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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
ADRIANA BORGO DA CUNHA
A LEITURA ENQUANTO PROCESSO: EFEITOS DE SENTIDO DA LEITURA
DENTRO E FORA DA ESCOLA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de
Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Ciências da Linguagem.
Orientador: Profa. Dra. Marci Filleti Martins
PALHOÇA/2009
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ADRIANA BORGO DA CUNHA
A LEITURA ENQUANTO PROCESSO: EFEITOS DE SENTIDO DA LEITURA
DENTRO E FORA DA ESCOLA
Esta dissertação foi julgada adequada à obtenção do
título de Mestre em Ciências da Linguagem e aprovada
em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Ciências
da Linguagem da Universidade do Sul de Santa
Catarina.
Palhoça, 06 de julho 2009.
______________________________________________________
Professora e orientadora Marci Fileti Martins, Doutora
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________
Professora Níncia Cecília Ribas Borgoes Teixeira, Doutora
Universidade Estadual do Centro-Oeste
______________________________________________________
Professor Sandro Braga ,Doutor
Universidade do Sul de Santa Catarina
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Está dissertação é dedicada a...
Meus queridos pais Luiz e Flora, fontes
inesgotáveis de incentivo e amor, meus
símbolos eternos de bons exemplos, mãos
estendidas, sempre prontas a me amparar!
Minhas filhas Ane Gabrielle e Alice, como um
pedido de perdão por todas as minhas ausências!
Ao meu esposo Marildo, que dentro do seu
amor incondicional sonhou comigo todos os
sonhos!
Esta vitória também é de vocês, meus amores!
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, por ter me concedido forças para concluir este sonho, e que
mesmo nas noites mais traiçoeiras esteve comigo.
Agradeço a minha querida orientadora Marci Fileti Martins, por acreditar na minha
capacidade, e que foi muito além das suas sábias orientações, foi um anjo em minha vida,
jamais encontrarei palavras para descrever a gratidão e admiração que sinto por ela.
Agradeço aos meus colegas de mestrado, que com carinho e bom humor me acolheram, e que
tantas vezes multiplicaram as alegrias e dividiram as tristezas e angústias desta árdua
caminhada.
Ao colega, in memoriam, Solange Rech que sempre tinha uma palavra de incentivo, e que ao
me chamar muitas vezes de guerreira, me encorajava para seguir minha luta.
A coordenação do programa de mestrado em Ciências da Linguagem, pela atenção e respeito
sempre presentes.
Aos professores: Dr. Aldo Litaiff, Dr. Fábio de Carvalho Messa, Dra. Dulce Márcia Cruz, Dra
Solange Maria Leda Gallo, e minha orientadora Marci Fileti Martins, que ao invés de darem
aula, davam show em conhecimentos, suas aulas maravilhosas, foram um estímulo para a
conclusão deste trabalho.
Agradeço a Dra. Stella Maris Klueger, que foi luz em meu caminho, quando as trevas
insistiram em obscurecer meus sonhos. Com sua serenidade ajudou-me a enfrentar os
obstáculos, sempre incentivando a conclusão deste mestrado. Admiração eterna a essa
brilhante profissional.
Ao amigo Ari José de Souza pela carinhosa leitura deste material.
Aos meus queridos alunos que colaboram neste trabalho.
E o meu mais profundo agradecimento a todos que de uma maneira ou de outra foram “pedras
no meu caminho”, como já dizia Carlos Drummond de Andrade, graças a vocês tive forças de
superar os obstáculos, porque não valeria o esforço da caminhada, se não houvesse as
barreiras para ultrapassar.
QUE É LEITURA?
"Oh, Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É gérmen – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar"
(Castro Alves)
RESUMO
Neste trabalho, a partir de um estudo realizado em uma escola pública da cidade de
Guarapuava-Pr, buscou-se compreender a leitura a partir de dois ambientes distintos: a escola,
e a leitura no parque, o qual se denominou “projeto de leitura no parque”. Para isso,
analisamos alguns recortes do discurso do aluno em sala de aula e do discurso referente à
leitura fora da escola, ou seja, no projeto “Leitura no Parque”. Ao fundamentarmos
teoricamente esta pesquisa, recorremos ao aporte teórico da Análise do Discurso de orientação
francesa,também elencamos outros aspectos teóricos relevantes quanto à leitura e suas
concepções. A fim de se buscar a constituição dos sentidos da leitura dentro e fora da escola, a
presente pesquisa instaurou a leitura de histórias em quadrinhos como amparo na
compreensão desta leitura enquanto processo.
PALAVRAS-CHAVE: Leitura, Sentidos, Escola, Histórias em Quadrinhos.
ABSTRACT
In this work, from a study in a public school Guarapuava-Pr, we sought to understand the
reading from two different environments: the school, and reading in the park, which is called
"reading project park. For this, we analyze some excerpts from the speech of students in the
classroom and discourse on the reading out of school, ie the project "Reading in the Park". At
the theoretical grounding of this research, we used the theoretical framework of discourse
analysis French oriented, also listed other relevant theoretical aspects on reading and their
views. In order to check the constitution of the senses of reading in and out of school, this
research introduces the reading of novels, including support in the understanding of reading as
a process.
KEYWORDS: Sense-Reading-School-comics
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 8
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: CONHECENDO A ANÁLISE DE DISCURSO
................................................................................................................................................12
2.1 A LEITURA E SUAS CONCEPÇÕES ....................................................................... .16
2.2 A LINHA DISCURSIVA: LER É PRODUZIR SENTIDOS....................................... 19
3 AS MATERIALIDADES DISCURSIVAS DA ESCOLA .......................................... 25
3.1 A ESCOLA E O DISCURSO PEDAGÓGICO ........................................................... 26
3.2 A ESCOLA E O DISCURSO DA ESCRITA .............................................................. 30
3.3 A LEITURA MARGINAL: CONHECENDO OS QUADRINHOS ...........................33
3.4 A ESCOLA E A ADMINISTRAÇÃO: AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO
...............................................................................................................................................35
3.4.1 A educação no Paraná.............................................................................................. 36
3.4.2 As diretrizes educacionais do Paraná .................................................................... 38
4 ANÁLISE........................................................................................................................ 40
4.1 DISPOSITIVO DE ANÁLISE...................................................................................... 40
4.2 A LEITURA E OS LEITORES DA ESCOLA: O QUE PODE E DEVE SER DITO 44
4.3 A LEITURA E OS LEITORES DO PARQUE: O QUE PODE E DEVE SER DITO 52
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 57
6 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 60
7 ANEXOS ........................................................................................................................ 65
8
1 INTRODUÇÃO
Este estudo discute o papel dos alunos e de suas práticas de leitura, nas aulas de
língua portuguesa. O trabalho de leitura faz-se presente nos conteúdos pedagógicos desde a
alfabetização até a universidade e, por isso, quando se toma como referência a produção de
leitura dos alunos do ensino médio, espera-se encontrar leitores que possam atribuir sentidos a
um texto, não somente a partir da decodificação da escrita, mas também por uma
interpretação que leva em conta o que não está dito, ou seja, que os sentidos do que se está
lendo são sustentados “por aquilo a que, o que está dito se opõe”, o que, consequentemente,
possibilita ao leitor compreender que existem “outras maneiras de se dizer o que se disse”
(ORLANDI, 1988, p.11) e por isso “essa leitura” pode ser apenas uma das muitas leituras
possíveis.
Entretanto, como professora atuante de língua portuguesa no ensino público, do
Estado do Paraná, o que constato face a esses alunos é que a maioria não se constitui como
leitor, como um sujeito que, ao se relacionar com um texto (com um autor), desencadeia um
processo de significação em que estão em jogo atribuição de múltiplos sentidos ao texto.
Mesmo para esses alunos do ensino médio, que já estão há, pelo menos, oito anos na escola,
há muitas dificuldades no que se refere à interpretação de textos, mesmo no que diz respeito à
interpretação “parafrástica, que se caracteriza pelo reconhecimento (reprodução) de um
sentindo que se supõe ser o do texto (dado pelo autor)”(ORLANDI, 1988 p.12).
Essa situação revela uma grande lacuna relacionada aos processos de ensino e
aprendizagem, envolvendo a leitura no ensino médio e a dificuldade da maioria dos alunos, no
tocante à leitura, esta sempre foi alvo de minhas inquietações e angústias profissionais.
De fato, a escola constitui-se, ou pelo menos deveria se constituir, como um
centro formador de leitores, uma vez que a leitura é um dos elementos indispensáveis para a
socialização dos sujeitos e, segundo Bakhtin, (1994) apud Brandão, (1997), o ato de ler é um
processo abrangente e complexo de compreensão e intelecção do mundo que envolve a
capacidade singular do homem de interagir simbolicamente com o outro pela manifestação da
palavra.
Assim, pode-se dizer que ler não é unicamente decodificar os símbolos gráficos,
mas sim interpretar o mundo. Numa sociedade como a nossa, que legitima a escrita como um
discurso hegemônico é decisiva a constituição de sujeitos leitores de “mundo”, que possam
formular interpretações de modo a contemplar o mostrado e o não mostrado e, por isso,
9
compreender que o valor que damos à escrita é resultado de uma história e de relações de
poder construídas culturalmente. A leitura, assim, enquanto forma de expressão, deve
materializar-se como uma ponte entre o lingüístico e o real, sendo suas representações
entendidas como interpretação e não como uma representação absoluta.
Entretanto, quando o assunto é ensino e aprendizagem da leitura, o que se tem
repetido é que o próprio professor, quando amparado pelo livro didático, por exemplo, acaba
utilizando somente esse recurso para o ensino, limitando o trabalho a questões reducionistas e
simplistas acerca da leitura e da interpretação. Orientado apenas pelo uso do livro didático, o
professor deixa-se levar por uma pedagogia autoritária e tecnicista. Dada a inadequação
dessas práticas pedagógicas de leitura, ao aluno são apresentadas atividades que restringem
sua capacidade de leitura. Fazendo um contraponto com essas práticas tecnicistas e
gramatiqueiras, outra perspectiva pedagógica propõe um trabalho com a leitura a partir do
ponto de vista das teorias discursiva e interacionista.
O ensino da língua portuguesa, consoante com as diretrizes do Ministério da
Educação, leva em consideração o sujeito falante constituído histórica e socialmente, assim
como constituído por meio da sua relação com os outros, deve voltar-se para a função social
da língua como requisito básico, para que o sujeito ingresse no mundo letrado e,
consequentemente, possa construir seu processo de cidadania, participando da sociedade de
forma ativa e atuante.
A leitura não deve ser apenas um pretexto para outras atividades, mas sim deve
ser orientada para ela mesma, para a interpretação em que se exponha que “o cerne da
produção de sentidos está no modo de relação (na leitura) entre o dito e o não dito”
( ORLANDI apud ZILBERMAN, 1988, p.59). Infelizmente, o que, muitas vezes, observa-se
nas práticas de leitura no ambiente escolar é a falta de estímulo para as atividades de leitura,
pois esta é usada apenas como pretexto para o ensino estrutural da gramática e não para
compreensão entre o dito e o não dito de um texto. Essa postura traz como conseqüência, cada
vez mais, alunos desinteressados pela atividade.
Segundo Possenti (1996, p. 49), “ler e escrever são trabalhos. A escola é um lugar
de trabalho. Ler e escrever são trabalhos essenciais no processo de aprendizagem” e o que
escola está produzindo são meros decodificadores, que apenas conseguem copiar do texto,
sem conseguir polemizar o que está sendo lido. Nessa conjuntura, nota-se a complexidade
dessa questão e como o espaço da sala de aula pode materializar o autoritarismo e a apatia dos
processos de ensino/aprendizagem da leitura.
10
Em referência à leitura, o que se observa especificamente nas Diretrizes
Curriculares do Estado do Paraná (DCE), é que ela aponta para um leitor na condição de
sujeito histórico e social, que se constitui por suas práticas discursivas e pela diversidade de
sua produção textual. Entretanto, o que parece ao analisarmos a conjuntura escolar, é que este
aluno leitor ainda não assumiu a condição de sujeito detentor de sua historicidade. Do que
interessa destacar aqui, pode-se afirmar que essa posição não assumida pelo aluno vai, sem
dúvida, afetar suas práticas de leitura, as quais se reduzem a mero processo de decodificação
lingüística e não de interpretação. Essa situação constitui-se um problema para as instituições
de ensino e, consequentemente, para todos que delas fazem parte, principalmente para o
professor de língua portuguesa, que tem o compromisso de ensinar e desenvolver a leitura.
Assim, o que pretendo discutir relaciona-se a essa dificuldade, por parte da escola,
de construir uma proposta de ensino e aprendizagem em que a leitura é compreendida como
processo. Segundo Orlandi (1988),
não se encarar o texto apenas como produto, como um
resultado, volta-se para o entendimento do processo de sua produção e, logo, da sua
significação:
Leitura é o momento crítico da constituição do texto, o momento privilegiado do
processo de interação verbal, uma vez que é nele que se desencadeia o processo de
significação. No momento em que se realiza o processo da leitura, se configura o
espaço da discursividade em que se instaura um modo de significação específico.
(ORLANDI, 1988, p. 37-38)
Considerando as questões, a presente pesquisa justifica-se pela necessidade de se
problematizar o processo de produção de leitura. O fenômeno da leitura, devido a sua
complexidade, deverá sempre integrar os objetos de estudos das ciências da linguagem,
visando oferecer reflexões, e suscitar novas posturas pedagógicas, a fim de se melhorar a
compreensão das práticas de leitura. No desenvolvimento da pesquisa, buscou-se investigar:
a) Qual o efeito de sentido da leitura dentro e fora da escola?
b) Por que a leitura, muitas vezes, face ao ambiente escolar é objeto de
desinteresse por parte dos alunos?
c) Será possível formar um leitor no ensino médio?
d) Quem é o responsável pela formação do leitor: a família, a escola,
enquanto instituição de ensino? Os alfabetizadores?
Para tanto, foi proposto para a análise, um projeto de leitura desenvolvido,
concomitantemente, com dois grupos de alunos, sendo que um deles trabalhou a leitura em
sala de aula e outro que se reuniu fora da sala de aula, e fez um trabalho de leituras em um
11
parque da cidade. A análise que propõe esse recorte pode ser produtiva para a compreensão
dos problemas envolvendo o ensino e aprendizagem da leitura na escola, pois, pode-se
observar um trabalho de leitura que não é aquele da escola. A “leitura no parque” não se
constitui por uma série de exigências institucionais, que vão desde exercícios metalingüísticos
envolvendo a gramática normativa até o compromisso do leitor em provar por meio de
avaliações a sua competência enquanto leitor.
A discussão desses diferentes eventos discursivos será feita dentro dos aportes
teóricos da Análise do Discurso (AD) de linha pechetiana, apresentada no segundo capítulo.
No terceiro capítulo, destacam-se alguns aspectos teóricos pertinentes à leitura e suas
concepções. A partir do quarto capítulo, a discussão começa a ser encaminhada, delimitando
as práticas discursivas da escola enquanto espaço de funcionamento do discurso pedagógico e
do discurso da escrita. No quarto capítulo, a partir do método discursivo, apresenta-se a
análise do corpus já organizado a partir do recorte que traz uma abordagem da leitura feita na
sala de aula, em uma “aula de leitura” a partir da perspectiva da disciplina de língua
portuguesa, outra abordagem de leitura é a feita em outro ambiente que não o da sala de aula:
a leitura no parque.
Sendo a leitura esse universo tão amplo e, ao mesmo tempo, tão necessário aos
alunos, acredita-se que este trabalho ajudará a produzir novas reflexões a respeito do sujeito
“aluno-leitor”, auxiliando na compreensão deste fenômeno como produção e circulação de
sentidos na esfera social e de modo particular no ambiente escolar.
12
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: CONHECENDO A ANÁLISE DE DISCURSO
O contexto histórico do aparecimento da Análise de Discurso parte de três campos
do saber: a lingüística, a psicanálise e o Marxismo. Com a preocupação em torno da
interrogação de que “o que ler” quer dizer, nos anos 60, do século XX, autores como
Althusser, Foulcault, Lacan, e Pêcheux voltam-se a questões relativas a interpretações. A
Análise de Discurso (AD) que surge a partir da proposta de Pêcheux (1969, 1975) constitui-se
numa disciplina de entremeio, fazendo-se na contradição do campo lingüístico, psicanalítico e
marxista. Ela trabalhará na confluência desses campos de conhecimento, irrompendo suas
fronteiras, constituindo um novo objeto, fazendo, assim, nascer a Análise de Discurso.
A AD se forma na medida em que a linguagem tem de ser referida
necessariamente à sua exterioridade, para que se apreenda seu funcionamento, enquanto
processo significativo. Para a Análise de Discurso (ORLANDI, 2002 p.19-20):
a) A língua tem sua ordem própria, mas só é relativamente autônoma;
b) a história tem seu real afetado pelo simbólico (os fatos reclamam sentido);
c) o sujeito de linguagem é descentrado, pois é afetado pelo real da língua e
também pelo real da história, não tendo o controle sobre o modo como elas o afetam. Isso
redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia.
A noção de discurso para a Análise de Discurso é palavra em movimento, prática
de linguagem: como o estudo do discurso observa-se o homem falando (ORLANDI, 2002). O
discurso é a materialização do sócio-histórico, ele reflete como a linguagem está materializada
na ideologia e como a ideologia se manifesta na língua.
A linguagem não é transparente e como não há uma relação termo a termo entre
linguagem/pensamento/mundo, segundo a Análise de Discurso, não é possível dizer “o que
quer dizer”, ou seja, não é possível atribuir sentido (conteudismo). Não se pode considerar
que a relação entre as palavras é natural, deve-se considerar o funcionamento do discurso.
