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U
NIV ERSIDADE
F
EDERAL DO
E
SPÍRITO
S
ANTO
C
ENTRO DE
C
IÊNCIAS
H
UMANAS E
N
ATURAIS
P
ROGRAMA DE
P
ÓS
-G
RADUÃO
S
TRICTO
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ENSU EM
E
STUDOS
L
INGÜÍSTICOS
L
UCIANA
M
ORAES
B
ARCELOS
M
ARQUES
A
NÁLISE
D
ISCURSIVA DA
M
ETÁFORA
:
R
EVISITANDO O
E
STRUTURALISMO
S
AUSSURIANO
V
ITÓRIA
2008
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1
L
UCIANA
M
ORAES
B
ARCELOS
M
ARQUES
A
NÁLISE
D
ISCURSIVA DA
M
ETÁFORA
:
R
EVISITANDO O
E
STRUTURALISMO
S
AUSSURIANO
Dissertação apresentada ao Programa de
s-Graduação em Estudos Lingüísticos
do Centro de Ciências Humanas e
Naturais da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em
Lingüística, na área de concentração:
Texto e Discurso.
Orientadora: Profª. D. Virgínia Beatriz
Baesse Abrahão
V
ITÓRIA
2008
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2
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicão (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Marques, Luciana Moraes Barcelos, 1982-
M357a
Análise discursiva da metáfora : revisitando o estruturalismo
saussuriano / Luciana Moraes Barcelos Marques. – 2008.
128 f. : il.
Orientadora: Virgínia Beatriz Baesse Abrahão.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais.
1. Saussure, Ferdinand de, 1857-1913. 2. Metáfora. 3.
Discursos, alocões, etc. I. Abrahão, Virnia Beatriz Baesse. II.
Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências
Humanas e Naturais. III. Título.
CDU: 80
3
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UCIANA
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ORAES
B
ARCELOS
M
ARQUES
A
NÁLISE
D
ISCURSIVA DA
M
ETÁFORA
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EVISITANDO O
E
STRUTURALISMO
S
AUSSURIANO
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de s-Graduação Stricto-
Sensu em Estudos Lingüísticos do Centro de Ciências Humanas e Naturais da
Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Lingüística, na área de concentração: Texto e Discurso.
Aprovada em 14 de Março de 2008.
C
OMISSÃO
E
XAMINADORA
__________________________________________
Pro. Drª. Virnia Beatriz Baesse Abrahão
Universidade Federal do Esrito Santo
Orientadora
__________________________________________
Prof. Dr. Hugo Mari
Ponfica Universidade Calica de Minas Gerais
__________________________________________
Pro. Drª. Lillian Virginia DePaula Filgueiras
Universidade Federal do Esrito Santo
4
A Deus
DeusDeus
Deus, autor e consumador da minha fé.
“Por que dEle, e por Ele, e para Ele, são
“Por que dEle, e por Ele, e para Ele, são “Por que dEle, e por Ele, e para Ele, são
“Por que dEle, e por Ele, e para Ele, são
todas as coisas; glória, pois a Ele
todas as coisas; glória, pois a Ele todas as coisas; glória, pois a Ele
todas as coisas; glória, pois a Ele
eternamente. Amém
eternamente. Amém eternamente. Amém
eternamente. Amém
(Rom, 11:36)
(Rom, 11:36)(Rom, 11:36)
(Rom, 11:36)
.
..
.
5
A
GRADECIMENTOS
Ao meu esposo pelo incentivo desde o início, pela compreensão nos muitos finais de
semana em falta e pelo labor a fim de diminuir minhas responsabilidades.
Ao meu cunhado Willian pelas muitas tardes em que cuidou do meu bebê e à minha
irmã Priscilla por dedicar-se a mim em seus dias de folga.
À minha mãinha Luciana, minha irmã Rachel e todos os meus familiares por
compreenderem minha ausência e pelas constantes orações.
À minha sogra Vera, meu sogro Edenaldo, minha cunhada Miriam e tia Rita pelos
vários finais de semana em que cuidaram do meu bebê enquanto eu estudava.
Aos familiares de meu esposo pelo apoio, compreensão e carinho dedicados a mim,
ao Junior e ao Isaque, no decorrer desta jornada.
Aos colegas de turma: Celi, Elaine, Emanuely, Ilioni, Joseane, Karen, tia, Ludmila,
Marcela, Mônica, Ruth e Tatiany pelos encontros e desencontros, abraços e
desabafos.
À Arlene de Araújo Saib por tudo: pela adoção; pela amizade; pelas leituras,
revisões e constante diálogo teórico; e por formar o cordão de quatro dobras que
não se pode romper facilmente.
À Ana Neri Barcelos Soares pelas várias vezes em que veio me socorrer a mim e
ao meu bebê concedendo-me mais tempo à pesquisa.
À Ludmila Sathler Aguiar pelos longos telefonemas, pelo riso e pelo choro
compartilhado, deixando as dores muito mais amenas e por formar o cordão de
quatro dobras que não se pode romper facilmente.
À Nelma Mattos Campos por uma revisão tão perspicaz e significativa.
À minha orientadora Profª. D. Virgínia Beatriz Baesse Abrahão pelo constante
lapidar; pelo empenho, dedicação e encorajamento durante essa caminhada.
Ao Governo Federal pelo incentivo estudantil que, no decorrer desses dois anos, me
possibilitou dedicação exclusiva à pesquisa, através da bolsa de mestrado da
CAPES.
E, sobretudo, a Deus, por me conceder mais esta vitória.
6
O pensamento saussuriano, que os textos originais nos
fazem descobrir, é menos categórico do que o Cours na
medida em que confessa suas vidas sob pontos cruciais
e faz, dessas mesmas dúvidas, a sua heurística, e ao
mesmo tempo mais radical, na medida em que se
apresenta como uma batalha contra a falta de reflexão
epistemológica que caracteriza a lingüística: como a
batalha pela renovão dos conceitos fundamentais dessa
ciência. Esses dois los mostram-se característicos das
notas do curso e dos manuscritos, sustentando um
pensamento mais sutil, mais límpido, mais convincente do
que o do Cours. No livro de 1916, eles são como que
esmagados e, até mesmo, sistematicamente apagados.
B
OUQUET
; E
NGLER
apud S
AUSSURE
, 2002:14
.
7
R
ESUMO
Esta pesquisa se propôs a revisitar o estruturalismo saussuriano buscando
aprofundar e analisar os posicionamentos teóricos de Saussure no que tange às
concepções de língua, linguagem, signo, valor lingüístico, sujeito, discurso e
referência, intencionando abstrair deles o conceito de metáfora. De maneira que
desfaz o estereótipo criado acerca de Saussure e apresenta sua face discursiva
frente às análises lingüísticas. Apoiando-se nessa perspectiva discursiva, defende a
metáfora como constitutiva da linguagem, estando ancorada na concepção de valor
lingüístico gerado por Saussure e ratificado por Ricoeur (2000) e Barthes (1979). O
recorte teórico-metodogico proposto focaliza a concepção de metáfora como
construção de realidade, tendo por suporte o contexto sócio-histórico-cultural do
discurso. A análise fundamenta-se no posicionamento de Saussure a partir de um
paralelo entre o Curso de Lingüística Geral e os Escritos de Lingüística Geral em
um cotejo às proposições de Barthes (Elementos de semiologia) e Ricoeur (A
metáfora viva). Por essa via de análise, o exame do corpus, composto pelos
“Discursos da Vitória de 2002 e de 2006 do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
confirmou a necessidade de ultrapassar o plano lingüístico e integrar o aspecto
discursivo. Portanto, corroborou-se a proposição saussuriana de que “a língua é um
fato social”, propiciando uma análise em conformidade com as exigências histórico-
culturais que envolvem o discurso e sustentam a variabilidade dos valores
lingüísticos, nos quais a metáfora é uma possibilidade de significação.
P
ALAVRAS
-
CHAVE
: Metáfora, valor lingüístico, discurso político, discursividade.
8
A
BSTRACT
This research revisits Sausurres structuralism in order to analyze, in a deeper level,
his theoretical positioning as far as language, sign, linguistic value, subject,
discourse, and reference are concerned, aiming at getting the concept of metaphor in
such a way as to undo the stereotype created about Saussure and present his
discursive side facing the linguistic analysis. Based on such discursive perspective,
this work sees the metaphor as part of the language, anchored on the conception of
Saussures linguistic value, which was ratified by Ricouer (2000) and Barthes (1979).
The proposed theoretical-methodological approach focuses on the conception of
metaphor as a construction of reality, based on the social-historical-cultural context of
discourse. The analysis adopts Saussures positioning from a parallel between the
Lectures on General Linguistics and Writings in General Linguistics alongside with
the propositions of Barthes (Elements of Semiology) and Ricouer (Metaphor Alive).
The examination of the corpus “Discursos da Vitória(Discourses of Victory) 2002
and 2006 by President Luiz Inácio Lula da Silva confirmed the necessity to surpass
the linguistic level, and integrate the discursive aspect. Thus, this work corroborates
Saussures proposition that “language is a social fact”, propitiating an analysis
according to the historical-cultural demands that involve the discourse and support
the variability of the linguistic values, in which the metaphor is a possibility of
signification.
K
EY
W
ORDS
: Metaphor, linguistic value, political discourse, discursivity.
9
L
ISTA DE
F
IGURAS
Figura 1 – Signo Lingüístico I ................................................................................... 27
Figura 2 – Signo Lingüístico II .................................................................................. 28
Figura 3 – Signo Lingüístico III ................................................................................. 30
Figura 4 Eixos sintagmático e Paradigmático ....................................................... 60
Figura 5 Prova de Comutação .............................................................................. 61
Figura 6 – Uma aplicação da Prova de Comutação ................................................. 61
Figura 7 – Vias de Amplificação dos Sistemas Duplos ............................................ 63
Figura 8 – Processo de Conotação .......................................................................... 64
10
S
UMÁRIO
1.
I
NTRODUÇÃO
...................................................................................................
11
2.
A
M
ETÁFORA NO
E
STRUTURALISMO DE
S
AUSSURE
............................................
15
2.1 C
ONCEPÇÕES SOBRE A
M
ETÁFORA
....................................................................
16
2.2 S
AUSSURE
,
O
C
URSO E OS
E
SCRITOS
................................................................
17
2.3 L
ÍNGUA
,
S
IGNO E
V
ALOR
L
INGÜÍSTICO NO
C
URSO E NOS
E
SCRITOS
......................
22
2.4 R
EFERENCIAÇÃO E
M
ETÁFORA EM
S
AUSSURE
....................................................
36
3.
R
EPERCUSSÕES DAS
P
OSTURAS
E
STRUTURALISTAS SOBRE
A
LGUMAS
.
A
BORDAGENS QUE
T
RATAM DA
M
ETÁFORA
........................................................
42
3.1 A
M
ETÁFORA EM
P.
R
ICOEUR
............................................................................
42
3.2 A
M
ETÁFORA EM
F
OUCAULT
..............................................................................
51
3.3 A
M
ETÁFORA EM
R.
B
ARTHES
...........................................................................
58
3.4 A
M
ETÁFORA EM
L
AKOFF E
J
OHNSON
.................................................................
65
3.5 R
EPERCUSSÕES
S
AUSSURIANAS
.......................................................................
71
3.5.1 Paralelos
.........................................................................................................
72
4.
A
S METÁFORAS NOS
D
ISCURSOS DA
V
ITÓRIA DO
L
ULA
.......................................
83
4.1 R
EFERENCIAL
T
EÓRICO
-M
ETODOLÓGICO
...........................................................
85
4.2
A
NÁLISE DO
C
ORPUS
.......................................................................................
90
4.2.1 A esperança venceu o medo
.............................................................................
90
4.2.2 Deixa o homem trabalhar
................................................................................
100
4.2.3 Conclusões da Análise
....................................................................................
108
5.
C
ONSIDERAÇÕES
F
INAIS
.................................................................................
111
6.
R
EFERÊNCIAS
B
IBLIOGRÁFICAS
......................................................................
113
A
PÊNDICE
A
B
IBLIOGRAFIA
C
ONSULTADA
.....................................................
115
A
NEXO
A
D
ISCURSO
P
ROFERIDO EM
28
DE
O
UTUBRO DE
2002
......................
117
A
NEXO
B
D
ISCURSO
P
ROFERIDO EM
30
DE
O
UTUBRO DE
2006
......................
124
11
1.
I
NTRODUÇÃO
No momento em que a metáfora tem sido discutida no nível da cognição, em que ela
é compreendida como sendo construída a partir das experiências senrio-
corpóreas do indivíduo ou mesmo como lugar por excelência de construção da
realidade em linguagem, como quer as teorias discursivistas, propomos um revisitar
dos conceitos saussurianos que sustentam as concepções sobre a metáfora em
seus primeiros momentos da instauração da Lingüística como ciência da linguagem,
a fim de observar as repercussões das concepções estruturalistas nas teorias mais
atuais.
Esta pesquisa surge da comparação entre o livro Escritos de Lingüística Geral, que
publica parte dos manuscritos de Ferdinand de Saussure descobertos num anexo de
sua residência em 1996, e o Curso de Lingüística Geral, resultado da compilação
das aulas de Saussure na Universidade de Genebra nos anos de 1907, 1908/09 e
1910/11. Destacando-se que não foram utilizados os textos originais, mas traduções
para o português.
Os organizadores dos manuscritos publicados nos Escritos de Lingüística Geral
concluem que
Graças a esses textos, uma nova leitura do pensamento saussuriana pode
tomar forma, permitindo que se quebre uma espessa camada de
preconceitos. Eles obrigam a rever a imagem assentada sobre a fé na
reconstrução do pensamento do mestre por seus alunos, efetuada no Curso
de Lingüística Geral, publicado em 1916. O lingüista genebrino mostra-se
hoje, em seus escritos originais, ao mesmo tempo como um epistemólogo
de sua disciplina e como um fisofo, preocupado em denunciar ilusões de
todo tipo que têm como motivo a linguagem, para repensar os fundamentos
de seu estudo (B
OUQUET
; E
NGLER
apud S
AUSSURE
, 2002: contra capa).
Cabe ressaltar, no entanto, que a comparação proposta não é um teste de
legitimidade ao Curso e que não pretendemos encontrar um “verdadeiro Saussure”,
nem estabelecer críticas ao Curso (no decorrer desse trabalho utilizaremos o nome
Curso para designar o Curso de Lingüística Geral e o nome Escritos para designar a
obra Escritos de Lingüística Geral, ambos atribuídos a Saussure), antes buscamos
abstrair da combinação entre o Curso e os Escritos possíveis concepções de língua,
de linguagem, de referenciação, de discurso e de sujeito para inferir delas uma
concepção de metáfora; para, enfim, podermos analisar os reflexos que essas
12
posições tiveram em algumas teorias sobre a metáfora, tanto em termos teóricos
como na análise da metáfora em textos recorrentes. Para tanto, levantamos a
seguinte questão: como seria uma alise da metáfora dentro das concepções
saussurianas em paralelo com as modernas estratégias de análise?
Desse modo, buscaremos, inicialmente, confrontar os postulados saussurianos de
língua, de discurso e suas concepções sobre a referência no Curso e nos Escritos, a
fim de podermos detectar as bases para as concepções sobre a metáfora, objeto da
nossa pesquisa.
Em momento posterior, esta pesquisa se propõe a observar algumas das
repercussões do estruturalismo saussuriano que se encontram em autores que
abordam a metáfora, avançando, especificamente, por Ricoeur (A Metáfora Viva,
2000), por Foucault (As Palavras e as Coisas, 1966), por Barthes (Elementos de
Semiologia, 1971), e por Lakoff e Johnson (Metáforas da Vida Cotidiana, 2002).
Propomos, então, mais uma questão: quais as influências/conseqüências dos
postulados saussurianos nessas abordagens? A que ponto elas rompem com o
estruturalismo saussuriano e em que medida elas avançam?
A fim de especificar como a metáfora poderia ser reconhecida e delimitada a partir
de Saussure, analisaremos, num momento subseqüente, os “Discursos da Vitória
do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), nos seus dois mandatos.
Para essa análise, recorremos ao posicionamento teórico de Saussure nos Escritos
harmonizado com as proposições de Ricoeur (A metáfora Viva, 2000) e Barthes
(Elementos de Semiologia, 1979).
Uma vez que o presidente Lula usa abundantemente as metáforas tomando por
base a realidade cotidiana dos brasileiros, escolhemos seus Discursos da Vitória
por apresentarem dois momentos políticos diferenciados, viabilizando a análise das
metáforas ali presentes. Isso porque entendemos que uma análise discursiva não
vem separada dos fatos sociais e políticos da época em que os discursos estão
inseridos, por ser a linguagem elemento de constituição social dos sujeitos.
13
Cabe acrescentar que as concepções sobre a metáfora perpassam as teorias de
referenciação refencia e sentido , ou seja, sobre a relação palavra-objeto;
tratando-se de uma discussão bastante abrangente, pois abarca não somente
aspectos lingüísticos, mas principalmente aspectos filosóficos de realidade.
Justamente quando se tenta romper com o positivismo, nas ciências da linguagem,
este trabalho de pesquisa, ao observar essa relação de referenciação que cada
metáfora inaugura, propõe um revisitar aos conceitos saussurianos. Isso se justifica,
porque temos observado que mesmo as teorias menos objetivistas, no trato da
linguagem com a realidade, tal como as teorias cognitivistas ou as discursivistas,
permanecem em bases cartesianas, pois não incorporam as metáforas como o
alicerce da construção da linguagem, como queria Barthes:
Os fenômenos da conotação ainda não foram estudados sistematicamente
(encontrar-se-ão algumas indicações nos Prolegomena de Hjelmslev).
Todavia, o futuro sem dúvida pertence a uma Lingüística da conotação, pois
a sociedade desenvolve incessantemente, a partir do sistema primeiro que
lhe fornece a linguagem humana, sistemas de segundos sentidos e e ssa
elaboração, ora ostentada, ora mascarada, racionalizada, toca muito de
perto uma verdadeira Antropologia Histórica. A conotação, por ser ela
própria um sistema, compreende significantes, significados e o processo
que une uns aos outros (significação), e é o invenrio destes trê s
elementos que se deveria primeiro empreender para cada sistema (B
ARTHES
1979: 96).
Desse modo, acreditamos que precisamos retomar Saussure para montar as bases
do rompimento tão prometido na atualidade com a perspectiva cartesiana, quando
se pensa na linguagem, pois foi no momento da publicação do Curso de Lingüística
Geral que essas concepções se ergueram com toda a força sobre os estudos
lingüísticos.
Portanto, importa responder quais as repercussões do estruturalismo saussuriano
nas teorias atuais e de que maneira essas repercussões criam um vínculo teórico
entre Saussure, Barthes e Ricoeur, no que tange ao referente e à metáfora. Afinal,
cremos que o estudo da metáfora abarca mesmo os estudos da referenciação e
podem transformar por completo as bases dos estudos em Lingüística, conforme
prevê Barthes acima citado.
14
A apresentação desta pesquisa divide-se em cinco capítulos, considerando-se a
introdução o primeiro e as considerações finais o quinto. O Capítulo II, após passear
rapidamente sobre algumas conceões de metáfora, apresenta uma breve biografia
do autor genebrino e retoma algumas críticas direcionadas ao Curso de Lingüística
Geral; em seguida, propõe um revisitar ao Curso de Lingüística Geral por meio do
olhar dos manuscritos do pprio Saussure nos Escritos de Lingüística Geral,
problematizando algumas noções abordadas por Saussure. Por fim buscam-se
extrair da discussão dos conceitos de língua, signo, valor lingüístico e referenciação
as bases para concepções sobre a metáfora, dentro da proposta estruturalista
saussuriana.
No Capítulo III retomam-se quatro concepções de metáfora primeiro com Ricoeur
(2000), depois com Foucault (1967), em seguida com Barthes (1979) e por fim com
Lakoff e Johnson (2002) objetivando demonstrar os avanços e os rompimentos
dessas conceões em relação à proposição de Saussure e assim definirmos o
nosso recorte teórico para a análise.
O Capítulo IV dedica-se a uma breve biografia política do atual Presidente da
Reblica do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, para posterior análise de algumas
metáforas utilizadas nos Discursos da Vitória” – de 2002 e de 2006. Cabe salientar
que a análise de cada discurso se deu separadamente e tem como base teórica
Saussure, Ricoeur e Barthes.
Nas considerações finais, tecemos um retrospecto do todo da dissertação,
retomando os pontos principais da teoria com vistas a sustentar o balanço das
análises. Neste, ficou evidenciado que a metáfora insere-se no campo dos valores
lingüísticos enquanto construção de realidade.
15
2. A
M
ETÁFORA NO
E
STRUTURALISMO DE
S
AUSSURE
Atualmente ainda são muitos os estudos lingüísticos que citam Saussure em seu
Curso de Lingüística Geral, seja retomando algum aspecto da teoria ali exposta, seja
criticando-o. Isso porque a perspectiva apresentada no Curso representou uma
grande mudança na análise lingüística, uma vez que por meio dela possibilitou-se a
especialização do estudo da linguagem tornando-o uma ciência, já que a partir do
estruturalismo foi possível sistematizar conhecimentos adquiridos via observação
metódica da linguagem humana.
No entanto, embora tal legado tenha sido dado a Saussure por meio do Curso de
Lingüística Geral, há muitas obras que fazem críticas ao Curso, tanto no âmbito de
contradição interna, quanto no de incongruência ideológica. Não é objetivo de este
trabalho questionar os editores dessa obra, mas de analisar as proposições do
Curso enquanto representação do posicionamento teórico de Saussure, sob o
prisma de seus manuscritos atualmente publicados.
O comparativo entre o Curso e os Escritos se justifica em virtude das críticas
direcionadas ao Curso, cabendo a esta pesquisa o reconhecimento da importância
teórica de certas categorias com registro nos dois textos. Portanto, procuramos o
posicionamento sentico de Saussure na dimensão do significado para que
possamos caminhar rumo à teoria da metáfora e suas influências nas teorias atuais.
Neste capítulo pretendemos construir o ponto de vista teórico desta pesquisa. Como
nosso foco é a metáfora, inicialmente apresentamos uma breve transformação
desse conceito, no decorrer do tempo; em seguida elaboramos uma sucinta
apresentação da biografia de Saussure e retomamos algumas críticas feitas ao
Curso; posteriormente discutimos algumas divergências e convergências ideológico-
conceituais entre o Curso e os Escritos e, por fim, investigamos a relação do autor
com o estruturalismo e a perspectiva saussuriana de metáfora.
16
2.1
C
ONCEPÇÕES SOBRE A METÁFORA
A metáfora foi definida, inicialmente, por Aristóteles em sua Poética como “a
transposição do nome de uma coisa para outra, transposição do gênero para a
espécie, ou da espécie para o gênero, ou de uma espécie para outra, por via de
analogia (A
RISTÓTELES
, 1959: 312). Na Retórica, Aristóteles retoma a noção de
transposição e afirma que “as metáforas são enigmas velados e nisso se reconhece
que a transposição de sentido foi bem sucedida(A
RISTÓTELES
, 1959: 195).
Autores posteriores, abarcando as concepções aristotélicas, trabalham a metáfora
como uma espécie de comparação em que o conectivo é suprimido; ou como
transposição do sentido pprio ao figurado; ou ainda, como uso de uma palavra em
lugar de outra por analogia ou semelhança.
Roman Jakobson (1969) aplicou a oposição entre metáfora e metonímia dentro de
dois tipos de afasia, ele afirmou que a metáfora abrange a ordem do sistema, de
maneira que estabelece as ligações cerebrais de metalinguagem: seleção e
substituição. Destacando que a metáfora, juntamente com a metonímia, determina o
duplo caráter da linguagem, não configurando uma alegoria lingüística, antes a
constituição do sistema da linguagem.
Câmara Jr. (1968), ao definir metáfora, enfatizou seu cater subjetivo que
implica a vio que o locutor tem do “objeto metaforizado e da imagem que ele quer
produzir no interlocutor; sendo que a relação de similitude entre as imagens não
existe previamente, mas é concebida no momento da criação metafórica, alterando
drasticamente o ponto de vista aristotélico sobre a questão.
Em contrapartida, numa abordagem funcionalista, ao analisar o uso oral e cotidiano
da língua, observa-se que a metáfora é uma estratégia comunicativa. Verificando-se,
portanto, que o uso e a compreeno da metáfora dependem mais do conhecimento
de mundo e menos da utilização da linguagem em si, tendo seu foco principal no
contexto.
17
O conhecimento da realidade, tenha sua origem na percepção, na
linguagem ou na memória, precisa ir am da informação dada. Ele emerge
da interação dessa formação com o contexto no qual ela se apresenta e
com o conhecimento preexistente do sujeito conhecedor (Z
ANOTO
;
M
OURA
;
N
ARDI
;
V
EREZA
, 2002, p. 13).
Dessa forma, Lakoff e Johnson esclarecem que uma sociedade compreende o
mundo por meio de metáforas construídas com base em sua experiência corpóreo-
sensorial. A interação com o mundo externo ao indivíduo possibilita a ele a
construção de sentidos para enunciados abstratos e a possibilidade de enriquecer
semanticamente um ato comunicativo proposto.
No entanto, reduzir a produção de sentido a uma vio cognitivista seria desviar, em
partes, a relação lingüística para a filosófico-antropológica, pois a construção de
sentidoo se dá apenas pela interação indivíduo-mundo, mas principalmente, pela
relação de um sujeito, historicamente determinado, com a linguagem que o constitui;
ou seja, a principal fonte de aquisição do saber é por meio da interpretação dos
enunciados, pois esse sujeito passa por experiências de significação. De acordo
com Foucault,
O mundo está coberto de signos que é mister decifrar, e esse s signos, que
revelam semelhanças e afinidades, não são mais do que formas da
similitude. Conhecer será, pois, interpretar: ir da marca visível ao que se diz
atras dela e que, sem ela, permaneceria palavra muda, adormecida nas
coisas (F
OUCAULT
, 1967:54).
A seguir discorremos sobre Saussure, o Curso e os Escritos e sua importância para
esta pesquisa, e então retomamos os estudos sobre a metáfora a partir do
estruturalismo.
2.2 S
AUSSURE
,
O
C
URSO E OS
E
SCRITOS
A importância de Saussure é amplamente reconhecida no meio lingüístico, desta
forma pretendemos retomar sua obra pelo viés de seus manuscritos em contraponto
com o famigerado Curso de Lingüística Geral. Conhecer sua biografia colabora para
compreendermos alguns de seus posicionamentos teóricos, que se revelam em
seus manuscritos.
18
Os dados biográficos de Saussure não são totalmente uniformes entre os autores
que já escreveram sobre esse autor, contudo as diferençaso o tão significativas
a ponto de invalidar as informações apresentadas. Em virtude de seu valor editorial,
utilizaremos os dados colhidos no prefácio à edição brasileira do Curso de
Lingüística Geral (de autoria de Isaac N. Salum) acrescido de informações coletadas
nos Escritos de Lingüística Geral organizados por Simon Bouquet e Rudolf Engler.
Ferdinand de Saussure nasceu aos 26 de Novembro de 1857, em Genebra. Em sua
família havia geólogos, graticos e naturalistas, muito cedo aprendeu latim,
alemão, inglês e grego, e posteriormente nscrito (quase sozinho). Quando tinha
15 anos, procurou compor um sistema geral da linguagem e já enviava seus
trabalhos para a Sociedade Lingüística de Paris. Em torno de seus 20 anos publicou
Mémoire sur le système primitif de voyless dans les langues indo-européennes, que
ficou relativamente conhecida entre os lingüistas da época.
Começou a exercer o professorado muito cedo: de 1881 a 1891, foi professor de
gramática comparada na Escola dos Altos Estudos de Paris; de 1891 a 1896, foi
professor extraordirio na Universidade de Genebra, ali sendo titular a partir de
1896, onde foi professor de línguas indo-européias de 1901 a 1907, e de 1907 em
diante, ocupou ali a cadeira de Lingüística Geral. Aos 27 de Fevereiro de 1913, veio
a falecer em Genebra.
Saussure ministrou três Cursos de Lingüística Geral na Universidade de Genebra
nos anos de 1907, 1908/09 e 1910/11. A disciplina foi diferente em cada ano e, de
acordo com Salum (1973), ele nunca esteve suficientemente satisfeito com as
conclues em que chegara. Como é notório, o livro Curso de Lingüística Geralo
foi escrito por Saussure, mas após a sua morte, por seus alunos Charles Bally e
Albert Sechehaye a partir de cadernos de anotações de outros alunos (L. Caille, L.
Gautier, P. Regard e A. Riedlinger dos dois primeiros cursos e Sechehaye, G.
Dégalier e F. Joseph do terceiro curso).
Embora o Curso não tenha sido escrito por Saussure, essa obra foi responsável pela
ampla divulgação de seu nome no meio lingüístico. Por meio dela, ele já foi
chamado de pai da lingüística e de fundador do estruturalismo em Lingüística.
19
Teremos como outra fonte de pesquisa o livro Escritos de Linística Geral que
reúne diversos manuscritos feitos pelo autor. Neste livro escompilado um conjunto
de manuscritos conservados na Biblioteca pública e universitária de Genebra e uma
série de rascunhos de um pretendido “livro sobre a lingüística geral” que se pensava
perdido e que Saussure não ousou sistematizar e publicar. Bouquet e Engler
comentam que
[...] só nos resta lamentar a perda do livro sobre lingüística geral em que
Saussure trabalhava, como ele mesmo admitiu a L. Gautier, um dos alunos
de seu último curso. Gautier anotou uma conversa particular no dia 6 de
maio de 1911 em que o professor lhe fala de seus e scrúpulos, a respeito
do curso, de “expor o assunto em toda a sua complexidade e confessa r
todas as (suas) dúvidas, o que não convém a um curso, e fala também de
sua concepção da ciência da linguagem: “(Eu tinha lhe perguntado se ele
tinha redigido suas idéias sobre esses assuntos.) Sim, eu tenho
anotações, mas perdidas em pilhas, não conseguiria encontrá-las. (Eu
insinuei que ele deveria divulgar alguma coisa sobre esses assuntos.)
Seria absurdo recomeçar as longas pesquisas para a publicação, quando
eu tenho (ele fez um gesto) tantos trabalhos não publicados (B
OUQUET
;
E
NGLER
apud S
AUSSURE
, 2002:15).
Propomos um estudo do Curso de Lingüística Geral sob o prisma dos Escritos de
Lingüística Geral numa tentativa de desfazer antigos mitos e contradições sobre o
autor e de se buscar, na obra dele, os ecos de suas pesquisas nas teorias
modernas. Cabendo destacar que nosso objetivo não é discutir os livros na íntegra,
mas abordar principalmente algumas concepções saussurianas a partir da sua teoria
do signo lingüístico e seus desdobramentos sobre a metáfora.
