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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA-UNIFOR
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CCJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÀO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
A IMPORTÂNCIA DO FUNDO NACIONAL DA CULTURA
PARA A EFETIVAÇÃO DO ACESSO À CULTURA
Fabíola Bezerra de Castro Alves Brasil
Fortaleza-CE
Março, 2010
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FABÍOLA BEZERRA DE CASTRO ALVES BRASIL
A IMPORTÂNCIA DO FUNDO NACIONAL DA CULTURA
PARA A EFETIVAÇÃO DO ACESSO À CULTURA
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-graduação em
Direito como requisito parcial para
a obtenção do Título de Mestre em
Direito Constitucional, sob a
orientação do Prof. Dr. Francisco
Humberto Cunha Filho.
Fortaleza Ceará
2010
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___________________________________________________________________________
B823i Brasil, Fabíola Bezerra de Castro Alves.
A importância do Fundo Nacional da Cultura para a efetivação
do
acesso à cultura / Fabíola Bezerra de Castro Alves Brasil 2010.
170 f.
Dissertação ( mestrado) Universidade de Fortaleza, 2010.
“Orientação: Prof. Dr. Francisco Humberto Cunha Filho.”
1. Direitos culturais. 2. Política cultural. 3. Acesso cultural.
I. Título.
CDU 34:008
___________________________________________________________________
FABÍOLA BEZERRA DE CASTRO ALVES BRASIL
A IMPORTÂNCIA DO FUNDO NACIONAL DA CULTURA
PARA A EFETIVAÇÃO DO ACESSO À CULTURA
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Prof. Dr. Francisco Humberto Cunha Filho
UNIFOR
________________________________________________
Prof. Dr. José Filomeno de Moraes Filho
UNIFOR
_______________________________________________
Prof. Dr. Marcos Wachowicz
UFSC
Dissertação aprovada em:
Ao meu pai, pelo exemplo de perseverança,
garra e honestidade influído na minha
personalidade, e, sobretudo, por ter me
proporcionado os estudos.
À minha mãe, que mesmo com sua
ausência física me acompanha em todos os
passos.
À minha prima Emmanuela, que teve o
sonho do mestrado interrompido.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida renovado a cada dia, e a Nossa Senhora, por sempre me
acalentar e abençoar com sua infinita misericórdia de mãe.
Ao meu pai que, mesmo diante de todos os obstáculos que a vida lhe impôs, nunca me
deixou um dia, e a minha mãe, que em seu pouco tempo de vida me preparou para
continuar sem sua presença e assumir a missão que a mim era destinada.
Ao meu marido, Fábio, pelo companheirismo, compreensão de minha ausência,
incentivo profissional e auxílio com os números.
Às minhas irmãs, Fabrícia, Fábia e Flaviana, pelo amor, apoio irrestrito e preocupação
constante.
À Dóia, pela dedicação e orações contínuas, e ao Zu, que não mede esforços em ajudar.
Ao Aélio, meu cunhado-irmão, pelo carinho, amizade e auxílio inestimável com a
informática, e ao David, que sempre me ajuda com seus conhecimentos jurídicos.
À Brisa, pelo exemplo de dedicação profissional e apoio.
Às irmãs que a vida me presenteou: Andréa Vale, pela amizade incondicional,
compreensão pelas ausências do escritório e incentivo à docência; Juliana Campos, pelas
leituras dos meus textos, por me ouvir sempre e mostrar que não somos apenas razão.
À Milena, pela amizade e desvelo; ao Fernando pela ajuda com o inglês.
Às amigas: Ana Geórgia, que me proporcionou o ingresso na docência; Denise Almeida,
pelo exemplo de profissional e dedicação à academia, e Isabel Freitas, pelo incentivo e força
para a conclusão deste trabalho.
Ao meu orientador Professor Humberto Cunha, a quem devo o gosto pelos direitos
culturais e pelas orientações valiosas.
A todos os profissionais que colaboraram com a construção desse trabalho: Frederico
Barbosa do IPEA; Lia Calabre e Adélia Zimbrão da Fundação Casa de Rui Barbosa; Tereza
Cristina de Oliveira do Ministério da Cultura; Márcia, da Secretaria de Cultura do Ceará;
Professora Núbia Bastos e Suelene Oliveira.
Para todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram com a elaboração desse estudo.
RESUMO
Este trabalho analisa o Fundo Nacional da Cultura como um dos mecanismos
disponibilizados pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC para o
financiamento de projetos, ações e programas. Nesse sentido busca-se
demonstrar seu papel na efetividade do acesso à cultura preconizado pela
Constituição Federal de 1988. Para tanto, foi necessário inicialmente expor as
noções fundamentais que envolvem o arcabouço jurídico-financeiro dos fundos
públicos, destacando nos entremeios a existência do Estado e seu papel
regulador da sociedade. Por conseguinte, foram delimitados os conceitos de
cultura e direitos culturais visto que o Fundo é dedicado a estes destacando-
se a fundamentalidade de suas normas, bem como as políticas públicas do
segmento antes e depois do advento da Constituição Federal de 1988.
Posteriormente, apresenta-se estudo pormenorizado acerca do Fundo Nacional
da Cultura, ressaltando seu papel no Programa Nacional de Fomento e Incentivo
à Cultura PROCULTURA, constante no projeto de lei em trâmite no
Congresso Nacional que visa substituir a atual Lei Rouanet. Apresentam-se
ainda alguns números que circundam o Fundo, dentre eles os pertinentes ao
financiamento cultural pelo Fundo Nacional da Cultura no Ceará, analisando-os,
a fim de comprovar sua efetividade. Como resultado, conclui-se que o Fundo
Nacional da Cultura é importante para a efetivação do acesso à cultura. É nesse
sentido que se afirma a necessidade de adequação dos seus contornos a fim de
tornar efetivo o direito de acesso à cultura.
Palavras-chave: Direitos culturais. Fundo Nacional da Cultura. Acesso à cultura.
ABSTRACT
This study analyzes the National Culture Fund as one of the mechanisms
provided by the National Program of Support to Culture - PRONAC for the
projects, initiatives and programs funding. In this sense, it aims to demonstrate
their role in the effectiveness of culture access advocated by the 1988 Federal
Constitution. Therefore, it was necessary to initially expose the fundamental
concepts that involve the legal-financial public funds background, highlighting
the state existence and its regulatory role in the society. Therefore, it were
defined the concepts of culture and cultural rights considering that the Fund is
dedicated to them - highlighting the basic rules and public policies of the
segment before and after the 1988 Federal Constitution. Subsequently, it was
presented detailed study on the National Culture Fund, showing its role in the
National Development and Cultural Incentive - PROCULTURA, contained in
the bill being processed in Congress to replace the current Rouanet Law. It was
also presented some statistics that surround the Fund, among which the specific
to cultural funding by the National Culture Fund in Ceará, analyzing them in
order to prove its effectiveness. As a result, it‟s concluded that the National
Culture Fund is important for ensuring the culture access. In this sense, it‟s
stated the need to adapt their format in order to make effective the right of
culture access.
Keywords: cultural rights, culture national fund, culture access
LISTA ILUSTRAÇÕES
Tabela 1 - Gastos culturais - Administração Direta e Indireta ............................................... 134
Tabela 2 - Execução orçamentaria do FNC por Fontes, - 1995 a 2002 .................................. 138
Tabela 3 - Aplicação da PEC 150/2003 - valores correntes ................................................... 142
Tabela 4 - Mecenato e Fundo Nacional da Cultura Comparativo por ano .......................... 146
Tabela 5 - Mecenato Quantitativo de projetos apresentados por ano e região .................... 147
Tabela 6 - Mecenato: Quantitativo de projetos aprovados por ano e região .......................... 149
Tabela 7 - Quantitativo de projetos apoiados por ano/Lei de Incentivo ................................. 150
Tabela 8 - Quantitativo recursos apoiados no Ceará por ano ................................................. 153
Gráfico 1 - Relação entre o orçamento do MinC e receita de impostos federais ................... 140
Gráfico 2 - Execução Orçamentária por Região (Fundo Nacional de Cultura - FNC) 1995 a
2006 Orçamento Realizado por Região de 1995 a 2006/Fundo Nacional de Cultura FNC
................................................................................................................................................ 143
Gráfico 3 - Projetos apoiados no Ceará .................................................................................. 152
ABREVIATURAS
ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
CF Constituição Federal
CFC Conselho Federal de Cultura
CFNC Comissão do Fundo Nacional da Cultura
CNC Conselho Nacional de Cultura
CNIC Comissão Nacional de Incentivo à Cultura
CNPC Conselho Nacional de Política Cultural
DARF Documento de Arrecadação da Receita Federal
EC Emenda constitucional
FCEP Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza
FCO Fundo de Investimento do Centro-Oeste
FEC Fundo Estadual de Cultura
FICART Fundo de Investimento Cultural e Artístico
FINAM Fundo de Investimento da Amazônia
FINOR Fundo de Investimento do Nordeste
FNC Fundo Nacional da Cultura
FNE Fundo de Investimento do Nordeste
FNO Fundo de Investimento do Norte
FPC Fundo de Promoção Cultural
FPE Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal
FPM Fundo de Participação dos Municípios
FUNARTE Fundação Nacional de Artes
FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação
FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério
FUNRES Fundo de Recuperação Econômica do Espírito Santo
LOA Lei Orçamentária Anual
LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias
MEC Ministério da Educação e Cultura
MINC Ministério da Cultura
PEC Projeto de Emenda Constitucional
PPA Plano Plurianual
PNC Política Nacional de Cultura
PROCULTURA Programam Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura
PRONAC Programa Nacional de Apoio à Cultura
SEC/PR Secretaria da Cultura da Presidência da República
SNC Sistema Nacional de Cultura
TCU Tribunal de Contas da União
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 12
1 NOÇÕES FUNDAMENTAIS ............................................................................................... 17
1.2 Existência do Estado ....................................................................................................... 18
1.2.2 O Estado Moderno ................................................................................................... 20
1.2.2 O Estado brasileiro como Estado moderno ............................................................. 22
1.2.3 O Estado moderno e a intervenção na sociedade .................................................... 25
1.3 O Estado e a atividade financeira ................................................................................... 27
1.4 Receita pública ............................................................................................................... 29
1.4.1 Classificação das receitas públicas .......................................................................... 32
1.4.2 Classificação das receitas públicas conforme a Lei 4.320/64 ................................. 34
1.5 Despesa pública .............................................................................................................. 35
1.6 Orçamento público ......................................................................................................... 42
1.6.1 Espécies de orçamentos conforme a Constituição Federal de 1988 ........................ 48
2 CULTURA COMO DIREITO FUNDAMENTAL ............................................................... 51
2.2 Cultura aquém do olhar antropológico ........................................................................... 52
2.3 Os Direitos culturais ....................................................................................................... 54
2.3.1 A fundamentalidade dos direitos culturais .............................................................. 58
2.4 Aplicabilidade das normas jurídicas ............................................................................... 65
2.4.1 O caráter programático de certas normas de direitos culturais ................................ 66
2.5 Direitos culturais como objeto de políticas públicas no Brasil ...................................... 74
2.5.1 Políticas públicas culturais anteriores à Constituição Federal de 1988 ................... 75
2.5.2 Políticas públicas culturais posteriores à Constituição Federal de 1988 ................. 82
3 O FUNDO NACIONAL DA CULTURA COMO INSTRUMENTO PÚBLICO DE
FINANCIAMENTO CULTURAL........................................................................................... 90
3.1 O que é um fundo público de finanças ........................................................................... 90
3.1.1 Natureza jurídica dos fundos públicos..................................................................... 96
3.2 O Fundo Nacional da Cultura ......................................................................................... 98
3.2.1 Os objetivos do Fundo Nacional da Cultura e sua relação com os Princípios
Constitucionais Culturais ................................................................................................ 101
3.2.2 Origem dos recursos do FNC e operacionalização de apoio a projetos culturais .. 104
3.2.3 Administração dos recursos do FNC ..................................................................... 110
3.2.4 Fiscalização e prestação de contas dos recursos do FNC ...................................... 115
3.3 O Fundo Nacional da Cultura no Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura
Procultura ........................................................................................................................ 119
3.3.1 Características do FNC no Procultura ................................................................... 122
3.3.1.1 Fontes de receita ............................................................................................. 123
3.3.1.2 Outras modificações do Fundo Nacional da Cultura no Procultura ............... 125
4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS NÚMEROS DO FUNDO NACIONAL DA CULTURA
................................................................................................................................................ 133
4.1 Panorama geral do Fundo Nacional da Cultura ............................................................ 134
4.2 Quantitativo das principais fontes de receitas do Fundo Nacional da Cultura ............. 137
4.2.1 Recursos provenientes dos concursos e prognósticos ........................................... 137
4.3 Relação entre o orçamento da cultura e o Fundo.......................................................... 139
4.4 Reflexos da execução orçamentária do FNC nas regiões ............................................. 142
4.5 Comparativo entre o Mecenato e o Fundo Nacional da Cultura .................................. 145
4.5.1 Projetos apresentados para o FNC ......................................................................... 147
4.5.2 Projetos aprovados pelo o FNC ............................................................................. 148
4.5.3 Projetos apoiados pelo o FNC ............................................................................... 150
4.5.3.1 Projetos apoiados pelo o FNC no Ceará ......................................................... 151
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 156
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 162
INTRODUÇÃO
O homem enquanto ser vivo difere dos outros animais por uma gama de atributos que o
distingue. Um desses emblemas distintivos surge quando determina para si mesmo normas
que garantem a existência e conservação da sociedade, e, que por este motivo devem ser
cumpridas sob pena de punição (CHAUÍ, 2005, p. 250). Outra insígnia é a possibilidade que
tem de influir na natureza, agindo sobre ela ou através dela, transformando-a constantemente,
na medida de seus anseios.
Assim apoderando-se desse preceito, pode-se dizer que a origem da cultura em sua
acepção ampla, está na diferença existente entre o homem, os animais e a natureza,
restringindo-se ao final tudo que caracteriza a população humana. Destarte, a partir desse
delineamento é possível defrontar-se com vários outros sentidos do mesmo enunciado, haja
vista a derivação que a ingerência humana pode acarretar.
Partindo do desdobramento da expressão, pode-se asseverar que cultura é tudo o que
caracteriza a existência de um povo ou nação, nos aspectos de organização social, modos de
comportamento, e que pertine a qualidade de uma coletividade como quando se refere à
cultura brasileira, francesa, e outras. Outrossim, é possível falar em cultura quando há
referência ao conhecimento, ideias, ritos e crenças, assim como ao aludir acerca da formação
do homem pelo aprimoramento da educação escolar. Identifica-se ainda outra face ao
reportar-se a todas às atividades artísticas, igualmente ao tratar da história construída pelo
homem ao longo do tempo.
Por conseguinte, apenas pelos exemplos, vê-se que cultura é um termo polissêmico, que
envolve tudo que pode reportar-se a qualquer intervenção do homem para modificar a
natureza. Todavia é necessário restringir a definição para obter um sentido que sirva de
parâmetro ao mundo jurídico, principalmente por ter a Constituição Federal acolhido a
expressão “Direitos Culturais”.
Deste modo, vê-se que optou o constituinte ressaltar a cultura não em seu sentido
antropológico, por dizer respeito a tudo que decorre da interferência humana, mas enquanto
direito concernente “às artes, à memória coletiva e ao repasse de saberes, que asseguram a
13
seus titulares o conhecimento e uso do passado, interferência ativa no presente e possibilidade
de previsão e decisão de opções referente ao futuro, visando sempre à dignidade da pessoa
humana” (CUNHA FILHO, 2000, p. 34).
Pela disciplina expressa dos artigos 215 e 216 da Carta Maior acerca da cultura, vê-se
que foram assentados direitos e deveres para a sociedade e Estado, a fim de tornar efetivo o
direito dela decorrente, elevado à categoria de fundamental. Tal reconhecimento é possível
em razão de alguns direitos culturais expressos no art. 5º, bem como os decorrentes da
cláusula de abertura firmada em seu parágrafo 2º, e sua identificação com o princípio da
dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, exigiu além de manifestação positiva do Estado
cuja concretização será através de implantação de política pública a participação efetiva da
comunidade. Por esse aspecto, Frederico Augusto Barbosa da Silva (2009, p. 228) aduziu que
“o Estado da cultura manifesta-se, por um lado, nos direitos e nos deveres fundamentais, em
que a causa é a proteção subjetiva e, por outro lado, em uma tutela objetiva, com o
desenvolvimento de ações que garantam condições políticas, econômicas e culturais.”
Neste contexto, foi criada a Lei nº 8.313/91, comumente conhecida por Lei Rouanet, que
instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura PRONAC, com finalidades e mecanismos
próprios, sendo o Fundo Nacional da Cultura, um deles, com características de fundo público
financeiro, composto por recursos provenientes de vários segmentos estatais, tendo sua
utilização condicionada a uma série de exigências e adequações, competindo à administração
dos valores que o compõem, ao Ministério da Cultura.
O motivo que fundamenta a criação do FNC reside na necessidade de acolher
financeiramente ações, programas e projetos culturais que não interessam ao mercado, mas
que por serem iniciativas harmonizadas na delimitação dos direitos culturais, estão em
condições de receberem apoio do Estado. Entretanto, por vezes constata-se o desinteresse
estatal no cumprimento do seu dever, seja enquanto regulador de normas que disciplinam a
matéria, ou mesmo quando afasta-se da obrigação de fomentar as demandas que lhe são
adstritas.
Assim, em conformidade com os preceitos acima enumerados, faz-se um estudo acerca
do Fundo Nacional da Cultura e a sua obrigação de custeio aos que se enquadrarem nas suas
finalidades. Logo, é averiguado enquanto mecanismo de financiamento público sujeito aos
preceitos de direito financeiro. Demais disso, atenção especial é dada aos direitos culturais em
14
seu aspecto de fundamentalidade e o histórico das políticas públicas cultuais implantadas no
país antes e em seguida à Constituição Federal de 1988.
Desta forma, no decorrer deste trabalho, são respondidos determinados
questionamentos, tais como: qual o sentido da expressão cultura e dos direitos decorrentes,
dos quais fez uso a Constituição Federal de 1988? O que é um fundo público de finanças e
qual a sua natureza jurídica? Quais as finalidades do Fundo Nacional da Cultura e sua relação
com os princípios constitucionais culturais? Qual a posição ocupada pelo Fundo Nacional da
Cultura no Programa Nacional de Fomento à Cultura? Quais os efeitos do apoio do Fundo
Nacional da Cultura a projetos culturais, especificamente no Estado do Ceará?
A justificativa para este trabalho reside em ser a cultura um tema que vem ocupando a
pauta dos debates atuais, não por reconhecer sua fundamentalidade, mas por admitir a
valorização da diversidade brasileira e o acesso à cultura. Outro vetor relevante é a
constatação da cultura como parte estratégica do processo de conscientização e
reconhecimento dos direitos humanos, em que privilegia-se a universalização do acesso, a
inclusão social, o fomento à criatividade cultural, sem descurar do desenvolvimento
econômico que acarreta.
Nesse caso, o objetivo geral é analisar o Fundo Nacional da Cultura e seus
desdobramentos diante do preceito constitucional de acesso à cultura, tomado como direito
fundamental da pessoa humana, com base em fundamentos doutrinários e legislativos,
procurando ainda salientar o quantitativo dos recursos empregados pelo Fundo em apoio a
projetos culturais para mostrar com clareza sua possível efetividade.
Quanto aos aspectos metodológicos, a pesquisa é eminentemente bibliográfica de caráter
documental, por utilizar considerável parte da legislação pátria e dados estatísticos elaborados
por instituições especializadas no quarto capítulo. Quanto à abordagem é qualitativa-
quantitativa, na medida em que procura aprofundar e abranger as ações e relações humanas,
observando os fenômenos sociais de maneira veemente, bem como por também buscar
relacionar dados com resultados derivados do Fundo Nacional da Cultura. Pode considerar-se
ainda como pesquisa aplicada, no sentido de que objetiva-se com a reunião de dados aqui
apresentada contribuir para que a sociedade reconheça a cultura como direito de todos,
principalmente depois que foi incluída na pauta estatal como direito fundamental da pessoa
humana. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva, buscando descrever fenômenos, sua
15
natureza e características, e exploratória, procurando aprimorar, perquirindo maiores
informações sobre o tema em questão.
A ordenação do texto buscou observar o objetivo geral, sem descuidar dos objetivos
específicos, que resumem-se a mostrar o histórico das políticas públicas para a cultura
implantadas no Brasil, assim como os componentes legais e políticos que interferiram no
setor. Por fim, são descritos e avaliados os números que rodeiam os impactos do Fundo no
Estado do Ceará, que se justifica por mostrar a realidade local.
Desta feita, o primeiro capítulo discorre acerca do arcabouço jurídico-financeiro que
envolve o instrumento dos fundos públicos, destacando nos entremeios a existência do Estado
e seu papel regulador da sociedade, a consequente imprescindibilidade de recursos para o
atendimento das necessidades e a atividade financeira como um conjunto de atos que envolve
a receita pública, despesa e orçamento.
No capítulo segundo, cuida-se de investigar a cultura como direito fundamental. Para
isso é necessário examinar seu conceito e delimitação do significado para a caracterização dos
direitos culturais, e empós sob o prisma na fundamentalidade averiguá-los, especialmente por
não terem sido por opção constitucional, inseridos no Título II, mas em seção autônoma
destinada ao tema da cultura. Deste modo, analisa-se os parâmetros estabelecidos pelo
legislador constituinte para enquadrar um direito como fundamental, quais sejam: a
localização geográfica do direito, a possibilidade dele ter sido previsto em tratado
internacional de direitos humanos em que o Brasil seja signatário, bem como por decorrer do
princípio da dignidade da pessoa humana ou com a limitação do poder. Em seguida discorre-
se sobre o princípio da dignidade da pessoa humana como basilar do Estado Democrático de
Direito e a pertinência com a cultura.
Ainda no segundo capítulo, observa-se a aplicabilidade de algumas normas de direitos
culturais, na medida em que exigem comportamento ativo do Estado, o que perpassa pela
conceituação das normas denominadas de programáticas. Tendo como base algumas regras de
direitos culturais com essa qualidade, impõe avaliá-los como objeto de políticas públicas
obrigando a análise da trajetória das políticas culturais implementadas antes e depois do
advento da CF/88.
O terceiro capítulo versa sobre a análise do Fundo Nacional da Cultura como
instrumento público de financiamento cultural. Antes disso, é imprescindível discorrer sobre a
16
ferramenta do fundo público seu conceito e natureza jurídica - como um dos meios
disponibilizados pela CF/88 para a execução de políticas estatais específicas de determinados
setores. Nesse desiderato, os objetivos do Fundo Nacional da Cultura são relacionados com os
princípios culturais a fim de constatar pelo atendimento do preceito constitucional de acesso à
cultura. É destacada ainda a origem dos recursos, a dinâmica da operacionalização de apoio
aos projetos, a forma de administração, fiscalização e prestação de contas pelos beneficiados,
tudo a fim de demonstrar sua efetividade como instrumento de políticas de financiamento da
cultura.
Por fim, ainda nesse capítulo, é investigado o projeto de lei que institui o Programa
Nacional de Fomento à Cultura PROCULTURA, especificamente no que pertine ao Fundo,
haja vista as várias mudanças que serão perpetradas após a eventual aprovação legislativa. No
quarto capítulo, a descrição e análise de alguns números que circundam o Fundo Nacional
da Cultura, tomando como critério o período compreendido entre os anos de 1993 a 2010, que
justifica-se por ser esse o disponibilizado pelo Ministério da Cultura na página virtual. Foram
examinados ainda, certos dados referentes a projetos culturais apoiados pelo Fundo no Estado
do Ceará.
Neste ponto alerta-se para a dificuldade de realizar uma análise esmiuçada dos números
resultantes da utilização do Fundo Nacional da Cultura nos seus dezenove anos de existência,
que se em razão da exiguidade de informações, impedindo assim a elaboração de capítulo
mais consistente sobre a matéria. Por todo o exposto, constata-se o desígnio de apresentar e
investigar, os aspectos históricos, legais e políticos que influenciaram na criação e utilização
do Fundo Nacional da Cultura como mecanismo de financiamento público para a
concretização do preceito constitucional de acesso à cultura.
1 NOÇÕES FUNDAMENTAIS
Discorrer acerca de um fundo como instrumento de financiamento público cultural
impõe avaliar inicialmente o modo como o Estado atua no trato com a receita de recursos e a
despesa dos mesmos para o cumprimento da norma constitucional. Assim, o presente capítulo
se presta a discorrer acerca do papel do Estado na atividade financeira que lhe é peculiar, e
realiza uma análise jurídica dos vários instrumentos que lhe servem de apoio, para que sua
atuação atenda aos preceitos legais.
Nesse desiderato, de início, faz-se necessária uma abordagem ainda que resumida sobre
a existência do Estado e seu papel regulador da sociedade, levando em conta a necessidade de
existência de um ente superior, que tenha, dentre suas diversas funções, a de suprir as
carências materiais da coletividade pelos serviços públicos, concretizada através de um
conjunto de atos denominado de atividade financeira.
Para a satisfação dessas necessidades de interesse geral, que se tornam públicas por
opção política dos governantes, é imprescindível que o Estado detenha recursos suficientes, a
serem aplicados nas inúmeras áreas que merecem atenção, face à impossibilidade do
indivíduo em realizar isoladamente algumas deficiências próprias, como na área da saúde,
educação, segurança pública, cultura, etc. (BALEEIRO, 2000, p. 4). Para isso, o Estado
arrecada dinheiro por certos modos específicos, configurando a chamada receita pública.
Por conseguinte, ao Estado cabe a função de aplicar esses recursos nos diversos setores
já previamente identificados pela lei, com o intuito de satisfazer aos anseios sociais. Para isso,
a própria norma dispõe como deverá ser a utilização dos recursos, caracterizando, assim, a
despesa, que, por envolver dinheiro público, deve estar pautada em princípios constitucionais
de modo a garantir isenção, probidade e correta aplicação das verbas.
A receita e a despesa pública devem estar previstas em documento formal conhecido por
orçamento, que, por também servir à atividade financeira do Estado, possui características
próprias que merecem ser objeto de estudo.
A análise de todo esse arcabouço jurídico-financeiro é importante para se delimitarem as
características do Fundo Nacional da Cultura, uma vez que, antes de ser um meio de
18
arrecadação de recursos para a cultura, consiste numa ferramenta específica de direito
financeiro, para atingir determinados fins estabelecidos pela lei.
A partir dessa perspectiva, em paralelo ao posterior exame apurado do Fundo Nacional
da Cultura, se possível encarar a matéria com fundamentos sólidos, para concluir pelo
reconhecimento da necessidade de existência ou não de um fundo, como uma das formas de
financiamento da cultura e da consequente concretização do direito constitucional de acesso à
cultura.
1.2 Existência do Estado
Ao longo da história, a vida em sociedade foi evoluindo, levando os indivíduos a se
organizarem de diversas maneiras, a fim de atingirem objetivos comuns. A ordenação humana
em grupos sempre foi objeto de discussões doutrinárias, que divergiram, ora levando em conta
o direito natural de agrupamento, ora como produto de acordo de vontade ou contrato
normativo estabelecido pelo próprio homem. Desta feita, vários são os teóricos que se ocupam
de demonstrar que aquele vive em sociedade por tendência natural de se unir aos seus pares, e
outros que sustentam a tese contrária, de que a sociedade redunda de um acordo de vontades
entre os indivíduos, predominando atualmente a aceitação de que a sociedade resulta de
necessidade natural do homem, sem, contudo, menosprezar o elemento volitivo. Na
Antiguidade, Aristóteles enxergava na família a forma embrionária da polis, dedicando-se ao
tema em sua obra a “Política”.
Nessa direção, surgiu o Estado, fruto da criação humana e com funções próprias. Dentre
elas, a de gerir a convivência dos indivíduos coletivamente, buscando atender às necessidades
públicas de todos, e, consequentemente, interferindo na vida de cada um, na incessante
procura do bem comum.
Os escritos dos mais importantes filósofos dos séculos XVII e XVIII, como Thomas
Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, sempre exerceram significativa influência no
pensamento político, servindo-lhe de fundamento. Especificamente, sobre a origem estatal,
ambos concordavam que a base residia no consentimento de todos, entretanto, atribuíram às
suas teorias caracteres próprios que as distinguem, sem perder a essência e o prestígio.
Nessa perspectiva, Hobbes (1997, p. 143-144) partiu da convicção de que o homem
vivia em estado de natureza nas épocas primitivas, e possuía os mesmos direitos naturais que
19
seus pares. Não havia nenhuma autoridade que lhe impusesse ordem, o que,
consequentemente, acarretava a anarquia. Para conter essa desordem, os homens criaram,
através de um contrato, a sociedade politicamente organizada, submetendo-se a um poder
comum e soberano, que seria o Estado.
Para Locke (2005, p. 93-94), a sociedade política também foi criada por um contrato e
os homens viviam no estado de natureza. Desta forma, divergia de Hobbes, ao defender que
os homens não conviviam anarquicamente. Para ele, havia ordem e razão, e justificava a
criação do Estado para a manutenção desse status.
Rousseau também confere a origem do Estado a um pacto social derivado de uma forma
de associação que reúne características de defesa e proteção dos indivíduos e seus bens. E a
partir dessa organização, surgiria um “corpo moral e coletivo, composto de tantos membros
quantas vozes a assembleia possui, a qual recebe, deste mesmo ato, sua unidade, seu eu
comum, sua vida e sua vontade”. A denominação dessa associação, na concepção do filósofo
seria:
Esta pessoa pública, que se forma assim pela união de todas as outras, tomava
outrora o nome de Cidade, e toma agora o de República ou de corpo político, que é
chamado, por seus membros, de Estado, quando é passivo, Soberano, quando é
ativo e Poder, quando comparado a seus semelhantes. Em relação a seus
associados, estes tomam, coletivamente, o nome de Povo, e se chamam,
particularmente, de cidadãos, como participantes da autoridade soberana e súditos,
quando submetidos às leis do Estado. Mas estes termos se confundem, muitas
vezes, e são tomados uns pelos outros; basta saber distingui-los quando são
empregados em toda a sua precisão. (ROUSSEAU, 2008, p. 30) (Grifo original)
Nesse Estado, Rousseau (2008, p. 30) defende que o homem cede parte de seus direitos
naturais, “criando assim uma organização política com vontade própria, que é a vontade geral.
Mas, dentro dessa organização, cada indivíduo possui uma parcela do poder, da soberania, e,
portanto, recupera a liberdade perdida em consequência do contrato social.”
Hans Kelsen (2003, p. 39) também se manifesta acerca do fundamento da existência do
Estado na Teoria Pura do Direito, atribuindo-o a um critério normativo, precisamente a ordem
jurídica, o fator determinante de “vários homens” formarem uma comunidade” humana. O
fundador da Escola de Viena o Estado como “uma unidade especificamente normativa e,
de maneira alguma, como uma formação, de certo modo compreensível, mediante a
legalidade causal”. Assim, lhe percebe como uma criação jurídica sob a qual os indivíduos
estão reunidos e vinculados por um poder soberano.
20
Para Bobbio (2007, p. 73), o problema da origem do Estado, ou seja, o de saber se ele
sempre existiu ou se é um fenômeno histórico, caracteriza-se como:
[...] Uma tese recorrente percorre com extraordinária continuidade toda a história
do pensamento político: o Estado, entendido como ordenamento político de uma
comunidade, nasce da dissolução da comunidade primitiva fundada sobre laços de
parentesco e da formação de comunidades mais amplas derivadas da união de
vários grupos familiares por razões de sobrevivência interna (o sustento) e externas
(a defesa). Enquanto que para alguns historiadores contemporâneos, como já se
afirmou, o nascimento do Estado assinala o início da era moderna, segundo esta
mais antiga e mais comum interpretação o nascimento do Estado representa o ponto
de passagem da idade primitiva, gradativamente diferenciada em selvagem e
bárbara, à idade civil, onde „civil‟ está ao mesmo tempo para „cidadão‟ e
„civilizado‟.
E sobre as condições necessárias para a existência de um Estado, posiciona-se:
Do ponto de vista de uma definição formal e instrumental, condição necessária e
suficiente para que exista um Estado, é que sobre um determinado território se
tenha formado um poder em condições de tomar decisões e emanar os comandos
correspondentes, vinculatórios para todos aqueles que vivem naquele território e
efetivamente cumpridos pela grande maioria dos destinatários na maior parte dos
casos em que a obediência é requisitada. Sejam quais forem as decisões. Isto não
quer dizer que o poder estatal não tenha limites. (BOBBIO, 2007, p.95)
Assim, a ideia da presença de um poder soberano, que possa interferir na organização
social de modo a determinar a condução das decisões, configura-se como elemento
imprescindível para o reconhecimento da existência do Estado, que em conjunto com outros,
como: povo, espaço geográfico e objetivos próprios definidos, conjugam as bases
fundamentais dessa sociedade política.
É imperioso dizer também que na evolução histórica a figura do Estado não surgiu com
os caracteres atuais. Foram concebidos vários tipos de Estados (Estado Antigo, Estado Grego,
Estado Medieval, Estado Romano, dentre outros), cada um com características próprias
atinentes a cada tempo (CICCO; GONZAGA, 2009, p. 185). Entretanto, para os fins
perseguidos nesse estudo, importa discorrer acerca do Estado Moderno, levando em conta as
características que lhe enquadram nesse paradigma.
1.2.2 O Estado Moderno
O Estado Moderno surgiu a partir das deficiências da sociedade política medieval, que
por suas fraquezas e mazelas despertou a consciência para a busca de outro tipo de
organização política, que tivesse unidade territorial dotada de um poder soberano, e que
21
reunisse características não políticas, mas também sociais e jurídicas. José Afonso da Silva
(2006, p. 97-98) apresenta a definição de Estado Moderno como sendo:
Estado é, na justa definição de Balladore Pallieri, uma ordenação que tem por fim
específico e essencial a regulamentação global das relações sociais entre os
membros de uma dada população sobre um dado território, na qual a palavra
ordenação expressa a idéia de poder soberano, institucionalizado. O Estado, como
se nota, constitui-se de quatro elementos essenciais: um poder soberano de um
povo situado num território com certas finalidades. E a constituição, como
dissemos antes, é o conjunto de normas que organizam estes elementos
constitutivos do Estado: povo, território, poder e fins. (Grifo original)
Nesse aspecto, Dalmo de Abreu Dallari (2009, p. 72), por sua vez, aduz:
Em face dessa variedade de posições, sem descer aos pormenores de cada teoria,
vamos proceder à análise de quatro notas características - a soberania, o território, o
povo e a finalidade -, cuja síntese nos conduzirá a um conceito de Estado que nos
parece realista, porque considera todas as peculiaridades verificáveis no plano da
realidade social.
E, por fim, complementa apresentando o conceito de Estado Moderno:
[...] parece-nos que se poderá conceituar o Estado como a ordem jurídica soberana
que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território.
Nesse conceito se acham presentes todos os elementos que compõem o Estado, e
esses elementos. A noção de poder está implícita na de soberania, que, no entanto, é
referida como característica da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é
afirmada na referência expressa ao bem comum, com a vinculação deste a um certo
povo e, finalmente, a territorialidade, limitadora da ação jurídica e política do
Estado, está presente na menção a determinado território (DALLARI, 2009, p.
111). (Grifo original)
Portanto, o Estado Moderno possui características próprias, sendo composto pela junção
de alguns elementos também individualizados, quais sejam: povo, território, soberania e fins,
que, em conjunto, apresentam a noção da atual faceta do Estado.
Sem o povo não há Estado. Como parte integrante, é para o povo que o Estado é
formado, conforme observa Dallari (DALLARI, 2009, p.95). É importante, ainda, por nele
residirem à soberania popular e a condição de cidadão para fins de participação nas decisões
do Estado.
O território é outro elemento imprescindível e apareceu com o Estado Moderno, haja
vista as incontáveis guerras por territórios ocorridas ao longo da história, mas, principalmente,
no Estado Medieval. Consiste na base física, na extensão territorial sobre a qual o Estado
exerce sua soberania. Sem território também não Estado, pois é nele que se dá o exercício
da soberania.
22
A soberania também é base do Estado Moderno, caracterizando-se como poder
supremo, incontrastável, absoluto, uno, que se manifesta interna e externamente.
Internamente, significa o poder do Estado de impor as leis e ordens que edita a todos que
estão no seu território, sem que outro lhe impeça ou dificulte. No plano externo, soberania se
expressa quando o Estado, em suas relações com outros países, põe-se em de igualdade
com os demais, sob o ponto de vista político, jurídico e econômico. Acerca da soberania,
manifestou-se Dalmo de Abreu Dallari (2009, p. 84):
[...] a soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas: como
sinônimo de independência, e assim tem sido invocada pelos dirigentes dos Estados
que desejam afirmar, sobretudo ao seu próprio povo, não serem mais submissos a
qualquer potência estrangeira; ou como expressão de poder jurídico mais alto,
significando que, dentro dos limites da jurisdição do Estado, este é que tem o poder
de decisão em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica. (Grifo
original)
Paulo Bonavides lembra que foi a soberania “o grande princípio que inaugurou o Estado
Moderno, impossível de constituir-se se lhe falecesse a sólida doutrina de um poder
inabalável e inexpugnável, teorizado e concretizado na qualidade superlativa de autoridade
central, unitária, monopolizadora de coerção.”(BONAVIDES, 2003, p.21)
Tal como soberania, a finalidade do Estado se reveste em elemento de grande
relevância, pois através dele se alcança a ideia plena do que representa esse ente político. A
compreensão da prestação do bem público à coletividade a certeza de que a destinação
principal do Estado é a promoção do bem comum. Em síntese, Bobbio (2007, p. 95)
compreende a existência do Estado como sendo:
Do ponto de vista de uma definição formal e instrumental, condição necessária e
suficiente para que exista um Estado, é que sobre um determinado território se
tenha formado um poder em condição de tomar decisões e emanar os comandos
correspondentes, vinculatórios para todos aqueles que vivem naquele território e
efetivamente cumpridos pela grande maioria dos destinatários na maior parte dos
casos em que a obediência é requisitada. (BOBBIO, 2007, p. 95)
Após essa breve análise das características do Estado Moderno, resta avaliar o Estado
brasileiro nessa qualidade.
1.2.2 O Estado brasileiro como Estado moderno
Levando em conta as considerações acerca da caracterização do Estado Moderno, é
possível dizer, desde já, que o Estado brasileiro se enquadra nesse paradigma, haja vista
possuir todos os elementos, quais sejam: povo, território, soberania e finalidade, além de
23
adotar a Democracia como regime político, e a República como forma de governo. Acolheu
ainda o princípio da independência e separação dos poderes, além de outros princípios
estatuídos no artigo 1º e da Constituição da República, como abaixo se evidencia:
Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Art. 2° São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
As características do Estado brasileiro determinam seu enquadramento como Estado
Moderno, porquanto, estão bem definidos todos os elementos essenciais na Constituição
Federal de 1988. O povo é soberano, conforme artigo 1º, e detém o poder de eleger seus
representantes, renovando a estrutura político-administrativa da Federação brasileira,
periodicamente.
O Brasil é um país do continente sul-americano, tendo seu território delimitado por
fronteiras, de modo que não se confunde com os países vizinhos, não havendo querelas acerca
dos seus limites territoriais.
O poder, como elemento, determina a soberania estatal face a outros Estados, ou seja, o
poder que o Estado possui frente aos demais, no sentido de ter respeitados seus preceitos e
posições. Mas, além dessa consequência, ser soberano, determina também para o Estado a
obrigação de ser independente no aspecto econômico-financeiro, devendo a soberania, no
campo político, ser aliada ao disposto no artigo 170, inciso I da Carta Magna
1
que lhe destaca
como um dos princípios da Ordem Econômica.
Os fins do Estado brasileiro em conjunto com os demais elementos enquadram-no como
Estado Moderno. A CF/88 cuidou de dizer expressamente quais os objetivos da República
Federativa do Brasil no artigo 3º, sendo: construir uma sociedade livre, justa e solidária;
1
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I
- soberania nacional; [...].”
24
garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O constituinte de 1988, ao estabelecer tais objetivos, não quis que fossem apenas meros
indicadores das ações do Estado brasileiro. Na realidade, os fins devem ser a meta principal
das ações governamentais e das políticas públicas a serem desenvolvidas em tempo razoável e
sempre voltadas a atender as necessidades sociais. Se assim não for, o preceito constitucional
acabará, tornando-se letra morta, sem eficácia, perdendo o sentido de sua existência. Também
se vislumbra que o não atendimento a esse tipo de preceito irá torná-lo simples indicação
formal da Constituição, ou até mesmo será enquadrado na qualidade de normas
programáticas.
Em seus comentários à Constituição Imperial, Rui Barbosa (1934, p. 489) manifestou
opinião acerca das normas constitucionais, que embora dita num passado longínquo, é muito
pertinente nos dias atuais:
Não numa Constituição, cláusulas a que se deva atribuir meramente o valor
moral de conselhos, avisos ou lições. Todas têm a força imperativa de regras,
ditadas pela soberania nacional ou popular aos seus órgãos. Muitas, porém, não
revestem dos meios de ação essenciais ao seu exercício os direitos, que outorgam,
ou os encargos, que impõem: estabelecem competências, atribuições, poderes, cujo
uso tem de aguardar que a Legislatura, segundo o seu critério, os habilite a se
exercerem.
2
Nesse sentido, se as finalidades do Estado brasileiro foram devidamente eleitas e
objetivadas na norma constitucional, que se buscar meios concretos de cumpri-las, ou seja,
para que os fins não sejam apenas conselhos ou preceito sem valia, é necessário que o Estado
saia de posição inerte e assuma posturas de cumprimento dos alvos estatais. Desta feita, é
imprescindível que haja recursos, e o meio que o Estado possui é através da atividade
financeira, estando incluído, aí, o poder de tributar que lhe é peculiar.
Sobre a importância da receita pública para o cumprimento das finalidades do Estado
brasileiro, manifestou-se Paulo Nogueira Batista Jr. (2000, p. 269):
De uma forma geral, a receita pública é importante não como elemento
estabilizador do financiamento do Estado, mas também para o desenvolvimento
econômico, social e cultural do país. Todo um conjunto de serviços educação,
saúde, previdência e assistência social, transporte e comunicações, entre outros
depende e continuará a depender em larga medida da ação do Estado. Se a receita
2
A consulta à obra foi feita através de informações virtuais repassadas pela Biblioteca da Casa de Rui Barbosa.
25
tributária for insuficiente, o risco é que esses serviços básicos não sejam prestados
na medida necessária ou venham a ser financiados, em parte, por mecanismos
alternativos e mais perigosos, como a inflação e o endividamento externo. É o que
tem acontecido com freqüência na experiência histórica brasileira, com pesados
custos para o país em termos das suas perspectivas de desenvolvimento no longo
prazo.
Portanto, a receita pública em suas modalidades, posteriormente analisadas, presta-se a
servir de meio de efetivação das finalidades do Estado brasileiro. Para isso, a CF/88
disciplinou a estrutura do Sistema Tributário Nacional juntamente com os princípios
constitucionais pertinentes à tributação e a competência tributária dos entes federativos, além
da forma como os recursos serão distribuídos entre os entes políticos, através dos fundos de
participação
3
, tudo na conformidade dos arts. 145 a 162 da Carta Magna.
4
Desta forma, para atender as finalidades estatuídas no art. 3º, que se concretiza através
de políticas públicas nas diversas áreas (educação, saúde, segurança, cultura, etc.) e manter
sua estrutura administrativa, o Estado se vale do poder de tributar que lhe foi conferido
constitucionalmente.
1.2.3 O Estado moderno e a intervenção na sociedade
Não mais que duvidar da existência do Estado e de suas finalidades. Os efeitos são
vistos e sentidos diuturnamente. Ao longo dos tempos, constatou-se apenas a presença estatal
de várias maneiras, mas não pôs em xeque a sua presença na sociedade. Estar presente não
significa assumir posição passiva. A existência determina a ingerência; é sair da inércia e
mostrar para que serve efetivamente, pois se assim não fosse não haveria sentido existir.
Nesse desiderato, a intervenção estatal na sociedade, seja em maior ou menor grau,
sempre foi objeto de estudo de várias teorias que, embora divergentes no modo como a
mesma deva ser, concordam que a intervenção na vida social é inevitável, principalmente
após o advento dos Estados modernos em que se constata a necessidade de interferência em
várias atividades humanas. Mesmo nos Estados que optam por uma organização baseada na
mínima intervenção, a imprescindibilidade da interferência é premente em setores que
ultrapassam o raio de possibilidade do indivíduo, como, por exemplo, na área econômica.
3
FPE - Fundo de Participação dos Estados e FPM - Fundo de Participação dos Municípios, definidos pelos arts.
158 e 159 da Constituição Federal de 1988
4
Os arts. 145 a 162 tratam da Tributação e do Orçamento e do Sistema Tributário Nacional.
26
Cabe ao Estado cuidar das atividades essenciais da sociedade, sendo estas identificadas
na Constituição Federal. Dentre elas estão: saúde, educação, segurança pública, moradia,
emprego, cultura etc., que deverão ser objeto de políticas públicas, a fim de atingir pretensões
comuns.
Além da prestação de serviços públicos, a Lei Maior determina outros fins a serem
atendidos, como o exercício do poder de polícia, intervenção no domínio econômico,
manutenção da estrutura do Estado, máquinas, móveis, servidores e, também, a identificação e
preservação da memória e da história (OLIVEIRA, 2008, p. 94). A partir desses papéis, deve
o Estado apresentar uma estrutura mínima para atingir referidos objetivos.
Especificamente, sobre a intervenção estatal na área econômica, vale salientar seu
caráter limitado atualmente, haja vista a determinação constitucional expressa de
impossibilidade direta do Estado de explorar a atividade econômica, consoante assevera o art.
173 da CF/88: “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta da
atividade econômica pelo Estado será permitida quando necessária aos imperativos da
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Assim se
percebe a impossibilidade do Estado de ingressar livremente no mercado para produzir
riquezas, o que, consequentemente, lhe impede de agir com intuito lucrativo.
A atividade econômica, portanto, é de domínio livre dos particulares, agindo o Estado
apenas em caráter excepcional e em atendimento a requisitos constitucionais, inclusive
quando lhe é deferido reprimir o “abuso do poder econômico que vise à dominação dos
mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”, conforme
determinação do § 4º do art. 173 da CF/88.
Sendo assim, ao Estado foi atribuída competência legal para exercer a fiscalização das
atividades econômicas desenvolvidas pelos particulares, impor limitações à liberdade deferida
àqueles, bem como agir incentivando e planejando o desenvolvimento da atividade econômica
apropriada à realidade social.
Além da intervenção na ordem econômica, outros setores onde se mostram
imprescindível a interferência estatal, como na área social, haja vista o importante papel do
Estado na distribuição da renda e na prestação de serviços que lhe são peculiares, como por
exemplo, na segurança pública. Nesse desiderato, constata-se sua função na constante busca
de Justiça Social e do bem comum.
27
Os motivos que determinam a atuação do Estado na sociedade podem ser enquadrados
em grupos que levam em conta o setor da coletividade que deve sofrer a interferência. Tais
grupos podem ser divididos em categorias, dependendo do papel do ente estatal, como quando
age como prestador de serviços, regulador de atividades, fornecedor de bens ou, ainda, como
distribuidor de riquezas e promotor de justiça social.
As razões que levam o Estado a intervir na vida social normalmente surgem das
carências intrínsecas ao ser humano, decorrem de leis naturais, para empós serem absorvidas
pelas normas e se concretizarem como obrigações. Na verdade, o próprio Estado é quem vai
determinar, na norma constitucional e demais leis, em quais setores irá intervir e de que
maneira serão as políticas públicas tendentes a atender às privações sociais.
1.3 O Estado e a atividade financeira
É assente que, desde quando o homem deixou de viver no estado primitivo de
isolamento e passou a conviver socialmente com seus pares, surgiram necessidades diversas
das experimentadas. No entanto, algumas, por impossibilidade de serem satisfeitas
unicamente pelo indivíduo e por dizerem respeito ao aspecto social, deveriam ser providas por
um ente maior que reunisse condições de organizar e encontrar meios de satisfação. Deste
modo, o Estado encampou a função de regulador da vida em sociedade, prestando, dentre
outros, o serviço público.
