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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
CENTRO DE HUMANIDADES – LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM LINGUAGEM E ENSINO
MANUEL BANDEIRA, CULTURA POPULAR E
ESCOLARIZAÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA COM POEMAS NO
ANO
Andréia Bezerra de Lima
Campina Grande – PB – Agosto de 2009
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Andréia Bezerra de Lima
MANUEL BANDEIRA, CULTURA POPULAR
ESCOLARIZAÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA COM POEMAS NO
ANO
Dissertação de Mestrado
apresentada à Banca
Examinadora da Pós
Graduação em Linguagem e
Ensino, da Unidade Acadêmica
de Letras da Universidade
Federal de Campina Grande,
como parte dos requisitos para
obtenção do título de mestre.
Sob a orientação da Profª. Drª
Maria Marta dos Santos Silva
Nóbrega.
2009
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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFCG
L732m
2009 Lima, Andreia Bezerra de.
Manuel Bandeira, cultura popular e escolarização: uma
experiência com poemas no 9º ano / Andreia Bezerra de Lima.
Campina Grande, 2009.
136 f.
Dissertação (Mestrado em Literatura e Ensino) – Universidade
Federal de Campina Grande, Centro de Humanidades.
Referências.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Marta dos Santos Silva
Nóbrega.
1. Literatura e Ensino. 2. Manuel Bandeira. 3. Cultura
Popular. 4. Estética da Recepção. I. Título.
CDU – 82(043)
FOLHA DE APROVAÇÃO
Profa. Dra. Maria Marta dos Santos Silva Nóbrega
Orientadora
Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves
Examinador
Profa. Dra. Francisca Zuleide Duarte de Sousa
Examinadora
Desde o início Deus tem sido o autor deste capítulo de
minha história cujos personagens que mais
influenciaram o enredo foram: meus pais, meu noivo e
minha tia Luzinete a quem dedico com amor a vitória
neste epílogo que inicia uma nova etapa em minha vida.
Existem, pois estes três tempos na minha mente
que não vejo em outra parte: lembrança presente
das coisas passadas, visão presente das coisas
presentes e esperança presente das coisas futuras.
(Sto. Agostinho, 1987 [398], 222)
AGRADECIMENTOS
A Deus, que é soberano, me deu o fôlego de vida e sempre tem o melhor
para mim.
Quero agradecer a todas as pessoas que se fizeram presentes, que se
preocuparam, que foram solidárias, que torceram por mim. Mas, bem sei que
agradecer é sempre difícil. Posso cometer mais injustiças esquecendo pessoas
que me ajudaram do que fazer jus a todas que merecem.
Todos os que realizam um trabalho de pesquisa sabem que não o fazem
sozinhos, embora seja solitário o ato da leitura (em nossos tempos) e o da escrita.
O resultado de meus estudos foi possível apenas pela cooperação e pelo esforço
de outros antes de mim. Alguns pesquisadores falaram sobre o fardo que
impomos aos ombros de gigantes que nos precederam. Isto me leva a questionar:
quanto de mim sou eu, e quanto é dos outros com quem convivi e com quem
convivo? A pergunta cabe porque sinto que este trabalho não é meu. Pelos
autores que li, pelos professores com quem tive aula na graduação e pós-
graduação, pelos colegas de mestrado que me ensinaram com as discussões e
conversas e pelos comentários e sugestões feitos aos meus primeiros rabiscos da
dissertação.
Quero agradecer à Universidade Federal de Campina Grande, pela
iniciativa de oferecer uma linha de pesquisa vinculada ao ensino, ajudando-me a
minimizar o distanciamento entre teoria, crítica literária e prática de sala de aula e
me dando a oportunidade de aprofundar meus conhecimentos.
Aos professores do mestrado: Hélder Pinheiro, Márcia Tavares, Andrey
Oliveira, Lilian Rodrigues, Williany Miranda e Marta Nóbrega.
Nesse momento de agradecimento não poderia deixar de transcrever o
meu percurso neste programa de pós-graduação, e ao percorrê-lo me lembro de
personagens de suma importância nesse capítulo de minha história.
Hélder Pinheiro, meu primeiro contato no mestrado quando ainda era aluna
na qualidade de especial. As disciplinas ministradas por esse professor me fez
apaixonar-me ainda mais pela literatura, como aprendi; fui contagiada por seu
amor à poesia, à cultura do povo, a sala de aula. Se deliciar com Manuel
Bandeira, descobrir novas perspectivas teóricas da leitura, se encantar com o
Cordel, ver como o Jovem é representado na literatura brasileira e ainda ver o
amor através dos contos de Guimarães Rosa foi mais do que prazeroso para
mim. Suas disciplinas me proporcionavam sempre descobertas e novas leituras.
Agradeço, ainda, pelos livros emprestados e pelas sugestões dadas na minha
banca de qualificação
À Professora Márcia Tavares, que me fez reencontrar a infância, através
das deliciosas leituras de “O Sítio do Pica Pau Amarelo”, “Bem do seu Tamanho”,
“Bento-que-bento-é-o-frade”, “Angélica”, ”Menina bonita do laço de fita”, dentre
outros. Em sua disciplina me reencontrei de um modo bem humorado com a
“katarsis”, “poiesis” e “aisthesis” que tanto me perturbaram em outros momentos.
Com sua simpatia e alegria sempre deixava que abríssemos “um parentesco”, e
assim descobrimos que “no frigir dos ovos” a literatura cumpre o seu papel
dissociada da pedagogização.
As aulas sobre a análise do poema eram maravilhosas, como aprendi com
o professor Andrey Oliveira, “formalista paraibano” que envolvia a turma nas
leituras dos poemas Drummonianos e de tantos outros que nos eram
apresentados, sem falar nas teorias que nem sempre eram ceis, mas que nos
eram passadas com uma competência que por um momento quase não víamos a
literatura como humanizadora.
Em meio a tanta erudição, aparece pido como um cometa o “pessoal do
popular” que encantou a todos que tiveram a oportunidade de cursar a disciplina
Literatura Popular. Mesmo estando doente, o envolvimento nas discussões era
inevitável, que a mediadora, professora Lilian Rodrigues, com a simpatia que
lhe é peculiar envolvia a turma e me apresentava teorias de fundamental
importância para minha pesquisa.
À professora Williany Miranda que acompanhou as etapas de reformulação
de nosso projeto, nos questionava sempre sobre a metáfora que daríamos a
pesquisa, essa em todo o momento da disciplina de metodologia não veio a
minha mente, mas agora, chamaria de metamorfose, pois ao seu tempo
transformou-se deixando de ser uma lagartinha e tornando-se uma bela borboleta.
De forma especial, agradeço a professora Marta Nóbrega que além de nos
ensinar sobre a historiografia literária; pacientemente me orientou, ouviu meus
dilemas, me deu dicas de leitura. Suas sugestões nunca soaram arrogância de
quem detém o título de Doutora, mas foram sempre úteis, bem-vindas e
acabaram por constituir-se neste trabalho. Marta, muito obrigada.
À professora Zuleide Duarte pela preciosa contribuição na minha banca de
qualificação, boa parte das sugestões dadas por ela está aqui incorporada.
Sou grata também a professora do ano da Escola Estadual Ademar
Veloso da Silveira e aos alunos pela colaboração mais que significativa.
Aos amigos: José Mário, Paulo Junior, Daniela Araújo, Marcelo Medeiros,
Diná Menezes, Kleber José. Estes amigos contribuíram diretamente e
indiretamente para que eu conseguisse realizar o sonho de me tornar aluna
efetiva do mestrado. Aos novos amigos: Fernanda Moura, Isaias Erich e Keith
Glauck. O quarteto mais que fantástico que formamos FIKA era maravilhoso,
as conversas, discussões, os momentos de descontração certamente ficarão
marcados em minha memória. Obrigada amigos.
À família: meu pai Valdir Lima e minha mãe Rita de Cássia, por me
encorajarem e me ensinarem o melhor caminho a seguir, agradeço por
depositarem em mim a confiança para todas as horas; meus irmãos Alisson e
André, obrigada, amo vocês; minha tia Luzinete, que sempre me incentivou,
contribuiu com a minha formação acadêmica e profissional; meu noivo Thiago,
meu companheiro nesta trajetória, soube compreender, como ninguém, a fase
pela qual eu estava passando. Durante a realização deste trabalho, sempre
tentou entender minhas dificuldades e minhas ausências, procurando se
aproximar de mim através da própria dissertação. Agradeço-lhe, carinhosamente,
por tudo isto.
Neste último parágrafo, incluo todos aqueles que não cito, mas que fazem
parte de minha vida e contribuíram direta ou indiretamente para a conclusão deste
capítulo de minha história, que compreenderam o meu sumiço e intercederam a
Deus por mim.
RESUMO
O presente trabalho objetivou refletir acerca de uma experiência de leitura da poesia de
Manuel Bandeira, no ano da Escola Estadual Ademar Veloso da Silveira,
considerando-se o diálogo com a cultura popular presente na poética desse autor. Para
isso, fez-se necessário uma revisão de determinados conceitos teóricos sobre a cultura
popular, tais como: a complexidade da cultura brasileira e da representatividade das
manifestações populares na poesia bandeiriana; realizamos a leitura dos poemas
presentes na antologia organizada, demonstrando o modo como alguns elementos da
cultura do povo são ressignificados pelo poeta. Abordamos, também, sobre a literatura e
o ensino, bem como a interação texto-leitor, visando reavaliar a metodologia direcionada
ao texto poético. Buscando verificar a recepção da poesia pelos adolescentes,
observamos as reações e comentários feitos pelos alunos colaboradores da nossa
pesquisa e anotamos tudo num Diário de Campo. O relato da experiência, fundamentado
nos pressupostos da Estética da Recepção, pretendeu mostrar as diferentes atitudes
diante dos poemas lidos, pois acreditamos que a poesia mexe com a emoção, com os
sentimentos e com sensações; logo, o contato com o texto poético é um momento
singular que, na maioria das vezes depende da metodologia utilizada, da vivência e
expectativas dos alunos e da qualidade estética da obra. A exemplo do que vivenciamos,
não basta escolhermos um poema de qualidade, antes, devemos planejar nossas
atividades e pensarmos os textos a partir do horizonte de expectativas da turma.
Aprendemos também que o trabalho com poemas será mais significativo se alterar, de
alguma maneira, o horizonte de expectativas do leitor. Nessa perspectiva, esperamos
que esta pesquisa constitua um exemplo de estímulo a reflexão sobre o papel da
literatura na escola, fornecendo contribuições significativas para o repensar da prática
pedagógica direcionada ao texto literário.
Palavras-chave: Manuel Bandeira, Cultura Popular, Estética da Recepção e Ensino de
literatura.
ABSTRACT
The present project objectified reflects about the experience of poetry reading of Manuel
Bandeira in the 9
th
grade of the Ademar Veloso da Silveira State School, considering the
dialog like a popular culture is present in the poetic of this author. Therefore, made
necessary a revision of certain theoretical concepts on popular culture such as: the
complexity of the Brazilian Culture and about the representatively of popular
manifestations in the Bandeira’s poems. We realize the reading of poems presents in the
organized anthology, showing the way how some elements in the people’s culture are
bringing a new meaning by the poet. We also broach about the literature and the teaching,
as well as the interaction text-reader, aiming to revalue the methodology focused to the
poetic text; Seeking to verify the reception of the poems by the teenagers, we observe the
reactions and remarks said by the collaborators students of the research and then we
register all in a Field’s Journal. The relate of experience, underlie in presupposes of the
Esthetic of Reception, intended to show the different attitudes up against of the poems
read, ‘cause we believe that the poems get with the emotions, with the feelings, and with
the sensations; So, the contact with the poetic text is a singular moment that, in the most
of times depends of the methodology used, of experience and expectative of the students
and of the esthetic quality of the work. An example is what we live, isn’t enough choose a
poem of quality, before, we should plan our activities and think about texts from the
horizon of the class expectative. We also learned about the work with poems will be more
significant if change, of some way, the horizon of the reader expectative. In this
perspective, we hope that this project build an example of stimulus for a reflection about
the function of the literature in the school, giving significant contributions to rethink about
the pedagogic practice focused to the literary text.
Keywords: Manuel Bandeira, Popular Culture, Esthetic of Reception and Literature
Teaching.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..............................................................................................................01
CAPÍTULO I
1. CULTURA POPULAR: VIVA, DIÁRIA E NATURAL.............................................. 06
CAPÍTULO II
2. A REPRESENTAÇÃO DO POPULAR NA POESIA DE MANUEL BANDEIRA.......14
2.1. Simplicidade e encantamento em “Na Rua do Sabão”, “Balõezinhos” e
“Camelôs”...........................................................................................................................17
2.2. Sons e ritmos: uma leitura de “Menino Doente”, “Acalanto de John Talbot” e
“Rondó do Capitão”... ........................................................................................................28
2.3. Mito e poesia: Os sons da Amazônia no imaginário poético de Manuel
Bandeira.............................................................................................................................37
2.4. A (re) significação sonora em “Trem de Ferro” e “Boca de
Forno”.................................................................................................................................43
CAPÍTULO III
3. ARTE LITERÁRIA E ENSINO................................................................................51
CAPÍTULO IV
4. VIVÊNCIA DOS POEMAS EM SALA DE AULA......................................................57
4.1. A experiência de leitura dos sujeitos da pesquisa................................................58
4.2. Descrição das aulas observadas..........................................................................66
4.3. Leituras de poemas em sala de aula....................................................................71
4.4. Conversando sobre as poesias: o mistério e a brincadeira..................................89
4.5. Poesia e ludismo: de cantigas a brincadeiras.......................................................98
4.6. Últimos encontros com a poética de Manuel Bandeira: (re) significações..........108
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................115
FONTES BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................120
APÊNDICE.......................................................................................................................124
ANEXOS..........................................................................................................................135
APRESENTAÇÃO
O interesse por um estudo mais acurado da poesia de Manuel Bandeira, levando
em consideração a influência da Cultura Popular em sua poética, surgiu durante a
disciplina “A Poesia de Manuel Bandeira” cursada na qualidade de aluna especial do
programa de pós-graduação em Linguagem e Ensino da Universidade Federal de
Campina Grande. Nessa disciplina, tomamos conhecimento de que os poemas de
Manuel Bandeira são permeados de temas e formas populares e que até então
1
havia
pouco destaque para essa vertente da poesia desse autor.
As consequências advindas dessa informação foram a compra do livro Estrela da
Vida Inteira (1993) e o levantamento dos poemas que, de algum modo, dialogam com a
cultura popular. Estava nascendo, naquele momento, esta investigação. Esta pesquisa é
fruto de uma reflexão metodológica desenvolvida na disciplina acima citada que gerou
inconformismo com a nossa prática pedagógica e formação enquanto leitora de poesia.
Os caminhos anteriores à realização desta pesquisa são o construto de várias
reflexões sobre a metodologia adotada por nós, enquanto professora de literatura, do
ensino médio, de uma escola particular, em Campina Grande. Em relação a Manuel
Bandeira, era desenvolvido um trabalho que priorizava os textos trazidos no livro didático,
principalmente, “Os Sapos” e “Poética”, geralmente, com a finalidade de mostrar as ideias
modernistas expostas nestes dois poemas. Dessa forma, eram destacadas
características como: poesia anti-parnaseana e contra o academicismo. Em esquema,
colocado no quadro, para estudar a Escola Literária Modernismo, sempre estava o
“Poema tirado de uma notícia de jornal” para demonstração de verso livre, prosaísmo,
linguagem cotidiana. E não poderia faltar “Evocação do Recife” e “Vou-me embora pra
Pasárgada” para trabalhar aspectos ligados à autobiografia. Não haveria nenhum
problema nessa metodologia se não fosse o fato de se ater, por vezes, aos exercícios
1
A disciplina foi ministrada em 2005 pelo Prof. Dr. José Helder Pinheiro Alves.
trazidos pelos livros didáticos, a leituras prontas fornecidas ao professor e, ainda, de
estar minimizando a poética
2
bandeiriana.
Sentimos a necessidade de expor o caminho percorrido para a realização desta
pesquisa, porque foi a partir da disciplina aludida acima que mantivemos contato com a
leitura de poemas de forma significativa. Estava presente o anseio pelo dia da aula, pois,
era uma experiência nova; nunca tínhamos nos debruçado em estudar monograficamente
um poeta; esta “deficiência” em relação à poesia vinha desde o ensino fundamental e
médio, e passara à Universidade.
As novas leituras sobre Bandeira se abriam como um novo mundo. Eram tantas
as perspectivas metodológicas apresentadas, que não parávamos de pensar em como
colocar toda aquela novidade em prática e, simultaneamente, transformá-la em pesquisa.
Consciente de que a escola é o espaço para formação de leitor de literatura,
decidimos levar a leitura de poesia para a sala de aula, porém, percebemos que o
principal objetivo, naquele momento, seria trabalhar os poemas de Manuel Bandeira
porque o poeta estava sendo indicado para o vestibular. Encontramo-nos, então, diante
de um grande equivoco: pensar que Bandeira só pode ser levado ao ensino médio, e
principalmente que o poeta pode ser trabalhado no ano, por causa da obrigação
curricular.
De acordo com Alves (2008, p. 29), “há poemas que podem ser trabalhados com
crianças do ensino fundamental a jovens do ensino médio. “Meninos Carvoeiros”, de
Manuel Bandeira, é um exemplo desse tipo de poema que apresenta um bom nível de
adesão por diferentes leitores”. Aflorou um desafio e, ao refletir, mudou-se a perspectiva
de trabalho. O desejo de levar a poesia bandeiriana à sala de aula permanecia latente, a
crença em que os poemas de Bandeira, que apresentam a influência da cultura popular,
seriam significativos e encantariam os alunos, também; o que mudaria seriam os sujeitos
que comporiam a pesquisa.
2
Leia-se poética como o conjunto das características da poesia de Manuel Bandeira.
A escolha pelo ensino fundamental sobreveio porque acreditamos que esta fase
da educação básica precisa fornecer aos alunos subsídios para que, quando cheguem ao
ensino médio, venham nutridos com o gosto pela poesia. Decidimos, portanto, realizar
uma pesquisa que visasse investigar o modo como os poemas de Manuel Bandeira, que
dialogam com a Cultura Popular, seriam recepcionados em sala de aula, por alunos do 9º
ano do ensino fundamental de uma escola pública de Campina Grande. A partir da
hipótese de que o poema não tem uma presença significativa no ensino fundamental,
desejamos mostrar ser possível trabalhar poemas de Bandeira neste ciclo do ensino
básico.
Os Referenciais Curriculares da Paraíba (2006) defendem a inserção da poesia,
desde o ano do ensino médio; sugerem como trabalho o distanciamento da historia da
literatura e a aproximação da obra literária. Assim sendo, imaginamos que, se o aluno já
viesse do ensino fundamental com um contato maior com o texto poético, não seria tão
difícil a aproximação com a poesia.
Dessa forma, as questões que nortearam esta pesquisa foram: como os alunos de
um 9º ano de escola estadual recepcionariam os poemas de Manuel Bandeira que
dialogam com a Cultura Popular? Os discentes fariam relação com as suas próprias
experiências de vida? É possível realizar a leitura de poemas de Manuel Bandeira que
dialoguem com a cultura popular, com alunos do 9º ano?
Diante desses questionamentos passamos a promover, junto aos alunos
colaboradores da pesquisa, o contato com um poeta erudito que soube transformar em
poesia as manifestações culturais do povo.
Para tanto, realizamos uma pesquisa-ação, na qual, segundo Chiappini (2005, p.
31), se desenvolveria uma espécie de “contrato de trabalho em co-formação”, que,
ultrapassando a justaposição dos termos, convoca a união entre a pesquisa e a ação. De
acordo com Moreira e Caleffe (2006, p. 89), “a pesquisa-ação é uma intervenção em
pequena escala no mundo real e um exame muito de perto dos efeitos dessa interação”.
Era precisamente isso que se estava propondo: um trabalho cooperativo entre
pesquisadora e professora, a fim de promover um estudo com os poemas de Bandeira
que apresentam elementos da Cultura Popular, com o desejo de despertar o gosto dos
alunos-colaboradores pela leitura de poemas e refletir sobre o processo de recepção dos
poemas lidos.
A pesquisa foi realizada na Escola Estadual Ademar Veloso da Silveira. O
percurso metodológico para obtenção dos dados constou de quatro momentos: 1) visita à
escola campo de pesquisa a fim de conversar com a professora; 2) observação do
trabalho da docente com relação à poesia, sobretudo, a de Manuel Bandeira; 3)
elaboração de dois questionários para serem aplicados um com a professora e o outro
com os alunos; 4) entrevista, informal, com a professora, acerca do trabalho com poemas
em sala de aula e organização de uma sequência didática cujo enfoque foi a poesia de
Manuel Bandeira, levando em consideração os poemas relacionados à cultura popular.
A sequência foi elaborada a partir de uma antologia feita pela pesquisadora
contemplando os poemas: “O Menino Doente”, “Na Rua do Sabão”, “Berimbau” e
“Balõezinhos” presentes no livro O Ritmo Dissoluto (1924); “Camelôs” e “Lenda
Brasileira” que estão em Libertinagem (1930); “Boca de Forno” e “Trem de Ferro”
inseridos em Estrela da Manhã (1936); “Rondó do Capitão”, “Acalanto de John Talbot” em
Lira dos cinquent’anos (1940) e “As três Marias” presente em Belo Belo (1948).
Compõe o corpus da pesquisa: os questionários aplicados, a entrevista, a
antologia de poemas, o diário de campo e as gravações em MP4 para registrar a
observação das aulas com poemas bandeirianos.
Entende-se a relevância desta pesquisa, entre outras razões, pela realização de
um trabalho com o texto poético, por ter lançado mão de uma metodologia que visou
motivar os alunos para a leitura de poemas, distanciando-se do modo pragmático com
que o texto literário vem sendo estudado no espaço escolar, outro aspecto é ela ter
favorecido uma experiência estética com a literatura, em que os discentes puderam trazer
suas experiências para dialogar com as imagens oferecidas pelo texto. O modo
pragmático que o aluno está habituado a estudar o texto literário, consiste, sobretudo, na
leitura de poemas vinculada a exercícios de análise gramaticais, diferente do registro de
impressões em diários feitos por adolescentes em contexto extra sala de aula.
Esta dissertação está organizada em quatro capítulos. No primeiro, expomos os
pressupostos teóricos em que está fundamentada a pesquisa. Trata-se de reflexão sobre
a complexidade da cultura brasileira e considerações a respeito da cultura popular. Para
tanto, a base teórica encontra-se, principalmente, nos estudos de Bosi (2003), Burke
(1989), Ayala (1989), Ayala e Ayala (2002), Ortiz (s/d), Canclini (2003) e Cascudo (1976).
No segundo capítulo, mostramos as recorrências das manifestações populares na
poesia de Manuel Bandeira, sobretudo, no nível das formas, dos temas e da linguagem.
É feita a leitura dos onze poemas presentes na antologia organizada, demonstrando o
modo como certos elementos da cultura popular são retomados e ressignificados pelo
poeta.
No terceiro capítulo, trazemos uma reflexão sobre a arte literária e o ensino,
analisando o processo de escolarização que a literatura vem sofrendo no espaço escolar.
Para tanto, nos utilizamos dos conceitos de Lajolo (1931), Alves (2005, 2007), Aguiar e
Bordini (1988), Iser (1989), dentre outros.
Já no quarto capítulo, tem-se o percurso do experimento que contempla, desde as
observações, aplicação dos questionários, e relato das vivências dos alunos com o texto
literário nas aulas e as sequências didáticas elaboradas pela pesquisadora.
Ressalte-se que este trabalho não visa fazer um estudo teórico literário dos
poemas bandeirianos que apresentam a influência da Cultura Popular, e sim constatar a
significância de um estudo com poemas de Manuel Bandeira que têm como viés as
manifestações populares, que o universo que permeia tais textos pode fazer parte da
vida de crianças e adolescentes; vê-se, por isso, grande possibilidade de o trabalho ora
exposto despertar o gosto, dos alunos envolvidos na pesquisa, pela literatura.
1.
Cultura Popular: viva, diária e natural.
Não se pode identificar a cultura popular a partir da
distribuição supostamente específica de certos objetos ou
modelos culturais. O que importa, de fato, tanto quanto sua
repartição, sempre mais complexa do que parece, é a sua
apropriação pelos grupos ou indivíduos.
(Chartier, 1995, p. 184)
Refletindo sobre a complexidade da cultura brasileira e lançando um olhar para as
suas origens, observa-se que ela é o resultado da influência das culturas europeia,
africana e indígena, formando hoje o que se denomina de “culturas brasileiras”, que
apesar de ser “plural, não é caótica” (BOSI, 2003). Como resultado dessa miscigenação,
há, na sociedade brasileira, as mais variadas culturas, a exemplo da erudita, popular e de
massa; apesar de uma linha tênue de definição, para enxergar o lugar de cada uma
no contexto social.
Dentre as culturas citadas, este trabalho enfocará especificamente a Cultura
Popular. Entendemos ser complexo definir o termo “cultura popular”, já que existem
vários olhares a respeito do que se convencionou chamar cultura do povo; porém, as
discussões aqui encontradas buscaram traçar um percurso, baseadas nas perspectivas:
folclorista valorização do objeto e na análise das manifestações culturais populares
no contexto sociocultural valorização do sujeito, enquanto produtor da cultura. Para
tanto, a base teórica encontra-se, sobretudo, nos estudos de Ortiz (s,d); Canclini (2003);
Burke (1989) Ayala (1989); Ayala e Ayala (2002); Bosi (1995) e Xidieh (1976).
A princípio ressaltamos que o parco material amealhado para este trabalho está
distante de contemplar toda a amplitude que os estudos desenvolvidos, sobre o que se
denominou chamar ora, folclore, ora cultura popular, abarcam. Porém, iniciando a
jornada, traçamos um breve panorama, pois, como afirma García Canclini (1983, p. 12) é
preciso redefinir o que é hoje cultura popular e esse novo olhar necessita de uma
“estratégia de investigação capaz de abranger tanto a produção, quanto a circulação e o
consumo”.
Uma investigação com base no empirismo remete à ideia de cultura popular como
manifestação do povo, cultura das classes pobres, dos iletrados. No entanto, numa
pesquisa elaborada com acuidade, percebe-se que o termo está enredado em analogias
muito mais complexas. Burke (1989) informa que foi, sobretudo, na Alemanha que essa
concepção da cultura popular tornou-se aceita pelos setores cultos da sociedade, e
rapidamente iniciou-se o interesse por coleções de poesia, contos e músicas populares,
com intuito de valorizar as produções do “povo”. Porém, não se tratava de uma
valorização estética, mas de fazer aflorar o que estava em vias de desaparecimento.
O período histórico em que isso se deu foi final do século XVIII, início do XIX,
momento em que os intelectuais insurgiram-se contra a visão racionalista do iluminismo
buscando valorizar as formas simples, o sentimento e as emoções. Então, para encontrar
a identidade nacional era preciso resgatar as tradições populares e, como afirma Burke
(1989), algumas edições de coleções populares visavam à produção de sentimentos
nacionalistas.
Este recorte histórico pretende mostrar em que momento inicia-se o interesse
pelos bens culturais, pois, é em meados do século XIX que as elites intelectuais
“descobrem” a cultura popular. No entanto, a cultura tradicional transforma-se em folclore
e a imagem que determina a metodologia do estudo folclórico é a do antiquário, por seu
“afã colecionador”. Nesse período, tanto os românticos, quanto os folcloristas dedicavam-
se às produções populares, porém, “o entendimento da cultura popular é possível
quando referido a uma substancia de cultura pertencente ao passado” (ORTIZ, s/d, p.
27). Para conhecer as manifestações do povo, devia-se restaurar o que restava de sua
existência. Ortiz (s/d, p. 14) ainda esclarece:
O antiquário, pelo menos até o advento do romantismo, não possuía
nenhuma predileção especial pelo povo. Frequentemente ele justifica
seu interesse colecionador pelo 'amor às antiguidades', ou pelo 'gosto do
bizarro'
O folclore acompanha aos poucos a mudança da velha prática de antiquário para
tornar-se uma disciplina científica que emprega um acurado tipo de análise da cultura
popular, realizada sob o alcance do positivismo. Os folcloristas seriam os que levariam o
esclarecimento científico ao domínio popular e, para se individualizarem como
pesquisadores buscariam um novo modelo que diferenciasse seus trabalhos dos estudos
românticos. Ortiz (s/d, p. 39) elucida:
[...] o povo é um verdadeiro relicário uma fonte de achados, um
conglomerado de remanescência de hábitos, pensamentos e costumes
perdidos, um verdadeiro museu de antiguidades, cujo valor e preço é
inteiramente desconhecido por aquele que o possuía; o povo é o arquivo
da tradição'. Outros dirão que o saber popular é a 'relíquia de um
passado não gravado'.
Os estudos folclóricos enfocam a função de conhecimento dos hábitos primitivos,
tornando-se uma disciplina, encarregada das lendas, costumes e crenças do povo. Assim
sendo, não se colecionariam objetos, como o fazia o antiquário, pois o povo é o relicário a
ser considerado. Acreditar que a cultura popular está desaparecendo, e por isso aspirar
preservá-la, indica “o gesto que a retira do povo e a reserva aos letrados e amadores”
(CERTEAU; JULIA e RAVEL, 2003, p. 56). Essa mesma ideia é vista na concepção dos
folcloristas e dos antiquários, pois, esses dois tipos de intelectuais são “colecionadores”,
e querem resgatar o que está morrendo. Portanto, enquanto os antiquários colecionaram,
os folcloristas criaram os “museus das tradições populares” (CANCLINI, 2003, p. 210).
Os folcloristas desejam transformar o folclore em ciência, reinterpretando seu
passado, “procurando desenhar, de maneira inequívoca, suas novas fronteiras” (ORTIZ,
2003, p.30). Porém, por vezes, não explicitam o método de suas coletas deixando essa
lacuna que faz com que o folclore oscile entre ciência e arte, mas, sem lugar definido, as
duas formas são vistas como inferiores.
George Gommer (apud ORTIZ s/d, p. 41) ao definir folclore diz que “seu estudo
não pode ser um simples divertimento de antiquário, ou a mania de se observar tudo o
que é curioso e extraordinário, mas uma ciência”. O autor reclama “para o Folclore a
posição e a função de ciência”. Segundo Ortiz (op cit. p. 56):
O folclorista atua como um viajante; ávido diante da paisagem que se
descortina a seus olhos, com a câmera registra e descreve os
fragmentos da tradição. Por isso a coleta de dados prescinde de uma
metodologia elaborada, a veracidade da técnica está contida no olho que
observa e anota os movimentos da cultura popular.
Percebe-se, então, “que o povo é ‘resgatado’, mas não conhecido”, (GARCIA-
CANCLINI 2003, p. 210). Esse anonimato contribui para a visão da cultura popular como
algo exótico e que por ser uma produção do passado em vias de extinção, se não for
documentada “cientificamente” desaparecerá. Resgatar antes que acabe
3
será a
máxima dos estudos folclóricos. Essa perspectiva emerge no Brasil, na segunda metade
do século XIX, pois o país está desejoso de mostrar uma identidade nacional e a poesia
popular seria considerada o que de mais próximo havia com características
legitimamente brasileiras.
As produções populares seriam as representantes da nacionalidade brasileira, no
entanto, relacionadas à noção de rude, rústico e ingênuo. O conceito de o “iminente
desaparecimento das manifestações folclóricas e o de que é preciso documentá-las antes
que se percam totalmente da memória do povo”, (AYALA e AYALA 2002, p. 10), estava
presente, também, aqui no Brasil, conforme se pôde observar nos primeiros estudiosos
brasileiros de cultura popular. O folclore é o elemento que modera o processo cultural
nacional; é importante o esforço permanente no sentido de preservar as tradições
nacionais e, por isso, justifica-se documentar o maior número possível de fragmentos de
práticas culturais e costumes desaparecidos ou em vias de extinção. Cascudo (1984, p.
24 – 25) afirma:
A literatura folclórica é totalmente popular mas nem toda produção
popular é folclórica. Afasta-a do folclore a contemporaneidade. Falta-lhe
tempo. [...] o folclore decorre da memória coletiva, indistinta e contínua.
Deverá ser sempre o popular mais uma sobrevivência. O popular
moderno, canção de carnaval, anedota de papagaio com intenção
3
Termo utilizado por Ayala e Ayala em Cultura Popular no Brasil: perspectivas de análise. 2ªed.
(2002).
satírica, novo passo numa dança conhecida tornar-se-ão folclóricos
quando perderem as tonalidades da época de sua criação. Assim um
poema, um trecho de uma história que a simpatia popular divulgou, a
música de uma canção, nacional pela memória coletiva, marcham para a
despersonalização que as perpetuará no Folclore.
Com base nesta assertiva percebe-se a relevância do tempo na delimitação do
folclore. Para definir um acontecimento como folclórico, era preciso que o mesmo
perdurasse no tempo. Como observou Ayala e Ayala (2002, p. 15), “o folclore seria,
portanto, uma manifestação do passado no presente, ponto de vista encontrado também
em Celso de Magalhães.” Por esse motivo a metodologia adotada pelos folcloristas era
documentar o maior número possível de manifestações, desde a sua origem, demarcá-
las geograficamente, com o interesse de descobrir as raízes dessas produções. (AYALA,
2002).
