mas ao
amor próprio.
197
195
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, p. 347. A referência no Report dated 1766
encontra-se nas pp. 492-3; a referência no Early draft encontra-se nas pp. 570-2.
196
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, p. 347. A referência no Report dated 1766
encontra-se nas pp. 492-3; a referência no Early draft encontra-se nas pp. 570-2.
197
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, p. 348.
92
Nas notas da sessão acadêmica 1763-4 e no Rascunho preliminar, Smith
desenvolve o mesmo argumento.
198
Sobre a origem da divisão do trabalho entre os primórdios da civilização,
Smith estabelece a seguinte conjectura: um selvagem que desenvolvesse a
habilidade de fazer arcos, em vez de caçar e coletar frutas, passaria a se dedicar
integralmente à produção destes instrumentos de caça e obteria o seu sustento
trocando arcos por alimentos. Com o tempo, todos os membros da tribo passariam
a se dedicar exclusivamente a uma atividade determinada, trocando o produto
excedente do seu próprio trabalho pelo excedente do trabalho de outros, de tal
forma que todo o grupo seria beneficiado com uma abundância de commodities
muito maior ao final.
199
Para demonstrar de que forma a propensão a cambiar dá origem à divisão
do trabalho, Smith recorre a dois expedientes que devem ser destacados.
Primeiro, o autor recorre à comparação entre o comportamento dos cães e o
comportamento dos homens para evidenciar que a propensão a cambiar é uma
característica exclusiva do ser humano. Depois, Smith traça uma conjectura
histórica para demonstrar como a divisão do trabalho teve origem nos primórdios
da civilização. A comparação com o meio natural e as conjecturas teóricas sobre a
história são recursos que já haviam sido utilizados por Smith anteriormente,
198
A. Smith, Report dated 1766, in Lectures on Jurisprudence, p. 493. A referência no Early draft encontra-
se nas pp. 571-2.
199
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, p. 348. A referência no Report dated 1766
encontra-se na p. 493; a referência no Early draft encontra-se na p. 572.
93
revelando que o autor freqüentemente recorria a estes expedientes para
fundamentar as suas idéias.
Nas duas versões das Conferencias de Glasgow e no Rascunho preliminar
Smith diz que erroneamente se atribui à divisão do trabalho a diferença de talentos
que se observa entre indivíduos que são mais ou menos capazes de realizar
determinadas tarefas. O talento é antes o efeito do que a causa da divisão do
trabalho. Por essa razão, entre as tribos selvagens onde os diferentes ofícios
ainda não se diferenciaram, é possível observar uma profunda uniformidade de
comportamento entre os indivíduos. A diferença entre um carregador comum e um
filósofo no momento em que nascem é praticamente inexistente, argumenta Smith.
As diferentes oportunidades encontradas no decorrer da vida os torna de tal forma
diferentes que seria quase impossível reconhecer que um dia ambos já tiveram
algum traço de semelhança.
200
Nas Conferências Glasgow, Smith aprofunda a investigação da origem da
divisão do trabalho ao questionar sobre qual princípio na natureza humana
ascende a propensão a cambiar, permutar ou trocar. Segundo o autor, a oferta de
uma moeda, uma ação que parece tão simples e sem maior significado é, na
realidade, a oferta de um argumento utilizado para persuadir um outro indivíduo a
consentir ou realizar uma dada tarefa. As pessoas são naturalmente inclinadas a
persuadir umas às outras, uma prática comum e constantemente exercitada no
200
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, p. 348. A referência no Report dated 1766
encontra-se nas p. 493; a referência no Early draft encontra-se nas pp. 572-4.
94
cotidiano. Até mesmo a controvérsia em torno de temas irrelevantes é motivo de
debate e argumentação.
201
Nas palavras do autor:
Se investigarmos sobre qual princípio na mente humana a
disposição a cambiar está fundamentada, é claramente sobre a
inclinação natural que cada homem tem a persuadir.
202
Esta afirmação revela que, nas aulas em Glasgow, Smith estava interessado
em desvendar a própria natureza humana ao investigar o princípio que
fundamenta a propensão a cambiar e, conseqüentemente, origina a divisão do
trabalho. Smith constrói uma rede de pressupostos sobre a natureza humana que
envolve e fundamenta as considerações econômicas sobre a divisão do trabalho.
As considerações sobre divisão do trabalho e persuasão expostas por Smith nas
aulas das sessões acadêmicas de 1762-3 e 1763-4 não têm lugar no Rascunho
preliminar.
A Divisão do trabalho e a extensão do mercado
A comparação entre os dois conjuntos de notas das Conferencias de
Glasgow sugere que não há razão para supor que existisse diferença significativa
entre o conteúdo apresentado em 1762-3 e as aulas ministradas no ano seguinte.
201
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures of Jurisprudence, p. 352. A referência no Report dated 1766
encontra-se nas pp. 493-4.
202
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, p. 352.
