Download PDF
ads:
Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Ciências Sociais Aplicadas
Departamento de Ciências Administrativas
Programa de Pós Graduação em Administração - PROPAD
Milka Alves Correia
Análise de uma organização hospitalar à luz do
modelo multidimensional-reflexivo de Alves (2003)
Recife, 2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ads:
Milka Alves Correia
Análise de uma organização hospitalar à luz do
modelo multidimensional-reflexivo de Alves (2003)
Orientador: Profº Dr. Sérgio Alves
Dissertação apresentada como requisito
complementar para obtenção do grau de
Mestre em Administração, na área de
concentração em Organização e
Trabalho, do Programa de Pós-
Graduação em Administração da
Universidade Federal de Pernambuco
Recife, 2007
Correia, Milka Alves
Análise de uma organização à luz do modelo
multidimensional-reflexivo de Alves (2003) / Milka
Alves Correia. – Recife : O Autor, 2007.
174 folhas : fig. e quadros.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de
Pernambuco. CCSA. Administração, 2007.
Inclui bibliografia e apêndice.
......1. Análise organizacional. 2. Hospital universitário
– Administração. I. Título.
658.3 CDU (1997) UFPE
658.3 CDD (22.ed.) CSA2007-024
Agradecimentos
A Deus, que me protege e guia minha existência.
Aos meus pais, que sempre me apoiaram e incentivaram com seu amor, seu cuidado, sua
paciência, em todos os momentos, incondicionalmente. Minha gratidão por toda vida! Amo vocês!
Ao meu irmão Marcus, minha cunhada Alana e minhas sobrinhas Jú e Mari , por seu
carinho.
Ao Professor Sérgio Alves, pela orientação deste trabalho. A todos os meus amigos, por sua
paciência; e em especial a Elisa Barros e Sônia Alves, por seu companheirismo ao longo desta
caminhada.
Aos colegas da turma de mestrado, pela agradável convivência durante esses dois anos. Aos
amigos que encontrei na cidade do Recife: Ana Márcia, Fátima, Ceiça, Gabriela, Ana Beatriz,
Alessandra, Daniel, Renata, Vinícius, Christianni, Marcelo, com os quais compartilhei alegrias,
descobertas, tristezas, medos. Levarei esta Banda comigo!
Aos colegas do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes, pela solidariedade e
contribuição à minha pesquisa. Ao Professor Duílio Marsiglia, cuja ajuda viabilizou a realização
desta pesquisa.
Aos docentes do PROPAD/UFPE, pelas aulas e discussões que ampliaram meus horizontes,
em especial a Professora Cristina Carvalho. Às funcionárias Irani e Ana pelo apoio acadêmico.
À banca examinadora, por suas relevantes sugestões e contribuições a este trabalho.
A todos que, pela presença ou ausência, me ajudaram a crescer durante esse processo.
Resumo
O presente trabalho tem como propósito analisar a configuração organizacional-administrativa
do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA), órgão de apoio acadêmico da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL), que desempenha ações nas áreas de ensino,
pesquisa e assistência. Para tanto, foi utilizado o modelo multidimensional-reflexivo de Alves
(2003) como instrumento de análise. Inicialmente, procura-se ultrapassar a visão que se limita
a descrever os hospitais como um sistema integrado por estruturas com mecanismos de
autoridade, linhas de comando, regras escritas e formalizadas. Nesse sentido discute-se a
necessidade de se ter outros modelos analíticos que se ocupem também das singularidades e
dos desafios presentes nos hospitais enquanto um locus organizacional dotado de complexas
relações internas e externas. Trata-se de um estudo qualitativo básico que adota uma
perspectiva descritivo-analitica e coleta os dados através de entrevistas semi-estruturadas,
observação participante e análise documental. Foram descritos e comentados as características
estruturais e dispositivos de coordenação adotados pelo HUPAA, seus agentes
organizacionais e relacionamentos internos, bem como o relacionamento desse hospital com o
ambiente externo; a seguir, promoveu-se o encontro entre o modelo de Alves (2003) e a
realidade estudada. A pesquisa identificou que a configuração organizacional-administrativa
do HUPAA aproxima-se do tipo equiparativo-adaptador, entre as variantes II e III, com um
agente tipo adaptador. O OMR mostrou-se satisfatório para a análise do HUPAA, embora a
compreensão de algumas peculiaridades do hospital demandem ajustes no Modelo. Acredita-
se que esta pesquisa pode oferecer aos gestores do HUPAA subsídios que possibilitem melhor
entendimento sobre sua organização, auxiliando-os no aperfeiçoamento dos processos
organizacionais, bem como na melhoria do atendimento de saúde à comunidade.
Palavras-Chave: Análise Organizacional. Hospital Universitário. Modelo multidimensional-
reflexivo.
Abstract
This work aims to anlyse the organizational administrative configuration of Hospital
Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA), part of Federal University of Alagoas
which develops actions of teaching, research and patient care. For this purpose, it was taken
Alves´ Multidimensional-reflevixe model (2003) as instrument of analysis. Firstly, it is seek
to overcome the vision which only describes hospitals like a system with hierachical authority
stuctures, command lines, written and formalized rules. In this sense it is discussed the need
to find out other analytial models that pay attention to the singularities and challenges
presented on hospitals while being a organizational setting with complex internal and external
relationships. This is a basic qualitative study that adopts an anlytical-descritive perspective
and collects data through semistructured interviews, participant observation and documental
analysis. The structural characteristics and coordinating mechanism taken by HUPAA were
described and commented, its organizational agents and internal relationships, as well as the
relationship between the hospital and the external environment. On the sequency, the meeting
of Alves´model (2003) and the studied emprirical reality happened. This research identified
that the organizational administrative configuration of HUPAA is similar to the equiparativo-
adaptador, between variante II e III types, and the organizational agent is adaptador type.
OMR has shown to have a satisfactory performance for analyzing HUPAA, despite the fact
that some features of this teaching hospital demand some adjustments on Model. As
conclusion, it is believed that this study can provide to HUPAA´s managers insights that may
lead them to know better their organization, help them to improve organizational processes
and promote community health assistance improvement.
Key-words: Organizational analysis. Teaching hospital. Mutidimensional-reflexive Alves´
Model.
Lista de figuras
Figura 1(2): Indicadores para fins de análise organizacional .................................................46
Figura 2(2): Os diferentes mundos do hospital .......................................................................54
Figura 3(2): A visão do HU a partir dos diferentes segmentos que o compõem ...................65
Figura 4(4): Organograma do nível estratégico do HUPAA ................................................101
Figura 5(4): Organograma da Diretoria de Enfermagem do HUPAA ..................................102
Figura 6(4): Organograma da Diretoria Administrativa do HUPAA ...................................102
Figura 7(4): Organograma da Diretoria Técnica do HUPAA ..............................................103
Figura 8(4): Organograma da Diretoria de Ensino do HUPAA ...........................................103
Figura 9(4): O HUPAA e seu ambiente externo ..................................................................134
Figura 10(4): Categorização do agente do HUPAA conforme área de atuação e vínculo
empregatício ..........................................................................................................................142
Figura 11(4): Categorização do agente do HUPAA conforme vínculo empregatício .........143
Figura 12(4): Categorização do agente do HUPAA conforme cargo 143
Lista de quadros
Quadro 1(2): Tipologia organizacional de Etzioni .......... ......................................................31
Quadro 2(2): Posicionamento e atuação do agente na estrutura conforme o Modelo de Alves
..................................................................................................................................................37
Quadro 3(2): Caracterização dos tipos estabelecidos pelo OMR a partir dos componentes da
dinâmica organizacional...........................................................................................................40
Quadro 4(2): Tipos estruturais do OMR ................................................................................41
Quadro 5(2): Variações internas do tipo-base equiparativo-adaptador .................................42
Quadro 6(2): Variações do tipo ordenativo-conservador .......................................................43
Quadro 7(2): Variações internas do tipo liberativo-transformador ........................................44
Quadro 8(3):Variáveis de análise, definições constitutivas e operacionais adotadas na
pesquisa ...................................................................................................................................75
Quadro 9(3): Setores do HUPAA escolhidos para coleta de dados primários ......................78
Quadro 10(3): Perfil dos entrevistados conforme lotação e posição na estrutura hierárquica 86
Lista de abreviaturas e siglas
ABRAHUE – Associação Brasileira dos Hospitais Universitários e de Ensino
AMR – Agente Multidimensional-reflexivo
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CACON – Centro de Alta Complexidade em Oncologia
CD – Comunicação Interna
CDI – Coordenação de Desenvolvimento Institucional
CDRH – Coordenação de Desenvolvimento de Recursos Humanos
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas
CREMAL – Conselho Regional de Medicina/Alagoas
EnANPAD – Encontro da ANPAD
EnEO – Encontro de Estudos Organizacionais
FUNDEPES – Fundação Universitária de Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa
HU – Hospital Universitário
HUPAA – Hospital Universitário Professor Alberto Antunes
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MS – Ministério da Saúde
NEMED – Núcleo de Ensino Médico
CSAU – Centro de Ciências da Saúde
NPD – Núcleo de Processamento de Dados
OMR – Organização Multidimensional- Reflexivo
OMS – Organização Mundial de Saúde
POA – Plano Operativo Anual
REFORSUS – Reforço a Reorganização do Sistema Único de Saúde
SAME – Serviço de Arquivo Médico e Estatística
SMS – Secretaria Municipal de Saúde
SND – Serviço de Nutrição e Dietética
SRH – Setor de Recursos Humanos
SUS – Sistema Único de Saúde
UFAL – Universidade Federal de Alagoas
UTI – Unidade de Terapia Intensiva
Sumário
1 Introdução: contextualizando a temática ............................................................................12
1.1 Objetivos ............................................................................................................................21
1.2 Justificativa da pesquisa ....................................................................................................22
1.3 Estruturação do estudo .......................................................................................................26
2 Fundamentação Teórica .....................................................................................................28
2.1 Tipologias organizacionais ................................................................................................28
2.2 O Modelo de Organização Multidimensional-reflexivo (OMR) de Alves (2003) ............33
2.2.1 Caracterização do Modelo ..............................................................................................33
2.2.2 Características do agente ................................................................................................36
2.2.3 A dinâmica organizacional .............................................................................................38
2.2.4 Tipos e subtipos do Modelo ...........................................................................................40
2.2.4.1 O tipo-base equiparativo-adaptador .............................................................................41
2.2.4.2 O tipo ordenativo-conservador ....................................................................................43
2.2.4.3 O tipo liberativo-transformador ...................................................................................44
2.3 A organização hospitalar: uma abordagem teórica ............................................................48
2.3.1 A evolução histórica do hospital ....................................................................................48
2.3.2 Conceitos e características das organizações hospitalares .............................................52
2.4 Os hospitais universitários .................................................................................................61
3 Metodologia .........................................................................................................................68
3.1 Delineamento da pesquisa .................................................................................................68
3.2 Questões norteadoras da pesquisa .....................................................................................71
3.3 Categorias de análise .........................................................................................................72
3.4 Amostragem ......................................................................................................................76
3.5 Coleta de dados primários e secundários ...........................................................................81
3.5.1 Entrevistas semi-estruturadas .........................................................................................83
3.5.2 Observação participante .................................................................................................87
3.5.3 Análise documental ........................................................................................................88
3.6 Técnica de análise de dados ...............................................................................................90
4 Descrição e análise dos dados ............................................................................................92
4.1 A trajetória histórica do HUPAA ......................................................................................92
4.2 O HUPAA: situação atual ..................................................................................................98
4.2.1 Características estruturais e dispositivos de coordenação ..............................................99
4.2.1.1 Complexidade ..............................................................................................................99
4.2.1.2 Centralização .............................................................................................................106
4.2.1.3 Formalização .............................................................................................................108
4.2.1.3.1 Missão, crenças e valores organizacionais .............................................................108
4.2.1.3.2 Regimento Interno, normas e rotinas ......................................................................113
4.2.1.3.3 Metas organizacionais ............................................................................................117
4.2.1.3.4 Treinamentos e Sistema de recompensas e punições .............................................119
4.2.1.4 Processos Organizacionais ........................................................................................123
4.2.1.4.1 Comunicação ..........................................................................................................123
4.2.1.4.2 Processo de Mudança .............................................................................................126
4.2.1.4.3 Articulação Setorial ................................................................................................129
4.2.2 Ambiente externo e relacionamentos interorganizacionais ..........................................131
4.2.3 Caracterização do Agente organizacional e relacionamentos internos ........................135
4.2.3.1 Orientação que determina ações do agente ................................................................135
4.2.3.2 Dimensão do tempo e ações do agente ......................................................................137
4.2.3.3 Representação do agente conforme posição na estrutura da organização .................138
4.2.3.4 Sucessão dos dirigentes .............................................................................................140
4.2.3.5 Quadro de pessoal ......................................................................................................141
4.2.3.6 Relacionamento no local de trabalho .........................................................................145
5 O Modelo de ALVES (2003) e o HUPAA .......................................................................148
6 Considerações Finais ........................................................................................................157
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................166
APÊNDICES ........................................................................................................................172
11
1 Introdução: contextualizando a temática
Poucas organizações têm importância tão fundamental para a sociedade quanto os
hospitais. Essa relevância pode ser percebida quando se observam as relações que a
organização hospitalar mantém com os indivíduos em particular e com a coletividade em
geral, na medida em que se faz presente em seus momentos cruciais: no nascimento, na
doença e na morte.
No ambiente hospitalar, são encontradas situações marcantes e contravenientes, tais
como: vida/morte, doença/saúde, alegria/tristeza, racionalidade/emoção,
objetividade/subjetividade, dor/alívio. Ao pensarmos o hospital como um espaço social onde
circulam os mais variados tipos de pessoas, portadoras das mais diferentes necessidades, em
distintos momentos de suas vidas, talvez seja possível reconhecê-lo como locus em que o lado
mais íntimo e frágil dos seres humanos se evidencia.
Na realidade, quando ingressamos como pacientes em um hospital, não detemos a
capacidade de negociação, isto é, em geral, não temos argumento para discutir tecnicamente
sobre as condutas terapêuticas recomendadas ou adotadas, o que nos provoca um sentimento
de vulnerabilidade e dependência, e a percepção de uma intensa assimetria de poder. O
hospital nos acolhe como pacientes, segundo seus próprios termos, clarificando que espera
que nos submetamos às suas regras e regulamentos e às decisões dos especialistas envolvidos.
De fato, os hospitais podem ser considerados como um dos ambientes microssociais
mais singulares e complexos. Nesse sentido, Minotto (2002) caracteriza-os como prestadores
de serviços com estrutura híbrida, multidisciplinar, multifuncional e focada, sobretudo, na
recuperação da saúde ou na minimização da dor das pessoas que deles necessitam.
Para melhor se entender a complexidade das organizações hospitalares, é necessária
compreensão de que, em sua “intimidade”, o hospital tem muito mais do que unidades e
12
setores encarregados do atendimento dos que ali procuram o tratamento de sua doença. Na
ambiência sócio-técnica hospitalar, encontram-se também atividades que mesclam ciência,
tecnologia e procedimentos, além de componentes sociais, culturais e educacionais, todos
interferindo em sua estrutura, em seus processos e em seus resultados (BITTAR, 1996).
Para um grande número de autores (CARAPINHEIRO, 1997; PUZIN, 1996;
CECÍLIO e MERHY, 2003a, 2003b), não redundância em ressaltar-se o relevante papel
desempenhado pelas organizações hospitalares dentro do sistema de saúde em que se
encontram inseridas, uma vez que têm por finalidade garantir à comunidade assistência à
saúde, preventiva e curativa, incluindo serviços à família, formação de profissionais e
pesquisas biossociais, entre tantas outras atividades.
Considerável parte da literatura sobre hospitais (CECILIO e MERHY, 2003a, 2003b;
MCKEE, e HEALY, 2001; MINTZBERG, 1997; GONÇALVES 1983) costuma apresentá-los
a partir de algumas perspectivas principais. A primeira, como uma organização constituída
por partes que se articulam entre si e trabalham perseguindo o alcance do seu objetivo
fundamental: o cuidado ao paciente; com seus departamentos e setores, cada um com sua
especificidade, numa trama de atos, procedimentos, fluxos, rotinas e saberes. A segunda
perspectiva trata o hospital como um subsistema dentro de um sistema social mais amplo.
Para essa última, a Teoria dos Sistemas tem oferecido ferramentas que ajudam a explicar o
funcionamento de um hospital. Uma dessas ferramentas possibilita vê-lo como um sistema
aberto, em constante inter-relacionamento com seu ambiente externo, para assegurar os meios
necessários a sua sobrevivência, adaptação e crescimento; a outra aponta o hospital como um
sistema que existe dentro de uma hierarquia de outros sistemas nos níveis local, regional,
nacional.
Vale dizer, um hospital pode ser estudado individualmente, desde que seja também
considerado um ente dentro de um sistema mais amplo de organizações hospitalares, que por
13
sua vez está inserido em um sistema de cuidados de saúde de um país e, como tal, é parte de
um dado contexto sócio-econômico-político.
Uma terceira abordagem realça a interdependência dos vários elementos que compõem
a organização hospitalar:
Um hospital é uma organização complexa, que contém uma série de
subsistemas. Estes subsistemas têm seus próprios interesses, sendo que
qualquer mudança significante em uma parte iter repercussões nas demais
(MCKEE e HEALY, 2001, p. 10).
Obviamente que uma abordagem de caráter mais funcionalista e sistêmica explica
vários aspectos da dinâmica organizacional de um hospital, e por isso acaba se (re)
produzindo como a mais adequada para se entendê-lo. Entretanto, privilegiam-se mais os
aspectos estruturais e formais, o instituído, não se dando a devida atenção à esfera instituinte
da organização.
Com efeito, os processos organizacionais no campo da saúde são também
reconhecidos por seu relativamente alto grau de incerteza e de imprevisibilidade e pela
natureza daão dos agentes no ato de produzir saúde. Nos hospitais, equipamentos e saberes
tecnológicos estruturados convivem com processos de intervenção em ato (em tempo real) e
um “objeto” (o paciente) que não é plenamente estruturado; pelo contrário, cada um desses
pacientes é distinto e traz em si suas expectativas, necessidades, patologia a ser tratada. Isso
significa lidar com relações e interações de subjetividades e com comportamentos que exigem
significativa liberdade para escolha do modo de produzir (MERHY, 2002).
Em sendo assim, não se pode deixar de considerar a organização hospitalar como um
lugar de instabilidade, com a presença de forças instituintes e atores em constante interação,
construindo redes de convivência, vivendo consensos/dissensos e conflitos/harmonias.
À primeira vista, pareceria suficiente explicar um hospital como uma estrutura
organizacional com seus mecanismos de autoridade, linhas de comando, regras escritas e
formalizadas, bem próximo da burocracia, enquanto tipo ideal weberiano, ou como um
14
sistema, com suas entradas, saídas, processos e retroalimentação. No entanto, uma
organização hospitalar também é:
[...] lugar de forças instituintes, de marcantes graus de liberdade para a ação
dos atores institucionais, de negociação e construção de complexas e fluidas
redes de contratualidades, de conflitos, de configuração de coalizões e
grupos de interesse e disputa e, por tudo isso, lugar de possibilidades de
caminhar em outros sentidos e direções [...] (CECILIO e MERHY, 2003a,
p.112).
Significar dizer que, por um lado, em um hospital os aspectos estruturais e
estruturantes e, também, o instituído representado por normas, regulamentos, rotinas. Por
outro lado, o movimento instituinte da vida hospitalar, com diversos atores interagindo e
mobilizando recursos para atingir seus objetivos operacionais, seus interesses pessoais,
grupais e corporativos (BAREMBLITT, 1995).
O ponto que aqui se quer considerar não é a renúncia às teorias que tratam as
organizações hospitalares enquanto sistemas ou estruturas, mas sim alertar para a necessidade
de que os modelos teóricos adotados para a compreensão desse tipo de organização
preocupem-se também com as peculiaridades e com os desafios específicos da vida hospitalar,
os quais são responsáveis pelo reconhecimento do hospital como um complexo e singular
ambiente organizacional.
Carapinheiro (1997) mostra o quanto é visível no hospital o debate entre a estrutura
(com seus constrangimentos, papéis e funções previamente definidos) e os graus de liberdade
da ação humana. A autora também ressalta que, nos estudos sobre hospitais, a estrutura da
organização e as ideologias, os valores e os comportamentos dos seus membros têm sido
tratados como duas entidades distintas, analisadas separadamente, “valorizando
fundamentalmente a análise da estrutura e reforçando o seu aspecto rígido estandardizado” (p.
57).
Um outro aspecto a ser observado sobre as organizações hospitalares é o avanço da
lógica de mercado que prioriza a obtenção do lucro, cada vez mais permeando as ações
15
desenvolvidas nos hospitais (MARTINS, 2003; LIMA-GONÇALVES, 1998, 2002;
COLAUTO e BEUREN, 2003, SMITS e VAN DER PIJL, 1999). uma quase exigência
para que os hospitais produzam melhor, através de uma agressiva política de incorporação
tecnológica e de crescente aperfeiçoamento e controle dos seus processos internos. Os que
não se atualizam” e não modernizam seus processos de gestão acabam sendo ultrapassados
pela competitividade que parece dar a nota nestes tempos de globalização (CECILIO e
MERHY, 2003a).
Disso convém refletir se os hospitais também estão vivenciando a situação descrita por
Solé (2004):
A linguagem, os métodos, ferramentas, técnicas, práticas das empresas
penetram, cada vez mais, as organizações que podemos razoavelmente
considerar como não sendo empresas, posto que não estão submissas a uma
competência ou ao imperativo do benefício econômico (p. 5).
Outrossim, ainda que se concorde com a afirmativa de RIBEIRO FILHO (2005) de
que:
[...] qualquer entidade hospitalar, independente de sua natureza pública,
privada ou filantrópica, deve desejar que o fruto de seu trabalho, durante um
período de tempo qualquer, seja suficiente para remunerar todos os fatores
envolvidos (p.20),
não se deve deixar de ter em mente que hospitais são organizações singulares, onde a relação
com os pacientes não deve ser conduzida apenas (e prioritariamente) pela lógica do lucro.
Afinal, independente de sua natureza (pública ou privada), trata-se de uma organização onde a
manutenção e/ou recuperação da saúde dos pacientes são seus principais objetivos, suas
razões de ser.
Especificamente no caso dos hospitais públicos no Brasil, a gica do mercado não
está prevista na natureza do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse é um sistema público
destinado a toda a população e financiado com recursos arrecadados através dos impostos que
são pagos pela maioria; as diretrizes que o norteiam estão previstas na Constituição Federal de
1988, a saber: a descentralização, a integralidade e a participação da comunidade.
16
Nesse contexto, em contraste com uma organização empresarial que precisa
sobreviver no mercado, um hospital público deverá estar voltado à execução da política
nacional de saúde; assim sendo, seus dirigentes enfrentam o desafio de lidar com temas como
a universalidade do acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência (todas as
pessoas, sem discriminação, têm direito ao atendimento público e gratuito à saúde), a
igualdade da assistência à saúde (mesmo tipo de atendimento deve ser oferecido a todas as
pessoas, sem preconceitos ou privilégios) e a resolutividade dos serviços (capacidade de
resolver os problemas de saúde da população) (LACERDA, 1998).
Nessa ótica, cabe ainda ressaltar que o serviço público atende a cidadãos no exercício de seus
direitos, mais do que a clientes. Segundo Gurgel Júnior e Vieira (2002), para que alguém seja
cliente de uma organização, é necessário que sejam preenchidos dois requisitos básicos: o
primeiro pressupõe a liberdade de escolha “um cliente tem que ter o direito de escolha
sobre o que lhe é oferecido” (p. 331) e, sob nosso ponto de vista, esse não é o caso dos
usuários dos serviços públicos, que procuram esses hospitais muito mais por necessidade do
que por escolha. E, o segundo diz respeito ao tipo de contrato estabelecido entre o indivíduo e
quem vai lhe oferecer o serviço:
Tal contrato deve ter fundamento comercial. Portanto, em uma organização
pública ou em um hospital ou escola, para dar alguns poucos exemplos, o
conceito de cliente perde validade, uma vez que o contrato que fundamenta a
relação nesses casos é do tipo “contrato social”, fundamentado no direito e
na cidadania, em que o fato de um serviço ou produto ser pago através de
impostos não significa necessariamente que o contrato seja de natureza
mercantil (p.331).
Como também, os hospitais públicos estão entrelaçados em uma ampla rede de outros
serviços de saúde e em tantas outras políticas governamentais de defesa da vida dos cidadãos.
Dessa forma, a gica que os orienta é aquela que se preocupa com o seu papel dentro de um
sistema de saúde e não no mercado; a orientação dos hospitais públicos e a atuação de seus
17
profissionais da saúde é voltada a tornar mais fácil a vida do cidadão-usuário no usufruto de
seus direitos.
Atenta-se ainda para o fato de que os trabalhos produzidos pela área da gestão ou
administração hospitalar, em sua maioria, centram-se mais nas dimensões consideradas mais
relevantes para objetivos de planejamento e de rentabilização da aplicação de recursos
econômicos e financeiros, deixando vazios consideráveis na sua abordagem como instituição
social e deixando permanentemente na sombra os aspectos mais significativos da sua relação
com a sociedade (CARAPINHEIRO, 1997).
Considerando todos os aspectos até aqui abordados, a presente pesquisa emerge da
especial preocupação em se buscar modelos analíticos que dêem conta das peculiaridades e
dos desafios específicos presentes nos hospitais lugares de complexas relações e que
resguardem a precípua responsabilidade dessas organizações para com as pessoas enquanto
pacientes.
A oportunidade de pesquisar uma organização hospitalar de uma maneira mais
abrangente e apropriada talvez seja possível através do modelo de organização
multidimensional-reflexivo (OMR) proposto por Alves (2003).
Esse Modelo contempla mais de uma dimensão para fins de caracterização e análise
das organizações, o que representa um diferencial em relação à maior parte das tipologias
encontradas na literatura especializada, as quais se concentram, em sua maioria, em apenas
uma dimensão, a burocrática. A perspectiva multidimensional praticamente não tem sido
adotada em estudos organizacionais:
As organizações são descritas e/ou analisadas tendo em vista a sua maior ou
menor aproximação em relação ao tipo ideal de burocracia. Vale dizer,
outras estruturas puras de domínio, como a patriarcal e a carismática, não
têm recebido dos pesquisadores a atenção devida, muito embora possa
ocorrer a presença de seus componentes em configurações organizacionais
encontradas na realidade concreta (ALVES, 2004b, p. 72).
18
O OMR tem por fundamento a tipologia da ação social e os tipos ideais de dominação
de Weber e assim sendo, a abordagem de uma organização a partir da sociologia weberiana
acena com a possibilidade de melhor visualizar as diversas interações sociais que ocorrem em
seu âmbito interno, especialmente ao se considerar que na ambiência microssocial das
organizações tem-se de maneira mais evidente a reflexividade dos agentes. Dito de outra
maneira, supõe-se que no cenário organizacional seja ainda mais visível a percepção de que as
ações e as interações dos agentes estão vinculadas à sua capacidade de auto-reflexão.
Ademais, cabe ressaltar que uma das preocupações fundamentais desse modelo
analítico é a de superar a dualidade presente nas posições que destacam ora a estrutura, ora o
indivíduo. O modelo de Alves (2003) trata a estrutura e o agente individual como dimensões
básicas estreitamente articuladas (e não excludentes) e que se condicionam mutuamente,
“afastando-se, por conseguinte, do voluntarismo individualista e do determinismo
estruturalista” (ALVES, 2002, p. 1).
Esse tratamento dispensado pelo Modelo ao agente e à estrutura é de fundamental
importância para a análise de um hospital, na medida em que não subestima a ação dos
agentes organizacionais e, nesse sentido, representa um diferencial em relação às abordagens
que descrevem a organização hospitalar primordialmente como um sistema e/ou como uma
estrutura rígida.
O Modelo contempla ainda as trocas e transações entre a organização e o ambiente,
prevendo a coexistência de um conjunto de fenômenos simultaneamente opostos e
complementares: a conservação e a mudança, a tradição e a contemporaneidade, a
estabilidade e a instabilidade, a rigidez e a flexibilidade, a disciplina e a autonomia, entre
outros. “O OMR procura não tratar estes fenômenos organizacionais de maneira simplista, e
sucumbindo ao maniqueísmo do ‘ou-um-ou-outro’” (ALVES, 2003, p.14). O contínuo
processo de organização-interação-reordenamento desses fenômenos constitui-se em uma
19
instigante oportunidade para a compreensão de novos e variados desenhos estruturais, que
podem ser mais ou menos adequados às organizações hospitalares.
O OMR busca ainda favorecer o diálogo interdisciplinar, posto que utiliza conceitos
correlatos oriundos de diferentes disciplinas, em especial, da Sociologia e da Administração, o
que lhe confere uma capacidade de análise mais ampla das organizações.
Partindo de todas essas considerações preliminares acerca das propriedades do OMR,
propomo-nos a melhor compreender um hospital universitário, utilizando-se do referido
Modelo.
Os hospitais universitários (HU´s) têm, além das características descritas
anteriormente sobre os hospitais em geral, uma missão diferenciada, na medida em que
agregam outras funções além da assistencial: a formação de recursos humanos e o
desenvolvimento de pesquisa. A partir dessas funções, há o desenvolvimento de um complexo
conjunto de atividades voltado ao desenvolvimento profissional e às práticas de ensino e de
pesquisa.
No interior de um sistema local de saúde (no âmbito municipal ou no estadual), um
hospital universitário é considerado uma referência no atendimento médico de nível terciário
(ABRAHUE, 2006) ou seja, é um centro de atenção de saúde de média e alta
complexidade.
Além desse destacado papel assistencial, os HU´s respondem pela formação de
praticamente todos os estudantes da área de saúde, de considerável parte dos residentes do
país, além de dar suporte a muitos cursos de pós-graduação strito e lato senso. São ainda
responsáveis por vários dos projetos cadastrados na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa,
o que bem demonstra a relevância do hospital como campo de pesquisa (ABRAHUE, 2006).
Nesse perfil, enquadra-se o Hospital Universitário Professor Alberto Antunes
(HUPAA) da UFAL, organização escolhida como campo empírico desta pesquisa. Fundado
20
em 1973, órgão de apoio acadêmico da Universidade Federal de Alagoas (UFAL),
desempenha ações que abrangem as áreas de ensino, pesquisa e assistência. Sendo o único
hospital público federal do Estado de Alagoas, encontra-se vinculado ao Ministério da
Educação, através da UFAL, na condição de hospital de ensino e centro de pesquisa científica.
No âmbito da assistência, o hospital reporta-se ao Ministério da Saúde, atende exclusivamente
a pacientes do SUS, integra a rede pública de saúde em Alagoas e desempenha importante
papel como referência terciária da região.
Atualmente, o HUPAA é reconhecido pelos diversos segmentos da sociedade alagoana
como o maior hospital público do Estado, devido à sua área física, ao seu corpo clínico e às
atividades que desenvolve voltadas à assistência, à pesquisa e ao ensino.
Diante das considerações até aqui apresentadas, o presente trabalho se propõe, mais
precisamente, a investigar: “quais aspectos da configuração organizacional-administrativa
do HUPAA podem ser ressaltados a partir do modelo multidimensional-reflexivo de
Alves (2003)?”
1.1 Objetivos
A clara definição dos objetivos de uma pesquisa visa delimitar o estudo do problema
proposto e apontar o caminho a ser percorrido pelo pesquisador. Nesse sentido, tem-se como
objetivo geral do presente trabalho: analisar aspectos da configuração organizacional-
administrativa do HUPAA, com base no modelo multidimensional-reflexivo de Alves (2003).
Partindo-se do objetivo principal, desdobraram-se seis objetivos específicos.
Aplicando-se o referido Modelo de análise, pretende-se:
21
1. Identificar e descrever as características estruturais e os dispositivos de
coordenação do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA);
2. Discutir as características estruturais e os dispositivos de coordenação do
HUPAA;
3. Identificar e descrever a natureza dos agentes e as interações internas no
HUPAA;
4. Comentar sobre a natureza dos agentes e as interações internas no HUPAA;
5. Descrever o relacionamento do HUPAA com o seu ambiente externo;
6. Identificar e comentar aproximações e/ou distanciamentos da organização
estudada (tipo real) em relação aos tipos e subtipos definidos pelo modelo de análise
de Alves (2003).
1.2 Justificativa da pesquisa
Compartilhamos do pensamento de Demo (1987) de que a pesquisa científica justifica-
se na medida em que possibilita descobrir novos horizontes do conhecimento e da prática.
Nesta seção, serão explicitadas as justificativas para a realização desta pesquisa, bem como as
contribuições que se pretende oferecer.
Segundo Martins (2003), “[...] tudo que diz respeito à doença, à saúde e à cura de cada
um de nós ou de pessoas próximas, ocupa espaços importantes de nossas vidas cotidianas” (p.
30); nesse contexto estão as organizações hospitalares, que contam hoje com grande
disponibilidade de recursos de diagnóstico e tratamento, com diversas possibilidades de
pesquisa e aperfeiçoamento, fatores esses que caracterizam-nas como um organismo
22
fundamental no encaminhamento de soluções para os problemas de saúde da comunidade em
que se encontram inseridas (LIMA-GONÇALVES, 1998).
Ademais, os hospitais são importantes componentes de um sistema de saúde e como
tais correspondem a uma substancial parcela do orçamento público (MCKEE e HEALY,
2001). Quanto mais próximas ao núcleo do sistema de saúde estiverem as unidades
hospitalares, mais as ações que desenvolvem terão impacto para a política de saúde. Logo,
caso os hospitais estejam ineficientemente organizados, seu impacto potencialmente positivo
na saúde da população poderá ser sensivelmente reduzido ou até mesmo anulado. Dessa
forma, emerge a importância de se estudar com cuidado esse tipo de organização em sua
funcionalidade e sua estruturação.
Essa perspectiva alinha-se a Martins (2003), segundo o qual, “[...] tudo que ocorre no
domínio da saúde pública e dos cuidados médicos, e em quaisquer outros domínios da saúde,
interessa diretamente ao conjunto da sociedade, de seus atores e agências” (p.32). Nesse
sentido, o presente trabalho espera produzir conhecimentos os quais, em última análise,
possam contribuir para a melhoria dos serviços prestados pelos hospitais à sociedade em que
nos inserimos.
O esforço aqui é para oferecer um exercício acadêmico vinculado à comunidade
circundante e com alguma utilidade à organização estudada, pois partilhamos com Demo
(1987) o entendimento de que as ciências sociais, em nosso caso a Administração, não devem
apenas produzir conhecimento teórico sem algum desdobramento na realidade cotidiana.
Levantamento realizado por esta pesquisadora revelou que nos dois maiores eventos
científicos da área de Estudos Organizacionais — EnANPAD e ENEO —, no período de 2000
a 2006, em média, somente 1% dos trabalhos publicados refere-se a estudos realizados
em/sobre organizações hospitalares, o que indica que a produção científica sobre esse tipo de
organização ainda precisa conquistar um espaço compatível com sua relevância. Diante desse
23
quadro, tentamos contribuir na busca de referenciais teóricos para análise das organizações
hospitalares (CECÍLIO e MERHY, 2003a, 2003b; CARAPINHEIRO, 1997).
Como contribuição acadêmica, este trabalho traz a possibilidade inédita de aplicar o
modelo multidimensional-reflexivo para a análise de um hospital universitário público. Alves
(2003) sublinha que “um modelo de análise organizacional necessita de uma adequada
conexão entre o pensamento teórico e a experiência, de maneira que o primeiro possa servir
de guia para a segunda, bem como esta possa propiciar aperfeiçoamentos conceituais” (p.16).
Não se deixa de considerar que o referido Modelo foi proposto originalmente para
analisar organizações empresariais. No entanto, sua base epistemológica estimula a testá-lo
em um campo empírico peculiar e complexo: um hospital. Segundo Alves (2003, p. 248),
“[...] muito embora o modelo proposto esteja voltado para organizações empresariais
privadas, ele deve também ter a sua aplicabilidade testada para a análise de organizações
estatais e não-governamentais”. Disso tem-se que este trabalho espera contribuir para
aperfeiçoar o OMR, posto que ele ainda carece de pesquisas de campo e verificação na prática
de sua utilidade analítica.
Com as conclusões deste estudo espera-se também oferecer aos gestores do HUPAA
subsídios que possibilitem uma melhor compreensão sobre sua organização, auxiliando-os no
aperfeiçoamento de sua administração e na melhoria do atendimento de saúde à comunidade.
Consideramos oportuno, desde já, apresentar as razões que nortearam a escolha dessa
organização, isto é, o HUPAA, como o campo empírico da pesquisa. A complexidade e a
singularidade das organizações hospitalares, bem como o perfil diferenciado dos HU´s,
funcionaram como estímulo à pesquisadora no sentido de proporcionar o encontro entre um
modelo analítico de organizações e o pragmatismo da realidade de um hospital público.
Ainda no tocante aos hospitais universitários e em especial ao HUPAA, apesar de seu
relevante papel no sistema de saúde de nosso país, esses hospitais têm vivido, ao longo dos
24
últimos anos, uma profunda crise caracterizada por limitação orçamentária, carência de
financiamento, desorganização administrativa, sucateamento de suas instalações, dificuldades
diversas de gerenciamento, entre outros (CHIORO, 2004; ABRAHUE, 2006). Nesse contexto,
o HUPAA é um exemplo típico desse conjunto de HU´s brasileiros, e este trabalho justifica-se
como um esforço de ampliar o entendimento sobre hospitais públicos universitários.
Ademais, o motivo predominante na escolha do HUPAA como campo empírico para a
realização do estudo reside no fato de esta pesquisadora fazer parte do quadro de pessoal
dessa organização.
