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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
EM ESTUDOS LINGÜÍSTICOS
MÔNICA LOPES SMIDERLE DE OLIVEIRA
A IRONIA COMO PRODUÇÃO DE HUMOR E CRÍTICA
SOCIAL: UMA ANÁLISE PRAGMÁTICA DAS TIRAS DE
MAFALDA
VITÓRIA
Março 2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
EM ESTUDOS LINGÜÍSTICOS
A IRONIA COMO PRODUÇÃO DE HUMOR E CRÍTICA SOCIAL:
UMA ANÁLISE PRAGMÁTICA DAS TIRAS DE MAFALDA
ORIENTADORA
PROFª. DRª. MARIA DA PENHA PEREIRA LINS
VITÓRIA
Março 2008
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3
Dados Internacionais de Catalogação-na-
p
ublicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Oliveira, Mônica Lopes Smiderle de, 1981-
O48i A ironia como produção de humor e crítica social : uma análise
pragmática das tiras de Mafalda / Mônica Lopes Smiderle de Oliveira.
2008.
130 f. : il.
Orientadora: Maria da Penha Pereira Lins.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,
Centro de Ciências Humanas e Naturais.
1. Ironia. 2. Histórias em quadrinhos. 3. Humorismo. 4. Pragmática. I.
Lins, Maria da Penha Pereira. II. Universidade Federal do Espírito Santo.
Centro de Ciências Humanas e Naturais. III. Título.
CDU: 80
4
A IRONIA COMO PRODUÇÃO DE HUMOR E CRÍTICA SOCIAL: UMA
ANÁLISE PRAGMÁTICA DAS TIRAS DE MAFALDA
MÔNICA LOPES SMIDERLE DE OLIVEIRA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação stricto sensu em Estudos Lingüísticos
PPGEL, do departamento de Línguas e Letras,
da Universidade Federal do Espírito Santo, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Estudos Lingüísticos.
ORIENTADORA: PROFª. DRª. MARIA DA PENHA PEREIRA LINS
Vitória
Março 2008
5
6
Dedico o fruto de tanta garra,
dedicação e felicidade, a pessoas que
sempre estiveram comigo: A minha
família, em especial, minha mãe,
exemplo de coragem e determinação.
Meu esposo, Israel, que me apoiou
incondicionalmente, a Simone e a
Sibely. Amo vocês.
7
AGRADECIMENTOS
Obrigada Deus Pai por SEMPRE sentir sua presença e proteção e por ter me
abençoado e preparado pessoas iluminadas para me ajudar na realização deste
trabalho.
Obrigada minha abençoada família por acreditar tanto em mim. Principalmente
minha querida mãe, Simone, minha irmã, Altamiro e meu esposo, Israel, que
sempre estiveram ao meu lado, me apoiando. A Sibely, anjo de luz, de pureza, de
alegria, que muitas vezes, mesmo sem saber, recarregou minhas baterias quase
esgotadas.
Obrigada Penha Lins, minha querida e competente orientadora que acreditou em
meu trabalho, a ela devo também minha iniciação nesse mundo de pesquisas.
Obrigada pelo brilho dos seus comentários e pela amizade com que me honrou,
pois foram fundamentais nessa etapa de minha vida.
Obrigada aos professores do Mestrado que direta e indiretamente me ajudaram e
sempre demonstraram dispostos a me ouvir. Principalmente, os professores
Luciano Vidon e Lílian de Paula pelas valiosas sugestões no momento da
qualificação.
À professora Drª. Ingedore G. Villaça Koch pela participação na banca de defesa
deste trabalho.
Às amigas preciosas que conquistei e que contribuíram para que estes anos de
estudos fossem também cheios de boas conversas e de boas risadas: Kátia,
Joseane, Marcela, Ilioni, Karen, Ludmilla, Ruth, Arlene, Luciana, Tatyana, Elaine,
Celi, Emanuelly. Foi muito bom contar com vocês.
Agradeço, tamm, às minhas amigas Ludmila e Daniela que deram grandes
sugestões ao ler este trabalho.
8
À Shirley pela contribuição na elaboração do abstract.
E ao Sistema Findes pelo apoio financeiro dado a esta pesquisa.
9
OLIVEIRA, Mônica Lopes Smiderle de. A ironia como produção de humor e crítica
social: uma análise pragmática das tiras de Mafalda. Universidade Federal do
Espírito Santo. DLL-PPGEL. 2008. Dissertação de Mestrado em Estudos
Lingüísticos.
RESUMO:
Esta dissertação tem como objetivo analisar o humor e a ironia veiculados através
da linguagem de Mafalda, personagem das tiras em quadrinhos de Quino.
Partindo da noção de ironia como uma afirmação de algo diferente do que se
deseja comunicar, na qual o emissor deixa transparecer uma afirmação contrária
por meio do contexto situacional ou entonação e observando três teorias da
Pragmática: as máximas conversacionais do Principio da Cooperação (Grice,
1975), a Teoria da Relevância (Sperber e Wilson, 1986, 2005) e Atos de Fala
(Austin 1990, e Searle 1969), serão analisadas dezesseis tiras de quadrinhos,
protagonizadas por Mafalda, para mostrar como a estratégica irônica produz
humor e crítica social.
Palavras-chave: Ironia, humor, quadrinhos, Pragmática.
10
OLIVEIRA, Mônica Lopes Smiderle de. A ironia como produção de humor e crítica
social: uma análise pragmática das tiras de Mafalda. Universidade Federal do
Espírito Santo. DLL-PPGEL. 2008. Dissertação de Mestrado em Estudos
Lingüísticos.
Abstract:
This dissertation aims to analyze the humor and the irony conveyed through
Mafalda´s language, Quino´s comic strips personage. Setting out from the notion of
irony as a statement of something different from what one wishes to communicate,
in which the emitter lets a hint of a contrary statement by the situational context or
by the intonation, and observing the three Pragmatic theories: the conversational
maxims of the Cooperative Principle (Grice, 1975), the Relevance theory (Sperber
e Wilson, 1986, 2005) and Speech Acts theory (Austin 1990, e Searle 1969), to
analyse sixteen comic strips, protagonized by Mafalda, to show how the irony
strategic produces humor and social critique.
Keywords: Irony, humor, comics, Pragmatics
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................14
CAPÍTULO I
1. ESTUDOS SOBRE HUMOR.......................................................................17
1.1 Bregson: O Riso..........................................................................................18
1.2 Freud: Os Chistes.......................................................................................22
1.3 Propp: A comicidade e o riso......................................................................26
1.4 Raskin: Os mecanismos semânticos do humor...........................................30
1.5 Possenti: Os humores da língua ................................................................32
1.6 Lins: Os alinhamentos e enquadres em Mafalda........................................35
CAPÍTULO II
2. ESTUDOS SOBRE IRONIA........................................................................39
2.1 A ironia........................................................................................................39
2,1,1 A definição clássica de ironia..................................................................39
2.1.2 A ironia romântica ...................................................................................42
2.1.3 A ironia freudiana.....................................................................................44
CAPÍTULO III
3. CONCEPÇÕES PRAGMÁTICAS................................................................47
3.1 Noções de Pragmática................................................................................47
3.1.1. Austin e Searle: A caracterização da ironia como ato de fala.................50
3.1.2. Grice: A ironia e a implicatura.................................................................57
3.1.3. Sperber e Wilson: A ironia e a relevância...............................................62
CAPÍTULO IV
4. O GÊNERO QUADRINHOS........................................................................69
4.1 A constituição dos gêneros quadrinhos.......................................................69
4.2 Mafalda: contexto sócio-politico-ideológico.................................................75
CAPÍTULO V
5. METODOLOGIA E DADOS..........................................................................79
5.1 As tiras analisadas......................................................................................79
12
5.2 Método de análise.......................................................................................80
CAPÍTULO VI
6. A IRONIA COMO ESTRATÉGIA DE HUMOR E CRÍTICA SOCIAL NAS
TIRAS DE MAFALDA.......................................................................................81
6.1 Análise das tiras..........................................................................................81
6.1.1 Mafalda e o questionamento sobre a ditadura.........................................84
6.1.2 Mafalda e o questionamento sobre o mundo...........................................89
6.1.3 Mafalda e o questionamento do papel da mulher....................................93
6.2 A ironia e a violação de máximas................................................................98
6.2.1 Violação da máxima da qualidade...........................................................98
6.2.2 Violação da máxima da quantidade.......................................................100
6.2.3 Violação da máxima da relevância.........................................................100
6.2.4 Violação da máxima do modo................................................................101
6.3 A ironia e a Relevância..............................................................................102
6.4 A ironia e o ato de fala irônico...................................................................111
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................119
8. REFERÊNCIAS................................................................................................121
13
O que eu penso de Mafalda não
importa. Importante mesmo é o que a
Mafalda pensa de mim.
lio Cortazar, 1973
14
INTRODUÇÃO
Há duas perguntas que nortearão todo o desenvolvimento deste trabalho de
pesquisa: O que faz com que um enunciamento irônico seja produtor de humor e
ao mesmo tempo de crítica social? Com que propósito alguém faz uso desse
recurso?
O presente estudo tem, então, por objetivo mostrar como a ironia se torna um
importante veículo para a produção de crítica e humor nas tiras de quadrinhos.
Para isso, serão analisadas 16 tiras de Mafalda para mostrar como a fala irônica é
construída na intenção comunicativa da personagem ao fazer uma ironia.
A ironia e o humor podem ser considerados como atitudes comunicativas muito
similares, que, em certas ocasiões, podem se combinar e se complementar em um
mesmo enunciado. Pode-se afirmar que tanto a linguagem humorística quanto a
irônica têm como princípio básico os jogos de sentido, porque essas duas
linguagens são capazes de propiciar prazer aos participantes da interação, além
do que são recursos que permitem ao locutor dizer implicitamente o que não
poderia ser dito explicitamente.
Sabe-se que o humor irônico tem por característica provocar não só o riso, mas
tamm a crítica; pois, quando se ironiza algo, o riso surge porque há a crítica, a
ridicularização do outro, tornando-o inferior em relação ao produtor da crítica.
Então, para entender melhor o funcionamento do humor, no primeiro capítulo,
serão descritos alguns estudos conhecidos acerca desse tema. Diferentes são as
perspectivas e as abordagens sobre o tema, porém todos têm um objetivo comum:
o motivo do homem ser o único animal capaz de rir e provocar o riso de forma
consciente. Nessa perspectiva, serão resenhados os estudos de seis autores:
Bergson (1983 [1900]), Freud (1969 [1905]), Raskin (1944), Propp (1992[1976]),
Possenti (1998) e Lins (2002) para melhor explicar o processo de construção do
humor.
15
No segundo capítulo, será feita uma revisão bibliográfica sobre a ironia, partindo
dos estudos feitos por Kierkegaard (2006 [1841]) acerca do conceito de ironia
clássica desenvolvida por Aristóteles e Sócrates, também será feita menção à
ironia romântica e à ironia freudiana, definida como o resultado de um conjunto de
procedimentos discursivos que podem revelar-se via um chiste, uma anedota, uma
conversa. Não se pode deixar de mencionar que Brait (1996), será de grande
auxílio na construção desse capítulo, pois realiza uma abordagem da ironia nas
áreas da filosofia, psicologia, sociologia, literatura e da lingüística.
No terceiro capítulo, serão explicitadas as noções da Pragmática que serão
utilizadas na análise do corpus selecionado. Para isso, serão apresentadas três
teorias contempladas pela disciplina: as máximas conversacionais e a noção de
implicatura de Grice (1975), os pressupostos teóricos da Teoria da Relevância de
Sperber e Wilson (1986), e a noção de ato de fala elaborada por Austin (1990) e
Searle (1969).
No quarto capítulo, serão expostas algumas considerações sobre o gênero
quadrinhos, uma vez que são tiras de quadrinhos que compõem o corpus desse
trabalho. Os quadrinhos são pequenas narrativas que interligam texto escrito com
imagem, ampliando, assim, a compreensão do fato ocorrido (Rama e Vergueiro,
2004). Além disso, serão analisados os outros componentes que constituem os
quadrinhos, como balões, os tipos diferentes de letras, as onomatopéias e as
linhas de movimento. E, também, será observado o contexto sócio-politico-
ideológico da época em que as tiras de Mafalda foram publicadas.
A opção por esse gênero se deu pelo fato de os quadrinhos serem textos
extremamente ricos para a análise lingüística, pois versam sobre os mais variados
temas e trabalham com a linguagem que é oral e ao mesmo tempo escrita. É oral
porque é um personagem que está falando por meio da representatividade do
balão que é escrito.
16
No quinto capítulo será explicitada a metodologia utilizada para a análise das tiras,
como tamm serão informadas a natureza do corpus e a seleção dos dados.
No capítulo sexto, serão analisadas dezesseis tiras de autoria do argentino Quino,
publicadas no livro Toda Mafalda, com vista a explicar como se processa a
produção do humor e da ironia.
No capítulo sete, serão apresentadas as considerações finais e no oitavo as
referências.
17
CAPÍTULO I
1. ESTUDOS SOBRE HUMOR
Humorismo é a arte de fazer cócegas no raciocínio dos outros.
Leon Eliachar
Neste capítulo será feita uma revisão sucinta dos conceitos básicos dos estudos
do humor. A fim de proporcionar uma vio mais completa do panorama que
compreende a linguagem humorística, serão visitados os seguintes estudos:
Bergson (1983)
1
, que considera o que é o riso e como ocorre. O riso pode ser
demonstração de algo que se acha engraçado ou uma espécie de castigo, pelo
qual se corrigem desvios ocorridos dentro das normas rígidas de comportamento
sob as quais os seres humanos vivem.
Outro autor estudado é Freud (1969)
2
, que vê o humor do ponto de vista
psicanalítico, focalizando os chistes. O que primeiro lhe chamou a atenção foi a
similaridade dos mecanismos de elaboração do humor com os mecanismos que
assinalou nos sonhos.
Ainda serão vistos os estudos de Raskin (1985) que tem um papel de grande
importância nos estudos de humor. Para ele, o humor é uma forma de
comunicação social, é a habilidade de fazer julgamento relativo ao que é ou não
engraçado. Raskin (1985) adapta os atos de fala (Searle, 1969) para o ato de fala
de humor. Cada ato de fala de humor ocorre em uma determinada cultura
pertencente a uma determinada sociedade. O autor traz à tona os termos de
humor não intencional e humor intencional; o primeiro é espontâneo e percebido
como engraçado; o segundo, artificial, estereotípico, intelectual, criado para fazer
1
O autor elaborou o livro: O Riso: Ensaio Sobre a Significação do Cômico em 1900, porém foi usada a
edição de 1983.
2
Freud desenvolve o livro: Os chistes e sua relação com o inconsciente, em 1905, porém será utilizada a
edição de 1969.
18
rir. Outra adaptação feita por Raskin, foi a do Princípio da Cooperação (PC) de
Grice (1975, 1982) que mostra que uma comunicação bona-fide é governada pelo
PC e uma comunicação não-bona-fide, que tem o propósito de criar uma
expectativa diferente da verdade, cria um efeito especial com objetivo de fazer o
ouvinte rir ou inferir alguma situação.
Nessa revisão bibliográfica, tamm serão observadas as reflexões de Propp
(1992)
3
que descreve a natureza do cômico, a psicologia do riso e suas formas de
percepção. A comicidade é vista não pela contraposição ao trágico e ao sublime,
mas pela sua própria evidência.
Ainda, será focalizado o que Possenti (1998) descreve sobre os mecanismos
lingüísticos geradores do humor nas piadas, enfatizando as técnicas e aspectos
lingüísticos e discursivos determinantes da leitura desse gênero.
E, por fim, Lins (2002) ampliará a discussão do tema mostrando como a noção de
alinhamentos e enquadres são responsáveis na produção de humor nas tiras de
Mafalda.
1.1 Bergson: O Riso
Bergson (1983) inicia sua reflexão com perguntas bastante sugestivas, como “o
que significa o riso?”, “o que haverá no fundo do risível?”, “o que haverá de
comum entre uma careta de bufão, um trocadilho, um quadro de teatro burlesco e
uma cena de comédia?” Todas essas perguntas levam o autor à explicação do
surgimento do riso. Para haver o riso, é preciso obedecer a três regras básicas:
primeira, que apenas o homem é capaz de rir; segunda, a sensibilidade nunca vai
3
O autor elaborou o livro: Comicidade e Riso em 1976, porém foi usada a edição de 1992.
19
estar associada ao cômico; e terceira, o riso vai estar sempre dentro de um
contexto social.
Pela primeira regra, o autor afirma que “não há comicidade fora do que é
propriamente humano”, por mais bela ou feia que seja uma paisagem, ela não terá
graça. O ser humano só ri de algo que possui características humanas, ri de
algum animal porque vê nele traços humanos, ri de uma roupa porque alguém a
está vestindo, pois se ela estivesse isolada não seria motivo de riso.
Pela segunda regra, é mostrado que a insensibilidade acompanha naturalmente o
riso, ou seja, o homem só ri de algo com que não está envolvido emocionalmente,
ou, então, se esquece temporariamente da afeição que sente por alguém, por
exemplo: quando uma pessoa estranha cai, o riso surge naturalmente, porém se a
pessoa for conhecida, tenta-se não sorrir, porque há o sentimento de
solidariedade com a situação, ajudando a pessoa e não rindo dela. Mas, às vezes,
o riso surge, não porque o homem é insensível, mas porque é algo natural do ser
humano: rir do que está fora do “normal”.
Pela terceira regra, o autor declara que “o nosso riso é sempre o riso de um
grupo”, o homem ri quando alguém conta uma piada, por exemplo, para fazer
parte daquele grupo, fazendo um acordo de cumplicidade para ser aceito. Por
fazerem parte de um grupo, muitos efeitos cômicos são difíceis de ser traduzidos,
pois traduzir uma piada, por exemplo, não quer dizer traduzir palavras, mas
costumes e idéias de uma sociedade.
Declara, ainda, que o cômico é um fenômeno social e o homem, sendo
essencialmente social, é o único que pode tanto ser alvo do cômico como seu
criador. Então, falar emmico é falar sobre os homens, sejam eles bons ou
maus.
20
Já o riso, para o autor, é, portanto, uma espécie de gesto social que reprime as
excentricidades e procura corrigir certa rigidez do corpo, do espírito e do caráter
que a sociedade gostaria de eliminar dos seus membros. É um aviso para que a
pessoa fique atenta para não cometer o mesmo erro.
Assim, o riso é “verdadeiramente uma espécie de trote social, sempre um tanto
humilhante para quem é objeto dele”. Ri-se de tudo que é considerado feio,
ridículo e deformável, tudo o que está fora do padrão dito “normal”. Como mostra o
autor: “É incontestável que certas deformidades têm, sobre as demais, o triste
privilégio de poder, em certos casos, provocar o riso”. (Bergson, 1983:30) O ato de
rir parece transformar-se num ato quase de crueldade. Parece que sempre se ri do
defeito do outro, do que ele tem de mais frágil.
Desse modo, o autor mostra que rir de alguém é aplicar um castigo: o da
humilhação pública, e é também afirmar a superioridade de quem o inflige, já que
"o que ri afirma-se mais ou menos orgulhosamente ele próprio". Rindo, não só se
direciona agressividade a um alvo vulnerável, como passa-se a fazer parte
integrante de uma sociedade que legitima e encoraja tal comportamento:
O riso é, antes de tudo, uma correção. Feito para humilhar, deve dar à
pessoa que é objeto dele uma impressão penosa. Através dele se vinga
a sociedade das liberdades praticadas para com ela. (...) O riso castiga
certos defeitos pouco mais ou menos como a doença castiga certos
excessos, apanhando inocentes, poupando culpados. (...) Neste sentido,
o riso não pode ser absolutamente justo. E repitamos que também não
pode conter bondade. Tem por função intimidar, humilhando. (Bergson,
1983:65)
A teoria bergsoniana mostra, tamm, a comicidade das formas e movimentos:
“Atitudes, gestos, formas e movimentos do corpo humano são risíveis na exata
medida em que esse corpo nos leva a pensar em um simples mecanismo”.
Pode-se afirmar que o riso surge através dos movimentos que se repetem e que
estão fora da norma. Bergson declara que a imitação causa o riso porque, quando
21
se imita, se extrapola o gesto normal, levando ao exagero e ao riso, além do que a
imitação dos gestos já é risível por si mesma.
O filósofo vai buscar na infância, depositária da maioria dos sentimentos alegres,
as leis fundamentais do cômico. “A comédia é um brinquedo, brinquedo que imita
a vida”. É observando os brinquedos infantis: o boneco de mola; o fantoche a
cordões; a bola de neve, que o filósofo elabora os quatro processos fundamentais
do riso: a repetição, a inversão, a interferência de séries e a transposição.
A repetição é uma combinação de circunstâncias, que se repetem exatamente em
várias ocasiões, sempre da mesma forma, como um clichê, ou então, um fato que
se tornou risível. A repetição é o processo predileto da comédia clássica, que
arruma os acontecimentos de modo que uma cena se reproduza em situações
idênticas.
A inversão é a representação do mundo às avessas. É a inversão de papéis
sociais, como filho dando lição de moral aos pais, ou o aluno ensinando ao
professor, ou, então, um acusado ensinando um juiz a dar a sentença.
O terceiro processo fundamental do riso é a interferência de séries, que ocorre
quando uma situação pertence ao mesmo tempo a duas séries de fatos
absolutamente independentes e que possa ser interpretada simultaneamente em
dois sentidos diferentes. É o caso do trocadilho, em que a frase parece apresentar
dois sentidos independentes, mas aparente.
O quarto é a transposição, que traz um acontecimento do passado para o
presente. O autor afirma que os meios de transposição são “numerosos e
variados, a linguagem apresenta uma rica seqüência de tons, permitindo, assim, à
comicidade passar por uma gama infindável de graus, desde o burlesco até a
ironia”. Desses tons, o autor cita dois: o solene e o familiar. A transposição do
22
solene para o familiar gera a paródia, essa apresenta uma idéia, antes respeitada,
como criticada, exagerada ou engraçada. Esse exagero é que leva ao riso.
Portanto, segundo Bergson, o riso não pode ser absolutamente justo, nem bom,
ele tem por função intimidar, humilhando, pois a sociedade é naturalmente assim,
competitiva e maldosa, o riso só a reflete.
1.2 Freud: os chistes
Freud (1969) afirma que um chiste é algo cômico do ponto de vista inteiramente
subjetivo, porque se liga à atitude humana. Mostra que a característica distintiva
do chiste é a ação, o comportamento ativo do sujeito, portanto o cômico surge de
algo que é realizado pelo individuo. O pai da psicanálise mostra que a comicidade
surge através do feio, do pouco notado, do que gera graça, nascendo, assim, a
caricatura.