Assim, não há sentidos em si, mas em “relação a”, os sentidos se determinam
pelas condições em que são produzidos (ORLANDI, 2001, p. 164).
O gesto de interpretação se dá porque o espaço simbólico é marcado pela
incompletude, pela relação com o silêncio. A interpretação é o vestígio do possível.
É o lugar próprio da ideologia e é “materializada” pela história. Esta é uma
característica importante da interpretação. Ele sempre se dá em algum lugar da
história e da sociedade e tem uma direção, que é que chamamos de política.
(ORLANDI, 1996, p. 18-19).
13
Segundo Orlandi (1996),
[...] no momento em que se assume a incompletude da linguagem, sua materialidade
(discursiva), o gesto de interpretação passa a ser visto como uma relação necessária
(embora na maior parte das vezes negada pelo sujeito) e que intervém decisivamente
na relação do sujeito como o mundo (natural e social), mesmo que ele não saiba.
Parte-se do princípio de que há sempre interpretação. Não há sentido sem
interpretação, “Estabilizada ou não, mas sempre interpretação”. (ORLANDI, 1996, p. 21-22):
Comprender é saber como um objeto simbólico (enunciado, texto, pintura,musica
etc) produz sentidos. É saber como as interpretações funcionam. Quando se
interpreta já se está preso em um sentido.A compreensão procura a explicação dos
processos de significação presentes no texto e permite que se possam “escutar”
outros sentidos que ali estão,compreendidos como eles se constituem.
Orlandi (1999) explicita o conteúdo teórico que sustenta as discussões propostas
na maior parte dos textos que tratam a leitura sob a perspectiva discursiva. Nele, a autora
procura delimitar o método que rege a Análise de Discurso, já que entende que, em
linguagem, todo método, técnica e mesmo as propriedades do objeto são sempre determinados
por pressupostos filosóficos. O objeto da Análise de Discurso é a linguagem, sendo esta vista
sob um enfoque diferente da lingüística tradicional, pois trata dos processos de constituição
do fenômeno lingüístico e não meramente de seu produto. Assim, [...] “linguagem é ação
sobre a natureza e ação concertada sobre o homem” (ORLANDI, 1996, p. 17). A autora
considera a linguagem como trabalho, como produção, e o fato de ser trabalho determina a
produção da linguagem enquanto parte da produção social.
O fato de considerar a linguagem como trabalho implica dois fatos significativos
para a Análise de Discurso:
1. Que a linguagem não é apenas instrumento de comunicação, ela é importante
não só pelo conteúdo referencial que traz, mas pelas implicações psíquicas, sociais e,
principalmente, ideológicas de seu uso;
2. que tomar a palavra é um ato social com todas as suas implicações, conflitos,
reconhecimento, constituição de identidade etc.
Logo, se a linguagem é trabalho e seu uso é um ato social, com todos os
desdobramentos que esse ato pode gerar, torna-se de extrema importância a compreensão das
condições de produção do discurso, ou seja, a compreensão da situação de comunicação, que
envolve o somatório dos interlocutores envolvidos, da situação de produção e dos contextos
14
histórico-social e ideológico que vão constituir a semântica discursiva: [...] “análise dos
processos característicos de uma formação discursiva que deve dar conta da articulação entre
o processo de produção de um discurso e as condições em que ele é produzido”. (ORLANDI,
1996, p. 19).
Essa mesma autora aponta, também, dois processos que se articulam na produção
do discurso: o processo parafrástico (é o que permite a produção do mesmo sentido sob várias
de suas formas matriz de linguagem) e o processo polissêmico (é o responsável pelo fato de
que são sempre possíveis sentidos diferentes, múltiplos - fonte de linguagem). Esse processo
de paráfrase está estruturado em torno da premissa de que em todo dizer há sempre elementos
de outros dizeres, ou diferentes formulações de um mesmo dizer, levando à estabilização dos
discursos, enquanto a polissemia promoveria o deslocamento, a ruptura dos processos de
significação.
A autora acrescenta que “a paráfrase é a matriz do sentido, pois não há sentido
sem repetição [...] e a polissemia é a fonte da linguagem, uma vez que ela é a própria
condição da existência dos discursos, pois se os sentidos – e os sujeitos, não fossem múltiplos,
não pudessem ser outros, não haveria necessidade de dizer”. (ORLANDI, 2002, p. 38)
Ao se pensar sobre a produção de sentidos, mais um elemento deve ser destacado,
o papel da interdiscursividade, da memória discursiva como constitutiva da produção do
sentido. De acordo com Pêcheux (1999, p. 50), a [...] “memória deve ser entendida aqui não
no sentido diretamente psicologista da (memória individual), mas nos sentidos entrecruzados
da memória mítica, da memória social inscrita em práticas, e da memória construída do
historiador”. O interdiscurso, assim, constitui-se pela relação entre as formações discursivas
na medida em que determina os efeitos de encadeamento e articulações da memória de modo
que ela aparece com “já-dito” e esquecido: pelo interdiscurso fala um voz sem dono e sem
nome, pois “é preciso que o que foi dito por um sujeito específico, num lugar específico, se
apague para que o ‘’anonimato’’ possa fazer sentido em ‘’minhas’’ palavras’’. (ORLANDI,
2002 , p. 34):
O dispositivo ideológico de interpretação do sujeito vem carregado de uma memória
(uma filiação nas redes de sentidos – o interdiscurso) que, entretanto, aparece
negada como se o sentido surgisse lá. Isto porque a memória discursiva (o
interdiscurso) se estrutura pelo esquecimento: esquecemos como os sentidos se
formam de tal modo que eles aparecem como surgindo em nós (ORLANDI, 2001
p.28)
15
Assim, as palavras não significam independentemente, elas significam de acordo
como os sentidos (memória discursiva) no imaginário em que estão imersas, significam
determinadas por suas condições de produção históricas e ideológicas.
No que se refere à ideologia, Orlandi (1994, p. 57) propõe que esta seja vista
como o imaginário que media a relação do sujeito com suas condições de existência:
Pela ideologia se naturaliza o que é produzido pela história; há transposição de
certas formas materiais em outras. Há simulação (e não ocultação de conteúdos) em
que são construídas transparências (como se a linguagem sua materialidade, sua
opacidade) para serem interpretadas por determinações históricas que aparecem
como evidências empíricas. [...] A ideologia é interpretação de sentidos em certa
direção, determinada pela relação da linguagem com a história, em seus mecanismos
imaginários.
Para Zuccolillo (2000, p. 187), [...] “dizer que o sujeito está determinado
ideologicamente pela linguagem é considerar que ele está constituído historicamente, que,
quando ele fala, ele ‘é falado’ pela ideologia, isto é, ‘falado’ pela história, e que isso se opera
num processo discursivo cuja base material é a língua”.
Assim, sujeito e sentido não existem em si, mas se constituem determinados por
suas condições de produção que são histórica, ideológica, social. O sujeito se diz a partir
desse espaço discursivo denominado formação discursiva. De acordo com Zuccolillo (2000,
p. 201), parafraseando Pêcheux, “as formações discursivas determinam, pelo primado dos
interdiscursos sobre elas, o que pode e deve ser dito numa com juntura dada das relações
sociais”. Assim, pode-se dizer que os sentidos produzidos são determinados por formações
discursivas, inscritas dentro de determinadas formações ideológicas:
A formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada
(isto é, a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada)
determina o que pode e deve ser dito. [...] a formação discursiva é, enfim, o lugar da
constituição do sentido e da identificação do sujeito. (ORLANDI, 1988, p.58
)
16
2.1 A LEITURA E SUAS CONCEPÇÕES
Tomando alguns teóricos como referência, destacamos em Pearson (1994) uma
das primeiras concepções de leitura, que se apoiava em uma postura estruturalista da
linguagem. Sob esse aspecto, a leitura é apenas uma atividade mecânica de recuperação de
informações inquestionáveis do texto.
Essa posição minimizava a importância do leitor (que é entendido como passivo),
uma vez que não considerava a interlocução no processo de compreensão de um texto (autor
vs leitor), valorizando em excesso o texto como objeto autônomo. Dessa perspectiva, na
metodologia para o ensino e aprendizagem da leitura, o aluno responde a questões objetivas e
direcionadas, com a finalidade de comprovar, por meio da identificação do conteúdo textual,
se a leitura do texto foi feita e se houve a compreensão.
Esse modelo estruturalista de leitura ainda é encontrado em muitas atividades
escolares. No livro didático, por exemplo, não faltam questões de cópia de informações do
texto ou questões objetivas (“transcreva o trecho... ou o que, quem, quando, como, onde isso
aconteceu”), numa atividade de pura decodificação de um sentido único presente no texto
(MARCUSHI, 1996). O bom leitor aos olhos das escolas, que propiciam atividades como
essas, é aquele aluno que sabe responder a perguntas feitas pelo professor, as quais
garantiriam identificar as informações do texto.
Opondo-se à concepção estruturalista, outra concepção, a psicolingüística, propõe
que a leitura seja uma recriação de sentidos que não estão no texto, mas na memória do leitor,
no seu conhecimento de mundo. As teorias da psicolingüística, reformuladas por Goodman
(1967) e Smith (1988), introduziram a noção de “adivinhação”, considerando fundamental o
conhecimento prévio do leitor para se chegar à compreensão. O texto passa a ser, então, um
ativador do conhecimento já adquirido e não um meio para reflexão ou expansão do
conhecimento.
Essa concepção, que supervalorizava o papel do leitor, é definida, segundo
Possenti (1990-1991), como uma pedagogia da não correção, acabava perdendo sua função
primordial de ensinar, pois ela não direcionava o conhecimento do aluno.
Nesta leitura, não mais se identifica a voz do autor e, como todos os sentidos
atribuídos são considerados corretos, isso se torna um mero processo de discussão de opiniões
pessoais já formadas pelos alunos. As práticas escolares que primam apenas a ativação do
17
conhecimento de mundo do aluno, sem necessariamente relacionar esse conhecimento com o
texto, consideram bom leitor aquele que mais criações faz ao ler o texto.
Ainda, segundo o viés da valorização do papel do leitor, uma terceira concepção
de leitura, da psicologia cognitiva, voltou sua atenção para a relação entre o conhecimento de
mundo que o leitor mobiliza durante a leitura do texto e a compreensão. Nessa linha teórica, o
conhecimento prévio (lingüístico, textual e conhecimento de mundo) adquirido na vida é
reunido e organizado em esquemas (schemata), os denominados blocos de conhecimento.
Rumelhart (1980) apud (KLEIMAN 1998) define esquemas como: [...] “uma estrutura de
dados para representar conceitos genéricos estocados na memória” e têm a capacidade de se
automodificar à medida que se aumenta ou se altera o conhecimento de mundo. Esses pacotes
de conhecimentos estruturados que se ligam a subesquemas, formando redes de
conhecimento.
A partir da teoria dos esquemas e procurando explicar os processos mentais
envolvidos na atividade de leitura, surge o modelo interativo de leitura, em que nos modelos
propostos por Rumelhart e outros psicólogos cognitivos, haveria duas estratégias de ativação
dos esquemas: descendente (top-down), que vai do conhecimento do mundo para o nível de
decodificação da palavra, ou seja, do todo para a parte; e ascendente (bottom-up), que começa
pela apreensão do escrito para depois ativa outros conhecimentos pessoais, ou seja, vai da
parte para o todo. Segundo esse modelo, a construção de sentidos acontece por meio da
leitura, não envolve uma ordem pré-deteminada para a ativação dos esquemas. Assim, o leitor
não desenvolve primeiro uma habilidade para ser capaz de ter acesso à outra. A decodificação
da palavra não precede à da frase ou do texto, assim como a leitura em voz alta não precede a
compreensão.
Além dessas concepções distingui-se a concepção de leitura que se fundamenta na
construção de sentidos por meio de um processo ativo e dinâmico de negociação entre autor e
leitor via do texto, ou seja, que incorpora como elemento importante de compreensão a
interação social. Essa abordagem interacionista da linguagem procura discutir como os
conhecimentos dos sujeitos são socialmente construídos. Sendo assim, considera-se um leitor
competente aquele capaz de ler as entrelinhas e realizar atividade de geração de sentidos pela
reunião de várias informações (inferência).
Salienta-se, portanto, que a leitura não é apenas uma atividade cognitiva, mas sim
um fato afetado pelos aspectos sociais históricos e ideológicos. Para Freire (1985), a questão
pertinente à leitura está ancorada basicamente nas relações escola/sociedade. O autor critica a
leitura entendida como um processo meramente decifrativo, que não leva em consideração o
18
universo do sujeito leitor e a sua experiência de vida, ou seja, desconsidera que o leitor tenha
um conhecimento de mundo adquirido na sua constituição enquanto ser social e que isso vai
integrar o seu processo de aprendizado da leitura.
Essa concepção de leitura está ancorada numa premissa que poderia ser
denominada de sociopolítica. A leitura, sob essa égide, seria uma interpretação crítica, em que
o leitor poderia levar em conta todo o seu conhecimento prévio, considerando sua experiência
de vida e leituras anteriores. Tal concepção aponta para um leitor na posição de sujeito ativo
no processo de atribuição de significado e não apenas um mero receptor das idéias veiculadas
pelo texto e por seu autor.
Ao se pensar em sujeito capaz de atribuir ou construir o significado para um texto,
é o mesmo que ir ao encontro da noção de sujeito utilizada na Análise de Discurso, o que
constitui um ponto fundamental neste trabalho. Então, a proposta de Freire, assim como a da
Análise de Discurso constituem uma concepção de leitura que pressupõe a inserção de sua
prática na esfera social, histórica e ideológica. Tal proposta não se restringe apenas à
competência do leitor em termo de conteúdos referenciais, mas, sobretudo, atenta para uma
competência enquanto um leitor das relações sociais que permeiam o seu meio. Sendo assim,
essa abordagem mostra a leitura, enquanto caráter político, já que, de acordo com Freire
(1985), a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa
forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, transformá-lo por meio da prática
social. Concomitante as idéias de Freire, temos também as formulações teóricas propostas por
Silva (1988), para quem a leitura deve proporcionar uma compreensão do contexto em que o
leitor se situa, permitindo uma abertura para a discussão do que foi lido e não algo imposto,
predeterminado a partir dos pontos de vista do professor ou pelo autor do livro didático.
Também na concepção de Kleiman (1977), a noção de leitura vai muito além dos
vagos apontamentos feitos pelo livro didático. Segundo ela, a leitura enquanto interpretação
está atrelada às práticas culturais e sociais, nas quais o leitor está inserido e a compreensão
está relacionada à percepção e à construção de significados com base na textualidade, nos
níveis lexical, sintático, semântico e pragmático.
A concepção de leitura adotada nas diretrizes educacionais do Paraná, prima pela
leitura como um ato significativo e relevante, estando relacionado a um contexto, ou seja, a
toda gama de experiências que cercam o leitor. Nesse sentido, a leitura não é algo fechado,
acabado. Ela tem como base a idéia de um saber em movimento, portanto, um saber dialógico,
interativo.
19
2.2 A LINHA DISCURSIVA: LER É PRODUZIR SENTIDOS
Ao pensar o texto como elemento dotado de significado e portador das intenções
do autor, (KLEIMAN 1993, 1996 e 1997) e outros (CAVALCANTI, 1989) estariam
adotando, segundo Coracini (1995), uma concepção que se constitui em um prolongamento da
visão tradicional, aquela privilegiada pelas abordagens estruturalistas: embora enfatizem o
caráter interacional da leitura por meio da valorização do papel desempenhado pelo leitor
(delineamento de objetivos, formulação de hipóteses, conhecimento prévio etc.), sua ênfase
recai, ainda, sobre o texto, elemento central do processo de leitura, pois é nele que se
encontram até mesmo os elementos que permitem a interpretação pragmática:
Se é o texto que predetermina, ou seja, autoriza um certo número de leituras (através
das chamadas inferências autorizadas) e impede ou impossibilita outras, então, o
texto é ainda autoridade, portador de significados por ele limitados, ou melhor,
autorizados; o texto teria, assim a primazia sobre o leitor, que precisa, com
competência, apreender os sentidos nele inscrito. (CORACINI, 1995, p. 15)
A crítica de Coracini à abordagem interacionista de leitura apóia-se em Orlandi
(1996), que trata do jogo interacional na leitura por meio da relação entre o autor e o seu
leitor. No que se refere ao leitor, Orlandi (1996, p. 9) propõe pensá-lo através das noções de
leitor virtual e o leitor real:
Se se deseja falar em processo de interação da leitura, eis aí um primeiro
fundamento para o jogo interacional: a relação básica que instaura o processo de
leitura é o do jogo existente entre o leitor virtual e o leitor real. É uma relação de
confronto. O que, já em si é uma crítica aos que falam em interação do leitor com o
texto. O leitor não interage com o texto (relação sujeito/objeto), mas com outros
sujeitos. A relação [...] sempre se dá entre homens, são relações sociais; eu
acrescentaria, históricas, ainda que (ou porque) mediadas por objetos (como o texto).
Ficar na “objetualidade” do texto, no entanto, é fixar-se na mediação absolutizando-
a, perdendo a historicidade dele, logo sua significância. (ORLANDI, 1988, p. 9).
É nessa perspectiva de questionamento da abordagem interacionista e de
introdução das preocupações teóricas sobre leitura, no âmbito da Análise de Discurso, que se
pode introduzir uma outra abordagem teórica de leitura, aqui nomeada abordagem discursiva.
