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1
UNIVERSIDADE
FEDERAL
DO
ESPÍRITO
SANTO
CENTRO
DE
CIÊNCIAS
HUMANAS
E
NATURAIS
PROGRAMA
DE
PÓS-GRADUAÇÃO
STRICTO
SENSU
EM
ESTUDOS
LINGÜÍSTICOS
RUTH
LÉA
SANTOS
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VITÓRIA
2008
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RUTH
LÉA
SANTOS
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Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Estudos Lingüísticos
do Centro de Ciências Humanas e Naturais da
Universidade Federal do Espírito Santo como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Lingüística na área de concentração de Texto
e Discurso.
Orientadora: Profa. Dra. Virgínia Beatriz Baesse
Abrahão.
VITÓRIA
2008
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D
EDICO ESTA DISSERTAÇÃO EM MEMÓRIA DE
A
DALGISA E
F
RANCISCO
,
MEUS PAIS
,
PORQUE MUITO ACREDITARAM NO
CONHECIMENTO COMO POSSIBILIDADE DE MUDANÇA DE VIDA
.
6
AGRADECIMENTOS
À Professora Dra. Virgínia Beatriz Baesse Abrahão (UFES)
Porque simplesmente foi a pessoa fundamental na realização desse nosso trabalho
de dissertação. Por isso, o espaço e as palavras aqui empregadas não fazem jus à
importância que assumiu, não na realização deste trabalho, mas também em
nossa vida acadêmica. Este trabalho iniciou e terminou com a Professora Virgínia
Abrahão, que foi em disciplina por ela ministrada na graduação que tomamos
conhecimento da paráfrase como uma das problemáticas da linguagem e a
importância da compreensão do fenômeno, apontando o(s) (des)caminho(s) e o(s)
rumo(s) na realização do percurso. Muito além das questões acadêmicas, a
sensibilidade em perceber o humano em cada um, os limites e, nesse sentido, vale
o incentivo para o aprofundamento dos estudos com vistas à superação. Por tudo
isso a nossa palavra é apenas uma: obrigada.
Ao Professor Dr. José Carlos Gonçalves (UFF)
Agradeço pela leitura atenta e perspicaz deste trabalho e em especial pelas
sugestões valiosas apresentadas por ocasião da defesa.
À Professora Dra. Hilda de Oliveira Olímpio (UFES)
Agradeço pela imensa contribuição não nas bancas de defesa e qualificação,
mas em todo o percurso do trabalho, pela disponibilidade e generosidade com que
sempre nos atendeu, pelos materiais proporcionados, pelas indicações de leituras,
além de esclarecimentos teóricos e outras discussões mais especificas.
Eternamente grata, grande Mestra.
Ao Professor Dr. José Augusto de Carvalho (UFES)
Agradeço muito a esse professor, sobretudo, pela contribuição no que se refere à
obra La Paraphrase, de Catherine Fuchs.
À Profa. Dra. Lúcia Helena Peyroton da Rocha (UFES)
É certo que, às vezes, basta apenas uma palavra para mudar o destino de uma
pessoa. Tivemos a grata satisfação de receber essa palavra de apoio em um
momento difícil, além de indicações e materiais. Muito obrigada.
À Professora Dra. Andréa Antonili Grijó
(UFES)
Agradeço o apoio e o incentivo, bem como as observações dadas a respeito do
trabalho.
À Profa. Dra. Lillian Virgínia DePaula Filgueiras (UFES)
Não poderia de deixar de modo algum de agradecer a essa professora, em
especial, porque percorreu grande parte desse caminho conosco. Assim, em
primeiro lugar, agradecemos pelo aceite inicial como sua orientanda, chegamos
até aqui por conta desse primeiro passo dado em nossa direção. Em segundo
lugar, por toda contribuição no que diz respeito ao trabalho, bem como a confiança
em nós depositada.
7
Agradeço ainda a todos os demais professores que, direta ou indiretamente,
contribuíram para chegarmos ao final deste trabalho. Especialmente, pela
disposição, arrojo e galhardia em abrir esse Mestrado em Estudos Lingüísticos.
A todos os amigos, pessoas especiais, que dividem conosco os momentos mais
difíceis e os mais felizes de nossas vidas. A trajetória sem o incentivo de todos
seria bem mais árdua, por isso, o meu sincero agradecimento.
À turma e agregados que surgiram pelo caminho: Arlene, Celi, Elaine, Emanuele,
Enoch, Ilione, Joseane, Karen, Kátia, Luciana, Ludmilla, Marcela, Mônica, Tatiana.
Muito, em especial, à Luciana, pela intercessão e pela disponibilidade em nos ouvir,
colocando-se sempre à disposição.
Aos leitores atentos desse nosso trabalho: Karen, Enoch e, em especial, Arlene,
que não apenas leu, sugeriu, mas também intercedeu por nós.
À Kátia, pela generosidade e preocupação em nos apoiar em momentos bem
difíceis.
Às amigas Celi, Karen e Ilione a tríade que partilharam momentos de risos e
choramingos, sempre generosas, capazes de se doar sem restrições. Amigas
muitíssimo especiais que seguirão para sempre em nosso coração, vida afora e
com quem esperamos compartilhar muitos outros momentos.
Aos Familiares
A todos os irmãos e todos os sobrinhos, especialmente, àqueles que
acompanharam esse percurso mais de perto, como minha irmã Solange Iara, que
sempre nos incentivou a seguir em frente e que acreditou em nossa capacidade,
por mais difícil que o caminho se mostrasse.
Ao meu irmão José Marcos e minha sobrinha Tatiana, por confiarem em nós, tanto
que foram, literalmente, os fiadores desse trabalho.
A Simone, Fabiana, Sônia e Profa. Ilza Britran pela paciência, generosidade e
atenção que sempre me dispensaram no percurso desse trabalho.
Ao Governo Federal e Estadual por proporcionarem a bolsa de mestrado concedida
pela FAPES, possibilitando-me dedicação exclusiva, sem a qual seria difícil a
realização desse trabalho.
Sobretudo, ao Deus vivo, criador dos céus e da terra, por mais esta vitória.
8
Nada
vem
do
nada.
(Quintiliano)
9
RESUMO
Esta pesquisa pretendeu investigar a paráfrase como atividade argumentativa,
diferentemente da concepção clássica, que a concebe como uma tentativa de
tradução/reprodução de um mesmo conteúdo com outras palavras. Dentro da
concepção aqui adotada, a paráfrase é caracterizada como uma estratégia de
reformulação, na qual o sujeito/autor retoma, intencionalmente, um enunciado,
dentro de um contexto comunicativo diferente, provocando deslocamentos de
sentido, nos quais a paráfrase assume um importante papel na cadeia
argumentativa do texto. Esses deslocamentos de sentido se o mesmo em uma
situação em que a paráfrase é contingente, como é o caso do corpus escolhido,
redações de vestibular, em que é apresentada uma coletânea que serve de base
para a construção do texto. Buscou-se, portanto, a compreensão desta
argumentatividade, provocada pela paráfrase. A questão que este trabalho levanta
é: qual a efetiva participação do sujeito/autor na atividade parafrástica ao realizar a
estruturação textual na construção/produção de sentido do texto? Ou seja, que
deslocamentos de sentido são provocados pela paráfrase no processo
argumentativo. Como estratégia metodológica, a fim de evidenciar o papel que a
paráfrase assume no discurso/texto, recorreu-se às categorias de paráfrase
postuladas por Ribeiro (2001): modalizadora, intensificadora ou enfática, gradativa,
referenciadora, explicativa, explicitadora e exemplificadora. Os resultados levaram-
nos a defender que, a paráfrase é produzida argumentativamente, de acordo com o
projeto de dizer do sujeito/ autor, que na retomada de um ’já-dito’, dito de outro
modo, acrescenta outros novos sentidos ao texto.
Palavras-chave: Paráfrase, Argumentação, Sujeito, Construção de sentido.
10
ABSTRACT
This research investigated the paraphrase as an argumentative activity that differs
from the point of view of the classical conception, which sees it as an attempt to a
simple translation/reproduction of a same context, expressed in different words. In
our conception, the paraphrase is, characteristically, a reformulating strategy, where
the subject/author intentionally retakes a statement from a different communicative
context, causing a displacement of meaning in which the paraphrase takes over an
important role in the argumentative activity of the text. These shifts in meaning occur
even in situations in which the paraphrase is contingent, as in the selected corpus
for this work, i. e. essays from the university entrance examination, in which a
selection of texts is presented as the base to the structuring of the text. So, a
comprehension of the argumentativity caused by the paraphrase was researched.
The central inquiry in this paper is: What’s the effective participation of the
subject/author in paraphrastic when building a textual structure for the
construction/production of meaning? In other words, which meaning displacement is
triggered by the paraphrase in the argumentative process? As a methodological
strategy, with the purpose of highlighting the role that the paraphrase takes over in
the discourse/text, we used the paraphrase categories postulated by Ribeiro (2001),
modeling, intensifying or emphatic, gradual, referential, explanatory, exemplifying,
eliciting. The results led us to defend that the paraphrase is argumentatively
produced according to the subject/author’s speech project which, by taking the
‘already said’ and saying it in other way, adds new meanings to the text.
Key-words: Paraphrase, Argumentation, Subject , Meaning construction.
11
LISTA
DE
QUADROS
Quadro 1 –
Texto 12 de Ribeiro ...................................................................... 61
Quadro 2 –
Texto 18 de Ribeiro ...................................................................... 62
Quadro 3 –
Texto 21 de Ribeiro ...................................................................... 63
Quadro 4 –
Texto 27 de Ribeiro ...................................................................... 65
Quadro 5 –
Texto 33 de Ribeiro ...................................................................... 67
Quadro 6 –
Texto 36 de Ribeiro ...................................................................... 67
Quadro 7 –
Texto 40 de Ribeiro ...................................................................... 68
Quadro 8 –
Linguagens oral e escrita: condições de produção .....................
74
12
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................
13
2
2.1
2.1.1
2.1.2
2.1.3
2.1.4
BREVE
PERCURSO
HISTÓRICO
DA
PARÁFRASE
...............................
O
I
NÍCIO DA
I
NVESTIGAÇÃO
...........................................................................
Paráfrase: definição do termo ................................................................
A perspectiva lógica da equivalência formal entre frases ...................
A perspectiva de paráfrase como sinonímia de frases ........................
A perspectiva de paráfrase como atividade de reformulação .............
20
21
23
26
28
29
3
3.1
3.2
3.3
3.4
3.4.1
3.4.1.1
3.4.1.2
3.4.1.3
3.4.1.4
3.4.1.5
3.4.1.6
3.4.1.7
A
PARÁFRASE
COMO
ESTRATÉGIA
DE
(RE)FORMULAÇÃO
TEXTUAL:
A
ARGUMENTAÇÃO
EM
FOCO
............................................
K
OCH
P
ARÁFRASE
:
UMA
E
STRATÉGIA
T
EXTUAL DE
I
NTERAÇÃO E DE
(R
E
)F
ORMULAÇÃO
.......................................................................................
F
UCHS
-
A
P
ARÁFRASE COMO UMA
A
TIVIDADE
M
ETALINGÜÍSTICA DOS
S
UJEITOS
.....................................................................................................
H
ILGERT
-
A
P
ARÁFRASE E SEU
C
ARÁTER
M
ETAFORMULATIVO E DE
R
EFORMULAÇÃO
..........................................................................................
R
IBEIRO
-
A
P
ARÁFRASE NA
E
STRUTURAÇÃO DO
D
ISCURSO E NA
C
ONSTRUÇÃO DO
S
ENTIDO NA
L
INGUAGEM
O
RAL
:
AS
C
ATEGORIAS DE
A
NÁLISE
......................................................................................................
Apresentação das Categorias ................................................................
P
ARÁFRASE
M
ODALIZADORA
.........................................................................
P
ARÁFRASE
I
NTENSIFICADORA OU ENFÁTICA
..................................................
P
ARÁFRASE
G
RADATIVA
................................................................................
P
ARÁFRASE
R
EFERENCIADORA
.....................................................................
P
ARÁFRASE
E
XPLICATIVA
..............................................................................
P
ARÁFRASE
E
XPLICITADORA
.........................................................................
P
ARÁFRASE
E
XEMPLIFICADORA
.....................................................................
33
34
40
43
51
59
60
62
63
64
66
67
68
4
4.1
4.2
4.3
APRESENTAÇÃO
DAS
CARACTERÍSTICAS
DAS
LINGUAGENS
ORAL
E
ESCRITA:
UM
TEMA
ANTIGO
....................................................
D
A
T
RADIÇÃO
O
RAL À
E
SCRITA
:
UM
R
ECORTE DE
E
STUDO
............................
A
L
INGUAGEM
O
RAL E
E
SCRITA EM
B
AKHTIN
:
UMA
Q
UESTÃO DE
G
ÊNERO
?
....
O
C
ONTINUUM
O
RAL E
E
SCRITO NA
C
ONCEPÇÃO DE
M
ARCUSCHI
...................
71
71
77
80
5
5.1
5.2
5.3
5.4
ANÁLISE
DA
SUBJETIVIDADE
NA
CONSTRUÇÃO
PARAFRÁSTICA
COMO
ATIVIDADE
DISCURSIVA
.............................................................
P
ERCURSO
M
ETODOLÓGICO
.........................................................................
A
PRESENTAÇÃO DA
C
OLETÂNEA
...................................................................
A
NÁLISE DO
C
ORPUS
...................................................................................
C
ONCLUSÕES DA
A
NÁLISE
...........................................................................
83
84
87
88
100
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................
104
7
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................
APÊNDICE A – LEITURA COMPLEMENTAR .........................................
ANEXO 01 – TEXTO A .............................................................................
ANEXO 02 – TEXTO B .............................................................................
107
111
112
114
13
1 INTRODUÇÃO
A preocupação com a escolha da paráfrase como mote de pesquisa deve-se ao
fato de ela ser um dos vetores estruturantes do discurso, que opera deslocamentos
significativos na produção de sentidos.
A atividade parafrástica possui uma natureza complexa e seu estudo remonta aos
preceitos retóricos. Com o passar do tempo esse conceito é repensado por
diferentes correntes que levaram em conta desde os princípios da lógica formal até
os princípios do discurso. Tais princípios discursivos, considerados dentro de
uma concepção moderna, constituirão o eixo de abordagem desta pesquisa. Assim,
a paráfrase continua na pauta de investigação de diferentes correntes dos estudos
lingüísticos.
Em linhas gerais, a paráfrase é tida como uma atividade que retoma o conteúdo de
um texto fonte, que, reformulado segundo o ponto de vista do sujeito, pode incidir
tanto sobre a questão central quanto periférica que, nesses casos, pode ser uma
estratégia argumentativa de realçar/ocultar algo já exposto no texto original.
A aproximação com essa temática deu-se quando na disciplina de Semântica,
ainda na graduação, participei de um trabalho em grupo, cujo objetivo era investigar
algumas concepções e modos de abordagem da paráfrase em diferentes
teóricos/autores, gramáticas normativas, livros didáticos e dicionários de
Lingüística.
Nesse “tatear” inicial, se buscava questionar uma perspectiva meramente
referencial da paráfrase em direção a uma abordagem discursiva. A aproximação
foi pequena, mas se pôde observar que não se tratava de um processo simples,
e sim de uma das problemáticas da linguagem, haja vista que o interesse pelo tema
tem atravessado séculos. Na ocasião, concluímos que a compreensão do
fenômeno parafrástico exigia estudos bem mais amplos. Percebemos, ainda, que
para esse estudo seria necessário delimitar o campo teórico da abordagem, pois a
paráfrase pode ser observada sob variados pontos de vista.
14
Assim, desse percurso inicial restou-nos o interesse por um conhecimento mais
específico da atividade parafrástica, em especial porque nessa breve aproximação
percebemos que muito que se interrogar sobre essa temática. Entendemos que
a paráfrase apresenta uma riqueza de possibilidades que um olhar mais atento
pode observar. Interessaram-nos em especial as questões associadas à
subjetividade presente no texto/ discurso.
O tema ainda não tem recebido uma atenção de destaque, isto é, a altura da sua
problemática e complexidade, em especial, nas gramáticas, nos livros didáticos, e,
arriscamos dizer, nas salas de aulas. A paráfrase é uma das questões de
linguagem que pode proporcionar (e proporciona) ao sujeito discursivo inúmeras
possibilidades entre o dito e os modos de dizê-lo (conscientemente ou não), que
interferem na produção de sentidos. Desse modo, sob uma perspectiva da
argumentatividade, a paráfrase pode contribuir nas estratégias de produção textual.
Como exemplos da insuficiência dessa abordagem, pudemos observar o Dicionário
de lingüística, de J. Dubois e outros (1978), que numa primeira acepção da palavra
paráfrase, mantém a concepção tradicional: um enunciado A é paráfrase de um
enunciado B se contém a mesma informação que B. Contudo, no mesmo
dicionário, em uma outra entrada, a paráfrase é vista como desenvolvimento
explicativo de uma unidade de um texto, o que aponta para um trabalho do
sujeito na expressão do fenômeno.
David Crystal (1988), em seu Dicionário de lingüística e fonética, fala de
paráfrase como termo usado na Lingüística para indicar o resultado ou o processo
de produzir versões alternativas de uma sentença ou texto sem alterar o
significado, reduzida, portanto, ao nível sintático.
Ainda, nesse contato inicial com a paráfrase, examinamos também algumas
gramáticas, como as de Rocha Lima (2000), Bechara (2001) e Perini (2001), que
não abordam, entretanto, esta questão, relegando, consequentemente, o fenômeno
a outro plano de análise.
15
Outros, como Cury, Paulino e Walty (1998:30) entendem que ocorre paráfrase
quando “a recuperação de um texto por outro se faz de maneira dócil, isto é,
retomando seu processo de construção em seus efeitos de sentido”. Mas o que
será resgatar de “maneira dócil um conteúdo? Quais seriam, portanto, as maneiras
menos dóceis de resgate de conteúdos?
Para Othon Garcia (1986), a paráfrase se apresenta como recurso de
aprimoramento de vocabulário e de reestruturação da frase pela explicação e como
forma de tradução dentro da língua, mas uma tradução mais clara, sem
comentários ou omissão do que seja essencial.
Pode-se também citar Ilari (2001, p.140), para quem “duas sentenças são paráfrase
uma da outra quando descrevem de maneiras equivalentes um mesmo
acontecimento ou um mesmo estado de coisas”, ou, ainda, como mecanismos
próprios do léxico.
Enfim, como se pode depreender dessas concepções, o que transparece ainda é
uma concepção tradicional de paráfrase que pouco acrescenta ao trabalho com a
produção textual/discursiva, além de apresentar o fenômeno parafrástico como um
mecanismo isento de intencionalidades, meramente sintático.
Mediante essa “gênese” de aproximação com a paráfrase e a par dessas
abordagens do fenômeno, interessamo-nos por uma compreensão da paráfrase
que respondesse a uma concepção mais ampla da atividade parafrástica, que
considerasse a subjetividade envolvida na questão, particularmente o papel que o
sujeito assume (consciente ou não) no seu “manejo”, que se trata, a nosso ver,
de uma atividade parcialmente linguageira, de um complexo fenômeno da
linguagem que acontece/ interfere na atividade discursiva dos sujeitos e na própria
construção/ produção do texto.
Assim, considerando tais aspectos com relação à paráfrase, passamos a buscar
autores que dessem suporte a uma percepção desse fenômeno como atividade
inerente ao sujeito e ao discurso, ou melhor, que revelassem o papel da paráfrase
enquanto atividade discursiva, participante da construção e progressão textual, bem
16
como da produção de sentidos. Em verdade, buscamos um “recorte” de estudo da
atividade parafrástica enquanto estratégia argumentativa do sujeito, que revelasse
o “quadro” de suas escolhas e, conseqüentemente, as funções que a atividade
parafrástica assume ou pode assumir nesse processo.
No percurso desta dissertação, serão revisitadas algumas discussões sobre a
paráfrase, perpassaremos desde uma concepção lógico-formal voltada para
questões de identidade a uma concepção de vertente mais discursiva,
enfatizando autores como Fuchs (1982 e 1985) e Hilgert (1999 e 2002). Contudo, a
base teórica de sustentação desta pesquisa encontra-se em Koch (1996,
2002a,b,c,d, 2006) e a sua base metodológica em Ribeiro (2001), que segue na
mesma linha de Koch. Ribeiro, em sua dissertação, propõe 7 (sete) categorias de
paráfrase pelas quais possibilita “materializar/visualizar” a argumentatividade dos
textos.
O recorte teórico-metodológico respalda-se na paráfrase como instância interativo-
discursiva destinada à produção de sentidos, a partir de um ponto de vista do
enunciador/ locutor/ escritor. Ou seja, nesse processo, de se considerar que
uma manipulação intencional do texto-fonte cuja dinâmica discursiva extrapola o
reducionismo de “trocar seis por meia dúzia”.
Por esse ângulo discursivo, apoiamos-nos em Koch (2002c, p.79), pois, de acordo
com sua proposta, a atividade parafrástica é um fazer textual que, “em se fazendo”,
vai adquirindo “forma” e “encorpando” o dito num novo dito. Assim, ao incorporar
uma “nova forma” ao texto, a paráfrase pode ser avaliada no entremeio das
relações dialógicas e argumentativas.
Nessa perspectiva, cumpre-nos observar de que maneira a paráfrase se articula na
organização argumentativa foco de investigação deste trabalho de pesquisa, pois
conforme afirma Koch (2002a), filiando-se à corrente ducrotiana, a linguagem é
essencialmente argumentativa.
Temos, portanto, por hipótese que a paráfrase nunca é mera repetição de um
conteúdo anteriormente dado, sendo ela um ato de (re)formulação, já que se
17
constitui como uma atividade de um sujeito inserido em condições de produção
específicas e com intencionalidades diferenciadas. Desse modo, a questão que
este trabalho levanta é: qual a efetiva participação do sujeito/ autor na expressão
da atividade parafrástica em função da construção/ produção de sentido do texto?
Objetivamos contribuir para uma aproximação entre à discussão sobre a paráfrase
e a efetiva produção de texto em salas de aula, pois, na medida em que trazemos
autores que a concebem sob o prisma da argumentatividade e retiramos dela o
“simplismo” da mera repetição, passamos a entender que a discussão sobre o
modo pelo qual a paráfrase se processa em muito pode esclarecer o produtor de
texto sobre os mecanismos da construção textual. Nesse sentido, as categorias
expressas por Ribeiro (2001) se nos apresentam como passíveis de apreensão,
pelo professor, bem como pelos alunos.
Portanto, ainda que pareça muito simples a proposta aqui apresentada, de
demonstrar, em redações de vestibular, o valor argumentativo da paráfrase,
pesquisas anteriores, conforme pode ser apreciado, demonstram que esta
discussão ainda não chegou às salas de aula ou manuais didáticos de redação. Por
isso, esta pesquisa se apresenta como uma tentativa de concretização dessa
aproximação tão necessária, todavia não alcançada.
Segundo Koch (2002a, p.126), a cadeia argumentativa no fazer textual não se faz
apenas com argumentos novos, “originais”. Se assim o fosse, o discurso seria
simplesmente incompreensível, que ignoraríamos os conhecimentos prévios e
socialmente partilhados. A retomada de argumentos já conhecidos é, portanto,
essencial para definir o eixo argumentativo, auxiliando também na coesão-
coerência textual e, conseqüentemente, na compreensão do texto.
Cabe acentuar que a construção parafrástica não é apenas uma prática de um
sujeito repetidor, mas de um sujeito discursivo-pragmático que, ao elaborar um
“novo” texto, leva em conta que o interlocutor-leitor seja capaz de retomá-lo ou pelo
contexto ou pelo seu conhecimento de mundo. Esses aspectos configuram a base
de produção de sentidos para que o sujeito possa interagir discursivamente,
mobilizando conhecimentos cristalizados (culturais, históricos, ideológicos, etc).
18
Esses conhecimentos, de tanto serem repetidos, fazem parte, por assim dizer, de
um “texto virtual” a que ambos têm acesso, o escritor/locutor e o leitor/interlocutor
do texto.
À parte a noção básica de “repetição” que perpassa a questão da paráfrase, o texto
parafraseado é atravessado por elementos novos, tanto em relação às escolhas
lingüísticas quanto à estrutura sintática - que cumprem funções relevantes na
argumentatividade, pois apresentam papéis diferenciados na reformulação. Essa
estratégia possibilita apresentar um “já dito” com um novo olhar, criando diferentes
contornos discursivos, o que imprime singularidade ao novo texto.
Na linha de Bakhtin [1979] (2003; 2000), em que o “querer-dizer” do locutor mais
que fixa sentido, filia-se Ribeiro (2001), defendendo que, na atividade
argumentativa, o papel dos interlocutores é fundamental para estabelecer o diálogo
intra e interdiscursivo, porque esse “querer-dizer”, esse projeto argumentativo
sempre “inaugura” outros e novos sentidos. Assim sendo, Ribeiro (2001, p.75)
entende que
[...] o emprego das paráfrases, como um mecanismo de organização
textual, ocorre, em muitos casos, em função de um propósito
argumentativo, de acordo com a dupla imagem feita por locutor e
interlocutor e com as imagens que estes fazem da língua e do objeto do
discurso.
Para a realização do percurso, organizamos esta pesquisa com os seguintes
capítulos: O capítulo 1 compreende a introdução. O capítulo 2 abarca a perspectiva
histórico-lingüística da paráfrase. Destacamos o aspecto conceptual que
fundamenta a discussão sobre paráfrase, a definição do termo e as perspectivas
pelas quais ela tem sido estudada na Lingüística. Já no capítulo 3 situamos o nosso
referencial teórico-metodológico na abordagem do fenômeno da paráfrase.
Pela natureza do corpus escolhido - redações de vestibulandos –, nosso foco de
análise centra-se no acontecimento da paráfrase na escrita. Por isso, no capítulo 4
procedeu-se a uma abordagem sobre as características próprias das linguagens
oral e escrita, delimitando-se as condições de produção pertinentes a cada
modalidade. Assumimos com Marcuschi (2003, p.37) que “(...) as diferenças entre
19
fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas sociais de
produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos opostos”.
