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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
ALEXANDRA FILOMENA ESPINDOLA
GONZAGA DUQUE - VIDA NA ARTE:
UMA CONCEPÇÃO ARTÍSTICO-FILOSÓFICA
Palhoça
2009
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ALEXANDRA FILOMENA ESPINDOLA
GONZAGA DUQUE - VIDA NA ARTE:
UMA CONCEPÇÃO ARTÍSTICO-FILOSÓFICA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de
Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Ciências da Linguagem.
Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Santos.
Palhoça
2009
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ALEXANDRA FILOMENA ESPINDOLA
GONZAGA DUQUE - VIDA NA ARTE:
UMA CONCEPÇÃO ARTÍSTICO-FILOSÓFICA
Esta dissertação foi julgada adequada à obtenção do
título de Mestre em Ciências da Linguagem e aprovada
em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Ciências
da Linguagem da Universidade do Sul de Santa
Catarina.
Palhoça, 21 de julho de 2009.
______________________________________________________
Professor e orientador Antônio Carlos Santos, Dr.
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________
Professora avaliadora Vera Lúcia de Oliveira Lins, Dr.
Universidade Federal do Rio de Janeiro
______________________________________________________
Professor avaliador Jorge Hoffmann Wolff, Dr.
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________
Professor avaliador Fernando Simão Vugman, Dr.
Universidade do Sul de Santa Catarina
Dedico esta dissertação à minha mãe, Ida
Espindola, criatura mais importante da minha
vida.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos professores do mestrado: Aldo Litaiff, Fábio Messa, Marci Filetti,
Maria Ester Moritz, Fernando Vugman e Jorge Wolff, que me ajudaram nesta caminhada,
todos eles com uma importância bastante particular.
Ao coordenador do curso, Fábio Rauen, que entendeu minhas necessidades e me
ajudou muito. Às secretárias do curso: Layla e Mari, que sempre foram muito prestativas
quando precisei de informações e serviços da secretaria.
Agradeço também ao meu leitor, Jucelito, que também me ajudou na revisão.
Como não poderia ser diferente, agradeço em especial ao brilhante professor
Antonio Carlos, que aceitou me orientar na monografia da graduação e agora generosamente
na dissertação de mestrado. Parece estranho, mas meu orientador me ensinou a ler – essa foi a
mais significativa das lições, porque é comum os estudantes chegarem ao mestrado sem saber
agarrar um texto, sem entender a superfície e a profundidade principalmente das teorias.
Ainda estou em processo dessa aprendizagem, mas talvez no doutorado Antonio Carlos
poderá ter menos trabalho comigo. Enfim, a cada referência que ele me passa, a cada conversa
que temos, alguma coisa sempre é acrescentada em mim, porque ele é um verdadeiro Mestre,
um mestre doutor, que encanta com sua sabedoria e cativa com seus gestos.
Acrilic on canvas
“É saudade, então
e mais uma vez
de você fiz o desenho mais perfeito que se fez
os traços copiei do que não aconteceu
as cores que escolhi entre as tintas que inventei
misturei com a promessa que nós dois nunca fizemos
de um dia sermos três
trabalhei você em luz e sombra
E era sempre, não foi por mal
eu juro que nunca quis deixar você tão triste
sempre as mesmas desculpas
e desculpas nem sempre são sinceras
quase nunca são
Preparei a minha tela
com pedaços de lençóis que não chegamos a sujar
a armação fiz com madeira
da janela do seu quarto
do portão da sua casa
fiz paleta e cavalete
e com lágrimas que não brincaram com você
destilei óleo de linhaça
da sua cama arranquei pedaços
que talhei em estiletes de tamanhos diferentes
e fiz, então, pincéis com seus cabelos
fiz carvão do batom que roubei de você
e com ele marquei dois pontos de fuga
e rabisquei meu horizonte
E era sempre, não foi por mal
eu juro que não foi por mal
eu não queria machucar você
prometo que isso nunca vai acontecer mais uma vez
E era sempre, sempre o mesmo novamente
a mesma traição
Às vezes é difícil esquecer:
‘Sinto muito, ela não mora mais aqui’
mas então, por que eu finjo
que acredito no que invento?
nada disso aconteceu assim
não foi desse jeito
ninguém sofreu
é só você que me provoca essa saudade vazia
tentando pintar essas flores com o nome
de "amor-perfeito"
e ‘não-te-esqueças-de-mim’"
Renato Manfredini Júnior
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo compreender o que Gonzaga Duque chama de vida na arte.
Para isso, procuramos entender como opera esse crítico, atentando para suas exigências e
verificando como funcionava o campo das artes no Brasil do século XIX e início do século
XX. Buscamos nos próprios escritos de Gonzaga Duque passagens nas quais ele se refere a
essa vida para montarmos uma noção que possa nos ajudar a melhor visualizar suas críticas.
Iniciamos falando sobre os assuntos das artes com o intuito de chegar à vida, atrelando-a ao
movimento, à “verdade”, à sensação e ao pensamento; elementos importantes à compreensão
da vida na arte.
Palavras-chave: Gonzaga Duque, vida, arte.
ABSTRACT
This study aims to understand what Gonzaga Duque calls life in art. In order to reach that
goal, we try to understand how this critic operates, noticing how the field of art in Brazil in
the nineteenth century and beginning of the twentieth century worked. We try to find
evidences on Gonzaga Duque writings, focusing on excerpts in which he refers to this life as a
means of building a concept that can help us better visualize this criticism. We start
discussing matters of the art in order ro reacher life, relating to movement, to “thuth”,
sensations and thought; important elements for the understanding of life in art.
Keywords: Gonzaga Duque, life, art.
SUMÁRIO
1 PRELÚDIO.......................................................................................................................11
2 VEREDAS DE UM DUQUE ESTRADA .......................................................................14
2.1 Gonzaga Duque e a linguagem.....................................................................................................18
3 A ARTE BRASILEIRA ...................................................................................................23
3.1 Ensino das artes – a academia.......................................................................................................25
3.2 Regimes de arte.............................................................................................................................33
4 ALGUNS TEÓRICOS .....................................................................................................37
4.1 Exigências de um crítico exigente ................................................................................................43
4.2 Assuntos da vida...........................................................................................................................43
5 A VIDA NA ARTE...........................................................................................................51
5.1 A vida – o movimento...................................................................................................................55
5.2 A vida – a verdade........................................................................................................................65
5.3 A vida – a sensação – a descrição.................................................................................................83
5.4 A vida – o pensamento..................................................................................................................92
6 EPÍLOGO .........................................................................................................................97
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................101
ANEXOS ...............................................................................................................................106
ANEXO 1 – Retrato de Gonzaga Duque, por Eliseu Visconti ..............................................107
ANEXO 2 – Boemia, por Helios Seelinger............................................................................108
ANEXO 3 – Arrufos, por Belmiro de Almeida......................................................................109
ANEXO 4 – Retrato de Gonzaga Duque, por Rodolpho Amoedo ........................................110
ANEXO 5 – Oréadas, por Eliseu Visconti ............................................................................111
ANEXO 6 – Partida de Jacó, por Amoedo ...........................................................................112
ANEXO 7 – A tagarela, por Belmiro de Almeida.................................................................113
ANEXO 8 – Tarantella, por Henrique Bernardelli................................................................114
ANEXO 9 – Nhá Chica, por Almeida Júnior.........................................................................115
ANEXO 10 – Caipira picando fumo, por Almeida Júnior.....................................................116
ANEXO 11 – Jesus Cristo em Carfanaum, por Amoedo ......................................................117
ANEXO 12 – Pedro Álvares guiado pela providência, por Eliseu Visconti.........................118
ANEXO 13 – Lição de tricô, por Presciliano Silva ...............................................................119
ANEXO 14 – Remorso de Judas, por Almeida Júnior...........................................................120
ANEXO 15 – Aretusa, por Antonio Parreiras........................................................................121
ANEXO 16 – Retrato de D. João VI, por Debret...................................................................122
ANEXO 17 – Amolação interrompida, por Almeida Junior..................................................123
ANEXO 18 – Nascimento de Vênus, por Cabanel .................................................................124
ANEXO 19 – Ilustração I Morte do Palhaço, por Calixto.....................................................125
ANEXO 20 – Ilustração II Morte do Palhaço, por Calixto....................................................126
ANEXO 21 – Más notícias, por Amoedo ..............................................................................127
ANEXO 22 – Batalha dos Guararapes, por Victor Meirelles...............................................128
ANEXO 23 – Batalha do Avaí, por Pedro Américo...............................................................129
ANEXO 24 – A colocação no túmulo, por Cavaraggio ........................................................130
ANEXO 25 – Bebedor de cidra, por Presciliano Silva..........................................................131
ANEXO 26 – Lar infeliz, por Antonio Parreiras....................................................................132
ANEXO 27 – O importuno, por Almeida Junior ...................................................................133
ANEXO 28 – Estudo de mulher, por Amoedo.......................................................................134
ANEXO 29 – O último Tamoio, por Amoedo........................................................................135
ANEXO 30 – Marabá, por Amoedo......................................................................................136
ANEXO 31 – A porangaba, por João Macedo.......................................................................137
ANEXO 32 – Jesus Cristo, por Rodolpho Bernardelli ..........................................................138
ANEXO 33 – O agitador de Languedoc, por Laurens...........................................................139
ANEXO 34 – Retrato de Nicolina de Assis, por Eliseu Visconti...........................................140
ANEXO 35 – Dame a la rose, por Belmiro de Almeida........................................................141
ANEXO 36 – Mater dolorosa, por Correia Lima ..................................................................142
ANEXO 37 – Desembarque da imperatriz dona Leopoldina, por Debret.............................143
ANEXO 38 – Esperando o zagal, por Antonio Parreiras ......................................................144
ANEXO 39 – Curriculum Lattes............................................................................................145
11
1 PRELÚDIO
E depois do começo, o que vier
vai começar a ser o fim.
Renato Manfredini Júnior
A escolha é a partida, o início de uma série de interrogações. Sim, porque a
curiosidade provém da dúvida, de uma leitura que, ao invés de acomodar, aconchegar, faz
surgir um torvelinho de questões que não param de reclamar por explicações, como os
escritos críticos de Gonzaga Duque.
Diante desses textos, inevitável é querer responder às perguntas que deles
emergem para segurá-los, dominá-los e, assim, ter poder sobre eles. Mas como, se eles fogem
a cada vez que tentamos agarrá-los? Qual método de análise poderia nos ajudar? Formal,
pronto: estruturalista? Desconstrucionista? Nenhum e todos. Para tocá-los é preciso que os
próprios textos nos indiquem os caminhos, pois sabemos que são eles que exercem poder, são
quem ditam e impõem uma metodologia e exigem teorias. Ao ler esses escritos de Gonzaga
Duque, muitas vezes a palavra vida fazia parar o fluxo do entendimento, principalmente nas
críticas à arte brasileira. Uma breve intuição do que poderia ser essa vida fez com que
voltássemos aos seus contos e ao seu romance e lá estava o que ele exige nos ensaios – vida
na arte! Mas não compreendíamos nitidamente do que se tratava e é isto que tomamos como
desafio, hipótese, problemática, seja o nome que for. Nessa luta entre textos e leitora, o final
não pode ser previsto. Podemos, simplesmente, afirmar que não pretendemos transformar essa
vida em um conceito, mas sim em uma noção que possa nos ajudar a melhor compreender
como opera Gonzaga Duque, como crítico e literato, no campo das artes do final do século
XIX e início do século XX.
Nesse período, dentre as estéticas produzidas que se entrecruzavam, realista,
naturalista, parnasianista, impressionista, simbolista e decadentista, o modo como procede
Gonzaga Duque tem a preocupação de compreender e analisar a situação da arte do Segundo
Império e início da República, expondo uma teoria de crítica moderna, rompendo com as
ortodoxias tradicionais.
É relevante hoje, fora do pensamento da tradição de romper com a tradição, como
diz Antoine Compagnon (1999), reler essa época discutindo a vitória das vanguardas e
revendo as idéias das estéticas artísticas que ficaram, portanto, à sombra. A partir desse
12
debate, revelar um traço moderno antes da semana de 22 é possível, de acordo com Jacques
Rancière.
Como o passado é refeito a cada leitura no presente, visto que, como mostra
Georges Didi-Huberman, o passado exato não existe, entendemos a produção de Gonzaga
Duque não num tempo linear, mas anacrônico, pois é necessário entender que
o pasado debe estar implicado en una antropología del tempo. Toda historia será la
historia de los hombres – este objeto diverso, pero también esta extensa duración de
la interrogación histórica. (DIDI-HUBERMAN, 2006, p. 39).
Sendo assim, quando olhamos para trás, o que interrogamos não é o tempo, mas a
memória, pois é esta que se encontra sempre entrecruzada de tempos. Para rebuscar a
memória da arte da virada do século, questionamos também a posição de Gonzaga Duque na
configuração de uma outra lógica de fazer e recepcionar as artes – o realismo.
Este trabalho tem como objetivo primeiro chegar a um esclarecimento sobre a
noção de vida na crítica e na arte de Gonzaga Duque. Para isso, necessário é mapear o modo
de operação do primeiro crítico de artes plásticas brasileiro, um crítico moderno da virada do
século, pois é nesse período que atua o jornalista, o biógrafo, o tradutor, o historiador, o
ilustrador, o ensaísta, o crítico de artes plásticas, o romancista, o cronista, o contista, enfim, o
eclético crítico cultural Luís Gonzaga Duque-Estrada. Além disso, os objetivos específicos
que deverão ser cumpridos são: conhecer a história desse escritor, tanto pessoal como
profissional; compreender como ele trabalha com a linguagem em seus textos de arte e de
crítica, se é que é possível fazer essa distinção; entender a história da produção e do ensino
artístico no Brasil; identificar as escolhas, as preferências dele por alguns artistas; conhecer
quais obras ele considera importante e quais ele renega; perceber as tendências teóricas que
acompanha; as exigências que este crítico exigente faz à arte brasileira, ainda frágil e em
desenvolvimento.
A investigação do tema será realizada por meio de pesquisas nos textos de
Gonzaga Duque, bem como em textos de teóricos que possam apoiar as discussões propostas
nesta dissertação, principalmente com as teorias de Pierre Bourdieu, Jacques Rancière, Georg
Simmel, Gilles Deleuze, Félix Guattari e Ernst Fischer. É importante destacarmos que, sobre
o assunto “vida na arte”, nada encontramos.
A partir de seus próprios escritos: A Arte Brasileira, Contemporâneos, Graves e
Frívolos, Horto de Mágoas, Impressões de um Amador, Mocidade Morta e Revoluções
Brasileiras, faremos o seguinte trajeto: um passeio por sua vida pessoal e profissional, no
13
segundo capítulo; na seção seguinte, adentraremos na linguagem dele, pois entendemos a
linguagem como uma força do pensamento; no terceiro capítulo, um breve histórico sobre a
arte brasileira, passando pelo ensino das artes no Brasil e complementando com os regimes de
arte, teorizados por Rancière; no quarto capítulo, abordaremos algum teóricos lidos por
Gonzaga Duque, bem como as exigências dele à arte até atingirmos os assuntos abordados na
arte, até que, no quinto capítulo, mergulharemos na vida por ele reclamada, e as seções
seguintes atrelaremos essa vida a outros elementos, como ao movimento, à verdade, à
sensação e ao pensamento.
Comecemos por conhecer um pouco da trajetória dessa figura híbrida e estranha,
chamada Gonzaga Duque.
14
2 VEREDAS DE UM DUQUE ESTRADA
Quando os escritores morrem, eles se transformam nos
seus livros. O que, pensando bem, não deixa de ser uma
forma interessante de reencarnação.
Jorge Luis Borges
Rio de Janeiro, 1863, no fervor das ferrovias e indústrias cariocas, nasce Luís
Gonzaga Duque-Estrada. Filho de um sueco, com quem a mãe teve um affair, Gonzaga
Duque foi registrado e criado pelo padrasto português José Joaquim da Rosa. Com Júlia
Torres Duque-Estrada se casou e teve dois filhos, Oswaldo e Haroldo, duas filhas, Dinorah e
Lygia, e uma neta, Maryssol.
No início do ano de 1902, Gonzaga Duque perde seu filho Haroldo, o que o
deixou longe do papel e da pena por mais de um mês, quando então consegue descrever seu
menino de modo muito dolente e apaixonado. Gonzaga Duque era um homem sensível e
dedicado à sua família.
Sobre sua vida particular não se tem muitas informações, além das que ele mesmo
informa, em terceira pessoa: “viveu sempre só, arredio ás coteries, e inconciliável com as
rodas escolhidas pela Fortuna; ao demais, falho de recursos pecuniários e obrigado a duplicar
esforços para manter uma família numerosa”. (DUQUE, 1929, p. 222). Além disso, foi um
dândi, observador da cidade e, como aponta Andrade Muricy (1987), o primeiro a freqüentar
ateliês de artistas brasileiros.
Em No tempo da Gazetinha, texto de 1908, Gonzaga Duque (2001, p. 302)
lamenta sua condição financeira, falando do tempo em que seus dezenove anos lhe “davam as
primeiras penugens da barba e eu me ia abeirando das Academias, das quais me afastei em
hora... porque, pelo menos, podia ser hoje rico e afamado clínico à maneira hodierna (...)”.
Porém, confessa, em seu diário íntimo, que o dinheiro foi o sonho dourado da geração anterior
à sua e a aspiração por ele tem um lado estreito, medíocre e vulgar. De acordo com Waizbort
(2006), para Georg Simmel, o dinheiro é uma marca da modernidade, esta que perdeu a
capacidade de perceber a individualidade, o traço particular das coisas, isso porque o dinheiro
generaliza, homogeneíza todas as coisas. Tal individualidade é um dos reclames de Gonzaga
Duque aos artistas, principalmente àqueles que trabalham somente por interesses pecuniários,
como a maioria dos acadêmicos.
15
Gonzaga Duque estuda nos colégios Abílio, Paixão, Meneses Vieira. Cedo
começa a atuar no jornalismo. Aos vinte e cinco anos, publica A arte brasileira, em que faz
uma análise das produções de artes plásticas mais relevantes para se pensar em arte no Brasil,
bem como uma crítica à falta de nacionalidade destas. Seis anos depois, escreve o livro,
manual A dona de casa, sob o pseudônimo de Sylvino Júnior. Em 1899, surge o primeiro,
talvez o único, romance simbolista brasileiro Mocidade Morta, cujo tema ronda em torno de
questões da arte com fortes críticas à Academia brasileira. Um ano antes, publicara
Revoluções brasileiras, reeditado em 1998 por Francisco Foot Hardman e Vera Lins, livro de
história com caráter bastante literário, em que conta desde o Quilombo de Palmares até a
Proclamação da República. Seu último trabalho foi a reunião de textos escritos entre 1904 a
1909, publicado em 1910, Graves e frívolos, por assunto de arte, cujos temas abrangem
crítica de arte e crítica cultural. Alguns dos contos, que escreveu para revistas, foram reunidos
e publicados em Horto de Mágoas, textos de cunho bastante simbolista; em 1996, este livro
foi reeditado por Vera Lins e Júlio Castañon Guimarães. Em 1929, sai o livro
Contemporâneos, coletânea que abarca críticas de pintura, de escultura e de caricatura,
publicadas na revista Kosmos. Mais recentemente, Vera Lins e Castañon publicaram, em
2002, Impressões de um amador, uma reunião de textos esparsos de 1882 a 1909, que
abordam os temas: pintura, escultura, literatura, crítica cultural. Gonzaga Duque escreveu
ainda um ensaio biográfico de Marechal Niemeyer (1900); Sangravida, um romance
incompleto; um outro romance, Tio Lotério; um diário íntimo, que intitula Meu jornal,
publicado por Vera Lins em 1991; além de várias anotações ilustradas, cartas desenhadas,
também lidas por Vera Lins.
Seu acervo foi doado para a Fundação Casa de Rui Barbosa por seu genro, o poeta
Murilo Araújo, e por sua neta Maryssol Duque Araújo.
No campo profissional, de acordo com Vera Lins, foi ele segundo oficial da
Diretoria do Patrimônio Municipal, primeiro oficial da Fazenda da Prefeitura e diretor da
Biblioteca Municipal, além, e especialmente, de ter sido fundador e colaborador de vários
periódicos, como: Guanabara, Gazetinha, Gazeta da Tarde, A Semana, Pierrô, Revista dos
Novos, Rio-Revista, Folha Popular, Galáxia, Mercúrio, Brasil Moderno, Rua do Ouvidor,
Rosa-Cruz, Vera-Cruz
, Kosmos, Renascença, O Paíz, Diário de Notícias, Diário do
Comércio, Thebaida, Atheneida, Decálogo dos Novos, Os Anais, Revista Contemporânea, O
Globo, Fon-Fon, A Avenida, Ilustração Brasileira, Revista da Semana, Revista Americana,
Kosmos. Ainda segundo Vera Lins, postumamente, Murilo Araújo publicou vários contos
inéditos do sogro na Revista Souza-Cruz.
16
Nesses jornais e revistas, Gonzaga Duque publicou textos de crítica cultural,
literária e, principalmente, de artes plásticas, os quais foram reunidos nos livros
Contemporâneos, Horto de Mágoas, Impressões de um amador e Graves e frívolos e
assinados por ele mesmo e por seus pseudônimos Alfredo Palheta, André de Resende,
Amadeu, Barrabás Bretano, Diabo Coxo, Jonathan, J. Meirinho, Risonho, Silvino Júnior.
Andrade Muricy (1987) lembra que Gonzaga Duque também foi ilustrador; para
B. Lopes, ilustrou o romance Dona Carmem. Alfredo Bosi (1994) aponta Gonzaga Duque
como o primeiro crítico de arte especializado da história da cultura brasileira.
Uma das mais importantes estudiosas de Gonzaga Duque é Vera Lins, professora
da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa.
Dentre suas produções sobre esse crítico, destacam-se: Novos pierrôs, velhos saltimbancos: os
escritos de Gonzaga Duque e o final do século XIX carioca (1997); Gonzaga Duque: a estréia
do franco-atirador (1991); Gonzaga Duque: crítica e utopia na virada do século (1996);
Imagens que pensam os trópicos (2000); e Gonzaga Duque e o simbolismo: a barricada da
imaginação (1989). Além dessas produções, Vera Lins publicou, organizou e prefaciou a
maioria dos trabalhos de Gonzaga Duque, como:
Impressões de um amador (2001); Graves e
frívolos: por assuntos de arte (1997); Horto de mágoas (1996); Revoluções brasileiras
(1998).
Na pintura, foi retratado por Eliseu Visconti (anexo 1), Helios Seelinger (anexo
2), Belmiro de Almeida (anexo 3) e Rodolpho Amoedo (anexo 4), amigos seus e “vítimas”
das críticas duquinianas.
A maior parte dos textos de Gonzaga Duque são ensaios, caracterizados pela
maneira pessoal e sem uma forma definida na estrutura. Simmel compara esse modo de
proceder com um passeio, cujo objetivo não é o chegar, o resultado, mas a caminhada, o
processo. Em A arte brasileira, Gonzaga Duque começa sua análise da arte no Brasil desde as
primeiras manifestações, separa a história em três momentos e, na conclusão, faz uma
digressão, que parece não ter ligação com a introdução e o desenvolvimento do livro, trazendo
como epílogo um pessimismo no que diz respeito à falta de patriotismo dos artistas brasileiros
e prescrevendo uma solução para esse “problema” da falta de nacionalidade. Analisando o
método de Simmel, Leopoldo Waizbort (2006) afirma que é próprio do ensaísta não se
preocupar em concluir, mas em questionar e recomeçar e até mesmo ir para outro lugar.
Assegura ainda que o ensaio “possui uma relação privilegiada com a ‘vida’, ao exprimir o
fragmentário, imprevisto, movimentado, fugidio”, (WAIZBORT, 2006, p. 37); elementos
esses que nos ajudarão a pensar sobre a vida na arte na concepção de Gonzaga Duque – essa
17
coisa entre aspas. Ainda de acordo com esse sociólogo, o ensaio simmeliano faz as coisas
viverem, diferente das conceituações, que tiram a vida. Ao ler Simmel, cada vez mais
aproximamos seu método com o de Gonzaga Duque, desde o uso amiúde da palavra talvez,
visto que o ensaio não pretende fixar certezas, até esse fazer viver na escrita. Alexandre
Eulálio (1992, p. 11), outro estudioso de Gonzaga Duque, define o ensaio como “uma
península estética de maré muito variável”, modo este como procede Gonzaga Duque, como
veremos ao longo da pesquisa.
É interessante como Gonzaga Duque diversifica o início de suas análises:
descreve fisicamente um pintor, fala sobre as suas mãos, seus trajes, sua personalidade, expõe
uma teoria da arte, transcreve um trecho de um poema, cria uma narrativa para imagens que
observa. Às vezes com muita emoção, às vezes muito técnico, Gonzaga Duque não apresenta
preocupação com uma forma em seus textos, mas expõe uma força que, mesmo fazendo uma
análise concisa, vista por muitos críticos como falta de aprofundamento, mata ou faz viver os
objetos que analisa.
Os escritos de Gonzaga Duque não têm um rigor, como os artigos científicos, mas
uma força, que apanha o leitor com a modelagem das orações, com a surpresa, com o desvio
do caminho. Como não fazia parte dos ensobrecasacados da Academia, podia, nos periódicos,
movimentar-se sem amarras, pois é na imprensa que o ensaio, utilizado pela crítica, ganha
potência. O ensaísta não é o professor, o catedrático, mas o marginal, o franco-atirador
1
que,
por estar livre das formas fixas, atira nos falsos ídolos. Além disso, o ensaio gira em torno do
eu, é o lugar onde o ensaísta pode se ver em fragmentos, que é a estratégia de Nietzsche, ou
seja, é uma estrutura sempre vazia em cujo centro há somente uma lacuna, um vazio
constituinte do ser. No ensaio, o fragmento deixa de ser resto e passa a ser o singular, maneira
esta como caracterizamos Gonzaga Duque. Através do ensaio, podemos pensar no intelectual
marginalizado do século XIX.
Aracy Amaral, segundo Castañon (1988, p. 92), utiliza como epígrafe do seu texto
Antes da Semana um trecho do texto de Gonzaga Duque, corroborando as idéias do autor
2
, o
qual discursa sobre a arte nacional, assim como também fez Carlos Zílio, com o mesmo
trecho, ao estudar o surgimento do espaço moderno brasileiro.
1
É relevante lembrar que Vera Lins escreve um livro intitulado Gonzaga Duque: a estratégia do franco atirador
(1991), no qual estuda os diários de Gonzaga e a partir deles analisa o modo como opera esse crítico.
2
Esse texto trata de um discurso pronunciado na Exposição Nacional de 1908 na seção Belas Artes, reunido em
Contemporâneos, p. 247-255, edição de 1929.
18
Atualmente, há um interesse crescente em se buscar esses pensadores do final do
século que foram obliterados pelo modernismo paulista e rever questões no passado que estão
imbricadas no presente, como fazem os pesquisadores da Fundação Casa de Rui Barbosa. Nos
últimos anos, houve um avanço considerável nos estudos sobre Gonzaga Duque,
principalmente por estudantes de Artes, Letras, História e Sociologia, áreas em que os escritos
de Gonzaga Duque oferecem conteúdos significantes.
Em 1978, foi criado pela Associação Brasileira de Críticos de Arte um prêmio
intitulado Gonzaga Duque, destinado à produção e à atuação de críticos. Em 2008, o Museu
Nacional de Belas Artes fez a exposição Gonzaga Duque: um crítico no museu com algumas
críticas de arte desse escritor. O catálogo dessa mostra traz um ensaio que Vera Lins escreveu
em especial para esta ocasião.
Por fim, no Rio de Janeiro, 1911, ano que em foi levado a público, por meio de
folhetins, o romance de Lima Barreto, O triste fim de Policarpo Quaresma, morreu Luís
Gonzaga Duque-Estrada, ao sair da redação de Fon-Fon.
2.1 GONZAGA DUQUE E A LINGUAGEM
A linguagem é a vida que carrega
a morte e nela se mantém.
Blanchot
Ao abordar a vida, não pretendemos dissertar sobre bios ou zoe. Nosso foco se
concentra naquilo que Gonzaga Duque chama de vida na arte. Se a literatura pode ser
entendida como “linguagem carregada de sentido no mais alto grau possível”, como define
Ezra Pound (1990, p. 32), é necessário compreendermos como Gonzaga Duque lida com a
língua, para começarmos a traçar algumas características daquilo que ele exige na arte, visto
que ele ficcionaliza até seus ensaios.
Em Gonzaga Duque, o trabalho com a linguagem é minucioso, cheio de
assonâncias, aliterações e sinestesias, procedimento característico do simbolismo. Deste
estilo, os periódicos Folha Popular, Revista dos Novos e Galáxia ele participou do primeiro e
do segundo e fundou o terceiro, todos no Rio de Janeiro. Estas figuras de linguagem são
19
observadas em vários textos, principalmente quando descreve telas, como é o caso do quadro
de Helios Seelinger, cujo trabalho entende como “obra que nos prende a contemplal-a e nos
sacóde os nervos com a sua variedade eccletica de assumptos e o ruido polychromo de suas
côres"
3
. (DUQUE, 1929, p. 52). Nesse pequeno trecho já podemos perceber que Gonzaga
Duque escreve com emoção as impressões que recebe da tela.
Além de produzir crítica moderna, o modo de operar do literato
4
Gonzaga Duque
quanto à linguagem está de acordo com a maneira de versar de poetas clássicos, de escritores
consagrados, como Eça de Queirós. Neste romancista, Gonzaga Duque (2001, p. 289) observa
uma maneira de escrever que se aproxima de sua própria escrita: “construção nervosa e
vibrante duma original sintaxe”. Por isso, nos textos de Gonzaga Duque, há uma preocupação,
um cuidado particular de lidar com as palavras – a “escrita de artista”. Essa “bela escrita”, que
cria um confronto com o “real” e, ao mesmo tempo, inventa uma “realidade”, ultrapassa seus
textos literários, assim como a linguagem das artes plásticas tamm não se restringe a seus
ensaios, ou seja, todo esse trabalho com a língua(gem) aparece tanto na literatura quanto na
crítica.
O conto “Morte do Palhaço”
5
serve de ilustração, pois nele há uma sintaxe não
padrão e uma linguagem extremamente adjetivada. Em todo o texto, a linguagem
extravagante e poética do narrador, que aqui está a serviço das imagens, denuncia seu
pensamento imagista e imagético. No trecho a seguir, a descrição do acrobata no início da
narrativa nos ajuda a desse modo pensar:
Esguio, anfracto, torturado na rude anatomia muscular dos esboços
miguelangelescos, laivos de zingaro na mascara violenta e núa, William Sommers
fôra o galhardo clown do trampolim e do trapésio, empolgando, num salto, a barra
baloiçante dos aparelhos aéreos. (DUQUE, 1914, p. 41).
O enredo versa sobre um trapezista que, cansado dos velhos exercícios aprendidos
e sempre repetidos, busca uma nova arte, uma marca pessoal, uma individualidade. Por isso,
foi rejeitado pelo público e pelos próprios companheiros de profissão, até que, numa noite de
espetáculo, consegue objetivar sua intenção e é aplaudido por todos, porém, não consegue,
num vôo, agarrar a outra barra do trapézio. Sommers cai e morre, deixando ver a máscara de
3
Em todas as citações retiradas do livro Contemporâneos foi conservada a grafia da edição de 1929, bem como
da edição de 1914 de Horto de Mágoas.
4
A palavra literato aqui não é utilizada com carga semântica pejorativa, mas como aquele que cultiva a
literatura.
5
Morte do Palhaço foi publicado primeiramente em 1907 revista Kosmos. Somente três anos após a morte do
autor, esse conto foi reunido com outros, também escrito para periódicos, e publicado em Horto de Mágoas. A
reedição desse livro só acontece em 1996.
20
uma caveira, caricaturizando a própria morte. No desfecho desse conto, a imagem do Palhaço
é traduzida por uma linguagem ambígua e irônica, mostrando o sofrimento e o sarcasmo, a
morte que ri sem risos:
E assim ficou-se o estranho clown caricaturando a Morte, tornando-a pavorosa pela
ironia de ser a propria Morte que gargalhava por esta bocca resfriada o desdem do
seu triumpho, incontado e insentido, mas que nunca se apagaria da emotividade dos
que o fitaram porque em seus pensamentos ou em seus sonhos a caveira continuaria
a rir, a rir imovel, sem risos, num desesperado, afrontoso ríctus de inexprimivel
sarcasmo. (IBID., p. 53).
Ainda nesse texto, há um destaque para a figura de um corvo, com toda
superstição e alegoria que traz essa ave. Muitas vezes temos a impressão de que o narrador
traz essa figura como modo de antever o desfecho trágico do Palhaço, assim como revelar a
consciência funesta e trágica do autor simbolista. Para Vera Lins (1997, p. 9), o trágico impõe
limites às racionalizações e rompe com verdades institucionalizadas, papel também do franco-
atirador, pois “a crítica radical só é possível com uma consciência de que o mundo não é o
que parece. O trágico se preocupa com a verdade, por isso, questiona a aparência, a
representação, a linguagem”. O Clown pode ser lido como aquele que nasce e vive na
linguagem de Gonzaga Duque ao mesmo tempo em que a produz.