Isso posto, a condição de participar do ambiente organizacional do HUPAA
aproximadamente dez anos suscitou algumas reflexões por parte desta pesquisadora quanto à
realização desta investigação. O fato de ser membro da organização em estudo não foi tomado
como algo que minimizasse as chances de propor questões significativas e ainda não
estudadas acerca do HUPAA. Pelo contrário, os anos de trabalho despertaram a inquietação
frente a alguns aspectos da configuração administrativa do HUPAA e a percepção de que
realizar a análise organizacional desse hospital seria um trabalho pioneiro e de grande
contribuição para ajudá-lo a evoluir em alguns de seus processos cotidianos.
Com efeito, em pertencendo ao quadro de funcionários do HUPAA havia a
possibilidade de tornar a pesquisa mais exeqüível, principalmente quanto às condições de
acesso a informações, sujeitos e cenários indispensáveis ao desenvolvimento da pesquisa;
posição que dificilmente seria atingida por algum pesquisador externo. Em contrapartida,
reconhece-se que a visão de um pesquisador que trabalha na organização investigada traz em
si aspectos resultantes da experiência vivida no ambiente; assim sendo, desde logo a
pesquisadora não deixa de reconhecer que lhe foram exigidos permanente questionamento da
realidade estudada e um esforço extra no sentido de manter um estranhamento frente ao
familiar.
25
Entendemos que uma condição indispensável para a consecução dos objetivos desta
pesquisa é o cuidado em tentar lidar com percepções e opiniões formadas, reconstruindo-as
em novas bases, levando em conta as experiências pessoais, mas filtrando-as com a ajuda do
referencial teórico e de procedimentos metodológicos específicos.
Ainda nessa perspectiva, não nos furtamos de assumir que, ao deixar de escolher um
outro hospital para estudo, privamo-nos de conhecer uma realidade nova e diferente daquela
que nos é familiar, e que talvez fosse uma maior oportunidade de aprendizado. Contudo, neste
momento, por todas as razões aqui expostas, escolheu-se o HUPAA como campo de aplicação
do modelo multidimensional-reflexivo de Alves (2003).
Esclarecidos os motivos vivenciais e teóricos que impulsionam a realização deste
estudo, na próxima seção apresentar-se-á a estrutura do mesmo.
1.3 Estruturação do estudo
Com intuito de ordenar a presente pesquisa, estruturamos este trabalho em cinco
capítulos. O capítulo 1 introduz o tema e apresenta o problema a ser estudado, o objetivo geral
e os específicos a serem atingidos, as contribuições do estudo, bem como o campo empírico
da pesquisa e a estrutura do trabalho. No capítulo subseqüente, apresenta-se o referencial
teórico que fundamenta o trabalho. Os conceitos sobre tipologias organizacionais, com ênfase
no OMR, as descrições sobre a organização hospitalar e, em particular, sobre os hospitais
universitários são abordados.
Na seqüência, o terceiro capítulo trata do delineamento da pesquisa, dos
procedimentos metodológicos utilizados, das questões norteadoras de pesquisa, das definições
26
constitutivas e operacionais das categorias de análise, da amostragem e das técnicas adotadas
na coleta e análise de dados.
O quarto capítulo ocupa-se de trazer um breve histórico do HUPAA; além disso,
descreve sua configuração-administrativa atual a partir dos dados coletados conforme a
metodologia descrita no capitulo anterior. A análise do HUPAA a partir do modelo de Alves
(2003) é efetivada no capítulo cinco.
No último capítulo, são apresentadas as considerações finais do trabalho, incluindo
suas limitações. Também nele são propostas sugestões para pesquisas futuras.
27
2 Fundamentação Teórica
Para fundamentar o presente estudo, neste capítulo apresenta-se uma síntese da
literatura pertinente aos seguintes temas: as tipologias organizacionais, a organização
hospitalar e os hospitais universitários. Primeiramente, apresentam-se algumas tipologias
organizacionais, com ênfase no modelo de organização multidimensional-reflexivo (OMR) de
Alves (2003). Em seguida, discorre-se sobre as organizações hospitalares, com foco em sua
evolução histórica, propriedades e características, e finalmente abordam-se os hospitais de
ensino, pontuando suas principais especificidades.
2.1 Tipologias organizacionais
Construir uma tipologia é:
1) estabelecer uma lista de variáveis consideradas pertinentes; 2) mostrar que
essas variáveis são caracterizadas por intercorrelações mais ou menos fortes
e “estruturadas”, isto é repartidas de maneira não-aleatória; 3) utilizar essas
intercorrelações para repartir os objetos observados em tipos ou classes
(BOUDON e BOURRICAUD, 1993, p.221).
O perigo dos esquemas classificatórios é a simplificação excessiva, ou seja, embora
algumas tipologias possam ser utilizadas em análises limitadas, como comparar organizações
em termos de seus índices de rotatividade ou taxas de crescimento, tais classificações, em
geral, escolhem somente um parâmetro a ser analisado; por isso, acaba-se conhecendo
somente um aspecto da organização e não a sua complexidade (HALL, 2004).
Dessa forma, embora uma tipologia organizacional tenha suas propriedades, ela não
deve ser tomada como algo definitivo, visto que uma organização pode possuir características
28
de mais de um tipo definido. Na realidade, as tipologias têm importante papel quando
auxiliam os pesquisadores na análise das organizações, uma vez que permitem uma melhor
aproximação com o objeto em estudo.
As tipologias são também indícios de que se tem caminhado em direção a um
relativismo. E mesmo adotando diferentes critérios para agrupar as estruturas e organizações,
apresentamos aqui algumas das tipologias mais citadas na literatura.
As formas mais comuns são as chamadas tipologias tradicionais ou baseadas no “bom-
senso”. Assim, pode-se classificar uma organização a partir da sua orientação econômica, ou
seja, ela pode ser classificada como com fins lucrativos ou sem fins lucrativos. Essa é,
claramente, uma distinção importante em alguns casos, porém não em outros. É possível
ainda classificar uma organização de acordo com o setor em que atua; por exemplo:
educacional, agrícola, de saúde e de medicina (HALL, 2004).
Segundo Clegg (1998), no âmbito das configurações organizacionais não se pode
deixar de ressaltar a influência pioneira de Max Weber na medida em que colocou a
racionalidade como principal aspecto norteador na construção das estruturas sociais. Weber
mostra que a burocracia, enquanto tipo-ideal, procura exprimir, de forma estável e duradoura,
a cooperação de um grande número de pessoas, cada qual detendo uma função especializada.
Para tanto, separa-se a esfera privada e familiar da esfera pública do indivíduo (MOTTA e
VASCONCELOS, 2002).
A organização burocrática caracteriza-se por possuir hierarquia de autoridade, divisão
do trabalho, participantes tecnicamente competentes, métodos de trabalho, comunicação
regulamentada, padronização de processos e das habilidades de trabalho (WEBER, 1999).
Apesar de o modelo burocrático se constituir em parâmetro para o estudo das organizações,
ele também sofreu várias críticas. Quando alguns pesquisadores começaram a realizar estudos
empíricos das organizações, perceberam que, no mundo real, alguns componentes
29
burocráticos nem sempre apareciam como na teorização de Weber (CLEGG, 1998). De fato,
conforme Weber (1999) previa, nenhum sistema conceitual pode reproduzir integralmente o
real e a diversidade de um fenômeno particular, visto que os atores sociais, ao interagir,
constroem em conjunto os significados compartilhados que constituem uma dada realidade.
O trabalho de Burns e Stalker desenvolveu um modelo organizacional, identificando a
forma mecânica, que se aproxima do tipo ideal de burocracia de Weber, e a forma orgânica,
com uma estrutura de controle em rede, um ajuste contínuo e redefinição de tarefas, em meio
a um contexto de comunicação envolvendo informações e opiniões (HALL, 2004).
Na análise funcionalista de Parsons (1960), uma organização pode ser tipificada
quanto à sua função ou meta estabelecida. Esse autor distingue quatro tipos de organização,
de acordo com sua contribuição para a sociedade. São estes os tipos: (1) a organização de
produção, que fabrica os bens consumidos pela sociedade; (2) a organização orientada para
fins políticos, que busca assegurar que a sociedade atinja metas a que atribui valor, gerando e
distribuindo poder no âmbito social; (3) a organização integradora, cujos propósitos são os de
resolver conflitos, direcionar as motivações para a concretização de expectativas
institucionalizadas e assegurar que as partes da sociedade operem juntas; (4) a organização de
manutenção de padrões, a qual tenta proporcionar a continuidade da sociedade por meio de
atividades educacionais, culturais e expressivas.
Com uma classificação bem similar, Katz e Kahn (1974) enquadram as organizações
em quatro classes, conforme a atividade em que se acham empenhadas: (1) organizações
produtivas aquelas que objetivam a criação de riqueza, a manufatura de bens e a prestação
de serviços para o público em geral; (2) organizações de manutenção dedicadas à
socialização e à capacitação das pessoas para seus papéis em outras organizações; (3)
organizações adaptativas voltadas à criação, ao desenvolvimento e transmissão de
conhecimentos e à geração de informações que respondam às necessidades existentes no
30
âmbito da sociedade; (4) organizações políticas-administrativas dedicadas à coordenação e
controle de recursos, pessoas e subsistemas.
Embora cada uma desses conjuntos de atividades seja claramente importante para a
sociedade, informa pouco sobre as organizações, não diferencia entre as características das
próprias organizações, deixa de contemplar as organizações de serviços orientados aos seres
humanos e, além disso, podem enquadrar as organizações em mais de uma categoria (HALL,
2004).
Etzioni (1974), por sua vez, usou a obediência como princípio para estabelecer a sua
tipologia. Obediência entendida como o modo pelo qual os participantes do escalão
operacional de uma organização respondem a seu sistema de autoridade; obediência expressa
por meio da natureza do envolvimento dos participantes de nível mais baixo na organização.
De acordo com esse modelo, existem três tipos de autoridade: coercitiva, remunerativa e
normativa, bem como existem três tipos de obediência alienatória, instrumental ou
calculista e moral. Como resultado, apresenta-se um esquema classificatório com nove tipos
possíveis de organização — quadro 1(2):
Tipos de Participação dos Subordinados
Tipos de Poder
Alienativa Calculista Moral
Coercivo
Coercitivo-Alienante Coercitivo-Instrumental Coercitivo-Moral
Calculista
Remunerativo-
Alienante
Remunerativo-
Instrumental
Remunerativo-Moral
Normativo
Normativo-Alienante Normativo-Instrumental Normativo-Moral
Quadro 1(2): Tipologia organizacional de Etzioni (Fonte: Etzioni, 1974, p.41).
Outra tipologia é a proposta por Blau e Scott (1970), que tomaram o principal
beneficiário organizacional como base para classificação das organizações em quatro
categorias: organizações de benefícios mútuos (onde os próprios membros são os principais
beneficiários), empresas privadas (cujos proprietários são os beneficiários), organizações
prestadoras de serviço (os clientes são os beneficiários) e organizações comunitárias (onde o
31
público em geral se beneficia). Hall (2004) alerta que esse tipo de classificação torna difícil
isolar um único grupo, explícito, estável e coerente entendido por uma organização; bem
como existem algumas organizações, como por exemplo, uma escola, que não são viáveis de
serem enquadradas em uma única categoria.
Mintzberg (2003) ressalta que a análise de determinada configuração organizacional
deve considerar critérios como o tamanho, a idade, o tipo de ambiente em que a organização
atua, o sistema técnico que utiliza, entre outros. Fatores como controles externos à
organização, necessidades pessoais de seus membros e a cultura onde a organização está
inserida também interferem no delineamento organizacional. Ainda de acordo com o mesmo
autor, tanto os parâmetros do design quanto os fatores situacionais devem ser rigorosamente
agrupados para a criação de configurações.
Isso posto, Mintzberg (2003) identificou cinco configurações principais, sendo que
cada uma delas possui um mecanismo de coordenação diferente dominante: uma parte
diferente da organização exerce o papel mais importante e um tipo diferente de
descentralização é usado. São estas as configurações: estrutura simples, burocracia
mecanizada, burocracia profissional, forma divisionada e adhocracia.
Para Silva (2005), a tipologia de Mintzberg diferencia-se das demais devido à
abrangência de seus critérios classificatórios, uma vez que busca identificar um conjunto
amplo de variáveis interdependentes, que podem influenciar a configuração da organização,
muitas delas consideradas isoladamente nas demais tipologias. É relevante apontar que esta
mesma tipologia caracteriza-se por sua unidimensionalidade, na medida em que os tipos
estruturais que dela derivam são variações burocráticas.
A seguir, discorre-se mais detalhadamente sobre o modelo de organização
multidimensional-reflexivo (OMR) de Alves (2003), o qual teve sua aplicabilidade testada
neste estudo, em que se analisa um hospital universitário.
32
2.2 O modelo de organização multidimensional-reflexivo
de Alves (2003)
Esta seção ocupa-se do modelo de organização multidimensional-reflexivo proposto
por Alves (2003). Inicialmente são apresentadas as características gerais do Modelo; em
seguida seus principais elementos — o AMR, os tipos e subtipos organizacionais e a dinâmica
organizacional — são explicitados.
2.2.1 Caracterização do Modelo
O modelo multidimensional-reflexivo (OMR) tem por fundamento o legado de Max
Weber, embora não seja um estudo sobre seu pensamento e sua obra. A tipologia da ação
social e os tipos ideais de dominação weberianos foram tomados como referência para gerar
novos conceitos e idéias.
Os componentes dos tipos puros de dominação são tratados como ‘variáveis’
que são associadas entre si; sendo reelaborados e combinados para
construção de um modelo dotado de alguma originalidade e capaz de
contribuir para a análise de organizações (ALVES, 2003, p.13).
A construção de um modelo de análise a partir dos tipos ideais weberianos somente foi
possível na medida em que se reconhece que esses construtos são impossíveis de serem
encontrados empiricamente em sua pureza conceitual (ALVES, 2003).
Nesse sentido, esclarece-se que o OMR não é apenas um novo ordenamento de
componentes das estruturas de domínio de Weber. O Modelo é representado por uma
configuração organizacional-administrativa multifacetada, tríptica e transiente, na qual têm-se
elementos caracterizadores dos estilos de gestão patriarcal, da liderança com traços
carismáticos e da administração burocrática, dinamicamente relacionados entre si e
influenciando-se mutuamente em variadas intensidades. Assim,
33
A contínua inter-relação de tais componentes, cada um deles impregnando-
se com os demais, interpenetrando-se uns com os outros, em múltiplas e
covariadas combinações, resulta em um desenho estrutural híbrido,
polifórmico e também mutante, posto que gera um equilíbrio dinâmico e
também mutante, posto que gera um equilíbrio dinâmico de antagonismos e
complementaridades (ALVES, 2004b, p 73).
Desse modo, consideram-se as seguintes situações, em relação às suas dimensões
constituintes:
Quanto ao carisma: Alves situa seu modelo em um continuum entre dois pólos
extremos o carisma genuíno e o carisma rotinizado (despersonalizado). O OMR opera com
a liderança de traços carismáticos mitigados; conquanto não ressalte o ímpeto revolucionário
(característica inseparável do carisma puro), tampouco enfatiza o carisma despersonalizado
(corresponde ao carisma objetivado);
Quanto ao patriarcado: o modelo classifica o patriarca em três categorias, tendo
como variante a possibilidade de exercer o livre arbítrio: reformador (máxima vontade própria
– livre arbítrio), renovador (intermediária), conservador (área mínima de livre arbítrio);
Quanto à burocracia: para fins do modelo, considera-se o burocrata como mais ou
menos rígido (ou flexível), conforme sua presença e atuação em uma organização estejam
mais ou menos próximas em relação ao tipo ideal de burocracia.
Alves (2003) parte do entendimento de que mesmo em organizações fortemente
reguladas por princípios racional-instrumentais, onde os membros aproximam-se em função
de interesses materiais, não se elimina a necessidade de confiança entre eles. Em outras
palavras, ele ressalta que o Modelo parte do pressuposto de que a lógica de mercado não
aniquila os laços socioafetivos, nem a devoção a antigos costumes. A abordagem
multidimensional-reflexiva considera que essas duas dimensões (racionalidade instrumental e
ingredientes afetivos) articulam-se e convivem nas organizações.
34
Obviamente que, de modo similar a todos os modelos, o OMR é também uma
representação parcial e incompleta da realidade, logo não tem a intenção de impor uma
estrutura conveniente a todas as organizações; e tampouco considera que existe uma única
configuração organizacional-administrativa adequada para todos os setores ou áreas da
organização. Sobre esse ponto, Alves (2003) esclarece que “o OMR não corresponde a um
todo monolítico, nem a um referencial de excelência, posto que, dependendo de diversos
fatores internos e externos, ter-se-á arranjos estruturais específicos à situação concreta”
(p.99).
O OMR procura superar a dualidade presente nas posições caracterizadas pelo
destaque exclusivo à estrutura ou pela relevância excessiva do agente individual. O Modelo
prioriza o diálogo entre essas posições polarizadas, tentando não ceder ao determinismo das
estruturas sobre indivíduos passivos, nem acatar que os indivíduos com suas habilidade são
capazes de realizar sua vontade ou quase tudo dentro de uma organização:
Vale dizer, os agentes organizacionais (individual ou coletivamente) têm sua
ação condicionada pela estrutura, embora eles também engendrem esta
última. Em outras palavras, as propriedades estruturantes (regras e recursos)
são dotadas de uma causalidade condicionante’ que não determina a ação
dos indivíduos, mas a restringe ou a facilita (ALVES, 2002, p. 2).
Na perspectiva adotada pelo autor, o indivíduo e a organização são considerados como
dimensões estreitamente articuladas e em recíproco condicionamento, ainda que em algumas
situações uma delas temporariamente se sobressaia, devido à dinâmica a que a organização
está sujeita.
No que se refere aos mecanismos de coordenação e controle, o OMR assimila
simultaneamente um controle utilitário e normativo, no qual se exerce, de um lado, um poder
tangível e remunerativo, através de autoridades; e de outro, opera um poder intangível e
normativo, por meio de lideranças que alocam recompensas simbólicas e criam referências de
comportamento. É possível então que, no primeiro caso, sejam gerados nos membros da
35
organização um comportamento de caráter mais calculista e uma participação de natureza
utilitária; e no outro, poderão ser produzidos um comportamento em que predomina uma
orientação motivacional de natureza moral e um comprometimento de caráter afetivo-
emocional (ALVES, 2004a).
Esse modelo considera que o tempo organizacional possui dimensões interligadas de
temporalidade, isto é, ao OMR está associada uma perspectiva que encara os três tempos
passado, presente, futuro — imbricados entre si.
Além dessas propriedades, o OMR acolhe o exercício de um diálogo interdisciplinar
que procura transpor conceitos correlatos entre disciplinas afins das ciências sociais,
principalmente da Sociologia e da Administração, como forma de ampliar sua capacidade
analítica.
Na próxima subseção será apresentado o agente organizacional multidimensional
reflexivo (AMR), construto fundamental no Modelo de Alves (2003).
2.2.2 Características do agente
O agente organizacional multidimensional-reflexivo (AMR) é uma construção teórica
em cuja origem se encontra uma combinação de elementos do patriarca, do líder com traços
carismáticos e do burocrata:
O agente organizacional multidimensional-reflexivo (AMR) é um construto
teórico indissociável do modelo e representa um indivíduo que age
racionalmente em relação a fins, mas também orientado pela tradição e
movido por sentimentos afetivos (ALVES, 2003, p. 105).
Para o modelo proposto, o agente organizacional pode conceber novos desenhos e
configurações administrativas que propiciem a competitividade da organização e uma
ambiência sociotécnica mais condizente com as necessidades humanas: uma organização que
36
se afaste da tradição que imobiliza, da liderança carismática que se basta por si mesma e da
impessoalidade da burocracia.
O AMR pode estar representado em diversos protagonistas da organização e situado
em várias posições na estrutura organizacional. O quadro 2(2) possibilita uma melhor
visualização acerca do posicionamento e atuação do agente organizacional:
Posição na Estrutura
Perfil do AMR
Nível Estratégico
Tem perspectiva político-estratégica.
Grau de liberdade para agir: máximo;
Responsável pela análise de fatores
exógenos e endógenos que condicionam a
composição dos meios e recursos
organizacionais
Estabelece diretrizes e coordena os
recursos organizacionais de acordo com
os objetivos estratégicos e prazos
correspondentes.
Nível Intermediário
Possui perspectiva tático-setorial;
Tem poder de perícia que pode funcionar
como flexibilizante da estrutura;
Pode conseguir uma razoável autonomia
no trabalho.
Nível Operacional
Atuação mais voltada a um determinado
segmento de atividade;
Perspectiva específica e limitada ao grupo
ocupacional ao qual pertence;
Mais sujeito a controles e mais submisso a
regras e regulamentos, mas sob certas
circunstâncias especiais, ele pode ter
iniciativas de grande relevância para a
organização.
Quadro 2(2): Posicionamento e atuação do agente na estrutura conforme o Modelo de Alves (Fonte:
adaptado pela autora de Alves, 2003).
37
Em se tomando o processo de mudança como referencial, uma outra caracterização do
AMR surge: ora ele pode atuar mais no sentido de manter o status quo — conservando rotinas
e costumes e reagindo a forças descentralizadoras; ora pode agir procurando inovar
procedimentos e criando novos padrões operacionais. Nesse sentido, Alves (2003) considera
três perfis para o construto:
agente organizacional conservador — defensor do precedente estabelecido e de
normas e hábitos preexistentes, apresenta características que o aproximam do burocrata ou do
patriarca típicos;
agente organizacional transformador defensor da inovação e da promoção de
mudanças nas práticas administrativas, aproxima-se do líder com traços carismáticos ou do
patriarca reformador;
agente organizacional adaptador defensor do equilíbrio entre a padronização de
procedimentos e a livre iniciativa criadora, apresenta-se como burocrata flexível ou patriarca
renovador.
2.2.3 A Dinâmica Organizacional
Os componentes da burocracia, do patriarcado e do carisma que caracterizam o OMR
interagem constantemente, resultando em dois sistemas de vetores opostos. Um desses
conjuntos relaciona-se a variáveis associadas com a ordem, a estrutura e a conservação a
saber: tradição, estabilidade, rigidez, disciplina, repetição, centralização, padronização, rotina
— e contribui para que a organização mantenha a sua estrutura original, reconheça sua
identidade, resguarde sua trajetória histórico-cultural, garanta a regularidade de suas
operações e preserve as suas experiências e conhecimentos.
38
O outro conjunto corresponde às forças relacionadas com a liberdade, a ação e a
mudança contemporaneidade, instabilidade, flexibilidade, autonomia, originalidade,
descentralização, criatividade, inovação —, que trazem uma perspectiva de futuro à
organização, favorecendo-a no ajustamento às novas demandas e necessidades emergentes.
Esses dois conjuntos não se fundem, nem se alternam, mas se relacionam por meio de
um processo de organização-interação-reordenamento, que resulta numa “configuração
organizacional-administrativa híbrida em que não se tem identificada uma primazia
permanente do sistema-organização ou do agente individual e sim um equilíbrio dinâmico
ordem-liberdade, estrutura-ação, conservação-mudança” (ALVES, 2003, p.121).
Em outras palavras, no interior da organização acontece o confronto entre a autoridade
instituída e as forças instituintes, com a presença de agentes que ameaçam romper a ordem
estabelecida. “É nessa complexa dinâmica organizacional, entremeada por momentos de
dissenso e consenso, conflito e harmonia, que a organização é continuamente (re) construída”
(ALVES, 2002, p.3).
Esse movimento de mudança e reconstrução da organização não depende apenas da
vontade de seus agentes. Ainda que eles contem com autonomia para modificar a organização
que integram, existem fatores condicionantes próprios da situação que podem limitar a
amplitude e os efeitos de suas iniciativas.
De outra parte, diversos fatores externos (alterações mercadológicas, concorrência,
modificações na legislação, novas tecnologias, entre outros) podem levar as organizações a se
transformarem independentemente da vontade ou do desejo de seus membros.
Por conseguinte, a dinâmica organizacional pode ser caracterizada como um mix de
fatores condicionantes (internos/externos) e tendências opostas (ordem-estrutura-
conservação/liberdade-ação-mudança) que se encontram num processo de organização-
39
interação-reordenamento, produzindo uma nova ordem, que pode ser melhor ou pior, mas
nunca a mesma.
O quadro 3(2) mostra a caracterização dos tipos ordenativo-conservador, equiparativo-
adaptador e liberativo-transformador, respectivamente, a partir das variáveis componentes da
dinâmica organizacional, considerando que: (++) representa total ou forte preponderância da
referida variável; (+-) representa presença parcial ou fraca da variável; e (--), a ocorrência
incipiente da variável ou sua ausência.
Variáveis da dinâmica
Organizacional
Tipo ordenativo-
conservador
Tipo equiparativo-
adaptador
Tipo liberativo-
transformador
Conservação
++ +- --
Mudança
-- +- ++
Repetição
++ +- --
Originalidade
-- +- ++
Rigidez
++ +- --
Flexibilidade
-- +- ++
Estabilidade
++ +- --
Instabilidade
-- +- ++
Disciplina
++ +- --
Autonomia
-- +- ++
Tradição
++ +- --
Contemporaneidade
-- +- ++
Regulamentação
++ +- --
Desregulamentação
-- +- ++
Padronização
++ +- --
Criatividade
-- +- ++
Rotina
++ +- --
Inovação
-- +- ++
Controle
++ +- --
Iniciativa
-- +- ++
Centralização
++ +- --
Descentralização
-- +- ++
Quadro 3(2): Caracterização dos tipos estabelecidos pelo OMR a partir dos componentes da dinâmica
organizacional. (Fonte: Adaptado de Alves, 2003).
40
2.2.4 Tipos e subtipos estruturais do Modelo
De acordo com Alves (2003), o Modelo é caracterizado por três tipos estruturais, que
podem ser decompostos em quatro subtipos. O quadro abaixo traz de forma resumida esses
principais tipos:
Estrutura do tipo
equiparativo-adaptador
Estrutura do tipo
ordenativo-conservador
Estrutura do tipo
liberativo-transformador
Burocracia flexível Burocracia rígida Burocracia incipiente
Patriarcado renovador Patriarcado conservador Patriarcado reformista
Liderança com traços
carismáticos moderados
Liderança descarismatizada
(carisma objetivado)
Liderança com acentuados
traços carismáticos
Quadro 4(2): Tipos estruturais do OMR (Fonte: Alves, 2003, p. 133).
2.2.4.1 O Tipo-base equiparativo-adaptador
A estrutura-base do modelo de organização multidimensional é a denominada
equiparativo-adaptadora. Essa estrutura tem as seguintes características:
1) a burocracia flexível, consideravelmente distante da burocracia típica, ou seja, a
hierarquia de autoridade, a regulamentação, a impessoalidade das relações, a padronização
dos procedimentos ocorrem em baixa intensidade;
2) a liderança com traços carismáticos mitigados, desprovida da impetuosidade e do
radicalismo transformador, próprios do carisma genuíno;
3) o patriarcado renovador, no qual costumes e práticas consuetudinários são em
grande parte superados pelo livre arbítrio do patriarca, ainda que persistam alguns elementos
da tradição.
Nesse tipo-base pode-se encontrar então a conjugação de regras de conduta, liberdade
criativa e alguns costumes invioláveis e a coexistência de rotinas, inovações e procedimentos
41
habituais, refletindo uma estreita articulação indivíduo/organização (ALVES, 2002). Não
privilégio nem ao agente nem ao sistema-organização, e o agente associado a esse tipo é o
AMR adaptador.
Apesar do tipo organizacional equiparativo-adaptador ser referência para os demais,
não necessariamente significa que ele é uma configuração que deva ser tomada como exemplo
para todas as organizações sob quaisquer condições. “Na prática, a opção estrutural mais
adequada para uma organização depende de um conjunto de fatores condicionantes, internos
ou externos, limitativos ou facilitadores, presentes em uma determinada situação” (ALVES,
2003, p. 148).
Junto a essa observação, tem-se o fato de que também não um arranjo estrutural
único e apropriado a todas as partes ou subsistemas que compõem a organização. Não raro
observam-se numa mesma organização necessidades peculiares a setores ou áreas
especializados que exigem adaptações estruturais diferenciadas.
É possível que ocorram variações do tipo-base equiparativo-adaptador sem que este
perca as suas propriedades, embora a capacidade adaptativa da sua estrutura seja alterada. O
quadro 5(2) apresenta as variações internas do tipo-base equiparativo-adaptador:
Tipo-base
equiparativo-
adaptador (situação
original)
Variante I do tipo
equiparativo-
adaptador
Variante II do tipo
equiparativo-
adaptador
Variante III do tipo
equiparativo-
adaptador
Burocracia flexível
Burocracia menos
flexível
Burocracia mais flexível
Burocracia flexível
Patriarcado renovador
Patriarcado renovador Fraca presença, ou
eventual ausência, da
dimensão patriarcal
renovadora
Fraca presença, ou
eventual ausência, da
dimensão patriarcal
renovadora
Liderança com traços
carismáticos mitigados
Fraca presença, ou
eventual ausência, da
dimensão liderança
carismática moderada
Liderança com traços
carismáticos mitigados
Fraca presença, ou
eventual ausência, da
dimensão liderança
carismática moderada
Quadro 5(2): Variações internas do tipo-base equiparativo-adaptador (Fonte: Alves, 2002, p.11).
42
Segundo Alves (2004c), o tipo-base do Modelo procura “aproximar-se da realidade
prática, uma vez que não subestima a importância da tradição, mas a renova; não repudia a
liderança carismática, mas a acolhe mitigada; não tem a veleidade do desprezo pela
burocracia, mas a flexibiliza” (p. 67).
2.2.4.2 O tipo ordenativo-conservador
Um outro tipo estrutural é o OMR ordenativo-conservador; caracterizado pela
combinação de componentes que definem uma burocracia rígida e uma gestão patriarcal
conservadora, na qual o patriarca pouco exerce seu livre arbítrio.
Uma organização com estrutura ordenativo-conservadora pode ser reconhecida por sua
resistência à mudança, restrição à autonomia criativa, pouca liberdade para inovar e pela
profusão de regulamentos e práticas tradicionais. Diante desse perfil, é possível que essa
organização enfrente dificuldades para funcionar satisfatoriamente em um ambiente
complexo, dinâmico e competitivo (ALVES, 2003).
No entanto, esse tipo estrutural pode mostrar-se adequado a uma organização diante de
um estado de desordem, de falta de comando ou de imobilismo pela inexistência de diretrizes
e regras claras, e atuando em meio a demandas externas simples, homogêneas e estáveis.
Um outro aspecto desse tipo estrutural é certa predominância do sistema-organização
em relação à ação dos indivíduos. O agente correspondente a essa estrutura é o AMR
conservador.
Sujeito a variações internas, o tipo ordenativo-conservador pode apresentar duas
configurações estruturais derivadas: o subtipo patriarcal-conservador e o subtipo burocrático-
rígido. O quadro 6(2) ilustra essas variações.
Tipo ordenativo-
conservador (situação
original)
Subtipo patriarcal-
conservativo
Subtipo burocrático-rígido
43
Burocracia rígida Minimização da presença e da
intensidade de componentes
burocráticos (burocracia
incipiente)
Burocracia rígida
Patriarcado conservador Patriarcado conservador Minimização da presença de
componentes patriarcais
Liderança
descarismatizada
Minimização da liderança
carismática
Ausência de liderança
carismática
Quadro 6(2): Variações do tipo ordenativo-conservador (Fonte: Alves, 2003, p.208).
2.2.4.3 O tipo liberativo-transformador
O tipo agora tratado é uma configuração organizacional administrativa resultante da
combinação de componentes do patriarcado reformista e da liderança carismática, sendo, por
conseguinte, uma estrutura que enfatiza a mudança, a flexibilidade, a originalidade e a
inovação:
Este tipo de organização acolhe fracamente componentes burocráticos, ou
seja tem uma baixa intensidade em relação ao seu tipo ideal. Entretanto, ela
possui certo vel de eficiência, adequando os meios e recursos aos seus
objetivos, isto é, ao lado de ingredientes tradicionais e afetivos existe certo
grau de racionalidade instrumental para possibilitar a sua sobrevivência e
crescimento (ALVES, 2003, p. 223).
O seu agente típico é o AMR transformador, e a ação do agente tem certa primazia
sobre o sistema-organização.
Apesar de ocorrer com maior freqüência nos períodos iniciais das organizações, a
estrutura liberativo-transformadora pode se manifestar também mediante graves ameaças,
momentos de crise aguda e situações de profundo inconformismo com a situação vigente.
Nesse cenário, a figura do AMR transformador é ressaltada e valorizada.
Dependendo da principal base sobre a qual se desenvolve a ação do AMR
transformador, a configuração organizacional liberativo-transformadora pode apresentar
variações internas que resultam em dois subtipos: o patriarcal-reformista e o centrado em um
líder com traços carismáticos.
44
Seguem, no quadro 7(2), de forma resumida, as possíveis variações internas do tipo
liberativo-transformador:
Tipo liberativo-
transformador (situação
original)
Subtipo patriarcal-reformista Subtipo centrado em um líder
Burocracia incipiente
Burocracia incipiente Burocracia incipiente
Tipo liberativo-
transformador (situação
original)
Subtipo patriarcal-reformista Subtipo centrado em um líder
Liderança com traços
carismáticos
Minimização da dimensão
liderança com traços
carismáticos
Liderança com traços
carismáticos
Gestão patriarcal reformista
Gestão patriarcal reformista Minimização da dimensão
patriarcal reformista
Quadro 7(2): Variações internas do tipo liberativo-transformador (Fonte: Alves 2003, p. 230).
Nos tipos de estruturas que surgem a partir do modelo multidimensional-reflexivo,
observa-se um processo de organização-interações-reordenamento, resultante das transações
da organização com o seu ambiente externo, das inter-relações entre agentes, e entre estes e a
estrutura organizacional. Nesse processo, qualquer um dos tipos, ao suceder um outro, não o
elimina totalmente, mas o absorve parcialmente em si, permutando-se alguns elementos de
um para o outro, em um mecanismo contínuo de transformação.
Em outras palavras, uma “nova” configuração estrutural não substituirá totalmente a
anterior, a menos que se aproprie de algumas de suas características originais. Não ocorre,
portanto, obrigatoriamente, uma evolução seqüencial a ser seguida, nem uma hierarquia
previamente estabelecida de ascensão de um tipo inferior para um outro superior.
Para fins de análise organizacional, o modelo de Alves (2003) estabelece os seguintes
indicadores, ilustrados a seguir:
45
Figura 1(2): Indicadores para fins de análise organizacional (Fonte: Alves, 2003, p. 149).
A cada um desses indicadores corresponde um conjunto de variáveis, abaixo
explicitados:
Características estruturais e dispositivos de coordenação Natureza da
organização, tamanho da organização, mecanismos integradores, processos organizacionais,
articulação intersetorial.
Características
estruturais e
dispositivos de
coordenação
Sistema
técnico-operacional
Organização
Empresarial
Características do
agente e
relacionamentos
internos
Ambiente Externo
46
Características do agente e relacionamentos internos Caráter do agente,
abordagem do tempo, atuação dos agentes, sucessão dos dirigentes, disponibilidade para
mudanças, relações internas e quadro de pessoal.
Sistema técnico-operacional Natureza das tarefas, fluxo de atividades,
tecnologia prevalecente.
Ambiente externo Ambiente econômico, ambiente institucional, relações
interorganizacionais.
Finalmente, Alves (2004c) identifica situações excepcionais que escapam a uma
análise sistemática baseada no modelo proposto:
a antinomia burocracia-carisma caso ocorresse a total ausência da dimensão
patriarcal e a maximização da presença e da intensidade dos componentes das dimensões
burocráticas e carismática até os limites de seus tipos puros correspondentes, “ter-se-ia uma
situação de antagonismos que extrapolaria o escopo de análise do modelo, posto que, se
existisse na prática, representaria uma profunda instabilidade estrutural [...]” (ALVES, 2004c,
p. 66);
o retorno aos tipos ideais seria uma situação em que os três elementos
constituintes do tipo-base se fortaleceriam a ponto de aproximarem-se de seus respectivos
conceitos-limites, ocorrendo uma situação que o se observa na realidade organizacional, e
cuja análise, portanto, extrapola os propósitos do Modelo;
a ausência de componentes burocráticos —– caracteriza-se por um quadro de total
inadequação meio-fim ou de absoluta ineficiência administrativa, o que significaria uma
insuperável incompatibilidade com a noção de empreendimento econômico, implicando um
fenômeno fora do alcance de aplicação do Modelo;
47
o confronto radical conservação-mudança situação resultante de um estado
interativo das forças mantenedoras da tradição e das forças promotoras da mudança, que se
anulariam reciprocamente, impedindo o funcionamento regular da organização;
um “conjunto vazio” situação em que as três dimensões se enfraqueceriam a
ponto de se descaracterizarem em relação aos seus tipos ideais correspondentes, tornando-se
praticamente ausentes; assim, a configuração-base do Modelo tenderia para um conjunto
vazio”.
A próxima seção trata do tema organizações hospitalares, focando em sua evolução
histórica, propriedades e características gerais.
2.3 A organização hospitalar: uma abordagem teórica
Nesta seção apresentam-se as organizações hospitalares, com foco em sua evolução
histórica, propriedades e características, e em seguida abordam-se os hospitais de ensino,
pontuando suas principais especificidades.
2.3.1 A evolução histórica do hospital
A origem do hospital como organização remonta a 400 d.C., quando da fundação dos
primeiros hospitais na Itália (MIRSHQWA, 1994). Segundo Gonçalves (1983), a palavra
hospital vem do latim hospitium que significa lugar onde se hospedam pessoas.