No capítulo 5 realizamos a análise do corpus escolhido para esta pesquisa. E o
capítulo 6 e 7 referem-se, respectivamente, às considerações finais e às
referências bibliográficas do trabalho.
Assim, esta pesquisa parte de uma concepção de paráfrase vista como uma
atividade de (re)formulação, inserida num quadro argumentativo-discursivo;
atividade esta reveladora da intenção e da interação do sujeito que se faz e se
constrói na e pela linguagem. Assumimos, portanto, que, na condução desta
pesquisa, o processo de produção de sentidos é tributário da “inter-ação pela
linguagem”.
20
2 BREVE
PERCURSO
HISTÓRICO
DA
PARÁFRASE
Aguça-nos, nesta discussão sobre o fenômeno parafrástico, uma percepção que
não se prenda à “velha” questão de identidade absoluta sobre verdade e falsidade
traçadas em muitos estudos. Ao contrário, o que suscita e apaixona nesta
discussão sobre a paráfrase é, exatamente, o que por muito tempo esteve fora das
discussões sobre linguagem, o envolvimento do sujeito em tais questões, o seu
papel e a sua capacidade de interagir pela linguagem, pelas mais diversas formas
e pelos mais diversos propósitos e resultados.
Compreende-se que a paráfrase, na perspectiva gico-formal, ou seja, centrada
nas condições de verdade e falsidade, passa por um vínculo com o sistema da
língua. Nesta visão estruturalista não se focava o sentido do texto como um todo,
uma vez que o sentido estava de certo modo excluído do interesse das pesquisas.
Enfim, a preocupação era com a forma e não com o sentido.
Buscava-se, nessa perspectiva, portanto, certa regularidade inerente ao sistema da
língua; todavia, a transposição de frases era intuitivamente percebida como
mantenedora de um mesmo sentido. Ou melhor, pode-se dizer que a base da
paráfrase, sob esse olhar, era a natureza sintática das relações entre frases,
disponíveis no sistema da língua. Diferentemente do que percebemos a partir de
uma perspectiva de reformulação, cujo foco de interesse é o texto, no qual as
questões que entram em “cena” são de natureza discursiva.
Por esse ângulo, deve-se sublinhar que a própria subjetividade não é “largada” ou,
propositadamente, esquecida; ao contrário, ocupa lugar de destaque na busca pela
compreensão do fenômeno parafrástico. Assim, observando esses entremeios e
essas inquietações, buscaremos situar neste estudo a atividade de (re)formulação
para refletir sobre a ocorrência da paráfrase na linguagem escrita.
É nesse contexto que objetivamos discutir o fenômeno parafrástico, posto que, na
linha de Fuchs (1982, p.175), entendemos que
21
la paraphrase est um phénomène langagier (c’est-à-dire une activité de
langage menée par des sujets dans des situations de discours données),
qui n’est que partiellement linguistique (c’est-à-dire s’appuyant sur des
relations complexes em langue, qui contribuent à l’établissement d’um
jugement de paraphrase, sans pour autant lê déterminer absolument).
1
Nesse sentido, carreamos também a atividade argumentativa dos sujeitos que
realizam/participam da estrutura textual e da construção do sentido, o que implica a
presença de outras vozes e, conseqüentemente, reescrituras polifônicas.
Nesse entrecruzamento de vozes, elencamos autores que buscam compreender
esse fenômeno como uma atividade discursivo-interativa dos sujeitos,
reconhecendo que a paráfrase se impõe como uma estratégia de produção de
sentido. Assim, operando sobre deslocamentos de sentidos, apresentaremos
sucintamente um panorama histórico sobre o estudo da paráfrase, enfocando a
concepção de base que a fundamenta, além de revisitar as principais perspectivas
pelas quais o fenômeno parafrástico é estudado. Em seguida, buscamos definir a
concepção e a questão central da pesquisa, ou seja, a paráfrase como atividade
argumentativa na linguagem escrita.
2.1
O
I
NÍCIO DA
I
NVESTIGAÇÃO
Sabemos que a paráfrase é um tema que remonta à Antigüidade. No entanto, as
relações entre os “ditos” e os modos de dizê-los constituem um instigante tema que
aguça a curiosidade de muitos estudiosos ainda hoje, posto que o dinamismo da
linguagem como “inter-ação” requer sempre um novo olhar, mesmo incidindo sobre
“já-ditos”, deixando sobre a superfície textual resquícios de outros dizeres, numa
espécie de texto palimpsesto, que metaforicamente, segundo Arrojo (1988, p.23-
24), “[...] passa a ser o texto que se apaga, em cada comunidade cultural e em
cada época, para dar lugar a outra escritura (ou interpretação, ou leitura, ou
tradução) do “mesmo” texto”.
1
a paráfrase é um fenômeno linguageiro (isto é, uma atividade de linguagem realizada por sujeitos
em situações de discurso dadas), que só é parcialmente lingüística (isto é, que se apóia em relações
complexas em língua, que contribuem para o estabelecimento de um julgamento de paráfrase, sem
por causa disso determiná-lo absolutamente).
Obs : Todos os trechos da obra de Fuchs, C. La paraphrase, 1982, foram traduzidos, para uso
didático, pelo Prof. Dr. José Augusto de Carvalho.
22
Esse novo camuflado de velho ou vice-versa colabora para a estruturação temática
e a progressão textual, conferindo ao produto final o texto unidade. Os sentidos
e/ou deslocamentos de sentido que a paráfrase efetua vão ao encontro de uma
perspectiva interacionista e dialógica da linguagem. Esses são os fatores
preponderantes que levam diversos estudiosos a se debruçarem sobre este tema.
Um dos mais importantes trabalhos sobre a paráfrase é o livro intitulado La
paraphrase, de Catherine Fuchs (1982), que busca, ao que parece, mapear
exaustivamente a discussão sobre a temática na obra, haja vista a quantidade de
autores citados no percurso do trabalho, até chegar à concepção que a autora
defende para a análise/percepção do fenômeno parafrástico. Nesse mesmo
trabalho, a autora, ao traçar o panorama histórico sobre a paráfrase, reconhece sua
natureza complexa devido a evidências subjetivas, uma vez que se torna
necessário deslocar-se do nível lingüístico para o discursivo, sem, contudo, perder
o fenômeno de vista.
Esse jogo entre os referidos níveis demanda um olhar apurado para estabelecer
uma perspectiva metalingüística, ou seja, a própria reflexão que se faz sobre a
linguagem pode determinar ou não o fenômeno, que a subjetividade é inerente
ao processo, o que conseqüentemente, implica escolhas e pontos de vista
adotados pelo sujeito. Entende Fuchs (1982, p.169) que
[...] dès lors que l’attention du sujet est explicitement attire sur l’activité
métalinguistique de comparaison des sequences, celui-ci se fait analyste,
linguiste, et relève les différences (<< les synonymes se trouvent (alors)
dans le plein éclairage de la conscience>>, comme le note Gauger, op. cit.,
p. 129), alors que pourtant it arrive aux sujets de traiter les memes
sequences comme identiques, dans leur rapport spontané au langage.
2
Assim, e até por causa disso, nos questionamos: afinal, o que é paráfrase? Como
surgiu esse fenômeno de linguagem? Quem se dedicou à compreensão desse
2
[...] desde que a atenção do sujeito é explicitamente atraída para a atividade metalingüística de
comparação das seqüências, este se torna analista, lingüista, e releva as diferenças [...] (os
sinônimos se encontram então na iluminação plena da consciência, como observa Gauger, op cit
p.129), enquanto que, no entanto, acontece aos sujeitos tratar as mesmas seqüências como
idênticas, em sua relação espontânea com a linguagem.
23
estudo e por quê? Qual ou quais são as causas que mantêm vivo o interesse pela
compreensão e esclarecimento do fenômeno?
As respostas para tais perguntas implicam traçar um panorama histórico que
abarca, segundo Fuchs (1985), três perspectivas gico-formal, Sinonímica e de
Reformulação que serão explanadas no decorrer deste capítulo. A opção por
essa estratégia visa a situar o leitor acerca do fenômeno parafrástico num
continuum que vai do lingüístico-formal ao interativo-discursivo.
O universo parafrástico é muito amplo e, como dissemos, complexo. Portanto, o
recorte que fazemos nesta pesquisa não é o de radiografar e nem o de sistematizar
uma bibliografia extensa que conta de abarcar todas as correntes que
abordaram o fenômeno. Importa-nos examinar a argumentatividade na linguagem
escrita, para compreender a paráfrase num domínio de escolhas de um sujeito
discursivo.
2.1.1 Paráfrase: definição do termo
Para iniciar a resposta do que venha a ser paráfrase e como surgiu esta questão,
retornemos à origem do significado do termo “paráfrase”, que remonta aos gregos.
Segundo Fuchs (1982), a palavra deriva dos termos “para-” e “phrasis”, que
significam, respectivamente, “ao lado de e “ação de exprimir pela palavra” ou
“discurso”. Em latim encontramos paraphrasis”, em francês (século XVI)
paraphrase” e seus derivados “paraphraser”, “paraphraseur”, “paraphraste” e,
finalmente, em português “paráfrase” (século XVII).
Essas acepções ou princípios, por vezes redutores, não explicam toda a
potencialidade que engloba o processo discursivo, pois ao lado de existe o
paralelo a, ou seja, uma possibilidade múltipla de elaboração do discurso.
Cria-se, assim, uma abertura interpretativa na qual se imbricam os
elementos do texto fonte, acrescido de outros recortes/ olhares que o sujeito
incorpora ao novo texto, dando-lhe identidade-originalidade.
24
Segundo Fuchs (1982), esse termo aparece na Retórica Aristotélica, em seu livro
terceiro, na exposição das técnicas da verbalização (lexis). Revela-se não uma
noção ou conceito de paráfrase em si. Em verdade, a Retórica apresenta um
conjunto de reflexões sobre o tema.
São três os processos estilísticos estudados por Aristóteles sobre a amplificação,
que caracterizam a paráfrase: alternância e repetição de sinônimos (um exemplo é:
os verbos ir e andar); a passagem do nome simples a perífrase (exemplo: círculo
figura plana cujos pontos são eqüidistantes do centro) e, por último, a utilização da
metáfora como estratégia de produção de sentido a partir de deslocamentos, como
por exemplo: dizer de quem roubou
que ele pegou e se apoderou.
Como se pode perceber pelo panorama histórico apresentado por Fuchs (1982),
esse é um termo que, desde os gregos, aplicava-se a duas práticas linguageiras,
ou seja, aos exercícios de reformulação de textos pelos autores (mais
especificamente aos exercícios preparatórios à arte oratória) e à exegese dos
textos sagrados, o que nos leva a supor que aí já se tratava o fenômeno como uma
atividade discursiva.
Essa definição do termo, bem como a aplicação a que se prestava, remete à idéia
da retomada de um já-dito, da discussão que se trava entre um texto primeiro, fonte
(original) e um texto segundo (traduzido). Nesse contexto, o conflito originalidade
versus cópia (tradução) parece-nos que se dilui pela ótica da subjetividade, uma
vez que entre o texto fonte e o texto traduzido há um sujeito discursivo que participa
da produção do sentido, inferindo-lhe suas concepções de mundo e seus valores.
No entremeio dessa discussão, a paráfrase põe em jogo uma contradição
fundamental que, segundo Fuchs (1982), repousa na dialética do “mesmo” e do
“outro”. E é essa dialética que constitui a problemática de base em matéria de
paráfrase e, ao que nos parece, tem sido pormenorizada, contraposta e, às vezes,
até mal compreendida, e, portanto, pouco evidente. Defende Fuchs (1982, p.166)
que
25
l’activité de paraphrase met donc en jeu une subtile dialectique du fond et de
la forme, du contenu et de l’expression qui, paradoxalement, se trouve
masque à la conscience des sujets: pour ceux-ci, paraphrase, c’est
simplement restituer le contenu, en changeant l’expression.
3
Essa relação dialética, segundo a autora, induz a uma “concepção ingênua de
paráfrase”, isto é, “dizer a mesma coisa com outras palavras” que, em geral, está
presente na memória dos sujeitos e, por que não dizer, na cultura de modo geral.
Tais considerações nos levam ao entendimento de que a paráfrase é muito mais
ampla que uma reconstrução lingüístico-formal. Haja vista que até muitos
pesquisadores não percebem ou não elucidam claramente o “jogo” desse
fenômeno linguageiro, que ocorre entre “fundo” e “forma”; “expressão” e “conteúdo”.
Esse tratamento generalizante dispensado por alguns teóricos cria, além da
confusão, uma dificuldade na compreensão que entra em “cena” na contradição
fundamental da paráfrase, a saber: a transformação progressiva do “mesmo”
(sentido idêntico) em “outro” (sentido diferente), pois, para Fuchs (1982), no ensejo
de se dizer a “mesma” coisa, acaba-se por dizer “outra”.
Pode-se dizer, então, que é essa trama, essa dialética que continua a fomentar o
interesse sobre a atividade parafrástica. E isso responde, ao menos em parte,
outra questão anteriormente levantada: o que mantém vivo o interesse pelo
fenômeno e pela sua compreensão e esclarecimento?
Observa-se, portanto, que se tem concebido a paráfrase fundamentada a partir
desta dicotomia: o “mesmo” versus o “diferente”. De tal modo que essa
característica da paráfrase atravessa, ou melhor, perpassa, de um modo ou de
outro, as suas concepções. Todavia, reduzia-se o “novo” a um nível quase que
meramente formal, ou seja, alijado das reflexões discursivas, pois o foco voltava-se
para as condições lógicas de verdade e falsidade dentro de uma concepção formal
do fenômeno.
3
a atividade de paráfrase põe portanto em jogo uma sutil dialética do fundo e da forma, do conteúdo
e da expressão que paradoxalmente, se encontra mascarada na consciência dos sujeitos: para
estes, parafrasear é simplesmente restituir o conteúdo, mudando a expressão.
26
Fuchs (1985), em artigo traduzido por João Wanderley Geraldi, sob o título A
paráfrase lingüística: equivalência, sinonímia ou reformulação, destaca que essa
atividade despertou o interesse dos estudos lingüísticos sob três perspectivas: a
perspectiva lógica da equivalência formal; a perspectiva gramatical da sinonímia e a
perspectiva retórica da reformulação, conforme dissemos anteriormente.
No que se refere às duas primeiras perspectivas, apontaremos, em síntese, o
objeto de discussão traçado pelos estudiosos. Quanto à terceira, a de
reformulação, na qual se insere também este trabalho, veremos um pouco mais
detalhadamente.
2.1.2 A perspectiva lógica da equivalência formal entre frases
Na perspectiva lógica da equivalência formal entre frases, a paráfrase remonta à
questão na qual, segundo Fuchs (1985, p.130), “duas proposições são ditas
equivalentes quando apresentam o mesmo valor de verdade (conjuntamente falsas,
ou verdadeiras)”. Um exemplo que ilustra essa perspectiva é: “todos os homens
são mortais não há nenhum homem que não seja mortal”.
Para alguns lingüistas essas regras que estabelecem as “condições de verdade”
são pouco claras e de difícil aplicação aos enunciados da língua. Além disso, levam
a um desconhecimento da especificidade do sentido. Os lingüistas formais, por
exemplo, mesmo quando recusam as “condições de verdade”, retomam da lógica a
questão da equivalência, afirmando que duas proposições o equivalentes na
medida em que elas compartilham uma propriedade comum. Esse traço de
equivalência, defendido por uns e relegado por outros, é o que permeia as
discussões sobre paráfrase.
No bojo dessas reflexões, Todorov e Ducrot (1977), no Dicionário enciclopédico das
ciências da linguagem, registram que a compreensão de uma língua implica
necessariamente a correspondência entre enunciados dessa língua, considerados
como sinônimos ou como semanticamente equivalentes. Os autores (loc. cit.
p.261), fazem a seguinte consideração:
27
de acordo com certos lingüistas americanos reunidos em torno de
Z.S. Harris, a descrição de uma língua comporta como parte
integrante (e sem dúvida essencial) a construção de um algoritmo
de paráfrase, isto é, de um processo mecânico, de um cálculo, que
permita prever, a partir de todo enunciado, o conjunto de suas
paráfrases possíveis. Pensam mesmo que esse algoritmo de
tradução poderia ter uma estrutura matemática mais simples que o
algoritmo de produção de frases que constitui as gramáticas
gerativas (para Chomsky, ao contrário, o estudo da paráfrase
depende do componente semântico, ou seja, é posterior à
construção do componente sintático que engendra as frases).
Esta definição deixa evidente o que se busca nessa perspectiva, ou seja, a
natureza ou característica lógica da equivalência formal. Segundo esses autores, a
noção de paráfrase estudada por Harris examina o mecanismo parafrástico pelo
qual se poderia descobrir todo o conjunto de paráfrases permitidas a um enunciado.
Logo, investiga-se a performance quantitativa e não qualitativa desse fenômeno da
linguagem.
Em verdade, segundo Fuchs (1985, p.130), os formalistas acabam estabelecendo
famílias de paráfrases, tendo por base “a derivação de enunciados equivalentes a
partir de uma fórmula abstrata comum”, na qual também se “considera representar
as relações gramaticais profundas, e, portanto, a constância semântica desses
enunciados” (base da estrutura profunda da gramática gerativa). Para Fuchs (1985,
p.130), o exemplo clássico dessa perspectiva é a relação entre frases ativas e
passivas, caso da frase: “Paulo comprou a casa A casa foi comprada por Paulo”.
A conclusão da autora é que essa abordagem apresenta dois tipos de problemas:
primeiro, a consideração do léxico, para o grupo que estuda a paráfrase com base
na constância lexical e trabalha apenas com variações de ordem sintática, caso da
escola de Harris; segundo, o impacto semântico das operações de derivação, para
o grupo que investe na equivalência entre lexicalização e gramaticalização, visando
à diversidade de construções sintáticas, caso da semântica gerativa.
Sob a perspectiva lógica da equivalência formal entre frases, limitamo-nos a traçar
um apanhado geral das premissas que estruturam esse nível de abordagem,
salientando, portanto, que o nosso interesse é a vertente de reformulação, posto
28
que esta apresenta uma interface discursiva. Essa vertente encontra-se na
subseção 2.1.4 e será mais detalhada no capítulo subseqüente.
2.1.3 A perspectiva de paráfrase como sinonímia de frases
Segundo Fuchs (1985), na perspectiva de paráfrase como sinonímia de frases, a
questão colocada é se a sinonímia lexical é identidade verdadeira de sentido ou se
é somente proximidade semântica. Nesse impasse, os questionamentos recaem
sobre as supostas semelhanças ou as diferenças entre palavras. Ou seja, numa
discussão sobre (in)compatiblidade semântica, dois são os problemas: primeiro, a
qualificação das semelhanças e diferenças semânticas; segundo, a noção intuitiva
de identidade de sentido na consciência lingüística dos locutores.
No entremeio dessas discussões a respeito da noção de sinonímia, uma questão
que atravessa tempos e que remonta à Antigüidade é que ora prevalecem
concepções de ordem quantitativa (abundância de palavras com o mesmo sentido),
ora de ordem qualitativa (sutis diferenças semânticas). Esse mesmo impasse
atravessa a paráfrase, ou seja, questiona-se se uma abordagem estritamente
sintática (quantitativa) conta de todas as estruturas parafrásticas sem levar em
conta a natureza semântica (qualitativa) do fenômeno.
Nessas duas primeiras perspectivas apresentadas, um dos problemas centrais
sobre o qual se pode refletir é a questão da referência. Como ambas se baseiam
em conceitos de verdade e falsidade, semelhanças e diferenças, a discussão é
sobre uma identidade absoluta ou não. Por essa trilha dicotômica, acreditamos que
a explanação feita até aqui é suficiente para sintetizar as abordagens formais.
No entanto, como salientamos anteriormente, o nosso propósito se centra no
nível discursivo; sendo assim, segue-se a perspectiva de reformulação, como
introdução de uma discussão mais ampla a respeito da paráfrase.
29
2.1.4 A perspectiva de paráfrase como atividade de reformulação
A noção de reformulação nos leva a pensar nas interfaces dialógica e interacionista
da linguagem e, por esse vs, nos reportamos à metáfora que Authier-Revuz
(1990, p.27) tomou a Bakhtin, para quem “só o Adão mítico, abordando com sua
primeira fala um mundo ainda não questionado, teria sido capaz de produzir um
discurso livre do já dito da fala de outrem”.
Assim, o modelo parafrástico no âmbito reformulativo surge como atividade de
preparação para a arte da oratória, bem como para a prática tradutória dos textos
sagrados realizados pelos gregos. Equacionando esses aspectos oratória e
tradução –, podemos visualizar a paráfrase como uma estratégia do sujeito
discursivo que incorpora “outros dizeres” para produzir um novo dizer, ainda que no
novo dito ecoem traços de ditos remanescentes.
Para Fuchs (1982), o problema nessa perspectiva reside entre articular a língua e o
discurso, o sistema e seu emprego, determinando os índices da interpretação e da
reformulação que permanecem previsíveis para o lingüista. Importa dizer que não
se trata de uma articulação dicotômica dessas relações; ao contrário, essa
perspectiva aponta justamente na direção oposta.
Por essa linha de investigação, três questões o apontadas por Fuchs (1982)
como relevantes: a primeira diz respeito à percepção de como o sujeito restaura o
texto e o modo como o faz; a segunda consiste na dependência da identificação do
significado do texto-fonte reconstruído no novo texto, em função daquele que
interpreta, ou seja, do sujeito, e, ainda, das condições de produção; e, por fim, a
questão do emprego metalingüístico, como os exemplos: com x, quero dizer y; ou x,
em outras palavras, y.
Nesse sentido, a autora enfatiza que o fio condutor da reformulação parafrástica
encontra-se na articulação da língua e seu emprego, sem que se perca de vista o
que há de (im)previsível na reformulação para o lingüista. Ao que parece, fica
evidente que Fuchs (1982) traça a problemática que vai permear essa perspectiva.
Podemos, assim, concluir que a atividade de reformulação, de modo geral, vai
30
tratar, como apontamos, da restauração, ou melhor, da retomada de um
conteúdo de um texto fonte em um texto reformulado ou traduzido.
Este aspecto, além de direcionar para a compreensão da paráfrase como uma das
formas possíveis de tradução, como enfatiza Roman Jakobson (1973) em seu
artigo Aspectos lingüísticos da tradução, conduz o seu estudo para uma
perspectiva enunciativa, discursiva e pragmática da linguagem.
Dominique Maingueneau (2000, p.121), em seu livro Termos-chave da análise do
discurso, defende que
num sentido bem vasto, entendemos, por reformulação a
transformação de uma unidade discursiva de tamanho variável (da
palavra ao texto) em outra, considerada semanticamente
‘equivalente’ de uma maneira ou de outra. Essa operação assume
contornos muito variados, segundo o nível no qual ela intervém, o
tipo de discurso sobre o qual ela se estende e a natureza dessa
transformação (grifo nosso).
Maingueneau (2000) trata de dois tipos de paráfrase: a interdiscursiva e a
intradiscursiva. No primeiro tipo, Maingueneau (2000, p.121) apresenta que “a
reformulação interdiscursiva implica a transformação de um texto em outro [...]”.
Todavia, interessa-nos, em especial, uma reflexão sobre o segundo tipo, a
intradiscursiva, conceituada por Maingueneau (2000, p.121) como aquela em que
“o enunciador põe em relação duas unidades sucessivas de seu discurso que ele
apresenta como equivalentes. A reformulação oscila, então, entre a simples
substituição e a paráfrase explicativa [...].
Desse modo, para Maingueneau (2000, p.122), “na dinâmica da interação, a
reformulação permite ao enunciador negociar os obstáculos que surgem [...]”,
produzindo sentidos a partir do diálogo intradiscursivo entre os interlocutores; logo,
a atividade de reformulação te
nde a ser uma prática discursiva negociada.
Essa negociação travada na dinâmica da interação, conforme postula Maingueneau
(2000), é que torna relevante a percepção da paráfrase na perspectiva de
reformulação. Essa dinâmica é premissa relevante para a compreensão da
31
paráfrase, o seu papel e a sua importância no jogo discursivo entre sujeitos que, de
posse de um texto fonte, operam intervenções que, pela própria natureza humana,
são intervenções sociais; logo, interativas.
Assim, considerando a linguagem como instância interativo-argumentativa, a
análise da paráfrase comporta também uma face metalingüística, na qual, no dizer
de Morato (2005, p.317)
podemos dizer da linguagem que ela é uma ação humana (ela predica,
interpreta, representa, influencia, modifica, configura, contingencia,
transforma etc.) na mesma proporção em que podemos dizer da ação
humana que ela atua também sobre a linguagem, [...] (grifo nosso).
Da presente discussão traçada neste capítulo, vale ressaltar que a paráfrase é
compreendida a partir de uma concepção de linguagem, conforme anuncia Bakhtin
[1979] (2003; 2000), inserida num processo de atividade verbal, ou melhor, da
interação verbal, uma comunicação dialógica. Esta entendida, como define Flores
(2005, p.58), um “[...] espaço de tensão entre vozes sociais”. Isso implica colocar
em outro plano a concepção de paráfrase advinda da perspectiva lógico-formal de
identidade absoluta. Ao contrário, é preciso compreendê-la como aponta Morato
(2005, p.317), como uma ação humana que “[...] predica, interpreta, representa,
influencia, modifica, configura, contingencia, transforma [...]”, uma vez que a cada
reformulação nuances de sentidos afloram no discurso, dando-lhe identidade
própria.