Há, nos escritos de Gonzaga Duque, todo um trabalho com a linguagem das artes
plásticas. Nesse conto, a linguagem da pintura está presente desde a apresentação até o
desfecho. As palavras do narrador como: combinação de cores, mescla de pintas,
planejamento com desenhos de figuras, justaposições de linhas e formas, eterno colorido,
gesto e cor, golpe de sol revelam o crítico de artes plásticas atuando na construção de
imagens. Até mesmo os movimentos do acrobata se parecem com meneios de pincéis:
Então o monstro começou a mover-se, ora em arremessos, ora aos recúos. E a barra
do trapézio compassadamente, oscilou em vai-vens mais fortes, mais longos, mais
largos, ‘té estender-se pelo vacuo, em baloiço. (DUQUE, 1914, p. 49).
Em outro conto de Horto de Mágoas, intitulado Confirmação, Gonzaga Duque
caracteriza a linguagem que utiliza o protagonista Carlos Fragoso, de modo a descrever sua
própria atitude com a língua:
o seu intellectualismo cultivado, independente de orthodoxias limitadoras, tinha o
encanto d’uma ardorosa imaginativa e, por isso, seus exaggeros theoricos, expostos
numa scintillante linguagem de ineditos neologismos, lhe davam ás imagens e ás
idéas o feitio bysantino d’uma arte meticulosa e requintada. (DUQUE, 1914, p. 76).
21
Castañon (1988, p. 89) nos lembra que Nestor Victor diz ser a linguagem dos
escritos de Gonzaga Duque cheia de “neologismos e de propositadas heresias sintáticas” e
acrescenta que “ vê-se que é bem este o seu traço”. As suas maiores extravagâncias estão
presentes em seus textos ficcionais, mas também nos “não-ficcionais”, como A arte
brasileira, Revoluções brasileiras, Graves e Frívolos, Impressões de um amador,
Contemporâneos, também podemos observar o uso de uma sintaxe não comum, de complexas
construções frasais, de linguagem carregada de adjetivações, de neologismos, de
estrangeirismos.
Para demonstrar a aproximação entre autor e narrador, os trechos que seguem nos
darão clareza. O primeiro foi retirado de Contemporâneos, em que Gonzaga Duque escreve
sobre Oréadas (anexo 5), tela de Eliseu Visconti, e o segundo é do conto “Morte do Palhaço”:
Oreadas – chamam-se as nymphas dos montes e dos bosques, na sumptuosa e
fecunda mythologia. Por declinio de tardes, ainda sob o derramo d’oiro polvilhado
do sol, ellas surgiam de encantados esconderijos, aos tabefes nas panderetas e sons
de avenas, para a ronda saltitante de enamorados, ás mãos dos zagaes mancebos. E,
na cadencia das dansas, lá se iam por meandros de valles e touças de montes, entre
descantes e volteios, n’uma folgada Seranda de rapazio garrulo... (DUQUE, 1929, p.
23).
Sobreviera-lhe, depois, uma displicencia, quasi a se confundir com o spleen, amarga
e crescente, d’essas cabriolas sediças, d’esse revolvido repertorio de jogralices
tradicionaes, immutaveis, estafadas, remendadas com retalhos d'entremez e
rebotalhos de burletas. (IBID., 1914, p. 42).
Nesses excertos, é evidente a semelhança das estruturas frasais, do floreio das
orações, do vocabulário excessivo. Gonzaga Duque é um crítico moderno que utiliza uma
linguagem poética e rebuscada. Mesmo escrevendo para jornais e revistas, analisando quadros
e esculturas, parece estar fazendo literatura de seus ensaios. Podemos pensar, a partir desses
recortes, em um narrador simbolista operando como crítico de arte e vice-versa.
No trecho abaixo, Gonzaga Duque descreve a tela de Rodolpho Amoedo, Partida
de Jacó (anexo 6), de modo a parecer o início de um romance:
É ao descer da noite. O orvalho cae, e num lindo céo de opalas diluidas o crescente
brilha. O braço materno destende-se para a frente a abençoar o filho. Foram abertos
os apriscos e o rebanho se recolhe ao grito costumeiro do zagal. Ha como uma
bemdicção em tudo – o exprimir intraduzivel das cousas que auguram a gloria desse
dia eterno. (IBID., 1929, p. 15).
Por ser uma linguagem cheia de sensações, as paisagens e as figuras dessa tela
tornam-se vivas, no que nos deteremos mais tarde. Importante aqui é observarmos a
linguagem que traduz a imaginação de Gonzaga Duque ao criar essa descrição.
22
Essa, porém, não é a única maneira de fazer de Gonzaga Duque. Em vários
ensaios, a linguagem é nitidamente naturalista, com um vocabulário comum, usual, objetivo e
carregado de semânticas puramente deterministas, como quando fala, no primeiro ensaio do
livro Contemporâneos, que Amoedo não poderia escapar das tendências artísticas de seu
tempo:
Ao tempo em que o professor Amoêdo concluia os seus estudos em Paris, a
tendencia naturista da espiritualidade latina, começada por uma lenta campanha que
teve o seu precursor em Stendhal, firmára-se no dominio das artes plasticas.
Rodolpho Amoêdo não podia escapar a essa corrente vigorosa e transformadora, que
a seducção das novidades fazia mais intensa por seu fundamento scientifico. (
IBID.,
1929, p. 14-15).
Quando o problema é rusgas entre críticos, Gonzaga Duque utiliza uma linguagem
dura e objetiva. Em um artigo publicado na revista A Semana, de 1886, depois reunido em
Impressões de um amador, “responde”, em três pequenos parágrafos, de modo rude aos
ataques do escritor “X” da Revista Ilustrada, que o chama de seu companheiro, mas lhe faz
críticas ferrenhas:
X ilude-se. Não sou seu companheiro. Se quiser resposta ao rasteiro artigo que
rabiscou, eu lha darei, porém com uma condição: Limpar-se. Não lhe respondo letra
a letra, porque o considero incapaz de ombrear-se com quem está acima, muito
acima, de gente tão pequena e tão imunda. (DUQUE, 2001, p. 146).
Em Gonzaga Duque podemos perceber habilidade e destreza com a língua
portuguesa, pois, para cada ocasião, utiliza a linguagem que melhor lhe convém, como no
trecho acima, própria da imprensa. Porém o que é importante para nossa análise é notarmos
que sua linguagem, na maioria das vezes, faz com que crítica de arte e literatura estejam
intimamente ligadas.
Depois deste tatear pela linguagem de Gonzaga Duque, relevante é conhecermos o
campo brasileiro das artes para entendermos como se movimenta este crítico e artista e para
mapearmos essa noção de vida. Passemos a ele.
23
3 A ARTE BRASILEIRA
Falta-lhe o cunho, a marca nacional? Mas, senhores, a
arte de um povo não resulta da vontade de
um grupo nem da tentativa de uma escola.
Gonzaga Duque
Para compreendermos a arte do final do século, julgamos necessário buscar o
histórico da produção artística no Brasil a partir da chegada da Colônia Francesa e da criação
da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), depois Escola Nacional de Belas Artes
(ENBA), até os primeiro anos do século XX.
Como é sabido, a vinda da Família Real para o Brasil, em 1808, não teve como
objetivo dar novos rumos à arte brasileira, mas esta acabou tendo grandes transformações, de
acordo Ângela Ancora da Luz (2008). A invasão de Napoleão fez com que D. João VI
trouxesse a corte para o Rio de Janeiro. Como era um admirador das artes, com o intuito de
diminuir as diferenças entre Brasil e Europa, D. João mandou vir da França um grupo de
artistas para, além de registrar e documentar a paisagem natural brasileira, ensinar novas
técnicas de pintura e arquitetura no Brasil antes do Primeiro Reinado. Norbert Elias (2005)
acredita, assim como o rei de Portugal, que as belas artes fazem parte do desenvolvimento da
sociedade humana em geral. Para isso, a “Missão” Francesa chega ao Brasil chefiada por
Lebreton em 1816, ano em que D. João VI assina o decreto de criação da Escola Real das
Ciências, Artes e Ofícios. Essa escola marcou o início da Academia de Belas Artes, mas D.
Pedro II somente a inaugurou em 1826, dez anos depois da chegada dos artistas.
História muito “simpática” para ser do Brasil! Lília Schwarcz (2008) contesta essa
aprazível vinda dos franceses e esse “favor” que estariam fazendo aos brasileiros, afirmando
que o enredo dessa narrativa fora outro. A autora de O Sol do Brasil, no sétimo capítulo deste
livro, intitulado “Uma política de coincidências”
, conta uma outra versão, trazendo a
informação de que a vinda deles teve o objetivo de fuga, pois essa colônia de artistas sem
emprego veio tentar sobreviver de arte no Brasil, sem o convite de Dom João nem mesmo o
apoio dele. A expressão “missão artística de 1816”, continua Schwarcz, não convinha com os
acontecimentos, pois não vieram os franceses em missão artística alguma, quem assim batizou
essa colônia foi Afonso Taunay, bisneto do pintor Nicolas-Antoine Taunay, em 1912.
É certo, contudo, que, entre pintores paisagistas e pintores históricos, alguns
nomes importantes, advindos com os franceses que se autoconvidaram para vir em “missão”,
24
além de Joachim Lebreton, um dos fundadores da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA),
é relevante citar Jean-Baptiste Debret, Nicolas-Antoine Taunay e os irmãos Ferrez. Lília
Schwarcz aponta ainda que Lebreton, já que estava com problemas políticos após a queda de
Napoleão, foi quem teve a idéia de reunir um grupo de artistas e vir para o Brasil. Como em
todos os campos, as forças que operaram na Academia tiveram confrontos entre si, pois os
portugueses, que aqui já estavam, produziam no estilo barroco, diferente dos franceses, que
trouxeram o estilo neoclássico.
Ao fazer um estudo panorâmico da arte pictórica brasileira, Gonzaga Duque
(1995a) a divide em três momentos, os quais denominou: manifestação, a arte “produto da fé
religiosa, transplantada do velho mundo” que compreende o final do século XVII até a
chegada da colônia francesa em 1816; movimento, a chegada da colônia francesa, uma arte
ainda não expressiva; e progresso, final do século XIX, em que a arte oscilava entre várias
estéticas. Gonzaga Duque avalia o ensino da colônia como ganhos e perdas:
Com o ensinamento da colônia desapareceram os nossos coloristas e os paisagistas,
que pouco a pouco se manifestavam para dar lugar a uma geração de artistas mais
instruídos talvez, porém menos habilidosos. João Debret, Nicolau Taunay e
Henrique da Silva desenvolveram o gosto pelos assuntos históricos e pelo estudo da
figura, mas tão desastradamente que, a partir desse tempo, os artistas se nos mostram
pretensiosos, frios, amaneirados. (DUQUE, 1929a, p. 258).
Ainda sobre os artistas da AIBA, desde a fase intitulada manifestações até a
progresso, Gonzaga Duque, com um discurso bastante ufanista, contesta:
A paisagem brasileira é interpretada como os mestres interpretam a paisagem de
outras regiões; é difícil saber, às vezes, qual natureza os pintores desse gênero
pretendem representar. E, se copiam bem o aspecto geral da natureza, falseiam
irreverentemente na expressão local. Raríssimos são os que se salvam desta censura
e ainda assim por condescendência, em vista do grande esforço empregado para
alcançar melhores resultados. (IBID., p. 261).
Gonzaga Duque analisa a arte brasileira do século XIX como deficiente em
muitos aspectos, principalmente na falta de nacionalidade. Toda a trajetória do
desenvolvimento da Academia, na direção de Henrique José da Silva depois da morte de
Lebreton, foi uma busca pela modernização da arte e da cidade; lembremos que a do Rio de
Janeiro foi coberta por uma máscara parisiense, nossas estradas estreitas foram substituídas
por largas avenida à moda européia. Além disso, essa instituição, juntamente com o mercado,
possibilitou, como sustenta Pierre Bourdieu no texto “A instituição da anomia”, do livro O
poder simbólico (1989), aos artistas aumentarem a sua independência, ou melhor, o artista
25
deixa de ser empregado de um senhor de terras e da igreja e passa a servir à Academia e ao
mercado.
O que nos interessa nessa história é entender que o Brasil do século XIX já tinha
um campo de arte, mas bastante tímido, ainda em desenvolvimento. Além da Academia
Imperial de Belas Artes, havia os ateliês independentes, como mostra Gonzaga Duque em
Mocidade Morta, romance em que o personagem Agrário de Miranda pintava em seu próprio
estúdio. Isso nos faz perceber que não apenas dentro da Academia existiam partilhas e
confrontos, mas também fora dela, ou seja, o campo das artes não se restringe à instituição
formal. E é neste campo, fora da Academia, que opera o crítico de artes Gonzaga Duque, que
merece também o título de crítico cultural porque dispensou muito de seus escritos para a
crítica à sociedade e à cidade, esta que se subordinou à arte, principalmente à escultura, pois a
arte modificou a estampa da capital do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro.
Talvez se pesquisássemos como se deu o ensino das artes no Brasil,
compreenderíamos melhor a análise de Gonzaga Duque e sua posição nesse campo,
principalmente na Academia. Vamos a ele!
3.1 ENSINO DAS ARTES – A ACADEMIA
A arte controlada por um corpo passou, por causa de
grande número de produtores de arte, à constituição de
um campo, uma institucionalização de anomia.
Bourdieu
Toda a história da arte foi marcada por mudanças nos materiais utilizados e,
conseqüentemente, nas técnicas aplicadas, principalmente na pintura. Heinrich Wölfflin
(2002) vê como evolução a substituição da pintura linear pela pictórica, concebendo aquela
como estética clássica e esta como barroca. Depois desta, outra “evolução” houve na arte. Na
Academia Imperial de Belas Artes, modificações ocorreram nas maneiras de compor as
formas, na transformação da estética barroca para a neoclássica, interferindo nos gêneros, nos
seres das imagens, que eram lidos de modo iconográfico, segundo Erwin Panofsky (2007).
Lilia Schwarcz declara que, no Brasil:
26
o barroco é relegado a segundo plano, e o neoclassicismo passa a imperar, sobretudo
na corte e em algumas capitais. No resto do país predominava, ainda, o
academicismo, bem como o retratismo. (SCHWARCZ, 1998, p. 145).
Um exemplo clássico da grande revolução estética na pintura foi Manet, quem
aboliu a hierarquia dos temas, como fez Flaubert na literatura. No Brasil, Gonzaga Duque
(1995a) aponta Belmiro de Almeida, com a tela Arrufos, como o divisor de águas nas artes
plásticas quanto aos assuntos retratados, assim como Aluísio Azevedo com o romance O
Mulato.
Desse modo, Bourdieu, no texto “A instituição da anomia”, vê a arte nessa nova
configuração, que Rancière denomina regime estético, do qual trataremos num capítulo
específico:
O olhar, a percepção é produto do mundo novo. Modo de percepção propriamente
estético que situa o princípio da criação artística na representação e não na coisa
representada e que nunca se afirma tão plenamente como na sua capacidade de
construir esteticamente os objetos baixos ou vulgares do mundo moderno.
(BOURDIEU, 1989, p. 256).
Nessa perspectiva, o ensino de artes, de certa maneira, acompanhou as
transformações do mundo novo, configurando também uma lógica de produção diferente,
mesmo estando ainda preso a hierarquias dos temas, dos gêneros e à representação dos
“símbolos do passado para fortalecer o presente”, como assevera Schwarcz (2008, p. 141). A
progressão de um artista era sair de seu atelier para entrar na Academia, processo que era feito
por meio de concursos, cujas recompensas eram viagens de estudo à Europa, como Gonzaga
Duque mostra criticamente em Mocidade Morta, em que Agrário só não consegue, no início
da narrativa, ser premiado com uma viagem porque seu protetor morrera. Isso porque o ensino
acadêmico era estatal e ditador, pois os professores detinham a autoridade garantida pela
instituição, como assegura Bourdieu em “O olhar acadêmico”:
na medida em que põe em prática um modelo de realização estabelecido
antecipadamente a partir de uma análise das obras-primas do passado – só pode e
deve manifestar a sua virtuosidade no terreno da técnica e da cultura histórica
mobilizada. (BOURDIEU, 1989, p. 264).
Nesta condição, os pintores obedeciam a cânones, aos mestres do presente e do
passado, cultuando as técnicas aprendidas. O resultado desse ensino pode ser visto na
avaliação que acadêmicos faziam de Manet, julgando que seus quadros eram obras
inacabadas. Com isso também é possível notar como operava a crítica deste tempo, uma
crítica subordinada às exigências do ensino institucionalizado.
27
O que restava ao artista, portanto, era executar seus trabalhos à maneira dos
professores com a maior exatidão possível para, segundo Bourdieu (1989), atender às
encomendas que lhes eram feitas. Zola, em um texto de 1866, publicado em L’Evénement, é
ainda mais radical quanto às instituições: “toda escola me desagrada, pois a escola é
justamente a negação da liberdade da criação humana. Na escola há um único homem, o
mestre; os discípulos são necessariamente imitadores”. (ZOLA, 1989, p. 48).
Além de formar pintores a partir da imitação dos mestres, o objetivo da educação
acadêmica também era de legitimar a qualidade e a profissão do artista, como expõe Bourdieu
(1989, p. 262) no último texto citado acima:
O pintor é formado para sentir como tal por meio de toda a sua aprendizagem e ele
apreende a admissão ao salão, os prêmios, a entrada na Academia, as encomendas
oficiais não como simples meios de “se dar a conhecer”, mas como atestações do seu
valor, verdadeiros certificados de qualidade artística.
O autor de O Poder Simbólico ainda utiliza as palavras “escola da cópia” para se
referir à Academia e para indicar a importância da técnica sobre a potência de criatividade.
Lilia Schwarcz (2008, p. 55) argumenta que no neoclassicismo “não se tratava de
simplesmente copiar, mas de buscar inspiração”, de retornar à Antiguidade para realizar belas
cópias. Lendo as academias européias como um grande mercado, Bourdieu mostra que a
obediência garante resultados satisfatórios para aqueles que encomendam quadros, pois o
final do século XIX é a marca do desejo pela mercadoria, o que se veio chamar de
modernidade, de acordo com Rancière (2005). O efeito do objeto artístico, porém, não pode
ficar subordinado à técnica, segundo Bourdieu (1989, p. 266), que completa com uma crítica:
A obra deve comunicar qualquer coisa, um sentido transcendente ao jogo puro das
formas e das cores que têm em si mesma o seu significado, e deve dizê-lo
claramente: a invenção expressiva orienta-se para a procura dos gestos mais
significativos, apropriados à valorização dos sentimentos das personagens e para a
produção dos efeitos que melhor podem prender o olhar.
Em “O aranheiro da Escola”, Gonzaga Duque começa sua análise do ensino
artístico brasileiro criticando a própria conduta do diretor da Escola Nacional de Belas Artes,
chamando a atenção para a escolha dos membros do júri de admissão e recompensa de
artistas. Ele afirma que o diretor “fez vistas grossas sobre o regulamento e, muito em
compadrio, realisou a eleição arranjando dois affeiçoados seus para o jury”. (DUQUE, 1929,
p. 215). É relevante notar que sua crítica não se limita à arte pela arte, mas abrange todo o
sistema que nela interfere, de maneira a perceber e compreender a constituição do campo em
que participa. Como “espaços estruturados de posições com leis de funcionamento
28
invariantes”, Bourdieu (1983, p. 89) define o conceito de campo como um lugar de conflito,
enquanto Rancière vê como locus de partilhas e confrontos. Neste mesmo texto, Gonzaga
Duque registra o protesto dos expositores frente a “camaradagem” na escolha dos jurados e
conclui: “se me dão licença, eu direi que o caso é mais um symptoma dos vícios que corroem
áquela instituição, vícios inherentes ao seu funcionamento e á sua própria estructura”. (IBID.,
p. 216).
Com relação ainda à administração da Academia, Gonzaga Duque critica a falta
de verba que adiou o concurso de viagem de 1887, mostrando sua consciência política
enquanto cidadão:
desejamos folhear atentamente os relatórios do ministério do Império, tomar a soma
da verba votada para a Academia de Belas-Artes, compará-la com os gastos feitos
por essa reumática instituição, esmiuçar cifra por cifra em todas as despesas (...).
(DUQUE, 2001, p. 154).
Reformas irrelevantes também não passaram despercebidas pelo olhar de Gonzaga
Duque. Ele vê a passagem da AIBA para ENBA só como uma questão de rótulo, pois esta:
não satisfaz as exigencias do ensino moderno, volta ao reprovado nepotismo e recae
nos mesmos defeitos da antiga Academia, se não vae por peior declive, porquanto
mais do que já foi, Ella hoje se transformou em sachristia de irmandade, cheia de
mexericos, murmuração e represalias para o proveito dos que ambicionam os cargos
figurativos, as investiduras de maior aparato, o poderio... O poderio!... De que e para
quê?... A tolice humana é mais desmedida que o orgulho. (DUQUE, 1929, pp. 224-
225).
Juntamente com Décio Vilares, Aurélio Figueiredo e Montenegro Cordeiro,
Gonzaga Duque articula uma nova configuração para o ensino das artes plásticas no Brasil,
mas o grupo não obteve sucesso, e esquecidos ficaram os ateliês livres, contrário ao que
almejava o projeto Montenegro, que objetivava extinguir a Academia Imperial de Belas Artes
para dar lugar a um ensino público que abrangesse todos os grupos sociais.
Ao falar dos métodos desenvolvidos na Academia, no sexto texto do capítulo
Progresso, de A Arte Brasileira (1995a, p. 202), o autor afirma ter ela “arruinados sistemas da
confecção” e mostra também, em Impressões de um amador, “No atelier de Firmino
Monteiro”, que essa instituição protege os artistas que só tem a qualidade de “possuírem
padrinhos endinheirados”. (DUQUE, 2001, p. 38). Ele lê a Academia, depois Escola, como
jogo de interesses que não recaem sobre a arte, mas sobre o “poderio”, pois a arte, mesmo
com a mudança do nome da instituição e com a proclamação da república, que encheu de
esperanças os moços, continuava estacionada e caturra.
29
Em “Exposição organizada pelos alunos da Imperial Academia de Belas-Artes”,
assinado por Alfredo Palheta, mais uma crítica é destinada à Academia. Neste texto de 1886,
Gonzaga Duque aprecia a exposição dos alunos da Academia Imperial de Belas Artes e dela
faz a seguinte análise:
Todos os trabalhos, ou quase todos, foram feitos fora da Academia; e isto equivale a
dizer que esta exposição é o mais forte e o mais arrojado protesto contra a ditadura
acadêmica. Entre os expositores alguns figuram que são de uma independência
intelectual verdadeiramente revolucionária. A banalidade oficial que qualquer lente
de sobrecasaca preta pode chamar estética, a velha estética das academias, não
transparece aí senão por pequenos e pálidos reflexos, em uma ou outra obra.
(DUQUE, 2001, p. 118).
E esse “fora da academia” vem carregado de sentidos: primeiro, não estão esses
artistas presos aos seus mestres; segundo, esses objetos foram feitos com o estilo próprio de
cada pintor; terceiro, não são produtos com destinos marcados, ou seja, encomendas. Tudo
isso liberta o artista das amarras e preceitos acadêmicos e resulta em uma arte personalizada,
uma arte viva, segundo a opinião de Gonzaga Duque.
No segundo ensaio de Contemporâneos, o autor, ao falar sobre o aluno de
Amoedo, Eliseu Visconti, além de toda sua preocupação com o sistema artístico, que estava
ainda muito preso nas fórmulas de representatividade das artes, destaca também as “soberbas
academicas desenhadas e coloridas com verdadeiro culto dos rigores da arte”, (DUQUE,
1929, p. 20), o que Rancière denomina regime poético ou representativo, em que a arte se
subordinava a regras, a hierarquias.
A arte da AIBA, de acordo com Gonzaga Duque, é paralisada, sem vida, arcaica e
o ensino ainda é calcado na cópia, na obediência aos mestres e na representação de assuntos
clássicos. Como ele também tem outra concepção de arte, arriscamos aqui dizer que está
dentro da lógica do regime estético, pois, para Gonzaga Duque, a arte moderna é a que
representa a multidão, que é feita para impressionar e para fazer sentir a “realidade”. Dessa
maneira, Gonzaga Duque (1995a) avalia como ultrapassada as composições das linhas
acadêmicas. Também de modo negativo, Ernst Fischer aponta que a arte acadêmica
é o classicismo que se esvaziou, é o desperdício das velhas formas cujo conteúdo
muito se exauriu. Com seu grosseiro idealismo, com a sua lacrimejante
sentimentabilidade, com as emoções falsas que provoca pela exibição artificiosa de
um seio ou uma perna feminina, a arte acadêmica foi um dos produtos mais
repetentes do mundo burguês em processo de desintegração. Compunha-se de
mentiras, de frases ocas e de uma hipócrita invocação das tradições clássicas e
renascentistas, transplantando-as para um contexto no qual a respeitabilidade delas é
prostituída pela franca comercialização. (FISCHER, 2002, p. 84).
30
Em “No atelier de Firmino Monteiro”, Gonzaga Duque denuncia que a proteção
da Academia faz com que os artistas de talento sejam prejudicados,
atirando-os ao obscurantismo desanimador, fazendo deles retratistas medíocres pelo
centro apertado em que vivem. As enfatuações de outros que ainda nos primeiros
passos de sua “carreira” já se julgam competentemente elucidados nos mais ocultos
segredos do Fiat criador da arte, e os empastelamentos de telas que fazem retratos a
cem mil réis a dúzia, expondo-os diariamente nas galerias, têm corrompido o nosso
gosto artístico. (DUQUE, 2001, p. 38).
Todas essas críticas de Gonzaga Duque foram retiradas de ensaios, mas, como ele
também foi um literato, importante é buscá-lo em seus escritos ficcionais, como orienta Émile
Zola, em seu livro Do Romance, em que, num estudo sobre Stendhal, afirma que só é possível
encontrar o autor em suas obras, porque “é o meio mais seguro de chegar a uma verdade, pois
as obras são testemunhas que ninguém pode recusar”. (ZOLA, 1995, p. 51).
O que pode nos ajudar nessa procura é atentarmos para os personagens e
narradores de Gonzaga Duque. Muito já se teorizou sobre os elementos da narrativa, em
especial, sobre o narrador. As classificações que decorrem dos estudos são formas de melhor
se apropriar deste que nos conta e nos mostra a história. De todas as tipologias já trabalhadas
(narrador onisciente, onipresente), Wayne Booth (1961) vai além desta pesquisa e busca o
autor da ficção incluso na voz de seu narrador, como modo de refletir as opiniões e
julgamentos do criador. Na narração em terceira pessoa, Booth acredita que, além de ser um
método de contar feito mostrar, nos comentários do narrador, pode estar uma versão do autor,
um sujeito-de-enunciação fictício, um autor implícito, um alter ego desse autor.
Nessa perspectiva de Booth, buscamos analisar o narrador como porta-voz de
Gonzaga Duque. Seus textos de ficção, Mocidade Morta e Horto de Mágoas são narrados
principalmente em terceira pessoa, narradores etéreos que se mostram eruditos e eloqüentes
críticos de arte. Percy Lubbock destaca ser o autor “o homem do livro, que vê, julga e reflete
(...) sem nenhum intérprete intruso, nenhum transmissor de significados”. (LUBBOCK, 1976,
p. 92). A maneira que o autor tem de se livrar da responsabilidade da história é, de acordo
com autor do livro A técnica da ficção, atribuir a outrem, ao narrador, sua paternidade; assim,
o autor “coloca-se atrás do narrador e representa a mente do narrador como se ela, em si
mesma, fosse uma espécie de ação”. (IBID., p. 95). Essa é mais uma porta que escolhemos
para entrar no universo de Gonzaga Duque, pois ao autor concedemos um lugar dentro dos
elementos da narrativa, transferindo-o da posição de ente extratexto à posição de ente
intratexto.
31
Isso não quer dizer que fazemos uma distinção nítida entre autor e narrador, pois
entendemos que crítica literária, assim como história, filosofia, sociologia são fabulações,
procedimentos que rearmam possibilidades de leituras. Preferimos olhar o autor e o narrador
como parte do jogo.
Vera Lins, no segundo capítulo de Novos Pierrôs, velhos saltimbancos,
texto intitulado “Boêmios e utopias”, analisando a estética simbolista, afirma que a arte é o
próprio pensamento, mais do que está a serviço dele, e nos faz compreender que “a crítica,
como pensamento sobre pensamento, é um pensamento objetivamente produtivo e totalmente
lúcido. Se o pensamento produz, não é cálculo, mas imaginação, e a crítica é criação”. (LINS,
1997, p.15).
Essa separação entre ficção e crítica, esta que entendemos como uma ficção de
uma ficção, tem aqui um fim didático para que possamos deixar claro quando estamos nos
referindo a um conto ou romance e quando fazemos alusão a ensaios. Enfim, o que nos
interessa, sobretudo, é quem escreve e o que escreve e, por isso, entendemos que os escritos
relevam, de certa maneira, o homem do livro, aquele que expõe seu caráter, suas idéias, que
pinta a si mesmo; como disse o pai do ensaio em 1580: “sou eu a matéria deste livro”.
(MONTAIGNE, 1996, p. 31).
Por esse caminho e por compartilharmos com a idéia de Vera Lins (1991, p. 15),
de que em arte não se tem o objeto puro, porque “arte é linguagem e a linguagem tem marcas
de dedos, suor e desejos”, entramos em Mocidade Morta. Esse romance expõe nitidamente a
posição do autor enquanto artista e crítico de arte. O protagonista Camilo, apontado por
Adriano da Gama Kury, Alexandre Eulálio e Vera Lins como alter-ego de Gonzaga Duque,
assim como por seu genro Murilo Araújo, é um literato que guia os Insubmissos, grupo que
não se dobra às convenções tradicionais.
No início do romance, Camilo sugere a seu grupo fazer um novo trabalho na arte,
pois: “o academicismo nos impõe suas formas, não é? Desprezemo-lo e desprezemo-las.
Costas à Academia! E vamos fazer em nossa oficina o contrário do que é letra dos seus
códices, do que é dogma dos seus cânones, porque faremos o novo e bom, vivo e forte!”
(DUQUE, 1995b, p. 37). Isso pressupõe que a arte da academia é arcaica e sem vida. Em
seguida, afirma que a arte de pintar está paralisada no Brasil e julga de maneira bastante
áspera a arte da pinacoteca:
Reparem em suas coleções. Que pobreza! que impotência! Não se nota na maioria
dessas obras uma alma, um temperamento. Concepções tomadas de empréstimo ou
servilmente imitadas, execução frouxa, fraca, inútil; aí tudo é negativo, é reles ou é
chato; não afirma um talento, não consta saber. Os planejamentos tanto podem ser
32
panos como pedras, as carnes aproximam-se dos rabanetes pela cor, ou das neves
amorangadas dos saraus, pela densidade. Um horror! (DUQUE, 1995b, p. 38).
Intolerância esta que também foi percebida pelo narrador: “a academia pareceu-
lhe um monstro visguento, sorrateiro e pinchado... monstro esguelhudo, acocorado, sinistro,
que esgazeava a estrabice hipócrita dos echacorvos”. (IDEM).
Em “Morte do Palhaço”, o narrador se aproxima do autor no que diz respeito a
críticas ferrenhas que este faz à academia. William Sommers, protagonista deste conto,
“cansado dos velhos exercícios aprendidos, que executava sem orgulho”, (DUQUE, 1914, p.
42), ansiava por uma arte sua, uma arte singular, que não fosse o que vinha fazendo até então,
aquele “revolvido repertorio de jogralices tradicionaes, immutaveis, estafadas, remendadas
com retalhos d'entremez e rebutalhos de burletas”. (IDEM). Para alcançar esse traço
particular, precisava alcançar “uma arte que se não agachasse na recolta dos dixótes de
bastidores, nem repetisse desconjuntos de titeros, mas fosse uma caricatura synthetica de
idéas e acções”, (IBID., p. 42), e não lhe bastariam os estafados recursos acrobáticos. Além de
denunciar as velhas técnicas utilizadas pela academia, Gonzaga Duque aponta também para o
uso de materiais que não mais satisfazem os “novos” pintores.
Em especial, neste conto, há um encontro entre o autor, crítico de arte; o narrador,
que acompanha seu criador nas críticas; e o protagonista, que almeja uma arte “nova”, liberta
das amarras da tradição. Entre eles há em comum a insatisfação com uma arte que põe a
técnica acima da criação e o anseio por uma arte viva, criadora de um ser de sensação, como
afirmam Deleuze e Guattari (1997), composta de perceptos e afectos.
Com esse pequeno histórico do ensino das artes no Brasil, podemos visualizar a
posição de Gonzaga Duque, crítico e artista que acompanhava as transformações de seu
tempo, mas que não fazia parte dos cânones da Academia. Atacando especialmente essa
instituição, Gonzaga Duque declara que as produções nela feitas não satisfazem o homem da
virada do século e denuncia nelas a falta de vigor, de vida. É esta vida que tentaremos, de
agora em diante, alcançar para podermos entendê-la. Passemos a ela, mas antes, é necessário
fazermos uma digressão e expor os regimes de arte, de Rancière, com o objetivo de
compreendermos a lógica das produções artísticas no campo brasileiro das artes e de onde fala
Gonzaga Duque.
33
3.2 REGIMES DE ARTE
As práticas artísticas são “maneiras de fazer” que
intervêm na distribuição geral das maneiras de fazer e
nas suas relações com maneiras de ser e formas de
visibilidade.
Rancière
Gonzaga Duque acompanha significativas transformações da sociedade brasileira.