Inicialmente, os hospitais eram locais onde se exercia caridade para com pobres, mulheres
desamparadas, idosos e pessoas com doenças crônicas, enquanto os doentes com melhor
situação financeira tinham assistência em domicílio e a sua relação com o médico não
dependia da organização hospitalar.
48
Até meados do século XVIII, quase ninguém saia do hospital com vida. Ingressava-se
nessas instituições para morrer: a técnica médica dessa época não permitia ao indivíduo
hospitalizado abandonar a instituição com vida. O hospital era um claustro para morrer; era,
como se dizia na época, um “mouroir”:
O personagem ideal do hospital, até o século XVIII, o é o doente que é
preciso curar, mas o pobre que está morrendo. E alguém que deve ser
assistido material e espiritualmente, alguém a quem se deve dar os últimos
cuidados e o último sacramento. Esta é a função essencial do hospital. Dizia-
se correntemente, nesta época, que o hospital era um morredouro, um lugar
onde morrer. E o pessoal hospitalar não era fundamentalmente destinado a
realizar a cura do doente, mas a conseguir sua própria salvação. Era um
pessoal caritativo religioso ou leigo que estava no hospital para fazer
uma obra de caridade que lhe assegurasse a salvação eterna. Assegurava-se,
portanto, a salvação da alma do pobre no momento da morte e a salvação do
pessoal hospitalar que cuidava dos pobres (FOUCAULT, 1979, p.59).
Até aqui não havia o imbricamento entre hospital e medicina — eram entidades
independentes. Segundo Foucault (1979), alguns fatores contribuíram para o hospital ser
medicalizado e a medicina tornar-se hospitalar.
O primeiro fator da transformação não foi a busca de uma ação positiva do hospital
sobre o doente ou a doença, mas simplesmente a anulação dos efeitos negativos do hospital.
Não se procurou primeiramente medicalizar o hospital, mas purificá-lo dos efeitos nocivos, da
desordem que ele acarretava: as doenças que ele podia suscitar nas pessoas internadas e as que
podiam se espalhar na cidade em que estava situado, como também a desordem
econômico−social de que ele era foco.
Somente com a introdução dos mecanismos disciplinares no espaço confuso do
hospital é que foi possível sua medicalização:
Não foi a partir de uma técnica médica que o hospital marítimo e militar foi
reordenado, mas, essencialmente, a partir de uma tecnologia que pode ser
chamada política: a disciplina. A disciplina é uma técnica de exercício de
poder que foi, não inteiramente inventada, mas elaborada em seus princípios
fundamentais durante o século XVIII (FOUCAULT, 1979, p.61).
As razões econômicas, o preço atribuído ao indivíduo, o desejo de evitar as epidemias
são aspectos que explicam o esquadrinhamento disciplinar a que foram submetidos os
49
hospitais. Entretanto, é preciso esclarecer que foi necessária uma transformação no saber
médico para que essa disciplina viesse a se tornar técnica e que o poder disciplinar fosse
confiado ao médico: “a formação de uma medicina hospitalar deve-se, por um lado, à
disciplinarização do espaço hospitalar, e, por outro, transformação, nesta época, do saber e da
prática médicas” (FOUCAULT, 1979, p.62).
Para Foucault (1979), ao se considerar a hipótese do duplo nascimento do hospital pela
técnica de poder disciplinar e pela técnica médica de intervenção sobre o meio, podem ser
compreendidas várias características que ele possui:
1) A preocupação com o ajuste da localização do hospital ao esquadrinhamento
sanitário da cidade e com a distribuição interna de seu espaço: a arquitetura hospitalar passou
a ser concebida como um instrumento de cura de mesmo status que um regime alimentar ou
um gesto médico. Dessa forma, o espaço hospitalar foi medicalizado em sua função e em seus
efeitos.
2) O sistema de poder no interior do hospital: até meados do século XVIII, quem
detinha o poder era o pessoal religioso, destinado a assegurar a vida cotidiana do hospital, a
salvação e a assistência alimentar das pessoas internadas. O médico era chamado para os mais
doentes, e era visto mais como uma justificação do que como uma ação real; estava sob a
dependência administrativa do pessoal religioso, que podia inclusive demiti-lo. Na medida em
que o hospital passa a ser um instrumento de cura e a distribuição do espaço tornar-se um
instrumento terapêutico, o médico torna-se o principal responsável pela organização
hospitalar.
3) Organização de um sistema de registro permanente e exaustivo do que acontece:
constitui-se, assim, um campo documental no interior do hospital que não é somente um lugar
de cura, mas também de registro, acúmulo e formação de saber:
É então que o saber médico que, até o início do século XVIII, estava
localizado nos livros, em uma espécie de jurisprudência médica encontrada
50
nos grandes tratados clássicos da medicina, começa a ter seu lugar, não mais
no livro, mas no hospital; não mais no que foi escrito e impresso, mas no que
é quotidianamente registrado na tradição viva, ativa e atual que é o hospital
(FOUCAULT, 1979, p. 64).
No Brasil, as Santas Casa de Misericórdia representaram, durante os quatro primeiros
séculos de nossa história, o único local que se dispunha a receber os doentes, qualquer que
fosse sua condição. Apenas no século XIX surgiram os primeiros hospitais, em sua grande
maioria organizados por congregações religiosas femininas ou por iniciativa de colônias
estrangeiras, principalmente portugueses, espanhóis, alemães, japoneses (LIMA-
GONÇALVES, 2002).
No século XX, as fronteiras do hospital ampliaram-se, passando este a servir a toda a
sociedade moderna com a prestação de atenção de saúde. Nas últimas décadas do século XX,
especialmente nos anos 90, assistiu-se a importantes mudanças na realidade dos serviços de
saúde. A supersofisticação dos procedimentos médicos, farmacológicos e tecnológicos, a
hierarquização do sistema de saúde, a constante renovação do conhecimento são fatores que
proporcionam a melhoria do atendimento da saúde da população, mas ao mesmo tempo
demandam dos hospitais esforços no sentido de continuamente adaptarem sua estrutura e seus
processos a esse cenário de mudanças (BERTUCCI e MEISTER, 2003).
Na atualidade, Lopes (2005) descreve com bastante propriedade a rede de atenção
hospitalar brasileira como bastante heterogênea, do ponto de vista da incorporação
tecnológica, com grande concentração de recursos e pessoal em complexos hospitalares de
médio e grande porte, em contraste com um desequilíbrio regional. Podem ser encontrados
hospitais equiparados aos melhores do mundo, de um lado, e verdadeiras fábricas de
cadáveres, à semelhança dos hospitais em seus primórdios, de outro (LUSSARI e SCHMIDT,
2003).
Ainda de acordo com Lopes (2005), o segmento hospitalar brasileiro vem passando
por uma crise em suas dimensões assistencial, organizacional, de ensino, financeira, política e
51
social. Esse quadro demandaria as seguintes ações: redefinição do modelo assistencial,
redesenho dos modelos organizativos, reforma do modelo de gestão, reconstrução do
relacionamento com o SUS, reorientação do ensino e da pesquisa, revisão dos mecanismos de
financiamento.
Na próxima seção, apresentam-se os principais conceitos e aspectos que caracterizam
as organizações hospitalares.
2.3.2 Conceitos e Características das Organizações Hospitalares
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), hospital é parte integrante de um
sistema coordenado de saúde, cuja função é dispensar à comunidade completa assistência à
saúde preventiva e curativa, incluindo serviços extensivos à família, em seu domicílio e ainda
em centro de formação para os que trabalham no campo da saúde e para as pesquisas
biossociais.
MÉDICI e MARQUES (1996 apud ABBAS, 2001) destacam que as organizações
hospitalares possuem peculiaridades que são perfeitamente compreendidas quando se
considera que o indivíduo, ao procurar a assistência médica, não o faz por livre vontade, mas
sim por necessidade, isto é, por circunstâncias alheias ao seu desejo. Ao ingressar num serviço
de saúde, o indivíduo não sabe que tipo de intervenção irá sofrer ou que tipo exame ou
medicamento irá consumir. Em assim sendo, não raro o paciente torna-se objeto de uma
relação dominada por um sujeito (ou grupo) de cuja expertise sua saúde ou cura depende.
O hospital apresenta características próprias que o distinguem das demais
organizações. Além das atividades médicas, existem pelo menos quatro outras atividades
desenvolvidas pela organização hospitalar: um hotel, uma farmácia, uma lavanderia e um
restaurante. Cada uma complexa o bastante para ser uma organização independente, mas que,
52
no entanto, são complementares.
Outra característica marcante do hospital é o fato de que ele possui um caráter social e,
em alguns casos, filantrópico, com um aspecto de responsabilidade mais amplo e complexo
do que as organizações tradicionais (comerciais e industriais). Fatores legais e políticos
também se fazem sentir na organização hospitalar com mais intensidade do que nas demais.
No Brasil, por exemplo, por força da Constituição Brasileira, todo indivíduo tem
direito à assistência médica e hospitalar necessárias. Assim, o hospital tem a obrigação legal
de atender a todos os pacientes que precisarem, mesmo que não possam pagar pelos seus
serviços, fato que não costuma ocorrer com outros tipos de organizações prestadoras de
serviços.
É bem provável que, dentre as organizações contemporâneas, nenhuma seja mais
complexa do que o hospital, cuja missão principal é receber o ser humano doente ou ferido e
cuidar dele de modo a restaurá-lo ao normal, ou ao mais próximo possível. E mais, o
cumprimento dessa missão não é algo tido como certo; sim o desejo de que os tratamentos
e terapêuticas restaurem a saúde do paciente, mas isso nem sempre acontece como se espera.
Mintzberg (1997) retrata tal complexidade descrevendo que é possível encontrar no
hospital quatro mundos diferentes, que reproduzem quatro modos de organização com
diferentes conjuntos de sentimentos, emoções, percepções, pensamentos. Esse quatro mundos
são denominados de: cuidado (care), cura (cure), controle (control) e comunidade
(community). Mundos representados, respectivamente, pelos enfermeiros, pelos médicos,
pelos administradores hospitalares e pela entidade mantenedora, cada um desses tendendo a
ver o hospital de um ângulo ligeiramente diferente.
Os enfermeiros organizam-se ao redor do fluxo de trabalho de cuidados contínuos, e
sua responsabilidade principal é coordenar o trabalho de um grupo de especialistas que
convergem para um simples e único lugar: o paciente em seu leito. Os médicos organizam-se
53
em especialidades médicas (profissionais) e formam o que popularmente se denomina
“castelos" ou "feudos". Disso tem-se que, enquanto o trabalho dos enfermeiros é de cuidados
contínuos, o trabalho dos médicos é de cura intermitente.
Os gerentes organizam-se conforme a hierarquia administrativa, e sua
responsabilidade central, especialmente nos tempos atuais, é alocar e restringir o uso de
recursos. A comunidade, por sua vez, organiza-se de diversas formas, mas o mais evidente
(além do grupo de voluntários) é o quadro de diretores, os quais formalmente superintendem
as atividades hospitalares para assegurar o cumprimento dos objetivos dessa organização
(MINTZBERG, 1997).
A figura 2(2), abaixo, ilustra a existência desses quatro mundos e reforça a constatação
de que um hospital é um tipo diferenciado de organização, caracterizada por uma estrutura
complexa sobre a qual as ações e as interações entre os vários agentes têm ascendência
significativa.
Figura 2(2): Os diferentes mundos do hospital (Fonte: Mintzberg, 1997, p.10).
Colaboração
interior exterior
Cura
(médicos)
Cuidados
(enfermeiros)
Para baixo
Para cima
Controle
(administradores
hosp
i
talares)
Comunidade
(entidade
mantenedora)
54
A área de colaboração no centro da figura acima é descrita por Mintzberg (1997) como
o espaço de intersecção dos quatro mundos, e por isso mesmo é também onde problemas e
conflitos acontecem.
A complexidade representada por esses quatro mundos é resultado das principais
características das organizações hospitalares: trabalho com vida humana; dificuldade de
definir e mensurar os resultados; o trabalho desenvolvido extremamente variável, de natureza
emergencial e com pouca margem para a ambigüidade e o erro; as atividades dos membros da
organização extremamente profissionalizadas e, por isso, geralmente mais leais à profissão do
que à organização; a existência de uma dupla linha de autoridade que gera conflitos de
coordenação e de responsabilidades.
Com uma visão em muitos aspectos semelhante dos autores até aqui citados, Cecílio
(2002) caracteriza a complexidade das organizações hospitalares a partir de uma lista do que
denominou “pares de opostos”, uma espécie de antinomias imanentes à vida do hospital.
Esses pares tentam dar a idéia que esses opostos não se anulam; ao contrário, configuram
situações mais do tipo “isso e aquilo” do que “isso ou aquilo”:
modelo hospitalocêntrico versus “sistema de saúde” organizado em uma
“pirâmide” de serviços de complexidade crescente;
autonomia do médico versus a necessidade de coordenação da direção do hospital;
monopólio médico do diagnóstico e da terapêutica versus fragmentação crescente
dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos;
qualidade como excelência profissional individual versus avaliação institucional
formal da assistência prestada;
medicina estratégica centrada em procedimentos versus atenção centrada no
paciente;
55
trabalho multiprofissional e em equipe versus hierarquia do poder intra e
intercorporações profissionais;
ênfase nas atividades de assistência versus ênfase nas atividades de docência e
pesquisa (hospitais universitários);
ênfase na eficiência versus ênfase na eficácia/efetividade;
organização formal versus organização informal.
Nesses pares de opostos estaria a explicação para a sui generis configuração estrutural
das organizações hospitalares.
Carapinheiro (1997) destaca que o hospital, embora apresente traços salientes de uma
organização burocrática, também difere em muitos aspectos desse tipo-ideal. Salienta-se, por
exemplo, um traço bastante específico das organizações hospitalares: o poder e a autonomia
que alguns profissionais detêm, em especial os médicos, apesar da existência de uma estrutura
administrativa burocrática, e que resulta, pois na existência de um sistema dual de autoridades
(MINTZBERG, 2003).
Johnson e Schulz (1979) também entendem que as estruturas organizacionais
tradicionais formais, representadas nos organogramas e característica das organizações
burocráticas, com o controle e poder da autoridade centrados no topo da organização não
são compatíveis com a lógica de funcionamento dos hospitais, visto que não permitem uma
compreensão mais ampliada dos relacionamentos e das influências presentes nesse tipo de
organização, não os descrevendo de forma adequada.
Mintzberg (2003), em sua tipologia, enquadra os hospitais como burocracias
profissionais, voltadas à realização de trabalho complexo e estável, demandando que o mesmo
seja realizado e controlado por profissionais e possibilitando o aperfeiçoamento das
habilidades dos profissionais através de programas operacionais padronizados.
56
A burocracia profissional se apresenta como um tipo organizacional que utiliza a
padronização de habilidades para garantir a coordenação das atividades na organização e que
depende de habilidades e conhecimentos de seus funcionários operacionais para produzir
serviços padronizados.
Nesse tipo de estrutura, o núcleo operacional ocupa um lugar de grande importância e
influencia fortemente o funcionamento de toda a organização. Isso ocorre devido à presença
de profissionais bem treinados e doutrinados (médicos, enfermeiros, nutricionistas, entre
outros), os quais têm espaço para controlar seus próprios trabalhos.
Mintzberg (2003) considera ainda esse tipo de organização como sendo democrática
no que se refere à divisão do trabalho, pelo menos no nível operacional, visto que esses
profissionais não controlam seu trabalho como também têm a chance de buscar o controle
coletivo sobre as decisões que os afetam. Em contrapartida, nota-se que, à medida que os
mesmos exercem esse controle, eles tendem a se afastar de seus colegas e aproximar-se mais
dos clientes aos quais servem.
O trabalho executado nas burocracias profissionais é essencialmente padronizado não
em termos do produto final, mas em relação ao processo por meio do qual ele é executado.
Esses padrões são, em sua grande maioria, oriundos de fora da estrutura, gerados em
associações e conselhos de classes profissionais: ambientes onde os profissionais se juntam
aos seus pares. Tais entidades procuram também estabelecer esses padrões em consonância
com o que está sendo ensinado nas universidades e utilizado pelos grupos profissionais.
Esse tipo estrutural é também conhecido pelo alto grau de descentralização tanto
vertical como horizontalmente. O profissional é quem detém o planejamento e controle de sua
atividade (controle vertical), sendo especializado em termos de sua execução (por áreas de
especialidade médica).
57
Contrariamente ao que se passa em outros tipos de configuração, em que a autoridade
do staff (por exemplo, engenheiro de organização e métodos, analista de sistemas, especialista
de marketing) é limitada ao sistema técnico e organizacional de trabalho, na burocracia
profissional a autoridade dos especialistas (por exemplo, médicos, enfermeiros, técnicos em
diagnóstico e terapêutica) sobrepõe-se à autoridade administrativa, na medida em que eles têm
o controle efetivo das atividades-fins da organização (por exemplo, tratar e curar os doentes).
A descentralização horizontal e vertical desloca os eixos de poder para o nível operativo.
Ainda sobre as burocracias profissionais, nela os gestores encarregam-se das
atividades-meio, ou seja, administram os recursos (humanos, técnicos e financeiros) postos ao
serviço das atividades-fim, que são realizadas pelos especialistas ou profissionais. A
tecnoestrutura existente geralmente não consegue coordenar diretamente os trabalhos
executados nesse nível, não apenas porque ele é complexo, mas porque requer a autonomia do
saber dominado por eles.
Outro traço marcante desta configuração é sua ênfase no poder da perícia (expertise),
do conhecimento, ou seja, a autoridade é de natureza profissional. A autoridade tem sua fonte
na habilidade dos profissionais na execução de suas tarefas. Além disso, como o controle
sobre o trabalho está com os profissionais que o exercem (visto que cada um trabalha
diretamente com seus pacientes e está sujeito apenas a supervisão exercida por seus pares), a
conseqüência é que os resultados dos processos de trabalho também não são possíveis de ser
facilmente mensurados, ficando claro que esse tipo de configuração não está baseado em
formas rígidas de controle e planejamento, tornando difícil qualquer tentativa de padronização
pelo aparato administrativo da organização.
Corroborando essa descrição das organizações profissionais, Graça (1996) explica que
nos hospitais a autonomia técnica de alguns trabalhadores, em especial dos médicos, tende a
entrar em conflito com o sistema de autoridade hierárquica do hospital. Nestas organizações, é
58
o médico e não o gestor quem decide "o que é melhor para o doente", o que significa que
aqui claramente duas linhas de autoridade, pondo em prova a lógica do modelo burocrático
weberiano: (1) a autoridade administrativa e (2) a autoridade profissional.
O funcionário obedece a ordens impessoais (isto é, à autoridade racional-
legal), o médico tende a decidir muitas vezes de acordo, não com regras
explícitas e escritas, mas com os imperativos do seu código de exercício
profissional, com as exigências da sua profissão, com critérios de natureza
técnico-científica e sobretudo com a sua consciência, quando muito podendo
ser julgado pelos seus pares [....] (p.85).
Em sendo assim, os melhores resultados que a organização hospitalar pode alcançar
dependem da harmonização entre essas duas estruturas: técnica e administrativa. Ou ainda de
acordo com Martins (2003):
Os hospitais e as clínicas médicas não podem funcionar eficazmente caso
não haja algum tipo de solidariedade entre médicos, enfermeiras,
funcionários e familiares em tono do sofrimento do doente, espelhando em
cada personagem envolvido a proximidade inexorável da morte e da finitude
(p. 75).
Considerando todos os aspectos aqui apresentados concernentes às organizações
hospitalares, torna-se plausível a seguinte afirmação de Mintzberg (1997): “tenho a
significativa suspeita de que administrar a mais complicada corporação deve ser quase
brincadeira de criança quando comparada à administração de qualquer hospital” (p.16).
Do ponto de vista financeiro, hospitais, sejam eles públicos ou privados, têm
exigências tais como: altos investimentos com gastos salariais; instalações maiores e mais
sofisticadas, tornando necessários equipamentos mais caros com custos operacionais mais
elevados; variedade de serviços disponíveis, oferecendo mais serviços aos pacientes; preços
dos insumos como materiais e medicamentos (GRECH, 2002).
Carapinheiro (1997) tem o mérito de oferecer ângulos ampliados para “observar” o
hospital, e o principal deles conta de que ainda que o hospital produza em qualquer
sociedade o mesmo impacto nas experiências humanas de viver a doença, no entanto retira
sempre da especificidade de cada uma delas a sua relativa singularidade.
59
No que se refere ao inter-relacionamento entre o hospital e as políticas de saúde,
Carapinheiro (1997) mostra que:
[...] todas as medidas políticas que mexem nas carreiras profissionais
hospitalares ou nas condições materiais e técnicas que envolvem o
desempenho das práticas médicas ou que produzem alterações na gestão dos
hospitais, são sempre interpretadas pelos analistas como sinais prévios de
mudança da relação de forças dos protagonistas das políticas de saúde.
Conhecendo-se as articulações íntimas que as políticas de saúde mantêm
com as restantes políticas setoriais, então o hospital adapta-se
constantemente às novas necessidades decorrentes da evolução do lugar da
saúde no contexto sócio-econômico mais vasto (p.22).
Avançando ainda mais nessa percepção acerca dos hospitais, concorda-se com essa
autora quando ela admite que as orientações políticas gerais e as relações de força entre os
grupos detentores das principais formas de poder social repercutem e se traduzem nos
hospitais, especialmente nas escolhas políticas e na configuração de poder dessas
organizações.
No entanto, não se trata de fazer do hospital um lugar que copia mecanicamente,
mimeticamente essas orientações:
Retém e usa, segundo uma lógica organizacional que lhe é específica, um
sistema próprio de normas e valores, embora decalcado do modelo geral das
normas e valores sociais. Adapta-se às mudanças políticas e econômicas,
mas conserva uma importante margem de definição e tomada de decisões
sobre políticas médicas e hospitalares particulares (CARAPINHEIRO, 1997,
p. 23).
A existência dessa lógica organizacional específica é necessária para manutenção das
funções do hospital, quais sejam: a prestação de atendimento médico e complementar aos
doentes em regime de internação; o desenvolvimento, sempre que possível, de atividades de
prevenção; a participação em programas de natureza comunitária; e a integração ativa no
sistema de saúde (GONÇALVES, 1983).
Todas essas funções caminham em direção à preocupação precípua de prestar
assistência às necessidades do paciente, devendo-se para tanto atentar para as diversas
dimensões que envolvem esse paciente: dimensões biológicas, psicológicas, sociais,
60
ambientais, culturais e temporais, visto que afetam o comportamento do paciente em relação à
doença e ao tratamento (JOHNSON e SCHULZ, 1979).
Pode parecer redundante explicitar que a função primária de um hospital é o cuidado
ao paciente; entretanto, no passado, poucos hospitais tinham efetivamente seu foco no
paciente a grande maioria tinha seus serviços e cuidados centrados no profissional e não
necessariamente no paciente (GRECH, 2002).
Alinhar todas as definições e aspectos até aqui apresentadas sobre as organizações
hospitalares seria tarefa inócua. Entretanto, cada uma delas ajuda na construção de um tipo
ideal para o hospital, com as seguintes características: adequado ao perfil epidemiológico da
sua área de abrangência; inserido em uma rede de serviços de saúde; humanizado;
descentralizado em sua gestão; autônomo gerencialmente; administrado de modo profissional;
prestador de serviços públicos com responsabilidade social; capaz de incorporar tecnologias,
baseado em critérios racionais; prestador de serviços de qualidade.
Apesar de os hospitais, em suas características gerais, serem semelhantes, alguns
apresentam peculiaridades que os fazem singulares frente aos demais. Podem diferenciar-se
quanto às características de propriedade (público federais, estaduais e municipais e privados)
ou ainda quanto à finalidade principal (beneficentes, lucrativos, de ensino, de pesquisa, entre
outros). Nesse sentido, a seguir serão caracterizados os hospitais universitários, com suas
principais especificidades.
2.4 Os Hospitais Universitários
61
Nesta seção, os termos hospital de ensino (HE) e hospital universitário (HU) serão
utilizados indistintamente, ambos se referindo aos hospitais-escola que pertencem às
universidades.
Segundo Médici (2001), os hospitais de ensino são tão antigos quando o conceito de
saúde que surgiu com o renascimento. Mas somente no início do século XX, com a medicina
flexneriana, que tinha como base o mecanicismo, o biologismo, o individualismo, a ênfase na
medicina curativa, a tecnificação do ato médico e seu impacto no aumento da especialização,
é que se tornou quase obrigatório o vínculo e a dependências dessas instituições junto as
Faculdades de Medicina.
Até os anos 70, os hospitais universitários, em sua grande maioria, funcionavam como
instituições distantes do perfil epidemiológico das populações e eram dominados por
interesses de médicos especialistas. Entretanto, algumas mudanças no campo da saúde
trouxeram novo horizonte a eles: a visão da atenção primária associada à democratização da
saúde; técnicas de prevenção reconhecidas como redutoras de custos dos sistemas de saúde; a
multidisciplinaridade crescente da atenção a saúde.
Puzin (1996) define um hospital de ensino (HE) como um centro de atenção médica de
alta complexidade que:
(a) tem importante papel no atendimento médico de nível terciário; (b)
apresenta forte envolvimento em atividades de ensino e pesquisa relacionada
ao tipo de atendimento médico que dispensa; (c) atrai alta concentração de
recursos físicos, humanos e financeiros em saúde; (d) exerce um papel
político importante na comunidade que está inserido (p.9).
O Ministério da Educação (MEC) corrobora essa definição e apresenta os HU`s como
unidades de saúde que são as únicas, em algumas regiões do país, capazes de prestarem
serviços altamente especializados, com qualidade e tecnologia de ponta à população; além de
garantirem o suporte cnico necessário aos programas mantidos por diversos Centros de
62
Referência Estaduais ou Regionais e à gestão de sistemas de saúde pública, de alta
complexidade e de elevados riscos e custos operacionais (BRASIL, 2006a).
De modo geral, existem algumas características comuns a esse tipo de hospital. Eles
complementam o ensino acadêmico em várias áreas do conhecimento; são, em especial,
importantes centros de formação de pessoas e de desenvolvimento de tecnologia para a área
de saúde. Aproximadamente 86% da carga horária dos estágios práticos dos cursos médicos
se desenvolvem dentro de hospitais universitários; durante quase toda a fase de formação
clínica, incluindo a de internato, os alunos são treinados dentro desses hospitais (CAMPOS,
1999).
Assim, eles provêm sustentação ao ensino e à pesquisa, visto que: são locais de
treinamento prático; têm compromisso com o aprendizado e a assistência e com a
responsabilidade do ensino sob supervisão; estão voltados à qualificação técnica e à produção
do conhecimento.
Destacam-se, então, três funções principais desempenhadas pelos HU’s: pesquisa,
ensino e assistência; funções não excludentes, mas que por vezes concorrem entre si.
Concorda-se então com Mintzberg (1997), quando afirma que os hospitais de ensino, em
geral, vivem em guerra consigo mesmo, posto que essas três principais forças atendimento
ao paciente em geral, serviço a uma comunidade em particular e o status de pesquisa em uma
universidade — travam um conflito na dinâmica interna dessas organizações.
Essas mesmas funções conflituosas, no entanto, são responsáveis por conferir aos
hospitais universitários dinâmica, características e compromissos diferenciados. Carapinheiro
(1997) confirma essa singularidade e alerta que um hospital ao acolher a Faculdade de
Medicina ou uma Universidade, compromete-se a garantir a articulação da função assistencial
com a função de ensino, tornando-se dessa forma mais vulnerável às pressões internas e
externas.
63
“O gigantismo”, “a dissolução do espírito de corpo”, “a força centrífuga dos serviços
e “a distorção de fins” (FERREIRA 1985a, 1964 apud CARAPINHEIRO 1997) são perigos
enfrentados por esse tipo de hospital e conferem maior complexidade para administrá-los e
dirigi-los.
O primeiro perigo refere-se a um efeito decorrente da acumulação excessiva de meios
materiais e da multiplicação injustificada de serviços; o segundo trata-se de uma conseqüência
do envolvimento do hospital nas teias do poder político e econômico.
Entre um e outro dos perigos a tentação de os serviços hospitalares se isolarem,
autonomizarem-se e subverterem os fins prioritários da instituição. Assim, “a tendência para a
automação dos serviços era encarada como a fragmentação de um corpo que se considerava
incindível” [...] (CARAPINHEIRO, 1997, p.33), o que se torna presente quando se considera
o hospital como um amontoado de serviços e não como um todo.
A distorção dos fins aparece na hipertrofia dos objetivos de ensino e de investigação
face aos objetivos assistenciais, ou na rejeição das funções preventiva e recuperadora na
consagração da função curativa:
Repetidamente, no discurso dos dirigentes hospitalares, quer dos hospitais
escolares quer dos hospitais não escolares, insiste-se no princípio de que o
hospital escolar é antes de tudo um hospital e só depois é escolar, na recusa e
simultaneamente na denúncia implícita da sua posição privilegiada na
estrutura hospitalar (CARAPINHEIRO, 1997, p.33).
O parágrafo acima traz a percepção de haver uma disputa de prioridades entre dois dos
vértices que compõem a missão dos HU´s: o ensino e a assistência. Sobre essa disputa,
Mintzberg (1997) reforça que os hospitais existem para o cuidado de pacientes, e nós cidadãos
de uma comunidade local não temos escolha, mas apenas depender desta organização para o
cuidado de nossa saúde. Assim “pesquisa é importante, é status internacional, pode ser
relevante, mas como cidadãos, nós temos que assegurar primeiramente que nossas instituições
locais nos sirvam antes de servir ao mundo” (p.12).
64
Dessa forma, as funções dos HU´s tendem a suscitar visões diferentes sobre esses
hospitais por parte dos segmentos que os compõem e reforçam ainda mais a disputa referida
no parágrafo anterior. Não raro encontra-se dissonância parcial entre os objetivos
organizacionais e os interesses dos grupos e indivíduos que dela fazem parte, traduzidos em
diferenciados pontos de vista, como: de um lado os profissionais preocupados com condutas
terapêuticas, diagnósticos, tecnologias e medicamentos de ponta; de outro lado, aqueles cuja
função é assegurar o equilíbrio financeiro e as fontes de recursos necessárias à sobrevivência
da organização. A figura 3(2) traz alguns desses por vezes conflitantes pontos de vista:
Médico:
“Meu paciente precisa do
melhor. Não tenho nada
a ver com o ensino”.
HU
Diretor do HU:
“Precisamos de
recursos. Saúde
não tem preço,
mas tem custo”.
Reitor:
“O HU é a maior
interface da
Universidade com
a comunidade”.
Docente:
“Estou aqui
para ensinar, não
para assistir”.
Aluno:
“Queremos todas as
condições para um
ensino de qualidade
65
Uma outra característica dos HU’s é que estes o também reconhecidos como fontes
de prestígio e poder para várias classes de profissionais, e por isso estão sujeitos ao controle
de corporações de saúde, as quais podem influenciar fortemente na gestão da organização.
Esse fato “os transforma em hospitais de difícil manejo e controle social” (PUZIN, 1996, p.
155).
Os HU’s representam uma parcela importante do gasto total com saúde do país. “Ao
utilizarem alta tecnologia e envolverem ensino e pesquisa, seu peso na despesa de saúde é o
dobro de sua participação no volume de atendimento. São, portanto, hospitais caros”
(MÉDICI, 2001, p.151).
Uma das principais razões para tal quadro é que o atendimento prestado pelos
hospitais de ensino inclui atividades de pesquisa e prática clínica: enquanto a primeira prioriza
contemplação cuidadosa e ininterrupta, a segunda é intensivamente orientada, requer decisões
rápidas e por vezes urgentes. Além dessas, ainda as atividades de ensino. Em assim sendo,
o tempo de permanência do pacientes aumenta com vistas à que as práticas de ensino,
assistência e pesquisa sejam realizadas (MINTZBERG, 1997).
Figura 3(2
): A visão sobre o hospital universitário a partir dos diferentes segmentos que o
compõem (Fonte: Adaptado de Lopes, 2005).
Governo Federal:
“Os HU´s são uma
fonte de
permanente crise e
de nece
s
sidades”.
66
No Brasil, até agosto de 2004, existiam 147 instituições enquadradas como hospital de
ensino, sendo 75 públicos, entre os quais, 45 ligados diretamente ao Ministério da Educação
(BRASIL, 2006a). Os HU´s são também consideradas instituições estratégicas para o Sistema
Único de Saúde (SUS) no Brasil, na medida em que disponibilizam 39,9 mil leitos para o
mesmo, o equivalente a 10,3% dos leitos brasileiros. Também respondem por mais de 12%
das internações hospitalares e por cerca de 4,8 mil leitos de UTI da rede pública de saúde
(25,6%). Em 2003, essas unidades de saúde efetuaram 37,6% dos 386 mil procedimentos de
alta complexidade realizados no país (CHIORO, 2004).
Apesar de seu relevante papel no sistema de saúde de nosso país, essas instituições
têm vivido, ao longo dos últimos anos, uma profunda crise caracterizada por limitação
orçamentária, dificuldade de financiamento, desorganização administrativa, sucateamento de
suas instalações, dificuldade de gerenciamento, greves, entre outros (CHIORO, 2004;
ABRAHUE, 2006).
Para sanar essas dificuldades, em 2004 foi criado o Programa de Reestruturação dos
Hospitais de Ensino no âmbito do SUS, com o objetivo de definir uma nova política para os
hospitais de ensino e aprimorar essas unidades, inserindo-as no Sistema Único de Saúde e
definindo mecanismos de acompanhamento e avaliação das atividades de atenção, gestão,
ensino e pesquisa (BRASIL, 2006b).
Esse programa traz também uma mudança na forma de financiamento dos hospitais de
ensino, que passaram a receber de acordo com o cumprimento de metas firmadas como o
gestor local do SUS. Dessa forma, procura-se evitar que os hospitais priorizem procedimentos
melhor remunerados pela tabela do SUS, muitas vezes distorcendo seu perfil e deixando de
atender às necessidades assistenciais da população e do sistema de saúde local.
A implantação do Programa envolve ações não limitadas ao repasse de recursos
financeiros, mas também o aprimoramento do papel que essas instituições desempenham em
67
relação ao ensino e à pesquisa em saúde, os mecanismos de gestão hospitalar e as alterações
na forma como esses hospitais se inserem na rede do SUS (CHIORO, 2004).
Essa nova realidade tem trazido a necessidade de os HU´s reestruturarem suas
atividades, rotinas de atendimento e serviços. Aderindo ao programa, o hospital universitário
assume o compromisso de cumprir, além das metas de produção tradicionais, metas de
qualidade da assistência, ensino e gestão hospitalar, entendendo que o hospital de ensino é, no
que diz respeito à atenção à saúde, um local de referência para a formação de profissionais
dessa área. Além disso, ele é destinado ao desenvolvimento tecnológico em uma perspectiva
de inserção e integração em rede aos serviços de saúde, obedecendo a critérios de necessidade
da população (BRASIL, 2006b).
68
3 Metodologia
Vários caminhos são colocados para que a realidade seja tratada teoricamente e
empiricamente; cabe à metodologia tratar deles. Nesta perspectiva, Minayo (2004) entende
por metodologia o caminho e o instrumental próprios para abordar a realidade. Por sua vez, o
conjunto das técnicas constitui um aspecto secundário em relação à teoria, mas algo
importante enquanto cuidado metódico e de igual relevância para a operacionalização da
pesquisa.
Neste capítulo, apresentam-se os aspectos metodológicos concernentes à pesquisa: o
delineamento da pesquisa, as questões de pesquisa; as categorias de análise e suas respectivas
definições constitutivas e operacionais; a amostragem; e, finalmente, o processo de coleta de
dados, bem como técnica de análise desses.
3.1 Delineamento da pesquisa
Cada pesquisa possui um delineamento próprio, determinado pelo objeto de estudo,
pela dificuldade na obtenção de dados, pelo nível de precisão exigido e pelas limitações
próprias do pesquisador (GIL, 1987). Delineamento da pesquisa refere-se ao planejamento da
pesquisa em sua dimensão mais ampla.
Tendo em vista a abordagem que foi dada ao problema de pesquisa, classifica-se o
presente estudo como predominantemente qualitativo. Embora seja regularmente utilizada
pelos antropólogos e sociólogos, somente nos últimos trinta anos é que a pesquisa qualitativa
69
começou a ganhar um espaço reconhecido em outras áreas, como a Psicologia, a Educação e a
Administração (GODOY, 1995a).
A pesquisa assim denominada não procura enumerar e/ou medir os eventos estudados;
ela parte de questões ou focos de interesses amplos que vão se definindo na medida em que o
estudo se desenvolve. Ademais, envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas,
lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada,
procurando compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos
participantes da situação em estudo. Segundo Merriam (1998), as questões sobre processo
(como ou por que algo acontece), bem como questões de entendimento (o que aconteceu, o
que significou para os envolvidos na situação), comumente guiam a pesquisa qualitativa.
A perspectiva qualitativa adotada neste estudo justifica-se na medida em que este
trabalhou com um nível de realidade que dificilmente pode ser quantificado a análise de
uma configuração organizacional-administrativa à luz de um modelo — e que procurou
responder a questões muito particulares, específicas de um determinado contexto (MINAYO,
2004).
No desenvolvimento deste trabalho, procurou-se conservar os aspectos definidos por
Bogdan (1982 apud TRIVIÑOS, 1987) que melhor caracterizam a pesquisa qualitativa: o
ambiente natural (o HUPAA) como fonte direta dos dados e o pesquisador como instrumento-
chave; ênfase na descrição; a preocupação do pesquisador com o processo e não simplesmente
com os resultados e o produto; os dados analisados indutivamente; e a captação de
significados como preocupação essencial.
