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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE POS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Delweks Rodrigues
Livro didático de história do 5° ano:
um elemento socializador da violência
SÃO CARLOS
Dezembro de 2009
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Delweks Rodrigues
Livro didático de história do 5º ano:
um elemento socializador da violência
Dissertação apresentada ao Centro de Educação e
Ciências Humanas da Universidade Federal de São
Carlos como requisito para obtenção do título de
Mestre em Educação.
Área de concentração: processo de ensino e de
aprendizagem
Linha de pesquisa: teorias e práticas pedagógicas e
em educação
Orientador: Amadeu José Montagnini Logarezzi
SÃO CARLOS
Dezembro de 2009
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Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
R696ld
Rodrigues, Delweks.
Livro didático de história do 5º ano : um elemento
socializador da violência / Delweks Rodrigues. -- São Carlos
: UFSCar, 2010.
120 f.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2009.
1. Livros didáticos. 2. História. 3. Psicanálise. 4.
Socialização. 5. Violência. I. Título.
CDD: 371.32 (20
a
)
BANCA EXAMINADORA
Prof.
Dr.
Arnadeu
Jod
Montagnini
Logarezzi
Prof.
Dr.
Jod
dos
Reis
Santos
Filho
Prof
Dtd
Vhia
Gomes
Zuin
Dedicatória
Dedico à Vó-tina (Ernestina do Carmo Rodrigues), minha querida avó, que
apesar de não ter aprendido a ler e escrever era detentora de uma sabedoria além do comum.
(Em memória).
Dedico também a minha mãe que renunciou a si mesma para criar seus oito
filhos e muito me incentivou a estudar e mostrou-me a importância dos estudos ainda que ela
não tenha tido a chance de estudar.
Agradecimentos
Agradeço ao professor Amadeu Logarezzi, pela amizade e confiança que muito
facilitou o desenvolvimento de minha pesquisa. Bem como, agradeço por ter me aceitado
como seu orientando, fato este que concretizou um sonho e o desejo de me exercitar
intelectualmente numa pós-graduação, além da realização pessoal.
Agradeço ao professor Dácio que aceitou prontamente participar da banca de
qualificação e por seu parecer que muito me incentivou a terminar esta dissertação.
Agradeço à professora Vânia pela prontidão e disposição em participar da
banca de defesa e pela compreensão dos prazos para entrega da dissertação.
Agradeço a minha esposa Kaly pela paciência em suportar minha ausência e
reclusão ao meu quarto de estudos por longas horas diárias.
Agradeço ao meu amigo Reis. Amigo que muito contribuiu para minha
formação intelectual desde os tempos da graduação em ciências sociais na UNESP de
Araraquara. Foi meu orientador em pesquisas do Programa de Apoio ao Estudante em duas
oportunidades e também me orientou em minha monografia. Não obstante, agradeço a ele
pela prontidão em me co-orientar nesta dissertação de mestrado e, bem como, por aceitar
participar das bancas de qualificação e defesa. Não obstante, agradeço também ao Reis por
confiar em meu potencial e sempre me incentivar e apoiar meus devaneios intelectuais.
Agradeço ao Paulo e sua irmã Juliane por digitarem e formatarem minha
dissertação.
Agradeço ao meu amigo Lenilson (irmão por afinidade) pela leitura e sugestões
feitas a esta dissertação. Bem como agradeço a ele pelas conversas e debates ao longo de
nossa amizade que muito me inspirou para realizar este trabalho e enriqueceu minha formação
intelectual e pessoal.
Finalmente, mas não menos importante, agradeço à minha e psicológica e
mentora intelectual e amiga Amnéris Maroni. Foi ela que me introduziu no campo da
psicanálise freudiana e também no campo da psicologia analítica junguiana. Conhecimentos
estes que foram fundamentais para elaboração do presente trabalho. Agradeço também a ela
pelo carinho, acolhimento, dedicação, pelas conversas terapêuticas que tanto me ensinaram e
me ajudaram em momentos difíceis de minha vida.
A todos, muito obrigado.
Resumo
Livro Didático de História doAno:
Um Elemento Socializador da Violência.
A violência se faz presente nas sociedades humanas desde que se tem
conhecimentos dos primeiros agrupamentos. Presume-se, assim, que a violência tem se
reproduzido através do processo civilizador. Partindo deste pressuposto buscamos identificar
um elemento que colaborasse neste processo de reprodução da violência. Escolhemos, então,
livros didáticos de história do 5º ano como objeto de pesquisa. Sabemos que um fato histórico
não pode ser mudado em sua essência, mas as formas de abordagem e apresentação dos
mesmos são variáveis. Assim, focamos nossa atenção nas formas de abordagens dos temas e
fatos históricos. Para tanto, utilizamos como referencial teórico a psicanálise freudiana. Freud
considera os indivíduos maus por natureza e esta maldade é um dos maiores empecilhos para
a convivência social. Para sustentar estas idéias nos valemos da teoria das pulsões, que, para
Freud, explica o funcionamento social e individual. Isto nos subsidiou na comparação entre os
conceitos de cultura e indivíduo teorizado por Freud e os modelos de cultura e indivíduo
presente nos livros didáticos. Isto nos permitiu verificar a utilização nos livros didáticos de
história os recursos de projeção (em sentido psicanalítico) e eufemismo para suavizar as
violências ao longo da história, mas ainda assim pudemos caracterizar os livros didáticos que
analisamos como um elemento socializador e banalizador da violência.
Palavras chaves: Livros didáticos de história. Psicanálise. Socialização.
Violência.
Abstract
History Didactic Book in the 5
th
Grade:
A Socializing Element of Violence
Violence dwells in human societies ever since the first groupings one knows
of. It is argued, in this sense, that violence has been reproduced through the civilizing process.
This is the premise we depart from in order to identify an element that might participate in the
process of reproduction of violence. We chose 5
th
Grade History books as the object of
research. The essence of a historic fact cannot be changed, but the ways one approaches and
presents it are quite variable. We focus our attention, therefore, on ways of approaching
historic themes and facts. The theoretical background is that of Psychoanalysis. Freud
considers that the subject is evil by nature, a fact that constitutes one of the major barriers to
social life. Such ideas are based on the theory of drives, which, according to Freud, explains
the social and individual life. This is the model that informs the comparison we made between
the concepts of culture and individual theorized by Freud and the models of culture and
individual in the didactic books. We noticed that the History didactic books use the resources
of projection (in the Psychoanalytical sense) and euphemism to soften violence in History.
They are ultimately an element that both socializes and trivializes violence.
Keywords: History Didactic Books. Psychoanalysis. Socialization. Violence
Sumário
Introdução ............................................................................................................... 11
Capítulo 1 – Valores e autores dos livros didáticos .............................................. 21
Capítulo 2 – Freud: civilização ou bárbarie............................................................ 28
Capítulo 3 – Procedimentos metodológicos ........................................................... 47
3.1 Redefinindo o termo bárbaro ........................................................ 50
3.2 – Alguns termos eufemísticos mais recorrentes ................................ 54
Capítulo 4 – Resultados de discussões ................................................................... 59
4.1 – A corrupção: burocratização e institucionalização da violência...... 9
Considerações finais ............................................................................................. 106
Referências bibliográficas .................................................................................... 113
“Há um quadro de Klee intitulado Angelus Novus. Nele está representado um
anjo, que parece querer afastar-se de algo a que ele contempla. Seus olhos estão
arregalados, sua boca está aberta e suas asas estão prontas para voar. O anjo da História
deve parecer assim. Ele tem o rosto voltado para o passado. Onde diante de nós aparece
uma rie de eventos, ele vê uma catástrofe única, que sem cessar acumula escombros,
arremessando-os diante dos seus pés. Ele bem que gostaria de poder parar, de acordar os
mortos e de reconstruir o destruído. Mas uma tempestade sopra do Paraíso, aninhando-
se em suas asas, e ela é tão forte que ele não consegue mais cerrá-las. Essa tempestade
impele-o incessantemente para o futuro, ao qual ele dá as costas, enquanto o monte de
escombros cresce ante ele até o céu. Aquilo que chamamos de Progresso é essa
tempestade”.
Walter Benjamin
11
Introdução
Todos nós alfabetizados
1
, independente do grau de estudo, estivemos em
contato com livros didáticos das mais diversas disciplinas. O uso destes ocorre em períodos
em que ainda estamos nos formando física, social, intelectual e psicologicamente, por isto
sofremos influências de professores e dos textos didáticos que não nos damos conta. Mas, ao
realizar os estágios do curso de Pedagogia em escolas públicas, entre os anos de 2005 e 2006,
comecei a refletir mais criticamente tanto as formas de ensino de história como os livros
didáticos desta disciplina, o que, finalmente, levou à elaboração do presente projeto de
pesquisa.
O livro didático tem sido objeto de pesquisa ao longo das últimas décadas.
Entre os defensores e críticos um consenso a respeito do mesmo: ele se tornou
indispensável na relação ensino-aprendizagem apesar de encontrarmos com frequência maior
que a desejável baixa qualidade e divulgação de conteúdos ideológicos, racistas e
preconceituosos. Afirma uma pesquisadora:
se com o livro didático o ensino no Brasil é sofvel, sem ele será
incontestavelmente pior. Poderíamos ir mais longe, afirmando que sem ele o
ensino brasileiro desmoronaria. Tudo se coloca no livro didático. Ele
estabelece roteiro de trabalhos para o ano letivo, dosa as atividades de cada
professor no dia-a-dia da sala de aula e ocupa os alunos por horas a fio em
classe e em casa (fazendo seus deveres) (FREITAG, 1997, p 128).
Continua a autora: “professores e alunos tornaram-se seus escravos, perdendo a
autonomia e o senso crítico que o próprio processo de ensino-aprendizagem deveria criar”
(FREITAG, 1997, p 128). Encontramos opiniões semelhantes em publicações do governo
federal. Vejamos: “o livro didático é um material de forte influência na prática de ensino
brasileira. É preciso que os professores estejam atentos à qualidade, à coerência e a eventuais
restrições que apresentem em relação aos objetivos educacionais propostos” (PCNs, 2001, p.
104, vol. 1). Afirmação semelhante é proferida pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC)
no Anexo 9 do Programa Nacional do Livro Didático de 2008 (PNLD – 2008), onde diz que o
livro didático em certos contextos é usado como material de auxílio, todavia, “... este mesmo
1
Em benefício da fluência da leitura, neste texto não será adotadas denotações que afastem o sexismo inerente á
língua portuguesa em seus estágio atual.
12
livro, em outras situações, continua a ser a única referência para o trabalho do professor,
passando a assumir até mesmo o papel de currículo e de definidor das estratégias de ensino
(PNLD, 2008, p. 29). Esta sobrevalorização e dependência em relação ao livro didático ocorre
devido à desvalorização dos professores e o sucateamento do ensino brasileiro, bem como, à
má formação dos professores (não entraremos nesta problemática por não fazer parte de nossa
pesquisa).
Os livros didáticos estão ,portanto, em debates e no centro de polêmicas devido
à importância que adquiriram para a sala de aula e para o sistema educativo brasileiro. Alem,
é claro, de seus conteúdos gerarem outras tantas polêmicas. Tudo se e nos livros didáticos,
pois reproduzem os conteúdos culturais da humanidade e daí a necessidade de sempre rever e
aperfeiçoar os conteúdos e as formas de abordagem presentes nos mesmos.
Ainda que não seja o foco de nossa pesquisa, inevitável será fazer certos
questionamentos e comparações entre as determinações e regras estabelecidas pelo governo
federal para a compra dos livros didáticos junto às editoras e as formas e conteúdos que os
livros didáticos de história do 5º ano (antiga série)
2
que analisaremos. Pois existem
conteúdos ocultos ou implícitos que até mesmo os autores e as editoras não percebem e que
também os responsáveis pelas avaliações destes livros didáticos não detectam. Como disse o
professor Ivan Amoroso do Amaral (FE Unicamp)
3
“um conceito errado é infinitamente
menos problemático do que as mensagens ocultas nos livros didáticos. Muitas vezes o próprio
autor desconhece que espassando mensagens tão prejudiciais e problemáticas(Informação
verbal). Lembremos, então, que o sistema educativo brasileiro baseia-se nos modelos
europeus de educação e suas ciências, por isto está carregado de preconceitos e
discriminações em relações aos povos que tiveram seus territórios invadidos e suas
populações escravizadas e assassinadas por estes povos:
Com efeito, sem assumir nenhum complexo de culpa, não podemos
esquecer que somos produtos de uma educação eurocêntrica e que
podemos, em função desta, reproduzir consciente ou inconsciente os
preconceitos que permeiam nossa sociedade.
Partindo da tomada de consciência dessa realidade, sabemos que nossos
instrumentos de trabalho na escola, e na sala de aula, isto é, os livros e
outros materiais didáticos visuais e audiovisuais carregam os mesmos
conteúdos viciados, depreciativos e preconceituosos em relação aos
2
Escolhemos pesquisar os livros didáticos de história do 5º ano. Para não ter que repetir constantemente “ do 5°
ano”, referiremos simplemente a livros didáticos de história. Além do mais, o que se diz destes livros de história
pode ser estendido aos das demais séries.
3
Evento realizado na Unicamp em maio de 2008 “O Professor e o Livro Didático”.
13
povos e culturas não oriundos do mundo ocidental. (MUNAGA, 2005, p.
15) (grifos nossos).
Daí, portanto, a necessidade de pesquisas e pesquisadores de áreas diversas e
com enfoques diversos na tentativa de colaborar com a melhora da qualidade dos livros
didáticos e explicitar possíveis conteúdos ocultos.
Digo tentar colaborar, pois a maioria das pesquisas realizadas a respeito dos
livros didáticos não é aproveitada para se estabelecer os conteúdos, as regras, as formas de
abordagem, o currículo e a qualidade dos mesmos. Se isto acontecesse, com certeza o governo
federal, por meio do MEC, apesar das melhorias ocorridas em anos recentes, não compraria e
distribuiria livros didáticos de tão baixa qualidade.
Sendo nosso objetivo central um investimento em torno dos livros didáticos de
história do 5º ano enquanto elementos que socializam a violência, certamente, depararão com
muitos conteúdos ocultos e formas de abordagens e apresentação de conteúdos que possam
gerar interpretações distorcidas ou mostrar apenas uma interpretação dentre outras possíveis e
necessárias de serem explicitadas.
Ainda que não seja o foco de nossa pesquisa, a questão da cidadania será
abordada indiretamente, pois ao confirmar que os livros didáticos de hisria do 5º ano
contribuem para a socialização e banalização da violência, isto influencia na formação da
personalidade e, conseqüentemente, da cidadania, haja visto que, a aprendizagem é um
aspecto da formação da identidade: “significa entender a aprendizagem como um processo
educador, formador da personalidade do indivíduo, percebido como um agente de
transformação da sociedade em que vive. Portanto, aprender é um aspecto constitutivo da
identidade de cada um, ensinar é formar” (Brasil, 2010, p. 22). Ocupando lugar privilegiado
no processo de ensino–aprendizagem do sistema escolar, os livros didáticos, então, podem
também ser considerados elementos importantes da formação da personalidade e, bem como,
da cidadania.
Esta preocupação com a participação do sistema escolar e os conteúdos das
disciplinas escolares com vistas à formação de cidadãos mais críticos, éticos, responsáveis e
solidários é constantemente manifestada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. Vejamos:
A importância dada aos conteúdos revela um compromisso da instituição
escolar em garantir o acesso aos saberes elaborados socialmente, pois estes
se constituem como instrumentos para o desenvolvimento, a socializão, o
exercício da cidadania democrática e a atuação no sentido de refutar ou
14
reformular as deformação dos conhecimentos, as imposições de crenças
dogmáticas e a petrificação de valores. Os conteúdos escolares que o
ensinados devem, portanto, estar em consonância com as questões sociais
que marcam cada momento histórico (Brasil, p. 44, V 1) (grifos nossos).
Podemos perceber que na teoria existe uma preocupação em instituir melhorias
no sistema de ensino e principalmente nos conteúdos abordados. Por que, então, verificam-se
poucas alterações nos conteúdos, nas formas e na qualidade dos livros didáticos? Não se pode
esperar que a iniciativa seja das editoras, pois como empresas voltadas para o lucro, não
incorporam aquela preocupação como referência central de seus investimentos. E mais, as
editoras devem seguir à risca as normas e determinações estabelecidas pelo MEC, pois, caso
contrário, seus livros inscritos para avalião e seleção podem ser excluídos, assim:
Elas preferem seguir as instruções dadas pelo Estado a respeito do currículo
mínimo (núcleo comum e suas adaptações específicas para as diferentes
unidades da federação), deixando que o Estado encomende, isto é, compre o
maior número de livros de suas coleções. Para tal, elas seguem à risca os
pareceres emitidos pelos conselhos Federais e Estaduais, nos quais esses
currículos são sancionados (FREITAG, 1997, p. 22).
Vemos que é responsabilidade do Estado a elaboração e determinação dos
conteúdos, do currúculo mínimo. Ainda assim, a forma de abordagem dos conteúdos, a ênfase
sobre determinadas interpretações são influenciáveis pela visão de mundo, de credo religioso
e doutrinação política dos autores e editores. Por isto o MEC adverte:
Que o livro ditico de história não pode conter nenhum tipo de doutrinação
religiosa ou política de qualquer natureza [porquanto] ... isso não indica, em
hipótese alguma, censura prévia às convicções políticas e/ou ideológicas que
é sabido influenciam o olhar, o recorte de quem produz as obras [...]
(Brasil, 2010, p. 13).
Por isto o processo de avaliação dos livros didáticos deveria receber atenção
especial e esta deveria ser feita por pessoas com formações diversas, tanto em nível pessoal
quanto profissional e por especialistas para encontrar os conteúdos e mensagens ocultas, bem
como prováveis preconceitos e conteúdos ideológicos e visão de mundo apenas das classes
dominantes, como demonstra a literatura sobre livros didáticos:
Não consideramos que o livro didático possua, por si só, força para
determinar a formação de uma pessoa, mas é impossível ignorar sua
15
privilegiada posição de transmissor, em todos os níveis de ensino, de
determinados conteúdos ideológicos, posição esta reforçada pelo papel que
desempenha atualmente, de determinação da natureza e da qualidade das
atividades de aula do docente. Não pode ser pensado isoladamente,
desempenhando uma função ímpar, mas sim como um dos elementos
que atuam na formação dos indiduos vivendo em sociedade.
(HÖFLING, 1981, p. 235) (grifos nossos).
Não podemos ser ingênuos e pensar que algum dia existirá um livro didático,
principalmente de história, que seja totalmente imparcial e crítico. Mas não podemos aceitar
livros didáticos tão parciais, acríticos, racistas e comprometidos em divulgar interesses
ideológicos de certas camadas da sociedade. Desta forma, levando-se em consideração a
importância que os manuais didáticos adquiriram no processo educativo, podemos inferir que
influenciam diretamente na formação dos indivíduos.
Os livros didáticos não são neutros e tampouco imparciais. Expressam
interesses econômicos e ideológicos, haja visto que, visam:
[...] colocá-los a serviço dos setores dominantes, através da divulgação da
concepção de mundo da burguesia, de modo tal que a população a aceite
como máxima verdadeira. Disto decorre que os valores dominantes
adquirem caráter de universalidade, uma vez que, como a maioria da
população não tem condições objetivas para analisar criticamente a
concepção de mundo que lhe é imposta, tende a aceitá-la e interiorizá-la e,
ao identificar-se com ela, tende também a reproduzi-la (KILSZTAJN, 1987,
p 133).
É ponto pacífico entre os estudiosos dos livros didáticos que eles sejam,
juntamente com as escolas, elementos importantes da difusão da cultura e da socialização de
crianças e adolescentes. Vejamos: “[...] a educação na sociedade capitalista tem a escola como
um dos instrumentos de sua dominação, cujo papel é o de reproduzir a sociedade burguesa,
através da inculcação de sua ideologia [...]” (FARIA, 1996, p 8). E continua a autora, agora se
referindo aos livros didáticos: “[...] o livro didático não é desligado da realidade, ele tem uma
função a cumprir: reproduzir a ideologia dominante”. (FARIA, 1996, p 71). Mas nossa
proposta de pesquisa o está voltada especificamente sobre a ideologia capitalista ou
burguesa, apesar de fazermos referências a estes conteúdos ideológicos, pretendemos ir além
destas análises, pois a violência em todas suas dimensões não surgiu com o nascimento do
capitalismo. Ela está presente em todas as épocas. O que ocorreu com o surgimento do
capitalismo é que a violência adquiriu certos graus de sutileza que, às vezes, não é percebida
ou não é caracterizada como violência simplesmente por não estar contida nos códigos
16
jurídicos ou amenizada por estes mesmos códigos processuais com penas brandas ou prazos
expirados para abertura de processos:
o que quero dizer é que a luta contra os livros didáticos das escolas
elementares coloca-se antes mesmo de qualquer escolha ideológica que
tenha um sentido no mundo em que vivemos atualmente. Esta luta pode ser
sustentada pelo liberal, pelo democrata, pelo comunista e pelo social-
democrata, pelo crente e pelo ateu, porque a realidade educativa que estes
livros propõem existia antes do nascimento destas ideologias e destas
correntes políticas, antes da Revolução Francesa, antes da Revolução
Industrial, antes da revolução inglesa, antes da descoberta da América, antes
numa palavra do nascimento do mundo moderno” (ECO ; BONAZZI,
1980, p 16).
Por isto concordamos com estes autores e, então, nosso foco de análise recai
sobre a cultura e o modelo de indivíduo que vêm sendo forjados ao longo dos séculos e não
sobre a sociedade e cultura burguesa, o que acabou nos levando a recorrer à teoria freudiana
para analisarmos os livros didáticos de história.
Não obstante, devido à pouca idade, aos poucos conhecimentos adquiridos, à
imaturidade psicológica e intelectual, estas crianças se encontram em posição frágil perante os
conteúdos ocultos, ideológicos, racistas e preconceituosos contidos nos livros didáticos de
história, por isto assimilam o que lhes é transmitido como verdades absolutas e tendem a
reproduzir as visões de mundo que vão construindo em suas passagens pela escola, pois:
[...] os textos escolares funcionam como outros elementos difusores de
ideologias dominantes em uma sociedade capitalista, de classes como
mecanismos legitimadores da desigualdade social e como dissimuladores das
desigualdades do social, ao reforçar o mito da participação igualitária na
sociedade, onde o indivíduo, se quiser, tem possibilidades de vencer na
vida’, onde as chances são iguais para todos (HÖFLING, 1981, p. 236).
As crianças são, desta forma, moldadas facilmente por não conseguirem
discordar e criticar os textos didáticos.
Vale lembrar, que os livros didáticos são apenas mais um elemento reprodutor
das ideologias dominantes, pois o próprio processo socializador veicula também as ideologias,
Thompson, citado por Santos Filho (2003, p. 10), destaca que, “é difícil sustentar a
possibilidade de formas neutras de conteúdos de socialização. Elas se manifestam através de
formas simbólicas cuja significação serve para estabelecer e sustentar relações de
17
dominação”
4
. Seguindo o raciocínio de Santos Filho, um fator complicador seria a hipótese
de as situações de violência tornarem-se padrão de conduta de socialização” (2003, p. 11)
(grifos nossos). Então, continua este autor:
Sua interiorização, um dos termos usados com freqüência para definir
socialização, implicaria no acúmulo de registros de meria emocional
que orientarão o comportamento pelo resto da vida. De fato, o conteúdo
significativo dos atos de violência tornar-se-iam registros cognitivos
através dos quais a vida é experimentada e assimilada por indivíduos
[...] (Santos Filho, 2003, p. 11) (grifos nossos).
Por analogia, o raciocínio e a afirmação deste autor, sustentam nossa hipótese:
os livros didáticos de hisria também socializam e banalizam a violência colaborando,
portanto, na estruturação de personalidades violentas ou, no mínimo, passivas e indiferentes à
violência. E, se isso é verdade, conseqüentemente teremos uma cidadania marcada por traços,
tendências e comportamentos violentos.
Lembremos, então, os estudos realizados por Adorno (1965, p. 31) com a
preocupação de delinear o que seria o sujeito potencialmente fascista. Ele mostra que o
indivíduo subjacente possui uma estrutura psicológica que o torna suscetível à propaganda
antidemocrática. Suas convicções políticas, econômicas e sociais conformam freqüentemente
uma pauta ampla e coerente que se torna expressão de “profundas tendências de suas
personalidades”.
Desde o ponto de vista de nosso objetivo o que interessa ressaltar é a
observação deste autor, para quem, apesar de dependerem em “grande medida” de fatores
econômicos e sociais, “as influências mais importantes sobre o desenvolvimento da
personalidade se apresentam, no correr da educação da criança, no círculo familiar”. São
influências o fundamentais que seu resultado é uma estrutura “capaz de atuar por iniciativa
própria sobre o meio social e selecionar os diversos estímulos com que tropeça” (Adorno
1965, p. 31). Todavia, com o surgimento de creches e pré escolas, as crianças passaram a ter
influências também de outras pessoas: “no decurso do desenvolvimento o superego
também assimila as influências que tomaram o lugar dos pais – educadores, professores,
pessoas escolhidas como modelos ideais” (FREUD, 1976, p. 83) (grifos nosso). Também
recebemos influências do meio social em que vivemos por meio da socialização:
4
Thompson, J.B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa.
Petrópolis, vozes, 1998.
18
[...] se aceitação de que a socialização é o processo por meio do qual o
indivíduo aprende a ser um membro da sociedade’, se a consideramos
‘imposição de padrões sociais à conduta individual’, ela é o momento e o
espaço, diríamos nós, em que a reprodução da ordem normativa e do
universo simbólico imaginário através da transmissão geracional coincide
com a formação do próprio indivíduo. Se isso é de importância
extraordinária, vale lembrar, correndo o risco da redundância, que, na
biografia do indivíduo a transmissão, ‘especialmente em sua fase inicial,
constitui um fato que se reveste dum tremendo poder de constrição’
(SANTOS FILHO, 2003, p. 7).
Se, como ressalta Santos Filho, os padrões de violência estão sendo
transmitidos pelo processo de socialização, importa nos, então, identificar estes mecanismos
na esperança de revertê-los.
Em qualquer noticiário impresso, de televisão, de rádio e de Internet vemos
manchetes do tipo: violência contra crianças, contra a mulher, contra idosos, violência
doméstica, no trânsito, nas escolas, policial, nas ruas, entre jovens, contra o meio ambiente,
etc. O que estas fomas de viloência têm em comum? São todas praticadas por pessoas. A
violência está presente em nossa cultura desde que se tem registros da história humana. Ainda
que a violência sica , da criminalidade, seja a mais destacada, noticiada e percebida,
enfocaremos também os aspectos simlicos, sociais e psicológicos da violência em nossa
pesquisa.
Não um consenso entre os teóricos sobre o termo ou conceito de violência e,
tampouco, uma definição única do que seja a violência. Na atualidade, justamente por causa
da amplitude e alcance do termo violência, fala-se de violências. Portanto, usaremos para fins
de nossa pesquisa as definições mais amplas do conceito de violência por estar em
conformidade com nossos objetivos. Vejamos, então, Minaiyo
5
, citado por Silva (2006,p. 72):
aponta para o fato de a violência ser constituída “a partir de ações
humanas realizadas por indivíduos, grupos, classe, nações, numa
dinâmica de relações, ocasionando danos físicos, psicológicos,
morais e culturais a outrem”. Para a autora, a violência deve ser
expressa no plural - Violências- pois manifesta as especificidades dos
conflitos sociais . (grifos nossos).
Vejamos uma outra definição de violência que também aponta para uma
expansão de significados. Chauí , citado por Schilling (2004, p. 38), destaca que:
5
Minaiyo M.C. de Souza. El AL. Fala galera: juventude, violência e cidadania na cidade do Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro: garamond, 1999.
19
violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico ou psíquico contra
alguém e caracteriza relões intersubjetivas e sociais definidas pela
opressão e intimidação, pelo medo e pelo terror. A violência se opõe à ética
porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade,
como se fossem coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos, inertes ou
passivos
6
.
Desta definição, esta autora amplia o significado de violência chegando a
considerar a ameaça de desemprego ou da fome ou da miséria como violência da sociedade,
vejamos:
essa definição é ampla e moderna
7
: incorpora como violência, indo além da
violência física, a violência psíquica contra alguém. Ações que
compartam humilhação, vergonha, discriminação, são consideradas
hoje condutas violentas. Além da violência interpessoal ou intersubjetiva,
incorpora a violência social, supondo toda a dimensão estrutural da
violência , própria da sociedade: podemos, portanto, falar da violência da
ameaça do desemprego ou do próprio desemprego, da violência da fome
e da miséria, da exclusão. Propõe que existe violência quando tratamos
sujeitos, seres livres, racionais e sensíveis, como coisas (SHILLING, 2004,
p. 39) (grifos nossos).
Novamente a autora amplia um pouco mais abrangência do termo violência
com as relações interpessoais ao que refere a preconceitos e discriminações a aspectos físicos.
Diz ela:
é a discriminações por aspecto físico que é vista como uma violência. Hoje,
vemos como as pessoas são discriminadas por não estarem conforme a
modelo (quase sempre impossível) de beleza, “boa aparência” : louras, bem
vestidos, com roupas de marca... As pessoas são discriminadas por estarem
gordas!!! (SHILLING , 2004, p. 85).
É uma ampliação do termo violência que nos serve neste momento, mas
merece atenção e cuidado.
6
Chauí. M. Uma ideologia perversa. Folha de São Paulo, 14 de março de 1999, Caderno Mais, P. 3-5.
7
Quando estamos lidando com relações interpessoais devemos ter muito cuidado. Por exemplo, o fim de um
relacionamento amoroso ou de um namoro pode ser traumático, causa danos psicológicos, podendo até mesmo
levar uma pessoa ao suicídio, mas o fim do namoro não pode ser considerado violência, ainda que einha deixado
“marcas” em um dos envolvidos. Pode ser traumático, mas não violento.
Sabemos que a formação psicológica desde os primeiros dias de vida influenciao nossas atitudes para o resto
de nossas vidas. Assim, um suicídio pode estar muito mais relacionado com traumas de infância do que com o
fim de um relacionamento amoroso.
20
Portanto, nossa discussão terá como base a teoria das pulsões elaborada por
Freud, pois assim poderemos entender suas afirmações sobre o caráter violento, agressivo e
libidinoso inato dos indivíduos e, conseqüentemente o modelo repressivo e violento de cultura
resultante da aglomeração destes indivíduos. Então, poderemos entender o pessimismo e
realismo deste autor sobre o processo civilizatório. Isto nos subsidiará nas análises dos livros
didáticos de história do ano. Assim, teremos elemento para comparar o modelo de
indivíduo descrito nestes livros de história com o indivíduo teorizado por Freud.
Conseqüentemente poderemos comparar a cultura descrita nos livros didáticos com a
civilização freudiana.
Finalmente poderemos classificar os livros didáticos de história do 5º ano como
(dentre outros) elementos socializadores da violência.
No capítulo um descreveremos os valores que o governo federal investiu na
compra dos livros didáticos através do PNLD. Valores milionários que as editoras disputam
acirradamente. Não obstante, mostraremos resumidamente as formações dos responsáveis
pela elaboração dos livros didáticos aqui em análise.
No capítulo dois está exposto nosso referencial teórico. Uma breve discussão
da teoria das pulsões elaborada por Freud. Ainda que se apresente de forma pessimista em
suas teorias, Freud é de um brilhantismo e realismo ao escrever sobre o indivíduo e a cultura
em que estamos vivendo.
No capítulo três, partimos principalmente das formulações freudianas para
elaborar os procedimentos metodológicos. Não obstante, apoiamo-nos em outros autores
presente em nosso trabalho.
Por fim e de forma mais longa apresentaremos os resultados de nossa análise
dos livros didáticos do 5.ano.
21
Capitulo 1
Valores e autores dos livros didáticos
Neste capítulo apresentaremos alguns dados referentes aos investimentos
financeiros do governo federal na aquisição de livros didáticos e também descreveremos
informões sobre os autores dos livros didáticos de história por nós utilizados nesta pesquisa.