95
Contudo, há uma diferença na ordem de apresentação do conteúdo que evidencia
um aspecto importante da evolução das idéias de Smith — esta diferença refere-
se à relação entre divisão do trabalho e extensão do mercado.
203
A comparação entre os dois conjuntos de notas permite supor que Smith
teria concebido pela primeira vez a tese de que a divisão do trabalho é
proporcional à extensão do mercado em algum momento entre março e abril de
1763. Supondo que esta hipótese esteja correta e que Smith de fato teve um
insight sobre a importância da extensão do mercado pela primeira vez entre março
e abril daquele ano, é possível estabelecer a conexão entre as fontes primarias e
datá-las, tomando como ponto de referência a sessão acadêmica de 1762-3.
204
Por um lado, as semelhanças entre o Rascunho preliminar e as Conferências
de Glasgow permitem supor que o primeiro representa o esforço em transformar o
conteúdo econômico das aulas sobre jurisprudência em um livro. Por outro, no
Rascunho preliminar não existe nenhuma referência a relação entre divisão do
trabalho e extensão do mercado. Por essa razão, pode-se supor que este
documento tenha sido escrito antes de Smith conceber a relação entre mercado e
divisão do trabalho.
Os Fragmentos (A) e (B) abordam especificamente a questão da extensão do
mercado. O Fragmento (A) aborda a extensão do mercado em relação ao
203
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, pp. 355-6. A referência no Report dated 1766
encontra-se na p. 494.
204
A. Smith, Report of 1762-3, in Lectures on Jurisprudence, pp. 355-6. A referência no Report dated 1766
encontra-se na p. 494.
96
tamanho da comunidade.
205
O Fragmento (B) trabalha com o mesmo problema,
mas de outro ponto de vista, ou seja, relaciona a extensão do mercadoem relação
e a facilidade de transportes.
206
Os dois Fragmentos começam com uma sentença incompleta e poderiam,
com alguns ajustes, ser adicionados ao Rascunho preliminar como um
fechamento à discussão sobre a divisão do trabalho. Portanto, pode-se supor que
os dois Fragmentos provavelmente foram uma tentativa, desenvovida após 1763,
de fechar a discussão sobre divisão do trabalho com a afirmação de que esta era
limitada pela extensão do mercado.
207
205
A. Smith, First fragment on the division of labour, in Lectures on Jurisprudence, pp. 582-4.
206
A. Smith, Second fragment on the division of labour, in Lectures on Jurisprudence, pp. 585-6.
207
A. Smith, First fragment on the division of labour, in Lectures on Jurisprudence, pp. 582-4. A referência
no Second fragment encontra-se nas pp. 585-6.
97
CONSIDERAÇÃO FINAIS
A comparação entre as Conferências de Glasgow, o Rascunho preliminar e
os Fragmentos teve como objetivo analisar a posição que o conceito de divisão do
trabalho ocupava no pensamento de Smith no período de Glasgow.
As fontes primárias analisadas nesta dissertação e o recorte em torno da
divisão do trabalho coincidem com a análise realizada por Meek e Skinner no
artigo “The development of Adam Smith’s ideas on the division of labour”
208
.
Contudo, os autores abordam o problema segundo outro ponto de vista. Meek e
Skinner concentram seus esforços de análise nas conseqüências econômicas da
divisão do trabalho e, por essa razão, a análise por eles realizada difere
significativamente da proposta desta dissertação.
Meek e Skinner comparam detalhadamente a exposição sobre os benefícios
econômicos da especialização produtiva decorrente da divisão do trabalho.
Porém, apenas citam a discussão sobre as necessidades naturais do homem. Em
contrapartida, a discussão sobre as necessidades naturais do homem constitui um
material interessante e bastante fértil para a realização desta dissertação, pois
evidencia os pressupostos intelectuais que norteavam as construções teóricas de
208
A. S. Skinner & R. L. Meek, “The development of Adam Smith’s ideas on the division of labour”, in The
Economic Journal, pp. 1094-1116.
98
Smith. Estes pressupostos eram compartilhados por seus contemporâneos e
revelam alguns aspectos importantes do contexto científico do século XVIII.
Smith compartilhava a visão de mundo, comum em sua época, segundo a
qual a natureza havia sido criada a partir de uma ordem racional e os fenômenos
naturais seriam regidos por leis que poderiam ser descobertas pela observação.
Ao discutir as necessidades naturais do ser humano, Smith constrói os alicerces
que sustentam a exposição sobre a divisão do trabalho. O autor fundamenta suas
idéias econômicas em pressupostos racionais sobre a natureza humana que eram
aceitos pela comunidade intelectual no século XVIII.
No que se refere à parte econômica da divisão do trabalho, a comparação
entre as cinco fontes primarias revela uma forte equivalência de conteúdo. Pode-
se afirmar que no começo da década de 1760, Smith já atribuía à divisão do
trabalho o papel principal no processo de desenvolvimento econômico e
provavelmente já havia alçado este fator como um conceito chave para a
compreensão do comportamento econômico da sociedade. Smith estabelece uma
relação causal entre divisão do trabalho e desenvolvimento através da construção
de um modelo teórico em que um princípio único é a causa do crescimento
econômico.