Torna-se relevante ressaltar que o problema não está no registro, mas na não
percepção de que a cultura popular é cíclica, é uma produção presente, ela se reelabora,
é diversificada e, ao invés de resgatada, ela deve ser revitalizada
4
. O interesse pelas
manifestações populares deve ser relacionado à valorização dos sujeitos que as
produzem. A esse respeito Garcia Canclini (2003, p. 211) defende que “a fascinação
pelos produtos, o descaso pelos processos e agentes sociais que os geram, pelos usos
que os modificam, leva a valorizar nos objetos mais sua repetição que sua
transformação”. No entanto, não se pode negar que, apesar do interesse pelos bens
culturais lendas, músicas, danças, objetos, os folcloristas contribuíram para a
“descoberta do povo
5
”. Mesmo assim, as manifestações culturais populares não podem
ser compreendidas plenamente se forem desvinculadas de seu contexto.
Assim sendo, o patrimônio cultural de um povo está, comumente, imune à ação do
tempo, visto que é defendido e preservado pelos indivíduos que vivem inseridos num
dado contexto social. O costume de determinada civilização vem a ser, portanto, o
4
Utilizamos esta expressão com o sentido de reelaboração, de renovação, oposta ao sentido de
resgate.
5
Título do primeiro capítulo do livro Cultura popular na idade moderna, Peter Burke (1989).
conjunto de seus valores e conhecimentos perpétuos, que, costumeiramente, são
chamados de folclore. Conforme Cascudo (1976, p.15) é “cultura viva, útil, diária, natural”.
Deste modo, concebe-se a cultura popular como aquela que tem raízes nas tradições,
nos princípios, nos costumes, no modo de ser de um povo. A expressão abrange os
objetos, conhecimentos, valores e celebrações que fazem parte do modo de vida desses
indivíduos.
Cada povo produz uma arte peculiar, reflexo de suas específicas qualidades,
diversa das outras artes; porém, muitas manifestações, geralmente associadas à cultura
popular, são comuns a todos os povos tais como histórias transmitidas de forma oral
(contos de fadas, lendas, mitos), danças etc. Essas práticas são comprometidas pelas
condições de vida e de trabalho das próprias populações.
O artesanato, a literatura popular, as festas religiosas populares, os folguedos, o
carnaval, os rodeios e vaquejadas são alguns aspectos do que é, em geral, considerado
representativo da cultura popular brasileira. Mas, a verdadeira cultura popular não se
esgota em si mesma. De acordo com Ayala (2003 p. 91-92):
Era preciso estudar mais e mais o processo de existência dessa cultura.
A cultura popular mudava, do mesmo modo que mudam as relações
sociais. Descobria nas diferentes manifestações populares, diversas
maneiras de fazer literatura. Os versos cantados o eram exatamente
os mesmos. Modificavam-se. Alteravam-se os versos, os cantadores, os
dançadores, mas, de uma forma ou de outra, cumpriam o seu papel,
estavam sempre lá, no meio da rua, das praças, nos dias de feira, nos
dias de festas. Era um fazer dentro da vida.
A ideia do desaparecimento das manifestações populares, a visão do popular
como anacrônico, ou em oposição ao que se entende por civilização, acompanhou os
métodos folcloristas. Esses pesquisadores acreditavam que as manifestações populares
seriam substituídas pelos avanços tecnológicos da modernidade; logo o cordel seria
extinto pelos jornais e as danças e festas populares pelo contato com novas dinâmicas
sociais; o “fazer dentro da vida” defendido por Maria Ignez Ayala não é percebido pelos
folcloristas. Essa perspectiva é exemplificada por Ayala (2002) em seu artigo sobre
“diferentes temporalidades da literatura oral popular”. A pesquisadora destaca que
O tempo industrial, reforçado pela ideologia dominante, que impõe a
disciplina do trabalho, comandada pelo relógio, coexiste a um tempo
comunitário
6
, reforçado por visões de mundo, regido por tarefas e festas
[...] Por isso, não se pode pensar em sobrevivência do passado no
presente ou de persistência cultural como se existisse algo deslocado de
lugar e tempo em “alguns portadores” (AYALA, 2002, p. 4)
A reelaboração das práticas populares se organiza num processo natural e a
literatura popular, como outras culturas populares, também se misturam em um “processo
de hibridização” que talvez consista em um de seus elementos mais duradouros e mais
simbólicos. A literatura popular não conhece delimitações; os relatos da literatura oral se
perpetuam pela palavra falada ou pelas cantorias. São causos, lendas, anedotas e mitos
de criação coletiva; os seus principais personagens fazem parte do folclore e têm origem
indígena, europeia ou africana. Assim, ela passa de geração a geração mantendo vivos
os seus elementos. Todos os autos populares, as louvações das lapinhas, bumba-meu-
boi e outros, são exemplos da literatura oral que tem se perpetuado pelo tempo, feito
parte também da produção folclórica e encantado crianças de várias idades.
Sendo assim, é relevante que essa literatura representativa das manifestações
culturais populares esteja presente na escola, não como algo criado no passado, mas
como um “fazer dentro da vida”. Dessa forma, haveria a promoção da diversidade e ao
aluno seriam mostradas as várias culturas que formam a cultura brasileira. Conforme
Ayala (2002, p. 01):
[...] a escola, representante máxima da cultura oficial, consciente ou não,
tenta apagar as marcas comunitárias, instaura a competição em vez de
promover o auxílio mútuo, cria o distanciamento do que é oral e popular,
estabelecendo, desde cedo, juízos de valor em que a cultura popular
aparece como curiosidade exótica, além de criar preconceitos e relações
de subordinação.
Por essa razão, a literatura oral chega à escola como algo exótico, distante da
vida dos alunos. O incentivo a essa prática acontece, porque a escola atende aos
6
Grifo nosso
interesses da cultura dominante e não se percebe que “há muito tempo é difícil descobrir
alguém no Brasil que participe exclusivamente de uma única expressão cultural, seja ela
popular, cabocla, indígena, por mais aparentemente isolada que esteja”. (AYALA, 2002,
p. 01).
2. A representação do popular na poesia de Manuel Bandeira
Ontem, hoje, amanhã – a vida inteira
Teu nome é para nós, Manuel, bandeira
Carlos Drummond de Andrade
.
A poesia de Manuel Bandeira foi alvo dos mais diversos tipos de abordagem.
Desde as incursões biográficas, apontando o caráter confessional de significativa parcela
da sua produção lírica, passando pela ênfase aos aspectos do cotidiano por ele
perfeitamente recriado, é vasta a fortuna crítica sobre esse poeta. Segundo Arriguci
(1997, p.9), Bandeira “era dono de um modo inconfundível de dizer as coisas que
pretendia, com domínio completo do ofício, com a emoção na justa medida do
necessário”. A temática amorosa, o código familiar, a consciência de estar a poesia
radicada em tudo, na morte, na natureza, na infância, no cotidiano pobre das pessoas por
ele observadas e transfiguradas, tudo isso mereceu os mais diversos tipos de
interpretação.
Produtor de uma poesia atemporal, Manuel Bandeira soube estruturar seus
temas, geralmente muito simples: recordações da infância, um amor irrealizável, a
sombra de uma doença grave, um enterro que passa, uma tarde de despedidas, um
espaço de uma velha casa que vai abaixo no qual o eu-lírico relata suas alegrias e
sofrimentos amorosos. Contudo, quanto mais qualificada uma poesia, tanto mais aberta
para o surgimento de outros enfoques ainda não percebidos pela crítica.
Em 1917, Bandeira publicou seu primeiro livro: A cinza das horas. João Ribeiro
viu, nesta obra inicial do poeta, algo diferente:
A cinza das horas, pequenino volume, é neste momento, um grande
livro. De tal sorte nós havíamos estragado o gosto com o abuso das
convenções, dos artifícios e das nigromâncias mais esdrúxulas, que esta
volta à simplicidade é uma consolação reparadora e saudável.
Em A cinza das horas também está presente o dado nacional e a expressão
brasileira que foram uma das direções do primeiro momento modernista no país. No
segundo livro, Carnaval, de 1919, aparece o poema “Os sapos”. Os versos satirizavam o
formalismo exagerado dos parnasianos, tornando-se a expressão de um dos emblemas
do movimento que surgia. A partir de então, Manuel Bandeira seria reconhecido como “S.
João Batista do Modernismo”
7
pela geração jovem que promoveria a “Semana de 1922”.
Se nos dois primeiros livros do poeta havia indícios de uma nova perspectiva para a
poesia brasileira, no terceiro, O Ritmo Dissoluto (1924) e, sobretudo, no quarto,
Libertinagem (1930), Bandeira consolida a renovação iniciada nas obras anteriores.
Segundo Telles (1986, p. 12), “Manuel Bandeira teve o talento e o bom senso de
se abrir também na direção da cultura popular, retirando de temas e formas populares a
substância mais íntima de sua dicção modernista”. Nas páginas iniciais de suas
recordações poéticas, Bandeira mostra como a sua emoção foi se desenvolvendo, a
partir de versos inscritos em contos populares, de trovas e décimas, comuns no interior
de Pernambuco. Por isso sua concepção de que “a poesia está em tudo tanto nos
amores, como nos chinelos, tanto nas coisas lógicas, como nos disparates” (BANDEIRA,
1997, p. 296). A sua produção abarca de forma harmônica tanto elementos da cultura
popular quanto da erudita.
Gilberto Mendonça Telles (1986) elege os poemas populares” bandeirianos. “O
anel de vidro” de A cinza das horas; “Os sinos”, “Meninos Carvoeiros” e “Na rua do
sabão” de O Ritmo Dissoluto; “Evocação do Recife”, “Irene no céu” e “Vou-me embora
p’ra Pasárgada” de Libertinagem; “O amor, a poesia, as viagens”, “Boca de Forno” e
“Trem de Ferro” de Estrela da Manhã; “Rondó do Capitão” e “Testamento” Lira dos
cinquent’anos; “Cantadores do Nordeste” de Estrela da Tarde. Para o autor estes são
os poemas de “feição popular, ou pelo tema, ou pela forma, ou pela técnica”.
No Itinerário de Pasárgada (1997), Manuel Bandeira afirma que o seu primeiro
contato com a poesia sob forma de versos foi em contos de fadas, histórias da
carochinha, trovas populares e cantigas de rodas. As que mais o encantaram ele utilizou
7
Codinome dado por Mário de Andrade a Manuel Bandeira (ARRIGUCCI, 1997).
em poemas e foram: “Roseira, dá-me uma rosa”, “O anel que tu me deste”, “Bão Balalão,
senhor capitão”, “Mas para que tanto sofrimento”. Assim, na companhia paterna, o poeta
ia-se embebendo da ideia de que a poesia está em tudo.
Em sua poesia, de modo criativo e diversificado, Bandeira integra e reelabora
elementos populares e folclóricos. A reelaboração do elemento popular se através de
expressões coloquiais de ternura - “dodói vai-te embora/ deixa o meu filhinho”; da fala
coloquial, de vozes e termos da língua do povo, de onomatopéias evocadoras Virge
Maria o que foi isso maquinista/Oô”; de cantigas, brincadeiras, estórias de fada
“Acalanto de John Talbot”, “Rondó do Capitão”, “Boca de Forno”, “As três Marias”; de
reprodução do ritmo folclórico ou popular
8
“Berimbau”, “Trem de Ferro”; de recriações
de festejos populares, cenas de rua e de feira, de costumes e tipos do povo “Na rua do
Sabão”, “Balõezinhos”, “Camelôs”; enfim, fatos da vida inteira.
Conforme Bosi (1993, p. 334-335),
A única relação válida e fecunda, entre o artista culto e a vida popular é a
relação amorosa, pois sem esse enraizamento profundo, sem uma
empatia sincera e prolongada, o escritor, o homem de cultura
universitária, pertencente à linguagem redutora dominante, conferirá
atitudes preconceituosas, ou matizará irracionalmente tudo o que lhe
pareça popular, até mesmo projetando suas próprias angústias e
inibições na cultura do outro, enfim interpretará de modo etnocêntrico e
colonizador os modos de viver do primitivo, do rústico, do suburbano.
A poética de Manuel Bandeira, revigorada na magia da infância e no saber do
cotidiano humano e simples, promove de forma eficaz a integração entre cultura popular
e erudita. Demonstra que a tradição do povo enriquece a cultura erudita e que o
entrelaçamento dialético entre o erudito e o popular forma este conjunto único que é
chamado de cultura nacional. Logo, os elementos da cultura popular estão em sua obra
de forma profundamente lírica e natural.
8
Ritmo está empregado no sentido metafórico, imagético, levamos em consideração a alternância
dos sons ou das labas poéticas no tempo. (BRIK, 1976). Nos poemas “Berimbau” e Trem de
Ferro”, o jogo sonoro o se realiza no nível fônico ou lexical, a melopéia atinge o poema
inteiro, influindo o seu próprio movimento e visualidade (TELES 1986). Em “Berimbau” a leitura do
poema sugere o tocar do instrumento e em “Trem de Ferro” percebe-se o movimento do trem.
2.1 Simplicidade e encantamento em “Na Rua do Sabão”, “Balõezinhos” e
“Camelôs”.
O poeta rico, de acordo com Adorno (2003), fala por quem não tem voz; uma
relação do sujeito com a sociedade através da linguagem. Essas características podem
ser observadas na poética de Manuel Bandeira; apesar de sua lírica ser confessional, a
voz do poeta suscita uma coletividade. Em “Na Rua do Sabão”, “Balõezinhos” e
“Camelôs”, ele apresenta como tema aquilo que o rodeia. Interioriza o que é externo e
trata-o de uma forma sentida, expondo o resultado, de um modo geral, completamente
transformado, à sua maneira: revela um mundo criado por si a partir de um mundo que
lhe passa ao lado.
Segundo Couto (apud BANDEIRA, 1997, p. 320), das largas janelas, tanto as do
lado da rua em que brincavam crianças, como as do lado da ribanceira, com cantigas de
mulheres pobres lavando roupa nas tinas de barrela, Manuel Bandeira começou a ver
muita coisa. O morro do Curvelo, em seu devido tempo, trouxe ao poeta aquilo que a
leitura dos grandes livros da humanidade não pode substituir: a rua. Bandeira
acrescentou que a morte de seu pai e a residência no morro do Curvelo o amadureceram
como poeta e foi na Rua do Curvelo que ele reaprendeu os caminhos da infância.
escreveu quatro livros, dentre eles O ritmo dissoluto, Libertinagem e parte significativa
de Estrela da manhã.
No poema Na Rua do Sabão” vemos a representação da infância, que a partir da
revitalização de formas populares Bandeira eterniza o instante e valoriza temas, como a
solidariedade e a pobreza que, por vezes, não são tidos como importantes, conforme
sugere o poema:
O poema destaca a trajetória de um balão que é construído, com muito sacrifício,
por um menininho pobre, chamado José. Ao soltar o balão, supostamente na festa
junina, da rua em que, possivelmente, mora o filho da lavadeira, a garotada se manifesta
com gritos, assobios, atiradeiras e pedradas com a intenção de fazer com que o balão
caia na Rua do Sabão.
O texto poético inicia-se com uma canção de domínio popular. A leitura dos três
primeiros versos sugere o canto. Acredita-se que, ao iniciar o poema com uma canção,
NA RUA DO SABÃO
1. Cai cai balão
2. Cai cai balão
3. Na rua do sabão!
4. O que custou arranjar aquele balãozinho de papel!
5. Quem fez foi o filho da lavadeira.
6. Um que trabalha na composição do jornal e tosse muito.
7. Comprou o papel de seda, cortou-o com amor, compôs os gomos oblongos...
8. Depois ajustou o morrão de pez ao bocal do arame.
9. Ei-lo agora que sobe – pequena coisa tocante na escuridão do céu.
10. Levou tempo para criar fôlego.
11. Bambeava, tremia todo e mudava de cor.
12. A molecada da Rua do Sabão
13. Gritava com maldade:
14. Cai cai balão!
15. Subitamente, porém, entesou, enfunou-se e arrancou das mãos que o tenteavam.
16. E foi subindo...
17. Para longe...
18. Serenamente...
19. Como se enchesse o soprinho tísico do José.
20.Cai cai balão!
21 A molecada salteou-o com atiradeiras
22. assobios
23. apupos
24. pedradas.
25. Cai cai balão!
26. Um senhor advertiu que os balões são proibidos pelas posturas
municipais.
27. Ele, foi subindo...
28. Muito serenamente...
29. Para muito longe...
30. Não caiu na Rua do Sabão.
31. Caiu muito longe... Caiu no mar – nas águas puras do mar alto.
Bandeira enriquece o texto, pois o efeito produzido pela cantiga é surpreendente. O efeito
sonoro produzido é de leveza, de brincadeira,
Cai cai balão
Cai cai balão
Na rua do sabão
!
Como se vê, o poema é formado de versos livres, e apresenta uma estrutura
narrativa. A partir do quarto verso, acontece a primeira quebra quanto ao ritmo, pois ao
iniciar a leitura canta-se a letra da música, e, logo após, a narração começa com um tom
de melancolia. Desse momento em diante, os versos demonstram a dificuldade do
menino José para confeccionar o balão. Apesar do problema social, percebe-se que o
feito custou ao menino muito mais que valor monetário. A construção do balão demandou
muito trabalho e dedicação. Essa leitura é confirmada no verso 7 Comprou o papel de
seda, cortou-o com amor, coms os gomos oblongos...” Observa-se, a partir das
assonâncias e aliterações, a gradação. Vê-se o cuidado na confecção, tudo realizado
com muito afeto. Compreende-se o real valor do verbo custar, presente no verso 4 “o
que custou arranjar aquele balãozinho de papel”, quando se chega à leitura do sétimo
verso. No plano do conteúdo tem-se: José, o filho da lavadeira; que trabalha na
composição do jornal; tosse muito, mas, comprou, cortou e compôs o balão.
Ainda, com muito cuidado, José ajusta “o morrão de pez ao bocal do arame” (v.8).
De repente, uma bela imagem é sugerida (v.9): nesse momento percebe-se o carinho do
olhar do poeta, “Ei-lo agora que sobe – pequena coisa tocante na escuridão do céu”. Nos
versos (10, 11) uma personificação, pois o balão demora a criar “fôlego” para subir
aos céus e “levou tempo para criar fôlego/bambeava, tremia todo e mudava de cor”.
Novamente, o ritmo da leitura modifica; entra em cena a molecada da Rua do Sabão, e o
verso da cantiga reaparece; porém, este verso que, num primeiro momento, sugeriu
leveza, brincadeira e festa, agora, indica euforia, vontade de puxar o balão para baixo.
Logo em seguida, o verso (15) “subitamente, porém, entesou, enfunou-se e
arrancou das mãos que o
tenteavamreitera a personificação, pois as pausas indicadas
pelas vírgulas, tanto demonstram a dificuldade do balão para subir, como sugere a
respiração pausada do menino José. As aliterações, nesse verso, exprimem velocidade
(ocorre mudança de ritmo, 1ª estrofe um ritmo; dos versos 4 a 11 outro, 12 a 15; 16 a 20).
Os versos 16, 17 e 18 combinam efeito sonoro com disposição gráfica, sugerindo a
imagem do balão subindo; as reticências, presentes nestes versos, corroboram para esta
ideia.
E foi subindo...
Para longe...
Serenamente...
Vale ressaltar que nas festas juninas, quando se soltava balão, nem sempre os
balões subiam. Assim sendo, as reticências se configuram, ainda, mais relevantes, pois
assinalam a demora para que o objeto fosse visto como uma pequena coisa tocante na
escuridão do céu”. (grifo da pesquisadora)
O uso do diminutivo é uma característica da poesia bandeiriana, geralmente,
posto de forma afetiva. No entanto, no verso “como se enchesse o soprinho tísico do
José”, esta construção vocabular indica mais do que afetividade. Sugere tanto a
dificuldade do balão em subir, quanto o alívio de José, a “alegria” do menino ao ver
aquele objeto, tão penoso em sua construção, subindo; realizando a função para a qual
foi criado. Ao ler este verso, imagina-se um menino simples, olhando para o céu, com um
enorme sorriso no rosto. A disposição dos versos, para a pesquisadora, acontece da
seguinte forma:
Comprou o papel de seda, cortou-o com amor, compôs os gomos
oblongos...
Depois ajustou o morrão de pez ao bocal do arame.
Como se enchesse o soprinho tísico do José.
Ei-lo agora que sobe – pequena coisa tocante na escuridão do céu.
Esta imagem é destruída quando ressurge o verso “cai cai balão!”. E o tom do
poema novamente muda, sugerindo uma dupla leitura: o poeta e a molecada, o real e o
imaginário”. A realização oral muda, a exclamação assinala para uma primeira leitura que
pode ser interjetiva, por parte do poeta, pois como pode diante de tão belo espetáculo, os
meninos gritarem com maldade para que o balão caia? A exclamação sugere espanto,
admiração, com a atitude dos meninos. A imagem, anterior ao verso 20, é encantadora,
leva a acompanhar os passos e os olhos de José. Porém, em seguida, aparece a reação
dos moleques diante daquele acontecimento. O som, produzido pelas palavras “salteou /
atiradeiras /assobios/ apupos/ pedradas”, marca essa mudança de ritmo, determina a
agressividade dos gestos daqueles garotos. uma gradação, enumeração dos eventos
sugeridos pela aliteração. A disposição gráfica dos versos 22, 23 e 24, unida às bilabiais,
contribui para uma movimentação imagética do poema, que possivelmente agradará ao
leitor mirim.
Apesar de o poema ser narrativo, sugerindo um narrador em terceira pessoa, a
linguagem presente em todo o texto caracteriza-o como poético. É disposto em unidades
rítmicas variáveis, com uma homofonia ocasional, que pode sugerir uma falsa rima. Os
versos “cai cai balão!”, retomam uma tradição infantil
9
, mas, ao mesmo tempo, sugerem
“indignação” do eu-poético. O eu–lírico parece insatisfeito com a atitude dos moleques,
diante de tão admirável espetáculo. E, também, com o menosprezo que eles demonstram
à construção, que tanto pode ser do balão, quanto da poesia.
No verso, “um senhor advertiu que os balões são proibidos pelas posturas
municipais”, a frase prosaica
10
, com a ausência de pontuação corrobora para o apelo;
parece até que a ação dos moleques suscitou a advertência. Este verso quebra, um
pouco, o encantamento e o leitor sai do imaginário para uma moralização. Mas,
imediatamente, há uma volta ao percurso do balão que continua subindo, de forma
serena e para muito longe. Ao mesmo tempo que o homem adverte, as crianças gritam, o
balão sobe. Comparados com a sexta estrofe, a sonoridade e a disposição gráfica dos
versos 27, 28 e 29, mais uma vez evocam a imagem do balãozinho subindo, porém o
9
Quando a pesquisadora era criança, depois que o balão estava no céu, distante, ela e outras
crianças pegavam espelhos e os apontavam em direção ao balão para derrubá-lo. E se houvesse
algum declínio, todas as crianças ficavam felizes.
10
Que se aproxima, de acordo com Candido (2004, p. 42) da sonoridade normal e mais discreta
da prosa.
poeta acrescenta o advérbio de intensidade, muito, e inverte a posição dos dois últimos
versos. Essa inversão não é aleatória, expressa a ideia de tranquilidade, parece que
nada pode abalá-lo, porque ele sobe serenamente.
Ele, foi subindo...
Muito serenamente...
Para muito longe...
Ao final do poema, tem-se o desfecho, que é no mínimo inquietante; porque o
balão NÃO caiu na Rua do sabão”. Iniciar o verso 31 com uma negação, a priori,
demonstra uma vitória do menino José, pois apesar da insistência dos moleques o balão
não caiu. No entanto, o último verso afirma que o objeto caiu nas águas puras do mar
alto. Observa-se a importância da presença dos adjetivos pura e alto, ao retirá-los do
verso, “Caiu muito longe... caiu no mar – nas águas do mar”; estes dois adjetivos
imprimem ao verso toda a sua beleza.
Bandeira revelou, no Itinerário de Pasárgada, que sua poética era pura inspiração,
porém, durante toda a leitura do poema, percebe-se o enorme trabalho artesanal do
poeta, que ao construir a poesia, parece confundir-se com o menino José na construção
do balão. Tal é o cuidado na escolha vocabular, no carinho para que o poema seja “como
nódoa no brim: faça o leitor satisfeito de se dar o desespero”.
O poema está no livro O Ritmo Dissoluto (1924); para o poeta este era o livro de
que mais discordavam os que admiravam a sua poesia. Para Adolfo Casais Monteiro “em
O ritmo dissoluto, muitas poesias são sem ritmo de espécie alguma; mais do que ritmo
dissoluto, portanto...” (BANDEIRA, 1997, P. 327). Para nós, a construção do balão se
confunde com a da poesia, a citação total dessa crítica se configuraria nas vozes da
molecada.
A mim me parece bastante evidente que O ritmo dissoluto é um livro de
transição entre dois momentos de minha poesia. Transição para a
afinação poética dentro da qual cheguei, tanto no verso livre, como nos
versos metrificados e rimados, isso do ponto de vista da forma; e na
expressão das minhas ideias e dos meus sentimentos, do ponto de vista
do fundo, à completa liberdade de movimentos, liberdade de que cheguei
a abusar no livro seguinte. (BANDEIRA, 1997, P. 328)
Depois das observações feitas, talvez se possa dizer que em “Na Rua do Sabão”,
o ritmo é dissoluto, pois a alternância tmica é constante, ocorre mudança na estrofe,
dos versos 4 a 11 observa-se outro ritmo, 12 a 15; 16 a 20 e assim por diante; esta
oscilação se relaciona com as dificuldades apresentadas, ora pelo menino José, ora pelo
balão, que no poema “se confundem” a realização de um esno outro e vice-versa
quem não apresenta problema ao longo do texto é a molecada, que está
constantemente se divertindo e gritando “cai cai balão”.
Bandeira reelabora o popular, traz a canção de domínio público no início do
poema, e suscita a tradição infantil do desejo de ver cair o balão. Ao ler o poema
atribuem-se-lhe significações; é possível reconstruir o texto que é apresentado e
percebese que o jogo sonoro não se realiza no nível fônico, mas contribui para o
próprio movimento e visualidade
Outro poema, presente em O Ritmo Dissoluto (1924), que ressalta o cotidiano, e
faz o olhar do poeta eternizar o instante (PAZ, 2003) e produzir no leitor o encantamento
através da simplicidade é “Balõezinhos”.
BALÕEZINHOS
1. Na feira livre do arrabaldezinho
2. Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor:
3. - “O melhor divertimento para as crianças!
4. Em redor dele há um ajuntamento de meninos pobres,
5. Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos.
6. No entanto a feira burburinha.
7. Vão chegando as burguesinhas pobres,
8. E as criadas das burguesinhas ricas,
9. E as mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.
10. Nas bancas de peixe.
11. Junto às cestas de hortaliças,
12. O tostão é regateado com acrimônia.
13. Os meninos pobres não vêem as ervilhas ternas
14. Os tomatinhos vermelhos,
15. Nem as frutas,
16. Nem nada.
17. Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a
[única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável.
18. O vendedor infatigável apregoa:
19. - “O melhor divertimento para as crianças!”
20. E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um circulo
inamovível de desejo e espanto.
O título do poema remete a um objeto do universo infantil, assume um caráter
abrangente, e por estar no diminutivo soa com afetividade. “Balõezinhos” é composto
de quatro estrofes, não há rima, a versificação é livre, logo, o ritmo é irregular. Os verbos
estão no presente e no gerúndio, sugerindo, ao leitor, que o eu-lírico parece estar parado
observando o que acontece à sua volta. Em todo o poema só há dez verbos, percebe-se
que, na terceira estrofe, por exemplo, a sucessão dos acontecimentos se mostra pelos
polissíndetos.
Vão chegando as burguesinhas pobres,
E as criadas das burguesinhas ricas,
E as mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.
Nas bancas de peixe.
Junto às cestas de hortaliças,
O tostão é regateado com acrimônia.
no último verso da terceira estrofe aparece um verbo, que está no presente e
indica a situação dos que participam da ação, pois a expressão “tostão” assinala a
situação financeira dos passantes, e quando o eu–lírico atribui ao dinheiro o adjetivo
“acrimônia”, faz enxergar a amargura dos possíveis compradores daquela feira. O poeta
está sendo a voz dessas pessoas que, supõe-se sofridas.
Uma característica marcante na poesia de Bandeira é a descrição de ambientes,
com a presença de cenas cotidianas; porém, o poeta consegue, a partir de
acontecimentos específicos, recriar imagens que sensibilizam tanto a criança, quanto o
adulto. Em “Balõezinhos” observa-se a temática do menino pobre, a captação da
singularidade através do olhar dos meninos, na feira, fitando os balõezinhos.
O primeiro verso já apresenta ao leitor o ambiente em que acontecerá a descrição
dos eventos: “Na feira livre do arrabaldezinho” desperta o desejo de saber o que ocorre
naquele espaço. Acredita-se que o reduzido número de verbos faz com que sobressaia a
descrição em detrimento da narração. Outra característica marcante da poesia de
Manuel Bandeira e que está presente neste poema desde o seu título, é o uso do
diminutivo que na poética bandeiriana, geralmente, demonstra afetividade; o poeta se
apropria de uma característica da mãe dele, pois ela se utilizava muito das palavras no
diminutivo para demonstrar carinho
11
. Observa-se a recorrência em nove dos vinte
versos:
Na feira livre do arrabaldezinho
Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor:
Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos.
No entanto a feira burburinha.
Vão chegando as burguesinhas pobres,
E as criadas das burguesinhas ricas,
Os tomatinhos vermelhos
Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a
[única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável.
E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um circulo
inamovível de desejo e espanto.
Se o poema é lido colocando as palavras no seu grau normal, percebe-se grande
diferença no tom; realmente, sugere carinho, por parte do poeta, o uso dos vocábulos no
diminutivo. Até quando o poeta traz o vocábulo expressando certa ironia, existe um
eufemismo por causa da escolha lexical. A feira não está no arrabalde, nem o homem
apregoa balões de cor; quem chega à feira não são as burguesas, nem as criadas das
burguesas ricas, os tomates vermelhos não são vistos pelos meninos pobres.
O cotidiano duro das pessoas é totalmente reelaborado ao se empregar as
palavras em tom afetuoso. De maneira sutil, surge o encantamento, mesmo que a
realidade daqueles menininhos pareça ser marcada por adversidades; eles estão tão
seduzidos que contagiam o leitor.
A feira-livre está cheia de verduras e hortaliças, mas os meninos não saem de
perto do vendedor de balões; suas necessidades físicas estão em segundo plano em
11
A pesquisadora obteve essa informação no mini curso, “Manuel Bandeira na sala de aula”,
ministrado pelo Professor Ms. Mário Rosa, no V Selimel (2007).
detrimento do encantamento, do sonho de possuir aqueles balõezinhos redondos que
não atraem a atenção de mais ninguém, só dos menininhos.
De versos livres e sem rima, o poema apresenta uma estrutura narrativa e
dramática significativa, o que possibilita um trabalho cênico. A forma tão simples com que
Manuel Bandeira narra os episódios parece não demonstrar uma tensão, mas ele o faz
com consciência. Apesar de o próprio autor dizer que em sua experiência pessoal foi
verificando que o esforço consciente resultava em insatisfação, ao passo que o que
saía do subconsciente, numa espécie de transe ou alumbramento, tinha ao menos a
virtude de deixá-lo aliviado de suas angústias. (BANDEIRA, 1997). Observa-se em
“Balõezinhos” que o poeta, de forma consciente, interioriza uma ação externa, que
parece ter sido contemplada por ele, a qual devolve ao mundo de forma transformada.
Revela um mundo criado por ele, a partir de outro que lhe passa ao lado.
Na poética bandeiriana tem-se a impressão de que um poema é sempre
complemento de outro. A singeleza dos versos, a simplicidade colocada através do olhar
do eu lírico remete o leitor a uma experiência agradável com a poesia.
Outro poema que tematiza o cotidiano, a simplicidade das pessoas e tem uma
estrutura em versos livres, com caráter narrativo é “Camelôs”, texto que faz parte da obra
Libertinagem (1930). Conforme foi dito no capítulo anterior, após Libertinagem,
Bandeira se tornou “dono de um modo inconfundível de dizer as coisas que pretendia,
com domínio completo do ofício, com a emoção na justa medida do necessário”. A
modernidade do poeta foi descoberta antes do modernismo, mas a partir dessa obra
Manuel Bandeira estava “pronto para ser livre” (ARRIGUCCI, 1997).
.
CAMELÔS
1. Abençoado seja o camelô dos brinquedos de tostão:
2. O que vende balõezinhos de cor
3. O macaquinho que trepa no coqueiro
4. O cachorrinho que bate com o rabo
5. Os homenzinhos que jogam box
6. A perereca verde que de repente dá um pulo que engraçado
7. E as canetinhas-tinteiro que jamais escreverão coisa alguma.
8. Alegria das calçadas
9. Uns falam pelos cotovelos
10. - “O cavalheiro chega em casa e diz: Meu filho, vai buscar um pedaço de
[banana para eu acender o charuto. Naturalmente
[o menino pensará: Papai está malu...”
11. Outros, coitados, têm a língua atada.
12. Todos porém sabem mexer nos cordéis com o tino ingênuo de demiurgos
[de inutilidades
13. E ensinam no tumulto das ruas os mitos heróicos da meninice...
14. E dão aos homens que passam preocupados ou tristes uma lição da infância.
Em “Camelôs” fica evidente o que afirma Hegel (1980): que para a rica não
importam os temas, se são acidentais, pretextuais, um tema único, a relação que tem
o poeta com o mundo. O poeta recolhe as coisas, incute dentro de si e depois devolve ao
leitor com sua visão. Isso é claro na poética bandeiriana, a poesia ligada à vida, a visão
do belo nas coisas simples, o reconhecimento de estar a poesia em tudo, a subjetivação
do mundo exterior, a experiência da feira entranhada no poeta, a temática do humilde
cotidiano.
