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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA REGIONAL EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
CASAS CEARENSES - ESTUDO DE CASO:
Um Lugar para Identidade e Sustentabilidade
Ana Cecília Serpa Braga Vasconcelos
FORTALEZA
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA REGIONAL EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
ANA CECÍLIA SERPA BRAGA VASCONCELOS
CASAS CEARENSES – ESTUDO DE CASO:
UM LUGAR PARA IDENTIDADE E SUSTENTABILIDADE
FORTALEZA
2008
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ANA CECÍLIA SERPA BRAGA VASCONCELOS
CASAS CEARENSES – ESTUDO DE CASO:
UM LUGAR PARA IDENTIDADE E SUSTENTABILIDADE
Dissertação submetida à Coordenação do Mestrado em
Desenvolvimento e Meio Ambiente do Programa
Regional em Desenvolvimento e Meio Ambiente da
Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento e
Meio Ambiente.
Área de concentração: Organização do Espaço e
Desenvolvimento Sustentável.
Orientador: Prof. Dr. José Levi Furtado Sampaio.
Co-orientador: Prof. Dr. Marcondes Araújo Lima.
FORTALEZA
2008
V331c Vasconcelos, Ana Cecília Serpa Braga
Casas cearenses estudo de caso: um lugar para
sustentabilidade e identidade / Ana Cecília Serpa Braga Vasconcelos .
— Fortaleza, 2008.
152 f. ; il.
Orientador: Prof. Dr. José Levi Furtado Sampaio.
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente)
Programa Regional em Desenvolvimento e Meio Ambiente,
Universidade Federal do Ceará.
Área de concentração: Organização do Espaço e
Desenvolvimento Sustentável.
1. Casa. 2. Lugar. 3. Sustentabilidade. I. Título. II. Programa
Regional em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade
Federal do Ceará.
CDD: 246
ANA CECÍLIA SERPA BRAGA VASCONCELOS
CASAS CEARENSES – ESTUDO DE CASO:
UM LUGAR PARA IDENTIDADE E SUSTENTABILIDADE
Dissertação submetida à Coordenação do Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente do
Programa Regional em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do
Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente.
Área de concentração: Organização do Espaço e Desenvolvimento Sustentável.
Aprovada em ___/___/______.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Prof. Dr. José Levi Furtado Sampaio (Orientador)
Universidade Federal do Ceará – UFC
___________________________________________
Profa. Dra. Kelma Socorro Lopes de Matos
Universidade Federal do Ceará – UFC
___________________________________________
Profa. Dra. Flora Mendes Araújo Lima
Universidade de Fortaleza – UNIFOR
A Mariana
Uma grande motivação
Acompanhou desde o meu ventre o desenrolar de
todo este processo;
É muito pequena para entender por que a mamãe
estava sempre sentada no computador;
No futuro, compreenderá...
E poderá perceber a importância de se buscar sempre
o almejado, por mais distante, difícil e trabalhoso
que se apresente.
AGRADECIMENTOS
A Deus, acima de tudo, pela dádiva da minha vida e pela alegria de vivê-la em todos os seus
aspectos perto Dele.
Aos meus pais, Raimundo e Goretti Braga, por todo o apoio, o equilíbrio e o incentivo e,
especialmente, por terem me apresentado ao mundo intelectual por suas próprias vidas,
despertando em mim o apreço pela leitura, pela pesquisa e pela busca constante de
conhecimento, com sabedoria para conciliar a vida profissional e pessoal.
Ao meu amado marido, Maurício, companheiro de todas as horas, pela constante credibilidade
na minha pessoa, fortalecendo minha autoconfiança e buscando sempre meios para realizar
meus sonhos, que acabaram por se tornar nossos também.
À minha irmã, Alice, presente, mesmo de longe, nas diversas fases desta pesquisa, e por sua
grande e verdadeira amizade, exemplo para minha vida.
Aos meus sogros, Benício e Maria das Graças, por todo o apoio familiar e pela tranqüilidade
que pude experimentar quando cuidavam e divertiam a Mariana enquanto eu me ocupava com
esta pesquisa.
Aos meus irmãos, Marília, Marisa e David, pela agradável e fundamental convivência familiar
neste período.
A José Levi Furtado Sampaio, pela forma compromissada como assumiu a orientação desta
pesquisa e por ter sido um dos canais para uma experiência interdisciplinar. Obrigada por
todas as observações, sugestões e questões levantadas.
A Marcondes Araújo Lima, meu co-orientador, por vivenciar e participar constantemente do
processo de produção desta pesquisa, desde o momento da sua idealização ainda como
projeto, até a sua concretização. Agradeço também pelo apoio, pela confiança depositada em
minha pessoa, pela amizade, pelas discussões interdisciplinares sobre arquitetura e por
despertar em mim um interesse maior em pesquisar cientificamente.
Aos professores Luís Botelho de Albuquerque, José Gerardo Beserra de Oliveira, pelos seus
ensinamentos e didáticas de ensino marcantes.
Às funcionárias da Biblioteca do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
do Ceará, Neiliane, Eliana e Camila.
Aos professores José Liberal de Castro, Roberto Martins Castelo, José da Rocha Furtado,
Paulo Cardoso da Silva, Marrocos Aragão, Nícia Paes Bormann, e aos arquitetos Nelson Serra
e Neves e Delberg Ponce de Leon, pelas entrevistas.
À professora Kelma Socorro Lopes de Matos, pelas críticas e sugestões na fase de
qualificação e por ter aceitado dar continuidade à avaliação desta pesquisa, como membro da
banca examinadora.
À professora Flora Araújo Mendes Lima, por ter aceitado o convite para participar da banca
examinadora da dissertação, e por sua valiosa contribuição.
A Maristela, pelos inesquecíveis momentos de conversas, discussões acadêmicas e,
principalmente, pela amizade cultivada durante o Mestrado no PRODEMA.
A Anna Érika e Danielle, por tudo o que somaram a esta pesquisa, como as preciosas
sugestões e o estímulo transmitido.
Aos queridos amigos do PRODEMA, Zacharias, Melca, Anny Jacqueline, Simone Eugênia,
Diana, Carla, Elisângela, Geovany, Maíra, Ewerton e Francisco Carlos, pelas ricas trocas de
experiências e pelo maravilhoso convívio.
A Rogério Albuquerque, pelo prestimoso auxílio nos levantamentos arquitetônicos e desenhos
técnicos relacionados a esta pesquisa.
A Maurício Vasconcelos e Welton Rios, pela contribuição na formatação gráfica.
Aos moradores das casas analisadas, por me permitirem a entrada e a observação das suas
residências e por se disponibilizarem a responder às entrevistas.
Às sras. Maria Alice, Jacira, Maria Goretti, Rita e Senhorinha, por seus relatos nas entrevistas.
A Maria do Céu Vieira, pela revisão.
Ao CNPq, pelo apoio financeiro na concessão, sempre pontual, da bolsa de auxílio.
A todos que, direta ou indiretamente, colaboraram para esta realização.
RESUMO
Problemas ambientais, crise da moradia, insegurança, violência e perda da identidade refletem
a condição de viver nos grandes centros urbanos. Efeito destes problemas, a degradação da
qualidade de vida interfere no bem-estar, na satisfação e na felicidade do homem, na
manutenção da sua espécie e de todos os outros seres vivos. A cidade de Fortaleza, uma nova
metrópole e a quarta capital do país, ao contemplar essa realidade, mostra-se como espaço
apropriado de delimitação desta pesquisa. Em seu ambiente, a destruição de casas de
qualidade tem sido contínua, em prol de empreendimentos imobiliários de grande porte.
Como a mais importante unidade do ambiente construído, a casa (habitação unifamiliar) é o
produto humano que melhor reflete os valores culturais, econômicos e sociais de um povo.
Além de servir como abrigo, é o lugar onde a vida se estabelece, mediante atividades e
relações ali ocorridas, fortemente ligadas à cultura dos seus moradores. A designação casa não
significa apenas um modelo. Representa os objetos físicos e palpáveis da habitação
(arquitetura, materiais utilizados, formas, texturas), assim como o ato de morar, de ocupar os
espaços e de neles se estabelecer (funções e atividades, costumes, manejo de recursos naturais
e relações sociais). Objetiva-se verificar e identificar valores de apropriação do espaço
domiciliar e princípios construtivos que sobreviveram ao longo do tempo e permanecem
válidos para a residência unifamiliar habitada, no estudo de caso em Fortaleza, Ceará, com
vistas a resgatá-los como estratégias para projetos de habitações sustentáveis. Foram
identificadas as principais tipologias habitacionais desenvolvidas no século XX em Fortaleza
e colheram-se opiniões de especialistas quanto à produção arquitetônica residências
unifamiliares, e suas relações com o meio ambiente e a cultura cearenses. Por fim, analisam-
se quatro residências habitadas há no mínimo vinte e cinco anos, relacionando aspectos
arquitetônicos ao modo de morar.
Palavras-chave: casa, lugar, sustentabilidade.
ABSTRACT
Environment issues, inhabitance crisis, unsafety, violence, and lack of identity reflect the
conditions of life in great city centers. As a consequence of these matters, the degradation of
life quality interferes in the welfare, the satisfaction and the happiness of mankind, in the
maintenance of the human specie and of other living beings. As facing this reality, the city of
Fortaleza, a new Metropolis and the fourth state-capital in the country, reveals itself as an
appropriate delimitated space for this research. Houses of great quality have been destroyed to
give place to real estate enterprises. As the most relevant environment unit constructed, the
house (single familiar dwelling) is the human product that better reflects cultural, economical
and social values of the people. Besides serving as a shelter, it is the place where life is
established, through activities and relations that take place in it, strongly bounded to the
culture of their residents. The designation house doesn’t stand just for a model. Represents the
physical and tactile objects (architecture, materials, props, forms and texture), the act of
dwelling, of occupying its spaces and of establishing functions, activities, habits, natural
resources management and social relations. This paper aims at verifying and identifying the
values of taking over the residential spaces and the construction principles that survived
throughout time and stand valid for the single familiar residence, concerning the case of
Fortaleza, Ceará, in order to rescue them as strategies for sustainable inhabitance projects.
The main dwelling types developed in the 20
th
Century in Fortaleza were identified and the
opinions of specialists on architectural single familiar houses production and its relation to
environment and to the state culture were also undertaken. At last, four residences in over
twenty five years were specifically analyzed, relating architectural aspects to the way of life.
Key words: house, place, sustainability.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Residências unifamiliares em Montevidéu, Uruguai.........................
33
FIGURA 2 – Formas de moradia precárias. Favela (esquerda) e conjunto
habitacional (direita)............................................................................
34
FIGURA 3 – Serviço público de apoio à gestante, com a designação casa............
35
FIGURA 4 – Tipos de casas indígenas......................................................................
38
FIGURA 5 – Primeira construção, segundo Viollet-Le-Duc...................................
39
FIGURA 6 – Esquemas da casa romana...................................................................
40
FIGURA 7 – Casa projetada por Frank Lloyd Wright, dentro da proposta das
prarie houses..........................................................................................
42
FIGURA 8 – Esquemas gráficos da casa dos índios da tribo Xavante...................
46
FIGURA 9 – Casa de fazenda do século XIX...........................................................
48
FIGURA 10 – Mocambos no Ceará.............................................................................
49
FIGURA 11 – Casa de fazenda projetada pela arquiteta Nícia Paes Bormann.
Iracema-CE, 1974.................................................................................
50
FIGURA 12 – Casa de Oscar Niemeyer em Brasília, com referências
construtivas às casas de fazenda.........................................................
51
FIGURA 13 – Casas de porta e janela em Fortaleza.................................................
52
FIGURA 14 – Sobrados em São Luiz do Maranhão..................................................
53
FIGURA 15 – Primeira planta da cidade de Fortaleza, de 1726, realizada por
autor desconhecido...............................................................................
57
FIGURA 16 – Casa em Fortaleza do século XIX.......................................................
58
FIGURA 17 – Planta de Fortaleza, de 1875, executada por Adolfo Herbster.........
64
FIGURA 18 – Rua Floriano Peixoto. Fortaleza, 1905...............................................
66
FIGURA 19 – Vista aérea de Fortaleza e sua “Beira-Mar” em 1966.......................
70
FIGURA 20 – Projetos residenciais de Lúcio Costa: Parque Guinle (esquerda) e
Casa Saavedra (direita)........................................................................
72
FIGURA 21 – Sobrados antigos do Centro da Cidade de Fortaleza, hoje
descaracterizados quanto a fachadas e funções originais.................
75
FIGURA 22 – Casas do tipo “porta e janela”, em áreas diferentes da cidade de
Fortaleza: Centro (esquerda), Praia de Iracema (centro) e Benfica
(direita)..................................................................................................
75
FIGURA 23 – Residências com estreita relação com a rua, no Centro de
Fortaleza................................................................................................
76
FIGURA 24 – Área residencial próxima à Base Aérea, com casas projetadas por
Emilio Hinko.........................................................................................
77
FIGURA 25 – Castelinhos da Praça Luíza Távora, que anteriormente
funcionavam como residências............................................................
78
FIGURA 26 – Inovações arquitetônicas nas casas por Emilio Hinko: arcos nas
varandas (esquerda), cobogós (centro) e aberturas para o exterior
(direita)..................................................................................................
78
FIGURA 27 – Casa do Estudante, residência estudantil projetada por Emilio
Hinko em Fortaleza..............................................................................
79
FIGURA 28 – Residência no Bairro da Aldeota, com elementos da arquitetura
proposta por Emilio Hinko, embora não tenha sido projetada por
ele...........................................................................................................
80
FIGURA 29 – Residências adaptadas a novas funções de serviços (esquerda) e
comércio (direita).................................................................................
80
FIGURA 30 – Residências com princípios da “Arquitetura Moderna Brasileira”
em Fortaleza..........................................................................................
81
FIGURA 31 – Residências remanescentes em Fortaleza com princípios
construtivos e formais da arquitetura moderna................................
82
FIGURA 32 – Antiga Casa do Governador do Ceará, hoje Centro Cultural do
Abolição.................................................................................................
90
FIGURA 33 – Verticalização na cidade de Fortaleza, que revela a
impessoalidade das edificações em relação aos seus moradores......
94
FIGURA 34 – Fotografia aérea da quadra de localização da Unidade 1.................
98
FIGURA 35 – Vista geral da Avenida Visconde do Rio Branco...............................
100
FIGURA 36 – Fachada da Unidade 1 e detalhe de balcão de ferro (direita)...........
100
FIGURA 37 – Jardim lateral da casa, visto da rua (esquerda), e vista do portão
de entrada (direita)...............................................................................
101
FIGURA 38 – Dormitório do filho (esquerda) e detalhe do forro com treliça
(direita)..................................................................................................
102
FIGURA 39 – Planta baixa da Unidade 1, compreendendo o lote...........................
103
FIGURA 40 – Corredor interno da Unidade 1...........................................................
104
FIGURA 41 – Alpendre da Unidade 1........................................................................
105
FIGURA 42 – Dormitório 1, utilizado pela moradora..............................................
105
FIGURA 43 – Gabinete da Unidade 1, antigo escritório do proprietário da casa..
106
FIGURA 44 – Salas de visitas e de jantar da Unidade 1...........................................
107
FIGURA 45 – Varanda da Unidade 1.........................................................................
107
FIGURA 46 – Copa da Unidade 1...............................................................................
108
FIGURA 47 – Vistas do quintal da Unidade 1...........................................................
109
FIGURA 48 – Banheiro interno da Unidade 1...........................................................
109
FIGURA 49 – Quadra de localização da Unidade 2..................................................
111
FIGURA 50 – Conformação do lote da Unidade 2.....................................................
111
FIGURA 51 – Vista da rua interna da Unidade 2 (esquerda) e fachada da
Unidade 2 (direita)................................................................................
112
FIGURA 52 – Fotografia da vila no Bairro de Jacarecanga, tirada em 1979.........
113
FIGURA 53 – Desenhos arquitetônicos da Unidade 2...............................................
115
FIGURA 54 – Sala de visitas (esquerda), portas de ligação (centro) e sala de
jantar (esquerda) da Unidade 2..........................................................
116
FIGURA 55 – Copa e despensa (esquerda), cozinha (centro) e área de serviço
(direita) da Unidade 2..........................................................................
116
FIGURA 56 – Quintal da Unidade 2...........................................................................
117
FIGURA 57 – Dormitório e respectiva varanda da Unidade 2.................................
118
FIGURA 58 – Dormitório do pavimento térreo com elevador (direita)..................
119
FIGURA 59 – Aberturas da Unidade 2: aberturas internas (esquerda), óculos
(direita superior) e janelas retangulares com gradis (direita
inferior)..................................................................................................
120
FIGURA 60 – Fotografia aérea de localização do terreno da Unidade 3................
122
FIGURA 61 – Portal de entrada do terreno (esquerda), fotografias do terreno
(direita)..................................................................................................
122
FIGURA 62 – Desenhos do morador da Unidade 3 e maquete.................................
123
FIGURA 63 – Planta baixa da Unidade 3...................................................................
124
FIGURA 64 – Aberturas da Unidade 3. Iluminação zenital pelo telhado
(esquerda), iluminação difusa nas paredes por vidro (centro),
iluminação direta por janelas de canto (direita)................................
125
FIGURA 65 – Frente da Unidade 3, que se abre para dentro do terreno...............
126
FIGURA 66 – Interior da Unidade 3. Vista da sala e biblioteca (canto superior
esquerdo), vista da cozinha e mezanino (canto superior direito),
vista da biblioteca (canto inferior esquerdo) e vista do estúdio
fotográfico (canto inferior direito)......................................................
127
FIGURA 67 – Fotografia aérea com quadra de localização da Unidade 4..............
130
FIGURA 68 – Entrada da Unidade 4 (direita) e relação desta unidade com o
edifício contíguo a ela (esquerda)........................................................
132
FIGURA 69 – Áreas de estar da Unidade 4: sala de jantar (esquerda), varanda
(centro) e sala de estar (direita). .........................................................
133
FIGURA 70 – Corte longitudinal da Unidade 4.........................................................
133
FIGURA 71 – Varanda da Unidade 4.........................................................................
134
FIGURA 72 – Planta baixa da Unidade 4...................................................................
135
FIGURA 73 – Áreas íntimas da Unidade 4: dormitório (esquerda), banheiro
(direita) e escritório (esquerda)...........................................................
135
FIGURA 74 – Cozinha da Unidade 4..........................................................................
136
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
CAU-UFC Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará
FAU-USP Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros
PROAFA Fundação de Assistência às Favelas da Região Metropolitana de
Fortaleza
PRODEMA Programa Regional em Desenvolvimento e Meio Ambiente
SEVOME Secretaria de Viação, Obras, Minas e Energia
UNIFOR Universidade de Fortaleza
UFC Universidade Federal do Ceará
WCED World Comission on Environment and Development
SUMÁRIO
RESUMO.......................................................................................................
6
ABSTRACT...................................................................................................
7
LISTA DE FIGURAS...................................................................................
8
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS..................................................
11
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................
13
1.1 Objetivos......................................................................................................................
17
1.1.1 Geral...........................................................................................................................
17
1.1.2 Específicos.................................................................................................................
18
1.2 Os motivos da escolha do tema..................................................................................
18
2 O CAMINHO DE CASA...........................................................................
20
3 RELACIONANDO CONCEITOS...................................................................
25
3.1 Identidade como entidade...........................................................................................
26
3.2 Lugar............................................................................................................................
30
3.3 Casa: conceituações e significados.............................................................................
32
3.3.1 Breve evolução da casa..............................................................................................
37
3.4 Um critério para o desenvolvimento sustentável: a casa como lugar.....................
42
4 CASAS CEARENSES: processos de formação.......................................
44
4.1 A contribuição indígena..............................................................................................
45
4.2 Origens das “casas tradicionais brasileiras”............................................................
47
4.3 A ocupação do interior nordestino e o estabelecimento de casas de fazenda........
54
4.4 Novas formas de morar a partir do final do século XIX.........................................
59
4.5 Características das casas brasileiras.........................................................................
67
5 CASAS EM FORTALEZA: tipologias e opinião dos arquitetos...........
69
5.1 Contextualização sócio-histórica................................................................................
70
5.2 Principais tipologias residenciais observadas...........................................................
74
5.3 Atuação e visão dos especialistas sobre a produção residencial em Fortaleza......
81
5.4 Casas cearenses............................................................................................................
90
5.5 Um cenário crítico.......................................................................................................
93
6 O MEU LUGAR.........................................................................................
97
6.1 Unidade 1: Casa remanescente..................................................................................
98
6.2 Unidade 2: A rua como extensão da casa..................................................................
111
6.3 Unidade 3: Casa-comunidade....................................................................................
121
6.4 Unidade 4: Casa-laboratório......................................................................................
129
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................
139
REFERÊNCIAS............................................................................................
146
APÊNDICES..................................................................................................
151
Apêndice A – Entrevista aplicada aos arquitetos...........................................................
151
Apêndice B – Questionário aplicado aos moradores das Unidades 1, 2, 3 e 4.............
152
1 INTRODUÇÃO
Grandes realizações não são feitas por impulso,
mas por uma soma de pequenas realizações.
Vincent Van Gogh
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
14
Pode-se considerar a casa (habitação unifamiliar) como o produto humano que
melhor reflete os valores culturais, econômicos e sociais de um povo. Ela exprime até a
individualidade de cada proprietário, família ou pessoa nela residente. Sua função principal é
o abrigo, e constitui para seus usuários um envoltório seletivo, moderador e corretivo das
variações climáticas. Além disso, é, por excelência, o lugar onde a vida se estabelece,
mediante atividades e relações ali ocorridas, fortemente ligadas à cultura dos seus moradores
(LEMOS, 1996).
O ato de morar pressupõe valores e atividades, os quais, ao serem analisados,
perpassam diferentes campos do saber (RAPOPORT, 1969; ZEVI, 1998) desde o conhecimento
popular até o sistematizado. Assim, conforme se verifica, a casa é envolvida, em seu contexto
ambiental, por variados fatores que interferem, direta ou indiretamente, em sua conformação e
utilizão. Entre eles, podem ser citadas as condições climáticas locais, as tecnologias
disponíveis, a economia vigente, a arte, a política, a cultura local, o nível civilizatório da
sociedade na qual está inserida e a visão de mundo dos seus usuários, entre outros.
Entre as tipologias das edificações existentes nas cidades, a habitação distingue-se
como a mais construída e reproduzida. Representa, pois, o “mais importante elemento do
ambiente construído” (VAZ, 2002, p.17). As unidades residenciais existentes ocupam uma
grande parcela do solo urbano. Elas são os componentes básicos da reprodução da força de
trabalho e elementos privilegiados de investimento de capital na cidade. Ademais a habitação
implica diversas questões relevantes para o ambiente urbano, como a alta densidade
demográfica, a mobilidade, a demanda por infra-estrutura urbana e a impermeabilização do
solo. E, ainda, a casa é um dos objetos humanos de maior valor econômico e grande causador
de impactos ambientais.
Ao se confrontar o proposto pelo Estatuto das Cidades (2001) que visa em sua
primeira diretriz geral a garantia da sustentabilidade das cidades, entendida, entre outros
aspectos, como o direito à moradia com a realidade dos grandes centros urbanos brasileiros,
encontra-se uma situação paradoxal. Uma condição de insustentabilidade revela-se atualmente
para as cidades e seus respectivos moradores, caracterizada por uma situação geral de crise:
crise ambiental (LEFF, 2000), crise de identidade (CANCLINI, 2005), crise de moradia, crise
de segurança, violência, destruição do patrimônio cultural e desemprego. Estes problemas
foram evidenciados, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, quando as cidades
brasileiras passaram por profundas transformações geradoras de modificação das suas
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
15
estruturas tradicionais. Diante destas transformações, exigem-se novas demandas, surgem
novos problemas urbanos e intensificam-se aqueles existentes (CANCLINI, 2005).
Atualmente a degradação da qualidade de vida é mais perceptível no cerne do ambiente
urbano, interferindo no bem-estar, na satisfação e na felicidade do homem, na manutenção da
sua espécie e de todos os outros seres vivos. Isto leva a entender a urgente necessidade de
propostas novas para as questões urbanas e arquitetônicas atuais, com vistas à
sustentabilidade.
A cidade de Fortaleza, uma grande metrópole onde vivem 2.431.415 habitantes,
segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2007), e quarta capital do
país, contempla essa realidade. Dessa forma, mostra-se como espaço apropriado de
delimitação desta pesquisa. Ao longo da sua história, conforme se verifica, de uma maneira
geral não houve planejamento e nem gestão que considerasse devidamente a preservação do
seu patrimônio ambiental e cultural mediante conservação de elementos relevantes da sua
arquitetura, como as casas representativas dos vários períodos históricos.
Como se pode observar, Fortaleza reuniu por meio de intenso processo de
migração sobretudo a partir de 1920 as principais tipologias habitacionais existentes no
Estado, pois recebeu contingentes populacionais provenientes do sertão e do litoral. Estas
casas, em sua maioria, foram e continuam sendo destruídas, e muitas vezes dão lugar a
empreendimentos de grande porte – residenciais ou comerciais –, nem sempre adequados para
o ambiente da cidade, seja em suas propostas gerais de verticalização e concentração de
pessoas e serviços, seja em seus aspectos estéticos e técnico-construtivos.
Além disso, ainda é possível encontrar, mesmo de maneira bastante escassa,
unidades residenciais em bom estado de conservação, mantidas e habitadas há mais de vinte e
cinco anos pelo mesmo morador, o qual manifesta sinais de satisfação e bem-estar em relação
à morada. Percebe-se, no âmbito desta questão, um duplo valor de resistência: a sobrevivência
da casa como objeto material, físico, palpável, com seus elementos formais e técnico-
construtivos, e a manutenção de valores, de costumes, de uso e de ocupação dos espaços,
diretamente relacionados aos moradores da casa, com sua cultura, projeções e visão de
mundo.
Diante da existência de um processo mercadológico de degradação crítica de casas
unifamiliares de qualidade em Fortaleza, remanescentes de períodos anteriores, urge
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
16
identificar e registrar estas edificações, observar a arquitetura, as tecnologias e os materiais
utilizados no decorrer do tempo. Assim se contribuirá para fundamentar o resgate de
propostas de habitação apropriadas para o Estado do Ceará, com vistas a um compromisso
sociocultural e ambiental. Ao mesmo tempo, torna-se indispensável discutir como estas casas
sobreviveram e foram mantidas na condição de lares, ou seja, lugares consolidados (TUAN,
1983) com evidentes e fortes vínculos de referência aos membros da família e suas
respectivas gerações, a vizinhos, ao entorno urbano, ao bairro e, até mesmo, à cidade de
Fortaleza. Pretende-se, por conseguinte, abordar também as atitudes, princípios e relações
estabelecidas entre o morador e sua casa, essenciais para a garantia de uma condição de
satisfação contínua.
Portanto, a designação casa, além de não significar apenas um modelo, representa
os objetos sicos e palpáveis da habitação (arquitetura, materiais utilizados, formas, texturas), e
também o ato de morar, de ocupar os espaços e de neles estabelecer-se (funções e atividades,
costumes, manejo de recursos naturais e relações sociais). Uma análise da casa dentro desta
significação implica a exisncia conjunta do edifício arquitetônico e, conseqüentemente, do
morador.
Essa forma de abordagem que não dissocia as dimensões materiais e imateriais
da casa foi pouco explorada pela literatura, principalmente no caso do Estado do Ceará.
Nesta pesquisa, buscou-se combinar trabalhos realizados por diversos autores e, em
particular, o de Tuan (1983), onde o autor discute a percepção do espaço. Outro autor, Freyre
(1971), é exemplar e, em A Casa Brasileira, tece observações preciosas sobre as principais
tipologias habitacionais do Brasil colônia, e ao mesmo tempo descreve costumes e relações
sociais.
No âmbito da literatura arquitetônica referenciada, outros nomes são
mencionados. Rapoport (1969) fala das intrínsecas relações entre a casa, sua forma e os
aspectos culturais; Lemos (1996) em História da Casa Brasileira contribui valiosamente na
descrição dos espaços da casa, ao observar sua evolução e significado ao longo do tempo;
Saia (1972), em Morada Paulista, trata da arquitetura das habitações no âmbito do Estado de
São Paulo, abordando suas variações e contextualizando-a historicamente; Weimer (2005)
ousou fazer um apanhado descritivo e gráfico sobre a arquitetura popular brasileira, com
enfoque na habitação; Castro (1987b) colabora com informações preciosas sobre a arquitetura
antiga da cidade de Fortaleza.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
17
Buscar formas de morar que resistem ao tempo, tanto no concernente a aspectos
arquitetônicos como culturais e de identidade é um dos objetivos desta pesquisa. Diante do
revelado a respeito do termo arquitetura cearense e casa cearense, tanto no âmbito acadêmico
como no profissional e cotidiano, preferiu-se na presente pesquisa adotar a expressão casas
cearenses, na qual cearenses pretende indicar a localização de tais casas e, ao mesmo tempo,
mostrar sua específica adequação à realidade do Ceará, tanto no referente às estratégias de
conforto ambiental, aos materiais e técnicas construtivas, como também ao somatório do
modo de viver de cada morador.
Para melhor compreensão, estruturou-se esta pesquisa da seguinte forma:
No capítulo 1, fez-se a introdução. No 2, são apresentados os passos
metodológicos adotados nesta pesquisa qualitativa. No 3 descortina-se a
terminologia mais significativa aplicada, abordando a conceituação e definição
utilizada de termos como “identidade”, “lugar”, “casa” e “sustentabilidade”,
relacionando-os e expondo algumas discussões norteadoras. No capítulo 4, trata-se
brevemente do contexto da formação urbana do Ceará, incluídas a história
econômica e a ocupação territorial do Ceará e, por fim, a evolução urbana de
Fortaleza, com foco nas suas principais tipologias habitacionais. No 5 discutem-se
a atuação e opinião dos primeiros arquitetos da cidade de Fortaleza quanto à
arquitetura de residências no Ceará e suas relações com o modo de viver no Estado
e o seu meio ambiente. No capítulo 6 consta uma análise de quatro casas
consolidadas como lares em Fortaleza, e se relacionam seus aspectos físicos ao
modo de morar dos seus usuários. No capítulo 7 são tecidas as considerações
finais.
1.1 Objetivos
1.1.1 Geral
Verificar e identificar princípios arquitetônicos e valores de uso e ocupação que
sobreviveram ao longo do tempo e permanecem ainda válidos para a casa (residência
unifamiliar habitada), no estudo de caso em Fortaleza, Ceará, com vistas a resgatá-los como
estratégias para projetos de habitações sustentáveis.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
18
1.1.2 Específicos
Relacionar aspectos arquitetônicos e técnico-construtivos de casas em Fortaleza
habitadas no mínimo vinte e cinco anos pelo morador, com o modo de morar
descrito pelos respectivos moradores e percebido pela pesquisadora;
Documentar graficamente e/ou descritivamente as principais tipologias
habitacionais desenvolvidas no século XX em Fortaleza, enquadradas pelos
critérios seletivos adotados nesta pesquisa;
Contribuir para o registro e sistematização do conhecimento acerca dos processos,
sistemas e materiais construtivos tradicionais das casas em Fortaleza;
Compreender a concepção dos especialistas quanto à produção arquitetônica de
residências unifamiliares e o modo de morar, e suas relações com o meio ambiente
e a cultura cearenses.
1.2 Os motivos da escolha do tema
Interessa explicar brevemente os fatores determinantes para a decisão pelo tema
desta pesquisa, assim como destacar sua relevância. Salientam-se, primeiramente,
experiências pessoais de vida da autora em sua infância e adolescência, em face da
oportunidade de morar em alguns diferentes lugares, e, assim, perceber e vivenciar outras
culturas, modos de vida e visões de mundo diversificadas. Tudo isto, desde muito cedo,
despertou curiosidades sobre a variedade e a peculiaridade dos aspectos artístico-culturais e
dos ambientes naturais existentes ao redor do mundo.
Nesta mesma fase surgiu também a identificação com a área profissional da
arquitetura e do urbanismo. Esta proposta intelectual integraria arte, cultura e técnica. No
decorrer do curso de graduação, percebeu-se, logo de início, que nem tudo que é
simplesmente belo é, por sua vez, adequado, e que nem tudo que se quer ou deseja convém.
Os problemas ambientais e sociais mostraram-se como fatores por vezes determinantes para a
arquitetura e a profissão de arquiteta e urbanista, sobretudo no contexto crítico das sociedades
subdesenvolvidas, e mais especificamente no caso do Nordeste do Brasil. Na Academia, a
História da Arquitetura e do Urbanismo, linha temática aprofundada pela autora durante dois
anos como professora universitária, evidenciou de maneira mais forte esta condição das
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
19
cidades brasileiras. Ao mesmo tempo, percebeu-se que faltava no próprio Curso de
Arquitetura o estímulo ao diálogo interdisciplinar, mediante discussão que englobasse a
arquitetura e as outras áreas de estudo relacionadas aos problemas urbanos e ambientais.
Por ser a arquitetura um fenômeno eminentemente cultural (WEIMER, 2005;
LEMOS, 1996; RAPOPORT, 1969), surge a inquietação: Como a casa pode ser sustentável?
Ou melhor, como a casa pode ser ambientalmente correta e ao mesmo tempo inserida dentro
da realidade sociocultural de cada lugar e morador? Isto leva a considerar a estreita relação
entre arquitetura, sociedade, cultura e meio ambiente, aspectos que especialmente no caso
do estudo da casa não podem estar dissociados. Uma casa pertence a alguém, com valores,
princípios e visão de mundo próprios mas não únicos e identificáveis. Uma casa também
se insere em determinado sítio, que pode estar em uma quadra, em uma via específica, em um
bairro, localizado em uma cidade com características próprias (geografia, clima, cultura,
demografia, etc.).
Tal questionamento suscitou este trabalho, uma pesquisa desafiadora e
inquietante. Desafiadora por nela estarem relacionados tantos assuntos, tantas disciplinas. E
inquietante porque mostrou-se, desde o início, como uma gotícula no meio de um grande
oceano. Abre-se, portanto, espaço para diversas outras pesquisas acadêmicas, mestrados e
doutorados.