Livros didáticos, manuais didáticos, apostilas didáticas, seja qual for o título,
no ensino público ou privado sempre algum tipo de material disponível para alunos e
professores organizarem suas aulas e estudos. Como em nosso caso escolhemos os livros
didáticos, estaremos lidando, então, com o ensino blico e com uma mercadoria que segue
parâmetros governamentais desde a definição de conteúdos, compra e distribuição, ainda que
confeccionados por empresas privadas.
Um fator que provoca jogos de interesses, corrupção e uma disputa acirrada
relativa aos livros didáticos são os interesses econômicos. Vejamos as tabelas relativas aos
valores negociados nos últimos três anos pelo PNLD:
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação:
Programa Nacional do Livro Didático 2007:
Valores Negociados:
22
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação:
Programa Nacional do Livro Didático 2007:
Quadro Resumo:
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação:
Programa Nacional do Livro Ditico 2008 – Ensino Fundamental:
Valores Negociados:
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação:
Programa Nacional do Livro Didático 2009:
Valores Negociados:
23
Como podemos verificar nestas três tabelas, o mercado de livros didáticos é
muito cobiçado e disputado por causa dos milhões de reais em jogo. Curiosamente apenas no
balanço de 2007 houve uma separação entre as compras de livros de a 4º séries
(374.600.804,37) e de 5º a 8º séries (82.105.529,01). Vejam que em 2007 o que foi gasto com
as 1ªs séries do ensino fundamental superou o gasto total de 2009 (302.621.896,64).
As quinze editoras contempladas em 2008 e 2009 são as mesmas, alterando
apenas as posições ocupadas com relação aos volumes financeiros e livros vendidos. Em 2007
a única editora diferente deste seleto grupo foi a Quinteto Editorial que não aparece nos anos
seguintes.
Vale a observação que entre as seis primeiras colocadas em volume de venda e
arrecadação financeira apenas houve alteração entre a Moderna e a FTD, primeiro e segundo
lugares, a Ática manteve-se em terceiro lugar nos três anos observados, a Saraiva ocupou o
quarto lugar nos três anos e os quinto e sexto lugares foram ocupados em alternância pela
Scipione e a Positivo.
Em 2007, foram destinados R$ 256.406.333,38, em 2008, R$ 559.752.767,00 e
em 2009, R$ 302.621.896,64. É realmente um mercado que, do ponto de vista do capital, vale
a pena entrar e nele se conservar.
Os livros didáticos não são comprados apenas pelo governo federal através do
PNLD. Como é do conhecimento de todos, podem ocorrer atrasos na entrega dos livros
didáticos e, bem como, as quantidades de livros entregues podem não ser suficientes para
todos os alunos. Assim, muitos pais optam por comprarem os manuais didáticos para seus
filhos em livrarias (outra fonte de renda das editores).
Enquanto os livros da editora Moderna para o PNLD 2009 custaram, na média,
R$ 4.32 por unidade, os exemplares utilizados nesta pesquisa “Projeto Buriti“, 2007 e
“Projeto Pitanguá”, 2008 custaram respectivamente R$ 70,00 e R$ 65,00 em uma livraria de
Campinas. O exemplar da editora Saraiva “Novo viver e Aprender, 2007, que estamos
utilizando custou R$ 4,76, na média, para o PNLD, nesta mesma livraria custou R$ 67,60. O
livro da editora Scipione “A escola é nossa”, 2007, custou ao PNLD, na média, R$ 5,27, nesta
livraria foi adquirido por R$ 48,90. o livro da editora Quinteto Editorial De olho no
futuro”, 2005, presente apenas no PNLD 2007, custou aos cofres públicos, na média, R$ 4,26,
mas o preço deste nas livrarias estava entre R$ 73,42 até R$ 111,90
8
8
Preços pesquisados no site www.buscape.com.br, acesso em 26/10/09). Como se é um mercado muito
lucrativo para as editoras.
24
Poderíamos ter optado por pesquisar apenas os livros das editoras que mais
venderam. Mas isto se tornou desnecessário por causa das determinações, regras, restrições e
currículo mínimo impostos pelo MEC para a confecção dos livros didáticos, em nosso caso,
os de história. Para não ficarem fora deste mercado valioso, como mostram os números acima,
as editoras seguem todas as instruções normativas do MEC. Assim os livros didáticos das
diversas editoras são muito semelhantes, são quase cópias uns dos outros. Abordam os
mesmos temas, usam a mesma iconografia, os mesmos conceitos, os mesmos eufemismos,
mesmos tipos de exercícios e propostas de pesquisa para os alunos realizarem: “por que há tão
pouca diferença entre os livros didáticos das várias editoras?”(Informação verbal), perguntou
o professor doutor Ivan Amoroso do Amaral – FE, Unicamp
9
. A resposta para esta pergunta é
simples, os livros didáticos o escritos e produzidos em conformidade com as instruções do
governo, portanto, são confeccionados para o MEC e seus avaliadores.
De maneira geral especialistas e críticos apontam para a baixa qualidade dos
livros didáticos distribuídos pelo PNLD. Engana-se quem pensar que estes manuais sejam
elaborados por qualquer pessoa.
Por exemplo, os livros da editora Moderna, ainda que a autoria na ficha
catalográfica fique a cargo da ppria editora, na página dois do livro “Projeto Buriti, (2007)
estão citados os nomes dos responsáveis pela elaboração dos originais. O mesmo ocorre com
o livro “Projeto Pitanguá”, (2008), acompanhemos os dados a respeito dos responsáveis pelos
originais:
César Costa Jr: bacharel em história pela USP e licenciado em história pela
Faculdade de Educação da USP. Além de professor do ensino fundamental e médio é editor.
Está presente em ambos os livros.
Do “Projeto buriti” ainda participam:h pela Faculdade de Educação da
UNICAMP;
Candido Domingos Grangeiro: bacharel em hitória pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciência Humanas da USP. Mestre em hitória social do Trabalho pela UNICAMP
Murilo Jode Resende: bacharel em história pela USP e licenciado pela F.E.
da USP e mestre em didática, teoria do ensino e práticas escolares pela F.E. USP.
Do livro Projeto pitanguá”, além de César Costa Jr. participam:
Maria Raquel Apolinário: bacharel e licenciada em história pela USP e
professora do ensino fundamental e médio em escolas públicas de São Paulo;
9
Palestra proferida no evento “O Professor e o Livro Didático” realizado em 21/05/08 na Unicamp
25
Vitória Rodrigues e Silva: doutoranda em história pela USP;
Alexandre Leonarde: bacharel e licenciado em história pela USP e mestre em
história e educação pela UNIMEP (SP) e professor do ensino superior;
Renata da Silva Simões: bacharel e licenciada em história pela USP.
Como se pode observar são todos formados na área de história em uma
universidade de tradição, a USP.
Os autores do livro “A escola é nossa”, da Scipione (2007) seguem abaixo:
Rosemeire Aparecida Alves Tavares: professora graduada em letras pela
Universidade Estadual de Londrina (UEL). Desde 1996, desenvolve pesquisas na área de
didática e ensino para o ensino fundamental.
Wanessa Pires Garcia Vidal: professora graduada em geografia pela
Universidade Estadual de Londrina (UEL) e pós-graduada em avaliação educacional pela
mesma instituição. Atuou como professora de educação infantil e ensino fundamental no
estado do Paraná. Autora de livros didáticos para o ensino fundamental.
Rogério Martinez: professor graduado em geografia pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL) e mestre em educação pela Universidade Estadual Paulista
(Unesp) campus de Marília. É autor de livros didáticos para o ensino fundamental e também
atua como professor de geografia na rede particular de ensino do estado do Paraná.
Maria Eugênia Bellusci Cavalcante: graduada em história pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL). Atuou durante 25 anos como professora de ensino fundamental
e médio. Autora de livros didáticos desde 1983.
Como se vê estes autores também apresentam um currículo bom e com
formação em boas universidades.
As autoras do livro De olho no futuro, da Quinteto Editorial, (2005) seguem
abaixo:
Thatiane Tomal Pinela: professora graduada em letras pela UEL.
Liz Andréia Giaretta: pós-graduada em ensino de geografia pela UEL.
Apesar de nenhuma das autoras formada na área de história, as abordagens dos
temas históricos em nada se difere dos outros livros escritos por especialistas.
Os autores do livro “Novo viver e aprender”, da Saraiva (2007) seguem
abaixo:
Elian Alabi Lucci: bacharel e licenciado em geografia e história pela PUC-SP.
Professor da rede particular de ensino do estado de São Paulo. Diretor da Associação dos
Geógrafos Brasileiros (AGB) – seção local Bauru – SP.
26
Anselmo Lazaro Branco: licenciado em geografia. professor da rede particular
de ensino do estado de o Paulo. Ex-professor da rede estadual de ensino de São Paulo.
Ambos possuem formação e experiência docente suficiente para a elaboração
de manuais didáticos.
Portanto, as razões para a baixa qualidade dos livros didáticos devem ser
buscadas em outras instâncias que não seja relativa à formação teórica e experiência
profissional dos autores. Para tanto, deve-se entender a política de avaliação do MEC e, bem
como, de seus avaliadores, pois todos os livros citados acima foram aprovados para o triênio
2010 , 2011 e 2012. o obstante, o livros que já passaram por outros processos avaliativos,
pois são reinscritos e não livros inéditos, isto é, que participaram pela primeira vez do
processo avaliativo do governo.
Outra razão para a baixa qualidade dos livros didáticos também deve ser
buscada nas instâncias governamentais que elaboram o currículo mínimo, isto é, os temas e
conteúdos a serem abordados nos manuais escolares. Pois um processo avaliativo e regras
determinada que as editoras devem seguir.
Convém lembrar que nesta pesquisa sobre os livros didádico de hisria não é
nossa intenção recomendar que se conte a história a partir da perspectiva dos vencidos, mas
que também a hisria deles seja contada. Caso se resolva contar a história simplesmente sob
a ótica dos vencidos, não obstante, frente a nosso objetivo (mostrar que os livros didáticos de
história são elementos que socializam e banalizam a violência) em nada mudaria estas
características. Pois, de acordo com nosso referencial teórico, a psicanálise freudiana, todos os
indivíduos (conseqüentemente a cultura humana) são agressivos e violentos. Portanto, a
diferença entre vencidos e vencedores é apenas quantitativa, isto é, quem mais cometeu
atrocidades ao longo da hisria. Se por um motivo qualquer pudesse trocar as armas de os
e o posto de carrasco na história, veríamos as mesmas barbaridades e os mesmos massacres
acontecendo aos milhares e a “catástrofe únicaacumulando escombros se repetiria. São os
modelos de indíviduo e de cultura estabelecidos ao longo de milênios e reproduzidos nos
livros didáticos que precisamos rever.
Não basta, portanto, demonstrar que os manuais didáticos de história e de
outras disciplinas reproduzem a ideologia das classes dominantes. Esta ideologia e, bem
como, nossa cultura está sobrecarregada de violência, discriminações, corrupção, guerras,
barbáries e desigualdades sociais, onde, milhões de pessoas passam fome e são impedidas de
alcançar as condições mínimas de sobrevivência:
27
as guerras jamais podem cessar enquanto as nações viverem sob condições
tão amplamente diferentes, enquanto o valor da vida individual for o
diversamente apreciado entra elas, e enquanto as animosidades que as
dividem representar forças motrizes tão poderosas na mente (FREUD, 1987,
p. 312, vol. 14).
Isto também vale para as relações individuais, haja visto que, enquanto alguns
poucos se beneficiam das riquezas produzidas socialmente e desfrutam de boa alimentação,
moradia, lazer e fontes de rendas milionárias outros tantos morrem de fome. De acordo com a
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (F.A.O.), “estima-se que
atualmente mais de 1 bilhão de pessoas passem fome e estejam desnutridas em todo mundo
(JORNAL CORREIO POPULAR, 15/11/09, p. B2).
Não obstante, os livros didáticos reproduzem todas estas mazelas sociais sem
uma crítica contundente.
Tomamos o cuidado de escolher livros reinscritos, que haviam passado por
outros processos de seleção e já aprovados. Conforme informa o MEC, das quarenta coleções
inscritas, vinte e cinco eram reinscrições que fizeram as devidas adequações de conteúdos
para se enquadrarem nas novas diretrizes do ensino fundamental de nove anos. Optamos,
eno, pelo livro didático de história do 5º ano do ensino fundamental, a antiga 4º série. Pois é
nesta série que os alunos começam a entrar em contato mais direto com os conteúdos e fatos
históricos.
28
Capítulo 2
Freud: civilização ou barbárie
Neste capítulo apresentaremos o referencial teórico que sustenta nossa análise
dos livros didáticos de história do 5º ano, do novo ensino fundamental de nove anos, e que
determina também os procedimentos metodológicos de nossa pesquisa.
Para Freud, os termos cultura e civilização representam todas as conquistas
humanas que nos diferencia dos animais, portanto, ele não faz diferença entre ambos:
A civilização humana, expressão pela qual quero significar tudo aquilo em
que a vida humana se elevou acima de sua condição animal e difere da vida
dos animais e desprezo ter que distinguir entre cultura e civilização
apresenta como sabemos, dois aspectos ao observador. Por um lado, inclui
todo o conhecimento e capacidade que o homem adquiriu com o fim de
controlar as forças da natureza e extrair a riqueza desta para a satisfação das
necessidades humanas; por outro lado, inclui todos os regulamentos
necessários para ajustar as relações dos homens uns com os outros e,
especialmente a distribuição da riqueza disponível. “As duas tendências da
civilização não são independentes uma da outra... (FREUD, 1978, p. 87)
(grifos nossos).
Sigmund Freud (1856-1939) é um pensador contemporâneo que deixou
importantes contribuições teóricas e práticas para se pensar e debater a civilizão*, o
indivíduo e a relação deste com o todo e vice-versa. E será a partir destas contribuições que
pretendemos desenvolver nossa pesquisa. Basicamente, a formulação do que seja cultura para
este autor, encontra-se em “O mal-estar na civilizão”, mas necessário se faz recorrer a
outros textos do próprio Freud e de alguns comentadores de sua obra para melhor
compreensão do pensamento freudiano a respeito da cultura.
10
10
Explicando ainda, conforme Norbert Elias, a palavra Zivilisation referia-se ao modo de vida da aristocracia
cortesã alemã, a qual levava uma vida que privilegiava as aparências, a polidez de fachada, a superficialidade de
“bonsmodos e. mesmo assim, consideravam-se mais civilizados do que qualquer outra parte da sociedade. a
palavra Kultur era utilizada para definir o comportamento da inteligência alemã que, em sua maioria, pertenciam
à classe média que, por sua vez, preocupava-se com a aquisição de valores pessoais, de autêntica virtude. Mas,
conforme podemos perceber, esta antítese entre os conceitos Zivilisation e Kultur não se justifica, visto que, as
duas classes pertenciam ao mesmo povo e território, por isto, podemos dizer que ambos os conceitos expressam
o modo de vida de um mesmo povo que, como na maioria das culturas, estava dividido em classes distintas.
Todavia, esta antítese deixou de existir, pois... “com a lenta ascensão da burguesia alemã, de classe de segunda
categoria para depositária da consciência nacional e, finalmente muito tarde para classe dominante..., a
antese entre Kultur e Zivilisation, com todos seus significados correlatos, muda em significação e função: de
antese primariamente social torna-se primariamente nacional.” (ELIAS, 1994, p. 47).
29
Acompanhemos, então, Freud lançar-se em inferências e interpretações que
remontam nossa pré-história em busca de subsídios para explicar o comportamento violento e
agressivo entre os indivíduos isolados, em grupos ou entre nações.
Para tanto, procura definir o comportamento do homem primitivo, o qual, para
Freud, era uma criatura cruel e impulsiva. Nas palavras do autor:
Não fazia qualquer objeção à morte de outrem; ela significava o
aniquilamento de alguém que ele odiava, e o homem primitivo não tinha
quaisquer escrúpulos em ocasioná-lo. Era, sem dúvida, uma criatura
muito impulsiva e mais cruel e maligna do que os outros animais.
Gostava de matar, e fazia isso como uma coisa natural. O instinto que,
segundo se diz, refreia outros animais de matar e de devorar sua
própria espécie, não precisa ser atribuído a ele. (FREUD, 1987, p. 330, v.
14) (grifos nossos).
Por mais estarrecedor que possa parecer e de difícil aceitação, estas
características dos homens da pré-história sobrevivem em todos nós, sem exceção: “Neste
ponto, como em muitos outros, o homem das épocas pré-hisricas sobrevive inalterado em
nosso inconsciente” (FREUD, 1987, p. 335, v. 14).
Começamos a entender, então, porque Freud é pessimista em relação ao futuro
civilizatório e afirma que o processo cultural consistiu e consiste na repressão progressiva do
que de animal no homem, as pulsões. Afirma também que este processo de domesticação
não pode ser mantido sem que a natureza animal do homem, sedenta de liberdade reaja de
maneira imprevisível e muitas vezes violentamente. Assim, também podemos compreender a
argumentação deste autor ao dizer que: “a história primitiva da humanidade está repleta de
assassinatos”. (FREUD, 1987, p. 331, v. 14). Não obstante esta constatação, inegavelmente,
serve para todas as civilizações que se formaram após a pré-história. Diz ele: mesmo hoje, a
história do mundo que nossos filhos aprendem na escola é essencialmente uma série de
assassinatos de povos. (FREUD, 1987, p. 331, v. 14) (grifos nossos). Negar isto demonstra
a falta de conhecimento elementares de história. Vejamos, então, como a violência foi e é
recorrente ao longo da história humana na busca, conquista e manutenção do poder, de
privilégios e do lucro fácil, ainda que sobre o sangue, o suor, a dor, a escravidão e a morte de
milhões de pessoas.
Acompanhemos alguns dados encontrados no livro Coerção, capital e
Estados europeus, que demonstra como os estados europeus foram se consolidando mediante
as guerras, a coerção e o acúmulo de capital. Este autor afirma categoricamente sobre a
30
eficácia das guerras: “por que aconteceram as guerras? O fato central e trágico é simples: a
coerção funciona; aqueles que aplicam força substancial sobre seus camaradas obtêm
condescendência, e dessa condescendência tiram múltiplas vantagens, como dinheiro,
bens, deferência, acesso a prazeres negados aos indivíduos menos poderosos (TILLY,
1996, p. 127) (grifos nossos).
Tal como Tilly afirma acima sobre a consolidação dos Estados europeus
mediante guerras no passado e no presente favorecem-se recorrendo a conflitos bélicos de
baixa e alta intensidade (guerras) para propiciar o desenvolvimento econômico e prosperidade
social com a geração de empregos. Vejamos:
a indústria pesada é o motor fundamental da economia moderna. A
prosperidade de todo país industrializado depende da manutenção
e desenvolvimento do seu potencial industrial. muitas décadas o
conhecidos os ciclos de depressão nos países capitalistas envolvidos na crise
geral do sistema; a única cnica válida para paliar esta situação é a
promoção e incentivo à indústria armamentista, que como emprega
enormes massas de trabalhadores produz uma sensação de prosperidade que
evita crises muito mais profundas; em outras palavras, a guerra é o
combustível imprescindível ao grande capital; promovê-la, uma sagrada
missão para todo governo burguês (RAGGIO, 1997, p. 277) (grifos do
autor).
Enfatizando, ainda, a importância das guerras para a formação dos estados e
para benefício de uma minoria, afirma que: “de 990 em diante, as principais mobilizações
para guerra proporcionaram os melhores ensejos para os estados se expandirem, se
consolidarem e criarem novas formas de organização política” (TILLY, 1996, p. 127)
(grifos nossos). Este autor diz ainda que:
a despeito da atual calmaria de quarenta anos na guerra aberta entre as
grandes potências do mundo, o século XX já se afirmou como o mais
belicoso da história humana. Desde 1900, se contarmos cuidadosamente, o
mundo assistiu a 237 novas guerras civis e internacionais que mataram
pelo menos mil pessoas por ano; até o ano 2000, esses números implacáveis
atingirão o montante de aproximadamente 275 guerras e 115 miles de
mortos em luta. As mortes civis poderiam facilmente equiparar-se a esse
total. O sangrento século XIX contou com apenas 205 guerras e 8 milhões de
mortos; no belicoso século XVIII, meras 68 guerras com 4 milhões de
mortos [...]A era nuclear não diminuiu a tendência dos séculos antigos a
guerras mais freentes e mais mortíferas (TILLY, 1996, p. 123).
31
Nesta mesma linha crítica e realista que vem ao encontro do modo com que
estamos descrevendo nossa cultura de violência, nos valemos das palavras de outro autor a
respeito do terrorismo, do uso da violência e de suas eficácias no tocante a eliminar
“problemas”, conquistar vantagens e privilégios: “Esta é a cultura em que vivemos e ela nos
revela muitas coisas. A primeira é que o terrorismo funciona. O terrorismo não é
malsucedido. Ele dá certo. A violência geralmente funciona. Essa é a história do mundo”
(CHOMSKY, 2002, p. 13) (grifos nossos). Catástrofe que se repete há milênios e é descrita
nos textos didáticos.
Esta é a história do mundo sem máscaras, sem artifícios e sem romancear por
parte dos que se alternaram no poder. Vale a pena lembrar que todas estas calamidades
ocorreram não até a “idade das trevas” (Idade Média), como também após o advento do
Iluminismo, isto é, do predomínio da razão científica, do progresso do pensamento. A força
do pensamento e prioridade da racionalidade é tamanha e dominante em nossa cultura que
leva muitas pessoas (inclusive o público universitário e intelectuais) a acreditarem que o
conhecimento e a informação possam erradicar os preconceitos, racismos e a violência de
nossa cultura:
racismo e ignorância caminham sempre de mãos dadas. Os
estereótipos e as idéias pré-concebidas vicejam se está ausente a
informação, se falta o dlogo aberto, arejado, transparente. Não
preconceito racial que resista à luz do conhecimento e do estudo
objetivo. Neste, como em tantos outros assuntos, o saber é o
melhor remédio. Não era por acaso que o nazi-fascismo queimava
livros (CARDOSO, 2005, p. 9) (grifos nossos).
Este, além de intelectual, era o presidente do Brasil quando da segunda
impressão deste livro que prefaciou (F.H.C). Se assim fosse, o racismo, o preconceito, a
violência e outras formas de discriminações não ocorreriam nos âmbitos universitários e,
tampouco, em países que possuem um grande número de pessoas com formação de terceiro
grau:
quantas vezes ouvimos pronunciar, até por pessoas supostamente
sensatas, a frase segundo a qual as atitudes preconceituosas
existe na cabeça das pessoas ignorantes, como se bastasse
freqüentar a universidade para ser completamente curado dessa
doença que só afeta os ignorantes? Esquecem-se que o preconceito
é produto das culturas humanas que, em algumas sociedades,
32
transformou em arma ideológica para legitimar e justificar a
dominação de uns sobre os outros. [...] Além disso, projeta a sua
superação apenas no domínio da razão, o que deixaria pensar, ao
extremo, que nos países onde a educação é mais desenvolvida o
racismo se tornaria um fenômeno raro” (MUNANGA, 2005, p. 18)
(grifos nossos).
Não obstante, com tanta informação circulando nesta era das tecnologias da
informação, somando-se a isto a expansão das universidades e mais as conquistas do
pensamento e das ciências, o racismo e outros preconceitos já estariam banidos de nossa
sociedade. Todavia, adverte-nos Adorno: “[...] no sentido mais amplo do progresso do
pensamento, o esclarecimento tem perseguido o objetivo de livrar os homens do medo e de
investi-los na posição de senhores, mas a terra totalmente esclarecida, resplandece sob o signo
de uma calamidade triunfal(ADORNO ; HORKHEIMER, 1983, p. 19). Racionalidade esta
que é priorizada no processo educativo deixando de lado os sentimentos e outras
potencialidades dos indivíduos.
Convém lembrar que em psicanálise, o ego não se confunde com a consciência
(esta em nossa sociedade é sinônimo de racionalidade, pensamento esclarecido, razão
científica e, por isto, acredita-se no progresso técnico-científico como solução de todos os
problemas da humanidade). No entando, a consciência está ligada ao ego: “Formamos a
idéia de que em cada indivíduo existe uma organização coerente de processos mentais e
chamamos a isso o seu ego.” (FREUD, 1996, p. 30, v. 19) (grifos nossos). Todavia, o ego é
também em grande parte inconsciente e não se sabe o quanto: É certo que grande parte do
ego é, ela própria, inconsciente [...] (FREUD, 1996, p. 30, v. 18) (grifos nossos). Desta
forma, mesmo a razão científica pode ter componentes obscuros, e o pensamento não tem a
clareza que se gosta de lhe atribuir: por um lado, temos provas de que mesmo operações
intelectuais sutis e difíceis, que ordinariamente exigem reflexão vigorosa, podem igualmente
ser executados pré- conscientemente e chegarem à consciência. (FREUD, 1996 p. 40, v. 19).
Freud dá o exemplo de pessoas que passam o dia tentando resolver um problema e não o
consegue, mas as uma noite de sono acorda com o tal problema solucionado sem que sua
consciência estivesse atuando para tal resolução.
Não foi com o fim das monarquias absolutistas na Europa, a consolidação do
capitalismo e a implantação de governos democráticos nos países europeus e nos E.U.A.,
países estes que controlaram e determinaram o desenvolvimento e rumo da economia
33
mundial, que minimizaram o uso da violência. Pelo contrário, em relação à história dos
E.U.A., afirma-se:
ao longo desses quase 200 anos, nós, os Estados Unidos, expulsamos ou
exterminamos a população nativa muitos milhões de pessoas ,
conquistamos metade do México, provocamos depredações por toda região,
no Caribe e nas Filipinas (matando mais de 100 mil filipinos no processo).
Desde a Segunda Guerra, o país estendeu seu alcance ao redor do
mundo de maneira que não preciso descrever. Mas sempre envolveram
matar alguém. Sempre envolveram lutar em algum outro lugar. Sempre
foram os outros os massacrados. Nunca aqui. Nunca o território nacional
(CHOMSKY, 2002, p. 9) (grifos nossos).
Não menos realistas e precisas são as críticas deste autor que se referem aos
povos da Europa:
a história européia é ainda mais horrenda que a norte-americana. Nós somos
uma mera ramificação da Europa, basicamente. Há centenas de anos, a
Europa vem corriqueiramente massacrando pessoas em todo planeta.
Foi assim que conquistaram o mundo, não oferecendo docinhos para
bebês. Ao longo dos culos, a Europa realmente passou por várias guerras
mortíferas, mas essas guerras sempre envolveram matadores europeus
matando outros europeus. Durante muito tempo, o principal esporte europeu
foi massacrarem um aos outros. O motivo de isso ter chegado ao fim em
1945 não teve nada a ver com a democracia ou com o fato de a noção de
guerrear entre si ter saído de moda. O único motivo foi todos terem
compreendido que da próxima vez que quisessem entrar nesse jogo seria o
fim do mundo. Pois, como nós, os europeus haviam desenvolvido armas de
destruição tão terríveis que a brincadeira tinha de acabar. Seja como for, essa
história remonta a centena de anos (CHOMSKY, 2002, p. 10) (grifos
nossos).
Mas a brincadeira não acabou. A violência e a destruição continuaram, foram
aperfeiçoadas e tornaram-se interesses dos grupos hegenicos que dominavam os Estados
para promoverem o desenvolvimentoe se perpetuarem no poder. Esta é a cultura violenta
que é reproduzida de forma eufemística nos manuais didáticos. Violência que Freud
caracteriza, como veremos mais adiante, como manifestações da pulsão de morte.
Nossa discussão terá como base a teoria das pulsões* elaborada por Freud, pois
assim poderemos compreender o pessimismo deste autor em relação ao processo
civilizatório.
Como foi dito anteriormente, as características dos homens primitivos não
desaparecem com o passar do tempo, nem com as crescentes imposições morais da sociedade
34
e, tampouco, com os progressos técnicos e científicos e o conseqüente domínio da natureza.
Desta forma o princípio básico que rege os indivíduos desde tempos imemoriais, o princípio
de prazer, continua atuando e influenciando nossas vidas no presente:
na teoria da psicanálise não hesitamos em supor que o curso tomado pelos
eventos mentais está automaticamente regulado pelo princípio de prazer, ou
seja, acreditamos que o curso destes eventos é invariavelmente colocado em
movimento por uma tensão desagradável e que toma uma direção tal, que
seu resultado coincide com uma redução dessa teno, isto é, com a evitação
de desprazer ou a produção de prazer (FREUD, 1996, p. 17, v. 18).
Ainda que no transcorrer do desenvolvimento individual a cultura tenha
imposto limites às descargas pulsionais dos indivíduos e, este, por sua vez, frente a tais
impedimentos desenvolva o princípio de realidade para poder lidar com as pulsões
11
e o
mundo externo, estas preses pulsionais nunca deixam de pressionar em busca da satisfação:
“[...] os impulsos primitivos, selvagens e maus da humanidade não desaparecem em
qualquer de seus membros individuais, mas persistem, embora num estado reprimido
no inconsciente [...] e aguardam as oportunidades para se tornarem ativos mais uma vez
[...](FREUD, 1987, p. 340, v. 14) (grifos nossos). Vemos assim que o Eu, o responsável
pelo recalque e intermediário entre o mundo externo e o ID, onde as pulsões esperam a chance
de se manifestarem, através do princípio de prazer, não pode fazer muito, pois, como diz o pai
da psicanálise: “[...] nosso intelecto é algo débil e demente, um joguete e um instrumento de
nossos instintos e afetos, e que todos nós somos compelidos a nos comportar inteligente ou
11
No Vocabulário da Psicanálise, Laplanche e Pontalis apontam a diferença entre instinto e pulsão.Segundo a
definição desses autores instinto corresponde ao comportamento herdado,próprio de uma espécie animal,que
pouco varia de um indivíduo para outro,que se desenrola segundo uma seqüência pouco suscevel de alterações
e que parece corresponder a uma finalidade; instinto é também um termo utilizado por certos autores franceses
como tradução ou equivalente do termo freudiano Trieb,para o qual numa terminologia coerente,convém recorrer
ao termo pulsão.
Explicando ainda:a concepção freudiana do Trieb,como força impulsionante relativamente indeterminada
quanto ao comportamento que induz e quanto ao objeto que fornece a satisfação,difere nitidamente as teorias do
instinto,quer sob sua forma clássica,quer na renovação que lhe introduziram as investigações contemporâneas
(noção de pattern de comportamentos,de mecanismos inatos de desencadeamento,de estímulos-sinais
específicos,etc).O termo “instinto” tem implicações nitidamente definidas,muito afastadas da noção freudiana de
pulsão.
Freud usa por diversas vezes o termo INSTINKT no sentido clássico,falando de “instintos dos animais,de
“conhecimento instintivo de pergos”.
Os autores chamam então a atenção para o fato de Freud usar dois termos que podemos opor
claramente,embora não tenha atribuído um papel explícito a esta oposição na sua teoria.Daí que a escolha do
termo instinto como equivalente inglês ou francês de Trieb não é uma inexatidão de tradução,como ameaça
introduzir uma confusão entre a teoria freudiana das pulsões e as concepções psicológicas do instinto
animal,esmaecendo a originalidade da concepção freudiana,designadamente a tese do caráter relativamente
indeterminado do impulso motivante e as noções de contingência do objeto e da variabilidade dos alvos.
35
estupidamente de acordo com as ordens de nossas atitudes [emocionais] e resistências
internas” (FREUD, 1987, p. 340, v. 14). Convém lembrar que o princípio de prazer não está
relacionado a apenas atitudes moralmente consideradas boas pela civilização. Está também
ligado com a violência, a agressividade, o assassinato e o sadismo. Como, então, evitar que as
civilizações se dissolvessem em conflitos e guerras?
Freud, crítico severo do iluminismo por sua crença excessiva na razão, apesar
de ele mesmo também depositar grande confiança na mesma, diagnosticava que uma
sociedade ideal seria aquela em que a razão dominasse a vida pulsional, a agressividade dos
homens entre si, ou a agressividade interiorizada no Superego. Ora, é essa repressão pulsional
que explica não o sofrimento, por meio de guerras, da busca do lucro, da quantificação, da
servidão tão somente ao dinheiro, mas também o mal-estar.