Introduzida, inicialmente, por Orlandi, nos artigos A linguagem e seu
funcionamento (1987) e, posteriormente, no texto Discurso e leitura (1988) e também por
Coracini em Os jogos discursivos na sala de aula (1995), essa abordagem tem como premissa
20
o fato de que a leitura ou o ato de ler implica um processo discursivo, o que permite
problematizá-la no domínio do discurso, buscando entender como se dá a compreensão
realizada na leitura, o que, em última instância, significa, pensar uma questão fundamental
dentro da Análise de Discurso que é “a reflexão sobre o funcionamento discursivo da
compreensão” que tem, “um retorno que incide sobre uma questão crucial para a própria
análise de discurso: a constituição dos processo de significação” (ORLANDI, 1988, p.101).
Nessa linha de raciocínio, o texto é “definido pragmaticamente como a unidade
complexa de significação, consideradas as condições de sua produção. O texto se constitui,
portanto, no processo de interação”. (ORLANDI, 1988, p. 21). O texto, assim, ultrapassa a
noção de puro produtor de informação e coloca a necessidade se ir além do nível segmental.
Por isso, a Análise de Discurso não trabalha com “distribuição segmental”, mas com
“recortes” que são as unidades discursivas.
Finalmente, a Análise de Discurso não descreve a função, mas o funcionamento,
já que considera o discurso como parte de um mecanismo em funcionamento, correspondendo
a certo lugar no interior de uma formação social.
Esse funcionamento se refere à estruturação de um discurso por um faltante
determinado, para um interlocutor determinado e com finalidades específicas. Assim, o
trabalho discursivo detecta marcas e propriedades do discurso, analisando o seu
funcionamento, por isso pode estabelecer a relação entre o funcionamento e as formações
discursivas que implicam certa formação ideológica.
Ao tomar como base essa formulação teórica, a leitura é concebida como um
processo discursivo em que atuam dois sujeitos que, por sua vez, produzem sentido, o leitor e
o autor, sendo que cada um deles se insere num momento sócio-histórico produzindo sentido
sempre a partir de contextos histórico-sociais determinados, produzirão, conseqüentemente,
sentidos determinados ideologicamente.
O conhecimento da semântica discursiva, anteriormente mencionada, torna-se
fundamental para compreender a situação comunicativa instaurada pela leitura, pois permite o
reconhecimento das condições de produção dos sentidos tanto no momento da escritura
quanto da leitura. Essa produção de sentido, que é uma forma de realização de um discurso, é
construída num espaço histórico-social que é assujeitado a esse contexto.
Por conseguinte, o texto, enquanto uma forma de articulação da linguagem, não
mais é tomada como uma unidade de sentido pré-estabelecido, já que os sentidos não se
inscrevem nele, mas nos sujeitos determinados por contextos sócio-históricos que para ele
produzem sentido. Sem o leitor, ou sem uma instância que possa atribuir sentido, os textos
21
não possuem sentido por si sós, como afirma Coracini (1995, p. 17): “[...] os textos,
independentemente das convenções partilhadas, e da formação discursiva, são conjuntos
amorfos de sinais gráficos, incapazes de reter sentido fora do jogo lingüístico e do universo de
discurso”. Nesse sentido Orlandi (1988, p.37) afirma:
Não se vê na leitura do texto apenas a decodificação, a apreensão de um sentido
(informação) que já está dado nele. Não encara o texto apenas como produto, mas
procura observar o processo de sua produção e, logo, da sua significação.
Correspondentemente, considera que o leitor não apreende meramente um sentido
que está lá; o leitor atribui sentidos ao texto. Ou seja: considera-se que a leitura é
produzida e se procura determinar o processo e as condições de sua produção.
De fato, não é o texto (mesmo com todas as marcas que pode conter) que
determina a leitura, como se viu na abordagem cognitivo-processual, mas o leitor. Este é um
sujeito inserido em determinado contexto histórico-social, por sua vez gerado de uma
formação discursiva que também é determinada por certa formação ideológica. Logo, a leitura
é sempre produzida, como coloca Orlandi (1988, p. 10):
Daí nossa afirmação de que a leitura é o momento crítico da produção da unidade
textual, da sua realidade significante. É nesse momento que os interlocutores se
identificam como interlocutores e, ao fazê-lo desencadeiam o processo de
significação do texto. Leitura e sentido, ou melhor, sujeitos e sentidos se constituem
simultaneamente, num mesmo processo.
Orlandi (1988) afirma que a leitura é uma questão que se refere a três áreas
básicas, à lingüística, à pedagogia e à sociedade. E os problemas que surgem se devem
principalmente ao modo reducionista que cada uma dessas áreas tem submetido a leitura. O
reducionismo pedagógico deve-se ao fato de a escola restringir a reflexão sobre a leitura ao
seu caráter mais técnico, ao pensar, exclusivamente, em soluções pedagógicas para a leitura, o
que acaba, segundo Orlandi (1988), por desvincular a leitura de seu caráter histórico mais
amplo.
O reducionismo social refere-se à distinção das classes sociais na relação com a
escola e a leitura. Para a autora, a forma de acesso à leitura na escola tem como paradigma a
forma de acesso ao conhecimento na sociedade capitalista. Trata-se de uma forma
aparentemente igualitária para todos, mas que esconde as desigualdades, fazendo, portanto,
com que se legitime apenas uma forma de conhecimento, que é a dominante: “Quando se
adere ao conhecimento legítimo através do discurso que propõe o acesso a ele, se desconhece
a luta de classes, a luta pela validade das diferentes formas de saber e a questão da resistência
cultural”. (ORLANDI, 1988 p. 37)
22
Esse mesmo reducionismo, presente nas relações de acesso ao conhecimento, dá-
se, também, na relação escola/leitura. A escola, como representante do status, propõe
também, uma forma legítima de leitura, uma forma homogênea que é a forma como a classe
média lê. Para a autora, é preciso que se permita ao aluno uma leitura que leve em
consideração a sua própria história de leitura, assim como a história das leituras dos textos e a
história da relação do aluno com a escola e com o conhecimento legítimo.
O terceiro reducionismo é o lingüístico, no sentido de entender-se a leitura como
uma descodificação, considerando-se o texto como dotado de um conteúdo (sentido
específico) que o aluno deva apreender. Essa é uma crítica às abordagens de leitura que
enfatizam a textualidade e a questão da legibilidade. Para Orlandi (1988), leitura não é
descodificação e apreensão de um sentido que já está inscrito no texto; o sentido é produzido
pelo leitor e não pelo texto. Além disso, o texto não é mero produto, ele é um objeto que foi
composto como um processo e, por isso, seu sentido também tem uma história. Leitura é
produção de um sentido para o texto e o que a Análise de Discurso procura fazer é investigar
o processo e as condições da produção desse sentido:
Leitura é o momento crítico da constituição do texto, o momento privilegiado do
processo de interação verbal, uma vez que é nele que se desencadeia o processo de
significação. No momento em que se realiza o processo da leitura, se configura o
espaço da discursividade em que se instaura um modo de significação específico.
(ORLANDI, 1988, p. 37 -38)
Finalmente, a autora acrescenta outro grande problema da relação escola/leitura
que é o fato de a escola supervalorizar a linguagem verbal em detrimento de outros tipos de
linguagem com os quais o aluno convive. Ao proceder desse modo, ela exclui todas as
práticas de linguagem que não são legitimadas por ela. Assim, só considera o que o aluno lê
na escola e nunca o que ele lê fora dela. Logo, a imagem de leitor escolar é a do indivíduo
cujas outras formas de linguagem, bem como as leituras extraclasses nunca são consideradas.
Outra tese fundamental, segundo Orlandi, para se pensar a leitura na perspectiva
discursiva é a que toda leitura tem sua história, ou seja, o sentido de um texto é variável de
acordo com as “condições” em que se lhe foi (foram) atribuído(s) sentido(s). Há algumas
variantes que podem influenciar a historicidade da leitura e Orlandi se detém nas três que
considera fundamental:
1. Condições de produção dos sentidos e contexto de utilização desses sentidos,
ou seja, todo o sentido é produzido de acordo com condições sociais, históricas e ideológicas
específicas;
23
2. Relações de intertextualidade de um texto com outros textos, ou seja, os
sentidos estabelecidos ou atribuídos aos textos são função direta da relação que eles possuem
com outros textos, já que é o conjunto de relações entre os textos que mostra como o texto
deve ser lido. Essas relações constituem a história de leitura dos textos;
3. a história de leitura do leitor, já que o conjunto de leituras feitas por ele vai
configurar a sua compreensibilidade de um texto. Partindo dessa noção de história de leitura,
Orlandi emprega, também, o termo arquivo, relacionando à memória de leitura dos leitores.
O conhecimento desses fatores que constituem a história das leituras traz para
Orlandi (1988), algumas implicações pedagógicas, já que poderia tanto evitar as petrificações
das leituras previstas, a fim de que se possam tanto realizar leituras novas quanto possibilitar
uma organização curricular que seja capaz de provocar o aluno a trabalhar em sua própria
história de leitura, os seus arquivos pessoais enquanto leitores.
Orlandi (1988) situa a história do sujeito-leitor como semelhante à história do
sujeito em sua relação com o texto. Este último sugere como noção no momento da passagem
do sujeito religioso (medieval – pouco autônomo em relação ao texto e ao conhecimento, fase
inicial de assujeitamento). Tomando como parâmetro essa passagem, que também é observada
na relação sujeito-leitura, a autora afirma que, hoje, o juridicismo é o que determina o sujeito-
leitor, propiciando um efeito da livre determinação de sentido. Entretanto, ambiguamente, há
uma espécie de imposição externa que faz com que o sujeito atribua apenas alguns sentidos e
não outros aos textos (ORLANDI, 1996, p.48-9).
A questão colocada por Orlandi, ao abordar essa problemática, refere-se à difícil
tarefa de articular, no ambiente escolar, uma “conciliação” entre essa “livre interpretação” do
sujeito e os sentidos determinados pelas regras das instituições, ou, nas palavras da autora,
como trabalhar com a relação entre leitura parafrástica e leitura polissêmica na escola, ou
seja, como deslocar-se da leitura que tende para o tipo autoritário, mediante a prevalência dos
sentidos “existentes no texto”, ou no dizer do professor ou do livro didático, como acontece,
freqüentemente, na escola, e passar para a leitura polissêmica, em que os sentidos são
estabelecidos mediante a disputa dos interlocutores que fazem valer os sentidos que puderam
atribuir ao texto.
Percebe-se que, muito freqüentemente, a leitura tem sido pensada quase que
exclusivamente no ambiente escolar, ou a partir dele, excluindo outras formas de leitura
praticadas fora desse ambiente. Entretanto, seria interessante poder pensar a leitura sob um
enfoque mais amplo, como propõe a abordagem discursiva, ao tematizar a questão do sujeito-
leitor, elemento que possui uma história de leitura – raramente lembrada na escola – e que traz
24
pré-construídos de formações discursivas nem sempre consideradas enquanto constitutiva do
processo de significação, desencadeado no momento da leitura. O que normalmente acontece
é que na escola, exclui a relação do texto com o discurso e do leitor com o discurso,
ocorrendo, principalmente, leituras previsíveis, determinadas, como se o significado estivesse
no próprio texto.
Isso posto, Algumas considerações acerca da leitura ainda merecem destaque
(ORLANDI, 1988, p. 8):
a. O de se pensar a produção da leitura e, logo, a possibilidade de encará-la como
possível de ser trabalhada;
b. o de que a leitura, tanto quanto a escrita, fazem parte do processo de instauração
do(s) sentido(s);
c. o de que o sujeito – leitor tem suas especificidade e sua história;
d. o de que tanto os sujeitos quanto os sentidos são determinados histórica e
ideologicamente;
e. o fato de que há múltiplos e variados modos de leitura;
f. finalmente, e de forma particular, a noção de que a nossa vida intelectual está
intimamente relacionada aos modos e efeitos de leitura de cada época e segmento
social.
O que normalmente acontece é que na escola, exclui-se na relação do texto com o
contexto e do leitor com o contexto, ocorrendo, principalmente, leituras previstas, como se o
significado estivesse no próprio texto. Há modos diferentes de leitura, dependendo do
contexto em que se dá e de seus objetivos.
25
3. AS MATERIALIDADES DISCURSIVAS DA ESCOLA
Os sentidos formulados no e pelo discurso não existem baseados neles próprios,
mas sim, são lastreados em um contexto ideológico, sociológico e histórico vivenciado
durante suas produções.
As condições de produção entendida por Orlandi (1999) compreendem
fundamentalmente os sujeitos, a situação e a memória. A autora reúne as condições de
produção em: condições de produção em sentido estrito e condições de produção em sentido
amplo.
O primeiro caso envolve nas circunstâncias da enunciação, isto é, o contexto
imediato. Assim sendo, no caso desse trabalho, importam para a produção do sentido de
leitura i) o meio de circulação do material: pode ser um texto escrito de um livro ou de um
material produzido por alunos, ou um registro oralizado, ambos legitimados pela escola.
Outros elementos são ii) o momento em que o texto ou os enunciados orais foram proferidos e
iii) os sujeitos que o assinam – professores, alunos, cientistas, administradores; enfim fatores
situacionais é que são considerados aí .
Já para o segundo caso, as condições de produção em sentido amplo, importa o
contexto de ordem sócio-histórico e ideológico, que envolvem as relações de força entre as
instituições dentro delas mesmas e na sua relação com as outras numa sociedade como a
nossa:
Entra, portanto, nessa questão, a história entendida como produção de
acontecimentos que significam e afetam os sujeitos em suas posições politicamente
constituídas. Vinculado a isso está a memória, que aparece aí sob a forma de
interdiscurso, ou seja, aquilo que fala antes, em algum lugar e que passa a constituir-
se, sob a forma de pré-construído, um dizer de importância significativa sob o qual
outros dizeres serão mobilizados. Assim é que se pode dizer que o “interdiscurso
disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma situação
discursiva dada (Orlandi, 1999:31). Esses dizeres, traduzindo-se sob a forma de pré-
construído, são efeitos de sentido que atingem os sujeitos apesar de sua vontade.
(PRUDÊNCIO, 2004, p.31)
Assim, interessa-se compreender as condições de produção dos discursos da
formulados na escola, levando em conta como a história, a política, a administração regulam
as relações de força determinando, em última instância, o sentido dado para a leitura na
escola.
26
3.1 A ESCOLA E O DISCURSO PEDAGÓGICO
A escola configura-se, socialmente, como a sede da reprodução cultural, sendo,
segundo Orlandi (2003), “a solução mais dissimulada para o problema da transmissão de
poder, pois contribui para a reprodução da estrutura das relações de classe”. Com isso, a
escola deixa transparecer a sua importância no processo de reprodução social.
Essas reproduções das relações de classe vêm a ser o que Orlandi denominou de
“circularidade dos sentidos”, uma vez que a função específica do discurso pedagógico (D.P) é
garantir a instituição em que se origina, a escola, garantindo-a e, com isso, garantindo a si
próprio. Segundo a autora, o D.P não é como faz crer, um discurso neutro, livre de problemas
de enunciação sendo, dessa forma, puramente cognitivo e informacional. O discurso
pedagógico reflete como qualquer discurso que o sentido se produz determinado por
condições históricas e ideológicas e, a partir disso, essa produção se configura como uma
produção autoritária, onde a escola, enquanto instituição regula o que deve ou não ser dito.
Toda essa situação, para Orlandi (2003), somente poderá ser modificada por meio
da crítica que a autora acredita surgir através de um discurso polêmico. Para propor uma
tipologia discursiva que dê conta de uma caracterização de um discurso polêmico, a autora
utiliza como critério a relação entre os interlocutores, o objeto/referente do discurso e os
processos parafrásticos e polissêmico que constituem a linguagem. A autora distingue três
tipos de discurso: o discurso lúdico, em que não existe disputa pelo sentido do referente que
apenas se expõe aos interlocutores, como resultado tem-se a polissemia aberta. O discurso
polêmico em que os participantes procuram dar ao referente “uma direção”, um sentido,
havendo uma negociação de sentidos, de modo que cada interlocutor procura direcionar a
interpretação para um sentido diferente. Esse tipo de discurso leva à polissemia controlada.
O discurso é autoritário, quando não há interlocução, mas “um agente exclusivo”,
um sujeito que impõe apenas um sentido como possível, sem que outros participantes tenham
direito a gestos de interpretação próprios. Isso resulta na polissemia contida e no apagamento
do referente pelo dizer.
Segundo Orlandi (2003), o DP é um discurso autoritário porque é o discurso do
poder, que “cria a noção do erro e, portanto, o sentimento de culpa”, sendo a voz do professor
nesse discurso “segura e auto-suficiente” levando ao “esmagamento do outro”, do aluno
(ORLANDI, 2001, p. 17).
27
O D.P se pretende científico, e para isso leva a conhecer a metalinguagem, a
terminologia científica, e não o objeto em si, que fica em segundo lugar, apagado pela
linguagem. Assim, fixam-se as definições e excluem-se os fatos. Não há questão sobre o
conteúdo referencial, sobre o objeto (a ciência). O que se destaca é um saber
institucionalizado pelo próprio discurso pedagógico sobre o referente. De fato, conhecimento
é apresentado através de recortes de uma metalinguagem mais ou menos específica, de modo
que se perde a noção do todo do saber e não se explicam os fatos, mas se determina a
perspectiva de onde devem ser vistos e ditos. As divisões são estanques e a perda da unidade é
recuperada no conceito da homogeneidade, criada a partir da noção da instituição como um
todo que abriga todas as divisões, que se agrupam em salas, séries, níveis etc.