Como parte do Programa Regional em Desenvolvimento e Meio Ambiente
(PRODEMA), o mestrado deste programa mostrou-se como oportunidade de aprofundar os
conhecimentos de arquitetura e urbanismo, contemplar e relacionar outras disciplinas
essenciais para a compreensão, discussão e solução dos problemas relacionados à profissão e
atuação como arquiteta e urbanista. Quanto ao tema casa, ao mesmo tempo em que se vincula
à atuação técnica da autora e a suas experiências, demanda uma abordagem interdisciplinar,
mostrando-se como proposta adequada e, ao mesmo tempo, diferenciada, por ter sido pouco
abordada na literatura sob a forma ora sugerida.
2 O CAMINHO DE CASA
A casa era uma casa brasileira, sim
Mangueiras no quintal e rosas no jardim
A sala com o Cristo e a cristaleira
E sobre a geladeira da cozinha um pingüim
A casa era assim ou quase
A casa já não está mais lá
Está dentro de mim
Cantar me lembra o cheiro de jardim
(Geraldo Azevedo, A Casa Brasileira)
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
21
Este capítulo trata das estratégias metodológicas percorridas no decorrer da
pesquisa, estruturada, para melhor entendimento, de acordo com as seguintes etapas: pesquisa
bibliográfica, pesquisa documental, pesquisa de campo e trabalho de sistematização.
Efetivamente a maioria dos fenômenos da realidade não pode ser explicada de
forma isolada. Esta compreensão deve ser um resultado da complexidade da realidade desses
fenômenos. (FLICK, 2004). Como a casa é um objeto que não pode ser reduzido a variáveis
únicas, mas deve ser estudado em sua complexidade e totalidade (ZEVI, 1998; RAPOPORT,
1969), e como “o objeto de estudo é o fator determinante para a escolha de um método e não
o contrário”, (FLICK, 2004, p.21), optou-se por realizar uma pesquisa qualitativa. Esta opção
de metodologia considera como parte do processo de pesquisa as subjetividades, tanto do
pesquisador como das pessoas sujeito do estudo. “As reflexões dos pesquisadores sobre suas
ações e observações no campo, suas impressões, irritações, sentimentos, e assim por diante,
tornam-se dados em si mesmo, constituindo parte da interpretação”. (FLICK, 2004, p.22).
Portanto, no decorrer do trabalho a casa será estudada em seus princípios
arquitetônicos (forma, função, tecnologia, material, arte) ao longo da história (cronologia,
transformações sociais), relacionada ao meio ambiente (problemática ambiental, ecologia,
condições climáticas) e aos aspectos socioculturais (modo de viver, visão de mundo,
costumes).
Quanto à pesquisa bibliogfica, foi realizada principalmente nas Bibliotecas do
Curso de Arquitetura e Urbanismo e de Ciências Humanas da Universidade Federal do Ceará
(UFC) e na Biblioteca da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Contudo, em face da dificuldade
de encontrá-los nas bibliotecas de Fortaleza, alguns livros foram adquiridos por meio de compra
via Internet.
Quanto à pesquisa documental, esta consistiu na busca de imagens e desenhos
arquitetônicos na Biblioteca do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, no Museu da
Imagem e do Som do Ceará e no Museu Cearense de Comunicação (Arquivo Nirez). Também
foi consultada a Internet, como forma de adquirir imagens cartográficas de Fortaleza.
A pesquisa de campo consistiu, inicialmente, na realização de percursos
exploratórios pela cidade de Fortaleza, a fim de documentar e observar tipologias residenciais
representativas do ponto de vista social, formal, estético, material e técnico-construtivo.
Segundo afirma José Liberal de Castro, em entrevista à pesquisadora, em julho de 2007,
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
22
estudar as casas em Fortaleza implica o conhecimento e a análise das principais tipologias
residenciais reproduzidas na cidade, certamente em períodos distintos, contextualizando-as
nos momentos históricos e socioeconômicos respectivos.
No contexto do trabalho ora elaborado, a representatividade de uma tipologia
residencial deve ser entendida como sendo, entre outras características, sua reprodutibilidade.
Tipologias residenciais tornam-se representativas no tecido da cidade, por terem sido bastante
assimiladas e reproduzidas em determinado período, seja por motivos legais, econômicos,
ambientais, tecnológicos, sociais ou mesmo pelo conjunto destes fatores inter-relacionados.
Concomitantemente a esta observação, verificou-se também o estado de conservação e
manutenção de tais residências.
Diversas áreas foram visitadas. Como principais mencionam-se os bairros do Centro,
Praia de Iracema, Jacarecanga, Benfica, Gentindia, tima, Diosio Torres, Aldeota e Papicu.
Um forte da escolha destes bairros foi a importância que a residência unifamiliar assumiu em
diferentes períodos da hisria da cidade ou assume, atualmente, tanto do ponto de vista
quantitativo (predonio deste tipo de edificão) como qualitativamente, no contexto destas
áreas, por definir as características da paisagem, das ruas e de trechos dos bairros.
Como percebido, as características das residências estudadas refletem uma série
de determinantes; entre eles, a legislação vigente que influi no tamanho dos lotes e as taxas de
ocupação, as tecnologias construtivas conhecidas, os padrões estéticos de valor no período, a
visão de mundo dos seus usuários, as preocupações climáticas, entre outras.
Conforme verificou-se, as tipologias habitacionais observadas se diferenciavam
de acordo com setores, ruas ou quadras detentoras de padrões de homogeneização nos bairros.
Entretanto, preferiu-se tratar estas residências pelas suas principais características gerais,
influenciadas por seus fatores determinantes. Contudo, diante das rápidas transformações
urbanas ocorridas na cidade de Fortaleza, os bairros analisados modificaram suas
configurações originais.
No decorrer dessa primeira etapa da pesquisa de campo, ou seja, do percurso
exploratório pela cidade de Fortaleza, foram registradas algumas casas que conservavam suas
características originais e realizadas fotografias destas residências. A partir destes padrões,
foram buscadas informações arquitetônicas e históricas destinadas a dar suporte à
contextualização das tipologias observadas. Para isso, foram feitas entrevistas semi-
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
23
estruturadas com os arquitetos José Liberal de Castro, José da Rocha Furtado Filho, Luciano
Marrocos Aragão, Nícia Paes Bormann, Delberg Ponce de Leon, Roberto Martins Castelo,
Nelson Serra e Neves, Paulo Cardoso da Silva e José da Rocha Furtado Filho, escolhidos por
serem profissionais notáveis no conhecimento da conformação e evolução urbana de Fortaleza
e por terem significativa atuação na produção arquitetônica de residências unifamiliares a
partir da década de 1950 nessa cidade.
Na entrevista tais especialistas expuseram opiniões sobre o processo de produção
arquitetônica de residências em Fortaleza e suas relações com o modo de vida e a questão
ambiental, e indicaram aspectos primordiais a serem considerados no projeto e construção da
casa.
Em virtude do caráter semi-informal da entrevista, os arquitetos responderam às
questões da maneira mais conveniente a cada um. Portanto, embora nem todos tenham
abordado o questionário em sua totalidade, determinados temas foram intensamente
desenvolvidos por eles.
O segundo momento da pesquisa de campo consistiu em escolher, no espaço da
cidade de Fortaleza, residências que atendessem aos alguns critérios estabelecidos para
análise, assim especificados:
1. Casas com, no mínimo, vinte e cinco anos de existência e ocupação;
2. Casas em bom estado de conservação e manutenção, resultado de uma relação
zelosa e cuidadosa do seu morador;
3. Casas necessariamente habitadas por, no mínimo, vinte e cinco anos pelo
mesmo morador;
4. Casas que conservam sua função inicial.
Foram escolhidas quatro unidades residenciais para a realização da pesquisa, todas
de períodos distintos de construção. A Unidade 1 está localizada no Bairro do Centro, na
Avenida Visconde do Rio Branco, habitada sessenta e dois anos pelo mesmo morador.
Guarda características comuns das residências deste bairro. A Unidade 2 correspondeu a uma
edificação situada no Bairro de Jacarecanga, na Avenida Francisco Sá, habitada quarenta
anos pelo mesmo morador, com aspectos similares às residências vizinhas. A Unidade 3 é
uma residência na Rua Mar del Plata, habitada vinte e cinco anos por seu proprietário.
Possui conformação peculiar em relação às outras unidades do bairro. A Unidade 4 situa-se na
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
24
Rua Pascoal de Castro Alves, e é habitada trinta e quatro anos pelo proprietário, o qual foi
responsável por seu projeto de arquitetura.
Para cada uma destas casas foram realizados, quando necessário, levantamentos
arquitetônicos com o uso manual de trenas –, levantamentos fotogficos com máquina
digital –, observação e anotação de aspectos externos (relação com a rua, detalhes construtivos e
vegetação) e aspectos internos (distribuição espacial, mobilrio, iluminação, ventilação e
objetos pessoais). Também foram feitas entrevistas semi-estruturadas com os moradores
proprietários das casas, com vistas a questioná-los sobre o modus vivendi de cada um e sobre os
principais aspectos a influenciar na manutenção daquele bem até o presente momento.
A observação, considerada “habilidade diária metodologicamente sistematizada e
aplicada na pesquisa qualitativa” (FLICK, 2004, p.147), foi um recurso intensamente utilizado
durante a pesquisa de campo. Entretanto, a pesquisadora no papel de observadora não
participou como componente ativo do campo observado. Este instrumento serviu como forma
de complementar e confrontar as respostas dos moradores às entrevistas.
Recorreu-se, na observação, ao método fenomenológico, entendido como sendo a
descrição, compreensão e interpretação de fenômenos que se apresentam à percepção. Com
base em Tuan (1983, p.7), o trabalho utilizou-se da experiência direta e íntima – do morador –
e indireta e conceitual, do pesquisador: “Conhecemos nossa casa intimamente; podemos
apenas conhecer algo sobre o nosso país se ele é muito grande”.
A quarta etapa da pesquisa (trabalho de sistematização) consistiu em examinar
todas as informações coletadas (dados bibliográficos, entrevistas, observações de campo,
imagens e desenhos), organizá-las e relacioná-las por meio da reflexão, formando o corpo do
texto desta dissertação.
3 RELACIONANDO CONCEITOS
Onde resiste sertão
Toda casinha é feliz
Ainda é vizinha de um riacho
Ainda tem seu pé de caramanchão
(Gilberto Gil, Casinha Feliz)
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
26
Neste capítulo interessa explanar brevemente as definições e os conceitos da
terminologia mais relevante utilizada no trabalho, bem como apresentar algumas discussões
que a norteiam, apontando os principais autores e linhas de pensamento consideradas. Ao
mesmo tempo, será mostrado como estes termos se relacionam na pesquisa, entre eles
identidade, lugar, casa e desenvolvimento sustentável.
3.1 Identidade como entidade
Tratar sobre identidade implica atentar, primeiramente, para a existência de uma
variedade de interpretações e aplicações por vezes contraditórias ou polêmicas
intensificadas ao longo do tempo. De acordo com Hall (2006), o entendimento sobre
“identidade” modificou-se com o passar do tempo. Ele aponta a existência histórica de três
principais concepções distintas: a concepção do sujeito do Iluminismo, a concepção do sujeito
sociológico e a concepção do sujeito pós-moderno.
A primeira abordagem do sujeito do Iluminismo é aquela que considerava o
cleo interior do indivíduo como o seu centro de referência – vinculado à razão, à consciência e
à açãoe permanecendo essencialmente o mesmo ao longo da sua existência. (HALL, 2006).
A segunda abordagem tratada pelo referido autor é a concepção do sujeito
sociológico, que refletia a complexidade do mundo moderno. Nesta linha de pensamento,
aprofundada até meados do século XX, a identidade seria formada pela “interação” entre o
sujeito e a sociedade, onde a essência interior do sujeito o “eu real seria formado e
modificado por um diálogo contínuo com o mundo cultural exterior e as identidades
oferecidas por este mundo oferece.
O fato de que projetamos a “nós próprios” nessas identidades culturais, ao mesmo
tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os “parte de nós”,
contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que
ocupamos no mundo social e cultural. A identidade, então costura [...] o sujeito à
estrutura. (HALL, 2006, p.11-12).
No Brasil, esta abordagem foi bastante significativa, pois as principais teorias
explicativas do país e suas origens foram elaboradas em fins do século XIX e início do século
XX por autores como Sílvio Romero (1851-1914), Euclides da Cunha (1866-1909) e Nina
Rodrigues (1862-1906), precursores das ciências sociais no Brasil. Para Ortiz (2006), estas
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
27
explicações são consideradas implausíveis, visto que a questão social adquiriu no Brasil
contornos racistas. Segundo o autor ressalta, a problemática da identidade nacional foi um
elemento significativo e constante na história da cultura brasileira.
Na linha de pensamento dos autores ora citados, meio e raça se constituíam em
categorias do conhecimento que definiam o quadro interpretativo da realidade brasileira. Em
outras palavras, a história brasileira era apreendida em termos deterministas, onde “clima e
raça explicam a natureza indolente do brasileiro, as manifestações tíbias e inseguras da elite
intelectual, o lirismo quente dos poetas da terra, o nervosismo e a sexualidade desenfreada do
mulato”. (ORTIZ, 2006, p.16).
Os escritores românticos, como Gonçalves Dias (1823-1864) e José de Alencar
(1829-1877), ao descobrirem o elemento nativo, promoveram-no a símbolo nacional em obras
como Juca-Pirama (1868) e O Guarani (1857). Por estes escritores, o índio brasileiro é
mostrado como ser civilizado, poético e “despido de suas características reais”. Mas nestas
obras não existem menções sobre as populações africanas, as quais acontecem no período
escravocrata, marcado por “um longo silêncio sobre as etnias negras que povoam o Brasil”.
(ORTIZ, 2006, p.19).
Depois da Abolição da Escravatura, em 1888, ocorreu uma mudança radical no
referente à visão sobre as populações africanas: “O negro aparece assim como fator dinâmico
da vida social e econômica brasileira, o que faz com que, ideologicamente, sua posição seja
reavaliada pelos intelectuais produtores da cultura”. (ORTIZ, 2006, p.19). Desse modo, surgiu
a idéia do Brasil como espaço de miscigenação, onde houve a fusão de três raças
fundamentais, quais sejam: o branco, o negro e o índio. Mesmo assim, à raça branca era
atribuída uma posição de superioridade e a mestiçagem simbólica traduzia a realidade
inferiorizada do mestiço. Os “cientistas” deste período depararam-se com o seguinte dilema:
“Como tratar a identidade nacional diante da disparidade racial?”, que “se por um lado é
urgente a elaboração de uma cultura brasileira, por outro se observa que esta se revela como
inconsciente”. (ORTIZ, 2006, p.20-21).
O ano de 1914, ao marcar o início da Primeira Guerra Mundial, introduziu também
a emergência de um espírito nacionalista, voltado a superar as teorias raciais e ambientais
características do início da República Velha. (ORTIZ, 2006). Veio à tona a visão de Manuel
Bonfim (1868-1932), que procurou diagnosticar, por meio da analogia entre biologia e
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
28
sociedade (teoria biológico-social), os males da América Latina. A partir deste pensamento, a
problemática da identidade brasileira passou a existir dentro de um sistema mais abrangente, o
latino-americano. O discurso da compreensão do “atraso” da América Latina girava em torno
do entendimento das relações entre nações hegemônicas e nações dependentes.
Como é notório, as antigas teorias raciológicas entraram em declínio no Brasil nas
primeiras décadas do século XX, sobretudo a partir da Revolução de 1930. Este período é
marcado por profundas mudanças no país: processo de urbanização e de industrialização
acelerada, emergência da classe média, surgimento do proletariado urbano, entre outros.
Como movimento cultural, o modernismo trouxe consigo uma consciência
histórica até então esparsa na sociedade. Coincidiu, na Europa, com um momento de
autocrítica do imperialismo colonial, no qual a arte popular foi repensada, assim como o estilo
do barroco americano e as culturas africanas. Diante destes fatos, as formações simbólicas do
homem colonizado foram vistas com simpatia. (BOSI, 1992).
De acordo com Ortiz (2006), o trabalho literário de Gilberto Freyre (1900-1987)
surgiu como forma de atender à “demanda social” por uma nova teoria que superasse as
antigas abordagens raciológicas. Surgiram outros pensadores, como Caio Prado Jr. (1933) e
Sérgio Buarque de Holanda (1936).
Ao reinterpretar o pensamento de Sílvio Romero, Gilberto Freyre realizou com
sua obra a passagem do conceito de raça para o de cultura. Desse modo, eliminou uma série
de dificuldades colocadas anteriormente a respeito da herança atávica do mestiço.
Gilberto Freyre transforma a negatividade do mestiço em positividade, o que
permite completar definitivamente os contornos de uma identidade que muito
vinha sendo desenhada. que as condições sociais eram agora diferentes, a
sociedade brasileira não mais se encontrava num período de transição, os rumos
do desenvolvimento eram claros e até um novo Estado procurava orientar essas
mudanças O mito das três raças torna-se então plausível e pode se atualizar como
ritual. A ideologia da mestiçagem, que [...] ao ser reelaborada pode difundir-se
socialmente e se tornar senso comum, ritualmente celebrado nas relações do
cotidiano, ou nos grandes eventos como o carnaval e o futebol. O que era mestiço
torna-se nacional. (ORTIZ, 2006, p.41).
A partir da Segunda Guerra Mundial, intensificou-se o processo de formação de
uma consciência nacional. Nos anos 1950, o conceito de cultura foi remodelado, e passou a
ser analisado dentro de um quadro filosófico e sociológico pelos intelectuais do Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), os “isebianos”.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
29
Conforme se percebe, ao longo da história da cultura brasileira sobretudo até
meados do século XX a “identidade” esteve freqüentemente vinculada à idéia de
“identidade nacional”, como forma de atender a anseios políticos e culturais de emancipação
da sociedade brasileira diante do mundo. Esta nomenclatura abriu espaço para uma visão
homogeneizada e única de “identidade”, que certamente camuflou as vicissitudes e
diversidades existentes no contexto da sociedade brasileira.
Diferentemente da abordagem recém-citada, o trabalho ora elaborado considera
válidas as definições de “cultura” e “identidade” que, surgindo na segunda metade do século
XX, englobam contradições, divergências e diferenças. Para tal, toma como referência autores
como Tuan (1983), Leff (2000), Thompson (1998) e Lèvi-Strauss (1987) na definição destes
conceitos.
No entendimento sobre “cultura” é necessário lembrar que os humanos se
distinguem entre os seres vivos pela capacidade de desenvolvê-la, sendo seus
comportamentos e valores diretamente influenciados pela cultura. (TUAN, 1983).
Leff (2000, p.112) define a organização cultural de um povo como “um tecido de
valores, de formações ideológicas, de sistemas de significação, de práticas produtivas e de
estilos de vida, num contexto geográfico e num dado momento histórico.” Para garantir a
reprodução de um estado de coexistência social, é necessário transmitir estes valores e
práticas às novas gerações. Nesse processo, a educação é um vetor decisivo. (BOSI, 1992).
Thompson (1998) enfatiza a necessidade de entender a definição de cultura, o
como um único sistema, que de forma ultraconsensual incorpore todas as atitudes, valores e
símbolos de uma sociedade. Para o autor, cultura é também um conjunto de diferentes
componentes, nos quais estão incorporadas diversidades e contradições:
Mas uma cultura é também um conjunto de diferentes recursos, em que sempre
uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a
metrópole; é uma arena de elementos conflitivos, que somente sob uma pressão
imperiosa por exemplo, o nacionalismo, a consciência de classe ou a ortodoxia
religiosa predominante assume a forma de um “sistema”. E na verdade o próprio
termo “cultura”, com a sua invocação confortável de um consenso, pode distrair
nossa atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas e oposições existentes
dentro do conjunto. (THOMPSON, 1998, p.17).
No contexto do surgimento de novas abordagens sobre a identidade, mais
precisamente a partir da década de 1970, surgiu a discussão apontada por Hall (2006), ou seja,
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
30
a concepção de identidade do sujeito pós-moderno, em que ocorre a fragmentação de uma
identidade “unificada e estável” até o momento.
Na “pós-modernidade” segundo a visão de Hall (2006) a identidade seria
composta de várias identidades, algumas vezes contraditórias e provisórias. Na verdade, a
idéia de uma identidade única e estável teria sido uma ilusão. Parte desta constatação vai ao
encontro das crenças de Lèvi-Strauss (apud ORTIZ, 2006, p.137) sobre “identidade” ao
defini-la como “uma entidade abstrata sem existência real, muito embora seja indispensável
como ponto de referencia”.
Não se pretende no decorrer desta pesquisa adentrar na complexidade de uma
outra discussão – bastante polêmica – sobre o emprego e pertinência do termo “pós-moderno”
defendido por Hall (2006), pois enquanto alguns autores concordam com esta nomenclatura
como Frédric Jameson
1
e David Harvey
2
outros argumentam sobre o seu despropósito,
como Sérgio Rouanet
3
, Sílvio Collin
4
e Jurgen Habermas
5
. Portanto, tal discussão demandaria
mais aprofundamento sobre este assunto específico, não considerado objetivo desta pesquisa.
Importa perceber o seguinte: no momento atual entendido ora como “moderno”,
“moderno tardio”, “pós-moderno” ou “neomoderno” é fundamental compreender “cultura”
e “identidade” por um viés distinto daquele ligado unicamente à emancipação nacional,
destacando principalmente a necessidade da existência da identidade, mesmo como entidade
abstrata (LÈVI-STRAUSS, 1977, apud ORTIZ, 2006). Assim, o ser humano como um ser
social – precisa encontrar identificação, seja com a cultura do seu país, com a sua cidade, com
o seu bairro, com a sua rua, com a sua casa ou com a sua família.
3.2 Lugar
Diante da indispensabilidade da identidade (ORTIZ, 2006) e, ao reconhecê-la
tanto abstrata como sobretudo variável, diversificada e por vezes, contraditória
(THOMPSON, 1998; LÈVI-STRAUSS, 1987), torna-se fundamental, no contexto do presente
1
Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio.
2
Condição pós-moderna.
3
A verdade e a ilusão do pós-moderno.
4
Pós-modernismo: repensando a arquitetura.
5
MODERNIDADE um projeto inacabado. In: ARANTES, O.; ARANTES, P. Um ponto cego no projeto moderno de
Jürgen Habermas. São Paulo: Brasiliense, 1992. p. 99-123.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
31
trabalho, relacioná-la com as noções de lugar e espaço, que o objeto aqui estudado (a casa)
é um componente espacial fixo, durável, funcional, artístico e cultural.
Uma das definições de identidade é a de Ferreira (1986), segundo a qual esta é “o
conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa”. Com base nesta definição e por
meio da abordagem de Tuan (1983), podem ser discutidas as seguintes questões: Como as
noções de lugar e espaço contribuem e influenciam na consolidação desta identidade? Ou
melhor, como a casa (objeto de estudo), entendida ao mesmo tempo como espaço e como
referência de lugar, influencia na natureza desta identidade?
A percepção de espaço e de lugar varia entre as diferentes culturas, apesar de
existirem, nestas perspectivas, componentes universais para a condição humana. Por exemplo, no
mundo ocidental, o espaço é, para o senso comum, um mbolo de liberdade. A cultura pode
acentuar ou distorcer capacidades, necessidades e aptidões humanas. Embora seja uma condição
para a sobrevivência biológica, ao espo são atribuídas necessidades e características subjetivas,
condicionadas culturalmente. Por exemplo, a quantidade de espaço para um homem viver
confortavelmente é uma informação varvel, de acordo com os modos de viver, das condições
socioeconômicas, da visão de mundo, entre outros aspectos. (TUAN, 1983).
A noção de espaço pode ainda estar associada a algo desconhecido ou intangível,
como o infinito. Existem também os espaços míticos, classificáveis, conforme Tuan (1983), em
duas categorias distintas, que persistem no mundo moderno. Uma delas é “uma área imprecisa
do conhecimento deficiente envolvendo o empiricamente conhecido”. (TUAN, 1983, p.97). A
outra seria “o componente espacial de uma visão de mundo, a conceituação de valores locais
por meio da qual as pessoas realizam suas atividades práticas”. (TUAN, 1983, p.97).
Lugar significa um “espaço ocupado” (FERREIRA, 1986) ou, também, um
“espaço próprio para determinado fim”. Enquanto o espaço pode significar abertura e
amplitude, independência e ação, lugar geralmente indica fechamento e restrição, dependência
e pausa. A intimidade e familiaridade são características de lugar. Este, ao ser profundamente
explorado e conhecido, passa a assumir o centro do mundo da pessoa ou do grupo que com
ele se relaciona.
“[...] quando residimos por muito tempo em determinado lugar, podemos
conhecê-lo intimamente, porém a sua imagem pode não ser tão nítida, a menos que possamos
também vê-lo de fora e pensemos em nossa experiência”. (TUAN, 1983, p.21).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
32
Assim, a interpretação do meio ambiente seja este natural ou construído pelo
próprio homem é bastante influenciada pela cultura e experiência de cada um. Para um
turista, uma cidade pode representar um espaço interessante, a ser explorado e descoberto em
apenas alguns dias, enquanto esta mesma cidade, para quem nela reside desde quando nasceu,
significa o lugar mais adequado e agradável para se morar. Para conhecer um espaço, é
necessário a pausa:
Lugar é uma pausa no movimento. Os animais, incluindo os seres humanos,
descansam em uma localidade porque ela atende a certas necessidades biológicas. A
pausa permite que uma localidade se torne um centro de reconhecido valor. [...] A
afeição duradoura pelo lar é em parte o resultado de experiências íntimas e
aconchegantes. (TUAN, 1983, p.153).
Relacionado “espaço”, “lugar” e “identidade”, pode-se afirmar que um lugar seria
um espaço conhecido, familiar e, portanto, identificável.
3.3 Casa: conceituações e significados
Como consta em Ferreira (1986), a palavra casa deriva do latim casa, e significa
choupana. Choupana, por sua vez, é definida como uma cabana, ou um rancho. (BUENO,
1989). Tais termos sugerem um envoltório construído com materiais naturais. (CHING, 1999).
Conforme se verifica, originariamente, a casa é entendida como um espaço para abrigar alguém
ou alguma coisa. Embora seja uma construção, ao mesmo tempo destina-se a cumprir funções.
Algumas conceituações especificam melhor as funções de uma casa: “construção
que serve de moradia” (CHING, 1999); “edifício para habitação”, “morada”, “moradia”,
“mansão”, “lar”, “vivenda”, “domicílio”; “prédio”, “estabelecimento”, “loja” ou “cada uma
das divisões de uma habitação”. (FERREIRA, 1986).
É fundamental perceber nas principais definições sobre casa que, de origem, este
termo vincula-se à vida, seja ela humana ou o. Segundo adverte Rykwert (2003), a
necessidade de um abrigo ou casa é inerente ao ser humano, aspecto percebido desde a infância:
“A paixão pela construção de espaços fechados, ou por ‘adotar’, por tomar posse de um volume
limitado sob os s de uma cadeira ou de uma mesa como um ‘lugar aconchegante’ para se
fazer uma ‘casa’, é um dos jogos infantis favoritos”. (RYKWERT, 2003, p.218).
Em 1866, na proposta de criação de uma nova disciplina científica vinculada à
biologia, com a função de “estudar as relações entre as espécies animais e o seu ambiente
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
33
orgânico e inorgânico”, Ernest Haeckel utilizou o termo “ecologia”, a “ciência da casa”
derivada da palavra grega oikos (eco) – que significa casa. (LAGO; PÁDUA, 1991).
Se a casa em sua definição mais original abriga o significado do lugar da vida, é
indispensável uma breve reflexão sobre o que deveria se esperar de um espaço apropriado
para tal fim. A vida é definida por Ferreira (1986, p.1774) como “o conjunto de propriedades
e qualidades graças às quais animais e plantas, ao contrário dos organismos mortos ou da
matéria bruta, se mantêm em contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como
metabolismo, crescimento, reação a estímulos, adaptação ao meio, reprodução e outras”. No
caso da vida humana, complementa-se obrigatoriamente esta definição com a necessidade de
estabelecer relações sociais, afetivas e de experimentar os sentimentos mais profundos do
homem: amor, felicidade, prazer, bem-estar, satisfação e fé, entre outros. Na figura 1 a seguir
são expostos alguns tipos de casa.
FIGURA 1 – Residências unifamiliares em Montevidéu, Uruguai.
Fonte: Lima, janeiro de 2008.
Nesse sentido, a casa entendida como o lugar da vida humana deveria ser
pensada, planejada, construída e habitada de maneira apropriada. Deveria possibilitar a
realização plena de atividades alimentar-se, vestir-se, abrigar-se, dormir, cozinhar, ir ao
banheiro, lavar-se, limpar, sentar, conversar, estudar, cantar, plantar, pensar, refletir, escrever,
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
34
trabalhar, brincar, discutir, entre outros –, e o espaço mais adequado para a manifestação da
afetividade, mais especificamente, o amor. Estas considerações contrastam com as variadas
significações que o termo casa adquiriu no espaço e no tempo.
Por exemplo: as favelas, os cortiços, os barracos e muitos projetos de habitações
de interesse social naturalmente designadas como casa – denotam as péssimas condições de
moradia, por não terem sido programadas para o homem com base na dignidade, ou seja, no
respeito e cuidado com suas necessidades individuais e coletivas, que englobam não somente
a sobrevivência, mas, principalmente, a vivência. Ao mesmo tempo, existem as casas
produzidas sob condições de extrema riqueza e luxo, denominadas, especificamente,
“mansão” e “palácio”. Na figura 2 a seguir podem ser vistas moradias precárias.
FIGURA 2 Formas de moradia precárias. Favela (esquerda) e conjunto habitacional
(direita).
Fontes: Weimer, 2005, BNH, 1979.
Desta forma, podem ser encontradas derivações do uso da palavra em uma gama
de propostas diversificadas. Pode, por exemplo, ser a designação de algumas repartições
públicas, como a Casa Civil, a Casa da Moeda a Casa Branca (Washington D.C.) ou a Casa
Rosada (Buenos Aires) ou, ainda, a Casa do Cidadão. Alguns edifícios que acolhem e tratam
os enfermos, em vez de hospitais, são chamados de casas. Em Fortaleza, o primeiro prédio
desta natureza foi a Santa Casa de Misericórdia, construída em 1861 e ativa até os dias de
hoje. Na cidade é possível encontrar instituições com outros títulos, como Casa da Gestante,
como mostra a figura a seguir, Casa do Estudante, entre outros. Eventos de decoração também
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
35
recebem este nome, como Casa Cor ou Casa Ceará, que são amostras de produtos e soluções
espaciais e para ambientes domésticos. Na figura 3 a seguir, pode-se ver a Casa da Gestante.
FIGURA 3 – Serviço público de apoio à gestante, com a designação casa.
Fonte: Vasconcelos, janeiro de 2008.
Outras propostas do termo casa são adotadas. Na literatura, há um modo mais
ameno e humano de tratar as catacumbas ou os cemitérios: as casas dos mortos. Esta mesma
denominação foi feita por Dostoievski, com outra conotação, em Recordações da Casa dos
Mortos (1862), onde o autor retrata a vida dos condenados nas prisões da Sibéria. Na
linguagem matemática, pode significar o “lugar que um algarismo ocupa num número”. Por
exemplo, casa decimal (FERREIRA, 1986).
Muitos estabelecimentos comerciais são nomeados com a designação casa. Tal
expressão lhes fornece um tom mais familiar, como Casa das Ferragens ou Casa dos
Colchões. Também é comum encontrar esta proposta terminológica no caso de instituições
escolares, com denominações como Casa de Criança ou Casa da Tia Lea, transmitindo a
imagem e a mensagem de uma continuidade do próprio lar do aluno.
Existem, portanto, inúmeros significados e subversões para o termo casa.
Contudo, como se pode verificar, de maneira geral, embora esta palavra seja compreendida
pelo senso comum, em suas diferentes aplicações, seu sentido original foi bastante alterado.
Resgatar este sentido é uma proposta desta pesquisa.
A casa pode ser entendida como um conjunto de espaços arquitetônicos que
definem funções sociais e as relações humanas. Segundo observa Tuan (1983), quando o
ambiente é planejado pelo homem e não quando este é a própria natureza, é mais fácil para as
pessoas identificarem quem elas são e como devem se comportar. Ainda segundo a mesma
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
36
fonte, ao mesmo tempo em que é um espaço, a casa, para quem a conhece e habita, torna-se
lugar:
A casa como lugar está cheia de objetos comuns. s os conhecemos através do
uso; não lhes prestamos atenção como fazemos com as obras de arte. Eles são quase
uma parte de nós mesmos, estão muito próximos para serem vistos. [...] O lar é um
lugar íntimo. Pensamos na casa como lar e lugar, mas as imagens atraentes do
passado são evocadas não tanto pela totalidade do prédio, que somente pode ser
visto, como pelos seus elementos e mobiliários, que podem ser tocados e também
cheirados: o sótão e a adega, a lareira e a janela do terraço, os cantos escondidos,
uma banqueta, um espelho dourado, uma concha lascada. (TUAN, 1983, p.159).
O lugar onde moram é a primeira associação que as pessoas do senso comum
estabelecem com a denominação casa. Representa, portanto, um consensus gentium. A
palavra casa lembra-lhes o espaço onde dormem, comem, conversam e convivem, ou seja,
está de acordo com a definição: “a building for human beings to live in
6
(GURALNIK, 1986,
p.168). Este espaço construído para abrigar as funções humanas mais fundamentais está
intimamente ligado com quem nele mora. Indagadas sobre o significado de casa, duas
senhoras responderam respectivamente: “É o meu porto seguro, é para que quero sempre
voltar” e “é o lar, o aconchego”. Dimensões históricas, simbólicas e religiosas são citadas por
Cheers (2006) ao destacar a complexidade da casa, aspectos que estão ligados com o ser
humano e suas necessidade imateriais.