Se Freud tivesse conservado a sua primeira teoria das pulsões: a dualidade
entre pulsão do Eu e pulsão de Eros, seguramente “O mal-estar na civilização”, em sua
argumentação central, nunca teria sido escrito. Como se sabe, em 1920, Freud rediscutiu em
“Mais além do princípio de prazer” a teoria das pulsões e nela a antiga dualidade transformou-
se definidamente em pulsão de vida x pulsão de morte.
O funcionamento mental dos indivíduos é regido pelo princípio de prazer, mas
nas neuroses traumáticas os pacientes repetem em seus sonhos as situações do trauma. Como
explicar, então, esta aparente contradição? Freud lança-se, então, em uma discussão sobre a
origem da vida para encontrar as pulsões básicas que regem os indivíduos. O que é a vida?
Pergunta Freud. Para ele a vida resultou de uma perturbação de substâncias inorgânicas por
uma causa desconhecida, vejamos: os atributos da vida foram, em determinada ocasião,
evocados na matéria inanimada pela ação de uma força cuja natureza não podemos formar
concepções” (FREUD, 1996, p. 49, v. 18).
As pulsões, segundo as observações de Freud, apresentam um caráter
conservador, isto é, tendem a repetir ou retornar a um estado anterior das coisas. Enfim,
apresentam uma compulsão à repetição. Desta forma, como o início da vida se deu a partir da
substância inorgânica, uma primeira pulsão surgiu com o intuito de restaurar o estado
inorgânico: “a tensão que surgiu no que até aí fora uma substância inanimada se esforçou por
neutralizar-se e, dessa maneira, surgiu o primeiro instinto [pulsão] : o instinto [ pulsão] a
retornar ao estado inanimado” (FREUD, 1996, p. 49, v. 18). É por isto que Freud não acredita
em uma pulsão ou instinto que impulsione os indivíduos a um objetivo que nunca fora
atingido. Seria mais plausível que a entidade viva buscasse um estado anterior. Assim, seu
objetivo:
36
deve ser um estado de coisas antigo, um estado inicial de que a entidade
viva, numa ou noutra ocasião, se afastou e ao qual se esforça por retornar
através de tortuosas caminhos ao longo dos quais seu desenvolvimento
conduz. Se tomarmos como verdade que não conhece exceção o fato de tudo
o que vive morrer, por causas internas, tornar-se mais uma vez inorgânicos,
seremos então compelidos a dizer que “o objetivo de toda vida é a morte”, e,
voltando o olhar para ats, que as coisas inanimadas existiram antes das
vivas” (FREUD, 1996, p. 49, . 18).
Tal como a pulsão de morte, também a pulsão de vida é conservadora, pois
atua sempre no sentido de unir e combinar substâncias vivas em unidades sempre maiores:
o conservadores no mesmo sentido dos outros instintos porque trazem de volta estados
anteriores da substância viva, [e também] por serem peculiarmente resistentes às influências
externas [bem como] por preservarem a vida por um longo período” (FREUD, 1996, p. 51, v.
18). Restava ainda entender a relação entre pulsão de vida e pulsão de morte.
É no fenômeno do sadismo que Freud vai encontrar as respostas sobre a
relação dual das pulções, onde Eros e Tanatos se mesclam: “desde o início identificamos a
presença de um componente sádico no instinto [pulsão] sexual [...]. Mas como pode o instinto
sádico, cujo instinto é prejudicar o objeto, derivar de Eros, o conservador da vida? [...]. Ele
entra em ação a serviço da função sexual” (FREUD, 1996, p. 64, v. 18). Este é um território,
como veremos nas palavras do próprio autor, que a ciência tem tão pouco a oferecer, por isto
que Freud lançou mão de um mito para explicar a relação entre Eros e Tanatos e mostrar a
compulsão à repetição de ambas as pulsões:
à parte isso, a cncia tem o pouco a nos dizer sobre a origem da
sexualidade, que podemos comparar o problema a uma escuridão em que
nem mesmo o raio de luz de uma hipótese penetrou. Em outra região,
inteiramente diferente, é verdade, defrontamo-nos realmente com tal
hipótese, mas é de tipo tão fantástico, mais mito do que explicação científica,
que não me atreveria a apresentá-la aqui se ela o atendesse precisamente
àquela condição cujo preenchimento desejamos, porque faz remontar a
origem de um instinto a uma necessidade de restaurar um estado anterior de
coisas.
O que tenho no espírito é, naturalmente, a teoria que Platão colocou na boca
de Aristóteles no Symposium e que trata não apenas da origem do instinto
sexual, mas também da mais importante de suas variações em relação ao
objeto. “A natureza humana original o era semelhante à atual, mas
diferente. Em primeiro lugar, os sexos eram originalmente em números de
três, e não dois, como o agora; havia o homem, a mulher, e a união dos
dois (...)” Tudo nesses homens primevos era duplo: tinham quatro mãos e
quatro pés, dois rostos, duas partes pudentas, e assim por diante. Finalmente,
Zeus decidiu cortá-los em dois, “como uma sorva que é dividida em duas
37
metades para fazer conserva”. Depois de feita a divisão, “as duas partes do
homem, cada uma desejando sua outra metade, reuniram-se e lançaram os
braços uma em torno da outra, ansiosas por fundir-se”(FREUD, 1996, p. 68,
v. 18).
Eros, portanto, também leva à morte com bem observou uma estudiosa de
Freud:
porém, em relação ao próprio Eros, ele não nos deixa espaço para a dúvida: a
pulsão de vida (Eros), igualmente, tende para o inorgânico, para a morte.
Senão pela gica da argumentação ( sob a batuta de Eros e sua incessante
capacidade de multiplicar a vida ao infinito, levando à morte pela expansão
ilimitada), o mito nos informa o mesmo – sob a égide de Eros está a morte”.
No mito, num primeiro momento as duas metades se buscavam, viviam
ansiosas pelo encontro. Uma vez que se encontravam, abraçavam-se e
esqueciam-se de comer, beber, dormir. Esqueciam-se de viver e morriam.
Intrinsecamente, a pulsão de Eros tende para a morte. (MORONI, 2001, p.
158).
Não obstante, a pulsão de morte não atua apenas no sentido de levar a vida de
volta à substâncias inorgânicas, vale dizer, à morte, ela também é, em certa medida,
direcionada para o exterior em forma de destrutividades tanto de pessoas quanto da natureza:
parece que, em resultado da combinação de organismos unicelulares em
formas multicelulares de vida, o instinto [pulsão] de morte da célula
isolada pode ser neutralizado com sucesso e os impulsos destrutivos
desviados para o mundo externo, mediante o auxílio de um órgão
especial. Esse órgão especial pareceria ser o aparelho muscular; e o
instinto de morte pareceria, então, expressar-se ainda que,
provavelmente, apenas em parte como um instinto [pulsão] de
destruição dirigido contra o mundo externo e outros organismos”
(FREUD, 1996, p. 54, v. 19) (grifos nossos).
Como se sabe, no decorrer de “O mal-estar na civilização”, item VI, Freud
recolocou a segunda teoria das pulsões e, com ela, as rias figuras de Tanatos, entre elas a
agressividade, o que por sua vez, leva o autor a considerar os homens maus por natureza,
libidinosos e preguiçosos. Vejamos as palavras do autor:
[...] pelo contrário, são criaturas cujos dotes instintivos deve se levar em
conta uma poderosa cota de agressividade. Em resultado disso, o seu
próximo é, para ele, não apenas um ajudante em potencial ou um objeto
sexual, mas também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a sua
agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação,
38
utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas
posses, humilhá-los, causar-lhe sofrimento e matá-lo. Homo Homini
lupus
12
(FREUD, 1978, p. 167) (grifos nossos).
Todas estas características dos indivíduos de agressividade, de ser libidinoso,
roubar, humilhar os outros e lhes causar sofrimento e até de matar o se reproduzindo e
sendo transmitidos de geração para geração. Pois tal como afirma Freud, o ego em sua
formação recebe influência do mundo externo: “é fácil ver que o ego é aquela parte do id que
foi modificada pela influência do mundo externo” (FREUD, 1996, p. 38, v. 19).
Isso significa dizer que a superfície do corpo tem grande poder de influência na
constituição do Ego através das percepções. Assim:
um outro fator [...] parece ter desempenhado, papel em ocasionar a formão
do ego e sua diferenciação a partir do id. O próprio corpo de uma pessoa e,
acima de tudo, a sua superfície, constitui um lugar de onde podem originar-
se sensações tantos externas quanto internas. Ele é visto como qualquer
outro objeto, mas ao tato, produz duas espécies de sensações, uma das quais
pode ser equivalente a uma percepção interna (FREUD, 1996, p. 39, v. 19).
Estas sensações e percepções corporais são fundamentais na formação do Ego
e consequentemente de nossa personalidade, pois: o ego é, primeiro e acima de tudo, um ego
corporal”. E complementa Freud em nota de rodapé: “isto é, o ego em última análise deriva
das sensações corporais, principalmente das que se originam da superfície do corpo”
(FREUD, 1996, p. 39, v. 19) (grifos nossos).
Isto nos permite, então, inferir que os preconceitos, o racismo, as situações de
pobreza, as condições de miséria e fome, as discriminações contra os pobres, negros e nativos
brasileiros (bem como as terríveis brutalidades, barbaridades, violência e escravização sofrida
por nossos antepassados nativos africanos e brasileiros ao longo de nossa história, impostas
pelos bárbaros portugueses e europeus) foram incorporadas às identidades dos indivíduos e da
não brasileira, pois a dor também deixa suas marcas na constituição do Ego. Vejamos:
“também a dor parece desempenhar um papel no processo, e a maneira pela qual obtemos
novo conhecimento de nossos orgãos durante as doenças dolorosas constitui talvez um
modelo da maneira pela qual em geral chegamos à idéia de nossos corpos” (FREUD, 1996, p.
12
O homem é o lobo do homem.
39
39, v. 19). o obstante, nos valemos agora das palavras de Maroni, também interpretando
Freud, para sustentar nossas inferências a partir de Freud:
bem como ao lermos os ensaios tardios de Freud nos quais a filogênese, a
história da humanidade, de alguma forma interiorizada no Id, assumem
cada vez maior peso em relação à ontogênese para explicão da neurose,
a ponto de dar a impressão de que a “escuta da espécie” no trabalho
analítico é o que, de fato, conta (MARONI, 2001, p. 45) (grifos nossos).
Vemos, assim, que não basta incluir, diga-se de passagem, tardia e
superficialmente a história de nossos antepassados africanos e andinos
13
nos livros didáticos
de história e estabelecer o racismo como crime para que nós, descendentes destes povos,
construamos uma visão positiva a respeito de nós mesmos e de nossos antepassados.
Conforme esta estudiosa do pensamento de interpretando Freud: “Tudo o que foi vivenciado,
experienciado pelo eu, é interiorizado e faz parte do Id” (MARONI, 2001, p. 45) (grifos
nossos).
Faz-se necessário, desta forma, reflexões mais profundas e não eurocêntricas
em busca de uma cultura mais igualitária e menos baseada na força bruta, na violência e na lei
dos mais fortes, dos mais ricos e belicosos.
O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra [e também
dos nativos brasileiros] não interessa apenas aos alunos de ascendência
negra. Interessa também aos alunos de outras ascendência étnicas,
principalmente branca, pois ao receber uma educação envenenada pelos
preconceitos, eles também tiveram suas estruturas afetadas. Além disso, essa
memória não pertence somente aos negros. Ela pertence a todos, tendo em
vista que a cultura da qual nos alimentamos quotidianamente é fruto de todos
os segmentos étnicos que, apesas das condições desiguais nas quais se
desenvolvem, contribuiram cada um de seu modo na formação da riqueza
econômica e social e da identidade nocional (MUNANGA, 2005, p. 16).
Será preciso muito mais do que contar a história destes povos que covarde e
brutalmente foram subjulgados pelos bárbaros europeus, pois estas experiências ficam
guardadas nas camadas mais profundas e desconhecidas de nossas psiques.
13
1 – Usamos este termo para valorizar nossos antepassados e não homenagear um dos primeiros bárbaros
europeus que invadiram nosso continente. Assim, por referência à Cordilheira dos Andes, passaremos a chamar a
América latina de Continente dos Andes.
40
Na interpretação de Freud é para evitar a guerra de todos contra todos que foi
necessário o estabelecimento de regras, consequentemente, tem-se o surgimento da
civilização. Pois, caso contrário, os mais fortes iriam impor-se sobre os outros: “... se essa
tentativa não fosse feita, os relacionamentos ficariam sujeitos a vontade arbitrária do
indivíduo, o que equivale a dizer que o homem mais forte decidiria a respeito deles no sentido
de seus próprios interesses e impulsos instintivos” (FREUD, 1978, p 155). Não nos parece
insignificante a recorrência de Freud ao pensamento de Hobbes (1588-1679). Este é um dos
pensadores mais importantes da filosofia política moderna que, com seu livroLeviatã”,
fundou a base do estado moderno através do pacto político entre os homens, com o intuito de
evitar a guerra de todos contra todos, de assegurar que nenhum indivíduo, por mais forte que
fosse, tentasse impor sua vontade aos mais fracos. Talvez o que a este pensador sua marca
de modernidade, e motivos a Freud recorrer a seu pensamento, é sua recusa ao pensamento de
Aristóteles (384 a.C.322 a.C.), pois este considerava que o homem é, por sua natureza, um
animal sociável. Podemos mesmo dizer que o pensamento de Hobbes é antiaristolico e isto
faz com que o homem moderno seja antipolítico. O trecho a seguir nos a compreensão da
crítica de Hobbes a Aristeles:
... é certo que algumas criaturas vivas, como as abelhas e as formigas, que
vivem socialmente umas com as outras (e por isso são colocadas por
Aristóteles entre as criaturas políticas), sem outra direção senão seus juízos e
apetites particulares, nem linguagem através da qual possam indicar umas às
outras o que consideram adequado para o benefício comum. Assim, talvez
haja alguém interessado em saber por que a humanidade não pode fazer o
mesmo... (HOBBES, 1979, p 104).
Dentre tantas características humanas, Hobbes aponta algumas qualidades
antissociais dos homens: a competição, o uso da razão em benefício próprio, a falsidade, a
insaciedade, etc. É nesta linha que podemos compreender as formulações freudianas.
Como se pode observar a cima, a civilização, na concepção freudiana,
constituiu-se e constitui-se sobre a renúncia (repressão) pulsional dos seus membros, não à
sexualidade, como também à agressividade, entravando, desta forma, as possibilidades
individuais de felicidade e direcionando boa parte da energia pulsional às “conquistas” ou
“bens” civilizatórios que crescem inversamente à felicidade individual, pois esta fica relegada
a segundo plano. Isto não quer dizer que as pulsões deixem de pressionar no sentido da
descarga. Aliás, como veremos, segundo Freud, é exatamente isto que está na base do motor
civilizacional.
41
Uma vez estabelecida a nova dualidade pulsional, era difícil para Freud,
demonstrar as manifestações da pulsão de morte. Para tanto, Freud lançouo do exemplo do
sadismo e do masoquismo, em que a pulsão de morte aparece mesclada com Eros em forma
de destrutividade dirigidas para fora e para dentro, respectivamente. Mas é na história da
civilização que Tanatos deixa-se entrever com maior facilidade: guerras, catástrofes
sociais de todo gênero permitem perceber a sua presença. Tanatos também é perceptível
no sofrimento do indivíduo através do mal-estar. No indivíduo a agressividade é introjetada.
Nas palavras do autor:
sua agressividade é introjetada, internalizada; ela é, na realidade, enviada de
volta para o lugar de onde proveio, isto é, dirigida no sentido de seu próprio
ego. Aí, é assumida por umas parte do ego, que se coloca contra o ego, como
superego, e que eno, sob a forma de “consciência”, está pronto para por em
ação contra o ego a mesma agressividade rude que o ego teria gostado de
satisfazer sobre os outros indivíduos, a ele estranho (FREUD, 1978, p. 176).
E mais, “a tensão entre o severo superego e o ego, que a ele se acha sujeito, é
por nós chamada de sentimento de culpa; expressa-se como uma necessidade de punição
(FREUD 1978, p 176).
Conforme nossos propósitos convêm esclarecer que o superego é uma
entidade psíquica que, como vimos, faz parte do ego, forma-se através da introjeção de
autoridades, primeiramente dos pais, posteriormente de educadores e outras pessoas,
entidades sociais ou mesmo a sociedade com seus tabus, preconceitos, normas, padrões
morais, etc, que venham a suprir, substituir ou complementar a falta dos pais. Assim, a
tensão entre o superego e o ego, a qual é sentida, como citamos, como sentimento de culpa
está fadada a acompanhar cada indivíduo pelo resto de suas vidas. Isto porque, além da
ambivalência de amor e ódio vivenciada pelos filhos em relação aos pais (fase edipiana), da
qual resulta a constituição do superego e suas conseqüências – isto é referente às pessoas tidas
como normais , o sentimento de culpa também é uma expressão da eterna luta entre Eros e
o instinto de destruição ou morte” (FREUD, 1978, p 183).
Desta forma:
o que começou em relação ao pai é completado em relação ao grupo. Se a
civilização constitui o caminho necessário de desenvolvimento, da família à
humanidade como um todo, eno, em resultado do conflito inato surgido da
ambivalência, da eterna luta entre as tendências de amor e morte, acha-se a
ele inextrincavelmente ligado um aumento de sentimento de culpa, que
42
talvez atinja alturas que o indivíduo considere difíceis de tolerar... (id. Ibid.
p. 183).
No entanto, esse sentimento de culpa é considerado, por Freud, como uma
espécie de mal-estar: “[...] por conseguinte, é bastante compreensível que tampouco o
sentimento de culpa produzido pela civilização seja percebido como tal, e em grande parte
permaneça inconsciente, ou apareça como uma espécie de mal-estar, uma insatisfação, para a
qual as pessoas buscam outras motivações” (FREUD, 1978, p 186).
Estas motivações em busca de compensações, na maioria dos casos, não
passam de meros paliativos que não conseguem a plena satisfação dos indivíduos, pois o que
está na base pressionando o as pulsões, as quais foram reprimidas. Assim, as pessoas nunca
podem viver em acordo com suas pulsões. Vejamos:
a sociedade civilizada, que exige boa conduta e não se preocupa com a base
instintual dessa conduta, conquistou assim a obediência de muitas pessoas
que, para tanto, deixam de seguir suas próprias naturezas. Estimulada por
este êxito, a sociedade se permitiu o engano de tornar maximamente rigoroso
o padrão moral, e assim forçou os seus membros a um alheamento ainda
maior de sua disposição instintual (FREUD, 1987, p. 321, v. 14).
Com base nestes argumentos é que Freud considera os indivíduos hipócritas
culturais, pois nas palavras do autor:
qualquer um compelido dessa forma a agir continuamente em conformidade
com preceitos que o são a expressão de suas inclinações instituais, está,
psicologicamente falando, vivendo acima de seus meios, e pode
objetivamente ser descrito como um hipócrita, esteja ou não claramente
cônscio dessa incongruência. (id. ibid., p. 321, v. 14).
Inegavelmente esta formação de hipócritas culturais faz parte essencial da
constituição das civilizações e, portanto, do processo de socialização: “assim, existem mais
hipócritas culturais do que homens verdadeiramente civilizados” (id. ibid., p. 321, v. 14).
Reafirmando seu pessimismo em relação às civilizações, mas principalmente às européias que
geralmente são consideradas como modelos de civilidade para a humanidade como um todo,
para concluir sua tese a respeito da barbárie, das atrocidades e da ferocidade ocorridas durante
a Primeira Guerra Mundial, que ocorreu no coração da “civilização” ocidental, finaliza Freud:
43
...nossa mortificação e penosa desilusão em virtude do comportamento
incivilizado de nossos concidadãos do mundo durante a Primeira Guerra
foram injustificadas. Basearam-se numa ilusão a que havíamos cedido. Na
realidade, nossos concidadãos não decaíram tanto quanto temíamos
porque nunca subiram tanto quanto acreditávamos(FREUD, 1987, p.
321, v. 14) (grifos nossos).
Desilusão também é manifestada por Freud em relação aos progressos técnicos
e cienficos e ao controle adquirido sobre a natureza, pois estes progressos sempre foram
justificados e sustentados como patrocinadores da felicidade individual. Vejamos: “os homens
adquiriram sobre as forças da natureza um tal controle, que, com sua ajuda, não teriam
dificuldades em se exterminarem uns aos outros, até o último homem. Sabem disso, e é d
que se provém grande parte de sua atual inquietação, de sua infelicidade e de sua ansiedade”
(FREUD, 1978, p 194).
A crítica ao progresso e a descrença em sua eficácia como promotor da
felicidade individual e coletiva faz parte dos trabalhos de outros pensadores. Com o objetivo
de reforçar as críticas e o pessimismo de Freud em relação ao progresso técnico e cultural,
para nos subsidiar nas análises que faremos de livros didáticos de história, resumidamente,
mostraremos a argumentação de Benjamin, Rousseau e Marcuse, respectivamente.
A argumentação de Benjamin é pequena, mas profunda e brilhante, fascinante.
Além de ser o texto de nossa epígrafe, foi sem dúvida fonte de inspiração para o
desenvolvimento deste trabalho. Vejamos, então:
um quadro de Klee intitulado Ângelus Novus. Nele está representado um
anjo, que parece querer afastar-se de algo a que ele contempla. Seus olhos
estão arregalados, sua boca está aberta e suas asas estão prontas para voar. O
anjo da História deve parecer assim. Ele tem o rosto voltado para o passado.
Onde diante de nós aparece uma série de eventos, ele uma catástrofe
única, que sem cessar acumula escombros, arremessando-os diante de seus
pés. Ele bem que gostaria de poder parar, de acordar os mortos e de
reconstruir o destruído. Mas uma tempestade sopra do Paraíso, aninhando-se
em suas asas, e ela é o forte que ele não consegue mais cerrá-las. Essa
tempestade impele-o incessantemente para o futuro, ao qual ele as costas,
enquanto o monte de escombros cresce ante ele até o céu. Aquilo que
chamamos de progresso é essa tempestade”. (BENJAMIN, 1985, p. 157).
Benjamim não está só neste campo de crítica ao progresso e consequentemente
da razão e das ciências. Durante o século XVIII, no auge do iluminismo, época da valorização
máxima da razão, houve quem se posicionasse e argumentasse contra o racionalismo.
44
Foi assim que em 1750, perante a proposta da Academia de Dijon se “O
restabelecimento das ciências e das artes terá contribuído para aprimorar os costumes”?
Rousseau se posicionou contra a tendência da época, em que o iluminismo ditava as regras,
respondendo de forma negativa ao tema em questão. Ainda que uma voz solitário no século
18, Rousseau conquistou o prêmio de melhor discurso. Acompanhemos, então, as palavras do
autor:
acrescentarei somente uma reflexão: um habitante de certas paragens
longínquas, procurasse formar uma idéia dos costumes europeus tomando
por base o estado das ciências entre nós, a perfeição de nossas artes, a
decência de nossos espetáculos, a polidez de nossas maneiras, a
afabilidade de nossos discursos, as nossas demonstrações perpétuas de
benevolência e esse tumultuoso concurso de homens de todas as idades e de
todos os estados que parecem ávidos, desde a aurora até o deitar do sol, de se
absequiarem reciprocamente, descobriria a respeito de nossos costumes
exatamente o contrário do que são (ROUSSEAU, 1978, p. 337) (grifos
nossos).
E continua o autor: “Onde não existe nenhum efeito não nenhuma causa a
procurar; nesse ponto, porém, o efeito é certo, a depravação é real, e nossas almas se
corromperam à medida que nossas ciências e nossas artes avançaram no sentido da
perfeição (id. ibid., p 337) (grifos nossos). Tal como Benjamin, Rousseau o localiza os
males (causados pelas ciências e as artes) apenas no seu século, mas sim ao longo da história
humana: “dir-se-á ser uma influência própria de nossa época? Não, senhores; os males
causados por nossa vã curiosidade são tão velhos quanto o mundo” (id. ibid., p 337).
Mais uma vez usaremos um trecho longo do texto de Rousseau, que o
aproxima da crítica de Benjamin, o qual vê o progresso de forma negativa e catastrófica:
quando afirmei terem se corrompido nossos costumes, não pretendi dizer que
os costumes de nossos ancestrais eram bons, mas apenas que os nossos eram
ainda piores. Entre os homens, existem inúmeras fontes de corrupção e,
ainda que as ciências sejam talvez a mais abundante e rápida, isso não quer
dizer que sejam a única. A ruína do império romano, as invasões de uma
multidão de bárbaros determinaram uma mistura de todos os povos que
destruiu, necessariamente, os costumes e usos de cada um. As cruzadas, o
comércio, a descoberta das Índias, a navegação, as viagens longas e
outras coisas mais, que não quero citar, alimentaram e aumentaram a
desordem. Tudo o que facilita a comunicação entre as várias nações leva
a uma delas, não as virtudes das outras, mas seus crimes e, em todas,
altera os costumes próprios de seu ambiente e da constituição de seu
governo. As ciências o fizeram, pois, todo o mal: toca-lhes, nisso,
somente a maior parte. O que sobretudo verdadeiramente lhes pertence é
45
terem dado a nossos cios um aspecto agradável, um certo ar de
honestidade que nos impede de distinguir-lhes o horror (ROUSSEAU,
1978, p 420) (grifos nossos).
Ainda que distantes no tempo, podemos aproximar estes pensadores através de
suas críticas ao progresso.
Seguindo nessa mesma linha de crítica ao progresso, mas numa perspectiva
teórica filiada à psicanálise, usaremos resumidamente, algumas teses definidas por Marcuse
em “Progresso social e liberdade”. Teses estas que nos auxiliarão na crítica aos livros
didáticos, e a nossa sociedade em capítulos posteriores.
Este autor define dois conceitos de progresso, sendo um quantitativo, progresso
técnico, e o outro qualitativo, progresso humanitário. O primeiro está relacionado aos
conhecimentos e às capacidades humanas para dominar o meio natural e humano. O segundo,
consistiria na realização da liberdade humana e da moralidade. Isto levaria a uma
“humanização crescente dos homens, numa diminuição da escravatura, da arbitrariedade, da
opressão, do sofrimento” (MARCUSE, 1974, p. 6).
Parece haver uma relação entre ambos os conceitos, onde “o progresso técnico
parece ser a condição prévia de todo o progresso humanitário” (MARCUSE, 1974, p. 6). Mas
esta relação, na prática, não existe, pois o progresso técnico o tem proporcionado o
progresso humanitário.
Este autor passa, então, a analisar o conceito de progresso, aparentemente
neutro e sem valoração. Conceito este que é característico da civilização e da cultura
ocidental. Seu valor supremo seria a produtividade, mas uma produtividade como um fim em
si mesma e que não leva em consideração a realização e satisfação individual: um
divórcio entre a necessidade social e a necessidade individual...” (Marcuse, 1974, p. 9). Diz
ainda que: “a existência é sentida e vivida como trabalho, que o trabalho se torna ele próprio o
conteúdo da existência” (id. ibid; p. 9). É um trabalho alienado e que impede a realização e
satisfação das capacidades e necessidades individuais: “poder-se-ia defini-lo, como um
trabalho que nega aos indivíduos a possibilidade de realizarem e satisfazerem suas
capacidades e necessidades humanas e que não proporciona satisfação, quando isto acontece,
senão secundariamente ou sempre depois do trabalho” (id. ibid; p. 9).
A realização e felicidade dos indivíduos ficam relegadas a segundo plano
devido à hierarquização das faculdades humanas em superiores (razão) e inferiores
(sensibilidade), definidas através do conceito de progresso. Assim, sendo a razão a faculdade
superior e privilegiada na cultura ocidental, obviamente que a sensibilidade ficaria em
46
segundo plano e sob o domínio da razão: “a razão aparece essencialmente como um princípio
que justifica e impõe a renúncia e a sua função não é apenas orientar a sensibilidade, as
faculdades humanas inferiores, mas também reprimi-las [...]” (id. ibid. p. 10). Lembremos
apenas que este conceito de progresso refere-se aos progressos técnicos e científicos não só do
passado, mas principalmente da atualidade.
Progresso este que está levando ao esgotamento dos recursos naturais e
poluindo os rios, mares, a terra, os oceanos e o ar, pondo em risco a sobrevivência humana no
planeta.
47
Capítulo 3
Procedimentos Metodológicos
É característico de uma situação sem saída que até mesmo o mais honesto
dos reformadores, ao usar uma linguagem desgastada para recomendar a
inovação, adota também o aparelho categorial inculcado e a filosofia
que se esconde por trás dele, e assim refoa o poder da ordem que ele
gostaria de romper”. (ADORNO; HORKHEIMER).
Neste capítulo são apresentados os procedimentos metodológicos: a redefinição
de alguns termos freqüente nos livros didáticos e argumentos que sustentam que a escrita da
história e falseada é amenizada através de eufemismos.
O uso de uma linguagem desgastada, o “aparelho categorial” e a “má filosofia”
ainda que com boas intenções, conforme o excerto acima, “reforça o poder da ordem que ele
gostaria de romper”. Isto ocorre também com os livros didáticos de história, como
procuraremos esclarecer adiante. Mesmo que os objetivos sejam bons, o uso de formas,
conceitos e palavras desgastadas e já carregadas de significados negativos e preconceitos
petrificados reproduzem a ordem com a qual se gostaria de romper.
A linguagem é uma das manifestações mais próprias de uma cultura.
Longe de ser apenas um veículo de comunicação objetiva, ela dá
testemunho das experiências acumuladas por um povo, de sua
memória coletiva, seus valores. A linguagem não é denotação, é
também conotação. Nos meandros das palavras, das formas usuais
de expressão, até mesmo nas figuras de linguagem,
freqüentemente alojam-se, insidiosos, o preconceito a e atitude
discriminatória. palavras que fazem sofrer, porque se
transformaram em códigos de ódio e da intolerância (CARDOSO,
2005, p. 10) (grifos nossos).
Como veremos adiante, estas figuras de linguagem, principalmente os
eufemismos e também palavras desgastadas e sobrecarregadas de preconceitos são
encontradas freqüentemente nos livros didáticos de história procurando transmitir
interpretações hisricas como se fossem verdades absolutas e imutáveis. Mas os
conhecimentos humanos estão repletos de falhas e precisam constantemente serem revistos,
reescritos, reinventados:
48
o intelecto, como um meio para a conservação do indíviduo,
desdobra suas forças mestras no disfarce; pois este é o meio pelo
qual os indivíduos mais fracos, menos robustos, se conservam, aqueles
aos quais está vedado travar uma luta pela existência com chifres ou
presas aguçadas. No homem essa arte do disfarce chega ao seu
ápice; aqui o engano, o lisonjear, mentir e ludibriar, o falar-por-
trás-das-costas, o representar, o viver em gria de empréstimo, o
mascarar-se, a convenção dissimulante, o jogo teatral diante de
outros e diante de si mesmo, em suma, o constante bater de asas
em torno dessa única chama que é a verdade, é a tal ponto a regra
e a lei que quase nada é mais inconcebível do que como pôde
aparecer entre os homens um honesto e puro impulso à verdade.
Eles estão profundamente imersos em ilusões e imagens de sonho, seu
olho apenas resvala às tanta pela superfície das coisas e formas”,
sua sensação não conduz em parte alguma à verdade, mas contenta-se
em receber estímulos e como que dedilhar um teclado às costas das
coisas (NIETZSCHE, 1987, p. 31) (grifos nossos).
Não obstante, levando adiante nosso raciocínio a respeito das formas e
conteúdos eufemísticos dos livros didáticos e de suas linguagens e palavras desgastadas,
carregadas de preconceitos e muitas vezes falaciosas, acompanhemos as palavras radicais de
um autor que vê a história ocidental fundamentada na mentira: “entre outras questões,
percebemos como a escolarização se tem pautado por processos de obliteração histórica”
(PARASKEVA, 2007, p. 1). Em outro artigo ainda se referindo à história ocidental, com
base em autores diversos, diz: entendem-na como fundamentada numa mentira secular,
uma mentira que tem vindo a ser reproduzida nos conteúdos curriculares da
escolarização através, por exemplo, dos manuais escolares(PARASKEVA, 2008, p. 1)
(grifos nossos).