Em virtude do texto em si do Curso não ser de autoria direta de Saussure, muitas
críticas foram direcionadas à edição do Curso, colocando-se em dúvida o
posicionamento efetivo do autor no que diz respeito às afirmações presentes nessa
obra. Cabe destacar, como exemplo, o posicionamento de Calvet (1975), afirmando
que a forma como o Curso foi organizado, isto é, a ordem posta no livro, não
representa(ria) a ordem apresentada por Saussure em seu curso. Assim, afirma
Calvet:
Vale dizer que seria preciso, para reconstituir a ordem saussuriana,
começar pelo capítulo 8 da terceira parte (unidades, identidades e
realidades diacrônicas), prosseguir com os capítulo 3 e 4 da segunda parte
(identidades, realidades, valores, o valor lingüístico) para vir ao capítulo 1
da primeira parte (natureza do signo lingüístico) e depois ao capítulo 3 da
20
introdução (objeto da lingüística) em que a oposição entre língua e fala
deveria ter sido apresentada (C
ALVET
,
1975: 21).
Outra divergência que Calvet (1975:23) aponta diz respeito ao acréscimo de
informação ao término do livro: que a lingüística tem por único e verdadeiro objeto a
língua considerada em si mesma e por si mesma (S
AUSSURE
, 1973: 271); neste
fragmento, de acordo com as anotações originais dos alunos, foi acrescentada pelos
editores a parte a língua considerada em si mesma e por si mesma”. Ou seja, para
Saussure certamente o objeto de estudo da Ciência por ele inaugurada não poderia
se abster das relações sociais e antropológicas presentes no seu objeto de estudo,
conforme apresenta no último capítulo do Curso.
Calvet (1975:26) também acusa os editores do curso de traidores, acerca de um
ponto muito importante para Saussure: a terminologia.
A 2 de maio de 1911, Saussure aborda um capítulo do seu Curso que ele
intitula “natureza do signo lingüístico, e aí define o signo como “associação
de uma imagem acústica com um conceito”. A 19 de maio, volta a essa aula
(Dégallier anota: complemento ao capítulo II), propõe uma mudança de
tulo, a substituição de natureza do signo lingüístico por a língua como
sistemas de signos, e o de imagem astica e de conceito por significante e
significado. Os editores conservaram o título antigo [...] quando o novo
trazia em si toda a concepção da língua de Saussure. Mas sobretudo
misturaram ao longo de todo o capítulo os dois pares, conceito/imagem
astica e significado/significante, a respeito dos quais acabamos de ver
que o segundo devia substituir o primeiro (C
ALVET
, 1975:26-27).
Para Calvet (1975), então, o Curso caminha por trilhos que não constitui o
posicionamento de Saussure em sua totalidade, mas traça um percurso analítico das
considerações e das escolhas dos editores a partir dos cursos ministrados por
Saussure. Barthes (1997) trata a língua como sistemas de signos, o que em muito
altera as posições estáticas presentes no curso, que tendem a desconsiderar por
completo o movimento provocado pela conotação.
Calvet (1975) critica firmemente os editores do Curso:
E o Curso de Lingüística Geral assume, assim, um sentido que, sem dúvida,
ele não tinha na mente daquele que o professava: elaboração de
fundamentos teóricos justificando a autonomia da ciência lingüística. Por
isso, essa discussão é muito mais que uma querela de eruditos: os editores
[...] fabricaram uma imagem de marca saussuriana que passou para a
posteridade (C
ALVET
,
1975: 23).
21
Não concordamos com a crítica inexovel ao Curso, pois acreditamos que ali se
encontram muitos dos posicionamentos teóricos de Saussure, pom, sob a leitura
de seus editores (o que é inevitável numa obra elaborada desta maneira), mesmo
tendo consciência de que o Curso não expressa a totalidade do pensamento
saussuriano. Além de que no prefácio do Curso os editores assinalam a dificuldade
na organização do livro e responsabilizam-se pelos problemas que uma edição
póstuma implica.
Sentimos toda a responsabilidade que assumimos perante a crítica, perante
o próprio autor, que não teria talvez autorizado a publicação destas páginas.
Aceitamos integralmente semelhante responsabilidade e queremos ser o s
únicos a carregá-la. Sabe a crítica distinguir entre o mestre e os seus
intérpretes? (B
ALLY
,
S
ECHEHAYE
, CLG,
1973:4,
grifo nosso).
Essa responsabilização pelas inevitáveis diferenças entre a forma como os editores
expõem o Curso e como efetivamente ele foi ministrado demonstra a consciência de
que os editores apresentam apenas UMA das possíveis leituras de Saussure,
ressaltando-se que essa leitura firmou-se numa época de formação do pensamento
estruturalista, não apenas em lingüística, mas em diferentes áreas do conhecimento
(como antropologia e psicologia), influenciando a maneira como organizaram e
sistematizaram o curso, como reflexo das projeções de sua própria época.
Destarte, reconhecemos os problemas apontados pela crítica à edição de Bally e
Sechehaye, no entanto, não cremos que esses problemas invalidam a
representação das idéias de Saussure (ao menos, em partes). Contudo, no que diz
respeito ao objeto mesmo de estudo da Lingüística, que passa a ter uma
característica extremamente cartesiana (a língua em si e por si mesma),
diferentemente do que parecia pretender Saussure e, como conseqüência, as
abordagens assim direcionadas, para os estudos da metáfora, não podemos
desconsiderar as divergências existentes entre os manuscritos e a organização do
Curso. No entanto, optamos aqui por não abordar os manuscritos dos alunos,
apenas fizemos uma alusão à obra de Calvet (1975) e aos comentários de Bouquet
e Engler (2002), tendo em vista o longo debate já tecido acerca destes,
reconhecendo o fosso que se inaugura entre as idéias do mestre e as concepções
dos alunos, os quais seriam os responveis de fato por montar as bases
positivistas da então inaugurada ciência.
22
Bouquet e Engler (2002) ao prefaciarem o livro que organizaram a partir dos
manuscritos de Saussure também direcionam críticas ao Curso de Lingüística Geral.
[...] o pensamento saussuriano, que os textos originais nos fazem descobrir,
é menos categórico do que o Cours na medida em que confessa sua s
dúvidas sob pontos cruciais e faz, dessas mesmas dúvidas, a sua
heurística, e ao mesmo tempo mais radical, na medida em que se apresenta
como uma batalha contra a falta de refleo epistemológica que caracteriza
a lingüística: como a batalha pela renovação dos conceitos fundamentais
dessa ciência. Esse s dois pólos mostram-se característicos das notas do
curso e dos manuscritos, sustentando um pensamento mais sutil, mais
límpido, mais convincente do que o do Cours. No liv ro de 1916, eles são
como que esmagados e, a mesmo, sistematicamente apagados
(B
OUQUET
;
E
NGLER
apud S
AUSSURE
, 2002: 14, grifo nosso).
A partir da citação acima, observa-se que Bouquet e Engler apontam a negligência
dos editores do Curso, tal como demonstra Calvet (1975), contudo, não procuramos
um “verdadeiro Saussure”, mas apenas a reconstituição de algumas de suas
concepções na medida em que a publicação dos Escritos nos possibilita chegar um
pouco mais perto delas. Desse modo, não nos fixaremos somente no Curso, tão
veementemente criticado. Mesmo porque, os múltiplos olhares e leituras que
perpassam a obra saussuriana nos possibilitam compreender que esta deve se
constituir em mais uma das muitas possibilidades de leitura de sua obra, tendo em
vista as palavras de Silveira:
E assim, os manuscritos de Saussure não teriam a função de restabelecer o
verdadeiro Saussure, mas de ser uma possibilidade de ler Saussure sempre
dependente da posição do sujeito que o lê, e a partir dessa leitura dialogar
com a leitura dos editores (S
ILVEIRA
, 2003: 35).
Na pxima secção, por meio de uma comparação entre o Curso e os Escritos,
procuraremos identificar as concepções estruturalistas de língua, linguagem, signo,
sujeito e discurso, a fim de abstrair daí as concepções saussurianas sobre refencia
e metáfora.
2.3 L
ÍNGUA
,
S
IGNO E
V
ALOR
L
INGÜÍSTICO NO
C
URSO E NOS
E
SCRITOS
Pensando na possibilidade dos manuscritos dialogarem com a leitura dos editores,
iniciamos retomando a discussão de qual seria o objeto da lingüística para
23
Saussure; em seguida observamos como as noções de língua e de linguagem são
delimitadas passando pelos conceitos de signo e de valor lingüístico, e fechamos
abstraindo as noções de sujeito e discurso no pensamento saussuriano.
A princípio, considera-se que a fundamentação de uma ciência se dê,
primordialmente, pela delimitação de um objeto de estudo, desta forma, sendo
Saussure popularmente considerado o fundador da ciência Lingüística,
começaremos por esse ponto: Qual seria, segundo Saussure, o objeto da
Lingüística?
O Capítulo III da Introdução do Curso de Lingüística Geral é intitulado de Objeto da
Lingüística. Ele é iniciado com a declaração de que essa definição é
“particularmente difícil”, em seguida, diz que “outras ciências trabalham com objetos
de estudo dados previamente e que se podem considerar, em seguida, de vários
pontos de vista; em nosso campo, nada de semelhante ocorre (S
AUSSURE
, 1973:15)
e segue afirmando: “bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista,
diamos que é o ponto de vista que cria o objeto [...]” (S
AUSSURE
, 1973:15).
Verifica-se, então, o posicionamento da complexidade em se definir um objeto em
lingüística. Em contrapartida, apresentadas as ressalvas, defini-se o objeto:
Há, segundo nos parece, uma solução para tôdas essa s dificuldades: é
necessário colocar-se primeiramente no terreno da língua e tomá-la como
norma de tôdas as outras manifestações da linguagem. De fato, entre tantas
dualidades, somente a língua parece suscetível duma definição autônoma e
fornece um ponto de apoio satisfatório para o espírito (S
AUSSURE
, 1973: 15-
16).
Aparentemente, a decio de pôr a língua como objeto da Lingüística parece ser
algo provisório, com um pouco de incerteza, até porque se faz necessário delimitar a
extensão desse conceito de língua (o que também faremos a seguir).
Entretanto, surpreendentemente, o Curso apresenta em sua conclusão o
fechamento da questão, como já foi citado na secção anterior, a lingüística tem por
único e verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma e por si mesma
(S
AUSSURE
, 1973: 271), no entanto, como apontou Calvet (1975), a definição do
24
objeto da lingüística como a língua considerada em si mesma e por si mesma
(S
AUSSURE
, 1973: 271) é determinada pelos editores, uma vez que para Saussure,
tal assunto era demasiado complexo.
Entendemos, portanto, que, quanto ao objeto de estudo da Lingüística, há certa
disparidade dentro do próprio Curso. No capítulo III da Introdução, os editores
mostram-se inicialmente fiéis às questões apresentadas por Saussure (confirmadas
por meio dos Escritos), no entanto, na conclusão eles decidem fechar com uma
frase categórica e limitadora, não correspondendo, assim, ao que fora apresentado
anteriormente.
Em seus Escritos Saussure declara: “Lembremos, com efeito, que o objeto da
lingüística não existe para começar, não é determinado em si mesmo. Daí, falar de
um objeto, nomear um objeto, nada mais é do que recorrer a um ponto de vista A
determinado” (S
AUSSURE
, 2002: 26). De acordo com essa afirmação, podemos
observar que o posicionamento de Saussure se dá pelo viés de que não há UM
objeto de estudo na lingüística, antes, pontos de vistas a serem pesquisados.
Conforme demonstrado abaixo, Saussure afirma em seus Escritos que o objeto de
estudo da lingüística é uma entidade pouco concreta, pouco absoluta, mas que há
um esforço de lingüistas ou graticos para fugir da abstração e da relatividade em
que seu objeto de estudo se apresenta, que é pprio da linguagem essa fluidez.
Para cada ordem, com efeito, sente-se a necessidade de determinar o
objeto; e, para determiná-lo, recorre-se maquinalmente, a uma segunda
ordem qualquer, porque não há outro meio disponível na ausência total de
entidades concretas: eternamente, então, o gramático, ou o lingüista, nos
dá, por entidade concreta, e por entidade absoluta que serve de base para
suas operações, a entidade abstrata e relativ a que ele acaba de inventar
em um capítulo anterior (S
AUSSURE
, 2002: 27, grifo nosso).
Por meio do fragmento supracitado, observa-se que Saussure define cada objeto de
estudo apresentado como concreto, como sendo algo suficientemente abstrato e
relativo, inventado pelo “gramático ou lingüista em questão. Ou seja, embora
contraditória, essa assertiva propõe que a abstração encontra-se na inexistência de
um objeto de estudo dado, mas ao criar este objeto, o lingüista (ou gramático) o
25
concretiza por seu ponto de vista. Há, portanto, uma eterna tentativa de concretude,
ainda que provisória, do objeto de estudo da Lingüística.
Por conseguinte, uma vez que não UM objeto em Lingüística predeterminado, as
teorias lingüísticas não são cerradas em si mesmas, cabendo aos interesses de
cada época, de cada pesquisador, a definição de seu objeto de pesquisa. O
problema é que, quando se trata de uma ciência, o objeto de estudo dela tem de
estar muito bem delimitado; e é isso o que os compiladores do Curso fizeram à
revelia de Saussure, parecendo objetivar a materialização de um suposto objeto em
lingüística, logicamente, dentro de uma perspectiva preponderante na época, o
empirismo (a língua em si e por si), isolando, assim, o objeto de estudo da
lingüística, das demais ciências e inaugurando, então, a ciência lingüística, dentro do
modelo de ciência vigente na época.
Admitindo-se a (re) leitura proposta pelos editores, tendo a língua como objeto, gera-
se um empecilho: o que seria a língua? Para respondermos tal questão à luz das
concepções saussurianas, precisamos harmonizar essa discussão com a de
linguagem. Tanto no Curso como nos Escritos, língua e linguagem são apresentadas
como sendo distintas (pom intrínsecas), aquela pertencente a esta e vive-versa.
Entretanto, como já fora dito anteriormente, o Curso apresenta-se muito mais
caterico em suas diferenciações. O Curso afirma que “[a língua] não se confunde
com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela,
indubitavelmente(S
AUSSURE
, 1973: 17). Nesta citação, verifica-se que, embora a
língua seja inerente à linguagem, elas não se misturam, sendo indubitavelmente”
distintas. Nessa convergência antagônica vale lembrar que para o autor o termo
língua coincide com o termo idioma.
nos Escritos, Saussure afirma que “[...] o estudo da linguagem como fato humano
está todo ou quase todo contido no estudo das línguas. [...] Língua e linguagem são
apenas uma mesma coisa: uma é generalização da outra (S
AUSSURE
, 2002: 128).
Observa-se então, que a diferenciação entre língua e linguagem não é a questão
central para Saussure, antes, é implicação de uma na outra. Segundo o autor
(S
AUSSURE
, 2002: 128-129), é “inútil inquirir sobre a linguagem desconsiderando
26
sua manifestação (nas línguas), da mesma forma que seria “destituído de qualquer
valor” pesquisar as línguas desconsiderando sua inserção na noção de linguagem.
Em outras palavras, a linguagem é uma faculdade humana, todo homem tem
aptidão natural para ela, sendo a língua sua manifestação natural. Pela ótica
saussuriana, tanto expressa no Curso (p. 17) quanto nos Escritos (pp. 86, 115,
154),
“a língua é um fato social (S
AUSSURE
, 2002: 154) que se realiza por meio da
faculdade da linguagem. No entanto, nos Escritos, Saussure acrescenta a
irrelevância de tal afirmação “[...] para nós, saber se a língua é ou não um fato
social, é indiferente [...]” (S
AUSSURE
, 2002: 174) isso porque, aparentemente, esse
aspecto torna-se quase evidente, pois a língua realiza-se em sociedade e diferencia-
se por ela. “A língua é, por excelência, um meio, um instrumento, obrigado a realizar
constantemente e imediatamente seu objetivo, seu fim e efeito: se fazer
compreender” (S
AUSSURE
, 2002: 154). Importa, então, saber as caractesticas e
implicações inerentes à língua.
Saussure ressalta que a língua (como idioma) não nasce, cresce e morre (como
muitas teorias o afirmam), antes, ela é um continuum, “não pode se interromper,
nem mesmo no espaço de 24 horas, e cada elemento dela é reeditado milhares de
vezes nesse tempo(S
AUSSURE
,
2002: 174). Isso quer dizer que a todo instante a
língua sofre uma série de pequenas mudanças que, ao longo do tempo, se
configuram de forma mais evidente e significativa; mas nascer, crescer e morrer são
propriedades que não concernem à língua, pois do ponto de vista antropológico, a
língua como um fato social, es inserida numa sociedade que não nasce, cresce e
morre”, mas que se transforma e ao se transformar transforma a língua”; tanto no
tempo quanto no espaço.
Em linhas gerais, para Saussure (1973:23; 2002:174), a língua é homogênea,
concreta e arbitria. Homogênea no sentido de que ela constitui-se de um sistema
de signos, sendo estes compostos por duas partes psíquicas. A homogeneidade da
língua não se dá pela afirmativa de que ela é una, mas de que ela “representa um
sistema interiormente ordenado em todas as suas partes(S
AUSSURE
, 2002: 174).
Sendo assim, é a organização sistêmica da língua que configura sua unidade.
27
Concreta porque, mesmo os signos sendo psíquicos, as “associões, ratificadas
pelo consentimento coletivo e cujo conjunto constitui a língua, o realidades que
têm sua sede no cérebro (S
AUSSURE
, 1973: 23). Além de que os signos são
suficientemente claros ou definidos para serem percebidos ou entendidos.
A arbitrariedade, segundo o Curso, baseia-se no fato de que o laço que une o
significante ao significado é arbitrio (S
AUSSURE
,
1973:
81). Nos Escritos,
acrescenta-se o seu desvincular com o objeto, pois a língua depende de um objeto,
mas é livre e arbitria com relação ao objeto(S
AUSSURE
, 2002: 174), ou seja, não
há uma correspondência direta entre significante e significado assim como é
arbitrária a relação entre o objeto e o signo.
Observamos, então, que os dois livros possuem abordagens semelhantes no que se
referem à linguagem e à língua; afirmando que ambas apresentam-se imbricadas,
tendo a língua como foco principal em suas discussões.
Esses aspectos enumerados correspondentes à língua trazem em seu bojo a idéia
de signo lingüístico, já que a língua se constitui como sistema de signos. Desse
modo, o signo é parte constituinte da língua e, portanto, um influencia diretamente o
outro. Inicialmente, no Curso, define-se o signo lingüístico como sendo uma unidade
com duas faces, em cuja exisncia é inerente o significante e o significado, podendo
ser assim representado:
Figura 1 Signo Lingüístico I.
Fonte: S
AUSSURE
, 1973: 80 (adaptado).
28
Com esta representação demonstra-se que a exisncia do signo está,
necessariamente, condicionada à existência dessas duas faces (pois na ausência do
significado, tem-se apenas uma matéria fônica, e na auncia do significante, resta
apenas uma idéia sensorial). No Curso (p. 131), é apresentado o exemplo de que o
signo assemelha-se a uma folha de papel, por não ser possível separar os seus
lados, constituindo estes o todo da folha.
Entretanto, nos Escritoso há nenhuma referência explícita a esse diagrama, mas
não o questionamos, pois, como referenciamos na página 19 acerca do
posicionamento de Calvet, o diagrama e a nomenclatura aparecem em vários
cadernos de alunos, no entanto os manuscritos de Saussure apresentam uma visão
mais complexa do signo lingüístico, como veremos mais adiante.
Essa representação colocada no Curso aparenta-se muito mais com a vio habitual
dos termos que Saussure critica, embora possamos ver claramente que a mudança
nos conceitos (significação por significado e forma por significante) muda a
concepção do signo em sua complexidade.
Visão habitual:
Figura 2 Signo lingüístico II.
Fonte: S
AUSSURE
, 2002: 42.
Cabe destacar que, em seus Escritos, Saussure ressalta a constante confusão do
signo com apenas a figura vocal, tirando-se a significação:
Quem diz signo diz significação; quem diz significação diz signo; tomar por
base o signo (sozinho) não é apenas inexato, mas não quer dizer
absolutamente nada porque, no instante em que o signo perde a totalidade
de suas significações, ele nada mais é do que uma figura vocal (S
AUSSURE
,
2002: 44).
Dessa forma, dispõe-se que ao signo é inerente a significação, sabendo-se que “1º
Um signo só existe em virtude de sua significação; 2º uma significação só existe em
virtude de seu signo; 3º signos e significações só existem em virtude da diferença
29
dos signos (S
AUSSURE
, 2002: 37), Com essa afirmação, Saussure discute com
aqueles que assumem a língua exclusivamente como forma, ou exclusivamente
como conteúdo. A significação, na proposição de Saussure, é justamente a relação
do significante com o significado.
Essa relação apresentada assemelha-se à anteriormente citada que foi proposta no
Curso, todavia esta enfatiza uma parte que se mostra muito importante nos
manuscritos do autor: a existência dos signos e significações vinculada à diferea.
O Curso aborda a negatividade do signo de maneira que:
Tudo o que precede equivale a dizer que na língua só existem diferenças. E
mais ainda: uma diferença supõe em geral termos positivos entre os quais
ela se estabelece; mas na língua há apenas diferenças sem termos
positivos. [...] Um sistema lingüístico é uma série de diferenças de sons
combinadas com uma série de diferenças de idéias; mas essa confrontação
de um certo número de signos asticos com outras tantas divisões feitas
na massa do pensamento engendra um sistema de valores; e é tal sistema
que constitui o vínculo efetivo entre os elementos fônicos e psíquicos no
interior de cada signo (S
AUSSURE
,
1973:
139).
Desta forma, afirmando que signos e significações só existem em virtude da
diferença dos signos”, o autor enfoca também a negatividade do signo (ou dos
termos), não apenas de seus constituintes – significado/significante.
Não há, na língua, nem signos, nem significações, mas DIFERENÇAS de
signos e DIFEREAS de significação; as quais 1º só existem,
absolutamente, umas através das outras (nos dois sentidos) sendo,
portanto, inseparáveis e solidárias; mas 2º não chegam jamais a se
corresponder diretamente (S
AUSSURE
, 2002: 65).
Essa negatividade dos signos é demonstrada por Saussure em seus Escritos numa
nova proposta de que os signos lingüísticos sejam quádruplos (comparando-se a
comum afirmação de que os termos o duplos como exposto anteriormente):
“Dizemos, antes de tudo, que a forma é a mesma coisa que a significação, e que
esse ser é quádruplo(S
AUSSURE
,
2002:43).
30
Visão proposta:
Figura 3 Signo lingüístico III.
Fonte: S
AUSSURE
, 2002: 42.
Nesse esquema, verificamos a complexidade que envolve o signo lingüístico
proposto por Saussure em seus Escritos, enfocando não somente a negatividade do
signo, mas também a negatividade do que o constitui; apresentando-se, portanto,
muito mais completo do que a representação proposta no Curso.
O Curso também trata da negatividade dos signos, no entanto com muito menos
enfoque e deslocada da definição de signo, mas imbricada apenas na de valor
lingüístico. Parece-nos que se intencionou simplificar a definição do signo
lingüístico para depois ampliá-la no tratamento dos valores lingüísticos.
Saussure afirma o seguinte sobre o valor lingüístico, no capítulo IV da Segunda
Parte do Curso:
Quando se diz que os valôres correspondem a conceitos, subentende-se
que são puramente diferenciais, definidos não positivamente por seu
conteúdo, mas negativamente por suas relações com os outros têrmos do
sistema (S
AUSSURE
, 1973: 136).
Destarte, cada signo é definido pelas suas diferenças a outro(s) signo(s), assim
como cada significação é delimitada pelas suas diferenças a outra(s)
significação(ões), sendo, portanto, a afirmação do que NÃO é o que constitui o que
é. Com isso valoriza-se a negatividade do signo (e das significações) em detrimento
de sua positividade, pois
31
Nenhum signo é, portanto, limitado no total de idéias positivas que ele é, no
mesmo mo mento, chamado a concentrar em si mesmo; ele só é limitado
negativamente, pela presença simultânea de outros signos; e é, portanto,
inútil procurar qual é o total de significações de uma palavra (S
AUSSURE
,
2002: 72).
Dessa impossibilidade de se achar a totalidade das significações, podemos perceber
que a infinidade de idéias positivas do signo impede de defini-lo, cabendo às suas
negatividades a possibilidade de delimitação, isto é, o que caracteriza o signo (ou a
significação) não é o que ele é, mas o que ele não é. Ou seja, pelo critério de
ausência /presea, define-se um signo (e uma significação) em oposição a outro(s).
“O sentido de cada forma, em particular, é a mesma coisa que a diferença das
formas entre si. Sentido = valor diferente(S
AUSSURE
,
2002: 30).
Considerando-se que o sentido se dá pela igualdade a um valor diferente, devemos,
primeiramente, abstrair o que seria valor na teoria saussuriana. De acordo com o
Curso, a distinção de valor lingüístico e significação é de suma importância, sob
pena de reduzir a língua a uma simples nomenclatura.
[...] em que difere o valor do que se chama significação? Essa s duas
palavras seo sinônimas? Não o acreditamos, se bem que a confusão seja
cil, visto ser provocada menos pela analogia dos rmos do que pela
delicadeza da distinção que êles assinalam. / O valor, tomado em seu
aspecto conceitual, constitui, sem dúvida, um elemento da significação, e é
difilimo saber como esta se distingue dêle, apesar de estar sob sua
dependência. É necessário, contudo, esclarecer esta questão, sob pena
de reduzir a ngua a uma simples nomenclatura (S
AUSSURE
, 1973: 132-
133, grifo nosso).
Não acreditamos que tal diferenciação seja tão extremada quanto o Curso a propõe,
diferentemente, concordamos na superioridade do termo valor em detrimento de
significação, como sugere Saussure nos Escritos, pois na ordem da terminologia ele
considera que,
[...] não estabelecemos nenhuma diferença séria entre os termos valor,
sentido, significação, função ou emprego de uma forma, nem mesmo com a
idéia como conteúdo de uma forma; esse s termos são sinônimos.
Entretanto, é preciso reconhecer que valor exprime, melhor do que qualquer
outra palavra, a essência do fato, que também é a essência da língua, a
saber, que uma forma não significa, mas vale: esse é o ponto cardeal. Ela
vale, por conseguinte ela implica a exisncia de outros valores (S
AUSSURE
,
2002: 30).
32
O Curso apresenta-se novamente mais radical em suas colocações. A escolha
do termo valor em detrimento dos outros termos possíveis de serem utilizados
implica na consideração de que as relações de significação assemelham-se às
relações de troca da economia, isto é, assim como no câmbio econômico há uma
série de valores pelos quais se pode fazer uma troca (ex. uma nota de R$10 reais
pode valer: 30 pães, ou 10 kg de açúcar, ou U$5 dólares, ou $3 euros,
aproximadamente), assim também ocorre no âmbito lingüístico, uma vez que a
significação de um signo representa naquele momento apenas UM valor da
variedade de valores que aquele signo possui (ou pode vir a possuir).
Para Saussure, os valores
[...] constituem na solução particular de uma certa relação geral entre os
signos e as significações, estabelecida sobre a diferença geral dos signos
mais a diferença geral das significações mais a atribuição anterior de certas
significações a certos signos ou reciprocamente (S
AUSSURE
, 2002: 31).
Ao propor o termo valor, Saussure passa a admitir ainda que intuitivamente uma
abertura para possíveis deslizamentos semânticos nos quais se podem inserir as
metáforas.
Essa solução se dá, então, partindo da negatividade do signo (em seu foco na
diferença) passando pela seleção na diversidade de significações e chegando a uma
atribuição delimitada de valor. Com isso, “[...] o sentido pode variar numa medida
infinita sem que o sentimento de unidade do signo seja, nem mesmo vagamente,
atingido por essas variações (S
AUSSURE
, 2002: 48). Talvez com o intuito de
preservar a unidade do signo, o valor, para Saussure, ao mesmo tempo em que
expande as possibilidades, forma uma delimitação da variação de sentido.
Quando Saussure considera a significação pelo viés do valor ele manifesta a
atuação discursiva do sujeito falante nas escolhas desse valor, considerando-se que
o valor apropriado para cada evento pode ser selecionado por meio do valor
convencional, de troca, ou de uso. A significação atribuída pelo sujeito falante estaria
condicionada, portanto, a um determinado feixe de significações contidas no valor,
ou seja, antes da manifestação discursiva do sujeito, há uma dimeno sistêmica, de
33
ordenação dos signos. Não se trata, portanto, de estabelecer uma significação
estanque e absoluta, mas de admitir que
[...] a língua repousa sobre um certo número de diferenças ou de oposições
que ela reconhece, sem se preocupar essencialmente com o valor absoluto
dos termos opostos, que poderá variar consideravelmente, sem que o
estado de ngua seja destruído (S
AUSSURE
, 2002: 37, grifo nosso).
O fragmento destacado aponta para um estágio de língua que, tomada como um
fato social, não deixa de ter certa flexibilidade em relação ao valor. Essa variação
ocorre, como dissemos anteriormente, devido às seleções do sujeito falante quanto
ao sentido que irá produzir no seu discurso, no entanto, a variabilidade do sentido (e
as suas inovações) não se manifesta de forma linear e premeditada; antes, ocorre
de maneira espontânea no momento da fala.
Desse modo, tanto o Curso quanto os Escritos apresentam-nos um sujeito falante”,
de certa forma influenciado pelo meio, mas sem grande importância
(individualmente) para a constituição da língua, posto que esta é um fato social e
seu perfil coletivo prevalece sobre o individual. Esse sujeito falante é fruto da cultura
em que nasceu, sofre influência da massa falante, mas só tem real importância para
a teoria proposta quando visto no conjunto (com outros sujeitos), ou seja, na
coletividade.
Podemos observar que as mudanças lingüísticas, por exemplo, o conseqüências
da ação do sujeito falante inserido em sua comunidade, assim, nos Escritos afirma-
se que
Todas as modificações, sejam fonéticas, sejam gramaticais (analógicas), se
fazem exclusivamente no discurso. o há nenhum momento em que o
sujeito submeta a uma revisão o tesouro mental da língua que ele tem em
si, e crie, de espírito descansado, formas novas [...] que ele se proponha
(prometa) a “colocar em seu pprio discurso. Toda inovação chega de
improviso, ao falar, e penetra, daí, no tesouro íntimo do ouvinte ou no do
orador, mas se produz, portanto, a propósito de uma linguagem discursiva
(S
AUSSURE
, 2002: 86-87).
Quando o autor estabelece que as modificações se produzem “a propósito de uma
linguagem discursiva”, ele reporta-se à força da massa falante e não ao indivíduo
34
falante , pois a discursividade a que ele se refere é produto da intenção de
comunicação coletiva, de maneira que a língua torna-se resultado
[...] de um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos
pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe
virtualmente em cada rebro ou, mais exatamente, nos rebros dum
conjunto de indiduos, pois a língua não está completa em nenhum, e só
na massa ela existe de modo completo (S
AUSSURE
, 1973: 21).