Consoante se percebe, a casa, para o ser humano, é, primeiramente, um espaço
necessário, o qual, uma vez instalado e habitado, supre a demanda por abrigo, segurança,
proteção e acomodação. Entretanto, enquanto estas necessidades básicas vão sendo satisfeitas,
também se estabelecem através do tempo, das relações sociais e das práticas cotidianas as
relações afetivas com a casa, que passa a ser chamada de lar. É a experiência vivida que faz
com que um espaço indiferenciado torne-se um lugar, dotado de valores e intimamente
conhecido pelo seu usuário. (TUAN, 1983).
Há também a vinculação da expressão à noção de família e às suas tradições. Pode
remeter à família em si, com seus componentes (pai, mãe, filho, marido, avô, amigos
próximos, etc.), ou até mesmo aos seus haveres ou bens. Segundo se observa, no entanto, é
comum associar a família em si e os seus haveres à edificação que os abriga, ou seja, a
residência familiar. Enquanto, numa visão tradicional, a família pode representar a unidade
fundamental de uma casa, esta última pode traduzir a unidade espacial da cidade.
6
A construção para os seres humanos morarem (tradução da autora).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
37
No sentido eminentemente humano e brasileiro, a casa é uma construção voltada
para a família. Rybczynski (1987) ressalta que esta associação (família-casa) foi uma
condição ocorrida aproximadamente a partir do século XVII, vivenciada, sobretudo, pela
burguesia. Neste contexto surgiram as noções de domesticidade, intimidade, conforto e lar
7
.
Desse modo, é o espaço onde são cultivados os mais profundos sentimentos de
amor, na relação entre os membros desta instituição. Por ser o lugar que abriga a formação
familiar, é nele onde são guardados os valores materiais como objetos, mobiliários,
equipamentos, vestuário, alimentos, entre outros –, e valores não-materiais amor, segurança,
cuidados, dedicação, união, princípios de vida, visão de mundo e cultura, entre outros. Estes
valores, inicialmente comuns aos membros da família, são fatores de identificação, e podem
conformar a “identidade” de cada indivíduo. Tal noção engloba o próprio senso de casa.
Entre tantos conceitos e significados, o trabalho ora desenvolvido pretende utilizar
o termo casa desta forma mais perceptível pelo senso comum: o edifício onde mora o homem
em sua unidade social (família) ou melhor, o lugar onde mora o homem. Isso pressupõe a
coexistência do morador vivo (componente biológico, social e cultural) e da casa
(componente físico-espacial) em conjunto para conferirem uma análise e interpretação
completa dentro da proposta formulada. Foram buscadas, portanto, residências habitadas que
tivessem certo tempo de existência e uso na cidade de Fortaleza.
3.3.1 Breve evolução da casa
Se a casa pode ser, entre outras designações, um edifício (componente
arquitetônico), seria relevante considerar as colocações de Zevi (1998), que caracteriza este
por uma pluralidade de valores econômicos, sociais, técnicos, funcionais, artísticos,
espaciais e decorativos – e considera que a verdadeira história deste edifício deve estar
fundamentada nestes fatores. A casa, como objeto arquitetônico, seria o resultado das
seguintes interações: o homem (sua natureza, aspirações, organizações sociais, visão de
mundo, modo de vida, necessidades sociais e psicológicas, atitude perante a natureza,
7
Na Idade Média, a idéia de família era distante daquela hoje existente, especialmente no relacionado aos filhos pequenos.
Estes, ao completarem sete anos de idade, eram mandados de casa para trabalhar em outros locais. com a ascensão da
burguesia, as crianças transformaram-se em aprendizes de artesãos, e se utilizavam do espaço da casa, despertando a
necessidade de intimidade para com os outros membros da família.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
38
tecnologias disponíveis, etc.) e a natureza (aspectos físicos, como clima, paisagem, materiais,
leis estruturais, etc.).
Conforme Rapoport (1969), o estudo da casa representa a melhor maneira de
relacionar o sistema completo onde está inserida, contemplando implantação, paisagem,
edifícios monumentais e modo de vida. Para este mesmo autor é importante a descoberta das
forças atuantes sobre a forma da casa. Ele discorda de uma abordagem simplista que atribua
esta forma a uma única causa, ou de uma explicação física determinista deste resultado. Para
Lemos (1996), na casa estão implícitas as técnicas ou o saber fazer decorrente do
conhecimento próprio da comunidade.
Na definição de Ching (1999) sobre casa, estão descritas e esquematizadas
graficamente as tipologias representativas de diferentes culturas. Apesar de ser compreendida
de modo geral como um espaço de moradia para o ser humano, a casa assume suas
particularidades nas diferentes culturas e sociedades. Por exemplo, a habitação indígena,
comumente conhecida como oca, assume nomenclaturas, materiais e, por vezes, formas
diferentes de acordo com a tribo a ela relacionada. Tepi é a casa ou tenda dos índios norte-
americanos, feita de peles de animais (CHING, 1999), enquanto pueblo é a habitação típica e
o espaço de proteção dos índios pueblo, do sudoeste dos Estados Unidos, construída de adobe
ou pedra, geralmente no chão do deserto. a habitação representativa dos esquimós é o iglu,
comumente construído em blocos de neve endurecidos ou gelo, na forma de uma cúpula,
quando temporário. Algumas destas casas podem ser vistas na figura 4 a seguir.
FIGURA 4 – Tipos de casas indígenas.
Fonte: Ching, 1999.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
39
A casa, entendida como abrigo (necessidade básica), está presente na vida humana
desde o início da sua existência. Como primeiro abrigo do homem, destaca-se a caverna, que
resolvia bem um modo de viver simples, ao oferecer proteção e isolamento temporário dos
outros animais. (GARDINER, 1976). Como afirma Benévolo (2005), o homem tinha uma
relação bastante direta e de inclusão com a natureza, e procurava nesta, proteção contra as
intempéries e os inimigos. De modo geral, as modificações do espaço natural eram
superficiais e temporárias, tendo em vista o caráter nômade da vida humana primitiva.
Rykwert (2003), ao tentar rastrear a noção da primeira casa do homem, afirma que
a cabana primitiva primeira casa do homem afigurou-se como “um paradigma do edifício:
um padrão pelo qual, outras edificações deveriam, de certa forma, ser avaliados, pois foi a
partir dessa frágil origem que todas elas surgiram”. (RYKWERT, 2003, p.216).
Ilustrativamente a figura 5 a seguir mostra a primeira casa do homem.
FIGURA 5 – Primeira construção, segundo Viollet-Le-Duc.
Fonte: Rykwert, 2003.
Historicamente, a casa evoluiu desde um padrão inicial de cabana primitiva a
vertentes sofisticadas estética e tecnologicamente. No entanto, Cheers (2006) adverte que a
função fundamental da casa foi mantida, desempenhada em modos e proporções diferentes.
Ao discorrer sobre a casa desenvolvida na sociedade grega antiga, Benévolo
(1998) enquadra-a em uma das divisões da organização do espaço: a área privada. O espaço
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
40
dividia-se também em outras duas áreas: as áreas sagradas (casas de moradia) e as áreas
públicas (locais de reuniões políticas e comércio). Embora a relação do homem com a
natureza fosse de equilíbrio, a casa fazia parte de um organismo artificial (cidade) inserido no
ambiente natural.
Na civilização romana, como mostra a figura 6 a seguir, existiam basicamente
dois modelos de casa: domus e insulae. As primeiras eram casas individuais, com um ou dois
pavimentos na parte externa, e abertas para os espaços internos. As segundas eram
construções coletivas (as cenacula) usadas como habitação de uma população crescente,
geralmente pobres ou escravos, e possuíam cinco a sete andares. Para as famílias que viviam
nas cenacula, a vida era, de modo geral, aglomerada e desconfortável. A maioria não
dispunha de água corrente, e havia muitos perigos, como de desabamento e de incêndios, por
conta do tamanho dos edifícios e da proximidade entre eles. (HODGE, 1971).
FIGURA 6 – Esquemas da casa romana.
Fonte: Ching, 1999.
Na Idade Média, a casa refletia, por sua localização, uma divisão de classes na
sociedade: casas das pessoas mais abastadas no centro da cidade e casas dos pobres na periferia.
A cidade era concebida como burgos, circundada por muros, fortificações; Surgiu, então, uma
nova classe, a burguesia, população artesã e mercantil, crescente do início do século XI até
metade do século XIV. Rapoport (1969) identifica no final deste período da história o início da
separão dos espaços da casa de acordo com as atividades (dormir, estar, comércio). Apesar da
relação do homem com a natureza ser de domínio, havia uma adaptação do edifício e da cidade
aos aspectos físicos da natureza.
Como revela Rybczyncki (1987), as casas, na Idade dia,
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
41
eram personificadas, ou seja, recebiam nomes próprios, costume mantido a o século XX,
talvez para representar a necessidade de identidade dos seus moradores com a casa.
A partir da Renascença, intensifica-se a centralidade da figura humana na vida.
Até então, o homem dominava o ambiente natural, e propunha novos todos e modelos de
construção e idealização do edifício e do espaço urbano. Na nova realidade, surge a figura do
arquiteto, especialista de alto nível que define a forma exata da obra a construir.
(BENÉVOLO, 2005). A descoberta de outros mundos reafirmou a relação de aparente
superioridade do homem europeu com a natureza, com a posse da terra. Descobriram-se as
culturas indígenas e também legados de civilizações anteriores, como os Incas, Astecas,
Maias (América Central) e Marajoaras (Brasil), entre outras.
Com a Revolução Industrial, manifestaram-se no espaço urbano os efeitos do
aumento populacional e da crescente urbanização e industrialização, entre outros, o que
acabou repercutindo diretamente na habitação. Intensificaram-se as discussões sobre as
formas ideais de moradia, como aquelas suscitadas por Gropius (1997). Este autor esclarece
que é a casa que atende bem às condições capitais para uma habitação utilizável, sejam elas
luz, ar e liberdade de movimento: “a construção plana é a que melhor satisfaz tais requisitos,
no sentido amplo. O desejável seria uma casa unifamiliar com jardim”. (GROPIUS;
GUINSBURG, 1997, p.138). Entretanto, as condições de viver nas cidades muitas vezes não
permitiram acomodar em todas as situações este tipo de habitação. Este fato fez surgir novas
propostas de moradia mais compactas, como os edifícios verticais para habitação. Conforme
percebido por Gropius (1997), se bem planejados o que nem sempre ocorreu podem
atender bem às condições saudáveis de viver.
Para melhorar as péssimas condições de moradia no período citado acima como
confinamento, falta de higiene e doenças dos trabalhadores das indústrias, foram
construídos conjuntos habitacionais localizados nas proximidades das fábricas. Este sistema,
denominado cottage system, foi inicialmente aplicado na Inglaterra, mas passou a ser adotado
posteriormente em outros países do continente europeu. (FINEP-GAP, 1983). No Ceará,
surgiram as vilas operárias no século XIX. (ANDRADE, 1990).
No início do século XX, o arquiteto norte-americano Frank Lloyd Wright
desenvolveu tipologias de casas que ficaram conhecidas como prairie houses, conforme
exposto na figura 7 a seguir. Geralmente estas casas possuíam como características principais
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
42
a utilização de materiais tipo madeira e tijolos assim como uma relação com o ambiente
natural externo. Outra característica desta tipologia era a solução da distribuição espacial em
planta baixa, comumente em cruz, que acabou por marcar a arquitetura norte-americana, por
ter sido bastante reproduzida. (HITCHCOCK, 1978).
FIGURA 7 Casa projetada por Frank Lloyd Wright, dentro da proposta das prarie
houses.
Fonte: Hitchcock, 1978.
Ao se comparar o modo de construir a casa e de morar no mundo moderno com as
sociedades mais remotas, se verá que uma das diferenças significativas está no valor assumido
pela casa:
[...] No mundo moderno, as pessoas não constroem suas próprias casas, como o
fazem nas sociedades pré-letradas e de camponeses, nem sequer participam de
maneira simbólica na construção de monumentos públicos. [...] A casa não é mais
um texto que agrupa as regras de comportamento e auma total visão do mundo
que pode ser transmitida através das gerações. Em lugar de um cosmos, a sociedade
moderna tem crenças divididas e ideologias conflitantes. A sociedade moderna é
cada vez mais letrada, o que significa que depende cada vez menos dos objetos
materiais e do meio ambiente físico para corporificar o valor e o sentido de uma
cultura: os símbolos verbais m progressivamente deslocado os símbolos materiais,
e os livros instruem mais do que os prédios. (TUAN, 1983, p.130).
3.4 Um critério para o desenvolvimento sustentável: a casa como lugar
A aplicação de princípios e conceitos de desenvolvimento sustentável se
diferencia caso a caso: é diferente tratar dos elementos ou indicadores de desenvolvimento
sustentável para uma área de produção agrícola, uma empresa industrial, uma instituição
pública, um bairro, uma casa ou um modo de vida individual em particular.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
43
De acordo com Bellen (2007), existe uma grande variedade de abordagens
relacionadas ao conceito de sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável. Entre as mais
conhecidas, pode-se citar a definição do Relatório Brundtland, elaborado a partir da World
Comission on Environment and Development (WCED), segundo a qual o desenvolvimento
sustentável é o “desenvolvimento que satisfaz as necessidades das gerações presentes, sem
comprometer a possibilidade de satisfação das necessidades das gerações futuras”. Conforme
acredita Bellen (2007), alguns componentes da sustentabilidade não podem ser mensuráveis,
como, por exemplo, o cultural e o histórico.
Desta forma, uma condição de satisfação em continuidade é um aspecto sine qua
non para a existência do desenvolvimento sustentável. Em relação ao objeto de estudo desta
pesquisa (a casa), a satisfação abrange principalmente os seguintes aspectos interrelacionados:
a) modo de morar (apropriação do espaço, atitudes, valores, visões de mundo) e
qualidade de vida (satisfação de necessidades básicas individuais, felicidade e
bem-estar);
b) aspectos técnico-construtivos (materiais duráveis, mão-de-obra local, tecnologia
de baixo impacto);
c) conforto ambiental (ventilação natural, insolação, baixo consumo energético,
acústica, olfato, visão, tato);
d) gestão de resíduos (manejo do resíduo doméstico) e manutenção (preventiva e
corretiva).
Segundo se percebe por estes itens, uma discussão sobre a relação entre
desenvolvimento sustentável e a casa é bastante ampla, e engloba tanto componentes
objetivos vinculados ao planejamento e à gestão como subjetivos, a depender diretamente
da educação e consciência de cada morador ou família.
A simples existência da experiência de um lugar consolidado pode reforçar a
motivação de outros usuários, vizinhos e moradores próximos a também zelarem, manterem,
conservarem, reformarem e melhorarem as unidades que ocupam. Desta forma,
homogeneízam territorialmente bons princípios e boas práticas (cidadania, educação,
civilidade, solidariedade), aspectos favoráveis a uma condição de sustentabilidade.
4 CASAS CEARENSES: processos de formação
Fui feita com esmero, contaram os ventos, antes que eu mesma
dessa verdade tomasse tento. Meu embasamento, desde as
pedras brutas quebradas pelos homens a marrão aos baldrames
ensamblados nos esteios, deu-me solidez. [...] As redes
armadas a balouçar suspensas nos armadores de madeira
chumbados nas paredes dos quartos, esteios do copiar e
alpendre, foram tecidas das fibras de suas folhas e as velas que
me iluminaram as noites, feitas de sua cera. [...] Tenho o pé-
direito bem alto, o que ajuda muito os ventos na sua missão de
arejo. As arcadas contíguas das salas da frente são sustentadas
por pilares e paredes de duas vezes, guarnecidas de fasquias de
madeira e vedadas com pedra sossa, barro, cal e areia.
(Natércia Campos, A Casa)
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
45
Este capítulo visa discutir o processo histórico de ocupação territorial do Estado
do Ceará, a fixação e o estabelecimento das primeiras casas e a formação básica das principais
tipologias residenciais no Estado, relacionando-o com os aspectos socioculturais, ambientais e
econômicos.
4.1 A contribuição indígena
Anteriormente à ocupação européia no Brasil, destaca-se o importante
desenvolvimento da cultura indígena, alcançado pelo “profundo conhecimento que adquiriram
estes homens de seus recursos e o desenvolvimento de técnicas agrícolas adaptadas às
condições topológicas e edafológicas de seu território”. (LEFF, 2000, p.23).
Assentadas no território brasileiro, as primeiras casas abrigavam esses povos
nativos, geralmente nômades. Os materiais de construção derivavam principalmente do reino
vegetal: a madeira, os cipós, as palmas e as folhas.
Índios, juridicamente falando, não tinham domicílio, apenas residência, não havendo
razão para se preocuparem com casas duradouras. Mudavam periodicamente as ocas
e tabas de um local para outro [...]. Natural escolherem madeiras perecíveis mais
fartas e fáceis de serem extraídas, coletadas e transportadas e porque apenas
dispunham de utensílios rudimentares. Desconheciam roda e animal de tração e de
carga, o que tornaria o trabalho mais penoso. Além disso, a estrutura das ocas exigia
madeiramento mais flexível. (CATHARINO, 1995, p.403).
Com base em uma análise social e cultural das casas indígenas, segundo se
percebe, o cotidiano nas comunidades indígenas pode ser expresso pela produção e utilização
dos espaços nestas sociedades. De acordo com o apontado por Rapoport (1969), a forma de
uma habitação pode ser determinada a partir da visão que um povo tem de vida ideal. Desta
menciona, fatores como clima, materiais e técnicas seriam mais secundários. A análise da
casa pode, portanto, contribuir para a compreensão da concepção de espaço elaborada por
uma sociedade. (NOVAES, 1983).
Apesar das diferenças e particularidades das aldeias existentes no Brasil, Novaes
(1983) observa uma característica comum a todas: o domínio feminino. Além disso, ressalta-
se que a organização espacial reflete uma concepção de sociedade que é, nitidamente,
igualitária. Esta característica pode ser exemplificada com o formato circular de distribuição
das casas, como na aldeia dos Timbira e dos Xavante. As casas são localizadas em torno de
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
46
um círculo, separadas por distâncias praticamente iguais. No centro do círculo, está o pátio,
centro de decisões políticas e de toda a vida ritual. De modo geral, as casas não possuem
divisões internas. Ilustrativamente, na figura 8 a seguir são apresentados esquemas da casa
dos índios Xavante.
FIGURA 8 – Esquemas gráficos da casa dos índios da tribo Xavante.
Fonte: Novaes, 1983.
Como descreve Leff (2000, p.97), a organização do espaço está diretamente ligada
à economia e à cultura das sociedades indígenas:
A natureza não acumulativa das economias indígenas e camponesas compartilha esta
racionalidade de produção rural e das economias de auto-subsistência, que integram
valores culturais orientados por objetivos de estabilidade, prestígio, solidariedade
interna e satisfação endógena de necessidades, assim como de distribuição e acesso
eqüitativo da comunidade aos recursos ambientais.
Na análise da forma de assentamento de diferentes tribos e espaços indígenas,
verifica-se relativa heterogeneidade, mas não se encontra nelas o alto grau de especialização
do espaço, como ocorre nas sociedades urbanas. O círculo exprime idéias básicas de
igualdade e intensidade de vida social. No caso de aldeias que passaram por processos de
urbanização e, conseqüentemente, tiveram de adotar padrões novos, como a distribuição das
casas ao longo de ruas, a aldeia continua a ser respeitada e compreendida em forma circular.
(NOVAES, 1983).
Do modo de viver indígena, alguns valores e costumes foram amplamente
assimilados pela população brasileira, como o cultivo dos frutos da terra e o consumo desses
alimentos, os banhos diários e as redes de dormir. Estes hábitos são práticas realizadas no
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
47
interior das casas. Mas conforme ressalta Weimer (2005), os valores de vida fora da casa
estão sendo desprezados pela cultura moderna brasileira, sejam eles a convivência em
harmonia com a natureza ou a preservação ambiental.
4.2 Origens das “casas tradicionais brasileiras”
Para falar sobre a formação de padrões de casas desenvolvidos no Brasil no
decorrer da “conquista européia”, consideram-se importantes as colocações de Gutiérrez
(1989). Segundo afirma este autor, a transculturação é o aspecto mais predominante desse
período. Contrariando uma visão eurocêntrica de transplante linear da arquitetura latino-
americana, ele descreve este fenômeno não como uma transferência direta da cultura do
colonizador à do colonizado, mas como um processo que implica mudança na própria
realidade a se transferir: “Ocorre um processo de seleção de elementos culturais, uma
decantação e uma síntese”. (GUTIERREZ, 1989, p.57).
Desta forma, a cultura transmissora acaba selecionando os elementos que irá
transferir e, no contato, ocorre uma modificação adicional desta cultura. Apesar da assimetria
deste processo, pois a cultura receptora mantém uma relação de dependência para com a
cultura transmissora, o resultado pode ser uma nova forma cultural, alcançada mediante
adaptação e criatividade, onde há apropriação ou rejeição.
Por ser a casa um fenômeno cultural (WEIMER, 2005), no período colonial
brasileiro formou-se a casa de residência ecológica e funcionalmente brasileira, bem
representada pelo modelo da casa-grande patriarcal de engenho de cana-de-açúcar, de
fazenda, de estância, de sítio ou de chácara. Qualifica-se a casa-grande como
caracteristicamente brasileira. Nas palavras de Freyre (1971, p.35):
[...] a de espaços vazios de um território oficialmente lusitano por brasileiro
continuadores de portugueses no esforço de fundar-se na América tropical uma
civilização ampliada da luso-católica e assimiladora de culturas ameríndias e
africanas, alem de já enriquecida de calores semitas e orientais.
A arquitetura da casa-grande é resultado, portanto, de um transplante espacial e
sociocultural, que acabou por se adaptar a um clima e a uma ecologia tropical sem renunciar a
sua lusitanidade, expressa por meio das técnicas construtivas, dos materiais de construção e,
por vezes, da aparência estilística da casa. Moradia dos escravos, a senzala, anexa à casa-
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
48
grande, possibilitou a continuidade de muitos outros costumes não lusitanos, como, por
exemplo, a poligamia.
Quanto à funcionalidade da casa-grande (que pode ser visualizada na figura 9 a
seguir), conforme observado, esta adquiriu características próprias condicionadas pelo regime
escravocrata, pelo clima e pelas condições socioeconômicas, tal como a localização exterior
do fogão e, conseqüentemente, da cozinha. Esta solução era adotada pelos índios, que
costumavam cozinhar fora da área de dormir. Entretanto, nas casas pequenas dos pobres, o
fogão manteve sua localização ao lado do dormitório. Pode-se citar também a presença do
quarto de hóspedes no corpo da casa, porquanto a hospitalidade era quase uma obrigação
social como acomodação temporária dos peregrinos conhecidos que viajavam a longas
distâncias. Os estranhos eram abrigados na área externa da casa, o alpendre. (LEMOS, 1996).
FIGURA 9 – Casa de fazenda do século XIX.
Fonte: Bardi, 1975.
O alpendre, ou seja, o telhado que se prolonga para fora da parede mestra da casa
rural e que é apoiado por colunas em suas extremidades, é um elemento arquitetônico
disseminado amplamente por todo o Brasil. Sua função principal é a de sombreamento do
volume fechado da casa. Ao evitar o acúmulo de calor nas paredes, permite o resfriamento
dos ambientes internos. Outra função importante do alpendre é a de abrigo e repouso dos
peregrinos estranhos que pernoitavam na casa para seguir viagem no dia seguinte. Funciona
também como elemento de transição entre o exterior (área desprotegida) e o interior da casa,
área íntima e familiar, ou para proteger a casa da chuva.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
49
Freyre (1971) também destaca subtipos “igualmente ecológicos e funcionais” de
residência, como a casa de caboclo rural, o mocambo
8
rural e o mocambo urbano. Como
confluência de duas heranças de culturas primitivas – a ameríndia e a africana desenvolveu-
se no Brasil e, principalmente no Nordeste, o mocambo, derivado da choça de palha indígena:
“[...] este precário pelo material, leve de estrutura, móvel até, porém também
caracteristicamente brasileiro; e porventura mais telúrico, mais ecológico e até mais higiênico
que a casa-grande ou o sobrado patriarcal da cidade”. (FREYRE, 1971, p.36).
Desta forma, ainda segundo a mesma fonte, dois tipos de casas caracteristicamente
brasileiras se desenvolveram no Brasil, cada uma, pom, com atributos bastante distintos e a
mesmo extremos. De um lado, a casa-grande, mbolo da atividade representada pelo senhor de
engenho ou fazendeiro, dominando espaços delimitados como sesmarias, engenhos, fazendas,
estâncias e bastante sólida, rígida e fixa, formada por materiais como pedra, tijolo, telha, azulejo,
vidro e soalho. De outro lado, a cha, no Nordeste chamada de mocambo, símbolo da atividade
do bandeirante, bastante móvel e transitória. Caracteristicamente primitivo, o mocambo apresenta
soluções bastante simples, em contraste com o modelo de casa-grande:
Na pureza de habitação vegetal, com os cipós fazendo as vezes de pregos e as portas
feitas da própria palha ou folhas dos tapumes e da cobertura, o mucambo do litoral
do Nordeste, quando construído no seco e entre coqueiros, exprime aquele
primitivismo de cultura de modo atraente. (FREYRE, 1971, p.66).
Ilustrativamente, na figura 10, a seguir, podem ser vistas exemplos de mocambos
no Ceará.
FIGURA 10 – Mocambos no Ceará.
Fonte: Weimer, 2005.
8
Mocambo é uma palavra quimbunda, formada do prefixo mu com o radical kambo, e significa esconderijo. (FREYRE,
1971).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
50
Ainda segundo Freyre (1971), as influências africanas e indígenas foram
dominantes para a construção de casas populares mais simples, mesmo com a introdução da
técnica européia, em alguns casos, como janelas e portas de madeira.
Na sua simplicidade, o mocambo possui a estética, derivada da sua honestidade
artística: nenhum elemento é camuflado para não ser visto, pois todos eles cumprem
determinada função essencial (sustentar, cobrir, vedar, abrir), inexistem ornamentos e há
simplicidade de linhas.
Quanto à casa de fazenda, um modelo de casa tradicional no Brasil, como mostra
a figura 11 a seguir, continua a ser reproduzida até os dias atuais. Conforme observa Freyre
(1971), até mesmo alguns arquitetos modernistas optaram pela adoção deste tipo de
residência, que contém elementos da arquitetura da casa de fazenda do Brasil colonial, e,
portanto, é adequada à ecologia tropical do Brasil.
FIGURA 11 Casa de fazenda projetada pela arquiteta Nícia Paes Bormann. Iracema-
CE, 1974.
Fonte: Acervo virtual do escritório de arquitetura Oicos Arquitetos Associados. Disponível em:
<http://www.oicosarquitetos.com.br>. Acesso em: 20 maio 2008.
Para os exemplos comentados anteriormente, convém chamá-los de arquitetura
vernácula, definida da seguinte forma:
Arquitetura vernácula é aquela feita pelo povo, por uma sociedade qualquer,
com seu limitado repertório de conhecimentos num meio ambiente definido, que
fornece determinados materiais ou recursos em condições cliticas bem
características. Com o seu pprio e exclusivo “saber fazer essa sociedade
providencia suas construções, suas casas, satisfazendo a peculiares necessidades
expressas em programas caracterizados por próprios e únicos usos e costumes.
É, portanto, uma expressão cultural. Só pode ser daquele povo e daquele tio.
(LEMOS, 1996, p.15).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
51
“Arquitetura popular”, segundo Weimer (2005), ao referir-se às manifestações
construtivas do povo, é considerado um termo apropriado:
[...] em seu sentido mais direto, significa aquilo que é próprio das camadas
intermediárias da população. Essa definição parece ser extremamente atual e muito
feliz: exclui a arquitetura realizada para a elite denominada erudita e a dos
excluídos em que, modernamente, se tem usado o termo favela e outros termos
semelhados. (WEIMER, 2005, p.XL).
Configurando-se como tipologia, a casa de fazenda serviu como referência para
arquitetos modernos, como Oscar Niemeyer, como mostra a figura 12 a seguir:
FIGURA 12 Casa de Oscar Niemeyer em Brasília, com referências construtivas às
casas de fazenda.
Fonte: Disponível em: <http://www.vivercidades.org.br>. Acesso em: 20 maio 2008.
Outra vertente arquitetônica de residências pode ser enumerada: a residência
urbana colonial, cuja influência advém das antigas tradições arquitetônicas e urbanísticas
européias, principalmente latinas, de origem medieval-renascentista. Neste caso, o edifício era
construído sobre o alinhamento das vias públicas e as paredes laterais sobre os limites dos
terrenos. Com a finalidade dar uma aparência portuguesa às vilas e cidades brasileiras, estas
casas apresentavam uma padronização quanto às fachadas (exigências das Cartas Régias).
Ademais, a organização interna da residência, mesmo sem legislação, era de modo geral
sempre a mesma. (REIS FILHO, 2002). As técnicas construtivas eram primitivas: paredes de
pau-a-pique, adobe ou taipa de pilão ou pedra e barro para residências mais abastadas.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
52
Enquanto a produção da casa e o seu uso eram baseados no trabalho escravo, os detalhes
decorativos da casa derivavam dos modismos estilísticos sobretudo de Portugal.
A maioria das casas populares urbanas do período colonial era construída em
terrenos estreitos e compridos, o que limitava a distribuição espacial dos ambientes. Por isso,
grande parte destas casas apresentava plantas semelhantes. Com porta e janela para a rua, o
cômodo da frente era a sala, os dormitórios eram os cômodos intermediários, acessados por
um corredor lateral e sem aberturas para o exterior. A cozinha e a varanda alpendrada tinham
acesso para os fundos ou o quintal da casa, onde havia um espaço com instalação sanitária.
(LEMOS, 1996). Esta forma de habitação, chamada até hoje de “casa de porta e janela”,
exposta na figura 13 a seguir, foi a mais importante tipologia no Brasil até o fim do Império.
Dimensionados em varas ou braças, os lotes urbanos tinham larguras correspondentes a
múltiplos de 1,10 metro. (WEIMER, 2005).
FIGURA 13 – Casas de porta e janela em Fortaleza.
Fonte: Weimer, 2005.
Outro tipo de construção eram os sobrados, ou casas ricas do tempo de conia”,
geralmente de propriedade de comerciantes. Eles poderiam abrigar duas funções: comércio ou
escritórios no pavimento rreo e residência no pavimento superior. Nas cidades ricas, como
Salvador e Minas Gerais, alguns sobrados foram constrdos com percepvel intenção plástica,
recorrendo-se aos estilos em voga e aos mestres de renome. (LEMOS, 1996). Ao se referir ao
assunto, Weimer (2005, p.101) assim se pronuncia: Quanto mais rica a cidade e seus habitantes,
maior era a incidência de sobrados. Por inflncia das casas de nobreza, o sobrado teve uma
conotação de poder e de riqueza, que era enfatizado pela maior largura do lote ocupado”.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
53
No território brasileiro, a técnica construtiva e a distribuição espacial dos sobrados
possuem variação. Em Recife, a cozinha era localizada no último pavimento, solução
possibilitada unicamente pela presença do escravo. Na Bahia, alguns sobrados eram obras
consideradas monumentais, como o Solar do Unhão, em virtude da prosperidade de algumas
famílias com a economia do ouro. Mencionam-se, ainda, os sobrados em São Luiz do
Maranhão, como ilustra a figura 14 a seguir.
FIGURA 14 – Sobrados em São Luiz do Maranhão.
Fonte: Silva, 1986.
A cnica de taipa de pilão foi empregada nas casas urbanas coloniais paulistas, que
possuíam como principal caractestica este modo de construir, próprio de áreas pobres de
materiais de construção como cal, pedra e tijolo. Outra característica destas casas é, em alguns
casos, a inexisncia do corredor interno de ligação da rua para o quintal. Assim, os cômodos
eram distribuídos em sucessão, com passagem obrigatória.
Quanto às casas urbanas mineiras, possuíam uniformidade tanto na técnica
construtiva como no planejamento, devido à influência portuguesa. Primavam pelo respeito ao
perfil natural do terreno, com a técnica dos sistemas estruturais de madeira. Já a distribuição
dos cômodos destas casas seguia a solução da maioria das construções brasileiras semelhantes
do período.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
54
4.3 A ocupação do interior nordestino e o estabelecimento de casas de fazenda
Ao discorrer sobre os séculos XVII e XVIII (1640-1770), Prado Júnior (1976)
trata da ocupação do interior nordestino, baseada economicamente na pecuária e tendo como
grandes focos de irradiação as regiões da Bahia e de Pernambuco. Esta ocupação distribuiu-se
irregularmente, de modo “escasso e muito ralo”, e nela a disponibilidade de água por um fator
de localização das casas de fazendas, pois este é um recurso escasso na região do semi-árido.
Como afirma o autor:
É sobretudo nas margens dos poucos rios perenes que se condensa a vida humana:
no São Francisco, nos rios do Piauí e do alto Maranhão. Intercalam estas regiões
mais favorecidas extensos desertos a que somente as vias de comunicações
emprestam alguma vida. Ao longo delas estabelecem-se alguns moradores, apesar
das dificuldades locais, para prestarem concurso aos viajantes e às boiadas que
transitam na proximidade, ou para recolherem a baixo preço alguma rês estropiada
pelas longas caminhadas, e constituírem assim uma pequena fazenda. (PRADO
JÚNIOR, 1976, p.67).
Ao longo do tempo, a progressão de fazendas de gado tomou duas direções: uma
delas acompanhou o curso do rio São Francisco e a outra seguiu deste rio para o Norte. Em
fins do século XVII, a região onde hoje está situado o Estado do Piauí começou a ser
inteiramente ocupada, sendo as fazendas de gado ali estabelecidas as mais importantes de
todo o Nordeste. Nas regiões do rio Parnaíba, do Maranhão e do Ceará também se
estabeleceram fazendas de gado.
Enquanto as habitações do engenho de açúcar organizavam-se em conjunto, as
habitações da fazenda de gado do sertão nordestino eram implantadas de modo disperso no
interior das terras, os latifúndios de pecuária extensiva. Tanto os engenhos de açúcar como as
fazendas de gado estruturaram as sociedades nas quais estavam inseridas. No caso das
fazendas de gado sobressaía como principal diferença a existência de mão-de-obra livre.
