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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ESTUDOS ÉTNICOS E AFRICANOS
ORLANDO ALMEIDA DOS SANTOS
DO PREGÃO DA AVÓ XIMINHA AO GRITO DA ZUNGUEIRA
Trajetórias femininas no comércio de rua em Luanda.
Salvador
2010
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ESTUDOS ÉTNICOS E AFRICANOS
ORLANDO ALMEIDA DOS SANTOS
DO PREGÃO DA AVÓ XIMINHA AO GRITO DA ZUNGUEIRA
Trajetórias femininas no comércio de rua em Luanda.
Salvador
2010
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ORLANDO ALMEIDA DOS SANTOS
DO PREGÃO DA AVÓ XIMINHA AO GRITO DA ZUNGUEIRA
Trajetórias femininas no comércio de rua de Luanda.
Dissertação apresentada ao Programa Multidisciplinar de
Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos, Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da
Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Estudos Étnicos e Africanos.
Orientador: Profº. Drº. Livio Sansone
Co-Orientadora: Profª. Drª. Selma Pantoja
Salvador
2010
ORLANDO ALMEIDA DOS SANTOS
DO PREGÃO DA AVÓ XIMINHA AO GRITO DA ZUNGUEIRA
Trajetórias femininas no comércio de rua em Luanda.
Dissertação apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-
Graduação em Estudos Étnicos e Africanos, Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia,
como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Estudos Étnicos e Africanos.
Orientador: Profº. Drº. Livio Sansone
Co-Orientadora: Profª. Drª. Selma Pantoja
Aprovada em: / /
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Profº. Drº. Livio Sansone (orientador)
Doutor em Antropologia – UvA-Amsterdam
Universidade Federal da Bahia
________________________________________________
Profª. Drª. Selma Pantoja (co-orientadora)
Doutora em Sociologia – USP-SP
Universidade de Brasília
________________________________________________
Profº. Drº. Cláudio Pereira
Doutor em Antropologia – UNICAMP-SP
Universidade Federal da Bahia
_________________________________________________
Profª. Drª. Ângela Figueiredo
Doutora em Sociologia – IUPERJ-RJ
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
À Nga Madía, minha Avó
À Nga Manda, minha Mãe
pelos ensinamentos ancestrais
com os quais tenho sobrevivido.
As mulheres comerciantes que
trabalham nas ruas de Luanda.
AGRADECIMENTOS
A elaboração do presente estudo foi possível, graças à colaboração direta e indireta
de um conjunto de pessoas e instituições, para as quais expresso a minha gratidão.
Agradeço em primeiro lugar, ao CNPQ, por me ter concedido a bolsa que tornou
materialmente possível a elaboração desta dissertação.
Devo especial gratidão a minha família pela aposta e prioridade que mesmo em
momentos de crise sempre concederam a minha formação.
A minha “mestra” Fátima Viegas pelos incentivos constantes, desde a Licenciatura,
como poderia não retribuir a todos seus estímulos.
Ao professor Livio Sansone, não só, pela disponibilidade e entusiasmo para orientar o
trabalho, mas, sobretudo, pelos incentivos e o espírito de camaradagem demonstrado durante
esta jornada.
À professora Selma Pantoja pela prontidão na co-orientação e pelas ricas discussões
fruto dos seus longos anos de pesquisa em torno da História social angolana, que forneceram
valiosos contributos para as nossas reflexões.
À Coordenação, a Secretaria e ao corpo docente do POSAFRO especialmente pelo
empenho na execução das suas funções.
Sinto-me igualmente grato, aos meus amigos e colegas pela camaradagem e palavras
incentivadoras que me têm transmitido. Meus agradecimentos especiais ao Zeca Dias, Remos
Muanda, Adérito Manuel, Juariano Ferreira, Simão Jaime, Dionísio José, Marcos, Horácio
Vadila, Luiza Reis, Ana Rita Machado, Valdinéia Sacramento e Tatiana Raquel.
Não podia deixar de estender a minha gratidão, as todos os entrevistados que
atendendo as solicitações da pesquisa, forneceram depoimentos que tornaram plausível levar a
diante os propósitos do trabalho.
RESUMO
A dissertação analisa a presença de mulheres na economia informal de Luanda,
particularizando o caso das estratégias de sobrevivência e trajetórias de vida das comerciantes
de rua. Trata-se de um estudo compreensivo, descritivo e qualitativo, os dados foram obtidos
mediante uma pesquisa de campo, assente em entrevistas semi-estruturadas e observações
diretas. As conclusões saídas do estudo apresentam o comércio de rua numa perspectiva
dinâmica salientando que ao mesmo tempo em que constitui hoje uma das faces mais
marcante da economia de Luanda, a sua presença se afirma desde os primórdios da cidade.
Palavras-chave: comércio de rua, kinguilas, zungueiras, trajetórias de vida, sobrevivência.
ABSTRACT
The dissertation examines the presence of woman's theme in the informal sector of Luanda,
particularizing the survival strategy and life history of woman street sellers' case. This is a
comprehensive study, descriptive and qualitative data were obtained through field research,
based on semi-structured interviews and direct comments. The conclusions resulting from the
study show the street trading in a dynamic stressing at the same time as it is today one of the
most striking faces of the economy here, its presence is said from the beginning of the city.
Key-words: Street vendor, kinguilas, zungueiras, life trajectory, survival.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Divisão Político-Administrativo da República de Angola...................................14
Figura 2 - Mapa Etnolinguístico de Angola .................................................................... ....21
Figura 3 – Gravura ilustrando a Quitanda Grande.................................................................26
Figura 4 – Um dos musseques da época ...............................................................................32
Figura 5 – Mercado popular da época ...................................................................................35
Figura 6 – Quitanda do Xamavu ...........................................................................................36
Figura 7 – Divisão político-administrativa da província de Luanda em Municípios ............71
Figura 8 - Zungueiras fugindo da fiscalização......................................................................71
Figura 9 – Mapa do Bairro Nelito Soares..............................................................................73
Figura 10 – Roboteiro.............................................................................................................74
Figura 11 – Jovens zungueiros na Avenida Deolinda Rodrigues.........................................75
Figura 12 – Ponto de venda na rua Porto Moniz...................................................................76
Figura 13 – Vista do município do Sambizanga ....................................................................78
Figura 14 – Zungueiras dispersando das ações da fiscalização..............................................80
Figura 15 – Panorama do comércio de rua no circuito dos congolenses ...............................81
Figura 16 – Kinguila no Bairro Hoji ya Henda......................................................................85
Figura 17 – Pintores no Bairro Hoji-ya-henda .....................................................................114
Figura 18 – Vocabulário informal das comerciantes de rua...................................................96
Figura 19 – Produtos comercializados por gênero e local de abastecimento ........................96
Figura 20 – Vendedores Senegaleses no Hoji-ya-henda .....................................................118
Figura 21 – Interior da banca ...............................................................................................123
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Estrutura das exportações de Angola (1978-1992) ..............................................52
Tabela 2 – Distribuição da população urbana e rural e densidade demográfica de Angola
(1970-2005) ............................................................................................................................59
Tabela 3 – Incidência da pobreza, 1995 e 2000/2001 ............................................................60
Tabela 4 – Percentagem dos setores da educação nas despesas governamentais nos países
membros da SADC .................................................................................................................62
Tabela 5 – Entrevistadas segundo o grupo etnolinguístico ...................................................106
Tabela 6 – Estatuto civil das entrevistadas ............................................................................116
LISTA DE SIGLAS
ADRA: Ação Para o Desenvolvimento Rural de Angola ......................................................121
AFD: Agência Francesa de Desenvolvimento..........................................................................16
AIP-ANGOLA: Instituto de Pesquisa. Económica e Social....................................................16
ASDI: Agência Sueca de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento........................64
ASSOMEL: Associação de Mulheres Empresárias de Luanda ..............................................16
BM: Banco Mundial ................................................................................................................55
FMI: Fundo Monetário Internacional .....................................................................................55
FNLA: Frente Nacional Para a Libertação de Angola.............................................................51
GPL: Governo Provincial de Luanda.......................................................................................91
INE: Instituto Nacional de Estatística......................................................................................60
MPLA: Movimento Popular Para a Libertação de Angola......................................................51
MICS: Indice de Indicadores Sociais Multiplos ....................................................................21
OIT: Organização Internacional do Trabalho..........................................................................49
PNUD: Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento...........................................125
RDC: República Democrática do Congo...............................................................................115
SADC: Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral ...........................................61
SEF: Saneamento Económico e Financeiro ............................................................................57
UAN: Universidade Agostinho Neto .......................................................................................15
UNITA: União Para a Independencia Total de Angola...........................................................51
USAID: Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional.........................
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................15
1 LUANDA: A CIDADE, O COMÉRCIO E A HISRIA.................................................20
1.1 Luanda uma área cultural bantu? ..........................................................................................20
1.1.2 O estabelecimento: da vila à cidade....................................................................................23
1.2 Entre feiras, quitandas e quitandeiras....................................................................................25
1.3 A implementação das políticas de segregação ......................................................................30
1.4 Musseques e trabalho feminino no imaginário social Luandense.........................................38
2 MERCADOS DE TRABALHO, INFORMALIDADE E POLÍTICAS
PÚBLICAS NA ANGOLA PÓS-INDEPENDENTE ..........................................................47
2.1 Economia, política e sociedade na nação angolana..............................................................50
2.1.1 Economia angolana e o contexto internacional ................................................................55
2.2 Dinâmicas do mercado de trabalho ....................................................................................58
3 ITINERÁRIO METODOLÓGICO E TRABALHO DE CAMPO ..............................66
3.1 Objeto e delimitação do universo em estudo.....................................................................66
3.2 Estratégias e técnicas de pesquisa......................................................................................67
3.3 Trabalho de campo e coleta de dados...............................................................................69
3.3.1 Áreas em estudo..............................................................................................................70
3.4 Dificuldades e outros desabafos.......................................................................................80
4 KINGUILAS, MAMÃS QUITANDEIRAS E ZUNGUEIRAS:
TRAJETÓRIAS SOCIAIS E ESTRATÉGIAS DE
SOBREVIVÊNCIA .............................................................................................................83
4.1 Kinguilar é com as Kinguilas ...........................................................................................84
4.2 Zungar, zunguei: Zungueira ..............................................................................................90
4. 2.1 Kinguilas e zungueiras perante si mesmas.......................................................................98
4.3. Percursos Sociais................................................................................................................104
4.4 “Homem a vender ali, mulher a vender aqui” ...................................................................110
4.5 Identidade e territorialidade versus local e global ............................................................116
4.5.1 Entre “Nós e Eles .......................................................................................................... 118
4.5.2 O relato da experiência religiosa.....................................................................................121
4.6 Redes de solidariedade .....................................................................................................125
4.6.1 Jogar Kixikila: constituição de redes de poupança rotativa ...........................................126
4.7 Riscos, incertezas e instabilidade no comércio de rua.......................................................128
4.8 Entre a legalidade e a sobrevivência: os dilemas dos comerciantes de rua ......................132
CONCLUSÃO .......................................................................................................................137
REFERÊNCIAS....................................................................................................................139
ANEXOS.................................................................................................................................150
Fig. 1- Divisão político-administrativa da República de Angola em Províncias
Fonte: http://www.nationsonline.org/oneworld/map/angola_map2.htm
15
INTRODUÇÃO
O presente trabalho intitulado Do pregão da Avó Ximinha ao grito da zungueira:
trajetórias femininas no comércio de rua em Luanda”, elege como objeto de estudo a
economia informal urbana de Luanda, capital da República de Angola, particularizando o
caso das mulheres comerciantes de rua. A pesquisa abarcou duas categorias de comerciantes
de rua: as cambistas de rua, habitualmente denominadas por kinguilas
1
e as vendedoras
ambulantes, apelidas de zungueiras.
2
O estudo constitui uma seqüência do trabalho de conclusão de licenciatura em
Sociologia, apresentado em 2006, ao Departamento de Ciências Sociais do Instituto Superior
de Ciências da Educação da Universidade Agostinho Neto (UAN) intitulado A mulher no
sector informal: trajetórias sociais e estratégias de sobrevivência”. Tratou-se de um estudo
de caso, desenvolvido em relação às «zungueiras». O trabalho visou proporcionar subsídios
preliminares de reflexão, acerca da situação da mulher na economia informal, evidenciando
desse modo alguns elementos das suas trajetórias de vida e estratégias de sobrevivência. A
pesquisa foi desenvolvida sob a orientação da Professora Doutora Maria de Fátima
Republicano de Lima Viegas, socióloga e docente da UAN.
O desejo de retomar e ampliar as discussões levantadas na licenciatura, primeiro
momento da pesquisa, aliado aos momentos marcantes da minha trajetória pessoal,
particularmente a minha condição de “caluanda
3
neto de antiga quitandeira e, por isso
socializado com histórias das quitandas dos tempos de outrora, “o tempo de antigamente”
como dizia minha avó, tempos de fartura de mercadoria, de boas vendas e bons lucros que
geravam intrigas, invejas e feitiços entre as vendedoras. Essa “condição privilegiada”
despontou mim o interesse em acompanhar o cotidiano das quitandeiras e em alguns
momentos estabelecer conversas informais com elas. Ao mesmo tempo, em que me causava
certo incômodo, o fato de não as ver contempladas com estudos que abordassem esses
espaços sociais. Daí o estímulo para um trabalho que se ocupasse com o estudo das quitandas,
1
Do Kimbundu (Ku) Kinguila esperar, estar a espera, á espera de algo. A expressão passou a ser usada pelos
luandenses para identifica as mulheres engajadas no comércio informal de divisas. O fato de estas cambistas de
rua se estabeleceram preferencialmente nas esquinas da cidade, nas ombreiras e entradas dos prédios ou nas
imediações dos mercados fez com que passasem a ser designadas por Kinguilas, ou seja, “ as que esperam”.
2
O termo zungueiro tem a sua origem etimológica na palavra (Ku) zunga, expressão da língua nacional
kimbundu que literalmente traduzida para o português significa, circular, andar à volta; girar. Trata-se de um
jargão utilizado pelos luandenses para designar os comerciantes de rua, particularmente aos vendedores
ambulantes
3
Referente a Luanda , luandense, de Luanda.
16
de velhas e novas épocas.
4
A nossa análise incide sobre o período histórico que vai de 1992 a 2002, percorrendo
seus desdobramentos na atualidade. A década de 90 marca um processo de profundas alterações
na situação socioeconômica do país, como resultado de três tipos de transição que ocorreram
em simultâneo: i) a transição de um regime político monopartidário para um regime
democrático pluralista; ii) a transição de uma economia de planificação centralizada para uma
de mercado; iii) a transição de um período de guerra para outro de paz, o que pressupõe uma
reorientação do processo de planificação política de situação de emergência para outra de
desenvolvimento de longo prazo ( INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA E SOCIAL
AIP- ANGOLA, 2006). O ano de 2002, por seu lado, representa o fim do conflito armado
angolano (a partir de 4 de Abril de 2002)
5
no qual o país entra num período de reconstrução
nacional de grande expectativas sociais.
Neste referido período registram-se novas dinâmicas nas atividades informais em
Luanda. O rápido aumento das populações nos centros urbanos
6
, agravado pelos grandes
influxos de deslocados e o crescimento bastante lento das oportunidades de emprego, os
salários pouco atrativos do mercado de trabalho, fizeram de Luanda o maior viveiro de
alternativas de sobrevivência.
Angola teve ainda de enfrentar o legado de um regime colonial e um intervencionismo
em que a sociedade civil e os agentes econômicos eram dependentes do poder e privilégios
estatais (AGÊNCIA FRANCESA DE DESENVOLVIMENTO- AFD, 2006).
Nessa procura de alternativas as mulheres se destacam enquanto maioria, estando
inseridas nos mais variados setores da economia informal. Apesar de todo o seu potencial
dinâmico e criativo, a sua agilidade em contornar as adversidades sociais que caracterizam o
contexto angolano, aliado ao fato de as atividades desenvolvidas por mulheres, constituírem
uma das principais fontes de sobrevivência e reprodução social de uma parcela considerável
das famílias luandenses, quase não existem políticas públicas direcionadas para essa população.
Pelo contrário, têm sido vítimas de um contínuo processo de ações repressivas por parte dos
órgãos estatais, caracterizado, sobretudo por uma extrema violência policial, e ausência de
4
Vale à pena lembrar que, a proposta inicial do projeto de mestrado previa uma pesquisa comparativa entre a
economia informal de Luanda e Salvador, intitulada Dimensões socio-antropológicas da economia informal de
Luanda e Salvador: identidades socioculturais e trajetórias de vida das quitandeiras”, que após apresentado e
discutido entre colegas e professores do POSAFRO, resultou no corte provisório da pesquisa comparativa, que
pretendemos retomar num possível projeto de doutorado.
5
Nessa data um Memorando de Entendimento foi assinado no Luena, província do Móxico, entre as Forças
Armadas Angolanas e liderança militar da UNITA, pondo fim a cerca de 30 anos de guerra civil em Angola.
6
A proporção da população urbana estimada em 66% e da população rural de 34%, o que é quase o oposto da
situação em meados dos anos 90.
17
qualquer tipo de proteção social. Cada vez mais, os homens e especialmente as mulheres no
comércio informal, tal como vendedores de rua, não têm nenhum tipo de direito ou garantias,
sofrendo represálias oficiais freqüentes (SOGGE, 2006, p.8). Ficando, o reconhecimento da
importância da economia informal, enquanto sistema de estratégias de sobrevivência
econômica e de reprodução social, ao nível da retórica dos discursos oficiais ou em falaciosas
propagandas políticas.
Deste modo, do seu papel e suas potencialidades em matéria de emprego,
características e funcionamento, distribuição de receitas e satisfação das necessidades de base,
pouca coisa se sabe (NAZARÉ, 1999). Aliado a este fato, está a quase inexistência de
pesquisas, que se ocupem das trajetórias femininas dentro da economia de Luanda. Da nossa
preocupação, em estudá-las, captando a sua historicidade e, tendo em consideração os contextos
econômicos, políticos e sociais nos quais se inserem essas atividades. E, porque não refletir a
influência dessas transformações na vida dos pequenos comerciantes, se tivermos em conta, a
inexistência de mecanismos de proteção social para com essa população e, de que modo estas
enfrentam essas contingências estruturais no seu cotidiano.
Tendo em conta o quadro acima apresentado, o trabalho tem como objetivo geral
conhecer as trajetórias femininas dentro da economia urbana de Luanda, destacando a
importância e o papel desempenhado pelas atividades comerciais de rua, em termos de
estratégias de sobrevivências e mercado de trabalho. Por outro lado, estando o país a viver um
período de reconstrução num contexto de pós-guerra e, numa altura em que a economia
nacional registra um desempenho bastante positivo. Pensamos ser pertinente questionar: Qual a
importância e o papel desempenhado pelas atividades comerciais de rua, em termos de
estratégias de sobrevivência e reprodução social e mercado de trabalho? Quais as lógicas que
orientam a sua criação? De que forma o “Estado” está presente no cotidiano do comércio de
rua? No desenvolver do presente texto, tais questionamentos irão se desdobrar em múltiplas
questões que se apresentarão ao longo dos capítulos.
Como proposições as questões acima levantadas, a avançamos as seguintes:
Analisar o percurso das atividades comerciais desenvolvidas pelas mulheres sob uma
perspectiva sócio-histórica nos possibilita lançar um olhar diferenciado sobre os
aspectos ligados a história econômica, política e social angolana, pelo fato de permitir,
18
trazer á tona novos sujeitos históricos cujas experiências e aspirações nem sempre têm
tido visibilidade na história do país.
As atividades desenvolvidas pelas mulheres comerciantes de rua refletem
simultaneamente: a situação socioeconômica e política causada pelo longo período de
conflito armado, aliado a fragilidade do papel do Estado em proporcionar o básico
para sua sobrevivência, bem como um desejo de emancipação social.
Perante a necessidade de sobrevivência assiste-se a uma redefinição dos papéis de
gênero dentro das atividades informais, o que de certa forma tem criado um espaço
para mecanismos de negociação de poder dentro das estruturas que constroem as
relações entre indivíduos.
A combinação entre “tradicional” e “moderno”; “local” e “global” emergem como
traços marcantes das identidades sociais das comerciantes de rua.
De modo mais específico, o trabalho pretende:
1. Esboçar um histórico do percurso das atividades comerciais femininas em Luanda
2. Traçar as trajetórias de vida das mulheres comerciantes de rua e apurar que
motivações condicionam o seu ingresso na economia informal.
3. Esboçar um perfil sócio-antropológico das mulheres comerciantes de rua.
4. Captar as percepções das comerciantes relacionadas ao seu cotidiano.
5. Identificar a forma como o contexto das atividades informais, influência na (re)
configuração das identidades sociais em termos de relações de gênero, inter-étnicas e
transnacionais.
6. Identificar os aspectos relativos à constituição das redes de solidariedade e entre-
ajuda.
Por último gostaríamos de ressaltar que a presente dissertação, comporta quatro capítulos e as
conclusões. O primeiro capítulo lança um breve olhar sobre a história de Luanda, prestando
particularmente atenção à historicidade e desenvolvimento das atividades comerciais. Trata-se
de uma panorâmica acerca das atividades de comércio num período anterior ao ano de 1975,
fizemo-la tendo em consideração os percursos e as dinâmicas da economia e sociedade
angolana ao longo do referido período. Nesta incursão, procuramos refletir em torno dos
19
seguintes questionamentos: que lugar era reservado ao trabalho feminino dentro da sociedade
colonial?
O Segundo capítulo trata de questões ligadas ao desenvolvimento do mercado de
trabalho, políticas públicas e informalidade na nação angolana, o foco será o país que emerge
a partir do inicio da década de 70. Três marcos históricos relevantes são destacados: o ano de
1975, data da independência; 1992 que marca a realização das primeiras eleições
multipartidárias que desencadeou no conflito armado pós-eleitoral e o ano 2002 que
representa o fim do conflito armado. Nossa abordagem está ancorada nas seguintes questões:
Que particularidade apresenta o mercado de trabalho angolano no período pós-independência?
De que modo no contexto pós-independência, se desenvolveu a questão da presença das
mulheres no mercado de trabalho? Qual o impacto do conflito armado na estruturação da
nação angolana?
O terceiro capítulo tem como finalidade a descrição dos procedimentos metodológicos
adaptados no decorrer do processo de investigação. Está incluído neste a descrição dos
instrumentos e procedimentos de recolha e análise de dados, o desenvolvimento do trabalho
de campo e uma panorâmica do universo em estudo. Trata-se de uma digressão pelos bairros,
ruas, avenidas e esquinas da cidade de Luanda, espaços nos quais se pode constatar, o enorme
contingente de pessoas que fazem e refazem as suas vidas através do comércio de rua.
O quatro e último capítulo, analisa e interpreta os dados etnográficos, obtidos com o
trabalho de campo realizado em Luanda. Para tal, discute os aspectos ligados as trajetórias de
vida, as estratégias de sobrevivência e percepções cotidianas das comerciantes de rua.
Questões como: quais as percursos sociais que as nossas interlocutoras percorreram até entrar
para as atividades comerciais? Que estratégias cotidianas utilizam essas mulheres para gerir o
seu dia-a-dia? De que modo, o étnico, o nacional e o transnacional conformam ou não as suas
identidades? De que forma as tradições ligadas ao comércio feminino têm sido mantidas e/ou
adaptadas no contexto da sociedade angolana?
20
1 LUANDA: A CIDADE, O COMÉRCIO E A HISTÓRIA
O presente capítulo lança um breve olhar sobre a história de Luanda colonial,
prestando particular atenção a historicidade, desenvolvimento e trajetória das atividades
comerciais de rua na cidade. Trata-se de um diálogo que estabelecemos com a literatura sócio-
histórica que nos foi possível acessar. Ao longo do referido tópico, procuramos refletir em torno
dos seguintes questionamentos: que lugar era reservado ao trabalho de rua e de mercados dentro
da sociedade colonial? De que forma as tradições ligadas ao comércio feminino têm sido
mantidas e/ou adaptadas no contexto da sociedade angolana?
Contudo, vale a pena sublinhar que considerando que o nosso trabalho pretende
abordar o período posterior a independência, não iremos adentrar profundamente os períodos
anteriores a este, os dados referentes à Luanda colonial, visam somente contribuir para um
melhor enquadramento espaço-temporal da problemática em análise. Começaremos com uma
brevíssima incursão em torno da composição sociocultural deste espaço. Nossa abordagem,
parte do principio que, pensar a noção de urbano e os adjetivos sobre a cidade como categoria
instáveis permite reconstruir a sua historicidade tornando-a questão e objeto de análise
(MATOS, 2002, p.34).
1.1. Luanda uma “área cultural” Mbundu?
7
A população angolana apresenta uma vasta diversidade cultural caracterizada pela
coabitação de diferentes grupos sociais, cada um deles com identidades sociais e étnicas
específicas. Majoritariamente de origem bantu, destacam-se dentro deste vasto agrupamento os
Ovimbundu, os Ambundu, os Bakongos, os Lunda-chokwe, os Nganguela; os Nyaneka; os
Nkhumbi, os Ovambo, os Kwanyama. Estima-se que os quatro primeiros grupos representam
7
Area cultural segundo Altuna “ é um espaço abrangido por cultura semelhantes, mas está semelhança é muito
relativa pois depende bastante de aspectos focados: economia, religião, sisitemas politicos ou processos
técnicos(ÁLTUNA, 2007, p.25-26). Sobre o assunto ver ALTUNA, Pe. Raul de A. Cultura Tradicional Bantu,
Edições Paulinas, Luanda, 2007. o sociólogo angolano Victor Kajibanga assinala a existência em Angola de
quatro grandes espaços socioculturais, todos eles com carateristicas transnacionais: o espaço sociocultural
Khoisan ou Hotontote-Bochimane, onde se inscrevem os povos Kede, Nkung, Bbochimanes e Kazama; o
espaço sociocultural Vâtwa ou pré-bantu (com os povos Cuissis e Cuepes); o espaço sociocultural Bantu, com
os povos Ovimbundu (Umbundu), Ambundu (Kimbundu), Bakongo (Kikongo), Lunda-Tucôkwe (ucokwe),
Ngangela, Ovambo, Nyaneka, Humbe, Helelo, Axindonga e Luba; e o espaço sociocultural resultante do contato
com a cultura portuguesa (KAJIBANGA, 2001/2002).
21
cerca de três quartos da população total do país.
8
O português, a ngua oficial falada por uma
parcela considerável da população, coabita com as varias línguas nacionais faladas pelos seus
habitantes.
Nesse contexto, dados apresentados pelo Índice de Indicadores Múltiplos- MICS
(1996), que mediu a distribuição das línguas maternas mais faladas em Angola, revelam que o
Umbundu (30%), Português (26%), Kimbundu (15%) e o Kikongo (8,5%) representam quase
90% das línguas das Línguas faladas em Angola. Os bantus de Angola como uma parte
considerável dos povos da África central praticam um sistema de parentesco matrilinear, em
relação à descendência, estrato social, sucessão e herança [...] Embora a descendência e as
linhagens constituídas fossem matrilineares, a autoridade ficava sempre nas mãos dos homens e
não das mulheres (MUNANGA, 1996, p.96).
Fig 2. Mapa Etnolinguístico de Angola
8
Trata-se portanto de estimativas, considerando que o último censo populacional em Angola foi realizado na
decada de 1970.
22
Fonte: Instituto de Geodesia e Cartografia de Angola, Mapa Etnolinguístico de Angola (adaptado), apud
Fernandes, J.; Ntondo, Z. (2002, p. 57). Angola: Povos e Línguas, Luanda: Editorial Nzila.
O fato de nos debruçarmos sobre Luanda lava-nos, de igual modo, a apresentar breves
considerações em torno da composição deste espaço sócio-cultural de origem Mbundu. Várias
polêmicas estruturam o debate em torno da procedência da atual designação da cidade, bem
como das suas populações. Embora não seja nossa pretensão mergulhar nessas discussões,
tentaremos apresentar breves idéias, no sentido de enquadrarmos historicamente o espaço social
em análise. Os estudos sobre as origens dos Kimbundos, embora nem sempre apresentarem
perspectivas convergentes têm relacionado os habitantes de Luanda, ao vasto conjunto de
populações que falam a língua kimbundu, ou seja, aos Mbundu ou Kimbundos, Estes trabalhos
evidenciam uma origem mestiça dos Mbundos de Luanda, tal mestiçagem é apresentada como
sendo resultante quer do cruzamento com povos de outras áreas socioculturais, assim como de
outros espaços mbundu, habitados por populações falantes da Língua kimbundu e,
posteriormente o encontro com a cultura ocidental (COELHO, 2003; REDINHA, 1975;
MILLER; PARREIRA
, 1996
; QUIPUNGO, 2003).
Nessa perspectiva, falar dos Kimbundu de Luanda é fazer referência à formação social
que originou da mestiçagem entre diversas culturas e etnias
9
que habitam a região, cujo
dialeto é fortemente influenciado pelo kimbundu contendo também elementos de línguas
regionais e também do português (PARREIRA, 1996, p.161). Isso se considerarmos que, o
território que hoje se chama Angola se situa numa encruzilhada de civilizações e culturas
milenares, onde se destacam «a dos caçadores e agricultores das grandes savanas da África
Austral (antepassados dos atuais Lunda, Cokwe, Lwena, Luvale, entre outros); a dos criadores
de gado bovino que se estende dos Grandes Lagos ás zonas tropicais secas e desérticas da
África Austral (Helelo, Nkhumbi e Ambó); os Povos Ovimbundu (língua umbundo) e
Ambundu (língua kimbundu)» (NETO,1995 apud KAJIBANGA, 2002, p.6). Entretanto, os
Mbundu da região Ocidental da África Central parecem ter-se estabelecido no planalto de
Luanda desde o inicio da Idade de Ferro (PANTOJA, 2000, p.67-69).
Neste caso, a história dos Mbundu, está intimamente ligada à trajetória dos imigrantes
de língua Bantu da Idade do Ferro, que se infiltraram por toda a região da África Central. Esses
Bantu, dos quais se originaram os Kimbundus, formaram vários estados ou confederações de
estados, cada um adotando determinado tipo de organização política (PANTOJA, 2000, p. 57).
Dentre eles se destaca o Reino do Ndongo governado pela dinastia dos Ngolas, conhecido pelos
9
Grifo nosso.
23
portugueses como Reino de Angola, a quando da chegada dos portugueses na região do grande
Kwanza, o referido Estado, por essa altura, era um dos maiores de matriz cultural Mbundu. De
Lembrar que o estabelecimento oficial dos portugueses em “Angola”
10
era até princípios do
século XVII, ainda relativamente recente.
Após essa brevíssima consideração, vamos em seguida abordar a fundação e
desenvolvimento “urbano” de Luanda.
1.2 O estabelecimento: da vila à cidade
É do conhecimento geral que os portugueses chegaram ao território que hoje é Angola,
pela primeira vez em finais do século XV, quando em 1482 uma expedição chefiada pelo
navegador Português Diogo Cão atracou em Mpinda e, estabeleceu os primeiros contatos com
as chefaturas do então Reino do Congo. A partir de então se estabeleceu um relacionamento
entre a dinastia africana e a casa real portuguesa
11
que, ao sabor dos interesses portugueses,
assumiu características diversas
12
(FERNANDES, 2002, p.120).
Urge, contudo salientar que no caso do Ndongo, esses contatos oficiais, viriam a
acontecer mais tarde e num clima permeado pela hostilidade. Em 1560 Paulo Dias de Novais
chega às terras dos Ngolas com homens e armas e fica retido na corte de Ndambi-a-Ngola por
cerca de cinco anos, ou seja, até 1565 data em que foi autorizado seu regresso a Portugal. A
partir de 1574, após a segunda viagem deste capitão se desencadeou num teatro de infindáveis
operações militares (FERNANDES, 2002, p.22). Em 25 de Janeiro de 1576 Novais, funda a
vila de San-Paulo de Assumpção de Loanda, estava assim estabelecida a colônia de Angola que,
por essa altura está geograficamente limitada a uma faixa litoral situada entre os rios Bengo e
Kwanza e a uma navegação de uma parte deste último rio, para o interior.
13
Essa limitação
resulta antes de mais, das intervenções militares africanas marcadas pelo desejo de continuarem
a ser donos dos seus destinos, no interior os Ngolas continuaram a manter o seu poder
(CALDEIRA, 2002).
A fundação da vila de Luanda marcou o estabelecimento da primeira cidade que os
europeus edificaram no litoral Atlântico do ocidente de África, primeiramente designada de vila
10
Alusão aos Ngolas, Dinástia que reinava no Ndongo.
11
Até 1569 a acção dos portugueses em Àfrica tinha sido permanentemente comercial, apoiada pela acção
religiosa. Resultando que somente apartir desta data as relações mudaram completamente de relações
comerciais passaram à intervenção militar.
12
Grifo nosso.
13
A fundação de Luanda acontece 93 anos apôs a chegada dos portugueses.
24
e, mais tarde, em 1605, elevada a foros de cidade
14
(LOPO, 1942; VENÂNCIO, 1996;
MARTINS, 2000). Desde a sua origem, Luanda foi um entreposto comercial e,
simultaneamente, um centro político-administrativo e militar (LOPES, 2007, p. 22). Na opinião
de alguns especialistas sobre a História da cidade, mais do que qualquer outro fator, esteve na
origem da sua fundação, a necessidade de assegurar o fornecimento de escravos
(BETTENCOURT, 1965; VENÂNCIO, 1996). Deste modo, Luanda passa a refletir desde
então, as preocupações arquitetónicas de outras cidades fundadas por portugueses no Brasil, tais
como Rio de Janeiro e Salvador. Esta cidade africana, enquanto entreposto comercial implicou
a concentração de população para realizar o trabalho produtivo de que necessitava
(BETTENCOURT, 1965).
O fato de em 1875, Luanda possuir 23 ruas, 25 travessas, 29 praças e largos, 9
calçadas e 10 becos -, a caminho, pelo alargamento da sua àrea urbanizada, fazia dela uma das
maiores capitais do continente africano (CARDOSO, M. 1951, p. 21). No centro distiguinham-
se duas zonas: administrativa e a comercial
(VENÂNCIO, 1996, p.33). Entre 1610 e 1641,
adquiriu fisionomia de cidade com a construção de alguns grandes edifícios religiosos e
muitas casas particulares (BETTENCOURT,1965, p.90).
Apesar desta constatação, o crescimento de Luanda foi de tal modo lento (nos anos
subseqüentes a sua ascensão ao estatuto de cidade) que, no decorrer de três séculos, toda a área
urbana se manteve dentro dos limites definidos pela Fortaleza de São Miguel, Ermida de São
José (onde hoje está o Hospital Josina Machel), Convento da Nossa Senhora do Carmo, Ermida
da Nazaré e a Praça da Baia
15
. Daí que no decorrer do Século XVIII, Luanda foi durante o
domínio do comércio escravista no espaço atlântico uma cidade, cuja existência dependia da
situação geoestratégica em relação a um interior fornecimento de mão-de-obra e em relação à
procura desta no espaço atlântico (VENÂNCIO, 1996, p.167).
Abolida a escravatura em 1836, iniciou-se, lentamente, a fixação de colonos, entrando
a cidade numa fase de crescimento urbano, a abertura do porto ao comércio estrangeiro,
facilitou o escoamento de vários produtos agrícolas de Angola como a borracha, o café, o óleo
de palma, o açúcar, e, mais recentemente, o algodão e o sisal (BETTENCOURT, 1965). O fim
do tráfico, posteriormente, da escravatura vai alterar também a disposição da cidade de Luanda.
Anteriormente interessados na proximidade dos escravos, quer pela sua comercialização, quer
14
Atribui-se como factor de obtenção do estatuto de cidade, o crescimento inicial e desenvolvimentos rápido
verificado.
15
Segundo Amaral (1968) em 1600, quando Salvador da Bahia já tinha uma população de cerca de 800
habitantes, a de Luanda não ultrapassava a quarta parte. Em 1950, enquanto a da Bahia era de 389422 habitantes,
de Luanda era de 141647( (AMARAL, 1968).
25
para a utilização dos seus serviços, os mestiços, demais comerciantes, funcionários de origem
metropolitana e colonos em geral passaram, a partir dessas alterações comerciais e legais, a
impor uma série de artimanhas políticas a fim de expulsar os africanos(Grifo nosso) para a
parte alta e, mais ainda para a parte desabitada coberta de areia da cidade de Luanda
(BITTENCOURT, 2000).
1.2.1 Entre Feiras, Quitandeiras e Quitandas
16
Relativamente ao comércio, dados históricos nos dão conta que, a sua prática bem
como a presença das quitandeiras nas ruas de Luanda, começa a evidenciar-se a partir do século
XVII, desenvolvendo estas desde então uma forte atividade comercial que, as uniam à uma
complexa e variada rede de serviços de compra e venda com laços de compadrio e fraternal
(PANTOJA, 2001). Do outro lado do Altântico, particularmente em Salvador, as africanas
trazidas pelo tráfico, não eram estranhas a esta prática. O trabalho de ganho nas ruas, colocava
essas mulheres (escravas, livres e libertas) num lugar de destaque no mercado de trabalho
urbano(SOARES,1996).
Isto pressupõe que, longe de se tratar de um fenómeno recente, a presença do comércio
de rua nos espaços urbanos de muita das cidades da época, possui longo percurso histórico que,
se confunde com a própria história desses lugares, quer seja na África, Europa ou América.
Alias, pensamos não ser excessivo destacar que as cidades de Angola, tiveram afinidades com
as suas congéneres do Brasil e Ásia se olharmos às origens comum, o modelo da cidade
atlântica de raiz portuguesa.
Relativamente às feiras, nos finais do séc. XVIII, fala-se na existência de grandes
mercados em Luanda nomeadamente: Mercados dos Coqueiros, Açougue de peixe, Feira
Grande e a Feira do Bungo. Estes mercados foram considerados como instituições de revenda,
de distribuição, que na sua essência não se diferenciavam dos mercados africanos em regiões
dominadas por chefes políticos africanos (VENÂNCIO, 1996, p.38). A Quitanda Grande,
construída pelo Governador Luís da Mota Fêo Torres, em 1816, existia no espaço
compreendido entre o edifício do Diário de Luanda e o quartel dos bombeiros. Fazendo alusão
ao Almanaque Estatístico, Cardoso M. (1951), descreve o lugar como sendo:
um excelente
16
Mercado. Feira. Praça. Posto de venda de neros frescos. Pequena loja ou barraca de negócios. Ou ainda, o
que em maleta, tabuleiro, quinda, que se vende pelas ruas (Ribas 1989, p.174).
26
mercado de fazendas de diversas qualidades, em que se contavam para cima de 100 pretas quitandeiras
distribuídas em 30 a 40 barracas volantes que desapareciam ao pôr do sol e apareciam ao raiar da
aurora”
. (CARDOSO, M. 1951, p.)
Fig.3. Feira (Quitanda) cotidiana em Luanda
Fonte: Cardoso, M. 1951, p.17
A esse respeito, Venâncio (1996, p. 68) menciona que, os mercados quotidianos, as
quitandas, em que se vendem tanto produto, que se podem considerar de primeira necessidade,
como também produtos de luxo, importados. Quer uns quer outros, eram comerciliazados por
vendeiras, kitandeiras (sic). Dai que, o referido autor evidencia uma função social
estabilizadora desempenhada pelas quitandeiras na medida em que, exerciam um papel
intermediário, a nível econômico e social, proporcionando uma função de mediação social na
sociedade da época. Mas adiante veremos como essa função de intermediarias, continua a ser
mantida até na atualidade.