No caso da aula de leitura, atribui-se a posse dessa metalinguagem ao professor,
que, autorizado pelo D.P, “apropria-se do cientista e se confunde com ele sem que se explicite
sua voz de mediador [...], tornando-se ele próprio possuidor daquele conhecimento”
(ORLANDI 2003 p.21). Isso leva à equivalência de dizer e saber. Sendo a imagem social do
aluno a daquele que não sabe e está na escola para aprender, e a do professor, a de quem sabe
e está na escola para ensinar. Sendo assim, a fala do professor é considerada aquela que
informa, já que ele fala daquilo que sabe, e, conseqüentemente, de acordo com a imagem
social da função do professor, tem interesse e utilidade.
Esse convívio entre alunos e professor é, segundo a autora, o que se chama
escolarização: contato em que as mediações tornam-se um fim em si mesmas, em que as
imagens que o aluno vai fazer de si mesmo, do seu interlocutor é do objeto de conhecimento
estarão dominadas pela imagem que ele deve fazer do lugar do professor.
O modo de deslocar o D.P para uma posição crítica seria torná-lo em discurso
polêmico, explicando o jogo dos efeitos de sentido em relação a informações colocadas nos
textos e dadas no contexto histórico-social. Do ponto de vista do professor, seria necessário
construir seu texto, seu discurso, de maneira a se expor a efeitos de sentidos possíveis,
deixando espaço para a existência do ouvinte como “sujeito”, ou seja, saber ser ouvinte do
próprio texto e do outro.
O aluno, por sua vez, deveria exercer sua capacidade de discordância, o que não
significa recusar todas as informações oferecidas, mas questionar aquilo que um texto, por
exemplo, propõe, constituindo-se, assim, como ouvinte e como autor na dinâmica da
interlocução, e exigindo a reversibilidade, negando a estagnação na posição de ouvinte.
Quando os envolvidos no sistema de ensino e de aprendizagem buscarem
promover esses deslocamentos no DP, será possível evitar o que Orlandi chama o
28
“esmagamento do outro” (2003: 34), processo pelo qual o outro como sujeito discursivo não é
levado em consideração no discurso da escola. Além desse processo, há o da seleção, “que
decide, de antemão, quem faz parte dela e quem não faz, quem está em condições, de se
apropriar desse discurso e quem não está” (p. 34).
E embora isso não seja claro aos olhos de muitos, que acreditam na escola como
única oportunidade de ascensão, devido ao aprendizado neutro e semelhante para todas as
classes sociais, é fato que nossa sociedade, como aponta Pfeiffer (2000, p. 12), “é marcada
pela escolarização, isto é, todo e qualquer sujeito é dito [...] pela falta ou presença de
escolaridade, pela adequação ou inadequação aos padrões escolares”.
E é com base nessa afirmação, que a autora trata da questão do lugar do bem-
dizer, verificando que seus sentidos se conformam com o sujeito que se qualifica, quando
sabe dizer e se desqualifica quando não sabe dizer. O lugar do “saber dizer” constitui-se por
diferentes relações de sentidos, produzidos em diferentes materialidades discursivas
(gramáticas, dicionários, livros didáticos) e também das narratividades sobre os sujeitos que
dizem (bem ou mal), por exemplo, a história sobre a educação brasileira.
Toda a análise da autora se fundamenta na compreensão de que o processo de
escolarização é conformado por sentidos que apontam para um sujeito “em vias de ter
condição para poder saber” (sujeito embrionário sempre) um vir a ser aprendiz, negando ao
sujeito sentidos que lhe coloquem na “posição de” (de quem sempre sabe para poder saber).
O sujeito inserido no ambiente escolar está em condições de vir, a saber, o que a
escola tem para ensinar, por outro lado, há uma negação de tudo o que o aprendiz sabe antes,
ou seja, são negados os sentidos que lhe colocam na posição de quem já sabe (já sabe muito,
independentemente da escola), para que precise aprender o saber institucionalizado e, só
então, estar autorizado a dizer que sabe.
Como a escola é vista como facilitadora, a responsabilidade pelo aprendizado
passa ao aluno, pois se ele não aprende é porque ele tem problemas, dificuldades, não é culpa
do ensino, que está disponível a todos. Por isso sua proposta é justamente “que o processo de
escolarização trabalhe como imagem de seu interlocutor geral – o sujeito escolar – aquele que
está na posição de sujeito que sabe para saber”.
Pfeiffer (2000) desenvolve, também, uma discussão sobre o que denomina tirania
da igualdade, que ocorre a partir do processo de individualização do sujeito: é cobrado o lugar
do individualizado, e, ao mesmo tempo, remetido para o lugar indeterminado da massa
uniforme, objeto das políticas públicas. Essa igualdade apaga a diferença e produz o efeito de
29
incapacidade, já que todos são iguais, os que podem mais, podem porque são mais capazes,
sendo considerados incapazes os que podem menos.
A autora discute esses fatos, inicialmente, a partir de uma análise das
narratividades do século XIX brasileiro sobre a história da educação no país, observando que
a discursividade dominante daquelas narratividades aponta para diversos funcionamentos que
ecoam sentidos no processo de escolarização hoje.
Pfeiffer (2000) também coloca em questão, ainda, a referência da língua correta,
percorrendo algumas polêmicas, que existiam entre o final do século XIX e começo do XX,
em torno da defesa por um “falar a língua corretamente”. As práticas discursivas dessas
polêmicas constroem sentidos para a língua nacional brasileira e para o sujeito que nela diz,
implicando, entre outros efeitos, o apagamento de outras línguas no gesto de estabilizar e
construir uma unidade para a língua nacional.
A imposição do português como língua nacional pelo governo, a partir da metade
do século XVIII, conforme nos conta Villalta (1997), deixa clara a consciência que já existia a
respeito do poder da identidade lingüística, ou, por outro lado, do poder de dominação da
língua, de modo que começa a se delinear, desde então, o preconceito lingüístico, sendo o
português reservado aos poucos que tinham a oportunidade de ir à escola.
Observa-se, ainda, a manifestação das relações de força, já que tal atitude partiu
do governo, instituição de posição discursiva de poder, principalmente por contar com o apoio
das leis, a determinação de qual seria a língua mais adequada para o país, sendo que não era a
que o povo realmente usava. Apenas as classes mais favorecidas tinham, de fato, acesso ao
aprendizado de tal língua. Isso remete à circularidade apontada por Orlandi (2003).
O professor ilustra com clareza a questão das relações de força, pois é sua posição
discursiva de autoridade que permite que ele diga ao aluno o que é certo ou errado, será ele o
juiz para atribuir a sentença sobre quem é ou não um bom leitor.
Pfeiffer (2000) aponta justamente para a necessidade de hipóteses serem traçadas
quanto ao que é considerado erro dos alunos, de modo a dar condições para que o sujeito
escolar se posicione na função de autoria. “Ouvir sentidos é atribuir autoria ao sujeito, abrir
autoria é abrir espaços de interpretação [...] Se temos apenas um ponto final como meta – um
texto com o desenho espacial adequado [...] manteremos o simulacro da autoria que consiste
no jogo de tentativa e erro do sujeito escolar buscar alcançar um modelo pré-fixado. O
modelo, quando é apenas modelo, é esvaziado de sentido, estanca-se na repetição empírica ou
formal” (p. 20).
30
Para essa autora, a escola deve propiciar as condições de produção para o sujeito
escolar se constituir no lugar autorizado da língua. O aluno está sempre em condições de
aprender, cabe à escola deixar o autoritarismo do discurso pedagógico de lado e propiciar
situações que valorizem esse aluno “sujeito leitor”, possibilitando, dessa forma, que ele
próprio possa ser o senhor de suas leituras.
3.2 A ESCOLA E O DISCURSO DA ESCRITA
Na história da sociedade humana, a língua escrita foi resultado da expansão da
cultura para além da esfera da tradição oral. A escritura, assim como qualquer discurso, é
determinada pelas suas condições de produção (históricas, sociais e ideológicas). Somado a
isso, um texto eficaz é aquele que não somente expressa o significado pretendido pelo autor,
mas também é compreendido pelo leitor. A preocupação com a compreensão faz o autor
esforçar-se, para tornar seu texto compreensível para o seu leitor. No entanto, quando o leitor
real do texto não se identifica com o leitor virtual, aquele imaginado pelo autor, observa-se
um insucesso na compreensão do texto:
É importante assinalar que aprender a expressar o pensamento através da escrita
envolve o desenvolvimento do controle sobre as formas mais adequadas para os
propósitos específicos da língua escrita. A escrita tem normas próprias, como regras
de ortografia, pontuação, concordância, regência e acentuação, mas a plena
utilização destas regras, não garante o sucesso do texto, e tampouco assegura que
aluno se constitua como autor, pois estamos dentro da instituição escola,
impregnados do discurso pedagógico (KATO, 1995 p.84)
No contexto escolar, pode-se dizer que a prática pedagógica é determinada pelo
discurso pedagógico, que determina as diversas áreas de saberes que constituem o campo de
conhecimento na escola e, a configuração que ele assume está subordinada aos princípios e às
teorias educacionais de cada instituição. O discurso pedagógico pensado como uma formação
imaginária (Pêcheux, 1969), em que regras de projeção que estabelecem a relação entre as
situações concretas e as representações imaginárias dessas situações no interior do discurso,
evidencia um jogo de imagens e constrói certo jogo interlocutivo: há um sujeito que fala: i) a
imagem do professor que sabe por isso pode falar e ensinar algo que é o conhecimento (a
ciência): ii) imagem do referente (ciência) para um sujeito que ouve: iii) a imagem do
aluno que por não saber deve ouvir mais que falar.
31
Na escola, cada qual (professor, aluno) já possui seu papel predeterminado, em
que, a partir desse imaginário, cada um atribui a si mesmo e a ao outro a própria imagem que
eles fazem de suas próprias posições. Então, tem-se claramente demarcado, o papel do
professor, do aluno e do próprio referente (conhecimento): o que o professor diz se converte
em conhecimento legítimo e é o único que “autoriza a aprendizagem” do aluno. Este último
por sua vez, ao ocupar a posição que lhe é devida, é determinado por essas representações que
fixam dois papeis distintos: a autoridade e o tutelado, o que segundo Orlandi produz dois tipos
de comportamentos “que podem variar desde o autoritarismo mais exarcebado ao
paternalismo mais doce.” (ORLANDI, 1996, p. 31).
No que refere às práticas de leitura e escrita, destaca-se que essas determinações
do discurso pedagógico organizam as condições de produção indicando, segundo Orlandi
(2003), que existe uma história de quem diz e de quem lê, e que esta é constitutiva de quem lê
ou ouve e de quem escreve ou fala. De fato, a escola atua como mediadora nesse processo de
escrita e leitura, configurando-se como um espaço de legitimação do discurso da escrita,
atuando como sua mantenedora.
Segundo Gallo (1992), a escola não atua como produtora do discurso da escrita.
As instituições produtoras são, por exemplo, a mídia (o jornal, a revista, a TV, o rádio) entre
outras. Segundo a autora, a escola somente faz parecer que o texto, quando produzido
segundo as normas de "correção" e "clareza", é um texto legítimo, mas "na verdade ele só é
legítimo dentro dos portões da escola onde foi produzido." (GALLO, 1992, p 60) considera
que o processo de legitimação do discurso da escrita está ligado ao poder político e
econômico ligado a uma determinada classe (a dominante), no nosso caso, os colonizadores:
Isso explica o fato de que será a Língua Portuguesa (escrita ou oral) que instituirá o
sentido único e desambigüizado e nessa língua passará a ser registrada a história do
Brasil em todas as suas dimensões. O Brasil será dito pela Língua Portuguesa e esta
lhe imputará o verdadeiro sentido.
Embora exista a perpetuação do discurso legítimo, que é o da escrita, a autora
chama a atenção para o fato de que o discurso não-legitimado, o da oralidade, não se perdeu
historicamente. No caso do Brasil, a oralidade (e sua escrita), afirma ela, continua a ser
praticada pela maioria da população do Brasil: "O que ocorre é uma administração bem
organizada dos dois discursos, o discurso legitimado, e o não-legitimado, e essa administração
é realizada fundamentalmente, e cada vez mais, pela escola." (GALLO, 1992 p. 61) O que se
constata face a isto, é que os alunos não encontram espaço na escola para assumirem um
32
posição enquanto autores no discurso da escrita, eles apenas reproduzem o que lhes é
permitido dentro do contexto escolar. O discurso da escrita que “institui um único sentido,
verdadeiro e cabal”, “caracteriza-se por ser aquele no qual se inscrevem os textos que
produzem notoriamente o efeito-autor” ao se constituir como legítimo, institucional,
produzindo ‘fechos’. A assunção de autoria pelo sujeito através da elaboração efeito-autor,
segundo Gallo (1992) consiste, em última análise, na assunção da “construção” de um
“sentido” e de um “fecho” organizadores de todo o texto. Esse “fecho”, apesar de ser entre
tantos outros possíveis produzirá, para o texto, um efeito de sentido único, como se não
houvesse outro possível. Ou seja, esse “fecho” torna-se “fim” por um efeito que faz parecer
“único” o que é “múltiplo”; transparente o que é “ambíguo”.
Por outro lado, o discurso da oralidade, “dificilmente ganha contornos definitivos,
unidade, efeito de fim, limites de um texto, em uma palavra, efeito-autor, embora, a função-
autor
se marque fortemente” (GALLO, 1992, p. 49). Segundo Orlandi (1996, p.69) a função-
autor “se realiza toda vez que o produtor da linguagem se apresenta na origem, produzindo
um texto com unidade, coerência, progressão, não-contradição”. A partir dessa afirmação,
pode-se pensar o autor também como o lugar em que se constrói a unidade do sujeito,
revelando, assim, uma das dimensões da interpelação do indivíduo em sujeito, interpelação
que traz consigo a aparência de unidade que a dispersão toma. Destaca-se que para Orlandi, a
função-autor é a função de todo sujeito e, portanto, de todo discurso. Essa característica a
diferencia do efeito-autor, que é verificável apenas em alguns acontecimentos discursivos:
Proponho, então, de forma conclusiva, que a autoria pode ser observada em dois
níveis pela Análise do Discurso. Em ambos os níveis, a autoria tem relação com a
produção do ‘novo’ sentido e, ao mesmo tempo, é a condição de maior
responsabilidade do sujeito em relação ao sentido que o produz e, por essa razão, de
maior unidade. [...] Primeiramente, em um nível enunciativo-discursivo, que é o
caso da função-autor, que tem relação com a heterogeneidade enunciativa e que é
condição de todo sujeito e, portanto, de todo acontecimento discursivo. E em
segundo lugar, em um nível discursivo por excelência, que é o caso do efeito-autor,
e que diz respeito ao confronto de formações discursivas com nova dominante,
verificável em alguns acontecimentos discursivos, mas não em todos. Sendo a
função-autor condição de todo sujeito, esse nível de autoria é pouco operante para
uma prática de produção de texto. Assim, venho trabalhando no nível da produção
do efeito-autor, especificamente na relação do Discurso Pedagógico com outro
discurso. Essa é a prática que denomino TEXTUALIZAÇÃO. (GALLO, 2001)
A leitura, como uma prática discursiva da escola, a partir da perspectiva de Gallo
(1992), apresentaria somente um nível de autoria, aquela relacionada à função-autor, pois
enquanto é a contraparte da escritura (a escola é somente mantenedora e não produtora do
33
discurso da escrita) não é considerada legítima e, por isso, funciona com o discurso da
oralidade. A oralidade não se caracteriza pelo “fecho" ou efeito de ‘fim’, não apresenta um
efeito de autoria, ou seja, um efeito de distinção na autoria que, segundo Gallo (2007) tem na
base critérios relacionado à filiação desses sentidos, uns alinhados à letra, às letras, à lei, etc.,
mas sim está ligada a outros sentidos filiados à anotação, ao instantâneo, ao descartável, ao
‘não fecho’. A escola, assim, apenas ensina as formas desses discursos (da escrita e da
leitura), para que os alunos reproduzam uma ‘cópia’, sem chegar a trabalhar as suas reais
condições de produção.
De tal modo, como poderemos formar estudantes apenas mostrando o resultado
pronto. Precisamos investir mais no processo, para que ele próprio entenda e atribua sentidos
as práticas de leitura e escritura.
3.3 A LEITURA MARGINAL:CONHECENDO OS QUADRINHOS
As historias em quadrinhos segundo Patati e Braga (2006), nasceram no final do
século XIX, nos Estados Unidos, e lá foram batizadas de comics. Essa expressão
universalizou-se e é usada até hoje, inclusive para designar historias que não são de caráter
cômico.O que inicialmente parecia uma proposta ingênua e despretensiosa, foi se
desenvolvendo até se tornar um dos gêneros de mídia do nosso tempo.
De acordo com Lannone e Lannone (1994), foi também nos Estados Unidos que
os quadrinhos ganharam um novo codinome “underground”. O termo é utilizado para definir
movimentos contrários aos convencionais, ou seja, movimentos de protesto.
Em relação aos comics, o underground equivale à “marginalidade”, sendo os
mesmos condenados por abordarem assuntos considerados proibidos, tais como, feminismo,
homossexualismo, liberdade sexual e outros afins. Foi através da censura dos syndicates, que
os quadrinhos assumem este caráter de leitura transgressora, leitura proibida, leitura marginal.
Essas leituras já foram jogadas na fogueira e acusadas de má influência sobre a
juventude, elas foram vítimas de uma caça às bruxas. Rotulados de subliteratura, os gibis já
foram acusados de serem a causa principal da delinqüência entre os jovens americanos dos
anos 50. Nesse período, marcado pela intolerância ideológica, era comum a queima, em praça
pública, das revistas consideradas inadequadas.