Ao descrever e analisar a configuração organizacional do HUPAA, essa pesquisa
assume o caráter analítico-descritivo. A pesquisa descritiva é, conforme Triviños (1987), uma
característica básica da pesquisa qualitativa, visto que o pesquisador busca descrever a
realidade estudada:
70
E como as descrições dos fenômenos estão impregnadas dos significados
que o ambiente lhes outorga, e como aquelas são produto de uma visão
subjetiva, rejeita toda expressão quantitativa, numérica, toda medida. Desta
maneira, a interpretação dos resultados surge como a totalidade de uma
especulação que tem como base a percepção de um fenômeno num contexto.
Por isso, não é vazia, mas coerente, lógica e consistente. Assim, os
resultados são expressos, por exemplo, em retratos (ou descrições), em
narrativas [...]. (p. 128).
Uma vez que a pesquisa cotejou um modelo teórico com base em uma realidade
concreta e, portanto, inevitavelmente exigiu desta pesquisadora uma prática de reflexão,
justifica-se então sua perspectiva analítica.
Tratou-se também de uma pesquisa seccional em que o interesse foi o estudo da atual
configuração organizacional do HUPAA (VIEIRA e ZOUAIN, 2004). E, ainda mais, este
trabalho pode ser visto também como uma pesquisa prática (DEMO, 1987): aquela que se faz
através do teste prático de possíveis idéias ou posições teóricas e que busca aproximar teoria e
prática. Este trabalho ocupa-se do teste (prático) de um modelo (teórico) para realização de
uma análise organizacional de uma determinada realidade.
Situado na frondosa árvore das metodologias qualitativas (MILES E HUBERMAN,
1994), o presente estudo classifica-se como “básico ou genérico”, uma vez que contém
características essenciais da metodologia qualitativa, mas não a ponto de enquadrá-lo em um
tipo específico, como por exemplo um estudo de caso, um estudo etnográfico ou qualquer
outra modalidade específica.
Merriam (1998) define quatro características-chave, relacionadas abaixo, que devem
estar presentes nos estudos qualitativos básicos e podem ser encontradas no presente trabalho:
1) O pesquisador está interessado em compreender quais os significados
que os participantes atribuem ao fenômeno ou situação que está sendo
estudada.
2) Busca-se compreender os significados que as pessoas constroem sobre as
experiências vividas, tendo o pesquisador como principal instrumento de
coleta e análise de dados. Para coletar os dados são feitas entrevistas,
realizadas observações ou analisados documentos.
3) O processo de condução da pesquisa é essencialmente indutivo, isto é,
o pesquisador coleta e organiza os dados com o objetivo de construir
conceitos, pressuposições ou teorias, ao invés de, dedutivamente, derivar
71
hipóteses a serem testadas. A análise indutiva dos dados leva a identificação
de padrões recorrentes, temas comuns e categorias.
4) Os resultados da pesquisa são um mix de descrição e análise uma
análise que usa conceitos do referencial teórico que estruturou o estudo. A
análise geralmente resulta na identificação de padrões recorrentes (na forma
de categorias, fatores, variáveis, tema)[...] (p.11, grifo do autor).
Esta modalidade de pesquisa tem-se tornado comum em muitas áreas do conhecimento
e campos aplicados, inclusive em Administração (GODOY, 2005).
Exposto o delineamento da metodologia, apresentam-se as questões norteadoras da
pesquisa. Na seqüência, é dada a amostragem, bem como as fontes e os instrumentos de coleta
de dados utilizados.
3.2 Questões norteadoras da pesquisa
As questões norteadoras de pesquisa têm a finalidade de orientar o pesquisador,
durante o desenvolvimento do estudo, salienta Triviños (1987). Para facilitar e sistematizar a
realização deste trabalho, no sentido de investigar quais aspectos da configuração
organizacional-administrativa do HUPAA podem ser ressaltados a partir do modelo
multidimensional-reflexivo de Alves (2003), foram formuladas as seguintes questões
norteadoras de pesquisa, alinhadas aos objetivos propostos para este trabalho:
Como se apresentam as características estruturais e dos dispositivos de
coordenação existentes na configuração organizacional-administrativa do Hospital
Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA)?
Como se caracterizam os agentes organizacionais e as interações internas no
HUPAA?
Como se apresenta o relacionamento do HUPAA com seu ambiente externo?
72
Quais as aproximações e /ou distanciamentos da organização estudada (tipo real)
em relação aos tipos e subtipos contidos no modelo de análise de Alves (2003) (tipo ideal)?
3.3 Categorias de análise
Segundo Vieira e Zouain (2004), as definições constitutivas e operacionais de termos
ou variáveis são elementos importantes para a avaliação do rigor da pesquisa qualitativa. As
primeiras comportam um certo grau de abstração, generalização e aproximação; as segundas
foram aquelas construídas com finalidade operacional, visando o trabalho de campo.
Com base no problema estabelecido para esta pesquisa, qual seja averiguar quais
aspectos da configuração organizacional-administrativa do HUPAA podem ser
ressaltados a partir do modelo multidimensional-reflexivo de Alves (2003), as categorias
de análise adotadas estão previstas no próprio modelo. Das quatro dimensões previstas pelo
OMR para fins de análise organizacional, serão privilegiadas aqui as seguintes:
1. características estruturais e dispositivos de coordenação;
2. características do agente e relacionamentos internos;
3. ambiente externo e relacionamentos interorganizacionais.
A escolha das duas primeiras procurou enfatizar o relacionamento agente-estrutura,
tentando afastar-se da tendência a se tratar os hospitais como sistemas e/ou estruturas,
minimizando o papel dos atores nessas organizações,conforme comentado na Introdução desta
dissertação.
A terceira dimensão escolhida corrobora Alves (2003): “a delimitação da organização
contemporânea pode transcender as fronteiras convencionais, quando, em sua contínua
transação com o ambiente, participa de redes interorganizacionais” (p.74). Assim,
considerando que o HUPAA articula-se com diferentes sistemas de ação (poder legislativo,
73
executivo e judiciário, proteção social, educação, ciência e tecnologia, associações
profissionais, indústria farmacêutica), em suma, com o sistema societal mais vasto de que faz
parte (Estado e sociedade civil), não seria pertinente deixar de analisar o ambiente técnico-
institucional em que essa organização encontra-se inserida.
Embora o Modelo tenha sido concebido com quatro indicadores para fins analíticos,
nada se opõe à seleção daquelas dimensões mais adequadas para a análise. De acordo com
Alves (2003), “o pesquisador arbitra critérios de análise orientados por interesses específicos
e com o propósito de enfatizar determinados aspectos que julga mais relevantes, conforme o
interesse do estudo” (p. 92).
Nesta pesquisa, optou-se por não adotar o indicador sistema operacional para análise
do HUPAA. De fato, esta dimensão refere-se especificamente ao modus operandi da
organização e sua utilização muito provavelmente implicaria em avançar no sentido de
analisar e avaliar os padrões de eficiência, eficácia e desempenho do HUPAA.
Para tal, seria necessário comparar esse Hospital em relação a outras organizações, o
que extrapolaria o objetivo definido para este trabalho. Ademais, dada a complexidade dos
hospitais universitários, não seria possível a conclusão desta pesquisa dentro do prazo
determinado.
Posto isso, seguem as categorias de análise e suas respectivas definições constitutivas
e operacionais adotadas nesta pesquisa:
Características estruturais e dispositivos de coordenação
DC: refere-se ao arranjo estrutural que decorre da combinação dos seguintes aspectos:
natureza e tamanho da organização, mecanismos integradores, processos
organizacionais e articulação intersetorial (ALVES, 2003).
DO: esta categoria partirá da caracterização da estrutura, baseando-se em alguns
elementos definidos por Hall (2004) e Alves (2003):
74
Complexidade: seus elementos constitutivos são a diferenciação horizontal e a
diferenciação vertical. Hall (2004) também considera a dispersão geográfica como
elemento da complexidade, mas para fins desta pesquisa não será necessário
adotá-lo.
Centralização: refere-se ao vel e à variedade de participação em decisões
estratégicas pelos grupos, relativamente ao número de grupos da organização
(HALL, 2004).
Formalização: compreende os mecanismos integradores regras,
instrumentos, metas organizacionais, regimento interno, rotinas e normas, missão,
treinamento, enfim, procedimentos criados para o controle e a integração dos
indivíduos à organização (HALL, 2004; ALVES 2003).
Processos organizacionais: compreendendo comunicação (hierarquização,
fluidez, difusão de estilo gerencial), mudança (HALL, 2004) e articulação
intersetorial (ALVES, 2003).
Características do agente e dos relacionamentos internos
DC: refere-se à combinação de elementos caracterizadores do AMR: caráter do
agente, abordagem do tempo, atuação dos agentes, sucessão dos dirigentes,
disponibilidade para mudanças, relações internas, quadro de pessoal (ALVES, 2003).
DO: esta categoria será operacionalizada a partir dos seguintes indicadores:
caracterização a orientação que determina ações do agente (relacionada a fins, tradição
ou sentimentos afetivos), dimensão do tempo que se destaca nas ações do agente,
representação do agente conforme posição na estrutura da organização, forma de
condução do processo sucessório do dirigente da organização, quadro de pessoal
(qualificação requerida, recrutamento, regime de trabalho, treinamento, avaliação de
75
desempenho, política de recompensas e remuneração), relacionamento no local de
trabalho.
Ambiente externo
DC: refere-se às condições externas nas quais a organização está inserida, bem como à
capacidade de tal organização para promover associações duradouras com outras
organizações.
DO: esta categoria será operacionalizada com a caracterização do ambiente externo ao
HUPAA a partir de dimensões definidas por Hall (2004): condições legais, condições
demográficas. Serão também identificadas algumas das organizações e instituições
com as quais o hospital mantém relacionamento.
A seguir ilustra-se o diálogo proposto entre as categorias de análise e as respectivas
definições constitutivas e operacionais:
CATEGORIA DE
ANÁLISE
DEFINIÇÃO CONSTITUTIVA DEFINIÇÃO OPERACIONAL
Características
estruturais e dispositivos
de coordenação
Combinação dos seguintes aspectos:
natureza e tamanho da organização,
mecanismos integradores, processos
organizacionais e articulação
intersetorial (ALVES, 2003).
Caracterização da estrutura
segundo os seguintes aspectos:
formalização, complexidade,
centralização, processos
organizacionais (HALL, 2004;
ALVES, 2003).
Características do agente
e relacionamentos
internos
Caráter do agente, abordagem do
tempo, atuação dos agentes,
sucessão dos dirigentes,
disponibilidade para mudanças,
relações internas, quadro de pessoal
(ALVES, 2003).
Identificar a orientação que
determina ações do agente,
identificar a dimensão do tempo
que se destaca nas ações do
agente, representar o agente
conforme posição na estrutura da
organização, descrever a forma de
condução do processo sucessório
do dirigente da organização,
caracterizar o quadro de pessoal,
descrever como se o
relacionamento no local de
trabalho (ALVES, 2003).
76
CATEGORIA DE
ANÁLISE
DEFINIÇÃO CONSTITUTIVA DEFINIÇÃO OPERACIONAL
Ambiente externo e
relacionamento
interorganizacional
Condições externas nas quais a
organização está inserida, bem como
a capacidade de tal organização para
promover associações duradouras
com outras organizações (ALVES,
2003).
Caracterização das condições
legais, condições demográficas
que interferem na dinâmica da
organização; identificação de
algumas das organizações e
instituições com as quais o
HUPPA mantém relacionamento
(HALL, 2004).
Quadro 8(3): Variáveis de análise, definições constitutivas e operacionais adotadas na pesquisa
(Fonte: elaborado pela autora).
3.4 Amostragem
Concorda-se com Turato (2003) sobre a inadequação em restringir o uso do termo
amostragem a pesquisas quantitativas, uma vez que “o mesmo é fartamente usado pelos
pesquisadores e pela literatura qualitativistas sem decorrentes problemas conceituais” (p.
325). Ainda assim, Minayo (2004) complementa que a questão da amostragem em pesquisa
qualitativa merece comentários de esclarecimento:
Numa busca qualitativa, preocupamo-nos menos com a generalização e mais
com o aprofundamento e abrangência da compreensão seja de um grupo
social, de uma organização, de uma instituição, de uma política ou de uma
representação. Seu critério portanto não é numérico. Podemos considerar que
uma amostra ideal é aquela capaz de refletir a totalidade nas suas múltiplas
dimensões.(p. 102).
A pesquisa qualitativa aqui desenvolvida assumidamente não intenciona generalizar
resultados, mas dar possibilidade de surgimento de novos conceitos e pressupostos a partir da
conclusão do estudo. Considerando que este estudo teve como objetivos a descrição e o
entendimento em profundidade de um processo em especial a compreensão e análise de
uma singular configuração organizacional a partir de um específico referencial teórico ,
tem-se que a amostra probabilística não era aqui justificável (MERRIAM, 1998).
77
O campo empírico do estudo o HUPAA foi selecionado de forma intencional,
não probabilística e típica. Para tal, seguindo a perspectiva da pesquisa qualitativa,
consideraram-se os seguintes aspectos:
o pioneirismo em utilizar o modelo de Alves (2003) para análise de um hospital
universitário público;
o interesse intrínseco da pesquisadora em estudar as organizações hospitalares,
reconhecidas por sua singular complexidade e também o fato da pesquisadora desenvolver
suas atividades laborais no HUPAA;
o fato de o HUPAA ser o único hospital universitário federal no Estado de Alagoas
e desempenhar papel de relevante importância no segmento da saúde pública daquele Estado.
No contexto desta pesquisa existiram ainda numerosos aspectos, eventos, atividades a
serem observadas, pessoas a serem entrevistadas, documentos a serem lidos. Dessa forma,
houve necessidade de um segundo nível de amostragem (MERRIAM, 1998) que efetivamente
ajudasse a captar as informações mais relevantes para compreensão do fenômeno em estudo.
No que se refere à escolha dos documentos para análise, esta não se deu
aleatoriamente; a partir dos indicadores de análise escolhidos para a pesquisa, foram
selecionados aqueles documentos com dados que contribuíssem para a construção do retrato
mais ampliado da configuração organizacional administrativa do HUPAA. Mais adiante serão
relacionados tais documentos.
Sendo o nível de análise desta pesquisa considerado organizacional, foram
selecionados dentro do HUPAA os respondentes que pudessem efetivamente ajudar a
compreender o fenômeno em estudo (MERRIAM, 1998). Portanto, a amostragem proposital,
intencional ou deliberada foi adotada quando da seleção dos sujeitos a serem entrevistados.
Segundo Patton (2002), a lógica e o poder da amostragem intencional e não probabilística
baseia-se em selecionar casos ricos de informação para o estudo.
78
Segundo Turato (2003), de certa forma a amostragem intencional pode ser definida
como aquela de escolha deliberada de respondentes, sujeitos ou ambientes, em oposição à
amostragem estatística, preocupada com a representatividade de uma amostra em relação à
população total (TURATO, 2003).
A definição dos indivíduos a serem entrevistados não se deu aprioristicamente. A
partir da contemplação dos dados colhidos na análise documental, foi possível definir quais
sujeitos viriam a fornecer os dados ainda necessários à pesquisa.
Para esse fim, inicialmente foram identificadas as duas áreas preponderantes nos
hospitais em geral: área-fim e área-meio. A primeira é aquela na qual se funda a identidade da
organização; a segunda ocupa-se dos grupos de apoio que dão suporte e viabilizam as
atividades da área-fim (FARIAS e VAITSMAN, 2002).
Dentre os setores e serviços que compõem essas duas áreas, selecionaram-se alguns:
os da área-fim foram escolhidos aleatoriamente; os da área-meio foram aqueles mais citados
nas entrevistas realizadas com agentes da área-fim. De forma geral, tentou-se contemplar as
esferas do ensino, assistência e pesquisa, e a área de apoio, conforme mostra o quadro 9(3)
abaixo:
ÁREA-MEIO ÁREA-FIM
Serviço de Radiologia Unidade de Internação da Clínica Médica
Laboratório Unidade de Internação da Clínica
Cirúrgica
Serviço de Nutrição e Dietética (SND) Unidade de Internação Pediátrica
Serviço Social UTI-Neonatal
Setor de Recursos Humanos (SRH) Ambulatório Geral
Farmácia UTI-Geral
Setor de Compras Direção de Ensino
Setor de Arquivo Médico e Estatística (SAME) Direção Geral
Núcleo de Processamento de Dados (NPD) Direção de Enfermagem
Coordenação de Desenvolvimento Institucional
(CDI)
Direção Administrativa
Direção Técnica
Direção Técnica
Total: 12 Total: 10
Quadro 9(3): Setores do HUPAA escolhidos para coleta de dados primários (Fonte: Elaborado pela
autora).
79
Esclarece-se que serviço e setor são aqui entendidos como unidades funcionais que
congregam diversos profissionais, tecnologias, saberes e infra-estrutura material.
Ademais, em sendo uma amostra não probabilística, os aspectos subjetivos
considerados para escolha das pessoas a serem entrevistadas foram os seguintes:
procuraram-se agentes nas posições Estratégica, Intermediária e Operacional,
conforme prevê o modelo multidimensional-reflexivo de Alves (2003). Assim sendo, cada
setor teve pelo menos um representante de cada tipo de agente;
foram escolhidos indivíduos com pelo menos cinco anos de trabalho no HUPAA,
tempo suficiente para acompanhar alguns momentos importantes na história do hospital
captados na análise documental;
procurou-se também incluir pessoas com diferentes tipos de vínculo empregatício
com a organização.
Com efeito, os indivíduos entrevistados constituem um grupo considerado
representativo dos critérios acima descritos, logo seria possível afirmar que eles foram
escolhidos por critério de tipicidade. Uma amostra típica é aquela que é selecionada porque
reflete uma situação ou por ser exemplo do fenômeno de interesse do pesquisador
(MERRIAM, 1998).
Fez-se a opção de não entrevistar pacientes e estudantes ou residentes, uma vez que a
percepção desses sobre o HUPAA está diretamente voltada ao desempenho da organização;
os primeiros são os principais interessados na assistência prestada, enquanto o ensino e a
pesquisa estão eminentemente voltados aos estudantes e aos residentes. Nesse sentido, é útil
relembrar que esta pesquisa não acolheu o indicador sistema operacional (ALVES, 2003),
uma vez que ele é justamente voltado à análise do desempenho organizacional.
A amostra escolhida tentou seguir a advertência de Minayo (2004), ou seja, o número
de pessoas foi menos importante do que a teimosia de enxergar a questão sob várias
80
perspectivas, pontos de vista e de observação. A partir das entrevistas realizadas tentou-se
construir uma amostra significativa não em termos de um segmento estatisticamente
expressivo de uma população, mas com representatividade frente ao fenômeno estudado.
Ainda sobre esse tópico, as considerações gerais que guiam a decisão sobre o número
de entrevistas necessárias recomendam que as entrevistas devam cessar à medida que não
melhorem necessariamente a qualidade ou a compreensão mais detalhada sobre o tema
(BAUER e GASKELL, 2003). Neste caso, a certo ponto as respostas sobre os aspectos
abordados começaram a se repetir, tendo sido esse o sinalizador para se optar pela conclusão
da coleta.
Não obstante, evidenciou-se a necessidade de observar no cotidiano da organização o
comportamento de alguns aspectos explicitados nas entrevistas. Para tal fim, adotou-se a
observação participante como método de coleta de tais dados, procurando-se pesquisar um
pouco mais sobre alguns aspectos da configuração organizacional-administrativa (tais como
processo decisório, comunicação) e sobre o agente (interação, relacionamento no ambiente de
trabalho).
Por fim, a amostra qualitativa escolhida para este trabalho procurou o alinhamento
com as seguintes orientações de Minayo (2004):
(a) privilegia os sujeitos sociais que detêm os atributos que o investigador
pretende conhecer; (b) considera-os em número suficiente para permitir uma
certa reincidência das informações, porém não despreza informações
ímpares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta; (c) entende
que na sua homogeneidade fundamental relativa aos atributos, o conjunto
dos informantes possa ser diversificado para possibilitar a apreensão de
semelhanças e diferenças; (d) esforça-se para que a escolha do locus e do
grupo de observação e informação contenham o conjunto das experiências e
expressões que se pretende objetivar com a pesquisa (p. 102).
81
3.5 Coleta de dados primários e secundários
A pesquisa qualitativa se desenvolve a partir de etapas que não são estanques, mas se
retro-alimentam e reformulam-se constantemente (TRIVIÑOS, 1987). Além disso, esse tipo
de pesquisa qualitativa não segue uma seqüência rígida de etapas: a coleta e a análise dos
dados não constituem divisões rígidas. As informações recolhidas são interpretadas, podendo
gerar uma exigência de novas coletas de dados (TRIVIÑOS, 1987). Com efeito, a coleta e a
análise de dados são integradas, sendo que aqui foram separadas apenas para fins de
organização do trabalho.
Um dos desafios deste trabalho foi lidar com o envolvimento e a imparcialidade
durante a coleta e análise dos dados, num esforço para assegurar o necessário distanciamento
que requer um trabalho científico. Distanciamento aqui não tomado como sinônimo de
neutralidade, mas como um aspecto indispensável para alcançar o rigor e que se utiliza do
estranhamento como um esforço sistemático frente à análise de uma situação familiar.
Segundo Demo (1987), é inevitável o envolvimento que, enquanto cidadãos, temos
com nosso objeto de estudo: “o cientista social tem uma tal imbricação no próprio objeto de
estudo, com o qual em última instância se identifica” (p. 19). Dessa forma, torna-se mais
racional e realista elaborar meios de reduzir os juízos de valor do pesquisador frente à
realidade que lhe é familiar, do que insistir na utopia da neutralidade.
A escolha dos instrumentos de coleta desta pesquisa pautou-se no tipo de estudo que
se desejava realizar, na natureza do problema, no nível de aprofundamento desejado e no
cuidado metodológico necessário para conferir credibilidade, confiabilidade e autenticidade à
pesquisa.
Para este trabalho, adotou-se o expediente da triangulação: a combinação de vários
métodos de pesquisa no estudo do mesmo fenômeno (DENZIN e LINCOLN, 2000), tendo por
82
objetivo básico abranger a “máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão do
foco em estudo” (TRIVIÑOS, 1987, p. 138) e diminuir “a influência dos vieses do
pesquisador no resultado final das análises” (VIEIRA e ZOUAIN, 2004, p. 23). Com a
triangulação, buscou-se corroborar um dos cuidados metodológicos sugeridos por Demo
(1987): a necessidade de manter uma atitude de distanciamento frente à realidade estudada,
empenhando-se no esforço de não se deixar envolver em excesso por aquilo que se gostaria
que fosse, em detrimento daquilo que de fato é.
Como técnicas de coleta de dados foram utilizadas análise documental, entrevista
semi-estruturada e observação participante. O termo “técnica” é aqui entendida como a
utilização de instrumentos de pesquisa que “nos permitem fazer e ver a emergência dos dados,
para então serem registrados em nossas anotações pessoais para, em um tempo posterior,
serem estudados e organizados à luz de um quadro de referenciais teóricos eleitos”
(TURATO, 2003, p.306). A coleta de dados ocorreu entre os meses de junho e setembro de
2006.
Antes do início do trabalho de campo, esta pesquisadora manteve contato com a
Direção Geral do HUPAA e, na oportunidade, apresentou-lhe o projeto de pesquisa e um
documento formal solicitando autorização para realização da pesquisa, a qual foi gentilmente
concedida. Foi agendada também uma reunião com os demais membros da Diretoria do
HUPAA e assessores mais próximos para a apresentação do projeto de pesquisa, entretanto, a
mesma não foi realizada, devido à ausência de grande parte dos convidados.
Outrossim, Triviños (1987) e Merriam (1998) consideram que, de modo geral, os
dados utilizados nas pesquisas qualitativas podem ser classificados em dois grupos: (1) dados
primários aqueles obtidos de forma direta, principalmente através de entrevistas e
observações; (2) dados secundários — aqueles obtidos de forma indireta, principalmente
através da revisão de fontes bibliográficas existentes.
83
No presente estudo, as entrevistas semi-estruturadas e a observação participante
ocuparam-se de coletar os dados primários; a análise documental captou os dados
secundários.
3.5.1 Entrevistas semi-estruturadas
De forma geral, a entrevista pode ser definida como um encontro interpessoal
estabelecido para obtenção de informações verbais ou escritas, sendo instrumento para
conhecimento, assistência ou pesquisa (MINAYO, 2004).
A literatura é copiosa em considerar que a entrevista semi-estruturada tem o formato
mais apropriado para instrumento auxiliar a ser utilizado nas pesquisas qualitativas
(TURATO, 2003; TRIVIÑOS, 1987; MINAYO, 2004). No contexto deste trabalho, a
entrevista semi-estruturada foi utilizada como instrumento de coleta de dados qualitativos
primários.
Para Triviños (1987), a entrevista semi-estruturada, ao mesmo tempo em que valoriza
a presença do pesquisador, também oferece todas as perspectivas possíveis para que o
informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a pesquisa.
Nessa técnica, o pesquisador levanta certos questionamentos, apoiados em teorias que
interessam à pesquisa, e oferece um amplo campo de interrogativas, fruto de novas
possibilidades que vão surgindo à medida que se recebem respostas do informante. “Desta
maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas
experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na
elaboração do conteúdo da pesquisa” (TRIVIÑOS, 1987, p. 146).
84
Morse e Field (1995 apud TURATO 2003) sublinham que a entrevista semi-
estruturada é usada quando o pesquisador conhece a maioria das questões a abordar, mas não
pode predizer as respostas. Esses mesmos autores pontuam as principais características dessa
técnica: ela é interativa, é responsiva à linguagem e aos conceitos usados pelo entrevistado e
tem uma agenda flexível.
Sendo assim, a primeira técnica utilizada para a coleta de dados primários foi a
entrevista semi-estruturada, orientada por um roteiro de questões relacionadas ao interesse da
pesquisa.
O roteiro de entrevista (apêndice “A”) utilizado nesta pesquisa foi baseado na teoria
que alimentou a pesquisa especificamente o modelo multidimensional-reflexivo de Alves
(2003) e das informações coletadas durante análise documental. Desse modo, as questões
que constaram no roteiro procuraram particularmente abordar e/ou aprofundar aspectos
relevantes para a pesquisa, os quais não tinham sido suficientemente esclarecidos na etapa da
análise documental e só poderiam ser conhecidos com a contribuição dos agentes da
organização estudada, visto que se referiam diretamente a suas atitudes, valores e opiniões.
É importante esclarecer que o roteiro de entrevista não se constituiu em um
instrumento rígido de coleta de dados; ao contrário, em algumas entrevistas a ordem das
questões foi diversa daquela prevista pela pesquisadora, tendo em vista, por exemplo, que
alguns entrevistados falaram, por sua iniciativa, sobre um tópico do roteiro antes que lhe fosse
perguntado, enquanto outros não se sentiram à vontade para responder a algum dos
questionamentos. Além disso, alguns aspectos não previstos inicialmente no roteiro foram
verbalizados pelos entrevistados e conseqüentemente foram adicionados ao conjunto do
estudo.
O horário e o local de todas as entrevistas foram definidos previamente com os
entrevistados, conforme a conveniência e disponibilidade pessoal deles. Isso nos permitiu o
85
planejamento de tempo da pesquisa, significando também um respeito pelas atividades
cotidianas dos entrevistados, além de ter sido uma forma de diferenciar a postura de
pesquisadora da postura de funcionária frente à familiaridade com a organização estudada e
com as pessoas que lá trabalham.
Procurou-se usar recinto reservado, criando assim um setting ideal para manter a
privacidade do entrevistado. Apesar disso, algumas entrevistas sofreram interrupção por parte
de agentes externos, outras tiveram que ser remarcadas e algumas poucas foram de difícil
agendamento.
O início da entrevista sempre se dava com uma explicação da entrevistadora sobre os
objetivos da pesquisa procurando usar uma linguagem acessível, considerando que não
havia obrigatoriedade de o entrevistado entender termos científicos e a justificativa da
escolha do entrevistado. Em seguida, era explicada a dinâmica da entrevista, dando-se ênfase
aos tópicos que seriam abordados e à garantia de sigilo sobre o autor das respostas.
A permissão para o uso do gravador foi solicitada verbalmente a todos os
entrevistados, e reforçou-se o seguinte: a preservação do anonimato (por isso os depoimentos
citados na seção seguinte serão identificados por letras); a possibilidade de recusa às
perguntas formuladas pelo pesquisador; o respeito à decisão de não gravar a entrevista e de
abandono da entrevista por parte do entrevistado sem prejuízos para si; a possibilidade de o
entrevistado perguntar ou solicitar esclarecimentos adicionais à pesquisadora.
O registro das entrevistas em fitas cassetes permitiu-nos voltar toda a atenção à pessoa
e à fala do entrevistado. Nesta pesquisa, a presença do gravador, considerado por muitos um
elemento “estranho”, pareceu não afetar significativamente a naturalidade e espontaneidade
da maioria dos entrevistados. Apenas um entrevistado não permitiu a gravação, embora tenha
respondido a todas as perguntas. Houve também algumas perguntas que mereceram uma
explicação mais clara para facilitar o entendimento por parte dos entrevistados.
86
Uma vez encerrada a abordagem dos tópicos previstos no roteiro de entrevista, e
outros emergentes, abrimos espaço para o entrevistado colocar mais algum aspecto
relacionado ao assunto conversado e que não tivesse sido contemplado pelas perguntas. Ao
final da entrevista, agradecemos pela participação e cooperação de todos os entrevistados e
colocamo-nos à disposição para um outro momento de entrevista caso o entrevistado sentisse
necessidade.
As entrevistas foram transcritas e lidas; e delas foram retiradas evidências, dados,
percepções que subsidiaram a análise organizacional proposta neste trabalho. De forma geral,
não houve dificuldade na condução das entrevistas. No total, foram realizadas 35, conforme
mostra o quadro 10(3) abaixo.
SERVIÇO/SETOR
POSIÇÃO DO AGENTE NA ESTRUTURA
Direção Geral Nível Estratégico
Direção Administrativa Nível Estratégico
Direção de Enfermagem
Nível Estratégico
Nível Estratégico
Direção Técnica Nível Estratégico
Direção de Ensino Nível Estratégico
Serviço Social Nível Intermediário
Nível Operacional
SAME Nível Intermediário
Nível Operacional
Radiologia Nível Intermediário
Nível Operacional
SND Nível Intermediário
Nível Operacional
Laboratório Nível Intermediário
Nível Operacional
Farmácia Nível Intermediário
Nível Operacional
Ambulatório Geral Nível Intermediário
Nível Operacional
Recursos Humanos Nível Intermediário
Nível Operacional
UTI-Geral Nível Intermediário
Nível Operacional
Compras Nível Intermediário
Nível Operacional
87
Clínica Médica Nível Intermediário
Nível Operacional
Pediatria Nível Intermediário
CDI Nível Intermediário
Nível Operacional
SERVIÇO/SETOR
POSIÇÃO DO AGENTE NA ESTRUTURA
NPD Nível Intermediário
Nível Operacional
Clínica Cirúrgica Nível Intermediário
UTI-Neonatal Nível Operacional
TOTAL 35
Quadro 10(3): Perfil dos entrevistados conforme lotação e posição na estrutura hierárquica.
Segundo Minayo (2004), a entrevista e a observação são dois componentes
fundamentais do trabalho de campo. Na seção seguinte, discorre-se sobre o uso da técnica da
observação participante nesta pesquisa.
3.5.2 Observação Participante
A entrevista tomada no sentido amplo de comunicação verbal e no sentido restrito
de colheita de informações sobre determinado tema científico e a observação participante
são as técnicas mais usadas no processo de trabalho de campo (MINAYO, 2004). A
observação participante constitui-se
[...] como o momento que enfatiza as relações informais do pesquisador no
campo. Essa “informalidade aparente” reveste-se porém de uma série de
pressupostos, de cuidados teóricos e práticos que podem fazer avançar ou
também prejudicar o conhecimento da realidade (MINAYO, 2004, p.107).
De acordo com Marconi e Lakatos (2004), a observação é uma técnica de coleta de
dados adequada para se captar utilizando os sentidos na obtenção de determinados aspectos da
realidade. Observação que não consiste “apenas em ver e ouvir, mas também em examinar
fatos ou fenômenos que se deseja estudar” (p. 275).
88
A observação direta participante foi escolhida como método de coleta de dados por
trazer um contato em firsthand com o fenômeno que se pretendia estudar e por proporcionar
entendimento de aspectos que dificilmente seriam captados somente por meio de entrevistas
ou documentos (MERRIAM, 1998).
Considerando também o fato de esta pesquisadora fazer parte da organização em que
foi desenvolvida a pesquisa, dificilmente seria possível observar o fenômeno em estudo
isentando-se de participação. Dessa forma, entendeu-se que a postura de observador
participante foi a mais adequada.
Foram realizadas observações em setores, reuniões das direções do HUPAA, reuniões
entre diretorias e setores, eventos de socialização, reuniões científicas. As etapas
desenvolvidas para essa técnica de coleta de dados foram: seleção das situações e dos
aspectos relevantes para a pesquisa, elaboração do roteiro de observação (APÊNDICE “C”),
realização da observação (registro de anotações de campo). O critério para escolha das
situações a serem observadas já foi explicitado na seção que trata da amostragem.
Apesar de sempre ter procurado esclarecer o motivo da observação e o objetivo do
trabalho, esta pesquisadora percebeu, durante os eventos observados, sinais de curiosidade e
desconfiança por parte dos observados. Ao final de eventos, alguns participantes procuraram a
pesquisadora para perguntar mais alguns detalhes sobre a pesquisa e sobre os dados coletados.
3.5.3 Análise documental
Os dados secundários são aqueles que existem, tais como livros, documentos (por
exemplo, estatísticas publicadas, relatórios anuais e contas de empresas, e registros internos
mantidos por organizações, como registros de pessoal) e filmes, e que não necessariamente
foram produzido para os fins da pesquisa em curso (MERRIAM, 1998).
89
Segundo Godoy (1995b), o exame de materiais de natureza diversa, que ainda não
foram tratados analiticamente, ou que podem ser reexaminados a partir de um referencial,
constitui rica fonte de dados para estudos qualitativos, merecendo, portanto, atenção especial:
[...] os documentos constituem uma fonte não-reativa, as informações neles
contidas permanecem as mesmas após longos períodos de tempo. Podem ser
considerados uma fonte natural de informações à medida que, por terem
origem num determinado contexto histórico, econômico e social, retratam e
fornecem dados sobre esse mesmo contexto (p.22).
Foram utilizados como fonte de dados secundários os seguintes documentos
organizacionais do HUPAA: regimento interno (datado de 1976); minuta do novo regimento
interno (elaborada em 2005), relatórios de gestão (2003, 2004 e 2005); normas de
funcionamento e regulamentos setoriais; manuais de rotinas; sites institucionais do HUPAA,
do MEC, do MS e da UFAL; informativos internos do hospital e da UFAL; plano estratégico
2006/2007; organograma; plano operativo anual 200; portaria de certificação do hospital;
termo do convênio entre a Secretaria Municipal de Saúde e o HUPAA; relatórios internos do
Setor de Recursos Humanos (SRH), da Coordenação de Desenvolvimento Institucional (CDI),
do Setor Financeiro e do Núcleo de Processamento de Dados (NPD).
Esta pesquisadora experimentou algumas situações inusitadas para ter acesso aos
documentos necessários à pesquisa: de um lado, setores que aparentemente não ofereceriam
obstáculos demoraram em fornecer os documentos, sendo necessários reiterados contatos e
pedidos de colaboração no sentido de disponibilizá-los por meio digital ou físico; de outro
lado, setores que poderiam significar possíveis entraves mostraram-se bastante acessíveis.
Portanto, a condição de ser pesquisadora e também membro da organização estudada não
necessariamente se transformou, na prática, em condição facilitadora para o acesso às fontes
de dados.
90
Os dados coletados nos documentos foram organizados conforme instrumento
elaborado pela pesquisadora (apêndice “B”) de forma a garantir uma melhor apreciação e
aproveitamento dos mesmos para fins da pesquisa.
Enquanto isso, a pesquisadora tinha-se em mente a advertência de Godoy (1995b), de
que nem sempre os documentos contemplam todos os aspectos importantes do fenômeno em
estudo, bem como dificilmente os documentos proverão informações sobre comportamentos
não-verbais, que, às vezes, são imprescindíveis para a pesquisa que se está desenvolvendo.
Nesse sentido, à medida em que essa fase da coleta de dados foi se desenvolvendo,
tornou-se evidente que alguns dados necessários à pesquisa não seriam satisfatoriamente
coletados apenas por meio da análise documental, dada a complexidade das categorias
analíticas escolhidas. Dessa forma, confirmou-se a necessidade de dados primários, os quais
foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas e observação participante,
conforme explicado nas seções anteriores.
3.6 Técnica de Análise de dados
Em consonância com a perspectiva qualitativa adotada neste estudo, foi utilizada a
técnica da análise de conteúdo para a análise dos dados coletados nos documentos
organizacionais e nas entrevistas.
A análise de conteúdo, segundo Bardin (2004), tem sido uma das técnicas mais
utilizadas para codificação e análise de dados:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não), que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens
(p. 23).
91
Consiste essa análise em um instrumental metodológico que se pode aplicar a
discursos diversos e a todas as formas de comunicação, seja qual for a natureza do seu suporte
(GODOY, 1995b).