Vimos em um primeiro momento, em linhas gerais, que a atividade parafrástica
surge como um conjunto de reflexões dentro de um processo estilístico estudado
na Retórica Aristotélica, não um conceito claramente definido como a entendemos
nos dias de hoje. Em um segundo momento, discutimos a concepção de base que
fundamenta a paráfrase e que põe em jogo a contradição do fenômeno. Essa
concepção repousa na dialética do “mesmo” e do “outro”. Uma dialética que traz à
reboque, ou em seu bojo, a “presença” marcante do sujeito na discussão do
fenômeno. Na seqüência, passamos pela definição do termo e das três principais
perspectivas pelas quais a paráfrase tem sido estudada.
32
No próximo capítulo explicitaremos o que se entende por paráfrase como
reformulação textual, perspectiva na qual situamos nossas investigações. Para
tanto retomaremos quatro autores fundamentais: Fuchs (1982, 1985); Koch (1996,
2002a,b,c,d, 2006); Hilgert (1999, 2002) e Ribeiro (2001), que se dedicam ao
estudo da paráfrase. Ao trazer esses pesquisadores como escopo teórico desta
pesquisa objetivamos demonstrar os avanços e contradições presentes nesse
enfoque sobre a paráfrase.
33
3 A
PARÁFRASE
COMO
ESTRATÉGIA
DE
(RE)FORMULAÇÃO
TEXTUAL:
A
ARGUMENTAÇÃO
EM
FOCO
Neste capítulo, pretendemos estabelecer a perspectiva teórico-metodológica pela
qual analisaremos o corpus. Tendo por base os trabalhos de Ingedore Koch
(2002a) sobre a argumentação, acreditamos, com ela, que os estudos acerca da
paráfrase, inserida na perspectiva da (re)formulação, encontram-se no quadro geral
da linguagem como interação. Assim, podemos afirmar, evocando Koch (2002a,
p.17), que a “[...] interação social por intermédio da língua caracteriza-se,
fundamentalmente, pela argumentatividade”.
Tomamos por base Koch (1996, 2002a,b,c,d, 2006), para fundamentar o nosso
olhar sobre a paráfrase. Abordamos, também, ainda que não integralmente, os
trabalhos de Fuchs (1982, 1985) e Hilgert (1999, 2002). Esses autores preservam
como unidade de investigação, embora com matizes diferenciados, o processo
enunciativo-discursivo. No entanto, assumimos Koch (1996, 2002a,b,c,d, 2006)
como autora central, nesta nossa pesquisa, porque do percurso das investigações
realizadas pela autora, tomaremos alguns princípios por ela defendidos para a
análise da paráfrase na escrita: o texto como fonte propícia para análise dos
acontecimentos da linguagem, todavia, uma noção de texto muito próxima ou
imbricada com a de discurso; ainda, a compreensão de que o sentido não é a priori
algo dado, mas construído a partir de um processo de inter-ação, resultado,
portanto, de um processo de operações e estratégias de escolhas de um sujeito em
situação, ou melhor, em seu processo enunciativo.
Por esse entendimento, nos filiamos à Koch (1996, 2002a,b,c,d, 2006), ressaltando
que a paráfrase é uma atividade de reformulação, cuja principal função é a de
reforçar a argumentação, elevando o intercâmbio discursivo ao expoente de uma
ação interativa, que vai além das características de transposição de domínios
sintático e lexical. Esse olhar amplia o funcionamento da paráfrase e equaciona as
características argumentativas, retóricas e didáticas em termos processuais “em
se fazendo” - ou seja, a linguagem sai do arcabouço formal, da noção de produto.
34
Em Ribeiro (2001), buscamos as categorias de análise pois, em sua dissertação de
mestrado intitulada A paráfrase: uma atividade argumentativa, a autora, ao
observar o papel e o funcionamento da paráfrase, conclui que esta, além de
participar da atividade discursiva dos sujeitos, acaba por realizar a estruturação e a
construção do sentido do texto, sentido este que, por sua vez, participa da
progressão textual. Para comprovar essas evidências, a autora categoriza 7 (sete)
tipos de paráfrase e são estas categorias que buscaremos investigar ao
analisarmos a subjetividade em redações de vestibular. Sua perspectiva coaduna-
se perfeitamente com a de Koch (1996, 2002a,b,c,d, 2006), por isso, ao utilizarmos
as categorias propostas por Ribeiro (2001), entendemos que estas categorias vão
ao encontro do nosso referencial teórico e nos possibilitam ir em busca do sujeito
enunciador.
Ao buscar a subjetividade nos textos, assumimos que a função sica da
linguagem não é servir de instrumento de comunicação, mas de
interação/argumentação, isso implica admitir, conforme defende Koch (2002a,
p.10), que o
[...] comunicar não é agir na explicitude lingüística e sim montar o discurso
envolvendo as intenções em modos de dizer cuja ação discursiva se
realiza nos diversos atos argumentativos construídos na tríade do falar,
dizer e mostrar
(grifo da autora).
Sob esse tripé discursivo, assentamos nossa proposta de resgatar a subjetividade e
a argumentatividade inscritas nos textos, assumindo que a função básica da
linguagem é acima de tudo possibilitar sentidos, e que a paráfrase participa, como
estratégia discursiva, do processo de (re)leitura do mundo a ser discursivizado na
(re)formulação.
3.1
K
OCH
P
ARÁFRASE
:
UMA
E
STRATÉGIA
T
EXTUAL DE
I
NTERAÇÃO E
(R
E
)F
ORMULAÇÃO
Koch (2002c), no livro O texto e a construção do sentido, compreende a paráfrase a
partir de uma perspectiva enunciativo-discursiva da linguagem, como uma dentre
35
outras atividades de reformulação, inserida, portanto, no quadro geral dos
processos de formulação textual.
A autora destaca uma concepção de linguagem como resultado da produção
lingüística de atividades exercidas por interlocutores; elege, pois, o texto, como o
lugar de percepção dos acontecimentos. E é neste lugar que se busca perceber o
processo de construção textual dos interlocutores e onde ficam, de certo modo,
“registradas” as marcas desse processo de formulação, ou seja, as pistas
argumentativas que denunciam as escolhas e estratégias dos interlocutores.
Assim, pois, defende que as atividades lingüísticas, em especial, na linguagem
falada, não existem a priori. Estas são construídas num processo de interação entre
sujeitos. Cabe salientar que, para Koch (2002c, p.30), a relação sentido-texto
respalda-se no postulado básico de que o “sentido não está no texto”, mas se
“constrói a partir dele”, no curso de uma interação”.
Esta noção é também importante para se pensar na produção de sentido da
linguagem escrita, pois, apesar de a interação não ser face a face, pode-se admitir
que, na escrita, o sentido é construído também a partir do texto, ele não está preso,
fixo ao texto em si, mas se organiza como tributária de sua própria estrutura.
Depreende-se o sentido, portanto, a partir de pistas deixadas pelo modo de
elaboração do sujeito, isto é, o texto é ponto de partida para a produção de
sentido(s) coeso(s) e coerente(s). Nas palavras de Koch (2002c, p.26),
o texto pode ser concebido como resultado parcial de nossa
atividade comunicativa, que compreende processos, operações e
estratégias que têm lugar na mente humana, e que são postos em
ação em situações concretas de interação social.
Assim, em situações concretas de uso, o texto revela-se como a face mediadora
entre o sujeito produtor de sentido e a linguagem usada para produzi-lo; logo, é
impossível negar, quer se trate da oralidade, quer da escrita, que ambas as
linguagens são resultados de operações e estratégias que os sujeitos realizam,
algumas inerentes às duas linguagens, a fim de que a interlocução seja bem-
sucedida. Como diz Koch (2002c, p.93),
36
[...] cada língua, apresenta uma variedade de formas de expressão,
abrindo-se, desta maneira, para o falante um amplo espaço de
formulação, isto é, a possibilidade de escolha entre um leque de
opções possíveis. Assim, a construção dos sentidos no texto
depende, em grande parte, das escolhas que ele realiza.
Pelo viés da escolha e do sentido construído a partir do texto (e não nele e por ele),
a atividade parafrástica para Koch (2002c, p.23) pode ser assimilada como
formulação nos seguintes termos: “[...] atividades de formulação o aqueles
procedimentos a que recorrem os interlocutores para resolver, contornar,
ultrapassar ou afastar dificuldades, obstáculos ou barreiras de compreensão”. Esse
conceito se encaixa na concepção de linguagem como interação e abarca a
paráfrase como uma estratégia textual do sujeito e um recurso lingüístico-
enunciativo de elevado teor argumentativo, capaz de imprimir ao texto matizes de
sentidos não manifestos no texto-fonte.
No livro Oralidade e Escrita: perspectivas para o ensino de língua materna, as
autoras, Fávero, Andrade e Aquino em (2003, p.55) ao definirem o que venha a ser
formular, argumentam nessa direção, admitindo que, no fluxo interativo, as relações
se efetivam por meio de atividades que estruturam e organizam os enunciados de
um texto, e o esforço que o locutor faz para produzi-los se manifesta por traços que
deixa em seu discurso”.
Portanto, pensamos que essa discussão sobre atividades de formulação é
pertinente, tanto na produção da linguagem falada quanto da linguagem escrita.
Mas, importa perceber como essas atividades de formulação, das quais a paráfrase
faz parte, realizam-se nas duas modalidades (oral/ escrita) e reconhecer uma
certa imbricação.
Como para Koch (2002c) o lugar dos acontecimentos é o texto. Em sua detalhada
investigação sobre o processamento textual a autora postula a contribuição de três
grandes sistemas de processamento: o sistema lingüístico, que, em suma, trata do
conhecimento gramatical e lexical; o sistema enciclopédico ou de mundo, tido como
aquele que se encontra armazenado na memória dos sujeitos; e, por fim, o sistema
sóciointeracional, que trata das formas de interação pela linguagem.
37
Esses sistemas de processamentos “concretizam-se”, segundo a autora, por meio
de estratégias que apresentam certa “mobilização on-line”, tais como as cognitivas,
as sociointeracionais e as textuais. Assim, as estratégias cognitivas têm a função
de permitir/ facilitar o processamento textual pela via do conhecimento; as
estratégias sociointeracionais visam à articulação dos “jogos de linguagem”, para
que transcorram sem maiores problemas; e as estratégias textuais dizem respeito
às escolhas dos interlocutores/ produtores.
No que tange à reformulação, importa a compreensão das estratégias textuais que
se subdividem em: estratégias de organização da informação; de referenciação; de
“balanceamento ou calibragem” e, por último, de formulação.
Em síntese, a estratégia de organização da informação refere-se ao material da
superfície textual (caso dos elementos dados/novos e do tema/rema). As
estratégias de referenciação dizem respeito às remissões (caso da anáfora e da
catáfora). As estratégias de “balanceamento ou calibragem” são as que tratam do
que é explícito e/ou implícito, ou seja, das relações entre informações expressas e
conhecimentos prévios, pressupostos e partilhados. Por fim, as estratégias de
formulação são aquelas que apresentam funções de ordem cognitivo-interacional. E
é nessa última, a estratégia textual de formulação, especificamente, que se inserem
a inserção e a reformulação.
Para Koch (2002c, p.84), dentro da estratégia textual de formulação, o processo de
inserção apresenta a “macro-função cognitiva de facilitar a compreensão dos
parceiros”, seja introduzindo explicações ou justificativas, seja fazendo alusão a
conhecimentos prévios ou apresentando ilustrações, etc.
Cabe à inserção o papel de despertar o interesse do parceiro, bem como a
manutenção desse interesse, além da função de criar, a nosso ver, uma atmosfera
de intimidade discursivo-argumentativa, seja formulando, por exemplo, questões
retóricas, persuasivas ou realizando comentários jocosos.
A reformulação, outra estratégia textual de formulação, caracteriza-se,
essencialmente, pelo seu aspecto interacional, e apresenta, para Koch (2002c),
38
duas condições essenciais: a de ser retórica ou saneadora. Seu principal papel ou
função é de reforçar a argumentação, que se realiza por meio de repetições e
parafraseamentos, não importando o tipo de modalidade, oral ou escrita.
Na linguagem oral, Koch (2002c) assevera que a reformulação apresenta o papel
de facilitar a compreensão através da desaceleração do ritmo da fala, para dar aos
parceiros da interação um momento maior de reflexão, antes de uma retomada de
turno ou de um parceiro apropriar-se da fala novamente. Uma imagem plástica ou
metafórica que ilustra esse processo de compreensão e interação na fala consiste,
para Koch (2002c, p.88), na “técnica da água mole em pedra dura”.
A condição de reformulação saneadora, como a própria denominação sugere,
apresenta a função de solucionar dificuldades detectadas, após a verbalização do
falante. E isto ocorre por meio de correções ou reparos, bem como, repetições e
paráfrases, que podem ser auto ou heterocondicionadas, ou seja, as dificuldades
sendo detectadas por si ou pelo outro.
Interessa-nos, todavia, a sua condição de reformulação retórica, base para o
estudo da paráfrase como uma estratégia textual de formulação, cujo papel ou
função representa o recurso que o sujeito utiliza para reforçar a sua argumentação,
ou seja, trata-se da ênfase argumentativa envolvida nesse processo da atividade
parafrástica.
Por esse ângulo argumentativo, podemos citar Perelman (1998, p.165), no livro
Lógica jurídica: nova retórica por asseverar que aquele que argumenta não pode
evitar fazer escolhas, pois é certo que procura exercer com seu discurso uma
influência sobre seu auditório. E estas escolhas “incidirão tanto sobre as teses em
que ele apoiar sua argumentação como sobre a maneira de formulá-las”.
Desse modo, é inevitável perceber que em qualquer atividade de linguagem, num
processo de interação, o sujeito acaba, muitas vezes, por causa da intenção com
que argumenta, retomando e (re)formulando um determinado enunciado-discurso-
texto por causa de inúmeros fatores, como a necessidade de explicitar algo,
39
corrigir, convencer, etc. Nesse caso, a linguagem encontra-se em se fazendo, em
processo contínuo, e o texto é um produto inacabado.
Na apresentação do livro Argumentação e linguagem, Marcuschi (2002a, p.10)
esclarece que os termos “argumentar, argumentação e argumentatividade” são
usados pela autora no sentido de persuasão, cunhado na retórica; pois, como diz,
“o ato de argumentar é visto como o de persuadir, que “procura atingir a vontade”,
envolvendo a subjetividade, os sentimentos, a temporalidade, buscando adesão e
não criando certezas”. Essa interpretação é, em nosso entender, plenamente
confirmada por Koch (2002a, p.18) quando postula que: “é preciso ressaltar, ainda,
que os termos argumentação e retórica são aqui utilizados como quase sinônimos”
(grifo da autora).
A nosso ver, Marcuschi (2002a, p.10), na apresentação acima referida, sintetiza
toda a discussão traçada pela autora sobre - argumentação/ argumentatividade - na
e pela linguagem. E, nesse caso, cabe, apenas, filiarmo-nos à autora nessa
imbricação de sentidos a respeito tanto da argumentatividade quanto das
concepções abordadas sobre o tema deste trabalho. Assim, pois, é inevitável
concordar com Koch (2002a), na esteira ducrotiana, que a função básica da
linguagem é a argumentação.
Fabio Fernando Lima, no artigo Reformulação e retórica, publicado pela USP
(2007, p.226), no caderno XXXVI dos Estudos Lingüísticos, alinha-se também a
Koch (2002a) quando assume a compreensão de que “[...] o parafraseamento
demonstrou-se como atividade que fortalece o locutor, tanto na construção de
aspectos objetivos quanto subjetivos de sua argumentação”. Subseqüentemente,
Lima (2007, p.226) afirma que
Nesse sentido, as considerações acima apontadas ratificam a
posição de autores como Koch (2004), os quais sustentam que as
estratégias de formulação textual visam a levar o interlocutor a crer
em algo ou agir, o que sempre é conquistado por meio da
argumentação. Ao mesmo tempo, reforçam a concepção de acordo
com a qual a linguagem está intrinsecamente ligada à
argumentação, de modo que a busca pela persuasão chega a
favorecer, no decorrer de um texto, o uso mais freqüente de
determinadas estruturas lingüísticas em detrimento de outras.
40
Pode-se concluir, pois, que a pafrase como uma atividade de reformulação,
apresenta, conforme defende Koch (2002c), características argumentativas,
retóricas e didáticas. O sujeito, ao retomar um enunciado, o faz com alguma(s)
intenção(ões) e, neste processo de retomada e reformulação, apresenta e/ou
acrescenta novos sentidos, posto que o faz com um objetivo definido: convencer o
seu interlocutor da validade de seus argumentos, através de deslocamentos de
sentido operados pela paráfrase no fazer textual.
3.2
F
UCHS
-
A
P
ARÁFRASE COMO UMA
A
TIVIDADE
M
ETALINGÜÍSTICA DOS
S
UJEITOS
Segundo Koch (2002c, p.83), concebendo-se a linguagem como atividade, isto é,
admitindo-se “o pressuposto de que toda e qualquer produção lingüística é
resultado de atividades exercidas pelos interlocutores”, é preciso uma apreensão
da paráfrase como uma atividade discursiva dos sujeitos inseridos numa cultura,
cuja herança social se reflete nos modos de articulação de seus dizeres. A
capacidade de parafraseamento do sujeito é considerada, inclusive, como um dos
fatores pelos quais os falantes demonstram o domínio da língua. Ou seja, é essa
capacidade ou ato de parafrasear que leva os falantes, numa ação dialógico-
argumentativa, a integrar metalinguisticamente as faces lexical, sintático e
semântica na produção de sentido(s), quer se trate de língua materna ou não.
Assim, não perdendo de vista essa compreensão da paráfrase, isto é,
reconhecendo-a como uma atividade dos sujeitos, é que Fuchs (1982), na referida
obra La paraphrase, defende o estudo da paráfrase dentro de uma abordagem
enunciativa, vista como uma atividade metalingüística dos sujeitos. Na opinião de
Fuchs (1982, p.81)
la paraphrase est toujours une activité métalinguistique, et la
production de paraphrase fait, de toute façon, nécessairement appel
à un processus préalable de reconnaissance (interprétation de la
41
sequence de depart, et interprétation de nouvelle séquence produite,
afin de les juger identifiables sémantiquement).
4
A paráfrase é, então, uma atividade dos sujeitos, susceptível ao jogo lingüístico,
mas que carece de um julgamento metalingüístico e de um processo de
interpretação pelos sujeitos. É a negação pela autora da identidade absoluta, em
termos de verdade ou falsidade, que fundamenta a perspectiva pela qual a autora
opta (isto é, a relação de paráfrase como julgamento metalingüístico de sujeitos
enunciadores). Conseqüentemente, não se trata de propriedade intrínseca das
expressões, mas de um entendimento da paráfrase em termos de identificação.
Nas palavras de Fuchs (1982, p.116), essa dinâmica se reflete nos seguintes
termos:
[...] ce qui est important à retenir ici c’est qu’il s’agit d’une identification
dynamique effectuée par um sujet em situation, et non d’une relation
d’identité donnée a priori et une fois pour toutes: c’est le résultat d’un
certain processus de comparaison des sémantismes et de <<gommage>>
des differences jugées non pertinentes.
5
Notadamente, é, pois, um estudo que busca caracterizar uma abrangência ampla
da paráfrase. A autora não nega uma apreensão da paráfrase em níveis
intercambiáveis, ao contrário, defende que esses não sejam contrapostos. Para
Fuchs (1982), é válida uma compreensão do fenômeno de maneira não
fragmentária e dicotômica. Importa-nos, todavia, neste estudo, a percepção da
autora sobre a paráfrase como atividade de reflexão dos sujeitos, ou melhor, como
diz
Fuchs (1982, p.134):
De fait, dans l’activité effective de langage, on constate que les sujets
optent souvent, face à une meme sequence, pour des niveaux
d’interprétation différents (et, par consequent, pour des types de
reformulations différents), et que ces divergences peuvent donner lieu à
polémiques.
6
4
a paráfrase é sempre uma atividade metalingüística, e a produção de paráfrase apela, de qualquer
modo, necessariamente para um processo prévio de reconhecimento (interpretação da seqüência
de partida e interpretação antecipada da nova seqüência produzida, a fim de julgá-las identificáveis
semanticamente).
5
[...] o importante a reter aqui é que se trata de uma identificação dinâmica efetuada por um sujeito
em situação, e não de uma relação de identidade dada a priori e de uma vez por todas: é o
resultado de um certo processo de comparação dos semantismos e de apagamento das diferenças
julgadas não-pertinentes.
6
De fato, na atividade efetiva de linguagem, constata-se que os sujeitos optam muitas vezes, em
face de uma mesma seqüência, por níveis de interpretações diferentes (e, por conseguinte, por tipos
de reformulações diferentes), e que estas divergências podem dar lugar a polêmicas.
42
Defendendo, pois, uma forma de caracterização global da paráfrase, no qual os
matizes semânticos se alternam entre o que se pretende apagar e o que se deseja
revelar, a autora chega à compreensão do fenômeno parafrástico como
dependente de um julgamento de interpretação do sujeito, que este põe em
“cena” a contradição fundamental da transformação progressiva do “mesmo”
(sentido idêntico) em “outro” (sentido diferente), pois, segundo afirma, para dizer a
“mesma” coisa, acaba-se por dizer “outra” coisa. Entende Fuchs (1982, p.134) que
Pour pouvoir paraphraser, il fault nécessairement opter pour um niveau
d’interprétation; ceci étant, on sait bien qu’en fait, un énoncé n’est pas
toujours à entendre à un seul niveau (nous pensons, non seulement aux
propos à double entente, produits intentionnellement comme tells, mais
aussi à tous les effets, voulus ou non, de <<mots sous les mouts>>, de
significations cachées, au deuxième degré, etc.). L’activité de paraphrase
impose donc des contraintes, oblige à opérer des sélections réductrices du
point de vue de l’interprétation des sequences.
7
Evidentemente, cada recorte interpretativo pressupõe escolhas argumentativas
que, dependendo do caso, visam a reconstituir o dito, os modos do dizer, o sentido
do dito, ou, ainda, o sentido do dizer pelo novo dito ou não dito. E, desse modo,
passa-se perpetuamente de um registro a outro - ou melhor, explica Fuchs (1982),
o sujeito que parafraseia pode pretender se entregar a um tipo determinado de
restituição e, na realidade, praticar um outro tipo. E é exatamente este
acontecimento, ou seja, o que se visa restituir e o que de fato é restituído - o cerne
da questão - que promove ou desperta o interesse sobre a paráfrase séculos afora.
E esse fato responde a outra das perguntas provocadoras do trabalho, ao menos
em parte, sobre o que mantém o interesse sobre o fenômeno parafrástico. A
paráfrase proporciona, pois, um terreno movediço que instiga o interesse de muitos
estudiosos, pois, entre o dizer e o dito, decorrem fronteiras e deslocamentos,
propositais ou não, de sentidos e, muitas vezes, da ação seletiva dos sujeitos na
interação, o que constitui também o alvo deste trabalho.
7
Para poder parafrasear, é preciso necessariamente optar por um nível de interpretação; assim,
sabe-se bem que de fato um enunciado não deve entender-se sempre num único nível (pensamos
não somente nos propósitos de duplo entendimento, produzidos intencionalmente como tais, mas
também em todos os efeitos, queridos ou não, de palavras sob as palavras”, de significações
escondidas, no segundo grau, etc). A atividade de paráfrase impõe portanto constrangimentos,
obriga a operar seleções redutoras do ponto de vista da interpretação das seqüências.
43
Acreditamos, pois, que esse deslocamento fundamenta-se na argumentatividade
inerente à linguagem e, conseqüentemente, a paráfrase desempenha, em parte,
papel importante neste processo argumentativo provocado por este deslocamento
dentro do processo de construção textual. Desse modo, para Fuchs (1982) a
riqueza e a maleabilidade da linguagem proporcionam aos sujeitos optar por
escolhas dentro do “jogo” da linguagem. Na paráfrase, ao mesmo tempo em que se
busca o “mesmo” se evidencia o “diferentee é esse o “nó lingüístico” concebido
pela paráfrase. É essa “tensão” entre o semelhante e o dessemelhante que se
constitui, sem dúvida, em uma das dimensões fundamentais da linguagem que a
paráfrase proporciona.
Outro ponto que chama atenção na abordagem da autora sobre a paráfrase diz
respeito a uma das características da dimensão parafrástica: as escolhas dos
sujeitos por um enunciado não eliminam a coexistência de outros enunciados
possíveis; eles “continuam a vibrar e a jogar” por meio da seqüência marcada. Isso
significa dizer que a paráfrase apresenta uma interface metalingüística, ou em
outras palavras, para Fuchs (1982), esse fenômeno se revela como um enunciado
que destacado em uma “tela de fundo” acaba relatando não a história de sua
produção, mas também as suas interpretações possíveis. Desse modo, cria-se a
possibilidade de sustentar que a dimensão parafrástica se encontra, então, inscrita
no seio mesmo da atividade da linguagem.
3.3
H
ILGERT
-
A
P
ARÁFRASE E SEU
C
ARÁTER
M
ETAFORMULATIVO E DE
R
EFORMULAÇÃO
Trazendo para o escopo de nossas reflexões que a tessitura de um texto é um
artefato lingüístico produzido na instância das relações interativas, podemos afirmar
com Koch (2002a, p.19-20) que
Todo texto caracteriza-se pela textualidade (tessitura), rede de relações
que fazem com que um texto seja um texto (e o uma simples somatória
de frases), revelando uma conexão entre as intenções, as idéias e as
unidades lingüísticas que o compõem, por meio do encadeamento de
enunciados dentro do quadro estabelecido pela enunciação.
44
Recusando a idéia de que um texto seja apenas a somatória de frases e, ao
mesmo tempo, considerando como Koch (2004, p.75) que “um ato de linguagem
não é apenas um ato de dizer e de querer dizer, mas, sobretudo, essencialmente
um ato social pelo qual os membros de uma comunidade ‘inter-agem’ “,
entendemos que um enunciado ou, mais amplamente, um texto, nesse
entrelaçamento, é, necessariamente, conforme defende Hilgert (1999, p.107): um
“[...] dar forma e organização lingüística a um conteúdo, a uma idéia, enfim, a uma
intenção comunicativa” (grifo do autor).
