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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
EM ESTUDOS LINGÜÍSTICOS
(DES)ENQUADRES INTERATIVOS NOS QUADRINHOS DE
DIK BROWNE E ZAPPA:
UM ESTUDO SOBRE OS (DES)ALINHAMENTOS DE
HELGA E JANDIRA
JOSEANE SERRA LAZARINI PEREIRA
VITÓRIA
Junho de 2008
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
EM ESTUDOS LINGÜÍSTICOS
(DES)ENQUADRES INTERATIVOS NOS QUADRINHOS DE
DIK BROWNE E ZAPPA:
UM ESTUDO SOBRE OS (DES)ALINHAMENTOS DE
HELGA E JANDIRA
ORIENTADORA: PROFESSORA DOUTORA MARIA DA PENHA PEREIRA
LINS
VITÓRIA
Junho de 2008
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3
(DES)ENQUADRES INTERATIVOS NOS QUADRINHOS DE
DIK BROWNE E ZAPPA:
UM ESTUDO SOBRE OS (DES)ALINHAMENTOS DE
HELGA E JANDIRA
JOSEANE SERRA LAZARINI PEREIRA
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Estudos
Lingüísticos (PPGEL), do Departamento
de Línguas e Letras, da Universidade
Federal do Espírito Santo, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre
em Estudos Lingüísticos.
Orientadora: Professora Doutora Maria da
Penha Pereira Lins.
VITÓRIA
Junho de 2008
4
PEREIRA, Joseane Serra Lazarini. (Des)enquadres interativos nos
quadrinhos de Dik Browne e Zappa: um estudo sobre os (des)alinhamentos
de Helga e Jandira. UFES-DLL-PPGEL. Dissertação de Mestrado em Estudos
Lingüísticos. 2008.
BANCA EXAMINADORA
-----------------------------------------------------------------
Profª. Drª. Maria da Penha Pereira Lins
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientadora
---------------------------------------------------------------------
Profª. Drª. Maria das Graças Dias Pereira
PUC-Rio de Janeiro
--------------------------------------------------------------------
Profª. Drª. Lúcia Helena Peyroton da Rocha
Universidade Federal do Espírito Santo
Data da aprovação: ________, ___________________, _________.
VITÓRIA
Junho de 2008
5
SINOPSE
Tomando como corpus as tiras de quadrinhos de Dik Browne (2006) e Gilberto
Zappa (1999), este trabalho tem por objetivo analisar as atuações das
personagens Helga e Jandira com seus maridos, respectivamente, Hagar e
Gervásio, verificando os alinhamentos / (des)alinhamentos, tendo em vista que
o comportamento das personagens não corresponde às expectativas sociais e
culturais, em relação ao enquadre relacionamento conjugal harmonioso. A
partir de estratégias verbais e não-verbais e de operações de footings,
percebe-se, então, novos alinhamentos e um novo enquadre ou (des)enquadre,
no caso das personagens analisadas: o relacionamento conjugal conturbado, o
que gera a produção de humor nas tiras de Browne e Zappa.
6
A Deus, artista do universo.
A meus pais, Sebastião e Conceição, e
a meu irmão, Welington, pelo constante
incentivo.
A meu esposo Aguinaldo e a meu filho
Bernardo, pelo apoio e compreensão.
E, a meus amigos, pelas contribuições
valiosas.
7
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Maria da Penha Pereira Lins, pela competência e
dedicação na arte de ensinar e orientar.
À Professora Doutora Ingedore Grunfeld Villaça Koch, pelas importantes
sugestões.
Às Professoras Doutoras Lílian Coutinho Yacovenco, Virgínia Beatriz
Baesse Abrahão, Hilda de Oliveira Olímpio e Lillian de Paula, pelas
informações fundamentais durante as aulas.
Às Professoras Doutoras Lúcia Helena Peyroton da Rocha e Maria das
Graças Dias Pereira, pela participação e orientação na defesa da dissertação.
Aos demais amigos do Mestrado em Estudos Lingüísticos, pelo apoio,
companheirismo e constantes interlocuções.
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 10
2 ESTUDOS SOBRE O HUMOR .................................................................... 13
2.1 O RISO - BERGSON (1900) ...................................................................... 13
2.2 OS CHISTES - FREUD (1905) .................................................................. 16
2.3 COMICIDADE E RISO - PROPP (1976) ................................................... 18
2.4 O HUMOR E A SEMÂNTICA - RASKIN (1985) ......................................... 20
2.5 O HUMOR NOS QUADRINHOS - LINS (2002) ......................................... 21
2.6 O HUMOR NAS PIADAS - POSSENTI (2002) .......................................... 23
3 GÊNERO QUADRINHOS ............................................................................ 25
4 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................... 30
4.1 PERSPECTIVA SOCIOLINGÜÍSTICA INTERACIONAL (SI) .................... 30
4.1.1 Teoria dos enquadres e alinhamentos .................................................... 32
4.1.2 Footing .................................................................................................... 35
4.1.3 Pistas e marcadores de contextualização .............................................. 37
4.1.4 Discurso masculino e feminino ............................................................... 38
4.2 PERSPECTIVA PRAGMÁTICA ................................................................. 41
4.2.1 Teoria da polidez .................................................................................... 42
5 METODOLOGIA E DADOS ......................................................................... 48
5.1 NATUREZA DOS DADOS ......................................................................... 48
5.1.1 Os personagens ...................................................................................... 49
5.2 MÉTODO DE ANÁLISE ............................................................................. 50
6 (DES)ENQUADRES INTERATIVOS DE HELGA E JANDIRA .................... 51
6.1 (DES)ALINHAMENTO DAS PERSONAGENS HELGA E JANDIRA ......... 52
6.1.1 Alinhamento esposa compreensiva e gentil / esposa autoritária e
agressiva .......................................................................................................... 53
9
6.1.2 Alinhamento esposa atenciosa / esposa irônica/sarcástica .................... 69
6.1.3 A não-polidez na atuação das personagens Helga e Jandira ................ 72
6.2 ESTRATÉGIAS VERBAIS DE (DES)ALINHAMENTOS ........................... 73
6.2.1 Ato de fala de ordem ............................................................................... 74
6.2.2 Assimetria interacional ............................................................................ 75
6.2.3 Ironia e sarcasmo ................................................................................... 78
6.3 ESTRATÉGIAS NÃO-VERBAIS DE (DES)ALINHAMENTOS .................. 79
6.3.1 Expressões fisionômicas ........................................................................ 79
6.3.2 Efeitos paralingüísticos ........................................................................... 81
6.3.3 Onomatopéias ......................................................................................... 82
6.3.4 Ações ...................................................................................................... 84
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 89
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 91
RESUMO ......................................................................................................... 96
ABSTRACT ................................................................................................................. 97
10
1 INTRODUÇÃO
Os indivíduos, em geral, vivem em uma sociedade marcada por valores,
ideologias, padrões, resultantes especialmente da cultura de um povo.
Conseqüentemente, a linguagem, entendida em um contexto mais amplo, ou
seja, englobando fala e comportamento, deve acompanhar esse sistema
cultural, a fim de que os indivíduos ajustem-se aos padrões pré-estabelecidos.
Entretanto, nem sempre as “regras” são cumpridas. O ser social está a todo o
tempo modificando-se, transformando-se, em prol da situação e do objetivo que
almeja. As relações sociais determinam, muitas vezes, a representação do
indivíduo e este mudará sua atuação de acordo com elas.
Tendo em vista que as relações e as interações, de uma forma geral,
são dinâmicas, as pessoas tendem a atuar em diferentes quadros sociais, ou
seja, elas tendem a se enquadrar às situações, de acordo com o esperado pela
sociedade. Quando, no entanto, há um comportamento contrário ao esperado,
pode-se dizer que ocorreu um (des)enquadre, suscitando reações diversas,
inclusive humor. Considera-se, a partir daí, que o (des)enquadramento social
faz parte da linguagem do humor e que pode ser observado através de pistas
verbais e não-verbais, que são mostradas durante o momento interativo.
Nesse sentido, as tiras de quadrinhos são excelentes instrumentos para
se analisar a interação, observando-se por meio das pistas de
contextualização, os diversos alinhamentos assumidos pelos personagens
apresentados na narrativa. Com os elementos que compõem as tiras,
principalmente os códigos verbal e não-verbal, essa observação fica mais rica
e interessante. Diante disso, este trabalho tem como objetivo analisar as tiras
de quadrinhos dos autores Dik Browne e Zappa, verificando os
(des)alinhamentos e (des)enquadre, em que atuam as personagens Helga e
Jandira. Elas são casadas com Hagar e Gervásio, respectivamente,
personagens que dão nome as tiras. A escolha, em especial, por esses
personagens se originou tendo em vista às relações tumultuadas e engraçadas
que os dois casais vivem. Mesmo em contextos distintos, as esposas têm
comportamentos semelhantes e agem a fim de exercerem o poder sobre seus
11
maridos. Eles, por sua vez, cooperam, no sentido de obedecerem, quase
sempre, às suas ordens. Assim, as interações dos casais revelam operações
de footing, alinhamentos e mudanças no enquadre pré-estabelecido
socialmente, diante das ameaças e dos alinhamentos não-polidos que as
personagens executam, gerando o (des)enquadre interativo. Tudo isso será
melhor compreendido com as teorias estudadas e com a análise proposta.
Para fundamentar, então, esta pesquisa, foi focalizada a perspectiva da
Sociolingüística Interacional, especificamente a teoria dos enquadres, de
Tannen e Wallat (1987), as noções de footing, de Goffman (1979) e de pistas
de contextualização de Gumperz (1982). Foi tamm enfocada uma
perspectiva da Pragmática, a teoria da polidez, de Brown e Levinson (1987),
passando-se pela noção de face (Goffman, 1980; 1985). Para a análise, foram
selecionadas 25 tiras, sendo 13 referentes à coletânea de O melhor de Hagar,
o horrível, de Dik Browne (2006), e 12 que compõem o livro O bom humor de
Gervásio... e o mau humor de Jandira, do cartunista capixaba Gilberto Zappa
(1999).
O trabalho está dividido em oito capítulos, a saber: 1) Introdução; 2)
Estudos sobre o humor; 3) Gênero quadrinhos; 4) Fundamentação teórica; 5)
Metodologia e dados; 6) Os (des)enquadres interativos de Helga e Jandira; 7)
Considerações finais; e 8) Referências bibliográficas.
Dando-se seqüência a esta introdução (capítulo 1), foi iniciado o
segundo capítulo, que expõe a temática humor sob seis olhares diferentes. São
autores, de épocas distintas, que expressam suas opiniões sobre o assunto:
Bergson (1987) faz uma abordagem sobre o riso; Freud (1969) trata dos
chistes e sua relação com o inconsciente; Propp (1992) faz uma explanação
acerca da comicidade; Raskin (1985) explica os mecanismos que geram o
humor; Lins (2002) analisa o humor nas tiras de quadrinhos de Quino; e
Possenti (2002) trata do humor nas piadas. Esses estudos trazem para o
trabalho um maior conhecimento sobre o humor, já que o corpus a ser
analisado faz parte do gênero humorístico.
No terceiro capítulo, focaliza-se, propriamente, o gênero quadrinhos. Por
sua composição, os quadrinhos proporcionam uma forma particular de análise,
12
especialmente a interação e a linguagem, através dos códigos verbal e não-
verbal. Essa combinação de fatores oferece um estudo apropriado às
perspectivas da Sociolingüística Interacional e da Pragmática.
O quarto capítulo apresenta as teorias utilizadas para análise dos
dados, fundamentando-se na noção de enquadres, que determina diferentes
posicionamentos do indivíduo, de acordo com a situação em que está inserido,
com os participantes envolvidos na interão e com o seu objetivo. Para
efetuar a mudança no enquadre, o indivíduo realiza um footing, ou seja, um
novo alinhamento na sua postura. Isso pode ser detectado a partir de pistas de
contextualização, que servem como um demonstrativo da mudança. Além
disso, o capítulo marca as diferenças da linguagem masculina e feminina e
expõe a teoria da polidez.
No quinto capítulo, são descritos a metodologia e os dados utilizados,
para que, no sexto capítulo, a análise possa ser explanada, demonstrando
como ocorrem os (des)enquadres das personagens Helga e Jandira. Por fim,
há as considerações a respeito da pesquisa e as referências bibliográficas
relacionadas ao trabalho.
Diante da riqueza do gênero quadrinhos e dos importantes estudos
abordados, espera-se que a pesquisa seja importante para os estudiosos da
língua e de outras áreas que estão interligadas a este universo fantástico da
linguagem.
13
2 ESTUDOS SOBRE O HUMOR
Ao se fazer uma comparação entre a vida e a arte, pode-se afirmar que
a vida é um grande palco onde ocorrem cenas dramáticas e cômicas, e que,
muitas vezes, os personagens em ação conseguem “brincar” com
determinadas cenas, de acordo com os objetivos da peça teatral ou com as
expectativas da platéia, transformando cenas tristes em alegres ou vice-versa.
Tudo isso é uma metáfora da vida real. É sabido que o divertimento, a graça, o
riso, não acontecem somente no teatro ou em situações semelhantes, mas
acontecem em situações cotidianas reais, que servem de inspiração para fins
teatrais.
Pensando nisso, este capítulo mostrará o que alguns autores
escreveram a respeito do riso e da comicidade, partindo da vida real, da
literatura ou do teatro, a fim de se compreender os mecanismos que levam o
indivíduo a rir.
Inicia-se, a partir de agora, um estudo de seis concepções de humor,
baseadas em diferentes autores, de épocas distintas.
2.1 O RISO - BERGSON (1900)
Ao iniciar sua reflexão sobre o humor, Bergson
1
, em seu livro intitulado
O riso, apresenta várias perguntas, na tentativa de explicar o que significa o
riso. A partir dessas indagações, o autor explora a questão do cômico e afirma
que não há comicidade fora do humano. As pessoas riem do que é conhecido
por elas e, principalmente, do que faz referência ao ser humano. Algo da
natureza ou um objeto qualquer poderá ter uma característica cômica, porém
não a terá por si só, mas pela semelhança com o próprio homem. Dessa forma,
o homem é um ser que ri e que faz rir.
No entanto, um indivíduo sozinho dificilmente desfrutaria de uma cena
cômica. O riso, para ser realizado plenamente, parece precisar de outros risos
para completá-lo. Dessa forma, tudo que um grupo mostrar de involuntário, de
1
O autor elaborou o livro: O Riso: Ensaio Sobre a Significação do Cômico em 1900, porém foi
usada a edição de 1987.
14
desajeitamento, causará não somente riso, mas uma mudança brusca de
atitude.
Verifica-se que um desvio de conduta, ainda mais quando conhecido e
naturalmente exercido, tenderá para omico. Exemplos como os vícios
(avarento, jogador, ciumento, entre outros), tão abordados em peças teatrais,
revelam-se como temas apropriados para a comédia. Através do desvio, do
exagero, do automatismo, que caracterizam os vícios, a cena se tornará
engraçada, ainda que trágica, justamente pelas características apresentadas.
O riso, nesse sentido, é como um castigo para os costumes da
sociedade. Pela ridicularização dos vícios, o viciado sente-se obrigado, de
certa forma, a cuidar melhor dos seus hábitos. Conclui-se, então, que o riso é
uma espécie de gesto social. Por meio do ridículo, ele inspira a passagem da
rigidez social para uma suavização dos atos, esperando, individual e
socialmente, uma maior elasticidade e sociabilidade possíveis. Portanto, a
comicidade encontra-se entre a vida e a arte, em que a rigidez social dá lugar
ao cômico, e a conseqüência disso é o riso, corretor natural dos costumes
(vícios) sociais.
A partir do exposto, que representa o cômico em geral, o autor
estabelece três noções sobre o assunto: 1) a comicidade das formas e dos
movimentos; 2) a comicidade de situações e de palavras; e 3) a comicidade de
caráter.
Na comicidade das formas e dos movimentos, Bergson trata da distinção
que envolve o cômico e o feio. O feio, para obter um caráter cômico, precisa
ser agravado ao grau de deformidade. Pensando nisso, o autor afirma que toda
deformidade pode tornar-se cômica quando uma pessoa bem conformada
consiga imitá-la. “Portanto, uma expressão risível do rosto será a que nos faça
pensar em algo de rígido, retesado, por assim dizer, na mobilidade normal da
fisionomia” (BERGSON, 1987, p. 21).
A rigidez, juntamente com o automatismo, expressa traços que causam
riso e intensificam-se, na medida em que se pode relacioná-los a um desvio
fundamental da pessoa, como se esta estivesse fascinada ou hipnotizada por
alguma ação. Essa noção traz à tona a comicidade da caricatura. Por mais que
uma expressão fisionômica seja regular, jamais ela terá um equilíbrio perfeito.
Quando o corpo consegue, então, fixar determinado movimento, parecendo
15
exprimir a vida da alma, ele obtém um efeito cômico. A comicidade das formas
trata mais de rigidez do que de feiúra.
Ao explicar a comicidade dos movimentos, o autor faz menção à
mecanização dos gestos e dos movimentos, um mecanismo que funciona
automaticamente, imitando a vida, como se o ser humano fosse um fantoche
articulado. A repetição mecânica motiva a graça: só se pode imitar alguém,
devido à repetição dos gestos mecânicos, que são estranhos à personalidade
viva e, é por esse motivo, que o riso é suscitado. A verdadeira causa do riso,
portanto, é o desvio da vida na direção do que é mecânico. É a repetição
funcionando por trás do vivo.
Na comicidade de situações e de palavras, o autor explica que certos
elementos que compõem a comédia partem, às vezes, mais do teatro, como
ampliação e simplificação da vida, do que da própria vida quotidiana.
Entretanto, alguns momentos da realidade passam ao plano da arte e, assim, a
comicidade acontece plenamente. A infância, com seus brinquedos e
brincadeiras, é um desses momentos. Os brinquedos são comédia para as
crianças e, conseqüentemente, as situações de brincadeiras tornam-se
situações cômicas. Sobre isso, Bergson declara que atos e acontecimentos
que misturam a ilusão da vida e a sensação nítida de uma montagem mecânica
trazem comicidade. Dentro desse processo, o autor ressalta a repetição, a
inversão e a interferência, as quais se voltam para um mesmo sentido: a
mecanização da vida.
Já na comicidade de palavras ocorre a distinção entre o cômico que a
linguagem exprime e o que ela cria. O primeiro é traduzível de uma língua para
outra, porém o segundo é intraduzível, porque se deve à estrutura da frase e à
escolha das palavras. Neste, é a própria linguagem que se torna cômica. A
comicidade de caráter aponta para o riso com uma significação e alcance
sociais e, por isso, o caráter do homem é o alvo principal.
A vida, geralmente, tem suas cenas trágicas. A comédia só acontece
quando o trágico deixa de comover. Por isso, afirma-se que a comédia é um
enrijecimento contra a vida social. O riso ocorre, nesse caso, para corrigir um
desvio. Tal deve ser a função do riso: ser verdadeiramente uma espécie de
trote social, sempre humilhante para quem é objeto dele.
16
Daí, a comicidade apresentar um caráter equívoco. As pessoas não
ririam das outras, se ficassem indiferentes à situação, mas os seres humanos
são cômicos e, por isso, representam a comédia.
É certo afirmar que as pessoas riem tanto dos defeitos quanto das
qualidades dos outros. Assim, o cômico nem sempre é sinal de defeito, no
sentido moral da palavra. Todavia, o autor explica que o ideal social e o ideal
moral não diferem essencialmente. Via de regra, pode-se admitir que são
mesmo os defeitos alheios que fazem rir, ressaltando que é mais em razão de
sua insociabilidade do que por sua imoralidade.