À história ocidental fundamentada numa mentira secular, que tem sido
reproduzida nos manuais didáticos de história, somemos, então, às teses freudianas a respeito
da educação:
Que a educação dos jovens de hoje lhes oculta o papel que a
sexualidade desempenhará em suas vidas, não constitui a única
censura que somos obrigados a fazer contra ela. Seu outro pecado
é não prepará-los para a agressividade da qual se acham
destinados a se tornarem objetos. Ao encaminhar os jovens para a
vida com essa falsa orientação psicológica, a educação se comporta
como se devessem equipar pessoas que partem para uma expedição
49
polar com trajes de verão e mapas dos lagos italianos (FREUD, 1978,
p. 185) (grifos nossos).
As sociedades com seus padrões morais rigorosos forçam as pessoas a viverem
em contradição com suas disposições pulsionais, vale dizer, Eros e Tanatos (sexualidade e
agressividade), por isto Freud considera os indivíduos que vivem assim como hipócritas.
Ainda que esta hipocrisia seja, em parte, necessária ao convio social, mantém as pessoas
reprimidas e as leva a buscar compensações para estas frustrações. Estas compensações
podem se apresentar em suas atividades diárias, atitudes e comportamentos e, bem como, em
seus discursos que buscam eufemizar, amenizar, esconder, disfarçar seus verdadeiros desejos,
intenções e pensamentos. Bem como, valer-se da mentira e outros mecanismos para edificar
uma cultura (que é regida pela violência e desigualdade social) como sendo superior,
desenvolvida e de oportunidades para todos.
Com base nesta argumentação acima podemos afirmar que a história humana
contida nos manuais didáticos é toda eufemizada, distorcida, baseada em fatos reais, mas
longe da “verdade” ou como diz Paraskeva, é uma história fundamentada na mentira, onde,
para disfarçar ou suavizar as qualidades dos indivíduos, tais como a libidinagem, a violência e
o sadismo, etc, de acordo com Freud, os indivíduos não as suportam em si, por isto, projetam-
nas aos objetos externos, sejam pessoas ou coisas.
Portando, em nossas análises dos livros didáticos de história do ano do
ensino fundamental nossa atenção estará voltada principalmente para certos termos já
consagrados na historiografia brasileira que o reproduzidos nestes matérias didáticos sem
qualquer reflexão ou cautela. Isto se faz necessário porque muitos destes termos mantêm
ocultos aspectos da realidade. Podem, desta forma, revelar ou esconder preconceitos, inverter
características entre explorado e explorador e suavizar atitudes bárbaras e cruéis que
ocorreram ao longo da história humana e também da história brasileira. Para tanto
centraremos nossa atenção a uma figura de linguagem, vale dizer o eufemismo que é a
substituão de uma palavra ou expressão para suavizar ou atenuar intencionalmente
seu significado” (SARMENTO, 2004, p. 361) (grifos nossos). Como veremos adiante, esta
figura de linguagem é utilizada de várias formas e em variados contextos, mas sempre
favorecendo as classes dominantes, isto é, os vencedores que contam a história sob sua ótica.
Outro recurso que será utilizado, às vezes, concomitante com o eufemismo é o
conceito de projeção na concepção psicanalítica. Isto nos permitirá observar como as pessoas
projetam características e sentimentos indesejáveis em si mesmas sobre o outro com o intuito
50
de se defenderem ou justificar suas atitudes, às vezes, cruéis e violentas em busca de poder e
do lucro fácil. De acordo com uma definição de projeção, esta é:
no sentido propriamente psicanalítico, a operação pela qual o sujeito
expulsa de si e localiza no outro - pessoa ou coisa qualidades,
sentimentos, desejos e mesmo objetos” que ele desconhece ou recusa
nele. Trata-se aqui de uma defesa de origem muito arcaica, que vamos
encontrar em ação particularmente na paranóia, mas também em modos de
pensar “normais” como a superstição (LAPLANCE ; PONTALIS, 2001, p.
374) (grifos nossos).
Explicando ainda, vejamos mais um comentário que facilita o entendimento do
conceito de projeção: “o sujeito atribui a outros as tendências, os desejos, etc, que desconhece
em si mesmo: o racista, por exemplo, projeta no grupo desprezado as suas próprias falhas
e suas inclinações inconfessadas... (LAPLANCE ; PONTALIS, 2001, p. 375) (grifos
nossos).
Isto nos permiti verificar como os grupos mais fracos são menosprezados,
inferiorizados, brutalizados para, assim, justificar as atitudes dos grupos dominantes ao
usarem a força, a violência, a barbárie e crueldade para dominá-los, escravizá-los e “civilizá-
los”.
3.1 Redefinindo o termo bárbaro
Devido à rigidez e imposição de critérios, conteúdos e metodologia para
elaboração dos livros didáticos estabelecidos pelo MEC, quase não diferença de um livro
para o outro mesmo de editoras diferentes. O que se diz a respeito de um livro, vale para os
outros com pouquíssima ou nenhuma diferença, como veremos a seguir. Decidimos, então,
por avaliar cinco livros de um total de 32 aprovados. (PNLD, 2010, p. 16), quase um sexto,
volume estatisticamente aceito.
Para facilitar o entendimento e evitar citar os títulos dos livros repetidamente,
criamos abreviações, assim:
1. Moderna, (org). Projeto pitangua história, São Paulo,
Moderna, 2008, será citado como P.P.;
2. Moderna, (org). Projeto Buriti, história, o Paulo, Moderna,
2007, será citado como P.B.;
51
3. PINELA, T. De olho no futuro: história e geografia. São Paulo,
Quinteto Editorial, 2005, será citado como O.F.;
4. Alves, R. (et. Al). A escola é nossa: história e geografia. São
Paulo, Scipione, 2007, será citado como E.N.;
5. Lucci, E.A. Novo viver e aprender: história. São Paulo. Saraiva,
2007, será citado como N.V.A.
Iniciaremos com um levantamento de alguns termos, expressões, conceitos e
palavras de usos mais freqüentes e que apresentem problemas de entendimento, ocultamento e
efemísmo para depois apresentar as análises dos livros.
Logo de início, para nos valermos da teoria freudiana que considera os seres
humanos maus por natureza, vamos despir os europeus, tal como Freud fez em seu artigo
“Reflexões para os tempos de guerra e morte, item I A desilusão da guerra”, de suas auras
de civilizados e cunhar um outro termo mais conveniente com seus comportamentos e suas
ações ao redor do mundo.
Assim, [...]há centenas de anos, a Europa vem corriqueiramente massacrando
pessoas ao redor do planeta. Foi assim que conquistaram o mundo, não oferecendo docinhos
para crianças [...]” (CHOMSKY, 2002, p. 10). Um outro autor nos revela também a face cruel
e violenta dos europeus ao longo dos séculos em busca de poder e riquezas ao redor do mundo
sob o manto da expansão da civilização e da cristianização dos pagãos. Acompanhemos
eno:
[...] pela primeira vez na minha vida alguém me dera uma imagem do
verdadeiro homem branco [...] E, imagem após imagem, destacavam-se
nessa neblina, primeiro as legiões romanas, irrompendo nas cidades da
Gália: lio César, com seus traços nitidamente cinzelados, Cipião, o
Africano, Pompeu. Eu vi a águia romana sobre o Mar do Norte e nas
margens do Nilo branco. Via Santo Agostinho transmitindo aos anglo-
saxões, na ponta das lanças romanas, o credo cristão; e Carlos Magno,
impondo gloriosamente aos pagãos conversões de triste fama. Depois, as
hordas e as pilhagens assassinas das armadas dos Cruzados. Com um golpe
de coração tornou-se nítida para mim a vaidade do romantismo
tradicional das Cruzadas. Depois, foi a vez de Colombo, Cortês e dos
outros conquistadores que a ferro e fogo, torturando e cristianizando,
aterrorizaram até mesmo esses longuíquos pueblos que sonhavam
pacificamente com o sol, seu Pai. Vi tamm as populações das ilhas dos
mares do Sul dizimadas pela escarlatina, trazida através das roupas, a filis
e o fogo- selvagem.
Era o bastante. Aquilo a que damos o nome de civilização, missão junto
aos pagãos, expansão da civilização, etc. tem uma outra face, a de uma
52
ave de rapina cruel e tensa, espreitando a próxima vítima, face digna de
uma raça de larápios e de piratas. Todas as águias e outros animais
rapaces que ornam nossos escudos heráldicos me parecem os
representantes psicológicos apropriados de nossa verdadeira natureza
(JUNG, 1975, p. 219) (grifos nossos).
Com a finalidade de cunhar um novo termo para nos referirmos aos europeus,
vamos nos valer da terminologia clássica da historiografia ao se referir às “Invasões bárbaras”
que destruíram o Império Romano. Nesta época eram considerados bárbaros os povos que não
estavam sob o domínio romano e que o falavam o latim: “aos que não estavam
subordinados ao Império Romano, ou que não falavam o latim, os romanos denominavam de
bárbaros, palavra que significava primitivamente os que falavam uma ngua semelhante ao
babuciar das crianças [...]” (SOUTO MAIOR, 1968, p. 236). Estes povos não romanos eram
em sua maioria de origem européia.
os Bárbaros dividiam-se em 6 grandes grupos: 1., os germanos, de origem
indo-européia (anglo, saxões, vândalos, godos, sicambrios, sálios e rêmulos),
que habitavam um quadrilátero compreendido entre o Báltico, o Reno, o
Danúbio e o Order; 2. os celtas, indo-europeus que habitavam a Escócia e a
Irlanda; 3. os eslavos, indo-europeus, estabelecidos na região ocupada
atualmente pela Rússia Ocidental; 4. árabes, semitas, que ocupavam a
península Arábica; 5. os berberes, que habitavam o norte da África; 6. os
citas, que povoavam os Balcãs, dividindo-se em hunos, búlgaros e magiares.
(id. ibid. p. 236).
Com exceção dos povos árabes e berberes, todos os outros bárbaros são
europeus.
Os bárbaros vândalos, “temíveis guerreiros, chegaram a saquear Roma e
deixaram tão brutais lembraas de suas devastações que a palavra vandalismo ficou como
sinônimo de depredação e rapina” (SOUTO MAIOR, 1968, p. 237).
Também o termo bárbaro na acepção moderna tornou-se sinônimo de
devastação, violência, brutalidade, crueldade, desumano e sanguinário. Por analogia, os
europeus por tantas barbaridades, guerras, mortes e destruições que provocaram ao redor do
mundo podem ser considerados bárbaros, tal como ocorreu no final do Império Romano, mas
agora com a marca da destruição, catástrofes, genocídios, assassinatos e escravizão de
milhares de pessoas.
Não se trata de ressentimento ou vingança contra os povos europeus, mas
simplesmente olhar a história do ponto de vista de quem sofreu com as invasões e
53
brutalidades ao longo de séculos de exploração para, então, questionar os conteúdos dos
manuais didáticos que defendem que os europeus trouxeram o progresso, o avanço da
civilização e religiões criss aos povos que viviam no que se passou a ser conhecido como
América Látina a partir de 12 de outubro de 1492. Em outras palavras, deixar de olhar a
história exclusivamente do ponto de vista europeu. Pois assim, evitaremos que nossas crianças
e estudantes sejam educadas para ver os bárbaros da Europa como conquistadores e heróis.
Estas visões da história influenciaram não nossos estudantes, mas principalmente
historiadores, sociólogos e escritores de livros didáticos que em as invasões do continente
americanos pelos bárbaros europeus como motivo de comemoração.
O que pode ser motivo de orgulho, comemorações, conquistas e heroísmo para
os europeus, para nós latino-americanos é motivo de lamento, tristeza, dor e sofrimento, pois
nossos antepassados foram cruel, bárbara e friamente mortos e escravizados. Não era missão
de cristianizar ou levar progresso a nossos antepassados, na verdade os europeus estavam
mesmo em busca de riquezas, principalmente o ouro. Bem como buscavam povos para
escravizar e explorar sua força de trabalho e extravasar sua fúria cruel e assassina.
Tal como descrito por Freud, os seres humanos são agressivos e tendem a
explorar a capacidade de trabalho dos outros, procura satisfazer sua agressividade, escravizar,
apoderar das posses dos outros, humilhar, matar e causar sofrimento. É assim que os bárbaros
europeus se comportaram quando invadiram as terras do continente andino. “a única política
adotada pelos conquistadores foi a crueldade. Ninguém era poupado. Matava-se até por
diversão. Não faltaram as torturas” (FIGUEIREDO, 1991, p. 61) (grifos nossos). O
comportamento destes bárbaros europeus corresponde exatamente ao modelo de indivíduo
teorizado por Freud, mau por natureza, libidinoso, cruel. Vejamos os relatos de alguém que
presenciou a barbárie de perto. Assim, Las Casas, citado por Figueire (1991, p. 60)
14
, afirma
que:
os cristãos davam-lhes de bofetadas, de punhos e de paus, apôr as
mãos nos senhores dos povoados. E chegou isto a tanta temeridade e
desavergonha que ao maior rei (cacique), senhor de toda a ilha, um
capio cristão violou por força a própria mulher dele [...] os cristãos,
com seus cavalos e espadas e lanças, começam a fazer matanças e
crueldades estranhas neles. Entravam nos povoados, nem deixavam
meninos nem velhos, nem mulheres grávidas nem paridas que o
desbarrigassem e faziam em pedaços, como se fossem cordeiros metidos
nos seus apriscos*. Faziam apostas sobre quem de uma cutelada abria o
14
Las Casas, B. de. Brevíssima relación de La destruicción de las Índias. Caracas, Madrid, André Saint’Lu,
Catedra, 1987.
54
homem pelo meio, ou cortava a cabeça dele de um pique, ou lhe
descobria as entranhas. Tomavam as criaturas [os bebês] das tetas das
mães pelas pernas, batiam suas cabeças nas pedras. Outros jogavam-
nas nos rios pelos ombros, rindo e burlando, e ao cair nas águas, eles
diziam “mexe, corpo de tal”; em outras criaturas eles enfiavam as
espadas com as mães juntamente, e todos quanto diante de si
encontravam. Faziam umas forcas largas, que juntassem quase os pés
na terra, e de treze em treze, em honra e reverência a Nosso Redentor e
aos doze apóstolos, pondo-lhes lenha e fogo os queimavam vivos.
Outros atavam e ligavam todo o corpo com palha seca: pegando-se-lhes
fogo, assim os queimavam [...] (grifos nossos).
Estas e outras atrocidades que encontramos ao longo da hisria humana
corroboram com as teorias de Freud tanto no âmbito individual quanto cultural.
3.2 Alguns termos eufemísticos mais recorrentes
Após caracterizar e justificar o uso do vocábulo bárbaro para nos referirmos
aos povos europeus, torna-se mais claro e fácil o entendimento de muitos outros termos,
vocábulos e expressões de caráter eufemísticos encontrados não nos livros didáticos, mas
também em textos universitários, dentre outros.
Seguindo nossa linha de raciocínio que usamos para caracterizar os europeus
como povos bárbaros, vejamos uma definição de “Grandes Proprietários Rurais” que
aparece ora como Fazendeiro, ora como Latifundiário, Senhor de Engenho, Fazendeiros
de Ca, Cafeicultores, Nobreza Rural, Senhor de Escravo, e outros eufemismos que
mascaram pessoas bárbaras, cruéis, violentas e sanguinárias:
[...] onde o capital define um domínio de exploração, a coerção define
um campo de dominação. Os meios de coerção estão centralizados na
forças armadas, mas se estendem às oportunidades de prisão,
expropriação, humilhação e divulgação de ameaças. A Europa criou
dois importantes grupos superpostos de especialistas em coerção: os
soldados e os grandes proprietários rurais, onde eles aparecem e foram
confirmados pelos estados com títulos e privilégios, cristalizaram-se em
nobrezas, que por sua vez abasteceram durante muitos séculos os
principais governantes europeus (TILLY, 1996, p. 67) (grifos nossos).
Tal como este autor deixa claro, estes bárbaros proprietários rurais (com suas
diversas nomenclaturas eufemísticas) [...] abasteceram durante muitos séculos os principais
governantes europeus”, mas suas atrocidades, crimes e assassinatos são deixados de lado em
55
nome das riquezas produzidas e do desenvolvimento econômico. Devemos lembrar, então,
toda vez que o termo grande proprietário rural (ou seus sinônimos: fazendeiros, senhor de
engenho, senhor de escravo, etc.) aparecer nas páginas dos livros didáticos, trata-se de um
eufemismo usado para ocultar pessoas e suas atitudes cruéis, violentas, brutais e sanguinárias
na busca de poder, riquezas e privilégios. Estes eufemismos impedem que os estudantes
tenham uma visão mais clara e realista dos fatos e personagens história. E facilita desta forma
a identificação por parte dos alunos com estas pessoas bárbaras.
Consequentemente, as terras que estes especialistas em coerção, os rbaros
proprietários rurais, fazendeiros, etc., julgavam suas (fazendas, latifúndios) eram fruto de
invasões, roubos e pilhagem. Pois neste continente havia milhões de pessoas que eram os
verdadeiros donos destas terras, as quais foram invadidas brutal e violentamente pelos
bárbaros europeus.
Assim sendo, com este mesmo raciocínio, também o termo colônia é usado
para ocultar as invaes bárbaras que os ndalos europeus efetivaram em terras que
pertenciam a diversos povos nativos (Continente do Andes). Não obstante, estes nativos,
nossos antepassados,o injusta e erroneamente chamados de índios.
O termo índio é usado genericamente para se referir às diversas civilizações
que viviam no continente andino. Além de ser um termo que oculta e reduz a enorme
diversidade de povos ou civilizações, seus costumes, tradições, cultura a um só tipo de povo,
os indígenas, incorre em outro grave erro. Visto que, o termo Índio foi estabelecido para se
referir aos povos das Índias. Portanto, ao se constatar que o haviam chegado às Índias, este
termo deveria ter sido substituído. Todavia, para os invasores rbaros não fazia diferença
o nome que se daria aos habitantes do continente andino, pois seriam do mesmo jeito
violentamente exterminados. Mas, para nós descendentes destes povos que foram
massacrados deveríamos respeitosamente chamá-los com referência a suas
autodenominações: Os Guaranis, os Xavantes e assim por diante. Para usar um termo genérico
sugerimos povos andinos, mas sempre com o complemento nossos antepassados para criar
laços sanguíneos e familiares e estabelecer, assim, uma visão positiva e de respeito para com
eles.
Outros termos serão explicitados durante as análises dos livros didáticos. Por
agora, comentaremos apenas mais um, mas que é usado em excesso e repetidamente em todos
os livros didáticos e em textos diversos que, por sua vez, acarreta preconceito e
discriminações. Refiro-me ao termo escravo.
56
O escravo em si não existe, pois todos nascem livres e assim permaneceriam
pelo resto de suas vidas se alguém ou algum povo não impusersse uma condição diferente. A
escravidão não é uma escolha pessoal ou coletiva é, na verdade, uma condição imposta.
Assim sendo, o termo adequado a ser utilizado é o escravizado, pois, assim reconhece-se a
ação do escravizador e, portanto, este é que deveria ser alvo de críticas e preconceitos por
parte das pessoas e da sociedade por ser bárbaro, cruel e violento e impor a outros seres
humanos uma condição o degradante e usar a violência para explorar a força de trabalho das
pessoas sem nenhuma contrapartida, a não ser a manutenção de sua vida nas piores condições.
Independente de como a escravidão é imposta, seja por derrota em guerras,
por compra, por captura, por dívidas ou por nascer de pais mantidos em condição de
escravidão, isto não torna uma pessoa escrava. O que a torna escravizada é a manutenção das
condições de violência e opressão por parte de outrem. Portanto, o termo escravo deveria ser
substituído por escravizado. Pois tal como é usado transmite erroneamente a idéia de que o
escravo é uma coisa ou animal, o qual deve ser explorado violenta, bárbara e cruelmente pelo
seu possuidor. E mais, retira do escravizador a responsabilidade pela crueldade imposta sobre
o escravizado que é coisificado, animalizado, por isto não merece respeito e dignidade.
Outro fato a ser revisto criticado é a correlação criada entre o termo escravo
e a cor da pele do escravizado e, conseqüentemente com a localidade onde as pessoas foram
cruelmente capturadas para serem escravizadas em diversas partes do mundo. Estamos
falando da relação discriminatória entre escravização de nativos africanos, em sua maioria
formados por povos de cor preta. É comum encontrarmos nos livros didáticos esta correlação
em expressões tais como: o escravo negro, o escravo africano, os escravos vindos da África,
etc., como mostraremos mais adiante.
* * *
Uma mentira contada repetidamente por
diversas vezes torna-se uma verdade” (Autor desconhecido).
Este ditado pode ser aplicado sem restrição aos livros didáticos de história, pois
contam a história do Brasil e mundial a partir da ótica dos europeus, povos bárbaros que
espalharam a destruição a barbárie e as guerras ao redor do mundo. Pior do que isto é o fato
de considerar estes povos bárbaros como povos civilizados e, portanto, tê-los como modelo
ideal a seguir e identificar-se. Esta identificação não é algo superficial e passageiro, pois fará
parte da personalidade dos indivíduos, consequentemente as características adquiridas por
identificação manifestarão no comportamento e atitudes durante toda vida: “podemos apenas
57
ver que a identificação esfoa-se por moldar o próprio ego de uma pessoa segundo o
aspecto daquele que foi tomado como modelo” (FREUD, 1996, p. 116, v. 18) (grifos
nossos). Sabendo que o modelo em questão são os bárbaros, violentos, cruéis e sanguinários,
estas características ficarão marcadas na mente dos alunos. Explicando ainda, a identificação
é o processo psicológico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade,
um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo desse
outro. A personalidade constitui-se e diferencia-se por uma série de identificações
(LAPLANCE ; PONTALIS, 2001, p. 226) (grifos nossos). Devemos, portanto, ser mais
críticos e atento aos conteúdos e às formas de transmitir os conhecimentos históricos das
civilizações.
Citamos a seguir alguns objetivos do ensino fundamental contidos nos PCN´s
de história e geografia para confrontar com as formas cristalizadas que encontramos em
nossas análises dos livros didáticos.: “... que os alunos sejam capazes de:
Compreender a cidadania como participação social e política, assim
como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no
dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças,
respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito;
Posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas
diferentes situações sociais, usando o diálogo como forma de mediar
conflitos e de tomar decisões coletivas;
Conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões
sociais, materiais e culturais, como meio para construir
progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o
sentimento de pertinência ao País.
Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural
brasileiro, bem como aspecto socioculturais de outros povos e nações,
posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças
culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras
características individuais e sociais” (Brasil, 2001, p.7, v. 5) (grifos nossos).
Não obstante, encontramos recomendações semelhantes a estas dos PCN´s no
“Guia de livros didáticos PNLD 2010”. Sempre com a tentativa de eliminar preconceitos e
discriminações e reforçar uma imagem positiva de nossos antepassados africanos e andinos.
Vejamos:
outro marco, com forte impacto na área de História, foi a Lei n. 9.394, de 20
de dezembro de 1996 (LDB), modificada pela Lei n. 10.639 de 2003 e Lei n.
11.645 de 2008, sobre a obrigatoriedade de História e da Cultura Afro-
Brasileiras e Indígenas como conteúdo escolar, bem como as decisões legais
contra a discriminação e preconceito. Tal perspectiva procura reforçar
58
a imagem positiva de povos afrodescendentes e ingenas, tanto para que
as práticas racistas sejam evitadas quanto para que esses grupos se
reconheçam positivamente na História Nacional (PNLD 2010, p.
11) (grifos nossos).
“Reforçar a imagem positiva”, como se estes grupos afrodescendentes e
andinodescendentes andinos tivessem uma imagem positiva em nossa sociedade. Não será por
meio de leis que estes preconceitos e discriminações serão eliminados. Sabemos que as leis
criam obstáculos para a manifestação destes crimes (preconceitos, discriminações, racismos e
outros), mas muitas pessoas em seu íntimo conservam suas personalidades. No máximo
apenas se reprimem e esperam situações e contextos favoráveis para extravasar suas reais
identidades. Tudo isto será mais facilmente compreendido com a análise dos livros didáticos.
59
Capítulo 4
Resultados e Discussões
rios são os autores [...] que de forma consistente têm desafiado
como tem sido edificada muita da história da civilização ocidental.
Entendem-na como fundamentada numa mentira secular, uma
mentira que tem vindo a ser reproduzida nos conteúdos
curriculares da escolarização, através, por exemplo, doa manuais
escolares (PARASKEVA, 2008, p. 1).
Valendo-nos de todas as argumentações anteriores, neste capítulo,
apresentaremos os resultados e discussões sobre os livros didáticos de história do 5º ano do
ensino fundamental. Para tanto, usamos trechos dos livros didáticos e elaboramos comentários
e críticas sobre os mesmos. Isto nos permitiu confirmar que estes manuais didáticos são
elementos socializadores e banalizadores da violência.
O próprio título da unidade 1 A expansão da colônia”, PB, já apresenta
um primeiro eufemismo, assim como outros termos “sistema colonial”, colônia, capitanias
hereditárias, etc. Estes termos referem-se às terras invadidas, roubadas, tomadas à força com
muita violência de nossos antepassados (os nativos do continente andino). O uso da violência
e da crueldade quase nunca é exposto. Assim transmite-se a idéia de um processo pacífico,
ordenado e com o consentimento de nossos antepassados. Em conseqüência, a face cruel e
sanguinária dos bárbaros europeus fica suavizada, maquiada. Não obstante transmitem a idéia
de aventureiros corajosos, valentes, heróis, fato este que facilita o processo de identificação
dos alunos para com estes bárbaros. Vejamos: “ a colonização foi uma série de ações
comandadas pelos portugueses para ocupar e explorar o território” (MODERMA, 2007, p.
10). E mais: ao colonizar o Brasil, Portugal impôs algumas regras políticas e econômicas
aos habitantes que já viviam aqui [...]” (id. ibid. 2007, p. 10) (grifos nossos). No livro Projeto
Pitanguá (2008) também da editora Moderna (PP), a forma de apresentar os conteúdos não
diferencia em quase nada. Apresenta as invasões portuguesas como uma simples chegada:
[...] você estudaa chegada dos portugueses à América, em 1500. Também estudará o
período em que o Brasil foi uma colônia de Portugal(MODERNA, 2008, p. 9) (grifos
nossos).
os livros “De Olho no Futuro” (O.F.) da Quinteto Editorial e o “A Escola é
Nossa” (E.N.) da Scipione, apresentam também as invaes dos rbaros portugueses como
uma chegada. Vejamos: No dia 22 de abril de 2000, foram realizados eventos em vários
60
lugares do país para comemorar “500 anos de Brasil. Nesta data foi festejada a
chegada dos portugueses [...] ao nosso território, no ano de 1500(PINELA, 2005, p. 14)
(grifos nossos); no livro da Scipione,
no dia 22 de abril de 2000, em diversos lugares do país, foram organizadas
cerimônias e festividades para comemorar os 500 anos do Brasil [...]. Os 500
anos do Brasil são contados a partir do dia 22 de abril de 1500, que foi o
dia em que os navegadores portugueses [...], chegaram ao território que
hoje corresponde ao Brasil (TAVARES, 2007, p. 26) (grifos nossos).
Ambos os livros apresentam desprezo para com os nativos brasileiros, nossos
antepassados, por não os considerarem nossos ancestrais e por isolá-los em suas lutas e
reivindicações. Vejamos: esses 500 anos de Brasil, entretanto, não foram comemorados
por todos. Vários líderes indígenas organizaram uma marcha em protesto contra essas
comemorações (TAVARES, 2005, p. 27); o livro da Quinteto Editorial, referindo-se ao
nossos antepassados diz: porém, nem todas as pessoas concordaram com a comemoração
desse acontecimento (PINELA, 2005, p. 14) (todos os grifos são nossos). Este livro
apresenta na seqüência um texto de um nativo brasileiro contestando as comemorações, dando
a enteder que tão somente os andinos brasileiros é que eram contrários às comemorações do
500 anos do Brasil.
O livro “Novo Viver e Aprender” (N.V.A.) da Saraiva, 2007, apresenta em
vários momentos as invasões dos bárbaros portugueses também como uma chegada.
Acompanhemos: você se lembra de que foi em 1500 que os portugueses chegaram às
terras que hoje formam o território brasileiro?(LUCCI, 2007, p. 42) (grifos nossos).
Também nas páginas 31 e 45. Todavia, apresenta a chegada como um processo de conquista e
que neste processo ocorreu a eliminação e escravização de muitos de nossos antepassados,
mas não lhes consideram nossos ancestrais e também os vêem como povos distintos de nós:
“os indígenas já viviam aqui quando os portugueses iniciaram o processo de
conquista. Inúmeros conflitos marcaram a relação entre eles ao longo dos
séculos. Como resultado, grupos indígenas inteiros foram eliminados, vários
foram escravizados, a maioria perdeu seu território [...]” (LUCCI, 2007, p.
44).
Como veremos ao longo das análises pouco se fala das barbaridades
portuguesas. E assim vão criando uma história paradisíaca, romântica, falsa e eufemística que
oculta os horrores, um holocausto de nativos andinos e africanos (nossos antepassados).
61
Os cinco livros em análise usam vocabulários semelhantes, por isto cometem
os mesmos equívocos. Usam os termos índios, indígenas, povos indígenas para se referirem
aos nossos antepassados. É sabido que o termo índio foi criado para referir aos povos das
Índias. Assim, buscando uma visão mais respeitosa e visando criar laços afetivos e sanguíneos
para se valorizar mais nossos ancestrais, o termo índio poderia ser substituído.
No livro, PB, no capítulo 2 da unidade 1 lemos: “em 1530 com o objetivo de
patrulhar a costa contra invasões estrangeiras [...] (MODERNA, 2007, p. 12). Neste
ponto o livros didáticos considera a chegada de estrangeiros como invasões, pois Portugal
havia invadido e tomado posse das terras de nossos antepassados. Mas por que, então, a
“chegada” dos portugueses a estas terras não é considerada como invasão? Vejamos os outros
livros didáticos: “Para garantir a posse das novas terras, o rei de Portugal, decidiu iniciar
sua colonização (TAVARES, 2007, p. 43) (E.N.); no O.F., “com receio de perder estas
terras, e para garantir a sua posse, o governo português decidiu iniciar a colonização, isto é,
o povoamento e a produção agrícola no território” (PINELA, 2005, p. 38) (todos os grifos são
nossos); já no N.V.A. lemos: “desde o inicio da ocupação, no século XVI, os colonos
portugueses e seus descendentes, assim como os padres jesuítas, mantiveram intenso
contato com os povos indígenas. Os colonos queriam escravizá-los, tomando suas terras e
submetendo-os” (LUCCI, 2007, p. 51) (todos os grifos são nossos). Este mesmo livro diz:
“para tentar resistir ao invasor, diversos grupos indígenas começaram a se organizar”
(LUCCI, 2007, p. 51). Entendamos que a colonização e colonos o eufemismos para invasão
e invasores bárbaros. No livro P.P., lemos: “os homens que ganharam do rei uma capitania
hereditária tinham a obrigação de povoá-la e defende-la dos invasores estrangeiros
(MODERNA, 2008, p. 18) (todos os grifos o nossos). Isto demonstra não um enorme
desprezo para com nossos ancestrais, os legítimos e verdadeiros donos das terras do
Continente dos Andes, mas também um processo de identificação entre os escritores destes
textos com os bárbaros invasores. Esta identificão favorece a uma minimização e
eufemização das brutalidades ocorridas durante os períodos de invasões, muitas vezes
relatadas como “expedições colonizadoras, “grandes navegações”.
Acompanhemos mais um trecho: o açúcar era produzido em grandes
propriedades de terra, chamadas latifúndios...” (MODERMA, 2007, p. 10). Como
comentamos anteriormente estes latifúndios também eram terras invadidas brutalmente pelos
bárbaros europeus assim como o resto das terras dos Andes. o estes latifúndios eram
terras invadidas como também as cidades aqui fundadas e, bem como, as capitanias
hereditárias. Vejamos: em 1534, o governo português decidiu ampliar a colonização e
62
dividiu o território em 15 grandes lotes, denominados capitanias hereditárias” (PINELA,
2005, p. 38). Em outro livro lemos: A primeira expedão colonizadora enviada para cá
foi comandada por Martim Afonso de Souza que, no ano de 1532, fundou São Vicente, a
primeira vila brasileira (TAVARES, 2007, p. 43). Em outro livro didático, “no sistema de
capitanias hereditárias, um proprietário explorava sua terra com seus próprios recursos.