Na política, testemunhou a transição do império para a república, que designou “república
platônica – um ideal – uma irrisão”, (DUQUE, 2001, p. 177), por mais que, em 1908, veja
avanços na arte. Nesta, presenciou um conjunto de modos diferentes de fazer, recepcionar,
conceber a arte, um novo regime, o que Jacques Rancière (2005) chama de estético, posterior
ao regime poético ou representativo. Para esse filósofo francês, no regime poético, havia o par
poiesis/mímesis e uma hierarquia na lógica representativa, como a de gêneros, a primazia da
ação sobre a descrição, seguindo os preceitos da poética de Aristóteles. Esta demarcava o que
era e o que não era arte, sendo possível, dessa maneira, além de enquadrar os objetos em
compartimentos intitulados artísticos e não-artísticos, estabelecer quem era artista e quem esse
título não merecia, ou melhor, no regime poético, o artista era considerado menos do que um
intelectual, apenas um artesão. Somente no século XIX o artista ganha notoriedade e passa a
ser visto como um intelectual por excelência. Gonzaga Duque (2001, p. 69) explica que o
artista do século XIX “não morre heroicamente nos cárceres da Bastilha (...). Na atualidade o
artista é um pacífico e honrado cidadão, vivendo em sua casa, na intimidade de uma virtuosa
esposa, cercado de criancinhas alegres (...)”.
Para compreendermos a mudança de regimes, necessário se faz explicá-los. Após
dissertar brevemente sobre o regime ético, em que a arte ainda não era identificada como tal,
porque estava subsumida no ser da imagem, no seu teor de verdade, como as imagens das
divindades, Rancière define e explica o regime seguinte, representativo ou poético, em que a
arte já era assim reconhecida:
Denomino esse regime poético no sentido em que identifica as artes – que a idade
clássica chamará de “belas-artes” – no interior de uma classificação de maneiras de
fazer, e conseqüentemente define maneiras de fazer e de apreciar imitações bem-
feitas. Chamo-o representativo, portanto, é a noção de representação ou de mímesis
que organiza essas maneiras de fazer, ver e julgar. Não é um procedimento artístico,
mas um regime de visibilidade das artes. (RANCIÈRE, 2005, p. 31).
34
Esse regime faz com que a arte seja visualizada, pensada de acordo com as
maneiras de fazer, ou seja, com todas as regras impostas, com todas as hierarquias. O que se
contrapõe a esse regime, o que quebra com os paradigmas postulados na arte representativa,
Rancière chama de regime estético. Antes é preciso entender como ele define estética,
lembrando que é um conceito que abrange os três regimes, mas que ajuda a compreendermos
melhor o regime estético:
um modo de articulação entre maneiras de fazer, formas de visibilidade dessas
maneiras de fazer e modos de pensabilidade de suas relações, implicando uma
determinada idéia da efetividade do pensamento. (IBID., p. 13).
Essa maneira de entender a estética possibilita uma maior compreensão da
identificação da arte no regime estético, pois se este regime é estético, como sugere o nome, é
um regime específico do sensível, isto é, da experimentabilidade da forma, do modo de ser
sensível e ainda, nas palavras de Rancière, é a arte na sua singularidade. Nesse regime, ainda
atual, quem faz a seleção do que é e do que não é arte são os críticos de arte e os próprios
artistas, num campo em que os conflitos são ardorosos por não mais se ter critérios definidos,
fixos para esse juízo. Por isso, o autor relaciona estética com política, pois esta “ocupa-se do
que se vê e do que se pode dizer sobre o que é visto, de quem tem competência para ver e
qualidade para dizer, das propriedades do espaço e dos possíveis tempos”. (IBID., p. 17). A
partilha do sensível pressupõe participação e confronto, visto que as partilhas não são
harmônicas, são disputas por um sensível, que pode ser um sentido, um material, enfim, as
coisas do mundo.
A maneira de fazer, o modo de experimentar esse sensível marca, de acordo com
Rancière, o que veio a se chamar de modernidade, com todo seu fetiche pela mercadoria, pelo
novo, pela ruptura. O autor de A partilha do sensível rejeita essa noção de modernidade
porque ela é parte do debate, e vê o moderno antes das vanguardas, diferentemente de como
conta a história oficial, pois o regime estético das artes, e não o movimento artístico do início
do século, por exemplo no Brasil, que “é o verdadeiro nome daquilo designado pela
denominação confusa de modernidade”, (IBID., p. 34), esta que é a parte enfraquecida do
debate contemporâneo sobre as artes.
Outros teóricos também estão percebendo que não é possível entender a arte
brasileira somente a partir das vanguardas modernistas, pois elas não deixam ver outros
momentos da arte – aqui a parte não explica o todo. Silviano Santiago (2002), no ensaio
“Fechado para balanço”, escrito em 1982, para compreender o romance contemporâneo, não
35
busca os vanguardistas, mas os “pré-modernistas”, que não estavam engajados com o projeto
da modernidade quanto à originalidade e revolução:
Penso, em particular, em Euclides da Cunha e em Lima Barreto. Ambas as figuras
aparecem, dentro das histórias da literatura, no movimento que se convencionou
chamar de “pré-modernismo”. Talvez o verdadeiro “pós” possa se nutrir
convenientemente do “pré”, e não do modernismo propriamente dito. A evolução
literária, como nos alertam os formalistas russos, se elabora mais por deslocamentos
de forças do que pela noção de evolução. (SANTIAGO, 2002, p. 101).
Nesse pensamento buscamos Gonzaga Duque, que não foi um modernista, mas
nele podemos ver uma marca do moderno, assim como Rancière aponta para o realismo do
final do século, não por este ser novo com relação ao antigo, mas por ter sido o responsável
pela destruição dos limites em que funcionava o regime representativo, a marca de uma arte
sem critérios pragmáticos de singularidade, sem obrigações com gêneros, temas etc., por ser a
forma experimentada por si mesma. E ressalta que:
O realismo romanesco é antes de tudo a subversão das hierarquias da representação
(o primado do narrativo sobre o descritivo ou a hierarquia dos temas) e a adoção de
um modo de focalização fragmentada, ou próxima, que impõe a presença bruta em
detrimento dos encadeamentos racionais da história. (RANCIÈRE, 2005, p. 35).
Rancière esclarece também que não é a recusa da figuração como tradição do
novo, proclamada pelas vanguardas, que deu “o pulo para fora da mímesis”, mas sim o
realismo, este que não significa a valorização da semelhança. Além de utilizar uma técnica
diferente de representar o “real”, que não significa kodakismo, mas de narrar e descrever a
partir da observação, o realismo trabalha com uma maneira de ser própria da arte. Ele pode
ser comparado ao ato de fotografar se visto na concepção de Susan Sontag (2004), em que a
autora afirma que a fotografia não reproduz o real, mas o recria. Rancière destaca em Flaubert
uma igualdade democrática, pois o romancista se recusa a conceder à literatura uma
mensagem, e isso faz com que o testemunho do artista realista esteja aberto a todos de modo
igual, pois o regime estético da política é a democracia.
Esta indiferença, o que é ela afinal seo a igualdade de tudo que advém numa
página escrita, disponível para qualquer olhar? Essa igualdade destrói todas as
hierarquias da representação e institui a comunidade dos leitores como comunidade
sem legitimidade, comunidade desenhada tão somente pela circulação aleatória da
letra. (RANCIÈRE, 2005, p. 19).
Flaubert, com toda sua autoridade no movimento realista, sustenta a ideia de que o
artista não tem direito de expressar sua opinião
36
sobre coisa alguma, não importando do que se trate. Deus já expressou alguma vez
uma opinião?... Creio que a grande arte é científica e impessoal... Não quero nem
amor nem ódio, nem piedade nem raiva... Já não é tempo de introduzir a justiça na
arte? A imparcialidade da descrição tornar-se-ia, então, igual à majestosa lei.
(FLAUBERT, apud FISCHER, 2002, p. 89).
Rancière assevera que a democracia é própria do regime estético das artes. Além
do autor de Madame Bovary, o mesmo pode ser visto em Manet, que, segundo Bourdieu
(1989), aboliu a hierarquia, abordando temas “baixos”, como já vimos. Entrecruzando idéias,
nesse regime estético das artes de Rancière, o filósofo e sociólogo Bourdieu aponta para a
pintura pura, esta que está atenta às formas e não a hierarquias e a gêneros fixos.
Diante dos regimes da arte de Rancière, é possível pensar em uma arte moderna
brasileira anterior ao modernismo paulista da Semana de 22. É desta maneira que
pretendemos olhar para o século XIX, especialmente, para a crítica de Gonzaga Duque, e, a
partir dessa visão, compreender a vida nos objetos de arte no regime estético e a posição dele
desse campo. Para isso, importante é procurarmos quem são os teóricos que ele leu, com o
intuito de encontrarmos algumas pistas sobre essa vida. Busquemos alguns deles.
37
4 ALGUNS TEÓRICOS
Qualquer texto é um novo tecido de
citações passadas.
Roland Barthes
Para averiguar os fundamentos da crítica de Gonzaga Duque, relevante é buscar os
autores lidos por ele, os mais importantes, com o intuito de entender de que maneira essas
leituras aparecem em seus escritos e se elas nos dão alguns vestígios daquilo que estamos
procurando.
Em Contemporâneos, Graves e Frívolos, Impressões de um amador e Mocidade
Morta, Charles Baudelaire aparece citado diretamente, mas também é possível ser
reconhecido em muitas passagens dos escritos de Gonzaga Duque. No romance, Camilo,
personagem liberta dos convencionalismos, característica também do autor de As flores do
mal, assegura que Baudelaire é o seu poeta.
Em Graves e Frívolos, Gonzaga Duque se refere à ironia de Félicien Rops. Os
trabalhos desse pintor são considerados perturbadores porque apresentam “diabólica
lubricidade, que possui d’alucinação criadora de Edgard Poe e muito da funérea originalidade
de Charles Baudelaire”. (DUQUE, 1997, p. 21). É importante lembrar que Poe tornou-se
conhecido através das traduções feitas por Baudelaire.
Gonzaga Duque ainda cita Baudelaire em outro ensaio publicado na revista
Kosmos, reunido em Contemporâneos. Nesse texto, ao falar de Rodolpho Amoedo, transcreve
uma frase de Baudelaire que traduz a habilidade do pintor: “il aime tout, sait tout peindre”.
(BAUDELAIRE apud DUQUE, 1929, p. 9).
A partir dessas referências, buscamos em “O pintor da vida moderna” (2002), de
Baudelaire, passagens bastante significativas para compreender Gonzaga Duque. Nesse livro,
o autor faz uma análise do pintor da vida moderna e denuncia que a concepção clássica da arte
não mais cabe para ler a pintura e a literatura moderna, como por exemplo a pintura de
costumes e a qualidade do presente. Gonzaga Duque assevera, em A arte brasileira, que a
pintura clássica, bíblica, histórica não mais satisfaz o gosto do homem moderno, como
veremos mais minuciosamente em seguida quando abordaremos os assuntos de arte.
Ao discorrer sobre gravuras da época da Revolução até o Consulado, Baudelaire
(2002, p. 9) atenta para as figuras femininas do passado e foca seu olhar para os trajes delas,
38
os quais tornam a matéria fixa em viva, ondulante e completa afirmando que: “a imaginação
do espectador pode ainda hoje movimentar e fremir esta túnica ou este xale”.
Em “O croqui de costumes”, Baudelaire (2002) define do que trata essa pintura
de costumes: a vida ordinária, a pobreza, a banalidade quotidiana, a metamorfose incessante
das coisas exteriores, o movimento rápido, elementos que exigem velocidade, diferente das
pinturas de assuntos fixos e eternos, como os heróicos e religiosos. Essas qualidades são as
que Gonzaga Duque observa em Silva Porto e José Malhoa, no quarto ensaio de Graves e
frívolos.
Vera Lins indica que Gonzaga Duque também foi leitor de John Ruskin, Émile
Zola e Denis Diderot. Também um crítico de arte e crítico cultural, o primeiro é um dos
escritores que Gonzaga Duque mais cita nos textos reunidos em Contemporâneos e em
Impressões de um amador. O britânico Ruskin é um exímio defensor da natureza, das artes,
do ser humano e da sociedade. Gonzaga Duque o define como naturista e mestre dos modern
painters; desse pensador assimilou os ensinamentos, mas também não deixou de criticá-lo.
Para chegar a Ruskin, Gonzaga Duque começa esclarecendo a diferença entre
naturistas e naturalistas: estes que são, em suas palavras, “áridos e secos copiadores da
natureza”, já o naturismo, uma expressão artística do Socialismo. (DUQUE, 2001, p.194).
Gonzaga Duque aponta que o “Naturismo é um rebento enfezado do naturalismo
moribundo”, (IBID., p. 194), e conclui que “a diferença entre Naturalismo e Naturismo é de
uma sílaba e alguma porcaria a menos”. (IDEM). Além dessas críticas a essas “escolas”,
Gonzaga Duque, que está envolvido com elas, não concorda com Ruskin no que diz respeito à
recomendação que o inglês faz aos paisagistas, aconselhando-os a fazer um furo com alfinete
num cartão para olhar o ponto escolhido antes de começar a pintar. O carioca acredita que
outro método é mais eficaz, o de “ver tudo, todos os acidentes da linha, da cor e da luz”.
(IBID., p. 133). Contudo, o que Gonzaga Duque admira em Ruskin é o valor que este dá à
natureza. Em “Uma palheta que vive”, (1929), o crítico brasileiro, ao analisar o trabalho do
paisagista Baptista da Costa, observa que este assimilou os ensinamentos dos três grandes
mestres na paisagem Huet, Rousseau e Corot, assim como entendeu o segredo de Ruskin, que
é captar o caráter das coisas da natureza.
Em 1907, escreve “Paizagens”, no jornal O Paiz, sobre Roberto Mendes, leitor
assíduo de Ruskin; não é de se estranhar a paixão que o pintor tem pela natureza. Gonzaga
Duque caracteriza esse paisagista de o único ruskiniano brasileiro. Além disso, nesse texto,
expõe que a tendência da pintura brasileira era ao realismo, dado importante para pensarmos a
vida na arte nessa época, visto que entende que a arte moderna deve estar ao alcance de todos
39
e ser feita para a multidão, diferente do que afirma Anatole Baju sobre a escola decadentista:
“quando se trata de Arte não se faz entrar em conta a multidão, porque ela não pensa, é apenas
numérica”. (BAJU, apud DUQUE, 1997, p. 59).
É interessante notarmos que Gonzaga Duque é um crítico e escreve em periódicos
com uma linguagem acessível, na maioria das vezes, mas seu romance e seus contos, além de
apresentar uma linguagem rebuscada e adjetivada, como vimos no segundo capítulo, os
conteúdos desses textos não alcançam a multidão. Sobretudo, o estilo simbolista não chega ao
grande público porque muitos escritores não têm essa preocupação, como revela Baju na
citação acima.
De acordo com Gonzaga Duque, Ruskin não vê diferença entre um mestre e um
aprendiz. Mais uma vez o autor de Mocidade Morta segue em suas críticas as idéias
ruskinianas, mas também discorda, pois acredita que o caminho que um artista deve trilhar é
este: seguir os passos dos mestres, aprender as técnicas, estudar para, posteriormente, criar seu
próprio estilo e atingir sua marca pessoal, ou seja, deixar de copiar para fazer leitura, como
fez Rodolpho Amoedo, que teve Cabanel, Bouguereau e Puvis de Chavannes como
professores, e conseguiu seu próprio estilo, marcou sua individualidade. Marshall Berman, ao
discorrer sobre o espírito da modernidade, assevera que “uma arte desprovida de sentimentos
pessoais e relações sociais está morta em pouco tempo”. (BERMAN, apud LINS (1991, p.
15). Essa singularidade é a afirmação do artista, por isso que copiar os mestres não possibilita
marcar um estilo, que assim é definido por Gonzaga Duque: “é o próprio artista visto através
da sua obra, é o conjunto da sua obra: a expressão, o assunto, a linha, e, sobretudo, a cor”.
(DUQUE, 1995a, p. 152).
Em outro ensaio, escrito em 1886, publicado em A Semana, ao tratar das
dificuldades dos paisagistas brasileiros, o autor compartilha com idéias de Ruskin:
Ah! Razão bastante tinha Ruskin quando dizia: “Cada erva, cada flor dos campos
tem a sua beleza distinta e perfeita, tem a sua forma, a sua expressão.” É
precisamente esta forma, esta expressão, esta beleza distinta e perfeita que os nossos
paisagistas não sabem ver. (DUQUE, 2001, pp. 98-99).
Em Mocidade Morta, Camilo fala para seu amigo, o pintor Agrário, o que
provavelmente absorve das idéias de Baudelaire, Ruskin e Diderot, aconselhando-o a pincelar
com seus próprios tons, ou seja, buscar a sua individualidade:
Aproveita o teu talento, entrega-te à tua própria idiossincrasia. Toma a tua palheta,
vai para a natureza, estuda-a, observa, resolve, esmiúça, procura nela o que ela há de
ter unicamente para a tua visualidade, fixa essa nota, desenvolve-a, vive para ela, dá-
lhe a tua alma. (DUQUE, 1995b, p. 40).
40
Gonzaga Duque anota ainda a importância do naturismo de Ruskin na educação
do gosto artístico moderno. Para Gonzaga Duque, moderno é o artista que sabe ver e sentir
bem para poder bem pintar, ou seja, não copiar a natureza, mas lê-la, senti-la e jogá-la na tela
com sua própria idiossincrasia.
Do século XVIII, Gonzaga Duque lê Denis Diderot, apaixonado e admirador da
vida, filósofo, enciclopedista, romancista e crítico de arte, além de defensor da Revolução
Francesa, como afirma Camilo, em Mocidade Morta.
Com o pseudônimo de Alfredo Palheta, Gonzaga Duque (2001) escreve, para A
Semana, em 1886, no texto “Belas Artes – Casa Moncada”, sobre Antônio Parreira e vê que o
trabalho deste abusa do branco nas partes luminosas, falta-lhe cor e o aconselha: “se o senhor
quisesse estudar a luz com mais cuidado, seria bom. Diderot já dizia no século passado: ‘fazer
branco e fazer luminoso são cousas muito diversas’”. (DUQUE, 2001, p. 110). De Diderot,
possivelmente, também vem a insistência de Gonzaga Duque pelo estudo da luz, pela
observação da cor.
Em “A graça feminina na pintura”, de 1907, há pistas de onde Gonzaga Duque
retira a exigência que faz aos artistas no que diz respeito à imaginação e ao moralismo. Em
um trecho que Gonzaga Duque transcreve, Diderot se refere ao pintor francês, do final do
século XVII e início do século XVIII, Watteau:
A depravação do gosto, da cor, dos caracteres, da expressão, do desenho, seguiram
passo a passo a depravação dos costumes. Que desejaríeis desse artista? O que ele
tem na imaginação. E o que pode ter na imaginação um homem que passa a sua vida
com rameiras da mais baixa classe? A graça de suas pastoras é a [de] Favart na
Annette et Lubin; a de suas deusas está tomada de empréstimos a Deschamps.
(DIDEROT, apud DUQUE, 2001, p. 272).
A exigência do crítico Gonzaga Duque quanto à vida na arte pode vir de suas
leituras do mestre de Eça de Queirós, Émile Zola. Em “Os aquarelistas de 1906”, Gonzaga
Duque (1929), ao falar sobre os assuntos em arte, esclarece que não é a interpretação do
assunto que diminui ou engrandece o artista, mas sim a vida representada no objeto artístico.
Para fundamentar sua opinião, cita Zola: “Emilio Zola estava com a razão quando no seu
famoso ‘Salão de 1866’, mais escripto por um litterato combatente do que por critico de arte,
dizia: Peignez des roses, mais peignez-les vivantes...”. (ZOLA, apud DUQUE, 1929, p. 170).
Gonzaga Duque (2001, p. 58) vê em Belmiro de Almeida uma tendência para a
escola de Manet, revolucionário das tintas que Zola defendeu quando o grande público
rejeitava o pintor. Daí podemos pensar na passagem do regime representativo ao estético, pois
este foi caracterizado por Rancière como uma arte moderna no realismo. Zola e Belmiro são
41
realistas que admiram a arte de Manet, artista que fez uma verdadeira revolução estética na
pintura.
Na virada do século, Gonzaga Duque analisa as condições do artista de seu tempo
e chega à conclusão de que se o artista não acompanhar a moda estética dos contemporâneos,
está fora do campo. Mesmo com essa consciência, Gonzaga Duque não se dobra, em suas
palavras, às “extravagantes turbulências efêmeras” de seu tempo e critica a condição de Zola
nessa efervescência:
Assim é que M. Zola, o extraordinário analisador dos Rougons, convicto da
excelência de seu sistema, engole sapos com a própria vitória dos novos ideais, cujos
arautos, por sua vez e para não destoarem dos hábitos, desengaiolam gafanhotos ao
labor dos outros. É uma velha luta, repetida e useira, esta que ora se dá, que já se deu
com o romanticismo, e que amanhã se dará com a Renascença do século XX.
(DUQUE, 2001, p. 208).
Além dessa compreensão do momento de mudanças pelo qual passava, Gonzaga
Duque expõe seu conhecimento histórico dos movimentos artísticos, demonstrando sua
simpatia, evidentemente, pelo simbolismo e afirmando que: “nem todos têm a probidade
espiritual e a sensibilidade artística de Maupassant que compreendia os versos de Rimbaud, e
de René Maizeroy que sabe guardar no coração os sonetos de Verlaine”. (IDEM).
Apesar de toda atração pelo Simbolismo, muito evidente principalmente em seus
contos, curiosamente Gonzaga Duque apresenta fortes características do naturalismo em seus
escritos. Ele considera Zola como o mestre do naturalismo e, em Mocidade Morta,
caracteriza-o de reformador. Há diferenças bastante evidentes entre Zola e Gonzaga Duque,
visto que este é especialista em artes plásticas, o que aquele não é, embora milite como crítico
e está no centro do campo das artes. A maneira de ler as imagens, a linguagem às vezes
poética e quase sempre técnica de Gonzaga Duque afasta-o de Zola, que utiliza uma
linguagem objetiva e tem uma crítica de cunho mais social. Os textos reunidos em A batalha
do impressionismo revelam que Zola é superficial nas análises de artes plásticas no sentido de
não se ater no objeto de arte especificamente, ou melhor, ele está mais preocupado com a
recepção dos quadros do que com a maneira como eles foram produzidos.
Em “Nuns versos”, Gonzaga Duque (2001) cai em defesa do realismo porque fora
atacado duramente em prosa por Rosendo Muniz Barreto, respondendo a este que “não, ilustre
vate das crenças moribundas, não, o realismo não é, como o senhor pensa, um sarcófago de
obscenidades, de podridões”, e completa:
A perfectibilidade dos métodos empregados nos estudos científicos, a transformação
por que vão passando os costumes sociais, a evolução moderna da arte e, sobretudo,
42
a compreensão exata do raciocínio, são as forças que deram vida ao realismo, a este
mesmo realismo de “produtos sólidos”, entregue à autoridade de Zola. Ele vem,
apoiado na ciência, fazer autópsia nos corpos com que a sociedade conviveu, fazer
os seus estudos patológicos nos organismos afetados pelas enfermidades
contagiosas; enfim, o seu desideratum é sarar o mal que uns sifilíticos românticos
passaram, em escândalo d’Assommoir, para a sociedade. Por conseqüência, Sr.
Rosendo, nunca ele, o realismo, o moralizador, o médico, poderá cair em face de um
corpo pútrido que está pedindo cova. Negar isso é negar a ciência; isto é, seria a
mesma coisa que afirmar a beleza de vossos versos. (DUQUE, 2001, p. 43).
Sem fazer muitas distinções entre estes estilos, Gonzaga Duque dá ao
realismo/naturalismo o título de escola moderna, assegurando que as criações românticas já
haviam cansado e não mais atendiam ao gosto do homem moderno. No ensaio “O Primo
Basílio, notas sobre um fato”, publicado na Kosmos em 1908, Gonzaga Duque (2001, p. 290)
fala sobre o livro de Eça de Queiroz e o impacto da recepção dele no Brasil, pois a crítica
avaliou o romance de imoral. Gonzaga Duque cai em defesa de Eça e ataca os críticos
conservadores e o romantismo:
Nós moços, queríamos o Experimentalismo, pugnávamos pelo Documento. As
criações românticas tinham-nos cansado. A graçola nacional arquivada nas folhinhas
de Laemmert transformava-se numa ironia sutil de civilizados, objetivada pelo lápis
de Bordalo Pinheiro e Borgomainerio. Atacava-se o nome de Alencar, com um
acrimônia desaforada; Macedo agonizava ouvindo a vaia assobiar-lhe à sombra.
Mas, olhávamos em derredor, de bugalhos aflitos, a procurar os ídolos que
satisfizessem ao nosso fetichismo.
Por isso Gonzaga Duque é uma figura estranha, pois ao mesmo tempo em que
participa do simbolismo carioca e escreve ficção inegavelmente simbolista, apresenta um
gosto estético também para o realismo/naturalismo, com asserções puramente deterministas,
como esta:
Na natureza humana há acúmulos fisiológicos que fazem inclinar o cérebro para essa
ou aquela predileção. Ninguém é pintor ou poeta porque o quer ser, mas porque tem
de o ser, fatalmente. Tais e tais particularidades do organismo, o elemento
componente de umas tantas células que fazem o indivíduo mais ou menos sensível a
esses aspectos de preferência àqueles, que mais apurado tornam um determinado
sentido, e de modo singular atuam na sua vida emotiva, é que estabelecem o pendor
de cada homem para uma função especial ou seja a sua aptidão. (DUQUE, 2001, pp.
311-312).
Gonzaga Duque se aproxima e se distancia dessas “escolas”, ora as acatando ora
as rejeitando; esse também é o método da filosofia de Georg Simmel. Resta ver o que sai
dessa mistura no que diz respeito a suas exigências à arte. Como Gonzaga Duque não define o
que é essa vida na arte, procuremos por outros elementos que possam nortear nossa pesquisa.
Além de vida, Gonzaga Duque clama por movimento, sensação, verdade e pensamento na
arte. Atentemos para essas exigências.
43
4.1 EXIGÊNCIAS DE UM CRÍTICO EXIGENTE
Fazer crítica nesta abençoada terra de
reclames parece arrojo se não é demência.
Gonzaga Duque
Até aqui já podemos observar que Gonzaga Duque reclama por uma arte que
contenha algo mais do que as técnicas acadêmicas, que não represente as coisas sem
interpretação, que seja mais do que um número de figuras apresentadas harmonicamente. O
artista deve educar-se para saber ver, captar o caráter das coisas e, depois disso, transplantar
para a tela, para as páginas aquilo que absorveu. Além disso, cabe-lhe estudar as formas, as
cores para que elas possam resultar naquilo que se denomina arte. Para isso, Gonzaga Duque
ainda acredita que é preciso deixar as estafadas linhas acadêmicas e se desvencilhar dos
mestres para que seja alcançado um estilo próprio.
Outro ponto importante nas críticas duquinianas é o assunto na arte, como já
vimos brevemente. Passemos agora a esmiuçar esse tema.
4.2 ASSUNTOS DA VIDA
O tema não importa muito.
Zola
Assim como Baudelaire, Gonzaga Duque é admirador de assuntos quotidianos na
arte. Em Modern Style, escrito em 1904, Gonzaga Duque (2001) anuncia que os assuntos
clássicos já estão esgotados e que não condizem mais com um “século delirante”. (DUQUE,
2001, p. 213). Por isso, condena a pintura de inspiração bíblica, mitológica, histórica, na
conclusão de A Arte Brasileira, porque diz não ser esse o gosto de um povo de raças
heterogêneas, um povo sem fé fervorosa.
Os assuntos religiosos são vistos por Gonzaga Duque sem muita possibilidade de
impressionar, visto que já estão estafados e não atendem ao gosto do homem moderno:
44
Os assuntos sagrados, os assuntos bíblicos, tratados por todos os artistas do
Renascimento e pela maior parte dos artistas dos tempos modernos, nada oferecem
de novo além da maior ou menor habilidade na maneira de compor. Como
concepção são ingratos. Por conseguinte não há que esperar maravilhas sob este
ponto de vista. (DUQUE, 2001, p. 130).
Por isso revela Belmiro de Almeida como o primeiro a romper com os
precedentes, adjetivando-o de inovador, por causa do tema que retratou na tela Arrufos. Esse
quadro revela uma cena banal, uma briguinha entre um casal; assunto de que a arte brasileira
não se ocupava, visto que a arte da Academia privilegiava as paisagens, os retratos e temas
históricos. Gonzaga Duque lamenta o desprezo pelos assuntos quotidianos e a predileção dos
pintores brasileiros por assuntos clássicos, daí sua admiração por Belmiro, pintor que aponta
como
o primeiro, pois, a romper com os precedentes, é o inovador, é o que
compreendendo por uma maneira clara a arte do seu tempo, interpreta um assunto
novo. Vai nisto uma questão séria – menos a de uma predileção do que a de uma
verdadeira transformação estética.
(DUQUE, 1995a, p. 212).
Aponta ainda que os assuntos devem ter um caráter “real”, firme e um cunho de
honestidade e “verdade”. Como se sugerisse aos artistas, Gonzaga Duque lista uma série de
assuntos que acredita ser os que o povo necessita, porque são os que falam das alegrias e
desilusões:
As pequenas paisagens animadas, paisagens alegres, sítios encantadores em que a
inteligência do imigrante levantou a choça e plantou de flores; os pequenos quadros
de episódios domésticos; as crianças que brincam na relva viçosa dos jardins, os
velhos enrugados que vêm ler os jornais à porta que abre para o pomar de laranjeiras
em flor; as mocinhas rosadas que borrifam as violetas, a gravidade elegante da haus-
frau que se ocupa nos afazeres da casa, a representação viva, tocante de impressão e
de observação, das cenas domésticas, de uma rusga, da alegre chegada de um filho,
da partida de um ente estimado; a leitura à noite em torno do lampião, na mesa
redonda da sala de jantar; a merenda dos pequenitos, de olhos esgazeados e
bocazinha faminta, sentados no regaço de suas mamães que repassam a colher na
tigela do caldo; toda essa infinita multidão de episódios e de cenas são os assuntos
que mais comovem, mais impressionam ao homem de hoje. (DUQUE, 1995a, p.
213).
Esses temas banais, domésticos são apreciáveis porque têm, “pela simplicidade do
assumpto, o encanto da serena poesia domestica”. (DUQUE, 1929, p. 66). Belmiro possui a
sensibilidade de ver e destreza nas mãos, observa Gonzaga Duque, além de compreensão de
seu tempo e do destino da pintura moderna.
Zola, no terceiro texto do artigo “O naturalismo no salão”, publicado em Le
Voltaire em 1880, fala sobre as pinturas ao ar livre (conquista dos impressionistas), as cenas
45
mundanas e populares, definindo-as como modernas, isso porque apresentam a vida íntima de
figuras atuais, o que caracteriza o fluxo crescente da modernidade.
Para Gonzaga Duque, Belmiro fez uma verdadeira revolução estética,
principalmente por causa dos assuntos que abordou em seus trabalhos, como fizeram Millais e
Marcos C. Stone no início do século XIX na Europa. Rancière (2005) afirma que a revolução
estética é a glória do qualquer um, ou seja, é um casal qualquer em seus aposentos, Arrufos
(1887); é a dona de casa, A tagarela (anexo 7), de Belmiro; é um grupo suburbano que canta
e dança, Tarantella (anexo 8), de Henrique Bernardelli; é uma senhora humilde cachimbando
na janela, Nhá Chica (anexo 9), de Almeida Júnior; é o homem simples preparando seu
cigarro de palha, Caipira picando fumo (anexo 10), também deste último pintor; dentre tantos.
Por fim, a revolução, que primeiro aconteceu na literatura e que se estendeu para outras artes,
é o que Rancière (2005, p. 49) aponta como o
passar dos grandes acontecimentos e personagens à vida dos anônimos, identificar
os sintomas de uma época, sociedade ou civilização nos detalhes ínfimos da vida
ordinária, explicar a superfície pelas camadas subterrâneas e construir mundos a
partir de seus vestígios.
Sem essa ruptura no realismo, como seria possível, por exemplo, a legitimação
das artes mecânicas? O qualquer um fotografado, filmado não seria reconhecido no campo
das artes. O homem comum nos assuntos de arte pode ser visto, no Brasil, como uma marca
de uma arte moderna antes da Semana de 22.
Rodolpho Amoedo, para quem Gonzaga Duque dispensou os dizeres “o mestre,
deveríamos acrescentar”, retratou na tela Christo em Capharnaum (anexo 11) um assunto
deslocado de seu tempo, mas procurou apresentá-lo não como um quadro de fé, pois
considera Cristo um mito cultivado pela crendice. Gonzaga Duque nota como os assuntos são
representados de acordo com a idiossincrasia dos artistas, por isso, apesar de toda sua
simpatia por assuntos quotidianos, Gonzaga Duque afirma que não é a escolha do assunto que
engrandece o pintor, mas a criação de sensação de vida que o trabalho deve transmitir, através
da maneira de expor o tema, característica do regime estético, em que a arte é visualizada e
pensada pela maneira como foi executada.
Eliseu Visconti, em Pedro Álvares Cabral guiado pela providência (anexo 12),
conseguiu dar a esse tema bastante usado um toque individual, sem convenções, porque,
segundo Gonzaga Duque (1929, pp. 21-22): “o artista comprehendeu que tratar de assumpto
lavrado, já longamente debastado por grande número de interpretadores, o obrigava a uma
concepção original: synthetizou-o, pois, n’uma fórma allegorica”. Nesse quadro, “foi o
46
pensamento que originou a imagem”, já em Oréadas, “foi a evocação que esboçou o
assumpto”, (DUQUE, 1929, p. 23); esta tela o artista compôs com sentimentos clássicos,
porém utilizou técnicas modernas, as quais fazem com que os assuntos se apresentem de
modo expressivo e vivo. Podemos apostar num levantar dos mortos, num devir-vida. Essas
duas telas são diferentes no assunto, na interpretação, mas
iguaes na habilidade d’exprimir; marcadas pela mesma pincelada, a super-
emotividade d’m artista em plena posse de seus dotes, apto a vibrar com tudo que
for bello, donde a vantagem de não se repetir, de não fatigar o olhar curioso do
amador! (DUQUE, 1929, p. 24).