Contudo, a importância dos produtos comercializados e da atividade praticada por elas,
não se devia somente ao fato de fazer parte da cesta básica dos luandenses
17
, mas também
ou, sobretudo por constituírem farnel de escravos embarcados para o Brasil. É nesse sentido
que, o Terreiro Público surge, como uma instituição virada para a economia atlântica, ligando o
17
Grifo nosso.
27
hiterland luandense ao Brasil e, por via desse, à Europa
18
(VENÂNCIO, 1996, p.63). Por esse
motivo, será importante assinalar que, as atividades destas mulheres estão interligadas as
atividades principais da economia vigente, na medida em que são abastecedoras de alimentos da
cidade, junto com a atuação do Estado, do Terreiro Público
19
, mas ligadas diretamente ao
grande negócio do abastecimento dos navios negreiros e aos milhares de escravos que
esperavam para serem embarcados e dos que chegavam do sertão, estando desta feita, a sua
atividade interligada a grande cidade/Porto de Luanda.
Ainda assim, de modo geral, a documentação e registros da época têm feito escassas
referências, a atividade dessas mulheres tornando-as figuras anônimas. Uma vez que, as
referências feitas ao seu respeito são sempre indiretas e ocasionais. […] a desvalorização social
desse tipo de serviços pode ser visto pelo lugar secundário que ocupam na documentação
oficial. Por vezes, descrito com pequeno, pobre e fedorento (PANTOJA, 2001a). Tal
constatação pode nos levar a avançar a idéia de que não obstante a importância dessas mulheres
na circulação de bens e serviços na sociedade colonial foram sempre alvos de um silenciamento
social durante o empreendimento colonial, bem como uma desapropriação dos “espaços”, que
mais adiante iremos verificar. O que resulta o fato de a relação assimétrica, Quitanda e Terreiro
Público, permitir a constituição de uma hierarquia entre produtores de gêneros alimentícios e as
vendedoras de varejo, as quitandeiras de Luanda (PANTOJA, 2001a).
Por conseguinte, apesar de desvalorizado, o negócio de alimentos, juntando mulheres
pobres e ricas, negras e brancas, viabilizava o espaço urbano luandense (PANTOJA, 2001a).
Prova disso é que, paralelamente as quitandeiras, estavam também envolvidas no abastecimento
de alimentos, outra categoria de mulheres negociantes e proprietárias, aquelas ligadas à
produção de alimentos, as donas de Arrimos e, também ao tráfico de escravos (PANTOJA,
2001a).
20
Tais dados, relevam a importância das mulheres negociantes na história económica e
18
De acordo com Pantoja(2001b), a sua criação visava também combater as atividades dos atravessadores de
produtos alimentícios básicos.
19
Criado em sob orientação do então Governador Sousa coutinho,
20
Dentre as figuras que constam no imaginário luandense figuram Dona Ana Joaquina e Dona Amália. No caso
da primeira sabe-se que a referida senhora, nascera em Luanda, filha de mestiça de Luanda e de branco
português. Dona Ana Joaquina dos Santos é descrita como uma rica proprietaria e negociante que gozava de
grande prestígio na colonia, principalmente no meio social e comercial de Luanda (LOPO, 1948). Segundo o
referido autor, até cerca do final da primeira metade do culo XIX possuia Dona Ana Joaquina vários navios
que faziam carreira entre Luanda e os portos brasileiros de Bahia e Pernancubo e, também faziam viagens para
Lisboa. Destacavam-se ainda entre os seus averes a posse de valiosos prédios urbanos de Luanda,
empreendimentos no Gulungo, Dembos, Cazengo, Ambaca, Benguela, Moçamedes, Lunda bem como uma
fazenda Sant`Ana nas margens do Rio Bengo. cf. LOPO, Júlio de Castro. Uma rica dona de Luanda. Porto:
Portucale, 1948.
28
política de Luanda no século XIX. Será pois de referenciar, que esta situação angolana se
assemelha a de outras regiões, onde mulheres com qualidades de comando excepcionais e
riqueza adquirida através do comércio, aparentemente governaram aldeias africanas desde os
tempos pré-coloniais (DIAS, 1981).
Ainda assim, a reconstrução do espaço urbano da cidade de Luanda ainda na viragem
do séc. XIX para o séc. XX, resultou na transformação de alguns lugares da cidade em lugares
privilegiados. Neste sentido, mercados e feiras acabaram transferidos para bairros mais
periféricos.
Desse modo, as quitandeiras passam a ter a obrigatoriedade de se registrar na
Câmara e obrigadas a pagar pelo alugel de uma vaga no mercado e, na virada do século com o
novo contexto de remodelação dos espaços urbanos, com nova lógica dos espaços, as
quitandeiras são expulsas da cidade e, passam a actuar com seus tabuleiros em regiões mais
periféricas.
O Senado da Câmara de Luanda passou a expedir licenças na intenção de disciplinar
as quitandeiras na venda do milho, farinha e feijão. Mais adiante, vai se verificar então, uma
série de prisões de quitandeiras, alegando-se contravenções ás posturas municipais ou de modo
geral, por vender produtos pelas ruas sem a respectiva licença (PANTOJA,
2001a ) Os
aspectos referenciados nos trabalhos de Pantoja(2000, 2001a, 2001b), a que temos feito alusão,
dizem respeito a regulamentação e restrições a que estavam sujeitas as quitandeiras
reevendedoras e, posteriomente a incrementação da disputa por vagas nos mercados, verificadas
entre quitandeiras africanas e emergentes comerciantes europeus:
A cidade toma nova configuração e as quitandeiras tendem a desaparece do cenário
luandense. Sem condições de habitação na cidade as casas africanas foram se
concentrando nos musseques. O mercado ficou para umas poucas que podiam pagar
o aluguel do espaço e competir com empresas que passaram a participar do
abastecimento da cidade. . Foi criado um outro mercado mas em tão precárias
condições que teve vida curta (PANTOJA, 2000, p.).
A segunda, sabe-se por registro oral que mantia um casarão (ou se quisermos um quase palácio a semelhança de
dona Ana Joaquina), no bairro Rangel ( um dos antigos musseques de Luanda) onde desenvolvia actividade
grossista. As ruinas do antigo casarão continuam até a represente data, na rua popularmente conhecida por
“Dona Amália”. De acordo com depoimento de uma sexagenária luandense: « A dona Amália, era uma branca
estreita portuguesa, tinha uma filha só. Ela saiu dali, em 1974. Essa dona Amália tinha roças de banana. Eu ia
com a mamã comprar banana, ficava muito cheio. Vinham gentes de longe, carrinha que iam carregar
bananas grandes e bem doces. Depois de 72,73 e 74, quando veio aqueles confrontos da independência, a
dona Amália abandonou aquilo e deixou sei lá com quem, isso eu já não sei explicar. Ela, foi para Portugal com
a família e, aquele armazém o sei quem estava a dirigir»[Fonte: depoimento de quitandeira sexagenária de
Luanda ].
29
A essa altura, desde final do século XIX e inicio do século XX, estava em vigor a
questão higiênico-sanitária enquanto paradigma orientador do ordenamento dos espaços
urbanos. O olhar médico conjugado a acção/observação/transformação do engenheiro e à
politica de intervenção de um Estado planejador/reformado, pretendia de todas as formas
neutralizar o espaço (MATOS, 2002, p.34). Chegado a esta fase, uma referência acerca da
estrutura social que então caracterizou a sociedade luandense da época, torna-se necessário
assinalar. Aqui mais uma vez, recorremos ao trabalho de Pantoja (1999) que em Três Leituras
e Duas Cidades: Luanda e Rio de Janeiro nos Setecentos”, ao discutir diferenças sociais e de
género, bem como manifestações de poder e prestígio nas cidades de Luanda e Rio de Janeiro,
evidencia na primeira o predominio de uma sociedade predominantemente mestiça que mais
tarde deixa de ser e, na segunda a permanência desta. Contudo, a integração comercial e as
diferenças sociais marcavam nitidamente os limites desses espaços […] As tramas comerciais
permeavam desse modo, toda a vida das populações
21
. A essa altura, avança a referida
historiadora:
O ser civilizado mediava-se pela aparência, no modo de vestir, abrangendo toda
gama de habitantes, dos mais ricos ao mais pobre, como por exemplo um escravo.
Configuram-se as várias categorias específicas de habitantes distinguidos pela
dedicação ao comércio gerador de formas de ascensão social, garantindo
mecanismos de mobilidade social em que modelos de comportamentos e de valores
eram testados pela aparência. A ostentação no modo de se vestir assegurava
prestígio local aqueles destacados na actividade comercial nesses centros urbanos
(PANTOJA, 1999, p.105).
De modo geral, o que os estudos parecem querer evidenciar é que, por essa altura a
questão negro/ branco, europeu/africano, não se colocava nos termos que mais tarde viria a
estratificar socialmente as “sociedades coloniais”, particularmente naquelas sob domínio
português. Seria caso de a “estratificação social” decorrer antes demais do estatuto e
posicionamento social do que de alguma identificação de ordem somática. Na medida em que
os papéis sociais definiam-se a partir da densidade das trocas que funcionavam como
parâmetro no julgamento de valor do outro” (PANTOJA, 1999, p.106). Nesse sentido:
21
Pelo que os estudos indicam, essa peculiaridade de Luanda preocupou por demais as autoridades,
particularmente a propensão para as atividades comerciais, em detrimento do funcionalismo público.
30
A questão do prestigio social, naqueles centros urbanos, pode ser vista através de
dois termos que nas suas ocorrências demonstram o quanto o comércio era atraente e
o quanto os grupos locais aspiravam à condição de homens de bem ou homens
distintos. Essas categorias de habitantes transcendiam a condição de africano,
mestiço ou branco pobre. Sendo estes trocados pelos papéis de homens de bem ou
homens distintos São lugares de prestígio na comunidade local, adquiridos através
do bom desempenho no comércio, reafirmado com as devidas formas de ostentação
na maneira de viver (PANTOJA, 1999, p.108-109) .
Na virada do culo XVIII para XIX, Luanda segue sendo uma cidade de mestiços. O
pequeno comércio e boa parte dos cargos inferiores e intermediários da administração estavam
nas mãos de mestiços. Na segunda metade do século XIX florescia um estrato médio de
mestiços e negros ligados por laços de parentesco a pequenos e médios proprietários situados
no comércio de Luanda (PANTOJA, 1999). “As fases do isolamento” em relação ao território
metropolitano contribuíram também para o aumento não da população mestiça, do ponto de
vista demográfico, como ainda de sua importância relativa no quadro social da colônia,
desenvolvendo deste modo uma sociedade local com interesses da Coroa
22
(MOURÃO, 1999,
p.197). Entretanto, nos anos trinta do século XX, essa população mestiça começava a
perder posição em virtude da chegada de numerosas mulheres brancas, que se fixaram em
Luanda e casaram-se rapidamente.
1.3 A implementação das políticas de segregação
O período compreendido entre 1834 a 1851, vai se caracterizar por grave crise de
instabilidade política e econômica. Dentre os acontecimentos que estarão na origem dessa
situação destaca-se: a abolição da exportação de escravos para a América em 1836, como
vimos anteriormente, o que vai forjar uma nova política colonial, que teve como objetivo
compensar a perda do Brasil pela criação dum novo império africano baseado na transformação
rápida das economias coloniais. Para tal, arquiteta-se uma política destinada a centralizar o
comércio em Lisboa, no sentido de fornecer os fundos necessários para financiar o programa de
reformas econômicas de que Portugal também necessitava
23
(DIAS, 1981).
22
grifo nosso.
23
Mais tarde já, no século XX, tendo como referência a conferência de Berlim, virá modificar este estado de
coisas, obrigando a uma ocupação efetiva do território apoiada na teoria do direito de posse, sem nada valerem
os precedentes históricos, a divisão dos povos ou de região, divide e reparte e diz: a posse só se podia afirmar a
31
A implantação da República em Portugal em 1910 e a ação política de Norton de Matos
em Angola, primeiro como Governador e depois como Alto-comissário, introduziram uma nova
filosofia quanto à integração do africano, nativo ou “indígena”
24
, na sociedade colonial.
Doravante a clivagem social começou a ser tendencialmente feita entre europeus e africanos,
perdendo em significado o fato de ser nativo (VENÂNCIO, 2000, p.58). A partir de então o
regime colonial vai impor uma organização social clara, definindo-se e consolidando-se ao
longo dos anos, a diferenciação social entre os europeus, os assimilados e os indígenas. A
pertença a uma dessas classes distintas ditava as regras de reprodução social e condicionava a
mobilidade social de uma forma estrita (RODRIGUES, 2005).
No final deste período, a estruturação social com base no assalariamento é predominante
nos meios urbanos e em especial em Luanda e a integração na economia capitalista em geral
constitui a base de definição das posições sociais. Consolida-se assim a categorização por parte
da administração colonial dos luandenses e dos angolanos em ‘civilizados’, ‘assimilados’ e
‘indígenas’ (MESSIANT, 1989 apud RODRIGUES, 1999, p.3), o que estabelece e reforça a
posição social de um conjunto específico de elites. Importa pontualizar que, essa multiplicação
de estruturas urbanas das povoações comerciais às cidades- as quais exigem à reorganização
dos espaços, a expulsão dos africanos, a instalação de colonos e de autoridades administrativas
e dos próprios africanos integrados no regime do trabalho colonial, nas zonas periféricas e
desclassificados. Faziam parte do leque de políticas de desmantelamento dos territórios
africanos e de ocupação do espaço (HENRIQUES, 2003, p.14).
A historiadora Conceição Neto (1996) ao falar sobre a finalidade do “Estatuto do
Indígena”
25
aponta que o mesmo:
Não pretendia transformar milhões de africanos em ‘cidadãos portugueses’ mas,
pelo contrário, manter sociedades separadas nos direitos e deveres e impedir à
maioria africana o acesso à cidadania. Os padrões de exigência para obtenção desta
eram ainda mais bizarros numa sociedade em que a população tinha elevados índices
de analfabetismo, era até aos anos 30 majoritariamente constituída por degredados e
as possibilidades de instrução dos próprios filhos dos colonos eram extremamente
limitadas. Mas, qualquer branco era ‘civilizado’, mesmo analfabeto, pobre ou
criminoso, revelando o caráter racial de tais distinções jurídicas. Ser ‘indígena’ ou
‘civilizado’ contribui para criar verdadeiras clivagens sociais entre colonizados,
ocupação real e efetiva de todo o território, apoiada em uma organização administrativa, ainda que rudimentar
(MARTINS, ibidem, p.23).
24
Os “indigenas” eram os africanos e seus descendentes que não pudessem provar ter hábitos e cultura
portuguesa suficientes .
25
Em 1954 foi aprovado para a Guiné, Angola e Moçambique o Estatuto do Indígena que vigorou até 1961.
32
que condicionava escola, profissão, salário, propriedade, impostos, liberdade de
circulação, assistência médica, serviço militar, etc. [ NETO,1996, p.119]
Fig. 4 - Vista de um dos musseques da época
Fonte: Amaral (1968)
Os projetos de definição das políticas coloniais se multiplicam desde os finais do
século XIX tendo como objetivo desmantelar as estruturas que asseguram a autonomia dos
territórios africanos, substituindo-as por sistemas de organização europeus. Na prática, verifica-
se uma discrepância contínua entre as ambições humanistas e globalizantes dos portugueses e a
mesquinhez das suas realizações (HENRIQUES, 2003, p.14). Será no decorrer deste período
em que, serão elaborados ou consolidados alguns mitos destinados a explicar e a justificar os
direitos dos portugueses, que teriam sido, em todos os lugares, os primeiros a dar conta das
terras, dos homens, das línguas e das produções. Mais será, sobretudo após a implantação da
ditadura militar (1926), que engendrou o Estado Novo (1933), que a idéia de missão
civilizadora, pela via da assimilação, se reforça para justificar a colonização portuguesa em
África (HENRIQUES, 1997, p. 34-37).
Sendo um pólo de atração, pelo fato de nela estarem localizados os principais órgãos
administrativos e os principais centros de decisão em termos econômicos e financeiros, a cidade
capital registra de forma expressiva a partir do final da II Guerra mundial um crescimento
33
importante, quer da sua população de origem européia
26
, quer da sua população africana, que
demandava a capital por razões várias (LOPES, 2007, p.24).
Ao que parece, é também nesse período, que Angola começa a conhecer um aumento
relativamente considerável de capitais importados do exterior, ocupando os capitais não-
portugueses um lugar importante no novo dispositivo econômico. Pois, até então, o governo
central imporá restrições à circulação dos capitais estrangeiros e, a guerra de guerrilha (com
inicio em 1961) fora capaz de convencer o governo central a modificar tais restrições. Presume-
se que a implementação de tais mudanças tenha alterado o panorama econômico da colônia
caracterizada pelo incremento da exploração de petróleo e diamantes (HENRIQUE, 1997;
HODGES, 1987).
A projeção externa desta economia privilegiava as relações econômicas com Portugal
e com o ocidente industrializado (E. U. A, Inglaterra, França). Angola encontrava-se por
intermédio de Portugal, inserida na ordem econômica mundial, fornecendo produtos de base de
cotações oscilantes e tendencialmente desvalorizáveis e adquirindo produtos acabados e
intermédios (principalmente de capital). O resultado desta inserção na lógica do mercado
internacional é a transferência da parte significativa da mais-valia nacional e a sistemática
desvalorização da força de trabalho angolana. A internacionalização de certos processos
produtivos (pasta de papel, peletização do ferro, extração petrolífera e diamantífera, refinação
do petróleo) contribuiu para aumentar o excedente transferido para o exterior (ROCHA, 1986,
p.113).
Nesta esteira, estudiosos da questão apontam para o fato das políticas coloniais não
terem sido capazes de imprimir uma dinâmica de acumulação de capital em seus investimentos
nas estruturais locais da produção capitalista, ou seja, argumentam que as bases das estruturas
coloniais impediram o crescimento das organizações, tornando-as, pelo contrário, reféns da
estrutura do Estado colonial (NEWBURY,1985) .A esse respeito, Appiah refere que de uma
maneira geral:
na África da economia mercantil colonial, o cultivo comercial de produtos agrícolas
tropicais ocupou o centro da economia e, [...]transformou o financiamento do governo numa questão de
apropriação do excedente da agricu
ltura
[...]
(APPIAH, 1997, p.228). Tal como evidencia
Venâncio (2000):
A organização da produção agrícola em monoculturas, neste contexto de dominação,
acaba por ser igualmente responsável, mesmo que indirectamente, pela estreiteza e
26
Sobre o povoamento branco em Angola, ver Gerald J. Bender. Angola sob o dominio Português. Mito e
realidade. Luanda: Editorial Nzila, 2004. Ilidio do Amaral. Ensaio de um estudo geográfico da rede urbana de
Angola. Lisboa: Junta de Investigação do Ultramar. Estudos, Ensaios e documentos, 1962.
34
fragilidade dos mercados internos dos países que as experimentaram, assim como
pela deficiente formação dos recursos humanos e pelo défice tecnológico. Tratava-
se, na verdade, da produção de um produto primário que, aliado aos factores que
decorrem da dominação colonial, acabava por se repercutir, como se de um círculo
vicioso se tratasse, no baixo salário dos trabalhadores envolvidos (VENÂNCIO,
2000, p.54).
Na mesma senda, Amin recorrendo ao exemplo do Senegal colonial, mostra como a
cultura do amendoim não esteve directamente relacionada ao potencial natural do país, mas sim
aos interesses da França, estando neste a raiz das distorções sociais que dificultam o
desenvolvimento da economia (AMIN, s/d, p.3). É nesse sentido, que ao tecer critica ao
paradigma da economia-mundo”, o autor denuncia o risco de transformar as determinações
globais dominantes, que se impõem às dinâmicas internas nacionais e regionais, em “distantes
da história”, negligenciando, por esse facto mesmo, as possíveis guinadas de percurso
produzidas pelas transformações internas - para melhor, renovando as capacidades autónomas
de agir de uma sociedade, ou para pior, mergulhando-a na regressão - (AMIN, 2005, p.79). Na
mesma esteira, ao abordar a questão referente ao peso do global nos contextos nacionais, o
autor aponta a necessidade do primeiro ter de se ajustar as exigências de transformação
impostas pela dinâmica do local.
Retomando o caso de Luanda e, nos reportando para meados do século XX,
constatamos que persistem as atividades comerciais grossista e retalhista, envolvendo grande
número de estabelecimentos, que aumentavam constantemente e se concentravam de forma
mais significativa no ramo dos artigos de necessidade corrente e na prestação de serviços e, por
outro, a persistência de certas formas tradicionais de comércio, nomeadamente o caso dos
“mercados populares” quotidianos e o comércio itinerante, simbolizado na figura típica das
quitandeiras. Observa-se deste modo, a intensificação de um conjunto de práticas comerciais
que tinham como principais destinatários as populações de baixo poder aquisitivo concentradas
em grande medida nos musseques
27
de Luanda (AMARAL 1968).
27
Do Kimbundu mu (onde) + seke (areia), significa terreno arenoso, "onde areia", por oposição à zona
asfaltada. Os musseques passam a designar o espaço social dos colonizados, assalariados, refugio da mão-de-
obra barata e de reserva, ao crescimento colonial, colocados à margem do processo urbano, surgindo como
espaço dos marginalizados, e cuja fisionomia está em constante transformação.
35
Um trabalho de referência nesse periodo é Quitandas e Quitandeiras de Luanda” de
Ana de Sousa Santos (1967). Na sua abordagem inicial a autora apresenta o espaço social dos
mercados Luandenses como sendo:
Instituições de grande significado que se inscrustam na cultura da sociedade nativa
luandense, pois, sendo centros de comércio com influência na economia local,
correlativamente atuam como meios estabilizadores da posição social dos
vendedores que neles se enquadram. Ademais, para além de serem as vias diretas de
acorrerem às necessidades mais instantes do grande público, são um ponto de
convergência , que reflete direta e indiretamente diversos aspetos quer da cultura
material, quer da espiritual, pois na exptressão da sua comunicabilidade dão-nos
uma medida de imaginação do grupo, sensibilidade, inteligência, reacões, etc.. [...]
as « quitandas» quer sejam centrais, de grande movimento comercial, ou pequenas,
marginais, meramente de subsistência são quadros vivos, oferecendo rica matéria
para estudos étnicos, religiosos, de vestuário, de civilidade, etc.. E, se são um regalo
para a vista, pela mutação de colorido e pelo conjunto do material humano,
constituem simultâneamente um documento real dos recursos da cozinha nesta zona
(SOUSA, ANA 1967, p.89).
Fig. 5 Mercado num dos musseques de Luanda
Fonte: Amaral (1968), Luanda. Estudo de Geografia Urbana
De seguida a autora faz alusão a figura da quitandeira, realçando o papel social e
econômico desempenhado por ela no interior da sociedade luandense. Prosseguindo,
empreende uma descrição etnográfica de um dos mercados mais celebres da época, o Xamavu.
Da sua narração ressaltam a sua localização espaço-geográfico do antigo mercado: “
No
musseque Mota (marginal à estrada que segue em direcção à fabrica de cerveja Cuca (NE), encontra-
se o mercado indigena do Xamavu. É sem dúvida, entre os mercados locais, o que conserva a feição
36
africana mais carateristica” .
A diversidade etno-cultural no seio quitandeiras, o gênero de
mercadorias comercializadas, as maneiras de arrumar e expor os produtos, os pregões, os
rituais de instalação, as idumentárias. Uma atenção especial é dedicada as vendedoras de
produtos mágico-religiosos e a sua fluência no falar do kimbundu. Para além de uma tentativa
de elencar os produtos comercializados naquele espaço, a autora, procede de igual modo uma
caraterização tipológica das vendedeiras consoante a mercadoria negociada.
Fig. 6 Aspetos da quitanda do Xamavo
Fonte: Oscar Ribas, 1964
Por seu lado, o escritor angolano Oscar Ribas (1964) na sua obra Missosso, utiliza o
espaço das quitandas para descrever alguns instatâneos do cotidiano luandense. O mercado
do Xamavo é descrito como:
[...] um belo teatro de comediantes, sem dispendio de dinheiro para o espetaculo,
desfruta-se um tempo de agradável humorismo. Tudo se goza, desde a
heterogeneidade do ambiente ao cachoar do vozeio, desde o natural ao Excentrico,
desde a boa indole à perversa (RIBAS, 1964, p.245).
As cenas do quotidiano do mercado descristas pelo escritor, envolvem as figuras da
quitandeira e seus clientes num clima de desentendimentos constantes. Dessas cenas,
37
quintadeiras e peixeiras são representadas com o estereotipos de “rabugentas” e
‘barraqueiras”, “mulheres sem papas na língua”.
Torna-se necessário pontualizar que, no contexto que estamos a analisar, não
beneficiavam somente das atividades dessas mulheres às populações de baixo poder aquisitivo
uma vez que, uma parte considerável destas exercia o trabalho em “áreas nobres de Luanda”,
possuindo uma vasta clientela pertencente aos estratos sociais mais privilegiados da estrutura
social da época.
28
Embora, devemos acentuar que neste período, estão as quitandeiras,
artesões e outros africanos transferidos para os musseques, onde passam agora a exercer as suas
atividades, transitando entre a “cidade branca” e a “cidade negra”, ou melhor, entre o
asfalto e os
musseques
. Como assinala Mourão (1999):
O termo bairro, que era dado tradicionalmente às áreas de habitação africana,
enquanto os brancos moravam em casas situadas em ruas, foi substituído pelo termo
musseques, evolução semântica digna de registro. Os bairros tradicionais que
abrigavam as massas populares africanas passam a musseques e os bairros de classe
média africana, como o das ingombotas, são evacuados, dão lugar ao bairro
Operário. Mais tarde surgem os chamados bairros indígenas. Como vemos a própria
nomenclatura mostra uma evolução na relação com os africanos, caminhando a
passos para a divisão entre a cidade branca e a cidade negra ou, mais usualmente, a
cidade do asfalto e a cidade dos musseques, designações de natureza técnica, que
não escondem a ruptura social e racial (MOURÃO, 1999, p.211).
Andrade (1971) descreve do seguinte o modo esse contexto:
Enquanto se consolida a implantação colonial ao longo da costa africana, as cidades
emergem e multiplicam-se. Os efeitos da dominação estrangeira sobre as formações
sociais levam sectores importantes da população rural a demandar os meios urbanos.
Mas é na periferia destes aglomerados que se organiza a nova vida dos africanos
destribalizados. Outro espaço sociológico surge nos bairros da cidade cruel. Esta se
divide nitidamente segundo uma dupla linha de demarcação racial e social,
sobretudo na colônia de povoamento, como é o caso de Angola (ANDRADE, 1971
apud KAJIBANGA, 2000, p.70).
28
Alguns depoimentos colhidos de mulheres que estiveram envolvidas no comércio ambulante na década, 60,
atestam para que elas fossem fornecedoras privilegiadas, sobretudo de frutas, a prática contribuía para uma maior
dinamização da venda de mercadorias, quer criando clientela regular quer expandindo a atividade para novos
espaços. Sendo neste caso, muito comum oscilar entre a venda ambulante e fixa, conforme indicam os
depoimentos de uma sexagenária, antiga quitandeira, atualmente estabelecida no Mercado Asa Branca: Eu, por
exemplo, o negócio que iniciei com ele é de passar com os ovos na zunga, ainda no tempo do colono. Vendia
banana na zunga, nas senhoras brancas, zunguei, zunguei com as bananas, depois quando começaram a abrir
estas praças é que eu comecei a vender fuba. Depois quando vi as outras estavam a vender fuba, também
comecei a vender fuba. Naquele tempo havia zunga, só que ainda não lhe chamavam zungueiras, Lavadeiras.
que naquele tempo do colono, as pessoas na zunga, vendiam banana, maçã, pêra, abacaxi, estes negócios
de fruta» [Fonte: Entrevista, efetuada em Janeiro de 2008].
38
O Sociólogo angolano Paulo de Carvalho num artigo intitulado Angola: estrutura
social da sociedade colonial”, fazendo alusão à fase final do domínio colonial”, apresenta a
sociedade angolana da época dividida em: sociedade central e sociedade (ou comunidades
periféricas). O estudo avança que:
Mesmo depois de abolido o estatuto de assimilado (1961), manteve-se a cor da pele
como fator de diferenciação social, assim como outros fatores subjetivos que
levaram ao estabelecimento de diferenciação entre civilizados e ‘indígenas’.
Nesse contexto, o acesso a uma serie de bens, como instrução e a saúde assim como
a existência ou não de facilidades no mercado de trabalho, tinha em conta essa
diferença (CARVALHO, (s/d), p.2).
Carvalho (s/d, p.9) denomina de Protoproletariado as classes sociais menos
favorecidas. Os integrantes deste grupo eram trabalhadores físicos que se empregavam em
serviços relacionados com o consumo. Eram protoproletários: os vendedores ambulantes,
empregados domésticos, bombeiros (vendedores de combustíveis), engraxadores, ardinas,
estivadores, auxiliares em pequenas oficinas de prestação de serviços, pescadores artesanais e
outros habitantes das periferias assim como aqueles que saiam das zonas rurais para as
cidades e vilas em busca de melhores condições de vida e que não possuíam uma profissão
rentável.
Examinaremos em seguida, o lugar que musseques e o trabalho feminino ocuparam no
imaginário social luandense. Para tal, analisamos as representações feitas acerca destas
categorias sociais no sentido de argumentar como elas se configuraram num instrumento de
critica social a respeito do modos de vida dos bairros onde estavam confinados grande parte
da população africana.
1.4. Musseques e trabalho feminino no imaginário social luandense
As categorias trabalho feminino e musseques foram frequentemente utilizadas como
forma de dramatizacão da situação social do colonizado, como simbolos da cultura popular
luandense. Estando presentes na escrita de várias gerações de poetas e romancistas angolanos,
acabaram por imprimir uma marca identitária a literatura angolana. É nesse sentido que, nossa
abordagem pretende analisar de que modo as representações “literárias” interagem com o
contexto social e com praticas quotidianas da época.
39
Desta feita, musseque e quitandeiras dois termos originários da lingua nacional
kimbundo, adquirem nesse contexto elevado significado histórico-sociológico para a recente
história angolana. Os musseques surgem como o espaço social dos colonizados, assalariados,
refugio da mão-de-obra barata e de reserva, ao crescimento colonial, colocados à margem do
processo urbano, surgindo como espaço dos marginalizados, e cuja fisionomia está em
constante transformação. Com o tempo, as quitandas vão surgindo como uma das faces do
musseque, intimamente ligadas ao trabalho feminino, onde ressaltam à figuras da lavandeira e
da quitandeira, sendo ela a sua principal personagem. A figura da “mamã quitandeira” coloriu
Luanda de todas as épocas, com seus panos fartos e garridos, que encheu ruas e becos com
pregões anunciando frutas e legumes (PEPETELA, 1990, p.139).
Nesses mercados quotidianos, ou seja, nas quitandas, se vende tanto produto, que se
pode considerar de primeira necessidade, como também produtos de luxo, importados. A
imagem da quitandeira a percorrer a cidade com a quinda à cabeça, vendendo frutas e outros
gêneros de porta em porta ou na porta de casa, reforça-se enquanto um dos símbolos da
presença das “africanas” na sociedade colonial, fazendo parte do imaginário luandense. Esta
presença incontornável nas ruas de Luanda lhe dalugar de destaque na literatura, sendo estes
freqüentemente exteriorizados, sobretudo em contos, poemas e letras de músicas, que por um
lado cantam e expressam às belezas, paisagens e outros encantos da cidade e, de outro a beleza
da indumentária e as qualidades da mulher quitandeira. Ressaltando a sua extrema habilidade e
versatilidade, com os quais souberam contornar os obstáculos e desafios impostos pelo severo
quotidiano colonial, passando desta feita a personificar, a perseverança da mulher na luta contra
as adversidades e injustiças sociais.
As reformas políticas trazidas com o Estado Novo, vão de igual modo, influenciar a
produção literária e intelectual luandense que, até mais ou menos 1940 foi desenvolvida por
negros e mestiços. É com base nessa mudança que vai emergir a denominada literatura de
combate
29
. Que terá como auge o movimento “Vamos descobrir Angola” de 1948 que segundo
Mourão:
Movimento de reação a tentativa assimilatória que vinha despersonalizado o negro sem o
integrar de fato em um novo contexto de valores (MOURÃO, 1978, p.38).
Os intelectuais e escritores
29
No número dois da Antologia Temática de Poesia Africana- O canto armado”, Mario Pinto de Andrade traça
o percurso da poesia africana de escrita portuguesa e crioula, dos anos trinta ao fim das guerras de Libertação.
Essa poesia, por ele denominada por poesia africana de combate”, exprime, de um lado, os feitos gloriosos dos
primeiros heróis na luta de resistência contra a presença estrangeira (contos tradicionais). Por outro, os poemas
de circunstâncias, compostos durante o período colonial, ou ainda os poemas surgidos no fogo da nova
guerrilha do homem na Guiné, em Angola ou em Moçambique, essas manifestações atestam o caráter
permanente da poesia africana. Elas são o espelho que reflete a imagem ampliada da resistência dos povos contra
a opressão e também o farol que guia a longa muralha para a liberdade (ANDRADE, 1980).
40
africanos, mesmo escrevendo no idioma do colonizador, não deixaram de produzir uma
literatura autenticamente africana e de dar um grande contributo ao fenômeno do nacionalismo.
Teve a expressá-lo uma literariedade (sic) moderna que começa por encontrar na poesia, dado o
caráter fortemente confessional deste gênero literário, o meio mais adequado à extroversão
identitária dos que dele participam. (VENÂNCIO, 2000, p.85-86). Na década de 50, no auge
da “Casa dos estudantes do Império”
30
, se assiste a uma grande influencia do neo-realismo e da
negritude na produção literária dessa geração. Ao abordar os efeitos dessas duas tendências,
Andrade refere que:
Essas duas tendências estético-literarias, fundamentalmente a negritude, opunha-se a
literatura colonial profundamente empenhada em apresentar as populações negras
como destituídas de cultura, civilização e história. O neo-realismo preocupa-se com
a observação e com a analise minuciosa da vida quotidiana e dos costumes das
populações tendo como suporte metodológico o inquérito da vida das populações
(ANDRADE, 1974 apud KAJIBANGA, 2000, p.45)
É neste contexto, que se vai assistir a uma exaltação da Mãe Negra”, da Mulher
Quitandeira”. Estes escritos procuravam espelhar o quotidiano dos musseques, e das suas
gentes particularmente da mulher vendedora, da “Mamã Quitandeira”. Como observa Pepetela
(1990), entre os poetas muitas das vezes está figura da quitandeira é identificada com a figura
da mãe, que teve que suportar todas as humilhações e privações para poder criar e educar os
filhos. Aspectos que poemas como os de Agostinho Neto, que a seguir apresentamos, parece
muito bem espelhar:
30
Constituiu um espaço para onde convergiam os jovens africanos que, pela ausência de Universidades em seus
países de origem as colônias portuguesas na África dirigiam-se para Lisboa, financiados (muitas vezes com
maiores ou menores sacrifícios) pela família, Igreja ou alguma Instituição, a fim de cursarem uma Faculdade.
Segundo Everdosa () [...] A casa viria a desenvolver uma ampla atividade associativa ao longo da sua existência.
Nela passaram a desaguar, vindos de todas as coloniais portugesas de África, da Ásia e da Oceania , estudantes
das várias raças, religiões e credos politicos( EVERDOSA,s/d, p. 95). A Casa dos Estudantes do Império
representou um centro aglutinador dos estudantes e inteletuais africanos [...] Tratou-se de um centro inteletual e
político, nela ou a partir dela se pode explicar vários acontecimentos no plano das iniciativas que conduziram
os africanos a luta de libertação nacional, isso se, tivermos em conta que foi no seio desta que ideologicamente
se formaram ou reestruturaram homens que , exilando-se ou não, tornaram-se figuras politicas das mais
responsáveis nos movimentos de Libertação Nacional Africanos (FERREIRA, M. 1987, p.132-33). Em 1953 a
casa é encerrada pelas autoridades portuguesas.
41
A quitandeira
que vende fruta
vende-se.
Minha senhora
laranja, laranjinha boa!
Compra laranjas doces
compra-me também o amargo
desta tortura
da vida sem vida.
Compra-me a infância do espírito
este botão de rosa
que não abriu
princípio impelido ainda para um início.
Laranja, minha senhora!
Esgotaram-se os sorrisos
com que chorava
eu já não choro.
E aí vão as minhas esperanças
como foi o sangue dos meus filhos
amassado no pó das estradas
enterrado nas roças
e o meu suor
embebido nos fios de algodão
que me cobrem.
Aí vão as laranjas
como eu me ofereci ao álcool
Leva-me para as quitandas da vida
o meu preço é único:
- sangue.
Talvez vendendo-me
eu me possua.
-Compra laranjas!
31
Num ensaio intitulado Mulher e negra que tipo de representação social nas
literaturas africana e brasileiras?”, Laranjeira e Silva (2006), fazem referência ao uso da
imagem da mulher e da miséria de grande parte da população indígena (sic) para
consciencilização e para captar ajuda internacional para a luta de libertação nacional. Segundo
estes estudiosos: mulher negra se pertence ao povo pobre (...), tem a característica de educar
os seus descendentes segundo normas do seu povo, do seu grupo social, mais do que a escola
pode oferecer”(LARANJEIRA e SILVA, 2006). Tomamos o exemplo do poema de Jorge
Macedo intitulado Aquela Negra”, espelha bem os “sacrifícios maternos no sentido de
proporcionar aos filhos as condições básicas de existência humana:
31
A “Quitandeira”, Agostinho Neto
42
Aquela negra, de enxada em punho,
lutando pela minha fome;
aquela preta que jorra suores na minha sede,
que vai de lenha à cabeça
porque o frio me consome;
aquela negra, pobre, sem nada,
que vende nas ruas o meu nome,
aquela negra é minha mãe
Os modos de vida das populações que habitam os musseques de Luanda são de igual
modo dramatizado e utilizado como justificativa das reivindicações independentistas. Em
Sagrada Esperança de Agostinho Neto, o poeta-militante canta o sábado nos musseques,
evidenciando a diferenciação social, ou seja, o fosso que existia entre os bairros humildes e a
cidade iluminada, e a indiferença ante os bairros:
Os musseques são bairros humildes de gente humilde.
Da cidade iluminada
Vêm gargalhadas
Numa displicência cruel
/Para banalizar um acontecimento Quotidiano
Vindo no silêncio da noite
Do musseque Sambizanga - um bairro de pretos!
32
.
(Sábado nos musseques)
Os sacrifícios, o quotidiano de miséria e carências matérias, que levavam as africanas
as longas jornadas de trabalho para garantir o sustento da família e a criação dos seus filhos. A
figura da “vovó lavadeira” e a perplexidade dos “monandengues”
33
perante a dura realidade a
que estavam sujeitos e silenciamento que os impedia de questionar a ordem social vigente,
causado pelo medo que as mulheres começam a demonstrar dos filhos se envolverem nas
contestações políticas num contexto em que os musseques passaram a ser perseguidos.