Conclui-se, então, que pouco importa se o caráter é bom ou mau. Se ele
for insociável, poderá causar riso. Também não importa se um caso é grave ou
leve. Será cômico se o caso não comover. As duas primeiras condições
essenciais para a comicidade é, em suma, a insociabilidade do personagem e
a insensibilidade do espectador. Uma terceira condição é o automatismo: será
cômico tudo que se fizer automaticamente.
O autor, ao concluir o trabalho, afirma que mesmo sendo o riso uma
espécie de castigo social, com efeitos humilhantes, ele aponta para um
movimento de descontração. O personagem cômico demonstra-se simpático e
o espectador é convidado a adotar os seus gestos e as suas palavras,
divertindo-se com ele. Além da descontração, o riso permite à sociedade um
aperfeiçoamento, uma flexibilidade e um equilíbrio, a partir da sua própria ação
e de uma reflexão sobre o cômico.
2.2 OS CHISTES - FREUD (1905)
Baseando-se no pensamento de alguns estudiosos, como Fischer (1889)
e Lipps (1898), Freud
2
deu início ao seu estudo sobre os chistes, acerca do
qual afirmou que a primeira impressão é que é difícil tratar os chistes sem falar
do cômico.
Os chistes têm sua técnica própria e seu efeito cômico parte de
“desconcertos” e “esclarecimento”, ou seja, existe um desconcerto de iias,
2
Freud desenvolve o livro: Os chistes e sua relação com o inconsciente, em 1905, porém se
utilizada a edição de 1969.
17
pela quebra na expectativa, para depois surgir um esclarecimento, uma
interpretação do chiste. A expressão lingüística, para Freud, é a responsável
por transformar um comentário em chiste, através de uma abrevião e,
posteriormente, de uma nova significação. O jogo lingüístico dá graça e
provoca a comicidade.
O autor propõe uma classificação para os chistes em inocentes e
tendenciosos, de acordo com a intenção apresentada. Um chiste é inocente,
quando não serve a um objetivo particular; por outro lado, quando um chiste
tem um objetivo específico, ele é tendencioso. Os chistes inocentes provocam
apenas um efeito de satisfação, enquanto que os tendenciosos provocam a
explosão do riso, proveniente da ridicularização social.
A partir dos métodos de elaboração dos chistes, o indivíduo estabelece
sentimentos de prazer, explorando o outro de diversas formas, inclusive
suscitando o seu lado ridículo, sem tratar sobre isso abertamente.
Embora pareça que os chistes são como uma subespécie do cômico, os
dois diferenciam-se em alguns aspectos. O cômico contenta-se com duas
pessoas: uma que constata o cômico e a outra que é constatada. Uma terceira
pessoa poderá integrar esse grupo, sendo a ouvinte da coisa cômica. Porém,
ela não acrescenta o processo. No chiste, a terceira pessoa é imprescindível,
para que o processo de prazer se complete. A segunda pessoa, no entanto,
pode estar ausente, a não ser que o chiste em questão seja do tipo
tendencioso.
Segundo Freud, o chiste se faz e o cômico se constata. Por esse motivo,
o tipo de cômico que mais se aproxima do chiste é o ingênuo, pois este se
constata assim como no chiste, sem que se tome parte nos comentários e
atitudes de outras pessoas. O cômico é constatado nas pessoas, seus
movimentos, atitudes, caráter, mas, também, nos animais e nas coisas
inanimadas. Nos chistes, as fontes de prazer encontram-se no sujeito,
enquanto que na comicidade, elas podem encontrar-se dentro ou fora do
sujeito.
Apesar desses aspectos de diferenciação, dentre outros, é difícil separar
nitidamente cômico e chiste. Resta, então, aproveitar a idéia de que um
completa o outro nas relações interativas, em que pessoa/objeto são geradores
de humor, seja pela ingenuidade, seja pela ridicularização.
18
2.3 COMICIDADE E RISO - PROPP (1976)
Vladímir Propp
3
, em seu livro Comicidade e riso, apresenta os diferentes
tipos de comicidade que, por sua vez, levam a diferentes tipos de riso. A partir
dessa intenção, ele inicia com o riso de zombaria e os diferentes aspectos do
riso.
Partindo do fato de que o cômico e o riso não são algo de abstrato, pois
o homem ri, surge a seguinte pergunta: certas formas de comicidade não
estariam ligadas a certos aspectos do riso? O riso possuirios aspectos, mas
o mais importante, para Propp, é o riso de zombaria, por estar ligado
permanentemente à esfera do cômico. É preciso estabelecer do que, em
essência, as pessoas riem e o que exatamente é ridículo para elas. Observa-se
que é possível rir do homem em quase todas as suas manifestações, exceção
feita ao domínio dos sofrimentos. Existem procedimentos especiais para
mostrar o que é ridículo em um indiduo. Classificar em função dos objetos de
escárnio é ao mesmo tempo classificar em função dos procedimentos artísticos
com os quais se suscita o riso.
O riso ocorre em presença de duas grandezas: de um objeto ridículo e
de um sujeito que ri – o homem. Entretanto, não haverá comicidade sem o
humor do sujeito. Propp critica Bergson (1900) pela afirmação de que o riso
acontece como uma lei da natureza, basta haver uma causa para isso. Ele
explica que pode existir uma causa, mas é possível existirem pessoas que não
riem. Isso pode dever-se a questões históricas, sociais, nacionais e pessoais.
Enfim, algumas pessoas ou grupos são propensos ao riso e outros não. Há
pessoas, nas quais a comicidade inerente à vida estimula infalivelmente uma
reação de riso. No entanto, aquelas que não riem estão envolvidas por alguma
paixão ou arroubo, ou imersas em reflexões complexas e profundas. Ainda, é
claro, o riso é incompatível com a dor.
Um outro ponto abordado é sobre tudo aquilo que nunca pode ser objeto
de riso. A natureza, no geral, por exemplo, não pode ser ridícula. Alguns
escritores, no passado, já afirmavam isso, mas davam ênfase à natureza
3
O original data de 1976. Porém, a tradução utilizada foi a de 1992.
19
inorgânica, já que o reino animal pode despertar o riso. Os animais, por uma
causa ou outra, lembram o ser humano, e é isso que os torna engraçados.
Uma diferença interessante entre a natureza inorgânica e o homem é o
princípio espiritual, o intelecto, a vontade e as emoções. O cômico pode estar
ligado, além da aparência, à esfera espiritual, que é o que motiva o homem.
Daí, surge a dúvida: será que as coisas podem ser ridículas? À primeira vista
não, porque são estáticas. Porém, ao pensar que o homem fez determinada
coisa, e viu nela uma característica própria, ela, então, pode tornar-se cômica.
Assim, o ridículo das coisas está ligado a alguma manifestação da atividade
espiritual do homem. Apenas o homem pode rir, porque para isso é preciso
saber ver o ridículo.
O ridículo pode apresentar-se por meio de semelhanças e diferenças
entre os indivíduos, desde que isso traga descobertas repentinas e
inesperadas. Em certas circunstâncias, uma situação torna-se cômica pela
transgressão de normas sociais, públicas, políticas e de costumes. O riso gira
em torno da deformidade e da desproporção. A comicidade surge do confronto
entre qualidades interiores do espírito do homem e de formas exteriores de sua
manifestação. Mas, a comicidade pode ser encontrada fora do homem. A
comparação entre homem e animais, sobretudo que apresentam qualidades
negativas, suscita o riso, porque lembra características do próprio homem. Da
mesma forma, ocorre com a comparação entre ser humano e coisa.
Os casos expostos podem ser considerados como paródia. O autor
afirma que a paródia é um dos instrumentos mais poderosos da sátira social.
Considerada como um exagero cômico, ela só terá essa atribuição quando
revelar a fragilidade interior do que é parodiado. O exagero, diretamente ligado
à paródia, somente é cômico quando revela um defeito. Através da caricatura,
da hipérbole e do grotesco, pode-se visualizar a comicidade de exagero.
A comicidade aparece, tamm, por meio de tramas e ações cômicas,
como pequenos reveses que acontecem com as pessoas, a atitude de fazer
alguém de bobo, as falas absurdas e as ações insensatas dos homens, a
mentira enganadora e a mentira por diversão.
Além disso, a língua constitui importantes instrumentos de comicidade.
Alguns elementos lingüísticos são relevantes para a comédia, como os
trocadilhos, os paradoxos, a ironia, dentre outras questões, podendo citar a
20
estrutura fônica da língua e os jargões profissionais. Os caracteres cômicos,
igualmente importantes, mostram uma propriedade negativa do caráter e a
amplificam, construindo uma caricatura do indivíduo. Tudo isso gera o riso.
Propp ressalta que, além do riso de zombaria, existem outros tipos e
todos eles, fazem parte da vida do ser humano. Ele cita o riso bom, o riso
maldoso e o cínico, o riso alegre, o riso ritual e o riso desenfreado.
O autor finaliza, explicando que pode haver mais aspectos de
comicidade e de riso, mas o aspecto de riso que mais se aproxima da
comicidade é o riso de zombaria.
2.4 O HUMOR E A SEMÂNTICA - RASKIN (1985)
Em Mecanismos semânticos do humor, Raskin (1985) contribui
grandiosamente para os estudos sobre o humor. Em síntese, ele explica que o
prazer humorístico, muitas vezes, é provocado por estratégias intencionais e
que, de acordo com elas, a comunicação humorística deve ser entendida como
um tipo específico de interação discursiva que exige a conivência e a
participação dos intervenientes, a qual funciona como um jogo em que os
participantes entregam-se sem receio.
O autor introduz as noções de comunicação bona-fide e comunicação
não-bona-fide, para explicar o processo em que se dá o humor. A primeira
expressão refere-se ao Princípio da Cooperação, de Grice, em que os
interlocutores não violam o processo da conversação, compreendendo-se
mutuamente. Já a segunda expressão tem o objetivo contrário ao da primeira.
A intenção é veicular informações distorcidas do literal, a fim de causar humor.
Assim, a estrutura semântica é afetada, criando um espaço propício para os
textos humorísticos.
Segundo Raskin, para que uma piada seja eficiente, ela deve atender a
algumas condições: operar no modo não-bona-fide de comunicação; conter um
texto de humor; trabalhar com dois scripts superpostos compatíveis com o
texto; estabelecer uma oposição entre os dois scripts; criar um gatilho, óbvio ou
implícito, que permite mudar de um script para outro. Partindo dessa
concepção, o autor estabeleceu a teoria semântica do humor verbal.
21
O script representa uma estrutura cognitiva que o falante internaliza e
que expressa seu conhecimento de mundo. É evocado pelo léxico da língua. A
partir disso, duas condições são favoráveis para que o texto seja humorístico:
ele deve ser compatível com dois diferentes scripts e estes devem apresentar
oposições do tipo: real/não-real, esperado/não-esperado, plausível/não-
plausível. Estes dois scripts devem ser sobrepostos, para que a oposição entre
eles seja percebida. Daí, surge a graça.
Entretanto, mesmo atendendo às condições acima, nem sempre o texto
fará rir. Isso dependerá da intenção do falante e do engajamento do ouvinte
durante a interação.
Algumas noções semânticas são, tamm, utilizadas em textos de
humor, como, por exemplo, a pressuposição e a implicatura. Essas noções
contribuem bastante se forem compartilhadas entre falante e ouvinte.
Por fim, teorias como o Princípio da Cooperação, que prevêem uma
comunicação compreensível entre seus participantes, um acordo tácito, são
transformadas pelos humoristas, de modo a contrapor-se ao literal, dando lugar
a uma comunicação intencional que gera o humor.
2.5 O HUMOR NOS QUADRINHOS - LINS (2002)
Lins (2002), em seu estudo sobre o humor nas tiras de quadrinhos,
afirma que as tiras são pequenas narrativas, estruturadas a partir dos códigos
lingüístico e visual, e que, por serem publicadas diariamente em jornais, estão
sempre presentes no cotidiano dos leitores. O fato de combinarem os dois
códigos, utilizando as falas dos personagens, os movimentos ocorridos nas
atuações, as expressões e os gestos, além de apresentarem recursos como os
balões e as onomatopéias, faz dos quadrinhos, ótimos dados para estudos a
partir de uma abordagem interacional e para a análise do humor.
Para o seu estudo, a autora analisa 20 tiras com histórias em torno de
personagens estudantis, sobre a temática ‘escola’, de autoria do argentino
Quino, selecionadas da publicação Toda Mafalda (1991). O direcionamento do
estudo é centrado em uma perspectiva de análise interacional, visando definir a
22
postura dos personagens no momento da interação, a partir de pistas verbais e
não-verbais.
Dentro dessa abordagem interacional, Lins organiza o estudo sobre o
humor nos quadrinhos, apresentando, primeiramente, uma revio bibliográfica
acerca das diferentes perspectivas teóricas a respeito do humor, a fim de situar
a pesquisa no contexto acadêmico da Lingüística. Refletiu, então, sobre a
necessidade do estudo de outras noções que passem do nível semântico e que
expliquem o humor dentro da interação.
Como fundamento teórico, a autora parte da perspectiva sócio-
interacional, em que são enfocados a noção de enquadres, de Tannen & Wallat
(1986), a noção de footing, de Goffman (1981), as definições de pistas de
contextualização, de Gumperz (1982), as explicações sobre imagem social, de
Brown & Levinson (1987) e os estudos sobre conversação, de Marcuschi
(1986) e de Linell (1990). Os fundamentos abordados permitem estudar a
mudança de alinhamento e o enquadramento dos personagens dentro da
interação, a partir das pistas de contextualização. Os fundamentos tamm
possibilitam a apreciação do fenômeno do humor nas tiras, já que partem de
uma concepção da interação em todos os seus aspectos.
A análise das tiras foi centrada na atuação da personagem Mafalda,
protagonista da história, e de três outros personagens, que ajudam a compor o
elenco das histórias de Quino. Lins conclui que os personagens analisados
executam mudanças de alinhamento dentro da interação e, que, essas
mudanças criam rupturas nas estruturas de expectativa referentes aos
esquemas de conhecimento internalizados pelos indivíduos. O fato de os
personagens serem crianças e, ao contrio do que se espera, atuarem como
adultos, em alguns casos como o de Mafalda, sendo questionadores, rompe
com o conhecimento pré-estabelecido social e culturalmente, o que indica os
realinhamentos e os novos enquadres assumidos pelos personagens. A ruptura
criada é a causadora do humor nas tiras analisadas.
Por fim, a autora afirma que analisar a partir da perspectiva sócio-
interacional permite integrar aspectos visuais e lingüísticos e focalizar a relação
entre os personagens, dentro das situações encenadas, levando a analisar o
comportamento discursivo dos participantes do dia-a-dia nas interações face-a-
face da realidade.
23
2.6 O HUMOR NAS PIADAS - POSSENTI (2002)
Possenti (2002) apresenta um estudo interessante acerca do humor das
piadas, partindo da constatação de que as mesmas são tratadas, na maioria
das vezes, por enfoques fisiológicos, psicológicos e sociológicos, sendo
deixado de lado os aspectos lingüísticos envolvidos no humor.
Assim, citando Raskin (1985), o autor explica que a melhor maneira de
se fazer esse tipo de estudo é observar o “como” gerar o humor e não o
“porquê” acontece o humor, ou seja, tentar explicar como as piadas funcionam
e não o que elas significam.
Para Possenti, são necessários diversos conhecimentos para entender
uma piada, assim como para entender outros tipos de texto. Desse modo, os
conhecimentos de mundo e os conhecimentos lingüísticos devem ser
partilhados entre falante e ouvinte para que o humor se efetive.
O autor afirma que as piadas representam um material rico para
análises. Praticamente só há piadas sobre temas que são socialmente
controversos. Seus domínios discursivos são relativamente instigantes.
Freqüentemente, operam com estereótipos e veiculam discursos proibidos ou
pouco oficiais. Mas, em termos lingüísticos, há razões ainda mais fortes.
Qualquer domínio que uma teoria lingüística tematize pode ser exemplificado
por uma piada e seu funcionamento depende basicamente de sua análise e
interpretação. Tamm, é possível classificar piadas com base no nível
lingüístico, podendo se falar em piadas fonológicas, morfológicas, sintáticas,
etc. Por não possuírem autor, as piadas evidenciam um discurso que é dito por
todos, ilustrando a intertextualidade ou a heterogeneidade dos discursos em
geral.
Possenti explica, ainda, que as piadas oferecem excelentes argumentos,
tanto para quem considere o leitor como elemento crucial no processo de
leitura, como para quem considere o texto. No primeiro caso, o leitor é
responsável por descobrir que sentidos existem no texto e qual deles é o mais
relevante. No segundo caso, o texto demanda e limita a atividade do leitor,
comandando a leitura. No entanto, os dois casos não se excluem, um precisa
do outro e, além disso, precisam também de textos complementares, já que as
24
piadas operam, entre outros fatores, com ambigüidades, sentidos implícitos,
ideologias, etc.
Esse tipo de texto humorístico, portanto, é crucial e vantajoso para os
estudos no campo do humor, pois, além de tudo o que já foi visto, ele tamm
é encontrado em grande quantidade e com satisfatória facilidade e representa
dados enunciados pelos falantes, não necessitando ser criado para possíveis
análises. Sem esquecer que é um material bastante agradável de ser lido.
Quanto a todas essas considerações a respeito do humor é possível
estabelecer duas observações que serão primordiais para o trabalho em
questão: o humor está fortemente relacionado às interações e às questões
sociais, psicológicas, lingüísticas que envolvem o indivíduo. Acredita-se que
este estudo será de algum valor, já que o corpus a ser analisado, mais
especificamente as tiras de quadrinhos, oferecem o contexto mencionado e são
importantes veículos de humor.
25
3 GÊNERO QUADRINHOS
Os gêneros, considerados “tipos relativamente estáveis de enunciado”,
conforme Bakhtin (2000), são marcados sócio-historicamente, pois estão
diretamente relacionados às diferentes situações sociais. Estas determinam um
gênero com características próprias.
Bakhtin (2000) escreve a esse respeito
Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da
linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse
uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é
claro, o contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua
efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos,
proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana.
Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada
referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da
linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e
gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção
composicional. (p. 261).
Assim, é possível afirmar que os gêneros textuais representam qualquer texto
que cumpre uma finalidade social e que aparece em um tipo de situação, apresentando
propriedades específicas. São textos encontrados na vida diária, que operam em
determinados contextos.
Um exemplo de texto cotidiano são os quadrinhos. Eles possuem uma
modalidade própria de linguagem, combinando dois tipos de códigos gráficos: o visual e
o lingüístico. Estes ocupam igualmente papel importante dentro dos quadrinhos, sendo
que um reforça o outro, garantindo a compreensão da mensagem por meio da
combinação entre os dois códigos. É certo que nem todo quadrinho utiliza esse tipo de
combinação, mas, na maioria das vezes, ele é apresentado unindo fala e imagem.
26
Segundo Lins & Pereira (2006), além dos doisdigos, há a presença dos balões que,
juntamente com as onomatopéias, determinam um discurso direto e um efeito de
natureza sonora. Toda essa combinação revela os quadrinhos como material
privilegiado para análises lingüísticas, tendo como foco de estudo a interação. Para a
explicação de femenos lingüísticos, os códigos visual e verbal complementam-se
mutuamente, suprindo as lacunas existentes. Desse modo, os quadrinhos mantêm um
texto coerente, em que imagem e texto mostram, simultaneamente, a cena e a fala dos
personagens, permitindo uma análise comportamental de personagens em geral.
A partir desse momento de interação que os quadrinhos representam, observa-se
que há alterações no contexto, de acordo com os personagens, a situação e, até mesmo,
o conhecimento por parte do leitor das tiras.