O autor ainda mostra que o efeito cômico dos chistes deriva de um desconcerto e
esclarecimento e para isso cita um exemplo de chiste sobre o Barão Rothschild,
que, por ser muito rico, todos o tratam familionariamente, explicando que o Barão
foi recebido com uma familiaridade e acrescido “do tempero milionário”. Freud faz
algumas indagações acerca desse enunciado: o que faz com que esse exemplo
se torne chiste? Qual é a técnica? O que acontece ao pensamento para torná-lo
um chiste que nos faz rir? O autor explica, mostrando que ocorrem dois fatores
para tornar esse chiste engraçado; primeiro, ocorre uma considerável abreviação:
familiarmente + milionário = familionariamente. Essa redução elimina o chiste pela
mudança do modo de expressão, o sentido original completo que decerto pode ser
inferido de um bom chiste, tornando-se um trocadilho. Segundo, é a brevidade do
chiste. Essa brevidade é freqüentemente o resultado de um processo particular
que deixa um segundo vestígio de verbalização: a formação de um substituto.
Para a elaboração dos chistes, o psicanalista mostra as seguintes técnicas:
23
I técnica da condensação:
(a) com formação de palavra composta;,
(b) com modificação;
II Múltiplo uso do mesmo material:
(c) como um todo e suas partes;
(d) em ordem diferente;
(e) com leve modificação;
(f) com sentido pleno e sentido esvaziado;
III Duplo sentido:
(g) significado como um nome e como uma coisa;
(h) significados metafóricos e literal;
(i) duplo sentido propriamente dito (jogo de palavras);
(j) double entendre;
(k) duplo sentido com uma alusão.
Assim, pode-se perceber que a técnica de condensação se refere à economia. Já
a técnica do uso múltiplo do mesmo material faz referência a um caso especial de
condensação, porque o jogo de palavras é nada mais do que uma condensação
sem formação de substitutivo. O duplo sentido é, na verdade, o único caso ideal
de uso múltiplo do mesmo material e múltiplo uso de modificação. Essas
variedades e esses números de técnicas têm um efeito desconcertante, como
mostra o autor:
Pode fazer-nos sentir perturbado por nos devotarmos à consideração
dos métodos técnicos dos chistes, tanto como pode despertar-nos a
suspeita de que afinal exageramos a importância destes como meio de
descobrir a natureza essencial dos chistes. (Freud, 1969:32)
24
Além dessas técnicas, o autor acrescenta, ainda, como técnica dos chistes, a
representação pelo contrário. Os chistes fazem uso de seu oposto para
produzirem humor.
É importante ressaltar que os chistes podem ser divididos em inocentes e
tendenciosos. De acordo com a teoria freudiana, os chistes inocentes são mais
valiosos que os tendenciosos, pois aqueles colocam o problema do chiste em sua
forma mais pura, “já que com eles se evita o perigo de sermos confundidos por
seu propósito ou equivocados em nosso julgamento por seu bom senso”. Já, o
chiste tendencioso requer três pessoas: além da que faz o chiste, deve haver uma
segunda pessoa que é tomada como objeto de agressão hostil ou sexual e uma
terceira, que seria um expectador com a função de rir. As anedotas pessimistas
em relação aos judeus fazem parte do chiste tendencioso.
Esse tipo de chiste tem a seu dispor fontes de prazer, além daquelas abertas aos
chistes inocentes, nos quais todo prazer está de algum modo figurado no outro,
rimos do outro e não de nossas falhas. Um chiste permite explorar no inimigo algo
de ridículo que não poderia ser tratado aberta ou conscientemente, devido à
pressão imposta pela sociedade; então, ele se tornará fonte de prazer e de
vingança.
Sabendo que o homem é um incansável buscador de prazer e vê no humor uma
indicação desse prazer, Freud explica que essa sensação tem duas fontes: a
técnica e os propósitos dos chistes. No caso dos chistes tendenciosos, o prazer
procede da satisfação de um propósito de ridicularizar o outro e, no caso dos
chistes inocentes, são as próprias técnicas que constituem suas fontes. A
redescoberta do que é familiar é outro recurso de proporcionar prazer ao ouvir um
chiste.
Na visão do psicanalista, o prazer procede de uma economia de sentimento, isto
é, com algum afeto desprazeroso. O riso é o resultado visível da economia da
25
compaixão, o homem ri quando o outro faz algo de errado. As espécies de humor
são variadas de acordo com a natureza da emoção economizada em favor do
humor: compaixão, raiva, dor, ternura, etc.
Na mesma direção, Freud (1969: 257) diz que "o humor é o meio de obter prazer
apesar dos afetos dolorosos que interferem com ele; atua como um substitutivo
para a geração desses afetos, coloca-se no lugar deles (...)” O prazer do humor
revela-se ao custo de uma liberação de afeto que não ocorre: procede de uma
economia na despesa de afeto", portanto o humor negro é caracterizado como
uma forma dura e sem sentimentalismo, como uma economia de emoção e de
compaixão, mostrando que não existem limites para a prática de contar piadas
que envolvem ódio, inveja, medo, etc.
Perez, Ramos e Oliveira (2002) exemplificam esse tipo de humor com a seguinte
piada:
- De quem é este narizinho? - diz o moço apaixonado pela namorada.
- Agora é seu! - responde a namorada leprosa.
Ao ler esta pequena piada, o riso não consegue ser controlado, ele vem de forma
espontânea e incontrolável, apesar de ser uma piada de humor negro. Mas logo
em seguida ocorre uma mistura, o sentimento de culpa e pena pelo riso. É esta
falta de afeto, essa suspensão da emoção que faz rir primeiro e depois sentir
compaixão que é analisada por Freud e Bergson como já foi visto. Talvez o riso
não fosse tão espontâneo, se o texto fosse mudado, de modo que a referência à
moça leprosa ficasse no início do texto e não no final, assim:
- De quem é esse narizinho? - pergunta o rapaz apaixonado à namorada
leprosa.
- Agora é seu! – responde.
26
Esses autores constatam que o riso parece permanecer mesmo deslocando parte
do gatilho para o início. O que esse deslocamento mostra é que sem a
competência enciclopédica por parte do leitor/ouvinte, o significado cômico de uma
piada como esta se perderia. É essa competência que lhe fornece o conhecimento
que não está explícito no texto de que leprosos perdem, por causa da doença,
pedaços de dedos, orelhas e narizes. O riso se daria justamente pela quebra do
script romântico introduzido pela pergunta do namorado e sua substituição pelo
script trágico da doença.
Um outro aspecto a ser comentado nos estudos freudianos é o cômico dos
movimentos. Como o homem pode rir de alguns movimentos e de outros não?
Achar engraçado os movimentos do palhaço porque são extravagantes e
inconvenientes, porém não achar graça quando uma criança está escrevendo,
mas se ela acompanha o movimento do lápis com a língua, poderá surgir a graça.
Mas por que há humor nesses movimentos extravagantes? Simplesmente,
porque há graça em tudo que foge do “padrão”.
É interessante, ainda, notar que Freud cita Bergson para explicar que o cômico
surge devido à mecanização da vida, como acontece na repetição. O psicanalista
afirma que Bergson acredita que o riso está ligado à repetição, à transposição, à
inversão de papéis e à interferência em série. Além disso, Freud subscreve outro
dos princípios defendidos por Bergson, como a psicogênese do humor na infância
e as suas relações com o sonho. O riso é, neste sentido, causado por uma
descarga da energia psíquica investida, até esse momento, num processo que se
torna desnecessário, como quando uma expectativa intelectual se revela
excessiva, ou quando um sentimento que recalcamos encontra inesperadamente
via de escape. Ou seja, o prazer que o ser humano sente ao rir advém da
libertação de energia ou tensão inutilmente acumulada, que se dissipa nos
espasmos da gargalhada, a que corresponde uma economização precoce do
esforço de contenção.
27
1.3 Propp: a comicidade e o riso
Segundo Propp (1992), a comicidade costuma estar associada ao descobrimento
dos defeitos, dos segredos e dos manifestos, daquele ou daquilo que suscita o
riso. A comicidade decorre de uma contradição entre a forma e o conteúdo, a
aparência e a essência.
O autor cita Aristóteles para explicar o que é o cômico e informa que foi Aristóteles
quem considerou o humor como próprio do homem. O cômico é a justaposição do
trágico e do sublime. Trágico porque quase sempre surge num momento em que
algo de inesperado acontece, como uma queda, por exemplo, e sublime, porque
pode surgir no momento de alegria e felicidade. Foi Aristóteles, também, que teria
dito que o humor é uma forma de escarnecer do que ou de quem é considerado
baixo, inferior, por um defeito físico ou moral; por isso, quando alguém que
pertence à elite se veste de uma determinada forma que está fora da moda, as
pessoas não acham graça, mas se a mesma roupa for usada por uma pessoa de
nível mais baixo, será motivo de chacota.
Convém ressaltar que esse estudioso parte do pressuposto de que o riso e o
cômico não são algo abstrato, pois o homem ri e isso faz parte do comportamento
humano. Para definir o riso, cita o teórico e historiador soviético da comédia
cinematográfica R. Iurêniev
O riso pode ser alegre ou triste, bom e indignado, inteligente e tolo,
soberbo e cordial, indulgente e insinuante, depreciativo e tímido,
amigável e hostil, irônico e sincero, sarcástico e ingênuo, terno e
grosseiro, significativo e gratuito, triunfante e justificativo, despudorado,
e embaraçado. Pode-se ainda aumentar esta lista: divertido,
melancólico, nervoso, histérico, gozador, fisiológico, animalesco. (R.
Iurêniev, apud Propp 1992:50)
Propp (1992) desenvolve a idéia de que os diferentes aspectos do riso
correspondem aos diferentes tipos de relações humanas, ou seja, o riso está
28
ligado à forma com que tratamos ou julgamos as pessoas; tanto a vida física
quanto a vida moral e intelectual do homem podem tornar-se objeto de riso.
Para o autor, o riso surge quando existe algo que contradiz o sentido de “certo”
que foi imposto, ou seja, o riso nasce da observação de alguns defeitos no mundo
em que o homem vive e atua. Assim, podem-se citar seis tipos de riso: o que
zomba, o bom, o maldoso, o alegre, o ritual e o imoderado ou desenfreado.
O primeiro é o riso de zombaria, que está ligado à sátira e é o que mais se
encontra na vida. A figura do homem, suas idéias, suas aspirações são
satirizadas de modos diferentes, por culturas diferentes, épocas diferentes, pois
cada povo possui seu próprio e especifico sentido de crítica e de humor, que às
vezes não é compreendido em outras épocas ou outros povos; pode-se afirmar,
então, que o riso é analisado diferentemente de cultura para cultura.
O riso que zomba nasce sempre do desmascaramento de defeitos da vida interior,
espiritual, do homem. Em muitos casos, esses defeitos são visíveis e não têm
necessidade de ser desmascarados, em outros casos ocorre a queda das
máscaras e, assim, são mostrados os defeitos do outro; porém o riso só surge
quando esse defeito ou outras descobertas semelhantes são inesperadas.
Portanto, o ser humano ri de algo inesperado e este inesperado leva ao riso de
curta duração. Uma situação, ou uma piada só será tema de riso por apenas uma
vez, pois pela segunda, ou terceira vez que se ouve a mesma piada, já não
suscita o riso porque não existe mais surpresa.
O segundo é o riso bom, que se manifesta das mais diversas formas, como, por
exemplo, “a charge amigável”, que é feita não para satirizar, mas para mostrar o
lado cômico ou diferente de uma situação ou pessoa: é o caso da caricatura, o
homem ri do “defeito” do outro, não por zombá-lo, mas por bom grado. Outro
exemplo de riso bom são as comédias românticas, em que a força do amor leva
ao riso, não o riso de zombaria, mas ao riso de felicidade.
29
Propp considera que há autores que estudam o riso, como Bergson, que não
admitem existir esse riso bom, pois eles acham que o riso está sempre ligado à
tragédia ou desgraça, porque quando se faz uma caricatura, está sendo explorado
o lado estranho/diferente da pessoa, como a caricatura de alguém que tenha o
nariz um pouco maior do que normal e que é transformado em um nariz
gigantesco.
O terceiro tipo de riso que pode ser citado é o riso maldoso que é compreendido
como oposto do riso bom; os defeitos que eram encobertos pelo riso bom são
aumentados, inflados pelo riso maldoso. O autor diz que desse riso, em geral, riem
as pessoas que não acreditam em nenhum impulso nobre, que vêem em todo
lugar a falsidade e a hipocrisia. Esse riso não está ligado à comicidade, mas sim a
antipatia, porque a desgraça dos outros e a infelicidade alheia são os temas desse
riso maldoso; por exemplo, quando um doente ou um idoso cai, quando um cego
bate em um obstáculo, ou quando se perde uma pessoa amada.
O quarto, se refere ao riso alegre que não tem relação com os defeitos humanos,
surge inesperadamente, por qualquer motivo. Por exemplo, quando um bebê
nasce e abre os olhos ou ri, faz com que todos que estão ao redor, tamm, riem,
ou quando se ganha um presente ou quando se vê alguém que não se via há
muito tempo. Propp afirma que esse é o melhor tipo de riso “o riso sem causa é o
melhor riso do mundo”.
Este tipo de riso sempre está ligado ao sentimento coletivo que une os homens,
bem diferente do que acontece no riso maldoso, que é um riso individual e
expressa prazer e triunfo de um único ser que nem sempre corresponde ao
instinto moral da coletividade.
O quinto é o riso ritual, que é visto como uma cerimônia indispensável para se
viver. Os antigos diziam que o riso eleva a capacidade de vida e as forças vitais,
30
por isso reservavam-se momentos específicos para se rir. Para eles, o riso era a
causa do entardecimento da morte.
O sexto tipo de riso é o riso imoderado ou desenfreado, é uma risada desenfreada
que não consegue ser controlada, está ligada às classes socioeconômica inferior e
é considerado pelas estéticas burguesas como sendo o mais “baixo”. É o riso das
festas e das diversões populares como o Carnaval da Europa Ocidental, natal, e a
Máslenitsa dos russos, em que as pessoas se entregavam a comidas, bebidas e
risos desenfreados.
E, para finalizar, é importante ressaltar que esses tipos de riso correspondem às
categorias estéticas, enquanto que há mais dois tipos de risos extra-estéticas que
são: o riso histérico e o riso provocado pelas cócegas. Porém, esses dois
aspectos de riso não podem ser usados como recursos artísticos para se criar o
humor, pois são formas involuntárias do riso.
1.4 Raskin: os mecanismos semânticos do humor
De acordo com Raskin (1985), o humor é estimulado ou pela visão ou pela
audição, ou seja, o ser humano ri de algo que vê ou ouve, podendo os dois ocorrer
simultaneamente. Ri de situações e de histórias que para sua cultura parecem ser
engraçadas. Portanto, o riso é uma questão cultural: o que para uma sociedade
pode parecer engraçado para outra pode não ter graça alguma, podendo até ser
algo ofensivo.
O autor cita Hazlitt para enumerar uma lista que explica porque o homem ri. Ri de
absurdos, de deformidades, das roupas dos estrangeiros quando são diferentes
das roupas dos nativos, ou mesmo das pessoas que se vestem fora de moda. Ri
dos bêbados, dos loucos, ou seja: ri de tudo o que ultrapassa a noção do que
31
acredita ser normal. Além do que, ri também para fazer parte do grupo no qual
está inserido.
Para o lingüista, o humor é visto como um ato de fala e faz a relação com a teoria
de Searle (1969) sobre atos de fala. Para que haja um ato de humor, é preciso ter
três condições: primeira, ter participantes humanos, pois só os homens é que
acham graça em alguma situação, não há nenhum animal capaz de achar graça e
nem de proporcionar o riso, propositalmente. No caso do humor verbal, é
necessário um locutor e um ou mais ouvintes; segunda, é preciso ter um estímulo
para que o riso surja, ou seja, algo de engraçado deve ser contado ou mostrado e
a terceira condição para que o ato seja de humor é a experiência, pois ela pode
fazer com que uns entendam a fala como sendo cômica e outros não achem graça
alguma. É o que acontece se uma piada de português é contada para uma
criança, provavelmente, por não saber do estereótipo de burrice do português, ela
não achará graça na piada contada. A situação, tamm, proporciona o humor,
pois é através do contexto que o humor pode ser analisado. Além desses, há
tamm o fator psicológico e a sociedade, que contribuem para tornar um
pronunciamento como sendo um ato de humor.
É mister ressaltar que Raskin (1985:12) cita Freud para mostrar uma lista de seis
fatores para que haja o humor. São eles:
a) Espírito alegre;
b) Expectativa do humor que leva ao prazer;
c) O riso como atividade mental;
d) A liberdade do riso;
e) A situação e
f) O encorajamento que o riso proporciona.
A primeira condição tem sido mencionada por um grande número de autores em
vários contextos, o riso sempre é visto como parte de algo que traz alegria e
32
satisfação. A segunda indica como há uma expectativa de riso quando alguém
diz que vai contar uma piada, por exemplo. Há sempre uma busca pelo prazer,
nesse caso um prazer que se origina do riso. A terceira mostra como há um
estímulo mental para processar a informação e transformá-la em algo risível. A
quarta condição diz respeito ao que o ser humano faz através do riso que nunca
faria se não fosse de “brincadeirinha”, nesse caso o riso dá essa liberdade, como
se tudo o que fosse falado não passasse de uma simples brincadeira, até porque
o humor é liberador. A quinta condição se dá por meio do momento situacional,
um fenômeno que acontece num determinado ambiente, numa determinada
hora, é algo inesperado que se torna engraçado. A sexta e última condição
mostra como o riso se torna algo tão poderoso que nos dá condições de analisar
o sério por meio do cômico.
O autor mostra que o humor geralmente leva ao riso e esse riso é um fenômeno
psicológico. Desse ponto de vista, “o som de riso é produzido por uma profunda
inspiração seguida por uma pequena e interrupta contração do peito,
especialmente do diafragma” (Raskin 1985:19). Sorrir é acreditar que os
excessos mentais, energéticos e nervosos que estão acumulados no corpo vão
ser liberados pelo organismo através do ato de rir. O riso tem o poder de fazer
com que o corpo fique relaxado e, tamm, faz com que, naquele momento, o
homem se esqueça de algo que o esteja afligindo. Então, as pessoas que
passam por tensões podem dar gargalhadas e, repentinamente, a tensão será
removida e aparecerá um sentimento de alívio provocado pela remoção de
barreiras.
Para responder o que é esse humor e como dele surge o riso, Raskin (1985),
propõe a seguinte fórmula:
HU (S, H, ST, E, P, SI, SO) = X onde X= F (FUNNY) ou X=U (UNFUNNY)
33
Em que HU= humor, que considera os seguintes elementos: S (Speaker=falante),
H (Hear= ouvinte), ST (Stimulus= estímulo), E (Experience= experiência), P
(Psycology= psicologia), SI (SItuation= situação), SO (SOciety= sociedade).
Quando a função do humor é bem sucedida, temos X=F (Funny= engraçado),
porém quando temos X=U (Unfunny= não engraçado, sem graça). Portanto para
que o humor tenha êxito, é preciso que haja essa cooperação entre falante,
ouvinte, estímulo, experiência, psicologia, situação e sociedade. Caso alguma
dessas características falhe, o riso não ocorrerá e o humor deixará de cumprir o
seu papel.
Buscando responder ao que é engraçado e como o humor é construído
lingüisticamente, o lingüista propõe a teoria dos dois scripts, que pressupõe que
todo texto humorístico é composto por dois scripts que, apesar de
necessariamente distintos e opostos, são compatíveis. O script ou frame
compreende as informações que o ser humano tem a respeito de algum assunto,
define-se como um feixe de informações sobre um determinado assunto ou
situação, como rotinas consagradas e modos difundidos de realizar atividades,
consistindo numa estrutura cognitiva internalizada pelo falante que lhe permite
saber como o mundo se organiza e como ele funciona.
Essa teoria tem raízes na Gramática Gerativa, proposta por Noam Chomsky em
1965. Para Raskin, da mesma forma que o falante de uma língua é capaz de
distinguir uma frase gramatical de uma não-gramatical (postulado da gramática
gerativa), ele é capaz de distinguir um enunciado humorístico de um não-
humorístico. Trata-se da “competência humorística”.
Para mostrar como o humor é construído, o autor afirma que é preciso passar do
modo bona-fide para o modo non-bona fide. No primeiro caso, há toda uma
preocupação em dizer a verdade e ser coerente, é um modo sério que prevê a
obediência às máximas conversacionais do Princípio da Cooperação (PC). O PC
prevê que os participantes da comunicação sejam cooperativos e forneçam todas
34
as informações necessárias para que haja sucesso na conversação. Já no modo
non-bona-fide, os falantes e ouvintes não se preocupam com a verdade, há a
quebra das máximas de Grice (1975) e com isso, há o aparecimento do riso.
Podem-se comparar esses dois modos como sendo literal (bona-fide) e não-literal
(non-bona fide).
É importante destacar o paralelo, feito por Raskin (1985:103) entre esses dois
modos:
Modo bona fide
Máxima da quantidade: Dê todas as
informações necessárias.
Máxima da qualidade: Diga somente
aquilo o que você acredita ser
verdadeiro.
Máxima da relevância: Seja
relevante.
Máxima do modo: Seja sucinto.
Modo non-bona fide
Máxima da quantidade: Dê somente
as informações necessárias para a
piada.
Máxima da qualidade: Diga somente
aquilo o que é compatível ao mundo
da piada.
Máxima da relevância: Diga
somente o que é relevante para a
piada.
Máxima do modo: Conte a piada
eficientemente.
35
Pode-se perceber que ao adotar o modo non-bona fide o falante e o ouvinte
estabelecem outro tipo de interação; eles estão cientes dessa nova abordagem e
estão em comum acordo de que não encontraram mais a verdade e a coerência,
mas sim o lúdico e o inesperado.
Outro conceito abordado pela teoria raskiniana é o gatilho que é definido como a
possibilidade de haver troca de scripts, permitindo passar de um script a outro:
durante o processo de combinação de scripts, ocasionalmente encontram-se
trechos de texto que são compatíveis com mais de uma leitura, isto é, adequados
a mais de um script — por exemplo, levantar, tomar café e sair de casa tanto
podem fazer parte do script de ir para o trabalho quanto do de ir à praia. A
sobreposição dos scripts pode ser parcial ou total, situação em que o texto será
inteiramente compatível com ambos os scripts. É por esse gatilho que o leitor
passa do modo bona fide (literal) para o modo non-bona fide (não literal), ou vice-
versa, proporcionando o riso. O efeito do gatilho é introduzir o segundo script
dando uma nova interpretação, diferente daquela que parecia mais óbvia.