Para o autor, a construção textual desenrola-se dentro de um processo de
intencionalidade que exige, por parte dos sujeitos discursivos, um olhar atento em
relação à forma e à organização do novo dizer, que para discutir/ defender uma
idéia ou intenção, não se podem desprezar as formas de organização do dito. E
nesse processo desenvolvem-se atividades de formulação, nas quais a paráfrase
se torna uma atividade importante com função específica.
Segundo Hilgert (1999, 2002), na linguagem oral, observadas as condições de
produção, em especial as do diálogo, revelam-se descontinuidades que se
constituem como atividades próprias de formulação dessa modalidade. De tal
modo, defende este autor, que os locutores recorrem à atividade parafrástica quase
sempre com o objetivo de solucionar problemas então deflagrados na produção do
diálogo.
Nesse sentido, a paráfrase é uma atividade que procede à reformulação de
formulação anterior, e assim apresenta um caráter metaformulativo e de
reformulação, em que não escapam traços polifônicos. Entende-se metaformulação
como uma atividade que se volta para a própria natureza da formulação textual e
reformulação como uma atividade que retoma um conteúdo anterior com vistas a
um objetivo. Pode-se afirmar que um espaço nesse vaivém (meta e
re)formulativo que permite ao sujeito se manifestar argumentativamente. Não se
deve esquecer, todavia, que Hilgert (1999, 2002) tem em vista solucionar
problemas ocorridos na formulação textual, problemas que podem, de alguma
forma, prejudicar a compreensão entre os interlocutores no diálogo. Portanto, para
45
ser fiel ao autor, é preciso deslocar o olhar para o binômio correção-repetição em
termos de uma ação discursiva pautada pela noção de equivalência semântica.
A paráfrase é, respectivamente, então para o autor, uma atividade voltada para o
ato da própria formulação textual (caráter metaformulativo) e, ao mesmo tempo,
voltado para a solução de problemas (caráter de reformulação). A paráfrase neste
aspecto de reformulação insere-se como uma dentre outras atividades, que se
encaixam aí também a correção e a própria repetição.
Todavia, a paráfrase enquanto reformulação se diferencia dessas duas outras
atividades a correção e a repetição. Barros (1999), por um lado, ao discutir a
correção em seu artigo “Procedimentos de reformulação: a correção”, defende que
essa atividade visa a consertar erros; Marcuschi (2002d), por outro, tratando da
repetição defende que tal atividade respeita as características xico-sintáticas do
enunciado, diferenciando-se, desse modo, tanto da correção quanto da paráfrase.
Nesse aspecto, três elementos são considerados pelo autor como constitutivos da
reformulação: o enunciado de origem (EO), o enunciado reformulador (ER) e além
destes, registra-se também o marcador de reformulação. Essa constituição é que
caracteriza, essencialmente, para o autor, a atividade parafrástica.
Em suma, Hilgert (1999, p.114-115) compreende que
parafrasear, (sic) é dentro do processo de construção do texto uma
atividade lingüística de reformulação, por meio da qual se
estabelece entre um enunciado de origem e um enunciado
reformulador uma relação de equivalência semântica, responsável
por deslocamentos de sentido que impulsionam a progressividade
textual.
Na esfera da equivalência semântica e da progressão textual, o conceito formulado
por Hilgert (1999, 2002) permite situar a paráfrase como atividade deslocadora de
sentido, participante do “jogo” argumentativo inerente à linguagem. Sob uma ótica
paradoxal, infere-se que, ao operar deslocamentos de sentidos, a atividade
lingüística de formulação e reformulação textual equaciona o dito e o novo dizer,
respectivamente, como um “equivalente semântico” de natureza diferenciada.
46
Hilgert (1999, 2002) compreende que a pafrase pode ser analisada a partir de
diversos ângulos, mas elege três que, segundo entende, melhor explicam as
funções das relações parafrásticas na progressiva construção textual: o aspecto
distribucional; o aspecto operacional e a semântica das relações parafrásticas.
Essa escolha do autor por uma abordagem de base sintático-semântica das
relações parafrásticas confere a possibilidade de uma visão mais ampla e global do
fenômeno.
Quanto ao aspecto distribucional, o autor analisa se a paráfrase está de modo
adjacente ou não adjacente à matriz, isto é, como a paráfrase se situa na
seqüência (literalmente ou não) em relação ao enunciado origem (EO) ou matriz.
Por um lado, quando adjacente, a paráfrase apresenta uma função local de
desenvolvimento; por outro, quando não-adjacente, tem uma função de
estruturação da conversa em um nível mais global ou abrangente. Ou seja,
enquanto o primeiro modo (adjacente) opera funções imediatas, ocorridas logo
após o ato de enunciação, o segundo (não adjacente) opera uma função com vistas
à coerência global. Esse aspecto distribucional de algum modo influenciará os dois
tipos de movimento generalização e especificação, observados pelo autor, para
compreensão da paráfrase.
O aspecto operacional diz respeito à tomada de iniciativa para realizar a paráfrase,
ou seja, quem toma a iniciativa de realizar e/ou provocar esclarecimentos para uma
melhor compreensão dos enunciados.
Esses dois primeiros aspectos (distribucional e operacional) são especialmente
relevantes, a nosso ver, para demonstrar que a linguagem falada tanto quanto a
linguagem escrita, apresenta um alto grau de complexidade e organização, ou seja,
demonstra que a fala o é em absoluto algo caótico. Ao contrário, apresenta em
si uma forma de planejamento e interação. Por conseguinte, revela um sistema
engendrado e complexo cuja organização se articula com questões relacionadas à
estrutura ou tipo de modalidade em questão (oral ou escrita) e as condições de sua
produção.
47
Por fim, o terceiro e último ângulo de análise do fenômeno, abordado pelo autor, é
o da semântica das relações parafrásticas. Neste, Hilgert (1999, 2002) retoma a
questão da equivalência semântica. Como pontua Fuchs (1982), esta não é uma
questão nova, se encontra nos gramáticos clássicos quando tratam da sinonímia
lexical. O conceito de relação de equivalência semântica é baseado na existência
de um núcleo semântico comum sobre o qual se inserem diferenças secundárias.
Assim, segundo Hilgert (1999, p.121), a relação na paráfrase é de “equivalência
semântica, na medida em que a paráfrase retoma, em maior ou menor grau, a
dimensão significativa da matriz”. Portanto, trata-se, segundo o autor, de uma
gradação, que pode ir desde um grau mínimo, que depende de conhecimentos
extra textuais comuns aos interlocutores, até um grau máximo, traduzido na pura
repetição. Essa escala de equivalência reflete também que, no âmbito da intenção/
interação, o sujeito pode optar por uma aproximação ou afastamento da matriz
textual.
Pode-se dizer, então, que resultam três casos de equivalência para o autor: a alta,
a média e a fraca equivalência. A conclusão de Hilgert (1999), portanto, sobre a
equivalência semântica das relações entre M (matriz) e P (paráfrase) é que o
parafraseamento é um deslocamento de sentido.
Desse modo, para o autor, o que importa é a compreensão desse deslocamento de
sentido provocado pelo movimento parafrástico, posto que, além deste caracterizar
a relação de equivalência semântica, que fundamenta o conceito de paráfrase, é
determinante também na atribuição das funções ou papel que a paráfrase acaba
assumindo no processo textual.
Significa dizer que a paráfrase acaba por revelar o seu papel na atividade
discursiva dos sujeitos e, em conseqüência disso, determinar os tipos de funções
criadas nessa interação. Portanto, devido à importância que assume nesse
percurso, o nosso foco de investigação incide sobre a “arquitetura” argumentativa
presente nos deslocamentos de sentido que a paráfrase opera.
48
Hilgert (1999, 2002) observa, como dissemos anteriormente, a ocorrência de dois
tipos de movimentos básicos na relação entre a matriz e a pafrase, ou seja, o
movimento de especificação e generalização. O primeiro, a especificação, ocorre
quando o movimento semântico da matriz vai do geral para o específico, ou melhor,
quando a abrangência semântica da matriz é maior do que a da paráfrase. Isto
significa que a paráfrase atualiza um ou mais traços semânticos da matriz.
O segundo movimento, a generalização, é inverso à especificação: o movimento vai
do específico para o geral, ou seja, a abrangência semântica da matriz é menor do
que a da paráfrase. Conclui-se, portanto, que o autor determina a função dos
deslocamentos provocados entre a matriz e a paráfrase por meio desses
movimentos semânticos.
Quando o autor considera a generalização e a especificação sob o enfoque formal,
ou melhor, quando são observadas as características xico-sintáticas de sua
formulação, verifica-se que estas ocorrem em duas direções marcantes quanto ao
deslocamento. Direções, como observa o autor, “diametralmente” opostas uma da
outra, isto é, a expansão e a condensação parafrásticas.
A expansão, por um lado, segundo Hilgert (2002, p.147), consiste ou ocorre quando
“[...] o parafraseamento se realizar por meio de um enunciado lexical e
sintaticamente mais complexo do que a matriz”, ou seja, a paráfrase é mais
completa do que a matriz. Significa que a expansão pode atender a diferentes
funções no processo de constituição textual, seja a de uma explicação definidora
(quando se busca definir conceitos abstratos, precisar e especificar o sentido de
informações), seja a de exemplificação (que visa a explicitar enunciados com
informações genéricas ou sucintas).
Por outro lado, Hilgert (2002, p.149) compreende que a condensação acontece
quando “[...] o movimento semântico da matriz para a paráfrase se formula numa
unidade lexical e sintaticamente mais simples, isto é, quando a formulação da
paráfrase se desenvolve em sentido contrário ao da expansão”. Ou seja, a
formulação parafrástica é bem mais condensada, por conseguinte, semanticamente
bem mais abrangente do que a matriz.
49
Dessa forma, para o autor, a paráfrase leva, por um lado, a uma função conclusiva
ou resumidora do fato porque sintetiza informações; e, por outro, a uma
denominação mais adequada ao que foi abordado de modo impreciso/vago na
matriz. Observa-se, de qualquer forma, que o enunciado direciona a uma
condensação e, consequentemente, uma dimensão léxico-sintática mais
abrangente.
Por esses aspectos, percebe-se que as direções tomadas pelos movimentos de
especificação e generalização no processo parafrástico se traduzem,
respectivamente, nas direções de expansão e de condensação no que tange a sua
dimensão parafrástica. O autor está considerando nesses casos as relações
semânticas entre a matriz e a paráfrase sob o aspecto da estrutura formal do texto,
visando, ao que parece, a uma “materialização/textualização” dessa relação
semântica.
A última ocorrência observada pelo autor trata de um paralelismo léxico-sintático
das relações entre matriz e paráfrase, ou seja, quando a dimensão léxico-sintática
da paráfrase apresenta a mesma dimensão textual da matriz. Segundo o autor,
uma paráfrase paralela só difere da matriz por causa das variações lexicais de seus
enunciados, já que a dimensão entre elas é praticamente a mesma.
Em síntese, o autor descreve o movimento semântico e a sua função entre a
paráfrase e a matriz na seguinte equação: a abrangência semântica restrita está
para um enunciado desenvolvido, assim como a abrangência semântica ampla está
para um enunciado condensado. Como diz Hilgert (2002, p.155)
Com efeito, tendo-se em conta a expansão e a condensação
parafrásticas, observa-se que a dimensão sintático-lexical do
enunciado parafrástico tende a ser inversamente proporcional à sua
abrangência semântica, ou seja: se restrita for a abrangência
semântica, desenvolvido será o enunciado que a textualiza; se
ampla for aquela abrangência, condensado será o enunciado de sua
textualização.
Desta forma, para o autor, a paráfrase, na construção do texto falado, em geral
apresenta a função de intercompreensão conversacional, seja explicitando ou
exemplificando, bem como especificando, resumindo ou denominando as
50
informações da matriz, e, ainda, adequando vocábulos ou apondo-lhes nuanças de
sentido, mas sempre com a função de solucionar problemas detectados no diálogo.
Desse percurso realizado pelo autor, buscaremos traçar subjacentemente um
paralelo do papel da paráfrase no que tange ao continuum oral/escrito; analisar
como ocorre (ou o) o aspecto distribucional da paráfrase e, ainda, a gradação
semântica. Enfim, considerar se a ocorrência da paráfrase na escrita apresenta
dentro desse movimento semântico, observado pelo autor na linguagem oral, uma
forma próxima de acontecimento.
Fuchs (1982, 1985), Koch (1996, 2002a,b,c,d, 2006), e Hilgert (1999, 2002),
tornam-se importantes para este estudo da paráfrase, pois neles buscamos
elementos que, a nosso ver, possam contribuir para uma reflexão sobre o
fenômeno parafrástico, o seu entendimento e compreensão. Elementos tais que
ajudem a espelhar um “quadro” que dê pistas e/ou evidências para uma análise da
paráfrase enquanto uma atividade argumentativa, envolvida no processo de
(re)formulação/ elaboração textual. Argumentatividade, aliás, que está presente,
como defende Koch (2002a), em qualquer atividade textual, não importando qual
seja a modalidade de uso da linguagem.
Esses dois autores, Fuchs (1982, 1985) e Hilgert (1999, 2002), nos seus estudos
sobre a paráfrase, não estão voltados para a questão da argumentatividade, mas
colaboram nessa reflexão sobre a natureza argumentativa da paráfrase, uma vez
que Fuchs (1982, 1985) defende que a paráfrase é uma atividade metalingüística
dos sujeitos, portanto, a nosso ver, sujeita a inúmeras possibilidades de escolhas
na reformulação de um enunciado; Hilgert (1999, 2002), destaca a importância
em investigar/observar o movimento parafrástico, isto é, o seu deslocamento de
sentido provocado no ato reformulação.
Em outras palavras, se para Fuchs (1982, 1985) a paráfrase é uma atividade
metalingüística (de natureza pe/ou consciente) dos sujeitos, cujo papel apóia-se
na natureza interpretativa destes sujeitos sobre a própria linguagem, para Hilgert
(1999, 2002) a paráfrase apresenta um caráter de metaformulação e de
51
reformulação, cuja principal função a se observar é o deslocamento de sentido
provocado por essa atividade no processo textual, com vistas à compreensão da
sua própria natureza enquanto atividade de (re)formulação textual.
Consideraremos com Fuchs (1982, 1985) que a paráfrase é uma atividade cujo
papel depende dessa natureza interpretativa dos sujeitos e com Hilgert (1999,
2002) a importância em se observar os deslocamentos de sentido provocados pela
paráfrase, discordando deste autor quanto ao papel da paráfrase apenas como
solucionadora de problemas detectados no percurso da interação. Entendemos que
a paráfrase assume outros papéis fundamentais no processo de construção textual
e na produção de sentido do texto.
Em ambos os casos, trata-se de uma atividade enunciativo-discursiva dos sujeitos,
ou melhor, dos “jogos” de linguagens realizadas por um sujeito. De qualquer modo,
interessa-nos realizar uma reflexão/ação sobre o fazer textual, que servirá de
parâmetros para a análise do processo ou “acontecimento” parafrástico na escrita.
3.4
R
IBEIRO
-
A
P
ARÁFRASE NA
E
STRUTURAÇÃO DO
D
ISCURSO E NA
C
ONSTRUÇÃO DO
S
ENTIDO NA
L
INGUAGEM
O
RAL
:
AS
C
ATEGORIAS DE
A
NÁLISE
Especificamente tratando da argumentatividade da paráfrase na linguagem oral,
Ribeiro (2001), em sua dissertação de mestrado intitulada A paráfrase: uma
atividade argumentativa, apresenta algumas discussões fundamentadas, em parte,
nos postulados dos autores aqui abordados Fuchs; Koch e Hilgert - bem como
também em Ducrot e na perspectiva da persuasão nos moldes retóricos tratados
por Aristóteles e por Perelman.
A paráfrase é vista pela autora no contexto da reformulação e, sob esse aspecto,
inserida no processo de formulação textual, apresenta um papel bem definido em
seus deslocamentos - avanços e recuos. Pela recorrência dos sujeitos ao
52
fenômeno parafrástico, este é considerado uma estratégia fundamental na
interação discursiva, ou melhor, na sua ação argumentativa na linguagem.
Assim posto, depreende-se uma concepção de paráfrase movida pelo “projeto de
dizer” do locutor, numa ação em que locutor e interlocutor se vêem inseridos num
acordo de levar adiante a interlocução, visto que a autora defende a paráfrase
como atividade argumentativa, dependente da relação entre
locutor/discurso/orador.
Todavia, nessa argumentação, não plena liberdade, pois existe uma “obrigação”
instalada no rearranjo da organização textual, que conduz as conclusões do
ouvinte/leitor para determinado fim; nesse caso, fica claramente demarcada a
intencionalidade do sujeito. Conseqüentemente, para Ribeiro (2001), nesse
processo, a paráfrase acaba instaurando novos sentidos em suas retomadas. Isto
implica, necessariamente, segundo a autora, uma concepção de linguagem
configurada como atividade verbal que, em nosso entender, apresenta-se,
conforme enuncia Bakhtin [1979], (2003, 2000), essencialmente dialógica. Portanto,
não se trata da questão lógica de identidade absoluta, mas de como a paráfrase é
percebida em termos de atividade discursiva dos sujeitos.
Compreendemos, assim, que é nessa capacidade argumentativa, em função ou em
conseqüência da interação discursiva dos sujeitos, que a paráfrase revela-se como
estruturante do processo textual. Longe de ser uma repetição vazia, mas uma
retomada essencialmente argumentativa, a paráfrase, além das particularidades
textuais, lança luzes sobre outras áreas de investigação, como, por exemplo, os
Estudos da Tradução.
Quanto aos preceitos da argumentação, postulados por Ribeiro (2001) e à luz de
outros teóricos por ela citados Aristóteles, Perelman e Ducrot (dentre outros) -
faremos uma incursão sobre o percurso adotado pela autora, a fim de demonstrar
que a argumentatividade da paráfrase na modalidade oral pode, consideradas as
condições de produção, ocorrer na escrita. Recorre-se, assim, aos conceitos
retóricos sobre persuasão e realização de um acordo entre interlocutores, além de
53
se buscar a noção de argumentatividade como inerente à linguagem. Tais
conceitos são tomados pela autora para evidenciar a função argumentativa que a
paráfrase assume no discurso e na estrutura textual.
Parte-se, como dito anteriormente, do princípio de que a argumentação é
construída na relação locutor/discurso/orador. Esta posição da autora não é nova,
pois era observada nos estudos sobre a retórica, em que a palavra é empregada
com fins persuasivos. Evocando, pois os estudos retóricos com Aristóteles, em sua
denominada “teoria da argumentação”, têm-se a defesa de que a persuasão está
presente em qualquer campo do conhecimento e em todas as formas de explicitá-
la; logo, a paráfrase, como uma das questões centrais da linguagem, não foge à
regra.
Em sentido mais estrito, a persuasão diz respeito a “uma técnica rigorosa do
argumentar”. Como defende Plebe (1978, p.39), no seu livro Breve história da
retórica antiga, não se trata de algo irrefutável, mas de convencimento. Isso justifica
o entendimento de que a persuasão, em relação ao ouvinte, efetiva- se por meio
de uma argumentação voltada para um determinado fim ou conclusão. Assim, com
base em tais concepções é que Ribeiro (2001, p.15) defende que
Essa noção de argumentação, como tratada por Aristóteles, assegura,
mais do que nunca, que o ato de argumentar se desenvolve em função
das imagens que o orador faz do seu auditório. Mudando o auditório,
conseqüentemente, muda-se o modo de argumentar. Não se admite, por
essa via, a argumentação como um dado a priori, mas construído na
relação orador/discurso/ouvinte.
Desse modo, a partir da imagem que o orador constrói do seu auditório, pode-se
concluir que a argumentação trata de uma “negociação” com fins determinados,
posto que para a autora um “projeto de dizer” que em si mesmo possui uma
natureza persuasiva.
Na Retórica, dois são os modos de persuasão discutidos: de um lado, aquele que já
existe a priori no discurso, que o é dependente da “criação” do orador, caso das
leis, testemunhos, documentos escritos, etc.; de outro, aquele que se refere ao
aplicado por um método e dependente da criação do orador, caso das provas
técnicas ou artísticas.
54
Nesse segundo caso, distinguem-se três tipos de persuasão: a primeira se refere à
persuasão derivada do caráter do orador; a segunda é derivada das emoções
provocadas pelo orador no ouvinte; e a terceira é a persuasão derivada de
argumentos verdadeiros ou prováveis.
Esse aspecto de criação e aplicação de um todo implica a possibilidade de
identificação dos meios pelos quais a persuasão é alcançada. E, portanto,
evidencia que a persuasão é, de fato, construída no discurso, numa relação que
envolve o orador e o ouvinte, argumentos e contra-argumentos.
Nessa relação de interlocução, vale ressaltar, conforme explicitado em Osakabe
(2002, p.158), o caráter ativo da persuasão, já que
O discurso de um orador é uma ação em direção ao ouvinte; o objetivo
dessa ão é a persuasão que se faz à medida que o discurso tenha
um valor demonstrativo, revele o caráter do autor e chegue a tornar o
ouvinte disponível à persuasão.
O valor demonstrativo encontra-se na fronteira entre o aceite e a refutação dos
argumentos, o que nos leva a refletir sobre o papel entre o escritor e o leitor de um
texto. Portanto, é coerente dizer que no ato da escrita também ação de um
sobre o outro, o escritor tem de (ou busca) persuadir o leitor com seu “discurso”,
com sua argumentação planejada, esperando que o outro tenha uma atitude
responsiva.
Perelman & Olbrechts-Tyteca (2002), em seu Tratado da argumentação: a nova
retórica, retomam a discussão da argumentação construída na relação entre
orador, ouvinte e a idéia de um discurso acordado pelos auditórios universal e
particular - com suas hierarquias e lugares bem delimitados. Para Perelman &
Olbrechts-Tyteca (2002, p.73),- “tanto o desenvolvimento como o ponto de partida
da argumentação pressupõem acordo do auditório"
No que tange aos estudos sobre a Retórica, Ribeiro (2001) opta por um recorte que
se atém também aos lugares (topoi) da quantidade e da qualidade, posto que tais
aspectos são considerados pertinentes para revelar o seu objeto teórico, ou seja, a
55
atividade argumentativa da paráfrase na linguagem oral, além das hierarquias
estudadas por Perelman (2002).
O terceiro e último aspecto abordado por Ribeiro (2001), para a compreensão da
paráfrase enquanto atividade argumentativa dos sujeitos, recobre a noção de
argumentatividade como constitutiva da linguagem, conforme defendido por Ducrot
(1989), um princípio estruturante que prevê que argumentação está inscrita na
própria língua.
Para Ducrot (1989), em sua Teoria da Argumentação, o sentido não é pré-
construído, não é anterior e nem exterior ao discurso, está na língua, portanto, o
autor rejeita a concepção tradicional de argumentação, que busca construir o
sentido com relação aos fatos que acontecem na realidade, ou seja, com o sentido
exterior à língua.
É essencial compreender que, como estruturalista, Ducrot (1989) toma por base a
diferenciação entre dois pontos fundamentais para desenvolvimento de sua teoria:
a frase, definida como uma estrutura abstrata, e o enunciado, um segmento de
discurso, com um lugar e uma data, um produtor e um ou mais ouvintes, enfim, um
fenômeno empírico, observável e único.
Cada enunciado apresenta, para o autor, um momento de enunciação diferente,
portanto, sendo o momento diferente, os enunciados também o são. Afirma Ducrot
(1989, p.13): “se digo duas vezes seguidas uma coisa que é habitualmente
transcrita o tempo está bom produzo dois enunciados diferentes, e isto somente
porque o momento de sua enunciação é diferente” (grifo do autor).
Assim, para o autor, uma coisa é a frase, conceito hipotético, e outra coisa é o
enunciado, isto é, um segmento de discurso. A distinção entre esses conceitos leva
a valores semânticos específicos: o “sentido”, compreendido como “o valor
semântico do enunciado” e a “significação”, compreendida como instruções
contidas na frase. Para Ducrot (1989, p.14),
56
A frase nos diz o que é necessário fazer quando se tem que
interpretar seus enunciados, especifica especialmente o tipo de
indícios que é necessário procurar no contexto. Entre estas
instruções, eu me interesso particularmente por aquelas
apresentadas pelo que chamo as ‘variáveis argumentativas’. Elas
indicam ao intérprete do enunciado que ele deve constituir, e atribuir
ao locutor (fundamentando-se no que ele conhece da situação de
discurso), uma estratégia argumentativa determinada.
Em resumo, para Ducrot (1989, p.17) a frase comporta uma rie de instruções
argumentativas dadas pela língua, conforme explica ao dizer:
A língua [...] fornece os conectivos (logo, que...etc) que assinalam
a existência de uma relação argumentativa entre A e C. Por outro
lado ela intervém na passagem de F para C: se A designa o fato F,
isto se deve parcialmente à frase realizada por A - e também,
seguramente, à situação de discurso na qual A é produzido. Mas, o
movimento, ele mesmo, conduzindo a C - ou seja, o movimento
argumentativo no sentido próprio - é - na concepção tradicional -
absolutamente independente da língua”. Ele é explicado pela
situação de discurso e pelos princípios lógicos, psicológicos,
retóricos, sociológicos...etc.
Uma razão leva Ducrot (1989) a recusar este esquema: o fato de haver, na maior
parte das línguas, duplas de frases que, enunciadas expressam o mesmo fato F
mas não autorizam a mesma argumentação.
Essa clareza ou explicitude acerca desse fato se torna bastante relevante na
discussão sobre argumentatividade, isto é, mostra diferenças sutis, mas
importantes nesses enunciados. Ducrot (1972) ao discutir essas sutilezas em
relação aos operadores “pouco” e “um pouco” acaba por demonstrar que o
conteúdo factual é o mesmo, mas não a intenção argumentativa, pois não se pode
justificar a mesma conclusão.