34
São
elementos que Waldemar Bastos canta em “Velha Chica”:
32
Extratos do poema “Crueldade”.
33
Do Kimbundu Monandenge, criança. O plural Anandenge, crianças.
34
Isso como retalhação as movimentações independentistas iniciadas em 1960.
43
Antigamente a velha Chica
Vendia cola e gengibre
E lá pela tarde
Ela lavava a roupa do patrão importante
E nós os miúdos
Lá da escola, perguntávamos
A vovó Chica
Qual era a razão daquela pobreza
Daquele nosso sofrimento
Xê, menino, não fala política
Não fala política, não fala política
Mas a velha Chica, embrulhada nos pensamentos
Ela sabia, mas não dizia
A razão daquele sofrimento
Xê menino...
E o tempo passou
E a velha Chica só mais velha ficou
Ela somente fez uma cubata
Com teto de zinco
Com teto de zinco
Xê menino...
Mas quem vê agora
O rosto daquela senhora
Daquela senhora
Já não vê as rugas do sofrimento
Do sofrimento
Ela agora só diz
Xê menino, posso morrer
Posso morrer
Xê menino posso morrer
Já vi Angola
Independente
35
A figura da quitandeira enquanto guardiã dos bitos e costumes angolanos, perante as
mudanças introduzidas nos hábitos alimentares luandense, mudança do estatuto da atividade das
antigas quitandeiras e o desejo de resgate de um passado distante surgem como as grandes
temáticas da poesia de Viriato da Cruz. Em Makézú”, o autor num estado de espírito
nostálgico, anuncia a decadência das chamadas atividades informais tradicionais”,
particularmente das quitandeiras, apresentando como causa deste o advento da “modernização”:
35
Letra de Waldemar Bastos
44
O pregão da Avó Ximinha
É o mesmo como os seus panos
Já não tem a cor berrante
Que tinha nos outros anos.
Nem criados, nem pedreiros
Nem alegres lavadeiras
Dessa nova geração
Da “ avenidas de alcatrão
Ouvem o fraco pregão
Da velhinha quitandeira
- Não sabe? Todo esse povo
Pegô um costume novo
Qui diz qué civrização:
Come só pão com chouriço
Ou toma café com pão...
Nos romancistas pós-independência vamos encontrar, ainda os requisicos dos dramas
coloniais que envolvem o mercado, o musseque as figuras das quitandeiras e lavadeiras mas,
de modo geral de todas envolvidas no trabalho feminino, como o caso das lavadeiras,
representações das maneiras de ser, de agir e de sentir, das pequenas artimanhas quotidianas
que se podem interpretar como formas de pequenos protestos sociais. No Romance “Loucuras
e Kimbandices”, Rosário Marcelino, narra a estória de Tia Chica “uma lavadeira colonial”.
Esta estória nos reporta para as artimanhas ou se quisermos para as contestações cotidianas
que as africanas utilizavam para se defender dos maus-tratos a que estavam sujeitas na
sociedade colonial.
[...] então quando o caputo
36
andou a prender as mulheres pra irem lavar roupa dos
colonos. Tia Chica não se zangou quando lhe prenderam!Foi mesmo muito bem pra
quê Iná pelejar ou discutir com o cipaio
37
.lacaio-duro! Seu ndungue
38
estava embora
no coração, quem a visse só na cara, não podia descobrir o que dentro dela matutava.
Quando chegou à baixa, começaram a distribuí-las. No quintal onde lhe levaram,
deram-lhe uma ndumba de roupa, sabão, selhas, lhe mostraram a torneira e...pronto.
A tia chica pegou na roupa e misturou toda: roupa de cor, roupa branca, tudo yoso
kyene kimoxi. Pra quê lhe intrujar, lhe escravizar em pleno século da ciência?A
mbozo
39
quando voltou para ver o serviço de “sua lavadeira” ficou abuanada e
36
Aportuguesamento do calão Kaphutu, que significa governo colonialista português.
37
Policia africano a soldo do colonialismo.
38
Aportuguesamento de ndunge, que significa tática.
39
Calão. Alusão a mulher portuguesa colonizadora. Sentido pejorativo. Mbonzo significa batata, sentido geral
(MARCELINO, 1989, 100).
45
soltou palavras: - Ai, Jesus! O rosto da colonialista começou a ficar cor de alface e
as lagrimas, blu-blu-blu, a caírem, mas... Lagrimas de jacaré se vão com as águas.
- Porquê fizeste isto, Maria?!- O quê, minha senhora?!
Tia Chica no coração dela estava a rir, mas por fora parecia uma pessoa que não
sabia nada. Com o rabo dela um pouco empenado, o peito ligeiramente saliente e os
olhos a fitarem bem a mbonzo, continuava de pé.
- Misturar a roupa de cor com a roupa branca? Isto é alguma sanzala ou quê?
- Minha senhora, eu não sei lavar!
Aquela resposta dada sem alteração de voz, sem nenhum risco sequer na testa,
enfureceu a senhora. Saiu disparada para a rua. Trouxe de um capita
40
e, quando
entrou no quintal, o seu dedo já apontava a Tia Chica. Ela não desceu mais das
escadas. - É aquela preta. Tira-me dali aquela Maria... Senão amachuco-lhe a cara.
Na mesma linha Boaventura Cardoso num conto intitulado “Nga Fefa Kajinvunda”,
narra cenas quotidianas do antigo mercado do Xamavo e do musseque do sambizanga. Nessa
estória ressalta a personagem de Nga Fefa, então quitandeira do Xamavu. O escritor nos
introduz para o contexto de Luanda colonial onde a “mulher quitandeira” luta para se afirmar,
mesmo que isso implicasse meter-se em briga. A par disso as quitandeiras são também
apresentadas como mulheres fortes, de punho, respondonas que não temem em desafiar a ordem
social imposta.
Chegou e perguntou se o peixe quanto é: Trinta Escudos. Foi a resposta seca que ela
falou na intenção de não arranjar mais conversa. Ela sabia o costume antigo das
senhoras da baixa de discutirem o preço da mercadoria. Oh! É muito caro Maria.
Toma quinze escudos se quiseres”. Braço estendido da senhora ficou embora
no espaço. Nga Fefa parece lhe bateram vibrantemente no corpo. Tirou o cigarro do
canto da boca e descansou arrogantemente as mãos na cintura. A mão da oferta
barata ainda abandonada no espaço. Zolhos das quitandeiras derepente espiando,
múximas palpitantes. Parece se vão vundumunar-se. Banzaram. «A senhora está a
chamar Maria a quem? Você viste meu nome é Maria? Velá hein!»- se arregalaram
os olhos no desafio enquanto a mão oferta cobardemente murchando.
Senhora, boca
admirada. Nunca tinha ouvido dizer quitandeira fala assim numa senhora. Estava no
habito dela ir no mercado e entrar na discussão do preço, altivamente. Com o criado
em casa, com a gente do musseque com quem às vezes falava, comportamento
único. Tempo ainda colonial. Pensou que a quitandeira tivesse maluca. «Parece-me
que aqui um mal-entendido, Maria». Fora da banca, Nga Fefa no gesto
mussequeiro mandou a senhora calar a boca logo, se não lhe dava (CARDOSO, B.
1982, p.46).
Muitas cenas retratam a riqueza dos falares populares, as pequenas oposições
quotidianas, o enfrentamento aos fiscais e a recusa de maus-tratos por parte das “mulheres da
baixa.
46
Palavrosamente as quitandeiras caçoaram da mulher da baixa, desaparecendo. Nos
kimbundos delas escondiam toda a fúria contra o colonialismo que não podiam falar na
língua da senhora abertamente. Anos de opressão se transformavam em liberdade nas falas
kimbundas (CARDOSO, B. 1982, p.47)
Gostaríamos de concluir o capítulo, fazendo alusão ao trabalho de Tania Macêdo
(2006) intitulado Literatura, história e identidade de Angola”. No aludido artigo, esta
estudiosa da literatura de língua portuguesa, analisa o mercado enquanto espaço social
importante do quotidiano de Luanda, sendo presença constante na literatura produzida nas
décadas de 1940 e 1990. O que nos interessa aqui reter do referido trabalho, é a forma como
Macêdo espelha as mudanças na representação deste espaço social nos diferentes períodos da
história angolana, ou seja, se no primeiro (1940) a sua representação no imaginário
Luandense, está associado à tradição de feitiços e da resistência nacionalista, no período
posterior (1990) a ênfase se desloca para a questão da luta pela sobrevivência num ambiente
hostil onde a luta contra a miséria e a fome se intensifica(MACÊDO, 2006, p.50.). Deste
modo:
O mercado surge como o espaço da degradação das regras sociais, da desordem e
dos vícios e, sob esse particular, um mbolo daquilo em que se transformou o
projeto utópico, pelo qual lutaram os artífices da independência do país [...] Forte
critica a Angola atual muito, especialmente aos dirigentes e o partido no poder,
desenhando um mundo de desilusão e decadência. Nesse cenário, o mercado torna-
se “o modelo, o modo de vida” de toda a sociedade e dos males que a atingem [...]
Tornado-o símbolo de corrupção e das mazelas que assolam o país Nesse sentido, o
espaço do mercado popular, que fora focalizado na literatura angolana dos anos
1970, 1980 e 1990 como local do trabalho honesto, das quitandeiras, ou seja, das
mamãs dignas de todo o respeito, torna-se o local de burla, do roubo, da Desordem –
em consonância com as mudanças que a sociedade sofreu ao longo desse tempo -,
indiciando o desalento dos artífices do projeto que levou o país á independência,
1975(MACÊDO, 2006, p.50-54).
Ainda assim, é […] nessas fraturas e as continuidades entre o período colonial e o pós-
independência nas quais muitas mulheres africanas forjam a determinação de significados e as
realizações de uma outra cidadania (CUNHA, 2006). É, pois sobre esse contexto, que iremos nos
debruçar no próximo capítulo, começando por analisar a forma como se desenvolveu o mercado de
trabalho angolano no pós-independência e, posteriormente as características que as “quitandas”
adquirem nesse período.
47
2 MERCADO DE TRABALHO, POLÍTICAS PÚBLICAS E INFORMALIDADE NA
ANGOLA PÓS-INDEPENDENTE
Neste capítulo trataremos de questões ligadas ao desenvolvimento do mercado de
trabalho, as políticas públicas e a informalidade na Angola pós-independente. O foco se o
inicio da década de 90. Três marcos históricos relevantes são destacados: o ano de 1975, data da
independência; 1992 que marca a realização das primeiras eleições multipartidárias e o conflito
pós-eleitoral de 1992 e o ano 2002 que representa o fim do conflito armado. Nossa abordagem
estará ancorada nas seguintes questões: que particularidade apresenta o mercado de trabalho
angolano no período pós-independência? De que modo no período em analise, se desenvolveu a
questão do trabalho feminino no sector informal? Antes, começaremos com uma referência aos
conceitos de economia urbana e economia informal
41
no sentido de fornecer uma delimitação
conceptual e a sua respectiva contextualização.
Por economia urbana subtende-se um “conjunto organizado, integrado e hierarquizado
de atividades que asseguram a satisfação das necessidades dos habitantes dos centros
urbanos” (VASCONCELOS, 1984 apud LOPES, 2008, p.105). De uma forma geral, a
41
A autoria do termo é atribuída ao antropólogo Keith Hart, que em 1971, cunhou o termo “economia informal”
para descrever o tipo de inserção dos imigrantes rurais do norte do Gana nas cidades do sul desse país. Pelo que
a literatura indica, a própria origem do termo esta ligada a uma pretensão de demarcar as formas de organização
da produção e possibilidade de inserção no mercado de trabalho que não correspondiam a estrutura das firmas e
relações trabalhistas predominantes nas economias centrais Nesta época, vai predominar a idéia de uma
economia informal, enquanto fenômeno susceptível de descrever e explicar os desequilíbrios estruturais da
urbanização na transição de África da democracia social para o neo-liberalismo. As atenções dos especialistas
concentram-se no chamado desemprego urbano”, cada vez mais acentuado pela migração de populações das
áreas rurais para os centros urbanos e a fraca capacidade da absorção desta força de trabalho. Estes estudos vão
constituir o primeiro momento da construção teórica, da conceituação apresentada pela OIT. O Dualismo
transitório foi um desses marcos teórico, que dominou esse período. Encara o desenvolvimento econômico como
uma transição entre uma economia-sociedade tradicional (ou arcaica, ou rural) e uma economia-sociedade
moderna (ou urbano-industrial). Segundo o referido modelo, existia uma transitoriedade nessa condição dual.
Nesse sentido reverter esse caráter dual seria uma questão de tempo, em ultima estância, caminho inexorável.
Uma outra vertente desse modelo, muito mais pessimista, postula que a heterogeneidade estrutural iria
reproduzir-se e os cenários futuros não surgiriam sociedades homogêneas, como no caso dos países centrais.
Esta perspectiva, que deu origem a uma ampla literatura conhecida como economia do desenvolvimento”,
tinha uma visão otimista do processo econômico nas nações subdesenvolvidas. Atingir a condição de
desenvolvimento era uma questão de tempo, tempo que poderia ser acelerado mediante políticas publicas
especiais, especialmente projetos industriais das sociedades do chamado Primeiro Mundo com todas as suas
singularidades, seriam o inexorável ponto de chegada. Duas características subsaiam,destas idéias inicias: a
ausência de uma categoria teórica como conseqüência de “não ter” desenvolvido densidade analítica e por outro,
o extremo empirismo que essas analises carregavam (RAMOS, 2007, p.116). Daí a idéia, por um lado, do sector
informal enquanto ocupado por analfabetos ou trabalhadores com pouca escolaridade. E por outro, a idéia
vinculada de economia informal enquanto sinônimo de ausência de regulamentação ou a sonegação de taxas
tributárias, retomaremos essas idéias mais adiante. Um outro marco importante da análise da informalidade
nestes estudos é a correlação simplista entre a pobreza e a forma de inserção no mercado (CACCIAMAL, 1983
apud BRAGA, 2005, p.28).
48
economia urbana das principais cidades africanas (e também de outros contextos) apresenta um
sistema estruturado em dois setores (ou subsistemas), o sector ou economia oficial e o sector ou
economia não oficial. Eles coexistem lado a lado e se inter-relacionam, chegando mesmo em
alguns casos a concorrerem por uma maior predominância no tecido sócio-econômico, não
pela sua dimensão social, mas também pelos fluxos financeiros que movimentam. Este sistema
da economia urbana forma um todo integrado e hierarquizado, no qual a economia não oficial
surge freqüentemente como periférica relativamente á economia oficial, privada e estatal. Ainda
assim, cada um desses subsistemas tem a sua organização, modo de regulação e hierarquias
próprias, exercendo cada um deles funções reguladoras relativamente ao outro. (LOPES, 2008,
p.106).
É nesse sentido que que distinguir esta informalidade do tipo de atividades econômicas
predominantes em África. Para além da informalidade que atravessa o trabalho no sector
formal, as atividades econômicas do tipo formal e as de tipo informal interligam-se e
articulam-se na prática. Entre o setor dominante e o sector informal existem relações de
conflito, mas também de complementaridade e de exploração ( TOURÉ,1985, ADAIR, 1997,
p.104).
A fluidez da inter-relação entre um e outro sector manifesta-se também na forma como
o formal integra o informal. As principais constatações apontam no sentido de economia
formal funcionar, em África, segundo as regras do informal, cedendo-lhe cada vez mais
espaço e importância, mantendo-se alguma formalização da economia apenas porque um
depende do outro. Os laços comunitários constituem, muitas vezes, o único modo de acesso a
um campo econômico socialmente constituído (LABAZÉE, 1995 apud RODRIGUES, 2006,
p.143).
Daí que se tornou lugar comum afirmar que, nos países da África subsaariana, as
atividades classificadas como não oficiais encontra-se em crescimento
42
e, em certos casos, os
seus atores protagonizam e estruturam redes econômicas e sociais que constituem um
exemplo de como a globalização atua em múltiplas e diferentes formas que assentam na
história, na cultura e em identidades que se podem tornar estratégias para o desenvolvimento
42
A essa expansão acentuada da economia informal urbana na África subsariana, particularmente a verificada ao
longo dos anos 90, os estudos têm apresentando múltiplos significados. Dentre os quais se destacam: o
pragmático: trata-se de regulamentar ou de Laissez-faire (ou ate mesmo encorajar)? O empírico: como
circunscrevê-lo e medi-lo? O analítico: quais são os fatores explicativos pertinentes: dualismo ou
complementaridade em relação ao setor oficial? (ADAIR, 1997). O critério de obediência à lei sobre duas
exigências distintas: a legalidade e a observância da regulamentação contábil ou fiscal. Essas duas exigências
remetem a dois tipos de atividades: assim, o contrabando é ilegal, mas a ausência de contabilidade – não
constitui delito (Adair, 1997, p.103).
49
(GRASSI, 2004). Neste sentido, a informalidade, aqui entendida como todo um conjunto de
relações de natureza econômica, jurídica, sociais ou burocráticas que não estando
reguladas parcial ou totalmente existem e fazem parte das regras de funcionamento da
sociedade e contribuem para que os padrões de reprodução da sociedade e economia
persistam” (MOSCA, 2009, p.2). Esta se apresenta como uma realidade multidimensional,
complexa diversificada e heterogênea.
Embora não exista nenhuma descrição ou definição universalmente aceite ou
considerada como exata da "economia informal", em geral entende-se que a expressão abrange
uma diversidade considerável de trabalhadores, empresas e empresários, todos eles dotados de
características identificáveis, que enfrentam desvantagens e problemas cuja intensidade varia
consoante o contexto, nacional, urbano ou rural. Segundo a Organização Internacional do
Trabalho, OIT (2006) a expressão "economia informal" é preferível à expressão "sector
informal"
43
, pois os trabalhadores e as empresas em questão não advêm de um sector de
atividade econômica, mas sim de vários. Na perspectiva da referida organização:
A expressão "economia informal" refere-se a todas as atividades econômicas de
trabalhadores e unidades econômicas que não são abrangidas, em virtude da
legislação ou da prática, por disposições formais. Estas atividades não entram no
âmbito de aplicação da legislação, o que significa que estes trabalhadores e unidades
operam à margem da lei; ou então não são abrangidos na prática, o que significa que
a legislação não lhes é aplicada, embora operem no âmbito da lei; ou, ainda, a
legislação não é respeitada por ser inadequada, gravosa ou por impor encargos
excessivos [ OIT, 2006, p.7].
De acordo com os objetivos preconizados pelo presente trabalho, consideramos
atividades informais todo um variado leque de atividades orientadas para o mercado e
realizadas com uma lógica de sobrevivência pelas populações que habitam os centros
urbanos dos países em desenvolvimento” (LOPES, 1998
,
p.8).
O peso sócio-econômico
dessas atividades teria como base, dentre outros, os seguintes fatores:
A sua capacidade em absorver os trabalhadores que de outra forma não teriam
trabalho nem rendimentos;
A maior parte daqueles que entram na economia informal não o fazem por escolha,
mas por necessidade absoluta;
43
Segundo a referida instituição esta expressão tende, porém, a minimizar a importância das ligações, das zonas
cinzentas e das interdependências que existem entre atividades formais e atividades informais.
50
Ser uma fonte potencial de criação de empregos e de rendimentos, pelo fato de ter um
acesso relativamente fácil, mesmo sem muita instrução ou qualificações, nem grandes
meios técnicos ou financeiros;
Permite também satisfazer as necessidades dos consumidores pobres, oferecendo bens
e serviços acessíveis a preços baixos.
No contexto em análise a economia ‘informal’, assim como o comércio, surge como
estratégia de sobrevivência dos pobres por incapacidade do que se chama por economia
formal em absorver o fator trabalho e de gerar rendimentos. Trata-se ainda de uma
conseqüência de desequilíbrios, distorções ou rupturas de mercado e de políticas desajustadas.
O comércio ‘informal’ termina, nesse caso, por se sustentar da economia e do comércio
‘formal’, estabelecendo relações de reforço mútuo [...] (MOSCA, 2009).
Temos reforçado a idéia de que a existência das atividades informais em Angola não
ser um fenômeno recente. Tratava-se de um sector relativamente fraco e encontrava o seu
espaço na periferia da economia formal, fortemente estruturada e caracterizada por uma
crescente indústria manufatureira. Eram constituídos por artesões, trabalhadores qualificados
e comerciantes retalhistas que vendiam nos mercados, num espaço regulamentado para venda.
Isto supunha ser detentor de uma licença dos produtos vendidos que eram de origem agro-
pastoral ou de registro de comércio das atividades exercidas; da mesma forma também era o
pagamento de impostos ou de taxas sobre o montante de negócios realizado. A amplitude e as
dimensões tomadas por este sector, nestes últimos anos, são uma conseqüência dos efeitos e
fatores provocados pela situação largamente evocada nas linhas anteriores, a crise social e
econômica que o país atravessa e as suas repercussões. Constitui pela sua dinâmica um
elemento de resposta ás disparidades registradas na maneira de gerir os recursos do país e sua
redistribuição não equitativa entres os agentes (NZATUZOLA, 2006).
2.1. Economia, política e sociedade na nação angolana
No contexto angolano, Luanda desde então desempenha um papel central no âmbito
econômico e político do país. A sua importância política e econômica, resulta da concentração
das infra-estruturas como o porto, aeroporto, ferroviárias e rodoviárias que asseguram a ligação
entre o litoral e o interior do país, os espaços exteriores, com a sede do Governo Nacional e
Provincial e com a presença de representações internacionais. Com uma população estimada em
51
cerca de cinco milhões de habitantes, perfazendo cerca de um quarto da população angolana,
Luanda é hoje o maior mercado do país, albergando possivelmente, a maior fração da força de
trabalho ativa na economia informal (AIP, 2006). Nas últimas duas décadas do século XX, a
cidade passou por transformações sociais, que incluem os efeitos do longo período de conflito
armado, uma urbanização rápida que conduziu a mudanças também rápidas aos mais diversos
níveis, caracterizado pelo rápido crescimento da população e a incapacidade das estruturais
estatais em proporcionar o básico para uma existência mais condigna perante o agravar das
situações de pobreza e exclusão social.
Em 11 de Novembro de 1975, após longo período de luta de libertação (que eclodiu
declaradamente em 1961), Angola alcança a sua independência, tomando o Movimento Popular
de Libertação de Angola (MPLA), as rédeas da condução da jovem república. Estabeleceu-se
de forma unilateral a República Popular de Angola, orientada para um modelo socialista, com a
cooperação da Ex-União Soviética. Desde então, os outros dois Movimentos de Libertação
preteridos na tomada do poder político nomeadamente a Frente Nacional de Libertação de
Angola (FNLA) e a União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA)
44
declaram
guerra ao MPLA. Daí que, desde a proclamação da sua independência, o país passou por um
longo período de conflito que se estendeu até o ano de 2002. Este conflito conheceu duas fases
distintas: O conflito durante a 1º República (1975-1991) e o conflito durante a República
(1992-2002). Mas a segunda fase deste conflito foi particularmente notável, não devido à
extrema violência que assumiu, mas também devido às várias tentativas de resolução pacífica
do conflito
45
. A morte de Jonas Savimbi, líder da UNITA a 22 de Fevereiro de 2002 marcou
uma fase com novas perspectivas de paz para Angola. Algumas semanas após a sua morte
foram dados vários passos para o alcance efetivo da paz. Em 4 de Abril de 2002, um
Memorando de Entendimento foi assinado no Luena, província do Móxico, entre as Forças
44
O primeiro liderado por Holden Roberto e o segundo por Jonas Malheiro Savimbi.
45
Dentre essas tentativas destacam-se, os Acordos de Bicesse assinados em 1991 entre o Governo angolano e a
UNITA tiveram como principais resoluções a assinatura do cessar-fogo por ambas as partes envolvidas no
conflito armado que durava longos anos, a transição política do sistema monopartidário para o
multipartidário e a conseqüente convocação das primeiras eleições gerais marcadas para Setembro de 1992.
Previa-se assim, com todo este processo, a pacificação total no território nacional. No entanto, sucedeu-se
completamente o contrário; com a vitória do MPLA nas eleições gerais e a conseqüente contestação dos
resultados por parte da UNITA conduziu o retorno ao conflito com proporções ainda mais alarmantes e
destruidoras. Este conflito notabilizou-se pelo caráter extremamente destrutivo e pelas violações sistemáticas das
leis de guerra e dos direitos humanos
45
. O Protocolo de Lusaka assinado em 1994 encerrou este novo conflito
militar por pouco tempo. Quatro anos mais tarde, isto é em 1998, Angola estava outra vez mergulhada numa
guerra que apenas conheceu o seu termo definitivo em Abril de 2002 com a assinatura do Memorando de
Entendimento do Luena, dois meses após a morte do líder da UNITA.
52
Armadas Angolanas e liderança militar da UNITA, pondo fim a cerca de 30 anos de guerra civil
em Angola.
Nas vésperas da independência, no inicio dos anos 70, Angola era o quarto produtor
mundial (depois do Brasil, Colômbia e Costa do Marfim) de café (seu principal produto de
exportação até 1973).
46
O terceiro produtor mundial de sisal e outras produções agrícolas como
o tabaco e o algodão. Tratava-se de uma economia baseada no setor primário, com ênfase para a
agricultura comercial, evidenciando um baixo investimento na formação do capital humano e
um desenvolvimento regional marcadamente desigual. A partir dos meados da década de 60,
com o levantamento das restrições aos investimentos estrangeiros, o setor extrativo com
produção petrolífera, diamantífera e de ferro ganha nova dinâmica. No caso do diamante,
elevou o país, ao nível de quarto maior produtor mundial, isto no inicio da década de 1970
(AIP, 2006). Os produtos agrícolas, e os produtos minerais não derivados do petróleo, no
principio da década de 70, representavam a quase totalidade das divisas do país, na década de
80, a sua contribuição nas receitas do Estado tornou-se quase marginal. Os petróleos acabaram
por dar ao país uma estrutura econômica nova, completamente distinta da estrutura herdada do
colonialismo, colocando os dirigentes do país diante de novos desafios [...] (CALEY, 1996,
p.136).
Tabela 1 - Estrutura das exportações de Angola
(em percentagem)
1978 1985 1988 1989 1990 1991 1992
Petróleo bruto, prod.
Refinados e gás natural
66.4 93.0 90.6 91.0 93.8 92.0 92.6
Diamantes
8.6 3.3 7.4 7.6 6.2 5.5 7.3
Agro
-alimentares
(nomeadamente café)
23.3 3.5 0.8 0.4 0.1 0.1 0.1
Fonte: Ferreira (1995) apud Caley (1996, p.140)
46
De referir que a produção de café atingiu um crescimento acentaudo entre 1941 e a primeira metade da
década de 1970, passando de 14. 184 toneladas em 1941 para cerca de 242. 000 toneladas em 1972/73 (Hodges,
1987 apud AIP, 2006, p.9).
53
Pelo que indicam alguns estudos, o ano de 1974, período mais próximo da transição
para independência, foi um momento particularmente difícil. Neste período Angola apresentava
as características essenciais de uma economia colonial, desarticulada no seu interior – economia
em vias de formação e articulada externamente a metrópole colonial (ROCHA, 1986). Com a
independência, se evidência um clima de degradação econômica e de recomposição do tecido
social angolano. A descrição que se segue, espelha bem o contexto econômico, social e político
que se viveu nos primeiros momentos de independência:
Em 1975, o nosso povo conquistou o direito à autodeterminação e independência,
mas, lamentavelmente, em situação de guerra civil. Com o alastramento da guerra,
mais de 350.000 quadros, portugueses e angolanos, abandonaram o nosso país. De
repente, perderam-se, mais ou menos, 30.000 técnicos superiores e médios; cerca de
153.000 viaturas, das quais 28.000 veículos pesados, ficando o parque automóvel
reduzido a 8.000 meios rolantes; embarcações pesqueiras foram desviadas para
outros países; perto de 2.500 empresas do sector produtivo deixaram de funcionar;
dezenas de pontes foram destruídas; serviços de administração pública e
estabelecimentos comerciais deixaram de funcionar… Só, entre 1975 e 1982, as
invasões levadas a cabo pelas forças do apartheid causaram prejuízos a Angola,
estimados em cerca de 12 mil milhões de dólares (ZAU, 2008, p.?).
As circunstâncias em que se deu independência determinaram profundas alterações
no modelo organizativo político-econômico de Angola. O comércio interno, pela instauração de
um monopólio de Estado
47
, passou a garantir o abastecimento das populações através de
empresas estatais grossistas e retalhistas (RODRIGUES, 2006). Segundo algumas estimativas, a
economia angolana atinge o seu ponto mais baixo em 1976, havendo uma ligeira recuperação
até inícios da década de 1980. Nesse período, segundo dados apresentados por Rocha (1986), o
sistema de preços deixa de traduzir os custos reais de produção e a escassez relativa dos
recursos e produtos, as unidades industriais enfrentam problemas diários de elaboração,
decorrentes de paralisações, cortes de energia, falta de matérias-primas, ausência de
enquadramento técnico e gestão. A escassez de produtos, os seus racionamentos e distribuição
centralizada, associados a um crescimento acelerado da população e ao esvaziamento
progressivo do poder de compra dos salários da função pública, refletiram-se rapidamente na
procura desses bens. A busca por obtenção de rendimentos adicionais nos mercados paralelos,
em particular nos que começavam a surgir, nos últimos anos da década de 70, nos bairros
periféricos, foi a tentativa para responder à demanda da população. A essa altura, como aponta
o Jornal de Angola:
47
Esse processo de estatização das economias, ou as suas circunstâncias foram semelhantes em quase todas
as ex-colonias portuguesas: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São-Tomé e Principe.
54
Assistimos ao aparecimento de praças paralelas, em algumas áreas da capital, com
nomes viajados do outro lado do Atlântico, por exemplo, a chamada “Roque
Santeiro”. O maior espanto consiste em saber como, por quem, são abastecidos com
tanta coisa de de fora em quantidades invejáveis. De tudo um pouco existe, tanto
no “Cala-Boca” como no Roque Santeiro com maior expoente para o último neste
momento, não esquecendo algumas sucursais eu estão a ser “promovidas”, como
uma delas a do Calemba (JORNAL DE ANGOLA, 26/07/87)
Em função desta resposta popular, aqui importa referir que a reação da população não
se limitou apenas a explosão de novos mercados, mas, também a uma rie de “estratagemas”
cotidianos. Como se pode exemplificar, a opção pela pluriatividade, geralmente uma no
funcionalismo público e outra no sector não oficial. Grande parte dos produtos comercializados
nos mercados paralelos provinha de desvios efetuados por funcionários das instituições ligadas
ao comércio interno. Muitos cidadãos possuírem mais de um cartão de abastecimento também
com conivência de funcionários estatais. Tais “esquemas”
48
encontraram cumplicidade dentro
das instituições do Estado. Parece ser nesta época que, na ausência de um diálogo Estado e
Cidadão, incrementam-se as intermediações com o poder público, que resulta no aumenta do
tráfico de influência: expressos na figura dos “padrinhos”
49
, na existência dos “corredores” ou
na prática da “gasosa”.
50
Deste modo, verifica-se dois movimentos distintos da emergência de
empresários nacionais em Angola: 1) aqueles que provêm do sector informal, basicamente no
comércio e na agricultura; 2) os que provêm da administração pública ou do sector estatal, em
vias de privatização num sentido “de cima para baixo” ao invés do anterior (MURTEIRA,
1995).
48
O termo entrou para o vocabulo da língua portuguesa angolana como capacidade de criar certas estratégias de
solução de alguns problemas, no geral relativo à sobrevivência e com o tempo ligado a atos de corrupção.
49
No contexto angolano figura influente que abre os corredores, aquele que presta tráfico de influência.
50
O que se foi verificando desde as independências aos dias de hoje, traduz uma situação de absoluta perda de
consciência dos problemas substantivos do continente. Na mesma esteira, se tem argumentado que, o facto de a
tarefa de modernização das sociedades africanas ter sido assumida, no período pós-colonial, por uma elite
política que, em vários momentos da história dos países africanos, se apresenta como agentes do
subdesenvolvimento, uma vez que, com suas práticas contribuem de maneira decisiva para a perpetuação desta
situação. Esta visão tem sido corroborada, por uma parte considerável da nova vaga de estudiosos africanos.
Nesta esteira, Kajibanga (2002) considera que, o primeiro aspecto que caracteriza a crise do Estado pós-colonial
em África, tem a ver com a venalidade da elite política, da classe dirigente que toma o poder. Segundo este
estudioso, a elite que tomou o poder nos Estados africanos pós-coloniais corresponde, na maioria dos casos, à
descrição do sociólogo italiano Gaetano Mosca classe dirigente”. Tendo esta, concentrado simultâneamente
em suas mãos, o poder socioeconómico, político, cultural e militar” (KAJIBANGA, 2002, p. ). Na mesma senda,
Tshiyembe e Bukassa, apresentam a classe dirigente africana nada mais, nada menos como (…) um batalhão
de predadores engajados ou de sanguessugas cuja principal bravura é a de não distinguirem os bens públicos
dos seus próprios bens”. Na opinião destes dois cientistas sociais africanos, a classe dirigente, assume-se regra
geral, como uma aristocracia burocrática e não como agente de promoção do desenvolvimento (apud Kajibanga
(2002, p.31)”. Total disfuncionalidade estrutural, irracionalidade cultural e vulnerabilidades de índole política,
económica, social e militar, são segundo estes autores, os aspectos estruturais do Estado pós-colonial.
55
Perante o incremento das práticas econômicas paralelas, vamos assistir a uma atitude
de reação repressiva por parte das autoridades públicas e, à medida que se acentuava a crise
econômico-social e se configuravam os elementos potenciais de uma explosão social de
conseqüências imprevisíveis, impõem-se a necessidade de ter em conta o fenômeno informal e
de tentar contê-lo. Adotando um tom agressivo, declara-se guerra ao mercado paralelo, por essa
altura, apelidado de Candonga
51
ou Processo 500:
O processo 500 foi longe de mais; pois, tal comportamento, que não se coaduna
com o que pretendemos que seja a nossa sociedade, ganhou proporções tão grandes
que certamente só um conjugar de esforços a nível superior, será possível seu
combate. Que desde o processo 500 seja agendado no quadro das prioridades
como uma direção de combate a considerar, é preciso, é imperioso que se mova uma
ação eficaz de desencorajamento contra todos os indivíduos que alimentam os
mercados paralelos a partir das portas da Loja Franca, sancionando todos os que,
ostensivamente se manifestam contrários às leis vigentes na República Popular de
Angola (JORNAL DE ANGOLA, 13/02/87)
.
2.1.1 Economia angolana e o contexto internacional
A partir dos finais da cada de 80, com a implementação dos programas neoliberais
de ajustes, o Fundo Monetário Internacional - FMI e o Banco Mundial- BM, passam a dominar
o cotidiano da política econômica dos países penhorados. Nesse sentido, as reformas exigidas
por estas organizações evidenciam Estados amorfos e omni-impotentes (MURTEIRA, 1995).
No que concerne ao papel do Banco Mundial, CASTRO (2004) defende a tese segundo a qual:
A intervenção que sugere para as chamadas nações em desenvolvimento tem raízes
numa determinada concepção de mundo, que interpreta as relações no cenário
mundial como um sistema orgânico, no qual cada país tem uma determinada função
na divisão internacional do trabalho. Dessa forma, é entregue aos países
51
Trata-se de um termo de origem Kimbundu que entra no vocábulo do português falado em Angola para
designar o negócio ilicito e clandestino enquanto fonte de enrequecimento, especulação no mercado paralelo,
comércio de rua. Nesse sentido, é candongueiro o sujeito que exerce uma atividade à margem da lei.
Inicialmente aplicada a todo tipo de atividades paralelas que se começaram a multiplicar no final dos anos 70,
no quadro da economia centralizada de matriz socialista, a designação acabou por ficar confinada aos
operadores envolvidos no transporte não oficial de passageiros e mercadorias. Atualmente verifica-se uma
tendência de substituir o termo candongueiro por Taxistas.
56
subdesenvolvidos o papel de produtores de bens primários e de manufaturas com
baixo valor agregado e baixa consistência tecnológica. O desenvolvimento almejado
para os mesmos é algo, portanto, limitado, no qual não amadureceriam uma
capacidade tecnológica e científica mais complexa, mantendo-se sujeitos ao que é
produzido pelas potências industriais (CASTRO, 2004, p.).
Nesse sentido, Gonçalves e Junior (2002
)
, referem que a presença do Banco Mundial e
de outras instituições de organização do capitalismo internacional, como estimuladores e
financiadores, revela que os estudos da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre o
sector informal, certamente não foram alimentados pela mera curiosidade científica, ou por
preocupações sociais e econômicas, tendo suas origens enraizadas nas "preocupações" dos
países onde se concentra o capital, em compreender sobre que condições estavam estabelecidas
as relações produtivas nos países que não passavam por um processo de industrialização ou
eram semi-industrializados, para assim traçar, a partir das informações encontradas, formas de
desenvolvimento e de fortalecimento das relações capitalistas de produção nestes territórios.
A
respeito desta ideia de mundialização da economia, Rocha refere que:
A integração global e a mundialização andam a par com o neoliberalismo que, na
sua tese fundamental, sustenta que o mercado é bom e as intervenções do Estado
más: desregulamentação em vez de supervisão do Estado, liberalização do mercado
e da circulação de capitais e privatização das empresas nacionalizadas, são estas as
armas estratégicas com que a doutrina da mundialização se apresenta e que
praticamente todas as economias do mundo têm de seguir para serem competitivas
(ROCHA, 2004, p.89).
Este quadro faz com que Murteira (1995) ao caracterizar o período histórico no qual se
desenrolaram as independências das ex-coloniais portuguesas, apresente alguns marcos
históricos mundiais importantes que vão caracterizar este contexto, mormente: 1) a crise
econômica mundial de grandes proporções; 2) afirmação da nova ordem economia
internacional e dos princípios do desenvolvimento auto-centrado, como características
ideológicas do terceiro mundo. Na opinião do referido autor, a ideologia que reinava era que, “à
independência política seguiria a libertação econômica com relativa desconexão do sistema
capitalista. Daí que, por posição ideológica e por forças das circunstâncias vai se assistir uma
ampla estatização das suas economias, com particular incidência no sector comercial”
(MURTEIRA, 1995, p.).
Diante desta panorâmica, fica cada vez mais em evidência a idéia de que, os
programas de desenvolvimento e as políticas econômicas estarão, invariavelmente, condenadas
ao insucesso se concebidas e elaborados sem a conjugação de fatores econômicos, sociais e
57
culturais, sendo nesta complementaridade que o pensamento africano se deve constituir e
aprofundar, de modo a serem apresentadas alternativas muito mais credíveis para a
ultrapassagem do atraso econômico do continente (ROCHA, 2004). Ainda assim: “mesmo
depois das demandas para o desenvolvimento terem se evidenciado em autênticos fracassos, a
cooperação para o desenvolvimento, continua mesmo sem desenvolvimento” (MILANDO,
2005, p. 14).