Entretanto, do ponto de vista formal, a comparação entre as duas versões
das Conferências de Glasgow e o Rascunho preliminar evidencia que a divisão do
trabalho, ocupa uma posição bem diferente nestes documentos. Nas
99
Conferências, o conceito de divisão do trabalho está inserido na seção Of Police
do curso de jurisprudência. No Rascunho preliminar, o capítulo de número 2 é
dedicado exclusivamente a analisar a divisão do trabalho. Supondo que o
Rascunho de fato represente o projeto de um livro sobre a natureza e as causas
da opulência, pode-se dizer que Smith já havia decido destacar o conteúdo
econômico do curso de jurisprudência para publicar um livro exclusivamente sobre
economia o qual tomou forma definitiva em 1776 com a publicação de A
riqueza das nações.
Os Fragmentos (A) e (B) provavelmente foram escritos como uma conclusão
tardia ao Rascunho preliminar, corroborando a tese de que Smith já havia
concebido, em linhas gerais, um modelo de desenvolvimento econômico em que o
eixo condutor era o conceito de divisão do trabalho. Além disso, a análise dos
Fragmentos apenas sugere que, no início da década de 1760, Smith ainda não
havia decidido expor a relação entre divisão do trabalho e mercado em um
capítulo único.
A posição que o conceito de divisão do trabalho ocupa nas Conferências de
Glasgow face à expressão final do pensamento econômico de Smith, exposto em
A riqueza das nações, indica alguns aspectos interessantes do modo como foi
forjado o instrumental teórico criado para explicar as causas do desenvolvimento
econômico.
100
Como já foi citado no início desta dissertação, os três primeiros capítulos de
A riqueza das nações foram dedicados à análise da divisão do trabalho. A
sentença de abertura do primeiro capítulo do livro — Da divisão do trabalho
demonstra a importância que o conceito assume em toda a obra. Assim, será
interessante citar novamente as palavras de Smith:
O maior aperfeiçoamento das forças produtivas do trabalho e a
grande parte da habilidade, destreza e discernimento com que ele
é em todos os lugares dirigido ou aplicado parecem ter sido os
efeitos da divisão do trabalho.
209
Smith não só inicia o livro com uma sentença afirmativa e enfática sobre a
importância da divisão do trabalho, como exclui de A riqueza das nações
discussões de caráter filosófico, como a questão das necessidades naturais do
homem.
No segundo capítulo — Do princípio que dá origem à divisão do trabalho
Smith afirma que a divisão do trabalho é a conseqüência gradual da propensão a
cambiar uma coisa pela outra. Contudo, o autor afirma que não se propõe a
investigar se a propensão a cambiar é um principio original da natureza humana
ou se é uma conseqüência natural das faculdades da razão e do discurso. Mais
uma vez o autor elimina de A riqueza das nações parte do conteúdo que havia
sido exposto nas aulas em Glasgow, delimitando o escopo do livro a questões
209
A. Smith, A Riqueza das nações, p. 7.
101
propriamente econômicas, cujas respostas não demandam nenhuma reflexão
filosófica.
A característica distintiva do tratamento da divisão do trabalho na obra de
Smith é a ênfase que o autor atribui a este conceito em A riqueza das nações.
Seria interessante indagar quais foram as influências que motivaram a decisão de
enfatizar este conceito.
No período em que viveu em Glasgow, uma cidade que experimentou forte
crescimento econômico no decorrer do século XVIII, Smith teve a oportunidade de
conhecer banqueiros e comerciantes. O ambiente e as informações a que esteve
exposto nesse período possivelmente influenciaram a visão de Smith. Alem disso,
a literatura econômica sobre a divisão do trabalho disponível no século XVIII
também ofereceu um material fértil para as especulações de Smith sobre a
natureza e as causas do crescimento econômico.
As transformações econômicas que ocorreram na Grã-bretanha no século
XVIII e o contingente de autores escrevendo sobre a divisão do trabalho (Petty e
Ferguson, por exemplo) são contribuições a obra de Smith que não podem ser
subestimadas. Contudo, a participação deste autor escocês nas sociedades
científicas, como membro da P.S.E. e fundador da R.S.E., sugere a existência de
elementos que também contribuíram para o desenvolvimento de suas idéias.
Ao destacar o conteúdo econômico das aulas de Filosofia Moral em
Glasgow, Smith exclui preocupações filosóficas, num tipo de operação que se
102
assemelha à separação entre humanidades e ciências, que aconteceu na R.S.E.
com a separação dos estudiosos em dois grupos de pesquisa — a Literary Class e
a Physical Class.
A ênfase na divisão do trabalho e a publicação de A riqueza das nações
estão relacionadas com as mudanças que ocorreram no arranjo institucional da
R.S.E. no final do século XVIII. Portanto, a especialização do conhecimento teria
sido como uma espécie de continente para o conteúdo das idéias sobre divisão do
trabalho em Adam Smith.
103
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