capanga, com farofa. Miguilim ia no cavalo Diamante – depois era vendido
lá na cidade, o dinheiro ficava para ele. – Mãe, é o mar? Ou é para a banda
do Pau-Rôxo, Mãe? É mutio longe?” “– Mais longe é, meu filhinho. Mas é
do lado do Pau-Rôxo não. É o contrário...” A Mãe suspirava sempre.
– “Mãe, mas por que é, então, para que é, que acontece tudo?!”
– Miguilim, me abraça, meu filhinho, que eu tenho tanto amor...”
Os cachorros latiam lá fora; de cada um, o latido, a gente podia reconhecer.
E o jeito, tão oferecido, tão animado, de que o Papaco-o-Paco dava o pé.
Papaco-o-Paco sobrecantava: “Mestre Domingos, que vem fazer aqui? Vim
buscar meia-pataca , p'ra beber meu parati...” Mãe ia lavar o corpo de
Miguilim, bem ensaboar e esfregar as orêlhas, com bucha. – “Você pode
levar também as alpercatinhas do Dito, elas servem para você...”
No outro dia os galos já cantavam tão cedinho, os passarinhos que
cantavam, os bem-te-vis de lá, os passo-pretos: – Que alegre é assim...
alegre é assim... Então. Todos estavam em casa. Para um em grandes horas,
todos: Mãe, os meninos, Tio Terêz, o vaqueiro Salúz, o vaqueiro Jé, o
Grivo, a mãe do Grivo, Siàrlinda e o Bustiquinho, os enxadeiros, outras
pessôas. Miguilim calçou as botinas. Se despediu de todos uma primeira
vez, principiando por Mãitina e Maria Pretinha. As vacas, presas no curral.
O cavalo Diamante já estava arreado, com os estrivos em curto, o pelego
melhor acorreado por cima da sela. Tio Terêz deu a Miguilim a cabacinha
formosa, entrelaçada com ciós. Todos eram bons para ele, todos do Mutúm.
O doutor chegou. – “Miguilim, você está aprontado? Está animoso?
Miguilim abraçava todos, um por um, dizia adeus até aos cachorros, ao
Papaco-o-Paco, ao gato Sossõe que lambia as mãozinhas se asseando.
Beijou a mão de mãe do Grivo. – Dá lembrança a seo Aristeu... Dá
lembrança ao seo Deográcias...” Estava abraçado com a Mãe. Podiam sair.
Mas, então, de repente, Miguilim parou em frente do doutor. Todo tremia,
quase sem coragem de dizer o que tinha vontade. Por fim, disse. Pediu. O
doutor entendeu e achou graça. Tirou os óculos, pôs na cara de Miguilim.
E Miguilim olhou para todos, com tanta força. Saiu lá fora. Olhou os matos
escuros de cima do morro, aqui a casa, a cerca de feijão-bravo e são
caetano; o céu, o curral, o quintal; os olhos redondos e os vidros altos da
manhã. Olhou, mais longe, o gado pastando perto do brejo, florido de são-
josés, como algodão. O verde dos buritis, na primeira vereda. O Mutúm era
bonito! Agora ele sabia. Olhou Mãtina, que gostava de o ver de óculos,
batia palmas-de-mão e gritava: – “Cena, Corinta!...” Olhou o redondo de
pedrinhas, debaixo do jenipapeiro.
Olhava mais era para Mãe. Drelina era bonita, a Chica, o Tomezinho.
Sorriu para Tio Terêz: – “Tio Terêz, o senhor parece com Pai...” Todos
choravam. O doutor limpou a goela, disse: – “Não sei, quando eu tiro esses
óculos, tão fortes, até meus olhos enchem d'água...” Miguilim entregou a
ele os óculos outra vez. Um soluçozinho veio. Dito e a Cuca Pingo-de-
Ouro. E o Pai. Sempre alegre, Miguilim... Sempre alegre, Miguilim... Nem
sabia o que era alegria e tristeza. Mãe o beijava. A Rosa punha-lhe dôces-
de-leite nas algibeiras, para a viagem. Papaco-o-Paco falava, alto, falava.
(C.G., 2001, p. 150-152).
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