Com o fracasso desse sistema, e rei de Portugal passou a investir na colonização do Brasil e,
por isso, criou o governo geral(MODERNA, 2008, p. 19). Já o livro N.V.A. em seu inicio
não se valeu da mesma terminologia dos outros livros, mas indiretamente refere-se às terras
invadidas, pois não se produz o açúcar sem ter terras para o plantio da cana-de-açúcar:
“embora inicialmente os colonos portugueses tenham aprisionado e escravizado indígenas
para realizar o trabalho necessário ao cultivo da cana e à produção de açúcar [...]” (LUCCI,
2007, p. 54) (todos os grifos são nossos). Outros termos eufemísticos para terras brutal e
violentamente invadidas encontrados nos livros didáticos de hisria são: sesmarias, feitorias,
engenhos, grandes propriedades rurais, missões, vilas e cidades, dentre outros.
Continua o texto: “ [...] O trabalho na colheita da cana e na produção de açúcar
era realizado por escravos africanos.” (MODERNA, 2007, p. 10). A inadequação do
vocabulário e forma discriminatória, racista e preconceituosa de apresentação de conteúdos é
constante e abundante nos livros didáticos em analise. Acompanhemos novamente alguns
excertos: na senzala viviam os escravos [...]. na hora de dormir, muitas vezes, os escravos
eram acorrentados e passavam a noite deitados em esteiras ou diretamente no chão
(TAVARES, 2007, p. 58); “os escravos moravam nas senzalas” (PINELA, 2005, p. 50);
“Tanto nos canaviais como na fábrica doúcar predomina o trabalho escravo” (MODERNA,
2008, p. 21).; desde o inicio da colonização, a maior parte dos escravos era levada para
trabalhar nos engenhos de açúcar” (LUCCI, 2007, p. 55); o trabalho na colheita da cana e na
produção de açúcar era realizado por escravos africanos (MODERNA, 2007, p. 10) (todos
os grifos são nossos). O escravo em si o existe. O que existiu foram pessoas cruel e
violentamente forçadas a viverem e trabalharem em condições de escravidão. Mas isto não as
tornam escravas. Porém, os bárbaros mercenários responsáveis pela escravização, torturas e
morte de milhões de pessoas, estes sim conservam seus comportamentos bárbaros em
qualquer situação, mesmo que a escravidão deixasse de existir. Todavia o livros didáticos
não menciona a agressividade e a crueldade dos grandes proprietários rurais
escravizadores.
Não obstante os livros didáticos, de forma discriminaria e marginalizante,
relacionam a escravidão com a cor da pele preta e com o continente africano em várias de
63
suas páginas. Vejamos, então: “mão-de-obra escrava de origem africana” (MODERNA, 2007,
p. 18); “a mineração foi uma das atividades que mais utilizou mão-de-obra escrava
africana(PINELA, 2005, p. 57); mas, à medida que o aprisionamento de índios foi se
tornando mais difícil e as doenças causavam muitas mortes, os fazendeiros passaram a
substituir os indígenas por escravos vindos da África(MODERNA, 2008, p. 20); para
manterem vivos os costumes africanos, sempre que podiam, os escravos realizavam festas
e batuques(TAVARES, 2007, p. 59); de meados do século XVI ao final do século XIX a
maior parte do trabalho no Brasil foi feita por escravos negros [...] Em todo continente
americano, foi o Brasil quem mais recebeu escravos africanos (LUCCI, 2007, p. 54)
(todos os grifos são nossos).
Com o termoescravo africano além de transmitir uma naturalidade à
escravidão (processo de trabalho cruel e desumano), transmite também a impressão de que o
continente africano esta repleto de escravos, bastando ir , selecio-los e colocá-los para
trabalhar. O escravizador continua sendo ocultado, bem como suas atrocidades.
Naturaliza-se, desta forma, o uso da violência na busca de interesses pessoais, de riqueza e
para conquistar o poder político e econômico.
Os livros didáticos, desta forma, discriminam e marginalizam apenas as
pessoas mais fracas em termos de força e violência lica, os que são explorados e
escravizados, enquanto os bárbaros cruéis e sanguinários são tratados com termos de respeito
e revencia. Observemos mais uma vez: os agregados e toda a família deviam ao senhor-
de-engenho obediência e respeito(PINELA, 2005, p. 53); “chegando ao Brasil, os escravos
eram levados para locais onde seriam vendidos para seus futuros senhores, a quem deveriam
servir e respeitar” (LUCCI, 2007, p. 55); “em geral, a senzala era construída próxima à casa-
grande, pois assim os senhores podiam controlar a vida dos escravos” (TAVARES, 2007, p.
58); “por que Palmares era uma ameaça aos senhores de engenho e às autoridades?”
(MODERNA, 2008, p. 23); “guarda-costas de seus senhores(MODERNA, 2007, p. 32)
(todos os grifos do paragrafo são nossos). Bem como, usam outros termos eufemísticos para
esconder os tiranos e sanguinários invasores das terras de nossos antepassados, tais como:
colonos, colonizadores, fazendeiros, ricos, etc. Como pode alguém ser tratado de forma
respeitosa quando comete atos de selvageria, violência e crueldade contra outras pessoas tal
como mostra o desenho abaixo.
64
(Do livro de Lucci, 2007, p. 127 editora Saraiva)
Outro personagem também rbaro e cruel, mas relatado como aventureiro
heróico e corajoso que espalhou a violência pelas terras de nossos antepassados é o
bandeirante. Sempre em busca de riquezas e lucros fáceis a qualquer custo, mesmo com a
escravização e mortes de centenas de nativos andinos, os bandeirantes iam invadindo outras
terras: “No século XVII, para procurar ouro e pedras preciosas e escravizar indígenas , alguns
moradores de São Paulo passaram a formar expedões chamadas de bandeiras”
(MODERNA, 2007, p. 12) (grifos do autor); “a necessidade de mão-de-obra para as lavouras
fez com que os paulistas fossem os principais organizadores das bandeiras de apresamento de
indígenas e das expedições que partiram em busca de minas de ouro no interior da colônia
(MODERNA, 2008, p. 27); os bandeirantes paulistas, que eram conhecedores do interior
do território, passaram então a organizar expedições à procura de ouro e pedras preciosas”
(TAVARES, 2007, p. 73) (grifos nossos); “o trabalho dos africanos na mineração teve início
por volta de 1700, pouco depois que os bandeirantes descobriram jazidas de ouro na região
onde atualmente se encontra o estado de Minas Gerais” (PINELA, 2005, p. 57) (grifos
nossos); foi no final do século XVII que os bandeirantes paulistas descobriram as
65
primeiras jazidas de ouro na região das Minas Gerais” (LUCCI, 2007, p. 76) (grifos nossos).
Para capturar e escravizar os nativos (nossos antepassados) estes bandeirantes usavam a
violência e brutalidade, além de invadir e tomar suas terras, assim como os bárbaros e cruéis
donos dos engenhos para manter estes nativos escravizados valeram-se de muita violência. No
entanto, em nenhum momento ocorre a crítica e condenação destes comportamentos e modos
cruéis de se enriquecer e conquistar poder.
A violência funcionou, funciona e ainda impera no presente na busca de
riqueza e de poder, isto leva os alunos a assimilarem estas formas bárbaras de comportamento
e de convívio social criando, desta forma, um círculo vicioso de reprodução da violência e da
barbárie.
O objetivo dos bárbaros invadirem o continente andino sempre foi o de
encontrar riquezas, principalmente o ouro, sinônimo de riqueza no passado: “Nela, até agora,
não podemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho
vimos” (Martin Claret, 2002, p. 118). O ouro finalmente havia sido encontrado pelos bárbaros
bandeirantes paulistas que invadiram outras tantas terras dos nativos brasileiros, matando-os e
escravizando-os brutal e cruelmente. o livro didático em questão refere-se à descoberta do
ouro assim: “ele foi encontrado no fim do século XVII pelos bandeirantes paulistas, próximo
às atuais cidades de Sabará e Ouro Preto(MODERNA, 2007, p. 25). “A notícia mais antiga
que se conhece da descoberta de mina de ouro data de 1687. A descoberta ocorreu no sertão
de Caeté, no atual estado Minas Gerais” (MODERNA, 2008, p. 27); “no final do século XVII,
após muitos anos de procura, eles acabaram encontrando ricas jazidas de ouro na região que
se tornou conhecida como Minas Gerais (TAVARES, 2007, p. 73); “a descoberta de ouro
provocou um grande deslocamento de pessoas em direção ao interior do território(PINELA,
2005, p. 57); “as grandes minas de ouro estavam concentradas nas mãos de poucos senhores,
os grandes mineradores” (LUCCI, 2007, p. 76). Nada se comenta dos horrores cometidos
sobre nossos antepassados.
De acordo com o autor de “As mentiras que a (o)s professoras (e)s vão (ter de)
ensinar (III)”, toda a história ocidental está construída sobre mentiras, mas, para nós toda a
história da humanidade é contada de forma falseada, senão totalmente, ao menos em certas
partes que acabam por comprometer todo o entendimento. Vejamos:
como tivemos oportunidade de desnudar em edições anteriores, vários
autores [...] que de uma forma consistente m desafiado como tem sido
edificada muita da história da civilização ocidental. Entendem-na como
fundamentada numa mentira secular, uma mentira que tem vindo a ser
66
reproduzida nos conteúdos curriculares da escolarização, através, por
exemplo, dos manuais escolares (PARASKEVA, 2008, p. 1) (grifos
nossos).
Podemos deduzir a partir deste autor que os conteúdos dos manuais escolares,
principalmente os de história, bem como os que estamos analisando, também estão repletos de
mentiras, eufemismos, ideologias e outros recursos falseadores. Assim, apenas para
exemplificar, companhemos alguns trechos dos livros didáticos que nos auxiliam entender o
ocultamento de certos conteúdos que um leitor mais crítico e atento consegue perceber, mas
que aos olhos de crianças ainda em formação psíquica e intelectual serão assimilados
erroneamente e podendo gerar preconceitos e discriminações: o trabalho nas minas era duro.
Muitos escravos sofriam de doenças respiratórias, pois passavam grande parte do dia com os
pés na água” (MODERNA, 2007, p. 26). O outro livro desta editora diz: “o trabalho nas
minas era exaustivo. Trabalhando no leito dos rios, os escravos passavam longas horas com os
pés na água, o que causava sérias doenças pulmonares” (MODERNA, 2008, p. 37). Um outro
livro diz: “apesar de as condições de vida dos escravos que trabalhavam nas minas serem
muito difíceis, eles tinham maiores chances de conseguir a liberdade do que os escravos que
trabalhavam nos engenhos” (PINELA, 2005, p. 59). Observem que a figura do bárbaros
escravizadores não aparecem neste trecho. O escravizado é responsabilizado por suas doenças
porque ficava com os pés na água por muito tempo, quando na verdade, os escravizados eram
cruel e violentamente torturados para permanecerem trabalhando para os bárbaros europeus se
enriquecerem. Mas o texto não denuncia a desumanidade e frieza dos intitulados senhores que
podiam explorar o ouro, pois “de acordo com a regulamentação, somente as pessoas que
possuíssem escravos é que podiam explorar ouro” (MODERNA, 2007, p. 26). Um outro livro,
contrastando com estes citados acima, responsabiliza as mudanças climáticas, como
temperaturas mais frias, o adoecimento dos nativos africanos (nossos antepassados)
escravizados cruel e violentamente pelos bárbaros europeus. Quando na verdade era a
brutalidade, ganância dos portugueses pelo enriquecimento que impunham as péssimas
condições de trabalho, alimentação minguada e castigos físicos aos mantidos em condição
desumana que os adoeciam. Vejamos: como a região mineradora era mais fria que o litoral,
muitos escravos acabavam sofrendo de doenças respiratórias o que quase sempre os levava à
morte. Eles ficavam enfraquecidos com as péssima condições em que viviam” (LUCCI, 2007,
p. 76). Devido às condições que os bárbaros mercenários portugueses impunham aos nossos
antepassados escravizados (os nativos africanos), de acordo com Darcy Ribeiro em “Sobre o
67
Óbvio”, “eles duravam em média uns cinco anos no trabalho”, e não por causa de clima mais
frios.
Vejamos mais um excerto de outro livro: “a atividade da mineração foi
responsável por diversas mudanças na Colônia. Ela contribuiu para a urbanização da região
mineira e para o povoamento de uma grande área do interior do território” (TAVARES, 2007,
p. 83). Reparem que colônia está escrito com letra maiúscula, o que caracteriza um
substantivo próprio. Em momento algum o texto explicita que colônia é um eufemismo para
terras roubadas e invadidas de forma selvagem, brutal, violenta e covarde. Processo de
invasão que levou à morte milhares de nossos antepassados (nativos brasileiros) que por não
possuírem armas de fogo não conseguiram se defender. O texto enfatiza apenas o progresso
conseguido com a mineração deixando no esquecimento o holocausto negro e andino com
milhões de pessoas escravizadas brutalmente e outros tantos milhares mortos de fome por
causa das péssimas condições em que sobreviviam, bem como outros tantos mortos nas
capturas e nos transportes que, de acordo com Gorender, a mortalidade nas viagens
transatlânticas girava ao redor de 20%: “admitindo-se uma mortalidade de 20% durante a
viagem transatlântica [...]” (1978, p. 518). Assim sendo, “acredita-se que mais de 5 milhões
de africanos escravizados tenham sido trazidos para o Brasil” (MODERNA, 2008, p. 52),
podemos concluir com os dados fornecidos por Gorender de uma mortalidade de 20%
durante as viagens, seguramente 1 milhão de nossos antepassados africanos morreram
nestas viagens de um continente para o outro.
Se o escravo em si não existe, conseqüentemente não existe escravo liberto.
Vejamos: “a camada mais pobre era a maioria e era formada por escravos libertos”
(MODERNA, 2007, p. 26). Assim, como não existe o escravo em si, tampouco existe um
escravo liberto. O que ocorre é que eliminando as condições que mantinham a escravização e
impedindo os escravizadores de se imporem, a pessoa mantida aentão em condição escrava
volta imediatamente a sua condição natural de homem ou de indivíduo livre. Estas formas e
estruturas de textos em nada colaboram para criar uma visão positiva referente aos nativos
africanos e sua cultura. Estes nativos africanos após sua chegada em nosso território, ainda
que contra sua vontade, tornaram-se também nossos antepassados, aos quais devemos muito
respeito e consideração. Mesmo com toda discriminação, preconceitos, desprezo e
marginalização, violência, barbárie e crueldade de que foram alvos dos bárbaros mercenários
europeus, eles continuam pertencendo aos povos dos quais originamos. Mas os livros
didáticos, no geral, o reconhecem os nativos brasileiros e africanos como nossos
68
antepassados. Restringem-se a dizer que estes povos contribram para a formação cultural
brasileira, mas sempre de forma marginal e folclórica, como veremos.
O trecho a seguir exemplifica a marginalização e projeção da violência sobre
os mais pobres desde os tempos das invasões bárbaras ao nosso território: “as condões de
sobrevivência dos escravos libertos eram muito difíceis, porque eles não conseguiam
empregos nas minas ou nas fazendas. Essa situação levava algumas pessoas a cometer
crimes desde os mais leves (como furtos de alimentos) aos mais graves” (MODERNA,
2007, p. 26) (grifos nossos). É comum a relação entre pobreza e violência, a falta de emprego
com o aumento da criminalidade em muitos artigos e teses e nos noticiários jornalísticos na
atualidade. Estas mesmas relações, como vimos no trecho citado, entre pobreza e violência
também ocorreram no passado. Só que a violência física (torturas, castigos, cárcere privado,
marcas com ferro em brasa, assassinatos cometidos aos milhares pelos bárbaros europeus)
para escravizar nossos antepassados não são relatadas, quando muito usam de eufemismo para
atenuar e dar ares de nobreza e civilidade aos indivíduos privilegiados das sociedades nos
tempos das invasões bárbaras ao continente Andino. Vejamos: “a violência nas cidades
mineradoras era temida pelo governo colonial, que sempre usou de muita força para conter
qualquer disrbio na região (MODERNA, 2007, p. 26) (grifos nossos). Os mais pobres
cometiam crimes leves e violentos, mas o governo colonial (das terras invadidas por bárbaros
mercenários) usava de “muita força, eufemismo para crueldade, assassinatos, escravização
brutal e desumana, genocídio, massacres e atrocidades.
para termos idéia destas atrocidades cometidas pelas pessoas mais ricas e
poderosas das épocas das invasões bárbaras ao nosso território, acompanhemos, então, alguns
excertos: “O quilombo dos Palmares resistiu durante quase todo o século 16, e chegou a
contar com cerca de 20 mil habitantes” (PINELA, 2005, p. 64). Todavia, “assim como
Palmares, a maioria dos quilombos foi destruída, e os quilombolas foram mortos ou
tiveram que voltar para o cativeiro” (PINELA, 2005, p. 67) (grifos nossos). Mas a
destruição e assassinatos de nossos antepassados tem seus responveis, pois as tropas que
destruíam e matavam os quilombolas e outras pessoas que se revoltavam contra a tirania,
crueldade e violência dos bárbaros portugueses recebiam por seus serviços: “essas tropas
foram contratas especialmente pelo rei de Portugal e paga pelos senhores de engenho do
nordeste da colônia [...]” (LUCCI, 2007, p. 74) (grifos nossos).
O mesmo destino de destruição e assassinatos ocorreu com as chamadas
Revoltas no período das invasões bárbaras. A Conjuração Baiana, Guerra dos Mascates,
69
Revolta de Beckman, a Conjuração Mineira, Guerra dos Farrapos entre outros conflitos não
citados nos livros didáticos de história:
durante o peodo das revoltas sociais anteriores e seguintes à Independência,
morreram no Brasil mais de 50 mil pessoas, inclusive uns sete padres
enforcados. O certo é que nossos 50 mil mortos o muito mais mortos de
que todos os mortos que morreram nas lutas de independência da América
Espanhola, tidas como das mais cruentas da história. Os nossos, porém,
foram surrupiados da história oficial das lutas sociais por serem vítimas de
meros motins e revoltas e, como tal, não merecem entrar na cnica
historiográfica séria da sabedoria classista (RIBEIRO, sd, p. 3).
Tal como salienta Ribeiro, a historiografia, bem como os livros didáticos de
história privilegiam certos temas e eufemizam a violência e barbárie das classes ricas.
(MODERNA, 2007, p. 26 e MODERNA, 2008, p. 37)
Reparem nesta imagem que os escravizados estão sob a vigilância de pessoas
bem vestidas. São os bárbaros mercenários e cruéis que vieram da Europa em busca de
riquezas. Vejam também que a legenda não se refere a eles e muito menos o texto didático.
Ainda que os nossos antepassados apareçam sempre em condições subalternas e degradantes
nas iconografias presentes nos manuais didáticos, as legendas poderiam ao menos referir de
forma mais realista e caracterizar todos os personagens da imagem em conformidade com
70
suas ações. Assim, os bárbaros europeus seriam despidos de sua aura civilizatória e
assumiriam sua verdadeira face de piratas, saqueadores e assassinos. Sem a devida crítica a
estes comportamentos e atitudes, implicitamente a violência e a barbárie são socializadas,
aceitas e reproduzidas como meios válidos de enriquecer e explorar outras pessoas. Desta
forma, os textos didáticos em nada colaboram para o estabelecimento de uma cidadania
baseada no respeito, na solidariedade, na convivência pacífica entre as diversidades culturais e
no diálogo como meio principal na resolução de conflitos pessoais, grupais ou entre nações.
Pelo contrário, corroboram para o uso da força bruta e da violência como mediadores de
divergências e imposição de interesses próprios.
Podemos perceber pela iconografia utilizada pelos livros didáticos que os
pobres, negros e índios sempre aparecem em situões degradantes ou efetuando trabalhos
manuais. Ainda que estas pessoas tenham vivido nestas condições, a iconografia reflete o
olhar preconceituoso das épocas retratadas. Assim, no presente podemos nos referir a todas
pessoas com mais respeito e esclarecer que elas foram violentamente subjugadas e forçadas a
cumprirem tais trabalhos.
Vejam o enunciado de um do exercício proposto: “procure as profissões no
quadro” (MODERNA, 2007, p. 46) (grifos nossos).
71
Reparem no absurdo a que se chega este livro didático ao considerar um
escravo de ganho como uma profissão. Além de absurdo, eufemiza a escravidão (regime cruel
e desumano imposto por uma pessoa sobre a outra) ao lhe dar o título de profissão. Diz nas
entrelinhas que a escravidão pode ser uma escolha pessoal, pois sendo uma profissão, pode
ser escolhida como modelo de vida.
Em outro livro que estamos analisando, com um grau maior de sutileza, um
exercício proposto também passa a idéia de que a escravidão em certos casos era uma escolha
ou voluntária. É preciso estar atento, pois esta afirmativa pode passar despercebida. Vejamos:
“a) de acordo com o texto, na fase inicial do comércio de escravos, em quais situações os
homens podiam tornar-se cativos?” (PINELA, 2005, p. 48) (grifos nossos). O texto do
exercício deveria dizer em: quais situações os homens podiam ser cativados ou escravizados,
pois assim, refletiriam a ação de alguém que escraviza o outro com o uso da força, da
violência. Ao usar, porém, a partícula apassivadora se, a ação de tornar cativo recai sobre o
próprio sujeito que se escraviza por vontade ppria. Quando na verdade, a barbárie,
crueldade e violência são os principais componentes desta relação escravagista.
Não obstante, voltemos nossa atenção para esta imagem acima. Observemos
que a figura de um religioso que facilmente pode ser identificado como pertencente à
católica por causa de sua vestimenta. Isto está presente em um livro didático mesmo com
restrições explicitas contidas no PNLD 2010, vejamos: salienta-se que o livro didático de
História não pode conter nenhum tipo de doutrinação religiosa ou política de qualquer
natureza” (PNLD 2010, p. 13). Mesmo que não haja a referência à crença religiosa da figura
em questão, como é sabido que aproximadamente 70% da população brasileira é católica, o
poder simbólico da imagem fala por si só. Queira ou o, simbolicamente falando, esta
imagem é uma forma de divulgar a igreja Católica
15
.
15
Não se divulga, todavia, que esta é mesma igreja que se envolveu na polêmica de um aborto realizado para
interromper a gravidez de uma criança de nove anos de idade, gravidez que foi fruto de um estupro:
“o caso da menina de 9 anos que interrompeu a gravidez de gêmeos causou comoção e revolta. A repercussão foi
ainda maior pela reação da Igreja Católica ao aborto provocado pelos médicos. O arcebispo de Olinda e Recife,
Dom José Cardoso Sobrinho, excomungou a mãe e a equipe médica envolvida no procedimento. O arcebispo
disse que o padrasto, suspeito de violentar a menina e ser pai dos bebês, não pode ser excomungado. ‘Ele
cometeu um crime enorme, mas não está incluído na excomunhão’, disse Sobrinho. ‘Esse padrasto cometeu
um pecado gravíssimo. Agora mais grave do que isso, sabe o que é? O aborto, eliminar uma vida
inocente.’” (JORNAL CORREIO POPULAR DE CAMPINAS, 7/3/09, p. B4) (grifos nossos).
Além da polêmica deste caso, de aborto e excomunhão e o fato de o aborto ser considerado um crime mais
grave do que o estupro de crianças na opinião da Igreja Católica, talvez seja explicado pelo fato de abusos
sexuais serem o freqüentes no âmbito desta religião. Vejamos: a Igreja Católica vai pagar o equivalente a mais
de R$ 1,2 bilo para vítimas de abusos sexuais cometidos por padres de Los Angeles, nos Estados Unidos [...].
A indenização é a maior paga pela igreja nos EUA desde que esses casos começaram a ser revelados cinco anos
72
Por volta do século XVIII no Brasil uma população começava a se formar e a
ter interesses diferentes dos bárbaros portugueses que viviam em Portugal e aqui. Por isso
surgiram revoltas (a Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana, a Insurreição
Pernambucana, entre outras) que foram sufocadas violentamente pelas tropas de bárbaros
portugueses sob ordens do Rei de Portugal. Com exceção da Inconfidência Mineira, as outras
revoltas tiveram a participação da população mais pobre que reivindicava melhores condições
de vida e mais alimentos.
Na Conjuração Baiana participou “escravos libertos” e outras pessoas pobres,
profissionais como alfaiates e soldados e uma parte da elite: “Após algumas revoltas, a
Conjuração Baiana foi derrotada pela Coroa e seus lideres foram presos e executados”
(MODERNA, 2007, p. 38). Em outro livro didático lemos: “além da independência, os
revoltosos da Bahia também pretendiam abolir a escravidão. As autoridades portuguesas
identificaram os lideres do movimento e os prenderam. Quatro deles foram condenados à
morte, executados e esquartejados” (MODERNA, 2008, p. 42). Outro livro diz a respeito dos
líderes da Conjuração Baiana: “as autoridades prenderam os envolvidos e condenaram vários
deles à morte” (TAVARES, 2007, p. 92). na Insurreição Pernambucana toda a população
participou, mas a elite abandonou o movimento para não perder os privilégios: “no início,
toda a população participou. Até que a elite abandonou o movimento porque as camadas mais
pobres começaram a reivindicar a divisão de terras e a abolição da escravidão [...]”
(MODERNA, 2007, p. 40). No próximo livro não fala da participação popular na Guerra dos
Mascates, fala apenas dos interesses dos mais ricos e o fim do conflito onde, os revoltosos
foram presos e alguns deles foram mandados para Portugal” (TAVARES, 2007, p. 92). Nem
todos os temas são abordados pelos livros didáticos. Estes foram movimentos autênticos e
com reivindicações justas, mas a violência e a barbárie foram os meios usados pelos bárbaros
portugueses com a conivência das camadas dominantes do Brasil para sufocar e silenciar
brutalmente os desejos dos explorados e escravizados. É este tipo de indivíduo que Freud
descreveu em sua obra, um indivíduo movido pelo princípio de prazer que não poupa esforços
em busca de seus interesses ainda que seja com a morte e sofrimento de seus iguais, coisa
que, de acordo com Freud, também lhe proporciona prazer. Este individuo mau por natureza,
sádico, agressivo e libidinoso constituiu uma cultura com as mesmas características, violenta,
injusta, repressiva e com enormes desigualdades.
atrás. O dinheiro vai para 508 vítimas. Alguns casos tem mais de 60 anos
(JORNALNACIONAL.GLOBO.COM, 16/07/07) (grifos nossos).
o 508 casos de abusos sexuais apenas em Los Angeles. Mas casos de abusos sexuais e pedofilia por parte
dos padres aconteceram em outros lugares di mundo e também no Brasil:
73
As desigualdades se tornaram mais acentuadas nas cidades que cresceram com
a exploração do ouro: “a elite era formada pelos grandes mineradores ou grandes
comerciantes. Eles se diferenciavam do resto da população pelas jóias e pela quantidade
de escravos que possuíam(MODERNA, 2007, p. 42) (grifos nossos). Em outro manual
didático lemos: “os privilegiados da sociedade mineira gostavam de exibir sua condição social
usando roupas de tecidos finos e coloridos, sapatos enfeitados, jóias e até mesmo maquiagem
e perucas” (MODERNA, 2008, p. 32). Em outro lemos: “todos dirigiam-se para a região das
minas, a fim de explorar as jazidas de ouro e enriquecer” (TAVARES, 2007, p. 74). Um outro
ainda diz: a o inicio do século XIX, a maior parte das riquezas produzidas no Brasil
colonial serviu para enriquecer os grandes fazendeiros e o governo português” (LUCCI, 2007,
p. 84). Outro diz: “a possibilidade de enriquecer rapidamente fez com que muitas pessoas [...]
abandonassem os lugares onde viviam e se dirigissem para a região das minas” (PINELA,
2005, p. 57). Mas como em todos os tempos poucos foram os privilegiados que se
enriqueceram, a maioria permaneceu pobre. Lembremos mais uma vez que estas riquezas
foram conquistadas ao custo da escravização, da dor e do sangue de milhares de nativos
africanos, nossos antepassados. Novamente não há nenhuma crítica a métodos tão cruéis de se
enriquecer.
Curiosamente um dos livros didáticos diz: “As pessoas mais ricas moravam em
sobrados e as mais pobres moravam em casas térreas” (MODERNA, 2007, p. 42). Nas
cidades viviam homens livres e pessoas escravizadas que formavam a maior parte da
população. Sabemos que os indivíduos que eram submetidos à escravidão não viviam em
casas térreas, mas nas senzalas, grandes barracões, onde os escravizados dormiam
amontoados, em péssimas condições, trancados e, às vezes, acorrentados para evitar que
fugissem “a maior parte da população, por sua vez, era composta de escravos e homens livres
pobres, que viviam em condições precárias(TAVARES, 2007, p. 88). Neste mesmo livro
lemos: “nas vilas e nas cidades mineradoras, uma das características mais marcantes era a
desigualdade social” (TAVARES, 2007, p. 88). Não obstante, este contraste entre ricos e
pobres ainda permanece em pleno século 21 em 2009. Outro livro diz: “ O que mais havia nos
arraiais e vilas eram pessoas pobres, que enfrentavam grande dificuldade para sobreviver”
(MODERNA, 2008, p. 33). Pode-se acrescentar que as elites se diferenciavam não pela
quantidade de pessoas que escravizavam de forma vil, cruel e sanguinária, mas também por
sua frieza, maldade e desumanidade. Isto também não é descrito nos manuais didáticos.
Como exposto nas páginas anteriores, os livros didáticos de história
valorizam apenas as atitudes e os feitos das camadas dominantes, principalmente dos bárbaros
74
europeus: D. João contribui muito para o desenvolvimento da cultura no Brasil, como a
divulgação da música erudita e do teatro na cidade. Instituiu a Imprensa gia, que permitiu a
multiplicação do comércio de livros, e criou a Biblioteca Nacional” (MODERNA, 2007, p.
42) (grifos nossos). Esta mesma linha de raciocínio é seguida por outros livros didáticos:
“D. João, que tomou algumas medidas para estimular as atividades
econômicas e culturais na Colônia [...], abertura dos portos [...],
permissão para a instalação de bricas [...], fundou o Banco do Brasil
[...], criou a Biblioteca Real [...], criou a Imprensa gia [...], fundou
escolas de medicina em Salvador e no Rio de Janeiro [...], inaugurou o
Jardim Botânico, no Rio de Janeiro” (TAVARES, 2007, p. 101).
No outro livro da Moderna cita estas mesmas realizações e também da moda:
“a chegada da família real alterou a forma de vestir das pessoas mais ricas. Nos bailes, teatros
e festas da corte, homens e mulheres exibiam modelos copiados da moda européia
(MODERNA, 2005, p.49). Em outro lemos: “após a chegada da Corte portuguesa ao Rio de
Janeiro, varias melhorias foram feitas na cidade” (TAVARES 2007, p. 100). Este
desenvolvimento cultural e outras melhorias em nada colaborou para que a civilização que se
formava no Brasil se tornasse menos cruel, violenta, segregatória, preconceituosa e racista. A
manutenção de milhares de pessoas sob a condição de escravidão foi mantida, os escravizados
continuaram sendo espancados, castigados e maltratados para enriquecerem os bárbaros
mercenários que os subjugavam. As terras dos nativos brasileiros foram seguidamente
invadidas e nestes processos milhares de nossos antepassados perderam a vida. Estes
desenvolvimentos culturais, como bem explica Freud, não modificam as pulsões agressivas e
desejos destrutivos dos indivíduos.