Desse modo, conforme a concepção ducrotiana, ao se observar exemplos como:
Pedro trabalhou pouco Pedro trabalhou um pouco vê-se, conforme defende o
autor, que o conteúdo de um ou outro tem a mesma identidade factual, ou seja, o
mesmo valor informativo, mas, correspondem a orientações argumentativas
diferenciadas. Revela-se que a questão não está no nível da informação, mas da
argumentação, que “poucoe “um pouco” criam possibilidades argumentativas
distintas.
57
Um outro ponto importante nessa discussão ducrotiniana é o papel da
pressuposição no discurso. Para Ribeiro (2001, p.31)
Ducrot admite que o enunciado pode sofrer um desdobramento,
constituindo assim um ato de asserção (o posto) e um ato de
pressuposição (o pressuposto). O posto corresponde ao que o
locutor afirma, isto é, ao conteúdo do enunciado. O pressuposto, por
seu turno, é um fenômeno acionado pela própria língua, e se
apresenta como pertencendo ao domínio do locutor e do
interlocutor, como se ambos o pudessem deixar de aceitá-lo.
Assim, o pressuposto não pertence ao enunciado da mesma forma
que o posto.
Para Ribeiro (2001), em outra reformulação da teoria, Ducrot postula a noção de
que a pressuposição está ligada a um ato de linguagem, isto é, recorre à noção de
ato jurídico. Conclui, portanto, que a língua apresenta obrigações como as de uma
lei. Como define Ribeiro (2001, p.33), na esteira de Ducrot, “a língua é um tratado
de obrigações, isto é, o dizer obedece a uma normatividade que ele próprio
contém”.
O subtendido, outro elemento trazido à baila, é caracterizado como aquele que em
um enunciado produz os efeitos de sentido, ou, nas palavras de Ribeiro (2001,
p.33): “o subentendido é o pressuposto dado no contexto, derivado da situação de
produção, isto é, um sentido acrescentado ao sentido literal do enunciado e de cuja
responsabilidade o locutor pode se eximir” (grifo da autora).
De modo que, para a autora, no reexame da distinção entre essas duas categorias,
Ducrot considera que a pressuposição pode ocorrer no nível do enunciado e isso
implica, posteriormente, segundo Ribeiro (2001, p.33), a conclusão de que “toda
explicação semântica de um enunciado exige a presença da enunciação”.
Conseqüentemente, a pressuposição passa a ser considerada um elemento da
língua e não externo a ela. Compreende, ainda, Ribeiro (2001, p.36) que “[...] o
autor reformula a maneira como admitia o pressuposto - considerado apenas como
algo marcado na língua - e passa a admitir a sua manifestação também como
resultado de interpretação determinada pelas condições de produção” (grifo da
autora).
58
Assim, no capítulo intitulado “lugares da argumentação”, Ribeiro (2001) assume
que o pressuposto é “o fio condutor do discurso, constitutivo de sua estruturação,
sem o qual a dialogicidade entre locutor e interlocutor não ganharia fluxo”. Enfim, a
pressuposição é encarada como um tratado de deveres que faz o discurso fluir.
Um outro ponto importante a considerar é a noção de que a língua não apenas
argumenta, mas também organiza de forma hierárquica seus argumentos. E isto,
naturalmente, demanda que os enunciados se configurem em Escalas
Argumentativas (EA), definidas em Ribeiro (2001, p.37) como “um conjunto de
enunciados orientados hierarquicamente para uma mesma conclusão, de tal forma
que, supondo-se que dois enunciados p e p’, numa EA, apontem para a conclusão
r, sejam argumentos a favor de r”.
Com essa noção de organização hierárquica dos argumentos, percebe-se que a
língua apresenta meios/recursos para demonstrar “pesos” argumentativos
diferentes a determinados enunciados. E, desse modo, o sujeito pode apontar para
uma direção mais ou menos importante, dependendo do que esteja tentando dizer.
É com base em todos esses postulados sobre a argumentação que Ribeiro (2001,
p.24) compreende o papel e/ou função da paráfrase como atividade argumentativa
na linguagem oral, pois é certo que “na ação argumentativa as imagens do locutor
sobre o interlocutor determinam escolhas de formulações e reformulações”.
É, pois, essa visão argumentativa como a veia locomotora do discurso, que faz
transparecer esse papel, no qual a paráfrase assume uma posição estratégica na
estrutura organizacional e na própria constituição do sentido do texto.
Por isso, a autora assume, com Aristóteles, a persuasão como inerente a qualquer
campo do conhecimento, portanto, essência da atividade argumentativa dos
sujeitos; com Perelman (2002, p.141), a compreensão dos mecanismos discursivos
que visam a provocar ou aumentar a adesão dos espíritos a determinadas teses
apresentadas ou defendidas; e com Ducrot, a idéia de que a argumentatividade é
constitutiva da linguagem. Em conseqüência de toda essa discussão, conclui
Ribeiro (2001, p.80) que
59
As paráfrases, nesse sentido, funcionam como mecanismos de
sustentação de um dizer, rumo ao qual o texto se encaminha. Vê-se,
então, que o locutor organiza o seu texto, criando, pelo recurso
parafrástico, estratégias argumentativas que visam a ‘provocar ou
aumentar a adesão de um auditório, de maneira a conduzi-lo para uma
certa conclusão.
De tal modo que, nesse processo de estruturação textual e ao mesmo tempo de
constituição do sentido, Ribeiro (2001) observa que na linguagem oral ocorrem
alguns tipos específicos de deslocamentos, isto é, algumas categorias vão tomando
forma e assumindo funções específicas.
Na concepção da autora, o movimento parafrástico de avanço e recuo demonstra
uma estratégia argumentativa do locutor cujo objetivo é defender uma posição. Isto
é, levar o ouvinte a compreender sua argumentação de determinada maneira e não
de outra qualquer (ou ao menos esta é a sua tentativa). Trata-se, portanto, de uma
estratégia discursivo-argumentativa.
Portanto, Ribeiro (2001), além de apontar que as retomadas no texto demonstram
que a paráfrase é um elemento da estruturação do discurso enquanto atividade
discursiva do(s) sujeito(s), pontua também o seu papel de fazer avançar o texto na
efetiva elaboração ou construção do sentido, ou seja, de levar adiante o texto no
processo de progressão textual.
3.4.1 Apresentação das Categorias
Os deslocamentos de sentido provocados pela paráfrase, segundo Ribeiro (2001),
são mecanismos próprios da atividade de formular e constituem em si formas de
produzir sentido. Entende Ribeiro (2001), no que tange à paráfrase, que estes dois
aspectos ajudam a evidenciá-la como parte do processo de formulação textual
dos sujeitos. Portanto, não se pode considerar a paráfrase de outro modo, a não
ser como construtora e organizadora da atividade discursiva dos sujeitos.
Igualmente, não se pode considerar nem a estruturação e nem o sentido dessa
atividade como dados fixos e definitivos, eles vão sendo construídos nesse
60
percurso de interação entre sujeitos. Trata-se de uma atividade processual e não
de um produto.
Ribeiro (2001), em sua investigação, postula sete categorias de paráfrase, a partir
do que foi encontrado em seu corpus na linguagem oral. São elas: modalizadora,
intensificadora ou enfática, gradativa, referenciadora, explicativa, explicitadora e
exemplificadora. Cada uma das categorias é definida e nomeada pelo seu papel ou
característica funcional no movimento parafrástico, isto é, pela constituição do
sentido produzido na atividade argumentativa. Ribeiro (2001, p.95) entende que
[...] As paráfrases funcionam como marcas que materializam as atividades
argumentativas. A atividade parafrástica cumpre o papel de constantes
retomadas, assinalando lugares de estratégias argumentativas que atuam
na estruturação do discurso [...]. Nessas retomadas sempre processos
de re-significação, de algum modo.
As marcas deixadas nesse movimento parafrástico, em suas retomadas de avanço
e recuo, acrescentam novos sentidos quando realizadas, seja de modo consciente
ou inconsciente, não encerram apenas um dito. E são essas marcas deixadas
que confirmam suas funções e, consequentemente, são denominadas ou, por
assim dizer, categorizadas por Ribeiro (2001). Logo, o perfil dessas categorias
demanda um olhar sobre os processos de re-significação da linguagem.
3.4.1.1
P
ARÁFRASE
M
ODALIZADORA
Ribeiro (2001) define a paráfrase modalizadora com base em vários tipos de
lexicalizações apresentados por Koch (2002a), que acabam por modalizar o
discurso dos interlocutores. De posse desse quadro é que Ribeiro (2001) busca
identificar em seu corpus, de linguagem oral, as retomadas que modificam o
discurso e que revelam um certo engajamento dos interlocutores no discurso com o
propósito de persuasão.
Dentre os vários tipos de lexicalização das modalidades estão, conforme pontua
Koch (2002a, p.85):
61
a) os performativos explícitos: eu ordeno, eu proíbo, eu permito, etc;
b) os auxiliares modais: poder, dever, querer, precisar, etc;
c) os predicados cristalizados: é certo, é preciso, é necessário, é provável, etc;
d) os advérbios modalizadores: provavelmente, certamente, necessariamente, possivelmente, etc;
e) as formas verbais perifrásticas: dever, poder, querer, etc. + infinitivo;
f) os modos e tempos verbais: imperativo; certos empregos do subjuntivo, uso do futuro do
pretérito do valor de probabilidade, hipótese, notícia não confirmada, uso do imperfeito do
indicativo com valor de irrealidade, etc;
g) os verbos de atitude proposicional: eu creio, eu sei, eu duvido, eu acho, etc;
h) a entonação: (que permite, por ex.: distinguir uma ordem de um pedido, na linguagem oral)
i) os operadores argumentativos: pouco, um pouco, quase, apenas, mesmo, etc
Assevera Ribeiro (2001, p.97) que no movimento de reformulação parafrástica “o
locutor, com o intuito de direcionar as conclusões do seu interlocutor, lança mão de
lexicalizações da modalidade, [...] e, desse modo, deixa imprimir no seu dizer,
graus de engajamento com o seu próprio dizer”. Vejamos no exemplo a seguir a
recorrência da “vozde autoridade na paráfrase pelo uso de modo e tempo verbal
imperativo.
M
|
P
|
L1 – na minha gestão... caso eu seja eleito a Reitor...
co/como se dará essa prioridade?...
de várias maneiras...
primeiro... a equipe que assumir comigo
vai ter que saber que não pode pensar a universidade
Federal do Pará a partir de Belém....
tem que pensar a partir do estado inteiro...
portanto é necessário que o interior se traduza em políticas
de vagas...
Quadro 1 – Texto 12 de Ribeiro
Fonte: Ribeiro (2001, p.101)
Nesse exemplo, a argumentação acontece em torno de uma campanha para Reitor,
na Universidade Federal de Belém, estado do Pará. O debate “gira” em torno da
centralização e detenção de poder do campus de Belém, na capital do estado. O
candidato recorre à “voz” de autoridade e impõe estratégias argumentativas, cuja
margem de negociação é quase inexistente. No enunciado matriz impõe o que não
pode ser feito, na retomada parafrástica impõe como tem “que” ser. Toda a sua
argumentação é construída dando grande relevância a esse aspecto. Traduz-se na
paráfrase o lado positivo de valorização dos demais campi pertencente à
universidade.
62
Enfim, no entendimento da autora as paráfrases cumprem a função de ampliar
sentidos e, ao mesmo tempo, pela modalização, de estabelecer o acordo entre
interlocutores. Ribeiro (2001, p.103) é categórica na defesa de que “as paráfrases
modalizam o discurso obrigando o interlocutor a vê-lo de um certo modo e a ele
aderir sem reservas”. De qualquer modo, a nosso ver, essa assertiva propagada
dialoga com o preceito de que o objetivo da argumentação é promover a “adesão
aos espíritos”.
3.4.1.2
P
ARÁFRASE
I
NTENSIFICADORA OU
E
NFÁTICA
A paráfrase Intensificadora ou enfática é aquela que de algum modo intensifica um
segmento do enunciado reformulado. Na linguagem oral, isso se evidencia pela
“entoação melódica” e, por vezes, trata-se, também, de uma enunciação mais
enfática em determinada palavra. A ênfase, na compreensão da autora, é o que
imprime maior força à “atividade argumentativa” em relação ao “lugar-alvo”, ou seja,
para onde o locutor quer conduzir as conclusões do ouvinte. O exemplo que segue
revela bem esse papel ou concepção da paráfrase defendida por Ribeiro (2001).
M|
P/M|
|P
L1 – no final... ele... Camões né?...
que é o protagonista principal...
ele quer queimar os (versos) de Lusíadas...
ele fala que quer queiMAR...
então ele fala muito...
Quadro 2 – Texto 18 de Ribeiro
Fonte: Ribeiro (2001, p.109-110)
Nesse exemplo acima, a ênfase recai, ou melhor, a intensificação se dá pela
entoação melódica sobre um dos segmentos do discurso. Em outras palavras, a
ênfase imprime maior força argumentativa ao “lugar-alvo”. Uma estratégia do
locutor para direcionar a atenção do ouvinte na retomada parafrástica. Como se
trata da linguagem oral, a recorrência ao recurso prosódico para incidir sobre a
palavra “queiMar”, local onde o locutor quer conduzir as conclusões do ouvinte, o
fato mais importante para ele. Para tanto recorre à paráfrase, o que demonstra a
importância dessa atividade discursiva na estratégia argumentativa dos sujeitos.
63
Na linguagem oral, além da paráfrase os interlocutores recorrem, também, a
recursos paralingüísticos vocais e não-vocais (como acenos de cabeça, mãos,
expressões faciais, gestos, dentre outros), para dar fluxo à dinâmica interacional.
Desse modo, estes mecanismos específicos marcam o direcionamento
argumentativo da fala e com isso demonstram seu papel, além de marcar uma das
condições de produção dessa linguagem.
Sob outras determinantes, ou melhor, consideradas outras condições de produção
específicas que diferenciam cada linguagem, é plenamente possível pensar na
realização dessa categoria na escrita.
3.4.1.3
P
ARÁFRASE
G
RADATIVA
Na paráfrase gradativa, são determinantes os valores e a ordem hierárquica de um
acontecimento nos enunciados para a produção de sentidos. Seja pelo âmbito de
uma escala argumentativa, seja pela definição de valores agrupados nos lugares da
quantidade (quando algo é considerado melhor por razões quantitativas) e da
qualidade (valorização de algo como único). Observe o exemplo:
|m
|p/m
|p
L1 – então a lei dizia que ele tem que ter o original...
aí o cara chegou desapareceu com a própria prova...
acabou o quê?... a prova da relação obrigacional...
resultado... não tem como mais ( ) tocar... ( )
L2 - isso é manobra?
L1- se isso é manobra?
Isso é crime...
Isso é uma sem-vergonhice...
Isso é uma safadeza...
Quadro 3 – Texto 21 de Ribeiro
Fonte: Ribeiro (2001, p.114)
Em aula do curso de Direito, o professor explica sobre as manobras legislatórias.
Usa o exemplo de um advogado que desaparece com laudos onde constariam
provas de atos que exigiam determinadas sanções. O Locutor L2 pergunta: “isso é
manobra?” L1 repete retoricamente “se isso é manobra?” Então segue
respondendo, indo do ponto menos ao mais relevante, “Isso é crime”. Defende
64
Ribeiro (2001) que esta é uma estratégia argumentativa, que revela o empenho do
locutor para apresentar ao seu parceiro à dimensão significativa de fazer
desaparecer a prova do crime perante a justiça. O locutor reforça essa
argumentação com enunciados parafrásticos estrategicamente organizados numa
escala, que aponta para a desqualificação gradativa do ato. É mais do que uma
manobra de advogado: “é crime... é uma sem-vergonhice... é uma safadeza”.
Essa categoria de paráfrase busca revelar uma força argumentativa e/ou uma
hierarquia a que recorre o sujeito, para demonstrar uma disposição gradual ou,
simplesmente, gradação, que vai do ponto menos ao mais relevante para ele na
tessitura textual. Tal estratégia acontece pela recorrência, por exemplo, ao
movimento de ampliação de sentido, nos moldes de Hilgert (1999, 2002), ou seja,
movimento parafrástico que vai do específico para o geral; ainda, a mudança de
nível de linguagem (como por exemplo a mudança de registro e a mesclagem de
gêneros no continuum oral-escrito); pelo topos da hierarquia de valores e da Escala
Argumentativa conforme defendida por Ducrot.
Em síntese, para a autora essa categoria de paráfrase trata de revelar uma força
argumentativa e/ ou uma hierarquia a que recorre o sujeito, além dos valores
envolvidos nos casos de retomada parafrástica pela força proporcionada pela
escala, pelo topos (lugares) da quantidade/qualidade e pelo deslocamento de
sentido provocado pelo movimento parafrástico fatores esses que acabam por
determinar essa categoria.
3.4.1.4
P
ARÁFRASE
R
EFERENCIADORA
A paráfrase referenciadora é definida pelo seu papel de remissão a um enunciado
de origem, em especial, pela capacidade resumidora que apresenta nesse
processo. Nesta categoria, em geral, a recorrência a um elemento anafórico, ou
melhor, ao pronome demonstrativo isso (e variações). Caso do exemplo que segue:
65
M |
P/M |m
|p
P
L1 – houve a ruptura
L2 – então...
L1 – mas o que que está se questionando...
L2 – sim... mas aí o que eu estou dizendo... mas houve essa
L3 – não houve ruptura como eles pretendiam...
L2 – não... mas dá licença...
o que eu estou dizendo
o que eu acho é o seguinte...
I..... eu não estou questionando o ato (final)
eu não estou dizendo que o cara não deve julgar os modos ( )
nem lutar contra esses períodos anteriores
renascença anterior na nova fase...
eu não (es)to(u) questionando isso
Quadro 4 – Texto 27 de Ribeiro
Fonte: Ribeiro (2001, p.125)
Nesse exemplo a discussão entre os interlocutores é sobre o modo como se
processa a ruptura da sociedade brasileira com o movimento modernista. Percebe-
se que há um consenso entre os três interlocutores quanto à ruptura, mas a
discussão como L3 aponta é que “não houve ruptura como eles pretendiam”. Na
retomada do turno, L2 apresenta uma série de argumentos e introduz: “eu não
estou questionando o ato (final)”, ou seja, a ruptura, e continuando a argumentar
após uma série de retomadas parafrásticas, encerra: “eu não (es)to(u)
questionando isso” (grifo da autora).
Desse modo, o locutor recorre à paráfrase referenciadora, em seu aspecto ou
característica resumidora, com a recorrência ao pronome demonstrativo “isso”, um
argumento que além de finalizar esse turno, promove, de algum modo, a
recapitulação do assunto. Enfim, por meio desse aspecto, o locutor finaliza o turno
e ainda esclarece que a questão em “xeque” não é a ruptura, a discussão que tenta
realizar ou esclarecer é outra.
Entende, pois, Ribeiro (2001, p.125) que “a paráfrase resumidora extrai da noção
de resumo uma das suas funções que é a seleção, predicando os argumentos que
são considerados pelo locutor como de maior peso para a tese que defende”.
Esta categoria cumpre, enfim, o papel de recapitulação, ou seja, manter cada
enunciado atualizado na mente do interlocutor. Um recurso, segundo a autora,
66
recorrente em discursos didáticos. Assim, além da função de resumir um conteúdo
anterior, dando acabamento ao “jogo” discursivo, pode, dentre outros casos,
cumprir, também, a função de progressão textual.
3.4.1.5
P
ARÁFRASE
E
XPLICATIVA
Para uma definição do que seja uma paráfrase explicativa, a autora busca
fundamentos na análise de Gülich. Assim, com base nesse autor, Ribeiro (2001)
constata que a explicação é uma condição fundamental no ato de compreensão
entre interlocutores, isto é, na interação, podendo mesmo chegar ao patamar de ser
uma condição prévia da interação discursiva.
Em Hilgert (1999, 2002), busca-se o postulado de que a expansão parafrástica
pode atender a duas funções básicas: atuar, por um lado, como expansão
definidora de conceitos abstratos (neste caso assume o caráter de natureza
explicativa); por outro, atuar como explicitação, desempenhando neste caso o papel
de precisar ou especificar informações e explicitar resumos. Trata-se de dois
conceitos, que em princípio apresentam diferenças bem tênues, mas marcantes
para a distinção dessas duas categorias de paráfrase a explicativa e a
explicitadora - na linguagem oral.
Enfim, para Ribeiro (2001, p.132) a paráfrase explicativa é a aquela que “[...]
desenvolve uma relação de denominação ou especificação de conceitos”, para
tanto, torna-se essencial uma definição mais clara do sentido de uma palavra, isto
para que não haja dúvidas quanto ao seu conceito. Caso desse exemplo dado por
Ribeiro (2001), no qual se busca a definição ou concepção do que seja “sintático”
para o locutor.
M |
P/M |
P |
L1 – nesse caso você está analisando aí...
o semântico dele...
nós (es) tamos analisando só o sintático...
a posição dele na frase....
a relação dele com as palavras na frase...
Quadro 5 – Texto 33 de Ribeiro
Fonte: Ribeiro (2001, p.131)
67
Pela recorrência à categoria da paráfrase explicativa, o locutor evidencia o
significado da palavra no contexto. No exemplo dado, o locutor aponta que o caso
analisado não é o “semântico”, trata-se de um caso “sintático” e explica o que
significa esse “sintático” para ele, ou seja, “a posição dele na frase...”, e tornando
ainda mais especifico o seu significado, esclarece que trata da “relação dele com as
palavras na frase...”.
3.4.1.6
P
ARÁFRASE
E
XPLICITADORA
As paráfrases explicitadoras são aquelas que se encarregam de definir uma
denominação ou explicitar um resumo. Diferentemente da categoria anterior, a
paráfrase explicitadora não busca esclarecer o conceito de apenas uma palavra,
ela busca explicitar melhor o enunciado, ou seja, uma expressão, um conteúdo que
vai além de uma palavra, até porque uma preocupação com o bom andamento
do discurso. Fato que se pode observar no exemplo que segue.
|m
|p
L1 – a experiência empírica da pesquisa e da ciência...
é quando o pesquisador está
EM contato com o objeto pesquisado
com a mão na massa
Quadro 6 – Texto 36 de Ribeiro
Fonte: Ribeiro (2001, p.133-134)
Nesse exemplo, busca-se esclarecer o que significa o enunciado “EM contato com
o objeto pesquisado”. Pela categorização apresentada por Ribeiro (2001), o locutor
recorre à paráfrase explicitadora quando não quer deixar dúvidas quanto ao uso de
certas expressões ou determinados conceitos enunciados, em especial, porque
estes poderiam criar alguma dificuldade na continuação e/ou entendimento do
diálogo. O locutor então recorre à categoria explicitadora apresentando outros
conceitos com o objetivo de dar uma melhor definição ou explicitação do enunciado
anterior. É como se observa no exemplo acima, o locutor explicita que esse EM
contato com o objeto pesquisado” traduz-se em estar “com a mão na massa”.
68
3.4.1.7
P
ARÁFRASE
E
XEMPLIFICADORA
Como o próprio nome sugere, essa categoria de paráfrase tem a função de
exemplificar a matriz ou enunciado origem. Busca-se confirmar ou demonstrar o
que foi abordado, ou seja, ‘explicar’ por meio de exemplos o que foi abordado na
matriz. Contudo, segundo Ribeiro (2001), nessa retomada parafrástica de
enumeração de exemplos, o locutor acaba manifestando o próprio ponto de vista,
ou melhor, por essa via argumentativa o interlocutor expressa como deve ser visto
determinado enunciado. Observemos o exemplo.
M|
P |
L1 – o direito passa... passa a ser o quê?...
passa a ser uma verdadeira batalha...
as pessoas dando chute na canela dos outros...
tomando as coisas dos outros aí sem nada...
não tem poder... (mandamos) manda brasa mesmo...
Quadro 7 – Texto 40 de Ribeiro
Fonte: Ribeiro (2001, p.136)
Compreende-se, assim, que a recorrência do locutor à paráfrase exemplificadora,
por um lado, expande o seu significado, já que isso implica uma tomada de
posição, mas, paradoxalmente, significa uma restrição de significado, pois,
obrigatoriamente, também, o especifica. Essas características apresentadas nessa
categoria tornam-se bastante evidentes no exemplo apresentado, quando o locutor
esclarece/ determina que “o direito” passa a ser como uma “verdadeira batalha”, ou
seja, “as pessoas dando chute na canela dos outros...”; as pessoas “tomando as
coisas dos outros aí sem nada...”.
Toda essa discussão traçada por Ribeiro (2001) a respeito da paráfrase, em
especial, a categorização por ela apresentada, leva à defesa de que a paráfrase é
uma estratégia argumentativa motivada por um projeto de dizer que se instaura na
enunciação. De tal modo que, além desta concepção postulada pela autora, ou
seja, que a paráfrase é uma estratégia argumentativa-enunciativa, consideramos
ainda com Ribeiro (2001) que a capacidade argumentativa do sujeito ocorre em
função/ conseqüência da interação, bem como, da atividade verbal, na qual a
dialogicidade se faz presente no discurso. Conseqüentemente, a paráfrase, nessa
perspectiva, revela-se para a autora como uma atividade discursiva, configurando-
69
se como uma estratégia textual, bem como produtora de sentidos no texto/
discurso. Todavia, uma produção que sempre traz outros novos elementos em suas
retomadas/ reformulações textuais, consagrando-se, desse modo, como um
recurso argumentativo estratégico para o sujeito.
Recorreremos às categorias de paráfrase, postuladas por Ribeiro (2001), pelo fato
desta retomar Koch, com quem concordamos, e por avistarmos a possibilidade de
aplicação dessas categorias propostas, num corpus escrito. Tais categorias tornam-
se, ainda, muito interessantes porque nos permitem focalizar a questão do papel do
sujeito, ou melhor, as estratégias textuais a que o sujeito recorre no ato de
parafrasear, e, além disso, nos permitem ainda demonstrar, de certo modo, a
“materialização/ textualização” desse “fazer” persuasivo do sujeito no ato de
argumentar.