No poema em destaque, o camelô é posto como sagrado, “abençoado seja o
camelô dos brinquedos de tostão”; a fala do povo está posta com grande valor e a poesia
voltada para a gratuidade; a alegria é dos que estão nas calçadas; vê-se isto através da
personificação no verso “Alegria das calçadas” e no mesmo o jogo da linguagem non
sense
12
; essa linguagem é percebida ao final do verso em que a criança pensará “papai
está malu...”. No verso 12 aparece o tema popular dos cordéis, marionetes ou bonecos
com cordas, brinquedos conhecidos das crianças, “todos porém sabem mexer nos
cordéis com o tino ingênuo de demiurgos de inutilidades”.
12
Forma literária que consiste em expressão de versos ou frases que resultam semântica e
linguisticamente incoerentes. Usado largamente por: Lewis Carroll, Edward Lear, R. Queneau,
James Joyce, dentre outros.
o predomínio dos diminutivos, que, como se disse, é uma característica da
poética bandeiriana. No poema comentado, tal recorrência demonstra tanto afetividade
quanto uma peculiaridade da linguagem coloquial.
O que vende balõezinhos de cor
O macaquinho que trepa no coqueiro
O cachorrinho que bate com o rabo
Os homenzinhos que jogam box
E as canetinhas-tinteiro que jamais escreverão coisa alguma.
Quanto à forma não regularidade na métrica. Os versos treze e catorze são
longos, levam à reflexão, trazendo a beleza da simplicidade, pois os homens que passam
preocupados ou tristes recebem uma lição de infância. No poema, os verbos estão no
presente, como se o poeta estivesse contemplando todos os acontecimentos. Toma-se
como exemplo a segunda estrofe.
Alegria das calçadas
Uns falam pelos cotovelos
- “O cavalheiro chega em casa e diz: meu filho, vai buscar um
[pedaço de banana para eu acender o charuto. Naturalmente o [menino
pensará: papai está malu...
Apesar dos citados poemas terem uma forte ligação com o aspecto social, neles
também constam elementos da Cultura Popular e a temática da infância está posta de
maneira significativa.
2.2 Sons e ritmos: uma leitura de “Menino Doente”, “Acalanto de John
Talbot” e “Rondó do Capitão”
No nível das formas, uma das que tem muita recorrência e relação com a cultura
popular é o acalanto. De acordo com Veríssimo de Melo (s/d, p. 23 – 25)
Acalantos são pequenos cantos entoados pelas mães ou amas-pretas
para adormecer crianças ou consolar menino chorão doente ou
malcriado. [...] Na poesia, recordamos Manuel Bandeira, inspirando-se
em cantigas de berço para escrever poemas como “Acalanto a John
Talbot” e “O Menino Doente”, o último musicado pelo maestro José
Siqueira.
O acalanto é uma canção que, expressa de modo suave pelos pais, tem o intuito
de ninar o bebê. Segundo Pondé (1982, p. 118) “a poesia acompanha o homem desde o
berço. O gosto por ela se manifesta na mais tenra infância”. Dessa forma, os acalantos já
trazem consigo esse gosto poético. Embora muito sutilmente, através das “letrinhas
fáceis”, chamam a atenção pelo aspecto melódico.
De acordo com Bordini (1986, p.24) esse tipo de poema talvez seja “[...] o
verdadeiro gatilho da sensibilidade posterior da criança para a poesia”. Bandeira, em
seus poemas em que se encontram características da canção de ninar, utiliza-se da
melodia, mas nem sempre faz uso de versos com temas amedrontadores, que, como
se pode observar nos estudos realizados por Veríssimo de Melo (s/d, p. 24-25), os
acalantos trazem, geralmente, essa temática, a exemplo de:
Fecha a porta, gente!
Cabeleira aí vem.
Matando mulheres,
Meninos também.
Jacaré-tutu,
Jacaré-mandu,
Tutu vait’embora
Não pega o meu filhinho.
Os poemas de Manuel Bandeira denominados de acalanto, não trazem esta ideia
de que algum bicho apavorante vai pegar a criança se ela não dormir. Os temas
abordados são relacionados ao universo religioso, que é outra característica das cantigas
de ninar. Segundo Melo (op cit. p. 28)
As referências constantes aos santos em nossas cantigas de ninar
remontam ao espírito patriarcal de coesão que existia na formação da
família brasileira. Mortos e santos viviam sob o mesmo teto dos vivos,
“eram afinal parte da família”. A capela, onde estavam os santos
devotos, enfeitados de flores, era uma puxada de casa. Daí a intimidade
que as mães brasileiras e portuguesas tinham com os santos nas
cantigas de ninar.
O poema “O Menino Doente”, que faz parte da obra Ritmo Dissoluto (1924), é
uma cantiga, e quanto à forma é um acalanto, “canção de ninar, cantigas para embalar
meninos, de adormecer, de berço ou de nanar”. (Veríssimo, p. 23, s/d).
O MENINO DOENTE
1. O menino dorme.
2. Para que o menino
3. Durma sossegado,
4. Sentada ao seu lado
5. A mãezinha canta:
6. - “Dodói, vai-te embora!
7. “Deixa o meu filhinho.
8. “Dorme...dorme...meu...”
9. Morta de fadiga,
10. Ela adormeceu.
11. Então, no ombro dela,
12. Um vulto de santa,
13. Na mesma cantiga,
14. Na mesma voz dela,
15. Se debruça e canta:
16. - “Dorme meu amor.
17. “Dorme, meu benzinho...”
18. E o menino dorme.
Percebe-se, facilmente, uma espécie de referência ao “espírito patriarcal” religioso
brasileiro mencionado por Melo, conforme descrevemos anteriormente. A mãe está
colocando seu filho para dormir, cantando para ele, mas o cansaço faz com que ela
durma antes do menino e o bebê é amparado pela virgem Maria que continua a cantiga
no mesmo tom e voz da mãe da criança.
O poema divide-se em cinco estrofes, que não contêm a mesma quantidade de
versos. Observa-se que o eu-lírico inicia dando ao leitor uma informação “O menino
dorme”; parece que o eu poético constata algo e depois que o passa ao leitor vai
construindo a trajetória para que se saiba por que o menino dorme, ou como é que se faz
para que o menino durma. Logo em seguida, ainda na primeira estrofe, inicia-se uma
breve narração;
Para que o menino
Durma sossegado,
Sentada ao seu lado
A mãezinha canta:
A segunda estrofe traz à canção, o acalanto, pois mesmo não havendo a ideia de
bicho apavorante, que vai pegar a criancinha que tem medo de careta, que não quer
dormir, encontra-se no poema o que é característico das canções de ninar, “a monotonia
melódica provocadora do enfado e cair das pálpebras” (MELO, s/d, p. 23). A estrutura
melódica do acalanto presente no poema é similar ao das canções de ninar populares, a
exemplo de:
Boi, boi, boi,
Da carinha preta;
Pega essa menina,
Que tem medo de careta.
Carrapato vai t’ embora,
Sai de cima do telhado,
Deixa o menino dormir
O seu soninho sossegado.
Comparando a estrutura do poema bandeiriano com os acalantos transcritos
acima, é perceptível a aproximação formal no nível da sonoridade, marcado por
aliterações e assonâncias que reforçam o tom de ninar do texto. Na cantiga popular, este
efeito é marcado pelas aliterações das consoantes [b,r,m,s]. no poema de Bandeira
observa-se, em alguns momentos, a presença da consoante “M” e “N” nasalizadas.
Confirmando a forma acalanto, que sugere carinho, cuidado, o balançar da criança nos
braços maternos, a melodia expressa pelo som nasal de “am – m – an” passa-nos a ideia
de lentidão e brandura.
- “Dodói, vai-te embora!
“Deixa o meu filhinho”.
“Dorme...dorme...meu...”
Durma sossegado,
Sentada ao seu lado
Morta de fadiga,
Ela adormeceu.
Então, no ombro dela,
Um vulto de santa,
Na mesma cantiga,
Na mesma voz dela,
Se debruça e canta
A sonoridade, neste poema, é de fundamental importância, pois o significado é
apreendido pelo substrato fônico”
13
. Para Saussure (apud CANDIDO, 2004, p. 45), “o
som (imagem acústica da palavra) não corresponde ao conceito (significado), não é
determinado por qualquer peculiaridade dele”. Se considerada a teoria da arbitrariedade
do signo linguístico, defendida por Saussure, seria difícil realizar a leitura de “O Menino
Doente”, atribuindo significado aos sons produzidos pelas vogais e consoantes. Porém, a
leitura foi feita a partir da homofonia, representada pelas aliterações e assonâncias,
presentes em todo o poema.
A teoria de Maurice Grammont (apud CANDIDO, 2004, p. 49) “afirma a existência
de correspondências entre a sonoridade e o sentimento”. Grammont estudou os efeitos
causados pela repetição voluntária e evidente de consoantes e vogais, demonstrando
que os fonemas trazem em si uma imagem sonora. Porém, é relevante destacar “que o
som por si só não produz efeitos se não estiver ligado ao sentido”. (CANDIDO, 2004).
Outro aspecto sonoro relevante neste poema é a irregularidade rímica que
contribui para aproximar o texto da prosa. A pontuação ao final de cada verso, também
reforça esta particularidade. os versos reticentes provocam uma percepção visual da
imagem de ninar.
- Dodói, vai-te embora!
“Deixa o meu filhinho.
“Dorme...dorme...meu...”
- “Dorme meu amor.
Dorme, meu benzinho...”
13
Roman Ingarden (apud Candido 2004, p. 37) diz que “a sonoridade do poema pode ser
altamente regular, muito perceptível, determinando uma melodia própria na ordenação dos sons,
ou pode ser de tal maneira discreta que praticamente não se distingue da prosa”. Ingarden propõe
o estudo de um estrato fônico intenção significativa desde que se considere o fato de ser a
matéria da obra literária de natureza rítmica, cujo fator de desenvolvimento é o tempo. se
consideram todos os efeitos fônicos de uma obra, desde os mais evidentes, relacionados com
esquemas métricos, até as sutilezas de variações tímbricas e a utilização funcional de
determinados sons.” (RAMOS 1974, p. 39)
Outro exemplo de acalanto na obra de Bandeira é o poema “Acalanto de John
Talbot” que esno livro Lira dos Cinquentanos (1940). O próprio título do poema faz
menção à forma expressa pelo mesmo.
ACALANTO DE JOHN TALBOT
1. Dorme, meu filhinho,
2. Dorme sossegado.
3. Dorme, que ao teu lado
4. Cantarei baixinho.
5. O dia não tarda...
6. Vai amanhecer:
7. Como é frio o ar!
8. O anjinho da guarda
9. Que o Senhor te deu,
10.Pode adormecer,
11.Pode descansar,
12.Que te guardo eu.
É interessante perceber que o poema possui as mesmas características
encontradas nas canções de ninar populares e segue estrutura semelhante à de “O
Menino Doente”: temática religiosa e versos em redondilha menor. Porém, em “Acalanto
de John Talbot” a religiosidade se através da presença do anjinho da guarda; a mãe
enquanto canta para o seu filho dormir demonstra que o bebê tem um anjo da guarda,
mas ela cuidará de seu filho; o anjinho da guarda pode adormecer que ela estará ao lado
de seu “filhinho”.
Dor/me,/ meu/ fi/lhi/nho
Dor/me/ so/sse/ga/do
Observando a pontuação, percebe-se que, à exceção dos versos três e oito,
todos os outros estão pontuados no final; não há na leitura “enjambement”
14
e a rima está
disposta da seguinte forma: a-b-b-a-c-d-e-c-f-d-e-f. Dessa forma, observa-se que não
regularidade rímica; porém, todo o poema apresenta cinco sílabas poéticas, sendo
bastante melodioso, corrobora para que o texto seja cantado e facilmente memorizado.
Assim como em “O Menino Doente”, as aliterações são significativas para uma
boa apreensão do poema. A recorrência da consoante nasal “N”, que aparece oito vezes
nasalizando as vogais “a” e i”, sugere lentidão; a assonância com vogais claras (a i)
14
Só há enjambement na leitura do verso três para o quatro e do oito para o nove.
indica doçura e leveza, logo, para nós, a leitura alude ao sono. As consoantes sibilantes
presentes no texto, também, são importantes, pois sugerem sopro, sussurro, o cantar
baixinho da canção de ninar.
Dorme sossegado.
Dome que ao teu lado
Cantarei baixinho.
...
Vai amanhecer:
...
Que o Senhor te deu,
Pode adormecer,
Pode descansar,
Que te guardo eu.
Nos dois poemas, “Acalanto de John Talbot” e “O Menino Doente”, as repetições
voluntárias e evidentes de consoantes e vogais determinam uma melodia própria na
ordenação dos sons, semelhante às canções de ninar. O valor sensorial e emocional
ligados aos fonemas “M” e “N”, repetidos nos versos ao longo do texto, nos dão a ideia de
carinho de mãe.
Ainda analisando a forma popular presente na poética de Bandeira, encontra-se o
poema “Rondó do Capitão”, também presente no livro Lira dos cinquentanos (1940).
Trata-se de uma trova popular retirada de uma cantiga, uma parlenda, registrada em
Recife por Pereira da Costa (apud CASCUDO 1984, p. 60) “A Cruz do Patrão”, de origem
Oriental, do século XVIII, os versos “em terra de mouro”, ”espada na cinta”, “sinete na
mão”, “capote vermelho” e “chapéu de galão” apontam a possível origem e a época. Com
algumas modificações essa parlenda era cantada por crianças nordestinas.
RONDÓ DO CAPITÃO
1. Bão balalão,
2. Senhor capitão,
3. Tirai este peso
4. Do meu coração.
5. Não é de tristeza,
6. Não é de aflição:
7. É só de esperança,
8. Senhor capitão!
9. A leve esperança,
10. A aérea esperança...
11. Aérea, pois não!
12. - Peso mais pesado
13. Não existe não.
14. Ah, livrai-me dele,
15. Senhor capitão!
CRUZ DO PATRÃO
1. Bão- ba-la-lão
2. Senhor capitão,
3. Em terra de mouro
4. Morreu seu irmão,
5. Cozido e assado
6. No seu caldeirão;
7. E foi enterrado
8. Na cruz do patrão.
9. Capote vermelho,
10. Chapéu de galão,
11. Negro cativo
12. Não tem presenção,
13. De dia e de noite
14. C’os cacos na mão.
15. Bão- ba-la-lão,
16. Senhor capitão,
17. Espada na cinta,
18. Sinete na mão.
19. Eu vi uma velha
20. Com um bolo na mão
21. Eu dei-lhe uma tapa,
22. Ela, pufo, no chão (variante)
As parlendas são formas literárias tradicionais, rimadas com caráter infantil, de
ritmo fácil e de forma rápida. Não são cantadas e sim declamadas em forma de texto,
estabelecendo-se como base a acentuação verbal. O motivo de uma Parlenda é apenas
o ritmo como ela se desenvolve; o texto verbal é uma série de imagens associadas
obedecendo apenas ao senso lúdico. De acordo com Cascudo (1989, p. 59);
As parlendas ou lengalengas como dizem os portugueses, são fórmulas
literárias tradicionais, rimadas também pelos toantes, conservando-se na
lembrança infantil pelo ritmo fácil e corrente. São incontáveis e se
prestam para os embalos, cadenciar movimentos do acalanto infantil no
intuito de entreter e distrair a criança. Figura, abundantemente, na classe
daquelas nonsense rhymes, sem nem cabeça, com a função
sugestionadora do ritmo. [...] Não tem música geralmente são
declamadas numa cantilena, produzida pela acentuação verbal,
marcando fortemente o ritmo.
Luiz da Câmara Cascudo, folclorista brasileiro, divide as parlendas em dois
grupos; um deles configura-se nas Parlendas propriamente ditas e o outro as
Mnemonias. As parlendas propriamente ditas se destacam por seu procedimento
imagístico; têm a finalidade de divertir as crianças.
O poema de Bandeira segue bem a estrutura da Parlenda, o ritmo é ágil e
agradável, favorecendo a memorização; os versos têm cinco e quatro sílabas, a
musicalidade está presente através das aliterações e assonâncias, a rima acontece nos
versos um, dois, quatro, seis, oito, onze, treze e quinze com a terminação ao e nos
versos, sete, nove e dez terminando em ança. Por ter em seu título o nome rondó,
observa-se que, como afirma Candido (1985), o poema se assemelha à forma fixa rondel,
vinda do medievalismo francês, a qual tinha um espírito malabarístico; mas, no final do
século XVIII, assim como em o Rondó do Capitão”, o rondó inventado por Silva
Alvarenga era diferente, mais fluido, parecia letra de modinha.
As duas parlendas m um chamamento ao senhor capitão, que no poema de
Manuel Bandeira o ser é chamado para ir ao encontro do eu-lírico, a fim de socorrê-lo,
livrá-lo de um grande peso em seu coração; e na “Cruz do Patrão” há uma temática muito
mais forte, demonstra crítica, um povo que não tem voz, passa a ideia de tortura, o
capitão mata o próprio “irmão” e o enterra na cruz do patrão. A métrica é a mesma,
versos com quatro e cinco sílabas, de fácil leitura rítmica; a musicalidade é percebida
através das aliterações e assonâncias.
Tir/ai/ es/te/ pe/so
Do/ meu/ co/ra/ção
Em/ ter/ra /de/ mou/ro
Mor/réu/ seu/ ir/mão
Há rima nos versos um, dois, quatro, seis, oito, dez, doze, catorze, quinze,
dezesseis, dezoito, vinte e vinte e dois com a terminação ão e nos versos cinco e seis
terminados em – ado. Existe semelhança também na pontuação.
2.3 Mito e poesia: Os sons da Amazônia no imaginário poético de Manuel
Bandeira
O folclore amazônico, as lendas, as crendices populares, os mitos de criação
coletiva, as personagens que fazem parte do folclore, o espaço popular da feira, são
alguns dos elementos que permeiam a poética bandeiriana. A esses temas relacionam-se
os textos: “Berimbau”, “Lenda Brasileira”, “As três Marias”, “Balõezinhos”, “Camelôs”.
Outro poema que tematiza o popular é “Berimbau”; incorpora o livro Ritmo
Dissoluto (1924), é muito rítmico, musical, traz alguns mitos do folclore brasileiro,
principalmente da região Norte, mais especificamente da Amazônia e chama a atenção
para lendas como se recriasse uma situação.
BERIMBAU
1. Os aguapés dos aguaçais
2. Nos igapós dos Japurás
3. Bolem, bolem, bolem.
4. Chama o saci: - Si si si si!
5. - Ui ui ui ui ui! Uiva a iara
6. Nos aguaçais dos igapós
7. Dos Japurás e dos Purus.
8. A mameluca é uma maluca.
9. Saiu sozinha da maloca –
10. O boto bate – bite bite...
11. Quem ofendeu a mameluca?
12. - Foi o boto!
13. O Cussaruim bota quebrantos.
14. Nos aguaçais os aguapés
15. - Cruz, canhoto!
16. Bolem... Peraus dos Japurás
17. De assombramento e de espantos!...
A sonoridade se mostra através das aliterações, assonâncias e onomatopeias. A
repetição do fonema /b/ das palavras “Bolem, bolem, bolem” no terceiro verso e “[...] boto
bate: - bite bite” no décimo, sugerem o tocar do berimbau, justificando o título que a
princípio parece não ter relação com o poema. Os versos são octassílabos, porém o
terceiro verso tem cinco sílabas e os versos doze e quinze têm três silabas. Não
regularidade na métrica. Rimam os versos nove e onze e os treze e dezessete.
Os/a/ga/pés/dos/a/gota/çais
Nos/i/ga/pós/dos/Ja/pu/rãs
Bo/lem,/bo/lem,/bo/lem.
- Foi o/ bo/to!
(...)
- Cruz/, ca/nho/to!
A respeito do poema “Berimbau”, em entrevista concedida a Paulo Mendes
Campos (apud REGIS, 1986, p. 50), Bandeira diz que é a sua impressão da Amazônia
que ele nunca viu. O poeta intitulou o poema de Berimbau por causa da monotonia do
seu ritmo.
Ainda de acordo com Regis (1986, p. 50):
Mais do que qualquer outro, este poema exige uma leitura em voz
audível, pois é a sua parte sonora que dá o que Lotman chama de
mensagem secundária. E nesse contexto de oralidade em que aparecem
onomatopeias, paranomásias, aliterações que vem, modificado pela
língua popular, em seu nível fônico, o termo ‘Cussaruim’. Faz parte de
uma atmosfera de sons encantatórios. O termo, ele o revela, aprendeu
com Balbina, sua cozinheira.
A seleção lexical de Bandeira consegue despertar no leitor um efeito novo, pois os
recursos por meio das figuras ou das repetições fazem de seu poema uma tessitura
significativa e surpreendente. A primeira estrofe sugere o som da floresta, principalmente
os versos “Chama o saci: - Si si si si!/Ui ui ui ui ui! Uiva a Iara”. A sugestão sonora indica
a possibilidade de uma intenção imitativa, que o Saci se desloca dentro de
redemoinhos de vento e a Iara atrai os homens com um belo e irresistível canto, logo, os
efeitos fônicos do “si si si si si” e “ui ui ui ui ui” presentes nos versos 4 e 5 se relacionam
significativamente com a lenda, sugerindo ao leitor o ruído das folhas na movimentação
do Saci e o cantar da “mãe das águas”
15
. “Berimbau” não é dissoluto de ritmo
(BANDEIRA, 1997) e por ser muito rítmico e musical o poema sugere brincadeiras.
15
Outro nome dado a Iara.
Observando outro poema que se relaciona com “Berimbau” através da temática,
apresenta-se o texto poético “Lenda Brasileira” presente em Libertinagem (1930).
LENDA BRASILEIRA
1. A moita buliu. Bentinho Jararaca levou a arma à cara: o que saiu do
mato foi
2. o Veado Branco! Bentinho ficou pregado no chão. Quis puxar o
gatilho e não pôde.
3. – Deus me perdoe!
4. Mas o Cussaruim veio vindo, veio vindo, parou junto do caçador e
começou a comer devagarinho o cano da espingarda.
Este poema tem em sua estrutura versificação livre, não há a presença de rimas e
percebe-se na primeira leitura uma narrativa que traz certo suspense. O próprio título
denota isto, pois lenda significa de acordo com o Aurélio (2001, p. 422) “narração de
caráter maravilhoso, em que os fatos históricos são deformados pela imaginação do povo
ou do poeta”.
O eu poético parece estar observando os acontecimentos; isso é notado a partir
da análise dos verbos que estão no passado, o que permite a ideia de fato visto e
contado aos outros. A pontuação do primeiro verso é estruturada de forma a causar
envolvimento do leitor na “estória narrada”. Acontece uma pausa causada pelo emprego
de um ponto final na narração do primeiro acontecimento:
A moita buliu.
Esse início traz certa inquietação, curiosidade, o desejo de saber o porquê de a
moita ter bulido. Logo em seguida é acrescentado um personagem que ao perceber
movimento no espaço em que ele está inserido, produz uma reação. A pontuação vinda
no segundo verso demonstra o espanto que se apoderou do personagem Bentinho ao
se deparar com o que saiu da moita:
Bentinho Jararaca levou a arma à cara: o que saiu da moita foi o Veado
Branco!
Algo interessante a destacar é o “enjambement”, pois o início do segundo verso é
a continuação do que está sendo informado ao leitor no primeiro; então a leitura se faz
sem pausa. O ponto de exclamação vindo logo após a descoberta feita por Bentinho
mostra seu estarrecimento diante do fato e por isso ele tem uma reação inesperada para
alguém que a priori se demonstra tão determinado, pois sua primeira iniciativa é levantar
a arma, mas na hora de puxar o gatilho ele não consegue.
O terceiro verso é curioso, pois é uma fala, um pedido de perdão; mas perdão
pelo quê, se ele não mata o animal? Parece outra frase interjetiva de demonstração de
espanto, aquele tipo de elocução que sai da boca quando se está com medo; mas ao
mesmo tempo há uma confusão, pois a frase parece sair da boca de Bentinho ou do eu -
lírico.
no último verso tem-se o desfecho e o termo Veado Branco é substituído por
Cussaruim, palavra usada anteriormente na poética Bandeiriana. Este cussaruim, ou
seja, veado branco faz parte do universo mítico:
Mas o cussaruim veio vindo, veio vindo, parou junto do caçador e começou a
comer devagarinho o cano da espingarda.
A figura com que as tradições o representam é de um veado branco, mas este ser
é chamado de anhangá, um espírito malfazejo temido pelos indígenas. Gonçalves Dias
fala sobre o Anhangá como entidade inteiramente espiritual, responsável por todos os
males entre os selvagens. No folclore amazonense recebe também outros nomes como
Jurupari e Curupira. Outra lenda diz que seria o Suaçu-anhanga protetor da caça,
castigador dos caçadores impiedosos e escudo dos animais em gravidez
16
. De acordo
com essas informações fica claro para o leitor o porquê do grande medo de Bentinho ao
se deparar com o Veado Branco. E diz a lenda que repousa uma maldição sobre quem
ousa ameaçar o “Suaçu-anhanga”, por isso o personagem não atirou e exclamou tão
16
Informação retirada do site www.casadobruxo.com.br. Mas o texto presente na página foi
extraído de CASCUDO, Luís da Câmara. Geografia dos mitos brasileiros, 2ª ed. São Paulo, Global
Editora, 2002.
espantosamente “Deus me perdoe”, culminando com o desfecho que se torna cômico,
pois o caçador ficou sem sua arma que foi devorada pelo animal.
É relevante ressaltar as características da poética de Manuel Bandeira expressa
no poema: o folclore amazônico, a poesia de caráter narrativo, a presença do lúdico, o
verso livre e uma linguagem simples que é peculiar na obra desse poeta.
Em Belo Belo (1948) encontra-se o poema “As três Marias” que, também, traz o
universo mítico com a presença de elementos lendários como “Mula-sem-cabeça” e
“Moura-Torta”.
AS TRÊS MARIAS
Atrás destas moitas,
Nos troncos, no chão,
Vi, traçado a sangue,
O signo-salmão!
Há larvas, há lêmures
Atrás destas moitas.
Mulas-sem-cabeça,
Visagens afoitas.
Atrás destas moitas
Veio a Moura-Torta
Comer as mãozinhas
Da menina morta!
Há bruxas luéticas
Atrás destas moitas,
Segredando à aragem
Amorosas coitas.
Atrás das moitas
Vi um rio de fundas
Águas deletérias,
Paradas, imundas!
Atrás destas moitas...
- Que importa? Irei vê-las!
Regiões mais sombrias
Conheço. Sou poeta,
Dentro d’alma levo,
Levo três estrelas,
Levo as três Marias!
O mundo mítico perpassa todo o poema; a magia está bem presente, assim como
a ideia dos acontecimentos estarem escondidos atrás das moitas, do sombrio e também
do maléfico. Até o rio atrás das moitas é destrutivo, nocivo à saúde “rio de águas
deletérias”. O eu - lírico conhece esse universo, participa dele, situando-se já, na primeira
estrofe, “atrás das moitas”, vendo traçados no chão “o signo-salmão”. Primeiro enigma do
poema, pois o termo não é tão conhecido. Porém, signo-salmão ou signo-salomão é uma
espécie de talismã ou amuleto, constituído por linhas retas entrelaçadas, formando uma
estrela de cinco pontas. Também é conhecido como estrela de Salomão ou
pentagrama
17
.
O segundo enigma está na última estrofe, pois o poeta termina com esta
exclamação:
Dentro d’alma levo,
Levo três estrelas,
Levo as três Marias!
Sabe-se que as três Marias são as estrelas que formam o cinto da constelação de
Órion, que fica na zona equatorial. É conhecido, também, que Manuel Bandeira publicou
três livros que trazem o título estrela Estrela da Manhã (1936), Estrela da Tarde (1960)
e Estrela da Vida Inteira (1966). Ao ler sua poética, no poema "Balada das Três Mulheres
do Sabonete Araxá", presente no livro Estrela da Manhã, encontramos a seguinte
pergunta: "Meu Deus, serão as três Marias?" O que nos sugere que o apelo as três
Marias, referem-se tanto as da constelação de Órion como as do Evangelho: Maria mãe
de Jesus, Maria Madalena e Maria irmã de Marta e Lázaro. Segundo Gilda e Antônio
Candido
18
,
uma gravidade religiosa freqüente nesse poeta sem Deus, que sabe
não obstante falar tão bem de Deus e das coisas sagradas, como
entidades que povoam a imaginação e ajudam a dar nome ao
incognoscível.
Os elementos míticos relacionados à religião são retomados em sua poesia e
apesar do ateísmo do poeta, é totalmente perceptível a reelaboração da religiosidade, do
folclore e dos mitos na poesia bandeiriana.
17
Informação retirada da nordesteweb.com.
18
Citação retirada da introdução do livro Estrela da Vida Inteira (1993).
O poema é composto de seis estrofes, sendo cinco com quatro versos e uma com
sete versos. certa regularidade tanto com relação à rima, como quanto à métrica. As
estrofes são em redondilha menor:
A/trás/ des/tas/ moi/tas,
Nos/ tron/cos/, no/ chão,
Vi/, tra/ça/do a/ san/gue,
O/ sig/no/-sal/mão!
Nos quartetos a rima acontece entre o segundo e o quarto verso, seguindo um
esquema x
19
-a-x-a.
Nos troncos no chão
O signo-salmão
Atrás destas moitas
Visagens afoitas
Veio a Moura-Torta
Da menina morta!
Atrás destas moitas
Amorosas coitas.
Vi um rio de fundas
Paradas, imundas!
O poema é rítmico, a musicalidade está posta através da rima, mas,
principalmente, pela aliteração dos “s” e pela repetição dos versos “Atrás das moitas”.
2.4 A (re) significação sonora em “Trem de Ferro” e “Boca de Forno”
Manuel Bandeira, apesar da sua formação escolar baseada nos clássicos
portugueses, soube utilizar a fala do povo. É dessa fusão de informações clássicas e
populares que Bandeira extrai tanto o conteúdo como a plasticidade formal de um poema
como – “Trem de Ferro”
A presença de elementos da Cultura Popular não está especialmente relacionada
a uma proposta teórica, está enraizada em uma experiência profunda. Essa vivência,
19
Indicamos a letra X para os versos que não rimam com nenhum outro verso no poema.
atravessada do passado infantil e do cotidiano, é, ao mesmo tempo, pessoal e coletiva;
além do que, pôde ser reelaborada pelo poeta com afetividade. Daí, afirmarmos que o
contato com a poesia de Bandeira promove, de forma eficaz, a integração entre cultura
popular e erudita, demonstrando ser de grande valor para uma experiência estética em
sala de aula, desvinculando a leitura literária do pragmatismo ao qual ela está ligada no
ensino de literatura.
Em Estrela da Manhã (1936) encontra-se “Trem de Ferro”. Neste poema percebe-
se a renovação de sentido que as palavras adquirem ao associar os elementos poéticos
(aliterações, assonâncias) ao significante dos vocábulos.
TREM DE FERRO
1. Café com pão
2. Café com pão
3. Café com pão
4. Virge Maria que foi isso maquinista?
5. Agora sim
6. Café com pão
7. Agora sim
8. Voa, fumaça
9. Corre, cerca
10.Ai seu foguista
11.Bota fogo
12.Na fornalha
13.Que eu preciso
14.Muita força
15.Muita força
16.Muita força
17.Oô...
18.Foge, bicho
19.Foge, povo
20.Passa ponte
21.Passa poste
22.Passa pasto
23.Passa boi
24.Passa boiada
25.Passa galho
26.Da ingazeira
27.Debruçada
28.No riacho
29.Que vontade
30.De cantar!
31.Oô...
32.Quando me prendero
33.No canaviá
34.Cada pé de cana
35.Era um oficiá
36.Oô...
37.Menina bonita
38.Do vestido verde
39.Me dá tua boca
40.Pra matar minha sede
41.Oô...
42.Vou mimbora vou mimbora
43.Não gosto daqui
44.Nasci no sertão
45.Sou de Ouricuri
46.Oô...
47.Vou depressa
48.Vou correndo
49.Vou na toda
50.Que só levo
51.Pouca gente
52.Pouca gente
53.Pouca gente...
na primeira leitura capta-se o ludismo dos versos. E não é difícil perceber na
repetição do verso “café com pão” o movimento de um trem. Analisando o primeiro
estribilho nota-se que cada verso contém quatro sílabas poéticas e as mesmas podem
ser classificadas da seguinte forma: fraca e forte. Tem-se o ritmo associado ao sentido, a
reiteração do nível fonológico criando uma mensagem secundária, isto é, a frase “café
com pão” em outro contexto poderia não causar a impressão sonora do movimento de
um trem. A alternância entre as sílabas imitando o ritmo da máquina no seu sobe e desce
é percebida a partir da leitura oral, motivo pelo qual é tão importante a proficiência na
leitura do poema. A repetição dos versos gera cadência e musicalidade, como se
presente no trecho abaixo:
Cacom pão
Cacom pão
Ca com pão
Segundo Regis (1986, p. 49):
[...] a língua falada compreende pelo menos dois tipos: - popular e
coloquial. A primeira seria a falada pelas pessoas iletradas; a segunda
seria falada pelos que, sabendo usar corretamente a sua língua, falam-
na descuidadamente em circunstâncias de menos tensão.
Ainda de acordo com Regis (1986, p. 56):
A poética manuelina poderia muito bem ter dado entrada a termos da
língua popular, mas manter intacta a sintaxe. Não foi assim. A
transposição de modulações da sintaxe popular é um dos procedimentos
adotados como meio de representar a língua falada na escrita.
No poema vários exemplos dessa língua que seria considerada popular e que
também é muito usada pelos poetas e cantadores populares. As palavras que pertencem
à língua do povo têm sua mudança sonora aproveitada poeticamente:
Virge Maria que foi isso maquinista?
...
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
...
Vou mimbora vou mimbora
...