Nesse contexto, em 1987, Angola entra num processo de transição econômica, saindo
gradualmente de uma economia centralizada e planificada para uma economia de mercado. O
programa de Saneamento Econômico e Financeiro (SEF), tendo apoio de instituições
estrangeiras, foi à via apontada pelo ComiCentral do MPLA, na sua XIX Sessão Ordinária,
para implementação das decisões saídas do II Congresso, constituindo seu objetivo
fundamental, à criação de condições para o processo de estabilização e recuperação econômica
através da aplicação de uma revisão do sistema de direção da economia e do saneamento das
contas do país (JORNAL DE ANGOLA, 01/11/87) O referido programa implantava “propostas
típicas de uma “economia de mercado”, exigindo ajustes cambiais, melhoria de eficiência,
valorização do sistema de preços e da concorrência, revelando, de certo modo, alguma
consonância com os propósitos encontrados nas posições liberais das citadas instituições
internacionais” (MENEZES, 2000, p.37-38.).
Contudo, a adoção dessa tendência econômico-política exigiu uma nova aparência
política: o multipartidarismo, a transição política do monopartidarismo para o
multipartidarismo, e com ela a transição econômica da economia de controlo estatal para uma
economia de mercado, se efetivou entre 1991/1992. Essa reorientação da economia
angolana, avança o autor acima citado, apresentou três fases distintas: i) uma aproximação ás
instituições multilaterais de fomento internacionais; iii) o aconselhamento dos técnicos desses
organismos às autoridades angolanas, possibilitando a incorporação de idéias sobre a
necessidade de reformas econômicas; iii) a implementação das medidas práticas de reformas
(programas de estabilização) que conduziriam a mudanças de rumo.
(MENEZES, 2000, p.336)
É importante salientar que, por essa altura a economia informal deixa de ser meramente
paralela e passa então a ocupar um papel central, já que grande parte das estratégias de
sobrevivência dos luandenses girava em torno dela (FILHO, 2000).
58
2.2 Dinâmicas do mercado de trabalho
Durante o período de conflito, a dinâmica do mercado de trabalho em Angola foi
grandemente afetada. A guerra trouxe a desestruturação econômica e social do país, afetando
primeiramente e de sobremaneira as zonas rurais onde até então vivia cerca de 70% da
população angolana, sendo que por altura da independência se estimava que 60% de toda a
força de trabalho angolana trabalhava na agricultura. O conflito armado interrompeu as
atividades agrícolas, levou ao encerramento da maioria do parque industrial, à distribuição de
pontes, estradas, barragens e caminhos-de-ferro e à ruptura gradual do sistema de saúde e de
educação (PEREIRA, 2004).
O quadro de violência, caracterizado pelo o terror dos massacres, da queima das
habitações, das pilhagens, dos raptos e das violações, fez com que parte significativa desta
população abandonasse o interior do país e migrasse para os centros urbanos mais próximos em
busca de trabalho e de segurança. As áreas urbanas como resultado destas deslocações,
conheceram um crescimento populacional extremamente rápido, sendo a cidade de Luanda pela
relativa estabilidade sócio-política constituiu o principal pólo de atração para estas migrações.
Estima-se que no ano de 2002, numa cidade inicialmente projetada para albergar 500 mil
habitantes, viviam em Luanda mais de quatro milhões de pessoas sendo muitas vezes referidos
valores próximos dos quatro a cinco milhões
52
. Conforme relatam Robson & Roque (2001):
Luanda, a capital do país, sob uma pressão tem conhecido um explosivo e
descontrolado crescimento populacional induzido pelas sucessivas vagas de guerra,
pelos imigrantes atraídos à cidade pela miragem de melhores condições de vida e
por elevadas taxas de crescimento natural.
53
A cidade constitui o refúgio mais
procurado durante as guerras que tiveram lugar ao longo dos anos 90.
54
A cidade
estendeu-se ainda mais, foram ocupadas áreas novas nos municípios de Cacuaco,
Samba, Viana e Kilamba Kiaxi (ROBSON & ROQUE 2001, p. 34).
52
Um dos efeitos do quadro de transformações sociais que caracterizaram a cidade de Luanda, acentou a sua
característica cosmopolita, albergando populações vindas do interior do país, mas também pessoas das diferentes
partes do globo particularmente o crescente número de imigrantes provenientes de países africanos.
53
O conflito militar, agudizou o isolamento e a crise econômica nas zonas rurais e, contribuiu para o abandono
do campo para as cidades, sobretudo da população jovem, mesmo quando a insegurança não está em causa. As
pessoas migram (e se deslocam por isso) e por vezes se declaram deslocadas por várias razões: não apenas
devido a uma ameaça direta ou a um acontecimento definido, mas também devido ao colapso da economia, a um
sentimento de insegurança, a rumores ou boatos de ataques iminentes ou por sentirem uma ausência de
perspectiva e de esperança no lugar onde vivem (Robson e Roque, 2001, p.44).
54
No ano 2000, estimava-se que 20% da população de Angola residia em Luanda e que 17% viva em outras
áreas urbanas
59
Esta súbita concentração de pessoas nas áreas urbanas, aliada as mudanças estruturais
que ocorreram na economia angolana devido ao conflito armado, gerou uma procura acentuada
por trabalho, forçando um grande número de pessoas a encontrar várias formas de
sobrevivência nas atividades informais, a cidade de Luanda apesar de mais segura, não
apresentava postos de empregos suficientemente disponíveis.
55
O Estado foi capaz de criar
novos empregos ao mesmo ritmo em que as populações migravam para as cidades. Estado não
teve também capacidade de assistir condignamente estas populações, impossibilitados de
empregos no sector formal, “inventeram” empregos para si próprios e para os seus familiares.
Abriu-se deste modo o caminho para o enorme desenvolvimento das atividades comerciais
informais, verificados, nos inícios da década de 90.
Tabela2: Distribuição da população Urbana e Rural e densidade Demográfica,
Angola 1970-2005
DISTRIBUIÇÃO DA
POPULAÇÃO (%)
DENSIDADE
DEMOGRÁFICA
ANOS
Urbana Rural Total
1970 14,1 85,9 4,5
1980 25,4 74,6 5,7
1990 38,7 61,3 7,7
2000 48,4 51,6 10,5
2005 49,0 51,0 12,2
Fonte: Ribeiro (2007) apud Serra (2007, p.2)
Como dito, o período de 1992-2002, torna-se um marco histórico particularmente
importante para análise das dinâmicas do mercado de trabalho angolano. Denominado de
tripla-transição e o exacerbar da crise social” (A-IP, 2006), tem inicio logo a seguir as
eleições de Setembro de 1992 e, marca um processo de profundas alterações na situação
socioeconômica do país, como resultado de três tipos de transição que ocorreram em
simultâneo: i) a transição de um regime político monopartidário para um regime democrático
pluralista; ii) a transição de uma economia de planificação centralizada para uma de mercado;
iii) a transição de um período de guerra para outro de paz, o que pressupõe uma reorientação do
processo de planificação política de situação de emergência para outra de desenvolvimento de
longo prazo (A-IP,2006).
55
O Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD (1998) conclui que os pobres
urbanos são geralmente migrantes das áreas rurais.
60
Neste referido período vamos verificar um considerável aumento e dinâmicas das
atividades do sector informal urbano de Luanda. O rápido aumento das populações nos centros
urbanos
56
, agravado pelos grandes influxos de deslocados e o crescimento bastante lento das
oportunidades de emprego, os salários pouco atrativos do setor formal, fizeram de Luanda o
maior viveiro de “esquemas” de sobrevivência. A função pública aumenta drasticamente a sua
contribuição para a formação do sector informal, sendo que entre 1994/1995, o sector passa dos
37% para 57% (SOUSA, ADAUTA, 1996).
No final do período, os indicadores sociais do país situavam-se entre os piores do
mundo, refletindo uma clara degradação das condições de vida dos angolanos. A incidência de
pobreza que em 1995 estava estimada em 61%, atingia os cerca de 68% enquanto a pobreza
extrema duplicava no mesmo período, passando de cerca de 13% em 1995 para cerca de 26%
em 2001 (Ibidem). Entre 2002 e 2004 registrou-se uma expansão da economia angolana, o PIB
cresceu a uma rápida taxa anual de 9,7%; entre 2005 e 2007, esperava-se um aumento do PIB
até 18%. Nas áreas urbanas, o índice de Gini de desigualdade aumentou de 0,45 em 1994-95 0,5
em 2001. O acesso a serviços de saúde e de educação de qualidade, ambos em fase crescente de
privatização, é um privilégio que apenas pode ser sustentado pelos mais ricos (SOGGE, 2006).
Tabela 3 - Incidência da pobreza, 1995 e 2000/2001
Grupos de pobreza Agregados familiares (%) Indivíduos (%)
1995 Não pobres
39,2 33,0
Moderadamente pobres 49,5 56,6
Extremamente pobres
11,3 13,4
2000/ Não pobres
36,8 31,8
2001 Moderadamente pobres
38,5 41,9
Extremamente pobres 24,7 26,3
Fonte: Vletter, 2002 (INE, 2001)
Este período, conforme referência feita atrás coincidiu com o reinício do conflito
armado em proporções ainda mais alarmantes e destruidoras. A intensidade do conflito
aumentou a pressão contínua sobre os grandes deslocamentos populacionais acelerando o
processo de urbanização num cenário marcado pelos altos índices de pobreza e escassez de
oportunidades de emprego. Famílias inteiras foram forçadas a “procurar a vida” no atraente
56
A proporção da população urbana estimada em 66% e da população rural de 34%, o que é quase o oposto da
situação em meados dos anos 90.
61
mercado informal, como fonte alternativa de rendimento.
A capital do país transformou-se naquilo que é talvez o maior laboratório de
estratégias de sobrevivência do mundo, que os meios de subsistência mais
convencionais, como o emprego assalariado, ou não existem ou não são atrativos.
Centenas de milhar de residentes urbanos sobrevivem, convertendo pacientemente
um reduzidíssimo capital em rendimento (VLETTER, 2002, p.9).
Estima-se que 27% dos agregados familiares angolanos são chefiados por mulheres e
mais de metade das mulheres chefes de agregados familiares não sabem ler nem escrever, com
disparidades muito elevadas entre homens e mulheres. Como razões subjacentes ao incremento
de agregados familiares encabeçados por mulheres são várias, tem-se apresentado a guerra e seu
impacto como responsáveis pelo aumento do fardo de trabalho das mulheres. elas assumiram
uma maior responsabilidade pelas atividades desenvolvidas normalmente pelos homens como a
provisão do lar, disciplina dos filhos, construção e reparação de casas, contacto com os líderes
comunitários e cumprimento de obrigações sociais e religiosas (DUCADOS, 2002).
Em 2001 os gastos com o setor da educação representam apenas 4.7 das despesas
orçamentais totais em Angola. Apenas 54% das mulheres sabem ler e escrever em contraste que
82% de homens, o que significa que os homens têm uma probabilidade de 50% maior de serem
alfabetizados. Os efeitos da pobreza nas discrepâncias de gênero parecem indicar que os
agregados familiares, tendem a dar prioridade à educação dos rapazes. Quando não existem
recursos suficientes para enviar a escola todos os membros do agregado, parece ser as raparigas
que se encontram privadas de freqüentar o ensino e, em grande parte dos casos serem
mobilizadas para exercerem algum tipo de negócio, para captação de recursos para o sustento
da família (MICS,). Essa situação reflete também o fraco investimento que o governo Angolano
tem feito no setor educativo, estando por bastante distante da média dos países da Comunidade
para o Desenvolvimento da Á SADC, como ilustra a tabela a seguir.
62
Tabela 4 - Pertentagem dos setores da Educação nas despesas governamentais nos
países membros da SADC (1997-2001)
Países
Percentagem do setor da educação
nas despesas governamentais
Angola 4.7
Zâmbia 9.6
Tanzânia 13.6
África do Sul 22.1
Zimbábwe 23
Botswana 23.1
Namíbia 24.3
Média SADC 16.7
A essa altura, o mercado de trabalho em Angola, é claramente dualista, onde a
economia formal abrange apenas uma parte minoritária da população economicamente ativa;
um elevado nível de abandono escolar, provocado por uma pressão antecipada sobre o mercado
de trabalho, principalmente de força de trabalho não qualificada. Como por exemplo a
necessidade de se enquadrar os excedentes militares, refugiados e mutilados de guerra que
necessitam de uma reinserção laboral que se adapta as suas condições psicossociais
(VLETTER, 2002).
Nessa época, as atividades do sector informal urbano se encontram em todos os
sectores da economia incluindo transporte, comunicação, construção civil, micro e médias
atividades artesanais e indústrias, confecção de vestuário, intermediário financeiro, atividades
comerciantes a retalho ou a grosso, industriais, confecções de vestuário, intermediário
financeiro, atividades comerciais a retalho ou a grosso, indústria alimentar, indústria de mobília
e a agricultura. Os seus agentes incluem sapateiros, vendedores ambulantes, vendedoras dos
mercados, agentes de câmbio, restauradores, taxistas e mecânicos auto, sendo constituídos na
sua maioria por mulheres. Além de incluírem grupos de jovens desempregados e menores,
deslocados de guerra, soldados desmobilizados e trabalhadores do sector público. O comércio
itinerante, o transporte e carregamento de mercadorias, os serviços de transportes informais e a
venda têm sido apontados como uma das principais formas de se exercer o trabalho informal
(PNUD, 1999).
Em Angola e particularmente em Luanda, a relação entre os dois sectores é quase
permanente, e tendência do sector informal ganhar mais preponderância. A crise, em que o
mercado vive ensombrado por elevadas taxas de desocupação, deixa em aberto a possibilidade
cada vez maior para o crescimento do mercado informal (LAUTIER apud VAN-DÚNEM,
63
2001, p.21). Desta feita, o mercado de trabalho apresenta traços característicos, podendo-se
destacar os seguintes: a supremacia do sector informal na economia; população ativa
majoritariamente jovem; desemprego feminino majoritário, para além de uma fraca inserção da
pessoa portadora de deficiência física no mercado de trabalho
(BAPTISTA
, 2005, p.33).
Uma das características marcantes do mercado informal em Luanda, como foi dito
antes, é, portanto a participação majoritária da população feminina. Para esse estrato da
população, o comércio a retalho e a intermediação financeira têm sido as atividades mais
freqüentes. No que diz respeito ao sector formal, destaca-se a diferenciação do desemprego
quanto ao sexo. O desemprego é superior entre as mulheres no emprego formal e deixa em
aberto a possibilidade de um aumento cada vez mais da participação feminina na liderança das
estratégias de sobrevivência e auto-emprego. A dificuldade das mulheres ingressarem no
mercado de trabalho e a sua participação, em massa, no mercado de trabalho informal, permite
em muitos casos que seu rendimento seja um contributo significativo no suporte do agregado
familiar (VAN-DÚNEM, 2001, p.20-23). Em 1995, na cidade de Luanda, a taxa de desemprego
era maior no seio das mulheres (36%) do que entre os homens (29%) As causas dessa situação
podem ser encontradas nos seguintes aspectos (CARVALHO, 2002 KIAMPUKU apud
BAPTISTA, 2003, p.34): A pouca oferta de empregos no sector formal; o mais baixo índice de
escolaridade que existe no seio das mulheres.
O sector petrolífero, caracterizado por taxas de investimento altas e pela presença
dominante do capital estrangeiro, tem como contraponto o resto da economia que se encontra
apoiada num aparelho produtivo precário, com sectores agrícolas e industriais paralisados e
com um sector não estruturado em crescimento (VAN-DÚNEM, 2001, p.17). A indústria do
petróleo é um enclave, se tivermos em conta que emprega menos de onze mil pessoas e quase
não ter qualquer ligação forward (para frente, ex. indústria petroquímica) ou backward (para
trás, ex. fornecimento de serviços, equipamentos) com a economia onshore (de base agro-
industrial). Entretanto, Caley (1996) no seu estudo a que temos feito referência, mostra como
essa pequena minoria que consegue emprego no setor petrolífero, tem usufruído de regalais
sociais e salários muito superiores, o que tem se revelado uma afluência de quadros para esse
setor. O que vários estudos têm mostrado (INE-MICS, 2001; Relatório Econômico de Angola,
2005) é que o crescimento baseado no setor petrolífero não se traduz automaticamente numa
extensa redistribuição dos rendimentos e numa criação de emprego. No caso da indústria
diamantífera proporciona mais empregos, mas encontra-se limitada de modo semelhante
(SOGGE, 2006, p.23).
64
O fato de a oferta ser inferior à procura faz com que os critérios de seleção sejam
bastante subjetivos sendo influenciados por fatores familiares (identidades sociais) ou por
fatores políticos (identidades políticas) ou ainda por fatores de caráter regional ou étnico
(identidades regionais ou étnicas). Referir que o fato de a atividade das companhias petrolíferas
não ter sido afetada pela guerra, uma vez que as áreas de operação se situavam longe do campo
de conflitos, foi decisivo para um crescimento sem precedentes desse setor (CALEY, 1996). A
estagnação do setor não-petrolífero da economia tem resultado altos níveis de desemprego e
subemprego, sobretudo nas áreas urbanas, que como temos vindo a referir, tiveram um
crescimento populacional extremamente rápido nos últimos anos. É nesta atmosfera de aumento
populacional e carências econômicas, que as atividades informais vai se tornar na tabua de
salvação para o grande contingente da população nas cidades.
Fatores socioeconômicos e culturais engendram uma situação em que a maior parte
dos esforços de desenvolvimento, que se verificam no país, tende a ignorar o potencial da
contribuição econômica e social da mulher e, por conseguinte, falham na mobilização e
aproveitamento dos benefícios do recurso humano vital que constituem (SERRA, 2007, p.4).
A este respeito, os resultados de um estudo realizado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento PUND (2000) denominado Políticas de Redução da Pobreza, Procurando
a Equidade e a Eficiência”, confirma a existência da maioria de mulheres no mercado informal:
na altura a realização do referido estudo 47% das mulheres trabalhava no sector informal, em
comparação com 27% de homens. O estudo constatou ainda que mais de metade dos adultos
urbanos economicamente ativos trabalhavam no sector informal. Como percentagem da
população adulta (entre 15 e 60 anos), 37% trabalhavam no sector informal, 35% trabalhavam
no sector público e no sector formal, ao passo que 28% eram estudantes ou não eram estudantes.
No ano de 2002 estimava-se, que as mulheres ocupavam 63,5% dos empregos no
sector informal e 33% no sector formal (AGÊNCIA SUECA PARA O DESENVOLVIMENTO
- ASDI, 2002). Em face dessa situação, temos assistido nos últimos tempos cada vez um
número maior de mulheres assumirem um papel ativo na busca de recursos econômicos para a
subsistência familiar. Todos os dias, ao sairmos a rua nos deparamos com centenas de mulheres
que percorrem as artérias da cidade, vendendo produtos de várias espécies, se precipitando em
busca de clientes. Outras tantas configuram de grosso modo as bancadas e as margens dos
mercados informais da capital. Grande parte delas, chefes de famílias sacrificando-se em prol
dos filhos e marido, para as quais em grande medida constituem as únicas fontes de
sobrevivência.
65
Porém, as razões da deterioração da economia angolana não podem ser apenas
atribuídas ao colapso daqueles setores e ao fator guerra, como é hábito afirmar. São
também as políticas assumidas pelo Governo ou da incapacidade de as implementar,
bem como fruto de atitudes e comportamentos coletivos e individuais que encontram
uma explicação no passado histórico de Angola (CALEY, 1996, p.136).
No caso particular de Luanda, estudos realizados em meados da cada de 90 dão
conta que, as taxas de atividade por sector (formal e informal), são mais elevadas para o
informal com desvios mais expressivos nas faixas etárias dos 10 aos 19 anos (adolescentes que
abandonam as escolas e em situação econômica difícil; deslocados de guerra) e
significativamente a partir dos 55 anos. Sendo que a taxa mais elevada de desemprego são
encontradas no sector formal. A essa altura, o sector informal assegurava, de forma exclusiva, a
subsistência de 42% das famílias luandenses e representava 56% de 1.017 milhões de pessoas
que constituem a população economicamente ativa na capital angolana (SOUSA,
ADAUTA.1996, p.6).
57
Constata-se a par disso, o acentuar das desigualdades sociais e dos níveis de pobreza
num país em que o econômico e o social ainda se encontram reféns do partidarismo e da
militância política. O país parece estar a viver a então denominada nova era das
desigualdades” (FITOUSSI & ROSANVALLON, 1997 apud RAMALHO & SANTANA
2004), caracterizada pela perda de institutos de proteção social, pelo aumento das taxas de
pobreza global, pelo aumento das disparidades, e, sobretudo, pela ampliação das margens de
vulnerabilidade social e econômica. O controlo sobre os sectores comerciais está geralmente
nas mãos da elite política, de magnatas comerciais e oficiais do exército com poderes
privilegiados para importar bens. O que se verifica, é o crescimento de uma economia do
petróleo e elitista, enquanto, no campo da economia real: a pobreza e as desigualdades sociais
se constituem em severas marcas do quotidiano de milhões de angolanos. Persistem e
aumentam mecanismos de repartição desigualitária e assimétrica do rendimento nacional.
Persistem e aumentam, mecanismos de repartição desigualitária e assimétrica do
rendimento nacional, a legislação não podia deixar de se refletir de maneira negativa na prática
quotidiana dos operadores informais que assistem as suas aspirações e os seus direitos enquanto
cidadãos constantemente violados.
57
Isso num contexto em que a população empregada estimada para Luanda situava-se ao redor de 689 mil
pessoas, das quais, 37% ligadas a atividades formais. A população feminina correspondia a 48.6% do total e
concentra-se majoritariamente no sector informal com 63.5% dos postos de trabalho. Em contrapartida o sector
formal é dominado pelos homens com 67% do total de empregos. Esta distribuição é indicadora de uma
segmentação clara do mercado através da feminização do sector informal (SOUSA, 1996).
66
3 ITINERÁRIO METODOLÓGICO E TRABALHO DE CAMPO
3.1 Objeto e delimitação do universo em estudo
Este capítulo tem por finalidade a descrição dos processos metodológicos adotados no
decorrer da investigação, incluímos nele a descrição do desenrolar do trabalho de campo, a
panorâmica do universo estudado, bem como os instrumentos e procedimentos de recolha e
análise de dados. O presente estudo pode se definir como compreensivo, descritivo e
qualitativo. Nesse contexto, será, pois, de registrar que, a questão central que se coloca neste
tipo de análise, não é a definição de uma imensidade de sujeitos estatisticamente
“representativos”, mas sim uma pequena dimensão de sujeitos “socialmente significativos”,
reportando-os à diversidade das culturas, opiniões, expectativas e à unidade do gênero humano
(GUERRA, 2006, p.20). Neste caso, trabalhar qualitativamente significa dar conta de entrelaçar
a dimensão pessoal e subjetiva com a estrutura social. Sendo que, o relato de uma pessoa sobre
a sua própria vida, seus valores, sua cultura, não podem deixar de conter dimensões subjetivas
(GONÇALVES & LISBOA, 2007, p.87).
Antes de nos atermos aos aspectos acima mencionados, julgamos ser conveniente
proceder a uma breve apresentação do grupo alvo da pesquisa, destacando a partida que o
mesmo não constitui um grupo homogêneo, não obstante estarmos a agrupá-las sobre uma
mesma denominação, a de comerciantes de rua.
As nossas interlocutoras serão aqui denominadas por comerciantes de rua, se tivermos
em conta que, o termo será utilizado ao longo do trabalho, de forma genérica, para fazer
menção às mulheres que desenvolvem atividade comercial na rua, fora dos mercados
municipais.
58
Se apelarmos para forma do exercício da atividade, a pesquisa abarcou duas
categorias: comerciantes fixas e ambulantes. No primeiro grupo trabalhamos com as cambistas
de rua, habitualmente denominadas por kinguilas. No segundo temos as vendedoras
ambulantes, apelidas de zungueiras. As duas categorias são constituídas majoritariamente por
mulheres que trabalham por conta própria. Constituíram a «amostra» do estudo, (33)
comerciantes dentre as quais (26) são zungueiras e (7) são kinguilas. O critério utilizado para
seleção das entrevistadas foi o da representatividade social (GUERRA, 2006), ou melhor,
58
Estes Mercados, segundo Lopes (2008), constituem um outro habitat para a atividade comercial informal.
Estando o seu surgimento consubstanciado as necessidades de segurança quer fisica, quer em relação a
perenidade dos direitos de propriedade dos vendedores de rua bem da necessidade de oferecer a clientela um
leque mais diversificado de bens e serviços (com a finalidade de criar maior capacidade de atração).
67
selecionamos pessoas que consideramos serem capazes de comunicar as suas percepções da
realidade através da experiência vivida e, excluindo qualquer pretensão em garantir a
representatividade estatística do grupo. As entrevistadas estão diferenciadas segundo a idade,
naturalidade, escolaridade, estado civil, número de membros no agregado familiar e tempo de
exercício da atividade.
3. 2 As estratégias e técnicas de pesquisa
A escolha das práticas de pesquisa depende das perguntas que são feitas, e as perguntas
por seu lado, dependem de seu contexto. Dai que, não um modo ótimo de fazer pesquisa
social, este caminho pode ser encontrado através de uma consciência adequada dos métodos, de
uma avaliação das suas vantagens e limitações e de uma compreensão de seu uso em diferentes
situações sociais, diferentes tipos de informações e diferentes problemas sociais (BAUER et. al,
2002).
Tendo em atenção estes procedimentos metodológicos, os dados da pesquisa foram
recolhidos por um lado, por intermédio de entrevistas semi-estruturadas e por outro, mediante
observações diretas do quotidiano dos entrevistados. A escolha dessas técnicas advêm do fato, de
os considerarmos serem capazes de nos garantirem uma amplitude na descrição, explicitação e
compreensão do nosso objeto de estudo. No caso da entrevista, partindo do pressuposto segundo
o qual, ela é tanto mais proveitosa quanto os discursos são para os entrevistados um meio
privilegiado de dar um sentido às suas experiências, uma ocasião de formularem, graças às
palavras, os modos pelos quais atribuem um significado respeitante ao que viveram
(SCHNAPPER, 2000, p.89). Por outro, a sua qualidade de adaptabilidade, uma vez que através
dela podemos explorar determinadas idéias, testar respostas, investigar motivos e documentos,
contribuíram de igual modo na sua escolha como instrumento privilegiado da pesquisa.
As entrevistas foram conduzidas com base numa grelha de temáticas pré-estabelecidas
(ver anexos) e, a partir dessas foram sendo formuladas as questões para as entrevistas, enquanto
que as outras que foram surgindo ao longo da pesquisa, serviram para repensar e readaptar as
temáticas inseridas grelha. O que resultou, numa estrutura flexível de modo a garantir que todos
os tópicos considerados cruciais fossem abordados, possibilitando desse modo, uma margem
considerável de movimentos aos entrevistados.
Ao efetuar entrevistas buscamos garantir a participação voluntária das entrevistadas. As
entrevistas não foram desenvolvidas de maneira uniforme, sendo que, algumas foram realizadas
68
apenas nos pontos de venda, ao passo que outras extrapolaram para os locais de residência,
permitindo que se remarcasse conversa para um dia posterior. Para esse segundo caso, foi
necessário apelar ás redes de conhecimento entre pesquisador e vendedoras, pois, somente com a
ajuda de algumas vendedoras conhecidas foi possível estabelecer um clima de confiança que
permitisse ter acesso ás residências destas ou retornar e localizá-las num dia posterior. Com o
objetivo de garantir a captação das falas das entrevistadas, procedemos á gravação sonora das
entrevistas. As transcrições foram efetuadas em consonância a realização das entrevistas.
Por seu lado, a utilização da técnica de observação direta
59
foi desenvolvida no sentido
de, aliada as entrevistas poder nos permitir desvendar os traços específicos do fenômeno em
análise, a concessão das anotações de campo, bem como possibilitar o mapeamento das áreas em
estudo em termos de atividades, mercados e mercadorias, espaços existentes, nos quais se
procurará identificarem acompanhar o cotidiano desses espaços de comércio, bem como as
estratégias diárias dos seus atores: desde a negociação com a clientela, os espaços de
sociabilidade; as redes sociais, os atores sociais envolvidos; os acontecimentos e interações
sociais quotidianas.
Estamos cientes de que tais instrumentos não constituem uma panacéia universal. No
caso das entrevistas, estamos atentos ao fato dela não restituir o “vivido”, mas antes da recolha
que faz do relato construído e reconstruído pelos entrevistados. Este relato propõe uma
reconstrução intelectual de um momento do passado, inevitavelmente orientado pela presença do
entrevistador, pelo trabalho de memória e pela significação que a evolução do presente ao
passado [...], ou seja, em nenhum dos casos ela, qualquer que seja a sua qualidade, traz, por si
mesma, a verdade sociológica que o pesquisador procura. Ademais, nenhum método permite, por
definição, recuperar o próprio “vivido” (SCHNAPPER, 2000, p.89), portanto não é a meta do
presente estudo.
Durante o processo de observação, nos deparamos com algumas cenas que, pensamos
serem ilustrativas do quotidiano do comércio de rua e seus operadores. Por este fato, fizemos à
utilização da fotografia como recurso de coleta de informações, com o objetivo de ilustrar o
universo em estudo. A fotografia como ferramenta de pesquisa, ajudou-nos a lembrar e verificar
59
Segundo Peretz (1998) a observação direta consiste em ser testemunho dos comportamentos sociais dos
individuos ou grupos nos próprios locais das suas atividades ou residências sem lhes alterar o seu ritmo normal.
Tem por finalidade a recolha e o registo de todas as componentes sociais da vida social que se apresenta à
percepção desta testemunha especial que é o observador. Este contata e estuda as pessoas , presencia os atos e os
estos a que as suas ações o origem, ouve as trocas de palavras, inventaria os objetos de que se rodeiam,
permutam ou produzem (PERETZ, 1997, p.24-28).
69
detalhes que, poderiam ser descurados (sic) se uma imagem fotográfica não estivesse disponível
para refleti-los (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p.189).
Uma vez que o raciocínio sociológico oscila inevitavelmente entre o pólo experimental
e o pólo histórico, entre o inquérito e a compreensão histórica. Será, pois, da confrontação entre
os resultados dos inquéritos e a reflexão mais alargada sobre a nossa sociedade, enquanto
sociedade histórica particular, que a compreensão sociológica adquire a sua originalidade
(SCHNAPPER, 2000). Com objetivo de por a presente pesquisa em harmonia com tal postulado,
efetuou-se uma pesquisa documental, atinente a informações historiográficas e recortes de
imprensa que abordam a temática da cidade, da economia informal e da presença da mulher
nesse setor. Estas pesquisas foram efetuadas junto do Arquivo Histórico Nacional, Arquivo do
Jornal de Angola e Bibliotecas de Luanda.
3.3 O trabalho de campo e a coleta de dados
A experiência de trabalho de campo constitui parte integrante da construção do nosso
objeto de investigação e, portanto, também parte do trabalho teórico e analítico sobre a
realidade social e cultural por nós estudada. O período de pesquisa de campo compreendeu duas
fases. A primeira, exploratória, decorreu entre inicio de Janeiro e primeira quinzena de
Fevereiro de 2008, teve como objetivo a recolha de subsídios para elaboração do projeto de
mestrado, durante este período, realizamos a recolha de depoimentos juntos de vendedoras mais
velhas dos mercados da Asa Branca
60
e Tunga Ngó.
61
A segunda fase foi realizada no decorrer
do primeiro semestre de 2009, entre os meses de janeiro e Maio. Os dados foram colhidos em
três (Cazenga, Rangel e Sambizanga) dos nove municípios da província de Luanda (Ingombota,
Maianga, Rangel, Cazenga, Kilamba Kiaxi, Sambizanga, Samba, Cacuaco e Viana
62
).
60
O mercado da Asa Branca surge por altura da exibição em Luanda da telenovela Brasileira Roque Santeiro e,
daí advém o nome. O ‘Asão” como é carinhosamente tratado pelos luandenses é um mercado localizado no
municipio do cazenga. Ficou bastante conhecido pela sua especialidade na venda de fardos de roupa usada.
Começou por ser um mercado ao ar livre e, depois de ser restruturado.
61
Ex-praça das corridas, segundo dados colhidos junto das nossas interlocutoras o termo Tunga ngó é uma
expressão da língua kimbundu que significa Constrói só. Constrói só, sem problema nenhum”. O “Tunga”
como é apelidado por vendedores e usuários é um mercado retalhista ao ar livre situado no município do Rangel.
62
O Município está dividido Administrativamente por três Comunas, a saber: Comuna da Terra Nova com 3
bairros; Vila Alice, Nelito Soares Sede e Terra Nova. Comuna do Rangel com três bairros; Precol reordena
mento do Rangel e Rangel Sede. Comuna do Marçal com três bairros; C.T.T., Zangado e Marçal Sede. O
Município do Cazenga geograficamente situa-se na Província de Luanda a Norte o Município do Cacuaco, a
Oeste o Município do Sambizanga, a Sul com os Municípios do Kilamba Kiaxi e Rangel e a Este o Município de
Viana e tem uma população estimada em 1.200.000 Habitantes. Com uma superfície terrestre estimada em 38.6
Km2, O Município tem três Comunas, nomeadamente: Comuna do Hoji ya Henda-Zona 17, Comuna do
Cazenga-Zona 18 e a Comuna do Tala Hady-Zona 19. A Comuna do Hoji ya Henda tem uma superfície de
70
Nesses Municipios foram identificados, os principais focos de comércio de rua e, foi
no interior destes que desenvolveu-se a pesquisa de campo
.
Estas áreas a partir de 1992 se
constituíram nos principais pontos de concentração de armazéns grossitas e consequentemente
de comércio de rua, exercido na sua maioria por mulheres e, ficaram conhecidas pelo termo
“arreiou”
63
. Daí o fato da pesquisa ter privilegiado estas áreas. Vamos em seguida mais
detalhadamente apresentar as áreas nas quais de desenrolou a pesquisa empírica.
3.3.1 As áreas em estudo
Para uma melhor delimitação, organizamo-las em três circuitos, correspondendo cada
um deles em grandes concentrações de comércio de rua O Circuito do mercado dos
Congolenses,
64
localizado na comuna da Terra-Nova o Bairro Nelito Soares, Município do
Rangel, este comportou: a Rua do Fundão, a Avenida Ngola Kiluanje (ex-Avenida Brasil) e a
Avenida Deolinda Rodrigues; O circuito do Hoji ya Henda, localizado bairro Santo António
município do Cazenga e o Circuito do São Paulo, no Município do Sambizanga.. Passemos de
seguida a uma descrição particularizada de cada uma delas:
9.30Km2, com uma população estimada em 27.785 habitantes, distribuídos em 19 sectores e 6 bairros,
designadamente: O Bairro S. Pedro, S. João, Bairro da Madeira, S. António, 11 de Novembro, Adriano Moreira e
Mabor. A Comuna do Cazenga, tem uma superfície de 10.50Km2, com uma população estimada em 429.770
habitantes distribuídos em 21 Sectores e 5 Bairros, a saber: Bairro Cazenga Popular, Tunga Ngó, Curtume,
Sonefe, Comissão do Cazenga e 11 de Novembro. A Comuna do Tala Hady, como Comuna sede, tem uma
superfície de 18.80Km2, com uma população estimada em 211.591 habitantes . Distribuídos em sete Sectores e
cinco Bairros como: O Bairro Cariango, Vila Flor, Grafanil, Bairro da Madeira, Marcelo Caetano (Tala Hady). O
Município do Sambizanga situa-se geograficamente a Norte da Província de Luanda, tem uma estratégica nos
domínios econômicos, social e institucional. Este município com sede na comuna do mesmo nome tem um
posicionamento geográfico: Norte o município de Cacuaco, Sul: município de Ingombota; Este: os municípios
do Cazenga e do Rangel; Oeste: Oceano Atlântico e o município da Ingombota.
63
Significa baixou, desceu de preço o termo é utilizado pelas vendedoras (particularmente as zungueiras) por um
lado, para dar a conhecer a clientela a baixa de preços, ao mesmo tempo, constitui uma forma de concorrência
entre as vendedoras ambulantes. Daí, o fato da pesquisa ter privilegiado estas áreas.
64
Congolenses é um mercardo retalhista localizado no bairro bairro Nelito Soares, municipio do Rangel.
Desempenha uma função essencialmente retalhista. O nome do mercado, segundo recolha efetuada, es
associado à presença tanto no mercado como no bairro que o rodeia de angolanos de etnia kikongo.
71
Fig. 7- Divisão político-administrativa da província de Luanda em Municípios
a) Circuito dos congolenses, situado no Bairro Rangel possui uma localização
privilegiada tendo em conta a proximidade ao Mercado dos Congolenses e, ao
Estádio de São Paulo. As atividades de rua nesta zona são incontestavelmente
exercidas por mulheres.
Fig. 8 - Zungueiras, vendendo e fugindo da fiscalização nos arredores do mercado
dos congolenses
72
Até os finais da década de 80, as atividades comerciais nesta zona, estavam
consubstanciadas ao comércio de comida de rua (Quitutes como: Bombó
65
com ginguba
66
,
Mabanga
67
, milho assado, doce de coco e de ginguba) e a venda a retalho de pão e outros
pequenos produtos de primeira necessidade imprescindíveis a dieta dos seus moradores,
particularmente para ingredientes necessários para o mata-bicho.
68
A ocupação dos pontos de
venda era um privilegio das moradoras do bairro e arredores. Entretanto, as dinâmicas
verificadas nas ultimas décadas, vieram dar outro impulso ao comércio nesta zona. Falamos
particularmente do surgimento das cantinas e lojas de conveniência (a partir do inicio da década
de 90), e da atividade das, kinguilas. Dentre as inovações mais recentes podemos, destacar o
surgimento dos “jovens carregadores” ou Benguelenses, como são habitualmente designados,
trata-se de rapazes na sua maioria provenientes da região centro-sul do país, particularmente das
províncias de Benguela e Huambo. Que, atraídos pela possibilidade de negócios em Luanda,
souberam aproveitar as possibilidades de negócios que a cidade capital lhes oferece.
Particularmente as faltas constantes de água potável no bairro, fizeram surgir uma nova
categoria de carregadores, os vendedores de água. Fazem-no em carros de mão de madeira,
habitualmente conhecido por Cangulo. Água é transportada em vasilhas de plásticos de vinte
litros, cerca de seis vasilhas cada vinte litros, são comercializadas pelo valor de 500 a 600
kwanza (moeda angolana).
69
As especulações de preços nos dias de falta de água potável
causam indignação em muitos dos moradores.
65
Mandioca descascada, fermentada e seca.
66
Amendoim
67
Sururu
68
Pequeno almoço, café da manhã.
69
Na altura equivalente a oito dólares Norte-Americanos.
73
Fig. 9 – Vista do Bairro Nelito Soares
Existe outra vertente da atividade, seus operadores são geralmente denominados por
Roboteiros (carregadores de mercadorias). Sua pratica diária consiste em concentrar-se em
áreas de grande circulação de pessoas, mormente defronte aos mercados, lojas e armazéns a
espera de clientela. A falta de alternativas de transporte torna as vendedoras (tanto de rua como
de banca de mercado) nas maiores usuárias dos seus serviços, isto, durante as deslocações
diárias que efetuam para compra de mercadoria. Outros usuários são os populares que fazem
desses “arreióis” o seu shopping Center. Nas horas de pouco movimento, os roboteiros se
dedicam ao descarregamento de contentores de mercadorias que abastecem os armazéns. A
prática cotidiana confere a estes jovens rapazes a detenção da cartografia do bairro e arredores,
bem como um leque de informações bastante úteis para seus clientes, que vão desde o
conhecimento dos estabelecimentos que comercializam determinados produtos, com melhores
preços e qualidade.