Nessa sociedade, a figura mais destacada, por sua grande influência regional, era o
proprietário das terras, conhecido como “coronel”, seguido do capataz e dos vaqueiros, ambos
pagos pelo regime de “sorte” ou parceria no rebanho (meia, terça ou quarta). Existiam outros
trabalhadores, mas, por causa da falta de serviço permanente, não havia necessidade de
pessoal numeroso. A agricultura era praticada subsidiariamente e em pequena escala de
subsistência para as próprias fazendas. Para impedir a invasão do gado, pois ele é criado solto
usavam-se cercas, feitas de troncos tortuosos, da caatinga. No Agreste, são comuns as cercas
vivas de avelós, as quais limitam pastos ou campos de cultivo. (COSTA; MESQUITA, 1978).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
55
As principais instalações deste tipo de propriedade são a “casa de telha”, utilizada
como moradia pelo proprietário, e a “casa de sopapo”, destinada aos vaqueiros. Segundo a
caracterização de Costa e Mesquita (1978) sobre a “casa de telha”, esta apresenta feições
modestas. De modo geral, quase toda a casa é circundada por alpendres, com muros até meia
altura. As paredes têm estrutura de alvenaria e são sempre pintadas de branco. Quanto à
cobertura da casa, comumente é de telhas de meia calha, distribuídas em quatro águas. A casa
consta dos seguintes cômodos: em primeiro lugar, a sala de estar, a alcova e a sala de jantar.
Depois vem o corredor, de onde saem os vários quartos e dois banheiros.
Na caatinga estão dispersas as moradias dos vaqueiros, dos peões e de outros
trabalhadores rurais. São construções de sopapo, com cobertura de palha ou telhas bastante
rústicas, de pequenas dimensões, geralmente dois cômodos, com portas e janelas na fachada.
O mobiliário é pouco e simples; consta apenas de uma mesa, um par de bancos, uma ou duas
armações de cama e redes. Há jiraus e, enfiados nas paredes, pedaços de madeira para
pendurar coisas. Há, também, currais, constituídos de troncos de árvores e arbustos, retirados
da caatinga. Outro detalhe significativo é a existência do couro no vestuário do vaqueiro.
(COSTA; MESQUITA, 1978).
Como atividade subsidria da pecuária, destaca-se a agricultura de serqueiro,
praticada em pequena escala para subsisncia das fazendas. No Ceará, Prado nior (1976) cita
como principal rego a do rio Jaguaribe, onde se desenvolveu um povoamento mais adensado,
embora em menor escala em relação às outras regiões do Nordeste.
Em meados do século XVIII o sertão do Nordeste alcançou o apogeu do seu
desenvolvimento colonial. Nesta região, produzia-se a carne de gado, mas sua qualidade não
era boa. Segundo Prado Júnior (1976), somente a falta de outras fontes de abastecimento
alimentar explicaria a utilização deste tipo de carne em tão afastadas e desfavoráveis regiões.
Como relata Girão (1984, 1995), as duas primeiras linhas essenciais da colonização
cearense foram os rios Jaguaribe e Acaraú. A autora introduz a vio de Antônio Bezerra, que
afirma que pelo fim do ano 1707 o rio Jaguaribe, a as nasceas, estava conhecido e mais ou
menos povoado com alguns tios e fazendas, espalhadas em grandes extensões de terreno. Ao
descrever o trajeto das boiadas e a formação de estradas, Jucá (2000) complementa este relato e
destaca entre os percursos mais importantes a estrada geral do Jaguaribe, ao longo de todo o rio do
Icó a Aracati. Documenta a fixação das famílias em pontos propícios para a atividade criaria, e o
seu estabelecimento em pequenas fazendas, criando os locais de pouso para boiadas. Já conforme
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
56
acrescenta Castro (1987a), no período em discussão, iniciou-se a formação de vilas no interior da
capitania; entre elas, I nodio Jaguaribe, e Aracati, à foz do rio.
Contudo, segundo Lemenhe (1991), foi somente a partir do culo XVIII que se
deu, efetivamente, a inclusão do Ceará na história urbana brasileira. O processo de salga da
carne, introduzido em torno do século XVIII, acabou provocando modificações significativas
na economia local. Isto acarretou a superação, embora pequena, da incipiente vida urbana na
Capitania do Ceará.
Neste período, o núcleo urbano dominante era Aracati, mediante produção de
carne salgada, que provocou a comercialização de um maior volume de excedente.
A reconstrução histórica da ocupação do Ceará revela o papel secundário que a
região ocupou nos planos metropolitanos. Se foi conhecida no início do segundo
século de colonização, o foi pela circunstância de estar a meio caminho entre a costa
leste, ocupada produtivamente, e o norte, desconhecido e ainda não conquistado
para o domínio português, e, o Maranhão, ameaçado pelas incursões de franceses.
(LEMENHE, 1991, p.22).
Castro (1987b) aponta o desenvolvimento tardio do Estado do Ceará, pois o seu
povoamento efetivo iniciou-se somente no princípio do século XVIII. Consoante se evidencia,
a área que sediou as duas primeiras vilas da Capitania Fortaleza e Aquiraz ficava isolada
das rotas do gado (áreas produtivas), distribuídas na “estrada geral do Jaguaribe” e nas
“estradas das boiadas”. (LEMENHE, 1991).
A vila de Fortaleza, distanciada dos sertões da pecuária, continuaria sendo por mais
de um século, um aglomerado sem sustentação econômica. Apesar de abrigar
indivíduos ocupando posições sociais definidas num universo urbano, o da
Metrópole, serão durante muito tempo povoadores e fazendeiros como muitos outros
da capitania. (LEMENHE, 1991, p.33).
No final do culo XVIII, com as transformações na Europa, principalmente na
Inglaterra, verificou-se o renascimento da agricultura no Ceará. Em virtude da sua importância
como maria-prima xtil na Europa, com o advento da Revolão Industrial, o algodão foi o
novo produto desenvolvido no Estado. Com a retrão dos Estados Unidos durante o período das
guerras da independência, o Cea recebeu esmulos à produção de algoo no Brasil e seu
ambiente natural mostrou-se adequado para a expano deste tipo de cultivo. Além disso, havia
disponibilidade de mão-de-obra, gerada na expansão da pecria. Contudo, a partir de 1777 (ano
de grande seca), a posição do Ceará como principal fonte de abastecimento do mercado interno de
carne salgada foi enfraquecida. Jo Pinto Martins, um dos maiores charqueadores de Aracati,
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
57
migrou para o Rio Grande do Sul neste período, e transferiu para aquela capitania as cnicas da
salga e, possivelmente, considevel capital. (LEMENHE, 1991).
Posteriormente a vila de Fortaleza acabou sendo beneficiada pela agricultura
comercial para exportação de produtos como o algodão. Entre as benfeitorias, destacam-se a
instalação de uma alndega, a construção de mercado blico juntamente com a regulação de
realização de feiras semanais e a inaugurão de uma repartição de correio agregada à Tesouraria
da Fazenda. No referente à estruturasica da vila, foi solicitado um plano diretor, para expandir o
cleo urbano, com a abertura de novas ruas. De acordo com o ressaltado por Lemenhe (1991),
era desejo da classe dominante igualar-se em prestígio aos de Salvador e Rio de Janeiro.
Foi ao longo do século XIX que Fortaleza, então capital do Estado do Ceará,
constituiu-se como núcleo urbano hegemônico da Província. (LEMENHE, 1991). Além de ser
o centro de captação da produção agrícola (algodão), foi também o maior centro importador,
pois tomou de Aracati a exclusividade do comércio do couro. Mais uma vez nas palavras de
Lemenhe (1991, p.110):
A hegemonia econômica e político-administrativa de Fortaleza, iniciada na primeira
metade do século XIX, mais precisamente em torno dos anos 20 e 30, completa-se
na sua segunda metade. No início dos anos 60, Fortaleza era o núcleo urbano
dominante no Ceará.
Na figura 15 a seguir, pode-se ver a primeira planta de Fortaleza.
FIGURA 15 Primeira planta da cidade de Fortaleza, de 1726, realizada por autor
desconhecido.
Fonte: Acervo virtual do Museu da Imagem e do Som do Ceará.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
58
Consoante admite Castro (1987a), até meados do culo XIX a prodão arquitenica
no Ceará teve feões coloniais de expressão mais simples, em face da vida nos seres limitada
pelos meios econômicos e pela falta de materiais de construção refinados e de mão-de-obra
altamente qualificada. Somente a partir de 1850 é que as edificações foram caracterizadas por novas
influências, inicialmente o movimento arstico europeu do Neoclassicismo. Ainda conforme o
mesmo autor, a totalidade da arquitetura antiga do Ceará procede do culo XIX, evidenciando um
caráter popular, nitidamente utilirio e claramente ecológico.
Quanto à morada propriamente dita, Castro (1987a) classifica a arquitetura
residencial cearense em dois setores: rural e urbano. A casa de fazenda é considerada o modelo de
arquitetura rural. Para expor suas características, Jucá (2000) vale-se do relato de Capistrano de
Abreu (1853-1927), que as descreve em “Catulos de História Colonial” (1907) lidas,
espaçosas e de alpendre hospitaleiro. Sobre os equipamentos e mobiliários destas residências,
como afirma Castro (1987a), eram reduzidos ao mínimo, com o freqüente emprego do couro.
Sobre a morada urbana cearense, segundo a mesma fonte, suas características
refletem um modelo nacional, ou seja, não diferenças substanciais entre exemplares locais
ou nacionais. A classificação se pela distinção entre casas térreas (vista na figura 16 a
seguir) e sobrados. No entanto, conforme o autor admite, em alguns casos, como no Icó, estas
residências adquirem padrões próprios e quase unificados. Os materiais mais utilizados na
construção das residências são o tijolo, como material de sustentação e de piso; a madeira
(escassa), empregada in natura de aroeira, pau-d’arco, com a carnaúba na cobertura e nas
esquadrias; e a palha da carnaúba e de outras palmeiras, empregadas como elementos de
coberta, nas moradas mais pobres.
FIGURA 16 – Casa em Fortaleza do século XIX.
Fonte: Acervo virtual do Museu da Imagem e do Som do Ceará.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
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4.4 Novas formas de morar a partir do final do século XIX
É no século XIX que se encontram as origens da modernidade latino-americana:
“[...] Esse período nascer o conjunto de fatores que, integrados entre si ou separados por
contradições insanáveis, constituirão a particularidade da nossa existência contemporânea”.
(SEGRE, 1991, p.67). Gradativamente a vida comunitária vai se enriquecendo. Como
instrumento desse enriquecimento, citam-se a semente das nacionalidades, a convicção do
progresso social por meio do conhecimento científico e dos avanços tecnológicos, a abolição
da escravatura e a convicção do valor da cultura.
O Brasil do final do século XIX foi caracterizado por transformações
demográficas, socioeconômicas, políticas, culturais e espaciais que acabaram por afetar o
difuso e instável espaço urbano, a moradia urbana e, conseqüentemente, a vida e as casas dos
brasileiros. As cidades começaram a se afirmar como palcos de modernização, e
apresentavam como principal referência de organização, modo de viver e atividades da
Europa. (SEGAWA, 2002).
Novos habitantes, vindos das antigas senzalas e casebres do interior do país ou dos
portos estrangeiros, somavam-se aos antigos escravos, forros e brancos pobres que
inchavam as cidades imperiais, e junto a eles aprenderiam a sobreviver na
instabilidade que marcaria suas vidas também em seu novo habitat. Movimentar-se-
iam, todos eles, pelas ruas alvoraçadas em busca de empregos e de tetos baratos para
abrigar-se, num deslocamento contínuo que fundia vivências, experiências, tensões –
espaço. (NOVAIS, 1998, p.132).
Até a metade do século XIX, as cidades brasileiras conservaram os esquemas
urbanísticos e arquitetônicos do período colonial. (REIS FILHO, 2002). Mas determinados
fatores, como as transformações socioeconômicas e tecnológicas durante a segunda metade do
século XIX – decadência do trabalho escravo, imigração européia, abertura dos portos –
provocaram o desuso dos hábitos coloniais de construir e habitar, tanto no meio rural como no
cenário urbano.
Conforme admite Costa (1962), o programa de necessidades da habitação no
Brasil sofreu transformações no século XIX, condicionadas por dois motivos fundamentais. O
primeiro é a abolição da escravatura na segunda metade do século –, visto que a casa
colonial era totalmente dependente da figura do escravo. O modo de vida foi afetado por uma
tardia valorização da presença do empregado assalariado doméstico, repercutindo no
programa da habitação, que com o modelo colonial se apresentava incômodo em virtude das
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
60
distâncias, alturas, excessos de cômodos, sem o trabalho do escravo. Como segundo
fenômeno menciona-se a Revolução Industrial do século XIX, tardia no Brasil, e mais ainda
no Nordeste, em relação à Europa.
Modificou-se a partir de avanços técnico-construtivos a implantação da casa e
esta pôde ser dotada de um jardim lateral. Tal medida possibilitou melhoria no conforto
térmico e lumínico do ambiente interno, com o aumento de áreas abertas para o exterior da
casa. (REIS FILHO, 2002).
Nas janelas, passou-se a empregar vidro plano transparente e isto permitiu uma
iluminação mais intensa e eficiente no período diurno. Modernos lampiões de mecha circular
propiciaram a mudança de hábitos caseiros, antes vinculados apenas à luz do sol. A casa
tradicional de feições modestas e simples passou a receber novos elementos que modificaram
sua aparência.
[...] Nos quartos de dormir, lavatórios providos de bacias e jarras. Agora, soalhos
encerados. Paredes forradas de papel decorado. Cortinas, reposteiros. [...] Grades de
ferro forjado ou fundido nos balcões. Fachadas iluminadas à noite por meio de
lanternas penduradas em graciosos suportes. Tintas de novas cores. (LEMOS, 1996,
p.45).
As casas urbanas também adquiriram equipamentos novos – como ferro de passar
roupas e ornamentos como vasos de flores, relógios de parede, espelhos de cristal, cadeiras
de palhinha. Estas alterações foram disseminadas pelo Rio de Janeiro, nova capital do país a
partir de 1808, ano da chegada da Família Real.
Consoante assinala Lemos (1996), a partir deste período, a maioria das cidades
brasileiras teve acesso direto ou indireto às novas possibilidades e formas de morar. Houve,
portanto, tendências à homogeneização. Neste sentido, identificam-se duas modalidades de
residência: a local, vinculada à tradição construtiva regional e à economia modesta; e a
moderna, própria da prosperidade recente e ditada pelos ricos.
Sobre as transformações na estrutura social da cidade de Fortaleza, Ponte (2001)
delineia a emergência de novos grupos dominantes, a constituição das camadas médias
afluentes e o surgimento de um crescente contingente de trabalhadores pobres, que formariam
um mercado de trabalho urbano.
No início do século XX, as grandes capitais do Brasil eram sujas, caóticas,
desordenadas, atrasadas e desagradáveis para os estrangeiros provenientes dos países
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
61
europeus, considerados civilizados e com padrões arquitetônicos e sanitários superiores.
Como tentativa de equiparar as cidades e o modo de viver brasileiros aos da Europa –
referente a soluções espaciais e construtivas de aeração, circulação, limpeza, lazer,
monumentalidade e, também, a controle sociopolítico serão impostos novos modelos de
convívio urbano, tendo como referência principal a remodelação da cidade de Paris pelo
prefeito Barão de Haussmann, no final do século XIX.
Se antes, no período colonial, a rua apresentava-se pelo menos para a população
mais pobre como extensão da casa, no período em discussão houve diferenciação entre ruas
e casas os espaços públicos e os privados –, por meio de uma ordem estipulada pelos
gestores do Estado para cada um destes espaços. Esta instituição afetou as noções e as
vivências de privacidade, vizinhança e intimidade, como afirma Novais (1998, p.136):
A diferenciação entre ruas e casas [...] devia ainda ser necessariamente
acompanhada pela geografia de exclusão e segregação social, eu acabasse separando
em bairros distintos os diversos segmentos da sociedade. Privacidade, portanto, não
poderia mais confundir-se com domesticidade, com os simples limites da casa, mas
escapava para uma dimensão que abarcava os convívios, os vizinhos – todos sujeitos
a uma mesma gramática de comportamento.
Avolumaram-se, então, as periferias. A formação das grandes periferias sem infra-
estrutura foi uma das características da expansão das grandes metrópoles brasileiras
contemporâneas. Surgiram os cortiços, habitações coletivas enfileiradas destinadas a abrigar
intenso contingente, da população que saía do campo e vinha para a cidade, atraído pela
indústria e possibilidades de emprego. Eram insalubres, mal ventiladas e mal iluminadas e
representavam um risco tanto para a saúde como para a segurança física dos moradores.
(LEMOS, 1996).
Era preciso controlar a situação. Na implementação de tentativas de controle de
convivências sociais nas cidades, existirão “ações e persistências dos brasileiros que
praticaram suas próprias noções de identidade, intimidade, habitação e vizinhança”.
(NOVAIS, 1998, p.137). A partir desta denotação, considera-se importante discutir o que
eram e de que forma ocorreram estas “ações e persistências”.
As primeiras reformas urbanas “civilizatórias” no Brasil, a exemplo da
remodelação de Paris por Haussmann, foram feitas no Rio de Janeiro, no governo do
prefeito Pereira Passos. Este amplo projeto consistia, entre outros, na modernizão estética
e funcional da capital, por meio da pavimentação de vias de circulação, canalizações de
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
62
água, gás e esgotos e, principalmente, na abertura de grandes artérias monumentais que
facilitassem as comunicações, rompendo com a fisionomia colonial existente. (BRUAND,
2002). Conforme Benévolo (2005) ao se referir à transformação de Paris, esta compreende,
entre outros, a abertura de 95 quilômetros de ruas novas, cortando todos os sentidos e o
organismo medieval, fazendo desaparecer 50 quilômetros de vias públicas antigas. Da
metade do século XIX em diante, a nova Paris torna-se o modelo reconhecido por todas as
cidades do mundo.
A moradia também sofreu mudanças, mediante tentativas, sem êxito de controle,
para “harmonizar as vizinhanças e estender à dimensão coletiva, pública, os padrões de
privacidade controlada e estável”. (NOVAIS, 1998, p.137). E, como qualquer proposta para a
moradia, haverá implicações diretas na vida do morador. Ainda segundo a mesma fonte: “O
Rio de Janeiro foi palco de uma firme tentativa de reformar os costumes, aliando o controle e
o redesenho dos espaços públicos ao ataque violentíssimo aos espaços privados e às
propriedades edificadas”. (NOVAIS, 1998, p.145).
Inegavelmente, sobretudo para as elites, existia a herança de antigos hábitos
lusitanos de reclusão formal. Mas para a maioria da população, não era isto que caracterizava
o ato de morar. Uma descrição breve do modo de viver em sobrados do início do século nas
cidades brasileiras, particularmente no Rio de Janeiro, revela esta realidade.
Mas da maior parte das construções assobradadas e da imensidão de casas térreas
das cidades, o que se deve lembrar mais vivamente é o intenso entra-e-sai nas portas,
uma diluição contínua de espaços – algo mais necessário à dura sobrevivência
improvisada dia a dia pelos muitos pobres miseráveis eu povoavam as cidades
brasileiras do que as ilusões de reclusão e discrição propaladas pelas elites.
(NOVAIS, 1998, p.138).
Quanto à habitação popular propriamente dita, estas não poderiam seguir os
ditames impostos tanto por tradições de reclusão como pelas novas regras de comportamento
social dos moradores. Para estas populações, a casa era uma referência praticamente móvel,
em virtude do incipiente controle de epidemias tropicais, causadas, entre outras, pelas más
condições de salubridade dentro das próprias casas e nas ruas sujas e sem infra-estrutura
urbana. Este tipo de moradia foi combatido, pois era considerado o principal foco de
dispersão das epidemias pelas cidades. Além das moradias, indesejadas pelas elites dirigentes,
também o foram os moradores. As medidas de limpeza urbana somavam-se às de limpeza
social, por meio da demolição de numerosos cortiços e estalagens, a maioria instalada na área
central do Rio de Janeiro, sob a legitimação garantida pelo sanitarismo.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
63
Agindo tanto no controle dos espaços privados como no dos logradouros públicos,
as reformas urbanas cariocas explusariam grande parte da pobreza e da miséria, das
manifestações populares e das atividades tradicionais visíveis nas ruas e nas casas
modestas da cidade. (NOVAIS, 1998, p.143).
No caso de Fortaleza, com o objetivo de disciplinar a expansão urbana da cidade,
o engenheiro Adolfo Herbster concluiu a “Planta Topográfica da Cidade de Fortaleza e
Subúrbios”, na qual propôs a ampliação do traçado da urbe para além dos seus limites e
conferiu-lhe três boulevards
9
que margeariam o perímetro central (CASTRO, 1987a, p.27).
Conforme lembra Castro (1987a), a criação de boulevards procede das reformas de
remodelação de Paris, É importante observar, sobre as iniciativas de embelezamento de Paris
descritas por Benévolo (2005), o desprezo pelas estruturas antigas da cidade (anti-
historicismo) e pelos aspectos ambientais. Desta forma, segundo se pode afirmar, não apenas
o modelo formal de renovação parisiano foi transposto para as outras cidades do mundo, mas
também esta visão de desprezo pela cultura local, pela tradição e pela realidade ambiental. Em
Fortaleza, o tabuleiro de xadrez foi a forma escolhida pelo projeto de Adolfo Herbster, em
continuidade à proposta anterior do engenheiro Silva Paulet, de 1818. Sobre a finalidade
original deste traçado, Ponte (1993, p.27) destaca:
Concebido para fins de dominação e ordenamento da expansão urbana, o mesmo
corrigia becos, desvios e ruas desalinhadas que facilitavam a ocorrência de motins
urbanos substituindo-os por vias alinhadas, longas e cruzadas em ângulo de 90º que
favoreciam a vigília do poder sobre as cidades.
Em Fortaleza, as iniciativas de remodelar e regular a cidade, a partir de 1850,
provinham tanto de poderes públicos quanto de particulares. Independentemente de afinidades
políticas entre os setores envolvidos, o objetivo era civilizar a capital e a população. Podem-se
exemplificar algumas destas estratégias. As novas elites, na tentativa de um alinhamento com
o senso estético do mundo moderno, buscavam afirmação pela construção de edificações
suntuosas, como observa Girão (1979, apud PONTE, 1993). Nesse âmbito, o mesmo autor
destaca as características associadas à modernização urbana, sejam elas: calçamento, limpeza,
sociabilidade, prosperidade e recorte disciplinado das ruas. Na figura 17 a seguir, consta a
planta de Fortaleza de 1875.
9
Largas avenidas, com perspectivas finais em monumentos ou edifícios históricos, com tratamento ajardinado nos passeios.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
64
FIGURA 17 – Planta de Fortaleza, de 1875, executada por Adolfo Herbster.
Fonte: Acervo virtual do Museu da Imagem e do Som do Ceará.
Como nova área de lazer e sociabilidade, Ponte destaca a criação do Passeio
Público, no final de cada de 1890, com uma divisão em patamares segundo as classes
sociais. A imagem do logradouro, difundida em um álbum de fotografias impresso na França,
evidenciava a modernização da capital. Como investimento disciplinar, citam-se, segundo
Ponte (1993), na década de 1880, a criação do Asilo de Alienados de São Vicente de Paulo
(1886) e do Asilo de Mendicidade (1886), além da campanha de casamento de amasiados
(1885). Como observa o mesmo autor, a estratégia de modernização via inovação tecnológica,
como a implantação do serviço de transporte coletivo feito por bondes de tração animal,
inaugurado também na década de 1880, trazia consigo a exigência de novos comportamentos
em relação à população. Exigia-se que os passageiros estivessem vestidos com decência,
qualidade traduzida pelo uso de acessórios e vestimentas como paletós, colarinhos e sapatos.
Além do modelo parisiano, adotado na maior parte das intervenções disciplinares na cidade,
Ponte (1993) também aponta a influência norte-americana. Entre os anos 1889 e 1896, apesar
das poucas práticas voltadas para a modernização de Fortaleza, houve a tentativa de
substituição dos nomes das ruas por números, como em Nova York.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
65
As iniciativas quanto ao embelezamento e aformoseamento da cidade são
predominantes no período do governo de Nogueira Acioly, de 1896 a 1912. Castro (1987a)
explica o aformoseamento como sendo o ajardinamento de praças e a aparência urbana. Entre
as medidas tomadas, Ponte (1993) cita a construção, em 1897, do Mercado de Ferro. Esta
edificação atendia aos princípios de salubridade e higiene, pois serviria especificamente ao
abastecimento da urbe. Ao mesmo tempo, adequava-se aos ideais estéticos e tecnológicos,
como edificação construída na França, com o emprego do ferro. Desta forma, era uma
edificação que expressava os imaginários de civilização e progresso do período. Ponte (1993,
p.39) percebe os reais objetivos disciplinares implícitos nestas obras de modernização urbana:
Pretendia-se que tais obras marcassem, nos corações e mentes “embrutecidos” da
população, a crença na positividade moral e social que o progresso civilizador
portava: ele produz a docilidade política – já que ensina virtudes e promove a
pacificação dos espíritos e utilidade sócio-econômica, pois estimula o sentimento
de solidariedade no trabalho e nas relações entre classes sociais.
Em atendimento aos objetivos de embelezamento urbano, a legislação da cidade
sofreu modificações, conforme observa Castro (1987a). O Código de Posturas (de 1893)
passava a exigir a padronização formal das fachadas das edificações, mediante adoção de
platibandas nas fachadas frontais. Nesta época, a prática de exercícios corporais começava a
ser estimulada, como mostra Castro (1987a, p.216), para obtenção “do vigor físico semelhante
aos robustos e ativos brancos europeus”. Estimulava-se até mesmo a mudança de repertórios
musicais, através das apresentações públicas da banda do Batalhão de Segurança, que
executava “produções eruditas européias consagradas por platéias civilizadas”. (CASTRO,
1987a, p.216).
Outras iniciativas surgiram. Inaugurado em 1910, o Teatro José de Alencar é
considerado a realização mais importante da arquitetura cearense, como adverte Castro
(1987a). Esta edificação “simbolizava material e espiritualmente os anseios e os conceitos de
progresso e civilização então vigentes”. (CASTRO, 1987a, p.229). Nele, o principal modelo
adotado foi o teatro Ópera de Paris. Diferente do padrão grego, que podia abrigar toda a
população da cidade, esta edificação surge como espaço fechado e pequeno, onde acontecem
os espetáculos e cerimônias coletivas, e comporta apenas uma pequena parcela da população,
certamente a mais poderosa economicamente.
Na maioria das abordagens em discussão, o que se percebe é uma preocupação
dos setores dominantes e do poder público com a imagem da cidade e da sociedade em
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
66
ascensão, amparados pelos conceitos de progresso, higiente e civilização. A visão é a de
natureza exterior à sociedade humana, explicada por Smith (1988). A dependência cultural e
tecnológica do modelo externo, explicada por Leff (2000), está presente nas iniciativas
disciplinares. Isto acarreta muitas vezes a segregação social e cultural, em virtude de ignorar
as peculiaridades da maioria da população. Apesar das imposições comportamentais e
culturais à sociedade, esta continuou a elaborar suas propostas, como verifica Gutiérrez
(1989). Ilustrativamente, a figura 18 a seguir mostra uma rua de Fortaleza em 1905.
FIGURA 18 – Rua Floriano Peixoto. Fortaleza, 1905.
Fonte: Acervo virtual do Museu da Imagem e do Som do Ceará.
Mesmo com o embelezamento e modernização de Fortaleza com novas praças
ajardinadas, teatro, cinemas e abastecimento de água e esgoto, a população demonstrou seu
descontentamento em relação ao governo Nogueira Acioly. Depredou praças, quebrou postes
de iluminação, saqueou lojas, virou bondes e destruiu uma fábrica de tecidos. É a revolta
urbana de 1912, descrita por Ponte (1993). O autor em epígrafe interpreta estas atitudes não
como frutos de uma insatisfação apenas com o oligarca, mas como protesto contra a ordem
urbana em geral que se instaurava.
Em continuidade da discussão sobre a dependência cultural e tecnológica, alguns
autores se pronunciam. Enquanto Gutiérrez (1989) na arquitetura implantada nos países
latino-americanos pelos europeus no século XIX o início de uma dependência ambiental em
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
67
relação aos países europeus e a ruptura com os principais valores da etapa colonial, Segre
(1991, p.74) percebe na renovação formal, espacial, funcional e estética deste período o
“ponto de partida de uma simbiose geradora da ‘modernidade adequada’ de nossa região”.
Neste período surgiu uma arquitetura que, apesar de partir da intenção de equiparar o nível de
vida no mundo subdesenvolvido com o dos ricos dos centros metropolitanos, aproveitou as
inovações técnicas que permitiram, entre outros, maior atenção de engenheiros e arquitetos
aos problemas climáticos e ecológicos. (SEGRE, 1991).
Conforme Bosi (1992) identifica, nesse período, quando os estilos da cultura
erudita foram estabelecidos pelas instituições, faltou por diversas vezes o sincretismo
democrático existente no período anterior. Entre algumas modificações nas cidades, Gutiérrez
(1989) destaca a alteração da relação da arquitetura com a natureza, em favor do monumento
autônomo e paradigmático, de modo que o prestígio da cidade era alcançado pelas obras
isoladas, e não pela harmonia do conjunto. Técnicos, profissionais e cientistas foram
“importados” da Europa com a missão de transformar a realidade colonial “atrasada” dos
países latino-americanos. Sobre esta questão, como Bosi (1992) acrescenta, existia, neste
período, a idéia de substituição de um contexto arquitetônico colonial por outro, neoclássico.
4.5 Características das casas brasileiras
Considera-se a casa um assunto complexo. No caso brasileiro, a casa patriarcal
marcou a existência histórica do Brasil. A casa pode ser entendida como uma expressão
coletiva e anônima de uma cultura regional (brasileira-nordestina-cearense) autêntica e
valiosa. Tem, portanto, poucas e pontuais interferências de artistas e arquitetos individuais ou
eruditos em sua formação. É também fruto de um permanente ajustamento primeiramente
indígena, depois europeu, africano e brasileiro – de certo sistema social de organização
familiar ao seu entorno e às suas funções, e a uma ecologia e a um conjunto de atividades
socioculturais ambientalmente condicionadas.
Na tentativa ousada de sintetizar as características da arquitetura popular do
Brasil, Weimer (2005) elabora algumas hipóteses:
a) simplicidade, em virtude de ser o resultado da utilização dos materiais
fornecidos pelo meio ambiente;
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
68
b) adaptabilidade, por ser resultado de adequações de técnicas e sistemas
tradicionais estrangeiros às circunstâncias locais;
c) criatividade, por estar despida do compromisso selado pela arquitetura erudita
com as culturas que deram origem às mais recentes conquistas tecnológicas, o
que possibilita maior imaginação formal e criatividade no emprego de
materiais de construção;
d) presença de forma plástica evidenciada, menos por uma intenção do que por
um resultado lógico dos materiais e da técnica usada.
A forma de caracterização de Weimer (2005) busca qualidades e princípios da
arquitetura que, de certa forma, unificam a arquitetura popular brasileira em alguns aspectos.
Esta qualificação considera a diversidade das construções, em suas diferentes regiões e
peculiaridades, em virtude de apontar tipologias em vez de destacar um modelo construtivo,
sendo, pois, importante para a pesquisa ora elaborada.
5 CASAS EM FORTALEZA: tipologias e opinião dos arquitetos
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista a chave,
Escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver.
(Fernando Pessoa)
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
70
Buscou-se neste capítulo apresentar a primeira parte da pesquisa de campo, qual
seja, a identificação geral, mediante observação das principais tipologias habitacionais da
cidade, de 1930 a 1980, e a entrevista com especialistas, relacionando estas informações com
os aspectos teóricos abordados nos capítulos anteriores.
5.1 Contextualização sócio-histórica
A partir da década de 1930, período marcado pelos efeitos da crise da bolsa de
valores de Nova York de 1929 e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder o Brasil, país
exportador de matérias-primas, iniciou seu processo de industrialização por meio da
substituição de importações. Tal fato modificou, entre outros aspectos, sua realidade espacial.
(COSTA, 1988). No caso do Estado do Ceará, não somente produtos como algodão e
carnaúba foram exportados para outras regiões, mas também a mão-de-obra, principalmente
para o Sudeste. As secas, que agravaram os problemas agrários, repercutiram na vida da
população do campo, e esta passou a migrar para Fortaleza. Desse modo, provocou intenso
crescimento demográfico, com reflexos diretos nas formas de morar da população. A seguir, a
figura 19 mostra uma vista aérea da cidade, do ano de 1966.
FIGURA 19 – Vista aérea de Fortaleza e sua “Beira-Mar” em 1966.
Fonte: Acervo virtual do Museu da Imagem e do Som.
Formaram-se em Fortaleza novos bairros como Jacarecanga e Benfica e,
posteriormente, Aldeota, Meireles, Dionísio Torres, Papicu e outros – e novas tipologias
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
71
habitacionais surgiram – como a casa isolada no lote e, posteriormente, os condomínios
verticais e horizontais –, de acordo com novas legislações urbanas e sob influências artísticas,
tecnológicas e arquitetônicas provenientes do Sudeste do país e da Europa. Ao mesmo tempo
intensificaram-se a desigualdade social e a segregação espacial, com a proliferação de favelas,
cortiços e conjuntos habitacionais mal planejados.
Com suas propostas de racionalização, economia e plasticidade ligada à função, a
arquitetura moderna passou a ser assimilada no Brasil, inicialmente por ser “a solução para
um problema novo que a todos afligia: como criar casas para abrigar a enorme quantidade de
pessoas pobres que acorriam para as cidades naquele começo de processo de
industrialização”. (CAVALCANTI, 2001, p.14).
Originados na Europa e Estados Unidos nos anos 1920, os princípios da
arquitetura moderna surgiram dentro de um contexto de expansão do capitalismo industrial,
como forma de atender racionalmente e economicamente às demandas deste processo,
especificamente no relacionado à arquitetura e ao urbanismo. No Brasil, seus princípios foram
introduzidos por figuras estrangeiras como o arquiteto russo-brasileiro Gregory Warchavchik
(1896-1972), que no ambiente da cidade de São Paulo ousou realizar obras dentro de uma
linguagem mais depurada e funcionalista, sem ornamentos de fachada, como sua própria casa,
no ano de 1928. (BRUAND, 2002).