Para mostrar como funciona o gatilho, será analisada a piada abaixo, relatada por
Possenti (1998, p. 112):
Dois turistas encontram um cemitério brasileiro (argentino etc.). Vêem
uma lápide na qual se lê: “Aqui jaz um político e um homem honesto”. E
um dos turistas comenta: “Que estranho. Os brasileiros (argentinos etc.)
enterram duas pessoas no mesmo túmulo”.
Rosas (2002) comenta que, nessa piada, o gatilho está justamente na dubiedade
do enunciado “Aqui jaz um político e um homem honesto”, que pode referir-se a
uma ou duas pessoas. Além disso, para que a piada surta efeito, foi feita a união
entre política e honestidade. A honestidade não faz parte do frame política, por
isso é que há o humor nessa piada, porque foi feita a junção de dois scripts
diferentes. Além do que, a expressão “aqui jaz um político e um homem honesto”
dispara um gatilho, mostrando que esses dois campos semânticos não se
36
completam, mas se repelem. Dessa forma, para que o humor realmente
aconteça, é preciso que haja conhecimento compartilhado entre o emissor e o
receptor, os dois precisam partilhar da mesma opinião, caso contrário não have
o riso.
1.5 Possenti: os humores da língua
O trabalho de Possenti (1998) consiste em analisar piadas lingüisticamente,
descrevendo as chaves lingüísticas que são o meio que desencadeia o riso,
mostrando quais os ingredientes lingüísticos ou pragmáticos importantes que o
ouvinte deve conhecer para entender as piadas e para que o riso surja.
O autor faz uma distinção entre análise de piadas e análise lingüística de piada,
que parece fundamental. A diferença entre um estudo lingüístico de piadas e
estudos de outra natureza reside na pergunta que se busca responder. Se a
preocupação é da natureza sociológica, psicológica, antropológica, por exemplo, a
pergunta norteadora é por quê? Já se a preocupação é lingüística, a pergunta
passa a ser como? Logo, para Possenti (1998), deve-se analisar como o riso é
lingüisticamente provocado e não por qual motivo ele é deflagrado.
O lingüista analisa piadas porque elas versam praticamente sobre todos os temas
que são socialmente controversos, como: sexo, política, racismo, defeitos físicos,
sofrimento, entre outros. Além disso, as piadas operam com esteriótipos,
mostrando uma visão simplificada dos problemas e veiculando um discurso
proibido, não oficial, que dificilmente seria dito sem que fosse por meio delas,
como por exemplo, as piadas que falam de padres e freiras que violam seus votos
de castidade, ou de governos incompetentes. Mas só haverá graça nesses fatos,
se houver certa quantidade de conhecimento partilhado entre o falante e ouvinte,
porque senão este poderá não “sacar” a piada em conseqüência de falta de
conhecimentos lingüísticos e extralingüísticos.
37
Até porque o interlocutor é, sem dúvida, um elemento importante para que a piada
cumpra seu propósito (rir ou criticar); cabe ao interlocutor descobrir as pistas
lingüísticas que podem provocar o humor ou a crítica. Caso ele não consiga inferir
essas pistas, o texto deixará de ser engraçado e passará a ser um texto comum.
Como afirma Possenti (1998:40), “Para compreender qualquer piada, é necessário
“mover-se” de certa forma no texto”, ou seja, o interlocutor tem que decodificar o
texto e compreender as ambigüidades, as inferências, os sentidos indiretos entre
outros.
Esse lingüista afirma, ainda, que as piadas, assim como o humor, são culturais,
pois os fatores dessa natureza são relevantes para que um texto se torne uma
piada. Para entender uma piada é preciso conhecer e entender traços de uma
dada cultura, como por exemplo, as piadas de gaúchos ou de portugueses, que
têm ingredientes culturais que os ouvintes devem, de alguma forma, conhecer
para que a piada funcione.
Se uma piada não for bem contada, ela provavelmente não funcionará, não será
capaz de provocar o riso e, por isso, não desempenhará o seu papel. É claro que
não há como caracterizar se uma piada foi bem ou mal contada, pois não é a
quantidade de riso que faz com que uma piada seja tida como engraçada, pois o
ouvinte tamm tem um papel significativo, pois se ele não conseguir entender as
entrelinhas, a ambigüidade, a inferência, a ironia, ou o trocadilho, a piada não
passará de um simples texto. O leitor/ouvinte deve “sacar” as pistas lingüísticas
para compreender a piada.
Possenti ainda demonstra que outra característica semelhante entre as piadas e o
humor é a crítica, pois o que caracteriza o humor é o fato de que ele permite dizer
algo que é mais ou menos proibido, mas não quer dizer que ele seja sempre
crítico, pois como já foi visto anteriormente com Bergson, Freud e Propp, o humor
38
assume vários papéis um dos quais é o de criticar, mas há outros tipos de riso
como: o riso bom, o riso que ridiculariza e o riso maldoso entre outros.
O que parece fundamental registrar é que as piadas assumem essa posição,
fazendo criticas à sociedade, mas como mostra Possenti (1998), elas apenas
reproduzem os discursos que já circulam de alguma forma. Ou seja, a crítica das
piadas não é uma crítica nova, é apenas uma outra forma de crítica.
Para finalizar, é necessário ressaltar a análise que o autor faz sobre o humor de
criança, o que será de grande utilidade para este trabalho, pois o corpus desta
dissertação enfoca uma personagem infantil que age não como uma criança, mas
como um adulto-crítico-politizado. Ainda, declara que esse humor não tem nada a
ver com piadas que tenham apenas crianças engraçadas como personagens. É
claro que há a presença das crianças, mas não é só por esse fato que se tem
esse tipo de humor. Há duas características que aparecem nessas piadas: a
primeira consiste na destruição da hipótese da ignorância das crianças sobre
temas secretos ou tabus, pois:
Nas piadas, crianças conhecem o que se supõe que desconheçam.
(Uma variante é que, nas piadas, as crianças também fazem o que se
supõe que não fam). Das personagens infantis correntes, o melhor
exemplo desta característica do humor de criança é certamente Mafalda,
menina cujo discurso claramente nada tem de infantil. Não só sabe mais
sobre política e outros temas adultos do que se imagina que uma criança
saiba, como, principalmente, sabe sobre eles mais que a maioria dos
adultos. O que produz efeito de humor, no entanto, não são apenas
essas características do discurso de Mafalda. O que o provoca é que ela
enuncia discursos contra-ideológicos, marcados, veiculadores de uma
visão não conformista. Para usar um termo corrente no auge da
circulação da personagem, Mafalda enuncia discursos que poderiam ser
chamados de subversivos (as ditaduras vigoravam explicitamente),
pondo continuamente em xeque as verdades oficiais e as dos adultos.
Apenas secundariamente o prazer de ouvi-los se deve ao fato de que
Mafalda é uma criança. (Possenti, 1998: 143)
A segunda característica comum nas piadas de criança é a violação de regras de
discurso, pelo fato de que crianças dizem o que não se poderia dizer, ou seja, o
39
que os adultos não poderiam dizer. Por um lado, este fato mostra que se os
adultos falarem ou fizerem certas coisas serão punidos, enquanto que as crianças
não. Isso prova que o que gera humor nessas piadas é o fato de uma criança dizer
ou fazer algo que parece ser impossível para sua idade. É o que Bergson (1900)
revela sobre a inversão de papéis, a criança assumindo o papel do adulto.
1.6 Lins: Os alinhamentos e enquadres em Mafalda
Lins (2002) inicia seu trabalho com um excelente estudo sobre o humor,
realizando um percurso histórico para mostrar como o humor se processou
começando por Bergson(1985) indo até Attardo (1993). A lingüista utilizou-se da
perspectiva sócio-interacional para analisar as tiras de Mafalda. Examinou as
situações de humor a partir do comportamento dos personagens.
Através dessa análise de interação entre os personagens e dentro das situações
mostradas nas tiras, a autora examinou o comportamento discursivo dos
participantes das tiras e analisou os recursos lingüísticos e paralingüísticos,
verbais e não verbais para verificar a construção do humor nas tiras de Quino. A
autora optou pela temática escola, em cujas tiras os personagens interagem no
enquadre aula. Além da personagem Mafalda, mais três personagens de Quino
foram utilizados: Manolito, no alinhamento de comerciante; Susanita, no
alinhamento de pequena-burguesa e Guille, no alinhamento de adulto irônico.
É interessante explanar sobre três conceitos abordados na Sociolingüística
Interacional que estão presentes no trabalho de Lins: enquadre, alinhamento e
footing. A autora cita Tannen e Wallat (1986) para explicar o conceito de
enquadre. Elas afirmam que enquadre representa a atividade que está sendo
encenada, qual sentido os falantes dão ao que dizem. O ouvinte somente
compreende o “jogo interativo” se souber dentro de qual enquadre ele foi
composto. As autoras ainda afirmam que as pessoas identificam os enquadres
pela associação entre pistas lingüísticas e paralingüísticas, pela maneira como as
40
palavras são ditas e não apenas pelo que significam. Desse modo, imagina-se que
uma criança de 6 anos seja obediente aos pais e à professora, mas na medida em
que a personagem muda seu comportamento, passando de uma criança a um
adulto crítico, ela passa a atuar em outro enquadre, ou seja, ela se alinha como
adulto para fazer uma ameaça aos pais ou para fazer um questionamento à
professora.
Já, o alinhamento é definido a partir de Goffman (1979), como a postura, a posição ou a
projeção do self em relação a si mesmo, ao outro e ao enunciado, e o footing representa
uma mudança de postura do self na sua relação consigo mesmo, com o outro e
com o enunciado que está sendo proferido ou recepcionado. O footing, então,
define-se como uma mudança do alinhamento, da postura, da projeção do self.
Um exemplo de como a autora analisa as tiras de Mafalda em seu trabalho, é
apresentado a seguir:
O enquadre-aula é caracterizado nos três quadros. No primeiro quadro a
professora começa a desenhar uma figura geométrica na lousa e diz aos alunos
que hoje eles vão estudar o pentágono, referindo-se a figura desenhada no
quadro. Mafalda imagina que eles vão estudar não só a forma geométrica do
pentágono, mas tudo sobre o Pentágono, sede do departamento de Defesa dos
Estados Unidos, e faz uma sugestão à professora dizendo que, se eles vão
estudar, hoje, o pentágono, amanhã eles poderiam estudar o Kremlim, já que os
41
alunos vão aprender tudo sobre o capitalismo, por que não estudar, tamm,
sobre o socialismo?
A autora declara que Mafalda surpreende a professora, ao fazer o comentário -
pergunta : “E amanhã, o Kremlin? e comentário do tipo “quer dizer... só para
equilibrar” (quadros 2 e 3) com o objetivo de contemporizar o “mal feito”, ou
melhor, o “mal dito”. Desse modo, há o desenquadre da personagem Mafalda do
alinhamento aluno para o alinhamento adulto crítico. Ao operar o footing, Mafalda
abandona o enquadre-aula e passa a atuar no enquadre-interação entre adultos.
Pelo que pode ser notado, a lingüista conclui seu trabalho, mostrando que nas
tiras de Mafalda o humor é constituído pelo recurso de realinhamento dos
personagens, em que eles são postos operando footings com objetivo de romper
com as expectativas ativadas pelos enquadres.
Após verificar o que Bergson, Freud, Raskin, Propp, Possenti e Lins afirmam
sobre o humor, é possível perceber que o humor é próprio do ser humano, ou
seja, só o homem pode ri e fazer o outro ri. Não há humor fora do ser humano.
Outro ponto defendido pelos autores é a dificuldade de se traduzir efeitos cômicos
de uma língua para outra, na medida em que o riso se relaciona aos costumes e
às idéias de certa sociedade. Por isso é que às vezes, é complicado traduzir o
humor, pois o que pode ser risível para uma cultura pode não ser para outra,
podendo ser até ofensivo.
Eles tamm asseguraram que o humor provoca uma sensação de alívio que
pode amenizar a tristeza e tamm pode ser uma voz que critica camufladamente.
Por isso, Rosas (2002, p. 33) sugere que “[...] o discurso humorístico não é
simplesmente uma negação da comunicação ‘séria’: ele se apóia num princípio de
cooperação particular, cuja base está na mudança do modo de comunicação”.
42
No caso das tiras de quadrinhos de Mafalda acontece o humor do tipo de
comunicação não bona fide (Raskin, 1985), em que o ouvinte já espera a piada e
não vai interpretar do modo bona-fide. Imediatamente, busca fazer as inferências
para entender o texto satisfatoriamente. O autor de tiras de quadrinhos
proporciona a quebra na expectativa, que gera a graça e leva à crítica. Também,
ocorre o que Bergson denomina de mundo às avessas.
43
CAPÍTULO II
2. ESTUDOS SOBRE IRONIA
A ironia é a única dissimulação absolutamente
involuntária e, no entanto refletida (...) Nela tudo deve
ser brincadeira e seriedade, expansão sincera e
profunda dissimulação (...) Ela contém e suscita o
sentimento do conflito insolúvel do absoluto e do
circunstancial, da impossibilidade e da necessidade de
uma comunicação total (...)
Friedrich Schlegel
2.1 A ironia
Como afirma Kierkegaard (2006)
4
a ironia não é a verdade mas o caminho, pois a
ironia impede todo homem de ter a última palavra, porque no fundo não há palavra
que possa ser dada como última. O autor faz o seguinte questionamento:
“Esgotou Sócrates, absolutamente o conceito de ironia, ou há outras formas de
aparição do fenômeno que devem ser levadas em consideração antes de
podermos dizer que o conceito está suficientemente compreendido?”
(Kierkegaard, 2006: 17)
Acreditando que o conceito de ironia é constantemente modificado, será feito um
percurso histórico para mostrar como esse tema vem sendo analisado. Para isso,
será visto o que Kierkegaard (2006), Freud (1905) e Brait (1996) afirmam sobre
esse tema.
2.1.1 Definição clássica de ironia
Kierkegaard (2006) elabora uma tese em que a ironia é analisada através dos
conceitos de Sócrates. Essa tese mostra que no discurso retórico há uma figura
que traz o nome de ironia, que tem por característica dizer o contrário do que se
4
Kierkegaard elabora o livro: O Conceito de ironia constantemente referido a Sócrates, em 1841,
no entanto, será utilizada a edão de 2006.
44
pensa. Com essa definição de ironia, é possível perceber que “o fenômeno não é
a essência, e sim o contrário da essência”. (Kierkegaard, 2006: 215). Esse
fenômeno pode ser reconhecido como a palavra e a essência como o
pensamento, ou seja, quando se fala ironicamente, pensa-se (a essência) em algo
que não será pronunciado da mesma forma que foi pensado, mas será dito o
contrário do que foi pensado. Então, nesse caso, a essência-pensamento será o
oposto do fenômeno-palavra, ou seja, o pensamento é contrário do que vai ser
pronunciado.
Para esse autor, na ironia, o sujeito é negativamente livre, quer dizer que ele pode
falar o contrário de sua intenção, desde que ele perceba que seu ouvinte será
capaz de entender o seu pronunciamento irônico. Porém se ele perceber que seu
ouvinte não captará sua mensagem irônica, ele terá que se “amarrar” no
enunciado e passará a ser um sujeito positivamente livre, não podendo se
distanciar do que está dito. Desse modo, a ironia:
É a negatividade infinita absoluta. Ela é negatividade, pois nega; ela é
infinita, pois não nega este ou aquele fenômeno; ela é absoluta, pois
aquilo, por força de que ela nega, é um mais alto, que contudo não é. A
ironia não estabelece nada; pois aquilo que deve estabelecer está atrás
dela. (Kierkegaard, 2006:227)
Dessa forma, o filósofo afirma que a figura de linguagem irônica supera
imediatamente a si mesma, na medida em que o orador pressupõe que os
ouvintes o compreenderam, e, deste modo, através de uma negação do fenômeno
imediato, a essência (pensamento) acaba identificando-se com o fenômeno
(palavra).
É interessante observar que a ironia era usada apenas nas classes elevadas,
“como uma prerrogativa que faz parte, junto com outras categorias semelhantes,
do bonton (bom-tom), o qual exige que se sorria da inocência” (Kierkegaard,
2006:217). Só os nobres a utilizavam, justamente para que o povo não
compreendesse e nem pudesse questionar nada.
45
O filósofo aproxima a ironia da dissimulação. E declara que, em geral, se costuma
traduzi-la por dissimulação ou fingimento. Mas há uma diferença entre elas, pois a
dissimulação denota o total desacordo entre o pensamento e a palavra. O objetivo
da dissimulação é não mostrar a verdade, o ouvinte passa a acreditar que esse
pronunciamento é a verdade absoluta. Já na ironia, o ouvinte sabe que esse
pronunciamento é falso, apesar de haver, tamm, um desacordo entre o
pensamento e a palavra.
Kierkegaard declara que o grande filósofo a estudar esse assunto foi Sócrates. O
modelo de comportamento irônico elaborado por Sócrates consiste em transformar
uma frase assertiva em interrogativa com finalidade de dar ao interlocutor um
desconhecimento ou a ausência de uma convicção. Para Kierkegaard (2006), a
intenção com que se pergunta, porém, pode ser dupla:
(a) Pergunta-se com a intenção de obter uma resposta que contenha a
satisfação que se busca, de maneira que, quanto mais se pergunta, tanto
mais a resposta se torna profunda e cheia de significado; (b) Pergunta-se
tamm, não no interesse da resposta, mas, para através da pergunta,
exaurir o conteúdo aparente do objeto da conversa, o que deixará um
vazio em seu lugar.
Através desse jogo de perguntas e respostas, Sócrates vai minando as teses de
seus interlocutores. As afirmações socráticas podem ser ou não interpretadas
como sendo irônicas. A ironia socrática dá idéia de atitude e focaliza-a como
construção de discurso. Segundo Brait (1996), a ironia socrática desloca a
questão “atitude” para os procedimentos discursivos que envolvem essa maneira
particular de elaborar um diálogo.
Kierkegaard (2006) mostra que outro filósofo a estudar a ironia é Aristóteles, que
passa em diversos momentos pela questão do cômico e da ironia. Brait (1996:25)
alega que para Aristóteles, a ironia tem alguma coisa mais elevada que a
bufonaria. Ela mostra que Aristóteles coloca a ironia entre as atitudes
fundamentais do ser humano, tamm faz referências a alguns aspectos que
46
caracterizam e identificam essa forma de discurso. A definição que a retórica
clássica oferece de ironia é mostrada por Brait como:
Uma maior depuração entre o que se pode entender por literal, por
figurado e por antífrase, na perspectiva constitutiva do discurso irônico,
parece revelar que a ironia é produzida, como estratégia significante, no
nível do discurso, devendo ser descrita e analisada da perspectiva da
enunciação e, mais diretamente, do edifício retórico instaurado por uma
enunciação. Isso significa que o discurso irônico joga essencialmente
com a ambigüidade, convidando o receptor a, no mínimo, uma dupla
decodificação, isto é, lingüística e discursiva. (Brait, 1996: 96)
Como destaca a autora, a ambigüidade está ligada à ironia, pois tanto a
ambigüidade quanto a ironia apresentam elementos contrários entre si. As duas
trazem uma dupla interpretação, em que o ouvinte se torna o responsável por
assimilar a intenção comunicativa do falante, a mensagem só terá êxito se o
ouvinte puder compreender a ironia ou a ambigüidade que foi usada pelo falante.
Para finalizar, é necessário esclarecer que essa ironia retórica é formulada em
termos de frases, não há a ligação da ironia com o contexto sócio-politico, com a
intertextualidade, a interdiscursividade e outras formas de reinstauração de
discurso.
2.1.2 A ironia romântica
Brait (1996) assegura que, com a chegada do Romantismo e de uma nova
concepção do homem em relação ao mundo, o conceito de ironia apresenta-se
como mais ampliado em relação ao conceito de ironia da retórica. A estratégia da
ironia teria evoluído.
Na interpretação de Schlegel (1994), a ironia tem uma variedade múltipla e não se
limita a sintagmas isolados, mas é recurso estético a utilizar no desenrolar de
textos inteiros. Nessa época, os poetas tomam consciência de que são não só
47
imitadores de um universo real, mas criadores autônomos de um mundo que é
formulado pela linguagem.
De acordo com Brait (1996), o principal aspecto da ironia romântica é a sua
ligação com a poesia e com a postura filosófica do idealismo alemão. Essa
postura filosófica nos mostra os conflitos entre o eu e o mundo, a negação do
caráter sério, a afirmação do poder criativo do sujeito pensante, o nascimento da
situação irônica do real e do imaginário, a máscara do poeta. Esses são alguns
dos componentes de ruptura do mundo dominado pelo poder eclesiástico. É a
vontade humana desejando se afastar da religiosidade e querendo se auto-afirmar
como sujeito autônomo que não se deixa dominar. Nesse momento histórico, o
indivíduo passa a manifestar a sua rebeldia, o seu descontentamento e as suas
angústias por meio da poesia e, para tanto, a ironia oferece uma poderosa arma,
porque permite ao poeta um afastamento, um exercício distanciado e dissimulado
da crítica em suas obras.
A autora mostra que:
Para os românticos, a ironia passa a ser uma forma de pensar muito sutil e
específica que, no seu caráter oblíquo e cindido, reflete as complexas
circunvoluções mentais de gente extremamente crítica, sensível e
refinada, individualista e anárquica, afeita ao trato diuturno do espírito e
das letras. (Brait, 1996:32)
Para Adorno (2006), no Romantismo, o autor assume uma voz na narrativa,
representando-se como sujeito implicado na história. Essa atitude resulta em uma
maior valorização do leitor, tendo em vista que o autor necessita de uma mais
completa compreensão do seu texto, isto é, deixa de lado o caráter autoritário de
senhor do mundo que tudo sabe e tudo pode ensinar e começa a se preocupar em
convencer, em seduzir o leitor com a narrativa. E na busca dessa persuasão a
ironia desempenha papel bastante importante.