Ainda de Eliseu Visconti, a tela Convalescente destoa dessas outras duas, pois é
um trabalho naturalista, cujo tema é um episódio da vida comum, segundo Gonzaga Duque,
que esclarece ser o modo de interpretar os assuntos que dará vida ao quadro; para isso é
preciso vivê-los, “isto é, sentindo-os bem intensamente até dar a cada qual a feição que lhe é
própria”, (DUQUE, 1929, p. 25), como fizeram Antônio Parreiras e Roberto Mendes, cujos
quadros apresentam expressivismo no assunto, além de uma característica forte do
naturalismo, pois são dados momentos da “realidade” apanhada pelo pintor.
Gonzaga Duque esclarece que não é a escolha por assuntos afins, que faz com que
o artista tenha êxito, como Eliseu Visconti pela adolescência; exemplo disso é o eclético
Helios Seelinger, que pinta uma variedade de assuntos, não pela observação, com a maneira
naturalista, mas com a imaginação, com a superexcitação de um grande pintor que transpõe
para a arte assuntos da vida contemporânea, como um trabalho de filósofo.
A simplicidade dos episódios da vida do dia-a-dia Gonzaga Duque define como
encanto da poesia doméstica, como alguns trabalhos de Presciliano Silva. Lição de tricot
(anexo 13), desse pintor, Gonzaga Duque (1929) caracteriza como pochades
6
, como “poesia
improvisada da pintura”, instantes únicos e efêmeros. Zola (1989) define-as como pinceladas
dadas às pressas para que a primeira impressão não escape; também Baudelaire (2002)
acredita dever o artista executar rapidamente antes que se dissolvam e traz um grande pintor
para sustentar sua opinião: “visto que considero a impressão transmitida ao artista pela
natureza como a coisa mais importante para traduzir, não será necessário que esteja armado de
antemão de todos os mais rápidos meios de tradução?” (DELACROIX, apud BAUDELAIRE,
1998).
6
Pochade significa a pintura executada com poucas e rápidas pincelas.
47
Assim são vistos dois quadros de Luiz Christofe, por Gonzaga Duque (1929, p.
160), como assuntos serenos, “em que se extrema a poesia dos simples, da alma popular”,
assuntos de que precisa a arte de uma sociedade veloz e moderna.
A falta de interpretação do assunto é notada por Gonzaga Duque em Redenção do
Amazonas, de Aurélio de Figueiredo, que retrata uma indígena e um negro, figuras centrais
que “o artista fez do motivo de sua obra um acessório, um complemento de ultima hora,
lançando alli assim a um canto, para encher a téla”, e completa que Figueiredo “não quis dar-
se o trabalho de meditar sobre o assunto”. (DUQUE, 1929, p. 81). A partir dessa figura de
negro, aproveita para discursar sobre esse assunto, lembrando a grandeza dessa etnia “tão
intimanente ligada ao desenvolvimento do povo brasileiro, do qual ella é um dos principais
factores, que, obra feita, tornando-a por objecto, deve ser, forçosamente, séria e admirável”.
(IDEM). A mesma seriedade também pede para a figura da indígena e, por isso, conclui que
“a concepção do quadro de Sr. Aurélio é infeliz”. (IDEM).
Por mais que admire os assuntos vulgares e até os prefira, Gonzaga Duque não
deixa de ressaltar que a escolha do assunto deve estar de acordo com as preferências do autor,
como Pedro Américo para os bíblicos, Antonio Parreiras para os rústicos, e acima de tudo,
chama a atenção para a interpretação do assunto, pois é essa que fará viver as telas, as
esculturas, as páginas. Ernst Fischer (2002, p. 150) acredita que “a escolha do tema é,
naturalmente, da maior importância: através dela, entre outras coisas, se revela a atitude de
um artista ou escritor”.
Modesto Brocos pinta um retrato de senhora que contém as exigências que
Gonzaga Duque faz à arte: realidade, franqueza, vida reunidas num estudo de costumes. Esse
assunto ordinário enche a tela de Brocos de chama da vida, assim como outro quadro desse
artista satisfaz o gosto do crítico com assunto banal pintado com rico amarelo, cor esta que
Gonzaga Duque diz ser o sol do Brasil, pois
o amarello é uma tinta que domina a nossa paizagem, mistura-se em quasi todos os
meios tons luminosos, expande-se, victoriosa nos claros rasgados pelo sol. Onde ha
luz ha amarello. É a diluição do sol. Ha frondes que, no mais intenso azul cobalto
do céo, são irritantemente amarellas. (DUQUE, 1929, p. 30).
O amarelo é uma das marcas da nossa nacionalidade, segundo Gonzaga Duque, é
ainda a vida nas cores. O sol é a alma, a vida da paisagem brasileira, que muitos pintores,
principalmente estrangeiros, não conseguem captar, como o paisagista Benno Treidler, em
cujos trabalhos não faltam sentimentos, mas pecam no colorido brasileiro. (DUQUE, 1929, p.
38). Talvez não entendessem os estrangeiros que o “Sol do Brasil” acentua tudo com sua luz:
48
“os negros brilham com suas peles molhadas e suadas, e os brancos reluzem com suas roupas
e sombrinhas”, segundo Schwarcz (2008, p. 250). Relembremos a presença do sol no décimo
primeiro capítulo do livro O cortiço, de Aluísio Azevedo. Após uma relação sexual com
Léonie, a filha de Dona Isabel, Pombinha, que aos dezoito anos ainda não menstruara, deita-
se debaixo de uma árvore, onde o
calor tirava do capim um cheiro sensual (...). O sol, vitorioso, estava a pino e, por
entre a coragem negra da mangueira, um dos seus raios descia em fio de oiro sobre o
ventre da rapariga, abençoando a nova mulher que se formava para o mundo.
(AZEVEDO, 1999, pp. 147-148).
O professor Brocos, no salão de 1904, expõe um quadro com o título Scena
Doméstica, assunto falho, segundo Gonzaga Duque (1929, p. 110), no que diz respeito à
naturalidade que esse assunto requer. Já Rodolpho Chambelland, que não é professor nem um
artista livre dos conselhos de mestres, como afirma Gonzaga Duque (1929), pintou Noite de
espetáculos e teve êxito ao retratar um assunto em que as figuras estão de acordo com o tema
proposto. O quadro de Marie Louise Bernardières, que tem por temática uma senhora no
momento em que interrompe a leitura com a chegada de alguém, Gonzaga Duque (1929)
aponta para expressões fisionômicas que condizem com o assunto retratado. Já a tela de
Lucilio Albuquerque, Agnus Dei, é criticada porque as figuras não se adaptam ao assunto.
O assunto de Puga Garcia em O crepúsculo não satisfaz o olhar de Gonzaga
Duque (1929, p. 165) porque o artista abusou do nu, motivo muito explorado e que merece
um tratamento diferenciado, não costumeiro.
Defendendo os assuntos comuns do dia-a-dia, Diderot (1993, pp. 108-109)
acredita que “a polidez, essa qualidade tão amável, tão doce, tão estimada no mundo, é
enfadonha nas artes da imitação, [e completa] é necessário às artes da imitação algo selvagem,
brutal, impressionante e enorme”. A partir disso, continua aconselhando os pintores:
“comove-me, assombra-me, atormenta-me; faz-me vibrar, chorar, estremecer, irrita-me,
primeiro; deleitarás meus olhos depois, se puderes”.
Como já podemos perceber, Gonzaga Duque expõe sua preferência por assuntos
domésticos, quotidianos, mas reconhece que a escolha, a “interpretação de um assunto não
augmenta nem diminue as qualidades dum artista, dentro dos limites da sua aptidão e de seus
intentos”, (DUQUE, 1929, p. 170), mas, seja qual for, o assunto deve ser vivificado, como
dizia Émile Zola em “Os realistas no salão”, publicado em L’Evénement, “pintem rosas, mas
pintem-nas vivas se quiserem ser realistas”. (ZOLA, 1989, p. 47). Neste texto, que Gonzaga
49
Duque leu, Zola ainda diz que “o tema não importa muito. (...) a única coisa que peço ao
artista é que ele seja pessoal e forte”. (IDEM).
Gonzaga Duque se questiona por que o trabalho de Firmino Monteiro, que tende
para uma escola moderna, que é observadora do “real” e que possui um aspecto sensível, não
desperta impressão imediata de vida no espectador e ele mesmo responde:
Há quadros muito bem pintados que olhamos uma, duas, três vezes e nenhuma
emoção nos despertam. Vemos que todas as figuras estão nos seus lugares, que o
desenho é sofrível, que o colorido é feliz e harmonioso, mas falta ao todo – vida,
movimento, ação; para tudo dizer, falta-lhe o caráter essencial do assunto. As telas
de Monteiro estão nessas condições. (DUQUE, 2001, p. 165).
Esse caráter talvez seja aquilo que encontra em Roberto Mendes – “a sugestão dos
seus encantadores assuntos”, (DUQUE, 2001, p. 196), carregada pelo temperamento do
artista. Dessa maneira, avalia a representação viva das cenas domésticas de Eça de Queiroz ao
se referir ao O Primo Basílio. Nesse romance, Gonzaga Duque (2001) destaca: colorido na
frase, expressão nítida, construção nervosa e vibrante, sintaxe original, enfim, um vasto
assunto que prende, que impressiona, diferente das histórias de heranças e de inimizades entre
famílias, tão exploradas no romantismo.
Outro fator que valoriza o assunto, na visão de Gonzaga Duque, é a simplicidade
da escolha, como acontece nas telas de Almeida Júnior: “é o assunto que lhe comove e
impressiona que vai para a tela”, (DUQUE, 1995a, p. 181), ou seja, como esse pintor é um
realista, rejeita toda a decoração nos quadros, não se preocupa em agradar e fazer bonito, mas
fazer simples e transmitir para a tela a impressão que recebeu. Características estas que ele
define como o ideal da arte moderna: “uma obra sólida, moral, simples e bem feita”,
(DUQUE, 1995a, p. 182), assim como Arrufos e Tarantella, ambas pinturas de costumes.
Depois de tanto apontar para os assuntos de arte, Gonzaga Duque (2001) se retira
da discussão e diz que a escolha do assunto não entra na competência da crítica. Roland
Barthes (1990, p. 90) observa que, segundo Diderot, a criação do pintor não está na escolha
do tema, mas na “escolha do instante pleno, do quadro”.
Por mais que Gonzaga Duque critique a academia, não deixa de reconhecer as
qualidades de telas que apresentam temas clássicos, mas que atendam às exigências que faz à
arte, como a tela de Almeida Júnior Remorso de Judas (anexo 14). Nesse quadro, segundo o
crítico,
outro assunto acadêmico, o artista foi ainda mais forte, mais expressor. Esta tela
possui, ao meu ver, grande importância pela franqueza com que foi tratada. As tintas
foram colocadas rudemente, com convicção e sem receios banais de desgostar a
vista. A anatomia do rosto e das mãos é excelente, bem estudada e perfeitamente
50
compreendida. Aquele Judas sente a febre do remorso escaldar-lhe o sangue nas
artérias, correr pelo corpo como o incendiar das mechas, descer pelas veias
inopinadamente até jactar-se fervente no coração para de novo sair. (DUQUE, 2001,
p. 63).
Mais do que essas questões, Gonzaga Duque afirma ser a maneira de fazer que
engrandece o assunto, como a de Almeida Júnior, visto que um assunto pode ser do gosto do
crítico ou do público, mas não satisfazer pela composição. É relevante ressaltar que, para
Gonzaga Duque (2001), além de habilidade, o artista precisa sentir o assunto, como fez
Castagneto. Se o que realmente importa é como retratar, a maneira de compor que se dará a
vida, passemos para o próximo capítulo nesse pensamento, ou seja, com a idéia de que é
preciso o sentir as coisas do mundo para fazê-las viver em imagens.
Busquemos, finalmente, como podemos compreender essa vida.
51
5 A VIDA NA ARTE
De todas as cousas humanas, a única
que tem o seu fim em si mesma é a
arte.
Machado de Assis
O debate contemporâneo no campo das artes se debruça sobre o modernismo com
o intuito de compreender o presente e as transformações que deram condições à arte de se
apresentar como tal nos dias de hoje. Depois das vanguardas, tivemos um esgotamento desse
movimento, cujo sintoma é o pós-modernismo. Essa nomenclatura, contudo, traz em si um
fazer próprio do modernismo, ou seja, um esforço para causar estranheza, uma ruptura com o
clássico, um pulo para fora de mímesis. Essas noções não se fazem esclarecedoras porque
fixam uma posição de dentro de um movimento artístico que se tornou hegemônico. Por isso a
importância de Rancière nessa análise, porque ele questiona o ponto de vista do modernismo e
dá ao realismo, considerado pelas vanguardas como mímesis, um caráter até então
desconhecido. A partir disso, como a “vitória” das vanguardas se premiou com o título de
modernista, é possível discutir o centro dessa idéia, que é a ruptura com o já estabelecido, pois
a tal rompimento não responde qual modernidade. Se esse sulco diz respeito à arte anti-
mimética, vale lembrar que os vanguardistas não deixaram de fazer arte figurativa; utilizaram,
no entanto, uma mímesis mais distante do referente no mundo “real”, uma maneira diferente
de lidar com as coisas, como no caso dos surrealistas, estes que são, segundo Rosalind Krauss,
em O Fotográfico (2002), ao contrário do que o próprio manifesto pregou, atraídos pelo
mimetismo, exemplo disso é André Breton.
Se eliminarmos a noção de representação como aquilo que representa outro ser,
veremos que a arte não duplica, mas sim produz um ser singular, autêntico, ou seja, a arte
cria, não reproduz. Se pensarmos que a arte representa algo e que é na instância do mimético
que se produz signos, a representação do outro faz com que o objeto natural se dobre, de
acordo com Rosalind Krauss (2002). Essa duplicação implica semelhança, e isso significa
que há a coexistência da dessemelhança, e isso quer dizer que a apresentação já é um outro
por carregar em si todas as diferenças do referente “primeiro”. Em arte, o que diferencia o
objeto artístico do objeto “real” ou “mental” é uma questão de material e de sensação.
Segundo Deleuze e Guattari (1997, p. 216), o sorriso sobre a tela é somente feito de cores, de
52
traços, de sombra e de luz, é o sorriso do óleo – é uma vida na arte semelhante à vida “real” e
vice-versa, por isso há diferenças nas formas, nos conteúdos e nos materiais. Uma tela não
pode conter, evidentemente, seres vivos da vida “real”, mas seres que vivem na arte – seres de
sensação, o que os autores supracitados chamam de afectos, cuja definição pode se entendida
como “devires não humanos do homem”. (IBID., p. 220).
A semelhança que objetos de arte carregam de um possível referente se dá porque
o artista, certamente, cria a partir de alguma coisa que viu, ouviu, leu, sentiu, imaginou,
sonhou, enfim, a arte não parte do nada. Os temas são abordados de acordo com cada estilo,
mas nenhum representa um ser, “real” ou imaginário, mas todos apresentam um ser que nasce
e vive ali – na arte. A pretensão de retirar da arte o caráter enigmático, fantástico,
fantasmagórico, onírico e designar a ela um papel científico, “jornalístico” foi obra do
realismo do final do século XIX. Uma leitura possível é essa; outra, no entanto, aponta para
uma maneira diferente de proceder, ou seja, enquanto, por exemplo, o simbolismo, o
romantismo percebiam e retratavam o “real” com uma certa distância, o realismo aproximou
suas lentes de modo a querer atingir um contato com o mundo. Georg Simmel, de acordo com
Waizbort (2006), trabalha com as palavras aproximação e distância para definir e diferenciar
o simbolismo do realismo/naturalismo quanto à técnica de “capturar” e apresentar o “real”.
Rancière (2005, p. 35) afirma que o realismo não significa a valorização da semelhança, “mas
a destruição dos limites dentro dos quais ela funcionava”. Roman Jakobson, no texto “Do
realismo artístico”, chama atenção para, praticamente, duas concepções ambivalentes do
realismo. Uma se refere à visão dos críticos conservadores, cujo entendimento de realismo
está ligado à alteração da “realidade”; já outra acredita que o realismo é a aproximação com o
“real”, concepção dos inovadores. Jakobson aponta ainda que os conservadores não percebem
o valor estético autônomo da deformação e traz Dostoiewski para sustentar sua hipótese, pois,
para este, “em arte, para mostrar o objeto, é preciso proceder através do exagero, deformar a
sua aparência precedente, colori-lo como se dá cor aos preparados para observá-los nos
microscópios”. (DOSTOIEWSKI, parafraseado por JAKOBSON, 1973, p. 126).
Isso não quer dizer que a arte realista esteja colada ao “real” e que, por isso,
exprime a vida, pois toda representação implica observação e interpretação, ou seja, passa por
um filtro, ainda mais quando pensamos a palavra representar como transformar em imagem,
ou como nos diz Franco Rella (2004), apresentar ao espírito; dessa maneira, portanto,
podemos entender como criação, já que, em arte, representação no sentido de estar no lugar de
outrem é contraditório se concebermos a arte como produção de signos. Dessa maneira, não é
53
possível pensarmos em cópia porque o que é representado na arte nunca é fielmente aquilo
que o artista viu, sentiu, imaginou, já é um outro.
Não pretendemos aqui atacar o modernismo como se ele fosse o vilão, mas
contestar sua versão da história das artes. Que ruptura é esta com o passado que leva em conta
o próprio passado? Silviano Santiago (2002), no ensaio “A permanência do discurso da
tradição no modernismo”, fala de um discurso de restauração desse passado dentro do
modernismo e mostra isso com Carlos Drummond de Andrade, que fez um remake do tema
clássico de Camões; Murilo Mendes, que retomou o discurso do cristianismo; e Oswald de
Andrade, que parodiou Gonçalves Dias. Antoine Compagnon, no clássico Os cinco paradoxos
da modernidade (1996), afirma que a modernidade, que se colocava contra a tradição, tornou-
se a tradição da ruptura com a tradição, termo que Octavio Paz utiliza no primeiro capítulo de
seu livro Los hijos Del limo (1990). Rancière (2005, p. 36) afirma que o regime estético das
artes é “um novo regime da relação com o antigo”.
Dando um passo para trás, pensemos agora, como sugere Rancière, no realismo
romanesco, na entrada do homem comum na literatura. Quem é a Rita Baiana, de Aluísio de
Azevedo, senão uma mulher do povo, sem ligações com grandes homens da sociedade? Quem
é a menina normalista do interior, Maria do Carmo, de Adolpho Caminha? Quem é a moça
coxa, de Machado de Assis? Certamente não são grandes heróis da nossa história, também
não são reis e imperadores. Esta sim é uma ruptura nas artes, os assuntos domésticos e
cotidianos que Gonzaga Duque tanto admirava e elevava, como vimos no capítulo anterior; é
também uma outra maneira de pensar a arte na lógica do regime estético. Para Rancière
(2005, p. 46), no regime estético, com seu início no realismo, “o anônimo tornou-se um tema
artístico”. Nesse regime, uma mulher “do lar”, que pára de limpar a casa para tagarelar, e a
figura de Jesus Cristo são representados na arte com a mesma potência, quebrando assim com
a hierarquia dos temas, erigida pelas poéticas, de Aristóteles, por exemplo.
Dessa maneira, a ruptura com os temas clássicos, neoclássicos e suas hierarquias
faz com que a arte do final do século se caracterize como moderna, não somente pelo corte,
mas pela autonomia conquistada. Os assuntos do cotidiano são vistos por Gonzaga Duque
como os que melhor apresentam a vida, talvez por vencerem a metafísica, a religiosidade, a
mitologia que se faz presente na produção acadêmica. Os trabalhos da Academia Imperial,
depois Escola Nacional de Belas Artes, foram alvos de várias críticas de Gonzaga Duque, que
os via como uma arte paralisada, sem vida.
Até aqui já podemos formar uma idéia do que seja a exigência de Gonzaga Duque
quanto à vida na arte de acordo com o que vimos inicialmente nos assuntos. Observamos que
54
os temas quotidianos, vulgares expõem o que o artista sente e consegue transmitir, mas isso
não quer dizer que Gonzaga Duque não perceba vida em assuntos clássicos, pois estes podem
retornar cheios de vida de acordo com a habilidade do pintor e suas técnicas modernas. Um
exemplo disso está no quadro Pedro Álvares Cabral guiado pela providência. Para isso, é
necessário sentir o assunto com intensidade, de modo a conseguir transmiti-lo para a tela com
vivacidade, como fez Eliseu Visconti nesta tela, que Gonzaga Duque afirma ter sido feita
numa concepção moderna, além de que
foram as indefinidas tendencias estheticas de um tempo agitado, anciante e
indeterminado nas suas aspirações que presidiram a creação do motivo e a sua
execução. O artista comprehendeu que tratar de assumpto lavrado, já longamente
debastado por grande numero de interpretadores, o obrigava a uma concepção
original. Ainda, por esse modo, seria preciso desviar-se das demasias dos bellos
effeitos sem significação, dos recursos do chic que prejudicam a seriedade
idealizadora, e limitou-se, exclusivamente, á allegoria, na sua verdadeira expressão.
(DUQUE, 1929, p. 22).
Os temas clássicos, acreditamos, além de viver na arte, precisam sobreviver num
tempo em que a fé fervorosa se esvai e os heróis não têm mais a configuração regida pela
virtude, como os do passado. O transmitir não significa, contudo, uma simples passagem, pois
todo e qualquer assunto, para que viva na arte, é necessário que não seja cópia, mas
interpretação: aí entra o sentir.
Na concepção de Gonzaga Duque, é importante que o artista siga as suas
preferências, pois, dessa maneira, conseguirá melhor sentir o assunto e, conseqüentemente,
agitá-lo, fazê-lo fremir. Erro que Pedro Américo cometeu ao escolher um assunto de batalha
quando suas preferências e habilidades se voltavam para assuntos bíblicos, de acordo com
Gonzaga Duque (1995a), no capítulo “Progresso”.
Como Gonzaga Duque reclama por uma arte nacional, chama a atenção dos
pintores para o amarelo, que, segundo ele, como já vimos, é a cor do Brasil, o que torna nossa
paisagem mais vivaz. Além de ufanista, seus escritos têm um cunho realista, até mesmo
naturalista por acreditar que a vida na arte deve se assemelhar com a “vida lá fora”. Sendo
assim, nada melhor do que assuntos típicos desses estilos.
Outra questão importante de frisar é o que diz respeito à consonância entre os
assuntos e as figuras representadas. Numa tela realista, por exemplo, não cabe, na concepção
de Gonzaga Duque, uma expressão fisionômica inexpressiva, pois perderia a “verdade”, a
simplicidade e naturalidade da vida quotidiana.
Em contraposição a esses assuntos cheios de vida, Gonzaga Duque aponta para a
arte acadêmica, que produz no estilo neoclássico, como vimos no terceiro capítulo, com
55
assuntos já esvaziados pelo tempo e técnicas ultrapassadas. A Academia, segundo Gonzaga
Duque, fabrica uma arte paralisada, sem vida, sem expressão, por isso não alcança o homem
moderno e sua vida frenética, urbana.
Podemos agora dar um passo mais largo nessa exigência para chegarmos a uma
noção mais nítida dessa vida na arte, atrelando-a a outros elementos. Avancemos a eles.
5.1 A VIDA – O MOVIMENTO
O movimento é a constituição de uma
potência enquanto potência.
Agamben
Diante de toda a casmurrice do ensino brasileiro de artes do século XIX, Gonzaga
Duque se posiciona e sugere, como crítico moderno contra a academia, que a arte não seja
simples repetição de técnicas, advertindo aos artistas a diferença entre “a maneira de pintar e a
maneira de sentir”. (DUQUE, 2001, p. 101). Para ele, é o sentimento despertado pelo objeto
de arte que tem o poder de nos impressionar, por isso seu reclame, em muitas passagens de
seus escritos, por vida na arte.
Temos, porém, um problema: como podemos entender essa vida em objetos fixos,
inanimados, emoldurados, imóveis, se é próprio da vida o movimento? Vamos a uma
passagem do ensaio “Antonio Parreiras”, onde Gonzaga Duque (1929, p. 48) disserta sobre
Aretusa (anexo 15), para adentrarmos mais profundamente no pensamento de Gonzaga Duque
quanto à vida na arte que queremos compreender:
Ahi o trabalho de modelagem foi vencido com uma perseverança extraordinária,
tratando-se de um nú que não é familiar; mas, ha palpitação, ha seiva nessa carne
morena de rapariga, que se destaca do fundo claro e parado da paizagem como o
consentimento de um olhar voluptuoso se destaca do rosto pallido de uma virgem
immovel. La chair est la matière, animèe, vivante de toute vie qui afllue vers elle,
diz Etienne Bricon. Sim, é a matéria animada, ora fazendo-se vida consciente desse
bosque encortinado pelas nevoas matutinas, camara de núpcias que Ceres
ornamentou, todo fresco e tremente por contêl-a, por possuil-a, e haurir de seus
negros cabellos desbastados, de seus hombros, de seu tronco, de suas pernas, da sua
nudez moça e forte o aroma entontecedor da mulher veripotente...
56
O que esta imagem contém de vida? Em primeiro lugar, não é um nu familiar,
como o próprio Gonzaga Duque aponta, ou seja, não é um nu de beleza e paisagem clássicas;
e em segundo, é composta de formas naturais, e o corpo feminino está levemente inclinado
para a esquerda, parecendo uma posição um tanto desconfortável e, talvez por isso, vivo, ou
seja, causa uma impressão de “realidade”. Essa vida, que desperta senso de criatura viva, pode
começar a ser entendida no sentido deleuziano, ou seja, um vir a ser vida, devir-vida, não
necessariamente fundamentado na semelhança com um suposto modelo “real”, mas na
composição de sensações.
Se a vida avança para o caminho da cultura e o objeto de arte, em seu momento de
criação, corresponde talvez à vida, como supõe Georg Simmel, então o que há de vida na arte
podemos entender, seguindo o pensamento de Deleuze e Guattari (1997), como uma
impressão de vida daquilo que se apresenta como forma, ou como aponta Simmel (1968),
formas com que essa vida se veste. Mas a forma por si mesma necessita de indicativos de
movimento, de perceptos e afectos, que são compostos que conservam a arte,
independentemente do artista e do espectador, pois os afectos são devires não humanos do
homem, e os perceptos são as paisagens não humanas da natureza; ambos compõem o ser de
sensação que a arte faz viver, de acordo com Deleuze e Guattari (1997).
Simmel (1968) diferencia dois tipos de forma. Uma que é velha, sem vida, como
Gonzaga Duque aponta a figura do rei de Portugal no quadro Retrato de D. João VI (anexo
16), pintada por Debret, bem como o cenário desta tela; e outra forma que é plena de vida, o
que Gonzaga Duque observa no quadro Aretusa, de Antonio Parreiras.
Gonzaga Duque (1995a) diz que Pedro Américo pintou um quadro de batalhas
motivado por interesses pecuniários, e isso não só prejudica sua tela como revela o duplo
poder do dinheiro, como teoriza Simmel, que mostra o dinheiro como um elemento fixo,
imóvel, que iguala todas as coisas, roubando assim a individualidade, ao mesmo tempo em
que circula na velocidade frenética do mundo capitalista. (SIMMEL, apud WAIZBORT,
2006).
Podemos perceber na tela de Debret, vista pelos olhos de Gonzaga Duque, um
momento estanque, a ausência de movimento, se repararmos como todas as coisas ali se
igualam a um só material – o papelão. Waizbort (2006) assevera que Simmel assim fala do
homem moderno, que se caracteriza como frio, desalmado, sem coração. Aqui a figura do rei
não sente, não pulsa, não se movimenta. Simmel (apud Waizbort, 2006) denuncia que o
dinheiro, que quebra com o sentimento e faz de um processo um fim em si, configura um
57
estilo de vida que faz com que a indiferença à singularidade extraia o movimento da vida para
afirmar uma totalidade, uma igualdade entre todas as coisas.
Saquear o movimento, que é próprio da vida, seja pelo dinheiro, seja pelo direito,
é extinguir a vitalidade e proclamar a morte. Esse quadro de Debret pode ser lido menos como
uma exaltação à vida dessa figura do que um culto à morte, em que o ser se eterniza no tempo.
Ao perder a liberdade, a figura do rei perde a individualidade, própria do que está em
movimento, como o dinheiro, que não tem caráter.
Uma pintura sem vida, segundo Gonzaga Duque, é aquela que não mostra o
movimento, o nevrálgico da vida; já a arte plena de vida é aquela que sai da forma fixa, ou
melhor, faz com que a forma se movimente. Um exemplo disso é o quadro de Almeida Júnior,
Amolação interrompida (anexo 17), em que a figura masculina estava amolando seu machado
e foi interrompida de surpresa por alguém que passa e a cumprimenta. Nesse momento, rompe
a distração, pára sua tarefa e levanta os olhos e a mão direita para responder. Esses
movimentos deixam à mostra a expressão natural dos músculos, tendões e veias que se
sobressaltam com o esforço do trabalho físico.
Assim como Gonzaga Duque (1995a) diz que o retrato de Dom João VI não tem
vida e que parece um boneco, Zola, em “Nossos pintores no Champ-de-Mars”, de 1867,
publicado em La Situation, fala da figura feminina do quadro Nascimento de Vênus (anexo
18), de Cabanel, caracterizando-a de “boneca bem desenhada”. (ZOLA, 1989, p. 92). Na
quinta parte de Cartas de Paris, de 1875, Zola afirma que muitos artistas que ainda estão
presos aos antigos mestres não pintam as personagens que estão no presente e completa: “é
por essa razão que vemos lastimáveis imitações, bonecos fabricados segundo uma receita
conhecida, de onde a vida está completamente ausente”. (IBID., p. 191).
Podemos notar que a noção de vida na arte, para Gonzaga Duque, está atrelada a
esse natural e espontâneo movimento da vida, especialmente quando se trata da frenética vida
moderna. Ele acredita que, num tempo em que se entrecruzavam vários estilos artísticos, fim
do século XIX, época “mórbida, mas deliciosa”, e o “turbulento mau tempo do nosso viver”,
início do século XX, mesmo se houvesse uma tendência artística definida, a arte só se faria
moderna caso nela estivesse presente a vida. Para Simmel (1968), a vida, em sua essência, é
agitação, desenvolvimento e fluidez. Sendo assim, como ela poderia ser diferente na arte?
Como é possível pensar em vida sem movimento? Pensemos no conto Morte do Palhaço, que
é um texto repleto de movimento no que diz respeito ao enredo, pois tem por temática um
trapezista; notemos a construção de imagens velozes e sobrepostas, mas atentemos também
para o desfecho, em que o Clown, num vôo, perde a barra do trapézio, cai e morre. Esta
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caveira, mesmo estática, deixa-se gargalhar, rir sem risos. Esse Palhaço, por mais que esteja
trajado de modo a parecer um monstro mitológico, é de carne e osso; seu sangue ferve em
busca de uma arte nova, uma arte que se sacrifica para assistir à sua própria morte. Para
Gonzaga Duque, até um cadáver precisa de vida, de movimento. É a arte de uma reflexão
individual, um subjetivismo que se aproxima dos movimentos expressionistas. Ele não está
preocupado com o sentido dessas imagens, mas com o valor de expressão que elas têm.
Lembremos também que é própria do ensaio a inquietação, o movimentar-se entre
possibilidades.
Calixto Cordeiro, caricaturista que ilustrou o conto Morte do Palhaço, leu esse
texto com todo o movimento que o autor lhe deu. Na primeira ilustração (anexo 19), nos
apresenta um cenário de extremidades claras, uma luz que surge de cima e acaba num reflexo
na ponta esquerda da base. Asas de rapinas amorfas, que se entrelaçam numa confusão
estonteante, compõem o plano de fundo. Essa luz atinge uma figura estranha no trapézio,
talvez caricaturando a Morte, quando ela balança ameaçadora para frente, firmemente
determinada a pousar num corpo que se encontra num plano abaixo e fora da moldura, não no
do espectador leitor, mas no de testemunha aflita participante daquele espetáculo. Por que não
a vemos? Talvez não seja ela o lugar da presença minaz, talvez aqueles olhos que a miram do
primeiro plano ainda buscassem um lugar próprio, um lugar único para estar. O que busca,
afinal? Um destino ainda nunca tocado? Uma alma nunca antes visitada? Um lugar para uma
nova arte? Na segunda (anexo 20), a Morte, com cabeça de caveira, está de braços abertos
para um acrobata; este já transfigurado, preso somente com os pés na barra do trapézio, está
pronto para se entregar, para alcançar o Mal, o momento final e único. A Morte, esguia,
soberana e acolhedora, abre seus braços em forma de asas de morcego e espera o grande
momento, a ocasião na qual, num grande salto, o trapezista será por ela amparado num
amplexo nunca sentido, jamais visto antes.
Observamos que Calixto soube ler toda a agitação do conto e trabalhou essas
gravuras com a inquietação necessária para ali produzir, também, o movimento. Gonzaga
Duque afirma que o moço caricaturista tem a “extraordinaria espontaneidade de se exprimir
pelo desenho dando corpo a todas as idéas e pensamentos (...). Fascinante, por elegancia e
expressão, já é sua obra de hoje (...)”. (DUQUE, 1929, p. 244).