Koch (2006) explica que
O contexto, da forma como é hoje entendido no interior da Lingüística
Textual abrange, portanto, não o co-texto, como a situão de interação
imediata, a situação mediata (entorno sociopolítico-cultural) e também o
contexto sociocognitivo dos interlocutores que, na verdade, subsume os
demais. Ele engloba todos os tipos de conhecimentos arquivados na
memória dos actantes sociais, que necessitam ser mobilizados por ocasião
do intermbio verbal: o conhecimento linístico propriamente dito, o
conhecimento enciclopédico, quer declarativo, quer episódico (frames,
scripts), o conhecimento da situação comunicativa e de suas ‘regras’
(situacionalidade), o conhecimento superestrutural (tipos textuais), o
conhecimento estilístico (registros, variedade de língua e sua adequação às
situações comunicativas), o conhecimento sobre os variados gêneros
adequados às diversas práticas sociais, bem como o conhecimento de outros
textos que permeiam nossa cultura (intertextualidade). (p. 24).
27
Dessa forma, algumas noções da Sociolingüística Interacional, como footing e
enquadres, podem ser aplicadas na análise do gênero quadrinhos, a fim de se
perceberem alterações contextuais nas interações das tiras, devido a questões
socioculturais.
Os quadrinhos, apesar de já existirem há alguns anos, não deixaram de ter
grande aceitação popular. Material típico da cultura de massa, só mais recentemente
passou a ter reconhecimento no meio acadêmico, ganhando status de gênero textual,
digno de ser estudado nas pesquisas em Lingüística.
Segundo Cirne (1990), a sua origem data dos primeiros dez ou quinze
anos da segunda metade do século XIX, na Europa, com as histórias de Busch
e de Topffer. No fim do séc. XIX, com o Menino Amarelo (Yellow Kid),
desenhado por Richard Outcault e publicado semanalmente no jornal New York
World, nasceu o primeiro herói dos quadrinhos. Nesse período, a indústria
gráfica obteve grande êxito com as ilustrações e as caricaturas freqüentes em
jornais. Existiam, nessa época, todas as condições sociais, artísticas e culturais
para o início de uma nova arte narrativa. Assim, nasceram as histórias em
quadrinhos, impressas em jornais, revistas, livros, entre outros.
Segundo Barbosa, “as histórias em quadrinhos vão ao encontro das
necessidades do ser humano, na medida em que utilizam fartamente um
elemento de comunicação que esteve presente na história da humanidade
desde os primórdios: a imagem gráfica”. (BARBOSA, 2004, p.8). Entretanto,
com o desenvolvimento humano, o código verbal tornou-se necessário como
elemento básico de comunicação, estabelecendo-se vagarosamente, não
anulando a comunicação pela imagem.
Nos quadrinhos, a linguagem estrutura-se a partir de um
desencadeamento de imagens que se articula com a escrita, gerando uma
narrativa. Eles possuem a especificidade de um discurso gráfico-interacional
que acontece por meio de cortes espaciais e temporais e recorrem ou não a
determinados elementos expressivos, como os balões e as onomatopéias.
Em um primeiro momento, pensava-se que os quadrinhos
representavam somente um entretenimento. No entanto, verificou-se que
diversas possibilidades de se estudar esse gênero, o que amplia as
perspectivas e os estudos sobre a linguagem. Embora, no passado, tenham
28
sido considerados como um recurso de menor importância, por exemplo, para
os professores que acreditavam ser um material pobre, que exigia pouco
esforço mental por parte dos alunos, hoje, sem dúvida, os quadrinhos são
bastante utilizados em diversos setores e revelam-se como um material
adequado a análises lingüísticas desenvolvidas dentro de uma perspectiva
interacional.
As idéias transmitidas pelas histórias em quadrinhos não acontecem
somente por meio dos textos, mas tamm, por meio dos desenhos e das
ações dos personagens. Observa-se que em algumas tiras não aparece a
linguagem verbal. Portanto, a linguagem visual ou não-verbal pode ser
qualquer código que não utiliza as palavras, mas apenas elementos visuais
para compor a história.
A base das histórias em quadrinhos é, sem dúvida, o desenho. Os
desenhos apresentam-se em seqüência, formando normalmente uma narrativa,
seja ficcional ou real. Entende-se que a menor unidade narrativa é o quadrinho
ou vinheta.
A linguagem visual está diretamente relacionada a questões como
enquadramento, planos, ângulos de visão, formato dos quadrinhos, montagem
de tiras e páginas, gesticulação e criação de personagens, utilização de figuras
cinéticas, ideogramas e metáforas visuais. Tudo isso contribui para a
compreensão a respeito da organização dos quadrinhos e da mensagem a ser
transmitida.
Assim, esse tipo de linguagem é fornecido não só pelos personagens da
tira, os quais conduzem a narrativa através de suas expressões faciais e
corporais, mas tamm pela própria montagem do quadrinho, a qual se integra
à composição da narrativa, fazendo parte da leitura e da interpretação da tira.
O outro código utilizado nas histórias em quadrinhos é a linguagem
verbal. Muito importante na complementação dos enredos das histórias em
quadrinhos, aparece freqüentemente em três situações: nos diálogos e
pensamentos dos personagens, nas legendas ou letreiros, e nos demais sons
apresentados na narrativa. A fala aparece geralmente dentro de balões,
variando de acordo com o tipo de comunicação, e a voz do narrador é expressa
em um retângulo (legenda) fixado no canto superior esquerdo do quadrinho. Os
balões fazem parte dessa modalidade, dando dinamicidade à leitura.
29
Existem dois tipos básicos de balão: o balão-fala e o balão pensamento.
Porém, a partir deles, surgiram outros, como o balão-uníssono, o balão-
cochicho, o balão-grito, entre outros.
Outros sons expressos na narrativa são representados pelas
onomatopéias. Assim como os balões, elas são importantes para o
complemento da linguagem dos quadrinhos, propiciando uma dinamicidade
sonora. Segundo Luyten (1985), as onomatopéias estão sempre associadas a
uma figura ou situação, facilitando a interpretação da história.
Além do que foi exposto, observam-se, ainda, os recursos
paralingüísticos, utilizados com o objetivo de transferir para as tiras os artifícios
da linguagem oral, tendo em vista a interação efetiva que ocorre entre os
personagens. Marcuschi (2005) explica que os recursos paralingüísticos podem
ser percebidos através do olhar, do sorriso, da gesticulação, e que têm um
papel fundamental na interação face a face. Há também os recursos supra-
segmentais que, apesar de pertencerem ao universo lingüístico, não são de
caráter verbal. O autor aponta as pausas, o tom de voz, a entonação, a
cadência e a velocidade, as quais caracterizam e marcam relações pessoais e
de conteúdo. Outro modo de se perceber os recursos paralingüísticos é o
tratamento dado às palavras, como o tamanho, a cor, a espessura. Dessa
forma, o “desenho” das palavras intensifica a compreensão do que os
personagens conversam ou expressam na história em quadrinhos.
Diante de um gênero que contém um conjunto tão rico de elementos
para análises em geral e que carrega em sua essência a questão do contexto e
da interação, não há dúvidas de que uma análise com base na Sociolingüística
Interacional será, no mínimo, interessante e importante para os estudos da
linguagem e do discurso.
30
4 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Após uma incursão por algumas teorias do humor e pelo gênero
quadrinhos, procurando criar um quadro teórico para a futura análise, inicia-se
uma explanação acerca de alguns estudos dentro da Sociolingüística
Interacional e da Pragmática, que possibilitarão o suporte teórico necessário
para este trabalho. Tendo em vista as relações sociais e culturais envolvidas
nas interações de um modo geral, a Sociolingüística Interacional (SI) revela-se
um campo favorável para análises que envolvem as relações interpessoais, já
que privilegia fatores internos e externos à comunicação. Desse modo, noções
como a de enquadre e de footing, de esquemas de conhecimento e de pistas
de contextualização, propiciam uma excelente base teórica para a observação
de interações, como as interações de quadrinhos. Além das noções citadas, a
noção de face e a teoria da polidez, oriundas da Pragmática, foram convocadas
para analisar as interações lingüísticas, já que observam os relacionamentos e
os seus participantes. A partir dos conhecimentos propostos, há a possibilidade
31
de uma análise de tiras de quadrinhos que leve em conta o caráter interativo
desse gênero.
4.1 PERSPECTIVA SOCIOLINGÜÍSTICA INTERACIONAL (SI)
Uma observação mais apurada de uma determinada situação
envolvendo um grupo de pessoas certamente despertaria não somente a
curiosidade em se conhecer as pessoas, suas idades, suas profissões, seus
níveis escolares, entre outros, mas, principalmente, o que está acontecendo
naquele momento com aquelas pessoas naquele ambiente. Daí, a percepção
de que significados são construídos a partir de momentos de interação face a
face, os quais são cenários onde se constroem experiências sociais e
lingüísticas.
A junção da sociolingüística com um contexto interacional ressalta a
dialogia na comunicação humana, ou seja, o trabalho social e lingüístico
implícito na “co-construção” do significado. Nesse sentido, falantes e ouvintes
têm papéis ativos na construção da mensagem e na definição do contexto.
Como abordam Ribeiro e Garcez (1998), na apresentação do livro
Sociolingüística Interacional: antropologia, lingüística e sociologia em análise
do discurso, os fundamentos da SI estão fortemente ancorados na pesquisa
qualitativa empírica e interpretativa e propõem o estudo do uso da língua na
interação social.
A respeito da interação e do papel ativo dos falantes, Goffman, em seu
artigo A situação negligenciada, explica:
A conversa é socialmente organizada, não apenas em termos de
quem fala para quem em que língua, mas tamm como um pequeno
sistema de ações face a face que são mutuamente ratificadas e
ritualmente governadas, em suma, um encontro social. Uma vez que
um estado de conversa tenha sido ratificado, é preciso haver pistas à
disposição para requisitar a palavra e cedê-la, para informar o falante
quanto à estabilidade do foco de atenção que está recebendo. Uma
colaboração íntima deve ser mantida para assegurar que um turno de
fala nem se sobreponha ao anterior em demasia, nem careça de um
acréscimo conversacional supérfluo, já que o turno de alguém deve
estar sempre e exclusivamente em andamento. (GOFFMAN, 1964, p.
15).
32
Ao tratar do significado produzido pelos participantes de um evento
interacional, Martins (2002) afirma que o conhecimento sócio-interacional está
na base das interpretações sobre a situação comunicativa, dos papéis
desempenhados e dos enunciados produzidos pelos participantes. O
significado, conseqüentemente, é construído por um processo complexo de
sinais lingüísticos e não-lingüísticos ancorados no contexto.
A autora afirma que
Os estudos sócio-interacionais buscam exatamente investigar a forma
como os participantes focalizam, constroem e manipulam aspectos do
contexto, sendo tais ações constitutivas das atividades nas quais
estes participantes estão engajados. Na tradição dos estudos
interacionais, o contexto é uma forma de práxis interacionalmente
constituída. Por esta razão, na sócio-interacional, o contexto é
“conhecimento” e “situação”. (MARTINS, 2002, p. 5).
E acrescenta que “(...) a SI, ao partir de uma análise empírica do
contexto significativo aos participantes, apresenta uma visão mais dinâmica de
contexto, de comunicação e de significado” (p. 15).
Portanto, sob o ponto de vista da SI, o estudo da relação língua e
sociedade passa a ser visto a partir do uso da fala em contextos sociais
específicos, assumindo uma teoria mais complexa. Não basta correlacionar
variáveis lingüísticas e variáveis sociais, ou ainda, analisar cada
comportamento isoladamente. É necessário agregar cada aspecto para que se
obtenha um estudo mais contextual.
É com essa perspectiva que a fundamentação deste trabalho se
constituirá, percebendo no falante e no ouvinte, participantes ativos de uma
situação, que não é somente social ou lingüística, mas parte integrante de um
contexto que envolve todos os elementos possíveis para que se estabela
uma interação, ou seja, uma ação entre sujeitos que constroem a sua
comunicação.
Essa linha de estudo contribuirá imensamente para o propósito deste
trabalho, tendo em vista que o corpus escolhido, mais precisamente, tiras de
quadrinhos, é um material privilegiado para o estudo das interações entre os
personagens e, até mesmo, da interação destes com o leitor ou vice-versa.
Sem esquecer que a junção dos códigos verbal e não-verbal propicia uma
pesquisa lingüística voltada para a interação e fornece mais possibilidades para
33
o estudo do humor. Desse modo, a aplicação das teorias apresentadas será de
grande importância e interesse para uma pesquisa SI, na medida em que as
teorias apresentam situações sociais, contextuais e interativas, enquanto
outros estudos, por exemplo, os de humor, ao partirem de textos escritos,
geralmente limitam-se ao campo conceitual ou semântico, como é o caso das
piadas.
4.1.1 Teoria dos enquadres e alinhamentos
A perspectiva da SI, como observada anteriormente, entende contexto
como “conhecimento” e “situação”, visto que o conhecimento sócio-cultural-
cognitivo é o seu ponto crucial, sendo ele construído nas interações face a
face. Partindo dessa perspectiva, surge uma teoria de grande importância para
as análises sócio-interacionais: a teoria dos enquadres.
O termo, introduzido por Bateson (1998[1972]), representa as
mensagens ou ações significativas que ocorrem em uma interação. Para o
autor, o enquadre (frame) pode ser entendido como uma metamensagem, que
é um elemento fundamental na interpretação em uma situação comunicativa.
Através do enquadre, definem-se melhor as mensagens recebidas e o receptor
obtém instruções sobre como entendê-las. O autor afirma que o conceito é de
natureza psicológica, que capta as relações entre as mensagens presentes na
comunicação. Ao discutir a natureza da comunicação, afirmou que nenhum
enunciado do discurso pode ser compreendido sem uma referência à noção de
enquadre, já que este contém um conjunto de instruções para que o ouvinte
entenda uma dada mensagem. Os participantes de uma interação face a face
devem estar a todo o momento atentos aos sinais que contextualizam um
enquadre, caso contrário, a comunicação em curso não será bem sucedida.
Com isso, o autor introduz a noção de enquadre, como sendo uma moldura de
quadro ou uma linha imaginária, que delimita ou representa um conjunto de
mensagens ou ações significativas para uma interação.
Essa noção foi tamm desenvolvida por Goffman (1974) em seu livro
Frame analysis. O autor desenvolve o termo na mesma linha de Bateson
(1998[1972]), ao explicar que são os enquadres que governam e organizam os
34
eventos sociais. Para ele, o enquadre situa a metamensagem contida em todo
enunciado, indicando como sinalizar o que dizer ou fazer ou como interpretar o
que é dito e feito. É a partir dos enquadres que os discursos são organizados e
que os participantes se orientam acerca da situação interacional. Eles
expressam macro-representações sociais ritualizadas nas interações. Essa
noção de macro-enquadres sociais permite compreender o significado de
enunciados específicos. Cada cultura possui um esquema básico de
interpretação e, é a partir disso, que os contextos são construídos e,
conseqüentemente, os enquadres, tendo-se claro que eles podem mudar de
acordo com cada sociedade. Os enquadres são uma referência para os
significados das situações sociais.
Ao tratar de “atividade de fala” e “pistas de contextualização”, Gumperz
(1998[1982]) enfoca, como Bateson e Goffman, que a conversa é uma
sucessão de atividades contextualizadas (enquadradas) e afirma que as pistas
são marcas que sinalizam pressuposições contextuais. Quando estas não são
entendidas adequadamente podem provocar problemas na comunicação.
Além dos autores citados, há que se comentar especialmente o trabalho
integrado da lingüista Tannen e da psiloga Wallat. Tannen e Wallat (1987)
retomaram a noção de enquadre, ao analisar exames / consultas pediátricas.
Antes, porém, da realização dessa análise, Tannen revisou a literatura a
respeito dos conceitos sobre o termo enquadre e concluiu que todos refletiam a
noção de estrutura de expectativa. Entretanto, a conclusão não satisfez todos
os sentidos que o termo abrangia.
A partir daí, com o trabalho integrado das autoras, classificaram-se os
vários usos do termo enquadre em duas categorias: enquadres de
interpretação ou, simplesmente, enquadre, de natureza interacional; e
estruturas de conhecimento ou esquema. As duas categorias estão
interligadas, mas são distintas.
Após esse entendimento, Tannen e Wallat (1987) propõem um novo
conceito em que o enquadre representa a atividade que está sendo encenada,
qual sentido os falantes dão ao que dizem. Esse sentido é percebido através
do comportamento dos participantes na interação. O ouvinte somente
compreende o “jogo interativo” se souber dentro de qual enquadre ele foi
composto. As autoras ainda afirmam que as pessoas identificam os enquadres
35
pela associação entre pistas lingüísticas e paralingüísticas, pela maneira como
as palavras são ditas e não apenas pelo que significam.
Já os esquemas de conhecimento referem-se às expectativas dos
participantes acerca das pessoas, dos objetos, dos eventos, entre outros. É a
diferença na estrutura dos esquemas de conhecimento dos interactantes que
requer, na maioria das vezes, uma mudança de enquadre. A mudança de
registro é uma das maneiras de se efetuar uma mudança de enquadre. Mas
este pode ser afetado de modo tanto verbal, quanto não-verbal.
Os participantes de uma interação podem operar múltiplos enquadres
enquanto falam, mas o que eles escolhem para dizer surge dos esquemas de
conhecimento. Se o esquema for diferente entre os participantes pode haver
um conflito. A partir disso, pode acontecer uma mudança no enquadre
empreendido naquele momento. Assim, os dois funcionam conjuntamente.
As autoras citam Goffman (1998[1979]) para explicarem que o autor
introduziu o termo footing justamente para descrever como os participantes de
uma interação enquadram os eventos e, simultaneamente, negociam os
alinhamentos, ou seja, os papéis que constituem esses eventos.
Assim, na análise da consulta realizada pelas autoras, foi observado
que, em uma situação em que a médica conversava com a mãe de uma
criança que continha uma má formação no cérebro, ela falava tentando explicar
o problema e acalmar a mãe. Ao se dirigir à criança, a médica mudava o
comportamento, utilizando ummaternalês”, brincando com a menina. Ainda
nessa consulta, por meio de uma gravação, a médica falava aos estudantes de
uma forma mais científica, explicando sobre a doença. Isso mostra que em
uma mesma situação, a médica mudava os registros e comportamentos,
efetuando footings e realinhando-se ou enquadrando-se, de acordo com os
interlocutores e seus esquemas de conhecimento.
Tannen e Wallat (1998[1987]) concluem o trabalho explicando que
Usamos o termo enquadre para nos referirmos à noção
antropológica / sociológica de um enquadre, conforme desenvolvida
por Bateson e Goffman, e como Gumperz (1982) usa o termo
“atividade de fala”. O termo se refere ao sentido que os participantes
constroem acerca do que está sendo feito e reflete a noção de
Goffman de footing: o alinhamento que os participantes estabelecem
para si e para os outros em uma situação. Usamos o termo esquema
para nos referirmos a padrões de conhecimento conforme são
discutidos na Psicologia Cognitiva e na Inteligência Artificial. Trata-se
36
de padrões de expectativas e hipóteses sobre o mundo, seus
habitantes e objetos (p. 140).
A partir disso, observa-se, agora, o conceito de footing, proposto por
Goffman, diretamente relacionado aos enquadres interativos.
4.1.2 Footing
Normalmente, no momento em que dois indivíduos, falante e ouvinte,
estão envolvidos em uma situação comunicativa, pensamentos e sentimentos
são expressos, gestos são desenvolvidos, olhares são direcionados. A
princípio, há somente a fala e a escuta na conversa. Entretanto, todos os
movimentos realizados no momento da interação, inclusive a chegada de
novos participantes, estão relacionados a mudanças importantes que fazem
parte do complexo ato de falar e ouvir. A essas mudanças, Goffman (1979)
chamou de footing, o que representa para ele uma definição mais ampla para
as realizações no ato comunicativo.