Vejamos mais um exemplo que desvaloriza a população miserável e os
escravizados: “D. Pedro I [...], impôs uma constituição ao país sem a participação dos
constituintes, que são os representantes da população(MODERNA, 2007, p. 52). Sabemos
que nesta época, como consta em páginas anteriores, a maior parte da população do Rio de
Janeiro e também do Brasil era composta por pessoas nativas da África e seus descendentes, a
maioria escravizados e alguns poucos livres, “a maioria da população era de africanos ou
descendentes de africanos” (MODERNA, 2007, p. 48). Vejamos: as condições sociais da
maior parte do povo brasileiro praticamente não mudaram com a independência do país. Os
negros, por exemplo, que correspondiam a cerca da metade da população, continuaram sendo
escravos” (LUCCI, 2007, p.84). Nessa época não havia eleições como ocorrem atualmente. E
75
mais, os escravizados não tinham direito nem a sua própria vida e ao seu corpo e muito menos
o direito de votar para alguém lhes representar. Os mais pobres preocupavam-se apenas em
sobreviver um dia após o outro. Então, os constituintes representavam qual população? Somos
levados a concluir que eram considerados dignos de representação uma minoria
privilegiada e rica. O menosprezo é total para com os mais pobres e principalmente para com
nossos antepassados os nativos brasileiros e os nativos africanos que foram escravizados e
eram considerados coisas ou mercadorias que se podiam comprar e delas fazer o que bem
quisesse. Como pode uma visão tão preconceituosa e menosprezante contribuir para que os
afrodescendentes ou os andinodescendentes construiam uma visão positiva a respeito de si
mesmos?
Mesmo que os fatos históricos sejam imutáveis e apontem na direção de uma
realidade violenta, cruel e sanguinária, as interpretações e formas de abordagens dos
conteúdos históricos podem ser alteradas para que possamos contribuir com a construção de
uma sociedade mais justa. Assim, mesmo durante a dura, cruel e desumana situação de nossos
antepassados (nativos andinos brasileiros e africanos) que foram subjugados e escravizados
violentamente pelos bárbaros europeus e, por isto, eram considerados e tratados como
mercadoria, deveriam ser vistos e valorizados como pessoas. Vejamos:
mercadoria ao mesmo título que as demais mercadorias, sujeito a idênticas
relações de compra e venda, o escravo era livremente alienável. O
escravismo implica um mecanismo de comercializão que inclui o tráfico
de importação, os mercados públicos e as vendas privadas de escravos
(GORENDER, 1978, p. 77).
Devemos valorizar nossos antepassados e denunciar os bárbaros e
algozes que praticavam estes horrores e não tratá-los como homens honráveis, superiores por
sua maior belicosidade ou apenas por suas posses materiais, riquezas e roupas caras, casas
enormes, tudo conseguido às custas da violência, tortura e crueldade sobre outras pessoas,
como nos mostra muito bem Freud:
Em resultado disto, o seu próximo é, para ele, não apenas um ajudante
em potencial ou um objeto sexual, mas também alguém que os tenta a
satisfazer sobre ele a sua agressividade, a explorar sua capacidade de
trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu
consentimento, apoderar-se de suas posses, humilha-los, causar-lhe
sofrimento e matá-lo (FREUD, 1978, p. 167) (grifos nossos).
76
Não podemos julgar os seres humanos apenas por suas posses e o luxo
ostentado, mas por suas ações e atitudes pelo o seu modo de vida.
Fica claro que as camadas dominantes cometeram as mais terríveis atrocidades
em busca de poder e riquezas, ainda assim são tratados nos livros didáticos como, senhores de
engenho, senhor de escravos, elite cafeeira, grandes proprietários rurais e nobres: “a coroação
era um ritual de tradição antiga e apenas os nobres podiam participar” (MODERNA, 2007, p.
57); “as elites dirigentes se aliaram a D. Pedro [...]” (MODERNA, 2008, p. 43). Em outro
livro didático lemos: “ao inicio do culo XIX, a maior parte das riquezas produzidas no
Brasil colonial serviu para enriquecer os grandes fazendeiros e o governo português”
(LUCCI, 2007, p.84). Em outro lemos: “a Assembléia se reuniu em maio de 1823 e era
formada, em sua maioria, por grandes proprietários de terras, profissionais liberais,
militares e funcionários públicos” (TAVARES, 2007, p. 110) (todos os grifos são nossos).
Um outro texto nos dá a devida compreensão do respeito que as camadas mais ricas
desfrutavam, mesmo praticando a exploração e comercialização de pessoas para a
excravização: Ser negreiro nos tempos da colonia e bem longe do Império não era
profissão vergonhosa. Negreiros eram cidadãos respeitados [...]” (CAVALVANTI, 1991,
p. 35) (grifos nossos).
Após a independência do Brasil não ocorreram mudanças na estrutura social. A
escravização de nativos africanos intensificou devido à expansão do plantio de cana região
sudeste. Mas o discurso no livro didático o muda: “Graças à produção de café surgiu
uma ampla rede de serviços com ferrovias, portos e bancos. Isto trouxe desenvolvimento
para o país e fortuna aos cafeicultores” (MODERNA, 2007, p. 66). “As fazendas de café
foram formadas utilizando o trabalho escravo” (MODERNA, 2008, p. 61). Lemos em outro
livro didático:
muitas mudanças administrativas ocorreram no Brasil após a
independência, e elas beneficiaram principalmente as camadas mais
ricas da população. Assim, para a maior parte dos brasileiros, as
condições de vida não mudaram. A escravidão foi mantida e os
escravos, que na época formavam cerca da metade da população, em
sua maioria continuaram a ser explorados (TAVARE, 2007, p. 106)
(grifos nossos).
Palavras semelhantes são encontradas em outro texto didático:
77
Acabava o domínio português, mas permanecia a antiga estrutura
colonial que conhecemos bem. O latifúndio (grande propriedade), a
monocultura (cultura de um único produto) e a escravidão formavam o
trique sustentava os grandes proprietários de terra no poder [...] as
condições sociais da maior parte do povo brasileiro praticamente
não mudaram com a independência do país. Os negros, por
exemplo, que correspondiam a cerca da metade da população,
continuaram sendo escravos (LUCCI, 2007, p. 84) (grifos nossos).
Vejamos as semelhanças dos discursos com outro manual didático que, apesar
de citar o trabalho escravo, não relaciona as desigualdades sociais e a ignomínia da escravidão
com os ricos cafeicultores:
Os grandes lucros que o cultivo do catrouxe para os fazendeiros e para o
governo brasileiro contribuíram para introduzir no Brasil algumas
modernidades tecnológicas. Exemplos dessa modernização eram as novas
residências, as ferrovias e as locomotivas a vapor, o telefone e a fotografia.
Apesar dessas modernidades, um traço marcante no período colonial
continuava no Brasil: o trabalho escravo (MODERNA, 2005, p. 64).
Estes cafeicultores também bárbaros e mercenários continuaram escravizando
milhões de pessoas nativas da África valendo-se da violência, torturas e mortes e expulsando
e matando os nossos antepassados andinos, os verdadeiros donos do território brasileiro: e
muitos povos ingenas foram expulsos de suas terras [...]. A exploração de escravos
vindos da África se intensificou até 1850, quando o tráfico de escravos foi proibido”
(MODERNA, 2007, p. 66) (grifos nossos). Como vemos várias atrocidades, barbáries,
violência, escravização e mortes continuaram sendo praticadas. Mas os responsáveis por
tudo isto são cordialmente descritos como nobres, elite cafeeira, barões do café,
fazendeiros, etc.,. Tudo é justificado em nome do progresso, do poder, da economia e do
acúmulo de riquezas por parte de uma minoria.
Justifica-se também o uso da violência como meio de garantir o progresso,
consequentemente, socializa-se estes meios tão cruéis para se alcançar seus objetivos. Como
mostramos anteriormente, o progresso técnico, o avanço das ciências e das artes não tem
levado a um progresso humano que proporcione uma vida melhor para todos. Acompanhemos
alguns excertos dos manuais didáticos:
Os fazendeiros que plantavam café ficaram muito ricos e eram chamados de
barões do café”. [...]. A princípio os fazendeiros utilizaram principalmente
78
mão-de-obra escrava. [...] As riquezas geradas pelo ca provocaram
profundas transformações na vida brasileira. Também ocasionaram o
crescimento e a modernização das cidades que ficavam localizadas próximas
ás áreas produtoras de café [...] (TAVARES, 2007, p. 117).
Em outros, lemos: “as invenções daquela época e a variedade de mercadoria,
eram acessíveis a uma pequena parte da populão. Os escravos, ou mesmo os forros e
homens livres, dificilmente tinham condições de aproveitar as muitas novidades surgidas no
período (MODERNA, 2008, p. 65). Acompanhemos mais um trecho de outro livro:
Os cafeicultores passaram então a investir os lucros obtidos não só em
novas plantações de café, mas também em bancos, que financiavam a
construção de ferrovias [...] e o desenvolvimento de outras atividades
econômicas, como o comércio e a indústria. Essas atividades, por sua
vez, impulsionaram o crescimento urbano (LUCCI, 2007, p. 91).
Não obstante, lemos, neste último livro citado, a triste, cruel e desumana
situação de nossos antepassados africanos:
No início, o trabalho nas plantações de café era feito por escravos, que
continuavam sendo trazidos da África [...]. Assim como nos
engenhos e nas minas de ouro, nas fazendas de café os escravos
eram propriedades do senhor, sendo obrigados a trabalhar várias
horas por dia em serviços pesados e recebendo castigos físicos
pelas faltas que cometessem, ou caso se rebelassem (LUCCI, 2007,
p. 85) (grifos nossos).
Toda violência cometida pelos cafeicultores sobre as pessoas que eles
cruelmente mantiveram escravizadas brutalmente é suavizada, eufemizada. Vejamos a
comparação feita entre a mão-de-obra dos imigrantes europeus e a mão-de-obra escravizada:
a principal diferença é que os imigrantes europeus não eram escravizados. Eles eram
assalariados, isto é, recebiam pagamento pelo trabalho que prestavam” (MODERNA,
2007, p. 66) (grifos nossos). Mesmo usado corretamente o termo escravizado no lugar de
escravo, o livro didático ainda eufemiza o texto. Assim, se há alguém escravizado, isto
implica que alguém está escravizando. Mas não diz quem, nem como e quais os métodos
utilizados. Por isso optamos, mesmo sendo repetitivos, por descrever certos termos seguidos
de adjetivos. Assim, o escravizador, o fazendeiro plantador de café, o cafeicultor, a elite
79
cafeeira, os barões do café cruéis, violentos e sanguinários mantinham milhares de pessoas
raptadas, seqüestradas no continente africano e mantendo-os de forma bárbara em condição de
escravidão valendo-se da crueldade, surras, castigos para fazê-las trabalhar sem nenhuma
recompensa a não ser a manutenção de suas vidas em condões miseráveis. Entretanto, o
livro em questão diz que a diferença entre uma pessoa escravizada e um imigrante europeu é
que este recebia um salário por seu trabalho. Ao fazer estes tipos de afirmação o livro didático
está sendo não leviano e demonstrando enorme desconhecimento da História, como
também está socializando o uso de meios tão cruéis de explorar outras pessoas, sejam quais
forem os objetivos, pois os autores de tais crimes não só não são criticados, mas são louvados,
glorificados e elevados a títulos de honrados cidadãos.
Neste mesmo livro, na página seguinte, vemos um exercício que reforça as
afirmações anteriores a respeito do trabalho imigrante europeu e do trabalho do escravizado:
“aponte a diferença entre os trabalhadores do ca de origem africana e os de origem
européia” (MODERNA, 2007, p. 67). Para crianças com idades entre dez e onze anos que
freqüentam a escola, que vivem em um mundo onde a palavra trabalho faz parte do cotidiano
significando relões formais e informais (com carteira de trabalho assinada; e sem estas
garantias, respectivamente), o texto citado gera uma interpretação baseada nas relações atuais
de trabalho. Desta forma, toda crueldade e violência na imposição da escravidão ficam
ocultas, portanto os alunos responderão simplesmente que é o assalariamento a tal diferença.
Assim os bárbaros mercenários são novamente isentados de suas responsabilidades e,
portanto, suas ações cruéis mais uma vez o validadas e socializadas.
Uma única vez percebe-se o reconhecimento da importância do fruto do
trabalho das pessoas mantidas na condição de escravidão desumana e cruel. Mas na seqüência
do texto é colocada uma situação negativa em relação aos escravizados. Novamente as
elites são poupadas das críticas. Vejamos: “durante séculos, os escravos foram responsáveis
pela produção da riqueza no Brasil. Mas, no final do século XIX, começaram a ser visto
como sinal de atraso(MODERNA, 2007, p. 68) (grifos nossos). O texto peca pelo uso
errôneo do termo escravo, pois este não existe em si. Ninguém nasce escravo. A escravidão é
uma condição imposta por alguém sobre outras pessoas. Ao cessar esta condição, a pessoa
volta a viver sua condição natural de liberdade. Outro problema grave é transferir para o
escravizado a significação do atraso. Na verdade, o que ocorreu no final do século XIX foi o
aperfeiçoamento de tecnologias de produção, novas máquinas, novas fontes de energias e,
conseqüentemente, o aumento de produção. Daí, então, a necessidade de aumentar também os
mercados consumidores. Uma pessoa mantida na condição escrava o é um consumidor
80
porque não dispõem de recursos financeiros para tanto. É mantido em condições desumanas e
miseráveis para que o bárbaro, cruel, violento e sanguinário explorador aumente seus próprios
lucros. Nesta época em que o capitalismohavia se consolidado como modo de produção na
maioria dos países europeus, os modos de produção baseados na escravização passaram,
eno, a ser vistos como atrasados e como impenlio aos interesses capitalistas europeus,
principalmente pela Inglaterra que se tornava a maior potência econômica da época.
Desta forma, quem eram os responsáveis pelo atraso não eram as pessoas
escravizadas (as quais simplesmente trabalhavam ou eram cruelmente castigadas, às vezes, até
morriam em decorrência dos maus tratos), mas sim os bárbaros fazendeiros, cruéis
cafeicultores, donos de engenhos e outros escravizadores sanguinários e retrógrados.
De acordo com o livro, o motivo pelo qual muitos lutaram pelo fim do regime
escravocrata não teve relação com a crueldade e degradação da condição humana, mas pelos
interesses comerciais e capitalistas em busca do maior lucro: “mas, no fim do século XIX,
começaram a ser vistos como sinal de atraso. Por isso, vários grupos passaram a defender o
fim da escravidão” (MODERNA, 2007, p. 68) (grifos nossos). Percebe-se que o modelo de
indivíduo teorizado por Freud assemelha-se aos indivíduos presentes nos livros didáticos de
história por causa de seus modos de vida e atitudes violentos, agressivos, cruéis e bárbaros em
busca de riquezas e poder, não poupando nem mulheres nem crianças. Vemos que a
preocupação em finalizar o regime escravocrata não tinha relação com a crueldade do regime,
da violência e injustiças que eram cometidas para mantê-lo. Na verdade, buscavam mesmo era
um regime mais lucrativo e com menores custos com a o-de-obra.
Entretanto, os bárbaros e cruéis fazendeiros cafeicultores, por terem gasto
muito dinheiro com a captura, transporte e manutenção de nativos africanos, escravizando-os
aqui no Brasil, eram contra a proibição da escravização de pessoas: para acabar com a
escravidão, houve uma longa disputa entre os grupos que defendiam a abolição e os
fazendeiros, que tinham investido muito na compra de escravos” (MODERNA, 2007, p.
68) (grifos nossos). Acompanhemos o texto de outro manual escolar: por terem gasto muito
dinheiro e por julgar que os escravos eram parte de seus bens, a maioria dos
proprietários fez de tudo para que a escravidão se prolongasse. Argumentavam que, sem
os cativos, a produção cafeeira seria inviável” (LUCCI, 2007, p. 87) (grifos nossos). De forma
indireta um outro livro didático apresenta o mesmo argumento que os bárbaros escravizadores
sempre se valeram para prolongar o direito de escravizar, vale dizer, os prejuízos financeiros
com a compra de pessoas para escravizar. Vejamos, Ventura, citado por Pinela (2005, p. 68)
destaca qu “com a libertação, os proprietários de escravos teriam grandes prejuízos, perderiam
81
o capital empregado na compra desses e a mão-de-obra [...] para a produção do café
16
. Tal
como descrito na teoria freudiana, sabemos que além de interesses econômicos por trás dos
discursos dos cafeicultores e outros bárbaros escravizadores está também o sadismo,
agressividade e violência dos indivíduos. Em outro livro, lemos: “a campanha pela abolição
enfrentava a forte resistência dos fazendeiros, que não queriam perder a mão-de-obra dos
escravos (MODERNA, 2008, p. 66).
A campanha abolicionista e a conseqüente abolição da escravidão em nosso
país criou leis para coibir, proibir que pessoas fossem submetidas à condão escrava. Mas
isto não quer dizer que o modo de agir e desejos cruéis, sádicos e violentos das pessoas
tenham sido atingidos por estas legislações. Os indivíduos continuam, tal como Freud os
descreveu, maus por natureza. A escravização de pessoas continuou, não em grande escala
como antes da lei Áurea. Dados atuais mostram a prática de escravização em pleno século 21,
confirmando as teses freudianas: desde 1995, quando o país reconheceu a violação de
direitos perante as Nações Unidas e o Ministério do Trabalho e Emprego começou esse
modelo de fiscalização, um total de 27.645 pessoas foram libertadas em mais de mil
averiguações” (REVISTA MELHOR, 2008, p. 1) (grifos nossos).
Estes números podem ser bem maiores, pois nem todas as denúncias são
averiguadas: “apesar do esforço realizado pelo governo, sabemos que ainda não é o suficiente,
pois não se consegue atender todas as denúncias” (ibidem, p. 1). Apenas em 2008, dados
ainda incompletos, foram 4,6 mil pessoas libertadas do trabalho escravo, mas com
possibilidades de aumento destes números: “os números ainda não são definitivos. Devemos
fechar o ano de 2008 com cinco mil libertados” (ibidem, p. 1). Isto explica o aumento de
27.645 pessoas libertadas para 32.931 desde 1995 a partir de ões governamentais: dados
do CPT [Comissão Pastoral da Terra] revelam que, entre 1995 e novembro de 2008, 32.931
trabalhadores foram libertados da condição de escravidão em todo o país”
(DEIGUALAIGUAL.NET, 2009, p. 1) (grifos nossos). Vemos que a escravidão é uma
condição e não uma característica como deixa subentendido nos livros didáticos e outros
textos ao usarem terminologias como: o escravo negro; o escravo africano; o escravo rural,
etc. Não obstante, além de transmitir a ideia do ser escravo, oculta toda a barbárie, violência e
crueldade das pessoas responsáveis pela manutenção e execução da condição escravizante.
Assim estar escravizado não implica ser escravo.
16
VENTURA, N.C. Negro: reconstruindo nossa história. São Paulo, Noovha América, 2003.
82
Não obstante, tal como ocorria no passado, os fazendeiros, os grandes
proprietários rurais, os latifundiários, (especialistas em coerção), não eram punidos nem
juridicamente e muito menos socialmente, pelo contrário, eles eram honrados e respeitados.
Assim também ocorre no presente, pois nenhum dos responsáveis pela escravização cruel e
bárbara de milhares de pessoas não são punidos. E por quê? Porque o Congresso Nacional,
com nossos “honrados” senadores e deputados não aprovam as devidas leis necessárias para
punir os bárbaros escravizadores: Plassat recorda que a proposta de emenda
constitucional que confisca terras dos proprietários que utiliza trabalho escravo está
tramitando 13 anos no Congresso Nacional [...]” (DEIGUALAIAGUAL.NET, 2009, p.
2) (grifos nossos). Lembremos que muitos destes senadores e deputados federais são grandes
proprietários rurais, outros tantos têm suas campanhas financiadas por fazendeiros,
latifundiários, pecuaristas e outros ligados à agricultura e, portanto, não lhes interessam
aprovar leis que vá puni-los ou quem os patrocinam. Vergonhosamente, nenhum dos bárbaros
escravizadores foram presos: além da punição pecuniária, com indenização por danos
morais, da inscrição na lista suja, com pressão do mercado, esperamos que o Ministério
Público e a Justiça agilizem as ações penais para que finalmente consigamos ver algum
fazendeiro atrás das grades” (DEIGUALAIAGUAL.NET, 2009, p. 2). Mesmo com toda
legislação e seus códigos processuais, a civilização o consegue modificar o homem
primitivo que habita em todos nós.
Seguindo a teoria psicanalítica observamos mais uma vez o conceito de
projeção atuando nas páginas do livro didático. No Rio de Janeiro, capital imperial, boa parte
da população era de escravos, que moravam na área central [...]. O cenário de pobreza
assustava os mais ricos, que temiam uma revolta popular” (MODERNA, 2007, p. 70). O livro
didático não comenta os atos de violência e barbárie que os mais ricos cometiam sobre os
mais pobres e principalmente sobre os escravizados. Vejamos uma breve definição de
projeção citada anteriormente: o sujeito atribui a outros as tenncias, os desejos, etc., que
desconhece em si mesmo: o racista, por exemplo, projeta no grupo desprezado as suas
próprias falhas e suas inclinações inconfessadas” (LAPLANCHE ; PONTALIS, 2001, p.
375) (grifos nossos). As características dos mais ricos (violência, crueldade, barbaridade), são
projetadas sobre os mais pobres. Mas isto ocorreu não no passado, na época da
escravização legitimada, mas também no presente ao se escreverem e produzirem estes livros
didáticos de história, pois ao se reconhecer o mecanismo de projeção atuando no passado
histórico, ao abordar o fato, visando a produção de conhecimento e formação de cidadãos
mais conscientes, críticos e solidários, deve-se esclarecer as relações de poder desiguais
83
existentes na época e elaborar as devidas críticas para que os alunos, em plena formação
psíquica e intelectual, não assimilem idéias, conceitos e preconceitos errôneos e tão
prejudiciais para as relações sociais.
(MODERNA, 2007, p. 71)
Na página 71 do livro PB, vemos uma pintura do século 19, de Rugendas,
que retrata a polícia abordando pessoas pobres e a legenda confirma a projeção e o
preconceito das camadas mais ricas sobre os mais pobres. Vejamos: a população pobre
assustava os mais ricos. Por isto, eram um alvo constante da atenção das autoridades”
(MODERNA, 2007, p. 21) (grifos nossos). Nos dias presentes ainda vemos que as autoridades
(policiais) abordando pessoas na rua por causa de suas roupas simples, pela cor da pele e sua
aparência. Sempre os mais pobres são os alvos. Isto é violência física e simbólica presente no
livro didático e no cotidiano do século 21. Todavia, as barbáries e violência das classes
dominantes são eufemizadas, camufladas ou simplesmente ignoradas.
Novamente, referindo-se ao Rio de Janeiro, um dos livros didáticos retrata os
ricos de forma positiva, ressaltando apenas qualidades e usa de eufemismos para esconder as
características negativas. Para falar sobre os mais pobres ressalta-se apenas defeitos: a
minoria era formada por ricos senhores, donos de escravos, terras e grandes negócios”
(MODERNA, 2007, p. 78) (grifos nossos). “Os baixos salários levaram o operariado a viver,
84
muitas vezes, em favelas e cortiços” (LUCCI, 2007, p. 95). Lembremos que estes baixos
salários eram pagos pelos mais ricos e privilegiados. Não obstante, “a maior parte dos
trabalhadores rurais recebia baixos salários e vivia em condições miseráveis” (TAVARES,
2007, p. 131). Também os imigrantes foram muitos explorados: “por causa dos baixos
salários que os imigrantes operários recebiam trabalhando nas fábricas, grande parte deles não
tinha condições de comprar ou alugar boas casas para morar” (PINELA, 2005, p.86). Os mais
ricos exploravam cruelmente os mais pobres e ainda escravizam milhares de pessoas de forma
brutal e violenta. Tal como definido anteriormente, os grandes proprietários de terra eram
especialistas em coerção (bárbaros mercenários). Já os mais pobres: e a maioria era
formada por africanos, muitos deles escravos. Os mais pobres não tinham emprego e
recorriam à mendicância e aos pequenos furtos” (MODERNA, 2007, p. 78) (grifos
nossos). Lembremos que nosso sistema educativo e conseqüentemente os livros e materiais
didáticos são baseados no modelo eurocêntrico e, que, por isto, estão impregnados de
preconceitos e, portanto, nós nos vemos e narramos nossa história a partir da ótica do outro.
Assim: “Todos, ou pelo menos os educadores conscientes, sabem que a história da população
negra é contada no livro didático é apresentada apenas do ponto de vista do “Outro” e
seguindo uma ótica humilhante e pouco humana”. (MUNANGA, 2005, p. 16)
Não a hisria dos negros, mas também das camadas mais pobres e, bem
como, dos nossos antepassados. Logicamente, desta forma, os alunos valorizarão apenas os
mais ricos e assimilarão suas atitudes e comportamentos. Portanto assimilarão também a
ganância, o desejo pelo poder e a riqueza e farão de tudo, mesmo que prejudicando a outros,
para se enriquecer e desfrutar dos prazeres que o dinheiro possibilita. Eis ai a socialização da
violência para indivíduos em plena formação da personalidade.
Mais uma vez o livro didático não critica as atitudes dos donos do poder em
mais um lamenvel fato de nossa história: Canudos. Um povoado formado por pessoas
pobres que fugiam das péssimas condições de vida nas cidades e fazendas (terras invadidas)
no interior da Bahia. O povoado crescia, por isto: “os fazendeiros e comerciantes locais
temiam uma revolta popular [...]. Então, o governo enviou várias tropas para destruir Canudos
[...]” (MODERNA, 2007, p. 82). Sobre este episódio descreve outro livro didático: “o
crescimento desse povoado passou a incomodar vários grupos da região, como os fazendeiros,
pois eles temiam que começasse a faltar mão-de-obra em suas fazendas. Então, passaram a
exigir que o governo acabasse com o povoado (TAVARES, 2007, p. 132). É necessário
lembrar que o povoado de Canudos tornara-se uma esperança de vida melhor para sertanejos
nordestinos, pois: “os moradores do sertão nordestino levavam uma vida muito difícil,
85
principalmente na época das secas. Ignorados pelos políticos e fazendeiros [...]”
(MODERNA, 2008, p. 88). Devido às pessoas fugirem das fazendas para Canudos, ao menos
são as justificativas encontradas nos livros didáticos, e começar a faltar mão-de-obra e o medo
de uma revolta mais geral, os fazendeiros passaram a exigir que o governo destruísse o
povoado de Canudos. Tratados como um inimigo internacional que invadira o território
brasileiro, quando na realidade eram brasileiros em busca de uma vida mais digna, “a quarta e
última expedição, enviada em outubro de 1897 e armada com canhões, fuzis modernos,
arrasou o arraial e causou a morte de milhares de sertanejos” (MODERNA, 2008, p. 88). Esta
atitude de extrema agressividade, barbárie e crueldade por apenas temer uma revolta que
muito provavelmente não aconteceria, justificou-se, assim, o massacre de milhares de
brasileiros para defender os interesses dos poderosos. Escreve, então, este livro didático a
respeito das pessoas de Canudos: “foram massacrados, em mais um episódio triste da história
do Brasil” (MODERNA, 2007, p. 82). É um episódio em que o diálogo deveria prevalecer,
pois eram brasileiros pobres em busca de uma vida melhor. Mas a violência preponderou em
defesa dos interesses dos mais ricos em todos os tempos. Neste caso de Canudos fica evidente
o interesse dos fazendeiros, pois: até 1930, a presidência foi ocupada por grandes
fazendeiros, basicamente cafeicultores de São Paulo e produtores de leite de Minas Gerais”
(MODERNA, 2007, p. 84). Um outro manual didático diz: “o domínio de paulistas e mineiros
na política brasileira durou até 1930 e ficou conhecido como República do Café-com-leite
(Moderna, 2008, p. 76). Em outro encontramos o seguinte a respeito desta união entre
mineiros e paulistas: “Sales iniciou em 1898, a chamada política do café-com-leite, uma
aliança entre os estados de São Paulo e Minas Gerais com o objetivo de controlar o governo
do Brasil” (TAVARES, 2007, p. 130). Lembremos novamente que grandes fazendeiros ou
grandes proprietários rurais foi definido por Charles Tilly como especialistas em coerção.
Portanto, não se deve esperar outra forma de resolução de conflitos senão a barbárie e a
violência. Ao se posicionar passivamente frente a tanta violência, o livro didático introduz a
naturalização e aceitação da violência como meio por excelência para mediar conflitos. É a
institucionalização da violência na conquista de riquezas e poder.
Assim sendo, os livros didáticos restringem-se a apenas narrar os fatos a
partir da ótica do dominante. Por isto ameniza a corrupção e as fraudes nas eleições, bem
como a violência do coronelismo que sustentava os presidentes no poder em troca de favores,
privilégios e cargos públicos. Tudo é narrado como se fosse natural as negociatas e trocas de
favores no âmbito político. Quando na realidade são atos de violência contra a maioria da
população que fica deixada de lado: os grandes fazendeiros mantinham-se no poder com
86
uma rede de corrupção”, bem como, “o poder dos presidentes era sustentado pelos coronéis
[...]. Eles dominavam a região em que moravam” (MODERNA, 2007, p. 84) (grifos nossos).
O voto não era secreto o que, por sua vez, facilitava as pressões e ameaças aos poucos
eleitores: “na época do ca-com-leite, o voto não era secreto. Nas eleições os homens que
podiam votar deviam dizer abertamente em quem estavam votando. Com isso, muitos
eleitores eram pressionados por lideres políticos regionais para que votassem nos candidatos
de seus partidos” (TAVARE, 2007, p. 130). Em outro livro lemos: “o voto era aberto e por
isto os eleitores eram pressionados pelos poderosos” (MODERNA, 2005, p. 96).
A corrupção também é violência, não por empregar a intimidação,
ameaças e, às vezes, a força bruta e assassinatos para conseguir objetivos excusos, mas
também devido ao fato de que o desvio de milhões de dinheiro público muitas pessoas deixam
de usufruir dos serviços públicos de qualidade.
Todavia, os livros didáticos de história comentam com a maior naturalidade
que havia corrupção. Mas não a trata como sendo uma forma grave de violência contra o
patrimônio público e todos os cidadãos e, por isto, atos de corrupção deveriam ser punidos
com penas máximas e duras por serem crimes que afetam toda a nação. Mas no Brasil, ocorre
o contrário, as penas são leves, cabem inúmeros recursos e no final ninguém é preso.
Em 1930 existia um sistema de corrupção e fraudes eleitorais conhecido como
política do café-com-leite em que se revesavam no governo federal representantes de Minas
Gerais (produtores de leite) e São Paulo (fazendeiros de café) desde a Proclamação da
República. Assim, para se chegar ao poder federal ou dominava-se o sistema fraudulento
eleitoral ou tomava-se o poder pela violência. Foi o que ocorreu, valeram-se da violência para
dar um golpe de Estado. Mas as fraudes eleitorais ocorreram em ambos os lados.
O lado vencedor das eleições obteve um milhão e cem mil votos (Júlio Prestes)
e o lado derrotado obteve 737 mil votos. Todavia, no Rio Grande do Sul, estado natal de
Vargas, ocorreu uma votação tão extraordiria em favor de Getúlio Vargas que se torna
impossível não ter ocorrido corrupção e fraude eleitoral: “o próprio exagero desconforme
no resultado final Getúlio 287.321 votos e Júlio Prestes apenas 789 parece uma
confissão de fraude” (CAVALCANTI, 1991, p. 71) (grifos nossos). Estas são informações
que raramente são encontradas em livros didáticos de história. Acompanhemos, então: “nas
eleições, ocorreram fraudes e o candidato lio Prestes acabou vencendo por uma grande
diferença de votos. Os membros da Aliança Liberal não aceitaram a derrota e, por meio da
chamada Revolução de 30, impediram a posse de Julio Prestes (TAVARE, 2007, p. 145).
Um outro diz: “a oposição aproveitou o momento para se aliar aos militares e derrubar o
87
governo. Assim, em outubro de 1930, o presidente Washington Luis foi afastado do cargo e a
oposição tomou o poder” (MODERNA, 2008, p. 97). Um diz que a oposição impediu a posse
do presidente eleito e no outro livro diz que o presidente foi afastado do cargo, eufemismos
para violência e golpe de Estado. Em outro lemos: “os opositores aproveitaram-se da situação
e deram um golpe de Estado, com apoio dos militares e, sobretudo, dos fazendeiros
descontentes com o governo” (MODERNA, 2007, p. 96). Querem transformar o golpe de
Estado dado por Vargas e seus partidários em uma Revolução, dar um ar de preocupação com
a nação, mas “como sempre ocorre nessas circunstâncias, a luta contra a corrupção foi
mero pretexto para a tomada do poder. Não foi nem a primeira nem seria a última vez que
esse tipo de mentalidade influiria brutalmente na política brasileira” (CAVALCANTI, 1991,
p. 72) (grifos nossos).