Construir uma casa a mais moda e barata possível, eis o que deve preocupar o
arquiteto construtor da nossa época de pequeno capitalismo, onde à questão de
economia predomina todas as mais. A beleza da fachada tem que resultar da
racionalidade do plano da disposição do interior, como a forma da máquina é
determinada pelo mecanismo que é a sua alma.
(BRUAND, 2002, p.384).
Mas o maior embaixador desta nova arquitetura no Brasil foi Le Corbusier,
arquiteto francês que visitou as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, onde pronunciou
conferências propondo a compatibilização da forma e função da arquitetura com o avanço
técnico-científico. Os princípios do modernismo arquitetônico propagados por Le Corbusier
foram acatados pelo então estudante de arquitetura Lúcio Costa, no final da década de 1920.
Na década de 1930, com a Revolução de 30 e a ascensão de Getúlio Vargas ao
poder, Costa foi indicado para assumir a diretoria da Escola Nacional de Belas-Artes,
renomada academia de artes e arquitetura do país, localizada no Rio de Janeiro. No curto
período em que desempenhou a função, Costa modificou a estrutura curricular do curso, bem
como seu corpo docente, e o substituiu por professores antenados com o movimento artístico
divulgado por Corbusier.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
72
Realizados dentro da perspectiva proposta por Corbusier, os projetos residenciais
de Lúcio Costa demonstram ser possível estabelecer um diálogo entre a arquitetura tradicional
praticada no Brasil e os princípios do movimento moderno. Ou seja, propiciou a inovação na
arquitetura, sem, no entanto negar o lugar, as tradições, o clima, as práticas vernaculares e a
diversidade.
[...] cio Costa concluíra estar a arquitetura brasileira tradicional muito mais
próxima do que se supunha da arquitetura contemporânea; descobrira que os
verdadeiros problemas arquitetônicos tinham sido percebido e resolvidos com bom
senso pela arquitetura colonial.[...] A arquitetura moderna não podia consistir numa
ruptura pura e simples com o passado. (BRUAND, 2002, p.124).
Isto pode ser fortemente evidenciado em seus projetos residenciais, cujos programas
ofereciam “maiores facilidades de síntese entre a tradição local e a arquitetura contemporânea”,
como na Casa do Barão de Saavedra (1942-1944), e no Parque Guinle (1948-1954), um
conjunto arquitetônico de residências multifamiliares. Na primeira, Costa propôs a estrutura de
concreto e o uso de treliças
10
de madeira nos guarda-corpos das varandas, além de brise-soleil
11
verticais fixos. no Conjunto Residencial Parque Guinle, verifica-se uma preocupação com a
ventilação cruzada e, ao mesmo tempo, com a minimização da entrada de calor para as unidades
habitacionais, por meio da utilização de painéis de cobogó cerâmico nas varandas. Estas
edificações podem ser vistas na figura 20 a seguir.
FIGURA 20 Projetos residenciais de Lúcio Costa: Parque Guinle (esquerda) e Casa
Saavedra (direita).
Fonte: Lúcio Costa, data ignorada.
10
Treliça: [...] nome de qualquer armação composta de vigas, sarrafos ou fasquias de madeira cruzadas, como nas rótulas das
janelas, por exemplo (CORONA; LEMOS, 1972).
11
Brise-soleil: nome francês para o elemento arquitetônico de proteção, com a finalidade principal de interceptar os raios
solares, como um quebra-sol, quando estes forem inconvenientes, composto de placas horizontais ou verticais, móveis ou
fixas, sistematização criada por Le Corbusier, em1933. (CORONA; LEMOS, 1972).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
73
No Nordeste do país, os ideais da arquitetura moderna manifestaram-se
primeiramente em Pernambuco, mais especificamente em Recife, com a figura de Luís Nunes,
arquiteto mineiro graduado pela Escola de Belas-Artes no Rio de Janeiro, encarregado de
organizar e dirigir a Seção Técnica de Engenharia e Arquitetura do Estado de Pernambuco,
em 1934. Influenciado pelo arquiteto alemão Walter Gropius (1883-1969), Nunes mostrou-se
bastante preocupado com a funcionalidade do edifício, a economia e a organização da
construção quando esteve à frente da secretaria, até 1935. Em virtude da efemeridade do
“movimento” iniciado por Nunes, suas propostas não foram propagadas como poderiam ter
sido. Por isto, o contato da região Nordeste com os princípios eruditos da arquitetura moderna
aconteceu apenas a partir da década de 1950. (BRUAND, 2002).
Inúmeros outros arquitetos brasileiros e até mesmo latino-americanos poderiam
ser lembrados na presente pesquisa, a exemplo de Oscar Niemeyer (1907-), do mexicano Juan
O´Gorman (1905-1932), de Delfim Amorim (1917-1972) e de Acácio Gil Borsoi ambos
com atuação na região Nordeste como profissionais que buscaram adaptar os princípios da
arquitetura moderna à realidade diversificada do Brasil. Entretanto, esta não é intenção desta
pesquisa, em face do objetivo do trabalho.
No momento, importa explicar de modo breve o significado deste movimento
técnico-artístico-cultural e suas repercussões para o contexto do Estado do Ceará e, mais
especificamente, da cidade de Fortaleza, no período em discussão.
Uma das hipóteses sobre a disseminação dos valores da arquitetura moderna pelo
Brasil é a de que esta ocorreu de duas formas: mediante criação de escolas de arquitetura em
rias regiões do Brasil e por meio do deslocamento de profissionais de uma rego para outra.
Essas migrações caracterizaram um processo de transferência de conhecimento e
tecnologia de regiões mais desenvolvidas (como o Rio de Janeiro, São Paulo e os
grandes centros regionais) para outras menos desenvolvidas, num processo indutivo
de modernização e uniformização de valores culturais e cnicos via arquitetura.
Nesse sentido, a arquitetura foi um agente de modernização, contribuindo com uma
informação que, adequadamente apropriada a nível regional, foi e será capaz de
estabelecer uma nova base de atuação dos arquitetos no ambiente. (SEGAWA, 2002,
p.134).
No caso do Estado do Ceará, arquitetos como José Liberal de Castro, Neudson
Braga e outros, formados na Faculdade Nacional de Arquitetura pela Universidade do Brasil
no Rio de Janeiro, participaram da fundação da Escola de Arquitetura da Universidade
Federal do Ceará. Com afirma Castro (1982):
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
74
Somente a partir da metade do século, o Ceará começa gradativamente a ser
invadido por jovens arquitetos que, diplomados em outras áreas do país, retornam à
terra natal. Constituem um grupo reduzido, mas, ainda assim mesmo, encontram
condições de implantar a Escola de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará,
cujas atividades principiam em 1965.
José Liberal de Castro formou-se em 1955 e teve contato com Lúcio Costa, ao
assumir o cargo de representante do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no
Estado do Ceará de 1957 a 1983. Outros arquitetos como José da Rocha Furtado, Nícia
Bormann e Marrocos Aragão também tiveram formação no Rio de Janeiro, e participaram
ativamente dos âmbitos acadêmico e mercadológico da arquitetura e do urbanismo no Ceará.
O Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará foi
instalado em 1965, como a terceira escola no Nordeste. Neste período, a profissão de arquiteto
estava em seu auge e houve a difusão do ensino da arquitetura por muitas partes do país,
como Curitiba e Belém. (SEGAWA, 2002).
Se até o século XIX a cidade de Fortaleza não tivera papel funcional importante
como mostrou o capítulo 4 –, no século XX ela passou a assumir uma condição de grande
cidade, de porte metropolitano: “De uma pequena cidade nos fins do século passado, com
somente 40.902 habitantes, Fortaleza, em menos de um século alcança e ultrapassa a cifra de
cidades com mais de dois milhões de habitantes”. (SILVA, 2000, p.230). Atualmente,
Fortaleza é a quarta capital do país, e conta com mais de 2 milhões de habitantes.
As cidades brasileiras em geral passaram, em maiores ou menores proporções,
pelo processo ora exemplificado. Em 1940, a população urbana correspondia a 31% da
população total. Na atualidade, esta população passou para 75% nas urbes. (CANCLINI,
2005; SILVA, 2000). Ao mesmo tempo, os contrastes sociais ficaram mais evidentes e
intensificaram-se os déficits relacionados aos setores de infra-estrutura, equipamentos e
serviços nas áreas do saneamento básico, habitação, saúde e educação.
5.2 Principais tipologias residenciais observadas
Ao se percorrer o Centro Histórico de Fortaleza, encontraram-se edificações
residenciais bastante representativas do início do século XX, como os sobrados – cuja maioria
funciona como estabelecimentos comerciais, conforme se observa na figura 21 a seguir – e as
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
75
casas “de porta e janela”, as quais, em grande parte, sobrevivem em sua função inicial de
moradia, como mostra a figura 22.
FIGURA 21 Sobrados antigos do Centro da Cidade de Fortaleza, hoje
descaracterizados quanto a fachadas e funções originais.
Fonte: Vasconcelos, janeiro de 2008.
Esta tipologia, remanescente do período colonial, foi encontrada em bairros
diversos, como o Centro (como mostra a figura 22), o Benfica e a Praia de Iracema,
configurando-se como um padrão residencial urbano que se repete ao longo do tempo e do
espaço, no interior do Estado e em várias outras situações atuais da periferia da cidade de
Fortaleza. Entretanto, muitas casas estão bastante degradadas e a paisagem freqüentemente é
emoldurada por edifícios de apartamentos ou escritórios comerciais, outdoors e anúncios de
venda, como exposto na figura 22 a seguir.
FIGURA 22 Casas do tipo “porta e janela”, em áreas diferentes da cidade de
Fortaleza: Centro (esquerda), Praia de Iracema (centro) e Benfica (direita).
Fonte: Vasconcelos, janeiro de 2008.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
76
Outras construções mantêm estreita relação com a rua, como exposto na figura 23.
FIGURA 23 – Residências com estreita relação com a rua, no Centro de Fortaleza.
Fonte: Vasconcelos, janeiro de 2008.
Nos bairros da Aldeota, Dionísio Torres e Fátima encontraram-se casas bastante
semelhantes quanto a suas formas de implantação isolada no lote. Ressalta-se que a
arquitetura da primeira metade do século XX em Fortaleza foi notabilizada principalmente
por projetos realizados por práticos desenhistas em parceria com engenheiros civis, alguns
deles já antenados com a configuração formal da arquitetura moderna. (CASTRO, 1982).
Neste contexto, a obra arquitetônica do húngaro Emilio Hinko, que chegou a
Fortaleza em 1929, é de grande importância para a configuração do espaço urbano da cidade,
pois ele foi o primeiro arquiteto a se estabelecer em Fortaleza. Além de edificações diversas –
galpões, igrejas, clubes, colégios e outras instituições construídas e projetadas por ele –,
destaca-se sua produção residencial, sobretudo a partir dos anos 1930.
Emilio Hinko trouxe informações, experiências, técnicas e visões da Europa.
Portanto, representava uma referência para a cultura, valores e o que se desejava
urbanisticamente para o futuro da cidade de Fortaleza, sobretudo os modelos arquitetônicos
dos novos edifícios.
Quando Emilio Hinko chegou à cidade, Fortaleza tinha apenas cerca de 100 mil
habitantes, restringindo-se a algumas ruas no Centro e a grandes faixas de praias, dunas e
coqueirais. Seus projetos e sua profissão passaram a ser conhecidas pela população,
especialmente por profissionais da burguesia, a partir de desenhos e croquis que esboçava por
conta própria, logo ao chegar à cidade. As primeiras encomendas partiram de médicos
interessados em construir novas residências e os bairros do Benfica e Jacarecanga foram as
primeiras áreas que abrigaram os projetos residenciais de Emilio Hinko.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
77
Primeiramente, no referente ao lote urbano, Emilio Hinko propôs o afastamento
da edificação dos limites do terreno e criou jardins laterais e áreas livres, as quais permitiam a
entrada de luz e vento por todos os lados da casa. Além disto, os banheiros foram incluídos
como ambientes internos. Estas modificações beneficiaram o modo de viver da população que
tinha acesso a estes projetos, pois resolviam questões ligadas a salubridade, conforto e
higiene, preocupações trazidas por Emilio Hinko da Europa, que havia passado por diversas
epidemias de doenças infecto-contagiosas. Do ponto de vista formal, o arquiteto buscou
equilíbrio na volumetria das edificações, bem como a utilização de elementos modernos como
brises e pergolas, consoante informações concedidas pelo arquiteto Marcondes Araújo Lima,
em novembro de 2007.
Na década de 1940, a convite do brigadeiro Eduardo Gomes, Emilio Hinko
elaborou e administrou a construção dos vários edifícios componentes da Base Aérea de
Fortaleza, inclusive das residências para sargentos próximas à Base, localizada na Avenida
Borges de Melo, e para oficiais superiores, no Bairro da Aldeota. Nestes projetos, foi
desenvolvido um estilo regional, com uma arquitetura adaptada ao clima, com varandas,
terraços, marquises e elementos vazados.
Outra importante característica diz respeito ao caráter permanente das obras
projetadas e construídas por Hinko. Sua obra resiste ao tempo, não apenas pela
resistência dos materiais empregados, [...] mas também porque os usuários gostam
das construções, e não fazem intervenções. (VERAS, 1998).
Na figura 24 a seguir, podem ser vistas casas projetadas pelo mencionado arquiteto.
FIGURA 24 Área residencial próxima à Base Aérea, com casas projetadas por Emilio
Hinko.
Fonte: Vasconcelos, janeiro de 2007.
Esta constatação pode ser comprovada ao se percorrer a cidade de Fortaleza nas
áreas onde os projetos de Hinko foram adotados. Uma rie de casas para aluguel – os
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
78
famosos castelinhos da Praça Luíza Távora (figs. 25 e 26) foi construída pelo arquiteto
Emilio Hinko, a pedido de Pierina, esposa de Plácido Carvalho, empresário e proprietário do
castelo demolido na área central da praça, com quem o arquiteto manteve contato.
FIGURA 25 – Castelinhos da Praça Luíza Távora, que anteriormente funcionavam
como residências.
Fonte: Vasconcelos, janeiro de 2007.
FIGURA 26 – Inovações arquitetônicas nas casas por Emilio Hinko: arcos nas varandas
(esquerda), cobogós (centro) e aberturas para o exterior (direita).
Fonte: Vasconcelos, janeiro de 2008.
Outras obras projetadas pelo arquiteto continuam funcionando e são mantidas em
seus aspectos originais, como o Náutico Atlético Cearense, o Clube Iracema, a atual
Secretaria de Finanças da Prefeitura, a Casa do Estudante (na Rua Nogueira Acioly), a Igreja
do Coração de Jesus, a Igreja de São Pedro e a Capela das Irmãs Missionárias, na Avenida
Rui Barbosa, além de várias casas na Avenida Santos Dumont e na Praia de Iracema, ainda
existentes e conservadas. Ao percorrer a Avenida Rui Barbosa, observa-se que esta tipologia
residencial, mesmo com todo o processo de verticalização evidente nesta via, ainda é
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
79
marcante em sua paisagem. A área residencial próxima à Base Aérea é notabilizada de um
modo mais intenso por esta tipologia residencial, o que revela a horizontalidade da escala
urbana nessa área da cidade. A seguir, a figura 27 mostra exemplo de projetos de Hinko para
um residência estudantil.
FIGURA 27 Casa do Estudante, residência estudantil projetada por Emilio Hinko em
Fortaleza.
Fonte: Vasconcelos, janeiro de 2008.
Hinko trabalhara na costa sul da Itália, em habitações dependentes de soluções
para os problemas das epidemias vividas na Europa, na década de 1920. Construía vilas de
casas de veraneio para a prevenção e cura de doenças como a tuberculose. Estas preocupações
foram incorporadas desde seus primeiros trabalhos residenciais, e, por este motivo, ele
afastava as edificações dos limites do terreno, promovendo amplas aberturas de ventilação e
iluminação, chegando a realizar os primeiros casos de residências “soltas” no lote. Criou,
assim, casas com quatro fachadas.
Hinko introduziu uma nova forma e expressão para as casas em Fortaleza, em várias escalas, isto
é, seus modelos de casas para clientes mais abastados (médicos e grandes comerciantes) serviram
para ilustrar o padrão de moradia desta categoria social. Os modelos desenvolvidos por Hinko para
clientes institucionais que preconizavam tipologias menos exclusivas e mais universais (como as
casas para militares da Base Aérea de Fortaleza) serviram como referência amplamente adotada
pela classe média, em suas variações socioeconômicas. (Marcondes Araújo Lima, em entrevista
em janeiro de 2008).
Outra grande qualidade da contribuição de Hinko para as construções residenciais
de Fortaleza se deve ao alto padrão obtido pela introdução de novas técnicas, novos
componentes arquitetônicos (pérgolas, cobogós, mosaicos, esquadrias, como elementos
decorativos) e novos materiais de acabamento (pó-de-pedra e texturas).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
80
Na segunda metade do século XX, a proposta residencial de Emilio Hinko
consolidou-se em Fortaleza, não apenas em seus aspectos formais e decorativos, mas também
nas soluções espaciais e funcionais, como a introdução dos ambientes de cozinha e banheiro
no interior da casa e nas preocupações com os aspectos de higiene e salubridade. Mesmo
semo contratar Hinko como arquiteto, muitas famílias adotaram o padrão residencial das casas
por ele construídas, como no exemplo mostrado a seguir (fig. 28).
FIGURA 28 Residência no Bairro da Aldeota, com elementos da arquitetura proposta
por Emilio Hinko, embora não tenha sido projetada por ele.
Fonte: Vasconcelos, janeiro de 2008.
Embora uma parte das residências construídas por Emilio Hinko tenha sido
destruída, encontram-se unidades remanescentes adaptadas a novas funções, como
estabelecimentos comerciais, restaurantes e consultórios médicos, entre outros, como pode ser
visto na figura 29 a seguir.
FIGURA 29 Residências adaptadas a novas funções de serviços (esquerda) e comércio
(direita).
Fonte: Vasconcelos, janeiro de 2008.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
81
Nas mesmas áreas onde foram encontradas tipologias ligadas às propostas de
Emilio Hinko, foram também observadas casas que se inserem nas propostas arquitetônicas
dos primeiros profissionais formados na cidade, ligadas aos princípios da arquitetura
moderna, como mostra a figura 30 a seguir, tipologia residencial amplamente disseminada
pelo Brasil e na cidade de Fortaleza, embora hoje grande parte dela tenha sido destruída.
FIGURA 30 Residências com princípios da “Arquitetura Moderna Brasileira” em
Fortaleza.
Fonte: Vasconcelos, janeiro de 2008.
5.3 Atuação e visão dos especialistas sobre a produção residencial em Fortaleza
Para dar suporte às análises propostas no trabalho, buscou-se entrevistar
determinados profissionais da arquitetura participantes e testemunhas dos processos de
produção de residências unifamiliares na cidade de Fortaleza e suas possíveis repercussões
para o ambiente urbano. As entrevistas foram realizadas, portanto, com profissionais que
contribuíram ora no âmbito acadêmico, mediante disseminação de idéias e valores da
arquitetura moderna por meio do ensino, ora no meio mercadológico, ora exercendo ambos os
papéis. Na figura 31 a seguir podem ser vistas residências remanescentes em Fortaleza,
baseadas na arquitetura moderna.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
82
FIGURA 31 Residências remanescentes em Fortaleza com princípios construtivos e
formais da arquitetura moderna.
Fonte: Vasconcelos, maio de 2008.
Conforme evidenciado, todos os arquitetos entrevistados foram influenciados
pelos princípios da denominada arquitetura moderna brasileira, amplamente propagada e
empregada em todas as regiões do país, sobremaneira a partir da década de 1950,
especialmente depois da construção de Brasília.
A arquiteta, paisagista e artista plástica cia Paes Bormann, que nasceu no Rio
de Janeiro e graduou-se pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil,
em 1964, participou da produção arquitetônica residencial de Fortaleza, desde a década de
1960, quando veio para a cidade com o marido, Gerhard Bormann, também arquiteto.
Segundo Nícia Bormann, por sua formação ligada à Escola Carioca
12
, trabalhar uma
arquitetura para o Ceará foi relativamente fácil:
Em nossa formação [...], houve sempre a preocupação com a adaptação. Adaptação da construção
ao terreno, à vegetação e ao clima. Em relação à Escola Paulista, que utilizava bastante o concreto,
a Escola Carioca era mais aberta, tinha uma construção mais comprometida com o lugar. [...]
12
Geração de arquitetos formados na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro,
influenciados por arquitetos como Lúcio Costa e Affonso Eduardo Reidy, etc.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
83
Sabíamos que a casa tradicional era de uma grande simplicidade construtiva, que tinha -direito
alto e grande relação exterior-interior. As pessoas que moravam em casas pequenas acabavam
saindo para as ruas e ali conversavam, quando não tinha mais sol. (NÍCIA BORMANN, em
entrevista, em novembro de 2007).
Apesar das facilidades encontradas por Nícia Bormann, ao chegar a Fortaleza,
existiram também dificuldades, sobretudo quanto ao programa de necessidades da habitação,
como em sua primeira experiência projetual no Ceará:
Nosso primeiro cliente solicitou uma residência com programa de necessidades de uma casa
sulista, que tivesse uma sala de jantar, uma sala de visitas e uma sala de almoço. Sabíamos, no
entanto, que tanto a sala de jantar quanto a sala de visitas não seriam usadas, serviriam apenas para
enfeitar. (Nícia Bormann, em entrevista em novembro de 2007).
Neste projeto, a arquiteta fez uma proposta considerada por ela mais adequada
para a realidade e o modo de viver cearense, na qual trabalhou relações entre os espaços
internos e externos, por meio de varandas, com a sala de jantar ligada a um jardim, utilizando
pergolados e cobogós
13
. Modificou-se, portanto, um padrão de planta baixa residencial até
então existente, com espaços de convivência delimitados e interligados por portas. Nesta
época, a cidade de Fortaleza ainda não contava com a Escola de Arquitetura, grande
responsável pela propagação e divulgação dos princípios e inovações da arquitetura moderna,
diferente dos grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo.
Ao interferir no programa de necessidades até então existente, os arquitetos, como
agentes da modernidade, também puderam induzir os clientes a uma nova forma de morar,
integrando espaços de estar e os destinados a refeições, e abrindo-os para o exterior.
Um aspecto fundamental buscado pelos arquitetos foi a utilização da mão-de-obra
local como na própria residência do casal Bormann, que não teve detalhamento arquitetônico
no projeto: “Nossa casa foi detalhada na própria obra”.
Nos projetos de casas de praia, Nícia Bormann buscou referências construtivas no
Mercado da Carne de Aquiraz, e usou estruturas de carnaúba. Casas de fazenda também
foram encomendadas à arquiteta, tanto na região da serra como em Jaguaribe, e nestas a
arquiteta buscou referências na arquitetura tradicional: a casa de fazenda, com alpendre e
cobertura com madeiramento de carnaúba e telhas de barro.
Outro profissional da arquitetura a ser mencionado é José da Rocha Furtado,
cearense e professor aposentado do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
13
Das iniciais dos engenheiros Coimbra, Boeckmann e Góis, elemento vazado de cerâmica ou de cimento, empregado na
construção de paredes perfuradas, para proporcionar a entrada de luz natural e de ventilação.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
84
Federal do Ceará, formado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo (FAU-USP) em 1968. No período em que foi aluno de graduação, teve como
professores João Batista Vilanova Artigas (1915-1985), Paulo Mendes da Rocha (1928-) e
Joaquim Guedes (1932-), arquitetos da chamada Escola Paulista. Esta escola influenciou
sobremaneira o ensino e a produção arquitetônica brasileira, principalmente quanto ao
emprego da tecnologia do concreto armado e à busca da honestidade construtiva na
edificação. Como observado, o domínio do concreto armado pelos arquitetos e o seu emprego
foi uma das características da arquitetura moderna no Brasil.
Furtado elaborou projetos arquitetônicos tanto para o serviço público, na Secretaria
de Viação, Obras, Minas e Energia (SEVOME), quanto como projetista particular, a partir de
1968, ano de retorno a Fortaleza. Sobre a experiência com casas no Ceará, conforme o arquiteto
afirmou ao chegar aqui, pensou em propor a utilizão do concreto armado e da laje
14
impermeabilizada com manta asltica, em substituão à tecnologia de tijolo cerâmico e telhas
de barro. Em face desta impossibilidade, logo percebeu ser esta proposta inviável no período:
“Não tínhamos tecnologias de impermeabilização”. Portanto, tentou adaptar esta tecnologia à
realidade da nossa cidade: rejeitou a platibanda
15
, que escondia o telhado, e manteve-se fiel à
linha arquitetônica na qual tinha sido formado. Inicialmente trabalhou com o telhado de
amianto
16
aparente, utilizando o concreto para estrutura e outras vedações.
Com o passar do tempo, Furtado verificou que o revestimento de azulejo serviria
como uma solução para a impermeabilização das cobertas, e passou a adotá-lo na cor branca,
para refletir a luz e minimizar a propagação de calor para a laje de concreto. Sentiu a
necessidade de abrir os espaços da casa para o exterior, por meio de pérgolas e jardins
internos, como na Residência Rocha Furtado, de 1974, toda detalhada pelo arquiteto.
Construiu também sua própria casa, a “casa-atelier” no Bairro do Alagadiço Novo.
nas casas de veraneio, situadas na Serra de Maranguape e nas praias do
município de Aquiraz, o arquiteto utilizou a linguagem construtiva tradicional: “As
condicionantes locais me forçaram a utilizar materiais da nossa região”. No final de 1977,
Furtado foi para os Estados Unidos, para cursar o mestrado na Universidade de Wisconsin,
em Milwakee. Segundo Furtado, a partir de 1976, quando voltou a trabalhar sozinho, foi
“redescobrindo” os encantos do telhado.
14
Teto de um compartimento ou piso (FERREIRA, 1986), geralmente de concreto.
15
Mureta de alvenaria maciça ou vazada, construída no topo das paredes externas de uma edificação, contornando-a acima da
cobertura, destinada a proteger ou camuflar o telhado e compor ornamentalmente a fachada. (FERREIRA, 1986).
16
Telhado formado por telhas de amianto, ou seja, fibras de asbesto. Tamm conhecido como fibrocimento (explicões da autora).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
85
Como sócio de Furtado na década de 1970, o professor de teoria e projeto
arquitetônico, Roberto Martins Castelo, graduou-se em 1969 pela Universidade de Brasília,
onde teve contato com o então diretor Oscar Niemeyer. Apesar de ter nascido no Ceará,
Castelo retornou para residir em Fortaleza apenas quando se formou. Em suas obras
arquitetônicas, marcadas principalmente pelo uso do concreto armado, o viés tecnológico é
uma característica constante. No entanto, segundo Castelo afirmou, diante das condicionantes
climáticas da cidade, foi necessário pesquisar maneiras de adequar suas propostas. A
insuficiência de uma abordagem que relacionasse tecnologia e clima levou-o a observar como
os espaços eram utilizados:
Impressionava-me ver, ao fim da tarde, as pessoas sentadas em cadeiras dispostas na calçada,
apreciando o movimento ou conversando com os vizinhos. Eu estava acostumado ao acolhimento
das salas, a observar com discrição o movimento das pessoas. Em Minas as pessoas não se
expunham, como aqui. Tudo era diferente! [...] Percebi que o espaço é apropriado diferentemente;
basta uma sombra e a brisa. (Roberto Martins Castelo, em entrevista em novembro de 2007).
Este relato é semelhante às observações de arquitetos provenientes de outras
regiões, como as de Nícia Bormann, citada. Tais situações tão naturais para os moradores
do Ceará foram consideradas peculiares para arquitetos provenientes de outras regiões.
[...] Na verdade, para quem vinha de condições outras, era possível identificar diferenças
significativas. Por exemplo: embora todo projeto previsse uma sala de visitas, ela era pouco ou
nunca utilizada, mesmo considerando a qualidade e custos do mobiliário e outros apetrechos.
Recebia-se nas varandas ou no aberto, notadamente à noite. Essas áreas destinavam-se
preferencialmente às festas. (NÍCIA BORMANN, em entrevista em novembro de 2007).
Enquanto Nícia Bormann apropriou-se da linguagem mais tradicional da nossa
arquitetura, sobretudo no referente aos materiais da coberta (como madeira e telhas de
cerêmica), Castelo persistiu na aplicação do concreto armado, tanto para a estrutura como
para a coberta, preocupou-se em proporcionar áreas sombreadas e ventilação: “Uma casa
implicava sombra e ventilação constante.” Ao mesmo tempo, tentou integrar espaços externos
às salas de visita e refeições. Para isto, utilizou-se de vedações transparentes e prolongou o
piso interno às áreas de fora. Uma das suas soluções para as aberturas das residências foi
utilizar janelas basculantes, por garantirem ao mesmo tempo iluminação e ventilação naturais.
A preocupação tecnológica também foi premissa para o primeiro arquiteto a obter
diploma de Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Ceará, Paulo Cardoso da
Silva, professor aposentado desta escola. Cardoso trabalha como profissional autônomo e
ministra palestras e cursos sobre arquitetura, estrutura e conforto ambiental. Para o
profissional, “a estrutura materializa a arquitetura; é ela que lhe dá expressão”. Esta afirmação
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
86
revela alguma influência recebida pelo arquiteto da Escola Paulista, principalmente do
arquiteto brasileiro João Batista Villanova Artigas (1915-1985) e de outros arquitetos latino-
americanos como Félix Candela (1910-1997).
Para Cardoso, o domínio da construção é um aspecto considerado essencial. Ele
admira o trabalho de arquitetos como Lúcio Costa (1902-1998), Rino Levi (1901-1965),
Affonso Eduardo Reidy (1909-1964), João Filgueiras Lima (1932-), Sérgio Bernardes (1919-
2002), Oscar Niemeyer, (1907-) Frank Lloyd Wright (1867-1959) e Le Corbusier (1887-
1965). Na opinião de Cardoso, este conhecimento possibilita ao arquiteto pesquisar soluções
mais adequadas para cada realidade, e promover a inovação na arquitetura.
Entre 1970 e 1978, trabalhando em escritório próprio, Cardoso recebeu
encomendas de projetos residenciais de clientes da classe média, nos quais tentou adequar a
arquitetura moderna ao modo de viver cearense, que, segundo o arquiteto, é fortemente
vinculado ao clima. Entre algumas inovações, Cardoso cita o uso de bandeirolas
17
de portas e
jardins internos, que melhoram o conforto ambiental dos espaços internos. O arquiteto
considera “obra-prima” sua própria casa, que materializa suas idéias sobre a arquitetura
residencial no Ceará. Esta edificação, construída em 1974 e habitada pela mesma família até
hoje, atendeu aos critérios estabelecidos na presente pesquisa. Desse modo, foi escolhida para
ser analisada no próximo capítulo.
Assim como Furtado, o arquiteto Delberg Ponce de Leon recebeu influências da
Escola Paulista, com a diferença de ter sido graduado na terceira turma de arquitetura do
Curso de Arquitetura e Urbanismo (CAU) da Universidade Federal do Ceará (UFC), em
1971. Ponce de Leon, a exemplo de Cardoso, enfatiza que uma das premissas propagadas
pelos professores no período era a forte ligação entre arquitetura, projeto e construção. Desta
forma, quando passou a exercer a profissão, responsabilizava-se pelos projetos de arquitetura,
instalações, cálculo estrutural e pela construção da obra. Em atividade desde 1967 como
autônomo, sempre primou por trabalhos em equipe, e teve como principal parceiro o arquiteto
e urbanista Fausto Nilo.
Seus primeiros trabalhos foram solicitados por amigos ou clientes da classe média
emergente, como médicos. Entretanto, como Ponce de Leon reconheceu, as primeiras casas
projetadas o eram adequadas para a realidade do Ceará: o casas de s-direitos baixos e de
concreto aparente”. Ambas as solões derivavam de propostas para a realidade da rego Sudeste.
17
Abertura localizada acima da porta, com ou sem função decorativa, que permite a entrada de iluminação e ventilação,
mesmo se a porta estiver fechada.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
87
Ponce de Leon considera sua grande obra uma casa construída na Avenida Santos
Dumont em 1970, projetada quando ainda era estudante. Hoje esta edificação, que perdeu sua
função residencial original, abriga o Banco Real. É uma casa de arquitetura moderna, não
modificada para se transformar em um estabelecimento. Como aspecto fundamental do seu
trabalho, o profissional ressaltou a preocupação em realizar a arquitetura para o futuro, pois o
edifício deve ser pensado para modificações, alterações e transformações posteriores.
Atualmente, porém, a maioria das casas projetadas por Ponce de Leon foi destruída, e cedeu
espaço a novos edifícios.
Assim como Furtado e Cardoso, Ponce de Leon propunha o uso de pergolados,
adequados às condições climáticas da região. Utilizava estes elementos como estratégias
projetuais de sombreamento do lote. O pergolado, usado em jardins internos, conferia
qualidade aos ambientes que a ele se abriam, tanto do ponto de vista climático e estético:
permitia a ventilação cruzada e possibilitava visuais diferenciados do interior da casa. Em fase
posterior, nos anos 1980, Ponce de Leon começou a propor a utilização de elementos da
arquitetura tradicional, como a telha de barro, a madeira e o tijolo, considerados materiais
adequados para a realidade local.
Outro arquiteto entrevistado foi Nelson Serra e Neves, que ingressou na Escola de
Arquitetura da Universidade Federal do Ceará em 1966, e graduou-se, como Delberg, em
1971. Nelson Serra e Neves trabalha como autônomo em parceria com outros arquitetos, e
tem participado da realização de diversos projetos arquitetônicos como residências
unifamiliares, edifícios de apartamentos e complexos turísticos – e projetos urbanísticos,
como loteamentos fechados e requalificações urbanas dos municípios de Sobral, Icó e
Quixeramobim. Os primeiros projetos de Nelson Serra e Neves, na década de 1970, eram de
residências unifamiliares particulares:
Nossa clientela vivia em apartamentos antigos, sem elevador. Os primeiros apartamentos de
Fortaleza tinham três pavimentos e não possuíam elevador. Este pessoal estava mudando de
padrão, eram os profissionais liberais, da classe média em ascensão, que hoje não existe mais.