No Brasil, o termo underground também foi traduzido por “marginal”, e esse
movimento marginal, estendeu-se rapidamente pelo pais,principalmente a partir de
34
1964,quando os enfoques da censura atingiram o ápice da rigidez.Sem desprezar as
influencias norte americanas,o movimento no Brasil,mantinha um cunho político social.
Atualmente, esse discurso foi modificado, tornando-se bem menos tendencioso e
preconceituoso. Devido a isso que, em muitos países inclusive o Brasil, os próprios órgãos
oficiais de educação passaram a reconhecer a importância de se inserir as histórias em
quadrinhos no currículo escolar, desenvolvendo orientações específicas para isso.
Preconceitos a parte, as histórias em quadrinhos sobreviveram, e conquistaram o seu devido
espaço.
A leitura das historias em quadrinhos, podem configurar como um veículo de
aprendizagem, instaurando-se como um instrumento pedagógico poderoso, no sentido de
despertar o gosto e a necessidade da leitura nos alunos.
Como escreveu Abramovich (1995, p.158)
Afinal, as historias em quadrinhos envolvem toda uma concepção de
desenhos,de humor,de ritmo acelerado,de intervenção rápida das personagens nas situações com as quais se
defrontam [...] Contêm algo de conciso,vertiginoso,quase cinematográfico [...] E, como em qualquer outro tipo
de historia,há as ótimas,as medíocres, as muito bem feitas,as de carregação,as extremamente inventivas,as que se
repetem [...] Como em qualquer outra forma literária,se escolhem,se procuram as que dizem mais,desistindo das
que satisfazem menos e suscitam menos emoção, menos envolvimento,menos inesperados [...]Elas fazem parte
integrante da cultura deste século e é tolo e preconceituoso esnobá-las ou não levá-las a sério [...]
A partir da definição bakhtiniana, sobre os gêneros textuais, as histórias em
quadrinhos (HQs) são enquadradas como um gênero discursivo de caráter secundário, uma
vez que são produzidas na junção do gênero oral espontâneo com a escrita, assumindo uma
modalidade própria de linguagem, ao combinar dois tipos de códigos gráficos: o visual e o
lingüístico.
35
3.4 A ESCOLA E A ADMINISTRAÇÃO: AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO.
O Ensino Médio vem sendo identificado como um dos grandes limitadores no
avanço para uma política educacional pública, que objetiva contribuir para a construção de
um projeto nacional de desenvolvimento em democracia de massa.
Com a crise dos empregos, o discurso de que o Ensino Médio deve preparar para
o trabalho é substituído pelo discurso do “preparar para a vida”, o que significa desenvolver
competências genéricas e flexíveis, de modo que as pessoas pudessem se adaptar facilmente
às incertezas do mundo contemporâneo. Faz-se necessário, neste momento, uma mão-de-obra
diferenciada, que não apenas obedeça, mas que crie, inove, seja polivalente e multifuncional,
que coloque à disposição do proprietário dos meios de produção não só a força de trabalho e
seu saber técnico, mas também suas capacidades cognitivas, seu conhecimento sensível, seu
comportamento, suas competências e habilidades.
Devido às mudanças ocorridas nas últimas décadas, o Ensino Médio foi perdendo
sua identidade, pois os objetivos dessa etapa de formação do indivíduo foram, gradualmente,
descaracterizando-se, tanto do ponto de vista da formação para a capacitação do trabalho,
como para constituição de verdadeiros cidadãos, numa sociedade tão heterogênea como a
atual.
Esse cenário contribui para um dualismo de funções ao Ensino Médio,
evidenciando uma escola de cultura geral para as classes dirigentes e uma escola do trabalho
produtivo e alinhado para os jovens das classes populares.
Ramos (2005) defende a necessidade de se redimensionar a escola, priorizando
“um projeto de ensino médio que supere a dualidade entre formação específica e formação
geral e que desloque o foco de seus objetivos do mercado de trabalho para a pessoa humana”,
há necessidade de o Ensino Médio definir “sua identidade como última etapa da educação
básica, mediante um projeto que, conquanto seja unitário em seus princípios e objetivos, e
desenvolva possibilidades formativas que contemplem as múltiplas necessidades
socioculturais e econômicas dos sujeitos que o constituem”. (CIAVATA, 2004, p. 41)
É visível a necessidade de uma concepção curricular que aproxime essas duas
funções, ofertando um currículo integrado, que sustente uma base sólida de conhecimento,
para uma perspectiva mais ampla em que o resultado esperado seja o aprimoramento da
pessoa como um todo.
A estrutura curricular proposta para o Ensino Médio do Estado do Paraná é
disciplinar e prima pela importância da análise e do debate sobre a história das disciplinas (de
36
referência e/ou escolares), da constituição de seus campos do conhecimento/conteúdos
estruturantes e de seus quadros teóricos conceituais.
Nessa perspectiva, o olhar sobre os saberes que estão ou devem estar presentes no
currículo busca, na história de cada disciplina, como se constituem esses saberes, os possíveis
vínculos que eles estabelecem entre a disciplina de referência e a disciplina escolar, bem
como a que interesses serviram e/ou servem no contexto histórico de sua constituição e de sua
re-significação.
3.3.1 A educação no Paraná
1
O Estado do Paraná destaca na sua proposta educacional voltada ao ensino médio,
a necessidade de garantir aos estudantes o efetivo domínio de suas práticas verbais orais e
escritas, que possibilitem uma compreensão da língua enquanto realidade estrutural e sócio-
cultural. As políticas públicas de educação no Paraná, apresentam uma preocupação com a
formação do indivíduo enquanto sujeito de sua propria historia visando uma formação
articulada em sua totalidade para a não fragmentação dos conteúdos e também de seus
sujeitos envolvidos.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (
PNUD)
do ano 2000, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)-Educação do Paraná é 0,879 em
relação aos outros estados. Dentre os municípios do Estado, o melhor resultado foi de
Curitiba, com 0,946, e o pior, de Ortigueira, com 0,687. Ainda de acordo com a pesquisa, o
índice de anafalbetismo no Estado em adultos acima de 25 anos era de 11,7%, sendo o menor
1
O nome do Estado “Paraná” é derivado do guarani pa'ra = “mar" mais nã = “semelhante, parecido”. Paraná é,
portanto, “semelhante ao mar, rio grande, parecido com o mar”, naturalmente pelo seu tamanho. O
nome do rio
passou a designar a região, que se tornou
província autônoma, em 1853, e Estado em 1889. O estado é uma das
27
unidades federativas do Brasil. Está situado na Região Sul do país e tem como limites São Paulo (norte e
leste),
Oceano Atlântico (leste), Santa Catarina (sul), Argentina (sudoeste), Paraguai (oeste) e Mato Grosso do
Sul
(noroeste), ocupando uma área de 199.314 km². Sua capital é Curitiba e outras cidades importantes do
Estado são:
Londrina, Maringá, Ponta Grossa, Foz do Iguaçu, Cascavel, São José dos Pinhais, Colombo,
Guarapuava, Paranaguá, Apucarana, Toledo e Arapongas. O Paraná é o quinto estado mais rico do Brasil, está
atrás de
São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A economia do Estado se baseia na
agricultura (cana-de-açúcar, milho, soja, trigo, café, mandioca), na indústria (agroindústria, indústria
automobilística, papel e celulose) e no extrativismo vegetal (madeira e erva-mate). Apresenta uma estreita
planície no litoral, e a serra do Mar é a borda dos Planaltos e Serras de Leste-Sudeste. Após a Depressão
Periférica
, no centro-leste do Estado, surgem os Planaltos e as Chapadas da Bacia do Paraná.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paran%C3%A1
37
índice de 3,4%, registrado em
Quatro Pontes, e o maior, de 43,6% no Município de Tunas do
Paraná, localizado no Vale do Ribeira, notadamente a região mais pobre do Estado. A cidade
de
Palotina, no oeste do Estado, possui o menor índice de desistência escolar do Brasil. Lá, a
cada 100 alunos, apenas 1 não conclui o Ensino Fundamental. De acordo com dados da
Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI) do Estado do Paraná, o
Estado conta com 192 Instituições de Ensino Superior (2 federais, 17 estaduais, 3 municipais
e 170 particulares).
Em 1912, foi fundada a
Universidade Federal do Paraná (UFPR), a primeira
universidade brasileira. Além da
UFPR, o Paraná tem universidades espalhadas pelo Estado
todo, nas principais cidades de cada região. Encontra-se, também, em
Curitiba, a sede da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), que possui campi em Londrina,
Maringá, São José dos Pinhais e Toledo.
O Estado conta, ainda, com várias Instituições Estaduais de Ensino Superior
(IEES), tais como: a Universidade Estadual de Ponta Grossa (
UEPG), com sede em Ponta
Grossa e campi avançados em Palmeira, Castro, Jaguariaíva e São Mateus do Sul; a
Universidade Estadual de Londrina (
UEL); a Universidade Estadual de Maringá (UEM), com
sede em Maringá e campi regionais em Umuarama, Loanda, Cruzeiro do Oeste, Guaíra, Porto
Rico, Cianorte, Cidade Gaúcha, Goioerê, Diamante do Norte e no Distrito de Iguatemi; a
Universidade do Oeste do Paraná (UNIOESTE), com sede em Cascavel e campi em Foz do
Iguaçu, Marechal Cândido Rondon, Toledo, além de duas extensões, sendo uma em
Medianeira e outra em Santa Helena; a Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO), que possui o campus sede, em Guarapuava, além de 4 campi avançados
localizados nos Municípios de Pitanga, Laranjeiras do Sul e Chopinzinho e Prudentópolis
Além disso, a UNICENTRO conta, ainda, com um campus no Município de Irati e um
campus avançado no Município de Prudentópolis; e a Universidade Estadual do Norte do
Paraná (UENP), com sede em
Cornélio Procópio e campi em Jacarezinho e Bandeirantes.
Desde 2005, o Paraná também conta com uma nova universidade federal, após a
conversão do Centro Federal de Educação Tecnológica (
CEFET-PR) em Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (
UTFPR), a primeira universidade tecnológica do país, com
11 campi, situados nos Municípios de
Apucarana, Campo Mourão, Cornélio Procópio,
Curitiba, Dois Vizinhos, Francisco Beltrão, Londrina, Medianeira, Ponta Grossa, Pato Branco
e
Toledo.
Além dessas instituições, o Paraná conta, também, com outras instituições de
ensino superior particulares de renome, tais como: Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), cuja
38
sede é em Curitiba; a Universidade Norte do Paraná (UNOPAR), atuando em Londrina (sede),
Arapongas e Bandeirantes; Universidade Paranaense(UNIPAR), atuando em Umuarama
(sede), Toledo, Paranavaí, Guaíra, Cianorte, Cascavel e Francisco Beltrão, além de outras
universidades e faculdades particulares.
A cidade de Guarapuava, além da UNICENTRO, possui mais três instituições de
ensino privadas, são elas: Faculdades Campo Real, Faculdade Novo Ateneu de Guarapuava
(ou Faculdades Guarapuava) e Faculdade Guairacá. Já a educação pública em Guarapuava,
mantém um percentual bem elevado em comparação ao ensino particular privado. Segundo a
Fundepar, o número de matrículas em 2007 era de 12.816 alunos no ensino fundamental, e
2.131 da rede particular de ensino.No ensino médio a situação não revela maiores diferenças,
os números mostram 6.410 alunos matriculados no ensino público e 813 na rede privada.
3.3.2 As diretrizes educacionais do Paraná
O currículo adotado, hoje, no Estado do Paraná, é claramente disciplinar. Suas
diretrizes curriculares estão centradas nas disciplinas da educação básica do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio. O processo de reformulação desse currículo começou em
março de 2004 e contou com a participação de professores de diversas áreas do conhecimento,
bem como de equipes pedagógicas dos Núcleos Regionais de Ensino (NREs) e da Secretaria
de Estado da Educação do Paraná (SEED), assessorados por professores das IES paranaenses,
que trabalharam, coletivamente, participando de seminários estaduais e locais (nas escolas de
atuação de cada professor). Surgiu, assim, as Diretrizes Curriculares da Educação
Fundamental da Rede de Educação Básica do Estado do Paraná (DCEs), que propõem
alternativas para a melhoria na qualidade de ensino, destituindo-se de ser apenas um
parâmetro a ser seguido.
Segundo as DCEs, o ensino da língua portuguesa deve pautar-se na interação pela
linguagem que assume o texto como unidade básica, como prática discursiva, que se
manifesta em enunciações concretas, cujas formas são determinadas pelos gêneros textuais.
As DCEs apregoam a necessidade de uma ação pedagógica, pautando-se nessa postura
interlocutiva, como bem afirma Andrade (1995, p. 63) “o trabalho com o texto surge como
uma possibilidade de mudança, na qual o professor assume uma postura interlocutiva com seu
aluno, construindo um projeto mais arrojado e eficaz para a aprendizagem da língua escrita”.
39
A respeito da leitura, ela é entendida sob a concepção interacionista da linguagem,
sendo essa leitura compreendida como um processo de produção de sentido que se dá a partir
de interações sociais ou relações dialógicas que acontecem. Quanto a essa atribuição de
sentidos ao texto, há que se levar em conta o diálogo, as relações estabelecidas entre textos,
mais especificamente, a intertextualidade. Segundo Kleiman e Moraes (1999, p.62), os textos
incorporam modelos, vestígios, até estilos de outros textos produzidos no passado e apontam
para outros a serem produzidos no futuro. E é nessa perspectiva discursiva, intertextual, que a
leitura deve ser trabalhada, configurando-se como um ato social, em que autor e leitor
participem ativamente do mesmo processo. A partir disso, pode-se afirmar que as concepções
norteadoras do ensino, nas DCEs do Paraná, primam pela produção de sentidos em que
converge uma relação dinâmica entre autor/leitor e entre aluno/professor, ambas de forma
compartilhada, resultando numa prática ativa, crítica e transformadora.
Contudo, ao observar o lugar da leitura na sociedade brasileira, percebemos que
45% da população do país, não têm ainda despertado o gosto pela leitura. Esta constatação
faz parte da pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil", realizada pelo Ibope Inteligência, sob
encomenda do Instituto Pró-Livro. A pesquisa traz ainda, um perfil dessa população que
geralmente compõe a base da pirâmide social, com renda familiar menor, além de ser mais
velha e ter baixa escolaridade. Ao serem questionados sobre os motivos que os impedem de
ler, esse grupo respondeu que falta de tempo (29%), que não gostam de ler (27%), que
preferem outras atividades (16%), que não têm dinheiro (7%), que faltam bibliotecas por perto
(4%) e não têm onde comprar livros (2%).
Essa pesquisa também revelou que muitos dos entrevistados não conseguem
interpretar o que lêem, o que remete a nossa questão inicial que é o panorama, percebido já na
escola, em que os sujeitos (alunos) na sua maioria, não se constituem como leitores, como um
sujeito que ao se relacionar com um texto (como um autor) é capaz de desencadear um
processo de significação em que estão em jogo a atribuição de múltiplos sentidos ao texto.
Esses problemas na formação dos leitores, na escola, criam lacunas difíceis de serem
preenchidas. E como já apontamos, no ensino e aprendizagem da leitura, especificamente no
ensino médio, estabelece-se uma contradição, pois, mesmo com projetos como as diretrizes
curriculares, a leitura ainda não funciona como um processo de atribuição de sentidos.
40
4 ANÁLISE
4.1 DISPOSITIVO DE ANÁLISE
O Dispositivo da Análise de Discurso, segundo Orlandi (2002, p. 77):
têm a noção de funcionamento como central, levando o analista a compreendê-lo
pela observação dos processos e mecanismos de constituição de sentidos e de
sujeitos, lançando mão da paráfrase e da metáfora como elementos que permitem
um certo grau de operacionalização dos conceitos.
A análise se configurará por meio de etapas que traçam o percurso para que se
passe do texto ao discurso. Primeiramente, encontra-se o material empírico que constituirá
corpus para análise, que nessa pesquisa se compõe por materiais das aulas de leitura em sala e
por materiais do projeto “leitura no parque”, sendo estes materiais compostos por textos e
relatos orais dos alunos das aulas de leitura e somente por relatos orais dos alunos do projeto
“leitura no parque”. Os alunos envolvidos na pesquisa pertencem a uma escola da rede
pública, do Estado do Paraná. Freqüentam o período noturno e encontram-se no primeiro ano
do ensino médio. Essa escola atende a alunos da classe média, contemplando também a classe
média baixa, e está situada na periferia de Guarapuava. Suas instalações são bastante
precárias, necessitando de inúmeras melhorias, a começar pela biblioteca que funciona em um
espaço bem reduzido, por isso, os livros não podem ficar a mostra nas estantes, pois não há
espaço para todos.
Após a identificação do material que serviu de objeto de análise, o analista
procedeu a uma des-superficialização dos textos (escritos e orais), interrogando sobre a
organização do dizer (nível da formulação e da produção), buscando des-naturalizar os
sentidos aí estabelecidos. Como resultado, tem-se a construção do objeto discursivo, que se dá
por meio da constituição dos recortes e pela a formulação das perguntas que orientarão seu
trabalho.
Assim, o corpus da pesquisa foi recortado de modo a orientar a compreensão dos
dados, a partir de dois caminhos paralelos, em que se apresenta para a análise uma abordagem
da leitura feita na sala de aula, em uma “aula de leitura” a partir perspectiva da disciplina de
41
língua portuguesa. A outra abordagem traz para já discussão a leitura feita em outro ambiente
que não o da sala de aula: a leitura no parque.