Novamente os métodos violentos usados na tomada do poder ou em busca de
riquezas não recebem nenhuma crítica nestes livros didáticos. Comportar-se assim perante a
violência é equivalente a aceitar e incentivar estes comportamentos brutais. Todavia querem
que as crianças, nos dias de hoje, os recusem e usem o diálogo como meio de solução de
conflitos. Torna-se quase impossível mostrar sucessivamente a eficácia da violência ao longo
da História e depois pedir que as crianças não assimilem e reproduzam os comportamentos
violentos em sua vida cotidiana. E mais, muitos bárbaros, cruéis e sanguinários personagens
históricos são vistos e retratados de forma positiva. Muitos deles o homenageados,
lembrados em nomes de ruas, praças, escolas, avenidas, rodovias e prédios públicos, etc.
Acreditamos que para se criar uma consciência de repúdio à violência e tentar
minimizar a agressividade e a violência inata dos indivíduos, bem como, tentar reverter a
reprodução de nossa cultura baseada na violência, devemos enfrentar de forma radical os
elementos socializadores da violência (a mídia, o sistema escolar, os livros didáticos, as
instituições públicas e seus funcionários e políticos corruptos, o pprio modelo de Estado, o
braço armado do Estado, as polícias militares e o próprio modelo de indivíduo que há séculos
é re-produzido).
Assim sendo, um primeiro passo radical e corajoso foi dado pelo deputado
estadual Minton Flávio (PSDB) com seu projeto de lei para alterar o nome de uma rodovia
(SP 332) de “General Milton Tavares de Souza” para “Professor Zeferino Vaz” (Criador da
Unicamp): “o motivo, de acordo com a proposta, é tentar acabar com homenagens em
logradouros públicos a participantes do regime militar” (JORNAL CORREIO POPULAR,
Campinas, 27/08/09, p. 4). Diz o deputado: “o país não pode continuar cultuando integrantes
88
da ditadura, que tiveram atitudes violentas contra os que lutaram pela redemocratização
(JORNAL CORREIO POPULAR, Campinas, 27/08/09, p. 4).
O projeto é bom e poderia abranger não o período do regime militar, mas
estender-se ao longo da nossa história e incluir civis e políticos corruptos e violentos.
Homenagear e cultuar pessoas que se valeram da violência para enriquecer, conquistar e se
manter no poder, ainda que tenham sido grandes políticos, estadistas ou grandes industriais,
banqueiros é também valorizar, incentivar e reproduzir seus meios e atitudes violentas.
Apenas para dar um exemplo, dentre tantos outros, Getúlio Vargas, apesar de ter sido um
grande estadista e político habilidoso, chegou ao poder valendo-se de fraudes e com um golpe
de Estado. Não obstante, flertou com os nazistas e os fascistas, impôs uma severa e violenta
ditadura ao país, perseguiu e matou adversários políticos. Currículo para lá de cruel, bárbaro e
violento. Todavia, é muito difícil encontrar uma cidade que não homenageie este cruel ditador
com seu nome em ruas, praças, avenidas, bairros ou prédios públicos.
Seguindo nossa análise chegamos a 1937, ano em que deveria ocorrer eleições
presidenciais, mas Vargas dá um novo golpe de Estado e se mantem no poder. Desta vez um
dos livros didáticos caracteriza este novo período como uma cruel ditadura”, onde “várias
pessoas foram presas, torturadas e mortas (MODERNA, 2007, p. 98) (grifos nossos). Em
outro livro descreve este momento é descrito assim:
De acordo com essa Constituição, o mandato de Getúlio terminaria em
1938, quando deveriam ocorrem novas eleições. Porém, em novembro de
1937, com o apoio de militares, Getúlio Vargas fechou o Congresso e
implantou o chamado Estado Novo, uma ditadura que durou oito anos
(TAVARES, 2007, p. 146).
Em outro lemos o seguinte: “de acordo com a constituição, em 1938 haveria
eleições diretas para presidente da República. Mas Vargas não queria deixar o poder. Alguns
meses antes das eleições, em 1937, Getúlio Vargas aliou-se aos militares e anunciou a
continuidade do seu governo” (MODERNA, 2008, p. 107). Pouco se fala da violência deste
período. Todavia este período foi caracterizado por mortes, torturas e pries de críticos e
opositores de Vargas: Getúlio Vargas também censurou jornais, revistas, e músicas que
questionavam o seu governo. Muitos críticos do Estado Novo [...], foram presos por
defenderem idéias contrárias ao governo” (MODERNA, 2008, p. 108) (grifos nossos). Por
que então, os períodos marcados pela crueldade, violência, barbaridades dos mercenários
europeus, que invadiram as terras dos nativos andinos (nossos antepassados brasileiros) e
89
outros o o considerados e denunciados como extremamente violentos e ditatoriais? E as
barbaridades, as degradações, crimes, violências e torturas cometidas sobre nossos
antepassados nativos africanos tanto aqui como na África? Será que na visão dos escritores e
editores destes livros didáticos estes fatos não foram violentos? Ou será que os bárbaros
europeus por sua superioridade bélica são vistos como disseminadores de civilidade?
Realmente parece que a superioridade bélica dos europeus lhes conferiu uma aparência de
superioridade civilizatória na visão de muitos historiadores e produtores de manuais didáticos.
Novamente em 1964 ocorre outro golpe de Estado. Desta vez os “militares
assumem” o poder por vinte e um anos. Como motivão diz um manual didático: “o
principal motivo foi o medo que alguns setores da sociedade, como os militares e
empresários, tinham da participação popular” (MODERNA, 2007, p. 112) (grifos nossos).
Vejamos o que diz outro livro didático:
Para certos setores, as crescentes manifestações populares estavam
conduzindo o Brasil a uma revolução. Fazendeiros, industriais,
banqueiros, empresários estrangeiros, membros da Igreja Católica,
militares e grande parte da classe média defendiam que era preciso
depor o presidente João Goulart, passar o comando do país para os
militares e conter os grupos considerados agitadores, mesmo que para isso
fosse preciso voltar a um regime ditatorial (MODERNA, 2008, p. 120)
(grifos nossos).
Novamente as medidas que João Goulart queria implantar são apontadas pelos
outros livros didáticos como determinantes para a aplicação do golpe “militar”.
Acompanhemos: “as propostas de João Goulart, no entanto, preocupavam os grandes
empresários e proprietários rurais do país, que tinham receio de que as reformas
causassem prejuízos a seus negócios. Um outro grupo que estava insatisfeito era o dos
militares(TAVARES, 2007, p. 152). Nesta mesma linha um outro livro didático escreve:
“embora agradassem à população, essas medidas contrariavam os interesses dos
investidores estrangeiros e dos mais ricos, que reagiram (LUCCI, 2007, p. 100) (todos os
grifos do paragrafo são nossos). Como se , a população é sempre deixada de lado ou
impedida de participar das decisões que devem nortear a nação. Sempre o interesse dos mais
ricos em detrimento da população. Este medo da participação popular nada mais é do que uma
projeção da violência dos mais ricos sobre os mais pobres (não que as pessoas mais pobres
não sejam também violentas). O que aconteceu é que as camadas mais ricas não queriam
perder os privilégios, o poder e a possibilidade de continuar explorando a mão-de-obra dos
90
pobres em troca de míseros salários. Como podemos perceber com os excertos citados acima,
o golpe foi dado por banqueiros, fazendeiros, industriais, investidores e outros setores ricos da
sociedade. Os militares, na verdade, serviram de escudo, proteção, objeto e meio de consumar
a tirania e a tomada do poder por parte das camadas mais ricas e da classe média do Brasil e
de investidores estrangeiros, bem como de outros países, haja visto que, o governo dos
militares foi reconhecido pela comunidade internacional, mesmo derrubando um governo
eleito democraticamente.
Vejamos, então, as propostas do presidente Goulart para entendermos como as
elites se valeram do aparato militar objetivando roubar o poder. Compreenderemos também
que toda violência, torturas, pries e perseguições políticas foram de responsabilidades das
elites que foram, por sua vez, executada pelos militares. (Assim, os livros didáticos projetam a
agressividade, violência e barbaridades das elites tambem sobre os militares).
Acompanhemos: “no inicio da década de 1960, o governo anunciou medidas que favoreciam
os assalariados: distribuão de terras e recursos para o trabalho rural, aumento do
número de escolas, direito do voto para os analfabetos, cobrança mais justa de
impostos” (LUCCI, 2007, p. 100). Um outro refere-se superficialmente as tais mudanças:
João Goulart lançou um plano de reforma que buscava melhorar a distribuição de renda no
país [...]. Esse plano previa uma reforma agrária [...]” (MODERNA, 2008, p. 120). Um outro
livro diz: “ele tinha planos de realizar uma série de reformas no país: a reforma agrária [...]; e
a reforma educacional, para alfabetizar milhões de brasileiros; entre outras” (TAVARES,
2007, p. 152).
Podemos, assim, entender como os livros didáticos de hisria (aqui em
análise) projetam a agressividade, violência e barbaridades das elites sobre os outros, neste
período recai sobre os militares. Vejamos como apenas os militares são acusados pelas
atrocidades ocorridas no período militar iniciado em 64: logo que os militares assumiram o
poder, teve início um período de desrespeito aos direitos dos cidadãos. Todas as pessoas
que eram consideradas adversárias do governo podiam ser presas ou exiladas” (TAVARES,
2007, p. 153). Em outro livro: esse período foi marcado pelo autoritarismo dos
governantes [...]” (LUCCI, 2007, p. 100). Lemos em outro: “as liberdades individuais
voltaram a ser suspensas e as autoridades puderam praticar novamente todo tipo de
violência [...]. O regime militar no Brasil foi um período de muita violência e repressão
(MODERNA, 2005, p. 121) (todos os grifos do paragrafo são nossos). Um outro diz: a
violência do regime militar foi tão grande que causou reações em vários setores da
sociedade”, e em outro trecho: muitos opositores foram presos, torturados e mortos”
91
(MODERNA, 2007, p. 112) (grifos nossos). Os interesses dos emprerios e mais ricos não
são questionados e nem mesmo os atos de violência são criticados de forma dura e direta para
que se desenvolva uma consciência de repúdio à violência. Pois sempre os mais violentos,
cruéis e sanguinários é que aparecem como vencedores, ricos, poderosos e governando as
nões. Isto é mais do que um incentivo para se valer da violência, é um manual, uma cartilha
de instruções para se enriquecer, viver bem e ainda governar (municípios, estados e países).
Ainda que em tom de lamento por parte de alguns dos textos didáticos, o
objetivo das elites foram concretizados através dos sucessivos golpes de estado e o uso
constante da violência. Assim, após vinte e um anos de ditadura “militar”, estes deixaram o
poder consolidado e com garantias constitucionais asseguradas pelo “Estado Democrático de
Direito” nas mãos das elites. O que parece ser uma tragédia social, na verdade, é o resultado
das manobras precisas das classes dirigentes mais ricas, vale dizer, um crime premeditado
contra a sociedade brasileira. Vejamos, então, como isto ocorreu e como os discursos dos
livros didáticos apresentam estas questões:
Apesar da represo e da falta de liberdade durante o governo
militar, nosso país passou por um período de crescimento
econômico. Nesse período, várias empresas multinacionais se
instalaram no Brasil, e o governo investiu muito dinheiro na
realização de grandes obras [...] (TAVARES, 2007, p. 155) (grifos
nossos).
Porém, neste mesmo livro lemos: a crise do milagre econômico acentuou o
descontentamento com o regime, acusado de ter aumentado as desigualdades regionais e
sociais, com uma brutal concentração de renda junto aos mais ricos” (Linhares, M.Y.
(org.) 1990 citado por TAVARES, 2007, p. 155) (grifos nossos). Em outro livro vemos os
mesmos resultados: o traço mais marcante do país no novo século, porém, continua
sendo a extrema pobreza em que vivem milhões de brasileiros” (MODERNA, 2005, p.
130) (grifos nossos). O mesmo é encontrado em mais um livro didático: “em parte, como
resultado de todo esse processo, o Brasil tornou-se um dos países com maior desigualdade
social. Apesar de haver muita riqueza, ela se concentra nas os de poucos(LUCCI,
2007, p. 100) (grifos nossos). Não obstante, ainda se referindo ao regime militar, comenta um
livro didático: “o governo da ditadura militar adotou um conjunto de medidas que ficaram
conhecidas como milagre econômico. Foi um plano para promover o crescimento do país,
trocando a falta de liberdade, por um ganho econômico” (MODERNA, 2007, p. 114)
92
(grifos nossos). Todos estes discursos servem apenas para eufemizar as verdadeiras intenções
de quando o golpe “militar” foi deflagrado. Lembremos, então, os motivos que justificaram a
derrubada do presidente João Goulart eleito democraticamente. Este pretendia distribuir
terras e recursos aos trabalhadores rurais, dar direito de voto aos analfabetos, aumentar o
número de escolas e estabelecer uma cobrança mais justa de impostos
17
, bem como, “buscava
melhorar a distribuição de renda no país” (MODERNA, 2008, p. 120). Perguntamos,
eno, quais foram os grupos que impediram uma melhor distribuão de renda e de uma
reforma agrária que pudesse melhorar a vida dos pobres e explorados? Foram os
“fazendeiros, industriais, banqueiros, empresários estrangeiros, membros da Igreja
Católica, militares e grande parte da classe média” (MODERNA, 2008, p. 120). Os fatos
falam por si próprios.
Esta má distribuição de renda e a conseqüente concentração nas mãos de
poucos não ocorreu aleatoriamente ou por causa das crises econômicas . Isto ocorreu,
portanto, por causa das classes dirigentes, das elites de nosso país que ao primeiro sinal de
que poderiam ocorrer mudanças estruturais com as reformas propostas por João Goulart,
valeram-se do aparato bélico e das forças armadas e do aparelho repressor do Estado (as
polícias militar e civil), para aplicarem um novo golpe na população brasileira. É a violência
como elemento principal de enriquecer e conquistar o poder. Fórmula esta que se repete desde
os primeiros anos das invasões dos bárbaros europeus ao território de nossos ancestrais até os
dias atuais, que, com a diferença de serem mais sutis e se valerem dos mecanismos da
corrupção e tráfico de influência e das forças armadas.
4.1 A Corrupção:
Burocratização e Institucionalização da Violência
A corrupção é uma forma de violência silenciosa, mas de grandes
proporções e efeitos devastadores em termos econômicos, políticos, social e pessoal. A
economia é atingida porque ocorre fraudes em concorrências blicas, roubos de patentes na
iniciativa privada, vazamento de informações privilegiadas, etc, que alteram os gastos
públicos e privados que poderiam ser melhor aplicados em obras úteis. No âmbito político
podem ocorrer eleições fraudulentas em que são eleitos pessoas com más intenções ou sem
capacidade para gerir o dinheiro público, o que por sua vez, afetará a economia. A sociedade
17
A reforma tributária tramita há décadas no congresso e nunca é aprovada. A reforma política também es
emperrada décadas, bem como a reforma do judiciário e da Previdência Social.
93
paga pelos erros, subornos, propinas, corrupção, obras superfaturadas ou pela não execução
de obras necessárias. Paga não em sentido financeiro, mas também com prejuízos sociais
com a falta de infra-estrura, segurança, saúde, etc. Ao que se refere à pessoa em si, é esta que
sentirá em seu cotidiano a falta de serviços blicos descentes: a falta de médicos; falta de
medicamentos; falta de leitos hospitalares; falta de vagas em creches, água encanada, coleta e
tratamento de esgoto, escola e etc.
Nesta mesma perspectiva que adotamos a corrupção como uma modalidade de
violência, encontramos apoio em outros textos.Vejamos:
desta forma, uma explosão do conteúdo do que será considerado violento
indo alem da redução da violência à violência da criminalidade [...] Esta
explosão emoldura esta violência da criminalidade com outras violências
sociais e econômicas, com a vioncia do Estado e das instituições.
A partir dessa perspectiva, é possível, atualmente, construir a idéia de
que a corrupção é um crime violento, pois vítimas e agressores, além
de provocar injustiça, dano e lesão para uma coletividade (SCHILLING,
2007, p. 22) (grifos nossos).
Não obstante, esta autora relaciona a corrupção com o crime organizado e, bem
como, a corrupção já é uma das formas de crime organizado: “Não há crime organizado sem
corrupção e é possível tratar a corrupção como uma das formas específicas de crime
organizado (SHILLING, 2007, p. 23) (grifos nossos).
A corrupção existiu em todos os cantos do mundo e em todos os tempos. Como
não é nosso objetivo, citaremos apenas alguns casos que nos auxiliará a caracterizar melhor a
corrupção e suas variações como violência grave e que deveria receber punição exemplar.
Apenas para ilustrar o quão grave é a corrupção, lembremos que na China muitos casos de
corrupção são punidos com a morte:
um ex-diretor da empresa estatal que controla 30 aeroportos chineses,
incluindo o de Pequim, foi executado depois de ser condenado por corrupção
[...]. Li Peiyng foi considerado culpado de receber subornos no valor de US$
4 milhões (o equivalente a R$ 7 milhões) e de se apropriar indevidamente de
outros US$ 12 milhões (RS 22 milhões ao longo de 14 anos)
(ESTADÃO.COM, 2009).
Neste mesmo texto vemos que outros chineses foram condenados à morte
também por corrupção:
94
na quinta-feira, dois empresários também foram executados, condenados por
enganarem investidores em uma fraude de US$ 120 milhões (R$ 219
milhões). A Suprema Corte Chinesa disse que Du Yimim e Si Chaxian
prejudicaram seriamente a regulamentação financeira do país e sua
estabilidade social (ESTADÃO.COM, 07/08/2009). Dentre outros casos.
Como podemos perceber com o exemplo chinês, a corrupção pode ser
considerada um crime grave e receber a punição máxima, pois afeta milhares de pessoas que
poderiam ser beneficiadas com a aplicação correta dos recursos desviados. Assim uma pessoa
que desviasse dinheiro público em fraudes, obras com valores acima do mercado, poderia ser
culpada pelos prejuízos que o dinheiro roubado causou por não ter sido aplicado em seu
devido fim. Por exemplo, se uma ou várias pessoas morreram por falta de atendimento
médico ou cuidadosdicos necessários porque faltou verba que fora desviada, eno o
corrupto responderia por homicídio culposo devido sua atitude criminosa ter afetado a vida de
cidadãos inocentes.
Enquanto indivíduos que atuam no setor blico e outros tantos na iniciativa
privada ficam milionários praticando a violência da corrupção, da fraude, propina, subornos,
etc., pessoas passam fome, outros morrem esperando por cirurgias e atendimento médico,
outros morrem por doenças que poderiam ser evitadas com água encanada e coleta de esgoto e
outros morrem vítimas de assaltos por falta de policiamento, etc.
A corrupção está em todos os cantos e governos. Isto ocorre o só no Brasil,
mas no mundo todo: “como a recente crise mundial mostrou sobejamente (já nos esquecemos
dela?), a corrupção é endêmica tanto no mercado quanto no Estado em qualquer latitude do
globo(SOUZA, 2009, p. 1). Mas de qualquer forma vamos nos restringir a apenas ao Brasil
para caracterizar a corrupção como violência.
Voltemos, então, aos tempos de nossa independência para verificar como a
violência da corrupção afeta diretamente não as instituições, mas também os indivíduos:
“nos primeiros dias da independência, a corrupção brasileira colocou-se, brutalmente, a
serviço do tráfico de escravos. Foi esse, sem vida, o pior episódio, o mais abrangente,
dramático e vergonhoso da longa trajetória da corrupção no país” (CAVALCANTI,
1991, p. 33). Apesar do equívoco em relação ao uso do termo “escravo”, como já explicamos,
o trabalho deste autor sobre a corrupção no Brasil é um excelente livro que revela os
bastidores da corrupção.
Seguindo os passos deste autor, encontramos informações e dados importantes
sobre a violência da corrupção e o conseqüente envolvimento das autoridades. Vejamos:
95
nos trezentos anos de duração total do tráfico foram trazidos para o
Brasil cerca de 5 milhões de africanos. Desse total, não menos de meio
milhão chegou entre 1830 e 1850, duas décadas de total ilegalidade, mas
também de total conivência ou tolerância das autoridades
(CAVALCANTI, 1991, p. 34).
São números alarmantes, pois 5 milhões de pessoas equivale a cinco vezes a
população da cidade de Campinas, interior de São Paulo. Gorender fala em números mais
estarrecedores em relação ao continente americano: três séculos e meio de tráfico e a
introdução de 13 a 15 milhões de africanos no continente americano indicam
lucratividade atraente e contínua, apesar de freqüentes oscilações(GORENDER, 1978, p.
517). Isto se explica não pela lucratividade, mas também pela maldade humana, a ambição
e desejo de subjugar os mais fracos. Para Freud isto se deve à inclinação inata para a agressão:
“Em tudo que se segue, adoto, portanto, o ponto de vista de que a inclinação para a
agressão constitui, no homem, uma disposição instintiva original e auto-subsistente, e
retorno a minha opinião [p. 168] de que ela é o maior impedimento à civilização” (FREUD,
1978, p. 175) (todos os grifos do parágrafo são nossos).
A comercialização de nativos africanos (nossos antepassados) por si era
vergonhosa, vil, degradante, cruel e bárbara. Tudo isto se dava aos olhos, a conivência e a
participação de autoridades e do governo. Vejamos,Wise,citado por
Cavalcanti(1991,p.34),destaca que:
três maneiras de se fazer fortuna no Brasil ou com o tráfico
negreiro, ou negociando com escravos, ou tendo uma casa exportadora
de café. Apenas os comerciantes estrangeiros se dedicam ao café e todo
brasileiro “influente” tem de participar, mais ou menos, direta ou
indiretamente, das duas primeiras atividades. Os traficantes o, pois,
ou homens que detêm o poder, ou os que emprestam aos homens do
poder e os manobram. Assim, o próprio governo é, na realidade, um
governo traficante, contrário às suas próprias leis e tratados
18
. (grifos
nossos).
Mesmo com a proibição do tráfico de pessoas para escravizá-las, este
comércio prosperou com a violência da corrupção de policiais, autoridades portuárias e
políticos. “No porto de Paranaguá, por volta de 1840, [...] O próprio chefe de polícia era o
18
Wise,H.A.(embaixador americano no Rio de Janeiro)em carta ao secretário de Estado James Buchanan,em
1846,em BETHELL,L.A abolição do tráfico de escravos no Brasil.sd.
96
principal negreiro da região” (CAVALCANTI, 1991, p. 37). Ainda segundo este autor, autos
escalões do Exército e da Marinha participavam do cruel e desumano comércio de pessoas.
Acompanhemos então:
políticos dos mais respeitados, reservas morais do Império, estimulavam
o tráfico ao comprar para si mesmos escravos recém-chegados
escravos estes que, legalmente deveriam ser declarados inteiramente livres
ao desembarcar no Brasil. Assim, por volta de 1831, cerca de 30 africanos
que haviam sido desembarcados numa praia próxima ao Rio de Janeiro,
traziam a marca a ferro em brasa do regente do imperador, Pedro de
Araújo Lima, que mais tarde seria visconde e depois, marquês de
Olinda. Segundo nota de um jornal antiescravista do EUA, o ministro da
justiça brasileira, Paulino José Soares de Souza, visconde de Uruguai,
abandonara momentaneamente suas atividades em 1842 para conduzir
50 negros recém-importados a sua propriedade no interior da
província do Rio de Janeiro (CAVALCANTI,1991, p. 38) (grifos nossos).
Vários outros casos são relatados por este autor, mas não cabe aqui reproduzi-
los. Lembremos apenas que, de acordo com Freud, a escravização está relacionada com a
maldade inata dos indivíduos, além é claro de interesses econômicos. Assim, o grande número
de nativos africanos capturados, transportados e escravizados aqui no Brasil deve-se também
aos baixos preços que se pagava por estas pessoas [nossos antepassados africanos] e a grande
rentabilidade que eles proporcionavam:
O absoluto desprezo com que os senhores brasileiros tratavam da
saúdes de seus escravos o mesmo ocorrendo, aliás, nas colônias
espanholas, holandesas, francesas e inglesas do Caribe tinham raízes
contábeis. “O preço dos escravos fornecidos pelos negreiros era o
barato que valia mais substituir os que morressem do que se preocupar
com o bem-estar dos que aqui já se encontravam” (CAVALCANTI,
1991, p. 39) (grifos nossos).
Não obstante, a lucratividade era muito alta com baixos investimentos:
A renda per capta dos escravos de Pernambuco, da Bahia e de Minas Gerais
eles duravam em média uns cinco anos no trabalho mas a renda per
capta dos nossos escravos era, então, a mais alta do mundo. Nenhum
trabalhador naqueles séculos, na Europa ou na Ásia, rendia em livras que
eram os dólares da época como um escravo trabalhando num engenho no
Recife, ou lavrando ouro em Minas Gerais; ou depois, um escravo, ou
mesmo um imigrante italiano, trabalhando num cafezal em o Paulo
(RIBEIRO, s d, p. 2).
97
Tudo isso é ocultado nos livros didáticos de história.
Mas a violência da corrupção não se restringiu a apenas aos períodos das
invasões bárbaras ao nosso território (dos nossos antepassados) e aos períodos após a
independência. Também nos tempos atuais a violência da corrupção continua fazendo parte
dos jogos de poder. Na unidade nove do livro “Projeto Buriti” (Ed. Moderna), “Nosso
Tempo”, esta modalidade de violência fica totalmente oculta, parece que não existe, foi
extinta. Em Tavares (2007) e Lucci (2007) nem se quer fala em corrupção na atualidade, esta
forma grave de violência. No outro livro da Moderna (2005) também parece que a corrupção
foi extinta após a era Collor. Já o livro de Pinela (2007) não chega a narrar em sua páginas a
história mais recente do Brasil. Mas relataremos alguns casos e veremos o quanto de dinheiro
foi consumido por esta violência e, consequentemente, os prejuízos sociais e pessoais
decorrentes desta modalidade de violência.
Esta é uma modalidade de violência dominante em nossos dias, mas o é
caracterizada e criticada nos livros didáticos de história que estamos analisando. É uma forma
grave de crime, o para nós, mas também para pessoas da área jurídica, tanto que se
considera que a corrupção deveria ser um crime imprescritível, isto é, independente do tempo
que se passou, obtendo elementos processuais consistentes, poderia abrir um processo:
‘Acho que crimes graves como o homicídio, peculato, corrupção, sonegação pesada,
crimes contra o sistema financeiro, esses macros, a macrocriminalidade, deveriam ser
imprescritíveis”’ (BARROS, 2005, p. 15)
19
(grifos nossos). Mas no Brasil, a violência da
corrupção não leva ninguém para a cadeia e muito menos os milhões de reais roubados dos
cofres públicos jamais são recuperados.
A corrupção, de acordo com Cláudio Fontelles, ‘“se institucionalizou”’, (
BARROS, 2005, p. 14), entranhou-se na burocracia estatal, desta forma, consome enormes
quantias de dinheiro que deveriam ser aplicados nos serviços públicos. São cifras
astronômicas: “estima-se que 1 trilhão de reais transferiu-se do setor público para o
privado nas privatizações” (VIANA, 2005, p. 28) (grifos nossos). Todavia, devemos frisar,
que a corrupção, sonegação e outros crimes financeiros ocorrem também na iniciativa
privada. Assim sendo, os impostos devidos por empresas poderiam ser aplicados em serviços
públicos beneficiando milhares de pessoas: “na sonegação e evasão fiscal são 300 bilhões
de reais por ano, dos quais 100 bilhões em débito com a Previdência” (VIANA, 2005, p.
28). (grifos nossos). De acordo com estes dados, a cada três anos e meio teremos um montante
19
Trecho da Entrevista de Cláudio Fontelles,ex-procurador-geral da República.
98
de aproximadamente um trilhão de reais que poderiam ser aplicados em educação, saúde,
saneamentosico, em segurança, combate à fome e à pobreza e em outros programas sociais.
Mas estes bilhões ficam nas mãos de uma pequena parcela da população. Os cem bilhões em
débitos com a Previdência cobririam com folga os déficits da Previdência Social e ainda
sobraria para poder reajustar os valores miseráveis das aposentadorias de milhões de
brasileiros que deram suas contribuições ao desenvolvimento do país enfrentando trabalhos
duros e degradantes, insalubres e periculosos. São pessoas de carne e osso que sofrem com a
violência da corrupção. Elas o são meros dados estatísticos ou um simples dente das
engrenagens do progresso e da economia. Elas sentem, têm desejos e sonhos que não são
realizados e, portanto, sofrem. Como sempre ocorreu ao longo da história da humanidade a
maioria das pessoas são subjugadas e exploradas por uma minoria que desfruta das riquezas
que as sociedades acumulam. Para tanto, valem-se do uso da violência física, da coerção ou
da violência da corrupção. Vejamos:
o ex-Secrerio da Receita Federal Everardo Maciel declarou à CPI dos
bancos, em 1999: “Metade das 530 maiores empresas do Brasil não
pagavam imposto de renda, (...); e das 66 maiores instituições
financeiras, 42 por cento não recolhiam um centavo”. No campo, estima-
se que os 2500 maiores latifúndios pagam 300 milhões de reais de
impostos quando deviam pagar 8 bilhões (VIANA, 2005, p. 28) (grifos
nossos).
A corrupção é generalizada, institucionalizada porque maximiza os lucros das
empresas, enriquece alguns funcionários públicos e políticos que participam das quadrilhas de
criminosos especializados em fraudes, sonegação, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
Mas por que ninguém é preso? Porque a legislação propicia a corrupção por considerá-la um
crime leve, quando na verdade não o é, pois atinge a sociedade por inteiro. Por isso a
corrupção deveria ser caracterizada como um crime imprescritível. Devido ,então, às brechas
nas leis, com inúmeros recursos e as formalidades processuais, os criminosos ficam impunes
devido à prescrição dos crimes: ‘“pode recorrer infinitas vezes, o existe uma regra
dizendo que pode utilizar dois ou três recursos. Se é um advogado criativo,
inteligente, ele bola inúmeros recursos. Isso é uma barbaridade, tem que terminar”’
(BARROS, 2005, p. 15)
20
(grifos nossos). Devido aos inúmeros recursos e a morosidade da
justiça, somando-se a isto o fato de os políticos terem foro privilegiado, eles nunca são
condenados em última instância: “quanto à morosidade, nos últimos 40 anos o STF nunca
20
Excerto da entrevista de Cláudio Fontelles,ex-procurador geral da República.
99
condenou um político e rias prescrições decorrentes da morosidade foram declaradas. A
carreira parlamentar, a propósito, assegura foro privilegiado e prisão especial”
(MAIEROVITCH, 2009, p. 3). Seguindo a tradição do STF de não condenar políticos,
lembremos um caso mais recente: “STF rejeita denúncia contra Palocci (JORNAL
CORREIO PUPULAR, Campinas, 28/08/09, p. b4). Esta denúncia referia-se à quebra do
sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa. Todavia, esta foi mais uma
absolvição dentre tantas outras: “a decisão sepulta a 21ª e última investigação do STF conta
Palocci, a maioria delas relacionadas a suspeitas de irregularidade em suas gestões como
prefeito de Ribeirão Preto (JORNAL CORREIO POPULAR, Campinas, 28/08/09, p. b4).
Não são os políticos que se beneficiam com tratos especiais, mas também
pessoas ricas e influentes. Daniel Dantas recebeu dois hábeas corpus em menos de 24 horas
expedidos pelo presidente do STF, Gilmar Mendes, que ficou de plantão até de madrugada
para livrar este banqueiro da cadeia. Não obstante, Daniel Dantas recebeu proteção
novamente da instancia maior do judiciário brasileiro. A ministra do STF, Ellen Gracie,
interferiu nas investigações da Policia Federal: Ellen Gracie impediu a abertura dos discos
rígidos dos computadores do Opportunity, algo semelhante a impedir a entrada da polícia em
um quarto onde jaz o cadáver de uma pessoa assassinada por um poderoso”
(MAIEROVITCH, 2009, p. 2). A corrupção portanto, também já se entranhou no judiciário.