Vou na toda.
Verifica-se a predominância de versos com três e quatro sílabas poéticas; a
musicalidade através das aliterações e assonâncias produz o ritmo. “Trem de Ferro” está
entre os poemas musicados de Bandeira e para Fábio Lucas (1987); o que atraiu os
compositores para a poesia de Manuel Bandeira foi a simplicidade dos termos, associada
à sonoridade musical
20
que torna a sua poesia de fácil memorização. Isso explica o fato
de “Trem de Ferro”, com melodia caipira e ritmo onomatopaico ter sido musicado tantas
vezes. Ainda é encontrado no poema um cenário bem peculiar ao interior do nordeste, e
as paisagens parecem vistas de um trem. Essa imagem é percebida com clareza na
estrofe quatro.
A partir da leitura dos poemas, percebe-se a reelaboração do elemento popular
através de expressões coloquiais de ternura infantil, termos da língua do povo,
reprodução do ritmo folclórico ou popular, festa popular de São João, lendas, figuras do
folclore nacional, fixação de tipos humanos populares, crendice, religiosidade, costumes
20
Bandeira em Itinerário de Pasárgada (1997) disse que fazia versos porque não sabia fazer música.
do povo, espaço de feira, cenas da vida de todo dia. E também a presença de músicas,
brincadeiras e jogos infantis.
Os jogos englobam a brincadeira com a finalidade de competir. De acordo com
Veríssimo de Melo (s/d, p. 127), os jogos folclóricos ou populares são divididos em cinco
grupos:
Fórmulas de escolha ou de seleção são as preliminares de todos os
jogos, usadas para selecionar dirigentes e participantes, escolher barras,
iniciar a competição etc.
Jogos gráficos são aqueles que se distinguem dos demais pela
presença de um desenho, um gráfico, sobre o qual se realiza um passa
tempo. Exemplo: academia, caracol e onça.
Jogos de competição são os que existem em maior número e se
caracterizam pela disputa, pela competição, visando demonstrar força,
agilidade, destreza e movimento. Exemplo: O coelho-passa, Peia-
quente, Boca-de-forno, Cobra-cega.
Jogos de sorte ou de salão embora apareçam neles, às vezes, o
elemento competição, este é de ordem intelectual como inteligência,
espírito, humor, assim como também “sorte”. Geralmente se efetuam nas
calçadas ou casas de família, onde os concorrentes permanecem
sentados, salvo o dirigente. Exemplo: A Berlinda, o Jogo do Anel, o
Soldado, não.
Jogos com música ou Cantigas de Roda está neste contexto, mas
vai além, pois brincando de roda, a criança estimula o gosto pelo canto e
desenvolve naturalmente os músculos ao ritmo das danças ingênuas.
Todos estes jogos são muito populares aqui no nordeste; dificilmente encontra-se
um adulto que não tenha participado destas brincadeiras
21
. A seguir, descrevemos o jogo
Boca-de-forno.
Boca-de-forno!
Forno!
Tirando o bolo!
Bolo!
Onde eu mandar?
Vou.
Se não for?
Apanha
Seu rei mandou dizer
22
... (grifo nosso)
Remandinha, remandinha! Quem for naquele poste, bater e chegar
aqui por último apanha um bolo!
Esta brincadeira foi uma das mais populares da infância brasileira; reunia a
criançada e quando um gritava, os outros respondiam e depois saiam em disparada para
cumprir a ordem e não “levar um bolo”. Variava o comando, mas geralmente a meninada
21
De acordo com Câmara Cascudo (1984), pode-se ler jogo popular como sinônimo de brinquedo
ou brincadeira.
22
Na infância da pesquisadora, acresciam-se estes versos.
saía correndo para cumprir a ordenança e não levar a palmada. Muitas são as versões,
mas com o mesmo objetivo: uma corrida para realizar uma tarefa e demonstrar habilidade
e rapidez. “Registraram o jogo, no país, João Ribeiro, Alexina de M. Pinto, Affonso A. de
Freitas, Marisa Lira e Leonor Posada, Cecília Meireles”, dentre outros folcloristas (MELO
s/d, p. 148). Conforme Afonso A. de Freitas (apud MELO s/d, p. 149), “era um dos jogos
infantis preferidos pela meninada do Largo da Liberdade, aí pelo ano de 1880”. Percebe-
se, então, que é uma brincadeira muito antiga, e que acompanhou várias gerações.
Certamente, ainda hoje pode fazer parte do universo infantil e divertir a garotada.
Bandeira, nascido no Recife, certamente conhecia esta brincadeira e utilizou-a em
seu poema “Boca de Forno”, presente no livro Estrela da Manhã (1936).
BOCA DE FORNO
Cara de cobra,
Cobra!
Olhos de louco
Louca!
Testa insensata
Nariz capeto
Cós do capeta
Donzela rouca
Porta-estandarte
Jóia boneca
De maracatu!
Pelo teu retrato
Pela tua cinta
Pela tua carta
Ah tôtô meu santo
Eh Abaluaê
Iansã boneca
De maracatu!
No fundo mar
Há tanto tesouro!
No fundo do céu
Há tanto suspiro!
No meu coração
Tanto desespero!
Ah tôtô meu pai
Quero me rasgar
Quero me perder!
Cara de cobra.
Cobra!
Olhos de louco,
Louca!
Cussaruim boneca
De maracatu!
Neste poema, se o leitor teimar em ver os elementos do texto com o valor
preestabelecido no dicionário, ele provavelmente chegará ao “não sentido”. Sabendo que
em literatura, a unidade de significação é o próprio texto (MICHELETTI, 2002), buscamos
o “valor” das palavras em sua interação com os outros elementos do próprio sistema do
poema.
“Boca de Forno”, assim como “Berimbau” e “As três Marias”, é uma dessas típicas
peças que numa primeira leitura deixam o leitor abismado. Desde o título até o último
verso, observa-se o nonsense que causa certo estranhamento.
No poema, veem-se os ritmos poéticos nacionais, a musicalidade da língua
popular; a inclusão de palavras provenientes da língua africana (Iansã e abaluaê) e da
cultura pernambucana (maracatu) ajudam a compor a linguagem mimética. O poema
reproduz uma atmosfera mágica, a oralidade é expressa claramente no exame da
camada sonora dos versos:
Pelo teu retrato
Pela tua cinta
Pela tua carta
Ah tôtô meu santo
Eh Abaluê
Iansã Boneca
De maracatu!
A linguagem mítica em sua versão mágica e popular; o emprego de expressões
das religiões afro-brasileiras; a utilização do ritmo próximo das cantigas encantatórias
enfatizado pela utilização de anáforas e repetições sonoras, sugerem um ritual de feitiço.
O poeta coloca os sentidos a serviço da apreensão da realidade exterior para reproduzir
sensorialmente a sua cultura. O folclore é reescrito como se percebe nos versos:
Cara de cobra,
Cobra!
Olhos de Louco
Louca!
Testa insensata
Nariz Capeto
Cós do Capeta
Donzela rouca
Porta-estandarte
Jóia boneca
De maracatu!
...
No fundo do mar
Há tanto tesouro!
No fundo do céu
Há tanto suspiro!
No meu coração
Tanto desespero
Ah tôtô meu pai
Quero me rasgar
Quero me perder!
O próprio Bandeira reconhecia a influência que sua poética teve da Cultura
Popular e essa característica não se deu de modo acidental, e sim por causa da
importância atribuída por ele ao tema abordado. E como já afirmamos, a presença do
elemento popular infantil é constante em sua obra poética, através de referências a
contos de fadas, a brincadeiras, a histórias e figuras do folclore brasileiro.
3. Arte literária e ensino
Sei que se consome poesia nas salas de aula, que se
decoram versos e se estimulam pequenos declamadores,
mas será isso cultivar o núcleo poético da pessoa humana?
Carlos Drummond de Andrade
O ensino da literatura constitui grande desafio, principalmente se levarmos em
consideração que a literatura é uma arte e como tal é “uma reduplicação da vida, uma
espécie de emulação de cair no sono” (BACHELARD, 2003, p. 17) que permite ao ser
humano viver coisas novas. Pensar a literatura sob esta perspectiva leva a acreditar que,
durante o processo de leitura, o leitor parece ter suas atitudes suspensas, como se
contemplasse algo à sua frente e, ao mesmo tempo, é convocado a vivenciar uma
experiência diferente. Neste sentido, enquanto expressão verbal, a linguagem literária
assume aspectos de representação e demonstração do real, mas, também, permite que
as palavras passem a ter vida própria com novas significações. Embora a literatura
permita a criação de novos universos, estes são baseados ou inspirados na realidade da
qual tanto o escritor quanto o leitor participa. Por isso, mesmo sendo vinculada à
realidade, dela foge através da estilização da linguagem. A este respeito, Marisa Lajolo
(1981, p. 38) afirma:
É a relação que as palavras estabelecem com o contexto, com a
situação de produção da leitura que instaura a natureza literária de um
texto [...]. A linguagem parece tornar-se literária quando seu uso instaura
um universo, um aspecto de interação de subjetividade (autor e leitor)
que escapa ao imediatismo a predictibilidade e ao estereotipo das
situações e usos da linguagem que configuram a vida cotidiana.
Esta necessidade de escapar “ao imediatismo” permite aceitar que a literatura, por
ser uma produção artística, tem como ingrediente principal a fantasia, e acaba por
estimular a curiosidade nos leitores, permitindo uma ampliação de seus horizontes e, ao
mesmo tempo, capacita-os a aguçar a criatividade e a desenvolver o espírito crítico para
lidar com a vida real em função do acúmulo de experiências vividas esteticamente. Tal
possibilidade deve-se ao fato de que no texto literário, geralmente, predomina a força
criativa da imaginação e a fruição estética; o encontro do leitor com a obra produz uma
experiência pessoal que é intransferível, e ao mesmo tempo partilhável com os outros. E
neste compartilhar de vivências com a produção artística forma-se o leitor. De acordo
com Sartre (1993, p.35) o texto criado pelo autor parece estar sempre pendente, nunca
encerrado em definitivo, posto que “o objeto literário [...] existe em movimento. Para
fazê-lo surgir é necessário um ato concreto que se chama leitura, e ele dura enquanto
a leitura durar”. Assim, a operação de escritura implica a de leitura; significa apelar ao
leitor para desvendar o que o escritor empreendeu. Deste modo, ler é criar, visto que o
escritor propicia aos leitores o prazer estético. Esta é a sensação de plenitude causada
pela leitura que nem sempre é experimentada em sala de aula. Segundo Alves (2005, p.
63)
No currículo do ensino fundamental não unidades especificas sobre a
leitura literária e, mais particularmente, sobre o trabalho com o poema.
Nos LDP
23
destinados ao terceiro e quarto ciclo do ensino fundamental, a
presença de poemas é uma constante, mas o modo como são utilizados
apresenta problemas sérios.
Percebe-se essa problemática no processo de escolarização da literatura, que é
marcado por procedimentos pragmáticos e pedagogizantes que não valorizam o
encantamento que essa arte proporciona; também, no espaço escolar, é desconsiderado
o papel do leitor na construção de sentido textual.
A especificidade da linguagem literária pressupõe uma abordagem, em sala de
aula, que encante, sensibilize e encontre os anseios do leitor, a quem a obra se destina.
Infelizmente, muitas vezes, através do processo de escolarização da leitura literária, a
escola muito mais afasta do que aproxima o aluno da experimentação poética. De acordo
com Dionísio (2005, p. 80):
[...] o leitor de literatura construído pelas práticas de escolarização,
sobretudo as configuradas nos manuais, é aquele que não existe
enquanto construtor de sentidos, mas sim enquanto assimilador de
sentidos apresentados por outros, é aquele para quem o texto se
23
Livros Didáticos de Língua Portuguesa
apresenta como um amontoado de factos retóricos, diegéticos e poéticos
que, esvaziados de qualquer valor significativo, se têm simplesmente de
assinalar e reconhecer em situações futuras, concretamente, nos testes
e nos exames.
No que tange a essas diferentes concepções que tratam das relações entre
literatura, aluno-leitor e escolarização, destaca-se o papel do professor na condição de
mediador do processo de formação de futuros leitores. Em primeiro lugar, é fundamental
que o professor se reconheça enquanto sujeito-leitor e saiba dimensionar suas práticas
de leitura literária, visto que quanto mais o professor amplia seu repertório de leituras,
atribuindo à leitura literária o papel de formadora das sensibilidades e ampliadora da
visão de mundo, mais significativas são as práticas de letramento literário propostas aos
seus alunos.
Pesquisas têm demonstrado (Paiva (2005), Evangelista (2003), Martins (2005),
Dionísio (2005)) que o aluno, geralmente, tem a literatura como arte de difícil
compreensão, e a forma de trabalho com que es habituado tem lhe negado a
oportunidade de vivenciar uma experiência estética. O livro didático comumente utilizado
pelo professor, muito mais restringe do que amplia o seu conhecimento sobre a estética
literária e traz um estudo fragmentado das obras; questões interpretativas que privilegiam
uma única possibilidade de leitura, sem falar no modo como esse material didático
aborda o texto poético, torna ainda mais difícil que o docente forme leitores de poesia,
pois esse gênero não é preferência do professor quiçá dos alunos.
Assim sendo, o professor não deve impor leituras prontas sobre poemas, por
exemplo, mas abrir espaço para que o aluno compartilhe a sua compreensão do texto.
Dessa forma, o estudo da obra literária não partiria dos conceitos, distanciando os alunos
do texto, mas privilegiaria o leitor como eixo central no processo de ensino da literatura.
Para Alves (2005, p.23),
É possível a escola propiciar um espaço de vivência significativo a partir
da convivência com textos poéticos [...] Mas é preciso estar consciente
de que as condições sociais em que a escola está inserida e a formação
literária dos professores em quase tudo desabona uma experiência
significativa com a poesia.
A formação lacunosa dos docentes tem contribuído para uma abordagem
metodológica, em sala de aula, que se utiliza de processos mecanicistas, tais como
leitura do texto literário como pretexto para exercícios gramaticais, roteiros de
interpretação com base nas possíveis ideias do autor, leitura para realização de provas
bimestrais, dentre outros que pouco contribuem para formar leitores, sobretudo de
poesia. A linguagem considerada primitiva utilizada pela poesia, é desautomatizada,
metafórica e, por isso, não pragmática. Pela peculiaridade, o texto poético apresenta
possibilidades de encantar tanto a criança, quanto o adolescente. O que mudará no
contato do leitor com a obra é a recepção. Ao considerar que uma das funções da
literatura seria a formação do seu próprio leitor, o professor adotaria uma perspectiva
teórica que buscasse, principalmente, formar leitor de literatura.
Na tentativa de compreender como se daria o ensino de literatura, em que a figura
central fosse o aluno, buscamos realizar leituras sobre os pressupostos teóricos da
Estética da Recepção. Essa teoria surgiu na Alemanha, na década de sessenta, tem
como principal nome Hans Robert Jauss. A abordagem dos teóricos alemães propõe
analisar a relação texto-leitor, focalizando o leitor, em vez de sobressaltar as qualidades
dos textos e dos autores; logo, o leitor deixa de ser figura sem valoração no fato literário,
para traçar nele toda a produção da literatura. “A importância do texto não advém da
autoridade de seu autor, não importa como ela se legitima, mas sim da confrontação com
a nossa biografia. O autor somos nós, pois cada um é o autor de sua biografia”. (JAUSS,
1979, P. 82). Contudo, a Escola de Constança divide-se em dois ramos muito distintos:
“a estética da recepção” de Hans Robert Jauss e a teoria do “leitor implícito” de Wolfgang
Iser” (JOUVE, 2002, P.14). Para Jauss existe um leitor histórico, e essa categoria será
percebida na recepção de acordo com a interação texto-leitor.
A natureza estética, segundo Jauss, se realiza através de três categorias: poiésis,
aisthésis e katharsis. A primeira delas compreende o prazer ante a obra, isto é, o prazer
de sentir-se co-autor da obra; a aisthésis relaciona-se à experiência estética e
corresponde ao efeito provocado de renovação e percepção do mundo. A katharsis
corresponde à concretização de um processo de identificação que leva o espectador a
assumir normas de comportamento social, uma retomada de idéias expostas
anteriormente.
A teoria do efeito, de Wolfgag Iser, é complementar à teoria da Estética da
recepção, tendo em vista que além de centrar-se no leitor, essa teoria se preocupa com a
perspectiva das experiências vivenciadas por ele durante o ato de leitura. Com isso, o
objeto de atenção da teoria do efeito é a interação entre texto e contexto, entre texto e
leitor, visando responder a duas questões “Em que medida o texto literário se deixa
apreender como um acontecimento? Até que ponto as elaborações provocadas pelo texto
são previamente estruturadas por ele?” (ISER, 1989, p.10)
A recepção de uma obra literária é vista pelos teóricos de Constança como “uma
concretização pertinente à estrutura da obra, tanto no momento de sua produção como
no da sua leitura, que pode ser estruturada esteticamente [...]” (AGUIAR E BORDINI,
1988, p.82). É necessário ponderar que tanto o leitor quanto a obra estão submersos em
horizontes que precisam se encontrar para que se obtenha a interação.
A esses horizontes, os teóricos da Estética da Recepção nomearam de horizontes
de expectativas, os quais incluem todas as convenções estéticas - ideológicas que
possibilitam a recepção do texto, “uma vez que as expectativas do autor se traduzem no
texto e as do leitor são a ele transferidas. O texto se torna o campo em que os dois
horizontes podem identificar-se ou estranhar-se” (AGUIAR e BORDINI, 1988, p. 83).
Porém, que se crê na relevância do trabalho com o texto poético, faz-se necessário
reiterar que ao adotar uma concepção teórica, o professor deve também conhecer as
diferentes teorias desenvolvidas ao longo dos séculos, pois um trabalho com a poesia
pressupõe não só levar em consideração o papel do leitor na atualização da obra literária,
mas também saber, como ensinam, por exemplo, os formalistas, que elementos internos
como verso, ritmo, metro, rima atuam na construção do significado da obra. Portanto,
mesmo privilegiando outros métodos, que não sejam o recepcional, a discussão deve
permear as atividades em sala de aula; qualquer método de abordagem textual, direta ou
indiretamente, pode (e não deve dispensar) lançar mão do debate. (ALVES, 2007).
Para isso, importa que o professor selecione poemas com os quais os alunos
possam se identificar; assim, é importante sondar o horizonte de expectativa dos alunos,
a fim de que a recepção por parte deles seja significativa. “Temos que aceitar que o
adolescente tenha um mundo de experiência mais restrito e que é preciso começar pelo
conhecido e depois, aventurar-se pelo desconhecido” (BOSI apud ROCCO 1981, p 103).
Por tudo isso, considera-se a necessidade de que a escola abrigue as diversas
formas de aproximação entre o sujeito e a arte literária. Situando o ensino da literatura no
lugar que é o da própria literatura: “o da experiência estética singular, da descoberta, do
jogo estético” (RANGEL, 2005 p. 151). Não havendo distância entre ela e o “universo
daqueles a que se destina”. Dessa maneira a escolarização da literatura se daria de
forma interativa, sem o uso do texto como pretexto, distante da realidade do aluno, sem
significação aparente. Sendo assim, sugere-se um trabalho que encante o adolescente, e
que o aproxime do texto poético visando a formação do aluno enquanto leitor de poesia.
4. Vivência dos poemas em sala de aula
Uma abordagem de leitura deve levar o aluno ao prazer da
descoberta. Para isso, a leitura deve ser encarada como um
jogo, uma atividade lúdica que exige o engajamento
cognitivo.
(Kleiman e Moraes, 1999, p. 29)
A escola não pode subestimar a competência crÍtica dos seus alunos, restringindo
o processo de leitura e o desenvolvimento cognitivo, social e afetivo do sujeito, a
indivíduos retraídos e reprodutores. Os adolescentes, mesmo “aqueles que vivem em
outras condições socioculturais divergentes, não devem ser excluídos, mas integrados ao
processo, na medida em que encontram no texto referenciais com os quais possam
dialogar” (AGUIAR, 1999, P. 244). Sendo assim, podemos pensar a leitura literária
dirigida por seu caráter emancipatório, pois segundo Aguiar ler é expandir fronteiras e a
literatura será melhor quanto mais inquietar o seu leitor.
Propomos um trabalho com a arte literária que possibilite ao aluno um encontro
com ele mesmo através das experiências representadas no texto, especificamente o
texto poético, objetivando o nascimento de uma comunidade de leitores cuja experiência
literária além do ambiente escolar, desvinculando a leitura literária do pragmatismo ao
qual, por vezes, ela é submetida. Dessa forma, realizamos uma pesquisa, pautada na
Estética da Recepção e na teoria do efeito, com vistas a promover uma experiência
estética significativa com a obra literária. Esta teoria considera o papel do leitor na
atualização da obra literária, e a partir do encontro entre ele e o texto, podemos,
conforme Iser (1996), observar os efeitos que o texto provoca em seus receptores;
efeitos estes que devem ser entendidos como um processo em que a interpretação, que
é proveniente do próprio texto, objetiva a formação do sentido e, em decorrência disso, a
leitura não pode ser descartada.
4.1 A experiência de leitura dos sujeitos da pesquisa
Para realização da parte prática de nossa pesquisa, elegemos como objeto de
análise o estudo do texto literário no nível fundamental de ensino. A coleta de dados teve
como instrumentos questionários aplicados a professores e alunos, observação direta de
aulas e experiência com os poemas de Manuel Bandeira (recepção dos alunos aos
poemas de Bandeira).
Através desses instrumentos, pudemos coletar subsídios diversificados, acerca do
perfil de alunos e professora, e suas práticas de leitura do texto literário. O questionário
aplicado junto à professora tinha como objetivo colher dados de sua formação,
conhecimentos sobre cultura popular e sua prática docente.
A docente é licenciada em Letras pela UEPB desde 1990. É especialista em
Literatura e Estudos Culturais e está no exercício da profissão 17 anos. Quando
perguntamos, no questionário (c.f. anexo III), o que ela entendia por Cultura Popular, a
resposta obtida foi: “cultura que vem do povo, contato com as nossas raízes culturais que
proporcionam prazer e conhecimento”. Quanto à visão sobre as manifestações culturais
do povo, ela respondeu que “são reflexos da nossa cultura (toda cultura) que devem ser
preservadas. Através das manifestações culturais, conhecemos o nosso passado e
respondemos as nossas dúvidas”. A última pergunta deste bloco era se a professora já
trabalhou com os alunos alguma manifestação da Cultura Popular. A docente escreveu:
“como a cultura popular me chama todas as atenções, eu utilizo-a dentro da sala de aula
e principalmente a literatura popular (cordel)”.
Sobre a prática pedagógica, a professora comentou que planejava as aulas
individualmente, fazendo uso de textos literários de forma diferenciada dos demais
colegas que seguem o livro didático”. Embora tivesse uma preocupação com conteúdos
curriculares, afirmou “mesclar suas aulas, levando textos em prosa e muita poesia para a
sala de aula”.
Ao indagarmos sobre os gêneros literários mais trabalhados, a docente não
atentou para a especificidade da pergunta e confundiu os gêneros textuais com os
literários. Ela respondeu que trabalha todos os gêneros (textos em verso, em prosa,
jornalísticos, palavras cruzadas, científicos, charges etc.) e com carinho especial o cordel.
Com o questionamento para saber se a professora é leitora de poesia, se entende ser
importante levá-la aos alunos, obtivemos a seguinte resposta:
Como sou poeta popular, a poesia faz parte do meu “Eu” de forma “total”,
e por isso, vejo a necessidade de levar poesia para a sala de aula, se um
ou dois alunos não gostam, o restante adora... e isso massageia o meu
ego (é muito bom!).
Afirmou, ainda, que poesia para os alunos é mais prazeroso que os textos em
prosa. A questão número cinco expressa o desejo de sabermos se a docente já trabalhou
poemas de Manuel Bandeira; a resposta foi positiva. Em relação à última pergunta, a
professora respondeu que a maioria dos alunos recebe bem o texto literário, participam,
leem e se identificam com o texto”.
De acordo com as respostas oferecidas pela professora aos dois últimos blocos
de perguntas, a metodologia adotada pela docente foge à prática pedagógica que,
comumente, encontramos nas escolas. Supomos que, por ela não utilizar o livro didático
em suas aulas, prioriza o encontro com o texto poético e busca proporcionar o prazer da
descoberta de sentimentos, a fruição e a curiosidade que a leitura literária pode
despertar. O fato de ela trabalhar o texto poético, sobretudo o de Manuel Bandeira, já foi
para nós uma surpresa e foi de encontro com a nossa hipótese de inserir esta poesia em
um ano do ensino fundamental; contudo, para nós se tornou ainda mais instigante a
pesquisa, pois, agora, veríamos como, alunos que já tinham contato com leitura de textos
poéticos, recepcionariam os poemas sugeridos por nós, como também observaríamos o
método utilizado pela professora, para ver se ela privilegiaria a discussão ou se adotaria
uma metodologia que primasse, apenas, pela análise e interpretação do poema.
o questionário aplicado junto aos alunos estava dividido em dois grupos de
perguntas. O primeiro objetivou traçar o perfil do discente, levando em consideração
sexo, idade e a série que cursava. Como já afirmamos na apresentação, os alunos
cursavam o ano do ensino fundamental, com idade compreendida entre 13 e 17 anos;
doze eram do sexo feminino e dezessete do sexo masculino, somando um total de vinte e
nove alunos-colaboradores.
O segundo bloco, com sete perguntas, buscou investigar o conhecimento que os
alunos tinham sobre leitura. Considerando a natureza diversificada das perguntas,
apresentaremos alguns desses dados em forma de tabela e outros na forma descritiva.
As outras cinco são subjetivas e buscaram uma descrição mais detalhada sobre o
contato dos alunos com o texto poético.
Tabela 1: Indicação dos livros já lidos.
Título
Autor
Justificativa
“A divina
revelação do
inferno”
Mary K.
Baxter
24
01 A1
25
: Porque ele retrata a história de uma mulher
que passou 40 noites no inferno, e Jesus fez com
ela publicasse o livro para mostrar as pessoas
que o inferno realmente existe, e que é muito
ruim.
“A Bíblia” 03 A2: Esse livro que gosto tanto mudou meu modo
de viver, por isso que gosto muito.
A3: Porque tem histórias legais.
A4: Porque é um livro especial, mágico.
“Uma história de
futebol”
José Roberto
Torero
01 A5: Gostei desse livro porque foi uma história que
me deu emoção e eu queria continuar lendo cada
vez mais, para saber o final.
“O gato de botas” Charles
Perraut
01 A6: Gostei pela ação, suspense etc.
24
Os alunos não colocaram o nome dos autores dos livros, então pesquisamos na internet, porém
não encontramos o nome de todos eles, por isso alguns espaços em branco na tabela.
25
Para facilitar a identificação dos alunos colaboradores, nos questionários presente no anexo IV,
caracterizamos pela letra “A” seguida de um número correspondente a ordem que aparecerá nos
anexos.
“O patinho feio”, Hans
Christian
Andersen
01 A7: Porque fala de sua vida
“A cadeira do
dentista”
Carlos
Eduardo
Novaes
01 A8: Porque ele fala de muitas coisas, é uma
história interessante, cheia de aventuras i chama
atenção de todos que ler, muito legal.
“Tudo sobre
adolescentes”
01 A9: Porque nele tem varias perguntas e
respostas que um adolescente deve saber.
“Bisa, Bia, Bisa
bel”
Ana Maria
Machado
01 A10: Porque era bom.
“Bolt” 01 A11: Por ser uma história que contempla
aventura e romance.
“As mentiras que
os homens
contam”
01 A12: Porque, falou de uma forma humana,
situações que vimos diariamente e quase nunca
percebemos.
A revista em
quadrinhos do
cebolinha
Mauricio de
Sousa
01 A13: Porque ele é divertido e erra as palavras.
“O castelo
Assombrado”
Coleção
Literatura em
minha casa
01 A14: Esse aluno não justificou
Dos vinte e nove (29) alunos, cinco (05) não responderam, quatro (04) disseram
que nenhum livro os marcou e seis (06) expressaram a preferência, mas não
especificaram o livro. Dentre estes, uma aluna disse “gosto muito de livros românticos, e
eu gosto de muitos que leio, mas não me lembro de nenhum ter marcado tanto”.
(c.f.anexo IV)
Dadas as preferências de leitura dos alunos, no que diz respeito à literatura, por
meio das falas, percebemos o interesse pela prosa e a preferência por histórias
intrigantes, que prendem a atenção do leitor. Os livros citados são narrativas que trazem
suspense, aventura, religiosidade, e fatos cotidianos da vida dos adolescentes. Conforme
Guaraciaba (2002, p.15) “ler um texto é atribuir significações e pressupõe uma re-
construção do texto que nos é apresentado”. Parece-nos, que os livros agradaram aos
alunos na medida em que corresponderam às suas expectativas de leitura.
A quarta questão objetivava saber se a professora lia poesia em sala de aula; 24
responderam que sim e 05 disseram: “às vezes”. Destacamos duas respostas: “é o que
ela mais faz, é claro, além de nos ensinar várias coisas”. “Ler. Não é todo dia, mais
sim”. Todas as respostas confirmam que a professora leva à sala de aula o texto poético.
Porém, a nossa inserção em sala de aula nos possibilitaria uma constatação de como
a poesia é levada aos alunos. A próxima pergunta tinha como finalidade investigar o
gosto dos discentes pela leitura de poesia. E para nossa surpresa, dos 29 alunos, 19
responderam positivamente; algumas justificativas nos chamaram atenção.
As respostas demonstram que a leitura de poesia na adolescência, geralmente, é
relacionada ao amor. Mais uma vez, o gosto parece demonstrar as expectativas de leitura
dos alunos, e confirma a preferência por textos que proporcionam emoção. Outro aspecto
RESPOSTAS
Nº DE CORRÊNCIAS
JUSTIFICATIVAS
A18: Porque expressa
sentimentos bonitos.
A12: Gosto. Porque as
poesias nos permite
expressar nossos
sentimentos de formas
variadas.
A19: Porque fala de amor!
A 20: Porque deixa agente
leve e muito romântica.
A4: Porque é romântico.
A17: Porquê eu gosto de
poesia romântica.
A3: Porque tem umas que
toca no coração.
A16: Porque a maioria é
romântica.
SIM
12
A7: Porque eu me divirto
A21: Porque nos distrai, nos
aprendemos poesia
A22: Porque eu acho que é
uma coisa boa para mim e
as vezes tem algumas muito
engraçadas e divertidas
para ler.
A2: A poesia nos inspira, às
vezes pode mudar vidas
POUCO
01
A11: Um pouco, talvez não
sinta tanta emoção lendo
uma poesia, como sinto em
ler um livro
A15: Porque só pra mim
escutar
A14: Porque não consigo
entender
A23: Porque eu gosto mais
de ler suspense
A6: Gosto mais de cordel
NÃO
05
A1: Porque é chato. Mais os
cordéis eu gosto de ler
relevante foi a identificação com o ludismo. Chamou-nos atenção que as respostas se
voltaram para a diversão, lazer; a nossa hipótese é de que essa relação foi feita devido
ao trabalho desenvolvido pela professora, em sala de aula, com cordéis. Outro aluno
justificou o gosto pela poesia, por causa das rimas, também uma característica forte do
cordel. (cf. anexo IV). A última resposta positiva demonstra que o aluno relacionou a
poesia à vida; supomos que o contato com o texto poético foi sobremaneira significativo.
Inquietou-nos a resposta desta aluna (A11), um pouco, talvez não sinta tanta
emoção lendo uma poesia, como sinto em ler um livro”. A leitura do texto poético não
atinge as expectativas desta aluna; para ela é significativo que a leitura a sensibilize,
porém, parece que o contato com a poesia não tocou a sua sensibilidade. Os horizontes
de expectativa dessa adolescente não foram correspondidos.
Dentre as dez (10) respostas negativas, destacamos cinco (05)
26
. A A15 chama a
atenção, pois apesar do aluno responder não apreciar a leitura de poemas, afirma que
gosta de escutar; então o texto poético o agrada, e supomos que a sonoridade é o mais
perceptível para esse garoto. A segunda resposta (A14) assinala para uma abordagem
em sala de aula que privilegia a estrutura do texto poético, rima, métrica, teoria do verso,
dissociada de significado, característica muito forte, tanto no ensino fundamental, quanto
no médio. De acordo com Alves (2008), um olhar panorâmico nos livros didáticos nos
mostra que as atividades foram influenciadas pela retórica, sobretudo quando se apoia no
reconhecimento de figuras de linguagem, pela estilística e o estruturalismo. Passou-se
para o ensino fundamental e médio uma metodologia de ensino com o poema que
privilegia a análise e interpretação em detrimento dos horizontes de expectativa dos
alunos-leitores. Na resposta de A23, vê-se que o aluno não reconhece a poesia como um
gênero que pode abordar as mais variadas temáticas, como o mistério, o suspense,
aventura, os mitos, que por vezes, são assustadores. As duas últimas demonstram que
para esses alunos o cordel não é poesia; cremos que tal percepção decorre das
26
Dos 29 alunos colaboradores, 10 responderam não gostar de poesia, mas nós só destacamos
05 respostas. Estamos nos referindo as cinco respostas trazidas na tabela da página anterior.
temáticas abordadas na literatura de cordel, da forma popular que é considerada simples,
que a maioria das estrofes são sextilhas e possuem rimas, “o humor é presença
marcante” (ALVES, 2001, p. 32) e a estrutura presente nos folhetos é geralmente de uma
narrativa; supomos que para os discentes A6 e A1 o texto poético não pode possuir
algumas das características descritas acima e por isso para eles o Cordel não é poesia.