O atendimento a essas necessidades deve refletir o interesse público; as carências não
são indefinidas, dependem do momento histórico e do nível de evolução social e econômico
dos indivíduos. Muitas vezes alcançam apenas uma parcela da sociedade, e, a partir de uma
decisão política, são inseridas numa norma jurídica, seja em nível constitucional ou mesmo
infraconstitucional. Diferem, ainda, das necessidades do Estado, pois estas podem representar
apenas os interesses de determinado governante em dado momento.
O interesse público que regerá as necessidades sociais, para Celso Antônio Bandeira de
Mello (2003, p. 51), é o interesse do todo, do conjunto social, sendo apenas a “dimensão
pública dos interesses individuais, ou seja, dos interesses de cada indivíduo enquanto partícipe
da Sociedade (entificada juridicamente no Estado)”.
Não se pode menosprezar que o arcabouço fático das normas definidoras de
necessidades públicas sofre influências de vários fatores, como: sociais, psicológicos,
28
religiosos, políticos, econômicos, definindo o conteúdo e servindo para a exata compreensão
das mesmas.
Na CF/88 o legislador constituinte, atento às exigências sociais, estabeleceu normas que
determinam a competência da União, Estados-membros e Municípios para atuar em áreas
específicas, dependendo sua atuação do tipo de serviço que irá realizar ou do âmbito de
ingerência que deve assumir em determinados setores, tendo sempre como parâmetro o
interesse público que envolve a necessidade.
Entretanto, para fazer frente a essas faltas denominadas pela doutrina de necessidades
públicas, é imprescindível a utilização de recursos arrecadados pelo próprio Estado, que
deverão ser empregados no cumprimento das referidas obrigações, todas previamente
definidas pela Constituição e pelas leis complementares, que formam o regime jurídico e
econômico especial (BALEEIRO, 2000, p. 26).
5
Para Aliomar Baleeiro (2000, p. 4), necessidade pública “é toda aquela de interesse
geral, satisfeita pelo processo do serviço público. É a intervenção do Estado para provê-la,
segundo aquele regime jurídico, que lhe o colorido inconfundível. A necessidade torna-se
pública por uma decisão dos órgãos políticos”.
Ao Estado compete buscar meios de satisfazer essas necessidades sociais, que vão desde
a defesa interna e externa, à construção de estradas, à assistência e previdência social,
manutenção da ordem, educação e saúde pública, dentre outros. Desta feita, no atual modelo
constitucional, essa variedade de bens e serviços sofreu considerável ampliação, haja vista o
crescente intervencionismo estatal na busca do bem estar social.
Acerca do sentido de necessidade, no atual cenário constitucional, Régis Fernandes de
Oliveira (2008, p. 261) entende que:
uma assimetria entre recursos e gastos. Nasce, por conseqüência, a perquirição
pelo conceito de necessidade. Tem conteúdo econômico, em verdade. Revela a
busca por um bem da vida, em determinado momento histórico. Diz respeito à
correlação ente o interesse e a disponibilidade. Juridicamente, vem delimitado pela
Constituição ao encampar uma série de providências que o Estado tem que curar.
5
Balleiro (2000, p. 4), entende que a necessidade é pública “quando, em determinado grupo social, costuma ser
satisfeita pelo processo do serviço público, isto é, quando o Estado, outra pessoa de direito público, para
satisfazê-la, institui ou mantém um regime jurídico e econômico especial, propício à sua obrigatoriedade,
segurança, imparcialidade, regularidade ou continuidade, a cargo de seus agentes ou por delegação a pessoas sob
sua supervisão.”
29
A partir de escolha política, e posterior determinação legal pelo próprio Estado das
necessidades públicas, surge para este a obrigação de cumpri-las, através de uma cadeia de
atos que envolvem a obtenção, gestão e gasto dos valores advindos por meio da tributação ou
da arrecadação de recursos decorrentes da realização pelo ente estatal de atividades próprias
dos particulares. Daí advém a atividade financeira do Estado, como sendo, “toda aquela
marcada ou pela realização de uma receita ou pela administração do produto arrecadado ou,
ainda, pela realização de um dispêndio ou investimento. É o conjunto das atividades que têm
por objeto o dinheiro.”(BASTOS, 1999, p. 4). Cabe ainda àquela prever a estrutura e os meios
para que as entidades prestem suas atribuições definidas constitucionalmente.
A atividade financeira estatal é precedida pela necessidade pública já previamente
determinada em lei. Possui a função de captação, administração e distribuição de receitas,
objetivando, assim, cumprir o dispositivo legal e satisfazer as carências da sociedade definida
como pública.
As formas que os Estados possuem para cumprir as funções que lhes foram atribuídas
pela sociedade são distintas em razão do tipo de atividade que irão prestar, como quando
arrecada recursos por meio de prestação de serviços privativos de particulares, ou seja,
atividades que atendem interesse dos cidadãos individualmente, mas que decorrem do
funcionamento da máquina estatal. Outra opção para os Estados, que finda sendo a principal,
é a tributação. Por ela o ente estatal está legitimado a arrecadar recursos coercitivamente dos
indivíduos, que lhes entregam compulsoriamente quantias em dinheiro quando atendem a
situações previamente descritas na lei.
Vale assinalar que o exercício tributário do Estado deve ter como norte o próprio
indivíduo, não apenas como mero potencial de arrecadação, mas como titular de direitos e
garantias conferidos constitucionalmente, face ao poder tributário, bem como na condição de
destinatário das políticas públicas empreendidas, a fim de satisfazer as necessidades sociais.
A importância do tema determinou a existência do direito financeiro como sendo um
ramo do direito que tem como ocupação cuidar da receita e despesa do Estado para fazer
frente às atribuições legais determinadas pelas necessidades sociais. Nessa função estabelece
princípios e normas regentes da atividade financeira que comporão o ordenamento jurídico
das finanças do Estado.
1.4 Receita pública
30
A partir da obrigação estatal de tomar a frente, face às necessidades sociais, surgem as
despesas e, consequentemente, a arrecadação de recursos como meio de atingir finalidades.
Na atualidade essa arrecadação é feita comumente através da tributação ou de outras maneiras
permitidas por lei.
Ocorre que nem sempre foi assim. Historicamente a arrecadação em dinheiro não foi o
meio que o Estado encontrou de suprir as necessidades públicas e manter seu aparato. No
passado, o patrimônio público era composto em sua grande maioria por terras, que, sendo de
domínio público, serviam para suprir parte das carências estatais. Outros meios de auferir o
dinheiro de que necessitavam, segundo Aliomar Baleeiro (2000, p. 125), eram realizando
extorsões sobre outros povos ou deles recebendo doações voluntárias; através do recolhimento
de rendas advindas dos bens e empresas estatais; imposição de tributos ou penalidades;
forçando empréstimos e fabricando dinheiro metálico ou papel.
6
Entretanto, com o passar dos tempos, a soberania dos povos e o reconhecimento dos
direitos humanos, dificultaram a retirada de patrimônio e riquezas de países menos
favorecidos, o que obrigou aos Estados, diante do aumento das necessidades públicas e o
engrandecimento da máquina estrutural, buscar meios menos violentos e mais legítimos de
arrecadar dinheiro.
Em regra, a tributação foi a forma encontrada pelos Estados modernos para proceder a
arrecadação de dinheiro a fim de cumprir as exigências legais das necessidades públicas.
Dessa maneira, quando o Estado age sobre os particulares coercitivamente e lhes impõe a
obrigação de entregar certa quantia em dinheiro em razão ou não de alguma atividade
específica, diz-se que o mesmo está tributando, ou seja, entende-se que o Estado recebeu
competência constitucional, o que lhe dá, portanto, aptidão para instituir tributos.
6
Acerca da histórica invasão de países a fim de retirar riquezas e engrandecer seus próprios domínios, Régis
Fernandes de Oliveira (2008, p. 100-101), quando se posicionou sobre a receita dos Estados aduziu que: “a
história fornece-nos exemplos inúmeros de transferência de recursos através de domínio de guerras de conquista.
Basta lembrar da expansão grega, do Império Romano, de Alexandre e seu Império macedônio, de todas as
conquistas da Idade Média, do ciclo das Grandes Descobertas, pontificando Espanha e Portugal, com a
exploração exaustiva da América Latina, das conquistas napoleônicas, em especial, do Egito, em que fortunas
históricas foram transferidas para a França, das duas Grandes Guerras em que territórios foram repartidos e bens
explorados e, por fim, nos conflitos contemporâneos, as sucessões de Estados (União Soviética, Iugoslávia etc).
Na América Latina, os exemplos são fartos. No México, houve a matança de todo um povo, civilizações diversas
que ali habitavam. O golpe final foi dado sobre Moctezuma, no festival de Tlatelolco. Cortez -lo prisioneiro e
derreteu todo os objetos de ouro que encontrou. No Peru, houve a conquista por Pizarro, que capturou e executou
Atahualpa em 1532 e depois fez o mesmo com Tupac Amaru. Com a vinda dos conquistadores, na América
espanhola, Felipe II tinha necessidade de recursos e sobrecarregou seus súditos com pesadas transferências em
ouro do centro mineiro de Potosi”.
31
Nessa direção, o constituinte, por vontade política, determina a repartição tributária,
atribui a cada ente a competência para arrecadar e partilhar os recursos aptos a atender às
finalidades já previamente definidas.
O tributo é gênero, do qual são espécies o imposto, a taxa, a contribuição de melhoria, o
empréstimo compulsório e as contribuições especiais. Compõem a chamada receita pública
tributária, ou seja, àquela decorrente do poder coercitivo do Estado face ao particular. São as
obtidas em decorrência da força constritiva do Estado. Em contrapartida, o ente estatal
também aufere renda por outras receitas também públicas, mas denominadas de não
tributárias ou patrimoniais (BASTOS, 1999, p. 40).
7
Citadas receitas não decorrem do poder coercitivo do Estado sobre o particular, mas de
atividades típicas de direito privado em que o ente estatal é partícipe. Na lição de Régis
Fernandes de Oliveira, (2003, p. 123) receitas públicas não tributárias
[...] são entradas decorrentes de atividade do Estado submetida ao direito privado,
como, por exemplo, receitas decorrentes de contratos, heranças vacante, de
doações, legados etc.), ou, então, do que se rotulou direito público disponível, ou
seja, advindo da exploração do patrimônio do Estado (vias públicas, mercados,
espaços em aeroportos, estradas, etc. ou em decorrência de serviço público prestado
por concessionário.
Celso Ribeiro Bastos (1999, p. 40) coaduna com esse entendimento conceituando-as
como:
[...] aquelas geradas pela exploração do patrimônio do Estado (ou mesmo pela sua
disposição), feitas segundo regras de direito privado, consequentemente sem caráter
tributário. Com efeito, os Poderes Públicos desfrutam de um patrimônio formado
por terras, casas, empresas, direitos, que são passíveis de serem administrados à
moda do que faria um particular, isto é, dando em locação, vendendo a produção de
bens ou mesmo cedendo o imóvel ou o direito.
Dejalma de Campos (1995, p. 57) atribui à receita tributária a qualidade de mais
importante, pelo volume de recursos que a representa e pela função que pode desempenhar.
Por caracterizar-se como a maior das receitas, sua imposição determina os rumos da
conjuntura econômica do Estado.
Nem toda quantia recebida pelos cofres públicos pode ser enquadrada nas espécies de
receita pública, ou sequer, podem ser assim nominadas. Genericamente as não enquadradas
nessa categoria são designadas como entradas ou ingressos. Caracterizam-se por não
7
O autor denominou essas receitas de patrimoniais.
32
constituir acréscimo ao patrimônio estatal, estão condicionadas a restituições posteriores ou
representam apenas ressarcimento de valores emprestados pelo governo, não podendo, assim,
ser objeto de disposição estatal em programas ou ações que visem à satisfação de
necessidades públicas. (BALEEIRO, 2000, p. 126)
A atividade financeira do Estado, portanto, engloba tanto as receitas advindas da
tributação como as decorrentes de outras entradas nos cofres públicos, ou seja, as que não
advêm do exercício do poder coercitivo na esfera financeira do particular, denominadas de
não tributárias. Dessa forma, a receita pública, seja tributária ou não, é componente
imprescindível para a atividade financeira, pois sem ela não como o ente estatal atender as
necessidades públicas. É premente lembrar que a não satisfação das necessidades essenciais
da sociedade compromete a própria finalidade da existência do Estado, que sua função
precípua é gerir a vida em sociedade.
1.4.1 Classificação das receitas públicas
Tendo como premissa a inafastável necessidade estatal de arrecadar dinheiro para
atender aos reclamos sociais, e as várias possibilidades de receitas que pode ter a seu dispor, é
importante estudar as espécies existentes, que permitem o atendimento da imposição legal, o
que dará embasamento à compreensão da matéria.
A utilização do recurso pedagógico da classificação tem como finalidade mostrar as
peculiaridades dos institutos jurídicos estudados, sendo estes inseridos por suas semelhanças
em grupos que os distinguem.
A importância das classificações foi ressaltada por Aliomar Baleeiro (2000, p. 99), pois
representam mecanismos que ensinam a distinguir, por caracteres fundamentais, as diferentes
espécies de instituições do mesmo gênero, daí o empenho dos financistas ao tentarem
classificar despesas, receitas e outros fatos financeiros.
8
Normalmente, por ser resultado do ponto de vista de cada autor e do recurso
metodológico escolhido numa gama de opções, a classificação jurídica, embora fundamental,
8
Régis Fernandes de Oliveira (2008, p. 104) também reconhece a importância da escolha do critério da
classificação, ao se manifestar: “Vê-se, pois, que o fundamental, na classificação, é a escolha do critério de
discriminação que será utilizado para apartar o objeto de estudo. Não haverá, nunca, a certeza da classificação.
Para nós, o que vale é trazermos uma classificação que seja, ao mesmo tempo útil e jurídica. A discriminação
deve levar em conta o rigor jurídico.”
33
carece de perfeição e consenso, possuindo mais aceitação, algumas classificações, em
detrimento de outras, dependendo essa anuência do tipo de critério utilizado pelo doutrinador.
No que pertine às receitas públicas, a doutrina historicamente classificou-as a partir de
vários critérios, que por vezes levavam em conta motivos jurídicos e até extrajurídicos, sendo
os últimos de menor relevância para a análise aqui perquirida. No entanto, o enquadramento
da receita pública, em determinados critérios jurídicos, é de grande proeminência para o
presente estudo, haja vista a posterior análise jurídico-financeira do FNC e a sua inserção no
rol das receitas públicas, sendo necessário enquadrá-lo nos critérios classificatórios.
Nesse sentido, Aliomar Baleeiro (2000, p. 99) apresenta classificação das receitas
públicas enquadrando-a em dois grandes grupos: o primeiro engloba as originárias ou
voluntárias - que podem ser a título gratuito - como as doações puras e simples, bens
vacantes, etc.; e a título oneroso - as doações e legados sob condição, preços públicos, etc.; e
no segundo grupo estão as derivadas ou coativas, do qual fazem parte tributos, multas,
penalidades, reparação de guerra (BALEEIRO, 2000, p. 120-121).
A receita originária advém da atividade estatal de exploração, de seus próprios bens ou
quando pode exercer atividades sob o regime de direito privado. Trata-se de uma receita
voluntária, espontânea e volitiva. Aqui o Estado participa da atividade econômica, atuando na
exploração de atividades privadas, cobrando preço ou tarifa.
As receitas derivadas são aquelas obtidas através do jus imperii do Estado, ou seja, são
decorrentes do exercício do poder de autoridade estatal sob os particulares. A relação jurídica
é de direito público. Por ela o ente arrecada o tributo, que tem como espécies o imposto, a
taxa e a contribuição de melhoria. Incluindo ainda nesse tipo de receita as contribuições
sociais ou de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou
econômicas, consoante o art. 149 da Constituição Federal.
Régis Fernandes de Oliveira (2008, p. 105) acrescenta a essa classificação as receitas
transferidas, que embora também possam ser a título de tributo - quando decorrem da coerção
do Estado sobre o particular - diferem das demais, no sentido de serem arrecadadas por uma
determinada entidade política, conforme competência constitucional, mas transferidas para
outro ente utilizá-las. Dessa maneira, a Constituição Federal atribui competência para a União
arrecadar e transferir os recursos para os Estados e os Municípios ou conferiu aos Estados,
34
Distrito Federal e União arrecadarem dinheiro para transferir aos Municípios, conforme
disposto nos arts. 157 a 162 da Carta Magna.
Os valores ingressam nos cofres públicos dos Estados e Municípios, não por
arrecadação própria ou por exploração de seus bens, mas por transferência de outros entes,
que receberam competência do legislador constituinte para assim procederem.
Contribui ainda com o critério que leva em conta a periodicidade da receita, podendo ser
extraordinária e ordinária. As primeiras são as decorrentes de situações de proximidade de
guerra no território nacional ou conflitos externos que motivem o Estado a exigir do particular
“impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais
serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação”, consoante dispõe o
inciso II do art. 154 da Constituição Federal. Também podem ser chamadas de extraordinárias
as receitas decorrentes de calamidade pública e até de doações recebidas pelo Estado.
Referida situação redunda na entrada excepcional de dinheiro nos cofres públicos, para
atender situação de absoluta anormalidade no plano institucional.
Em contrapartida, as receitas ordinárias são as decorrentes de situações perfeitamente
regulares, ou seja, as que advém do exercício normal de arrecadação do Estado, prevista
constitucionalmente com o propósito de servir a satisfação de necessidades sociais que ao
serem recolhidas entram na composição da atividade financeira do Estado.
Alguns autores, como Eduardo Marcial Ferreira (2000, p. 58-59), Luiz Emygdio Franco
da Rosa Junior (2000, p. 53-60), Kiyishi Harada (2001, p. 56) e Luiz Celso de Barros (1991,
p.141) dentre outros, utilizam diversos critérios de classificação, entretanto, por sua
inexpressiva contribuição jurídica não merecem ser objeto de análise nesse estudo.
1.4.2 Classificação das receitas públicas conforme a Lei nº 4.320/64
A lei dificilmente classifica algum instituto jurídico, sendo muito mais obra da doutrina
tal função. No entanto, a Lei 4.320/64 cuidou de classificar a receita em categorias
econômicas no art. 11, distinguindo-as em receitas correntes e de capital. As receitas correntes
são as constituídas de tributo - decorrentes do poder impositivo do Estado - incluem ainda as
contribuições; as receitas patrimoniais, decorrentes da fruição do patrimônio por outras
pessoas jurídicas de direito público ou privado que se destinam a atender despesas correntes;
35
receitas agropecuárias, industrial e de serviços. São exemplos, as receitas advindas pela
utilização de estradas, zona azul, exploração agropecuária, etc.
Em comentários à Lei 4.320/64, J. Teixeira Machado Junior e Heraldo da Costa Reis
(2008, p. 37) esclareceram que são correntes as operações que traduzem obtenção de recursos
financeiros classificados como receitas correntes e que se destinem, dentre outras, às
aplicações de manutenção e funcionamento das atividades-meio e fim, classificadas como
despesas correntes.” Atividades-meio e fim para a Lei são as necessárias ao funcionamento da
estrutura governamental.
As receitas de capital provêem de recursos financeiros advindos de dívidas, conversão
de bens e direitos em espécie, como a alienação de um bem, e, ainda, as provenientes de
recursos transferidos de outras pessoas jurídicas de direito público ou privado, destinadas a
suprir as despesas de capital, como obtenção e concessão de empréstimos.
Pelo que se observa, ao Estado coube o dever de arrecadar meios financeiros para
cumprir a função para a qual foi criado, como sendo a de atender às necessidades essenciais
da sociedade. Nesse rumo, encontrou ao longo do tempo várias maneiras de aquisição desses
meios, sendo a mais comum delas a constrição dos indivíduos ao pagamento de tributos ou à
exploração dos bens pertencentes ao domínio estatal, todas elas previstas pela Constituição e
pelas leis.
1.5 Despesa pública
Ao Estado não compete apenas a arrecadação. Para atender a seus objetivos, deve
aplicar os recursos de modo a observar às necessidades públicas. As carências sociais são
prementes, decorrem da impossibilidade de o indivíduo satisfazer, sozinho, as ausências
materiais ínsitas ao ser humano, que surgem no decorrer da vida.
Aliomar Baleeiro (2004, p.65) apresenta dois conceitos de despesa pública que explicam
e dão noção de seu papel, sendo o primeiro “o conjunto de dispêndios do Estado, ou de outra
pessoa de direito público, para o funcionamento dos serviços públicos”. No segundo, diz que
despesa pública é a “aplicação de certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou
agente público competente, dentro duma autorização legislativa, para execução de fim a cargo
do governo”.
36
Os conceitos do autor bem resumem o que é despesa pública e qual o seu papel. Como
se observa, após serem determinadas as finalidades públicas as quais o Estado deve atender,
passa-se à fase da arrecadação de dinheiro pelas formas já explicitadas. Finalmente cabe sanar
as carências sociais conforme suas peculiaridades e os ditames constitucionais previamente
estabelecidos, surgindo, daí, a despesa pública.
Na complexa missão de atender às necessidades públicas, cabe ao administrador
elaborar metas, que, organizadas em plano de governo, determinam quais as áreas que devem
receber recursos para o desenvolvimento ou até mesmo a manutenção. O orçamento é esse
plano de governo, sendo um documento solene que reúne as áreas de execução das ações
governamentais, podendo variar conforme as convicções políticas, sociais, ideológicas do
administrador público.
É certo que algumas despesas, por sua importância ao desenvolvimento do país, são
vinculadas constitucionalmente, como as relacionadas à educação e saúde. As demais devem
ser autorizadas previamente pelo Poder Legislativo, que, em conjunto com a exigência,
igualmente constitucional, de realização de licitação para construção de obras, serviços e
compras, mune o administrado da presunção de seriedade do uso dos recursos públicos.
Além das exigências legais de vinculação de algumas despesas e exigência de licitação
para gasto dos recursos públicos, a Lei n.º 4.320/64 em seu artigo 60, caput, estabeleceu que
“é vedada a realização de despesa sem prévio empenho”, que, conforme disposição da mesma
norma no artigo 58, é “o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado
obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição”.
O empenho é uma das fases da despesa pública que ratifica a garantia do pagamento
decorrente de relação contratual entre o ente estatal e seus fornecedores e prestadores de
serviços. Para J. Teixeira Machado Junior e Heraldo da Costa Reis (2008, p. 137), a definição
administrativa de empenho remete a uma reserva de recursos ou garantia que se dá ao
fornecedor ou ao prestador que o serviço lhe será pago, desde que atendidas as exigências
contratuais.
O controle rígido sobre a despesa pública é imprescindível para que não haja desvio de
finalidade na utilização dos recursos. Entretanto, referido controle não deve ser apenas formal,
deve abranger a despesa por inteiro, e, assim, efetivamente, servir para o fim a qual se destina.
37
A Lei n.º 4.320/64 ainda cuidou em distinguir, no artigo 12, as despesas públicas em
correntes e de capital, sendo esses seus títulos gerais, que foram desdobradas em outras
despesas. As primeiras englobam as de custeio, que se destinam a arcar com o pagamento de
pessoal civil, militar, material de consumo, serviços de terceiros e encargos diversos. As
segundas compreendem as de transferências correntes, que servem as subvenções sociais,
econômicas, inativos, pensionistas, salário-família e abono familiar, juros da dívida pública,
contribuições de previdência social e diversas.
As despesas de capital abrangem os investimentos, envolvendo obras, serviços em
regime de programação especial, equipamentos e instalações, material permanente,
participação em constituição ou aumento de capital de empresas ou entidades industriais ou
agrícolas; abrangem, ainda, as despesas com inversões financeiras que englobam a aquisição
de imóveis, participação em aumento ou constituição de capital de empresas ou entidades
comerciais ou financeiras, aquisição de títulos representativos de capital de empresas em
funcionamento, constituição de fundos rotativos e a concessão de empréstimos diversos; por
último, as despesas de capital também abrangem as despesas de transferência de capital, que
servem à amortização da dívida pública, de auxílio para obras públicas, auxílios para
equipamentos e instalações, auxílios para inversões financeiras e outras contribuições.
A classificação acima reflete o interesse do legislador em vincular as despesas do
Estado a situações fáticas previamente definidas, a fim de evitar que a ampla e irrestrita
discricionariedade do administrador enseje a utilização de verba específica para área distinta
da determinada pela lei.
Na atual fase do constitucionalismo brasileiro, em que a norma constitucional não se
restringiu apenas a declarar direitos, exigindo a concretização dos mesmos, que se tornam
eficazes a partir de políticas públicas de inclusão social, ressalta de grande importância a
reflexão acerca do modo como deverão ser priorizada a implementação das referidas
exigências face à finitude dos recursos, e, principalmente, como deverão estes ser gastos.
Diante da constatação da necessidade pública e da limitação dos recursos, o
administrador deve eleger as prioridades sociais. A opção por uma ou outra área se caracteriza
como política, dependendo essa escolha, da ideologia adotada pelo governante. Assim é que
constatam-se opções governamentais por maior ou menor aplicação de recursos na área social
ou em outras áreas, o que reflete a linha ideológica seguida pelo administrador.
38
Sobre a escolha a ser feita pelo governante, quando da aplicação dos recursos, tendo
em vista a determinação de direitos pela Constituição Federal, posicionou-se Régis Fernandes
de Oliveira (2008, p. 262):
A efetivação dos direitos fundamentais e democráticos pressupõe a escolha dos
instrumentos e a liberação de verbas para o atendimento e realização das políticas
públicas. O atendimento dos interesses básicos da sociedade pressupõe a tomada de
uma decisão política do gasto. Este é, essencialmente, uma deliberação política, isto
é, fundada na conveniência e oportunidade do interesse público. Como os recursos
são finitos, a arte de bem administrar pressupõe a boa decisão na escolha.
O fim da atividade financeira do Estado é a satisfação das necessidades sociais,
cabendo àquele provê-las com os recursos que arrecada. Entretanto, o aumento das
necessidades, causado pelo agigantamento do contingente populacional, obriga o governante a
fazer escolhas das áreas nas quais deverá investir, acarretando, inevitavelmente, hipertrofia de
algumas em detrimento de outras.
Como exemplo, pode-se citar a previsão constitucional pátria de despesa vinculada ao
ensino, conforme disposto no artigo 212, prevendo o legislador constituinte que a União tem o
dever de aplicar nunca menos de dezoito por cento (18%), e os Estados, Distrito Federal e
Municípios, pelo menos vinte e cinco por cento (25%), “da receita resultante de impostos,
compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”.
Desta feita, percebe-se a opção do constituinte de 1988 de privilegiar o ensino com
dotação orçamentária considerável em comparação com outras áreas. Mas não o fez apenas
com o ensino, elegeu também como prioridade o serviço público de saúde, o atendimento a
alguns fundos admitidos no corpo da Constituição, como o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental, o Fundo Social de Emergência, Fundo de Combate
e Erradicação da Pobreza, dentre outros. Ao dispor sobre a ordem social, foram escolhas
essenciais do constituinte a seguridade social, a saúde, a previdência e a assistência social.
Garantiu ainda a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, assim como
lhe atribuiu o dever de assegurar a todos o pleno exercício dos direitos culturais, a defesa e a
preservação do meio ambiente e o fomento ao desporto.
9
A CF/88 ainda estabeleceu outras obrigações estatais, tais como a necessidade do
pagamento dos débitos transitados em julgado em ações movidas contra o Poder Público, os
chamados precatórios. Outras opções foram feitas pelo legislador infraconstitucional, como as
9
Arts. 215, 217 e 225 da CF.
39
da Lei de Responsabilidade Fiscal, quando determinou o pagamento de obrigações legais no
artigo 9º e as decorrentes do serviço da dívida.
Referidas escolhas saltam aos olhos, em razão de concorrem nas mesmas condições
com as necessidades de ordem social, impondo ao governante a opção de pagar despesas
decorrentes de dívida pública ou aplicar recursos na área social. Evidentemente que a pessoa
humana deve ser a prioridade do Estado brasileiro, haja vista os valores encampados pela
norma maior em seus artigos 1º e 3º.
10
Portanto, não que atribuir preferência à utilização de recursos para pagar dívida
pública em detrimento da aplicação do dinheiro em área social, além de considerar que
preceitos constitucionais estruturados nos direitos humanos devem prevalecer em face de
qualquer outro regramento.
Não obstante haja o reconhecimento da superioridade de normas constitucionais
embasadas nos direitos humanos, o que se constata habitualmente é a aplicação dos recursos
no pagamento de dívidas, em detrimento de fomento às políticas públicas de inclusão social.
A despesa pública, também como a receita, possui previsão constitucional, sendo
sustentada pelo princípio da legalidade. Além deste, regem a atividade financeira, os
princípios da proporcionalidade, isonomia, anualidade, capacidade econômica, eficiência.
Todos devem estar umbilicalmente ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana como
fundamento do Estado Democrático de Direito, bem como aos objetivos republicanos
estatuídos no art. 3º, de construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária; erradicação
da pobreza, da marginalidade e da redução das desigualdades sociais e regionais.
Os princípios, na qualidade de ditames orientadores do direito financeiro, devem ser
observados pelo administrador público quando da escolha política das necessidades
merecedoras de investimento. A limitação dos recursos acarreta o não atendimento a todas as
carências materiais, impondo a aplicação daqueles no momento dessa escolha. Assim, o
princípio da proporcionalidade deve ser observado à fim de atender a disposição
10
Art. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I a soberania; II a
cidadania; III a dignidade da pessoa humana; IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V o
pluralismo político.”
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I construir uma sociedade livre,
justa e solidária; II garantir o desenvolvimento nacional; III erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais; IV Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
40
constitucional da repartição de recursos e a observância da valoração que pode ser atribuída a
cada opção estatal.
Para atender ao princípio da anualidade, todas as despesas devem ser previamente
autorizadas na lei orçamentária anual. Entretanto, a própria CF/88 previu a possibilidade de
emendas para incluir créditos adicionais, destinados à realização de despesas não previstas ou
insuficientemente previstas na Lei Orçamentária. Esses créditos podem ser suplementares,
para reforçar despesas previstas; especiais, ao atendimento de despesas não vislumbradas
anteriormente; e, extraordinários, para atender despesas imprevisíveis e urgentes.
11
O princípio da isonomia aplicado às despesas públicas permite a escolha política de
utilização de recursos às necessidades sociais dos menos favorecidos, pois se todos são iguais
perante a lei, impõe que os gastos devem privilegiar àqueles que não usufruem dos bens por
completa impossibilidade financeira. Desse modo, aos preceitos normativos definidos
devem ser canalizados os recursos, a fim de beneficiar as classes menos favorecidas, para que
os ditames constitucionais de sociedade justa e solidária sejam atendidos.
Acerca da capacidade econômica há que primar pela distribuição dos recursos conforme
a menor capacidade contributiva do indivíduo, ou seja, aqueles que possuem menos devem ser
beneficiados pelo Estado com maior aplicação de recursos, atendendo, assim, ao princípio da
dignidade da pessoa humana e aos objetivos fundamentais estatuídos na Carta Constitucional.
Sobre a eficiência é importante afirmar que ao escolher bem a necessidade social e
direcionar a despesa pública de forma controlada, está o administrador atendendo ao referido
princípio, sendo este vetor de condução correta da atividade financeira do Estado.
O princípio da eficiência também é considerado quando a utilização das receitas
públicas observa as exigências constitucionais, ou seja, no momento em que são destinadas a
áreas previamente definidas na norma. Outro aspecto que deve ser considerado ao falar de
eficiência é o da correta aplicação das receitas blicas, ou seja, o dinheiro público não deve
ser aplicado em despesas fúteis ou inócuas, caracterizando, assim, o mau uso dos recursos. Na
realidade, para que seja considerada uma gestão eficiente, deve haver uma correta aplicação
dos recursos de modo a atender as reais necessidades sociais. Só assim pode-se dizer que
houve uma boa alocação dos recursos públicos, consequentemente, as despesas atenderam aos
objetivos.
11
Arts. 165, § 8º; 166, caput e § 8º; 167, II, III, V, VII; 167, §§ 2º e 3º da CF.
41
Como se percebe, a atividade financeira do Estado, em todas as suas fases -
determinação de necessidades sociais, arrecadação e aplicação de recursos - devem ser
pautadas sob os princípios e fundamentos constitucionais, sempre levando em conta o caráter
humano nas escolhas políticas de direcionamento de recursos. Sobre esse aspecto, entende
Régis Fernandes Oliveira (2008, p. 273):
De que valeria a atividade financeira, senão para dar eficácia a tais princípios?
Instituído o Estado, definem-se, através de documento solene, os direitos e deveres
de cada indivíduo que sob ele estará, seja nacional ou estrangeiro. Estes direitos,
frutos de longeva conquista, inclusive regada pelo sangue dos mártires, não são
meros pedaços de papel. Consubstanciam importante conteúdo de asseguramento
da ordem jurídica. Modernamente, o direito outra coisa não pode ter em mente,
senão a dimensão da pessoa humana. Não mais pode subsistir o mero aspecto
sintático de conexão de normas, desprovida de conteúdo sensível. Em verdade, o
conjunto normativo dirige-se a uma sociedade identificada por uma série de ideais,
de cultura, de folclore, de emoções coletivas, tudo a identificar uma nação. Esta não
pode ser tratada como punhado de ignorantes ou, então, como mais privilegiados de
um lado e abandonados de outro. de se instaurar uma justa distribuição de
recursos, para que possa haver a democratização da sociedade. Isto se faz com a
democratização dos gastos.
Por outro ângulo de visão de se considerar a fiscalização que deve haver sobre as
despesas públicas, a fim de constatar a correta aplicação dos recursos. Hodiernamente, a
legislação brasileira recebeu importante reforço na matéria, com o advento da Lei de
Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar 101/2000, que determinou uma série de
medidas, visando estimular o crescimento da receita e controlar o montante da despesa,
exercendo, principalmente, papel fiscalizador da gestão pública.
Especificamente acerca da despesa, a Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe inovações
consideráveis, haja vista seu caráter limitador e regulador de gastos, objetivando uma gestão
planejada e transparente da administração pública.
Além da Lei de Responsabilidade Fiscal o controle da execução orçamentária, ou
seja, todas as receitas e despesas que foram incluídas no orçamento passam por um controle,
que compreende a verificação da legalidade dos atos que resultem tanto na arrecadação como
na realização da despesa. O controle, que pode ser externo, quando exercido pelo Congresso
Nacional com a colaboração do Tribunal de Contas, ou interno, aquele exercido por cada
Poder, tem previsão constitucional, submetendo-se a ele toda e qualquer despesa e receita
pública.
12
12
“Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades
da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e
42
Como se vê, a atividade financeira do Estado envolve uma série de atos que ao final
visam atender aos interesses sociais. Dessa forma, cabe ao ente estatal empreender esforços na
constante busca de recursos para o cumprimento de suas metas. Entretanto, tais recursos não
devem ser gastos aleatoriamente, todas as despesas devem ser previamente escolhidas e
organizadas para que atendam aos ditames legais, e, principalmente, cumpram o objetivo
maior, que é a realização dos interesses sociais, sob pena de assim não fazendo estarem
preterindo a própria Constituição Federal.
Especificamente no campo da cultura, os recursos, sejam advindos de transferência
pelos entes estatais, sejam de outras fontes, como do Fundo Nacional da Cultura, deveriam
servir a atender políticas públicas inclusivas, de modo que permitissem a todos o acesso à
cultura, tanto no aspecto de financiamento de projetos culturais, quanto no direito de fruir dos
bens culturais ou preservação do patrimônio cultural. No entanto, a exiguidade dos recursos
impede que o direito constitucional de acesso à cultura seja exercido por todos
indistintamente, sendo os obstáculos financeiros verdadeiros entraves que acabam por refletir
o real interesse do Estado à área da cultura.
A pequena parcela de recursos acaba, consequentemente, por interferir na
disponibilidade de gastos que o Estado possui, limitando o fomento e o desenvolvimento do
setor cultural, hipertrofiando demandas e sufocando anseios da sociedade cada vez mais
despida de conhecimentos e acesso a esses bens. Desta feita, um olhar verdadeiramente
voltado para a cultura, no sentido de a ela destinar consideráveis investimentos a projetos e
ações visando à democratização dos instrumentos pertinentes importarão no cumprimento
efetivo do preceito constitucional de acesso à cultura.
1.6 Orçamento público
Vale ressaltar que não bastam somente arrecadar e gastar aleatoriamente. Ao Estado
também cabe a função de prever a receita e organizar a despesa, e nessa organização deve
utilizar meios técnicos hábeis, para que o dinheiro público seja empregado de modo
satisfatório e, principalmente, que atenda aos reais interesses sociais.
Nesse aspecto, perante a dicotomia “necessidade pública” e “atividade financeira” do
Estado, que envolve a arrecadação de dinheiro, encontra-se a obrigatoriedade estatal de se
renúncia de receitas será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de
controle interno de cada Poder.”
43
organizar para fazer frente aos deveres sociais. Com esse objetivo, utiliza alguns instrumentos
básicos na atividade financeira, como o orçamento, que fixa as diretrizes a serem atingidas e
determina a real função estatal de intervenção no domínio econômico.
A partir do momento em que surgiu a consciência de controlar gastos e receitas, surgiu o
conceito de orçamento, caracterizando-se como peça indispensável à atividade financeira do
Estado em razão da função que possuía de prever as receitas e autorizar as despesas.
13
Essa
era a função clássica do orçamento, caracterizava-se como peça meramente contábil e de
conteúdo financeiro, sem refletir qualquer preocupação com os reais interesses e necessidades
sociais.
Entretanto, com o passar dos tempos, o orçamento deixou de ser mero documento
estático de previsão de receita e autorização de despesas, passando a ser ferramenta
primordial na determinação das ações do Estado para a sociedade, haja vista o caráter
dinâmico que adquire nos tempos atuais.
No atual estágio de democracia em que vive o Estado social, não se concebe mais a
elaboração de orçamento que não reflita a necessidade social, como ocorria no Estado antigo,
quando o monarca era soberano e não havia qualquer preocupação com a coletividade.
Atualmente, o orçamento deve servir de base para planos governamentais; não deve conter
previsões fora da realidade ou sem importância, apenas para atender a mandamento
constitucional.
O orçamento deixou de ser peça meramente financeira, passou a ter caráter político, pois
deve dispor acerca das obrigações dos governantes, assumidas perante o povo. Além de
político, recebeu também viés econômico, por mostrar a realidade econômica do país.
Manteve seu caráter técnico, quando dispõe acerca das receitas e despesas, entretanto, passou
a ser jurídico, haja vista cumprir a preceitos constitucionais e legais.
Hodiernamente o orçamento configura-se como importante vetor de participação
popular nos planos governamentais. A partir do momento em que se vislumbrou ouvir a
sociedade para a determinação dos rumos do orçamento do Estado, houve um grande avanço
13
gis Fernandes de Oliveira (2008, p. 297) sobre o momento histórico do advento do orçamento no Estado
aduz que a grande revolução ocorreu com o início do Estado Liberal clássico e término do Estado absolutista.
Este controlava tudo e não prestava contas a quem quer que seja. Logo, o erário se confundia com o fisco e, pois,
descipienda era a idéia de orçamento. A partir do Estado liberal e do advento da responsabilidade do Estado e de
seus governantes, nasce o orçamento como noção importante para o controle dos gastos públicos.
44
político, pois assim foram permitidas a discussão dos problemas e a busca por soluções,
concretizando-se nesse caso o exercício efetivo da democracia. Na realidade, o debate popular
acerca do orçamento trouxe para o regime democrático seu verdadeiro sentido, ultrapassando
a ideia de que democracia está restrita apenas ao direito de votar ou ser votado.
No Brasil, historicamente, as Constituições nem sempre fizeram referência ao
orçamento. No período colonial, não se falava em orçamento nos moldes de hoje, não
obstante, houvesse referência expressa a respeito de cálculos de receita e despesa. A
Constituição Republicana disciplinou a obrigação estatal de orçar a receita e fixar a despesa
anualmente, atribuindo à Câmara dos Deputados a iniciativa das leis de impostos. Dispôs,
ainda, que o Ministro da Fazenda, após receber dos outros Ministros os orçamentos das
despesas de suas pastas, elaborasse a cada ano um balanço geral da receita e da despesa do
Tesouro (BALEEIRO, 2000, p. 417). Daí em diante, todas as outras Cartas Constitucionais
previram a obrigatoriedade de elaboração de orçamento.
Por fim, a CF/88 não alterou o perfil do orçamento, mas trouxe dispositivo acerca do
Município, que prevê a possibilidade da participação popular através da cooperação das
associações representativas no planejamento municipal.
14
Referido preceito deu margem para
alguns governantes implantarem o orçamento participativo, em que a população analisa e
discute os problemas locais e opina sobre a previsão de receitas e gastos para tais áreas, sendo
inserido no orçamento efetivo controle social. Embasa, ainda, a possibilidade de elaboração
do orçamento participativo, a previsão constitucional dos Municípios autonomamente
cuidarem de seus interesses, inclusive sendo-lhe permitido legislar sobre assuntos de interesse
local.
15
A CF/88 ainda tratou da matéria orçamentária no art. 165, ao relegar à lei a função de
dispor acerca do plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais
16
. No
parágrafo estabelece que será objeto de lei complementar a disposição sobre o exercício
financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de
diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual. Referida lei complementar ainda não foi
14
“Art. 29. O Município reger-sepor lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez
dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios
estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
[...] XII - cooperação das associações representativas no planejamento municipal;”
15
“Art. 30. Compete aos Municípios: I legislar sobre assuntos de interesse local.”
16
“Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I o plano plurianual; II as diretrizes
orçamentárias; III os orçamentos anuais.”
45
elaborada pelo Legislativo, disciplinando a matéria a Lei n.º 4.320/64, que, embora ordinária,
foi recepcionada pela atual Constituição como complementar, tendo em vista a ausência de
outra lei que estabeleça normas de direito financeiro para elaboração e controle dos
orçamentos e balanços, sendo de cumprimento obrigatório para Estados, Distrito Federal e
Municípios.
A Lei n.º 4.320/64 trouxe contornos de transparência, ao disciplinar em seu artigo
que a lei do orçamento deverá conter a discriminação da receita e despesa, de forma a
evidenciar a política econômico-financeira e o programa de trabalho do governo, desde que
obedeça aos princípios da unidade, universalidade e anualidade.
Atualmente, todas as relações de direito financeiro são regidas por citada Lei. É o
diploma legal que disciplina a realização da receita, despesa, exercício financeiro, orçamento
e os demais aspectos que dispõe sobre a atividade financeira do Estado. O atendimento às
exigências dessa lei, juntamente com o cumprimento das regras constitucionais no que diz
respeito à elaboração do orçamento, demonstram o caráter moderno do instrumento, que ao
atender aos reclamos populares, estará incutindo no orçamento seu verdadeiro objetivo.
O orçamento possui características próprias que permitem, a partir delas, defluir alguns
princípios. Como tais, embasam as leis orçamentárias, distinguindo-as das demais. São eles,
os princípios da universalidade, anualidade, exclusividade, unidade e não afetação.
O princípio da universalidade impõe que todas as receitas e despesas devem estar
devidamente previstas na lei orçamentária. A CF/88, na seção relativa ao orçamento, dispôs
acerca de toda a matéria que deve estar prevista no orçamento, dando novo conteúdo ao
mesmo, como se insere do art. 165, § 5º:
A lei orçamentária anual, compreenderá: I o orçamento fiscal referente aos
Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e
indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II o
orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente,
detenha a maioria do capital social com direito a voto; III o orçamento da
seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da
administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e
mantidos pelo Poder Público.
A Lei n.º. 4.320/64 também positivou o princípio da universalidade em seus artigos 3º e
4º, ao dispor que a lei de orçamentos compreenderá todas as receitas, e que a mesma
abrangerá todas as despesas próprias dos órgãos do governo e da administração.
46
A anualidade, que outrora era tratada como princípio, deixou de ser vista assim, em
razão de ter a Constituição Federal previsto a existência de orçamento plurianual, em paralelo
ao orçamento anual, bem como outros orçamentos dentro daquele, como o fiscal, de
investimento, da seguridade social. Entretanto, necessidade de ser determinado o termo
inicial e final das receitas e despesas públicas. Portanto, hoje o que não é anualidade, mas
periodicidade do orçamento, não sendo possível tratá-la como princípio (OLIVEIRA, 2008, p.
335). Sobre a importância da periodicidade do orçamento, José Afonso da Silva (2006, p.
674), leciona:
[...] a) do ponto de vista político, por conceder ao Congresso Nacional a
oportunidade de intervir periodicamente na atividade financeira, quer aprovando a
proposta de orçamento para o período seguinte, quer fiscalizando a administração
financeira do governo e tomando-lhes as contas; b) do ponto de vista financeiro,
porque marca um período durante o qual se efetuam a arrecadação e a
contabilização dos ingressos; c) do ponto de vista econômico, para o fim de influir
nas flutuações dos ciclos econômicos.
Outro princípio aplicável é o da exclusividade, que está expresso no art. 165, § da
CF/88, dispondo que: “A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão
de receita e à fixação de despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de
créditos suplementares e a contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de
receita, nos termos da lei”. Referido ditame impõe a proibição de se incluir, no texto da lei
orçamentária, matéria estranha à previsão de receita e fixação de despesas, a não ser as que a
própria lei orçamentária previu.
Por unidade, entende-se o princípio que determina ser o orçamento único e um para
cada exercício financeiro, devendo conter todos os gastos e despesas estatais para
determinado período. Citado preceito também foi consignado pela Lei n.º 4.320/64 em seu
artigo 2º quando dispôs a necessidade da administração ter apenas um orçamento.
É importante dizer que, com o advento da CF/88, a unidade não mais compreende a
existência de documento único, haja vista a previsão constitucional da existência de três leis
orçamentárias (o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e o orçamento anual), cada
uma com características próprias e complementares entre si.
17
Desta feita, a unidade passou a
ser entendida como totalidade, em razão da necessidade de inclusão na lei orçamentária anual
dos três sub-orçamentos.
17
Art. 165 da CF/88.
47
Por último, o princípio da não-afetação ou não-vinculação de receita, que significa a
proibição de vinculação das verbas públicas a algumas despesas, além das estipuladas no
orçamento. Nesse sentido o art. 167, IV da Constituição Federal, com redação modificada
pela Emenda Constitucional n.º 42/2003, determinou que são vedados:
[...] IV a vinculação de receita de impostos a órgãos, fundo ou despesa,
ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem
os arts. 158 e 159, a destinação de recurso para as ações e serviços públicos de
saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para a realização de
atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos
arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito
por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no §
deste artigo.
Pelos artigos acima citados, observa-se que o legislador, no próprio dispositivo que
veda a afetação de receita a somente impostos, abriu várias exceções à regra, permitindo que
as verbas sejam afetadas para os fundos aludidos nos artigos 158 e 159 e também os recursos
destinados à educação e saúde. Desse modo, aquilo que é excepcional acaba tornando-se
comum, dando ensejo a utilização de verbas para rios outros segmentos que não foram
previstos no orçamento e que poderiam ser objeto do desenvolvimento de políticas públicas.
Uma das exceções que merece ser citada em razão da pertinência temática é a
decorrente da Emenda Constitucional n.º 42/03 que incluiu no art. 216 o parágrafo 6º,
permitindo a vinculação de até cinco décimos por cento (0,5%) da receita tributária quida
dos Estados e do Distrito Federal a FUNDOS destinados ao financiamento de programas
culturais, sendo vedada a aplicação dos recursos deste Fundo no pagamento de despesas com
pessoal e encargos sociais, serviço da dívida e qualquer outra despesa corrente não-vinculada
diretamente aos investimentos ou ações apoiadas pelo programa.
Com essa inovação constitucional é possível um Estado criar por lei ordinária fundo de
fomento à cultura, composto por recursos oriundos em grande parte da receita de impostos.
Com essa possibilidade, parte do estímulo à cultura, passa à responsabilidade indireta da
sociedade, em razão de os impostos advirem desta e serem apenas transferidos para o fundo
de cultura, o que certamente libera o ente estatal de financiar a cultura com recursos próprios.