Outrossim, Saussure (2002: 249) afirma que a coletividade social é parte constituinte
do fenômeno semiológico, ou seja, a coletividade é um fator interno à significação, e
não externo a ela, como muitas vezes se pensou, o que nos leva a admitir que a
significação é muito mais socializada do que lingüística, dentro dos limites permitidos
pelo valor, pois
[...] toda espécie de valor, mesmo usando elementos muito diferentes, só se
baseia no meio social e na força social. É a coletividade que cria o valor, o
que significa que ele não existe antes e fora dela, nem em seus elementos
decompostos e nem nos indiduos (S
AUSSURE
, 2002: 250).
Ao valor lingüístico, então, está imbricada a coletividade, de forma que as
possibilidades de variação não dependem da vontade única do sujeito falante, mas
de suas possibilidades coletivas, isto quer dizer que mesmo algumas inovações de
significação sofrem influências da massa, pois não é possível falar em valor de troca
se não houver troca, ou seja, o ouvinte tem que aceitar a relação de troca para
poder determinar que ali haja um valor, pois um uso (uma escolha nova de sentido)
sem troca é apenas um significante, sem significado no discurso. Conforme
expresso no Curso,
Para bem entender tal papel, no entanto, impõe-se sair do ato individual,
que não é senão o embrião da linguagem, e abordar o fato social. Entre
todos os indiduos assim unidos pela linguagem, estabelecer-se uma
espécie de meio-têrmo; todos reproduzirão não exatamente, sem dúvida,
mas aproximadamente os mesmo signos unidos aos mesmos conceitos
(S
AUSSURE
, 1973: 21).
Com essas considerações, partindo de uma visão consensual entre os membros da
sociedade, podemos abstrair que o conceito de discurso, em Saussure, manifesta-se
na coletividade, dando indícios à Sociolingüística, conforme expresso no Curso:
35
É entre o etnismo e a língua que se firma aquela relação de reciprocidade
na p. 29 [entre a Lingüística e a Etnologia]: o nculo social tende a criar a
comunidade de língua e imprime talvez ao idioma comum determinados
caracteres; inversamente, é a comunidade de língua que constitui, em certa
medida, a unidade étnica (S
AUSSURE
,
1973:
261).
Essa assertiva propõe um vínculo entre língua e etnia de maneira que não é
possível encontrar um ponto de contato, nem determinar uma tangente que os
separe pois não se separam ; sendo ambos intnsecos um ao outro. Assim
sendo, a unidade lingüística constitui (ao menos em partes) a unidade étnica, assim
como a unidade étnica constitui um dos suportes da unidade lingüística.
Em contrapartida, nos Escritos saussurianos o conceito de discurso considera as
relações sociolingüísticas e vai um pouco além, abordando a interatividade dos
signos no meio do todo discursivo, pois “a língua só é criada em vista do discurso
(S
AUSSURE
,
2002:
237). Sendo, à primeira vista, que
[...] o discurso consiste, quer seja de maneira rudimentar e por vias que
ignoramos, em afirmar uma ligação entre dois dos conceitos que se
apresentam revestidos de forma lingüística, enquanto a língua realiza,
anteriormente, apenas conceitos isolados, que esperam ser postos em
relação entre si para que haja significação de pensamento (S
AUSSURE
,
2002: 237).
O discurso permeia, então, a significaçãodo pensamento, tendo como objetivo a
comunicação entre os sujeitos falantes; mas para que haja tal comunicação, faz-se
necessário homogeneizar o que é heterogêneo. Ou seja, os fenômenos
semiológicos da fala que é heterogênea devem ser homogeneizados na língua,
para que haja uma concordância de significações entre os sujeitos falantes e, assim,
possibilitar que um “acúmulo de signos torne-se uma ação de comunicação, um
discurso. Nesse processo de homogeneização estaria contido, ainda que de maneira
rudimentar, as bases dos deslizamentos semânticos se assim o podemos
denominar , o que reforçaria, sem dúvidas, o princípio da significação “no discurso”.
Em suma, como já vimos apontando, o posicionamento teórico manifesto pelos
manuscritos de Saussure nos Escritos demonstra-se muito mais abrangente que o
posicionamento expresso no Curso. De forma que o autor evidencia uma
complexidade em suas análises que, muitas vezes, foi simplificada pelos seus
alunos.
36
Na pxima seão, para estabelecer uma comparação entre o Curso e os Escritos,
retomaremos o valor lingüístico pelo viés da referenciação, discutindo as relações de
sentido o sentido próprio e o figurado com o objetivo de abstrair o conceito de
metáfora para Saussure.
2.4 R
EFERENCIAÇÃO E
M
ETÁFORA EM
S
AUSSURE
Como já fora dito anteriormente, Saussure foi considerado o fundador do
estruturalismo em Lingüística, em virtude disso, iniciamos esse tópico relacionando o
estruturalismo europeu com Saussure, para em seguida retornarmos ao conceito de
valor lingüístico com o objetivo de abranger a referenciação e a metáfora
saussurianas.
A prinpio, então, temos de responder o que seria o estruturalismo europeu, que de
acordo com Weedwood
1
[...] é um termo que se refere à visão de que existe uma estrutura relacional
abstrata que é subjacente e deve ser distinguida dos enunciados reais um
sistema que subjaz ao comportamento real e de que ela é o objeto
primordial de estudo do lingüista (W
EEDWOOD
,
2002:
128).
Para termos um panorama do estruturalismo na lingüística, devemos entender que o
estruturalismo tem algumas caractesticas marcantes, às quais acompanham suas
diferentes vertentes (como o Círculo de Praga, a glossemática, o descritivismo
americano). Destacamos (dentre as diversas possibilidades), na seqüência da
explanação, especialmente ts dessas características e inovações.
O primeiro ponto que gostaamos de ressaltar é que
O estruturalismo visa, na distinção de suas áreas de aplicação já
reconhecidas, à mesma coisa, ou seja, objetivar os processo s de
significação, constituindo-os em sistemas. Para isso é fundamental a
conversão dos fatos em signos. Pois tanto os sistemas quanto as estruturas
a que eles remetem se referem a uma realidade construída e não a uma
realidade de fato (L
IMA
, 1971: 83).
1
Como o foco dessa pesquisa não é o estruturalismo, o tratamos de maneira demasiadamente superficial, de forma
que sugerimos ao leitor que se interessar pelo tema a leitura de cânones como Joaquim Mattoso Câmara Júnior.
37
Essa realidade construída, uma realidade “iluria”, baseia-se na objetividade
proposta pela visão estruturalista, pela qual se deve abstrair do jogo comunicativo o
sistema de regras que rege a linguagem, configurando esse sistema como a língua
o digo em si mesmo. Desta forma, o estudo não abrange os fatores externos à
língua, mas às constantes internas dela. Pois a lingüística “toma por objeto não a
filosofia da linguagem nem a evolão das formas lingüísticas mas, em primeiro
lugar, a realidade intnseca da língua, e visa a se constituir como ciência formal,
rigorosa e sistemática(B
ENVENISTE
, 1995: 22).
O segundo ponto refere-se às noções de sistema e de estrutura que o estruturalismo
inaugura como inerentes à língua. Sendo assim, a língua “compõe-se de elementos
formais articulados em combinações variáveis(B
ENVENISTE
, 1995:22), configurando-
se um sistema, e estes elementos, por sua vez, submetem-se a certos tipos de
relações que articulam suas unidades em determinados níveis, obtendo-se uma
estrutura base.
E o terceiro ponto (mas não menos importante) se dá pela substituição do fato
lingüístico pela relação lingüística, nas palavras de Benveniste (1995)
A noção positivista de fato lingüístico é substituída pela de relação. Ao ins
de considerar-se cada elemento em si e de procurar-se a sua causa num
estado mais antigo, encara-se cada elemento como parte de um conjunto
sincrônico; o atomismo” dá lugar ao estruturalismo”. Isolando-se dentro do
dado lingüístico segmentos de natureza e de extensão variável, arrolam-se
unidades de vários tipos; somos levados a caracteri-las por níveis
distintos cada um dos quais devem ser descritos em termo adequados
(B
ENVENISTE
, 1995: 23).
Por esse viés o da relação já não há espaço para uma análise dissociada dos
signos, mas há um indício do “todo”, cuja perspectiva aponta para uma relação inter-
sígnica. Em síntese (e de forma bastante redutora), o estruturalismo converte os
fatos em signos, fugindo da realidade em si e analisando uma realidade construída;
inaugura as noções de sistema e de estrutura, pelas quais a língua esorganizada
sob uma série de relações a que se deve submeter; e, por fim, substitui o então
“atomismo lingüísticopelo “estruturalismo”, por meio do qual o foco posiciona-se
sobre as relações inter-sígnicas e não sobre os signos somente, já que sob a rubrica
do estruturalismo admite-se o signo pelas relações que o constitui.
38
Essas três caractesticas
2
que acabamos de ressaltar são inerentes ao
saussurianismo, expressas tanto no Curso quanto nos Escritos. Observemos, por
exemplo, a caractestica de que o signo aponta para uma realidade construída, e
não uma realidade em si mesma. Tão antiga quanto a língua(gem) e as sociedades
é a discussão acerca de como referimos o mundo pela linguagem. O impasse vai
além do âmbito lingüístico, perpassa o nível filofico e termina no seguinte
empecilho: o pensamento precede a realidade ou a realidade p-existe ao
pensamento.
Pelo viés estruturalista, percebe-se que [...] se uma palavra não evoca a idéia de
um objeto material, não há absolutamente nada que possa precisar seu sentido, a
não ser por via negativa (S
AUSSURE
, 2002: 69). Tal imprecisão situa-se no
entremeio das discussões acerca de como falamos sobre o mundo ao mundo, dado
a inexistência de uma paridade entre as palavras e as coisas, pois
Se fosse possível que uma língua consistisse unicamente em denominar os
objetos, os diferentes termos dessa língua não teriam relação entre si,
ficariam tão separados uns dos outros quanto os próprios objetos; que os
termos fossem, por outro lado, consagrados a denominar coisas materiais e
visíveis. Assim, pão, cascalho (S
AUSSURE
, 2002: 282).
Como a língua não se presta a denominar objetos, e sua função social está centrada
na ordem discursiva, posto que é um fato social, reportamo-nos novamente à noção
de valor para sustentar a reflexão acerca de como as significações o aferidas no
discurso e como o sujeito falante recorre ao digo para significar o mundo a sua
volta.
O Curso afirma de várias formas que “quando se fala em valor de uma palavra,
pensa-se geralmente, e antes de tudo, na propriedade que tem de representar uma
idéia, e nisso está, com efeito, um dos aspectos do valor lingüístico (S
AUSSURE
,
1973:132). Vemos então a representação de uma idéia e não de uma realidade.
Ao estabelecer a inencia do valor lingüístico ao signo, e esteso apontando para
a realidade, Saussure posiciona-se teoricamente quanto à referenciação. Cabendo
2
Cabe salientar que o estruturalismo não se resume a essas três características apresentadas, antes é muito mais
abrangente e completo, o que destacamos foi apenas um recorte teórico-metodológico.
39
ressaltar que, para Saussure, os estudos lingüísticos não se ocupam da relação
palavra-coisa, antes do signo-idéia. Nessa perspectiva, o lingüista afirma que
[...] a existência de fatos materiais é, assim como a existência de fatos de
uma outra ordem, indiferente à língua. O tempo todo ela avança e se põe a
serviço da formidável máquina de suas categorias negativas,
verdadeiramente desembaraçadas de todo fato concreto e, por isso mesmo,
imediatamente prontas a armazenar uma idéia qualquer que venha se juntar
às precedentes (S
AUSSURE
,
2002:
70).
No fragmento supracitado, observamos que, também nos Escritos, Saussure refere-
se à realidade como não sendo lingüística, entretanto, não podemos cair no erro de
acreditar que Saussure nega a realidade, mas, na proposta saussuriana, a realidade
não é interior nem exterior à língua, ela está em outra ordem, não concernente à
linguagem. Em seus Escritos, o autor declara que
Em lingüística, nós negamos, em princípio, que haja objetos dados, que
haja coisas que continuem a existir quando se passa de uma ordem de
idéias a outra, que seja possível considerar as “coisasem rias ordens,
como se elas fossem dadas por si mesmas (S
AUSSURE
,
2002: 173).
Assim sendo, Saussure expõe que a língua não se relaciona diretamente com a
realidade, pois elas fazem parte de ordens distintas (como se fossem dimensões
que não se tocam). Por conseguinte, não cabe à língua nomear os objetos, mas
expressar relações de valor nos signos que possibilitem a comunicação entre os
sujeitos falantes.
O Curso e os Escritos são uníssonos na afirmação de que a língua não é uma
nomenclatura, não haveria uma relação “um por um, um signo para uma
significação. Sendo, portanto um erro [...] acreditar que uma língua composta por
500 palavras representa 500 signos + 500 significações [...]” (S
AUSSURE
, 2002: 96).
Essa negação da relação um por um” entre o signo e o significado se dá não no
âmbito da língua versus realidade, mas também da língua em si mesma, ou seja,
conforme a teoria do valor lingüístico, a um mesmo signo é possível referenciar
vários valores; e essa variabilidade não se encontra numa “realidadeexterna, mas
nas relões inter-sígnicas do todo discursivo. Ou seja, no arranjo inter-sígnico a
significação emerge do valor lingüístico que o conjunto possibilita.
40
Partindo desse pressuposto, a metáfora seria “mais um valor” que o signo poderia vir
a ter, mas de que forma isso se configura? Nos Escritos, o autor afirma que “não há
diferença entre o sentido próprio e o sentido figurado das palavras (ou: as palavras
não m mais sentido figurado do que sentido próprio) porque seu sentido é
eminentemente negativo(S
AUSSURE
,
2002: 67).
Voltamos, então, à negatividade do signo, ou seja, os diversos sentidos que podem
ser atribuídos a um determinado signo o circunscritos por meio das diferenças.
Como já fora dito anteriormente,
A língua consiste, então, na correlação de duas séries de fato:
1° consistindo, cada um, em oposições negativas ou em diferenças, e não
em termos que ofereçam uma negatividade em si mesmos.
2° existindo, cada um em sua própria negatividade, desde que, a cada
instante, uma
DIFERENÇA
da primeira ordem venha se incorporar a uma
diferença da segunda e reciprocamente (S
AUSSURE
, 2002: 68).
Sendo assim, embora continuamente a metáfora tenha sido referenciada como um
simples desvio dentro do estruturalismo, a metáfora se configura como uma
possibilidade de sentido.
Dessa maneira, sentidos diferentes podem ser atribuídos aos signos, dentro das
suas relações com outros signos, donde surge a metáfora a partir da noção de valor
lingüístico. Nos Escritos Saussure afirma que “uma forma não significa, mas vale:
esse é o ponto cardeal. Ela vale, por conseguinte ela implica a existência de outros
valores (S
AUSSURE
, 2002: 30). Essa abertura para a existência de outros valores é
decisiva para a efetivação das metáforas nas escolhas de sentido (ou melhor, de
valor).
No entanto, a construção da diversidade de sentido no estrato social não se dá de
forma estanque e premeditada, mas por meio de um continuum criativo (como
citamos S
AUSSURE
,
2002: 174). Portanto, no espaço de um dia cada elemento da
língua é “reeditado milhares de vezes”, e dentro dessa reedição têm-se vários
sentidos metafóricos.
41
Nessa perspectiva, podemos observar que a criação metafórica é patente pelo viés
saussuriano, uma vez que nenhum signo é [...] limitado no total de idéias positivas
que ele é, no mesmo momento, chamado a concentrar em si mesmo(S
AUSSURE
,
2002: 72). Desta forma, dentro de cada signo lingüístico é aberta a possibilidade da
variação de sentidos, e dentre os sentidos possíveis, encontram-se igualmente os
sentidos metafóricos.
Como já vimos, o valor lingüístico está intrinsecamente ligado à comunidade
lingüística, ele só existe através da sociedade; por conseguinte, a metáfora só se
efetiva socialmente. Como já fora citado anteriormente, “o vínculo social tende a
criar a comunidade de língua e imprime talvez ao idioma comum determinados
caracteres (S
AUSSURE
, 1973: 261), o que nos leva a defender, nesta pesquisa, a
idéia de que a metáfora, sobre o viés do estruturalismo, é uma acomodação
sentico-social sobre um valor no signo.
Dentro do estruturalismo saussuriano, por ser a língua e a linguagem um fator
imbricado na vida social, mas totalmente a parte da realidade material, já começa a
apontar a noção de metáfora como construção de realidade. Entretanto, não
esperávamos ver isso claramente em Saussure. O que descobrimos, na verdade, é
que geralmente as pessoas mantêm o raciocínio aristotélico ao falar da metáfora no
estruturalismo, e Saussure vai muito além dele, já apontando para as teorias que
analisaremos no próximo capítulo.
No capítulo seguinte, retomaremos quatro concepções de metáfora, procurando
observar nelas as influências saussurianas, objetivando-se demonstrar os avanços e
os rompimentos dessas concepções em relação a Saussure.
42
3.
R
EPERCUSSÕES DAS
P
OSTURAS
E
STRUTURALISTAS SOBRE
A
LGUMAS
A
BORDAGENS QUE
T
RATAM DA
M
ETÁFORA
.
Geralmente atribui-se a Saussure um posicionamento teórico mais conservador em
comparação com as teorias posteriores a ele. No entanto, como vimos no capítulo
anterior, por meio de seus Escritos, ele revela-se diferente do tão conhecido Curso
de Lingüística Geral e surpreende por seus posicionamentos teóricos.
A fim de estabelecer uma discussão teórica sobre a metáfora, neste capítulo
apresentamos o posicionamento de cinco autores posteriores a Saussure, mas que
recebem influência do estruturalismo em Lingüística e, a partir de uma resenha
destes, objetivamos considerar seus avanços e seus rompimentos em relação a
Saussure.
A primeira seão deste capítulo é voltada para os estudos de Ricoeur (2000) em
seu livro A metáfora viva, que aborda a Metáfora em três níveis: o nível da palavra,
da frase e do discurso; na segunda seão apresentamos Foucault (1966) em As
palavras e as coisas, livro no qual ele analisa a linguagem nos momentos clássico,
cartesiano e discursivo e aborda a metáfora como um processo de produção de
sentido, e como mecanismo de construção da realidade; na terceira secção
observamos o posicionamento de Barthes (1971) em Elementos de semiologia nos
quais o autor considera a metáfora partindo do semelhante e do dessemelhante; a
quarta secção é composta por Lakoff e Johnson (1980) no livro Metáforas da vida
cotidiana, que tratam a metáfora como um pilar nos processos cognitivos. Por fim, na
quinta seão, encerrando este capítulo, apresentamos os avanços e os limites
teóricos entre as teorias e, principalmente, em relão ao posicionamento
saussuriano.
3.1 A
M
ETÁFORA EM
P.
R
ICOEUR
Por Paul Ricoeur ser um ícone nos estudos sobre a metáfora, esta seão volta-se à
sua obra A metáfora viva (2000), obra esta que o torna refencia sobre o assunto.
Discorremos, então, o trato das metáforas nos níveis da palavra, da frase e do
43
discurso apresentados pelo autor, e suas implicações sobre os conceitos de
linguagem e referência.
O livro A metáfora viva apresenta estudos oriundos de um seminário que ocorreu na
Universidade de Toronto em 1971 e que tiveram progressão durante cursos
ministrados posteriormente em outras universidades. Cada um dos oito estudos que
compõem a obra, conforme é prefaciado pelo autor,
[...] desenvolve um ponto de vista determinado e constitui um todo. Ao
mesmo tempo, cada um é o segmento de um único itinerário que tem início
com a retórica clássica, passa pela semtica e pela semântica, para
alcançar finalmente a hermenêutica. A passagem de uma disciplina a outra
segue a das entidades lingüísticas correspondentes: a palavra, a frase e,
por fim, o discurso (R
ICOEUR
, 2000: 09).
Ricoeur (2000) parte de Aristóteles para estudar a metáfora sob o nível da palavra,
uma vez que este é considerado o precursor na discussão sobre as metáforas.
Conforme já citamos no capítulo anterior, Aristóteles, na Poética, define metáfora
como “a transposição do nome de uma coisa para outra, transposição do gênero
para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou de uma espécie para outra, por via
de analogia(A
RISTELES
, 1959: 312). Essa noção de metáfora como transposição
de significados, ainda hoje, é utilizada por gramáticos e por alguns teóricos da
linguagem.
Ricoeur (2000) afirma que a visão aristotélica remete a três conceitos principais
inerentes à metáfora: o desvio, o empréstimo e a substituição. Sabendo-se que
estes são possíveis a partir da diferencião do sentido próprio também
chamado primeiro do sentido estranho também chamado figurado. Dessa forma,
a metáfora seria um desvio do uso habitual da palavra; um empstimo de sentido;
uma substituição de uma palavra (ausente) por outra (metafórica).
Sob essa ótica desviante, mesmo a noção de comparação é problemática, uma vez
que “aos olhos de Aristóteles, a ausência do termo de comparação na metáforao
implica que a metáfora seja uma comparação abreviada, como se di a partir de
Quintiliano, mas, ao contrário, que a comparação é uma metáfora desenvolvida”
(R
ICOEUR
, 2000: 46).
44
A metáfora aristotélica, então, é entendida a partir dos padrões da palavra, pelos
quais se estabelecem principalmente as relações de semelhança. Utilizar uma
metáfora, então, implica em empregar um termo em lugar de outro, seja como
desvio, como um empréstimo semântico ou como uma substituição. Dessa forma,
quando se entende a metáfora como figura de linguagem, vemos que, no âmbito da
figura, a metáfora assemelha-se a uma imagem. Quanto a esta aproximação
conceitual, Aristóteles afirma:
A imagem é igualmente uma mefora; entre uma e outra a diferença é
pequena. [...] Podemos empregar das estas expressões quer como
imagens, quer como meforas.das as que saborearmos como metáforas
servirão também manifestamente como imagens e as imagens, por sua vez,
seo metáforas a que não falta senão uma palavra (A
RISTÓTELES
, 1959:
201).
Dando continuidade aos estudos da metáfora no nível da palavra, Ricoeur
acrescenta um estudo assentado em Pierre Fontanier, que se fundamenta sobre a
Teoria dos Tropos que também privilegia a metáfora enquanto palavra e como
desvio em relação à significação primeira.
O modelo tropológico implica uma rie de postulados acerca das restrições e
extensões do tropo figura de desvio (e, conseqüentemente, da metáfora),
ressaltando-se que a metáfora seria um sentido impprio que é utilizado sem
necessidade isto é, mesmo havendo a palavra “adequadaa ser empregada, opta-
se pela metáfora não lhe acrescentando nenhum dado novo, com pura função
decorativa, sendo um ornamento à linguagem.
O problema da metáfora como tropo é sua redão ao nível nico) da palavra, no
entanto, a abordagem dos tropos como figuras possibilita uma abertura na
significação, pois “a figura pode ser indiferentemente referida à palavra, à frase ou
aos traços do discurso que exprimem o movimento do sentimento e da paixão
(R
ICOEUR
, 2000: 89). Cabendo ressaltar que esta concepção é apenas ideológica,
uma abertura para inseões futuras, pois efetivamente, mesmo a metáfora tratada
como figura, ainda não ultrapassa os limites da palavra.
45
A metáfora encontra-se, então, tanto em Aristóteles como em Fontanier, no nível do
desvio, uma transgressão de sentido que ultrapassa a denominação substantiva
(podendo ser adjetiva, verbal, discursiva, etc.). Retoma-se, então, a noção de
transgressão de sentido, mas esta precisa ser analisada à luz do uso, para definir se
o desvio é comum (catacrese) ou inovador (metáfora). Portanto, “é necessário,
então, ir da palavra ao discurso, pois apenas as condições pprias ao discurso
podem distinguir o tropo-figura do tropo-catacrese e, no tropo-figura, o curso livre do
curso forçado(R
ICOEUR
, 2000: 105).
Conforme exposto, ao analisar as metáforas no nível da palavra como desvio, se
está concebendo a linguagem de forma taxionômica e classificatória simplesmente,
ou seja, conclui-se que a relação de referência se dá de forma linear e codificada,
que as variantes de uso (como as metáforas) encontram-se no âmbito do desvio e
não abrange a produção de significação.
No entanto, Ricoeur afirma que o tratamento metafórico no nível da palavra, embora
criticado, mostra-se necessário à semiologia da significação, mesmo que se
apresente apenas como um fragmento do todo discursivo, pois,
[...] a definição real de metáfora em termos de enunciado não pode eliminar
a definição nominal em termos de palavra ou de nome, na medida em que a
palavra continua a ser a portadora do efeito de sentido metafórico; é da
palavra que se diz tomar um sentido metafórico; eis por que a definição de
Aristeles não é abolida por uma teoria que não se refere mais ao lugar da
metáfora no discurso, mas ao pprio processo metafórico (R
ICOEUR
, 2000:
108).
A manutenção da teoria aristotélica se dá, principalmente, por ela representar uma
parte do todo, ou seja, o estudo da palavra colabora para os demais estudos, a
diferença é que não se pode reter-se apenas nele, mas prosseguir nos demais
níveis.
Transpondo o nível da palavra, Ricoeur retoma Benveniste (1995) para quem os
níveis do sentido o diferenciados, tendo como unidade do discurso a frase, que é
a unidade sentica; em detrimento da palavra, que é a unidade semiótica.
46
A separação entre as ordens semiótica e semântica evidencia alguns traços
distintivos concernentes ao discurso, cabendo ressaltar a dicotomia entre a função
identificante (nominal) e a função predicativa (verbal), isto é, a metáfora é um
fenômeno de predicação, e não apenas de denominação. Diferenciar o semiótico do
sentico implica uma nova organização do paradigmático e do sintagmático.
Essa diferenciação entre os traços senticos e semióticos nos níveis sintagmático
e paradigtico, respectivamente, viabiliza o tratamento da metáfora nessas duas
categorias (embora desde Jakobson ela seja tratada apenas no aspecto
paradigmático); de forma que no nível da palavra (semiótico), a metáfora pode ser
discutida nas relações de substituição; e no nível do discurso (sentico), a
construção de sentido da metáfora depende das relações de sentido criadas entre
as palavras do enunciado, que cria o todo significativo do discurso.
A partir do entrelaçamento dos aspectos sintagtico e paradigtico, compreende-
se que as palavras não possuem um sentido pprio, imutável e irrefutável; antes,
que seu sentido é construído pelo e no discurso, partindo de sombras de
significado convencionadas pela sociedade. Essa dimensão confirma que
[...] a linguagem, como bem o viu Shelley, é vitalmente metafórica; se
bem metaforizar é ter domínio das semelhanças, então não poderíamos
sem ela apreender nenhuma relação inédita entre as coisas. Longe de ser
um desvio em relação à operação comum da linguagem, a metáfora é o
princípio onipresente em toda a sua ação livre; não constitui um poder
adicional, mas a forma constitutiva da linguagem (R
ICOEUR
, 2000: 128,
grifo nosso).
Entender a metáfora na frase, como “forma constitutiva da linguagem”, implica em
redirecionar a linguagem do aspecto classificatório para o da significação, “com a
frase, a linguagem sai de si mesma, e a refencia indica a transcendência da
linguagem a si mesma (R
ICOEUR
,
200: 120). Essa transcendência se dá na
mudaa de sistema, o signo aponta para as relações inter-sígnicas, a frase as
ultrapassa. Ricoeur retoma I. A. Richards para analisar a complexidade enunciativa
da metáfora:
I. A. Richards propôs denominar conteúdo (tenor) a idéia subjacente, e
veículo (vehicle) a idéia sob cujo signo a primeira é apreendida. Mas
47
importa notar que a mefora não é o “veículo: ela é o todo constituído
pelas duas metades (R
ICOEUR
, 2000: 129-130, grifo nosso).
A metáfora definida como o todo do enunciado aponta para a construção da
significação, ou seja, “conteúdo” e “veículo” são neutros por si mesmos, o todo que
eles formam é que constitui a metáfora, ocasionando num apontar para fora, da
metáfora como predicação. Ou seja, por esta vio, a construção metafórica não se
baseia na figura (palavra única) que traz o sentido novo, mas na construção
predicativa. Num comparativo entre a análise baseada na denominação e a análise
predicativa, vejamos o exemplo abaixo:
“A Amazônia é o pulmão do planeta” (V
ALENTE
, 1997: 79).
Na análise da metáfora pela palavra, teamos de analisar os sentidos possíveis do
termo pulmão que pudessem relacionar com o sentido do termo Amania. Ou seja,
quais sentidos poderiam ser aflorados a Amania pelo termo pulo?
Diferentemente, numa análise predicativa, observar-se-ia o todo enunciativo, qual
sentido o enunciado produz, como um todo; isto é, analisaamos a função
predicativa do enunciado que se caracterizou como metafórico.
Dessa forma, considerando a metáfora no nível da sentica da frase, ela
configura-se como produto de uma tensão entre os termos de uma enunciação
metafórica. Ela existe como uma interpretação, pois nesse tipo de enunciação a
contradição significativa entre os termos desconstrói a significação literal e possibilita
às palavras um sentido novo (interpretativo), fruto dessa tensão.
Dando continuidade ao prospecto histórico de Ricoeur, acrescenta-se a semelhança
como um fator de significação enunciativa, em que essa semelhaa torna-se como
condição primeira do acontecimento da metáfora. Como transcrito a seguir, o autor
apresenta um breve apanhado histórico da importância da similitude ao longo das
teorias até eno propostas.
Na tropologia da teoria clássica, o lugar assinalado à metáfora entre as
figuras de significação é especificamente definido pelo papel que a relação
de semelhança desempenha na transferência da idéia primitiva à nova
idéia. Esse pacto com a semelhança não constitui um traço isolado, pois no
48
modelo subjacente à teoria da retórica clássica ele é solidário com o
primado da denominação e dos outros traços que procedem desse primado.
É, com efeito, primeiramente entre as idéias das quais as palavras são os
nomes que a semelhança opera. Em segundo lugar, no modelo, o tema da
semelhança é fortemente solidário com os de empstimo; de desvio, de
substituição, de pafrase exaustiva. Com efeito, a semelhança é, antes de
tudo, o motivo do empréstimo, em seguida é a face positiva do processo do
qual o desvio é a face negativa. Ela é ainda a ligação interna da esfera da
substituição e, enfim, é o guia da paráfrase que, restituindo o sentido
próprio, anula o tropo. Na medida em que o postulado da substituição pode
ser representativo da cadeia inteira de postulados, a semelhança é o
fundamento da substituão posta em ação na transposição metafórica
dos nomes e, mais geralmente, das palavras (R
ICOEUR
, 2000: 267-268,
grifo nosso).
Com essas afirmações, Ricoeur põe a semelhança em posição de destaque para as
teorias da metáfora, como sendo primordial em toda acepção que se possa fazer da
construção metafórica.