Assim, footing representa uma mudança de postura de um indivíduo na
sua relação com o outro, consigo mesmo e com o discurso que está sendo
construído, podendo, dessa forma, ser negociado e modificado durante a
interação. Essa mudança é expressa na forma como o indivíduo conduz a
produção ou a recepção de um discurso. O objetivo do autor, ao introduzir o
termo, foi mostrar como os interactantes enquadram os eventos e,
simultaneamente, negociam as relações que os constituem. Em grande parte, a
mudança de footing está relacionada à linguagem, porém há casos em que
aparecerão apenas pistas e marcadores paralingüísticos para revelarem a
mudança.
Goffman (1979) afirma que
Uma mudança de footing implica uma mudança no alinhamento que assumimos para nós mesmos e
para os outros presentes, expressa na forma em que conduzimos a produção ou a recepção de uma
elocução. Uma mudança em nosso footing é uma outra forma de falar de uma mudança em nosso
enquadre dos eventos. (p. 75).
37
O autor chama a atenção para a situação social e não apenas para o encontro
conversacional. A conversação não acontece somente com duas ou três pessoas e, nem
sempre, o encontro é face a face. As conversas telefônicas mostram aparentemente a
palavra como o elemento crucial do momento; porém, nojogo comunicativo, há bem
mais elementos a serem apreciados, como a mudança na altura da voz, por exemplo, que
pode significar que alguém indesejado na conversa chegou.
Outro motivo para se falar em situação social são os diversos momentos em que
a fala não é direcionada a um receptor, mas para muitos, como em uma reunião; ou,
ainda, nos casos em que outros acabam sendo co-participantes da conversa, mesmo sem
estarem no grupo. Por esses e outros exemplos, o autor destaca a necessidade de se
observar uma situação social, ampliando as ações que ocorrem em uma conversação.
A situação social também reflete a troca de papéis, ou seja, ora o indivíduo é o
“narrador”, ora é o “ouvinte” de uma história, sem ter necessariamente seu lugar
demarcado. E mesmo que o “narrador” tenha o seu lugar demarcado, ele ainda fará
alguns movimentos em favor do ouvinte, para que este se envolva melhor com a
narrativa.
Nem sempre o indivíduo mudará uma postura por causa do outro. Às vezes, ao
encerrar uma fala para começar a ouvir o outro, não significa que o alinhamento foi
interrompido e, sim, que foi suspenso temporariamente para retornar quase
imediatamente. Dessa forma, assumindo o footing de interlocutor, o indivíduo espera
reingressar ao papel de falante no mesmo footing que foi suspenso. Rotineiramente, isso
acontece durante a fala. É como se um alinhamento fosse incluso em outro.
Goffman (1979) explica, ainda, que “da mesma forma que dramaturgos podem
colocar qualquer tipo de universo no palco, também nós podemos representar qualquer
estrutura de participação e formato de produção na nossa conversação” (p. 95).
Concluindo, ele afirma que a Lingüística fornece as pistas e os marcadores para
que a manifestação dos footings possa acontecer.
38
4.1.3 Pistas e marcadores de contextualização
O significado social é sempre negociado pelos participantes de um evento a
partir de aspectos relevantes observados nesse momento. Nãoo as pistas e os
marcadores de contextualização que determinam o significado. Eles são importantes
para limitar a interpretação, destacando ou minimizando algum conhecimento de
mundo.
Segundo Gumperz (1998[1982]),
Pistas de contextualização são todos os traços lingüísticos que contribuem para a sinalização de
pressuposições contextuais. Tais pistas podem aparecer sob várias manifestações lingüísticas,
dependendo do repertório lingüístico, historicamente determinado, de cada participante (p. 100).
Gumperz (1998[1982]) introduz a expressão “atividade de fala” como a unidade
básica da interação, socialmente significativa. Para ele, as pistas de contextualização são
de suma importância, pois contribuem para a sinalização desse significado social, ou
seja, elas sinalizam a intenção comunicativa do falante ou do interlocutor.
As pistas são portadoras de informação, mas os significados fazem parte do
processo interativo. Por isso, quando os participantes compreendem as pistas relevantes,
o processo de interpretação acontece normalmente. Contudo, se alguém não entende
alguma das pistas, podem ocorrer mal-entendidos.
Entram no processo de contextualização as expreses formulaicas, fenômenos
de alternância de código e sinais prosódicos, sinais rítmicos e fonéticos, entre outros.
Porém, além de sinais verbais, existem os sinaiso-verbais queo semelhantes a uma
linguagem por serem adquiridos através da interação. As pistas são subconscientes e,
desse modo, elas tendem a permanecer não-verbalizadas. São adquiridas por meio de
contatos diretos e intensos. Dessa forma, pode-se concluir que a comunicação humana é
canalizada por um sistema de sinais verbais e não-verbais que são automaticamente
produzidos e coordenados ao longo da vida. Tudo isso é adquirido através da cultura e
39
das experiências interativas. Tais sinais podem mudar todo o curso de uma interação,
dependendo do contexto e dos interlocutores envolvidos na atividade de fala.
4.1.4 Discurso masculino e feminino
Comprovadamente, existem diferenças entre linguagem masculina e
linguagem feminina. Pesquisas mostram que homens e mulheres possuem
tanto diferenças sociais quanto lingüísticas. Há uma relação direta quanto a
esses dois fatores.
É certo que, do ponto de vista fisiológico, as características masculinas e
femininas são visíveis. O que a maioria das pessoas talvez não perceba é que
os papéis entre homens e mulheres também se distinguem, conforme a
construção social que origina esses papéis. Há todo um aparato cultural e
ideológico que define a melhor forma de uma mulher falar e se comportar, por
exemplo. Daí, surgem as diferenças que marcam a conduta dos falantes.
Paiva (2004) afirma que as mulheres buscam mais as variantes padrão,
destacando um léxico mais apurado, enquanto que os homens não se
preocupam tanto com tais formas. Entretanto, isso não representa uma regra,
já que as distiões lingüísticas entre os gêneros dependem também de outros
fatores.
O fato de as mulheres se revelarem lingüisticamente mais
conservadoras ou mais orientadas para variantes de prestígio
em algumas comunidades de fala pode ser, em grande parte,
resultado de um processo diferenciado de socialização de
homens e mulheres e da dinâmica de mobilidade social que
caracteriza cada comunidade de fala. (PAIVA, 2004, p. 39-40).
Assim, os homens podem, ao contrário, ter mais contato com as formas
de prestígio, dada a sua maior participação na sociedade; as mulheres, por sua
vez, podem ficar com seu domínio lingüístico restrito, pois possuem menos
atividades coletivas, uma vez que suas experiências estão mais relacionadas a
situações familiares. Tal condição, no entanto, faz com que elas procurem o
status social das formas lingüísticas, a fim de assegurarem seu espaço e
garantirem sua aceitação social.
40
A respeito dessa construção social e cultural do gênero, Strey (2003)
afirma que
O gênero depende de como a sociedade vê a relação que
transforma um macho em um homem e uma fêmea em uma
mulher. Cada cultura tem imagens prevalecentes do que
homens e mulheres devem ser. O que significa ser homem? O
que significa ser mulher? Como as mulheres e os homens
supostamente se relacionam uns com os outros? A construção
cultural do gênero é evidente quando se verifica que ser
homem ou ser mulher nem sempre supõe o mesmo em
diferentes sociedades ou em diferentes épocas (STREY, 2003,
p. 183).
Alguns estudos destacam que as diferenças entre gênero devem-se à
hierarquia estabelecida há séculos, como o patriarcado, gerando um poder e
um controle por parte dos homens, o que determinou a submissão feminina.
Strey (2003) afirma que hoje, embora os papéis masculino e feminino sejam
desempenhados por ambos os sexos, ainda persiste uma ideologia de que o
poder social possui atributos masculinos, reforçando a discriminação contra as
mulheres.
Ainda sobre esse assunto, Monte (1998) cita Lakoff (1975), e sua obra
Language and woman’s place, para realçar a exclusão da mulher no plano
lingüístico e social:
Com base nesses fatos, Lakoff chegou à conclusão de que não
há saída lingüística para a mulher. Se não falar como uma
dama, é acusada de falta de feminilidade; mas, se assim o
fizer, é encarada como confusa, insegura, incapaz de tomar
decisões mais sérias. Em outras palavras, a língua parece
refletir não só as tramas de linguagem na qual a mulher está
enredada, como também reflete, de forma límpida, cristalina, a
subordinação da mulher aos meios e métodos dominantes,
devido à sua falta de poder no estabelecimento das relações
sociais. [...]. Portanto, se no plano lingüístico vemos uma
oposição marcada, ou seja, feminino em oposição ao
masculino, isto se reflete no plano social por uma espécie de
invisibilidade da mulher. (MONTE, 1998, p. 214).
A autora ressalta que os diferentes modos de socialização, com relação
ao gênero, refletem até estilos distintos de interação. Homens, por exemplo,
manifestam uma postura mais independente em suas relações; em
contrapartida, mulheres são mais solidárias e buscam o envolvimento do
interlocutor.
Dessa forma, Monte (1998), citando Lakoff, apresenta alguns recursos
lingüísticos que as mulheres utilizam, os quais marcam um estilo próprio da fala
41
feminina. São eles: uso de marcadores tipicamente femininos, como os
adjetivos; uso de tag questions, ou seja, questões modalizadoras que
equivalem a uma estrutura mediadora entre uma declaração e uma pergunta
do tipo “sim” ou “não”, tendo em vista que as mulheres não fazem frases
declarativas, pois isto sinaliza um ponto final, sem divisão de
responsabilidades; uso de indicadores variados que demonstram incerteza e
insegurança sobre o que está sendo enunciado; uso de advérbios de
intensidade; uso de uma sintaxe mais formal e uma pronúncia de prestígio; uso
de eufemismo; uso de marcas de polidez. Todos esses recursos apresentam
uma oposição em relação à fala masculina.
Tamm Glass (1992) aponta algumas características do discurso
feminino e do discurso masculino, comprovando as diferenças existentes entre
esses discursos. Alguns deles são diretamente opostos, como por exemplo: as
mulheres falam menos, falam de relões, sentimentos, pessoas; fazem
acusações de modo indireto, utilizando a interrogativa “por quê”; tendem a ser
mais loquazes, prolixas, não indo direto ao ponto; freqüentemente dizem “hum
hum” e balançam a cabeça enquanto ouvem; usam textos mais corretos
gramaticalmente; usam menos termos de comando e mais tons de polidez;
usam pouco sarcasmo e arrogância. Os homens, por sua vez, falam mais e
monopolizam a conversação; fazem acusões diretas; são menos prolixos,
vão ao ponto mais rapidamente; dizem “hum hummenos freqüentemente e
balançam menos a cabeça quando estão ouvindo; usam textos menos corretos
gramaticalmente; têm mais termos de comando e usam menos recursos de
polidez; usam do sarcasmo para demonstrar afeição. Essas características
demonstram as estratégias femininas de união e de desejo de envolvimento na
conversação, enquanto que as estratégias masculinas, para o discurso
interacional, são marcadas pela asserção, pela autoridade e pela força.
Outro autor que aborda a diferença entre o gênero é Coulthard (2001).
Ele explica que as pesquisas mostram que ambos os sexos possuem estilos
interativos diferentes. Os homens são mais competitivos, são mais assertivos,
não se preocupam em interferir no discurso do seu interlocutor, são mais
objetivos. As mulheres, por sua vez, são mais cooperativas, fazem mais
perguntas, são mais solidárias com o seu grupo. Em grupos, elas tentam
interagir sempre e eles tentam manter a hierarquia. Esses e outros exemplos
42
mostram como é vasta a lista de diferenças entre os sexos, tanto no nível
lingüístico, como no nível comportamental. Várias são as pesquisas sobre o
assunto, as quais se estendem por diferentes áreas do conhecimento: social,
psicológico, lingüístico, dentre outras.
4.2 PERSPECTIVA PRAGMÁTICA
As pessoas conversam porque sentem necessidade de se aproximarem
e se relacionarem com outras pessoas. Nem tudo o que elas falam durante
uma conversa tem grande importância, mas o próprio ato de se aproximarem
de outrem revela a sua característica de seres sociais, empenhados em suas
interações.
A Pragmática trata justamente dos significados resultantes das relações
pessoais. Por isso, ela “se propõe a dar conta das pessoas e do que elas têm
em mente” (LINS, 2002, p. 53). Tudo o que envolve relacionamentos, ou seja,
atitudes, intenções, objetivos do falante, mecanismos de controle para
manipular e manter as relações sociais é objeto de estudo da Pragmática.
Conforme Fiorin (2005) “a Pragmática é a ciência do uso lingüístico,
estuda as condições que governam a utilização da linguagem, a prática
lingüística”. (p.166). Seu objeto de estudo, portanto, concentra-se no uso da
linguagem.
Diferentemente de Saussure, que via a língua como o verdadeiro objeto
da Lingüística, separando-a da fala (uso concreto da linguagem), a Pragmática
não divide língua e fala, já que compreende a linguagem como um todo. Fiorin
(2005) aponta a relão entre a estrutura da língua e seu uso, o qual foi
excluído pelas correntes anteriores da Lingüística e foi reconhecido pela
Pragmática: “O estudo do uso é absolutamente necessário, pois há palavras e
frases cuja interpretação só pode ocorrer na situação concreta de fala”. (p.166).
Desse modo, os estudos da Pragmática mostram-se bastante relevantes
quando se propõem a tratar dos diferentes usos da linguagem, pois, segundo
Fiorin (2005), “se uma expressão tem vários sentidos quando é usada, isso
deriva de um princípio pragmático aplicado a ela”. (p.169).
43
Ainda nesse sentido, Yule (1996) a define como o estudo do significado
do falante. Assim, o objetivo dessa ciência é a preocupação com o significado
que o falante dá à sua mensagem e com o significado que o ouvinte constrói ao
interpretar essa mensagem.
A Pragmática, portanto, lida com princípios interacionais, com o uso da
linguagem e o seu significado, e trabalha com teorias importantes, como a
teoria da polidez, que revela as “normas” que cada sociedade deve seguir para
obter bons relacionamentos.
4.2.1 Teoria da polidez
A linguagem, de uma forma geral, é marcada por valores, ideologias, padrões,
entre outros fatores, que influenciam e caracterizam o discurso, tendo em vista a posição
que os indivíduos ocupam de seres sociais. Dessa forma, a fala deve adequar-se ao
momento social vivido, sendo que este, geralmente, exige dos falantes, ou sujeitos
sociais, uma imagem, a qual estará relacionada, além de outros elementos, ao discurso
proferido.
De acordo com Goffman (1985),
Quando um indivíduo desempenha um papel, implicitamente solicita de seus observadores que levem
a sério a impressão sustentada perante eles. Pede-lhes para acreditarem que o personagem que vêem
no momento possui os atributos que aparenta possuir, que o papel que representa terá as
conseqüências implicitamente pretendidas por ele e que, de um modo geral, as coisas são o que
parecem ser (p. 25).
Na dinâmica de seres sociais, os indivíduos interagem de diferentes
formas tendo diferentes objetivos. Entretanto, um objetivo é certo: o de serem
aceitos pela sociedade. Dessa forma, tornam-se grandes atores no drama da
44
vida real e a impressão deixada para os seus espectadores servirá para a
construção de uma imagem positiva ou negativa.
Em outras palavras, a imagem que estabelecem depende de palavras e
comportamentos que vão desempenhando no dia-a-dia. Esse desempenho
está relacionado aos tipos de máscaras, ou mais precisamente, de faces que
querem constituir. “Essa visão nos mostra que o homem representa papéis
dramáticos no grande drama da sociedade e que, falando-se sociologicamente,
ele é as máscaras que tem de usar para representar” (BERGER, 1983, p. 119).
O indivíduo, ao longo de sua vida social, interage com o outro e busca,
em sua expressividade, uma aceitação. Dentro disso, a face se constitui como
algo para assegurar a imagem pública, sendo que o indivíduo buscará sempre
mecanismos para firmá-la (a face).
Com fundamento nessa atuação social do indivíduo, Goffman (1980)
constrói o conceito de face “(...) como o valor social positivo que uma pessoa
efetivamente reclama para si mesma através daquilo que os outros presumem
ser a linha por ela tomada durante um contato específico. Face é uma imagem
do self delineada em termos de atributos sociais aprovados (...)”. (p. 76-77).
Outra noção de face foi estruturada por Brown e Levinson (1987),
seguindo o conceito proposto por Goffman:
Nossa noção de ‘face’ é derivada de Goffman e do termo inglês
popular face, no qual sujeita ao ato de quebrar a cara com a noção
de estar embaraçado ou humilhado, ou ‘perder a face’. Então a face
é alguma coisa que é emocionalmente investida, e que pode ser
perdida, mantida ou realçada, e mais, ser mais constantemente
atendida na interação. (BROWN e LEVINSON, 1987, p. 61)
4
.
Tem-se, ainda, a definição de Yule (1996) que explicita: “Quanto ao
termo técnico, face significa a própria imagem pública da pessoa.” (p. 60).
Como afirmam Brown e Levinson, a face é constantemente atendida na
interação e, por esse motivo, dependendo do desempenho dos interactantes,
ela pode ser perdida, mantida ou realçada. A partir disso, observam-se dois
tipos de face: uma positiva e outra negativa.
De acordo com Brown e Levinson (1987) “face positiva é uma imagem
própria consistente ou ‘personalidade’ (crucialmente incluindo o desejo que se
4
Tradução feita por PEREIRA, Joseane S. L.
45
possui de que a sua face seja apreciada e aprovada) reivindicada pelos
interactantes”. (p. 62).
A face pode se estabelecer como positiva, traduzindo a vontade do
indivíduo de ser aceito. Este se comportará de modo a transparecer suas
qualidades, sendo educado, gentil, responsável, não cometendo gafes,
sabendo o momento de falar e de escutar, tudo isso para satisfazer um desejo
que se resume em conviver bem com as pessoas.
Já, a face negativa “é a reivindicação básica de território, preservação
pessoal, um certo descuido – i. e. para liberdade de ação e a liberdade da não-
imposição”. (BROWN e LEVINSON, 1987, p. 62).
A regra do convívio social é revelar a face positiva e ocultar a negativa.
Muitas vezes, porém, ela tende a aparecer, mostrando características ocultas,
nem sempre agradáveis aos outros. Isso costuma acontecer quando as
pessoas se sentem ameaçadas de alguma forma. O descobrimento da face
negativa, no entanto, não as deixa à vontade, por serem vistas despidas de
suas máscaras, tão comuns no dia-a-dia.
Conforme Tannen (1992), pode-se dizer que há necessidade de uma
aproximação para se ter um senso de comunidade, para se sentir que não se
está sozinho no mundo. Por outro lado, há necessidade de se manter uma
distância para se preservar a independência, para que outros não invadam sua
privacidade. Essa dualidade reflete a condição humana de ser criatura
individual e social. Necessita-se do outro para sobreviver, mas necessita-se
sobreviver como indivíduo.
Observa-se que o indivíduo fica exposto na maior parte do seu tempo e
está sujeito a qualquer tipo de situação. Nesse contexto, ele apresentará as
suas faces, conforme o momento vivido, podendo construir uma face positiva
ou uma face negativa. Essa construção remete a uma idéia de que o indivíduo
agiu com mais polidez, ou seja, mais atento às regras da boa convivência, ou
com menos ou nenhuma polidez, menos rígido em relação a essas mesmas
regras. Isso implica que a polidez faz parte do processo de construção da face.
Sobre esse assunto, Yule (1996) afirma: “polidez, na interação, pode
então ser definida como os meios usados para mostrar qualidade de ser atento
de uma outra face da pessoa. Neste sentido, polidez pode ser inteligente em
situações de distância social ou proximidade” (p. 60).