Este ‘recorte’ de aplicação das categorias, em geral, implica em certa fragmentação
e/ou compartimentalização, que se explica pelo viés didático e/ou metodológico
escolhido para a pesquisa e pela própria natureza dos exemplos selecionados.
Todavia, importa esclarecer que no uso, em geral, a recorrência a essas categorias
pode ser multifuncional.
Cabe ressaltar ainda, quanto aos autores que formam o referencial teórico-
metodológico da pesquisa, algumas semelhanças e diferenças em suas
abordagens sobre o fenômeno parafrástico. Com exceção de Fuchs (1982, 1985), a
semelhança que se apresenta com relação aos demais autores é a opção por um
corpus de linguagem oral, conforme anteriormente mencionado. No que tange às
diferenças, Koch (2002c) busca investigar se a atividade parafrástica se apresenta
como argumentativa, retórica ou didática; Hilgert (1999, 2002) observa os
deslocamentos de sentido provocados pela paráfrase; Ribeiro (2001) centra-se no
papel da argumentatividade apresentado pela paráfrase; Fuchs (1982), fonte
obrigatória em todo e qualquer estudo sobre a atividade parafrástica, além de
realizar um percurso histórico do tema, aborda o fenômeno de modo global,
analisando a paráfrase sob o aspecto enunciativo-discursivo da linguagem.
70
Por termos como foco de abordagem a escrita, resta-nos especificar suas
diferenças em relação à oralidade, o que faremos no próximo capítulo, quando
buscaremos evidenciar as especificidades da linguagem escrita. Nesse caso,
que se considerar as condições de produção, pois elas determinam as
especificidades pertinentes a cada uma das linguagens, observadas,
evidentemente, as práticas sociais concernentes às modalidades usadas.
71
4. APRESENTAÇÃO
DAS
CARACTERÍSTICAS
DAS
LINGUAGENS
ORAL
E
ESCRITA:
UM
TEMA
ANTIGO
Neste capítulo, objetivamos apresentar e delimitar as características da linguagem
escrita em suas especificidades, que nosso corpus é composto por redações de
Vestibular da UFES/2006. A oralidade está aqui presentificada porque a concepção
de escrita adotada abarca o princípio do continuum oral/ escrito.
Na esteira da concepção de escrita, abordaremos, ainda, os conceitos de texto,
bem como os gêneros textuais, a fim delimitar o gênero discursivo.
Este capítulo surge da necessidade que sentimos em demarcar o espaço da escrita
dentro de um continuum em relação à oralidade, tendo em vista que a maior parte
dos autores pesquisados, que tratam da paráfrase, mais especificamente Koch
(1996, 2002a,b,c,d, 2006), Hilgert (1999, 2002) e Ribeiro (2001), analisam corpus
de linguagem oral, diferenciando-se nesse grupo de autores, Koch (1996,
2002a,b,c,d, 2006), que aborda também a paráfrase na escrita.
4.1
D
A
T
RADIÇÃO
O
RAL À
E
SCRITA
:
UM
R
ECORTE DE
E
STUDO
[...] não dizemos que o escritor retorna à origem da linguagem, mas sim
que a linguagem é para ele origem.
(BARTHES, 1984, p. 20)
A linguagem, por singularizar as relações humanas, uma vez que marca o
diferencial entre o homem e outras espécies, está na origem de muitas reflexões.
Uma dessas reflexões, a discussão ou problemática que permeia as questões
referentes às linguagens oral e escrita, é de ordem antiga. Pode-se medir a
antiguidade dessa discussão com Platão e Aristóteles.
Segundo Plebe (1978), ambos se debruçaram sobre essa problemática que
envolve a oralidade e a escrita: Platão, no Fedro; e Aristóteles, no livro da
Retórica. Assim, em Platão, o problema das relações entre palavra falada e escrita
se confundia com as relações entre a expressão em prosa (na qual se julgava
72
reproduzir o ritmo da palavra falada) e a expressão poética (considerada a escrita
por excelência).
Em verdade, a questão central da discussão platônica era sobre a supremacia da
fala em relação à escrita. Ou seja, o entendimento de Platão era de que a palavra
falada era mais eficaz que a escrita, haja vista o caráter ativo da fala, pois esta
exigia da parte dos ouvintes uma capacidade de memorização do que era
dito/conversado. Um contraponto à suposta “comodidade” da escrita, pois para
Platão esta exigia uma recepção menos atenta do que a fala, por causa da
possibilidade de releitura do texto. Para pontuar essa diferença entre as linguagens,
o filósofo aproxima a escrita da pintura, comparando-a com uma imagem diante de
uma pessoa, cujo papel não é ativo. Ou seja, trata-se de certa “imutabilidade” da
escrita em relação à natureza ativa da fala.
No entender de Platão, a escrita não permitia uma adaptação ao auditório como a
fala, pois esta podia, pelo tom ou dicção da voz, adaptar-se aos mais diversos tipos
de público. Assim, por causa dessa “imutabilidade”, a escrita exigiria que se
(re)escrevesse um discurso diferente para cada público, caracterizando, desse
modo, a inferioridade da escrita em relação à fala.
Plebe (1978, p.85), por um lado, acaba por afirmar que evidentemente “Platão
conclui que, em relação ao discurso “vivo e animado” da palavra falada, o discurso
escrito pode ser considerado uma sua imagem”. Outro ponto que reforça essa
discussão sobre a “imutabilidade” da escrita é a defesa, por Platão, de que ela (a
escrita) não permite respostas imediatas às perguntas e objeções como acontece
na fala.
Por outro lado, Plebe (1978) defende que Aristóteles, no XII capítulo do livro da
Retórica, trata desse questionamento platônico de modo sistematizado e científico.
Aristóteles busca estabelecer as estruturas e as características das linguagens
falada e escrita, definindo-lhes as diferenças. Todavia, o filósofo, primando por uma
certa “cientificidade”, tenta evitar julgamento de valor.
73
Para Aristóteles, entende Plebe (1978), enquanto a elocução da escrita é mais
precisa, paradoxalmente, a fala é mais ampla e redundante. Assim, Aristóteles, na
procura por uma demonstração dos fatos, compara os discursos político e forense.
Desse modo, acaba concluindo que o discurso político é mais característico da fala
e o forense do escrito, por causa ou conseqüência do público a que estão voltados
e da linguagem exigida por esses tipos de discursos. De tal modo que Aristóteles
observa uma relação quase que lógica ou matemática nesse processo, ou seja,
quanto maior for a multidão de ouvintes menor rigor haverá nos pormenores e vice-
versa. O discurso forense, conclui o autor, como é dirigido a um único juiz, é mais
preciso, pois há menos oportunidade de emprego de artifícios retóricos.
Assim, essa breve retomada dos filósofos - Platão e Aristóteles tem o intuito
apenas de pontuar a antiguidade dessa questão sobre a fala e a escrita. Pode-se
perceber que esta discussão por muito tempo seguiu, ora dando prevalência a uma
linguagem, ora a outra, ressaltando valorativamente uma e pormenorizando a outra.
Maria Helena de Moura Neves (2001), em ngua falada, língua escrita e ensino:
reflexões em torno do tema, aponta para essa prevalência, no decorrer do tempo,
de uma linguagem sobre a outra, questão apontada por Platão e Aristóteles.
Assim, Neves (2001, p.325) compreende que se trata exatamente de uma ”[...]
visão dicotômica [que] é problemática desde a base, isto é, desde a oposição
fundamental entre ngua falada e ngua escrita como se entre elas houvesse
diferenças”.
Um fato importante que não pode ser esquecido, segundo a autora, são os valores
que envolvem essa discussão, como, por exemplo, os valores sociais, políticos e
econômicos, pois entende Neves (2001) que eles contribuem para que as
linguagens sejam colocadas em posição estanque e dicotômica. sempre um
“jogo” de poder por detrás dessa discussão entre a linguagem falada e escrita.
Importa para Neves (2001, p.325) considerar “a linguagem em funcionamento, o
que implica, em última análise, saber avaliar as relações entre as atividades de
falar, de ler e escrever, todas elas práticas discursivas, todas elas usos da língua,
nenhuma secundária (...)”. Ou seja, não se trata de dicotomia ou de grau de
74
inferioridade ou superioridade, seja pelo tipo de auditório ou do discurso envolvido
em questão.
Trata-se, em verdade, de modalidades diferentes de uso. Portanto, nesse sentido a
defesa de Neves (2001) reforça a posição de investigar a paráfrase partindo
desse princípio de um continuum entre as linguagens oral e escrita e não sob a
perspectiva de qualquer julgamento de valor.
Fávero, Andrade e Aquino (2003, p.74), que também abordam essa discussão
entre essas linguagens, apresentam o seguinte quadro que distingue as condições
de produção de cada modalidade (oral e escrita).
QUADRO ii
FALA ESCRITA
-Interação face a face - Interação à distância (espaço-temporal)
-Planejamento simultâneo ou quase simultâneo
à produção
-Planejamento anterior à produção
-Criação coletiva:administrada passo a passo -Criação individual
-Impossibilidade de apagamento -Possibilidade de revisão
-Sem condições de consulta a outros textos -Livre consulta
-A reformulação pode ser promovida tanto pelo
falante como pelo interlocutor
-
A reformulação é promovida apenas pelo
escritor
-Acesso imediato às reações do interlocutor -Sem possibilidade de acesso imediato
-O falante pode processar o texto,
redirecionando-o a partir das reações do
interlocutor
-
O escritor pode processar o texto a partir das
possíveis reações do leitor
-O texto mostra todo o seu processo de criação.
-O texto tende a esconder o seu processo de
criação, mostrando apenas o resultado.
Quadro 8 – Linguagens oral e escrita: condições de produção
Fonte: Fávero; Andrade e Aquino (2003, p.74),
Para essa autora são as condições de produção, como as expostas no quadro
anterior, que determinam as formulações e diferenças lingüísticas das modalidades.
Para Fávero; Andrade e Aquino (2003, p.75)
Na verdade, tanto a fala como a escrita abarcam um continuum que vai do
nível mais informal ao mais formal, passando por graus intermediários.
Assim, a informalidade consiste em apenas uma das possibilidades de
realização não só na fala, como também da escrita.
Na produção escrita, não se pode perceber, por exemplo, as marcas de
reformulação como a da hesitação, pois esta é uma característica típica da
linguagem oral (a não ser, talvez, que se crie intencionalmente um artifício ou se
75
apresentem, por exemplo, os rascunhos de um autor), pois o processo de criação
desta linguagem não ocorre, no dizer de Koch (2002c, p.35), em tempo “on-line”.
Ochs, citado por Fávero; Andrade e Aquino (2003, p.77) apresenta quatro
possibilidades no que tange ao planejamento textual, que vão do não planejado ao
planejado. Os quatro itens da escala são: i) falado não planejado, ii) falado
planejado, iii) escrito não planejado e iv) escrito planejado. Enfim, ambas as
linguagens – oral e escrita – possuem uma escala que vem a contemplar um
parâmetro que segue do menos planejado ao mais planejado, sob o qual pode
haver uma reflexão inicial ou não. O entendimento das autoras é que, talvez, sejam
essas características que irão afetar o uso e o resultado final de uma produção
textual.
Na linguagem falada se registram, como dito anteriormente, as hesitações, além de
reformulações. Assim, a descontinuidade (interrupção do fluxo informacional) se
por meio de paráfrases e repetições, elementos que se apresentam na linguagem
oral, mas também na escrita. A diferença entre elas se porque a linguagem oral,
conforme apresentam Fávero; Andrade e Aquino (2003, p.78-79), “vai revelando
seus próprios processos de feitura, enquanto a escrita mostra o produto,
escondendo o processo de sua criação”.
As autoras ainda destacam o contraste do envolvimento na fala, no ato da
produção textual, em contraponto ao afastamento na escrita. Esta modalidade
apresenta para Fávero; Andrade e Aquino (2003, p.78) uma relevância no “[...] uso
do pronome de primeira pessoa, de estratégias de monitoração (pausa, entonação
e outras), de partículas enfáticas (realmente, certamente), do discurso direto e
outras”. Enfim, o envolvimento na escrita não se face-a-face, a sua interação
ocorre à distância.
Marcuschi, citado por Fávero, Andrade e Aquino (2003, p.80), vai falar dos gêneros
numa escala de parâmetros
o texto científico e o ficcional têm semelhanças e diferenças que os
aproximam e afastam de modo diferenciado da discussão acadêmica e da
conversação espontânea. Isto significa que a fala e a escrita não formam
76
dois extremos mas um contínuo distribuído numa escala de parâmetros
empiricamente detectáveis.
Para as autoras, é por causa de certos critérios adotados que muitas pesquisas em
relação à fala e à escrita se equivocaram em seus resultados, especialmente, por
apresentá-las como dicotômicas. Não se pode afirmar que uma seja mais
elaborada ou mais complexa que a outra, nem superior ou inferior em relação à
outra.
Apesar de Koch (2002c) não travar diretamente uma discussão sobre superioridade
e/ou inferioridade entre as linguagens, pode-se deduzir pela sua discussão que
esses aspectos não entram no mérito das questões sobre as linguagens oral e
escrita. Para Koch (2002c, p.77), importa discutir uma relação na qual “fala e escrita
constituem duas modalidades de uso da língua. Embora [...] utilizem,
evidentemente, do mesmo sistema lingüístico, elas possuem características
próprias”.
Assim, pode-se dizer que esse posicionamento da autora mais do que está em
sintonia com a idéia de um continuum. Ela o assume também, pois defende que
essas modalidades não são dicotômicas e nem estanques, elas “apresentam tipos
de complexidade diferentes”. Desse modo, Koch (2002c, p.78) afirma:
o que se verifica, na verdade, é que existem textos escritos que se situam,
no contínuo, mais próximos ao pólo da fala conversacional (bilhetes, textos
de humor, por exemplo), ao passo que existem textos falados que mais se
aproximam do pólo da escrita formal (conferências, entrevistas
profissionais para altos cargos administrativos e outros), existindo, ainda,
tipos mistos, além de muitos outros intermediários.
Fala e escrita possuem características peculiares que lhes são marcantes: por um
lado, a fala é relativamente não-planejada, onde o texto se apresenta, como diz
Koch (2002c, p.79), “em se fazendo”; por outro, a escrita depende de maior
elaboração, em especial porque se pode revisar e corrigir o texto. Assim,
diferentemente da fala, a escrita apresenta um processo que não é simultâneo, ou
seja, o processo e a realização se dão em tempos diferentes. Uma modo de
expressar bem a relação entre essas duas modalidades é lançar mão da noção de
77
metáfora (de quadro e de filme), recurso usado por Halliday e aproveitado por Koch
(2002c, p.80):
Para o leitor, o texto se apresenta de forma sinóptica: ele existe,
estampado numa página - por trás dele vê-se um quadro. no caso do
ouvinte, o texto o atinge de forma dinâmica, coreográfica: ele acontece,
viajando através do ar - por trás dele é como se não existisse um quadro,
mas um filme.
4.2
A
L
INGUAGEM
O
RAL E
E
SCRITA EM
B
AKHTIN
:
UMA
Q
UESTÃO DE
G
ÊNERO
?
A compreensão da dinâmica sobre a oralidade e a escrita, após tantos séculos,
ainda permanece vigente para os estudiosos. Esse interesse pelos fenômenos da
linguagem talvez se explique por causa da complexidade que os cerca, pela
necessidade em se especificar a natureza de cada modalidade, ou melhor, os fatos
envolvidos na questão. Esta preocupação se encontra em Bakhtin [1979] (2000,
2003)
8
em seus estudos dos gêneros do discurso.
Nestes estudos, o autor abre um viés para que se compreendam alguns aspectos
que envolvem a(s) linguagem(ens), em especial, a oral e a escrita. Os estudos em
torno destas linguagens, desde os gregos, como se salientou, eram vistos de modo
dicotômico. De tal modo que Bakhtin [1979] (2000, 2003) defende uma
compreensão dos fatos pura e simplesmente, isto é, das reais características das
linguagens, pois são estas que levam ao pleno conhecimento de cada uma. Rejeita,
pois, um caminho que enverede pela valoração de uma ou de outra linguagem.
Bakhtin [1979] (2000, 2003), em seus estudos sobre os gêneros discursivos,
postula que todas as esferas das atividades humanas perpassam, de algum modo,
pela língua. Até porque uma das coisas que torna o homem singular, o seu
diferencial sobre todas as outras espécies, é o fato de poder se expressar pela
linguagem, ou melhor, comunicar-se, segundo o autor, por meio de enunciados.
8
São assinaladas as duas traduções de Bakhtin (da versão inglesa e da francesa) porque, de algum
modo, aspectos singulares a cada uma permeiam os conceitos e idéias discutidos no trabalho.
78
Estes gêneros se configuram em esferas definidas, e são concebidos por Bakhtin
[1979] (2000, p.279) como “tipos relativamente estáveis de enunciados” ou
gêneros de discurso”. Importa perceber que esses enunciados refletem as
condições e as finalidades de cada esfera de atividade humana. Assim, pode-se
refletir sobre as linguagens, em especial, oral e escrita, a partir da natureza dos
gêneros de discurso, como dependentes da esfera e da atividade que as “molda”.
Entretanto, ao caracterizar os gêneros de discurso como “relativamente” estáveis,
tal aspecto revela uma sutileza peculiar aos gêneros. Uma outra faceta se coloca,
isto é, a da heterogeneidade dos gêneros. Cada esfera de atividade humana
comporta um repertório, que vai se diferenciando e ampliando à medida que se
desenvolvem novas atividades e/ou necessidades. Em conseqüência, os gêneros
acabam adquirindo outros graus de complexidade.
Em outras palavras, Bakhtin [1979] (2000, 2003) postula que os gêneros podem ser
primários e secundários, assinalando que a diferença essencial entre eles está em
sua natureza. O gênero primário é definido como aquele que se apresenta ou a que
se recorre no uso cotidiano, caso, por exemplo, da “curta réplica do cotidiano, do
relato familiar, da carta, da ordem militar padronizada”, etc. São os gêneros de
natureza simples e corriqueira, ou melhor, trata-se de uma comunicação
espontânea.
O gênero secundário, todavia, é aquele que apresenta uma natureza complexa,
caso, por exemplo, do romance, do teatro e do discurso político, etc. Ou seja, os
gêneros aparecem em circunstâncias de comunicação bem mais complexa e sua
elaboração ou construção ocorre, em especial, na linguagem escrita.
Mesmo observando que as linguagens devam ser tratadas sob a perspectiva dos
gêneros, primários e secundários, o autor compreende que existe uma base
comum, por assim dizer, um sistema base que vincula as linguagens. Bakhtin
[1979] (2000, 2003) parece considerar que a língua é essa base que cria os
princípios ou as condições para isso. Nesse sentido, nos filiamos a Bakhtin [1979]
(2000, 2003) para compreender a pertinência desse vínculo entre as linguagens
oral e escrita.
79
Outro ponto relevante que demonstra que as linguagens oral e escrita não são
dicotômicas em si ou por natureza revela-se na própria compreensão do estudo das
linguagens, sob a perspectiva dos gêneros do discurso, pois o autor defende que
ambas as linguagens podem apresentar os dois tipos de gêneros, ou seja, gêneros
primários e secundários. Em princípio, poder-se-ia pensar que o primário ocorresse
apenas na linguagem oral e o secundário na linguagem escrita por causa da
natureza simples de uma e complexa do outro. Todavia, essas linguagens
apresentam tanto um gênero quanto o outro: o primário e o secundário. Além disso,
ocorre a possibilidade de esses gêneros se mesclarem (o que geralmente
acontece). Essa é a perspectiva de Bakhtin [1979] (2000, p.286-287), quando
defende que
Em cada época de seu desenvolvimento, a língua escrita é marcada
pelos gêneros do discurso e não só pelos gêneros secundários
(literários, científicos, ideológicos), mas também pelos gêneros
primários (os tipos do diálogo oral: a linguagem das reuniões
sociais, dos círculos, linguagem familiar, cotidiana, linguagem
sociopolítica, filosófica, etc). A ampliação da língua escrita que
incorpora diversas camadas da língua popular acarreta em todos os
gêneros (literários, científicos, ideológicos, familiares, etc.) a
aplicação de um novo procedimento na organização de um todo
verbal [...].
Desse modo, uma compreensão da(s) linguagem(ens) sob tais aspectos
redireciona todo o estudo, pois é difícil arrolar as características de cada uma, oral
ou escrita, simplesmente pelo aspecto dicotômico. Importa admitir as reais
características de cada linguagem, o que de específico em cada uma delas, seu
funcionamento e sua natureza. Tal fundamentação de fato redireciona todo o olhar
que se quer ter sob as linguagens, em especial, sob um aspecto mais global.
O certo é que o homem fala por meio de gêneros, dependente do tipo de enunciado
e da esfera da atividade a que esteja vinculado, ou melhor, ao tipo de gênero em
questão. São essas as condições que definem o estudo das linguagens proposto
pelo autor. Dizendo de outro modo, o que vale para Bakhtin [1979] (2000, p.282) é
como a “[...] língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a
realizam [...]” e vice-versa, ou seja, como através dos enunciados a vida penetra na
língua.
80
4.3
O
C
ONTINUUM
O
RAL E
E
SCRITO NA
C
ONCEPÇÃO DE
M
ARCUSCHI
Marcuschi (2003; 2005), ao refletir sobre a linguagem oral e escrita, busca
compreender não apenas os princípios específicos de cada uma dessas
linguagens, centra-se também na relação de ambas, ou seja, numa imbricação
entre elas, posto que para o autor também é quase impossível uma análise que
trate de modo estanque cada uma dessas linguagens.
Não adentrando, porém, nos caminhos percorridos sobre perspectivas que
envolvem valor, variação, poder, etc, optamos por percorrer um caminho que inclui
a linguagem concebida como uma prática social, na qual fala e escrita apresentam
dialogicidade, usos estratégicos, funções interacionais, envolvimento, negociação,
situacionalidade, coerência e dinamicidade. Nas palavras de Marcuschi (2003,
p.34).
pode-se discorrer sobre as relações entre oralidade/letramento e
fala/escrita o é referir-se a algo consensual nem mesmo como objeto de
análise. Trata-se de fenômenos de fala e escrita enquanto relação entre
fatos lingüísticos (relação fala-escrita) e enquanto relação entre práticas
sociais (oralidade versus letramento). As relações entre fala e escrita não
são óbvias nem lineares, pois elas refletem um constante dinamismo
fundado no continuum que se manifesta entre essas duas modalidades de
uso da língua. Também não se pode postular polaridades estritas e
dicotomias estanques.
Marcuschi (2003; 2005) defende que, em grande parte, o conhecimento a respeito
da fala e da escrita não consiste em observações referentes única e
exclusivamente a cada uma dessas linguagens. Os estudos realizados da
linguagem falada, por exemplo, avançam em questões pertinentes à escrita, pois a
análise em geral acontece sob a perspectiva das normas ditadas pelas gramáticas
normativas. Como diz Marcuschi (2003, p.35), “em suma, o que conhecemos não
são nem as características da fala como tal nem as características da escrita; o que
conhecemos são as características de um sistema normativo da língua”.
Partindo do princípio de que não existe primazia de uma linguagem sobre a outra,
evidencia-se, pois, que em se tratando de linguagens, a questão diz respeito aos
usos, sendo que umas são mediadas, em especial, pela escrita e outras seguem
uma tradição oral. Portanto, a conclusão cabível é que as linguagens oral e escrita
81
são duas práticas sociais, cujos textos, por vezes, se entrecruzam.
Conseqüentemente, não se pode falar em sistemas lingüísticos diversos. Trata-se
muito mais de domínios discursivos que se realizam na forma de gêneros, como
apontava Bakhtin [1979] (2000, 2003).
Dessas questões traçadas neste capítulo, vale ressaltar, como vimos, que as
reflexões sobre as linguagens falada e escrita são de ordem antiga. Podemos
demarcar essa antiguidade, pois essa discussão se encontra presente nos
filósofos gregos Platão e Aristóteles, o que remonta, respectivamente, ao séc. V e
IV a.C. Trata-se de uma questão que tem suscitado a atenção de muitos estudiosos
no decorrer dos tempos.
Todavia, a questão central que sempre tem permeado essa discussão refere-se ao
tratamento dicotômico e estanque pelo qual essas linguagens têm sido estudadas.
À luz de outros estudos e na contramão dessa dicotomia, autores como Neves
(2001) defendem a importância em compreender as linguagens oral e escrita em
seu funcionamento, independente das questões puramente valorativas que cercam
o tema. Vale frisar este aspecto ressaltado por Neves (2001), porque se torna
importante para a análise que pretendemos da paráfrase, que as categorias
levantadas por Ribeiro (2001) parecem servir tanto à linguagem oral como à escrita.
Seguindo esta linha investigativa, como defendem Fávero, Andrade e Aquino
(2003), vale observar as condições de produção que determinam o diferencial de
cada linguagem, isto é, observar o que provoca os fatos de linguagem pertinentes a
cada uma delas.
Essa discussão traz à tona os postulados de Bakhtin [1979] (2000, p.282), para
quem a “[...] língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a
realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na
língua”. Desse modo, entendemos que a língua apresenta/ cria as condições de
uso para as linguagens oral/ escrita, que são assim de natureza não dicotômica.
Outro fator para se considerar numa análise das linguagens oral e escrita sob uma
perspectiva não dicotômica ocorre pela possibilidade de mesclagem, que, em geral,
82
acontece nos gêneros de discurso, que o sujeito fala e/ou se manifesta por meio
de gêneros, o que propicia essa imbricação.
Na esteira dessa discussão bakhtiniana, temos Marcuschi (2003, 2005), que
também defende um olhar sobre a linguagem como prática social, em que fala e
escrita apresentam certa “dialogicidade”, e não sejam vistas em pólos díspares. Ao
contrário, estabeleçam-se a partir de um continuum de acontecimentos regidos, por
assim dizer, pela prática social, segundo a natureza característica de cada uma das
linguagens. E mais, apresentem usos estratégicos, negociação, envolvimento,
dinamicidade, etc. Enfim, pautem-se pela idéia de que não primazia de uma
linguagem sobre a outra; tratando-se, apenas, de questões de uso.