48
Ele ainda corrobora afirmando que na ironia romântica não apenas as narrativas
podem ser consideradas irônicas, mas tamm o autor e os leitores assumem um
papel mais relevante na compreensão do novo modo de se pensar e fazer
literatura. Para Brait (1996), cabe ao leitor ter a capacidade de “transcender a
literalidade para vislumbrar, justamente por meio das marcas instauradas no
discurso o pronunciamento irônico (...). Ele deverá perceber a presença/ausência
do sentido literal e do sentido figurado” para então, entender a ironia proposta.
2.1.3 A ironia freudiana
No que diz respeito à ironia, Freud inova ao levar em conta o ouvinte e não só o
locutor e o processo instaurador da ironia, portanto para que haja ironia é preciso
essa tríade, pois se o ouvinte não conseguir interpretar o enunciado como sendo
irônico, o locutor não conseguirá ter êxito comunicativo. Para que a intenção
comunicativa não se perca, o locutor insere na mensagem um sinal que, de certa
forma, previne o interlocutor de suas intenções porque ele saberá que seu locutor
estará falando o contrário do que quer sugerir. Desse modo:
A essência da ironia consiste em dizer o contrário do que se pretende
comunicar a outra pessoa, mas poupando a esta uma replica
contraditória fazendo-lhe entender - pelo tom de voz, por algum gesto
simultâneo, ou (onde a escrita está envolvida) por algumas pequenas
indicações estilísticas - que se quer dizer o contrário do que se diz. A
ironia só pode ser empregada quando a outra pessoa está preparada
para escutar o oposto, de modo que não possa deixar de sentir uma
inclinação a contradizer. Em conseqüência dessa condição a ironia se
expõe e corre o risco de ser mal-entendida. (Freud, 1969:199)
O autor acredita que a ironia seja muito próxima do chiste e contada entre as
subespécies do cômico, pois quando a ironia aparece, surge junto com ela um
riso, às vezes, maldoso, às vezes, engraçado. Ainda acrescenta e analisa a ironia
via inconsciente. A explicação para esse fato é que a ironia pode ser descrita
como sendo "uma forma de consciência e uma concepção de mundo", ou “ela
implica toda uma relação do sujeito com a verdade e com seu desejo". O locutor é
49
consciente, pois sabe que pode usar ou não a ironia e tem a escolha de dizer a
verdade sem fazer uso da ironia, ou se comunicar por meio dela, ele tem em suas
mãos o poder de escolha, podendo assumir sua vontade.
O psicanalista revela que a ironia é a figura da retórica que supõe uma certa
posição do sujeito diante da verdade e a ironia revela o funcionamento do
inconsciente como retórica, na medida em que a verdade, do ponto de vista do
inconsciente, só pode se dizer pelo inverso, logo, a ironia é uma lógica de inversão
característica do inconsciente. Ele explica que o inconsciente é uma forma de
negação, assim como a ironia tamm o é. Porque tanto a ironia quanto o
inconsciente negam trazendo a marca da relação do sujeito ao gozo. É
extremamente prazeroso para o individuo trazer à tona o que está sendo
“encoberto”, o proibido se torna fonte de alegria e satisfação quando é realizado,
mesmo sendo via inconsciente ou via ironia.
Brait (1996) declara que Freud procura demonstrar que essa capacidade que a
ironia tem de significar uma coisa pelo seu contrário, pode parecer paradoxal
quando se refere a uma lógica do consciente, mas não quando se refere ao
inconsciente. Freud busca nos sonhos a explicação, pois neles "uma coisa pode
significar o seu contrário", ele visualiza a ironia como um jogo sobre as formas de
representação ao contrário.
Freud também traz a ironia para o plano da linguagem, uma vez que o autor de
um discurso irônico vale-se muito do uso de antífrases para atingir o seu real
objetivo. Contudo, enquanto na mentira o enunciador procura encobrir, por meio
de um significante, sua verdadeira intenção, na ironia há pistas para que essa
dissimulação seja percebida, permitindo assim uma interação entre o emissor e a
sua vítima.
Após verificar o que Kierkegaard (2006), Freud (1905) e Brait (1996) afirmam
sobre ironia, é possivel afirmar que ela passou de figura de linguagem à estratégia
50
discursiva e argumentativa. Como figura de linguagem, a ironia é vista como uma
contradição de algo que se queira dizer. Como estratégia discursiva e
argumentativa, a ironia não se dá apenas no nível do enunciado, do dito, mas do
ambiente situacional e discursivo nos quais interlocutores e enunciações se
relacionam, passando de um dito a outro, às vezes menos ou mais implícito ou
explícito no produto enunciado. Buscam-se as marcas, as pistas de indicação de
uma ironia pelo falante, sobre a qual não se tem garantia de reconhecimento pelo
ouvinte.
51
CAPÍTULO III
Nem todas as verdades são para todos
os ouvidos. Humberto Eco
3. CONCEPÇÕES PRAGMÁTICAS
A ironia presente em Mafalda será analisada a partir de três teorias da
Pragmática. Para isso, serão explanados os conceitos de Austin
5
(1990) e Searle
(1969), que desenvolvem a noção de atos de fala, que consistem em analisar as
ações praticadas via enunciados, pois como afirma Austin, a comunicação não é
composta apenas de palavras e estruturas gramaticais, mas também de ações, ou
seja, dizer é fazer, é agir. Outro autor a ser estudo é Grice
6
(1982) que mostra
que, por trás de uma afirmativa quase sempre há algo “encoberto” (implicatura), e
para avaliar essas implicaturas, o autor analisa as afirmativas por meio de quatro
máximas conversacionais: Quantidade, Qualidade, Relevância e Modo; e se
finalizado com os conceitos da Teoria da Relevância (TR), de Sperber & Wilson
7
(2005), que demonstram que a TR está baseada na suposição de que o receptor
fará esforço para processar uma afirmação se ele a achar relevante.
3.1. Noções de Pragmática
Stalnaker (1982) declara que a sintaxe estuda as sentenças, a semântica estuda
as proposições e a pragmática estuda os atos lingüísticos analisados nos
contextos em que são proferidos. Para o autor, há dois tipos de problemas a
serem resolvidos dentro da pragmática: o primeiro é definir os tipos relevantes de
atos de fala e produtos de fala, ou seja, o problema de dar as condições
necessárias e suficientes, não para a verdade de uma proposição expressa em
5
Austin escreve a teoria dos atos de fala em 1962, porém para essa dissertação será usada a edição de 1900.
6
Grice elabora Logic and conversation em 1975, mas para esse trabalho será utilizada a edição de 1982.
7
Sperber & Wilson desenvolvem a teoria da relevância em 1986, no entanto será utilizada a edão de 2005.
52
um ato, mas para o ato que está sendo executado; o segundo problema é
caracterizar os traços do contexto de fala que ajudam a determinar qual a
proposição que é expressa por uma sentença.
O autor mostra que para que haja sucesso nos enunciados, é preciso obedecer a
algumas condições, tais como: as intenções do falante, o conhecimento, crenças,
expectativas, ou interesses do falante e de sua audiência, outros atos de fala que
foram proferidos no mesmo contexto, o tempo da enunciação, os efeitos da
comunicação, o valor de verdade da proposição expressa, as relações semânticas
entre a proposição expressa e outras a ela relacionadas de algum modo.
Pode-se confirmar o que foi dito anteriormente com o exemplo que o autor utiliza:
todo mundo está se divertindo. Ao pronunciar esse enunciado, o falante e o
ouvinte devem levar em conta que esse “todo mundo” representa não todas as
pessoas do universo, mas todas as pessoas que estavam presentes; dois outros
fatores a serem considerados, segundo Stalnaker, é saber quando esta asserção
foi feita e para quem. Além desse exemplo, o autor mostra que os pronomes
pessoais e demonstrativos também fornecem problemas quanto à interpretação,
pois se houver uma frase como: nós venceremos, é preciso saber quem está
falando e para quem está falando, além de saber que o ouvinte tamm estará
inserido nesse ‘nós”. Ou se for dito este é um grande quadro, é preciso saber o
que o falante estava vendo ou apontando para saber o significado do “este”.
Stalnaker (1982) ainda propõe, grosso modo, o seguinte esquema para
compreender casos como esses que foram citados: as regras sintáticas e
semânticas de uma língua determinam que uma sentença seja interpretada,
juntamente com certos traços do contexto de uso e com a noção de mundo
possível, munindo as frases com valores de verdade. Desse modo, os contextos
determinam o valor de verdade daquilo que foi dito em uma dada sentença. Na
pragmática os valores de verdade dependem do contexto, e parte do contexto
seria o mundo possível na qual a sentença é enunciada.
53
Outra estudiosa é Green (1996), que mostra a fala e a escrita como atos de fé,
sendo que a Pragmática é o estudo dos mecanismos que dão suporte a essa fé.
Então, a Pragmática é o estudo das ações humanas realizadas intencionalmente.
A autora ainda afirma que expressões como “você já sabe” ou “você se lembra de
que”, são indicações de que o falante acredita que o ouvinte já é conhecedor do
fato. Ela observa que, no inglês, quando os falantes introduzem o enunciado com
expressões como As you know (como você sabe) I remind you (você se lembra),
of course (É claro), eles acreditam estar dando uma informação que o ouvinte
sabe ser verdadeira; quando iniciam o enunciado como actually (realmente) ou in
fact (de fato), os falantes acreditam estarem dando uma informação nova para o
ouvinte.
Importa, ainda, notar o que Pinto (2004) observa sobre esse assunto: “a
Pragmática analisa, de um lado, o uso concreto da linguagem, com vistas em seus
usuários e usuárias, na prática lingüística; e de outro lado, estuda as condições
que governam essa prática.” Desse modo, a Pragmática é vista como a ciência do
uso lingüístico, pois espera-se explicar a linguagem e não a língua como
Saussure defendia.
É interessante verificar que a pragmática explica a linguagem em uso e não
descarta nenhum elemento não-convencional e isso possibilita a análise de
linguagens que até pouco tempo eram rejeitadas pela comunidade acadêmica
como: os diálogos colhidos entre falantes de uma comunidade, propagandas,
cartuns, quadrinhos entre outros. Assim, a autora mostra que a pragmática ajuda a
perceber que lingüistas estão se dedicando a situações de exceção que são
fundamentais na compreensão da linguagem em uso.
É possível notar que os autores que foram citados concordam que a Pragmática
analisa o que está sendo proferido pelo falante naquele exato momento em que
ele direciona sua fala ao ouvinte. Assim, o contexto é de extrema importância na
54
pragmática, pois é nele que se desfazem quaisquer dúvidas que poderiam existir.
Desse modo, a pragmática é o conjunto de conhecimentos, crenças, opiniões e
sentimentos de um indivíduo em um momento qualquer da interação verbal.
A partir dessas afirmações, serão destacadas três teorias pragmáticas: Atos de
fala (Austin 1990, e Searle 1969), Princípio da Cooperação (Grice, 1975) e Teoria
da Relevância (Sperber e Wilson, 1986, 2005).
3.1.1 Austin e Searle: A caracterização da ironia como ato de fala
Pelo que mostra Levinson (2007), a teoria dos atos de fala tem sido de grande
interesse não só dos lingüistas, mas também dos psicólogos, dos antropólogos,
dos críticos literários, dos filósofos dentre outros. Os lingüistas aplicam a teoria
dos atos de fala na sintaxe, na semântica, na pragmática e na aprendizagem de
outras línguas; já os psicólogos acreditam que os atos de fala possam ser um pré-
requisito para a aquisição da linguagem; os antropólogos acreditam que através
dessa teoria se possa encontrar alguma descrição da natureza dos
encantamentos mágicos e dos rituais em geral; os críticos literários procuram nos
atos de fala um esclarecimento em relação aos gêneros literários e os filósofos
perceberam que os atos de fala podem ser aplicados nos enunciados éticos.
O autor afirma que Austin é um dos filósofos que merece destaque porque
“começou a demolir a visão de linguagem que colocava as condições de verdade
como centrais para a compreensão da linguagem”. Foram os positivistas lógicos,
na década de 1930, que acreditavam que para que, um enunciado fosse dotado
de sentido, deveria ser verdadeiro ou falso, quer dizer, deveria poder ser
submetido à prova de verificação (testado quanto à sua verdade ou falsidade) ou
comprovado pela sua correspondência ao estado de coisas a que se refere.
55
Para Austin (1990), os enunciados não precisam ser verdadeiros ou falsos, porque
há uma distinção entre enunciações (uterrances) que afirmam algo e enunciações
que não afirmam, mas realizam determinadas ações. As primeiras são
proposições (statements) que constatam determinadas coisas ou estados de
coisas que podemos verificar se são verdadeiras ou falsas; já as segundas não
podemos verificar se são verdadeiras ou falsas, mas eles realizam um ato que
dizem realizar.
Essas primeiras enunciações receberam o nome de constatativas e as segundas
de performativas. Por exemplo, quando se fala que Maria mora em Londres, está-
se dando a possibilidade de verificar se esse enunciado é verdadeiro ou falso, é
só saber se realmente Maria mora em Londres ou não. Tem-se, então, um
enunciado constatativo. Mas se for falado “Fecha a porta”, não será nem
verdadeiro nem falso, mas será a realização de um pedido ou de uma ordem,
desde que se observem as condições de verificação, como se há uma porta a ser
fechada, se a pessoa pode fechá-la. Há, nesse caso, um enunciado performativo.
Levinson (2007) chama a atenção para o que Austin relata sobre o enunciado
performativo. Este compreende dentro das categorias dos enunciados
performativos ummero indeterminado de enunciados, tais como os que
realizam, por exemplo, pedido, promessa, doação, contratos, aposta, nomeação,
veredito, entre outros. Pensando em verificar como esses enunciados são
dotados de sentido, já que eles não correspondem a qualquer estado de coisas
existente independentemente de sua enunciação, Austin propõe que o seu sentido
dependa, não da sua adequação ou não àquilo a que se referem, mas do seu
sucesso ou de seu insucesso. Para que um enunciado performativo seja bem
sucedido é preciso seguir algumas etapas:
A I Deve existir um procedimento convencional que tenha um efeito
convencional.
A.II as circunstâncias e as pessoas devem ser adequadas, conforme
especificado no procedimento.
56
B. O procedimento deve ser executado corretamente e completamente.
C. Muitas vezes, (I) as pessoas devem ter os pensamentos, sentimentos e
intenções requeridos especificando no procedimento, e (II) se a conduta
conseqüentemente é especificada, então, as partes relevantes devem
ater-se a essa conduta. (Levinson, 2007: 291)
É pela observância ou não observância de todas ou de algumas destas condições
que depende o sucesso ou o insucesso dos enunciados performativos, podendo,
assim, verifica-se diferentes tipos de insucesso. Se não houver a obediência das
condições A e/ou B, o ato será nulo; o ato será vazio; se não se respeitar a
condição C, mostram-se insinceridades: aconselhar alguém a fazer algo quando
você realmente pensa que seria vantajoso somente para si próprio e não para o
outro. Nesse caso teria sido violada a condição C (I). E se tivesse prometido algo
que não seria cumprido seria uma violação direta de C (II). Austin observa que
estas violações não são todas de igual estatura.
Levinson mostra, ainda, o que acontece quando não há essa obediência:
Suponha-se que um homem tenha dito a sua mulher:
Por meio deste, divorcio-me de você
O autor explica que o simples fato de dizer que se está separando não fará com
que o divórcio se consuma, pois não há o procedimento A (para se divorciar é
preciso que haja um procedimento convencional, como um juiz e os papéis para
serem assinados), portanto esse enunciado só terá sucesso, se ocorrer no ato em
que o casal estiver assinando o divórcio, caso contrário, ele não obterá sucesso.
Pode-se verificar como Austin (1990) apresenta o conjunto dos insucessos dos
enunciados performativos de acordo com o seguinte quadro:
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INSUCESSOS
AB C
Insucessos Abusos
Atos pretendidos, mas vazios
Atos puramente verbais
A B C (I) C (II)
Apelos indevidos Execuções falhas Insinceridades ?
Atos interditos Atos viciados
A (I) A (II) B (I) B (II)
? Empregos Ações Obstáculos
Indevidos defeituosas
Assim, Austin observa que estas violações não são todas de igual estatura.
Violações das condições A e B dão origem a falhas, as ações deixam de dar certo.
Violações das condições C são abusos porque não passam de atos verbais que
não serão executados.
O filósofo, ainda, mostra que todas as declarações, além de significar o que quer
que signifiquem, tamm executam ações específicas ou fazem coisas por terem
forças específicas. Desse modo, ao enunciar uma sentença, estarão sendo
realizados, simultaneamente, três atos, são eles:
Ato locucionário: é a simples enunciação de uma sentença.
Ato ilocucionário: o ato de fazer uma declaração, oferta, promessa,
etc. Ao enunciar uma sentença, em virtude da força convencional
associada a ela ( ou a sua paráfrase performativa explícita)
Ato perlocucionário: o ato de causar efeitos no público por meio da
enunciação da sentença, sendo tais efeitos contingentes às
circunstâncias da enunciação.
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O ato locucionário ou locutório é a realização de uma fonação ou de um ato
fonético. É o ato de produzir as falas. O segundo ato, o ato ilocucionário ou
ilocutório é a realização do ato fonético articulado as regras gramaticais de uma
determinada língua e o ato perlocucionário ou perlocutório é feito com o objetivo
de que o enunciado seja reconhecido como um discurso ligado a alguma
proposição, ou seja, o enunciado proferido tem que fazer sentido tanto para o
falante quanto para o ouvinte.
Para entender melhor, será mostrada uma análise feita por Pinto (2004: 58):
Eu vou estar em casa hoje
Nesse exemplo, a autora afirma que o ato locucionário seria o conjunto de sons
que se organizam para efetivar um significado referencial que mostra o que esse
“eu” estará fazendo hoje. O ato ilocucionário é a força que o enunciado produz,
nesse caso de afirmação ou de promessa, e o ato perlocucionário é o efeito
produzido no ouvinte ao receber esse enunciado, como de ameaça, pois o falante
estará em casa, portanto o ouvinte não poderá sair de casa ou será vigiado pelo
falante ou o efeito produzido poderá ser de alegria porque o ouvinte poderá visitar
ou ficar mais tempo com o falante.
Levinson comenta que um dos sucessores de Austin é John Searle que retoma os
estudos de Austin, e desenvolve uma série de aspectos de sua teoria. Para Searle
falar uma língua é realizar atos de fala. Podemos verificar isso, quando:
Falar uma língua é realizar atos de fala, tais como fazer afirmações, dar
ordens, fazer perguntas, fazer promessas e assim por diante: e, de forma
mais abstrata, atos de fala como referir e predicar; e, em segundo lugar,
estes atos se tornam, em geral, possíveis e são realizados de acordo com
certas regras para o uso dos elementos lingüísticos. (Searle 1969: 23)
59
Searle (1969) afirma que há diversos tipos de atos e cada um deles possui um
determinado objetivo que terá sucesso, ou não, dependendo se as condições
abaixo forem cumpridas:
1. O falante disse que executaria uma ação futura
2. Ele pretende executá-la
3. Ele acredita que pode executá-la
4. Ele pensa que não a executaria de qualquer maneira no curso normal
da ação
5. Ele pensa que o destinatário quer que ele a execute (e não que o
destinatário quer que ele não a execute)
6. Ele pretende colocar-se na obrigação de executá-la enunciando E
7. Tanto o falante quanto o destinatário compreendem E
8. Ambos são seres humanos normais, conscientes
9. Ambos encontram-se em circunstâncias normais, por exemplo, não
estão representando uma peça
10. A enunciação E contém algum DIFI que só é adequadamente
enunciado se todas as condições adequadas são válidas
Para o autor existem apenas cinco tipos básicos de ação que alguém pode
executar ao falar. São elas: representativas, diretivas, comissivas, expressivas e
declarativas. As representativas fazem com que o falante se comprometa com a
verdade (afirmar, concluir, etc). As diretivas mostram a tentativa do falante de
fazer com que o ouvinte realize algo (pedir, perguntar, etc). As comissivas
comprometem o falante a realizar uma futura ação (prometer, ameaçar, oferecer,
etc). As expressivas expressam um estado psicológico (agradecer, desculpar-se,
parabenizar, etc) e as declarativas resultam em mudanças imediatas no estado
normal das coisas e tendem a se valer de instituições extralingüísticas complexas
(excomungar, declarar guerra, batizar, demitir do emprego).
Levinson (2007) acredita que, apesar dessa tipologia ser considerada um avanço
em relação a Austin, ela deixa a desejar, pois carece de princípios que a
fundamentem e ela não se baseia nas condições de verdades que Searle acredita
que devam ser seguidas.
Pode-se perceber que há enunciados nos quais o significado literal, ou
convencional, é o mesmo que o falante quis comunicar. Neste caso, o ouvinte só
60
precisa aplicar as regras fonológicas, morfo-sintáticas e semânticas que
interiorizou na aquisição da língua. Mas há muitos enunciados nos quais a
intenção do falante é comunicar outra coisa que vai além do significado literal. É o
caso, por exemplo, dos atos de fala indiretos, e de respostas indiretas (como em
"Você vai à reunião?” – "Estou sem carro.").
Assim, percebe-se que a ironia se caracteriza como ato de fala indireto, pois
um "ato de fala indireto" é um enunciado cuja estrutura gramatical indica
uma força ilocucionária diferente daquela pretendida pelo falante. A
estrutura gramatical do surrado exemplo "Você pode passar o sal?"
aponta para uma pergunta, enquanto o falante está, na verdade, fazendo
um pedido. Segundo SEARLE, a força ilocucionária de tais enunciados é
seu verdadeiro significado – no caso, o ato de fala "pedido" – e a força
ilocucionária secundária é aquela indicada pela estrutura gramatical.
(Searle, 1969:104)
Os atos de fala ilocutórios, propostos por Austin e Searle, são elementos
enunciativos que contemplam a ironia. A atividade ilocutória é precisamente a que
se destaca no caso desse instrumento de comunicação. Esse destaque se dá na
medida em que a ironia caracteriza-se como uma atividade dupla, pois descreve
uma ação presente do locutor, por meio da enunciação, que tem a função de
realizar uma ação, no caso, a que está sendo pronunciada.
De acordo com Brait (1996), o valor ilocutório da ironia explica uma de suas
particularidades formais, justamente a que diz respeito às coerções que pesam
sobre a inversão semântica. Isso implica dizer que a ironia geralmente descreve
em termos valorizantes uma realidade que ela trata de desvalorizar.