Por fim, que ressaltar a importância do orçamento para a atividade financeira do
Estado, haja vista ser ferramenta indispensável à programação e aplicação das receitas e
despesas aos objetivos previamente determinados pelos governantes. Deixou de ser peça
48
meramente financeira para orientar as ações estatais às necessidades sociais, refletindo em
maior ou menor proporção a preocupação do Estado com os anseios da sociedade.
1.6.1 Espécies de orçamentos conforme a Constituição Federal de 1988
A CF/88 determinou a existência de três leis orçamentárias, a fim de viabilizar o
planejamento da Administração Pública nos três níveis de atuação do Estado: o PPA - Plano
Plurianual, a LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias e a LOA Lei Orçamentária Anual,
todas de iniciativa do Poder Executivo.
18
Como desdobramento do orçamento, o Plano Plurianual (PPA) compreende as
diretrizes, as metas e os objetivos da administração pública, ou seja, o planejamento das
atividades governamentais no que pertine às despesas de capital, que incluem os
investimentos, as inversões financeiras e a transferência de capital para outras pessoas de
direito público ou privado, bem como as decorrentes dela e as relativas aos programas de
duração continuada. O PPA é elaborado no primeiro ano do mandato, findando no primeiro
ano do mandato seguinte. O art. 165 da CF/88 dispôs:
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
I o plano plurianual;
II as diretrizes orçamentárias;
III os orçamentos anuais.
§ A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as
diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de
capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração
continuada.
Conforme disposição constitucional, a Lei de Diretrizes Orçamentária LDO
compreenderá:
Art. 165. [...]
[...]
§ 2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da
administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício
financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, dispo
sobre as alterações da legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das
agências financeiras de fomento.
18
A Lei Orçamentária Anual compreenderá três orçamentos (art. 165, § 5°, I, II, III), a saber: 1. Orçamento
Fiscal referente aos poderes da União; 2. Orçamento das Estatais; 3. Orçamento da Seguridade Social.
49
A LDO, lei anual, tem como função definir metas e prioridades para a Administração
Pública, servindo ainda para orientação da Lei Orçamentária Anual. Cabe ainda à LDO prever
possíveis alterações na legislação tributária bem como mudanças na política salarial e de
pessoal ou nos critérios de concessão de aumento salarial e para contratação de novos
servidores por concurso público.
A Lei Orçamentária Anual LOA consiste no orçamento propriamente dito,
compreendendo as receitas e despesas de todos os poderes da União, seus fundos, órgãos e
entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo
Poder Público, e deve observar os limites determinados pela LDO.
As metas e prioridades estabelecidas na LDO devem estar contidas na LOA através de
programas, projetos e atividades. Três orçamentos fazem parte da LOA, consoante preceito
constitucional:
Art. 165. [...]
[...]
§ 5º A lei orçamentária anual compreenderá:
I o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades
da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo
Poder público;
II o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou
indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela
vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações
instituídos e mantidos pelo Poder Público.
O dispositivo constitucional consagra o princípio da universalidade, haja vista o
orçamento único conter o cômputo de todas as entidades que detenham ou recebam dinheiro
público.
É importante ressaltar que a lei orçamentária pode ser modificada por emendas
parlamentares que visem acrescentar ou retirar itens do conteúdo já previsto no referido
projeto de lei, e a participação na feitura do orçamento ocorre através de propostas a um
parlamentar ou grupo deles, no intuito de beneficiar determinada comunidade. Assim, uma
instituição pode propor a um deputado que apresente uma emenda, direcionando os recursos
para um projeto cultural específico em determinado município. (BRASIL. Ministério da
Cultura, 2010, on-line).
50
Baseado nos três instrumentos de planejamento, o Estado, em todos os seus níveis
(estadual, federal e municipal), tem condição de compatibilizar a receita prevista com as
despesas fixadas, de modo a gastar o dinheiro público conforme a necessidade, sem
ultrapassar os limites possíveis.
O sistema de planejamento que envolve o conjunto das três leis orçamentárias é
fundamental para que o Estado demonstre a origem das receitas e o destino das despesas e
investimentos. Referidas leis se completam e se sucedem: o Plano Plurianual PPA deve
servir de parâmetro para a determinação de todos os planos e programas nacionais, regionais e
setoriais previstos na Constituição, e a Lei de Diretrizes Orçamentárias deve estar sempre em
consonância com o PPA, e todos eles devem refletir os objetivos traçados pelo art. da
CF/88.
Desta feita, é possível observar que os administradores não possuem discricionariedade
na elaboração e condução das leis orçamentárias, estão vinculados a preceitos constitucionais
que determinam suprir carências de áreas específicas.
Em função, pois, de o presente trabalho ter como objeto de estudo a análise do FNC,
seus desdobramentos, e em que medida atende o direito à cultura, disposto
constitucionalmente, é que se pode afirmar que os recursos do Fundo são receitas públicas
destinadas à despesas para a cultura, e que referidos gastos devem estar previstos em
orçamento.
Por conseguinte, faz-se necessária a delimitação do conceito de cultura, a fim de
enquadrá-lo como direito fundamental da pessoa humana reconhecido constitucionalmente. A
partir desse delineamento deve-se examinar a aplicabilidade dessa espécie de normas
constitucionais, buscando identificar as que carecem de comportamento estatal para sua
efetivação e as que possuem aplicabilidade imediata.
2 CULTURA COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Visto a atividade financeira do Estado e seus desdobramentos, faz-se necessário
investigar sobre o conceito de cultura e a delimitação do significado da expressão para a
caracterização dos direitos culturais, vez que, de modo geral, está ligado à história, às
questões políticas e morais.
19
Por conseguinte, referidos direitos serão analisados sobre o
prisma da fundamentalidade, permitindo identificar quais deles possuem essa qualidade, seja
por expressa determinação do legislador constituinte, porque identificam-se com os princípios
e regime constitucional ou mesmo por terem sido incorporados ao ordenamento jurídico
através de tratado ou convenção internacional.
A partir do enquadramento dos direitos culturais como fundamentais e a sua inserção
nas várias gerações ou dimensões de direitos, que verificar em que medida são aplicáveis
plenamente ou necessitam de comportamento ativo do Estado para tornar concreto o preceito
constitucional, o que perpassa pela conceituação das normas denominadas de programáticas.
Tomando como base a existência de algumas normas de direitos culturais com essa qualidade,
será preciso avaliá-los como objeto de políticas públicas, tendo como parâmetro o
comportamento do Estado antes e depois da CF/88.
O estudo sobre as políticas culturais brasileiras, ao longo do tempo, permitirá constatar a
importância que foi atribuída à matéria, especificamente ao analisar as ações construídas a
partir do reconhecimento constitucional da cultura como direito inerente à pessoa humana.
Todo esse arcabouço de ideias comporá o alicerce para a compreensão do Fundo
Nacional da Cultura e seus desdobramentos, possibilitando, ao final do estudo, constatar se o
Fundo é ferramenta que proporciona o direito de acesso à cultura disposto na Lei Maior.
19
Para Frederico Augusto Barbosa da Silva (2009, on line) seja qual for o conceito de cultura utilizado, “é
razoável esperar que seja capaz de alinhar os agentes em torno de formas de ação e objetivos relativamente
claros, ou seja, o correto ou o melhor conceito será aquele capaz de coordenar agentes, dar coerência aos
processos de formulação, de implementação e de transformação e desenvolvimento efetivo dos circuitos
culturais.”
52
2.2 Cultura aquém do olhar antropológico
Para que se tenha a compreensão dos direitos culturais é importante que seja delimitado
o sentido da expressão cultura, pois, por ser esse um daqueles termos que enseja vários
significados, poderá a abrangência do vocábulo trazer imprecisão à determinação do objeto de
estudo.
algum tempo, o tema da definição de cultura foi incluído na pauta das discussões
sobre as sociedades modernas e industriais, e segundo o inglês Terry Eagleton (2005, p. 10), a
mudança histórica da própria humanidade da existência rural para a urbana, da criação de
porcos a Picasso, do lavrar o solo à divisão do átomo, mapeia o desdobramento semântico da
palavra cultura. Entretanto, não se chegou a um consenso preciso sobre a definição de cultura.
Nesse conceito pode, ser inserida uma infinidade de sentidos, uns mais restritos e outros mais
genéricos, como quando há referência a tudo que caracteriza a raça humana.
Conquanto os estudiosos apresentem diversos rumos que a expressão cultura pode
tomar, o consenso de que ao se referir à cultura está-se tratando de característica
essencialmente humana. Tomando por base esse sentido, o antropólogo Roque de Barros
Laraia (2007, p. 24-25), entende que cultura confunde-se com a própria existência humana:
20
As diferenças existentes entre os homens, portanto, não podem ser explicadas em
termos de limitações que lhes são impostas pelo seu aparato biológico ou pelo seu
meio ambiente. A grande qualidade da espécie humana foi a de romper com suas
próprias limitações: um animal frágil, provido de insignificante força física,
dominou toda a natureza e se transformou no mais temível dos predadores. Sem
asas, dominou os ares; sem guelras ou membranas próprias, conquistou os mares.
Tudo isto porque difere dos outros animais por ser o único que possui cultura. Mas
que é cultura?
Cultura é vocábulo de origem latina e seu significado original está ligado às atividades
agrícolas. Entretanto, esse conceito foi ampliado para reportar-se à educação elaborada de um
indivíduo, o refinamento pessoal, ainda sendo por esse ângulo utilizado até os dias atuais.
A despeito do aspecto humano da expressão cultura, o rumo depende do enfoque
buscado pelo sujeito, pois dentro dessa característica humana é possível delimitar o sentido
perquirido. Nesse aspecto, José Luiz dos Santos (2007, p. 21-22) apresenta algumas acepções
20
Cultura na dimensão antropológica é tudo que resultar da ação humana. Entretanto, os direitos culturais foram
definidos por Francisco Humberto Cunha Filho na obra Direitos Culturais como Direitos Fundamentais no
Ordenamento Jurídico Brasileiro (2000, p. 29-35), como sendo os que se relacionam com as artes, com a
memória coletiva e com a transmissão de saberes.
53
comuns de cultura. Assim, pode estar intimamente ligada a estudo, educação, formação
escolar. Mas não apenas a esse, pois também cultura quando se refere às manifestações
artísticas, como o teatro, a música, a pintura, a escultura. Outro sentido é visto quando é
ligada aos meios de comunicação de massa, como rádio, cinema e televisão, ou ainda ao fazer
alusão às festas e cerimônias tradicionais, às lendas e crenças de um povo, ou a seu modo de
se vestir, à sua comida e seu idioma. No entanto, segundo o autor, a lista pode ser ampliada.
Tomando por base essa ampliação, Francisco Humberto Cunha Filho (2000, p. 22-23)
enumera os vários significados atribuído ao vocábulo cultura:
Dentre os mais correntes significados atribuídos à palavra cultura podemos
enumerar: (1) aquele que se reporta ao conjunto de conhecimentos de uma única
pessoa; mais utilizado para referir-se aos indivíduos escolarizados, conhecedores
das ciências, línguas e letras, embora, ultimamente, também se direcione a focar o
saber do dito “homem popular”; (2) um segundo que confunde expressões como
„arte‟, „artesanato e „folclore‟, como sinônimas de cultura, algo que muito nos
lembra figuras de linguagem como a sinédoque e a metonímia, vez que se percebe
claramente a substituição do todo pela parte, do continente pelo conteúdo; (3) outro
que concebe cultura como conjunto de crenças, ritos, mitologias e demais aspectos
imateriais de um povo; (4) mais um que direciona o significado de cultura para o
desenvolvimento e acesso às mais modernas tecnologias; (5) ainda o que distingue
o conjunto de saberes, modos e costumes de uma classe, categoria ou de uma
ciência (cultura burguesa, cultura dos pescadores, cultura do Direito...); (6) outro
vinculado à simiótica, retratador do conjunto de signos e mbolos das relações
sociais; (7) por último, em nossa modesta lista, aquele que se reporta a toda e
qualquer produção material e imaterial de uma coletividade específica, ou até
mesmo de toda a humanidade. (Grifo original)
Mesmo reunindo todos esses significados, o sentido da expressão cultura aqui buscado é
aquele possível de ser utilizado pelo Direito, e, especificamente, o empregado pela CF/88,
que, não obstante possa ser identificado na história evolutiva do termo, apresenta-se como
uma tarefa árdua para qualquer estudioso que se proponha fazê-la.
Dessa forma, é necessário muito cuidado na delimitação do sentido jurídico de cultura,
para que não seja utilizado de forma restrita - a ponto de limitar a proteção constitucional -
nem tampouco, muito abrangente, de modo que o torne conceito vago, impossibilitado de
concretização. No intento de encontrar esse equilíbrio na delimitação do conceito, José
Afonso da Silva (2001, p. 20) entende que:
É necessário, porém, acautelar-se para não dar um conceito muito estrito de cultura,
considerando-a apenas como o que é criação artística ou intelectual; a Constituição
quer mais do que isso, pois, se é certo que a cultura inclui esse tipo de atividade
humana, não se limita a ela. Mas também não de ser um conceito muito elástico
de cultura, onde tudo é absorvido pelo cultural, e então a proteção constitucional da
cultura ficará sem um parâmetro que delimite sua incidência.
54
O português Vasco Pereira da Silva (2007, p. 9-10) apresenta três acepções possíveis de
cultura para efeitos de aplicação das normas jurídicas:
[...] A este propósito, julgo ser conveniente proceder à delimitação de três acepções
possíveis (de âmbito progressivamente mais amplo e „abertas‟ de cultura,
juridicamente relevantes, que coexistem no espaço e no tempo: a) uma acepção
mais restrita, que entende cultura como uma realidade intelectual e artística
correspondente ao universo das „belas artes do passado, do presente e do futuro;
b) uma acepção intermediária, que não compreende apenas o domínio da criação e
da fruição intelectual e artística, mas que procede também ao respectivo
relacionamento com outros „direitos espirituais‟ (BREILLAT), nomeadamente os
respeitantes à ciência, ao ensino e à formação; c) uma acepção mais ampla, que
identifica a cultura como uma realidade complexa, enraizada em grupos sociais,
agregados populacionais ou comunidades políticas, que conjuga nomeadamente
elementos de ordem histórica, filosófica, antropológica, sociológica, ou mesmo
psicológica, aglutinados de acordo com três vectores orientadores, a saber: tradição,
inovação e pluralismo (leia-se abertura).
Portanto, o que interessa é apresentar um conceito de cultura adequado ao Direito, que
possa ser estremado e incluído nas regras de proteção jurídica, pois, pelo conceito geral, tudo
que decorra do caráter humano pode-se dizer que é cultura, não sendo possível assim torná-lo
como objeto genérico, conteúdo normativo, face à necessidade de determinação da essência
da norma. Corrobora esse entendimento Frederico Augusto Barbosa da Silva (2000, on line)
ao exprimir:
A cultura não se limita apenas ao usufruto de obras de arte e de patrimônio cultural
acumulado, mas abrange maneiras de viver e se comportar com relação às
experiências culturais e modos de viver de outros seres humanos, ou seja, não é
simplesmente a apreciação estética pura das belas-artes e o consumo passivo de
símbolos e signos produzidos por especialistas. Os processos culturais referem-se a
direitos e às responsabilidades de usufruto criativo pelos diversos agentes sociais
dos múltiplos códigos e sistemas de pensamento, ideologias, religiões, modos de
fazer e viver, aspectos tão importantes quanto o direito à liberdade e tratamento
igual.
Desta feita, para os fins pretendidos, pode-se ter como base a compreensão da cultura
apresentada por Francisco Humberto Cunha Filho (2000, p. 28), como sendo a “produção
humana vinculada ao ideal de aprimoramento, visando à dignidade da espécie como um todo,
e de cada um dos indivíduos”.
2.3 Os Direitos culturais
Com a delimitação do que seja cultura, que fixar os limites dos direitos intitulados
pelo art. 215 da CF/88, de culturais. A título de reflexão, dentro da perspectiva geral
esboçada, é possível dizer que todos os direitos seriam assim reconhecidos, haja vista
decorrerem da ingerência humana. Entretanto, não é esse o sentido aqui investigado. A
55
própria regra maior ao fazer referência a tais direitos reconheceu a importância da cultura para
a pessoa humana.
Inobstante tenha a Constituição previsto a obrigação estatal de garantir a todos o amplo
acesso e exercícios dos direitos culturais, não determinou quais seriam mencionados direitos.
Na medida em que foi necessário conceituá-los, buscou-se substrato na própria CF/88,
servindo de parâmetro na tarefa de conceituação, o art. 216, por conter a definição de
patrimônio cultural.
21
Ao dizer o que constitui o patrimônio cultural, a CF/88 implicitamente definiu o que
seria considerado cultura para a ordem jurídica, podendo daí ser deduzidos quais elementos
integram o núcleo dos direitos dela decorrentes.
Da análise do dispositivo constitucional, constata-se de pronto o caráter humano de
citados direitos, e não poderia ser diferente, uma vez que o sentido antropológico não pode ser
excluído, embora não deva prevalecer de forma absoluta para os fins jurídicos pretendidos. De
qualquer forma, de início, pode-se dizer que os direitos culturais são aqueles decorrentes de
todas as manifestações culturais dos indivíduos, seja isoladamente ou em grupos.
A CF/88 também reconhece que os sítios e as paisagens naturais que possuam valor
histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico são
dotados de estima cultural, e por esse aspecto compreende-se que o meio ambiente natural em
conjunto com vestígios de existência humana em tempos remotos determina a qualidade de
um bem como cultural, o que se vislumbra no patrimônio paleontológico, incluído na CF/88
como espécie culturalmente protegida.
21
“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I as formas de expressão; II os modos de criar,
fazer e viver; III as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V os conjuntos urbanos e sítios de
valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1˚ O Poder Público,
com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de
inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e
preservação. §2˚ Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as
providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. §3˚ A lei estabelecerá incentivos para a
produção e o conhecimento de bens e valores culturais. §4˚ Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão
punidos, na forma da lei. §5˚ Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências
históricas dos antigos quilombos. §6˚ É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de
fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de
programas e projetos culturais, vedadas a aplicação desses recursos no pagamento de: I despesas com pessoal e
encargos sociais; II serviço da dívida; III qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos
investimentos ou ações apoiados.”
56
Entretanto, tal conclusão não basta, é imprescindível prosseguir no esforço
hermenêutico. Assim, para a caracterização mais apurada dos direitos culturais é necessária
uma observação pormenorizada do preceito constitucional, sendo obtido como resultado desse
exercício mental, a identificação de outros atributos. A mais importante característica dessa
espécie de direito é referir-se a caracteres próprios e exclusivos dos grupos que compõem a
sociedade brasileira, no passado, no presente e até no futuro.
Delimitando ainda mais o raio de abrangência do art. 216, extrai-se que, dessa absoluta
condição humana, interessa apenas o que disser respeito à arte, memória, transmissão de
conhecimento, ou seja, o aspecto biológico do homem, por exemplo, não pode ser incluído
como direito cultural, por dizer respeito a características naturais de todo ser humano,
independentemente de tempo, lugar ou qualquer outro atributo (CUNHA FILHO, 2000, p.
33).
Também é possível inferir do dispositivo a seguinte hipótese: se o legislador asseverou
expressamente o que constitui patrimônio cultural para fins de proteção, e este é definido
como sendo o resultado da soma dos bens culturais de um povo, para o indivíduo surgiu a
titularidade de um direito subjetivo, qual seja, o de ter protegido o patrimônio material e
imaterial decorrente de sua condição humana (MOURÃO, 2009, p. 10).
Ademais, vale salientar que identificar e conceituar os direitos culturais não é tarefa fácil
nem atrativa, pois poucos dos que se debruçaram a estudar essa categoria constitucional
conseguiram alcançar esse objetivo satisfatoriamente. Entretanto, Francisco Humberto Cunha
Filho (2000, p. 34) extraiu da CF/88 a definição dos direitos culturais, como sendo “aqueles
afetos às artes, à memória coletiva e ao repasse de saberes, que asseguram a seus titulares o
conhecimento e uso do passado, interferência ativa no presente e possibilidade de previsão e
decisão de opções referentes ao futuro, visando sempre à dignidade da pessoa humana”. E a
partir da investigação identificou-os como sendo os decorrentes da liberdade de manifestação;
liberdade de expressão da atividade artística; liberdade do exercício profissional artístico;
liberdade de associação artística, inclusive de natureza sindical; propriedade, transmissão
hereditária e poder de fiscalização sobre as criações do intelecto, bem como sobre a imagem,
a representação, a interpretação, a voz e coisas análogas; proteção do patrimônio histórico e
cultural bem como de natureza difusa, ou seja, pertencente a cada um dos brasileiros
22
; o lazer
22
Art. 5º, IV, IX, XIII, XVII, XXVII, XXVIII, XXIX, LXIII.
57
cultural; a educação
23
; paridade e reconhecimento jurídico do trabalho intelectual
relativamente aos demais tipos
24
.
No que concerne ao conteúdo da expressão “direitos culturais”, José Afonso da Silva
(2001, p. 48) apresenta, ao analisar o dispositivo constitucional
25
, duplo aspecto: um como
norma agendi, quando a CF diz que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais, e como facultas agendi o próprio direito cultural, ou seja, a faculdade conferida ao
indivíduo de agir baseado no preceito normativo (SILVA, 2001, p. 47). No mesmo sentido,
continua o autor: [...] “se o Estado garante o pleno exercício dos direitos culturais, isso
significa que o interessado em certa situação tem o direito (faculdade subjetiva) de reivindicar
esse exercício, e o Estado o dever de possibilitar a realização do direito em causa.” (SILVA,
2001, p. 48).
Outra importante consideração refere-se à relação “Direitos/Deveres culturais”, visto
que por vezes o senso comum infere que apenas o Estado teria deveres para com a
coletividade, o que não corresponde à exigência constitucional, haja vista ter determinado
que: “O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o
patrimônio cultural brasileiro [...]”.
26
Sobre esse aspecto, entende Francisco Humberto Cunha
Filho (2004, p. 68-69):
Esta análise não pode omitir a relação Direitos/Deveres culturais, ínsita ao Direito
como um todo, mas que demanda ênfase, em decorrência de uma circunstância
histórica: em nossos dias são alardeados apenas os direitos culturais, e praticamente
omitidos os deveres culturais, a não ser quando devidos pelo Estado; é como se
houvesse o entendimento de que somente este, relativamente à cultura, tivesse
obrigações; os grupos e os indivíduos fossem imunes aos ditos deveres. Este
pensamento, porém, é inadmissível em uma sociedade de iguais, porque direitos
sem deveres correspondentes equivalem a privilégios, que são aceitos apenas em
regime de castas sociais.
Portanto, especificamente no âmbito cultural, não há o reconhecimento de deveres
apenas ao Estado, sendo imprescindível admitir a relação dialética entre ente estatal e
23
Art. 6º.
24
Art. 7º XXII.
25
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura
nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º O Estado protegerá as
manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional. § A lei disporá sobre a fixação das datas comemorativas de alta significação
para os diferentes segmentos étnicos nacionais. § 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional da Cultura, de duração
plurianual, visando ao desenvolvimento do País e à integração das ões do poder público que conduzem à: I
defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II produção, promoção e difusão de bens culturais; III
formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV democratização do
acesso aos bens de cultura; V valorização da diversidade étnica e regional.”
26
Art. 215 da Constituição Federal.
58
sociedade, e entre direitos e deveres, permitindo, com isso, o cumprimento do preceito
constitucional.
Nessa perspectiva, foi elaborada a Proposta de Estruturação, Institucionalização e
Implementação do Sistema Nacional de Cultura, fruto dos estudos e debates perpetrados por
um dos grupos responsáveis pela ordenação do sistema de cultura para o país, que cuidou de
identificar na CF/88 alguns direitos como culturais: direito à identidade e à diversidade
cultural (art. 18 § 4º, arts. 215, 216 e 231); direito à livre criação (art. 5º, IV e art. 220 caput);
direito à livre fruição ou acesso (art. 215, caput); direito à difusão (art. 215, caput); direito à
participação nas decisões de política cultural (art. 216 § ); direito autoral (art. 5º, XXVII,
XXVIII e XXIX) e direito à cooperação cultural internacional (art. 4º, II, III, IV, V, VI, VII,
IX e § único).
27
Desta feita, inserido na perspectiva dos direitos culturais adstritos a tudo que diga
respeito às artes, memória coletiva e transmissão de saberes dos homens, individualmente ou
em conjunto, no passado, presente e futuro, capitaneado pela dignidade da pessoa humana é
que será analisado o Fundo Nacional de Cultura como uma das ferramentas propostas para a
efetivação do direito ao acesso à cultura.
2.3.1 A fundamentalidade dos direitos culturais
A primeira questão a ser respondida por este estudo é a de se os direitos culturais
podem ser enquadrados na categoria de fundamentais. E, na medida em que forem assim
reconhecidos, como a programaticidade de suas normas dificultam ou facilitam sua
concreção. Para tanto, é necessário analisar os critérios delimitadores da fundamentalidade
dos direitos, ou seja, o que se pode identificar nas normas constitucionais para dizer que elas
encerram direitos fundamentais.
A opção inicial da CF/88, a fim de permitir essa compreensão, foi expressar quais
direitos seriam fundamentais, como o fez no Título II. Como referidos direitos não encerram
um rol taxativo, a Lei Maior previu em seu art. 5˚ §2˚ que os direitos e garantias ali expressos
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que o Brasil for parte, estabelecendo “uma regra de abertura a novos
27
Esse rol de direitos identificados está inserido na Proposta de Estruturação, Institucionalização e
Implementação do Sistema Nacional de Cultura apresentada pelo Grupo de Trabalho 1 da Secretaria de
Articulação Institucional SAI do Ministério da Cultura e aprovado pelo Conselho Nacional de Política Cultural
em 26 de agosto de 2009, p. 17.
59
direitos”, permitindo a descoberta e proteção de direitos ainda não previstos no texto
constitucional expressamente, consoante afirmou George Marmelstein (2008, p. 190).
O enunciado do § do art. da CF/88 encerra o chamado princípio da
complementaridade condicionada (DIMOULIS; MARTINS, 2008, p. 43), o qual dispõe que
direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros que decorrem “dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, indicando, desta feita, que
um direito pode ser deferido a alguém, mesmo que não esteja reconhecido e garantido
constitucionalmente, o que se vislumbra pela possibilidade de ser identificado em tratado
internacional de Direitos Humanos e que beneficie o titular do direito.
Em razão da literalidade de tal dispositivo, vê-se que o legislador constituinte
claramente previu que existem outros direitos fundamentais, além dos previstos
expressamente no Título II, quais sejam: os que decorrem do regime e dos princípios adotados
pela Carta Magna, desde que estreitamente ligados ao princípio da dignidade da pessoa
humana ou com a limitação do poder, e os previstos em tratados internacionais sobre direitos
humanos aprovados pelo Brasil, sujeitos ao quórum qualificado, previsto no art. §3˚ da
Constituição.
É possível perceber que a própria CF/88 estabeleceu os parâmetros de identificação
dos direitos fundamentais, permitindo, assim, que através de procedimento hermenêutico
capitaneado pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da limitação do poder, infira-se
quais preceitos constitucionais, além dos expressamente relacionados, encerram
características de fundamentais.
O legislador constituinte, ao prevê uma cláusula de abertura a novos direitos
fundamentais, reconheceu a complexidade da natureza humana e a constante necessidade de
se proteger direitos ainda não vislumbrados, pois estes podem surgir em decorrência da
dinâmica social ao longo de tempo. Assim, não há como delimitá-los em rol taxativo.
28
28
Na concepção de Francisco Humberto Cunha Filho (2005, p. 25) a constante busca social por cada vez mais
direitos fundamentais torna difícil a determinação das prioridades, além de acarretar uma inflação dessa espécie
de direitos, sendo conseqüência a diminuição da importância de todos, por haver supressão da fundamentalidade
que possuem. Maria Paula Dallari Bucci (2006, p. 4) entende que “a percepção dessa evolução evidencia que a
fruição dos direitos humanos é uma questão complexa, que vem demandando um aparato de garantias e medidas
concretas do Estado que se alarga cada vez mais, de forma a disciplinar o processo social, criando modos de
institucionalização das relações sociais que neutralizam a força desagregadora e excludentes da economia
capitalista e possam promover o desenvolvimento da pessoa humana. [...] Haveria um excesso de direitos
correspondentes a aspirações sociais cuja satisfação depende da macroenconomia, da organização dos setores
60
Especificamente acerca dos direitos culturais, não obstante haja algumas normas
relativas à cultura no Título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, tais como o direito à
liberdade de manifestação, liberdade de expressão da atividade artística, liberdade do
exercício profissional artístico, proteção do patrimônio histórico e cultural, dentre outros, o
título dedicado especialmente à cultura se encontra em Seção própria, nos artigos 215 e 216.
Nesse contexto reside a indagação acerca da fundamentalidade dos direitos culturais: em
razão da localização geográfica de tais preceitos.
Tendo por base o primeiro critério diferenciador, qual seja, o princípio da dignidade da
pessoa humana, a atividade interpretativa deve tê-lo como premissa, sendo elemento basilar
nessa tarefa, pois, além de ser referencial para a aplicação e interpretação dos direitos
fundamentais, serve de base para a dedução de outros preceitos decorrentes.
O princípio da dignidade da pessoa humana, ao ser reconhecido expressamente pela
Carta Magna como fundamento do Estado Democrático de Direito, demonstrou claramente a
vontade do constituinte no sentido de mostrar que a existência do Estado se em função da
pessoa humana, e não o contrário, pois o homem é a finalidade precípua, e não meio da
atividade estatal, sendo assim o alvo principal das normas.
Vale ressaltar que embora a dignidade da pessoa humana tenha recebido status de
princípio fundante do Estado de Direito no Brasil, não precisão acerca do seu significado e
conteúdo por se tratar de conceito vago e impreciso, não obstante sejam reconhecidos os
papéis da doutrina e da jurisprudência na delimitação dos contornos do conceito. No entanto,
não dúvida de que dignidade é algo real, pois quando se está diante de situações de
agressão física ou moral à pessoa, facilmente seu alcance é identificado.
Ingo Wolfgang Sarlet (2005, p. 115) reconhece a natureza aberta do conteúdo do
princípio da dignidade da pessoa humana:
Neste contexto, costuma apontar-se corretamente para a circunstância de que o
princípio da dignidade da pessoa humana constitui uma categoria axiológica aberta,
sendo inadequado conceituá-lo de maneira fixista, ainda mais quando se verifica
que uma definição desta natureza não harmoniza com o pluralismo e a diversidade
de valores que se manifestam nas sociedades democráticas contemporâneas. Há que
reconhecer, portanto, que também o conteúdo do conceito de dignidade da pessoa
humana (a exemplo de inúmeros outros preceitos de contornos vagos e abertos)
produtivos, da inserção do Estado na economia mundial, enfim, de variáveis estranhas ao direito. Para os países
em desenvolvimento, o rol de direitos inspirado nas Declarações Internacionais e nos textos constitucionais dos
países avançados constitui ideal irrealizável, em vista dos meios disponíveis.”
61
carece de uma delimitação pela práxis constitucional, tarefa que incumbe a todos os
órgãos estatais.
Para Perez Luño (2005, p. 324), a dignidade não constitui apenas a garantia negativa
de que a pessoa não venha a ser objeto de ofensas e humilhações, mas significa também a
afirmação positiva do pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo.
29
Assim, ao considerar os direitos culturais estatuídos nos artigos 215 e 216 e o
princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de
Direito
30
- uma vez que cultura é atributo essencialmente humano -, resta plenamente
caracterizada a íntima relação entre os mesmos, pois impedir que as pessoas exercitem os
direitos relativos à cultura, certamente fere de morte tal princípio.
Desta forma, há que
reconhecer que citados direitos são essencialmente fundamentais, pois sua violação e
supressão atingem diretamente preceitos inerentes à essência da pessoa humana.
Reconhecendo a fundamentalidade dos direitos culturais, Francisco Humberto Cunha
Filho (2000, p. 24) dispôs:
Além disso, no corpo de toda a Constituição espalham-se direitos culturais que,
pelo conteúdo, nenhum intérprete, com o mínimo de sensibilidade, pode negar-lhes
o status de fundamental. Isto porque referem-se a aspectos subjetivos de
importância capital, por vezes de individualidades, por vezes de grupo e também de
toda a Nação, no que concerne à questão da chamada identidade cultural.
Desconhecer isto é atentar contra os princípios adotados por nossa República,
incluindo a dignidade humana.
Sobre o segundo critério distintivo o que traz a possibilidade de serem tidos como
direitos fundamentais aqueles estabelecidos em tratados internacionais de direitos humanos
em que o Brasil for parte deve ressaltar-se o conteúdo de tais normas, reconhecendo seu
valor, haja vista a função fortalecedora e aprimoradora dos direitos humanos. E esse
tratamento não restringe nem tão pouco debilita o grau de proteção dos direitos consagrados
no âmbito normativo constitucional, corroborando a tese de que tais tratados permitem a
inserção de novos direitos na ordem pátria constitucional (PIOVESAN, 2005, p. 71).
Especificamente no campo da cultura, vários são os tratados que dispõem
expressamente do direito ao gozo e proteção aos direitos culturais, haja vista o
29
Tradução livre. No original: “La dignidad humana constituye no sólo la garantia negativa de que la persona
no va a ser objeto de ofensas o humillaciones, sino que entraña también la afirmación positiva del pleno
desarrollo de la personalidad de cada individuo.”
30
“Art. . A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ... II a dignidade da
pessoa humana.”
62
reconhecimento de que referidos direitos são inerentes à pessoa humana e, que, portanto,
carecem de regramento. A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos (que não
possui natureza de tratado, mas que exerceu papel primordial no reconhecimento dos direitos
humanos) promulgada pela Organização das Nações Unidas em 1948, tendo como base a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão declarada pela França em 1789, em seu
artigo 27 já fez referência ao direito do ser humano de ter acesso e usufruir dos bens culturais,
dando o pontapé inicial para a proteção dos direitos culturais como sendo direito intrínseco à
condição humana.
31
Para Paulo Bonavides (2003, p. 578), a Declaração dos Direitos do Homem é “o
estatuto de liberdade de todos os povos, a Constituição das Nações Unidas, a carta magna das
minorias oprimidas, o código das nacionalidades, a esperança, enfim, de promover, sem
distinção de raça, sexo e religião, o respeito à dignidade do ser humano”, o que comprova a
importância de referido documento, para a salvaguarda dos direitos humanos no plano global,
embora não possua natureza jurídica de tratado.
Discorrendo acerca do possível questionamento da natureza jurídica da Declaração
dos Direitos do Homem, por não ser um tratado propriamente dito, Juarez Freitas (2005, p.
54) esclareceu a dúvida, levando em conta a importância de referido documento, utilizando-se
de interpretação sistemática, como assim o fez:
A interpretação sistemática deve ser definida como uma operação que consiste em
atribuir a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas e
aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance e
superando antinomias, a partir da conformação teleológica, tendo em vista
solucionar os casos concretos. Com efeito, considerando-se a ratio e o telos da
norma contida no art. 5˚,§ 2˚, da CF, não nos parece razoável excluir ao menos
em princípio os direitos fundamentais consagrados pela Declaração de Direitos da
ONU, ainda mais em se levando em conta que a maior parte das Constituições que
a sucederam no tempo nela se inspiraram quando da elaboração de seu próprio”
„catálogo‟ de direitos fundamentais. (FREITAS, 1995, p. 54)
Suplantando qualquer indagação acerca da natureza jurídica da Declaração de
Direitos, importa reconhecer seu importante papel na conscientização, reconhecimento e
efetivação dos direitos do homem. Nesse intuito, as Nações Unidas, criaram alguns
organismos setoriais, dentre eles a UNESCO Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura, como organismo internacional responsável para a
31
“Artigo XXVII 1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de
fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.
2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção
científica literária ou artística da qual seja autor.
63
salvaguarda da cultura no mundo, tendo seus objetivos baseados no reconhecimento do
exercício e de proteção dos direitos culturais pelas pessoas.
No propósito da Declaração Universal dos Direitos Humanos, tratados de promoção,
incentivo e proteção da cultura, foram firmados, ao longo do tempo, como meios de
possibilitar e garantir à pessoa humana o exercício desse direito historicamente relegado a
segundo plano. A título de exemplo, pode-se citar a Convenção para a Proteção do Patrimônio
Mundial, Cultural e Natural promulgada pelas Nações Unidas em 1972 e em nível de
continente americano, a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto
de San José da Costa Rica de 1969, a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural
Imaterial, celebrada em 17 de outubro de 2003 em Paris, dentre outros.
Embora ditas normas internacionais não tenham sido submetidas às exigências do §
do artigo 5˚ da Constituição Federal, em razão de já terem sido aprovadas pelo Brasil antes da
Reforma do Judiciário perpetrada pela Emenda 45, influenciaram sobremaneira na
determinação de muitos dos direitos culturais previstos no Brasil. Diante disso, o contexto
atual orienta para a abertura cada vez maior do Estado Constitucional a preceitos normativos
internacionais de proteção e defesa dos direitos humanos, haja vista a irreversível necessidade
de elevar o ser humano ao patamar central de todas as relações, o que permite ao Brasil se
espelhar em outros direitos culturais protegidos por normas internacionais e regulá-los
internamente.
Ademais, deixando de lado toda e qualquer perquirição acerca da hierarquia dos
tratados internacionais em face das normas constitucionais, a preponderância dos direitos
humanos atende à exigência constitucional do artigo 4˚, inciso II, quando se referiu à
prevalência dos direitos humanos como princípio regente das relações internacionais do
Brasil.
32
Sobre essa necessidade de prestigiar as normas de direitos humanos,
independentemente do seu grau de hierarquia, entende George Marmelstein (2008, p. 204):
Além disso, essa tese de que a norma a ser aplicada deve ser sempre a que melhor
prestigia a dignidade humana, é muito mais compatível com a idéia de que
nenhuma norma, seja constitucional, seja internacional, deve ser interpretada no
sentido de excluir o reconhecimento de outros direitos e garantias que sejam mais
benéficos ao ser humano. Nenhuma declaração de direito, seja de que hierarquia
32
“Art. 4. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes
princípios:...II prevalência dos direitos humanos.”
64
for, pode servir como desculpa para imobilizar o caráter expansivo e progressivo
dos direitos fundamentais. E mesmo que a idéia de hierarquia constitucional dos
tratados de direitos humanos não seja aceita, o certo é que as normas de direito
internacional que protegem os direitos humanos devem ser vistas como importantes
instrumentos jurídicos de garantia da dignidade humana e da limitação do poder,
servindo tanto como fonte de direitos subjetivos quanto como critério de
balizamento e de legitimação da atividade estatal.
Por outro lado, a questão do status constitucional dos tratados internacionais de
direitos humanos ganhou relevo no meio jurídico, mesmo após a inclusão do § 3º do art. 5º na
CF/88 pela Emenda Constitucional 45/04, pois a partir daí restou a dúvida sobre qual
tratamento seria dado aos tratados ratificados antes da Emenda.
33
Cumpre ressaltar, ainda, que inobstante tenha o legislador constituinte,
inequivocadamente estabelecido critérios identificadores de outros direitos fundamentais,
que levar em conta a premente necessidade de proceder a análise interpretativa do conteúdo e
importância entre os direitos fundamentais localizados em outras partes da norma
constitucional, nos tratados e convenções internacionais, ou nos decorrentes do regime e dos
princípios constitucionais, com o espírito dos direitos estatuídos expressamente no título que
trata dos direitos fundamentais, sob pena de se desviar completamente do cerne de referidos
preceitos. Acerca desse aspecto se posicionou Ingo Wolfgang Sarlet (2005, p. 108):
Assim, verifica-se que os direitos fundamentais decorrentes do regime e dos
princípios, conforme denominação expressamente outorgada pelo art. § 2˚, da CF,
são posições jurídicas material e formalmente fundamentais fora do catálogo (Título
II), diretamente deduzidas do regime e dos princípios fundamentais da Constituição,
considerados como tais aqueles previstos no Título I (arts. ao 4˚) de Nossa Carta,
exegese que se impõe até mesmo em homenagem à especial dignidade dos direitos
fundamentais na ordem constitucional. Além disso, importa relembrar que também os
direitos decorrentes do regime e dos princípios devem guardar, de acordo com o
critério já enunciado, a necessária relação de sintonia (importância equiparada) com os
direitos do catálogo.
Resta claro que o constituinte brasileiro, no rumo do constitucionalismo que tomou
conta dos Estados após longa história de violações, lutas e evolução de direitos, incorporou a
conscientização de proteção de direitos da pessoa humana, e o fez estatuindo um extenso rol
33
O Supremo Tribunal Federal em julgamento que versava sobre a possibilidade de prisão civil do depositário
fiel, em razão do conflito entre a CF/88 e o Pacto de San José da Costa Rica, de 1966, incorporado ao direito
brasileiro em 1992, acatou a tese do Ministro Gilmar Mendes, a qual impunha aos trados internacionais de
direitos humanos uma força supralegal, ou seja, eles passaram a ter a mesma importância normativa dos direitos
fundamentais, sendo-lhes atribuído o condão de cessar a eficácia jurídica de toda e qualquer preceito
infraconstitucional com eles incompatível. Essa postura foi justificada pelo Ministro como uma “premente
necessidade de se dar efetividade à proteção dos direitos humanos nos planos interno e internacional torna
imperiosa uma mudança de posição quanto ao papel dos tratados internacionais sobre direitos na ordem jurídica
nacional. O voto do Ministro Gilmar Mendes consta do RE 466.343-1-SP.
65
de direitos fundamentais na Carta cidadã de 1988. Entretanto, não se limitou aos direitos
previamente reconhecidos como inerentes à natureza humana, deixou abertura à incorporação
de novos direitos, que com o desenvolvimento e a capacidade ímpar do homem de
transformação, certamente, surgiriam. Com esse objetivo inseriu o § do art. 5˚, propiciando
aos tratados internacionais e princípios fundantes do regime democrático essa função.
Assim, no que concerne aos direitos culturais, que reconhecer seu caráter de
fundamentalidade, seja no sentido formal, por estarem na Constituição e possuírem status de
norma constitucional, ou no sentido material, por serem intimamente entrelaçados ao
princípio da dignidade da pessoa humana, visto que não questionamento acerca do caráter
humano da cultura.
2.4 Aplicabilidade das normas jurídicas
A existência de todas as normas jurídicas, inclusive as constitucionais, é justificada pelo
seu potencial de aplicação às condutas humanas, e, por consequência, às relações sociais. Para
José Afonso da Silva (2003, p. 55-56), o enquadramento das normas ao caso concreto denota
sua aplicabilidade, pressupondo que atenderam às condições de vigência, legitimidade e
eficácia. Segundo o autor, vigência refere-se ao aspecto temporal da norma, ou seja, ao
momento em que estará apta a produzir efeitos, após ter sido promulgada e publicada;
legitimidade diz respeito ao fundamento de validade da norma
34
; e eficácia, à capacidade que
a norma possui de produzir efeitos jurídicos (SILVA, 2003, p.52).
Por conseguinte, a eficácia de uma norma constitucional é determinada pela
possibilidade de aplicação que possui. Nesse sentido, sua existência é justificada por
corresponder aos anseios sociais. Entretanto, por vezes, referidas normas, mesmo atendendo a
essas exigências, reclamam regulamentação por outras, para sua plena execução e
aplicabilidade, o que determina sua maior ou menor eficácia jurídica.
A CF/88 conserva em seu texto diversas espécies de regras, com funções e natureza
própria para cada finalidade que postulam, mas que compõem um conjunto harmônico e
recíproco de preceitos. Algumas possuem aplicabilidade imediata, sendo perfeitamente
eficazes, por serem dotadas de elementos necessários à executoriedade; outras gozam de
34
José Afonso da Silva (2003, p. 2003, p.55-56) aduz que as normas ordinárias e as complementares são
legítimas quando se conformam, formal e substancialmente, com os ditames da constituição; e a legitimidade das
normas constitucionais é questão controvertida, estando ligada ao próprio conceito de constituição.
66
eficácia contida ou limitada, dependendo da legislação para desenvolver seu sentido e atingir
os objetivos a que se propõem.
35
Especificamente no rol dos direitos culturais identificados por todo o corpo da CF/88,
pode-se dizer que alguns estão inseridos em típicas normas de aplicabilidade imediata, como,
por exemplo, as que garantem a liberdade de manifestação; liberdade de expressão da
atividade artística; liberdade do exercício profissional artístico (art. 5º, IV, IX, XIII); outras,
como as normas que exigem do Estado um comportamento ativo, que se concretiza pelo
fornecimento de bens e prestação de serviços. Como exemplo, pode-se citar a proteção do
patrimônio histórico e cultural (art. 216); a educação (art. 6º); o fomento às fontes da cultura
nacional (art. 215), etc., que são típicas normas de eficácia limitada.
Mesmo considerando a existência de várias espécies de normas constitucionais,
doravante, serão enfocadas as que possuem como característica a programaticidade, por
imporem ao Estado a obrigação de determinar programas que se concretizam em políticas
públicas a serem aplicadas nas diversas áreas contempladas com essa espécie de normas.
2.4.1 O caráter programático de certas normas de direitos culturais
Na medida em que há o reconhecimento da fundamentalidade dos direitos culturais, e da
aplicabilidade das normas constitucionais, impõe verificar o caráter programático de algumas
dessas normas, em contraponto com a dificuldade de sua efetivação, o que perpassa
necessariamente pelo enquadramento daqueles nas gerações de direitos fundamentais
desenvolvidas ao longo do tempo.
Sobre a inserção dos direitos culturais nas gerações de direitos fundamentais, que
ressaltar que, desde a previsão dos direitos fundamentais nas primeiras Constituições, estes
sofreram várias transformações, em razão, principalmente, de fatores históricos que
35
JoAfonso da Silva (2003, p. 86) apresentou uma classificação das normas constitucionais do ponto de vista
da eficácia e aplicabilidade, distinguindo-as em três categorias: a) normas de eficácia plena e aplicabilidade
direta, imediata e integral, por serem dotadas de todos os meios e elementos necessários à sua executoriedade; b)
normas de eficácia contida e aplicabilidade direta e imediata, mas possivelmente não integral, por sua
aplicabilidade não ficar condicionada a uma normação ulterior, mas ficar dependente dos limites que
posteriormente se estabeleça mediante lei ou da ocorrência de circunstâncias restritivas, constitucionalmente
admitidas; e c) normas de eficácia limitada, subdividindo-se em declaratórias de princípios institutivos ou
organizativos as que o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos,
para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei; e declaratórias de princípio programático
as normas constitucionais através das quais o constituinte limitou-se a traçar os princípios para serem
cumpridos pelos órgãos, como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do
Estado.
67
interferiram sobremaneira no conteúdo, eficácia e titularidade dos mesmos. Para além do
momento histórico que surgiram, deve ser considerada também a própria evolução do Estado
e da sociedade, como fator determinante no desenvolvimento dos direitos fundamentais.
Dentro dessa perspectiva, tais direitos foram sendo enquadrados em gerações ou dimensões,
que embora deem a idéia de sobreposição e de afastamento dos primeiros, na realidade se
complementam.
A complementaridade das gerações de direitos fundamentais mereceu posicionamento
de Paulo Bonavides (2003, p. 563):
Com efeito, descoberta a fórmula de generalização e universalidade, restava
doravante seguir os caminhos que consentissem inserir na ordem jurídica positiva de
cada ordenamento político os direitos e conteúdos materiais referentes àqueles
postulados. Os direitos fundamentais passaram da ordem institucional a manifestar-se
em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e
qualitativo, o qual, segundo tudo faz prever, tem por bússola uma nova universalidade
abstrata e, de certo modo, metafísica daqueles direitos, contida no jusnaturalismo do
século XVIII.
Neste sentido, enquadrando os direitos culturais na classificação clássica das gerações
de direitos fundamentais, urge dizer que há, entre aqueles, alguns que são picos direitos de
cunho social, reconhecidos e enquadrados como direitos de segunda geração, haja vista sua
correspondência aos direitos de igualdade do lema revolucionário francês. Tais direitos dizem
respeito à necessidade humana de ter algo além da liberdade formal abstrata, mas a exigência
do indivíduo no sentido de um agir positivo do Estado, ou seja, um comportamento ativo do
Poder Público na realização da justiça social, que garanta o: “direito de participar do bem-
estar social” e possibilite ao homem não a liberdade, mas o exercício dos direitos que lhe
são intrínsecos (LAFER, 2006, p. 127).