Gonzaga Duque não faz questão de esconder sua preferência pelo expressivismo,
no sentido de expor as reações humanas. Em “O que todo mundo sabe sobre a expressão e
algumas coisas que ninguém sabe”, Diderot (1993, p. 83) explica que “a expressão é
59
geralmente a imagem de um sentimento”. Ao se referir à arte de Amoedo, Gonzaga Duque a
caracteriza de valor expressivista e define este como “o estilo”. (DUQUE, 1929, p. 10). É esta
também a denominação que concede ao quadro Más notícias (anexo 21), de Amoedo.
Pensando anacronicamente, podemos lembrar que Simmel (1968) esclarece que o
expressionismo é a agitação dos artistas que continua na obra, da mesma maneira como eles
vivem. Assim entende Gonzaga Duque, como bom ruskiniano, pois acredita que o paisagista
precisa sentir, viver a natureza, assim como o pintor deve estar em sua tela, ou seja, o artista e
o seu objeto necessitam se encontrar um no outro, desde sua personalidade, como o vestuário
é para Belmiro de Almeida e Balzac, até suas preferências, como os quadros religiosos para
Pedro Américo. Gonzaga Duque acredita que existe identificação entre o autor e sua arte, “ou,
pelo commum da coincidencia, parece existir”, (DUQUE, 1929, p. 28), e que a arte reflete seu
autor assim como este está repleto em sua arte, como em Calixto. O frenesi do artista faz com
que sua arte se agite, assim como a inquietação do crítico faz com que seu ensaio se
movimente.
Ao mesmo tempo em que Gonzaga Duque está preso às regras clássicas da arte,
ele avança e delas se liberta, entendendo que o movimento que a vida na arte exige não pode
estar presente e fixado nas linhas, nas técnicas acadêmicas. Exemplo disso está nesta
passagem:
E, que absurdo: tentar o movimento pela ordem na chapa acadêmica, é negar o
próprio movimento. Compreendemos bem que o movimento em um quadro de
batalha é o delírio, e não o movimento resultante da ordem de um agrupamento de
pessoas pouco mais ou menos entusiasmadas. (DUQUE, 1995a, p. 156).
Essa opinião sobre o movimento é contrária à de Rangel Paio, e o trecho acima
parece uma resposta a este. Paio entendia ser a organização dos episódios a única maneira de
movimento na arte, como nos mostra sua análise do quadro de Victor Meirelles, Batalha dos
Guararapes (anexo 22):
O movimento resulta do contraste das figuras entre si e dos grupos entre uns e outros
(...); também a devida proporção entre as figuras em seus diferentes afastamentos,
nasce a natureza do movimento (...). Nunca o movimento em um quadro, no seu
único e verdadeiro sentido tecnológico, se consegue senão à custa da ordem. (PAIO,
apud DUQUE, 1995a, p. 171).
Para Gonzaga Duque, não é com a linearidade, a disposição dos fatos que o artista
consegue criar o movimento, mas a maneira de sentir, de fazer, como tentaremos demonstrar.
O que já podemos notar é que, para esse crítico, não é a obediência à academia nem às regras
e aos professores que fazem com que o artista consiga criar uma arte viva.
60
Por ter se diferenciado dos estilos acadêmicos, Pedro Américo foi alvo de duros
julgamentos de críticos convencionalistas e professores das academias, os quais limitavam o
artista a copiar os mestres. Essa censura é vista por Gonzaga Duque como uma maneira de
negar o direito do artista a criar seu próprio estilo, afinal, “a imitação não faz mais do que
realçar o mérito do original. De resto, quem imita é porque não pode inventar”. (DUQUE,
1995a, p. 152). Américo foi elogiado por Gonzaga Duque, que se colocou em defesa do
pintor, apontando que este “abandonou as cediças linhas da composição acadêmica e compôs
o sujeito como melhor entendeu, para transmitir mais diretamente a impressão recebida”.
(IBID., p. 151). Além disso, Pedro Américo é, para Gonzaga Duque, desenhador do
movimento, por isso deu a seu quadro de batalha um brio magistral e triunfante. Após a morte
do pintor, Gonzaga Duque escreve um ensaio, em 1905, na revista Kosmos, em que lhe faz
uma homenagem, afirmando que, depois de Araújo Porto-Alegre, Américo “representa, de
maneira clara para o investigador d’alma alheia e analista das frases do personalismo, uma
individualidade integral de homem e artista”. (DUQUE, 2001, p. 239).
Concluindo a análise de Batalha do Avaí (anexo 23), Gonzaga Duque, em A arte
brasileira, (1995a, p. 152) acrescenta: “o conjunto, apesar dos defeitos, é vigoroso, grande,
vivo, admirável. É um quadro de batalha em que se batalha, esse que aí está e que com toda
imparcialidade, constitui a maior obra de arte que o Brasil possui”. As figuras só lutam porque
o artista fez com que elas ali vivessem, porque as imagens criam a sensação de movimento.
Diferente da ousadia de Pedro Américo, Victor Meirelles pinta o quadro Batalha
dos Guararapes nos moldes convencionais. Apontando defeitos e qualidades, Gonzaga Duque
(1995a, p. 177) elogia a figura de um índio “que contrai a perna ferida, no plano direito, tem
esse movimento realidade”, mas os índios comandados por Felipe Camarão são criticados,
pois “não têm vida, formam um bando de figuras estáticas”. Anota ainda que o movimento
nesta tela só é identificado após horas de observação e de trabalho analítico, mas que foi
alcançado porque o pintor não ignorou estes elementos que dão impressão de movimento:
expressão dos músculos, peso do corpo, extensão e flexibilidade dos membros, anatomia
correta, rudimentos de desenho de figuras. Para Gonzaga Duque, são esses nervos,
musculaturas, dobras e expressões que dizem: “nós estamos vivos, nós somos a verdade”.
Aby Warburg (apud Waizbort, 2006, p. 77) diz que “o bom deus está no detalhe”. Esses
pormenores que não fazem, necessariamente, parte fundamental das figuras, mas que, como
certifica Roland Barthes (1988), dão o efeito de real, ou o senso de real, como atesta Zola
(1995), são partes importantes na constituição da vida na arte, na concepção de Gonzaga
Duque.
61
Se pensarmos que na estrutura da imagem encontramos o vazio, já que a estrutura
não é estruturalizada, mas estruturalizante, como afirma Derrida (2002), podemos inferir que
aí está a vida, porque a vida é vazia; talvez por isso Nietzsche fala em viver esteticamente. A
vida se apresenta com seus fantasmas, suas cinzas, provindos de crenças, e o trabalho do
crítico é ler isso que resta, os fragmentos, os espaços em branco, os vestígios da existência.
Isso é possível nos detalhes, nos pormenores, que um leitor inocente só percebe com
encantamento, diferente do crítico que analisa sem deslumbramento a “verdade” combinada,
rearmada desses restos que ali sobrevivem, que fazem com que o ser no mundo se apresente
desnudado, sem máscara e com outra máscara, sem ensaios.
Fazendo uma analogia com a fotografia, podemos pensar que a vida no estilo
realista é o flash inesperado, o flagrante, o ser-pego-de-surpresa, diferente da fotografia na
China, cuja cultura pede um arrumar-se, uma pose para que as pessoas possam ser retratadas
pela máquina, como informa Susan Sontag (2004). Também podemos apontar, para melhor
esclarecer, que a vida na arte realista/naturalista é bastante diversa da barroca, visto que
aquela pretende captar o sentir da vida, e esta representa uma vida encenada, teatral.
Atentemos para a diferença entre Nhá Chica, de Almeida Júnior, uma tela realista, e A
colocação no túmulo (anexo 24), de Caravaggio, estilo barroco. Enquanto as personagens de
Caravaggio, tanto as que observam e louvam quanto as que seguram o Cristo, parecem não
estar contraindo os nervos e músculos ao fazer força, nem apresentar uma expressão de
emoção, a figura feminina de Almeida Júnior aperta os lábios para puxar a fumaça do
cachimbo e as veias de sua mão incham porque está se apoiando na janela. Gonzaga Duque
(1929, p. 67) caracteriza como um flagrante o homem simples de expressão desoladora, o
Bebedor de cidra (anexo 25), de Presciliano Silva; bem como o Lar infeliz (anexo 26), de
Antonio Parreiras.
Em A vaga, de Courbet, Gonzaga Duque nota a simplicidade nesta tela realista,
que retrata o céu e o mar, e afirma:
No horizonte cresce uma nuvem parda e imensa, tomando todo o comprimento do
quadro. O oceano rola, majestoso, uma enorme vaga para a praia onde descansam
dois batéis abandonados. O quadro é isto e nada mais. Mas quanta expressão, quanta
energia, quanto movimento nessa enorme vaga! (DUQUE, 2001, p. 100).
Esta é, talvez, a vida que Gonzaga Duque pede que os artistas expressem em seus
trabalhos, uma vida vivida e não encenada, como é a maneira de fazer de Correia Lima,
escultor que consegue: “exprimir as emoções afastando-se da dramatização dos gestos”.
(DUQUE, 1929, p. 72). Ao falar de outro trabalho de Correia Lima, O prisioneiro, Gonzaga
62
Duque (1929) nota também que não é uma figura de feições dramáticas nem de eloqüência
exagerada do gesto, típico do gênero clássico, mas da naturalidade das expressões de um
vencido. Sem encenação, a arte, tanto para Diderot quanto para Gonzaga Duque, é mais viva,
como fez Firmino Monteiro, cujos personagens
são tipos pesados, vulgares, comuns; são tipos que nós encontramos ali assim, na
calçada, na praça, sem a mínima preocupação pela pose e pela aparência. Não quero
dizer com isto que sejam mal compreendidos. Não. Por este fato, algumas das suas
figuras satisfazem plenamente a nossa exigência. (DUQUE, 2001, pp. 164-165).
O movimento é bastante diferente no estilo realista e no barroco, pois, enquanto
um é improvisado, o outro é ensaiado. O movimento na arte realista pode ser percebido, por
exemplo, no quadro de Almeida Júnior, O importuno (anexo 27), cena em que a figura
feminina está se escondendo de alguém que chega sem avisar, causando um mal-estar no
ateliê do pintor. Além de apresentar um assunto “vulgar”, Almeida Júnior traça o ambiente e
as personagens de modo bastante próximo do que nossos olhos estão habituados, ou seja, esta
é uma pintura realista, tela na qual podemos notar a contorção dos músculos das figuras
humanas e experimentar a angústia de, a qualquer momento, a figura masculina se virar e
flagrar ali a mulher.
Não só na pintura, mas também na escultura, Gonzaga Duque pede por vida e
movimento. Em A arte brasileira, ele ressalta que as estátuas de Chaves Pinheiro, João
Caetano e Joaquim Augusto, são falsas porque “são mudas, têm a ação paralisada, não dão
uma idéia imediata de que o artista imaginou ou sentiu”. (DUQUE, 1995a, p. 241). Diferentes
dessas esculturas de Pinheiro são as de Almeida Reis. Uma delas, O crime, uma figura grega,
demonstra, no olhar de Gonzaga Duque (2001, p. 46), aquilo que vimos quanto ao movimento
e vida:
A musculatura tem a beleza dos organismos robustos, tem a vitalidade dos corpos
habituados aos exercícios vigorosos dos trabalhos físicos. Vê-se no rosto daquele
indivíduo um estigma de alma acabrunhada, uma profunda emoção que a desgraça
incute terrivelmente no pensamento. Há naquele todo a verdade dos grandes choques
humanos.
Sobre um busto de bronze, retrato da esposa de Luís Guimarães Júnior, modelado
por Rodolpho Bernardelli, Gonzaga Duque (2001, p. 94) encontra “tudo que se pode exigir:
anatomia, movimento e corte”, e sugere a mudança do material utilizado nessa escultura,
afirmando que as linhas femininas ficam mais belas no mármore. Mas, mesmo no bronze, o
artista dá à matéria bruta os meneios e as feições necessárias para fazê-la viver.
63
Num ensaio reunido em Contemporâneos, escrito para o Diário do Commércio,
em 1892, Gonzaga Duque analisa a Exposição de Modesto Brocos. Em uma das pinturas
desse artista, ele chama a atenção para aquilo que faz viver na arte:
Um retrato de senhora brilha com todo o barulho de sua força colorida, pelo
vermelho sanguineo do casaquinho que lhe contorna e affaga o tufo do peito,
destacando-se do verde contrastante do fundo, um fundo pincelado á la diable,
desprezado de minudencias e acabamento. Nesse triumpho de coloração, o seu
rostinho vulgar tem uma grande chamma de vida, a sua cabeça anima-se, despega-se
da téla e posa com ares de quem quer vêr a gente que alli se arrasta de quadro a
quadro, observadora ou vazia. (DUQUE, 1929, p. 88).
Dessa maneira, começamos a entender melhor a visão de Gonzaga Duque quanto
à arte. Para alguns trabalhos de Henrique Bernardelli, aponta como defeito “a passagem do
pincel procurando o contorno, forçando o relevo, que não foram vencidos pela espátula”.
(DUQUE, 2001, p. 143). O que Gonzaga Duque vê como deficiência, Heinrich Wölfflin
entende como estilo clássico, linear, que põe limites, contornos nas figuras.
Para o teórico suíço, o linear representa as “coisas como são”, é o âmbito do ser,
diferente do pictórico, que representa as coisas como elas parecem ser, âmbito do parecer, em
que não há contornos e os objetos são compostos em massas. Desse modo, “a visão linear
distingue uma forma de outra, enquanto a visão pictórica busca o movimento que ultrapassa o
conjunto de objetos”. (WÖLFFLIN, 2002, p. 27). Vemos ainda que o movimento só é
possível no vazio e, se a vida é vazia, não tem essência nem consolo metafísico, ela se
apresenta no parecer. Segundo Nietzsche, sem fundamentalismo, sem justificação, o único
sentido é viver esteticamente, como uma obra de arte, pois “como fenômeno estético a
existência ainda nos é suportável”. (NIETZSCHE, 2002, p. 132).
A passagem do procedimento linear para o pictórico é vista por Wölfflin como
uma evolução nas artes, o que nos faz entender que é um outro regime de arte, o estético, que
o faz assim pensar. A partir dessas definições, podemos compreender que Gonzaga Duque,
como crítico especializado em artes plásticas, reclame por “maneiras de fazer” modernas. Na
trajetória artística de Baptista da Costa, observa como o pintor conquistou sua habilidade com
as tintas e pincéis: “luctava, então, por simplificar o que via, ora tentando pela côr o que lhe
falhava no desenho; ora substituindo por massas o que a habilidade não conseguia no fofo e
tufado das fórmas”. (DUQUE, 1929, p. 29). Além disso, se o modo de ver pictórico exige o
movimento, é possível entender por que Gonzaga Duque insiste em pedir aos artistas que
encham de força, de vida, de movimento os seus objetos de arte.
Há, contudo, uma aparente contradição em Gonzaga Duque sobre o movimento.
Até aqui observamos que a vida está atrelada ao movimento, porém, em O prisioneiro, de
64
Correia Lima, escultura já citada, Gonzaga Duque nota-lhe a ausência de movimento físico,
pois os membros estão imóveis. Contradição aparente porque ele mostra que o que se move
são as expressões e diz: “o que nelle vive, o que nelle se contráe é a fisionomia, o jogo
combinado dos expressores faciaes que traduzem a altivez e o seu desprezo pela morte”.
(DUQUE, 1929, p. 72). Ele aponta uma vantagem da escultura moderna sobre a antiga: a
original expressão de sentimento.
Em “Belas artes: Exposição de N. Facchinetti e Henrique Bernardelli”, mostra a
falta de movimento das paisagens de Fachinetti como um problema porque a natureza do
pintor está estática, “é impossível, é uma estampa de academia. Ali está em sua frente, queda,
silenciosa, inerte; sempre com o mesmo aspecto, sempre os mesmos acidentes”. (DUQUE,
2001, p. 137). Em Firmino Monteiro, percebe a mesma dificuldade, talvez por causa da falta
de estudo de desenho o pintor não consegue, segundo Gonzaga Duque, expressar na tela o
movimento.
Entendemos que o movimento é fundamental à vida na arte e, mesmo que as
figuras estejam imóveis; as expressões musculares, faciais, por exemplo, devem dar
impressão de movimento, de vida. Como crítico moderno, vivendo em meio à agitação do fim
do século – a rapidez das derrubadas dos casebres e das construções de largas avenidas,
principalmente no Rio de Janeiro, a velocidade da imprensa e das mudanças sociais –
Gonzaga Duque compreende que a arte precisa acompanhar os acontecimentos da sociedade
e, ao pedir movimento na arte, acaba por expor uma noção de modernidade na qual a vida,
entrecruzada de sensações desse mundo moderno, se apresenta num ritmo frenético. Simmel
(1968) afirma que a própria vida providencia a dinâmica de todo o movimento, ou seja, não é
o movimento que dá vida ao objeto de arte – é a vida que faz com que as formas se
movimentem.
Acreditamos que a vida atrelada ao movimento já nos direciona para o
entendimento dessa vida na arte. Como esta, na maioria das vezes, carrega um sentido
realista, passemos a atrelá-la à “verdade” do realismo do fim do século.
65
5.2 A VIDA – A VERDADE
A verdade na obra de arte
está em construção.
Heidegger
Se a arte barroca também é carregada de movimento, como já vimos, a arte
moderna, para Gonzaga Duque, não expressa a vida tão somente por causa do movimento,
este é mais um elemento de como exprimi-la. No capítulo de A arte brasileira em que analisa
a tela de Pedro Américo, Batalha do Avaí, o autor afirma que este quadro falha na impressão,
na realidade e anota que “em toda obra de arte o que mais impressiona é a realidade, é o vivo,
o verdadeiro”, (DUQUE, 1995a, p. 159); como as impressões de movimento nas expressões
das figuras. Nesta asserção, temos mais um elemento que pode nos ajudar a compreender essa
vida: o “real”, pois o que lhe chama a atenção é a “realidade”, ou seja, a semelhança que as
personagens carregam com os seres do mundo, ou talvez a vida que há no “real” e na arte, por
isso Gonzaga Duque alega a falta de impressão nesse imenso quadro de Américo. O grupo do
lado direito do primeiro plano dessa tela é visto por Gonzaga Duque (1995a, p. 158) como um
detalhe que prejudicou o conjunto; um exemplo disso está na expressão fraca da figura de
uma mãe, que tem seu filho morto por uma bala perdida. Aqui percebemos que a concepção
de representação, para Gonzaga Duque, carrega o sentido de “estar-no-lugar-de”, da figura de
um cachimbo estar no lugar de um cachimbo “real”. Ainda calçado na idéia de duplicação, de
representação aristotélica, o crítico entende, na lógica do regime representativo ou poético,
que a arte precisa ser fiel àquilo que representa e, dessa forma, expressar a vida como a vida
se apresenta no mundo das coisas.
Gonzaga Duque acompanha Diderot nas críticas que este faz à academia e na
verdade que o francês exige à arte. Ao discorrer sobre estudos longos que o artista faz na
academia, Diderot assegura que o pintor aprende a maneira do desenho, mas que, copiando
um modelo vivo, que ali está posado, não consegue assimilar as posições naturais. Em outras
palavras, quando alguém está servindo de modelo, posicionado de acordo com as exigências
do artista, o pintor apanhará uma vida teatralizada, não natural. Em “Parágrafo sobre a
composição, aonde espero chegar”, Diderot exige que a arte seja natural, “verdadeira” e
afirma que uma tela deve representar uma rua, uma praça pública e não um teatro: “ainda não
se fez absolutamente e não se fará jamais um detalhe de pintura tolerável a partir de uma cena
66
teatral”. (DIDEROT, 1993, p. 108). É importante identificarmos que Diderot, quando discorre
sobre a natureza, está se referindo ao natural, à verdade.
O que tem em comum esse lutador de escola com o da minha rua? Esse homem que
suplica, que reza, que dorme, que reflete, que desfalece propositalmente, o que tem
ele em comum com o camponês prostrado de cansaço no chão, com o filósofo que
medita ao lado da lareira, com o homem que desfalece sufocado em meio à
multidão? Nada, meu amigo, nada. (DIDEROT, 1993, pp. 35-36).
Diderot entende que a observação do natural fará com que o artista represente o
natural, porque o modelo apresenta aquilo que sua função o transforma, por isso o homem que
puxa a água do poço será melhor desenhado pelo artista do que aquele manequim que se passa
por um trabalhador. O pintor acadêmico corrige, altera o natural, segundo Diderot, que
enfatiza: “não é na escola que se aprende a conspiração geral dos movimentos, conspiração
geral que se sente, que se vê, que se espalha e serpenteia da cabeça aos pés”. (IBID., 1993, p.
36).
Ao falar sobre Nicolas-Antoine Taunay, Lilia Schwarcz (2008, p. 57) nos diz que
o neoclassicismo
7
pretendia ser um estilo verdadeiro e correto, por isso os artistas negavam os
detalhes desnecessários e mostravam a “preocupação em modelar os músculos e tendões do
corpo”, elementos estes indispensáveis para fazerem as figuras viver, na opinião de Gonzaga
Duque.
No quadro de Victor Meirelles, Batalha dos Guararapes, Gonzaga Duque reclama
por verdade quanto aos “fatos reais”. O momento que o pintor escolheu para fixar essa
imagem foi o final da batalha e, por isso, as roupas dos combatentes não poderiam estar tão
limpas depois de horas de luta, assim como o chapéu de um dos soldados holandeses estava
deslocado, pois, em todos os outros trabalhos de batalhas, como de Rembrandt, ninguém
usava um chapéu alto, de copa redonda e de pêlo de seda cinzenta, segundo o crítico. Hoje
essas exigências nos parecem estranhas e até mesmo engraçadas, mas no século XIX eram
comuns nas críticas, que exigiam da arte um caráter documental.
Dentro da rigidez da tradição artística, que hierarquizava, classificava e julgava,
Gonzaga Duque (1995a, p. 179) acredita que esse quadro de Meirelles,
para satisfazer as exigências da crítica, necessita de uma longa abstração no seu
conjunto; quer isto dizer, para avaliá-lo torna-se necessário um instinto de
gastrônomo: é preciso dividir a ação, separar os grupos, isolar as figuras e tomar
7
É importante lembrar que os artistas brasileiros foram alunos da colônia de Lebreton, cujo estilo era o
neoclássico.
67
cada qual de per si para, vagarosamente, esmiuçadamente, notar-se-lhe as boas
qualidades.
Quanto ainda à “realidade”, a escultura eqüestre de Chaves Pinheiro, na visão de
Gonzaga Duque, não expressa vida porque, além de não ter naturalidade, “é um pobre animal
sem nervos, sem músculos, sem veias”, talvez porque esse cavalo seja o primo irmão de
Tróia, como satiriza Gonzaga Duque. (DUQUE, 2001, p. 45). O gênio dramático, outra
escultura de Pinheiro, é descrita como “um sujeito de botas e carão embasbacado. É fria, não
tem arrogância, nem tem vida; parece um tolo”. (IBID., p. 46). Desse mesmo estatuário
Gonzaga Duque observa um busto em barro de Tiradentes, defeituoso porque
tem um carão boçal de doudo, mas um doudo pesado, sem os ímpetos de cólera, nem
a melancolia das cismas. É um barbado de olhos abertos, arregalados. De testa
pequena, acanhada; uma testa incapaz de dar idéia de uma consciência firme e
resoluta, de um entusiasmo de Ranquer, de um sentimento altruísta. (DUQUE, 2001,
p. 46).
Além da ausência de vida mostrada nessa passagem, de acordo com Gonzaga
Duque, podemos evidenciar que o crítico exige que o objeto de arte seja fiel à história, que
expresse a “verdade”. Como historiador, descreve Tiradentes, em Revoluções brasileiras, de
maneira muito adversa da imagem feita por Chaves Pinheiro: “caíram-lhe nas espáduas
robustas os anéis da farta cabeleira grisalha; na cava das órbitas as pupilas luziam cheias de
sonhos e de esperança”. (DUQUE, 1998, p. 28). Ou seja, Gonzaga Duque constrói uma
imagem de como seria a feição de um grande homem e não consegue aceitar uma expressão
que não se assemelhe com a que ele idealizou e crê ser a mais digna para um herói brasileiro.
Voltando à Batalha do Avaí, é relevante destacarmos que o momento que
Américo escolheu foi a primeira manifestação da batalha e que a região selecionada “é aquela
que ali vemos, um vasto pampa, despido de vegetação”, segundo Gonzaga Duque (1995a, p.
159), que assegura ser aquele local representado na tela exatamente onde aconteceu a batalha,
como se o quadro fosse um documento histórico incontestável no sentido geográfico. Dentre
outros problemas que essa tela apresenta, Gonzaga Duque aponta a figura de um cavalo
morto, que parece estar em estado de putrefação, e isso não condiz com a “verdade da cena”,
início de uma batalha, por isso, esse animal não poderia ter a aparência que Américo lhe deu.
Portanto, a vida na arte deve estar de acordo com a “vida lá fora”.
Essa “verdade” que Gonzaga Duque espera dos objetos de arte está ligada a uma
mímesis mais próxima ao “real”, a uma “fidelidade” com os referentes no mundo,
característica de uma maneira de pensar o realismo, como podemos observar também nesta
68
análise, em “Belas-Artes”, publicado primeiramente em A Semana, 1885, que faz de Gustavo
James:
O artista pintava o céu esbranquiçado ou róseo, e usava do verde-mar para as águas,
o que provoca superioridade de tons nestas e inferioridade naquele; quando James
devia saber que o tom das águas corresponde ao tom do céu ou ao tom dos objetos
que as cercam, desde que sejam colocados em linha elevada. (DUQUE, 2001, p. 85).
A vida no objeto de arte exigida por Gonzaga Duque parece-nos ter uma relação
com a “verdade do realismo”, na concepção de uma mimese mais próxima do “real”, esta que
acaba sendo distorcida, desconfigurada por causa da aproximação exagerada das lentes de
aumento que os artistas utilizam. Zola, em “Os realistas no salão”, publicado em 1866,
pergunta-se onde está o sangue e a vida nas telas de Ribot e argumenta que não encontra
nenhum osso nas carnes flácidas e balofas nas figuras das crianças e dos homens ali
colocadas. Ele ainda se posiciona afirmando o que caracteriza como real: “eu chamo de real
uma obra que vive, uma obra cujos personagens possam mover-se e falar”. (ZOLA, 1989, p.
46).
Um exemplo desta compreensão de “real da realidade” vista em Zola está na
leitura que Gonzaga Duque faz de uma pintura de nu de Amoedo, Estudo de mulher (anexo
28), na qual nota a vida e o movimento da figura feminina: “o exubero contorno dessas
formas, o lacteo macio da epiderme, que o sangue faz tremer e lhe dá o calor de um desejo em
repouso, são como a nudez da Callypigia”. E ainda completa que esse nu contra-acadêmico
contém “extraordinária palpitação da verdade que faz viver”. (DUQUE, 1929, p. 13-14). Em
A arte brasileira, Gonzaga Duque (1995a, p. 187) lê este quadro caracterizando a figura
feminina como real e perfeita, e isso porque nela
sente-se através dessa carne, carne que é carne, carne que tem sangue, a disposição
dos músculos. E para qualificar o poder de realidade que tem este quadro, a estranha
vida que anima esta obra-prima, apenas encontro como forma clara e única a frase
dita por uma senhora diante dessa figura: – Que mulher sem vergonha!
A tela O último tamoio (anexo 29), de Amoedo, apresenta um jesuíta que tem nos
braços um indígena morto à beira mar. Gonzaga Duque analisa essa pintura em A arte
brasileira, no capítulo Progresso, e no ensaio “Rodolpho Amoedo: o mestre, deveríamos
acrescentar”. Neste Gonzaga Duque (1929, p. 12) lê a paisagem e as figuras afirmando terem
sido elas pintadas “de acordo com os rigores da reprodução naturalista, com uma verdade
surpreendente e com detalhes fidelíssimos”. Já no primeiro, Gonzaga Duque (1995a, p. 186)
observa que “o cadáver de Aimbire está pintado com profundo sentimento de realidade,
porém o tipo de Anchieta é falso”, alegando que o missionário não usava barba na “vida real”
69
e descreve a fisionomia “correta” do jesuíta. Hyppolyte Taine, naturalista que Gonzaga Duque
lia e admirava, mostrava uma predileção pela arte que “capta a realidade circundante”;
preferência esta também presente, como estamos percebendo, nos escritos de Gonzaga Duque,
identificada também por Tadeu Chiarelli na introdução de A arte brasileira, na edição de
1995.
Diferente da mestiça da poesia de Gonçalves Dias, que é branca e loura, a Marabá
(anexo 30), de Amoedo, corrige “a fantasia do ilustre poeta maranhense, procurando dar mais
realidade ao tipo dessa mestiça”. Gonzaga Duque deixa claro a sua preferência: “acho mais
verdadeiro, mais preciso, o tipo que o pintor estudou do que aquele da mimosa poesia
brasileira”. (DUQUE, 2001, p. 70). Depois de se posicionar, o crítico esclarece que, no
cruzamento das “raças”, pode acontecer de filhos perderem ou não as características do pai ou
da mãe, justificando a “verdade” das feições e da cor da epiderme da figura do poeta e do
pintor. Seis anos depois de fazer essa análise, Gonzaga Duque (1995a), em 1888, retifica que
esta tela não mostra uma marabá e, por isso, questiona o título dado pelo pintor. Outra vez a
“verdade”, para Gonzaga Duque, deve estar contida no objeto de arte. Já em 1905, escreve
para a revista Kosmos o ensaio “Rodolpho Amoedo: o mestre, deveríamos acrescentar”, que
também se refere a esse quadro, caracterizando-o como um assunto indianista.
Em Aurélio de Figueiredo, a “verdade” no quadro Redenção do Amazonas é
questionada por Gonzaga Duque (1929, p. 82): “e para que diabo servem esses typos falsos de
aborigenes, todos roliços, supinamente pulhas e inuteis? Foi esse typo de indigena que
transformou seu quadro n’uma agglomeração illogica de figuras”. Falta a Figueiredo a
sinceridade, aquilo que Manet também exigia na arte: “o pintor, hoje, não diz ‘veja obras
impecáveis’; diz ‘veja obras sinceras’. É a sinceridade que dá às pinturas o seu caráter de
protesto, ainda que o pintor possa ter suposto que se limitava a recordar uma impressão”.
(MANET, apud FISCHER, 2002, p. 86).
Gonzaga Duque afirma que Roberto Mendes almeja fixar em suas telas a luz
tropical e acredtia que, se conseguir, “as suas paizagens terão alcançado o máximo de
verdade, porque o que falta á paizagem brasileira é essa luz offuscante, poderosa,
intensíssima; luz tropical que confunde tudo n’uma fulguração ou desperta algazarras de côres
nas dissonancias de brilhos”. (DUQUE, 1929, p. 37).
Luiz de Freitas, também pintor da vida ordinária, retrata, em dois quadros, o
interior de uma família pobre. Gonzaga Duque observa nesses trabalhos uma preocupação do
artista com a “verdade”. Como paisagista, Freitas procura pintar o que sente e isso compõe,
segundo Gonzaga Duque (1929, p. 63), a sinceridade de sua pintura. Em Presciliano Silva,
70
Gonzaga Duque (IBID., p. 65) observa o conjunto dos detalhes da tela que irá para a
exposição de 1909. É nesses pormenores que o crítico nota a realidade sensível, como em um
lampião e um vaso de flores que se encontram sobre uma cômoda. Mais uma vez, com Aby
Warburg, podemos pensar que o bom deus está nos detalhes, o “real” está nos detalhes”.
Esse deus, essa “verdade”, segundo Gonzaga Duque (1929), deve estar não só na
narrativa, mas também nas cores e nas formas, na maneira de fazer com que trabalha Amoedo
e como observa, no ensaio intitulado “Estevão Silva”, reunido em Contemporâneos, também
num pequeno quadro desse pintor, que tem a sensibilidade para ver a violência ao pintar os
frutos.
Quanto ao representar as figuras, Gonzaga Duque exige que elas estejam de
acordo com a “realidade”, como podemos notar nas observações que ele faz do quadro de
João Macedo, A Porangaba (anexo 31), que retrata uma cabocla acabrunhada:
Não serei dos mais adversos ao caboclo como assumpto pituresco, não o considero
menos esthetico que o caipira, ao contrario, por ser boa academia, desde que não
falte talento ao artista saber collocal-o no quadro. Mas, o que devemos exigir, é que
o caboclo seja realmente caboclo e não se pareça com os selvagens dos romances
nacionais, que aprenderam rhetorica em artinha de padre-mestre. (DUQUE, 1929, p.
111).
Mesmo que essa “verdade” esteja colada a uma mimese mais próxima do mundo
das coisas, isso não quer dizer que Gonzaga Duque acredite em cópia. Exemplo disso está na
contraposição que faz com um dos teóricos mais lidos e preferidos, John Ruskin, que sustenta
a idéia de que o artista não pode alterar nada da natureza, nem mesmo as cores, e Gonzaga
Duque tem convicção que é impossível a reprodução exata do que vemos, assim como
acredita Roberto Mendes. Em “Paizagens”, Gonzaga Duque traz Augusto Laugel, o qual
afirma que nem os “empastelamentos mais angulosos não imitarão jamais as fendas d’um
rochedo, (DUQUE, 1929, p. 36), e é em “Terceira exposição de A. Parreiras” que transcreve
um trecho do livro de Laugel, L’Optique des arts, para fundamentar sua opinião:
As imagens através das quais apercebemos o mundo externo não são, em suma,
sinais constantes; essas aparenças se transformam a cada instante, pois, sem cessar, a
luz muda de intensidade, os objetos se deslocam e suas cores se alteram sobre
fundos e em meios novos; enfim a irritabilidade da retina é tal, que duas impressões
sucessivas, causadas pelo mesmo corpo, não podem ser absolutamente idênticas.