A autora mostra que, mesmo antes de Searle propor a ironia como ato de fala
indireto, dois autores (V. Ehrich e G. Saile) já haviam colocado a ironia entre os
atos de linguagem não-diretos, ou seja, como uma forma de elocução. Para eles,
a ironia, como ato de fala não-direto, “repousa sobre uma dissociação entre aquilo
que o enunciado manifesta, isto é o literal, e a proposição visada, que diz respeito
61
ao que está implícito.” (Brait, 1996:78) . Para chegar a essa conclusão, os autores
partem da idéia de que os atos de fala não-diretos pertencem a dois grupos:
proposição literal e proposição implicada. Colocando a ironia nesse segundo
grupo, os autores definem como “uma proposição p expressa diretamente pela
forma literal do enunciado da qual se deve inferir uma proposição q como sendo a
proposição implicativa visada.” (Brait, 1996:78)
3.1.2 Grice: A ironia e a implicatura
Silveira e Feltes (2002) afirmam que desde Aristóteles era seguido o modelo de
código semiótico que mostrava que a comunicação é realizada por meio da
codificação e decodificação das mensagens. Esse modelo de código mostra que
quando o falante diz algo, ele o transmite por um canal de idéias (codificação),
cabendo ao ouvinte, por um processo de decodificação, entender o que lhe foi
transmitido. Esse modelo de código propõe que se entenda o processo de
comunicação basicamente através do que Ready (1979) chama de metáfora do
canal, que vê a língua como código e a comunicação como sendo a transmissão
de uma mensagem construída a partir desse código. Ready formula esse conceito
a partir de enunciados como: (1) Não posso tirar essa idéia da cabeça, passando
a idéia da mente como recipiente; (2) É preciso colocar estas idéias em palavras,
mostrando que as idéias são objetos.
As autoras ainda declaram que a idéia básica do modelo de código é a de que
codificar seria como “empacotar” algo, ou seja, colocar as idéias-objetos em
recipientes-palavras e que decodificar seria “desempacotar” algo, quer dizer, tirar
as idéias-objetos de recipiente-palavras, a partir de um processo de envio e
recebimento de mensagens. Depois de desempacotada a mensagem, a
compreensão deve ser imediata, o ouvinte deveria compreender instantaneamente
o que lhe foi passado, mas nem sempre há a decodificação. Pode-se ver que essa
teoria de códigos não consegue, sozinha, explicar a comunicação humana, pois
62
há mensagens que precisam ser interpretadas não só pelo dito, mas por aquilo
que está além do dito, como no exemplo que Silveira e Feltes (2002:20) propõem:
(a) Pedro: Você quer café?
(b) Maria: Café me manteria acordada.
O que se pode deduzir pela resposta de Maria? Ela aceitou o café ou rejeitou?
Pelo que se percebe, a teoria de código não explica esse caso, porque o desejo
de Maria não ficou claro, a resposta só será descoberta, se o contexto em que
Pedro fez a pergunta for conhecido. Se ele soubesse que Maria teria que terminar
um trabalho e precisasse ficar acordada e por isso lhe ofereceu café, então a
resposta dada por Maria seria de confirmação. Ela quer café para ficar acordada e
terminar o trabalho. Porém, se Maria estivesse com insônia e Pedro lhe oferece
café, a resposta dela seria de recusa, já que café é estimulante e ela precisa
dormir. Nesse caso, pode-se inferir que na primeira situação Maria quer café para
ficar acordada, já no segundo caso, ela não quer café porque precisa dormir.
Verifica-se que a abordagem do modelo de código negligencia o papel
fundamental do contexto.
Portanto, para compreender alguns enunciados é preciso inferir e não decodificar.
Segundo Souza (2007), o processo de inferência é bem diferente do processo de
decodificação, pois
Na decodificação, toma-se um sinal como input e produz-se como
output, uma mensagem associada como o sinal através de um código
subjacente, que deve ser mutuamente conhecido pelos participantes do
ato comunicativo. Na inferência, toma-se um conjunto de premissas
como input e produz-se como output um conjunto de conclusões que se
segue logicamente de, ou, pelo menos são garantidas por aquelas
premissas (Souza, 2006:14-15)
Grice (1982) já pensando nessa diferença, apresenta uma alternativa para esse
modelo semiótico que pudesse preencher as lacunas deixadas. Elabora, assim, o
63
modelo inferencial que consti o sentido e a interpretação por meio de evidências,
pois para ele, existe um hiato entre a construção lingüística do enunciado pelo
falante e a sua compreensão pelo ouvinte. Esse espaçoo pode ser preenchido
pela decodificação, mas por inferência.
Esse filósofo desenvolveu a teoria das implicaturas, cuja característica é um
sistema conceitual formado por quatro categorias (qualidade, quantidade, relação
e modo), cada uma delas compostas por máximas conversacionais, constituindo o
princípio da cooperação que se constitui das categorias: Qualidade, Quantidade,
Relação e Modo. Pela primeira máxima, pressupõe-se que tudo que o interlocutor
diz é verdadeiro; pela segunda, que ele só diz o necessário; pela terceira, que só
diz o que é pertinente para aquela comunicação e, por fim, a quarta máxima
mostra que o falante deve fazer a comunicação do melhor modo possível. As
máximas conversacionais são explicitadas da seguinte maneira:
I Categoria da qualidade
Supermáxima: Tente fazer sua contribuição verdadeira
1
a
. máxima: Não diga o que acredita ser falso;
2
a
. máxima: Não diga algo de que você não tem adequada evidência
II Categoria da quantidade:
1
a
. máxima: Faça sua contribuição tão informativa quanto necessária (para os
propósitos reais da troca de informações);
2
a
. máxima: Não faça sua contribuição mais informativa do que o necessário.
III Categoria da relação:
Máxima: Seja relevante
IV Categoria de modo
Super máxima: Seja claro
1
a
. máxima: Evite a obscuridade de expressão;
2
a
. máxima: Evite a ambigüidade;
64
3
a
. máxima: Seja breve (evite prolixidade desnecessária);
4
a
. máxima: Seja ordenado.
Em resumo, essas máximas especificam o que os participantes têm de fazer para
conversar de maneira eficiente, racional, cooperativa: eles devem falar com
sinceridade, de modo relevante e claro e ao mesmo tempo, fornecer informações
suficientes para que o ouvinte possa compreender o que lhe foi proposto pelo
falante, pois conforme mostra o autor, a comunicação não é somente uma
atividade racional e propositiva, mas também cooperativa. A partir dessa
suposição, Grice pressupõe que haja um acordo entre os interlocutores, uma
cooperação mútua estabelecida pelo falante e pelo ouvinte. É através do Princípio
da Cooperação (PC) que o interlocutor detecta os significados de natureza
inferencial num ato comunicativo, além dos significados explicitados pelo falante.
Mas nem sempre há plena obediência a esse acordo, já que ninguém fala o tempo
todo seguindo essas máximas. Um dos motivos para essa não obediência é o
discurso humorístico que joga com o figurado para que surja o humor. Outro
exemplo é o discurso irônico que “foge” do literal para que a ironia possa ser
empregada e compreendida pelo ouvinte. É aí que entram as implicaturas para
preencher as possíveis lacunas deixadas pelos falantes quando desobedecem as
máximas. Pode-se compreender melhor com o exemplo de Levinson (2007: 127)
A: Onde está Bill?
B: Há um VW amarelo na casa de Sue
Pelo que o autor mostra, B não foi cooperativo, pois violou as máximas da
quantidade e da relevância, porque não deu informações suficientes para que A
soubesse da resposta e aparentemente deu uma resposta que não teve relação
nenhuma com a pergunta de A. Essa seria uma analise superficial, ou seja, do
dito. Mas se for analisar o nível mais profundo (não superficial), a resposta de B
seria compreensível. Fazer isso é supor que B foi cooperativo, pois pode-se
65
deduzir que Bill tem um carro VW amarelo, que ele conhece Sue e provavelmente
Bill poderia estar lá.
É só por meio das inferências que se solucionam casos como estes. Essas
inferências ultrapassam o conteúdo semântico da frase. Para Levinson
(2007:132), as inferências são as implicaturas conversacionais por definição, pois
As implicaturas não são inferências semânticas, mas sim, inferências
baseadas no conteúdo do que foi dito e algumas suposições específicas
a respeito da natureza cooperativa da interação verbal comum.
Verifica-se que as implicaturas convencionais são inferências não sujeitas a
condições de verdade, “não são derivadas de princípios pragmáticos mais gerais
como as máximas, mas são simplesmente ligadas pela convenção a itens ou
expressões lexicais específicos.” (Levinson, 2007: 159). Para esse caso, Grice
oferece apenas dois exemplos: a palavra but (mas) tem o mesmo conteúdo
vericondicional (ou verifuncional) que a palavra and (e). Outro exemplo é a palavra
therefore (portanto) que, segundo Grice, não contribui em nada para as condições
de verdade das expressões em que ocorre.
Este autor sugere que as implicaturas exibem quatro propriedades:
cancelabilidade (ou anulabilidade); não-destacabilidade (ou inferência baseada
antes no significado que na forma); calculabilidade e não convencionalidade. Ele
defende a tese de que as implicaturas são canceláveis ou anuláveis porque
podemos cancelar uma inferência acrescentando alguma premissa adicional às
premissas originais. Quando ele defende que as implicaturas são não-destacáveis,
quer dizer, que a implicatura esligada ao conteúdo semântico do que é dito,
mas não à forma lingüística, e, portanto, as implicaturas não podem ser retiradas
de um enunciado simplesmente trocando as palavras do enunciado por sinônimos.
A terceira propriedade das implicaturas é que elas são calculáveis, ou seja, o
falante demonstra cooperação mesmo violando às máximas. E a última
66
propriedade mostra que as implicaturas são não convencionais, isto é, não fazem
parte do significado convencional das expressões lingüísticas.
É importante ressaltar que o discurso irônico e o humorístico se aproximam do
discurso indireto, de modo que haverá algo implícito, fazendo com que o ouvinte
tente entender o que está por detrás do dito. O destinatário da mensagem irônica
poderá mediante inferências, descobrir o verdadeiro significado do que foi
proposto pelo emissor. Os processos inferenciais são processos de pistas para
que o destinatário possa compreender o real significado da mensagem proposta.
Portanto, o falante obriga o ouvinte a entrar no jogo inferencial para construir em
comum acordo determinados sentidos que serão responsáveis para a
compreensão do discurso, porém um enunciado embasado no implícito exige por
parte do receptor uma maior quantidade de atenção que um enunciado literal, em
que os processos de compreensão e processamento da informação são muito
mais básicos.
3.1.3 Sperber e Wilson: A ironia e a relevância
Tradicionalmente, a comunicação é composta de codificação e decodificação de
mensagens. Desse modo:
Um código é um sistema que faz a relação entre cada mensagem e o
sinal que a representa, conferindo a dois mecanismos de processos de
informações o poder de comunicar. Uma mensagem é uma
representação que se encontra no interior destes mecanismos de
comunicação. Um sinal é uma modificação do ambiente exterior,
modificação esta que pode ser produzida por um dos mecanismos e
reconhecida pelos outros.
Porém, Sperber e Wilson (2005) declaram que a interpretação de qualquer
enunciado não pode ser compreendida apenas em uma dimensão de
decodificação ou numa dimensão inferencial porque na linguagem dois tipos de
processo de comunicação: um baseado na codificação ou decodificação (não
67
autônomo) e outro em ostensão e diferença (autônomo). Essas duas dimensões
são complementares e desempenham um papel importante na comunicação.
Para Silveira e Feltes (2002), na comunicação verbal, os enunciado produzidos
constituem estímulos ostensivos que satisfazem duas condições: atrair a atenção
da audiência e focalizar as intenções do comunicador. Isso quer dizer que um
indivíduo, ao produzir um enunciado, requisita a atenção do ouvinte, e ao fazer
isso, está sugerindo que o que ele está falando é relevante o suficiente para
merecer a atenção de seu ouvinte. Essa comunicação ostensiva requer uma
participação ativa tanto do comunicador quanto do receptor. Dessa forma,
comunicar é “requisitar a atenção de alguém através de um estímulo ostensivo;
conseqüentemente, comunicar é implicar que a informação comunicada é
relevante, o que garante a presunção de Relevância ótima”. (Silveira e Feltes,
2002:53). Ou seja, os indivíduos prestam atenção apenas a fenômenos que lhes
parecem relevantes.
Reconhecendo a importância dos estudos de Grice, a Teoria da Relevância
concentra seu estudo na relevância, que passa a reconhecer a intenção
comunicativa do ouvinte, partilhando as informações entre falantes e ouvintes.
Essas informações podem estar ligadas ao contexto que vai sendo construído no
decorrer do processo comunicacional. “O contexto é um subconjunto de
suposições do ouvinte sobre o mundo, que é adquirida no decorrer da vida e
renovado a cada processamento de informões.” (Souza, 2006:27). É o contexto
que fornece as premissas para inferir o enunciado. Daí se supõe que o contexto
não é todo garantido de antemão, mas vai se renovando no processo de
comunicação.
Sperber e Wilson ressaltam que o contexto selecionado para interpretar um
enunciado é restringido pela organização da memória enciclopédica do individuo,
pelas suas habilidades cognitivas e também pela atividade mental na qual está
68
engajado naquele momento. Assim, selecionar o contexto é parte do processo de
interpretação que vai sendo buscada ao longo da comunicação.
O modelo de comunicação proposto pelos autores defende a existência de duas
propriedades da comunicação humana: ser ostensiva, da parte do comunicador, e
ser inferente da parte do ouvinte. “Essa comunicação por ostensão consiste em
tornar manifesta a intenção de uma determinada informação a um receptor”.
(Souza, 2006:28). Comunicar por ostensão é produzir certo estímulo com o
objetivo de realizar a intenção comunicativa/informativa, fornecendo ao ouvinte
inferências para que ele possa compreender a informação dada.
Conforme mostram Silveira e Feltes (2002), uma suposição só será relevante se
tiver efeitos contextuais. Esses efeitos podem ocorrer de três maneiras diferentes:
por implicação contextual; pelo fortalecimento ou enfraquecimento de suposições
e pela eliminação de suposições contraditórias.
A implicação contextual consiste nas suposições resultantes da combinação de
informações velhas (já dadas) com informações novas. As informações velhas são
as suposições que fazem parte do ambiente cognitivo do individuo. Já as
informações novas são constituídas das suposições anteriores mais a
contextualização que gera a implicatura contextual. Assim as suposições que
recebem a sigla (C) somadas ao contexto, que é uma informação nova (P),
formam o que chamamos de implicatura contextual.
O segundo tipo de efeito contextual consiste no fortalecimento ou enfraquecimento
de suposições. Não se tem, necessariamente, uma informação nova derivada de
uma informação velha, apenas se reforça ou enfraquece uma informação já dada
por meio de input perceptual (visual, auditivo, olfativo, tátil, etc); por input
lingüístico (decodificação lingüística); pela ativação de suposições na memória
(conhecimentos prévios) ou por dedução.
69
E o último efeito contextual ocorre quando há a eliminação de uma suposição, no
caso a mais fraca, a que se tem menos evidência.
Além dos efeitos contextuais, há outro fator para que uma informação seja
relevante. Esse segundo fator é o esforço de processamento, pois
Todo processamento de informação exige algum esforço (...) O esforço
está numa relação comparativa com os benefícios que são alcançados,
os quais, nesse caso, são os efeitos cognitivos. De uma maneira geral, a
mente opera de modo produtivo e econômico, no sentido de alcançar o
máximo de efeitos com o mínimo de esforço. (Silveira e Feltes, 2002:44)
Então, para que uma suposição seja relevante é preciso haver um grande número
de efeitos contextuais e um pequeno esforço para processá-la. Desse modo,
quanto mais acessível o contexto de uma informação e quanto menor a
complexidade lingüística, menor será o esforço de processamento, e maior será a
compreensão.
De acordo com Souza (2006), a explicatura é uma combinação de traços
conceptuais lingüisticamente decodificados e contextualmente inferidos. Quanto
menor for a contribuição relativa de traços conceptuais mais explicita será a
explicatura, e vice-versa. A explicatura nem sempre será explícita, poderá ter
variações, indo do mais explícito até o mais implícito.
Nota-se que a explicatura é o conteúdo explícito, “uma combinação de traços
codificados lingüisticamente e de traços conceituais inferidos contextualmente”
(Souza, 2006: 53). Assim, na Teoria da Relevância, a explicatura é semelhante ao
dito de Grice, um conteúdo completo expresso pelo falante.
Para melhor compreender os níveis da forma lógica, explicatura e da implicatura
Silveira e Feltes (2002:57) analisam a seguinte suposição:
(1) Interação Lingüística
70
(a) A. Pedro conseguiu tirar as jóias do cofre?
(b) B: Ele descobriu a combinação e abriu o cofre.
(2) Nível da forma lógica
Descobriu (ele, combinação) abriu (Ø, cofre). [S[S’[NP Pro] [VP descobriu [NP a
combinação]] e [S” [NP 0] [VP abriu[NP o cofre]]]]
(3) Nível da explicatura
Ele [Pedro] descobriu a combinação [do cofre] e [então] [Pedro] abriu [a porta de]
o cofre [por meio da combinação do cofre].
(4) Nível da implicatura
Pedro <possivelmente> conseguiu tirar as jóias do cofre.
Seguindo a hipótese dos três níveis representacionais,
(a) a forma (2) não é proposicional, porque é semanticamente incompleta;
(b) a forma (3) é proposicional, porque é semanticamente completa, podendo ser a
ela atribuído um valor-de-verdade;
(c) a forma (4) é uma proposição que, possivelmente, é a representação da
interpretação última pretendida pelo falante de (1b).
Para que se possa compreender como se chega às estruturas proposicionais (3) e
(4) é preciso apresentar os mecanismos que fazem parte da explicatura e da
implicatura.
Dessa forma, temos em 3:
(a) Ele [Pedro] descobriu a combinação.
Atribuição de referência pelo discurso anterior
(b) Ele [Pedro] descobriu a combinação [do cofre]
71
Enriquecimento da forma lógica através de uma suposição advinda da memória
enciclopédica de que cofres dependem de combinações em código.
(c) [Pedro] abriu o cofre.
Preenchimento de material elíptico, pelas relações de Relevância entre as ações
do agente [Pedro descobriu/’Pedro’ sendo sujeito sintático de ‘descobriu’].
(d) [Pedro] abriu [a porta de] o cofre.
Enriquecimento da forma lógica através de uma suposição advinda da memória
enciclopédica de que cofres têm portas.
(e) [Pedro1] abriu [a porta de] o cofre [por meio da combinação do cofre].
Enriquecimento da forma lógica a partir de uma suposição advinda da memória
enciclopédica e de parte do enunciado, conforme abaixo:
S1 Combinações de números em código servem para abrir portas de cofres.
S2 Se Pedro descobriu a combinação, ele abriu o cofre.
S3 Pedro descobriu a combinação.
S4 Pedro abriu o cofre por meio da combinação.
(f) Ele [Pedro] descobriu a combinação [do cofre] e [então] [Pedro ] abriu [a porta
de] o cofre [por meio da combinação do cofres].
Enriquecimento do conectivo através da conotação temporal de sucessividade-
causalidade das ações.
Já em (4) há uma conclusão implicada de que se Pedro descobriu a combinação
do cofre e abriu a porta do cofre, então, possivelmente conseguiu tirar as jóias,
mas não há nada que comprove que ele tenha realmente pegado as jóias que
estavam no cofre, porque pode ser que elas não estivessem lá quando ele abriu o
cofre.
72
Portanto, para que haja uma interpretação de qualquer enunciado, falante e
ouvinte precisam estar engajados na mesma atividade mental para que a
comunicação possa realmente ser eficaz.
No caso da ironia, especialmente, é preciso ter esse engajamento, os
participantes da comunicação devem estar preparados para recebê-la e tentar
inferir de acordo com o contexto, interpretando o figurado e não o literal,
interpretando a explicatura ou implicatura e não a forma lógica. Só assim, a ironia
terá cumprido o seu papel.
73
CAPÍTULO IV
A leitura de uma história em quadrinho não é em si
um ato fácil ou indolente. Ela pode tornar-se isso
para leitores pouco exigentes que se satisfaçam
com uma abordagem superficial.
Quella Guyot (1994:82)
4. O GÊNERO QUADRINHOS
Este capítulo, como já indicado na introdução, tem a função de esclarecer alguns
pontos sobre as histórias em quadrinhos (HQs), como se constituem para serem
consideradas um gênero especifico, com características próprias, que lhes
permitem estabelecer-se como gênero textual. E, tamm, será mostrado qual era
o cenário sócio-politico-ideológico da época em que as tiras de Quino foram
produzidas.
4.1 A constituição do Gênero Quadrinhos
Feijó (1997) informa que houve um tempo em que o gênero HQs era desprezado
ou até mesmo condenado. Para muitos professores e pais, os quadrinhos não
estimulavam a leitura e empobreciam a cultura dos adolescentes. O autor afirma
que o livro A sedução dos inocentes (Frederich, 1960) mostra que os quadrinhos
emburreciam os leitores e transmitiam mensagens de violência, sexo e que as
imagens em nada ajudavam no aprendizado das crianças e adolescentes. Porém,
nos últimos tempos, os quadrinhos ganharam um novo status, recebendo um
pouco mais de atenção das elites intelectuais e passando a ser aceitos como um
elemento de destaque do sistema global de comunicação e como uma forma de
manifestação artística com características próprias. Então, para mostrar como se
constitui esse gênero, serão estudados quatro autores: Feijó (1997), Will Eisner
(1999), Rama & Vergueiro (2004) e Cirne (1972).
74
Feijó descreve os quadrinhos como sendo um gênero típico da cultura de massa,
porque existem como uma forma de produção cultural organizada sobre bases
industriais para conseguir atingir uma grande quantidade de leitores. Essa cultura
de massa surge como uma cultura de lazer, de entretenimento, que busca o lucro
e que depende de certas tecnologias para existir e poder alcançar o seu público.
Já Will Eisner (1999), considerado a maior autoridade mundial em quadrinhos,
define o gênero como uma forma de arte seqüencial, porque a história em
quadrinhos é uma seqüência de acontecimentos ilustrados. É uma narrativa visual
que pode ou não usar textos, em balões ou em legendas. Esse tipo de linguagem
tem que ser familiar tanto para o leitor quanto para o criador, para que público
receptor possa compreender e interpretar o que foi proposto pelo emissor da
mensagem.
Para Rama & Vergueiro (2004), os quadrinhos são constituídos de um sistema
narrativo composto por dois códigos que atuam em constante interação: o visual e
o verbal. “Cada um desses códigos ocupa um papel especial, dentro das HQs,
reforçando um ao outro e garantindo que a mensagem seja entendida”.(p.31).
