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Assistimos ao aparecimento de praças paralelas, em algumas áreas da capital, com
nomes viajados do outro lado do Atlântico, por exemplo, a chamada “Roque
Santeiro”. O maior espanto consiste em saber como, por quem, são abastecidos com
tanta coisa de lá de fora em quantidades invejáveis. De tudo um pouco existe, tanto
no “Cala-Boca” como no Roque Santeiro com maior expoente para o último neste
momento, não esquecendo algumas sucursais eu estão a ser “promovidas”, como
uma delas a do Calemba (JORNAL DE ANGOLA, 26/07/87)
Em função desta resposta popular, aqui importa referir que a reação da população não
se limitou apenas a explosão de novos mercados, mas, também a uma série de “estratagemas”
cotidianos. Como se pode exemplificar, a opção pela pluriatividade, geralmente uma no
funcionalismo público e outra no sector não oficial. Grande parte dos produtos comercializados
nos mercados paralelos provinha de desvios efetuados por funcionários das instituições ligadas
ao comércio interno. Muitos cidadãos possuírem mais de um cartão de abastecimento também
com conivência de funcionários estatais. Tais “esquemas”
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encontraram cumplicidade dentro
das instituições do Estado. Parece ser nesta época que, na ausência de um diálogo Estado e
Cidadão, incrementam-se as intermediações com o poder público, que resulta no aumenta do
tráfico de influência: expressos na figura dos “padrinhos”
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, na existência dos “corredores” ou
na prática da “gasosa”.
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Deste modo, verifica-se dois movimentos distintos da emergência de
empresários nacionais em Angola: 1) aqueles que provêm do sector informal, basicamente no
comércio e na agricultura; 2) os que provêm da administração pública ou do sector estatal, em
vias de privatização num sentido “de cima para baixo” ao invés do anterior (MURTEIRA,
1995).
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O termo entrou para o vocabulo da língua portuguesa angolana como capacidade de criar certas estratégias de
solução de alguns problemas, no geral relativo à sobrevivência e com o tempo ligado a atos de corrupção.
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No contexto angolano figura influente que abre os corredores, aquele que presta tráfico de influência.
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O que se foi verificando desde as independências aos dias de hoje, traduz uma situação de absoluta perda de
consciência dos problemas substantivos do continente. Na mesma esteira, se tem argumentado que, o facto de a
tarefa de modernização das sociedades africanas ter sido assumida, no período pós-colonial, por uma elite
política que, em vários momentos da história dos países africanos, se apresenta como agentes do
subdesenvolvimento, uma vez que, com suas práticas contribuem de maneira decisiva para a perpetuação desta
situação. Esta visão tem sido corroborada, por uma parte considerável da nova vaga de estudiosos africanos.
Nesta esteira, Kajibanga (2002) considera que, o primeiro aspecto que caracteriza a crise do Estado pós-colonial
em África, tem a ver com a venalidade da elite política, da classe dirigente que toma o poder. Segundo este
estudioso, a “elite que tomou o poder nos Estados africanos pós-coloniais corresponde, na maioria dos casos, à
descrição do sociólogo italiano Gaetano Mosca “ classe dirigente”. Tendo esta, concentrado simultâneamente
em suas mãos, o poder socioeconómico, político, cultural e militar” (KAJIBANGA, 2002, p. ). Na mesma senda,
Tshiyembe e Bukassa, apresentam a classe dirigente africana nada mais, nada menos como “ (…) um batalhão
de predadores engajados ou de sanguessugas cuja principal bravura é a de não distinguirem os bens públicos
dos seus próprios bens”. Na opinião destes dois cientistas sociais africanos, a classe dirigente, assume-se regra
geral, como uma aristocracia burocrática e não como agente de promoção do desenvolvimento (apud Kajibanga
(2002, p.31)”. Total disfuncionalidade estrutural, irracionalidade cultural e vulnerabilidades de índole política,
económica, social e militar, são segundo estes autores, os aspectos estruturais do Estado pós-colonial.