Ampliando essa definição, Minayo (2004) afirma que a análise de conteúdo busca uma
compreensão aprofundada frente ao problema de pesquisa; além disso, a autora argumenta
que a análise dos dados deve atender a três finalidades: compreender os dados coletados,
confirmar ou não os pressupostos da pesquisa e ampliar o conhecimento sobre o assunto
pesquisado.
Assim, depois de realizadas a análise dos documentos e as entrevistas, foi procedida a
análise de conteúdo, sendo os dados coletados tratados fundamentalmente de forma
qualitativa, seguindo as três fases definidas por Bardin (2004): (1) a pré-análise, que se refere
à organização do material obtido; (2) a descrição analítica, que consiste na codificação,
classificação e categorização dos dados; e (3) o tratamento dos resultados, etapa em que
ocorre a interpretação dos dados.
Segundo Bardin (2004), “o objetivo da análise de conteúdo é a manipulação de
mensagens (conteúdo e expressão desse conteúdo), para evidenciar os indicadores que
permitam inferir sobre uma outra realidade que não a da mensagem” (p.41).
Dessa forma, esperou-se, através destas interpretações, verificar ligações e/ou
afastamentos entre os diversos conteúdos, de modo a compreender, de forma mais completa,
os aspectos abordados na pesquisa em questão.
Na seção seguinte, apresentam-se a descrição e a análise dos dados coletados,
conforme a metodologia exposta neste capítulo.
92
4 Descrição e análise dos dados
Nesta pesquisa, partiu-se da premissa de que não é possível captar a realidade em sua
totalidade, mas interpretá-la; e isso significa aceitar que na análise do fenômeno, por vezes,
aparecem elementos que são mais concernentes ao pesquisador do que ao próprio objeto em
estudo. Os elementos culturais, políticos e ideológicos que nós seres humanos trazemos
conosco constituem a justificativa para que um mesmo fato possa ser visto de modos diversos
por pesquisadores diferentes.
Em assim sendo, as análises, interpretações e considerações deste estudo são
resultados de uma relação dinâmica entre sujeito e objeto e, portanto, não espaço para se
imaginar a solidão pura de um sujeito objetivo diante de um objeto passivo, sendo travado
entre os dois um relacionamento apenas formal de simples captação, descrição e reprodução
(DEMO, 1987).
Este capítulo divide-se em duas seções, a saber: a primeira apresenta o Hospital
Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA) através de um breve histórico, de forma a
resgatar alguns elementos importantes para o contexto deste trabalho; a segunda traz a atual
caracterização do hospital em estudo a partir dos dados coletados durante a pesquisa, com a
ajuda dos instrumentos já explicitados no capítulo que trata da Metodologia.
4.1 A trajetória histórica do HUPAA
Da mesma forma que, enquanto indivíduos, temos uma trajetória que nos acompanha
até chegarmos à maneira como as pessoas nos reconhecem hoje, trajetória sujeita a modismos
93
que alteram os nossos costumes e valores, assim as organizações e instituições passam por
situações semelhantes.
Com um passado que definiu sua evolução, alternando fatos e mudanças ocorridos
através do tempo, o HUPAA chega aos dias atuais com feições peculiares, sendo reconhecido
por lei como pessoa jurídica, com necessidades e objetivos. Nesse sentido, considera-se que o
conhecimento acerca dos fatos mais relevantes acontecidos nesses 33 anos de funcionamento
do hospital é de grande valia para entender como o HUPAA chegou à sua atual configuração
organizacional.
As primeiras discussões em torno da criação de um Hospital Universitário (HU) em
Alagoas surgiram em 1950, quando entrou em funcionamento na capital do Estado a
Faculdade de Medicina; naquela época, havia a necessidade de um campo de aplicações
práticas para o ensino e a pesquisa na área médica.
Na década de 60, a Faculdade de Medicina, criada no dia 25 de janeiro de 1961, pela
Lei 3.867, passou a ser uma das unidades integrantes da Universidade Federal de Alagoas
(UFAL). Esse fato incentivou a Academia a elaborar um projeto ousado, que consistiu na
construção de uma Cidade Universitária que aglomerasse todas as unidades de ensino
pertencentes a UFAL. O projeto começou a virar realidade em 1967, quando teve início a
construção do Campus Aristóteles Calazans Simões (A.C. Simões), às margens da BR 101, na
faixa limítrofe do município de Maceió.
A construção do prédio do Hospital Universitário foi simultânea às obras do Campus.
Em março de 1968, foi concluída a primeira etapa do então chamado “Hospital das Clínicas”,
e dois anos após, exatamente em março de 1970, a estrutura do HU já contava com três etapas
prontas e uma quarta contratada e iniciada. Segundo registros documentais da UFAL, o
hospital era obra prioritária, não só para a Cidade Universitária, mas para o Estado. A
importância do hospital-escola para o ensino médico e a assistência às classes menos
94
favorecidas do Estado ficou evidenciada em todos os discursos proferidos pelo reitor da
época, Aristóteles Calazans Simões, pelas autoridades do governo e por integrantes da
Academia na época.
Precisamente em 13 de novembro de 1972, a UFAL assinou um convênio de extrema
importância para a história do HU, firmado com o governo do Estado e o The People to
People Health Fundations Inc. O convênio visava a dinamizar os cursos e serviços médico-
odontológicos da Universidade, pelo Projeto HOPE, da Universidade de Harvard dos Estados
Unidos; a vinda do Navio-Hospital HOPE para Maceió foi um marco para o ensino médico e
assistencial no Estado.
Finalmente, em 1973 foram iniciadas as atividades docentes e assistenciais no Hospital
Universitário, em sede própria, mas ainda com suas instalações em fase de construção,
desenvolvendo atividades auxiliares no diagnóstico e tratamento ambulatorial, anatomia
patológica e de citologia, radioisótopos, eletrocardiograma e eletroencefalograma, serviços
clínicos em pediatria, cirurgia e medicina interna. Ele atuava com médicos plantonistas e
anestesistas e com quatro docentes do Centro de Ciências da Saúde, aos quais cabia a chefia
das clínicas. Em parceria com o HOPE, o Hospital Universitário desenvolveu, na área de
ensino, cursos de especialização, aperfeiçoamento nas áreas de cirurgia geral e clínica médica.
Em 1974, começaram no HU as atividades de internamento, com 56 leitos instalados
nos blocos destinados ao ambulatório, que sofreram adaptações para atender a essa finalidade.
Em 1975, o Hospital Universitário integrou-se à política e às diretrizes nacionais estabelecidas
para os hospitais de ensino, realizando serviços assistenciais na área de saúde, ao mesmo
tempo em que servia de suporte básico para a formação de profissionais desse setor. Nesse
ano, o HU contabilizou 404 internamentos, 508 cirurgias e 16.788 consultas em suas
instalações, ainda em construção.
95
Somente em 1977 o prédio do HU passou por adaptações para que fosse inaugurada a
unidade de clínica obstétrica, com 20 leitos. Também foram reajustadas as quantidades de
leitos para a clínica médica e cirúrgica, expandindo de 56 para 100.
Finalmente, em 1978, foi concluída a construção de toda a parte térrea do Hospital
Universitário. Nesse ano, o HU contava com pessoal de nível superior (docente), pessoal
técnico e de apoio; apresentava uma proporção de 1,9 funcionários por leito, e 1.662
internamentos foram ofertados.
Um fato marcante na vida do HU foi a aprovação, em 1979, do quadro próprio de
pessoal, possibilitando, a partir de 1980, manter profissionais paramédicos, técnicos e
administrativos num patamar nimo necessário para atender à demanda. Ainda nesse
período, a Direção do Hospital Universitário apresentou ao MEC uma proposta de conclusão
e implantação definitiva do HU, solicitando recursos para terminar as obras físicas e
respectivas instalações, equipamentos e custeio. Essa proposta garantia o funcionamento de
150 leitos, a partir de agosto de 1979.
A década de 90 foi marcada por uma expansão do HU, com a inauguração da lâmina
vertical e da área administrativa e com o desenvolvimento do gerenciamento decorrente do
grau de complexidade administrativa alcançado. A Residência Médica foi implantada em
1990 e, a partir de 1991, com a assinatura do convênio com a Fundação Universitária de
Desenvolvimento de Pesquisa e Extensão (FUNDEPES), o HU passou a ter uma gestão
financeira mais autônoma, assumindo, com recursos oriundos do convênio com o SUS, os
gastos com custeio de materiais de consumo e uma parte das despesas de capital, como a
aquisição de alguns equipamentos. As despesas com folha de pessoal, energia, vigilância e
limpeza continuaram vinculadas ao orçamento da UFAL.
Com a construção da lâmina vertical, os setores administrativos passaram a ter ala
exclusiva; melhorou-se a estrutura para o desenvolvimento das atividades assistenciais e
96
acadêmicas, como salas de aula, sala para chefias médicas e enfermagem. Em 1994, destaca-
se o lançamento da Revista Científica do HU, na qual estão registrados e avaliados os
trabalhos de pesquisas e extensão, além de novas técnicas na área da medicina.
A partir de 1996, foram realizadas reformas nos serviços de apoio ao diagnóstico. O
tratamento foi ampliado com a reestruturação do setor de ultra-sonografia e do banco de
sangue, que passaram a contar com uma nova estrutura física. O laboratório de patologia
clínica foi premiado com o certificado de qualidade. O HU passou a contar, também, com
projetos como o de Reforço à Reorganização do Sistema Único de Saúde (REFORSUS).
Nesse período o Hospital Universitário exerceu uma grande influência no campo da saúde no
município de Maceió, ofertando serviços de apoio ao diagnóstico, de internação e
ambulatorial, contando com centro cirúrgico, centro obstétrico, UTI, Central de
Quimioterapia, Central de Esterilização e um Hospital-Dia para doenças infecciosas. Havia
também uma preocupação maior com a estrutura organizacional; vários setores foram
informatizados nesse período.
No ano de 2000, em homenagem ao Professor Dr. Carlos Alberto Fernando Antunes, o
hospital passou a se chamar Hospital Universitário Professor Alberto Antunes. Nesse mesmo
ano, houve a ampliação do número de leitos da Clinica Obstétrica e da UTI Neonatal; e foi
realizada a 1ª Jornada Multidisciplinar do HUPAA (evento científico).
Em 2001, alguns fatos foram marcantes: a incorporação de novas tecnologias
(aparelhos de vídeo-laparoscopia, vídeo-endoscopia, vídeo-colonoscopia, tomografia,
vídeoeletroencefalografia, ultrassonografia e aparelho para estudo urodinâmico); adaptação e
inauguração de novas áreas (entre elas as do Banco de Sangue, Setor de Oncologia Clínica e
Quimioterapia, Banco de Leite Humano); ampliação da assistência com a implantação da
Unidade de Cuidados Intermediários Neonatal; a criação do ambulatório de avaliação pré-
anestésica; habilitação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para
97
participar do projeto Hospital Sentinela. Ainda em 2001, outros eventos foram dignos de nota:
o hospital sediou o I Fórum Norte-Nordeste de Hospital-Dia para AIDS; começou a participar
do Programa de Educação Fiscal (promovido pelo Governo do Estado através da Campanha
Cidadão Nota 10); o Jornal do HUPAA foi lançado.
Em janeiro de 2002, foi assinado um Termo de Compromisso pelo então Ministro da
Saúde, José Serra, para implantação de Centro de Oncologia (CACON). Em agosto do mesmo
ano, o Ministério da Educação e o da Saúde (MEC/MS) autorizaram concurso público para o
HUPAA/UFAL. No mês de setembro/2002 foi realizada a primeira cirurgia bariátrica,
tornando o HUPAA referência no tratamento da obesidade mórbida para o Estado. Nesse
mesmo ano foi implantado o serviço de tomografia computadorizada.
Dados do Ministério da Educação revelaram que em 2003 o HUPAA foi, dentre os 45
hospitais de Ensino do Brasil, aquele que apresentou maior crescimento da sua matriz de
avaliação de gestão. Em abril de 2003, o hospital recebeu do MEC um sistema de
vídeoartroscópio, passando a ser o primeiro hospital público no Estado a disponibilizar a
técnica cirúrgica (artroscópica) para pacientes do SUS.
Em julho de 2003, entrou em funcionamento no HUPAA o ambulatório exclusivo para
os funcionários e seus dependentes. Também nesse mês, foi criada a Coordenação de
Desenvolvimento Institucional. Em agosto, nesse mesmo ano em que completava 30 anos de
funcionamento, o HUPAA realizou a primeira cirurgia de hiperidrose, ou simpatectomia
torácica (para eliminar o excesso de suor), e foi inaugurado o Centro Integrado de Nefrologia
do hospital. A sociedade alagoana recebeu o primeiro Banco de Olhos da rede pública de
saúde em meados de setembro de 2003, e foram inauguradas, ainda no mesmo período, novas
instalações ambulatoriais para os setores de endoscopia digestiva, otorrinolaringologia e
oftalmologia, ampliando a rede de serviços prestados à comunidade alagoana.
98
O ano de 2004 também teve seus marcos: reeleição do médico João Macário para
continuar à frente da direção do HUPAA; a aprovação pelo MS do projeto de instalação de
tratamento cirúrgico da epilepsia; a implantação pelo Núcleo de Ensino Médico (NEMED),
do Programa de Tutoria Acadêmica no curso de Medicina; a certificação do HUPAA (pelos
Ministérios da Educação e Saúde) como hospital de ensino.
Em 2005, houve a inauguração do setor de Medicina Nuclear no HUPAA, sendo esse
o primeiro serviço no Estado destinado exclusivamente a pacientes do Sistema Único de
Saúde. Outro fato marcante desse ano foi a greve dos servidores técnico-administrativos e
docentes da UFAL, que afetou decisivamente o desempenho do HUPAA. Ainda em 2005, o
hospital passou a participar do Programa de Reestruturação dos Hospitais de Ensino
(MEC/MS), por meio da assinatura do convênio de contratualização com o Gestor municipal
da Saúde, o que representou um marco balizador para a definição das ações a serem
desenvolvidas pelo HUPAA nas áreas de ensino, pesquisa e assistência para os próximos
anos.
4.2 O HUPAA: situação atual
Conforme o Regimento Geral da UFAL, o HUPAA é um órgão de apoio acadêmico e
está diretamente vinculado a Reitoria da Universidade Federal Alagoas; está localizado no
Campus Aristóteles Calazans Simões, na capital do Estado de Alagoas; serve como campo
para o ensino, a pesquisa e a extensão, tanto para área de saúde como para outras áreas
acadêmicas da Universidade.
O HUPAA tem como missão expressa “formar profissionais em saúde, num contexto
acadêmico de ensino, produção do conhecimento e assistência, com ênfase em excelência,
humanização e compromisso social” (HUPAA, 2004, p. 5). Conta com uma área construída
99
de 27.733 m2,
distribuída em 06 (seis) pavimentos. Em média, cerca de 15 mil pacientes são
atendidos por mês em seus ambulatórios, distribuídos em 52 especialidades; são realizadas
aproximadamente 500 internações mensalmente; são realizados, aproximadamente, 25 mil
exames clínicos por mês no laboratório de patologia clínica. A maternidade, com oferta de
sessenta leitos às pacientes do SUS em Alagoas, vem mantendo uma taxa de ocupação da
ordem de 100% ao mês (UFAL, 2005).
Na próxima seção, inicialmente será apresentada a atual configuração organizacional
do HUPAA, conforme os dados coletados de acordo com a metodologia escolhida. Esse
retrato do HUPAA será descrito a partir das variáveis escolhidas para análise, explicitadas na
seção 3.3.
4.2.1 Características estruturais e dispositivos de coordenação
Essa seção traz a caracterização da estrutura do HUPAA segundo os seguintes
aspectos: formalização, complexidade, centralização, processos organizacionais (HALL,
2004; ALVES, 2003).
4.2.1.1 Complexidade
Os elementos a serem abordados nesta categoria de análise serão a diferenciação
horizontal e a diferenciação vertical. Conforme dados coletados, os níveis de hierarquia
encontram-se distribuídos da seguinte maneira na estrutura organizacional do HUPAA:
a) um nível superior, constituído pelo Conselho Diretor e pelas Diretorias do
100
HUPAA.
b) um nível intermediário, constituído pelas gerências e chefias dos serviços e
setores do HUPAA. Atualmente, o HUPAA conta em sua estrutura com cerca de 60 serviços e
setores e aproximadamente 90 gerentes desses, alguns estão formalmente reconhecidos
por meio de instrumento oficial (portaria), enquanto outros desempenham tal função na
condição “de fato mas não de direito”.
c) um nível operacional, constituído pelos membros da organização que não estão
incluídos nos níveis hierárquicos anteriores.
Formalmente, do Conselho Diretor fazem parte os seguintes membros: reitor, diretor
do Centro de Ciências da Saúde (CSAU) que é presidente do Conselho —, diretor geral e
demais diretores do HUPAA, coordenadores das unidades acadêmicas da área de saúde, um
representante do corpo discente da área de saúde indicado pelos Diretórios Acadêmicos, um
representante dos funcionários técnico-administrativos do HUPAA indicado por seus pares.
A Direção do HUPAA é composta por Diretoria Geral, Administrativa, Técnica, de
Enfermagem e de Ensino; há também uma Diretoria Adjunta de Enfermagem.
Em virtude da recente reforma universitária, a formação do CSAU, constituído por
departamentos e coordenações de cursos, foi extinta; em seu lugar, foram criadas as
Faculdades de Medicina, Odontologia e Nutrição, além das Escolas de Enfermagem e de
Farmácia, com seus respectivos diretores.
Esse fato tem trazido repercussões no Conselho Diretor do HUPAA, como por
exemplo os questionamentos sobre a legitimidade das deliberações tomadas por esse órgão,
uma vez que não existe mais o cargo de Diretor do CSAU.
Ainda assim, os antigos conselheiros continuam se reunindo para discussões, inclusive
sobre o novo regimento interno do HUPAA. Em paralelo, encontra-se em andamento uma
proposta para reformulação do Conselho Diretor, transformando-o em Conselho Gestor, a
101
qual ainda não tem previsão de quando começará a vigorar.
Enquanto o Conselho Diretor é um órgão com caráter consultivo, normativo e
deliberativo, a Direção Geral e as demais diretorias têm função deliberativa e executiva.
Seguem organogramas onde é possível visualizar os níveis hierárquicos superior e
intermediário da estrutura do HUPAA, com os respectivos setores ou serviços subordinados a
cada Diretoria:
Figura 4(4): Organograma do nível estratégico do HUPAA (Fonte: HUPAA, 2005).
CONSELHO DIRETOR
DIREÇÃO GERAL
COMISSÕES
DIREÇÃO
TÉCNICA
DIREÇÃO
DE ENSINO
DIREÇÃO
ADMINISTRATIVA
DIREÇÃO
DE ENFERMAGEM
SECRETARIA
102
DIREÇÃO DE ENFERMAGEM
ASS. REC. MATERIAIS
C. PROG. CIENTÍFICO
SECRETARIA
DIREÇÃO ADJUNTO
COORD. SERV. NOTURNO
AMBULARIOS
UN. INTERNAÇÃO
CME
CENTRO CIRÚRGICO
CLM
UTI - NEO NATAL
UTI GERAL
OBSTÉTRICA
PEDIATRIA
CLC
UCI
PRÉ - NATAL
HD
QUIMIOTERAPIA
GERAL
PEDIATRIA
ADMISSÃO E ALTA
C. OBSTÉTRICO
TRIAGEM PRÉ - PARTO
ALOJAMENTO
CONJUNTO
Figura 6(4): Organograma da Diretoria Administrativa do HUPAA (Fonte: HUPAA, 2005).
Figura 5(4): Organograma da Diretoria de Enfermagem do HUPAA (Fonte: HUPAA, 2005).
C D I
D I R E ÇÃ O A D M I NI S T RA T IVA
SA M E
CO O R D .
M AT E R I AI S
NP D
C O O R D .
SE R V . G E R A I S
SND
R H
M A R C . D E
C O NSUL T A
IN T E R N AM E N T O
EST A T Í ST ICA
A R Q U IVO
T E L EF O NIA
V
IGILÂ NC IA
JA R D INA G EM
L IM P EZA
T RA NSP O RT E
L A VA ND ER I A
A SC ENSO RIA
M A NU T ENÇÃ O
CO M PR AS
L I CI T A ÇÃ O
AL M O X AR I F A D O
F AR M ÁCI A
103
R ad io lo g ia
:
Eco card iog rama, To mog rafia, R X, Ult rasso m, M ed icin a Nu clear.
D IREÇÃ O AD JUNT O
D IREÇÃ O T ÉC NICA
UN. I NT ERNA ÇÃ O
A MB ULATÓ RIOUC I
SER. A PO IO
M ÉD ICO
UT I GERA L
UT I
NEO -NA TAL
LA BO RA RIO
A NATOMO
P ATO LO G IA
ELET RO
ENC EFALO GRAMA
RA D IO LOGIA E N DO SCOP IA
ELET RO
CARDIO G RM
A
BA NCO DE
SANGU E
A SS . A
C RIA NÇA
HD
G E RA L
FIS IO T E RAP IA
C LC
C L. PE D T RICA
C . C IRÚ RGICO
C LM
C L. O BSTÉTRICA
A NE STE S IA
ES TIM U LAÇÃO
PRECOC E
O DO NTOLOG IA
D I R E Ç Ã O D E E N S I N O
S E C R E T A R IA
E N S I N O E P E S Q U I S A
C O R E M E
Embora os organogramas não revelem os relacionamentos informais que porventura
Figura 7(4): Organograma da Diretoria Técnica do HUPAA (Fonte: HUPAA, 2005).
Figura 8(4): Organograma da Diretoria de Ensino do HUPAA (Fonte: HUPAA, 2005).
104
existam na organização, não deixam de ser razoável indicativo da configuração
organizacional do HUPAA.
No que se refere à hierarquia, no HUPAA tem-se uma estrutura piramidal onde os
serviços e setores reportam-se hierarquicamente e desenvolvem suas atividades conforme
orientações recebidas da Diretoria responsável, enquanto estas estão subordinadas à Direção
geral, que por sua vez responde ao Conselho Diretor do Hospital e ao Reitor, respectivamente.
Sendo assim, a autoridade está distribuída de acordo como nível ocupado na hierarquia;
quanto mais alto o nível hierárquico, maior a autoridade.
Entretanto, paralela a essa hierarquia, aparece um outro mecanismo de coordenação,
apoiado na lógica das profissões, segundo o qual determinados indivíduos devem se reportar a
seu grupo profissional específico para estabelecer sua escala de trabalho e rotinas e para
buscar apoio na condução de pacientes. Seguindo essa gica, dentro de um mesmo setor, por
vezes há mais de uma gerência, sendo que cada uma delas tem ascendência sobre determinada
(s) atividade (s) desenvolvidas e reporta-se a uma específica Diretoria.
Esse mecanismo de coordenação é o que explica a não-existência de um único chefe
para toda a equipe da Unidade de Internação, por exemplo, tendo-se então um chefe de
enfermagem, um chefe para o corpo médico, um chefe da nutrição, entre outros.
E mais, mesmo diante de uma hierarquia de autoridade que vai do nível estratégico até
o pessoal na base da pirâmide hierárquica, fixando-se de forma mais ou menos explícita a
autoridade e a responsabilidade atribuídas a cada nível, percebeu-se também uma outra linha
de autoridade, que se origina na liderança que alguns profissionais detêm pelo fato de
possuírem o saber capaz de curar as pessoas, ajudar no tratamento de doenças e salvar vidas.
Aqui nos referimos em especial aos médicos.
Nesse hospital, as demandas decorrentes do trabalho clínico — por exemplo, a compra
de determinados tipos e marcas de material hospitalar e a defesa dos privilégios
105
profissionais por vezes se opõem ou até mesmo se sobrepõem às recomendações e processos
de trabalho estabelecidos por daqueles que se ocupam da gestão administrativa do hospital.
Ainda assim, a autoridade dos especialistas não chega a romper com o status quo, como
também não tem sido a força responsável por propor mudanças no HUPAA.
Nessa perspectiva, coexistem no HUPAA dois princípios de autoridade, por vezes
conflituosos: um que se aproxima da autoridade racional-legal (definido por Weber) e outro
referenciado no saber técnico que alguns profissionais detêm.
Quanto à diferenciação horizontal, no HUPAA essa pode ser percebida pela presença
de diferentes agrupamentos de serviços: aqueles da área responsável pela assistência e apoio
diagnóstico e terapêutico; aqueles da área que desenvolvem ações na área de gestão
hospitalar, com foco também no planejamento financeiro e controle orçamentário; e um grupo
da área que se preocupa com as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Além dessas, a
área que se preocupa com as ações e cuidados de enfermagem, perpassando seu alcance por
toda a área de assistência e apoio ao diagnóstico e terapia, o que torna muito difícil delimitar
sua abrangência na estrutura.
Conforme dito anteriormente, no total são aproximadamente sessenta setores e
serviços vários destes organizados de maneira diversa uns dos outros. E ainda, dentro de
alguns desses setores/serviços, subseções, cada uma especializada em determinada tarefa.
Lotado nessas unidades, encontra-se uma gama variada de trabalhadores que desenvolvem
atividades com perfil de especialista e outros não.
Obviamente que os setores e serviços tomados individualmente variam quando ao grau
de complexidade. Ainda assim, é razoável afirmar que o HUPAA é uma organização
complexa, tanto em nível de diferenciação vertical quanto horizontal — o que pode ser
evidenciado pelo número de diretorias, que são quatro; pelas várias divisões hierárquicas na
estrutura; pela existência de vários cargos; pelo grande número de diferentes profissionais
106
atuando no Hospital; pela linha dupla de autoridade; pelo número de setores/serviços.
Analogamente à complexidade da estrutura organizacional, vem a igualmente
complexa infra-estrutura física com equipamentos e medicamentos modernos,
procedimentos médicos sofisticados em razão de esse hospital ocupar-se do atendimento
de média e alta complexidade.
Tanto a diferenciação vertical como a horizontal tem demandado vários mecanismos
de coordenação e tem acarretado problemas de comunicação, os quais serão comentados em
seções mais adiante.
4.2.1.2 Centralização
Segundo Hall (2004), dos diversos elementos da centralização, o mais óbvio é o
direito de tomar decisões. Nesse sentido, os dados coletados trouxeram evidências de que o
processo de tomada de decisões no HUPAA tem a seguinte caracterização:
é centralizado no vel estratégico da organização e segue o sentido de cima para
baixo na escala hierárquica. As decisões são freqüentemente tomadas pela Direção Geral em
conjunto com as demais Diretorias; mas também são chamadas a participar do processo
aquelas chefias intermediárias tidas pela Direção do hospital como “interessadas no assunto”.
Esclarece-se, no entanto, que a forma de participação das chefias resume-se a dar sugestões,
visto que a tomada de decisão cabe efetivamente ao nível estratégico da organização;
a realização de várias reuniões que supostamente teriam o objetivo de tornar a
tomada de decisão mais democrática, mas na realidade não é isso que se observa. As questões
em grande parte foram decididas pelo nível estratégico e muitas vezes são apenas
repassadas aos setores, ou, não raro, sequer isso. Desse fato decorre o enfraquecimento das
107
chefias intermediárias, com vários setores surpreendidos por mudanças não consensuadas em
seu cotidiano;
distanciamento entre as esferas de planejamento e de tomada de decisão. Na
organização, são evidentes situações, por exemplo, nas quais a decisão de ofertar novos
serviços ou mudar rotinas não foi antecipadamente planejada, causando transtornos à rotina de
vários setores. Neste ponto, é importante salientar que as atividades do Planejamento
Estratégico estão suspensas desde o início de 2006, quando foram identificadas algumas
incongruências com as metas definidas no POA 2006;
historicamente e ainda atualmente, o perfil do processo de tomada de decisão sofre
grande influência do estilo de gestão do diretor geral do hospital. Em particular, no caso do
atual gestor, sua administração tem sido orientada por um plano de ação que foi elaborado
sem a participação dos níveis intermediário e operacional da organização, somente com o
conhecimento do nível estratégico;
não há clareza quanto aos critérios escolhidos para a tomada de decisões que
atinjam a determinados grupos profissionais. Decisões que se referem a docentes e médicos
são vistas, em geral, como suavizadas se comparadas com as que dizem respeito a outras
categorias; foram recorrentes os relatos de que as decisões são políticas e que por vezes
poupam algumas categorias, em especial os médicos, de serem cobrados em suas obrigações e
responsabilidades;
um ponto chave percebido foi o de ser comum muitas chefias insistirem em
transferir para a direção ou para outros setores a responsabilidade de tomar decisões que
tenham ascendência sob seus pares e/ou subordinados, para evitarem confrontos;
ficou evidente a dissonância entre o discurso dos agentes estratégicos (voltado à
gestão partilhada, à participação nas decisões) e a realidade encontrada (processo decisório
conduzido de forma centralizadora).
108
A partir dessas considerações, não deve causar espanto o fato de que o processo de
discussão, definição e decisão sobre o novo regimento do HUPAA permanece restrito ao nível
estratégico da organização, ainda que seja esse um aspecto que diz respeito ao cotidiano do
hospital por inteiro.
No nível intra-setorial, o processo decisório caminha para um patamar mais
descentralizado e participativo; em vários setores, a tomada de decisões já contempla a
realização de reuniões com a efetiva participação do nível operacional por meio de sugestões
e contribuições acompanhadas de embasamento técnico. Entretanto, ainda encontram-se
setores em que a chefia decide, cabendo aos demais funcionários a execução.
Ademais, percebeu-se que, de forma geral, as decisões intra-setoriais são tomadas em
alinhamento com as diretivas da respectiva Direção responsável. Logo a autoridade de tomada
de decisão permanece centralizada no nível estratégico do HUPAA.
4.2.1.3 Formalização
Compreende os mecanismos integradores, tais como: regras, instrumentos, metas
organizacionais, regimento interno, rotinas e normas, missão, treinamento, enfim,
procedimentos criados para o controle e a integração organizacional (HALL, 2004; ALVES
2003).
4.2.1.3.1 Missão, crenças e valores organizacionais
A missão do HUPAA encontra-se oficialmente divulgada em documentos internos,
banners e murais da organização: “Somos um hospital universitário que se propõe a formar
profissionais em saúde, num contexto acadêmico de ensino, produção do conhecimento e
109
assistência, com ênfase em excelência, humanização e compromisso social” (HUPAA, 2006a,
p.2). Entende-se então que o objetivo principal desse hospital é a formação de pessoas,
apoiada em atividades de ensino, pesquisa e assistência.
À primeira vista, tomando por base apenas a divulgação formal da missão na
organização, pode-se imaginar que a mesma esteja suficientemente esclarecida. Entretanto, os
dados coletados revelaram alguns aspectos de grande relevância.
Primeiramente: a percepção sobre qual é o pilar principal da missão do HUPAA é
diferente entre os setores e os agentes; para alguns o hospital existe em primeiro lugar para a
assistência, enquanto outros julgam que ele existe para o ensino; para a maioria, no entanto,
é uniforme a percepção de que a pesquisa ainda é uma atividade a se firmar:
“Primeiro que tudo a missão do hospital é salvar vidas, gerar vidas, manter
vidas” (“D”).
“A razão de existir do hospital é a assistência ao paciente [...]” (“Q”).
“[...] porque ele (o HUPAA) tem uma função: ele é formação de estudantes
de várias áreas, mas principalmente a missão dele é o paciente, o usuário,
sem ele não como formar ninguém, é condição sine qua non; então para
mim ele é prioridade; a formação fica em segundo lugar porque ela depende
totalmente de ter paciente aqui dentro para que ela exista, para que nós
existamos, para que o professor esteja aqui, para que o estudante venha”
(“F”).
“[...] esse hospital tem uma coisa fundamental: primeiro ele é um hospital
que ensina; e essa parte do ensino é importantíssima. Além disso, a gente
tem uma parte assistencial muito grande. Se o hospital pára de funcionar,
uma rie de procedimentos que se faz aqui vai deixar de ser feita no
Estado. E, além disso, o hospital tem como obrigação fazer pesquisa” [...]
(“K”).
“Aqui é um hospital de ensino, então o nosso primeiro e grande foco é o
ensino; agora o ensino não existe sozinho; então, ele é um hospital de ensino
que está ligado à assistência” (“A”).
“Esse hospital tem duas finalidades básicas: uma é o atendimento à
população carente, já que é um hospital que atende gratuitamente; segunda é
o ensino. As coisas são misturadas, mas o ensino não pode vir antes do
atendimento” (“M”).
Não se pode afirmar que essa diversidade quanto ao entendimento da missão
necessariamente decorre do lugar que o agente ocupa na estrutura ou do tipo de atividade que
110
desenvolve na organização, visto que, por exemplo, técnico-administrativos que entendem
que a assistência é a principal missão, enquanto para outros é o ensino, ainda que
desenvolvam atividades semelhantes e estejam no mesmo nível hierárquico. Apenas entre os
docentes entrevistados percebeu-se o consenso de que o ensino é o principal pilar da missão
do HUPAA.
Em segundo: há um discurso formal de que esses três eixos caminham juntos
ensino, assistência e pesquisa. No entanto, as observações mostraram que no cotidiano
resistência de vários setores e agentes em efetivamente realizar o ensino, a pesquisa e a
assistência juntos. A atividade de ensino ainda é vista por alguns, em especial por um parcela
dos técnico-administrativos, como trabalhosa; e o estudante, como alguém que atrapalha o
andamento das atividades nos setores. As atividades de pesquisa ainda sofrem várias
limitações, a começar pelos prontuários principal fonte de dados para as pesquisas na área
da saúde —, que não estão sendo preenchidos adequadamente. Ora, denunciam-se então
tensões permanentes entre os objetivos de ensino, os de pesquisa e os assistenciais que
compõem a missão do HUPAA.
Ainda no que se refere ao ensino, necessidade de aproximação do HUPAA com a
UFAL no que diz respeito ao acompanhamento dos alunos:
“Você não uma reunião com os coordenadores de curso dentro do
hospital para saber se efetivamente os propósitos estão sendo atendidos [...]”
(“L”).
“Há a comunicação com as Faculdades de Medicina e Enfermagem, mas
com as outras, Farmácia, Psicologia, Odontologia, a gente ainda está
distante, a gente precisa se agrupar a eles” (“A”).
“A maior função do HU é ensinar, que deixa muito a desejar, porque eu vejo
que os estudantes estão muito soltos [...]” (“B”).
E mais, encontraram-se relatos que definem a missão do hospital como sendo o
atendimento aos necessitados, àqueles de baixa renda; e como tal, seria também obrigação do
111
HUPAA dar um retorno a essa parcela da população do Estado, cumprindo então sua função
social.
Ainda sobre esse tópico, evidenciou-se que, independentemente de qual seja a
compreensão acerca do pilares da missão do HUPAA, os dados mostram que ela ainda não
vem sendo cumprida a contento:
“[...] de modo geral, os funcionários até têm uma noção da missão, mas se
isso está sendo realizado, se está sendo cumprida, como estamos
colaborando nisso, eu acredito que não haja esta clareza” (“Y”).
“Não vejo que os funcionários tenham em mente a missão do hospital
quando realizam suas tarefas diárias. Percebo que o pouco do que faz em
direção a ela faz parte do costume e não de uma ação deliberada. E não acho
que está sendo alcançada a contento” (“C”).
“A grande maioria de nós, digo os diversos profissionais que trabalham no
hospital, vem aqui, atendem um determinado número de pessoas com um
único fim: vim, fiz minha obrigação e me mandei; ele não vai mais além
daquilo que seria aquela missão do hospital, que é minimizar, dentro do
possível, as dores não físicas do paciente. Eu acho que a gente faz muito
pouco e nós estamos pouco percebendo isso aí: a verdadeira missão do HU”
(“O”).
Em suma, as três forças ensino, pesquisa, assistência que, à primeira vista,
seriam por certo complementares, no cotidiano do HUPAA têm sido fonte de conflitos e
problemas, uma vez que despertam nos múltiplos agentes do hospital interesses diferentes, os
quais desdobram-se em formas peculiares de articularem-se, de aderir a normas, rotinas e
protocolos, de partilhar valores organizacionais.
Apesar disso, pode ser que o atrito entre os pilares da missão do Hospital Universitário
seja o esperado, tendo em vista seu caráter multiprofissional, não sendo isso algo
necessariamente ruim, mas inerente ao cotidiano desse tipo de organização.
Antes de iniciar a apresentação dos dados empíricos referentes às crenças e valores
organizacionais do HUPAA, faz-se necessária uma breve compreensão do significado desses
termos. Segundo Alves (1997), “crença” é a compreensão que damos como certa e que serve
de base para o nosso entendimento das coisas; “é um assentimento a um juízo produzido sob a
112
influência de alguém ou de algo em que confiamos; está relacionada com as perspectivas que
temos sobre os outros, sobre o ambiente e sobre a vida” (p. 10).
Para o mesmo autor, “valores” são as noções compartilhadas que as pessoas têm do
que é importante e acessível para o grupo a que pertencem; atuam como padrões quanto à
forma de sentir e de agir, e como roteiros ou critérios para a escolha de objetivos ou soluções
alternativas, em uma circunstância qualquer.
A coleta de dados permitiu captar que formalmente existem algumas crenças e valores
compartilhados na organização e que podem ser entendidos como dispositivos de integração e
de controle, para indicar e/ou corrigir as formas de atuação dos agentes na organização. São
estes: envolvimento e comprometimento com a organização e com o paciente, lealdade à
organização, dedicação à organização e ao paciente, responsabilidade para com o trabalho e
com o atendimento ao paciente, orgulho pela credibilidade alcançada pelo hospital junto à
comunidade.