74
Fig. 10 - Roboteiro nas imediações do mercado dos Congolenses
No decorrer das entrevistas pedimos aos Roboteiros que nos descrevessem por
palavras próprias a sua profissão. Através desta auto-identificação, nos apercebemos que, por
exemplo, o termo, roboteiro que foi muito utilizado para identificar os transportadores de
mercadorias não é muito apreciado pelos próprios. Eles nutrem maiores simpatias ou
preferência pelos termos carregador ou trabalhador que segundo dizem, são menos ofensivos e
dignos do trabalho exercido por eles, outros enquanto alegaram não se importar com este
aspecto.
Muitos dos vendedores ambulantes provenientes de outros pontos da cidade
aproveitam esta uma zona de grande circulação para ali comercializarem de forma temporária
os seus produtos. A reabilitação da estrada principal que acesso ao mercado dos congolenses
(Rua do Fundão) reativou a circulação de viaturas. Pode-se destacar a presença massiva dos
taxistas, vulgo camdongueiros que transformam a zona em pontos de táxi. Dentre os operadores
que exercem atividade neste circuito destacam: as kinguilas, as vendedoras de comida de rua, as
zungueiras que circulam pela zona, estabelecendo por vezes pontos de venda temporário; os
carregadores que prestam serviços aos moradores dos arredores (carregamento de mercadoria
ou de água), serralheiros, por vezes sapateiros, e as peixeiras. Em termos de estabelecimentos, a
zona comporta doze cantinas (sendo os proprietários na sua maioria indivíduos de
nacionalidade Guinense, Senegalesa e Maliana). Residências, dentre as quais se destacam os
75
famosos prédios construídos por militares cubanos na cada de 80 e cerca de oito ruas. Dois
estabelecimentos que comercializam refeições. No ano de 2008 algumas casas e cantinas foram
demolidas para dar lugar à construção de duas agências bancárias privadas.
Fig. 11 - Jovens zungueiros circulando nas imediações da Avenida Deolinda Rodrigues
Próximo ao mercado dos congolenses existe cerca de seis lojas que comercializam
eletrodomésticos e acessórios de viatura e, concentram ainda um elevado numero de jovens que
comercializam acessórios de viaturas e se dedicam a lavagem, consertos, pinturas de viaturas.
Basta que uma viatura estacione para que os jovens se precipitem a ofereceram os seus serviços
aos clientes que, compram determinado produto pela qualidade, bom preço ou muitas vezes
vencidos pelo cansaço. Bem em frente ao mercado, estabelecem-se kinguilas, engraxadores,
vendedores, vendedoras de frutas, cerveja e refrigerantes.
Uma das principais características desses espaços é a falta de saneamento básico, o
acumulo de lixo que se forma diante da intensa movimentação comercial que neles se
registram, a insegurança dos seus operados, fruto das ões de meliantes e dos agentes de
fiscalização do Governo da Província de Luanda. Geralmente as mulheres dedicam-se
simultaneamente a mais de uma atividade. A título de exemplo, as Kinguilas, também
comercializam algum tipo de mercadoria que vão desde: perfumes, venda de jóias de ouro e
prata, colchas, lençóis, recarga telefônica e, outros produtos manufaturados. No caso da venda
76
de comida de rua e outros produtos alimentícios, a comercialização é efetuada em bancas
improvisadas, geralmente a moda das antigas quitandeiras.
b) Circuito do Hoji ya Henda. De realçar que o bairro, particularmente estas duas
ruas Ngola Kiluanje e Porto Moniz, concentram um grande número de armazéns
grossistas e retalhistas, dos vários que existem em Luanda e, por essa razão,
concentram um elevado número de comerciantes de rua, dentre os quais
vendedores ambulantes na sua maioria. Por altura do trabalho de campo, o bairro e
a rua se encontravam em obras, o que implicou que temporariamente fossem
encerrados grande parte destes estabelecimentos, o que resultou que, grande parte
dos grossistas e retalhistas com as atividades comerciais registradas, se dedicam
temporariamente a venda de rua, dentre estes destacamos uma presença marcantes
de indivíduos provenientes do Mali, Costa do Marfim, Guiné Konacri, República
Democrática do Congo. O que implicou a reconfiguração dos espaços, das técnicas
de venda, assiste-se em raros casos, a introdução da pratica de venda por
consignação e, de apropriação de técnicas de vendas de ambos os lados,
vendedores nacionais e imigrantes. Timidamente vamos assistir o aparecimento de
“zungueiros” asiáticos que com suas técnicas e conhecida pericia nos negócios
fazem frentes às comerciantes nacionais.
Fig. 12Interior dos focos de venda na Rua Porto Moniz, Hoji ya Henda .
77
No comércio de rua, praticado nesta zona predominam as atividades de venda de roupa
e calçados. A configuração do comércio de rua nesta zona começa a mudar com o aparecimento
dos primeiros “armazéns dos senegaleses”, assim foram apelidados, por vendedores, moradores
e compradores. A predominância de mulheres de nacionalidade angolana tende agora a mudar
com a entrada massiva de comerciantes do sexo masculino de outras nacionalidades, mormente
os africanos da parte Oeste e um número ainda tímido de Asiáticos. A respeito deste aspecto,
um dos moradores entrevistados relatou o seguinte
Como não nada que vem do nada, começou na chamada Rua do Funchal, nos
finais de 1993. A princípio, começou num armazém que é o armazém central.
Aquilo, a principio era uma escola, onde eu fiz o ensino primário, depois os
senegaleses com a imigração deles aqui, alugaram aquilo para fins comerciais.
Deixou de ser escola e transformou-se em armazém onde exerciam a sua atividade
comercial, primeiro os senegaleses e depois os nigerianos. Com o passar do tempo
aquilo foi criando algumas filiais, alguns moradores começaram a alugar os seus
quintais que se transformaram em armazéns [Fonte: Entrevista, morador da Rua do
Funchal, Bairro Hoji ya Henda].
Neste espaço, as
mulheres dedicam-se essencialmente a venda de roupa intima
feminina, calçados e outros acessórios de beleza. A venda de fruta também é monopólio das
angolanas. O bairro tornou-se essencialmente morada de imigrantes, a semelhança do Bairro
Mártires do Kifangondo
70
grande parte dos moradores venderam ou arrendaram suas casas a
cidadãos estrangeiros. Na sua maioria as casas foram transformadas em armazéns e o bairro
tornou-se essencialmente um lugar de comércio. Entre os operadores informais e espaços
comerciais destacamos: carregadores, doleiros, zungueiros, venda de fardos de roupa usada. A
venda de produtos como água, é feita preferencialmente à beira das estradas. Os jovens
dedicam-se preferencialmente a venda de refrigerantes, água e cerveja (importada e nacional)
dispostas habitualmente em sacos de plásticos transparentes de 50 kg com gelo. A lavagem de
viaturas em via pública, o engraxe de sapatos e a venda de produtos manufaturados diversos
tem sido monopólio dos mais jovens biscateiros de várias faixas etárias.
No que se refere aos espaços, habitualmente são compostos por estabelecimentos,
cyber café, casas fotográficas (na sua maioria pertenças de chineses e tailandeses) armazéns de
pequenas e grandes dimensões, casas onde confeccionam refeições e por residências.
70
Situado no Municipio da Maianga, a denominação do referido bairo surge como uma homenagem aos
soldados mortos na histórica Batalha de Kifangongo travada a 10 de Novembro de 1975, entre as ex-Forças
Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) e tropas invasoras estrangeiras.
78
Geralmente, as portas dos estabelecimentos comerciais e as residências, servem de espaços de
venda e de sociabilidade, onde habitualmente vendedores, clientes, transeuntes e moradores
estabelecem relações comerciais e de sociabilidade. Por se tratar de uma área comercial, têm se
registrado alguns conflitos entre moradores e vendedores. Os primeiros reclamam do barulho e
do lixo deixado pelos vendedores, bem como o aumento dos índices de delinqüência no Bairro.
O próprio espaço de venda se constitui num espaço de sociabilidade. Entre os atores sociais
intervenientes nestes espaços, identificam-se vendedores, compradores, donos de pequenos
estabelecimentos, moradores do bairro, agentes da polícia nacional, seguranças de
estabelecimentos comerciais, fiscais e transeuntes.
c) O “Arreiou” do São Paulo, situado no Município do Sambizanga. Nesta zona o
comércio é igualmente exercido predominantemente por mulheres, aqui destacamos a zona das
gajajeiras (no bairro Zangado) onde as partes do rés-do-chão dos edifícios deram lugar aos
armazéns e os arredores do Mercado do São Paulo
71
, no bairro do São Paulo. As mulheres são
aos milhares, deambulando de um lado ao outro, da estrada ao asfalto e vice-versa, é quase
impossível transitar por estas paragens e não esbarrar-se em um vendedor a oferecer os
produtos que comercializam, quer estejas a ou de viatura. É também um dos locais, segundo
os relatos das entrevistas e as constatações efetuadas no terreno, como o “mais conflituoso”,
sobretudo devido ao fato de ser aonde mais se faz sentir a presença dos elementos da
fiscalização e da polícia nacional.
71
Localizado no municipio do Sambizanga, São Paulo é um antigo mercado colonial, especialista na venda de
quitutes apreciados na alimentação luandense e produtos da medicina tradicional. Para além de ter a fama de
Joias em ouro e roupas para ocasiões especiais, comercializados preferencialmente por vendedores pertencentes
a “diaspora” caboverdiana em Angola.
79
Fig. 13 - Vista do município do Sambizanga
Quanto a esta questão, as entrevistadas falaram acerca das carências e dificuldades que
encontram e, sobretudo do longo percurso que efetuam desde as primeiras horas do dia até ao
cair da noite. Falam, sobretudo, da poeira, da criminalidade, dos abusos das autoridades e do
atormentador cansaço com o qual se debatiam ao chegarem a casa. Os vendedores ambulantes
têm sabido aproveitar a insuficiência das infra-estruturas dos mercados para justificarem a sua
permanência nos lugares proibidos pelo Governo Provincial. Nas estradas, nos deparamos com
os dinâmicos jovens que abordam os automobilistas, visando à comercialização dos seus
produtos. Os vendedores têm reclamado por espaços, onde possam comercializar seus produtos
ou prestarem determinados serviços sem terem de fugir da polícia ou fiscais.
Nas datas festivas como carnaval, 14 de Fevereiro, 25 de Dezembro e passagem de ano
os negócios alteram o comércio de rua, os produtos vendidos são todos relativos a estas datas. Na
pratica os vendedores ambulantes, tornam-se principais redistribuidores de mercadorias e
conseqüentemente nos principais formadores de hábitos de consumos entre os luandenses.
80
Fig. 14 - Zungueiras dispersas fugindo dos agentes da fiscalização no São Paulo.
3.4 Dificuldades e outros desabafos
Trabalhar num contexto de reestruturação urbana e de redefinição dos espaços de
venda e dos mercados como o caso de Luanda, acabou de uma forma ou de outra por
influenciar na realização do trabalho de campo. Problemas de acesso a estas zonas (devido aos
estragos da chuva e as obras que estão a ser efetuadas em algumas dessas zonas) foram alguns
dos obstáculos a ultrapassar no decorrer da pesquisa.
Por outro, devido a pouca tradição de pesquisa do gênero, aliado a repressão exercida
contra os comerciantes de rua, as entrevistadas manifestaram, em alguns casos, pouca
disposição em conceder entrevistas. Uma vez que, “o pesquisador”, tem sido confundido com
um fiscal a paisana. Ainda assim, conseguimos ganhar, a confiança dos entrevistados e explicar
os objetivos da pesquisa, conseguimos marcar as entrevistas para horários mais calmos ou em
outro lugar que não fosse o local de venda dos entrevistados, essa dificuldade verificou-se mais
no caso das zungueiras, ao passo que nos casos da kinguilas, se tivermos em consideração que
exercem as suas atividades de força fixa e em locais de menos movimentação ficando mais fácil
a localização no dia posterior para outras secções, optou-se por realizar as entrevistas nos
próprios locais onde exercem as suas atividades. Esta dificuldade advém de igual modo da
própria natureza do trabalho,
uma vez que, pedir a alguém que nos conte a sua historia é um processo
complexo, pela relação de confidência/convívio gerada numa relação de (apesar de tudo) desigualdade,
81
sobretudo quando se trata de populações de exclusão social, as quais o sociólogo sente que nada tem
para dar em troca de tanta disponibilidade e abertura (Guerra, 2000, p.52).
Fig. 15 - Panorama do comércio de rua no circuito dos congolenses
Uma dificuldade encontrada durante este período diz respeito ao fato do pesquisador
não ter domínio da língua Umbundu. Apesar de parte considerável das entrevistadas serem
falante daquela língua e, em determinadas situações se comunicarem através dela, a dificuldade
foi minimizada por elas conhecerem também a língua portuguesa.
Uns dos primeiros grandes obstáculos encontrados, durante o inicio da pesquisa de
campo, prende-se com a falta de domínio da língua Umbundu, que me deparei com
um grupo onde predominavam vendedores vindos das províncias de Huambo e
Benguela. Não obstante falarem também o português, freqüentemente os mesmos
comunicavam entre sim em língua Umbundu [Fonte: Extrato, anotações de campo].
Por outro lado, a presença do pesquisador não deixou também de preocupar os agentes da
policia nacional destacados no local e, em determinadas, confundido com jornalista, tentaram
dificultar a realização das nossas entrevistas.
Hoje no decorrer da primeira entrevista, fui interceptado por dois agentes da polícia
nacional, que questionaram sobre o trabalho que estava a efetuar junto das vendedoras,
na Avenida Cônego Manuel das Neves, no bairro São Paulo. Respondi prontamente que
estava realizando uma pesquisa acadêmica, ainda assim os policiais disseram-me se
tratar de uma zona perigosa e que, teria de ter uma autorização do comando municipal.
Respondi que não haveria problema e, ausentei-me de juntos deles dando
prosseguimento ao trabalho (Fonte: Extrato, anotações de campo).
82
Após a apresentação do nosso universo de estudo e dos aspectos metodológicos que
permearam o processo de pesquisa de campo, no próximo capitulo iremos proceder à
apresentação dos dados etnográficos resultantes da analise e interpretação do material
(entrevistas e observações diretas) colhido durante a pesquisa empírica. Trata-se de dois
capítulos complementares, se tivermos em conta que a leitura poderá preparar o leitor para o
entendimento dos aspectos que a seguir apresentamos.
83
4. KINGUILAS, MAMÃS QUITANDEIRAS E ZUNGUEIRAS: TRAJETÓRIAS DE
VIDA E ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA
O capítulo analisa e interpreta os dados etnográficos, obtidos no decorrer do trabalho
de campo. Para tal, discute os aspectos ligados as trajetórias de vida, as estratégias de
sobrevivência e percepções cotidianas das entrevistadas. Questões como: quais as percursos
sociais que as nossas interlocutoras percorreram até entrar para as atividades comerciais? Que
estratégias cotidianas utilizam para gerir o seu dia-a-dia? De que modo, o étnico, o nacional e o
transnacional conformam as suas identidades? De que forma as tradições ligadas ao comércio
feminino têm sido mantidas e/ou adaptadas no contexto da sociedade luandense? Essas
interrogações serviram de fio–condutor das reflexões que apresentaremos a seguir.
Para efeito deste estudo, compreendemos trajetórias de vida como partes da história
de vida, um determinado percurso, itinerário ou ciclo que vai ao encontro do interesse do
pesquisador (GONÇALVES e LISBOA, 2007, p.88). As trajetórias de vida sociológicas são
freqüentemente uma tentativa para reconstituir a carreira dos indivíduos, enfatizando o papel
das organizações, acontecimentos marcantes e outras pessoas com influências significativas
comprovadas na moldagem das definições de si próprios e das suas perspectivas de vida
(BOGDAN e BIKLEN, 1994, p.93). Ou se quisermos são narrações apresentadas pelos atores
sociais relativamente aos seus percursos biográficos, com referencia as circunstancias histórico-
sociais que o caracterizam (REVELLI, 1966;1977; BERTAUX, 1981; FERRAROTTI, 1981;
CIFRIANI, 1987; CORRADI, 1988, PASSERINI, 1988 apud CRESPI, 1997, p.224).
Na interpretação das trajetórias de vida em análise, utilizamos as duas habituais
modalidades, nomeadamente à orientação nomotética, no sentido de procurar obter
generalizações teóricas que possam ser aplicadas a um número consistente de indivíduos,
trazendo das experiências particulares os elementos comuns que se revelam freqüentes. A
orientação ideográfica, por seu lado, irá procurar dar ênfase a vida singular das quitandeiras,
colocando em segundo plano a consideração da freqüência de elementos comuns e sublinhando,
pelo contrário as particularidades próprias da esfera individual (SCHWARTZ-JACOBS,
1970:102 apud CRESPI, 1997, p.224).
Trata-se de uma perspectiva «socioindividual» que poderá ser equacionada tendo em
conta as três componentes seguintes: o campo de estratégias individuais face aos imperativos e
aos contextos de ordem social, cultural e macro-histórica em que cada indivíduo esta envolvido;
o campo das experiências vividas no concreto, exprimidas em palavras, gestos e ações do
84
sujeito individual e o campo da empatia do investigador com tais experiências e relatos,
legitimando a autoria da investigação e das possíveis formalização teóricas que dessa
investigação decorrem (CASAL,1997, p.88). Esta análise parcial, das biografias permite-nos
contemplar um indivíduo num contexto histórico de três dimensões: o seu passado de sucessos
ou de fracassos, o seu presente pletórico de estratégias e o seu futuro de receios e expectativas.
A biografia permite-nos descobrir os nexos duma história pessoal com uma macro-história
social. Nesse sentido, para efeitos do trabalho empregamos trajetórias de vida, como sinônimo
de percurso de vida, a terminologia procura dar conta do trajeto de vida das entrevistadas em
termos de região de origem, escolaridade, experiências conjugais, experiência profissional e
percepções do social.
4.1. Kinguilar é com as Kinguilas
Kinguila é uma expressão que na língua kimbundu, significa “quem está à espera de
algo”. Identifica de forma genérica os operadores econômicos, constituído majoritariamente por
mulheres, engajados no comércio ilegal de divisas.
72
De acordo com Lopes (2004), este caráter
ilegal advém do fato de a legislação angolana ter restringido o exercício da atividade, numa
primeira fase exclusivamente ao Banco Central, e em fases posteriores e na atualidade, também
aos bancos comerciais e às casas de câmbio. O surgimento da atividade data dos finais dos anos
80, quando começaram a proliferar pelas esquinas da cidade, nas ombreiras e entradas dos
prédios ou nas imediações dos mercados, grupos de mulheres envolvidas na troca de kwanzas
por dólares e vice-versa (SEMANÁRIO AGORA, 18/02/2008).
A atividade de câmbio é uma das táticas de sobrevivência encontrada por algumas mulheres
relaciona-se com o processo inflacionário provocado, em grande parte, pela própria guerra.
Como muitos cidadãos angolanos trocam constantemente seus kwanzas por dólares,
objetivando evitar que suas parcas economias sejam deterioradas pela inflação e muitos
estrangeiros necessitam cambiar moedas, ante a sobrevalorização da moeda nacional na taxa
de mbio oficial, várias mulheres, à procura de qualquer coisa comerciável, passaram a viver
do câmbio nas esquinas, estabelecendo um mercado paralelo que paga mais pelo dólar que o
câmbio oficial. Para além das tradicionais, “kinguilas, ultimamente se faz sentir com a
presença dos “doleiros”, indivíduos do sexo masculino” (FILHO, 2002, p.7).
72
A entrada de indivíduos do sexo masculino nas atividades ligadas ao comércio de divisas, atividade
majoritariamente exercida por mulheres, fez surgir os doleiros.
85
As kinguilas procuram se estabelecer em avenidas e esquinas mais movimentadas ou
nos locais onde seja possível estacionar o carro com facilidade, geralmente sentadas agitam
enormes maços de notas de Kwanzas e, mais recentemente cartões telefônicos tendo
freqüentemente ao seu lado um tabuleiro contendo anéis, brincos e correntes em ouro. São na
prática “verdadeiras casas de câmbio modernas, com cotações atualizadas segundo a evolução
dos mercados, de acordo com as leis da oferta e procura”. A sua presença no quotidiano
luandense, dificilmente passa despercebida, quando mais não seja pelo comportamento
característico nos sentido de chamar atenção da sua clientela: a onomatopeia “psssiiii é
geralmente acompanhada pelo gesto de roçar o polegar pelo indicador, simbolizando a
disponibilidade para a troca da moeda.
Fig. 16- Kinguila exercendo atividade no bairro Hoji ya Henda
O dólar norte-americano é a moeda estrangeira mais movimentada pelos cambistas de
rua. Durante muito e, em conseqüência da constante desvalorização do Kwanza, o dólar é
utilizado como padrão de valores (e, em menor escala), como meio de pagamento em muitos
locais de venda de bens e serviços de Luanda. Existindo locais onde os preços estão fixados
em moeda angolana, mas a moeda de referencia é geralmente o dólar (CARVALHO, 1997).
Seria importante acentuar, que o surgimento da atividade é conseqüência da inflação que tem
verificado. Entretanto, o processo inflacionário por si não a justifica, isso se tivermos em
consideração o fato de não ser um fator neutro. sempre um grupo que ganha fortuna com
86
ela, neste caso a especulação financeira tem possibilitado a criação de fortunas e as kinguilas
são apenas uma parte, talvez, a mais visível dessa rede.
Esta presença marcante das kinguilas nas ruas de Luanda tem sido constantemente
abordada pela imprensa nacional. As referências noticiosas em relação às cambistas de rua
estimulam a criação de uma imagem mediática desta atividade. Vejamos a seguir alguns
recortes de imprensa que abordam variados aspetos relacionados a essa prática:
A 05 de Abril de 2006, o portal AngoNotícias publica o título Kinguilas em vias de
Extinção”. A notícia vaticina o declínio da atividade das cambistas de rua como conseqüência
das medidas de reformas econômicas implementadas pelo governo angolano. Segundo o
noticioso as kinguilas constituem um dos cenários mais bizarros de Luanda que a cidade está
prestes a se livrar.
Na mesma senda o Jornal de Angola, fazendo alusão à redução considerável da
atividade de câmbio praticada nas ruas fruto da relativa estabilidade macroeconômica verificada
a partir de 2004. Publica “Negócio de kinguilas cada vez menos lucrativo”, o apontamento trás
depoimentos de cambistas em que confidenciam ao referido Jornal estarem preocupadas com a
baixa verificada na atividade.
“Cambistas de rua são também credores”, publica o Jornal de Angola de 20/05/2008/.
A notícia põe a tônica na função de credoras que as kinguilas têm desempenhando, concedendo
empréstimos aqueles clientes mais confiáveis cobrando uma taxa de juro que pode chegar até
aos 50% do valor concedido. Nos depoimentos colhidos no decorrer do trabalho de campo ficou
evidente a prática da concessão de empréstimos pelas cambistas e os riscos da referida pratica.
Maria uma de nossas interlocutoras, por altura da entrevista acabava de sofrer uma burla. A
cambista nos confidenciou que emprestara cerca de mil dólares a um antigo cliente e na data
estipulada para entrega do valor este desapareceu. Sem meios de recuperar o valor perdido,
acabara por vender a casa e retornando com o filho à casa de sua mãe. Vejamos então a seguir,
mais detalhadamente alguns fragmentos da trajetória de vida de Maria:
Maria é natural da Quissama, província do Bengo, de onde saiu fugindo a
guerra. Em 1984 se estabelece em Luanda, no município do Cazenga, onde
reside atualmente. Solteira e separada é mãe de um rapaz de catorze anos.
Exerce a atividade de câmbio nas imediações do mercado Roque Santeiro,
situado no município do Sambizanga. Tem como escolaridade a sexta-classe. O
contato com a “a profissão de Kinguila” se deu através de sua tia que,
87
comovida com a sua condição de desemprego, levou-a para rua e lhe introduziu
nas normas daquele oficio. Anterior a isso, não tivera qualquer experiência
profissional ou atividade remunerada. O incentivo da tia e a necessidade de,
ganhar o pão de cada dia, para o sustento do filhoa levaram a abraçar a
atividade de kinguila. A grande satisfação e motivação que encontra na a
atividade, é o fato de esta lhe proporcionar o sustento, ganhar a vida. Como ela
própria diz: Gosto, porque é onde eu ganho o meu pão, e por causa dela não
durmo com fome” [Fonte: entrevista com Maria, Kinguila, Roque Santeiro]
Deste fragmento da “história de vida” de Maria é possível perceber como a escassez
de alternativas no mercado de trabalho faz com que muitos indivíduos se lançam nas atividades
informais. Que, por sua vez, acabam por proporcionar as condições mínimas para o sustento das
famílias. É nesse contexto que o mercado informal se apresenta como alternativa de
sobrevivência para milhares de mulheres. Por uma vez, fica patente a influência dos laços de
parentesco na inserção dos indivíduos nas atividades informais.
Com 38 anos de idade, mãe de seis filhos, Lurdes nasceu na província de
Malange, onde permaneceu até aos 14 anos. Em 1988 desloca-se à Luanda
acompanhada de tios, irmãs e primos onde se encontra a residir até a presente
data. Concluiu a sexta-classe e a falta de documentação de identificação
pessoal a impossibilitaram de prosseguir com os estudos em Luanda. Dentre
os elementos que conformam a sua trajetória de vida se destacam: a
deslocação a Luanda, o casamento e o ingresso nas atividades comerciais.
Iniciou seu percurso dentro do mercado informal como vendedora retalhista
de engradados de cerveja junto com suas duas irmãs: Ana e Maria. Apôs
alguns anos abandona essa atividade. Diz ter encontrado no exercício do
referido negócio, pois já não obtinha lucros com a mesma. Mudou-se para rua
do Fundão, nos arredores do Mercado dos Congolenses onde, sentada numa
cadeira de plástico, sobrinha de praia, para a proteger do sol, exerce a
atividade de câmbio a cerca de 14 anos. Dentre as motivações que a levaram
a ingressar nesse novo tipo de atividade foram: a facilidade de entrada, a falta
de alternativas de sobrevivência, a familiaridade com o ambiente de
88
negócios. A sua entrada nos negócios contou com o apoio das redes de
amizades e familiares. Descrevendo um dia típico da sua atividade, Lurdes
afirma não ter um horário certo para dar inicio ao trabalho, podendo este
variar das oito às onze horas da manhã e terminar às cinco da tarde. Ela tem
que conciliar a vida nos negócios com a as atividades domesticas (cuidados
com os filhos, refeições etc.) Para tal, conta com a ajuda dos filhos mais
velhos. Os rendimentos variam, uma vez nem todos os dias são iguais, em
termos de resultados com boas vendas. Às regras que se observam na
atividade, são: o bom relacionamento com aos demais colegas que, aparece
como um dos fatores fundamentais para o bom funcionamento do trabalho.
Existem pequenos conflitos e desentendimentos que, é por conta das
características das relações sociais. Isso passa necessariamente, pelo respeito
aos clientes das colegas, o respeito pela demarcação e ocupação dos espaços
de venda, que são fixos e permanentes no caso das kinguilas. Quando
observados esses componentes se criam redes de amizade que muitas das
vezes vão para além do espaço de venda. Para além da rua, noutros sítios as
pessoas também nos visitamos. Assim quando têm óbito, mas, vai depender
da amizade que tem com a outra. [Fonte: Fragmentos da história de vida de
Lurdes, kinguila].
“Sou Kinguila, troco dólares”
Filha de pai policia e mãe domestica, Domingas é natural de Malange. Em
1986 sai de sua província natal para Luanda, a curiosidade em conhecer a
grande cidade constituem a grande motivação para tal deslocação. Exerce a
atividade de câmbio de rua a acerca de catorze anos e segundo ela não sabe
fazer mais nada”. Com a sexta-classe de escolaridade, e morando atualmente
no bairro do Grafanil, município de Viana, com marido e sete filhos (cujas
idades são 17, 15, 13,9, 7, 3 e nove meses). A necessidade de ganhar a vida
após juntar-se ao marido, ele desempregado teve de se virar para garantir o
sustento da casa. Começa a atividade pelas oito da amanhã e termina às três
da tarde. Esse horário segundo nossa interlocutora segue a gica do
funcionamento das instituições da função publica e dos bancos que
89
habitualmente movimentam uma considerável parcela dos potenciais clientes
[Fonte: Entrevista com Domingas, kinguila].
Seus clientes vão desde cidadão comum a grandes empresários. Sendo estes últimos os
que fazem os maiores movimentos. Abordando a forma como as kinguilas são encaradas pela
sociedade, Domingas afirma que não são bens vistas, sendo freqüentemente encaradas com
suspeita pelos agentes da fiscalização e efetivos da policia nacional. A forma suspeita como são
encaradas e, conseqüentemente combatidas constitui o grande obstáculo que encontrem no
exercício da profissão. Em contraste, segundo nossa interlocutora, o cidadão comum as encara
como uma forma de ganha-pão, pois é nela que recorrem sempre que necessitam de “trocar”.
Domingas, dedica-se unicamente a atividade de câmbio. Todo o dia sai de casa pelas sete horas
da manhã e regressa às três da tarde.
Sua fala, por um lado, nos remete para a origem exterior das denominações dos
operadores informais, ao mesmo tempo mostra como o “estar na rua” cria até certo ponto uma
espécie de “consciência de grupo”, se tivermos em conta que, o fato de se estar na rua aproxima
as experiências individuais dessas operadoras que agrupamos na denominação de comerciantes
de rua. Questionada acerca da denominação da atividade que exerce, nossa interlocutora
comparou a atividade de uma cambista a de uma zungueira:
Nossa atividade é como se fossemos
zungueiras. Kinguila é zungueira, nos dão esses nomes, porque estamos na rua
[Fonte: entrevista com
Lurdes, kinguila].
A associação a zungueira, por ser uma atividade exercida na rua. O estar na
rua passa a imprimir uma nova marca na identidade social destas mulheres, nesse caso, uma
identidade “profissional” que passa em determinadas alturas a formar um grupo social. Se
sentindo parte de um conjunto, os que trabalham na rua. Aqui ressalta ainda o fato de a palavra
zungueira ser um termo vago, que em determinadas alturas pode ser aplicado a uma ou outra
categoria de comerciante de rua. Mais adiante, vamos observar como essa percepção de grupo
não é partilhada por todas nossas interlocutoras.
90
4.2 Zungar, Zunguei: Zungueira
O outro grupo, dentro da categoria de comerciantes de rua, por nós estudado é o das
vendedoras ambulantes, habitualmente designadas por zungueiras. Essas emergem na economia
informal de Luanda como um ajustamento das praticas das tradicionais quitandeiras, tal como
vimos no capitulo primeiro
73
. O termo zungueirotem a sua origem etimológica na palavra
zunga, expressão da língua nacional kimbundu que literalmente traduzida para o português
significa andar à volta; girar. Trata-se de um jargão utilizado pelos luandenses para designar os
operadores dessa nova situação do comércio de rua, particularmente aos vendedores
ambulantes. Sendo uma atividade tradicionalmente exercida majoritariamente por mulheres,
entretanto, o que se tem constatado na atualidade é uma mobilidade e mudança no gênero e na
idade dos seus operadores caracterizada por, uma entrada massiva de indivíduos do sexo
masculino.
Deste modo, se outrora, a referida pratica era exercida essencialmente por mulheres,
atualmente a forte pressão que tem vindo a ser exercida sobre a economia informal, causado por
um lado, pelo contingente de populações de todos os quadrantes que se fixaram em Luanda,
pela larga vaga de migrantes que continua a deslocar-se à cidade capital e por outro, devido à
elevada taxa de desemprego e as ausências de alternativas de emprego formal que se tem
verificado, podem explicar essas dinâmicas. Por esta razão utiliza-se hoje o termo “zungueiros”
para referir os vendedores ambulantes de ambos os sexos e de várias faixas etárias. Apesar
deste aspecto e, considerando que o comércio e venda informal ainda é majoritariamente
dominada por mulheres, a sua predominância no negócio ambulante tornou célebre a expressão
no feminino: zungueira tornando-se a “mulher zungueira”, em substituição das tradicionais
quitandeiras, o ícone do comércio informal urbano luandense.
73
Segundo Lopes, as zungueiras são fruto do ajustamento da atividade tradicional das antigas quitandeiras e dos
novos vendedores ambulantes ao novo estatuto socioeconômico: a variação na venda de produtos, os grupos
etários envolvidos, registrando-se também um considerável número de jovens e crianças (LOPES, 1999). Sobre
o assunto ver LOPES, Carlos. (1999) “Elementos para a Compreensão do Sector Informal Urbano nos Países
em Desenvolvimento: Anotações sobre o retalho informal em Luanda e Maputo”, Comunicação apresentada ao
Colóquio África Populações, Ambiente e Desenvolvimento, ISCSP, Lisboa; LOPES, Carlos. (2004)
Candongueiros, Kinguilas, Roboteiros e Zungueiros: uma digressão pela economia informal de Luanda.
Comunicação apresentada no VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, Coimbra, Neste último
ao falar acerca da evolução da actividade das zungueiras, Lopes (2004) indica que apesar de não se tratar de um
fenómeno recente, a presença destas sofreu um impulso significativo a partir de 1992, com o regresso à situação
de guerra civil no rescaldo do processo eleitoral. Por outro lado o crescimento acelerado da população da capital,
e em particular de deslocados de guerra, como acima indicamos, m sido apontados pelos estudiosos como
razão da proliferação da "zunga".
91
Falar da presença de mulheres, zunga e zungueiros tornou-se marcante no quotidiano
de Luanda. Sobretudo, pelos fluxos de vendedores ambulantes verificados a partir de 1992, esse
vai também reativar a velha tradição de se cantar e poetizar o quotidiano da mulher vendedeira
luandense.
No que concerne a origem da pratica da zunga, procurou-se no decorrer do trabalho
de campo, colher depoimentos das nossas interlocutoras a este respeito. As quitandeiras
veteranas relevam que não se trata de um pratica totalmente nova, embora reconheça a
contemporaneidade da denominação zungueira:
Eu, por exemplo, o negócio que iniciei com ele é de passar com os ovos na zunga, ainda no
tempo do colono. Vendia banana na zunga nas senhoras brancas, zunguei, zunguei com as
bananas, depois quando começaram a abrir estas praças é que eu comecei a vender fuba.
Depois quando vi as outras estavam a vender fuba, também comecei a vender fuba. Naquele
tempo já havia zunga, só que ainda não lhe chamavam zungueiras, Lavadeiras. Só que
naquele tempo do colono, as pessoas na zunga, vendiam banana, maçã, pêra, abacaxi,
estes negócios de fruta [Fonte: quitandeira sexagenária, mercado da Asa Branca].
.
No exercício diário da sua atividade as "zungueiras", caminham à volta dos mercados,
estradas ou ainda, vendem de porta em porta, em instituições públicas, com seus produtos em
cestos, banheiras ou simplesmente em mãos. Apelando para uma estratificação social das
atividades informais em Luanda, Lopes e Ducados (1998) caracterizam as «zungueiras» como
um dos segmentos com menor status socioeconômicos dentro das atividades informais, o que
em meu entender pode ser questionado, na medida em que na atualidade pelo seu dinamismo
muitas das zungueiras conseguem obter diariamente um rendimento superior ou idêntico aos
de mulheres e homens que exercem outra atividade, concorrendo para tal o tipo de produto
comercializado bem como, o volume de mercadoria que movimentam. As evidências
empíricas nos permitem antes falar, em prestígio social que não implica necessariamente
maiores rendimentos. Até porque, os dados apontam para uma presença muito forte desta
prática entre as quitandeiras documentadas de banca de mercado, o que revela a importância
da pratica na dinamização das vendas, não sendo por isso consideradas as “mais pobres”.
Sendo neste caso, muito comum oscilar entre a venda ambulante e fixa. Com isso, procurou-
se saber, o que as vendedoras veteranas e de banca fixa pensam acerca do incremento do
numero de mulheres no comércio de rua, principalmente das vendedoras ambulantes. A esse
respeito, uma de nossas interlocutoras respondeu:
Às vezes nas ruas anda mais. Todos os dias na praça, o negócio não está andar. Todos os dias
descair. Agora você a zungar, o negócio acaba rápido não é preciso ir com ele na praça, dois,
92
três ou quatro dias o negócio acaba. Você está a vender o negócio, hoje tirou jantar, água,
não decai? Por isso, é que muitas preferem zungar. Aquela moça que tem força para zungar
estão mesmo a zungar. Comprou negócio zungou, acabou. Não vai mesmo já colar na zunga.
Isso veio assim. As senhoras punham os negócios nas bancadas, ninguém está a comprar, vai
fazer como? tenho que zungar. Por isso, a pessoa vai à zunga, porque na bancada no
negócio não esandar. Zunga em quimbundo é girar, rodiar. Girar toda cidade de Luanda.
Outras zungam na baixa, porque no mercado não tem lugar. Mesmo estão a dizer por que
a zunga tem que acabar, não vai acabar porque o que está a fazer isso é fome. Vo não
trabalha, não tem empresa que você trabalha, ficar em casa também não dá, vai mesmo à
zunga. Não vai zungar para trazer comida para as crianças em casa, não tem emprego para
ele trabalhar vai fazer como? Vai à zunga [Fonte: entrevista com quitandeira sexagenária,
mercado Asa Branca].
As observações de campo permitiram descortinar certa rivalidade entre ambulantes e
quitandeiras de banca de mercado. Em determinada altura, as vendedoras das bancadas do
interior dos mercados, aliciarem as entidades fiscalizadoras no sentido de correrem com as
zungueiras dos arredores de mercados. De referir que o conflito parte, sobretudo porque as
vendedoras dos mercados pagam uma taxa de imposto de venda às administrações municipais.
Enquanto grande parte das zungueiras, por não estarem formalmente registrada, nada paga e
pratica preços mais baixos em relação as suas “adversárias”. Não obstante, as regras do
comércio a grosso passarem pela proibição dos grossistas venderem produtos dos seus
armazéns descritivamente às pessoas singulares ou coletivas, que não estejam licenciadas para o
exercício da atividade comercial, a grande maioria compradora ainda são as zungueiras.