Essa primazia da semelhança se fortalece no discurso da alteridade, ou seja, a
semelhança metafórica forma-se a partir do diferente, e o mantém, estabelecendo as
relações entre os distantes. O que aparentemente não possui equivalência alguma,
a semelhança metafórica os aproxima e recria as categorizações de grupos. Para
Ricoeur,
[...] a metáfora mostra o trabalho da semelhança porque, no enunciado
metafórico, a contradição literal manm a diferença, o mesmo e o
diferente não são simplesmente misturados, mas permanecem opostos.
Por esse traço específico, o enigma é retido no pprio coração da
metáfora. Na mefora, o “mesmo” opera apesar do “diferente
(R
ICOEUR
, 2000: 301, grifo nosso).
Quando o autor estabelece que na metáfora, o mesmo opera apesar do
diferente’”, ele destaca o cater gerador do semelhante metafórico, ou seja, a
semelhança gera um novo sentido, fazendo novas ligações de significação. Com
isso, por mais intensas que sejam as diferenças entre os sentidos aproximados pela
metáfora, ainda assim ela cria uma conexão de semelhança e, por meio dela, se
fonte de novos sentidos.
Quanto às noções de semelhança, Ricoeur proe uma comparação entre a
proposição teórica de Roman Jakobson e a sua, diferenciando, no entanto, os níveis
da palavra e do discurso, respectivamente, ou seja, Jakobson destacava a
49
substituição de um termo por outro, enquanto Ricoeur propõe a substituição de uma
significação por outra, conforme a citação abaixo.
Como Roman Jakobson, com efeito, mas em sentido diferente dele,
formamos um conceito de “processo metafórico” pelo qual o tropo da
retórica desempenha um papel revelador. Mas, à diferença de Roman
Jakobson, o que na metáfora pode ser generalizado não é a sua essência
substitutiva, mas sua essência predicativa. Jakobson generalizava um
fenômeno semiótico, a substituição de um termo por outro; nós
generalizamos um fenômeno sentico, a assimilação de uma a outra
de duas áreas de significação por meio de uma atribuição insólita
(R
ICOEUR
, 2000: 304, grifo nosso).
Observamos que a diferenciação é significativa entre as duas proposições, cabendo
destaque à proposta de Ricoeur, uma vez que ela ultrapassa o nível da palavra e do
enunciado, chegando-se ao terceiro nível de estudo do autor: o do discurso. Como
pudemos constatar, o semelhante acompanha a metáfora em todos os níveis (da
palavra, da frase e do discurso), sendo o ponto de partida para o fenômeno
discursivo, da significação semântico-hermenêutica.
Neste ponto, parece-nos que enfim o autor apresenta seu posicionamento teórico
(após as explanações sobre os outros níveis de análise da metáfora), conforme ele
descreve no prefácio:
A mefora apresenta-se, então, como uma estratégia de discurso que, ao
preservar e desenvolver a poncia criadora da linguagem, preserva e
desenvolve o poder heurístico desdobrado pela ficção. [...] Assim, a obra é
conduzida a seu tema mais importante: a saber que a metáfora é o
processo rerico pelo qual o discurso libera o poder que algumas ficções
m de redescrever a realidade. Ligando dessa maneira ficção e
redescrição, restituímos sua plenitude de sentido à descoberta de
Aristeles, na Poética, de que a poíesis da linguagem procede da coneo
entre mythos e mímesis. (R
ICOEUR
, 2000: 13-14).
De fato, pelo viés da ficção e da redescrição da realidade, é possível desestabilizar o
conceito solidificado de mundo, e, a partir do todo de uma obra de ficção
restabelecer novos limites, mais extensos, para a construção de sentido. É relevante
considerar que, no nível do discurso apresentado por Ricoeur, o texto passa a ter
uma nova representação. Para o autor,
O texto é uma entidade complexa de discurso cujos caracteres não se
reduzem aos da unidade de discurso ou frase. Por texto não entendo
somente nem principalmente a escritura, embora a escritura ponha por si
50
mesma problemas originais que interessam diretamente ao destino da
referência; mas entendo, prioritariamente, a produção do discurso como
obra (R
ICOEUR
, 2000: 336, grifo nosso).
Entender o texto “como obraimplica redimensionar o objeto de estudo, ou seja,
partiu-se da palavra, passou-se pelos enunciados e, agora, a dimensão é do todo da
obra, que passa a ter a significação principal e a firmar-se como uma nova realidade.
A partir desse todo, o autor acrescenta que não é um todo apenas estrutural, mas
sim a criação de uma nova realidade, que ele denomina: o mundo da obra.
Conseqüentemente, a compreensão do mundo da obra abre espaço para analisar as
metáforas em rede (ou por modelo, ou por arquétipos), ou seja, a metáfora pode
realizar-se na obra por meio de uma palavra, de uma frase, de um poema ou, ainda;
pode tipificar uma comunidade lingüística, cujas falas caracterizam-se como um
todo. Enfim, passa a ter uma função referencial: “pode-se esperar que a função
referencial da metáfora seja levada por uma rede metafórica em vez de por um
enunciado metafórico isolado(R
ICOEUR
, 2000: 372).
Quando se trata a metáfora pelo viés referencial, retorna-se à noção de verdade,
cabendo ressaltar que, embora Ricoeur discorra filosoficamente sobre o assunto,
não é foco desta pesquisa tal análise, cabendo-nos apenas as implicações desse
contexto filosófico para o lingüístico-conceitual.
No estudo proposto por Ricoeur, questionam-se então as noções de realidade,
mundo e verdade as quais ele considera mutáveis e de domínios distintos. Cabe
salientar o acréscimo de uma “verdade metafórica”, pela qual o autor argumenta que
[...] não há outro modo de fazer justiça à noção de verdade metafórica
senão incluindo o aguilhão crítico do “não é (literalmente) na veemência
ontológica do é (metaforicamente). [...] da mesma maneira que a disncia
lógica é preservada na proximidade metarica, e da mesma maneira que a
interpretação literal impossível não é simplesmente abolida pela
interpretação metafórica, mas lhe cede resistindo, da mesma maneira a
afirmação ontológica obedece ao princípio de tensão e à lei da “visão
estereospica (R
ICOEUR
, 2000: 388-389).
Por visão estereospica entende-se uma vio dupla, em que se aplicam tanto a
visão dita literal, quanto a metafórica, que co-existem na tensão do ser e não ser.
51
Destarte, a verdade metafórica aponta para uma realidade própria, a realidade cuja
significação emerge no enunciado. Ricoeur afirma que
Se de fato a significação, sob sua ppria forma elementar, está em busca
de si mesma na dupla direção do sentido e da referência, a enunciação
metafórica apenas leva à sua plenitude esse dinamismo sentico. [...] a
enunciação metafórica opera simultaneamente sobre dois campos de
referência. Essa dualidade explica a articulação, no símbolo, de dois níveis
de significação. A significação primeira é relativa a um campo de referência
conhecido: o domínio das entidades às quais podem ser atribuídos os
próprios predicados considerados em sua significação estabelecida. A
segunda, à qual se trata de fazer surgir, é relativa a um campo de referência
para o qual não há significação direta, e para o qual, por conseqüência, não
se pode proceder a uma descrição identificante por meio de predicados
apropriados (R
ICOEUR
, 2000: 458).
Considerar um campo de refencia de significação indireta reporta à refencia
duplicada “[...], significa que a teno caractestica da enunciação metafórica é
suportada, em última insncia, pela cópula é. Ser-como significa ser e não ser. Isto
era e não era(R
ICOEUR
, 2000: 470). Em outras palavras, o ser-como metafórico
remete ao não ser literal e ao ser metafórico, não numa negação do literal
simplesmente, mas num movimento de presença/auncia. Por esta teno do ser e
não ser insurge uma nova noção de realidade, uma realidade referencial, e não de
mundo.
3.2 A
M
ETÁFORA EM
F
OUCAULT
Foucault (1967), em seu livro As Palavras e as Coisas, expõe “ts grandes
mutações da ordem do saber” (A
RAÚJO
, 2004: 216) como um modo de relação da
linguagem com o mundo: o momento clássico, o cartesiano e o discursivo. Devido à
grande importância dessa obra no meio lingüístico-filosófico, esta seão se dedica
à busca de seis (6) concepções principais, dentro de cada momento apresentado na
obra: concepção de língua, de linguagem, de referenciação, de discurso, de sujeito e
de metáfora.
O Classicismo organiza o conhecimento por semelhança, pela qual se coadunam o
signo e o mundo, a língua se apresenta como listagem de nomes e a linguagem
representa a realidade. “A partir da idade clássica, o signo é a representatividade da
52
representação enquanto representável(F
OUCAULT
,
1967: 94). Embora tal afirmativa
pareça, em parte, redundante, a mesma é pertinente por evidenciar que a noção de
representatividade se efetua a partir do que é possível representar; Dessa forma,
o mundo pode ser representado pela linguagem. Isso posto, tem-se que as
formações lingüísticas funcionam como quadros que reproduzem a realidade e a
representa, colocando-se no lugar dela.
Conforme Foucault, a noção da linguagem como pintura traz à tona a
incompatibilidade com a espacialização, pois o quadro dá ltiplas informações no
mesmo instante, e a linguagem, por seu cater linear (S
AUSSURE
, 1916), oferece
uma informação de cada vez, numa seqüência (umas outra). Foucault afirma que
[...] a relação da linguagem com a pintura é uma relação infinita. o que a
palavra seja imperfeita, nem que, em face do visível, ela acuse um déficit
que se esforçaria em vão por superar. Trata-se de duas coisas irredutíveis
uma à outra: por mais que se tente dizer o que se vê, o que se vê jamais
reside no que se diz; por mais que se tente fazer ver por imagens, por
metáforas, por comparações, o que se diz, o lugar em que estas
resplandecem não é aquele que os olhos projetam, mas sim aquele que as
seqüências sintáticas definem (F
OUCAULT
, 1967: 25, grifo nosso).
A visão clássica, então, põe a referenciação como um “apontar com o dedo”
(Foucault, 1966: 25), em que a linguagem aponta para o mundo; como se houvesse
uma relação de um por um”, pela qual a linguagem se adequasse tranqüilamente à
realidade.
A partir dessa noção de semelhança, Foucault expõe quatro (4) similitudes que
circundavam os fins do século XVI: (a) convenientia, (b) aemulatio, (c) analogia, e (d)
simpatia.
A convenncia (convenientia) tratava as semelhanças a partir dos limites
graduais. “São «convenientes» as coisas que, aproximando-se uma das outras,
chegam a confinar; tocam-se pelos bordos, as suas fímbrias misturam-se, a
extremidade de uma designa o início da outra” (F
OUCAULT
, 1967: 35).
A emulação (aemulatio) é similar à convenncia, no entanto, ultrapassa os
limites espaciais. Ela assemelha-se a um espelho, pelo qual as coisas
53
dispersas no mundo podem relacionar-se umas com as outras, como uma
duplicação do mundo.
À analogia sobrepõem-se convenientia e aemulatio, mas impinge à
convenientia o poder não apenas das semelhanças visíveis, mas das
semelhanças mais sutis, como as de relações; como se compassemos a
relação dos astros com o céu e das ervas com a terra.
“A simpatia é uma instância do Mesmo tão forte e tão premente que não se
limita a ser uma das formas do semelhante, pois possui o perigoso poder de
assimilar, tornar as coisas inticas umas às outras, de as misturar, de as fazer
perder a sua individualidade(F
OUCAULT
, 1967: 43).
Por meio dessa perspectiva da semelhança buscava-se “tornar visível o que era
invisível e neste representar o mundo por meio da linguagem, parece-nos que a
metáfora tem papel preponderante no quadro representativo do mundo.
Podemos inferir, então, que as quatro similitudes expostas por Foucault dão
sustentabilidade para as formações metafóricas, e estas estão imbricadas na
linguagem, sendo parte constituinte da significação, na constituição de quadros de
sentido.
Ainda nessa perspectiva, as concepções de sujeito e de discurso não são muito
abrangentes; sujeito corresponde a falante e discurso a qualquer manifestação da
linguagem que acarrete uma representação de mundo. Assim, “[...] durante toda a
idade clássica a linguagem foi formulada e reflectida como discurso, quer dizer,
como análise espontânea da representação(F
OUCAULT
, 1967: 306).
Portanto, a visão clássica apresentada por Foucault relaciona linguagem e mundo
como uma representação (em quadros ou como uma vio de espelho), e a esta
representação tocam os conceitos de similitude, que sustentam a estrutura
metafórica da linguagem. E a língua se apresenta como listagem de nomes.
54
O momento cartesiano organiza a realidade em nível classificatório, ou seja, “os
seres e as “coisas possuem ordem e gradação, que possibilitam a criação de
grupos. A organização desses grupos ocorre por analogia, portanto, permanecem no
âmbito da similitude, como no classicismo, mas com foco na ordenação interior dos
processos de categorização, pois a natureza humana é dotada de uma particular
tenncia para classificar, categorizar e nomear; utilizando-se da linguagem para
fazê-lo.
A perspectiva cartesiana coincide com a disposição da história natural”, que é
ricamente estruturada pelo empirismo da época. Assim, a história natural
[...] é o espaço aberto na representação por uma análise que se antecipa à
possibilidade de nomear; é a possibilidade de ver o que se poderá dizer,
mas que não se poderia dizer depois nem ver à distância se as coisas e a s
palavras, distintas umas das outras, não comunicassem entre si logo de
início numa representação (F
OUCAULT
, 1967: 175).
Desse modo, a linguagem está estruturada no empirismo pelo qual se vê algo e a
partir dessa observação classifica-se o que fora visto. Mas tal atribuão de
significado se dá partindo de um pressuposto de que as palavras e as coisas
comunicam-se entre si em uma representação prévia. Ainda assim subentende-se
uma relação objetiva entre linguagem e realidade.
Para a subsistência do caráter científico das classificações, a caractestica
fundamental era a determinação do método utilizado para a organização da
realidade. Como exemplos dessa fase, m-se as classificações da biologia, que
foram aperfeiçoadas com a evolução dos conhecimentos, viabilizando uma rie
hierárquica de categorização da realidade, tal relação de categorias se dá a partir de
comparações, a fim de identificar semelhanças e diferenças, caracterizando a
incluo ou exclusão de unidades em determinados grupos.
No âmbito da Gratica Geral, “[...] todas as palavras de uma língua eram
portadoras de uma significação mais ou menos oculta, mais ou menos derivada,
mas cuja primitiva razão de ser residia numa designação inicial(F
OUCAULT
, 1967:
307). A relação das línguas com o mundo se organizava de maneira a se crer numa
língua primitiva a qual se enraizara e, por meio de influências externas (como
55
invasões, migrações, escravatura ou liberdade), foi produzindo frutos distintos em
cada lugar. Portanto, a língua é entendida a partir dessa estrutura pela qual se
organiza, passível de modificações que, no entanto, preservam a sua estrutura
fundamental a qual é passada para as gerações subseqüentes.
[...] na idade clássica, as línguas tinham uma gramática porque tinham o
poder de representar; agora, representam a partir dessa gramática que é
para elas como que um reverso histórico, um volume interior e necessário
cujos valores representativos não são mais do que a face externa, cintilante
e visível (F
OUCAULT
, 1967: 312).
A alise das línguas, dentro da perspectiva cartesiana, dava-se (ou ainda se dá),
seguindo Foucault, por meio de um método comparativo e (também) classificatório;
por meio de estruturas de organização, a gramática geral fundamentava-se em
estudos formais que comparavam funções gramaticais, valores sintáticos e/ou
modificações de sentido.
Poderíamos inferir que as formações metafóricas continuam sendo partes
integrantes da língua para a estruturação de semelhanças e diferenças e,
principalmente, para a categorização de estruturas de conhecimento, no âmbito do
sentido.
Quanto às concepções de sujeito e de discurso, grosso modo, o sujeito seria como
um observador que organiza o conhecimento do mundo por meio da linguagem, e o
discurso encontrar-se-ia nesta organização, sendo primariamente objetivo.
A linguagem é herdada e é responsável por estruturar o pensamento em quadros
classificatórios. O discurso é, assim, a expressão do pensamento estruturado pela
linguagem.
Adentrando agora ao nível discursivo proposto por Foucault, podemos observar que
os momentos anteriormente citados colaboraram para que se alcançassem as
concepções apresentadas no âmbito discursivo, pois, assim como os momentos se
desenvolveram na linha teórica, assim o fizeram na esfera temporal. Dessa forma,
as circunsncias que possibilitaram o desenrolar das concepções discursivas sobre
a linguagem foram preponderantes.
56
A linguagem passa do âmbito da representação para o da significação, nas palavras
de Foucault,
[...] a linguagem não se mais do que um caso particular da representação
(para os clássicos) ou da significação (para nós). A profunda
interdependência da linguagem e do mundo acha-se desfeita. O primado da
escrita é suspenso. Desaparece então essa camada uniforme em que se
entrecruzavam indefinidamente o visto e o lido, o visível e o enunciável. As
coisas e as palavras o separar-se. O olho sedestinado a ver, e a ver
apenas; o ouvido, apenas a ouvir. O discurso terá então por objetivo dizer o
que é, mas não será coisa alguma do que se diz (F
OUCAULT
, 1967: 67-
68).
“Dizer o que éconstitui, na ordem foucaultiana, uma atividade discursiva. Então,
tomando a linguagem como significação, ela torna-se independente da realidade,
cabendo-lhe simplesmente constituir saberes, num movimento reflexivo pelo qual o
discurso remete-se a si mesmo para interpretar-se. Conforme afirma o autor, o
Saber consiste, pois, em referir a linguagem à linguagem. Em restituir a
grande planície das palavras e das coisas. Em fazer falar tudo. Isto é, em
fazer nascer, por sobre todas as marcas, o discurso ulterior do comentário.
O que é pprio do saber não é nem demonstrar, mas interpretar (F
OUCAULT
,
1967: 64).
Doravante, o saber não se forma mais pelo conhecimento do mundo (relação
palavra-coisa), mas pela significação das palavras no fluxo discursivo.
Se a palavra pode figurar num discurso ou significa alguma coisa, não se
por virtude de uma discursividade imediata que possuísse em particular e
por direito natural, mas porque na própria forma, nas sonoridades que a
compõem, nas mutações que sofre consoante a função gramatical que
ocupa, nas modificações, enfim, a que é submetida atras do tempo,
obedece a um certo número de leis estritas que regem de forma semelhante
todos os outros elementos da mesma língua; de tal maneira que a palavra
já não es ligada a uma representação senão na medida em que faz parte,
antes de mais, da organização gramatical pela qual a língua define e
assegura a sua coencia própria (Foucault, 1967: 367).
Outrossim, a relação do discurso com a linguagem não é acessória, mas cabe ao
discurso estruturar a linguagem, pois não existe linguagem sem discurso. Sabendo-
se que, para Foucault, o discurso não é um conjunto de signos com função
denotativa, não possui função de designar, mas de formar os objetos de que fala.
57
Assim sendo, o discurso configura-se como a base de toda a ciência estando ligado
à história; o conhecimento, então, é sumariamente histórico, pois a ciência é relativa
ao tempo e às descobertas. Esta relatividade envolve o saber numa subjetividade
discursiva, tornando a ciência questionável. Sabendo-se que esta subjetividade não
é de um sujeito ativo, mas de uma função de sujeito que pode ser assumida por uma
variante de possibilidades.
Nessa concepção discursiva, insere-se a metáfora não no âmbito do desvio (como
no classicismo), nem no âmbito da similitude (como no cartesianismo); mas como
parte constituinte da linguagem que nunca está acabada pois, pelo e no
discurso, a metáfora também constrói a realidade.
A construção da realidade é, pois, uma idealização que se manifesta
lingüisticamente não pela estrutura do signo, mas pelas significâncias que ele
incorpora em cada evento discursivo. Portanto, a referência não está no mundo, mas
é construída lingüisticamente no âmbito do sentido, por meio das relações
discursivas.
Como pudemos observar, os dois primeiros momentos englobam a linguagem como
representação do mundo, com suas respectivas particularidades. o momento
discursivo, descrito por Foucault, introduz o conhecimento histórico, pelo qual a
linguagem permite analisar origens, evoluções, influências, conseqüências, etc.
entre outros.
A referenciação se modifica partindo da relão do “apontar com o dedo”, passando
para os níveis classificatórios da realidade e por fim chegando ao discurso que,
através da significação, consti os sentidos possíveis e assim diz-se que ele se
proe a construir a realidade. A partir dessas noções de referenciação, a metáfora
tangencia o significado encontrando-se no sentido, desde as relações de similitude
até a construção do conceito metafórico, que se manifesta como parte constituinte
da linguagem, como estratégia de significação.
O sujeito e o discurso que inicialmente foram entendidos na sua materialidade de
falante e expressão lingüística, respectivamente, em parte, negligenciados, passam
58
a ter papel de destaque no momento discursivo, entretanto, o sujeito não é
pessoalizado, mas essencialmente sócio-histórico-cultural; e o discurso projeta os
aspectos histórico-culturais de forma que constitui o saber.
3.3 A
M
ETÁFORA EM
R.
B
ARTHES
Barthes é considerado um dos precursores na síntese de uma ciência dos signos (a
Semiologia), e sua obra Elementos de semiologia é paradigma na expano dessa
ciência que começara a ser desenvolvida. Partindo disso, entendemos que as
concepções barthesianas são fundamentais para o desenvolvimento dessa pesquisa
no que concerne às noções de língua, linguagem, sujeito, discurso, referência e
metáfora.
Embora Barthes considere os diversos sistemas de signos e significação, ele
ressalta que a linguagem sobrepuja a todos, pois, de acordo com o autor,
[...] parece cada vez mais difícil conceber um sistema de imagens ou
objetos, cujos significados possam existir fora da linguagem: perceber o que
significa uma subsncia é, fatalmente, recorrer ao recorte da língua: sentido
só existe quando denominado, e o mundo dos significados não é outro
senão o da linguagem (B
ARTHES
, 1979: 12).
Inicialmente, Barthes assimila as concepções saussurianas de língua, fala e
linguagem, entretanto, ele as modifica de modo a, no todo de sua obra, não separar
língua e linguagem, antes as trata de forma conjunta caracterizando a linguagem
como instituição social. Embora o autor utilize os termos língua e linguagem
separadamente, essas concepções estão imbricadas. Nas palavras do autor,
A Língua é então, praticamente, a linguagem menos a Fala: é ao mesmo
tempo, uma instituição social e um sistema de valôres. Como instituição
social, ela não é absolutamente um ato, escapa a qualquer premeditação; é
a parte social da linguagem; o indivíduo o pode, sozinho, nem criá-la
nem modificá-la (B
ARTHES
, 1979:18, grifo nosso).
O indivíduo em si, segundo o autor, não tem poderes sobre a linguagem, contudo,
enquanto sujeito imerso na sociedade, serve-se de meios para burlar o sistema da
língua, utilizando os mecanismos da ppria língua. As relações de significação,
59
embora firmadas numa base comum o sentido institucionalizado sofrem
continuamente mudanças de acordo com seu uso, ou seja, os signoso possuem
uma relão de apontamento (apontar com o dedo), antes possuem valores de
troca, que se adaptam a cada discurso. Barthes afirma que,
[...] era uma abstração bastante arbitrária (mas inevitável) tratar do signo
em si”, como somente a união do significante e o significado. Impõe-se,
para terminar, considerar o signo não mais por sua “composição” mas por
seus contornos: é o problema do valor. [...] o valor tornou-se para êle
[Saussure] conceito essencial, mais importante afinal do que o de
significação (que êle não recobre). O valor tem uma estreita relação com a
noção de língua (oposta à fala); leva a despsicologizar a Lingüística e a
aproxi-la da Economia; êle é, pois, central em Lingüística Estrutural
(B
ARTHES
, 1979: 56).
Compreender a significação do signo ligada à noção de valor proposta por Saussure
implica conceber que os referentes dos signoso apontam para um eixo fixo, antes
são direcionados para uma realidade dentro da própria linguagem, que se atualiza a
cada discurso e seu entorno, entendendo discurso como a materialidade da língua.
Dessa forma, enquanto a significação está centrada no signo, como um recorte “o
signo é uma fatia (bifacial) de sonoridade, visualidade etc. a significação pode ser
concebida como um processo; é o ato que une o significante e o significado, ato cujo
produto é o signo(B
ARTHES
, 1979: 51) o valor é definido não só pelo signo, mas
por suas relações com seu entorno, ou seja, a noção de valor depende dos
mecanismos de troca, e não apenas de uma unidade de significação.
“Para Saussure, as relações que unem os têrmos lingüísticos podem desenvolver-se
em dois planos, cada um dos quais engendram seus pprios valôres; estes dois
planos correspondem a duas formas de atividade mental” (B
ARTHES
, 1979: 63),
também chamados de dois eixos da linguagem: o eixo sintagmático e o eixo
paradigmático.
Nesse aspecto, vale retomar Saussure na divio da lingüística nesses dois eixos,
dessa forma, a lingüística sincrônica preocupa-se com as contemporaneidades, pela
qual é possível estudar diversos aspectos da linguagem num recorte de tempo;
enquanto a lingüística diacrônica ocupa-se das sucessividades, em que se estuda
60
“uma coisa por vez
(S
AUSSURE
,
1973: 95) e seus aspectos no decorrer do tempo.
Temos, então,
Figura 4 Eixos Sintagmático e Paradigmático
Fonte: S
AUSSURE
1973:95 / 2002:287.
Analisando a figura acima representada, podemos observar que, para Saussure, a
lingüística insere-se num plano de dois eixos, sendo o eixo (AB) sincrônico, pelo
qual o fator tempo extingue-se e a língua é considerada como um sistema completo
e analisável; e o eixo (CD) diacrônico, que descreve/estuda a língua no decurso do
tempo, considerando as ações que o tempo exerceu sobre ela. Percebe-se, pois,
que a relação temporal atravessa os eixos sincrônico e diacrônico sob perspectivas
diferenciadas.
Entretanto, Barthes enfoca as relações sintagmáticas e paradigmáticas no estudo
dos signos, e não apenas nas formas de análises lingüísticas, Dessa forma o eixo
sintagmático ocupa-se do sintagma, que é
[...] uma combinação de signos, que tem por suporte a extensão; na
linguagem articulada, essa extensão é linear e irreversível a cadeia
falada): dois elementos não podem ser pronunciados ao mesmo tempo [...]:
cada têrmo tira aqui seu valor da oposição ao que precede e ao que segue;
na cadeia de palavras, os têrmos estão realmente unidos in praesentia; a
atividade analítica que se aplica ao sintagma é o corte (B
ARTHES
, 1979: 63).
O eixo paradigmático, por sua vez, ocupa-se da substituição das relações
ausência/presença que, para Barthes, são termos que possuem semelhança e
dessemelhança, e por isso fazem parte de um mesmo paradigma.
61
Como uma síntese desses dois eixos da linguagem, Barthes demonstra uma Prova
de Comutação, que se refere a trocas tanto do eixo paradigmático, quanto do eixo
sintagmático:
sintagma a b c etc
a’ b c’
a’ b’’ c’
sistema
Figura 5 Prova de Comutação.
Fonte: B
ARTHES
, 1979: 71.
Vejamos abaixo a aplicabilidade dessa prova de comutação com a permuta de uma
unidade no nível paradigmático, apenas a título de demonstração.
sintagma Lugar de Ensino
a b Educação (c’)
a b Admoestação (c’’)
sistema
Figura 6 Uma aplicação da Prova de Comutação.
Neste caso, a unidade de substituição foi a (c), que fora substituída por termos de
um mesmo campo de significação, com aspectos semelhantes e dessemelhantes,
que em parte repetiam e em parte diferenciavam do termo anterior. Dessa forma, de
acordo com o autor, a permuta sempre propo uma diferenciação de significado,
por mais tênue que seja. Conforme assegura Barthes,
[...] os têrmos do campo (ou paradigma) devem ser ao mesmo tempo
semelhantes e dessemelhantes, comportar um elemento comum e um
elemento variante: é o caso, no plano do significante, de ensinamento e
arma mento, e, no plano do significado, de ensinamento e educação
(B
ARTHES
, 1979: 76).
Essa afirmação concerne diretamente à concepção de metáfora, que firma-se no
eixo paradigmático cujas relações de substituição se dão pelo semelhante e pelo
dessemelhante, de maneira que a metáfora utilizada é dissímil dos outros termos
62
(possíveis) de maneira evidente, mas ainda possui aspectos análogos a eles.
Barthes ainda afirma que
[...] a extensão da pesquisa semiológica nos levará provavelmente a estudar
sem poder talvez reduzi-las relações paradigmáticas seriais e não
somente opositivas, pois não é certo que diante de objetos complexos,
muito envolvidos numa maria e em usos, possamos conduzir o jôgo do
sentido à alternativa de dois elementos polares ou à oposição entre uma
marca e um grau zero. Isto faz lembrar que o mais debatido problema
paradigmático é o do binarismo (B
ARTHES
, 1979: 84).
De acordo com a citação acima, o binarismo é um problema dentro do eixo
paradigmático, uma vez que as possibilidades significativas ultrapassam as relações
birias, já que, embora persistam as relações de ausência/presença, estas não se
resumem à relação bipolar distintiva, “[...] pois estamos aqui no plano das unidades
significativas (e não mais distintivas) e o transbordamento dos eixos da linguagem
acarreta aí uma subversão aparente do sentido(B
ARTHES
, 1979: 90).
Observamos que quando se ultrapassa os limites da distinção, a significação passa
a ser fulcral para as relações paradigmáticas, e para Barthes, a metáfora como
processo de seleção torna-se contigüidade. Nas palavras do autor
[...] se lembrarmos a distinção de Jakobson, compreenderemos que
qualquer série metafórica é um paradigma sintagmatizado e qualquer
metonímia um sintagma cristalizado e absorvido num sistema; na metáfora,
a seleção torna-se contigüidade e, na metonímia, a contigüidade torna-se
campo de seleção. Parece pois, que é sempre na fronteira dos dois planos
que se ensaia a criação (B
ARTHES
, 1979: 91, grifo nosso).
Ao afirmar que a criação é ensaiada na fronteira entre os planos sintagmático e
paradigmático, o autor explicita a interdependências dos dois eixos nos processos
de significação, uma vez que uma seleção (significativa) no eixo paradigmático se
firma se esta coadunar com o todo sintagmático, e vice-versa.
Outrossim, a escolha significativa de uma metáfora, embora predominantemente
paradigmática, insere-se em uma contigüidade, provocando novos efeitos de
sentido. Para estabelecer seu posicionamento teórico, Barthes propõe o que
chamaremos de teorema da significação, por ele assim definido: “qualquer sistema
de significação comporta um plano de expressão (E) e um plano de conteúdo (C) e
63
que a significação coincide com a relação (R) entre os dois planos: E R C(B
ARTHES
,
1979: 95).