Acreditamos que a escola deve propiciar aos alunos o contato com a poesia, de
forma lúdica, destituindo-se da pedagogização e levando a literatura como arte,
dissociada do caráter avaliativo. E por despertar a percepção sensorial e a sensibilidade,
como afirma Cunha (1991), o gênero poético deve ser o menos comprometido com
aspectos morais ou instrutivos.
A sexta pergunta tinha por objetivo saber se os alunos lembravam algum poema.
Somente oito (08) assinalaram alguma lembrança, dentre eles, três indicaram títulos de
cordel. “A galega do Negrão”; “A vingança da falecida” de Maria Godelivie “Por você
eu mato gente, mato você e me mato” – de Manoel Monteiro. A primeira resposta foi dada
por A14 que expressou anteriormente não gostar de poesia; destacamos esse dado
porque muitos discentes que disseram apreciar o texto poético, responderam que não
tinham nenhum poema em suas mentes, enquanto este colocou o título de um cordel.
Novamente, percebemos que este gênero poético se faz presente na sala do ano e
que alguns alunos reconhecem-no como poesia e outros não têm a mesma concepção.
Três colocaram versos;
A2: Em minha mente eu tenho, assim, todo o tempo a minha paixão a
dança
A17: Sim! Não sei se no seu mundo existe um pouco de mim, mais sei
que neste pouco de mim existe muito de você
A16: Sim, tens beijo
Estes versos ratificam a preferência que alguns alunos expressaram
anteriormente, quando disseram preferir poemas com temáticas românticas. Dois alunos
que não citaram nenhum verso, nem título algum de obra poética, disseram “tem uma
especial, mas não estar na mente, mas é de Drummond”; esta resposta foi dada por A11
que expressou não gostar muito de poesia, no entanto, observamos que algum poema
tocou sua sensibilidade, pois, além de ela utilizar o adjetivo especial, ainda cita o nome
do poeta; “agora não mais eu tenho um livro cheio, sei vários mais não estou lembrada é
cada uma linda”.
Em relação à última pergunta se “alguma outra professora já trabalhou poesia
com a turma em que você estivesse inserido?” 19 alunos disseram que não e 10
responderam que sim. Este dado ratifica a afirmação de Alves (2008), segundo o qual a
formação dos professores, em relação ao texto poético, é problemática. Um dos
problemas como afirma Alves (2008, p. 21)
É que a tradição de ensino dos cursos de letras pouco tem primado por
uma formação metodológica adequada. Nossos cursos de letras, em sua
maioria, têm mais o rosto de bacharelado do que de licenciatura.
Julgamos que se deve à formação, o pouco trabalho com o texto poético no
ensino fundamental, pois, tanto alguns estudiosos do assunto apontam para esta
hipótese, como a nossa própria prática corrobora para que cheguemos a essa suposição.
Como afirmamos, nossa formação não nos proporcionou a realização de um trabalho
satisfatório com a poesia.
4.2 Descrições das aulas observadas
Iniciamos a primeira etapa de nossa pesquisa no dia 15 de maio de 2008,
visitando a Escola Estadual Ademar Veloso da Silveira. Entretanto, já tínhamos ido à
Escola Vicentina Vital do Rêgo, no bairro do Jeremias, e à Escola Estadual de Ensino
Fundamental Monte Carmelo, no bairro do Pedregal. Fomos às escolas, respectivamente,
nos dias 01 de abril e 04 de maio de 2008. Porém, os professores das referidas escolas
não aceitaram a intervenção de nossa pesquisa em suas salas de aula
Por indicação de uma professora que leciona no turno da noite no Colégio
Estadual de Bodocongó, como é mais conhecida a escola em que realizamos nossa
experiência, fomos à escola, no dia supracitado, a fim de conhecer a professora de
Língua Portuguesa do ano e conversar com ela a respeito da pesquisa que
pretendíamos realizar em sua sala de aula. Nesse encontro pedimos para ver o plano de
curso da disciplina, porém a docente não mostrou, apenas respondeu “existe um plano
de curso, mas eu não o sigo mecanicamente. Não tenho uma metodologia fechada”.
A professora foi receptiva ao nosso trabalho e enquanto investigávamos, através
de entrevista informal, sobre sua prática, descobrimos que ela é cordelista e que trabalha
o texto literário em sala de aula, dando preferência à narrativa, por perceber um maior
interesse por parte dos alunos. No entanto, ressaltou que consegue melhor atenção dos
alunos quando trabalha o cordel, pois abarca os dois gêneros (narrativa e poesia).
Acreditamos que a docente, por trabalhar a literatura, enxergou a relevância do nosso
trabalho.
Nosso segundo encontro foi no dia 29 de maio de 2008, ocasião em que a
professora trabalhou com os alunos a estrutura do texto poético, ensinando-lhes o
aspecto formal do poema, mostrando que o mesmo se constitui em estrofes, versos e
rimas. Demonstrou, ainda, como se faz o estudo da rima e ressaltou que o texto poético
não se caracteriza apenas pelas rimas e sim pela linguagem diferenciada; enfatizou que
o que assinala o poema é a forma e o que caracteriza a poesia é o sentimento. Nessa
mesma aula, ela pediu para que os alunos pesquisassem alguns poemas e trouxessem
na aula seguinte a fim de serem trabalhados em sala e que de preferência fossem
sonetos.
Na aula do dia 04 de junho de 2008
27
, a professora continuou o trabalho com o
texto poético; cobrou dos alunos a pesquisa que tinha passado na aula anterior.
Recolheu os poemas, em seguida começou a fazer uma revisão, discorrendo sobre a
estrutura formal do texto poético. Indagou aos alunos se eles lembravam o que era um
verso, a diferença entre poema e poesia, o que eles sabiam sobre as formas fixas, mas
27
As aulas acompanhadas, nos dias 04 e 05, foram de duas horas aulas cada.
se falou do soneto porque foi a forma pedida para que os alunos levassem à sala de
aula.
Depois desse momento houve a leitura, tanto por alunos, quanto pela professora,
de alguns dos poemas trazidos pela turma. Dentre os poemas escolhidos, foram lidos
“Ouro Preto”, de Manuel Bandeira, e “I Juca Pirama”, de Gonçalves Dias. A docente
selecionou estes textos para leitura porque não falavam de amor. E disse: “a poesia não
tem que ser, necessariamente, romântica”. Houve discussão sobre os textos e à medida
que a professora indagava, os alunos se posicionavam quanto às questões levantadas.
A professora leu algumas estrofes do Cordel A galega do negrão para ressaltar a
importância do ritmo em relação à leitura. Alguns alunos também leram e logo após foi
feito o estudo da rima no cordel. Ao final, foi passada uma atividade
28
de interpretação
do poema “Soneto Deslumbrado”, de Ulisses Tavares (c.f. anexo I). Este soneto foi
trazido por um aluno, mas a professora comentou com a pesquisadora que já o conhecia,
costumava trabalhar com esse texto em turmas de graduação do Curso de Pedagogia da
Universidade do Vale do Acaraú (UVA), em que a docente leciona.
No dia seguinte, a professora continuou o trabalho com a poesia. No primeiro
momento recolheu as atividades que não foram entregues na aula anterior e logo após
começou a ler “Ai se sesse”, de da Luz; “Dragosa a dragoa cor de rosa”, de Jorge
Linhaça; “Eu tenho um sonho”, de Urjana Sherestha e “O Bicho”, de Manuel Bandeira.
Estes poemas foram trazidos pela docente para que os alunos escolhessem o que mais
iria agradá-los. A maior parte da turma gostou de “Aí se sesse” de Zé da Luz, e justificou
o gosto por causa das rimas e da linguagem popular presentes no texto poético. Mas não
houve maior discussão a respeito do texto. Apesar de ser uma constante o trabalho com
a poesia na sala do 9º ano, supomos que a professora priorizou o texto poético por causa
28
Questões para atividade: 1. O texto lido é um poema? Justifique./ 2. O texto lido é uma poesia.
Por quê?/ 3. Por que podemos dizer que o texto lido é um soneto?/ 4. Como se processam as
rimas no texto?/ 5. Qual a estrofe que mais chamou a sua atenção? Por quê?
da nossa presença, porém não para impressionar, e sim para contribuir com a nossa
pesquisa.
Acreditamos que aceitar a literatura infanto-juvenil somente como aquele modelo
de obra, cuja ficha catalográfica indica que o livro é dirigido às crianças e adolescentes, é
cair no reducionismo e deixar escapar textos que podem fornecer uma rica experiência
de leitura em sala de aula. Porém, o poema “Dragosa a dragoa cor de rosa” (c.f anexo I)
parece ser muito infantil para levar aos adolescentes, certamente a leitura deste mesmo
texto em uma série do fundamental, ciclo um, seria recepcionada com grande
entusiasmo.
o de Jorge Linhaça, “Eu tenho um sonho” (c.f anexo I), possui um tom
moralizante, mas o título sugere uma boa discussão que poderia ser iniciada com uma
simples pergunta, “qual é o seu sonho?”; certamente todos os alunos participariam
acaloradamente, pois todos nós temos um sonho. Outra questão pertinente seria se o
sonho do “poeta” comunga com o do leitor, enfim, muitas seriam as possibilidades de
abordagem desse poema, mesmo que ele não sugira belas imagens e uma linguagem
considerada poética, que toca nossa sensibilidade. Esteticamente o poema não é bom,
porém uma boa abordagem renderia uma aula instigante ou, pelo menos, uma sondagem
das expectativas dos discentes. No entanto, como na aula do dia 04 de junho, logo após
as resposta dos alunos demonstrando a preferência pelo texto de Zé da Luz, a professora
leu o cordel Chifrudos Associados. Ela começou lendo e depois cada aluno leu uma
quadra, até o final. Após essa leitura, dividiu a turma em duplas e entregou um poema a
cada dupla para que juntos discutissem e fizessem uma pequena análise, baseados em
tudo que foi estudado até então. Os alunos deveriam destacar a temática, a rima, fazer o
estudo rímico, dizer a quantidade de versos, e se o texto tinha um tom social.
A leitura do cordel sempre agradava a turma, mas pareceu-nos ser desarticulada,
pois não havia discussão nem dos poemas, nem do gênero popular. E não percebíamos
semelhanças entre os textos poéticos levados à sala de aula e os cordéis lidos. Cremos
que a leitura desse gênero literário é bastante significativa, como afirma Alves
(2008, p. 30),
A escola deveria ser o lugar adequado para nos colocar em contato com
bons poemas de grandes poetas. Mais do que isto, deveria,
cotidianamente, nos ofertar um poema. Um poema a cada dia seria a
“ração diária” de beleza de que tanto necessitamos. Se ao menos a cada
semana, durante os quatro da segunda fase do ensino fundamental
tivéssemos contato com um poema, ao final do ciclo teríamos lido pelo
menos cento e vinte poemas. Digo: lido, não necessariamente estudado.
Entendemos que o fato de a professora levar os poemas à sala de aula, ler com
os alunos, pedir para que eles tragam outros de casa, e, ademais, realizar a leitura dos
cordéis, já é significativa; as respostas dadas aos questionários aplicados junto aos
alunos demonstraram isso. Porém, verificamos que a formação obtida pelos professores
parece enraizar-se nos métodos aplicados em sala, pois os exercícios descritos acima, a
nosso ver, são desnecessários. O aluno do ensino fundamental não precisa compreender
as teorias do verso. Os momentos destinados aos exercícios de análise poderiam ser
melhor aproveitados nas discussões sobre os textos, nos compartilhares sobre as
impressões obtidas pelos discentes ao se depararem com os versos. De acordo com
Vicente Jouve (2002), pronunciar mentalmente imagens e ideias que não são nossas é
uma das experiências mais tocantes da leitura. Alguns poemas “trabalhados” permitiam
um debate que privilegiasse a exploração das imagens.
Ao refletirmos a esse respeito, percebemos que apesar do texto poético estar
presente na sala de aula do ano, o método utilizado não contemplou o encantamento
que este gênero sugere. Faltou a exploração das imagens, da linguagem. Os alunos
participavam, opinavam a respeito do gosto por determinado poema, porém havia pouca
discussão, por vezes, era pedido que a escolha fosse justificada. Conforme Aguiar e
Bordini (1988, p. 34) “o esvaziamento do ensino de literatura se acentua, portanto, não só
pelo pequeno domínio do conhecimento literário do professor, mas também pela falta de
uma proposta metodológica que o embase”. Em relação à professora-colaboradora de
nossa pesquisa, acreditamos que ela domina o conhecimento literário, o problema se
configurou em relação ao método de abordagem do poema, em sala de aula.
As implicações metodológicas advindas dessa observação se revelam, em nossa
pesquisa, no desenvolvimento de um trabalho o qual privilegia a discussão dos poemas
de Manuel Bandeira que dialogam com a cultura popular. Consideramos, pois, as
temáticas abordadas, as formas populares, a linguagem e o ludismo presentes nos textos
poéticos, como porta de entrada para o trabalho com os adolescentes.
4.3 Leituras de poemas em sala de aula
A intervenção pedagógica da pesquisa foi delineada com base em sequências
didáticas, que foram elaboradas pela pesquisadora e discutidas com a professora com
vistas a buscar uma sintonia entre a metodologia usada pela docente em sua prática
cotidiana e a que se estava propondo.
Utilizamos o recurso da sequência didática tendo em vista ser uma modalidade
que apresenta, segundo Dolz & Schneuwly (2004, p. 51) “uma sequência de módulos de
ensino, organizados conjuntamente para melhorar uma determinada prática de
linguagem”. Deste modo, planejamos uma série de atividades a partir dos seguintes
poemas de Manuel Bandeira: “Na Rua do Sabão”, “Balõezinhos”, “Camelôs”, “Berimbau”,
“Lenda Brasileira”, As três Marias”, Rondó do Capitão”, “O Menino Doente”, “Acalanto
de John Talbot”, “Trem de Ferro” e “Boca de Forno”.
As atividades foram pensadas a partir de uma antologia que buscou privilegiar a
afinidade temática entre os textos. Cada tema foi trabalhado em quatro encontros
distintos.
O primeiro encontro aconteceu no dia 01 de agosto de 2008. Os poemas
trabalhados foram “Na Rua do Sabão”, “Balõezinhos” e “Camelôs”; a sequência foi
elaborada buscando motivar os alunos para perceber aspectos da especificidade da
linguagem, a exemplo de sonoridade, temática e recursos estéticos. Acreditamos que a
prática de leitura literária em sala de aula deve ser realizada a partir de certa objetividade,
para cada texto.
Cosson (2006), discutindo sobre letramento literário, propõe em seu livro uma
estratégia para o trabalho com a literatura. Conforme esse autor o sucesso inicial do
encontro do leitor com a obra depende da motivação.
Nesse sentido, cumpre observar que as mais bem-sucedidas práticas de
motivação são aquelas que estabelecem laços estreitos com o texto que
se vai ler a seguir. A construção de uma situação em que os alunos
devem responder a uma questão ou posicionar-se diante de um tema é
uma das maneiras usuais de construção da motivação. [...] Devemos
observar, entretanto, que a aproximação dos alunos com a obra objeto
da leitura literária feita pela motivação não precisa ser sempre de ordem
temática, embora, essa seja a ligação mais usual. (COSSON, 2006, p.
56)
Baseando-nos nas estratégias de leitura defendidas por Cosson, a experiência
teve inicio com uma etapa de motivação. A professora titular da disciplina dividiu a turma
em três grupos
29
. Após a divisão, a docente fez um sorteio e explicou o que cada grupo
iria representar. Depois a atividade foi explicada e delegada, os alunos começaram a se
articular, a combinar como iam proceder e o que cada aluno deveria trazer para a
apresentação. Referente ao poema “Na Rua do Sabão”, a sugestão presente na
sequência didática era que os alunos criassem uma situação em que uma criança
constrói um balão junino e ao soltá-lo as demais crianças ficam torcendo para que este
balão não suba aos céus. Para “Balõezinhos” a sugestão foi que eles inventassem
acontecimentos em uma feira-livre. Já, para Camelôs” foi proposto que eles
vivenciassem o cotidiano de um camelô.
Alguns alunos ficaram insatisfeitos com o tema para sua encenação, pois,
queriam algo que pudesse ser mais engraçado. A aluna R
30
disse: o camelô ou a feira
deveria ser o da gente, porque a aluna T é engraçada, ia dar certinho, muda professora”;
29
Para facilitar a descrição das atividades, denominaremos G1 para o grupo 1 (responsável pelo
poema “Na Rua do Sabão”), G2 para o grupo 2 (responsável pelo poema “Balõezinhos”) e G3 para
o grupo 3 (responsável pelo poema “Camelôs”).
30
Os alunos participantes da pesquisa serão caracterizados pelas iniciais de seus nomes.
a professora respondeu que não, pois já havia feito o sorteio para que não houvesse
confusão. Enquanto isso, a aluna J gritava: “olha o rapa, olha o rapa, corre, corre”.
Chamou-nos atenção a interação dos alunos. Nesse dia (01.08) não houve leitura dos
poemas, nem apresentação das encenações, a sugestão dada pela professora, foi que
os alunos preparassem para a semana seguinte.
A professora retornou às suas atividades pedagógicas. Nesse momento foi
entregue uma folha com o texto A casa”, de Luiz Alberto de A. Magalhães e o poema
“Que sujeira”, de Pedro Bandeira (c.f. anexo II). Em um primeiro momento os alunos
fizeram a leitura silenciosa, depois houve o momento da leitura oral. Foi solicitado que
uma aluna lesse, a mesma se recusou; então a aluna J se dispôs; após essa leitura a
professora comentou o texto, fez com que eles percebessem que era uma descrição.
Comentou sobre os contos de fadas, falou o quanto gostava do universo fantástico, no
entanto fez uma critica ao hallowen, disse que era uma cultura importada e não nossa
“tudo que é de fora, principalmente dos Estados Unidos, as pessoas valorizam e se
apropriam, mas a nossa cultura não é valorizada, os nossos mitos e costumes, muitas
vezes, nem são conhecidos”; nesse momento, perguntou se nós concordávamos e
dissemos que sim. Não tínhamos o interesse de intervir, estávamos para observar a
execução da sequência planejada; essa era a nossa proposta, queríamos observar o
trabalho da professora com os poemas de Bandeira e a recepção dos alunos. A turma
não se posicionou em relação ao discurso proferido, mas em suas reações demonstrava
concordar. Ela pediu para que um aluno lesse o poema “Que Sujeira” de Pedro Bandeira
(c.f anexo), o discente iniciou a leitura sem proferir o título e o nome do autor; então, a
professora pediu para que ele recomeçasse e lesse esses dois itens que faltaram. Depois
foi solicitada uma atividade.
O texto narrativo e o poema foram levados à sala como pretexto para o estudo da
descrição e a atividade que foi solicitada em nada acrescentou aos alunos em relação à
temática abordada pelos textos. O poema é curtinho, dava para ter realizado uma leitura
em conjunto, brincado com a ideia apresentada sobre a casa da bruxa. Como já
afirmamos, acreditamos que para constatar se um poema encantaria ou não crianças,
adolescentes ou jovens, observando a recepção. Um mesmo poema pode agradar
diferentes faixas etárias; porém é relevante ressaltar a importância da qualidade estética,
porque não se deve levar poemas “infantilizados” porque o publico é infantil, ou temáticas
adolescentes visando a idade. Como afirmou Alves (2008) se a alunos do ensino médio
pode ser indicada a leitura da oitava de Camões, certamente, há poemas que podem ser
trabalhados com crianças do ensino fundamental e jovens do ensino médio. O autor
sugere como exemplo “Os Meninos Carvoeiros”, de Manuel Bandeira. Concordamos com
esta assertiva, e indicaríamos uma dezena de outros poemas, não de Bandeira, como
de outros poetas de nossa literatura, que por vezes não são trabalhados em determinada
série por causa do “rótulo” que recebem. Os poemas “Infância”, “Parêmia de cavalos”,
“Lira romantiquíssima”, de Carlos Drummond de Andrade; “O amor”, “Uma benção”, de
Manuel de Barros e “Datas”, de Murilo Mendes, são alguns exemplos de textos poéticos
que agradariam a leitores de várias idades.
No dia 07 de agosto de 2008, no início da aula, a aluna J brincou com a turma, “o
meu camelô é o melhor da feira e todos devem comprar nele”. As apresentações
começaram pelos participantes do G2, que representaram o espaço da feira livre. Viu-se
com clareza que eles não prepararam a encenação com antecedência e improvisaram
utilizando os objetos presentes na sala de aula naquele momento, tais como sombrinhas
e cadernos. Criaram uma única situação, pois, a aluna M que fazia o papel de uma
freguesa de banca de feira pedia para que o feirante vendesse o produto mais barato, o
vendedor se recusou, houve uma discussão e a compradora saiu xingando o dono da
banca. Este fato demonstrou criatividade por parte dos alunos. Vale ressaltar que o aluno
responsável por este grupo trabalha na feira, possivelmente ajudando os pais, então,
mesmo a sugestão dada para realização da encenação sendo ampla, o G2 conseguiu
articular um acontecimento especifico e produziu a representação da feira, provavelmente
vivenciada pelo aluno A.
O G3 foi o segundo a apresentar. Deste grupo poucos participaram, porém como
a aluna J, que estava à frente do grupo, é muito criativa, inventou toda uma sequência de
acontecimentos. O camelô representado por este grupo vendia sombrinhas. Enquanto a
vendedora atendia à cliente, um ladrão roubou uma de suas mercadorias; a ambulante
correu atrás do ladrão, deixando sua barraca sozinha, mas recuperou o artigo roubado.
Em seguida, chegou o rapa e ela teve que juntar suas mercadorias e sair às pressas para
não perder nada para o fiscal e assim concluiu a encenação.
A sala de aula foi transformada em uma feira, porém não foi ambientada como tal,
mas os alunos se imaginaram em meio a um mercado, e puderam dispor do material
escolar com outras funções, desviando-o de sua função cotidiana.
O G1 foi o último, pois estava esperando uma integrante que estava com um
possível roteiro feito pelo grupo. Como a aluna não chegou, os demais também
improvisaram. Um aluno construiu o balão e foi soltá-lo, porém os outros pediam que não
fizesse isso porque era perigoso, mas mesmo assim o menino soltou e o balão caiu
ferindo um menino que ia passando.
A turma não sabia o porquê da solicitação de tais encenações, mas a atividade
serviria de motivação para o trabalho com os poemas “Na Rua do Sabão”, “Balõezinhos”
e “Camelôs”, de Manuel Bandeira. Ao terminar, a professora da disciplina pediu que os
alunos fizessem um relatório (c.f anexo V) comentando sobre as apresentações. Não foi
o que sugerimos na sequência didática, mas ela disse que não havia tempo para
começar as leituras dos poemas e pediu que deixássemos para o outro dia. Através
desse procedimento, pôde-se perceber que a docente, embora tenha compromisso com
a leitura literária, o pedido de um relatório após manifestações tão espontâneas por parte
dos alunos, sugere uma metodologia que trabalha a literatura, nalgumas circunstâncias
utilizando um modelo de escolarização inadequado. É comum, após leituras de poemas,
por exemplo, a aplicação de um exercício de interpretação que, muitas vezes, não
explora o encantamento e é ineficaz na formação de leitores do texto poético.
No dia seguinte, 08 de agosto de 2008, continuamos a experiência que aconteceu
em duas aulas de 45 minutos. Aplicamos a sequência a pedido da professora, que a
mesma se encontrava impossibilitada.
Iniciamos entregando os poemas e, imediatamente, alguns alunos começaram a
cantar o “cai cai balão” presente na primeira estrofe de “Na Rua do Sabão”. Lemos com
os alunos os poemas “Na Rua do Sabão”, “Balõezinhos” e “Camelôs”. De início pedimos
para que eles fizessem a relação entre o que leram e o que havia sido dramatizado na
aula anterior.
Os alunos ressaltaram logo algumas diferenças. O aluno J disse que “em “Na Rua
do Sabão” os meninos queriam que o balão caísse e na dramatização os meninos
pediam para que não soltasse o balão”. o aluno T disse que a representação da feira
foi muito diferente do poema, “não representaram a feira como um todo, uma situação
e foi bem diferente da do poema”.
As semelhanças levantadas pelos alunos, relacionando os poemas às
encenações foram as seguintes:
A aluna T questionou: “os ambientes são os mesmos, professora? E os temas
também”. O aluno C disse: “nos três poemas as pessoas são pobres e também tem
crianças”. Já em relação ao poema camelôs, os alunos não fizeram muitas relações entre
a dramatização e o poema.
Mesmo antes de uma discussão mais detalhada e de releituras dos poemas, os
alunos destacaram algumas semelhanças; dentre elas a que mais chamou a atenção
deles foi a temática da pobreza e da infância presentes nos três poemas. A fala dos
alunos nos possibilita refletir qual a natureza do ato de ler. A partir da concepção de
Martins (2002), ler é compreender o que está ao nosso redor. Deste modo, entendemos
que os alunos, na busca de construir um sentido para o texto, através da comparação
entre realidade textual e a que lhe é apresentada no dia-a-dia demonstraram que
“aprender a ler significa também aprender a ler o mundo, dar sentido a ele e a nós
próprios [...]” (MARTINS 2002, 34).
Para possibilitar esse nível de leitura, depois desse primeiro contato com todos os
poemas, buscamos trabalhar um a um. Iniciamos com “Na Rua do Sabão”. Lemos
novamente com os alunos, solicitamos outra leitura que foi feita pela aluna M, em seguida
discutimos com os alunos. Conversamos sobre o vocabulário, as palavras que eles não
conheciam e que mais lhes chamaram a atenção que foram: gomos oblongos, entesou,
tísico e apupos. Acreditamos que tais palavras chamaram a atenção por causa da
sonoridade, produzida pelas aliterações e assonâncias. Apesar de “todo poema ter sua
individualidade sonora própria” (BOSI, 2004. P. 43).
Comprou o papel de seda, cortou-o com amor, compôs os gomos
oblongos
Subitamente, porém, entesou, enfunou-se e arrancou das mãos que o
tenteavam.
Como se enchesse o soprinho tísico do José
Nestes versos, percebemos que o som das vogais e consoantes intensifica o
efeito produzido; uma gradação dos acontecimentos. A exemplo do primeiro verso, a
assonância do fonema /o/, alternada com o som nasal /õ/, sugere leveza, doçura,
brandura, nos faz perceber a dedicação do menino, os detalhes na construção do balão.
Nossa “desconfiança” foi comprovada ao constatar que os alunos se encantaram
pelos versos:
A molecada salteou-o com atiradeiras
assobios
apupos
pedradas
Inferimos que estes versos cativaram os alunos pela aliteração produzida pelas
bilabiais. Conforme Grammont (apud CANDIDO 2004, p. 57)
As labiais e as labiodentais têm como particularidade a circunstância de
a sua articulação ser visível exteriormente. Ela exige um movimento de
lábios que pode ser considerado em certa medida como gesto do rosto e
que torna estas consoantes próprias para exprimir o desprezo e o asco.
Estes vocábulos não estão no poema de forma aleatória; os sons produzidos pela
aliteração reforçam a atitude de agressividade da molecada, que além de utilizar-se das
atiradeiras, ainda gritavam, desconsiderando o “soprinho sico” do menino José. Porém,
para nós, o som do /p/ em “apupos” e “pedradas”, também, sugere barulhos de bombas,
fogos de artifício e até a destruição que soltar balão pode causar, já que logo em seguida,
tem-se o verso “um senhor advertiu que os balões são proibidos pelas posturas
municipais”.
Os alunos perceberam a personificação existente na estrofe cinco, transcrita
abaixo. Mesmo sem estudarmos a respeito de figuras de linguagem os alunos
destacaram que o balão tinha características de uma pessoa. Os alunos I, J, T e a aluna
A perguntaram “professora o que é tísico?” Respondemos que era uma doença e ao
descrevê-la eles fizeram menção à novela “Cabocla”, a aluna R Ah professora, igual o
personagem da novela da tarde, ele é tísico”.
Levou tempo para criar fôlego.
Bambeava, tremia todo e mudava de cor.
A molecada da Rua do Sabão
Gritava com maldade:
Cai cai balão!
Comentaram a respeito de a criança ser doente e o balão também ter dificuldade
de respirar. A professora ressaltou ser uma personificação, e disse ser conhecida dos
alunos, pois a tinham estudado. Porém, em nenhum momento os meninos utilizaram a
expressão que nomeia a figura de linguagem. Eles inferiram a esse respeito com base
nos versos do poema; relacionaram a palavra “fôlego” com o problema de saúde
apresentado pelo menino “José” e demonstraram inquietação ao perceberem que quem
“levava tempo para criar fôlego e bambeava, tremia e mudava de cor” era o balão e não o
menino que o construiu.
Em seguida lemos com os alunos o poema “Balõezinhos”, e, após, solicitamos
uma segunda leitura e o aluno J se prontificou a fazê-la. Depois da leitura ele demonstrou
ter gostado do poema e logo questionou: “professora, por que as burguesinhas pobres,
se burguesas são pessoas ricas?”.
Optamos por não responder e indagamos aos demais alunos o que eles
compreendiam dos versos. A aluna T respondeu: “Ah professora são aquelas meninas
que se acham. Aquelas que querem ser rica”. Observa-se com clareza que a
adolescente conseguiu trazer para o seu contexto, ela atualizou a expressão ao afirmar
que seriam “as que se acham”. A aluna atribuiu significado ao texto, de acordo com a sua
realidade.
Outra aluna complementou dizendo que seriam as metidas”, porque quem é rico
não vai à feira, manda as criadas como no poema que diz: vão chegando as
burguesinhas pobres”, “e as criadas das burguesinhas ricas”. Esta leitura feita pelas
alunas demonstra que elas interpretaram o vocábulo no diminutivo como um termo
pejorativo, irônico, já que no poema os versos corroboram para a ironia.
No entanto a feira burburinha.
Vão chegando as burguesinhas pobres,
E as criadas das burguesinhas ricas,
E as mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.
Nas bancas de peixe.
Junto às cestas de hortaliças,
O tostão é regateado com acrimônia
.
Uma das peculiaridades da poesia consiste na capacidade de religar experiências
diversas, as quais podem ser explicadas pelos envolvimentos miméticos do poeta que
consegue formar, em sua arte, harmonias paralelas à sociedade. Sendo assim,
analisando o contexto de produção podemos considerar o diminutivo atribuído pelo poeta,
para designar as “burguesinhas pobres”, como afetivo, que estas moças podem ser
burguesas em decadência e o poeta se refere a elas de forma carinhosa, mas, não deixa
de enxergá-las como “coitadinhas”. É relevante destacar, também, que grande
recorrência do diminutivo na poética bandeiriana e o uso, geralmente, é afetivo.
Após essa discussão, rapidamente começaram a questionar a respeito do
vocabulário; perguntaram o significado de arrabaldezinho, de loquaz, de acrimônia. Um
aluno questionou: “o que é o tostão regateado com acrimônia?”. Antes mesmo que eu
desse qualquer explicação, a aluna T respondeu: “é o dinheiro pouco para fazer as
compras, tem que sair pechinchando, não é professora?”. Respondi que ela estava
correta. Depois da discussão em torno do vocabulário perguntamos se havia algo de
familiar no texto, se algum deles já havia desejado muito algo e não puderam comprar. A
maioria respondeu que sim e alguns especificaram:
- um vídeo game, professora.
-eu ainda desejo, quero uma casa, professora
.
Estas respostas demonstram os anseios destes adolescentes e também revelam
um pouco de sua condição social. Faz-nos entender porque tão facilmente eles
identificaram a temática da infância pobre nos poemas estudados. Ainda, refletindo sobre
as respostas dadas ao nosso questionamento, percebemos que houve a interação texto
leitor, pois de acordo com a teoria do efeito formulada por Wolfgang Iser (1983), esta
interação acontece quando o leitor se projeta durante a leitura e preenche os lugares
vazios que são deixados no texto; dessa forma há uma reciprocidade entre texto e leitor,
pois para Iser (1983, p. 132) “a função do vazio consiste em provocar no leitor operações
estruturadas. Sua realização transmite à consciência a interação recíproca das oposições
textuais”.
Solicitamos a leitura de “Camelôs” que foi feita por uma aluna. Neste poema os
alunos não questionaram muito acerca do vocabulário. O que chamou atenção deles
foram os brinquedos vendidos pelo camelô. Um aluno disse: professora, olha os
balõezinhos do outro poema aqui”. Com esse comentário percebemos que os alunos
estavam fazendo a inferência e estavam conseguindo relacionar os poemas.
Perguntamos quais os brinquedos vendidos pelo camelô. Se os alunos conheciam
ou possuíram algum deles. Nenhum deles expressou ter possuído qualquer dos
brinquedos, mas os conheciam. Ao questionarmos sobre como o poeta descreve os
brinquedos, o aluno T respondeu: “brinquedos que não valem nada”. Questionamos o
porquê de tal resposta. Onde no poema vimos que os brinquedos não valem nada. O
mesmo aluno respondeu: “é um macaquinho, cachorrinho, homenzinho, são brinquedos
fracos de camelô”.
Perguntamos se os outros alunos concordavam e as respostas foram positivas,
então percebemos que, novamente, eles viram o diminutivo empregado pelo poeta como
se fosse desprezo. Não consideraram que na época em que foi escrito o poema não
havia brinquedos eletrônicos, videogames, computadores. Esperávamos que os alunos
percebessem o diminutivo como demonstração de afetividade tanto pelos brinquedos
quanto pelo camelô. Diante das respostas obtidas, relemos a primeira estrofe e
levantamos algumas questões para eles pensarem.
- Por que o poeta começa o poema dizendo: abençoado seja o camelô
dos brinquedos de tostão’?
- Com a nova leitura, como vocês veem os brinquedos? Como o poeta
os descreve, com desprezo ou de forma afetiva?