Essa exigência corresponde à outorga do Estado ao indivíduo, de direitos a prestações
sociais, como saúde, educação, assistência social, trabalho, dentre outros, além das
“liberdades sociais”, como a possibilidade de sindicalização, o direito de greve e o
reconhecimento dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Referidos direitos resultaram
dos graves problemas sociais e econômicos ocorridos ainda no século XIX, e a certeza de que
a consagração formal da liberdade e igualdade o gerava a garantia do seu efetivo exercício,
fazia-se imprescindível à manifestação ativa do Estado, bem assim o comprometimento
estatal para promover maior igualdade e garantir as condições básicas para uma vida digna.
68
Ao lado dos direitos eminentemente trabalhistas, também foram garantidos pelo Estado
do bem-estar social os chamados direitos econômicos, sociais e culturais, por também
dizerem respeito a necessidades básicas do indivíduo. Tais preceitos impuseram-no diretrizes,
obrigações e tarefas definidas por políticas públicas, a serem cumpridas no intuito de
proporcionar ao homem melhor qualidade de vida e o mínimo de dignidade como condição
para o exercício da liberdade já deferida pelos direitos de primeira geração.
Não obstante os direitos culturais tenham sido enquadrados pelos doutrinadores
clássicos como de segunda geração, há que levar em conta os mais recentes estudos acerca da
natureza desses direitos e o lugar que ocupam nas gerações de direitos fundamentais.
Por esse aspecto, Francisco Humberto Cunha Filho (2000, p. 66-67), após a proposição
do que sejam direitos culturais, aliada à definição antropológica de cultura e o rol de direitos
culturais apresentado por José Afonso da Silva e Peter Häberle, conclui que em todas as
gerações de direitos fundamentais é possível identificar os culturais.
36
E para comprovar essa
identificação, exemplifica:
Para comprovar esta assertiva, tomemos alguns exemplos. Primeiro: ninguém
duvida que a liberdade de expressão através da arte é um direito cultural e que seu
exercício demanda que o Estado se abstenha de uma ação que impeça dita
liberdade. Estamos diante de um direito de liberdade. Primeira geração. Segundo
exemplo: o direito ao ensino básico revela o direito de acesso aos códigos
padronizados e massificados da comunicação e da cultura; mesmo sendo conhecido
vulgarmente apenas como direito educacional, é por excelência um direito cultural
que exige do Estado eficiente prestação positiva, ao ponto de, no ordenamento
jurídico brasileiro, vincular, em nível constitucional, expressiva parcela dos tributos
a serem arrecadados por todas as pessoas jurídicas de direito público componentes
da Federação; direito indubitavelmente de segunda geração. Terceiro exemplo:
direito à proteção da atividade intelectual, exercível contra outrem que não
unicamente o Estado; o direito de proteção do meio-ambiente cultural (patrimônio
edificado) contra a ação dos predadores, visando proteger a um “interesse
solidário” de qualquer ser humano: direitos culturais de terceira geração. Outro
aspecto a considerar, na vislumbrada quarta geração de direitos, que se anuncia
na proposta do constitucionalista PAULO BONAVIDES, como a dos direitos dos
povos à Democracia, é que esta seria uma geração de direitos eminentemente
culturais, pois que o aspecto basilar a ser considerado é o elemento ao mesmo
tempo comum e diferenciador das nações: a própria cultura de cada um (CUNHA
FILHO, 2000, p. 66-67). (Grifo original)
Diante destes argumentos, não se põe vida na conclusão a qual chegou o autor.
Entretanto, para os fins aqui perquiridos, especificamente, a análise dos direitos culturais
36
A ntese a que chegou o autor Francisco Humberto Cunha Filho (2000, p. 66-67) no que diz respeito à
identificação dos direitos culturais em todas as gerações de direitos fundamentais se deu com base em seus
estudos sobre o tema, tendo como orientação o elenco de direitos culturais proposto por Peter Häberle em sua
obra Le Liberta Fondamentali Nello Stato Costituzionale e José Afonso da Silva na obra Curso de Direito
Constitucional Positivo (1993).
69
enquanto objeto de políticas públicas estatais, e, assim, por exigirem do ente público um
comportamento ativo na condução dos rumos da cultura, o enfoque será sobre os direitos
fundamentais culturais de segunda geração.
Nesse diapasão, é importante verificar a natureza das normas constitucionais que
consagram supracitados direitos, por possuírem como característica primordial a
programaticidade, pois estabelecem um programa ou uma diretriz a ser seguido pelo Estado
no cumprimento de sua tarefa, tendo por objeto precípuo conduta positiva do Poder Público
consistente numa prestação de natureza fática. É o que Ingo Wolfgang Sarlet (2005, p. 284)
delimita como sendo:
[...] os direitos sociais de natureza positiva (prestacional) pressupõem seja criada ou
colocada à disposição a prestação que constitui seu objeto, já que objetivam a
realização da igualdade material, no sentido de garantirem a participação do povo
na distribuição pública de bens materiais e imateriais.
A igualdade material a que se refere o autor corresponde à outra dimensão da igualdade,
em razão de que a igualdade formal juntamente com a liberdade, os chamados direitos de
defesa, estavam reconhecidos nos direitos fundamentais de primeira geração, sendo
necessário, portanto, a efetivação da igualdade em seu aspecto material.
A dupla dimensão (objetiva e subjetiva) dos direitos fundamentais consiste na condição
que possuem de exercerem funções diversas na ordem jurídica, seja no aspecto objetivo ou na
dimensão subjetiva, caracterizada pela exigência de posições por parte do Estado,
correspondendo ao status positivus socialis da doutrina dos quatros status do publicista
alemão Georg Jellinek,
37
no século XIX, a que se refere Ingo Wolfgang Sarlet (2005, p. 284).
37
A teoria de Jellinek proposta em contexto político do século passado em que vigia a concepção liberal de
Constituição foi sendo adaptada e complementada pela doutrina, ao longo do tempo, para se enquadrar na atual
concepção de multifuncionalidade de direitos fundamentais. A teoria consistia originariamente na vinculação do
indivíduo a determinado Estado tendo sua posição ligada a quatro espécies de status ou situação jurídica, seja
como sujeito de deveres, seja como titular de direitos. A cada um dos status correspondia uma posição do
indivíduo diante do Estado. A primeira seria o status passivo (subjections), onde o indivíduo estaria subordinado
aos poderes estatais, no sentido de que estaria sujeito a mandamentos e proibições, não possuindo direitos, sendo
mero prestador de deveres. A segunda posição reconhecida por Jellinek seria o status negativus, consistente na
esfera individual de liberdade imune às interferências estatais. O indivíduo como detentor de personalidade seria
reconhecido como status negativus. O terceiro status que complementa o status negativus seria o status
positivus, no qual estaria garantida ao indivíduo a prerrogativa de juridicamente exigir do ente estatal ações
positivas e a possibilidade de utilizar-se das instituições estatais. Nessa esfera se enquadram os direitos sociais
por serem direitos que exigem do Estado prestações, e, consequentemente, comportamento ativo. A quarta e
última posição seria o status activus, onde se reconhece a condição de cidadão da pessoa, atribuindo-lhe
competências para participar da formação da vontade estatal, ou seja, ao indivíduo se atribuía a condição de
partícipe da vontade estatal, que se concretizaria pelo direito de votar e ser votado.
70
Paulo Bonavides (2003, p. 646) sintetizou a Teoria dos status de Jellinek e enfatizou seu
caráter atual:
A dimensão objetiva reflete ainda hoje de certo modo o influxo positivo da teoria
do status de Jellinek, cuja visão precursora e admirável desdobrara,
estruturalmente, a relação entre o indivíduo e o Estado numa sequência de três
status consecutivos: o status negativus, onde ficam os direitos individuais que
postulam a abstenção do Estado e vêem neste tão-somente o negativum da
liberdade, segundo reminiscências filosóficas e jurídicas do kantismo; o status
activus, onde se aloja o princípio participativo da cidadania na vontade de governo,
inserindo-se o Estado num processo que o submete paulatinamente à jurisdição,
domínio e controle do cidadão sufragante, e, de último, o status positivus, que
atende à demanda de prestações com que o poder cria os pressupostos materiais ao
exercício da própria liberdade, doravante concebida em termos concretos e não
meramente abstratos e formais.
Nas gerações dos direitos fundamentais, os direitos culturais, enquanto objeto de
políticas públicas estatais, são enquadrados essencialmente na segunda geração, por serem
tipicamente direitos que exigem do Estado um comportamento ativo que se concretiza através
de ações afirmativas voltadas para a concreção dos direitos, são os status positivus de Jellinek.
Caracterizam-se como o “reino das exigências, das postulações com que o indivíduo,
dirigindo-se ao poder público, deste recebe as prestações mediante as quais o Estado constrói
socialmente as condições da liberdade concreta e efetiva”, como asseverou Paulo Bonavides
(2002, p. 646), e correspondem à evolução do Estado de Direito, de matriz liberal-burguesa
para o Estado democrático e social de Direito.
Visto que os direitos sociais, econômicos e culturais carecem de comportamento estatal
no sentido de estabelecer políticas públicas concretas destinadas a sua efetivação, suas normas
possuem características diferenciadas das que garantem o exercício dos direitos de defesa,
haja vista que referidas regras possuem alta densidade normativa, ou seja, estão aptas a atingir
a plena eficácia, sem que haja qualquer necessidade legislativa de determinar programas a
serem cumpridos.
Destarte, as normas constitucionais denominadas de programáticas são aquelas em que o
legislador constituinte não regulou direta e expressamente determinadas matérias, apenas
limitou-se a fixar diretrizes a serem concretizadas através de programas, deixando para o
legislador ordinário o cumprimento dessa tarefa. Nesse sentido, referidas normas exigem do
Estado uma ação positiva que lhe impõem a persecução de objetivos específicos.
Algumas normas constitucionais de direitos culturais como as de direitos sociais e
econômicos caracterizam-se como programáticas, e possuem, ao contrário das que garantem
71
o exercício dos direitos de defesa, baixa densidade normativa, sendo indispensável à atuação
do legislador para que possam gerar a plenitude de seus efeitos, em razão dos programas,
finalidades e tarefas a serem implementadas pelo Estado. Por conseguinte, não podem ser
consideradas meras normas de caráter ideológico ou político, sendo autênticas normas
jurídicas, pois mesmo sem qualquer ato concretizador encontram-se aptas a desencadear
algum efeito jurídico.
38
As normas programáticas constituem a face moderna das Constituições (BONAVIDES,
2003, p. 244), pois seu conteúdo reflete as mudanças sociais que surgiram no momento em
que o Estado passa a encetar valores inerentes à condição humana. Direitos culturais, sociais,
os concernentes à relação de trabalho, educação, previdência, representava matéria
completamente nova para o Direito Constitucional clássico, sendo as normas que o inseriam
de difícil eficácia jurídica, de modo que seu ingresso nas Constituições não ocorria permitindo
sua aplicabilidade direta e imediata. Aplicar normas constitucionais de direitos sociais tornou-
se tarefa muito mais complexa do que fazer valer antigos direitos de liberdade proclamados
no constitucionalismo liberal, principalmente porque para a efetivação desses direitos são
exigidos muito mais recursos financeiros, o que obriga ao Estado aumentar a tributação, a fim
de cumprir os preceitos constitucionais (BONAVIDES, 2003, p.233).
As normas constitucionais que preveem direitos sociais são as que mais sofrem
questionamentos acerca da eficácia e juridicidade, haja vista o caráter programático, pois por
exigir comportamento ativo do Estado, especificamente do legislador, e, noutro momento da
administração pública, servem de motivo recorrente para a inobservância da Constituição, em
razão da ausência de vontade política dos legisladores em tornar efetivos os direitos
garantidos pela Carta Magna.
Norberto Bobbio, (2004, p. 72) ao estudar os direitos humanos, apresentou contribuição,
referindo-se às normas programáticas:
O campo dos direitos do homem ou, mais precisamente, das normas que
declaram, reconhecem definem direitos ao homem aparece, certamente, como
aquele onde é maior a defasagem entre a posição da norma e sua efetiva aplicação.
38
Ingo Wolfgang Sarlet (2005, p. 282), ao discorrer sobre as normas constitucionais, asseverou que todas as
normas constitucionais, mesmo as que estabelecem programas para o legislador, são aptas a gerar efeitos
jurídicos, no sentido de que inexistem normas constitucionais destituídas de eficácia e aplicabilidade e que os
direitos fundamentais prestacionais, por menor que seja sua densidade normativa ao nível da Constituição,
sempre estarão aptos a gerar um mínimo de efeitos jurídicos. No que pertine o quanto de eficácia cada direito
fundamental a prestações poderá ter dependerá da sua forma de positivação no texto constitucional e das
peculiaridades de seu objeto.
72
E essa defasagem é ainda mais intensa precisamente no campo dos direitos sociais.
Tanto é assim que, na Constituição italiana, as normas que se referem a direitos
sociais foram chamadas publicamente de „programáticas‟. Será que nos
perguntamos alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam,
proíbem ou permitem hic et nunc, mas ordenam, proíbem e permitem num futuro
indefinido e sem um prazo de carência claramente delimitado? E, sobretudo, já nos
perguntamos alguma vez que gênero de direitos são esses que tais normas definem?
Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados sine die, além
de confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação moral ou, no máximo, política,
pode ainda ser chamado corretamente de „direito‟?
Os direitos sociais, econômicos e especificamente os culturais, por serem direitos
prestacionais que refletem profundamente a dinâmica socioeconômica, não se concebe que
sejam formulados de modo concreto na Constituição, haja vista o permanente conflito que
haveria entre a estabilidade da Lei Maior e a necessidade de adequação, pelas constantes
mudanças que obrigam a atualização dos preceitos. Ademais, por outro lado, essas
características dos direitos prestacionais estão diretamente ligadas à sua relevância econômica
e dependência de disponibilidade de recursos, o que impõe aos órgãos políticos a tomada de
decisões permanentes, a fim de aplicá-los nas referidas áreas com base na dotação
orçamentária anual, o que restaria impossibilitado caso não fossem positivados de forma vaga
e aberta em normas de cunho programático.
A análise dos direitos sociais permite detectar a dificuldade de detalhamento das
condutas estatais no texto constitucional. O próprio objeto da prestação, qual seja, cultura,
saúde e educação, é de difícil definição com precisão, visto que englobam uma série de
ramificações que merecem ser expostas em normas infraconstitucionais, tendo o legislador
relevante papel na definição desses delineamentos, na função estatal de estabelecer ações
afirmativas que serão concretizadas nas políticas públicas.
As normas programáticas possuem o condão de impor ao ente estatal a obrigação de
estabelecer ações que visem à efetividade dos direitos previstos pela Constituição. Essas ações
se caracterizam como políticas positivas de caráter compulsório em que o Estado deixa sua
condição de neutralidade e age para que sejam disponibilizadas ao indivíduo as condições de
exercício dos direitos reconhecidos constitucionalmente. Sobre as ações afirmativas
estatais, Ramos (2007, p. 123) expôs:
Ação afirmativa põe fim à neutralidade do Estado, obrigando-o a uma conduta de
natureza positiva com vistas à eliminação das desigualdades que impedem alguns
de usufruir dos direitos mínimos necessários à vida digna em sociedade. Além
disso, as ações afirmativas importam em conferir aos grupos vulneráveis o mesmo
ponto de partida dos grupos em situação de vantagem, possibilitando àqueles a sua
integração econômica e social. Trata, por conseguinte de obtenção de justiça social.
73
Nesse sentido, alguns dos direitos culturais típicos da segunda geração foram estatuídos
pela CF/88, em normas programáticas, como por exemplo, os constantes no art. 215 que
determinam ao Estado garantir a todos o pleno exercício daqueles direitos, ou mesmo o art.
216 que lhe impõe a proteção das diversas manifestações da cultura brasileira. Referidos
preceitos obrigaram o legislador criar normas infraconstitucionais que detalhassem as regras
da política cultural do país.
Nunca na história constitucional brasileira se tratou da cultura como sendo direito da
pessoa humana, como fez a Carta de 1988, que estabeleceu duas ordens de valores culturais:
uma que são as próprias normas jurídico-constitucionais, permeadas de valores, como as que
determinam direitos culturais, garantia de acesso à cultura, liberdade de criação e difusão,
igualdade no gozo de bens culturais etc.; a outra, constituída pela própria matéria
normatizada: a cultura, o patrimônio cultural, os diversos objetos culturais, tais como, formas
de expressão, modos de criar, fazer e viver; criações artísticas, obras, objetos, documentos,
edificações, conjuntos urbanos, sítios, monumentos de valor cultural.
As parcas políticas culturais brasileiras sempre refletiram interesses de uma elite
preocupada em garantir a participação dos cultos e letrados de cada época nas atividades
culturais. À grande massa da população não era possibilitado o acesso aos bens culturais nem
tampouco pouco havia qualquer incentivo na manifestação de seus talentos e de suas artes.
Infere-se da análise do regramento constitucional da cultura que, para a concretização de
tais direitos exige-se a necessidade de participação estatal na gestão cultural, que de regra
ocorre através de políticas públicas com conteúdo voltado para a liberdade cultural, embora
necessariamente deva haver uma ingerência positiva do Estado, a fim de garantir referida
liberdade. Tais políticas devem ser guiadas por objetivos próprios, como proteção, formação e
promoção cultural, sendo estes sempre voltados para a realidade social e garantindo o acesso
democrático aos bens culturais.
Importante frisar ainda que, ao desenvolver uma política cultural própria, o Estado deve
seguir parâmetros democráticos, ou seja, estabelecer política oficial não significa impor uma
cultura, significa criar mecanismos que permitam o acesso de todos à mesma - principalmente
à massa da população - favorecer a livre procura das manifestações culturais, bem como
prover meios para que a difusão cultural seja baseada em critérios de igualdade, ou seja,
74
estabelecer um processo contínuo de democratização cultural fundamentado na visão de
cultura como vetor social de interesse coletivo.
Alexandre Barbalho, estudioso da matéria, em reflexão acerca da política cultural
brasileira propôs “uma política pública de cultura que criasse as condições de possibilidades,
que permitisse, que tornasse possível. Enfim, uma política cultural que não sucumbisse aos
imperativos mercadológicos; que inventasse; que se diferenciasse. Mesmo que errasse mais e
acertasse menos, os acertos valerão o investimento”.
39
No entanto, historicamente não foi
assim que o tema da cultura foi tratado, e foram direcionadas as políticas públicas do setor no
Brasil, em razão da pouca importância dada à matéria pelo Estado.
Atualmente a Lei que trata do financiamento cultural é objeto de reforma após intensos
debates públicos, com o intuito de readequar os mecanismos à realidade do país, haja vista
que não se possibilita efetivamente o acesso de todos à cultura. O objetivo dos debates foi
estabelecer novas regras para o sistema de financiamento de projetos culturais, e com isso
proceder a mudança da legislação de modo a garantir a todos a efetiva participação e o
incentivo das diversas manifestações. Espera-se, com essa medida, que sejam possibilitados a
todos os direitos culturais assegurados pela CF/88.
2.5 Direitos culturais como objeto de políticas públicas no Brasil
Discorrer sobre o Fundo Nacional da Cultura impõe a obrigatoriedade de abordar, ainda
que minimamente, a trajetória das políticas culturais adotadas no país, a fim de demonstrar o
modo como o Estado brasileiro vem tratando tal assunto ao longo de tempo, bem como a
harmonia das práticas culturais com as exigências constitucionais.
A CF/88 será utilizada como marco temporal para mostrar qual o tratamento dispensado
pelo Estado brasileiro à cultura, esclarecendo que a Carta Magna exerce papel divisor de
águas no que concerne ao reconhecimento de direitos culturais.
Determinar políticas públicas significa a obrigação estatal de proporcionar meios e
condições para o exercício de direitos. Para Gilberto Bercovici (2006, p. 144) “o próprio
fundamento das políticas públicas é a necessidade de concretização de direitos por meio de
prestações positivas do Estado, sendo o desenvolvimento nacional a principal política pública,
39
A opinião do autor acerca de política cultural foi manifestada no SEMINÁRIO CULTURA XXI: DESAFIOS
DA GESTÃO CULTURAL no ano de 2003 em Fortaleza, intitulada: Idéias Sobre uma Política Cultural para
o Século XXI, p. 45.
75
conformando e harmonizando todas as demais.” Especificamente no campo cultural,
haverá pleno exercício desses direitos quando o Estado desenvolver eficaz ação positiva,
visando alcançar os objetivos que impõe a norma constitucional na seção pertinente à cultura.
Para Maria Paula Dallari Bucci (2006, p. 39), política pública:
[...] é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto
de processos juridicamente regulados processo eleitoral, processo de
planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo,
processo administrativo, processo judicial visando coordenar os meios à
disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos
socialmente relevantes e politicamente determinados.
Como tipo ideal, a política pública deve visar à realização de objetivos definidos,
expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua
consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados.
Assim sendo, políticas públicas de natureza cultural serão constituídas e executadas,
obtendo resultados satisfatórios, a partir do reconhecimento da sociedade e do Estado de que a
cultura é uma das colunas de sustentação de desenvolvimento social, por dizer respeito à
identidade e diversidade de um povo, carecendo de incentivo, preservação e defesa. Assim,
uma política pública satisfatória para esta área deve garantir o acesso de todos aos bens
culturais, fomentar a diversidade e preservar a identidade desse mesmo povo, baseando nesses
aspectos a tese sustentada por Ana Carla Fonseca Reis (2006, p. 140).
Desta feita, é imprescindível que seja analisado o trato que a cultura recebeu por parte
do Estado brasileiro, desde os tempos mais remotos, e as consequências desse tratamento no
desenvolvimento social e cultural do país, bem como a atual conjuntura das políticas setoriais.
2.5.1 Políticas públicas culturais anteriores à Constituição Federal de 1988
Ao longo da história do Brasil, a gestão cultural nem sempre recebeu atenção merecida
do Estado, seja por falta de interesse nesta seara, ou mesmo por necessidade de atenção para
outras áreas, como educação, saúde, moradia, tratadas muito tempo, pelo próprio Estado como
mais importantes do que cultura.
Tomando como ponto inicial o descobrimento até o final do período colonial, é
constatado o menosprezo da corte portuguesa a todo e qualquer incentivo à produção cultural
e, principalmente, a elaboração de uma identidade nacional, que não lhe interessava
fortificar a colônia. Posteriormente, buscando criar em território nacional um clima cultural
europeu principalmente para satisfazer os inúmeros componentes da corte que vinham para
76
o país e a ele mesmo Dom João VI, passou a trazer para o Brasil missões artísticas européias
compostas por artesãos, artistas, cientistas, dentre outros, cada um com características
próprias e identidade cultural completamente diversa da essência do povo brasileiro.
Com a transferência da Família Real e de toda sua corte para a colônia, verificam-se
algumas medidas incipientes na vida intelectual e artística do país, como a vinda de Missão
Artística Francesa, a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia
Imperial de Belas-Artes, da Biblioteca e do Museu Nacional, dentre outras.
40
Durante todo o primeiro e segundo reinados, esse intuito persistiu, embora tenham sido
estabelecidas no país instituições promovedoras das artes e da cultura, ainda estavam
arraigadas de valores eminentemente europeus. No entanto, que, ressaltar que sob a
margem dos interesses reais, a cultura brasileira se desenvolvia e ganhava contornos próprios,
como inevitável resultado da heterogeneidade dos povos que compunham a população pátria.
Em nível oficial, pode-se dizer que as regras culturais continuaram sendo ditadas pela
minoria dominante por muito tempo, inexistindo até início do século XX uma estrutura
pública encarregada de delinear os contornos de uma política pública cultural genuinamente
brasileira.
Acerca do tratamento dispensado às políticas culturais pela coroa portuguesa, Antônio
Albino Canela Rubim (2007, p. 14-15) assevera:
[...] não se pode pensar a inauguração das políticas culturais nacionais no Segundo
Império, muito menos no Brasil Colônia ou mesmo na chamada República Velha
(1889-1930). Tais exigências interditam que o nascimento das políticas culturais no
Brasil esteja situado no tempo colonial, caracterizado sempre pelo obscurantismo
da monarquia portuguesa que negava as culturas indígena e africana e bloqueava a
ocidental, pois a colônia sempre esteve submetida a controles muito rigorosos
como: proibição de instalação de imprensas; censuras a livros e jornais vindos de
fora; interdição ao desenvolvimento da educação, em especial das universidades
etc.
A República Velha também não teve interesse em estabelecer políticas públicas voltadas
para a cultura, apenas algumas ações na área do patrimônio foram realizadas, mas nada que se
assemelhasse a uma política pública efetiva. Na realidade, as parcas ações culturais eram
restritas a favorecer os interesses da elite da época, visto que o sentimento reinante era de que
culto é aquele que tem acesso a conhecimento, sendo excluído dessa possibilidade toda e
40
Esses exemplos foram citados por Alexandre Barbalho (2007, p.37) em artigo intitulado “Políticas culturais no
Brasil: identidade e diversidade sem diferenças” que compõe a obra organizada pelo autor, em conjunto com
Antônio Canela Rubim, denominada Políticas Culturais no Brasil.
77
qualquer indivíduo que não usufruísse de educação formal, ou seja, a adquirida nos bancos
escolares. Entretanto, a cultura popular despontava não poderia ser diferente, uma vez que
representava a essência do povo brasileiro sem apoio estatal e sob os olhares desconfiados
da elite que não via nas manifestações culturais vindas das ruas, das periferias e da classe
trabalhadora, algo de proveitoso e merecedor de atenção.
Com o desenvolvimento social, atrelado ao crescimento das cidades, a evolução dos
meios de comunicação e o desenrolar da cultura popular, não deu mais para considerar que
cultura era assunto de elite. Ao Estado restou a obrigação de gerir a cultura, tanto no
aspecto normativo como na administração propriamente dita.
41
Vale lembrar que a sociedade não assistia a tudo inerte, no início do século, vários
movimentos civis culturais afloraram, sendo um dos mais expressivos a Semana da Arte
Moderna de 1922, que determinou mudança de paradigmas, tanto na arte em si no que
concerne a fatores artísticos como no trato estatal com a cultura, porquanto era necessária a
ingerência do Estado para que se permitisse ao povo brasileiro desfrutar desses bens.
Para Frederico Augusto Barbosa da Silva (2009, on line) “o modernismo que se
desenvolveu no Brasil, por outro lado, insistiu no enraizamento social da produção cultural e
artística, dos seus vínculos com a sociedade e do seu entrelaçamento com as tradições
localizadas.”
Ao reconhecer a matéria na pauta de suas obrigações, o Estado, enquanto legislador, não
atribuiu autonomia ao assunto, sendo tratado costumeiramente em conjunto com a educação, e
seus órgãos vinculados aos gerenciadores desta, dificultando consideravelmente a
possibilidade de reger-se por normas próprias.
No período político denominado Estado Novo, a face da cultura começou a sofrer
mudanças, alavancadas principalmente pelo interesse governista em modificar a imagem que
o povo brasileiro tinha da administração estatal, uni-lo em torno de ideias comuns de interesse
do próprio Estado. Para isso, contou com a colaboração ativa de intelectuais e artistas do porte
de Carlos Drummond de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Cândido Portinari e José
Américo de Almeida, que, exercendo diretamente funções estatais, contribuíram para a
41
Vale lembrar que o povo sentia a ausência de políticas estatais voltada para a cultura, e vivia sob o paradoxo
de manifestações culturais intensas e latentes, em contrapartida à ausência de incentivo, financiamento e
reconhecimento estatal.
78
administração do Estado Novo. Mas não foi só na cultura que as transformações começaram a
ocorrer, houve profunda remodelagem nas áreas social, econômica e política que iriam
determinar o rumo do futuro do país.
Sob a influência do Estado Novo na formação do povo brasileiro e do Estado Nacional,
Antônio Gilberto Ramos Nogueira (2005, p. 185) apresentou posicionamento:
Se a década de 1930 é um marco histórico e simbólico duma ação do Estado para as
coisas da cultura, assim como da entrada dos modernistas na repartição, os anos
1920 também são simbólicos na história política e cultural brasileira por encontrar-
se aí a gênese do Brasil moderno. Esses anos significaram a possibilidade definitiva
de modernidade, configurada em suas categorias: povo, nação e Estado Nacional.
A partir de então, diversas instituições oficias foram criadas a fim de executar os planos
governamentais, inclusive o de estabelecer uma cultura voltada para a valorização da
identidade do homem brasileiro, ou seja, o sentimento de brasilidade era a base para a
ingerência estatal na cultura.
Nesse intuito, foi criado o Ministério da Educação e Saúde em 1930, que, conforme
atribuição institucional, deveria também cuidar das coisas da cultura pela similitude com
educação, sendo aquela incluída como decorrência desta. Outro fato, embora a nível estadual,
contudo merecedor de destaque pela importância para a política cultural no país, foi a
administração de Mário de Andrade no Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo
nos anos de 1935 a 1938, representando grandes avanços na área cultural.
42
Foram instituídos,
ainda, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Instituto Nacional do Livro e o
Instituto Nacional de Cinema Educativo.
É possível mencionar outra considerável instituição criada no período, em razão do
ineditismo da iniciativa, que foi o Conselho Nacional de Cultura (CNC), o qual era
competente para coordenar todas as atividades relativas do Ministério da Educação e Saúde
que dissessem respeito ao desenvolvimento cultural a nível nacional, tendo sua criação,
função e composição, disciplinadas pelo Decreto-Lei nº 526 de 1º de julho de 1938.
O Estado Novo protagonizou ainda relevante papel na proteção do patrimônio cultural,
como na produção de legislação específica da matéria, verificando em todas essas ações uma
preparação para os tempos difíceis que iriam chegar.
42
Em 1953, o Ministério passou a ser de Educação e Cultura.
79
Sobre a participação popular no CNC asseverou Francisco Humberto Cunha Filho
(2004, p. 113) que “a representação da comunidade cultural, por sua vez, não é cogitada na
composição do CNC, pois todos os Conselheiros, como visto, eram „notáveis homens de
cultura‟, segundo o conceito subjetivo do próprio Presidente da República.”
Impende trazer a conclusão apresentada por Alexandre Barbalho (1998, p. 47) acerca da
cultura no Estado Novo:
Como podemos concluir, a construção institucional na cultura não foi,
simplesmente, uma tentativa de controlar a produção cultural por parte do Estado.
Diversos vetores atuaram, motivando políticas públicas no setor: o incentivo de
uma nova imagem do homem brasileiro, mais de acordo com as necessidades do
capital; implantação de práticas corporativistas no setor intelectual e artístico, a
exemplo do que ocorria no trato com o operariado; divulgação de um projeto
nacionalista, em contraposição à fragmentação política, econômica, social e cultural
vigente na República Velha. Ou seja, a pretensão era bem maior do que o mero
controle ou censura da cultura. Nesse sentido, o regime de Vargas foi um período
privilegiado de aproximação entre o campo político e o campo cultural.
Durante muitos anos, a cultura exerceu importante papel na preparação do rumo político
a que o país fora direcionado. Curiosamente, a implantação futura do regime militar ditatorial
utilizou-se das ações governamentais na área da cultura até então implementadas, para desviar
a atenção da sociedade do momento político que vivenciava o país. Determinou ainda o
Estado Novo considerável avanço da produção cultural no país, mas naquilo que era
interessante ao regime, ou seja, as manifestações que, no sentir dos governantes, denegriam a
imagem do Estado, eram proibidas e favorecidas àquelas que valorizassem a imagem do
brasileiro.
Nos anos seguintes, o país viveu os mais difíceis momentos políticos até então vistos. O
golpe militar de 1964 inaugurou o regime ditatorial, e no campo da cultura a censura e a
repressão às manifestações contrárias ao regime sucediam cada vez com mais frequência, pois
para o regime aquelas deveriam refletir uma integração em torno da ideologia de Segurança
Nacional, conforme aduziu Alexandre Barbalho (1998, p. 74).
Embora objetivassem os governos militares exercer a censura sobre toda e qualquer
manifestação do pensamento, curiosamente, foi nessa época que despontaram as ações
governamentais mais concretas na área da cultura, até então vistas. A necessidade que o
regime possuía de legitimar a força fez com que os militares utilizassem a cultura para desviar
a atenção da sociedade principalmente dos que tinham alguma noção do que acontecia das
atrocidades cometidas face aos que se insurgiam contra o regime político. Tinha por fim ainda
80
a promoção do próprio Estado e para isso criou espaços institucionalizados, como o Conselho
Federal de Cultura (CFC) e o Instituto Nacional do Cinema.
Antonio Albino Canela Rubim (2009, p. 184) em debate no Congresso Internacional de
Políticas de cultura y comunicación: creatividad, diversidad y bienestar em la Sociedad de la
Información na Espanha se posicionou acerca da atuação do regime militar na cultura:
O golpe cívico-militar de 1964, outra vez, reafirmou esta triste tradição de
relacionamento da cultura como o autoritarismo. Os militares não reprimiram,
censuraram, perseguiram, prenderam, assassinaram, exilaram a cultura, os
intelectuais, os artistas, os cientistas e os criadores populares, mas, ao mesmo
tempo, constituíram uma agenda de realizações nada desprezível para a
(re)configuração do campo da cultura no Brasil. A ditadura investiu forte e
deliberadamente no desenvolvimento das indústrias culturais no país, conformando
toda infraestrutura sócio-tecnológica imprescindível à cultura midiatizada. A
ditadura em sua fase inicial foi capaz de conviver, não sem tensões, com uma
cultura nacional-popular de esquerda hegemônica em determinados setores sociais
(Schwarz, 1978), enquanto desenvolvia e controlava ferreamente as indústrias
culturais (Rubim & Rubim, 2004). (SIC)
Após várias propostas de políticas culturais terem sido sugeridas, apenas em 1975 foram
oficialmente apresentadas as bases da Política Nacional de Cultura (PNC), em que continha os
princípios que norteariam a política cultural do país pelos próximos tempos. A PNC foi
impulsionada pela promoção de políticas estatais de cultura promovida pela UNESCO, em
que buscava uma identidade latino-americana como parâmetro para as ações dos governos
(BARBALHO, 1998, p. 75).
A PNC representou uma iniciativa estatal de estabelecer política cultural no país, e ainda
que não tenha atingido plenamente seus objetivos, a atuação do Estado ainda estava presa à
ingerência dos dirigentes governamentais nas áreas de seus interesses. Essa ação denota uma
política cultural dependente e comprometida com vantagens para alguns, embora tenha se
tornado importante por significar iniciativa estatal em regrar o campo cultural, importando,
segundo Alexandre Barbalho (1998, p. 81), “um marco nas relações Estado-cultura no
Brasil”.
A título de ilustração, vale lembrar por dizer respeito à institucionalização da cultura
no Ceará que, na tendência das ações do setor estabelecidas pelo regime militar, foi criada
no Ceará, em 1966, a primeira Secretaria de Cultura Estadual do país, que atuou em conjunto
com o CFC e o MEC Ministério da Educação e Cultura na promoção da cultura no Estado
(BARBALHO, 1998, p.95).
81
Com o fim da ditadura, foi necessário repensar a cultura, visto que não se admitia o
dirigismo, e, principalmente, a censura e a repressão das manifestações. A democracia
impunha a obrigação de resgatar a identidade do povo brasileiro, tendo a cultura papel deveras
importante, uma vez que configura a expressão máxima da identidade de um povo. Restou
ainda outra certeza desse longo processo histórico: a de que realmente se deve ter no país
política cultural estatal voltada para a democracia e a liberdade.
Em 1985 foi criando o Ministério da Cultura pelo Decreto 91.144 de 15 de março
daquele ano, com o objetivo principal de fomentar e difundir a produção cultural no país.
Consequentemente, o enfoque legislativo mudou, sendo sancionadas várias leis em todos os
entes federativos voltadas para a área. (BRASIL. Ministério da Cultura, 2010, on-line)
A criação do Ministério trouxe ares de que a gestão cultural mudaria, entretanto os
minguados recursos dispensados à pasta tornariam a iniciativa pouco significativa, sem
grandes e consideráveis resultados práticos.
Em 1986 foi criada a Lei 7.505/86, chamada Lei Sarney, que estabelecia regras de
incentivo às atividades culturais, e instituindo o Fundo de Promoção Cultural. Referida Lei foi
substituída pela Lei 8.313/91 em virtude da necessidade de adequação da legislação ao
mandamento constitucional de 1988, relativo à cultura. Conhecida com Lei Rouanet,
estabeleceu o Programa Nacional de Apoio à Cultura PRONAC, como um sistema de
fomento melhor estruturado, bem como criou mecanismos de incentivo, como o Fundo
Nacional da Cultura, a ser analisado como objeto principal desse estudo, os Fundos de
Investimento Cultural e Artístico FICART e o Mecenato Cultural.
Os mecanismos legislativos de incentivo cultural acabaram assumindo o papel do
Estado na promoção da cultura, no que pertine a implantação de políticas públicas, por serem
confundidos com a própria atuação estatal. Na realidade, a ausência de políticas de Estado
para a cultura acarretou a super valorização das leis de financiamento, deixando ao mercado o
papel de incentivador que originariamente deveria ser do ente estatal.
Nessa perspectiva há que reconhecer a imprescindível participação do Estado na
promoção de políticas blicas para o setor cultural, pois se assim não for, o setor privado no
incentivo das ações culturais promoverá as manifestações que atenderem ao seu interesse, seja
por rentabilidade financeira ou mesmo clientelismo, o que certamente trará enormes prejuízos
às expressões culturais tradicionais que não interessam ao mercado.
82
É possível vislumbrar um modelo ideal de promoção da cultura que mescle participação
estatal e privada, atribuindo a cada um papéis específicos: ao Estado, competiria cumprir
papéis intransferíveis, como a garantia e a preservação do patrimônio cultural, o acesso
indistinto aos bens e serviços culturais, a proteção e a promoção de expressões tradicionais
que não interessam ao mercado; à iniciativa privada, caberia promover as manifestações que
atendessem aos seus interesses. Assim, haveria complementaridade de ações de modo que
algumas áreas não seriam menosprezadas em privilégio de outras.
2.5.2 Políticas públicas culturais posteriores à Constituição Federal de 1988
Com o advento da CF/88, à cultura foi destinada uma seção própria, no capítulo que a
trata juntamente com a educação e o desporto.
Ao fazer referência expressa ao direito à cultura, a CF/88 implícita e explicitamente
estabeleceu a necessidade de ação positiva do Estado, através de uma política cultural oficial,
sendo seu principal objetivo determinar a efetivação daquele direito previsto
constitucionalmente. A Carta Magna, ainda nesse intuito, distribuiu competências aos entes
federados, delegando papéis específicos à União, Estados e Municípios. Aos Municípios,
especificamente, nas palavras de Francisco Humberto Cunha Filho, restou a função de atuar
voltada para “quatro verbos: proteger, apoiar, promover e garantir”, demonstrando assim a
reconhecida e preponderante contribuição do Município na efetivação dos direitos culturais,
haja vista a proximidade desse ente com os indivíduos e as comunidades.
43
Importante frisar que a obrigação constitucional de desenvolver política pública própria
impõe ao Estado o dever de seguir parâmetros democráticos, ou seja, estabelecer ação oficial
não significa instituir uma cultura, impõe criar mecanismos que permitam o acesso de todos
às fontes de cultura nacional - principalmente à massa da população - favorecer a livre
procura das diversas manifestações, bem como prover meios para que a difusão cultural se
baseie em critérios de igualdade, ou seja, estabelecer uma democracia cultural, onde todos
possam manifestar as expressões.
Para a democratização é imprescindível a atuação pública nesse ramo, pautada em três
aspectos: não tolher a liberdade de criação, expressão e de acesso à cultura, por qualquer
43
Os verbos fazem parte da participação do Professor Francisco Humberto Cunha Filho no Seminário Cultura
XXI: DESAFIOS DA GESTÃO CULTURAL com o artigo intitulado: “Federalismo Cultural e os papéis do
Município no Fomento à Cultura” no ano de 2003 em Fortaleza, 2005, p. 162.
83
forma de constrangimento ou restrição oficial; antes, criar condições para a efetivação dessa
liberdade num clima de igualdade; por outro lado, favorecer o acesso à cultura e o gozo dos
bens culturais à massa da população excluída” (SILVA, 2001, p. 209). (Grifo original)
É essencial, ainda, que haja, além da garantia de acesso aos bens culturais e políticas de
fomento, a análise de resultados concretos, a fim de que possa haver aferição dos objetivos
constitucionais, ou seja, é preciso constatar se eles estão sendo realmente atendidos. Para
Cristiane Garcia Olivieri (2004, p. 165) “a falta de qualquer controle sobre o acesso e impacto
para os produtores culturais, para a classe artística e para o público, torna praticamente
impossível à aferição do atendimento ao direito constitucional à cultura”.
Premente esclarecer que falar em democratização da cultura não é apenas garantir o
exercício de direitos culturais num Estado democrático, mas permitir de fato o acesso à
cultura para toda a massa da população, não se restringindo à gestão cultural para os
escolarizados e elites, como historicamente foram desenvolvidas as políticas públicas
pretéritas. Para isso, também, a legislação deve ser inteligível, de modo que as pessoas, com
pouco ou nenhum conhecimento escolar, possam compreender a linguagem adotada pelo
legislador, sem deixar de lado a obrigação estatal de difundir uma educação para a cultura
como meio de propiciar o conhecimento da matéria. Desse modo, é possível dizer que está
garantida a participação de todos nas decisões quanto ao fazer cultural, o usufruto dos bens,
assim como a informação sobre os serviços pertinentes.
Portanto, estabelecer políticas culturais compromissadas e sérias, que permitam o acesso
de todos aos bens, é não só cumprir o mandamento constitucional, mas acima de tudo
concretizar a legitimação estatal. Nas palavras de Marilena Chauí (1985, p. 35): “a política
cultural é, juntamente com a política social, uma das formas empregadas pelo Estado
contemporâneo para garantir sua legitimação, isto é, para oferecer-se como um Estado que
vela por todos e que vale para todos”.
Ainda sobre política cultural e o modo de intervenção no setor, Cristiane Garcia Olivieri
(2004, p. 171-172) se manifesta:
Política cultural do Estado para ser plena, deverá ser composta por quatro tipos
básicos de intervenção, assim definidos: políticas relativas ao mercado cultural,
ocupadas com a produção, distribuição e consumo da cultura, incluindo as
políticas relativas à atuação da iniciativa privada; políticas relativas à cultura alheia
ao mercado cultural, direcionadas para as produções culturais que não atraem o
interesse econômico tanto na sua produção quanto nos seus objetivos e nos artistas
envolvidos; políticas relativas aos usos da cultura, que se referem à criação de
84
condições para manifestação ainda que amadora, bem como para o desfrute da
produção cultural; políticas relativas às instâncias de organização dos circuitos
culturais, voltadas para a organização administrativa da cultura.
No Brasil, historicamente, a disciplina legal da cultura foi assunto relegado a segundo
plano. Embora haja o reconhecimento da matéria em virtude da diversidade cultural que
permeia a sociedade brasileira, o disciplinamento e o incentivo a investimentos nessa área não
fizeram parte do rol de matérias consideradas urgentes e imprescindíveis ao povo brasileiro ao
longo do tempo. Hodiernamente, levando-se em conta a exiguidade de ações governamentais,
refletir acerca da lei de financiamento cultural, significa a análise da maior parte da política
implantada no país.
As Constituições pátrias, desde a de 1824, referiram-se à questão cultural, mas nunca
com o tratamento que a Carta de 1988 dispensou, haja vista ter estabelecido como deve ser
pautada a administração pública da cultura, a quem compete fazê-la e o que se enquadra no
conceito de patrimônio cultural, para fins de preservação, as competências específicas, dentre
outros aspectos.
Para Frederico Augusto Barbosa da Silva (2009, on line) “a cultura seria formada por
circuitos - com diferentes conteúdos e formas e estes seriam objeto da ão pública”. O
autor atribui ao conceito de cultura adotado pela CF/88 quatro sentidos:
a. A cultura é um fenômeno complexo, múltiplo e plural, como registra a
antropologia. b. A cultura se relaciona com o Estado democrático de direito, isto é,
a Constituição cultural é elemento essencial da Constituição, onde estão
preconizadas a democracia e a participação social nas formas de atuação do Estado.
c. O estabelecimento de um conceito de cultura é meramente formal diante da
complexidade das intervenções e do próprio caráter processual do fenômeno
cultural. d. As políticas se referem às capacidades de coordenação e ação do poder
público sobre múltiplos processos jurídicos, políticos, econômicos e sociais. O
Estado cultural refere-se à construção de capacidade de ação sobre os fenômenos
culturais.
Infere-se, da análise do regramento constitucional da cultura, que, para a concretização
de tais direitos, exige-se a necessidade de participação estatal na gestão cultural, que de regra
se através de políticas públicas com conteúdo voltado para a liberdade cultural, embora
necessariamente deva haver uma ingerência positiva do Estado a fim de garantir referida
liberdade. Tais políticas devem ser guiadas por objetivos próprios, como proteção, formação e
promoção cultural, sendo estes sempre voltados para a realidade social.
85
Com a redemocratização política, em 1985 foi criado o Ministério da Cultura,
incumbido da missão de fomentar e difundir a produção cultural no país, sendo seu papel
determinado pela CF/88, quando no artigo 215 atribui ao Estado a função de garantir a todos o
pleno exercício dos direitos culturais. Antes da CF/88 e após a criação do ministério, surgiu
uma série de leis federais de incentivo da participação privada no setor cultural. Entre elas,
pode-se citar a Lei Sarney (nº 7.505/86), que permitia a dedução de 2% do Imposto de Renda
de pessoas jurídicas e de 10% de pessoas físicas, aplicados sobre a transferência de recursos
para atividades culturais. Referida lei seria revogada posteriormente pela Lei Rouanet (REIS,
2003, p.163).
Após a CF/88 - quando se esperava a implantação de política cultural efetiva, que a
mesma havia dedicado à cultura delineamento próprio - em 1990, o Ministério da Cultura foi
transformado em Secretaria da Cultura, na gestão do Presidente Fernando Collor de Mello.
Algumas instituições culturais, como a Fundação Nacional de Artes Cênicas (Fundacen), a
Fundação do Cinema Brasileiro (FBC), a Embrafilme, a Fundação Nacional Pró-Leitura, o
Conselho Federal de Cultura e o Conselho Consultivo da Secretaria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Sphan) foram extintas. Além de todas essas medidas, os recursos para a
cultura foram reduzidos, acarretando diminuição no financiamento público da cultura e na
promoção de programas e ações para o setor (REIS, 2003, p. 164).
Em 1991, o então Secretário da Cultura, Sérgio Paulo Rouanet, elaborou a nova Lei
Federal de Incentivo à Cultura (Lei 8.313, de 23/12/1991), conhecida até hoje como Lei
Rouanet, restabelecendo princípios da Lei 7.505/86, instituindo o Programa Nacional de
Apoio à Cultura PRONAC, dentre outras providências. (REIS, 2003, p. 164)
O PRONAC foi constituído com o fim de captar e direcionar recursos para o setor
cultural, com os seguintes objetivos:
44
contribuir para facilitar, a todos, os meios para o livre
acesso às fontes da cultura e o pleno exercício dos direitos culturais, conforme determinou a
Carta Magna em seu art. 215; promover e estimular a regionalização da produção cultural e
artística brasileira, com valorização de recursos humanos e conteúdos locais, de conformidade
com o art. 221 da Constituição;
45
apoiar, valorizar e difundir o conjunto das manifestações
culturais e seus respectivos criadores, como dispôs o § 1˚ do art. 215 da Constituição;
44
Art. 1˚ da Lei 8.313/91.
45
“Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
II promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei”.