Além desses, existe um outro conjunto de valores não tão nobres, mas que estão
presentes no dia-a-dia do hospital e que também parecem ser compartilhados pela
organização. Vários foram os relatos onde eles emergiram; contudo, a responsabilidade pela
construção ou manutenção desses valores é repassada pelos agentes a ‘outros’. Os
depoimentos a seguir exemplificam a que estamos nos referindo:
“O que está norteando esta gestão hoje é lealdade em parte, competição e
vaidade extrema. Eu tenho que mostrar a alguém que eu posso fazer, que eu
fiz. Outro não fez, mas eu fiz, esse é o valor mais forte. E eu não me
identifico com isso” (“X”).
“O descompromisso das pessoas: tem gente que quer o salário no fim do
mês e pronto, não se envolve com o hospital, e é muita gente assim” (“T”);
“O valor agora: a questão do recurso, não é mais fácil como antigamente
quando vinha mais recurso para pesquisa e ensino, agora o hospital tem que
se manter por si, tem que se preocupar com os custos. Mas aí ele não se volta
para isso pensando na qualidade” (“Z”).
113
“[...] vejo que o hospital tem tomado um rumo político, a coisa está assim a
política entrou em tudo que a gente sabe, e isto aqui não é uma instituição
política” (“U”).
“Mas tem gente que usa isso aqui como política, usa para o lado financeiro
próprio, existe, não vou dizer, mas existe” (“R”).
“É muito frustrante quando eu vejo os meus alunos com jalecos de outros
lugares; parece até que eu não consegui passar nada para eles do meu amor
pela universidade, pelo hospital, tem que valorizar a Universidade que nos
formou, que nos deu a oportunidade de ser o que somos” (“I”).
“Eu percebo muito aqui dentro é a vaidade [...]” (“J”).
Tem-se novamente a impressão de haver diferentes cenários: valores formais
proclamados e seguidos, ao lado de outros não formalmente definidos, mas também
arraigados.
Apesar de haver uma missão formalmente definida, a sua legitimação por meio da
disseminação de crenças e valores tem se mostrado ainda carente. Valores como
humanização, compromisso, integração, abertura, participação, sentimento de pertencimento,
parece-nos que ainda não alcançaram um patamar de homogeneidade, de disseminação por
toda a organização. Enquanto isso, descompromisso, corporavitismo e dessincronia aprecem,
permeando os comportamentos dos agentes e a estrutura do hospital, parecendo fazer sentido
a alguns grupos.
4.2.1.3.2 Regimento Interno, normas e rotinas
O Regimento Interno do HUPAA é datado de 1978 e não contempla vários aspectos da
realidade do Hospital: os serviços, setores e diretorias previstos no documento são diferentes
daqueles que efetivamente existem na realidade; em alguns setores, as atividades mudaram
bastante em relação ao que está previsto no documento; e o organograma definido no
Regimento mostra uma estrutura hierárquica também distinta da atual. Ainda assim, ele
114
permanece como o principal documento oficial da organização.
Aqui cabe esclarecer que os organogramas apresentados na subseção 4.2.1.1
formalmente não constam no Regimento Interno. Entretanto são reconhecidos pelos níveis
estratégico e intermediário do HUPAA como aqueles que legitimamente representam a atual
configuração do Hospital.
Em março de 2005, foi elaborado um documento chamado Proposta de Revisão da
Estrutura Organizacional do HUPAA, que vem sendo considerado uma minuta do novo
Regimento Interno do hospital; a tarefa de elaborá-lo coube a um consultor externo, a
membros da Diretoria e a alguns assessores. Essa revisão teve o objetivo de atualizar o
Regimento Interno, incorporando a ele as mudanças ocorridas nos últimos anos no hospital,
tais como o aumento do número de setores, serviços e atividades, bem como a mudança no
perfil das Diretorias. Essa proposta não foi amplamente discutida com os vários segmentos do
HUPAA níveis intermediário e operacional —, ainda que esta seja de fundamental
importância para a organização como um todo. Os momentos de discussão sobre esse
documento continuam limitados ao grupo da Diretoria do HUPAA e ao Conselho Diretor.
Entretanto, percebeu-se que dos aspectos contemplados na Proposta de Revisão da
Estrutura Organizacional do HUPAA acontecem na realidade do HUPAA, mesmo que
ainda não tenham sido aprovados pela Reitoria.
Sob nosso ponto de vista, esta coexistência entre documentação factual” e a “de
direito” representa enfraquecimento ou “contaminação” da esfera burocrática do Hospital por
aspectos não formais.
No que se refere às normas e rotinas, o estabelecimento e a disseminação de
procedimentos operacionais no HUPAA começaram a ser providenciado em 2003, com a
elaboração do manual de normas e rotinas do hospital, numa iniciativa da Direção
Administrativa que contou com o apoio da Direção Geral à época. Desde então, esse trabalho
115
encontra-se sob a supervisão e execução da Coordenação de Desenvolvimento Institucional
(CDI), em conjunto com os vários setores do HUPAA.
Segundo dados da CDI, cerca de 80% dos setores concluíram seus manuais, sendo que
a descrição das rotinas referentes aos serviços médicos ainda não avançou. Em agosto de
2006, após três anos de trabalho, começou a ser entregue o primeiro lote de rotinas, que fazem
parte do Manual de Normas e Rotinas do Hospital.
Os dados coletados em entrevistas e observações nos mostram uma realidade um
pouco distante daquela descrita pelos documentos. Exemplificando: evidenciou-se que grande
parte das normas e rotinas que se encontram oficialmente escritas ainda não está totalmente
implantada ou sendo rigorosamente cumprida, enquanto outras que não estão oficialmente
previstas em manuais, estão incorporadas e são realizadas no cotidiano do hospital;
Mais, no geral, a percepção predominante entre os agentes entrevistados é a de que são
poucas as normas e as rotinas definidas para o hospital como um todo; no geral, cada
setor/serviço, quando as define, o faz isoladamente, sem uniformidade, integração ou linha
mestra que as agrupe ou oriente. E mesmo aquelas rotinas que se encontram em manuais não
têm tido sua execução acompanhada, exigida ou cobrada.
Como também, embora expressem verbalmente um reconhecimento de que normas e
roitnas são imprescindíveis enquanto instrumentos para direcionar, organizar e acompanhar as
atividades dos setores, no cotidiano do HUPAA ficou evidente entre os entrevistados que eles
ainda não estão suficientemente cientes do porquê de cumprir normas, rotinas, regulamentos;
e talvez por isso estejam resistindo quanto a colocarem no papel” e seguirem-nas, o que
demandaria engajamento no processo de trabalho e mais comprometimento com a
organização.
O depoimento abaixo resume claramente a realidade encontrada na coleta de dados:
“[...] cada dia mais é uma questão meio do momento que a gente es
vivendo, então é urgente a gente construir rotinas e regras ou normas, mas
116
dentro de uma política que seja clara, que quem cumpra perceba exatamente
por que está cumprindo esta rotina e se possível ao ideal seria que ela
tivesse participado da criação dessas normas e dessas rotinas, certo? Por
participar, por entender onde ela vai chegar, ela está preservando o que ela
pretende alcançar, fica mais fácil dar sentido ao cumprimento dessas regras.
O problema é que continua dissociado. Então se colocam as regras, meia
dúzia participa dessas discussões, outros cumprem, outras não, outros são
chamados a cumprir; no meio do processo mudam-se os objetivos, na
dinâmica do processo as pessoas assistem as normas serem quebradas por
vários níveis de atuação, tanto na área operacional pela administrativa, pela
área gerencial. Então isso começa a comprometer inclusive a própria
validade das regras e das rotinas” (“Y”).
Essa realidade torna-se especialmente preocupante diante do fato de que, no caso do
HUPAA, a descrição de normas e rotinas operacionais é também uma exigência do Programa
de Reestruturação dos Hospitais de Ensino (MEC/MS).
Não espantou encontrar dados que evidenciaram a resistência de alguns profissionais
em adotar a padronização, normas e rotinas definidas pelo HUPAA, considerando a
autonomia que lhes é imanente à prática de sua profissão. Alguns agentes (médicos, por
exemplo) estão sujeitos a um conjunto de padrões que são provenientes do ambiente externo
ao Hospital e das categorias profissionais da qual fazem parte e pelos quais orientam seu
comportamento, atividades e rotinas em seu local de trabalho.
Durante as observações percebeu-se, por vezes, que a obediência à normatização e
padrões estabelecidos pelos conselhos de Medicina, Enfermagem, Fisioterapia, entre outros
tem prioridade em relação àquelas definidas pelo HUPAA.
Assim, no HUPAA tem-se a formalização e a profissionalização — uma forma externa
ao Hospital que também procura regularizar o comportamento dos agentes organizacionais.
Devido ao caráter de incerteza que acompanha a natureza das atividades do hospital,
perceberam-se situações e problemas cuja resolutividade foge ao que está previsto nas normas
e rotinas do Serviço e que por isso, quando necessário, alguns processos organizacionais são
flexibilizados ou fluxos de trabalho são alterados, em geral pelos profissionais da área de
117
saúde, para que um paciente possa ser atendido, ou para que as atividades de ensino e
pesquisa possam ser realizadas.
Algumas áreas dentro do HUPAA surgiram com o objetivo específico de definir e
implantar rotinas, normas e procedimentos; são estas: Gerência da Tecnovigilância e Gerência
de Farmacovigilância — ambas enfrentando dificuldades para fazê-lo.
Em suma, no HUPAA as regras e normas que orientam a ações dos agentes ainda têm
um longo caminho a percorrer até estarem de todo formalizadas, implantadas e cumpridas
pelos agentes. Tal situação corrobora o fato de que, em se tratando de um hospital, podem-se
encontrar aspectos instituintes e instituídos, lado a lado, constituindo a dinâmica da
organização; assim sendo, talvez as regras e normas no HUPAA não cheguem a se
institucionalizar por completo. Isto é, pode ser da natureza dessa organização a necessidade de
manter-se não totalmente institucionalizada, reservando um espaço para a flexibilidade, que
lhe é vital mediante os tipos de atividades que desenvolve.
4.2.1.3.3 Metas organizacionais
De outra parte, o HUPAA está participando do Programa de Reestruturação dos
Hospitais de Ensino, que define a forma de tratamento, avaliação e remuneração dos Hospitais
de Ensino no Brasil. Vale dizer, o Hospital pactuou junto à Secretaria Municipal de Saúde
(Gestora Plena da Política Municipal de Saúde) o seu Plano Operativo Anual — POA:
contrato que estabelece metas e indicadores os quais abrangem praticamente todas as
atividades do hospital, que delineia formalmente as ações, os serviços e as atividades do
HUPAA, e que explicita a política condutora das atividades organizacionais do HUPAA.
A contratualização tem sido importante na medida em que faz algumas exigências a
essa organização hospitalar para as áreas de Atenção à Saúde, de Gestão Hospitalar, de
118
Qualidade, de Atividades Educacionais e de Pesquisa, tais como: possuir uma residência
médica estruturada, abrigar o ensino e a pesquisa em cursos da área da saúde, prestar
assistência como instituição de média e alta complexidade, apresentar indicadores de
desempenho considerados satisfatórios e possuir equipamentos essenciais ao tratamento e
diagnóstico.
Disso tem-se que a contratualização, no âmbito interno, demandaria o engajamento
dos funcionários no sentido de que sua atuação seja voltada a atingir as metas definidas, as
quais se não forem cumpridas, não trarão recursos financeiros e, por conseguinte causarão
mais problemas no funcionamento do hospital. Diante desse quadro, o estabelecimento e o
cumprimento das metas estabelecidas assumem papel relevante para que o hospital possa
efetivamente cumprir o que determina o POA.
Contudo, no cotidiano do HUPAA, essa relevância das metas organizacionais parece
estar mais disseminada entre aqueles setores que estão diretamente responsáveis pela
condução e supervisão do Plano Operativo Anual. Cabe mencionar que a percepção da
maioria dos setores do HUPAA acerca do estabelecimento e cumprimento das metas
estabelecidas não é uniformizada e parece não seguir a realidade prevista pelo Plano.
Alguns setores reconhecem a existência de metas e indicadores definidos pela
contratualização, enquanto outros não os reconhecem e tampouco os cumprem. ainda um
terceiro grupo, segundo o qual as metas são estabelecidas isoladamente e individualmente de
acordo com a capacidade de cada setor, sem estar necessariamente associadas ao que
determina o Plano Operativo Anual. Seguem algumas evidências da realidade descrita nestes
últimos parágrafos:
“Hoje com a questão da contratualização isso está mais claro para quem está
diretamente ligada a esse processo. Hoje existem metas que precisam ser
atingidas” (“S”).
“Muitas metas já vieram prontas. Nós não participamos” (“D”).
119
“Metas não existem” (“J”).
“Temos metas, mas não são muito cobradas porque o hospital não tem
recursos para comprar os nossos principais instrumentos de trabalho. Essa é
a primeira vez que trabalhamos dessa forma e o hospital sempre teve muita
dificuldade em acompanhar indicadores, tem muita dificuldade em
acompanhar” (“C”).
“A gente é quem faz, a gente faz um plano de ação com metas que a gente
tem que atingir [...]” (“B”).
“Não; existe assim individualmente porque a gente particularmente participa
de algumas reuniões, discussões, isso inclusive eu tenho cobrado da direção
[...]” (“Y”).
“Tem no papel, mas que muitas vezes não são cumpridas. Mas acredito
que com essa contratualização a gente vai ter que cumprir porque a
Secretaria de Saúde vai bater em cima” (“X”).
No entanto, um conjunto de percepções comum a esses grupos: ainda não é feito o
efetivo acompanhamento dessas metas; sua definição durante o processo de contratualização
foi feita sem a participação de vários setores do hospital; fatores externos e internos têm
trazido restrições ao cumprimento das metas propostas.
Assim sendo, as metas organizacionais enquanto mecanismo de coordenação das
atividades dos setores e agentes organizacionais não vem conseguido alcançar o fim a que se
destinam, conforme formalmente esperado.
4.2.1.3.4 Treinamentos e sistema de recompensas e punições
No HUPAA, as atividades de treinamento são realizadas atendendo a demandas
detectadas pelas gerências, pela Direção ou pelo SRH. A maioria dos treinamentos é realizada
no hospital e conduzida por profissionais da própria organização; mas alguns funcionários
também participam de cursos, seminários, treinamentos externos. Outrossim, chama atenção o
fato de não haver acompanhamento para checar se o objetivo a que o treinamento se propunha
foi alcançado.
120
Embora o SRH/HUPAA tenha definido uma agenda de treinamento, percebeu-se por
vezes a ausência de estrutura adequada (local, material de consumo, entre outros) para que
esse cronograma possa ser cumprido como previsto. Durante as entrevistas, foi apontado
pelos entrevistados que as oportunidades de treinamentos, quer seja para capacitação,
socialização, ou atualização do quadro de pessoal, ainda não atendem às suas necessidades e
tampouco às do hospital; também o entendimento de que os problemas de integração e de
comunicação poderiam ser atenuados se os funcionários fossem mais bem preparados para
suas atividades.
É possível que a não existência de oferta regular de treinamento venha estimulando a
transmissão verbal e informal das atribuições e rotinas, como também a produção de
conhecimento obtido a partir da experiência na prática cotidiana.
Sendo o treinamento uma forma de uniformizar e padronizar a transmissão e o
compartilhamento de valores e crenças organizacionais, parece-nos que no HUPAA esse
mecanismo não tem sido satisfatoriamente trabalhado no sentido de alcançar tal finalidade.
Por sua vez, foi comum encontrar, entre os funcionários que participaram de
treinamentos externos, relatos sobre a dificuldade que sentem ao retornar à organização e
tentar implantar algo novo aprendido; as condições de trabalho e a falta de apoio do nível
estratégico foram citadas como fatores limitantes.
Particularmente sobre o treinamento de socialização com novos funcionários, seu
objetivo principal é expor a eles algumas regras, normas, e orientações relacionadas à
organização. Na oportunidade, são realizadas técnicas de dinâmica de grupo com o objetivo
de apresentação e descontração, bem como a apresentação de um breve histórico do hospital e
sua estrutura física. Normalmente, a participação de membros das direções, do setor de
recursos humanos, de medicina do trabalho e da reitoria.
121
Contudo, durante a observação participante evidenciou-se que a participação
obrigatória não tem sido exigida nesse treinamento; tampouco algum tipo de punição aos
não-participantes. O que significa que, alguns recém-chegados à organização iniciam suas
atividades laborais no hospital sem conhecer a missão, os valores organizacionais, as rotinas,
entre outros. Sendo assim, questiona-se até que ponto esse treinamento dito de socialização e
integração alcança o objetivo a que se propõe.
De outra parte, as recompensas oferecidas pelo HUPAA a seus agentes são compostas
de elementos subjetivos e objetivos, estimulando tanto um envolvimento tanto de natureza
calculista-utilitária quanto afetiva-moral, sendo este último tipo o mais fortemente percebido
na coleta de dados. Alguns relatos exemplificam essa percepção:
“A vontade de ajudar; é muito gratificante ver que o nosso trabalho pode
ajudar a minimizar o sofrimento de alguém” (“M”).
“O trabalho no HU é muito gratificante, você ganha pouco mas existe muita
satisfação. Porque a gente atende a uma população extremamente
desassistida; segundo porque você está passando para outras gerações o que
você aprendeu, isso vai passando pra frente, você vai perpetuar aqui a sua
imagem. Eu gosto muito quando me chama de professor, eu me sinto velho
mas gosto” (“K”).
“O prazer de ver o meu trabalho melhorando o trabalho dos companheiros e
em algumas vezes se refletindo na assistência, no ensino e na pesquisa”
(“F”).
“O fato de trabalhar num hospital que é significativamente importante para a
população de Alagoas e que a gente pode oferecer um serviço de qualidade”
(“V”).
“Eu preciso do salário, preciso sobreviver, sustentar minha família, pagar
minhas contas” (“W”).
Vários foram os ganhos simbólicos citados, mas um item foi bastante destacado nas
entrevistas: o sentimento de status em trabalhar no HUPAA e a projeção que isso proporciona
à carreira de alguns profissionais, em especial aos da área de saúde.
No que se refere às recompensas de caráter mais utilitário, alguns funcionários
expressaram insatisfação com o salário recebido, sendo que esse sentimento é ainda mais forte
122
entre aqueles que não são concursados e, portanto, não têm estabilidade no seu vínculo
empregatício com a organização. Além disso, encontraram-se também dentro de um mesmo
setor pessoas com as mesmas atribuições, com o mesmo tipo de vínculo empregatício,
recebendo salários diferenciados, sem critério objetivo que justifique tal situação.
Entre os agentes do nível intermediário, evidenciou-se desconforto quanto à concessão
(ou não) de gratificações pelo nível estratégico, visto que ela é feita caso-a-caso, sem clara
definição dos aspectos que são considerados para tal.
Para as punições, existem formalmente procedimentos administrativos dispostos em
documentos como o Regimento Jurídico Único dos Servidores Públicos, Consolidação das
Leis Trabalhistas (CLT) e regulamentos específicos das categorias profissionais. No entanto,
fatores subjetivos interferem na aplicação das punições com o mesmo rigor a todos. Assim
sendo, algumas categorias e profissionais têm sido vistos como “privilegiados”, “protegidos
da direção”, “intocáveis”, “aqueles que podem fazer o que quiser e não são punidos”. Essa
descrição é principalmente atribuída a alguns casos específicos: médicos, funcionários que
têm algum outro parente trabalhando na organização, docentes.
Corroborando o tópico que trata de normas, rotinas, regulamentos, percebe-se que no
HUPAA ainda é problemática a definição de quais regras existem, quais funcionam, a quem
se aplicam e quais punições são aplicadas. Justifica-se então por que as punições tendem a
incorporar elementos informais, subjetivos seria uma forma de preencher os hiatos
deixados pelo não exercício da regulação formal.
Vê-se que no HUPAA as recompensas e as punições são utilizadas como mecanismo
de controle, mas também têm despertado em parte dos agentes organizacionais a percepção de
que algumas categorias e profissionais têm sido mais punidos ou mais bem recompensados
que outros.
123
Diante do exposto ao longo dessa subseção, dizer que no HUPAA a formalização é
mínima não corresponderia à realidade, afinal existem normas, rotinas e regulamentos, e os
agentes organizacionais não lançam mão de seu julgamento próprio o tempo todo em suas
atividades no Hospital. Como também, não se pode afirmar que a formalização seja máxima,
pois essas mesmas normas, rotinas e regulamentos não são seguidos sistematicamente e
rigorosamente como previsto.
Considerando que a formalização refere-se às variáveis que procuram controlar e
estruturar o comportamento dos indivíduos na organização (HALL, 2004), pode-se dizer que
o HUPAA não está rigidamente formalizado; certa flexibilização. Isso ocorre em virtude
dos mecanismos formais de coordenação estarem enfraquecidos, abrindo espaço para que os
agentes organizacionais desse Hospital ajam com certo grau de liberdade.
Significa dizer, a formalização está presente no HUPAA; não se limita apenas aos
mecanismos formais de coordenação adotados por esse Hospital; e vem sendo flexibilizada
pelo componente instituinte trazido pelos agentes organizacionais.
4.2.1.4 Processos Organizacionais
4.2.1.4.1 Comunicação
No HUPAA, o processo de comunicação se dá por meio de documentos oficiais
(comunicação interna, ofícios, portarias) escritos, por contatos pessoais e por telefone. O uso
de e-mails ainda é tímido — apesar de o hospital já ter sua rede interna em funcionamento;
também o informativo semanal e o serviço de som (destinado a anúncios pontuais).
Durante a coleta de dados esse processo foi descrito como “limitado”, “falho”,
“péssimo”, “quase inexistente”, “problema crônico”, entre outros, independente de qual meio
124
de comunicação esteja sendo utilizado. A seguir, apenas alguns relatos para ratificar essa
caracterização:
“Péssima, a comunicação é muito limitada [...]” (“X”).
“A maneira de se comunicar é uma doença crônica. Às vezes as pessoas
sabem e ficam para si e não levam a frente, e sabem que mesmo que estejam
num outro setor não deixa de ser uma única unidade” (“M”).
“Não existe uma integração e uma comunicação muito grande porque me
parece que existem muitos interesses separados e que algumas coisas
funcionam assim: não abre muito aqui, só interessa a gente” (“F”).
“A falta de comunicação é interpessoal e intersetorial” (“H”)
Chama atenção o fato de que a comunicação intersetorial se dá basicamente nas
situações em que há a necessidade de resolução de problemas, não sendo possível detectar um
fluxo contínuo ou canal estabelecido de comunicação:
“Só existe comunicação quando existe problema, quando existe problema
cada setor quer culpar o outro, mas não existe uma comunicação que devia
ser natural: um fluir de ir e vir das necessidades, isso não existe” (“Z”).
“Os setores se comunicam quando precisam, não uma comunicação
contínua. Essa comunicação é mais freqüente nesses momentos e podem
acontecer outros momentos, mas a gente não tem o hábito de estar se
comunicando” (“Y”).
“Certos serviços são criados e a gente não tem conhecimento, e essa
comunicação não chega nos outros setores; é como se não houvesse
necessidade dos outros setores saberem o que está acontecendo com o
hospital de maneira geral, você fica desatualizado. Se você tiver
constantemente conversando com as pessoas no almoço ou coisa parecida,
você ainda sabe das coisas, senão você fica desatualizado das informações
aqui no hospital” (“S”).
A falta ou dificuldade de comunicação perpassa as várias esferas organizacionais:
intra-setorial, intersetorial; e entre os setores e a direção:
“Entre setores ainda não tem o fluxo que deveria ter, as informações ainda
ficam muito presas aos setores; e para o trabalho acontecer como deve, a
maior das informações precisam ser repassadas. Então isso impede e implica
muito no desenvolvimento das atividades, conseqüentemente no trabalho e
no desenvolvimento do hospital. Entre setores e direção, também a
mesma dificuldade em termos de repasse de informações [....]” (“N”).
“Existem várias comunicações entre a direção para depois serem repassadas
pelos setores; eu acho que é um dos problemas que hoje em dia está
complicado. Chega às vezes o Diretor Geral e diz uma coisa, e o Diretor
Administrativo diz outra, então isso complica bastante” (“J”).
125
“A comunicação aqui para mim sempre foi deficiente, sempre foi ruim,
poucos setores conseguem se comunicar bem, inclusive internamente a gente
se comunica mal” (“L”).
De todas as fontes de dados, surgiram evidências de problemas no processo de
comunicação vertical; sendo que especialmente entre os níveis estratégico e intermediário esta
limitação parece estar mais acentuada. Entre as diretorias parece haver maior facilidade de
comunicação, com a realização freqüente de reuniões entre si e um fluxo melhor estabelecido
de documentos.
Nas entrevistas, unanimemente, o processo de comunicação é reconhecido como um
aspecto a ser melhorado na organização, entretanto as pessoas e os setores não tomam para si
essa responsabilidade; há sempre o “outro setor” ou “a outra pessoa” que é o (a) culpado (a).
Encontrou-se grande número de CI´s (comunicação interna) e ofícios enviados às
diretorias, alguns deles advindos de setores diferentes, tratando do mesmo assunto, cada um a
partir de sua ótica e sempre apontando um possível setor responsável pelo problema ocorrido.
De forma geral, as partes envolvidas parecem apresentar dificuldade de se comunicarem entre
si e desperdiçam tempo e esforço resolvendo problemas que poderiam ser sanados em seus
próprios setores/serviços.
A dificuldade de comunicação e a transferência de responsabilidades mostraram-se
como esferas imbricadas e que podem ser percebidas como possíveis causas das limitações
enfrentadas por várias áreas para execução de seus trabalhos. Corroborando essa descrição,
tem-se o relato abaixo, retirado de um documento formal dessa organização, mostrando que
tal situação já fora anteriormente percebida:
Vários são os problemas que a atual estrutura apresenta [...], a seguir lista-se
um apanhado geral destes problemas tais como: [...] f) acentuada
fragmentação entre as unidades/serviços; g) baixo grau de comunicação
interna; h) cultura de transferência de responsabilidade [...]. (Fonte:
Proposta de Revisão da Estrutura Organizacional do HUPAA, p. 24, 2006b.
Grifo no original).
Embora haja dificuldade de comunicação (formal), os agentes também relataram que
126
costumam conversar informalmente com seus pares, em busca de soluções para questões
intersetoriais, quer seja por telefone ou “pelos corredores do hospital”. De outra forma, por
trás da formalização do processo de comunicação no HUPAA, a presença de elementos
informais que fazem com que esse processo aconteça, ainda que de forma ineficiente.
Sendo o HUPAA é uma organização com considerável grau de complexidade —
horizontal e vertical, e que lida com situações que não são de fácil rotinização, parece que
essa característica gera e/ou potencializa problemas e limitações no processo de comunicação,
o qual mescla aspectos de caráter formal e informal, é sem compartilhamento e com o repasse
de informações centralizado por algumas pessoas e setores.
4.2.1.4.2 Processo de Mudança
A trajetória histórica do HUPAA (seção 4.1) revela que essa organização mudou em
vários aspectos nestes 33 anos de funcionamento: sua estrutura física foi ampliada,
modificada, melhorada; vários novos setores/serviços foram criados; houve investimento em
equipamentos; o quadro de pessoal modificou-se e também cresceu; a importância e a
credibilidade do hospital perante a sociedade alagoana foram consolidadas. Diante disso, é
uma questão chave entender de que forma o processo de mudança acontece nessa organização
hospitalar.
Em geral, as mudanças no HUPAA parecem ocorrer sem planejamento prévio, sem
explicação clara aos funcionários sobre sua importância, sobre o prazo para implantá-las,
sobre suas conseqüências na organização. Existem exemplos de novos setores e novas rotinas
que foram implantados dessa forma, mas ainda não conseguem funcionar ou não trazem o
retorno esperado; e outras situações em que chefias de serviços foram apenas comunicadas
sobre mudanças repentinas a serem implantadas em suas áreas.
127
A dessincronia entre planejamento e mudança foi a principal causa referida pelos
entrevistados para a falta de adesão do corpo funcional a novos processos organizacionais.
Essa resistência é evidente em todos os relatos dos entrevistados, independente de suas
categorias ou níveis na hierarquia. Contudo, dois grupos foram citados como os que mais
fortemente reagem a mudanças: os médicos e a enfermagem. Os primeiros são
tradicionalmente reconhecidos nessa organização por sua histórica resistência, respaldada pela
autonomia de sua categoria profissional, a qual tem como base sua expertise; enquanto a
enfermagem tem apresentado dificuldades em reavaliar processos de trabalho e/ou adotar
projetos sugeridos por outras áreas.
Esse quadro parece encontrar reforço nos fragmentados processos de comunicação e
de integração da organização, os quais dificultam que as mudanças sejam entendidas
claramente, ou pelo menos recebidas uniformemente pelos setores envolvidos, o que alimenta
as queixas dos agentes organizacionais de que mudanças importantes são comunicadas
superficialmente ou sequer são partilhadas.
Um aspecto que merece atenção é a maneira como os agentes reagem às mudanças na
organização. A seguir, algumas considerações a esse respeito:
o alguns agentes, independente de sua posição hierárquica, admitem que a mudança
é necessária à evolução do hospital, entretanto assumem também não se sentir confortáveis
frente a elas; relatam medo e instabilidade, e de forma geral reagem com resistência até o
momento em que passam a entendê-las ou aceitá-las;
o foram freqüentes relatos de sentimentos de exclusão pela forma como as mudanças
são planejadas ou executadas;
o um grupo de agentes, principalmente do nível intermediário, que adota uma
postura crítica de questionamento, observação e busca das razões para as mudanças não
se entusiasma quando as coisas mudam sem aparente necessidade;
128
o foi comum encontrar agentes do vel operacional que dizem preferir acatar as
mudanças e se resignar, procurando se adaptar a elas para evitar problemas com a direção e
atritos com os colegas;
o os agentes entrevistados pertencentes ao nível estratégico demonstraram ter uma
visão mais clara da necessidade das mudanças; entretanto insistem na tendência de impor as
mudanças aos vários serviços/setores sem prepará-los para tal;
o durante as entrevistas, emergiram relatos que descrevem as pessoas que trabalham
mais tempo na organização como sendo acomodadas, apegadas ao passado, avessas a
mudanças;
o em contato com o SRH e através de visitas a vários setores, apurou-se que uma
boa parte dos profissionais de saúde do HUPAA desenvolve atividades laborais em outras
organização de saúde (deixando de cumprir a carga horária devida no HUPAA). Assim,
mudanças que signifiquem alterações em seus horários de trabalho, ou que estejam associadas
a alterações em processos de trabalho, enfrentam uma forte resistência desse grupo de
funcionários;
o alguns agentes entrevistados acreditam que as mudanças que envolvem
recompensas pecuniárias são vistas como mais fáceis de serem implantadas.
Essas considerações levam à compreensão de um dos fatores limitantes dos processos
de mudanças: de um lado agentes estratégicos cujas ações estão mais voltadas ao futuro do
hospital; de outro, os agentes operacionais e intermediários que acolhem o futuro, mas
executam suas ações baseados em suas experiências do passado e do presente.
Por fim, percebeu-se que os comportamentos de resistência e de resignação dos
agentes frente às mudanças encontram reforço na forma centralizada como as decisões são
tomadas, nas falhas de comunicação entre setores, na pouca integração entre as aéreas do
hospital, entre outros. Seria a inter-relação entre o agente e a estrutura que o Modelo de Alves
129
(2003) percebe como existente.
4.2.1.4.3 Articulação Intersetorial
De forma geral, agrupando-se os setores em área-fim e área-meio do hospital, todas as
fontes de dados mostraram o distanciamento e a falta de interação entre essas áreas.
Similarmente ao processo de comunicação, a articulação intersetorial se em momentos
pontuais, sendo voltada à resolução de problemas ou à necessidade a ser sanada.
Observou-se que as reuniões intersetoriais ou entre setores e diretoria não têm
conseguido disseminar a integração entre equipes, pois em geral são encontros para tratar de
questões específicas e pouco estimulam a continuidade do trabalho entre setores, categorias,
profissionais.
Evidenciou-se o quão fraca encontra-se a ligação entre essas duas grandes áreas, em
especial pela forma como esses dois grupos se tratam mutuamente: “eles” e “a gente”,
parecendo ser dois grupos distintos que assumem posturas defensivas, reforçando ainda mais
a percepção de que parece existir “o hospital 1, o hospital 2”. rias foram as queixas de que
a área-meio (em especial os setores administrativos) lidam com papéis, e que por isso não
têm a compreensão do que acontece na “ponta”, do que é “realmente tratar do paciente”.
As áreas, tanto a meio quanto a fim, sinalizam preocuparem-se muito mais com seu
resultado setorial do que com o alcance dos objetivos organizacionais de forma mais ampla.
Essa dicotomia entre elas duas constitui uma peça-chave para se compreender os vários
conflitos que se formam no interior desse hospital. Alguns relatos podem ilustrar tal
descrição:
“Não sei se esta articulação, a não ser aquilo que é obrigatório. É
130
praticamente nulo, cada um quer fazer o seu e às vezes faz do jeito que quer,
mas aí quando incomoda o outro, eu vou me queixar a alguém” (“O”)
“A gente não tem essa proximidade com quem está na ponta, na verdade
às vezes a gente nem sabe o que está acontecendo lá” (“V”).
“[...] cada setor briga pelo seu serviço” (“E”).
“Gestão, ensino e assistência é mais complicado. A gestão do hospital é
voltada para o ensino e para a assistência, mas nem sempre essas duas pontas
se aproximam da gestão” (“N”).
“São núcleos, vários hospitais dentro de um. Meu setor é privilegiado porque
a gente trata com o paciente direto e contato direto com o administrativo.
Então a gente pode entender a visão da parte administrativa e da parte do
paciente. Mas não sei se no lugar deles, se a gente teria o entendimento que a
gente tem” (“D”).
“Tem muitas pessoas envolvidas com o seu fazer e não envolvida numa
visão global do que é isso aqui. Então se o meu anda bem, acabou-se e não é
assim. O seu serviço pode estar bem, mas o serviço se chama hospital
universitário” (“H”).
“Eles não sabem como as coisas acontecem aqui” (“W”).
“[...] é preciso que a área-fim perceba a importância que ela tem no processo
pelo menos ao nível das informações que ela dá, porque que ela está com
contato direto com o cliente, ela está na ponta, ela tem muita coisa pra
colaborar; ela precisa saber disso, que ela é importante, que traz essas
informações” (“Y”).
Dito de outra forma, considerando que os vários setores do HUPAA estão voltados a
produzirem serviços, envolvendo variados tipos de trabalhadores ou uma equipe, preocupados
com o cuidado ao paciente, com o ensino e com a pesquisa, evidenciou-se que essas
“unidades de produção” não estão coordenadas entre si. Poucos setores, como o Serviço de
Arquivo Médico e Estatística (SAME), o Ambulatório, o Laboratório, a Radiologia, o Setor
de Recursos Humanos e a Direção de Enfermagem ainda conseguem alcançar amplitude
devido às atividades que desempenham, mantendo uma interação mais fortalecida; contudo,
ficou evidente que essa situação não se estende a todos os setores do hospital.
Ademais, conforme dados coletados, constatou-se também que os serviços de uma
mesma área (meio e/ou fim) interagem mais entre si do que com aqueles de outra, mas ainda
assim também demonstram dificuldade para constituir elos.
Também foi percebido que os setores recorrem primeiramente à direção responsável,
131
mesmo quando poderiam interagir uns com outros. Sobre a articulação setores/diretorias, essa
segue o padrão descrito anteriormente: voltando-se à resolução de questões, sem manutenção
de um fluxo contínuo.
Chama a atenção o fato de os vários agentes entrevistados dos níveis operacional e
estratégico perceberem as chefias intermediárias como os principais responsáveis em
promover (ou não) tal articulação, verbalizando inclusive que a falta de algumas competências
e habilidades das gerências podem estar influenciando negativamente tal processo.
No tocante às diretorias, a articulação acontece mais facilmente, com mais freqüência
e mais agilidade; ainda que divergências de posicionamento ou conflitos por vezes ocorram,
internamente esse nível organizacional parece ter um fluxo já constituído de interação.
As entrevistas mostraram também a falta de interação chega ao ponto de que alguns
setores desconhecem as atividades uns dos outros, e outros que não sabem da importância de
suas ações para os demais setores do hospital.
Por fim, evidenciou-se a compreensão de que essa falta de articulação, acentuada pela
falta de comunicação e entrosamento, tem levado à perda de tempo e de recursos e ao
desgaste das pessoas da organização, além do impacto negativo que traz à resolutividade dos
processos e ao atendimento ao paciente.
4.2.2 Ambiente externo e relacionamentos interorganizacionais
Esta seção traz a caracterização do ambiente externo ao HUPAA a partir de dimensões
definidas por Hall (2004): condições legais, condições demográficas. Além disso, serão
identificadas algumas das organizações e instituições com as quais o hospital mantém
relacionamento.
O HUPAA está submetido a várias políticas oriundas de instituições externas e que
132
são determinantes no desenvolvimento de suas atividades. No âmbito da assistência, o
Hospital vinculado ao Ministério da Saúde, visto que integra o Sistema Único de Saúde como
referência para a região metropolitana de Maceió e representa uma estrutura de saúde de
atendimento ao VII Distrito Sanitário de Maceió na capital alagoana.
Outras formas de vinculação do HUPAA ao Ministério da Saúde (MS) são o projeto
Piloto Hospital Sentinela/ANVISA e a participação no Pólo de Educação Permanente em
Saúde e no programa Expande.
O HUPAA recebe também pacientes vindos de municípios vizinhos de Maceió e até
de outros Estados, por meio de contatos com as respectivas Secretarias Municipais de Saúde.