46
De acordo com o autor, a tendência a usar formas polidas positivas,
enfatizando proximidade entre locutor e receptor, pode ser igualada a uma
estratégia solidária. Esta talvez seja a principal estratégia operacionada entre
todo grupo ou talvez ele seja uma opção usada por um locutor individual numa
ocasião particular. Lingüisticamente, a estratégia inclui uma informação
pessoal, uso de apelidos, às vezes igualmente termos abusivos
(particularmente entre homens), e alguns dialetos ou expressões.
Freqüentemente, uma estratégia solidária marca a inclusão dos termos “nós” e
“vamos”.
Todas as vezes que alguém se mune de atitudes e discursos, evitando
cometer erros em sua representação, sendo discreto, compreensivo, simpático,
utilizando palavras que traduzam respeito, educação, boas maneiras, com o
objetivo de conviver tranqüilamente com as pessoas, mantendo o seu lugar
social, sem transgredir as regras dessa convivência, está preservando a sua
face e a face do outro.
Ao tratar das estratégias utilizadas pelos indivíduos para manter o
seu lugar social, Goffman (1967) fala da arte de manipular a
impressão. Conceitua o indivíduo como um ator disciplinado que
representa uma personagem nas dadas situações sociais. Para
representar com sucesso o seu papel, o ator não pode cometer
gestos involuntários como ‘gafes’ ou ‘mancadas’. Deve ter
autocontrole e domínio do rosto e da voz. (LINS, 2000, p. 114).
Por outro lado, Yule (1996) afirma que a tendência a usar formas polidas
negativas, enfatizando a direta liberdade do ouvinte, pode ser uma estratégia
diferente. Ela pode ser uma estratégia típica de um grupo todo ou apenas uma
opção usada numa situação particular. Uma estratégia diferente é envolvida no
que é chamado 'polidez formal'. Ela é impessoal e pode incluir expressões não
referentes ao locutor nem ao ouvinte (por exemplo: Clientes não fumam aqui,
senhor). A linguagem tem uma estratégia diferente, uma independência do
locutor e do ouvinte.
Consideram-se atos ameaçadores da face todo tipo de atitude ou de
discurso que transgrida as leis da boa convivência. Ao se apresentar de
maneira grosseira, autoritária, contraditória, indelicada, ao se utilizar um nível
baixo de polidez, ao se cometer "gestos involuntários", não tendo autocontrole
47
sobre as ações, tende-se a ameaçar a face do outro e a expor em perigo a
própria face.
Conforme Gnerre (1987), “as regras que governam a produção
apropriada dos atos de linguagem levam em conta as relações sociais entre o
falante e o ouvinte” (p. 80).
A linguagem carrega consigo o poder embutido no papel social
representado por cada indivíduo. Esse poder, criado socialmente e veiculado
pela linguagem, aumenta na medida em que a distância social entre os
interactantes se torna tamm maior.
Em termos de relações, situações formais são caracterizadas por
uma excepcional orientação indicando posição, status, e 'face'; poder
e distância social são evidentes, e conseqüentemente há uma
tendência forte com respeito à polidez. Polidez está baseada no
reconhecimento de diferenças de poder, posições de distância
social, e assim por diante (...) (FAIRCLOUGH, 1989, p. 66).
Dessa forma, o uso da polidez está diretamente relacionado à distância
social e à aquisição de poder, porque em uma relação de distanciamento
social, aquele que detém mais poder utiliza menos recursos de polidez,
enquanto que aquele que está em uma hierarquia inferior, deve ficar atento
para ser mais polido, de acordo com as normas sociais. Quando, no entanto,
existe uma proximidade ou hierarquias semelhantes, não há necessidade de
uma maior vigilância quanto à polidez.
Após as considerações realizadas, pode-se afirmar que a Pragmática,
igualmente a SI, trata dos eventos interativos, considera os falantes como
sujeitos ativos que possuem papéis fundamentais no ato comunicativo.
Portanto, as noções apresentadas contribuem para a análise das tiras, na
medida em que consideram os fatores mencionados, dando dinamicidade aos
personagens e à história. Essas noções vão além dos estudos tradicionais,
baseados, geralmente, em conceitos e, não, em situações lingüísticas e
contextuais que privilegiam o uso da linguagem.
48
5 METODOLOGIA E DADOS
5.1 NATUREZA DOS DADOS
O material selecionado para análise é composto por 25 tiras, sendo 12
selecionadas do livro O bom humor de Gervásio... e o mau humor de Jandira,
de Gilberto Zappa (1999), e 13 destacadas dos volumes de O melhor de Hagar,
o horrível, de Dik Browne (2006). Nelas, foram observadas as falas e os
comportamentos dos casais Gervásio/Jandira e Hagar/Helga.
As tirinhas em questão trazem situações do cotidiano dos casais, em
que os maridos exercem suas profissões, de mecânico e de guerreiro,
respectivamente, e suas mulheres desenvolvem tarefas domésticas. As
mulheres são autoritárias e controladoras das atitudes dos maridos, os quais
aceitam todas as suas determinações sem mostrarem indignação, chegando
até a serem, às vezes, agredidos fisicamente. No entanto, algumas vezes, eles
tentam fugir da rotina imposta por elas para desfrutarem de pequenos
prazeres, como jogar sinuca, beber com os amigos ou, até mesmo, "espiar" as
mulheres atraentes, porém quase sempre são interrompidos pelas esposas.
Apesar do controle, os personagens não demonstram o desejo de mudar essa
situação.
Por se tratar de tirinhas também publicadas diariamente em jornais de
grande circulação, pode-se supor que a publicação diária destina-se à
descontração de seus leitores, objetivando a provocação de riso. Talvez, o
humor surja a partir da inversão de papéis dos casais e da passividade com
que os maridos aceitam as condições impostas pelas esposas. Assim, os
personagens consolidam-se como personagens de sucesso, agradando ao
público.
Mesmo focalizando casais fictícios, protagonizando histórias irreais, o
fundamento dessas tirinhas encontra-se nas relações interpessoais. A partir da
interação entre os personagens, as histórias criadas podem provocar
sentimentos diversos, de acordo com a subjetividade de seus leitores. E como
as histórias assemelham-se ao cotidiano vivido pelos indivíduos em geral,
pode-se afirmar que há uma identificação por parte de quem as lê.
49
5.1.1 Os personagens
De acordo com Zappa (1999), Gervásio apresenta "(...) a ambígua
felicidade do brasileiro: 'Nós apanhemo mas gostemo!' O alegre sofredor não
incomoda e nem se incomoda". (p. 5).
A atitude de Gervásio de viver sem grandes reflexões sobre a vida leva a
questionar se ele tem noção da opressão que Jandira exerce sobre ele ou se
vive alienadamente, já que as interações encenadas não mostram qualquer
reflexão acerca do seu papel. Dessa forma, vive feliz, apesar das constantes
ameaças da mulher. Mesmo quando ela frustra as diversões dele, não há
nenhum esboço de indignação. Sua vida é completamente monitorada por ela
e, às vezes, ela o força a assumir funções que estão abaixo da condição de ser
humano, sem qualquer pudor. Muitas vezes, essas funções abalam até a sua
saúde física.
Como se observa, Gervásio não se comporta como sujeito na relação a
dois. Sua preocupação está em não ver concretizadas as ameaças de Jandira.
Por isso, torna-se completamente submisso, tendo seus desejos e suas
aspirações sufocados por ela. A vida entre os dois acontece sem troca de
afetividade. Embora Gervásio demonstre, em alguns momentos, carinho e
afeição pela mulher e, tamm, utilize recursos de polidez como pequenas
gentilezas, não há reciprocidade, porque Jandira não expressa nenhum afeto
por ele. Se não existe um compartilhamento de sentimentos, a relação "Jandira
e Gervásio" é atípica, fugindo dos "moldes" tradicionais, o que causa ainda
maior estranhamento diante da manutenção desse convívio, por meio da
inércia e subserviência demonstradas por Gervásio.
Hagar tamm não é diferente. Mesmo sendo um bárbaro viking, não
causa medo a ninguém. Mas sua esposa sim. No lar, quem dita as normas é
ela. E ele sempre obedece. A relação deles, apesar de ser mais amena do que
a de Gervásio e Jandira, tamm revela uma assimetria de poder. Um pequeno
exemplo disso são os chifres do capacete usado pelos personagens. Quanto
maiores, maior é a força e o respeito que o viking conquistou. E entre o casal,
Helga é quem usa os maiores chifres, confirmando sua soberania sobre Hagar.
As ameaças conduzidas por ela evidenciam as fraquezas do companheiro, que
demonstra certo comodismo.
50
Apesar de estarem inseridos em épocas distintas e em contextos
diferentes, os comportamentos das personagens apresentam um mesmo
objetivo: assegurar a autoridade perante os maridos. Todas as ações em torno
dos interesses pretendidos e a tranqüilidade de Gervásio e Hagar, diante disso,
resultam no humor encontrado nas histórias das tiras.
5.2 MÉTODO DE ANÁLISE
A partir do conjunto de teorias visitadas, a análise a ser desenvolvida
apresenta-se como de natureza qualitativa e interpretativa, porque focaliza as
interações desenvolvidas por Zappa e Dik Browne, observando os códigos
verbal e não-verbal e a relação entre os personagens das tiras.
Ambientadas no cotidiano, as tiras refletem a ascensão da mulher,
demonstrando literalmente sua força. Essa atitude provoca nos personagens
Gervásio e Hagar uma postura submissa imposta pelo medo. A inércia diante
da opressão familiar incita no leitor diferentes reações, gerando humor,
indignação, piedade e até um certo prazer, ao perceber a inversão dos papéis
conjugais, diferentemente do que se espera em relação aos esquemas de
conhecimentos pré-estabelecidos social e culturalmente.
A análise busca descrever como, especificamente, as personagens,
Jandira e Helga, por serem elas as personagens focalizadas nesta análise,
assumem novos alinhamentos e enquadres diante dos leitores, tendo em vista
que os esquemas de conhecimentos sobre um casal não se relacionam com os
enquadres apresentados pelos personagens. Ao se constatar os
(des)alinhamentos e (des)enquadre das personagens, torna-se possível
explicar o humor transmitido pelas interações das tiras.
Para tal, a análise se fundamenta em uma perspectiva de análise
interacional, cujas bases teóricas partem, principalmente, das noções de
estruturas de expectativas, esquemas de conhecimento e enquadres
interativos, de Tannen & Wallat (1998[1987]), além das noções de footing
(Goffman, 1998[1979]) e as definições de pistas de contextualização (Gumperz,
1998[1982]), baseando-se, ainda, na teoria da polidez (Brown & Levinson,
1987).
51
6 (DES)ENQUADRES INTERATIVOS DE HELGA E JANDIRA
Observações e estudos mostram que em cada sociedade existem
regras, implícitas ou explícitas, que orientam o comportamento dos indivíduos
que dela fazem parte. Essas regras são regidas por um conjunto de
conhecimentos culturais, sociais, políticos, econômicos, dentre outros,
chegando, até mesmo, aos costumes específicos de uma comunidade em
particular.
O relacionamento entre as pessoas é bem conduzido se tais regras, ou
normas, ou costumes, forem respeitados. Caso contrário, poderá ocorrer uma
desarmonia social.
Semelhantemente, a relação discursiva entre os indivíduos acontece
através desse respeito, em uma construção sócio-interacional. Os
participantes, quando ativos em suas interações, contribuem para uma
comunicação dialógica, ao respeitarem o contexto proposto.
Em outras palavras, cada ser humano tem internalizados alguns
esquemas de conhecimentos arquivados em sua memória que, geralmente,
são ativados nos momentos de interação. Por exemplo, na maioria das
sociedades, o professor é considerado como mestre, merecendo um respeito
diferenciado de alguns outros profissionais. Esse é um fato cultural já
estabelecido e que sugere uma estrutura de expectativa compartilhada por
todos. Entretanto, se em um momento interacional entre um idoso e um
adolescente, o esquema de conhecimento professor = mestre não for o mesmo
para ambos, acreditando o adolescente que a figura do professor é a de uma
pessoa comum, a estrutura de expectativa esperada, então, pelo senhor será
rompida, causando um desconforto na conversa e, conseqüentemente, um
(des)alinhamento no contexto social.
As estruturas de expectativa ativam enquadres interativos, ou seja, a
cada esquema compartilhado surge uma expectativa que se concentra dentro
de um “quadro” ou “alinhamento”. Seria interessante imaginar as cenas de uma
novela que se alinham dentro de um roteiro. Isso não quer dizer que as
relações, em geral, são estáticas, que seguem sempre o mesmo script. Não é
52
disso que se trata. Os seres sociais são movidos por conhecimentos culturais e
socialmente pré-estabelecidos. Se há uma inversão desses conhecimentos, há
tamm um (des)alinhamento contextual dos seres envolvidos e, por
conseguinte, um (des)enquadre. Em outras palavras, o roteiro é modificado e
uma mudança gera uma cena diferente daquela projetada.
Assim acontece com os casais, Helga/Hagar e Jandira/Gervásio, personagens das
tiras de Dik Browne e Zappa. Os comportamentos, especificamente das esposas Helga e
Jandira, não previstos pelas estruturas de expectativas dos casais em geral, que serão
abordados nesta análise, desencadeiam (des)alinhamentos e, conseqüentemente,
(des)enquadres das personagens, em relação ao enquadre relacionamento conjugal.
6.1 (DES)ALINHAMENTO DAS PERSONAGENS HELGA E JANDIRA
Com a evolução da sociedade, percebe-se uma complexidade de
papéis. Os indivíduos, em suas atuações, precisam assumir variadas funções,
devido às exigências impostas pela modernidade. Diferentemente, há alguns
anos, os papéis eram bem definidos. A mulher tinha tarefas específicas que o
homem não poderia ou deveria desenvolver e vice-versa.
Hoje, verifica-se que já não há essa distinção, ou seja, os papéis
misturam-se, podendo ser compartilhados, independentemente do sexo. Os
homens, por exemplo, podem executar tarefas que antes eram impostas
exclusivamente às mulheres, como cozinhar e cuidar dos filhos. Elas, por sua
vez, podem gerenciar uma empresa ou dirigir um ônibus, funções que eram
antes próprias dos homens. Entretanto, mesmo com a complexidade de papéis,
existem características que permanecem mais ou menos arraigadas, conforme
a comunidade. Algumas dessas características estão tão intimamente ligadas
ao gênero, que abrir mão delas chega a causar estranheza. Um casal em que o
homem recebe ordens ditadas pela mulher não é bem visto socialmente. Ele,
por receber e acatar ordens, e ela, por ordená-las. Essa conduta pode
desagradar a algumas pessoas ou, por outro lado, pode mostrar um
53
comportamento diferenciado da mulher, que a sociedade ainda não está
acostumada a observar.
Mesmo em tempos mais remotos e distintos, e não só na modernidade,
é possível perceber, na história, a presença de mulheres bravas que lideraram
desde situações familiares até batalhas importantes. Em meio a sociedades
machistas, elas se destacaram por sua coragem e força. Com certeza,
enfrentaram maiores resistências por serem mulheres, como ainda hoje
acontece, mas muitas delas resistiram. Embora se reconheça histórica e
socialmente o valor feminino, no cotidiano, os eventos acontecem
diferentemente. Ao se presenciar uma situação em que é a mulher quem
assume o controle, muitas críticas são proferidas. E, ainda, atualmente, o
comentário é: “ela não está ocupando o seu lugar”, inferindo-se, disso, que a
mulher deve continuar em casa, cuidando dos filhos, submissa ao marido.
Diante desses discursos presentes na sociedade, pode-se afirmar que quando
há uma mudança no comportamento feminino, acontece um (des)alinhamento
em sua conduta, gerando estranheza ou admiração nos interlocutores.
O uso do termo (des)alinhamento se refere ao fato de que determinado
alinhamento não está de acordo com o estabelecido, em geral, pela sociedade;
ou seja, no caso das personagens femininas em análise, ocorre um
(des)enquadramento no que diz respeito às atitudes diante de um
relacionamento matrimonial tradicional, tendo em vista que elas atuam de
modo a opor-se ao enquadre esperado pelas estruturas de expectativas sociais
e culturais acerca de um casamento ideal.
Desse modo, é interessante perceber no comportamento das duas
personagens em análise, Helga e Jandira, os (des)alinhamentos apresentados
nas interações encenadas com os respectivos maridos, Hagar e Gervásio, na
vivência cotidiana de suas casas. As tiras revelam, através do humor irônico de
Helga e sarcástico de Jandira, uma mesma abordagem sobre o comportamento
das personagens, mesmo inseridas em contextos diferentes: Helga é uma
esposa viking, mãe e dona-de-casa zelosa, localizada historicamente na
Europa de há quase 1000 anos; Jandira é uma esposa, mãe e dona-de-casa
brasileira, ambientada na atualidade urbana, bem menos zelosa do que a
primeira. A partir de alinhamentos conhecidos e esperados socialmente, dentro
do enquadre relacionamento conjugal, elas se (des)alinham, ao executarem
54
footings, e projetarem novos enquadres, ou melhor, no caso das personagens
citadas, parece possível afirmar que elas se (des)enquadram, como será
explicitado a seguir.
6.1.1 Alinhamento esposa compreensiva e gentil / esposa autoritária e
agressiva
De acordo com os esquemas de conhecimentos internalizados na
vivência social, relacionados ao enquadre relacionamento conjugal, as
características femininas e masculinas são bastante explícitas. Espera-se, por
exemplo, que o homem tenha autoridade e iniciativa para administrar a família.
A mulher, por sua vez, também deve mostrar iniciativa, mas de uma forma mais
compreensiva e cortês. Esses alinhamentos são conhecidos popularmente,
existindo, inclusive, um comentário antigo que estigmatiza a mulher como o
sexo frágil. Porém, há um ditado que afirma que para toda regra, existe uma
exceção. Helga e Jandira representam justamente a exceção, quando se trata
de relacionamento conjugal nos moldes tradicionais. A iniciativa e o domínio
sobre as situações cotidianas partem delas e não dos maridos. Nas tiras
analisadas, as personagens rompem com as estruturas de expectativas ao se
(des)alinharem, no que se refere ao enquadre esperado, passando de esposas
compreensivas e gentis para esposas autoritárias e agressivas com os
respectivos maridos. Nas tiras 1 e 2, abaixo, esse (des)alinhamento assumido
por Helga e Jandira pode ser observado.
Tira 1
55
Tira 2
A tira 1 expõe a conversa entre Helga e Honi, sua filha, que pergunta
pelo pai. Helga explica que, pelo fato de Hagar ter chegado tarde em casa, ele
ainda está dormindo. Até aí, a situação se apresenta normal, levando-se em
consideração que ele poderia ter chegado tarde por causa do trabalho.
Entretanto, quando Honi pergunta à mãe se ainda está brava com ele e ela
responde que sim, a situação se modifica. O quadro que mostra Hagar
dormindo fora de casa permite chegar-se à conclusão de que ele ficou fora de
casa por mais tempo do que deveria e que Helga não aprovou isso, tomando a
decisão de castigá-lo, o que não condiz com os modelos esperados
socialmente.
Na tira 2, Jandira parece se preocupar com Gervásio, afirmando que é
“contra mandá-lo dormir no sofá”. Essa atitude é de uma esposa carinhosa com
o marido, que não se zanga por motivos banais. No entanto, no segundo
quadro, Gervásio aparece deitado e, literalmente, imprensado debaixo da cama
em que Jandira se encontra. Os vocábulos castigo, desconforto e sumo,
levam a supor que o que Jandira realmente deseja é controlar o marido, não
permitindo que ele fuja da sua vigilância. A personagem tamm atua de modo
não esperado, levando-se em conta os esquemas de conhecimentos relativos
ao enquadre relacionamento conjugal.