Eram médicos, advogados, engenheiros, agrônomos, etc. (Nelson Serra e Neves, em entrevista em
novembro de 2007).
Quanto aos elementos arquitetônicos utilizados por Neves no projeto dessas casas
construídas na década de 1970, assemelham-se às propostas de Ponce de Leon e Cardoso:
“Buscamos usar jardins internos, pérgolas, brises, para garantir a ventilação cruzada”. Nelson
Serra e Neves realizou trabalhos de arquitetura residencial principalmente para a Aldeota. “Na
década de 1970, este bairro tinha bastante espaço; era um bairro de casas unifamiliares, com
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
88
terrenos generosos”. Inicialmente o principal material construtivo proposto nos projetos
arquitetônicos residenciais de Nelson Serra e Neves era o concreto armado. Na década de
1980, passou a voltar-se para elementos construtivos da arquitetura vernacular, os quais,
segundo o arquiteto, eram mais apropriados para a nossa região do que o concreto armado,
empregado tanto na estrutura como nas paredes e coberturas. Para o arquiteto, esta nova visão
representa uma evolução do seu trabalho:
A verdade é que, no início, tínhamos a admiração pelo concreto como elemento plástico,
influência da Escola Paulista e de seus arquitetos, como Vilanova Artigas e Paulo Mendes da
Rocha
18
. Trabalhamos, então, com a arquitetura do concreto, porém sempre adotando elementos
que captassem a iluminação e ventilação cruzada naturais. Posteriormente, vimos que o Ceará
exigia um tratamento diferenciado. Buscamos nas raízes da arquitetura cearense elementos para
nossos projetos. A arquitetura cearense é uma arquitetura comum, simples, devendo servir o
concreto apenas como elemento de estrutura e não como elemento plástico. Na época, o concreto
era o símbolo da modernidade, havia uma aceitabilidade grande por parte dos clientes e os
arquitetos estavam antenados com as possibilidades do material. (Nelson Serra e Neves, em
entrevista em novembro de 2007).
Este pensamento pode ser evidenciado no Projeto Morada Nova, realizado por
Nelson Serra e Neves na década de 1970, numa experiência quase pioneira no Nordeste de
participação e interferência do arquiteto no planejamento físico-rural nesta região. existira
uma iniciativa como essa no Estado de Pernambuco, mas não obteve êxito. Conforme
comentou Nelson Serra e Neves, no caso da proposta para Pernambuco, houve a fragmentação
de populações em lotes agrícolas e lotes residenciais. Isto dificultou o desenvolvimento do
projeto como o esperado.
No nosso projeto, tentamos rebater a idéia realizada em Pernambuco. Preferimos juntar os colonos
em grupos habitacionais, com direito a escola, saúde, convivência comunitária e treinamento. Era
mais coerente. Criamos, então, núcleos habitacionais. (Nelson Serra e Neves, em entrevista em
novembro de 2007).
A arquitetura das casas do Projeto Morada Nova derivava da casa tradicional rural
pequena, desprovida de varanda ou com apenas uma sacada na frente. Quanto aos materiais
especificados no projeto, eram o tijolo, para as paredes, e as telhas de barro e madeiramento
de carnaúba para a cobertura.
Como na casa tradicional o banheiro e a cozinha eram localizados na parte externa
da casa, o arquiteto propôs para este novo projeto anexar o banheiro à casa, com acesso
externo. Tal idéia possibilitaria a incorporação deste cômodo à edificação, em caso de
ampliação da residência. Após a construção das casas, contudo, esta proposta não foi
18
Paulo Mendes da Rocha (1928-) é arquiteto brasileiro da geração de outros arquitetos como Vilanova Artigas.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
89
assimilada pela maior parte dos moradores, os quais preferiram utilizar a área do banheiro
como despensa ou depósito, e construir um novo ambiente de taipa, que servisse para a
função. Isto revelou a forte resistência cultural dominante nas populações rurais.
Como verificado na entrevista com Neves, o Projeto Morada Nova não atendeu
aos resultados esperados, a começar pelo projeto de irrigação, que apresentou problemas e
provocou a salinização do solo. Diante desta situação, os colonos foram relocados para outras
áreas. Posteriormente, os outros moradores que permaneceram modificaram suas residências
com vistas a atender às suas novas necessidades.
Nelson Serra e Neves comentou também sobre seus projetos mais recentes, como
um resort solicitado por clientes portugueses, localizado na Praia da Lagoinha, no município
de Paraipaba. Com tipos diferentes de unidades residenciais, o arquiteto propõe espaços como
varandas, utilizando o telhado aparente, com madeiramento de tesouras, e telhas de barro.
Planos coloridos e formas inusitadas conferem certa ousadia ao projeto.
Das casas de Fortaleza construídas na década de 1970 quase nada existe. Elas
deram lugar a empreendimentos de habitação multifamiliar, geralmente erguidos em edifícios
verticais, os arranha-céus da cidade. O arquiteto e ex-professor do CAU-UFC, Marrocos
Aragão, formado em 1962 pela Faculdade Nacional de Arquitetura e Urbanismo na
Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, é outra testemunha desta realidade, pois
praticamente todas as residências por ele projetadas neste período já foram destruídas.
Para Aragão, a produção atual de edifícios verticais é caracterizada por certa
mediocridade: “Os edifícios são sempre os mesmos; mesma plástica visual, mesmo padrão,
não importa se estão localizados próximos à praia ou a áreas verdes”. Além disto, ressalta o
arquiteto, houve uma desatenção para com os aspectos do conforto ambiental da edificação,
como a captação eficiente de ventilação.
Aragão continua em plena atividade. Um dos seus trabalhos mais recentes, em
fase de construção, é um projeto de um loteamento horizontal fechado alternativo que,
segundo ele, contém princípios paradigmáticos para a cidade do futuro: desenho viário radial,
jardins generosos, e espaços de convívio em família, com caramanchões e praças lineares,
pois estas, na opinião do entrevistado, seriam mais adequadas do que as praças quadradas.
Neste trabalho, o arquiteto propõe como diferencial a justaposição de residências
unifamiliares e multifamiliares, em torres verticais, integradas com as funções urbanas
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
90
comércio, serviço, circulação e lazer. Esta proposta continua inserida na idéia de fechamento
e isolamento dentro da cidade, como nos projetos para condomínios fechados convencionais.
Aragão considera-se um constante pesquisador de soluções para melhorar a qualidade de vida
da cidade. Sobre o condomínio fechado por ele idealizado, afirma: “Depois vamos quebrar os
muros, para não viver na cidade medieval”.
5.4 Casas cearenses
Na opinião inicial de Furtado, entendida como uma arquitetura distinta de outras
áreas do Nordeste, “não existe arquitetura cearense”. Segundo o arquiteto, certas
peculiaridades da arquitetura do Nordeste, como a varanda, que a diferencia de algum modo
de outras regiões do país. “Talvez esta arquitetura cearense possa ser vista em casas de praia,
mas na cidade, talvez nas Seis Bocas.” Conforme se percebe, o termo arquitetura cearense
está sendo associado a espaços não urbanos, como o litoral.
Ponce de Leon considera como característica da casa cearense os pés-direitos
altos, utilizados bastante em casas da cada de 1940. “A antiga Casa do Governador
expressa bem esta idéia, com grandes vãos e varandas”, como mostra a figura 32 a seguir.
Mas a maioria destas casas foi destruída, inclusive uma projetada posteriormente por este
arquiteto, lançando mão desta linguagem.
FIGURA 32 – Antiga Casa do Governador do Ceará, hoje Centro Cultural do Abolição.
Fonte: Vasconcelos, maio de 2008.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
91
de acordo com cia Bormann, a adaptação é um aspecto fundamental a ser
objetivado em um projeto arquitetônico. Segundo afirma, para cada situação existem
condições peculiares como tipo de lote, vegetação, clima, insolação e material construtivo.
Mediante uma postura de comprometimento com o lugar, a arquiteta acredita existir uma
arquitetura residencial apropriada para o Ceará: “A casa cearense deve ter varanda de
nascença, e deve conseguir captar ventilação.” Nícia Bormann, em seu próprio repertório
projetual, contém exemplos que refletem seu modo de pensar uma arquitetura residencial para
nosso Estado.
Na opinião de Marrocos Aragão, a casa no Ceará deve seguir orientações
apropriadas para a região litorânea, como buscar uma visão de paisagem, e ao mesmo tempo
introduzi-la nesta paisagem: “A casa, mesmo em áreas urbanas, deveria ter mais aproximação
da natureza”. Outro aspecto importante ressaltado pelo arquiteto é que um afastamento
generoso da casa em relação ao lote permite um tratamento da área intramuros com
vegetação, o que melhora o conforto ambiental. Reconheceu também a importância da
varanda como área coberta aberta, que funciona como anteparo à insolação. Enfim, como
acrescentou, o arquiteto deve pesquisar estratégias com vistas a favorecer a ventilação natural
e a exaustão, como o pé-direito alto.
Outra descrição das características de uma casa cearense é a de Nelson Serra e
Neves: “A casa cearense tem grandes varandas, grandes beirais, telhas aparentes, materiais
não industrializados”.
Menciona-se, ainda, Paulo Cardoso segundo o qual o modo de viver cearense é
expresso por suas condições climáticas.
A arquitetura do Ceará tem expressões simples as casas de fazenda. A leitura que faço da casa é
a leitura climática: uma casa aqui tem que ter insolação natural e ventilação natural. [...] Nossa
identidade é indígena. [...] A casa cearense tem alpendre circundando toda a casa, o núcleo é a
própria casa (tem os quartos). (Paulo Cardoso, em entrevista em novembro de 2007).
Consoante este arquiteto acrescenta, é possível encontrar casas que reflitam este
modo de pensar em municípios próximos a Fortaleza: “Mostraria casas em Aquiraz,
Maranguape e Aracati para um desconhecido interessado em conhecer a casa cearense”.
Apesar de não ter o tradicional telhado com telhas de barro, a casa de Cardoso
contém materiais locais, como o tijolo cerâmico conformando paredes e coberta e a
ventilação e insolação naturais bem resolvidas, assunto mais detalhado no próximo capítulo.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
92
Já José Liberal de Castro, assim como Furtado, considera que discutir sobre a casa
cearense seria uma forma bastante generalizante de enquadrar o panorama residencial
diversificado do Ceará. Estudar tipologias seria mais coerente.
Complementarmente às entrevistas com os especialistas, foram entrevistadas,
também, pessoas do senso comum. Optou-se por pessoas idosas que tivessem vivido por pelo
menos trinta anos na cidade de Fortaleza, e que tivessem conhecido outras localidades do
Estado do Ceará. Todos responderam informalmente à seguinte pergunta: “Como você
descreve a casa cearense?”
As entrevistadas logo começavam a descrever e contar um pouco sobre o seu
modo de viver e a sua própria casa. Consoante percebeu-se, esta discussão sobre casa
cearense não é compreendida pela população de leigos da mesma forma como o é pelos
pesquisadores. Interessa, em particular, a opinião daqueles envolvidos intelectualmente com a
cultura, história e arquitetura cearense. Ainda como percebeu-se, esta pergunta ou discussão
não havia permeado o pensamento destas pessoas no decorrer de suas vidas. A visão de cada
entrevistado sobre sua própria casa foi o mais importante ponto de vista desenvolvido por
estas pessoas. Tal fato revela que o sentido de casa, para a população, está necessariamente
vinculado com o seu modo de viver e sua visão de mundo.
As minhas casas são três casas conjugadas. Todas foram planejadas por mim mesma, não teve
ninguém para orientar. A gente faz do jeito que certo, do jeito que o terreno comporta. Acho
que cada um faz do seu jeito, sem nem seguir uma planta. O lugar que mais gosto é a área
19
. (Dona
Rita, novembro de 2007).
As casas cearenses são um resultado da colonização, da arquitetura francesa, portuguesa.
Atualmente, outras arquiteturas sempre influenciam. Minha casa é um estilo comum, tirado de
outros estilos. em Sobral era muito padronizado, e então começaram a copiar um modelo do
outro. Não existe uma casa cearense. As casas são reflexos de nossa colonização. Os modernos são
estudos dos arquitetos, que inteligentemente souberam aproveitar os modelos de fora e modificá-
los, transformá-los. Não existe, deliberadamente, um modelo de casa cearense. (Jacira Pimentel
Gomes, outubro de 2007).
As casas no Ceará são bastante simples, com tudo o que é essencial para a vida, como a que eu
morava em Maranguape. Todas têm varanda. Agora estão tirando as varandas porque estão
construindo apartamentos. (Dona Maria Alice, março de 2008).
Se é casa cearense, então tem que ser do Ceará. As casas do Ceará podem ser encontradas em
qualquer lugar do Brasil. No mundo que estamos vivendo, com uma variedade de residências,
edifícios, acho complicado chamar isso de casa cearense. Talvez tenha havido uma casa
caracterizada como casa do Nordeste, antigamente. Mas isso é uma descendência portuguesa. Se
nós formos para Portugal, encontraremos também estas casas. Não sei se podemos chamar isso de
cearense. Houve a evolução. (Dona Maria Goretti, março de 2008).
Acho que não tem diferença do modo de morar no Ceará com o restante do Nordeste. Mas aqui
todo mundo usa armadores de rede. Em Pernambuco e na Paraíba isso é mais difícil de ser
encontrado. (Dona Senhorinha, maio de 2008)
19
Entende-se área como pequena varanda.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
93
5.5 Um cenário crítico
A partir das descrões obtidas nas entrevistas e de outros aspectos observados na
cidade de Fortaleza, podem ser delineadas algumas características e tenncias do atual panorama
da moradia, especificamente o caso da residência unifamiliar, na cidade de Fortaleza.
Primeiramente, verifica-se um contínuo e descontrolado processo de demolição
das construções de residências unifamiliares, localizadas em áreas estratégicas e de interesse
para a especulação imobiliária, como foi o caso dos bairros Aldeota e Meireles – na década de
1980 e do Bairro de Fátima, na década de 1990. Estas residências geralmente ocupavam
lotes generosos. Isto permitiu a implantação de novos tipos de edificações: o edifício
comercial ou o edifício residencial multifamiliar. Ponce de Leon explica como isto aconteceu
no Bairro da Aldeota:
O Shopping Center Um, há mais de trinta anos, permitiu a expansão do comércio, mas promoveu o
início do esvaziamento de comércio e serviço do Centro da Cidade. O Bairro da Aldeota, formado
de dunas, começou a crescer e ser ocupado por residências, com lotes de 20 x 50 metros. Houve
épocas em que o bairro era totalmente desvalorizado. Hoje o bairro está praticamente todo
verticalizado e foi todo levantado através do escambo: o empreendedor trocava o terreno por um
apartamento construído. Não houve dinheiro vivo na negociação. É um verdadeiro pecado a
legislação permitir a transformação de um bairro de residências horizontais, com áreas verdes, por
edifícios verticais de apartamentos. E o governo que financiou tudo isto, já que muitos
empreendimentos foram financiados pela Caixa Econômica. Porque o governo não dirigiu esta
verba para a criação de novos bairros, com lotes e áreas mais adequadas para a verticalização? Mas
não, nesta área, já servida de infra-estrutura urbana (esgoto, água, etc.), resolveram levantar os
edifícios. (Ponce de Leon, em entrevista em dezembro de 2007).
A resposta para estes questionamentos de Ponce de Leon pode estar nas colocações de
Rodrigues (1988, p.17):No modo de prodão capitalista, como é o caso do Brasil, a terra urbana e
as edificões integram as mercadorias do sistema. A terra urbana, que nunca se desgasta, bem
como as edificações, estes têm sido reposirios comuns e importantes da acumulão de riquezas.”
Por ser a satisfão das necessidades das presentes e futuras gerões um requisito para o
desenvolvimento sustenvel, segundo o Relario Brundtland, este cririo es comprometido em
suas proposões, no concernente ao tema desenvolvido na presente pesquisa.
Diversas discussões surgem a partir desta denotação. Dois aspectos, porém,
merecem aprofundamento: o que isso representa na formação de ilhas de calor e para o
conforto ambiental da cidade e como isso pode ter repercutido no modo de morar das pessoas
que passaram por estas experiências.
O processo exemplificado por Ponce de Leon revela aspectos voltados para uma
condição de insustentabilidade, pois desperdício e geração de resíduos na demolição de
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
94
boas residências e grande impacto ambiental na construção de novos edifícios verticais. Tal
geração transforma ou destrói a vegetação existente, impermeabiliza o solo e modifica o
lençol freático, entre outros. Para o ambiente urbano, representa uma mudança na escala da
cidade, por modificar a densidade populacional da área de implantação do empreendimento e
provocar maior tráfego de veículos. É importante lembrar que estes bairros foram planejados
inicialmente para o assentamento de unidades residenciais unifamiliares, na etapa de projeto,
de loteamento, na configuração dos lotes, na legislação urbanística e na infra-estrutura urbana.
Como cada uma destas casas foi projetada individualmente para ser habitada de
maneira duradoura por uma família, com suas necessidades e valores específicos, com as
devidas atenções aos aspectos físicos do terreno, sejam eles relevo, orientação, vegetação
entre outros ocorreram perdas quantitativas conforto ambiental, desperdício de energia,
água e mão-de-obra, trabalho, materiais de construção, insumos – e perdas qualitativas,
representadas pela falta de respeito para com a história, memória e a cultura, aspectos ligados
tanto ao ambiente da cidade quanto à família. Ilustrativamente, a figura a seguir mostra a
verticalização na cidade de Fortaleza.
FIGURA 33 Verticalização na cidade de Fortaleza, que revela a impessoalidade das
edificações em relação aos seus moradores.
Fonte: Vasconcelos, maio de 2008.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
95
Um aspecto essencial a ser abordado são os motivos que levam as famílias a
procurarem, constantemente, outras áreas da cidade para viver, contendo também novas
tipologias habitacionais. Duas famílias falaram sobre este assunto. Segundo mencionaram, a
violência urbana e a insegurança pública são os principais fatores a influir na decisão por
mudança. Conforme uma delas relatou, a primeira casa da família na cidade de Fortaleza
localizada na Avenida Santos Dumont, no Bairro da Aldeota – foi encomendada na década de
1970 a um arquiteto, que a projetou de acordo com seus anseios de “morar numa casa
moderna”. Na década de 1980, a família passou a experimentar a insegurança, após diversos
incidentes de roubos e furtos nas redondezas do bairro. Optaram por viver em um edifício de
apartamentos forma de morar “mais segura” no Bairro do Meireles, de onde era possível
vislumbrar o mar e a vegetação existente nos terrenos das residências do bairro. Atualmente,
esta família formada por três gerações (pais, filhos e netos) decidiu mudar-se para um
local “mais tranqüilo” que neste bairro existe intenso tráfego de veículos, gerador de
ruídos e situações problemáticas para pedestres. Enquanto o atual apartamento desta família
está posto à venda, mudaram-se para o município do Eusébio, localizado a aproximadamente
30 quilômetros da cidade de Fortaleza, como novo local de morada, em um condomínio
horizontal bastante arborizado.
A partir dos relatos ora citados, perceberam-se algumas evidências. Por exemplo:
os arquitetos têm atualmente realizado menos trabalhos de residências individuais, em virtude
de fatores como insegurança e violência, que ao ameaçarem a vida da população provocam
desinteresse e resistência em relação a este tipo de moradia. Nos escritórios de arquitetura, a
demanda por projetos arquitetônicos de condomínios residenciais horizontais fechados tem
aumentado. Este novo tipo de moradia é uma alternativa para quem deseja morar em
residências unifamiliares com segurança. No entanto, ao garantir segurança mediante muros
altos e vigilância eletrônica para os condôminos, aumenta a insegurança extramuros. Portanto,
é uma situação problemática e, conseqüentemente, insustentável para o ambiente da cidade.
Diante desta nova realidade os profissionais da área se manifestam. O arquiteto-
historiador José Liberal de Castro, por exemplo, constatou mudanças quanto à preocupação
dos arquitetos sobre o conforto ambiental das casas:
Antes havia pesquisa de tecnologias novas, mas compatíveis e adequadas para nossa região. Antes,
no ato de projetar a casa, havia pesquisa sobre a ventilação da casa, posição do sol, tudo para que
ela fosse confortável. Hoje, não existe esta preocupação: tudo se climatiza com os aparelhos de ar
condicionado. Estas máquinas fazem retirar o ar quente de dentro e atirá-lo para o lado de fora.
A cidade ficou quente. (José Liberal de Castro, em entrevista em dezembro de 2007).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
96
Em entrevista concedida esta pesquisa, José Liberal de Castro testemunhou a
modificação climática por que a cidade passou, a começar pelo percurso por ele feito para ir
da sua residência à Escola de Arquitetura. Também criticou a arquitetura ora adotada de
residências multifamiliares, com o amplo e desregrado emprego do vidro, considerado por
Castro incompatível com o clima do Estado.
No intuito de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade O
Estatuto das Cidades traçou diretrizes e tem como primeira diretriz geral a “garantia do
direito a cidades sustentáveis, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao
saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao
trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. Entretanto, como mostra a realidade,
a cidade de Fortaleza, assim como as cidades brasileiras em geral, encontra-se em situação
crítica, caracterizada por grande concentração de população nos centros urbanos, problemas
habitacionais, crise ambiental, violência, desemprego, insegurança, crise de identidade, entre
outros. A crise da casa engloba tanto o seu aspecto físico e material como o seu aspecto
subjetivo, vinculado à formação do lar. Por entender a sustentabilidade como um paradigma a
ser alcançado, a Agenda 21 indica como critério para uma vida urbana sustentável a superação
da degradação física da cidade, invertendo a lógica em vigor, de lugar de consumo em
consumo (usufruto) de lugar.” (NOVAES, 2000, p.78).
Embora esta situação crítica tenha se estabelecido na cidade de Fortaleza, é
possível encontrar casas habitadas pelo mesmo morador mais de vinte e cinco anos, a se
impor como situação de resistência e sobrevivência tanto material como cultural.
6 O MEU LUGAR
Deve existir
Eu sei que deve existir
Algum lugar onde o amor
Possa viver a sua vida em paz
E esquecido de que existe o amor
Ser feliz, ser feliz, bem feliz
(Vinicius de Moraes, Em Algum Lugar)
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
98
Neste capítulo serão apresentados os elementos da pesquisa de campo, por meio
da análise mais aprofundada de quatro residências unifamiliares habitadas. Ao mesmo tempo,
se verificará a relação entre a arquitetura destas edificações e o modo de viver dos seus
moradores, de forma integrada às discussões teóricas dos capítulos anteriores, assim como as
questões levantadas pelos especialistas. Esta etapa utiliza-se da experiência direta e íntima
do morador – e indireta e conceitual –, do pesquisador.
6.1 Unidade 1: Casa remanescente
Localizada na Avenida Visconde do Rio Branco, próxima à Rua Pinho Pessoa, como
mostra a figura 34, esta residência compartilha de características comuns a muitas outras
edificações da época na cidade, como uma estreita relação com a rua pois o possui muros
frontais e alinha-se fisicamente ao passeio
20
e escalas urbanas semelhantes, de um ou dois
pavimentos. Entretanto, a casa em alise destaca-se visualmente na paisagem da rua, por
diversos aspectos.
FIGURA 34 – Fotografia aérea da quadra de localização da Unidade 1.
Fonte: Disponível em: <http://www.googleearth.com>. Acesso em: 24 fev. 2008.
Vários fatores contribuem, pois, para a notabilidade desta casa. Contudo, os
principais são seus elementos construtivos e decorativos mantidos inalterados, originários do
20
Passeio: calçada. (FERREIRA, 1986).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
99
chamado ecletismo arquitetônico, expressos pela cornija
21
na platibanda, balcões de ferro (fig.
36) e vidro colorido nas janelas, entre outros. Enquanto outras residências modificaram suas
fachadas, ora aplicando novos revestimentos como a cerâmica e o azulejo, ora introduzindo
gradis nas janelas e portas que abrem diretamente para a rua, esta mantém seus aspectos
originais. Além disso, algumas edificações foram adaptadas para servir a outras funções,
como comércio e serviço.
Conserva também, ao lado da porta de entrada, uma pequena placa metálica com a
indicação “Dr. Aldenor Paiva, Advogado”, a indicar a profissão e o possível local de trabalho
do proprietário, falecido. Certamente, esta placa, ao reforçar nominalmente o proprietário e
o seu trabalho específico, era uma forma de identificação familiar e social, sobretudo quando
o proprietário era vivo e exercia a profissão. Encontrou-se, ao longo da via, outra casa onde
também existe uma placa metálica com a inscrição “Dr. José Monteiro Advogado”, o que
revela a conservação, nessa rua, de padrões de comunicação visual do início do século. Como
se sabe, na primeira metade do século XX, era comum trabalho e habitação ocuparem a
mesma edificação.
Na atualidade, esta placa, ainda presente na fachada da residência em alise, mantém
viva a identidade da falia que morou na casa. Dona Odete, a atual moradora, uma senhora idosa
e bastante cida, afirmou estar vivendo nesta casa desde 1946, logo após seu casamento. Neste
peodo, a casa pertencia a seus sogros, que nela também residiam, desde 1941. Segundo esta
moradora, a casa teria sido comprada, pelos pais do seu marido, a uma pessoa desconhecida.
Não foi possível precisar a data de constrão desta residência. Contudo, segundo
Jo Liberal de Castro, em entrevista em abril de 2008, ela pode ter sido edificada entre 1890 e
1910. Portanto, configura-se como uma residência de transão entre oculo XIX e o século XX.
Outro dado a ser relatado sobre o seu aspecto diferenciado é que esta casa ocupa
um terreno de extensões maiores (formado por dois lotes) em relação aos outros lotes da via,
orientado para o leste, ou seja, do lado da sombra, uma situação privilegiada. Isto possibilitou
ser ela dotada de maior quantidade de aberturas diretas para a via do que as demais
residências, o que confere uma relativa monumentalidade à edificação no contexto da
Avenida Visconde do Rio Branco. Na figura 35 a seguir, expõe-se uma vista geral desta
avenida.
21
Cornija: Molduras sobrepostas que formam saliências na parte superior da parede. (FERREIRA, 1986).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
100
FIGURA 35 – Vista geral da Avenida Visconde do Rio Branco.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Na mencionada unidade, a porta de entrada ocupa posição central na fachada da casa.
Mais quatro janelas são distribuídas simetricamente em relação ao eixo dessa porta, conformando
uma fachada principal de cinco aberturas. Existem, ainda, alpendre e jardim lateral, que também
funcionam como entrada opcional para o interior da casa, como mostra a figura 36 a seguir.
FIGURA 36 – Fachada da Unidade 1 e detalhe de balcão de ferro (direita).
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Ao vivenciar e presenciar as modificações ocorridas na rua e no Bairro do Centro,
Dona Odete, a proprietária demonstrou grande familiaridade com esta região da cidade. As
transformações do Bairro do Centro e, conseqüentemente, da cidade de Fortaleza foram
acompanhados pela moradora, que comentou sobre o bonde que passava em frente à casa.
Como é notório, a Avenida Visconde do Rio Branco é ainda uma das principais vias de
penetração regional mais antigas da cidade, de onde a primeira linha do bonde ligava-se em
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
101
direção a Messejana. O trecho da via ocupado pela residência em discussão constituía-se
como extensão periférica do Centro, sendo possivelmente uma área de fazendas e vacarias
que tinha relação com o rio Aguanambi
22
. Hoje a avenida encontra-se asfaltada, e serve como
fluxo direto dos bairros do sul para o Centro da Cidade. Na figura 37 a seguir, mostra-se o
jardim lateral da casa.
FIGURA 37 Jardim lateral da casa na Unidade 1, visto da rua (esquerda), e vista do
portão de entrada (direita).
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Esta casa pode ser classificada como uma variação da “casa de porão alto” (REIS
FILHO, 2002) com jardim lateral, um tipo de resincia representativo da transição entre os
sobrados e as casas térreas. Possui um pavimento semi-enterrado, o porão, que possibilita o piso
da casa se elevar em relação ao passeio. O jardim lateral, inovação residencial do século XIX,
permitiu a abertura da edificação para uma das laterais da casa, enquanto a outra lateral
continuava contígua à edificação vizinha. José Liberal de Castro classifica esta residência como
híbrida, pois ela apresenta aspectos das residências coloniais urbanas (fachadas e organização
interna da planta) e rurais (alpendre e generosa área de quintal).
Esta tipologia surgiu no Brasil em meados do século XIX, quando da integração
do país no mercado mundial, com a Abertura dos Portos em 1808, ao possibilitar a
importação de equipamentos que, mesmo mantendo os padrões tradicionais de construção,
imprimiam novas aparências às edificações, com o emprego de platibandas, destinadas a
esconder os beirais, pelo uso do vidro colorido ou comum, bandeiras nas portas e balcões de
ferro nas fachadas. (REIS FILHO, 2002).
22
Informação do professor José Liberal de Castro, em abril de 2008.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
102
Nesta casa, a área do quintal possui vegetação arbórea dispersa, inclusive com
espécies frutíferas – como bananeira, cirigüeleira, goiabeira e sapotizeira – sendo também
utilizada para estender roupas em varais. O piso do quintal é de terra natural. Estas
características conferem a este ambiente aspecto de chácaras ou fazendas encontradas no
interior do Estado do Ceará.
Quanto ao sistema técnico-construtivo da casa, é semelhante àqueles empregados
no Nordeste até o início do século XX: paredes estruturais de tijolo, coberta com
madeiramento de carnaúba e telhas aparentes de barro e esquadrias de madeira com sistemas
de aberturas diferenciados.
A cobertura dos alpendres e do banheiro social é composta de telhas de barro tipo
francesa, enquanto as demais telhas de cobertura são de barro do tipo capa-canal. Nos
ambientes onde não existem aberturas diretas para o exterior, a iluminação natural dá-se pelo
telhado, com a substituição de uma ou duas telhas de barro por telhas de vidro.
Em alguns ambientes, existe forro de madeira, como o quarto de casal e o quarto
2, antes ocupado pelo filho da moradora entrevistada. Este forro contém no centro um
retângulo treliçado, que permite a exaustão do ar quente e a passagem de iluminação natural
zenital
23
. Nos demais ambientes apenas o telhado os recobre. Na figura 38 a seguir podem ser
vistos os dormitórios do filho e o forro com detalhe em treliça.
FIGURA 38 – Dormitório do filho (esquerda) e detalhe do forro com treliça (direita).
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
23
Iluminação proveniente do céu através de um elemento de abertura disposto na coberta e/ou no forro (explicação da
autora).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
103
Em relação ao piso da casa, nas áreas sociais e no banheiro principal é usado o
mosaico, mantido em suas características originais. Nos quartos é a madeira, em tábua
corrida. Para melhorar a acústica, o piso do gabinete recebeu revestimento de carpete. Como o
marido da moradora gostava de música, ele costumava realizar gravações nesse recinto.
Ao ser indagada sobre os materiais da casa, a moradora afirmou considerá-los “de
muito boa qualidade”, pois eles se conservam desde quando esta senhora chegou à casa, em
1946. Neste período, a cor das paredes era o azul-claro, com exceção do gabinete, que até
hoje mantém a pintura original, aplicada na cor verde-claro, com técnica de estêncil
24
em
desenhos com motivos florais.
Para a manutenção das cores das paredes, periodicamente estas o pintadas.
Observa-se a utilização de diversas cores no interior da casa: verde-claro para os quartos da frente,
bege e marrom para a sala de estar, amarelo-claro nos quartos dos fundos e branco nos banheiros.
Quanto a outras modificações, a moradora explicou que o antigo portão lateral da
casa, de gradil de ferro, foi aumentado de tamanho para possibilitar a entrada de automóvel.
Certamente, a garagem, uma área coberta no jardim lateral, foi construída a posteriori. A
moradora também relatou uma alteração executada na cozinha, que foi subdividida para
comportar uma despensa. Também foram retiradas as folhas das portas que interligam o seu
quarto ao gabinete. Na figura 39 a seguir consta a planta baixa da Unidade 1.
FIGURA 39 – Planta baixa da Unidade 1, compreendendo o lote.
1. Vestíbulo; 2. corredor interno; 3. sala de jantar/visitas; 4. dormitório 1; 5. gabinete; 6. dormitório 2; 7. copa; 8.
banheiro; 9. dormitórios 3 e 4; 10. dormitório 5; 11. depósito; 12. cozinha; 13. dormitório 6; 14. depósito; 15.
depósito; 16. banheiro; 17. alpendre; 18. quintal; 19. canil; 20. garagem; 21. varanda; 22. jardim lateral.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
24
Estêncil: Folha de papel recoberta por substância gelatinosa e gravada ou perfurada por estilete ou por máquina
datilográfica, de jeito que, quando passa entre um rolo de tinta e uma folha de papel em branco, esta reproduz fielmente as
letras ou desenhos traçados. (FERREIRA, 1986).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
104
Ao se analisar a planta baixa desta residência, pode-se perceber, inicialmente, a
compartimentação gida dos espaços, definidos por paredes e interligados por portas. Um
corredor central contínuo (fig. 40), que se inicia na porta principal e termina nos fundos da
casa, possibilita o acesso aos ambientes da casa, ora localizados à esquerda – como as salas
ora à direita, como os quartos e os ambientes de serviço, como a cozinha, depósitos e quartos
dos funcionários.
FIGURA 40 – Corredor interno da Unidade 1.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Conforme observado, esta circulação, na parte de trás da casa, possui
configuração diferenciada, como um alpendre. É uma área coberta, com abertura direta para o
quintal. Isto favorece o convívio dos funcionários e permite que, além de local de passagem,
este ambiente possa servir como espaço de relativa permanência. Objetos como geladeira,
máquina de costura, jarros de plantas, cadeiras e mesa foram dispostos ao longo deste
corredor, como mostra a figura 41 a seguir.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
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FIGURA 41 – Alpendre da Unidade 1.
Fonte: Albuquerque, setembro de 2007.