Por meio desse teorema proposto, o autor busca explicitar as relações significativas,
tanto de conotação quanto de metalinguagem, de maneira que um primeiro sistema
de significação torna-se um elemento se um segundo sistema; no caso conotativo,
esse primeiro sistema substitui o elemento E (ste) do segundo sistema e no caso
metalingüístico, substitui o elemento C (sdo). Barthes afirma, então
[...] que um sistema conotado é um sistema cujo plano de expressão é, êle
próprio, constituído por um sistema de significação [...] [e] uma
metalinguagem é um sistema cujo plano de conteúdo é, êle pprio,
constituído por um sistema de significação (B
ARTHES
, 1979: 95-96).
Objetivando sistematizar sua proposição, Barthes apresenta as duas vias de
amplificação dos sistemas duplos da seguinte maneira:
Se So Se So
Se So
Se So
Conotação Metalinguagem
Figura 7 Vias de Amplificação dos Sistemas Duplos.
Fonte: B
ARTHES
, 1979: 96.
A figura 7 representa claramente que, em um processo conotativo, há um sistema
anterior formado por um significante e um significado (normalmente difuso) que,
juntos, formam o significante de um novo sistema (este, conotado); assim como em
uma metalinguagem, o significado é composto por um primeiro sistema de
significante e significado.
A forma como Barthes apresenta sua proposição manifesta o que es oculto,
emergindo a composição significativa do que compõe o signo lingüístico num
sistema complexo. Cabendo ressaltar que a conotação merece lugar de destaque
nas teorias da significação, pois, segundo o autor,
64
[...] o futuro sem dúvida pertence a uma Lingüística da conotação, pois a
sociedade desenvolve incessantemente, a partir do sistema primeiro que lhe
fornece a linguagem humana, sistemas de segundos sentidos e a essa
elaboração, ora ostentada, ora mascarada, racionalizada, toca muito de
perto uma verdadeira Antropologia Hisrica (B
ARTHES
, 1979: 96).
A metáfora, então, encontra-se dentro desse campo conotativo, cabendo salientar
que seja qual fôr o modo pelo qual a conotação vista a mensagem denotada, ela
não se esgota: sempre sobra denotado (sem o quê o discurso não seria possível)”
(B
ARTHES
, 1979: 97). Ou seja, por mais inusitada e inovadora que seja a significação
expressa por uma conotação (metafórica ou não), sempre have um suporte na
linguagem que irá garantir (em partes) o sentido. Desse modo, a conotação só afeta
parte do conteúdo, tendo-se a denotação como sentido dado e a conotação como
sentido novo. O processo conotativo é assim expresso pelo autor:
3. Conotação Se : Retórica So : Ideologia
2. Denotação:
Metalinguagem
Se .So
1. Sistema real Se So
Figura 8 Processo de Conotação.
Fonte: B
ARTHES
, 1979: 98.
A figura 8 representa o processo de conotação concebido por Barthes, que nas
palavras do autor, ele assim designa:
Quanto ao significado de conotação, tem um caráter ao mesmo tempo
geral, global e difuso: é, se se quiser, um fragmento de ideologia [...] a
ideologia seria, em suma, a forma (no sentido hjelmsleviano) dos
significados de conotação, enquanto a retórica seria a forma dos
conotadores (B
ARTHES
, 1979: 97).
Assim, quando Barthes enumera 3 níveis de elaboração lingüística, o autor os
apresenta como quase simultâneos: um nível de realidade (referencial); um nível de
denotação ou de metalinguagem (consensual) e um nível conotativo (que propõe os
movimentos constantes à linguagem).
65
Destarte, o que é novo, daqui a um segundo não é mais. Portanto, a ideologia ou a
metáfora, não aparecem como o diferente, mas como o movimento mesmo da
língua. O processo é dialético. A metáfora não pode ser vista, portanto, com desvio,
mas como o pado mesmo da língua, no seu processo de produção de sentido, isso
porque ela entra no jogo de trocas, que depende do “valor”. Cabe destacar que o
valor lingüístico tem relação direta com esse jogo de sentidos, proporcionando as
regras (exteno e limites) de comunicabilidade.
3.4 A
M
ETÁFORA EM
L
AKOFF E
J
OHNSON
Atualmente, as pesquisas cognitivistas m se intensificado no meio lingüístico; e os
autores que mais influenciaram a visão funcionalista/cognitivista da metáfora foram
George Lakoff e Mark Johnson. Em seu livro Metaphors We Live By, de 1980, eles
fizeram uma abordagem da metáfora como constructo sociocultural. Deste estudo,
ressaltaremos a distribuição das metáforas sob ts grandes grupos propostos pelos
autores: metáforas estruturais, orientacionais e ontológicas; e finalizaremos com o
questionamento dos autores sobre a relão objetividade versus subjetividadepelo
viés da concepção de verdade.
Essa teoria engendra pelo viés cognitivista e estabelece que uma sociedade
compreende o mundo por meio de metáforas construídas com base em sua
experiência corpórea (percepção). A interação com o mundo externo ao indivíduo
lhe possibilita a construção de sentido para enunciados abstratos e a possibilidade
de enriquecer semanticamente um ato comunicativo proposto.
Como descreve Ortony (1993, pp. 1-2), a idéia central do novo paradigma
é de que a cognição é o resultado de uma construção mental”. O
conhecimento da realidade, tenha sua origem na percepção, na linguagem
ou na memória, precisa ir além da informação dada. Ele emerge da
interação dessa informação com o contexto no qual ela se apresenta e com
o conhecimento preexistente do sujeito conhecedor (Z
ANOTO
;
M
OURA
;
N
ARDI
;
V
EREZA
, 2002: 13).
Segundo Lakoff e Johnson, o sistema conceptual que dirige não apenas o
pensamento mas também as ações é fundamentalmente metafórico. Assim, os
conceitos são responsáveis por estruturar as atividades humanas. Essas afirmações
66
fundamentam o fato de o sistema conceptual metafórico explicitar as caractesticas
de uma cultura, conforme afirmam os autores,
A metáfora não é somente uma
questão de linguagem, isto é, de
meras palavras. [...] Pelo contrário,
os processos do pensamento são
em grande parte metaricos. Isso
é o que queremos dizer quando
afirmamos que o sistema
conceptual humano é
metaforicamente estruturado e
definido. As metáforas como
expressões lingüísticas são
possíveis precisamente por
existirem meforas no sistema
conceptual de cada um de nós.
Assim, quando falarmos sobre
metáforas, tais como DISCUSSÃO
É GUERRA, deverá ser entendido
que metáfora significa conceito
metafórico (L
AKOFF
;
J
OHNSON
,
2002: 48).
De acordo com os autores, os conceitos metafóricos podem ser sistematizados, ou
seja, é como se houvesse metáforas canonizadas pela cultura que estão imbricadas
no pensamento humano. A partir dessas metáforas canonizadas, seriam formadas
estruturas diferentes que se referem a um mesmo conceito, que é construído dentro
de uma cultura (ou um grupo social ou científico espefico) de acordo com as
características que se quer explicitar ou ocultar, pois a funcionalidade referencial das
metáforas realça alguns aspectos e encobrem outros.
“Desta forma, quando dizemos que um conceito é estruturado por uma metáfora,
queremos dizer que ele é parcialmente estruturado e que ele pode ser expandido de
algumas maneiras e não de outras” (L
AKOFF
; J
OHNSON
, 2002: 57), o que faz com que
o conceito aproveite toda a polissemia permitida pelas expressões metafóricas, no
entanto, sem atingir aspectos não abordados pela metáfora. Assim, as metáforas
estruturais cujo “conceito é estruturado metaforicamente em termos de outro
(L
AKOFF
; J
OHNSON
, 2002: 59) constituem parte do sistema metafórico.
Complementando o sistema metafórico, tem-se as metáforas orientacionais, que
“organiza[m] todo um sistema de conceitos em relação a um outro (L
AKOFF
;
J
OHNSON
, 2002: 59). Esse tipo de metáfora é motivado pelo fato de as pessoas
67
terem corpos que se relacionam com o meio ambiente em que vivem;
proporcionando metáforas com orientações espaciais do tipo: para cima para
baixo, dentro – fora, frente – ts, entre outros.
Desse modo, Lakoff e Johnson (1980) sistematizam as escolhas lexicais metafóricas
num âmbito espacial a partir da cultura em que o falante está inserido, de forma que
é essa cultura que i proporcionar coerência na metáfora escolhida e,
principalmente, entre várias metáforas relacionadas. Assim, a metáfora é estudada
de fora para dentro, ou seja, é a cultura que define como o cérebro concebe as
relações metafóricas necessárias para a formulação de um determinado enunciado.
Há, ainda, as metáforas ontogicas que personificam objetos e conceitos e que
possibilitam uma referência mais clara entre abstração e conceito, usando
características de seres e objetos para defini-los. Possibilitando racionalizar mais
concretamente questões abstratas, e assim traçar planos de ação para solucionar
problemas. De acordo com Lakoff e Johnson,
Da mesma forma que as experiências básicas das orientações espaciais
humanas dão origem a metáforas orientacionais, as nossa s experncias
com objetos físicos (especialmente com nosso s corpos) fornecem a base
para uma variedade extremamente ampla de metáforas ontogicas, isto é,
formas de conceber eventos, atividades, emoções, idéias, etc. como
entidades e substâncias (L
AKOFF
; J
OHNSON
, 2002: 75-76).
As metáforas ontológicas possibilitam fazer referência, quantificar, identificar
aspectos, identificar causas, traçar objetivos e motivar ações. Enfim, conceber
fisicamente aquilo que não é sico, trazendo para o mundo palpável idéias
abstratas.
Na exposição de suas iias, Lakoff e Johnson estão preocupados em esboçar o
modo como as pessoas compreendem suas experncias, que geralmente
obedecem a prinpios metafóricos que por natureza implicam a compreeno de
um tipo de experiência em termos de outro. Dessa forma,
Embora essas metáforas não nos levem a uma única imagem concreta e
consistente, elas são, todavia, coerentes e encaixam-se quando há
imbricações, embora o inverso não seja verdadeiro. As metáforas são
originárias de nossa s experncias concretas, nitidamente delineadas, e
68
permitem-nos construir conceitos altamente abstratos e elaborados, como,
por exemplo, o da discussão (L
AKOFF
; J
OHNSON
, 2002: 191).
Com essa afirmação os autores explicitam a importância da metáfora para a
construção de conceitos no consciente social, de forma que haja maior
compreensão e entendimento para questões abstratas. A partir daí tem-se a
construção de verdades sociais que moldam a sociedade, ou seja, a metáfora
explicita uma característica e a põe como verdade cultural, remodelando a forma de
se conceber os conceitos culturais ali implicados.
Tem-se então uma teno entre o tradicional e o novo, em que o tradicional cria
conceitos a partir de categorizações que consideram propriedades inerentes
requeridas; e o novo se baseia em propriedades interacionais, isto é, nas
propriedades adquiridas pela relação cultural. Na proposta dos autores,
[...] os conceitos individuais não são definidos de uma forma isolada, mas,
ao contrário, eles são definidos em termos de seus papéis nos tipos naturais
de experiências. Os conceitos não são definidos exclusivamente em termos
de propriedades inerentes; ao invés disso, eles são definidos basicamente
em termos de propriedades interacionais. Finalmente, definir não é uma
questão de enunciar um conjunto fixo de condições suficientes e
necessárias para a aplicação de um conceito (embora isso possa se r
possível em certos casos especiais, tais como na ciência ou em outras
disciplinas cnicas, e mesmo aí isso não é sempre possível); ao invés
disso, os conceitos são definidos por protótipos e por tipos de relação entre
eles. Em lugar de serem rigidamente definidos, os conceitos que brotam de
nossa experiência são abertos. As metáforas e os delimitadores são
instrumentos sisteticos para definir melhor um conceito e para
modificar seu âmbito de aplicabilidade (L
AKOFF
; J
OHNSON
, 2002: 217-
218, grifo nosso).
Conceber a construção metafórica como instrumento de definição e modificação de
conceitos quanto à aplicação aponta diretamente para o trato social, a partir disso,
as metáforas mais estudadas pelos autores são aquelas que estruturam o sistema
conceptual ordinário de uma cultura. Contudo, eles também se referem a metáforas
novas, pelas quais, segundo eles, é possível modificar a forma como as pessoas
vêem o mundo.
Baseados na caractestica que a metáfora tem de enfatizar alguns traços e suprimir
outros, os autores afirmam que “a metáfora pode ter um efeito feedback”, guiando
nossas ações futuras de acordo com ela (L
AKOFF
; J
OHNSON
, 2002: 238). Dessa
69
forma, as metáforas teriam o poder de alterar o que é real numa cultura, modificando
a forma como as pessoas experienciam o extra-ego; afetando a percepção do
mundo e, conseqüentemente, as ações que o realizadas em função dessa
percepção. No entanto, de acordo com os autores,
[...] os aspectos humanos da realidade são os que mais nos importam e
eles variam de cultura para cultura, uma vez que diferentes culturas têm
sistemas conceptuais diferentes. Culturas também existem em ambientes
sicos diferentes, alguns radicalmente diferentes selvas, desertos, ilhas,
tundras, montanhas, cidades etc. Em cada caso, há um ambiente sico com
o qual interagimos, com maior ou menor sucesso. Os sistemas conceptuais
das rias culturas dependem, em parte, dos ambientes físicos no qual se
desenvolvem (L
AKOFF
; J
OHNSON
, 2002: 243).
Conseqüentemente, o sistema conceptual de uma cultura é definido pelo ambiente
físico no qual ela está inserida e pelas metáforas criadas no cotidiano; sendo que a
somatória desses dois fatores resultariam na forma como se “realiza tem-se por
real o mundo. “Já que a maior parte de nossa realidade social é entendida em
termos metafóricos e já que nossa percepção de mundo sico é, em parte,
metafórica, a metáfora desempenha um papel muito significativo na determinação do
que é real para nós(L
AKOFF
; J
OHNSON
, 2002: 244).
A partir daí, Lakoff e Johnson afirmam que as similaridades de categorias do sistema
conceptual não existem previamente, mas o resultado de metáforas
convencionais que são parte de nosso sistema conceptual(L
AKOFF
; J
OHNSON
, 2002:
245). As metáforas, então, tornam-se mecanismos criadores do real; pois a partir
delas se possibilita estabelecer alguns conceitos de realidade. As construções
metafóricas, então, não são apenas lingüísticas, mas sociais, que recriam e
modelam os conceitos e as ações de uma cultura.
No entanto, no meio científico, principalmente, as metáforas não possuem uma boa
aceitação, pelo seu cater subjetivo, pois o pensamento científico, partindo de
princípios extremamente racionalistas e de uma concepção filofica de matriz
positivista que afirma a superioridade da ciência sobre todas as outras formas de
compreensão da realidade (o cientificismo), trouxe consigo a falsa afirmação da
verdade:
70
Sua preocupação com a verdade surge de uma preocupação com a
objetividade: para eles [os filósofos], a verdade é objetiva, absoluta.
Concluem, habitualmente, que as metáforas não podem expressar verdades
de forma direta e, se enunciam verdades, fazem-no apenas indiretamente,
via alguma pafrase literal não metafórica (L
AKOFF
; J
OHNSON
, 2002: 261-
262).
Entretanto, faz-se necessário conceituar o que seria (e se existe) essa verdade e de
que maneira ela se imanta às noções de metáfora e de realidade. Para os autores,
“a verdade é sempre relativa a um sistema conceptual definido, em grande parte,
pela metáfora (L
AKOFF
;
J
OHNSON
, 2002: 262); posição diferenciada de um senso
comum objetivista que declara que
As palavras têm significados fixos, isto é, nossa linguagem expressa o s
conceitos e as categorias em termos dos quais pensamos. Para descrever a
realidade corretamente, precisamos de palavras cujos significados sejam
claros e precisos, palavras que correspondam à realidade. Essas palavras
podem surgir naturalmente, ou podem ser termos cnicos de uma teoria
cienfica (L
AKOFF
;
J
OHNSON
, 2002: 296).
Cabe ressaltar que essa suposta objetividade não se configura discursivamente,
uma vez que as escolhas lexicais do falante expressam caractesticas subjetivas
a ele, ou remetem a uma subjetividade partilhada (utilizada por membros de uma
comunidade específica). Dessa forma, objetividade e subjetividade se firmam em
campos distintos, de acordo com os autores,
O objetivismo tem por aliadas a verdade cienfica, a racionalidade, a
precisão, a justiça e a imparcialidade. O subjetivismo tem por aliados as
emoções, o conhecimento intuitivo, a imaginação, os sentimentos humanos,
a arte, bem como uma verdade mais alta”. Cada um deles é mestre em seu
próprio domínio e seu domínio como superior ao outro (L
AKOFF
;
J
OHNSON
, 2002: 298).
Partindo dessa premissa, de que tanto o subjetivismo quanto o objetivismo é mestre
em seu domínio, observamos que, para os autores também as noções de verdade e
de realidade se relativizam ao contexto em questão, por exemplo:
A aceitação da metáfora, que nos obriga a focar apenas os aspectos da
nossa experiência que ela ilumina, leva-nos a enxergar como verdadeiras
as implicações da metáfora. Tais “verdades podem ser verdadeiras, é
claro, apenas com relação à realidade definida pela metáfora (L
AKOFF
;
J
OHNSON
, 2002: 259).
71
Essa afirmação, de que a verdade aponta para uma realidade definida (no caso,
construída pela metáfora), põe a linguagem como construtora de realidades e as
realizações da língua como mecanismos dessa construção. Pois, para os autores,
Na maior parte dos casos, o que está em queso não é a veracidade ou a
falsidade de uma metáfora, mas as percepções e infencias que a
acompanham e as ações sancionadas por ela. Em todos os aspectos da
vida [...] definimos nossa realidade em termos de metáforas e eno
começamos a agir com base nelas (L
AKOFF
;
J
OHNSON
, 2002: 260, grifo
nosso).
Ter a realidade definida por meio das metáforas implica em ressaltar a instabilidade
do real, ou seja, uma vez que se nega não apenas a significação una das palavras,
mas também a suposta fixidez da realidade tem-se a linguagem e a interação
sociocultural como base de criação e modificação do real. Portanto, essa construção
da realidade não é discursiva, mas interacionista, do subjetivo no social.
3.5 R
EPERCUSSÕES
S
AUSSURIANAS
Conforme indicamos no início deste capítulo, nesta secção faremos um escorço do
posicionamento de Saussure em contraponto com as teorias aqui apresentadas,
tendo por objetivo firmar uma concepção de metáfora que, iniciada em Saussure,
perpassa esses autores discutidos neste capítulo. A partir desse modo de
compreensão da metáfora é que faremos a análise do corpus escolhido, a fim de
demonstrar a sua funcionalidade na análise dos discursos do Lula.
Este contraponto entre os conceitos de metáfora dos autores trabalhados se fa
tanto em relação ao Curso (Curso de Lingüística Geral), quanto em relação aos
Escritos (Escritos de Lingüística Geral), porém, devemos lembrar que o Curso
representou a releitura do pensamento saussuriano numa época em que o
pensamento estruturalista se formava nas mais diversas áreas do conhecimento, e
que foi feito por alguns dos seus alunos.
Partindo dessa constatação, cabe destacar que, embora imediatamente ao nome de
Saussure estejam relacionados os posicionamentos do Curso, nossa perspectiva de
análise, nesta pesquisa, baseia-se, principalmente, nas noções de referência e
72
metáfora inferidas a partir de seus rascunhos, publicados nos Escritos, e discutidas
na secção 2.4 do capítulo II deste trabalho.
Antes de discorrermos sobre as concepções de refencia e metáfora em Saussure,
cabe-nos identificar sucintamente as fronteiras das noções de língua, linguagem,
sujeito e discurso para Ricoeur (2000), Foucault (1967), Barthes (1979) e Lakoff e
Johnson (2002) em relação ao posicionamento de Saussure, já que foi por esse
percurso que trabalhamos as concepções de metáfora. Ou seja, ao trabalharmos a
metáfora, nesses diversos autores, o fizemos levando em conta suas concepções de
linguagem por entendermos a metáfora não como uma figura de linguagem, mas
como fator estruturante da linguagem.
3.5.1 Paralelos
Os conceitos de língua e linguagem, tanto no Curso quanto nos Escritos, são
apresentados imbricados, sendo a linguagem mais representativa do todo e as
diversas línguas (enquanto idiomas) como constituindo as partes dessa linguagem.
Em seus rascunhos, Saussure afirma que “língua e linguagem são apenas uma
mesma coisa: uma é generalização da outra (S
AUSSURE
, 2002: 128). Essa
indissociabilidade entre língua e linguagem se perpetuou até aos dias de hoje, de
maneira que alguns autores não as diferenciam claramente; evidenciando, desse
modo, que a herança estruturalista ainda ecoa, apesar das tentativas de negação,
pois entre o sistema (língua) e as possibilidades de usos do sistema (fala), emerge o
conceito de valor como base da diversidade na significação.
Devemos salientar que, para Saussure, “a língua é um fato social. (S
AUSSURE
,
2002:154), sendo, portanto, base e fruto do continuum da sociabilidade humana. Em
seus Escritos, ele afirma que “a língua é o conjunto de formas concordantes que
esse fenômeno assume numa coletividade de indivíduos e numa época
determinada” (S
AUSSURE
,
2002:
115). Observa-se, com essa assertiva, que a língua
se estabiliza por meio das “formas concordantes inseridas numa estrutura social,
uma vez que
73
[...] os indiduos que utilizam a linguagem o fazem sempre por iniciativa
pessoal, mas sua ação verbal só tem os efeitos que tem pela existência de
um sistema que o usuário compartilha com os outros membros da
comunidade lingüística de que faz parte. À luz dessa analogia, não admira
que Saussure tenha qualificado a língua como um fenômeno social, e que
tenha caracterizado a lingüística como um ramo da psicologia social (I
LARI
,
2005: 58-59).
Ricoeur (2000) é mais objetivo quanto à relação histórico-social da linguagem,
enquanto Barthes (1979) retoma a linguagem como instituição social, mas não
apresenta uma distinção explícita entre língua e linguagem. Foucault (1967),
diferentemente, acrescenta que “[...] a linguagem não semais do que um caso
particular da representação (para os clássicos) ou da significação (para nós)”
(F
OUCAULT
, 1967: 67).
Verificamos que Ricoeur (2000) e Barthes (1979) não rompem com o estruturalismo
saussuriano em termos de definição de língua, antes retomam o posicionamento do
Curso e depois o modificam; de outro modo, Foucault (1967) distingui-se ressaltando
o aspecto mais sentico-referencial da língua, enquanto significação nas palavras:
Na sua raiz primeira, a linguagem é feita, como diz Hobbes, de um sistema
de notas que os indiduos escolheram, antes de mais nada, para si
próprios: graças a essas marcas podem eles recordar as representações,
ligá-las, dissociá-las e operar sobre elas. São essa s notas que uma
convenção ou uma violência impuseram à coletividade; mas, de toda a
maneira, o sentido das palavras só pertence à representação de cada um,
e, conquanto seja aceita por todos, não tem outra existência senão no
pensamento dos indiduos tomados um a um: «É das idéias daquele que
fala», diz Locke, «que as palavras são os signos, e ninguém as pode
aplicar, imediatamente como signos, a outra coisa senão às idéias que ele
próprio tem no espírito» (F
OUCAULT
, 1967: 115).
A teoria cognitivista defendida por Lakoff e Johnson, por sua vez, demonstra certa
ruptura no conceito de linguagem, apresentando-a como uma capacidade humana
de representação do mundo para si e para os outros, como evidência do sistema
conceptual humano, Dessa forma, a língua ultrapassa a imanência do digo
definindo-se, assim, como sendo extra-código, inserida nesse sistema conceptual.
Nas palavras dos autores,
Na maioria dos pequenos atos da nossa vida cotidiana, pensamos e agimos
mais ou menos automaticamente, seguindo certas linhas de conduta, que
não se deixam apreender facilmente. Um dos meios de descobri-las é
considerar a linguagem. que a comunicação é baseada no mesmo
sistema conceptual que usamos para pensar e agir, a linguagem é uma
74
fonte de evidência importante de como é esse sistema (L
AKOFF
;
J
OHNSON
,
2002:
46,
grifo nosso).
Vejamos que, para esses autores, a linguagem enquanto evidência do sistema
conceptual põe em foco as relações de cognição social, pois cognitivamente a
assimilação é proveniente de experiências externas que são internalizados por meio
dessa cognição social. Dessa forma, tanto sujeito quanto discurso são componentes
interacionais, independentes do digo, firmando-se na comunicação interativa e
nas relações cognitivas, sem assumir uma categoria em si mesmos.
Em Saussure, mais precisamente no Curso, não essa preocupação em definir as
categorias de sujeito e de discurso, pois, no Curso, esses conceitos não são
trabalhados ou, se o, se diluem nas referências a sujeitos falantes, sendo que
esse sujeito é inserido na coletividade, ou seja, é fruto da cultura em que nasceu,
sofre influência da massa falante, mas só tem real importância para a teoria
proposta quando visto conjuntamente com outros sujeitos.
Os Escritos também se reportam a um sujeito falante, mas acrescentam a definição
de discurso, na qual
[...] consiste, quer seja de maneira rudimentar e por vias que ignoramos,
em afirmar uma ligação entre dois dos conceitos que se apresentam
revestidos da forma lingüística, enquanto a língua realiza, anteriormente,
apenas conceitos isolados, que esperam ser postos em relação entre si
para que haja significação de pensamento (S
AUSSURE
,
2002:
237).
O discurso, então, se consubstancia na interação inter-sígnica de conceitos que,
outrora isolados pela língua, relacionam-se entre si proporcionando significação de
pensamento”. Nisto podemos observar uma diferença quanto ao Curso, pois os
Escritos apresentam-se mais discursivistas.
Quanto à noção de discurso, Barthes (1979) a remete “à materialização da
linguageme Ricoeur (2000) “à materialidade da língua”, podemos dizer, com isso,
que o discurso manifesta-se por meio da língua em movimento, no uso discursivo.
Ambas proposições representam a discursividade da língua, isto é, a língua com fim
discursivo, sob os jogos dos sujeitos. No paradoxo materialização versus
materialidade, nas visões de Barthes (1979) e Ricoeur (2000), respectivamente,
pode-se inferir que estão implícitas as concepções de processo e produto.
75
Foucault (1972) vai além, afirmando que o discurso
[...] é constituído de um número limitado de enunciados para os quais
podemos definir um conjunto de condições de existência [...] é, de parte a
parte, hisrico fragmento de história, unidade e descontinuidade na
própria história, colocando o problema de seus pprios limites, de seus
cortes, de suas transformações, dos modos espeficos de sua
temporalidade e não de seu surgimento abrupto em meio às cumplicidades
do tempo (F
OUCAULT
, 1972:146-147).
As relações sócio-histórico-culturais são manifestas por Foucault tanto na definição
de discurso quanto na de sujeito. Cada realização discursiva não é abrupta, mas
fruto da continuidade histórica e “[...] o sujeito o eu que fala se fragmenta, se
esparrama e se dispersa até desaparecer neste espaço vazio(F
OUCAULT
, 1990: 13).
Assim sendo, Araújo (2004) afirma que nas obras de Foucault,
A função sujeito leva à pergunta sobre quem fala, quem detém o direito em
termos institucionais ou jurídicos de proferir tal discurso. A função sujeito
varia, de modo que no enunciado essa posição é vazia e seocupada por
indivíduos até certo ponto indiferentes, quando eles formulam um enunciado
ou quando um só indiduo pode pronunciar uma série deles com posições
diferentes e fazendo o papel de sujeitos diferentes (A
RAÚJO
,
2004: 223).
Partido dessa assertiva, o sujeito não se configura como indivíduo uno e preso a sua
unicidade, mas como posição-sujeito, ou seja, quais categorias de indivíduos podem
ocupar esta ou aquela posição de sujeito, num discurso espefico. Observa-se, por
exemplo, o discurso acadêmico ou o discurso sindicalista, e as posições de sujeito
para cada um desses discursos.
Barthes (1979) também trata do sujeito histórico-social, mas dem-se no âmbito da
linguagem, constituindo um sujeito clivado, composto por muito mais do que simples
história e linguagem; esse sujeito apresenta-se imerso na sociedade, que se serve
da língua para burlar as estruturas da ppria língua, o que de certa forma retoma o
preceito de língua como femeno social.
As diversas posições assumidas pelos teóricos citados dão conta de estabelecer
que a relação do signo no continuum língua-fala tem muito mais relevo quando
76
submetida ao consenso social, desse modo, a relação sujeito-linguagem se
materializa pelos espaços criados no discurso.
Assim, para Saussure, o signo não aponta para o mundo, mas para a ppria
linguagem. O Curso afirma que quando se fala em valor de uma palavra, pensa-se
geralmente, e antes de tudo, na propriedade que tem de representar uma idéia, e
nisso está, com efeito, um dos aspectos do valor lingüístico(S
AUSSURE
, 1973:132).
Vemos, então, a representação de uma idéia e não de uma realidade, pois a relação
linguagem-mundo não é seu objeto de estudo, pois deixaria de ser lingüístico e, na
representação dessa idéia, o valor seria os matizes de significado que o signo pode
portar numa associão inter-sígnica. Em seus Escritos, Saussure afirma que
Em lingüística, nós negamos, em princípio, que haja objetos dados, que
haja coisas que continuem a existir quando se passa de uma ordem de
idéias a outra, que seja possível considerar as “coisasem rias ordens,
como se elas fossem dadas por si mesmas (S
AUSSURE
,
2002:173).
Verifica-se que, para o autor, linguagem e realidade são de ordens distintas, ele não
nega a realidade, antes evidencia que não é próprio da língua nomear os objetos,
mas expressar relações de valor nos signos. Dessa forma, a linguagem tem seu
referente na ppria linguagem, e o que determina o valor de um signo dado são
suas relações inter-sígnicas. No Curso,
O valor, tomado em seu aspecto conceitual, constitui, sem dúvida, um
elemento da significação, e é difilimo saber como esta se distingue dêle,
apesar de estar sob sua dependência. É necessário, contudo, esclarecer
esta questão, sob pena de reduzir a língua a uma simples nomenclatura
(S
AUSSURE
, 1973: 133).
Vemos que mesmo no Curso, os editores se preocuparam emo reduzir a língua a
uma nomenclatura, o que confirma ver “as coisas em várias ordens, mas
evidenciam a significação do valor lingüístico. Destarte, ao signo não é dada a
função de apontamento, mas de significação que variará de acordo com as relações
de valor que emergem no contexto lingüístico, no âmbito de uma determinada
coletividade.
A essa noção de valor, devemos acrescentar as ocorrências metafóricas, pois
quando utilizamos metáforas, o valor do signo proposto passa a ser metafórico. Nos
77
Escritos, Saussure afirma que “uma forma não significa, mas vale: esse é o ponto
cardeal. Ela vale, por conseguinte ela implica a existência de outros valores”.
(S
AUSSURE
, 2002: 30).