Esses autores ainda esclarecem que alguns elementos da mensagem são
passados exclusivamente pelo texto, outros têm na linguagem pictórica a sua
fonte de transmissão. A grande maioria das mensagens dos quadrinhos, no
entanto, é percebida pelos leitores por intermédio da interação entre os dois
códigos. A leitura dos quadrinhos desencadeia um processo duplo, a leitura de
textos e de imagens.
Acreditando que a linguagem não-verbal é muito útil na compreensão não só das
HQs, como também no mundo atual, em que a imagem faz parte de nossa
comunicação, Fogaça (2002: 137) mostra que “nossa percepção visual se
caracteriza por um interesse ativo da mente frente a um objeto. E o incentivo
75
visual em nada prejudica o desenvolvimento do intelecto, pelo contrário, é o meio
de percepção mais espontâneo, que antecede a escrita”.
Pelo que Cirne (1972) afirma, os quadrinhos são uma narrativa gráfico-visual,
impulsionada por sucessivos cortes, que agenciam imagens, ou seja, as histórias
em quadrinhos constituem um sistema narrativo composto por dois códigos: o
visual e o verbal. Para ele, as HQs só começaram a ganhar popularidade após o
surgimento do Menino Amarelo, criado por Richard Outcault, em 1895. Antes
dessa data, os quadrinhos não possuíam o que hoje é chamado de balão. As falas
dos personagens eram colocadas ao redor do quadro, não havia nada que ligasse
às falas a quem estava falando. Pode-se dizer que Richard Outcault deu início ao
uso do balão, pois ao colocar as falas do menino amarelo dentro de seu
camisolão, fazia com que o leitor entendesse que quem está falando é o
personagem e não o narrador, dando, assim, uma maior dinamicidade aos
quadrinhos, destacando à linguagem visual.
Essa linguagem visual é o elemento básico das histórias em quadrinhos. Ela se
apresenta como uma seqüência de quadros que trazem uma mensagem ao leitor.
Os quadros que compõem a história se assemelham às janelas que demonstram a
realidade de forma fragmentada. O quadro é o principal recurso das HQs,
podendo mudar de forma e dimensão por razões narrativas. Dimensões variadas
de quadrinhos numa mesma página, mais compridos ou mais longos que o
habitual, reduzem o ritmo da leitura e apresentam uma cena de forma detalhada.
Quadros menores que o padrão aceleram a leitura em conseqüência da
apresentação de detalhes ou ações rápidas. Já os quadros sem as linhas servem
para valorizar uma cena.
Dentre as linguagens visuais que compõem o gênero quadrinhos, serão descritos
quatro: os balões, as onomatopéias, as metáforas visuais e as linhas de
movimento. Os balões, além de organizar as falas e nos dizer quem as recita na
cena, podem tamm reforçar dramaticamente a narrativa pelo seu próprio
76
desenho. O balão representa uma densa fonte de informação, que começa a ser
transmitida pelo formato de seu desenho: sabe-se quando o personagem está
cochichando, falando alto, pensando, só pelo tracejado das linhas que formam os
balões.
Feijó (1997) mostra alguns exemplos de balões: os de linhas tracejadas
transmitem a idéia de que o personagem está falando em voz muito baixa; os que
formam um balão simples com o rabicho indo diretamente na boca do
personagem, indica o balão de fala com o tom de voz normal; os de formato de
nuvem com rabicho em forma de nuvem, indicam que o personagem está
pensando; os que possuem um traçado em zig-zag, indicam uma voz proveniente
de um aparelho eletrônico quando o rabicho está fora do quadro, indicam que a
voz está sendo emitida por alguém que está fora da cena e os com múltiplos
rabichos indicam que há vários personagens falando ao mesmo temp. Os tipos de
balões podem mudar de acordo com a criatividade do autor. Nas tiras de Mafalda,
por exemplo, pode-se encontrar o balão de choro, o balão de coração que
representa alguém apaixonado e tamm aparece a fala que sai diretamente da
boca da personagem sem nenhum balão. Como pode ser visto nos exemplos
abaixo:
77
Como mostra Guyot (1994: 12)
O balão é de longe o elemento mais codificado da HQ. Os autores
despejam nele um tesouro de inventividade, de modo que essa criação,
puramente convencional, se integra até aos desenhos realistas. O
código dos balões merece uma descrição em linhas gerais fora o
conteúdo lingüístico, a forma dos balões na verdade é por si só uma
mensagem icônica.
É importante notar que a localização dos balões dentro dos quadrinhos não é
casual. Guyot mostra que há uma ordem que deve ser seguida: da esquerda para
a direita, e de cima para baixo, de modo a revelar com clareza a sucessão
cronológica das histórias. Essa ordem só é obedecida para os quadrinhos
produzidos no ocidente, em que o sistema de leitura também segue essa mesma
ordem. Os quadrinhos japoneses utilizam uma outra ordem que obedece ao
sistema de decodificação de leitura oriental, por exemplo, os mangás, quadrinhos
típicos japoneses, são lidos da direita para esquerda e de baixo para cima.
O autor alerta que ler quadrinhos não é simplesmente obedecer a essa ordem de
leitura, imposta tanto pelos ocidentais quanto pelos orientais. Ele mostra que o
leitor da história em quadrinhos é umvoyeur”, pois há leitores que lêem por alto,
quando estão com pressa, há outros que observam mais as imagens e tentam
fazer com que as imagens por si só digam o enredo, há ainda outros que dão
pausas para refletirem, enfim, o leitor “passeia” pelo texto e o lê da forma que
acha conveniente. Então, para o autor, não há um único modo de ler os
quadrinhos, mas há tantos quanto os seus leitores.
Como se constata, os balões deixaram de ter apenas um tipo de letra e se
modificaram para dar mais dinamicidade aos quadrinhos. Quando se referem a
uma conversa em tom normal, as letras são grafadas em tamanho normal. Já em
tamanho maior que o normal e em negrito significam que as palavras são
pronunciadas em tom mais alto que o normal; podendo, tamm, representar o
grito; as de tamanho menor que o normal representam um tom de voz mais baixo,
expressando medo ou timidez; as tremidas significam medo.
78
Outro item das HQs são as onomatopéias, que são signos convencionais que
representam ou imitam um som, podendo variar de país para país, dependendo de
como as culturas as utilizam. Recentemente, as onomatopéias ganharam forma e
tamanhos especiais para dar mais dinamicidade ao desenho. Até pouco tempo,
elas eram postas soltas, hoje elas estão ligadas ao desenho. É claro que, assim,
como os balões, as onomatopéias vão variar de autor para autor. É interessante
observar que, em alguns quadrinhos, certas imagens são “engolidas” pelas
onomatopéias, devido ao tratamento gráfico dado a elas, fazendo com que fiquem
em destaque.
As HQs também fazem uso de diversos símbolos que são as chamadas metáforas
visuais, que expressam diversos significados como os xingamentos que se
constituem de cobras, caveiras e bombas entre outras, como coração
expressando que alguém está apaixonado, ou um raio saindo dos olhos da
personagem que indica raiva.
Outra característica dos quadrinhos são as linhas de movimento que servem para
marcar a trajetória de algum objeto ou parte do corpo, do ponto de início ao final
do movimento. Pode-se dizer, que essa característica dá a impressão de que o
desenho ganhou vida e se movimenta, dando, assim, mais ação ao quadrinho.
Esta representação do movimento se tornou um elemento indispensável das HQs.
Por exemplo, uma espécie de serpentinas, eventualmente acompanhadas de
pequenas nuvens demonstram o deslocamento ou a aceleração súbita.
É pertinente esclarecer que as tiras são um subtipo das HQs; mais curtas (até 4
quadrinhos) e, portanto, de caráter sintético. Mendonça (2005) esclarece que as
tiras podem ser seqüenciais, ou seja, podem seguir uma temática que se repete
ao longo dos dias, ou podem ser fechadas, um episódio por dia, sem ser repetido.
79
Percebe-se, então, que a leitura dos quadrinhos desencadeia um processo duplo:
leitura de textos e de imagens em sua maioria. Além do que, o enredo é repleto de
surpresas. De acordo com Fogaça (2002:212), “o argumento no decorrer da
narrativa é completo, tem problemas a serem solucionados, e existem obstáculos
à solução desses problemas e ao final a solução é uma surpresa.”
4.2 MAFALDA: CONTEXTO SÓCIO-POLITICO-IDEOLÓGICO
A precocious and argumentative little girl
greeted with universal acclaim.
The World Encyclopaedia of Comics, New York,
1977
A trajetória de Mafalda compreende o período entre os anos de 1964 e 1973. Após
esses anos de publicação, o autor das tiras percebeu que estava esgotado e não
poderia insistir em se repetir. Quino sempre mantinha contato pessoal com sua
criação, nunca aceitou que outros roteiristas e desenhista interviessem em seu
trabalho.
O criador de Mafalda põe na fala da personagem tudo aquilo que gostaria de
expressar, mas não podia, devido aos conflitos políticos da época. Mafalda é uma
criança de seis anos que age como um adulto-crítico-politizado (Lins, 2002),
divulgando todos os seus ideais e pensamentos para uma juventude inquieta que
buscava a liberdade de expressão.
Foi por isso que o autor fez alusão aos momentos históricos em muitas de suas
tiras, como a bipolaridade mundial, a guerra do Vietnã, a tomada do poder pelos
militares na América do Sul, sem falar nos problemas sociais como a igualdade de
direitos entre as mulheres e os homens, entre brancos e negros e a volta da
democracia.
Lins (2002, p. 69) mostra que:
80
As tiras de Mafalda, apesar de serem de autor argentino e de terem sido
concebidas no decorrer da década de 60 e início da década de 70, são
interessantes para a análise porque tratam de questões que continuam
atuais e principalmente, porque a relação entre os personagens na
interação apresenta uma dinamicidade resultante do trabalho visual na
composição dos personagens, aliado à força dos diálogos, presentes em
quantidades nas tiras de Quino.
Gubern (1992) afirma que Mafalda atravessou a chamada década prodigiosa,
antecipando-se à explosão contestadora de 1968. Sua contestação não foi aquela
proletária, mas uma contestação intelectual e psicológica, que abarca temas como
o autoritarismo dos adultos, o racismo, a fome, a explosão demográfica, a injustiça
social. Mafalda é capaz de pôr em crise todas as proposições tradicionais e
desbancar as convenções e costumes mais enraizados.
Já Eco (1992) comenta que Mafalda não é uma heroína. É uma anti-heroína. Não
aparece para salvar as pessoas, aparece para criticar comportamentos e
situações er a sociedade em questionamento. Isto interferiu na opção pelas
tiras da Mafalda porque, diferentemente daquele tipo de tiras em que os autores
narram uma história que enaltece um herói que sempre aparece para salvar as
pessoas, essas tiras revelam a intenção de abordar a problemática social,
sugerindo críticas e levando a julgamentos.
Ela aparece para desconstruir as visões conservadoras sobre política, moral,
economia, cultura. Pelo fato de ser uma menina, e não um menino, Mafalda já
começa subvertendo a lógica dos quadrinhos e da vida, dando espaço para
questões de gênero. Se, antes, as mulheres eram consideradas como
coadjuvantes, Mafalda vem para mudar esse quadro, e se torna a protagonista,
mostrando o contrário do que era visto antes.
Convém ressaltar o que Eco (1992) afirma sobre Mafalda: ela odeia a injustiça, a
guerra, as armas nucleares, o racismo, as absurdas convenções dos adultos e,
81
obviamente, a sopa, como mostram algumas de suas tiras. Seus amores tamm
ilustram o espírito da época: os direitos humanos, a democracia e os Beatles. É
uma menina que recoloca questões cruciais, numa linguagem radical, de forma
simples e aparentemente ingênua; é uma criança que se espanta diante do
mundo; não aceita as “normalidades e obviedades” da realidade cotidiana. Seus
comentários são sempre ácidos e vão de encontro aos ideais da sociedade de
consumo. Quino consegue criar em suas tiras perguntas de um fôlego inédito, um
frescor para o humor político e engajado. Através de seu alter-ego, Mafalda faz
comentários entrecortados de ironia, acidez e sutileza.
É por isso que os quadrinhos foram escolhidos como corpus deste trabalho,
porque a HQ tem a vantagem de poder, ao mesmo tempo, mostrar a cena e fazer
as personagens falar, pronta a fazer com que o dito contrarie a imagem,
trabalhando, assim, com o humor e tamm com a ironia.
Assim, Melo (2003) expõe que uma das características marcantes dos quadrinhos
é seu caráter lacunar, uma vez que, por trás do dito, há toda uma instância do
dizer, a evidenciar que a significação da tira vai muito além da simples
manifestação verbal. Desse modo, uma das funções do leitor é o preenchimento
do que não foi dito pela recuperação dos implícitos e pela percepção dos efeitos
de sentido desejados pelo autor.
As inferências são processos mentais de decodificação, enriquecimento,
reconhecimento, pressuposição, processamento, validação e conclusão de uma
palavra e/ou enunciado, em um contexto. “Sempre podemos fazer muitas
inferências a partir dos elementos de um texto, uma vez que os textos mostram
uma quantidade mínima de coesão formal, abrindo muitas linhas de possíveis
inferências” (Melo, 2003), o que normalmente requer que o leitor faça quantas
inferências forem necessárias para obter a compreensão do texto.
82
O leitor é sempre responsável pela projeção do sentido que melhor lhe convier, a
partir da posição política, social, econômica e pessoal que ocupe. Portanto, a
interpretação de uma piada depende também das inferências, ou seja, das
conexões que as pessoas fazem, quando tentam estabelecer a compreensão do
que lêem. Os textos dúbios, como são os textos de humor exigem que o leitor
realize várias inferências para construir o sentido, e o resultado dessas inferências
leva ao riso.
83
CAPÍTULO V
5. DADOS E METODOLOGIA
Este capítulo tem como objetivo descrever como as tiras utilizadas nesta pesquisa
foram coletadas e analisadas.
5.1 As tiras analisadas
Possenti salienta que escolher o humor como objeto empírico de observação pode
ter inúmeras motivações que podem tanto descrever o processo interativo que
provoca o riso, quanto conduzir à análise do contexto que poderá mostrar os
preconceitos, estereótipos sociais, proibições e controles de temas, pois
O que caracteriza o humor é muito provavelmente o fato de que ele
permite dizer alguma coisa mais ou menos proibida, mas não
necessariamente crítica, no sentido corrente, isto é, revolucionária,
contrária aos costumes arraigados e prejudiciais. O humor pode
extremamente reacionário, quando é uma forma de manifestação de um
discurso veiculador de preconceitos.
(Possenti, 1998:49)
Sobre esse tema, Brait (1996) afirma que o humor pode revelar a agressão a
instituições vigentes e tamm pode deflagrar os discursos oficiais cristalizados ou
tidos como sérios, mas, tamm, pode confirmar, transmitir ou instaurar
preconceitos.
Assim, as principais motivações para escolher o humor irônico como objeto de
observação, são porque no discurso humorístico, o falante posiciona-se contra
algo, seja isso considerado bom ou não, e tamm porque o humor “é uma forma
de manifestação que realiza uma crítica aos discursos que proíbem ou são
proibidos e controvertidos” ( Voese, 2007, p. 34).
84
Então, para explicitar como o humor irônico é realizado, foram selecionadas
quinze tiras da publicação Toda Mafalda e uma tira do livro Mafalda Inédita de
autoria do argentino Quino, da editora Martins Fontes – 1991 e 2001,
respectivamente. As tiras escolhidas tentam descrever as estratégias que o autor
utiliza para produzir a ironia interligada ao humor para mostrar critica social. Essas
críticas estão ligadas ao governo que são feitas de modo camuflado, pois a
Argentina estava em plena ditadura, e quem ousasse falar contra o sistema seria
punido. E, tamm, versam sobre o mundo e sobre a condição feminina.
5.2 Método de análise
Com o objetivo de mostrar como se processa o humor irônico, serão analisadas
dezesseis tiras de quadrinhos da personagem Mafalda em que a ironia é utilizada
com a finalidade de produzir crítica social através do humor. Para isso, serão
observados três aspectos na análise das tiras: o contexto, o humor e a ironia.
Koch (1999) declara que o estabelecimento do sentido de um texto depende em
boa parte do conhecimento de mundo ou conhecimento enciclopédico dos seus
usuários, o qual vai permitir a realização de processos cruciais para a
compreensão. Para autora é o conhecimento de mundo que propicia ao usuário do
texto a construção de um mundo textual, ao qual se ligam crenças sobre mundos
possíveis e que passa pelo modo como o receptor vê o texto, como se referindo
ao mundo real ou ficcional e que vai influenciar decisivamente se o leitor vai
considerar o texto como coerente ou não.
Koch (2006) explica que:
O contexto, da forma como é hoje entendido no interior da Lingüística
Textual abrange, portanto, não só o co-texto, como a situação de
interação imediata, a situação mediata (entorno sociopolítico-cultural) e
tamm o contexto sociocognitivo dos interlocutores que, na verdade,
subsume os demais. Ele engloba todos os tipos de conhecimentos
85
arquivados na memória dos actantes sociais, que necessitam ser
mobilizados por ocasião do intercâmbio verbal: o conhecimento
lingüístico propriamente dito, o conhecimento enciclopédico, quer
declarativo, quer episódico (frames, scripts), o conhecimento da situação
comunicativa e de suas ‘regras’ (situacionalidade), o conhecimento
superestrutural (tipos textuais), o conhecimento estilístico (registros,
variedade de língua e sua adequação às situações comunicativas), o
conhecimento sobre os variados gêneros adequados às diversas
práticas sociais, bem como o conhecimento de outros textos que
permeiam nossa cultura (intertextualidade). (p.24).
Desta forma, o contexto junto com os marcadores paralingüísticos, ajudam a
compreender o que o autor pretende mostrar através das tiras. Gumperz (1982)
declara que os sinais verbais e não-verbais utilizados por falantes e ouvintes em
interação determinam as pistas de contextualização, e as define como “traços
lingüísticos que contribuem para a sinalizão de pressuposições contextuais”.
Além dos marcadores paralingüísticos, como pausas e volume de voz, as pistas
incluem prosódia, escolha do registro, formas de seleção lexical, gestos,
expressões fisionômicas, movimento do corpo ou dos olhos.
Gumperz admite que a inferência conversacional é um processo que depende
tamm, e principalmente, de conhecimentos adquiridos sobre maneiras de
interagir: trata-se de esquemas específicos de interação, que incluem informações
sobre como sinalizar significados, ou como utilizar e depreender as pistas de
contextualização (contextualization cues) que ocorrem a todo o momento em
qualquer tipo de discurso.
Melo (2003) afirma que, para o leitor compreender a ironia contida nos quadrinhos,
é preciso que haja um compartilhamento do assunto abordado entre autor e leitor.
O autor das tiras, para atingir seus objetivos, pressupõe que o leitor compartilhe
desse conhecimento. Caso contrário, a piada ou a ironia não provoca o efeito de
levar ao riso, ou a reflexão. A prática da compreensão, portanto, é fundada no
conhecimento. O leitor, para compreender, deve possuir um conhecimento
implícito, compartilhado com o autor, o que envolve a capacidade de reconhecer
86
contextos e de conferir condições de verdade. Se as informações forem totalmente
desconhecidas para o leitor, será difícil para ele compreender o sentido cômico do
texto. Para interpretar o sentido humorístico desejado pelo autor, nesse tipo
específico de texto, o leitor precisa entender a intenção transmitida, interpretando
a mensagem a partir do contexto. Isso porque o sentido, nas tiras dos quadrinhos,
é construído não só no nível semântico pela significação das palavras e dos
enunciados; no desfecho inesperado; nem se restringe no nível sintático na
relação das palavras e orações, mas também na associação de palavras e
imagens.
Nas tiras de Mafalda, o humor será analisado por meio do estudo de Bergson
(1985) sobre o mundo às avessas e também pelas teorias de Raskin (1985) dos
dois scripts e o uso do modo non bona-fide.
Será, tamm, mostrada a ironia interligada ao Princípio da Cooperação regido
por Grice (1975), partindo da convicção de que, quando alguma das máximas
conversacionais é quebrada, pode-se constatar, por implicatura, um processo
irônico e humorístico. Tamm, planeja-se mostrar como as suposições
encontradas na Teoria da Relevância (Sperber e Wilson, 1986, 2005), podem ser
úteis para interpretar a ironia contida nas tiras e por fim, será visto qual foi a
intenção da personagem ao proferir um ato de fala irônico (Austin, 1990 e Searle
1969).
87
CAPÍTULO VI
6. A IRONIA COMO ESTRATÉGIA DE HUMOR E CRÍTICA SOCIAL NAS TIRAS
DE MAFALDA
As tiras de Quino têm a preocupação com a discussão de certos temas que
sugerem críticas sociais. Dessa forma, o humor e a ironia estão presentes nessas
narrativas. Pode-se dizer, então, que Quino mostra aos seus leitores suas análises
do contexto social-histórico-político do momento, levando os mesmos a verem a
triste realidade da América Latina bem como de outros países em conflito.
A personagem Mafalda, ciente desses conflitos sociais, políticos, culturais,
demonstra desejo de discutir essas situações, a fim de que, de alguma forma,
possa participar efetivamente das discussões, contribuindo, talvez, para o
entendimento dos povos, bem como a modificação dos problemas que a
preocupam.
Assim, a análise das tiras selecionadas tem por objetivo mostrar como a ironia é
usada para produzir humor e crítica social. A ironia será discutida tomando-se por
base três teorias da Pragmática: pela violação das máximas conversacionais, pelo
percurso de busca da relevância e pela execução dos atos de fala.
6.1 Análise das tiras
Serão analisadas dezesseis tiras. As cinco primeiras se referem ao sistema
ditatorial, as tiras de 6 a 10 versam sobre a condição do meio ambiente e do
mundo e as tiras de 11 a 16 abordam a situação feminina. Nessa primeira parte,
será mostrado o contexto em que as tiras foram produzidas e como o humor é
processado. Já na segunda parte da análise, será mostrado como se desenvolve
88
o processo irônico através das quebras das máximas, da busca pela relevância e
dos atos de fala.