Nas duas tiras, percebe-se que o humor é gerado exatamente pelo
constrangimento por que passam Hagar e Gervásio, um ao ser obrigado pela
mulher a dormir fora de casa e o outro a ter que dormir debaixo da cama. Esse
comportamento das esposas revela um (des)alinhamento no comportamento
esperado socialmente e representa o gatilho que faz gerar o riso, pois,
56
relacionando-se ao que afirma Propp (1992), o riso se efetiva na presença de
um objeto ridículo e de um sujeito que ri.
É bastante interessante notar o (des)alinhamento assumido por Helga e
Jandira. Se no primeiro quadro, as personagens parecem se alinhar conforme
o esperado para uma esposa dedicada, nos outros quadros esse alinhamento
muda. Realizando footings, elas se alinham como esposas autoritárias e se
(des)alinham de esposas dóceis e educadas. A atitude de dominação exercida
sobre os respectivos maridos pode ser observada, primeiramente, pela postura
de Helga, ao conversar com sua filha. Ela mantém um comportamento altivo,
sem se importar com o que está acontecendo com o marido. Em segundo
lugar, Jandira fala de Gervásio com muita tranqüilidade e naturalidade, com um
comportamento de soberania, principalmente na atuação no segundo quadro,
quando ela se vira de costas, como quem dissesse, “não estou nem aí pra ele”.
O alinhamento como esposa autoritária realiza-se com a repreensão, marcada
pela iniciativa de Helga e Jandira. No caso das tiras 1 e 2, esse alinhamento é
sinalizado por pistas verbais e não-verbais, mostradas através das falas de
Helga e Jandira e das imagens de Hagar dormindo ao relento e de Gervásio
debaixo da cama.
Da mesma forma que nas tiras 1 e 2, observa-se nas tiras 3 e 4, a
ocorrência do referido alinhamento das personagens em análise.
Tira 3
Tira 4
57
Helga e Jandira são mostradas, nas tiras 3 e 4 acima, mantendo o
controle sobre Hagar e Gervásio. Na tira 3, pela fala e pela expressão
fisionômica de Hagar, ele novamente está chegando tarde em casa e acredita
que Helga já esteja dormindo, o que permite inferir que ele não terá problemas.
Já na tira 4, pelo desenho das paredes, Gervásio parece querer sair de casa. E
essa hipótese se concretiza, quando Jandira se refere às intenções ruins do
marido. Tudo poderia acontecer normalmente se não fosse a esperteza de
Helga em dormir atrás da porta, esperando por Hagar e, propositalmente,
flagrando-o quanto à hora da chegada; e a malícia de Jandira, surpreendendo
Gervásio, ao abrir a porta, no momento em que ele pretendia sair. A astúcia
das personagens marca o alinhamento de dominação e controle que elas
exercem sobre os maridos, mesmo que eles tentem escapar. Helga, de uma
maneira mais sutil, e Jandira mais agressiva, não permitem que os maridos
burlem as regras de convivência de cada um desses casais, divertindo-se às
escondidas, e eles, apesar de não respeitarem as regras, deixam claro que têm
receio em relação à atitude delas.
Todas as pistas contextuais e lingüísticas encontradas nas tiras, como
as falas e as expressões fisionômicas dos personagens, evidenciando suas
intenções, as atitudes das esposas, e os recursos visuais das tiras, por
exemplo, o recurso paralingüístico, apontam para o leitor as possíveis
interpretações a que ele pode chegar, direcionando o seu olhar para o script de
cada tira e o desfecho esperado ou não. O humor específico de cada tira faz
parte desse processo, desde que o leitor compartilhe das pistas sugeridas pela
narrativa, ou seja, do enquadre em que os personagens atuam, das atitudes
inesperadas com o (des)alinhamento, do constrangimento imposto aos
maridos. Os footings realizados por Helga e Jandira, nas interações mostradas
nas tiras, são importantes nesse processo de interpretação, já que são através
deles que os alinhamentos não-esperados são percebidos. O fato de os
maridos acreditarem que suas esposas não estavam no controle de suas
atitudes, faz gerar a surpresa. No segundo quadro das tiras 3 e 4, as
personagens se (des)alinham, ao dormir atrás da porta e ao abrir a porta no
momento exato da saída, atos que surpreendem Hagar e Gervásio. Com esse
(des)alinhamento, elas, por conseqüência, se (des)enquadram, pois, afinal, em
58
um relacionamento harmonioso não deveria haver desconfiança e a
necessidade de surpreender o marido com uma atitude inesperada. Assim, o
relacionamento conjugal harmonioso passa a ser um relacionamento
conturbado.
Além de se mostrarem autoritárias, Helga e Jandira também se
assemelham pelo comportamento agressivo, utilizando, se preciso, alguns
artifícios, como o uso do famoso pau de macarrão, para ameaçar e, até mesmo
agredir, os respectivos maridos, Hagar e Gervásio. Esses personagens se
apresentam como indiduos comuns, nos respectivos contextos em que
atuam: Hagar, um viking bárbaro, que, na verdade, não é tão bárbaro assim;
em casa, ele reconhece que sua mulher é a autoridade. Gervásio, por sua vez,
não difere muito no comportamento. Quando chega em casa, após o
expediente na oficina mecânica onde trabalha, obedece às ordens, como
“Limpe tudo agora”, ditadas por sua querida (ou temida) esposa. Dessa forma,
os dois maridos atuam no enquadre relacionamento conjugal, de modo oposto
do que aparentemente demonstram em suas funções diárias fora de casa,
dando real destaque às suas esposas, quando eles estão em seus lares, sem
jamais as desobedecer nem questionar.
Pode-se observar essa situação mencionada nas tiras 5 e 6:
Tira 5
Tira 6
59
As tiras acima mostram as personagens Helga e Jandira bastante
furiosas com seus companheiros. Na tira 5, Helga, já no primeiro quadro, briga
com Hagar sem um motivo claro. O fato de ele estar apenas sentado e, logo
depois, sua filha perguntar para a mãe o que o pai fez de errado, comprova que
naquele momento não há um problema a ser tratado. Apesar de Helga
confessar que não sabe qual o erro do marido naquele instante, ela admite que
ele sempre faz algo que a aborrece. Interessante notar que a palavra algo está
destacada em negrito, revelando que foi a partir de alguma ação de Hagar, que
houve uma mudança (footing) por parte de Helga. O resultado, então, é a fúria
da personagem, que se (des)alinha e briga com o marido, por um erro que ele
parece não ter cometido, mas que implicitamente parece cometer no dia-a-dia.
A fala no primeiro balão, maior do que as outras falas, marca o grau de
insatisfação de Helga.
A expressão fisionômica da personagem, com o rosto enraivecido,
inclinando-se para perto de Hagar e, ao conversar com a filha, indicando a
certeza de que está agindo corretamente, revelam a segurança da autoridade
com que ela trata o marido, não sendo submissa aos atos dele. Essa atitude
amedronta Hagar, porque ele reconhece que ela detém o poder. O susto, no
primeiro quadro, representado pela imagem perturbada de Hagar, e a
apreensão, no segundo, bem reais pelos pinguinhos de água que aparecem ao
seu redor, provam sua fragilidade perante a mulher. Ele não responde, não
questiona, apenas escuta, evidenciando sua imobilidade.
Na tira 6, Jandira é apresentada bastante semelhante a Helga. Apesar
de, no primeiro quadro, não existirem evidências de que ela vá brigar com
Gervásio, inclusive os dois são mostrados muito corteses um com o outro; no
segundo quadro, a situação muda radicalmente. Executando um footing,
Jandira se (des)alinha e atua extremamente furiosa, com os olhos
esbugalhados e a boca contorcida, afirmando que ela respeita o último desejo
de um condenado. Se ela já se refere a ele como um condenado, fica claro que
Gervásio sofrerá um castigo doloroso, ato já conhecido e esperado na
interação entre os dois personagens. A expressão de susto de Gervásio revela
o medo da atitude da mulher. Ele sabe da ameaça que ela representa. Assim
como na tira 5, na tira 6 não ocorre nenhum problema cometido pelo marido,
60
porém a situação decorrida leva a crer que há uma constante nas atitudes de
Gervásio que deixa Jandira com “os nervos à flor da pele”, assim como
acontece na relação entre Hagar e Helga, o que é mostrado pela expressão
raivosa na fisionomia de ambas as esposas.
As situações encenadas tornam-se mais complexas quando realmente
há um motivo para a agressão. Geralmente esse motivo é relacionado às
diversões dos dois personagens das tiras. As tiras 7 e 8 apresentam a
realização desse momento de diversão de Hagar e Gervásio e a super-
vigilância de Helga e Jandira.
Tira 7
Tira 8
Hagar e Gervásio aparecem nas tiras acima como homens que
normalmente se divertem, bebendo sozinhos ou com os amigos. Isso
aconteceria sem problemas, se não fossem suas esposas, Helga e Jandira,
estarem insatisfeitas com esse comportamento. Com um controle extremo, as
duas vigiam os maridos, não permitindo suas pequenas diversões. Conforme é
apresentado na tira 7, Helga se mostra bem zangada, ao chegar ao bar para
61
buscar Hagar, levando o pau de macarrão. Ele se assusta com a entrada da
mulher e com a fala do amigo do bar, “...e aí vem o gelo”, referindo-se a Helga
que, na expressão popular, representa o gelo para Hagar, ou seja, ela é dura e
impede suas ações. A polissemia no emprego do termo gelo para a bebida e
gelo para impedimento representa o gatilho que gera o humor, ao confirmar,
mais uma vez, a imagem soberana de Helga sobre Hagar.
Na tira 8, Gervásio se confraterniza com o amigo, mas ao chegar em
casa atrasado quarenta minutos, é surpreendido por Jandira, que pede
explicações. Ela não tolera o atraso do marido, porque sabe onde
provavelmente ele deveria estar. Então, castiga-o, muito brava, com um aperto
no pescoço, o que remete ao primeiro quadro em que Gervásio afirma que vai
mudar de marca de cerveja, já que estava sentindo dores na garganta. Os
sentidos gerados pela expressão “dor de garganta” causam o humor, pois
Gervásio sente dores enquanto se diverte e enquanto é castigado.
Na análise das tiras 5, 6, 7 e 8, observa-se um novo (des)alinhamento
de Helga e Jandira, em relação ao enquadre relacionamento conjugal: o de
esposas agressivas. Pelas características femininas, estabelecidas
socialmente, não é adequado à mulher brigar, bater, ser grosseira. Geralmente,
essas marcas são presenciadas no comportamento de homens, por estarem
implícitas nos esquemas de conhecimentos relativos a machismo, a força e a
poder masculino. As personagens analisadas se alinham agressivamente, para
que suas autoridades sejam reconhecidas e elas sejam respeitadas e, se
preciso, até temidas pelos maridos, para impedir algumas extravagâncias. Se
elas não agredissem, seriam mostradas atuando como simples donas-de-casa,
mães amorosas, esposas perfeitas, o que não comprometeria as estruturas de
expectativas ativadas pelo enquadre encenado.
Através das pistas observadas, como a expressão fisionômica e a
atitude das esposas, percebe-se a realização dos footings, revelando a postura
não-esperada das personagens, gerando os (des)alinhamentos e produzindo o
humor, conseqüência das encenações mostradas. O fato de as personagens
assumirem esse tipo de (des)alinhamento, o de autoritárias e agressivas, gera
a graça, porque elas parecem inverter o papel que a sociedade estabelece
como feminino. Assim, seus comportamentos, suas falas, suas expressões
fisionômicas, revelam uma atuação que difere da normalidade, mesmo não
62
sendo atitudes unicamente vivenciadas pelas personagens da ficção. O medo
expresso pelos maridos, nas tiras, é mostrado como ridículo. Todo o exagero
no comportamento das esposas, inclusive o de usar um pau de macarrão como
arma, resulta no (des)enquadramento das personagens, que passam a ser
apresentadas dentro de um convívio conflituoso, e traz um tom engraçado às
histórias vividas pelos personagens das tiras de Dik Browne e Zappa.
O alinhamento “esposa autoritária” é, ainda, perceptível na semelhança
entre Helga e Jandira, no que diz respeito ao desejo que as personagens
apresentam de que os respectivos maridos exerçam os trabalhos domésticos.
Para isso, elas transformam-se em verdadeiras esposas opressoras, obrigando
Hagar e Gervásio a obedecerem às suas ordens. As tiras 9 e 10 mostram como
as personagens mudam o alinhamento de esposas compreensivas e gentis
para esposas autoritárias e opressoras.
Tira 9
Tira 10
Helga, na tira 9, consegue tranqüilamente fazer com que Hagar
desenvolva a tarefa de pintar a casa, sem que ele replique. Entretanto, fica
claro, através da sua expressão fisionômica, que ele não está satisfeito, e que
63
ela, com os braços cruzados e com o olhar sério, está o tempo todo policiando
o serviço do marido, a fim de que ele não fuja da responsabilidade que lhe foi
imposta. Diante da postura da esposa, Hagar literalmente não tem para onde
correr.
A aparente compreensão de Helga, ao concordar com o marido, quando
ele admite que deveria estar fazendo algo, muda rapidamente com a operação
de um footing, comprovado no segundo quadro com o (des)alinhamento da
personagem. A imagem de Helga revela o seu novo alinhamento “de esposa
autoritária”, mesmo sem pronunciar uma palavra.
A tira 10 já se inicia com uma ordem de Jandira, que ordena Gervásio a
lavar a roupa. Ele tenta lembrar a esposa de falar pelo menos “por favor”.
Entretanto, ele aceita a função imediatamente e sem reclamações, após
perceber que Jandira não está simplesmente mandando. A palavra em
letras maiúsculas e a expressão fisionômica furiosa da personagem evidenciam
a ordem emitida.
É interessante observar que, de uma ordem, Jandira passa para a
agressão. O footing realizado por ela, após o comentário de Gervásio,
comprova sua mudança de comportamento. No terceiro quadro, então, ela se
(des)alinha, assumindo uma postura agressiva e muito mais autoritária.
Mais uma vez, o humor se concretiza por meio da inversão de papéis,
em que maridos ficam calados e tornam-se submissos diante da postura
ameaçadora de suas mulheres ao expressarem o desejo (que se transforma
em uma imposição) de que eles realizem o serviço doméstico. Há todo um jogo
de cena em cada quadro das tiras, onde o desenho juntamente com as falas
contribui para despertar nos leitores a graça que a atitude dos personagens
propicia.
Da mesma forma acontece com as tiras 11 e 12 abaixo ao mostrarem as
ordens acatadas por Hagar e Gervásio:
64
Tira 11
Tira 12
Na tira 11, Helga dá uma ordem a Hagar e ele, tranqüilo, faz um
questionamento. Ao responder prontamente à questão, Helga o faz perceber
que para ele obter alguns privilégios, é preciso haver trocas, ou seja, ele
precisa contribuir com o trabalho dela. Desse modo, mesmo aborrecido, mas
sem ter saída, ele sai à procura da madeira para que o jantar fique pronto.
Na tira 12, acontece uma troca diferente. Enquanto Jandira se diverte,
Gervásio trabalha. Ele até tenta brincar com a esposa, ao falar que “bola” não é
coisa de mulher. Porém, quando Jandira o manda voltar ao trabalho, ele
percebe que não terá solução, a não ser a de cumprir a ordem recebida.
Novamente, observa-se o (des)alinhamento esposa autoritária, que faz
de tudo para colocar o marido “no eixo”. Após os comentários de Hagar e
Gervásio, um footing foi necessário para marcar o poder das esposas sobre
eles. Por meio das ordens impostas e das expressões fisionômicas das
personagens, fica evidente que a autoridade foi exercida ao invés da gentileza
e compreensão. A única diferença entre Helga e Jandira, nas tiras 11 e 12, é
que Helga se apresenta como uma boa dona-de-casa, zelando pela sua
família. Então, mesmo que mande Hagar cumprir alguns serviços domésticos,
65
há realmente uma troca por parte dela. Por outro lado, Jandira não se mostra
muito interessada nos afazeres domésticos, nem preocupada com sua família.
Ela quer o seu espaço garantido, as sua vontades cumpridas e o marido
submisso a ela. Entretanto, um fato é certo: as duas personagens concordam
que as atitudes dos maridos desagradam a elas e que elas preferiam ter um
marido com outras características, como exemplificam as tiras 13 e 14.
Tira 13
Tira 14
As tiras 13 e 14 revelam a insatisfação de Helga e Jandira com Hagar e
Gervásio, respectivamente. Seus comportamentos e suas falas evidenciam e
explicam por que se (des)alinham durante as interações com seus maridos. A
mudança torna-se necessária, tendo em vista que os maridos não têm a
iniciativa que elas gostariam que tivessem e, além disso, Helga e Jandira não
desejam ser submissas donas-de-casa. Mesmo que seja em seus lares, com
suas famílias, elas querem ter suas autoridades respeitadas. Por isso, deixam
de ser compreensivas, na maioria das vezes, para serem autoritárias e
66
agressivas, declarando que seus maridos representam problemas para a vida
conjugal.
As tiras apresentadas revelam o motivo pelo qual, algumas vezes, Helga
e Jandira precisam se (des)alinhar. Os (des)alinhamentos propiciam às
personagens uma imagem de maior autoridade perante os maridos, Hagar e
Gervásio, fazendo com que eles as respeitem e cooperem com suas esposas.
Como conseqüência, surge um novo enquadre: o de relacionamento
conturbado, que pode ser denominado de (des)enquadre, já que as estruturas
de expectativas da sociedade não esperam que um casamento seja um
constante transtorno na vida do casal.
É sabido que os participantes de uma interação podem mudar o curso
da mesma, dependendo da situação em que ocorra. Isso é normal em qualquer
diálogo e pode ser percebido não só por marcadores verbais como tamm por
pistas não-verbais, como um olhar mais expressivo, por exemplo. Portanto, os
interlocutores assumem um determinado alinhamento durante uma
conversação e através de uma mudança necessária na linguagem, de um
footing, os interactantes assumem novos alinhamentos nos enquadres,
naturalmente realizados e geralmente sem prejuízos para a conversa.
Tudo isso é verificado nas interações das tiras estudadas. Os footings
são marcados pelos diálogos das conversas entre os membros dos casais
Helga/Hagar e Jandira/Gervásio. Nas tiras 15, 16, 6 e 17, a seguir, verifica-se
que, primeiramente, as esposas se alinham em estado de contentamento e
tranqüilidade e, depois, (des)alinham-se em uma visível irritação, atuando,
desse modo, em desacordo com o enquadre esperado.
Tira 15
67
Tira 16
Na tira 15, Helga se mostra feliz pela chegada de Hagar, quando este
anuncia seu retorno, e pergunta sobre o que trouxe para casa da viagem que
fez. Ele mostra os barris de bebida e afirma que trouxe somente o necessário.
Percebe-se, então, pelo rosto zangado de Helga, no segundo quadro, que ela
muda repentinamente de postura ao ouvir a afirmação de Hagar. A bebida não
é necessária do ponto de vista dela para a família. Helga parece não gostar
que Hagar beba e, ao dizer que a bebida era necessária, ele deixa sua esposa
realmente furiosa.
Desse pequeno diálogo, observa-se um primeiro alinhamento, no qual
Helga se encontra satisfeita pelo retorno do marido; mas, ao ouvir o que ele
diz, ela opera um footing e se (des)alinha, no que diz respeito ao enquadre
relacionamento conjugal, expressando-se bastante contrariada. Se, antes o
alinhamento era de esposa carinhosa, depois do comentário de Hagar, o novo
alinhamento passa a ser de esposa contrariada. Mesmo sem dizer uma palavra
no segundo quadro, a expressão fisionômica de Helga confirma a sua
insatisfação com o marido.