Quando olhamos os quadros da natureza é como se lêssemos em um livro onde os
caracteres mudassem incessantemente de grandeza e de cor. (LAUGEL, apud
DUQUE, 2001, p. 162).
Gonzaga Duque entende que o artista que tenta copiar as coisas do mundo sem
uma interpretação individual e uma marca original alcança felizes resultados para agradar
71
amadores, mas não atende ao puro exercício da arte, como nas obras de Félix Émile Taunay,
que teve a “ingênua audácia em copiar a natureza”. (DUQUE, 1995a, p. 102).
Visto isso, Gonzaga Duque (1995a) concebe o estilo realista, a representação mais
próxima da “realidade”, uma arte mais “verdadeira”, mais viva, como o retrato de Correia dos
Santos, pintado por August Müller, porque esta, como “em toda obra de arte, o que mais
impressiona é a realidade, é o vivo, o verdadeiro”. (DUQUE, 1995a, p. 108). Para o crítico, o
poder de impressão de “realidade” é o que anima a tela, como esse retrato, em que “a
expressão da figura, retratada em busto, é de uma realidade tocante”. (IDEM). Outro exemplo
dessa concepção está na escultura Jesus Cristo (anexo 32), de Rodolpho Bernardelli, no qual
Gonzaga Duque percebe a preocupação com a “verdade”, um pintor naturalista, porque essa
peça mostra um Cristo bastante diferente daquele de pele clara e olhos azuis do
Renascimento:
é um tipo judaico, humano, real; não relembra de forma alguma as antigas criações
da escultura, não é uma inspiração da fé católica segundo a imposição dos dogmas,
não é um transcendente tipo místico, tal como criara Leonardo da Vinci ou o
imaginara o beatífico Fiesole. (DUQUE, 1995a, p. 254).
Gonzaga Duque inicia o quarto ensaio do livro Graves e frívolos: por assunto de
arte, falando sobre uma coleção de Silva Porto, que ele vira há dezoito anos, para chegar à
exposição de Malhoa. É característico do ensaio a analogia, como aponta Waizbort (2006) ao
se referir ao modo de fazer de Simmel, procedimento de natureza simbólica que exige
decifração, maneira como Gonzaga Duque lê esses pintores portugueses, ou seja, procede
fazendo relações. Nos trabalhos de Silva Porto, Gonzaga Duque escreve, em 1906, o que vem
percebendo desde a década precedente: “a verdade ressumbrada nas telas na descrição exata
dos contornos e cores, com a indicativa inconfundível de um estilo em cujo vigor se percebia
a exuberância do formoso temperamento artístico que o criara”. (DUQUE, 1997, p. 41). Esta
verdade é o fio que aproveita para amarrar Silva Porto com Malhoa, artistas que se destacam
pela “sinceridade do expressivismo”, o que desperta o interesse do crítico especialmente por
Malhoa. Após um longo estudo, Gonzaga Duque revela que este pintor procede
com os mais necessários segredos da paleta e uma considerável prática do difícil
desenho, ele fixa, quase sempre o tipo observado com a naturalidade surpreendida. É
como se o kodackizasse. E por esse poder retentivo, as suas figuras, quaisquer que
sejam elas, ficam vivas nos quadros. (...) Dir-se-há que vamos vendo, através de
janelas de diversas dimensões, a vida intensa da Natureza em dados momentos de
hora e na sua infinita variedade de aspectos. (DUQUE, 1997, p. 41-42).
72
E completa dizendo que a tendência artística de Malhoa é para o naturalismo, uma
arte, segundo Gonzaga Duque, de comunicação imediata, por isso a analogia com a fotografia,
como se as janelas estivessem abertas, com o mínimo de interferência dos vidros, com uma
naturalidade surpreendente.
Esta naturalidade é feita do surpreendido no vulgar da vida, não força a comoção do
amador, entre-lhe n’alma insinuantemente, atrai-lhe a simpatia e o vibra sem o abalo
das tragédias e dos transcendentalismos. Iguala-se-lhe a índole, neste ponto, com os
holandeses do fecundo período da pintura de costumes. (IBID., p. 42).
O que aqui percebemos é a vida do naturalismo, não do barroco, ou seja, não uma
encenação para fazer comover, mas a comovente naturalidade da vida, como Gonzaga Duque
observa num pequeno quadro de Malhoa, intitulado Viúvo, em cuja descrição Gonzaga Duque
(IBID., pp. 42-43) aponta para a figura de um velho português e termina com um trecho de
um poema de Antônio Nobre:
É um mísero Manel, já velhusco, que a saudade empurrou para um canto de muro.
Sentou-se nos degraus esbarrondados dum alpendre e, sem luto por lhe faltarem as
patacas, mas simplesmente nas suas vestes grossas de briche amarelo, queda-se a
contemplar o espaço, na dormência cismarienta do que se foi, Ai, pobre dele!... que
ali está sozinho, com os filhos talvez nos brasis ou n’África, e sem a boa velhinha
que lhe aquecia os caldos e lhe sorria aos dias!... Ai, pobre dele, que traz o coração a
sangrar!...
Meu coração, não batas, pára!
Meu coração, vai-te deitar!
A nossa dor, bem sei, é amara,
A nossa dor, bem sei, é amara,
Meu coração, vamos sonhar...
Essa tela de Malhoa é vista por Gonzaga Duque com as seguintes qualidades:
desenho minucioso, exato, firme, resultando no “modelo felicíssimo que vivifica a figura, que
lhe dá a palpitação das artérias e o volume anatômico do corpo”. (IBID., p. 43). Dessa mesma
maneira, compreende outros trabalhos desse pintor, como esta:
A realidade conseguida pelo Sr. Malhoa com Ti-Ana constitui só por si, um dos
elementos de importância da exposição. Estudada, sem dúvida, por um excelente
modelo, mas estudada a capricho, a cabeça ressalta da tela com uma vida que fere à
primeira mirada a quem relanceia a vista pelos quadros. Não lhe falta uma ruga, os
olhos estão a fitar, e o movimento da língua a lamber o fio é flagrante. (IBID., 1997,
p. 44).
Na leitura deste quadro, Gonzaga Duque revela sua opinião sobre a cópia,
assegurando que a reprodução “exata” contenta o amador, não o crítico, não o artista, como
Malhoa, que “procurou compensar esse rigor com o interesse de um efeito de luz, jogado num
detalhe de carnação e o fez com a sua mestria”. (IBID., p. 44). Não significa o exato, o
73
kodackisado, mas aquilo que o artista viu, sentiu e “traduziu” em imagens. A partir disso,
podemos acrescentar uma nota a mais na concepção de arte de Gonzaga Duque. Supomos há
pouco que, para ele, a representação significa estar-no-lugar-de, mas não se trata de ser-igual-
a, pois, além de serem substâncias diferentes, uma árvore da natureza e uma árvore da tela, a
vida da primeira só pode ser “transplantada” para a segunda em forma de impressão de
“realidade”. Além disso, estar-no-lugar-de é um conceito de signo, e a arte não é um signo,
ela produz signos.
No quadro Apanha das castanhas, deste mesmo pintor, são os olhos negros da
cabeça pálida da figura feminina que dão essa impressão, isso porque
o artista no-la apresenta viva, com esse dom, que é dele, de tudo fazer palpitar ao
toque dos seus pincéis. E fá-lo. Não só na figura, também na paisagem, porque essa
nos é transmitida com a fidelidade reprodutora da visão. (DUQUE, 1997, p. 45).
Os trabalhos de Malhoa, na concepção de Gonzaga Duque (IDEM), são
“exatamente o que ele viu e o que verdadeiramente existe”, mas isso não quer dizer que foi
pintado com exatidão, exprime uma leitura, um modo de como o pintor viu e sentiu essa
“realidade”. Entendemos que, como a pintura moderna é aquela feita para a multidão, e como
o gosto do povo é pelo realismo, Gonzaga Duque acredita que essa arte necessita de uma
mimese mais próxima do “real”, pois ele mesmo afirma que, dessa maneira, a arte é melhor
assimilada. Em “Quadro e telas”, publicado em O Globo, 1882, Gonzaga Duque afirma que
“os fatos que mais chocam os organismos são os fatos visíveis, aqueles que se apresentam
brutalmente frente a frente com o indivíduo, completamente despidos e terríveis na sua
forma”. (DUQUE, 2001, p. 53). Ele parece oscilar entre duas maneiras de pensar a arte: uma
que atendesse à multidão, e para isso precisaria de uma mimesis mais próxima à realidade; e
outra que satisfizesse o crítico, uma arte que apresentasse um traço do “real” juntamente com
um traço pessoal do artista.
Dessa maneira, Gonzaga Duque concebe a imagem fotográfica, ora sendo não fiel,
mas próxima da “realidade”, ora sendo um traço desta. O bebedor de cidra, de Presciliano
Silva, segundo Gonzaga Duque (1929, p. 67), é um flagrante, parece kodakisado, pois tem “a
preocupação de fazer justo, certo e verdadeiro”.
Observamos, ao longo dessas passagens que estamos recortando dos escritos de
Gonzaga Duque, que ele se refere algumas vezes à fotografia, o que pode nos ajudar a
compreender sua opinião sobre a cópia do “real”. Para entendermos melhor como ele concebe
a fotografia, pensemos um pouco sobre as teorias dessa imagem mecânica.
74
Vilém Flusser, em Filosofia da caixa preta, assevera que o homem das cavernas
representava o mundo em forma de imagens para tentar entendê-lo. Num outro momento,
começou a não ter mais as imagens como mapas, mas como um conjunto de cenas, o que o
autor chama de idolatria, em que o homem vive magicamente a realidade, ou seja, deixa de se
orientar pelas imagens e se torna incapaz de decifrá-las. Depois dessa alienação, o homem
passa a querer traduzir as imagens em linhas, a era da escrita, a textolatria. Assim, os textos
eram uma tentativa de compreender as imagens, que explicavam o mundo através da
conceituação. Após isso, explica, as imagens técnicas, produzidas por aparelhos, “imaginam
textos que concebem imagens que imaginam o mundo”. (FLUSSER, 2002, p. 13). Essas
imagens técnicas têm a singularidade de que aparentemente não precisam de interpretação,
como se esses instrumentos apresentassem verdades incontestáveis. Desse modo, as imagens
fotográficas “são dificilmente decifráveis pela razão curiosa de que aparentemente não
necessitam ser decifradas”. (IDEM). Sem decifração, o observador confia nas imagens
técnicas porque as concebe como “reais” e não simbólicas. A partir disso, o autor esclarece
que decifrar textos é descobrir as imagens que ali foram abstraídas e decifrar imagens é
“reconstruir os textos que tais imagens significam”. (IDEM). De uma maneira ou de outra,
texto e imagem, além de ter uma inter-relação, ambos necessitam de leitura. No capítulo A
recepção da fotografia, Flusser dá o exemplo do uso que o jornal faz da fotografia, afirmando
que esta serve como ilustração para um texto, pois este não explica a fotografia. Na inversão
texto-imagem, o texto aparece como elemento dispensável, por isso Flusser (2002, p. 56)
assevera que “o analfabetismo fotográfico está levando ao analfabetismo textual”, já que o
iletrado participa da cultura dominada por imagens, que são programadas e manipuladas.
Vejamos tudo isso com mais cuidado. Durante toda a discussão desse livro,
Flusser vai apresentando conceitos de imagem de modo a sempre acrescentar mais
informações. Logo de início, a imagem é conceituada como “superfícies que representam
algo. Na maioria dos casos, algo que se encontra lá fora no espaço e no tempo. As imagens
são, portanto, resultado do esforço de se abstrair duas das quatro dimensões do plano”.
(FLUSSER, 2002, p. 8). É na imaginação que se originam as imagens, pois é ela que faz e
decifra as imagens, cujo significado se encontra na superfície, mas quem pretende abstrair as
duas das quatro dimensões precisa vaguear pela superfície, atividade esta que Flusser chama
de scanning, pois é seu traço que consegue alcançar a estrutura da imagem. O resultado,
conquistado através desse método, será a decifração do significado da imagem, com as
intenções do emissor e do receptor. A partir disso, Flusser retoma o conceito de imagem e
acrescenta que “as imagens não são conjuntos de símbolos com significados inequívocos,
75
como o são as cifras: não são ‘denotativas’. As imagens oferecem aos seus receptores um
espaço interpretativo: símbolos ‘conotativos’”.
O parte-a-parte do método scanning possibilita estabelecer, entre as partes e
elementos, relações temporais. Como este quadro-a-quadro é circular, sempre se retorna para
rever partes vistas anteriormente, partes preferenciais. É o sincrônico e diacrônico no mesmo
método. Tais partes preferenciais, juntamente com o tempo circular, são centrais, pois nelas se
estabelecem relações significativas. Esse tempo circular, Flusser denomina de “tempo de
magia” e complementa: “no tempo de magia, um elemento explica o outro, e este explica o
primeiro. O significado das imagens é o contexto mágico das relações reversíveis”. (IDEM).
Ou seja, para o autor, o tempo não é só linear, e a imagem não pode conter nela mesma uma
significação fixa, postulada, irreversível. É o caráter mágico da imagem e o tempo mágico das
imagens que possibilitam a compreensão delas. Desse modo, Flusser chega a outro conceito
de imagem: “imagens são códigos que traduzem eventos em situações, processos em cenas.
Não que as imagens eternizem eventos; elas substituem eventos por cenas”. (IDEM).
Flusser utiliza um conceito dualista para as imagens, afirmando ser elas:
“mediações entre o homem e o mundo. O homem ‘existe’, isto é, o mundo não lhe é acessível
imediatamente. Imagens têm o propósito de representar o mundo”. (IBID., p. 9). Entretanto,
um dos maiores ganhos, dentro deste significativo texto, está nestas afirmações:
O homem, ao invés de se servir das imagens em função do mundo, passa a viver em
função de imagens. Não mais decifra as cenas da imagem como significados do
mundo, mas o próprio mundo vai sendo vivenciado como conjunto de cenas. Tal
inversão da função das imagens é idolatria. (IDEM).
Como conseqüência dessa idolatria, vemos, principalmente nas imagens técnicas,
o homem alienado aos instrumentos que produziu. A partir dessas asserções, Flusser aponta
que o homem criou ferramentas para auxiliá-lo, mas acabou por ser escravizado por elas a
ponto de não mais ser capaz de decifrá-las, o que fez com que a consciência histórica se
tornasse em consciência mágica.
Já a escrita se fundou de maneira a “codificar planos em retas e abstrair todas as
dimensões, com exceção de uma: a da conceituação”. (IBID., p. 10). Isso porque o conceito é
o pensamento mais abstrato que há, e “decifrar textos é descobrir as imagens significadas
pelos conceitos” (IDEM); visto que explicar imagens é função dos textos, assim como a
função dos conceitos é analisar cenas. A escrita é, portanto, como diz Flusser, metacódigo da
imagem.
76
O primeiro conceito de imagem técnica que Flusser apresenta é: “trata-se de
imagem produzida por aparelho. Aparelhos são produtos da técnica que, por sua vez, é texto
científico aplicado. Imagens técnicas são, portanto, produtos indiretos de textos”. (IBID., p.
13). Quanto à significação, as imagens técnicas, por sua disposição plana na superfície, “são
dificilmente decifráveis pela razão curiosa de que aparentemente não necessitam ser
decifradas”. (IDEM). Isso porque aparentemente “imagem e mundo se encontram no mesmo
nível do real: são unidos por cadeias ininterruptas de causa e efeito, de maneira que a imagem
parece não ser símbolo e não precisas de decifração”. (IBID., p. 14). O autor afirma que o
observador confia nas imagens técnicas porque as concebe como reais, não simbólicas. Cabe a
imaginação codificar textos em imagens; portanto, decifrar imagens técnicas é “reconstruir os
textos que tais imagens significam”. O pensamento conceitual é o resultado dessa decifração,
é o universo do significado.
Dessa maneira, o que se vê numa imagem não é o mundo, mas conceitos de
mundo. Nas imagens técnicas, a decifração é ainda mais complicada, porque o complexo
“aparelho-operador” é demasiadamente complicado para que possa ser penetrado: é
caixa preta e o que se vê á apenas input e output. Quem vê input e output vê o canal
e não o processo codificador que se passa no interior da caixa preta”. [Portanto,]
toda crítica da imagem técnica deve visar ao branqueamento dessa caixa. (IDEM., p.
15).
É preciso compreender que as imagens não são janelas, como diz Flusser, e que
precisam ser decifradas, porque elas agem de forma a obliterar o pensamento conceitual,
substituindo a consciência histórica pela consciência mágica. Elas deveriam fazer com que
pensamento conceitual barato (aquele refugiado em “guetos chamados ‘museus’”), o
pensamento conceitual hermético (científico) e a imaginação marginalizada pela sociedade
reunificassem a cultura, visto que “toda imagem técnica deveria ser, simultaneamente,
conhecimento (verdade), vivência (beleza) e modelo de comportamento (bondade)”, porém, o
inverso se deu:
elas não tornam visível o conhecimento científico, mas o falseiam; não reintroduzem
as imagens tradicionais, mas as substituem; não tornam visível a magia sublimar,
mas a substituem por outra. Nesse sentido, as imagens técnicas passam a ser ‘falsas’,
‘feias’ e ‘ruins’, além de não terem sido capazes de reunificar a cultura, mas apenas
de fundir a sociedade em massa amorfa. (IBID., p. 18).
Flusser afirma ser a fotografia “conceitos programados, visando a programar
magicamente o comportamento de seus receptores”. (IBID., 37). Porém, olhos ingênuos
acreditam que cenas são impressas automaticamente sobre a superfície. Para esses olhos,
como explicar as fotografias em preto e branco, se no mundo não existem cenas em preto e
77
branco? Cabe ao crítico de fotografia decifrar conceito, ao contrário do crítico de pintura que
decifra idéias. As fotos em preto e branco “mostram o verdadeiro significado dos símbolos
fotográfico: o universo dos conceitos”. (IBID., P. 39). Apesar de as em cores serem mais
abstratas, as fotografias em preto e branco são mais verdadeiras. Flusser conclui que “decifrar
as fotografias é “descobrir o que os conceitos significam”. (IBID., 43).
O que já podemos perceber é que o homem cria seus mecanismos, suas
ferramentas para lidar com o mundo, mas acaba não as dominando, tornando-se escravo delas
no sentido de não identificar que nem o texto, tampouco a imagem são janelas abertas para o
“real”, como se texto e imagem não necessitassem de leitura, de interpretação.
Os teóricos da imagem técnica se empenharam em discutir a fotografia
preocupados com o referente. Lembremos de Walter Benjamin (1994, p. 94), no texto
“Pequena história da fotografia”, em que faz um histórico da fotografia, mas se concentra no
ser da imagem para assegurar que “o observador sente a necessidade irresistível de procurar
nessa imagem a pequena centelha do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade
chamuscou a imagem”; recordemos também Roland Barthes e seu livro A câmara clara: nota
sobre a fotografia, em que o autor se dedica, em dois capítulos, a discutir o “isso foi” da
fotografia, ou seja, uma busca pelo ser da imagem. Barthes (1984, p. 14) afirma, no primeiro
capítulo, que a fotografia “não pode sair da linguagem dêitica”, e conclui: “a foto não se
distingue do seu referente”. É também o que Flusser chama de “do-que-estava-aqui-em-dado-
momento”.
Susan Sontag, em Sobre a fotografia, no ensaio “O mundo-imagem”, assevera que
a fotografia, além de ser uma imagem, uma interpretação do “real”, “é também um vestígio,
algo diretamente decalcado do real, como uma pegada”. (SONTAG, 2004, p. 170). Ela traz
ainda Diane Arbus, fotógrafa que tinha uma relação tão forte com o referente que sentia um
gozo ao apertar o botão de sua máquina fotográfica, pois, para ela, era uma maneira de
congelar, ou ainda, matar o fotografado, como se estivesse apertando o gatilho de uma arma.
O que está em jogo em O fotográfico (2002), de Rosalind Krauss, é também o
referente. A autora faz uma longa análise sobre a fotografia no surrealismo e entende que o
referente é aquele que possibilita o simulacro do “original”; o que lemos como sendo uma
maneira de congelar, matar o referente no ato de fotografar, no disparo, mas, ao mesmo
tempo, é uma forma de duplicá-lo em outra imagem.
Philippe Dubois aponta, em O ato fotográfico, a fotografia como espelho do real,
como transformação do real e como traço de um real e mostra que Baudelaire já denunciava a
inocência de se ver a fotografia como cópia desse “real”. Mais uma vez, o que interessa, como
78
se pode notar, nas discussões sobre a fotografia, é o ser da imagem, tanto a fidelidade de
representação quanto a transformação dele. Dubois (2004, p. 53), no resumo do primeiro
capítulo, assevera que abordar o realismo na fotografia, seu traço “real” “marca um certo
retorno ao referente”. Acrescento aqui que a maioria das abordagens sobre a fotografia têm
uma ligação fundamental com o representado nela, desde o objetivo de sua reprodutibilidade
até sua interpretação metafórica.
Um exemplo de uma crença total no referente da fotografia, de uma idolatria,
confiança demasiada nas imagens, de que fala Flusser, pode ser vista com nitidez no livro de
Machado de Assis, Dom Casmurro, em que a semelhança entre Ezequiel e Escobar, na
fotografia deste, atestou a confirmação da traição de Capitu, segundo, evidentemente, o
pensamento de Bentinho.
Essa apresentação “direta do real” aparentemente feita pela fotografia fez com que
ela fosse utilizada para atender à ciência, dando a exatidão dos referentes e material exato à
memória. É aqui que pensamos o realismo na modernidade, pois é ele que rompeu com as
regras das poéticas e que fez com que o romance simulasse uma retratação o homem e seu
meio do modo mais “fiel” possível, ou seja, procurou ajustar suas lentes para que estas não
aparecessem como interferências, como nas máquinas fotográficas.
Quanto a essa fidelidade, Lilia Schwarcz assevera, em As barbas do Imperador,
que a fotografia servia para enaltecer a figura de D. Pedro II, este que foi, segundo ela, o
primeiro fotógrafo brasileiro, “o primeiro soberano-fotógrafo do mundo”. (SCHWARCZ,
1999, p. 345). Essa nova técnica, de acordo com Schwarcz, “permitia não só multiplicar e
espalhar a imagem do imperador por todo o Brasil (mesmo porque era mais econômica),
como uma representação moderna de D. Pedro II”. (IBID., p. 330). No pensamento da época,
a fotografia oferecia a garantia de “verdade”, já a pintura, nem tanto porque, como dependia
da visão e imaginação do pintor, poderia, portanto, mentir. Mas essa não é a versão que Lilia
Schwarcz nos mostra, pois ela traz uma fotografia de D. Pedro, já no fim do reinado, numa
postura de imponência, de altivez. Ela esclarece que essa fotografia assim foi revelada porque
o retratado estava apoiado em um suporte, usado freqüentemente nesse período, pois a pessoa
precisava ficar exposta muito tempo na mesma pose para ser capturada pela caixa preta. Em
seguida, Schwarcz traz uma pintura que retratava D. Pedro na mesma época, porém diferente
da fotografia. A pintura demonstrava um monarca idoso, com aspecto cansado, como ele se
encontrava no final do império. Isso mostra o caráter de “verdade” que se pode questionar da
fotografia quanto à fidelidade icônica.
79
A pintura, contudo, “ficava reservada aos momentos mais solenes e de realização
de rituais”, segundo Schwarcz, “já a fotografia servia aos propósitos da modernidade”. (1999,
p. 330). “Edgar Allan Poe, em 1840, definia a fotografia como um marco da modernidade:
‘como um invento representativo do milagre e do potencial mágico dos anos modernos [...]
como o mais extraordinário triunfo da ciência moderna’”. (POE, apud SCHWARCZ, 1999, p.
346). Além disso, o que caracteriza uma sociedade capitalista, moderna, segundo Sontag
(2004), é uma cultura com base em imagens, as quais devem ser consumidas, esgotadas para
que possam ser reabastecidas; como não podemos possuir o mundo, colecionamos imagens.
Gonzaga Duque, homem de seu tempo, denuncia, em várias passagens de seus
escritos, como se concebia a fotografia naquela época. Vejamos os trechos mais
significativos.
Nos textos reunidos em Contemporâneos, Gonzaga Duque se refere en passant à
fotografia algumas vezes. No texto “Dois artistas novos”, fala sobre Luiz de Freitas e
Presciliano Silva; no trabalho deste último, Gonzaga Duque (1929, p. 66) observa, como
vimos nesse capítulo, a “verdade de expressão” do Bebedor de cidra, afirmando que o “typo
parece koddakisado”. Essa característica se refere ao ser da imagem, mas o tipo
“koddakisado” faz alusão a apenas uma técnica, um modo de fazer. Em outro ensaio,
precedente a este, Gonzaga Duque analisa três esculturas de Correia Lima. Em uma delas, O
Page, Gonzaga Duque diz que a figura fora “apanhada em flagrante pela objectiva das
Kodaks”, referindo-se ao realismo da obra e valorizando a semelhança entre o representado e
o “referente original”. Sobre a marinha de Dall’Ara, Gonzaga Duque (1929, p. 117) assegura
que, como pintura documental, “excede á fidelidade photographica”, ou seja, nesse caso, a
fotografia não seria mais “verdadeira” do que a pintura.
Ao falar de Roberto Mendes, Gonzaga Duque (1929, p. 208), no ensaio “A pintura
e escultura em 1907”, observa que os assuntos escolhidos por este pintor são “dados
momentos da realidade das cousas, apanhadas ou, chamando a pêllo um neologismo acre mas
de firme precisão – kodakisados pela sensibilidade da sua alma sonhadora”. Mais uma vez ele
elogia a habilidade de representar aproximando as lentes, técnica utilizada pelo realismo
romanesco, que não representa fielmente a “realidade”, visto que essa precisão é impossível,
mas que opera de modo a retratar o mundo de maneira mais próxima possível a ponto de
acabar distorcendo as paisagens e as figuras.
Outro exemplo da concepção de Gonzaga Duque (2001) da fotografia como
técnica está na comparação que faz entre Firmino Monteiro e Laurens, dizendo que o primeiro
não tem o valor do último, pois é neste que ele observa, na tela Agitador de Languedoc (anexo
80
33), uma cena majestosa e severa, com figuras admiravelmente desenhadas. Este quadro
Gonzaga Duque reconhece como uma fototipia.
Em Impressões de um amador, podemos verificar outros textos em que Gonzaga
Duque se refere à fotografia. No ensaio que se refere a Generoso Frate, Gonzaga Duque
(2001, p. 82) observa um retrato de uma senhora e aponta a falta de vida, de “verdade” nesta
figura, isso porque foi feito “como se o artista o tivesse copiado de cartão fotográfico para
satisfazer, simplesmente a encomenda”; é o que ele diz de simplesmente “copiar” a natureza
para satisfazer amadores. Outra questão importante Gonzaga Duque nos faz lembrar: muitos
pintores utilizavam a fotografia para servir de modelo para a pintura, como no livro Mocidade
Morta, onde o narrador expõe uma cena em que Agrário fita uma fotografia, procurando o
contorno da cabeça da figura para representá-la no quadro. Henriette, amante francesinha
desse pintor, observa a semelhança da pintura com a imagem fotográfica, e Camilo elogia
essa habilidade de Agrário.
No primeiro capítulo desse romance, o narrador fala sobre Telésforo, figura que
remete ao pintor Pedro Américo, observando, de maneira irônica, o seu sucesso, dizendo que
tinha esse artista a altivez dos superiores, “que correm mundo no papel das gravuras ou nos
cartões fotográficos, a preço reduzido, para o encaixilhamento mural do fetichismo intelectivo
dos afinados e virtuosi”, (DUQUE, 1995b, p. 20); o que, de certa maneira, vem ao encontro
das idéias de Sontag: o mundo moderno consome imagens, fetichiza a mercadoria e ainda,
como diz Flusser, torna-se escravo de seus instrumentos.
Na análise que faz do quadro Batalha do Avaí, Gonzaga Duque declara que a
figura do general Ozório não satisfaz a execução da obra, porque, “sem dúvida alguma, indica
ser copiada servilmente de uma fotografia mal feita”. (DUQUE, 1995a, p.161). Portanto, se há
fotografias mal feitas, não há a possibilidade de se representar o referente objetivamente, sem
interferências, através das kodaks.
Em A Arte Brasileira, Gonzaga Duque (1995a, p.113), ao falar de Araújo Porto-
Alegre, traz um trecho do próprio artista para defini-lo e, antes de transcrevê-lo, assegura que
“o seu caráter está perfeitamente fotografado” naquelas linhas. Gonzaga Duque utiliza a
palavra fotografado de maneira a se referir a técnica utilizada pelo realismo do final do século
XIX, ou seja, a tentativa de apanhar o referente do mundo de modo mais próximo possível, de
maneira a revelar a “verdade” das coisas.
Jacques Rancière afirma que a revolução estética vem antes da revolução técnica e
aponta o realismo romanesco como aquele que quebrou os paradigmas da poética e trouxe
para a arte o interior burguês, o homem comum, possibilitando com isso a visibilidade das
81
artes mecânicas, estas que deram condições da “assunção de qualquer um (...) a glória de
qualquer um”. (RANCIÈRE, 2005, p. 48). E o que é o fotógrafo e o fotografado? Quem tem o
tempo e a competência para representar e ser representado pela câmera fotográfica? Qualquer
um: é a democracia no regime estéticos das artes.
Foram aquelas personagens comuns, por exemplo, que apontamos no quinto
capítulo, que deram possibilidade de fazer com que a fotografia tivesse visibilidade no campo
das artes, ou seja, o qualquer um, diferentemente do regime de artes anterior, que somente
permitia representar os heróis, os imperadores por pintores consagrados das academias.
Logo, a fotografia não foi concebida como arte, de acordo com Rancière, por
conta de sua natureza técnica, mas pela mudança de regimes da arte. E é necessário
entendermos que, independentemente de ser ou não arte, a fotografia não é um retrato fiel da
“realidade”, assim como o realismo romanesco não denuncia o “real” tal qual ele está em
dado momento. O que Sontag (2004) nos chama a atenção é para uma credibilidade exagerada
para o referente da fotografia, tanto que se despreza a experiência em detrimento de
colecionar imagens.
A saída, bastante coerente, apontada por Susan Sontag é entender a distinção entre
o objeto retratado e sua imagem e ler a fotografia com uma “realidade” estruturada,
codificada, como afirma Krauss (2002), afinal, de acordo com Flusser (2002), a imagem
precisa ser interpretada a partir e além de seu referente e de seu caráter de “real”.
Na literatura, Gonzaga Duque também traz algumas vezes a fotografia para o
enredo. Em “Posse Suprema”, do livro Horto de Mágoas, o protagonista assassino, frei
Hildebrando, observa a fotografia da então noiva morta de Dom Arnaldo e vê que
pouco a pouco ella veio se aclarando, brilhando num reluzir de luar ovante, aflorou
numa corolla flava – fez-se sol. Ao mesmo instante, suas faces que eram indecisões
espectraes, seus olhos que vacillavam um griseo vago da madrugada, surgiram
encantadamente vivos! Antes que elle pudesse gozar a transfiguração de seu enlevo
nessa miniatura tornada realidade, a visão esmoreceu, se diluindo... no grisato
translucido da chapa apagou-se. (DUQUE, 1914, p. 14).
O que podemos notar nesse texto é uma “Agonia por Semelhança”, outro conto
desse livro, que também o personagem principal procura por um “isso-foi” na fotografia, com
a diferença de que Paulo, ao contrário de Hildebrando, procura aquele alguém que viveu
intimamente com ele, mas que o enfermava. Suspeita por um momento que poderia ser sua
própria mãe, mas
desprezando a colleção photografica, absolvido, talvez, por este horrivel pesadelo,
de vexame e nojo: sacudiu a cabeça no desespero do impertinente rebuscar d’essa
semelhança utópica, que persistia, que se ficára em seu espirito, pyrilampejando
82
sobre o cemitério revolvido de suas illusões e sofrimentos onde uivava a pergunta
teimosa, agonica, demente: Mas onde?... Onde?... Onde?... (DUQUE, 1914, p. 38).
A maioria dos contos de Gonzaga Duque se parece com o ultra-romantismo de
Álvares de Azevedo, em Noite na taverna, com o mesmo clima misterioso, escuro e temas
pesados, como ciúme violento, possessão, suicídio, assassinato. Mas é com o nebuloso
misticismo e idéias decadentes que essas histórias curtas mais se aproximam do simbolismo.
A fotografia, para Gonzaga Duque, está entre duas concepções: uma em que está
não colada, mas muito próxima do “real”, um vestígio deste, como teoriza Sontag (2006); e
outra em que, como todas as imagens, pode mentir e enganar, como denuncia Flusser (2002).
Além disso, esses contos nos oferecem personagens carregadas de emoção e,
mesmo não dando descrições detalhadas, como nas narrativas realistas, as personagens são tão
cheias de vida emotiva que nos causam angústia, nos incomodam. Talvez possamos pensar
que, assim como o Palhaço acrobata, que observava elementos diferentes para fundi-los em
sua arte ainda não feita, inédita, como pretendia, Gonzaga Duque reuniu várias concepções
artístico-filosóficas para compor seus textos.