Indagamos, porém, deixando-os à vontade para continuar com suas opiniões e
não impor a nossa leitura como a correta, mas buscamos, na leitura oral, o tom afetivo
que essa estrofe sugere. De acordo com Bosi (2003, p.469) “se o leitor conseguir dar, em
voz alta, o tom justo ao poema, ele terá feito uma boa interpretação, isto é uma leitura
“afinada” com o espírito do texto”. A partir desse segundo momento uma aluna discordou
dos demais colegas e disse: “É um diminutivo carinhoso, não é professora?”.
Voltamos o questionamento à turma. E os próprios alunos começaram a perceber
que era um diminutivo afetivo, pois o poeta começou falando bem do camelô.
Acreditamos que a leitura realizada por nós interferiu na opinião dos discentes, por isso,
eles mudaram suas respostas.
Os alunos ressaltaram a temática da pobreza, a situação das pessoas inseridas
nos poemas. Destacaram a situação de José, da sua mãe e também dos menininhos
pobres que não pensavam em outra coisa a não ser nos balões. Eles se identificaram
com os poemas pela representação da situação do cotidiano das personagens.
A leitura literária é um jogo de descobertas e negociações de sentidos, em que os
leitores buscam encontrar as peças para entender as regras. (AGUIAR, 1999) Essa
experiência nos possibilitou enxergar que o trabalho com o texto poético pode ser muito
significativo e que a metodologia utilizada tem grande influência para que haja a
aproximação, de forma encantatória, dos alunos com a poesia.
Ao final, solicitamos uma produção escrita, com a finalidade de termos registrada
a preferência dos alunos em relação aos poemas trabalhados por nós. Dessa forma,
orientamo-los para que escrevessem um pequeno texto ressaltando as semelhanças e
diferenças entre os textos e destacassem o poema que eles mais gostaram, justificando o
motivo da empatia. O nosso objetivo com esta atividade foi avaliar o efeito que o texto
poético produziu nos alunos. As leituras realizadas trazem contribuições significativas
para pensarmos as relações entre texto e leitor.
De acordo com as respostas, constatamos que 07 alunos se agradaram de “Na
Rua do Sabão”, 07 de “Camelôs” e 03 de “Balõezinhos”. Algumas respostas nos
permitiram observar que, como afirma Iser (1988), segundo a qual, se um texto literário
faz algo com seus leitores, simultaneamente conta algo sobre eles próprios. Tendo em
vista a participação do leitor na reconstrução dos sentidos textuais, reproduzimos
31
algumas respostas dadas pelos alunos sobre as semelhanças, diferenças e
preferências em relação aos poemas.
Aluna M:
O poema que eu achei mais interessante foi o “balõezinhos”, porque ele
fala das crianças da feira que não tem dinheiro para compra o que quer,
e fica só olhando, e o que os três tem em comum é a humildade das
pessoas.
Aluno J:
Eu gostei mesmo do poema da feira porque mostra como é a vida das
pessoas hoje em dia, e também porque na feira o vendedor tem o modo
de agradar o inspirado cliente. Eu achei que as semelhanças entri os três
poemas são as crianças pobris, a profissão, o ambiente e etc.
31
A reprodução é fiel às respostas dadas pelos alunos no exercício (c.f anexo). Optamos como
estratégia de redação da dissertação, transcrever as falas para depois comentar.
Aluna Ma:
O poema que mais me chamou atenção foi o do camelô, por que muitas
vezes esali bonitinho pra vender quando a gente compra não presta.
Eu acho que a semelhança de todos são as crianças, crianças gritando
para o balão cair crianças olhando brinquedos e o pai pedindo uma
banana para acender o charuto.
Aluno Is:
Camelôs. Eu escolhi este, porque eu acho que ele foi o mais
interessante porque ele fala das necessidades das pessoas que têm
que trabalhar para ganhar a vida e são pessoas que merecem atenção
porque, são pessoas que não estão roubando. A semelhança é que
todos falam de balões e pessoas pobres.
Aluna Je:
Os três poemas têm em comum os balõezinhos, as crianças pobres e
as condições de vida das pessoas. Gostei dos poemas gostei demais,
achei legal e interessante, conversarmos e entendermos tudo bem
direitinho
.
Aluna L:
Na rua de sabão. Todos representam a infância e fala da alegria das
crianças.
Aluno L:
Os textos tem em comum o estado financeiro de todos os personagens
o modo que se emprega as palavras e etc. Eu mais gostei do texto 1.
(“Na Rua do Sabão) Grifo nosso.
Aluno A:
O texto que mim chamou mais atensão foi o da rua do sabão que ele
descreve a vontade que aquele menino teve em comprar aquele
balão e os outros meninos queriam derrubar e os outros descreve as
suas importância.
Aluna A:
Bom o que eu mais gostei foi a parte que ele fala dos camelôs, porque
camelô é uma coisa que todos gostam mas ao mesmo tempo
julgam. Ele fala com carinho com amor. A semelhança é que todos
falam de balões, todos os poemas são interessantes e legais. Eu gostei
de todos, soltar balões hoje em dia não é muito comum não pois é
proibido mais a feira e camelô é muito normal.
Aluno Ig:
O que eu mais gostei dos três foi o NA RUA DO SABÃO porque é um
poema muito incomum dos outros. O que esse poema tem a ver com o
que os meninos apresentaram na classe de aula é quando o menino
solta o balão o resto é diferente. Gostei muito dos três mais o quê mais
eu gostei foi NA RUA DO SABÃO.
Aluno A C:
Eu gostei do terceiro texto que fala do camelô, da vida dele que vende
muitas coisas como brinquedos e muitas variedades de coisas. Os textos
falam sobre balões e crianças.
Aluna R:
Eu gostei dos três do balãozinho, do camelô, na rua do sabão, todos tem
semelhança e todos falam de convivências do dia-a-dia e o que se
acontece no mundo todo. O texto relaciona o que se tem de mais melhor
o conteúdo do que se retrata das vidas.
Aluno T:
A semelhança é que os 3 poemas falam dos meninos pobres que se
encantavam dos brinquedos principalmente os balões. Foi o 3 que
reflete mais a magia no sonho de uma criança pobre que é de se
encontrar com um brinquedo na banca de um camelô.
Aluno G:
O mais que eu gostei foi o do balão que mostra a dificuldade dele de
montar o balão que não caiu na casa da rua dele, porque ele se sentiu
muito cansado o mais que tem em comum a história dos balões que são
muito semelhantes.
Aluno O:
O poema que eu achei mais intereçante foi o poema é na rua do sabão
porque ele tem uma semelhança que fala que o menino queria que ele
caise na rua do sabão, mas daí caio num lugar seguro para o
prejudicar ninguém ele caiu no mar. A diferença entre esses dois
poemas é que o primeiro fala da rua do sabão e o segundo fala da
feira, e o terceiro fala sobre camelôs da rua.
Aluna F:
O que tem de semelhante são os textos que se parecem até em
termos semelhantes, eu achei muito legal as atitudes do autor ao
montar esses textos
Aluna Mo:
O poema que eu mais gostei foi Camelôs. Porque eu achei que mais
interessante. Todos são muito engraçados, cada um conta uma
historia. Tem em comum ambientes, fala de pessoas pobres.
Aluno T:
O poema que eu mais gostei foi Na rua do sabão, porque ele fala dos
balões, da alegria e etc. O que os poemas tem em comum é que todos
falam de balões e de crianças e pessoas pobres.
Aluna Já:
Os textos são muito interessantes, e a semelhança que neles é que
fala sobre balões e crianças, eu achei muito bom, eu gostei bastante do
primeiro que é Na Rua do Sabão, porque é divertido.
Em momento algum chamamos atenção para o social, nem dissemos que os
textos falavam de pessoas pobres. Ao selecionarmos os poemas, para a sequência, não
atentamos para a presença de balões e de crianças nos três textos. As respostas
revelam a capacidade representativa da literatura; a função mimética é um aspecto
importante na recepção dos leitores. “A literatura é produto de um trabalho estético com a
linguagem que, ao representar a realidade, o faz assegurando o princípio da polissemia,
isto é, a possibilidade do leitor extrair múltiplos sentidos” (BRAGATTO FILHO, 1995, p.
16) A maioria das respostas demonstra que os alunos confundem “ficção” e realidade,
pois pressupunham que o universo do texto é real.
A resposta da aluna Ma chamou-nos atenção, pois em nenhum momento
passamos uma lição moral” em relação aos brinquedos de camelô, porém, a aluna
ressaltou que os brinquedos parecem “bonitinhos”, mas que quando compramos, vemos
que não prestam. Supomos que a discente realizou essa leitura baseada no verso: E as
canetinhas-tinteiro que jamais escreverão coisa alguma”. A aluna destacou a presença de
crianças nos três poemas, colocando a ação realizada por cada uma delas. Em “Na Rua
do Sabão” mostra as crianças gritando para o balão cair; em “Balõezinhos”, elas olhando
os brinquedos, porém em “Camelôs” a aluna transcreve um verso do poema relacionando
a presença da criança na ação - o pai pedindo uma banana para acender o charuto; “O
cavalheiro chega em casa e diz: Meu filho, vai buscar um pedaço de banana para eu
acender o charuto. Naturalmente o menino pensará: Papai está Malu...” Cremos que o
nonsense presente neste verso chamou a atenção da aluna.
Gostaríamos de, nesse momento, contrapor a leitura da aluna Ma à da discente T
que ao mencionar sua preferência por “Camelôs” disse que o poema reflete “a magia e o
sonho de uma criança pobre que se encontra com um brinquedo na banca de um
camelô”. Essa leitura assinala para o encantamento dos versos contidos nesse poema.
Acreditamos que o tom que demos à leitura oral contribuiu para tal percepção. Como
afirma Bosi (1996) para uma boa leitura, temos que encontrar o tom, o afeto, a entonação
que, possivelmente, possa estar ligada aos sentimentos; isso contribuirá para uma boa
interpretação. É pertinente lembrarmos que trabalhar com poesia exige do professor a
leitura da obra, antes da aula, quantas vezes forem necessárias, até encontrar o tom
apropriado: suave, cadenciado, ritmado, enfim, de acordo com as exigências do texto
32
.
Ainda, em relação a “Camelôs”, a resposta do aluno Is nos inquietou. Ao dizer que
preferiu o poema, porque fala das necessidades de pessoas que têm que trabalhar para
ganhar a vida, e que merecem atenção porque não estão roubando. Indagamo-nos, como
o discente chegou a essa conclusão. Entendemos que o poema não permite esta leitura,
porém como afirma Micheletti (2002, p. 16),
Ler [...] um poema nos leva a entrar em contato com uma outra
experiência, reconstruí-la e reconstruirmo-nos. E construir-se significa,
sobretudo, inscrever-se na experiência, no real. Uma leitura profunda
conduz a uma espécie de imersão no universo das palavras e, quando o
leitor volta à tona, se encontra numa terceira margem. Nela ele pode
rever-se, ampliando seu conceito de si e do mundo.
O aluno ‘Is’ inscreveu-se na experiência, no real e supomos que ele se identificou
com a valorização do camelô, pois o primeiro verso do texto é “abençoado seja o camelô
dos brinquedos de tostão”. No entanto, ao destacar a ideia de que as “pessoas merecem
atenção porque não estão roubando”, percebemos a teoria de Jauss (1979) quando
defende que ao se encontrar com o texto, o leitor é autor de sua própria biografia. Este
aluno é residente do bairro do Pedregal, antiga invasão, e possivelmente sofreu algum
32
Informação obtida no mini curso “leitura oral do poema”, ministrado pelo Prof. Dr. José Hélder
Pinheiro Alves, no II ENLIJE. E no artigo “Caminhos da abordagem do poema em sala de aula”,
presente na revista “Graphos” (2008).
preconceito. Também, inferimos que ele deve trabalhar e, por isso, se sentiu
representado, preencheu os vazios que o texto lhe ofereceu. Nesse sentido, a literatura é
entendida como forma de “retratar” ou “representar” a realidade.
Os alunos A, G e O destacaram a dificuldade do menino José na construção do
balão; pelas respostas dadas percebemos que eles se comoveram com a situação do
menino. Porém, vale ressaltar que o discente G disse que o balão não caiu na rua da
casa do menino José, porque ele se sentiu muito cansado. Supomos que essa provável
confusão se deu por causa da personificação percebida pelos alunos. Já que os versos
que narram a subida do balão, descrevem esse acontecimento atribuindo ao objeto
características humanas; e estes caracteres se assemelham ao construtor do balão o
menino José o filho da lavadeira que com grande dificuldade construiu o balão. No
entanto, o aluno O, pelo viés da proibição do soltar balão, pois o que este aluno acha
interessante é que o balão caiu em um lugar seguro, no mar, para não prejudicar
ninguém. Novamente, vemos as ideias da estética da recepção, pois, o aluno se encontra
com o texto a partir de sua experiência, ele traz a vivência dele ao se confrontar com a
obra literária.
É interessante ressaltar a leitura feita pelo viés da diversão, do ludismo. A aluna
Ma disse que todos eram engraçados, principalmente “Camelôs”. Os alunos T e Ja
disseram que Na Rua do Sabão” falava de alegria e era divertido, destacamos essas
respostas porque, a priori, parecem um contra-senso. A pobreza tão marcada, o balão
construído com tanta dificuldade, o menino José doente, os moleques da rua do sabão
gritando para que o balão caísse, e estes alunos justificam o gosto pelo divertimento. Ao
refletirmos, percebemos que essa leitura pode ter sido influenciada pela canção popular,
“Cai cai balão”, que inicia o poema e pela reação de José quando o balão sobe. A alegria
parece contagiar estes três leitores. Interessante, porque apesar do viés popular em
Bandeira ser lúdico, à exceção de Camelôs, não se vê margem para essa leitura nem em
“Na rua do sabão, nem em “Balõezinhos”.
A aluna Je disse que entendeu tudo bem direitinho, essa fala aponta para o
método de abordagem do texto, pois foi privilegiada a discussão. A aluna A preferiu o
poema “Na Rua do sabão” por causa da temática, soltar balão, e, justificou dizendo ser
incomum. De acordo com Focault (apud CORACINI 2005) existe um leitor para cada
tempo e uma leitura para cada época. Refletindo a esse respeito, concluímos que em
nossa adolescência não faríamos essa leitura, já que soltar balão era muito comum.
O aluno Ig justificou o gosto por “Na Rua do Sabão” dizendo “ser um poema
incomum dos outros”. Relacionamos essa leitura à forma, ao ritmo, à disposição gráfica,
à estrutura do poema, pois esse aluno sempre chamava atenção para as rimas nos
textos poéticos, e como “Na Rua do Sabão” inicia-se com uma canção, e depois modifica-
se o ritmo, supomos que isto deve ter encantado o discente.
Percebe-se que a aluna F não soube se expressar, mas imaginamos que a
semelhança da qual a discente fala é em relação à estrutura dos poemas, já que eles têm
como características comuns serem narrativos, com a presença de personagens, de
versos livres e sem a presença de rimas.
Reconhecemos nesta primeira sequência algumas perdas, pois fomos à sala de
aula preparada para observar a recepção dos alunos, e também averiguar como a
professora aplicaria a sequencia que elaboramos. Porém, não foi isso que ocorreu, já que
tivemos que realizar a experiência. Não encontramos obstáculos, por parte da turma, pois
os alunos estavam acostumados com a nossa presença; no entanto, a ansiedade por
anotar todas as manifestações dos meninos, ante a realização da leitura dos poemas e
as discussões, nos prejudicou quanto ao melhor aproveitamento de algumas percepções
indicadas pelos próprios alunos. Ficamos um pouco presa às nossas expectativas e
objetivos, ademais, estávamos só.
4.4 Conversando sobre as poesias: o mistério e a brincadeira.
No dia 21 de agosto de 2008 voltamos à sala de aula para a aplicação da
sequência didática com os poemas Lenda Brasileira”, “Berimbau” e “As três Marias”. A
sequência foi preparada para três aulas de cinquenta minutos e foi aplicada em conjunto
com a professora da disciplina. Ficamos com a leitura de Berimbau”, pois a professora
regente da turma, desde os nossos primeiros encontros para discutir a respeito do
trabalho, disse que não leria este poema em sala de aula, e a docente com os demais
textos. Pretendíamos, com esta sequência, que os alunos percebessem a musicalidade
presente nos versos de Berimbau”. No poema, numa região de peraus, com igapós
repletos de aguapés, aparece a iara, o saci, o boto e a mameluca. A musicalidade se
mostra através das aliterações, assonâncias e onomatopeias.
Em “Lenda Brasileira” objetivávamos que os alunos percebessem que não
presença de rima, porém, total ligação entre os demais poemas trabalhados nesta
sequência. Isto se dá através das lendas e do folclore brasileiro presentes nos três
poemas da antologia. A recepção dos alunos pelos temas advindos do folclore era o
nosso principal objetivo.
Para o poema “As três Marias” gostaríamos que os alunos apreendessem o
universo mítico que o envolve através do vocabulário que suscita a imaginação e que
percebessem as rimas, as aliterações existentes nesse texto poético. Como afirma
Antonieta (apud ALVES 2008), a escolha da poesia a ser levada à sala de aula, parte do
nosso gosto, por isso “As três Marias” fez parte de nossa antologia, porque quando
éramos adolescente, apreciávamos as leituras que evocassem o mistério, o suspense, o
sobrenatural. E, que alguns alunos expressaram o mesmo gosto, nas respostas dadas
ao questionário, não consideramos a dificuldade que o vocabulário do texto poderia
causar, porque, para nós, o entendimento ficaria em segundo plano, que segundo
Gilda e Antonio Candido a poesia de Bandeira arrebata o leitor para as mais altas
abstrações. A recepção às imagens evocadas é que seria o objeto principal de nossa
reflexão.
Iniciamos a aula entregando o poema “Berimbau”, fizemos a primeira leitura oral.
Os alunos ficaram em silêncio, admirados, e afirmaram não ter entendido o texto. A
princípio o poema causou estranhamento. Segundo Jauss (apud ZILBERMAN, 1989, p.
28):
A obra predetermina a recepção, oferecendo orientações ao seu
destinatário. Evoca o “horizonte de expectativa e as regras do jogo”,
familiaridades ao leitor, que “são imediatamente alteradas, corrigidas,
transformadas ou também apenas reproduzidas”.
Os alunos surpreenderam-se com o vocabulário e o título do poema; pois já
conheciam a palavra berimbau e, a priori, não conseguiram ver uma relação entre o
vocábulo conhecido e o xico presente no texto poético. Ao causar estranhamento,
percebemos a quebra no horizonte de expectativas dos alunos colaboradores da
pesquisa.
De acordo com a Estética da Recepção, o conceito de Horizonte Implícito de
Expectativas pode ser entendido como fruto da união de questões morais, religiosas,
sociais, econômicas, estéticas etc. que se alteram a cada leitura. Segundo Zilberman
(1989), isso configuraria o efeito de cunho extra literário, a recepção condicionada pelo
leitor que colabora com suas experiências pessoais para fornecer vitalidade à obra e
manter com ela uma relação dialógica. Tem-se no processo de leitura o encontro do
horizonte de expectativa do texto e do leitor; este poderá ser contrariado ou não,
entretanto, a partir do instante em que acontece a leitura, o horizonte do destinatário
pode ser modificado. Pois, ainda, baseada nos pressupostos da Estética da Recepção,
Zilberman (1999, p. 82) afirma que “o destinatário sempre é chamado a participar da
constituição do texto literário, e a cada participação, em que ele contribui com sua
imaginação e experiência, novas reações são esperadas”. Dessa forma, a atividade
desenvolvida buscou obter resultados significativos de acordo com a realidade dos
alunos-leitores.
Após a leitura do poema “Berimbau”, perguntamos aos alunos quais os poemas
trabalhados nas aulas anteriores e a resposta foi imediata. Logo duas alunas disseram:
“foi “Balõezinhos” e “Camelôs” e outra complementou: e Cai cai balão”, referindo-se ao
poema “Na Rua do Sabão”. A resposta imediata, nos fez perceber que as experiências
com os textos poéticos foram marcantes, por isso não esqueceram. Mesmo a aluna R
não lembrando o título de um poema, a musicalidade do verso ficou em sua memória.
Indagamos aos alunos se existia alguma semelhança entre o poema lido e os
poemas trabalhados nas aulas anteriores. Os alunos responderam que não havia
nenhuma semelhança. E ao perguntarmos por que o poema “Berimbau” era tão diferente,
obtivemos as seguintes respostas:
- As palavras são difíceis, diferentes.
- Não tem história.
Estas respostas demonstraram que apesar de os poemas “Na Rua do Sabão”,
“Balõezinhos” e “Camelôs” apresentarem algumas palavras desconhecidas dos alunos, o
fato de serem poemas narrativos e descritivos aproximou-os do texto poético. Esta
aproximação se deu, provavelmente, porque os alunos têm um grande contato com o
Cordel, que são poemas narrativos; e, como analisamos anteriormente, eles se
identificaram com os personagens dos textos. Conforme Jauss (1994), a obra pode
suscitar lembranças de outras leituras, de fatos vivenciados; assim sendo, de acordo com
as expectativas, o leitor tomará diferentes posturas diante do texto.
As respostas abaixo revelam a identificação com a obra. Perguntamos se a
turma, ainda lembrava quais as temáticas abordadas nos poemas trabalhados na
primeira sequencia.
Aluna T: “Meninos olhando balão”.
Aluna J: “querendo os balõezinhos na feira”.
Aluna R: “O menino que soltava o balão”.
Aluna T e J: “Camelô”.
Estas falas parecem soltas, sem fazer relação com os poemas trabalhados
anteriormente; eles não mencionaram as temáticas da infância e da pobreza ressaltadas
enquanto aplicávamos a sequência, porém os acontecimentos presentes nos textos
ficaram em suas memórias. Supomos que os adolescentes foram tocados por esses
episódios, e o fato de eles destacarem, justamente, o objeto de desejo dos meninos em
“Balõezinhos”, a reação destes meninos diante dos balões, e a ação realizada pelo
menino José em “Na rua do sabão”, confirmam nossa suposição. As alunas T e J leram
“Balõezinhos” pelo viés social.
Após as respostas mencionadas, ressaltamos que os poemas trabalhados nas
aulas anteriores eram narrativos e que apesar de serem do mesmo poeta, o poema que
tínhamos acabado de ler era diferente e nos exigiria muito mais do que entender o
significado das palavras. Perguntamos aos alunos qual era o título do poema que
acabáramos de ler; em uníssono responderam berimbau”. Ao indagarmos o significado,
o aluno T disse que era um instrumento e o aluno I completou dizendo que era usado na
capoeira.
Questionamos o porquê de o poeta ter intitulado o poema de “Berimbau”. Antes
das possíveis respostas, relemos os três primeiros versos e um aluno rapidamente disse
que era por causa do som e o reproduziu.
Bolem, bolem, bolem
O boto bate – bite bite
Então os demais alunos (participantes) disseram “é a repetição do B B B”.
Identificaram no poema o trava-língua e disseram travas-línguas de conhecimento
popular
33
. Supomos que estes adolescentes tenham contato com o folclore; ao
observarmos as aulas ministradas pela professora G, verificamos a presença constante
33
O peito do pé de Pedro é preto
Um tigre, dois tigres, três tigres.
Eu tenho um ninho de papa capim com cinco papa capins novos dentro.
Num ninho de mafagafos/ Tinha seis mafagafinhos/ Também tinha magafaças, maçagafas,
maçafinhos, mafafagos, magaçafas, maçafagas, magafinhos, isso além dos magafafos e dos
magafagafinhos.
da poesia popular, e como a maioria daqueles alunos moravam no bairro onde está
inserida a escola, julgamos que houvesse o contato com diversas manifestações do
povo. Por essa razão, acreditamos ser relevante que o professor trabalhe, em sala de
aula, os gêneros poéticos da tradição oral (advinhas, parlendas, quadrinhas, trava-
línguas etc.), estabelecendo uma união entre escola, cultura popular e poesia.
Os alunos fizeram a ligação do poema “Berimbau” com o universo
amazônico, sem dificuldade alguma. Reconheceram as figuras míticas: o saci, a Iara, o
Boto. E expressaram o significado de cada um. Fizeram a ligação dos sons ao eco e
repetiram esses ‘ecos’ percebendo a semelhança e a monotonia tal qual o instrumento
berimbau.
Chama o saci: - Si si si si!
- Ui ui ui ui ui! Uiva a Iara
Solicitamos que fizessem a leitura do poema; o aluno J leu como se fosse um
trava-língua e não errou uma palavra. Depois a aluna J leu, mas com um ritmo menos
acelerado. O interessante é que os dois alunos ao lerem o terceiro verso – bolem, bolem,
bolem – atribuíam à segunda sílaba da palavra bolem a tonicidade, mas ao perguntarmos
qual seria a sílaba tônica todos identificaram a primeira sílaba /bo/. Aproveitamos para
pedir que os discentes repetissem junto conosco a leitura do verso. E esse exercício
simples, fez com que eles se divertissem; o ludismo do poema era cada vez mais
perceptível.
Conversamos um pouco mais sobre o texto, e ao perguntarmos o que seriam
aguapés e igapós; a aluna T rapidamente respondeu, só trocou o conceito: mata cheia de
água, com as plantas que vivem na água.
A mesma aluna identificou os Japurás e os Purus como tribos indígenas. A turma
não conhecia a lenda do Cussaruim, mas ao começarmos a contá-la a aluna T disse: “é o
curupira” e logo relacionou, fazendo gesto sobressaltado, a expressão de esconjuro
“cruz, canhoto!” presente no oitavo verso da segunda estrofe como demonstração de
espanto, de medo do Cussaruim.
Indagamos o porquê de o poema dizer que a mameluca é uma maluca. A aluna J,
rapidamente, respondeu “porque ela saiu sozinha da maloca”. E ela mesma perguntou
“mas o que é a mameluca?” Mesmo sem conhecimento do vocabulário a aluna conseguiu
interpretar o que foi pedido. A participação dos alunos, mesmo sem conhecerem o
significado lexical, demonstra a ineficácia de exercícios puramente interpretativos para
uma experimentação estética e uma vivência dica do texto poético. Alves (2008) no
artigo “Caminhos da abordagem do poema em sala de aula” traz um pouco de sua
experiência enquanto estudante do nível médio;
partindo da minha experiência [...] quantas vezes líamos em silêncio um
poema do livro didático, depois respondíamos ao questionário [...] não
havia, como continua não havendo em muitas práticas, uma
aproximação mais afetiva, a possibilidade de destaque de uma imagem,
um ritmo diverso, uma sonoridade. O encantamento que poderíamos ter
tido era quase sempre sufocado pelo modelo de aproveitamento do
poema.
Infelizmente esta é uma prática ainda presente nas salas de aula, principalmente
do fundamental, pois os textos poéticos são atrelados a exercícios que, por vezes, não
exploram as imagens que um poema pode evocar. Assim sendo, algumas metodologias
tolhem o direito do aluno que se deseja leitor.
Respondemos à aluna J que mameluca era o feminino de mameluco, ela também
não sabia o que era mameluco. Então o aluno C disse: “é o índio” e ressaltamos que
seria o índio mestiço.
Perguntamos aos alunos, em que programa da televisão brasileira vê-se
representado esse universo folclórico. Ao darmos algumas pistas, “é um grande clássico
da literatura infantil”, “é a segunda vez que passa na TV”, os alunos responderam o “sitio
do pica pau amarelo”.
Depois desse momento de discussão colocamos no quadro dois grandes cartazes
com partes do poema, de uma maneira que possibilitou um diálogo; dividimos a turma em
dois grandes grupos e sugerimos uma leitura coletiva que se deu da seguinte forma: uma
parte da turma lia os versos:
Os aguapés dos aguaçais
Nos igapós dos Japurás
A outra parte respondia:
Bolem, bolem, bolem
Foi feita a leitura coletiva de todo o poema, os alunos puderam brincar com a
sonoridade expressa na realização oral coletiva. Essa experiência foi muito significativa,
pois permitiu aos alunos um encontro com a arte literária dissociada do caráter avaliativo.
Mesmo os alunos não tendo conhecimento de análise literária, através dessa brincadeira
destacaram as aliterações nos versos: bolem, bolem, bolem”, “o boto bate bite bite”.
Relacionaram a dificuldade de leitura com um trava-língua e relembraram alguns trava-
línguas de conhecimento popular, já citados anteriormente.
Com o envolvimento dos alunos, percebemos que apesar do estranhamento
inicial e das expressões faciais que demonstravam o não entendimento e a não empatia
pelo poema “Berimbau”, os alunos conseguiram interagir muito bem. Sendo assim, o
nosso objetivo foi alcançado, pois os alunos conseguiram perceber a musicalidade do
poema, identificaram as lendas do folclore brasileiro e ainda interagiram trazendo trava-
línguas à sala de aula.
No trabalho realizado com o poema “Lenda Brasileira”, os alunos demonstraram
empatia pelo poema logo na primeira leitura. Acreditamos que o texto foi recebido com
mais ânimo por sua estrutura narrativa e por possuir um vocabulário mais próximo dos
discentes; porém, apesar da diferença estrutural, a turma percebeu a semelhança
temática entre este poema e “Berimbaue destacou a presença do universo tico e do
folclore brasileiro em ambos os textos.
A aluna T percebeu, sem muita dificuldade, que o “Veado Branco” era o
“Cussaruim”.
A moita buliu. Bentinho Jararaca levou a arma à cara: o que saiu do
mato foi o Veado Branco! [...] Mas o Cussaruim veio vindo, veio vindo,
parou junto do caçador e começou a comer devagarinho o cano da
espingarda.
Os outros alunos disseram que era uma alma, uma entidade, por isso Bentinho
teve tanto medo. A professora retomou a lenda e os alunos reafirmaram a ideia de que o
Cussaruim representado pelo “veado branco” seria o curupira, já que este ser defende os
animais dos caçadores impiedosos.
A aluna J percebeu a diferença entre os poemas Berimbau” e Lenda Brasileira”.
Ela disse que “Lenda Brasileira” era uma narrativa, mas ressaltou que nos dois poemas o
Cussaruim está presente. Toda essa descrição mostra o nível de leitura desses alunos, e
isso se por suas vivências com o texto literário, já que a professora trabalha sempre
com eles a literatura popular e também a erudita.
Antes de a professora entregar o último poema da sequência, ela perguntou se os
alunos gostavam de lendas, de histórias mal-assombradas. Diante da resposta positiva,
foi pedido que eles contassem aquelas que conheciam. Nesse momento, muitos dos
alunos começaram a falar de suas experiências em tios com os avós contando estórias
mal-assombradas para eles. Disseram que tinham medo de alguns contos, mas que
gostavam muito de ouvir. Recordaram a lenda da “mulher do algodão
34
”, que muitos
conheciam como “a loira do banheiro” ou “mulher sangrenta”, e da “comadre florzinha
35
”.
34
A mulher do algodão é uma criatura do imaginário popular brasileiro. Existem diversas lendas
sobre ela. Na década de setenta, um fantasma com características muito particulares ganhou as
manchetes dos jornais. A aparição se apresentava como uma mulher loira, com algodão na boca,
ouvidos e nariz, que aterrorizava as crianças nos banheiros das escolas públicas e particulares.
Ela também aparecia em forma de menina, e o se podia tirar-lhe os algodões, porque senão
escorreria sangue dos órgãos tapados. Os diversos nomes que a denominam: “Loira do banheiro”
mais popular; “menina do algodão” versão nordestina; “Maria Sangrenta” versão de uma
lenda americana, muito parecida com a brasileira bloody Mary”. Há pelo menos duas versões
para a origem da lenda. Uma delas diz que a moça era uma aluna apaixonada por um professor
que não dava bola pra ela. Desiludida, cometeu suicídio no banheiro do colégio. Desde então, vem
aparecendo para perguntar pelo professor amado.
35
Comadre Fulozinha, conforme Câmara Cascudo, é um ente mitológico, uma fantástica e
misteriosa mulher que vive na floresta, sempre pronta a defender animais e plantas contra as
investidas dos predadores da natureza. É uma caboclinha que tem longos cabelos negros, que lhe
cobrem o corpo. Ela é caminhante, brincalhona e vive na Zona da Mata de Pernambuco.
Consegue desaparecer sem deixar rastro e adora fazer tranças na cauda dos cavalos. Ela protege
a caça contra os caçadores, desorientando-os com seus assobios e fazendo com que eles fiquem
perdidos na mata. Adora receber presentes como mingau, confeitos e fumo. (pesquisa gerada na
fundação Joaquim Nabuco)
Segundo Cascudo (1984, p. 52), o mito independe de uma localidade, habita
numa região, percorre, viaja presente na imaginação coletiva. a lenda define um valor
no espaço, explica um hábito, são semelhantes em várias partes do mundo, diferem em
detalhes. Sem haver um documento que comprove sua veracidade, “o povo ressuscita o
passado”, indica os lugares onde ocorreram, e com alusões irrefutáveis para averiguação
racionalista. Corrobora com esta ideia, o fato dos discentes “ressuscitarem” as mais
variadas histórias da “mulher do algodão”. Nós conhecíamos essa nomenclatura, no
entanto os alunos ao relatarem a mesma lenda com outros nomes nos possibilitaram
novos dados. Apesar de no momento ora relatado, estarmos observando a aula
ministrada pela professora, contamos como, na nossa infância, tínhamos medo de irmos
ao banheiro sozinha e que não demorávamos nem um pouco no sanitário. O motivo pelo
qual as crianças da escola onde estudávamos ficarem atemorizadas, era o fato de o
colégio ter sido um cemitério, dizia a lenda. Os alunos-colaboradores não conheciam
essa particularidade, apesar de a escola em que nós estudamos ser muito antiga e
tradicional na cidade; porém, conheciam a lenda da “menina do algodão”.