Na tira 16, o casal está aparentemente tranqüilo, relembrando a sua
história, quando uma simples expressão, pronunciada por Hagar, não soa bem
aos ouvidos de Helga. Com a expressão velha garota, a personagem passa de
tranqüila a zangada e, de imediato, dá um soco no marido, mostrando sua
indignação. A onomatopéia Pow! retrata a ação de Helga, que é mostrada
sentada, no último quadro, porém ainda zangada. Repetindo o comportamento
da tira anterior, ela não diz uma palavra após a fala de Hagar, mas a sua
atitude e a sua fisionomia permitem ao marido compreender que não foi bem
sucedido quanto à escolha da expressão, tanto que, para tentar minimizar o
erro, ele troca a expressão anterior por garota no auge. Novamente, percebe-
68
se que de um primeiro alinhamento, ocorre uma mudança, devido ao diálogo, e
Helga assume um novo alinhamento, em que se apresenta como uma mulher
agressiva por reprovar a fala do marido.
Com Jandira acontece da mesma forma, como sugerem as tiras 6 e 17.
Tira 6
Tira 17
As tiras 6 e 17 apresentam dois quadros cada uma, sendo que no
primeiro quadro das tiras, Jandira está sorrindo e parece satisfeita. Na tira 6,
após oferecer uma xícara de café a Gervásio e ouvir o agradecimento, ela até
expressa um contentamento, dizendo Que bom!. No quadro seguinte, ela
aparece furiosa, com um tom de ameaça, afirmando que o marido é um
condenado. Ele, sem saber o porquê, não responde e fica extremamente
assustado com a fúria da esposa. Jandira, nesse caso, parece não ter nenhum
motivo aparente para ameaçar Gervásio, mas com a sua fala e a sua
fisionomia agressiva, muda radicalmente do primeiro alinhamento, no qual
levava o marido a acreditar que estava calma e gentil, para depois se
69
(des)alinhar e passar para o alinhamento de esposa malvada e ameaçadora.
Ele sabe perfeitamente que o novo papel da esposa não é um teatro, mas, sim,
uma realidade para ele.
Na tira 17, Gervásio faz elogios, talvez para a bola que está segurando,
talvez para Jandira, na intenção de agradá-la, a fim de obter algum benefício.
Ela, no primeiro quadro, parece gostar do elogio e acreditar que seria a seu
favor, entretanto, no segundo quadro, ela afirma que não gosta de indiretas,
podendo se referir tamm a dois sentidos: o de que seu marido a estaria
chamando de gorda ou que a estaria realmente elogiando para conseguir o
direito de ir ao futebol. O que importa, nesse caso, é que Jandira descobre as
intenções de Gervásio, que não eram a de elogiá-la, e muda o alinhamento ao
arregaçar as mangas e deixar claro que o marido não sairá ileso. Ele percebe o
problema que causou, quando ouve as palavras finais e vê o gesto da esposa,
expressando uma fisionomia de apreensão. É interessante notar nesta tira que
o footing é especialmente marcado pelas reticências que aparecem ao final da
fala de Jandira, no primeiro quadro, e pela conjunção mas que inicia sua fala
no segundo. Por esses elementos e pela expressão fisionômica dos
personagens, verifica-se que Jandira se (des)alinha, após as indiretas de
Gervásio, e assume um novo alinhamento, mostrando para o marido o seu
descontentamento.
Os footings e os (des)alinhamentos são muito utilizados nas tiras,
provocando uma espécie de clímax, que nas interações analisadas até aqui, é
constatado através dos alinhamentos de esposas autoritárias e agressivas.
Como as tiras em quadrinhos são consideradas pequenas narrativas e são
interativas, o clímax, produzido por (des)alinhamento, serve para que o
desfecho se torne inesperado e engraçado.
Outro (des)alinhamento que sugere um desfecho engraçado pode ser
percebido quando as personagens, para manter a autoridade, tornam-se
irônicas ou sarcásticas. É o que se observa a seguir.
70
6.1.2 Alinhamento esposa atenciosa / esposa irônica/sarcástica
De acordo com a definição do dicionário Aurélio (2006), a palavra ironia
significa “modo de exprimir-se em que se diz o contrário do que se pensa ou
sente. Contraste fortuito que parece um escárnio”. Considera-se, portanto,
ironia quando, através do contexto, da entoação ou da contradição de termos,
sugere-se o contrário do que as palavras ou frases parecem exprimir. A
intenção do falante ao se utilizar desse recurso é, geralmente, depreciativa ou
sarcástica, embora o sarcasmo tenha um tom mais agressivo.
Segundo Brait (1996), a ironia joga com duas decodificações,
apresentando elementos contrários entre si. Ela traz uma dupla interpretação,
sendo o ouvinte responsável por compreender a mensagem emitida pelo
falante.
Uma maior depuração entre o que se pode entender por literal, por
figurado e por antífrase, na perspectiva constitutiva do discurso
irônico, parece revelar que a ironia é produzida, como estratégia
significante, no nível do discurso, devendo ser descrita e analisada
da perspectiva da enunciação e, mais diretamente, do edifício
retórico instaurado por uma enunciação. Isso significa que o discurso
irônico joga essencialmente com a ambigüidade, convidando o
receptor a, no mínimo, uma dupla decodificação, isto é, lingüística e
discursiva. (BRAIT, 1996, p.96).
É possível afirmar, de acordo com a autora, que a ironia está além de
ser apenas uma figura de linguagem, vista como uma contradição na forma de
falar. Esse recurso pode ser considerado como uma estratégia discursiva e
argumentativa, tendo em vista que ele não acontece somente no nível do
enunciado, mas tamm, do ambiente situacional e discursivo, onde ocorre a
interação entre os falantes.
A ironia, assim, é utilizada como um alinhamento estratégico na relação
entre Helga e Hagar. Nas encenações das tiras 18 e 19, constata-se o uso da
ironia, quando Helga brinca com Hagar, de forma a sugerir uma interpretação
diferente do que ela realmente deseja expressar.
71
Tira 18
Tira 19
Na tira 18, a personagem torna-se irônica ao falar com o marido como se
fosse outra pessoa, sugerindo que a palavra amado, proferida por Hagar,
correspondesse a um homem que a beneficiasse com mantimentos e, talvez,
de outras formas. Hagar parece não gostar da brincadeira, mas Helga se
diverte à custa da deficiência do marido de não prestar muita atenção nas
necessidades da casa e da sua família. Mesmo em uma época de machismo
evidente, Helga se sobressai, ao mostrar que pode ironizar as situações que
não são do seu agrado e, assim, alertar o marido sobre o fato.
Igualmente acontece no evento da tira 19. No primeiro quadro, Helga
cita uma frase conhecida, que afirma que por trás de um grande homem existe
uma grande mulher. Entretanto, ao invés de dizer grande homem, ela diz
homem grande, referindo-se à estatura de Hagar. Isso se comprova, quando no
segundo quadro, Hagar está atrás de Helga e questiona o porquê dessa
situação. Helga, então, ironicamente exclama Adivinha!, propondo a
interpretação de que, na relação entre os dois, quem se destaca é ela, tanto na
estatura quanto na autoridade.
Nas duas tiras, Hagar expressa um descontentamento em relação às
falas de Helga, mas não passa disso. Ele permanece calado depois de ouvi-la
72
falar, revelando um consentimento de que ela é que possui o poder entre o
casal. A fisionomia sempre imponente de Helga, com o peito estufado e um “ar”
de soberania, deixa a certeza de que ela está convicta do que diz e que não
recua diante da figura ameaçadora do marido viking, afinal é só uma imagem.
As tiras parecem bastante engraçadas, devido ao deboche indiretamente feito
por Helga ao marido. Através da ironia da personagem acontece o seu
(des)alinhamento, mudando por meio de um footing, de esposa atenciosa e
compreensiva para esposa irônica, a fim de mostrar sua figura forte em
oposição à comedida imagem do marido, que mesmo sendo um bárbaro,
deixa-se dominar pela mulher. A ironia de Helga apresenta o humor sutil das
tiras de Dik Browne.
Jandira, semelhantemente a Helga, é irônica em relação ao marido,
porém com uma diferença: é sarcástica ao extremo, conforme mostram as tiras
20 e 21.
Tira 20
Tira 21
Tamm, de acordo com o dicionário Aurélio (2006), a palavra sarcasmo
significa: “Zombaria maliciosa; escárnio”. Conforme a ironia, o sarcasmo
73
tamm se apresenta como uma brincadeira maliciosa, porém de uma forma
mais explícita. Às vezes, o sarcasmo é dito num tom mais agressivo para
"machucar" a pessoa.
Assim como a ironia, não é considerado apenas como uma forma
lingüística. O sarcasmo está ligado também à interação e à cognição social.
Para além da compreensão literal de uma mensagem, exige-se a detecção dos
exageros e distorções lógico-lingüísticas necessárias à sua compreensão. O
sarcasmo é geralmente acompanhado por um conjunto de expressões faciais
ou construções lingüísticas que ajudam a clarificar o verdadeiro sentido do que
foi dito, cabendo ao ouvinte a decodificação da mensagem.
Essa estratégia é bastante utilizada por Jandira, que usa do recurso da
zombaria, quando se trata do relacionamento com o marido Gervásio. Se uma
situação cotidiana entre o casal não envolver briga, pancadaria ou ameaças
por parte de Jandira, pelo menos haverá um deboche.
Dessa forma, nas tiras 20 e 21, a personagem se apresenta zombando e
incomodando o companheiro sem se constranger por isso. Com a frase Ela
vive me surpreendendo!, na tira 20, Gervásio está se referindo à caixa de
presente entregue por Jandira, ato bastante incomum e, principalmente, à
brincadeira de mau gosto da esposa. Ela é capaz de inventar um meio para
ridicularizá-lo. Ele, no entanto, não se irrita. Com isso, Jandira se diverte ainda
mais, diante da imobilidade do marido.
Na tira 21, Jandira atrapalha o sono de Gervásio, com um som
perturbador e repentino, com o único propósito de assustá-lo e de se divertir às
suas custas. Ele, novamente, não responde à atitude da mulher, nem
conseguiria, visto o seu estado. No último quadro, ele aparece tonto e sem
reação. Ela, então, aproveita para fazer um comentário extremamente
sarcástico sobre o seu cabelo, que ficou todo desarrumado com o susto.
A expressão de satisfação de Jandira e o consentimento de Gervásio,
nas duas tiras, colaboram para a construção do humor nas tiras de Zappa. O
(des)alinhamento sarcástico assumido por Jandira contribui para levar a graça
aos leitores e de mostrar, mais uma vez, que quem comanda a relação do
casal é ela.
Helga e Jandira, apesar das diferenças peculiares no momento de agir
com seus maridos, uma mais irônica e a outra mais sarcástica, mostram buscar
74
um objetivo comum: ambas almejam ter o domínio sobre os maridos e
demarcar bem os seus territórios; até nas brincadeiras irônicas ou sarcásticas,
elas deixam essa indicação.
6.1.3 A não-polidez na atuação das personagens Helga e Jandira
Helga e Jandira são personagens femininas que deixam suas marcas,
como já foi percebido pelos comentários anteriores, cada uma em seu tempo
histórico. Elas construíram suas imagens, por meio das mãos dos autores, que
determinaram um papel que as concede o título de autônomas, por fazerem
acontecer aquilo que querem. É claro que seus maridos, os diretamente
envolvidos nesta construção, tentam burlar suas regras, e há quem afirme que
elas exageram um pouco com eles. Os esquemas de conhecimentos da
sociedade não prevêem certas situações que acontecem com os casais
analisados, ainda mais por serem as mulheres as que comandam os
relacionamentos. Na tentativa de romper com as estruturas de expectativas
sociais para ter seus lugares e suas autoridades reconhecidas, as
personagens, às vezes, tamm burlam regras de convivência social, ao
ameaçarem as faces de seus maridos, Hagar e Gervásio, e até suas próprias
faces.
O indivíduo, em sua interação com o outro, busca uma aceitação.
Quando essa intenção não é observada, seja por parte do emissor, seja por
parte do ouvinte, a relação pode apresentar conflitos, que resultarão em
ameaças a face dos interactantes. Assim, como afirmam Brown e Levinson
(1987), podem aparecer dois tipos de face: a positiva e/ou a negativa, sendo
que a primeira expressa o desejo de o indivíduo ser aceito e a segunda
reivindica o respeito ao seu espaço, ou seja, a liberdade de ação e da não-
imposição.
Geralmente, as ameaças revelam a não-polidez nas relações. Yule
(1996) define polidez como os meios utilizados para não ameaçar a face de
outra pessoa. Por outro lado, esses meios podem ser substituídos por atos
não-polidos, causando um desconforto na interação. É o que se percebe no
relacionamento dos casais analisados.
75
Tendo em vista que a interação é um processo dinâmico e que várias
situações podem mudar o rumo da conversa, as personagens Helga e Jandira
poderiam resolver as ameaças, utilizando atos polidos, reparando, assim,
possíveis descontentamentos. Entretanto, o que se observa através de suas
atitudes de ordenar (tiras 9, 10, 11 e 12), ridicularizar (tiras 18, 19, 20 e 21) e
de assumir o poder na relação (tiras 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8), é que elas se
alinham não-polidamente, visando a alcançar seus objetivos na interação. É
importante afirmar que esse tipo de comportamento não as torna pessoas
negativas. Tudo isso faz parte do processo de interação e dos interesses que
as pessoas têm ao conversarem, seja em qualquer espaço social. As próximas
abordagens apresentarão como se realizam as estratégias verbais de
(des)alinhamentos, a partir dos atos não-polidos de Helga e Jandira.
6.2 ESTRATÉGIAS VERBAIS DE (DES)ALINHAMENTOS
Os (des)alinhamentos ou alinhamentos não-polidos explicitados
anteriormente, mostrados através da postura das personagens Helga e
Jandira, podem ser observados através de mecanismos verbais e não-verbais,
detectados nas interações com seus respectivos maridos, Hagar e Gervásio.
Dentre as possibilidades de estratégias verbais, foram privilegiadas aquelas
que mostram as falas não-polidas das esposas das tiras analisadas. Segue-se,
portanto, a análise de três estratégias verbais, fundamentais para a
apresentação dos (des)alinhamentos assumidos pelas personagens.
6.2.1 Ato de fala de ordem
Os modelos conversacionais costumam adotar a noção de ato de fala
para exprimir que, falar não é somente se utilizar de um conjunto de regras
gramaticais, mas ultrapassá-lo. A importante frase “dizer é fazer” expressa
essa noção, a partir da concepção pragmática do discurso. Assim, os atos de
fala produzidos durante uma interação constituem um grupo rico de
marcadores verbais que constroem a situação comunicativa.
76
Fiorin (2005) cita Austin para explicar que a linguagem não tem uma
função descritiva, mas uma função de agir, já que, de acordo com a
Pragmática, ao falar, o homem realiza atos. Fica clara, então, a relação entre a
estrutura da linguagem e o seu uso.
Nessa perspectiva, Kerbrat-Orecchioni (2006) afirma que os atos de fala
se dividem em quatro categorias: 1) atos que ameaçam a face negativa do
emissor; 2) atos que ameaçam a face positiva do emissor; 3) atos que
ameaçam a face negativa do receptor; e 4) atos que ameaçam a face positiva
do receptor.
Dentre as categorias citadas, a terceira é bastante observada na
interação dos casais analisados. O ato de fala de ordem, emitido pelas
personagens femininas, é mostrado através do uso de imperativos, que nem
sempre é aceito em um diálogo, tendo em vista que o seu uso pode resultar em
uma ameaça e, conseqüentemente, quebra de face. Entretanto, esse ato de
fala é utilizado, com freqüência, pelas personagens Helga e Jandira, que
ameaçam a face negativa de Hagar e Gervásio. Observem-se as tiras 22 e 23:
Tira 22
Tira 23
77
Na tira 22, Helga, mesmo sem aparecer, ordena a Hagar que saia da
cama imediatamente. As letras grandes e a palavra agora, destacada em
negrito, mostram com clareza a ordem da personagem e a irritação dela em
relação à preguiça do companheiro. Este expressa tanto na fisionomia, quanto
na fala, uma lamentação, mas a certeza de que precisará obedecer a ela. Com
essa atitude, Helga assume uma postura não-polida, ao utilizar o imperativo e
ameaçar o marido com uma ordem. Ela poderia acordá-lo de uma forma menos
autoritária, alinhando-se polidamente. Mas, parece que o constante comodismo
de Hagar a deixa impaciente, fazendo com que ela se (des)alinhe, de modo
não-polido, utilizando um ato de fala de ordem que não combina com os
esquemas de conhecimentos esperados para o enquadre relacionamento
conjugal.
Do mesmo modo acontece com Jandira e Gervásio. Ela se alinha não-
polidamente, ao dar uma ordem e lembrar ao marido que se ele quiser um café,
ele mesmo deverá fazê-lo. Na tira 23, isso está explícito, porque Gervásio
apenas pensa em pedir um café e Jandira já manda, literalmente, que ele o
faça. Ele fica desconsolado com a ordem e não insiste com o pedido. Ela deixa
evidente o seu interesse em ter o seu lugar respeitado ao empregar o ato de
fala de ordem.
Com o uso de imperativos, as personagens se (des)alinham por meio da
ordem, que leva à quebra de face, constrangendo seus parceiros. Tendo a face
ameaçada, eles não apresentam reação contra o autoritarismo das esposas.
Na relação de poder, mesmo na proximidade que a relação marido/mulher
permite, pode haver uma verticalidade nos papéis. No relacionamento dos
casais analisados, o topo da verticalidade pertence às mulheres. É o que se
percebe no próximo ponto.
6.2.2 Assimetria interacional
Em uma conversação pode haver uma relação simétrica ou assimétrica,
dependendo do grau de intimidade dos interlocutores, o lugar social que
ocupam e sua relação de poder. Na relação simétrica ou horizontal, entende-se
que há uma maior proximidade entre os participantes. Mesmo observando e
78
respeitando a distância social existente entre eles, o diálogo transcorrerá mais
à vontade. Por outro lado, na relação assimétrica ou vertical, há uma maior
distância entre os interactantes, os quais atentarão para o grau de poder e se
limitarão a isso. Os dois tipos de relação ocorrem naturalmente na sociedade.
O problema acontece quando pelo menos um dos interactantes exagera na
distância ou no grau pré-estabelecido, criando um mal-estar durante a
interação. Ou, ainda, quando, mesmo próximos socialmente, a relação
horizontal é dificultada por motivos diversos, cedendo lugar à relação vertical.
Em um relacionamento conjugal comum, espera-se que o casal apresente uma
relação simétrica, já que há uma intimidade entre os esposos e, que, por isso, o
diálogo é desenvolvido mais tranilamente. Porém, essa relação simétrica não
acontece com os casais estudados, como mostram os exemplos 5 e 2.
Tira 5
Tira 2
Os casais analisados dificilmente se comportam, respeitando o outro.
Normalmente, são as mulheres que falam e os homens que ouvem e
obedecem. Não há discussão. Essa atitude de ambas as partes reforça uma
relação assimétrica, em que o poder das esposas se sobressai ao dos maridos,
79
acarretando o enquadre “casamento conturbado” em que as personagens, pelo
exagero com que se expressam, agem não-polidamente. Elas, aproveitando-se
do consentimento de Hagar e Gervásio, respectivamente, intensificam a
relação assimétrica, já que, assim, elas ganham mais espaço e poder.
Na tira 5, observa-se que Helga briga com Hagar, sem motivo óbvio,
mas declara para a filha que, mesmo sem saber o que de errado o marido fez,
ele sempre estará em desacordo com ela. Ele, por sua vez, fica sem reação e
não responde, permitindo a ela o controle da situação.