A “verdade”, portanto, para Gonzaga Duque, está atrelada ao realismo, mas não
tão somente, visto que, se tivesse apenas essa posição, não seria também um simbolista, este
que, de acordo com Simmel, segundo Waizbort (2006), não significa um nefelibatismo, mas
uma maneira diferente de conceber e retratar a “realidade”, utilizando a técnica do
distanciamento, ao contrário do naturalismo, que opera com a aproximação. Lilia Schwarcz,
no primeiro capítulo do livro O espetáculo das raças (1995, p. 29), afirma que, para David
Knight, o século XIX é caracterizado pela fé e pela inocência, “fé nos resultados das
experiências, inocência quase cega nos diagnósticos científicos e nas previsões rígidas”. Não
esqueçamos que Gonzaga Duque opera nesta época, em que a moda cientificista, trazida pela
literatura, pretendeu passar a ser a imagem moderna do Brasil, cuja carta de apresentação
deixa de ser a de nação roceira.
Já podemos, então, fechar este capítulo e definir o que é esta vida exigida na
crítica de Gonzaga Duque? Ainda é cedo e os exemplos não são suficientes. Não basta à arte
conter movimento e “realidade” para fazê-la viver. É preciso algo mais, alguma coisa que dê a
ela algo que a movimente verdadeiramente, talvez aquilo que Bourdieu (1989) aponta como
produção de efeito, fazer sentir. Procuremo-lo.
83
5.3 A VIDA – A SENSAÇÃO – A DESCRIÇÃO
É expressivo aquilo que
exprime a realidade.
Diderot
A sensação a que Gonzaga Duque se refere, pelo que seus escritos indicam, está
atrelada ao caráter individual que o artista expressa em seus objetos. O primeiro requisito para
alcançar uma marca pessoal é o desvencilhamento das regras ditadas pelos mestres, como já
vimos; depois, é necessário que o artista exponha sua idiossincrasia, suas preferências e seu
temperamento. Talvez por isso Manet foi rejeitado pela academia. Em um ensaio publicado
em L’Evénement, de 1866, reunido em A batalha do impressionismo, Zola se pronuncia
diretamente a esse pintor, que não produziu segundo as regras das academias e, por essa
razão, foi duramente criticado: “Console-se. Eles o colocaram à parte e o senhor merece viver
à parte. O senhor não pensa como toda essa gente, pinta segundo seu coração e suas fibras, é
uma personalidade que se afirma francamente”. (ZOLA, 1989, p. 37).
Um traço pessoal e uma força singular são o que sustentam a arte, o que lhe dá
vida; exigências que estão sempre presentes nas críticas tanto de Zola quanto de Gonzaga
Duque, pensadores que não vêem as imagens de maneira encantada, mas lêem os pormenores,
os restos, os ruídos responsáveis por fazer viver a arte. O crítico francês, ao falar dos realistas
no salão de 1866, confessa:
Eu pertenço ao meu partido, ao partido da vida, e isto é tudo. Pareço me um pouco
com Diógenes, que procurava um homem; eu, em arte, também procuro homens,
temperamentos fortes e poderosos. (...) Tomam a natureza e devolvem-na,
devolvem-na vista através de seus temperamentos particulares. Assim cada artista
vai nos oferecer um mundo diferente, e eu aceitaria de bom grado todos esses
diversos mundos, desde que cada um deles fosse a expressão viva de um
temperamento. (ZOLA, 1989, p. 44).
Observando a falta de sensações nas paisagens de Théodore Rousseau, na
exposição de 1866, Zola, que intitulou seu texto de “A queda”, assevera que o pintor não
conseguiu transmitir as impressões que recebeu, e aconselha: “pinte com amplidão, pinte com
vigor, pinte com vida”. (ZOLA, 1989, p. 53).
Se a arte é um ser de sensação, como asseguram Deleuze e Guattari (1997), o que
nela faz viver são os afectos e perceptos, independentemente de seu criador, de seu
espectador, pois a vida na arte excede qualquer vivido, e, como assevera Didi-Huberman
84
(2006), o objeto artístico tem mais memória, é mais durável do que qualquer espectador. Isso
se dá porque o artista inventa, compõe, cria, mostra blocos de sensações que vivem em si e
por si, mas que, como esclarece Nietzsche (2000), é apenas uma vida aparente, visto que a
arte consegue comunicar elevação e entusiasmo com o culto do não-verdadeiro, uma vida de
faz-de-conta. No primeiro capítulo de A gaia ciência (2002), fragmento 54, Nietzsche afirma:
“aparência é, para mim, aquilo mesmo que atua e vive”.
Percebemos, até aqui, que Gonzaga Duque exige que a arte contenha movimento,
expressão, verdade, mas também podemos pensar em um outro elemento, talvez aquilo que
Bourdieu (1989) chama de efeito, e que nós denominaremos sensação. O vocábulo sensação
vem do latim, sensatione, e significa reação dos sentidos aos estímulos externos, mas também
pode ser entendido como modificação da alma. Em grego, estética, aísthesis significa
sensação, visibilidade sem conceituações. A partir dessas raízes, podemos pensar aqui em
sensação como aquilo que se sente diante de um evento, sem uma definição que dê conta de
expressar total e nitidamente o que foi sentido.
Segundo a análise de Gonzaga Duque, as telas de Firmino Monteiro, por mais que
apresentem técnicas satisfatórias, são comprometidas pela ausência de sensações. Ao falar
sobre o trabalho de Monteiro, o crítico não define, mas sugere o que são essas sensações que a
arte deve conter e despertar:
Em primeiro lugar: falta-lhe chama, essa inexprimível expressão do conjunto, que
faz pasmar ao primeiro indivíduo posto em frente da obra d’arte. Há quadros muito
bem pintados que olhamos uma, duas, três vezes e nenhuma emoção nos despertam.
Vemos que todas as figuras estão nos seus lugares; que o desenho é sofrível, que o
colorido é feliz e harmonioso, mas falta ao todo – vida, movimento, ação. (DUQUE,
2001, p. 165).
Essa chama, essa impressão de vida se dá ao custo das sensações, atreladas a
emoções, que a pintura desperta, isso porque a arte, segundo Deleuze e Guattari (1997, p.
228), “é a linguagem das sensações, que faz entrar nas palavras, nas cores, nos sons ou nas
pedras”.
Ao tratar de seis pequenos quadros de Pedro Peres, Gonzaga Duque (2001, p. 83)
confessa que deles gosta porque foram feitos com exatidão e são pessoais: “digo pessoais,
porque Peres, em toda a sua pessoa, com seus defeitos e boas qualidades, com o seu arzinho
irônico, a ponta queimada do cigarro entre os lábios, aparece ali, naqueles estudos”. Ele diz
ainda, neste mesmo ensaio escrito em 1885 e assinado por Alfredo Palheta, que, enquanto o
trabalho do francês Bracquemond é conseqüência de sérios estudos e poderosa intuição
85
filosófica, a composição de Peres é uma impressão, ou seja, na concepção de Deleuze e
Guattari (1997), um ser de sensação – é a própria arte.
Gonzaga Duque, em diversos ensaios, sustenta a idéia de que o artista deve estar
em seus trabalhos, ou seja, a arte precisa revelar a idiossincrasia de seu criador, seu traço
próprio. Nessas condições, chama Baptista da Costa de artista, pois este
pinta o que sente, externa o que o commove, reproduz o que o impressiona. Dessa
maneira, as suas paizagens, animadas ou vazias, mostram-nos mais alguma cousa do
que a reprodução aproximada na Natureza em dado momento e diversos pontos,
exprimem uma emoção, traduzida de um modo que é particularmente do seu auctor,
commovem-nos também, obrigam-nos a participar dos seus encantos, do seu aspecto
claro e todo dourado do sol, da sensação fresca de suas manhãs, da soalheira de seus
areiaes, da agrestidade de seus rochedos, da tristeza de seus pores-de-sol. A sua arte
arrasta-nos ao seu scenário, prende-nos no seu ambiente, leva-nos a participar da
emoção de seus typos, seja nas horas dolorosas d’aquella scena de quadro onde uma
creança morre, seja sob o céo vespertino desse Fim di Jornada, que é, contrariando
frageis opiniões oppostas, uma obra vigorosa e emotiva. (DUQUE, 1929, p. 31-32).
Toda essa emoção colocada na tela faz com que o espectador sinta a paisagem, a
figura como se elas ali vivessem, como fazem as sensações bruscas de Estevão Silva, cuja arte
“é o que elle foi, producto idiosyncrasico da sua organização”, segundo Gonzaga Duque
(1929, p. 97). Para isso, o artista tem de ser seduzido pelo motivo que o coloca a pintar, como
vimos no quarto capítulo. Num quadro que retrata um ponto da ilha de Paquetá, pintada por
Nicolao Antonio Facchinetti, o olhar de Gonzaga Duque passeia, e o crítico assim enuncia: “o
nosso espírito se extasia diante dessas belezas, o nosso olhar se dilata em frente desses
esplendores, e, dentro em nós, sentimos as boas impressões da luz, da cor, do aroma, da vida”.
(DUQUE, 2001, p. 88).
As impressões que o artista recebe do mundo são traduzidas na arte como um ser
de sensação, um ser que nos dá a impressão de movimento, de verdade, de vida, como fez
Gustavo Doré, que teve a facilidade de “pôr em imagem a idéia despertada, ou de representar
pelo desenho a sensação recebida”. (DUQUE, 2001, p. 325). Deleuze e Guattari (1997, p.
216) traduzem aquilo que os escritos de Gonzaga Duque nos dizem sobre a sensação:
“pintamos, esculpimos, compomos, escrevemos com sensações. Pintamos, esculpimos,
compomos, escrevemos sensações”, isso porque
a sensação não se realiza no material, sem que o material entre inteiramente na
sensação, no percepto ou no afecto. Toda a matéria se torna expressiva. (...) O
objetivo da arte, com os meios do material, é arrancar o percepto do objeto e dos
estados de um sujeito percipiente, arrancar o afecto das afecções, como passagem de
um estado a um outro. (IBID., p. 217).
86
Em outras palavras, o artista, para Gonzaga Duque, é aquele que sente e coloca na
arte o que sentiu, fazendo, desse modo, um ser de sensação. Zola, analisando os paisagistas do
salão de 1868, afirma que os naturalistas copiam uns dos outros e criam uma natureza de
convenção, ou seja, não têm personalidade; já os naturalistas de talento
são intérpretes pessoais; traduzem as verdades em línguas originais, conservando
sempre a sua individualidade. São humanos antes de tudo, e impregnam com essa
humanidade o menor tufo de folhagem que pintam, é isso que fará com que suas
obras vivam. (ZOLA, 1989, p. 119).
Continuando a citação acima, um exemplo de pintor naturalista de talento
apontado por Zola é Camille Pissaro, cujos trabalhos com as tintas demonstram paisagens
únicas e pessoais, pois têm um acento singular. Dessa maneira, podemos inferir que o
temperamento do artista está diretamente ligado à sua arte, segundo Zola e também seu leitor
Gonzaga Duque, que se questiona, em A arte brasileira, se a energia, que verifica em várias
telas, “não seria conseqüência da febre e do arrojo que se apodera do artista no momento em
que ele procura dar vida à figura”. (DUQUE, 1995a, p. 153). Pergunta esta que responde sem
dúvida que sim, complementando com uma citação de Jean Gigoux, o qual dá o exemplo de
Delacroix, pintor que
tinha a inquietação da sua arte; procurava esta qualquer coisas que não se aprende
em nenhum mestre, e que nos emociona. Queria a vida; a vida a todo custo, a vida
em toda a parte, na terra, no céu, em torno das figuras. Com o resto pouco se lhe
dava. (GIGOUX, apud DUQUE, 1995a, p. 154).
Mesmo analisando cada detalhe das telas, Gonzaga Duque vê no conjunto o todo
que faz viver. Na pintura de Georgina de Albuquerque, Italiana, um estudo de mulher do
povo, ele observa, nesta passagem que é uma das mais significativas para nossa pesquisa, tudo
o que mais admira na arte: o caráter “real”, vivo e expressivo num assunto comum:
No seu typo vulgar, sem belleza, ha o quer que seja de flagrante, que o faz viver, que
nos recorda tel-a visto onde quer que fosse. (...) Ahi está a figura. É commum mas é
bem feita, é real, vive. Fazer viver em Arte é uma Victoria. E ainda que seja em um
simples busto, desde que esteja vivo, a obra se nos communicará, falará da sua
expressão: dor, alegrias, indifferença ... (DUQUE, 1929, p. 159).
Percebemos que, para Gonzaga Duque, vida e sensação se conectam e se fundem,
isso porque é a emoção do artista que mexe com a emoção do espectador. Após qualificar de
belo o quadro de Eliseu Visconti, Retrato de Nicolina de Assis (anexo 34), declara que “a
belleza na arte não resulta da justeza ao molde admittido para essa qualificação, resulta da
vida, da verdade, do poder expressivista da obra”. (IBID., p. 124). Ele nota ainda que o rosto
do retrato dessa escultura não é o tipo ovalado clássico nem tem a beleza convencional. Nele
87
o belo advém da “verdade” da expressão do olhar distante da figura. Após essas observações,
completa:
Mas, será um retrato na sua precisa significação? Não sei se a Sra. D. Nicolina de
Assis é esta que aqui vejo; mas sei, e disso tenho certeza, que esta que aqui está viva
na téla, com este rosto, com este olhar, com este modo de descançar a dextra na
cintura, esta é que é a escultora Nicolina. (IBID., 1929, p. 125).
Rancière (2005, p. 50) aponta que, no regime estético, “o banal torna-se belo
como rastro do verdadeiro”; o que se encontra já em Diderot (1993, p. 143), que assevera: “o
verdadeiro, o bom e o belo são muito próximos”, e em Ruskin, que, segundo Campofiorito
(1983, p. 64), concebia a beleza como verdade. Se Gonzaga Duque considera que a escultura
de Chaves Pinheiro, Estátua eqüestre de D. Pedro II, não é bela, isso significa, de acordo
com seu conceito de beleza e com essas afirmações de Rancière, de Diderot e de Ruskin, que
essa obra não tem “verdade”, expressão e, conseqüentemente, não tem vida. Diferente desta é
a figura feminina de Belmiro de Almeida, Dame a la Rose (anexo 35), que possui, dentre
todas as qualidades que um artista completo possa ter, segundo Gonzaga Duque (1929), a
expressão fascinante do olhar que a faz viver.
Notamos que somente a arte que desperta emoção e que possui vida faz com que
Gonzaga Duque a sinta e a descreva. Afinal, como descrever longamente o que não causa
sensação? Obviamente sua habilidade de descrever provém de seu talento como literato, mas
ele não se debruça em objetos que não movem seu olhar e sua imaginação. Assim Gonzaga
Duque cria uma narrativa de um quadro de Benno Treidler:
Sob o céo, á força desse mormaço, pisando firme, vem caminhando morro abaixo
um trabalhador. Terminou a canceira diurna. É hora de recolher, e, ao certo,
momentos mais, a plangencia echoante dos sinos tangendo as Trindades, chorando o
dia que s’esvae, andará circulando pelo ar immovel, indo morrer, lamentosamente,
balante e cançado, nas quebradas longínquas, d’alem ... Elle desce. Ao hombro traz a
ferramenta da derrubada, e ao comprimento do corpo, num gesto de braço estendido,
a marmita do alimento ou a vasilha d’agua. É este o quadro: simples, verdadeiro,
chocante, de interesse que se apodera a quem o contempla, e accorda, e move, uma
saudade de logar, uma recordação approximativa. (DUQUE, 1929, p. 93).
No primeiro capítulo de A imagem-tempo (2005), Deleuze, ao se referir às
personagens do cinema europeu e japonês do neo-realismo, afirma que, segundo Godard,
descrever é observar mutações. Então entendemos que há relação entre vida, movimento e
descrição nas exigências de Gonzaga Duque.
88
A descrição que Gonzaga Duque faz de Mater dolorosa (anexo 36), escultura de
Correia Lima, exige um trabalho mais intenso, uma mobilidade maior da imaginação, pois é
uma peça, com duas figuras, sem paisagem nem cores:
Ella curva-se, em lagrimas, desgraçada e desamparada, sobre o cadaver do filho,
victima de um desastre; chega-se-lhe, examina-o, ainda em duvida procura reanimal-
o, e só depois de comprehender a inteira realidade é que a dor a subjuga. E que dor!
... Não tem palavras. A morte do filho pesa-lhe como um castigo. Dil-o,
desesperadamente, o gesto da sua mão sobre a própria cabeça, que lhe parece fragil
para supportar a verdade! Mas, o que constitue a attracção irresistivel do grupo, é a
insexualização desse lindo corpo de mulher moça, o seu deslocamento da
sensualidade pela expressão do seu sentimento. (DUQUE, 1929, p. 74).
É possível pensar que são esses seres de sensação que fazem com que Gonzaga
Duque se desprenda a descrever, de modo tão criativo, as imagens que analisa. É interessante
notar que ele cria uma narrativa dos acontecimentos precedentes do que o artista fixou,
desenvolve os que ali estão presentes e ainda discorre sobre a maneira como o objeto foi feito,
destacando as habilidades do artista.
Podemos observar o quadro Arrufos (1887), de Belmiro de Almeida, e inferir que
se ele não apresentasse a vida, o movimento que tem – e isso não significa simples
encadeamento de cenas, como já vimos – talvez não seria possível uma descrição tão cheia de
sensações como esta:
O marido, um rapaz de fortuna, chega em companhia da esposa à bonita habitação
em que viviam até aquele dia como dois anjos. Tudo em redor demonstra que aquele
interior é presidido por um fino espírito feminino, educado e honesto. Ela, o encanto
desse interior à bric-à-brac, depõe o toucador de palha sobre um mocho coberto por
um belo pano de seda e entra em explicações com o esposo. E ele, muito a seu
cômodo em um fauteuil de estofo sulferino, soprando o fumo do seu colorado
havana, responde-lhe palavra por palavra às explicações pedidas. Há um momento
em que ela excede-se, diz uma frase leviana; ele reprova, ela retruca, ele repele;
então ela não se pode conter, é subjugada por um acesso de ira, atira-se ao chão,
debruça-se ao divã para abafar entre os braços o ímpeto do soluço. É este o
momento que o artista escolheu. Da esposa, debruçada sobre o divã, vê-se apenas o
perfil, mas ouve-se-lhe os soluços que fazem estremecer o seu corpo. Debaixo do
seu vestido foulard amarelo percebe-se o colete, o volume das saias, os artifícios
exteriores que a mulher emprega para dar harmonia à linha do corpo. Na fímbria do
vestido a ponta do sapatinho de pelica inglesa ficou esquecido, sobre o tapete do
assoalho, como se propositalmente, animado por estranho poder, tomasse aquela
atitude para contemplar a rosa que caiu do peito da moça e jaz no chão, melancólica,
desfolhada, quase murcha, lembrando a olorente alegria que se despegara do coração
da feliz criatura naquele tempestuoso momento de rusga. E o esposo, um guapo
rapaz delicado e forte, num gesto de indiferentíssimo, atende a tênue fumaça que se
desprende do charuto, levantando-o entre os dedos, em frente do rosto. (DUQUE,
1995a, pp. 211-212).
Esse texto não é um ensaio, uma crítica de arte, porque Gonzaga Duque não está
aqui sendo técnico como em outros ensaios. Percebemos que essa descrição é pura literatura,
89
porque o literato Gonzaga Duque cria uma narrativa cheia de sensações a partir dessa
imagem. Já o crítico de artes plásticas, diante de um quadro sem vida, discorreria sobre os
defeitos, atentando para as técnicas, as formas, os planos, as figuras, as cores.
Lembremos também que no regime estético a supremacia do narrar sobre o
descrever se reverte. Lukács, no segundo texto do livro Ensaios sobre literatura, intitulado
“Narrar ou descrever?”, escrito em 1936, ainda preso à lógica do regime representativo,
afirma que a descrição iguala todos os seres e “rebaixa os homens ao nível das coisas
inanimadas”. (LUKÀCS, 1965, p. 69). Já Roland Barthes argumenta em favor da descrição no
texto “O efeito de real”, perguntando:
A singularidade da descrição (ou do “pormenor inútil”) no tecido narrativo, a sua
solidão, designa uma questão da maior importância para a análise estrutural das
narrativas. É a seguinte questão: tudo, na narrativa, seria significante, e senão, se
subsistem no sintagma narrativo algumas plagas insignificantes, qual é,
definitivamente, se assim se pode dizer, a significação dessa insignificância?
(BARTHES, 1988, p. 160).
A autor responde que as descrições, os pormenores têm função estética e que são
eles que dão o efeito de real nas narrativas. Relembremos Aby Warburg: o bom deus está no
detalhe.
Ainda em A arte brasileira, Gonzaga Duque analisa um quadro de Jean Baptiste
Debret, Retrato de D. João VI, e aponta a falta de vitalidade, indicando que a figura “de botas
e calças brancas, não tem vida, parece um manequim vestido, posto naquele trono de papelão,
com cortinas sem curvas, sem dobras”. (DUQUE, 1995a, p. 92). Depois dessa breve
observação, já passa a descrever, com delongas e observando os detalhes, a tela Desembarque
da Imperatriz Leopoldina (anexo 37), do mesmo artista:
A cena passa-se no arsenal da Marinha. A imperatriz acaba de desembarcar, D.
Pedro vem recebê-la. Ela, de costas para frente do quadro, traja um vestido de seda
branca, manto lilás e ouro, diadema com plumas brancas. Vê-se-lhe o perfil do rosto
emoldurado por um grande brinco de pingente. O príncipe, de perfil, fardado, de
calções e sapatos rasos, toma-lhe a mão e parece dizer-lhe algumas palavras. A
rainha D. Carlota Joaquina, em frente de ambos, no segundo plano, vestida de
encarnado e ouro, diadema de plumas vermelhas, e manto azul debruçado no braço
direito cuja mão está apoiada à cintura, tem um arzinho brejeiro, cheio de
desembaraço. Ao fundo, D. João vai entrar no coche, porém uma turba de áulicos
vem beijar-lhe a mão, e ele, já aborrecido, volve a cabeça olhando para o meio do
quadro. Uma ala de cortesãos, à direita as damas de honra, à esquerda os altos
dignitários, formam o cortejo. Ao fundo estão os coches imperiais, e o morro de São
Bento onde um formigueiro de chapéus de sol encarnados, parece agitar-se.
(DUQUE, 1995a, p. 92.).
90
Nesta tela, o crítico de artes plásticas (e o literato) nota a “verdade”, a vida que o
objeto precisa ter para mexer com o imaginário, com as sensações do espectador, e por isso
pode descrevê-la, o que não acontece com a primeira tela. O mesmo se dá no quadro de
Baptista da Costa, Fim de jornada, em que Gonzaga Duque (1929a, p. 31) afirma que esta
vence pela verdade e que, além de ser a sinceridade que a anima, as paisagens deste pintor
“mostram-nos mais alguma cousa do que a reprodução approximada da Natureza”, ou seja,
não é a cópia da vida “real” que fará com que viva o objeto de arte, mas essa “mais alguma
coisa”, talvez a sensação.
Em “Exposição de N. Facchinetti e Henrique Bernardelli”, Gonzaga Duque
descreve o quadro Tarantella, de Henrique Bernardelli, para quem não economiza elogios,
encontrando nela as qualidades que não presenciou nos quadros de Abigail de Andrade, no
texto Belas Artes, de 1886: expressão original, calor e força, uma pintura de costumes,
enérgica e “real”, enfim, uma pintura cheia de vida. Por esse motivo, acreditamos, mereceu tal
descrição:
A cena passa-se no interior de uma taverna. Duas raparigas, uma loura, outra
morena, bamboleiam-se ao ritmo da famosa dança napolitana. A loura, pletórica de
lascívia, meneando os quadris entumecidos, uma das mãos apoiada ao colete de
belbutina escura, o braço direito no ar, tremelicando, triunfante o pandeiro (...). A
companheira, garrida e voluptuosa, segue-lhe os passos, fazendo negaças com o
corpo. Também ela volita e quebra-se com faceirice nos meneios da dança; também
possui filtros sensuais no olhar negro ardente! A rapariga que rufa o pandeiro, um
magnífico tipo de mulher do povo, queimado pelo calor do sol que estreleja o azul
das vagas de Sorrento, não pára e não cansa. Ligeiros os dedos tamborilam no couro
do instrumento predileto. O nervoso movimento que faz para chocalhar o pandeiro
desarranjou-lhe os cabelos bastos e pretos, que escondem o brilho insidioso dos
olhos... (DUQUE, 2001, p. 140-141).
A descrição que Gonzaga Duque dá a essas figuras faz com que tenhamos a
impressão de que são mulheres “reais”, que se movem, que pensam e que sentem, ou seja,
parecem criaturas vivas, numa cena “verdadeira”. Dessa mesma maneira, fala das
personagens de O primo Basílio. Nem mesmo Honoré de Balzac conseguiu “transportar”
Gonzaga Duque para dentro dos seus cenários, como fez Eça de Queiroz, cujos personagens,
escreveu Gonzaga Duque (2001, p. 287): “vinham ao meu encontro, surgiam-me pela frente,
falavam e se moviam diante de mim”. Não é de estranhar que, nesse romance naturalista, o
que mais o impressionou fora a “realidade” ali representada, a impressão de ter visto o local e
as pessoas com seus próprios olhos. Já os personagens dos romances de Balzac, segundo
Gonzaga Duque, precisavam ser modelados e completados pelo leitor. As pinturas de Delfim
Câmara são vistas por Gonzaga Duque (2001, p. 54) com esse caráter de “realidade”:
91
todos os retratos do nosso artista têm essa verdade, este sentimento que nos extasia,
faz-nos respirar com pausa e dificilmente, esperando o momento em que o retrato
salte da tela e nos dirija a palavra.
Ainda neste sentido, de verdade e vida, Gonzaga Duque observa que a pintura de
Augusto Off “é larga e cheia de verdade nos traços gerais. Os detalhes dennernistas falham
longamente; em compensação a vida, a força e a graça vivem nela, como as grandes
expansões sonorosas da alegria vivem nas manhãs tropicais de dezembro”. (IBID., p. 56).
Um quadro histórico muito apreciado por Gonzaga Duque é Fundação da Cidade
de São Sebastião, de Firmino Monteiro. O crítico inicia sua análise com as informações das
dimensões da tela, passa a descrevê-la iconograficamente, avalia o pintor ao lado de Pedro
Américo e Vitor Meireles e conclui: “neste todo sente-se a vida, a animação, das telas de
Goya e as figuras têm a graça, a expressão, a habilidade de fazer sentir, como aquelas
conhecidas figurinhas dos quadros de Fortuny”. (DUQUE, 2001, p. 40). Vejamos um trecho
dessa descrição:
À esquerda, junto dos muros da nova cidade, a massa popular freme, formiga,
palpita, cheia de calor e cheia de animação, para assistir ao ato. No fundo, as
elevações montanhosas que circulam a nossa baía, batidas de uns tons roxos,
apresentam-se ao longe; e sobre as águas mansas, quedas, do mar, os galeões
portugueses embandeirados festivamente, soltam de seus bordos o fumo
esbranquiçado da artilharia que salva em regozijo. (IBID., pp. 39-40).
Na tela Esperando o zagal (anexo 38), de Antonio Parreiras, Gonzaga Duque
(1929) aponta para o calor de fazer do artista: pinceladas calorosas, afoitas e aturdidas;
maneiras as quais fazem com que o pintor transmita para o quadro suas próprias sensações de
modo que o espectador também as sinta; isso porque, segundo Gonzaga Duque (1929, p. 44),
“tudo o abala e commove”. Ao falar sobre Roberto Mendes em O Paiz, 1900, afirma que: “a
expressão de um quadro depende tanto da alma do artista quanto da sua maneira de fazer, e da
sua delicadeza de interpretar”. (DUQUE, 2001, p. 194).
Se fazer arte não significa executar cópias, se provém do que o artista presenciou,
imaginou, sentiu, ela pode ser considerada um trabalho do pensamento, visto que a
interpretação do tema é fundamental para Gonzaga Duque. Passemos, então, a refletir a vida
na arte relacionada também com o pensamento.
92
5.4 A VIDA – O PENSAMENTO
A arte é um compêndio da natureza formado
pela imaginação.
Eça de Queiroz
Para que o artista faça arte, para que consiga apanhar bem o assunto, dar
movimento às paisagens, às figuras, assegurar a “realidade” dos motivos, causar sensação,
impressionar e interpretar o que recebeu do mundo para criar na arte e, desse modo, fazê-la
viver, é necessário, segundo Gonzaga Duque, objetivar uma intenção, ou seja, transpor para a
arte o que sentiu e interpretou da vida, como fez o Palhaço acrobata. William Sommers
começa a ficar enfastiado com os velhos exercícios do trapézio, que executava até então, e sai
em busca de novos meneios, de uma arte nova. Esmiuçador, observava todas as coisas, desde
as mais baixas, como as lesmas viscosas, até as mais elevadas, como os condores arrogantes.
Seus movimentos eram estudados, suas roupas feitas de acordo com seu espetáculo, enfim,
fez tudo para poder objetivar, concretizar a vida almejada para sua arte: fazer uma “caricatura
synthetica de idéas e acções, o traço carregado e hilariante, dolorosamente sardonico, do
delirio humano em todas as suas expansões”. (DUQUE, 1914, p. 42). Podemos pensar que,
para o autor, a arte é a execução de um pensamento criativo, afinal, como afirma Diderot, “o
que se quer de um artista? O que ele tem na imaginação”. (DIDEROT, apud DUQUE, 2001,
p. 272). O artista, na opinião de Gonzaga Duque, precisa estudar, entender de anatomia,
conhecer as misturas das cores, enfim, necessita saber trabalhar com os materiais e as
técnicas, mas não é isso que o tornará um artista por excelência se não conseguir externar,
materializar um pensamento na forma.
Entendemos aqui o pensamento como Deleuze lê em Nietzsche, no terceiro
capítulo do livro Nietzsche e a filosofia, intitulado “O pensamento e a vida”: não como o
conhecimento que se opõe à vida, mas como aquele que certifica a vida; desse modo “a vida
seria a força ativa do pensamento, e o pensamento seria o poder afirmativo da vida”.
(DELEUZE, 1976, p. 83).
Sem pensamento, na concepção de Gonzaga Duque, a forma é estrutura vazia. Por
isso, ambos não podem estar separados: o pensamento deve estar em consonância com a
forma, assim como esta deve ser moldada e agitada de maneira a atender o pensamento. A
forma pode ser entendida como suporte, e mais, como veste do pensamento. Nesse viés, na
lógica de mudança de regime nas artes, o artista expressionista, segundo Simmel (1968),
93
substitui o modelo pela causa, pois a forma perde sua autonomia em relação à vida, isso
porque a vida se realiza para além da forma. Gonzaga Duque, no livro Graves e Frívolos, no
ensaio intitulado “Exposição Teixeira Lopes”, esclarece que forma e pensamento não estão
necessariamente imbricados:
De caso pensado estabeleço o desquite das componentes intrínsecas da obra, porque
o princípio de que num trabalho d’arte – forma e idéia se confundem – é ainda causa
de controvérsia fastidiosa para muita gente, apesar da experiência demonstrar, de
quando em quando e com certa freqüência, que uma ou outra existem sem
coexistência obrigada. (DUQUE, 1997, p. 36).
Atentemos, porém, para a distinção que Gonzaga Duque faz entre artistas: os que
sabem pintar, dos quais ele não exige que forma e pensamento estejam atrelados, como
Francisco Manna, que tem a habilidade de traduzir seu pensamento para a tela, mas que,
segundo Gonzaga Duque (1929) não é um artista completo; e os grandes artistas, como
Teixeira Lopes, para os quais estes componentes devem estar intimamente ligados. A
escultura de Lopes, declara Gonzaga Duque:
nos insinua, nos penetra com o sentimento preciso das expressões, como nos fascina
e deslumbra, num mesmo jato, pela habilidade dos decalcos do polegar, duma
certeza rara pelo que de maciez e meiguice, e das raspagens violentas, em
arremessos nervosos, dos esboçadores, que indicam o alto grau da sua educação
visual no equilíbrio da euritmia. (DUQUE, 1997, p. 36).
Isso quer dizer que, para Gonzaga Duque (1997, p. 36), a coexistência de forma e
pensamento é de grande importância sim para o artista que deseja fazer uma arte no singular.
No ensaio “Uma palheta que vive”, analisa as pinturas de Baptista da Costa e indica que a
solidez, a singeleza e a bondade “são três condições importantes numa obra de arte, que as
condensa em firmeza d’execução, em sinceridade expressiva e poder communicativo. A obra
assim feita é vivida, é intensa e duradoura”. (DUQUE, 1929, p. 28).
Não pretendemos aqui dissertar sobre o estudo da forma durante os séculos, com
Wölfflin, Jakobson, mas entender a forma desde sua materialidade até seu não-estar, ou seja,
compreendê-la como um todo constituidora de talvez um ser que possa viver na arte.
Relevante, porém, é fazermos uma observação quanto à forma, segundo Fischer (2002, p.
146), pois as palavras dele parecem resumir as idéias de Gonzaga Duque: “a forma, aquilo
que persiste em um estado de equilíbrio relativamente estável, está sempre sujeita a ser
destruída pelo movimento e pela mudança do conteúdo”. Dessa maneira, Gonzaga Duque
(1995a, p. 250) observa o trabalho do escultor fluminense Almeida Reis e caracteriza-o como
um artista e pensador, notando a superfície no seu trabalho, as formas, mas também a
94
profundidade de suas idéias, isso porque, “no poder da imaginação, na vida expressiva com
que anima as suas obras, na originalidade de suas composições, na escolha dos assuntos, na
independente interpretação que lhes dá, está o pensador”.