Por um lado os criminosos saem impunes, por outro lado a população é punida duramente
porque muitos serviços blicos deixam de ser prestados, implantados ou melhorados por
falta de verbas. As mesmas verbas que foram desviadas, roubadas, sonegadas. A corrupção,
portanto, deveria ser tipificada como crime grave e hediondo.
Acompanhemos, então, alguns casos mais conhecidos de violência da
corrupção porque ganharam a atenção da mídia, muitos dos quais ocorreram durante os oito
anos de governo F.H.C., em que o procurador-geral da república, Geraldo Brindeiro, que
deveria comandar o Ministério Público nas investigações de casos de corrupção, sonegação,
fraudes, etc., e processar os culpados, mas nada fazia, ficou conhecido como o engavetador-
geral da República”, que reinou no cargo indicado pelo presidente FHC”(BARROS,
2005, p. 14) (grifos nossos).
“CPI do Orçamento”: O escândalo levou à instalação da CPI, para
investigar quarenta parlamentares, quatro ex-ministros, dois ministros e três
governadores” (VIANA, 2005, p. 28) (grifos nossos). A participação de agentes blicos
eleitos e indicados foi predominante. Não ninguém foi preso como o dinheiro roubado
também não retornou aos cofres públicos. As penas ximas resumiram em perdas de
100
mandatos e perdas de direitos políticos por oito anos. Penas muito longe do que os chineses
aplicam em casos semelhantes.
“A Vergonha Colorida No governo Fernando Collor de Mello (1990-
1992), o dinheiro público financiou festas de arromba, cachoeiras artificiais a até calcinhas
importadas para a então primeira-dama, Roseana Collor”. Uma CPI conseguiu desvendar o
que foi chamado de “Esquema PC”, por causa do tesoureiro de campanha eleitoral Paulo
sar Farias: “Verificou-se que inúmeros empresários eram devedores de favores à PC,
pagando propina. Algumas empresas apontadas pelas investigações: Grupo Votorantin,
Norberto Odebrecht, Andrade Gutierrez, Viação Itapemirim, Mercedez-Bens, Vasp, Sharp,
Copersucar e laboratório Laborcel(id.ibid, p. 28). PC Farias foi condenado, mas depois em
liberdade condicional foi encontrado morto com sua namorada. Collor foi cassado. Também o
dinheiro nunca voltou aos cofres públicos. Atualmente Collor é senador pelo estado de
Alagoas.
“Prédio do TRT O escândalo da construção do prédio do Tribunal Regional
do Trabalho de São Paulo remonta à era Collor. A obra começou um 1992 e terminou em
março de 2004, depois de torrar mais de 400 milhões de reais(id.ibid, p. 28). Apenas o juiz
Nicolau dos Santos Neto foi condenado. Está em prisão domiciliar. Nem um só centavo
retornou aos cofres públicos.
“Máfia dos Bingos [...] Estima-se que as casas de bingo sejam responsáveis
pela lavagem de mais de 200 milhões de reais por ano” (id.ibid, p. 28). Envolvia doleiros,
bicheiros, traficantes de drogas e políticos. Ninguém foi preso.
“Rombo do Banespa -... O rombo do Banespa foi estimado em 20 bilhões de
reais (id.ibid, p. 29). Constatou-se irregularidades nas gestões de Orestes Quércia e Luiz
Antonio Fleury. Este foi eleito deputado federal e quando instaurou uma CPI para investigar o
Banespa, ele mesmo foi o relator. Inocentou Quércia e ele mesmo.
O Banespa foi privatizado por 7,05 milhões de reais. No entanto, foi
descoberto que este banco tinha um patrimônio positivo de 1,7 bilhão. Ninguém foi preso.
Apenas os 7,05 milhões de reais obtidos com a venda foram parar nos cofres públicos, mais
nada.
“Privatizações Ninguém sabe onde foi parar os 82,5 bilhões de reais
arrecadados no processo de desestatização no primeiro governo FHC” (id.ibid, p. 29). O
governo investiu 21 bilhões de reais no sistema Telebrás e o vendeu por 8,8 bilhões de reais,
sendo que 50% deste total foi financiado pelo BNDES. Nestes processos estavam envolvidos
101
grandes empresas, bancos, ministros e deputados federais e o próprio presidente da República
FHC.
“Vale do Rio Doce Outra ia da coroa foi privatizada em maio de 1997
[...] Foi vendida por 3,3 bolhões de reais [...] Desde a privatização, os lucros da Vale já
ultrapassaram os 15 bilhões de reais, quase cinco vezes o valor da venda” (id.ibid, p. 29).
Vemos que o patrimônio público é tratado com descaso total, bem como a própria população
também é desrespeitada e menosprezada pelos políticos eleitos e indicados. As privatizações,
se bem gerenciadas visando o bem público, poderiam render bilhões de reais para serem
aplicados em benefício das pessoas mais pobres e da sociedade no geral. Mas foram feitas
apenas para beneficiar alguns políticos e a iniciativa privada.
O descaso, menosprezo para com a coisa pública e a roubalheira não param por
ai. Lembremos do Escândalo SIVAM, do PROER, dos bancos Marka Fonte Cindam, da
Emenda da Reeleição em que alguns deputados “confessaram ter recebido 200.000 reais de
propina para votar a favor da emenda constitucional que autorizava o presidente,
governadores e prefeitos a concorrer à reeleição(VIANA, 2005, p. 30). Tem o caso do
Banestado envolvendo nomes de deputados e outras autoridades financeiras. Tem o escândalo
CBF NIKE, dentre tantos outros que caíram no esquecimento, e outros milhares de casos
envolvendo pequenas quantias que nem mesmo são noticiados, muitos dos quais envolvem
prefeituras do Brasil inteiro. Seria impossível descrever todos os casos de corrupção
corruptiva, pois ainda que se tentasse um feito desta magnitude, ao seu final teria ocorrido
tantos outros casos que ficariam fora da primeira edição que, ao ser publicada, estaria
desatualizada:
de acordo com o levantamento do órgão fiscalizados do Poder Executivo,
95% das cidades visitadas pelos agentes da CGU apresentam problemas
na administração dos recursos federais que lhes foram repassados nos
últimos anos. Esses problemas, na maior parte dos casos, são na verdade
indícios de malversação do dinheiro público, que muitas vezes se traduz
em licitações fraudadas, comprovação de gastos com notas frias e falsas
ou na apropriação pura e simples de recursos por parte dos agentes
municipais (BOECHAT, 2009, p. 37) (grifos nossos)
A CGU (controladoria geral da união) fiscaliza apenas os repasses de verbas
federais, ficando de fora os repasses estaduais e as verbas arrecadadas pelos próprios
municípios através de seus impostos. É um convite à roubalheira por falta de fiscalização: “os
relatórios da CGU mostram que a prática de desviar recursos públicos nas pequenas
cidades brasileiras é tão dissemida quanto à certeza da impunidade por parte dos
criminosos” (BOECHAT, 2009, p. 38).
102
Existem os Tribunais de Contas Estaduais para fiscalizar os estados e os
municípios, mas são órgãos que não recebem fiscalização externa, por isto a corrupção
também ocorre no âmbito dos órgãos fiscalizadores: “de norte a sul no país, exemplos de
conselheiros suspeitos de enriquecimento ilícito, de ter contas bancarias no exterior e de
receber propinas de empresas (NUNES, 2009, p. 56). Responveis pelas aprovações ou não
de contratos e as contas de estados e municipais, os TCEs tornaram-se focos de disputas e
indicações políticas para facilitar a vida de governadores e prefeitos aliados. Assim os
conselheiros são indicados aos TCEs por seus vínculos políticos:
Antes de ser nomeado para o tribunal de contas de São Paulo, Robson
Marinho [investigado por corrupção] foi chefe da Casa Civil do governador
Mario Covas (PSDB) e coodernador de sua campanha para o governo em
1995. Eduardo Bittencourt de Carvalho [investigado por enriquecimento
ilícito, evasão de divisas e lavagem de dinheiro] foi indicado pela
Assembléia Legislativa, mas era deputado estadual da base do governo de
Orestes Quércia. O conselheiro de Sergipe Flávio Conceição de Oliveira
Neto [acusado de corrupção] preso pela Polícia Federal na Operação
Navalha, antes havia sido secretário de Estado. O governador do Paraná,
Roberto Requião, indicou seu irmão Maurício Requião para p tribunal que ia
fiscalizá-lo (NUNES, 2009, p. 60).
Apadrinhados políticos que vão fiscalizar os responsáveis por suas indicações
aos órgãos fiscalizadores. É apenas uma encenação para que as pessoas, as que serão atingidas
pelos efeitos da corrupção acreditem que os políticos sejam honestos e que defendem os
interesses da maioria, quando na verdade defendem interesses escusos.
Voltando aos livros didáticos de história que estamos analisando, o que diz
respeito ao período de eleições diretas, inaugurado com a eleição de Fernando Collor de
Mello, é muito resumido e, como podemos perceber, a corrupção é citada, mas não é
caracterizada e criticada como um crime grave e violento. Vejamos, com a eleição de
Fernando Collor de Mello, que substituiu José Sarney: “a economia continuou em crise [...].
Mas a insatisfação popular e as denúncias de corrupção acirraram o movimento a favor do
impeachment (impedimento em inglês) de Collor” (MODERNA, 2007, p. 124). Em outro
livro desta mesma editora lemos: “acusado de corrupção, ele [Fernando Collor] foi afastado
do cargo até que as investigações fossem concluídas (MODERNA, 2008, p. 133). A
economia estava em crise, a população estava insatisfeita, , então, “as denúncias de
corrupção é que acirraram os ânimos no sentido do impedimento. Portanto, o fator
preponderante para a cassação do mandato de Collor foi a crise econômica que se agravava e
não as denúncias de corrupção, pois estas acirraram o movimento de impedimento, não foi o
fator principal. Visto que, durante o governo FHC houve também muitos escândalos de
103
corrupção e, no entanto, devido à estabilização da moeda e o controle da inflação, em nenhum
momento cogitou-se a cassação do mandato de FHC. Vale lembrar que algumas CPIs foram
abertas e outras tantas não conseguiram os números de assinaturas necessárias devido ao
governo ter maioria absoluta em ambas as casas do Congresso Nacional. Mesmo as que foram
instauradas eram controladas pelos governistas, por isto não produziram provas para
condenação dos envolvidos.
Com tantos escândalos e denúncias de corrupção e algumas CPIs abertas
durante os mandatos de FHC, os livros didáticos em análise nada falam da violência da
corrupção. Citam apenas o plano econômico para por fim à crise econômica, o Plano Real,
elaborado e posto em prática durante o governo de Itamar Franco. Vejamos: Com o sucesso
do plano, Fernando Henrique foi eleito presidente da República em 1994 e teve um segundo
mandato em 1998” (MODERNA, 2007, p. 26). Em outro livro didático lemos: “devido ao
sucesso do plano, o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, venceu as eleições
presidenciais de 1994. Em 1998 foi reeleito para um novo mandato de quatro anos”
(MODERNA, 2008, p. 133).
Mas a corrupção não se extinguiu com o final do segundo mandato de FHC.
Como citamos anteriormente, “a corrupção se institucionalizou”. O caso do “Mensalão”; a
farra das passagensreas; a crise no Senado por causa dos “Atos Secretos”; tráfico de
influência; entre outros crimes. O assalto aos cofres públicos permanecem em rítimo
acelerado. A Polícia Federal trabalha na atualidade como nunca o fez na história do Brasil,
mas os envolvidos pertencem às classes mais ricas e influentes, por isto ninguém vai para a
cadeia. Vejamos algumas manchetes presentes na mídia:
“MPF denuncia 19 por fraudes contra a Previdência” (JORNAL TODO DIA,
Americana, 14/07/09, p. 5); “Polícia indicia filho de José Sarney, Fernando Sarney é acusado
de formação de quadrilha e tráfico de Influência, entre outros crimes” (JORNAL CORREIO
POPULAR, Campinas, 16/07/09, p. b2). Mas, Fernando Sarney consegue através de seu
poder de influência que os processos corram em segredo de justiça, portanto, a mídia não
consegue informações para publicar a respeito destes processos.
“Gravações ligam José Sarney a atos secretos” (JORNAL CORREIO
POPULAR, Campinas, 23/08/09, p. b1). Mesmo com tantos indícios de corrupção, trafico de
influência, “Senado arquiva representações contra Sarney” (JORNAL TODO DIA,
Americana, 20/08/09, p. 14). O presidente do Conselho de ética do Senado, a quem caberia
aceitar ou não as 11 ões contra Sarney, Paulo Duque (PMDB, RJ) é um aliado de José
Sarney, por isto arquivou ditatorialmente todas as ações.
104
Na política vale o “salve-se quem puder”, mas se a pessoa que não
conseguir se salvar irá te prejudicar, então, deve-se salvar os comparsas. Assim, “Petistas
votam para arquivar denúncias contra Jo Sarney (JORNAL CORREIO POPULAR,
Campinas, 20/08/09, p. b2). Não obstante, “70% do Conselho de Ética tem ficha com
problemas” (JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, São Paulo, 30/07/09, p. a4). Membros
da oposição também estão comprometidos, Arthur Virgílio (PSDB, AM) Terá de devolver
mais de R$ 200 mil” (JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, São Paulo, 30/07/09, p.a7).
“Guerra admite devolver o dinheiro de despesas (JORNAL CORREIO
POPULAR, Campinas, 11/08/09, p. b4). Sérgio Guerra (PSDB, PE) pagou viagem de sua
filha aos EUA com verba do Senado. Dentre tantos outros casos de corrupção, desvio de
verbas e tráfico de influências que ocorreram e estão ocorrendo durante as gestões
presidenciais petistas, tal como ocorreram nas gestões tucanas e ao longo da história
brasileira.
Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente da República, os
casos de corrupção continuaram. Os mecanismos são os mesmos: propinas, superfaturamento
de obras, fraudes em concorrências públicas, tráfico de influências, sonegação de impostos,
desvio de recursos, fraudes contra a Previdência Social, etc. A roubalheira permaneceu
inalterada, mas estes livros didáticos nem sequer citam a corrupção:com o sucesso do
primeiro mandato, principalmente por iniciativas que beneficiam a população mais pobre,
como o programa Bolsa Família, em 2006 Lula foi reeleito” (MODERNA, 2007, p. 126).
As crianças têm direito a um ensino de qualidade e que os prepare para viver em sociedade.
Deveriam, portanto, entender que a corrupção é uma forma grave de violência e que deve ser
combatida, criticada por afetar a vida de todos, principalmente das próprias crianças que
precisam de uma educação de qualidade, merenda escolar, boas condições de estudos,
bibliotecas, etc. Tudo isto não lhes é ofertado por falta de verbas, as mesmas verbas que são
desviadas pela corrupção. A omissão da corrupção nos livros didáticos é uma forma de
violência simbólica que interfere na formação de cidadãos mais críticos e ativos na busca de
uma sociedade mais justa, solidária e menos conformista com tanta violência em nossas
civilizações.
Não adianta jogar a sujeira embaixo do tapete, como também não resolve
esconder a vioncia que ocorre na vida. As crianças têm que saber do potencial violento e
agressivo das pessoas, e que muitos se valem de qualquer meio para atingir seus objetivos.
Talvez assim consigamos criar mecanismos para controlar e coibir a violência ou
105
desenvolvermos uma cultura de repúdio à violência, mesmo sabendo de nossas inclinações
inatas para a agressividade tal como descreve o criador da psicanálise:
Que a educação dos jovens de hoje lhes oculta o papel que a sexualidade
desempenhará em suas vidas, não constitui a única censura que somos
obrigados a fazer contra ela. Seu outro pecado é não prepará-los para a
agressividade da qual se acham destinados a se tornarem objetos. Ao
encaminhar os jovens para a vida com essa falsa orientação psicológica, a
educação se comporta como se devessem equipar pessoas que partem para
uma expedição polar com trajes de verão e mapas dos lagos italianos. Torna-
se evidente, nesse fato, que se está fazendo um certo mau uso das exigências
éticas. A rigidez dessas exigências não causaria tanto prejuízo se a educação
dissesse: “É assim que os homens deveriam ser para serem felizes e
tornarem os outros felizes, mas terão de levar em conta que eles não o
assim”. Pelo contrário, os jovens o levados a acreditar que todos os outros
cumprem essas exigências éticas isto é, que todos os outros são virtuosos.
É nisso que se baseia a exigência de que também os jovens se tornem
virtuosos (FREUD1978, p. 185).
106
Considerações finais
Em vários momentos históricos relatados nos livros didáticos de história a
destruição, invasões bárbaras, genocídio, massacres, escravização e todo tipo de violência e
mazelas sociais são eufemizadas e justificadas com os ganhos econômicos e o progresso das
ciências de cada tempo.
Na atualidade, porém, os avanços técnicos e científicos e econômicos através
das tecnologias da microeletrônica, da robótica e da informática têm proporcionado um
deslumbramento que vem impedindo as pessoas de enxergarem que as riquezas resultantes
destes progressos beneficia apenas parte da população mundial.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em dados de
2003, “quase 3 bilhões de pessoas vivem com menos de USS 2 por dia” (BBCBRASIL.COM,
6/6/2003). Já uma outra pesquisa divulgada em 2008 pelo Banco Mundial tendo como base a
renda individual inferior a US$ 1,25 ao dia para definir a linha de pobreza diz que um quarto
da população mundial vive abaixo da linha de pobreza: “a instituição concluiu que existiam
1,4 bilhões de pessoas em 2005, ou 25% da população mundial, abaixo da linha de pobreza”
(GAZETA DO POVO, 8/10/2009)
21
.
Não obstante, “para países de renda média, como o Brasil, a linha de pobreza é
definida por pessoas com menos de US$ 2 por dia. Cerca de 2,6 bilhões de pessoas vivem
com menos de US$ 2, quantidade praticamente igual à registrada em 1981(GAZETA DO
POVO, 8/10/2009).
Pensemos um pouco sobre estes números e verifiquemos como estes dados são
arbitrários e escondem a realidade. Vamos considerar o valor do lar em dois reais. Assim,
usemos a aritmética simples: 2 dólares x 2 reais = 4 reais por dia para que uma pessoa seja
considerada abaixo da linha de pobreza. Se multiplicamos estes 4 reais por 30 dias
chegaremos ao total de 120 reais por mês. Se dobrarmos o referencial utilizado pelo Banco
Mundial teremos um valor de US$ 4 por dia. Isto nos leva a 240 reais por mês para que uma
pessoa fosse considerada abaixo da linha de pobreza. Mas ainda assim estamos bem distante
do salário mínimo brasileiro, que é por muitos considerado um salário miserável, atualmenete
em 460,00 reais.
Vamos, então, usar como referencial US$ 6 por dia. Mantendo o valor dolar
em dois reais, chegaremos a 12 reais diários. Multiplicando este valor por 30 dias, teremos,
desta forma, um montante de 360 reais mensais para que consideremos uma pessoa abaixo da
21
Endereço eletrônico: http://portal.rcp.com.br/gazetadopovo/economia/conteudo, acesso em 8/10/09.
107
linha de pobreza. Mesmo assim, continuamos com um valor abaixo do salário nimo
brasileiro. Perguntamos: se em 2003 a OIT calculou três bilhões de pessoas abaixo da linha de
pobreza com base de dois dólares diários, com base em US$ 6 por dia quantos bilhões de
pessoas estariam abaixo da linha de pobreza em 2009? Com certeza será um mero
assustador, mais realista e muito acima dos dados oficiais eufemizados.
Lembremos que recentemente o DIEESE calculou o valor do salário nimo
para atender uma família composta por dois adultos e duas crianças em suas necessidades
mínimas: moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, transporte e previdência
social em RS 1924, 59
22
. Isto foi em 2008. Arredondemos este valor para RS 2000,00. Para
uma família composta por quatro pessoas, teremos uma renda individual de R$ 500,00. Valor
este bem acima dos 360 reais para calcularmos uma suposta linha de pobreza.
Como é possível deduzir destes dados acima, a pobreza é muito maior do que
os dados oficiais apresentam. Bem como, a maior parte das riquezas produzidas socialmente
continuam beneficiando uma pequena parcela das pessoas em todo o mundo.
Enquanto bilhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza, isto é, uma
linha que estabelece o mínimo de dignidade humana, mas uma linha hipócrita e
miseravelmente definida pelos donos do mundo e milhares morrem de fome ou por doenças
oportunistas por causa do estado de debilidade alimentícia, gastam-se trilhões de dólares com
as máquinas de guerra ao redor do mundo: “em termos mundiais, 2008 registrou um recorde
absoluto em termos de recursos para o setor militar. Nunca na história o mundo gastou tanto
com armas como no ano passado. Foram US$ 1,4 trilhão (ESTADAO.COM.BR,
08/06/2009).
Poderia alguém ingenuamente perguntar porque investir tanto em guerras. Tal
como citado anteriormente, “a guerra é o combustível imprescindível ao grande capital;
promovê-la, uma sagrada missão de todo governo burguês” (RAGGIO, 1997, p. 227). Mas
tem algo de obscuro neste modelo de progresso que pode ser desvendado à luz da teoria
psicanalítica.
Tal como debatido no capitulo dois, “Freud: civilização ou barbárie”, as
pules de vida e de morte é que movem o indivíduo e a cultura e. Ambas as pulsões
apresentam característica de serem retrógadas, isto é, tendem a restaurar um estado anterior
das coisas. No caso da pulsão de morte ou de destruição, esta tende a restaurar o estado
inanimado, a substancia inorgânica, o que equivale a dizer a morte do ser vivo. Mas é uma
22
valor retirado de http://praticaradical.blogspot.com/2008/03
108
morte do seu próprio jeito, por causas internas e não simplesmente um suicídio. Sabemos que
Eros, a pulsão de vida também está comprometida com a morte, mas por outro caminho, pela
expansão ilimitada. Vejamos: “trata-se de instintos componentes cuja função é garantir que o
organismo seguirá seu próprio caminho para a morte, e afastar todos os modos possíveis de
retornar à existência inorgânica que não sejam os imanentes ao pprio organismo” (FREUD,
1996, p. 50, vol. 18).
Sabemos também que Eros e Tanatos estão sempre mesclados e que, por isto, é
muito difícil definir a manifestação isolada de uma destas pulsões. Acompanhemos
novamente um excerto citado anteriormente que nos auxiliará na nossa dedução em relação ao
elemento obscuro do progresso:
parece que, em resultado da combinação de organismos unicelulares em
formas multicelulares de vida, o instinto de morte da célula isolada pode
ser neutralizado com sucesso e os impulsos destrutivos desviados para o
mundo externo, mediante o auxílio de um órgão especial. Este órgão
especial pareceria ser o aparelho muscular; e o instinto de morte pareceria,
então, expressar-se ainda que, provavelmente, apenas em parte como
um instinto de destruição dirigido contra o mundo eterno e outros
organismos (FREUD, 1956, p. 54, v. 19) (grifos nossos).
Vamos levar nosso raciocínio adiante e lembremos da definição de progresso
elaborada por Benjamin no texto que usamos como epígrafe. O progresso, aí, é visto como
uma tempestade que acumula escombros ao longo da história. Nos dias atuais a luz do
progresso tem cegado muitas pessoas e deixado outros tantos tão maravilhados que estes
ficam sem palavras para comentá-lo. Mas para as pessoas com um pouco de clareza de
pensamento consegue perceber que a nona tese sobre filosofia da hisria continua mais atual
do que nunca. Revejam os números bilionários de famélicos e de pessoas pobres e abaixo da
linha de pobreza oficialmente divulgados e as aproximões que fizemos.
Lembremos que este mês ocorrerá na Dinamarca um encontro entre os líderes
mundiais para se discutir a redução da emissão de gás carbônico na atmosfera para se evitar o
aquecimento global. Além de poluirmos o ar, também estamos poluindo os rios, lagos, mares
e oceanos. Extinguimos diversas espécies de animais e consumimos mais recursos naturais do
que o planeta possa repor. Estamos, desta forma, caminhando para extinguir com a vida
humana no planeta.
Como dissemos acima, o lado obscuro do progresso, vale dizer, das ciências,
do conhecimento, da economia poderia receber um raio de luz através da teoria freudiana das
pules. O organismo vivo, o indivíduo quer morrer por causas pprias, seguir seu próprio
109
caminho para a morte. Assim a mescla de Eros e Tanatos (pulsão de vida e morte
respectivamente) caminham lado a lado com as ciências, o conhecimento e os
desenvolvimentos técnicos e econômicos. Pois, como é sabido, a pulsão de vida procura unir e
expandir a vida infinitamente e, bem como, proporcionar meios de reproduzir e manter o ser
vivo. Isto equivale produzir cada vez mais para a sustentação da vida, por outro lado, Tanatos
pega carona no progresso e no desenvolvimento técnico e econômico. O consumo exagerado,
a produção sendo aumentada cada dia mais para abastecer as pessoas que aumentam a cada
ano (já estamos com uma população de aproximadamente de 6 bilhões de pessoas, podendo
chegar a 9 bilhões nas próximas décadas em função de Eros). Com isto esgotamos os recursos
naturais, polmos e destruímos as condições que sustentam a vida no planeta.
Desta forma, frente ao deslumbramento que o progresso tem propiciado às
pessoas, a pulsão de morte se faz presente e triunfa sob o manto de nossa barbárie “racional” e
científica. Estamos, assim, caminhando para o estado inorgânico, para a morte.
Talvez agora possamos compreender, admirar, respeitar e aprender com os
povos nativos que aprenderam a conviver harmoniosamente com a natureza, a qual chamam
de MÃE, pois sabiam já há séculos que destruí-la significava a autodestruição.
Talvez agora que estamos perto do extermínio de toda espécie de vida do
planeta graças à nossa arrogância e aos nossos “progressos”, possamos, ao escrever livros
didáticos de história, reverenciar nossos antepassados, respeitar e aprender com a diversidade
e não usá-la para desprezar, marginalizar, discriminar para dominar e exterminar.
Citamos a seguir o brilhantismo de um modo de vida, a sensibilidade e respeito
para com a natureza traduzido em belas palavras em defesa da natureza e conseqüentemente
da Vida. Vejamos:
Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia
nos parece estranha. Se o possuímos o frescor do ar e o brilho da água,
como é possível comprá-los?
Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de
um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa,
cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de
meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as
lembranças do homem vermelho.
Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando o
caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra,
pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de
nós. As flores perfumadas o nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande
águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas,
o calor do corpo do potro, e o homem - todos pertencem à mesma família.
Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja
110
comprar nossa terra, pede muito de s.
O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver
satisfeitos. Ele se nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos
considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil. Esta
terra é sagrada para s.
Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o
sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem
lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar as suas crianças que ela é
sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de
acontecimentos e lembraas da vida do meu povo. O murmúrio das águas é
a voz de meus ancestrais.
Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas
canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês
devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus
também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a
qualquer irmão.
Sabemos que o homem branco o compreende nossos costumes. Uma
porção da terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra,
pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que
necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a
conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus
antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus
filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos
são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas
que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou
enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um
deserto.
Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades
fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é
um selvagem e não compreenda.
Não um lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde
se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de
um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo. O
ruído parece somente insultar os ouvidos.
E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de uma
ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite? Eu sou um homem
vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento
encrespando a face do lago, e o pprio vento, limpo por uma chuva diurna
ou perfumado pelos pinheiros.
O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham
o mesmo sopro - o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo
sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um
homem agonizante vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se
vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é
precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda a vida que
mantém. O vento que deu a nosso avô seu primeiro inspirar também
recebe seu último suspiro. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem
mantê-la intacta e sagrada, como um lugar onde amesmo o homem
branco possa ir saborear o vento açucarado pelas flores dos prados.
Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se
decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar
os animais desta terra como seus irmãos.
Sou um selvagem e não compreendo qualquer outra forma de agir.
Vi um milhar de búfalos apodrecendo na planície, abandonados pelo homem
branco que os alvejou de um trem ao passar. Eu sou um selvagem e o
111
compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais
importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecer vivos.
O que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem o
homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre
com os animais, breve acontece com o homem. uma ligação em tudo.
Vocês devem ensinar às suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de
nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi
enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem as suas crianças o que
ensinamos as nossas que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à terra,
acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão
cuspindo em si mesmos.
Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra. Isto
sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família.
uma ligação em tudo.
O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem
o tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o
que fizer ao tecido, fa a si mesmo.
Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para
amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos
irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos - e o homem
branco poderá vir a descobrir um dia: nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês
podem pensar que O possuem, como desejam possuir nossa terra; mas não é
possível. Ele é o Deus do homem, e Sua compaixão é igual para o homem
vermelho e para o homem branco. A terra lhe é preciosa, e ferí-la é desprezar
seu criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo que todas as
outras tribos. Contaminem suas camas, e uma noite serão sufocados
pelos próprios dejetos.
Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente, iluminados
pela força do Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial
lhes deu o domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é
um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os falos sejam
exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos
da floresta densa impregnadas do cheiro de muitos homens, e a visão dos
morros obstruída por fios que falam.
Onde está o arvoredo? Desapareceu.
Onde está a águia? Desapareceu.
É o final da vida e o início da sobrevivência.
(Carta do Chefe Seattle em resposta ao presidente do
Estados Unidos ao propor a compra de suas terras, 1854)
23
(grifos nossos).
Não o que se comentar sobre esta defesa da vida. Vida em sentindo amplo,
isto é, todas as formas de vida no planeta e o apenas dos seres humanos. Resta-nos tentar
evitar nosso auto-extermínio. Um bom passo neste sentido poderia ser dado com a educação.
Mas com certeza não é com o modelo atual que poderemos reverter esta fúria destrutiva,
agressiva e violenta que habita em todos nós.
O modelo educacional atual baseia-se única e exclusivamente nos aspectos
racionais dos indivíduos deixando de lado os sentimentos e outras potencialidades das
23
http://www.cetesb.sp.gov.br/Institucional/carta.asp
112
pessoas. Parafraseando Freud, anteriormente citado, nosso intelecto é mero joguete e
instrumento de nossas pulsões e afetos. Para elaborarmos, eno, um novo modelo de
educação será necessário pensarmos um indivíduo em outras bases que leve em conta a
pessoa em sua totalidade, inclusive o seu lado violento e agressivo, pois de nada adianta o não
reconhecimento da destrutividade humana.
Devemos reconhecer, entretanto, que as bases para a educação e formação de
um novo modelo de indivíduo o deve ficar a cargo apenas do sistema educacional. Deve
envolver a sociedade por inteiro. Ainda que se trate de uma tarefa longa e difícil, porém, não
impossível, devemos tentar.
Salários adequados para os professores, reformulação nas universidades para melhorar
a formação dos educadores, investimentos nas estruturas físicas das escolas, atualização dos
conteúdos curriculares e melhor avaliação dos livros didáticos de todas as disciplinas seriam
passos importantes na direção de uma melhor educação.
No caso específico dos livros didáticos de história do quinto ano, os quais foram
objeto de estudo neste trabalho de mestrado, muitas coisas merecem atenção e cuidado. Tal
como procuramos explicitar nas páginas anteriores, estes manuais didáticos de história além
de divulgarem as ideologias das classes dominantes, exaustivamente confirmado por diversos
pesquisadores, devem se dar atenção especial aos vocaburios e formas de abordagem dos
temas históricos. Pois socializam e banalizam o uso da violência como método de enriquecer
e conquistar o poder. Interferindo, desta forma, diretamente na formação de cidadãos mais
solidários e menos violentos.
Assim, estes manuais didáticos precisam passar por um processo de avaliação rígido e
criterioso por comissões multidisciplinares para impedir a distribuição de livros com baixa
qualidade e que influenciam negativamente na formação da identidade nacional e individual
do público escolar. Para tanto, estas comises avaliadoras precisariam de membros
especialistas em história, letras, pedagogia, filosofia, psicanálise, sociologia, no mínimo para
se obter melhores avaliações.
113
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