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joritariamente provenientes da periferia, o que impedia uma atuação violenta da polícia), a gravação não levaria a performance para
o YouTube
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, e a ação não ocorreu dentro do prédio da Bienal (um patrimônio histórico tombado pelo Conpresp e Condephaat)
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;
fatos que permitiram sua liberação sem maior alarde e sem a violência corriqueira que sofreriam em outras circunstâncias (se esti-
vessem desacompanhados dos estudantes de classe média, que recebem tratamento diferenciado), nas quais seriam pintados com
seus sprays.
A circunstância histórica foi, todavia, o elemento mais decisivo para esse desfecho aparentemente tranquilo para os pixadores em
2002. Os agentes do campo da arte não haviam sido convocados para o embate, a questão não se tornara pública, e a defesa por
parte da instituição não carecia de envolver maiores energias. Por sua vez, em 2008, no caso de Caroline, a performance dos pixa-
dores ganhara visibilidade anterior, graças às ações empreendidas e orquestradas por Rafael Augustaitiz, o qual armara dois ataques
para pôr em questão a dimensão artística da expressão, bem como os desdobramentos recentes da arte de rua.
Primeiro, este pixador, intitulado “Pixobomb”, fez seu Trabalho de Conclusão de Curso de Artes Plásticas com um bombardeio
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de
sua faculdade (Centro Universitário Belas Artes), levantando um debate recorrente na sociedade – também proposto pela curadora
da Bienal anterior (27ª), Lisette Lagnado –, segundo o qual a pixação pode ser arte.
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Como segundo passo, questionou a passagem
do grafite da rua para a galeria, atacando um dos principais locais de comércio desta expressão em São Paulo, a Galeria Choque
Cultural. Por fim, levou a expressão para dentro de um dos templos de consagração da arte contemporânea: a Bienal. Nestas três
instituições – Centro Universitário Belas Artes, Galeria Choque Cultural e Bienal – abarcou os principais espaços de formação, sus-
tentação simbólica e material, legitimação e problematização da arte.
As armas da pixação para enfrentar essa luta, entretanto, não eram legítimas para o jogo da arte contemporânea: vieram de fora do
campo e estavam associadas à violência. Diante deste fato, a resposta foi brutal, foram utilizados todos os mecanismos judiciais para
a punição da Caroline Piveta. E, num requinte de sadismo, ela foi visitada na delegacia por um funcionário da segurança, quando, en-
tão, este lhe desferiu impropérios
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e fez valer a palavra da curadora Ana Paula Cohen, que havia dito: “Nós sabemos que eles estão
convocando gente da periferia da cidade para fazer isso, e essas pessoas não sabem o que elas vão encontrar” (CYPRIANO, 2008).
Em que medida, contudo, a pixação realizada na Bienal era, ou não era, arte? Ela se aproximaria da performance, modalidade ex-
pressiva utilizada por Maurício Ianês para permanecer nu durante um longo período no mesmo andar das pixações? Lembrando que,
ao tal performer, não se aplica a infração, advinda de seu ato ser caracterizado como obsceno, o que seria cabível, se não estivesse
antes enquadrado como artista. A curadoria da Bienal não havia feito um convite a que fossem apresentadas propostas para o espaço
do segundo andar
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, intitulado “Planta Livre”? O Jornal da Bienal não fizera uma convocatória para uma conversa tendo o mote de
que “todo o mundo é artista, mas apenas os artistas sabem disso” (Jornal da 28ª Bienal nº 1, 24 de outubro de 2008, p. 22)
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e que,
“contra todos os impedimentos, o que foi dito deve sempre ser feito”? (Jornal da 28ª Bienal nº 2, 30 de outubro de 2008, p. 22)
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Enfim, o campo estava aberto para imposturas e impostores, e as ações dos pixadores promoveram um rebatimento da expressão no
campo da arte que ocupou longos debates entre os especialistas.
A educadora Tatiana (formada pelo Centro Universitário Belas Artes, no qual estudou Rafael Augustaitiz), que atendia o público da
28ª Bienal
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, disse em conversa conosco que os pixadores fizeram uma bonita performance. Em menos de 3 minutos, mais de 20
pessoas saíram pintando o primeiro e o segundo andar da Bienal, pulando as rampas de acesso projetadas por Oscar Niemeyer com
movimentos impressionantes. Depois, escutaram-se vidros quebrados e o público aplaudindo a intervenção. No entanto, Tatiana
incomodou-se com o soco no estômago que a supervisora dos educadores recebeu quando saiu gritando para acionar a segurança.
Seu incômodo, porém, não se restringia aos pixadores. Disse que o tédio imperou ao longo do evento, ainda que este fosse coerente
com a proposta curatorial. Quanto ao público, ele entrava em contato com ela apenas para manifestar o incômodo e reclamar da
Bienal.
No que tange à performance, enquanto modalidade artística, é tida como uma ação inspirada pelo teatro, podendo combinar ele-
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Site onde são postados vídeos amadores e que recebe grande
visitação.
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O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico,
Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) foi criado
pela Lei nº 10.032, de 27 de dezembro de 1985, como um órgão
colegiado de assessoramento cultural ligado à estrutura da Secretaria
Municipal de Cultura, e tem como finalidade deliberar sobre o
tombamento de bens móveis e imóveis, formular diretrizes que visem
à preservação e à valorização dos bens culturais, e fiscalizar o uso
apropriado destes bens, arbitrando e aplicando as sanções previstas
na forma da legislação em vigor. A Lei nº 10.247, de 22.10.1968
criou o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico (Condephaat), cuja finalidade é proteger, valorizar
e divulgar o patrimônio cultural no estado de São Paulo.
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Nome dado pelos pixadores ao ataque a um espaço com muitos
integrantes.
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“por que a sociedade considera grafite uma forma de arte e nega
esse status à pichação? ‘Essa discussão é datada’, diz a curadora e
crítica Lisette Lagnado, para quem há tanto pichações interessantes
como grafites horríveis”. Cf. Pioneiro, Juneca age atualmente como
grafiteiro. Folha de São Paulo, Caderno Cotidiano, 30 jun 2003.
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Esta informação foi obtida em conversa com Rafael Vieira Camargo
Martins, do grupo “Sustos” (no dia 19 de dezembro de 2008), o
qual fez visitas regulares a Caroline Piveta, sua parceira de grupo,
na prisão.
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Na mesma ocasião em que falava das ameaças dos pixadores, a
curadora Ana Paula Cohen dizia: “O vazio foi mal entendido desde o
início. Com ele, queremos discutir o princípio da arquitetura moderna
no pavilhão e, como ele está aberto, propostas podem surgir”.
(CYPRIANO, 2008 a).
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Convocatória feita para ocorrer no dia 26 de outubro de 2008, às
16 h na praça do andar térreo do prédio da Bienal.
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Convocatória feita para ocorrer no dia 1º de novembro de 2008, às
16 h na praça do andar térreo do prédio da Bienal.
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Esta conversa foi travada numa visita do pesquisador à 28ª Bienal,
em 5 de dezembro de 2008, na véspera do encerramento do evento.