86
proteger as expressões culturais dos grupos formadores da sociedade brasileira e responsáveis
pelo pluralismo da cultura nacional, em atendimento ao Princípio do Pluralismo Cultural
implícito na Constituição; salvaguardar a sobrevivência e o florescimento dos modos de criar,
fazer e viver da sociedade brasileira; preservar os bens materiais e imateriais do patrimônio
cultural e histórico brasileiro em consonância com o Princípio do Respeito à Memória
Coletiva;
46
e desenvolver a consciência internacional e o respeito aos valores culturais de
outros povos ou nações; estimular a produção e difusão de bens culturais de valor universal,
formadores e informadores de conhecimento, cultura e memória; e, por fim, priorizar o
produto cultural originário do País.
Como se observa, os objetivos do PRONAC foram devidamente estabelecidos a partir
do regramento constitucional concernente à política cultural, sendo para tanto criado o Fundo
Nacional da Cultura (FNC), como um dos mecanismos de implementação das finalidades
anteriormente descritas, bem com os Fundos de Investimento Cultural e Artístico FICART e
o Mecenato Cultural. Ao FNC restou a função de contemplar projetos culturais que não o
legal ou materialmente aquinhoados pelo Mecenato Cultural ou Ficart, possuindo objetivos
específicos, natureza jurídica delimitada e administração própria, os quais serão, em momento
oportuno, analisados.
Após o impeachement de Fernando Collor de Mello, foi recriado o Ministério da Cultura
pelo presidente Itamar Franco. Em 1993 foi promulgada a Lei nº 8.625 Lei do Audiovisual.
No governo de Fernando Henrique Cardoso os rumos da política cultural no país foram
totalmente voltados para a Lei Rouanet, que após modificações, se transformou em seu
principal instrumento. Entretanto, mesmo sendo o vetor determinante daquele momento, não
houve efetividade em todos os mecanismos. O FNC exerceu papel diminuto no financiamento
público cultural, visto que ao mecenato foi atribuída a posição fundamental na cena da
cultura, deixando-se assim, à livre flutuação do mercado a condução da política cultural do
país.
Em consonância com a necessidade de estabelecer para o país um Plano Nacional de
Cultura que envolva todos os partícipes da cena cultural, é que no ano de 2005 foi aprovado
pela Emenda Constitucional 48 o acréscimo do § ao art. 215 da Constituição, o qual
46
A identificação dos princípios constitucionais culturais foi feita pelo Professor Francisco Humberto Cunha
Filho, sendo explicitados em sua obra “Cultura e Democracia na Constituição Federal de 1988”, quais seja:
Princípio do Pluralismo Cultural, Princípio da Universalidade, Princípio da Participação Popular, Princípio do
Respeito à Memória Coletiva e Princípio da Atuação Estatal como Suporte Logístico.
87
prevê a instituição por lei do Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao
desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público, objetivando à:
defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; produção, promoção e difusão de bens
culturais; formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas
dimensões; democratização do acesso aos bens de cultura e valorização da diversidade étnica
e regional.
47
A necessidade de uma emenda constitucional para criar um Plano Nacional de Cultura
se deu em razão da omissão do legislador constituinte originário em prevê-lo, embora tenha
reconhecido a cultura como direito fundamental. Nas discussões para aprovação da Emenda
Constitucional 48 vários foram os pronunciamentos legislativos a favor da reforma, por
admitir a importância da cultura para a identidade e o desenvolvimento de um povo. Nesse
sentido, foram as seguintes manifestações de parlamentares colacionadas por Pedro Lenza
(2008, p. 719):
Durante a tramitação do projeto, o Senador Hélio Costa lembra interessante frase
do ex-Ministro da Cultura da Fraa Jacques Lang: as últimas coisas no mundo que
deveriam ter subsídios governamentais são a cultura e a agricultura, porque os
alimentos para a alma são tão necessários quanto os alimentos para o corpo (DSF,
02.06.2005, p. 17142).
E ainda sobre a importância do Plano Nacional de Cultura como vetor de promoção da
cultural nacional colacionou outro comentário:
Ao comentar sobre a necessidade de um plano nacional de cultura, o Senador
Marcelo Crivella sinalizou que se tratava ... de uma iniciativa do Governo Federal
da maior relevância. Estamos sendo aculturados por potências estrangeiras
hegemônicas, porque não temos ainda, neste País, um plano nacional que valorize a
nossa cultura, que destine recursos suficientes e que organize desde os nossos sites
antropológicos, onde estão (sic) a história de nossos ancestrais, até mesmo uma
organização consistente, um arcabouço completo de nossa cultura, das nossas
festas, da nossa música, da nossa poesia, dos nossos quadros, principalmente da
nossa história, para que os brasileiros não cometam os erros do passado. O Plano
Nacional de Cultura é fundamental tanto no seu conselho gestor como no seu
fundo. É um momento importante em que o Congresso Nacional e o Senado
Federal dão uma manifestação concisa, definitiva para que fique valorizada e
preservada para as futuras gerações a cultura do nosso povo... (DSF, 02.06.2005,
p. 17142). Na justificativa da proposição, estabelece-se, com propriedade, que a
Cultura é um vetor indispensável do desenvolvimento socioeconômico de qualquer
país. É ela, em última instância, o elemento definidor da identidade nacional em um
mundo pretensamente „sem barreiras‟, em virtude do processo de globalização
(DSF, 07.08.2003, p. 22449) (LENZA, 2008, p. 719).
47
Art. 215 § 3˚ da Constituição Federal.
88
Entretanto, o legislador ordinário não dispensou a atenção e a urgência de que necessita
a matéria, haja vista tramitar a passos lentos, desde o ano de 2006 no Congresso Nacional, o
Projeto de Lei 6.835, visando à estruturação do Plano Nacional de Cultura, repetindo-se
assim o histórico desinteresse do Estado brasileiro em disciplinar matéria referente à cultura.
Dentre outras ações estruturadas na área da cultura nos últimos anos, podem-se citar os
estudos e debates, que veem ocorrendo desde o ano de 2003, promovidos pelo Ministério da
Cultura, para elaboração de um Sistema de Nacional de Cultura, nos moldes do existente
para a saúde e assistência social. Nesse sentido, foi aprovada, em 26 de agosto de 2009 pelo
Conselho Nacional de Política Cultural, a Proposta de Estruturação, Institucionalização e
Implementação do Sistema Nacional de Cultura - SNC, sendo este, conforme o texto da
proposta:
[...] um modelo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura,
pactuadas entre os entes da federação e a sociedade civil, que tem como órgão
gestor e coordenador o Ministério da Cultura em âmbito nacional, as secretarias
estaduais/distrital e municipais de cultura ou equivalentes em seu âmbito de
atuação, configurando desse modo, a direção em cada esfera de governo. Trata-se,
portanto, de um novo paradigma de gestão pública da cultura no Brasil, que tem
como essência a coordenação e cooperação intergovernamental com vistas à
obtenção de economicidade, eficiência, eficácia, eqüidade e efetividade na
aplicação dos recursos públicos. O SNC é integrado pelos sistemas municipais,
estaduais e distrital de cultura, e pelos sistemas setoriais, que foram e serão
criados.
48
Da análise do texto da Proposta de estruturação do Sistema Nacional de Cultura
constata-se a preocupação em trazer para a gestão pública da cultura todos os entes
federativos e a sociedade civil, de modo que em ação conjunta seja alcançado o objetivo
traçado pela CF/88, no que pertine ao pleno exercício dos direitos culturais e acesso aos bens
e serviços culturais. Na referida Proposta, o entendimento de cultura agrega a ideia de que a
mesma é um direito fundamental do ser humano, ao mesmo tempo que exerce importante
papel de desenvolvimento econômico e de inclusão social.
49
Além da estruturação do SNC, ao longo do tempo foram apresentadas outras propostas
de emenda constitucional, como a PEC 150/2003 que prevê a destinação de recursos para a
cultura acrescentando à CF/88 o art. 216-A; a Proposta 236/2008 prevendo a inserção da
48
A citação foi retirada da Proposta de Estruturação, Institucionalização e Implementação do Sistema Nacional
de Cultura apresentada pelo Grupo de Trabalho 1 da Secretaria de Articulação Institucional SAI do Ministério
da Cultura e aprovado pelo Conselho Nacional de Política Cultural em 26 de agosto de 2009, p. 17.
49
Esse entendimento de cultura apresentado na Proposta de Estruturação do SNC denota o aspecto global de
cultura tomado como base para a fundamentação do SNC.
89
cultura no rol dos direitos sociais previstos no art. da CF/88; e, por último, a Proposta de
Emenda Constitucional 416/2005 que institui o SNC. Outra ação encabeçada pelo MinC
são os debates sociais e as discussões com interessados diretos para efetivar mudanças na Lei
Rouanet, principalmente para ampliar o acesso aos mecanismos culturais legais e
fortalecimento do FNC. Referidas ações redundaram no Projeto de Lei que institui o
Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura Procultura, em trâmite no Congresso
Nacional, visando substituir a atual Lei Rouanet,.
Na perspectiva de estruturação do SNC, os fundos não foram esquecidos, haja vista sua
importância para a implementação e execução da gestão pública da cultura, sendo-lhes
atribuído papel de principal vetor de financiamento das políticas públicas nas três esferas de
governo.
50
Consequentemente, o FNC atualmente é objeto de estudos, a fim de ser estruturado
para atender às novas exigências da PNC, por ser importante ferramenta na implantação do
Sistema Nacional de Cultura.
Após todas essas considerações, que servem de embasamento para a análise do FNC em
todas as suas nuances, faz-se imprescindível embrenhar-se na essência dos fundos públicos de
finanças, a fim de explicar suas particularidades e buscar o enquadramento do FNC como
espécie desse tipo de mecanismo apto a efetivar o acesso à cultura.
50
Os fundos foram objeto de análise na Proposta de Implementação do SNC que levou em conta os objetivos
destes ao dispor: Os fundos m por objetivo proporcionar recursos e meios para financiar a execução de
programas, projetos ou ações culturais. Seu papel como principal instância de financiamento da política pública,
nas três esferas de governo, deve ser reforçado. Os recursos dos fundos de cultura destinados a programas,
projetos e ações culturais a serem implementados, de forma descentralizada, em regime de colaboração e co-
financiamento, pelos Estados, Distrito Federal e Municípios serão a estes transferidos, fundo a fundo, conforme
critérios, valores e parâmetros estabelecidos pelas instâncias apropriadas para a respectiva política.” (Proposta de
Estruturação, Institucionalização e Implementação do Sistema Nacional de Cultura, 2009, p. 22).
3 O FUNDO NACIONAL DA CULTURA COMO
INSTRUMENTO PÚBLICO DE FINANCIAMENTO
CULTURAL
O capítulo a seguir tratará especificamente do tema objeto do trabalho, o Fundo
Nacional da Cultura. Para isso é importante que seja analisada a ferramenta do fundo público
como um dos meios disponibilizados pela CF/88 para efetivação de políticas públicas
específicas a determinadas áreas, e, assim, empós, investigar a natureza jurídica de um fundo.
Desta feita, o FNC será apreciado o mais minuciosamente possível, a fim de verificar se
seu enquadramento enquanto fundo público, a relação de seus objetivos com os princípios
constitucionais de direitos culturais, e, principalmente, em que medida seu papel, na condição
de importante instrumento de efetivação das políticas culturais empreendidas pelo Estado
brasileiro, vem sendo cumprido.
Outros aspectos que merecem ser destacados são a origem dos recursos do FNC, a
dinâmica da operacionalização de apoio a projetos culturais, a forma de administração,
fiscalização e prestação de contas dos recursos do fundo, tendo como paradigma a utilização
de dinheiro público, para investimento em uma das áreas reconhecidas pela CF/88 como vetor
de desenvolvimento econômico de valorização da identidade brasileira, a cultura.
Nesse contexto, por fim, será analisado o projeto de lei que institui o Programa Nacional
de Fomento e Incentivo à Cultura Procultura, como novo diploma de financiamento cultural,
especificamente no que pertine ao FNC, como um dos mecanismos de implementação do
mesmo, uma vez que, consoante as bases da proposta que redundou no projeto de lei, várias
mudanças serão realizadas em tal ferramenta, após aprovação legislativa.
3.1 O que é um fundo público de finanças
A matéria que ora se propõe a investigar envolve conceitos essencialmente financeiros,
sendo, portanto, imprescindível socorrer-se de estudos abalizados de doutrinadores dessa área,
haja vista a especificidade do assunto. Assim, é possível dizer que uma das melhores
91
contribuições no sentido de conceituar objetivamente um fundo financeiro foi a de Hely
Lopes Meirelles, que os definiu como sendo “toda reserva de receita, para a aplicação
determinada em lei”(MEIRELLES, 1979, p.133).
Outras definições podem ser citadas, como a De Plácido e Silva (2007, p. 333), que
conceituou os fundos como “haveres, recursos financeiros, de que se podem dispor de
momento ou postos para determinado fim, feita abstração a outras espécies de bens”. Arnoldo
Wald os (1990, p. 15) definiu como “um patrimônio com destino específico, abrangendo
elementos ativos e passivos vinculados a um certo regime que os une, mediante a afetação dos
bens a determinadas finalidades, que justifique a adoção de um regime jurídico próprio.” José
Cretella Jr.(1993, p.3718) entende que “Fundo público é a reserva, em dinheiro, ou o
patrimônio líquido, constituído de dinheiro, bens ou ações, afetado pelo Estado a determinado
fim”. José Maurício Conti (2001, p. 76) formulou conceito que aqui pode ser adotado,
aduzindo que os fundos caracterizam-se como “um conjunto de recursos utilizados como
instrumento de distribuição de riquezas, cujas fontes de receita lhe são destinadas para uma
finalidade determinada ou para serem distribuídas segundo critérios pré-estabelecidos.”
O conceito de fundo aduzido por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2001, p. 76) em
seu Dicionário da Língua Portuguesa, preceitua que é toda “concentração de recursos de
várias procedências para, mediante financiamentos, se promover a consolidação ou o
desenvolvimento de um setor deficitário da atividade pública ou privada”.
Pelo próprio significado do vocábulo fundo, constata-se a intenção do legislador ao criar
tal mecanismo voltado para a cultura, reconhecendo, destarte, que essa atividade necessita de
recursos, sejam públicos ou privados para seu pleno desenvolvimento; consequentemente, a
impossibilidade social de custeio e gerência desse âmbito de atuação. Tal reconhecimento
atende ao disposto no art. 215 da Constituição Federal que determinou a participação estatal
na cultura, seja na função de garantidor ou de fomentador das manifestações do povo
brasileiro.
É importante mencionar que a CF/88 tratou dos fundos públicos em certos artigos, seja
para permitir a criação de alguns especificamente, ou até para vedar toda e qualquer forma de
vinculação orçamentária aos mesmos, ou referindo-se a eles no Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias - ADCT. No inciso II do § do art. 165 atribuiu à lei
92
complementar a possibilidade de instituí-los, e disciplinar o funcionamento.
51
Referidos
fundos são classificados pela doutrina como de destinação, ou seja, aqueles em que a receita
que os compõem, tem sua aplicação vinculada a determinados fins definidos previamente pela
lei, enquadrando-se o FNC nessa espécie. Há ainda os fundos de caráter tributário, como os de
participação dos Estados, Distrito Federal e Municípios, caracterizando-se como reservas de
recursos a serem distribuídas a entes jurídicos determinados, através de transferência
automática e obrigatória. Através deles, objetiva a União transferir recursos para os outros
entes federativos, servindo ainda de instrumento de equilíbrio financeiro entre referidas
unidades da federação, sendo previstos constitucionalmente nos artigos 157 a 162.
52
Outro preceito constitucional que merece consideração é o inciso IV do art. 167 por
vedar a vinculação de receita de imposto a qualquer fundo, órgão ou despesa, salvo as
previstas na própria lei.
53
A CF/88 tratou ainda dos fundos no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
ADCT, aduzindo que os existentes na data da promulgação, acaso não ratificados pelo
Congresso Nacional em dois anos, com as exceções previstas no referido dispositivo, seriam
extintos.
54
Além dos fundos criados pela legislação infraconstitucional, a CF/88 ainda previu
expressamente alguns específicos, como os Fundos Constitucionais de Financiamento do
Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Centro-Oeste (FCO), que objetivam colaborar para o
desenvolvimento econômico e social de cada uma das respectivas regiões, através de
instituições financeiras federais de caráter regional, mediante a execução de programas de
51
“Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: [...] § 9º. Cabe à lei complementar: [...] II
estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições
para a instituição e funcionamento de fundos.”
52
“Os artigos 157 a 162 compõem a seção VI do Título VI, e trata da repartição das receitas tributárias entre
Estados, Distrito Federal e Municípios.”
53
“Art. 167. São vedados: [...] IV a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a
repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos
para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para a realização de
atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII,
e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § , bem
como o disposto no § 4º deste artigo; (inciso IV, com a redação dada pela EC n. 42/2003).”
54
“ADCT Art. 36. Os fundos existentes na data da promulgação da Constituição, excetuados os resultantes de
isenções fiscais que passem a integrar patrimônio privado e os que interessem à defesa nacional, extinguir-se-ão,
se não forem ratificados pelo Congresso Nacional no prazo de dois anos.”
93
financiamento aos setores produtivos, planos regionais de desenvolvimento, tudo na
conformidade do art. 2º da Lei 7.827/89.
55
A Emenda Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000, em seu art. 7º acrescentou o
art. 77 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), criando o Fundo de
Saúde. A Emenda Constitucional 14, de 21 de agosto de 1996, em seu art. 5º, criou o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério (FUNDEF), que teve seu conteúdo expirado em 12.09.2006, sendo substituído
pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (FUNDEB). E a Emenda Constitucional 31, de 14 de dezembro
de 2000, acrescentou os arts. 79 a 83 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
criando o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (FCEP).
Mesmo com a previsão dos fundos constitucionais, coube à legislação determinar as
regras que dispõem sobre a criação, os objetivos e a origem dos recursos que constituirão os
demais, sendo normalmente receitas compostas por transferências automáticas e obrigatórias;
é possível, ainda, a criação de fundos instruídos por receitas que, total ou parcialmente, advêm
de transferências voluntárias. Assim previu a lei, em razão da existência de várias
modalidades de fundos, dependendo da maneira como está ordenada a transferência dos
recursos que os compõem e o modo como essas receitas são distribuídas.
Especificamente no campo da cultura, além do FNC instituído pela Lei 8.313/91, a
CF/88 no § 6º do art. 216 determinou a possibilidade do Distrito Federal e os Estados vincular
determinado percentual de sua receita tributária líquida a fundo estadual de fomento à cultura,
possibilitando a esses entes financiar programas e projetos culturais locais.
56
Como exemplo,
pode-se citar o Fundo Estadual de Cultura (FEC) do Estado do Ceará, inserido na Lei
Estadual nº 13.811, de 16 de agosto de 2006, regulamentada pelo Decreto Estadual nº 28. 441,
55
Referida lei criou o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte - FNO, o Fundo Constitucional de
Financiamento do Nordeste - FNE e o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste - FCO, para fins
de aplicação dos recursos de que trata a alínea c do inciso I do art. 159 da Constituição Federal, os quais foram
organizados nos termos desta Lei.
56
“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro [...] § É facultado aos Estados e ao Distrito Federal
vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco cimos por cento de sua receita tributária líquida, para
o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: [...]”
94
de 30 de outubro de 2006, como mecanismo de custeio de atividades no Sistema Estadual da
Cultura - SIEC.
57
A CF/88 no art. 165, inciso II do § , conferiu à lei complementar a competência para
instituir fundos, e disciplinar seu funcionamento. Entretanto, tal diploma legal ainda não foi
disciplinado, tratando da matéria a Lei 4.320/64, que estabelece normas gerais de direito
financeiro. Citada lei foi recepcionada em seus artigos 71 a 74 que tratam dos fundos - pela
Norma Constitucional - estando em vigor até os dias atuais como diploma legal que rege a
matéria.
58
O artigo 71 cuidou de conceituar fundo especial como “sendo o produto de receitas
especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços,
facultada a adoção de normas peculiares de aplicação (BRASIL. Planalto, 2009, on-line).
Da análise do preceito, J. Teixeira Machado Junior e Heraldo da Costa Reis,
sintetizaram as características dos fundos financeiros (2008, p. 156-157): composição por
receitas especificadas, próprias ou transferidas; vinculação à realização de programas de
trabalho da Administração Pública estabelecidos por lei; instituição pela lei criadora do fundo
especial do controle e destinação próprios, dos recursos financeiros; vinculação a determinado
órgão da Administração; plano de aplicação, contabilidade e prestação de contas específica, a
fim de atender ao disposto na lei criadora.
Tomando como base as características apresentadas, os mesmos autores concluíram
acerca dos fundos especiais:
Fundo especial não é detentor de patrimônio, porque é o próprio patrimônio, não é
entidade jurídica, não é órgão ou entidade orçamentária, ou, ainda, não é apenas
uma conta mantida na Contabilidade, mas tão-somente um tipo de gestão de
recursos ou conjunto de recursos financeiros destinados aos pagamentos de
obrigações por assunção de encargos de várias naturezas, bem como por aquisições
de bens e serviços a serem aplicados em projetos ou atividades vinculados a um
programa de trabalho para cumprimento de objetivos específicos em uma área de
responsabilidade e que a Contabilidade tem por função evidenciar, como é o seu
57
O FEC foi criado pela Lei 12.464/95, conhecida como Lei Jereissati, tendo sido revogada pela Lei
13.811/06 que instituiu o Sistema Estadual da Cultura SIEC e previu o FEC como um dos instrumentos de
financiamento do sistema.
58
Os demais artigos que tratam dos fundos na Lei 4.320/64 dispõem: Art. 72. A aplicação das receitas
orçamentárias vinculadas a fundos especiais far-seatravés de dotação designada na Lei de Orçamento ou em
créditos adicionais; Art. 73. Salvo determinação em contrário da lei que o institui, o saldo positivo do fundo
especial apurado em balanço será transferido para o exercício seguinte; Art. 74. A lei que instituir fundo especial
poderá determinar normas peculiares de controle, prestação e tomada de contas, sem de qualquer modo elidir a
competência específica do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.
95
próprio objetivo, por meio de contas próprias, segregadas para tal fim.
(MACHADO; REIS, 2008, p. 157-158)
Nesse contexto, pode-se dizer que o fundo especial possui natureza financeira e constitui
uma exceção ao princípio da unidade de tesouraria, disposto no art. 56 da Lei 4.320/64.
59
Referido princípio estatui que toda a arrecadação de receitas da Administração Pública,
determinada por lei, será concentrada em uma só conta a qual comporá um todo, sendo
vedada a criação de caixa especial para cada receita específica, excluindo-se claramente da
abrangência do preceito, os fundos especiais. Assim, a lei determinou uma maneira para que
os recursos financeiros fossem geridos numa única conta, conhecida por Caixa Única, estando
os fundos especiais fora da aplicação da norma.
O artigo 72 determina que as receitas dos fundos especiais sejam empregadas de
conformidade com os respectivos planos de aplicação, ou seja, nas áreas definidas
previamente pela lei específica, que deverá acompanhar o orçamento geral da entidade, como
preceituou o § do art. da Lei 4.320/64.
60
Na peça orçamentária ainda deverão ser
indicadas as receitas que constituirão os fundos, assim como os programas de trabalho em
cuja execução os recursos serão aplicados. Objetiva esse dispositivo manter a transparência
das contas públicas, assim como evitar a previsão de receitas aleatórias na elaboração da lei
do orçamento (PETER, 2009, p. 161).
o artigo 73 estabelece como regra geral que, posteriormente à devida apuração em
balanço patrimonial da entidade que mantém o fundo, caso haja saldo positivo dos seus
recursos, poderão os mesmos ser transferidos ao exercício financeiro seguinte, a fim de
atenderem os objetivos traçados. Frise-se que esse regramento será aplicado na hipótese da lei
instituidora não ter estabelecido disciplina em contrário acerca dos valores restantes dos
fundos, ao final do exercício financeiro.
O artigo 74 reiterou a competência geral do Tribunal de Contas como órgão
administrativo para exercer o controle externo sobre a execução financeira-orçamentária em
face dos três poderes e do Ministério Público
61
, prevendo que, além de referida fiscalização, é
59
“Art. 56. O recolhimento de todas as receitas far-se em estrita observância ao princípio de unidade de
tesouraria, vedada qualquer fragmentação para criação de caixas especiais.”
60
“Art. 2º. A Lei de Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa, de forma a evidenciar a política
econômico-financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade, universalidade
e anualidade. [...] § 2º. Acompanharão a Lei de Orçamento: I. Quadros demonstrativos da receita e planos de
aplicação dos fundos especiais;[...]”.
61
A competência do Tribunal de Contas da União foi determinada pelo art. 71 da CF/88.
96
possível a lei específica instituidora do fundo determinar normas peculiares de controle e
prestação de contas.
Por conseguinte, cabe ratificar que os fundos públicos, ao serem criados, além dos
objetivos específicos que justificam sua existência, têm a finalidade de servir de meio de
distribuição de recursos a áreas determinadas, a fim de suprir carências identificadas pelo
Estado, e que podem ser sanadas pela destinação de valores arrecadados de fontes diversas
das normalmente utilizadas pelo ente estatal.
A partir do disciplinamento legal dos fundos, é possível averiguar a natureza jurídica
dos mesmos, sempre tendo como vetor de investigação o FNC, objeto deste estudo.
3.1.1 Natureza jurídica dos fundos públicos
Na ciência do Direito comumente se investiga a natureza jurídica dos institutos, com o
intuito de identificar que lugar ocupam neste universo. Assim, inquirir sobre a natureza
jurídica dos instrumentos legais é responder o que estes significam para o Direito, indicando
em qual categoria são enquadrados e mostrando as teorias explicativas de sua existência
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2004, p. 191).
No caso específico, tomando por base essa orientação, é possível apreciar se os fundos
possuem personalidade jurídica ou não, ou seja, se podem titularizar direitos e obrigações na
ordem jurídica. Não são muitas as contribuições doutrinárias acerca da matéria; no entanto, as
apresentadas por José Maurício Conti convergem no sentido de que os fundos não possuem
personalidade jurídica própria, pois em momento algum são titulares de direitos, nem
tampouco de obrigações, apenas caracterizam-se como meras contas, que representam atos
realizados por terceiros.
62
Para compreender a ausência de personalidade jurídica, levando em conta que cada
fundo possui objetivo próprio, é preciso ter em mente que seu papel principal é servir de
instrumento de política financeira, destinando-se a remanejar recursos de determinadas áreas
ou pessoas, para outras que necessitam de investimento e incentivo, a fim de atingir o
respectivo pleno desenvolvimento. Portanto, os fundos não têm e não necessitam de
personalidade jurídica própria, pelo fato de que representam apenas meios de efetivação de
62
O autor entende que os fundos são simples contas, sendo essa uma de suas características, divergindo do
posicionamento dos José Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis. Entretanto, referidos instrumentos
acabam por assinalar caracteres de contas (CONTI, 2001, p. 81).
97
objetivos, e, para isso, possuem obrigatoriamente gestão peculiar, titularizadas pelos entes
públicos que lhes administram.
Outro aspecto que pode ser utilizado para justificar a existência dos fundos e demonstrar
a ausência de personalidade jurídica é a origem dos recursos que os compõem. Como
referidos valores advém de fontes diversas das normalmente utilizadas pelo Estado as fontes
são diferentes das que incidem a tributação necessitam de ferramenta também diversa, tendo
os fundos essa função específica de aporte de valores, até que as somas sejam distribuídas aos
que atenderem às exigências legais.
Embora as contribuições doutrinárias comunguem da opinião de que os fundos públicos
não possuem personalidade jurídica, dentre essas, algumas entendem que possuem capacidade
processual, ou seja, podem ser demandados em juízo e ser parte na defesa de seus interesses,
enquadrando-se no que a doutrina civilista denominou de quase-personalidade, a exemplo do
condomínio e da massa falida.
Embora não tenha personalidade jurídica, não sendo, pois, nem fundação, nem
corporação, o Fundo é dotado de personalidade judiciária, podendo assim, figurar
na relação jurídico-processual, como parte, autor ou u, tal como a herança
jacente, o condomínio em edifícios, a massa falida, a mara Municipal, o espólio,
o consórcio. Desse modo, o Fundo pode estar em juízo, litigando em nome próprio,
porque é titular de direito subjetivo, merecedor de proteção jurisdicional, quando
contestado, negado ou desconhecido (CRETELLA JUNIOR, 1997, p. 3.718).
Conquanto, mais algumas opiniões coadunem com a anteriormente apresentada, não
refletem a real essência dos fundos, pois tais institutos são figuras que não praticam qualquer
espécie de ato jurídico, portanto, não podem ser demandados em juízo, nem tampouco serem
autores em eventuais ações. A representação dos fundos é titularizada pelas pessoas jurídicas
de direito público a quem a lei conferiu gestão peculiar dos valores arrecadados, sendo destas
a competência para representá-los judicial e extrajudicialmente.
José Maurício Conti (2001, p. 80-81) apresenta estudo comparativo entre os fundos de
participação e uma conta-corrente bancária, a fim de mostrar que pelas características comuns
de ambos, há grande semelhança entre as respectivas figuras:
Há que se analisar, neste caso, não a conta-corrente sob a ótica de um contrato entre
as partes, mas sim como uma figura autônoma. E, sob este prisma, a conta-corrente
bancária configura um bem, um patrimônio, mas que não pratica, por si, qualquer
ato jurídico. Trata-se de mera figura representativa de atos realizados por outras
pessoas, estas sim com personalidade jurídica. Uma conta-corrente tem, de um
lado, o correntista, titular de direitos sobre ela, e de outro, o banco, que administra a
movimentação dos recursos que nela circulam. Que tipo de ato jurídico realiza a
98
conta-corrente? Rigorosamente nenhum. atos praticados pelo banco, que
movimenta seus recursos, realizando operações de crédito e débitos; atos do
correntista, que realiza e autoriza saques e depósitos; e de terceiros, pelos quais e
em favor dos quais se operam saques e depósitos. Ou seja, várias pessoas que
praticam atos ligados à conta-corrente. Mas a conta-corrente não realiza atos. A
conta-corrente não tem direitos. Se um saque indevido é realizado na conta-
corrente, o prejuízo não é dela, e sim do correntista, titular dos direitos sobre esta
conta, e ele é quem poderá reivindicar o que entender ser direito seu. Mas fará isto
em seu próprio nome. Não será a conta-corrente a responsável por reivindicar
quaisquer direitos. [...] O FPE e o FPM são como as contas-correntes. São figuras
representativas de atos realizados por terceiros. Juridicamente, são apenas objeto de
direitos, não sujeitos de direitos, uma vez que não são capazes de realizar qualquer
tipo de ato jurídico. (CONTI, 2001, p. 80-81)
Vale ressaltar que a apuração mais acurada permite dizer que, dependendo do objetivo
de cada fundo podem ser constatadas diferenças na natureza jurídica. Assim, é necessário
individualizar o fundo a ser analisado para chegar a uma conclusão mais adequada. No caso
em apreço, pode-se dizer que o FNC possui características próprias, pois a composição dos
recursos e destinação atendem à determinação legal, não havendo nenhuma autonomia em sua
gestão, estando os valores sujeitos à administração e destinação a projetos previamente
analisados pelo MinC, na qualidade de ente integrante da administração direta da União.
Após verificar a natureza jurídica do FNC, é forçoso, contudo, observar, não ser este
titular de nenhum direito, não configurar qualquer tipo de pessoa jurídica, não celebrar ato
jurídico, consequentemente, não assume nenhuma obrigação, e não está apto a figurar em
relação processual como sujeito ativo nem passivo, o que lhe enquadra na conceituação geral
de fundo público já esboçada.
3.2 O Fundo Nacional da Cultura
Em seguida à verificação do conceito e natureza jurídica dos fundos públicos impõe
adentrar especificamente no FNC e seus desdobramentos, tomando como parâmetro a Lei nº.
8.313/91 e o Decreto nº 5.761/06 que lhe regulamentou e estabeleceu a sistemática de
execução do PRONAC.
Inicialmente cumpre alertar para a terminologia do instrumento investigado. Conquanto,
na maioria das vezes, a nomenclatura passe despercebida, é importante explicitar para que não
surjam interpretações errôneas. Trata-se de um fundo público instituído com o objetivo de
fomentar a cultura e não constituído por ela, daí o motivo pelo qual a Lei nº 8.313/91 utilizou
a contração da e o a preposição de. Assim, com essa consideração inicial, é possível
averiguá-lo sem qualquer equívoco, mesmo de natureza terminológica.
99
O reconhecimento da necessidade de existência dos fundos voltados à cultura é de
fundamental importância para a execução de política pública para o setor comprometida com
os princípios constitucionais, haja vista serem, os mesmos, instrumentos hábeis a garantir às
manifestações culturais de menor expressão econômica a oportunidade de financiamento
público, uma vez que normalmente não interessam a iniciativa privada nem se enquadram na
sistemática de outros mecanismos. Outro viés da cultura que pode ser abrangido pelos fundos
públicos é a preservação do patrimônio, por também competir ao Estado e ser de interesse
público. Justificando a existência dos fundos, Ana Carla Reis (2006, p. 154) apresentou
posicionamento acerca da importância de referidos instrumentos voltados para o
financiamento da cultura:
Ciente de que projetos de grande importância para o desenvolvimento da
produção cultural ou para a manutenção do patrimônio existente, que não
despertam o interesse da iniciativa privada e muito menos têm sua distribuição
assegurada, o governo criou os fundos públicos de cultura, estabelecidos por lei
federal e por várias leis estaduais e municipais. Destinados a financiar projetos de
interesse público, os fundos promovem iniciativas cuja área, tema ou retorno
apresentam menor possibilidade de apetecer ao setor privado e constituem grande
instrumento de promoção da democracia e da descentralização cultural em todo o
país. (2006, p. 154)
A partir da compreensão da importância da cultura para o desenvolvimento do país, e,
em decorrência, a percepção constitucional de que trata a CF/88, infere-se a exigência da
intervenção do Estado nesse ramo, sendo premente a criação de ferramentas para a efetivação
da Regra Maior. O FNC, ao lado de outros que integram o PRONAC mecenato e FICART
é um dos instrumentos encontrados pelo legislador como meio de concretização dos objetivos
voltados à cultura, agrupando recursos advindos de vários segmentos a serem aplicados em
projetos que favoreçam o acesso de todos, indistintamente, à cultura.
É o FNC um fundo de natureza contábil, com prazo indeterminado de duração. A
indeterminabilidade de sua existência, torna possível a utilização dos recursos em projetos,
ações e programas culturais propostos por interessados ou mesmo de iniciativa do MinC, que
perduram ao longo do tempo, obedecidas as regras orçamentárias. Resta constatar se o FNC e
seus objetivos atendem efetivamente o mandamento constitucional de acesso e fomento à
cultura.
Resultou o FNC da transformação do Fundo de Promoção Cultural - FPC, instituído
pela revogada Lei n˚7.505/1986, e encampado pela Lei 8.313 de 1991, como um dos
100
mecanismos do PRONAC, a fim de viabilizar o cumprimento de seus objetivos na esteira do
mandamento constitucional.
Francisco Humberto Cunha Filho (2000, p. 125-126), referindo-se ao surgimento do
FNC, alerta sobre a dificuldade de entendê-lo, haja vista que ocorreu através da ratificação e
renomeação do FPC, criado pela Lei 7.505/86 e revogada tacitamente pela Lei 8.034/90
que proibia a concessão de quaisquer incentivos fiscais. Ademais, a estrutura dos fundos tem
composições consideravelmente diversas. Com isso, vê-se que o art. da Lei 8.313/91
ratificou o FPC, passando a denominá-lo de FNC, quando na realidade este acolheu
características próprias e diversas, traçadas pela Lei nº 8.313/91.
Em 27 de abril de 2006, foi publicado o Decreto 5.761 regulamentando a Lei
8.313/91 e estabeleceu a sistemática de execução do PRONAC, o qual revogou o Decreto
1.494/95 que tratava da matéria. O primeiro diploma legal referido encontra-se em vigor até
os dias atuais, sendo o capítulo II destinado às disposições do FNC.
O objetivo do Decreto é disciplinar o modo de execução do PRONAC, instituído pela
Lei 8.313/91, como programa de apoio à cultura apto a “captar e canalizar recursos para o
setor”, no qual foram previstos os atuais mecanismos de financiamento cultural do país.
63
Hodiernamente as bases legais do programa estão reunidas principalmente na Lei e no
Decreto e em outros atos normativos, como portarias e instruções normativas.
63
O MinC relacionou os impedimentos ao recebimento de apoio do PRONAC, que são: as propostas: que não
tenham finalidade predominantemente cultural; culturais, cujo acesso seja restrito a certos grupos sociais (ex.:
propostos por associações e clubes, voltados para seus associados, restritos aos funcionários de uma empresa
etc), ou cujos produtos delas resultantes sejam destinados a coleções particulares. Os produtos culturais devem
ter utilização, exibição e circulação públicas, conforme art. 2º da Lei 8.313/1991; que prevejam a realização de
feiras ou exposições de produtos predominantemente comerciais, não-culturais; que tenham como objeto festas
populares fora do calendário oficial tradicional (carnaval fora de época, festa junina e outras), com objetivo
nitidamente comercial ou voltadas para público restrito; de cunho essencialmente religioso, com objetivos
proselitistas, ou de auto-ajuda; de natureza sectária, isto é, vinculadas a seitas; de ofensa aos direitos de um
grupo social, ou com conteúdo que estimule o preconceito; destinadas à restauração, conservação e/ou
manutenção de edificações que não sejam tombadas pelo poder público, em qualquer nível, ou que não tenham
valor histórico ou cultural referendado pelo Ministério da Cultura; destinadas à construção e/ou reforma de
edificações sem finalidade cultural; para construção de espaços culturais ou bens móveis cujo proprietário será
pessoa física, ou pessoa jurídica, com finalidade lucrativa; que tenham como objeto ou que incluam no
orçamento a aquisição de imóvel; que incluam no orçamento a aquisição, por pessoa física, ou por pessoa
jurídica com fins lucrativos, de bens de capital, ou seja, aqueles que vão se agregar, em caráter permanente, ao
patrimônio do titular da proposta cultural, a não ser que se justifique pelo princípio da economicidade, e que o
proponente apresente termo de compromisso declarando a destinação dos bens, para instituição pública ou
privada sem fins lucrativos, quando concluído o projeto, declaração de anuência da entidade beneficiada e três
orçamentos obtidos no mercado; que não contenham estratégias para promover a ampliação do acesso aos
produtos culturais resultantes, e o fortalecimento das cadeias produtivas locais, conforme o artigo 27 do Decreto
5.761/2006.
101
3.2.1 Os objetivos do Fundo Nacional da Cultura e sua relação com os
Princípios Constitucionais Culturais
Os princípios exercem importante papel no mundo jurídico, como instrumentos de
representação dos valores sociais que passam a compor o direito positivo. Servem de
orientação na atividade de busca e alcance do sentido das normas, ou seja, fundamentam a
interpretação das leis, e, ainda, auxiliam como elemento integrador do direito. Entretanto, na
percepção de José de Albuquerque Rocha (2007, p. 28), os princípios não possuem apenas
essas funções, sendo a mais importante a de “valorar a realidade, é atribuir-lhe um valor, a
indicar ao intérprete ou ao legislador que a realidade deve ser tratada normativamente de
acordo com o valor que o princípio lhe confere.”
Sobre os princípios, Robert Alexy (2008, p. 90) entende são “mandamentos de
otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato
de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas
também das possibilidades jurídicas”. Já Willis Santiago Guerra Filho (2005, p. 67), assevera
que:
[...] em uma fase „pós-positivista‟, com a superação dialética da antítese entre o
positivismo e o jusnaturalismo, distingue normas jurídicas que são regras, em cuja
estrutura lógico-deôntica há a descrição de uma hipótese fática e a previsão da
conseqüência jurídica de sua ocorrência, daquelas que são princípios, por não
trazerem semelhante descrição de situações jurídicas, mas sim a prescrição de um
valor, que assim adquire validade jurídica objetiva, ou seja, em uma palavra,
positividade.
Assim, pode-se dizer que os princípios são prescrições que sempre permearam o mundo
jurídico por servirem de fundamento aos vários fenômenos do Direito, mas que na atual fase
do constitucionalismo ganharam relevo, sendo as Constituições, na condição de norma maior,
seu repositório natural. Deste modo, a CF/88 foi impregnada deles, e, explícitos ou não, estão
presentes desde o artigo de abertura, constituem o Título I, bem como foram disseminados por
todo o corpo constitucional.
Na seção da cultura não poderia ser de outro modo. Entretanto, diferentemente do que
fez com os princípios estruturantes e os demais, a CF/88 não os explicitou, deixando ao
intérprete a árdua tarefa de inferi-los. Nessa missão, baseado na doutrina de Peter Häberle
(1997, p.11), todos os indivíduos que compõem a sociedade são aptos a interpretá-la, que
fazem parte de “um círculo muito amplo de interpretação pluralista”. Segundo o alemão, a
interpretação não é missão restrita apenas aos órgãos estatais específicos definidos na
102
Constituição, cabe também ao cidadão essa tarefa, que surgiu da necessidade de maior
adequação da Lei Maior com a realidade. Assim, é possível extrair do arcabouço
principiológico explícito da CF/88 outros que não foram claramente citados, mas decorrem do
espírito constitucional adotado.
Francisco Humberto Cunha Filho (2000, p. 43), imbuído de aguçado espírito
hermenêutico, enveredou-se pela carga axiológica adotada pela Lei Maior, juntamente com o
conjunto de normas sobre cultura, e findou identificando os seguintes princípios: Princípio do
Pluralismo Cultural e da Universalidade, Princípio da Participação Popular, Princípio da
Atuação Estatal como Suporte Logístico e Princípio do Respeito à Memória Coletiva.
64
Funda-se o Princípio do Pluralismo Cultural no respeito à diversidade cultural brasileira
no sentido de não privilegiar nenhuma manifestação de cultura em detrimento de outra,
independentemente de sua origem, além de todas as expressões culturais possuírem a mesma
importância enquanto objeto de proteção e garantia estatal. O Princípio da Universalidade
estaria umbilicalmente ligado ao Pluralismo Cultural, por garantir o amplo exercício dos
direitos culturais, sem qualquer exclusão. Pelo Princípio da Participação Popular conferiu à
CF/88 o direito ao cidadão de participar dos rumos da política cultural, seja individualmente
ou por representação. O Princípio do Respeito à Memória Coletiva impõe a obrigação
institucional de guarda e proteção da história coletiva por servir de referencial as presentes e
futuras gerações. O Princípio da Atuação Estatal, como Suporte Logístico, consiste na
obrigação que possui o Estado de acolher todas as manifestações culturais e viabilizá-las para
que sejam desenvolvidas satisfatoriamente sem que isso implique intervenção no conteúdo.
O último Princípio exprime, segundo Francisco Humberto Cunha Filho (2000, p. 50), a
opção constitucional pelo Estado-mínimo no sentido democrático e não econômico-liberal, o
que garante a pluralidade cultural e, consequentemente, a não intervenção nas expressões
culturais, sendo a referida abstinência consectário da própria democracia.
A partir do reconhecimento constitucional da cultura como direito de todos e dever do
Estado de proteção e garantia, as regras infraconstitucionais, acerca da política cultural,
proteção do patrimônio e afins, devem estar em perfeita consonância com a norma maior; por
conseguinte, os princípios culturais deduzidos exercem papel relevante na verificação do
cumprimento do preceito.
64
Os princípios foram identificados pelo autor em sua obra Direitos culturais como direitos fundamentais, sendo
o tema aprofundado em Cultura e democracia na Constituição Federal de 1988, do mesmo autor.
103
O FNC como instrumento de política cultural disciplinado pela Lei Rouanet, possui
finalidades próprias que merecem ser apreciadas, a fim de constatar a coerência com os
princípios constitucionais culturais. Consoante determina o art. 4˚, os objetivos consistem em
captar e destinar recursos para projetos culturais em conformidade com as finalidades do
PRONAC, bem como: estimular a distribuição regional equitativa dos recursos a serem
aplicados na execução de projetos culturais e artísticos; favorecer a visão interestadual,
estimulando projetos que explorem propostas culturais conjuntas, de enfoque regional; apoiar
projetos dotados de conteúdo cultural que enfatizem o aperfeiçoamento profissional e artístico
dos recursos humanos na área cultural, a criatividade e a diversidade cultural brasileira;
favorecer projetos que atendam às necessidades da produção cultural e aos interesses da
coletividade, considerados os níveis qualitativos e quantitativos de atendimento às
demandas culturais existentes, o caráter multiplicador dos projetos através de seus aspectos
sócio-culturais e desenvolvimento com recursos próprios.
65
Da verificação dos fins acima descritos se percebe a identificação, ainda que na maioria
das vezes meramente formal, com os princípios constitucionais culturais implícitos. O
primeiro Princípio decorrente é o da Atuação Estatal como Suporte Logístico, que determina a
ingerência do Estado apenas na oferta de apoio através de políticas públicas, haja vista serem
as práticas culturais legitimamente da sociedade e dos indivíduos. Pelos objetivos, -se que
os verbos utilizados na norma, impõem que o Estado atue estimulando, apoiando,
favorecendo, sem, entretanto, determinar o conteúdo das expressões.
Vislumbra-se também, o Princípio do Pluralismo, da Universalidade e o da Participação
Popular, por garantir a todos a participação e o pleno exercício dos direitos culturais, haja
vista as representações advirem do homem, quer individual ou em conjunto. Corrobora ainda,
em atendimento à forma federativa do Estado brasileiro, o incentivo e a garantia de apoio a
projetos para as diferentes regiões do país, o que demonstra o reconhecimento da diversidade
cultural pátria e a preocupação com a regionalização da cultura. O Princípio do respeito à
memória coletiva é cumprido na medida em que objetiva acolher e desenvolver projetos que
têm por fim resguardar fatos pretéritos que interessem à história da formação da sociedade
brasileira, o que se vislumbra com a guarda de documentos, a criação de museus, bibliotecas,
incentivo às pesquisas de fatos históricos, dentre outros.
65
Art. 4º da Lei 8.313/91.
104
Pelo confronto anterior, nota-se que os objetivos do FNC delineados pela Lei
8.313/91, atendem aos princípios culturais implícitos. Cumpre, verificar, outrossim, se o
Decreto nº 5.761/06, que regulamentou a Lei, considera-os da mesma forma. De pronto, vê-se
que o art. 1º, referiu-se expressamente aos princípios constitucionais e aos culturais,
determinando que os programas, projetos e ações culturais fossem concretizados de modo ao
atender o preceito maior.
66
No art. cuidou o legislador de utilizar as expressões verbais
valorizar, estimular, viabilizar, promover, incentivar, fomentar, desenvolver, apoiar,
impulsionar e contribuir, todas como finalidades dos programas, ações e projetos a serem
empreendidos na execução do PRONAC.
67
Com essa variedade de alvos a serem atingidos na
atuação estatal, certamente os princípios culturais deixam de pertencer a campo das
conjecturas e passam a fazer parte do domínio da execução das políticas públicas.
3.2.2 Origem dos recursos do FNC e operacionalização de apoio a projetos
culturais
Os fundos públicos são constituídos de receitas especificadas por lei, advindas de uma
ou de várias fontes, podendo ser próprias ou transferidas de outras áreas. Desta feita, as fontes
que alimentam o FNC estão previstas no art. da Lei 8.313/91, como sendo as
procedentes dos recursos do Tesouro Nacional; doações, observando a legislação vigente;
legados; subvenções e auxílios de entidades de qualquer natureza, inclusive de organismos
internacionais; saldos não utilizados na execução de projetos de mecenato; devolução de
recursos de projetos de mecenato; um por cento da arrecadação dos Fundos de Investimentos
66
Art. 1º. O Programa Nacional de Apoio à Cultura PRONAC desenvolver-semediante a realização de
programas, projetos e ações culturais que concretizem os princípios da Constituição, em especial seus arts. 215 e
216, e que atendam às finalidades previstas no art. 1º e a pelo menos um dos objetivos indicados no art. 3º da Lei
nº 8.313/91, de 23 de dezembro de 1991.
67
Art. 2
o.