Em seguida, foi entregue o poema “As três Marias” e a professora pediu que
fizessem uma leitura silenciosa. Depois cada aluno leu uma estrofe, a pedido da docente.
Foi solicitado que os alunos destacassem as personagens míticas descritas no poema.
Torna-se relevante ressaltar que os alunos conhecem o universo lendário popular e que
termos cujo significado tivemos a necessidade de pesquisar, pois não os conhecíamos,
os alunos os identificaram sem dificuldade. Como exemplo, podemos destacar o signo-
salmão presente na primeira estrofe do poema.
Atrás destas moitas,
Nos troncos, no chão,
Vi, traçado a sangue,
O signo-salmão!
A turma percebeu facilmente o universo de mistério que rodeia o poema e
comentou que o mistério estava atrás das moitas. Os alunos destacaram a mula-sem-
cabeça, as bruxas, as águas imundas e a Moura-torta que apesar de não conhecerem a
lenda assinalaram como fazendo parte desse universo mítico. A professora contou a
lenda da moura-torta, e todos ficaram bem atentos à estória. Continuando a conversa
sobre o poema, o aluno J disse: “Professora, as três estrelas são as três Marias”.
E a professora respondeu positivamente. A pedido da docente eles destacaram as
rimas, a repetição sonora através das aliterações e do paralelismo. E quando a
professora fez a leitura do poema, alguns alunos liam baixinho acompanhando. Ao final
da aula, a turma demonstrou maior satisfação nessa sequência do que na anterior,
apesar de imaginarmos que a sequência com os poemas “Na Rua do Sabão”,
“Balõezinhos” e “Camelôs” iria encantá-los mais, por causa da identificação com a
questão social, com o humilde cotidiano expresso pelo poeta. Eles disseram ter gostado
mais dos últimos poemas, principalmente “Lenda Brasileira” e As três Marias”, por causa
do universo de mistério que os envolve.
Com as respostas dos alunos, demonstrando preferência pelos textos trabalhados
nesta sequência que acabamos de relatar, percebemos que a melhor motivação para um
“bom” trabalho com o poema, é o próprio texto poético. A partir dele, podemos ofertar as
mais variadas possibilidades de diálogos, com as diversas artes, culturas, gêneros e
experiências, tanto dos leitores, quanto daqueles que estão mediando a discussão.
Na sequência didática com os poemas “Na Rua do Sabão”, “Balõezinhos” e
“Camelôs”, propomos iniciar pela representação dos universos contidos nos textos, para
fazer uma contraposição entre a encenação e a posterior leitura. Será que a
apresentação teria semelhança com o mundo representado pelo eu – poético? No
entanto, a encenação que seria a grande motivadora para a leitura e discussão, parece
ter ficado sem relação com os poemas. Nem houve a dramatização, como havíamos
pensado, nem o jogo dramático. Segundo Jean-Pierre Ryngaert (1981, p 35)
O jogo dramático não visa uma reprodução fiel da realidade, não es
subordinado ao texto. Este é substituído pela palavra improvisada ou
estabelecida a partir dum guião. Nem necessita de cenários, trajes ou
adereços no sentido tradicional. A construção do espaço de jogo faz-se a
partir do espaço escolar e do mobiliário corrente chamados a novas
funções.
Assim sendo, o jogo poderia ter acontecido, no momento que a aluna J brincou,
chamando o rapa, pedindo para que todos corressem e guardassem suas mercadorias.
Nesse momento a mediadora poderia ter instigado a encenação fazendo perguntas que
possibilitassem manifestações espontâneas dos discentes.
A aula foi mais interessante e participativa quando entregamos um poema por
vez, pois na primeira sequência sentimos que a discussão não foi mais intensa e
instigante porque enquanto estávamos relendo um poema, a maioria dos alunos já
estavam lendo o poema seguinte, já que os três poemas a serem trabalhados já estavam
com eles.
No dia seguinte, concluímos o trabalho com os poemas da segunda seqüência.
Por solicitação do diretor da escola, ficamos na turma para que a professora fosse
substituir uma docente que havia faltado. A programação para essa aula era que os
alunos produzissem um texto expressando as diferenças e semelhanças entre
“Berimbau”, “Lenda Brasileira” e “As três Marias”. Deveriam, também, colocar a
preferência em relação aos textos poétcos, justificando o motivo da escolha; dissemos ao
diretor que poderíamos ficar com a classe.
Dois alunos perguntaram se havíamos levado poemas para ler com a turma.
Entendemos ser relevante tal fala, pois nos mostra o interesse pelo texto poético e
desmistifica a ideia de que poesia não agrada os adolescentes.
4.5 Poesia e ludismo: de cantigas a brincadeiras.
O nosso terceiro encontro com a turma foi com a sequência didática para a leitura
dos poemas “O Menino Doente”, “Acalanto de John Talbot” e “Rondó do Capitão”.
Esperávamos que os alunos percebessem que os poemas “O Menino Doente” e
“Acalanto de John Talbot” são semelhantes a cantigas de ninar, ou seja, são acalantos e
que Rondó do capitão” é uma parlenda. Queríamos que os alunos identificassem a
semelhança temática e formal, desejávamos que essa semelhança fosse percebida,
quanto à rima e ao ritmo, nos poemas que denominamos de acalanto e que
memorizassem o poema “Rondó do Capitão”.
Pretendíamos que fosse feita a memorização do poema e, para tanto,
desenvolvemos a sequência de forma que a turma fosse levada a memorizar pela
repetição e brincadeira, já que as parlendas são formas literárias tradicionais, rimadas, de
ritmo ágil. Não são cantadas e sim declamadas em forma de texto, estabelecendo-se
como base a acentuação verbal. São versos de cinco ou seis sílabas recitadas para
ensinar, acalmar, divertir as crianças, ou mesmo em brincadeiras para escolher quem
inicia a brincadeira ou o jogo, ou mesmo aqueles que podem brincar. O motivo de uma
Parlenda é apenas o ritmo como ela se desenvolve. O texto verbal é uma série de
imagens associadas, obedecendo apenas o senso lúdico (MELO s/d). Por isso,
desenvolvemos uma sequência lúdica, para que os alunos se divertissem e vivenciassem
o texto poético.
No primeiro momento, entregamos o poema “O Menino Doente” e a professora
pediu que os alunos fizessem uma leitura silenciosa. Depois ela leu e perguntou se era
uma poesia, os alunos responderam que sim.
Antes de maiores comentários o aluno I disse não ter gostado do poema porque
não tinha rima, disse que prefere quando tem rima. Comentários como esse eram
constantes porque o texto poético de maior contato dos alunos é o Cordel. Porém, é
interessante ressaltar que o poema tem rima e o aluno não percebeu.
A professora solicitou nova leitura, agora, não mais, silenciosa, ela pediu para que
cada aluno lesse uma estrofe e logo após deveriam destacar o que perceberam.
O aluno J: - o menino está doente e a mãe foi colocá-lo para dormir. A
aluna R: - tem uma santa. O aluno J: - tem uma música: “dodói vai
embora, deixa o meu filhinho”.
A docente logo perguntou se essa música era familiar, se os alunos lembravam-se
de algo.
O aluno I respondeu: “Boi boi boi boi da cara preta”. Aluna A: “a música
do pavão” (“xô xo pavão sai de cima do telhado, deixa a menina dormir o
soninho sossegado”). Aluna R: “a da cuca” (“ah ah ah a cuca vai pegar,
nenê vai dormir que eu tenho o que fazer, vou lavar e engomar a
roupinha pra você”).
Quando preparamos a sequência, esperávamos que após a leitura feita pela
professora os alunos percebessem que havia uma canção. Mas para tanto, haveria um
momento de discussão, e a professora introduziria uma pergunta. Vocês sabem o que é
um acalanto?” Se a resposta fosse negativa, sugerimos que a docente cantasse para a
turma algumas canções de ninar. Dessa forma, eles fariam a relação e descobririam que
acalanto e canção de ninar, são iguais.
Mas nós nos surpreendemos, pois os alunos antes mesmo que fosse introduzida
tal discussão, perceberam a canção existente no poema “O Menino Doente” e
relacionaram com populares cantigas de ninar. Isto é percebido nas falas dos alunos J e
I. Portanto, de maneira bem descontraída, foi feita a relação do poema com o acalanto. A
professora perguntou qual era o nome dado a essas cantigas e os meninos responderam
que eram canções de ninar e a educadora completou: ou acalanto.
Depois desse momento a docente perguntou se os acalantos eram coisas
folclóricas.
Aluna T: - Sim, porque fala de mitos.
Aluna T: - a mãe está cansada, não conseguiu nem terminar a canção de
ninar.
Aluna R: - a mãe adormeceu, e veio a santa e colocou o menino para
dormir.
Nas falas acima percebemos que as alunas têm contato com o universo mítico
religioso, pois desejávamos, com a discussão, que os alunos percebessem a crendice
popular existente em “O Menino Doente”, já que no poema, de tão cansada, a mãe dorme
e o bebê é amparado pela virgem Maria. A criança é entregue aos cuidados da Virgem.
Segundo Cascudo (1984, p. 105)
O mito age e vive, milenar e atual, disfarçado noutros mitos, envolto em
crendices. a lenda explica qualquer origem e forma local, indicando a
razão de um hábito coletivo, superstição, costume transfigurado em ato
religioso pela interdependência divina.
Acreditamos que nesse poema está posto um mito ou uma lenda, que uma
possível aparição da virgem Maria que cuida do menininho quando a mãe adormece. “As
lendas que envolvem aparições de imagens ou visões divinas têm em maior porcentagem
procedência portuguesa”. (CASCUDO, 1984, p. 179).
As respostas dadas mostram que, sem dificuldade, alguns alunos chegaram a
esse entendimento. Os alunos J e R levantaram essa questão desde o inicio da aula,
quando disseram que a mãe estava colocando o filho doente para dormir e que tinha uma
santa. Mas, antes de a professora aprofundar as questões postas por eles, o aluno J
disse perceber a música existente nos versos: “dodói, vai-te embora, deixa o meu
filhinho”; dessa forma aproveitou-se para trabalhar a questão de o poema ser um
acalanto.
Logo em seguida, entregamos o poema “Acalanto de John Talbot” e a professora
solicitou uma leitura e depois a fez também. Indagou à turma se os poemas lidos tinham
semelhanças e quais eram.
Aluna A disse: “- um tem um anjo da guarda e o outro tem uma santa”.
Apesar de parecer que a aluna está ressaltando uma diferença e não semelhança
com essa resposta, vimos que ela percebeu a temática religiosa presente nos dois
poemas.
Aluno J: - o carinho da mãe; - a mãe coloca o menino para dormir e não
adormece e manda o anjo da guarda dormir, diz que vai tomar conta do
filho; - o menino não está doente
.
O aluno J sempre demonstrou ser muito carente e as respostas dadas em análise
do poema “Acalanto de John Talbot” parecem afirmar essa carência. É interessante
ressaltar que os alunos que participaram, destacaram mais as diferenças entre os
poemas e quanto à forma só perceberam a rima e o ritmo semelhantes quando a
pesquisadora pediu para que eles destacassem os versos que continham rimas.
A professora relembrou sua infância, como sua mãe lhe contava histórias,
colocava para dormir e falava de anjinhos da guarda. Os alunos atentos escutavam as
memórias de sua professora e ao final expressaram gostar mais do poema “Acalanto de
John Talbot”. Imaginamos que o poema tocou os alunos por causa do modo afetuoso
com que a professora relatava suas memórias, falando sempre em anjo da guarda, e
também pela forma carinhosa que os alunos encontraram na expressão de amor da mãe
que colocou ao anjinho da guarda para dormir. Quanto à forma, em Acalanto de John
Talbot” os alunos perceberam com mais facilidade as rimas e o ritmo. Com a leitura eles
destacavam as palavras que rimavam, diferentemente de “O Menino Doente” em que o
aluno I disse não ter gostado porque não percebeu as rimas existentes no poema. A
poesia mexe com a emoção, com os sentimentos e com sensações; logo, a rima não é
um recurso obrigatório. Porém, era comum os alunos demonstrarem a preferência por
poemas rímicos.
O terceiro poema trabalhado nesta sequência foi “Rondó do capitão”; que como
vimos tem uma forma popular e apesar de se chamar Rondó, nós consideramos ser uma
parlenda; o próprio Manuel Bandeira em seu itinerário diz ter usado os versos originais
desta parlenda em sua poesia: “aos contos da carochinha devo juntar os das cantigas de
roda, algumas das quais sempre me encantaram, como “Bão balalão, senhor capitão”,
falo desta porque a utilizei em poema”. (BANDEIRA, 1997, p. 296). Nesse momento,
fomos a mediadora da discussão e antes de entregar os poemas perguntamos se eles
sabiam o que seria uma parlenda e a maioria disse ter ouvido o nome, mas não
lembrava. O aluno T disse que tinha estudado com a professora na série anterior, mas
naquele momento não sabia o que era, porém mal começamos a recitar “dedo mindinho,
seu vizinho” e logo os alunos lembraram e começaram a recitar a parlenda:
Hoje é domingo pé de cachimbo
O cachimbo é de ouro bate no touro
O touro é valente bate na gente
A gente é fraco cai no buraco
O buraco é fundo
Acabou-se o mundo!
Conhecíamos versões diferentes desta parlenda, e isso se tornou interessante,
pois pudemos destacar a reelaboração da cultura popular e as diferentes temporalidades,
pois como afirma Câmara Cascudo (1984), a literatura oral é transmitida de geração em
geração e mesmo ninguém defendendo essa virtude mnemônica, nem havendo um
exercício para sua perpetuação, ela se perpetua pela oralidade.
Sendo assim, depois da discussão e lembrança das parlendas de conhecimento
dos alunos, dissemos de cor o poema “Rondó do Capitão”, enquanto os alunos
acompanhavam no papel que fora entregue. Solicitamos a leitura e vários a fizeram. Em
seguida trabalhamos a temática da esperança posta no poema.
Bão balalão,
Senhor capitão,
Tirai este peso
Do meu coração.
Não é de tristeza,
Não é de aflição:
É só de esperança,
Senhor capitão!
A leve esperança,
A aérea esperança...
Aérea, pois não!
- Peso mais pesado
Não existe não.
Ah, livrai-me dele,
Senhor capitão!
Discutimos com os alunos acerca do que era esperança, se seria bom ou ruim
senti-la. E como seria este sentimento para o poeta. Os alunos participaram de maneira
significativa, disseram que era bom ter esperança, mas “para o poeta não era, porque ele
queria se livrar dela, para ele era um peso”. Ao questionarmos o porquê de o poeta
querer se livrar, o aluno J disse: “porque para ela é um peso no coração”. Nesse
momento, dissemos aos alunos que a etimologia da palavra vem de esperar – esperança
esperar com confiança. Quando confiamos que algo vai acontecer, então temos
esperança. Nesta hora, uma aluna quase nos interrompeu e disse: “o poeta não confia
que algo vai acontecer”; a aluna R complementou “ele espera, mas não tem confiança,
então ele não tem esperança”. Quando indagamos como no poema poderíamos
encontrar essa ideia, vários alunos apontaram para os versos “a leve esperança/ a aérea
esperança/ aérea, pois não!/ peso mais pesado/ não existe não”.
A vida de Bandeira se confunde com a obra, mas em nenhum momento na
experiência precisamos introduzir dados bibliográficos para que os alunos entendessem
sua poética, vivenciassem o texto e se interessassem, de alguma forma, pelo que
estávamos trabalhando. O exemplo disso é que os alunos concluíram que para o poeta
não era bom ter esperança, e esta percepção se deu por causa do texto e não porque
sabiam que Manuel Bandeira era doente. Depois, nós acrescentamos essa informação
para que os alunos a conhecessem; a aluna R fez menção ao poema “Na Rua do
Sabão”, fazendo referência à doença do menino José que era tísico eita professora, por
isso que o menino da Rua do Sabão era doente”. Concordamos com a aluna, e dissemos
que a poesia de Manuel Bandeira tem uma forte ligação com a vida do poeta.
Terminamos a aula pedindo que os alunos fizessem um círculo e a cada aluno
entregamos um verso do poema “Rondó do Capitão”, para que fosse lido um após outro.
A turma percebeu o ritmo e o poema neste momento foi cantado. Eles gostaram muito da
brincadeira e não mais liam o verso, que entregamos no inicio da brincadeira, já diziam
sem olhar para o papel.
No dia 28 de agosto, retomamos a leitura dos poemas da aula anterior. Iniciamos
com os acalantos e identificamos juntamente com os alunos as rimas presentes nos
textos poéticos. Eles perceberam a semelhança formal entre os dois poemas que
denominamos de acalanto, destacaram o ritmo e a canção presente nos poemas “O
Menino Doente” e “Acalanto a John Talbot”.
- “Dodói, vai-te embora!
“Deixa o meu filhinho.
“Dorme...dorme...meu...”
- “Dorme meu amor.
“Dorme, meu benzinho...”
Dorme, meu filhinho,
Dorme sossegado.
Dorme, que ao teu lado
Cantarei baixinho.
Entregamos a parlenda “A Cruz do Patrão”, texto que, provavelmente, deu origem
ao poema de Bandeira; lemos com os alunos, solicitamos outra leitura, três alunos
atenderam ao nosso pedido. Perguntamos aos alunos qual a semelhança entre a
parlenda “Cruz do Patrão” e o poema “Rondó do Capitão”. A aluna R disse: é o verso
“Bão balalão, professora”. A aluna A “e tem também o senhor capitão”; assinalamos que
havia algo mais e o aluno Ig disse: “a rima também é igual, professora”.
Discutimos um pouco sobre a temática e alguns discentes rapidamente
enfatizaram que se tratava de torturas sofridas por negros, destacaram para confirmar
suas suposições os versos:
Em terra de Mouro
Morreu seu irmão
Cozido e assado
No seu caldeirão.
Negro cativo
Não tem presenção.
O aluno T reforçou essa ideia por causa do verso negro cativo”; ele mesmo,
antes de questionarmos, perguntou o porqde no último verso estar entre parênteses o
nome variante. Afirmamos que as parlendas eram muito utilizadas em brincadeiras, pelas
crianças, e que elas gostavam de criar novos versos; então este escrito na parlenda
possivelmente já era diferente, não era o original e sim uma brincadeira e isso poderia ser
percebido nos últimos quatro versos. Perguntamos por que e ele mesmo nos respondeu
que mudava totalmente de assunto. Para estimular a criatividade, pedimos que os alunos
brincassem fazendo algumas variantes. O aluno I perguntou se era para entregar,
dissemos que não, para não parecer uma atividade escolar de avaliação, pois
pretendíamos que eles utilizassem a imaginação e criassem para ler para a turma e com
as leituras houvesse descontração e brincadeira. Houve risos e interação.
Novamente pedimos que os alunos fizessem o rculo e entregamos os versos de
“Rondó do Capitão”; foi feita uma primeira leitura com os versos em ordem, depois de
forma desordenada e por fim sem o papel. Mesmo com os versos nas mãos a maioria
dos alunos já os dizia de cor. Como o poema só tem 15 versos, foram feitos dois círculos
e houve uma competição entre os discentes. Ao final, lançamos o desafio de se dizer o
poema memorizado. Os alunos A, T, L e J recitaram corretamente o poema.
Entendendo que a poesia atua principalmente sobre os sentidos e as emoções,
não tivemos a preocupação de explorar os significados, nem de exigir a memorização
vazia, visando uma apresentação mecânica ou avaliação, porém, privilegiamos a leitura
expressiva dos poemas e foi esse procedimento que fez a diferença; cremos que a
expressividade com que, ora a pesquisadora, ora a professora, leram e apresentaram os
poemas, contribuiu para que os alunos tivessem prazer em recitá-los, seja quando
solicitados, ou quando eles mesmos pediam.
No dia 29 de agosto aconteceria uma gincana na escola com o tema “O folclore
brasileiro e a cultura popular brasileira” e o aluno T perguntou: “posso dizer o poema na
gincana, se for pedida uma parlenda?”. Ressaltamos o questionamento do aluno, pois se
percebe claramente que, mesmo inconscientemente, ele sabia que por ser um poema de
Manuel Bandeira, não era popular, mesmo havendo a influência da cultura do povo, mas
por denominarmos o texto de parlenda ele gostaria de surpreender dizendo algo
desconhecido dos demais alunos, como ele próprio afirmou.
Dessa sequência, todos os alunos participaram, inclusive os que sempre saíam
da sala. Enquanto acompanhávamos a professora regente da turma, observamos que
existia uma turma de quatro alunos que nunca ficavam em sala e quando permaneciam
em nada contribuíam; porém naquele dia em que estávamos sozinha com a turma, estes
alunos ficaram presentes e participaram da sequência. No momento em que organizamos
a turma em círculo, percebemos que de início eles estavam achando algo muito bobo,
mas depois interagiram e até se divertiram com os erros e acertos deles e dos colegas.
4.6 Últimos encontros com a poética de Manuel Bandeira: (re) significações.
No dia 18 de setembro, finalizamos a parte prática de nossa pesquisa. Iniciamos a
aula perguntando se eles lembravam sobre o que estávamos trabalhando e a maioria
respondeu: - o autor Manuel Bandeira.
Lembraram também dos poemas: “Na Rua do Sabão”, “Acalanto de John Talbot”,
“O Menino Doente”, “Rondó do Capitão”. Ao perguntarmos, dentre os poemas
trabalhados, qual marcou mais aos alunos e o porquê, a aluna J respondeu: - “As Três
Marias”.
Perguntamos o motivo, ela disse que por falar de mula-sem-cabeça, Moura torta,
do universo de mistério. Gostou muito e o que menos ela tinha gostado foi “Balõezinhos”;
disse que achou sem graça. É interessante ressaltar que apesar de “Balõezinhos” trazer
a temática da infância pobre, o que para nós seria de grande impacto para os alunos,
para esta aluna o universo de mistério foi o que mais a encantou. Acreditamos, conforme
Pondé e Yunes (1988, p. 84), que a “literatura é uma leitura da vida e que a fantasia,
longe de alienar, ajuda a descobrir o real”. Dessa forma, o poder de diversão da poesia,
através de seu caráter lúdico e mágico, não anula a característica de estimular o
raciocínio e a capacidade crítica do leitor, seja ele mirim, adolescente ou jovem.
Muitos alunos fizeram menção a “Rondó do Capitão” e a “Lenda Brasileira”,
lembraram também de “Berimbau”. Enquanto os discentes citavam os títulos dos
poemas, pedimos para que eles especificassem o que lhes chamou a atenção; nesse
momento a aluna L disse que achou o poema Berimbau” difícil, diferente, que nem tinha
gostado, mas depois achou muito legal. Essa fala nos mostra a importância da
metodologia no trabalho com o texto poético em sala de aula.
Perguntamos quem ainda sabia o poema “Rondó do Capitão”; a aluna L recitou
todo o poema sem olhar, depois mais dois alunos também recitaram e outros tentaram.
Apesar de não terem conseguido, foi muito relevante, uma vez que demonstrou o quanto
esse poema foi significativo e ainda percebemos grande mudança na atitude dos alunos,
pois eles se propuseram a declamar sem indicação. No início da experiência, mesmo
algumas sequências sendo aplicadas pela professora, percebíamos certa inibição por
causa da nossa presença. Os alunos sempre participavam, mas a pedido da docente,
porém nesse momento, os discentes se ofereciam para recitar o poema e para dar as
contribuições a respeito do trabalho realizado naqueles meses.
Entendemos ser relevante destacar o modo como a turma interagiu em relação ao
poema “Rondó do Capitão”, porque acreditamos que isto aconteceu por causa da forma
como conduzimos o trabalho com este texto. O ludismo presente no texto poético, muito
bem aproveitado por nós na promoção da sequência didática, fez com que os alunos
vivenciassem uma experiência não mais esquecida por eles e por isso tinham prazer em
demonstrar ter memorizado o texto.
Gravamos CDs com poemas de Bandeira, lidos pelo próprio poeta, e levamos à
sala de aula para presentear os alunos que tivessem a antologia que preparamos. No
entanto, não dissemos isso à turma. Perguntamos quem tinha os poemas trabalhados,
vários alunos apresentaram todos os poemas organizados pela ordem em que
trabalhamos. Vinham nos mostrar com grande satisfação. Fizemos sorteio, pois não
havíamos levado CDs suficientes; não imaginávamos que tantos alunos tivessem
guardado as cópias com os textos trabalhados até então.
Nossos últimos encontros com a poética bandeiriana, foram com os poemas
“Boca de Forno” e “Trem de Ferro”. Realizamos a leitura destes textos após a conversa
sobre os que foram trabalhados aulas anteriores.
Iniciamos perguntando quem conhecia a brincadeira “boca de forno, forno, tirando
bolo, bolo, seu rei mandou dizer”. Imaginávamos que os alunos não conheciam tal
brincadeira, mas nos enganamos e nos surpreendemos também, porque além de
conhecerem, tinham brincado. Porém os versos da brincadeira que os alunos
conheciam eram um pouco diferentes: “abacaxi xi, maracujá já, se eu mandar vou, se não
for apanha, seu rei mandou dizer”. Os alunos resgataram outras brincadeiras
36
demonstrando alegria.
Entregamos o poema Boca de Forno”. Após leitura silenciosa, para
reconhecimento do texto, solicitamos uma leitura coletiva. Dividimos as estrofes e as
distribuímos entre os alunos, porém a primeira e a última estrofe foram lidas
coletivamente.
Cara de cobra,
Cobra!
Olhos de louca,
Louca
Cara de cobra,
Cobra!
Olhos de louca,
Louca!
Cussaruim boneca
De maracatu!
Houve certo estranhamento. Observamos que novamente o horizonte de
expectativas dos alunos foi quebrado. Iniciamos a aula com uma motivação que consistia
em “resgatar” as brincadeiras infantis populares. Os alunos participaram muito bem,
destacaram as brincadeiras que tanto faziam parte do universo infantil deles, quanto do
nosso e também da professora da turma. Porém, acharam o poema feio, sem rima,
sentiram certa dificuldade na leitura. Contudo, quando começamos a discussão inferiram
muito bem e destacaram os versos que se repetem no poema; com as diversas leituras
perceberam que havia um ritmo, e que as expressões afro-brasileiras contribuíam para
que acontecesse esta musicalidade.
Destacamos a cultura afro-brasileira nos versos:
Ah totô meu santo
Eh abaluaê
Iansã boneca
...
Ah totô meu pai
36
Passarás, a brincadeira do anel e cobrinha cega.
Acreditamos que os alunos não gostaram muito do poema, em sua primeira
leitura, por causa do vocabulário. Estranharam as palavras da cultura afro-brasileira e
não perceberam o efeito sonoro e lúdico que essas palavras produzem no texto.
Percebemos certo preconceito também, pois disseram que era macumba.
Conversamos um pouco sobre os elementos da cultura popular presentes no
poema, perguntamos se eles sabiam o que era maracatu, de onde essa dança era mais
típica. Eles não conheciam a dança, nem sabiam em que lugar essa manifestação
“folclórica” era mais típica; ressaltamos ser em Recife, cidade do poeta.
Os alunos T e I destacaram a temática da desesperança na quarta estrofe e
relacionaram com “Rondó do Capitão”. Fizeram a ligação com a doença do poeta,
disseram que o poeta não tinha esperança porque era doente, por isso que no coração
dele havia tanto desespero”.
No fundo do mar
Há tanto tesouro!
No fundo do céu
Há tanto suspiro!
No meu coração
Tanto desespero!
Perguntamos que palavra eles conheciam a partir dos poemas de Bandeira e que
está em “Boca de Forno”, quase em uníssono responderam “Cussaruim”; ao
questionarmos em que outros poemas de Bandeira encontra-se esta palavra, os alunos,
rapidamente, disseram “Berimbau” e “Lenda Brasileira”. Então, perguntamos se eles
lembravam o que significava e se em “Boca de Forno” estava com a mesma ideia dos
outros dois poemas que eles tinham acabado de citar. A aluna A disse que o Cussaruim
era o curupira e os alunos próximos a ela responderam que não estava com a mesma
ideia, “parece que o poeta está brincando”.
Essa resposta foi muito importante, pois um dos objetivos fora alcançado, que
pretendíamos que os alunos percebessem no poema a grande brincadeira, desde o seu
título evocando um jogo popular, ao vocabulário e à musicalidade presentes no texto.
Dando continuidade à sequência preparada para este encontro, entregamos o
poema “Trem de Ferro”. Os alunos gostaram muito e se divertiram desde a primeira
leitura. Enquanto líamos, eles, sem que pedíssemos, cantaram o “Oô” presente na
terceira estrofe.
Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
Oô...
Os alunos mesmos levantaram alguns questionamentos bem pertinentes. A aluna
R disse que era como se o trem falasse. Percebemos em tal comentário que a aluna
identificou o animismo representado pelo “Trem”. O aluno I disse: “Professora, nessa
última estrofe é o trem que está falando, não é?”, afirmamos que sim, porém o aluno J
ressaltou que na estrofe quatro “parece que o poeta está viajando de trem e vendo toda a
paisagem”.
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
E cantar
E ainda acrescentou um terceto ao poema:
Fica tonto
Fica tonto
Fica tonto
Esta proposta foi feita mediante o comentário que transcrevemos acima, pois o
aluno J disse: “professora, parece quando a gente viaja na janela do ônibus e ver
passando a paisagem, a gente num fica tonto, num é? Porque, as coisas passam bem
rápido”. Com esta sugestão é notório que o aluno entendeu o ritmo do poema e seguiu a
estrutura do próprio texto poético, que se tem em dois momentos repetições iguais às
que o aluno propôs.
Muita força
Muita força
Muita força
...
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente
Acreditamos que a realização oral do poema foi de fundamental importância para
que o discente criasse essa imagem, pois, a estrofe do texto, por não ter pontuação
alguma, realmente nos essa ideia de rapidez e nos faz descortinar uma viagem e os
elementos da paisagem passando diante de nossos olhos.
Alcançamos o esperado nos dois últimos poemas. Todos os alunos participantes
perceberam o ludismo, o ritmo, a musicalidade nos textos e o jogo com as palavras.
No dia 19 de setembro de 2008, tivemos o nosso último encontro. Nesse dia
retomamos a leitura dos poemas “Boca de Forno” e “Trem de Ferro” e depois a
pesquisadora e a professora questionaram os alunos sobre o que acharam do trabalho
com os poemas de Bandeira. Transcrevemos as respostas de todos os alunos e faremos
comentários sobre aquelas que se destacaram.
Aluno A: Gostei porque não conhecia e agora gosto muito.
Aluna J: Já gosto de poesia e achei muito interessante as aulas.
Aluno J: O poema que mais gostei foi “Bão balalão” (Rondó do Capitão).
Aluno J: Gostei porque todos eles falaram de cultura. (aluno que pouco
participou)
Aluna M: Foram muito boas as aulas.
Aluna J: No começo não gostava, mas depois me acostumei.
Aluno A: O que me chamou atenção foi a criatividade do autor.
Aluna D: Não gostei porque poesia é chato, para mim. (Depois desta
resposta a professora perguntou se nenhuma aula foi boa, se nenhum
poema tinha ficado em sua mente) Então, ela fez menção de “Rondó do
Capitão”, disse que tinha sido a aula que tinha gostado e que o poema
também era legal.
Aluno I: Gostei muito, pois a professora trouxe muitos textos diferentes
que eu não conhecia. Foi muito aprendizado.
Aluno L: Gostei mais ou menos. (aluno que pouco participou)
Aluna M: Gostei, porque todos lêem poemas e nunca comentam, faltava
leitura e discussão.
Aluno S: É uma forma de aprender outros assuntos.
Aluna A: Gostei muito. Achei divertidas as aulas. Me diverti.
Aluno C: Achei interessante a poesia. Ela estimula agente a estudar
mais.
Aluno Ig: Aprendemos a ler poesia com rima e sem rima
Aluna R: Gostei porque mudou mais as aulas.
Aluno Is: Gostei. Nos relembrou brincadeiras da infância dos nossos pais
(esse aluno era muito calado, no entanto posicionou seu gosto sem
titubear)
Aluna L: Gostei de todas, mas, mais de “Rondó do capitão”
As falas dos alunos I, M e C evidenciam a noção de que a literatura transmite
conhecimentos, mas percebe-se, especialmente nas respostas das alunas R e A, o
caráter lúdico do texto poético e que a linguagem literária permite que as palavras
assumam vida própria com novas significações. De acordo com Silva (1986, p. 53),
“pelas suas características, a literatura se enquadra na seguinte tipologia de leitura:
informativa, de conhecimento e literária” As falas dos alunos demonstram que eles
apreenderam estes três tipos de leitura, sentiram-se informados a respeito da cultura
popular, adquiriram novos conhecimentos em relação ao texto poético, principalmente no
que se refere à estrutura do poema, e vivenciaram uma experiência estética com o texto
literário.
Os alunos se referiram a aula com o poema “Rondó do Capitão” com muito ânimo,
até a aluna D que afirmou não gostar de poesia e em nada sua concepção mudou depois
das aulas com os poemas de Bandeira, fez menção de ter gostado de “Rondó do
Capitão”, tanto do poema, quanto principalmente da aula dessa sequência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa teve como objetivo a promoção da leitura de poemas de
Manuel Bandeira que dialogam com a cultura popular, junto a alunos do 9º ano do ensino
fundamental. Para tanto, partimos da observação da prática pedagógica da professora
regente da turma. Depois foi proposto à docente um trabalho com os poemas
selecionados, previamente, e em conjunto realizamos a experiência que foi pautada na
Estética da Recepção e na teoria do efeito. As implicações metodológicas advindas
dessa opção teórica se revelam na pesquisa, no desenvolvimento de um trabalho que
privilegiou a discussão dos poemas de Bandeira.