A moradora falou também sobre seu dormitório, assim visualizado na figura 42 a
seguir.
FIGURA 42 – Dormitório 1, utilizado pela moradora.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
De acordo com o verificado, ao delimitar espacialmente as atividades e funções
realizadas no interior da casa, a circulação central acaba por definir socialmente o espaço. Os
ambientes mais próximos à Rua Visconde do Rio Branco são aqueles mais ligados à família e
seus membros, como as salas de estar e jantar, o gabinete e o quarto do casal. Estes espaços
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
106
contêm os pertences mais valiosos e objetos como quadros, relógio de parede, imagens,
porta-retratos, livros, aparelho de rádio e móveis que remetem à memória familiar.
Representam também a possibilidade de mostrar a história da família, da forma por ela
desejada, para herdeiros, visitas e pessoas de convívio extrafamiliar.
Neste contexto, importa destacar o gabinete, utilizado sobretudo pelo então
proprietário, falecido. Atualmente, este ambiente se mantém praticamente intacto, com estantes,
livros, discos de vinil, sofá, ventilador dos anos 1980, fotografias, troféus, bustos e lustres, além
de um computador. A memória do proprietário contínua viva apesar da sua morte, de modo que é
neste ambiente onde se pode revelar sua identidade, que se renova na falia, possibilitado pela
forma cuidadosa como a moradora trata este ambiente. Na figura 43 a seguir, pode-se ver o
escritório.
FIGURA 43 – Gabinete da Unidade 1, antigo escritório do proprietário da casa.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Como mencionou a proprietária, a mesa da sala de jantar pertencia à avó do dono
da casa. Já a penteadeira do quarto de casal era utilizada pela avó paterna da moradora
entrevistada, que até hoje mantém outros objetos antigos neste móvel, como uma bacia e uma
jarra de prata. Localizado nesse mesmo ambiente, o armário para guardar roupas é
proveniente do ano de 1919, segundo a moradora, e montado pelo sistema de encaixe, ou seja,
“sem prego e sem parafusos”. Quanto à cama, esta pertencia à sogra da proprietária, que
também viveu na casa. Na figura 44 a seguir, constam detalhes das salas de visitas e jantar da
Unidade 1.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
107
FIGURA 44 – Salas de visitas e de jantar da Unidade 1.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Ambiente marcado pela formalidade, a sala de jantar recebe iluminação e
ventilação naturais provenientes da varanda, bastante utilizada pela moradora e sua família. A
varanda é o local de conversas informais, de lazer e de descanso nas redes de dormir, como
mostra a figura 45 a seguir.
FIGURA 45 – Varanda da Unidade 1.
Fonte: Albuquerque, setembro de 2007.
Contudo, a sala de jantar praticamente não é usada cotidianamente. Apenas em
ocasiões especiais, como datas de aniversários ou outros eventos comemorativos, este
ambiente é utilizado. Serve, no dia-a-dia, como local de passagem para a varanda. É, portanto,
um espaço de apropriação muito mais visual do que física. Esta condição reforça as
contestações dos arquitetos entrevistados, em particular, Nícia Bormann e Roberto Castelo,
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
108
sobre a real função da sala de visitas, explicitada pelos seus primeiros clientes, que se justifica
pela importância cultural deste ambiente.
Considerado o coração da casa, o principal ambiente de convívio familiar é a copa
(fig. 46), que possui aberturas para o quintal. No período de julho a setembro, esta área torna-
se bastante agradável, segundo a moradora. É nela onde são feitas as refeições da casa e onde
se assiste à televisão em família. Ainda conforme a moradora relatou, nos finais de semana
costuma receber seus filhos e netos para o almoço, realizado neste ambiente. Em outro
período, costumava haver no espaço citado uma mesa de pingue-pongue.
FIGURA 46 – Copa da Unidade 1.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Diferentemente da sala de jantar, a copa possui um arranjo espacial informal,
verificado pela exisncia concomitante de utensílios domésticos adquiridos recentemente
aparelho de microondas, geladeira, freezer, televisão e mobiliário antigo mesa de jantar,
poltronas e cristaleiras. É um ambiente desorganizado do ponto de vista projetual, mas
apresenta-se agradável pelo visual para a vegetação e a área livre do quintal (fig. 47). Conforme
observado, a televisão e as poltronas ocupam exatamente o espaço que, em planta, seria a
continuação do corredor. Portanto, a copa é um espaço de transição entre a parte da frente da
casa e os fundos, e divide também a apropriação do espaço do corredor. De acordo com o
percebido, a maior parte do dia é vivida nas áreas informais da residência: copa, alpendre e
quintal.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
109
FIGURA 47 – Vistas do quintal da Unidade 1.
Fonte: Albuquerque, setembro de 2007.
Apesar do tamanho da casa, nela existem apenas dois banheiros. Destes, um é
utilizado pela família e o outro, localizado na área externa da casa, é de uso dos empregados.
O banheiro da família é acessado de duas formas: pela varanda da frente ou pela copa.
Enquanto o acesso pela varanda é, especificamente, para visitas, o da copa é para os
familiares. No banheiro da família são encontrados equipamentos remanescentes de outros
períodos, como a banheira de louça e o lavatório em coluna, como mostra a figura 48 a seguir.
FIGURA 48 – Banheiro interno da Unidade 1.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Cinco pessoas moram na casa de modo permanente: a dona da casa, seu neto e
três empregados domésticos. Eventualmente, outros familiares são hospedados por pouco
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
110
tempo. Como observado, a moradora mantém uma relação de relativa proximidade e
dependência com os empregados, que vivem e trabalham na residência há bastante tempo. São
eles os responsáveis pelo preparo das refeições, pela limpeza da casa, pela lavagem de roupas
e pela manutenção das plantas. Quanto ao lixo doméstico, é armazenado em sacos plásticos,
sem pré-seleção, e posto na rua para ser recolhido pelo serviço público de limpeza urbana.
Durante todo o dia, até as 18:00 horas, pode-se avistar, do alpendre de trás, a
chegada de qualquer pessoa na porta da frente, em virtude da continuidade do corredor
central, as janelas de frente para a rua permanecem abertas. Costuma haver pessoas
conversando no degrau externo da casa, no período da tarde, mas isto não intimida nem
amedronta a moradora. Um cão, animal de estimação, auxilia na identificação de presenças
nas janelas da casa, e, ao mesmo tempo, é uma companhia para esta moradora. Ainda
conforme observado, apesar da possibilidade de invasão de privacidade, mediante olhares de
transeuntes que caminham na Avenida Visconde do Rio Branco, esta senhora não reclama.
Pelo contrário, eles passaram a fazer parte do seu modo de morar: “Me habituei a viver aqui e
gosto”.
Esta residência consolidou-se como elemento integrante da via, da sua paisagem e
da vizinhança. Os moradores vizinhos mantêm respeito para com esta casa e sua moradora.
Percebeu-se como um aspecto marcante desta casa uma forte relação de afeição da
moradora com a história da casa, que se confunde com sua própria história de vida, e de amor,
pois Dona Odete habita este lugar desde seu casamento. Mencionada residência abrigou
gerações ascendentes (sogros) e descendentes (filhos e netos). A manutenção da casa é
resultado de permanente zelo por todos os seus aspectos materiais e imateriais, ligados aos
valores, princípios e à história da família.
Na entrevista, realizada em setembro de 2007, a moradora explicou que seus
filhos, como herdeiros da casa, poderão futuramente vendê-la. Se tal realmente acontecer, é
possível vislumbrar como seria a reação dos moradores vizinhos, de transeuntes, ou mesmo de
profissionais ligados à cultura e ao meio ambiente, os quais certamente considerarão as
condições para a preservação desta residência, consolidada como lugar de quem habita na
casa e de quem a visualiza cotidianamente.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
111
6.2 Unidade 2: A rua como extensão da casa
Situada no Bairro Jacarecanga, mais precisamente na Avenida Francisco Sá, esta
residência possui a peculiaridade de localizar-se em uma conformação de pequena vila,
acessada por uma via local perpendicular à rua principal. Enquanto ao longo da Avenida
Francisco o uso concomitante de comércio, serviços, unidades de habitação
unifamiliares e multifamiliares e instituições, a vila em discussão abriga eminentemente
residências unifamiliares, com gabaritos e soluções estéticas semelhantes. Nas figuras 49 e 50
a seguir, constam a quadra de localização desta unidade e a conformação do seu lote.
FIGURA 49 – Quadra de localização da Unidade 2.
Fonte: Disponível em: <http://www.googleearth.com>. Acesso em: 24 fev. 2008.
FIGURA 50 – Conformação do lote da Unidade 2.
Fonte: Disponível em: <http://www.googleearth.com>. Acesso em: 24 fev. 2008.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
112
Como mostra a figura 50, as residências possuem afastamentos laterais. Este fato
possibilita a exisncia de aberturas para o exterior, em todas as fachadas. São formadas por
dois pavimentos (térreo e superior) e são destituídas de muros altos frontais; quando muito,
apenas muretas, como na primeira casa da vila, ou gradis, como a casa da presente análise. Estes
aspectos contribuem para conferir à rua local ou “ruela” certa intimidade, tranqüilidade e
senso de comunidade. Entretanto, esta condição está ameaçada pela existência de um edifício de
apartamentos de doze pavimentos no lote vizinho à vila. Conforme se sabe, o Bairro de
Jacarecanga, que a partir de 1915 começou a adquirir um caráter residencial unifamiliar pela
evasão da elite fortalezense do Centro à procura de áreas mais tranilas, hoje encontra-se em
processo de verticalização.
Segundo observado, nem todas as unidades residenciais da vila apresentam o
mesmo nível de manutenção, algumas já estão até descaracterizadas. Sob este ponto de vista,
a casa escolhida para esta análise é a unidade que se encontra em melhores condições. Tal
aspecto reforçou o interesse da pesquisadora para aprofundar a verificação. A figura 51 a
seguir ilustra visualmente aspectos desta unidade.
FIGURA 51 Vista da rua interna da Unidade 2 (esquerda) e fachada da Unidade 2
(direita).
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Segundo comentou o morador em entrevista à autora em setembro de 2007, este
conjunto residencial pertencia aos herdeiros de Pedro Philomeno Ferreira Gomes, dono da
antiga fábrica de tecidos São José, no Bairro de Jacarecanga.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
113
Este conjunto residencial (fig. 52) foi idealizado com base em uma perspectiva
empresarial. Enquanto as residências unifamiliares, de modo geral, são planejadas e construídas
uma a uma, e atendem a necessidades particulares dos seus moradores específicos, o projeto
idealizado por Pedro Philomeno Gomes – dentro de uma visão capitalista – engloba um
conceito mais amplo, objetivo e coletivizado da casa, de modo a atender versatilmente às
necessidades de abrigo de qualquer família em condições de alugar o imóvel.
FIGURA 52 – Fotografia de vila no Bairro de Jacarecanga, tirada em 1979.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Quanto à data de construção da casa, o morador não soube precisar, mas,
consoante afirmou, a caixa-d’água possui a inscrição “1943”; esta é a possível data de
edificação. Ainda como o morador afirmou, em 1968, quando começou a viver na casa,
apenas através de aluguel era possível morar neste conjunto residencial, na condição de
inquilino. Conforme se sabe, o aluguel passou a ser uma nova forma de obtenção de renda a
partir do início do século XX nos grandes centros urbanos.
As dificuldades enfrentadas pela agricultura, com suas crises periódicas, a ausência
de formas evoluídas de capitalismo e o crescimento ininterrupto da população dos
maiores centros fariam com que as propriedades imobiliárias fossem um dos modos
mais eficazes de aplicação financeira; para os grandes investidores, a vantagem seria
a renda dos aluguéis de casas para a classe média. [...] Aqueles anos assistiram à
multiplicação dos conjuntos de casas econômicas de tipo médio, repetindo, o quanto
possível, as aparências das residências mais ricas, dentro das limitações e modéstia
de recursos de sua classe. (REIS FILHO, 2002, p.66).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
114
Posteriormente, foi permitida aos inquilinos a compra das suas próprias casas, a
exemplo do ocorrido com o proprietário da unidade em discussão. Ele comentou
orgulhosamente este episódio, em virtude de se identificar com a casa. Contudo, ainda hoje
existem unidades residenciais alugadas nesta vila.
Quanto ao sistema técnico construtivo desta residência, é composto de estrutura
de concreto, paredes de tijolo e coberta de concreto e telhas de barro aparentes. O reboco, a
pintura e a própria laje do último pavimento camuflam estes materiais, e lhes dão aparência
semelhante.
Esta casa contém elementos da arquitetura eclética, mais precisamente art déco
25
,
como balcões
26
arredondados, óculos
27
e frisos em relevo, na cor branca, em contraste com o
tom cinza das paredes externas. Como observado, o proprietário mantém a composição
original da fachada, nas cores cinza e branco.
Por ser uma residência unifamiliar isolada no lote, possui duas áreas laterais
descobertas: uma que acesso aos pedestres até os fundos do terreno e outra, de acesso a
veículos. o interior da casa é alcançado pela porta de entrada, antecedida por uma área
coberta, ou varanda.
A existência de dois pavimentos permite a divisão vertical dos espaços internos da
casa segundo as funções desempenhadas e os usuários. Enquanto no pavimento superior estão
as áreas mais íntimas e privativas da família (dormitórios e banheiros), no pavimento térreo
encontram-se os principais ambientes de convívio familiar ou extrafamiliar, os cômodos de
serviços, além de dormitórios para os empregados.
Ao se analisar as plantas baixas da residência (fig. 53), verifica-se a existência de
um corredor interno central em ambas as situações. No pavimento térreo, esta circulação liga-
se à sala de visitas, à sala de jantar, à copa, ao banheiro social e à escada de acesso ao
pavimento superior. Neste último, a circulação permite acesso a dois dormitórios, a um
banheiro, a um pequeno corredor interno e à escada.
25
Art déco: movimento artístico europeu da década de 1920, que chegou tardiamente ao Nordeste do Brasil, menos por seu
aspecto conceitual do que por sua proposta formal e estilística.
26
Balcão: varanda ou sacada. (FERREIRA, 1986).
27
Óculos: janelas circulares.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
115
FIGURA 53 – Desenhos arquitetônicos da Unidade 2.
Fonte: Lucena, 1991.
Ao se analisar esta Unidade, percebe-se alguma semelhança em relação à Unidade
1, analisada anteriormente, quando se trata da forma de utilização dos espaços, por exemplo,
das salas. A sala de estar é separada da sala de jantar, e apenas uma porta de ligação entre
ambas. Estes ambientes (fig. 54) situam-se na fachada da frente da casa, e possuem aberturas
para o leste nascente, chamado o lado da sombra. Apesar desta localização privilegiada, são
ambientes pouco utilizados, servem apenas para receber visitas ou para acontecimentos
especiais. Mantêm-se sempre organizados e decorados, conforme o gosto da família, com
cortinas, almofadas, quadros e adornos de cristal. No teto destas salas vêem-se molduras de
gesso, procedentes do período em que o atual proprietário começou a morar na casa, assim
como os lustres. Diferentemente da Unidade 1, os objetos encontrados nas salas da Unidade 2
não apresentaram a mesma importância afetiva e histórica para a família.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
116
FIGURA 54 Sala de visitas (esquerda), portas de ligação (centro) e sala de jantar
(esquerda) da Unidade 2.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Assim como acontece na Unidade 1, a copa, localizada na parte de trás da casa
ou seja, do lado poente assume a função cotidiana de refeições. Entretanto, este ambiente
não concentra outras atividades de convívio, como na Unidade 1. Alguns fatores podem
justificar esta condição, como o conforto térmico e visual deste cômodo. Próxima à cozinha, à
despensa e ao dormitório da funcionária, a copa insere-se no espaço destinado às funções de
serviço. Não possui abertura direta para o quintal, apenas uma janela. Nesta área existe
também um freezer. Consoante observou-se, este equipamento, comprado recentemente, não
coube no espaço da cozinha. A figura 55 a seguir ilustra estas informações.
FIGURA 55 Copa e despensa (esquerda), cozinha (centro) e área de serviço (direita)
da Unidade 2.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
117
No referente à localização da cozinha, esta possui ligação direta com a copa, de
modo que, quando a família está à mesa, é possível visualizar o preparo dos alimentos, a
lavagem de louças e outras atividades próprias deste espaço. Esta situação é bastante distinta
daquela encontrada na Unidade 1, pois demonstra a inserção da cozinha no espaço interno da
casa e no cotidiano da família. Consoante se percebeu, a cozinha é um espaço utilizado pela
própria família, aspecto não identificado na Unidade 1. Esta mesma relação acontece quanto à
despensa de alimentos, um cômodo interno da casa.
A cozinha possui duas portas: uma de entrada pela lateral da casa, e outra, de
acesso aos fundos do lote. Este último constitui-se de dois espaços: uma parte coberta, na qual
se localizam a dependência de empregados e a área de serviços; e outra parte descoberta, ao ar
livre, usada para estender as roupas e para lazer. Quanto ao piso do quintal, é composto de
blocos de cimento na área mais próxima da casa. Já na lateral sul, este é de solo natural, com
vegetação. Conforme se verificou, possivelmente o piso de blocos foi aplicado
posteriormente, o que pode ter diminuído a quantidade de vegetação existente no quintal e,
conseqüentemente, intensificado o calor do lado poente da casa. Na figura 56 a seguir,
constam detalhes do quintal desta Unidade.
FIGURA 56 – Quintal da Unidade 2.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Dos diversos compartimentos, os locais de convívio, conversas e lazer da família
são as duas varandas localizadas, respectivamente, no pavimento térreo e no superior (fig. 57).
Consideradas bastante agradáveis do ponto de vista climático e visual, favorecem a entrada de
ventilação pelo lado nascente e possibilitam a visualização da rua interna da vila. A varanda
do pavimento térreo é utilizada pelos moradores e funciona também para acolher visitas. a
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
118
varanda do pavimento superior possui uma dimensão espacial intimista, reservada apenas para
os moradores da casa, e, mais especificamente, os usuários dos quartos mais próximos.
FIGURA 57 – Dormitório e respectiva varanda da Unidade 2.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Nas esquadrias da residência, ainda originais, de madeira de lei, está o cedro
28
.
Nas portas internas do pavimento térreo existem bandeirolas, com desenhos geométricos, que
permitem a entrada de luz e a circulação de ar. Algumas paredes possuem aberturas
superiores, conformando retângulos, com estas mesmas funções. Conforme se percebe, todos
os ambientes possuem aberturas para o exterior, tanto através de janelas retangulares como de
circulares, denominadas óculos.
Comparativamente à Unidade 1, observou-se a existência de uma maior
quantidade de banheiros e usos mais específicos para este ambiente. Por exemplo, o banheiro
do pavimento térreo é utilizado especialmente pelas visitas. também um banheiro anexo à
casa, nos fundos dos lotes, para o uso dos empregados. No pavimento superior, dois banheiros
servem aos quatro dormitórios existentes.
Em 1991, algumas modificações e reformas foram realizadas nesta residência
29
. O
piso original, de madeira em tacos, foi substituído por cerâmica, por ter sido considerado
danificado. Todos os banheiros foram reformados, e receberam revestimento cerâmico. Antes
havia uma banheira, mas foi retirada. Construiu-se uma área de serviço ligada à cozinha, com
tanque e máquina de lavar roupa, também com revestimento de cerâmica.
28
Informação fornecida pelo proprietário, em setembro de 2007.
29
Idem.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
119
Por medida de precaução, a estrutura da coberta foi reforçada, com a utilização de
“cachorros” nos beirais. Segundo disse o proprietário, ele temia que a laje de concreto não
fosse segura para suportar o peso do beiral.
Com a reforma mencionada, na área dos dormitórios, foram fechadas as
comunicações internas entre os ambientes. Inicialmente os quartos possuíam portas de ligação
entre si, resquício de uma forma de morar e construir do período colonial, como na Unidade 1,
analisada. O proprietário preferiu uma entrada independente para cada quarto, apenas pela
circulação. Este fato insere-se no contexto mais recente de individualização, independência e
privacidade dos espaços internos da casa, e, conseqüentemente, dos seus usuários.
Entre outras modificações, houve a substituição das originais instalações elétricas
e hidráulicas, consideradas inseguras pelo proprietário: “Naquela época se usavam canos de
ferro” (proprietário da Unidade 2, em entrevista em setembro de 2007).
Uma intervenção peculiar verificou-se no interior da casa: a instalação de um
elevador. Por motivos de saúde, a esposa do morador ficara impossibilitada de movimentar-
se. Diante disto, foi preciso adaptar a edificação para acomodar a máquina. Com esta
finalidade, parte do dormitório da funcionária foi utilizada. Como observado, este dormitório
está inserido no interior da casa, e a empregada é considerada um membro da família. Na
figura 58 a seguir pode ser visto o dormitório térreo com o elevador.
FIGURA 58 – Dormitório do pavimento térreo com elevador (direita).
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
120
Por conta da privacidade e, principalmente, da segurança, foram colocados gradis
na área externa da casa. O proprietário considerava a casa “muito devassada” e, segundo ele,
quando alguém tocava a campainha, já “estava praticamente dentro de casa”.
Na casa moram, permanentemente, quatro pessoas: o dono da casa, sua esposa,
sua cunhada e a empregada doméstica. Considera-se mais ventilada a face leste nascente,
mas, para o proprietário, a casa é bastante confortável de um modo geral. Observa-se que
existem muitas aberturas, inclusive os óculos servem como exaustão de ar, e possibilitam
tanto sua circulação como a iluminação natural, como mostra a figura 59 a seguir.
FIGURA 59 Aberturas da Unidade 2: aberturas internas (esquerda), óculos (direita
superior) e janelas retangulares com gradis (direita inferior).
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
O morador está satisfeito com a morada e percebe-se certo orgulho de possuir
aquele bem, conservado e mantido quarenta anos. Como, inicialmente, ele era morador
inquilino desta residência, a aquisição desta casa em momento posterior representou a
realização de um sonho. Em entrevista em setembro de 2007, o proprietário demonstrou
profundo apego àquela casa, notado por sua preocupação em conservar os materiais, os
acabamentos e em manter tudo funcionando e em comentar as transformações ocorridas
naquela edificação. Sua afeição ultrapassa os limites da casa, evidenciada por sua identidade
com a rua local e o Bairro de Jacarecanga.
Alguns problemas, porém, foram relatados pelo morador como interferências para
sua permanência neste lugar. Entre estes, a falta de privacidade resolvida em parte pela
colocação de gradis na frente da casa e relativa insegurança, minimizada pelo uso de gradis
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
121
nas janelas externas da casa. Entretanto, vínculos afetivos constituem-se como elementos
favoráveis à permanência. Ao longo do tempo o morador apropriou-se do espaço da casa, da
rua e do bairro como elementos que constituem sua identidade. A despeito dos mencionados
problemas, ele não pretende mudar-se de local de morada, o que demonstra uma condição de
continuidade futura.
6.3 Unidade 3: Casa-comunidade
Localizada no Bairro da Lagoa Redonda, esta casa possui a peculiaridade de,
ainda no ambiente urbano, inserir-se em um lote com características do litoral, como
vegetação e solo. Situa-se na Rua Mar del Plata, uma via de areia de duna onde estão
implantadas também outras residências (fig. 60). A densidade ocupacional, entretanto, é
menor em comparação com as situações das outras unidades residenciais ora analisadas. Esta
Unidade foi escolhida por ser mantida e habitada vinte e seis anos pelo mesmo morador.
Atende, pois, critérios preestabelecidos para esta pesquisa.
Ao se acessar a Rua Mar del Plata, encontra-se um terreno de aproximadamente
5.000 metros quadrados
30
sem muros, apenas cercado por estacas de madeira e arame farpado,
contendo em seu interior quatro unidades de moradia, das quais uma é a casa escolhida para
ser objeto da presente análise. Também destituído de portões, o lote possui somente portais,
com a inscrição “Comunidade Sabiaguaba”. Segundo o morador, estas quatro residências
conformam uma comunidade, porquanto seus moradores compartilham dos mesmos
princípios de moradia e convivência. Como observado, as características desse terreno
remetem aos chamados sítios ou chácaras, como a vegetação circundando a residência, o
pequeno trânsito de veículos e a relativa tranqüilidade. É possível escutar o barulho de
animais como pássaros, cigarras e outros insetos. Localizada no centro, a área livre do terreno
é bastante utilizada pelas crianças e adolescentes da comunidade, que praticam
informalmente atividades ligadas ao lazer ativo, como futebol, brincadeiras e jogos ao ar livre.
Inicialmente esta casa originou-se da escolha de um lugar ideal para viver, aspecto
que demonstra uma decição consciente e planejada. Em entrevista à autora em setembro de
2007, o morador relatou os motivos que o levaram a optar por esta área da cidade: “Eu e
minha mulher procuramos sair da loucura da cidade. Escolhemos um lugar perto da cidade e,
ao mesmo tempo, isolado.” Ambos identificaram-se com o terreno encontrado no Bairro da
30
Segundo informações do site br.geocities.com/jalbanobr/comunidade.html, acessado em 25 de abril de 2008.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
122
Lagoa Redonda, próximo à praia e ao mesmo tempo à cidade. Nas figuras 60 e 61 a seguir,
podem-se ver aspectos desta Unidade.
FIGURA 60 – Fotografia aérea de localização do terreno da Unidade 3.
Fonte: Disponível em: <http://www.googleearth.com>. Acesso em: 24 fev. 2008.
FIGURA 61 – Portal de entrada do terreno (esquerda), fotografias do terreno (direita).
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Construída de 1980 a 1982, a casa em análise foi idealizada pelo morador para ser
inicialmente seu ateliê, constando de um laboratório de fotografia, uma sala de arquivo, uma
sala com biblioteca, uma sala de produção, dormitório para hóspedes, cozinha, banheiro,
varanda e mezanino. Até 1986, a casa funcionou com este propósito, mas neste mesmo ano
com o término do seu casamento, este morador transferiu-se definitivamente para esta
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
123
residência, que passou a ser sua própria moradia. Sua antiga casa também localizava-se no
mesmo terreno e hoje é habitada por uma nova moradora, cujo modo de viver é semelhante ao
dos demais membros da comunidade.
Segundo o morador relatou, após algumas viagens pelo Estado do Ceará, tanto pelo
sertão quanto pelo litoral mais especificamente a Praia de Icapuí –, observou casas
“belíssimas”, construídas em taipa. Por exercer a profissão de fotógrafo, ele realizou outras
viagens exploratórias e de estudo para os Estados Unidos e Europa, localidades onde se
empregava o vidro colorido, material pelo qual passou a ter preferência.
No planejamento da sua casa, o morador recorreu a instrumentos como desenhos a
mão livre e modelagem de maquetes para expressar graficamente suas primeiras idéias sobre a
morada. Posteriormente, contatou arquitetos que pudessem informar especificamente sobre o
sistema construtivo proposto, a taipa de mão
31
, utilizando-se de dados de um documento da
Fundação de Assistência às Favelas da Região Metropolitana de Fortaleza (PROAFA) que no
ano de 1979 desenvolveu um projeto de cunho social relacionado a casas-modelo de taipa. As
recomendações do PROAFA foram seguidas pelo proprietário, como a técnica de proteção
dos paus-a-pique e a dimensão adequada dos beirais, destinados a proteger as paredes da
incidência direta de raios solares e de água das chuvas (LOPES, 1998). A seguir, na figura 62,
desenhos e maquetes do proprietário.
FIGURA 62 – Desenhos do morador da Unidade 3 e maquete.
Fonte: Albano, ano ignorado.
31
Taipa de mão: sistema construtivo artesanal, fundamentado no emprego combinado de materiais abundantes na natureza,
madeira e terra. Ripas verticais e horizontais são preenchidas por uma mistura de água, terra e fibras, com amarração de tiras
de cipó. (LOPES, 1998).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
124
Mencionada residência ocupa uma área de 12,50 x 12,50 metros quadrados
32
,
incluindo a varanda. Ao se observar sua planta baixa (fig. 63), percebe-se facilmente a existência
de pouca compartimentação. A distribuição dos ambientes dá-se pelas extremidades, e isto
permite fluidez física e visual. É uma planta peculiar, se comparada aos padrões habitacionais
tradicionais, mas reflete a proposta de vida do seu proprietário. Nela a cozinha ocupa posição
central e o próprio morador prepara os alimentos. Apesar das diferenças, esta unidade resguarda
uma característica comum às outras analisadas nesta pesquisa, como a presença da varanda.
Nesta Unidade 3, porém, a varanda antecede o interior da casa, e localiza-se na
fachada da frente. Como esta casa é acessada pelo interior do terreno (figs. 60 e 62), tem,
portanto, os fundos voltados para a rua. Tal aspecto contribuiu para privilegiar a casa do ponto
de vista climático, pois ela está direcionada para o leste/nascente e, assim, é bastante
ventilada. Entre as áreas mais ventiladas mencionam-se a varanda, a sala, a área de serviço e o
mezanino. Já o laboratório fica na parte mais quente da casa e possui, por motivos técnicos e
de segurança, aparelho de ar condicionado.
Esta casa foi edificada por pedreiros do local e teve participação do morador no
processo. Embora a taipa de mão fosse bastante conhecida em relação ao aspecto visual e
estético, o mesmo não se pode afirmar quanto ao processo construtivo. O morador explicou
sobre a dificuldade de mão-de-obra especializada para essa tecnologia, sistema praticamente
em desuso nos grandes centros urbanos.
FIGURA 63 – Planta baixa da Unidade 3.
Fonte: Albano, ano ignorado.
32
Informação obtida através de desenhos de José Albano.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
125
Na casa, como material estrutural, foi utilizada a madeira proveniente de depósitos
de construção da periferia da cidade de Fortaleza. a argamassa de vedação foi composta
pelo barro do próprio terreno. A madeira também foi usada nas esquadrias da casa, e há
variações de desenho e tamanho, conforme a localização. Na sala, existem grandes painéis de
plástico transparente estruturados por quadros de madeira. Estas janelas possuem níveis
diferentes de abertura, projetadas pelo morador. Para aumentar a ventilação da casa, na face
poente da porta encontra-se uma grande abertura com grades de madeira. No piso do
mezanino, foi criada uma grelha de madeira, que auxilia na exaustão e ventilação da cozinha.
Nas paredes externas, o morador utilizou detalhes de vidro, conformando vitrais,
com garrafas cheias de água com aquarela líquida de cores diversas, embutidas na alvenaria.
Estas garrafas foram coletadas do “lixo de amigos”. O vidro colorido permitiu a entrada de
luz difusa no interior da casa, e varia de intensidade e tom de acordo com o horário do dia.
Além da luz natural que penetra na casa pelas janelas e pelos vidros coloridos, também a
entrada de iluminação pelo telhado, possibilitada pelo uso de telhas de plástico transparente
na coberta (LOPES, 1998). Como observado, esta mesma solução foi utilizada na Unidade 1
(com telhas de vidro), sendo em muitos ambientes o único recurso de iluminação natural. A
seguir, na figura 64, detalhes da Unidade 3.
FIGURA 64 – Aberturas da Unidade 3. Iluminação zenital pelo telhado (esquerda),
iluminação difusa nas paredes por vidro (centro), iluminação direta por janelas de canto
(direita).
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
126
O piso da casa é constituído de cimento queimado, variando em cor conforme o
ambiente. Nas salas, optou-se pela pigmentação verde e, no laboratório, por motivos técnicos,
pela cor vermelha. Já na área do banheiro, foram utilizados, como materiais de revestimento,
a cerâmica para o piso e o azulejo para as paredes de taipa. As instalações hidráulicas foram
embutidas nessas paredes.
FIGURA 65 – Frente da Unidade 3, que se abre para dentro do terreno.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Percebe-se como característica fundamental desta casa (fig. 65) uma relação de
continuidade visual exterior-interior. O terreno, com seus componentes naturais, pode ser
visualizado de qualquer ambiente interno. Contudo, o banheiro pela necessidade de
privacidade e o laboratório por motivos técnicos não usufruem desta condição. Da
mesma forma, quando se adentra a casa, é possível ver imediatamente a localização de cada
ambiente e identificar suas respectivas funções. O pé-direito alto, por exemplo, acentua a
amplitude e transparência do ambiente e facilita a circulação de ar.
Conforme mencionado, esta unidade possui poucos compartimentos,
configurando-se como um grande vão no qual todas as funções são executadas em espaços
específicos, abertos uns para os outros. No mezanino, acontecem atividades de dormir e
vestir-se e, no pavimento térreo, as demais funções. Este modo de morar despojado e
transparente, possibilitado pelo arranjo físico-espacial da casa, reflete a forma de pensar e ver
o mundo do seu usuário: “Procuramos viver uma vida simples, em harmonia com a natureza,
ajudando os meninos do bairro, em busca de um mundo melhor”. Comparada às demais
residências analisadas na presente pesquisa, verifica-se que a privacidade buscada pela
maioria dos moradores é, neste caso, dispensada.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
127
Existe grande flexibilidade quanto ao local de refeições. São preparadas tanto na
cozinha e na área de serviço, como no exterior da casa, com fornos solares. São realizadas, em
sua maioria, na varanda, na cozinha, ou na sala de estar, de acordo com a quantidade de
pessoas. A sala e a varanda são os ambientes mais utilizados para as conversas e o lazer
passivo. Para ser visto tanto da sala quanto do mezanino, o aparelho de televisão está
localizado em ponto estratégico. A figura 66 a seguir mostra o interior da Unidade 3.
FIGURA 66 Interior da Unidade 3. Vista da sala e biblioteca (canto superior
esquerdo), vista da cozinha e mezanino (canto superior direito), vista da biblioteca
(canto inferior esquerdo) e vista do estúdio fotográfico (canto inferior direito).
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Consoante observou-se, esta casa não possui um ambiente específico de maior
imporncia, diferentemente das unidades 1 e 2 analisadas. Portanto, nesta unidade,
praticamente inexiste a hierarquia socioespacial encontrada nas outras unidades residenciais.
Ainda como observado, a área composta pela varanda, pela sala e pela cozinha é a mais
utilizada, por ser mais agradável do ponto de vista do conforto térmico, lumínico e visual. Além
disto, é nesta parte da casa onde se encontram os objetos de valor afetivo do morador, como
mesas, cadeiras, sofás e colchões, datados aproximadamente do período da sua construção.