Na tira 2, Jandira parece se preocupar com Gervásio, quando comenta
que é contra que ele durma no sofá. Todavia, no segundo quadro, percebe-se
o controle dela sobre o marido, por meio do seu discurso e da imagem de
Gervásio debaixo da cama. Ela, literalmente, ocupa uma posição acima dele.
O alinhamento de esposa não-polida desenvolvido por Jandira não
atende às estruturas de expectativas esperadas a partir do senso comum. No
que se refere aos esquemas de conhecimentos internalizados nos indivíduos,
parece estranha a cena em que a mulher domina o marido, castigando-o e
impedindo-o de sair e, ele, por sua vez, cala-se e obedece à esposa. Esse
(des)alinhamento favorece um novo enquadre que se opõe a um
relacionamento ideal.
Entende-se que a relação de um casal seja mais harmoniosa se os dois
ocupam o mesmo patamar no relacionamento interpessoal. Entretanto, as tiras
de quadrinhos mostradas produzem humor, justamente por mostrarem as
diferenças e proporcionarem às mulheres a liderança no relacionamento. Este
(des)alinhamento gera um novo enquadre “relacionamento conjugal
conturbado/conflituoso”, no que diz respeito às estruturas de expectativas para
o enquadre “relacionamento conjugal harmonioso”. Os autores das tiras
destituem os homens do poder, quando eles chegam em casa, e instituem as
mulheres como poderosas. Eles ainda brincam com as funções
tradicionalmente machistas de Hagar e Gervásio, exibindo-os como fracos e
medrosos perante suas esposas. O relacionamento assimétrico, portanto,
contribui imensamente para os (des)enquadres de Helga e Jandira, que,
apesar de serem vistas como simples donas-de-casa, são detentoras do poder
na relação com os maridos, e contribui, também, para a produção de humor
80
das tiras, já que os papéis de homem e mulher parecem se inverter, dando
lugar a mulheres autoritárias e homens obedientes e submissos.
Outra forma de (des)alinhamento das personagens acontece através dos
modos de ridicularização, as ironias e os sarcasmos, como se verifica a seguir.
6.2.3 Ironia e sarcasmo
As personagens em análise atuam, às vezes, fazendo chacotas dos
seus companheiros. Helga, de modo mais suave, e Jandira com uma
linguagem mais debochada. As tiras 24 e 25 sugerem essa situação.
Tira 24
Tira 25
Na tira 24, Hagar está contente e fala como se ele fosse um exímio
ganhador. Helga o observa, um pouco descrente de sua fala e, no segundo
quadro, ela, ironicamente, o beija. Ao afirmar que tamm gosta dos
perdedores, ele entende a mensagem implícita da mulher que, juntamente com
o gesto do beijo, transmite o que ele realmente é: um perdedor. Helga sai e
81
Hagar fica estático, pensando na resposta dela. Com o uso da ironia, ela revela
ao marido seu ponto fraco e, assim, ameaça sua face de viking vencedor. O
alinhamento irônico de Helga reforça o fato de que Hagar não é tão bom
quanto deseja, e ela está ali para lhe mostrar isso muito explicitamente.
Já Jandira, na tira 25, é mostrada pelo quadrinista, conduzindo uma
metamensagem dos quadrinhos. Ao utilizar exageros, a personagem se diverte
com uma luva enorme, batendo em Gervásio, que admite não gostar da
brincadeira. Ela se mostra bastante sarcástica, ridicularizando o marido, que
não reage às suas agressões. Ele tem sua face ameaçada por ser apresentado
impotente em relação à mulher, e ela se aproveita desta impotência,
assumindo o alinhamento sarcástico, de forma verbal e não-verbal, para
reafirmar seu poder.
No caso das duas personagens, em que os respectivos maridos não
reagem às suas atitudes, os alinhamentos encenados por elas são diretos,
deixando explícitos os atos irônico e sarcástico de ameaça à face de Hagar e
Gervásio. Dessa forma, as posturas não-polidas são exercidas de modo “on
record”, revelando a real intenção de Helga e Jandira: a de constranger
declaradamente os maridos e não através de inferências (“off record”),
amenizando a situação.
Além das estratégias verbais de (des)alinhamentos, comentadas
anteriormente, é tamm importante ressaltar as estratégias não-verbais
mostradas nas tiras, como as expressões fisionômicas das personagens, os
efeitos paralingüísticos, as onomatopéias e as ações, que desencadearam
novos alinhamentos para Helga e Jandira.
6.3 ESTRATÉGIAS NÃO-VERBAIS DE (DES)ALINHAMENTOS
As estratégias não-verbais se constituem em atos ou recursos que, às
vezes, juntamente com as estratégias verbais, são realizadas nas interações,
formando o conjunto de significados que os interactantes podem inferir em um
envolvimento interacional. Assim, foram destacadas quatro estratégias não-
verbais, a partir das tiras analisadas, com o objetivo de se verificar os
82
(des)alinhamentos desenvolvidos pelas personagens nas atuações com seus
parceiros.
6.3.1 Expressões fisionômicas
As expressões fisionômicas são estratégias importantes na interpretação
das tiras. Aliadas ou não ao código verbal, elas marcam os personagens,
caracterizando seus sentimentos e suas emoções, o que auxilia o receptor na
construção do significado. Elas representam, literalmente, a expressividade dos
personagens, revelando um modo a mais de interação, além da verbal. De
forma figurada, os personagens podem “falar com o corpo inteiro”. Como um
dos recursos muito utilizados nos quadrinhos, as expressões fisionômicas são
tamm bastante exploradas nas tiras analisadas, em que Helga e Jandira se
expressam, (des)alinhando-se das estruturas de expectativas pré-
estabelecidas socialmente, no que diz respeito ao enquadre relacionamento
conjugal. É o que se observa nas tiras 7 e 6.
Tira 7
Tira 6
83
Na tira 7, Hagar está no bar, bebendo tranqüilamente, quando Helga
chega, a fim de buscá-lo, já que não lhe agrada a atitude do marido. Mesmo
sem pronunciar uma palavra, a personagem mostra sua expressão de
descontentamento e raiva, por meio de seu rosto zangado e do pau-de-
macarrão que está em suas mãos. Através do comportamento de Helga,
percebe-se um (des)alinhamento, tendo em vista que para o senso comum,
uma esposa não iria buscar o marido no bar, levando consigo um pau-de-
macarrão.
Na tira 6, Jandira, no primeiro quadro, aparece tranqüila, mas muda no
segundo quadro, expressando-se furiosamente com Gervásio. A expressão da
personagem de extrema raiva, mostrada por meio dos olhos bem abertos, da
boca grande e dos dentes afiados, e da posição tensa dos ombros e braços,
aparece aliada à fala, que revela o marido como um condenado. Essa atuação
de Jandira destaca o seu (des)alinhamento, em relação ao alinhamento de
esposa gentil, no primeiro quadro.
As duas personagens mostram novos alinhamentos, verificados pela
expressão fisionômica de descontentamento e fúria, e ameaçam as faces de
seus companheiros, ao atuarem de modo não-polido, diferentemente do que se
espera socialmente para um casal.
Outro recurso utilizado nas tiras são os efeitos paralingüísticos. As tiras
22 e 4, a seguir, exemplificam esse recurso.
6.3.2 Efeitos paralingüísticos
Os recursos paralingüísticos são codificados graficamente e indicam a
altura e o tom de voz dos personagens, destacam as letras de formas variadas,
caracterizando, por exemplo, a emoção contida na fala de determinado
personagem, e assim por diante. Nas tiras 22 e 4, é apreciado esse recurso.
84
Tira 22
Tira 4
Na tira 22, Helga grita com Hagar, de modo não-polido, ao usar
imperativos em sua fala. A ordem da personagem fica mais expressiva, porque
as letras, no primeiro quadro, são mostradas todas maiúsculas, maiores do que
as letras da fala, no segundo quadro. Além disso, a palavra agora está
formatada em negrito, evidenciando o desejo de que a ordem da personagem
seja obedecida logo pelo marido. O recurso empregado nas letras auxilia na
verificação do (des)alinhamento de Helga, no que diz respeito ao tratamento
com Hagar.
Na tira 4, já no primeiro quadro, a palavra surpresa aparece sozinha e
destacada, para indicar a atitude de Jandira, no segundo quadro, de abrir a
porta, propositalmente, no momento em que Gervásio parece intencionar sua
saída. O tamanho das letras, a disposição em que se encontram no quadro e o
fundo preto, destacando a palavra surpresa, transmitem ao receptor uma
reação de expectativa, em relação ao que será mostrado a seguir. O recurso,
portanto, apresenta uma conexão direta com o comportamento (des)alinhado
de Jandira, ao se perceber a intenção não-polida da personagem de controlar o
seu marido.
85
As tiras 16 e 21, a seguir, mostram uma estratégia bastante conhecida
nos quadrinhos: as onomatopéias, que também auxiliam a interpretação do
leitor, no que diz respeito às atuações dos personagens.
6.3.3 Onomatopéias
As onomatopéias, importantes na interpretação visual, são mostradas,
freqüentemente, como aliadas às atitudes dos personagens, dando maior
expressividade à cena desenvolvida. As tiras 16 e 21 destacam esse recurso.
Tira 16
Tira 21
O casal Helga/Hagar é mostrado, na tira 16, de forma tranqüila.
Entretanto, em seguida, a onomatopéia pow! indica que algo de estranho
aconteceu. No terceiro quadro, então, percebe-se que Helga, insatisfeita com a
fala de Hagar, bate nele, expressando seu descontentamento. A onomatopéia
liga o primeiro e o segundo quadro, apresentando o antes e o depois da atitude
de Helga. Tamm sugere a ação dela de bater no marido e enfatiza a ação. O
86
(des)alinhamento da personagem se torna mais explícito, portanto, com a
visualização da onomatopéia.
Na tira 21, a postura não-polida de Jandira é destacada por meio da
onomatopéia ...aaaããh, que deixa mais evidente que o barulho ocasionado
pela corneta foi forte. Com o barulho, Gervásio acorda atordoado, e ainda,
ouve os deboches da esposa. Novamente, como na tira 16, a onomatopéia
sugere uma ação mais expressiva, ao mostrar a intensidade do barulho e,
conseqüentemente, o (des)alinhamento de Jandira no trato com o marido.
Por fim, a última estratégia abordada diz respeito às ações,
propriamente ditas, das personagens analisadas. É o que se apresenta a
seguir.
6.3.4 Ações
As ações e os gestos dos personagens, às vezes, desencadeiam
alinhamentos diferentes dos esperados. Com um simples gesto, um
alinhamento pode se transformar em um (des)alinhamento. As tiras 24 e 20
exemplificam essa situação.
Tira 24
Tira 20
87
Na tira 24, Helga se mostra irônica, através de um beijo dado em Hagar,
indicando o contrário do que ele havia afirmado. O beijo foi uma estratégia não-
verbal de Helga, para expressar ao marido que ele não é um ganhador, mas
que, apesar disso, ela gosta dele. Através do beijo, é possível visualizar o
(des)alinhamento irônico da personagem, ao contrário do que se espera sobre
o gesto.
Na tira 20, Jandira, através do seu riso, é apresentada sarcasticamente,
após entregar um presente maldoso a Gervásio. Por meio da sua risada, torna-
se mais evidente o desejo de debochar do marido, com a brincadeira realizada
e com a conseqüência dela. O (des)alinhamento da personagem, portanto, tem
uma relação direta com sua atitude.
Todas as estratégias apresentadas, tanto verbais, quanto não-verbais,
servem como recursos para a interpretação das atuações de Helga e Jandira,
com seus respectivos companheiros Hagar e Gervásio, caracterizando os
(des)alinhamentos das personagens, em relação ao enquadre relacionamento
conjugal.
Para uma melhor compreensão das estratégias, seguem-se dois
quadros demonstrativos com os atos e recursos abordados.
QUADRO 1 – ESTRATÉGIAS VERBAIS DE (DES)ALINHAMENTOS
Exemplos
Tipos de
estratégia
Helga Jandira
Ato de fala de
ordem
“Saia da cama... e faça isso
agora!” (tira 22)
“Hagar, vá cortar madeira para
o fogo.” (tira 11)
“Faça você mesmo!” (tira
23)
“Já!” (tira 10)
“Quer calar a boca e
voltar ao seu trabalho?!”
(tira 12)
Assimetria
interacional
“Não acredito que você fez
isso, Hagar!” (tira 5)
“Eu tento aliar castigo,
desconforto e também
garantia contra sumiço!”
(tira 2)
88
Ironia “Eu também gosto dos
perdedores!” (tira 24)
“Tava só brincando, querido!”
(tira 18)
“Adivinha!” (tira 19)
Sarcasmo “Adoro os exageros dos
quadrinhos!” (tira 25)
“Sabe...eu adoro esse
penteado!” (tira 21)
QUADRO 2 – ESTRATÉGIAS NÃO-VERBAIS DE (DES)ALINHAMENTOS
Exemplos
Tipos de
estratégia
Helga Jandira
Expressões
fisionômicas
Descontentamento - (tira 7)
Raiva – (tira 15)
Descontente com os braços
cruzados – (tira 9)
Fúria - (tira 6)
Fúria – (tira 10)
Efeitos
paralingüísticos
Letras maiúsculas e em
negrito - (tira 22)
Tamanho e disposição
das letras - (tira 4)
Onomatopéias “Pow!” (tira 16) “...Aaaããh!” (tira 21)
Ações Beijo - (tira 24)
Dormindo na porta - (tira 3)
Riso - (tira 20)
Aperto no pescoço – (tiras
8 e 10)
Arregaçando as mangas
– (tira 17)
Jogando bola – (tira 12)
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
89
Após as teorias fundamentadas e as análises realizadas, percebe-se
que os personagens das tiras rompem com as estruturas de expectativas
ativadas pelos esquemas de conhecimento pré-estabelecidos pela sociedade e
criam suas próprias regras de convívio, pelo menos em casa. Privilegiando-se
as personagens Helga e Jandira, que foram o destaque da análise, verificam-
se constantes (des)alinhamentos durante as interações com os maridos, Hagar
e Gervásio, por meio de footings, que são detectados a partir de estratégias
mostradas através dos códigos verbal e não-verbal, com o objetivo de obter o
comando da situação, já que os maridos são mostrados um tanto acomodados
à situação. Com a autoridade e o poder em evidência, elas se tornam líderes, e
eles, ainda que tentem burlar os interesses das esposas, acabam se calando e
obedecendo.
A partir desse contexto, afirma-se que as personagens, por meio dos
(des)alinhamentos, geram um (des)enquadre no relacionamento conjugal, pois
é através de comportamentos, às vezes, exagerados, que elas alcançam o que
objetivam. Os comportamentos de Helga e Jandira apresentam pequenas
diferenças, porém são imperceptíveis quanto ao interesse em comum. Mesmo
sendo Helga mais sutil do que Jandira, o humor acontece nas duas histórias
em quadrinhos, pois a temática é a mesma, já que as duas personagens
rompem com a expectativa social, em relação ao enquadre relacionamento
conjugal.
O rompimento com a estrutura de expectativa social tamm é visível
quando as personagens não utilizam recursos de polidez no relacionamento
com seus maridos. As atitudes de ordenar, de ridicularizar e de assumir o
poder na relação mostram que Helga e Jandira preferem ameaçar as faces de
Hagar e Gervásio, com suas ações não-polidas, do que amenizarem algumas
possíveis situações de descontentamento. Assim, as faces positivas das
personagens ficam comprometidas, já que elas não parecem se preocupar em
causar um desconforto na relação com os maridos.
O tipo de análise escolhida, feita a partir de uma perspectiva sócio-
interacional, proporciona uma interpretação baseada não só nas falas dos
personagens, mas tamm, nas suas atuações, destacando-se o
comportamento, as expressões fisionômicas, os gestos, dentre outros. A
90
interação, portanto, é marcada pelo que os personagens falam, como falam,
para quem falam e o momento em que falam.
A possibilidade que as tiras de quadrinhos oferecem de associar
elementos verbais e não-verbais e de representar situações fictícias, porém,
possíveis na realidade, faz com que os leitores reflitam em suas próprias
interações, buscando o papel social desempenhado.
Assim, a análise de quadrinhos pode ser vista como lingüística, social e
cultural, na medida em que observa as estratégias lingüísticas utilizadas em
uma interação e os modos de atuação, de acordo com o objetivo, o interlocutor
e o momento interacional, levando em consideração uma relação harmoniosa
entre os indivíduos.
Espera-se, dessa forma, que este trabalho possa contribuir para o
estudo das interações, não só no campo lingüístico, mas tamm nas áreas
que demonstram interesse por esse estudo fascinante, tendo como dados tiras
de quadrinhos ou outro recurso, que tamm suscite o estudo do humor, como
as tiras de Browne e Zappa.
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ZAPPA, Gilberto. O bom humor de Gervásio… e o mau humor da Jandira.
Vitória: Zappa Criações, 1999.
96
RESUMO
Tomando como corpus tiras de quadrinhos publicadas diariamente em jornais e
em livros, este trabalho tem por objetivo analisar as atuações das personagens
Helga e Jandira, verificando os seus alinhamentos/ (des)alinhamentos, tendo
em vista que o comportamento observado nas interações das tiras não
corresponde aos esquemas de conhecimentos que a sociedade tem
internalizados. A análise a ser desenvolvida apresenta-se como de natureza
qualitativa e interpretativa, já que focaliza as interações entre os personagens
das tiras. Para isso, fundamenta-se em uma perspectiva de análise
interacional, cujas bases teóricas partem, principalmente, das noções de
estruturas de expectativas, esquemas de conhecimento e enquadres
interativos, de Tannen & Wallat (1987), além das noções de footing (Goffman,
1979) e as definições de pistas de contextualização (Gumperz, 1982),
baseando-se, ainda, na teoria da polidez (Brown & Levinson, 1987). O corpus,
extraído dos livros O melhor de Hagar, o horrível, de Dik Browne (2006) e O
bom humor de Gervásio... e o mau humor de Jandira, do cartunista capixaba
Gilberto Zappa (1999), revela, por meio da análise, as estratégias de
(des)alinhamentos e o (des)enquadre assumidos pelas personagens e, como
conseqüência dessa atuação, a produção de humor depreendida das tiras de
Browne e Zappa.
Palavras-chave: Quadrinhos; Humor; Interação; Sociolingüística Interacional;
Pragmática.
97
PEREIRA, Joseane Serra Lazarani. Interactive misalignments in comic
strips of Dick Brown and Zappa: A study about the non-alignments of Helga
and Jandira. UFES-DLL-PPGEL. Dissertation of Masters Degree in Linguistic
Studies. 2008.
ABSTRACT
Taking as corpus comic strips published daily in newspapers and books, this
paper has the objective to analyze roles played by the characters Helga and
Jandira. It verifies their alignments and non-alignments from the point of view
that, the behavior observed in interactions of the comic strips, do not
correspond to the schemes of knowledge internalized by the society. The
analysis to be desenvolved is of a qualitative and an interpretative nature,
because it focuses on the interactions between the characters of the comic
strips. To achieve this aim, based on a perspective of interactional analyses
whose theoretical bases begin, principally from the notions of expectative
structures, knowledge schemes and interactive combinations of Tannen &
Wallat(1987), together with notions of footing (Goffman 1979) and definitions of
tips of contextualization (Gumperz, 1982), still basing on the theory of
politeness (Brown and Levinson, 1987). The corpus extracted from the books:
The best of Hagar, The Horrible (Dik Brown, 2006), the Good Humor of
Gervásio… and The Bad humor of Jandira, the capixaba cartoonist (cartoonist
from Espirito Santo – Brazil) Gilberto Zappa (1999) reveals through analyses,
the strategies of non-alignments and misalignments assumed by the characters
and as a consequence of this role, the production of comprehended humor of
the comic strips of Brown and Zappa.
Keywords: Comic Strips, humor, Interactions, International Sociolinguistics,
Pragmatics.
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