Após a observação das aulas veio a pergunta: “Será que essa metodologia
aproxima o aluno do texto literário, sobretudo, da poesia?”. Ao refletir a esse respeito
percebemos que apesar do texto poético estar presente no ensino fundamental, o método
utilizado não contemplou o encantamento que este gênero sugere.
“Poesia é brincar com as palavras”. Essa assertiva de José Paulo Paes (1991)
assinala para um trabalho que pode ser desenvolvido em sala de aula com obras
pertencentes a esse gênero literário. Nesta pesquisa, a poesia vista de forma lúdica teve
um lugar especial; apesar de, no nosso processo de formação, não ter havido o encontro
com o texto poético de forma significativa, descobrimos a tempo que as rimas, os
trocadilhos, os sons da floresta e de vozes de animais podem refletir um universo de
encantamento e magia que tocam, profundamente, não as crianças, como os
adolescentes, jovens e adultos.
Considerando, pois, o ludismo presente na poesia de Manuel Bandeira, que
dialoga com a cultura popular, como porta de entrada para o trabalho com os
adolescentes, levamos à sala de aula do ensino fundamental, os poemas que trazem
como possibilidade de encantamento os sons e ritmos, o universo temático relacionado
ao mistério, ao jogo e à brincadeira.
A princípio houve um certo receio quanto à aplicação das sequências, porém,
como o objetivo era a recepção dos alunos, todos os dados se fariam relevantes para a
análise. Dessa forma, tornou-se, ainda, mais significativa a participação dos alunos
colaboradores, pois foi confirmada uma tese: o poeta Manuel Bandeira, mesmo não
sendo destinado ao público infanto-juvenil, pode ser levado a crianças e adolescentes, e
sua poesia, lida pelo viés popular, agrada às mais distintas faixas etárias.
Alves (2006) refletindo sobre crítica literária e sala de aula mostra a importância
de buscar formular novos conceitos através de leituras de obras literárias e de teorias
consolidadas. Diante da reflexão trazida por ele no ensaio “Teoria da literatura, crítica
literária e ensino” (2006, p. 121 122), pensamos na relevância desta leitura da poesia
bandeiriana, pois alguns poemas lidos pelo viés popular não foram vistos assim por
teóricos consultados para realizar o trabalho ora relatado.
Ao final desta experiência nos sentimos bastante recompensada com o resultado
observado a cada encontro. Foi gratificante ver o envolvimento daqueles alunos, a
colaboração deles nas discussões, e, ainda, a interpretação que deram aos poemas
trabalhados. Conforme relatado no capítulo quatro, algumas sequências quebraram o
nosso horizonte de expectativas, que, por vezes, fomos à sala de aula pensando em
ensinar algo e na verdade aprendemos com os alunos. Como sugere Micheletti (2002) o
professor deve ser um verdadeiro mediador entre o texto e os alunos; deve abster-se de
seu papel de guardião do saber, sem abdicar, contudo, de sua condição de leitor mais
maduro.
O prazer obtido com a realização desta pesquisa iniciou-se desde as leituras
realizadas para pensar a sequência didática. O reencontro com as tradições populares foi
indescritível; relembrar a infância ao ler Veríssimo de Melo (s/d) e Câmara Cascudo
(1984) trouxe grande satisfação e o coração se enchia de alegria com a possibilidade de
encantar os alunos, e levar-lhes algo que fez parte de nossa infância, mas possivelmente
não fizera parte do universo dos colaboradores deste trabalho. Entretanto, surpreendeu
constatar a vivacidade da cultura popular e como ela se reelabora.
O encontro com versos das brincadeiras populares fez redescobrir a infância e o
prazer dos jogos como: “cobra-cega”, “peia-quente”, “boca-de-forno”, “Ciranda,
cirandinha”, Lagarta pintada”, Pai Francisco”, dentre outros. Como afirma Melo (s/d, p.
165), as artes da poesia, da música e da dança uniram-se nos brinquedos de rondas
infantis, realizando uma síntese magnífica de elementos imprescindíveis à educação
escolar”. É perceptível como o poeta Manuel Bandeira se utiliza tão bem destes
elementos em sua poética e como foi significativo o trabalho com os poemas em sala de
aula. Constatamos que é possível ler poesia no ensino fundamental e os textos poéticos
trabalhados nesta experiência podem ser levados a outras séries, tanto do nível
fundamental como do médio.
Apesar de não ser o objetivo deste trabalho escrever um modelo a ser seguido,
entendemos a relevância de uma linha de pesquisa que priorize o ensino e possibilite ao
pesquisador fornecer material, mesmo que parco, para outros leitores que desejem
realizar um trabalho com o texto literário que valorize o leitor, na tríade obra literária
autor e leitor. Neste sentido, avaliamos esta experiência como positiva, tomando como
referência o relato a seguir.
Um ano depois, sentimos a necessidade de voltar à escola e encontramos alguns
alunos que colaboraram com esta pesquisa. Todos manifestaram expressões de carinho,
perguntaram se estávamos de volta para ler poesia com eles novamente e realizar um
trabalho em conjunto com a professora G. Dentre os alunos encontrados, estava o aluno
J
37
que era muito participativo nas aulas e com os seus comentários muito colaborou com
este trabalho.
Perguntamos ao discente se ainda lembrava o que aconteceu há um ano, e
recebemos com surpresa o relato deste aluno. Respondeu, sem titubear, que tinham sido
37
O diálogo e a gravação foram produzidos e constam dos anexos.
lidos, com a turma, os textos de Manuel Bandeira; a forma como falava e fazia relação
entre as imagens e títulos dos poemas era encantadora; nos fez enxergar, ainda mais, a
relevância de um trabalho que leve à sala de aula o texto poético privilegiando a
interação do leitor com o texto.
Concluímos que os docentes que trabalham com o texto literário devem levá-lo à
sala de aula de forma a produzir na criança e no adolescente inquietações que os levem
a se interessar por esse tipo de arte.
Acreditamos que a inserção, não da narrativa como também do gênero
dramático e lírico, têm lugar na sala de aula; estes últimos parecem não estar presentes
na prática pedagógica de muitos professores, no entanto, neste trabalho, o foco foi o
estudo do texto poético, pois entendemos que este gênero não tem feito parte do
cotidiano escolar, porque o professor não o privilegia.
Esta pesquisa contribuiu, acima de tudo, para o nosso crescimento pessoal, pois,
cada comentário, cada sugestão e cada gesto daqueles adolescentes e de sua
professora foram ouvidos e considerados. Não se praticou uma metodologia comum aos
livros didáticos, pelo contrário, a proposta de trabalho foi fundamentada na discussão e
suscitou a participação, o fruir natural dos alunos, até dos que eram mais tímidos.
Outro ganho metodológico obtido durante a experiência com a leitura dos poemas
de Bandeira foi a consciência de que não se precisou lançar mão da poesia para ensinar
conteúdo; essa leitura pode e deve acontecer por prazer, sem pedagogização. Estivemos
em sala de aula durante sete anos e nunca conseguimos que os nossos alunos
participassem da forma como aconteceu na aplicação da experiência, tanto por nós como
pela professora regente da turma.
A cada encontro voltávamos realizada por perceber que os nossos objetivos
estavam sendo alcançados e principalmente por vermos que o texto poético de Bandeira
estava sendo recebido com entusiasmo pela turma.
Isso evidencia a importância de se buscar uma metodologia que privilegie a leitura
do poema desvinculada da forma pragmática que geralmente acontece no ambiente
escolar, pois a literatura como afirma Candido (1972, p. 05) assume uma função
formadora:
Mas não segundo a pedagogia oficial. [...]. Longe de ser um apêndice da
instrução moral e cívica, [...], ela age com o impacto indiscriminado da
própria vida e educa como ela. [...]. Dado que a literatura ensina na
medida em que atua com toda a sua gama, é artificial querer que ela
funcione como os manuais de virtude e boa conduta. E a sociedade não
pode senão escolher o que em cada momento lhe parece adaptado aos
seus fins, pois mesmo as obras consideradas indispensáveis para a
formação do mo trazem freqüentemente aquilo que as convenções
desejariam banir. [...]. É um dos meios por que o jovem entra em contato
com realidades que se tenciona escamotear-lhe.
Através da citação acima, pode-se claramente perceber o poder que tem a
literatura de atuar na formação do indivíduo, a qual pode, através da fruição da arte
literária, ter suas características moldadas segundo valores que não interessam à
pedagogia oficial que sejam propagados. Ainda nas palavras de Candido, citadas em
capítulo anterior, a literatura “não corrompe nem edifica, mas humaniza em sentido
profundo, porque faz viver”. (op. cit., p. 806).
Para uma prática pedagógica que envolva o aluno, não basta que nós,
professores de língua e literatura, façamos os nossos planejamentos; temos que
entender as particularidades da linguagem literária e com isso realizar um trabalho com
vistas a encantar o leitor, buscando construir novos leitores do texto literário.
Finalmente, a mais relevante contribuição pessoal deste trabalho é a construção
de um texto a partir de reflexões dos fatos conhecidos, vivenciados e,
consequentemente, aprendidos com os alunos do ano da Escola Estadual Ademar
Veloso da Silveira. Provavelmente, uma leitura por outros professores poderá instigar a
realização de uma metodologia que busque promover a vivência com poemas visando
tocar a sensibilidade dos leitores, por meio de experiências afetivas e despertar o gosto
para a leitura de poesia na escola.
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Apêndice
I – Perfil do Professor (a):
1. Quando você terminou a graduação? Em qual Universidade?
2. Tem algum curso de pós-graduação? Qual?
3. Há quanto tempo você ensina?
4. Qual a série que leciona?
II – Sobre a Cultura Popular:
1. O que você entende por Cultura Popular?
2. Qual a sua visão a respeito das manifestações culturais do povo?
3. Já trabalhou com os alunos alguma manifestação da Cultura Popular?
III – Prática Pedagógica:
1. Vocostuma planejar as suas aulas? Como isso acontece: em conjunto com
outros professores ou individualmente? Os planos costumam respeitar os
conteúdos do currículo ou acontecem de acordo com as necessidades dos alunos
detectadas por você?
IV – Sobre letramento literário:
1. Você trabalha com o texto literário? Como esse trabalho acontece?
2. Qual é o gênero literário mais trabalhado por você? Por quê?
3. Você é uma leitora de poesia? Entende ser importante levá-la aos alunos?
4. Você ler poesia com os alunos? Por quê?
5. Já trabalhou poemas de Manuel Bandeira?
6. Como os seus alunos recebem as aulas com o texto literário?
I – Perfil do aluno (a):
1. Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
2. Idade___________
3. Série que está cursando_________
II – Sobre Leitura
1. Você gosta de ler:
( ) Sim ( ) Não ( ) Um pouco
2. O que você mais gosta de ler?
( ) Revistas em quadrinho ( ) Livros ( ) Jornal ( ) Revista
( ) Bíblia ( ) Outro_____________
3. Que texto ou livro marcou a sua história de leitor? Por que você gostou
tanto desse livro?
4. A professora lê poesia na sala de aula?
5. Você gosta de ler poesia? Por quê?
6. Tem alguma em especial em sua mente? Qual?
7. Alguma outra professora já trabalhou poesia com a turma em que você
estivesse inserido?
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
CENTRO DE HUMANIDADES
UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO
MESTRADO EM LITERATURA E ENSINO
ALUNA: ANDREIA BEZERRA DE LIMA
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
1. Público: alunos do ano B da Escola Estadual de Ensino Médio e Fundamental
Ademar Veloso da Silveira.
2. Espaço: sala de aula
3. Duração: três aulas de 50 minutos
38
para a seqüência com os poemas “Na Rua do
Sabão”, “Balõezinhos” e “Camelôs”.
4. Conteúdo: Leitura dos poemas “Na Rua do Sabão”, “Balõezinhos” e “Camelôs”.
5. Objetivos:
5.1.Objetivo Geral:
Proporcionar aos alunos o contato com a poética de Manuel Bandeira.
5.2.Objetivos Específicos:
Espera-se que ao final desta seqüência os alunos sejam capazes de:
Identificar pela peculiaridade da linguagem a afetividade e o prosaísmo presentes
na poética bandeiriana;
Perceber que a poesia de Manuel Bandeira é imagética e através da leitura as cenas
descritas podem ser visualizadas;
Relacionar as experiências apresentadas poeticamente com a vida deles;
Refletir algumas questões sociais postas nos poemas.
6. Procedimentos:
1º Momento: Motivação
No primeiro encontro a turma será dividida em três grupos e será pedido para que
eles organizem uma dramatização para apresentar na aula seguinte. Cada grupo
deverá dramatizar respectivamente:
A construção de um balão junino, com situações onde uma criança construa
o balão e as demais queiram que ele caia. Através desta atividade,
38
Se for necessário aumentaremos para quatro aulas, já que haverá dramatização e poderá demandar um
tempo maior do que esperamos.
esperamos preparar ludicamente o aluno para o trabalho com o poema “Na
Rua do Sabão”;
O espaço da feira livre, com todos os possíveis acontecimentos ocorridos
em tal lugar. Esta atividade pretende desenvolver a criatividade dos alunos e
prepará-los para o trabalho com o poema “Balõezinhos”;
A vivencia de um camelô. Pretendemos com essa atividade aguçar a
imaginação dos alunos e prepará-los para o trabalho com o poema
“Camelôs”.
2º Momento: Leitura e compreensão dos poemas.
No segundo encontro assistiremos a apresentação dos alunos em seguida será
entregue os poemas “Na Rua do Sabão”, “Balõezinhos”, “Camelôs” para que se
faça a leitura, tanto por parte da professora como por parte dos alunos.
A professora lerá os poemas obedecendo à pontuação
39
, buscando dar uma boa
entonação nas sílabas tônicas, levando a turma a entrar na história narrada por parte
do eu - lírico. E buscando ao máximo encantá-los, mesmo que seja através de uma
simples leitura.
Logo após essa primeira leitura a professora perguntará aos alunos sobre a
impressão deles a respeito dos poemas. Qual a semelhança entre o que eles
dramatizaram e o que leram. Se gostaram dos textos. Depois será solicitada a
leitura oral por parte dos alunos
40
.
Os poemas serão lidos e discutidos um a um. Primeiro “Na Rua do Sabão”, dele
seria perguntado se alguma palavra causou estranhamento aos alunos, imaginamos
que eles não conheçam os vocábulos gomos oblongos e morrão, esse
questionamento não visa desvendar os significados para uma interpretação
utilitarista, mas antes, para trocar impressões e permitir ao aluno uma experiência
mais significativa com o poema em discussão.
Algumas perguntas seriam feitas com a finalidade de aproximar o poema de suas
vivencias:
Se alguém se identificou com o poema e por quê? (imaginamos a
identificação por parte da condição social do menino, José, a profissão da
mãe de tal menino...);
Se algum deles soltou ou vira algum balão junino. O que acham dos
balões;
Depois a professora lerá “Balõezinhos” para em seguida iniciar uma conversa sobre
o texto para a troca de sentidos.
Desta vez não sugeriremos que se inicie perguntando sobre as palavras que os
alunos não conhecem, queremos observar se os alunos farão comentários sobre os
possíveis vocábulos que causarão estranhamento a eles, imaginamos que eles não
conheçam arrabaldezinho, loquaz, burburinha, regateado, acrimônia e
inamovível. Através de uma leitura com pausas para discussão sugeriremos que
pelo contexto seja pedido que alguns alunos falem de sua impressão sobre o que
seria cada uma das palavras
41
e daí a professora vai conduzindo os de forma a
39
Em “Na Rua do Sabão” a pontuação tem bastante significação e será importante dar a idéia que ela passa, a
exemplo das reticências e de algumas pausas ocasionadas pelas vírgulas.
40
Será lido a principio os três poemas, mas depois haverá o trabalho individualizado com cada um.
41
Isso se os alunos questionarem o sentido dos vocábulos transcritos acima.
chegar ao significado correto. Objetivamos também com a leitura desse poema que
os alunos percebam a sensibilidade do poeta ao usar os diminutivos
42
.
Em relação a esse poema algumas perguntas a serem levantadas para a discussão
seria:
Há algo de familiar no texto;
Se algum dos alunos desejou muito ter algo que não podiam comprar, o
que os levou a aspirar tal objeto (no poema cada vez que o homem gritava
mais as crianças desejavam);
Por fim a professora fará a leitura de “Camelôs”, neste poema tem uma palavra
de desconhecimento dos alunos (demiurgos). Dessa forma não demandará tempo a
questão vocabular. No entanto fora a grande recorrência de diminutivos, tem
também algumas figuram de linguagem
43
que podem ser exploradas pela professora
através dos sentidos. Isso seria feito através da leitura e releitura, pedindo para que
os alunos destacassem os diminutivos, tentando descrever junto com eles que tipo
de brinquedo seria esses descritos no poema...
Alguns questionamentos relevantes para uma boa discussão:
Quais os brinquedos vendidos pelo camelô?
Vocês conhecem ou já possuíram alguns desses brinquedos?
Como o poeta descreve os brinquedos? (provavelmente eles dirão que o
poeta cita, mas esperamos que os alunos atentem para os diminutivos,
para a questão da afetividade demonstrada tanto pelos brinquedos quanto
pelo camelô, até a caneta que não serve é descrita com carinho);
Alguém já comprou um brinquedo que nunca funcionou?
O que seria “alegria das calçadas”? Será que calçada pode ter sentimento,
ser alegre ou triste?
O que significa falar pelos cotovelos? Alguém na sala fala pelos
cotovelos? (nossa intenção é levar os alunos a verem como a linguagem
do poema está perto da vivência deles e como o poeta ver o belo nas
coisas simples da vida).
O que o poeta viu em comum na feira e também no “Camelô”?
3º Momento: Atividade de Produção (oral ou escrita)
Ao final poderia ser solicitado aos alunos que escrevam
44
o que os poemas têm em
comum. Se eles observaram alguma semelhança nos textos lidos e qual eles mais
gostaram e por quê
45
.
42
Tanto em “Balõezinhos” quanto em “Camelôs” é grande a recorrência de diminutivos e esses demonstram
afetividade.
43
Em nenhum momento deve-se utilizar o nome figuras de linguagem ou recorrer ao conceito a respeito
desses recursos expressivos.
44
Se não fosse escrito, poderia ser oral, mas que houvesse esse momento de relação de semelhança entre os
poemas trabalhados. Objetivamos com isso ver se os alunos percebem a questão da forma (poemas
narrativos, possivelmente diferentes do que eles conhecem como poema), a temática, a linguagem, a questão
social etc.
45
Pretendemos observar se os alunos se identificam com algum dos poemas lidos.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
CENTRO DE HUMANIDADES
UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO
MESTRADO EM LITERATURA E ENSINO
ALUNA: ANDREIA BEZERRA DE LIMA
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
6. Público: alunos do ano B da Escola Estadual de Ensino Médio e Fundamental
Ademar Veloso da Silveira.
7. Espaço: sala de aula
8. Duração: três aulas de 50 minutos para a seqüência com os poemas “Berimbau”,
“Lenda brasileira” e “As três Marias”.
9. Conteúdo: Leitura dos poemas “Berimbau”, “Lenda brasileira”, e “As três
Marias”.
10. Objetivos:
5.1 Objetivo Geral:
Proporcionar aos alunos o contato com a poética de Manuel Bandeira.
5.2 Objetivo Específico:
Espera-se que ao final desta seqüência os alunos sejam capazes de:
Perceber a musicalidade do poema Berimbau;
Identificar as lendas do folclore brasileiro nos poemas;
Relacionar a temática entre os poemas da antologia lida.
11. Procedimentos:
Poderá se utilizar o poema como um verdadeiro trava-língua, no entanto o
professor deve fazer uma primeira leitura em voz alta para que os alunos
acompanhem e tenham um primeiro contato com o poema, deve ser dada à
oportunidade para que os alunos tentem ler em voz alta, antes do momento de
brincadeira, certamente a aula será muito divertida e o docente pode aproveitar para
aproximar o aluno da literatura, levando o a apreciar o caráter artístico da mesma.
Entregaremos o poema “Berimbau” aos alunos e em seguida faremos à leitura.
Nosso desejo é que eles apreendam através dessa leitura a sonoridade e que
percebam também que apesar do poema ser de Manuel Bandeira é bem diferente
dos poemas que foram levados na aula anterior. Após a leitura inicial faremos
algumas perguntas:
Que figuras
46
do folclore brasileiro estão no poema?
Vocês conhecem as histórias que tais figuras míticas representam? (se a
resposta for positiva pediremos que eles contem tais histórias);
O que é um berimbau? Alguém sabe o som que esse instrumento produz?
Quais os sons que se repetem no poema? (a partir dessa resposta vamos
brincar um pouco com os alunos pedindo que todos repitam os sons
produzidos pela aliteração. Objetivamos com essa brincadeira destacar bem
a questão da sonoridade, do ritmo e os alunos podem arelacionar o título
do poema aos sons produzidos).
Em seguida dividiremos a sala em dois grupos (A e B) para que os grupos façam à
leitura coletiva de partes do poema. Serão colocados, no quadro negro, dois grandes
cartazes com partes do poema de maneira que formem um diálogo, aproveitando
que algumas falas, então uma parte da turma leria os versos: “Os aguapés dos
aguaçais”, “Nos igapós dos Japurás” e a outra respondia: “Bolem, bolem, bolem” e
assim por diante.
Depois desse momento com “Berimbau” entregaremos os demais poemas que
trazem o mesmo universo mítico, porém a estrutura totalmente diferente. Nesse
segundo momento trabalharemos “Lenda brasileira” e “As Três Marias”.
Faremos a leitura de Lenda Brasileira, depois pediremos para que os alunos a
façam. Observaremos que apesar da diferença estrutural a temática é a mesma.
Conversaremos com os alunos a respeito do poema.
Por que será que Bentinho não conseguiu puxar o gatilho?
Vocês ouviram falar sobre o Cussaruim? O que seria o Cussaruim no
poema?
Por que Bentinho ficou tão espantado? (Objetivamos discutir um pouco
sobre a lenda que envolve a história do poema. Pretendemos que os alunos
percebam que o Cussaruim também estar em “Berimbau”).
Antes de entregar o próximo poema perguntaremos se eles gostam de lendas
(histórias mal assombradas); quais histórias eles conhecem e pediremos para que
alguns contem tais estórias. Citaremos algumas, mas não as que estão no poema.
Depois entregaremos o poema e pediremos para que os alunos leiam
silenciosamente e que destaquem as personagens míticas descritas no poema.
Passado o momento da leitura silenciosa pediremos que alguns alunos leiam em
voz alta e depois nós faremos à leitura oral para que eles acompanhem.
Destacaremos junto aos alunos:
A temática
O vocabulário
As rimas
As aliterações
Finalizaremos ouvindo dos alunos quais as relações existentes entre os três poemas.
As semelhanças e diferenças entre os poemas trabalhados
46
As personagens míticas são o saci, o boto e a mameluca.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
CENTRO DE HUMANIDADES
UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO
MESTRADO EM LITERATURA E ENSINO
ALUNA: ANDREIA BEZERRA DE LIMA
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
12. Público: alunos do ano B da Escola Estadual de Ensino Médio e Fundamental
Ademar Veloso da Silveira.
13. Espaço: sala de aula
14. Duração: quatro aulas de 50 minutos para a seqüência com os poemas “O Menino
Doente”, “Acalanto de John Talbot” e “Rondó do capitão”.
15. Conteúdo: Leitura dos poemas “O Menino Doente”, “Acalanto de John Talbot” e
“Rondó do capitão”.
16. Objetivos:
5.1 Objetivo Geral:
Proporcionar aos alunos o contato com a poética de Manuel Bandeira.
5.2. Objetivos Específicos:
Pretendemos levar o aluno a:
Perceber que os poemas “O Menino Doente” e “Acalanto de John Talbot são
semelhantes a Cantigas de Ninar, ou seja, um acalanto e que “Rondó do Capitão” é
uma parlenda;
Identificar a semelhança temática e formal
47
nos poemas que denominamos de
acalanto;
Memorizar o poema “Rondó do Capitão”.
17. Procedimentos:
Após entregarmos o poema “O Menino Doente” a professora fará a leitura, é
importante que através dessa leitura o aluno seja levado a perceber que o poema é
uma cantiga, em seguida pode ser solicitada à leitura de algum aluno.
Depois desse momento de leitura iniciaríamos a discussão perguntando:
Se alguém sabe o que é um acalanto, se alguém ouviu essa palavra ou
alguma semelhante (imaginamos que os alunos possam fazer referência a
47
Desejamos que isso seja percebido através das semelhanças quanto à rima e ao ritmo.
acalentar). Se a resposta for positiva solicitaremos que eles cantem alguma
canção de ninar que eles conheçam, porém se eles não souberem o que é,
cantaremos alguns acalantos como: Boi da cara preta ou ah ah ah Nenê vai
apanhar e daí esperaremos os alunos fazerem a relação entre as canções de
ninar cantadas e o que foi questionado chegando assim a resposta do que
seria um acalanto.
Será que podemos dizer que o poema lido é um acalanto? Por quê?
(esperamos que eles façam essa relação e que argumentem suas respostas
com partes do poema, a exemplo da segunda estrofe).
Pediremos que os alunos destaquem as rimas e também as repetições
sonoras (objetivamos com esse exercício que os alunos percebam que
certa musicalidade e que possam também identificar essa característica em
comum com o poema que será trabalhado em seguida, “acalanto de John
Talbot”).
Quem coloca o menino para dormir? (esperamos que eles percebam que foi
a virgem Maria ou pelo menos que destaquem que não foi à mãe que o
colocou para dormir, já que ela adormeceu antes).
Logo em seguida entregaremos o poema “Acalanto de John Talbot” a professora
solicitará uma leitura e depois ela fará também a leitura desse poema.
Perguntaremos aos alunos se os poemas têm semelhanças e quais são?
(pretendemos que os alunos percebam que os dois são acalantos, então são
semelhantes na forma, que possuem o mesmo tipo de rima, semelhança quanto à
musicalidade e que possuem a mesma temática religiosa).
Seria interessante levar os alunos a perceber que no segundo poema a mãe nina até
o anjinho da guarda. O que se configura diferença entre os poemas, pois em um a
mãe adormece, no outro ela se dispõe a guardar sozinha o filho.
O terceiro poema a ser trabalhado nessa seqüência é “Rondó do Capitão” também
tem uma forma popular, pois é uma parlenda. Iniciaremos o trabalho com os alunos
dizendo ela de cor já que pretendemos que os alunos memorizem este poema.
Toda a seqüência será desenvolvida de forma que a turma seja levada a memorizar
pela repetição e brincadeira, que as parlendas são formas literárias tradicionais,
rimadas com caráter infantil, de ritmo fácil e de forma rápida. Não são cantadas e
sim declamadas em forma de texto, estabelecendo-se como base a acentuação
verbal. São versos de cinco ou seis sílabas recitadas para entender, acalmar, divertir
as crianças, ou mesmo em brincadeiras para escolher quem inicia a brincadeira ou o
jogo, ou mesmo aqueles que podem brincar. O motivo de uma Parlenda é apenas o
ritmo como ela se desenvolve, o texto verbal é uma série de imagens associadas e
obedecendo apenas o senso lúdico.
Antes da “declamação” perguntaremos aos alunos se eles sabem o que é uma
parlenda, se conhecem alguma, provavelmente a resposta será negativa, dessa
forma nós começaremos a recitar “dedo midinho, seu vizinho...” e também “hoje é
domingo de cachimbo...” e certamente eles expressaram o seu conhecimento em
relação a esses textos. Então em seguida apresentaremos a eles “Rondó do
Capitão”.
Pediremos que algum aluno faça a leitura, em seguida trabalharemos a temática que
certamente chamará a atenção dos alunos que o eu - lírico quer se livrar de um
peso no coração e esse peso é a esperança, então algumas questões a serem
trabalhadas em relação à vida dos alunos é sobre suas tristezas, aflições, o que pesa
em seus corações e se para eles é bom ou ruim ter esperança.
Depois pediremos à turma que faça um circulo e daremos um verso a cada aluno
para que seja lido um após outro, os alunos perceberão facilmente o ritmo e
provavelmente cantar-se-á o poema com cada um lendo um verso.
Destacaremos ainda com os alunos as rimas e mostraremos a eles de onde veio esse
poema, que o poeta se apropria dos versos de uma trova popular chamada “Cruz
do Patrão”. Observaremos com os alunos a semelhança entre os dois textos.
Ao final faremos a proposta que alguém recite o poema memorizado, será uma
brincadeira, teste de memória, quem conseguir ganhará um prêmio, mas não
anunciarei o premio só depois que eles mesmos se dispuserem.
Anexo 1 Poemas trabalhados em sala de aula pela professora
regente da turma.
Anexo 2 Exercício sobre o poema “Que sujeira” de Pedro Bandeira
e o texto “A casa” de Luiz Alberto de A. Magalhães.
Anexo 3 – Questionário aplicado junto à professora.
Anexo 4 – Questionários aplicados junto aos alunos.
Anexo 5 – Relatórios pedidos pela professora.
Anexo 6 Texto dos alunos sobre os poemas: “Na Rua do Sabão”,
“Balõezinhos” e “Camelôs”
Anexo 7 Texto dos alunos sobre os poemas: “Berimbau”, “Lenda
Brasileira” e “As três Marias”.
Anexo 8 – Diálogo com o aluno J
ANEXO I
SONETO DESBUNDADO
(Ulisses Tavares)
a poesia pode ser quadrada
enquadrada para sê-la
camisa-de-força rimada
fazer ouvir estrelas.
nada impede também a poesia
de não falar coisa com coisa
igual jacaré escrevendo na lousa
em vez de preta, da cor do dia.
por que não a poesia, menina
cantando detalhes simples
um beijo, pulo na piscina?
tímida, pirada, sortida
negócio de poesia é este: riiip
rasgar o coração da vida.
EU TENHO UM SONHO
(Urjana Shrestha)
Eu tenho um sonho
Lutar pelos direitos dos homens
Eu tenho um sonho
Tornar nosso mundo verde e
limpinho
Eu tenho um sonho
de boa educação para as crianças
Eu tenho um sonho
de voar livre como um passarinho
Eu tenho um sonho
ter amigos de todas raças
Eu tenho um sonho
que o mundo viva em paz
e em parte alguma haja guerra
Eu tenho um sonho
Acabar com a pobreza na Terra
Eu tenho um sonho
Eu tenho um monte de sonhos...
Quero que todos se realizem
Mas como?
Marchemos de mãos dadas
e ombro a ombro
Para que os sonhos de todos
Se realizem!
DRAGOSA A DRAGOA COR DE ROSA
(Jorge Linhaça)
Dragosa é uma dragoa
que é muito boazinha
vive até rindo à toa
com cara de sapequinha
Ela tem muitos amigos
e uma cara engraçada
faz uns jeitos esquisitos
e sua pele é bem rosada
A Dragoa cor de rosa
gosta muito de brincar
ela é muito charmosa
e gosta também de dançar
A Dragosa é inteligente
sempre muito estudiosa
gosta de falar com a gente
sobre versos e sobre prosa.
AI SE SESSE!
(Zé da Luz)
Se um dia nós se gostasse;
se um dia nós se queresse;
se nós dois se impariasse;
se juntinho nós dois vivesse!
se juntinho nós dois morasse;
e juntinho nós dois drumisse;
se juntinho nós dois morresse;
Se pro céu nós assubisse!?
Mas porém se acuntecesse;
Qui São Pêdro não abrisse
as porta do céu fosse.
te dize quarque touliche?
E se eu me arriminásse
e tu cum eu insistisse,
prá Qui eu me arrezorvesse
e minha faca puxasse,
e o buxo do céu furasse?...
Tarvez Qui nós dois ficasse
tarvez Qui nós dois caise.
e o céu furado arreasse
e as virgi todas fugisse!!!
Anexo VIII
Diálogo com o aluno J
48
Aluno J: Professora Andréia, a senhora voltou.
Pesquisadora: o, vim fazer uma visita e saber se vocês ainda lembram de
mim. O que era que eu estava fazendo aqui na escola no ano passado?
Aluno J: Tava lendo poesia e era de Manuel Bandeira. E teve um lanche
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que foi
bom demais.
Pesquisadora: Ah! Quer dizer que lembra da aula que teve o lanche. Pois,
quando eu vier novamente não trarei mais lanche. Então, você lembra de algum
poema que foi trabalhado nas aulas do ano passado?
Aluno J: Tinha aquele poema das bruxas, falava de águas imundas, mula sem
cabeça, tinha muito mistério, era sombrio.
Pesquisadora: E o que mais você se lembra?
Aluno J: Um que tinha um anjinho da guarda, que a mãe tava colocando o filho
para dormir e o anjinho também. Tinha também “Balõezinhos” o menino era até
doente, ah meu Deus como era, era um nome estranho, num respirava...
(Pesquisadora: tísico) isso mesmo.
Pesquisadora: Utilizou uma expressão como se estivesse relacionando o menino
ao balão.
Aluno J: Teve o do trem, muito legal. Eu gostei! Sim, tinha um que a feira
burburinha. Esse era como mesmo. Ah! Era uma feira, tinha umas coisas para
vender...
Aluno J: E aquele que a gente decorou, a senhora pediu pra gente decorar. Como
era? (Nessa hora, um aluno que pouco participou das aulas e que estava ao lado
falou).
Aluno J2: “Bão balalão” (Este aluno um pouco antes afirmou que não lembrava de
nenhum poema)
Aluno J2: Eu não me lembro de nenhum poema, gosto de gramática.
Aluno J: Era assim, “bão balalão, senhor capitão/ tira de mim o peso do coração”.
Ele não tinha esperança...
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Transcrevemos o diálogo respeitando a fala do aluno. Partes desta conversa foi gravada.
49
A aula a que o aluno se referiu, foi o último encontro. A despedida da turma.
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