Na execução do PRONAC, serão apoiados programas, projetos e ações culturais destinados às
seguintes finalidades: I - valorizar a cultura nacional, considerando suas várias matrizes e formas de expressão;
II - estimular a expressão cultural dos diferentes grupos e comunidades que compõem a sociedade brasileira; III -
viabilizar a expressão cultural de todas as regiões do País e sua difusão em escala nacional; IV - promover a
preservação e o uso sustentável do patrimônio cultural brasileiro em sua dimensão material e imaterial; V -
incentivar a ampliação do acesso da população à fruição e à produção dos bens culturais; VI - fomentar
atividades culturais afirmativas que busquem erradicar todas as formas de discriminação e preconceito; VII -
desenvolver atividades que fortaleçam e articulem as cadeias produtivas e os arranjos produtivos locais que
formam a economia da cultura; VIII - apoiar as atividades culturais de caráter inovador ou experimental; IX -
impulsionar a preparação e o aperfeiçoamento de recursos humanos para a produção e a difusão cultural; X -
promover a difusão e a valorização das expressões culturais brasileiras no exterior, assim como o intercâmbio
cultural com outros países; XI - estimular ações com vistas a valorizar artistas, mestres de culturas tradicionais,
técnicos e estudiosos da cultura brasileira; XII - contribuir para a implementação do Plano Nacional de Cultura e
das políticas de cultura do Governo Federal; e XIII - apoiar atividades com outras finalidades compatíveis com
os princípios constitucionais e os objetivos preconizados pela Lei no 8.313, de 1991, assim consideradas pelo
Ministro de Estado da Cultura.
105
Regionais a que se refere a Lei 8.167/91 (Fundo de Investimento do Nordeste FINOR;
Fundo de Investimento da Amazônia FINAM e Fundo de Recuperação Econômica do
Espírito Santo FUNRES), obedecida na aplicação a respectiva origem geográfica regional;
três por cento da arrecadação bruta dos concursos de prognósticos e loterias federais e
similares e cuja realização estiver sujeita a autorização federal, deduzindo-se este valor do
montante destinado aos prêmios (redação dada pela Lei 9.999 de 2000); reembolso das
operações de empréstimos realizados através do Fundo, a título de financiamento
reembolsável, observados critérios de remuneração que, no mínimo, preserve-lhe o valor real;
resultado das aplicações em títulos públicos federais, obedecida a legislação vigente sobre a
matéria; conversão da dívida externa com entidades e órgãos estrangeiros, unicamente
mediante doações, no limite a ser fixado pelo Ministério da Economia, Fazenda e
Planejamento (atualmente divididos em dois Ministérios: o da Fazenda e o do Planejamento),
observadas as normas e procedimentos do Banco Central do Brasil; saldo de exercícios
anteriores e recursos de outras fontes.
68
Observa-se que o legislador buscou captação e concentração de recursos de diversos
segmentos estatais a fim de prover o fundo, havendo variação do montante disponível a ser
aplicado, na medida em que possua disponibilidade de suas fontes e em virtude das
especificidades de cada uma delas.
Com esse cabedal de fontes, o FNC se apresenta como o mecanismo cultural com o
maior número delas, fazendo presumir ser o que mais detenha numerário para aplicar em
ações culturais, o que será verificado adiante. Entretanto, mesmo com tantas fontes de
recursos, os valores não são distribuídos aleatoriamente, os projetos precisam submeter-se a
seleção abalizada em critérios legais. Perante tal realidade, o descarte de proposições
submetidos à apreciação é inevitável, restando ao Estado buscar meios alternativos de provê-
los, sob pena de inviabilizar certas manifestações culturais.
Os objetivos do PRONAC e os do próprio Fundo devem ser atendidos quando do exame
dos projetos, haja vista não ser aceitável distribuir dinheiro público sem o cumprimento das
exigências legais.
Vale dizer, ainda, que tais valores, por determinação legal, não podem ser utilizados
para despesas de manutenção administrativa do MinC, a não ser para a aquisição ou locação
68
Art. 5˚ da Lei 8.313/91.
106
de equipamentos e bens necessários ao cumprimento das finalidades do próprio Fundo.
69
Entretanto, as instituições vinculadas e supervisionadas pelo Ministério podem ter seus
trabalhos financiados com recursos do FNC, como, por exemplo, a Fundação Casa de Rui
Barbosa, Fundação Nacional de Artes FUNARTE, dentre outras, e ainda estão dispensadas
de apresentar contrapartida aos recursos que servirão para execução de seus projetos e ações
culturais.
70
Assim, a vedação legal acaba não sendo cumprida e os recursos do FNC são
utilizados em instituições diretamente ligadas ao Ministério da Cultura.
71
A fim de disciplinar o recolhimento das receitas relativas ao FNC, foi editada pelo
Departamento da Receita Federal a Instrução Normativa DRF/SFN 85, de 03.07.92, a qual
determinou que a receita correspondente a três por cento da arrecadação bruta das loterias
federais será recolhida pela Caixa Econômica Federal, até o décimo dia útil do mês
subsequente ao em que ocorreu a arrecadação. As demais receitas serão recolhidas ao Tesouro
Nacional, mediante a utilização de Documento de Arrecadação da Receita Federal DARF,
observadas as disposições previstas no normativo.
72
A operacionalização dos apoios culturais através do FNC poderá ser efetivada de duas
formas: disponibilização de verba a fundo perdido, ou seja, através de empréstimos não-
reembolsáveis, para pessoas físicas e entidades blicas ou privadas sem fins lucrativos e que
tenham no mínimo três anos de atividades na área cultural, conforme o artigo 18, V, da
Portaria Interministerial MP/MF/MCT 127, de 29 de maio de 2008;
73
por meio de
concessão de empréstimos reembolsáveis
74
; para pessoas físicas ou entidades sem fins
lucrativos, excluindo-se a possibilidade de pessoas jurídicas com fins lucrativos serem
beneficiadas com esse tipo de financiamento.
75
69
Art. 4º § 6º da Lei 8.313/91 com redação dada pela Lei nº 9.874/99.
70
Exceção à regra do art. 6º da Lei 8.313/91 determinada pelo § 2º do art. 13 do Decreto 5.761/06.
71
O Ministério da Cultura possui algumas autarquias e fundações vinculadas a sua estrutura, tais como: o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN, Agência Nacional do Cimena ANCINE,
Instituto Brasileiro de Museus IBRAM; as fundações são: Fundação Casa de Rui Barbosa FCRB, Fundação
Cultural Palmares FCP, Fundação Nacional de Artes FUNARTE e Fundação Biblioteca Nacional FBN.
72
Instrução Normativa nº 85 de 03.07.92.
73
Portaria Interministerial MP/MF/MCT 127, de 29 de maio de 2008 que estabelece normas para execução no
disposto no Decreto 6.170, de 25 de julho de 2007, que dispõe sobre as normas relativas às transferências de
recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, e dá outras providencias.
74
No glossário do MinC, Financiamento reembolsável - modalidade de financiamento pela qual um agente
financeiro credenciado pelo ministério concede um empréstimo de recursos oriundos do FNC, com juros
subsidiados, para a execução de um projeto, programa ou ação cultural. Pode ser utilizado por pessoas físicas, ou
jurídicas com fins lucrativos.
75
Art. da Lei 8.313/91. No art. 7º a Lei exige que seja estimulada a criação de programas de empréstimos
reembolsáveis.
107
Os empréstimos reembolsáveis deverão ser concedidos através de agentes financeiros
credenciados pelo MinC, que em conjunto definirão, ainda, a taxa de administração (não
superior a três por cento dos recursos disponíveis para financiamento), os prazos de carência
para devolução dos recursos, os juros limites, as espécies de garantias exigidas e as formas de
pagamento, todas devidamente submetidas ao crivo do Banco Central do Brasil.
76
Com o fito
de atender ao preceito legal, o Governo Federal deverá estimular o credenciamento de
instituições financeiras de caráter oficial que possuam ou criem pastas voltadas a projetos na
área da cultura, levando em conta o caráter social da iniciativa e a importância para o
desenvolvimento do setor no país.
77
Outra peculiaridade dos financiamentos reembolsáveis é que os subsídios concedidos
através deles deverão ser apurados para compor o rol dos benefícios creditícios e financeiros
integrantes das informações complementares da Lei Orçamentária Anual.
78
O Decreto 5.761/06, no caput do art. 10, determinou a observação do plano anual do
PRONAC para a utilização dos recursos do FNC, podendo ser através de recursos não-
reembolsáveis os conhecidos empréstimos a fundo perdido visando à utilização em
programas, projetos e ações culturais de pessoas jurídicas públicas ou privadas sem fins
lucrativos, atendendo à regra de apoio não reembolsável. É possível, também, financiamentos
reembolsáveis para programas, projetos e ações culturais de pessoas físicas ou de pessoas
jurídicas de direito privado, com fins lucrativos, por meio de agentes financeiros credenciados
pelo MinC; bolsas de estudo, de pesquisa e de trabalho também poderão ser concedidas a
pessoas físicas, com o intento de realizarem cursos de desenvolvimento de projetos no Brasil
ou no exterior; concessão de prêmios; o custeio de passagens e ajuda de custos para
intercambio cultural, no Brasil ou no exterior; a transferência a Estados, Municípios e Distrito
Federal para desenvolvimento de programas, projetos e ações culturais, mediante instrumento
jurídico que defina direitos e deveres mútuos; e por fim, na esfera da discricionariedade do
Ministério da Cultura, outras situações que se enquadrem nos arts. e da Lei 8.313/91
poderão ser definidas para a utilização do numerário do FNC.
79
A transferência da verba ocorre, como regra geral, no percentual de até 80% do valor
total do plano apresentado e devidamente aprovado pelo MinC, mediante proposta da
76
Art. 10 § 2º do Decreto nº 5.761/06.
77
Art. 6º e 7º da Lei 8.313/91.
78
Art. 10 § 7º do Decreto 5.761/06.
79
Art. 10 do Decreto 5.761/06.
108
Comissão do Fundo, condicionada à comprovação do proponente de dispor do montante
remanescente ou estar habilitado à obtenção do respectivo financiamento, através de outra
fonte devidamente identificada, que não precisa ser exclusivamente em dinheiro, podendo ser
em serviços e/ou bens, desde que possam ser avaliados economicamente, incluindo os
prestados ou empregados pelo próprio autor do projeto.
80
Sobre esse aspecto, o Decreto
5.761/06 vedou a utilização de incentivos fiscais previstos para a contrapartida, como maneira
de impedir que mais de um mecanismo de fomento à cultura seja utilizado no custeio de um
único projeto.
Não obstante o financiamento esteja limitado ao teto máximo de 80%, houve
preocupação do legislador em fixar a contrapartida a ser oferecida pelo beneficiário, a fim de
garantir que a execução do projeto não seja inviabilizada por ausência do numerário previsto.
Dessa forma, com a comprovação dos recursos suficientes em sua totalidade (financiamento e
contrapartida) o projeto cultural poderá ser levado a efeito sem risco de inoperância por falta
de meio pecuniário.
81
Todavia, o Decreto previu a dispensa da contrapartida sempre que os recursos que
compõem o FNC tenham sido depositados com destinação específica na origem, ou seja, na
hipótese de depósitos direcionados a determinados projetos culturais. Outra exigência legal
é de o depósito corresponder ao custo total do projeto e ter sido identificado pelo doador ou
patrocinador. Ainda podem ter a contrapartida dispensada os programas, projetos e ações
nominados pelo autor de emendas aditivas ao orçamento do FNC, mesmo que o beneficiário
seja órgão federal e desde que o valor da emenda corresponda ao custo total do projeto.
82
Sobre a exceção legal da contrapartida, Francisco Humberto Cunha Filho (2004, p. 128)
exemplificou que “consiste na possibilidade legal de um contribuinte do imposto de renda
destinar doação ao FNC, vinculando-a a um projeto específico. Neste caso, a doação é
superior a 80% do total do projeto, a contrapartida do proponente será aquilo que falta para
integralizar os 100%.”
80
Art. 6˚ da Lei 8.313/91.
81
Sobre a possibilidade de redução da contrapartida legal, Fábio de Cesnik (2002, p.24) aduz que na Região
Nordeste, o MinC realiza convênios com recursos orçamentários, objetivando reduzir o limite para 10% (dez por
cento), baseado no artigo 14, § 1º, da Portaria nº 46, de 13 de março de 1998, e que assim uma ampliação dos
proponentes em regiões como essa em que há menos utilização do Mecenato.
82
Art. 13 do Decreto 5.761/06.
109
Em 06 de março de 2007, foi editada a portaria 9 pelo Ministro da Cultura, dispondo
sobre o credenciamento de instituições financeiras oficiais e sobre as contas correntes que
receberão recursos vinculados a projetos culturais de que trata a Lei 8.313/91, sendo a
Caixa Econômica Federal credenciada para a centralização da abertura das contas correntes
específicas, em nome dos beneficiários, para o recebimento dos recursos provenientes do
FNC.
83
A portaria determinou ainda que, para cada projeto o MinC abri, em momentos
distintos, duas contas correntes específicas, sendo a primeira denominada conta corrente
vinculada, com a função de centralizar os recursos captados pelo proponente, identificada
pelo CPF ou CNPJ do depositante e de movimentação exclusiva do MinC, que autorizará o
desbloqueio quando atendidas as formalidades legais; a segunda conta, denominada de livre
movimentação, receberá créditos oriundos de transferências provenientes da conta corrente
vinculada. Os recursos dessa conta poderão ser utilizados no objeto do projeto, e, caso haja
valores resultantes de aplicação de disponibilidades nessa conta, deverão ser transferidos para
a conta vinculada ou mesmo utilizados no projeto respectivo.
84
Para o ano de 2009, foi editada a portaria 6 de 27 de fevereiro, estabelecendo os
prazos de apresentação das propostas culturais de demanda espontânea que visassem utilizar
os recursos do FNC para o orçamento deste ano, com as seguintes datas: as demandas com
previsão de início de execução até 30 de junho deveriam ser apresentadas com sessenta dias
de antecedência de seu início; as propostas com previsão entre de julho e 30 de setembro
tinham de ter sido apresentadas até 30 de abril; as previstas entre de outubro e 31 de
dezembro, teriam que ser apresentadas até 30 de junho; por fim, as com previsão entre de
janeiro e 31 de março de 2010 deveriam ser apresentadas até 30 de outubro de
2009.(BRASIL.Ministério da Cultura, 2009, on-line). Tais prazos objetivam organizar os
projetos a fim de serem selecionados convenientemente sem preterição de qualquer exigência
legal.
Pela verificação do arcabouço legal que disciplina o FNC, deduz-se que todos os
projetos culturais, que busquem para sua implementação apoio estatal através dos recursos do
Fundo, terão obrigatoriamente que o pleitear junto ao MinC, submetendo-se às exigências
legais e burocráticas. Nesse sentido, a simplificação do procedimento é imprescindível, haja
83
Portaria nº 9 de 06 de março de 2007.
84
Portaria nº 9 de 06 de março de 2007. Itens a, b, c e d.
110
vista que o não atendimento às formalidades impede a aprovação do projeto e inviabiliza o
repasse das verbas, tornando, consequentemente, a iniciativa cultural inexequível.
A concentração de recursos em um fundo, em vez de distribuição dos mesmos, dificulta
a contemplação de apoio a projetos em razão de aspectos operacionais. Como exemplo, pode-
se citar o caso de artistas com pouco ou nenhum recurso ou até mesmo conhecimento técnico
suficiente para elaborar projetos e pleitear verbas
85
. Caso houvesse uma distribuição
equitativa dos recursos acumulados pelo FNC para os Municípios e Estados, baseada em
números concretos de demandas culturais locais, independentemente de projetos pontuais,
dentre outros critérios, essas ações seriam contempladas e não haveria desperdício de talentos
nos mais recônditos lugares do país. A encampação pelo Estado de projetos que estimulem e
oportunizem o fomento às atividades culturais, pouco atraentes do ponto de vista
mercadológico e as que desenvolvem aptidões naturais em pessoas sem perspectiva
financeira, é um dos sustentáculos constitucionais referente à cultura, consoante depreende-se
da leitura do art. 215 da Lei Maior.
3.2.3 Administração dos recursos do FNC
Os fundos públicos, por serem instrumentos de captação de recursos para aplicação em
finalidades específicas, a serviço do Estado na execução de políticas públicas em
determinadas áreas, necessitam de administração própria e diferenciada. O FNC, em razão de
possuir natureza contábil, ou seja, ter como funções orientar, controlar e registrar a
administração econômica dos valores arrecadados, não dispensa gestão especializada.
86
É
administrado pelo MinC, conforme determinação legal, para cumprimento do Programa de
Trabalho Anual da pasta, sob a gestão do Ministro, a quem compete o recebimento da
proposta de projeto, acompanhada de dados concretos e documentação pertinente.
87
85
A complexidade técnica imposta pela Lei é de tal magnitude que existem escritórios de advocacia
especializados em instruir projetos a fim de pleitearem apoio cultural, o que comprova a dificuldade de acesso a
todos indistintamente, ferindo o direito fundamental à cultura.
86
No glossário do MinC Fundo de natureza contábil é o fundo constituído por disponibilidades financeiras
evidenciadas em registros contábeis, destinados a atender a saques a serem efetuados diretamente contra o caixa
do Tesouro Nacional; o Fundo Nacional da Cultura é um fundo de natureza contábil.
87
O § do artigo da Lei 8.313/91 com a redação dada pela Lei 9.874/99 modificou o teor do parágrafo,
suprimindo a participação do comitê constituído por Diretores SEC/PR e dos presidentes das entidades
supervisionadas para determinar que a administração do FNC compete ao Ministério da Cultura sob a gerência
do titular da pasta.
111
Admitida a proposição, esta é encaminhada para análise da área de produção cultural
correspondente, que pode ser de artes integradas, artes cênicas, artes visuais, audiovisual,
patrimônio cultural, humanidade, música e outros.
Após a instrução do pleito, devidamente direcionado ao Ministro da Cultura, este é,
conforme a área de atuação, encaminhado à respectiva secretaria, passando a ser avaliado sob
os critérios de disponibilidade de verba e prioridade do segmento.
88
Na sequência receberá
parecer do responsável setorial e será enviado ao Ministro, que proferirá decisão final. Urge
salientar que, independentemente de concordar com a opinião técnica anteriormente proferida,
o Ministro aprovará ou não o projeto, o que certamente poderá redundar em escolhas
destituídas de interesse cultural relevante, haja vista o não acolhimento à opinião técnica
pertinente.
Conquanto se privilegie a gestão democrática na análise de projetos culturais para fins
de contemplação pelo FNC, constata-se que a aprovação se dá mediante decisão única e
vinculante do Ministro da Cultura, podendo, assim, atender a critérios meramente subjetivos,
o que de certa forma não corresponde a preceito constitucional, nem democrático.
Posteriormente à aprovação, é celebrado um convênio com o proponente, e direcionados
os recursos, o projeto passa à fase de execução, durante a qual será acompanhado e avaliado
por secretarias do MinC, sendo a verba submetida à fiscalização, velando para que o dinheiro
público seja realmente aplicado nos objetivos anteriormente definidos.
Além das propostas culturais advindas de pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou
privadas, que busquem financiamentos do FNC as chamadas propostas culturais de
demanda espontânea que advém diretamente da sociedade é possível que os programas
partam de iniciativa própria do MinC.
89
Neste caso, os programas setoriais são sugeridos, ao
reconhecer a importância de ação cultural específica para o desenvolvimento de determinado
segmento, que é feito por uma das secretarias do Ministério, através de editais. Como
exemplo desse tipo de ação, merece destaque o Programa Cultura, Educação e Cidadania
88
A gestão do FNC está distribuída nas seguintes secretarias ministeriais: Secretaria de Incentivo e Fomento à
Cultura (SEFIC) responsável pelo recebimento de demanda espontânea, edital e Programa de Intercâmbio e
Difusão Cultural nas áreas de Artes nicas, Artes Visuais e Artes Integradas e Patrimônio Cultural; Secretaria
de Audiovisual (SAV) competente para a demanda espontânea e edital nessa área; Secretaria de Programa e
Projetos Culturais (SPPC) responsável para receber editais na área de Artes Integradas e pelo direcionamento do
Programa Cultura Viva (Pontos de Cultura, Griô, Escola Viva e Agente Cultural Viva); Secretaria da Identidade
e da Diversidade Cultural (SID) responsável pelos editais na área das Artes Integradas.
89
No glossário do MinC: Proposta cultural de demanda espontânea programa, projeto ou ação cultural de
iniciativa de entes da sociedade, cujo objeto não esteja contemplado em programas setoriais realizados pelo
MinC por meio edital, atualmente recebem e analisam propostas de demanda espontânea apenas a Secretaria do
Audiovisual (somente as da área Audiovisual) e a Secretaria de Incentivo e Fomento à Cultura (demais áreas).
112
Cultura Viva,
90
que cria os pontos de cultura, como instrumentos de política pública aptos a
diminuir a carência de locais que estimulem a produção e circulação das expressões culturais
da região, a dificuldade de acesso à tecnologia e o acesso à produção artístico-cultural de
outros lugares, que é possibilitada através da internet.
91
Os pontos de cultura enquadram-se na
qualidade de política pública cultural encampada pelo Estado que utiliza recursos do FNC,
tendo como sistemática a publicação de editais com regras pré-determinadas, a serem
atendidas pelos que se interessam em obter verba do fundo.
92
Objetivando avaliar e selecionar os programas, projetos e ações culturais que busquem a
utilização de recursos do Fundo, o Decreto 5.761/06 instituiu a Comissão do FNC
93
, com a
função de subsidiar a aprovação final do projeto pelo Ministro da Cultura. A Comissão é
presidida por ele, que a integra juntamente com os titulares das diversas secretarias
ministeriais, com os presidentes das entidades vinculadas e um representante que compõe o
gabinete da pasta.
94
Inicialmente, com a concepção da Lei nº 8.313/91, a administração do FNC competia ao
colegiado formado pelo titular da Secretaria da Cultura da Presidência da República
90
No glossário do MinC: o Programa Cultura Viva realizado pela Secretaria de Programas e Projetos
Culturais (SPPC) do Ministério da Cultura, contempla iniciativas culturais que envolvem a comunidade em
atividades de arte, cultura, cidadania e economia solidária. As organizações beneficiadas são selecionadas por
meio de edital público e passam a receber recursos do governo federal para potencializarem seus trabalhos, seja
na compra de instrumentos, figurinos, equipamentos multimídias, seja na contratação de profissionais para
cursos e oficinas, produção de espetáculos e eventos culturais, entre outros. As ões através dos quais o
Cultura Viva se concretiza são: Pontos de Cultura, Cultura Digital, Agente Cultura Viva, Griô e Escola Viva.
91
SILVA, Frederico A. Barbosa. Política Cultural no Brasil. Brasília, 2007. Coleção Cadernos de Políticas
Culturais. Ministério da Cultura.
92
No conceito do MinC o Ponto de Cultura é a ação prioritária do Programa Cultura Viva e articula todas as
demais ações do Programa Cultura Viva. Iniciativas desenvolvidas pela sociedade civil, que firmaram convênio
com o Ministério da Cultura (MinC), por meio de seleção por editais públicos, tornam-se Pontos de Cultura e
ficam responsáveis por articular e impulsionar as ações que já existem nas comunidades. Atualmente,
existem mais de 650 Pontos de Cultura espalhados pelo país e, diante do desenvolvimento do Programa, o
MinC decidiu criar mecanismos de articulação entre os diversos Pontos, as Redes de Pontos de Cultura e os
Pontões de Cultura. O Ponto de Cultura não tem um modelo único, nem de instalações físicas, nem de
programação ou atividade. Aspectos comuns a todos são a transversalidade da cultura e a gestão
compartilhada entre poder público e a comunidade. Para se tornar um Ponto de Cultura é preciso participar da
seleção por meio de edital público até hoje a Secretaria de Programas e Projetos Culturais do MinC, que
coordena o Programa Cultura Viva, emitiu quatro editais. Quando firmado o convênio com o MinC, o Ponto
de Cultura recebe a quantia de R$ 185 mil (cento e oitenta e cinco mil reais), divididos em cinco parcelas
semestrais, para investir conforme projeto apresentado. Parte do incentivo recebido na primeira parcela, no valor
mínimo de R$ 20 mil (vinte mil reais), é utilizado para aquisição de equipamento multimídia em software livre
(os programas serão oferecidos pela coordenação), composto por microcomputador, mini-estúdio para gravar
CD, câmera digital, ilha de edição e o que for importante para o Ponto de Cultura. O papel do Ministério da
Cultura é o de agregar recursos e novas capacidades a projetos e instalações existentes. Além disso, o
MinC também oferece equipamentos que amplifiquem as possibilidades do fazer artístico e recursos para uma
ação contínua junto às comunidades. O Ponto de Cultura, ao ser aprovado, receberá apoio do Ministério da
Cultura.
93
Informações retiradas do site do Ministério da Cultura.
94
Art. 10 e 15 do Decreto 5.761/06.
113
SEC/PR
95
sob sua gestão, assessorado por um comitê constituído dos diretores da mesma
secretaria e dos presidentes das entidades supervisionadas com a função de cumprir o
Programa de Trabalho Anual previamente aprovado pela CNIC.
96
Entretanto, a administração
do FNC deixou de competir a um órgão colegiado, embasado pela aprovação dos trabalhos de
outra comissão (CNIC), e passou a ser exclusivamente do Ministro da Cultura. Apenas com o
Decreto 5.761/06, foi disciplinada a Comissão do FNC antes referida, restabelecendo o
cunho democrático na avaliação e seleção de projetos culturais candidatos a financiamento
pelo FNC.
Com referência ao prejuízo democrático causado pela extinção da participação da CNIC
no Programa Anual de Trabalho do FNC, Francisco Humberto Cunha Filho (2004, p. 142)
aduziu:
Se, por um lado a eliminação do Comitê Assessor do Fundo Nacional da Cultura
não provocou grande impacto relativo a uma gestão democrática do aludido Fundo
(mesmo porque remanesceu a obrigação de observância dos princípios
estabelecidos nos Arts. 1º e da Lei 8.313/91), tal não se pode dizer da supressão
da participação da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) como órgão
elaborador do Programa Anual de Trabalho a ser executado com recursos do FNC.
Neste caso, o prejuízo democrático foi intenso, tendo-se eliminado a participação
de representantes de distintos setores da sociedade na propositura e fiscalização da
implementação das políticas públicas culturais [...].
No organograma do MinC, a Comissão do FNC surge como órgão colegiado
diretamente subordinado ao Ministro, em posição hierárquica inferior ao Conselho Nacional
de Política Cultural CNPC e a Comissão Nacional de Inventivo à Cultura CNIC
(BRASIL. Ministério da Cultura, 2010, on-line). Sua competência está fixada no art. 14 do
Decreto 5.761/06 e preserva a ideia principal de subsdiar a aprovação final dos projetos
pelo Ministro, após prévia avaliação e seleção. Compete ainda à CFNC a iniciativa de
elaboração de propostas de editais para processos públicos de escolha de programas culturais
a serem financiadas com recursos do FNC. Além dessas, encampou a CFNC a competência de
órgão elaborador do Programa Anual de Trabalho, que passará a integrar o plano anual do
PRONAC. À Comissão cabe ainda apreciar as propostas de plano anual das entidades
vinculadas ao Ministério que visem compor o Plano Anual de Trabalho do FNC, além de
95
A Lei 8.313/91 se refere à Secretaria da Cultura da Presidência da República SEC/PR. Tal referência se
justifica ter sido a Lei criada na época em que o Ministério da Cultura foi rebaixado à condição de secretaria
ligada à Presidência da República, sendo o secretário o gestor. Atualmente, interpreta-se a alusão como sendo
Ministério da Cultura gerido pelo Ministro.
96
§ 1º do art. 4º da Lei 8.313/91 com a redação modificada pela Lei 9.874/99.
114
outras atribuições estabelecidas pelo Ministro da Cultura.
97
Portanto, com a criação da CFNC
houve um retorno da participação dos representantes de diversos segmentos sociais na
condução dos projetos e ações culturais, restaurando o viés democrático anteriormente
suprimido.
A determinação legal de instituição de uma comissão formada por representantes de
vários segmentos da sociedade atende ao preceito constitucional de que o Poder Público
deverá, com a colaboração da comunidade, promover e proteger o patrimônio cultural.
98
Da
referida norma, conjuntamente com outras de natureza constitucional que preveem a
participação popular em Comissões e Conselhos, e com o inciso LXXIII do artigo da
CF/88, foi extraído o Princípio Cultural da Participação Popular, anteriormente referido, como
sendo o direito que todos possuem de tomar parte nos rumos da política cultural pátria.
99
Diante disto, a instituição da CFNC como órgão colegiado apto a elaborar, opinar, apreciar,
avaliar e escolher programas culturais que objetivem financiamento pelos recursos do fundo,
denota o interesse do legislador na execução de gestão democrática na direção dos
financiamentos requestados ao FNC.
Ainda na seara da administração do FNC, impõe dizer, que, a Lei Rouanet e o Decreto
5.761/06 não previram nenhuma forma de controle dos resultados da aplicação de verbas
do FNC, no que pertine ao público ao qual está direcionada a manifestação cultural, ou seja,
não previsão legal de nenhum estudo voltado para os efeitos sociais da obra financiada,
principalmente acerca da receptividade e participação do público.
Justifica-se referido estudo dos impactos da obra cultural na hipótese de ampliação do
fomento, haja vista a boa aceitação da obra, afinal de contas a manifestação cultural destina-se
à comunidade, que possui participação garantida constitucionalmente.
Estudos acerca de resultados concretos obtidos por projetos contemplados pelo FNC e
da efetividade do mesmo dão conta de que a maior parte dos beneficiários são Prefeituras
Municipais e entidades ligadas ao MinC; concluem ainda que há, dependendo do ano,
variação de verba. A maior parte das verbas é destinada a entidades das Regiões Sul e
Sudeste. Os projetos apresentados advém, principalmente de manifestações artísticas de
97
A competência da CFNC foi determinada pelo artigo 14 do Decreto nº 5.761/06.
98
O § único do art. 215 prevê que o “Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o
patrimônio cultural brasileiro [...]”
99
“Art. LXXIII qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência.”
115
médio e grande porte, e desconhecimento ou consideram a Lei Rouanet e Lei Mendonça
(Lei 10.932/90, que instituiu incentivo fiscal à cultura para a cidade de São Paulo) e seus
mecanismos, complicada e de aplicabilidade confusa.
100
Portanto, constata-se que, embora haja legislação própria disciplinando o mandamento
constitucional, e que tenha havido a adequação necessária aos Princípios Constitucionais
culturais, o FNC carece, apesar disso, de ajustes e esclarecimentos que podem ser traduzidos
em objetividade de critérios, a fim de se ter uma política pública efetiva que proporcione o
real acesso e fomento à diversidade cultural.
3.2.4 Fiscalização e prestação de contas dos recursos do FNC
Toda a atividade da administração pública está sujeita à lei, impondo também a esse
controle legal a necessidade de fiscalização. Assim, todos os que arrecadam, gerenciam
dinheiro, bens e valores públicos, e toda a atividade financeira do Estado, estão sujeitos a
mesma. De Plácido e Silva (2007, p.644) apresenta no Dicionário Jurídico a definição para o
termo:
FISCALIZAÇÃO. Derivado de fiscalizar, serve para designar o cargo ou função de
fiscal, ou seja, a inspeção a que, em caráter permanente, se submetem certos
negócios ou operações, realizadas ou promovidas por determinados
estabelecimentos civis ou comerciais. Em sentido genérico, pois fiscalização quer
significar toda vigilância e controle acerca de determinados atos administrativos,
designando, ao mesmo tempo, o próprio órgão colegial ou o aparelhamento
administrativo a quem são atribuídas as funções ou os encargos de fiscalizar.
(Grifos do original).
Os recursos do FNC, na condição de receita pública, estão sujeitos à fiscalização e à
prestação de contas, por parte dos que os utilizam. A atividade de fiscalização restringe-se à
verificação do cumprimento de exigências impostas por quem possua legitimidade para tal,
materializando-se através do exame da prestação de contas dos recursos utilizados. Nesse
sentido, a CF/88 no art. 70 previu:
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial
da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade,
legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será
exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de
controle interno de cada Poder.
100
A pesquisa foi realizada pela escritora Cristiane Garcia Olivieri (2004, p. 127) em monografia intitulada:
Patrocínio na Cidade de São Paulo Usos da Lei Mendonça, na qual analisou aspectos da Lei Mendonça em
consonância com a Lei Rouanet e seus mecanismos. Referida pesquisa foi tratada em obra da mesma autora
citada nesse trabalho.
116
Parágrafo Único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e
valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma
obrigações de natureza pecuniária.
A imposição constitucional de fiscalizar e controlar o emprego dos recursos públicos
tem como fundamento a necessidade de transparência e planejamento na utilização de verba
pública e o atendimento aos objetivos legais que permitiram seu uso. Para tanto, a Lei
4.320/64 tratou do controle e da execução orçamentária, assim como a Lei nº 101/2000
disciplinou a Responsabilidade Fiscal como um dos princípios da gestão pública, de modo
que o agente público, no trato com os recursos, tenha ciência de que faz parte de uma ordem
de preservação de valores sociais, incluídas aí, a probidade e a boa-fé.
Na mesma linha, a Lei nº 8.313/91 cuidou de determinar a maneira pela qual os recursos
do FNC, destinados a financiamento de projetos culturais - seja pela demanda espontânea ou
através dos convênios - devem ser fiscalizados, sem prejuízo da legislação vigente aplicada à
espécie.
Dispôs a Lei que, ao final da execução, todos os projetos serão, no prazo de seis meses,
submetidos à avaliação pelo MinC, objetivando investigar se os recursos foram fielmente
aplicados nas finalidades anteriormente aprovadas.
101
O convenente deverá justificar a correta
aplicação dos recursos que será demonstrada por análise técnico-contábil e a satisfatória
realização do projeto cultural. Vale salientar que tal prestação de contas será realizada em
todos os programas culturais que tenham sido beneficiados com os recursos do FNC,
independentemente do tipo de projeto, do volume de dinheiro e de quaisquer outras
peculiaridades.
102
Como forma de punir os beneficiados que não atenderam às exigências legais e aos
objetivos do projeto, previu a Lei que, em sendo constatado desvio de finalidade dos recursos,
será aplicada a penalidade de inabilitação para o pleito de novas verbas pelo prazo de três
anos, contados a partir do término da avaliação final, dependendo ainda de reavaliação do
MinC outras possíveis solicitações, sem prejuízo das sanções penais que porventura possam
incidir.
Da decisão que inabilitou o proponente a receber novos recursos, por não ter atendido às
finalidades legais, cabe pedido de reconsideração ao Ministro da Cultura, que poderá rever a
101
§ 1º do art. 20 da Lei nº 8.313/91.
102
§ 7º do art. 4º da Lei nº 8.313/91.
117
decisão.
103
Contraditoriamente, a Lei atribui ao Ministro a função de conceder os recursos;
exercer a fiscalização; se, porventura, constatar irregularidade na aplicação da verba, tornar o
beneficiário inábil a pleitear novos recursos por tempo determinado; e, ainda, apreciar os
pedidos de reconsideração de inabilidade os quais ele próprio concedeu.
Com essa peculiaridade, nota-se que a Lei quis atender ao preceito constitucional de
contraditório e ampla defesa com os meios e recursos inerentes, mas não determinou a criação
de nenhuma outra instância para apreciar os pedidos de reconsideração, deixando essa função
ao próprio Ministro que anteriormente decidiu pela inabilidade. Assim, cabe a reflexão sobre
quais motivos levariam o Ministro a rever sua decisão e tornar hábeis a pleitear novos
recursos os responsáveis por projetos que anteriormente foram qualificados como inaptos.
Inicialmente, vislumbra-se que seria possível a revisão por preterição a alguma formalidade
legal ou até mesmo por aspectos que tenham passados despercebidos na decisão. No entanto,
reconsiderações no mérito da decisão podem ser destituídas de fundamento legal.
Além da fiscalização exercida pelo MinC, todo e qualquer beneficiado pelos recursos do
FNC está sujeito ao controle externo do Tribunal de Contas da União, na conformidade do
parágrafo único do artigo 70 da CF/88.
O controle das contas públicas pode ser interno ou externo, conforme classificação
constitucional. O primeiro é a fiscalização exercida “pelo sistema de controle interno de cada
Poder”, determinando o art. 74 que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário mantenham
o seu próprio controle.
104
A avaliação final a ser efetuada nos projetos, estabelecida pelo §
da Lei 8.313/91, caracteriza-se como uma forma de controle interno, haja vista ter como
objetivo constatar se os recursos despendidos foram aplicados corretamente, ou seja, se as
finalidades apresentadas inicialmente, quando da aprovação do projeto, foram cumpridas
fielmente.
Os recursos do FNC ainda são submetidos ao controle externo, que é executado pelo
Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas, que detém competência para exercer
a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das
103
§ 2º do art. 20 da Lei nº 8.313/91.
104
Art. 74 - Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle
interno com a finalidade de: I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos
programas de governo e dos orçamentos da União; II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à
eficácia e eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração
federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III - exercer o controle das
operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União; IV - apoiar o controle externo
no exercício de sua missão institucional.
118
entidades da administração direta e indireta. A fiscalização e o julgamento não possuem
caráter jurisdicional, visto que o órgão possui somente função administrativa.
105
O Tribunal
de Contas da União é órgão constitucional dotado de autonomia administrativa e financeira,
não sendo subordinado a nenhum dos Poderes da República, embora sua competência esteja
inserida no capítulo dedicado ao Poder Legislativo.
Na competência que lhe foi determinada pela CF/88, a que pertine aos valores do Fundo
empregados em projetos culturais, encontra-se ordenada no inciso II do art. 71, sendo o
julgamento atribuição do Tribunal de Contas da União, haja vista tratar-se de valores
administrados pela União, e, na conformidade do parágrafo único do artigo 70, toda e
qualquer pessoa que gerencie essa espécie de recursos deverá passar pelo crivo do TCU.
Referido julgamento é feito em momento posterior à despesa realizada, possui caráter
técnico e administrativo. Nessa oportunidade, serão avaliadas, sob o prisma da legalidade e,
ao final, julgadas procedentes ou improcedentes, sendo no último caso, aplicadas “sanções
previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano
causado ao erário”.
105
Art. 71 - O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de
Contas da União, ao qual compete: I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República,
mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; II - julgar as
contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta
e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas
daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; III -
apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração
direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para
cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões,
ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; IV - realizar, por
iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções
e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades
administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; V -
fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma
direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo; VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados
pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, ao Estado, ao Distrito Federal
ou ao Município; VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas,
ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas; VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de
ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras
cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade
adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X - sustar, se não
atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;
XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.
Art. 72. A Comissão mista permanente a que se refere o art. 166, § 1
º.
, diante de indícios de despesas não
autorizadas, ainda que sob a forma de investimentos não programados ou de subsídios não aprovados, poderá
solicitar à autoridade governamental responsável que, no prazo de cinco dias, preste os esclarecimentos
necessários. § 1
º.
Não prestados os esclarecimentos, ou considerados estes insuficientes, a comissão solicitará ao
Tribunal pronunciamento conclusivo sobre a matéria, no prazo de trinta dias. § 2
º.
Entendendo o Tribunal
irregular a despesa, a comissão, se julgar que o gasto possa causar dano irreparável ou grave lesão à economia
pública, proporá ao Congresso Nacional sua sustação.
119
A Lei 8.313/91 determinou, ainda, que o TCU inclua análise sobre avaliação dos
valores despendidos pelo FNC no parecer prévio anual das contas do Presidente da
República.
106
Nesse sentido, ano a ano, no relatório das contas do governo seção dedicada
à cultura, onde serão avaliados o orçamento anual da pasta, os recursos advindos dos
mecanismos da Lei 8.313/91 e os da Lei 8.685/ 93 Lei do Audiovisual e o
comportamento do numerário nas diversas áreas. Nessa avaliação o TCU observa todos os
resultados e apresenta recomendações e providências ao MinC que deverão ser tomadas a fim
de atender às exigências legais. No relatório do ano seguinte, o TCU analisa as justificativas
apresentadas, fazendo referência expressa às medidas adotadas, a fim de suprir as
deficiências, e seu posicionamento acerca das mesmas.
3.3 O Fundo Nacional da Cultura no Programa Nacional de Fomento e
Incentivo à Cultura Procultura
Alterações são previstas para o FNC no Projeto de Lei 6.722/2010 que institui o
Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura Procultura, que visa substituir a Lei nº
8.313/91, comumente chamada de Lei Rouanet. Embora várias modificações sejam
apresentadas no novo diploma, o FNC fica mantido como fundo de natureza contábil e
financeira, com prazo indeterminado de duração e regramento definido pela Lei.
107
A proposta de mudança da Lei 8.313/91 foi apresentada com base na necessidade de
adequação, das formas de financiamento da cultura existentes, a um novo cenário nacional de
dinamismo e riqueza cultural que exige mais investimentos e atenção efetiva do Estado no
setor. Sob os auspícios de uma lei mais abrangente e dinâmica no sentido de oferecer mais
possibilidades de financiamento e com isso incluir o maior número de pessoas a proposta
foi indicada, visando fortalecer a noção de cultura como vetor estratégico de desenvolvimento
do país, bem como instrumento imprescindível de valorização da diversidade, objetivando
atender às inúmeras demandas de produtores e artistas sedentos por apoio e valorização.
Durante seis anos, dos quais um, destinado à consulta pública, o MinC viabilizou amplo
debate da Lei Rouanet, discutindo com setores artísticos, gestores e a sociedade como um
todo as bases de uma proposta que substituísse o atual modelo de financiamento cultural.
Após todo o diálogo social, as diversas contribuições foram acolhidas e serviram de base para
106
Art. 20 § 3º da Lei nº 8.313/91.
107
Art. 11 da Lei nº 6.722/2010.
120
a formulação da proposta, que, transformada em projeto de lei, aguarda aprovação
legislativa.
108
O novo plano tem dentre outros objetivos o fortalecimento do orçamento e a criação de
um fundo que atenda à demanda e qualidade da cultura nacional, buscando, ainda,
desburocratizar procedimentos e a implantar uma gestão com ampla participação da
sociedade, tudo baseado na constatação de falhas que demonstraram a pouca eficácia da Lei
Rouanet para o objetivo a que se propunha.
O Procultura almeja a promoção do desenvolvimento cultural e artístico, o exercício dos
direitos culturais e o fortalecimento da economia da cultura, sendo seus objetivos específicos
definidos na lei.
109
Para a obtenção destes, o Programa utilizará os mecanismos de apoio
108
Mesmo com toda a publicidade conferida à matéria, o ato simbólico do Ministro da Cultura de entregar, no
final do ano de 2009, o que seria o suposto Projeto de Lei à Câmara dos Deputados foi severamente criticado
pela imprensa nacional e interessados no assunto, em razão de posterior informação da Casa Civil de que
referido Projeto ainda sequer encontrava-se em análise e não havia prazo para ser enviado ao Congresso
Nacional. Paralelarmente às críticas, o MinC não divulgava a íntegra do Projeto de Lei, inviabilizando a consulta
do texto final e reforçando os rumores de que não passava de ato desesperado de promover politicamente as
bases governamentais. Várias matérias publicitárias forma veiculadas na imprensa nacional, dentre elas a
publicada pela Folha de São Paulo em 22 de Janeiro de 2010, de autoria de Ana Paula Sousa intitulada “O
Jogador. E a vida dos outros”, comparou o que se passava na política cultural sob o comando do Ministro, com
um filme norte-americano, o Jogador, em que o personagem principal, um produtor de estúdio em Hollywood,
arrisca-se e usa todos os meios possíveis para se dar bem na indústria e na vida, expondo a vida profissional dos
artistas e pessoas que dependiam do cinema.
109
Os objetivos estão dispostos no art. 3º da Lei 6.722/10: Art. 3
o
O Procultura promoverá o
desenvolvimento cultural e artístico, o exercício dos direitos culturais e o fortalecimento da economia da cultura,
tendo como objetivos: I - valorizar a expressão cultural dos diferentes indivíduos, grupos e comunidades das
diversas regiões do País e apoiar sua difusão; II - apoiar as diferentes iniciativas que fomentem a
transversalidade da cultura, em áreas como educação, meio ambiente, saúde, promoção da cidadania e dos
direitos humanos, ciência, economia solidária e outras dimensões da sociedade; III - estimular o
desenvolvimento cultural em todo território nacional, buscando a superação de desequilíbrios regionais e locais;
IV - apoiar as diferentes linguagens artísticas, garantindo suas condições de realização, circulação, formação e
fruição nacional e internacional; V - apoiar as diferentes etapas da carreira dos artistas, adotando ões
específicas para sua valorização; VI - apoiar a preservação e o uso sustentável do patrimônio histórico, cultural e
artístico brasileiro em suas dimensões material e imaterial; VII - ampliar o acesso da população brasileira à
fruição e à produção de bens, serviços e conteúdos culturais, valorizando iniciativas voltadas para as diferentes
faixas etárias; VIII - desenvolver a economia da cultura, a geração de emprego, a ocupação e a renda, fomentar
as cadeias produtivas artísticas e culturais, estimulando a formação de relações trabalhistas estáveis; IX - apoiar
as atividades culturais que busquem erradicar todas as formas de discriminação e preconceito; X - apoiar os
conhecimentos e expressões tradicionais, de grupos locais e de diferentes formações étnicas e populacionais;
XI - valorizar a relevância das atividades culturais de caráter criativo, inovador ou experimental; XII - apoiar a
formação, capacitação e aperfeiçoamento de agentes culturais públicos e privados; XIII - valorizar a língua
portuguesa e as diversas línguas e culturas que formam a sociedade brasileira; XIV - promover a difusão e a
valorização das expressões culturais brasileiras no exterior, assim como o intercâmbio cultural com outros
países; XV - apoiar a dimensão cultural dos processos multilaterais internacionais baseados na diversidade
cultural; XVI - valorizar o saber de artistas, mestres de culturas tradicionais, técnicos, pesquisadores, pensadores
e estudiosos da arte e da cultura; e XVII - fortalecer as instituições culturais brasileiras. § 1
o
Para o alcance dos
seus objetivos, o Procultura apoiará, por meio de seus mecanismos e desde que presentes a dimensão cultural e o
predominante interesse público, as seguintes ações: I - produção e difusão de obras de caráter artístico e cultural,
incluindo a remuneração de direitos autorais; II - realização de projetos, tais como exposições, festivais, feiras e
espetáculos, no País e no exterior, incluindo a cobertura de despesas com transporte e seguro de objetos de valor
121
previstos em ações que atendam concomitantemente à dimensão cultural e à prevalência do
interesse público. A fim de garanti-lo, o Projeto de Lei ordenou que o apoio do Procultura
será concedido apenas aos projetos cuja exibição, utilização e circulação sejam destinados à
coletividade, vedando à concessão de incentivos a ações de particulares que estabeleçam
limitações de acesso.
110
Pela avaliação do MinC, com o novo diploma haverá uma ampliação dos recursos de
financiamento à cultura, ocorrendo a participação balanceada do orçamento público com
recursos da União. Realizará, ainda, o incentivo fiscal às empresas e às fontes privadas de
fomento, constituindo “um sistema integrado e autossustentável de financiamento” (BRASIL.
Ministério da Cultura, 2009, on-line).