Decorre desse recorte a possibilidade de analisar o acontecimento da leitura em
dois acontecimentos discursivos diferenciados. Desataca-se que esses diferentes espaços não
devem ser considerados no seu aspecto empírico, mas como formações imaginárias
construídas através da linguagem, ou seja, como FDs que regulam o que o sujeito por ela
determinado. Sendo assim, a leitura organizada pelo discurso da escola (FD pedagógica) vai
produzir certos sentidos, já que é determinada por pré-construídos envolvendo, como já
destacado, uma série de exigências institucionais como a obrigação do aluno leitor tanto com
a resolução de exercícios metalinguísticos, envolvendo a gramática normativa, quanto com a
produção de textos (escritos) sobre o material lido que lhe garantirão provar mediante
avaliações a sua competência enquanto leitor. Junto a isso, destaca-se o direcionamento das
leituras que devem seguir uma classificação orientada disciplinarmente.
Por seu turno no ambiente da “leitura no parque” as determinações dessa prática
discursiva (FD pedagógica) são minimizadas, já que essas exigências institucionais foram
excluídas do trabalho de leitura. Esse procedimento pretende produzir um deslocamento no
processo de leitura, para que este se distancie daqueles desenvolvido nas instituições de
ensino.
Na prática de leitura da escola, ela é organizada determinada pelo discurso da
escrita, ou seja, as leituras devem ser interpretadas a partir de um exercício de escritura.
Nessa prática, a oralidade raramente é contemplada, já que para o discurso pedagógico em sua
versão mais autoritária, somente o discurso da escrita se legitima como o discurso capaz de
representar a voz da instituição. E isso, segundo Gallo (1992) produz um efeito de sentido em
que discurso da escrita aparece produzindo “fechos” e um efeito de sentido único. A
oralidade, por sua vez, produz um efeito de provisoriedade. É um discurso “sem fechos” e
por não se constituir de forma institucionalizada e legítima não é reconhecido pela escola.
Contudo, a oralidade entendida como não produtora de um sentido único, pode ser uma
estratégia produtiva para os nossos propósitos, já que pode conduzir os sujeitos dos dois
projetos de leitura aqui conduzidos, a se libertar da obrigação de responder ao professor com
exatidão, sempre buscando uma “verdade” por trás das leituras feitas.
Nesse funcionamento, a oralidade como um elemento constitutivo do processo da
leitura, pode motivar o leitor a encarar a leitura como um processo, em que não é um agente
passivo, mas sim um sujeito que, como o autor do texto, também é responsável por atribuir
sentidos. A oralidade assim pode funcionar como estratégia para que o aluno, determinado por
42
um discurso da escrita normatizador e homogeinizante, possa entender que “Ler é reconhecer
que o sentido pode ser outro!” (ORLANDI 1988 p.12),
Outra estratégia relaciona-se a introdução nos trabalhos de leitura, tanto na escola
quanto no parque, de um tipo de literatura não convencional a partir da perspectiva clássica
dos estudos literários. Está se falando das histórias em quadrinhos (HQ). No que diz respeito
ao projeto de leitura aqui proposta, as HQ podem configurar um instrumento adequado no
sentido de produzir outro movimento no processo de leitura, agora introduzindo tanto no
ambiente escolar quanto no extraclasse um tipo de literatura que não faz parte das leituras do
ambiente escolar.
As HQ, que surgem em jornais do início do século XX, são uma forma de
expressão artística contemporânea
2
em que se destaca a sua relação por um lado com a
imagem e por outro com a literatura institucionalizada e legitimada. De fato, a HQ, que já
foram jogadas na fogueira, acusadas de má influência sobre a juventude, a causa principal da
delinquência entre os jovens americanos dos anos 50. Nesse período, marcado pela
intolerância ideológica, foram acusadas de subliteratura e era comum a queima, em praça
pública, das revistas consideradas inadequadas. Assim, historicamente, ao não se representar
como um discurso literário clássico, constitui-se a margem das instituições legitimadas, o que
aproxima essa forma de expressão do discurso de um sujeito contemporâneo que, de acordo
com Bauman (1998), trocou sua posição social de solidez, estabilidade e segurança pela
liberdade, já que se liberta das antigas instituições (sólidas) como a própria família, o
trabalho, escola, entre outros.
Como um tipo de técnica narrativa que une a imagem ao texto, é também um fruto
da sociedade atual, em que sentidos formulados pela imagem vêm tomando proporções cada
vez maiores, permitindo uma materialidade de linguagem que não apenas reflete, mostra ou
ilustra uma realidade, mas que, principalmente, significa. Isso nos permite interpretar a
imagem por sua expressividade enquanto linguagem de forma muito mais intensa do que em
outros momentos históricos: “somos constantemente levados a dar/fazer sentido a uma
2
O termo contemporaneidade relaciona-se ao momento histórico e social que vai da segunda metade do século
XX, até a atualidade. Lipovetsky (2007) propõe o termo a affluent society (atual sociedade) na era da nova
modernidade ou hipermodernidade (hiperconsumo) para designar esse período histórico, já para Bauman (2000)
é mais coerente usar o termo pós-modernidade, ou modernidade liquida. Diferente de ambos Baudrillard (2006)
continua a usar a terminologia modernidade, pois acredita que não há motivo para uma extrema divisão visto que
a modernidade, que iniciou no final do século XIX, ainda não acabou
.
43
infinidade de ícones e é possível dizer que por meio da forma, exprime-se melhor o
humanismo contemporâneo” (MAFFESOLI, 1995 p.153).
Segundo Patati e Braga (2006), as HQ nasceram no final do século XIX, nos
Estados Unidos, e lá foram batizadas de comics. Essa expressão universalizou-se e é usada até
hoje, inclusive para designar histórias que não são de caráter cômico. O que inicialmente se
convencionou como uma proposta ingênua e despretensiosa foi se desenvolvendo até se tornar
um dos gêneros de mídia do nosso tempo. De acordo com Lannone e Lannone (1994), foi
também nos Estados Unidos que os quadrinhos ganharam um novo codinome “underground”.
O termo é utilizado para definir movimentos contrários aos convencionais, ou seja,
movimentos de protesto. Essa relação das HQ com “marginalidade”, já que abordavam
assuntos considerados proibidos, tais como, feminismo, homossexualismo, liberdade sexual e
outros afins, levou a censura dos dessa literatura nos anos 50 nos E.U.A. No Brasil, esse
movimento de marginalização das HQ, estendeu-se rapidamente pelo pais, principalmente a
partir de 1964, quando os enfoques da censura atingiram o ápice da rigidez. Sem desprezar as
influências norte americanas, o movimento no Brasil, mantinha um cunho mais político e
social.
Atualmente, esses sentidos sobre as HQ não mais se sustentam. Em muitos países,
inclusive o Brasil, os próprios órgãos oficiais de educação passaram a reconhecer a
importância de se inserir as histórias em quadrinhos no currículo escolar, desenvolvendo
orientações específicas para isso.
Destaca-se que esse recorte, que constitui o objeto discursivo, já é resultado de
uma interpretação do material analisado, ou seja, ao efetuar essa delimitação já está se
decidindo “sobre as propriedades discursivas” (ORLANDI, 1999 p. 63), pois esse recorte vai
“olhar” para corpus de um modo e não de outro. Esse entendimento remete a idéia da
impossibilidade da análise sem interpretação, sendo assim, o dispositivo discursivo de análise
aceita um trabalho interpretativo e o analista não trabalha numa posição neutra, mas sim numa
posição que seja relativizada em face à interpretação. Para isso, é necessário que se considere,
segundo Orlandi (1999, p. 54) que:
A interpretação é parte do objeto da análise. O sujeito que fala interpreta e o analista
deve procurar descrever esse gesto de interpretação do sujeito que constitui o sentido
submetido à análise. [...] Não há descrição sem interpretação, logo o próprio analista
está envolvido na interpretação. Por isto é necessário introduzir-se um dispositivo
teórico que possa intervir na relação do analista com os objetos simbólicos que
analisa, produzindo um deslocamento que permitirá o trabalho ser realizado no
entremeio da descrição com a interpretação.
44
Busca-se então, na análise aqui proposta, os funcionamentos que sustentam as
regularidades inscritas nesses recortes, em que se compara o que é dito num determinado
ponto da formulação ao que é dito em outro(s). Com isso, tem-se o confronto do discurso
estudado com outros discursos produzidos em distintas condições, definindo-se os limites dos
sentidos, marcados pelas formações discursivas, as quais correspondem as formações
ideológicas. E a partir dessa delimitação/interpretação da constituição do corpus, pode-se
afirmar também que foco da análise, neste trabalho, recai sobre uma proposição de recorte
que já se dá a partir da delimitação e convergência de duas FD: a da leitura em sala de aula
(fortemente determinada pelo discurso pedagógico e pelo discurso da escrita) e a da FD da
leitura fora do ambiente escolar, “a leitura no parque”.
Passa-se, a partir dessa etapa ao processo discursivo, que não se restringe ao texto
ou ao conjunto de textos analisados, mas na verdade os ultrapassa. O analista seguirá um
movimento contínuo de descrição e interpretação, um contínuo ir e vir, entre objeto de análise
e teoria, descrevendo as delicadas relações do discurso, da língua, do sujeito, dos sentidos,
aliando a ideológico e o inconsciente.
4.2 A LEITURA E OS LEITORES DA ESCOLA: O QUE PODE E DEVE SER DITO
As experiências de leitura realizadas em sala de aula, no decorrer das aulas de
língua portuguesa, são tomadas como elemento de análise. Inicialmente, destacamos alguns
pontos relacionados às aulas de língua portuguesa, segundo as diretrizes de educação do
Estado do Paraná (DCEs). De acordo com as DCEs, a disciplina de Língua Portuguesa deve
se basear numa perspectiva discursiva, que encara a língua como prática social e seu estudo
visa à oralidade, à escrita e à leitura. Assim, as práticas da linguagem são entendidas como um
fenômeno constituído por uma relação de interlocução, que perpassa todas as áreas do fazer
humano, por isso, na escola, o seu estudo deve potencializar uma relação interdisciplinar.
Essa perspectiva ainda considera a proposta de multiletramento nas práticas a
serem adotadas na disciplina de Língua Portuguesa e de Literatura, tendo em vista o papel de
suporte para todo o conhecimento. Multiletramento, aqui, significa que:
45
(...) compreender e produzir textos não se restringe ao trato do verbal (oral ou
escrito), mas à capacidade de colocar-se em relação às diversas modalidades de
linguagem – oral, escrita, gráficos, infográficos – para delas tirar sentido. Esta é uma
das principais dificuldades dos alunos [...] apontada nos diversos exames e
avaliações (ROJO, 2004 p. 31).
A partir da concepção de linguagem como discurso que se efetiva nas diferentes
práticas sociais, as aulas de língua portuguesa, necessariamente, precisam contemplar esses
objetivos, que são nomeados nas DCES, como conteúdos estruturantes, ou seja, o eixo da
disciplina em si: leitura, escrita e oralidade.
Como a leitura se configura como um grande desafio na aula de Língua
Portuguesa, pretende-se por meio dessas práticas motivar a leitura, corroborando a expansão
do universo discursivo desses leitores do ensino médio. Entretanto, as aulas de leitura,
segundo relatos dos próprios alunos, seguem sempre um modelo mecânico, que se organiza a
partir de leituras que devem ser explicadas a partir de um exercício escrito de respostas a um
questionário respostas. Além disso, os alunos devem elaborar pequenos resumos das obras
lidas. Nessa prática, com já se destacou a oralidade raramente é contemplada.
Como professora pesquisadora, mas ao mesmo tempo colocando-me também
como sujeito professora, não me eximo das críticas e contradições que este trabalho de
pesquisa apontará, pois também me encontro determinada pelo discurso pedagógico, que
autoriza o professor a apropria-se da voz do conhecimento sem mostrar a sua
heterogeneidade sem resgatar a sua historicidade: “o professor se confunde com o cientista
sem que explicite sua voz de mediador, tornando-se ele próprio possuidor daquele
conhecimento’’(ORLANDI, 2003 p. 21)
Mas em face desse novo horizonte que o trabalho de pesquisa no mestrado suscita,
assumo, enquanto professora uma postura no trabalho com a leitura em sala, em que a
oralidade ganha papel de destaque, já que se entende que, pelo exercício da oralidade, o aluno
pode se libertar da obrigação de responder ao professor com exatidão, sempre buscando uma
“verdade” por trás das leituras feitas.
Isso posto, o trabalho de leitura em sala de aula foi desenvolvido com uma turma
composta por 34 alunos. Este grupo realizou suas as leituras na escola, durante as aulas de
Língua Portuguesa. As leituras oferecidas, faziam parte do acervo disponibilizado pela
biblioteca da escola, foram: O jovem rei e outras histórias (Oscar Wilde); Crônica da casa
Assassinada, (Lúcio Cardoso); Casa de Pensão (Aluízio de Azevedo); O Ateneu, (Raul
Pompéia) O Corcel Negro, Mar-Morto; Assassinato no Expresso do Oriente (Agatha Cristi);
Ciranda de Pedra (Ligia Fagundes Telles); Encontro Marcado (Fernando Sabino); Urupês
(Monteiro Lobato); Em busca de Curitiba Perdida (Dalton Trevisan); Vidas Secas (Graciliano
46
Ramos), Lavoura Arcaica (Raduan Nassar); As Horas Nuas (Ligia F. Telles); Paraísos
Artificiais (Charles Baudelaire); Barão Cativo (Pedro Nava); Memorial de Maria Moura
(Raquel de Queiroz); Menino Engenho (José Lins do Rego); Felicidade Clandestina e Legião
Estrangeira (Clarice Lispector); Alegres Memórias de um Cadáver (Roberto Gomes);
Capitães de Areia (Jorge Amado); A Barcarola (Pablo Neruda); Fogo Morto (José Lins do
Rego); Memórias do Cárcere (Graciliano Ramos); O caso do Filho do Encadernador (Marcos
Rey), Cidades Mortas (Monteiro Lobato); Serafim Ponte Grande (Oswald de Andrade); A
viuvinha (José de Alencar); Triste fim de Policarpo Quaresma (Lima Barreto). Além das HQ:
Mafalda (Quino); Texas (Giovanni Luigi Bonelli e Aurélio Galleppini); Crying Freeman
(
Kazuo Koike); Lobo Solitário ( Kazuo Koike); Ronin (Frank Miller).
Como a proposta envolvia, mesmo na escola, um projeto de leitura que pudesse
ser orientado também pelo trabalho com a oralidade, observou-se, quando pedido aos alunos
que contassem oralmente o que estavam lendo, que poucos haviam lido os livros escolhidos e
os poucos que leram quase não conseguiam falar sobre o livro, limitando-se apenas a
pequenos comentários sobre os personagens e suas ações.
Diante dessa atividade, os alunos apresentaram desconforto e nenhum deles
conseguiu tecer comentários mais aprofundados a respeito da leitura feita. Os enunciados
“mais falar sobre o que?”, “Falar o que professora?” Como eu vou falar? repetiram-se muitas
vezes. Outro enunciado como “Professor é prá fazer o que depois de ler?”, evidencia uma
dependência do aluno ao professor, que determinado pelo discurso pedagógico está tão
acostumado a responder a questões já formuladas, que produzir qualquer tipo de reflexão sem
um direcionamento era inconcebível para o grupo.
Poucos alunos falaram e quando o fizeram foi de uma maneira muito concisa e
nesse momento, não houve indisciplina, nem risos, o que se instaurou na sala, foi um imenso
silêncio, como se eles jamais tivessem imaginado que poderiam falar sobre suas leituras.
De tal modo, a dificuldade em falar sobre as suas leituras, resultou num
silenciamento por parte dos alunos, que não conseguiram interpretar oralmente o que leram.
Esse fato evidencia uma incapacidade por parte do aluno em assumir uma posição de autoria
através da oralidade.
Segundo Orlandi (1993, p. 77), autoria é uma função de todo sujeito. E sendo a
dimensão discursiva do sujeito que está mais determinada pela relação com a exterioridade
(contexto sócio-histórico), ela está mais submetida às regras das instituições. Entretanto para a
mesma autora, não basta falar para ser autor, o sujeito precisa “apreender” a assumir o papel
47
de autor e aquilo que ele implica. É o que a autora (1999, p. 76) chama de assunção de
autoria:
A assunção de autoria implica uma inserção do sujeito na cultura, uma posição no
contexto-histórico-social. Apreender a se representar como autor é assumir, diante
das instâncias institucionais, esse papel social na sua relação com a linguagem: é
mostrar-se como autor.
Assim, assunção de autoria do sujeito se dá pela sua inserção em um discurso
legitimado, institucionalizado. Sendo a oralidade um discurso não legitimado nas práticas
discursivas o aluno não pode se assumir como um autor. Decorre daí seu silenciamento, a sua
incapacidade de formular sentidos sobre os livros lidos.
Embora direcionada por uma abordagem discursiva, o projeto de leitura em sala
de aula desenvolvido para este trabalho, respondeu também a requerimentos disciplinares, tais
como as exigências avaliativas que passavam por produções textuais. Os materiais exigidos
pela disciplina eram compostos de exercícios do próprio livro didático, o que é condizente
com a proposta adotada nas diretrizes educacionais do Paraná e que, mesmo propondo um
trabalho discursivo para o ensino da escrita da leitura, reforça, em certa medida, o modelo de
leitura em que as atividades de interpretação não propunham outros caminhos que não fossem
a mera decodificação e constituição dos elementos lingüísticos ancorados no texto. O trabalho
de leitura funciona, dessa perspectiva como subsídio para ensino da gramática.