Este tipo de concorrência tem despertado uma espécie de rivalidade entre as
quitandeiras de banca de mercado e as vendedoras ambulantes. Sendo que muitas das vezes as
primeiras tendem a incentivar a fiscalização a correr com as ambulantes que ficam nos
arredores dos mercados. As primeiras alegam que por conta da atividade das segundas e
principalmente por praticarem preços mais baixos, as vendas dentro do mercado caiem
consideravelmente. Estas argumentam ainda que as ambulantes não pagam a diária que elas
pagam e, por isso conseguem praticar preços mais baratos, dificultando assim a venda no
interior dos mercados. Deste modo, a zunga se torna cada vez mais uma estratégia que visa
dinamizar a venda e conseqüentemente uma maneira de incrementar os rendimentos, talvez seja
caso para se falar de zungarização do comércio informal. Por outro lado, evidencia também o
agravamento da situação do mercado de trabalho luandense, na medida em que
Cada vez chega também na praça, num tem ganho. Chega na bancada aquela peça que ele
meteu faz com ele um mês. Fala não, deixa ir à baixa zungar, é isso que está nisso. As
senhoras que estão dentro da praça preço deles é outro, aquele que está também na zunga,
também é outro. Porque aquele de dentro o negócio está na sombra. Agora aquele na zunga
não vai esperar o preço de dentro. Por exemplo: ela está a dar mil, fora eu não vou dar
93
mais mil, vou dar quinhentos. Diariamente passamos cem kwanzas. Das bebidas pagam
cento e cinqüenta kwanzas e das comidas pagam duzentos kwanzas [ Fonte: entrevista com
quitandeira sexagenária, mercado Asa Branca]
Esta zungarização do comércio de rua, para além de poder ser constatada
cotidianamente nas ruas de Luanda, se reflete também nas inumeras notícias publicadas pela
impressa escrita luandense que, ora aborda o quotidiano dessas mulheres, dando ênfase ao
sacrifício empreendido por estas na manutenção e reprodução social de suas famílias, ora
denunciando as ações repressivas desencadeadas pelos agentes de fiscalização do Governo da
Província de Luanda (GPL) e efetivos da Polícia Nacional. No sentido, de espelhar essa
realidade, passamos em seguida a apresentar alguns recortes de impressa que reflete esse
quadro.
«Tango está a ser dançado em Luanda», é o título de uma noticia que aborda a
situação dos vendedores de Rua de Luanda, especialmente os vendedores ambulantes. Fazendo
alusão a morte de uma zungueira e a persistência do comércio de rua nas imediações do
Mercado dos Congolenses:
Junto ao mercado dos congolenses, depois de a polícia ter morto uma vendedeira tudo voltou
ao que era antes, as vendas continuam em todos os outros locais, com as correrias constantes
quando se apercebem da aproximação dos fiscais [Fonte: JORNAL DE ANGOLA].
Por seu lado, o semanário, “A Capital” na sua edição de 16 a 23 de Outubro de 2005,
notícia: “ O povo e os agentes da fiscalização do GPL”. “Atrás a pública uma serie de
pronunciamentos dos cidadãos, a respeito da atuação dos agentes de fiscalização do Governo da
Província de Luanda GPL”. Nestes, os cidadãos desaprovam os atos de violência física,
estorção desencadeada por agentes de fiscalização da província, classificando-os de desumanos
e negativos.
Bebés sacrificados na zunga, é título do espaço “sociedade” do Semanário Folha8,
datado de 14 de Março de 2005. A noticia, aborda a situação das mulheres zungueiras que
exercem a atividade transportando crianças menores nas costas.
O número de jovens mães que buscam o ganha-pão com bebés às costas pelas ruas das cidades
do país espelha quão numerosos são os recém-nascidos forçados ao martírio de terem de comer
o pão que o diabo amassou desde os primeiros dias da sua existência no mundo. A miséria faz
lei dentre as nossas mulheres, chegando ao muitas delas ao cúmulo [Fonte: Folha8, 14/03/05].
94
Questionamentos acerca das idades das crianças que acompanham as mães, o tipo de
alimentação e a exposição desde cedo ao sol, as poeiras e aos perigos das ruas são abordados
na referida noticia. Na sua edição nº1, Ano IV Janeiro/Fevereiro de 2000, o Jornal Amigo,
descreve o cotidiano das quitandeiras nos seguintes termo:
O dia-a-dia das mulheres quitandeiras que nos é dado a ver no país, é de muita agitação. O
cenário é de sobrevivência. Em fila ou não e sempre na mesma cadência, bebés ás costas e
cestos ou bacias à cabeça, deambulam aos gritos com que apregoam o negócio. Umas
ambulantes e outras vendendo em lugar fixo nos mercados, todas procuram ganhar o o de
cada dia. As ambulantes fixam-se em qualquer esquina e sem nenhum tipo de cerimônia
improvisam a sua “quitanda”. É mais ou menos nesse ritmo que foram surgindo no país, os
vários mercados informais sob o olhar cúmplice das entidades responsáveis pela aplicação do
código de postura» continuando: «As administrações locais do Estado destacam para os
mercados agentes da fiscalização em número correspondente à dimensão de cada espaço, para
procederem ao controlo da atividade das quitandeiras e à cobrança dos impostos previstos
[JORNAL AMIGO, Janeiro/Fevereiro de 2000, ].
O Jornal de Angola, na sua edição de 19/04/2005 notícia, Grossistas podem ser
transformados em retalhistas”, faz menção ao impacto da implementação das regras da
atividade econômica aos comerciantes grossistas principais abastecedores dos comerciantes
retalhistas de Luanda. Uma dessas regras prevê a “proibição de os comerciantes venderem
produtos dos seus armazéns diretamente às pessoas singulares ou coletivas, que não estejam
licenciadas para o exercício da atividade comercial, assim como a impossibilidade de alimentar
o comércio informal defronte aos respectivos estabelecimentos comerciais”. A noticia classifica
a zona de São Paulo como sendo “ a mais atingida no que tange a transtornos higi-sanitários, da
circulação de pessoas, bens e viaturas, da salvaguarda da saúde pública e do consumidor”[
Fonte: JORNAL DE ANGOLA, 19/04/2005].
No que concerne ás práticas de venda, verificou-se uma grande dinâmica no
“marketing” utilizado pelas zungueiras, no sentido de atrair clientes. Registrou-se de igual
modo com alguma freqüência certa discriminação dos preços em função das características de
cada cliente (cor da pele, nacionalidade, aparência de posicionamento social, etc.). Ficou
patente que, para o sucesso nas vendas conta muito a interação mantida com o cliente e,
sobretudo a compreensão dos símbolos
74
que são utilizados no decorrer desta situação social, e
74
Segundo Mead ( apud CARVALHO,1995) a especificidade da realidade humana resulta da singularidade da
atividade social, que radica na existência de símbolos. É com os mbolos e pelos símbolos que os indivíduos
interagem e atribuem um sentido à sua própria experiência e a experiência com os outros, isto é, com os objetos
95
que vão transformando com o passar do tempo em “símbolos significantes”. A criatividade no
pregão torna-se numa das principais formas de marketing por parte das ambulantes. O humor e
o apelo tornam-se dois grandes elementos que compõem o pregão dessas comerciantes:
Mãe com gosto, compra boa roupa para os filhos
Minha sócia, amiga.
O grito da mulher zungueira, constitui um dos principais elos com o tradicional pregão
das antigas quitandeiras, passou a fazer parte do quotidiano luandense:
“tá qui pão”, “tá qui pão”,
“arreiou nos meus copos”,
“tá qui as fraldas a passá,
“é coxaeeeeé”,”
tá qui tomate a passá
75
.
Em função destas mensagens carregadas de símbolos, onde os códigos atingem a
clientela, a interação social se dá pela comunicação, um tipo de linguagem carregada de códigos
transmitidos por símbolos. Portanto compreender o mundo social da mulher zungueira, antes de
tudo, é compreender a linguagem que estas utilizam para se fazer compreensível e
transmissível. Partindo deste pressuposto, podemos dizer que elas, operam num terreno onde
imperam um atendimento quase que personalizado, quer seja com os seus clientes no decorrer
do “ritual de negociação”, quer seja com as autoridades ou com os seus colegas de venda. De
modo geral, as comerciantes de rua utilizam um código lingüístico inovador, bastante rico em
termos de símbolos. Dentre as expressões captadas durante a permanência no terreno
destacamos as seguintes:
sociais que os rodeiam. Fazendo recurso a perspectiva interacionista simbólica pode-se dizer que os atores que
estão em interação numa dada situação social interpretam esta situação e geram-na em função das suas
interpretações elaboradas nestas próprias interações (CAMPENHOUT, 2003, p.67). Portanto o
comportamento social passa a ser uma reação significativa ao gesto do outro. Podemos então referir que o
mundo social é constituído de ações interativas entre os atores sociais, que são desenvolvidas pelo uso da
linguagem. Através desta são transmitidas as intenções, ações, pedidos, ensinamentos, trocas de auxilio, etc.
75
Nota-se nos últimos tempos certa apropriação do vocabulário do sector informal principalmente para fins
comerciais. A titulo de exemplo podemos citar a campanha promocional das operadoras de telefonia móvel Unitel
e Movicel denominadas “arreiou” e “kilape”.
96
Quadro 3
VOCABULÁRIO INFORMAL DAS COMERCIANTES DE RUA
Expressão Significado
Apanhar Bobi
Utilizado quando alguém entre o grupo
por várias razões perde a capacidade de
adquirir o negócio
Dicomba
Termo usado para
referir a um bom dia
de negócio
Kilape
Designa
a compra e venda de uma
mercadoria a cr
édito. Existem duas
variantes: a primeira variante no ato de
pagamento o valor a pagar é o mesmo
que no dia da compra. A segunda
variante, o valor a pagar é acrescido de
taxa de juro implícita
Arreiou
Significa baixou, o termo é utilizado
por um lado, pa
ra dar a conhecer a
clientela a baixa de preços e por outro
constitui uma forma de concorrência
entre as zungueiras
Brexar
Alusivo a chamada de clientela. O termo
é de modo geral utilizado pelas kinguilas
Coceira
Alusivo ao cliente que mexe muito os
pr
odutos e acaba por não comprar;
Me abre
O mesmo que me sorte, deixem
-me
em paz. Utilizado principalmente em
alturas em que se registram poucas
vendas, o mesmo pode ser dirigido a
uma entidade suprema (
-me sorte) ou
as outras vendedoras ( deixem
-me em
paz)
Boiado
Bêbado, embriagado
Utilizar
Referência ao consumo de bebidas
alcoólicas
Sócia
Forma carinhosa e apelativa de tratar a
cliente do sexo feminino
97
Mãe com gosto
Forma de atrair clientes para a aquisição
de roupas infantis
Gasosa
Gorjeta, aliciamento monetário para
alguém infringir a lei,
Selar
Fechar um dia de negócio com muito
boa venda; vender tudo
. Bons lucros.
Bicar
Chutar
Yula
Refere a um dia de boas vendas e de
bons lucros
. Por vezes, pode implicar a
especulação de preços.
Os produtos comercializados vão desde a venda de bolsas, calçados e discos piratas,
raízes afrodisíacas, venda de material elétrico e escolar, acessórios de beleza para senhoras.
Fardo de roupa usada e venda de bebidas espirituosas, as trançadeiras de rua e acessórios de
viaturas. Em relação às fontes de aquisição dos produtos por parte das vendedoras entrevistadas
verificou-se que: as mulheres que vendem produtos manufaturados (fraldas descartáveis,
utensílios de cozinha, produtos de beleza, guloseimas, bebidas espirituosas, roupas, etc.,) são
abastecidas diretamente pelos armazéns do São Paulo, do Hoji- ya- Henda, do Roque e dos
arredores do mercado dos Congolenses. Ao passo que, as que se dedicam a venda de produtos do
campo (couve, folha de mandioca, alface, tomate, alho, cenoura, beringela, entre outros) têm o
mercado do kikolo e o município de Viana como principais abastecedores.
Quadro. 4
Produtos comercializados por gênero e local de abastecimento
Produtos
Manufaturados
Local de
Aquisição
Produtos
Agr
ícolas
Local de
Aquisição
Fraldas descartáveis
Roupas brasileiras
Utensílios de
Cozinha
Armazéns do Hoji ya Henda
e São Paulo
Mercado do Roque Santeiro
Alface, Couve
Mercado do kikolo
98
Produtos
de beleza
Eletrodomésticos
Armazéns
dos Congolens
es
Mercado do
Roque Santeiro
Tomate, cebola,
Mercado do Kikolo
Cervejas,
refrigerantes e
Bebidas
espirituosas
Roque Santeiro
Armazéns dos Congolenses
Batata, limão
Viana
Conservas
enlatadas
Armazéns dos congolenses e
do São Paulo
Cenoura, Kizaka, ra
ma
de batata
Mercado do Kikolo
Carnes várias
e pescados
Armazéns congolenses e
do São Paulo
Ilha de Luanda
Praia da Mabunda
Roque Santeiro
Berinjela, mandioca,
Batata
-doce
Viana
4.2.1 Kinguila e Zungeira perante si mesmas
Nas práticas cotidianas do comércio de rua as kinguilas e zungueiras diferenciam-se
pelas maneiras especificas de exercer a sua atividade. As cambistas comercializam de forma
sedentária ao passo que as ambulantes são majoritariamente itinerárias. Em termos de
indumentária verifica-se no caso das kinguilas uma maior preocupação com a aparência, este
fato é constatado na exibição de trajes caprichados, jóias de ouros, a preocupação com o
cabelo. No caso das zungueiras apesar de se terem modernizado na maneira de vestir, grande
parte delas, alternam entre uma indumentária mais “globalizada” e a exibição de certos
marcadores que constituíram o traje típico das “mamas quitandeiras”, evidenciado, sobretudo
pelo uso do mulule
76
na cintura e do lenço na cabeça.
As kinguilas por vezes exercem a função de credoras, concedem empréstimos aqueles
clientes mais confiáveis cobrando uma taxa de juro que pode chegar a 50% do valor concedido.
As zungueiras, por sua vez, concedem aos seus clientes o kilape que é a venda a credito
.
Existem duas variantes: a primeira variante no ato de pagamento o valor a pagar é o mesmo que
no dia da compra. A segunda variante, o valor a pagar é acrescido de taxa de juro implícita.
76
Tecido em Kimbundu
99
Tanto atividades das kinguilas como a das zungueiras não é um trabalho isolado do
circuito da economia luandense, uma vez que se encontra em estreita conexão com os demais
setores que configuram o circuito das atividades comerciais e conseqüentemente da sociedade
em geral. Entretanto, embora elas desempenharem um papel socialmente útil para a sociedade
parece que a sua inserção ainda é feita nas margens da sociedade. Elas circulam entre a
invisibilidade social e a presença física e paisagística nas ruas de Luanda, entre a legitimidade
social da luta pela sobrevivência e a legalidade jurídica, entre os musseques e a baixa da
cidade, entre a riqueza, a ostentação dos poderosos e as carências cotidianas da maioria da
população. Elas são as intermediarias, ocupando um entre-lugar (BHABHA, 1997), na medida
em que construíram um novo lugar da cultura, um espaço de negociação, contato e interação
entre grupos e indivíduos diferentes. Que no contexto social de Luanda se revela num espaço
simultâneo de exclusão e negociações.
Os depoimentos revelam que estão cientes que a atividade que exercem não é bem
vista por determinados grupos da sociedade e pelas autoridades. Elas estão atentas ao que a
sociedade, diz a respeito delas e, não raros os testemunhos usam destes argumentos, quer para
dramatizar a sua situação quer para justificar a razão de ser da sua atividade. Parece-nos, que
as comerciantes de rua, estão conscientes da importância do seu papel enquanto
intermediárias e parceiras dos grossistas. Mesmo quando rotuladas de informal e,
beneficiárias de uma “parceira desigual”, isso se atendermos ao fato de na sua maioria serem
comerciantes por conta própria, comprarem os produtos a vista sem nenhuma espécie de
consignação.
Porque geralmente, os clientes m aqui por causa das vendedoras ambulantes, das
zungueiras: vamos ao arreiou, vamos comprar qualquer coisa no arreiou. Eles vêm não aqui
por causa dos armazéns. Geralmente quando não encontram aqui fora, entram dentro. Ou
às vezes aqui fora tem e eles preferem comprar à grosso dentro. E assim, eles vendem e
nós também vendemos. É normal, tem uns que compram fora, outros que vão comprar
dentro. Até nós vendemos mais barato, eles vendem a grosso, nós vendemos a retalho[
Fonte: Entrevista com Zungueira, Bairro Hoji-ya-henda]
No sentido de inferir como as entrevistadas definem a sua situação
77
evitamos no
decorrer das entrevistas, pelo menos no início destas, utilizar qualquer tipo de rótulo para
referir à atividade exercida por elas. A partir dos depoimentos podemos inferir que: não
77
Para compreendermos a forma como estas mulheres concebem a atividade por elas exercida recorremos ao
conceito de «definição de situação», utilizado pela primeira vez pelo sociólogo americano William Thomas.
Segundo Thomas Quando os homens definem a sua situação como reais, elas são reais nas suas
consequências”.
100
obstante as atividades de rua constituir uma resposta das mulheres à situação de precariedade
econômica e social que enfrentam, e conseqüentemente uma estratégia de sobrevivência
econômica. Dos depoimentos colhidos no decorrer do trabalho de campo, podemos constatar
que a representação, ou seja, sua “definição de situação” oscila entre o esforço de inclusão e a
situação de marginalização social em que se encontram mergulhadas.
Se bem que alguns cidadãos, não concordam com a nossa atividade. Por vezes, nós
impedimos a passagem e alguns ficam chateados, mesmo com razão. Mas uns velam pela
vida, vêm como a vida está. Eles apóiam, porque a situação de Angola, não está fácil,
principalmente porque muito desemprego agora. A pessoa está aqui não é por ter aquela
força de vontade de estar aqui na rua. Porque muita gente de nós que tem cursos. Porque
hoje em dia, tudo é a base de dinheiro, isso é que nos faz vir aqui. Às vezes os automobilistas
querem passar por aqui, temos que recolher as coisas, deixar a passagem. Também a policia,
quando está engarrafado e querem passar, eles pisam por cima de tudo. Não há aquela
paciência de que temos de recolher, puxar tudo
[Fonte: Entrevista com Zungueira,
hoji ya Henda].
Na análise de conteúdo feita às entrevistas, foi curioso perceber que a palavra mais
utilizada por elas para definir a sua situação foi “sofrimento”. Desta feita conseguimos colher
relatos por parte das entrevistadas que espelham as percepções que estas têm de si mesmas e
da sua condição e, numa correlação entre “ganhos” e “perdas”, “custos” e “benefícios”
Zungar é Sofrimento: a «zunga» é vivida simultaneamente como uma resposta
(estratégia) e como um pesado fardo social imposto pela realidade social, ou seja, ganhos e
perdas. A própria percepção das “atrizes sociais”, faz com que essa atividade seja vivida
como castigo e ao mesmo tempo como uma promoção social. Grande parte das mulheres
explicarem que não agüentam mais o sofrimento das ruas: as poeiras, o barulho, a poluição, a
violência. Ao falar da atividade que exercem e das demais exercidas dentro do setor informal
utilizam os termos “vender, fazer negocio”, “desenrascar”. Elas mesmas definem a sua
situação como precária, como sofrimento. Quanto a esta questão as mulheres relataram acerca
das carências e dificuldades que encontram e, sobretudo o longo percurso que realizam desde
as primeiras horas do dia até ao cair da noite. Falavam, sobretudo, da poeira, da
criminalidade, dos abusos das autoridades e do atormentador cansaço com o qual se debatiam
ao chegarem a casa, a falta de um local para efetuarem as vendas. Todas essas peripécias
fazem com que o comércio de rua, seja vivenciado num clima de riscos e incertezas
permanentes e uma ameaça constante de expropriação.
101
Eu sou zungueira, onde der eu vou. Porque eu sou zungueira, eu ando muito. Temos sofrido
muito. É muito sofrimento. A vida que eu estou a levar só Deus quem sabe, é pá, está mesmo
mal, tem que parar este sofrimento. A pessoa tem que sair seis horas sem comer nada, vinte e
uma hora está chegar a casa. Porque zungar também é sofrimento, toda hora rodear. Quando
chego a casa corpo bem cansado não consigo fazer mais nada. Quando vamos à praça, nós as
zungeiras não tem sítio para nós, quando tentamos posar o negocio, tão nos xotar,
mesmo mal. A zungeira não pode vender, não tem sítio para vender. Sofrimento é demais
num temo nada. Todo o tempo é rodear toda a cidade para conseguir qualquer coisa para
as crianças: todos os santos dias, a pessoa não tem descansa, se não vou assim o dinheiro
vai a baixo. vezes que vai com a banheira cheia e volta com a banheira cheia. Dinheiro
num sai, tens que tirar nas folhas para comer. O grande problema que encontro é o cansaço
saí d da Asa- Branca a até girar, até quando acabar, mo cansaço é esse. Fico toda
castigada, fico cansada. Meu cansaço é esse ter que andar toda hora a pé. [Fonte: Zungueira,
Bairro Hoji-ya-henda ]
Questionada acerca da sua visão em relação às condições sociais do país, após o conflito
armado, Lurdes apresenta o desemprego e a pobreza como dois grandes fenômenos que
continuam a crescer no seio da população luandense. O que segundo ela tem aumentando o fosso
entre os que muito têm e os quase nada possuem. Lurdes aborda esse tema de maneira bastante
reflexiva das dificuldades dos mais desfavorecidos em superar estes obstáculos sociais. o
futuro com certo pessimismo, prefere encarar a dura realidade presente a sonhar com um futuro
mais promissor Entretanto fala de uma possível mudança no que concerne a ocupação
profissional.
Benefícios: entretanto podemos dizer que estas mulheres, ao procurarem respostas
para fazer face a esta situação de pobreza possuem um papel ativo na construção da realidade
sócio-cultural. Deste modo, o mercado passa a ser o espaço social de sobrevivência, mas
também de inserção e expressão, onde se desenvolvem novas sociabilidades e circula a
informação (Pacheco, 1994), visto que: experiências compartilhadas por pessoas em
condições assemelhadas de existência constroem identidade. Essas/ identidades, pois, não
surge do nada ou de um processo pré-determinado, não são sempre únicas, definidas e
imutáveis” (CESCONETO, 2004). Uma parcela considerável nos confidenciou através nos
lucros obtidos nos negócios conseguem erguer a casa própria e manter os filhos na escola.
A essa questão está intimamente relacionada aos rendimentos e das estratégias de
reprodução familiar. Por sua vez, o conceito de estratégias de sobrevivência faz alusão ao
conjunto de práticas sociais diferenciadas, realizadas consciente ou inconscientemente por
indivíduos, grupos sociais, e famílias, seja para conservar ou aumentar seu patrimônio, para
manter, ou melhor, sua posição na estrutura de relações de classes ou para garantir a
sobrevivência. Vários autores discutem conceitos como estratégias de reprodução, estratégias
famílias, estratégias de vida ou de sobrevivência, remetendo às famílias e unidades
102
domésticas para articular os processos de manutenção cotidiana, de manutenção geracional e
de reprodução das relações sociais. As estratégias são vistas como estruturas de opção ou de
decisões, atuando de modo interdependente como práticas de trabalho de procriação, de
socialização dos filhos, de migração.
No contexto (s) africano (s) essas estratégias de sobrevivência e de reprodução melhor
atingem os objetivos e os propósitos que lhes servem de base quando suportada, pelo grupo
familiar, articulando atividades e complementaridades. Esta análise das estratégias de
sobrevivência e reprodução de famílias em meio urbano se apoia em duas idéias centrais: as
estratégias são concebidas e postas em pratica pelo grupo familiar, desempenha papel social
fundamental central e concentrador no que diz respeito à gestão de membros; as estratégias
são implementadas e desenvolvidas segundo o princípio da dispersão das possibilidades
geradoras de rendimento por atividades e por membros da família, bem como a dispersão das
redes de solidariedade onde se incluem os membros das famílias (RODRIGUES, 2006, p.
182).
No que concerne aos rendimentos obtidos com a venda não são uniformes. Estes
variam dependendo muito da quantidade de mercadoria comprada o preço praticado e o tipo
de negócio.
78
Por outro lado, verificou-se também que a aplicação dos rendimentos varia
consoante a idade e a responsabilidade familiares, como número de filhos, chefia familiar,
número de dependentes no agregado, bem como ter ou não um parceiro que ajude nas
despesas do lar. Há uma tendência das vendedoras mais jovens gastarem seus rendimentos em
roupas, educação em raros casos, ou seja, as mulheres mais jovens e com menos
responsabilidades familiares têm maiores oportunidades de investirem em si mesmas, em
relação a mais velhas e com maiores responsabilidades familiares. Entretanto entre os dois
grupos predomina como principal preocupação a sobrevivência e reprodução familiar. No
caso por nós aqui analisado, importa referir que se não fosse os rendimentos obtidos com as
vendas grande parte das mulheres estaria a viver em situação de indigência.
Questionadas acerca da aplicação dos rendimentos nossas interlocutoras relataram que
o rendimento serve, sobretudo, para subsistência para cobrir as questões alimentares, ainda
assim é possível notar que é através desses recursos que conseguem garantir a educação dos
filhos e manter a casa. A educação dos filhos passa a ser um grande investimento, uma aposta
num futuro melhor:
Não posso dizer que, aquilo que eu estou a fazer é que o filho também tem que
fazer. Porque, se o filho seguir o meu caminho conforme está é negativo. Tenho que incentivar os
78
Durante as entrevistas foram referidos valores que variam dos cinco aos trinta dólares norte-amercianos.
103
miúdos, para estudarem, para a vida não ser mais como a minha [Fonte: Entrevista com Lurdes,
Kinguila]
. Parte significativa dos lucros obtidos nos negócios vai para a compra de alimentação.
O que torna difícil calcular o rendimento total auferido, todos os dias apôs a venda uma parte
destes vão para a compra de alimentos para a confecção das refeições.
Deolinda, a zungueira-empreendedora
Deolinda, 23 anos, natural do Município de Bula Atumba, casada. Mãe de três
filhos. Estudou até a sexta-classe. Saiu da sua zona de origem aos nove anos de
idade acompanhada dos pais, marceneiro e domestica que veio a Luanda a
procura de trabalho. Acerca de catorze anos iniciou as atividades informais,
primeiro como vendedora de bolos, na esquina de sua rua, onde permaneceu
por dez anos. Nos últimos quatro anos ingressou para venda de frango a
retalho, na mesma esquina por onde iniciou. Questionada acerca das
motivações para entrada e permanência nas atividades informais, respondeu
porque eu vi que é um serviço fácil. Porque sai o ganho para sustentar os
meus filhos e, me sinto satisfeita porque não emprego, pois se tivesse não
estaria aqui”. Foi uma das raras entrevistadas que declarou ter outras fontes de
rendimento para além da venda de frango a retalho. Deolinda compra
mercadoria em Luanda e, envia para o mato para ser comercializada.
“Questionada sobre os planos futuros, disse almejar expandir os seus negócios
através de um empréstimo bancário, porque segundo ela “,cada dia que passa
eu também quero mudar”. “Quero mudar, porque o bem-estar também faz
falta na sociedade”. [Fonte: Entrevista com Deolinda, Zungueira]
Embora parcela considerável das nossas interlocutoras apresentarem a necessidade de
sobrevivência física ser a principal motivação para ali estarem. A leitura e analise das
entrevistas revelam que elas conseguem muito mais do que a reprodução física, elas almejam
acima de tudo, a reprodução social de suas famílias. O investimento na educação dos filhos, a
compra de terrenos, a construção da casa própria, a manutenção da casa, são indicadores disso,
tendo em conta o próprio depoimento de grande maioria das entrevistadas, fica patente que uns
dos grandes contributos dos rendimentos que as mulheres vendedoras auferem nos negócios
têm sido aplicados na educação dos filhos, o que evidentemente nos remete para uma dimensão
104
muita além da satisfação da sobrevivência física (questão alimentar), mas, agindo como um
fator de redução da pobreza, de reprodução social, uma vez que a educação dos filhos tem sido
vista como um grande investimento, uma aposta na melhoria das condições sociais futuras das
famílias mais carentes.
As próprias comerciantes apresentam como grande motivação da para a continuidade
nessa atividade, o fato de esta garantir o sustento da sua família, ao mesmo tempo, os
obstáculos que encontram mo dia-a-dia bem como a maneira influencia nas representações que
elas fazem do trabalho que exerce. Os lucros são apresentados como a grande motivação que as
faz suportar todas as vicissitudes que encontram no espaço de Venda. De outro lado, temos as
motivações que emergem da necessidade de ajudar do ponto de vista orçamental os esposos,
devido ao baixo salário dos maridos procuraram mobilizar formas de rentabilizar esses escassos
recursos e criar uma renda complementar. De outro lado temos aquelas que são as principias
provedoras de recursos para o agregado. Subjacente a esta motivação existe uma representação
da zunga enquanto o lugar de sofrimento, às vezes vivido como algo depreciativo.
4.3 Trajetórias de vida
Um ponto comum não a estas, mas, a trajetória de vida de outras entrevistadas é o
deslocamento das províncias de origem para Luanda. Todo este deslocamento mantém com base
as construções de laços familiares e de parentesco entre os que ficam e os que estão já
estabelecidos em Luanda. Outro aspecto constatado, diz respeito a um processo de mobilidade
social descendente que grande parte das nossas interlocutoras parece ter vivenciado. Esse
processo se caracteriza por uma descida de status social dentro das atividades informais. Os
fragmentos da trajetória de vida de Tânia, que a seguir apresentamos, parece bem ilustrar esse
fenômeno.
Tânia é natural de Ndalatando, município de Samba Caju província do
Kwanza-Norte. A curiosidade em conhecer Luanda fez se deslocar da sua
zona de origem e se estabelecer na cidade capital, desde 1983, acerca de 26
anos. Onde se casou e teve cinco filhos. Tânia ingressou na atividade
comercial efetuando viagens inter-regionais entre Luanda e Lubango (capital
da província da Huila), trazendo carne bovina abatida para comercializar na
capital. Pouca experiência em gerir negócios a fiz com que não conseguir
105
obter poupanças e gerir renda para manter os negócios. Depois de
impossibilitada de continuar com o negocio de carne, passou algum tempo
em casa, até que um parente a introduziu no negocio de banana. Nossa
interlocutora diz não pretender se estabelecer nesse negócio pretende alcançar
outros patamares e recuperar seu antigo lugar dentro do comércio.
Ao analisar aspectos ligados a zona de origem das entrevistadas, fica nítida que grande
parte delas não é originaria de Luanda. Das 33 entrevistadas 23 (72%) são provenientes das mais
diversas regiões do país ao passo que somente 10 (30%) nasceram na cidade capital. Verificando-
se a seguinte composição: (10) nascidas em Luanda; (6) provenientes da Província de Malange;
(4) de Benguela; (3) do Huambo; (1) do Kwanza-Sul, (3) do Kwanza-Norte; (1) Bengo; (1) do
Namibe; (2) do Bié; (1) do Uíge e (1) da Huíla. Como fatores ligados a tal migração se podem
citar: o deslocamento frenético de populações quer a procura de segurança durante o período do
conflito armado, quer a procura de melhores condições de vida ou oportunidades de negócios em
Luanda
79
, esses se afiguram como os grandes fatores explicativos para essa situação. Neste
sentido, a necessidade de ganhar a vida torna-se o primeiro dilema neste processo de integração
dessas migrantes. São os amigos e familiares que vão mais tarde inseri-lo na economia informal
de Luanda, fornecendo as regras do mercado; a compra de mercadoria; as estratégias de venda e
as redes de solidariedades.
De uma maneira geral, as nossas interlocutoras são socialmente originárias de famílias
do interior do país. São filhas de pais não escolarizados, ou com baixo nível de escolaridade,
havendo raras exceções de pais que alcançaram uma educação media ou freqüência ao ensino
superior. No que se refere à zona de origem, registramos igualmente uma heterogeneidade de
proveniências. uma predominância clara das mulheres provenientes da área cultural
Ambundu (62,3%) seguidas do grupo Ovimbundu (34,3%), conforme indica a tabela a seguir
apresentada.
79
Grande parte dessas deslocações foram efetuadas entre os finais da decada de 80 e inicios da decada de 90.
Estas datas concidem com marcos históricos importantes nomeadamente: o periodo de transição entre a I e a II
República que, implicou reformas politicas e economicas; Assinatura dos Acordos de Bicesse, a realização das
primeiras Eleições Multipartidarias e o Eclodir do conflito pós-eleitoral.
106
Tabela 5 – Entrevistas segundo o grupo etnolinguístico
80
No que se refere ao nível de escolaridade, verificou-se que parte considerável das
entrevistadas somente possui o nível primário completo, bem como uma declarada ausência de
qualquer tipo de formação profissional. Não obstante tal constatação parece existir uma tentativa
por parte das mais jovens em alcançar maiores veis de escolaridade e uma forte tendência em
conciliarem os estudos com as atividades de venda e os cuidados com o lar. Este grupo
geracional parece ter outra maneira de estar na atividade informal, uma vez que esta é vista por
elas, não como algo permanente, mas, como uma maneira de se inserirem no mercado de
trabalho formal. Para estas, o comércio de rua se constitui num lugar de passagem permite o
prosseguimento dos estudos, ao mesmo tempo em que garante a sobrevivência econômica da
família, ou seja, é o lugar onde vão buscar recursos para realização de outros anseios pessoais e
profissionais.
Ngueve nasceu no interior da província do Huambo. Em 1992, por altura do
conflito pós-eleitoral desloca-se com os pais para a cidade Huambo, onde
permanecem até 1999 altura em que se deslocam a Luanda, a procura de
segurança e melhores condições de vida. A quando do deslocamento, tinha
como escolaridade a sexta-classe, ficando dois anos longe dos estudos,
retomando em 2002. Concluiu a sétima classe e, cursando por altura da
entrevista a Nona classe. Paralelamente a isso possui o curso de informática e
pretende efetuar outros cursos profissionalizantes. Vendo que estudar não
garantiria a sua subsistência, em 2004 se lança no negócio de calçados
brasileiros. Posteriormente diante da falta de mercadoria ingressou,
80
A tabela foi construida apartir de inferencia feita as respostas obtidas acerca das zonas de nascimento dos pais
e das entrevistadas.
Etnia
Comerciantes
Entrevistadas
Ambundu
62,5%
Ovimbundu
34,3
%
Bakongo
3,1%
Total
100
107
temporariamente, na venda de cuecas. Mora com o marido, técnico médio de
enfermagem, e os dois filhos. Seu objetivo é fazer o curso de enfermagem,
enquanto isso vai fazendo alguns cursos profissionais, pois como ela mesma
diz. Seu objetivo é adquirir novos conhecimentos, para poder avançar na vida
[Fonte: entrevista com Ngueve, Zungueira, Hoji-ya-Henda].
É também nesse grupo que encontramos de certa forma uma trajetória social marcada
por passagem por empregos fora das atividades informais, bem como por um interesse na
aquisição de novas experiências profissionais que observem as exigências do mercado oficial de
trabalho, onde algumas de nossas interlocutoras, segundo depoimentos, almejam futuramente
estar inseridas. Esta geração manifesta uma maior perspectiva de inclusão, por isso seu horizonte
é de uma atividade passageira no intuito de alcançar outra situação. Trata-se, nestes casos, de
uma estratégia de sobrevivência num contexto em que se entrelaçam nacional e global e, em que
os situados fora do mercado sob pena de serem exterminados têm de reinventar a cada dia a sua
subsistência.
Datilografa a vendedora de roupa intima brasileira
Chama-se Domingas, nasceu em Luanda, mas, seus pais são naturais do C.
Norte. Quando estes faleceram, era ainda bebê. Hoje casada, vive com o
marido e os sete filhos no Bairro da Mabor, Município do Cazenga. Tem
como escolaridade a sétima classe. Trata-se dentre as nossas interlocutoras,
uma das poucas que possui uma trajetória profissional, marcada pela
passagem pela função blica, onde segundo ela fora, datilografa-escritorária
no Ministério das Obras Públicas, ambiente e Urbanismo, permanecendo
quatro anos nessa função. O baixo salário e a ausência de outros benefícios
sociais complementares fizeram-na abandonar o trabalho, para se dedicar ao
comércio. Por altura da realização da entrevista, Domingas se dedicava a
venda de sutiã e biquíni do Brasil, negócios adquiridos no Mercado do
Roque Santeiro, atividade que exerce acerca de dois anos. Entretanto, diz
estar cansada das condições com quais exerce a atividade porque é pá,
108
ficar aqui por baixo do sol, já não estou a agüentar”. Se conseguir um furo
81
numa empresa ou vou deixar “[Fonte: fragmentos da história de vida de
Domingas, Zungueira]
De certo modo, a variável idade, número de filhos e estado civil vão influenciar esse
fenômeno. Observando as características sócio-demográficas desse subgrupo notamos que, trata-
se de uma população composta por mulheres jovens na faixa etária dos 23 aos 25 anos, solteiras
(5) ou em situação conjugal de “amigadas” (3) sem filhos (3) ou quando os têm a media é de dois
filhos (4 ) e com um percurso recente dentro do sector informal (Ver em anexos quadro de
caracterização das entrevistadas). Todas elas, atuando como vendedoras ambulantes, zungueiras.
Aqui, mais uma vez, observamos a questão geracional na medida em que as mais novas se
mostraram mais predispostas em alcançar a integração no mercado de trabalho formal. De modo
geral, o grupo pesquisado possui uma idade mínima é de 20 anos, ao passo que idade máxima é
de 60 anos, sendo a media de idade de 32 anos.
Tabela 6 – Estatuto civil das entrevistadas
Paralelamente a este, temos um grupo de mulheres comerciantes, geralmente mais
velhas que possuem longo percurso dentro das atividades informais, “as mamães quitandeiras”,
com menores níveis de escolarização e, que de alguma forma se encontram acomodadas nessa
atividade, ali fizeram suas vidas, com bastante suor conseguiram construir a casa própria, educar
os filhos. Essas senhoras não visualizam alternativa para além das atividades de venda. Como
elas mesmas dizem: estamos habituadas com esse negócio”. Neste contexto, enquadro a
“história de vida” de três irmãs, Tia Josefa, Tia Antônia e Tia Maria:
81
Lugar.
Solteira
Separada
Amigada
Casada
Viúva
18,8%
3,1%
40,6%
31,2%
6,2%
109
Filha de pais camponeses, tia Josefa é natural de Malange, de onde saiu depois
da independência, em 1975, para Luanda. Atualmente é vendedora de rua nos
arredores do Mercado da Asa Branca, Tem 50 anos, 28 dos quais passados no
sector informal de Luanda, mãe de 5 filhos, diz todos dependerem
economicamente dela, vive maritalmente e se assume como a principal
provedora de recursos para o agregado familiar, conforme ela diz:”Eu mesmo é
que sustento a minha casa. Eu é que se agüento com os filhos, tenho cinco
filhos, todos dependem de mim, são pequenos. Marido de agora. No meu caso,
falo verdade não tem pessoa que me ajuda tudo mesmo eu. Tudo depende
mesmo aqui da Asa Branca, tudo da Fuba [Fonte: Entrevista com Tia Josefa,
Asa Branca]
Vestida a moda da antiga quitandeira, lenço na cabeça e panos. Fala do seu percurso
como quitandeira, com início no ano de 1979 no Mercado do Imbondeiro, uma das “quitandas”
da época, por influência de suas duas irmãs quitandeiras. Tendo em 1992 se estabelecido no
mercado da Asa Branca como vendedora Grossista de engradado de cerveja. Tia Maria, outras
das irmãs, fala do percurso no mercado e dos tempos dos bons negócios com saudosismo:
Eu iniciei em 1992, na altura quando iniciou aqui a praça, eu estava a morar na Petrangol. Em
1992, comecei a vender cerveja em grade, nos íamos à fábrica da Cuca, comprávamos carros e
depois íamos vender a outras pessoas, despachávamos muito bem, mas, desde que a praça está
na confusão e desde que estãoas lojas, o comércio, essas casas, toda gente já tem negócio da
praça, pronto deixamos de vender cerveja em grande e, eu fiquei a vender gasosa, gasosa
mesmo na zunga para conseguir um bocado de pão. Mas ficamos mais arrasca, quando a
praça saiu daqui para e, fomos ali para praça nova do Cantinton, Ai é onde sofremos mais, ai
fizemos um ano. Depois regressamos mais aqui, e não conseguimos lugar dentro, para,
além disso, lá dentro o negócio não estava a andar, por isso ficamos aqui a vender fora. Mesmo
dentro, o povo também não chegava, negócio também não andava, é pá, saímos e viemos
aqui, até aqui estamos a se remediar minimamente [Fonte: Entrevista com Tia Maria, Mercado
da Asa Branca].