O texto aqui é considerado como “lugar” de interação e de acontecimentos, lugar
que carrega em si a argumentatividade como atividade estruturante do fazer textual
e, por que não dizer do próprio sujeito. E este, o sujeito, é ator/ construtor ativo,
provocador das questões de(a) linguagem. Sujeito que serve e se serve das
inúmeras possibilidades oferecidas pelo sistema, que são proporcionadas pela
língua/linguagem em contextos sócio-históricos específicos e que determinam a
construção/produção do sentido textual, desejado ou não. Todavia, não um
“senhor” absoluto, mas um sujeito que constrói e é construído, que se faz na e pela
linguagem.
Realizadas estas considerações, no próximo capítulo pretendemos apresentar o
corpus escolhido e, finalmente, proceder a sua análise.
83
5 ANÁLISE
DA
SUBJETIVIDADE
NA
CONSTRUÇÃO
PARAFRÁSTICA
COMO
ATIVIDADE
DISCURSIVA
Pelo percurso até aqui construído, é inevitável dizer que a subjetividade está
envolvida na questão da construção da paráfrase. Os autores selecionados
apontaram para uma percepção desse fenômeno como atividade do sujeito, isto é,
uma atividade argumentativa que apontasse, como dissemos, para uma estratégia
de construção textual produtora de sentido. Assim, partimos da concepção de
paráfrase vista como uma atividade de (re)formulação, inserida num quadro de
argumentatividade, que se faz presente em todos os atos comunicativos, como
pontua Koch (2002c), revelando a intenção e a interação do sujeito que se constrói
na e pela linguagem.
Neste capítulo, pretendemos apresentar o percurso metodológico da pesquisa,
apresentar o corpus e, enfim, proceder à análise deste. Temos por objetivo, com
essa análise, demonstrar o quanto o sujeito atua na construção de sentido ao optar
pela paráfrase, ao contrário do que demonstram as concepções tradicionais sobre
esse fenômeno, que o vêem como simples estratégia de se “dizer o mesmo” a partir
de outro vocabulário e outra estrutura sintática. Parece evidente o que pretendemos
demonstrar com essa análise, mas, como dissemos anteriormente, essa
perspectiva de paráfrase aqui apresentada ainda não chegou às salas de aula, o
que muito poderia contribuir para a produção textual. Acreditamos, portanto, que,
na medida em que comprovamos o papel da subjetividade na paráfrase por meio
das estratégias adotadas pelo sujeito discursivo, estamos contribuindo com a sua
inserção nas discussões sobre a produção de textos, dentro de uma postura mais
didática.
Nesse sentido, tomar, como suporte da análise, as categorias levantadas por
Ribeiro (2001), em muito pode contribuir, pois a escola, e mesmo os livros
didáticos, carecem de propostas mais concretas para se lidar com os fatos de
linguagem. Desse modo, ficaria palpável, para o professor e alunos, um trabalho
com a paráfrase a partir de categorias já estabelecidas.
84
Esperamos assim estar contribuindo com a concretização do papel da paráfrase em
discussões sobre a produção textual em ambientes escolares e acadêmicos. Para
tanto desenvolveremos o capítulo a seguir de modo que ele possa ser um suporte
para o professor. Por isso, retomaremos as categorias expressas por Ribeiro sob
um prisma bastante didático e logo depois procederemos à análise, de modo que
fique evidente a contribuição da paráfrase no trabalho com o texto.
5.1
P
ERCURSO
M
ETODOLÓGICO
Tendo definido a continuação pelo estudo da atividade parafrástica e um
aprofundamento teórico numa linha mais discursiva, ou seja, uma concepção de
paráfrase que envolvesse subjetividade, intencionalidade, estratégia, sujeito e
produção de sentido, partimos para o aporte “material” que desse suporte para
investigar tais questões.
Em princípio, pensamos em alguns textos de alunos de ensino fundamental e
médio ou em observar aulas de professores para detectar uma possível abordagem
da temática (ainda que o assunto fosse indiretamente tratado), mas, pensando no
tempo e dificuldades que poderiam surgir pela escolha de tais materiais,
estabelecemos um novo objeto de análise. Lembramo-nos, então, do formato de
redações aplicado pela Universidade Federal do Espírito Santo, doravante UFES,
que apresentava uma “coletânea” de assuntos em torno de um tema central para
elaboração da redação.
Tal coletânea, obrigatoriamente, deve ser retomada pelo candidato, seja de modo
direto e/ou indireto (o modo, em nosso entender, não fica delimitado claramente no
manual do candidato), o que evidencia uma atividade parafrástica. Tendo em vista
esse aspecto, optamos pela escolha desse corpus, ou seja, redações de vestibular
da UFES de 2006.
Tivemos acesso a 130 (centro e trinta) redações, com as respectivas coletâneas.
Com essas redações em mãos, não nos importava a opção de curso do candidato,
85
nem tampouco a nota ou a condição social dos vestibulandos. Interessavam-nos,
em especial, as retomadas das coletâneas que eram realizadas nos seus textos.
Desse montante foram selecionadas somente duas redações porque nelas foram
observadas referências mais evidentes à coletânea. Por conta deste “recorte”,
quando da análise nem todas as categorias estarão presentes nas redações
selecionadas. Contudo, isto não quer dizer que as categorias efetivamente
presentes no corpus sejam de modo algum superiores a quaisquer outras, ou,
ainda, que as categorias apresentem apenas um único aspecto funcional. As
categorias podem apresentar, como já dissemos, um caráter multifuncional. Tanto o
“recorte” quanto o viés metodológico de análise se deram pela necessidade de
evidenciar, como dissemos, o prisma didático de apresentação das categorias, já
que um dos objetivos deste trabalho é que tais categorias sirvam de suporte ao
professor e aos alunos. No corpus, esse caráter multifuncional das categorias é
evidenciado em um dos exemplos apresentados. É preciso salientar ainda que, no
trabalho de Ribeiro (2001), houve uma ênfase sobre uma das categorias: a
modalizadora. Conseqüência do corpus investigado pela autora, ou seja, textos
orais em situação de interação. A nosso ver, isso permite concluir que o gênero
textual determina o tipo de paráfrase prioritariamente utilizado.
Esse número de amostragem pareceu-nos suficiente porque optamos por uma
abordagem de ordem qualitativa, tendo em vista os objetivos propostos. Essas
redações serão nomeadas A e B, que não são e não podem ser assinadas ou
identificadas. Além do mais, também não tivemos acesso à ficha de cadastro dos
candidatos no vestibular, tendo em vista que esses dados não eram relevantes
para a análise aqui proposta.
Tendo por base as categorias postuladas por Ribeiro (2001), passamos a observar
a presença dessas categorias nas redações, que tais categorias em si
apontavam para a produção do sentido e para a presença da subjetividade. Desse
modo, ao utilizar das categorias trouxemos toda a discussão sobre a paráfrase aqui
anteriormente expressa, que Ribeiro (2001) teve a preocupação de categorizar a
partir do próprio funcionamento da paráfrase na construção da argumentatividade.
Além disso, essas categorias nos permitem observar a paráfrase em profundidade,
86
a partir do prisma da discursividade, da construção verbal, da interatividade, da
dialogicidade textual e da produção de sentido. Estas concepções abarcam
intencionalidade, negociação, persuasão, enfim, uma argumentatividade na qual o
“querer-dizer” do sujeito no discurso se faz na e pela linguagem.
Porém, para Ribeiro (2001) a paráfrase é tomada como estratégia interativa, ou
seja, são retomadas dentro de diálogos em aulas, assembléias, debates, dentre
outros. Aqui, como se trata de um corpus constituído de redações que têm por base
uma coletânea, entenderemos que o autor da redação estará procedendo a um
diálogo com a coletânea. Esse diálogo é um dos “itens” fundamentais que também
será avaliado pela banca corretora dessas redações. Interessa-nos saber até que
ponto o candidato retoma essa coletânea e de que modo o faz. Também
consideraremos as retomadas realizadas dentro do próprio texto do candidato.
Apesar de não evidenciarmos, em nossa abordagem, as retomadas de fatos
históricos, de lugares-comuns, informações veiculadas pela mídia naquele
momento histórico, elas perpassam de algum modo, a discussão, tangenciam a
análise. O que nos interessa sobremaneira é o diálogo que o sujeito/ autor
estabelece com os textos da coletânea. Esse limite no trato com a paráfrase aqui
estabelecido advém do próprio prisma teórico-metodológico da análise por nós
assumido, que é o da argumentatividade, por isso, não evidenciamos a memória
discursiva.
Cada redação foi tomada de per si, porque nos interessava o a freqüência na
utilização das categorias, e sim a produção de sentido por elas evocada. Contudo,
interessavam-nos, também, as diferenças de construção argumentativa de um texto
para outro.
As conclusões advêm, portanto, não da aplicação adequada (ou não) da paráfrase
ou das categorias analisadas, e sim dos efeitos de sentido provocados pela sua
utilização nas escolhas das estratégias, operadas pelos sujeitos. Concluímos em
favor da produtividade (ou não) da paráfrase e pela sua aplicabilidade (ou não) nas
salas de aula.
87
Além disso, acreditávamos que as deficiências na utilização da paráfrase nos
próprios textos analisados apontariam para os enfoques necessários no trabalho
com a produção do texto em salas de aula. Interessava-nos, antes de tudo,
observar se nossa hipótese se concretizaria, ou seja, se a paráfrase se
apresentaria como atividade de (re)formulação textual ou como mero mecanismo
de repetição.
5.2
A
PRESENTAÇÃO DA
C
OLETÂNEA
A coletânea, como foi dito, apresenta argumentos e/ou informações sobre o tema,
tendo por objetivo delimitar e ao mesmo tempo deixar claro o assunto a ser
comentado pelo vestibulando. Essa coletânea, em geral, torna-se base ou ponto de
partida para que os vestibulandos discorram sobre os temas das redações
definidos pela banca do vestibular. Em muitos casos, os argumentos dessa
coletânea são reformulados e passam a ser utilizados pelos candidatos como
argumentos próprios de seus textos. Por isso, escolhemos este corpus, provas de
redações de vestibular da UFES, pois interessam-nos os tipos de estratégias de
construção de paráfrases, ou melhor, os modos de abordagem das paráfrases nas
redações, tendo em vista as relações que estas estabelecem com a coletânea.
Para uma melhor compreensão, transcrevemos a coletânea e a questão temática
em vigor nessa 3ª questão da prova de redação do vestibular/2006 da UFES.
Haiti
Quando você for convidado pra subir no adro,
da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos
pretos, dando porrada na nuca de malandros
pretos, de ladrões mulatos e outros quase
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres
São tratados (...)
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado.
Nem a lente do Fantástico.
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão.
(Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1994)
“Lançada pelo IBGE em junho de 2003, a
Síntese dos Indicadores Sociais 2002
apresenta a sociedade brasileira no seu
retrato mais perverso e desumano.
Comprova que do 1% mais rico da
população, 88% são de etnia dominante,
- indo-europeus e outras etnias brancas -
, enquanto, entre os 10% mais pobres,
quase 70% se declaram de cor preta ou
parda. O 1% mais rico da população
acumula o mesmo volume de rendimento
dos 50% mais pobres e os 10% mais
ricos ganham 18 vezes mais que os 40%
mais pobres.”
(Mir, Luis. Guerra Civil: estado e trauma. São
Paulo:
Geração Editorial, 2004, p.81.)
88
Imagine a seguinte hipótese: você está inaugurando um jornal de uma Organização
Não Governamental – voltada para a questão da injustiça social no Brasil.
Tendo em vista a canção Haiti, de Caetano Veloso e de Gilberto Gil, e a citação
estatística de Luis Mir, escreva o editorial de inauguração do referido jornal.
Ora, a letra da música Haiti, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, transcrita, a nosso
ver, tematiza a questão do tratamento dado ao negro no Brasil e também aos
pobres de modo geral, inclusive aos brancos pobres. A canção expõe e/ou critica
algumas ironias “construídas” nesse contexto. Duas o gritantes: a primeira delas
se refere ao tratamento do negro com relação ao seu próprio “irmão” de cor, que,
entre outras situações, muitas vezes, encontra-se em condição sócio-econômica
semelhante. A segunda ironia se refere ao nome da música “Haiti”, pois este é
também o nome de um dos países mais pobres e de grande concentração de
negros na América. É nesse país que o Brasil realiza uma intervenção “diplomática”
de combate à pobreza e violência, fato que em si cria um paradoxo, já que o país, à
semelhança do Haiti, apresenta um “quadro” de injustiça social e violência contra os
afrodescendentes.
Os dados apresentados por Luis Mir, no segundo texto da coletânea, demonstram
ou revelam um “quadro” geral que possibilita ao candidato perceber a disparidade
econômica existente entre classes sociais no país. Ou melhor, os dados levam a
uma inevitável comprovação da desigualdade social entre ricos e pobres no Brasil,
muito especialmente entre negros e brancos.
5.3
A
NÁLISE DO
C
ORPUS
A seguir, utilizaremos as sete categorias de paráfrase postuladas por Ribeiro (2001)
para observar a construção da argumentatividade em duas redações do vestibular
de 2006 da UFES. As redações foram transpostas para este estudo, sem qualquer
alteração. Quando da identificação das paráfrases, negritamos as partes
selecionadas, para serem posteriormente comentadas.
É preciso esclarecer ainda que nem todas as categorias estarão presentes nas
redações analisadas, contudo, é necessário que tenhamos todas elas em mente ao
proceder à analise. Como anteriormente dito, a opção que os sujeitos fazem por
89
determinado tipo de paráfrase depende do gênero textual em questão. Nos casos
aqui analisados, por se tratar de redações que têm por base uma coletânea,
certamente a paráfrase referenciadora (aquela que remete a algo anteriormente
dito ou a outro texto, e o presentifica) certamente será a mais reveladora. a
paráfrase modalizadora faz parte de gêneros mais interativos, enquanto a enfática
está mais presente em discursos políticos, por exemplo.
No entanto, as categorias explicitam os tipos de paráfrase, o que em muito
acrescenta, sem dúvida, mas o que nos interessa é observar a presença de um
sujeito manipulador de sentido dentro da atividade parafrástica.
TEXTO
A
Em 1888 foi assinada a Lei Áurea, concedendo liberdade aos escravos do Brasil.
Liberdade de direito, pois a liberdade de fato não foi consumada. Os afrodescendentes
continuaram margínalizados, tornando-se timas do preconceito, fruto de séculos da
escravidão negra.
A falta de assistência aos escravos recém-libertos, como políticas de inserção social,
levou a situação que se observa na atualidade. Da minoria mais rica, poucos são os
indivíduos pardos ou preto, sendo a maioria esmagadora branca. na ala mais pobre da
sociedade, os negros e pardos são a maioria, porém os brancos têm uma participação
maior entre os pobres, proporcionalmente falando, do que negros e pardos entre os ricos.
Percebe-se, ironicamente, que a pobreza, no Brasil, é mais democrática que a riqueza. O
caminho para mudar essa situação passa pela educação do povo, para que sejam
derrubados os pilares que sustentam o preconceito e que também servem de alícerce para
as injustiças sociais, e o principal desses pilares é a ignorância.
Faz-se necessário democratizar a riqueza, tirá-la das mãos dos poucos que a
concentram e melhor distribui-la entre todos, independente da cor da pele, como se fosse
um “Robin Hood” moderno. Esse “Robin Hood” serveria para complementar, mesmo que
tardiamente, a Lei Áurea, dando a todos a liberdade de fato, liberdade essa que pode
ser conquistada através de uma maior justiça social.
No Texto A, o sujeito trabalha seus argumentos a partir de um “jogo de contrários”
ao respaldar-se em argumentos dicotômicos maioria-minoria, pobres-ricos e
negros-brancos –, para traçar a discussão em direção à tese levantada sobre a
questão do preconceito e da injustiça a que estão submetidos os negros no Brasil.
Esse “jogo de contrários” percorre, de um modo marcante, todo o texto. Via de
regra, esse sujeito suscita para essa fundamentação argumentos presentes na
memória histórico-social do país, a saber: a condição de escravidão a que o negro
esteve submetido, a sua alforria pela Lei Áurea, enfim, o papel marginal que tem
sido imposto a esse grupo social desde a sua chegada ao Brasil e que continua a
90
prevalecer. Admite, ainda, que não houve a preocupação de um reparo dessa
situação.
Assim, o objetivo do sujeito é seduzir e persuadir para a questão proposta e
desenvolvida, isto é, de que “injustiça social no Brasil”, no que tange à condição
de existência dos afrodescendentes. Para tanto, realiza toda a sua argumentação
em torno dos indicadores econômicos que revelam a disparidade sócio-econômica
entre negros e brancos no Brasil. Esses indicadores encontram-se no texto da
coletânea, ou seja, a fundamentação desse texto é realizada quase que totalmente
a partir de dados e/ou argumentos apresentados na coletânea.
A paráfrase, nesse texto, ganha contornos de um novo dizer, cuja performance
discursiva é de apropriação do texto fonte e não de sua repetição ou remissão. Ela
cumpre o papel fundamental de realizar essa atividade eminentemente discursiva
de elaboração textual. Ao buscar o “jogo de contrários”, o sujeito marca o “querer
dizer” com uma voz diferenciada daquela da coletânea. Essa atuação do sujeito se
porque, na busca por um diferencial no modo de “dizer”, entre o “ditoe o
“modo” de dizê-lo um espaço interpretativo do produtor do texto na sua interlocução
com o texto fonte.
Desse modo, esse “jogo de contrários” marca o diferencial do texto em relação à
coletânea, ao mesmo tempo em que constitui a sua marca de subjetividade, ou
seja, o modo pelo qual o sujeito tenta estabelecer a relação com a coletânea revela
uma singularidade do enunciador e um lugar de relevo para o qual pretende dirigir o
foco de atenção do leitor, que é a questão da injustiça social. O efeito de sentido
provocado é de um certo “tom” inusitado que se evidencia num “quadro” de
elaboração textual cujas retomadas e avanços acontecem numa “discussãoque
revela a “imagem” que se quer (ou se tenta) passar; nesse caso, o “quadro” de
disparidade existente entre negros e brancos no Brasil.
Sobre as categorias de paráfrase encontradas nesse Texto A, além da paráfrase
referenciadora - pois ele remete a um dos textos apresentados na coletânea, no
caso o texto do Luís Mir e a partes no interior do próprio texto -, também a
presença de outras categorias, caso da paráfrase explicativa e explicitadora, além
91
da exemplificadora. Elas serão apresentadas segundo a própria seqüência
proposta na redação em análise.
A categoria explicativa é aquela em que, segundo Ribeiro (2001 p.132): “torna-se
essencial uma definição mais clara do sentido de uma palavra, isto para que o
haja dúvidas quanto ao seu conceito”. a paráfrase explicitadora, proposta pela
mesma autora, busca definir e/ou precisar informações presentes em um
enunciado. Diferentemente da anterior, que se preocupa em delimitar o alcance de
um termo, esta cumpre a função de precisar as informações presentes no texto,
ocupando-se do andamento do discurso.
Observe que, na introdução do texto, o sujeito fala em “liberdade” concedida aos
escravos:
Em 1888 foi assinada a Lei Áurea, concedendo liberdade aos escravos do Brasil.
Liberdade de direito, pois a liberdade de fato não foi consumada.
Portanto, ao retomar do seu próprio texto a palavra “liberdade” e explicá-la:
Liberdade de direito”, o sujeito/ autor delimita-a, a partir do ponto de vista a ser
desenvolvido no texto, produzindo uma paráfrase explicativa. quando
explicita: “pois a liberdade de fato não foi consumada”, o enunciador precisa os
limites da informação contida no enunciado anterior, através de uma paráfrase
explicitadora, posto que esta liberdade não é ampla e nem total, como se poderia
pensar em princípio, que o negro continua injustiçado e marginalizado social e
economicamente.
Assim, a retomada parafrástica que se faz da palavra “liberdade” apresenta um
sentido próprio e específico, ou melhor, a paráfrase assume a função ou papel
de definir o conceito do que seja liberdade. De modo que concluímos que se trata,
exatamente, da categoria referida por Ribeiro (2001), isto é, a paráfrase explicativa.
O sujeito/ autor conceitua a palavra “liberdade” em seu texto para que não haja
dúvidas do sentido que deseja dar, pois em princípio, ao usar “liberdade”, tal sujeito
poderia criar no leitor a idéia de que o negro alcançou uma condição plena e
totalitária, trazendo, a reboque, outras possíveis significações, tais como, ter
92
chegado ao patamar do branco em termos sociais e econômicos, o que, no geral,
não seria verdadeiro. Para esse sujeito/ autor o negro alcançou apenas a “liberdade
de direito”, perceba que ao final do texto expõe seu ideal de liberdade:
a liberdade de fato, liberdade essa que pode ser conquistada através de uma
maior justiça social.”
Por isso, conclui a sua redação expressando explicitamente o que entende por
“liberdade de fato”, ou seja, busca explicitar o enunciado. E, nesse caso, se
utiliza, segundo a definição de Ribeiro (2001), novamente da paráfrase
explicitadora, que tem por objetivo definir e/ou precisar informações.
Ainda uma outra ocorrência de paráfrase explicitadora se dá quando o sujeito/ autor
busca precisar o enunciado abaixo:
“A falta de assistência aos escravos recém libertos, como políticas de inserção social, levou
a situação que se observa na atualidade. Da minoria mais rica, poucos são os
indivíduos pardos ou preto, sendo a maioria esmagadora branca. na ala mais
pobre da sociedade, os negros e pardos são a maioria, porém os brancos têm uma
participação maior [...] O caminho para mudar essa situação passa pela educação do
povo,”
Ao esclarecer, para o leitor, qual é, então, a situação que se observa na atualidade,
o sujeito/ autor introduz o argumento subseqüente que visa a explicitar o enunciado
anterior. Portanto, todo o argumento negritado corresponde ao que entendemos, a
partir de Ribeiro (2001), como paráfrase explicitadora. Já quando, ao final do trecho
em análise, utiliza-se da expressão: “essa situação”, o que ocorre é uma
retomada que resume toda a situação anteriormente explicitada. Segundo Ribeiro
(2001), trata-se de uma paráfrase referenciadora em seu aspecto resumidor. O
sujeito, nesse caso, busca dizer em poucas palavras tudo o que foi dito, como se
pode verificar nesse enunciado.
Nesse corpus, porém, a categoria de paráfrase referenciadora aparece,
principalmente, na remissão aos textos expressos na coletânea. Esse aspecto é
evidente e se explica por força da obrigatoriedade que se tem em retomar de algum
modo a coletânea. De tal modo que o texto apresenta boa parte da argumentação
93
com elementos/ argumentos da coletânea, conforme se pode observar abaixo, em
que o enunciado evidencia de modo cabal esse elo:
TEXTO DA COLETÂNEA
“[...] a Síntese dos Indicadores Sociais 2002 apresenta a sociedade brasileira no seu
retrato mais perverso e desumano. Comprova que do 1% mais rico da população, 88%
são de etnia dominante, - indo-europeus e outras etnias brancas -, enquanto, entre os
10% mais pobres, quase 70% se declaram de cor preta ou parda. O 1% mais rico da
população acumula o mesmo volume de rendimento dos 50% mais pobres e os 10% mais
ricos ganham 18 vezes mais que os 40% mais pobres.”
PARÁFRASE
“Da minoria mais rica, poucos são os indivíduos pardos ou preto, sendo a maioria
esmagadora branca. na ala mais pobre da sociedade, os negros e pardos são a
maioria, porém os brancos têm uma participação maior entre os pobres,
proporcionalmente falando, do que negros e pardos entre os ricos. Percebe-se,
ironicamente, que a pobreza, no Brasil, é mais democrática que a riqueza.“
Como se pode observar deste trecho em destaque, que foi abordado como sendo
exemplo de uma paráfrase explicitadora, isso se considerarmos a sua relação com
o próprio texto em análise. Porém, na relação que este texto estabelece com a
coletânea, evidencia-se aí uma paráfrase referenciadora. Tal aspecto abordado não
coloca em xeque a análise anteriormente proposta, até porque, como afirma Ávila
(2002) em sua dissertação de Mestrado intitulada Quem conta um conto, aumenta
[ou diminui] um ponto: a paráfrase como articuladora de significado diferente em
texto oral e escrito, no ato comunicativo “a paráfrase exerce diferentes funções num
só tempo”, isso significa dizer que as categorias se mesclam e se imbricam.
Evidencia-se, nesse exemplo, a priori, a reformulação de elementos/ argumentos
da coletânea num movimento de referenciação parafrástica, que, segundo
Ribeiro (2001), esta modalidade de paráfrase refere-se ao seu papel de remissão
ao texto matriz. Portanto, a paráfrase referenciadora não diz respeito à relação da
palavra com a realidade concreta, mas sim ao processo de referenciação, ou seja,
de retomada de informações anteriormente expressas numa relação dos
enunciados entre si, dentro da relação de discursividade.
Ora, o candidato precisa abordar, de alguma forma, os argumentos propostos ou
expostos na coletânea. Tal obrigatoriedade, no entanto, não tolhe a sua criatividade
94
e a reorganização textual por ele proposta, ou seja, a ocorrência se mediante
uma “atualização” de argumentos por parte do sujeito/ autor, numa clara
demonstração da subjetividade presente no texto, tal como ocorre na última frase
desse trecho, ainda que não se trate de uma paráfrase.
No exemplo que se segue, ainda nesse Texto A, observamos a presença de outra
categoria de paráfrase, a exemplificadora:
O caminho para mudar essa situação passa pela educação do povo, para que sejam
derrubados os pilares que sustentam o preconceito e que também servem de alícerce para
as injustiças sociais, e o principal desses pilares é a ignorância.