6.1.1 Mafalda e o questionamento sobre a ditadura
Observe-se a tira a seguir:
Tira 1:
Pode-se interpretar a fala de Mafalda somente pela busca do contexto, referido
como “lugar comum” (Aristóteles), que permite saber a que questão a afirmação
está respondendo. É preciso recorrer à memória social, ou seja, lembrar-se de que
esta tira foi feita na época da ditadura argentina e que remete a um fato que
ocorreu, em que algumas pessoas foram mortas injustamente, pelo fato de não
atenderem a mesma ideologia dos ditadores. Silva (2002) informa que esse
episódio retrata a violência desmedida que ultrapassou qualquer parâmetro de
possível racionalidade ou compreensão, merecedora de figurar como um dos
piores capítulos da história argentina, ocorrido no dia 20 de junho de 1973, que
ficou conhecido como a Matança de Ezeiza. Essa catástrofe deu-se por ocasião
do desembarque de Juan Domingo Perón, quando retornou definitivamente ao
país após 18 anos de ausência, quando o povo argentino foi ao aeroporto para
acolhê-lo, com a esperança de que ele resolvesse o problema do regime militar na
Argentina, mas o que se viu foi a explosão de uma bárbara desavença entre a
89
Burocracia Sindical peronista e os Montoneros, grupo de oposição ao governo.
Um tiroteio destemperado espalhou-se pelos arredores do aeroporto, dividindo os
Peronistas em dois campos jurados de morte. Os direitistas não hesitaram em
abrir fogo, em meio àquela multidão, contra “as formações especiais” de Mario
Firmenich, que estavam se aglomerando perto do palanque montado para o
discurso de chegada de Perón. Balaços zuniram por todos os lados. Contabilizou-
se sem muita precisão, a perda de 13 mortos e 380 feridos. Na verdade, nunca se
soube o total de vítimas daquele dia fatídico.
No conteúdo da fala de Mafalda, no quadro 1, “Que mal fizeram as galinhas?
NENHUM, e no quadro 2 “De que as galinhas são culpadas? DE NADA”, é
possível notar que o termo galinhas se refere metaforicamente a pessoas, gente
inocente que estava sendo assassinada, como exemplo para que outras pessoas
não cometessem os mesmos atos. As palavras NENHUM e DE NADA, aparecem
em caixa alta para dar mais ênfase à crítica, para salientar a injustiça cometida
nesse episódio, em que pessoas foram assassinadas cruelmente sem ter culpa
alguma.
Pode-se inferir que a palavra e está metaforicamente lembrando alguém que
tem o poder, alguém que impõe, que oprime e castiga, no caso, o governo
argentino. Quino usou o sentido figurado para criticar a ditadura e para driblar a
censura. Ele apela naturalmente para a memória do leitor para que este
compreenda “Caldo de inocentes” e remeta à expressão “sangue dos inocentes”.
O leitor é convidado a interpretar não o que está dito, mas o que está implicado
por trás dessas afirmações: “Que mal fizeram as galinhas? NENHUM”,De que as
galinhas são culpadas? DE NADA” e “Caldo de inocentes”.
Ao levar o leitor a interpretar o que está implicado por trás dessas metáforas, o
autor da tira espera que o leitor entenda o implícito e não, apenas, o dito, já que
era impossível colocar abertamente sua opinião, pois o país estava em pleno
90
regime militar e quem expressasse sua opinião, provavelmente poderia ser a
próxima “galinha” que seria morta.
Então, pode-se constatar que, nessa tira, o riso surge pelo processo de inversão,
que é a representação do mundo às avessas (Bergson, 1900). É a criança que
está querendo explicações sobre um fato político ocorrido e não os adultos, como
era de se esperar. Ela está descontente com essa situação e uma característica
de Mafalda, para marcar esse descontentamento com o mundo, é o grito de ódio,
indicado pela boca totalmente aberta, gesto que repete em várias tiras.
A tira 2, a seguir, mostra uma crítica irônica semelhante:
Tira 2
A personagem Mafalda não consegue parar de rir após ler o significado da palavra
democracia no dicionário, pois esse conceito revela uma contradição entre a teoria
e a prática. Na teoria, a Argentina segue os preceitos da democracia, mas pratica
atos de ditadura. Assim, o povo não exerce a soberania, pelo contrário, o povo nem
sequer pode opinar, quanto mais exercer a soberania. Essa situação cômica,
demonstrada por Quino, pode ser interpretada como uma crítica velada ao modo
como estava sendo exercido o governo na Argentina, pois a contradição entre o
conceito de democracia e a ditadura vivida pela Argentina faz com que o humor
surja, pois como afirma Voese (2007), o humor é um fenômeno discursivo que
busca a contradição, a transgressão, o deslocamento de algo, quase sempre de
91
modo inesperado, a fim de possibilitar o aparecimento do riso, da crítica e, nessa
tira, da ironia.
Vale lembrar o que foi dito por Brait (1996:44), no caso do receptor da mensagem
irônica não ser capaz de decodificá-la como tal:
A ironia só pode ser empregada quando a outra pessoa está preparada
para escutar o oposto, de modo que não pode deixar de sentir uma
inclinação a contradizer. Em conseqüência dessa condição a ironia se
expõe facilmente ao risco de ser mal-entendida
.
Em suma, para que ironia surta efeito, Brait (1996), declara que é absolutamente
indispensável que os sujeitos do discurso tenham as mesmas referências, pois
está subentendido que os interlocutores se reconhecem como seres inteligentes e
capazes de localizá-la. No movimento em que o sentido-primeiro, literal, é
recusado e substituído por um sentido-segundo, até então ausente, constrói-se um
campo de implícitos que funciona como um jogo capaz de produzir crítica e humor.
Ainda sobre esse assunto, será analisada a tira 3:
Tira 3
Segundo os preceitos da democracia, o homem pode ter a sua opinião
independentemente da sua posição sócio-politico-econômica, porém não é bem
isso que acontece no sistema ditatorial. Na ditadura, todos são obrigados a seguir
o padrão estabelecido pelos ditadores, caso isso não ocorra, surge uma série de
conseqüências como: censura, repressão, tortura e mortes. Nessa tira, e bem
92
provável que quem tentou manifestar sua opinião, através da pichação no muro,
tenha sofrido alguma dessas conseqüências.
A análise dos efeitos de humor presentes na tira podem ser percebidos pela
omissão de termos, pois, nessa tira, o humor se processa na falta das sílabas
finais das palavras pensadas pela personagem no último balão. É como se a
própria Mafalda sofresse a censura e não pudesse terminar as palavras. É
interessante notar que mesmo sendo uma criança, ela já sabe os motivos por que
não terminaram de pichar o muro, mostrando assim o mundo às avessas, em que
há a troca de papéis sociais.
Finalizando sobre esse tema, serão mostradas as tiras 4 e 5:
Tira 4
Tira 5
93
A ditadura era muito brutal e usava de táticas cruéis para conseguir informações
sobre as atividades de grupos e pessoas ligadas à oposição durante esse período.
Quando não conseguia “arrancar” nenhuma informação, dava-se início ao
processo de tortura, indo de tapas, sessões de choque elétrico, mutilão até a
morte. Silva (2002) afirma que as seqüelas deixadas pela tortura eram de
tamanha dimensão que muitos presos desejaram ser levados à morte para se
livrar delas. E dessa forma, Quino faz uma crítica sobre o modo que a ditadura
tratava seus informantes.
O desfecho da tira 4 se dá com a mudança de um script para outro (Vale lembrar
que, num texto humorístico há, normalmente, a presença de dois scripts opostos).
A mudança de scripts se dá por meio do que Raskin chamou de trigger, isto é, o
“gatilho”, que faz com que o conteúdo semântico da interação passe de um script
a outro. Na tira em análise, dois scripts podem ser identificados: um script é a
reforma de uma rua e outro script é sobre a forma como os ditadores agiam, como
pode ser observado na fala de Mafalda.
Para compreender a tira 5 é preciso lembrar que a sopa para Mafalda é algo
imposto, assim como a ditadura. E, nesse período, as pessoas que se
manifestavam eram repreendidas de alguma forma. A mudança de scripts tamm
ocorre nessa tira. O primeiro script se refere à sopa como alimento e no segundo,
a sopa como instrumento de tortura.
Na seqüência abaixo, as tiras seguem a temática do meio ambiente e a situação
mundial.
6.1.2 Mafalda e o questionamento sobre o mundo
As próximas seis tiras tentam mostrar a visão do autor em relação aos conflitos
mundiais.
94
Tira 6
Tira 7
Tira 8
Tira 9
95
Como se sabe, a maioria das tiras de Mafalda apresenta um viés político
marcante: através das personagens infantis, Quino externava sua visão crítica da
realidade levando seus leitores a refletirem sobre ela. Dessa forma, ele chama a
atenção dos leitores para os problemas ambientais e as crises mundiais, como
pôde ser observado na seqüência mostrada acima.
Apesar de essas tiras terem sido produzidas entre 1964 a 1973, elas parecem ser
bem atuais, porque os mesmos problemas registrados naquela época se
perpetuaram e ainda não foram solucionados. O mundo estava e ainda está
“doente”, precisando de cuidados. Como pode ser observado nas tiras 5 e 6, o
mundo sofre com o impacto devastador do homem sobre o meio ambiente. A
devastação do meio ambiente com desmatamentos, desertificação, efeito estufa,
destruição da camada de ozônio, rebaixamento dos lençóis de água, depósito de
lixo tóxico e nuclear, destruição do solo, chuva ácida, envenenamento de rios,
lagos e oceanos e o esgotamento de recursos não renováveis, entre outros, tem
origem no desenvolvimento econômico baseado em explorar, dominar e "crescer"
a todo custo.
Outra causa da doença do mundo pode ser vista na tira 7. A Ásia estava
passando por vários conflitos. Alguns deles ainda não cessaram como a questão
entre israelenses e palestinos ou Índia e Paquistão que brigam pela posse da
Caximira. Há alguns que tiveram fim, como a guerra do Vietnã, e há outros que se
iniciaram após a elaboração da tira, como a guerra do Iraque. Todos esses
conflitos são responsáveis por essa dor na Ásia, que parece não ter “remédio”
para aliviar esse sintoma, pois pode ser percebida, pela fisionomia de Mafalda, a
falta de expectativas para a melhora do mundo e, também, pela onomatopéia
PFF!... que indica que algo de ruim, de desanimador está para acontecer.
Quino mostra que o mundo está doente, não apenas pelos conflitos mundiais e
pela devastação da natureza, mas tamm por situações como a que pode ser
observada na tira 9, em que o pai de Mafalda vê uma criança tendo que trabalhar
96
ao invés de estudar e brincar. O trabalho infantil é uma das causas da doença do
mundo, porque mostra a ineficiência do Estado que não consegue garantir direitos
básicos dos cidadãos como o direito à educação.
Pode-se perceber que o humor, nesse conjunto de tiras, é produzido por meio do
que Bergson chama de mundo às avessas, pois são as crianças que estão
preocupadas com a situação mundial. Elas que não deveriam se importar com
esse tipo de assunto, se sensibilizam e tentam “cuidar” do mundo.
A tira de número 10 tamm se refere a essa temática.
Tira 10
Nessa outra tira, Mafalda tamm aparece preocupada com o mundo, só que
essa preocupação parece se referir explicitamente à forma física do mundo, já que
ela está segurando uma fita métrica e analisando a medição que foi feita. Mas se
for analisado o implícito, poderá ser percebido que se trata não da forma física,
mas sim das formas de governo existentes no mundo. O que traz esse caráter
dúbio é a presença da ambigüidade “regime”, que assume dois significados: um
se refere à dieta e outro ao governo. E é essa ambigüidade que traz humor nessa
tira, além de gerar oposição de scripts.
Quino enfatiza o papel da mulher, nas próximas seis tiras.
97
6.1.3 Mafalda e o questionamento do papel da mulher
Da tira 11 até a tira 16, será mostrado como o autor contrapõe o papel tradicional
feminino ao papel assumido por algumas mulheres na modernidade.
Tira 11
Mãe, que futuro você vê pela liberação da mulhnão, nada, esquece
Tira12
A tira 11 ilustra a preocupação de Mafalda com a liberação da mulher daquele
papel pré-determinado pelos homens, de que as mulheres devam ser submissas e
ótimas mães e perfeitas donas-de-casa, mas ao mesmo tempo confirma essa
situação de obediência, por parte da mãe de Mafalda. Na cena acima percebe-se
a tomada de consciência da menina, desses padrões, pois o questionamento que
a mesma faz para sua mãe, vai “diminuindo”, a medida que a seqüência dos
98
quadros vai passando, para, no último quadro, a garota dizer para sua mãe
“esquecer” a pergunta.
A outra tira comprova que, pela mãe de Mafalda, a mulher vai continuar presa aos
serviços domésticos e ao sistema machista, enquanto que, pela menina, as
mulheres vão “ganhar asas” e experimentar novas oportunidades.
De acordo com Araújo (2003), com a presença de Susanita e da mãe de Mafalda,
Quino sugere uma sociedade estruturada no patriarcado; um mundo definido,
guiado pelos costumes dos homens, e aquilo que eles pensam ser o mais
adequado. E, apesar de uma estrutura sedimentada por papéis definidos como o
pai e a mãe de Mafalda, a menina rompe com isso, mostrando aos pais suas
ambições de igualdade, desestruturando o que já está definido há muito tempo. A
partir desta ruptura, Quino pode mostrar como os grupos sociais estão se
mobilizando, procurando a igualdade, a possibilidade dos direitos iguais,
organizando-se em grupos para a discussão do papel das mulheres, refutando
àquele que lhe foi destinado até então, para romper-se com “o estereótipo da dona
de casa, a escravidão doméstica do segundo sexo”.
Na tira 11, por exemplo, o humor surge na medida em que os quadros vão
passando e as letras vão diminuindo e mostrando a preocupação de uma criança
em relação à liberação da mulher, mostrando, assim, o que Bergson denomina de
mundo às avessas.
Nas tiras 13 e 14, a menina continua a indagação acerca da condição feminina.
99
Tira13
Tira 14
Na tira 13, Mafalda indaga sua mãe sobre os planos que ela tinha quando criança
e novamente interrompe seu questionamento, pois já sabe a resposta. Na
verdade, a resposta aparece no quadro três, ao ver a mãe como uma perfeita
dona-de-casa. É interessante observar que a fisionomia da menina muda ao longo
dos quadros. No primeiro quadro, ela aparece pensativa; no segundo quadro ela
aparece satisfeita, e no último quadro, a expressão dela é de tristeza, pois ela
sabe que sua mãe é e, provavelmente, sempre almejou ser apenas uma dona-de-
casa. Mafalda esperava que sua mãe tivesse outras ambições, como ter diploma
universitário, ou então, trabalhar fora.
O desfecho inesperado é o que provoca o efeito de humor nessa tira, já que a
garota muda o que pretendia falar, e o leitor tem que inferir que ela mudou o foco
do assunto porque já tinha descoberto a resposta da pergunta do quadro 1.
100
A intenção dos três primeiros quadros, da tira 14, é deixar no leitor o efeito de
espanto, já que esses quadros causam um estranhamento em quem conhece a
personagem, pois como é de conhecimento dos leitores das tiras, Mafalda não
quer ser igual à mãe, pelo contrário, a menina sempre a critica porque deixou de
estudar para se casar e ter filhos. Só no último quadro é que o leitor consegue
captar a ironia e a crítica feita pela criança. É interessante notar que, nessa tira,
no último quadro, a mãe de Mafalda é desenhada sem a boca. Vale lembrar que é
pela boca que o ser humano se alimenta e também se expressa, sem levar em
conta, é claro, a maneira possível de falar por meio de gestos ou sinais. Sem a
boca a mãe da garota não poderia falar, portanto, não poderia ser ouvida. Sem
boca para responder, aparentemente ela teria aceitado a ofensa e silenciado.
O humor nessa tira é provocado tanto pela ironia feita por Mafalda a sua mãe,
quanto pelo que Bergson denomina de Mundo às avessas, em que os papéis
sociais são invertidos.
E as últimas duas tiras, tamm mostram uma crítica à falta de ambições
femininas.
Tira 15
Tira 16
101
Sabe-se que a sociedade é patriarcal e, como conseqüência, é o homem que
domina, manipula, transforma, põe e dispõe, restando apenas à mulher o papel de
se submeter e de se resignar. O papel feminino, ao longo dos anos, é de ser
genitora e uma excelente dona-de-casa. A mulher foi “esquecida” por muito
tempo. Não passava de uma mera “máquina de fazer filhos”, que não podia
almejar mudanças. Sabendo dessa situação, Mafalda, na tira 15, expõe seu ponto
de vista, afirmando que esse comportamento feminino não pode ser considerado
um “papel”, mas um “trapo”, pois desempenhar um papel, indica prestígio, é algo
que realmente merece admiração. Já, desempenhar um trapo mostra desprestígio,
algo que não dever ser seguido e nem admirado, já que um trapo é algo que é
descartado e inutilizado.
Felizmente, há mulheres que já estão buscando seu espaço na sociedade,
tentando se firmar socialmente como mulheres independentes na busca de uma
igualdade. Estão deixando de desempenhar um trapo, para exercer um papel na
história. Porém, ainda há mulheres que se submetem aos domínios masculinos,
deixam de se expressar e aceitam tudo passivamente sem questionar.
Já na tira posterior, Mafalda comenta que a mãe de Liberdade é uma mulher
independente, que trabalha e, apesar de ter se casado, não deixou os estudos e
se formou na faculdade; no entanto, a mãe de Mafalda nãoimportância
nenhuma para os comentários de Mafalda e continua fazendo seus deveres
domésticos, até ouvir a crítica da menina, que é feita nos dois últimos quadros.
102
Também, o humor, nessas tiras, surge com a inversão de papéis, pois Mafalda se
põe como um adulto questionador que critica o modo como as mulheres têm
desempenhado o papel que lhes cabe e por aceitar esse “destino” sem reclamar.
Após analisar o contexto em que as tiras foram elaboradas, como o humor foi
produzido e as marcas paralingüísticas presentes nas tiras, será mostrado como
se processa a ironia por meio de três teorias da pragmática: Princípio da
Cooperação, Teoria da Relevância e Teoria dos atos de fala.
6.2 A ironia e a violação das máximas conversacionais
Como foi mostrado no capítulo quatro, Grice (1982) explicita que, por trás de uma
afirmativa, quase sempre há algo “encoberto” - implicatura - e, para analisá-las
deve-se remeter às quatro máximas conversacionais: Quantidade, Qualidade,
Relevância e Modo.
Para Grice, a ironia, as expressões amguas, a metáfora, entre outras constituem
uma violação do Princípio de Cooperação ou, pelo menos, de uma máxima
conversacional. A análise que se segue visa a mostrar que a quebra de uma
dessas máximas nas tiras analisadas, explica o processo de produção do ato
irônico.
6.2.1 Violação da máxima da qualidade
A Ironia designa o ato de dizer o oposto aquilo que tinha sido formulado. Desse
modo, ao observar os estudos de Grice (1982), é possível perceber que a Ironia é
justamente a violação à Máxima de Qualidade, ou seja, não dizer aquilo que
acredita ser falso. É um recurso de que o falante utiliza para “agredir” ou “satirizar”
o ouvinte sem comprometer-se inteiramente.
103
Assim, na tira 1, a violação da máxima de qualidade (falar a verdade), ocorre na
medida em que a menina diz algo que não é verdadeiro. Isso ocorre porque ela
fala das galinhas, referindo-se às pessoas que foram mortas no episódio que ficou
conhecido como a Matança de Ezeiza. E, tamm, porque diz que a mãe dela
estava matando as galinhas, pois a palavra galinha está metaforicamente
representando pessoas, que não poderia ser a mãe de Mafalda quem estava
matando. Nesse caso, a palavra mãe está fazendo alusão ao governo, era ele que
estava praticando essa agressão.
Armengaud (2006) afirma que as implicaturas conversacionais encontram-se fora
do significado e dependem do contexto tomado em sentido amplo. A dependência
do contexto é tão representativa que a seqüência do texto pode anular a
implicatura. Este tipo de implicatura subsiste na substituição de expressão
sinônima, devido à sua característica não separável. A implicatura convencional
não tem relação com valor de verdade, nem com formas lingüísticas. Sua razão
de ser é encontrada a partir do dito, no momento da situação de fala comum a
falante e ouvinte. O falante implicita e o ouvinte infere.
Essa máxima também é quebrada nas tiras 2, 3 e 4, pois é possível perceber que
Quino não poderia falar a verdade, porque o país estava vivendo em ditadura e
ele poderia sofrer trágicas conseqüências se ousasse opinar claramente, por isso,
viola a máxima da qualidade. Ele espera que o leitor entenda o enunciado como
irônico e não como mentiroso.
Assim, pode-se comprovar a concepção freudiana de ironia que procura
evidenciar que o “percurso em direção à verdade” é feito pela contramão, mas que
o locutor conta com a sintonia de seu interlocutor. O locutor e o interlocutor devem
saber que o pronunciamento feito é uma ironia e não uma mentira. Freud
(1905[1969]), aliás, relaciona a ironia à mentira. Na mentira o enunciador
desqualifica o receptor, porque o engana; já a ironia o qualifica, pois parte do
pressuposto de que o receptor será capaz de percebê-la e, conseqüentemente,
104
participar ativamente dela. Mas, enquanto na mentira o enunciador procura
encobrir, por meio de um significante, sua verdadeira intenção, na ironia ele deixa
pistas para que a dissimulação seja percebida, como ocorreu nas tiras de 1 a 4.
Na tira 14, há a desobediência dessa máxima apenas nos três primeiros quadros,
pois Mafalda não disse a verdade, ela não quer ser igual à mãe, já que almeja um
futuro bem diferente. Isso fica claro, no último quadro, na medida em que a crítica
irônica surge.
6.2.2 Violação da máxima da quantidade
A máxima da quantidade foi violada na tira 2, pois não há a explicação do porquê
de tanto riso. Ao quebrar essa máxima, o leitor é convidado a inferir que a
personagem está rindo de algo que está escrito, mas não está sendo cumprido: o
país diz seguir os preceitos da democracia, porém vive sob ditadura militar.
Essa máxima também é desobedecida nas tiras 5 e 7, pois a personagem Mafalda
não disse o suficiente para responder as perguntas de Filipe (tira 5) e de Susanita
(tira 7). Na verdade, ela nem respondeu a Filipe quem estava doente, ela apenas
mostrou a figura do globo, cabendo a ele e ao leitor inferir que quem estava
doente era o mundo.
Do mesmo modo, a tira de número 10 fere a máxima da quantidade, porque não
foi falado o suficiente para que o dito fosse compreendido. Assim, o leitor deverá
inferir que regime se refere ao sistema político do governo de um país e não à
dieta.
6.2.3 Violação da máxima da relevância
Na primeira tira, pode-se perceber que, no explícito, não há nenhuma relevância
para o leitor; mas se for analisado o implícito, haverá relevância desde que o leitor
105
busque em sua memória o fato que ocorreu dias antes da tira ser publicada. O
leitor precisa lembrar do episódio que ficou conhecido como a Matança de Ezeiza.