111
Dentro dessa perspectiva e levando em conta a importância da modalidade dos fundos
para a efetivação de políticas estatais, foi atribuída nova roupagem ao FNC, tornando-o o
principal mecanismo do financiamento cultural previsto na Lei. Essa prerrogativa é justificada
na proposta do MinC, por motivos pontuais, dentre eles: o de ter os fundos públicos critérios
também públicos de distribuição de recursos; por estarem sujeitos a maior controle social; e
ainda por significar aporte direto de verbas junto ao Estado sem intermediação da figura do
patrocinador, visto que após avaliação e aprovação do projeto, o recurso irá direito para o
requerente, o que eliminará etapas anteriormente percorridas pelos proponentes.
cultural; III - concessão de prêmios mediante seleções públicas; IV - instalação e manutenção de cursos para
formar, especializar e profissionalizar agentes culturais públicos e privados; V - realização de levantamentos,
estudos, pesquisas e curadorias nas diversas áreas da cultura; VI - concessão de bolsas de estudo, de pesquisa, de
criação, de trabalho e de residências artísticas no Brasil ou no exterior, a autores, artistas, estudiosos e técnicos
brasileiros ou estrangeiros residentes no País ou vinculados à cultura brasileira; VII - aquisição de bens culturais
para distribuição pública, inclusive de ingressos para eventos artísticos; VIII - aquisição, preservação,
organização, digitalização e outras formas de difusão de acervos, arquivos e coleções; IX - construção, formação,
organização, manutenção e ampliação de museus, bibliotecas, centros culturais, cinematecas, teatros, territórios
arqueológicos e de paisagem cultural, além de outros equipamentos culturais e obras artísticas em espaço
público; X - elaboração de planos anuais e plurianuais de instituições e grupos culturais, regulados pelos arts. 31
e 32, § 2
o
; XI - digitalização de acervos, arquivos e coleções, bem como a produção de conteúdos digitais, jogos
eletrônicos, vídeo-arte, e o fomento à cultura digital; XII - aquisição de imóveis tombados com a estrita
finalidade de instalação de equipamentos culturais de acesso público; XIII - conservação e restauração de
imóveis, monumentos, logradouros, sítios, espaços e demais objetos, inclusive naturais, tombados pela União ou
localizados em áreas sob proteção federal; XIV - restauração de obras de arte, documentos artísticos e bens
móveis de reconhecidos valores culturais; XV - realização de intercâmbio cultural, nacional ou internacional;
XVI - aquisição de obras de arte por coleções privadas de interesse público; e XVII - apoio a projetos culturais
não previstos nos incisos I a XVI e considerados relevantes pelo Ministério da Cultura, consultada a Comissão
Nacional de Incentivo e Fomento à Cultura - CNIC. § 2
o
O apoio de que trata esta Lei somente será concedido a
projetos culturais cuja exibição, utilização e circulação dos bens culturais deles resultantes sejam oferecidos ao
público em geral, gratuitamente ou mediante cobrança de ingresso. § 3
o
É vedada a concessão de incentivo a
obras, produtos, eventos ou outros decorrentes, destinados ou circunscritos a coleções particulares ou circuitos
privados que estabeleçam limitações de acesso.
110
§§ 2º 3º do art. 3º.
111
As expressões foram utilizadas no material publicitário de apresentação do Procultura pelo MinC.
122
Em balanço sobre o atual panorama de financiamento cultural sob a égide da Lei
Rouanet e a importância do fortalecimento do FNC, o Ministro da Cultura, em artigo
publicado em periódico nacional, apresentou posicionamento:
Pretendemos redistribuir essas proporções de forma a tornar a renúncia fiscal um
mecanismo secundário e o FNC, o principal mecanismo de investimentos do MinC,
como é na maioria dos países com políticas culturais sólidas. De acordo com a
proposta, o FNC ganha nova força e representatividade e passa a ser orientado por
conselhos paritários, e não mais exclusivamente pelo governo. Também passa a ter
mais recursos e formas de financiamento e, portanto, mais oportunidades para
contribuir com o desenvolvimento e a diversidade da cultura brasileira. Hoje, por
exemplo, o FNC não pode fazer investimentos com participação em resultados
econômicos dos projetos apoiados ou transferir recursos para outros fundos
públicos, estaduais ou municipais. De acordo com a proposta do MinC, o FNC
passa a contar com essas e outras novas formas de investimento, com mais estrutura
e capacidade para atender mais às demandas da sociedade brasileira. Para se ter
uma ideia, hoje o FNC consegue atender apenas a 5% do total de projetos
recebidos. Encontra-se amorfo e atrofiado. Ainda assim está em seu melhor
momento histórico, que cresceu seis vezes desde o início do governo, saindo de
R$ 46 milhões, em 2003, para quase R$ 290 milhões. Apenas entre 2008 e 2009,
dobraram os investimentos programados. Portanto, o FNC cresce na proporção
direta em que cresce e se consolida uma política de Estado para a cultura, sinal
promissor para a mudança da Lei Rouanet, que permitirá um salto expressivo na
quantidade e qualidade dos recursos aplicados pelo FNC.
112
Vale ressaltar que para os moldes propostos do FNC, os atuais fundos existentes na área
de educação, tecnologia e ciência serviram de parâmetro, haja vista os resultados práticos
favoráveis advindos com citados instrumentos de financiamento público nos respectivos
segmentos.
3.3.1 Características do FNC no Procultura
O Projeto de Lei mantém vários contornos do formato atual do FNC, dentre eles
merecem ser destacados os já citados: natureza jurídica que continua sendo contábil e
financeira e o prazo indeterminado de duração (art. 11); a permanência da vedação de
utilização dos recursos do FNC com despesas de manutenção administrativa do Governo em
todas as esferas, bem como das entidades vinculadas ao MinC (art. 12, § 2º); a administração
do Fundo, que continuará a cargo do Ministério da Cultura, devendo ser observada a forma
estabelecida em regulamento (art. 13); a previsão legal de distribuição de recursos nas
modalidades não-reembolsáveis e reembolsáveis, acrescida da espécie “investimento” e sendo
suprimidas as possibilidades previstas nos incisos III, IV e V do art. 10 da Lei 8.313/91, quais
sejam: concessão de bolsas de estudos, de pesquisa e de trabalho; concessão de prêmios e
112
Artigo do ministro Juca Ferreira intitulado “Uma Lei à Altura da Cultura Brasileira”, publicado na Revista
Interesse Nacional (Ano 2, Edição nº 6, Julho a Setembro de 2009).
123
custeio de passagens e ajuda de custo para intercâmbio cultural, no Brasil ou no exterior.
Essas modalidades deixaram de ser formas de distribuição de recursos pelo FNC e passaram a
compor o rol de ações que podem ser financiadas com recursos públicos, através de qualquer
um dos mecanismos do Procultura, desde que atendam à dimensão cultural e ao predominante
interesse público, na conformidade do § 1º do art. 3º do Projeto de Lei.
3.3.1.1 Fontes de receita
O principal ponto do Projeto de Lei que deve ser verificado é a composição da receita do
FNC, pois daí pode ser evidenciado o propalado fortalecimento aduzido pelo MinC, como
uma das justificativas para a aprovação da norma em comento.
Esse robustecimento na avaliação do Ministério deve-se não às fontes, mas às várias
inovações conjeturadas na proposta, que significarão a essência para o êxito do novo modelo
de política cultural a ser implantado no país, sob os auspícios da perspectiva constitucional de
cultura adotada pela CF/88 e as exigências do atual momento histórico, político e econômico.
Não obstante o fortalecimento do FNC seja importante para esse fim, é sabido que para
a obtenção desse resultado faz-se necessário que o Fundo seja dotado de recursos contínuos e
suficientes para atender à demanda de projetos. Da leitura do artigo 15 que, sob a rubrica
“Dos recursos e suas Aplicações”, -se que há a disposição das receitas que comporão o
FNC e constata-se de pronto a repetição da grande maioria das fontes previstas na Lei atual e
pouca originalidade nos dezesseis incisos do dispositivo.
113
113
Art. 15. São receitas do FNC: I - dotações consignadas na lei orçamentária anual e seus créditos adicionais;
II - doações e legados nos termos da legislação vigente; III - subvenções e auxílios de entidades de qualquer
natureza, inclusive de organismos internacionais; IV - saldos não utilizados na execução dos projetos culturais
financiados com recursos dos mecanismos previstos no art. 2
o
, incisos I e II; V - devolução de recursos
determinados pelo não cumprimento ou desaprovação de contas de projetos culturais custeados pelos
mecanismos previstos no art. 2
o
, incisos I e II; VI - um por cento da arrecadação dos Fundos de Investimentos
Regionais a que se refere a Lei n
o
8.167, de 16 de janeiro de 1991, obedecida na aplicação a respectiva origem
geográfica regional; VII - três por cento da arrecadação bruta dos concursos de prognósticos e loterias federais e
similares cuja realização estiver sujeita a autorização federal, deduzindo-se este valor dos montantes destinados
aos prêmios; VIII - reembolso das operações de empréstimo realizadas por meio do FNC, a título de
financiamento reembolsável, observados critérios de remuneração que, no nimo, preserve-lhe o valor real;
IX - retorno dos resultados econômicos provenientes dos investimentos em empresas e projetos culturais feitos
com recursos do FNC; X - resultado das aplicações em títulos públicos federais, obedecida à legislação vigente
sobre a matéria; XI - conversão da dívida externa com entidades e órgãos estrangeiros, unicamente mediante
doações, no limite a ser fixado pelo Ministério da Fazenda, observadas as normas e procedimentos do Banco
Central do Brasil; XII - recursos provenientes da arrecadação da Loteria Federal da Cultura, criada por lei
específica; XIII - saldos de exercícios anteriores; XIV - produto do rendimento de suas aplicações em programas
e projetos culturais, bem como nos fundos de investimentos referidos no art. 45; XV - empréstimos de
instituições financeiras ou outras entidades; e XVI - outras receitas que lhe vierem a ser destinadas. § 1
o
Os
124
Avaliando mais detidamente, outra conclusão extraída é que boa parte dos valores
procede da voluntariedade das transferências ou da dependência ao atendimento de algumas
condições, o que torna as fontes em termos de valor, importando essa variação em
instabilidade de recursos.
114
As fontes de receita que não dependem do implemento de condições e de voluntariedade
de transferência, ou seja, as permanentes, estão previstas nos incisos: I dotações do
orçamento da União; VI um por cento da arrecadação dos Fundos de Investimentos
Regionais a que se refere a Lei 8.167/91; VII três por cento da arrecadação bruta dos
concursos de prognósticos e loterias federais; e XII recursos advindos de arrecadação da
Loteria Federal da Cultura a ser criada por lei específica.
Referidas origens de receita, ditas permanentes uma vez que delas haverá transferência
contínua de recursos padecem de algumas peculiaridades que podem tornar o numerário
limitado ou destinado a fins específicos. A fonte mais significativa é a dotação assentada na
lei orçamentária anual, ou seja, a receita proveniente do orçamento da União anualmente, que,
por não estar vinculada a percentual ou valor mínimo de recurso para a cultura, fica na
dependência da ideologia governamental vigente, e, consequentemente, do reconhecimento de
sua importância para o desenvolvimento do país. Assim, a Lei deixa a transferência de
recursos do orçamento para a cultura a cargo dos governantes, o que diante da disposição
política do Executivo de cada época pode tornar o FNC instrumento enfraquecido por
ausência de receita suficiente.
Todavia, nas disposições finais do Projeto de Lei foi incluído artigo determinando o
percentual de pelo menos quarenta por cento das dotações do MinC para o FNC, como
recursos previstos no inciso XII serão destinados, em sua integralidade, aos Fundos previstos no art. 14, incisos
I, II e III. § 2
o
As receitas previstas neste artigo não contemplarão o Fundo Setorial de Audiovisual, que se regerá
pela Lei n
o
11.437, de 2006.”
114
Pode-se contatar a variação de valores nas fontes de recursos nos seguintes casos: saldos não utilizados na
execução de projetos culturais (inciso IV) - é possível em algum momento não se verificar saldos ou mesmo
podem variar para mais ou menos valores; devolução de recursos pelo não cumprimento ou desaprovação de
projetos (inciso V) o número de projetos desaprovados pode oscilar, tornando incerto o numerário; doações,
subvenções, auxílios e legados (incisos II e III) dependem exclusivamente de iniciativas de interessados;
reembolso de empréstimos do FNC (inciso VIII) podem variar conforme a quantidade de concessão de
empréstimos reembolsáveis; retorno de resultados de investimentos em empresas e projetos (inciso IX) é fonte
incerta e variável, haja vista a menor ou maior aceitação dos projetos; resultado de aplicações em títulos públicos
(inciso X) oscilam conforme o mercado financeiro; conversão da dívida externa com entidades estrangeiras em
doações (inciso XI) o valor da dívida pode sofrer variação; saldo de outros exercícios (inciso XIII) significa
numerário passível de incerteza; produto de rendimento de aplicação em programas culturais e em outro fundo
(inciso XIV) este rendimento também é passível de oscilação; e empréstimos de instituições financeiras (inciso
XV) é receita incerta, pois depende de celebração de empréstimos.
125
medida assecuratória de sua composição pecuniária mínima, o que demonstra a intenção de
fortale-lo, embora limitada ao orçamento anual e ao programa político vigente.
115
O numerário proveniente do percentual de um por cento da arrecadação dos Fundos de
Investimentos Regionais, embora permanente, haja vista a existência dessa espécie para o
fomento de algumas regiões do país, e, mesmo sendo uma parcela que compõe a receita total
do FNC, pode significar recursos de pouca monta, que, em conjunto com as demais, o tornem
efetivo mecanismo de financiamento público da cultura.
O Projeto ainda prevê a destinação de verba advinda de loterias e concursos de
prognósticos federais ao FNC na base de três por cento e toda a receita proveniente de loteria
específica da cultura a ser criada por lei própria, que no mesmo sentido dos Fundos de
Investimento, não é suficiente para o fim proposto. Ademais, especificamente sobre esses
recursos, impõe dizer que possuem finalidade pré-determinada pela Lei: serão destinados
aos Fundos Setoriais de Artes Visuais, de Artes Cênicas e de Música, tendo sua utilização
para outros fins inviabilizada, por expressa determinação legal.
116
Desta feita, sob o ponto de vista das receitas, é possível afirmar que, mesmo com todo o
leque disposto no Projeto de Lei, não verificação de mudanças consideráveis. A
composição voluntária e a dependência, em alguns casos, ao implemento de condições,
permanecem no modelo proposto, maculando o novo FNC, de instabilidade e incerteza.
3.3.1.2 Outras modificações do Fundo Nacional da Cultura no Procultura
De modo geral, são propostas várias mudanças em pontos diversos do FNC, as quais
algumas visam ao aprimoramento do mecanismo. Dentre todas, adiante se destacam pela
importância e os efeitos os que, possivelmente acarretarão considerável impacto na
operacionalização dos projetos e distribuição dos recursos.
A primeira novidade é a criação de categorias de programações específicas dentro do
FNC, que nascem com a denominação de fundo e objetivos voltados para diversas áreas da
cultura.
117
A pretensão é que os tais mecanismos trabalhem “o fomento à produção,
115
“Art. 60. Serão destinados ao FNC pelo menos quarenta por cento das dotações do Ministério da Cultura,
quando da elaboração da proposta orçamentária.”
116
Art. 15 § 1º.
117
Art. 14. Ficam criadas no FNC as seguintes categorias de programações específicas, denominadas: I -Fundo
Setorial das Artes Visuais; II - Fundo Setorial das Artes Cênicas; III - Fundo Setorial da Música; IV - Fundo
126
circulação, formação, gestão pública e empresarial, instalação de equipamentos, crítica,
acervos, pensamento e reflexão de cada um dos segmentos”.
118
Outra razão é a divisão da
cultura em diferentes setores previamente definidos em lei, visando atender às suas
necessidades e o direcionamento dos recursos para aquela área específica.
Com o propósito de tornar a escolha dos projetos a mais técnica possível, a Lei
determinou procedimentos e critérios objetivos para avaliá-los, tendo como fundamento os
aspectos de habilitação quando será averiguado seu enquadramento aos objetivos do
Procultura; de adequação às dimensões simbólica, econômica e social; e sob o critério de
inclusão à adequação orçamentária, viabilidade de execução e capacidade técnica e
operacional do proponente.
119
Essa avaliação será realizada por pareceristas especializados em
cada área da cultura, que emitirão opinião técnica, submetidas posteriormente à apreciação do
órgão responsável do MinC, com o fito de aprovação para financiamento.
Estabeleceu, ainda, a Lei, o prazo de trinta dias prorrogáveis por igual período, a contar
da apresentação de todos os documentos obrigatórios, para que o projeto cultural seja avaliado
com base nas diretrizes fixadas pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura CNIC órgão
Setorial do Acesso e Diversidade; V - Fundo Setorial do Patrimônio e Memória; VI - Fundo Setorial do Livro,
Leitura, Literatura e Humanidades, criado por lei específica; VII - Fundo Setorial de Ações Transversais e
Equalização; VIII - Fundo Setorial do Audiovisual, criado pela Lei n
o
11.437, de 28 de dezembro de 2006; e IX -
Fundo Setorial de Incentivo à Inovação do Audiovisual destinado exclusivamente ao fomento, na modalidade de
aplicação não reembolsável, de projetos: a) audiovisuais culturais de curta e média metragem; b) de renovação
de linguagem das obras audiovisuais; c) para formação de mão-de-obra; d) para realização de festivais no Brasil
ou exterior; e) de mostras e preservação ou difusão de acervo de obras audiovisuais; e f) que envolvam pesquisa,
crítica e reflexão sobre audiovisual.
118
Essa é justificativa do Minc para a criação dos vários fundos setoriais, apresentada no material publicitário de
divulgação do Programa.
119
Art. 8
o
A análise, seleção e classificação dos projetos culturais serão feitas com utilização dos seguintes
critérios objetivos e procedimentos: I - de habilitação, de caráter eliminatório, quando será avaliado o
enquadramento do projeto aos objetivos do Procultura; II - de avaliação das três dimensões culturais do projeto -
simbólica, econômica e social -, de caráter classificatório, mediante utilização dos seguintes critérios: a) para a
dimensão simbólica: 1. inovação e experimentação estética; 2. circulação, distribuição e difusão dos bens
culturais; 3. contribuição para preservação, memória e tradição; 4. expressão da diversidade cultural brasileira; 5.
contribuição à pesquisa e reflexão; e 6. promoção da excelência e da qualidade; b) para a dimensão econômica:
1. geração e qualificação de emprego e renda; 2. desenvolvimento das cadeias produtivas culturais; 3.
fortalecimento das empresas culturais brasileiras; 4. internacionalização, exportação e difusão da cultura
brasileira no exterior; 5. fortalecimento do intercâmbio e da cooperação internacional com outros países; 6.
profissionalização, formação e capacitação de agentes culturais públicos e privados; e 7. sustentabilidade e
continuidade dos projetos culturais; c) para a dimensão social: 1. ampliação do acesso da população aos bens,
conteúdos e serviços culturais; 2. contribuição para redução das desigualdades territoriais, regionais e locais; 3.
impacto na educação e em processos de requalificação urbana, territorial e das relações sociais; 4. incentivo à
formação e manutenção de redes, coletivos, companhias e grupos socioculturais; 5. redução das formas de
discriminação e preconceito; e 6. fortalecimento das iniciativas culturais das comunidades; III - de
enquadramento, mediante utilização dos seguintes critérios de avaliação: a) adequação orçamentária; b)
viabilidade de execução; e c) capacidade técnica e operacional do proponente. Parágrafo único. Os projetos
culturais mencionados no caput não poderão ser objeto de apreciação subjetiva quanto ao seu valor artístico ou
cultural.
127
colegiado do MinC, com composição paritária ente governo e sociedade civil, presidida e
nomeada pelo Ministro.
120
Após análise inaugural positiva pelos especialistas, de que trata o
art. § 1º, o projeto será encaminhado à CNIC Setorial, que proporá sua aprovação ou
reprovação ao MinC. Caso a decisão do parecerista da área seja denegatória, caberá recurso
no prazo de dez dias para ele próprio rever a decisão, podendo reconsiderá-la, ou, ouvida a
CNIC Setorial, encaminhar o recurso para deliberação do Ministro. Esse pedido de revisão
caracteriza-se como pedido de reconsideração que se transmuda em recurso.
Dentro desse procedimento de análise, aprovação ou reprovação dos projetos, a Lei
permite que o Ministro aprove-os, tendo a chancela condicionada ao atendimento de algumas
condições pontuais dentro de prazo determinado, que, em caso de não cumprimento, perderá
efeito a aprovação.
121
Assim, no intuito de não desperdiçar, de imediato, iniciativas culturais,
viabiliza a Lei o financiamento de projetos que inicialmente não atendam a condições
técnicas, sendo-lhes admitido remediá-las para que se enquadrem nas exigências legais, e
consequentemente, cumpram o fim a qual se destinam.
Em oportuno dispositivo, a Proposta de Lei permite que pessoas físicas e jurídicas de
direito público e privado apresentem projetos a fim de obter financiamento, desde que sejam
de natureza cultural, e atendam ao disposto no artigo 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
122
Em seção própria, a Lei disciplinou as categorias de programações específicas os
fundos, definindo o percentual limite da ordem de 10% a 30% da dotação global do FNC que
120
Art. 4
o
O Procultura observará as diretrizes estabelecidas pela CNIC, órgão colegiado do Ministério da
Cultura, com composição paritária entre governo e sociedade civil, presidida e nomeada pelo Ministro de Estado
da Cultura.
121
Art. 10. A avaliação dos projetos culturais será concluída no prazo de trinta dias, prorrogáveis por igual
período, contados a partir da data da apresentação de todos os documentos necessários pelo proponente e do
cumprimento das diligências que lhe forem solicitadas. § 1o Caso seja positiva a análise inaugural de projeto
cultural de que trata o art. 7o, § 1o, será encaminhado à CNIC Setorial, que proporá sua aprovação ou reprovação
pelo Ministério da Cultura. § 2o Da decisão que avalia o projeto cultural, caberá recurso ao órgão prolator, no
prazo de dez dias a contar de sua publicação no Diário Oficial da União. § 3o Interposto o recurso de que trata o
§ 2o, o órgão que proferiu a decisão poderá reconsiderá-la, ou, ouvida a CNIC Setorial, encaminhar o recurso à
apreciação do Ministro de Estado da Cultura. § 4o O Ministério da Cultura poderá aprovar o projeto cultural com
previsão de condição a ser cumprida pelo proponente, considerando-se sem efeito a aprovação em caso de
descumprimento da condição no prazo estabelecido.”
122
“Art. 35. É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por
intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da
administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída
anteriormente. § 1o Excetuam-se da vedação a que se refere o caput as operações entre instituição financeira
estatal e outro ente da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, que não se destinem a: I -
financiar, direta ou indiretamente, despesas correntes; II - refinanciar dívidas não contraídas junto à própria
instituição concedente. § 2o O disposto no caput não impede Estados e Municípios de comprar títulos da dívida
da União como aplicação de suas disponibilidades.
128
deverão ser reservados aos setoriais, no intuito de munir as respectivas áreas, sem que haja o
risco de esvaziamento por falta de recursos. Nesse sentido, possibilitou também que os fundos
recebam contribuições e outros recolhimentos destinados a programações específicas, sempre
no objetivo de equilibrar todos os segmentos.
123
Outro aspecto relevante do FNC no Procultura é a dispensa da contrapartida obrigatória
de numerário, bens ou serviços, exigida dos proponentes pela Lei Rouanet, uma vez que no
formato atual o financiamento está limitado a 80% do custo total do programa, projeto ou
ação cultural, embora algumas normas tenham a previsão de dispensa de contrapartida. O
Projeto de Lei faz referência à dispensa de contrapartida no âmbito dos programas setoriais
definidos pela CNIC, permitindo que projetos de determinadas programações específicas
sejam desobrigados de comprovar a contrapartida. Caso contrário, deverá o proponente
comprovar que dispõe de recursos financeiros, bens ou serviços, que possuam valor
econômico para complementar o aporte concedido pelo FNC, ou mostrar que a obtenção de
financiamento por outra fonte está assegurada.
124
Com a dispensa da contrapartida, resta, possibilitada aos proponentes menos favorecidos
economicamente, a obtenção de recursos para o financiamento de projetos culturais,
vislumbrando-se nesse aspecto um tratamento legal mais equânime a todos que almejam
custeio do FNC.
Um dos pontos do atual FNC apontados como deficitário é a desigual distribuição de
recursos para as diferentes regiões do país, que acabam privilegiando umas em detrimento de
outras. Com o intuito de dar por finda essa repartição irregular, o Projeto de Lei prevê a
obrigação da União de transferir o percentual mínimo de 30% dos recursos do FNC a fundos
123
Art. 18. O FNC alocará recursos da ordem de dez a trinta por cento de sua dotação global, conforme
recomendação da CNIC, nos Fundos Setoriais referidos nos incisos I a VII e IX do art. 14. § 1
o
Além dos
recursos oriundos da dotação global do FNC, os Fundos Setoriais mencionados no caput poderão receber, na
forma da Lei, contribuições e outros recolhimentos, destinados a programações específicas. § 2
o
Fica excluída
dos limites de que trata o caput deste artigo, a arrecadação própria prevista no parágrafo anterior. § 3
o
Os
recursos alocados no Fundo Setorial de Ações Transversais e Equalização serão utilizados no cumprimento dos
objetivos previstos no art. 3
o
, inciso II, e para custear projetos cuja execução não seja possível ou adequada por
meio dos demais fundos previstos no art. 14, independentemente de sua previsão no plano anual do Procultura.
124
Art. 19. O FNC financiará projetos culturais apresentados por pessoas físicas e pessoas jurídicas de direito
público e de direito privado, com ou sem fins lucrativos, observado o disposto no art. 35 da Lei Complementar
no 101, de 4 de maio de 2000. § 1o Poderá ser dispensada contrapartida do proponente no âmbito de programas
setoriais definidos pela CNIC. § 2o Nos casos em que a contrapartida for exigida, o proponente deve comprovar
que dispõe de recursos financeiros ou de bens ou serviços, se economicamente mensuráveis, para complementar
o montante aportado pelo FNC, ou que está assegurada a obtenção de financiamento por outra fonte. § 3o Os
projetos culturais previstos no caput poderão conter despesas administrativas de até dez por cento de seu custo
total, excetuados aqueles apresentados por entidades privadas sem fins lucrativos, que poderão conter despesas
administrativas de até quinze por cento de seu custo total.
129
públicos de Estados, Municípios e Distrito Federal.
125
Citada verba deverá ser utilizada em
políticas e programas públicos dos respectivos entes federativos através de seleção pública.
Pela leitura do dispositivo, vê-se que, aparentemente, essa transferência assemelha-se a
um repasse de fundo a fundo. Entretanto, como a verba deverá ser disponibilizada aos
aprovados em escolha pública, e esta equivale à apresentação de projetos ou seja, é possível
dizer que há um plano de trabalho destinado à verba elimina-se essa possibilidade. Ademais,
outro aspecto que deve ser considerado é a tese de que os fundos públicos não possuem
personalidade jurídica própria, o que lhes impede de realizar a operação de transferência de
valores, sendo essa, uma prerrogativa do ente federado ao qual estão vinculados.
A fim de garantir que percentual significativo de recursos seja distribuído para os
Municípios, uma vez que é o ente federativo mais próximo da realidade cultural local,
estabeleceu a Proposta que do montante de 30%, destinado ao Estado-membro, 50%, seja
repassado aos Municípios, desde que possuam fundo de cultura, órgão colegiado oficialmente
instituído para a gestão destes recursos, e apresente contrapartida para que as transferências de
valores sejam efetivadas. Com essa medida, visou garantir que a verba seja efetivamente
utilizada em projetos culturais locais, o que impede seu aproveitamento em qualquer outro
setor, por falta de numerário suficiente para a execução do plano de trabalho. Referido
preceito também impõe às unidades federativas que não possuam fundo de cultura a obrigação
de criá-los, sob pena de não serem contemplados com recursos do FNC.
126
125 Art. 21. A União deverá destinar no mínimo trinta por cento de recursos do FNC, por meio de
transferência, a fundos públicos de Estados, Municípios e Distrito Federal. § 1
o
Os recursos previstos no caput
serão destinados a políticas e programas oficialmente instituídos pelos Estados, Distrito Federal e municípios,
para o financiamento de projetos culturais escolhidos pelo respectivo ente federado por meio de seleção pública,
com observância dos objetivos desta Lei. § 2
o
Do montante geral destinado aos Estados, cinquenta por cento será
repassado por estes aos Municípios. § 3
o
A transferência prevista neste artigo está condicionada à existência, nos
respectivos entes federados, de fundo de cultura e de órgão colegiado oficialmente instituído para a gestão
democrática e transparente dos recursos culturais, em que a sociedade civil tenha representação no nimo
paritária. § 4
o
A gestão estadual e municipal dos recursos oriundos de repasses do FNC deverá ser submetida ao
órgão colegiado previsto no § 3
o
e observar os procedimentos de análise previstos nos arts. 7
o
a 10. § 5
o
Será
exigida dos entes federados contrapartida para as transferências previstas na forma do caput deste artigo,
devendo ser obedecidas as normas fixadas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias para as transferências
voluntárias da União a entes federados.
126
Dados fornecidos pelo Anuário de Estatísticas Culturais do ano de 2009, em pesquisa sobre o número de
fundos municipais de cultura existentes no país revelou que, na Região Norte onde há 449 municípios, apenas 11
possuem fundo de cultura, representando o percentual de 2,45%; Na Região Nordeste, dos 1.793 municípios, 49
têm fundo, o que equivale a 2,73%; Na Região Sudeste, dos 1.668 municípios, 128 possuem fundo de cultura,
representando 7,67%; Na Região Sul, dos 1.188 municípios, 52 têm fundo, equivalendo a 4,38%; e na Região
Centro-Oeste dos 466 municípios, 45 possuem fundo de cultura, o que equivale a 9,66%. Fonte: IBGE/MUNIC.
Elaboração MinC.
130
Mais um item importante do Projeto, visando à desconcentração regional do
investimento na cultura, é a determinação para que os critérios de aporte de recursos
considerem a participação da unidade da Federação na distribuição total das verbas federais
para o setor, desde que observado o percentual mínimo de dez por cento para cada região.
127
Com esse preceito, a Lei estabelece um quantum básico destinado às regiões, mas observa os
valores que seus estados-membros fazem jus para o segmento, impedindo que algumas
regiões sejam mais beneficiadas do que outras no cômputo final da verba.
O Projeto de Lei, diferentemente da atual Lei Rouanet, deixou de mencionar qualquer
regra de fiscalização da aplicação dos recursos do FNC, remetendo a matéria para posterior
regulamento,
128
entretanto, definiu infrações e penalidades para os casos de desvio dos
objetivos do Procultura.
129
Essencial aspecto previsto no Projeto, não contemplado pela atual Lei, está no capítulo
que trata do Acompanhamento e Gestão dos Recursos do Procultura”. A proposta prevê o
disciplinamento de um Sistema Nacional de Informações Culturais e o Cadastro Nacional de
Proponentes e co-Patrocinadores, que reunitodos os dados relativos ao fomento cultural no
país.
130
Além da criação do Sistema, determina o monitoramento e a avaliação dos resultados
127
Art. 22. Os critérios de aporte de recursos do FNC deverão considerar a participação da unidade da
Federação na distribuição total de recursos federais para a cultura, com vistas a promover a desconcentração
regional do investimento, devendo ser aplicado, no mínimo, dez por cento em cada região do País.
128
Art. 36. Os recursos aportados pelo Procultura em projetos culturais por meio dos mecanismos previstos no
art. 2
o
, incisos I e II, deverão ser depositados e movimentados em conta bancária específica, aberta em instituição
financeira federal credenciada pelo Ministério da Cultura, devendo a respectiva prestação de contas ser
apresentada nos termos do regulamento.
129
Art. 57. Constitui infração aos dispositivos desta Lei: I - auferir o co-patrocinador incentivado, o doador
incentivado ou o proponente vantagem financeira ou material indevida em decorrência do co-patrocínio ou da
doação incentivados; II - agir o co-patrocinador incentivado, o doador incentivado ou o proponente de projeto
com dolo, fraude ou simulação na utilização dos incentivos nela previstos; III - desviar para finalidade diversa da
fixada nos respectivos projetos, os recursos, bens, valores ou benefícios obtidos com base nesta Lei; IV - adiar,
antecipar ou cancelar, sem autorização do Ministério da Cultura, projeto beneficiado pelos incentivos previstos
nesta Lei; e V - deixar o co-patrocinador incentivado ou o proponente do projeto de utilizar as logomarcas do
Ministério da Cultura e dos mecanismos de financiamento previstos nesta Lei, ou fazê-lo de forma diversa da
estabelecida. Art. 58. As infrações aos dispositivos desta Lei, sem prejuízo das demais sanções cabíveis,
sujeitarão: I - o doador ou o co-patrocinador incentivados ao pagamento do valor atualizado do imposto sobre a
renda não recolhido, além das penalidades e demais acréscimos previstos na legislação tributária; II - o infrator
ao pagamento de multa de até duas vezes o valor da vantagem auferida indevidamente, revertida para o FNC;
III - o infrator à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de
crédito; IV - o infrator à proibição de contratar com a administração pública pelo período de até dois anos; ou V -
o infrator à suspensão ou proibição de fruir de benefícios fiscais instituídos por esta Lei pelo período de até dois
anos. Parágrafo único. O proponente do projeto, por culpa ou dolo, é solidariamente responsável pelo
pagamento do valor previsto no inciso I do caput. Art. 59. As sanções previstas no art. 58 serão graduadas de
acordo com a gravidade da infração e aplicadas isolada ou cumulativamente pela autoridade administrativa
competente.
130
Art. 39. O Ministério da Cultura instituirá o Sistema Nacional de Informações Culturais e o Cadastro
Nacional de Proponentes e co-Patrocinadores, que deverão reunir, integrar e difundir as informações relativas ao
131
do Programa, baseado em critérios já previamente definidos.
131
O acompanhamento e a
apreciação dos efeitos do financiamento cultural titularizado pelo FNC fazem parte das
deficiências detectadas na atual Lei, haja vista sua imprescindibilidade para o direcionamento
dos rumos da política cultural. Nesse aspecto o Procultura supera a Lei Rouanet, por
reconhecer a necessidade de verificação dos impactos do financiamento público da cultura e
sua adequação aos meios inicialmente propostos.
Todas as iniciativas legais, que buscam incluir a cultura como uma das ações prioritárias
do Estado na determinação de políticas públicas, são fundamentais, por reconhecerem sua
importância enquanto diversidade, em sua dimensão econômica e simbólica, mas,
principalmente, como direito inerente à pessoa humana, reconhecido constitucionalmente.
Nesse sentido, ao Estado cabe o dever de empreender esforços necessários para modificar a
atual conjuntura, e para isso não basta modificar as regras do financiamento, determinar Plano
e estruturar Sistema de Cultura, é imprescindível que garanta receita permanente e compatível
com as exigências do setor, ou pelo menos com o mínimo de um por cento da arrecadação dos
impostos federais, consoante recomendação da UNESCO.
132
Com esse objetivo, tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional
- PEC 150, que garante a vinculação de receita na base de 2% do orçamento federal; 1,5%
dos Estados e 1% dos Municípios, advindos de receitas resultantes de impostos. (BRASIL.
Câmara dos Deputados, 2010, on line). No entanto, a aprovação de referida proposta padece
no tempo, demonstrando o desinteresse do Estado Brasileiro em prover de receita permanente
o orçamento da cultura.
fomento cultural em todos os entes federados. Parágrafo único. O Poder Executivo, por intermédio do
Ministério da Cultura, implementará sistema de informações específico para fins de gestão e operacionalização
de todos os mecanismos e modalidades de execução de projetos culturais previstos nesta Lei.
131
Art. 42. Serão fixados, periodicamente, indicadores para o monitoramento e avaliação dos resultados do
Procultura com base em critérios de economia, eficiência, eficácia, qualidade e também de desempenho dos
entes federados.
132
Em nota intitulada “Relação entre orçamento do MinC X Impostos Federais”, o MinC apresenta
posicionamento acerca da orientação da UNESCO: A destinação de pelo menos 1% da arrecadação federal de
impostos em favor da Cultura é uma das orientações da UNESCO, que realizou diversos estudos sobre o impacto
positivo que esses investimentos exercem sobre as populações menos favorecidas. Abaixo deste patamar
mínimo, constatou-se que grande parte da população dos países em desenvolvimento fica à margem dos
benefícios decorrentes do acesso ao conhecimento, à informação, aos livros, ao cinema e a outras áreas culturais.
Essa orientação reconhece a centralidade da Cultura no processo de desenvolvimento social.”[...] E reconhece:
Embora a relação percentual esteja abaixo do patamar recomendado pela UNESCO, no período 2002/2008
houve avanços na destinação de recursos para as iniciativas culturais, quando se constatou variação de 0,36%,
em 2002, para 0,52%, em 2008, uma evolução comparativa da ordem de 44% no período.
132
Após todas as considerações apresentadas acerca do FNC, como um dos mecanismos do
Procultura, que visa substituir o modelo de financiamento cultural vigente, é forçoso observar
que foram perpetradas modificações consideráveis em seu atual formato, a fim de torná-lo
mais eficaz e fortalecido. Contudo, para que possa apresentá-lo com a força a qual se propõe,
será necessário instruí-lo com fontes de receitas permanentes que não dependam do
implemento de nenhuma condição para a transferência dos valores, o que não é constatado no
modelo proposto.
Nesse sentido é importante investigar alguns números que circundam o FNC, a fim de
avaliá-lo inserido no contexto no conjunto dos gastos culturais, bem como o quantitativo das
principais fontes de receitas, com o propósito de constatar o impacto das mesmas na
composição final das verbas. Outro aspecto proeminente é a relação entre o orçamento do
Tesouro Nacional oriundo do orçamento do MinC e dos impostos federais destinado à
cultura e o liame com o FNC, haja vista a relação de dependência existente entre os mesmos.
Essa análise é fundamental para demonstrar o tratamento a que vem sendo submetido o
FNC, em contraponto com a proposta do seu fortalecimento prenunciado no Procultura como
um das estratégias para o novo modelo de financiamento cultural.
4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS NÚMEROS DO FUNDO
NACIONAL DA CULTURA
Discorrer sobre o alicerce teórico do FNC e seus desdobramentos como instrumento de
política cultural no Brasil obriga o estudioso a enveredar também pelos números resultantes
da utilização de seus recursos, com o propósito de evidenciar a realidade que o circunda, o
que, ao final, atestará pela sua efetividade, no cumprimento do preceito constitucional do
acesso à cultura.
Os minguados dados disponibilizados pelo MinC, para análise e avaliação dos projetos
culturais financiados pelo FNC, de pronto já demonstram a dificuldade de efetivação e
debilidade de seu funcionamento. Tais números, apresentados na página virtual, na maioria
das vezes englobam o mecenato e o FNC, sem individualização, ou seja, a estatística
publicada evidencia resultados da política cultural como um todo, sem discriminar quais se
referem a cada mecanismo particularmente, dificultando, sobremaneira, o estudo
pormenorizado dos resultados do Fundo.
Outro aspecto que merece ser ressaltado é a limitação temporal dos números divulgados,
pois representam apenas alguns anos e não todo o histórico de utilização dos recursos do FNC
em seus dezenove anos de existência, o que impede de firmar conclusões sólidas e
abrangentes sobre sua efetividade ao longo do tempo.
Todavia, mesmo com a exiguidade de números, o FNC será avaliado de modo geral pelo
critério de tempo, ora compreendendo o período de 1995 a 2007 ou 1993 a 2010, que se
justifica, por ser esse o disponibilizado pelo MinC.
Outras bases de apreciação serão utilizadas, como as principais fontes de receitas
especificamente os recursos provenientes dos concursos e prognósticos a fim de demonstrar
qual sua relevância na composição final do FNC. A Relação entre o orçamento da cultura e o
Fundo é mais um aspecto proeminente a ser verificado, bem como os reflexos de sua
execução orçamentária nas diversas regiões do País, em continuidade ao objetivo inicial de
evidenciar o cumprimento do preito constitucional de acesso à cultura.
134
Por fim, será evidenciado um comparativo a cada ano dos números do mecenato e do
FNC em conjunto, no intervalo de tempo de 1993 aos dias atuais, bem como os reflexos no
Estado do Ceará. Referido demonstrativo servirá de parâmetro para mostrar os dados que
envolvem o Fundo, haja vista que com a dedução dos quantitativos do mecenato será possível
chegar até eles. Essa operação matemática é justificada na ausência expressa de estatísticas
específicas do FNC, mas que acabam por ser reveladas a partir do confronto dos dois
mecanismos.
4.1 Panorama geral do Fundo Nacional da Cultura
A primeira descrição e análise a ser feita mostrará a situação geral do FNC no período
compreendido entre os anos de 1996 a 2007, inserido na perspectiva dos gastos culturais da
administração direta e indireta como um todo.
Para que se que entenda a evolução das receitas para a cultura e os reflexos no próprio
Fundo, impõe dizer que a composição da execução orçamentária é dividida em Administração
Direta que engloba o MinC e o FNC e Administração Indireta na qual estão incluídos o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN, Fundação Cultural Palmares
FCP, Fundação Nacional de Artes Funarte e a Fundação Casa de Rui Barbosa.
Nesse sentido, a tabela a seguir revela os gastos culturais das duas Administrações.
Tabela 1 - Gastos culturais - Administração Direta e Indireta
Fundo
Nacional de
Cultura
Total
Casa de
Rui
Barbosa
Biblioteca
Nacional
Fund.
Cultural
Palmares
Iphan Funarte Ancine Total
1996 182.327 35.276 217.603 17.423 55.092 5.790 154.609 58.432 - 291.346 508.949
1997 152.009 60.713 212.723 15.764 55.768 8.476 153.479 66.273 - 299.760 512.483
1998 141.157 50.578 191.735 19.492 49.117 9.260 139.759 57.795 - 275.424 467.159
1999 178.297 41.265 219.562 18.048 53.411 9.277 144.482 50.710 - 275.929 495.490
2000 169.991 88.086 258.078 18.657 49.339 22.625 122.439 45.631 - 258.692 516.769
2001 186.168 111.322 297.490 18.370 46.548 12.122 125.531 49.871 - 252.442 549.931
2002 118.498 65.959 184.457 18.846 45.324 12.183 116.716 44.407 - 237.476 421.933
2003 77.218 57.192 134.411 15.602 37.065 9.875 107.222 36.356 25.821 231.941 366.352
2004 101.386 96.990 198.376 18.315 42.840 10.266 114.973 35.645 31.271 253.310 451.686
2005 171.578 141.608 313.185 16.055 58.678 11.414 110.509 34.280 36.001 266.936 580.122
2006 179.299 145.121 324.420 19.415 50.171 12.606 177.755 71.450 39.003 370.401 694.821
2007 274.170 145.358 419.528 19.547 65.238 22.048 195.450 53.917 47.761 403.961 823.489
Total 1.932.100 1.039.468 2.971.567 215.533 608.593 145.942 1.662.925 604.768 179.857 3.417.617 6.389.185
Ano
Total
Geral
Administração Direta
Administração Indireta
Fonte: Siafi/Sidor/MinC, elaborado por Frederico Augusto Barbosa da Silva, valores dez-2007 (IGP-DI médio)
A evolução dos números do FNC, ao longo do período, mostra oscilações consideráveis
em sua receita, embora em 2007 tenha chegado a R$ 145 milhões, quatro vezes maiores em
comparação a 1996, o que comprova seu papel fundamental na execução orçamentária dos
gastos culturais.
135
A estatística revela que na metade da década de 90 a receita do Fundo boa parte
dependente dos recursos orçamentários da União foi substancialmente diminuída em razão
de fatores consideráveis, como as prioridades fiscais, o comportamento econômico da época,
e, principalmente, a redução drástica dos recursos para a cultura, promovida pelo governo
Collor de Mello. Assim, vê-se a vulnerabilidade do FNC às condições adversas e à
necessidade de definição legal do seu orçamento, a fim de protegê-lo dessas circunstâncias
que indicam a fragilidade da cultura no quadro das prioridades políticas.
A partir de 2000 constata-se aumento considerável na receita do FNC, apesar de
intercalado por período de baixa que não se compara a dos anos de 1996 a 1999 mas que
coincidem com as transformações perpetradas no MinC, promovidas pela Lei 9.649, de 27
de maio de 1998 e, posteriormente, com sua reestruturação por meio do Decreto 4.805, de
12 de agosto de 2003. (BRASIL. Ministério da Cultura, 2010, on-line).
Em 2004 os recursos do FNC foram de R$ 96.990 milhões, em contrapartida aos
valores de 2003, que, saltando da casa dos R$ 57.192 milhões, apresentaram crescimento na
base de 69,58%. Nos anos seguintes, a receita ultrapassou a cifra dos R$ 140 milhões,
mantendo-se nessa média
133
, embora com pequeno crescimento em 2006 e 2007, mas, em
comparação aos números de 1996, representa um aumento progressivo de 312%.
Na prestação de contas do Presidente da República do ano de 2007, logo de início foi
justificado o progresso do setor da cultura naquele ano, sendo atribuído a diversos fatores
(BRASIL. Ministério da Cultura, 2010, on-line):
No ano de 2007, o Ministério da Cultura MinC pôde manter a mesma estratégia de
atuação iniciada em 2003, por conta da estabilidade administrativa da Pasta e do
amadurecimento das políticas inovadoras direcionadas para o setor cultura. A
prioridade continua sendo ampliar o acesso público aos benefícios da Cultura como
forma de reduzir o enorme fosso social que existe entre os cidadãos brasileiros,
decorrente da distribuição das riquezas do País, particularmente nas áreas
tecnológica, educacional e cultural. Convém frisar que o MinC possui 10 programas
finalísticos, em sua maioria voltados para o trato específico de determinadas áreas
culturais, como acontece nos segmentos do patrimônio e da memória, do audiovisual,
das artes cênicas e da música, do livro e da cultura afro-brasileira, que são áreas que
guardam sintonia com a própria estrutura administrativa das entidades vinculadas do
Órgão. Em razão dessa particularidade, o Ministério tem crescido significativamente
na articulação interna e na transversalidade de suas ações, fazendo com que a cultura
seja tratada por meio de uma abordagem única, focada no cidadão e na sociedade.
133
Os números referem-se aos valores nominais, o que significa diminuição nos valores reais, haja vista a
inflação anual.
136
Nesse mesmo sentido, os dados disponibilizados pelo Governo Federal no Portal da
Transparência dão conta de que no ano de 2009 a previsão de receita para o FNC foi de R$
247 milhões, sendo realizado apenas o valor de R$ 123 milhões, correspondente a 49,71% do
total. Os números mostram que neste ano havia recursos consideráveis no FNC, entretanto o
percentual de utilização do dinheiro comprova que não foi aproveitado em sua totalidade para
o custeio de projetos, ações e programas cultuais na conformidade dos objetivos do
PRONAC, que se justifica na hipótese de deficiências de ordem legal, administrativa, ou até
mesmo técnica dos que se propõem a obter financiamento público. (BRASIL. Portal da
Transparência do Governo Federal, 2010. on-line)
A última observação a ser feita sobre a Tabela 1 anteriormente apresentada, diz respeito
às receitas das entidades vinculadas ao MinC que compõem a Administração Indireta e sua
relação com o FNC. Pelos dados, percebe-se que referidas instituições possuem orçamento
próprio que lhes permitem executá-lo em suas ações culturais. Ao mesmo tempo, o Decreto nº
5.761/06 traz a possibilidade das mesmas serem beneficiadas com recursos do FNC, e no §
do art. 13 isenta-as de apresentar contrapartida. Dessa forma, observa-se que os recursos do
FNC além da destinação própria determinada na Lei, também devem atender às entidades
vinculadas em suas demandas, apesar destas possuírem orçamento próprio.
Acaso os orçamentos das entidades vinculadas fossem fortificados, os recursos do FNC
não seriam destinados também às suas ações culturais, permitindo uma maior alocação nos
projetos que atendam especificamente os objetivos do FNC. Para Frederico Augusto Barbosa
da Silva (2007, p. 10): Os recursos dessas instituições estão longe de serem suficientes o
só para o atendimento dos objetivos setoriais como também para uma programação financeira
adequada.”
A sistemática de aumento progressivo dos recursos do FNC, no decorrer desse período,
denota o reconhecimento da necessidade de inclusão da cultura na pauta das prioridades
políticas dos últimos governos, e, ao mesmo tempo, evidencia a certeza de que o segmento
não pode estar submetido ao talante de uns e outros governantes, e que o volume de recursos
isoladamente pode não significar aumento e equilíbrio na distribuição.
137
4.2 Quantitativo das principais fontes de receitas do Fundo Nacional da
Cultura
Considerando os números oficiais divulgados pelo MinC, acerca da utilização dos
recursos do FNC, impõe dizer que permitem a avaliação pontual de sua efetividade e dos
resultados obtidos sob a ótica da participação do Estado na execução da política cultural num
determinado período de tempo.
A segunda descrição e análise dos números terão como base as contribuições
decorrentes das principais fontes de receitas do FNC, pois a partir daí é possível demonstrar
quais as mais consideráveis em relação a outras.