De modo a se afastar do direcionamento prescritivo, o trabalho com a escrita nas
aulas de leitura propunha aos alunos uma produção mais livre, em que sem nenhuma
orientação resultante de perguntas prontas feitas pelo professor, os alunos poderiam tecer
comentários escritos sobre os materiais lidos. Contudo, mesmo assim, a maioria deles repetiu
o modelo já estabilizado no discurso pedagógico:
1- Quais eram os personagens?
2- Qual o título do Livro?
3- Descreva os personagens
4- Resumo do texto
Outros se limitaram apenas a fazer um breve resumo do livro. Com isso até
aqueles que não estavam lendo em sala, ou nem sequer haviam pego um livro para ler,
48
conseguiram realizar a avaliação escrita, pois fizeram uso de resumos do livro baixados da
internet, sendo que outros copiaram trechos das contra-capas dos livros. (vide anexo 2)
Esse é um trecho de um trabalho, entregue como resumo do livro, pode-se
observar que o resumo foi transcrito, tal qual estava na contra capa do próprio livro,sem a
menor preocupação com o que o professor acharia sobre isso,a final já estava escrito, e isto
por si só para o aluno já bastava.
“De tudo ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando,a
certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de
terminar.Fazer da interpretação um caminho novo.Fazer da queda um passo de dança,do
medo uma escada,do sono uma ponte,da procura um encontro.”O Livro:Encontro Marcado
Fernando Sabino.(anexo 20
Vale destacar, aqui a proposta de Neotti (2007:3) quando discute a forma de
constituição da autoria do aluno, observando especificamente a sua “posição enquanto sujeito
produtor de trabalhos de conclusão de curso de graduação (monografias) e a relação desses
trabalhos monográficos com os materiais retirados da internet. Materiais que vão compor as
monografias, mas que não são indicados como fonte de pesquisa pelo aluno”. Segundo a
autora, esse modo do aluno se relacionar com as vozes dos “outros” que compõe o seu
discurso quando produz um trabalho monográfico, pode ser entendido como conseqüência do
funcionamento da discursividade na Universidade, que envolve a relação entre os discursos
pedagógico, científico e acadêmico
3
:
Estes alunos estão sendo determinados por um conjunto de dizeres que envolvem
tanto DA o qual impõe ao aluno a necessidade de se constituir como pesquisador de ciência e
portanto, ter um certo compromisso como ineditismo, quanto o DP que censura esta
autonomia do aluno. Neste lugar, o sujeito aluno ainda não se (re)conhece enquanto sujeito
que pode dizer algo diferente do professor. Assim, na Universidade, se por um lado,
3
Segundo Neotti (2007, p.34) O discurso acadêmico é um tipo de discurso polêmico em que se mantém a
presença do referente (a ciência não está oculta) sendo que os participantes procuram dominar esse referente,
“dando-lhe uma direção, indicando perspectivas particularizantes pelas quais se olha e se diz, o que resulta na
polissemia controlada (o exagero é a injúria) (ORLANDI, 2003:15). Este modo singularizado de construir o
referente em que cada participante busca dominá-lo se mostra enunciativamente através de marcas explícitas de
heterogeneidade: os enunciadores são marcados nos textos (através do discurso direto e indireto) como num
paper. Desse modo, o sujeito professor do discurso acadêmico não se apropria da voz do cientista sem explicitar
o seu lugar de mediador.
49
interpelado pelo DP, o aluno precisa assumir uma posição enquanto sujeito que tem certa
autonomia para se posicionar como autor no discurso científico, outro lado, interpelado pela
autoridade do DP, tem essa autonomia censurada. A posição assumida pelo aluno ao realizar
sua monografia é decorrente, justamente, deste funcionamento discursivo conflitante.
Os textos copiados/plagiados da Internet ou das orelhas dos livros, nos materiais
aqui analisados, evidencia essa produção de sentidos parafrásticos em que o aluno, sob as
coerções do DP (são alunos do ensino médio) reproduz, um mesmo sentido sobre a leitura,
aquele que ele imagina e que reflete a posição do professor que, na maioria dos casos,
também apaga a voz do(s) outro(s) que lhe constituem, pois como afirma Orlandi (2003,
p.21):
O professor apropria-se do cientista e se confunde com ele sem que se explicite
sua voz de mediador. Há aí um apagamento, isto é, apaga-se, o modo pelo qual o professor
apropria-se do conhecimento. A opinião assumida pela autoridade professoral torna-se
definitiva e absoluta.
Em outro momento da aula, o professor, ao propor aos alunos uma leitura visando
o ato de “ler” pelo simples prazer da leitura, depara-se com uma situação desafiadora:
conversas, risos, incompreensão, uns lêem, outros não. Ao final da aula, quando os alunos são
lembrados pelo professor que na aula seguinte haveria uma atividade sobre as leituras, um
outro acontecimento é bastante elucidativo da posição do aluno:
Aluno X: Mas como? Não era apenas prá ler? E agora, eu não li, pensei que não
valia nota? (vide anexo 1)
Esse comentário evidencia a posição desse aluno no discurso pedagógico, em que
enquanto sujeito aluno responde ao professor sempre esperando ser avaliado. Outro enunciado
corrobora essa posição do aluno, que está acostumado a se dizer e a dizer sobre as coisas
parafrasticamente, a partir de um modelo pronto e acabado.
Aluno M: Ano passado a gente preenchia um ficha, é mais fácil professora!(vide
anexo 1)
De fato, a avaliação escrita, sob a forma de fichas e resumos, é uma prática a qual
esse aluno já está acostumado. Já uma numa avaliação oral, ele é confrontado com outro tipo
50
de procedimento, o qual poucas vezes lhe foi solicitado. O enunciado também materializa o
modelo estruturalista de produção de leitura utilizado como mecanismo de ensino e
aprendizagem da leitura na escola.
A outra alternativa oferecida pelo professor, é aquela que envolve a leitura das
histórias em quadrinhos, também causou estranhamento. Houve resistência em aceitar as HQ
como uma leitura possível. A HQ para esses alunos, não representavam uma leitura legítima:
Aluno L: Quadrinho não é bom, não tem cultura professora! (vide anexo 1)
Aluno N: Mas é pra ler, ou ver? Tem muita figura, dá trabalho! (vide anexo 1)
Esses enunciados materializam o modo como os alunos se relacionam com as HQ.
Para esses alunos, os quadrinhos têm um sentido de subliteratura, o que é resultado do
processo histórico de marginalização dessa forma de expressão que se iniciou nos Estados
Unidos, durante a década de 50. Isso se deve também, ao pré-construído do discurso
pedagógico que elege alguns títulos como aqueles que devem representar a literatura.
Para que os alunos se dispusessem a encarar essa nova proposta de leitura, foi
necessária uma imposição da professora, que a partir de sua posição na sala de aula, tem
garantias que sua voz seja ouvida. Sendo assim, alguns exemplares das HQ foram tomados
para leitura, a partir do incentivo por parte da professora, mas os alunos não se mostraram
afetados por essa nova proposta. Não demonstraram a apreciação maior por esse gênero.
De tal modo, os alunos materializaram a sua posição no discurso pedagógico que
projeta um sentido para a escrita, em que existe apenas um modo possível de interpretação. O
texto deve seguir um formato, respondendo a um imaginário de língua que é exclusivista. A
leitura determinada por esses sentidos não deixava espaço para o leitor atribuir sentidos a
outros textos que não sejam aqueles já institucionalizados pela escola.
Alguns alunos ainda preferiam ficar sem fazer nada em sala, a maioria, advindos
do trabalho, justificava o fato por estarem cansados. Esses sujeitos não conseguiam ver
importância nessa atividade, revelando que a escola por mais que tente inovar, com algumas
práticas que fogem ao padrão já institucionalizado, é ainda considerada um espaço
desestimulante, “chato”, pelo qual temos que passar rápido.
De fato, mesmo sendo o espaço institucionalizado do discurso da escrita, em que
se reproduz o imaginário da escrita como um discurso de sentido único e desambigüizado, a
51
escola é somente a instituição mantenedora do discurso da escrita, ou seja, ela não ensina esse
discurso, pois segundo Gallo (1992) ele tem um lugar próprio para existir, e um lugar sempre
institucional, que não é a escola:
É como se, para ensinar alguém a fazer tricô, se mostrasse lindas peças tricotadas
(uma blusa, um casaco, um gorro etc) e se pedisse que o “aprendiz” fizesse um
quadrinho de tricô, para que se pudesse observar se ele já sabe tricotar, depois um
círculo e, finalmente, um retângulo. Então, se ele se mostrasse capaz de realizar
estas tarefas, seria aprovado. Será que esse aprendiz”, já fora da Escola, conseguiria
produzir uma blusa de tricô, por exemplo, com mangas, gola etc..., e que o colocasse
no processo de produção e não servisse somente para que ele fosse “observado”?
(GALLO, 1992, p.59)
A escola assim, contraditoriamente, se constitui aliada ao discurso da escrita, a
uma autoria que “tem na base critérios relacionados à filiação desses sentidos, uns alinhados à
letra, às letras, à lei, etc., [o ‘fecho’] (GALLO, 2007), contudo apenas ensina a ‘forma’ desse
discurso e, dessa forma, o aluno reproduz apenas uma ‘cópia’, sem chegar a trabalhar as suas
reais condições de produção. Conseqüência disso, é o não engajamento do aluno no projeto de
leitura da escola, que não dá condições a ele para se projetar como autor.
52
4.3 A LEITURA E OS LEITORES DO PARQUE: O QUE PODE E DEVE SER DITO
O projeto “Leitura no Parque” se propôs deslocar o sujeito leitor aluno da
discursividade escolar. Com isso, eliminou-se obrigação da avaliação institucionalizada pela
escola, ficando acordado que o trabalho de leitura do grupo não envolveria nenhum tipo de
avaliação nem tão pouco a produção de materiais escritos, mas somente uma conversa sobre
o material lido.
O projeto teve início no dia 20 de setembro, com um grupo composto de seis
alunos que se dispuseram a participar. Ao final do projeto, apenas três alunos faziam parte do
grupo. O primeiro encontro foi na biblioteca do colégio, onde os seis alunos ficaram diante
dos livros que a biblioteca da escola dispunha e eles puderam escolher suas leituras. Dentre
as leituras oferecidas, estavam algumas histórias em quadrinhos (Mafalda, Texas, Crying
Freman, Lobo Solitário, Ronim), mas elas foram rejeitadas nesse primeiro dia, como se não
houvesse um lugar legítimo para a leitura destes materiais nem fora da escola.
Na semana seguinte, no segundo encontro, já no parque, cada um passou a
descrever o seu livro, como estava se sentido com relação ao livro que estava lendo. A
discussão somente se iniciou após questionamentos por parte da professora: “Fale sobre a sua
história”, “Comente sobre o que mais lhe agradou nessa leitura”. Destaca-se que os alunos só
tomavam a palavra a partir de tais indagações.
As discussões envolvendo as leituras foram sucintas evidenciando a dificuldade
do grupo para lidar com relatos orais. Mesmo no parque o grupo sentia-se preso ao discurso
da escrita, institucionalizado pelo ambiente escolar. Contudo, com o desenvolvimento das
conversas e com o estímulo da professora, eles, pouco a pouco, passaram a falar descrevendo
e comentando suas leituras. Destaca-se que a resistência à oralidade foi bem menor se
comparada à sala de aula, mas, mesmo assim, era preciso conduzir a conversa para que eles
pudessem falar mais. A partir de questionamentos como: “Mas então, em que ponto vocês
estão da história?” “O que lhes chamou mais atenção?” “Vocês indicariam esta leitura a
alguém?”, o grupo falou sobre seu material.
No final desse segundo encontro, a professora questionou sobre o porquê de
nenhum deles ter escolhido os quadrinhos. A resposta mostrou que os participantes falavam
do lugar de sujeitos determinados por um discurso em que os quadrinhos não tinham o valor
de literatura. Atribuíam à leitura de livros (romance, livros de poesias, por exemplo) um status
intelectual, que segundo eles, os quadrinhos não teriam. Além disso, para eles, as HQ faziam
53
parte do universo infantil e numa tentativa de se auto-afirmarem enquanto leitores adultos,
sucumbir aos quadrinhos seria retroceder assumindo uma postura de infantilidade.
Ao se levar em consideração o fato de que se tratava de um projeto de leitura
extraclasse sem finalidades avaliativas e que, mesmo assim, esse pequeno grupo participou do
trabalho, pode-se afirmar que os participantes demonstravam um interesse pela leitura
diferente do da sala de aula, em que o trabalho de leitura envolve necessariamente uma
avaliação. Essa atitude enfatizou uma postura diferente daquela encontrada em sala de aula,
em que os alunos se mostravam desmotivados pela leitura
Ao término do, segundo encontro, foi proposto ao grupo que, após as leituras
escolhidas inicialmente, eles lessem algumas histórias em quadrinhos, para que pudessem
confrontar os sentidos que eles atribuiriam aos quadrinhos com os livros.
Nos encontros seguintes, as leituras alternaram-se entre os seguintes títulos de
HQ: Tex, Lobo Solitário, Crying Freman, Ronim e Mafalda. Todos do grupo leram todos os
títulos e trocaram impressões refletindo sobre os sentidos que cada um atribuía à leitura.
A princípio todos acharam a idéia de ler HQ um tanto enfadonha, pois se tratava
de sujeitos leitores que não haviam adquirido o gosto de ler esse tipo de material, mas ao
iniciarem suas leituras puderam contemplar um universo de linguagem que até então, era para
eles desconhecido.
A Análise do Discurso parte do pressuposto de que a língua não pode ser estudada
desvinculadamente de suas condições de produção, uma vez que os processos que a
constituem são histórico-sociais. Nos encontros do parque, as condições de produção não
eram as mesmas que determinavam a leitura na sala de aula, já que o discurso pedagógico
com o seu modo de funcionamento disciplinarizado, seus métodos de avaliação e como
instituição mantenedora do discurso da escrita, não era o discurso determinante. No espaço do
parque, então, as condições de produção sustentavam uma organização dos discursos, em que
o grupo semana a semana tinha a oportunidade contar as histórias lidas sem a preocupação ora
com a avaliação ora com as normatizações do discurso da escrita.
Assim, compreendido o processo, ou seja, que não seriam avaliados e que
poderiam participar do projeto pelo simples prazer de ler e de compartilhar com os outros a
sua leitura, os participantes do projeto começaram a atribuir sentidos para a sua leitura, de
acordo com a relevância que cada temas tinha para eles particularmente. Cada um associou e
atribuiu diferentes significações conforme o pré-construídos de suas formações discursivas:
O sentido não existe em si, mas é determinado pelas posições ideológicas
colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas. As
54
palavras mudam de sentido segundo as posições daqueles que as empregam. Elas “tiram” seu
sentido dessas posições, isto é, em relação às formações ideológicas nas quais essas posições
se inscrevem. (ORLANDI, 1999, p. 42-43.)
Um dos participantes que fazia a leitura de um livro de Oscar Wilde, O Jovem Rei
e outras histórias, o qual falava sobre amizade, identificou-se com esses temas e atribuiu
sentidos condizentes a sua FD:
Participante X: Meu livro fala sobre uma história de amizade, um amigo muito
devotado, eu sou assim! (vide anexo 3)
Já com a leitura da HQ “Lobo Solitário” de Kazuo Koike e Goseki Kojima, esse
mesmo participante se comoveu com a imagem do menino Daigoro, que vivia na companhia
de seu pai, enquanto este praticava assassinatos por encomenda.
Participante X: Eu gostei muito, tive muita pena do Daigoro. Ele era tão
bonitinho! Nem parecia que o pai era um matador com aquele anjinho junto! (vide anexo 3)
Os sentidos a respeito das leituras divergiram, conforme cada FD, uns atribuíam
muito valor a questões familiares, outros não. De tal modo que, no decorrer do processo de
leitura, pode-se observar um encaminhamento para um sentido de leitura como aquele
proposto por Orlandi (1988) em que o sentido sempre pode ser outro, e o entendimento de que
pode haver o “outro” sentido, fez parte das relações discursivas da “leitura no parque”,
quando observamos os diferentes posicionamentos com relação a uma mesma leitura. A vida
do menino Daigoro personagem, do Lobo Solitário, que comoveu o Participante X, causou
repulsa na ParticipanteY:
Participante Y: A história é interessante, mas é horrível de imaginar o pai indo
cometer um crime e levando o menino junto.( anexo 3)
Os alunos que leram a HQ Lobo Solitário, ficaram surpresos com o material, pois
a narrativa os prendeu tanto, que ficaram interessados em saber mais, como começou, como
continuaria, queriam seguir como se fosse uma novela:
55
Participante X: A leitura é boa, professora, mas dá um pouco de trabalho, ter que
ficar interpretando todas aquelas imagens, mas tem uma hora que você fica preso e tem que ir
até o fim, dá até uma angústia (risos).Você precisa ler o quanto antes e saber o que vai
acontecer adiante.(anexo 30
Participante Y: A leitura é mais pesada, mais é boa,.precisa compreender o que
tem ali, às vezes voltar ver a figura de novo,pensar! Voltar e daí entender. “É ler quadrinho
não é só coisa de criancinha não! Tem que ter cabeça pra pegar todos os lances isso é coisa de
inteligente!”( anexo 3)
Participante Z: Eu tinha uma idéia errada destes quadrinhos. Eu achava que seria
muito chato e não foi não. (anexo 3)
Esses enunciados mostram que o trabalho de leitura feito no parque possibilitou
uma outra interpretação também no que diz respeito às HQ. No início do trabalho, os
participantes não entendiam os quadrinhos como um tipo de leitura possível, contudo, a partir
do contato com esses materiais, os leitores e os sentidos formulados sobre as HQ foram
desestabilizado e aqueles passaram a ver que as HQ podem envolver:
toda uma concepção de desenhos, de humor, de ritmo acelerado, de intervenção
rápida das personagens nas situações com as quais se defrontam [...] Contêm algo de
conciso, vertiginoso, quase cinematográfico [...] E, como em qualquer outro tipo de
historia, há as ótimas, as medíocres, as muito bem feitas, as de carregação, as
extremamente inventivas,as que se repetem [...] Como em qualquer outra forma
literária, se escolhem, se procuram as que dizem mais, desistindo das que
satisfazem menos e suscitam menos emoção, menos envolvimento, menos
inesperados [...] Elas fazem parte integrante da cultura deste século e é tolo e
preconceituoso esnobá-las ou não levá-las a sério [...] (ABRAMOVICH, 1995
p.158)
Contudo, mesmo em circunstâncias discursivas diversas das da sala de aula, o
grupo mostrou, como se destacou inicialmente, certa resistência para se expressar oralmente.