Só depois de recordar esse fato, é que as frases ditas por Mafalda farão sentido e
terão relevância. Grice (1982) considera o contexto fundamental à análise do
significado, sem esse contexto, a tira perderia o sentido e deixaria de fazer a
crítica proposta pelo autor.
A tira 5 fere a máxima da relevância se o leitor não souber que a sopa é algo
imposto para Mafalda, pois não teria nenhum problema em dar sopa a quem
estivesse com fome.
Houve, tamm, a violação dessa máxima na tira 9, já que no último quadro a
menina muda totalmente o que estava pretendendo falar. O discurso dela passa a
ser irrelevante para aquele questionamento inicial, pois ela já obteve a resposta no
terceiro quadro.
6.2.4 Violação da máxima do modo
Pode-se constatar que Mafalda, na tira 1, viola a máxima do modo, seja claro, ao
metaforizar as pessoas como galinhas, pois como é conhecido dos seus leitores,
ela detesta sopa. Pode ser que ela queira deixar claro que também não gosta que
sua mãe mate as galinhas para fazer a sopa. Ela poderia querer defender as aves.
E quando usa a metáfora acima, deixa de ser clara e pretende que o leitor
interprete o que ela diz, para, então, construir sobre essa metáfora um significado
adequado à situação e ao contexto. Ela, tamm, viola essa máxima ao
metaforizar o governo na figura da mãe.
Confirma-se que houve violação da máxima do modo (seja claro) na tira 2, pois a
menina não foi clara, tanto que seus pais e seu irmão não entenderam o porquê
de tanto riso. Tanto na tira 1 quanto na tira 2, é possível perceber que o dito
106
problematiza o entendimento, porque não há clareza, mas, através do processo
inferencial, é possível explicar a intenção comunicativa do autor.
A tira 5 fere essa máxima, pois à princípio não fica claro porque Mafalda chama a
mãe de torturadora, só depois de saber que a menina é obrigada a tomar sopa
todos os dias é que a tira pode ser compreendida.
Na tira 10, houve a violação dessa máxima, pois há a presença de uma
ambigüidade, a palavra “regime” possui duas possibilidades de interpretação: uma
é dieta e outra é sistema político do governo de um país.
Assim, é possível perceber que a ironia cômica pode ser explicada através da
quebra de quaisquer máximas, pois, quando são violadas, ocorre um hiato entre o
que o falante diz e o que o ouvinte compreende. Esse hiato só pode ser
preenchido por meio do processo inferencial, pois a decodificação não é
suficiente, exigindo mais esforço do ouvinte. A violação, dessa forma, é muito
usada como recurso de construção de humor.
6.3 A ironia e a relevância
Tomando como base a teoria da Relevância, será mostrado, a seguir, como se
processa a compreensão inferencial de seis tiras a partir do estímulo visual. O
objetivo é mostrar que o significado para a compreensão é construído
essencialmente através de pistas contextuais na qual a imagem é processada.
107
Tira 1
Oberva-se o apelo do autor através dos inputs visuais da tira 1, como:
(i) O dedo de Mafalda numa posição ostensiva;
(ii) As palavras “nenhum” e “ de nada” grifadas em tipo diferente e em
tamanho maior do que as demais;
(iii) A expressão facial da personagem no último quadro demonstrando
raiva;
(iv) As letras estremecidas do último quadro.
A partir desses inputs visuais e do input lingüístico, o leitor busca na memória
enciclopédica algumas informações que possam estar implicadas nesse processo
interpretativo, tais como:
1. A sopa para Mafalda é imposta, assim, como a ditadura.
2. A Argentina estava passando pelo período de ditadura e na ditadura havia
censura.
3. No dia anterior à publicação dessa tira, algumas pessoas foram
assassinadas porque pensavam diferente do regime ditatorial.
4. O dedo indicador levantado, provavelmente, indica ameaça.
5. A palavra “mãe” representa aquele que tem o poder de impor.
6. O trocadilho da expressão “sangue dos inocentes” remete a “caldo dos
inocentes”, e leva o leitor a fazer a relação entre os fatos.
108
Resgatadas essas informações, o leitor percebe a intenção irônica do autor, que
pode levar às possíveis suposições (S):
S1 Como Quino não podia expor abertamente sua opinião, devido à censura, ele
usou de metáforas. Assim, a palavra “galinha” representa metaforicamente alguém
que é indefeso, nesse caso, as pessoas que foram assassinadas. E a palavra
“mãe” representa aquele que tem autoridade, no caso, o governo.
S
2 Mafalda representando a voz do povo que está revoltado com a situação, tem
uma atitude de raiva e descontentamento pela injustiça cometida pelos
governantes.
S
3 A ditadura têm desagradado à população que reivindica que os culpados sejam
punidos por esse ato de covardia.
Então, pode-se perceber que a interpretação da tira não se dá sem a inclusão do
contexto, entendido como um conjunto de suposições trazido à mente do leitor e
sem considerar as relações de Relevância. Para o leitor daquela época, a tira era
a manifestação do sentimento de revolta e a busca pela punição dos
transgressores.
A próxima tira também aborda a temática da ditadura:
Tira 4
Pela parte visual dessa tira é possível perceber:
109
(i) Há alguns homens trabalhando com britadeira e compactador manual;
(ii) A expressão facial de Mafalda;
(iii) As letras do balão de fala escritas em letras maiores do que o tamanho
normal e todas em caixa alta.
Analisando as partes visuais e lingüísticas, o leitor deverá resgatar de sua
memória as seguintes informações:
1. Quando a tira foi publicada, a Argentina estava em um período ditatorial.
2. A ditadura usa de táticas cruéis para conseguir informações.
3. Nos quadrinhos, as letras escritas em caixa alta representam que alguém
está gritando ou com raiva.
Após essas informações, é possível supor que:
S1 Os ditadores torturavam os informantes para que eles delatassem possíveis
planos e pessoas envolvidas nas militâncias.
S2 As pessoas já estavam a par do que acontecia com os presos políticos e não
estão satisfeitas com o modo que elas eram tratadas.
Assim, apesar do autor não ter condições de exercer sua cidadania plenamente,
ele tenta, através da tira, fazer com que os leitores consigam perceber o que está
acontecendo no país para que eles busquem a redemocratização.
As duas tiras que serão analisadas a seguir abordam a temática da situação
mundial.
110
Tira 8
Ao observar a tira 8, a seguir, é possível perceber os seguintes inputs visuais:
(i) O globo simbolizando o mundo;
(ii) Ele está deitado, como se estivesse doente;
(iii) A fisionomia de decepção de Mafalda no último quadro
A partir desses inputs visuais e do input lingüístico, é provável que o leitor busque
em sua memória enciclopédica a informação de que:
1. A Ásia passa por inúmeros conflitos desde a publicação da tira, entre eles:
Israel x Palestina, Guerra do Vietnã, Índia x Paquistão, Revolução Cultural na
China, Guerra entre Egito e Israel, Guerra do Iraque entre outros.
Percebe-se que essas informações, possíveis de estarem armazenadas na
memória dos leitores, no contexto atual, não foram explicitadas lingüisticamente,
mas resgatadas, de modo implícito, do conhecimento de mundo. E tornam-se
relevantes, já que são efeitos contextuais comunicativos e cognitivos.
Resgatada essa informação, o leitor percebe a intenção irônica do autor, que pode
levar às possíveis suposições (S):
S1 – O mundo está doente devido aos desentendimentos entre os povos e aos
cenários de violência no continente asiático que pode ser comprovado pela
expressão Dor na Ásia, que se refere a esses numerosos conflitos existentes
nesse continente.
111
S2 – A possível “cura” do mundo estaria longe de ser encontrada, pois pela
fisionomia de Mafalda no último quadro, é possível perceber que o mundo já está
“em fase terminal”.
Então, sem as informações contextuais sobre o cenário político-mundial, esse
raciocínio não seria construído e a tira não passaria a mensagem pretendida, o
que tamm confirma o argumento de Sperber e Wilson de que o ouvinte usa
suas crenças, suposições factuais e esquemas de suposições na interpretação de
informações.
Tira 9
Por meio da parte visual dessa tira, é presumível que:
(i) O globo está na cama e Mafalda está tomando conta dele;
(ii) O pai de Mafalda, a princípio ri, ao ver a menina tomando conta do
mundo;
(iii) No terceiro quadro, ele se depara com uma cena que o faz parar de rir
e acreditar no ideal da filha.
(iv) No último quadro ele se decepciona com o acontecido e começa a
divulgar que o mundo está doente.
Após analisar a parte visual e a lingüística o leitor deve supor que:
112
S1 Quando o pai de Mafalda pensou na palavra mundo, ele imaginou um lugar
bem distante. E ao pensar na doença do mundo, a idéia que lhe veio à mente, foi
os de bombardeios, conflitos religiosos, aquecimento global entre outros.
S2 Uma das causas do mundo estar doente é o trabalho infantil que tem crescido a
cada dia, apesar das leis que proíbem essa prática. Uma das causas para que as
crianças exerçam esse tipo de trabalho é a necessidade de aumento de renda nas
famílias mais pobres que, muitas vezes, têm nos filhos uma fonte de renda. Neste
caso, quanto mais crianças na família, mais pedintes ou vendedores de rua para
aumentar a renda familiar.
S3 Ele compreendeu que a doença do mundo está mais perto do que pensava e
por isso, para de rir, se entristece e ainda comenta com os amigos no trabalho
essa triste descoberta.
Outra tira a ser analisada é a tira de número 11, que faz referência ao papel
desempenhado pelas mulheres tradicionais.
Tira 11
Mãe, que futuro você vê pela liberação da mulhnão, nada, esquece
Pelos inputs visuais dessa tira, é possível perceber que:
(i) As letras vão diminuindo na medida que os quadros vão passando;
(ii) A posição da mãe de Mafalda no último quadro, indica submissão;
113
(iii) O posicionamento de Mafalda em relação à mãe, no último quadro,
mostra que aquela está no comando, enquanto esta está sendo
comandada.
Observando os inputs visuais e os inputs lingüísticos, o leitor deve se lembrar que:
1- a mulher ao longo da história da humanidade, sempre foi submissa ao homem e
a ela era destinado o papel de dona-de-casa. O lugar da mulher foi delimitado
entre as paredes de sua casa. Ela não podia querer
Desse modo, pode-se supor que:
S1 – A idéia da submissão feminina se evidencia na intenção do autor em
posicionar a mãe agachada para designar uma postura de submissão e também
ao mostrar a roupa passada e a casa arrumada no segundo e terceiro quadro.
S2 – Insatisfeitas com o rumo dado a suas vidas, começam a surgir mulheres
empenhadas em defender a posição feminina, são contra esse estereótipo de que
toda mulher deve ser submissa e dona-de-casa. Mafalda é uma personagem que
possui esse perfil, ela questiona a posição exercida pela mãe e a olha nos olhos
para ver se encontra uma resposta diferente da realidade.
Assim, as mulheres iniciam um novo processo, buscam seu espaço na sociedade,
tentam se firmar socialmente como mulheres independentes na busca de uma
igualdade, mas há muitas mulheres ainda que se submetem aos domínios
masculinos, deixam de se expressar e aceitam tudo passivamente sem
questionar.
A tira 12 tamm se refere à condição feminina.
114
Tira 12
Observando a parte visual da tira 12, é possível intuir:
(i) Mafalda sonha que está voando;
(ii) No sonho a mãe da garota está presa à máquina de lavar e ao ferro de
passar;
(iii) Mesmo estando atada a mãe de Mafalda parece estar feliz;
(iv) Mafalda acorda e consola a mãe com um beijo.
O interessante dessa tira é que ela é apenas composta pelo código visual e
onomatopéias, mas mesmo assim, o leitor é capaz de supor que:
S1 A mulher tradicional (representada pela mãe de Mafalda) sempre ficou “presa”
aos serviços domésticos. A ela sempre coube cuidar da casa e dos filhos.
S2 Uma nova geração surge para se opor a “essa prisão” e galgar novas
oportunidades.
Após analisar essas seis tiras, é possível perceber a importância do papel
desempenhado pelas inferências na compreensão das interações encenadas, pois
Quase todos os textos que lemos ou ouvimos exigem que façamos uma
série de inferências para podermos compreendê-lo integralmente. Se
assim não fosse, nossos textos teriam que ser excessivamente longos
para poderem explicitar tudo o que queremos comunicar. Na verdade é
assim: todo texto assemelha-se a um iceberg o que fica à tona, isto é,
o que é explicitado no texto, é apenas uma parte daquilo que fica
submerso, ou seja, implicitado. Compete, portento, ao receptor ser
capaz de atingir os diversos níveis de implícito, se quiser alcançar uma
115
compreensão mais profunda do texto que ouve ou lê. (Kock & Travaglia
1990, p. 65)
6.4 A ironia e o ato de fala irônico
As ações praticadas via enunciados são de modo geral chamadas de atos de fala,
e, mais especificamente, de pedido, cumprimento, desculpa, convite, promessa,
resposta, e outros. Esses diferentes tipos de atos de fala estão relacionados à
intenção comunicativa do falante, quando produz seu enunciado.
Seguindo a teoria dos atos de fala de Austin (1962), como foi mostrado no capítulo
três, há três tipos de atos que ocorrem simultaneamente:
Ato locucionário: é o conjunto de sons que a personagem está proferindo;
Ato ilocucionário: é a força que o enunciado produz;
Ato perlocucionário: é o efeito produzido no ouvinte ao receber esse enunciado.
Segundo Searle (1969) há cinco atos de fala ilocucionários, são eles: ato
assertivo/ representativo; diretivo/exortivo, comissivo, expressivo/compromissivo e
declarativo. O filósofo admite que para que, haja um ato de fala indireto, é preciso
ter um enunciado cuja estrutura gramatical indica uma força ilocucionária diferente
daquela pretendida pelo falante, como por exemplo, a ironia.
Nota-se que o falante espera que sua intenção comunicativa seja reconhecida por
seu ouvinte. Quino utiliza atos de fala indiretos, no caso ironia, metáfora e
implicatura nas tiras 1, 2 3, 4 e 5, por não poder falar diretamente contra o
governo, pois as tiras foram publicadas no período em que a Argentina estava
sendo governada pelo regime ditatorial. Quino impessoaliza o discurso ao usar
Mafalda como falante, pois não é ele quem critica, mas uma inofensiva criança de
apenas 6 anos.
116
Tira 1
Desse modo, o ato ilocucionário da tira 1 é de ameaça e de revolta. Ameaça
porque foi feita uma acusação contra o governo, o povo sabia que o culpado era o
governo e se revolta porque pessoas estavam sendo mortas injustamente.
É interessante notar que, na primeira tira, as perguntas e respostas de Mafalda
não são perguntas e respostas. Na verdade, o texto como um todo representa um
sermão, uma advertência, o que pode ser considerado, pelos estudos de Searle,
como um ato expressivo (quando o falante expressa um estado psicológico sobre
determinada situação).
Sobre a noção de atos expressivos, Austin declara que, ao enunciar uma
sentença, há a realização de três atos, simultaneamente: o locucionário, o
ilocucionário e perlocucionário. Verifica-se que em todas as 16 tiras, o ato
locucionário é a realização dos fonemas, é a fala, propriamente dita; o ato
ilocucionário das tiras 2, 3, 4 e 5, mostra que a fala da personagem tem a força de
crítica e o ato perlocucionário faz com que o leitor da época reflita sobre a
ditadura e busque a redemocratização.
117
Tira 2
Tira 3
Tira 4
Tira 5
118
Observando-se a partir das afirmações de Searle, nessas tiras, há tanto o ato de
fala assertivo/representativo, quanto o ato de fala diretivo. Assertivo porque o
falante se compromete com a verdade. A verdade foi dita, mas de modo
camuflado, tanto que na tira 2, a personagem ironicamente mostra que a
Argentina se denomina democrata, mas na realidade, o país estava vivendo sob
ditadura. Já nas tiras 3, 4 e 5 a protagonista exibe algumas formas de poder que
a ditadura utilizava para se impor, como a censura (tira 3) e a tortura (tiras 4 e 5).
E ato de fala diretivo (fazer com que o ouvinte realize algo), pois o autor espera
que o leitor compreenda a crítica feita e queira que o país saia do regime ditatorial
e volte para a democracia.
Focalizando os dados a partir do modelo de atos de fala proposto por Austin, é
possível perceber que, nas tiras de 6 a 10, o ato locucionário é a enunciação das
sentenças; o ato ilocutório é o ato de fazer uma declaração, nesse caso, declarar
o porquê do mundo estar doente e o ato perlocucionário é o ato de causar efeito
no ouvinte, é fazer com que os leitores reflitam o que está acontecendo no mundo
e também para que eles se conscientizem e tentem mudar esse cenário político-
social-ambiental.
Tira 6
119
Tira 7
Tira 8
Tira 9
120
Tira 10
Já se se observar, do ponto de vista de Searle, essa seqüência de tiras se
enquadra como um ato diretivo, que mostra a tentativa do falante em fazer com
que o ouvinte realize algo, ou seja, fazer com que leitor possa pensar no que está
acontecendo com o mundo e queira mudar essa situação e, ao mesmo tempo, há
a realização do ato de fala compromissivo, pois a menina se compromete a “cuidar
do mundo”.
Nas tiras em que Mafalda questiona a condição feminina (tiras de 11 a 16),
Comprova-se que o ato ilocucionário é o de crítica, pois a personagem critica o
modo como as mulheres têm se mostrado na sociedade e o ato perlocucionário é
o de causar um impacto nos leitores para fazer com que as mulheres reflitam que
elas possuem um grande potencial para realizar quaisquer tarefas.
Tira 11
Mãe, que futuro você vê pela liberação da mulhnão, nada, esquece
121
Tira12
Tira 13
Tira 14
122
Tira 15
Tira 16
Nesse conjunto de tiras, aparece o ato de fala expressivo, e tamm o ato
declarativo. No primeiro ato, Mafalda expressa seus sentimentos como, por
exemplo: decepção e tristeza (tiras 11, 13, 15 e 16), pena/compaixão (tira 12),
aversão/antipatia (tira 14) em relação à sua mãe. E no segundo ato de fala, a
personagem espera que as mulheres mudem o comportamento, almejem um
futuro melhor.
É possível perceber que nas tiras 1, 2, 4, 5, 10, 11, 13, 14 e 16 houve o ato de fala
irônico, pois a personagem ironizou ao criticar a ditadura (tiras 1, 2, 4 e 5), o
mundo (tira 10) e a situação feminina (tiras 11, 13 e 14). A ironia aparece tanto de
modo explícito, como por exemplo, nas tiras em que a menina aprece criticando o
modo como as mulheres tem agido na sociedade; quanto implícito, como é o caso
das tiras que abordam a ditadura.
123
Após analisar os atos de fala nas tiras selecionadas, confirma-se que falar uma
língua é realizar ações. Os enunciados possuem uma força
ilocucionária/perlocucionária que fazem com que as intenções do falante alcancem
o ouvinte, para que este realize os atos de fala propostos pelo falante.
124
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve o propósito de analisar como Quino utiliza o recurso da ironia
para produzir humor e crítica. Os resultados revelam que a ironia é um mecanismo
presente nas tiras de Mafalda, muito utilizado pelo autor, para expressar uma idéia ou
sentimento através das palavras, que, aparentemente, exprimem o contrário. Ler uma tira de
Mafalda é perceber as sutilezas textuais e inferir, a partir delas, os enunciados irônicos e
sua funcionalidade nas tirinhas. As personagens, em geral, ou dizem aquilo que não
acreditam ser, violando as máximas propostas por Grice; ou utilizam o recurso da
inferência, que permite que o leitor perceba as pistas lingüísticas que levam a conclusões
sobre os implícitos textuais, ou, ainda, empregam os atos de fala.
É interessante notar que a grande parte dos autores estudados afirma que a ironia
se faz quando há uma afirmação contrária sendo pronunciada, porém esta
afirmação contrária não é uma afirmação falsa. O locutor quer deixar bem claro
que faz uso da ironia para pronunciar um discurso que deve ser entendido pelo
leitor como contrário ou para gerar riso ou crítica, pois, às vezes, as críticas devem
ser feitas “encobertas” para não causar represálias ao enunciador. No entanto, a
ironia só vai ser bem sucedida se o ouvinte for capaz de entender o que es
sendo proposto pelo falante.
É o que ocorre quando há quebra de máximas conversacionais, o enunciado
problematiza o dito e o leitor talvez não consiga perceber o que está implícito
naquele texto. Se o ouvinte, ou leitor, neste caso, falha em relacionar o dito e o
implícito, automaticamente inicia uma série de cálculos mentais a fim de buscar
uma interpretação para tal enunciado, e pode ser que a ironia via implicatura não
surja com o devido efeito proposto. Mafalda utiliza, muitas vezes, das máximas
para proferir suas falas, ou para produzir humor ou crítica.
125
Os dados mostram que o humor pela ironia ocorreu devido aos seguintes mecanismo:
ambigüidade (tira 10), inferência (tiras 1, 8, 12, 11 e 16), quebra das máximas (tiras 1, 2, 3,
4, 5, 6, 7, 9, 10 e 14), conhecimento prévio (tiras 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e10), quebra de
expectativa (tiras 5, 6,14 e 16), mudança de
scripts
(tiras 4, 5, 10) e representação do
mundo às avessas ( tiras 1, 3, 6, 7, 8, 11, 13, 14, 15 e 16).
Desse modo, poderão ser respondidos os dois questionamentos feitos no início
desse trabalho: O que faz com que um enunciamento irônico seja produtor de
humor e ao mesmo tempo de crítica social? Com que propósito alguém faz uso
desse recurso? É possível responder que quem faz um pronunciamento irônico o
faz para se afastar do discurso proposto, para não ser a voz que fala. No caso das
tiras analisadas, Quino utiliza essa estratégia para transmitir um juízo de valor,
pois pretende avaliar e criticar, mas sem se comprometer com o que está sendo
dito. Assim, ele não seria “culpado” pelos comentários feitos nas tiras,
principalmente naquelas que versam sobre política.
Espera-se que este estudo contribua de alguma forma para o desenvolvimento de
pesquisas voltadas para a construção do humor e dos quadrinhos, mesmo porque
muito há a ser pesquisado, discutido, avaliado nessas áreas, que de certa forma,
são muito recentes e com tão variadas possibilidades de investigação.
126
8. REFERÊNCIAS
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