Nesse sentido, a metáfora passa a ser uma possibilidade de valor” que o signo
pode vir a ter, restando somente retomar de que forma isso se configura. Nos
Escritos, o autor afirma que “não há diferença entre o sentido próprio e o sentido
figurado das palavras (ou: as palavraso têm mais sentido figurado do que sentido
pprio) porque seu sentido é eminentemente negativo” (S
AUSSURE
,
2002: 67).
Nesse pressuposto, estaria decodificado que a oposição positivo versus negativo
refere-se ao conteúdo do signo, ou seja, as propriedades que o conteúdo do signo
remetem em igualdade a outros signos expressam sua positividade, enquanto as
diferenças em relação a outros signos, a sua negatividade. Pois quando se diz que
os valores correspondem a conceitos, subentende-se que o puramente
diferenciais, definidos não positivamente por seu conteúdo, mas negativamente por
suas relações com os outros termos do sistema(S
AUSSURE
,
1973:
136).
Sendo assim, para Saussure, a metáfora se configura como uma possibilidade de
sentido que se materializa pelos traços de significação/distinção contidos no valor
que lhe é atribuído na linguagem, diferentemente da noção de desvio que lhe era
atribuída dentro do estruturalismo pós-saussureano. De acordo com Lopes (1987),
“o princípio do desvio tem sido, na realidade, o mais fecundo dentre os postulados
estilísticos modernamente invocados para a construção de uma teoria da literatura
em bases científicas” (L
OPES
, 1987: 07). Diferentemente,
Saussure deu realce ao fato de que a relação significante/significado
sempre deve ser considerada à luz do sistema lingüístico em que o signo se
insere, e não das situações pticas em que a língua interm ou das
realidades extralingüísticas de que permite falar. Essa recomendação vai no
sentido de uma lingüística imanentista, ou seja, de um lingüística que
procura minimizar as relações que a língua manm com o mundo (I
LARI
,
2005: 64).
O valor lingüístico tem sua base significativa dentro da comunidade lingüística e,
principalmente, dentro das possibilidades estabelecidas dentro do seu sistema de
significação na sociedade, assim, “o vínculo social tende a criar a comunidade de
78
língua e imprime talvez ao idioma comum determinados caracteres (S
AUSSURE
,
1973: 261), o que condiciona à idéia de metáfora como uma acomodação
sentico-social sobre um valor no signo.
O postulado saussuriano de que “na língua só existem diferenças comprova a
dimeno social da língua em oposição à acepção individual da fala e a um suposto
sistema fechado, pois as diferenças manifestam-se sobre os traços lingüísticos e, ao
mesmo tempo, põem em foco a linguagem metafórica como a exterioridade dessas
diferenças (contidas num feixe de valores lingüísticos) que se materializam na esfera
social.
Essas considerações demonstram que o signo, na visão de Saussure, não tem uma
natureza hermética em relão ao par significante-significado e nem se presta a
nomear a realidade pelo pametro conotação-denotação. Entende-se, portanto, que
o signo lingüístico integra "um sistema livre que só depende de princípios lógicos e,
como uma ciência pura, de relações abstratas” (S
AUSSURE
,
2002:
288).
Dessa forma, a língua passa a ser “tarefa de toda a gente; difundida por ua massa e
manejada por ela, é algo de que todos os indivíduos se servem o dia inteiro [...] cada
qual participa a todo instante e é por isso que ela sofre sem cessar a influência
de todos (S
AUSSURE
, 1973:88, grifo nosso). Infere-se, então, que o papel da
comunidade é relevante para produzir, a cada momento, novos sentidos; pois as
influências recebidas ou transferidas podem recair sobre as construções
metafóricas, de modo que todo esfoo para sistematizar a língua só se viabiliza
num continuum de relações sociais.
Nesse sentido, Ricoeur (2000) acrescenta a metáfora como uma acomodação
sentica pela via interpretativa, pois
A mefora não é viva apenas por vivificar uma linguagem constituída. Ela o
é por inscrever o impulso da imaginação em um pensar a mais no nível do
conceito. Essa luta para pensar a mais, sob a condução do “prinpio
vivificante”, é a alma da interpretação (R
ICOEUR
, 2000: 465).
79
Vejamos na citação acima que Ricoeur aponta a vividez da metáfora não apenas ao
nível da linguagem, mas também ao da interpretação, como um “pensar a mais”. A
metáfora apresenta-se, para o autor, “como uma estratégia de discurso que, ao
preservar e desenvolver a potência criadora da linguagem, preserva e desenvolve o
poder heustico desdobrado pela ficção” (R
ICOEUR
, 2000: 13).
Foucault (1967), por sua vez, não desenvolve o conceito de metáfora, mas o
podemos inferir por seus posicionamentos quanto à relação linguagem
referenciação. O autor afirma que
Não linguagem quando a representação se exterioriza mas sim
quando, de uma maneira regulada, ela tira de si um sinal e se faz
representar por ele. o é, pois, a tulo de sujeito falante, nem no interior
de uma linguagem feita, que o homem descobre em torno de si sinais que
seriam como outras tantas palavras mudas a decifrar e a tornar audíveis de
novo; é, pelo contrário, por a representação pôr em jogo sinais que as
palavras podem nascer e, com elas, toda uma linguagem que o é
seo a organização ulterior de signos sonoros (F
OUCAULT
,
1967: 149,
grifos nosso s).
Portanto, a linguagem para Foucault também aponta para a própria linguagem, mas
como construção de sentido, sendo que a metáfora é parte constituinte dessa
linguagem. Cabendo destacar que nessa concepção de linguagem, a metáfora é
intrínseca a essa “organização ulterior de signos sonoros”.
O conceito de valor também é trabalhado por Foucault, em que
[...] para que uma coisa possa representar outra numa troca, é necessário
que elas existam já carregadas de valor; e, todavia, o valor só existe no
interior da representação (actual ou possível), quer dizer, no interior da troca
ou da permutabilidade (F
OUCAULT
, 1967: 254).
Podemos observar que o sistema de valor de Foucault é mais explicito em suas
relações internas, pois estabelece que “o valor só existe no interior da
representação”, ou seja, a negociação do sentido se dá dentro das relações
lingüísticas que já vêm carregadas de significados prévios e previsíveis, e a
metáfora, nesse contexto, é mais uma negociação de sentido, no valor lingüístico.
80
De outra forma, Barthes evidencia a distinção do significado denotativo e conotativo,
distinção esta que se perpetua até aos dias de hoje nos manuais de ensino, pom
de maneira mais simplificada. Para o autor, o plano de denotação é similar à
metalinguagem, na qual se tem o signo pelo signo nas palavras do autor, uma
Semiótica que trata de uma Semiótica, o sentido denotativo, então, é o sentido
sem interfencias dos sujeitos. o plano da conotação,
[...] compreende significantes, significados e o processo que une uns aos
outros (significação), e é o invenrio dêstes três elementos que se deveria
primeiro empreender para cada sistema. Os significantes de conotação, que
chamaremos conotadores, são constituídos por signos (significantes e
significados reunidos) do sistema denotado (B
ARTHES
, 1979: 96).
A metáfora para Barthes, então, está imbricada ao sistema conotativo, sabendo-se
que este tem por significante um signo p-existente no plano denotativo, que
também opera na significação. Pois “seja qual fôr o modo pelo qual a conotação
vista’ a mensagem denotada, ela não se esgota: sempre sobra denotado (sem o
quê o discurso não seria possível)” (B
ARTHES
, 1979: 97); desta maneira, o sentido
sempre terá uma base denotativa pré-existente. O autor acrescenta que
[...] o conjunto de uma análise semiológica mobiliza ordinàriamente, ao
mesmo tempo, am do sistema estudado e da língua (denotada) que dêle
se encarrega mais freqüentemente, um sistema de conotação e a
metalinguagem de análise que se lhe é aplicada; podeamos dizer que a
sociedade, detentora do plano de conotação, fala os significantes do
sistema considerado, enquanto o semiólogo fala-lhe os significados; êle
parece possuir, pois, uma função objetiva do deciframento (sua linguagem é
uma operação) diante do mundo que naturaliza ou mascara os signos do
primeiro sistema sob os significantes do segundo; sua objetividade, pom,
torna-se provisória pela ppria história que renova as metalinguagens
(B
ARTHES
, 1979: 99, grifo nosso).
Quando o autor evidencia que a sociedade é detentora do sistema de conotação, ele
prima pela condição natural dos sentidos conotativos, tendo, portanto, a metáfora
como o sistema mesmo da língua. E este sistema aponta e consti a realidade
dentro da própria linguagem.
Diferentemente, Lakoff e Johnson, nos seus recentes estudos dentro do
cognitivismo, entendem o sentido construído na interação, sabendo-se que ela se
processa entre os sujeitos e entre o sujeito e o meio. As relações de sentido se
estabelecem baseadas em estruturas pré-determinadas (como as metáforas
81
estruturais) e de acordo com a experiência corpórea a partir das coordenadas
sujeito-sujeito e sujeito-mundo (como as metáforas orientacionais). Partindo disso, a
realidade existe no discurso e a metáfora apresenta-se como construção dessa
realidade por meio da interação.
Cabe ressaltar que, para Lakoff e Johnson, nessa perspectiva, a metáfora como
construção de realidade delimita-se dentro das possibilidades apresentadas pela
interação. Contrasta-se, portanto, ao “prinpio onipresente em toda a sua ação livre
que Ricoeur enquadra a metáfora: como criação e recriação. Nas palavras dos
autores,
[...] a maior parte de nossa realidade social é entendida em termos
metafóricos e que nossa percepção de mundo físico é, em parte,
metafórica, a mefora desempenha um papel muito significativo na
determinação do que é real para nós (L
AKOFF
; J
OHNSON
, 2002: 244).
Tendo por base toda a discussão acima referida, assumimos o posicionamento
teórico de Saussure nos Escritos, no que tange às concepções de sujeito, discurso,
referência e metáfora; assimilando também as proposições de Ricoeur (2000) e
Barthes (1979) para a análise do corpus. Conforme Ricoeur,
[...] a linguagem, como bem o viu Shelley, é “vitalmente metarica”; se bem
metaforizar” é ter domínio das semelhanças, então não poderíamos sem ela
apreender nenhuma relação inédita entre as coisas. Longe de ser um
desvio em relação à operação comum da linguagem, a metáfora é “o
princípio onipresente em toda a sua ação liv re”; o constitui um
poder adicional, mas a forma constitutiv a da linguagem (R
ICOEUR
, 2000:
128, grifo nosso).
Temos, então, a metáfora como “a forma constitutiva da linguagem”, que se
apresenta na construção da realidade, realidade esta que se faz no e pelo discurso.
Nossa perspectiva discursiva entende o sujeito como sendo sócio-histórico-cultural e
a formação dos valores lingüísticos a partir da coletividade, instancia detentora das
coordenadas de sentido e significação.
Portanto, na análise dos dois discursos da vitória do Lula (2002) e (2006), que
procederemos no capítulo seguinte, o foco recai sobre a construção de realidade
que se processa através das metáforas então utilizadas pelo presidente eleito. Neste
sentido, interessa-nos analisar em que medida um discurso difere/converge do
82
outro. Deve ficar claro, ainda, que por entendermos a metáfora como própria da
linguagem e não como desvio, e por entendê-la dentro do sistema de trocas que se
dá no nível histórico-social e não somente como fator de interação alicerçado no
social, pretendemos olhar no discurso do Lula não a condensação de metáforas que
refletem o social e sim uma construção de realidade que tangencia a realidade,
construindo e instalando as relações sociais.
Destarte, pelo viés que propomos, retomar Saussure significa demonstrar sua
atualidade, uma vez que em seus Escritos ele pôde expressar-se tão
contemporâneo, apesar de ter sido taxado como retgrado e superado. Entender a
língua como um “fato social”, apresentar a variação de significação e nela a
metáfora através do valor lingüístico como sendo algo natural à língua (e não um
desvio) e, incluir o aspecto cio-histórico-cultural na constituição de sujeitos e
discursos, impõe uma atemporalidade a Saussure que não pode ser negada.
83
4. A
S
M
ETÁFORAS NOS
“D
ISCURSOS DA
V
ITÓRIA
DO
L
ULA
No percurso desta dissertação, após revisitar Saussure e discutirmos algumas
divergências e convergências ideológico-conceituais entre o Curso e os Escritos,
vimos que a metáfora não é concebida por ele como um desvio, e sim como uma
possibilidade de valor lingüístico.
Em seguida, retomamos quatro concepções de metáfora – Ricoeur (2000), Foucault
(1967), Barthes (1979) e Lakoff e Johnson (2002) demonstrando os avanços e os
rompimentos dessas conceões em relação à proposição de Saussure. A partir
desse cotejo, pudemos definir nosso recorte de análise, para o qual nos ateremos a
Saussure em conformidade com Ricoeur e Barthes.
Na seqüência desses estudos, prossegue-se a análise do corpus à luz das posturas
teóricas aqui adotadas e defendidas nos capítulos anteriores. Para compor o corpus
de análise, selecionamos os dois “Discursos da Vitóriado presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Cabendo ressaltar que tal escolha se deu porque esses discursos
traduzem, por meio das metáforas, a realidade construída na linguagem.
Em virtude da escolha desse corpus, consideramos ser importante uma
apresentação sucinta do presidente Lula para determinarmos o contexto social do
falante e a situação política do Brasil no ensejo de suas vitórias, posto que em
muitas ocasiões, tanto como candidato quanto como presidente já eleito, Lula
sempre retoma a origem humilde de um nordestino de pouca instrução, como
alicerces de sua vio de mundo e de Brasil, e muitas vezes fazendo de sua gênese
um refoo em suas metáforas.
Auxiliando a estratégia de análise do nosso corpus, acrescentaremos fragmentos de
dois documentários sobre o Lula, que se completam: Peões, de Eduardo Coutinho; e
Entreatos, de João Moreira Salles, ambos filmados no peodo que antecedeu as
eleições de 2002. O primeiro documentário focaliza a história de alguns metalúrgicos
que foram companheiros de Lula em sua militância nas greves de 79 e 80. O
segundo DVD duplo , expõe os bastidores da campanha de 2002;
acrescentando-se a este um Extra chamado Atos: A campanha pública de Lula, em
84
que retoma fragmentos da campanha pública do Lula. Os dados biográficos foram
retirados, principalmente, dos livros Lula: o filho do Brasil, de Denise Paraná e Lula:
o início, de Mário Morel, além de alguns dados terem sido colhidos no site do jornal
Estadão.
A data de nascimento de Lula é controversa, sua certidão de nascimento marca a
data de 27 de outubro de 1945, já sua e afirma que ele nasceu no dia 06 de
outubro de 1945. O presidente prefere acreditar na memória da e, o que é
plausível, uma vez que, no nordeste brasileiro, é muito comum (e o era muito mais
na década de 40) a criança nascer numa data e somente algum tempo depois
alguém sair para registrá-la, e nesse intervalo, ou o pai errar a data, ou ficar a data
do dia do registro em lugar da data do dia do nascimento. Ele é o sétimo filho de
Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira de Mello. “Batizado de Luiz, o menino
logo recebeu o apelido de Lula, bastante comum naquela região nordestina
(P
ARA
, 2002: 26).
Aos 7 anos Lula migra para o Paulo, onde cresce e escreve sua história sindical e
política. Depois de participar da criação do PT (Partido dos Trabalhadores) em 1980,
da criação da CUT (Central Única dos Trabalhadores) em 1983, de concorrer a
governador de o Paulo em 1982 e ser o deputado federal mais votado em 1986,
Lula passa a concorrer à presidência.
Nas eleições diretas para a Presidência de 1989, Lula perde apenas por uma
diferença de 6% dos votos no segundo turno para Fernando Collor de Mello; em
1994, a derrota é mais expressiva, ocorrendo ainda no primeiro turno, o que se
repete também nas eleições de 1998, ambas elegendo e reelegendo Fernando
Henrique Cardoso como presidente da República.
Em 2002 as eleições vão para o segundo turno e Lula se elege para a presidência
da República. Vale lembrar que o primeiro turno ocorreu no dia 6 de outubro, data de
nascimento do Lula, segundo afirma sua mãe; e o segundo turno foi no dia 27 de
outubro, data de nascimento de acordo com sua certidão. Ele quase é eleito no
primeiro turno, mas sua certidão de nascimento marcou uma nova data para seu
85
presente: o sonho que se torna realidade. Em 2006 ele é reeleito (também no
segundo turno) e é o atual presidente do Brasil.
A escolha do corpus desta pesquisa, o estudo das metáforas nos discursos de Lula,
deve-se à sua capacidade de articular com uma extraordinária habilidade e rapidez
de racionio elementos da ordem cotidiana para situar fatos complexos da política e
da sociedade. Tal desenvoltura se verifica com bastante freqüência em todos os
níveis de manifestação discursiva formal e informal tanto no cenário nacional
como em compromissos internacionais.
Partindo desse histórico político, e considerando que os discursos de Luiz Inácio
sempre são cheios de alusões metafóricas, escolhemos como corpus desta
pesquisa os dois “Discursos da Vitória do presidente, discursos estes proferidos
após o resultado oficial das urnas.
Por conseguinte, neste capítulo retomamos alguns aspectos principais do referencial
teórico, assumindo uma posição de analista do discurso, entendendo a metáfora
como “a forma constitutiva da linguagem”, que se apresenta na construção da
realidade. Para tanto, recorremos ao posicionamento teórico de Saussure nos
Escritos harmonizado com as proposições de Ricoeur (2000) e Barthes (1979) para
analisarmos nosso corpus.
Cabe ressaltar que analista do discurso, neste caso, é uma terminologia voltada
para o olhar do pesquisador sobre o discurso de Lula e não a uma filiação analítica
das correntes francesa e/ou americana da Análise de discurso, portanto, trataremos
de cada discurso como um todo e não de suas partes, ao examinar as metáforas.
4.1 R
EFERENCIAL
T
EÓRICO
-M
ETODOGICO
O referencial teórico desta pesquisa foi desenvolvido a partir do aprofundamento e
da análise dos posicionamentos teóricos de Saussure no que tange às concepções
de língua, linguagem, signo, valor lingüístico, sujeito, discurso e referência;
intencionando abstrair deles o conceito de metáfora pelo viés saussuriano.
86
A partir dessa pesquisa, baseada na comparação entre o Curso e os Escritos, foi
escolhido um corpus pelo qual se discuticomo as construções metafóricas podem
ser entendidas com base na combinação teórica de Saussure com as considerações
de Ricoeur (2000) e Barthes (1979), sendo estes complementares na construção
desse referencial.
Retomando o que foi dito nos capítulos anteriores, cabe destacar que partiremos da
influência da coletividade nos fenômenos semiológicos defendida por Saussure,
para analisarmos as contribuições sócio-culturais refletidas no todo discursivo e,
consequentemente, nas metáforas que compõem o texto. Pois, segundo o autor,
[...] se o meio da coletividade modifica tudo para o sistema de signo, ele é
também, desde a origem, o verdadeiro ambiente de desenvolvimento a que
tende, desde o seu nascimento, um sistema de signos: um sistema de
signos feito para a coletividade, como o barco para o mar (S
AUSSURE
, 2002:
249).
Para Saussure, o sujeito é ainda reconhecido simplesmente como falante, todavia
com marcas histórico-culturais. Se dessa forma que consideraremos o sujeito do
nosso discurso.
Contudo, a língua é um fenômeno diferenciado da realidade imediata. Ao se
constituir a partir de um sistema semiológico, a língua, dentro de uma comunidade
lingüística, instaura relações de troca a partir de valores lingüísticos específicos.
Desse modo, mesmo sem pretendermos uma análise exaustiva dos dois discursos,
não podemos desconsiderar os fatores histórico-sociais envolvidos nos
pronunciamentos do presidente.
Interessa-nos, portanto, observar esse jogo de trocas nos valores imbricados nos
dois momentos históricos então diferenciados: um do primeiro mandato, que carreia
todo um percurso político do presidente; e um do segundo mandato, que ampara as
suas atuais posições políticas, frente às condições administrativas do país. Por isso
a história do presidente nos interessa, em seu percurso político para observarmos
de que modo isso se reflete na sua linguagem.
87
que Saussure não toma por base de seus estudos unicamente a palavra como
centro da significação, mas tamm o discurso, uma vez que
Embora seja necessária uma análise para fixar os elementos da palavra, a
palavra em si mesma não resulta da análise da frase. Porque a frase só
existe na fala, na língua discursiva, enquanto a palavra é uma unidade que
vive fora do todo discursivo, no tesouro mental (S
AUSSURE
,
2002:
105).
achamos por bem observar os valores impressos nos campos senticos
predominantes nos dois discursos, buscando então, uma melhor compreeno da
metáfora enquanto construção de realidade no discurso.
Cabe salientar que, ao analisarmos as metáforas dos discursos selecionados, não o
fazemos como uma análise do desvio na qual a metáfora é uma alegoria
pretendida e consciente do sujeito ; mas a entendemos como um recurso natural
da língua, ou seja, assim como poderíamos estudar os dêiticos, os anafóricos ou os
tempos verbais empregados nos textos, escolhemos as metáforas como objeto de
estudo. Desta forma, quando selecionamos e agrupamos algumas metáforas o
fazemos apenas como um recurso metodológico, pom, sempre considerando o
todo discursivo e sua inserção histórico-social.
Cabe ressaltar, que embora o discurso tenha sido proferido pelo presidente Lula, ele
não foi feito de improviso, e possivelmente, contou com a ajuda de seus assessores
em sua elaboração. No entanto, dentro da perspectiva saussuriana, a constituição
do sujeito do discurso não é particular, pois apresenta apenas um sujeito falante,
constituído histórico-socialmente. Portanto, não nos interessa a autoria do discurso,
pois entendemos um sujeito histórico-social, que não controla parcialmente seu
discurso, como também encontra sua força no conjunto com os outros sujeitos da
sociedade. Saussure ressalta que
[...] cada fato de linguagem existe ao mesmo tempo na esfera do presente e
na esfera do passado, mas com duas existências distintas, e comporta não
UMA, mas regularmente DUAS EXPRESSÕES RACIONAIS, legítimas do
mesmo jeito, uma tão impossível de suprimir quanto a outra, mas acabando
por fazer da mesma coisa duas coisas; isso sem nenhum jogo de palavras,
como também sem nenhum mal entendido sobre o que acabamos de
chamar de coisa, a saber, um objeto de pensamento distinto, e não uma
idéia diversa do mesmo objeto (S
AUSSURE
, 2002: 44-45).
88
Destarte, a realidade construída dentro desse contexto de batalha só se efetiva nas
relações inter-sígnicas e não na relação sujeito-discurso que emergem no
discurso e, principalmente, nas relações de valor semântico que se manifestam na
coletividade. Isso porque os valores definidos não estão em pleno controle de
ninguém, mas do coletivo social; no qual ficam manifestas a historicidade do
significado e a atualização discursiva do sentido, pois
No momento em que se fala de valores em geral, em vez de se falar, ao
acaso, do valor de uma forma (que depende absolutamente dos valores
gerais), percebe-se que é a mesma coisa colocar-se no mundo dos signos
ou no das significações, que não há o menor limite definível entre o que as
formas valem em virtude de sua diferença reproca e material, e aquilo que
elas valem em virtude do sentido que nós atribuímos a essa s diferenças. É
uma disputa de palavras (S
AUSSURE
,
2002:
30).
O valor, então, é ilimitado no tocante a possibilidades significativas, sendo que essas
possibilidades se referem tanto às relações inter-sígnicas/diferencial, quanto no valor
atribuído pelo e no discurso.
Do mesmo modo, a determinação dos valores dos signos, não apenas
individualmente ao signo, mas no todo do discurso abrange a relão de denotação
e conotação referendada por Barthes, conforme evocamos no capítulo anterior,
terceira secção. De modo que a conotação existe junto com a denotação e esta
vai se transfigurando, se estabilizando para dar base a novas conotações. É um
movimento em conjunto (denotação e conotação) que forma a significação. Ricoeur
acrescenta a proposição de Le Guern de que
[...] na metáfora se combinam um fenômeno puramente denotativo, o
mesmo que se definiu pela redução sêmica, e um fenômeno de conotação,
exterior à função propriamente lógica ou informativa do enunciado; a função
conotativa, no caso da mefora exprime-se no papel de imagem
associada que é, portanto, uma conotação psicológica e, além disso, uma
conotação não livre, mas imposta (R
ICOEUR
, 2000: 283).
Desse modo, o valor lingüístico encerra em si a convergência entre denotação e
conotação, pois “[...] uma melhor análise semântica do processo metafórico basta
para dissipar a mística do pprio’, sem que a metáfora sucumba com ela.”
(R
ICOEUR
, 2000: 447). A metáfora, portanto, não concorre com o sentido próprio,
mas apresenta-se como valor dentro das possibilidades discursivas.
89
Considerando esse escorço teórico, que retoma muito sucintamente o que foi
explicitado no Capítulo II e na quinta secção do Capítulo III, temos o valor linístico
como pilar nas considerações da metáfora, combinando o significado
sentico/lingüístico ao sentido discursivo para a análise do corpus.
Definido o referencial teórico e escolhido o corpus, colhemos o Discurso da Vitória
de 2002 do site da Folha OnLine e o de 2006 do site da revista Veja. Após algumas
leituras desses discursos, notou-se a necessidade de retomar a história do Lula a
fim de compreender a realidade por ele construída no todo de cada pronunciamento.
A elaboração do histórico do presidente procedeu da leitura dos livros Lula, o filho do
Brasil – sua única biografia autorizada e Lula: o início cuja 1ª edição foi em 1981,
composta por entrevistas com Lula e com amigos militantes, buscando apresentar o
metalúrgico mentor do rem-nascido PT. Em prosseguimento, foram vistos os
documentários: Peões e Entreatos, o primeiro com entrevistas a militantes do
peodo de 79 e 80 e o segundo mostrando os bastidores da eleição. Por fim, foi
visto o extra do Entreatos, que se configurou como um outro documentário: Atos: A
campanha pública de Lula.
Essa preparação se deu a fim de compreender tanto a história pessoal quanto a
político-social do Lula com o objetivo de fundamentar os discursos com a herança
sócio-histórica que envolveu o Lula e a sociedade como um todo, criando um
confronto histórico-social para cada manifestação discursiva.
A partir desse entremeio histórico, cada discurso foi analisado separadamente: a
princípio foram destacadas ocorrências metafóricas que se apresentava em
destaque; tendo por base o conceito de metáfora como “forma constitutiva da
linguagem”; portanto, considerada e analisada como uma possibilidade de valor do
signo, ou seja, uma significação natural no discurso.
Depois das metáforas selecionadas, foi observada a recorrência de determinados
campos de refencia metáforas semanticamente ligadas ; a partir disso as
metáforas foram semanticamente agrupadas e analisadas em conjunto, de acordo
com seu contexto discursivo. Sendo este contexto discursivo acrescido de falas
90
retiradas dos documentários sobre o Lula, que sustentavam o cater coletivo de
cada discurso.
Na pxima secção, cada discurso constitui uma análise distinta, pois entendemos
que sua inserção histórica é diferenciada, implicando, portanto, em duas
investigações que seo confrontadas nas conclusões das análises.
4.2 A
NÁLISE DO
C
ORPUS
4.2.1 A esperaa venceu o medo
Como temos visto, para Saussure, a língua é um fato social
É porque, em nenhum momento, contrariamente à aparência, o fenômeno
semiogico, qualquer que seja ele, deixa fora de si mesmo o elemento da
coletividade social: a coletividade social, com suas leis, é um de seus
elementos internos e não externos, esse é o nosso ponto de vista
(S
AUSSURE
, 2002: 249).
De acordo com a citação acima, a coletividade social e suas leis o partes
integrantes de qualquer fenômeno semiológico, desta forma, as metáforas m, em
sua formação, influências da coletividade social. Segundo Saussure, a linguagem é
“[...] a mais formidável ferramenta de ação coletiva e, por outro, de educação
individual, o instrumento sem o qual o indivíduo ou a espécie jamais poderia aspirar
a desenvolver, em algum sentido, suas faculdades nativas(S
AUSSURE
, 2002: 128).
Tendo a linguagem como “ferramenta de ação coletiva e, portanto, sujeita a
influências coletivas, podemos observar como a história do Lula ratifica o “Discurso
da Vitória de 2002. Durante um comício em sua campanha eleitoral, Lula afirmou:
“Na minha cabeça, cada derrota era a certeza que a luta tinha que continuar” (L
ULA
A
TOS
, 2004). Verifica-se o contexto semântico de guerra (derrota/luta) no todo
discursivo, isso porque o presidente eleito passou, segundo suas pprias
avaliações, por uma verdadeira batalha para chegar à presidência da República,
ressaltando em sua retórica a trajetória de como saiu do “chão da bricapara
ocupar o mais alto cargo da nação. Esse discurso configura a postura dele mesmo
como um vencedor na sua luta.
91
Corroborando essa perspectiva, inicialmente o discurso apresenta uma metáfora
(venceu / vitória)
3
remetendo ao valor de triunfo numa guerra. Essa primeira
formação discursiva metafórica representa a base do discurso no qual o presidente
Lula aparece como “um guerreiro que luta a batalha de cada um”:
“A esperança venceu o medo” (L
ULA
, 2002, L. 02).
Ao utilizar as expressões “esperança e medo nessa formação metafórica, Lula
está remetendo às propagandas eleitorais da época, pois, na ocasião do segundo
turno, sua base de campanha pautava-se sobre o tema da esperança; por outro
lado, intentando desbancar essa base, a campanha do outro candidato (José Serra
PSDB), na ofensiva, utilizava muito a expressão “medo de mudar”.
Quando Lula declara que “a esperança venceu o medo”, ele evoca no ouvinte a
campanha eleitoral, colocando-se como a esperança de um novo Brasil, e que não
haveria razão de ter medo dessa mudança. Nessa metáfora, a articulação em torno
do verbo vencer polariza vencidos e vencedores, deixando transparecer que os
vencedores encarnam o bem e os vencidos o mal: respectivamente, esperança e
medo. Essa interpretação metafórica é possível, pois, de acordo com Ricoeur,
[...] o emprego metafórico de uma palavra sempre pode ser oposto ao seu
emprego literal, pom literal não quer dizer próprio no sentido de originário,
mas simplesmente corrente “usual; o sentido literal é aquele que es
lexicalizado. o há necessidade de uma metasica do pprio para
justificar a diferença do literal e do metafórico (R
ICOEUR
, 2000: 447).
A partir dessa oposição bem e mal, evidencia-se a tensão de uma grande batalha
dentro do contexto social da época, de um lado estaria a elite dominadora dos
partidos de direita, e do outro o bloco esquerdista representando a sociedade
brasileira e enfim tivesse triunfado a sociedade brasileira representada pelo partido
esquerdista. No fragmento a seguir, ecoa uma voz nacionalista que procura ser a
voz do povo.
“uma vitória da sociedade brasileira e de suas instituições
democráticas” (L
ULA
, 2002, L 06-07).
3
Determinar se vencer, perder, derrotar e ganhar são metafóricos ou não é bastante complexo, no entanto, aqui
entendemos como metafóricos por auxiliarem a construção dessa realidade no discurso.