De 56 anos, tia Antônia é irmã mais velha de tia Josefa, Nasceu de igual modo em
Malange, migrou para Luanda em 1977, entrou no comércio informal dedicando-se a venda de
fuba, comprando bombó para posterior mente levá-lo a moagem no Bairro do Rangel. Assume-
se como sendo a responsável do agregado, coabitando com seu marido, que afirma estar
aposentado. Recorda sua infância, trabalhando juntos dos pais nos campos de algodão, na
província de Malange, ainda no “período colonial”:
Naquela época do tempo colonial, nós éramos crianças ainda. Você tem que ir a fazenda dum
branco e, ai aonde você vai, tens que trabalhar também. O senhor te dava “fulana de tal tem
de trabalhar e vais ganhar X”. Colhíamos algodão. Mas não é tanto como agora, porque nós
agora estamos livre. Você é que sabe se trabalha, você é que sabe se larga a que horas
[Fonte: Entrevista com Tia Antonia, Asa Branca]
110
Observando a composição sóciodemográfica das entrevistadas podemos constatar que
a maneira de encarar o trabalho informal como transitório ou permanente pode variar em
função a idade, escolaridade, origem social encargos familiares, rendimentos obtidos, da
capacidade física para agüentar a atividade. Verificou-se uma clara tendência das mais jovens
encararem o comércio de rua como algo provisório, ao passo que as mais velhas com maior
tempo de transito dentro das atividades informais e com baixo nível de escolaridade tenderam
a manifestar maior desejo de prosseguir com esta. Por outro lado, são as mais velhas que
mobilizam grande parte dos recursos obtidos na venda, para a educação dos mais jovens e
para reprodução social. Uma vez que maior parte dessas mulheres pretende que seus filhos
conseguem alcançar oportunidades sociais muito mais satisfatórias. D que corroboramos
com Oliveira (2005), quando fala de um caráter ambivalente das atividades informais
(particularmente as de rua), na medida em que é ao mesmo tempo provisório e permanente.
Na sua argumentação a pesquisadora faz referencia que a condição de informalidade é vivida
como permanente pelo fato de as possibilidades de inserção ou re-inserção no núcleo
estruturado do mercado de trabalho torna-se mínimas no contexto de desregulamentação e
flexibilidade do trabalho, principalmente, para os trabalhadores informais mais velhos e
menos escolarizados. Sendo assim, o mundo do trabalho informal se configura como a única
alternativa plausível para fugir do estigma social do desempregado e assegurar a reprodução
dos homens e mulheres “sem emprego”. Por outro lado, os riscos, as incertezas e a
instabilidade das condições de trabalho com a esperança de ter emprego com carteira assinada
fazem com que a condição permanente do trabalhador informal seja vivenciada sob o signo de
provisório (OLIVEIRA, 2005 apud DURÃES, 2006, p.6).
4.4 “Homem a vender ali, mulher a vender aqui”
Nesta seção, retomamos as discussões acerca das dinâmicas e negociações de papeis
de gênero no interior das atividades comerciais de rua, iniciada no segundo capítulo. Para essa
abordagem inicial, começaremos por acentuar a existência de uma tradicional segmentação, das
atividades comerciais, por gênero e idade, embora em algumas atividades esta delimitação não
esteja bem patente, torna-se um aspecto importante e digno de realce. Podemos citar, por
111
exemplo, a especialização de mulheres em atividades como o comércio de alimentos; a troca de
divisas; serviço de beleza; a venda de bebidas e artigos de uso doméstico entre outros. os
indivíduos do sexo masculino são mais visíveis em atividades como a venda de acessórios
automóveis, mobiliário, artigos de consumo doméstico, carregamento de mercadorias, serviço
de lavagem, parqueamento e segurança de carros, só para citar algumas.
No que toca à estratificação por idades pudemos notar que existem atividades
tradicionalmente exercidas por indivíduos cuja faixa etária ronda entre os 12 aos19 anos, temos
como exemplo a venda de sacos plásticos. Pensamos que tal estratificação embora não seja
rigorosa, prende-se ao fato da própria complexidade característica de cada atividade, sendo que
umas exigem mais experiência, outras requerem maior esforço físico e outras mesmo requerem
maior dinamismo e mobilidade. Com objetivo de inferir as opiniões das nossas interlocutoras,
acerca desta segmentação das atividades por gênero, solicitamos que expusessem suas opiniões
acerca da presença masculina no comércio de rua e qual seriam as atividades mais comuns as
mulheres e aos homens. Uma delas respondeu:
mal, tal mal. O homem coisa dele é mesmo trabalhar nas empresas. homens que
zungam roupas lá na baixa, aqueles papás mesmo, a venderem coisinhas na baixa. É sofrimento
ou não, um homem grande que dá para trabalhar? Negócio dos homens é vender pastas, mala,
rádios. As mulheres também são outros negócios água, zungar água; vender tomate mesmo na
zunga; fuba mesmo na zunga; coxas de frango. Agora está mal, não havia esta mudança.
Dantes o homem trabalhava, a mulher mesmo que não tem esperava lá em casa o marido trazer
qualquer coisa, o homem diz: toma. Mas agora já não está a existir, é mulher no mercado,
marido também no mercado. O homem a vender ali a mulher a vender aqui. É isso que nós
estamos a ver. Às vezes, você a vir aqui a sofrer, o marido a vir beber o caporroto
82
dele.
Dantes não, dantes estivemos a esperar o papá vir nos trazer. Não é tanto assim como passar o
dia aqui no sol. Estamos a passar o dia na poeira, sofrimento, o sol [Fonte: Josefa, Mercado da
Asa Branca].
O relato da nossa interlocutora, ao mesmo tempo em que corrobora com um ideal
nostálgico da tradicional segmentação das atividades por gênero, onde exista rigidez na
demarcação de ”negócio de homem” ou “negócio de mulher”. Sua fala indica que os tempos
são outros. O homem não é o principal provedor de recursos para manutenção da sua
família e que de certa forma vai perdendo esse status dentro do núcleo familiar. De outro
modo, espelha também como nesse contexto os rendimentos das mulheres constituem cada
vez mais o suporte orçamental dos agregados. Essa mudança de papel, resultantes desse
processo parece ter sérias repercussões na estrutura social das famílias Luandense. A título de
exemplo, um trabalho realizado por Ducados, junto de mulheres comerciantes de peixe, revela
82
Trata-se de uma bebida destilada em moldes tradicionais
112
que muitas vezes elas são alvos de injustas acusações e de atos de violência doméstica.
Ducados afirma que, os rendimentos das mulheres no sector informal da economia
começaram causar um sério conflito cultural pondo em causa a capacidades dos homens de
ganhar rendimentos e o papel tradicional dos dois sexos na família(DUCADOS, 2000, p.).
A experiência urbana das mulheres em África evoluiu diferentemente, consoante a sua
pertença de classe (COQUEVERY-VIDROVITCH, 1994 apud DOMINGUES, 2000, p.45).
Enquanto as mulheres da classe média tenderam a conformar-se no modelo ocidental da
mulher no lar, dependente economicamente do marido, as mulheres das classes populares,
parecem ter encontrado, novas oportunidades de emancipação (ROBERTSON, 1995 apud
DOMINGUES, 2000, p.)
Nossa análise do percurso dessas mulheres lança uma reflexão de elas, as vendedoras,
tenderem a alcançar a sua emancipação social em relação aos rendimentos de seus maridos.
Aqui o termo “emancipação social” é usado aqui para caracterizar por um lado, esta possível
inserção da mulher no espaço público
83
da “grande cidade e, por outro, à vontade de não
dependerem dos seus cônjuges, uma das entrevistadas replicou:
“Eu também não posso deixar
de vender, toda hora esperar só do bolso do outro. Se ficar só em casa o homem não vai me dar nada.
Se tu pedes dinheiro em casa, primeiro é te dar um disparato. Se não trabalhas eles te desprezam, te
chamam acaba molho
84
”[Fonte: Zungueira, Hoji-ya-henda].
Nesse contexto é mediante as atividades que exerce que a mulher sente-se reconhecida
e mais livre, à vontade, dona de si mesma, tais sentimentos são exteriorizados através de
cânticos, danças e interações simbólicas que estabelecem entre si e com os clientes. Sobretudo
libertam-se de muitas angústias suportadas no seio familiar.
85
A partir da venda elas
conseguem integrar-se num conjunto de redes de interações que engloba os seus clientes,
colegas de venda e até com os fornecedores das mercadorias o que permite uma relativa
integração nas redes das relações nas grandes cidades. Abrindo caminho para o que
Boaventura de Sousa Santos (2000) designa por relações emancipatórias, isto é, relações que
criam um número cada vez maior de relações cada vez mais iguais, que se desenvolvem,
portanto, no interior das relações de poder.
83
O conceito é aqui utilizado no sentido socioantropológico atribuído por apud Maia(2002) , isto é, como sendo o
modelo teatral, os actores representam o seu papel de homens públicos, segundo as convenções que orientam a
vida em público ou das relações publicas. Neste sentido o conceito é entendido como cena de visibilidade em
que as coisas aparecem ( GOFFMAN, 1973; SENNETT, 1979 apud MAIA, 2002, p.89)
84
Equivalente a usurpadora
85
No decorrer das entrevistas podemos notar a necessidade que grande parte delas sente de serem ouvidas e
desabafar suas angustias com alguém.
113
“Em casa não vou sentar”
Escurinha, amigada, dois filhos [eu naquela altura, vendia no São Paulo.
Vendia em frente ao Cine São Paulo, vendia fresco
86
. Comprava ali dentro do
Cine ou na Macambira e, despachávamos ai. Comprávamos caixas de
entrecosto, carne e coxa de frango. Trabalhei lá dois anos e tal, a caminho de
três. Aqui estou a caminho de três anos, assim que o são Paulo acabou uma
amiga me puxou e estou aqui] Vendo aqui, porque não tenho mais nada para
fazer. Vou fazer mais o quê? Em casa não vou sentar. Me puxaram, meu
marido não trabalha depende dos negócios. Estou aqui a remediar, é aqui onde
sai qualquer coisa, esses são os fatores que me fazem hoje estar aqui no
arreiou.
Retomando a questão das dinâmicas de gênero, constatações feitas no campo chamam
atenção, para uma forte pressão que tem vindo a ser exercida sobre o sector informal urbano de
Luanda.
87
O tem originado, um relativo rompimento com a tradicional estratificação sexual
das atividades informais criando um certo deslocamento de tradicionais papéis de gênero. É
bastante usual, encontrar operadores do sexo masculino a exercerem atividades
tradicionalmente ligadas às mulheres e vice-versa. Na busca de satisfação das necessidades
básicas, as populações evidenciam um grande potencial criativo, que como fizemos
referência, tem extrapolado a tradicional estratificação de gêneros dentro do setor, vários
exemplos poderão espelhar tal mudança.
O primeiro caso, o mais visível, é a entrada massiva de jovens rapazes no comércio
ambulante, pratica tradicionalmente atribuídas as mulheres. Outro, prende-se a entrada de
jovens rapazes na prestação de serviços de beleza e venda peças intimas feminina. No caso dos
primeiros, trata-se de “uma nova categoria de operadores” que prestam igualmente serviço
ambulante de manicure e pedicure, a uma clientela majoritariamente feminina, seus clientes são
de várias origem social e econômica.
86
Carne congelada.
87
causado por um lado, pelo contingente de populações de todos os quadrantes que se fixaram em Luanda, pela
larga vaga de migrantes que continua a deslocar-se à cidade capital e por outro, devido à elevada da taxa de
desemprego e as ausências de alternativas de emprego formal que se registram,
114
No exercicio cotidiano do seu “ofício”, caminham pelos mercados, seus arredores e um
pouco por toda cidade, exibindo seus produtos a procura de potenciais clientes, em grande parte
mulheres comerciantes de rua. Eles exercem esta atividade com bastante habilidade e técnica, vão
ganhando cada vez mais espaço num setor tradicionalmente atribuida as mulheres.
Fig. 17- Jovens pintores fazendo os pés de duas jovens kinguilas no Bairro
Hoji ya Henda
Durante o trabalho de campo buscamos acompanhar a atividade desses jovens rapazes
habitualmente designados por “pintores”, o que resultou numa conversa informal com três
desses operadores, ambos naturais da província de Benguela.
Os “Pintores”
Mânico de 18 anos, Pedro de 17 anos e Gasparito de 24 anos. Ambos naturais
da Ganda, província de Benguela. A procura de melhores possibilidades de
existência fez com que se deslocassem à cidade. Agora transitam entre
Luanda e a província de origem. Os três jovens residem em uma casa alugada
nas imediações do Mercado Roque Santeiro, município do Sambizanga.
Dizem que deste modo, conseguem proteção contra meliantes e poupar
dinheiro para comprar roupas, eletrodomésticos e enviar dinheiro para
família. Geralmente a refeição mais caprichada do dia é preparada após o
termino das atividades, isso por volta das seis da tarde. Na altura da entrevista
uma manicure e pedicure custavam cerca de duzentos e cinqüenta kwanzas e
115
os vernizes comercializados cada um a cinqüenta kwanzas. [Fonte: conversa
com Jovens pintores, Bairro Hoji ya Henda]
Questionados acerca da sua atividade e, se tinham alguma dificuldade em
desempenhar uma atividade outrora tida como feminina responderam: “Antes eram as
mulheres, agora nós é que mandamos”. Relativamente a aprendizagem do oficio os jovens
confidenciaram que esta é feita através da observação do quotidiano de amigos que trabalham
em salões de beleza [Fonte: Conversa com Pintores, Congolenses].
Um terceiro, caso é o da entrada de indivíduos do sexo masculino nas atividades
ligadas ao comércio de divisas, fez surgir os doleiros. Anteriormente atividade exercida
majoritariamente por mulheres, as tradicionais kinguilas. No caso das mulheres cresce o
número de comerciantes que se dedicam a venda de materiais de construção civil e elétricos.
Nossa hipótese é que o contexto no qual se desenvolvem estas atividades está a criar
uma geração de homens e mulheres mais preocupados com o seu sustento, mesmo que esse
implique o rompimento com os tradicionais modelos de gênero. Daí que começa a existir uma
geração de jovens, tanto rapazes como rapariga, que vão desafiando a tradicional divisão de
gênero antes verificada. Deste modo, como as atividades, até então “femininas”, passaram a ser
vistas como lucrativas os homens entraram no mercado. Naquelas atividades, ainda não
exploradas por elas, o nicho de mercado, eles foram mais rápidos e se aproveitaram para ocupar
o espaço. De alguma maneira eles fizeram a inversão de papeis de gênero. Não vão ocupando
lugares em profissões tradicionalmente femininas. Eles passaram a atendê-las, que são elas a
parcela importante da sua clientela. Elas criaram “serviços” para
Por outro lado, essas inovações podem também ser atribuídas à característica
multicultural desses espaços de venda e, que se reveste em inovações e experiências trazidas
pelos comerciantes que vêm de outras partes do globo. A este propósito, podemos citar que a
forte imigração de indivíduos provenientes de outras partes de África, tem resultado
contribuindo também para essa reconfiguração dos papeis de gênero. Podemos citar o fato por
nós constatado, durante a permanência nas áreas em que pesquisamos de que uma parcela
considerável dos homens que vimos exercer a atividade de câmbio, os doleiros, ser constituída
por imigrantes vindos de outros pontos do continente.
116
4.5 Identidades e territorialidade; versus local e global
Nesta seção, há a salientar que embora do ponto de vista geográfico o estudo ter como
universo de estudo Luanda, fica a constatação que, do ponto de vista cultural o grupo
estudado é bastante heterogêneo, o que nos leva a deduzir que a diversidade cultural angolana
se reflete na composição social dos atores que intervêm nesse ambiente social, se tivermos em
consideração que este apresenta um desenho étnico do país e, quiçá de outros lugares do
globo. Tal constatação nos impele a uma breve reflexão em torno da coabitabilidade dessa
diversidade no âmbito do trabalho informal. Para além de angolanos provenientes das diversas
regiões do país, cada qual portador de referências culturais do seu grupo étno-cultural
88
de
pertença estão presentes indivíduos provenientes de outras partes do globo. Dentre estes, se
destaca uma presença marcante de indivíduos africanos oriundos do Mali, Costa do Marfim,
Guiné Konacri, República Democrática do Congo, Senegal, um número considerável de
libaneses uma presença ainda tímida de Asiáticos.
Será necessário antes de mais aponta que a questão da identidade cultural remete
naturalmente, numa primeira instância, para a questão mais alargada da identidade social,
sendo uma das componentes desta última. Ela é uma ferramenta que nos permite pensar a
articulação do psicológico e do social num indivíduo. Exprimindo-se como resultante das
varias interações entre individuo e o seu meio social. Nesta perspectiva, a identidade social de
um indivíduo caracteriza-se pelo conjunto das suas pertenças no sistema social: pertença a uma
classe sexual, a uma classe etária, a uma classe social, a uma nação, etc. Permitindo o mesmo
localizar-se e ser localizado socialmente. De acordo com a visão interativa, a identidade é
formada na “interação” entre o “interior” e o “exterior” entre o mundo pessoal e o mundo
público. O fato de que projetamos a “nós próprios” nessas identidades culturais ao mesmo
tempo em que internalizamos seus significados e valores, tornando-os parte de nós” contribui
para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo
social e cultural [HALL, 2006, p. 11-12].
Esta visão acima apresentada por Hall aproxima as chamadas concepções subjetivistas
das concepções objetivistas da identidade cultural. Deste ponto de vista, a identidade é
entendida como sendo o resultado simultaneamente estável e provisório, individual e coletivo,
subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, em
88
Expressão usada por Kajibanga, 2000.
117
conjunto, constroem os indivíduos e definem as instituições [DUBAR, 1997, p.105]. A
identidade é uma construção que se elabora num modo de relação que opõe um grupo aos
outros com os quais está em contato. (CUCHE, 1999, p. 129).
Trata-se nesse sentido de um contexto onde se encontram articuladas redes sociais
muito diversas que incluem os laços familiares de parentesco e um circuito comercial local e
internacional no qual estão incluídos os diferentes tipos te intervenientes dentre eles:
abastecedores grossitas, comerciantes transfronteiriços e transnacional, retalhistas e
consumidores. Essas redes de fornecedores e consumidores ligam a economia informal
luandense e seus operadores a outros países do globo como: República Democrática do
Congo- RDC e Congo Brazzaville e transnacional onde África do Sul, Brasil, China, Dubai e
Portugal, países de origem da maior parte das mercadorias comercializadas nos mercados
informais. Destacamos o papel das comerciantes retalhistas, são elas que se encarregam em
distribuir essas mercadorias, influenciando as suas praticas de consumos servindo de
interlocutoras perto dos grossistas. São elas que se encarregam de proliferar aquilo que está na
moda que no calão luandense se designa por “está bater”, ou seja, o que está em alta.
As observações efetuadas ao longo do trabalho de campo levam a deduzir que, essa
atmosfera cosmopolita, implicou a reconfiguração dos espaços, das técnicas de venda, assiste-se
ainda em raros casos, a introdução da pratica de venda por consignação e, de apropriação de
técnicas de vendas de ambos os lados, vendedores nacionais e imigrantes. Timidamente vamos
assistir o aparecimento de comerciantes ambulantes de origem asiática que com suas técnicas e
conhecida pericia nos negócios fazem frentes às comerciantes nacionais.
A configuração do comércio de rua nas áreas pesquisadas começa a mudar com o
aparecimento dos primeiros “armazéns dos senegaleses”
89
, assim foram apelidados, por
vendedores, moradores e compradores. A predominância de mulheres de nacionalidade
angolana tende agora a mudar com a entrada massiva de comerciantes do sexo masculino de
outras nacionalidades, mormente os africanos da parte Oeste. Muitas das dinâmicas e inovações
verificadas no comércio de rua em Luanda, se devem a presença de indivíduos vindos de outros
lugares do continente bem como dos oriundos de outras partes do globo. Estes trazem as suas
experiências empresárias, inovações tecnológicas e técnicas de venda.
A abertura dos armazéns contribui para o crescimento do comércio de rua, na medida
em que são as principais agentes retalhistas privilegiadas dos produtos que comercializam. o
ressurgimento das cantinas, veio de certa forma estimular a competição entre comerciantes
89
Foram assim apelidados os armazéns que tinham como gestores africanos de outros países.
118
documentados e não documentados. Nestes casos, os concorrentes dos ambulantes, na sua
maioria homens, estrangeiros com maior volume de capital e outros horizontes empresariais,
com maiores possibilidades de negociações com as entidades públicas, passam a dianteira das
comerciantes locais.
Fig. 18 – vendedores “ Senegaleses” no bairro do Bairro Hoji ya Henda
A venda de vestuário é uma das suas especialidades.
4.5.1 Entre “Nós e Eles”
Durante as entrevistas procurou-se saber, de nossas interlocutoras como elas
encaravam essa concorrência com “novos inclinos” desses espaços e de que maneira esta
presença afetava os seus negócios.
O negócio que nós vendemos são os mesmos. Mas, como nós vendemos mas assim do
Brasil e, eles vendem mais da Tailândia. E quando você que ele também comprou roupa
do Brasil, você vê que não está a andar, ou eles estão a arreiar, então nós discutimos com eles
e, lhes corremos. Ou eles sobem o preço ou vendem num lado e, nós vendemos noutro.
Embora grande parte das vendedoras com quem conversamos respondesse que a
convivência com seus “concorrentes” era amena, foi comum frases como: eu vou te dizer uma
119
coisa: Langa
90
é pessoa que Deus não podia fazer: Langa não tem coração”; Homem, no
caso dos langas, até a própria mulher ele vende”; Cada pessoa com o coração dele. Eu não
converso com os senê
91
”; “O dialeto que eles falam e não entendo. Vamos conversar então o
quê”?
Quanto aos nacionais, é preciso lembrar que não obstante estarem distantes de suas
zonas de origem as pessoas, procuram manter um vinculo muito grande com a sua terra, quer
seja através de viagens periódicas, envio de lembrança,acolhimento de parentes em Luanda.
Contudo, a criação de redes de vizinhanças com base no parentesco, com pessoas de
provenientes do mesmo espaço sociocultural, manutenção dos hábitos alimentares, e o falar a
língua do grupo etnolinguistico de origem pareceu ser as formas mais evidentes de
manifestação de laços de “etnicidade”. Foi visível a predominância na venda de produtos do
campo nos vendedores provenientes da zona centro-sul do país e falantes da língua Umbundu.
No interior desse grupo, existe uma solidariedade muito característica. Primeira evidência desse
fenômeno prende-se ao fato da comunicação ser feita na língua nacional fala na região de
origem, nesse caso em Umbundu. Outra forma, é a agregação dos vendedores em pequenos
núcleos de conterrâneos, juntos na comercialização dos seus produtos. Quer se trata-se de
homens ou mulheres, “carregadores”, “zungueiras”, “saqueiros”. Expressões como: “Nós aqui
somos todos sulansos; “Somos já famílias, aqui já não há mais amigos “ .
Essa camaradagem vai, em certos momentos estruturar a especialização dentro dos
espaços de venda. Se tivermos em conta que essas senhoras quando necessário mobilizam seus
“saberes locais”, os conhecimentos adquiridos dentro dos seus grupos de pertença, as
experiências de vida, conhecimentos ancestrais, tornando-os, ou seja, potenciando-os como
estratégias para o mercado. A título de exemplo, as vendedoras de produtos horticulas são em
grande medida mulheres aquelas que de certa forma estiveram ligadas, nas suas zonas de
origem, a agricultura de subsistência sendo muitas vezes filhas de pais camponeses, como nos
confidenciou uma delas: “Esse negócio de verdura você encontra mais nos sulanos. Nossas
mais e nossos pais eram camponeses”. Embora não se trata de uma prática homogênea
verificou-se uma tendência de algumas senhoras se concentrarem nos espaços de venda a partir
de laços etnicos, vizinhança e parentesco. Isso pode estar associado às redes familiares de venda
e a forma como se inserem nos espaços de comércio.
90
Modo pejorativo como são chamados e conhecidos os imigrantes do Congo Democrático em Luanda e, em
Angola de modo geral.
91
Alusão a senegaleses
120
Pelo que alguns estudos indicam em tempos idos parece ter existido essa agregação de
vendedoras segunda as zonas de origens. Esta questão ficou patente, na resposta de uma de
nossas interlocutoras quando questionadas acerca de quem eram as vendedoras de raízes,
replicou:
Que estavam a fazer este negócio, antigamente eram as senhoras de Luanda, Malange e
Catete. Agora são já as langas que estão a vender estes negócios agora é já zairense. Muita
gente que vendia, agora deixou de vender. Aquelas outras viram que este negócio está
andar e seguraram este negócio para começar a vender[ Fonte: quitandeira sexagenária,
mercado da Asa Branca].
Tratamentos de índole pejorativos como: “Langas”; ”Benguelense”; “sai daí
Bailundo” de merda, foram observados quer entre comerciantes, quer no nível da interação com
a clientela. Essas classificações pouco abonatórias e até certo ponto, reveladoras de ignorância,
como o caso de designar as populações do Sul de Angola como “bailundas”, em que
“bailundos”, derivado do topônimo Bailundo (designação de um município da província do
Bié) é usado entre angolanos não para caracterizar os nascidos, no Bailundo, mas, para
particularmente, como sinônimo de pessoas desprezíveis, subservientes e ignorantes (MELO,
2004) Algumas cenas presenciadas, levam a corroborar com a idéia de que, como acontece em
vários outros contextos, entre os angolanos a convivência entre as diferentes identidades sociais
e étnicas nem sempre são pacificas.
Contudo, se partidos do pressuposto, segundo o qual tradição e cultura não são
paradigmas eternamente válidos, porque estão em permanente mutação (KAJIBANGA, 2000) e
no caso da identidade, como diz Dubar (1997) é produto de sucessivas socializações. É nesta
perspectiva que ousamos afirmar que essa experiência tem sem sombra de dúvida tem vindo
acrescentar novos elementos as identidades individuais e que, portanto, ao mesmo tempo em
que se verificam manifestações de etnicidade, também ressalta o sentimento nacional. Uma vez
que, ao mesmo tempo em que se recorrem às identidades étnicas, também se evidenciou uma
vontade de coabitar com os outros na diversidade, estarem com os outros. É o que ficou patente
nos depoimentos acerca da convivência entre comerciantes vindos das diferentes regiões do
país: Somos todos angolanos: luandenses, malanginos. s todos somos angolanos. Por isso,
eu quem vou decidir onde eu estou se vou ficar dois meses ou um ou dois anos [Fonte:
depoimentos de um Roboteiro, Congolenses].
Quer no decorrer da venda e pelas interações que sucedem no interior dos grupos de
vendedoras, quer entre a vizinhança nos bairros onde estão instaladas está presente o contacto
121
entre as vários grupos etnolinguísticos:
“Sim, tem tudo aqui: do Uíge, tem malanginho, tem de
Catete, tem todos mesmo, é se misturar. Se damos mesmo com outras pessoas. Não problema,
somos todos irmãos”.[Fonte: Entrevista com Zungueira]
A aproximação de mulheres pertencentes a diferentes grupos etnolinguisticos permite
a criação das redes de solidariedade social. Um exemplo, é a constituição dos grupos de
kixikila, que é praticada por mulheres provenientes de diferentes regiões do país. Este aspecto
foi também realçado num estudo elaborado pela Ação Para o Desenvolvimento Rural de
Angola (ADRA, 1997) sob o título O perfil da mulher angolana no desenvolvimento. Segundo
o referido estudo um dos resultados não antecipados da deslocação em Angola é a sua
contribuição para a “distribalização” do país. Visto que pelo país a fora, se encontram pessoas
de todas as regiões e de todos os grupos étnicos.
Na secção que se segue, abordamos de maneira mais especifica a questão da
religiosidade enquanto um dos traços das identidades sociais e consequentemente do quotidiano
nas práticas das vendedoras.
4.5.2 O relato sobre a experiência religiosa
Durante as entrevistas foi possível captar outros espaços das identidades, a questão
religiosa. Alias importa salientar que Angola, e Luanda de modo particular, possui um campo
religioso heterogêneo onde estão presentes:
[...] doutrinas cristãs (católica e protestante nas suas
variadas vertentes), sincréticas e não cristãs, que coabitam com as religiões locais originais. Sendo que,
parte da população já experimentou adesão a uma religião diferente daquela em que foi iniciada
(VIEGAS, 2007).
Muitas dessas mulheres foram socializadas num ambiente sincrético, ora
apelando para os espíritos ancestrais, aos mortos, aos santos católicos, a Nzambi, a Cristo. É
nesse âmbito que podemos enquadrar a experiência de Tia Domingas:
Filha de pai pastor protestante e mãe camponesa, tia Maria é natural de Pungo-
a-Ndongo (Pedras Negras) província de Malange. Em 1979 sai da província de
origem com destino a Luanda. Atualmente é vendedora de raízes medicinais,
atividade que concilia com a prática da terapia tradicional. Com 48 anos, 28
dos quais passados no mercado, mãe de cinco filhos, diz todos dependerem
economicamente dela, vive maritalmente e se assume como chefe do agregado
122
familiar, conforme ela diz:
Eu sou natural de Pungo-a-Ndongo, Pedras Negras,
Malange. Vivi e trabalhei lá. É a guerra que me trouxe para viver em Luanda. Saí lá em 1979,
cheguei aqui em Luanda, ainda jovem. Sempre o meu trabalho foi fazer medicamento. na
província é cavar, vai na lavra buscar este medicamento, para tratar as pessoas, que têm
lombrigas, que tem hérnia, o que tem gota
92
. Outro é para mulher que não está conceber.
Desde a data que vim, minha vida é mesmo esta, já não tenho outro negócio
”[Fonte:
Entrevista com de Tia Domingas, Terapeuta tradicional, Mercado do Tunga
Ngó]
Como fiz referência ao longo dos capítulos precedentes, tratam-se das quitandeiras que
atuam no setor de venda tradicional em Luanda. Elas trabalham com elementos da tradição e
costumes do país, dedicam-se por um lado, a venda de produtos de fabricação caseira, de
plantas e raízes medicinais, adornos, bem como de objetos mágico-religiosos ligados a tradição
cultural angolana. No dizer de Dya Kasembe (2005), tratam-se daquelas mulheres que,
passaram então a assumir-se como:
[...] guardiãs do pouco que restava dos seus costumes tradicionais, quase legendários, por
estarem muito afastados das verdadeiras fontes, começaram por sobreviver do comércio do
dia-a-dia, doces para crianças, jipepes, gengibre, cola, erva de parto, óleos de jibóia ou de
galinha para reumatismos, enfim um arsenal de pequenos remédios para pequenos males.
Mas, sobretudo, ela vendia os seus dons de vidente-kimbandeira [DYA KASEMBE, 2005,
p.113]
Ao falar da sua iniciação nas práticas de terapia tradicional, a nossa interlocutora fala de
uma da influência dos espíritos dos antepassados e do chamamento divino. Conforme seu
depoimento:
Antes de começar este negócio, fiquei maluca. Para fazer este serviço, primeiro os santos me
pegaram. Mas, desde a data que eu estou a crescer mesmo com esse esses meus
medicamentos. É Deus mesmo, que me dirigiu para eu aprender. Eu? Não foi alguém de
dizer, não. Eu dormi, assim que eu durmo sonho mesmo da forma como o mano está aqui
alguém está me dirigir: “ este é raiz de tal”, se já conheço “esta raiz assim, é a raiz X”.
Nesse relato, podemos identificar os chamados kalundus, espíritos dos antepassados
no caso dos Ambundu. Nesse contexto, os espíritos dos seus antepassados, são manifestados
92
Epilepsia
123
através do ato de Xinguilar ou xinguilamento, que é o ritual que envolve essa tradição.
93
A
comunicação com os seus entes queridos é fundamental para que a harmonia da comunidade se
estabeleça. Assim quando é percebida a presença dos Kalúndus, é logo dado o início a uma
iniciação ritualística para que o espírito possa manifestar-se e ser agraciado, deixar seu recado
para depois voltar para o seu universo. Neste ato, a pessoa possuída entra em transe
(xinguilamento) até ser "liberta", mas devendo continuar a manter uma série de obrigações,
entre as quais as ofertas de comida, bebidas e outros bens aos defuntos, num altar montado com
figurinhas que representam os antepassados diariamente invocados e venerados
94
. Tia Maria é
uma terapeuta acreditada no mercado do Tunga Ngó, prova disso é o contingente de clientes
que procuram os seus serviços:
Esse é que é o meu serviço mesmo. Corto mikila, curo maculo, meu serviço é mesmo
esse aqui. Mas, o medicamento venha mesmo da província de Malange, compramos, tem
alguém que venham “ou tia Maria, compra medicamento” você conhece as raízes, vai
comprando. O dinheiro mesmo que está sair aqui, poupa devagar um kwanza, um kwanza
vai comprando aquilo, que para farmácia não ficar vazia, na falência.
Fig. 19 - Banca de Tia Maria, com vários produtos dentre os quais:
Jipepe, Nshanhi, Usuku (ocre Vermelho), Pemba (argila dos
fundos dos rios), Óleo de Jibóia, contas, alfazema
93
Neste caso, Xinguilador médium (em relação aos viventes). Pessoa que, por faculdade de especificas
condições, serve de intermédio entre os espíritos e os vivos, Mulher-de-calundu. Ver RIBAS, Óscar (1989)
Sunguilando. Contos tradicionais angolanos, Lisboa: edições Asa, p.176
94
Segundo Altuna as possessões se desenvolvem em três momentos” a crise de possessão, que se expressa por
uma série de sintomas quase sempre de caráter patológico; uma iniciação-cura e, por fim a possessão (ALTUNA,
2007, p.481)
124
A pertença à mesma religião também é um dos fatores que intervêm na criação e
consolidação das solidariedades no sector informal. Verifiquei que, algumas vendedoras
freqüentam a mesma igreja e a partir daí que constroem redes de solidariedade.
Sou protestante mais agora, estou um bocado afastada. Era muito diferente, o tempo de agora
às vezes até a pessoa se arrepende, aquele tempo que a pessoa rezava o comportamento, o
ambiente era diferente. A amizade da igreja e amizade de hoje em dia, muita diferença.
Desde que deixei a igreja, me sinto aflita, ficar no meio das colegas hoje é um pouco
vergonhoso. Estávamos todas juntas e eu cai, elas estão continuar, você às vezes lhes elas
a se prepararem a irem a igreja, dói um bocado, elas também vendem e rezam
[ Fonte:
conversa com zungueira, Congolenses].
Para essas mulheres, praticantes das religiões cristãs, os domingos são geralmente
dedicados aos cultos e outras atividades religiosas, são consideradas como sendo o dia mais
“sagrado”, por isso grande parte delas não vende nesse dia. Com relação a este aspecto,
constatei que as mulheres ao abordarem a sua vida religiosa expressam grande “emotividade”.
Toda essa carga emotiva nos impele, a pensar a religião enquanto representação do imaginário
social, ao mesmo tempo a capacidade humana de idealizar, representar e de pensar a
sociedade. «
Sou do Sétimo Dia é mesmo com as amigas da Igreja. Eu vi o que elas faziam e, então
disse: eu quero aquilo que vocês estão a fazer. Ya, minha amiga me puxou da igreja e comecei a
vender».
Nesta dimensão da religiosidade, estão de igual modo presentes os relatos acerca do
complexo fortúnio e infortúnio”. Geralmente, “um mau dia de venda, é associado aos “maus-
olhados”, as invejas.
Fala-se de trocas de acusações de utilização do “fetiche” no sentido de se prejudicar o
negócio de outrem, como podemos constatar no relato que a seguir transcrevo:
Outras que roubavam o dinheiro das outras, anda a acontecer mesmo. Esse mesmo, nunca falta
vendeu, vendeu, quando venha ver o avental, dinheiro está aonde? Depois, é a outra me
puxou dinheiro. Se estamos assim vizinhas, ta ver a outra, eu não estou a vender já ela é
que está vender, então vou culpar a minha vizinha é que me puxou o dinheiro. Acontece
mesmo. O puxa, puxa está mesmo a acontecer. Nós estamos já ouvir na boca delas: “é me
puxou o dinheiro”. Porque o feitiço existe. Porque, se eu vendi, a venda me correu bem,
clientes estão a vir, o dinheiro nós estamos a entulhar. Chega na hora o dinheiro não está.
Então o dinheiro está aonde me puxaram com ele. Vão apanhar aonde se ele puxa com feitiço
[Fonte: Entrevista com sexagenária, Mercado da Asa Branca].
Neste âmbito, é lugar comum ouvirmos entre as vendedoras a expressão “me abre” o
mesmo que me dê sorte, deixem-me em paz. Utilizado principalmente em alturas em que se
registram poucas vendas, o mesmo pode ser dirigido a uma entidade suprema “dê-me sorte” ou
125
as outras vendedoras “deixem-me em paz”. Essa dimensão ficou patente, quando solicitei às
entrevistadas que narrassem alguns dos acontecimentos mais marcantes dos seus percursos nos
mercados. Uma das nossas interlocutoras, narrou a história do desabamento do então Mercado
do Chamavo, ainda neste caso, as marcas do “infortúnio”, “ do castigo”, “ do fazer o mal”:
Havia uma senhora do Dondo, que vendia sangas e panelas de barro. A senhora vendeu e, no
fim do dia deixou perder o saco onde punha o dinheiro das vendas das sangas. A senhora
passou a reclamar no mercado todo “ quem apanhou um saco de dinheiro?”. Ninguém
conseguiu falar. Afinal havia uma senhora que vendia mesmo lá, uma quitandeira que
apanhou o dinheiro e ficou calada. A senhora sempre “ quem me apanhou o dinheiro
entrega”, “me entrega o dinheiro”. Nada, “quem apertar o coração dela, esse dinheiro o é
meu”. Tem também o negócio das outras”, quando eu chegar no Dondo vou fazer a
manobra que eu quiser”,” Quem pegou nesse dinheiro, quem comeu, quem viu, quem
contribuiu, também vai sofrer”. A senhora foi, não demorou muitos dias, começou aquele
vento – pum, pum, pum- pronto a praça caiu, mas, era uma praça forte grande mas, o
mercado caiu. Neste dia já, pessoas que estavam dentro do mercado, que foram fazer
compras para o jantar, pessoas que saíram do serviço. Eu conheci até uma senhora que a
mamã me mostrou, uma senhora mestiça que tinha um braço, também perdeu o braço
dentro do mercado, foram pessoas mesmo inocentes. Agora a que tirou o dinheiro, não sei se
estava na praça naquele dia. É esse prejuízo que a senhora mandou fazer. Muitas pessoas
estavam a reclamar está ver, apanham dinheiro alheio e a dona reclamou e ninguém ligou,
apertaram o coração agora pessoas inocentes morreram”. Morreram pessoas inocentes,
fiscais ficaram aleijados, crianças e a senhora não sei se continuou. É essa história que a
mamã me contou. Depois daquela praça cair, eu ainda vi pedras caídas, aquelas pedras de
cimento armado. Resolveram fazer um outro mercado ai na praça do São Paulo. Quando
começaram a construir eu já estava grande e depois as pessoas que vendiam lá dentro
começaram a vender fora, ao lado dos armazéns da Gajajeira [Fonte: Entrevista com
Sexagenária luandense, cuja mãe, Maria Jorge Manuel, alias “Nga Madía”, fora quitandeira
de fama no mercado do Xamavo até a altura do seu suposto desabamento].