Podemos observar que o sujeito busca apresentar, para o bom entendimento do
leitor, um exemplo do que vem a ser “os pilares que sustentam o preconceito e que
servem de alicerce para as injustiças”, ou seja, dentre outros exemplos não
apontados, elege, nesse caso, aquele que, segundo ele, é considerado o principal –
“a ignorância”. Para Ribeiro (2001), a paráfrase exemplificadora, como o próprio
nome indica, tem por objetivo exemplificar a matriz ou enunciado origem, o que
implica uma manifestação do ponto de vista do sujeito. Tem por função
“materializar” o que o argumento busca expressar, e nada mais evidente do que
fazê-lo por meio de exemplos.
Até aqui verificamos o papel da paráfrase e as suas funções enquanto atividade de
elaboração e construção textual destinada ao processo de retomadas/
reformulações textuais, produzidas por um sujeito que dialoga com outros dizeres,
para produzir um novo dito em sua relação com a matriz. Evidentemente, essa
relação não se prende exclusivamente às retomadas e é justamente esse processo
de resgate e de desprendimento que faz da paráfrase uma atividade intertextual de
relevante associação entre o texto matriz e o novo texto.
As paráfrases, desse modo, vão cumprindo o seu papel de elucidar e/ou evidenciar
as funções provocadas pelas estratégias argumentativas realizadas pelo sujeito no
ato de elaboração e construção textual, bem como na sua progressão, enquanto,
produtora de sentidos textuais.
95
TEXTO
B
Os problemas sociais aos quais a população mundial está cada vez mais exposta e
desprotegida são inegavelmente visíveis e perturbadores. Avançamos, claro. Contudo,
algumas questões ainda nos fazem refletir sobre até que ponto nós podemos nos
considerar evoluídos. Analisemos:
Já há algum tempo, o Brasil comanda uma missão de paz no Haiti, praticamente
exterminado por uma guerra civil. Lá, os índices de pobreza são altíssimos, e a miséria não
pára de crescer. No entanto, em meio a toda essa problemática, nota-se um fato ainda
mais alarmante: a pobreza concentra-se entre negros.
Além da miséria a qual estão submetidos, os atos racistas ainda são cometidos
brutalmente.
Trazendo essa questão para territórios brasileiros, notamos pouca diferença. Os índices
de pobreza são muito maiores em regiões onde a etnia negra é predominante. Estatísticas
revelam que, no Brasil, dentre o 1% mais rico da população, 88% são brancos.
Diante de tudo isso, uma pergunta é óbvia: como o Brasil pode liderar uma missão de
paz em territórios alheios levando-se em consideração nossos índices socieconômicos?
Evidentemente, alguns de nossos líderes preferem fechar os olhos a tamanha
incompatibilidade e viver em uma realidade utópica inexistente.
Diferentemente do texto anterior, o sujeito/ autor deste Texto B não elabora a sua
argumentação a partir da dualidade entre brancos e negros, no que se refere à
situação social. O enunciador, aqui, assume o tema proposto: “a injustiça social no
Brasil” a partir da perspectiva mundial. Ao abordar a questão, apresenta a situação
do negro no Haiti para compará-la com a situação do negro no Brasil. Além disso,
esse sujeito acredita nos avanços na resolução dos problemas sociais, apontando a
questão do negro como um dos problemas ainda não resolvidos. Na seqüência da
sua argumentação, inicia o texto colocando a questão da injustiça social dentro de
um quadro mundial, remete ao Haiti, chega ao Brasil, mas ao final do texto
questiona as missões de paz do Brasil a outros países, ou seja, volta à questão
mundial. o sujeito/ autor do Texto A fixa-se na questão do negro no Brasil,
iniciando e finalizando sua argumentação com injunções sobre a Lei Áurea.
Neste Texto B, um dos primeiros fatos que chama nossa atenção é o aspecto
“resumitivo”, que aparece em mais de um ponto do texto, conforme destacamos
abaixo:
No entanto, em meio a toda essa problemática, nota se um fato ainda mais alarmante:
a pobreza concentra-se entre negros.
Trazendo essa questão para territórios brasileiros, notamos pouca diferença.
96
Diante de tudo isso, uma pergunta é óbvia: como o Brasil pode liderar uma missão de paz
em territórios alheios levando-se em consideração nossos índices socieconômicos?
Tais enunciados evidenciam a categoria referenciadora da paráfrase pela sua
capacidade de resumir toda uma discussão realizada anteriormente. Segundo
Ribeiro (2001), a paráfrase referenciadora, em seu caráter resumitivo, cumpre a
função de remeter a um enunciado anterior, no sentido de “fechamento/ amarração/
conclusão” de toda uma discussão. Essa categoria de paráfrase, pelo que
demonstram os dados apresentados, cumpre o encerramento de um ciclo de
discussões que serve tanto para ilustrar uma série de temáticas abordadas quanto
para estabelecer o convencimento a respeito de uma idéia que segue em direção a
uma tese defendida. O “efeito de fechamento” emerge como um processo
avaliativo, ou seja, matizes de subjetividade em torno das escolhas formais e
sintáticas atravessando o processo parafrástico.
No trecho - “em meio a toda essa problemática a expressão “essa
problemática” resume toda a abordagem referente aos problemas sociais, aos
conflitos e aos índices de pobreza apontados como presentes no mundo todo, em
especial, no Haiti, onde o Brasil intervém diplomática e militarmente em uma
missão de “paz”.
Na seqüência, os enunciados “essa questão” e “Diante de tudo isso” conferem
ao novo dito consistência argumentativa, pois o uso dos demonstrativos esse e
isso faz uma incursão intratextual (movimento anafórico). Assim, tais
enunciados evidenciam na categoria referenciadora da paráfrase a sua capacidade
de resumir toda uma discussão anterior.
Entretanto, percebemos que o sujeito, ao optar pela paráfrase referenciadora,
almeja algo que vai além da necessidade de se manter viva uma “discussão”
anteriormente realizada no decorrer da construção textual, ou mesmo o simples
“fechamento/ amarração” de um ciclo de idéias/ argumentos apresentados em
defesa de algo. Com essa estratégia ele estabelece um “projeto de dizer”,
apresentando, logo no argumento posterior, o foco pelo qual deseja conduzir a
argumentação. Por exemplo, quando diz: “em meio a toda essa problemática”,
97
inaugura o argumento posterior: “nota-se um fato ainda mais alarmante: a pobreza
concentra-se entre negros.” O mesmo acontece nos dois outros casos de paráfrase
referenciadora acima apontados em que “essa questão” remete a “notamos pouca
diferença” e “Diante de tudo isso” remete a “uma pergunta é óbvia”.
O sujeito precisa, antes de qualquer coisa, introduzir o assunto para só então poder
retomá-lo no interior do próprio texto. Portanto, primeiro uma “recapitulação”
com a introdução do assunto, para posteriormente acontecer uma possível forma
resumitiva dos fatos. Caso dos exemplos acima.
Desse modo, além dos motivos que levam o sujeito a optar por determinadas
estratégias as retomadas e as reformulações em si dos argumentos podemos
afirmar que há uma confirmação dos fatos investigados nesse corpus, isto é, do
objeto em questão - a atividade parafrástica como instância argumentativa do
sujeito e como produtora de sentidos na interação textual.
Nesse sentido, os dados nos mostram que a paráfrase apresenta um papel
relevante na atividade discursiva do sujeito na escrita, ou melhor, o sujeito recorre à
atividade parafrástica não por mero acaso. Ao contrário, essa atividade exerce um
papel preponderante na elaboração, na construção textual, em outras palavras, na
argumentação que esse sujeito engendra. Trata-se, portanto, de uma atividade
discursiva importante nesse “fazer” textual, em que não se pode negar a
intencionalidade do sujeito.
Um outro tipo de paráfrase referenciadora que se apresenta neste Texto B é a de
retomada da coletânea, tal como acontece no Texto A. Ela se apresenta em dois
trechos, conforme abaixo retomados:
algum tempo, o Brasil comanda uma missão de paz no Haiti, praticamente
exterminado por uma guerra civil. , os índices de pobreza são altíssimos, e a miséria não
pára de crescer.
Estatísticas revelam que, no Brasil, dentre o 1% mais rico da população, 88% são
brancos.
98
No primeiro trecho destacado, a referenciação se pela presença do advérbio
”. Esse trecho faz um diálogo com a coletânea, na medida em que apresenta a
questão do Haiti. o trecho seguinte retoma um dos dados apresentados no
segundo texto da coletânea, quase sem alterar o texto original. A única alteração
ocorre quando o candidato resume o trecho - “indo-europeus e outras etnias
brancas” – por “brancos”.
Nesses casos, o candidato simplesmente estabelece um diálogo com a coletânea,
através da paráfrase referenciadora, cumprindo assim uma das exigências pré-
estabelecidas pela banca de redação do vestibular. Contudo, diferentemente do
que acontece no Texto A, o enunciador desse Texto B aborda a questão da
“injustiça social” de modo global, por isso não se atém à coletânea, enquanto no
Texto A o enunciador parece tratar da questão de maneira polarizada entre brancos
e negros, colocando a “culpanos primeiros. Portanto, a paráfrase referenciadora
não cumpre, nesses casos, a função de retomar um argumento anterior para
avançar em seu “projeto de dizer” como acontece no Texto A, ela apenas
estabelece um diálogo com argumentos da coletânea.
Como dissemos e demonstramos anteriormente, o elo é evidente e, por assim
dizer, obrigatório, que o sujeito precisa abordar de alguma forma os argumentos
propostos ou expostos na coletânea. Tal obrigatoriedade, no entanto, não tolhe a
criatividade e a reorganização textual, podendo (e devendo) inclusive superar a
reformulação base. Para tanto, no Texto B o enunciador recorre, em especial, à
eleição de um argumento pela capacidade resumidora do assunto, ou seja, o
enunciador retoma determinado ponto ou assunto resumindo-o. Em geral, isso se
pela recorrência ao pronome demonstrativo - isso e variáveis -, conforme
discriminamos no capítulo três. Desse modo, feita à inserção do argumento “eleito”
da coletânea, o sujeito, a posteriori, realiza esse aspecto postulado por Ribeiro
(2001), isto é, evidencia o aspecto de caráter resumitivo da paráfrase
referenciadora.
Só foram encontrados, neste Texto B, fatos de paráfrase referenciadora. Isso não é
de se estranhar, que, quando se trata de retomadas e reformulações, a
estratégia argumentativa de base é, sem dúvida, a referenciação (seja de
99
elementos da coletânea, seja de outros elementos do texto). Essa estratégia, como
vimos, também aponta para a utilização da paráfrase como atividade discursiva
realizada pelos sujeitos, ou seja, o movimento a que recorre com o intuito claro de
estruturação e organização textual em seus recuos e avanços na retomada e
reformulação de argumentos. Não se pode dizer que tais construções sejam
aleatórias, pois não um sujeito inconsciente do seu querer dizer, mesmo porque
a “obrigatoriedade” de remissão aos assuntos/ argumentos da coletânea. No
entanto, busca-se realizar essa “obrigatoriedade” de maneira o mais coeso-
coerente possível, em função das condições de produção que se apresentam ao
sujeito, no momento da produção desse tipo de texto.
Essa refererenciação realizada pelo sujeito do Texto B, em geral, apresenta-se,
como destacamos nos exemplos anteriores, como uma eleição e elaboração
daquilo que considera “central” para o seu “projeto de dizer”, isto é, a tese a ser
apresentada ou defendida. Nesse sentido, podemos destacar, com as palavras de
Perelman (1998, p.165), que as escolhas dos sujeitos “[...] incidirão tanto sobre as
teses em que ele apoiar sua argumentação como sobre a maneira de formulá-las”.
Desse modo, o sujeito, ao eleger a questão central a ser parafraseada, elege-a com
fins persuasivos para a possível comprovação do seu “projeto de dizer”.
Podemos mesmo dizer que, no que tange à produção de textos, a atividade
parafrástica apresenta um caráter claramente referencial, uma atividade vista assim
como inerente à modalidade escrita. A paráfrase referenciadora, nesse aspecto de
retomada e reformulação de argumentos da coletânea, assume importância
“capital” no texto. Todavia, entre o “dito” e o “modo” de dizê-lo, os efeitos de
sentido propostos pelo sujeito enunciador.
As discussões empreendidas até aqui procuraram dar visibilidade ao fenômeno da
atividade parafrástica como atividade discursiva, estruturadora e organizadora do
texto. Esses papéis assumidos pela paráfrase e demonstrados nos exemplos do
corpus são recorrentes e salientam que, na elaboração textual, as retomadas criam
novas expectativas argumentativas em relação ao novo dizer quando confrontado
com o que foi exposto, ou seja, por parte dos interlocutores uma inquietação,
se haverá rupturas ou mesmices. Assim, entre o inusitado e o previsível, a
100
paráfrase constitui uma atividade discursiva em que a produção de sentidos se
processa por meio de um novo dizer atravessado por outras vozes. Desse modo,
consideramos que esta explanação seja suficiente para comprovar o papel que a
paráfrase assume na elaboração textual.
5.4
C
ONCLUSÕES DA
A
NÁLISE
Observamos que nos textos do corpus A e B o primeiro ponto latente sobre
o qual voltamos nossas reflexões é em relação à reformulação e às retomadas que
o sujeito faz dos argumentos apresentados na coletânea; uma relação, por assim
dizer, interdiscursiva, conforme requer Maingueneau (2000). A diferença entre os
dois textos analisados foi marcante, o que aponta para fatores de subjetividade
presentes nos textos.
Como dissemos, os dados demonstram que a paráfrase exerce um papel
fundamental na atividade discursiva dos sujeitos, na qual a intencionalidade não
pode ser negada. Desse modo, cremos ficar comprovada a nossa hipótese de que
a paráfrase não é mera atividade repetidora e sim um ato de (re)formulação. Como
também pensamos ter respondido à questão inicialmente levantada sobre o papel
do sujeito na atividade parafrástica: mesmo quando o sujeito/ autor retoma um dado
da coletânea, ele o faz provocando um efeito de sentido diferenciado daquele do
texto matriz.
Entendemos, desse modo, que as retomadas de argumentos anteriormente
expressos trazem acréscimos de sentido, tendo em vista a estratégia ou modo de
abordagem da questão em foco. Desse modo, elementos inerentes à subjetividade
são inseridos no bojo das escolhas realizadas, e nesse caso a paráfrase cumpre
papel importante.
Vale frisar, contudo, que não estamos querendo com isso dar conta da atividade
parafrástica e nem de toda a argumentatividade provocada pelo fenômeno, muito
menos dar conta de todas as funções que a paráfrase pode assumir no texto/
discurso, e nem de sua multifuncionalidade, aporque estamos realizando uma
101
investigação a partir de apenas um lugar – o da escrita; em que analisamos apenas
um gênero - redação de vestibular; e de um ponto de vista o da Lingüística
Textual. A partir desse lugar investigativo por nós assumido, podemos afirmar que
nem sempre a paráfrase apresenta cada função em separado, embora tenhamos
optado por essa via de análise. O modelo por nós adotado é um modelo de caráter
didático, conforme o dissemos; e determinado também pelo gênero em questão.
Não obstante, pudemos observar que no Texto A, a atividade parafrástica pode
ocorrer de modo imbricado, e, desse modo, mais de uma categoria pode ser
depreendida em um único extrato do texto.
Caminhamos até aqui nesta investigação do fenômeno parafrástico
fundamentando-nos na “dialética do mesmo e do outro”. Ao utilizarmos as
categorias propostas por Ribeiro (2001) para observar esse fenômeno, pudemos
demonstrar que, por se tratar de uma atividade interativo-discursa, a paráfrase
apresenta características que determinam diferenças no seu movimento. Por vezes
o sujeito recorre a estratégias explicativas, outras vezes prioriza a exemplificação
ou a explicitação de argumentos. São essas diferenças que se mesclam, por vezes
de forma marcante, outras de forma mais tênue, mas, a nosso ver, determinam os
efeitos de sentido que os sujeitos acabam por produzir na interação textual-
discursiva.
Por isso, acreditamos que essas categorias em muito poderiam contribuir com a
análise/ produção de textos em ambientes escolares porque a partir delas é
possível observar os diferentes movimentos da paráfrase e a sua importância para
os discursos.
Importa lembrar ainda do gênero textual. Nesse caso nos referimos ao gênero
“redação de vestibular”, especificamente da UFES, porque é certo que cada
universidade, cada “banca” de vestibular, busca uma forma de abordagem peculiar.
É certo que se trata de uma questão que, em geral, entram em “jogo” as normas da
gramática normativa, questões de coesão e coerência, clareza, pontuação, dentre
outras. Enfim, trata-se de um gênero tipicamente voltado para a natureza da
linguagem escrita, na qual é exigida toda uma formalidade textual, privilegiando,
desse modo, a norma culta.
102
A interação ou o envolvimento na linguagem oral se dão face-a-face, na escrita,
observa-se que, pelo contrário, um certo afastamento dos atores (escritor/leitor)
e essa interação é revelada, conforme aponta Chafe apud Fávero, Andrade e
Aquino (2003, p.78), “[...]por ocorrências como o uso do pronome de primeira
pessoa, de estratégias de monitoração (pausa, entonação e outras), de partículas
enfáticas (realmente, certamente), do discurso direto e outras”. Enfim, estratégias
que evidenciam que a interação na escrita ocorre pela recorrência a outros meios.
Por conseguinte, essa interação acaba determinada tanto pelo gênero como,
consequentemente, pelas condições de produção referentes a cada modalidade de
uso da linguagem. Por exemplo, a ênfase a um enunciado, que na fala é realizada
pelo simples recurso a entoação vocálica, na escrita é demonstrada pela
recorrência a determinados adjetivos e/ou advérbios.
Trata-se muito mais de diferentes complexidades, como defende Koch (2002c,
p.78), pois fala e escrita possuem características peculiares que lhes são
marcantes: a escrita, por exemplo, depende de maior elaboração, em especial
porque se pode revisar e corrigir o texto. Assim, diferentemente da fala, a escrita,
em geral, apresenta um processo que não é simultâneo, ou seja, o processo e a
realização se dão em tempos diferentes. No entanto, há que se considerar, como
foi dito, o gênero em questão.
A partir da perspectiva teórica aqui assumida, a da argumentatividade; tomando por
base a paráfrase como atividade de um sujeito que intenta efeitos de sentidos
variados; e entendendo o texto como discurso; podemos concluir que a atividade
parafrástica na escrita possui diferenças em relação a sua ocorrência ou uso na
linguagem oral, por causa das condições de produção e, em especial, pela
natureza do gênero envolvido na análise.
Sob esse viés teórico-metodológico, encontramos tanto em Koch (2002c), como em
Hilgert (1999, 2002) e também em Ribeiro (2001) análises de paráfrases em textos
orais, modalidade esta em que as retomadas são muito mais evidentes. O que
nossa análise deixa transparecer é que na linguagem escrita prevalece a paráfrase
referenciadora, que ela é necessária ao bom andamento do texto, ainda que ela
varie de texto para texto, devido à intencionalidade do produtor, conforme a análise
103
do corpus pôde demonstrar. Provavelmente em outros gêneros discursivos da
modalidade escrita outros tipos de paráfrases podem ser mais evidenciados, além
da referenciadora.
Por fim, podemos concluir que é possível assumir uma concepção de paráfrase
num “quadro” contextual que envolve estratégias, meios e negociações, porque,
como diz Bakhtin [1979] (2000, p.282), a língua penetra na vida e a vida na língua.
Enfim, um “quadro” em que intercambialidade, o que implica o reconhecimento
da questão da dialogicidade como constitutiva da linguagem.
104
6
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Esta pesquisa pretendeu realizar um estudo sobre o fenômeno parafrástico com
vistas a sua compreensão em termos de atividade discursiva. Tal propósito se
justifica porque esse fenômeno não tem recebido a importância que lhe cabe no ato
da produção do texto, sendo muitas vezes relegado a uma abordagem mecânica de
transposição léxico-sintática. Desse modo, buscou-se, nesta pesquisa, uma
investigação da paráfrase que apontasse o relevante papel que esse fenômeno
assume na elaboração textual e na orientação argumentativa dos sujeitos
envolvidos na interlocução, posto tratar-se de uma atividade interativa.
Eleitos os objetivos com relação à paráfrase, buscamos estabelecer uma discussão
que elucidasse ou revelasse as características do fenômeno pelo viés
argumentativo, que é inerente, conforme afirma Koch (2002c), a todo ato
comunicativo. Assim, retomamos os estudos parafrásticos tendo em vista observá-
lo pelo viés da argumentação.
Para a construção e/ou elaboração dessa investigação sob o prisma eleito,
recorremos a autores como Koch (2002a,b,c,d, 2006); Fuchs (1982, 1985); Hilgert
(1999, 2002) e Ribeiro (2001). O estudo desses autores é que nos possibilitou
construir o suporte teórico para uma discussão mais ampliada sobre a paráfrase,
ainda que nos focássemos na perspectiva de Koch (2002a,b,c,d, 2006). o
obstante seus estudos terem como objeto privilegiado corpus da linguagem oral,
pautamo-nos em suas investigações, em especial, por causa do aspecto
enunciativo-discursivo por elas evidenciado. A nosso ver, que buscamos uma
compreensão da argumentatividade da paráfrase na escrita, esse aspecto
enunciativo-discursivo implica/ corrobora a compreensão da argumentatividade do
fenômeno parafrástico na escrita.
Optamos, todavia, em privilegiar o viés teórico de Koch (2002c) porque ela realiza
uma abordagem lingüístico-textual. Ao acolher as categorias de Ribeiro (2001), no
momento da análise do corpus, não tivemos dificuldades em manter o referencial
teórico porque ambas defendem o viés argumentativo do fenômeno parafrástico, o
que nos respalda também em relação ao recorte teórico que realizamos. No
105
entrecruzamento dessas perspectivas, sublinhamos que os “jogos de linguagem
que emergem na paráfrase são muito mais plenos de sentidos do que qualquer
recorte imanente da língua. Daí o nosso interesse por esta pesquisa.
Portanto, ainda que os dados apontassem para dimensões as mais variadas da
paráfrase, conforme vimos em Fuchs (1982, 1985) e em Hilgert (1999, 2002),
optamos por uma abordagem lingüístico-textual, tendo essa dimensão como nosso
limite, em função dos objetivos aqui traçados.
Escolhido o corpus, redações de vestibulares da UFES/2006, optamos por uma
análise qualitativa, que pretendíamos demonstrar o papel que a paráfrase
assume enquanto estratégia argumentativa de um sujeito manipulador de sentido.
Essa análise levou-nos a compreender a importância da paráfrase em uma
produção textual, o que nos remeteu diretamente a questões relativas ao trabalho
com as produções de textos em salas de aula. Aporque observamos que essa
temática da paráfrase é pouco ou nada abordada nos manuais didáticos.
Considerando que poucos trabalhos teóricos têm se voltado para a compreensão
da atividade parafrástica em textos escritos, seu papel e seu funcionamento,
esperamos que este nosso trabalho de algum modo possa contribuir para essa
reflexão, tendo em vista, em especial, a subjetividade envolvida na estratégia
argumentativa escolhida pelo sujeito no ato da produção textual, que foi a questão
central de nossa pesquisa. Especialmente, porque em estudos voltados para
abordagens tradicionalmente formais da paráfrase o papel ou presença do sujeito
ou é negado ou relegado a um plano secundário.
Sem a pretensão de que as reflexões aqui empreendidas nem de longe esgotem o
campo de possibilidades que o tema proporciona; pelo contrário, acreditamos que
elas constituem apenas um prólogo de uma discussão mais abrangente acerca da
argumentação e da produção de sentidos, deflagradas pelos jogos de linguagem,
pois, na relação língua(gem)-mundo-sujeito, parafraseando Possenti (2001, p.69),
muito mais sentidos e efeitos de sentidos circulando na interação do que possa
imaginar a nossa lingüística das formas.
106
Digressões a parte, fiquemos com Kristeva (1974, p.60) na defesa de que:
“Qualquer texto se constrói como um mosaico de citações e é a absorção e
transformação de um outro texto”, sendo que a paráfrase ocupa um papel
importante como uma das estratégias que propõe esse movimento argumentativo
dos textos.
107
7 R
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ROCHA LIMA, C. H. Gramática normativa da ngua portuguesa. 38. ed. Rio de
Janeiro: José Olímpio, 2000. p. 231-508.
111
APÊNDICE
A
LEITURA
COMPLEMENTAR
ARROJO, R. A tradução como paradigma dos intercâmbios intralinguísticos. In:
_____. O texto: leitura e tradução. ALFA: Revista de Lingüística. São Paulo, p.67-
80, 1992.
BARBOSA, H. G. Procedimentos técnicos da tradução: uma nova proposta. 2.
ed. São Paulo: Pontes, 2004.
BLUMENSCHEIN, E. C. Paráfrase e compreensão de textos: alguns aspectos.
1997. 105f. Dissertação (Mestrado em Semiótica e Lingüística Geral) Programa
de Pós-Graduação em Semiótica e Lingüística Geral, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 1997.
COSTA VAL, M. da G. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
KATO, M. A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. São Paulo:
Ática, 1986.
MOURA, A. B. N. A paráfrase e o cotidiano metalingüístico: proposta de
abordagem. Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa) Programa de Pós-
Graduação em Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
1993.
PARÁFRASE. In: GREIMAS, A. J.; COURTES, J. Dicionário de semiótica.
Tradução de Alceu Dias Lima et al. São Paulo: Cultrix, 1979. p. 325-326.
ROJO, Roxane. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e
aplicadas. In: MEURER, J. L.; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, sirée. (Org.).
Gêneros: Teorias, Métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. 184-
207.
______. Oral e escrita em sala de aula: letramento escolar e gêneros do discurso.
In: II Congresso Nacional da ABRALIN: [s.d.], Anais... Florianópolis: ABRALIN,
[s.d.] CD-ROM. f. 1-9.
ROMANO, A. S. Paródia, paráfrase e cia. 3. ed. São Paulo: Ática, 1988.
SAID, E. W. On repetition. The World the text and the Critic. Cambridge: Harvard
University Press, 1983.
112
ANEXO
01
TEXTO
A
113
114
ANEXO
02
TEXTO
B
115
Livros Grátis
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