92
Partindo da realidade vivida pelo presidente Lula ao longo de sua vida, e
conhecendo a realidade dos marginalizados, ele apresenta-se como um combatente
em seu discurso, que luta em prol dos que sofrem, pois conforme Paraná retoma
Lewis (1965)
os que vivem dentro da cultura da pobreza têm um forte sentido de
marginalidade, de abandono, de dependência, de não pertencer a nada.
São como estrangeiros em seu pprio país, convencidos de que as
instituições existentes não servem a seus interesses e necessidades
(P
ARANÁ
, 2003: 380).
Em virtude disso, o presidente trata o novo governo também como uma guerra, mas
agora a guerra é contra as mazelas sociais e em favor dos marginalizados. Por esse
ângulo, conceber o governo a partir da semântica da guerra é constituir uma nova
significação tanto à realidade quanto à guerra, por meio de uma transferência de
sentido. Essa transfencia de um campo referencial a outro se processa dentro de
uma compatibilidade contextual e em consonância com a comunidade lingüística em
que ocorre. Ricoeur afirma que o
[...] sentido já constituído é desligado de sua ancoragem em um campo de
referência primeiro e projetado no novo campo de refencia para o qual
contribui desde eno para fazer surgir a configuração. Mas essa
transferência de um campo referencial a outro supõe que este campo
esteja presente de algum modo, de maneira inarticulada, e que exerça uma
atração sobre o sentido constituído para arran-lo à sua ancoragem
primeira. É no objeto semântico deste outro campo que reside a energia
capaz de operar essa separação e essa transferência. Mas isso não seria
possível se a significação fosse uma forma estável. Seu caráter
dinâmico, direcional, vectorial, conspira com o objetiv o semântico que
procura preencher sua intenção (R
ICOEUR
, 2000: 459, grifo nosso).
Ao exprimir essa “transferência de campo de referência”, Ricoeur retoma a
concepção de valor lingüístico, no qual a variação do “campo de referência
enquanto metáfora representa apenas mais uma possibilidade de valor para a
significação.
Em função do pressuposto de que a construção de sentido é direcional, ao longo do
discurso, temos a construção de uma realidade pautada na repetição de uma
mesma metáfora: combate.
93
1 seguimos travando o bom combate. O combate em favor dos
excluídos e dos discriminados. O combate em favor dos
desamparados, dos humilhados e dos ofendidos(L
ULA
, 2002, L. 26-
28).
2 “compreenderam a necessidade de combater a pobreza(L
ULA
,
2002, L. 45-46).
3 combate implavel à corrupção”. (L
ULA
, 2002, L. 73).
4 “Vamos aplacar a fome, atacar o crime, combater a corrupção
(L
ULA
, 2002, L. 76-77).
5 “o selo do combate à fome” (L
ULA
, 2002, L. 80).
6 “o combate ao flagelo da fome” (L
ULA
, 2002, L. 83).
7 “amplo programa de combate à fome(L
ULA
, 2002, L. 109).
8 parcerias que permitam um combate implavel ao narcotráfico
(L
ULA
, 2002, L. 144).
Esse signo lingüístico combate
4
possui um forte efeito discursivo porque, nos
diferentes contextos apresentados fome, corrupção, criminalidade remete a uma
realidade da coletividade social, isto é, comumente a sociedade brasileira trata
lingüisticamente os problemas e as crises sociais como adversários a serem
combatidos. Mas agora, este novo governo apresenta-se com armas mais potentes
e eficazes que as utilizadas em combates anteriores (governos anteriores).
Assim sendo, quando se posiciona na “frente de combate” em relação aos
problemas sociais, o presidente assume um lugar de liderança não apenas política,
mas pessoal. Ou seja, seu discurso continua no âmbito da promessa, alimentando a
esperança da populão de que, com esse novo governo, não se te apenas mais
um presidente (como todos os outros), mas “um guerreiro que luta a batalha de cada
um”. Numa tentativa de resgate de discursos passados a perspectiva projetada
nessas metáforas é de um salvador da pátria, pátria esta tomada como devastada
por estratégias de guerra equivocadas planos e medidas cio-econômicos
4
Cabe salientar que estamos tratando o signo combate a partir da forma como constrói a realidade no discurso, sem
considerar a variedade de níveis que é possível abordá-lo, como combater a fome ser muito diferente e até certo
ponto contrário a combater o narcotráfico, por exemplo.90
94
inócuos. Mas agora um “guerreiroidentificado com a luta dos menos favorecidos e
por isso alguém mais confiável.
No documentário “Peões” a militante Maria Elza Lourenço de Souza comenta:
O que eu mais admiro no nosso Hino Nacional é essa parte: ves que um
filho teu não foge à luta Porque eu acho bonito, a pessoa lutadora como
vo perguntou do Lula [...] Porque o Lula, independente, olha que ele
passou por barras na greve [...] ele sofreu mais, né, porque ele foi cassado,
ele foi preso, ele sofreu bem mais. E o quê? Ele fugiu? Onde ele está hoje?
Ele é o nosso Hino Nacional: verás que um filho teu não foge à luta. Ele
o foge (E
LZA
P
EÕES
: 2004).
Podemos observar que a história política de Lula concedeu a ele um perfil arrojado
que lhe permitiu dialogar com o público (eleitor) em torno de questões sociais
básicas. Isso talvez se deva ao fato de ser uma voz nordestina conhecedora das
mazelas e das aspirações de um povo marcado pela desigualdade. Logo, o fato de
ele vir de uma origem pobre, lutar ao lado da classe trabalhadora e, apesar das
perseguições, não desistir, outorga-lhe uma posição de herói nacional.
Outro militante, Geraldo Ancineto de Souza, quando questionado sobre o que sentia
em relação ao peodo das graves, acrescenta: meu sentimento é grande; porque a
gente estava lutando por uma melhora e o Lula foi um herói na época. O Lula foi um
herói” (G
ERALDO
P
EÕES
, 2004).
A noção de valor não esimbricada apenas nos signos do discurso, mas também
na imagem construída acerca do Lula, não enquanto indivíduo, mas inserido no
contexto social. Como afirma Ricoeur, “[...] à denotação diz respeito a seleção
sêmica, da conotação resulta a imagem associada (R
ICOEUR
, 2000: 349). Dessa
forma, conceber o Lula como herói é associá-lo, por meio do seu histórico político-
cultural, a uma esperança de salvação para o país.
Com o decorrer do discurso o presidente faz menção aos que apoiaram, ao longo da
história, a sua jornada política (pois não esteve sozinho), de forma que essa jornada
metaforicamente também foi uma batalha:
95
“Souberam resistir [...] Todos aqueles queo desertaram do nosso
sonho” (L
ULA
, 2002, L. 38-39).
O discurso entrincheirado na metáfora da guerra constrói a imagem de bravura e
coragem em oposição aos adversários (e alguns desertores) tidos como tímidos e
vacilantes. Como pode ser referendado nos trechos abaixo, o novo governo já se
mostra pronto a realizar mudanças no cenário nacional:
defender o interesse nacional” (Lula, 2002, L. 46).
“política ofensiva de exportações(Lula, 2002, L. 97).
“protecionismo injusto das grandes potências econômicas um
obstáculo que não pouparemos esforços para remover(L
ULA
, 2002,
L. 110-111).
Na esteira dessas metáforas, sobressaem as dificuldades a serem enfrentadas por
esse governo que encontra um país num momento de crise (2002) e por isso Lula
utiliza com mais vigor a metáfora da guerra, pois, numa ofensiva política, não há
obstáculos “irremovíveis que não possam ser superados com determinação e
esfoo; logo, há uma retomada do ideal guerreiro, do estrategista salvador da
pátria. Os valores abstraídos dessas formações discursivas, confirmam a proposição
de Ricoeur, de que
Os dois planos do signo e do discurso não são somente distintos; o primeiro
é uma abstração do segundo, e é a seu pprio uso no discurso que o signo
deve, em última análise, seu sentido de signo; como saberíamos que um
signo vale por... caso não recebesse de seu e mprego no discurso seu
objetivo, que o relaciona àquilo pelo que ele vale? (R
ICOEUR
, 2000: 332).
Assim, o valor de coragem inserido nas metáforas defender o interesse nacional”,
“política ofensiva de exportaçõese “protecionismo injusto das grandes potências
ecomicas um obstáculo que não pouparemos esfoos para remover relaciona-se
ao posicionamento do governo ante as relações políticas e econômicas
internacionais, que em 2002 estavam extremamente complexas, pois o governo
anterior havia aberto o país ao capital internacional, de modo indiscriminado. Esse
96
deveria ser, portanto, o primeiro foco a ser combatido. Com essas metáforas ratifica-
se a imagem de bravura já construída e acrescentam-se as estratégias de guerra
que seo usadas nesse campo de batalha.
Mantendo a realidade discursiva com as necessidades nacionais, a preocupação
com a Amazônia é constante em toda a sociedade brasileira, haja vista as
freqüentes denúncias de permissividade e omissão no que diz respeito à
preservação da natureza. A partir disso, o governo é apresentado como um protetor
dos interesses ecológicos da nação brasileira. No fragmento do discurso, abaixo
transcrito, o guardião pressupõe que não have trégua para com os possíveis
depredadores do espaço e das riquezas naturais. Mais uma vez o discurso flui na
perspectiva da guerra por insinuar que, sobre os limites fronteiriços, a vigilância
estará atenta.
“Nosso governo se um guardião da Amazônia e da sua
biodiversidade(L
ULA
, 2002, L. 139).
Podemos observar que o discurso do presidente estrutura-se sobre as metáforas de
uma batalha em todas as frentes, uma vez que esse campo de refencia é
plenamente conhecido e assimilado pela comunidade de destino nesse caso o
reforço metafórico encontra ecos no pprio Hino Nacional: ”[...] ves que um filho
teu não foge à luta [...]”, como aludiu a militante Elza e, portanto, respalda a
realidade social do país. Afinal, nada mais nacionalista para um presidente rem-
eleito ser proclamado um guerreiro, ainda mais num país com extremas dificuldades
e à beira de um “abismo financeiro e social” como se encontrava na ocasião.
Considerando a relação denotação e conotação, a significação converge o sentido
lexicalizado e um sentido adquirido. Destarte, como mecanismo que corrobora o
todo significativo do texto, num movimento convergente entre denotação e
conotação, também são usadas metáforas desgastadas pelo uso colher os frutos.
“A nossa chegada à Presidência da República é fruto de um vasto
esfoo coletivo” (L
ULA
, 2002, L. 17).
97
colherem os frutos de seu árduo trabalho, de sua dedicação e
sacricio militante(L
ULA
, 2002, L. 20).
Embora o signo fruto possa trazer sobre si o valor de resultado, como se a chegada
à presidência fosse caracterizada como conseqüência natural de um vasto esforço
coletivo”, observamos no todo textual que o valor mais apropriado a ser empregado
nesse contexto é o de pmio/retribuição, uma vez que na seqüência ele afirma que
as camadas oprimidas puderam (igualmente) colher os frutos “de seu árduo
trabalho, de sua dedicação e sacrifício militante”. Essa fala também recobre o eixo
sentico da guerra árduo trabalho e sacricio militante.
no fechamento de seu discurso, Lula declara:
“Não vou decepcionar o povo brasileiro. A manifestação que brotou
ontem do fundo da alma dos meus compatriotas se a minha
inspiração e a minha bússola(L
ULA
, 2002, L. 152-153).
Pode-se perceber nesse fragmento um forte tom emocional em que um militante que
se erige das massas fala o que a massa espera dele: “não vou decepcionar o povo
brasileiro”, agora ele não precisa mais lutar pelos militantes”, pois estes se
transformaram em “compatriotas”, estão todos juntos lutando uma mesma batalha.
Agora a direção do governo passa a estar nas mãos do povo, que é a bússola do
presidente. Em todo o momento é retomada no discurso essa esperança, mas
“querer esgotar as idéias contidas numa palavra é uma empreitada totalmente
quimérica(S
AUSSURE
, 2002:71), portanto, essa esperança pode ser traduzida como
a expectativa de mudança, sendo expressa, principalmente, pelas metáforas de
transformação:
“o eleitorado decidiu por um novo caminho para o país(L
ULA
, 2002,
L. 02-03).
“um dos maiores povos do planeta resolveu, de modo pafico e
tranilo, traçar um rumo diferente para si(L
ULA
, 2002, L. 04-05).
98
“permite ao povo mudar de horizonte quando ele acha necessário
(L
ULA
, 2002, L. 14).
“a maioria da sociedade votou pela adoção de outro ideal de país”
(L
ULA
, 2002, L. 56).
As metáforas acima demonstram a possibilidade de realização de “um novo
caminho”, pois pela primeira vez na história política brasileira a sociedade elegeu um
presidente de um partido de esquerda que, por meio da efetiva participação
democrática, esperava-se que fosse mudar o horizonteda sociedade. Em outras
palavras, a perspectiva de sair da mesmice político-social que acompanhara o Brasil
por décadas insurge no voto pela mudança, essa possibilidade de transformação
que gera a esperança em um “outro ideal de país”.
Apesar da perspectiva de mudança, no discurso se expõe que há dificuldades em se
ter esse país ideal, contrapondo, então, a inexistência de uma solução milagrosae
tendo o trabalho como solução.
“O povo brasileiro sabe, entretanto, que aquilo que se desfez ou se
deixou de fazer na última década não pode ser resolvido num passe
de gica” (L
ULA
, 2002, L. 61-62).
“Não há solução milagrosa” (L
ULA
, 2002, L. 64).
“O trabalho é o caminho de nosso desenvolvimento, da superação
dessa heraa histórica de desigualdade e exclusão social. (L
ULA
,
2002, L. 112-113).
Entre as possíveis soluções (o milagre e o trabalho), o presidente chama para si e
para o povo a responsabilidade de fazer diferente, dentro da xima social de que
“o trabalho edifica o homem”, tão comumente utilizada na sociedade brasileira. E
essa responsabilização conjunta é assim expressa:
99
“Meu coração bate forte. Sei que estou sintonizado com a esperança
de milhões e milhões de outros corações.” (L
ULA
, 2002, L. 169).
Dessa forma, estando ambos (o presidente e os milhões de corações) numa mesma
freqüência, evidencia-se a comunicação plena entre eles, o entendimento entre as
partes e, por conseqüência, a responsabilização de todos rumo a uma nova
realidade. Observe-se que essa realidade já existe discursivamente, tanto para o
presidente quanto para os milhões e milhões de outros corações. Também é
possível destacar o tom emocional que perpassa todo o discurso e que irrompe em
sua conclusão.
“Sinto que um novo Brasil está nascendo” (L
ULA
, 2002, L. 170).
No imaginário social, todo nascimento é repleto de expectativas, medos e
esperanças e, necessariamente, implica em mudaa. Dessa forma, ao utilizar a
metáfora do nascimento de um novo país, é evocada na sociedade a lembrança de
tudo o que se gostaria que morresse e a possibilidade de transformação a partir
daquela data estanque: o nascimento.
A metáfora do nascimento traz em seu valor lingüístico a noção de uma longa
gestação três candidaturas anteriores abortadas pela derrota nas urnas e de um
parto, finalmente, vitorioso. Esse percurso gestacional, no entanto, é atenuado pela
expressão verbal presente do indicativo mais o gendio, está nascendo
indicando que o parto não foi prematuro, mas que esem vias de se concretizar e
que o processo depende também da atuação de uma equipe médica afinada
ministros, aliados políticos e sociedade.
O discurso de 2002, então, apresenta-se com um misto de alegria pela vitória,
principalmente vitória da democracia que decidiu “traçar um rumo diferente para si”,
juntamente com as expectativas do que se feito para viabilizar as mudanças. O
tom é altamente emotivo, mas baseado na analogia com a semântica da guerra,
uma vez que se tem muito que combater (fome, desigualdade social, criminalidade,
narcotráfico, etc.); e o ganhar a eleição foi apenas ganhar uma batalha, tendo muito
100
mais a ser vencido. Essa relação analógica se possibilita, segundo Saussure,
porque
[...] uma língua qualquer num momento qualquer nada mais é do que um
vasto enredamento de formações analógicas, algumas absolutamente
recentes, outras que vêm de um passado tão distante que podemos apenas
adivinhá-las (S
AUSSURE
,
2002:
140).
O discurso em sua íntegra consti, juntamente com a adesão popular, uma
realidade de transformação. O discurso fala o que o povo quer ouvir e a realidade
construída é pautada a partir da significação coletiva, do desejo geral de trocar a
realidade posta por outra, mais pxima das necessidades da maioria pobre, e isso
se faz a partir da linguagem.
4.2.2 Deixa o homem trabalhar
Depois de quatro anos, vieram novas eleições e, após uma campanha conturbada
por acusações aos seus aliados que compuseram o primeiro mandato do presidente
(acusações essas que não cabem a esta pesquisa discuti-las), Lula é reeleito no
segundo turno. Com a reeleição, o novo discurso do presidente muda de foco, o que
antes era o discurso da esperança e da transformação, agora expressa uma
esperança centrada na consolidão dessa mudança adquirida, mudança esta
estabelecida pelos investimentos em programas sociais e pela determinação de que
com as bases instituídas o crescimento esta assegurado.
Inicialmente, o presidente faz menção ao processo eleitoral e à maneira como este
expressa a democracia brasileira:
“o Brasil es vivendo um momento mágico de consolidação do
processo democrático(L
ULA
, 2006, L. 07-08).
“um processo eleitoral mais amadurecido(L
ULA
, 2006, L. 12-13).
101
Quando se utiliza o signo gico, nesse discurso, deve-se ressaltar que o sentido
construído não é o do ilusionismo, mas de concretização de um sonho o processo
eleitoral como resposta ao sistema democrático. Além de que, ao afirmar que
chegamos a um processo eleitoral mais amadurecido”, não quer dizer que os
anteriores foram prematuros, mas que o tempo e a história forjaram um espírito
democrático capaz de promover rupturas; concedendo experiências que levaram o
povo brasileiro a um amadurecimento político.
Nas metáforas construídas por Lula, a dinâmica discursiva se processa sob a rubrica
da construção-desconstrução lingüística, já que para produzir o sentido de um sonho
concretizado pelo amadurecimento há de se operar um corte sobre estruturas
antigas e nisso “[...] o poder da metáfora seria o de romper uma categorização
anterior a fim de estabelecer novas fronteiras gicas sobre as ruínas das
precedentes (R
ICOEUR
, 2000: 303), o que se pode observar, por exemplo, na
metáfora do momento mágico”.
O que corrobora esse amadurecimento ideológico popular se confirma pela
superação do que a mídia colocou como denúncia por ocasião das eleições, de
forma que Lula retoma em seu discurso:
“Sou grato ao povo deste ps, o povo brasileiro que em vários
momentos foram instados a terem dúvidas contra o governo e o
povo sabia fazer a diferença, o que era verdade e o que não era
verdade, o que estava acontecendo e o que não estava
acontecendo no Brasil e, sobretudo, o povo sentiu que ele tinha
melhorado e contra isso não há adversário, porque o povo sentiu na
mesa, no prato e sentiu no bolso a melhora de sua vida” (L
ULA
,
2006, L. 21-22).
A citação acima, embora fazendo um percurso metonímico mesa, prato e bolso -
preserva o eixo metafórico por demandar um “pensar a mais(R
ICOEUR
,
2000:
465),
o que nos remete à noção de que entre o signo e a significação há uma
102
[...] tensão entre os termos do enunciado, tensão entre interpretação literal e
interpretação metafórica, tensão na refencia entre é e não é. Se de fato a
significação, sob sua própria forma elementar, está em busca de si mesma
na dupla direção do sentido e da referência, a enunciação metafórica
apenas leva à sua plenitude esse dinamismo sentico (R
ICOEUR
, 2000:
458).
Observe que, no plano discursivo, Lulao faz o paradoxo verdade versus mentira,
mas entre verdade e não verdade, implicando que as denúncias são passíveis de
contestação e que “esses signos atuam, pois, não por seu valor intnseco, mas por
sua posição relativa(S
AUSSURE
,
1973:137). A idéia de relatividade expressa aqui,
evidentemente, respalda-se no contexto como determinante do valor, o que nos leva
a admitir que
A noção radical de arbitrariedade tem tudo a ver com a noção de valor
lingüístico, e os exemplos que poderiam ser dados acabam mostrando que
cada língua organiza seus signos atras de uma complexa rede de
relações que não se encontrada em nenhuma outra língua (I
LARI
,
2005:
65).
Alinhavando essas considerações, o discurso de Lula flui na perspectiva de que as
conquistas do primeiro mandato, como os avanços econômicos, por exemplo, são
tão patentes que não há adversário, nem exploração oportunista por parte da
imprensa, que possam ofuscar as realizações do primeiro mandato.
A partir dessas realizações, considerando que no discurso da eleição anterior ele
afirmou o nascimento de um novo país, o crescimento vai ao encontro desse
discurso, pois o país que outrora nasceu, agora está em fase de crescimento, ou
seja, não atingiu o ápice de seu desenvolvimento, e se utiliza desse novo mandato
para dar continuidade ao que já fora começado.
A estratégia discursiva na relação nascer-crescer escentrada na bipolaridade dos
domínios conhecidos e do valor lingüístico que se da a conhecer no contexto;
assim, podemos afirmar que
[...] a enunciação metafórica opera simultaneamente sobre dois campos de
referência. Essa dualidade explicita a articulação, no símbolo, de dois níveis
de significação. A significação primeira é relativa a um campo de referência
conhecido: o domínio das entidades às quais podem ser atribuídos os
próprios predicados considerados em sua significação estabelecida. A
segunda, à qual se trata de fazer surgir, é relativa a um campo de referência
103
para o qual não há significação direta, e para o qual, por conseqüência, não
se pode proceder a uma descrição identificante por meio de predicados
apropriados (R
ICOEUR
, 2000: 458).
Dessa forma, a noção de crescimento revela uma primeira significação de crescer
como desenvolvimento linear, e acrescenta um campo de referência pautado na
transformação enquanto progresso, de acordo com as formações discursivas:
“Não tenho dúvidas de que o Brasil vai crescer mais(L
ULA
, 2006, L.
43).
“Nós queremos crescer e as bases estão dadas para isso, e agora a
gente tem que trabalhar, todo mundo.(L
ULA
, 2006, L. 49-50).
Ao campo semântico do signo crescer concerne a prosperidade, desta forma,
objetiva criar ambiente propício para tornar o Brasil uma grande potência; sem
deixar de conclamar o brasileiro a compactuar de seu projeto para terminar o que já
se iniciou, posto que um projeto de (re)construção demandaria um tempo superior a
um único mandato.
“É trabalhar, trabalhar. É o que o povo brasileiro espera. É por isso
que o povo brasileiro votou. É por isso que na rua todo mundo fala
deixa o homem trabalhar’” (L
ULA
, 2006, 81-82).
Notamos que a referência a “trabalhar” constitui uma sobreposição de sentidos,
posto que remonta a origem/motivação do nome do partido Partido dos
Trabalhadores , PT e ao clamor populacional “deixa o homem trabalhar”. Ou
seja, o resultado da eleição reflete a identidade do presidente com uma necessidade
básica do povo: trabalho, emprego e geração/distribuição de renda. O enfoque
argumentativo dessa passagem coaduna-se com o pressuposto da adesão de
Perelman e Obbrechts-Tyteca:
[...] o objetivo de toda argumentação, como dissemos, é provocar ou
aumentar a adesão dos espíritos às tese s que se apresentam a seu
assentimento: uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa
intensidade de adesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação
pretendida (ação positiva ou abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma
104
disposição para a ação que se manifestará no momento oportuno
(P
ERELMAN
;
O
BBRECHTS
-T
YTECA
2002: 50).
As posturas do presidente Lula como reflexo da vontade nacional são conhecidas
desde antes de sua chegada à presidência da República, pois, como ele mesmo
afirmou durante a campanha de 2002, sua representatividade popular remonta
desde o sindicato:
Na medida em que vos evoluíram politicamente, na medida em que vocês
ficaram mais exigentes, eu tive o privigio, quem sabe a a graça de Deus,
de ter aparecido no sindicato num momento em que virei porta-voz de uma
ansiedade que existia no meio dos trabalhadores (L
ULA
E
NTREATOS
,
2004).
Referir-se à ansiedade que existia no meio dos trabalhadores ratifica a noção do
trabalho como uma das bases de seu discurso, tanto enquanto governista, quanto
na geração de emprego que implica em crescimento sócio-econômico.
Permanecendo nessa perspectiva de continuidade de trabalho, temos as metáforas
de construção, pelas quais o presidente afirma que a fundação de um novo país já
foi feita e, portanto, ainda muito trabalho a ser feito no mandato que se inicia.
A idéia de construção traz sobre si uma possibilidade de valores, de forma que,
segundo Saussure, “quando se diz que os valôres correspondem a conceitos,
subentende-se que são puramente diferenciais, definidos não positivamente por seu
conteúdo, mas por suas relações com outros termos do sistema. Sua característica
mais exata é ser o que os outros não são(S
AUSSURE
,
1973:
136,
grifo nosso).
A metáfora compreende esse domínio sêmico, pois se insere no horizonte do não
ser” para ser”; criando, a partir da relação com outros termos do sistema, as
possibilidades de sentido inter-sígnicas. Deve-se ressaltar que esse processo não se
dá à margem do contexto, antes é tributário dele, posto que dele emana o valor que,
no caso das metáforas, é sistematicamente não-lexicalizado, conforme as metáforas
abaixo relacionadas:
“Eu, durante a campanha, citava que a gente tinha feito o alicerce,
as bases estão dadas para que o Brasil dê um salto de qualidade
extraordirio nesse segundo mandato” (L
ULA
, 2006, L. 29-31).
105
“As instituições eso lidas” (L
ULA
, 2006, l. 57).
“nós temos uma grande estrada a ser construída. As bases já estão
consolidadas, os projetos já estão consolidados(L
ULA
, 2006, L. 78-
79).
Podemos observar que numa análise retrospectiva o presidente Lula olha para a
“obra” que fez e detecta bons alicerces (para o salto de qualidade extraordinário) e
afirma que, a partir do que já está consolidado, é possível vislumbrar uma
continuidade promissora de seu trabalho. Afinal, o edifício social se assenta sobre
bases política e econômica consolidadas.
O teor metafórico sobressai na perspectiva de que a noção de solidez “As
instituições estão sólidas insere-se numa prática discursiva contextual em que
“[...] é necessário dissociar a noção de sentido literal da de sentido pprio: qualquer
valor lexical é sentido literal, e o sentido metafórico éo-lexical: é valor criado pelo
contexto(R
ICOEUR
, 2000: 289).
Destarte, nas considerações acima, o presidente não aborda apenas a continuidade
de uma construção já começada, mas também a necessidade de continuar
construindo novos projetos (no caso, até novos sonhos). E quando remete à
construção de estrada, tem-se ainda, o valor sentico do caminho a ser percorrido:
toda estrada tem um ponto de partida e um ponto de chegada, e na metáfora em
questão, o ponto de chegada faz parte do imaginário social de novas conquistas,
possivelmente frutos de uma guerra incessante contra as mazelas e desigualdades
sociais bandeiras das duas campanhas , com os quais se podem construir um
país digno dos brasileiros que optaram pela esperança e não se intimidaram com o
medo.
No rol dessas novas conquistas, verificamos a incidência do combate à corrupção, e
mais uma vez é explorado o campo de referência das metáforas de guerra, no
entanto, com uma diferenciação evidente: o contexto que as sustenta.
106
Os esndalos políticos e o teor das campanhas eleitorais acusativas dos
candidatos de oposição geraram um sentimento de guerra entre os partidos
políticos, o que leva o presidente a declarar o fim da mesma com o resultado das
eleições, propondo um unir de forças contra os reais adversários da nação: as
mazelas sociais (em consonância com discurso de 2002), numa seqüência de
metáforas de guerra e fortalecimento do país.
“Não tenho dúvida de que vai aumentar o combate à corrupção
neste País(L
ULA
, 2006, L. 45).
“A eleição acabou, agora não tem mais adversário. O adversário
agora são as injustiças sociais que nós temos no Brasil e
precisamos combatê-las, agora precisamos lutar para fortalecer o
Brasil, não apenas internamente, fortalecer o Brasil no mundo. [...]
eu penso que contra esses argumentos nós não temos adversários
(L
ULA
, 2006, L. 85-89).
Neste momento, ele convoca todas as correntes políticas para abraçarem a mesma
causa, lutarem ao lado dele que, desde o primeiro mandato apresentou-se como um
salvador da pátria, mas dessa vez declara a necessidade do unir forças e de que
todos lutem a mesma guerra. Mais uma vez o discurso equaciona povo e governo
como os pilares de uma sociedade democrática.
Conforme uma frase dita por Lula em 1979, e retomada nos comícios de 2002:
“ninguém, nunca mais, pode duvidar da classe trabalhadora brasileira (L
ULA
ENTREATOS
,
2004).
Dessa forma, a vitória individual dele, como Presidente da República do Brasil,
torna-se uma vitória de todos, exaltando a sabedoria do povo; cabendo aos outros
partidos e a cada cidadão brasileiro juntar-se num braço forte e conquistar a vitória
maior, contra os problemas sociais. Conforme Lula afirmou, “tudo o que sou não é
fruto da minha inteligência não. É fruto da consciência política da classe
trabalhadora brasileira” (L
ULA
-E
NTREATOS
, 2004).
107
Tomando o povo como bio em suas decisões, o trecho final acena para uma
vitória compartilhada, deixando claro que as ações governamentais estarão em
consonância com os anseios do cidadão comum, expressão maior “de um povo que
não foge à própria luta”.
“Afinal de contas, o Brasil não é meu, eu é que sou brasileiro e é por
isso que estou com essa frase na camiseta para vos lerem. A
vitória não é de Lula, não é do PT, não é do PC do B, não é de
nenhum dos partidos, a viria é, eminentemente, da sabedoria
do povo brasileiro(L
ULA
, 2006, L. 124-127, grifo nosso).
O trecho destacado traz à tona o desdobramento de sentido que, a partir das
construções metafóricas, subentende uma relação de criatividade, na qual se faz
“[...] necessário restituir à bela palavra inventar’ seu sentido, ele mesmo duplicado,
que implica simultaneamente descobrir e criar” (R
ICOEUR
, 2000: 459). Assim, no que
tange à essa construção metafórica, a relação significado-significante está mais para
as necessidades discursivas do que para a significação institucionalizada/
lexicalizada.
A trajetória empreendida até aqui nos leva a considerar que “[...] para interpretar a
metáfora é necessário eliminar do sentido próprio os traços incompatíveis com o
contexto (R
ICOEUR
, 2000: 281). Essa perspectiva sinaliza que as metáforas
construídas no discurso de Lula referem-se ao contexto e à coletividade, sendo
estes definidos a partir do desbastamento dos sentidos, ou seja, do feixe de valores
contidos no signo procede-se um desdobramento de sentido.