Isso se deve ao fato de que, mesmo no parque, eles ainda se encontravam determinados, em
certa medida, pelo discurso pedagógico. De fato, segundo Orlandi (1999, p. 39):
As condições de produção, que constituem os discursos, funcionam de acordo
com certos fatores. Uma delas é o que chamamos de relação de sentidos. Segundo esta noção,
não há discurso que não se relacione com outros. Em outras palavras, os sentidos resultam de
56
relações: um discurso aponta para outros que o sustentam, assim como para dizeres futuros.
Todo discurso é visto como um estado de um processo discursivo mais amplo, contínuo. Não
há desse modo, começo absoluto nem ponto final para o discurso. Um dizer tem relação com
outros dizeres realizados, imaginados ou possíveis.
Assim determinados por uma formação imaginária na qual tem uma posição
enquanto sujeitos que se limita a ter que fazer, apenas o que o professor espera que eles
façam, os participantes do projeto leitura no parque materializam essa posição enquanto
alunos pelos enunciados:
Participante A: “Mas nos não vamos escrever nada?
Participante B: Só falar? Mas falar, como?
Nota-se assim, mesmo fora do ambiente escolar, a presença do discurso da escrita
enquanto discurso legitimado e institucionalizado pelo discurso pedagógico. O discurso da
escrita vai determinar um modo de funcionamento da oralidade, que é denominada por Gallo
(1992) “escrita oralizada”. Trata-se de uma escrita que se situa no entremeio do discurso da
escrita e do discurso da oralidade. Conforme Gallo (1992), o discurso da oralidade é aquele
que produz um sentido ambíguo e inacabado, enquanto o da escrita produz um sentido único e
desambiguizado, sendo legitimado institucionalmente. Logo, sendo o discurso da escrita o que
é aceito e valorizado pela escola, é necessário que haja um tipo de representação oral que se
constitua legitimamente. A “escrita oralizada” representaria esse esforço do sujeito para falar
de acordo com uma normatização, por meio de língua ideal que não apresenta falhas.
Isso posto, o modo de funcionamento da leitura no parque evidenciou que o
imaginário de leitura produzido pela escola, que por sua vez se organiza pelos discursos
pedagógico e da escrita, vai afetar a produção da leitura, mesmo em um ambiente discursivo
que não se constitui pelo mesmo pré-construído dos discursos da escola.
57
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão aqui proposta, que levanta questões sobre o papel dos alunos e dos
professores nas práticas de leitura, nas aulas de língua portuguesa, busca compreender a
dificuldade, por parte da escola, de construir uma proposta de ensino e aprendizagem em que
a leitura é compreendida como processo.
Para isso, propusemos para análise um projeto de leitura desenvolvido,
simultaneamente, com dois grupos de leitores: i) um dos grupos trabalhou a leitura em sala de
aula e ii) outro grupo se reuniu fora da sala de aula fazendo um trabalho de leitura em um
parque da cidade. Esse recorte apontou para um espaço de leitura, aquela do parque, que não
se constituiu por exigências institucionais, tais como avaliações e exercícios metalingüísticos
envolvendo a gramática normativa.
A partir disso, pudemos constatar que ambos os projetos acabam se aproximando
em alguns aspectos e distanciando-se em outros. Ao levarmos em conta o quesito oralidade,
observamos que em ambos os projetos de leitura os alunos não parecem preparados para
expressarem suas opiniões oralmente. Contudo, mesmo face à dificuldade em lidar com a
oralidade, os leitores do parque conseguiram expressar-me com mais espontaneidade, o fato
de estarem fora da escola colaborou, pois tão logo eles se sentirão fora das amarras do
ambiente escolar e do discurso da escrita, os relatos orais foram acontecendo, como se lá
naquele lugar eles fossem autorizados a falar.
Isto não ocorreu na sala de aula, pois em nenhum momento os alunos se
mostravam a vontade para falar, estavam sempre esperando que o professor conduzisse a
discussão através de materiais escritos. O fato de se trabalhar a leitura relacionada
especificamente com a questão oral os surpreendeu e eles explicitaram sua preferência por
escrever e por responder as questões elaboradas pelo professor ao invés de assumirem uma
posição de sujeito pela qual pudessem se constituir como autores. De fato, como já destacado,
a escola, mesmo sendo reconhecida como a instituição responsável pelo ensino da escrita, não
garante o cumprimento desse papel, pois como afirma Gallo (1992), os alunos não encontram
espaço na escola para assumirem uma posição enquanto autores no discurso da escrita, eles
apenas reproduzem o que lhes é permitido dentro do contexto escolar e o fazem através de
textos acadêmicos como redações, exercícios de fixação de conteúdo, etc. Isso pode ser
evidenciado quando solicitado aos alunos, como uma atividade que faz parte do trabalho de
leitura em sala, uma produção escrita. Mesmo com o estímulo do professor para que eles
escrevessem livremente a respeito da leitura feita, os alunos reproduziram os modelos prontos
58
com os quais eles tinham familiaridade, além disso alguns recorreram a resumos prontos da
internet e de contracapas dos próprios livros.
A formulação de sentidos sobre a leitura, assim, se constitui determinada pelas
mesmas condições de produção da sua contra-parte, a escrita, ou seja, por uma relação
hierárquica entre sujeitos, em que sujeito aluno ainda não se (re)conhece enquanto sujeito que
pode dizer algo diferente do professor e este, por sua vez, constitui-se apagando a voz do
cientista.
A leitura da HQ na sala de aula não foi vista pelos alunos como atraente e
motivadora e teve que ser imposta como mais uma atividade obrigatória na sala de aula. Isso
se deve ao modo como a escola institui o que é permitido ler e o que não é. As HQ não se
constituem como um tipo de literatura legitimada pela escola, além disso, muitos críticos
censuram a utilização desse tipo de leitura em sala de aula, argumentando que os gibis
desestimulam a leitura de livros e contribuem para a formação de adultos que não gostam de
ler.
No parque apesar da resistência inicial, os participantes logo se dispuseram a ler
os quadrinhos e conseguiram produzir os sentidos de um modo diferente dos alunos da sala
de aula. Os leitores do parque perceberam que as HQ não são textos escritos apenas para
crianças, mas que existem também histórias voltadas para o público adulto, mais
intelectualizado e que se destaca pela qualidade dos textos e dos desenhos. Nos poucos
exemplares lidos, os leitores do parque já puderam evidenciar uma diversidade de temas e,
consequentemente, uma diversidade de leitores. Desse modo, aceitando as HQ como uma
leitura possível, os leitores do parque conseguiram perceber que o sentido da leitura pode ser
outro.
A leitura proposta nas escolas precisa, então, estar em consonância com a
formação de um leitor que possa ir além de interpretações parafrásicas. O papel do professor,
nesse contexto, envolve um investimento em um processo interlocutivo que seja aberto para o
outro sentido formulado pelos alunos. O professor deve perceber as relações que os alunos
fazem com suas próprias memórias, com as suas próprias leituras e viabilizar o acesso do
aluno as mais diversas fontes de leitura, sem privilegiar ou excluir determinado tipo de leitura.
O acesso às HQ pelos leitores da sala de aula e do parque, mostrou que mesmo
sendo um tipo de literatura não legitimada pela escola, as HQ podem fazer parte do conjunto
de leituras do aluno, pois como um material que se caracteriza por uma diversidade de
linguagens (imagem, texto) se mostra como um “texto” diferenciado que materializa os
sentidos da sociedade contemporânea. Além disso, segundo Vergueiro (2004, p.20), "muitas
59
pesquisas apontam que crianças que começam a ler com os quadrinhos têm mais facilidade
para ler outros livros e procuram outras fontes de informação". Como não se formam leitores
no ensino médio, caberia ao ensino fundamental e em grande parte à família o trabalho de
estímulo e formação de um leitor reflexivo. A responsabilidade, então, de formar um leitor
envolve um projeto complexo e não deve ser atribuída apenas aos professores de língua
portuguesa, mas a um conjunto de ações, envolvendo família, estado e educadores.
O gosto pela leitura tem de ser transmitido como uma forma de entender a própria
vida. Infelizmente a tradição de leitura no Brasil, não aponta para um país afetado pela leitura,
muito menos por uma leitura reflexiva:
[...] parece certo dizer que não existe tradição de leitura no Brasil. Dada as
condições do desenvolvimento histórico e cultural do país, a leitura, enquanto
atividade de lazer e atualização, sempre se restringiu a uma minoria de indivíduos
que teve acesso à educação e, portanto, ao livro. (SILVA, 1981, p. 37)
Finalmente, encerramos esse trabalho reafirmando a importância de pesquisas a
respeito deste tema, pois as mesmas podem nos permitir transformar o rumo da “nossa
história”, assegurando o entendimento da leitura como um processo que tem historicidade.
Assim, concordamos com Orlandi (1988, p.46):
[...] não queremos fixar um valor para o modo de utilização do conceito de história.
O histórico, para nós, traz, em si, essa ambigüidade: porque é histórico, muda,
porque é histórico, permanece. [...] não abandonamos assim, o domínio da
indeterminação, ao contrário, reconhecemos sua existência e procuramos entender
seu funcionamento. O que, em breve, pode ser colocado da seguinte forma: pela
inclusão do conceito de história, procuramos estabelecer a maneira de levar em
conta a indeterminação, em um método que se proponha o ensino de leitura”. (grifo
nosso)
60
6. REFERÊNCIAS
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione,
1995.
ARROJO, Rosemary (Org.). O signo descontruído: implicações para a tradução, a leitura e o
ensino. Campinas: Pontes, 1992.
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pragmática. Campinas: UNICAMP, 1989.
CORACINI, Maria José (Org.). O jogo discursivo na aula de leitura. 2. ed. Campinas:
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CIAVATA, M. e FRIGOTTO, G (Orgs) Ensino Médio: ciência, cultura e trabalho.
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GALLO, Solange Leda. Questão enunciativa ou Discursiva? Revista Linguagem em
(Dis)curso, volume 1, número 2, jan./jun. 2001
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61
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KATO, Mary A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. 5.ed., São Paulo:
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compreensão de texto. Caderno do I Colóquio de leitura do Centro Oeste. Departamento de
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NEOTTI, Carolina. Autoria e Plágio em Monografias. Uma questão discursiva.
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62
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Confronto Entre o Discurso Pedagógico e o Cientifico.(Dissertação de Mestrado)Tubarão-
S.C: UNISUL,2004.
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aprender a ler. Porto Alegre: Artes Médias, 1988.
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Paulo: Ática, 1988.
65
Anexos
ANEXO 1. OS RELATOS QUE MAIS SE REPETIRAM EM SALA.
“ Ta e daí é pra falar o que? Nome do livro,quais os personagens,é isso?”
“ Descrever um personagem? Pode ser né? Sempre é assim ! .”
“ Eu vou escrever um resumo e leio na outra aula. ”
“ Eu também prefiro escrever ! .”
“ Mas como? Não era apenas prá ler? E agora, eu não li, pensei que não valia nota? .”
“ Ano passado a gente preenchia um ficha, é mais fácil professora! .”
“ Quadrinho não é bom, não tem cultura professora! .”
“ Muito difícil de entender a imagem”
“ Dá muito trabalho, tem que ficar imaginando, não tenho paciência.”
“ Mas é pra ler, ou ver? Tem muita figura, dá trabalho! .”
“Não tem quase escrita, é muita imagem, cansa a vista.”
“Professora a história era muito comprida, não gosto de histórias compridas, se é gibi não
podia se tão longo.”
“ Eu não sei o que eu achei da minha leitura na verdade, eu não achei nada, tava lá e eu vi.
“ É,é legal, mais que é muito difícil de entender certas imagens, é muito
“ Ih! Professora da mais trabalho que ler um livro grossão. ”
“ E eu que achava que quadrinho era coisa de criança. ”
“ Muita violência não gosto disso. ”
“ Imagens muito fortes, parece que vai espirrar sangue. ”
“ Não gosto de falar o que eu achei, cada um que ache o que quiser. ”
“ Dá muito trabalho ler imagem não pensei que tínhamos que entender o que está vendo.Era
melhor escrever sobre livro comum mesmo!
“Eu não gostei muito das atitudes do personagem do, Lobo mas achei legal a historia.”
“ O ruim do Lobo é que parece que é que nem novela tem ficar seguindo.
“ Eu achei que nunca ia gostar de uma historia dessa, mas com toda a violência, a historia
de amo é só o que presta (Crying Freeman).E não falo mais nada.
“ O Tex foi o mais chato porque era o mais longo. ”
“ Ronim é muito pesado, chega a doer a cabeça de ver aquelas imagens. ”
“Prefiro mais o lobo que o Ronim e confesso que o Tex era o mais chato. ”
“Eu gostei do Tex a historia não era curta e nem muito longa, pois passavam rápido com
todas aquelas imagens, a sensação é média,é que eu não sou mesmo do gibi.”
ANEXO 2.OS TRABALHOS ESCRITOS
ANEXO 3 .RELATOS QUE MAIS SE REPETIRAM NO PARQUE
Eu to lendo o Jovem Rei – Oscar Wilde. Eram várias histórias mas a que eu gostei mais era
sobre uma amizade com interesse.
Sempre leio ate o fim, nem que seja ruim – esses livros são melhores pra gente aprender”
Mas nos não vamos escrever nada?
Só falar? Mas falar, como?
Acredito que o livro melhor que gibi.
Eu to lento o Corcel Negro. A história é muito emocionante.
Eu não gosto das figuras – é meio chato, prefiro livro.
Eu gosto de histórias, nos quadrinhos, a gente não sabe no que presta atenção, na imagem ou
na escrita.
Por que se a gente ta lendo um livro a gente imagina e no quadrinho já ta la o desenho tongo
pra você vê.
Muitas vezes o desenho é ate engraçado mas daí a gente não entende.
Às vezes a gente fica boiando naquela figura, ai tem que ficar tentando entender, ui, eu não
gosto.
Gosto de ter liberdade pra imaginar. Ler quadrinho parece muito fácil.
O bom leitor lê livro grosso.
Não há nada completo no livro, é você que preenche. Eu acho a leitura de quadrinhos mais
fracas.
Gostei muito, do meu livro, ele ensina varias lições principalmente sobre amizade, e eu acho
que amizade é tudo
É a leitura é boa professora,mas dá um pouco de trabalho,ter que ficar interpretando todas
aquelas imagens,mas tem uma hora que você fica preso,e tem que ir até o fim,dá até uma
angustia.(risos)Você precisa ler o quanto antes e saber o que vai acontecer adiante.
Eu gostei muito, tive muita pena do Daigoro. Ele era tão bonitinho!Nem parecia que o pai
era um matador com aquele anjinho junto!
A leitura é mais pesada. Mais é boa.precisa compreender o que tem ali,as vezes voltar ver a
figura de novo,pensar! Voltar e daí entender.
É ler quadrinho não é só coisa de criancinha não! Tem que ter cabeça pra pegar todos os
lances, isso é coisa de inteligente!
Eu tinha uma idéia errada destes quadrinhos. Eu achava que seria muito chato e não foi não.
Só essas violências que tem é meio demais, mas o piazinho junto até nem parece que o pai é
um bandidão!
Eu nunca tinha visto uma historia assim.Acho que nunca vou esquecer.O bonzinho da
história,o pai que não abandonou seu filho ,e um matador sem coração!Cruzes!!
Sobre as leituras da Mafalda:
É uma menina esperta. (Mafalda)
Dos leitores do Ronim.
Muito pesada a imagem, muita violência, tudo bem exagerado.
Não gostei muito, prefiro o Lobo, tem o Daigoro, parece mais família. Mais bonitinho.
Também prefiro o Lobo, mas o Ronim é bem inteligente.
Briga,briga,luta muito forçado.
É colorido demais. (Ronim)
Sinceramente não gostei. Mas li. Muito exagerado.
Dos leitores do Tex
O Tex é muito comprido. Não acaba mais.
Não gosto dessas histórias de velho oeste.
Os alunos que leram Crying Freeman fizeram os seguintes comentários:
Gostei, mas tem que acompanhar também como o Lobo.
Mas da vontade de ler mais, e saber mais. Dá até um dozinho dele. Nem parece que ele é um
assassino.
Eu não gostei, os japoneses ficam mascarando as coisas, ele é um matador e pronto.Não tem
que der dozinho,nem pensar que ele é herói.
Eu não gostei muito,porque ele faz,faz e continua fazendo que tipo de lagrima é essa? Ele
chora mas não se arrepende,não para.Não gostei.
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