Podemos inferir que a concepção de arte, para Gonzaga Duque, é de que ela é uma
maneira de pensar. Sendo assim, entendemos a leitura que Deleuze faz de Nietzsche, que
aponta como essência da arte a relação entre pensamento e vida. “O pensador exprime assim a
bela afinidade entre pensamento e vida: a vida fazendo do pensamento algo ativo, o
pensamento fazendo da vida algo afirmativo”. (DELEUZE, 1876, p. 83). Isso não significa a
dissolução da arte na vida, como pretendeu Maiakovisky, por exemplo, mas de deixar viver a
arte como objeto autônomo. Mesmo porque, no momento em que Gonzaga Duque operava
como artista e crítico, não havia o interesse de destruir a arte, como quiseram os
vanguardistas, pois a fusão da arte na vida resultaria na morte de uma delas, ou seja, da arte.
Trata-se, pois, de dar potência à arte, de fazê-la viver, como fez Teixeira Lopes em Cabeça de
bambina:
É, em verdade, uma cabeça de bambina, ali retida, formosa na sua frescura, adorável
no tom macio da cútis, palpitante na mobilidade aparente dos olhos, na inocência da
sua boca, no dizer inconsciente de sua visagem em que reside o encanto misterioso
duma corola fechada em botão. [E completa:] Aí está a obra do pensamento.
(DUQUE, 1997, p. 37).
Finalizando esta análise, Gonzaga Duque afirma que essa peça documenta a vida,
“porque é a própria vida dentro da sua decadência. Irrita pelo que representa, encanta pelo
modo por que está feita”. (IDEM). Em outra escultura de Lopes, Viúva, nota-lhe a falta de
movimento, mas ressalta a vida da reflexão que parte dos olhos da figura, observando o fulgor
que presencia no pensamento de Teixeira Lopes, que
retém as emoções como se as gravasse; poder-se-ia dizer que a sua espiritualidade se
dessora pelos poros da mão trabalhadora e se transmite ao barro e à pedra,
revestindo o contorno na máscara humana. (DUQUE, 1997, p. 38).
Na escultura Caim, Correia Lima apresenta seu maior saber, traduzir em imagens
o seu pensamento, segundo Gonzaga Duque (1929, p. 71), o qual observa que não é uma
dramatização, como vimos em Caravaggio, mas de uma naturalidade notável, isso porque:
A fórma, ahi, é completa: Musculos e ossos acham-se harmonisados num complexo
nitido. Desenham-se-lhe os pannos anatomicos sob a epiderme lisa, imprime-se-lhe
o movimento nas conjecturas de arcabouço, e na mascara, sem contrações
dramatisadas, adivinha-se-lhe o sombrio mormaço asfixiante do pensamento que o
domina e o leva maquinalmente por ermos e angustia. (DUQUE, 1929, p. 72).
95
Calixto Cordeiro é outro artista que Gonzaga Duque (1929, p. 244) afirma que
conseguiu, através de sua espontaneidade e habilidade, dar “corpo a todas as idéias e
pensamentos, concretizando o trabalho de seu cérebro por imagens materiais”.
Baudelaire, em Escritos sobre arte (1998), ao falar de Delacroix, afirma que
considera “a impressão transmitida ao artista pela natureza como a coisa mais importante para
traduzir, [e se questiona] não será necessário que esteja armado de antemão de todos os mais
rápidos meios de tradução?”.
No sentido de traduzir para a arte uma impressão, um pensamento, dentre outras
coisas, falha George Grimm:
Falta-lhe o nervosismo do verdadeiro artista, falta-lhe a emocibilidade extrema do
verdadeiro poeta, daqueles que vêem como ninguém sabe ver, daqueles que sentem
como ninguém sabe sentir, daqueles que traduzem, pela imaginação, a particular
expressão de cada flor, de cada planta, de cada canto da natureza e atiram para
dentro do nosso ser, em um dado momento, como uma saraivada de estrelas, as
emoções de bondade, de alegria, de ingenuidade, de força, de saudade, de graça, de
amor. (DUQUE, 1995a, p. 233).
Sobre uma escultura de Chaves Pinheiro, Gonzaga Duque assevera que as
personagens são inanimadas e conclui que: “o pensamento de liberdade, fremente na alma
humana, não é traduzido pelo menor jogo dos músculos faciais, nestas figuras”. (DUQUE,
1995a, p. 241). Para resolver esse problema, Gonzaga Duque indica que o artista precisa
estudar. Ao analisar o trabalho de um novo pintor de marinhas, Mario Navarro da Costa, em
1907, aprova nele a audácia, pois “sem ella nada se faz de novo, nada se consegue de
original”. (DUQUE, 1929, p.147). Além de valorizar a originalidade, Gonzaga Duque defende
que, para ser merecedor do título de artista e ter qualidade no trabalho, o pintor precisa
dedicar-se ao estudo, como adverte na oração condicional deste trecho sobre Costa: “é um dos
novos da nossa pintura; conheço-o, admiro o seu fogoso talento e confio muito no seu futuro,
se estudar”. (IDEM). Esse também é o conselho que dá ao artista Firmino Monteiro, a quem
Gonzaga Duque (2001) indica a falta de estudo de desenho. Zola, na terceira parte do artigo
que publica em 1880 em Le Voltaire, dá esse mesmo conselho a Monet, afirmando que
“somente o estudo pode dar solidez às obras”. (ZOLA, 1989, p. 290).
Para Gonzaga Duque, a escultura viva deve conter as seguintes qualidades, que
encontra em A Paraíba, de Almeida Reis: “proporção no desenho, harmonia entre a
inspiração e a feitura, a expressão é justa, a posição original, o modelo firme e largo.
Existindo, pois, estas qualidades essenciais, quais ainda podia-se exigir do artista?”.
(DUQUE, 1995a, p. 244).
96
Ainda sobre a exposição de Teixeira Lopes, 1905, Gonzaga Duque diz ter
observado esculturas plenas de vida e sintetiza suas impressões nestas palavras:
é isso o que sinto nesta exposição e que mais deve se acentuar na sua grande obra,
onde a febre do trabalho deixou a marca indelével da sua tortura e pôs, para todo o
sempre, o fulgor do seu pensamento. (DUQUE, 1997, p. 39).
Em todos os objetos de arte que Gonzaga Duque analisa e observa como resultado
de um pensamento está presente aquilo que ele denomina vida na arte, ou seja, algo mais do
que habilidade na técnica, talvez o que Deleuze e Guattari (1997) acreditam ser o que faz a
arte ficar de pé sozinha.
97
6 EPÍLOGO
Não me venham com conclusão! A
única conclusão é morrer.
Álvaro de Campos
Durante todo o desenvolvimento deste trabalho, procuramos compreender o que
Gonzaga Duque chama de vida na arte. Não encontramos teóricos que conceituam o que é
essa vida, a não ser um dicionário de 1875, de Rodrigues Francisco de Assis, onde o autor traz
uma definição que pouco ajuda a entender a vida na arte porque conta com a própria vida na
explicação do verbete, quando afirma que para alcançar a vida é preciso dar vida à, ou seja,
vida é igual à vida? Escreve ele:
Estado dos seres animados emquanto têem em si o principio vital, as sensações e o
sentimento: (pint. e escult.) em bellas artes torna-se pela apparencia de vida com que
os artistas sabem animar os quadros, as esculturas e as imagens insensiveis. Para se
conseguir este fim é muito necessaria a correcção do desenho, a força e a harmonia
do claro-escuro, e sobretudo possuir a magia de um toque firme, franco e espirituoso
que dê a expressão e a vida ás figuras e ás imagens, que pareçam fallar ao espectador
que as observa. E não se limita só á espirituosa e expressiva representação do
homem, mas estende-se aos animaes brutos, ás plantas e aos seres que têem vida e
movimento. (RODRIGUES, 1875, p. 379).
Contudo, acreditamos ter conseguido montar uma noção, que, por si, não se faz
esclarecedora, por isso atrelamo-la a outros elementos que Gonzaga Duque, como crítico,
também reclama à arte.
Pensamos inicialmente no movimento, pois é impossível conceber a vida sem ele,
que é uma das exigências mais freqüentes na maioria dos ensaios em que Gonzaga Duque
analisa telas e esculturas. Vimos que o movimento independe da organização das figuras, mas
da maneira como elas se comportam, visto que até mesmo as estáticas devem indicar um
devir-movimento ou sugerir que ali houve movimento, vida, no sentido de mostrar a
naturalidade das expressões, seja de dor, de alegria seja de alívio, de tristeza, diferente dos
movimentos ensaiados e encenados, muitas vezes apáticos da arte clássica ou neoclássica, de
Bouguereau, por exemplo. Acreditamos, por um momento, que o movimento e a vida teriam
uma relação direta com os assuntos escolhidos pelos artistas, mas verificamos que,
indiferentemente dos assuntos escolhidos, a arte precisa movimentar-se, viver. Contudo
Gonzaga Duque sugere que os temas cotidianos, ordinários são os que mais conseguem essa
98
impressão de vivo, de natural, característica dos textos naturalistas, porque estes expõem as
condições e os sentimentos do homem do presente, sem ter de recorrer aos heróis do passado.
Observamos que, imbuído de idéias naturalistas, Gonzaga Duque indica que a arte
moderna deve representar a “realidade” da vida comum e expressar de maneira “verdadeira”,
contrariamente ao modo idealizado do romantismo. Gonzaga Duque (2001, p. 46) deixa
evidente essa sua preferência quando analisa a escultura de Almeida Reis, O Crime:
Tomar o homem subjugado pela alucinação do crime, quando ainda ele reflete,
quando ainda ele conjectura, é o verdadeiro instinto estético, a verdadeira
compreensão do belo na imaginação do artista, porque, então, este subordina o ideal
ao verdadeiro.
Uma índia, para Gonzaga Duque, tem de ser pintada com os olhos escuros e
cabelos lisos, como fez Amoedo em Marabá, e não uma branca de olhos azuis, como poetizou
Gonçalves Dias. Além disso, os quadros históricos precisam retratar o local e as figuras de
acordo com a “verdade” da história oficial, caso contrário, prejudicará a “realidade” que a arte
deve ter para se mostrar viva.
Notamos também que as exigências de Gonzaga Duque estão relacionadas
intimamente com a sensação, desde a impressão de movimento até a de realidade. Essas
sensações são as que farão com que a matéria inanimada, a mulher nua pintada na tela se
torne viva e faça com que a espectadora a chame de sem-vergonha, bem como a figura do
quadro se mova, curiosa, para ver quem lá fora da tela está passando. Percebemos que
Gonzaga Duque só descreve longamente telas que são repletas de sensações, pois elas dão ao
crítico condições de traduzi-las em narrativas carregadas de uma linguagem adjetivada e
sinestésica, o que transforma a crítica de artes plásticas em literatura.
Além desses elementos, Gonzaga Duque entende que um grande artista, ou um
“artista completado”, como ele diz, precisa não só de técnicas, mas de habilidade de externar
na arte um pensamento, fazendo com que este e a forma sejam coisas coesas, se dependam e
se completem necessariamente.
A partir do que abordamos, nos arriscamos a dizer que a vida na arte, para
Gonzaga Duque, pode ser entendida com uma noção que envolve esses elementos, e que
revela aquilo que o artista sentiu do tema e, com toda sua emotividade, com o impulso de seus
nervos e músculos, transmitiu para a matéria. Essa vida, além de expressar a potência da vida,
é a própria vida do gesso, da tela, das palavras, com suas linhas, massas, cortes, cores e
formas que fazem com que vivam aqueles seres, paisagens e figuras, os quais só podem existir
e durar ali, na arte.
99
Gonzaga Duque reconhece Henrique Bernardelli como um verdadeiro artista
porque seu trabalho “nos impressiona, nos desperta alguma emoção nova, nos provoca
admiração ou ódio. Eis aonde está a superioridade do artista”. (DUQUE, 1995a, p. 202). O
crítico também valoriza o temperamento independente do artista, como ressalta em
Castagneto, em cujas pinturas Gonzaga Duque (2001) ressalta o talento de sentir o assunto e
retratar de maneira pessoal. Nos paisagistas, o que mais admira é o sentimento, pois este tem:
o poder maravilhoso de nos impressionar, de nos despertar recordações (...). Se lhe
falta esse poder, se lhe falta o poder criador para verificar a sua obra, fazendo
palpitar nela a sua alma, é porque ele sabe apenas pintar. (DUQUE, 2001, p. 100).
Dar a vida à arte é, evidentemente, dominar técnicas, mas não só. Gonzaga Duque
quer algo a mais, talvez a tremida da mão do artista, o gozo, o convulso da atitude do artista,
como fez Langerock na exposição de 1886, no Salão Vieitas, onde expôs um quadro a
gouache em que Gonzaga Duque observa a vegetação brasileira “pintada com largueza, com
observação, temperadas por petulantes pinceladas, às soltas, como se a mão do artista fosse,
de improviso, tremida por um rápido choque nervoso”. (DUQUE, 2001, pp. 128-129). Quiçá,
desse modo, a arte se mantenha em pé sozinha, como afirmam Deleuze e Guattari (1997).
Zola (1989, p. 57) acredita que “uma obra de mestre é um todo que se sustenta, uma
expressão de um coração e de uma carne”. Esta é a maneira que Gonzaga Duque compreende
uma arte viva.
Essa noção de vida na arte, mesmo não sendo um conceito fechado, pode nos
ajudar a entender a arte do final do século XIX e início do XX e, principalmente, a crítica de
Gonzaga Duque, pois é comum ele ser visto hoje, em estudos de muita qualidade, como um
simbolista. O que conseguimos perceber aqui é que o naturalismo não foi rejeitado por
Gonzaga Duque, pelo contrário, pois o crítico, também homem de seu tempo, aderiu a este
estilo, que chamou de escola nova e moderna. Até mesmo seus textos mais simbolistas, como
Mocidade Morta e Horto de Mágoas, apresentam, de um modo sutil ou duro, uma paisagem,
uma linguagem, uma crítica naturalista. Acreditamos que a melhor maneira de olhar para
Gonzaga Duque é entendê-lo como um escritor que oscila entre vários movimentos e não
determinarmos que ele segue um estilo com características de outro. Talvez este seja o grande
desafio de trabalhar com seus escritos, pois ele não pode ser delimitado a uma só tendência
artística, muito menos como um crítico unilateral, visto que suas idéias oscilam entre pólos
muitas vezes divergentes.
100
Por isso não podemos dizer que somente na arte realista e naturalista Gonzaga
Duque identifique vida, pois ele faz e analisa arte simbolista e impressionista carregadas de
vida. Ao mesmo tempo em que entende como arte a produção imagista, exalta o artista que
trabalha ao ar livre e executa através da observação. Todas essas maneiras de conceber a arte
nos mostram o hibridismo de Gonzaga Duque, que, assim como seu tempo, é entrecruzado de
várias tendências estéticas.
O que encontramos nesse cruzamento de estilos é essa noção de vida na arte, que,
em Gonzaga Duque não muda, ou seja, a vida que ele exige em Amoedo é a mesma que
reclama em Castagneto. Sonho ou realidade, sonho “real” ou “realidade” onírica, a vida na
arte é feita para ser sentida, do mesmo modo que a arte moderna é feita para impressionar,
para sentir a “realidade”, como afirma Gonzaga Duque (1995a, p. 157).
Numa última análise, podemos dizer que a vida na arte também é paradoxal, pois
ao mesmo tempo em que ali se vive, faz-se uma veneração à morte – a morte daqueles seres,
daquele tempo que o artista congelou e eternizou, como o Palhaço, que se extinguiu para
deixar viver sua arte, ou seja, é o gesto efêmero que morre no momento seguinte, mas que
causa um corte no contínuo, produzindo um acontecimento.
É importante que vejamos Gonzaga Duque na modernidade, desde que não seja a
formalista, a estruturalista, mas à maneira de Baudelaire, com todos os seus paradoxos e
bipolaridades, visto que Gonzaga Duque está transitando entre dois regimes de arte, poético e
estético, e passando pelas transformações da passagem do século XIX para o XX. Ao mesmo
tempo ele está preso às regras das poéticas e rompe com elas; fundamenta-se em “verdades” e
cria outras; ou seja, para ele, o eterno e o efêmero estão de mãos dadas, e, por mais que esteja
dentro das fervilhantes situações, compreende que o seu presente deve ser assimilado com
essa conjunção aditiva e. Dessa mesma maneira, lemos Gonzaga Duque hoje – não mais na
concepção clássica de que o fim do século brasileiro já foi vencido pelos modernistas
paulistas e por isso está démodé; pelo contrário, com a visão de Rancière, atualmente nos
voltamos para o século retrasado para trazer à tona toda uma discussão de arte que abre as
portas e dá possibilidade de visibilidade à arte posterior.
101
REFERÊNCIAS
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_____. Novos pierrôs, velhos saltimbancos: os escritos de Gonzaga Duque e o final do
século XIX carioca. Curitiba: Secretaria de Estado de Cultura: Câmara Brasileira do livro,
1997.
102
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Imaginário, editora da USP, 1995.
106
ANEXOS
107
ANEXO 1 – Retrato de Gonzaga Duque
, por Eliseu Visconti
Retrato de Gonzaga Duque, 1908, óleo sobre tela, 92 x 51 cm. Museu Nacional
de Belas Artes, Rio de Janeiro.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_ev_arquivos/ev_1908_gd.jpg - Acesso a 25 de janeiro
de 2009.
108
ANEXO 2 – Boemia
, por Helios Seelinger
Boemia, 1903, óleo sobre tela, 103,0 x 189,5 cm. Museu Nacional de Belas Artes,
Rio de Janeiro. Além de Gonzaga Duque, Seelinger também retrata nesta tela João do Rio e
Rodolpho Chambelland.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_hs_arquivos/hs_boemia.jpg - Acesso a 25 de janeiro de
2009.
109
ANEXO 3 – Arrufos
, por Belmiro de Almeida
Arrufos, 1887, óleo sobre tela, 89 x 116 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio
de Janeiro.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_ba_arquivos/ba_1887_arrufos.jpg - Acesso a 25 de
janeiro de 2009.
110
ANEXO 4 – Retrato de Gonzaga Duque
, por Rodolpho Amoedo
Retrato de Gonzaga Duque, 1888, óleo sobre tela, 50 x 40 cm.
Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/literatura/gonzaga_duque/bibliografia_sobre.
htm - Acesso a 25 de janeiro de 2009.
111
ANEXO 5 – Oréadas
, por Eliseu Visconti
Oréadas, 1899, óleo sobre tela, 200 x 108 cm. Museu Nacional de Belas Artes,
Rio de Janeiro.
Disponível em: www.eliseuvisconti.com.br/bio_premio_viagem.htm- Acesso a 25 de janeiro de 2009.
112
ANEXO 6 – Partida de Jacó
, por Amoedo
Partida de Jacó, 1884, óleo sobre tela, 109,2 x 135,7. Museu Nacional de Belas
Artes, Rio de Janeiro.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_ra_arquivos/ra_1884_jacob.jpg - Acesso a 25 de
janeiro de 2009.
113
ANEXO 7 – A tagarela
, por Belmiro de Almeida
A tagarela, 1893, óleo sobre tela, 125 x 82 cm. Museu Nacional de Belas Artes,
Rio de Janeiro.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_ba_arquivos/ba_1893_tagarela.jpg - Acesso a 25 de
janeiro de 2009.
114
ANEXO 8 – Tarantella
, por Henrique Bernardelli
Tarantella, 1886, óleo sobre tela, 98,2 x 98,7 cm. Museu Nacional de Belas Artes,
Rio de Janeiro.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/artistas/biografia_hbernardelli_arquivos/hb_tarantella.jpg -
Acesso a 25 de janeiro de 2009.
115
ANEXO 9 – Nhá Chica
, por Almeida Júnior
Nhá Chica, 1895, óleo sobre tela, 197 x 101 cm. Pinacoteca São Paulo.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_aj_arquivos/aj_1895_nhachica.jpg - Acesso a 25 de
janeiro de 2009.
116
ANEXO 10 – Caipira picando fumo
, por Almeida Júnior
Caipira picando fumo, 1893, óleo sobre tela, 202 x 141 cm. Pinacoteca São Paulo.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_aj_arquivos/aj_1893_fumo.jpg - Acesso a 25 de janeiro
de 2009.
117
ANEXO 11 – Jesus Cristo em Carfanaum
, por Amoedo
Jesus Cristo em Carfanaum, 1883, óleo sobre tela, 63 x 79 cm. Pinacoteca São
Paulo.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_ra_arquivos/ra_1883_carfanaum_estudo.jpg - Acesso a
25 de janeiro de 2009.
118
ANEXO 12 – Pedro Álvares guiado pela providência
, por Eliseu Visconti
Pedro Álvares guiado pela providência, 1899, óleo sobre tela 182 x 109 cm.
Pinacoteca São Paulo.
Disponível em: www.artenaescola.org.br/midiateca2/resultado- Acesso a 25 de janeiro de 2009.
119
ANEXO 13 – Lição de tricô
, por Presciliano Silva
Lição de tricô, 1908, óleo sobre tela, 0,34 x 0,46.
Disponível em: http://www.revistaohun.ufba.br/ANAMAR~1/a_img020_5.jpg - Acesso a 25 de janeiro de
2009.
120
ANEXO 14 – Remorso de Judas
, por Almeida Júnior
Remorso de Judas, 1880, óleo sobre tela, 209 x 163. Museu Nacional de Belas-
Artes, Rio de Janiero.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_aj_arquivos/aj_1880_judas.jpg - Acesso a 25 de janeiro
de 2009.
121
ANEXO 15 – Aretusa
, por Antonio Parreiras
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/gd_parreiras_arquivos/image021.jpg - Acesso
a 25 de janeiro de 2009.
122
ANEXO 16 – Retrato de D. João VI
, por Debret
Retrato de D. João VI, 1817, óleo sobre tela, 0,60 x 0,45. Museu Nacional de
Belas Artes, Rio de Janeiro.
Disponível em: http://www.mnba.gov.br/6_programacao/domjoao.jpg - Acesso a 25 de janeiro de 2009.
123
ANEXO 17 – Amolação interrompida
, por Almeida Junior
Amolação interrompida, 1894, óleo sobre tela, 200 x 140 cm. Pinacoteca de São
Paulo.
Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/bcodeimagens/imagens_publico/001685015019.jpg- Acesso a 25
de janeiro de 2009.
124
ANEXO 18 – Nascimento de Vênus
, por Cabanel
Nascimento de Vênus, 1863, óleo sobre tela, 130 x 225 cm. Museu d’Orsay, Paris.
Disponível em: http://www.amartes.org/ - Acesso a 25 de janeiro de 2009.
125
ANEXO 19 – Ilustração I
Morte do Palhaço, por Calixto
Disponível em http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/literatura/gonzaga_duque/Morte%20do%
20Palha%C3%A7o%20-%20Gonzaga%20Duque.pdf - Acesso a 25 de janeiro de 2009.
126
ANEXO 20 – Ilustração II
Morte do Palhaço, por Calixto
Disponível em http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/literatura/gonzaga_duque/Morte%20do%
20Palha%C3%A7o%20-%20Gonzaga%20Duque.pdf - Acesso a 25 de janeiro de 2009.
127
ANEXO 21 – Más notícias
, por Amoedo
Más notícias, 1895, óleo sobre tela, 100 x 75 cm. Museu Nacional de Belas Artes,
Rio de Janeiro.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_ra_arquivos/ra_1895_masnoticias.jpg - Acesso a 25 de
janeiro de 2009.
128
ANEXO 22 – Batalha dos Guararapes
, por Victor Meirelles
Batalha dos Guararapes, 1879, óleo sobre tela, 495,5 x 923 cm. Museu Nacional
de Belas Artes, Rio de Janeiro.
Disponível em: commons.wikimedia.org/wiki/File:Meirelles-gua - Acesso a 25 de janeiro de 2009.
129
ANEXO 23Batalha do Avaí
, por Pedro Américo
Batalha do Avaí , 1872-1877, óleo sobre tela, 600 x 1100 cm. Museu Nacional de
Belas Artes, Rio de Janeiro.
Disponível em: http://observarte.zip.net/images/p_americo_b_do_avai.jpg - Acesso a 25 de janeiro de 2009.
130
ANEXO 24 – A colocação no túmulo
, por Cavaraggio
A colocação no túmulo, 1602-1603, óleo sobre tela, 300 x 203 cm. Pinacoteca,
Vaticano.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/obras/obras_messalina_arquivos/img08.jpg - Acesso a 25 de
janeiro de 2009.
131
ANEXO 25 – Bebedor de cidra
, por Presciliano Silva
Bebedor de cidra, 1907, óleo sobre tela.
Disponível em: http://www.revistaohun.ufba.br/ANAMAR~1/a_img018_5.jpg - Acesso a 25 de janeiro de
2009.
132
ANEXO 26 – Lar infeliz
, por Antonio Parreiras
Lar infeliz, 1905, óleo sobre tela.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/gd_parreiras_arquivos/image018.jpg - Acesso
a 25 de janeiro de 2009.
133
ANEXO 27 – O importuno
, por Almeida Junior
O importuno, 1898, óleo sobre tela, 145 x 97 cm. Pinacoteca São Paulo.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_aj_arquivos/aj_1898_importuno.jpg - Acesso a 25 de
janeiro de 2009.
134
ANEXO 28 – Estudo de mulher
, por Amoedo
Estudo de mulher, 1884, óleo sobre tela, 150 x 200 cm. Museu Nacional de Belas
Artes, Rio de Janeiro.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_ra_arquivos/ra_1884_estudo.jpg - Acesso a 25 de
janeiro de 2009.
135
ANEXO 29 – O último Tamoio
, por Amoedo
O último Tamoio, 1883, óleo sobre tela, 180,3 x 261,3 cm. Museu Nacional de
Belas Artes, Rio de Janeiro.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_ra_arquivos/ra_1883_tamoyo.jpg - Acesso a 25 de
janeiro de 2009.
136
ANEXO 30 – Marabá
, por Amoedo
Marabá, 1882, óleo sobre tela, 151,5 x 200,5 cm. Museu Nacional de Belas Artes,
Rio de Janeiro.
Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/bcodeimagens/imagens_publico/002225009019.jpg - Acesso a
25 de janeiro de 2009.
137
ANEXO 31 – A porangaba
, por João Macedo
A porangaba, 1904, óleo sobre tela.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_jm_arquivos/jm_1904_porangaba.jpg - Acesso a 25 de
janeiro de 2009.
138
ANEXO 32 – Jesus Cristo
, por Rodolpho Bernardelli
Jesus Cristo, 1877, gesso, 58 x 20 x 18 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio
de Janeiro.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_rb_arquivos/rb_1877_cristo.jpg - Acesso a 25 de
janeiro de 2009.
139
ANEXO 33 – O agitador de Languedoc
, por Laurens
Disponível em: http://www.fortunecity.com/westwood/guerlain/289/laurens/laurens.jpg - Acesso a 25 de
janeiro de 2009.
140
ANEXO 34 – Retrato de Nicolina de Assis
, por Eliseu Visconti
Retrato de Nicolina de Assis, 1905, óleo sobre tela, 100 x 81 cm. Museu Nacional
de Belas Artes, Rio de Janeiro.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_ev_arquivos/ev_1905_nicolina.jpg - Acesso a 25 de
janeiro de 2009.
141
ANEXO 35 – Dame a la rose
, por Belmiro de Almeida
Óleo sobre tela.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_ba_arquivos/ba_1906_damealarose.jpg - Acesso a 25
de janeiro de 2009.
142
ANEXO 36 – Mater dolorosa
, por Correia Lima
Mater dolorosa, 1902.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_cl_arquivos/cl_1902_mater.jpg - Acesso a 25 de
janeiro de 2009.
143
ANEXO 37 – Desembarque da imperatriz dona Leopoldina
, por Debret
Desembarque da imperatriz dona Leopoldina, 1818, Óleo sobre tela, 44,5 x 69,5
cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
Disponível em: http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2007/jusp806/ilustras/expo4.jpg - Acesso a 25 de janeiro de
2009.
144
ANEXO 38 – Esperando o zagal
, por Antonio Parreiras
Esperando o zagal, 1905, óleo sobre tela.
Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/gd_parreiras_arquivos/image020.jpg - Acesso
a 25 de janeiro de 2009.
145
ANEXO 39 – Curriculum Lattes
Alexandra Filomena Espindola
Dados Pessoais
Nome Alexandra Filomena Espindola
Nome em citações bibliográficas ESPINDOLA, A. F.
Sexo feminino
Filiação Paulo César Espindola e Ida Espindola
Nascimento 02/09/1977 - Palhoça – Brasil
Endereço residencial Aririú - Palhoça
88135-060, SC - Brasil
Endereço profissional
- Brasil
Endereço eletrônico
e-mail para contato : alex[email protected]
___________________________________________________________________________
Formação Acadêmica/Titulação
2001 - 2007 Graduação em Letras Português/Inglês.
Universidade do Sul de Santa Catarina, UNISUL, Tubarão, Brasil
Título: Mergulhar na Morte e saltar com o Palhaço
Orientador: Antônio Carlos Gonçalves dos Santos
___________________________________________________________________________
Formação complementar
2004 - 2004 Extensão universitária.
Universidade do Sul de Santa Catarina, UNISUL, Tubarão, Brasil
Palavras-chave: Programa de Línguas
2005 - 2005 Curso de curta duração em Gêneros Textuais Ensino-Aprendizagem de
Linguagem.
Universidade do Sul de Santa Catarina, UNISUL, Tubarão, Brasil
Palavras-chave: Estudo de Gêneros
___________________________________________________________________________
146
Atuação profissional
1. Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL
__________________________________________________________________
Vínculo institucional
2006 - Atual Vínculo: Contrato caráter temporário, Enquadramento
funcional: professor. Carga horária: 24. Regime: Parcial
Outras informações:
Oficinas de Produção Textual para alunos de nona fase do curso de Psicologia
2. Fundação de Apoio à Educação, Pesquisa e Extensão da UNISUL - FAEPESUL
__________________________________________________________________
Vínculo institucional
2006 - 2006 Vínculo: monitoria, Enquadramento funcional: monitora. Carga
horária: 5. Regime: Parcial
Outras informações:
Monitoria de Língua Portuguesa do curso CEPEx da Universidade do Sul de
Santa Catarina - UNISUL, Campus da Grande Florianópolis.
2006 - 2007 Vínculo: Bolsista. Enquadramento funcional: Pesquisadora,
Carga horária: 20, Regime: Parcial
Outras informações:
FAPESC Título do projeto: Práticas discursivas na indústria hoteleira de
Florianópolis
2005 - 2005 Vínculo: monitoria, Enquadramento funcional: monitora. Carga
horária: 10. Regime: Parcial
Outras informações:
Monitoria de Lingüística de curso de Letras sa Universidade do Sul de Santa
Catarina - UNISUL, Campus da Grande Florianópolis.
2005 - 2005 Vínculo: Estágio não obrigatório, Enquadramento funcional:
Estagiária. Carga horária: 20, Regime: Parcial
Outras informações:
Estágio na coordenação do curso de Letras Português/Inglês.
___________________________________________________________________________
Idiomas
Inglês Compreende Razoavelmente, Fala Pouco, Escreve Razoavelmente, Lê
Razoavelmente
Espanhol Compreende Razoavelmente, Fala Pouco, Escreve Pouco, Lê
Razoavelmente
147
Produção em C, T& A
Produção bibliográfica
Apresentação de Trabalho
1. ESPINDOLA, A. F.
Oficina de Língua Portuguesa, 2006. (Conferência ou palestra, Apresentação de Trabalho)
Áreas do conhecimento: Língua Portuguesa
Referências adicionais: Brasil/Português. Meio de divulgação: Outro
Palestrante; Local: Centro Educacional Dom Jayme de Barros Câmara; Cidade: Palhoça;
Evento: Capacitação Profissional: Saúde da Criança e Oficina de Língua Portuguesa;
Inst.promotora/financiadora: Secretaria Municipal de Educação, Ciência, Tecnologia,
Inovação, Cultura e Esportes do município de Palhoça
Eventos
Participação em eventos
1. Apresentação de Poster / Painel no(a) 4º Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros
Textuais - SIGET, 2007. (Simpósio)
Interação cliente/atendente: análise crítica de check-ins e check-outs em hotéis.
2. 4º Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais - SIGET, 2007. (Simpósio).
3. Apresentação Oral no(a) Capacitação Profissional - Oficina de Língua Portuguesa,
2006. (Oficina)
Oficina de Língua Portuguesa.
4. Apresentação Oral no(a) IV Semana Integrada das Licenciaturas - SeIL, 2005.
(Congresso)
IV Semana Integrada das Licenciaturas - SeIL.
Palavras-chave: projeto de monitoria
Áreas do conhecimento: Letras, Língua Portuguesa
Setores de atividade: Educação superior
5. I Fórum de Letras: Português, Inglês e Espanhol, 2004. (Outra)
.
Palavras-chave: linguagem e literatura
Áreas do conhecimento: Língua Portuguesa,Literatura Brasileira,Teoria Literária
Setores de atividade: Educação superior
___________________________________________________________________________
Totais de produção
Produção bibliográfica
Apresentações de Trabalhos (Conferência ou palestra)...................................... 1
148
Eventos
Participações em eventos (congresso)...................................................... 1
Participações em eventos (simpósio)....................................................... 2
Participações em eventos (oficina)........................................................ 1
Participações em eventos (outra).......................................................... 1
149
Este trabalho foi formatado conforme o modelo “dissertação” do Programa de
Pós-graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina
– UNISUL – desenvolvido pelo professor doutor Fábio José Rauen.
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