Por fim, o que se remonta numa análise de valores semânticos é parcial e
transitório, pois “[...] uma língua é radicalmente incapaz de se defender dos fatores
que deslocam, de minuto a minuto, a relação entre o significado e o significante. É
uma das conseqüências da arbitrariedade do signo (S
AUSSURE
,
1973:
90). Esta
análise, então, coaduna: sentido denotado; sentido conotado; implicação histórico-
social na construção de significação; a língua como um fato social e, portanto,
submetida às oscilações sociais; e a firmeza de que a metáfora é um mecanismo
mesmo da língua, enquanto construção de realidade.
108
4.2.3 Conclusões da Alise
Nesta seão, faremos um balanço entre os dois discursos, principalmente quanto a
suas diferenças. Visto que, considerando as duas análises acima, podemos
observar algumas mudaas de postura discursiva entre eles, tanto no que diz
respeito à argumentação, quanto ao tom impingido a cada um deles.
O primeiro discurso mostrou-se muito mais emotivo em sua argumentação em
relação ao segundo, verificando-se isso na base discursiva de cada um: “a
esperança venceu o medoe “deixa o homem trabalhar”, respectivamente.
A argumentação do discurso de 2002 baseia-se, quase em sua totalidade, no campo
referencial de guerra; tanto no que se refere aos problemas a serem enfrentados
quanto na premissa de vencidos e vencedores. A emotividade é manifesta no todo
do discurso, tendo como exemplo,
Souberam resistir, mantendo acesa a chama da solidariedade social.
Todos aqueles que não desertaram do nosso sonho, que às vezes
sozinhos nas praças deste imenso Brasil, ergueram bem alto a
bandeira estrelada da esperança (L
ULA
,
2002,
L.
38-41).
Nota-se um forte apelo emocional, principalmente, em ergueram bem alto a
bandeira estrelada da esperança”, que evoca os companheiros e companheiras de
militância. Bandeira esta criada e defendida por Lula, em toda a história do PT; vista
nas greves, nas assembléias sindicais, nas manifestações contra aumento de
preços, no impeachment presidencial e em tantas outras manifestações em defesa
dos desfavorecidos.
o discurso de 2006 mostra-se muito mais ameno em suas categorizações, de
forma que não se remete apenas aos aliados políticos e militantes como no
primeiro discurso nem polariza vencidos e vencedores, mas remete-se a toda a
sociedade brasileira,o havendo mais adversários políticos:
109
Não have um único partido neste País que eu não chame para
conversar para dizer o seguinte: agora o problema do Brasil é de
todoss (L
ULA
,
2006,
L.
92-93).
Há, nesse trecho, e impresso em todo o discurso, uma sobriedade quanto às
relações políticas, de maneira que o presidente mostra-se muito mais aberto e,
principalmente, convoca todos a um mesmo propósito: É trabalhar, trabalhar”.
A argumentação desse segundo discurso es firmada em dados concretos de
realizações político-governamentais, enfatizando as obras que foram feitas e
destacando a necessidade de continuidade para futuras conquistas.
Outra diferenciação que podemos destacar concerne ao tamanho do discurso: o
primeiro é mais longo que o segundo, talvez, imprimindo a este uma moderação
adquirida ao longo do primeiro mandato.
Quanto às metáforas, verificamos um sentido metafórico muito mais marcado no
primeiro discurso que no segundo, de maneira que isso se refletiu até na quantidade
de ocorrências claramente metafóricas: o primeiro discurso apresenta quase o dobro
de metáforas em relação ao segundo.
O campo referencial de guerra, embora mais explorado em 2002, também ocorre em
2006. No entanto, este retoma apenas a constante luta contra as mazelas sociais, e
não mais determina vencedores uma vez estando todos do mesmo lado: do
interesse social brasileiro. Talvez isso se dê porque nas eleições de 2002 o Lula
tivesse um real adversário o então presidente Fernando Henrique Cardoso – o que
não ocorre em 2006, quando ele objetiva a reeleição, os adversários são os
problemas até ali insolúveis.
Há também uma continuidade discursiva no que se refere aos campos referenciais
de nascer/crescer, pois, enquanto no primeiro discurso sentia-se que um novo
Brasil estava nascendo”, no segundo “não se tinha dúvidas do crescimento do país”.
Ou seja, o discurso de 2002 estava imerso numa realidade de expectativas, da
incerteza de como se efetivaria essa transição político-ideológica, uma incerteza
110
com esperança como um nascimento. Em 2006, por sua vez, “as bases estavam
consolidadasde maneira que se apresenta muito o que continuar, além de buscar
novas conquistas, mas sem sair do rumo adquirido.
Enfim, o primeiro discurso é pautado na esperança de uma transformação no
cenário político social como um todo, tendo o Lula como herói não só por romper
com a inércia ideológica em 1980, mas por romper com a inércia da então
democracia brasileira. O segundo apresenta o trabalho como base nacional, a voz
do povo que clamadeixa o homem trabalhar espera que o Lula trabalhando
viabilize trabalho e crescimento econômico a todas as classes, especialmente às
menos favorecidas.
111
5. C
ONSIDERÕES
F
INAIS
Esta pesquisa pretendeu revisitar Saussure em seu Curso de Linística Geral, pelo
prisma dos Escritos de Lingüística Geral; porquanto se observou que as posições
por ele escritas, efetivamente, em seus manuscritos, destoavam em muitos aspectos
do que lhe fora atribuído pelo Curso.
Partindo dessa premissa, buscamos extrair da discussão dos conceitos de língua,
signo, valor lingüístico e referenciação as bases para a concepção de metáfora,
dentro da proposta saussuriana. O todo desta pesquisa teórica revelou um Saussure
atual e imerso numa discursividade, principalmente no que tange à composição da
significação considerando os aspectos sócio-histórico-culturais, expressos por meio
do valor lingüístico do signo.
Com vistas a pesquisar as repercussões do estruturalismo saussuriano em algumas
teorias atuais, retomamos quatro concepções de metáfora primeiro com Ricoeur
(2000), depois com Foucault (1967), em seguida com Barthes (1979) e por fim com
Lakoff e Johnson (2002). A partir desse momento, pudemos definir nosso recorte
teórico para a análise, no qual coadunamos as proposições de Saussure com as de
Ricoeur (2000) e Barthes (1979).
Escolhido o corpus, os Discursos da Vitória de 2002 e de 2006 do atual Presidente
da República do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fizemos a análise discursiva de
algumas metáforas selecionadas desses pronunciamentos, ressaltando-se que cada
discurso resultou em uma alise em separado.
Destaca-se que não analisamos os discursos nos moldes da Análise do Discurso
Francesa ou Americana, mas fizemos uma análise do fenômeno da metáfora, que
tomou por base o discurso, à luz de Saussure (1973 e 2002), Barthes (1979) e
Ricoeur (2000) em face à coletividade, que nos permitiram compreender a
construção da realidade nos discursos do Lula.
112
Pretendia-se, por meio dessas análises, ratificar a discursividade encontrada em
Saussure, em comparação com Barthes e Ricoeur; de maneira que a noção de
significação, como um valor lingüístico, admite influências histórico-sociais e
principalmente a coletividade no entorno do discurso
Destarte, a análise mostrou que o tempo e a história modificaram o “Discurso da
Vitóriado Lula; uma vez que, em virtude de sua luta para chegar à presidência da
Reblica, o primeiro discurso mostrou-se altamente emotivo, rico em metáforas de
guerra e mais voltado aos seus companheiros militantes e à classe da sociedade
que acreditou no sonho da mudança. o segundo discurso apresentou-se mais
sóbrio em seus argumentos, buscando solidificar as conquistas até ali concedidas,
além de ser mais moderado em sua argumentação, procurando ter como aliados
todos os partidos, em prol da sociedade.
Nessa perspectiva, de difereas cio-históricas concernentes a cada discurso,
pudemos verificar que o entorno coletivo influenciou a formação do valor lingüístico
não apenas no nível do signo, mas principalmente de cada discurso como um todo.
Portanto, aos que diziam que só era possível realizar uma alise com base em
Saussure no nível lingüístico-estruturalista, mostramos que esse autor transita com
facilidade nas teorias discursivistas e, por meio de seus manuscritos, ainda há muito
que se descobrir em Saussure, enquanto pesquisador, pois como ele mesmo
afirmou:
É muito mico assistir aos gracejos sucessivos dos lingüistas sobre o
ponto de vista de A ou de B, porque esse s gracejos parecem supor a posse
de uma verdade, e é justamente a absoluta ausência de uma verdade
fundamental que caracteriza, até hoje, o lingüista (S
AUSSURE
,
2002:104,
grifo nosso).
Por considerar essa total auncia de uma verdade fundamental é que esta
pesquisa se coloca como um questionar de velhos paradigmas conceituais, não de
forma conclusiva, mas propondo ser mais um ponto de vista um recorte dentro
da lingüística. Configurando-se como uma gota que integra um mar de
possibilidades teóricas.
113
6.
R
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http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u41735.shtml
Acesso em 04/Janeiro/2007.
http://vejaonline.abril.com.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServl
et?publicationCode=1&pageCode=1281&textCode=120959&date=currentDate
Acesso em 04/Janeiro/2007.
115
A
PÊNDICE
A
B
IBLIOGRAFIA
C
ONSULTADA
A
RRUDA
, Beatriz Quirino. Funcionalidade da Metáfora: Uma análise ptica. In: L
INS
,
Maria da Penha e Y
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C
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Z
ANOTTO
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OURA
, Heronides M. de M.; N
ARDI
, Maria Isabel A.; V
EREZA
,
Solange C. Apresentação. In: L
AKOFF
, George & J
OHNSON
, Mark. Meforas da Vida
Cotidiana. Campinas: Mercado de Letras / Educ, 2002
117
A
NEXO
A:
D
ISCURSO PROFERIDO EM
28
DE
O
UTUBRO DE
2002
"Compromisso com a mudança
Ontem, o Brasil votou para mudar. A esperança venceu o medo e o eleitorado
decidiu por um novo caminho para o país. Foi um belo espetáculo democrático que
demos ao mundo. Um dos maiores povos do planeta resolveu, de modo pafico e
tranilo, traçar um rumo diferente para si.
As eleições que acabamos de realizar foram, acima de tudo, uma vitória da
sociedade brasileira e de suas instituições democráticas, uma vez que elas
trouxeram a alternância no poder, sem a qual a democracia perde a sua essência.
Tivemos um processo eleitoral de excelente qualidade, no qual os cidadãos e as
cidadãs exigiram e obtiveram um debate limpo, franco e qualificado sobre os
desafios imediatos e históricos do nosso país. Contribuíram para isso a atitude da
justiça eleitoral e do presidente da República, que cumpriram de maneira equilibrada
o seu papel constitucional.
A grande virtude da democracia é que ela permite ao povo mudar de horizonte
quando ele acha necessário. A nossa vitória significa a escolha de um projeto
alternativo e o início de um novo ciclo histórico para o Brasil.
A nossa chegada à Presidência da República é fruto de um vasto esforço coletivo,
realizado, ao longo de décadas, por inúmeros democratas e lutadores sociais.
Muitos dos quais, infelizmente, não puderam ver a sociedade brasileira, e em
especial as camadas oprimidas, colherem os frutos de seu árduo trabalho, de sua
dedicação e sacrifício militante.
Estejam onde estiverem, os companheiros e as companheiras que a morte colheu
antes desta hora, saibam que somos herdeiros e portadores do seu legado de
dignidade humana, de integridade pessoal, de amor pelo Brasil, e de paixão pela
justiça. Saibam que a obra de vos segue conosco, como se vivos estivessem, e é
fonte de inspiração para nós que seguimos travando o bom combate. O combate em
118
favor dos excluídos e dos discriminados. O combate em favor dos desamparados,
dos humilhados e dos ofendidos.
Quero homenagear aqui os militantes anônimos. Aqueles que deram seu trabalho e
dedicação, ao longo de todos esses anos, para que chegássemos aonde chegamos.
Nas mais longínquas regiões do país, eles jamais esmoreceram. Aprenderam, como
eu, com as derrotas. Tornaram-se mais competentes e eficazes na defesa de um
país soberano e justo.
Celebro hoje aqueles que, nos momentos difíceis do passado, quando a nossa
causa de um país justo e solidário parecia inviável, não caíram na tentação da
indiferença, não cederam ao egoísmo e ao individualismo exacerbado. Todos
aqueles que conservaram intacta a sua capacidade de indignar-se perante o
sofrimento alheio. Souberam resistir, mantendo acesa a chama da solidariedade
social. Todos aqueles que não desertaram do nosso sonho, que às vezes sozinhos
nas praças deste imenso Brasil ergueram bem alto a bandeira estrelada da
esperança.
Mas esta vitória é, sobretudo, de milhares, quem sabe milhões, de pessoas sem
filiação partidária que se engajaram nessa causa. É uma conquista das classes
populares, das classes médias, de parcelas importantes do empresariado, dos
movimentos sociais e das entidades sindicais que compreenderam a necessidade
de combater a pobreza e defender o interesse nacional.
Para alcançar o resultado de ontem, foi fundamental que o PT, um partido de
esquerda, tenha sabido construir uma ampla aliança com outras forças partidárias. O
PL, o PCdoB, o PMN e o PCB deram uma contribuão inestivel desde o primeiro
turno. A eles, vieram somar-se, no segundo turno, o PSB, o PPS, o PDT, o PV, o
PTB, o PHS, o PSDC e o PGT. Além disso, ao longo da campanha, contamos com o
apoio de setores importantes de outros partidos identificados com o nosso programa
de mudanças para o Brasil. Em especial, quero destacar o apoio dos ex-presidentes
Jo Sarney e Itamar Franco e, no segundo turno, o precioso apoio que recebi de
Anthony Garotinho e Ciro Gomes.
119
Não há dúvida de que a maioria da sociedade votou pela adoção de outro ideal de
país, em que todos tenham os seus direitos básicos assegurados. A maioria da
sociedade brasileira votou pela adoção de outro modelo econômico e social, capaz
de assegurar a retomada do crescimento, do desenvolvimento econômico com
geração de emprego e distribuição de renda.
O povo brasileiro sabe, entretanto, que aquilo que se desfez ou se deixou de fazer
na última década não pode ser resolvido num passe de mágica. Assim como
cancias históricas da população trabalhadora não podem ser superadas da noite
para o dia. Não há solão milagrosa para tamanha dívida social, agravada no
último período. Mas é possível e necessário começar, desde o primeiro dia de
governo.
Vamos enfrentar a atual vulnerabilidade externa da economia brasileira fator crucial
na turbulência financeira dos últimos meses de forma segura. Como dissemos na
campanha, nosso governo vai honrar os contratos estabelecidos pelo governo, não
vai descuidar do controle da inflação e mante como sempre ocorreu nos governos
do PT uma postura de responsabilidade fiscal. Essa é a razão para dizer com
clareza a todos os brasileiros: a dura travessia que o Brasil estará enfrentando
exigirá austeridade no uso do dinheiroblico e combate implavel à corrupção.
Mas mesmo com as restrições oamentárias, impostas pela difícil situação
financeira que vamos herdar, estamos convencidos que, desde o primeiro dia da
nova gestão, é possível agir com criatividade e determinação na área social. Vamos
aplacar a fome, gerar empregos, atacar o crime, combater a corrupção e criar
melhores condições de estudo para a população de baixa renda desde o momento
inicial de meu governo.
Meu primeiro ano de mandato te o selo do combate à fome. Um apelo à
solidariedade para com os brasileiros que não m o que comer. Para tanto, anuncio
a criação de uma Secretaria de Emergência Social, com verbas e poderes para
iniciar, já em janeiro, o combate ao flagelo da fome. Estou seguro de que esse é,
hoje, o clamor mais forte do conjunto da sociedade. Se ao final do meu mandato,
120
cada brasileiro puder se alimentar ts vezes ao dia, terei realizado a missão de
minha vida.
Como disse ao lançar meu Programa de Governo, gerar empregos será minha
obsessão. Para tanto, vamos mobilizar imediatamente os recursos públicos
disponíveis nos bancos oficiais e nas parcerias com a iniciativa privada para a
ativação do setor da construção civil e das obras de saneamento. Além de gerar
empregos, tal medida ajuda à retomada gradual do crescimento sustentado.
O país tem acompanhado com preocupação a crise financeira internacional e suas
implicações na situação brasileira. Em especial, a instabilidade na taxa de mbio e
a pressão inflacionária dela decorrente.
Pom, com toda a adversidade internacional, estamos com supevit comercial de
mais de 10 bilhões de dólares neste ano. Resultado que pode ser ampliado já em
2003 com uma política ofensiva de exportações, incorporando mais valor agregado
aos nossos produtos, aprofundando a competitividade da nossa economia, bem
como promovendo uma criteriosa política de substituição competitiva de
importações.
O Brasil fará a sua parte para superar a crise, mas é essencial que além do apoio de
organismos multilaterais, como o FMI, o BID e o BIRD, se restabeleçam as linhas de
financiamento para as empresas e para o corcio internacional. Igualmente
relevante é avançar nas negociações comerciais internacionais, nas quais os países
ricos efetivamente retirem as barreiras protecionistas e os subsídios que penalizam
as nossas exportações, principalmente na agricultura.
Nos últimos ts anos, com o fim da âncora cambial, aumentamos em mais de 20
milhões de toneladas a nossa safra agrícola. Temos imenso potencial nesse setor
para desencadear um amplo programa de combate à fome e exportarmos alimentos
que continuam encontrando no protecionismo injusto das grandes potências
ecomicas um obstáculo que não pouparemos esforços para remover.
121
O trabalho é o caminho de nosso desenvolvimento, da superação dessa herança
histórica de desigualdade e excluo social. Queremos constituir um amplo mercado
de consumo de massas que dê segurança aos investimentos das empresas, atraia
investimentos produtivos internacionais e represente um novo modelo de
desenvolvimento e compatibilize distribuição de renda e crescimento econômico.
A construção dessa nova perspectiva de crescimento sustentado e de geração de
emprego exigirá a ampliação e o barateamento do crédito, o fomento ao mercado de
capitais e um cuidadoso investimento em ciência e tecnologia. Exigitambém uma
inversão de prioridades no financiamento e no gasto blico, valorizando a
agricultura familiar, o cooperativismo, as micro e pequenas empresas e as diversas
formas de economia solidária.
O Congresso Nacional tem uma imensa responsabilidade na construção dessas
mudaas que io promover a inclusão social e o crescimento sustentado. Por isso,
estarei pessoalmente empenhado em encaminhar para o Congresso as grandes
reformas que a sociedade reclama: a reforma da previdência social, a reforma
tributária, a reforma da legislação trabalhista e da estrutura sindical, a reforma
agrária e a reforma política.
O mundo está atento a esta demonstração espetacular de democracia e participação
popular ocorrida na eleição de ontem. É uma boa hora para reafirmar um
compromisso de defesa corajosa de nossa soberania regional. E o faremos
buscando construir uma cultura de paz entre as nações, aprofundando a integração
ecomica e comercial entre os países, resgatando e ampliando o Mercosul como
instrumento de integração nacional e implementando uma negocião soberana
frente à proposta da ALCA. Vamos fomentar os acordos comerciais bilaterais e lutar
para que uma nova ordem econômica internacional diminua as injustiças, a disncia
crescente entre países ricos e pobres, bem como a instabilidade financeira
internacional que tantos prejuízos tem imposto aos países em desenvolvimento.
Nosso governo será um guardião da Amazônia e da sua biodiversidade. Nosso
programa de desenvolvimento, em especial para essa região, se marcada pela
responsabilidade ambiental.
122
Queremos impulsionar todas as formas de integração da América Latina que
fortaleçam a nossa identidade histórica, social e cultural. Particularmente relevante é
buscar parcerias que permitam um combate implavel ao narcotfico que alicia
uma parte da juventude e alimenta o crime organizado.
Nosso governo respeita e procurará fortalecer os organismos internacionais, em
particular a ONU e os acordos internacionais relevantes, como o protocolo de Kyoto,
e o Tribunal Penal Internacional, bem como os acordos de não proliferação de
armas nucleares e químicas. Estimularemos a idéia de uma globalização solidária e
humanista, na qual os povos dos países pobres possam reverter essa estrutura
internacional injusta e excludente.
Não vou decepcionar o povo brasileiro. A manifestação que brotou ontem do fundo
da alma dos meus compatriotas será a minha a inspiração e a minha bússola. Serei,
a partir de de janeiro, o presidente de todos os brasileiros e brasileiras, porque sei
que é isso que esperam os eleitores que me confiaram o seu voto.
Vivemos um momento decisivo e único para as mudanças que todos desejamos.
Elas vio sem surpresas e sobressaltos. Meu governo terá a marca do
entendimento e da negociação. Da firmeza e da paciência. Temos plena consciência
que a grandeza dessa tarefa supera os limites de um partido. Esse foi o sentido do
esfoo que fizemos desde a campanha para reunir sindicalistas, ONGs e
empresários de todos os segmentos numa ação comum pelo país.
Continuaremos a ter atuação decidida no sentido de unir as diversas forças políticas
e sociais para construir uma nação que beneficie o conjunto do povo. Vamos
promover um Pacto Nacional pelo Brasil, formalizar o Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social, e escolher os melhores quadros do Brasil para fazer parte de
um governo amplo, que permita iniciar o resgate das dívidas sociais seculares. Isso
não se fa sem a ativa participação de todas as forças vivas do Brasil,
trabalhadores e emprerios, homens e mulheres de bem.
123
Meu coração bate forte. Sei que estou sintonizado com a esperança de milhões e
milhões de outros corações. Estou otimista. Sinto que um novo Brasil es
nascendo.
o Paulo, 28 de outubro de 2002"
124
A
NEXO
B:
D
ISCURSO PROFERIDO EM
30
DE
O
UTUBRO DE
2006
“Meus amigos, minhas amigas, aqui representados pelos companheiros dirigentes
dos partidos que apoiaram nossa campanha, nossos queridos companheiros
trabalhadores, aqui representados pelos dirigentes sindicais, meus companheiros
ministros, coordenadores da nossa campanha, nosso companheiro Marcelo
Miranda, governador do Tocantins, nosso companheiro Jacques Vagner, governador
eleito da Bahia.
Eu queria falar para vos que eu penso que o Brasil está vivendo um momento
mágico de consolidação do processo democrático. Acho que esse momento nós
devemos ao povo brasileiro, sobretudo ao povo que foi incluído no patamar daqueles
que já tinham conquistado a cidadania. Acho que a inclusão social de milhões e
milhões de brasileiros, o acerto das coisas que o governo fez e os erros que o
governo também fez permitiram que nós pudéssemos chegar a um processo
eleitoral mais amadurecido, com mais consciência das dificuldades que o Brasil
enfrenta para dar um salto de qualidade que o Brasil precisa dar.
Sou um homem convencido de que a lição que a democracia brasileira dá, nesse
momento, ao mundo a começar pela qualidade do processo de apuração que pses
mais ricos que o Brasil, mais poderosos que o Brasil do ponto de vista econômico e
tecnológico não têm. O Brasil fazer uma eleição que termina às 17 horas e às 20
horas a gente já saber o resultado de quase todo o processo no País é de muita
competência tecnológica e muita competência, inclusive, da Justiça Eleitoral.
Eu sou grato neste momento às pessoas que confiaram, que acreditaram. Sou grato
ao povo deste País, o povo brasileiro que em vários momentos foram instados a
terem dúvidas contra o governo e o povo sabia fazer a diferença, o que era verdade
e o que não era verdade, o que estava acontecendo e o que não estava
acontecendo no Brasil e, sobretudo, o povo sentiu que ele tinha melhorado e contra
isso não há adversário, porque o povo sentiu na mesa, no prato e sentiu no bolso a
melhora de sua vida, mais importante ainda, sentiu isso no seu cotidiano, ele sentiu
isso na sua vida, dos seus amigos, de sua família.
125
Eu tenho consciência de que nós demos apenas o primeiro passo. Eu, durante a
campanha, citava que a gente tinha feito o alicerce, as bases estão dadas para que
o Brasil dê um salto de qualidade extraordinário nesse segundo mandato. Primeiro
porque todos nós aqui temos mais experiência, aprendemos muito. Segundo porque
nós conseguimos resolver o problema da macroeconomia brasileira, da instabilidade
ecomica, conseguimos consolidar as nossas relações internacionais,
conseguimos fazer ver que o Mercosul é uma condição importante para o
desenvolvimento dos países que dele participam, conseguimos consolidar a
comunidade sul-americana de nações, conseguimos consolidar uma política
internacional onde não temos adversários, mas construímos um leque de amizades,
em que o Brasil transita com leveza em todos os continentes e é ouvido porque nós
aprendemos a respeitar e aí a gente pode exigir respeito. Eu penso que tudo isso
me dá segurança para dizer a vos que vamos fazer um segundo mandato muito
melhor do que fizemos o primeiro, muito melhor.
Não tenho dúvidas de que o Brasil vai crescer mais, vai aumentar a distribuão de
renda neste País, vai aumentar a consolidação da política externa brasileira. Não
tenhovida de que vai aumentar o combate à corrupção neste País, vai continuar o
fortalecimento das instituições democráticas neste País. Não tenho dúvidas,
sobretudo, de que o Brasil i atingir um padrão de desenvolvimento, que se
colocado entre os pses desenvolvidos do mundo. Nós cansamos de ser uma
potência emergente. Nós queremos crescer e as bases estão dadas para isso e
agora a gente tem que trabalhar, todo mundo. Todo o povo brasileiro votou porque
tem esperança de que as coisas podem andar melhor e mais rápido ainda, melhor
do que no primeiro mandato.
A eleição, como vos viram, é sempre um processo complicado, mas ao sairmos
desta eleão, e ao receber o telefonema do meu adversário, o candidato Alckmin,
eu saí com a convicção, muito mais forte do que quando entrei na campanha, que o
Brasil não pode temer, em nenhum momento, o fortalecimento de sua democracia.
As instituições estão sólidas, o povo brasileiro sabe reagir nos momentos adequados
com as atitudes adequadas. Os partidos políticos precisam se fortalecer e para isso
nós vamos discutir logo no começo do mandato a questão da reforma política que o
126
Brasil necessita. É importante que ela saia e saia com consenso de todos os
partidos políticos, porque o processo eleitoral mostrou também que quanto mais
fortes forem as instituições políticas, mais forte e mais consolidado seo processo
democrático brasileiro.
De forma que eu estou feliz pela participação da sociedade neste processo eleitoral.
Estou feliz porque a sociedade conseguiu compreender o momento histórico que
estamos vivendo neste País. Estou feliz pela eleição dos governadores em todos os
Estados. Acho que nós poderemos construir algo muito mais forte do que tentamos
em março e abril de 2003, quando nos reunimos com os governadores para fazer a
reforma da Previdência e a reforma tributária.
Acho que os governadores eleitos m o perfil de que querem trabalhar no sentido
de fazer com que haja uma compreensão de que o crescimento do Brasil precisa
beneficiar o crescimento dos Estados. Continuaremos a governar o Brasil para
todos, mas continuaremos a dar mais atenção aos mais necessitados. Os pobres
teo preferência no nosso governo.
As regiões mais empobrecidas teo no nosso governo uma atenção ainda maior,
porque nós queremos tornar o Brasil mais equânime, tornar o Brasil nos seus 8
milhões de quilômetros quadrados mais justo, no sentido geopolítico, mas também
no sentido econômico e social. Portanto, nós temos uma grande estrada a ser
construída. As bases já estão consolidadas, os projetos já estão consolidados.
Portanto, não temos tempo a perder.
É trabalhar, trabalhar. É o que o povo brasileiro espera. É por isso que o povo
brasileiro votou. É por isso que na rua todo mundo fala “deixa o homem trabalhar”. É
porque o Brasil precisa de trabalho e eu estou muito confiante como jamais estive na
minha vida. Estou confiante no Brasil, nos partidos que perderam as eleições.
A eleição acabou, agora não tem mais adversário. O adversário agora o as
injustiças sociais que nós temos no Brasil e que precisamos combatê-las, agora
precisamos lutar para fortalecer o Brasil, não apenas internamente, fortalecer o
Brasil no mundo, o mercado de massa, as exportações. E eu penso que contra
127
esses argumentos nós não temos adversários e eu quero conversar com todos. Não
tenho dúvida nenhuma de que podemos contar com a compreeno dos partidos
que fizeram oposição e quero conversar com todos, sem distinção.
Não have um único partido neste País que eu não chame para conversar para
dizer o seguinte: agora o problema do Brasil é de todos nós. Eu tenho a Presidência,
mas todos os brasileiros e brasileiras têm a responsabilidade de dar sua contribuição
para que o Brasil não perca mais uma oportunidade.
Eu disse a vos que nós manteremos uma política fiscal dura, porque eu aprendi,
não na faculdade de economia como os meus companheiros aprenderam, eu
aprendi na vida cotidiana que a gente não pode gastar mais do que a gente ganha
porque senão um dia a gente vai se endividar de tal ordem que não consegue pagar
a dívida que contraiu.
Mas ao mesmo tempo eu tenho a convicção de que a solução para os problemas
brasileiros não é mais fazer o povo sofrer com ajustes pesados que acabam caindo
em cima do povo, mas de que a solução es no crescimento da economia, no
crescimento da distribuição de renda e nós provamos isso no primeiro mandato
quando se dizia tempos atrás que era preciso o Brasil crescer para distribuir.
Nós dizíamos que é preciso distribuir para o Brasil crescer e nós provamos que com
um pouco de distribuição de renda, seja a política de transferência de renda como o
Bolsa-Família, através da Loas, através do crédito consignado, através do salário
mínimo, das conquistas que os trabalhadores tiveram, fazendo acordos de reajustes
maiores que a inflação depois de muito tempo sem conseguir isso, nós provamos
que quando o povo tem um pouco mais de dinheiro ele começa a comprar, a loja
começa a vender, a loja começa a comprar da fábrica, a fábrica começa a produzir,
começa a gerar emprego e distribuição de renda.
Esse é o País que nós queremos e é o País que eu tenho certeza que depois de
quatro anos nós daremos ao Brasil. O que o Brasil merece e que durante tantas
vezes quase chegou lá, mas por interesses políticos, momentâneos, o Brasil jogou
fora essa oportunidade. Eu não jogarei. Estão aqui meus companheiros sindicalistas
128
que eu quero dizer para vos: reivindiquem tudo o que vos precisarem reivindicar
e nós só daremos aquilo que a responsabilidade permite que a gente dê.
O mais importante, a coisa mais sagrada ao terminar o mandato de um presidente, o
que ele deixa como legado é a relão que ele consegue estabelecer com a
sociedade, consolidando a democracia, consolidando o papel do Estado e,
sobretudo, o papel da sociedade. Isso nós fizemos com muita competência e vamos
continuar fazendo porque, afinal de contas, o Brasil não é meu, eu é que sou
brasileiro e é por isso que estou com essa frase na camiseta para vos lerem. A
vitória não é de Lula, não é do PT, não é do PC do B, não é de nenhum dos
partidos, a vitória é, eminentemente, da sabedoria do povo brasileiro.
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