Acrescenta-se a isso a grande quantidade de livros e álbuns que o morador conserva e expõe
para uso de visitantes. Por estes elementos, o morador deixa registrado seus interesses e seu
modo de pensar.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
128
Satisfação e apreço foram fortemente demonstrados em relação ao mobiliário da
casa, contando-se a história de cada um. Alguns móveis foram “herdados” da sua mãe e da
sua avó. Outros objetos foram adquiridos em feiras, por motivos pessoais específicos. os
aparelhos eletrodomésticos são relativamente novos, incluindo televisão e geladeira.
Para garantir a manutenção da casa, algumas modificações foram realizadas,
como o madeiramento da coberta, que antigamente era roliço, de madeira sabiá e, por ter sido
danificado por cupins, foi substituído por madeira de maçaranduba serrada.
De modo permanente, mora apenas o proprietário, embora ele receba hóspedes
freqüentemente. No dia da entrevista, havia dois hóspedes na casa. Quando isto ocorre, o
morador compartilha seu próprio dormitório. Na Comunidade Sabiaguaba uma
característica específica, qual seja, esta comunidade desenvolve um trabalho social junto aos
meninos do bairro, e lhes permite acesso livre ao terreno e acesso restrito às quatro unidades
residenciais ali localizadas.
Quanto ao resíduo doméstico, é tratado de forma diferenciada, a demonstrar certa
responsabilidade ambiental da comunidade, como relatou o morador, em entrevista em
setembro de 2007: “O lixo molhado é jogado no terreno e o lixo seco é armazenado em sacos
plásticos para ser coletado pelo serviço público de limpeza urbana”.
Na parte de trás do terreno, existe uma pequena hortaliça onde espécies como
capim-santo, erva-cidreira, boldo-do-chile e manjericão são cultivadas, entre outros. Segundo
o proprietário enfatizou, não é do seu interesse a prática da agricultura: “Não queremos
nenhum vegetal dependendo de nós. Por isso, toda a vegetação cresceu por si só”. Existe uma
árvore, 27 anos, da espécie da Timbaúba, que o morador viu crescer. também
imbuzeiros e cajueiros, que ele nunca plantou. A mesma forma de pensar quanto à vegetação
vale para a fauna, ou seja, o morador não cria nenhum animal; apenas mantém e respeita
aqueles que já existem e nascem no local: corujas, macacos, cobras, formigas, etc.
De modo geral, o morador sente-se seguro, embora a casa já tenha sido “invadida”
por meninos em busca de comida. Em outro episódio, a furadeira existente na residência foi
roubada e o plástico das janelas, material frágil, foi cortado. Por estes motivos, o morador
possui dois compartimentos que podem ser trancados: o laboratório onde são guardados
objetos mais caros, como máquinas fotográficas, materiais de revelação e lentes – e o arquivo,
onde estão o computador e todo o seu acervo.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
129
Apesar de manter a casa sempre aberta, Albano teve de adaptar também cadeados
nas janelas, posteriormente, para proteger a casa em períodos de viagem. Por ser aberta ao
exterior, e praticamente não ter divisões internas, a casa oferece pouca privacidade. Mesmo
assim, o morador sente-se bem vivendo desta forma. Quando ele precisa se dedicar a algum
trabalho mais árduo e intenso ou que exija mais concentração, as janelas são fechadas com
cortinas feitas de redes de algodão, apenas sem os punhos.
Esta proposta de moradia rompe convenções tecnológicas, de localização, de
consumo, de privacidade e de convivência. No período em que foi construída, apresentava-se
como proposta inovadora e exótica, tendo sido estudada em teses, e abordada em artigos de
revistas e periódicos. Constitui-se como proposta centrada em preocupações ambientais,
culturais e sociais, contribuindo para o desenvolvimento sustentável.
Contudo, alguns problemas foram apontados como obstáculos à permanência do
morador no lugar, como a insegurança, as chuvas geradoras de estragos à edificação, e as
possíveis epidemias de doenças como a dengue, entre outros: “Não sei até quando poderei
viver aqui e assim, mas eu sou feliz. Se tivesse apenas seis meses de vida, continuaria a viver
da mesma forma e no mesmo lugar”.
O morador demonstra grande satisfação com a casa e seus aspectos materiais,
formais e ambientais, e estes refletem também como ele vive e deseja viver. Ademais, ele
mantém saudável relacionamento com a comunidade na qual vive, e contribui para melhorá-
la. Com esta finalidade, abre a casa para propiciar a crianças e adolescentes mais carentes
acesso a leituras e à informática, cedendo seu próprio computador para pesquisas e jogos. A
segurança por ele alcançada é fruto do respeito conquistado junto aos moradores da área, que
reconhecem o seu trabalho social.
6.4 Unidade 4: Casa-laboratório
Localizada no Bairro de Vicente Pinzón, a Unidade 4 ocupa um lote na Rua
Paschoal de Castro Alves, e possui a peculiaridade de ter sido projetada e construída pelo
proprietário, que é arquiteto. Esta via é caracterizada pelo uso predominantemente residencial.
abundância de residências unifamiliares, embora no terreno contíguo à casa em análise
tenha sido construído um edifício multifamiliar. Os lotes desta via possuem formas
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
130
losangulares, exceção à regra geral dominante na cidade de Fortaleza. Um aspecto comum às
edificações desta via é a existência de afastamentos laterais e muros frontais altos. Algumas
residências possuem também arames farpados em cima dos muros, cercas elétricas ou sistema
de segurança eletrônica. Deste modo, como percebeu-se, a relação da rua com as casas não é a
mesma encontrada nas outras unidades residenciais analisadas. Durante a pesquisa sobre esta
unidade, pouquíssimos pedestres foram vistos na via.
A casa em análise foi construída em 1974. Segundo informações do proprietário,
neste período havia apenas duas edificações na via, à época, constituída de areia.
É possível perceber a aparência diferenciada da Unidade 4 em relação às demais
residências da via, no relacionado à coberta da casa. Enquanto as outras unidades apresentam
telhados convencionais de madeira e telhas cerâmicas ou, ainda, platibandas que escondem
esta forma de coberta, a Unidade 4 possui abóbadas de tijolo como elementos de cobertura.
Contudo, em decorrência da presença de muros frontais altos, que escondem as edificações da
via, estas casas não foram visualizadas em suas totalidades. Na figura a seguir, pode se ver a
quadra de localização desta unidade.
FIGURA 67 – Fotografia aérea com quadra de localização da Unidade 4.
Fonte: Disponível em: <http://www.googleearth.com>. Acesso em: 24 fev. 2008.
Nos arredores desta área da cidade, existem algumas favelas como a Favela
Verdes Mares e a Favela do Morro Santa Teresinha, mencionadas pelo proprietário. Essas
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
131
ocupações irregulares apresentam-se como ameaças à segurança do restante da população do
bairro, marcado por acentuada desigualdade social. A Favela Verdes Mares existia quando
o proprietário começou a viver no bairro. as outras proliferaram aceleradamente a partir da
década de 1990, segundo informações do morador. Até este período, a rua era um espaço
seguro, onde as pessoas conviviam, conversavam e as crianças brincavam, ainda segundo
informações do morador. Também naquela época, o muro da casa era mais baixo.
Assim como a Unidade 3, a Unidade 4 foi planejada pelo atual proprietário, o
que permitiu a obtenção de informações detalhadas sobre o processo projetual e construtivo
da casa. Esta casa foi construída e idealizada para ser a residência da sua falia (esposa e
filhos) pouco tempo após o arquiteto obter seu diploma na Escola de Arquitetura da
Universidade Federal do Ceará. Constituía-se, portanto, como um desafio de vida pois a
casa destinava-se à sua própria família –, e de profissão, a casa seria uma referência de
projeto da sua autoria. Portanto, este projeto foi uma forma de r em prática suas
concepções para a arquitetura residencial no Ceará, ao reinterpretar e adequar os princípios
da arquitetura moderna como racionalidade, economia e pstica visual vinculada à
estrutura – às condicionantes locais.
Cardoso responsabilizou-se pela arquitetura da casa, pela sua construção, pelas
instalações elétricas e hidráulicas e pelo cálculo estrutural. Não houve a participação do
mestre-de-obras, e o próprio arquiteto orientava pedreiros e demais trabalhadores. Quanto ao
tamanho dos vãos, às divisões e aberturas, foram determinadas pela tecnologia escolhida para
a casa. As soluções foram planejadas e testadas preliminarmente com vistas à economia de
material e mão-de-obra. Tudo foi racionalmente e conscientemente planejado.
No planejamento da casa, a idéia de que a forma de viver no Ceará está expressa
pelas condicionantes climáticas foi uma premissa fundamental, na qual o arquiteto-morador
procurou integrar o desenho arquitetônico com os sistemas de ventilação e iluminação
naturais. Assim, dois motivos orientaram a escolha dos materiais: relação com o meio natural
e mão-de-obra local. A alvenaria de tijolo, considerada pelo arquiteto bastante adequada para
o clima local – por sua estabilidade à dilatação térmica – foi escolhida como principal
componente estrutural e de vedação da casa. Além disto, apresentava-se como tecnologia
acessível e conhecida, de domínio de profissionais locais. Na figura 68 a seguir constam
detalhes da Unidade 4.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
132
FIGURA 68 Entrada da Unidade 4 (direita) e relação desta unidade com o edifício
contíguo a ela (esquerda).
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Enquanto o principal elemento construtivo empregado e proposto pelos arquitetos
no período era o concreto armado, o arquiteto-morador optou para sua própria casa por
minimizar o uso de concreto, aplicado apenas na grelha estrutural. Esta grelha é formada por
perfis de 10 centímetros de altura por 20 centímetros de largura. “A idéia era fazer uma casa
industrializada, utilizando a mão-de-obra local”, afirmou o morador, em entrevista à
pesquisadora em setembro de 2007. Como evidenciado, o projeto arquitetônico desta
residência parte de uma preocupação e, de certa forma, de um sonho, de construir uma casa
econômica, possível de ser reproduzida em sua tecnologia.
Alguns pontos desta casa merecem destaque, a exemplo da coberta, não apenas
por sua volumetria diferenciada, mas pelas outras funções que cumpre. É formada por arcos
de tijolo, conformando abóbadas. Este elemento estrutural foi adotado na arquitetura românica
e na gótica, símbolo, para o arquiteto, de um modo de viver que perdurou, e uma forma
agradável, com a qual se identifica. Ademais, “a forma mais econômica de se vencer um vão é
com um arco”, segundo o morador. Uma coberta de alvenaria de tijolo dispensou a tradicional
coberta de telhas coloniais, com grande emprego de madeira, além das próprias telhas. Para
alcançar este objetivo, foi necessário realizar experiências com fôrmas de madeira arqueadas e
exigiu também pesquisar uma forma eficiente de impermeabilizar a coberta, executada com
asfalto oxidado pintado de branco, para refletir a luz e minimizar o aquecimento da laje. Nas
figuras 69 e 70 a seguir podem ser vistos ambientes da Unidade 4.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
133
FIGURA 69 – Áreas de estar da Unidade 4: sala de jantar (esquerda), varanda (centro)
e sala de estar (direita).
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
FIGURA 70 – Corte longitudinal da Unidade 4.
Fonte: Cardoso, ano ignorado.
Para dimensionar, distribuir e definir racionalmente os ambientes da casa, o
arquiteto usou arcos, distanciados entre si por 2,80 metros, medida considerada modular pelo
arquiteto-morador. Assim, enquanto as salas de estar e jantar ocupam o espaço de três
abóbadas, cada dormitório ocupa a área de uma abóbada. A área lateral formada pelos arcos
cumpre a função de ventilação e iluminação da casa.
Na área das salas, as vedações laterais dos arcos são formadas por venezianas de
vidro encaixadas em quadros de madeira. Já na área dos quartos, existem venezianas de madeira
encaixadas no mesmo tipo de estrutura mencionada. Também desenhadas pelo arquiteto, as
portas da casa são de madeira maciça e complementam a renovação do ar da casa, pois
permitem a passagem de ar por entre frechas formadas por linhas de madeira. Não existem,
portanto, janelas convencionais como aquelas das outras unidades residenciais analisadas na
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
134
presente pesquisa. Estas soluções permitiram à casa constante ventilação natural, mesmo se
mantidas as portas fechadas. No período diurno, a iluminação natural domina em todos os
ambientes da casa e, em especial, na varanda, como mostra a figura 71 a seguir.
FIGURA 71 – Varanda da Unidade 4.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Em relação aos revestimentos de piso da casa, são constituídos de cimento pré-
moldado, com exceção da área dos dormitórios, dos banheiros e da cozinha. Nos dormitórios,
o arquiteto cedeu ao desejo da família, e usou revestimento de madeira em tacos. Depois de
quinze anos, este material apresentou problemas e foi substituído por cerâmica. Os banheiros,
bem como as paredes da cozinha possuem revestimento de azulejo branco.
Algumas modificações, além das mencionadas, foram realizadas nesta
residência, como a construção de um escritório e atelier do proprietário, contíguo ao muro.
Atualmente, moram nesta casa cinco pessoas: o proprietário e a esposa, um filho e dois
funcionários.
Ao se analisar a planta baixa da casa (fig. 72), observa-se que ela é racionalmente
dividida em três áreas bem definidas: área íntima, área social e área de serviço. A área social
ocupa posição central, e é formada pela sala de estar, sala de jantar e varanda, ambientes
integrados fisicamente e visualmente. De modo geral, as conversas, reuniões e o lazer da
família ocorrem mais intensamente nestes espaços, os quais também permitem o
aproveitamento visual do jardim existente no quintal. Esta área foi paisagisticamente
trabalhada com grama, arbustos, caminhos de pedra, e espécies arbóreas. Na figura 73 podem
ser vistas áreas íntimas da Unidade 4.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
135
FIGURA 72 – Planta baixa da Unidade 4.
1. abrigo; 2. garagem; 3. corredor de entrada; 4. sala de estar; 5.sala de jantar; 6.cozinha; 7.área de serviço; 8.
quarto da funcionária; 9. banheiro social; 10. varanda; 11. gabinete; 12. dormitório; 13. dormitório do casal; 14.
dormitório; 15. banheiro dos filhos; 16. banheiro do casal; 17.jardim.
Fonte: Cardoso, ano ignorado.
FIGURA 73 Áreas íntimas da Unidade 4: dormitório (esquerda), banheiro (direita) e
escritório (esquerda).
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Segundo evidenciado, a disposição, a forma e o material do mobiliário foram
pensados em integração ao projeto arquitetônico da casa. Os sofás foram executados em
concreto e possuem assentos estofados. Cadeiras de madeira e “palhinha” foram adquiridas
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
136
para as salas de jantar e estar e para a varanda, por serem consideradas adequadas para o
nosso clima. Outros objetos foram executados pelo próprio morador, como luminária, mesa
de centro, base da mesa de jantar e escultura. A presença destes objetos reforça a vinculação
estabelecida pela família com o espaço da casa.
Nesta casa predominou a informalidade e no mesmo espaço usados diariamente
pela família, são acolhidas as visitas. Inicialmente, a casa foi projetada para abrigar apenas
dois automóveis, mas por conta da necessidade de outro veículo automotor, a entrada da casa
hoje também serve para este fim.
Utilizada pela família para as refeições cotidianas, assim como em dias festivos e
de comemoração, a sala de jantar está localizada próxima à cozinha, onde se encontram
equipamentos de conservação e de preparo de alimentos como fogão, geladeira e aparelho
de microondas e armários executados recentemente. Outros ambientes ligam-se à cozinha,
como a área de serviços e o quarto da empregada doméstica, que mora na casa. Outro
funcionário também vive nesta casa, e trabalha na manutenção da área de jardim.
Ligado diretamente à sala, existe o “gabinete”, modo utilizado pela esposa, que
é biblioteconomista, e possui grande quantidade de livros, além de objetos da família. Na área
dos dormitórios, observou-se a individualização do banheiro de casal, utilizado
exclusivamente para este fim, e acessado diretamente do dormitório do casal. Outro banheiro
é acessado pela circulação dos dormitórios e compartilhado pelos filhos.
FIGURA 74 – Cozinha da Unidade 4.
Fonte: Vasconcelos, setembro de 2007.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
137
Ao ser indagado sobre sua permanência no lugar, o morador relatou a insegurança
como um dos principais problemas a ameaçá-la. Conforme mencionou, algumas casas
vizinhas foram invadidas por ladrões, mas a dele, não. “Acho que nunca roubaram a nossa
casa porque os ladrões nos conhecem. Estamos aqui bastante tempo. Minha esposa tem
muito medo.” (Morador da Unidade 4, em entrevista em abril de 2008).
Esta sensação de medo foi percebida pela pesquisadora desde a primeira vez
que esteve nessa casa; sempre quando chegava a esta unidade residencial, o proprietário
dizia: Vou abrir o portão para vo estacionar o carro”. Diante da insegurança, os
moradores afastam-se da rua, utilizada apenas como circulão. Como relatado pelo
morador, a rua mostra-se como um lugar violento, estranho, pavoroso. Embora esta casa
o possua cercas elétricas ou recursos desse tipo, foi necessário – para minimizar a
insegurança da casa aumentar a altura do muro frontal, assim como substituir o portão
original por outro, de ligão automática. Ademais, o morador comentou que recorreu
juntamente com outros moradores da rua a um serviço de segurança noturna, realizada
por um vigilante de motocicleta, que ronda o quarteirão e acompanha as pessoas em
horários cticos.
Outros problemas também foram comentados, como o intenso tráfico de
veículos da rua, que incomoda os moradores da Unidade 4, situão agravada ao longo do
tempo. A presença de um edifício residencial, construído em 1982, no lote vizinho, é
outro fator a influenciar na qualidade de vida e na satisfão dos usuários desta unidade.
Segundo o morador explicou, a casa foi planejada, do ponto de vista da ventilação, para
situar-se vizinha a uma residência unifamiliar. Mas a construção de um bloco vertical de
cinco pavimentos modificou o caminho do ar, e prejudicou o conforto térmico da casa.
Além disto, ao sombrear o lote da casa de Cardoso, provocou o escurecimento dos
ambientes. A privacidade da falia foi atingida, principalmente quando os filhos eram
pequenos e utilizavam-se do jardim para brincadeiras. Quando o prédio foi construído, o
sistema blico de esgoto não tinha alcançado esta área da cidade. Para o morador, esta
situão era incômoda:
Um edifício vertical com dez unidades residenciais expelia esgoto doméstico na fossa ptica de
um lote parecido com o de minha casa. Como isto poderia ter sido permitido? É muita falta de
planejamento. O lixo doméstico era jogado na rua, em grande quantidade, o que aumentou a
proliferação de baratas, ratos, etc. (Morador da Unidade 4, em entrevista em abril de 2008).
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
138
Embora habituado e relativamente satisfeito por viver nesta casa, Cardoso afirmou
que sente a necessidade de se mudar de residência, pelas questões citadas. Entretanto não abre
mão de morar em um lugar que não seja uma casa, entendida como residência unifamiliar. A
tranqüilidade é uma das características buscadas por ele e sua esposa para este novo lugar.
Conforme verificou-se, a crise urbana ameaça a vida destes moradores, ao se destituir das
condições idealizadas e vivenciadas originalmente.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Bati no portão do tempo perdido, ninguém atendeu.
Bati segunda vez e mais outra e mais outra.
Resposta nenhuma.
A casa do tempo perdido está coberta de hera
pela metade; a outra metade são cinzas.
Casa onde não mora ninguém, e eu batendo e chamando
pela dor de chamar e não ser escutado.
Simplesmente bater. O eco devolve
minha ânsia de entreabrir esses paços gelados.
A noite e o dia se confundem no esperar,
no bater e bater.
O tempo perdido certamente não existe.
É o casarão vazio e condenado
.
(Carlos Drummond de Andrade,
A Casa do Tempo Perdido)
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
140
Em virtude do sistema complexo onde está inserida: contexto socioeconômico,
condições climáticas, geográfica, tecnologias, cultura e modo de vida e visão de mundo de
seus usuários, entre outros, a casa revelou-se como campo interdisciplinar de estudo. Ao se
percorrer a evolução da espécie humana, nos diferentes períodos históricos, constata-se ser a
casa uma necessidade básica constante para o homem.
A noção de casa mostrou-se diretamente ligada à vida, pois é neste espaço onde
são supridas as necessidades primordiais de sobrevivência humana e onde são estabelecidas as
primeiras e mais fundamentais relações sociais, na instituição familiar, principalmente a partir
do século XVII.
É neste ambiente familiar onde as primeiras referências e princípios de vida o
assimilados e formados. Estes, são, portanto, fatores de identificação do indivíduo. Como
suporte destas relações, a casa constitui-se como lugar espaço reconhecido e identificado
para seus usuários – na medida em que seus componentes espaciais são apropriados e
ocupados para as finalidades dos seus moradores. A identidade uma entidade abstrata mas
necessária é revelada na medida em que o modo de viver se expressa e se consolida por
meio do espaço físico da casa.
Na pesquisa ora elaborada enfocou-se a casa entendida como objeto arquitetônico
–, representado pelas soluções espaciais, formais e estéticas e os aspectos técnico-construtivos
– e como produto humano que melhor reflete o modo de viver e visão de mundo próprios dos
seus moradores, no contexto do ambiente urbano específico da cidade de Fortaleza, Ceará.
Verificou-se que tipologias habitacionais diversas e variadas desenvolveram-se e
formaram-se ao longo do tempo e receberam adaptações e adequações nem sempre
apropriadas às constantes transformações socioeconômicas, políticas, artístico-culturais e
climáticas, entre outras – ocorridas nas sociedades.
No processo de ocupação territorial do Ceará, a casa de fazenda representou uma
tipologia de habitação, em face da sua reprodutibilidade em curso até a atualidade, mostrando-
se um modelo adequado à cultura às condições climáticas, às tecnologias e recursos
disponíveis. No ambiente urbano, até o final do século XIX, a maioria das casas seguia
padrões coloniais urbanos como a “casa de porta e janela”, a “casa de porão alto” e os
sobrados em suas principais soluções, acrescentadas por elementos decorativos de
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
141
movimentos artísticos europeus. Este padrão sobrevive nas cidades do Estado do Ceará e
continua sendo construído, até o presente momento, nas periferias de Fortaleza.
A partir da década de 1930, a cidade de Fortaleza passou por transformações,
como a acelerada urbanização e a intensa industrialização, as quais implicaram novas
necessidades e novas formas de moradia, aproveitando-se as tecnologias e os avanços das
ciências, com a emergência de profissionais como engenheiros e arquitetos. Surgiram novas
propostas para as residências unifamiliares, como as casas “soltas no lote”, um modelo
favorável à ventilação e à iluminação da casa em todos os seus compartimentos. Ao mesmo
tempo, padrões habitacionais inadequados ilustram as péssimas e indignas condições de
moradia que proliferaram nas cidades, como as favelas, os cortiços e alguns medíocres
projetos de habitações de interesse popular.
Conforme discutido, no contexto atual da cidade de Fortaleza um contínuo e
descontrolado processo de destruição de casas de qualidade algumas das quais merecedoras
de tombamento pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Nacional (IPHAN) e nos níveis
estadual e municipal –, substituídas por empreendimentos de grande porte, como condomínios
de apartamentos ou edifícios comerciais, aspecto testemunhado pelos arquitetos entrevistados
nesta pesquisa. Segundo identificado, boa parte das residências unifamiliares projetadas até a
década de 1990 não existe mais.
Alguns aspectos contribuíram para este fato: o primeiro deles é a omissão do
Estado brasileiro diante do problema habitacional; o segundo está relacionado aos
especuladores imobiliários, para os quais o espaço ocupado por estas residências representa
áreas estratégicas para investimento de capital e lucratividade, influenciando nas decisões
políticas de planejamento e gestão urbanas; o terceiro está vinculado ao drama experimentado
pelos moradores, expostos, nas últimas décadas, aos efeitos das crises das grandes cidades
como violência, insegurança, ruídos, intenso tráfego de veículos, entre outros –, que se
apresentam como fatores de expulsão destas populações para áreas mais tranqüilas da cidade
em busca de formas de morar mais seguras. Atualmente, o condomínio horizontal fechado é
alternativa de moradia mais segura e tranqüila, uma solução excludente e ineficaz, reveladora
de graves problemas de gestão e planejamento urbano.
Um cenário crítico e perturbador é verificado em Fortaleza. Esta cidade apresenta-
se mais insegura e violenta, menos agradável, mais suja, mais suscetível a tragédias
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
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ambientais (avanço do mar, peste de ratos, epidemia de dengue, aquecimento, aumento do
déficit habitacional) e mais impessoal no relacionado às formas de morar. Além disso, a
objetificação e a massificação das formas de morar denunciam também a crise da casa, em
seus aspectos materiais (construção) e imateriais (história, cultura, memória familiar e
coletiva e identidade).
Na busca por princípios arquitetônicos que sobrevivem ao longo do tempo no
concernente à casa no Estado do Ceará e, em particular, na cidade de Fortaleza, obtiveram-se
visões diversificadas e, por vezes, concordantes dos especialistas entrevistados, moradores e
pessoas do senso comum.
Dado o caráter semi-informal das entrevistas, aspectos variados foram abordados.
Alguns especialistas enfocaram, sobretudo, os problemas urbanos de Fortaleza, como é o caso
de Ponce de Leon. Outros, a exemplo de Castelo e Cardoso, ressaltaram as relações entre
clima, modo de vida e arquitetura. Uns, porém, demonstraram preocupações com a discussão,
a desmistificação ou o desenvolvimento do termo “casa cearense”, como Furtado, José
Liberal de Castro e Nícia Bormann.
Embora não exista um modelo específico e unânime capaz de representar como
deveriam ser as casas cearenses, algumas premissas poderiam ser enumeradas, de acordo com
o exposto pelos especialistas arquitetos e os moradores. Entre estas:
a) aproveitamento eficiente de iluminação e ventilação naturais em todos os
ambientes;
b) possibilidade de visualização da paisagem natural a partir de espaços internos;
c) aproveitamento de materiais, mão-de-obra e técnicas construtivas locais e
tradicionais, como o tijolo e a telha de cerâmica;
d) áreas abertas e cobertas para sombreamento - a exemplo dos alpendres e das
varandas – como espaços de convívio e lazer da casa;
e) área de refeições com visuais para o exterior.
Estes princípios arquitetônicos, quando reunidos, não descartam as diversidades
inerentes aos moradores (identidade, cultura, memória familiar, valores de vida, gostos
específicos) e permitem formas arquitetônicas variadas, a depender da legislação vigente, das
características do terreno, de fatores econômicos, entre outros.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
143
O atendimento a estes pressupostos ora assinalados pode possibilitar que a
construção de uma casa no ambiente do Ceará corresponda às expectativas e seja adequada às
peculiaridades climáticas, mas não implica necessariamente a sustentabilidade da casa e do
modo de morar, entendida como a garantia de satisfação contínua dos seus usuários e das
futuras gerações. Identidade e sustentabilidade envolvem uma série de fatores. Para ser isto
possível, exigem-se modificações nas prioridades relacionadas a gestão urbana, planejamento
e qualidade de vida de Fortaleza. Ademais, como responsáveis pelo zelo e manutenção das
casas, os moradores também desempenham papéis relevantes.
Conforme evidenciado, as quatro casas analisadas no capítulo 6 são exemplos que
resistem às pressões mercadológicas e de especulação imobiliária na cidade, tanto no
concernente ao aspecto físico e material da casa, como ao modo de viver. Na análise
interrelacionada sobre estes aspectos, segundo verificou-se, as atitudes dos moradores para
com suas respectivas casas e para com a própria cidade influem sobremaneira na manutenção
da morada, revelada por condições de satisfação e identificação.
Em todos os casos analisados, percebeu-se a existência de uma relação de afeto
para com a casa, seus objetos e sua história, que representa, após no mínimo vinte e cinco
anos, um intercurso de duas ou mais gerações. Ao mesmo tempo, estabeleceram-se relações e
vínculos com a vizinhança.
Consoante identificado, a Unidade 1 contempla fortemente esta condição, pois a
história de vida da moradora confunde-se com a história da residência. Por exemplo, a
possibilidade de abrir as janelas para a rua durante o dia é fruto da segurança conquistada ao
longo do tempo. Os vizinhos conhecem bem a moradora, e mantêm relações de respeito para
com sua casa e sua vida.
A Unidade 2 demonstrou ser a concretização de um sonho do proprietário, o qual,
embora o tenha participado do planejamento e construção da casa, criou sua identidade com o
bairro e com esta edificão, e a conserva orgulhosamente para atender a condições futuras.
Quanto à Unidade 3, ao partir de uma decisão consciente de desejo de mudança,
representa a forma ideal de vida do seu usuário, que convive em harmonia com o lugar e com
a comunidade formada pelos moradores do terreno e os outros moradores do bairro. A relativa
segurança foi conquistada pelo morador, mediante suas relações de cidadania, solidariedade e
educação para com os meninos do bairro.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
144
A Unidade 4 apresentou-se como desafio profissional e de vida, num processo
consciente de planejamento e construção, que após trinta anos continua a revelar a satisfação
da família. Como observado, o partido arquitetônico escolhido para esta residência mostrou-se
adequado à realidade local, enquanto prima por premissas da arquitetura sustentável, como
baixo custo de construção e manutenção e adequação climática. Testemunhar as
transformações do bairro e ser conhecido pela sua população são aspectos decisivos para
garantir a segurança da casa e que ela seja admirada e respeitada.
Nas quatro unidades analisadas, segundo se percebeu, os vínculos estabelecidos
com o lugar deram-se ao longo do tempo, testemunhando transformações da casa, do bairro e
da cidade. Estes lugares consolidaram-se de forma diferenciada. Para os moradores,
constituem-se seus lares, e remetem à identidade da família que se entrelaça com as funções e
formas da casa; para os vizinhos, constituem-se edificações reconhecíveis, identificáveis,
conformando a memória coletiva.
Embora existam fatores determinantes de permanência, as quatro unidades
analisadas estão expostas a fatores de expulsão, sejam eles a insegurança, a violência, a falta
de privacidade, a epidemia de doenças como a dengue e os ruídos provocados pelo intenso
tráfego de veículos.
O termo casa, principalmente nas cidades, tem sido associado a uma variedade de
definições, em sua maioria, distantes daquela conceituação original, vinculada ao “lugar da
vida”. Discutir sobre a sustentabilidade da casa envolve necessariamente pensar a casa numa
condição de vida digna, duradoura, com respeito e de satisfação humana, e sem comprometer
o bem-estar das futuras gerações e os demais seres vivos.
O tema engloba os interesses das profissões relacionadas à sociedade, ao meio
ambiente, à cultura e ao espaço como arquitetura, urbanismo, geografia, sociologia e
ecologia por meio de pesquisas, discussões e, sobretudo, conhecimento da realidade local,
como a cultura e o meio ambiente. Envolve atitudes e posturas dos moradores, como
identidade, convívio com os vizinhos, cidadania, respeito, educação ambiental e preservação
cultural. Envolve políticas públicas, ao possibilitar mediante planejamento e gestão a
melhoria da qualidade de vida da população, favorecendo o conhecimento da cultura e do
meio ambiente do Estado. Envolve, ainda, os empresários e empreendedores, que ao focarem
a lucratividade devem manter respeito ao meio ambiente, à cultura e à condição humana.
Casas cearenses – estudo de caso: um lugar para identidade e sustentabilidade
145
Por todos os aspectos acima especificados, a pesquisa ora desenvolvida abre
oportunidades e necessidade de continuaçãp, haja vista a abrangência do tema e a
multiplicidade de fatores e profissões envolvidas.
É com esta perspectiva que, através da presente pesquisa, buscou-se resgatar
valores construtivos e princípios de ocupação e apropriação do espaço que sobreviveram e
permanecem válidos no concernente à casa (residências unifamiliares) no Estado do Ceará,
especificamente, no contexto da cidade de Fortaleza. Espera-se, desse modo, ter contribuído
para as necessárias e abrangentes discussões relacionadas à sustentabilidade e à casa, as quais
devem, necessariamente, perpassar um caminho interdisciplinar e multiprofissional.
146
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151
APÊNDICES
Apêndice A – Entrevista aplicada aos arquitetos
Nome do arquiteto:__________________________________________________________.
Ano de graduação:___________.
Escola de Arquitetura na qual se formou:_________________________________________.
Ano em que começou a atuar como arquiteto em Fortaleza:_____________.
1. Experiências com casas (projetos arquitetônicos) no Ceará. Relato de experiências.
2. Você já buscou a identidade cearense na casa/em determinada casa? Qual?
3. Quando projetou, considerou aspectos como cultura cearense, história, modo
diferente/peculiar de viver? De que forma isto está incorporado nas casas?
4. Como é a casa que você, como arquiteto, considera adequada para nosso Estado? Se
fosse necessário mostrar para um desconhecido da nossa cidade/região, quais seriam
estas casas? (elas existem? foram destruídas?) Você a(s) descreveria como casa(s)
cearense(s)?
152
Apêndice B – Questionário aplicado aos moradores das Unidades 1, 2, 3 e 4
1. Quando foi construída? Quanto tempo demorou a construção? Quem construiu a casa?
2. Quais os materiais utilizados/ de onde vieram? Por que escolheram estes materiais/
manutenção? O que decidiu esta forma de construir? vizinhos e exemplos anteriores?
3. Como foi o processo de projeto da casa? Como planejaram a sua forma e as suas
divisões e aberturas?
4. Alguma modificação foi feita na casa depois da sua construção? Por quê?
5. A tecnologia construtiva e a forma da casa já eram conhecidas?
6. Quem mora na casa? Quantas pessoas?
7. Onde é mais ventilado? Onde é mais quente? Onde é mais iluminado?
8. Onde cozinham? Onde conversam? Onde têm lazer? Onde assistem TV?
9. Como são os banheiros da casa?
10. Onde jogam o lixo?
11. Onde plantam? Como fazem isto? Dentro de casa? Fora?
12. Como é a rua?
13. Qual o vel de segurança atual? privacidade? atividades e serviços realizados na
casa?
14. Qual o nível de satisfação?
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