Em sua vertente de ensino e pesquisa, o HUPAA reporta-se ao Ministério da Educação
(MEC). Atualmente, também é um dos participantes do Programa de Reestruturação dos
Hospitais de Ensino, instituído pelos Ministérios da Educação e da Saúde. As ações
estratégicas desse Programa definem as principais condições legais e políticas às quais o
HUPAA está submetido.
O relacionamento do HUPAA com os Ministérios da Saúde (MS) e da Educação tem
repercussões que podem ser também sentidas na parte financeira do hospital. Cerca de 50-
60% do valor total da folha de pessoal do hospital (pagamento de servidores e residentes
concursados) é pago pelo MS. São repassados para o HUPAA recursos através do Programa
Interministerial de Manutenção e Reforço dos Hospitais Universitários Federais.
O HUPAA presta serviço ao SUS do Estado, por meio da contratualização feita com a
Secretaria Municipal de Saúde, através do Sistema Único de Saúde SUS, comentada em
seções anteriores.
também relacionamento do HUPAA junto ao Ministério da Ciência e Tecnologia
por meio de vários projetos.
133
Em sua relação com a Universidade Federal de Alagoas, o HUPAA tem assento no
Comitê de Bioética e Ética em Pesquisa; o Setor de Recursos Humanos do HUPAA mantém
parceria em várias ações com a Pró-reitoria de Administração e Recursos Humanos da
Universidade; além disso, participa das reuniões da Comissão Interna de Educação
Permanente para o SUS de Alagoas/UFAL (CIEPS/UFAL). De forma mais ampla, o HUPAA
encontra-se subordinado ao ordenamento jurídico da UFAL, é parte dela; o que significa dizer
que a Universidade não faz parte do ambiente externo ao hospital.
A interface do HUPAA com a sociedade se através de projetos como: Projeto
Filhos da Fome, Projeto Mutante, Projeto Gerartes, Projeto Materno Infanto-Juvenil. O
hospital também presta serviços à comunidade indígena do Estado. A importância desse
hospital para a comunidade alagoana pode ser evidenciada em dados como os que se seguem:
“O fechamento do hospital teria impactos negativos. Porque deixaria de ser
base para o ensino de pelo menos sete cursos de graduação, para cerca de 50
pesquisas que utilizam o HU como objeto de estudo, para outros tantos
projetos de extensão que têm como suporte a estrutura do HU, deixaria de
atender centenas de pessoas que m aqui como referência para o seu
atendimento médico-hospitalar, outras tantas que tiram daqui o sustento de
suas famílias” (“L”).
“Greve pára HU e pode provocar caos” (ASSUMPÇÃO, 2005).
Apesar de ter sua origem vinculada à Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Alagoas, o HUPAA mantém convênios com outras instituições de ensino do Estado de
Alagoas para realização de atividades de formação.
Ademais, desde 2001 o HUPAA participa junto à Secretaria de Finanças do Estado de
Alagoas do Programa de Arrecadação Fiscal Cidadão Nota 10, no qual o Hospital concorre ao
prêmio com mais os dezesseis hospitais em todo o Estado.
também alguns aspectos da dinâmica interna do hospital que sofrem influência de
leis e regulamentações definidas pelo Ministério Público de Alagoas, Tribunal de Contas da
União, Sindicatos, Conselho Tutelar, Associações e Conselhos de classe. Sendo um hospital
134
de relevância em Alagoas, é intenso também o contato do HUPAA com os princípios veículos
de comunicação do Estado — jornais e televisão.
O hospital possui uma carteira de fornecedores nas áreas de medicamentos,
gasoterapia, materiais médico-cirúrgicos, material de consumo em geral, biomédica, material
permanente, entre outros. A figura 9(4) procura ilustrar a relação do HUPAA com seu
ambiente externo, destacando as principais forças que o compõem:
O ambiente externo em que o HUPAA se insere apresenta complexidade,
dinamicidade, previsibilidade e ausência de competitividade. Em seu relacionamento com
outros órgãos públicos como, por exemplo, o MS e o MEC, a definição prévia do papel do
HU para esses dois Ministérios, de forma a ajustar possíveis diferenças ou incompatibilidades.
H
H
H
U
U
U
P
P
P
A
A
A
A
A
A
Ministério
da Saúde
Secretaria
Municipal de
Saúde de Mace
Sindicatos,
Associações e
Conselhos de
classes
Ministério da
Ciência e
Tecnologia
Governo do
Estado de AL
Instituições
de Ensino do
Estado
MEC
Fornecedores
Comunidade
(pacientes,
associações de
moradores,
igrejas)
Mídia
Figura....: o HUPAA e as principais forças que compõem o ambiente externo ao hospital
Figura 9(4):
O HUPAA e seu ambiente externo (Fonte: Elaborado pela autora).
135
Trata-se de relações cooperativas monitoradas e formalizadas, em que são compartilhados
serviços, recursos, informações, com ascendência sobre a dinâmica interna do HUPAA.
4.2.3 Caracterização do agente organizacional e relacionamentos
internos
Refere-se à combinação de elementos caracterizadores do agente multidimensional-
reflexivo — AMR: caráter do agente, abordagem do tempo, atuação dos agentes, sucessão dos
dirigentes, disponibilidade para mudanças, relações internas, quadro de pessoal (ALVAES,
2003).
Para fins desta pesquisa, considera-se que agente organizacional pode ser qualquer
indivíduo que faça parte do quadro de pessoal do HUPAA, uma vez que, segundo o OMR, o
agente pode estar em qualquer posição da organização.
4.2.3.1 Orientação que determina ações do agente
É razoável admitir que as pessoas que trabalham no HUPAA têm suas ações
orientadas pelas mais diversas razões. Entretanto, alguns fatores insistentemente sugiram nas
entrevistas como as principais indicações que pautam os indivíduos para o desenvolvimento
de suas atividades no hospital: sentimentos afetivos, motivos racionais e história de vida.
Seguem alguns depoimentos que podem representar essa percepção:
“Eu me sinto gente aqui. Por incrível que pareça, fora a igreja, o lugar que
eu me sinto bem é aqui, eu me sinto útil. Então é esse sentimento que me faz
agir aqui” (“T”).
“Aqui trabalharam meu pai e minha mãe então ele faz parte da minha vida,
136
eu freqüento o hospital desde 1979; eu tenho um apego muito grande a esse
hospital, eu procuro fazer o melhor aqui [...]” (“S”).
“Primeiro é a profissão, eu faço aquilo que gosto. Além de gostar muito do
hospital: ele foi meu primeiro emprego” (“X”).
“A sobrevivência é necessária, não adianta dizer que trabalho porque gosto.
Eu não sou milionário para dizer que eu não tenho nada para fazer; eu
trabalho porque preciso sobreviver e sustentar minha família. Só que eu
gosto do que gosto, eu me identifico com o que faço e eu não sei fazer outra
coisa; a minha profissão é esta e eu gosto disso” (“W”).
“Eu tenho essa grande paixão pelo hospital, pela docência. Eu sou
apaixonada pela docência, acho a coisa mais linda do mundo, adoro, vibro”
(“A”).
“Eu adoro meus colegas de trabalho, eu me sinto útil na equipe” (“I”).
“Primeiro, é um hospital de ensino e isso é um estímulo a você aprender;
segundo, aqui é um local onde você tem patologias que se pouco em
outros ambientes de trabalho. E terceiro porque eu sou funcionário público, e
tenho um salário a receber” (“O”).
Não como assegurar que a posição hierárquica ou categoria profissional
necessariamente definam ou interfiram no que orienta o agente para ação, uma vez que
encontramos indivíduos de um mesmo grupo profissional e vel hierárquico com orientações
distintas. Numa mesma categoria, há profissionais que descrevem sua orientação principal
como sendo de caráter puramente utilitário estão na organização para receber o salário que
lhes é devido —, enquanto outros se orientam pelo sentimento de apego à história do hospital.
Outras situações são vivenciadas e foram citadas pelos agentes entrevistados como
aquelas que afetam negativamente suas ações na organização. Uma delas é a diferenciação na
remuneração e nos benefícios entre os concursados e os prestadores de serviço e celetistas.
Tal situação tem gerado insatisfação e desânimo nessa parcela do corpo funcional não
concursados —, e desconforto na relação interna de algumas categorias profissionais.
Outra seria as condições de trabalho insatisfatórias incluindo instalações físicas,
equipamentos, centralização do processo de tomada de decisão e comunicação falha entre
setores, falta de comprometimento de grande parte do corpo funcional para com a organização
137
e com o usuário.
Segundo alguns agentes organizacionais, a política de Recursos Humanos da
organização ainda não vem atendendo às suas expectativas: a oferta de treinamento ainda é
limitada, a progressão na carreira e a valorização do profissional não são estimuladas.
Pelas considerações aqui expostas, percebeu-se que a natureza dos fatores que
orientam os agentes entrevistados para a ação demanda recompensas que podem ser de caráter
normativo, subjetivo e utilitário; sendo que os dois primeiros tipos de recompensa parecem ter
mais ascensão sobre o segundo. Vê-se então os agentes organizacionais do HUPAA corrobora
Alves (2003) segundo o qual, o AMR é um indivíduo que age racionalmente em relação a
fins, mas também orientado pela tradição e movido por sentimentos afetivos.
4.2.3.2 Dimensão do tempo e as ações do agente
Conforme dito anteriormente, o HUPPA avançou durante os 33 anos de
funcionamento notadamente em sua estrutura física, contingente de funcionários,
tecnologia, número de consultas, cirurgia e especialidades atendidas, receita financeira, entre
outros. Além disso, alcançou posição de destaque no sistema de saúde em nível local e
regional. Contudo, alguns aspectos nos levam a crer que parte dos agentes dessa organização
não acompanha essa perspectiva de evolução adotada pela organização.
Percebeu-se certo sentimento de saudosismo em um grupo de membros da
organização: muito se falou de um tempo em que o hospital era pequeno, havia poucos
profissionais, todos se conheciam, a estrutura física do hospital era apenas “um esqueleto”, as
condições de trabalho eram limitadas e não eram oferecidos à comunidade tantos serviços e
tratamentos. Esse grupo de agentes organizacionais demonstra apego ao passado e às
experiências vividas em sua trajetória na organização, e mesmo quando verbalizam a
138
participação na evolução do hospital, não deixam de evidenciar a perda de um passado vivido
na organização e que não volta mais.
Essa parcela de pessoas é vista por outros agentes como “os antigos”, “os que estão
acomodados”, “os que não procuram se adaptar às mudanças e avanços do hospital”, “os
decanos”, “aqueles que sempre querem fazer as coisas da mesma forma que antigamente”,
“pessoas que tem a mesma mentalidade de quando chegaram aqui”.
Entretanto, ao aprofundar-se a pesquisa sobre essa situação, evidenciou-se que, mesmo
dentre aqueles que não se sentem incluídos nesse grupo dos “antigos”, queixas de que o
hospital vem evoluindo mais rápido que o ritmo, os hábitos e a mentalidade das pessoas.
Segundo a grande maioria os agentes organizacionais entrevistados, quando novos
processos internos se apresentam ou novas tendências são demandadas pelo ambiente externo,
sua reação inicial é reportar-se às experiências vividas ou à realidade que estão vivendo,
assumindo postura de resistência até que se esclareça o porquê e a necessidade de inovação.
Somente nas entrevistas dos agentes do nível estratégico foi percebido que o
desenvolvimento de suas ações tem o foco voltado ao futuro da organização, embora não
desconsiderem as experiências vividas na organização. Segundo esses agentes
organizacionais, o HUPAA tem aspectos de seu passado que devem ser conservados e se
possível mantidos; mas também necessidade de avançar na direção do aperfeiçoamento de
alguns processos organizacionais.
Vale dizer, percebeu-se que o HUPAA caminha em direção ao futuro com mudanças e
avanços, mas também traz em si costumes e práticas tradicionais acumulados em seus 33 anos
de história.
4.2.3.3 Representação do agente conforme posição na estrutura da
139
organização
Os agentes de nível estratégico são escolhidos pelo Diretor Geral do HUPAA. Cada
Diretor planeja, coordena, acompanha e avalia o desempenho dos serviços prestados pelas
áreas sob sua responsabilidade.
Cabe ao Diretor de Ensino planejar e acompanhar as atividades de ensino, pesquisa e
extensão no HUPAA; ao Diretor Técnico cabe preocupar-se com a assistência e apoio ao
diagnóstico e à terapia; ao Diretor de Enfermagem cabe coordenar as ações e cuidados
prestados pelo corpo de Enfermagem do HUPAA; o Diretor Administrativo encarrega-se de
supervisionar, promover e potencializar ações voltadas à área de gestão e também ao controle
financeiro e orçamentário do HUPAA.
Contudo, uma área de ações comuns partilhadas por esses agentes: a preocupação
em cumprir a missão do hospital e da Universidade e atingir os objetivos institucionais
propostos; a elaboração e implementação de regulamentos, planos e programas
interdisciplinares; o zelo pelo patrimônio do HUPAA; a indicação de gerentes, membros e
gerentes das unidades administrativas, técnicas ou assistenciais sob sua coordenação.
Em suma, os diretores do HUPAA desenvolvem ações de caráter estratégico,
demonstram certa liberdade para agir, e são também os responsáveis por estabelecer diretrizes
e coordenar os recursos de acordo com os objetivos organizacionais estabelecidos, e conforme
a análise de fatores externos e internos da organização.
Os gerentes/chefias de área correspondem aos agentes no nível intermediário e são
escolhidos para essa posição pelo Diretor Geral ou pela Diretoria responsável por sua área.
Essa escolha nem sempre é feita com base em critérios técnicos; assim, não raro encontram-se
agentes intermediários sem o devido preparo técnico para o exercício do cargo ou função que
estão desempenhando.
Em geral, as chefias autodefinem suas atividades como sendo de gerenciamento e
140
supervisão de área, sempre tentando assegurar o cumprimento das definições e determinações
do nível estratégico e aproximando-se do perfil do burocrata. Entretanto, em vários setores
encontram-se agentes intermediários com características também de agente operacional;
seriam aqueles que, além de coordenar o setor ou serviço, também executam tarefas
operacionais.
No nível operacional, dentre os agentes organizacionais investigados, em especial os
da área-meio, demonstraram certa passividade frente a seu cotidiano, acatando as orientações
dos níveis hierárquicos superiores sem questionamento; sua visão acerca dos processos
organizacionais é limitada, visto que se centram principalmente na execução de suas tarefas e
no seu cotidiano intra-setorial. os agentes organizacionais da área-fim, também cumprem
suas tarefas, mas demonstram certa liberdade de ação tendo em vista que realizam atividades
sob as quais detém alguma autonomia devido à expertise que possuem.
Percebeu-se que tanto os agentes organizacionais do vel operacional das áreas meio
quanto os da área fim aproximam-se do perfil previsto no OMR, a saber: atuação mais voltada
a um determinado segmento de atividade; perspectiva específica e limitada ao grupo
ocupacional ao qual pertence; mais sujeito a controles e mais submisso a regras e
regulamentos, mas sob certas circunstâncias especiais, ele pode ter iniciativas de grande
relevância para a organização.
4.2.3.4 Sucessão dos dirigentes
O Diretor Geral, agente principal, é designado pelo Reitor da UFAL, podendo ser da
área da saúde (não haja nenhuma obrigatoriedade formal de ser médico) ou não, escolhido
dentre os servidores do quadro da Universidade e sendo seu nome submetido para consulta
aos técnico-administrativos, docentes e estudantes do HUPAA. Ele permanece dois anos no
cargo, podendo ser reconduzido pelo Reitor.
141
Apesar de tais pré-requisitos para a escolha do diretor principal do HU, nas entrevistas
quase todos os agentes organizacionais referiram a motivos subjetivos quando da escolha
entre os candidatos ao cargo de dirigente principal do HUPAA. Alguns desses motivos foram:
a trajetória profissional do indivíduo no Hospital, empatia com os funcionários,
comprometimento com a organização.
Seguindo a tradição, o atual diretor geral do HUPAA é um médico concursado que
iniciou sua trajetória profissional na organização em cargo cnico e percorreu uma trajetória
até chegar ao cargo máximo no nível estratégico do hospital. Foi eleito com 86% dos votos
válidos, numa eleição em que foi candidato único. Mesmo com tal perfil, não se pode afirmar
que se trata de um líder carismático ou de um agente organizacional transformador, conquanto
o mesmo participou das duas diretorias anteriores à sua e suas ações (até a conclusão da
pesquisa) não se mostraram estar voltadas a romper com o status quo.
Os demais membros da Diretoria são indicados pelo Diretor Geral do HUPAA e seus
nomes, submetidos para aprovação pelo Reitor; com exceção da Diretoria de Enfermagem que
é escolhida pelo corpo de funcionários, docentes e estudantes dessa área. Para o cargo de
Diretor Técnico há a exigência de o mesmo ser um médico com inscrição no Conselho
Regional de Medicina em Alagoas (CREMAL); e para a Diretoria de Ensino, o cargo deverá
ser ocupado preferencialmente por um docente do curso de Medicina.
As chefias e gerências de serviços são indicadas pelo Diretor responsável e submetidas
à aprovação do Diretor Geral. Trata-se de cargos de confiança e não é exigida capacitação
técnica formal para ocupá-los: na escolha, é considerado a experiência ou o tempo de serviço
no hospital ou, ainda, a proximidade com os diretores. Em outras palavras, os agentes
organizacionais do nível intermediário do HUPAA são escolhidos com base em critérios
subjetivos, não formalizados.
142
4.2.3.5 Quadro de pessoal
Os funcionários do HUPAA podem ser categorizados em dois grupos principais,
considerando-se a atividade a que preferencialmente estão voltados: os docentes (ensino e
pesquisa) e os técnico-administrativos (assistência e gestão administrativa do hospital). Nos
dois grupos, encontramos pessoas que ingressaram na organização por meio de concurso
público; mas somente no segundo celetistas, prestadores de serviços, bolsistas. A figura
10(4), abaixo, traz uma representação dessa categorização:
No total, o quadro de pessoal do HUPAA tem aproximadamente 1.450 pessoas,
incluídos essas duas categorias principais e os residentes, doutorandos, voluntários,
estagiários e pessoas cedidas de outros órgãos ao HUPAA, distribuídos conforme mostra a
figura 11(4):
Forma de
vínculo
Forma de
vínculo
TÉCNIC
OS-
ADMINISTRATIVOS
DOCENTES
Figura 10(4):
Categorização do agente conforme área de ação e vínculo empregatício (Fonte:
Elaborado pela autora).
+
Concurso público
Concurso Público, CLT,
Prestaçã
o
de serviço, Outros.
Quadro de
Pessoal do
HUPAA
143
6%
7%
20%
4%
3%
3%
4%
0%
53%
Prestadores de Serviço
Técnico-Administrativo
Fundepes
Estagiários
Doutorandos
Residentes
Outros
Docentes
Bolsistas
Técnico-Administrativo
concursado
O quadro de pessoal do HUPAA é composto de indivíduos com qualificações para
tarefas específicas, e outros com qualificação para a realização de múltiplas atividades
agrupados todos em aproximadamente quarenta e cinco cargos, subdivididos em três níveis:
superior (NS), intermediário (NI) e apoio (NA). A seguir, demonstrativo do quadro de pessoal
por cargos:
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
NA NI NS
NA
NI
NS
Figura
11(4
): Caracterização do quadro de pessoal do HUPAA conforme vínculo
empregatício (Fonte: HUPAA, 2006c).
Figura 12(4): Caracterização do quadro de pessoal conforme cargo (Fonte: HUPAA, 2006d).
144
O recrutamento capta pessoas no ambiente externo à organização (via concurso
público ou outras formas), mas também acata indicações por parte do nível estratégico da
organização ou de funcionários. Esclarecendo-se: o processo de seleção via concurso público
é baseado somente em critérios objetivos, enquanto aqueles realizados pelo SRH/HUPAA
norteiam-se por um misto de aspectos objetivos (capacitação técnica) e subjetivos
(indicações).
Ademais, o hospital disponibiliza uma estrutura básica para realização de estágio em
diversas áreas: Administração, Enfermagem, Nutrição, Direito, Medicina, Jornalismo,
Contabilidade, Economia, Psicologia, Secretariado, Patologia Clínica contando com
estagiários nos diversos setores do hospital.
O fato de existir uma variedade de profissionais com diferentes vínculos empregatícios
faz com que se encontrem colegas de setor com a mesma função, as mesmas atribuições e o
mesmo tempo de serviço; no entanto, um recebendo um melhor salário do que o outro, ou
com direitos trabalhistas e cargas horárias diferenciadas. Não chega a ser uma segregação na
organização, mas há uma diferenciação na forma como os funcionários se tratam e são
categorizados. O convívio dessas diferentes formas de contrato tem gerado tensões,
produzindo uma hierarquia entre os estáveis e os demais, constituindo-se num fator que inibe
a cooperação, integração e participação.
Com relação ao pessoal do “quadro”, este é visto como um grupo que goza de
privilégios, se comparado aos demais quanto à sua carga horária, direitos, cumprimento de
deveres, salário, benefícios. Uma vez que o sistema de recompensas e punições adota critérios
também subjetivos, é possível que essa percepção não seja de todo equivocada, conforme se
observou durante a coleta de dados.
145
Também a carga horária de trabalho dos funcionários do HUPAA varia de acordo com
o tipo de vínculo com a organização, a categoria profissional, o regime de trabalho
(plantonista ou não), a legislação trabalhista e a função ocupada. No entanto, é comum à
grande parte dos profissionais, conforme se verificou em visitas aos setores, o não
cumprimento integral da carga horária. Tal situação, ainda que não seja formalmente
oficializada, é (informalmente) reconhecida pelas diretorias do hospital. Novamente têm-se
aspectos informais flexibilizando processos definidos formalmente.
No que se refere à avaliação de desempenho, ela é aplicada somente aos servidores
públicos, sendo realizada por meio de instrumento formal, definido pela Coordenação de
Desenvolvimento de Recursos Humanos (CDRH)/UFAL.
4.2.3.6 Relacionamento no local de trabalho
De forma geral, as pessoas entrevistadas assim se referem aos seus relacionamentos no
ambiente de trabalho: “muito bom”; “há a colaboração entre as pessoas, a convivência é
tranqüila”; “sei que não consigo agradar a todos, mas o relacionamento é bom”. Para muitos,
o relacionamento com colegas de trabalho é o que estimula e suporte para o exercício de
suas atividades no hospital. É perceptível que as tarefas a serem realizadas pelo grupo
mostram-se como sendo o elo desses relacionamentos.
Por contraponto, há também relatos dando conta de que esses relacionamentos não são
tão estáveis quanto parecem: existem atritos, altos e baixos, desavenças entre colegas de
profissão, falta de respeito às idéias e opiniões, desgaste natural por conta da convivência
diária, conflitos causados pela visão diferente que as pessoas têm sobre seu papel no hospital.
Com relação aos agentes intermediários entrevistados, percebeu-se especialmente que, além
desses problemas, eles enfrentam outro em decorrência de sua posição na estrutura: ao
146
gerenciar uma área, estão mais predispostos a se expor e a se indispor com colegas e
subordinados.
Durante a observação participante, emergiram alguns aspectos não verbalizados nas
entrevistas, mas relevantes para a caracterização dos relacionamentos no ambiente de
trabalho:
no evento “aniversariantes do mês”, organizado pelo SRH com o intuito de
propiciar momentos de integração e de descontração e a valorização de cada servidor,
celebrando a passagem de seu aniversário, as pessoas conversaram pouco entre si. Poucos se
aproximaram uns dos outros e interagiram. Ao terminar de se servir, a maioria simplesmente
deixou o local do evento;
nas reuniões de chefias, os momentos de aproximação e interação se dão entre
pequenos grupos, já acostumados entre si;
nas reuniões científicas, realizadas entre grupos de profissionais (tanto técnicos
quanto docentes), há a interação ou troca de experiências, entretanto não se deixou de
perceber também a presença de competição e vaidade nos grupos;
em geral, os momentos de relacionamento no ambiente de trabalho se dão em
reuniões intra-setoriais, as quais nem sempre o multidisciplinares. Não raro, observou-se
que em vários setores do hospital esses encontros ainda procuram agrupar indivíduos de uma
mesma categoria profissional. Nessas oportunidades, são discutidos e deliberados condutas de
tratamento, normas, rotinas e assuntos que terão repercussão em outros grupos, mas que
insistem em ser tratados de forma auto-suficiente por algumas categorias profissionais. Há,
por exemplo, uma determinada unidade de internação onde médicos e enfermagem se reúnem
separadamente, cada um em seu grupo, como se um grupo fosse blindado à ação do outro.
Vale dizer, é uma realidade no HUPAA a presença de grupos de afiliação constituídos e
legitimamente reconhecidos;
147
no refeitório do HUPAA, em especial no horário do almoço, as pessoas reúnem-se
em grupo e espontaneamente interagem bastante.
Entre os entrevistados, havia aqueles que estão na organização pelo menos 20
anos; nesses percebe-se um sentimento de pertença a um grupo: aquele que vivenciou o início
da trajetória do hospital, vivenciando momentos ímpares de sua história.
O SRH tem organizado várias atividades com o objetivo de promover uma maior
integração entre os profissionais que trabalham no HUPAA e uma conseqüente melhoria nas
relações interpessoais, contribuindo para o processo de humanização no contexto
organizacional.
São algumas dessas atividades: Aniversariantes do mês, Dia das Mães, Semana do
servidor, Dia dos pais, Semana natalina, Festas juninas. Nessa última em especial, grande
participação do corpo funcional do HUPAA. Entretanto, no geral, registros mostram que os
eventos de socialização promovidos pelo SRH alcançam em média a participação de 30% do
corpo funcional do HUPAA.
Ainda que os eventos de socialização e integração promovidos pelo SRH não contem
com todo corpo funcional do HUPAA, mas ainda assim o relacionamento e a interação entre
as pessoas acontecem cotidianamente e são fomentados no convívio nos nível inter e intra-
setoriais ou em grupos específicos, independente da posição hierárquica que ocupam ou das
atividades que desenvolvem.
O capítulo seguinte traz a análise da configuração organizacional-administrativa do
HUPAA à luz do modelo de Alves (2003).
148
5 O modelo de Alves (2003) e o HUPAA
Neste capítulo, procura-se identificar e comentar aproximações e/ou distanciamentos
da organização estudada (tipo real) em relação aos tipos e subtipos contidos no modelo de
análise de Alves (2003). Para tal, serão resgatadas algumas evidências expostas nos tópicos
anteriores, de forma a proporcionar um encontro entre o pensamento teórico e a realidade
empírica estudada.
Para análise da configuração organizacional-administrativa do HUPAA à luz dos tipos
e subtipos estruturais derivados do modelo de Alves (2003), alguns aspectos foram
considerados. Inicialmente, no que se refere à inter-relação entre o agente e a estrutura
proposta no modelo de Alves (2003), esta foi evidenciada na organização pesquisada, e alguns
exemplos podem ser tomados: a interferência do comportamento dos agentes sobre os
processo de mudanças no HUPAA e vice-versa; o impacto dos processos de tomada de
decisão, de comunicação e de integração no desempenho dos agentes na organização; os
valores referenciados nas categorias profissionais que afetam a estrutura organizacional do
hospital, entre outros. Assim sendo, o indivíduo e a estrutura, na organização estudada
mostraram-se como dimensões reciprocamente condicionantes.
Algumas características estruturais do HUPAA podem, a priori, levar à conclusão de
que ele é uma organização do tipo ordenativo-conservador:
processo decisório centralizado e referenciado pelo nível estratégico, fluindo pela
hierarquia;
processo de comunicação concentrado e não compartilhado;
integrantes da organização distribuídos em uma hierarquia de autoridade, onde
149
ocupam cargos e exercem funções;
presença normas, manuais de rotinas e regulamentos;
diretrizes definidas pelo MEC e pelo MS, determinando o perfil do de alta e média
complexidade do hospital e suas atividades.
No entanto, é necessário adicionar outros elementos para consubstanciar ou não essa
percepção. As três dimensões de temporalidade (ALVES, 2003) encontraram-se imbricadas
entre si na realidade estudada. Esse quadro pode ser percebido mais fortemente nos agentes
organizacionais, quando, de forma geral, eles assimilam a necessidade de construir cenários
futuros, mas se apegam às experiências do passado e ao desempenho corrente. Nessa
organização, a disposição para mudanças é resultante principalmente de demanda externa,
mas, ainda assim, a amplitude e a intensidade das transformações estão limitadas pela
preservação de componentes tradicionais. Esta característica não compromete o futuro da
organização, porém não como negar uma tensão entre a perspectiva passado-presente e o
futuro da organização.
Sem dúvida, o ambiente externo do HUPAA não se resume aos pacientes e
fornecedores; o Hospital pertence ao grande sistema chamado sociedade, numa rede complexa
de influências recíprocas, interagindo com diversas forças que o rodeiam. Enquanto hospital
público, é impossível desconsiderar o papel que o Estado exerce no estabelecimento de regras
e sanções ao HUPAA; então, o relacionamento com seu ambiente externo é marcado por
ações coordenadas e integradas, mas acima de tudo formalizadas por meio de instrumentos
legais.
Como reflexo de sua relação com o ambiente externo, de certa forma é esperado que
essa organização tenda a ser regida e legitimada pelo cumprimento de leis, normas,
regulamentações e portarias, vindas de diversos órgãos públicos, organizações de classe e
instituições. Contudo, dada a natureza do trabalho que o HUPAA desenvolve o cuidado ao
150
paciente, o ensino e a pesquisa —, nem sempre os regulamentos e ordens são cumpridos
exatamente como esperado; várias são as situações não suscetíveis à padronização e que são
tratadas de forma diferenciada, o que por si exige uma configuração mais flexibilizada,
sem necessariamente perder seu teor burocrático.
Observou-se internamente a utilização de controles utilitários e normativos regras,
regulamentos e rotinas, recompensas ou punições, treinamentos e dispositivos
fundamentados no compartilhamento de crenças, missão e valores organizacionais; ainda que
não se deixe de reconhecer que ambos os tipos de controle parecem não estar atingindo os
objetivos a que se propõem.
No que se refere ao quadro de pessoal, este é recrutado e selecionado com base em
critérios técnicos conjugados com critérios subjetivos, além de contar com a interferência de
aspectos informais. As recompensas e punições incorporam aspectos subjetivos e objetivos.
Para a escolha do dirigente principal, os agentes se utilizam de critérios vinculados à
capacidade técnico-gerencial e à experiência profissional (critérios objetivos); enquanto para
o cargo de gerentes intermediários são selecionados pela diretoria aqueles que julgam ser
pessoas de sua confiança, leais à direção e qualificados para o cargo (critérios subjetivos).
Por sua vez, o racional e o subjetivo estão presentes na orientação das ações dos
agentes (ALVES, 2003): os entrevistados demonstraram que atuam movidos pela
racionalidade instrumental e por razões afetivas e pela tradição.
As relações interpessoais estão presentes; logo, não se pode afirmar que o
relacionamento entre as pessoas é de todo impessoal, e tampouco que seu comportamento no
ambiente de trabalho segue a máxima sine ira et studio.
De forma geral, na configuração organizacional-administrativa do HUPAA
evidenciou-se o confronto entre um grupo de variáveis associadas à ordem, à estrutura e à
conservação e outras relacionadas à mudança. Como exemplo, tem-se de um lado o apego à
151
tradição e à estabilidade, centralização, padronização; e de outro, à contemporaneidade, à
flexibilidade. Têm-se ainda padrões burocráticos como metas, regulamentos, normas, rotinas,
que convivem com comportamentos profissionais orientados por códigos normativos externos
ao HUPAA e/ou valores próprios.
Embora se entenda que, à medida que o hospital vem crescendo, sua tendência óbvia
seria tornar-se estruturalmente mais rígido, com procedimentos mais padronizados, a
intensidade das relações interpessoais diminuindo e os dispositivos de controle requerendo
mais formalização, no HUPAA percebeu-se que a esfera burocrática não aniquilou a presença
de outros componentes como, por exemplo, o apego à tradição. E mais, não se pode
desconsiderar que os agentes sinalizam demandas para que a gestão seja descentralizada, o
processo decisório seja desconcentrado, as mudanças aconteçam com mais agilidade.
Com essas considerações sobre mecanismos de controle, quadro de pessoal,
recompensas e punições, escolha dos dirigentes e dinâmica interna da organização, começou-
se a perceber que a configuração organizacional-administrativa do HUPAA também traz em
si tanto elementos burocráticos quanto aspectos flexibilizados; e em assim sendo, não pode
ser compreendida em sua totalidade se for vista apenas pela ótica do tipo ordenativo-
conservador.
Não é uma organização somente preocupada com o cumprimento de regras, pois se
assim fosse não teria tido condições de avançar, mudar ou fazer algumas correções em sua
trajetória histórica; no entanto, não se sustenta pelos laços afetivos, porque do contrário
estrangularia vários de seus processos internos. Dentro dessa organização, um componente
burocrático que se flexibiliza, mas também espaço para liderança com traços carismáticos
mitigados, que aparece quando necessário.
Significa dizer, em determinadas circunstâncias uma certa liberdade ou espaço de
adaptação imediata, visto que se trata de uma estrutura onde cada paciente demanda um
152
tratamento diferente, o que faz com que o hospital atenda a vários de forma distinta. Desse
modo, não há como se centrar apenas na esfera burocrática, visto que não raro surgem
intervenções de efeito mais imediato, e estas ocorrem através de pessoas com traços mitigados
de liderança carismática e/ou lideranças cuja fonte de autoridade esteja calcada no saber. Ou
seja, é uma configuração organizacional-administrativa que não está pautada somente em
laços afetivos, tampouco em situações de total obediência a regras burocráticas; seria um
pouco das duas coisas.
Com efeito, o HUPAA apresenta um padrão organizacional híbrido; logo, não parece
razoável dizer que a configuração organizacional-administrativa do hospital estudado atua
exclusivamente de uma forma burocrática.
No HUPAA, há áreas em que a inovação e os relacionamentos interpessoais fluem
mais facilmente, outras que necessitam de mais rotinas e impessoalidade, e ainda aquelas em
que as ações centradas em pessoas são predominantes. Adicionando-se a isso os aspectos
informais da autoridade, da interação entre os agentes, da comunicação e dos mecanismos
integradores, chega-se então à percepção de que a configuração organizacional-administrativa
do HUPAA não é puramente ou somente de um dos tipos sugeridos pelo modelo de Alves
(2003). Foi possível identificar, no hospital estudado, características do tipo ordenativo-
conservador e do liberativo-transformador, mas também variáveis que estão previstas no tipo
equiparativo-adaptador.
Isso posto, uma vez que não é objetivo desta pesquisa “enquadrar” a configuração do
HUPAA em um dos tipos ou subtipos do modelo de Alves (2003) nem vice-versa, tampouco
encontrar um arranjo estrutural único e apropriado a todos os segmentos que compõem a
organização, parece-nos mais realista afirmar que o tipo-base equiparativo-adaptador é o que
melhor se aproxima e explica a configuração-administrativa do HUPAA.
153
Quanto ao subtipo, os dados levam à percepção de que a realidade estudada tem
componentes do subtipo variante II (liderança com traços carismáticos mitigados), bem como
do subtipo variante III (que significa dizer, uma organização com traços burocráticos
flexíveis, fraca presença da dimensão patriarcal renovadora traduzida no respeito e apego aos
costumes e práticas). Assim sendo, pode-se explicar o HUPAA como uma organização
equiparativa-adaptadora, cujo subtipo encontra-se entre as variantes II e III, tendendo mais a
esta última. Sob a ótica da variante I não é possível compreender o HUPAA, visto que este
subtipo prevê uma configuração organizacional-administrativa com a dimensão burocrática
totalmente flexibilizada e a dimensão patriarcal eminentemente renovadora, o que não
corresponde à realidade encontrada no HUPAA.
Antes de identificar o tipo de agente organizacional do HUPAA conforme o Modelo,
algumas considerações se fazem necessárias. É possível encontrar-se numa mesma área, em
posições hierárquicas similares, agentes organizacionais com perfis diferentes, ou, ainda
outros com perfis semelhantes, mas em áreas e posições hierárquicas distintas. Por exemplo,
podem ser encontrados auxiliares de enfermagem da mesma área, mas alguns aproximando-se
do AMR conservador, enquanto outros sendo identificados como adaptador; ou, ainda,
auxiliares de enfermagem de áreas diferentes, embora com o mesmo perfil, o adaptador.
Prosseguindo, poder-se ia imaginar que, por estarem mais próximos dos pacientes, os
agentes da área-fim teriam necessariamente o perfil do agente conservador, principalmente
por estarem mais ligados a valores, aspectos subjetivos, regulamentos de suas profissões.
Obviamente isso acontece, mas não necessariamente como uma regra a todos que trabalham
naquela área; como também os agentes da área-meio, por sua distância em relação ao paciente
e ao ensino, não necessariamente são do tipo adaptador. Significa que, não foi percebida se há
correlação direta entre a atividade do agente e seu perfil conforme o OMR.
154
Em suma, tomando-se como base a realidade estudada, os três tipos de AMR descritos
por Alves (2003) estão presentes nos mais diversos setores e posições hierárquicas do hospital
estudado não havendo como assegurar a correlação direta entre a posição do indivíduo na
estrutura da organização e a dos agentes estabelecidos por Alves (2003).
Enquanto isso, os dados coletados mostraram o afastamento dos agentes
organizacionais do HUPAA em relação ao AMR transformador, com seu perfil voltado
totalmente à inovação e à mudança, com primazia sobre o sistema-organização (ALVES,
2003).