Consoante preceitua o artigo 5º da Lei nº 8.313/91, o FNC será constituído por fontes de
recursos procedentes do orçamento da União, 3% da arrecadação bruta dos concursos de
prognósticos e loterias federais, doações, legados, subvenções e auxílios, 1% de fundos de
investimentos regionais, reembolso de operações de empréstimos, saldos de exercícios
anteriores, dentre outras receitas.
A primeira vista, esse cabedal de fontes suscita a ideia de que o Fundo recebe grande
quantidade de dinheiro. Entretanto, um olhar mais atento permite ver que a maioria delas
depende de fatores voluntários para que haja o aporte das verbas, ou seja, não repasse
contínuo e vinculado de numerário que torne o FNC um mecanismo de financiamento robusto
e livre de oscilações.
4.2.1 Recursos provenientes dos concursos e prognósticos
Como dito, o FNC é composto por fontes sobrevindas dos mais variados segmentos,
que em sua totalidade compõem a receita total a ser utilizada nos programas, projetos e ações
culturais compatíveis com os objetivos definidos em lei.
A Tabela a seguir (Tabela 2) mostra a execução orçamentária do FNC por fontes nos
anos de 1995 a 2002, especificamente no que diz respeito às contribuições advindas dos
concursos de prognósticos e das loterias federais.
138
Tabela 2 - Execução orçamentaria do FNC por Fontes, - 1995 a 2002
134
Durante o período compreendido entre os anos de 1995 a 2002, a tabela mostra que os
concursos de prognósticos captaram a quantia de R$ 337,9 milhões, significando o percentual
médio de 77,8% dos recursos do FNC, sendo a menor no ano de 2000 quando correspondeu a
50,8%, o que evidencia a importância da referida fonte.
-se ainda que, mesmo provenientes de origem vinculada, os valores sofreram
mudanças ao longo desses oito anos, como se observa pelo aumento ocorrido em 2007, que,
da média de R$ 25 milhões em 1995 e 1996, passaram a quase R$ 50 milhões, representando
88% dos valores do FNC. Já em 1998 e 1999 houve novamente retração dos números para R$
37 e R$ 27 milhões respectivamente, voltando a crescer consideravelmente em 2001.
Mesmo sendo a principal fonte de receitas do FNC e os repasses importando em
dinheiro disponibilizado para financiamento cultural, pelos números, verifica-se que durante
esse período o grau médio de execução foi de 67,6%, variando consideravelmente de ano a
ano.
Nesse sentido, tendo como parâmetro 100% da execução dos valores, ou seja, levando
em conta que se a totalidade do dinheiro tivesse sido aplicada durante o período de oito anos,
cerca de R$ 495 milhões teriam sido utilizados em programas, ações e projetos culturais, o
que de fato os números comprovam que não ocorreu.
É curioso notar que, o obstante a média de execução dos valores tenha girado em
torno de 67,6% no período total, em alguns anos especificamente, como em 2000 e 2001, o
134
Conforme Frederico Augusto Barbosa da Silva (2007, p. 4), a fonte de informações sobre os “Repasses das
Loterias” é da Caixa Econômica Federal.
139
percentual de execução quase chegou a 100%, variando entre 90,9 e 82,5%, o que pode
significar entraves de diversas naturezas na distribuição dos recursos.
No geral, as perdas foram significativas, giraram em torno de 157 milhões, sendo
premente, para a determinação das metas futuras de política cultural, que o MinC, na condição
de gestor do FNC, investigue quais motivos dificultam ou impedem a distribuição desses
recursos.
Mesmo com a flutuação dos valores arrecadados ano a ano e a limitação da execução
por fatores que a impedem de atingir o máximo, o apanhado anterior comprova que os
recursos da fonte, concursos e prognósticos são parte substancial de aporte para o FNC, e esse
reconhecimento fez com que a Proposta de Lei, que visa modificar as regras do financiamento
cultural, a mantivesse em conjunto com as demais.
4.3 Relação entre o orçamento da cultura e o Fundo
A análise a seguir levará em conta outra fonte de receita relevante para o FNC, que é a
decorrente do Tesouro Nacional, procedente do orçamento do MinC e dos impostos federais.
Antes de qualquer avaliação sobre a evolução percentual do orçamento do MinC em
relação às receitas de impostos federais e sua relação com o FNC, impende advertir que a
UNESCO recomendou aos países a destinação de pelo menos 1% dessa arrecadação à cultura,
como uma forma de garantir recursos para minimizar a discrepância de investimento que
existe neste área, em relação a outras. (BRASIL, Ministério da Cultura, 2010, on line).
Nessa perspectiva, a UNESCO intensificou os debates acerca das dimensões da cultura
em âmbito internacional com a adoção da “Declaração Universal sobre Diversidade Cultural”
em 2001, e, em 2006, o Congresso Nacional ratificou a “Convenção para a Proteção e a
Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, tornando o Brasil um dos primeiros
signatários, restando para o país o comprometimento de implantar políticas públicas de acesso
à cultura em favor dos que menos participam desse segmento.
Os recursos advindos da União para o FNC juntamente com os do orçamento do MinC e
entidades vinculadas compõem os chamados “recursos orçamentários”, um dos mecanismos
do sistema de financiamento cultural do qual também fazem parte os incentivos fiscais e o
Fundo de Investimento Cultural e Artístico - Ficart.(BARBOSA, 2007, p. 173)
140
O gráfico a seguir revela a destinação dos recursos do orçamento da União para o MinC
e a relação com a receita, provenientes dos impostos federais, permitindo verificar em que
medida os recursos do FNC, advindos da fonte Tesouro Nacional, são alcançados pela
instabilidade que assola a receita da cultura.
Gráfico 1 - Relação entre o orçamento do MinC e receita de impostos federais
A representação tomou como parâmetro os anos de 2002 a 2008, período de tempo que
coincide com o ano das eleições presidenciais no qual o Presidente Lula foi eleito para o
primeiro mandato. A partir de 2003, uma nova ideologia política era implantada no país sob
os auspícios de um governante de esquerda partidária, que seguirá até o final do ano de 2010.
Avaliando a trajetória do gráfico, vê-se que em 2002 o orçamento do MinC correspondia
a 0,36% da receita dos impostos federais, seguido de pequena baixa em 2003, quando passou
a 0,35%. Em 2004 houve um pequeno aumento em relação ao ano anterior, alcançando o
percentual de 0,37%. No ano seguinte, os recursos melhoraram consideravelmente, marcando
0,44%, seguido de baixa em 2006, quando estacionou em 0,42%. Em 2007 aproximou ao
percentual de 0,50%, transpondo no ano subsequente essa barreira, para chegar aos 0,52%.
Todo esse movimento de receita ano a ano no orçamento do MinC ocasionou
consequências no FNC e nas entidades vinculadas, visto que também dependem desse
contingente de verba. A dependência se dá em cadeia, pois na medida em que o orçamento do
MinC está sujeito à variação do recolhimento dos impostos federais, naturalmente o
orçamento do FNC, que nele está inserido, também sofre alterações, que não são bem
141
acolhidas em razão da instabilidade que cria no financiamento cultural das ações que lhes são
adstritas.
As altas e baixas nos recursos trazem incerteza para a execução das políticas públicas,
obrigando a administração efetuar cortes orçamentários que implicam em obstáculos
importantes, interferindo sobremaneira no financiamento de programas e ações, tolhendo-os
de modo a muitas vezes inviabilizá-los. Sob esse ponto de vista, iniciativas tolhidas no campo
da cultura significam retrocesso no processo de democratização dos bens, no acesso universal
à expressão múltipla da cultura e, consequentemente, violação do preceito constitucional de
proteção dos direitos culturais.
Além do reconhecimento pela Lei Maior da importância da cultura para a cidadania,
desenvolvimento econômico e social, é preciso que haja a conscientização dos governos para
que a política fiscal não incida em cortes orçamentários para a área. Nesse sentido, a
possibilidade de incremento dos recursos está demonstrada a partir do aumento considerável
que vem ocorrendo nos últimos tempos. Todavia, não é possível que o volume de recursos
esteja atrelado a períodos de crescimento econômico, tornando-se incerto nos momentos de
crise, quando a fragilidade da área é revelada no conjunto das prioridades políticas.
Vale reiterar que a aprovação da PEC nº 150/2003, que prevê a vinculação para a cultura
de no mínimo 2% das receitas correntes líquidas (RCL) da União, de 1,5% das receitas dos
estados e de 1% dos municípios, apresenta-se como uma maneira de superar essa volubilidade
financeira em seu orçamento, e, consequentemente, os efeitos também seriam experimentados
nos recursos do FNC.
Para demonstrar o impacto orçamentário da PEC citada, a Tabela 3 a seguir apresenta
estimativa que comprova o expressivo aporte de recursos que representaria para a cultura caso
a Emenda fosse aprovada.
142
Tabela 3 - Aplicação da PEC 150/2003 - valores correntes
(Em R$ mil)
Ano
Execução
orçamentária do
MinC
% da RCL
Aplicação de 2%
previsto pela PEC
150/2003
Incremento
em número
de vezes
2000 271.079 0,19 2.902.213 10,7
2001 318.380 0,19 3.354.782 10,5
2002 277.273 0,14 4.038.546 14,6
2003 274.769 0,12 4.498.403 16,4
2004 542.635 0,21 5.287.060 9,7
2005 398.708 0,13 6.060.316 15,2
2006 661.166 0,19 6.894.629 10,4
Total 2.744.010
-
33.035.949 12
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Elaboração: Disoc/Ipea.
Como se depreende da tabela, a aplicação da PEC no período importaria um incremento
doze vezes maior em relação aos mesmos recursos executados, ou seja, a cultura teria R$ 33
bilhões em vez de R$ 2,7 bilhões. Como consequência, o FNC contaria com muito mais
recursos disponibilizados para execução dos programas, ações e projetos que pleiteassem seu
apoio financeiro.
Em paralelo, observa-se que a execução orçamentária mais frequente girou em torno de
0,19% em média da receita líquida da União, representando patamar significativamente
aquém do recomendado pela UNESCO.
4.4 Reflexos da execução orçamentária do FNC nas regiões
O FNC, como um dos mecanismos do PRONAC, deve servir para captar e destinar
recursos públicos ao financiamento da cultura no âmbito nacional, estimulando sua
distribuição por todas as regiões, de forma equitativa, e favorecendo à visão interestadual na
exploração de propostas conjuntas de enfoque regional, entre outras finalidades.
135
Dentro dessa perspectiva, o apoio à regionalização da cultura sobressai como meta legal
a ser atingida quando da destinação de recursos, impondo ao FNC o dever de priorizar
projetos com menos possibilidades de desenvolvimento próprio e não contemplados pelos
outros mecanismos de apoio financeiro.
O gráfico abaixo mostra a evolução da execução orçamentária do FNC no período
compreendido entre os anos de 1995 a 2006, nas respectivas áreas de abrangência, permitindo
verificar em que medida a regionalização da cultura vem sendo estimulada.
135
Art. 4º da Lei nº 8.313/91.
143
Gráfico 2 - Execução Orçamentária por Região (Fundo Nacional de Cultura - FNC) 1995 a 2006
Orçamento Realizado por Região de 1995 a 2006/Fundo Nacional de Cultura FNC
Fonte: GPS/DGE/MINC (2007)
À primeira vista, a representação destaca o incremento de recursos do FNC para
algumas regiões em detrimento de outras em razão do maior número de demandas. A partir de
2000, percebe-se um aumento considerável para todas elas, quando fica visível a maior
utilização do volume de verbas, embora se mantenha o desequilíbrio observado entre as
mesmas.
O gráfico demonstra que o nível mais alto de aproveitamento dos recursos do FNC ficou
por todo o período concentrado nas regiões Sul e Sudeste, cujas áreas apresentam fatores
preponderantes que servem de justificativa para esse resultado. O maior potencial econômico,
o melhor nível educacional, a maior renda familiar, e, principalmente, o atendimento às
exigências técnicas dos que buscam financiamento são condicionantes que podem influenciar
sobremaneira nesse resultado final.
Por outro ângulo, também essas regiões mais desenvolvidas possuem mais instituições,
como Conselhos de Cultura, Fundos Estaduais e Municipais, que estão organizados e
habilitados para facilitar o cumprimento das condições impostas ao recebimento de verba do
FNC, o que determina uma provável maior procura por proponentes dessas áreas. (BRASIL.
Ministério da Cultura, 2009, on-line).
Dentro desse cenário de distorções, é importante observar ainda, que,
contraditoriamente, as regiões menos favorecidas economicamente podem ser culturalmente
144
fecundas, fazendo-se ainda mais reforçada a necessidade de maior participação do Estado para
minimizar as diferenças, exercendo o FNC relevante função, nesse sentido.
O crescimento dos recursos do FNC, visualizado no gráfico anterior (Gráfico 2) a partir
do ano 2000 pode ser atribuído à interferência de alguns elementos, como a mudança do
percentual de 1% para 3% da arrecadação bruta dos concursos de prognósticos e loterias
federais determinada pela Lei 9.999/2000 que por ser fonte vinculada e permanente causou
impacto no orçamento assim como pela maior transferência de recursos da União para a
cultura, como demonstrado anteriormente. Todavia, mesmo sob a influência desses fatores,
constata-se a centralização dos recursos no Sul e Sudeste, desvirtuando os propósitos do FNC,
no que pertine à distribuição equânime de verbas para as regiões do país.
Da análise do gráfico, depreende-se ainda que a partir do ano de 1995, até 2001, não
houve avanços consideráveis na execução orçamentária do FNC nas regiões. Esse período
coincide com parte do mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi
caracterizado por mudanças políticas, econômicas e sociais no país (2002, p. 18 19). Nessa
plêiade de avanços e retrocessos, a questão cultural não passou incólume, refletindo
sobremaneira os efeitos da política econômica adotada.
Avaliando os efeitos das medidas adotadas nessa época, José Castello, (2002, p. 653-
647) assevera que não houve a implantação de uma política cultural “mas, apenas, uma
política financeira para a cultura”, em razão da isenção da responsabilidade assumida pelo
Estado sobre os resultados da produção cultural, que se limitou apenas a estimular o uso
das leis de incentivo. E compara a posição do Estado a de um burocrata que apenas distribui
papéis, asseverando: “se os projetos aprovados não conseguem incentivo fiscal a que
almejam, não é culpa do Estado, já que ele fez a sua parte”. Atribui essa proposição à
avaliação realizada em dados do período, concluindo:
Como indicam esses números, de modo definitivo, o incentivo fiscal tornou-se,
durante o governo Fernando Henrique, a grande ferramenta da atividade cultural
enquanto os recursos diretamente investidos pelo Estado equivalem a apenas um
quarto do dinheiro captado através do imposto de renda. Números que dão prova de
que se criou, sem dúvida, um sistema de financiamento cultural no País faltando
discutir, aqui, dois aspectos muito importantes, que ultrapassam a frieza dos
índices: os efeitos reais dessa política, já que a cultura passa a ser vista, antes de
tudo, como mercadoria; e, o que é ainda mais importante, o tipo de cultura, a
„estética‟, que essa política veio a produzir. O fato é que, no governo Fernando
Henrique, o mecenato do Estado característica da era militar foi substituído pelo
mecenato privado, sendo esse modelo que agora está em questão. Ao entregar o
planejamento da cultura ao mercado, o Estado abriu mão de gerir um projeto com
princípios e concepções nítidas, como havia no Modernismo e, mais tarde, no
145
Militarismo reduzindo a sua ação à área da legislação, da tributação e da
contabilidade, isto é, a mecanismos financeiros.
A política implantada nesse período choca-se com a ideia de democratização cultural
defendida por Marilena Chauí (2006, p.136), que atribui ao Estado o papel de incentivador,
mas aquele que busca incluir todos num processo de acesso que preconiza igualdade de
condições, e se reveste na noção de cidadania cultural. Nas palavras da autora, a
democratização, e, consequente a cidadania cultural, são concebidas:
[...] como um direito do cidadão e, assim, assegurar às pessoas o direito de acesso
às obras culturais produzidas, particularmente o direito de fruí-las, de criar as obras,
ou seja, produzi-las, e o de participar das decisões sobre políticas culturais. [...] o
direito à participação nas decisões de política cultural é o direito dos cidadãos de
intervir na definição das diretrizes culturais e dos orçamentos públicos, a fim de
garantir tanto o acesso quanto a produção de cultura pelos cidadãos.
Toda essa análise reflete a política da livre iniciativa desse governo, que também no
segmento da cultura remeteu os resultados à livre flutuação do mercado. Em contrapartida,
constata-se o enfraquecimento do FNC, haja vista a valorização exacerbada dos mecanismos
de incentivo fiscal em detrimento da percepção de cultura como vetor social do interesse de
todos.
136
4.5 Comparativo entre o Mecenato e o Fundo Nacional da Cultura
A Lei Rouanet estabeleceu que o PRONAC conta com o FNC, os Ficart e o incentivo
fiscal a projetos ou mecenato, como mecanismos aptos à sua implementação. Para isso,
determinou objetivos e procedimentos a serem atingidos pelos que buscam financiamento
cultural.
Considerando que os projetos, as ações e os programas culturais, em sua totalidade, são
aprovados e apoiados, visando ao custeio pelo FNC ou mecenato, o MinC disponibiliza
comparativo por ano, abrangendo os dois mecanismos, a partir de 1993 até os dias atuais de
2010, sem contudo discriminá-los.
137
Referido confronto ano a ano, em conjunto com outros
dados também do mecenato, servem de ponto de partida para alcançar os números do FNC,
136
A análise do setor cultural no mandato de FHC refere-se exclusivamente à Lei Rouanet no que diz respeito ao
incentivo fiscal e à Lei do Audiovisual, mencionando o FNC apenas de modo propedêutico, para dizer que foi
um dos mecanismos criados para garantir a realização de projetos cuturais pouco atraentes, uma vez que o
Estado financiaria 80% do custo total.
137
Os números do ano de 2010 variam diariamente, tomando-se para o presente estudo os registrados até o dia
28 de fevereiro. (BRASIL. Ministério da Cultura, 2010, on-line).
146
visto que não outra descrição, nem total e tampouco individualizada destes, que permitam
inferir imediatamente acerca dos seus resultados.
Nesse intento, a tabela a seguir demonstra um quadro comparativo contendo os dois
mecanismos, as quantidades de projetos apresentados, aprovados e apoiados a cada ano, bem
como o montante dos respectivos valores que os representam. A verificação de todos esses
dados torna possível apresentar algumas conclusões pontuais acerca do comportamento do
FNC ao longo desse tempo e seus reflexos na política de financiamento cultural pátria.
Tabela 4 - Mecenato e Fundo Nacional da Cultura Comparativo por ano
Para a compreensão dos números acima é importante inicialmente delimitar que
“quantidade apresentada” significa a demanda de projetos requestada; “quantidade aprovada”
os projetos habilitados ao financiamento; e “quantidade apoio” os que dentre os aptos foram
efetivamente contemplados com recursos. Os valores importam no numerário solicitado,
reconhecido e ao final despendido.
147
Da averiguação do demonstrativo, percebe-se que durante esses dezoito anos foram
apresentados 120.931 projetos culturais para financiamento pelo FNC e mecenato, dos quais
66.612 passaram pelo crivo legal, e, por fim, 27.402 foram apoiados, o que corresponde a
22,65% do total apresentado. Portanto, infere-se que, da demanda inicial, apenas pouco mais
de 20% dos projetos apresentados ao final receberam apoio do FNC ou do mecenato.
É possível constatar ainda a disparidade entre os valores, principalmente a diferença
entre os valores apresentados e os apoiados. Tomando como exemplo o ano de 2005, vê-se
que os projetos apresentados no total solicitaram em média R$ 8 bilhões, sendo que a
demanda reconhecida girou em torno de R$ 3 bilhões, que no fim não chegou nem a R$
900.000,00 novecentos mil efetivamente apoiados, permitindo concluir que, embora haja a
aquiescência a determinado valor, a verba disponibilizada é restrita a bem menos do que
aprova o MinC.
4.5.1 Projetos apresentados para o FNC
Na missão de deparar-se com os números que permeiam o FNC isoladamente, faz-se
necessário um esforço matemático, e para isso o quantitativo dos projetos apresentados para o
mecenato expostos na tabela 5 serão utilizados como base para serem deduzidos dos valores
gerais constantes na tabela 4 e alcançar a quantidade de projetos apresentados para o FNC.
Tabela 5 - Mecenato Quantitativo de projetos apresentados por ano e região
A partir da comparação entre as duas Tabelas (4 e 5) é possível abater do número total
de projetos apresentados, do qual fazem parte o mecenato e o FNC, qual seja, 120.931, os
79.720 apresentados no mecenato, restando para o FNC nos dezoito anos observados, 41.211
projetos, equivalendo por ano uma média de 2.290 em contrapartida aos 4.429 do mecenato.
Observa-se ainda que, por ano, o somatório apresentados para o FNC e o mecenato gira
em torno de 6.719 projetos, dos quais 65,91% corresponde ao percentual de projetos do
148
mecenato em relação a quantidade total apresentada para os dois mecanismos, enquanto que
os do FNC correspondem a apenas 34,08% do total.
Por último, comparando os dois instrumentos, conclui-se que o número de projetos
apresentados para o mecenato é maior 93,4% do que os apresentados para o FNC. Na
realidade, é como se a cada um projeto para o FNC, fossem apresentados praticamente dois
para o mecenato.
Importa dizer ainda que a quantidade de projetos apresentados não significa variação na
distribuição de recursos, pois diversos fatores podem interferir nessa relação, ou melhor, o
aumento da demanda não implica ampliação de recursos, pois a quantidade pode crescer, mas
a verba pode ser a mesma ou até menor, em razão do valor de cada projeto. Logo, embora o
crescimento de projetos apresentados possa parecer, inicialmente, maior acesso aos bens
culturais, é preciso, antes de chegar a essa conclusão, verificar o montante dos valores
despendidos e a sua propagação, para atestar pela efetividade do FNC e seus impactos na
cultura.
138
4.5.2 Projetos aprovados pelo o FNC
A apresentação de projetos não pressupõe aprovação, pois as solicitações ainda serão
submetidas à análise a fim de verificar o atendimento das exigências legais. A partir dessa
constatação os projetos são enquadrados na categoria de aprovados, significando que estão
autorizados a receber apoio. Ressalte-se que a chancela do projeto apresentado não importa
em concordância com valor requerido, o que pode ser constatado pelos números
demonstrados na tabela 4. A título de exemplo, no ano de 2007, os projetos apresentados
demandaram aproximadamente R$ 7,5 bilhões, sendo aprovados apenas R$ 3,4 bilhões.
O demonstrativo a seguir expõe os projetos aprovados no mecenato no mesmo período
anteriormente citado, servindo de parâmetro para dedução dos valores constantes na Tabela 4,
e ao final, inferir o quantitativo de projetos aprovados para o FNC.
138
Vale ressaltar que todos os dados do MinC aqui utilizados não são anualizados, ou seja, embora refiram-se a
anos determinados, podem sofrer variação ao longo do tempo, não sendo assim valores reais. Ademais, no
cômputo geral, a inflação do período avaliado não é levada em conta, o que pode determinar diferenças nos
resultados obtidos.
149
Tabela 6 - Mecenato: Quantitativo de projetos aprovados por ano e região
Adotando o mesmo raciocínio utilizado na constatação dos projetos apresentados, ou
seja, subtraindo do número total de projetos do mecenato e FNC (Tabela 4), 66.612, os
referentes ao quantitativo do mecenato (Tabela 6), que foram 61.476, é possível alcançar o
número de 5.145 relativo aos projetos aprovados exclusivamente pelo FNC no período de
dezoito anos. Daí, conclui-se, que por ano, foram aprovados para o FNC uma média de
aproximadamente 286 projetos, equivalendo a 7,72% da soma dos dois mecanismos. Em
compensação, para o mecenato a aprovação foi em média de 3.415, para cada ano, o que
corresponde a 92,3% da totalidade, no período.
Analisando o comportamento dos recursos do incentivo fiscal, Frederico Augusto
Barbosa da Silva (2007, p.175) atribui o crescimento e a oscilação dessa modalidade a vários
fatores, dentre eles, às sucessivas alterações na legislação a partir de 1995, que geraram aporte
de recursos, mas algumas distorções relacionadas aos objetivos iniciais. Aduz ainda que o
aumento dos recursos ocorre ao mesmo tempo em que houve a dedução de 100% em 1997
com edição da Medida Provisória nº 1.589 de 24 de setembro de 1997 e 2001, e os períodos
de declínio coincidem com as crises econômicas vivenciadas no país. Todavia, reconhece que
os recursos financiados pelas leis de incentivo correspondem praticamente a mais da metade
dos recursos públicos.
Por conseguinte, do posicionamento acima, em contraposição aos dados explicitados, é
possível extrair algumas deduções: de início, pode-se dizer que a elevada diferença entre os
números do mecenato e do FNC reflete sobremaneira a política cultural, seguida em boa parte
desse intervalo de tempo, em que os rumos foram definidos segundo as flutuações do
mercado, e ao Estado coube o papel de expectador dos efeitos da legislação que criou,
contrariando o preceito constitucional; deduz-se ainda a discrepância constatada entre os
números de projetos apresentados, e aprovados, o que revela entraves na satisfação final dos
requisitos legais dos projetos apresentados causando descompasso na demanda; por último,
150
percebe-se a disparidade entre os valores apresentados e os efetivamente aprovados, que
continuamente mostram redução considerável do montante solicitado.
4.5.3 Projetos apoiados pelo o FNC
Na perspectiva de deduzir os números do FNC, faz-se também importante atestar o
quantitativo de projetos que receberam apoio efetivo, ou seja, os que, mesmo depois de
aprovados, receberam verba para sua execução. Na mesma linha de raciocínio anteriormente
utilizada uma vez que não registros desse apoio para o FNC os projetos apoiados do
mecenato servirão de base juntamente com os constantes da Tabela 4.
A tabela a seguir apresenta o quantitativo do mecenato para o mesmo período e
permitirá algumas conclusões acerca dos apoiados pelo FNC.
Tabela 7 - Quantitativo de projetos apoiados por ano/Lei de Incentivo
O confronto das Tabelas 4 e 7 viabiliza conclusões peculiares em determinados anos, ao
mesmo tempo em que impede uma visão panorâmica dos projetos apoiados pelo FNC, haja
vista que a partir de 2003 os números são contraditórios.
A primeira observação permite enxergar que nos anos de 1993 e 1994 a quantidade de
projetos apoiados para os dois mecanismos coincide com os também apoiados pelo mecenato,
o que leva a concluir que no período não houve suporte para nenhum projeto do FNC. Tal
proposição, entretanto, exige fundamentos mais sólidos, pois àquela época o Fundo possuía o
mesmo formato que atualmente, e considerar que não houve financiamento de projetos por ele
pode levar a teses errôneas.
A partir do ano de 1995 até 2002, verificam-se diferenças consideráveis entre a
quantidade de projetos apoiados do mecenato e a totalidade dos dois mecanismos, o que,
consequentemente, permite defluir os números do FNC. Em 1995 foram 71 apoios, havendo
diminuição para 66 em 1996. Em compensação, no ano seguinte, saltou para 564,
representando significativo aumento no número de apoios pelo Fundo. Nos próximos três
151
anos, houve queda vertiginosa, chegando em 2000 a tão somente 79 projetos. Seguindo em
2001, o quantitativo voltou a crescer para 223, contrastando com os 84 de 2002.
Nos anos seguintes até 2008, repete-se o comportamento anteriormente citado, ou seja,
os números de apoio de mecenato são exatamente idênticos aos da totalidade dos dois
mecanismos para o mesmo período, também levando a crer que não houve apoio do FNC para
projetos. Entretanto, tal conclusão novamente não pode ser assumida como adequada,
principalmente considerando o direcionamento que os recursos do FNC vêm tomando na
política pública cultural dos últimos anos.
Dentro desse cenário de dúvidas acerca do quantitativo de projetos apoiados pelo FNC,
é possível ainda asseverar que a diminuição do número de apoio não pressupõe
obrigatoriamente volume menor de verbas, visto que a dimensão dos apoiados está
direitamente ligada ao número de aprovados, que podem ter sido reduzidos em razão do não
atendimento às formalidades legais. Assim, a verba existe, mas não foi destinada a apoiar
nenhum projeto, por não cumprimento de exigências.
Evidente que não como desconsiderar que o aumento nos recursos do FNC pode
determinar maior financiamento de projetos, e essa assertiva pode ser comprovada ao se
analisar o número de projetos apoiados em 2001, quando ultrapassou os 200, em detrimento
dos 79 de 2000. Esse comportamento é devido ao aumento dos recursos do FNC, que,
segundo Frederico Augusto Barbosa da Silva (2007, p. 178) eram, nominalmente, quase o
triplo de 1995, sendo seu crescimento médio anual de 1,2%.
Considerando todas essas informações, e, mesmo que não permitam obter conclusões
consistentes, há que refletir acerca da efetividade integral dos recursos do FNC, ou seja, o que
representaria para o fomento à cultura o apoio de 100% daquela verba. Com a trajetória
mostrada do apoio pelos recursos do FNC, -se que muitos projetos acabaram deixando de
ser contemplados, interferindo sobremaneira na política cultural, e, consequentemente, no
acesso à cultura, vez que os projetos que buscam apoio do FNC são os que não interessam ao
mercado, compondo o rol dos que merecem proteção e financiamento estatal.
4.5.3.1 Projetos apoiados pelo o FNC no Ceará
Ainda com o intuito de evidenciar a efetividade do FNC no que pertine aos projetos
apoiados, a seguir será objeto de análise o quantitativo do Estado do Ceará durante os anos de
152
1993 aos dias atuais de 2010, incluindo o mecenato e o FNC. O gráfico abaixo expõe tais
dados, justificando-se a escolha por representar o desempenho da realidade local.
Gráfico 3 - Projetos apoiados no Cea
Fonte: MinC, em 28 de fevereiro de 2010
Nos anos de 1993 e 1994 não há registros de projetos apoiados pelo FNC nem tampouco
do mecenato, não sendo possível apresentar nenhuma conclusão sobre esses dois anos,
exclusivamente por ausência de dados. No ano de 1995, há registro de apenas dois apoios pelo
FNC, sem qualquer referência ao mecenato.
A partir de 1996 a 2002, em todos os anos, verifica-se maior número de projetos
apoiados pelo FNC em detrimento do outro mecanismo, o que não significa maior volume de
recursos, haja vista que em alguns anos pôde-se observar valores maiores apoiados pelo
mecenato. Entretanto, em 2001 os números evoluíram juntos, pois mais projetos foram
apoiados, exatamente 37, que significaram o montante de aproximadamente R$1,5 milhão
para o FNC em detrimento de R$500.000,00 para o mecenato, distribuídos em 10 demandas.
Verifica-se ainda que boa parte desses recursos do FNC foi destinada a projetos que
fomentaram a criação de bandas de música em vários municípios do Estado, demonstrando o
financiamento público em ações que não interessam ao mercado, incentivam à cultura local e
promovem a inclusão social, embora os efeitos desse tipo de ação não atinja grande número
de pessoas.
153
No ano seguinte, 2003, os números se repetem, e 36 projetos do FNC também apóiam
em sua maioria a formação e o incentivo de bandas de música, importando no investimento de
R$ 3,8 milhões, que contrastaram com R$ 1,7milhões de 15 projetos do mecenato.
Seguindo de 2003 a 2009, o número de projetos apoiados pelo mecenato superou os do
FNC. Contudo, em 2005 verifica-se apoio total de R$ 19 milhões distribuídos em 41 projetos
que contemplaram diversas espécies de ações culturais, e 50 para o mecenato, implicando R$
7,5 milhões.
Além do número de projetos apoiados, importa avaliar o dispêndio de verba do FNC no
Ceará por ano para cada projeto, visando obter uma média do efetivamente destinado ao
Estado. O período de tempo avaliado corresponde ao utilizado como base nos quantitativos
anteriores, visto que permitirá conclusões relacionadas.
A Tabela a seguir aponta o comportamento do montante de recursos efetivamente
apoiados, permitindo a ponderação de alguns fatores que influem sobremodo em sua
distribuição.
Tabela 8 - Quantitativo recursos apoiados no Ceará por ano
154
À primeira vista constata-se que nos anos de 1993 e 1994 não houve repasse de recursos
para o FNC no Ceará, em razão da noticiada ausência de projetos aprovados, o que não
significa inexistência de demandas apresentadas, visto que é possível que nenhum projeto
apresentado tenha passado pelo crivo do MinC, o que não pode ser comprovado por falta de
informações dessa natureza.
O primeiro registro de apoio do FNC refere-se a 1995, sendo nesse ano a verba diminuta
em relação aos outros. Nos anos que se seguiram até 1999, os recursos obedeceram uma
média na quantidade de projetos e no valor despendido. O ano de 2000 mostrou-se atípico em
relação aos outros, haja vista que apenas 12 projetos receberam mais de R$ 12 milhões,
compreendendo o terceiro maior repasse de verbas pelo o FNC no período. Referidos valores
foram destinados, quase que em sua totalidade, cerca de R$ 11 milhões, para a Prefeitura
Municipal de Aracati, reservados à aquisição de material e equipamento para o centro cultural
do município, enquadrado como projeto de revitalização do patrimônio cultural.
Em 2001 e 2002 o número de projetos aumentou consideravelmente, sendo 36 no
primeiro ano e 37 no seguinte, significando aporte na média de R$ 5 milhões para os dois
anos. No ano subsequente, 2003, os projetos apoiados e recursos caíram de modo drástico,
recuperando a média em 2004.
O ano de 2005 foi marcado pelo maior volume de verbas destinado ao Estado pelo FNC
até os tempos atuais, chegando a quase R$ 20 milhões distribuídos nos 41 projetos apoiados,
sendo também esse o maior número deles. O maior aporte foi para a Escola de Dança e
Integração Social da Criança e do Adolescente Edisca, a ser aplicado em projeto da área de
diversão e arte. O valor apoiado ultrapassou os R$ 15 milhões, destinados a habilitar o teatro
da Escola como ponto cultural reservado a formação e fruição de artistas.
Em 2006, foram distribuídos mais de R$ 6 milhões para 19 projetos, sendo desse
montante, destinados R$ 5 milhões à Fundação de Cultura, Esporte e Turismo de Fortaleza
FUNCET, para a construção de dois Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte
CUCA‟s na periferia de Fortaleza, como espaço de integração e formação, para a capacitação
profissional nas áreas de cultura e arte.
O ano de 2007 teve 26 projetos apoiados, recebendo praticamente R$ 16 milhões. Esse
foi o segundo maior volume de recursos, dos quais R$ 12 milhões destinavam-se ao Governo
do Estado do Ceará para o financiamento de 60 projetos com no mínimo R$ 180.000,00 cada,
155
divididos em 36 meses, à entidades de caráter cultural ou histórico aptas a desenvolver
atividades culturais de integração.
No ano de 2008, foram apoiados apenas 7 projetos com a verba total de R$ 1 milhão,
destinado-se a cada uma média de R$ 166.000,00.
Outro ano atípico foi 2009, quando apenas 4 projetos receberam apoio, importando a
quantia de menos de R$ 140.000,00, aplicados em festivais de cinema e dança. Até os dias
atuais não houve registro de projetos para 2010.
A retração dos recursos do FNC para o Ceará nos últimos anos, principalmente em 2009
demonstra com clareza a dificuldade que os proponentes vêm tendo em pleitear tais verbas,
visto que o Fundo obteve respaldo financeiro para apoiar projetos, principalmente do repasse
do orçamento do MinC.
139
(BRASIL. Ministério da Cultura, 2010, on-line).
Por todo o exposto é possível afirmar que no Estado do Ceará o desempenho do FNC
oscilou durante o período avaliado, permitindo concluir que o aumento do número de projetos
apoiados não traduz proporcionalmente quantidade superior de recursos. Da mesma forma, o
volume de recursos não exprime maior efervescência cultural, no sentido de que não abrange
variados projetos que propagam impacto em grande quantidade de pessoas.
139
O montante dos valores propalado pelo MinC na página virtual dá conta de que em 2009 o orçamento da
pasta foi de R$ 1,3 bilhões, e, que, para 2010 serão R$ 2,2 bilhões, sendo destinados ao FNC R$ 800 milhões.
CONCLUSÃO
É diante do reconhecimento do relevo da cultura para a formação e desenvolvimento da
pessoa humana, que se pretendeu demonstrar o papel do Fundo Nacional da Cultura na
efetivação do acesso desse direito preconizado nos arts. 215 e 216 da CF/88.
Para isso, foi necessário inicialmente fixar os limites de cultura, vez que a Norma Maior
não o fez, embora tenha possibilitado essa inferência a partir da interpretação do art. 216,
quando enunciou os atributos essenciais de patrimônio cultural.
Legitima-se essa exigência por tratar-se de conceito que possibilita uma série de
significados, que, dependendo do enfoque perquirido pode servir a um ou outro objetivo. A
partir dessa constatação, foi excluído o sentido antropológico da expressão, que, por dizer
respeito a tudo que decorre da intervenção humana, não atende ao propósito buscado pelo
Direito, sendo necessária a fixação de limites para servir enquanto preceito jurídico. Nesse
sentido, a expressão foi admitida enquanto direito atinente a interseção do homem
“relacionada às artes, à memória coletiva e ao repasse de saberes, e vinculada ao ideal de
aprimoramento” (CUNHA FILHO, 2004, p. 49) da pessoa humana, sendo ao final protegida
juridicamente.
Reconhecer cultura como direito decorrente da pessoa humana, obrigou também
enquadrá-la como fundamental, o que mereceu investigação mais acurada por não ter o
legislador constituinte incluído os preceitos dos arts. 215 e 216 no catálogo disposto no art. 5º,
inobstante tenha referido-se nesta seção aos direitos autorais, liberdade de manifestação,
liberdade de expressão da atividade artística, liberdade do exercício profissional artístico,
dentre outros. Dessa forma, a harmonização dos direitos culturais com os direitos
fundamentais expressos se deu em razão de reunirem características que o definem como tal,
embora a seção dedicada à cultura esteja geograficamente distante do Título II da CF/88, que
trata dos fundamentais.
Os critérios definidores da condição de fundamentalidade dos direitos foram eleitos pela
própria Carta de 1988, quando no art. § 2˚ estabeleceu uma cláusula de abertura, ao
157
permitir que outros direitos estabelecidos em tratados internacionais de direitos humanos em
que o país seja signatário, bem como os decorrentes dos princípios e do regime adotados pela
República Federativa do Brasil sejam deduzidos. Nesse intuito, pode-se vislumbrar direitos
fundamentais que dizem respeito à pessoa, especificamente os que decorrem do princípio da
dignidade da pessoa humana, assim como aqueles que possuem seu nascedouro nos tratados
internacionais de direitos humanos e não sejam incompatíveis com o espírito da Constituição,
que é a proteção e prevalência da pessoa humana sob todos os aspectos.
Especificamente quanto aos direitos culturais o houve como negar a constatação do
seu caráter de fundamental, pois são essencialmente humanos, advém do comportamento do
homem em sociedade, e sua proteção, diz respeito diretamente a promoção da dignidade da
pessoa. Além disso, são direitos consagrados desde a Declaração de Direitos das Nações
Unidas, que embasada no espírito revolucionário francês, deu o pontapé inicial no sentido de
concretizar direitos que decorrem da essência humana, mas que não recebeu o devido
reconhecimento ao longo do tempo.
A partir da percepção constitucional dos direitos culturais e de sua fundamentalidade, é
que surge a obrigação estatal de criar meios para a efetivação desses preceitos. Nesse sentido,
alguns desses direitos foram enquadrados nos chamados direitos de segunda geração, por
permitirem ao cidadão a participação no bem-estar social, viabilizada através de ação positiva
do Estado, que resta concretizada através da execução de políticas públicas inclusivas, o que
permite concluir que essas normas possuem natureza jurídica de normas programáticas.
Fundamenta-se essa assertiva no fato de muitos dos direitos culturais encerrarem
características de típicos direitos sociais, em que há a constante necessidade de adequação das
normas à realidade social. Assim caracterizam-se como normas de baixa densidade eficacial,
visto que não são preceitos auto-aplicáveis, necessitam de ingerência estatal a fim de precisar
a direção a ser seguida pela administração no cumprimento do preceito maior. Por essa razão,
infere-se a imprescindibilidade da ingerência do Estado, para que a efetivação e concreção do
direito fundamental à cultura não passe de mera norma de caráter ideológico e político.
Esse atributo das normas programáticas ajusta-se perfeitamente aos direitos
fundamentais de cunho social, pois são preceitos que carecem de programas e finalidades a
serem observadas pelo Estado, ou seja, dependem de manifestação legislativa exigindo do
ente estatal a previsão de políticas públicas apropriadas para cada direito fundamental,
158
levando em conta as peculiaridades e necessidades concretas de cada sociedade bem como
disponibilidade financeira para a concreção das ações. Assim ocorre no campo da cultura,
saúde, educação, previdência, dentre outros.
Por esse aspecto, conclui-se que, nesse mister, o Estado Brasileiro vem tentando
determinar programas que promovam e cumpram o estatuído pelo constituinte de 1988, no
intuito de priorizar a condição humana e sua natureza peculiar no que diz respeito ao viés
cultural inerente a cada pessoa. Embora não se tenha ainda políticas públicas culturais
satisfatórias, em razão do histórico segundo lugar relegado à cultura, é reconhecido o esforço
estatal quando disciplinou a Lei Rouanet como diploma legal apto a regrar o financiamento
cultural, sendo o Fundo Nacional da Cultura um de seus mecanismos.
Por conseguinte, restou finalmente analisar se o FNC é instrumento efetivo que permite
o acesso à cultura, visto que seu papel está delimitado ao financiamento de ações, projetos e
programas culturais que o possuam apelo mercadológico, mas que foram enquadrados no
conceito de direitos culturais inferido pela Regra Maior.
Nesse sentido, conclui-se que o FNC caracteriza-se como um fundo público de finanças,
que não possui natureza jurídica própria, sendo diretamente subordinado ao Ministério da
Cultura a quem compete a administrá-lo, tendo receita advinda de fontes pré-determinadas na
Lei e sua utilização vinculada à despesa específica, que compõem o orçamento do Estado.
Constata-se ainda que os objetivos do FNC podem ser relacionados aos princípios
constitucionais culturais implícitos, na medida em que financiam projetos que enquadram-se
nos preceitos culturais adotados pela CF/88.
Na estrutura propriamente dita do FNC, foram percebidos alguns pontos que não se
ajustam a finalidade do preceito maior. A primeira constatação diz respeito à volubilidade de
suas receitas, carreada pela incerteza do montante dos valores recolhidos para serem
destinados aos projetos. A aprovação da PEC 150, que garante para a cultura a vinculação
de receita permanente na base de 2% do orçamento federal, foi apontada como medida apta a
minimizar os efeitos da transferência inconstante de verba para o FNC, inclusive porque
atende recomendação da UNESCO. Entretanto, referida proposta padece de aprovação,
mostrando o contraditório desinteresse do Estado Brasileiro no trato com a cultura.
159
Constatou-se ainda, algumas dificuldades na operacionalização de apoio a projetos
culturais. Uma delas diz respeito à exigência para os proponentes de contrapartida como
regra, para compor o percentual de 80% do valor requestado, como condição de aprovação do
projeto. Ao pleitearem verbas do FNC, os requerentes devem comprovar que possuem os 20%
do valor, sob pena de ter inviabilizada a aprovação. Com essa medida, a Lei limita a
abrangência do financiamento dos projetos culturais pelo FNC, que sente as limitações ao
ser submetido às regras de empréstimo de dinheiro público, e que com a exigência da
contrapartida podem tornar-se inexequíveis.
Outro obstáculo verificado é a concentração de recursos num único fundo federal, em
vez da distribuição dos mesmos aos outros entes federativos para financiamento de projetos
culturais que se enquadram nas exigências legais. A dificuldade reside em aspectos
operacionais, como conhecimento técnico suficiente para elaborar projetos e pleitear verbas.
Apontou-se a distribuição equânime de recursos com base em demandas concretas para
Municípios e Estados, como medida que permitiria contemplar maior número de iniciativas.
Verificou-se também a ausência de previsão legal para o controle dos resultados da
aplicação de verbas do FNC, principalmente quanto aos efeitos sociais dos projetos apoiados,
o que seria determinante para a ampliação do fomento de referidas manifestações.
No aspecto da fiscalização dos recursos disponibilizados pelo o FNC para a execução de
projetos culturais, constatou-se serem os mesmos submetidos à análise meramente técnico-
contábil e sobre o viés da satisfação do projeto, sem haver qualquer comprovação sobre o
impacto social da efetividade da iniciativa.
Com base em uma série de motivos pontuais, foi proposto um novo modelo de
financiamento cultural que visa substituir a atual Lei Rouanet. Nele o FNC surge, conforme as
justificativas apresentadas, como mecanismo fortalecido e apto a atender o preceito
constitucional de acesso à cultura. E ao analisar a proposta, denominada de Procultura,
conclui-se que algumas modificações podem tornar o FNC instrumento mais hábil aos fins
propostos, entretanto, para que apresente a força que propõem, será necessário instruí-lo de
receitas permanentes, sem dependência ao implemento de qualquer condição, o que não é
constatado no modelo apresentado.
Com a intenção de delimitar mais ainda a análise do FNC, foram demonstrados por
último alguns números que o circundam, e constatou-se logo de pronto, dificuldade no
160
aspecto da clareza, pois em sua maioria foram disponibilizados na página virtual do
Ministério da Cultura, entretanto, os critérios não são inteligíveis, impedindo avaliação
acurada dos resultados.
Os números divulgados também apresentaram limitação temporal, pois não refletem a
quantidade de projetos e recursos disponibilizados pelo FNC em seus dezenove anos de
existência, inviabilizando conclusões sólidas e abrangentes acerca de sua efetividade ao longo
de tempo.
No panorama geral, que inclui o orçamento do MinC e o das entidades vinculadas, o
FNC apresentou crescimento de seus recursos nos últimos anos. Todavia, constatou-se
períodos de baixa, demonstrando a necessidade de recursos permanentes reconhecidos por lei,
a fim de evitar instabilidade causada por crises econômicas ou por programas políticos que
desmereçam a cultura no repasse de verbas.
Advirta-se ainda, que aumento no volume de recursos isoladamente, pode não significar
aumento e equilíbrio na contemplação dos mesmos, face os entraves burocráticos na
distribuição, o que poderá ser sanado com a desconcentração das verbas do FNC para outros
fundos similares, a nível de Estados e Municípios.
Outro obstáculo que se certificou foi a ausência individualizada nos números do FNC,
que foram evidenciados após dedução obtida do total de valores, em que estava incluso o
mecenato. A falta de números específicos do FNC caracteriza-se como mais um elemento que
comprova a desatenção com o financiamento público da cultura.
O quantitativo de projetos apresentados, aprovados e apoiados mostrou a variedade com
que os proponentes recorreram, atenderam às exigências legais e, consequentemente foram
apoiados pelo FNC, restando perceptível a variação de apoio, e que foi justificado por abalos
de ordem financeira, e até mesmo por dificuldade de distribuição dos recursos.
A última análise de meros do FNC referiu-se a realidade do Estado do Ceará,
constatando-se a mesma variação no número de projetos e de recursos despendidos, detectada
no restante do país. Em alguns anos verifica-se grande volume de recursos gastos em projetos
pontuais, que pela magnitude exigem maior quantidade de verba. Entretanto, nota-se que, não
obrigatoriamente, importam em efervescência cultural, ou seja, não significa deslocamento de
verbas para ações variadas que atingem grande contingente de pessoas.
161
Finalmente, a partir desta investigação pode-se confirmar a importância do FNC para a
efetivação do acesso à cultura preconizado pela CF/88. Todavia, como não receita
milagrosa para solucionar o problema do acesso à cultura a todos, para que houvesse uma
melhor aplicação dos recursos do FNC e consequentemente, a plenitude que a CF/88
preconiza, seria necessária a determinação de critérios mais claros e adequação das formas já
existentes, de modo a garantir a utilização das verbas por projetos não aquinhoados pelo
Mecenato, o que tornaria viáveis projetos culturais menores e de pouca expressão
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