É interessante notar, a forma particular como este mercado figura no imaginário
luandense, expresso, sobretudo nas versões narradas por antigas quitandeiras no que respeita as
causas da extinção ou se quisermos do seu desabamento.
4.6 Redes
95
de solidariedade
A respeito desta questão, muitas comerciantes com quem mantivemos conversas,
confidenciaram-nos que foram “iniciados” nas atividades informais por membros da sua
família ou por “ conterrâneos”, já algum tempo exercendo estas atividades. O que vem
reforçar a idéia, segundo a qual são os amigos e, sobretudo familiares que vão inserir os
95
O conceito de rede social refere-se a “estrutura de laços entre os atores de um sistema social. Estes atores
podem ser papéis, indivíduos, organizações, sectores ou Estado-Nação. Os seus laços podem basear-se na
conversação, afeto, amizade, parentesco, autoridade, troca econômica, troca de informação ou qualquer outra
coisa que constitua a base de uma relação” (NOHRIA & ECCLES, 1992, p. 288).
126
indivíduos na economia informal de Luanda, fornecendo-lhes as regras do mercado. A
compra de mercadoria, as estratégias de venda e as redes de solidariedades. Todos os relatos
indicam que o ingresso no sector informal está muito dependente da ajuda prestada quer por
familiares, quer por colegas e vizinhos.
Outro aspecto que faz transparecer a persistência das relações de vizinhança, diz
respeito a forma como os vendedores se mobilizam perante as situações de óbito e doenças,
ativando-se velhas redes de solidariedade tradicionais de contribuição em dinheiro e bens
alimentares para se ajudar um colega. Houve relatos, sobretudo da parte das mulheres, que em
caso de doença de uma das colegas, as demais se prontificavam em vender a sua mercadoria e
gerir o seu negócio enquanto esta permanecer acamada. Esta pratica, pode ser relativa entre os
grupos, independentemente do tipo de laços sociais que existe entre elas. Por outro lado, na
compra de negócio as mulheres juntam os valores de cada uma no sentido de adquirir a
mercadoria a grosso e congregar os esforços individuais. ajuda com os cuidados com crianças,
no caso das mulheres que vendem com crianças;. Para a cordialidade, o que pode variar
mediante as situações e o grau de familiaridade entre eles. Maneiras diferentes de conceber as
relações sociais.
A altura em que faz as refeições constitui uma ótima altura para sedimentar os laços
de sociabilidade, é também por intermédio desta, que se evidenciam muitas das vezes os
aspectos cooperativos. As refeições são feitas em conjunto e de maneira “tradicional”, as
mulheres geralmente em grupo de duas ou mais fazem as refeições de maneira coletiva, nesse
momento mesmo aqueles que não dispõem de recursos para adquirir a refeição, são inseridos
no grupo.
4.6.1. Jogar Kixikila: construindo redes de poupanças rotativas
Estudos relacionados à questão das poupanças informais apontam que a praticas das
Associações de Poupanças - Roscas
96
têm a sua origem nas zonas rurais onde era prática entre
os agricultores. Na praticam funcionam como clubes de poupança, formados por grupos de
indivíduos que se unem para criar seus próprios mecanismos de serviços de intermediação
financeira. Atualmente muitas sociedades ainda a praticam transportando-as, com ligeiras
alterações para os espaços urbanos. Consoante o contexto em que a prática toma diferentes
96
Do inglês Rotating Saving and Credit Assotations.
127
denominações, a titulo de exemplo: Na Indonésia toma o nome de Arisan, nas Filipinas
Paluwagon, no Egito Gameya, na Etiópia Ekub, na Guatemala Cuchubal, no Brasil Caixinhas
ou sorteios e em Moçambique Chiquitiques (ROCHA e MELLO, 2004).
No contexto angolano a prática é encontrada nas várias regiões do país. Variando a
denominação consoante a proveniência etnolinguística dos membros que a praticam. Entre os
Baconkos é conhecida por Kituku e entre os Kimbundu é chamada de Kixikila. Sendo a sua
pratica bastante difundida entre as mulheres (NSAMO, et. al. 1999 apud PNUD, 1999). Trata-se
de um circuito de ajuda mutua que as mulheres praticam e que compensa em parte a ou a
escassez de capital inicial (DUCADOS e FERREIRA, 1998). Ela consiste num sistema de
credito informal baseado na filosofia das associações mutualistas de rotação de poupanças
(QUEIROZ, 1999 apud LOPES, 2000).
Este aspecto relacionado à solidariedade foi explorado de igual modo, através das
entrevistas e das observações diretas. Assim pudemos registrar que: uma das principais
expressões das redes de solidariedade entre as comerciantes de rua - é a kixikila. No sentido de
maximizar os ganhos obtidos com venda, as mulheres tem-se engajado em grupos rotativos de
poupança, habitualmente designado por Kixikila.
97
No caso por nós estudado esta pratica encontra-se bastante difundida, visto que todas
entrevistadas, quer se trate de kinguilas ou zungueiras, afirmaram estar integrada em grupos
de kixikila. Geralmente juntam-se em grupos de quatro, cinco, dez ou no máximo 15
mulheres, em cada uma delas semanalmente ou mensalmente deposita um valor estipulado
pelo grupo. A líder do grupo é habitualmente designada por “mãe da kixikila. Esta figura
central do “jogo” é eleita pelo grupo pela capacidade de gestão e mobilização. Os critérios
para eleição da mãe da Kixikila encontram-se espelhados no depoimento e uma das
interlocutoras:
A mãe da kixikila é escolhida vendo as maneiras de cada uma. A mãe também nunca pode ser
muito exaltada, também nunca pode ser muita atrasada. Tem que ser no meio, uma das boas
pessoas. Através de conversas nós escolhemos daí, vamos ver, gostei das maneiras da fulana:
A fulana tem que ser a mãe”[
Fonte: Entrevista com Maria]
Freqüentemente os lucros obtidos com os negócios são incrementados na kixikila.
Através do relato que a seguir apresentamos, uma das “empresárias” evidenciaram o modo
como é desenvolvida está pratica, bem como a sua importância:
97
A pratica da kixikila verifica-se também entre os funcionários da função pública no sentido de incrementarem
os salários auferidos.
128
Temos de fazer kixikila. Se o marido ganha pouco, esperar trinta dias, tem que fazer
kixikila, as vezes de um mês, duas semanas. Assim para reforçar um pouco o dinheiro da
zunga, porque também sem kixikila, o dinheiro não chega para nada. A kixikila ajuda, as
vezes só tens vinte mil, para ficar com mais dinheiro, você faz kixikila. Juntamos quatro ou
cinco, assim numa semana cada pessoa entrega mil kwanzas kwanzas em uma semana
cada uma de nós recebe cinco mil e assim a diante.
[Fonte: Entrevista com
Zungueira]
Em alguns casos, se uma das integrantes, por motivo bastante forte, não puder
contribuir o valor lhe é empresto por uma das integrantes do grupo. Em outros casos, essa
falha tem sido motivo de brigas e de desintegração do grupo.
Presume-se, no entanto que não
obstante as ligeiras adaptações, a kixikila urbana é idêntica nas zonas rurais.
A kixikila quando bem sucedida tem funcionado como fator de proteção a
sustentabilidade desses grupos, é mais visível entre mulheres mais velhas do que entre
homens devido à dedicação destas e aos fortes laços de solidariedade. A Prática da kixikila é
mais freqüente entre a camada feminina e os grupos tendem a ser mais coesos e duradoiros,
isto é devido aos fortes laços de solidariedade e confiança mútua que existe entre as mulheres
(PNUD, 1999, p. 81). Pelo exposto, podemos afirmar que a prática da kixikila resultante dos
laços de solidariedade estabelecidas entre essas mulheres, se constitui num forte indicador de
redes de poupança se tivermos em conta que é com o dinheiro adquirido a partir desta pratica
que elas conseguem incrementar os seus negócios, arcarem com algumas despesas de casa, a
educação com os filhos, os cuidados com a saúde ou ainda garantir dinheiro o transporte do
marido de casa para o posto de trabalho, uma vez que na sua maioria dependem de um salário
mensal.
4.7 Riscos, incertezas e instabilidades no comércio de rua
Quanto à questão dos riscos da rua consoante as respostas dadas, foi possível elencar
várias tipologias. O primeiro se refere à integridade física, nesse caso a criminalidade
concretizada em atos de agressões físicas e assaltos, praticados por meliantes, constitui um dos
grandes fatores de riscos da exposição à rua. Nestes casos muitas das vendedoras perdem o
dinheiro do negócio :
129
Esses miúdos que batem a toa, você quando pega, se andaste male leva um catucão. Ali não
têm pena, esses bandidos são demais. Mas, estamos mesmo a agüentar assim. Se for mesmo
meu dia, me encontro com eles ai mesmo onde estou a ir. Estou andar vou me encontrar
junto com os gatunos porque quero dinheiro. Já me aconteceu três vezes
A seguir aparecem os riscos legais, estes envolvem as ações da fiscalização e a polícia,
tendo em consideração as ações perpetradas por elementos afetos a fiscalização e por
efetivos da polícia nacional. Para além dos relatos, as observações diretas efetuadas,
confirmam as afirmações dos excessos ali cometidos: abuso de poder, violações dos direitos
elementares da pessoa humana e das mulheres em particular, agressões físicas e morais,
mortes e corrupção.
98
Aqui temos o problema da polícia, quando vem corre conosco. Porque não
vende mais aqui, nós também não temos onde vender. Na praça num temos
lugar. Eles nos recebem e pedem cem kwanzas para devolver. Aquele policia
que me levou estava a me cobrar cem kwanzas. Você sai do armazém é nos
receber as coisas. É muita corrupção. As coisas boas levam para as mulheres
deles. Se a polícia te recebe o negocio tens que dar dinheiro para te darem o
negócio e não tiver dinheiro vão privar o negócio.
Os problemas com a fiscalização podem variar de zona para zona, do tipo de atividade
exercida e da capacidade de negociação dos envolvidos. Quanto mais privilegiada for à área
onde se estabelecem os pontos de venda. Nesse sentido, não tendo a quem recorrer as
comerciantes
99
estabelecem acordos, de cumplicidade com a fiscalização como, por exemplo, o
fato de se permitir a venda em locais proibidos em troca de pagamentos., aqui também está
patente a “gasosa”,”os corredores” que compram “os olhos da lei”. Conforme espelha o
depoimento de uma zungueira por entrevistada:
Quando já esta apanhada não adianta fazer muito esforço, querer sair das mãos dele, não
adianta porque quanto mais vomostra resistência, mais ele se sente seguro. Chega num
lugar lhe segue, você vai ter com ele e ai ele vai dizer: gostei muito do teu comportamento,
não me fizeste envergonhar arranja cem kwanzas. Porque se você fosse malandra eu iria
de pedir mil, mas como você obedeceste minha irmã dá só os cem para mim apanhar taxi ou
98
Constatamos in loco o tratamento que os elementos da fiscalização o as mulheres zungueiras: presenciamos
por exemplo numa das nossas deslocações que certos elementos da fiscalização munidos de “armas branca”
como machados corriam com as vendedoras (que entram em debandada geral) e quando conseguissem capturar
uma delas punham-se a danificar a cesta de produtos com o instrumento perigoso ou então quando se tratasse de
um produto precioso” levavam para junto de seus carros ou na ausência destes para um local estratégico para
serem posteriormente recolhidos e em alguns casos repartidos.
99
Visto que a igualdade jurídica em vigor numa sociedade com profundas carências económicas e débeis
estruturais sociais, como a nossa, dificilmente é correspondida ao nível das práticas sociais.
130
beber uma gasosa”. Ai ele te entrega o negócio.no meu caso, ele até vai mentir aos outros
colegas que sou prima dele
.
É através do sacrifício empreendido por essas mulheres que esses agentes da lei se
aproveitam para satisfazerem a sua ânsia da aquisição da gasosa através do abuso da autoridade
geralmente exteriorizada através do exercício da violência física. Outra forma de fazer frente a
essa situação e, conseqüentemente garantir o seu sustento é a de retomar a venda a partir do cair
da noite numa altura em que os efetivos da fiscalização já deixaram esses locais. Por outro lado,
muitos dos ativos da fiscalização possuem também parentes próximos; irmãos, esposas, filhos,
sobrinhos a praticarem a venda ambulante o que cria certo sentimento de mal-estar, quando
confrontados com a tarefa de correr com as ambulantes.
Outra estratégia para contornar as ações dos fiscais, tem sido a tendência de tornarem-
se fixas, em terminados locais e nas horas de fracas vendas. Entretanto, isso vai criando uma
rede de clientela que faz com que as ambulantes passem a se fixar em determinados locais,
abandonando gradualmente o trabalho itinerário. De outro lado, verificamos também a
tendência da parte das que continuam a zungar, o mesmo desejo de criar uma rede de clientela
fixa, isso faz com que as mercadorias sejam mais rapidamente comercializadas, encurta o
itinerário de venda diário e possibilita a comercialização e aquisição de mercadorias mais de
uma vez por dia. Essa tendência foi identificada junto das vendedoras de produtos agrícolas e
bens de primeira necessidade que passam agora a atuar mais constantemente no interior dos
bairros e em locais mais tranqüilos, longe da fiscalização
Por ultimo, temos as dificuldades em conciliar a atividade de venda e a gestão do
espaço doméstico, ou seja, cuidado diário com o lar e os filhos. Grande parte das entrevistadas
declarou deparar-se com dificuldades em conciliar as atividades domésticas, sobretudo devido
ao peso do cansaço com que se debatem após a árdua jornada e pela hora em que concluem as
atividades, esse problema é muitas vezes atenuado através de uma rede de solidariedade dentro
do parentesco e da vizinhança. Resta muito pouco tempo para elas se dedicaram a educação dos
filhos, quer se trata do acompanhamento atento da vida escolar como da socialização primária
dos filhos.
Grande parte destas entregues a sua sorte, expostas os perigos que as ruas oferecem
muitos os esposos muitas das vezes aproveitam-se do fato de as mulheres ganharem algum
dinheiro para furtarem-se aos seus deveres para com a família. Por outro lado, mesmos quando
desempregados grande parte os homens não aceitam cooperar nas tarefas domésticas e muitas
das vezes quando aceitam colaborar não consideram como sendo sua tarefa. Esta falta de
131
colaboração do marido vem tornar ainda mais penosa o dia-a-dia dessas mulheres. Relação a
este aspecto, as entrevistadas afirmaram terem tido dificuldades em manter relações conjugais
estáveis como conseqüência da atividade de zungueira principalmente devido ao horário da
chegada à casa e ao tempo de ausência de casa as possíveis suspeitas de infidelidade conjugal,
ao consumo de álcool. Com base nos relatos registrados, transcrevemos o seguinte:
Não, somos solteiras, os homens nos fugiram. nos engravidaram, lhes engravidaram
foram embora que por causa de chegar à noite. E ela agora se esperar na conta do homem ficar
em casa o homem não vai lhe dar nada. Agora ela assim como está ganha um trezentos, uns
quinhentos num bom? Agora o homem num quero essa vida. São maus, são burros.
Aqueles querem engravidar, no querem sumir. Assim eu fiquei grávida desta (indicando a
bebê, que trazia ao colo) ele viu quando “meteu lá” agora disse que não é dele. Quando crescer
amanha vai vir lhe buscar? E eu vou aceitar? Assim eu não preparo água quente para lhe atirar?
Sustento meu filho porque o pai não quem sustentar a criança a chega
[Fonte: Entrevista
com Zungueiras, Município do Rangel]
Entretanto não podemos atribuir as causas da ruptura dos laços conjugais unicamente a
atividade da mulher comerciante. Mediante uma análise atenta feita aos relatos das
entrevistadas, vimos que o fato de estas mulheres possuírem seus próprios rendimentos é muitas
vezes motivo para seus esposos furtarem-se as suas responsabilidades familiares, como a
contribuição para os gastos diários e os cuidados com os filhos, ficando tudo como
responsabilidade das mulheres. Fruto desta situação muitas entrevistadas dizem preferir
estarem “sozinhas do que mal acompanhadas”, optando em grande parte por viverem sós, sem a
companhia do marido:
O marido não fugiu, eu mesmo é que lhe corri. Na primeira filha já me fez assim,vou continuar
com ele?. Dinheiro não estou a ver, mas ele não está me ajudar. É feitio de quê? De dormir
quatro pernas na cama. Ele não está me ajudar, não sabe se a mãe precisa de vestir. O dinheiro
da comida reclama então, tal feitio de ficar com o marido é de quê? andar se ver na cara
toda hora? Vale a pena lhe xotar e ficar sozinha, eu já decidi assim
. [Fonte: Entrevista com
Zungueiras, Município do Rangel]
Tendo em conta este quadro, que muitas destas mulheres procuram novas relações,
procuram um novo parceiro, buscam uma estabilidade conjugal. Deparando-se não raramente
com novas decepções emocionais.
132
4.8 Entre a legalidade e a Sobrevivência: os dilemas dos comerciantes de rua
As exposições feitas antes, nos permitiram visualizar como durante muito tempo,
Angola foi governada por um regime de partido único; com o novo quadro constitucional
atual, os critérios ligados à dependência ou à fidelidade dos serviços ao partido no poder,
ainda condicionam, de certo modo, o acesso a determinados postos de responsabilidade e
alimentam o tráfico de influências (NZATUZOLA, 2006, p.85). A guerra, por seu lado,
incrementou as ações autoritárias, repressoras e violentas na estrutura do Estado, as mulheres
vendedoras, assim como os seus fregueses, vez por outra, sofriam o confisco arbitrário de seus
produtos por parte da polícia, dos fiscais de mercados ou de outros indivíduos ligados. Alias,
a repressão policial fez parte, desde os primeiros anos, de uma política oficial em prol da
manutenção das características do regime “socialista”, embora, na prática, […] fosse inócua
(
MENEZES, 2000).
Aliado a este fato, nos últimos anos, começa a observar-se uma nova disputa entre a
necessidade de espaço das populações das periferias e as pretensões da elite política em tomar
as diretrizes de todo cenário empresarial, com tendência de deslocação para a periferia das
famílias pobres que ocupam os lugares nobres dos subúrbios mais centrais ou da sua expulsão
com métodos repressivos (RAPOSO e SALVADOR, 2001).
100
Aqui, a idéia território traduz,
ao mesmo tempo, uma classificação que exclui e inclui; um exercício de gestão que é objeto
de mecanismos de controle e de subversão; e uma qualificação do espaço que cria valores
diferenciais, redefinindo uma morfologia de cunho socioespecial. Estes pares-
exclusão/inclusão submissão/subversão, e valorização/desvalorização criam tensões e
resultam em lutas territoriais que almejam modificar seus limites, sua dinâmica, suas regras
ou seus valores (GOMES, 2002)
.
A partir de meados da década de 90 até a presente data, verificam-se ações dos órgãos
estatais no sentido de criação de bases gerais, e jurídicos-legais sobre reformas do comércio
em Angola. O enquadramento legal das atividades informais polariza o sector comercial
angolano entre, o pequeno comércio de caráter tradicional, majoritariamente informal e as
grandes superfícies comerciais, com um número elevado de agentes do comercio não
100
Podemos citar a retirada dos vendedores do Mercado da Estalagem , no municipio de Viana, que resultou em
vários confrontos entre vendedores e elementos da Policia Nacional e das tropas especiais. Tudo começou
quando em Janeiro de 2004, o Governo de Luanda, mandou encerrar o referido mercado, transferindo os cerca de
11 mil vendedores num outro local, que segundos estes, não tem capacidade para albergar toda a gente, nem a
segurança. A justificativa para essas ações tem sido a necessidar em dar à capital angolana uma imagem digna
de uma cidade.
133
licenciados.
101
A atividade dos vendedores ambulantes tem um enquadramento, dado pelo
decreto executivo nº. 48/00 de 2 de Junho. O referido documento define comércio ambulante
como sendo: a atividade comercial a retalho exercida de forma não sedentária, por indivíduos
que transportam mercadorias, quer através dos seus próprios meios, quer por veículos de
tração animal e as vendem nos locais do seu trânsito, fora dos mercados urbanos e ou
municipais e em locais fixados pelas administrações municipais. Nessa ótica, o vendedor
ambulante seria aquele que exerce a atividade comercial a retalho de forma não sedentária nos
locais por onde passa ou em zonas que lhe sejam previamente destinadas pela entidade
competente
102
. Entretanto, proíbe-se a venda de produtos em estradas, justificada pela
necessidade de ordem e segurança. Quem exerce o comércio ambulante deverá exibir de
forma facilmente visível para oblico, os seus dados pessoais e o documento do qual consta
a correspondente autorização das Administrações Municipais e Comunais, ou seja, cartão de
Comerciante Ambulante, assim como um endereço para o qual se remetem eventuais
reclamações.
103
Do mesmo modo, o Código de Postura Camarárias, estabelece a proibição de venda
em locais “impróprios” e, aquisição de bens na via pública por condutores de veículos e
passageiros. No caso do comércio a retalho, competem as administrações municipais e
comunais dos governos provinciais a concessão de Cartão de comerciante ambulante,
documentação exigida para o exercício legal do comércio a retalho itinerante, a nível
municipal e, em áreas de jurisdição devidamente demarcada, identificada e autorizada pelos
órgãos em referência
104
. Contudo essa pretensão legalista do Estado, para além de uma falta
de sentido de políticas públicas, tem se ancorado numa acentuada falta de atenção para com o
papel social e a criatividade dos comerciantes informais em Luanda. Tal fato torna-se
evidente, na forma como são combatidos os vendedores bem como a ausência qualquer
política de proteção social destinada a esse setor que pelo pelas estatísticas e as evidências
sociais assume a sobrevivência de mais de 50% da população de Luanda.
Nota-se antes, uma clara intenção em se transladar todas as tradicionais formas de
comércio popular do centro da cidade para as novas periferias da cidade. O que faz com que,
no contexto angolano o argumento de estar ou não licenciadas não seja nem muito clara, nem
a maneira mais adequada de se olhar a economia informal, principalmente se nos atermos ao
101
Ver Lei 1 nº. /07 publicada no Diário da República na I Serie - nº. 58 de 14 de Maio de 2007,
102
Ver decreto Lei 1
nº. /07 de 14 de Maio.
103
Ver artigo 4
104
O comércio informal, a luz da Lei nº. 1/07 de 14 de Maio, Lei das Atividades Comerciais” e do Projeto de
Regulamentação Sobre a Organização, Exercício e Funcionamento das Atividades Comerciais a Retalho.
134
fato de que, uma parte desses operadores não possuir informação acerca do processo de
legalização e exercer a sua atividade sem ter em conta essa entidade Estado”, o que revela a
sua “fraca” capacidade de se impor.
Esta disposição estatal na obrigatoriedade dos comerciantes estarem recenseados não é
observada na criação de meios para que muitos deles obtenham o bilhete de identidade,
estando muito deles numa condição “informal” relativamente à nacionalidade angolana. Isso
considerando que parte considerável destes “pequenos comerciantes” não possui
documentação pessoal necessária que os possibilite tratar registrar seu negócio, aliado aos
constrangimentos e esquemas que, tratar este tipo de documentação pode acarretar no
contexto luandense (excesso de procedimentos burocráticos, suborno e tráfico de influências).
Por outro, em muitos dos casos os efetivos da policia nacional e da fiscalização do
governo da província de Luanda, não respeitarem o fato dos vendedores possuírem algum tipo
de documentação que legalmente os habita a exercem as suas atividades. Este cenário, em vez
de “formalizar” o sistema organizativo das atividades informais, abriu horizontes para todo
um exercício de ilegalidade institucional e corrupção a todos os níveis, isso se tiver em conta
a total falta de transparência na gestão pública, que caracteriza o contexto angolano.
O que se constata, é que grande parte das populações ligada à economia informal,
principalmente no comércio de rua, é também aquela destituída de direitos, e a que vivência
bem de perto a erosão das mediações políticas entre o mundo do trabalho e as esferas
públicas, por isso, mesmo cada vez mais afastadas de possibilidades de enfrentamento de
conflitos e de consensos através de mecanismos de representação e negociações políticas
CESCONETO, 2004). Verifica-se a prática de toda sorte de violência contra os vendedores de
rua, que podem ir desde o espancamento (que muitas vezes resulta em mortes, sobretudo de
mulheres e crianças), o confisco de mercadorias, a prisão, e toda uma série de abusos e
excessos de autoridade que acabam por relevar a falta de capacidade de controle do Estado
sobre essas atividades econômicas. As palavras proferidas por uma das entrevistadas
espelham bem esse contexto:
Pai! Aqui é angola, é tipo um animal que mataram. Tipo uma Pacaça matam cortam
e, cada pessoa tira a metade dele. Aqui é Angola, toda pessoa tira a parte dele
.
[Fonte: conversa com Zungueira, bairro do Hoji- ya -henda]
Isso resulta do fato de, não obstante o peso da economia informal, ser cada vez mais
forte, os aspectos que emanam da criatividade popular têm sido sistematicamente ignorados,
135
particularmente no que concerne a incorporação destes na agenda das políticas públicas
direcionadas as grandes questões sociais do país. Um exemplo típico que pode espelhar esta
controvérsia, diz respeito a forma como tem sido ignorado o potencial criativo das
populações, particularmente que se encontram no sector informal: […] Em vez de se lhes
conhecer a criatividade empresarial nos pequenos negócios do sector informal, os pobres têm
sido impedidos de exercer o seu comércio nas ruas e centro urbano de Luanda”(CAIN,
2003).
Na prática se verifica uma ausência, perante esses setores da população, de uma
política pública, ou se quisermos políticas direcionadas a integrar, incluir essas atividades
econômicas nos sistemas gerais da economia formal do país. Neste caso, se torna necessário
questionar: a quem interessa esse crescimento acelerado de um setor econômico que foge aos
controles, fiscalização do Estado e do governo? Seriam a corrupção, as mediações obscuras
dos agentes do Estado e Governo os maiores interessados? Certamente que sim, basta
olharmos aos “rumores” que personalidades com influência no poder público estão por detrás
dos grandes grupos empresariais grossistas que dominam e alimentam e se beneficiam dessa
situação, tirando daí lucros fabulosos. Trata-se de um terreno onde se misturam interesses
financeiros nacionais e estrangeiros.
105
A informalidade é principalmente uma questão de governação. A expansão da
economia informal pode muitas vezes ser imputada a políticas macroeconômicas e
sociais inadequadas, ineficazes, mal planeadas ou mal implementadas, em muitos
casos formuladas sem consulta tripartida, e à falta de molduras legais e institucionais
favoráveis e de boa governação para aplicação pertinente e efetiva das políticas e
das leis. Algumas políticas macro-econômicas, incluindo as políticas de ajuste
estrutural, de restruturação econômica e de privatização, que não estavam
suficientemente centradas no emprego, destruíram alguns empregos ou não criaram
novos empregos suficientes na economia formal. Sem crescimento econômico forte
e sustentado, os governos vêem-se incapacitados para criar empregos na economia
formal e para facilitar a transição da economia informal para a economia formal.
Muitos países não possuem política explícita de criação de empregos e de empresas;
tratam a questão da quantidade e da qualidade dos empregos como um fator residual,
e não como um fator necessário para o desenvolvimento econômico (OIT, 2006,
p.12).
Seria a importância e o papel desempenhado pelas atividades comerciais de rua, em
termos de estratégias de reprodução social e mercado de trabalho uma lvula de escape do
105
A esse respeito o Semário Angolense de 20 de Novembro de 2004, fazia alusão a Nomes escondidos por
detrás dos grupos que dominam o mercado”. Segundo aquele Jornal “a totalidade dos bens essenciais de
consumo comercialiazados nos mercados informais é fornecida por armazéns detidos majoritariamente por
comerciantes estrangeiros conluiados com cidadãos nacionais sobretudo detentores de elevados cargos
públicos”.
136
Estado angolana para atenuar ou camuflar a sua fragilidade? Talvez obtenhamos a resposta, se
partirmos do pressuposto que os poderes públicos permitem o comércio ‘informal’, porque
este termina por reduzir a pobreza, gerar auto-emprego e criar rendimentos que camuflam os
sintomas mais chocantes da pobreza e, em muitas situações, beneficiam as sub-elites e as
burocracias intermédias. E acalmam eventuais manifestações e revoltas (MOSCA, 2009).
137
EM JEITO DE CONCLUSÃO: Luanda, “a grande quitanda”?
Ao longo deste trabalho, procuramos apresentar o comércio de rua numa perspectiva
dinâmica salientando que ao mesmo tempo em que constitui hoje uma das faces mais
marcante da economia de Luanda, a sua presença se afirma desde os primórdios da cidade.
Essa atividade faz parte do seu cotidiano e do seu imaginário social, evidenciando-se rupturas
e continuidades nas práticas rotineiras entre antigas e novas gerações de “quitandeiras”. O
estudo aponta para a manutenção do papel de intermediárias, que as comerciantes
desenvolvem entre os diferentes espaços sociais que estruturam a sociedade luandense. Se no
período colonial eram as mediadoras entre o mundo dos colonizados e dos colonizadores,
entre a cidade do asfalto e a cidade de areia, na atualidade “zungam” entre os ricos e pobres,
entre os privilegiados do regime e os excluídos socialmente, entre Luanda dos musseques e a
dos luxuosos condomínios.
Fica patente que, no contexto pesquisado as atividades comerciais designadas por
“informais”, “precárias” ou “paralelas” funcionam como um setor complementar as atividades
econômicas oficiais. Nesse sentido “formal” e “informal” no caso de Luanda não constituem
realidades separadas, pelo contrário, as fronteiras entre um e outro são bastante tênues. A
semelhança do que acontece em outros contextos, em Luanda as atividades não-oficiais têm
caminhando a par e passo com as oficiais, produzindo, empregando, distribuindo e
assegurando rendimentos, garantindo dessa forma a sobrevivência de uma parcela
significativa da população. Ainda assim, a maioria das vezes, as políticas públicas adotadas
pelas entidades governamentais não têm em conta este aspecto da atividade econômica
dificultando assim a compreensão da realidade econômica e social do país.
A pesquisa indica que a falta de formação profissional e ausência de alternativas de
emprego refletem por um lado as desigualdades de gênero no acesso a educação, bem como a
situação mais geral de incapacidade institucional do Estado em proporcionar aos cidadãos,
possibilidades de formação e acesso ao mercado de trabalho oficial. O que faz com que
trabalhar por conta própria se constitua numa maneira de escapar esta instabilidade que o
mercado de trabalho angolano oferece aos seus cidadãos.
A procura pela sobrevivência diante das ausências de alternativas constitui ainda o
grande incentivo para o ingresso das mulheres nas atividades de comércio de rua. Contudo,
fatores como qualificações acadêmicas e profissionais insuficientes ou não condizentes as
138
exigências do mercado de trabalho formal, bem como a flexibilidade oferecida pelas atividades
informais em determinados aspetos como o caso do horário e o desejo de não se submeterem as
exigências e aos salários de um “emprego formal” aparecem como relevantes. Diante dessa
diversidade, a economia informal passa, simultâneamente a ser considerada por uns, como uma
necessidade de sobrevivência determinada pelas condições de recessão, desemprego e
ajustamentos econômicos. Mas para outros, ela se constitui num modo novo de ganhar a vida,
isto é, um modo de inserção.
A necessidade de sobrevivência tem originado, um relativo rompimento com a
tradicional estratificação sexual das atividades informais criando um certo deslocamento de
tradicionais papéis de gênero. Na busca de satisfação das necessidades básicas, os comerciantes
evidenciam um grande potencial criativo, que extrapola esta habitual estratificação. Desta feita,
atividades até então “femininas” ou “masculinas”, passaram a ser vistas como lucrativas e, faz
com que tanto homens e mulheres entrem para o mercado rompendo com tradicionais papéis
de gênero.
O espaço social no qual se desenrolam as atividades comerciais de rua constitui um
ambiente social onde se cruzam aspetos culturais ligados ao local e global. Esses aspetos são
exteriorizados nas práticas cotidianas das comerciantes que evidencia um entrelaçamento entre
os conhecimentos adquiridos dentro dos seus grupos de pertença, as experiências de vida e as
inovações provenientes de outras partes do globo. Esses elementos são potenciando como
estratégias para o mercado. Daí que, torna-se necessário levar em consideração que global e
local; tradição e moderno são oposições repletas de nuances, com tensões em diversos níveis,
mas que, no contexto estudado ao invés de se aniquilarem, são formas de construir equilíbrio e
dinâmicas dentro da economia urbana de Luanda.
As últimas palavras, o podiam deixar de considerar o fato de
estarmos cientes das
possíveis limitações do trabalho, ficando nesse caso, alguns aspetos por aprofundar. Entretanto,
nosso alento vem da certeza que o trabalho poderá estimular novas abordagens acerca da
temática por nós estudada, bem como a possibilidade de aprofundarmos a pesquisa num futuro
estudo de doutorado.
139
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ZAU, Filipe. Para entre nós nunca mais a guerra. Jornal de Angola. Quinta, 1 de Maio de 2008.
150
ANEXOS
151
Anexo 1
GRELHA ANALÍTICA PARA AS ENTREVISTAS
Problemática Dimensões
Zona de Origem
Origem social e familiar
Província e Município de
Proveniência
Escolarização e profissão dos pais
Rural/urbana
Trajetória Pessoal
Saída da zona de origem
(quando, porque, onde)
Experiências conjugais
(casamento, união de fato,
alembamento, viuvez,
divórcio/separação)
Filhos (número e idades)
Trajetória profissional
Nível de escolaridade
Mobilidade ocupacional
(Profissões ou atividades
desempenhadas e tempo de
exercício em casa uma delas)
Tempo de exercício da atividade
atual
Motivações (Tradição familiar,
redes sociais: amigos, vizinhanças,
motivos pessoais)
Estratégias de Sobrevivência
e
Práticas quotidianas
Atividade exercida
Atividade complementar
(formal/informal)
Redes de solidariedade (Kixikila
grupos rotativos de poupança,
habitualmente designado por
Kixikila., consignação,
empréstimo familiar)
Aquisição de mercadorias (formas
e mecanismos de aquisição:
Kilape
106
, consignação; fontes de
informação, dificuldades)
Técnicas de venda (pregão,
consignação, regateio
106
Termo usado para referir a compra e venda de uma mercadoria a crédito. Existem duas variantes: a primeira
variante no acto de pagamento o valor a pagar é o mesmo que no dia da compra. A segunda variante, o valor a
pagar é acrescido de taxa de juro implícita
152
Apreciação da Atividade exercida
Percepção e representação acerca
da atividade
Fatores que contribuem para
satisfação e/ou a insatisfação
(flexibilidade do horário de
trabalho, auto-emprego,
localização, atratividade das ruas,
reconhecimento social, cansaço
físico, perigos das ruas, ações das
autoridades)
Satisfação em relação à atividade
atual comparando com a anterior
(correspondência com as
aspirações que tinha em relação à
atividade)
Desejo/possibilidade de mudança
(para onde, porque razões e para
que tipo de atividade: formal ou
informal.
153
Anexos 2
MAPA DAS ATIVIDADES COMERCIAIS DE RUA NAS ÁREAS ESTUDADAS
Atividade Operador Sexo Territorialidade Formas de exercício
Venda de frutas e
hortícola
Zungueira Feminino Margens das estradas
Porta de estabelecimentos
Esquina de ruas
Ambulante
Venda de
Refrigerante, água
mineral e cerveja
Zungueiro Masculino Margens das estradas
Passadeiras
Semi-ambulante
Venda de
guloseimas
Zungueira(o) Feminino
masculino
Margens das estradas
Porta de estabelecimentos
Transito
Porta de casa
Esquina das ruas
Fixa
ambulante
Venda de jornal Ardina
(Zungueiro)
Masculino Margens das estradas
trânsito
Ambulante
Venda de acessórios
de celulares
Comandos de TV,
DVD
Zungueira(o) Feminino
Masculino
Margens das estradas
Trânsito
Arredores de mercados
Ambulante
Venda de comida de
rua (quitutes,
almoços)
Quitandeira feminino Porta de estabelecimentos
Passeios
Arredores de mercados
Fixa
Ambulante
Câmbio Kinguila
Doleiro
Masculino
Feminino
Porta de estabelecimentos
Esquinas de prédios e
estabelecimentos
fixa
Engraxe Engraxador Masculino Porta de estabelecimentos
Passeios
Fixa
Ambulante
Lavagem de viatura
Lavador
de carros Masculino Porta de estabelecimentos
Locais de estacionamento
Passeios
Fixo
Venda de fardos de
roupa e calçados
usados
Quitandeira Feminino Passeios
Margens da estrada
Fixo
Serviços de
recauchutagem
Mecânico Masculino Margens das estradas Fixo
Venda de
combustível
Masculino Margens de estradas Fixo
Carregamento de
mercadorias
Carregador
Roboteiro
Masculino Porta de armazéns
Margens das estradas
Fixa
Ambulante
154
Venda de
cosméticos
E serviços de beleza
Pintores Masculino Arredores de mercados
Ambulante
Venda de quitutes Quitandeira Feminino Arredores de mercados
Esquinas das ruas
Porta de casa
Fixa
Venda de sacolas de
plásticos
Saqueiro Masculino
Margens e interior de mercados
Ambulante
Venda de água
fresca em saquinhos
de plásticos
Zungueira (o) Feminino
Masculino
Arredores e interior de
mercados
Ambulante
Venda de roupa
intima
Zungueira (o) Feminino
Masculino
Porta de estabelecimentos
Arredores de mercados
Ambulante
Fixo
Venda de material
didático
Zungueira (o) Feminino
Masculino
Porta de estabelecimentos
Arredores de mercadores
Ambulante
Fixo
Venda de livros Vendedor Masculino Arredores de mercadores Fixo
Venda CD E DVD
piratas
Zungueiro Masculino Passeios
Arredores de mercados
trânsito
Ambulante
Venda de material
elétrico
Vendedores Feminino
Masculino
Margens de mercados Fixo
Venda de raízes Zungueira Feminino Margens de mercados
Estradas
Ambulante
Corte de cabelo
Barbeiro Masculino Estabelecimentos
Improvisados
Fixo
Serviços de beleza
(tranças)
Cabeleireiras Feminino Margens de mercados Fixo
155
Anexo 3
Diário da República de Angola, Lei das atividades comerciais, 2007
156
(continuação)
157
(continuação)
158
Anexo 4
Referências sobre Mercado paralelo no Jornal de Angola
159
Anexos 5
Recortes de impressa sobre as zungueiras
160
(Continuação )
161
(Continuação)
162
163
Anexos 6
Recortes de impressa sobre as Kinguilas
164
(Continuação)
165
Anexos 7
Outras referências sobre as atividades informais
166
167
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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