O ponto comum entre os agentes organizacionais entrevistados foi que eles agem
orientados por componentes tradicionais, sentimentos afetivos, mas também de maneira
racional. Seu comprometimento com a organização pode ser de caráter moral e sem anular o
lado utilitarista e vice-versa; por um lado são conduzidos por regulamentos, condutas e rotinas
a lhes determinar como e o que devem fazer, mas não deixam de preservar certa
subjetividade; o tempo passado, o presente e o futuro são dimensões presentes em suas ações
— ainda que em intensidades diferentes. As relações no ambiente de trabalho não são de todo
impessoais, mas também não vão ao extremo da informalidade. Posto isso, pode-se identificar
o agente organizacional do HUPAA como sendo do tipo adaptador.
Especificamente em relação ao agente principal do HUPAA — o Diretor Geral —, seu
perfil também se aproxima do tipo adaptador; as ações que desempenha na organização têm
foco no futuro e amplitude estratégica, sem desprezar componentes de sua trajetória na
organização; é orientado por valores morais e sentimentos afetivos, ao lado de razões
financeiras (ainda que suavizadas); segue rotinas, normas e regulamentos, mas os flexibiliza
conforme seu arbítrio; assume postura centralizadora em alguns processos, mas compartilha
responsabilidades em outros.
155
Um aspecto que torna parte dos agentes do HUPAA diferenciados em relação aos
tipos de AMR sugeridos pelo OMR é a autoridade e a liderança que alguns têm em virtude de
sua expertise no ato de produzir saúde; em especial os médicos, os quais possuem tal ascensão
em relação aos demais profissionais devido a seu papel central nos cuidados ao paciente. A
existência dessa característica, ainda que não prevista no modelo de Alves (2003), não pode
ser desconsiderada quando se pretende a compreensão da configuração organizacional-
administrativa do HUPAA, visto que sua influência pode ser captada no perfil dos agentes,
nos relacionamentos internos, além de imprimir uma peculiar dinâmica interna à organização.
Outrossim, apontam-se alguns aspectos de afastamento entre a realidade estudada e o
OMR. Para tal, primeiramente retoma-se que na configuração organizacional-administrativa
do HUPAA a presença de dois tipos de autoridade. Um deles é o da autoridade racional-
legal (autoridade formal) — definida por Weber; o outro é o da autoridade resultante do saber.
Nesse ponto, sentiu-se dificuldade em encontrar dentre os tipos e subtipos do OMR algum que
se aproximasse dessa especificidade: uma linha dupla de autoridade.
Foi visto também que na configuração organizacional-administrativa do HUPAA estão
presentes dois mecanismos principais de coordenar atividades: a hierarquia e a lógica das
profissões. Igualmente, essa situação não foi passível de ser entendida à luz do modelo de
Alves (2003). Essa limitação talvez se deva ao fato de o OMR ter sido proposto originalmente
para análise de organizações empresariais, que não necessariamente são compostas por
categorias de especialistas tão singulares, como acontece nos hospitais.
Durante a pesquisa, houve a dificuldade de desdobrar os indicadores de análise
propostos por Alves (2003) em categorias operacionais, uma vez que o Modelo não as prevê,
necessitando evoluir nesse aspecto. Assim, para este trabalho, procuraram-se outras
referências conceituais compatíveis com o Modelo, optando-se por se utilizar os conceitos de
Hall (2004).
156
Na seção seguinte, apresentam-se as considerações finais do estudo.
157
6 Considerações finais
Aqui são brevemente retomados alguns aspectos abordados na introdução deste
trabalho, apontando-se limitações da pesquisa e sugerindo-se tópicos para a realização de
outros estudos.
A pergunta que serviu de guia à construção desta seção final foi: o que se desejou
com este estudo? Esta pesquisa procurou analisar a configuração organizacional-
administrativa do HUPAA, pautando-se no modelo multidimensional-reflexivo de Alves
(2003). Para alcançar o objetivo proposto para tal estudo, foram identificados, descritos e
comentados as características estruturais do HUPAA, os seus dispositivos de coordenação, os
seus agentes organizacionais e os relacionamentos internos, bem como o relacionamento do
hospital com o seu ambiente externo.
Como dito na seção anterior, os dados e os fatos coletados levam a acreditar que a
organização hospitalar estudada aproxima-se do tipo-base equiparativo-adaptador, subtipo
com componentes das variantes II e III, e o AMR adaptador (ALVES, 2003), caracterizando-a
como uma organização de esfera burocrática flexibilizada e dimensão patriarcal renovadora
enfraquecida, visto que ainda o respeito e o apego aos costumes e práticas, além de contar
com uma liderança com traços carismáticos mitigados.
Entendeu-se que o apropriado para a compreensão do HUPAA seria um subtipo
formado pelos seguintes componentes: burocracia flexível, fraca presença ou eventual
ausência da dimensão patriarcal renovadora, liderança com traços carismáticos mitigados.
Entretanto, pergunta-se: seria aconselhável adicionar uma possível variante IV? Não há
certeza suficiente para responder afirmativamente a esse questionamento.
158
A dúvida emerge pelo fato de um modelo consistir em um instrumento analítico que
ajuda o pesquisador na compreensão da realidade, mas não tem a obrigação de reproduzi-la
copiosamente. Não obstante, parece quase óbvio que quanto mais se aproximar da realidade,
tentando adicionar mais variantes que expliquem as organizações estudadas, o modelo tenderá
a ser um instrumento de complexa operacionalização, tornando-se possivelmente mais
explicativo, mas não necessariamente aplicável à análise. Assim sendo, é um aspecto que
merece mais reflexão a respeito; deixamos esta tarefa para outra oportunidade.
A escolha do OMR mostrou-se adequada, posto que dificilmente teriam sido tratados
alguns aspectos informais presentes na configuração do HUPAA caso o modelo de análise
utilizado para esta pesquisa se ocupasse apenas dos aspectos formais do Hospital. O exercício
de aplicar o modelo de Alves (2003) para o estudo de um hospital universitário foi relevante,
visto que proporcionou uma análise organizacional não apenas preocupada em estudar a
estrutura da organização, mas principalmente porque abriu espaço para mostrar a presença dos
agentes e suas ações, seus valores, sua reflexividade, suas inquietudes aspectos que
provavelmente ficariam tolhidos não fosse a multidimensionalidade do OMR.
Este estudo proporcionou ainda ao modelo de Alves (2003) a oportunidade de ser
testado em um ambiente organizacional reconhecidamente singular, sendo evidenciada a sua
capacidade analítica para o estudo da configuração organizacional-administrativa do HUPAA,
sem, entretanto, deixar de reconhecer algumas dificuldades e limitações do Modelo citadas
no capítulo anterior. Como numa via de mão dupla, o OMR e a realidade empírica estudada se
encontraram e trocaram contribuições.
De certo que não foi possível classificar a configuração organizacional-administrativa
do HUPPA a partir de um único subtipo do Modelo, tendo em vista o caráter híbrido de tal
configuração. Contudo, resgatando Alves (2003), o OMR não tem a intenção de impor uma
estrutura conveniente a todas as organizações; e tampouco considera que existe uma única
159
configuração organizacional-administrativa adequada para todos os setores ou áreas da
organização.
Tendo este trabalho realizado um teste prático de posições, cumpriu sua função de
tentar aproximar teoria e prática, concordando com Demo (1987): "Nada melhor para a teoria
do que uma boa prática e vice-versa" (p. 26). "Não teoria sem prática, e vice-versa. Não se
podem embaralhar as duas, nem separá-las de forma estanque" (p. 75).
Testada a aplicabilidade do OMR a partir das dimensões analíticas da pesquisa, e
apresentada a análise do HUPAA à luz desse Modelo, retomam-se abaixo algumas
considerações que orientaram a realização desta pesquisa.
Complexidade, nobreza e amplitude de sua missão são alguns dos principais aspectos
que descrevem um hospital. No cerne desse tipo de organização, encontra-se o binômio
saúde/doença, elemento que impõe um cenário em que o contato diário com incertezas,
com resultados difíceis de serem mensurados e com atores intimamente ligados a seus papéis,
sejam eles o de curar ou o de esperar por essa mesma cura.
Nessa perspectiva, o houve surpresa ao percebermos que a configuração
organizacional do HUPAA é tão peculiar; causou sim uma inquietação imaginar que alguns
pesquisadores ainda insistem em tratar aspectos formais e informais dicotomicamente,
principalmente dentro de uma organização em que é comum encontrarem-se situações
contrapostas convivendo lado a lado, sem uma separação nítida que as distinga.
A configuração-administrativa do HUPAA não se caracteriza apenas por um conjunto
de setores perfeitamente organizados, que apresenta uma estrutura rígida com mecanismos de
autoridade, linhas de comando, regras escritas e formalizadas a serviço de um sistema de
saúde no qual o hospital está inserido. Além dessas variáveis, ainda as de cunho subjetivo,
que permeiam o cenário organizacional do HU e que não podem ser desconsideradas para o
alcance de uma compreensão mais realista e ampliada desse hospital: as ações dos agentes
160
organizacionais, suas interações, seus valores pessoais, sua trajetória dentro da organização,
seus diferentes entendimentos sobre a missão do HUPAA, a autoridades dos agentes
organizacionais baseada na expertise.
A pesquisa mostrou que as ações dos agentes organizacionais entrevistados são
regidas por um sentido que é dado por esses mesmos indivíduos, e é esse sentido que define a
intensidade e a amplitude das suas ações. Por sua vez, essas ações interferem e influenciam a
estrutura formal do HUPAA. Assim, a configuração organizacional-administrativa do
HUPAA não é algo estático e blindado: as características estruturais formais imbricam-se,
condicionam e são condicionadas pela subjetividade e pela informalidade trazidas pelos
agentes organizacionais. A realidade estudada nesta pesquisa mostrou um hospital onde os
dispositivos estruturantes coexistem com a dimensão instituinte trazida por seus agentes
organizacionais.
Este foi justamente um dos pontos que se questionou na introdução deste trabalho,
qual seja a necessidade de ter-se modelos analíticos que também se preocupem com as
peculiaridades, singularidades e aspectos informais presentes nos hospitais enquanto
ambientes organizacionais dotados de complexas relações internas e externas.
Sob outra perspectiva, mas ainda no que se refere à configuração organizacional-
administrativa do HUPAA, é preocupante observar que as deficiências em processos como os
de comunicação e de articulação intersetorial vêm repercutindo de forma negativa no
cumprimento da missão desse hospital, que é o único de sua categoria no Estado de Alagoas.
A forma como esses mesmos processos vêm sendo conduzidos podem trazer entraves ao novo
patamar para o qual o hospital se encaminhou recentemente: a responsabilidade acordada pelo
HUPAA junto ao gestor do SUS para o cumprimento de metas físicas e de qualidade, metas
de formação de recursos humanos, metas de pesquisa e saúde.
161
Outrossim, dada a magnitude das ações que o HUPAA desenvolve, cabe mencionar
que os desdobramentos decorrentes da configuração organizacional-administrativa do
HUPAA têm impacto não somente na gestão do mesmo, mas também no alcance dos
objetivos institucionais da UFAL, uma vez que a área das ciências da saúde é estratégica na
formação multidisciplinar dos recursos humanos que irão pesquisar e cuidar da saúde da
população alagoana e circunvizinha.
Reafirma-se ainda que, ao se escolher um hospital universitário como campo de
pesquisa, tinha-se em mente que estaríamos estudando uma organização que é parte da
sociedade à qual pertencemos também. A suposta comodidade e a segurança dos planos de
saúde não podem nos deixar entorpecidos a ponto de nos isentarmos da necessidade e da
responsabilidade de contribuir para a política de saúde, da qual somos também usuários.
Assim sendo, neste trabalho não se insistiu no esforço ingênuo de separar o papel de cidadã
do de pesquisadora.
As análises, os dados, os achados foram tratados cuidadosamente, para que pudessem
se transformar em subsídios úteis aos gestores do HUPAA na condução do hospital à missão a
que se propõe. Nesse sentido, procurou-se conduzir esta pesquisa como uma atividade
acadêmica que pudesse proporcionar conhecimento de utilidade à organização estudada.
Posto isso, retoma-se outra preocupação explicitada na introdução deste trabalho: a
chegada da lógica de mercado às organizações hospitalares. Martins (2003) relata que em
nome do lucro e do interesse, a racionalidade mercantil vem transformando progressivamente
os ambientes dos hospitais. Esse autor exemplifica que a criação de luxuosos hospitais tenta
esconder o fato óbvio de que as organizações hospitalares continuam a ser prioritariamente
“‘hospedarias’ para os portadores de sofrimento, dor, morte e luto, antes de aparecerem como
um mercado de bens e serviços médicos” (p. 158).
162
O fato é que, distinguindo-se de outros tipos de organização, a finalidade de um
hospital é bem diferenciada: trata da saúde de seres humanos. No caso dos HU´s, a essa
finalidade soma-se ainda a preocupação com o ensino e a pesquisa.
Particularmente, o HUPAA trata-se de uma organização que permanece subordinada a
princípios que reforçam seu compromisso com a política nacional de saúde, tendo seu papel
reconhecido dentro do SUS. As entrevistas, a análise documental e as observações
evidenciaram a forte valorização do hospital enquanto ente público, sendo a eficiência uma
dimensão importante a ser perseguida, mas não a única.
Por outro lado, também a preocupação com sistema de custos, com as receitas e
despesas do Hospital, com a aquisição de tecnologia moderna e sofisticada, com o alcance de
metas de exames, consultas e internações sejam atingidas para que a organização obtenha os
recursos financeiros necessários à sua sobrevivência. A percepção desta realidade tem
causado desconforto e resistência em alguns setores e funcionários, por exemplo quanto a
trabalhar voltados a atingir metas, com acompanhamento de indicadores, teto financeiro a ser
alcançado.
Diante desse cenário, entende-se ser razoável afirmar que o HUPAA não está
totalmente livre da influência da lógica de mercado. Mesmo sendo um hospital com 100% de
sua receita proveniente do SUS, que não atende a convênios ou planos de saúde privados e
que participa de programas e projetos dos Ministérios da Saúde e Educação, no HUPAA
alguns processos de trabalho estão cada vez mais tendendo a alinhar-se à lógica utilitarista e
mercadológica. E este perfil tem mudado exatamente para atender a demandas de programas
instituídos pelo SUS, como por exemplo o de Reestruturação dos Hospitais de Ensino.
Tal realidade tem trazido desconforto a alguns setores e funcionários, decorrentes
principalmente da percepção de que ainda que esteja inserido no SUS, o HUPAA aos poucos
163
está tendo também que atender também a essa nova lógica que cada vez mais passa a permear
esta organização, provocando uma revisão nos processos de trabalho, valores, entre outros.
No papel de pesquisador, é razoável reconhecer e expor as possíveis limitações de seu
trabalho; ainda que isto signifique uma marca dolorosa em sua pesquisa. Com efeito,
apontam-se algumas restrições percebidas neste trabalho.
Sendo o HUPAA um objeto social, e juntando a isso o fato de que a pesquisadora
também participa da organização em estudo, reconhece-se a atuação na posição de sujeito e
objeto da pesquisa ao mesmo tempo, e assim sendo assume-se, com honestidade e ética, a
possível existência de um viés. Não como garantir que o conhecimento e as percepções
acumuladas por esta pesquisadora em anos de trabalho no HUPAA não tenham de alguma
forma influenciado as considerações, a análise, enfim não tenham estado presentes neste
trabalho.
De qualquer modo, durante a realização da pesquisa tentou-se desenvolver uma atitude
de auto-reflexão, com a tentativa contínua de adquirir consciência de nossas dificuldades e
facilidades, revelando e discutindo possíveis atitudes tendenciosas e inevitáveis
subjetividades.
Outrossim, Turato (2003) traz certo conforto quando afirma que é matematicamente
nulo o conjunto dos trabalhos científicos livre de quaisquer tipos de vieses e que o conceito de
neutralidade axiológica trata-se mais de uma intenção. E Minayo (2004) também entende que
nem a teoria e nem a prática são isentas de interesse, de preconceito e de incursões subjetivas.
Embora o trabalho de campo não seja neutro, a forma de realizá-lo revela as
preocupações científicas do pesquisador, tanto ao selecionar os fatos a serem coletados quanto
o modo de recolhê-los (MINAYO, 2004). Assim, procura-se aqui, ao máximo, manter-se
longe do maniqueísmo de tentar coletar dados desconsiderando o fato de esta pesquisadora
também ser agente daquele hospital ou, por outro lado, ignorar dados pela presumida
164
familiaridade para com eles.
Outra provável limitação: a dificuldade de não adentrar em aspectos da configuração
organizacional-administrativa do HUPAA relacionados ao indicador “sistema operacional”,
não adotado para fins da análise. Várias nuances do HUPAA mostraram-se tão imbricadas
com a natureza das tarefas e o fluxo de atividades, que foi exigido esforço extra para manter o
foco apenas nas variáveis de análise escolhidas para a pesquisa.
Como também, não se teve oportunidade de verificar com esta pesquisa, visto que não
era seu objetivo, é se o desempenho organizacional do HUPAA atende satisfatoriamente aos
valores que norteiam o SUS: universalidade, participação social, descentralização.
Ademais, por lidar com o “objeto saúde”, as organizações hospitalares, incluindo o
HUPAA, trazem em si processos com dimensões profundas e significativas que não
conseguem ser de todo aprisionadas em variáveis. Esse quadro seria enfrentado por qualquer
modelo de análise, e não somente pelo OMR. Dessa forma, por mais que tenha havido
esforços, devido à natureza da organização estudada, é provável que algumas dessas
dimensões não tenham sido captadas pelo Modelo e pela pesquisadora.
Aqueles que esperavam por uma pesquisa cujos achados fossem passíveis de
generalização podem enxergam esse fato como uma restrição deste trabalho. Contudo, desde
o início assumiu-se que este não era o objetivo, embora os resultados possam ser utilizados
parcialmente em outras organizações que atuam no mesmo âmbito, desde que sua
aplicabilidade seja precedida de interpretação e adaptação minuciosas, tendo em vista as
especificidades de cada organização.
Durante o desenvolvimento deste trabalho, alguns elementos chamaram atenção, os
quais por razões diversas não foram investigados exaustivamente. Sugere-se que sejam
adotados como objetos de futuras pesquisas. Um deles seria estudar o “sistema operacional”
do HUPAA — indicador de análise não adotado neste trabalho — com ênfase na natureza das
165
tarefas, divisão do trabalho, fluxo de atividades, tecnologia utilizada, entre outros. Outra
possibilidade de pesquisa é aprofundar o entendimento sobre o “tempo organizacional” e o
“tempo dos agentes”, procurando esclarecer as suas possíveis repercussões no desempenho do
hospital.
Também resultou da pesquisa a curiosidade de mapear o caminho percorrido pelo
poder baseado na expertise dentro do HUPAA: se ele está apenas presente na categoria dos
médicos, se também está presente em outros grupos, qual sua repercussão nos processos de
trabalho, entre outros.
Seria igualmente instigante aplicar o OMR para o estudo de um hospital da rede
privada ou mesmo da pública, ou até mesmo um outro HU, para detectar como o modelo
analítico de Alves (2003) se comporta em organizações hospitalares de natureza distinta da do
HUPAA.
Por fim, é justo admitir que encontrar um único modelo, teoria ou proposta analítica
que possibilite o estudo e o pleno entendimento de uma organização hospitalar não é tarefa
razoável, tendo em vista os vários e complexos aspectos envolvidos em seu contexto. Ainda
assim, espera-se que este trabalho tenha contribuído para a compreensão mais ampliada
acerca dessas organizações tão singulares — os hospitais universitários.
166
Referências
ABBAS, Kátia. Gestão de custos em organizações hospitalares. 2001. 155f.. Dissertação
(Mestrado em Engenharia de Produção) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia de
Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001.
ABRAHUE. Hospitais universitários e de ensino no Brasil: desafios e soluções. Disponível
em: <http://www.abrahue.org.br/pdf/hu_desafios_solucoes.pdf> Acesso em: 14 fev. 2006.
ALVES, Sérgio. A atualidade da epistemologia weberiana: uma aplicação dos seus tipos
ideais. In: VIEIRA, Marcelo Milano Falcão; ZOUAIN, Deborah Moraes (Org.). Pesquisa
Qualitativa em Administração. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2004a.
__________________. A multidimensionalidade nas organizações empresariais: proposta de
um modelo analítico. Revista de Administração Contemporânea, Curitiba, v. 8, n. 2, p. 71-
93, abr./jun. 2004b.
__________________. A hibridez da estrutura em duas grandes empresas: uma abordagem
analítica multidimensional. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 28., 2004, Curitiba.
Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2004c. 1 CD-ROM.
_________________. Racionalidade, carisma e tradição nas organizações empresariais
contemporâneas. Recife: Editora UFPE, 2003.
_______________. A multidimensionalidade nas organizações empresariais: proposta de um
modelo analítico. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 26., 2002, Salvador.
Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2002. 1 CD-ROM.
_______________. Revigorando a cultura da empresa. São Paulo: Makron Books, 1997.
ASSUMPÇÃO, Fábia. Greve pára HU e pode provocar caos. Gazeta de Alagoas, Maceió, 06
set. 2005. Caderno Cidades, p.15.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004.
BAREMBLITT, Gregório. Compêndio de Análise Institucional. Belo Horizonte: Rosa Dos
Tempos, 1995.
BAUER Martin W., GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto imagem e som:
um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.
BERTUCCI, Janete Lara de Oliveira; MEISTER, Rodrigo. Efetividade organizacional e
estratégias de gestão em burocracias profissionais na perspectiva dos gestores: avaliação da
167
performance da rede hospitalar privada de Belo Horizonte. In: ENCONTRO ANUAL DA
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ADMINISTRAÇÃO, 27.,2003, Atibaia. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2003. 1 CD-ROM.
BITTAR, Olímpio J. Nogueira. Hospital: Qualidade e Produtividade. São Paulo: Savier,
1996.
BLAU, Peter M; SCOTT, W. Richard. Organizações formais. São Paulo: Atlas, 1970.
BOUDON, Raymond; BOURRICAUD, François. Dicionário Crítico de Sociologia. São
Paulo: Ática, 1993.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior Hospitais
Universitários. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/sesu/index.php>. Acesso em: 14
fev. 2006.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Ministro da Saúde anuncia investimento
em hospitais de ensino. Disponível em
<http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/noticias_detalhe.cfm?co_seq_noticia=27
256>. Acesso em: 02 julho 2006.
CAMPOS, Gastão Wagner de Souza. Educação médica, hospitais universitários e o Sistema
Único de Saúde. Caderno Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p.187-194, jan./mar.
1999.
CARAPINHEIRO, Graça. Saberes e poderes no hospital: uma sociologia dos serviços
hospitalares. 3. ed. Porto Portugal: Edições Afrontamento, 1997.
CECILIO, Luiz Carlos de Oliveira. Mudar modelos de gestão para mudar o hospital: cadeia
de apostas e engenharia de consensos. Revista Espaço para a Saúde, Londrina, v. 1, n. 2, p.
4-26, jun. 2002.
____________________. Trabalhando a missão de um hospital como facilitador da mudança
organizacional: limites e possibilidades. Cadernos Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 16, n.4,
p. 973-983, out./dez. 2000.
CECILIO, Luiz Carlos Oliveira; MERHY, Emerson Elias. O singular processo de
coordenação dos hospitais. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 27, n. 64, p. 110-122, maio,
2003a.
__________________. A integralidade do cuidado como eixo da gestão hospitalar. In:
PINHEIRO, Roseni; MATTOS, Ruben Araújo de. (Org.). Construção da integralidade:
cotidiano, saberes e práticas em saúde. 1 ed. Rio de Janeiro: IMS/UERJ/ABRASCO, 2003b,
v. 1, p. 197-210.
CHIORO, Arthur. Hospitais de Ensino: uma resposta estrutural à crise. Boletim ABEM, Rio
de Janeiro, p. 8-9, set./out., 2004.
CLEGG, S. As organizações e a modernização do mundo. In: ___________. As organizações
modernas. Oeiras: Celta, 1998, p. 29-56.
168
COLAUTO, Romualdo Douglas; BEUREN, Ilse Maria. Proposta para avaliação da gestão do
conhecimento em entidade filantrópica: o caso de uma organização hospitalar. Revista de
Administração Contemporânea, Curitiba, v. 7, n. 4, p. 163-185, nov./dez. 2003.
DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. São Paulo: Atlas, 1987.
DENZIN, Norman K; LINCOLN, Yvonna S (Org.). Handbook of Qualitative Research. 2.
ed. Thousand Oaks: Sage Publications, 2000.
ETZIONI, Amitai. Análise Comparativa de Organizações Complexas Sobre o Poder, o
Engajamento e seus Correlatos. Rio de Janeiro: Zahar; São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 1974.
FARIAS, Luís Otávio; VAITSMAN, Jeni. Interação e conflito entre categorias profissionais
em organizações hospitalares públicas. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n.
15, p. 1229-1241, Set./Out. 2002.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 2. ed. Tradução e organização de Roberto
Machado. Rio de Janeiro:Graal, 1979.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1997.
GODOY, ARILDA SCHMITD. Refletindo sobre critérios de qualidade da pesquisa
qualitativa. Gestão.Org - Revista Eletrônica de Gestão Organizacional, Recife, v.3, n. 2,
mai./ago.2005. Disponível em: <http://www.gestaoorg.dca.ufpe.br>. Acesso em: 01 julho
2006.
________________________. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades.
Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.5, n., p.57-63, mar./abr. 1995.
________________________. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista de
Administração de Empresas. São Paulo, v. 35, n. 3, p.20-29, mai./jun. 1995.
GONÇALVES, Ernesto Lima. O Hospital e a Visão Administrativa Contemporânea. São
Paulo: Pioneira, 1983.
GRAÇA, Luís. Evolução do sistema hospitalar: uma perspectiva sociológica. Escola
Nacional de Saúde Pública, Lisboa, 1996. Disponível em:
<http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/textos92.html>. Acesso em: 18 de novembro de 2005.
GRECH, Kenneth. Developments in Hospital Management: A Proposal for a New Hospital
Management Model for Malta. Malta Medical Journal, Malta, v. 14, n. 1, p. 21-26, nov.
2002.
GURGEL JÚNIOR, Garibaldi Dantas; VIEIRA, Marcelo Milano Falcão. Qualidade total e
administração hospitalar: explorando disjunções conceituais. Ciência & Saúde Coletiva, Rio
de Janeiro, v.7, n.2, p. 325-334, fev. 2002.
HALL, Richard H. Organizações: estruturas, processos e resultados. São Paulo: Prentice
Hall, 2004.
169
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PROFESSOR ALBERTO ANTUNES (HUPAA).
Coordenação de Desenvolvimento Institucional. Relatório de Gestão HUPAA - 2005.
Maceió, jan./ 2006. Mimeografado.
____________________________. Diretoria Administrativa. Proposta de Revisão da
Estrutura Administrativa do HUPAA. Maceió, mar./2006. Mimeografado.
____________________________. Setor de Recursos Humanos. Relatório. Maceió,
maio/2006. Mimeografado.
____________________________. Núcleo de Processamento de Dados. Relatório. Maceió,
jul./2006. Mimeografado.
____________________________.Coordenação de Desenvolvimento Institucional. Relatório
de Atividades da CDI 2005. Maceió, dez./2005. Mimeografado
____________________________.Coordenação de Desenvolvimento Institucional. Relatório
de Gestão HUPAA - 2003. Maceió, jan./ 2004. Mimeografado.
JOHNSON, Alton C; SCHULZ, Rockwell. Administração de hospitais. São Paulo: Pioneira,
1979.
KATZ, Daniel; KAHN, Robert. Psicologia social das organizações. 3. ed. São Paulo: Atlas,
1974.
LACERDA, Eugênia et al. O SUS e o Controle Social: guia de referência para
conselheiros municipais. Brasília: Ministério da Saúde, 1998.
LIMA-GONÇALVES, E. Estrutura organizacional do hospital moderno. Revista de
Administração de Empresas, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 80-90, jan./mar. 1998.
______________________. Condicionantes Internos e Externos da Atividade do Hospital-
Empresa. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 1-20, jul./dez.
2002.
LOPES, Elaine. Os HU´s e o SUS. Associação Brasileira de Hospitais e de Ensino.
Disponível em:
http://www.abrahue.org.br/congresso_abrahue/apresentacoes/dia_14/elaine_lopes.pps>
Acesso em: 01 novembro 2005.
LUSSARI, Wilson Roberto; SCHMIDT, Ivone. Gestão hospitalar: mudando pela Educação
Continuada. São Paulo: Arte & Ciência, 2003.
MARCONI, Marina De Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia Científica. 4. ed São
Paulo: Atlas, 2004.
MARTINS, Paulo Henrique. Contra a desumanização da medicina: crítica sociológica das
práticas médicas modernas. Petrópolis. Vozes, 2003.
MCKEE, M.; HEALY, J. (Eds.) Hospitals in a changing Europe. Buckingham: Open
University Press, 2001.
170
MEDICI, André Cezar. Hospitais Universitários: passado, presente e futuro. Revista
Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 47, n. 2, p. 149-156, abr./jun. 2001.
MERHY, Emerson Elias. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec, 2002.
MERRIAM, Sharan B. Qualitative research and case study applications in education. 2.
ed. San Francisco: Jossey-bass, 1998.
MILES, Matthew; HUBERMAN, A. Michael. Qualitative data analysis. 2. ed.Thousand
Oaks: Sage, 1994.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa Qualitativa em
Saúde. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.
MINOTTO, Ricardo. A estratégia em organizações hospitalares. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2002.
MINTZBERG, Henry. Criando organizações eficazes. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
__________________. Toward healthier hospitals. Health Care Management Review,
Gaithersburg, v. 4, n. 22, p.9-18, 1997.
MIRSHAWKA, Victor. Hospital: fui bem atendido, a vez do Brasil. São Paulo: Makron
Books, 1994.
MOTTA, Fernando C. Prestes; VASCONCELOS, Isabella. Teoria Geral da administração.
São Paulo: Thompson, 2002.
PARSONS, Talcott. (ORG.). A sociologia americana: perspectiva, problemas, métodos. São
Paulo: Cultrix, 1970.
PATTON, Michael Quinn. Qualitative research and evaluation methods. 3. ed. Thousand
Oaks: Sage Publications, 2002.
PUZIN, Daniel. The proper function of hospitals within health systems. In: INSTITUTE FOR
HEALTH POLICY STUDIES (IEPS), 1994, Paris. Report...Geneva: World Health
Organization (WHO), 1996.
RIBEIRO FILHO, José Francisco. Controladoria hospitalar. São Paulo: Atlas, 2005.
SILVA, Otávio Roberto M. Análise de uma organização à luz dos modelos de Mintzberg e
de Alves com base em elementos da cultura organizacional. 2005. 149f.. Dissertação
(Mestrado em Administração) Programa de Pós-Graduação em Administração,
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005.
SMITS, Martin, VAN DER PIJL, Gert. Developments in Hospital Management and
Information Systems. In: HAWAII INTERNATIONAL CONFERENCE ON SYSTEM
SCIENCES, 32., 1999, Maui, Proceedings.... Maui:IEEE, 1999, p.1-10.
SOLÉ, Andreu. ¿Qué es una empresa? Construcción de un idealtipo transdisciplinario.
2004. 16 p. Ensaio teórico apresentado em aula do Curso de Doutorado em Administração da
171
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004.
TRIVINOS, Augusto N.S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa
em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
TURATO, Egberto Ribeiro. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 2003.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS. Assessoria de Comunicação. Disponível em:
<http://www.ufal.br/sites/ccom>. Acesso em: 12 dezembro 2005.
VIEIRA, Marcelo. Milano. F; ZOUAIN, Deborah Moraes (Org.). Pesquisa Qualitativa em
Administração. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2004.
WEBER, Max. Economia e sociedade. Revisão técnica de Gabriel Cohn. Brasília: Ed. UNB,
1999, v.2.
172
APÊNDICE “A” Roteiro de entrevista semi-
estruturada
RAPPORT:
1) Explicar o objetivo da entrevista, pedir permissão pra gravar e explicar que o
entrevistado não será identificado; que, caso tenha alguma dúvida sobre a pergunta,
não se iniba e pergunte.
2) Identificar o entrevistado:
a. Como se chama? Em que Setor trabalha? Qual o seu cargo? Que funções
desempenha? Há quanto tempo trabalha no HU? Como chegou ao HU?
SEÇÃO 1: Abordando as características estruturais e dispositivos de coordenação:
complexidade, centralização (processo decisório), formalização (mecanismos
integradores), processos organizacionais (comunicação, mudança, articulação
intersetorial).
1) Com quais áreas e diretoria do HUPAA você e seu setor têm mais relacionamento?
2) Como tem sido o relacionamento com estes setores e com a Direção do HU?
fatores facilitadores e/ou restritivos deste relacionamento? Se há, quais seriam?
3) Fale-me sobre a importância das ações de sua área sobre as outras, e vice-versa.
4) Como você percebe o relacionamento entre as áreas meio e fim? Esse
relacionamento traz impactos no seu trabalho? Se sim (tanto bons quanto ruins), quais seriam?
5) Como você descreve a comunicação entre os diversos setores do HU, e entre os
setores e a Direção? Qual os efeitos causados por esse processo? Qual (is) o(s) meio(s) mais
utilizado(s)?
6) No seu entendimento, qual é a razão de existir (missão) do HUPAA? O HUPAA
tem explicitamente uma missão/propósito (escrita)? Se tiver, ela está clara para você? Do seu
ponto de vista, essa missão tem sido seguida pelos serviços e setores do Hu?
7) Como você e seu setor têm contribuído para o cumprimento dessa missão?
8) Qual a sua opinião sobre a importância de normas, rotinas e regras no HUPAA? Até
que pontos têm sido seguidos? Como os setores agem para o cumprimento ou para escapar
destas? Ajudam? Atrapalham? (exemplifique)
9) metas definidas pela organização? são acompanhadas? como são
estabelecidas? Como você e seu setor têm lidado com essas metas?
10) Na sua opinião, quais os valores e princípios que têm norteado a gestão do
HUPAA? Que sentido eles têm pra você na realização do seu trabalho no HUPAA?
173
11) Como se dão as decisões ou como você vê a forma como as decisões são tomadas
no HUPAA?
12) Como tem sido a sua participação na tomada de decisões dentro do seu setor e em
ações que têm impactos no seu setor?
13) Existe participação na escolha dos dirigentes do HU? Comente como ocorre.
SEÇÃO 2: Caracterização do agente
1) Pessoalmente, que razões você tem para estar trabalhando no HUPAA?
2) Haveria algum fator que o desestimula na execução de suas tarefas?
3) Como caracteriza o seu relacionamento com os demais membros da organização?
Que sentimentos estão presentes nesse relacionamento?
4) Você consegue destacar mudanças que você tenha vivenciado nesse tempo que você
trabalha no HUPAA? Nesses momentos de mudança, em geral, de que forma voe seus
colegas de trabalho reagem a elas?
5) Considerando que o HUPAA é um hospital de 33 anos de existência, existiriam
aspectos dessa historia que influenciam na realidade do HUPAA e na forma de você e das
pessoas agirem? Se sim, poderia exemplificar?
6) Considera que o HUPAA tem evoluído, caminhado nestes 33 anos? Em que
aspectos? Há algum aspecto em que ainda falta aperfeiçoar?
10) Como você descreveria o HUPAA atualmente e como deveria ser?
FECHAMENTO DA ENTREVISTA: agradecer ao entrevistado, abrir espaço para
outros aspectos que ele considere importante para conhecimento da pesquisadora, mas
que não foi contemplado nas perguntas.
174
APÊNDICE “B” — Instrumento para coleta de dados
análise documental
Características estruturais e
dispositivos de coordenação
DESCRIÇÃO HUPAA
Centralização: compreendendo processo
decisório e delegação de autoridade; sistema
de comunicação (hierarquização, fluidez,
difusão de estilo gerencial).
Formalização: compreendendo
mecanismos de regulação e coordenação
utilizados, natureza dos dispositivos de
controle utilizados, integração entre as
unidades organizacionais.
Complexidade: considerando a presença
de fatores de estabilização/regularidade e
mudança/imutabilidade, porte da
organização.
Características do agente e
relacionamentos internos
DESCRIÇÃO HUPAA
a orientação que determina ações do agente
(relacionada a fins, tradição ou sentimentos
afetivos), dimensão do tempo que se destaca
nas ações do agente, representação do agente
conforme posição na estrutura da
organização, forma de condução do processo
sucessório do dirigente da organização,
quadro de pessoal (qualificação requerida,
recrutamento, regime de trabalho,
treinamento, avaliação de desempenho,
política de recompensas e remuneração),
relacionamento no local de trabalho.
Ambiente externo e relações inter-
organizacionais
DESCRIÇÃO HUPAA
caracterização do ambiente externo à
organização: condições legais, condições
políticas, condições demográficas. Serão
identificadas algumas das organizações e
instituições com as quais o HUPPA mantém
relacionamento.
175
APÊNDICE “C” — Roteiro utilizado na observação
participante
Evento observado:
Data:
Hora de início:
Hora do término:
Local:
Processo a ser observado:
1 – Descrição do cenário físico: como o ambiente físico parece, que objetos estão presentes e
como estão dispostos, desenho do setting.
2 Participantes: quem está na cena, quantas pessoas e seus papéis, qual a razão de estarem
juntas, o que é e não é permitido, quais as características relevantes dos participantes.
3 Atividades e interações: o que está acontecendo, (há?) seqüência de atividades, como as
pessoas interagem entre si e com a atividade, como as pessoas e atividade estão conectadas,
(há?) algum mecanismo regulando as interações.
4 Conversações: qual o conteúdo das conversas no cenário, quem fala com quem, quem
ouve, alguém comanda a atividade.
5 – Fatores sutis: comunicação não verbal, atividades não planejadas.
6 – Meu comportamento: como me senti no papel de observador participante, comentários.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo