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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA
RISORGIMENTO E REVOLUÇÃO:
Luigi Rossetti e os ideais de Giuseppe Mazzini no movimento farroupilha
LAURA DE LEÃO DORNELLES
Porto Alegre
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA
LAURA DE LEÃO DORNELLES
RISORGIMENTO E REVOLUÇÃO:
Luigi Rossetti e os ideais de Giuseppe Mazzini no movimento farroupilha
Dissertação apresentada como requisito parcial e
final para a obtenção do título de Mestre em
História junto ao Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul.
Orientadora: Profª. D. Núncia Maria de Santoro Constantino
Porto Alegre, janeiro de 2010
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LAURA DE LEÃO DORNELLES
RISORGIMENTO E REVOLUÇÃO:
Luigi Rossetti e os ideais de Giuseppe Mazzini no movimento farroupilha
Dissertação apresentada como requisito parcial e
final para a obtenção do título de Mestre em
História junto ao Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul.
Aprovada em 19/03/2010.
Banca Examinadora:
Profª. Drª. Núncia Maria Santoro de Constantino (PUCRS)
Profª. Drª. Janete Abrão (PUCRS)
Profª. Drª Carla Brandalise (UFRGS)
4
Agradecimentos
De início, gostaria de agradecer ao Programa de Pós-Graduação da
PUC e ao CNPq pela bolsa integral concedida, fator imprescindível para a
conclusão desta empreitada. Agradeço à minha orientadora, Núncia
Constantino, pela compreensão das dificuldades, pela atenção que delegou ao
meu trabalho e por todo o conhecimento que me passou. Muito obrigada.
Agradeço aos professores das disciplinas que tive a oportunidade de
frequentar na PUC. Em especial ao Prof. Helder Silveira, à Profª. Janete Abrão
e à Profª. Margaret Bakos por tudo o que me ensinaram. Não fosse por seus
conhecimentos, repassados com ética e apreço aos alunos, esta dissertação
seria bem menos elaborada. Ainda agradeço à atenção e às considerações
que a Profª. Susana Bleil de Sousa delegou ao meu trabalho em disciplina que
cursei no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
Ao longo de minha graduação na UFRGS, tive oportunidade de
conviver com excelentes mestres. Dentre esses, quatro se destacaram em
minha vida acadêmica e pessoal. Primeiramente, a Profª. Carla Brandalise, da
qual fui bolsista de iniciação científica. Devo a ela o título desta dissertação e
considerações de suma importância para a construção do primeiro capítulo da
presente, bem como a cessão dos “Escritos Políticos” de Mazzini. A Profª.
Carla sempre me auxiliou e encheu de ânimo para a continuação de minha
carreira acadêmica. Agradeço a ela de coração.
Os três outros professores que agradeço em especial são Prof.
Enrique Serra Padrós, Prof. René Gertz e Profª. Sandra Jathay Pesavento (in
memorian). O Prof. Enrique possui uma sensibilidade ímpar para ensinar sobre
a vida daqueles que viveram no passado. Com isso, fez-me compreender não
apenas o processo histórico, mas a vida dos seres humanos por detrás dos
livros. Muito obrigada.
5
O Prof. René Gertz tem a humildade de ouvir e aceitar opiniões
diferentes das suas, habilidade digna de louvor. Esteve presente em momentos
cruciais de minha vida, colaborando em mais do que ele próprio possa imaginar
para a continuação de minha jornada acadêmica. Obrigada por tudo.
A querida e saudosa Profª. Sandra Pesavento me marcou pela
disponibilidade de compartilhar seu amplo conhecimento com seus alunos.
Estava sempre disposta ao diálogo e ao auxílio de possíveis propostas de
pesquisa. Certa vez, lendo “Testemunha Ocular: História e Imagem”, de Peter
Burke, percebi que os historiadores aprendiam a compreender textos, mas não
imagens. Assim, perguntei à Profª. Sandra se ela poderia oferecer uma
disciplina de “História e Imagens”, o que assentiu com empolgação. Como eu
trabalhava durante o dia, pedi que ela ministrasse as aulas no turno da noite.
Humildemente, pela primeira vez em sua vida, a Profª. Sandra passou um
semestre inteiro indo ao Campus do Vale da UFRGS pela noite. Não há
palavras para agradecer sua gentileza.
Em minha vida profissional, tamm encontrei exemplos de conduta
ética e moral. Saliento os nomes de Tânia Leão e de Nara Marli Zeilmann.
Tânia foi minha chefe em meu primeiro estágio, no Setor Pedagógico da 12ª
Coordenadoria Regional de Educação. Nara ainda é diretora do Instituto
Estadual de Educação Gomes Jardim, no município de Guaíba, onde cursei o
Ensino Médio e, posteriormente, fui professora. Ambas me ensinaram que se
pode aliar liderança com competência e humanidade.
Em minha jornada profissional, tamm tenho de ressaltar uma pessoa
em especial, Roberto da Costa Leite, responsável pelo Setor de Imprensa do
Museu Hipólito José da Costa. Beto” é um grande amigo e “historiador por
ofício”. Agradeço pela amizade, pelo apoio e pela leitura e elogios ao meu
trabalho. Suas considerações sempre me trouxeram estímulo em momentos
difíceis. Não obstante, me colocou em contato com Landro Oviedo, que foi
responsável pela correção da língua portuguesa de minha dissertação e a
quem sou muito grata por toda dedicação que delegou ao meu trabalho.
6
Agradeço, também, à generosidade do italiano Antonio de Ruggiero,
que trouxe de sua terra natal as cartas emitidas por Rossetti para Cuneo e,
gentilmente, me cedeu o material digitalizado. Não fossem esses documentos,
com certeza faltariam dados cruciais nesta dissertação.
Muitas outras pessoas contribuíram, direta ou indiretamente para que
este trabalho fosse concluído. Dentre elas, destaco o nome de Izilda Borges.
Agradeço pelos laços duradouros da nossa amizade, que remonta a dez
anos. Obrigada pelo ombro amigo e pelas constantes orações.
Tamm, agradeço à Margarida, Guilherme e Katharine Nunes, bem
como a toda família de Patrick Braga, que foram sempre fraternos e atenciosos
com a minha família e comigo, trazendo alegrias em períodos conturbados.
Outros colegas e amigos, direta ou indiretamente, foram responsáveis
por minha chegada até aqui: Daiane Barrientos Garcia, Fernanda dos Santos
Bonet, Fernanda Bica Machado, Franciele Hass de Sousa, Geisa Jelinek de
Oliveira, Guilherme Bica Machado, Gustavo Coelho, Igor Giovani, Joana
Peteffi, João Júlio Gomes Jr., Kathyellen Borges, Leandro Rios Heck, Lucas
Maximiliano Monteiro, Magali Corrêa de Assis, MaiPeixoto, Poty Burch, Raul
Oliveri, Ricardo Almeida, Roberto Fraga, Sandro Rama Fiorini e Thaís César.
Presto meus sinceros agradecimentos a todos que, de alguma forma,
colaboraram para que os sonhos desta historiadora se tornassem realidade e
peço desculpas àqueles que minha memória, cansada, teimou em não lembrar.
Agradeço aos meus familiares, especialmente aos meus padrinhos
Ivan Clóvis Didio, Ângela Didio, Ana Maria Flores e Luciana Morél. Aos primos
Cássia Didio e Márlon Silveira pela alegria que me fazem sentir quando
estamos juntos. À prima Mariane Didio de Sousa pela torcida para que tudo
desse certo e pelo constante empréstimo da internet na reta final desta
dissertação. Ao tio Cláudio Dornelles por, ao mesmo tempo, me divertir e me
preocupar devido à sua grande semelhança com meu pai. Ao meu irmão
Dionatan Dornelles e à minha prima Bruna Cabral pela parceria em uma
viagem inusitada para Campo Novo. Aos meus tios-avós Lauro e Mirna de
Sousa e Adão (in memorian) e Odete Didio pelas belas lembranças que seus
7
nomes me trazem. Aos membros mais distantes de uma linda história de
família, que vem desde a longínqua Sibéria. Obrigada a todos os Danilin que
vivem na Argentina. Mesmo distante de meus olhos, vocês sempre estiveram
presentes em meu coração. Em especial, a Pablo Danilin pela imensa ajuda na
revisão desta dissertação. Te agradeço infinitamente “meu Sol”. Enfim,
agradeço a todos os meus familiares.
Por fim, demonstro minha gratidão por aqueles a quem devo todas as
minhas conquistas: meus avós maternos, Iláh e Stefan de Leão, e meus pais,
Cármen Lidia Didio de Leão e Ivo Bones Dornelles (ambos in memorian). Meus
avós são minhas referências e símbolos de vivacidade, de luta e de vitória.
Hoje, são mais do que grandes exemplos de vida, são minha própria vida.
Minha mãe e meu pai, onde estiverem, sabem de meu amor e gratidão. Minha
mãe foi a luz que abriu meus olhos para a vida. Deixou-me livre para escolher o
caminho que me fizesse mais feliz e me ensinou a compreender o mundo.
Dedico cada página desta dissertação a vocês, pois todas contêm sua
presença.
“A ética genuína só existe
Onde o homem vive de dentro da sua fonte
E age pela pureza do seu coração;
Onde a genuinidade do seu ser
Se revela em atos desinteressados
E isentos de desejos [...]
Assim também o sábio sempre serve,
Realizando grandes coisas,
Sem se ufanar da sua grandeza.
Lao-Tsé
8
“Ouvi-me, pois, fraternalmente e julgai
livremente entre vós mesmos,
se parece que vos digo a verdade;
abandonai-me, se parecer que vos prego o erro;
mas segui-me e procedei de acordo com os meus ensinamentos,
se virdes em mim um apóstolo da verdade.
O erro é uma desventura deplorável,
mas conhecer a verdade e não submeter-lhe às ações
é delito condenado pelo céu e pela terra.”
Giuseppe Mazzini.
9
Resumo
No culo XIX, a Itália passou por um processo histórico conhecido
como Risorgimento. Iniciado por volta de 1815, findou no entorno de 1870,
quando atingiu seu objetivo de unificar o território peninsular sob a bandeira de
um Estado. No contexto do Risorgimento, Giuseppe Mazzini lutou não apenas
em prol da Unificação Italiana, mas pela propagação do republicanismo em
escala mundial. Neste sentido, fundou a Giovine Europa, em Berna, no mês de
abril de 1834. A Guerra Farroupilha foi contemporânea a esta associação
mazziniana, que influenciou uma geração de ativistas italianos, que lutaram no
sul do Brasil ao lado dos insurgentes rio-grandenses. Dentre eles, os mais
comumente conhecidos são aqueles que, por suas atuações, se destacaram na
trajetória farroupilha: Giuseppe Garibaldi, formador e comandante da frota
naval farroupilha; Livio Zambeccari, correntemente chamado de “secretário
particular” de Bento Gonçalves; e Luigi Rossetti, editor do jornal mais
importante da República Rio-Grandense, O Povo, além de Secretário Interino
do governo da breve República Juliana (29/07 a 15/11 de 1839). A partir das
correspondências e escritos no jornal O Povo de Luigi Rossetti, a presente
pesquisa visa compreender como se deu a inserção do ideário de Mazzini na
Guerra Farroupilha.
Palavras-chave: História Política. Luigi Rossetti. Giuseppe Mazzini. Unificação
Italiana. Guerra Farroupilha.
10
Abstract
In the nineteenth century, Italy has been through a historical process
known as Risorgimento. Starting around 1815, it ended in around 1870, when it
reached its goal of unifying the peninsula under the flag of a state. In the
context of the Risorgimento, Giuseppe Mazzini fought not only for Italian
unification, but also for the spread of republicanism worldwide. Furthermore, he
founded Giovine Europa in Bern, in April of 1834. Farroupilha War was
contemporary to this Mazzinian association, which influenced a generation of
Italian activists, who fought in southern Brazil along with the rio-grandense
insurgents. Among them, the most commonly known are those who, by their
actions, stood in the farroupilha path: Giuseppe Garibaldi, trainer and
commander of the farroupilha naval fleet; Livio Zambeccari, commonly called
"private secretary" of Bento Gonçalves; and Luigi Rossetti, editor of the most
important newspaper of the Republic Rio-Grandense, O Povo, and also
secretary of the brief Republic Juliana‟s government (29/07 to 15/11, 1839).
From the letters and writings in the newspaper O Povo by Luigi Rossetti, this
research aims to understand the insertion of Mazzini‟s ideas in the Farroupilha
War.
Keywords: Politic History. Luigi Rossetti. Giuseppe Mazzini. Italian Unification.
Farroupilha War.
11
Índice de abreviaturas
AAHRGS Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
AHRGS Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
CDBGS Coletânea de documentos de Bento Gonçalves da Silva.
CV Coleção Varela Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
12
Sumário
Introdução..........................................................................................................14
1° Cap. O Risorgimento e a luta de Giuseppe Mazzini..............................33
1) Os primórdios da Unificação Italiana: da Roma Antiga ao processo do
Risorgimento...........................................................................................33
2) Da Restauração à Unificação: o Risorgimento.......................................38
2.1) O processo de formação da identidade nacional italiana......................45
3) A luta de Giuseppe Mazzini....................................................................51
3.1) Breve biografia......................................................................................52
3.2) O ideário mazziniano.............................................................................55
Cap. A Guerra Farroupilha no contexto da formação do Estado
brasileiro...........................................................................................................69
1) O contexto brasileiro antecedente e concomitante ao desenrolar da
Guerra Farroupilha..................................................................................70
2) A Guerra Farroupilha..............................................................................77
2.1) O desenrolar da trajetória farroupilha....................................................84
2.2) Início e fim do decênio farroupilha: reivindicações iniciais x ganhos
reais...................................................................................................................99
2.3) As tensões existentes entre as lideranças farroupilhas: breves
considerações..................................................................................................106
Cap. Luigi Rossetti: um romântico-mazziniano na Guerra
Farroupilha.................................................................................................... 108
13
Considerações finais........................................................................................164
Bibliografia.......................................................................................................173
Anexos.............................................................................................................184
14
Introdução
A importância de ressaltar a Guerra Farroupilha como tema de estudo
se justifica por seu legado histórico ao Rio Grande do Sul. Apesar de derrotado
pelas forças imperiais, o movimento farroupilha alcançou algumas conquistas
político-econômicas que favoreceram suas lideranças, agarrando-se “[...] à
crença de que sua honra, no acordo final, permanecera intocada”.
1
Essa
certeza de ter mantido a honra e não ter simplesmente capitulado foi um forte
legado dos farrapos para a construção regionalista da imagem do “gaúcho”.
A guerra rio-grandense influenciou a criação de várias entidades
socioculturais que a sedimentaram como marco da história do Estado. Em
1868, foi fundado o Partenon Literário, agremiação de membros que exaltaram
o gaúcho através de uma visão romântica tardia: ele era puro, valente,
generoso, enfim, um ser pleno de qualidades.
2
Ocorre, assim, uma exaltação
de figuras históricas da Guerra Farroupilha, de maneira a heroicizar
personagens como Bento Gonçalves e Giuseppe Garibaldi, dentre outros, que
ficaram vistos pela posteridade como mbolos de um “passado glorioso”. Em
1898, surgiu a primeira agremiação tradicionalista do Rio Grande, o “Grêmio
Gaúcho de Porto Alegre”, fundada pelo positivista e republicano José Cezimbra
Jacques.
3
O movimento farrapo se firmava como fato glorioso da história sulista
e seu ideário passava por uma releitura, sendo colocado como mbolo de
resistência e bravura do povo rio-grandense.
Em fins do século XIX, o movimento positivista, que passou a
comandar politicamente o Rio Grande do Sul após o advento da República no
Brasil (1889), perpetuou a figura “gloriosa” do gaúcho, além de colaborar
fortemente para a construção da ideia da Guerra Farroupilha como A Grande
1
LEITMAN, Spencer L. Revolucionários italianos no império do Brasil. In.: DACANAL, José
Hildebrando (org.). A revolução farroupilha: história e interpretação. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1985. p. 99.
2
CONSTANTINO, Núncia Santoro de. Memória de Garibaldi e a construção da identidade
entre italianos no Rio Grande do Sul. In.: BARROS FILHO, Omar L. De; SEELIG, Ricardo Vaz;
BOJUNGA, Sylvia (org.). Os caminhos de Garibaldi na América. Porto Alegre: Laser Press
Comunicação, 2007. p. 102.
3
OLIVEN, Ruben George. A parte e o todo: a diversidade cultural no Brasil-Nação. Petrópolis:
Vozes, 1992. p. 51.
15
Revolução”. Os positivistas reivindicaram o republicanismo como herança do
ideário farrapo, que os teria inspirado a fundar, em 1882, o Partido Republicano
Rio-Grandense (PRR). Esse ideário foi adaptado aos interesses do PRR no
exercício do poder de forma a respaldar e a justificar seus fins políticos. Além
do âmbito político, o positivismo também deixou sua marca na historiografia.
Apesar de se encontrar, correntemente, no meio historiográfico, críticas à forma
factual e/ou literária de escrita dos ditos positivistas”, deve-se conceber suas
obras como enquadradas em um determinado momento histórico, seguindo o
caráter científico de pesquisa pertinente à sua época. Também é necessário
levar em conta que, no espaço rio-grandense, esses autores foram
responsáveis por preservar grande parte da documentação pertinente à história
local.
Levando-se em consideração a importância da população de origem
italiana para a formação sociocultural do Rio Grande do Sul
4
, trabalhar com as
relações entre os ativistas mazzinianos e os farroupilhas se justifica por ser um
dos primeiros contatos de trocas de experiências entre os espaços italiano e
rio-grandense. Do mesmo modo, é importante ter-se em mente que [...] a
participação de elementos italianos na Revolução Farroupilha é bem
conhecida; [já que] foram muitos os militares empenhados na luta iniciada em
35. [...] A tradição lembra que, muitos destes legionários permaneceram no
interior do Rio Grande do Sul”.
5
No que tange à imigração italiana em solo gaúcho, é importante o
discurso de Borges de Medeiros, após sua ascensão ao poder em 1898,
valorizando o homem que emigrara da Península Itálica como “[...] modelo de
cidadão operoso e ordeiro, capaz de fácil assimilação”.
6
Além dessa imagem
construída acerca do imigrante italiano, é importante perceber que esses
personagens, longe de sua terra natal, criaram seus próprios símbolos de
representação de “italianidade” e, no Rio Grande do Sul, fizeram uso de uma
4
Haja vista o grande número destes imigrantes que vieram para nosso Estado; algo em torno
de 80.000 em fins do século XIX. In.: LEITMAN. Op. Cit. p. 99.
5
CONSTANTINO, Núncia Santoro de. O italiano da esquina: Meridionais na Sociedade Porto-
Alegrense e permanência da identidade entre Moraneses. Tese de Doutorado. São Paulo:
USP, 1990. p. 51.
6
CONSTANTINO, 2007. Op. Cit. p. 101.
16
figura que igualmente fora de suma importância para o Risorgimento: Giuseppe
Garibaldi. Segundo Núncia Constantino:
As mais frequentes representações de Garibaldi, no Rio Grande
do Sul, são acompanhadas por imagens bem conhecidas: a
imagem do General unificador da pátria italiana e a imagem do
herói da Revolução Farroupilha. Destes símbolos fazem uso os
imigrantes italianos, no processo de construção de uma
italianidade no Brasil meridional.
7
Dessa maneira, percebe-se que, para o reconhecimento desses
imigrantes italianos como tais, fez-se uso da releitura da imagem garibaldina,
que passou por transformações no curso do tempo, chegando aos dias atuais
como “o herói de dois mundos”, [...] o General unificador, símbolo à formação
de uma coletividade, voltou à juventude, vestindo um poncho, como o idealista
republicano, capaz de grandes feitos durante a nossa Revolução”.
8
e cá, na Itália e no Rio Grande, a população italiana “produziu” seus
heróis e símbolos de identificação. Na Península Itálica, um destes “grandes
homens” foi Giuseppe Mazzini, influente pensador e motivador do processo de
Unificação Italiana. Suas concepções prefiguram-se temporalmente em
coincidência com o período farroupilha, sendo inseridas neste movimento
através dos ativistas italianos a ele ligados, como o próprio Garibaldi. Frente ao
fracasso temporário das ações revolucionárias na Itália contra os regimes
políticos calcados no absolutismo, inúmeros exilados partiram para o restante
do mundo, inclusive para a América, onde alguns acreditavam ser um
continente propício para fazer vingar os ideais republicanos. Particularmente no
Rio Grande do Sul, estes exilados divulgaram o romantismo e o Risorgimento,
embasados nas ideias de Mazzini. Dessa forma, em recente trabalho que
pretendeu revisar as conclusões historiográficas acerca das relações entre as
lideranças farroupilhas, José Plínio Guimarães Fachel faz a seguinte reflexão:
Mas será que sendo Rossetti o redator do jornal oficial O
Povo, e Tito vio Zambecari sendo secretário e chefe do
Estado Maior de Bento Gonçalves e Garibaldi, tendo
7
Ibid.p. 87.
8
Ibid.p. 106.
17
comandado a flotilha que atacou Laguna, suas influências
poderiam ser nulas?
9
Partindo deste mesmo pressuposto, o presente trabalho se propõe a
compreender a inserção do ideário romântico de Mazzini na Guerra Farroupilha
a partir de Luigi Rossetti, pois o maior número de documentos do período
farrapo que restaram para a atualidade são de autoria deste italiano.
São objetivos específicos desta pesquisa:
Identificar a influência das ideias mazzinianas no pensamento de
Rossetti;
Expor as dissensões entre as lideranças farroupilhas.
Identificando as divergências internas, pode-se entender melhor como possa
ter sido inserido o pensamento de Mazzini no seio destas lideranças.
Para se alcançarem tais objetivos, foram utilizadas variadas fontes
primárias e documentais. Dentre estas, manifestos, proclamações e cartas
expedidas pelas lideranças farroupilhas que constam na Coleção Alfredo
Varela, do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Boa parte destes
documentos foi publicada com o tulo de “Anais do Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul”, que contam com 17 volumes. Os documentos referentes a
Bento Gonçalves possuem publicação especial.
10
As demais fontes primárias
utilizadas, concernentes aos farroupilhas, foram “Proclamação da República
Rio-Grandense”
11
, Projeto de Constituição da República Rio-Grandense”
12
e
“Acordo de Ponche Verde”.
13
Ainda o jornal O Povo
14
foi de extrema valia para
9
FACHEL, Jose Plínio Guimarães. Revolução Farroupilha. Pelotas: Ed. da UFPEL, 2002. p. 29.
10
ARQUIVO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL. Coletânea de documentos de Bento
Gonçalves da Silva.1835/1845. Porto Alegre: Comissão Executiva do Sesquicentenário da
Revolução Farroupilha, Subcomissão de Publicações e Concursos, 1985.
11
Constante em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Proclama%C3%A7%C3%A3o_da_Rep%C3%BAblica_Rio-
Grandense
12
Projeto de Constituição da República Rio-Grandense. In.: O Mensageiro, O Americano,
Estrella do Sul e Projeto de Constituição da República Rio-Grandense. Porto Alegre: Livraria do
Globo, 1930.
13
Constante em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Poncho_Verde
14
O Povo. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1930. Este jornal se encontra no acervo do Museu
de Comunicação Social Hipólito José da Costa.
18
se avaliar a inserção das ideias de Mazzini no movimento farroupilha, por
conter artigos, comunicados e proclamações escritas por Rossetti.
Sobre os textos de Giuseppe Mazzini, teve-se a oportunidade de
trabalhar com seus “Escritos Políticos”
15
e com “Deveres do Homem”.
16
O
primeiro título engloba grande parte dos escritos de Mazzini, incluindo
documentos importantes de sua trajetória política, como “Instruções Gerais da
Giovine Italia e “Ato de Fraternidade da Giovine Europa”, por exemplo.
“Deveres do Homemfoi escrito em Londres, no ano de 1860, sendo bastante
posterior à Guerra Farroupilha. Porém, apresenta elementos de extrema valia
para a compreensão do ideário de Mazzini e é perceptível que não ocorreram
grandes alterações no pensamento do italiano ao comparar-se Deveres do
Homem” com seus textos anteriores. Outros dois livros foram de suma
importância: “Memórias de José Garibaldi”
17
e La Rivoluzione Riograndense
nel carteggio inedito di due giornalisti mazziniani: Luigi Rossetti e Giovan
Battista Cuneo”.
18
As Memórias”, de Garibaldi, foram decisivas para a
compreensão do contexto farroupilha no momento de sua estada no Rio
Grande, bem como suprimiram lacunas de outras documentações. O livro de
Salvatore Candido foi de suma importância para se chegar às conclusões
apresentadas ao longo da dissertação.
19
Percebendo a viabilidade dessa empreitada e visando organizar o
momento inicial de trabalho, além da aquisição de bibliografia pertinente para o
conjunto de temas abordados neste estudo, surgiu a necessidade de listar os
principais líderes do movimento farroupilha, bem como os personagens
italianos que lutaram na trajetória sulista, tendo em vista um futuro
mapeamento organizacional da vida dessas personagens, bem como de suas
15
MAZZINI, Giuseppe. Scritti Politici. Torino: Einaudi, 1976. O Povo. Porto Alegre: Livraria do
Globo, 1930. Este jornal se encontra no acervo do Museu de Comunicação Social Hipólito José
da Costa.
16
MAZZINI, Giuseppe. Deveres do Homem. In.: Coleção Pensadores Italianos. Vol. XXVI. São
Paulo: Editora Brasileira, 1952.
17
GARIBALDI, Giuseppe. Memórias de José Garibaldi. Transcritas por Alexandre Dumas. Rio
Grande: Of. Do Intransigente, 1907.
18
CANDIDO, Salvatore. La Rivoluzione Riograndense nel carteggio inedito di due giornalisti
mazziniani: Luigi Rossetti e Giovan Battista Cuneo. Firenze, 1973.
19
A tradução livre da bibliografia e das fontes primárias em italiano é de responsabilidade da
autora da presente dissertação.
19
mútuas relações. Dando continuidade ao estudo e visando não incorrer em
conclusões errôneas, foi imprescindível levar em conta dois elementos
principais. Primeiramente, analisou-se não somente o ideário do próprio
Giuseppe Mazzini, como necessariamente a apreensão deste ideário por Luigi
Rossetti, ligado às organizações Giovine Italia e a Giovine Europa. Somente
tendo isso em mente se pôde passar para a inserção do ideário mazziniano no
próprio movimento rio-grandense. Dessa maneira, neste trabalho, buscou-se o
mapeamento de duas formas de apreensão: em primeiro lugar, a de Luigi
Rossetti acerca do ideário de Mazzini e, posteriormente, a das lideranças
farroupilhas acerca do ideário de Rossetti. O entendimento da forma de
apreensão do ideário de Mazzini por Rossetti é viável, haja vista a existência
de muitas de suas cartas e escritos no jornal O Povo, que restaram para a
posteridade. Em segundo lugar, como exposto, foi necessário perceber a
cisão existente no seio das lideranças farroupilhas para não incorrer em
conclusões extremadas de superestimar ou anular a influência dos ideais
mazzinianos no movimento.
É importante salientar que se esteve ciente da limitação das atuações
dos ativistas mazzinianos na Guerra Farroupilha. Garibaldi e Rossetti tomaram
conhecimento do movimento farroupilha a partir da prisão de Zambeccari e
Bento Gonçalves, na Fortaleza de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, e rumaram
para o Sul por acreditarem que este movimento era aparentemente coerente
com suas ideias radicais. Assim sendo, levou-se em consideração que
Zambeccari, após a prisão no Rio de Janeiro, não retornou mais para o Rio
Grande do Sul; que Garibaldi se afastou do movimento em 1841, rumando para
o Uruguai e sendo ressarcido de sua atuação com soldo de guerra, o que não
significa que sua participação como mercenário o destituiria de sua luta em prol
do ideário de Mazzini; e que Rossetti desistiu de ser redator do jornal O Povo,
em seu mero 47, por dissidências com parte das lideranças farroupilhas
(“minoria”), mas não se ausentou da guerra, que rumara a Laguna, onde
ocupara o destacado cargo de Secretário Interino do governo da breve
República Juliana (29/07 a 15/11 de 1839), e morrera lutando pela causa
farroupilha na Batalha do Passo do Vigário, em Viamão, no dia 24 de novembro
de 1840.
20
Analisando a historiografia existente acerca da Guerra Farroupilha, são
perceptíveis poucas pesquisas específicas sobre as influências mazzinianas no
movimento rio-grandense. Que se atenham sobre Luigi Rossetti, existem os
livros de Elmar Bones
20
e Eduardo Scheidt.
21
O primeiro apresenta
considerações interessantes sobre a ligação de Rossetti com Mazzini e sobre a
estada do italiano no Rio Grande. Porém, seu estudo não segue os moldes da
academia, já que não foi sua pretensão especificar a bibliografia e fontes
primárias utilizadas em notas de rodapé. O livro de Scheidt é relativo à sua tese
de conclusão de doutoramento, compondo-se de um trabalho bastante
significativo no que concerne à introdução do ideário mazziniano nas áreas
platinas durante a primeira metade do século XIX. No entanto, tal estudo difere
da presente pesquisa, pois não centra seu foco de atenção em Luigi Rossetti.
Ressalta, tamm, os papéis de Pedro de Angelis e, principalmente, de Gian
Battista Cuneo como divulgadores do ideário mazziniano no Prata.
Acerca da presença dos italianos na trajetória farroupilha, existe uma
vasta gama de autores que apenas citam seus “grandes feitos”. Dentre esses
autores, pode-se destacar Augusto Tasso Fragoso
22
, Brasil Gerson
23
, Cláudio
Moreira Bento
24
, Coelho de Souza
25
, Dante de Laytano
26
, Eduardo Duarte
27
,
Morivalde Calvet Fagundes
28
, Ramiro Fortes Barcellos
29
e Walter Spalding
30
.
20
REVERBEL, Carlos; BONES, Elmar. Luiz Rossetti: o editor sem rosto & outros aspectos da
imprensa no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Copesul/LP&M, 1996. O livro possui como
autores Carlos Reverbel e Elmar Bones. Porém, se constitui de duas partes: uma referente à
formação da imprensa rio-grandense, escrita por Reverbel, e outra concernente a participação
de Rossetti como editor do jornal O Povo, de autoria de Bones.
21
SCHEIDT, Eduardo. Carbonários no Rio da Prata: jornalistas italianos e a circulação de
ideias na Região Platina (1827-1860). Rio de Janeiro: Apicuri, 2008.
22
FRAGOSO, Augusto Tasso. A Revolução Farroupilha. Rio de Janeiro: Biblioteca Militar,
1939.
23
GERSON, Brasil. Garibaldi e Anita: guerrilheiros do liberalismo. São Paulo: José Bushatsky,
1971.
24
BENTO, Cláudio Moreira. Estrangeiros e descendentes na história militar do Rio Grande do
Sul. Porto Alegre: Ed A nação/DAC/SEC-RS, s/d.
25
SOUZA, Coelho de. Revolução Farroupilha: sentido e espírito. Porto Alegre: Sulina, 1972.
26
LAYTANO, Dante de. História da República Rio-Grandense (1835-1845). Porto Alegre:
Sulina, 1935.
27
DUARTE, Eduardo. Garibaldi, Rossetti e Zambecari. In.: Anais do Quarto Congresso de
História e Geografia Sul Rio-Grandense. Vol. II. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1946.
28
FAGUNDES, Morivalde Calvet. História da Revolução Farroupilha. 3ª. Ed. Caxias do Sul:
EDUCS, 1984.
29
BARCELLOS, Ramiro Fortes de. A Revolução de 1835 no Rio Grande do Sul. 2ª. Ed.
Facsimilada. Porto Alegre: CORAG, 1987.
21
Nas obras de tais autores, é ressaltada a figura de Giuseppe Garibaldi como
formador da frota naval farroupilha e, consequentemente, é descrita a
memorável trajetória por terra dos lanchões “Rio Pardo” e “Seival” através de
60 milhas de campo, da foz do Capivari à foz do Tramandaí, onde ganhou o
Atlântico. De forma secundária, aparecem Lívio Zambeccari, salientando-se
sua proximidade a Bento Gonçalves e participação no início da formação do
movimento farroupilha, e Luigi Rossetti, com sua presença como editor-chefe
do jornal farrapo com maior número de publicações, O Povo, e sua participação
na breve República Juliana.
Sobre a influência dos italianos nesta “guerra rio-grandense”, as obras
que merecem análise podem ser divididas em duas categorias. Primeiramente,
obras que exaltam e superestimam a influência desses italianos na construção
do ideário farroupilha. Em segundo lugar, estudos que salientam a “brasilidade”
do movimento, fazendo ressalvas à influência estrangeira ou anulando as
influências mazzinianas para com a revolta rio-grandense.
A respeito das obras que superestimam a presença do ideário
mazziniano na trajetória farroupilha, percebe-se o foco historiográfico na figura
de Livio Zambeccari devido à sua proximidade com Bento Gonçalves e
participação no princípio da guerra. O primeiro livro editado sobre a história
farroupilha (1860) foi de um italiano residente em Montevidéu, o comerciante
Luigi Nascimbene.
31
Esse livro foi, recentemente, traduzido para o português e,
curiosamente, não foi referenciado pela historiografia rio-grandense. Segundo
Nascimbene:
Bento Gonçalves ruminava na sua mente, como poderia libertar
a sua pátria [...] E vendo o Conde como amigo dos seus amigos
o procurou. [...] convidou o Conde a uma excursão ao campo do
outro lado do rio [...] foram em dois e retornaram como num .
Pode-se dizer que este foi o primeiro passo para um futuro
diverso, a união dos dois foi o verdadeiro princípio de um plano
de operações, porque Bento Gonçalves era como matéria, que
por ser árida demais, não podia produzir a fermentação, pois
faltava-lhe apenas certo grau de umidade vivificante que o
Conde soube espargir como orvalho fecundo, dando vida e
30
SPALDING, Walter. Farrapos. Porto Alegre: Livraria Selbach, 1931.
__________. A Revolução Farroupilha. São Paulo: Ed. Nacional, 1939.
31
NASCIMBENE, Luigi. Tentativa de Independência do Estado do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: Cia. Editorial, primavera de 2009.
22
movimento. Então marcharam unidos para um objetivo pré-
fixado.
32
Na mesma linha de pensamento de Nascimbene, temos na
historiografia rio-grandense, como principal divulgador, Alfredo Varela, cujos
seis volumes de História da Grande Revolução” se tornaram clássicos acerca
da Guerra Farroupilha. Essa obra, editada em 1933, estava marcada pelo forte
movimento regionalista que tomou o Estado no início do século XX,
amplamente divulgado pelo governo borgista.
33
Varela exalta a presença de
italianos no movimento sulista e escreve acerca dos serviços prestados por
Zambeccari à Província Rio-Grandense:
Ganhou um lugar de honra, na galeria dos amigos do país,
como o benemérito apóstolo em que obteve o máximo realce.
Tamanho foi, a ponto de pensarem alguns, haver sido ele o
verdadeiro pai espiritual da Revolução Continentina. [...] Se não
foi o que acima registra e consigna um positivo exagero, brilha a
influência dele, entre as de máxima preponderância, no magno
acontecimento.
34
Sobre a confecção da bandeira rio-grandense, Varela coloca que esta
teria sido idealizada por Zambeccari: “Aparece em publico, enfim, a que
Zambeccari desenhara, anos antes, em Buenos Aires, a pedido de seus
amigos continentistas”.
35
Essa simples frase gerou uma grande polêmica no
âmbito historiográfico rio-grandense.
Tendo participado do “Álbum do cinquentenário da colonização italiana
no Rio Grande do Sul‟ (1925)”
36
e inspirando-se nos escritos de Alfredo Varela,
o jornalista Mansueto Bernardi escreveu no jornal “Correio do Povo”:
[...] numa equânime reavaliação de méritos e serviços, se
coloquem Rossetti, Zambeccari e Anzani, ao lado de Garibaldi,
máxime tendo-se em conta que a ação dos dois primeiros se
exerceu precipuamente no terreno do pensamento, sempre
dominador de tudo.
37
32
Ibid. p. 142.
33
GUTFREIND, Ieda. A Historiografia Rio-grandense. Ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
1998. p. 21-23.
34
VARELA, Alfredo. História da Grande Revolução. Vol. II. Porto Alegre: Livraria do Globo,
1933. p. 57.
35
Grifado no original. Ibid.vol. III. p. 347.
36
Encontra-se na Biblioteca Pública de Porto Alegre.
37
BERNARDI, Mansueto. Jornal Correio do Povo, 20 de setembro de 1935. p. 24.
23
Acerca da figura de Zambeccari, cita o depoimento do escrivão
Manuel Lobo Ferreira Barreto, que relatou em 20/10/1836:
[...] antes da revolução de 20 de setembro, se havia preparado
uma bandeira da República que a Revolução pretendia
estabelecer na Província do Rio Grande e que esta bandeira, lhe
afirmara, a ele testemunha, o dito D. Carlos, e outros membros
da sua família, que tinha sido mandada fazer por Francisco
Modesto Franco, e que o plano e emblema da mesma bandeira
tinha sido delineado por um italiano de nome Lívio Zambeccari
[...] [que teria vindo da região platina] para dirigir como sempre
dirigiu a Revolução desta Província, desde o dia 20 de setembro
de 1835 até o dia 4 de outubro de 1836, em que ele dito
Zambeccari foi preso junto com o Coronel Bento Gonçalves, de
quem o mesmo italiano foi sempre inseparável.
38
A partir deste depoimento, Bernardi embasa sua crença na criação da
bandeira rio-grandense por Zambeccari. Em seu livro “A Guerra dos Farrapos”,
responde a Souza Docca, Alfredo Pinheiro Corrêa da Câmara e José Zeferino
da Cunha, que o criticaram por sua posição acerca da importância de
Zambeccari no meio farrapo:
Tudo, pois, indícios e provas, tudo induz à convicção de que
seja realmente Zambeccari o autor da bandeira, pela ação
espiritual por ele exercida entre os conjurados, pelas suas
aptidões artísticas, pois desenhava e pintava bem, já,
finalmente, devido ao seu título nobiliárquico e fidalga
ascendência, pelos seus presumíveis conhecimentos da
heráldica e de simbologia.[...] Bem sei que a atribuição a outrem
da autoria da bandeira em nada deslustraria os grandes
merecimentos do conde Lívio Zambeccari e os serviços por ele
prestados à causa revolucionária de 35.
39
Ainda, acerca da valorização da influência de Zambeccari para o
movimento farroupilha, Joaquim Francisco de Assis Brasil discorre que, no Rio
Grande do Sul dos idos dos anos de 1830, as convicções de pensamento mais
difundidas seriam as da federação”, tendo o republicanismo se alastrado na
Província Rio-Grandense por meio de Zambeccari:
[...] fez-se amar de todos os patriotas do Rio Grande, e pode ser
considerado o seu verdadeiro e real diretor mental. Assim
38
PORTO, Aurélio. Notas ao processo dos farrapos. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1933.
Vol. 1. p. 226-227. Apud. BERNARDI, Op.Cit. p. 24.
39
BERNARDI, Mansueto. A Guerra dos Farrapos. Porto Alegre: Sulina, 1981. p. 36-37.
24
explica-se o influxo que exerciam no Rio Grande as doutrinas da
Joven Italia de Mazzini: apareciam ali através de Zambeccari.
40
Além de discorrer de forma literária sobre a “heroica” atuação de
Garibaldi no Rio Grande, Lindolfo Collor igualmente ressalta a importância da
atuação de Zambeccari em solo rio-grandense:
Foi graças à sua atividade que o plano da revolução rio-
grandense se impregnou de maneira tão profunda das ideias de
Mazzini e do romantismo político da „Jovem Itália‟ [...] Mas
Zambeccari, na qualidade de um dos principais atores do
movimento revolucionário e de redator do programa que tinha
servido como base das operações, tomara com os patriotas as
medidas oportunas para não se reduzirem as coisas a mera
representação cênica.
41
Em outro extremo à superestimação da influência dos italianos no
movimento farroupilha, Walter Spalding, em sua obra “A Epopéia
Farroupilha”
42
, difere de sua escrita descritiva em “Farrapos” e “Revolução
Farroupilha”
43
e expõe os italianos como fortes elementos de cooperação
dentre os imigrantes que lutaram pela causa dos sulistas: “Desses
estrangeiros, os de maior influência por seu devotamento, atuação e cultura,
foram os italianos, os carbonários companheiros de Mazzini, pregador da
Nuova Italia [...]”.
44
Salienta a importância da participação de Garibaldi,
Zambeccari, Rossetti e Luigi Carniglia, mas faz ressalvas à sua importância
para com a formação do ideário farrapo, principalmente acerca da figura de
Zambeccari:
Alfredo Varela, que foi um dos que muito lhe exagerou a
importância e valor, diz que Zambeccari foi chefe do Estado
Maior do Exército Farroupilha, que muito batalhou pela
implantação da República desde o início do movimento, e que
muito influiu com suas ideias em todo o movimento. Apesar
dessas afirmativas de Alfredo Varela, documento algum
encontramos que as autorizasse.
45
40
Grifado no original. ASSIS BRASIL, Joaquim Francisco de. História da República Rio-
Grandense. Edição facsimilada. Porto Alegre: CIA União de Seguros Gerais, s/d. p. 55-56.
41
COLLOR, Lindolfo. Garibaldi e a Guerra dos Farrapos. Porto Alegre: Globo, 1958. p. 47-50.
42
SPALDING, Walter. A Epopéia Farroupilha. Porto Alegre: Ed. Biblioteca do Exército, 1963.
43
Ambas as obras supracitadas.
44
Grifado no original. SPALDING. Op. Cit. p. 249.
45
Ibid. p. 250.
25
De maneira mais incisiva, respondendo diretamente à superestimação
das influências mazzinianas na Guerra Farroupilha, Aurélio Porto expressa
que:
Tem-se dito e repetido, sem focar com precisão devida o
fenômeno sociológico da Grande Revolução, que esta tem por
agentes a cultura, as ideias e a pregação prática de alguns
estrangeiros, especialmente italianos, Zambeccari, Rossetti e
outros, que disseminaram as conquistas avançadas do século.
Erro crassiano de apreciação. Os pregadores da República,
ideal latente na alma coletiva do Rio Grande, são esses que
precedem qualquer influência estranha, espalhando o fogo
sagrado, que se tornará incêndio no decênio memorável.
46
Neste mesmo sentido, Othelo Rosa faz ressalvas à participação dos
italianos, colocando que os estrangeiros não acrescentaram nada de novo ao
círculo farroupilha, pois ressalta que vários homens da Província Rio-
Grandense possuíam grande erudição. Deste modo, questiona: “Subordinar-se-
iam, homens de tal quilate, no campo ideológico, à tutela de um Manuel
Ruedas, ou mesmo do conde Tito Livio Zambicari?”.
47
Acerca da hipótese de
Zambeccari ter desenhado a bandeira rio-grandense, Rosa relata que não
consenso sobre este fato e acrescenta:
De qualquer forma, isso não conferiria ao conde italiano
nenhuma função diretora. Serviu, por algum tempo, a República;
propagou-a pela imprensa, ao lado dos jornalistas da terra; fez
amigos no Rio Grande; merece a nossa simpatia, até certo
ponto nossa gratidão.
48
E prossegue, acentuando que promovê-lo a chefe do movimento seria
um excesso. Acrescenta:
Vários nomes de estrangeiros aparecem na revolução
farroupilha. Seria, sem dúvida, uma denegação de justiça
recusar-lhes o reconhecimento dos serviços que prestaram à
causa republicana de 1835; mas proclamá-los como „influências‟
na preparação e surto da insurreição, capazes mesmo de lhe
traçarem diretrizes e normas e, não raro, de lhe imporem
caminhos e destinos, é uma evidente demasia, que muito se
aproxima das fronteiras do absurdo.
49
46
PORTO. Op. Cit., 2° vol. p. 332.
47
ROSA, Othelo. Vultos da epopéia farroupilha. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1935. p. 126.
48
Ibid. p. 128.
49
Ibid.p.122.
26
Ciente desse embate historiográfico, o historiador Moacyr Flores opina
sobre a contribuição de Zambeccari, Garibaldi e Rossetti na Guerra
Farroupilha: “[...] foi nula por ser antagônica aos princípios liberais dos
farroupilhas e suas atuações militares classificam-se como mínimas no
contexto bélico da República Rio-Grandense”.
50
Após essa exposição sucinta, é perceptível que, para se compreender
como possa ter se inserido o ideário de Mazzini no movimento rio-grandense,
faz-se necessário delegar atenção às divergências entre os grupos “majoritário”
e “minoritário” das lideranças farroupilhas. Também é mister compreender o
momento da chegada e estada dos italianos em solo sulista, que, ao longo
de quase dez anos, o contexto farroupilha sofreu várias modificações para
adaptar-se à situação de guerra.
A esta altura, é imprescindível uma reflexão acerca de referenciais
teóricos que esclareçam e embasem o presente estudo. Primeiramente,
explica-se que o termo italiano” está sendo utilizado para designar os homens
que, nascidos na Península Itálica, emigraram de sua terra de origem. É
importante salientar que, durante o decênio farroupilha, a Unificação Italiana
estava em processo e, portanto, não se pode falar em uma população italiana
propriamente dita. De maneira semelhante, utiliza-se a palavra “farroupilha”
para designar os homens ligados ao movimento revoltoso, que o termo “rio-
grandense” abrangeria todos os habitantes da Província e, bem se sabe, nem
todos aderiram à causa dos insurgentes.
Pelo título “Revolução Farroupilha ficou comumente conhecido o
movimento rio-grandense contra o Império Brasileiro. Entretanto, optou-se pela
nomenclatura “Guerra Farroupilha”, por acreditar no caráter revoltoso do
movimento, mas não plenamente “revolucionário”. É fato conhecido, no
entanto, que o conflito teve longo tempo de duração e grande número de
homens envolvidos em combate. Existiram fases do levante farroupilha. Da
tomada de Porto Alegre, em 20 de setembro de 1835, até a Proclamação da
50
FLORES, Moacyr. Modelo Político dos Farrapos. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1978. p. 49.
27
República Rio-Grandense, em 11 de setembro de 1836, o movimento se
organizou como uma revolta contra a opressão do Governo Regencial. Após
esse período, os insurgentes buscam criar e organizar um novo Estado. Em
fevereiro de 1845, alguns líderes farroupilhas assinaram as cláusulas da paz de
Ponche Verde e, a partir desse momento, o caráter da guerra sulista não foi o
de uma revolução, pois não houve modificações profundas na vida daqueles
que viviam na Província, ou seja, não houve grandes alterações nas esferas
política, econômica e social. Entretanto, o legado histórico de uma “paz
honrosa” com o governo imperial minou a imaginação de homens do final do
século XIX. Quando da instauração da República no Brasil, a experiência
republicana da Guerra Farroupilha foi passível de uma releitura pelas
lideranças políticas rio-grandenses, a fim de construir uma identidade regional.
Outra preocupação da presente pesquisa é expressa por Chiaramonte:
É lugar comum dos trabalhos explicar ao leitor a precaução
que demandam as mudanças de significados das palavras ao
longo do tempo. Seu descuido [...] é fonte de uma das formas
mais comuns de anacronismos, a de ler os textos de épocas
passadas como se os vocábulos possuíssem a mesma
acepção na atualidade.
51
Um dos principais cuidados e objetivos deste trabalho foi o de
esclarecer, ao longo do texto, o sentido atribuído às expressões utilizadas na
época por Mazzini e pelas lideranças do movimento farroupilha.
Ademais, deve-se esclarecer que esta pesquisa se insere no ramo da
história política e, portanto, para se compreender a construção do ideário
político-nacional nos contextos italiano e rio-grandense do início do século XIX,
faz-se pertinente uma reflexão acerca do debate historiográfico concernente à
aplicação dos conceitos de “nação” e “nacionalismo”. A este respeito,
Hobsbawn ressalta a insatisfatoriedade tanto de critérios objetivos, como
língua, passado, espaço territorial e etnicidade em comum, quanto de critérios
subjetivos, como a consciência ou a escolha de pertencer a uma nação, para
se compreender a terminologia em questão. Dessa forma, discorre: “[...] A
51
CHIARAMONTE, José Carlos. Ciudades, provincias, Estados: orígenes de la Nación
Argentina (1800-1846). Buenos Aires: Ariel, 1997. p. 113.
28
palavra „nação‟ é atualmente tão ampla e imprecisa que o uso do vocabulário
do nacionalismo pode significar, hoje, muito pouco”.
52
Como exemplo deste debate historiográfico, pode-se expor a opinião de
alguns renomados autores. De acordo com Ernest Gellner, “o nacionalismo é,
essencialmente, um princípio político que defende que a unidade nacional e a
unidade política devem corresponder uma à outra”.
53
Montserrat Guibernau
conceitua o nacionalismo como o “[...] sentimento de pertencer a uma
comunidade cujos membros se identificam com um conjunto de símbolos,
crenças e estilos de vida e têm vontade de decidir sobre seu destino político
comum”.
54
Comumente, a finalidade do nacionalismo é a da construção de uma
nação. Na visão de Benedict Anderson, a nação é “[...] uma comunidade
política imaginada e imaginada como implicitamente limitada e soberana”.
55
Em seu livro Nações e nacionalismo”, Gellner acaba por não oferecer uma
conceitualização clara de nação, apesar de debater os pontos positivos e
negativos das definições cultural e voluntarista. Guibernau a nação como
“[...] um grupo humano consciente de formar uma comunidade e de partilhar
uma cultura comum, ligado a um território claramente demarcado, tendo um
passado e um projeto comuns e a exigência do direito de se governar”.
56
Estar ciente deste debate, acerca da “nação” e do nacionalismo” no
âmbito da historiografia, é imprescindível para tal pesquisa. No entanto, visou-
se compreender, tamm, a particularidade de utilização de outros conceitos
políticos, nos contextos italiano e rio-grandense. Como exemplos, pode-se citar
a busca do entendimento daquilo que representava a ideia de “federação” e
“confederação”, tanto para Mazzini, quanto nos textos oficiais da Guerra
Farroupilha.
52
HOBSBAWN, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
p. 18.
53
GELLNER, Ernest. Nações e nacionalismo. Lisboa: Gradiva, 1993. p. 11.
54
GUIBERNAU, Montserrat. Nacionalismos: o Estado nacional e o nacionalismo no século XX.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 56.
55
ANDERSON, Benedict. Nação e Consciência Nacional. São Paulo: Ática, 1989. p. 14.
56
GUIBERNAU. Op. Cit. p. 56.
29
Além da reflexão conceitual acerca de “nação” e “nacionalismo”, é
importante salientar que se está abordando o campo das ideias políticas e que
se está ciente do alto grau de subjetividade que permeia um estudo dedicado a
esta área. Em especial, a presente pesquisa se direciona para a problemática
da circulação de ideias”. Abarcam-se os processos de seleção, adaptação e
instrumentalização que o ideário europeu sofreu ao ser inserido no espaço
americano. foi muito comum encontrar-se na historiografia abordagens que
deram maior ênfase à transposição de ideias da Europa para a América no
sentido de uma “importação”, por parte dos americanos, que se daria de forma
passiva, ou seja, instrumentalizada com o mesmo significado que adquirira no
continente europeu. Indo de encontro a este ponto de vista, Mary Louise Pratt
defende que as ideias políticas estariam em movimento constante entre a
América e a Europa, sendo “importadas” e “exportadas” em ambos os sentidos
continentais.
57
Pratt chega a esta conclusão embasada em Benedict Anderson
quando ele expressa que o modelo do Estado-Nação teria sido, primeiramente,
desenvolvido no continente americano, sendo posteriormente “assimilado”
pelos europeus.
58
Desta forma, Pratt utiliza o conceito de “transculturação”
59
,
pelo qual as ideias europeias não foram puramente “importadas” pela América,
já que, ao chegarem ao espaço americano, foram selecionadas de forma a
reproduzirem as visões locais preponderantes.
60
Portanto, quando chegam à
América, essas visões misturam-se ao contexto local, situação denominada por
Pratt como zonas de contato
61
, gerando algo novo, ou seja, o resultado da
“transculturação”.
De forma semelhante a Pratt, apesar de trabalharem com épocas
distintas, Néstor García Canclini
62
e Serge Gruzinski
63
tamm questionaram a
passividade dos americanos em relação à introdução da cultura europeia.
Canclini estuda a manifestação da modernidade na América Latina e utiliza o
57
PRATT, Mary Louise. Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação. Bauru:
Edusc, 1999.
58
Ibid. p. 241.
59
A autora esclarece que este conceito foi cunhado pelo sociólogo cubano Fernando Ortiz, na
década de 1940. Ibid. p. 30.
60
Ibid. p. 318-321.
61
Ibid. p. 27.
62
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estrategias para entrar y salir de la modernidad.
(nueva edición). Buenos Aires: Paidós, 2001.
63
GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
30
termo hibridização” por acreditar que ele vai além de englobar mesclas de
elementos étnicos e religiosos, mas tamm abarca produtos de tecnologias
avançadas e processos sociais “modernos” e “pós-modernos”.
64
Abordando a
integração cultural indígena em relação às novas formas de arranjo social
emergidas na América Latina com o início da colonização ibérica, Gruzinski faz
uso do conceito de “mestiçagem”. Ela se daria com a mescla de elementos
culturais autóctones e daqueles trazidos pelo colonizador. Expressando seu
ponto de vista acerca do trabalho destes três autores, Eduardo Scheidt assim
se expressa:
Em suma, a forma inovadora com que Pratt, Gruzinski e García
Canclini analisam teoricamente seus objetos torna suas obras
referências importantes para o nosso estudo das ideias políticas.
Em todas elas, há uma valorização da América Latina, tomada
como espaço de construção de elementos culturais, rompendo
com a tradicional visão de „importação‟ e mera reprodução de
culturas estrangeiras. De diferentes maneiras, seja utilizando os
conceitos de „transculturação‟, „mestiçagem‟ ou „hibridização‟, os
autores são unânimes em caracterizar o fenômeno da
construção cultural como um processo a partir da mescla de
elementos estrangeiros com latino-americanos, resultando na
formação de culturas originais, em sintonia com os contextos
locais específicos.
65
Por fim, a partir das discussões dispostas acima, deve-se levar em conta
que o século XIX foi permeado pela disseminação do nacionalismo e pela
construção de nações potenciais em escala mundial. Neste contexto, incluem-
se os territórios italiano e brasileiro, que sofreram uma série de revoltas em
seus processos particulares de formação de Estados nacionais. O ideário
político que foi expresso nos escritos de Giuseppe Mazzini e nos das
lideranças farroupilhas, como a ideia de nação, de democracia, de república e
de federalismo, dentre outras, tiveram amplo destaque nos mais variados
contextos do século XIX. Em cada caso, como na inserção de Mazzini no
contexto de Unificação Italiana e no das lideranças farroupilhas em meio à
guerra contra o Império Brasileiro, essas ideias foram assimiladas e
64
Ibid. p. 22.
65
SCHEIDT. Op. Cit. p.13.
31
instrumentalizadas de forma a legitimar os interesses particulares de cada
grupo que pretendia chegar e se manter no poder.
No primeiro capítulo da presente dissertação apresentar-se-á os
primórdios da união política da Península Itálica, evidenciando sua decorrência
no Risorgimento e na consequente unificação deste território em torno de um
Estado-Nação. Isso foi imprescindível para, em sequência, se expor o contexto
em que se deu a formação do ideário de Giuseppe Mazzini e da fundação de
seus movimentos Giovini”. A partir de documentação primária, cujo original
encontra-se escrito em italiano, pôde-se entender as ideias que permearam a
vida do pensador italiano e que o direcionaram à luta pela disseminação dos
preceitos republicanos e democráticos.
No segundo capítulo, optou-se por expor o contexto brasileiro em recuo
estendido no tempo, visando compreender os fatores que deram origem à
eclosão da Guerra Farroupilha, não apenas no contexto imediato de 1835. Tais
fatores se fazem importantes para a compreensão das exigências dos
revoltosos para com o Império Brasileiro e, consequentemente, das
divergências ocorridas entre as lideranças farroupilhas. Com esse mesmo
intuito, compararam-se as reivindicações iniciais dos revoltosos com o que
ficou acertado no acordo de Ponche Verde, em fevereiro de 1845. Ainda
apresentou-se um retrospecto da trajetória do decênio farroupilha, o que serviu
para comprovar que as dissensões entre os insurgentes não estavam claras no
início da revolta, apesar de sempre terem existido posições destoantes entre os
líderes do movimento. Isso corrobora para a hipótese de que o ideário
mazziniano possa ter recebido melhor aceitação por parte dos farroupilhas que
viriam, posteriormente, ao ano de 1842, compor o grupo “majoritário” da cúpula
de poder. Ao mesmo tempo, a exposição dos acontecimentos, dos quase dez
anos de luta armada, permitiu mapear os momentos em que os italianos Livio
Zambeccari, Luigi Rossetti e Giuseppe Garibaldi se engajaram e
permaneceram lutando pela causa rio-grandense.
O terceiro capítulo é a parte central da dissertação. Nele está a análise
da documentação primária referente à presença de Luigi Rossetti no
32
movimento farroupilha. Apresenta-se uma breve biografia do italiano e, ao
longo do capítulo, fica nítido seu ideário particular, imerso no romantismo
mazziniano. Ao se intercalarem as cartas de Rossetti com seus escritos no O
Povo, percebem-se suas primeiras impressões acerca da insurreição rio-
grandense, suas relações com as lideranças do movimento, relutâncias e
adaptações ao buscar difundir os princípios republicanos e democráticos de
Mazzini em meio ao contexto farroupilha. Deste modo, no decorrer do texto
serão expostos os indícios da influência de Rossetti no meio sulista, bem como
se fao enfoque sobre a inserção do ideário mazziniano na insurreição rio-
grandense.
Por fim, serão apresentadas considerações finais, com o intuito de
ressaltar algumas conclusões a que se chegou na presente investigação
histórica. Ainda, será um momento de reflexão acerca das ações empreendidas
na composição da dissertação, seguida de comentários sobre a possibilidade
da continuidade e aprofundamento da pesquisa em questão.
33
Capítulo 1 O Risorgimento e a luta de Giuseppe Mazzini
“Que a cada homem e a cada povo
cabe uma missão particular,
a qual, enquanto constitui a individualidade
daquele homem ou daquele povo,
concorre necessariamente ao cumprimento
da missão geral da humanidade.
66
No século XIX, a Itália passou por um processo histórico cujo objetivo
seria o de unir o território peninsular sob a bandeira de um Estado-Nação.
Conhecido como Risorgimento
67
, esse processo histórico iniciou por volta de
1815 e findou por volta de 1870, quando da criação de um reino unificado, que
elevou a Península à categoria de Estado. Para se compreender esse
complexo processo, é necessário recuar no tempo e, a partir da Antiguidade,
buscar a trajetória dos acontecimentos ocorridos no território itálico que,
tomados em conjunto, acabam por oferecer o mapeamento de um quadro mais
preciso das origens que corroboraram para a formulação do que veio a ser
conhecido como o Risorgimento.
1) Os primórdios da Unificação Italiana: da Roma Antiga ao processo
do Risorgimento
Durante a Antiguidade, o território hoje compreendido como Itália foi
habitado por diversos povos como os etruscos, os gregos e os italiotas. Por
volta do século VIII a.C., a política da região sofreu uma grande modificação em
sua estrutura com a instauração da monarquia que, a partir da cidade de Roma,
organizou o território de forma centralizada. Em 509 a.C., quando Tarquínio, o
Soberbo, foi expulso de Roma, iniciava-se um período crucial para a história
ocidental, a República Romana (509-27 a.C.). Nesse período, Roma sofreu uma
66
Grifado no original. Ato de irmandade/fraternidade da Giovine Europa. IN.: MAZZINI, 1976.
Op. Cit. p. 175.
67
Em português, diz-se “Ressurgimento”, porém o termo em italiano significa “Ressurreição”.
Devido a esta mudança de significado, optou-se pela utilização do termo original em italiano.
34
grande modificação, passando de uma cidade-estado para um grande Império,
que, inicialmente, visou conquistar o território peninsular em sua totalidade e,
posteriormente, a orla mediterrânea.
68
Até o segundo século d.C., Roma conheceu seu apogeu, mas o século
III iniciou com crises sucessórias internas, bem como marcou o começo das
incursões de povos das zonas limítrofes do Império, os bárbaros (como eram
chamados todos aqueles cuja língua falada não fosse o latim), sobre as regiões
de domínio romano. Governantes como Diocleciano
69
e Constantino
70
buscaram lançar mão de ações para manter a ordem e a união do Império
Romano. Porém, no fim do século IV, a situação agravou-se de forma tal que
Teodósio foi o último imperador a reinar sobre toda a extensão romana. Com
sua morte, em 395, o Império foi dividido em Império Romano do Ocidente e
Império Romano do Oriente, sendo governados, respectivamente, por seus
filhos Honório e Arcádio. Não resistindo às invasõesrbaras, a parte ocidental
sucumbiu no ano de 476, com a deposição de Rômulo Augusto.
Com a queda do Império Romano do Ocidente, o território itálico foi
desmembrado, o que provocou uma involução política da Península. No período
que se segue, nem mesmo os ataques desferidos pelos sarracenos, germanos
e normandos foram passíveis de gerar coesão entre seus habitantes. Desde o
final do século VI, a Península esteve sob o jugo dos lombardos e, no século
VII, passou para as mãos dos francos. Os governos de Pepino, o Breve (714-
768), e de seu filho Carlos Magno (747-814) propiciaram a formação dos
Estados Pontifícios (756), que se mantiveram sob direta autoridade papal e
independente até a Unificação Italiana (1870). A Baixa Idade Média foi palco do
embate nem sempre diplomático entre duas forças cosmopolitas que visavam à
hegemonia sobre a região itálica e demais áreas cristãs da Europa: a Igreja
68
ANTONELLI, Giuseppe. Storia di Roma Antica. Roma: Tascabili Economici Newton, 1996. p.
39-46.
69
Em 285 criou a Tetrarquia, um sistema de governo que dividia as àreas do império em
setores orientais (pars Orientis) e ocidentais (pars Occidentis). Mesmo que a Tetrarquia não
tenha se consolidado, em um momento de crise serviu para trazer um pouco de estabilidade ao
Império Romano.
70
Juntamente com Licínio, governante da parte oriental do Império, assinou o Édito de Milão,
que tirava o cristianismo da ilegalidade, oficializando-o como uma das religiões oficiais
romanas. Tendo em vista os percalços pelos quais passava Roma, Constantino optou por
transferir a capital do Império para a parte oriental, remodelando a cidade de Bizâncio e
renomeando-a por Constantinopla.
35
Católica cujo catolicismo fora reconhecido como única religião oficial por
Teodósio, em 390 e o Sacro Império Romano-Germânico fundado por Otão,
o Grande, em 962.
A partir do século X, o território peninsular conheceu um processo de
ampliação das atividades comerciais e forte desenvolvimento urbano. As
cidades do Norte começaram a possuir maior independência umas das outras,
constituindo-se como importantes polos político-econômicos. Desde o século
XIV, as atividades comerciais estiveram em franco crescimento. O comércio
marítimo com os árabes foi grandemente responsável pelo enriquecimento de
repúblicas de Veneza, Gênova, Pisa e Amalfi. Ainda no âmbito econômico,
Florença se pronunciava devido às atividades bancárias.
71
Esse contexto de
prosperidade econômica, aliado à herança direta da Antiguidade Clássica,
propiciou o inicio de uma onda de novas ideias que influenciaram as mais
diversas artes e se expandiram por toda Europa. O Renascimento, como o
próprio nome denuncia, repudiava o Medievo e traduzia os novos tempos
vividos como uma retomada dos áureos tempos da Roma Antiga. Pode-se dizer
que esta tentativa de “releitura” dos antigos romanos foi bastante original e
trouxe, principalmente, para as letras e para a pintura, novas formas de
expressão e de tradução da vida cotidiana.
Em princípios da Idade Moderna, a região peninsular italiana estava
organizada administrativamente em torno de cinco Estados regionais: Reino de
Nápoles, Estados Pontificais, Ducado de Milão, República de Florença e
República de Veneza. A partir deles, uma série de principados, ducados e
cidades, cujo surgimento remontava aos tempos feudais, que rivalizavam entre
si. Em virtude desta falta de coesão política e militar que a tornava vulnerável, a
Península se cercada pela pressão expansionista das grandes monarquias.
A influência de alguém como Lourenço de Médici (1449-1492)
72
havia impedido
71
Para estudo aprofundado sobre a supremacia veneziana no século XIV, ver: PIGOZZO,
Federico. Treviso e Venezia nel Trecento: La prima dominazione veneziana sulle podesterie
minori (1339-1381). Venezia: Istituto Veneto di Scienze Lettere ed Arti, 2007.
72
Lourenço Médici, chamado O Magnífico, foi estadista da República Florentina no período
renascentista do quattrocento. Protetor e amante das artes, impulsionou as primeiras
imprensas italianas. Procurava proteger o eixo formado por Florença, Milão e Nápoles das
ambições venezianas e da ambigüidade papal. O clima de relativa paz, que conseguiu durante
seu governo, favoreceu o desenvolvimento do Renascimento.
36
uma invasão, até que sua morte abriu caminho para o ataque de Carlos VIII,
causando a expulsão dos Médici de Florença. Assim, durante o período
renascentista
73
, desde fins do século XV, os contemporâneos de Nicolau
Maquiavel (1469-1527)
74
presenciaram as ferrenhas disputas pela região
itálica, primeiramente pelos franceses e, posteriormente, com a paz de Cateau-
Cambrésis (1559), a esfera de influência da Espanha.
75
A partir do século XVII, essa conjuntura mudou, seja acerca do
pensamento político, seja sobre o âmbito administrativo. No campo das
ideias
76
, o Iluminismo, disseminado pela Europa a partir do meio francês, gerou
uma nova concepção da relação entre o Estado e o indivíduo, sendo que o
primeiro deveria existir para proporcionar o bem-estar ao segundo. Dessa
forma, a existência da monarquia e até mesmo da nobreza no antigo regime
começaram a parecer cada vez menos importantes no seio das sociedades.
Neste sentido, o termo nação vai perdendo sua relação à imagem real, com
uma modificação bastante significativa, começando a exprimir a noção de
coletivo de pessoas que habitam uma determinada extensão territorial, com
fronteiras estabelecidas e que obedecem a um mesmo governo. No que tange
ao quesito administrativo, juntamente com o Iluminismo, as influências do
despotismo esclarecido corroboraram para uma dinamização da Península
Itálica ao desmantelar as estruturas feudais, favorecer o desenvolvimento
73
Ver: BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália. São Paulo: Companhia das
Letras, 1991.
74
O escritor florentino Nicolau Maquiavel (em italiano Niccolò Machiavelli) ficou conhecido
como fundador do pensamento e da ciência política moderna por ter escrito com realismo
acerca dos papéis do Estado e do governo. No capítulo XXVI de seu livro O Príncipe, expressa
sua esperança pelo surgimento de um príncipe forte o bastante para retirar a Itália, humilhada e
invadida, das mãos dos “bárbaros” invasores estrangeiros: “Assim, como que reduzida a um
sopro de vida, a Itália espera por aquele que pense as suas feridas e ponha fim aos saques da
Lombardia, aos tributos do reino e da Toscana, e cure as suas chagas tanto tempo
enfistuladas. Vê-se que ela roga a Deus que lhe mande alguém que a vingue destas bárbaras
crueldades e insolências; vê-se, ainda, que ela está pronta e disposta a seguir uma bandeira,
desde que alguém a empunhe”. Por fim, encerra o texto com um célebre verso patriótico de
Petrarca, em língua original: “Virtù contro furore. Prenderà l‟arme, e fia el combatter corto; Chè
l‟antico valore, Nell‟italici cor non è ancor morto.” In.: MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São
Paulo: Círculo do Livro, s/d. p. 147-148.
75
Um interessante estudo acerca de Florença e Roma em fins do culo XV e princípios do
XVI é feito por: LARIVAILLE, Paul. A Itália no tempo de Maquiavel. São Paulo: Cia. das Letras,
1988.
76
Neste sentido, são importantes os escritos de John Locke (1632-1704), Charles de
Montesquieu (1689-1755), François-Marie Arouet mais conhecido por seu pseudônimo
„Voltaire‟ (1694-1778), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Denis Diderot (1713-1784), Jean
le Rond D‟Alembert (1717-1783) e Immanuel Kant (1724-1804), dentre outros.
37
econômico e promover a burguesia, preparando o terreno para o
desenvolvimento de um espírito nacionalista. O impulso modernizador se deu a
partir de Nápoles e Milão e, de forma mais tênue, da Toscana e Florença.
Apoiadas pela burguesia urbana, essas regiões alavancaram o
desenvolvimento da liberdade de comércio e da disseminação do ensino em
todos os seus níveis, incentivaram a criação de uma pequena propriedade
camponesa e puseram fim à Inquisição. Porém, boa parte da aristocracia e da
massa campesina aceitou mal as modernizações. Ao mesmo tempo, Viena,
Veneza, Piemonte e Roma não se inseriram neste clima de reformas.
77
Em 1789, o processo da Revolução Francesa abriu novos horizontes
às aspirações de unidade itálica, haja vista, dentre outros provimentos, o apoio
dos jacobinos à formação de uma República italiana. No âmbito europeu,
permeada pelo ideal de “liberdade, igualdade e fraternidade”, lançou bases de
uma ideia de nação enquanto comunhão de cidadãos unidos por vínculos de
preocupação cívica.
78
No caso itálico, essa concepção seria impulsionada com
maior intensidade ao longo do período de dominação napoleônica. Nas
palavras de Marvin Perry:
Durante as guerras da Revolução Francesa, a França havia
ocupado a Itália. Os franceses eliminaram muitas barreiras ao
comércio entre os Estados italianos; construíram estradas que
melhoraram as ligações entre as várias regiões e introduziram
um sistema padrão de lei sobre a maioria das terras. Os
franceses tinham outorgado também constituições aos Estados
italianos, assembleias representativas e o conceito do Estado
como uma comunidade de cidadãos.
79
Em 1796, iniciaram-se as campanhas militares de Napoleão Bonaparte
(1769-1821) no espaço italiano. Após conseguir vitórias consideráveis sobre os
piemonteses e austríacos, Napoleão criou a República Cisalpina e Italiana e
Reino da Itália, constituindo-se de um primeiro laboratório de Estado nacional
da Península, embora com capital em Paris. Estabeleceu uma legislação civil
similar à francesa, construiu ferrovias importantes para o desenvolvimento
77
BRANDALISE, Carla. Risorgimento e Revolução: as ideias de Giuseppe Mazzini. Trabalho
Manuscrito: PPG-História-UFRGS, 2008. p. 3-4.
Acerca do período Iluminista na Itália, ver: CAPANETTO, Dino. L’Italia del settecento:
illuminismo e movimento riformatore. Torino: Loescher, 1980.
78
BRANDALISE. Op. Cit. p. 5.
79
PERRY, Marvin. Civilização Ocidental. São Paulo: Martins Fontes, 1985. p. 507.
38
industrial, proviu um mercado interno quase livre de taxas alfandegárias e
promoveu a criação de destacamentos militares compostos por italianos como
auxiliares aos destacamentos franceses em suas guerras expansionistas.
Essas atitudes, aliás, maturam a ideia de consciência nacional.
80
Em escala europeia, Napoleão havia iniciado uma grande mudança
social que atacava os privilégios da aristocracia e do clero, apressando a
modernização social e política da Europa do culo XIX. Com essas reformas,
tinha um duplo objetivo: promover a eficiência administrativa e conseguir o
apoio dos povos conquistados. Porém, seu princípio de governo se baseava
em explorar os territórios sobre sua influência em favor da França,
transformando-os em seus satélites.
81
Igualmente, como ocorrera no restante
da Europa, nas áreas ilicas, a empolgação inicial dos setores burgueses em
relação ao governo de Napoleão foi logo substituída por um sentimento de ódio
e rejeição aos franceses.
82
A partir desse movimento de repúdio à governança
napoleônica, a concepção da unidade nacional italiana começa a adquirir
novas tonalidades que, após o Congresso de Viena (1815), corroboram
paulatinamente para o surgimento de um sentimento nacionalista.
2) Da Restauração à Unificação: o Risorgimento
Após a derrota de Napoleão em Leipzig, os representantes das
grandes monarquias europeias se reuniram no Congresso de Viena (1814-
1815), visando restabelecer a situação política anterior à Revolução Francesa,
ou seja, a restauração das antigas monarquias e a reinstalação da aristocracia
no poder.
83
Porém, o período de dominação napoleônica sobre o território
80
MARQUES. A difícil trajetória do Risorgimento. In.: Revista História Viva. São Paulo: Duetto
Editorial. Ano V. N°.: 25. p. 34.
81
PERRY. Op. Cit. p. 456.
82
Acerca do período de governo napoleônico na Península Itálica ver:
ALBONICO, Aldo; RASOLI, Gianfausto. Itália y America. Laterza, 1994. p. 103-137.
Para estudo aprofundado sobre a mesma temática ver:
CAPRA, Carlo. L’età rivoluzionaria e napoleônica in Itália 1796-1815. Torino: Loescher, 1986.
83
Representando a Áustria, o “arquiconservador” príncipe Klemens von Metternich (1773-1859)
se destacou como a figura central do Congresso de Viena, do qual também participaram
representantes da Grã-Bretanha (Robert Stewart, visconde de Castlereagh 1769-1822), da
Rússia (czar Alexandre I 1777-1825), da Prússia (príncipe Karl von Hardenberg 1750-1822)
e da França (príncipe Charles Maurice de Talleyrand-Périgord 1754-1838). Dentre as
39
italiano havia plantado a semente da formação da consciência nacional
84
,
impossibilitando um regresso total ao passado. Pelo acordo feito no Congresso
de Viena, a área itálica foi dividida nos seguintes pequenos Estados:
a. O Piemonte, a noroeste, e a ilha de Sardenha constituíam o
Reino Sardo-Piemontês, autônomo e soberano, governado por
uma dinastia italiana, a casa de Savóia;
b. O Reino Lombardo-Veneziano e os Ducados de Parma, Módena
e Toscana, governados pelos príncipes Habsburgo subservientes
à Áustria, ao norte;
c. Os Estados Pontificais, governados pelo papa, na região central;
d. O Reino das Duas Sicílias, governado pela dinastia de Bourbon,
ao sul.
Essa fragmentação da Península representou uma involução aos
tempos pré-napoleônicos, gerando um amplo descontentamento por parte da
burguesia italiana que foi banida do centro do poder governativo. Tamm, no
setor econômico, a concorrência de produtos italianos no exterior acabou
sendo grandemente prejudicada. Dessa forma, a série de descontentamentos
gerada devido às condições impostas pela Restauração e a semente plantada
pelas ações napoleônicas no território italiano levaram a uma série de levantes
revoltosos. Era o começo do Risorgimento.
Inicialmente, não tendo forças para manter uma oposição legal frente
aos governos vigentes na Península, a burguesia liberal descontente agregou-
se em seitas secretas que se alimentaram do ideário romântico-nacionalista,
buscando promover as lutas em prol da construção da unidade italiana. A mais
conhecida destas seitas foi a Carbonaria. Nascida por volta de 1810, viera dos
escombros da franco-maçonaria, com a qual possuía afinidades de
pensamento, como a defesa dos ideais liberais e o combate à intolerância
principais propostas firmadas pelo Congresso pode-se ressaltar a criação da Santa Aliança
(1815) - não aderida pela Inglaterra - com o objetivo de reprimir a onda liberal e democrática
lançada pela Revolução Francesa.
84
Como dito anteriormente, Bonaparte fundou, em 1797, a República Cisalpina (formada pela
Lombardia e partes dos estados pontifícios), situação que perdurou até 1804. Àqueles
habitantes das regiões do Norte havia sido deixado o futuro embrião do Estado nacional
Italiano.
40
religiosa e ao absolutismo. A Carbonaria surgiu em Nápoles, fundada por
Joaquim Murat (1767-1815), que, mesmo sendo cunhado de Napoleão
Bonaparte, lutava contra a espoliação francesa sobre o território italiano.
85
As
reuniões entre seus membros se davam em cabanas de carvoeiros
86
e os
carbonari utilizavam uma escrita codificada para corresponderem-se.
87
Seus
quadros saíam das camadas burguesas da sociedade, sendo universitários e
intelectuais (a chamada inteligentsia)
88
, cuja direção de combate se aproximava
daquela da maçonaria, ou seja, opor-se à intolerância religiosa, ao absolutismo,
defendendo os ideais liberais. O objetivo do movimento era claro, o de
conquistar a unidade política da Península Itálica. Suas ações, no entanto,
eram esparsas e mal organizadas, além de possuírem pouca ligação com as
massas populares, que, sendo uma organização secreta, não faziam
propaganda acerca de suas atividades. A maioria do povo italiano se constituía
de camponeses analfabetos que nham grande apego à sua região local e
fortes ligações com a estrutura social imposta no Antigo Regime, portanto
extremamente religiosos e devotos ao papa. A falta de apoio popular foi um dos
fatores mais diretamente responsáveis pelo fracasso das ações dos
carbonari.
89
Os primeiros complôs carbonari transcorreram entre os anos de 1820-
21. Em março de 1820, claramente incitados pelas agitações ocorridas pouco
antes na Espanha, membros do exército e da Carbonaria, liderados pelo
General Guglielmo Pepe (1773-1855), forçam o rei Fernando I de Habsburgo-
Lorena (1793-1875) a firmar uma constituição e um governo parlamentar.
Aliado ao sucesso dos insurgentes em Nápoles, a Sicília tamm se revolta.
Entretanto, os desentendimentos entre os revolucionários napolitanos e
sicilianos acabaram por enfraquecer o movimento, abrindo passagem para que
85
BRANDALISE. Op. Cit. p. 16.
86
Em italiano carbonaro significa carvoeiro.
87
O alfabeto carbonaro previa uma letra substituindo outra, segundo a seguinte regra de
conversão:
Alfabeto original: A|B|C|D|E|F|G|H|I|L|M|N|O|P|Q|R|S|T|U|V|Z
Alfabeto Criptado: O|P|G|T|I|V|C|H|E|R|N|M|A|B|Q|L|Z|D|U|F|S
In.:http://pt.wikipedia.org/wiki/Alfabeto_carbon%C3%A1rio
88
Um estudo aprofundado acerca das pretensões dos diferentes grupos e discursos que
permearam o desenrolar do Risorgimento é feito por: BANTI, Alberto M. La nazione del
Risorgimento. Torino: Giulio Einaudi editore s.p.a., 2000.
89
BRANDALISE. Op. Cit. p. 17.
41
Metternich, chanceler austríaco, colocasse um fim nas duas revoltas.
Aproveitando-se da partida das tropas austríacas para Nápoles, em março de
1821, os carbonari tamm se insurgiram em Piemonte, inicialmente contando
com certo apoio do príncipe herdeiro Carlos Alberto de Savóia-Carignano
(1798-1849) que, instaurado regente, concede a proclamação de uma
constituição em moldes liberais. Carlos Alberto, porém, acaba por
desempenhar um papel ambíguo ao longo da insurreição, aproximando-se dos
contrarrevolucionários. O rei Vitor Emanuel I de Savóia (1759-1824) pede
socorro à Áustria para esmagar os insurgentes, tarefa que acaba sendo
cumprida por seu irmão Carlos Félix (1765-1831).
90
Da mesma forma que nos
territórios napolitanos e sicilianos, os revoltosos piemonteses que sobreviveram
foram condenados à morte ou forçados ao exílio.
91
Quase dez anos depois, em 1830, na França, deflagrou-se uma revolta
contra a governança de Carlos X (1757-1836) que, derrubado do poder, foi
substituído por Louis-Philippe d‟Orléans (1773-1850), apoiado pela alta
burguesia. Inspirando-se nesse contexto, os carbonari iniciaram uma
sublevação, em 1831, a partir de Módena, expandindo-se para Bolonha, Parma
e Romagna. A revolta de Módena baseara-se nos projetos do carbonaro Enrico
Misley, que obteve apoio de parte da Carbonaria e de uma importante figura do
Risorgimento; o ex-carbonaro Ciro Menotti (1798-1831). Mas, em fevereiro de
1831, antes que estourasse o levante, Francisco IV mandou prender vários
revoltosos, inclusive Menotti. Contudo, isso não contém a insurreição que
culmina, em fevereiro, com a proclamação da destituição do Pontifício Romano
e a constituição das Províncias Unidas Italianas, unindo Módena, Parma e a
Emília-Romagna.
92
A França, no entanto, não apoiou o movimento, as massas
populares permaneceram indiferentes à causa e ocorreram desavenças entre
os revolucionários. Destarte, juntamente com as tropas pontificais, os
90
Ibid. p. 17-18.
91
As informações que seguem no presente subcapítulo, quando o acompanhadas de notas
de rodapé, não foram diretamente extraídas do pensamento de uma única obra. Compõem-se
da leitura dos seguintes autores: AGULHON, Maurice. 1848: O aprendizado da República. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p. 9-32 e 219-241; DROZ, Jacques. Europa: restauración y
revolución, 1815-1848. Madrid: Siglo XXI, 1985. p. 172-185; _______. La Europa Remodelada,
1848-1878. Madrid: Siglo XXI, 1985. p. 287-330; LEPRE, Aurélio. Il Risorgimento. Torino:
Loescher, 1978. p. 127-280; PERRY. Op. Cit. p. 500-501 e 509-513; SMITH, Denis Mack.
Storia d’Italia. Roma-Bari: Editori Laterza, 2000. p. 3-33.
92
BRANDALISE. Op. Cit. p. 18-19.
42
austríacos conseguiram restabelecer a antiga ordem. Novamente, como
ocorrera nos levantes de 1820-21, revoltosos morreram, salientando-se o nome
de Ciro Menotti, ou exilaram-se.
Após ser libertado por ter participado das rebeliões de 1831, Giuseppe
Mazzini exilara-se em Marselha, onde fundara a Giovine Italia
93
, uma nova
organização secreta com o intuito de unificar a Península Itálica, porém, sob a
forma de um governo republicano.
94
Mazzini rompeu com os carbonari, pois
acreditava que eles fracassaram por planejarem apenas levantes locais e o
possuírem apelo popular à causa. Deste modo, em 1833, tentou organizar um
levante no Reino Sardo-Piemontês, que não chegou a se concretizar. Mazzini
não desiste e, em 1834, organizou outro ataque à casa de Savoia, partindo das
sedes de seus adeptos na Suíça. Nesta revolta se destacou um comandante
da marinha sarda ligado a Mazzini, Giuseppe Garibaldi (1807-1882). A
expedição acabou malograda e os envolvidos fugiram para o exílio. Muitos
vieram para o Brasil, dentre eles o próprio Garibaldi, que, posteriormente, lutou
ao lado dos insurgentes rio-grandenses na Guerra Farroupilha. Ainda no ano
de 1834, estando em Berna, Mazzini fundou a Giovine Europa, uma
organização nos moldes da Giovine Italia, mas de viés mais amplo, por
acreditar que o ideal republicano-democrático deveria se alastrar por toda
Europa, como condição sine qua non para triunfar como forma de governo em
uma Itália unificada. Novos levantes foram tramados por Mazzini nos anos de
1837, 1841 e 1843-44, porém falharam como os anteriores.
95
No ano de 1848, eclodiu uma revolta na França que derrubou Louis-
Philippe do poder, chegando ao fim o reinado dos banqueiros”. Instaurou-se
um governo provisório que proclamou a República e estabeleceu o sufrágio
93
Na ngua italiana atual, traduz-se a palavra jovem para giovane. No presente trabalho,
optou-se por utilizar o termo da forma originalmente utilizada nos escritos de Mazzini, ou seja,
giovine.
94
Ao conteúdo democrático das associações de Mazzini opunham-se homens que pleiteavam
reformas políticas menos radicais na sociedade italiana. Neste sentido, desejavam a unidade
política da Península sob um regime monárquico constitucional, organizado ao redor do trono
de Sardenha-Piemonte. Também, havia os neoguelfos, cuja nomenclatura tem origem nos
políticos do Medievo que visavam a manutenção do poder temporal europeu nas mãos dos
papas romanos. Estes neoguelfos tinham como líder Vicenzo Gioberti (1801-1852), sendo seu
objetivo aliar-se a Áustria para constituir uma monarquia constitucional sob governo papal.
95
Versão aprofundada acerca destes períodos da vida de Mazzini está exposta em SARTI,
Roland. Giuseppe Mazzini: la politica come religione civile. Roma: Editora Laterza, 2005. p.57-
153.
43
universal. Desse governo participaram tanto socialistas quanto burgueses
liberais, porém os primeiros ficaram com um poder reduzido, o que gerou uma
série de manifestações populares. Temerosos, os liberais burgueses pediram a
intervenção do General Louis-Eugène Cavaignac (1802-1857) para impor
ordem no país. O General reprimiu fortemente as manifestações, ocasionando
milhares de mortes. Após o massacre, realizaram-se eleições para a
presidência da República, sendo vencedor Carlos Luís Napoleão Bonaparte,
sobrinho de Napoleão. Em dezembro de 1852, ele conseguiu o apoio
necessário para realizar um plebiscito que decidiu pelo fim da República e pela
instauração do Império na França. Iniciava, assim, o segundo Império
Napoleônico, que durou até 1870 e teve fortes reflexos na formação do Estado
unificado italiano.
96
Os acontecimentos do ano de 1848, chamados de “a primavera dos
povos”, espalharam-se rapidamente da França pelo restante da Europa e pela
América
97
, chegando à Itália, onde se destacaram duas correntes nas lutas
pela unificação: a dos republicanos, lideradas por Mazzini e Garibaldi (que
retornara da América), e a dos monarquistas, lideradas pelo conde Camillo
Benso de Cavour (1810-1861), primeiro ministro de Sardenha e Piemonte.
Primeiramente, a insurreição irrompeu na Sicília, estendendo-se para Nápoles,
Toscana, Estados Pontificais e Sardenha-Piemonte, onde todos os respectivos
governantes se sentiram compelidos a realizar reformas liberais. Na sequência,
as revoltas atingiram as terras dos Habsburgos, ao norte, onde a população
milanesa envolveu-se diretamente nas batalhas, conseguindo a retirada dos
austríacos. Da mesma forma, a população veneziana declarou-se livre da
Áustria, formando uma República. Inspirado nessa onda de bons resultados, o
rei Carlos Alberto declarou guerra contra a Áustria, com o intuito de adquirir os
territórios da Lombardia e de Veneza. Porém, as forças reacionárias austríacas
se recuperaram e reafirmaram sua autoridade, retomando um a um os
territórios insurretos. Ao mesmo tempo, Luís Napoleão foi em auxílio do Papa
Pio IX (1792-1878), entrando em Roma, destruindo a incipiente República local
96
AGULHON. Op. Cit. p. 33-34.
97
Essa onda liberal chegou ao Brasil, onde eclodiu a chamada Revolução Praieira (1848-
1850), que visou separar Pernambuco do restante do país, dentre outros objetivos.
44
e permitindo que o Sumo Pontífice retornasse ao poder. Sendo assim, a Itália
continuava sob domínio austríaco, mantendo-se fragmentada.
O fracasso das rebeliões de 1848 comprovou a ineficácia do modelo
mazziniano de revoltas armadas pelas massas despertas para uma potencial
unificação do território itálico. Isso porque as massas não estavam
profundamente engajadas na causa de unidade nacional, bem como não
tinham condições de competir com as forças armadas austríacas.
98
Caberia ao
conde de Cavour, um político cauteloso e prático, arquitetar a unidade da
Península. Visando melhorar a imagem de Sardenha-Piemonte no âmbito
internacional, lançou uma série de reformas econômicas, em pouco tempo
transformando seu Estado em progressista e moderno. Habilmente, em 1855,
uniu-se à França e à Inglaterra na Guerra da Criméia (1853-1856) contra a
Rússia, país com o qual não possuía nenhuma desavença, procurando receber
a atenção dos dois primeiros países para a questão itálica. Assim sendo, na
assinatura do Tratado de Paris (30 de março de 1856), que s fim à guerra,
Cavour denunciou a Áustria por ocupar terras italianas e, conjuntamente,
encorajou o sentimento antiaustríaco entre os peninsulares.
Em 1859, quando a Áustria declarou guerra à Sardenha-Piemonte nem
Cavour poderia prever o que aconteceria. O conflito espalhara-se por Parma,
Modena, Toscana e Romagna, onde os governos insurretos votaram pela união
com o Reino Sardo-Piemontês. A amplitude da revolta foi tal que tanto a
França quanto a Áustria não arriscaram uma ação militar. Dessa maneira,
estava unificada boa parte do norte italiano. Coube a Giuseppe Garibaldi,
novamente retornando do exílio, conquistar o sul da Península, na primavera
de 1860, com seu exército de mais de mil voluntários, os mil de Garibaldi” ou
“mil camisas vermelhas” como foram chamados por usarem este tipo de
vestimenta. Mesmo possuindo ligações com o ideário republicano de Giuseppe
Mazzini, Garibaldi preferiu entregar as terras que havia conquistado à Casa de
Savoia do que perpetuar a desunião da Península. Vitor Emanuel foi
proclamado rei da Itália, em 17 de março de 1861, sendo que a capital foi
transferida de Turim para Florença, em 1865, quando Cavour já havia falecido.
98
PERRY. Op. Cit. p. 509.
45
Ainda restava a anexação de Veneza e Roma ao país recém-nascido.
A primeira foi integrada ao Reino da Itália, com a assinatura da Paz de Viena
(1868), onde, apesar das lutas travadas por Garibaldi, a Prússia teve papel
decisivo, coagindo a Áustria à renúncia do Vêneto. a anexação de Roma,
questão de honra para os italianos que queriam torná-la sua capital, ficou mais
complicada. Em setembro de 1870, Vitor Emanuel tomou a cidade do Vaticano
e a proclamou capital do Reino de Itália. Não aceitando a situação nem as
compensações oferecidas por Vitor Emanuel, o papa Pio IX declarou-se
prisioneiro no Vaticano. Essa situação ficou conhecida como Questão
Romana, só obtendo resolução em 1929, quando Benito Mussolini (1883-
1845), assinou com o Papa Pio XI (1857-1939) o Tratado de Latrão, pelo qual
seria criado o Estado do Vaticano. Por fim, os territórios do Trentino, Tirol
Meridional, Trieste e Ístria permaneceram sob domínio austríaco, sendo
nomeadas Províncias irridentas”. Apenas ao final da Primeira Guerra Mundial,
algumas partes dessas áreas foram incorporadas à Itália.
2.1) O processo de formação da identidade nacional italiana
No plano das ideias, o Romantismo foi a base do Risorgimento, o se
dando de forma unilateral e se constituindo como um movimento intensamente
pluralista e de difícil conceitualização. No presente trabalho, por Romantismo
compreende-se um movimento cultural, surgido no final do século XVIII e
disseminado no século XIX, que repudia o racionalismo pregado pelos
iluministas
99
, exaltando os sentimentos humanos e o caráter individual do
ser.
100
Além de influenciar a música, a pintura, a escultura, o teatro e a
literatura, o Romantismo influenciou o modo de vida das pessoas do século
XIX, trazendo à tona a discussão sobre a brevidade da vida e expressando que
se deveria deixar aflorar as emoções humanas espontâneas. Tamm, o
99
Um estudo acerca do embate entre os pensamentos iluministas e românticos é feito por
Ernst Cassirer, no capítulo intitulado “A Filosofia do Iluminismo e os seus Críticos Românticos”.
In.: CASSIRER, Ernst. O mito do Estado. São Paulo: Códex, 2003. p. 210-221.
100
ESPINAR, Jaime. El Romanticismo. Buenos Aires: Editorial Atlantida, 1947. p. 5-8.
46
Romantismo se opõe ao ideal iluminista de ateísmo, exaltando a figura divina e
retomando a fé. Para os românticos, a religião não era ciência e silogismo, mas
uma expressão apaixonada e autêntica da natureza humana. Da mesma forma,
os românticos se contrapunham à visão mecanicista da natureza, vendo-a
como um conjunto de elementos que deveriam ser apreciados com emoção,
conjuntamente com a busca de uma unidade mística para com ela. Em suma, a
vida deveria ser alimentada pela imaginação poética.
101
O romantismo do século XIX teve extrema relação com o ideário
nacionalista, estando acompanhado da convicção de que o mais puro
sentimento de lealdade do indivíduo deveria ser dirigido à nação. Os
nacionalistas defendiam a autonomia das nações, voltando seu discurso às
pretensões de povos dominados por forças estrangeiras como era o caso da
Península Itálica de unirem-se na forma de um Estado nacional. Em direção a
essa finalidade, os nacionalistas demonstravam grande orgulho pela história e
pelas tradições do seu povo, utilizando o ideário romântico do engrandecimento
de um passado histórico, bem como da escolha da nação por Deus. Assim, em
um momento em que o cristianismo estava enfraquecido, o nacionalismo se
tornou a força espiritual que deu ao indivíduo uma coesão comunitária e uma
razão digna de autossacrifício. Criou novos mitos, mártires, e datas sagradas
(comemorativas) que estimularam a reverência. Ofereceu uma missão, o
progresso da nação, à qual o povo podia se dedicar.
102
Porém, deve-se atentar
para o fato de que o nacionalismo não substituiu a religião. O que ocorreu,
portanto, foi uma sacralização da ideia de nação.
O próprio conceito de nação, provindo da Revolução Francesa, fora
alterado com o surgimento do “princípio das nacionalidades”, mais
especificamente no contexto dos movimentos surgidos na década de 1830. De
acordo com Eric Hobsbawn, este “princípio” possuía critérios:
Na prática havia três critérios que permitiam a um povo ser
firmemente classificado como nação [...] O primeiro destes
critérios era sua associação histórica com um Estado existente
ou com um Estado de passado recente e razoavelmente
101
MOMIGLIANO, Attilio. História da literatura italiana. São Paulo: Ind. Gfica Siqueira, 1948.
p. 368-370.
102
PERRY. Op. Cit. 467-473.
47
durável. [...] O segundo critério era dado pela existência de uma
elite cultural longamente estabelecida, que possuísse um
vernáculo administrativo e literário escrito. Isso era a base da
exigência italiana e alemã para a existência de nações, embora
os seus respectivos „povos‟ não tivessem um Estado único com
o qual pudessem se identificar. Em ambos os casos, a
identificação nacional era fortemente linguística, mesmo que [...]
a ngua nacional fosse falada diariamente por mais do que uma
pequena minoria [...] e que o resto falasse vários idiomas, com
frequência incompreensíveis mutuamente. [...] O terceiro critério,
[...] era dado por uma provada capacidade para a conquista.
Não
há nada como um povo imperial para tornar uma população
consciente de sua existência coletiva como povo [...].
103
O ideário romântico, portanto, convergiu para uma proposta de
soberania dos povos. Porém, é necessário esclarecer que o processo de
Unificação Italiana merece algumas ressalvas. A respeito desse tema,
Hobsbawn coloca que os italianos “[...] tinham toda sorte de identidades, mas
nenhuma baseada numa língua que eles falavam e num Estado que passara a
existir sobre suas cabeças. [...] Não havia nada de primordial na italianidade
[...]”.
104
A unificação da Península foi concluída no ano de 1870, com a
proclamação de Roma como capital da Itália. Mais do que fatores externos,
deve-se compreender esta tardia unidade em suas causas endógenas.
Primeiramente, considerar que o campanilismo (o apego ao campanário de seu
povoado) é uma forte herança do Império Romano, que acabou por dotar o
indivíduo de um sentimento de pertencimento e identidade maiores à região
local do que a Roma. Somado a isso, as divisões político-econômicas pelas
quais passara o território itálico ao longo dos séculos sedimentavam esta
devoção à região local em detrimento das ideias de unidade nacional. Outra
característica particular da sociedade italiana foi a presença da Igreja Católica
que, de acordo com suas pretensões políticas, conseguiu evitar a consolidação
de todo tipo de poder hegemônico na Península.
105
Indiretamente, no entanto,
a crença religiosa no catolicismo acabou por ser um vínculo de aproximação
entre a população do espaço itálico, juntamente com a área geográfica que, por
103
HOBSBAWN, Eric j. Nações e nacionalismos desde 1780: programa, mito e realidade. São
Paulo: Paz e Terra, 1991. p. 49-50.
104
HOBSBAWN, Eric. J. Etnia e nacionalismo na Europa de hoje. In.: BALAKRISHNAN, Gopal.
Um Mapa da Questão Nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000. p. 273.
105
MARQUES, Luiz. O apelo à imaginação. In.: Revista História Viva. Op. Cit. p. 39.
48
suas fronteiras naturais, também é em si um fator de unidade. De acordo com
Denis Mack Smith: a Itália era uma unidade territorial muitos séculos antes de
se tornar um Estado-Nação diferentemente dos Países Baixos, que,
politicamente, eram um Estado antes de ser uma nação ou uma entidade
geográfica”.
106
Mesmo assim, a crença religiosa em comum e o território
delimitado pela natureza não foram elementos suficientemente fortes para
gerar uma coesão das massas a ponto de levar à construção de um Estado-
Nação.
Durante o Risorgimento, as artes tiveram papel fundamental para a
construção de um sentimento de italianidade. De acordo com Luiz Marques:
O sonho de uma Itália unida existia desde o século XIV [com
Petrarca, Cola di Rienzo e, posteriormente, Maquiavel], mas a
dominação estrangeira e o regionalismo impediram que esse
projeto se concretizasse até o século XIX. Foi durante as
campanhas do Risorgimento que a arte ajudou a criar uma
identidade nacional italiana moderna.
107
Influenciada pelo romantismo, a literatura, através de poesias,
romances e obras históricas, serviu para a construção de uma língua nacional
a partir do toscano. Na Idade Média, os escritos de Francesco Petrarca (1304-
1374)
108
e, destacadamente, os de Dante Alighieri (1265-1321)
109
corroboraram
106
SMITH. Op. Cit. p. 03.
107
MARQUES. Op. Cit. p. 38.
108
Petrarca nasceu em Arezzo, na Toscana, destacando-se como estudioso e poeta
humanista. É considerado o inventor do soneto. Petrarca enalteceu a pátria na Canzone
all´Italia, de 1346, e, um ano depois, aproximou-se do tribuno romano Cola di Rienzo
esperando que seu plano de formação de uma confederação de tiranos viesse a dar uma forma
qualquer de unidade à Península. Como outros eruditos de sua época, celebrou a grandeza da
antiga Roma, escolhendo como personagem símbolo de um possível renascer italiano o
general romano Cipião, o africano (poema “África”), desaparecido no culo II a.C.; o homem
que afastara o perigo de Roma cair em mãos inimigas e que derrubara Anibal na batalha de
Zama, em 202 a.C.
109
Dante Alighieri, nascido em Florença, ao invés de utilizar o latim, escreveu seus textos em
língua vernácula italiana. Inspirou-se na Eneida de Virgílio, em busca da antiga Roma. Assim,
escreveu a Divina Comédia, dividida em três tomos: Inferno, Purgatório e Paraíso. No Canto VI
do Purgatório, Dante discursa sobre a decadência da Itália: “Ah serva Itália, lar do pesar, nau
sem piloto em grande tempestade, não és nenhuma rainha de Províncias, mas um bordel!
Como foi presta, aquela alma gentil, só pelo doce nome de sua terra a fazer festa ao encontrar
seu concidadão. Mas agora, não vives sem guerra, e mesmo aqueles que moram dentro das
mesmas muralhas, vivem devorando uns aos outros. Busca, misevel, no teu interior e nas
tuas costas, se algum lugar que esteja em paz segura. […] Vem, ó cruel, vem ver o
sofrimento de teus nobres. Vem para a tua Roma que chora, viúva e só, e que dia e noite
chama: „Ó César meu, por que me abandonaste?‟ Mas vem ver como a gente se ama! E, se
não tens piedade de nós, vem para te envergonhares de tua fama. É lícito pensar, ó sumo
Jove, que foste na Terra por s crucificado, que teus justos olhos não mais nos olham? Ou é
49
para uma posterior construção de uma língua literária italiana. No culo XIX,
poetas como Alessandro Manzoni
110
criam novos símbolos nacionais ao
evocarem um passado idealizado, exaltando as glórias do Império Romano e
do Renascimento. Novos termos são inseridos no campo das letras, como
“nação” e pátria
111
, e romances como os de Walter Scott
112
e Alexandre
Dumas
113
, dentre outros, trazem a temática da guerra ao cotidiano dos
italianos, ressaltando os “heróis” como personagens valorosos, corajosos e
cheios de honra, com os quais os indivíduos podiam identificar-se. Ainda no
âmbito das letras, a imprensa jornalística foi de extrema importância para
disseminar o ideário de Unificação Italiana, destacando-se a figura de Mazzini e
seus periódicos editados no continente europeu, de acordo com a expansão de
seus movimentos giovini.
O papel da música não foi menos importante que o das letras. Escreve
Marques: Foi por meio da ópera que a Itália encenou uma espécie de
psicomelodrama de sua identidade nacional”.
114
Assim, a ópera “Nabucco”, de
Giuseppe Verdi
115
, teve uma de suas estrofes Va, pensiero, sull‟ali dorate”
tornando-se hino dos nacionalistas da Península, em especial dos milaneses,
pelos ideais patrióticos em oposição à dominação austríaca. A ópera acabou
parte de um grande plano que preparas para o nosso bem e que somos incapazes de
compreender? Todas as cidades da Itália estão dominadas por tiranos”. ALIGHIERI, Dante. A
Divina Comedia. Purgatorio. Canto VI. In.: www.stelle.com.br
110
Alessandro Francesco Tommaso Manzoni (1785-1873) foi um dos mais importantes nomes
da literatura italiana. Escreveu I promessi sposi,traduzida para o português com o título Os
noivos”.
111
RIALL, Lucy. Garibaldi: L‟invenzione di un ero. Roma-Bari, Editori Laterza, 2007. p. 09.
112
Sir Walter Scott, (1771-1832), nascido em Edimburgo, foi um dos grandes criadores do
romance histórico. Escreveu mais de duas dezenas de obras, dentre as quais deve-se citar: “A
Senhora do Lago (1810), Rob Roy‟” (1818), Ivanhoe (1819) e A vida de Napoleão
Bonaparte (1827), dentre outros.
113
O francês Alexandre Dumas (1802-1870) escreveu romances e crônicas históricas com
muita aventura que estimulavam a imaginação do público francês e de outros países nos
idiomas para os quais foram traduzidos. Dentre suas obras mais famosas figuram O Conde de
Monte Cristo(1844), Os três Mosqueteiros (1844), A Rainha Margot(1845), A Condessa
de Charny (1853). Seu filho, também chamado Alexandre Dumas (1824-1895), seguiu seus
passos, sendo autor do romance A Dama das Camélias (1848), que inspirou a Ópera La
Traviata de Giuseppe Verdi.
114
MARQUES. Op. Cit. p. 42.
115
Giuseppe Fortunino Francesco Verdi (1813-1891) foi um compositor de óperas do período
romântico italiano, sendo na época considerado o maior compositor nacionalista da Itália. Sua
ópera Nabucco (1842) falava a respeito da dominação dos hebreus por Nabucodonosor, o
que gerou uma identificação com o sentimento do povo italiano, sob a repressão dos
austríacos e franceses. O famoso coro Va, pensiero, sull’ali dorate (Voa, pensamento, com
asas douradas) foi considerado um símbolo nacional pelos italianos.
50
por representar à Itália do Risorgimento uma identidade com o discurso
nacional-patriótico. De acordo com Lucy Riall:
A tese fundamental da ópera de Banti é que as testemunhas
risorgimentistas produziram, neste período dos escritores e dos
artistas românticos, símbolos, imagens e metáforas que os
patriotas italianos, como Mazzini, puderam fazer próprios.
116
As artes plásticas também corroboraram para a construção da
identidade nacional italiana. O drama histórico se faz presente em obras de
Giovanni Fattori (1825-1908)
117
, Cesare Bartolena (18301903)
118
e Telemaco
Signorini (1835-1901)
119
, dentre outros. O passado italiano glorificado aparece
na pintura e tal foi a sua importância que, em 1859, o governo provisório da
Toscana lançou como tema de um concurso de pintura as guerras de
independência contra o estrangeiro.
120
Ao se analisar a trajetória do Risorgimento, percebe-se que esse
processo atingiu em maior parte as camadas altas da sociedade itálica, nunca
tendo se constituído de um movimento das massas populares. Comprova-se
que, no caso italiano, a instauração do Estado adveio antes da construção da
nação e do sentimento nacionalista, sendo que o meio artístico teve papel
fundamental para a construção de uma identidade nacional que comportasse
os membros das mais variadas regiões itálicas. Isso, porém, não significou uma
116
RIALL. Op. Cit. p. 11.
117
Nascido em Livorno, Fattori tornou-se, em 1855, promotor do movimento dos macchiaioli (os
tachistas, jovens contestadores da tradição neoclássica e romântica). Indo ao encontro da
liberdade de expreso, abandonou o estilo acamico e substituiu os grandes quadros de
batalhas (como O campo italiano após a batalha de Magenta, de 1861) por cenas da vida
militar, cheias de potência e rudeza insólitas na época e por paisagens.
118
Tamm, nascido em Livorno, Bortolena frequentou o Caffè Michelangelo, local de
encontros habituais dos macchiaioli, mas não chegou a aderir ao movimento. Grande parte de
seus trabalhos encontra-se no Museu Civico “Giovanni Fattori”, como S. Raffaele arcangelo,
Ritratto del vescovo Gavi e Partenza dei volontari dal Calambrone. Cabe ressaltar que
trabalhou como retratista da casa real de Savóia.
119
Pertencente a corrente dos macchiaioli, Signorini nasceu em Florença e interessou-se em
expressar temas sociais em suas pinturas, como em La sala delle agitate, ambientado num
manicômio. Em 1859, participou das fileiras garibaldinas e, em 1867, participou da fundação do
periódico Il Gazzettino delle Arti e del Disegno, no qual prestou uma vasta gama de
colaborações.
120
MARQUES. Op. Cit. p. 43.
51
homogeneização cultural, visto que, ainda hoje, é bastante visível a diversidade
das áreas norte e sul da Península.
3) A luta de Giuseppe Mazzini
Influenciado pelo romantismo, Giuseppe Mazzini se inseriu no contexto
do Risorgimento dando corpo e forma aos objetivos dos primeiros mártires da
luta pela Unificação Italiana do ottocento, como Ciro Menotti.
121
Pregava a
revolução em oposição à restauração das monarquias absolutistas e defendia a
participação popular nas esferas governamentais.
122
Como grande ativista
político, Mazzini dedicou sua vida à criação de uma Itália unida e republicana,
bem como à expansão do ideário republicano-democrático no cenário europeu
do século XIX. Como romântico, buscou o que acreditava como “verdade
mediante o sentimento e a intuição elevados. Imaginava que uma Itália
desperta conduziria à regeneração da humanidade e que uma “Terceira Roma”
introduziria uma nova era de nações livres, de liberdade pessoal e de
igualdade. Essa era representaria um grande progresso para a humanidade,
com a paz, a prosperidade e a felicidade universal substituindo o materialismo
e o interesse individual. Com grande carisma e eloquência, Mazzini atraiu a
intelligentsia e a juventude, infundindo o Risorgimento com intensidade
espiritual.
123
3.1) Breve biografia
124
Mazzini nasceu em Gênova, em 22 de maio de 1805, e morreu em
Pisa, em 10 de março de 1872. Em 1830, tornou-se membro da Carbonaria. A
121
Como explicitado anteriormente, Menotti foi filiado a Carbonaria desde 1817 e sua forte
ligação com o ideário democrático o fez lutar arduamente contra a opressão austríaca sobre o
território italiano, sendo considerado precursor não das revoltas de 1831, mas também do
Risorgimento. Desta forma, sua imagem ficou para a posteridade como a de um destemido
herói romântico, um grande patriota.
122
BALZANI, Roberto. Il problema Mazzini. In.: Ricerche di Storia Politica. N°. 2, anno 8. Roma:
giugno 2005. p. 159-182.
123
PERRY. Op. Cit. 507-509.
124
Para um estudo aprofundado da vida e obra de Mazzini ver:
SARTI. Op. Cit.; BALZANI. Op. Cit.
52
sua atividade revolucionária o obrigou a refugiar-se em Marselha, onde
concluiu que “[...] o mau êxito das tentativas passadas cabe, não à debilidade,
mas à ssima direção dos elementos revolucionários o segredo da potência
está na constância e na unidade dos esforços”.
125
Acreditava, portanto, que os
carbonari haviam fracassado por terem tramado apenas revoltas locais, não
tendo nenhum planejamento organizado para a união da região itálica. Dessa
forma, Mazzini fundou a Giovine Itália, em Marselha, durante 1831,
disponibilizando um programa para seus futuros participantes.
126
Tratava-se de
uma organização constituída por revolucionários dedicados, muitos deles
estudantes. Essa luta sagrada, para Mazzini, exigiria heroísmo e sacrifícios,
sendo que, para manterem contato, seus membros utilizavam codinomes, na
maioria provindos da história da Península no Período Medieval. As ações da
Giovine Italia não discreparam de forma contundente daquelas postas em
prática pela Carbonaria, que Mazzini recorreu ao mesmo modelo de
organização conspiratória, não conseguindo atingir as massas populares.
O lema da Giovine Italia era “Deus é o povo”. Suas bases se
assentavam nas premissas “liberdade, independência, igualdade, unidade e
humanidade” e o seu objetivo era claro: a união dos estados itálicos em uma
República unitária, vista por Mazzini como condição sine qua non para libertar
o povo italiano dos invasores estrangeiros. Nesse sentido, para ingressar na
Giovine Italia, o indivíduo deveria prestar o seguinte juramento:
Eu, cidadão italiano, [...] juro consagrar tudo e sempre com
todas as minhas potências morais e físicas à pátria e a sua
regeneração; consagrar o pensamento, as palavras, a ação, a
conquistar a independência, a união e a liberdade da Itália.
127
É interessante notar que Mazzini tinha noção da desagregação em que
se encontrava não só o território, mas a população da Península Itálica. Assim,
salienta:
A Giovine Italia é a fraternidade dos italianos crentes em uma lei
de progresso e de dever; os quais, convencidos que a Itália é
chamada a ser nação que pode com força própria criar-se tal
125
MAZZINI, 1976. Op. Cit. p. 63.
126
Ibid. “Instruções Gerais da Giovine Italia”. p. 57-70.
127
Ibid. p. 58.
53
[...] restituí-la em nação de livres e iguais una, independente,
soberana.
128
Quando este povo italiano estivesse “desperto” para a consciência
nacional, teria uma missão
129
provinda de Deus para com a humanidade: a de
fazê-la progredir, como houvera demonstrado em seu passado. Esse era o
dever da Itália e, para segui-lo, o povo deveria ser educado. De tal maneira, os
membros da Giovine Italia possuíam a incumbência de ensinar acerca da
revolução para o povo, gerar-lhe a semente da consciência cidadã, ou seja,
criar-lhe a noção de coletividade, a nação italiana. Ainda Mazzini ressalta a
“restituição” da Itália como nação, que houvera o tempo romano de união
dos peninsulares sobre um mesmo governo. A “promoção ilimitada da instrução
pública”
130
foi um dos objetivos principais da Giovine Italia, estando inserida no
juramento que deveria ser prestado aos ingressantes na organização.
131
Essa
finalidade educadora aparece muitas vezes nas “Instruções Gerais da Giovine
Italia”, que as revoluções se preparam com educação, se maturam com
prudência, se cumprem com a energia, se fazem santas com direção ao bem
comum”.
132
Os próprios escritos de Mazzini são claramente didáticos e
doutrinários, pois repetem muitas vezes o enunciado das assertivas, a fim de
(re) explicar continuamente suas ideias, para fixá-las na mente do leitor. Com
essa mesma intenção de difusão das ideias do movimento, eram publicados
periódicos com o próprio nome da organização, sendo provável que não
tenham saído mais de seis fascículos entre 1831 e 1834.
Outras associações políticas foram fundadas por Mazzini com o intuito
de propagar o ideário republicano, como a Giovine Francia, a Giovine
Germania, a Giovine Polonia, a Giovine Spagna e a Giovine Svizzera. Mas,
alçou os mais altos ao perceber que o ideal republicano sobreviveria e
seria colocado em prática se fosse ampliado no cenário europeu. Dessa forma,
criou a Giovine Europa (Berna, abril de 1834), visando à transformação da
128
Grifado no original. Ibid. p. 63.
129
Ibid. “Da Giovine Italia”. p. 89.
130
Ibid. “Instruções Gerais da Giovine Italia”. p. 57.
131
Ibid. p. 58.
132
Ibid. p. 88.
54
Europa numa irmandade de povos livres.
133
Está disposto no “Ato de
Fraternidade da Giovine Europa”:
A Giovine Germania, a Giovine Polonia e a Giovine Italia
[fundadas até aquele momento], associações republicanas
tendem a um fim idêntico que abraça a humanidade abaixo de
um império de uma mesma fé de liberdade, de igualdade e de
progresso, unem fraternidade, agora e para sempre, por tudo
isso que concerne o fim geral.
134
Como dito anteriormente, a Guerra Farroupilha teve seu desenrolar
contemporâneo a esse espírito da Giovine Europa, ou seja, foi concomitante à
tentativa de Mazzini de ampliar a expansão do ideário republicano, que
concorreria à missão e dever dos povos na Terra: a de instauração de uma
nova era de liberdade e igualdade.
135
A tentativa de Mazzini, de expandir o
republicanismo para além da Península Itálica, influenciou uma geração de
ativistas italianos que lutaram na Guerra Farroupilha, como Giuseppe Garibaldi,
Livio Zambeccari e Luigi Rossetti, dentre outros.
Conhecido como “o eterno proscrito”, Mazzini ficou exilado de sua terra
natal por longos períodos, sempre continuando a perseguir o seu objetivo de
unificação e propagação do ideário republicano. Contudo, sua importância foi
mais no âmbito do pensamento do que da prática, sendo que, depois do
fracasso dos levantes de 1848, durante a qual esteve à frente da breve
experiência da República de Roma, os nacionalistas começaram a ver no
Reino Sardo-Piemontês um rumo mais eficaz para a unificação da Península.
Em 1870, Mazzini foi novamente preso e condenado ao exílio, retornando com
nome falso a Pisa, onde viveu asua morte em 1872, jamais tendo aceito a
monarquia.
133
SARTI. Op. Cit. p. 29-114.
134
MAZZINI, 1976. Op. Cit. p. 176.
135
Ibid. “Da iniciativa revolucionária na Europa”. p. 185-187.
55
3.2) O ideário mazziniano
Até este ponto, utilizaram-se os seguintes textos de Mazzini: “Instrução
Geral da Giovine Italia”, (escrita em agosto de 1831), “Da Giovine Italia
(Marselha, 1831), Giovine Europa: Ato de Fraternidade” (abril de 1834) e “Da
iniciativa revolucionária na Europa” (Paris, janeiro de 1835).
136
Apesar de
bastante posterior à Guerra Farroupilha, daqui para frente se aprofundará a
análise com o acréscimo do texto “Deveres do Homem” (Londres, 1860)
137
,
que, como dito anteriormente, este documento apresenta grande parte das
ideias que Mazzini apregoou e que nortearam sua luta em prol da República.
“Deus, Humanidade, Pátria e Família” foram fundamentos que
regeram o pensamento de Mazzini e sobre os quais os deveres dos homens
deveriam se dirigir. Nos escritos mazzinianos, tais fundamentos se entrelaçam
em grau de significância, pois deveriam caminhar juntos para propiciar o
progresso da raça humana, o melhoramento do homem e das instituições, no
sentido de uma moral apurada e baseada nos preceitos de Deus, a qual
gerasse a harmonização da vida terrena. Por conseguinte, e como dito
anteriormente, os escritos de Mazzini possuem um tom doutrinador e em
“Deveres do Homem ele discorre sobre o modo como se deveria agir e
conviver em sociedade. A vida humana deveria ir ao encontro da verdade, que
não teria outra origem senão o próprio Deus, vivente em nossa consciência
particular e na consciência da humanidade. A fonte de inspiração para a
convivência social deveria provir de Deus e o ser humano deveria estar ciente
de que sua passagem na Terra é transitória, pois constitui apenas uma etapa
do desenvolvimento de sua vida , já que a alma é imortal. Assim, esclarece:
Sem Deus, onde es o Dever? O povo entender-vos e
repetirá convosco: „Cremos em Deus Padre, Inteligência e Amor,
Criador e Educador da Humanidade‟. E com estas palavras,
vencereis, vós e o Povo.
138
136
Inseridos em: MAZZINI, 1976. Op. Cit.
137
MAZZINI, 1952. Op. Cit.
138
Ibid. p. 357-358.
56
Porém, não deve-se cair no erro de compreender a religiosidade de
Mazzini como uma aproximação sua com o catolicismo. Pelo contrário, ele
lançou fortes críticas à Igreja Católica, a qual via como instituição “tirânica” de
poder, muito mais do que fonte de espiritualidade. Em verdade, o ideário
mazziniano é mais aproximado de um pensamento jansenista
139
, porém com
um tipo particular de visão acerca da imagem divina: a igualdade dos seres
humanos residiria, como um todo, no cristianismo.
140
Até mesmo Lutero fora
citado nos textos de Mazzini, quando este salienta: “Jovens meus irmãos [...]
em Deus, na retidão, e em nós! era o grito de Lutero, e comovera uma
metade da Europa”.
141
Além da presença da figura de Deus, a passagem acima nos traz outro
elemento, o povo, cuja intensa presença nos escritos mazzinianos denota a
suma importância que lhe é delegada. Pelo tom utilizado nos textos de Mazzini,
nota-se que este povo deve tornar-se uma nação, ou seja, adquirir a
consciência de pertencente a determinada população. No momento em que o
povo conscientiza-se de sua unidade em determinada sociedade, passa a
constituir-se como nação: Convencido que onde Deus quis que existisse
nação, forças necessárias para criá-la o povo é depositário daquelas
forças que ao dirigi-la pelo povo e com o povo está o segredo da vitória”.
142
Deus e povo são os componentes centrais de seu ideário. O primeiro
como ser supremo, cujo poder e bondade o de intensidade inimaginável,
devendo ser adorado e suas palavras compreendidas e postas em prática; o
segundo, o ser humano visto em sua forma coletiva, pois o homem deveria se
projetar no grupo e fugir do individualismo destruidor da harmonia social. Em
Deus e para a Humanidade reside o programa da Giovine Europa, com vistas
ao início de um novo tempo, cuja liberdade, fraternidade e igualdade seriam
139
O jansenismo foi um movimento religioso, de viés político, que se desenvolveu
principalmente na França e na Bélgica, nos séculos XVII e XVIII, em reação a certas evoluções
da Igreja Católica e ao absolutismo real. Sua origem resulta das ideias do bispo de Ypres, o
holandês Cornelius Jansen, como uma versão modificada do calvinismo. A difusão do
jansenismo se deu através da obra mais famosa de Jansen, Augustinus, seu doctrina Sancti
Augustini de humanae naturae, sanitate, aegritudine, medicina adversus Pelagianos et
Massilienses, onde buscou expressar com clareza a doutrina de Santo Agostino.
140
MAZZINI, 1976.Op. Cit. “Da iniciativa revolucionária na Europa”. p. 185.
141
Ibid. “Da Giovine Italia”. p. 91.
142
Ibid. “Instruções Gerais da Giovine Italia”. p. 70.
57
alcançadas com a associação “[...] de todos: associação dos iguais. [...] Não
pode existir liberdade se não entre homens iguais: igualdade dos povos:
solidariedade e capacidade de iniciativa para todos”.
143
A busca da harmonia na sociedade está permeada pela existência da
lei, já que, para Mazzini, ela é inerente à condição humana, visto que “não
vida sem lei”.
144
A norma, no entanto, não pode ser constituída arbitrariamente
pelos homens e seus governantes, mas provir de Deus:
Sem Deus, qualquer que seja o sistema civil que desejeis
adotar, tereis como base a Força, cega, brutal, tirânica. [...]
Se não reina uma mente suprema sobre todas as mentes
humanas, quem pode salvar-nos do arbítrio dos nossos
semelhantes, quando se acham mais poderosos do que nós? Se
não existe uma lei santa e inviolável, não criada pelos homens,
que norma teremos para julgar se um ato é justo ou injusto?
145
A lei de Deus é a lei da verdade e seu conhecimento é imprescindível
para criarmos a situação de progresso necessária para a construção de uma
vida plena em comunidade. A compreensão desta lei está presente no instinto
humano e foi sendo apresentada, paulatinamente, ao longo da história da
humanidade. E é a própria humanidade que, ganhando vida própria, é
assemelhada por Mazzini a um homem que aprende sempre e cuja tradição
repassa esta lei divina à sociedade. Por conseguinte:
[...] para conhecer a lei de Deus, tendes necessidade de
interrogar não a vossa consciência, mas a consciência, o
consenso da Humanidade; para conhecer os vossos deveres,
tendes necessidade de interrogar as necessidades atuais da
Humanidade. [...] Deus, Pai e Educador da Humanidade, revela
no espaço e no tempo a sua lei à Humanidade. Interrogai a
tradição da Humanidade, o consenso dos vossos irmãos, não no
círculo estreito de um século ou de uma seita, mas em todos os
séculos e na maioria dos homens passados e presentes.
146
A humanidade, consequentemente, é a intérprete da lei de Deus,
designada diretamente por ele. No entanto, Mazzini fala em humanidade como
um todo coeso, sem compreender as especificidades de cada sociedade. Seu
143
Ibid. “Da iniciativa revolucionária na Europa”. p. 187.
144
MAZZINI, 1952. Op. Cit. p. 358.
145
Ibid. p. 357.
146
Ibid. p. 363-364.
58
pensamento, portanto, poderia ser compreendido como o de um
“internacionalista humanitário.
A premissa mazziniana de que Deus revelaria sua lei aos homens
através do tempo parece bastante vaga, pois cada grupo social tem tradições
próprias e visões particulares acerca da moralidade, da religiosidade e de sua
vida em sociedade. A humanidade o ser humano em sentido coeso os
deveres dos homens deveriam ser consagrados como principal e primeira
importância. É com o pensamento voltado para a coletividade que os indivíduos
devem agir, pois sua vida foi dada por Deus para que eles fizessem uso de
suas faculdades particulares em benefício do melhoramento do conjunto
humano e da descoberta da verdade divina, passada de geração a geração.
Mazzini salienta aos homens:
Amai a Humanidade. A cada obra vossa no círculo da Pátria ou
da Família perguntai a vós mesmos: Se o que faço fosse feito
por todos, beneficiaria ou prejudicaria a humanidade? Se a
consciência vos responder: „Prejudicaria‟, desisti, mesmo
quando vos parecer que da vossa ação possa resultar uma
vantagem para a Pátria ou para Família.
147
Pátria e família, juntamente com Deus e a humanidade, formam os
pilares da moralidade do ser humano. Nenhuma ação humana deveria ir de
encontro às necessidades da pátria e da família. O povo seria a união de todas
as famílias de determinada sociedade. Esse povo, no caso italiano, deveria
estar motivado por um profundo amor pela pátria. Deveria derrubar os príncipes
da casa de Habsburgo e criar uma República popular. Mazzini acreditava que
uma revolução bem-sucedida, que modificasse o sistema governamental
monárquico, deveria vir de toda a massa popular; do povo. Em suas próprias
palavras:
Vi que a Pátria Una, dos iguais e dos livres, não sairia de uma
aristocracia que jamais teve entre nós uma vida coletiva e
iniciadora, nem da Monarquia que se insinuou, no século XVI,
sobre as pegadas do estrangeiro e sem missão própria, - entre
147
Ibid. p. 369.
59
nós, sem pensamento de Unidade ou de emancipação, - mas
somente do povo da Itália, - e assim o disse.
148
É a partir da Pátria que Deus lançou o germe das nações sobre a Terra
e delegou ao indivíduo o sentimento de pertencimento à sua comunidade.
Assim, define:
A Pátria é uma comunhão de livres e de iguais irmanados em
concórdia de trabalho para um fim único. Deveis fa-la e
mantê-la como tal. A Pátria não é um agregado, é uma
associação. [...] A Pátria não é um território; o território é apenas
a base. A Pátria é a ideia que surge sobre aquele; é o
pensamento de amor, o senso de comunhão que reúne num
todos desse território.
149
Neste sentido, a Pátria estaria além da “terra de nascimento”, sendo
uma ideia catalisadora de identidade e união social. Em sua acepção reduzida
estaria a família, descrita de forma romântica por Mazzini como a “Pátria do
coração”.
150
Para ele, muito mais do que a Pátria, a família é o berço da
condição humana, é um elemento que perseverará enquanto durar a
humanidade. A relação entre Pátria e família é intrínseca, pois “[…] são dois
pontos extremos de uma linha única”
151
e seus papéis sociais concorrem à
mesma finalidade: a educação dos filhos da nação; do cidadão. Da mesma
maneira que a Pátria deve oferecer a instrução formal aos indivíduos, assim
tamm os pais devem ensinar os filhos sobre seus deveres como cidadãos,
contar-lhes histórias acerca dos feitos dos grandes homens das antigas
Repúblicas e os nomes daqueles que amaram e lutaram pela Itália no passado.
Como parte integrante e imprescindível no seio familiar, Mazzini
ressalta a figura da mulher, iniciadora do futuro particular dos indivíduos. A
partir da mãe, da esposa, da irmã e da amiga, os homens são ensinados sobre
o amor, a esperança, a força, a inspiração e no futuro, aspectos imperiosos
para o melhoramento e progresso da condição humana. Além de delegar este
papel fundamental à figura feminina na sociedade, Mazzini vai além de uma
visão romântica e esclarece que a superioridade intelectual do homem perante
148
Ibid. p. 345. Mazzini discorre mais densamente sobre o tema em “Programa da Itália do
Povo”. Ibid. p. 305-313.
149
MAZZINI, 1952. Op. Cit. p. 373-375.
150
Ibid. p. 375.
151
Ibid. p. 376.
60
a mulher é apenas um velho preconceito que existe para manter a opressão,
pois, segundo ele, a própria história nos ensina que os opressores se baseiam
em argumentos criados por eles próprios para atingir seus objetivos.
152
Assim
sendo, a última frase de seus escritos no “Deveres do Homem” remete à
imagem feminina: “A emancipação da mulher deveria ser continuamente
emparelhada por vós com a emancipação do operário e dar ao vosso trabalho
a consagração de uma verdade universal”.
153
Compreendendo os homens em sua totalidade, Mazzini disserta acerca
de suas características, vendo-os como seres livres, educáveis, sociáveis,
passíveis de associação entre si e, finalmente, progressivos. É esta última
característica que sagra toda a transformação necessária à sociedade para sua
emancipação. De acordo com Mazzini, a “ideia de progresso” possui seu germe
nos escritos de Dante Alighieri, portanto “[…] desenvolvida, verificada na
História, confirmada pela ciência, tornou-se bandeira do futuro. […] Hoje
sabemos que a lei da Vida é o Progresso”.
154
O progresso é o fim ao qual ruma
a humanidade, já que a humanidade é chamada a proceder, por um progresso
contínuo e sob o império da lei moral universal, ao desenvolvimento livre e
harmônico das próprias faculdades, e ao cumprimento da própria missão no
universo”.
155
Para atingir a finalidade do progresso, os homens devem adotar uma
postura de rompimento com o egoísmo individualista, agregando-se ao
coletivo, que ele está intrinsecamente atrelado à associação e harmonia da
humanidade.
156
Mazzini critica a organização social apregoada pelo ideário
liberal, tanto em seu âmbito econômico quanto político, pois ambos gerariam
disparidades gritantes na sociedade, ludibriando o povo a partir do discurso
que anuncia a possibilidade de oportunidades de crescimento financeiro e de
igualdade de todos perante a lei. Neste sentido, expressa no primeiro capítulo
de “Deveres do Homem”:
152
Ibid. p. 376-377.
153
Ibid. p. 415.
154
Ibid. p. 383-384.
155
Grifado no original. MAZZINI, 1976. Op. Cit. “Ato de Fraternidade da Giovine Europa”. p.
175.
156
Ibid. “Da iniciativa revolucionária na Europa”. p. 195, e “Da Giovine Italia. p. 83, 88 e 90.
61
Desde cinquenta anos, tudo quanto se faz pelo progresso e pelo
bem contra os governos absolutos ou contra a aristocracia do
sangue, foi feito em nome dos Direitos do homem, em nome da
liberdade como meio e do bem-estar como finalidade da vida.
[...] Melhorou a condição do povo? [...] Não, a condição do povo
não melhorou; antes piorou e piora em quase todos os países, e
especialmente aqui, onde escrevo, o preço das coisas
necessárias à vida vem progressivamente aumentando, o
salário do operário em muitos ramos de atividade vem
progressivamente diminuindo [...]Por que, pois, não melhorou a
condição do povo? Por que o consumo dos produtos, em vez de
repartir-se igualmente entre todos os membros das sociedades
europeias, concentrou-se nas mãos de poucos homens
pertencentes a uma nova aristocracia? Por que o novo impulso
comunicado à indústria e ao comércio criou, não o bem-estar da
maioria, mas o luxo de alguns?
157
A esses questionamentos, Mazzini responde salientando que o ser
humano é o reflexo do tipo de educação que recebe e, destarte, agirá da
maneira que foi ensinado a agir. Para ele, a Revolução Francesa, a partir dos
chamados “direitos do indivíduo”, abriu um leque de possibilidades chamadas
de “liberdades”: “[...] liberdade individual, liberdade de ensino, liberdade de
crença, liberdade de comércio, liberdade em tudo e para todos”.
158
Todavia,
esse tipo amplo de “liberdades” não passou da forma verbal, já que sua
aplicabilidade não se estendera para a população como um todo. De nada
adiantaria a liberdade de ensino para quem não tivesse tempo para os estudos,
dada a necessidade de trabalhar para sustentar-se. De nada serviria a
liberdade de comércio para quem não tivesse condições materiais para investir.
Logo, conclui que a vasta gama de liberdades, aberta com a Revolução
Francesa, não seria mais do que ilusória.
Portanto, finda-se uma era com a Revolução Francesa, visto que:
A velha Europa está morrendo. As velhas coisas acenam ao
desaparecimento. Todas aquelas grandes instituições políticas e
religiosas, gigantes da Idade Média, que pelo espaço de seis ou
oito séculos sustentaram a dominação do mundo, ameaçam
visivelmente ruinar: o tempo da sua vida é consumado. [...] A
Revolução Francesa deve ser considerada não como um
programa, mas como um apanhado; não como iniciação de uma
157
Grifado no original. MAZZINI, 1952. Op. Cit. p. 348-349.
158
Ibid p. 349.
62
época nova, mas como a última fórmula de uma época que está
por concluir-se.
159
Mazzini não destitui a Revolução Francesa de sua importância, haja
vista a presença das palavras “liberdade, igualdade e humanidade” (esta última
substituindo “fraternidade”) na primeira página do Ato de Fraternidade da
Giovine Europa”.
160
Porém, expressa que os acontecimentos atrelados ao ano
de 1789 marcaram o fim de um ciclo centrado no “indivíduo” para abrir caminho
a um novo pensamento, cujo foco social volta-se para o “conjunto”, para o
“todo” da sociedade.
Consequentemente, Mazzini via que a educação liberal, apregoadora
do “bem-estar”, era plenamente errônea, pois ensinava o egoísmo e a avidez
dos bens materiais. Essa doutrina se constituía como falsa e traidora da parte
mais ampla da população que fora instruída de acordo com seus preceitos. Em
verdade, essa doutrina se ajustava aos interesses daqueles que detinham
maior poder político-econômico e servia para que eles adquirissem cada vez
mais poder e riqueza em detrimento da maioria da população, iludida por ter
sido ensinada nos moldes dos “direitos dos indivíduos”.
Desse modo, a crença nos deveres do homem, viria a substituir a velha
ideia dos direitos do indivíduo. O dever seria um princípio educador, que faria
do ser humano um ser coletivo, em busca de uma real felicidade, em
detrimento do egoísmo e da adoração material. Porém, de maneira hábil,
Mazzini salienta:
Quando digo que o conhecimento dos direitos não basta aos
homens para operar melhoria importante e durável, não peço
que renuncieis a esses direitos; digo somente que não passam
de uma consequência de deveres cumpridos e que é preciso
começar por estes para alcançar aqueles.
161
Portanto, o dever está acima dos direitos civis, mas não deve suplantar
o conhecimento desses últimos. Os homens devem ter noção de seus direitos,
mas m que se dedicar aos seus deveres na sociedade e, consequentemente,
159
MAZZINI, 1976. Op. Cit. “Da iniciativa revolucionária na Europa”. p. 178 e 187.
160
Ibid. p. 175.
161
Grifado no original. MAZZINI, 1952. Op. Cit. Ibid. p. 353.
63
ao “progresso da alma”. Este último seria a finalidade da vida de cada membro
da sociedade, ou seja, tornar-se uma pessoa melhor.
* * *
Até então, pôde-se perceber proximidades entre o ideário mazziniano e
o marxista, pois tanto um quanto o outro rumaram para uma busca de
ampliação de suas propostas para além das fronteiras da Alemanha e da Itália,
formando associações políticas, com o intuito de otimizar a mudança da
estrutura social que, imposta pelas camadas altas da sociedade, atribuía uma
situação degradante à maior parte da população.
162
Assim como Marx, Mazzini
repudiou o sistema de valorização do capital em detrimento do ser humano,
bem como a expansão de um pensamento individualista, nocivo à convivência
social harmônica. No entanto, o próprio Mazzini se coloca diretamente em
sentido oposto ao ideário socialista como um todo, rejeitando os sistemas que
chama saint-simonismo
163
, fourierismo
164
e comunismo
165
. Dirigindo-se
diretamente ao comunismo, Mazzini lança-lhe fortes críticas, dizendo que ele
chega ao extremo oposto das premissas que prega, negando ao indivíduo sua
“real liberdade”. Questiona qual seria o tipo de liberdade e igualdade a serem
conquistadas, que acredita que a equidade na distribuição de trabalho é
impossível de ser calculada por sua natureza diversa: duração, grau de
162
Em 21 de fevereiro de 1848, Karl Heinrich Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895)
publicam o Manifesto do Partido Comunista (em alemão Manifest der Kommunistischen Partei),
conhecido históricamente como um dos maiores tratados políticos de influência mundial.
Analisando várias formas de opressão social ao longo da história, Marx e Engels chegam ao
culo XIX lançando duras críticas ao “modo de produção capitalista”, conclamando o
proletáriado (a classe oprimida) a tomar consciência de sua força, enquanto maioria da
sociedade, tomar o poder das mãos da burguesia (classe opressora) e instaurar o socialismo
(nele o poder público perderia seu caráter opressor e a divisão de classes desapareceria), que
seria uma fase anterior ao estabelecimento do comunismo. O quarto e último capítulo do
Manifesto acentua o tom de união transnacional em detrimento do ideário nacionalista
amplamente difundido no século XIX.
163
Relativo ao francês Claude-Henri de Rouvroy ou Conde de Saint-Simon (1760-1825), um
dos fundadores do socialismo moderno e teórico do socialismo utópico.
164
Referente ao socialista francês François Marie Charles Fourier (1772-1837), que criticou
ferrenhamente o capitalismo de sua época, bem como foi contrário à industrialização, à
civilização urbana, ao liberalismo e à familia baseada no matrimônio e na monogamia. Também
ficou conhecido como um dos pais do cooperativismo.
165
MAZZINI, 1952. Op. Cit. p. 397.
64
dificuldade, dispêndio de vitalidade necessária, nível de insalubridade, etc. A
repartição dos produtos, tamm, tenderia a ser injusta por não levar em
consideração as necessidades particulares dos indivíduos, resultantes de sua
fisiologia diversa e do empenho pessoal no desenvolvimento de seu trabalho.
Igualmente, questiona se caberia ao Estado ser o árbitro das decisões sobre as
necessidades individuais e conclama os operários a refletirem se essa não
seria uma renovação da antiga escravidão ou uma nova ditadura hereditária,
como nas antigas castas.
166
Ainda, discordava da visão marxista sobre o tipo
de organização que deveriam ter os revolucionários para chegar ao poder, visto
que acreditava em uma forma “voluntarista” de se dar a revolução, ou seja,
confiava que esta deveria partir espontaneamente do povo. Marx tamm
criticara Mazzini, expressando que as ideias deste último nada mais
representavam senão o velho pensamento burguês de constituição de uma
República.
167
Analisando a sociedade, Mazzini afirma:
Hoje, o capital e essa é a chaga da sociedade econômica
atual é o déspota do trabalho. Das três classes que constituem
economicamente a Sociedade, capitalistas, isto é, detentores
dos meios ou instrumentos do trabalho, terras, feitorias,
numerário, matérias-primas empreiteiros, chefes de serviço,
comerciantes, que representam ou deveriam representar a
inteligência e operários, que representam o trabalho manual, -
a primeira é dona do campo, dona de promover, retardar,
acelerar, dirigir para certos fins o trabalho.
168
Essa premissa permite que se compreenda que, para Mazzini, a
sociedade estava organizada em sentido piramidal, com a pequena parcela do
topo do triângulo os capitalistas sendo detentora dos recursos necessários
para manter a opressão social, organizando a situação do trabalho da maneira
que melhor lhe conviesse. A segunda classe de indivíduos os empreiteiros
poderia ser entendida como uma pequena burguesia, que não detinha as
posses da alta burguesia, mas lhe prestava serviços. Em sua maioria, o grupo
de pessoas inseridas nesta classe tinha acesso ao ensino (por isso chamada
166
Ibid. 400-402.
167
Esta crítica foi exposta em uma entrevista concedida por Marx a R. Landor, no ano de 1871.
O conteúdo pode ser conferido na íntegra em: http://www.hartford-
hwp.com/archives/26/020.html
168
Grifado no original. MAZZINI, 1952. Op. Cit. p. 396.
65
inteligentsia), o que propiciou que desta camada social saísse o grosso da
massa de indivíduos adeptos ao pensamento de Mazzini e que,
consequentemente, engajaram-se em suas fileiras de luta. Por último, se
encontrava a grande maioria da população os operários , relegada às piores
condições de trabalho e de sobrevivência.
Era necessária a mudança desta condição degradante de extrema
desigualdade social. A visão de Mazzini para colocar em prática esta
transformação difere do marxismo, seguindo um rumo próprio que pode ser
compreendido como um “socialismo romântico”. Primeiramente, a propriedade
privada não deveria ser abolida, pois o princípio, a origem da propriedade,
está na natureza humana e representa a necessidade da vida material do
indivíduo, que ele tem o dever de manter”.
169
Destarte, a propriedade individual
não iria de encontro à comunidade como um todo, pois seria inerente à
condição humana e necessária para o progresso. No entanto, estaria mal
constituída por três razões: primeiro, porque o fruto do trabalho do operário não
estaria distribuído de forma justa entre ele o capitalista; segundo, porque a
propriedade tenderia a ser monopolizada por poucos, estando inacessível à
maioria; terceiro, porque o sistema vigente de impostos tenderia a manter o
privilégio de riqueza dos capitalistas, impossibilitando às classes pobres de
compor suas economias.
Para Mazzini, portanto:
Não é necessário abolir a propriedade porque hoje é de poucos;
é preciso abrir caminho para que a maioria possa adquiri-la.
É preciso encaminhar a sociedade para bases equitativas de
remuneração entre o proprietário ou capitalista e o operário.
É preciso modificar o sistema dos impostos, de maneira que não
atinjam a soma necessária à vida e deixem ao homem do povo
a faculdade de economias suscetíveis de produzir, aos poucos,
a propriedade.
E para que isso suceda, é preciso suprimir os privilégios
políticos concedidos à propriedade e fazer que todos contribuam
para a obra legislativa.
170
169
Grifo meu. Ibid. p. 398.
170
Ibid. p. 399-400.
66
Mazzini expressa o que seria preciso para tornar a sociedade mais
harmônica e igualitária, oferecendo uma solução para tal. O “remédio” seria a
união do capital e do trabalho nas mesmas mãos. De certa forma, esta solução
nos remete a abolição da mais-valia explicitada por Marx, pela qual o trabalho
seria associado e haveria “[...] a repartição entre os trabalhadores dos frutos do
trabalho, ou seja, do resultado da venda dos produtos, em proporção do
trabalho realizado e do valor desse trabalho [...]”.
171
Mazzini acreditava em uma
associação livre, voluntária e organizada entre os homens de maneira nuclear
e não diretamente vinculada ao Estado, a qual seria administrada com base na
fraternidade republicana. Chega a apontar a fonte do capital necessário para a
formação das associações: as economias e o espírito de sacrifício de cada um.
Essa solução encontrada para o problema da grande desigualdade social
denota um alto grau de utopia. Aqueles que possuíssem mais riquezas
deveriam compreender altruisticamente que o auxílio para a construção das
associações seria um desígnio da providência divina, rumando para a
emancipação humana. Esses homens de posses deveriam facilitar as vias de
crédito:
[...] com antecipações, ou fundando Bancos que dêem crédito ao
trabalho futuro, à força coletiva dos operários, ou admitindo-vos
em participações nos benefícios de suas empresas, estágio
intermediário entre o presente e o futuro, do qual obtereis,
provavelmente, o pequeno capital necessário à associação
independente.
172
Em resumo, Mazzini apregoava que, para rumar ao progresso e à
emancipação, os homens deveriam reunir-se em associações. Porém, a falta
de liberdade da maioria da população não estava relacionada apenas ao
sistema econômico, mas, acima de tudo, ao arcaico aparelho político atrelado à
monarquia. Viver em uma sociedade em que a população como um todo não
tivesse voz ativa no poder seria uma situação extremamente degradante à
condição humana, pois “[…] deixando que sua liberdade seja violada, o homem
trai a própria natureza e se rebela contra os decretos de Deus”.
173
Ao mesmo
tempo, instaurar um governo no qual a população tivesse direta participação no
171
Ibid. p. 403.
172
Ibid. p. 407.
173
Ibid. p. 385.
67
poder deveria ser um dos deveres em que os homens teriam a obrigação de
empenhar-se com todas as suas forças. Todos os membros da sociedade
deveriam sentir-se integralmente representados no sistema governamental, de
forma que a Nação inteira deve ser, pois, direta ou indiretamente, legisladora.
Cedendo a alguns homens essa missão, substituís pelo egoísmo de uma
classe a Pátria que é a união de todas”.
174
Nesta premissa, é suscitado o viés
republicano-democrático do ideário mazziniano ao compreender que a
representação do povo na sociedade se daria a partir de sua representação
nas instâncias de poder. A ideia de republicanismo-democrático significava
para Mazzini a eleição de todos os governantes, não sendo aceitável nem
mesmo um sistema monárquico-constitucional. Assim sendo, a democracia se
colocaria no sentido de dar voz e fazer os indivíduos participantes, sem
exclusões, do regime governativo ao delegarem este direito a outrem por meio
do voto.
Por fim, a conclusão dos “Deveres do Homem” expressa de forma
clara, direta e sintetizada o ideário mazziniano:
O que atualmente tira vida à Humanidade é a falta de uma fé
comum, de um pensamento, adotado por todos, que reúna Terra
e Céu, Universo e Deus [...] Cabe-vos uma solene missão:
provar que somos todos filhos de Deus e irmãos n‟Ele.
cumprireis melhorando-vos e cumprindo o Dever. E o principal, o
mais essencial de todos, é aquele que tendes para com a Pátria.
Constituí-la é uma dívida vossa; e é também vossa
necessidade. Os encorajamentos, os meios dos quais vos falei,
só podem partir da Pátria una e livre. O melhoramento das
vossas condições sociais pode descer da vossa participação
na vida política da Nação. Sem voto, jamais tereis
representantes verdadeiros das vossas aspirações e das vossas
necessidades. Sem Governo popular, que em Roma escreva e
desenvolva o Pacto Italiano, fundado sobre os consensos
orientados para o progresso de todos os cidadãos do Estado,
não para vós esperança de melhoria. [...] Vossa
emancipação só pode fundar-se sobre o triunfo de um princípio:
a unidade da Família Humana.
175
A extrema religiosidade de Mazzini fica clara: a crença em Deus é a
base que rege a possibilidade de melhoria da condição humana. E os homens
têm uma missão solene para com Deus, que será cumprida seguindo os
174
Ibid. p. 374.
175
Ibid. p. 413-414.
68
deveres apresentados ao longo de sua escrita. Além disso, o ser humano tem
uma dívida ontológica: necessita e deve formar uma Pátria una e livre. E sua
missão fecunda na Terra está atrelada à sua participação direta nesta Pátria,
na sua Nação, através do voto que representaria todos os cidadãos na
constituição de um governo popular. As questões sociais e políticas, portanto,
caminham na mesma direção, o podendo ser dissociadas. Destarte, o
melhoramento da moral humana serviria para triunfar sobre o individualismo
liberal na plena instauração de um progresso harmônico das condições política,
econômica e social. Essa nova moral, baseada na religiosidade e no
coletivismo rumaria, enfim, não apenas para a unidade da Península Itálica ou
para a difusão da libertação de nações oprimidas, mas para um bem maior: o
princípio de emancipação e unidade da “família humana”.
69
Capítulo 2 A Guerra Farroupilha no contexto da formação do Estado
brasileiro
“Camaradas! Gritemos pela primeira vez:
Viva a República Rio-grandense!
Viva a independência!
Viva o exército republicano rio-grandense!”
176
Concomitante ao desenrolar do Risorgimento, o ideário republicano
que inspirou Mazzini se expandiu para o continente americano e se adaptou à
realidade local, propiciando a eclosão de movimentos sociais em prol da cisão
do vínculo metrópole-colônia. A esse respeito, István Jancsó faz a seguinte
ressalva:
A nação no sentido moderno, identificando sua soberania com
a do Estado, era um projeto a ser inventado na América, na
medida em que não repousava sobre antecedentes históricos
que levassem a identificar as divisões administrativas dos
impérios ibero-americanos como territórios cujo controle
soberano era passível de ser reivindicado e exercido em nome
de ancestrais direitos nacionais, a exemplo do que se dava,
àquele tempo, na Europa.
177
O caso brasileiro se destacou neste cenário como exceção à regra de
independentização sul-americana, que se constituiu como única experiência
monárquica. Nesse contexto, o Brasil foi assolado por uma política imperial
extremamente centralizadora e autoritária, organizada a partir da capital Rio de
Janeiro. Dessa forma, houve um sufocamento das autonomias regionais, que
não se desfez com a abdicação de Dom Pedro I (7 de abril de 1831) e se
perpetuou no período regencial (1831-1840). Ao longo da tensa situação de
consolidação da unidade brasileira, surgiu uma série de revoltas provincianas
no Brasil, dentre as quais a chamada Revolução Farroupilha, na Província de
176
Proclamação da República Rio-Grandense de 11 de setembro de 1836.
177
JANCSÓ, István (org.). Brasil: Formação do Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec; Ed.
Unijuí; Fapesp, 2003. p. 21.
70
São Pedro do Rio Grande do Sul (1835-1845).
178
Para se compreender os
fatores que levaram à eclosão e perpetuação por dez anos da revolta rio-
grandense, é necessário um recuo ao ano de 1808, quando a família real
portuguesa transferiu-se para o Brasil, demarcando o início de um longo e
conturbado processo de formação do Estado brasileiro.
1) O contexto brasileiro antecedente e concomitante ao desenrolar da
Guerra Farroupilha
179
A vinda da família real portuguesa para o Brasil deu margem ao
desenvolvimento de uma conjuntura diferenciada daquela vivenciada pelas
colônias hispânicas. De acordo com José Murilo de Carvalho, a presença da
Corte nos últimos anos do período colonial teria tornado possível a solução
monárquica no Brasil e, em consequência, a unificação do país e um governo
relativamente estável”.
180
O governo de Dom João VI organizou a estrutura
administrativa da monarquia portuguesa no Brasil, colaborando com o
encaminhamento da emancipação política do país. No âmbito econômico, a
presença da família real portuguesa possibilitara a abertura dos portos
brasileiros às nações amigas, o que representara, na prática, o fim do antigo
modelo de monopólio comercial para com sua metrópole. Em 1810, foi firmado
o Tratado de Comércio e Navegação com a Inglaterra, que fixava em 15% a
taxa alfandegária sobre produtos ingleses no Brasil, enquanto Portugal pagava
16% e outros países 24%. Só em 1816 ocorreu equiparação da taxa de
Portugal e Inglaterra.
A Proclamação da Independência, em 7 de setembro de 1822, foi
seguida de um tenso período de consolidação da formação de Estado
brasileiro. É importante ressaltar a falta de engajamento popular no contexto de
independência do país. O chamado “grito de Independência” foi proferido por
178
Acerca da situação governamental pós-independência ler PICCOLO, Helga I.L. A Guerra
dos Farrapos e a construção do Estado Nacional. In.: DACANAL. Op. Cit. p. 30-60.
179
Além das referências bibliográficas apresentadas, o presente capítulo possui passagens de
reflexão pessoal da autora, com base em sua experiência profissional como professora dos
níveis de ensino Fundamental e Médio.
180
CARVALHO, Jo Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, Relume-Dumará, 1996. p. 12.
71
Dom Pedro e, portanto, o desatar dos laços que unem Brasil e Portugal não se
deu por um levante da população. Escreve Maria Eurídice Ribeiro:
[...] o desejo de separação do Brasil não veio ligado a um
projeto de união. Nesse sentido, não foi o espírito de nação
que levou à emancipação. A ideia de pátria, presente em certos
casos, também não deve ser levada em conta. Os
acontecimentos de 7 de Setembro de 1822 são antes uma
resposta à política das Cortes de Lisboa do que à expressão
de uma autêntica vontade nacionalista. O Estado guardou por
algum tempo seus aspectos lusitanos. A pátria não tardou a ser
invocada; a nação adveio bem mais tarde. Em síntese, o
Estado forjou a tria e a nação. A monarquia concedeu-lhes
representatividade.
181
O papel que a monarquia desempenhou inicialmente na constituição do
Estado brasileiro se colocou no sentido de garantir a unidade do território,
afastando as ideias de separatismo e de republicanismo. Em comparação ao
contexto de guerras civis em que se encontravam as colônias americanas que
se emanciparam da Espanha, a monarquia brasileira, representada na figura
de Dom Pedro I, passava a ideia de manter em si a estabilidade de que o país
necessitava naquele momento. Desta forma,
[...] a opção pela monarquia favoreceu a manutenção da
integridade territorial, pois o princípio dinástico teria permitido a
gestão com menos conflitos de unidades maiores e mais
homogêneas, ao dispensar a necessidade da criação de um
verdadeiro sentimento de comunidade entre seus habitantes. A
questão da manutenção da unidade territorial brasileira é,
naturalmente, muito mais complexa e não pode ser explicada
apenas a partir de um princípio ou causa. Em todo caso, não
parece haver dúvidas de que a escolha da monarquia facilitou
esse processo.
182
Para manter a unidade territorial era necessário gerar uma identidade
para a nascente “nação brasileira, visando distanciar-se da ideia da “Mãe
Portugal”, ou seja, de uma nação portuguesa. A ideia de “ser brasileiro” foi
forjada em contraposição ao “ser português”. Porém, o significado do “ser
brasileiro” e do ”ser português” não era tão óbvio quanto parece. Segundo
Gladys Sabina Ribeiro:
181
Ibid. p. 31.
182
SANTOS, Luís Cláudio Villafañe Gomes. O Brasil entre a América e a Europa: o Império e o
interamericanismo (do Congresso do Panamá à Conferência de Washington). São Paulo:
Editora UNESP, 2004. p. 52-53.
72
Continuavam, assim, existindo os „bons‟ portugueses, como D.
Pedro, o grande Mediador‟, naquela ocasião [da
independência] considerado brasileiro‟, porém, a sua
contrapartida era certa: os „maus‟ portugueses e os „maus‟
brasileiros, sendo que estes últimos eram retratados como
homens que se vendiam. [...] „Maus‟ portugueses e brasileiros
natos eram, assim, „portugueses‟. „Ser português‟ não era
atributo do nascido em Portugal; era, sim, „ser absolutista‟ ou
ter posições suspeitas, configurando o „portuguesismo‟,
entendido como adesão aos princípios das Cortes lisboetas,
mesmo que estes fossem também liberais e constitucionalistas.
[...] Paralelamente a esta valoração do “brasileiro”, tentava-se
criar o sentimento de pertencer a alguma comunidade que
tivesse identidade de interesses. [...] Desta forma, além de
fabricarem novos significados para as palavras “brasileiro” e
“português”, tornando-as uma visível construção política,
buscavam, nas características da terra de nascimento ou
adesão, sinais que expressassem o amor ao Brasil.
183
No âmbito internacional, o reconhecimento da independência
aumentou o déficit do caixa brasileiro. Por sua vez, a Inglaterra mediou a
aceitação da autonomia política do Brasil por parte de Portugal, que exigira
dois milhões de libras esterlinas para tal, dinheiro que fora emprestado pela
própria Inglaterra, ampliando a dívida externa. Vários outros países exigiram
igualdade à Inglaterra de 15%, sendo um dos motivos pelos quais, no Primeiro
Reinado, a taxa de exportação foi bem mais baixa que a taxa de importação no
Brasil.
Não bastassem os problemas de cunho financeiro, o novo Imperador
logo demonstrou sua tendência ao autoritarismo desenhando uma tensa
situação política. Apoiado pelo Partido Brasileiro no momento de sua
permanência no Brasil, em detrimento da ordem dada pelas Cortes de Lisboa,
agora Dom Pedro I se aproximaria do Partido Português. Inconformado com a
proposta de diminuição de seus poderes e a concomitante ampliação do
legislativo, Dom Pedro dissolve a Assembleia em 12 de novembro de 1823,
apoiado pelas tropas imperiais e pelo Partido Português. Por fim, em 25 de
março de 1824, é outorgada a primeira Constituição brasileira, conferindo mais
poder ao Imperador através da existência do Poder Moderador. Esse excesso
183
RIBEIRO, Gladys Sabina. A Liberdade em Construção: identidade nacional e conflitos
antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. p. 60-61 e 62-63.
Acerca desta temática, também é importante o estudo de ROWLAND, Robert. A construção da
identidade nacional no Brasil independente. In.: JANCSÓ. Op. Cit. p. 365-388.
73
de autoridade imperial satisfez os anseios do Partido Português, mas
desgostou o Partido Brasileiro. Apesar disso, a existência da Constituição
demonstrava que o absolutismo propriamente dito não poderia instaurar-se no
novo país, ou seja, demonstrava que era necessário conciliar a continuidade
dinástica com uma ideia de soberania popular.
184
Entretanto, o problema da
divisão espacial do território brasileiro evidencia o traço centralista da
Constituição de 1824:
As Províncias funcionavam unicamente como circunscrições
territoriais da unidade geral. A divisão do território circunscrevia-
se apenas à dimensão administrativa, não possuindo nenhuma
substância política. Ou, dito de outro modo, a atividade política
tinha por condição a lealdade à integridade territorial do Estado e
implicava a renúncia absoluta à própria representação dos
espaços políticos regionais.
185
Essa situação foi uma das causas para que tivesse inicio uma guerra
decisiva para o delineamento atual da fronteira sul, para a história da região e
para a posterior eclosão da Guerra Farroupilha. No ano de 1816, Dom João
enviara tropas para invadir a região rio-platense, especialmente Montevidéu,
incorporando esse território ao brasileiro, com o nome de Província Cisplatina.
Em 1825, liderado por Antônio de Lavalleja, surgiu um movimento nesta
Província, com o fim de libertá-la do Império Brasileiro. Iniciava a Guerra da
Cisplatina. A postura de Dom Pedro nesta guerra foi claramente antiliberal. De
acordo com Maria Eurídice Ribeiro:
A guerra da Cisplatina com a Argentina foi o resultado extremo
de uma política desajeitada, marcada pela cegueira da Corte
no Rio de Janeiro. Não traduzia os interesses da nação
brasileira, mas os do Estado, que permanecia,
fundamentalmente, português. Desejando manter a Cisplatina,
D. Pedro continuava a política expansionista portuguesa que
objetivava colocar a fronteira meridional do Brasil às margens
do Prata. Para tanto, o governo devia mostrar-se surdo aos
argumentos da nação. Um passado histórico repleto de
diferenças separava os uruguaios dos brasileiros. Tratava-se
de um contrassenso conceber os primeiros no interior da nação
brasileira. Todavia, tal constatação não impediu que se
procurasse consolidar a nação mobilizando seus contornos
geográficos. A diplomacia recorria ao discurso comum na
época os „limites naturais‟. A ideia de Império submetia o
184
RIBEIRO. Maria Eurídice. Op. Cit. p. 73.
185
MAGNOLI, Demétrio. O Estado em busca do seu território. In.: JANCSÓ. Op. Cit. p. 295.
74
conceito de nação exprimindo-se por meio de uma política
expansionista que não hesitou em recorrer às armas. Enfim, a
política externa do primeiro reinado ignorava os interesses da
nação para ater-se aos objetivos do Estado português do
passado, e convocava a pátria para a guerra.
186
A guerra terminara apenas em 1828, quando da assinatura do Tratado
do Rio de Janeiro que, mediado pela Inglaterra, fundara a República Oriental
do Uruguai. O desfecho da Guerra da Cisplatina, desfavorável para o Brasil,
desgastou ainda mais a imagem de Dom Pedro, haja vista a grande quantia de
dinheiro empregado no conflito. Foi uma agravante dos problemas financeiros
já enormes do país devido às regalias de baixas taxas alfandegárias delegadas
a vários países pelo reconhecimento da independência.
Após a promulgação da Constituição de 1824 e do início da Guerra da
Cisplatina, ficaram ainda mais fortes as tensões existentes entre o Partido
Português e o Partido Brasileiro. A situação se agravara com a morte de Dom
João VI, em 1826, e, em meio a grande turbuncia, Dom Pedro abdica ao
trono em favor de seu filho Pedro de Alcântara, com apenas cinco anos de
idade, no dia 7 de abril de 1831, rumando para a Europa a fim de reivindicar o
trono português. Em si, a abdicação representa a decadência do grupo político
que apregoava o absolutismo em face da crescente onda liberal que entrou no
cenário nacional durante a década de 1830. Porém, os liberais não eram um
grupo homogêneo. Dentre suas várias nuances, duas vertentes eram bastante
nítidas: a dos moderados (tamm chamados de chimangos, em grande parte,
eram a favor de uma monarquia constitucional de fato) e a dos exaltados (ou
farroupilhas que, em maior mero, se compunham de republicanos). Como a
massa popular não tinha forte voz ativa na sociedade, de acordo com o líder
liberal mineiro Teófilo Benedeto Ottoni, o 7 de abril foi para o povo uma
verdadeira “jornada dos tolos”, o dia dos enganados ou “la journée des
dupes”.
187
A partir de 1834, após a morte de Dom Pedro I, duas alas
começaram a se destacar no cenário político nacional: a dos progressistas e a
dos regressistas. Os progressistas queriam um governo forte e centralizado no
186
RIBEIRO. Maria Eurídice. Op. Cit. p. 57-58.
187
Uma biografia de Teófilo Benedeto Ottoni encontra-se em: SISSON, S. A. Galeria dos
Brasileiros Ilustres. Vol. II. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal. Edições Eletrônicas,
1999. p. 428-448.
75
Rio de Janeiro, mas aceitavam algumas reivindicações dos exaltados, como
uma maior autonomia das Províncias, o que foi instaurado pelo Ato Adicional
de 1834. os regressistas, não aceitavam isso e lutavam pelo fortalecimento
do poder legislativo instaurado no Rio de Janeiro. A partir de 1840, esses
grupos são substituídos pelos partidos Liberal e Conservador, que dominaram
a cena política ao longo do Segundo Reinado.
188
Quando Dom Pedro I abdicou do poder, a Assembleia Nacional estava
de férias. Os poucos políticos que estavam no Rio de Janeiro resolveram
eleger uma regência provisória para governar o país até a eleição de uma
permanente. Em três meses de governo, começou o avanço liberal (que durou
até 1837), já que, como principais medidas, determinou a volta do Ministério
dos Brasileiros demitido por Dom Pedro em 5 de abril de 1831 , a
suspensão parcial do uso de poder moderador pelos regentes, anistia para as
pessoas presas por motivos políticos e a convocação dos deputados e
senadores para eleger, em Assembleia Geral, a Regência Trina Permanente.
Essa última foi eleita em 17 de julho de 1831, sendo composta pelos deputados
João Bráulio Muniz, José da Costa Carvalho e pelo brigadeiro Francisco de
Lima e Silva. De modo geral, essa regência representava mais o grupo dos
moderados, tendo como oposição os liberais exaltados e os restauradores. Um
dos personagens de maior destaque nesta regência foi o Padre Diogo Antonio
Feijó, que recebeu o cargo de ministro da Justiça.
Durante a Regência Trina Permanente foi instituído o Ato Adicional de
1834, que dispunha, dentre outros itens, sobre a criação de Assembleias
Legislativas nas províncias, com poderes para criar leis sobre as queses
locais. Essa maior autonomia das províncias era um avanço liberal, porém não
se dera plenamente, já que os Presidentes provinciais continuaram sendo
nomeados pelo governo do Rio de Janeiro, demonstrando a manutenção da
centralização de poder no sudeste. Apesar disso, é necessário levar em conta
que a instauração do Ato Adicional aponta para a importância que as
188
Interessante estudo acerca do panorama político-partidário durante o período imperial é feito
por José Murilo de Carvalho, no capítulo “Os partidos políticos imperiais: composição e
ideologia”. In.: CARVALHO. Op. Cit. p. 181-208.
76
lideranças regionais adquiriram em escala nacional. Faz-se importante a
seguinte compreensão:
[...] a unidade e a construção do Estado foram possíveis não
pela ação de uma elite bem-informada, articulada ao governo
central, mas graças a um arranjo institucional que foi resultado
dos embates e negociações entre as várias elites regionais que
deveriam integrar a nova nação. Para se compreender o
processo no qual se constituiu o Estado brasileiro é
imprescindível que a análise não fique restrita à elite articulada
em torno do governo central e ao discurso por ela formulado.
Torna-se necessário compreender a complexidade das
relações entre centro e regiões, examinando tanto um pólo
quanto o outro [...] Ao contrário do que apontam Carvalho e
Mattos, as elites regionais constituíram-se também em elite
política, cujo desejo de autonomia não era sinônimo de uma
suposta miopia localista e estava acoplado a um projeto político
que acomodava as reivindicações regionais em um arranjo
nacional. A vitória deste projeto determinou, desde então, a
decisiva influência dos grupos regionais no jogo político
nacional. Isso foi possível mediante um pacto federalista,
concretizado nas reformas liberais da década de 1830 e que
não foi essencialmente alterado com a revisão conservadora
da década seguinte.
189
De acordo com o Ato Adicional, foram convocadas novas eleições para
a escolha de uma Regência Una. O vencedor foi o Padre Diogo Antonio Feijó,
pertencente à ala dos progressistas moderados. Com a saúde abalada, Diogo
Feijó não resiste à pressão dos regressistas devido, em parte, às revoltas
que eclodem em seu mandato: Cabanagem, no Pará, e Farroupilha, no Rio
Grande do Sul e renuncia ao cargo dois anos antes de terminar sua
governança. Em seu lugar, instalou-se o senador regressista pernambucano
Pedro de Araújo Lima, que se manteve no poder após novas eleições que
confirmaram o seu nome. A regência de Araújo Lima caracterizou-se pela
violenta repressão às revoltas internas e pela redução das autonomias
provinciais. Para tal, foi instaurada a Lei Interpretativa do Ato Adicional, de 12
de maio de 1840, que previa limitar a autonomia provincial e promover uma
nova centralização de poder no Rio de Janeiro.
189
DOLHNIKOFF, Miriam. Elites regionais e a construção do Estado nacional. In.: JANCSÓ,
István (org.). Op. Cit. p. 432-433.
A critica exposta na citação refere-se às seguintes obras:
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Brasília: UNB,
1981.
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, 1987.
77
Os políticos progressistas, opondo-se ao governo dos regressistas,
passaram a defender a ideia de que a melhor maneira de manter a unidade do
território brasileiro e acabar com as revoltas era transferir o poder para as mãos
de Pedro de Alcântara, ainda menor de idade. Assim, surgiu o Clube da
Maioridade, grupo político que lutava pela antecipação da maioridade de
“Pedrinho” junto à Assembleia Nacional. Em 1840, ela aprovou a tese da
antecipação da maioridade e Pedro de Alcântara, com 15 anos incompletos, foi
aclamado imperador em 23 de julho, recebendo o titulo de Dom Pedro II. No
inicio da década de 1840, além da Lei Interpretativa do Ato Adicional, foram
instauradas medidas conhecidas pela centralização política e administrativa,
caracterizando o período como o de um “regresso conservador”. Dentre essas
medidas estão a reformulação do Código de Processo Criminal de 1832 (1841),
a volta à atividade do poder moderador e o restabelecimento do Conselho de
Estado, extinto pelo Ato Adicional de 1834.
190
Das revoltas surgidas no Período Regencial, ainda mantinha-se em
atividade a Guerra Farroupilha, que preocupava o Império pelo território que
abrangia próximo ao Uruguai e Argentina , bem como pela instauração de
uma República independente do Brasil. A fim de impedir a perda de fato da
Província Rio-Grandense, Dom Pedro II nomeou Luís Alves de Lima e Silva,
então Barão de Caxias, como comandante-chefe do exército, delegando-lhe a
missão de dominar os farroupilhas. Tendo êxito, o fim da revolta sulista deu-se
com o Tratado de Ponche Verde, em 1º de março de 1845.
2) A Guerra Farroupilha
Os fatores que deram origem à Guerra Farroupilha não podem ser
entendidos apenas em caráter do imediatismo do ano de 1835. Deve-se levar
em conta a situação política internacional que se delineara com o advento da
independência dos Estados Unidos da América (1776), da Revolução Francesa
(1789), do Período Napoleônico (1799-1815), do Congresso de Viena (1815),
dos processos americanos de independência das colônias espanholas nas
190
CARVALHO. Op. Cit. p. 235.
78
décadas de 1810-1820 em especial a Argentina (1816) e o Uruguai (1828)
e dos anos pós-1830, que inauguraram uma série de revoltas europeias. No
âmbito econômico, deve-se ter em mente que a Revolução Industrial, além de
gerar novas formas de relações de produção e comercialização de bens,
delegou a Portugal e, consequentemente ao Brasil, um atrelamento de maneira
subordinada ao capitalismo inglês.
Em caráter local, deve-se compreender a formação do espaço rio-
grandense, que esteve historicamente atrelado ao platino. Retrocedendo no
tempo, ressalta-se o caráter tático que a região geográfica rio-grandense
possuía em relação aos interesses portugueses no Rio da Prata. Como se
sabe, o território, que no culo XIX compreendia a Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul, não pertenceria a Portugal de acordo com o Tratado de
Tordesilhas. Sendo assim, o trono espanhol tratou de ocupar a região através
da instalação de missões jesuíticas. Elas foram responsáveis pela introdução
do gado vacum na região, o que, posteriormente, propiciou a agregação do
território sulista como uma economia subsidiária às demais do Brasil. Dado o
desaguar de metais preciosos provindos do Peru, Portugal fundara, em 1680, a
Colônia de Sacramento às margens do Rio de La Plata.
Não foi fácil manter Sacramento nas mãos lusas e, cada vez mais, os
portugueses sentiram a necessidade de tomar posse oficialmente da área
compreendida entre Laguna e o Prata. Note-se que a ideia de fronteira nessa
região ainda era muito confusa, senão inexistente. Continuando suas ações,
Portugal fundou, em 1737, o Forte Jesus-Maria-José, em Rio Grande, sob o
comando do brigadeiro Silva Paes, e, em 1738, a Comandância Militar do Rio
Grande de São Pedro, com sede em Santa Catarina e subordinada ao Rio de
Janeiro. Em 1750, tendo em vista os desentendimentos entre os tronos ibéricos
acerca da posse do território em questão, foi firmado o Tratado de Madrid, pelo
qual Portugal ficava com a região das Missões e a Espanha com a Colônia de
Sacramento. O acordo entre as duas monarquias gerou a conhecida Guerra
Guaranítica, na qual morreu um sem-número de indígenas, o que não significa
mesmo com a lacuna de estudos que aprofundem o assunto a ausência
desses braços na posterior Guerra Farroupilha. Muitos dos indígenas
sobreviventes abandonaram as missões e vieram trabalhar como peões nas
79
estâncias rio-grandenses e rio-platinas. O Tratado de Madrid o chegou a ser
efetivado, sendo anulado pelo Tratado de El Pardo, em 1761. Achando-se
Portugal fragilizada com a morte de Dom José I e a queda do ministro do
Pombal, o trono espanhol reverteu a situação em seu favor ao impor aos
portugueses, com o Tratado de Santo Idelfonso (1777), a perda de Sacramento
e das Missões, em troca da recuperação de Santa Catarina e manutenção da
paz. Nestas condições, seguiu-se um período de prosperidade na região rio-
grandense, em especial acerca da produção pecuarista e charqueadora. Em
1801, as Missões Orientais foram reincorporadas ao domínio português por
Manuel Santos Pedroso e José Borges do Canto. Dessa maneira, a fronteira
oeste do Rio Grande estava delimitando-se e surgiam novas áreas para
sesmarias. Quando Dom João VI enviou tropas ao território platino, em 1816, e
o incorporou ao brasileiro como Província Cisplatina, era perceptível a
diferença entre as populações habitantes das duas Províncias, haja vista a
vinda de imigrantes açorianos para o território rio-grandense e a política de
concessão de sesmarias praticada pelo trono português.
191
O conflito, que se delineara a partir da busca pelo desligamento da
Banda Oriental
192
, mobilizou grande parte dos residentes no Rio Grande em
uma intensa campanha militar. As relações político-econômicas e pessoais
entre rio-grandenses e platinos, entretanto, continuaram fortes, sendo de suma
importância no desenrolar do decênio farroupilha, já que:
Estas amizades entre caudilhos dos lados opostos da fronteira,
em função de interesses eventualmente comuns ou de
parentesco e compadrios estabelecidos, superam muitas vezes
as determinações dos governos aos quais serviam como
militares. Era mais fácil ao caudilho compreender o outro
caudilho, mesmo que teoricamente um inimigo, do que as
aspirações de uma organização política mais elevada [...]
Mesmo tendo havido a Guerra da Cisplatina [...] estas alianças
se recompuseram e a partir dos anos 30, e dificilmente
acontecimentos no Estado Oriental ou no Rio Grande deixavam
191
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. ed. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 2002. p. 7-24.
192
Considerações sobre a formação dos Estados platinos são feitas por: CHIARAMONTE, José
Carlos. El problema de los orígenes de los Estados Hispanoamericanos en la historiografia
reciente y el caso del Rio de La Plata. In.: ANOS 90. Revista do Curso de Pós-Graduação em
História. Tendências recentes da historiografia: anais do seminário. Porto Alegre: UFRGS, maio
de 1993. n°.1.
80
de fora caudilhos do outro lado da fronteira, o que seria uma
característica durante todo o século XIX.
193
No centro de negociações entre rio-grandenses e platinos
encontravam-se homens emigrados da Península Itálica e residentes entre a
Província de São Pedro e o Estado uruguaio. Esses homens atuavam nos dois
lados da fronteira, visto que eram considerados como neutros em razões de
comércio e, portanto:
Comerciantes de gado como Luigi Nascimbene, Napoleone
Castellini e Natalio Rusca favoreceram contatos entre os
Farrapos e várias facções de caudilhos uruguaios em guerra
[...] Quando empregados pelos Farrapos em operações perto
da fronteira, eles e outros atuavam como batedores. Nas zonas
de criação de gado sob controle dos Farrapos, deslocavam-se
ao longo dos corredores, atuando como coletores de taxas.
Como agentes dos Farrapos no usualmente amistoso porto de
Montevidéu, colaboravam para a exposição e venda dos
rebanhos dos estancieiros ainda fiéis ao Rio de Janeiro mas,
ao mesmo tempo, faziam todo o possível para fortalecer o
apoio popular e governamental à nova República do Rio
Grande do Sul.
194
A perda da Guerra da Cisplatina pelos brasileiros significou a perda do
gado uruguaio, não mais dirigido às charqueadas rio-grandenses, mas aos
saladeros platinos que passavam por uma rearticulação.
195
Durante o decênio
farroupilha, os revoltosos não conseguiram manter em suas mãos Porto Alegre,
Rio Grande e Pelotas e, assim sendo, a falta de um porto aquífero propiciou
que Santana do Livramento se tornasse um porto seco”, pelo livre comércio
que se dava na fronteira. O próprio contrabando corria solto, tendo em vista
que:
[...] os dois comandantes da milícia fronteiriça, Bento
Gonçalves e Bento Manuel, futuros chefes da rebelião,
possuíam estâncias nos dois lados da fronteira, facilitando as
coisas para si próprios e para os demais estancieiros.
196
193
Grifado no original. GUAZZELLI, César Augusto Barcellos. O Horizonte da Província: A
República Rio-Grandense e os caudilhos do Rio da Prata (1835-1845). Tese de Doutoramento.
Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. p. 140.
194
LEITMAN. Op. Cit. p. 104.
195
PESAVENTO. Op. Cit. p. 7-24 e 35-40.
196
FREITAS, Décio. Farrapos: uma rebelião federalista. In: DACANAL. Op. Cit. p. 116.
81
No contexto interno brasileiro, a Guerra Farroupilha figura como parte
da continuação do processo de independência, que não terminara em 1822.
Neste sentido, a compreensão daquilo que se delineia a partir da vinda da
família real para o Brasil, em 1808, e que culmina com a situação posterior à
instauração do Ato Adicional de 1834, é necessária para se ter a dimensão real
que os atores sociais daquele momento possuíram sobre a situação sulista.
Primeiramente, a instalação da família real em solo brasileiro, fazendo da
colônia a sede oficial portuguesa, sedimenta o modelo monárquico que se
perpetuaria como forma de governo no país. Desde esse momento, a estrutura
administrativa que foi instaurada por Dom João VI, centralizando o poder
governamental no Rio de Janeiro, é seguida no pós-Independência, deixando
desgostosas as mais variadas camadas sociais brasileiras, o que propiciou a
formação e eclosão de movimentos revoltosos em todo o Brasil. Dentre as
demais ações praticadas por Dom João, a fundação da Imprensa Régia, com a
publicação do jornal Gazeta do Rio de Janeiro (1808), foi de grande
importância para que a troca de ideias e informações se desse mais
rapidamente no território brasileiro. Apesar de iniciar como órgão
governamental, a atitude de Dom João inaugurou uma nova era de
comunicação que, posteriormente, foi de suma importância no período
farroupilha, sendo amplamente utilizada como forma de expressão política,
tanto por imperialistas quanto por revoltosos. No âmbito econômico, a redução
da taxa de importação de produtos ingleses para 15%, com o Tratado de
Comércio e Navegação de 1810 e a consequente ampliação desta taxa para
outros países como forma de reconhecimento da independência brasileira,
significou uma prática que prejudicava as Províncias brasileiras. Uma das
bandeiras reivindicadas pelos farroupilhas frente ao Império era exatamente
acerca da entrada do charque platino em solo nacional, com custos mais
baixos do que o produzido localmente.
Acerca do contexto da independência, faz-se importante analisar a
célebre frase que Dom João proferiu ao seu filho, no momento em que se
dirigira a Portugal: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me
hás de respeitar, do que para algum desses aventureiros”. Fica nítido o
82
pensamento português que permeou o período que culmina na autonomia
política do país, ou seja, o de que o desligamento político da colônia com sua
metrópole seria inevitável, mas que deveria se dar de forma a manter o vínculo
com a família real portuguesa. Dom João teve noção da situação que se
expandia pelo continente americano e com clareza de objetivos salientou ao
seu filho Pedro que a independência era inevitável, mas a forma que ela seria
proferida e que os homens nela envolvidos ainda poderiam ser manipuláveis
para favorecer a monarquia portuguesa. A maneira como foi conduzida a
independência teve grande êxito, a ponto de muitos dos farroupilhas não
poderem ser chamados de “republicanos”. Desde o início da regência do
príncipe Dom Pedro I, forma-se um grupo de brasileiros como seus aliados. A
criação e o apoio que Pedro recebera do chamado Partido Brasileiro denotam
que se encontrou outro inimigo comum que não a monarquia para os
brasileiros. A oposição às cortes neste primeiro momento foi fundamental para
unir o príncipe português às camadas altas da sociedade brasileira.
A Proclamação da Independência, porém, não foi marcada pela
participação popular. Não estavam presentes sentimentos nacionalistas ou
patrióticos, e sim os interesses de uma parcela da sociedade nascida ou
residente do país, em contraposição aos desmandos das cortes de Lisboa.
Neste momento, o Estado brasileiro se forma e a monarquia dará o tom à
manutenção da unidade territorial do país. A postura autoritária demonstrada
por Dom Pedro I e as conseqüentes tensões que surgem entre os partidos
Brasileiro e Português, no que tange à formulação do projeto e promulgação da
primeira Constituição brasileira, denotam as contradições entre a prática
absolutista e o pensamento liberal que se difundia pelo Brasil. Já que a questão
crucial seria a manutenção do território, a Constituição de 1824 delega às
Províncias um papel extremamente marginal em relação ao centro
governamental. Neste contexto, a derrota brasileira na Guerra da Cisplatina
colaborou para tencionar as relações entre o poder imperial e os rio-
grandenses, visto que os estancieiros sulistas não receberam o devido
ressarcimento sobre os prejuízos de guerra, am de reivindicarem o comando
das forças militares que foram delegadas ao Marquês de Barbacena.
83
A Província do Rio Grande de São Pedro passa a ser vista pelos
estancieiros sulistas como a “estalagem do Império”
197
, ou em outras palavras,
apenas uma região tática para a manutenção da hegemonia brasileira sobre a
região platina. Essa situação, ao invés de possibilitar um realce da Província
Rio-Grandense no cenário nacional, delegava mais perdas do que ganhos a
seus habitantes, já que deveriam deslocar boa parte de sua população para as
batalhas, não eram devidamente ressarcidos pelas perdas materiais geradas
por elas e não conseguiam o reconhecimento merecido às autoridades
provinciais. Além disso, a criação da República Oriental do Uruguai permitiu à
população da Província de São Pedro visualizar a viabilidade de organização
de um novo país, cuja situação político-econômica era muito semelhante à rio-
grandense.
198
O agravamento da situação interna brasileira encaminhava-se para a
abdicação de Dom Pedro I e abria espaço para uma onda liberal que passou a
tomar conta do período regencial. A Guerra Farroupilha eclodiu na Regência
Una do padre Diogo Antônio Feijó (ligado aos progressistas moderados), no
contexto pós-promulgação do Ato Adicional de 1834. Na prática, ele acabou
não proporcionando grande autonomia para as Províncias, pois, apesar de ser
permitido a elas legislarem sobre seus assuntos internos, não possuíam o
direito de decidir acerca do destino dado aos impostos pagos, sendo os
recursos enviados para o centro governamental. Dentre os fatores de cunho
econômico que deram origem à revolta, estão os altos impostos delegados pelo
governo central ao couro e charque sulistas (principais produtos da região).
Esse fato impedia uma concorrência justa entre os produtos rio-grandenses e
os platinos, que os últimos possuíam entrada facilitada no Brasil através de
taxas de importação mais baixas do que os impostos cobrados dos rio-
grandenses os platinos pagavam em torno de 4% acima do valor do produto,
enquanto os rio-grandenses pagavam em torno de 25%. O sal tamm era
197
Expressão popularizada pelo “Manifesto do Presidente da República Rio-Grandense em
nome de seus constituintes”, de 29 de agosto de 1838, assinada por Bento Gonçalves e
Domingos José de Almeida. CDBGS. Documento n°. 420. p. 282.
198
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Farrapos, liberalismo e ideologia. In.: DACANAL. Op. Cit. p.
14-15.
84
importado no Brasil com altas taxas de impostos, o que encarecia a produção
do charque sulista.
199
Porém, vale ressaltar:
No que concerne à indústria e ao comércio do charque, o
produto do Uruguai era superior ao do Rio Grande do Sul. Mas
o que escapava aos gaúchos da época eram as causas dessa
superioridade. A empresa uruguaia baseava-se no trabalho
assalariado, enquanto na Província continuava-se a utilizar o
trabalho escravo.
200
Em suma, é perceptível que as expectativas acerca de uma maior
autonomia da Província do Rio Grande não se concretizaram após o 7 de abril,
sendo mantida uma política extremamente centralizadora pelo governo
regencial. Os Presidentes provinciais continuaram sendo delegados pelo Rio
de Janeiro, apesar de criticados por estarem alheios aos problemas e
interesses locais. Por fim, a deflagração da Guerra Farroupilha se deu com o
crescente descontentamento dos liberais rio-grandenses acerca do governo de
Antônio Rodrigues Fernandes Braga, que, apesar de se aproximar dos liberais
(chamados “exaltados”), sucumbiu às pressões dos conservadores
(“retrógrados”), mantendo a política endossada pelo governo regencial. Neste
momento, de acordo com Helga Piccolo:
A denúncia da existência de um plano separatista serviu de
pretexto para o rompimento entre a maioria liberal da
Assembleia Legislativa e o Presidente da Província Antonio
Rodrigues Fernandes Braga, criticado por „fazer o jogo dos
retrógrados‟, isto é, identificado com os que pretendiam sustar
o processo aberto com a abdicação [...]
201
2.1) O desenrolar da trajetória farroupilha
Em viagem ao Rio Grande do Sul, em princípios dos anos de 1830,
Arsène Isabelle percebeu a tensão existente em território brasileiro:
199
Estas assertivas são expressas por:
FREITAS. Op. Cit. p. 116;
LOPEZ, Luiz Roberto. Revolução Farroupilha: a revisão dos mitos gaúchos. Porto Alegre:
Movimento, 1992. p. 16.
200
RIBEIRO, Maria Eurídice. Op. Cit. p. 62.
201
PICCOLO. Op. Cit. p. 51.
85
[...] a maioria dos brasileiros parece ser pela república. Infelizmente
estes mesmos estão em dissidência entre si, uns querendo adotar a
forma unitária, outros a forma federativa; [...] A Província do Rio
Grande, podendo viver sem as demais e sendo para ela muito útil,
queria a federação, isto é, o isolamento quase completo; as outras
protestam, o que faz com que ninguém se entenda. Essa dificuldade
de se conciliar, a respeito da forma, retardará talvez o termo
movimento, induzindo, provavelmente à anarquia os republicanos
brasileiros.
202
A partir deste depoimento, pode-se inferir que, no início dos anos de
1830, a situação que se delineava no Brasil era de agitação e polarização de
ideias acerca da forma política que o Estado deveria adotar. Isabelle consegue
perceber esta tensão, que para ele é tamanha a ponto de gerar mais anarquia
do que resoluções. No caso do Rio Grande, o viajante salienta que a Província
“poderia viver sem as demais”. Pode-se refletir se esta percepção de Isabelle
seria devido à disseminação deste pensamento na Província sulista. Logo, é
provável que tenha sido um fator de encorajamento de parte dos rio-
grandenses para iniciar o movimento farroupilha, que eclodiu em 20 de
setembro de 1835.
As ligações maçônicas, entre os futuros membros do movimento
farroupilha, tiveram importância fundamental para o levante. Em 25 de
dezembro de 1831 foi inaugurada a primeira loja maçônica oficial em Porto
Alegre, nomeada Philantropia e Liberdade. Muitos dos líderes farroupilhas
foram adeptos da maçonaria, dentre eles, Bento Gonçalves da Silva. Com o
codinome de “Sucre”, Bento organizou outras lojas maçônicas no território rio-
grandense, o que lhe havia sido permitido desde o ano de 1833. Haja vista o
histórico europeu da maçonaria como disseminadora de ideias libertárias, é
provável que ela tenha sido importante para abrir campo a essas ideias no
meio rio-grandense, bem como preparar a entrada do ideário da Giovine Italia.
Existem provas da influência maçônica dentre as lideranças farroupilhas, como,
por exemplo, o mbolo utilizado no brasão de armas farroupilha, a marreta
entre duas colunas em cima de montanhas.
203
A ligação entre líderes
farroupilhas e maçons provindos de outras regiões, como a platina, é
202
Grifado no original. ISABELLE, Arsène. Viagem ao Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins
Livreiro, 1983. p. 62-63.
203
Um estudo acerca das relações maçônicas no contexto farroupilha é feito por FAGUNDES,
Morivalde Calvet. A maçonaria e as forças secretas da revolução. Rio de Janeiro: Aurora, 1970.
86
perceptível pela forma de tratamento entre seus membros que se chamavam
de “compadres”, tendo em vista a ligação em uma família espiritual” que se
dava a partir da adesão do indivíduo a ela.
204
Além da maçonaria, outras
sociedades se reuniam em solo rio-grandense sob a forma de agremiações ou
gabinetes de leitura, dentre as quais vale ressaltar a importância do Gabinete
de Leitura da Sociedade Continentino, que publicava o jornal O Continentino,
que foi ferrenho em suas criticas ao Império. Estas agremiações, além de
disseminarem o ideário republicano, serviram para suprir a falta de formação
universitária entre os habitantes da Província de São Pedro.
Da eclosão até o fim do conflito farroupilha, o contexto político rio-
grandense sofreu grandes transformações. Para se compreender os rumos
tomados pelo movimento farrapo e as dissidências que ocorreram entre suas
lideranças, é necessário analisar as modificações que se deram no transcorrer
do decênio de 1835-45. Sendo assim, três momentos, cronologicamente
demarcados, devem ser colocados:
- setembro de 1835 a setembro de 1836, isto é, da deposição
de Fernandes Braga à proclamação da República Rio-
Grandense;
- setembro de 1836 a maio de 1840, isto é, da proclamação
da República Rio-Grandense à campanha da maioridade de
Dom Pedro II;
- maio de 1840 a fevereiro de 1845, isto é, da maioridade à
pacificação do Rio Grande do Sul.
205
O primeiro momento se caracteriza pela formação do conflito,
encabeçado por homens de destaque no cenário rio-grandense, como grandes
estancieiros, charqueadores, comerciantes e de representantes da cúpula
militar. Primeiramente, buscou-se uma negociação com o governo brasileiro.
Com a perpetuação da política centralista da regência imperial, a revolta
culminou com a proclamação da República Rio-Grandense. De início, muitos
dos líderes farroupilhas não eram nem republicanos nem separatistas, mas a
204
MENEGAT, Carla. O tramado, as penas e as tropas: família, política e negócios do casal
Domingos Jo de Almeida e Bernardina Rodrigues Barcellos. Dissertação de Mestrado. Porto
Alegre: UFRGS, 2009. p. 112-113.
205
PICCOLO, Helga Iracema Langraf. O discurso político na Revolução Farroupilha. In.:
Revista de História. Vol. 01. Porto Alegre, 1986/1987. p. 43.
87
impossibilidade de negociação com a governança regencial acabou por
conduzir ao desfecho de uma República.
No momento de formação da revolta rio-grandense, o italiano Livio
Zambeccari
206
se fez presente e sua proximidade com Bento Gonçalves era
tamanha que o chamavam de seu “secretário particular” ou um “secretário sem
pasta”. Nascido em 1802, na cidade de Bolonha, Livio era filho do conde
Francesco Zambeccari e tinha um gosto apurado pelos estudos, obtendo
conhecimentos em geografia, botânica e mineralogia, dentre outros. Como
Mazzini, participou da Carbonaria. No início da década de 1820, devido às
ações dos carbonari, foi sentenciado com pena de morte e precisou fugir da
Itália, refugiando-se na Espanha. Exilou-se, ainda, na Inglaterra e na França.
Em 1826, veio para a América e desembarcou em Montevidéu, em plena
Guerra da Cisplatina, onde se colocou ao lado de Lavalleja, em oposição ao
Império do Brasil. Em 1829, rumou para Buenos Aires, onde se aliou aos
unitaristas, em oposição a Rosas. Com a derrota do grupo portenho, ao qual
estava aliado, se deslocou para a Província de São Pedro do Rio Grande do
Sul, local onde residiam homens aos quais havia criado vínculos de amizade
durante a Guerra da Cisplatina. Chegou à Província sulista em 1831 e dedicou-
se a prestar serviços científicos, desenhando o mapa mais antigo de Porto
Alegre (provavelmente feito em 1833).
207
Trabalhou com a medição de lotes
urbanos e ruas da colônia de São Leopoldo e relacionou mais de mil e
quinhentas espécies botânicas do Rio Grande. Também teve contato com as
letras, participando das reuniões do Gabinete de Literatura da Sociedade
Continentino e escrevendo em vários jornais de cunho liberal na Província. De
acordo com Alfredo Varela, Zambeccari teria sido o redator dos jornais O
Continentino e O Republicano, além de colaborar com o Recopilador Liberal.
Porém, não é possível identificar seus escritos; razão pela qual não lhe é
delegado maior espaço no presente trabalho. No período inicial da Guerra
Farroupilha, Zambeccari teve participação atuante até ser preso, juntamente
com Bento Gonçalves, na Batalha da Ilha do Fanfa, em 4 de outubro de 1836.
206
As seguintes informações sobre Zambeccari foram extraídas de: VARELA. História da
Grande Revolução. Vol. II. Op. Cit. p. 55-71.
207
Acervo do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Arquivo particular, maço 08, lata 42 v.
Em anexo.
88
Enviado para a Fortaleza de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, nunca mais voltou
ao Rio Grande. O grau de importância de Zambeccari na formulação do ideário
que permeou o movimento farroupilha gerou um embate historiográfico no
século XX, sendo que um dos principais alvos das discussões girou em torno
de sua possível concepção da bandeira da República Rio-Grandense.
208
Na noite do dia 18 de setembro de 1835, ocorreu uma reuno na Loja
Maçônica Philantropia e Liberdade. Estavam presentes Bento Gonçalves, José
Vasconcelos de Gomes Jardim
209
, José Mariano de Mattos
210
, Antônio Vicente
da Fontoura
211
, Pedro Boticário
212
, Antônio Paulino da Fontoura
213
, Antônio de
Sousa Neto
214
e Domingos José de Almeida
215
. Dois dias após a histórica
reunião, Porto Alegre foi tomada pelos revoltosos, o que obrigara Fernandes
Braga a fugir para a cidade de Rio Grande. Em seu lugar, Bento Gonçalves
empossara o vice Marciano Ribeiro. a governança imperial nomeou José de
Araújo Ribeiro como Presidente da Província Rio-Grandense, nome que o
agradou aos farroupilhas, que prorrogaram o mandato de Marciano até 9 de
dezembro. Como a capital Porto Alegre estava nas mãos dos revoltosos,
Araújo Ribeiro rumou para Rio Grande, onde tomou posse efetiva de seu
cargo. Bento tentara dar um tom conciliatório à situação, convidando Araújo
Ribeiro para tomar posse em Porto Alegre, mas ele recusou a oferta. As
tensões se agudizaram e os imperiais conseguiram retomar a capital, em 15 de
julho de 1836.
216
Apesar do cerco que mantiveram à cidade, até o ano de 1840,
nunca mais Porto Alegre caiu nas mãos dos farroupilhas, o que lhe rendeu o
título de “mui leal e valorosa” por parte do Império.
O mês de setembro de 1836 se tornaria um marco para o movimento
sulista. No dia 9 de setembro, os homens do General farroupilha Antônio de
Sousa Neto conseguiram uma importante vitória sobre as tropas do Coronel
208
Conforme exposto na introdução do presente trabalho.
209
Primo de Bento Gonçalves que, posteriormente, seria Presidente por duas vezes da
República Rio-Grandense: quando da prisão de Bento pelos imperiais (1836-1837) e após a
renúncia de Bento à presidência (1843-1845).
210
De cunho separatista.
211
Contrário à ideia de separação.
212
Republicano fervoroso.
213
Irmão de Vicente e, provavelmente, com pensamento semelhante.
214
Imperial que simpatizava com as ideias republicanas.
215
Separatista e admirador da República.
216
FAGUNDES, Morivalde Calvet. Op. Cit. p. 75-82.
89
João da Silva Tavares em uma localidade próxima a Bagé, o Arroio do
Seival.
217
Quase um ano transcorreu desde a tomada de Porto Alegre e, em 11
de setembro de 1836, após a empolgante vitória que ficou conhecida como o
Combate do Seival, Antônio de Souza Neto proclamou a República Rio-
Grandense, exclamando:
Bravos companheiros da Brigada de Cavalaria! São sem
número as injustiças feitas pelo Governo. Seu despotismo é o
mais atroz. [...] Em todos os ângulos da Província não soa
outro eco que o de independência, república, liberdade ou
morte. Este eco, majestoso, que tão constantemente repetis,
como uma parte deste solo de homens livres, me faz declarar
que proclamemos a nossa independência provincial, para o
que nos dão bastante direito nossos trabalhos pela liberdade,
e o triunfo que ontem obtivemos, sobre esses miseráveis
escravos do poder absoluto. Camaradas! Nós que compomos
a Brigada do Exército Liberal, devemos ser os primeiros a
proclamar, como proclamamos, a independência desta
Província, a qual fica desligada das demais do Império, e
forma um estado livre e independente, com o tulo de
República Rio-Grandense, e cujo manifesto às nações
civilizadas se fará competentemente.
218
Como se pode perceber, o governo imperial é atacado como
“déspota”, que não dera interesse à causa rio-grandense ao inviabilizar uma
negociação com os homens oriundos das camadas altas da Província. Assim, o
discurso acima se na anteposição de “homens livres”, que o aceitam ser
“humilhados”, versus a governança imperial. voz a um clamor em nome do
total da população rio-grandense, o que se deve levar em consideração, tendo
em vista o tenso contexto em que se encontrava a Província de São Pedro.
A partir desse momento, o movimento rio-grandense passava a ter um
caráter separatista e a situação política rio-grandense começava a mudar de
uma Província brasileira para um novo Estado, a República Rio-Grandense. A
discussão agora seria acerca de um Presidente para a nova República, ao
invés da substituição do governante provincial. Passava-se de uma revolta
provinciana para a Guerra Farroupilha propriamente dita. A luta agora seria
pela defesa da independência do novo Estado e de um exército defensor
217
Ibid. p. 145.
218
Constante integralmente em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Proclama%C3%A7%C3%A3o_da_Rep%C3%BAblica_Rio-
Grandense
90
(republicano) em oposição a outro agressor (imperial). Às cores da bandeira
brasileira seria colocada uma faixa vermelha em diagonal, compondo o novo
mbolo, de um novo país.
Nos nove anos seguintes, esses tempos iniciais de empolgação
sofreriam modificações. Até o ano de 1840, pode-se perceber um período de
ascensão farroupilha, dadas as vitórias no campo militar. Após esse período, é
perceptível uma situação de decadência, culminando com as tensões entre as
lideranças do movimento, que ficam mais claras a partir das reuniões da
Assembleia Constituinte, em 1842. Nesta segunda fase da Guerra Farroupilha,
da Proclamação até 1840, os insurgentes visam a organização do novo Estado,
bem como a manutenção e sua sedimentação. Conhecem muitas vitórias
militares contra os imperiais, embora ocorram momentos como a derrota na
Batalha da Ilha do Fanfa, exatamente no momento em que Bento encontrava-
se fazendo o cerco à Capital e recebera a notícia de que seu nome havia sido
indicado como candidato único à presidência da nova República. Como Bento
fora aprisionado no navio Presiganga e enviado posteriormente à Fortaleza de
Santa Cruz, no Rio de Janeiro, José Gomes de Vasconcelos Jardim assumiu a
presidência até seu retorno. Em fins de 1836, com Bento preso e com
propostas de anistia feitas pelo governo imperial, o movimento perdia estímulo.
O ano de 1837 mudaria esse quadro.
A dura repressão feita pelo então Presidente da Província, Brigadeiro
Antero de Brito, aos adeptos da causa farroupilha desencadeou efeito contrário
ao esperado e, no ano de 1837, os farrapos tiveram vários sucessos no âmbito
militar. Parte desse cenário de vitórias se deu pelo retorno de Bento Manuel
Ribeiro ao lado insurgente. Ele esteve aliado aos farroupilhas no inicio da
revolta, mas voltou-se aos imperiais, apoiando Araújo Ribeiro em sua
tumultuada instauração como Presidente da Província. Novamente, Bento
Manuel retornava à causa farroupilha, haja vista sua ligação com Rivera, cuja
prisão havia sido decretada pelo governo imperial brasileiro por colaborar com
os revoltosos rio-grandenses.
219
Em janeiro, os farrapos ganharam o apoio de
habitantes de Lages, em Santa Catarina, que se tornaria um ponto importante
219
SCHEIDT. Op. Cit. p. 134.
91
de negociações, em que os farroupilhas compravam armas e munições. No
mês de abril, Neto tomou o arsenal imperial de Caçapava e conseguiu muitas
adesões de soldados locais. No mesmo mês, no dia 30, Rio Pardo, a mais
populosa cidade da Província, foi tomada pelos farrapos. Em julho, chegava a
Jaguarão o italiano Luigi Rossetti, que posteriormente se destacaria na
imprensa farroupilha. Em outubro, recebeu-se, no Rio Grande, a notícia da fuga
de Bento Gonçalves do Forte do Mar, em Salvador, local para o qual ele fora
transferido após sua prisão no Rio de Janeiro. Bento veio a assumir o cargo do
qual estivera alijado, o de Presidente da República Rio-Grandense, em 16 de
dezembro.
220
Enfim, o ano de 1837 serviu para soerguer a autoestima dos
farroupilhas e, em seu final, parecia que a República estaria passando por um
período de consolidação. Para animar ainda mais os ânimos, em 6 de
novembro eclodira a chamada Sabinada, na Bahia, outra revolta provinciana
contra a governança imperial, mas de curta duração, findando em março do
ano seguinte.
No ano de 1838, os farroupilhas conseguiram uma de suas maiores
vitórias, em abril, na cidade de Rio Pardo, que formava com Rio Grande e
Porto Alegre a “fronteira” de domínio imperial no território rio-grandense.
221
Os
demais sucessos militares dos farrapos não tiveram grande importância
estratégica e o sonho da retomada de Porto Alegre se mostrara cada vez
menos possível. Na ocasião da tomada de Rio Pardo, encontrava-se uma
Banda Imperial, sob as instruções do maestro mineiro Joaquim José
Mendanha, que viria a compor a música do Hino Nacional da República Rio-
Grandense, com letra posterior do republicano Serafim Joaquim de Alencastre.
Em de setembro, após várias prorrogações, iniciava a impressão do Jornal
O Povo, tendo Luigi Rossetti como seu primeiro redator. No final de 1838,
iniciara uma rebelião de cunho popular no Maranhão, conhecida como
Balaiada. Para conter a revolta, o governo regencial nomeou Luís Alves de
Lima e Silva como Comandante da Armas da Província. O fim da Balaiada
ocorreu em 1841, quando Lima e Silva venceu os insurgentes na Vila de
Caxias, recebendo seu primeiro título de nobreza, Barão de Caxias. Iniciava,
220
FAGUNDES, Antonio Augusto. Revolução Farroupilha: cronologia do Decênio Heróico.
Porto Alegre: Martins Livreiro Ed., 2003. p. 51-60.
221
FAGUNDES, Morivalde Calvet. Op. Cit. p. 245-247.
92
assim, a trajetória de Lima e Silva como O Pacificador, que seria vivenciada
pelos farroupilhas.
Com Piratini sob ameaça, a capital da República foi transferida para
Caçapava, no mês de janeiro de 1839. Porém, é nesse ano que chega ao Rio
Grande outro italiano de destaque na trajetória farroupilha: Giuseppe Garibaldi.
Ele nasceu em Nice, em 22 de julho de 1807. Filho de Domingos Garibaldi,
marinheiro genovês, desde cedo teve apreço pela vida de homem do mar.
222
No ano de 1834, participou dos fracassados levantes de Mazzini em Gênova e,
sabendo que sua sentença de morte havia sido decretada, adotou o nome de
Pane para ficar no Velho Mundo. Percebendo, no entanto, o perigo que
estava correndo, acabou partindo para a América.
223
Em suas “Memórias,
transcritas por Alexandre Dumas, Garibaldi fala de seu apreço pelos soldados
farroupilhas, salientando sua bravura. Pela forma como descreve Bento
Gonçalves, percebe-se a admiração e proximidade que tivera com o
General.
224
Também, relata que, em solo rio-grandense, iniciou seu
aprendizado na cavalaria, a qual usaria posteriormente nas lutas pela
unificação da Península Itálica:
A ginástica aprendi-a trepando pelos cabos dos navios e
deixando-me escorregar pelas enxárcias; a esgrima
defendendo a minha cabeça e tentando o melhor que podia
quebrar a dos outros, e a equitação tomando exemplos dos
primeiros cavaleiros do mundo, isto é, dos gaúchos.
225
Em 1º de setembro de 1839, recebeu o título de Comandante da
Marinha Farroupilha, sendo-lhe delegada a missão de construir a frota naval da
República. Quando chegou à Fazenda do Brejo, às margens do Camaquã
(propriedade de Antônia Gonçalves, irmã de Bento), Garibaldi deparou-se com
dois lanchões que estavam sendo construídos sob a orientação do estado-
unidense John Griggs. Com as cidades de Rio Grande e São José do Norte
tomadas pelos imperiais e com a utilização portuária de Montevidéu dificultada
pela pressão que o Império fazia ao governo uruguaio, faltava um porto aos
farroupilhas para escoar e receber mercadorias. Desta forma, iniciam-se os
222
GARIBALDI. Op. Cit. p. 23-30.
223
Ibid. p. 43-46.
224
Ibid. p. 70.
225
Ibid. p. 24.
93
planos para tomar a cidade catarinense de Laguna, onde os insurgentes rio-
grandenses possuíam contatos. Os planos seriam de atacar a cidade por via
terrestre e marítima, mas os farrapos não dominavam portos na Província de
São Pedro. Iniciava-se uma manobra genial e talvez uma das mais famosas da
Guerra Farroupilha. Para conseguirem alcançar o mar, os lanchões Seival e
Rio Pardo foram colocados sobre rodas e puxados por juntas de bois, do Rio
Capivari (onde terminaria sua trajetória por águas internas rio-grandenses), até
a barra do Tramandaí, onde ganharam o Atlântico. O Seival era comandado
por John Griggs, enquanto o Rio Pardo estava sob as ordens de Garibaldi. No
entanto, uma tempestade acarretou o naufrágio do Rio Pardo e poucos homens
se salvaram, dentre os quais, o próprio Garibaldi. Os sobreviventes uniram
forças com os homens do Seival e com os que vinham por terra, nas tropas do
General David Canabarro.
226
Os farroupilhas conquistam Laguna e proclamam a República Juliana,
em 29 de julho. Sobre o tempo que permanecera em Laguna, Garibaldi relata
que foram muito bem recebidos pelo povo de Santa Catarina. Ressalta o papel
de Rossetti como Secretário Interino do governo da nova República. Ele afirma:
“Infelizmente as nossas maneiras orgulhosas para com os habitantes e a
insuficiência dos meios que tínhamos à nossa disposição fizeram perder o fruto
desta”.
227
Os imperiais continuavam a avançar em grande número por terra e
os catarinenses mostravam-se desgostosos com os rio-grandenses. Por fim,
Canabarro mandou Garibaldi castigar o lugar, o que este cumpriu com muito
desgosto. Segundo afirma em suas “Memórias”, saquearam Imaruí e lembra
seu dilema para conseguir que seus soldados, indisciplinados e com quem
tinha pouca intimidade, não atentassem contra vidas humanas. O povoado foi
destroçado e os soldados se embriagaram. A Lagoa foi cercada por navios
imperiais e comou uma sangrenta batalha, onde morreram muitos homens.
Garibaldi ressalta a bravura de Anita durante o combate. Por fim, retiraram-se
para a terra a mando de Canabarro e rumaram ao Rio Grande, colocando fogo
em seus navios cheios de corpos.
228
Mesmo tendo apreendido várias
embarcações e armamentos, os farroupilhas não conseguiram gerar grande
226
FAGUNDES, Morivalde Calvet. Op. Cit. p. 248-250.
227
GARIBALDI. Op. Cit. p. 92
228
Ibid. p. 100-102.
94
comoção popular para sua causa e Laguna foi retomada pelos imperiais, em 15
de novembro, sendo destruída completamente a esquadra farroupilha. Os
chefes da marinha farrapa foram mortos, com exceção de Garibaldi, que levava
consigo Anita. As tropas farroupilhas se dividiram, umas rumando para as
bandas de Torres com Canabarro, outras para Lages.
Neste segundo momento da luta farroupilha, é importante ressaltar que
a perspectiva da República, provavelmente, possibilitou uma aproximação de
Garibaldi e Rossetti com o grupo de líderes farrapos que mais se envolveram
com a ideia de formar um Estado no sul do Brasil. Contudo, no ano de 1839,
Rossetti se afastou de sua função como editor do jornal O Povo, já delineando
seu descontentamento com os rumos tomados pelo movimento rio-grandense.
A partir de 1840, começou um período de claro declínio das forças farroupilhas.
Neste ano, Caçapava foi atacada de surpresa pelos imperiais e a capital da
República se tornou itinerante, sendo os documentos oficiais colocados em
carretas. Em junho, os insurgentes perderam São Gabriel e, no mês de julho,
São Jodo Norte. Ainda em junho, faleceu o Coronel farroupilha Afonso José
de Almeida Corte Real, ao resistir a uma ordem imperial de prisão. No mês de
agosto, chegou ao Rio Grande a notícia da ascensão ao trono de Dom Pedro II,
sendo decretada a anistia aos farroupilhas que desistissem da batalha. Em
novembro, na também malograda Batalha do Passo do Vigário, em Viamão,
morreu Luigi Rossetti e Bento Gonçalves passou a presidência da República
para seu vice, José Mariano de Mattos. Dadas as circunstâncias, Bento
Gonçalves expressou o desejo de pacificação do conflito, em carta enviada a
Mattos:
Acha-se nesta vila o Exmo. Deputado Álvares Machado
enviado pelo Governo Imperial para tratar conosco da
conciliação e da paz; e como me não considero autorizado
para levar a efeito semelhante negociação, julgando,
entretanto, conveniente aproveitar-nos deste favorável ensejo
para concluir-se a luta desastrosa que aflige o nosso país,
dirijo esta V. Exa. rogando-lhe haja de nomear um ou mais
comissários plenamente autorizados para o efeito a fim de
conseguir-se um arranjo definitivo que deve trazer paz e
felicidade a nossa Pátria.
229
229
CDBGS. CV-233. Carta datada de 31 de outubro de 1840. p. 157
95
Apesar de não “se considerar autorizado”, foi o próprio Bento a tratar
da paz
230
com Álvares Machado. Nos documentos que Bento delega a
Machado, pede salvo-condutos para que soldados farroupilhas, a seu mando,
pudessem movimentar-se pelos locais dominados pelo Império, para negociar
a pacificação. Aparentemente, Machado não demonstra grande interesse nas
reivindicações de Bento, que acaba sendo reprovado por Domingos José de
Almeida:
[...] indo tal objetivo [de por vontade própria estabelecer os
homens que fariam acordo com o Império, bem como as
bases para se dar tal acordo] de encontro ao juramento que se
prestou quando se proclamou a Independência do Estado Rio-
Grandense e ao interesse do exército e povo que a ela aderiu
espontaneamente, não pode, sem trair sua consciência e aos
deveres por esse fato contraídos, avançar um passo sem
consultar as Câmaras Municipais, Procuradores Gerais e ao
exército; e que por isso convém a obtenção de prazo
suficiente para proceder a referida consulta e nomeação do
Comissário indicado, caso a maioria da nação se pronuncie
pela mencionada reunião. Se porém V. Exª. Entender que sem
tais precedentes pode tratar de assuntos de tanta
transcendência, bem como o praticado até este ponto, que
o faça; pois que destarte arredará do governo todo e qualquer
evento a esperar-se.
231
Na carta que antecede a resposta de Almeida, percebe-se que Bento
acreditava ter chegado o momento crucial para se dar a pacificação dos
farroupilhas com o Império Brasileiro. Bento parecia estar afoito em conseguir
organizar encontros com Álvares Machado e seus subordinados. Todavia,
havia uma preocupação sua para com a vontade de seus demais
companheiros de luta, pois acreditava que, se a vontade do todo” não fosse
levada em consideração, a questão da pacificação seria inviabilizada. Haja
vista a dificuldade de comunicação entre as lideranças farroupilhas, próprias do
contexto rio-grandense do culo XIX, é provável que tenha se dado um mal
entendido entre as pretensões de Bento e as conclusões de Almeida. Sentindo-
se injustiçado, Bento escreve a Almeida:
[...] mui sensível me foi a suposição que fez S. Exa. de eu ser
por mim capaz de entrar em tratados com os delegados do
230
Acerca das negociações de paz, ano a ano, ver: DOCCA, Emilio Fernandes de Souza. O
sentido brasileiro da revolução farroupilha. Porto Alegre: Editora Globo, 1935. p. 61-94.
231
AAHRGS. 1978. Vol. 2. CV-411. Carta datada de 1° de dezembro de 1840. p. 324.
96
Império e ainda mais quando todas as proposições que se me
faziam eram indignas do povo rio-grandense.
232
No inicio de 1841, os farrapos perderam uma força militar de suma
importância: Bento Manuel Ribeiro, que novamente mudara de lado, se aliando
aos imperiais. Em março, Bento Gonçalves reassumiu a presidência da
República. No mês de setembro, Garibaldi se afastou do movimento e rumou
para Montevidéu, ganhando 900 cabeças de gado, pertencentes ao próprio
Bento Gonçalves, por seus serviços prestados à causa farroupilha.
233
O ano de 1842 foi de efervescência revoltosa no Brasil. Em maio, o
Partido Liberal de Sorocaba, em São Paulo, proclamou seu líder, Coronel
Rafael Tobias de Aguiar, Presidente da Província. Os farroupilhas ficaram
jubilosos com a notícia. Foi Tobias de Aguiar que trouxe para o Rio Grande do
Sul o primeiro cavalo malhado de que se tem notícia e, por essa razão, até hoje
esse pelo de equino é chamado Tobiano.
234
No mês de junho, situação
semelhante à de São Paulo ocorreu em Barbacena, na Província de Minas
Gerais. O Partido Liberal de Barbacena delegou ao Tenente-Coronel José
Feliciano Pinto Coelho da Cunha a presidência da Província. Parecia que tudo
indicava um ano de glória aos farroupilhas, que conseguiriam aliados em outras
Províncias brasileiras. Porém, Luís Alves de Lima e Silva foi incumbido de
conter as revoltas paulista e mineira, o que conseguiu em apenas dois meses.
O ano de 1842 foi marcado por poucas operações militares em solo
rio-grandense, mas muitas ações políticas e reorganização de ambos os
exércitos. Em julho, a capital fixou-se em Alegrete e Bento Gonçalves entregou
formalmente o comando do exército ao General Neto, nomeando o Coronel
João Antônio da Silveira como chefe do estado-maior. A Assembleia
Constituinte deveria se instalar em abril de 1840, enquanto Caçapava ainda era
a capital dos revoltosos. Entretanto, isso pôde ocorrer no ano de 1842,
quando a capital já havia sido transferida para Alegrete. O mês de setembro foi
duro para os farroupilhas. Primeiramente, foram realizadas as eleições para
deputados da Assembleia. Devido à tensa situação que se delineava entre as
232
CDBGS. Op. Cit. CV-239. Carta datada de 05 de janeiro de 1841. p. 163.
233
FAGUNDES, Antonio Augusto. Op. Cit. p. 97-103.
234
Ibid. p. 106.
97
lideranças do movimento, o jornal O Americano, que substituiu O Povo, surgira
ainda no mês de setembro, mas durou apenas meio ano. Por fim, é neste mês
de setembro que Luís Alves de Lima e Silva, O Pacificador, entra na cena rio-
grandense, sendo nomeado Presidente da Província pelo Imperador Dom
Pedro II. O Barão de Caxias foi bastante feliz em suas táticas para derrotar os
republicanos rio-grandenses. Tratava bem as populações dos territórios
ocupados, espalhava intrigas entre os farroupilhas e nomeou Bento Manuel e
Chico Pedro, que possuíam estilo semelhante de organização de tropas ao dos
farrapos, como comandantes militares. Aos poucos, os farroupilhas foram
sendo empurrados para o Uruguai.
235
No final de 1842, foi instalada, em
Alegrete, a Assembleia Constituinte, surgindo muitas dissensões e intrigas
entre os líderes farrapos. Nesse contexto, as tensões entre as lideranças do
movimento se agudizaram, sendo clara uma polarização entre uma maioria”,
que apoiava Bento Gonçalves, e umaminoria”, em sua oposição.
No ano de 1843, os farroupilhas fizeram um grande esforço militar ao
atacar a vila de São Gabriel e conquistá-la no mês de abril, derrotando Bento
Manuel. Contudo, essa foi a última vitória dos farrapos. Em agosto, Bento
Gonçalves desistiu de governar a República Rio-Grandense e passou a
presidência para Gomes Jardim.
236
Foi nesse ano que se imprimiu, em
Alegrete, o Projeto de Constituição da República Rio-Grandense, que nunca
chegou a entrar em vigor.
Em 1844, Onofre Pires acusou Bento Gonçalves de ser o mandante do
assassinato de Antônio Paulino da Fontoura. Bento respondeu a acusação com
um desafio a um duelo, que ocorreu em 28 de fevereiro. Onofre é ferido, vindo
a falecer dias depois. Somente após o término da revolta rio-grandense veio à
tona a real causa da morte de Paulino da Fontoura. Ele possuía uma amante
casada e seu marido, ao saber da traição, mandara matar Paulino. As calúnias
que recaíram sobre Bento eram infundadas e a morte de Onofre fora em
vão.
237
Em novembro desse ano, ocorreu a Batalha do Cerro dos Porongos
238
,
famosa pela trágica morte dos lanceiros negros e pelo embate historiográfico
235
FAGUNDES, Morivalde Calvet. Op. Cit. p. 311-317.
236
FAGUNDES, Antonio Augusto. Op. Cit. p. 113-120.
237
FAGUNDES, Morivalde Calvet. Op. Cit. p. 365-369.
238
Onde hoje se localiza o município de Pinheiro Machado.
98
acerca da dúvida sobre a traição do General David Canabarro à sua tropa e
aos demais líderes farroupilhas.
Nesse terceiro e último momento da Guerra Farroupilha, a polarização
entre seus líderes delineou-se mais claramente e o grupo “minoritário” adquiriu
mais poder no desenrolar do conflito contra o Império, haja vista o próprio
afastamento de Bento Gonçalves do governo, em agosto de 1843. Nesse
cenário, Rossetti morreu e Garibaldi se afastou do movimento, rumando ao
Uruguai. É perceptível que a decadência da “maioria” no poder foi
concomitante ao crescente distanciamento de Garibaldi e Rossetti do
movimento, o que reforça a hipótese de sua maior aproximação com aqueles
que, posteriormente, comporiam o grupo “majoritário” das lideranças
farroupilhas. A partir de 1841-42, quando Dom Pedro II foi instituído como
Imperador de fato do Brasil, o poder de direção da Guerra foi para as mãos da
“minoria” das lideranças farroupilhas, o que acabou culminando com a
pacificação do conflito, em 1845. Tamm colaborou para o desfecho do
conflito, razoavelmente favorável para os rio-grandenses, a necessidade que o
Imperador tinha acerca dos braços gaúchos para a manutenção das fronteiras
sulistas do Brasil. A situação fronteiriça, em especial, deve ser levada em
consideração, já que:
A posição estratégica do Rio Grande do Sul faz com que ele
seja visto como uma área limítrofe: estaria nas margens do
Brasil e poderia tanto fazer parte dele como de outros países,
dependendo do resultado das forças históricas em jogo.
239
Em 1845, as forças farroupilhas encontravam-se enfraquecidas,
dificultando a manutenção da República Rio-Grandense. Apesar disso, talvez o
Império não quisesse correr o risco de uma possível aliança territorial com o
Prata. Dessa maneira, apesar de ter o aval do Imperador para agir com
violência, Caxias optou pela diplomacia, fazendo apelos ao patriotismo dos rio-
grandenses e desenhando Manuel Oribe e Juan Manuel de Rosas,
respectivamente Presidentes do Uruguai e da Argentina, como reais inimigos
239
OLIVEN. Op. Cit. 48.
99
dos sulistas.
240
Caxias foi proclamado Pacificador do Brasil, agregando o tulo
de conde à presidência da Província Rio-Grandense.
2.2) Início e fim do decênio farroupilha: reivindicações iniciais x
ganhos reais
Para a compreensão do movimento farroupilha, devem-se levar em
conta as mudanças e adaptações ocorridas no decênio de 1835-45. Para tal, é
importante analisar as reivindicações iniciais dos farroupilhas e o que ficou
acordado no Convênio de Ponche Verde de 28 de fevereiro de 1845.
Em Manifesto de 25 de setembro de 1835, Bento Gonçalves salienta
como raízes para o levante:
Conheça o Brasil que o dia vinte de setembro de 1835 foi a
consequência inevitável de uma e odiosa administração; e
que não tivemos outro objeto, e não nos propusemos a outro
fim que restaurar o império da lei, afastando de nós um
administrador inepto e faccioso sustentando o trono
constitucional do nosso jovem monarca e a integridade do
Império.
241
O Manifesto em questão se direciona à decepção acerca da
governança da Província de São Pedro por Fernandes Braga, sendo a ela
direcionadas críticas como a de retrógrada, perseguidora da oposição,
antinacional e opressiva, dentre outras. Bento crê que fala em nome de todos
os rio-grandenses e demonstra que, nesse momento inicial da revolta, os
farroupilhas tomam para si o papel de verdadeiros patriotas, de defensores da
liberdade e dos princípios liberais. Neste sentido, discorre:
Cumprimos, rio-grandenses, um dever sagrado repelindo as
primeiras tentativas da arbitrariedade em nossa cara Pátria; ela
vos agradecerá e o Brasil inteiro aplaudirá o vosso patriotismo
e a justiça que armou vosso braço para depor uma autoridade
inepta e facciosa e restabelecer o império da lei. [...] Com este
triunfo dos princípios liberais minha ambição está satisfeita, e
no descanso da vida privada a que tão somente aspiro gozarei
o prazer de ver-vos desfrutar os benefícios de um governo
240
FAGUNDES, Morivalde Calvet. Op. Cit. p. 324-326.
241
Grifado no original. CDBGS. Documento de n°.: 413. p. 268.
100
ilustrado, liberal e conforme com os votos da maioria da
Província.
242
E prossegue em Proclamação do dia 21 de outubro do mesmo ano:
Oh! Quanto é doce ter concorrido a salvar a Pátria! livre a
Província da facção inimiga de vosso sossego e liberdade, e
desfrutando os bens que emanam de um governo patriótico, e
liberal, podereis com orgulho dizer a vossos filhos: eu fui dos
bravos que, combatendo a arbitrariedade, coadjuvei a restaurar
o império da lei; segui o meu exemplo e vosso colo nunca se
dobre ao pesado jugo do despotismo.
243
Apesar de escritas por um homem, pode-se inferir que essas
passagens possuem algumas considerações elucidativas sobre o pensamento
dos líderes farroupilhas no início do movimento. É marcante o esforço de Bento
para esclarecer que os revoltosos não estavam indo de encontro ao Império
Brasileiro, mas à governança regencial. Os rio-grandenses que aderiram às
armas, portanto, estavam cumprindo seu papel de verdadeiros brasileiros, não
aceitando as arbitrariedades que estariam sendo impostas pelo governo de
Feijó um homem que não seria o “herdeiro de direito” do trono e refletidas
na Província com a presidência de Fernandes Braga. A insurreição que se dera
contra o governo imperial é tida como uma “consequência inevitável” dessas
arbitrariedades. Os rio-grandenses estariam “salvando” a Pátria. Estariam
lutando, não por sua Província, mas pelos demais brasileiros, o que lhes
seria reconhecido pela posteridade.
É importante levar em consideração que Bento fala em nome de todos
os rio-grandenses, mas o fato é que a Província estaria dividida entre os que
eram a favor e aqueles que eram contra a governança imperial. Devido a essa
situação, provavelmente, redige esses manifestos em tom épico e confere aos
homens que pegaram em armas contra o Império o papel de heróis. Eles
estariam lutando para resgatar o “Império da lei”, que pode ser compreendido a
partir de duas leituras. Primeiramente, de uma figura retórica veio a ideia de
que o Rio Grande se encontraria em uma situação de “caos” e aos revoltosos
caberia a instauração de uma situação em que a lei e a ordem voltassem a
242
Ibid. p. 274.
243
Ibid. Documento de n°.: 414. p. 275.
101
imperar na Província. Em segundo lugar, pôde comprovar sobre a colocação
na prática do que estava exposto na Constituição, como se o papel dos
revoltosos fosse o de fazer com que se cumprisse o conteúdo da Carta
Constitucional, o que não era o que ocorria no parecer de Bento. Isso
demonstra uma preocupação com a constitucionalidade” do Império, mais do
que uma possível separação da Província de São Pedro do restante do Brasil.
Porém, Bento destaca um “governo ilustrado, liberal e conforme com os votos
da maioria da Província”, sendo que pode apontar tanto para uma monarquia
constitucional quanto para uma ideia de forma de governo republicana, o que
só ficou realmente claro no ano de 1836, quando da Proclamação da República
Rio-Grandense.
Nos escritos de Bento, o liberalismo é bastante ressaltado através dos
termos “princípios liberais” e “governo liberal”. Acerca das adaptações que o
liberalismo europeu suscitou no Novo Mundo, Sandra Pesavento faz uma
análise bastante pertinente acerca do debate gerado pela afirmação de
Roberto Schwarz de que no Brasil as ideias estariam “fora do lugar”, ou seja,
desvirtuadas de seu espaço original; o europeu.
244
Nesse debate, Pesavento
se colocou a favor da teoria de Maria Sylvia Carvalho Franco de que as ideias
“estariam no lugar”
245
, pois “[...] é a classe dominante, lá e cá, que elabora ou
adota ideias que servem a seus interesses, no caso, a afirmação da dominação
sobre os demais grupos”.
246
Portanto, no Brasil o ideário liberal foi adaptado à
situação local, já que:
[...] nossos liberais recolheram da ideologia importada aqueles
elementos condizentes com suas reivindicações mais imediatas,
ou seja, o liberalismo econômico tinha o significado básico de
romper monopólios e estabelecer o livre comércio, enquanto que
a sua contrapartida política se orientava para a entrega do poder
de direito aos seus representantes de fato na sociedade
brasileira: os proprietários de escravos e terras [...] Para a
Europa o liberalismo tinha o significado de responder às
exigências de realização hegemônica de uma nova classe
[burguesia] e consolidação do modo capitalista de produção. [...]
no Brasil, o processo de independência implicava a
244
SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar. In.: Estudos Cebrap. São Paulo: Brasiliense,
jan. 1973.
245
FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. As ideias estão no lugar. In.: Cadernos de Democracia
como valor universal. São Paulo: Brasiliense, 1976.
246
PESAVENTO. Op. Cit. p. 21.
102
permanência do mesmo grupo e dos mesmos interesses como
predominantes internamente na sociedade, o que implicava a
impraticabilidade de uma „mudança liberal‟ por completo da
sociedade, tal como na Europa.
247
No Rio Grande do Sul, o liberalismo esteve no foco dos problemas
provinciais, negligenciados pela centralização governamental do Império
Brasileiro. Para parte das lideranças políticas rio-grandenses, o ideário liberal
se constituiu como uma justificativa para sua rebelião contra a centralização do
Império, que deixara de corresponder às expectativas de salvaguardar a
propriedade e a soberania provinciais, abertas com o processo de
independentização do país.
248
Dessa maneira, o papel que Bento Gonçalves
atribui aos homens ligados à revolta é o de salvadores da Pátria”, ou seja, do
Brasil e do Rio Grande. Note-se que, neste primeiro momento do conflito, o
conceito de Pátria parece ser dúbio, sugerindo referir-se ao território brasileiro,
mas tamm podendo ser utilizado para designar o rio-grandense. De acordo
com Maria Medianeira Padoin, no contexto farroupilha:
Pátria refere-se ao local onde se nasce ou onde se vive; um
espaço já delimitado econômica, social e culturalmente, no qual
é construída e caracterizada uma identidade regional [...] a
consciência de pertencimento a um espaço geográfico e
político adquiriu o sentido de nação, que está vinculada à
consciência de também pertencer a um determinado grupo
(elite) localizado nesta região, identificado desta forma seus
interesses com o da nação ou da tria. Assim, o significado
de nação está relacionado à visão de Pátria que refere-se à
região, ou seja, o local próximo de atuação, de relações e de
domínio da elite.
249
A ligação ao espaço regional de convivência toma uma grande
proporção, apesar de, neste primeiro momento, não estar claro o objetivo de
separação do Brasil, como demonstra a passagem a seguir:
No Rio de Janeiro retumbam as mais atrozes calúnias; [...]
Briosos Guardas Nacionais! Não escuteis suas vozes
insidiosas, não acrediteis em tais boatos; eu posso assegurar-
vos que não existe nenhum plano de república e separação do
Brasil. Os rio-grandenses que empunharam as armas para
resistir à opressão, amam e querem todos pertencer à união
247
Ibid. p. 20.
248
Ibid. p. 23.
249
PADOIN, Maria Medianeira. O federalismo no espaço fronteiriço platino: a revoluçâo
farroupilha (1835-1845). Tese de Doutorado. UFGRS: Porto Alegre, 1999. p. 253-254.
103
brasileira, mas ao mesmo tempo estão dispostos a sustentar
com firmeza a heróica empresa de vinte de setembro e a
dignidade da Província.
250
Não se pode descartar a possibilidade de este discurso ser uma tática
de Bento para não criar mais animosidades ou atrair para seu lado esta parcela
de homens das armas. No entanto, é bastante provável que, mesmo que a
República fosse cogitada, neste momento o direcionamento da revolta se dá no
sentido de buscar maior atenção do governo imperial para os desgostos dos
homens de poder político-econômico local em relação às questões provinciais.
Portanto, Bento chama de heroico o levante dos farroupilhas contra a opressão
imperial, mas é perceptível que a intenção inicial do movimento não seria de
uma separação imediata.
Ao chegar o ano de 1845, no final da Guerra Farroupilha, as forças
militares insurgentes estavam muito enfraquecidas e suas lideranças se
encontravam em constante embate. A luta já aparecia como penosa aos olhos
dos farroupilhas. Nessas circunstâncias, a manutenção da República Rio-
Grandense tornara-se insustentável e o pensamento inicial, de busca pela
constitucionalidade do Império, voltou a entrar em cena. Em manifesto
assinado por Manoel Lucas de Oliveira, em 28 de fevereiro de 1845, é exposto:
[...] eu faltaria decerto ao mais sagrado dever, se vos não
transmitisse hoje com efusão de coração os sinceros parabéns
pela decisão final de tão importante assunto, onde salvais
garantias que em vez de deslustrar vos glorificam. Sim
compatriotas! Tendes feito em quase dois lustros tudo quanto
homens poderiam fazer. Haveis mantido com uma constância
heroica essa guerra de princípios da mais eterna justiça contra
o poder colossal do Império Brasileiro, por infeliz estrela
divididos de uma parte bem aproveitável de Irmãos rio-
grandenses: e essa luta que assolou o país e o devastava de
dia a dia, vós ainda a podíeis sustentar com invencível valor,
se não fosse mister retroceder com o tempo e com a honra ao
terrível aspecto de um perigo maior [...] Dizei comigo: somos
outra vez brasileiros! Seremos sempre idólatras da Liberdade
Constitucional!
251
250
CDBGS. Documento de n°.: 416. p. 276.
251
AAHRGS. Vol. 15. Porto Alegre: EST Edições, 2006. Documento de n°.: 6779. p. 98.
104
Importante destacar, na análise deste Manifesto, a figura de seu
emissor. Lucas de Oliveira era conhecido como um “republicano fervoroso” e,
por esta razão, o impresso que emite a seus conterrâneos causa certo
estranhamento à primeira vista. Porém, é exatamente pela forte postura
republicana de Oliveira que se percebe a situação complicada em que os
farroupilhas se encontravam em 1845. Assim era, a ponto de um homem como
Oliveira saudar o retorno do Rio Grande como província brasileira. Tendo isso
em vista, é compreensível que o discurso que apregoa o reatar de laços
políticos com o Império Brasileiro viesse em um tom de satisfação e orgulho da
“repatriação”, que voltariam a se inserir no espaço do país como brasileiros
novamente. Entretanto, a necessidade de manutenção do brio” dos
farroupilhas fica clara com a colocação de Oliveira de que a luta ainda poderia
ser sustentada pelos rio-grandenses. A manutenção deste “brio” é buscada
com uma paz honrosa e que levasse em conta a colocação em prática de
reivindicações antigas de suas lideranças.
Em 25 de fevereiro de 1845, em Ponche Verde, foram lidas as 12
cláusulas da pacificação
252
por Antônio Vicente da Fontoura, sendo assinadas
apenas pelos farroupilhas, mas não pelos imperiais. Nessas cláusulas, estava
expresso o seguinte: anistiados todos aqueles que lutaram pela causa
farroupilha, pagas as dívidas dos revoltosos, livres os escravos que haviam
servido nas fileiras republicanas, dispensados de recrutamento os soldados
farroupilhas, mantidas as mesmas patentes que os revoltosos possuíam nas
tropas farrapas (exceto os generais), dentre outros. Boa parte das cláusulas de
Ponche Verde soou em benefício das lideranças farroupilhas, e não
diretamente às massas que lutaram em suas trincheiras. As dívidas que foram
pagas pelo governo imperial não seriam as dos soldados farrapos, mas a de
seus superiores. O destino da grande parte dos escravos que ainda estavam
vivos em fevereiro de 1845, haja vista o massacre que houvera em Cerro dos
Porongos, também não foi o da liberdade. Segundo Spencer Leitman:
252
Constantes em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Poncho_Verde
105
Caxias, apesar de confiar em Canabarro, suspeitava de Bento
Gonçalves e alguns outros, o que o levou a tomar precauções.
Foi necessário amarrar os negros e transportá-los para um
lugar de onde, presos, pudessem ser despachados
imediatamente a fim de evitar o pânico entre eles. A Corte
ordenou que todos fossem levados para o Rio de Janeiro e
formalmente aceitou a exigência de emancipação feita pelos
Farrapos. Mas estes o tiveram condições de influir no
destino futuro de seus antigos camaradas.
253
Por fim, ao se comparar o Manifesto de Bento Gonçalves, do dia 25 de
setembro de 1835, com o Acordo de Ponche Verde, compreende-se as
discrepâncias e limitações que o movimento acabou por ter, que, de acordo
com Helga Piccolo, apenas foi atendida uma das reivindicações iniciais,
concernente ao imposto de 25% sobre o charque uruguaio.
254
Em verdade,
essa taxa de imposto viria a ser estipulada com o Tratado de Comércio e
Navegação, de 1851, entre Brasil e Uruguai, porém fora decorrente da peleia
rio-grandense acerca dessa questão. Em 1857, um novo tratado com o Uruguai
melhorou ainda mais a posição dos estancieiros sulistas, já que “o direito à
passagem do gado na fronteira foi expressamente admitido”.
255
Como anteriormente dito, inicialmente o movimento não possuíra
caráter separatista. Seus líderes desejavam o poder de eleger o presidente
provincial, de ter câmaras de vereadores, de legislar e de recolher os impostos
que deveriam servir para o desenvolvimento local, ao invés de confiscados pelo
governo imperial. Conseguiram uma pacificação bastante razoável do ponto de
vista honroso, mas não alcançaram a meta de maior autonomia da Província,
sua principal bandeira inicial. Mesmo com o enfraquecimento militar e
desentendimento entre os líderes que concorriam para uma rendição
farroupilha, a pacificação da Província de o Pedro foi conseguida através de
um acordo com o Império. Os rio-grandenses eram de suma importância para
253
LEITMAN, Spencer. Negros farrapos: Hipocrisia racial no sul do Brasil no culo XIX. In.:
DACANAL. Op. Cit. p. 76-77. Leitman indica como fontes de tais contatações os seguintes
documentos: Caxias para Pedro de Abreu, Bagé, 15 de janeiro de 1845. In.: Officios do Barão
de Caxias, p. 165-6; Caxias para Coelho, Bagé, 4 de fevereiro de 1845. In.: Officios do Barão
de Caxias, p. 167-8; Coelho para Caxias, Rio de Janeiro, 7 de maio de 1845 (confidencial),
AHRGS, Avisos da Guerra.
254
PICCOLO, 1986/1987.Op. Cit. p. 51.
255
FREITAS. Op. Cit. p. 119.
106
serem deslocados em possíveis conflitos no Prata, exatamente o que ocorreu
na intervenção brasileira contra Rosas e Aguirre em 1851-52.
2.3) As tensões existentes entre as lideranças farroupilhas: breves
considerações
Como mencionado, após a reunião da Assembleia Constituinte, em
1842, ficaram mais nítidas as divergências entre os líderes farroupilhas. Sobre
este tema, é importante o estudo de José Plínio Guimarães Fachel, que afirma:
Durante o movimento dois projetos políticos diferenciados foram
apresentados: 1) O da „maioria‟ que, além de interesses
pessoais de suas lideranças, discutia a abolição da escravatura,
desejava a forma de governo republicana e uma interação
latino-americana. [...] 2) O da „minoria‟ que desejava melhorias
pessoais dentro do próprio sistema, sem grandes preocupações
com o modelo político e econômico.
256
Pode-se identificar o conjunto da “maioria” como progressista, formada
por Bento Gonçalves, Domingos José de Almeida, José Mariano de Mattos,
Antônio de Souza Neto, Ulhoa Cintra, José Gomes Portinho e outros. Por sua
vez, a minoria” teria um caráter mais conservador, estando a ela atrelados
homens como Vicente da Fontoura, David Canabarro e Onofre Pires, dentre
outros. De acordo com Maria Medianeira Padoin, o grupo “majoritário” defendia
um federalismo enquanto confederação de viés republicano, ou seja, [...] a
relação que permitisse a manutenção da soberania e independência (interna e
externa) do Rio Grande do Sul”.
257
a “[...] minoria pregava a Federação, mas
que o Rio Grande do Sul continuasse na condição de Província (Estado-
membro) do Império”.
258
Deve-se levar em conta que, independentemente do “lado” ao qual se
colocavam esses líderes, não houve uma forte radicalização na prática do
movimento com o intuito de preocupar-se com a distribuição de renda ou
inserção das massas populares nas esferas governamentais. Isso se deu pela
256
FACHEL. Op. Cit. p. 124.
257
PADOIN, Maria Medianeira. Federalismo Gaúcho. Fronteira Platina, Direito e Revolução.
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001. p. 131.
258
Ibid. p. 132.
107
formação do movimento em si, composto por homens provenientes das
camadas altas da sociedade rio-grandense, grandes estancieiros,
charqueadores, comerciantes e cúpula militar. Apesar dessa cisão no seio das
lideranças farroupilhas se agudizar quando Zambeccari, Rossetti e Garibaldi
não mais se encontravam lutando pela causa rio-grandense, sua compreensão
é de extrema importância para a revisão da teoria sobre a nulidade da
influência mazziniana no movimento sulista. Essas tensões tornam mais
plausível a hipótese de uma diferente gradação de inserção do ideário
mazziniano do que para sua anulação em tal contexto, pois, mesmo que as
divergências de pensamento entre os líderes farroupilhas tenham ficado mais
nítidas após as reuniões da Assembleia Legislativa, elas existiam
anteriormente em menor grau. Nesta perspectiva, é possível que o ideário de
Mazzini tenha apresentado maior receptividade pelo conjunto da futura
“maioria”
259
do que pelo da “minoria”.
260
No capítulo que segue, ao se analisar as cartas de Luigi Rossetti,
comprovar-se-á essa aproximação, já que, dentre os documentos que restaram
à posteridade, grande parte é constituída por cartas trocadas pelo italiano com
Domingos José de Almeida. Este último, por longo tempo no decênio
farroupilha, coadunou os cargos de Ministro do Interior e Ministro da Fazenda
da República Rio-Grandense, sendo, posteriormente, integrante do grupo
“majoritário” das lideranças do movimento.
259
Liberais republicanos; progressistas.
260
De caráter conservador; monarquistas.
108
Capítulo 3 Luigi Rossetti: um romântico-mazziniano na Guerra
Farroupilha
“O poder que dirige a revolução,
tem que preparar os ânimos dos cidadãos
aos sentimentos de fraternidade, de modéstia,
de igualdade e desinteressado e ardente
amor pela Pátria”. Jovem Itália. Vol. V.
261
Dos três combatentes italianos que se destacaram na Guerra
Farroupilha, Luigi Rossetti é aquele que mais deixou vestígios escritos sobre
sua passagem na luta rio-grandense. Como dito anteriormente, apesar de
experiência no jornalismo da Província de São Pedro, os artigos de Zambeccari
não são facilmente detectados nos periódicos e não existem cartas de sua
autoria na Coleção Alfredo Varela.
262
Já Garibaldi destacou-se mais como
homem de ação do que no campo das letras. Desta maneira, Rossetti é quem
mais pode oferecer pistas sobre a inserção do ideário mazziniano neste
contexto, tendo em vista sua participação no jornal farrapo que mais
permanência temporal alcançou, O Povo
263
, no qual permaneceu no cargo de
editor até o número 47, ou seja, de de setembro de 1838 até 9 de março de
1839. O Povo constitui uma importante fonte documental do período, sendo
que suas 160 edições foram reunidas e publicadas em edição facsimile no ano
de 1930 pela Livraria do Globo. Esse conjunto documental possui grande valor
histórico por conter em seus artigos, ao longo de 627 dias de funcionamento,
grande parte das ideias que permearam o movimento farroupilha. Além dos
artigos de Rossetti n'O Povo restaram para a posteridade 19 cartas na Coleção
Varela, sendo uma cópia. Elas possuem datação entre 23 de outubro de 1837
e 19 de novembro de 1840, dentre as quais 15 são endereçadas a Domingos
José de Almeida, uma para Ignácio José d‟Oliveira Guimarães
264
, uma para
261
Dístico do jornal O Povo, que aparecia na primeira página de suas edições.
262
Como referida na introdução da presente dissertação, a Coleção Varela se compõe de
documentos relativos ao período farroupilha, sendo parte do acervo do Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul.
263
Apesar de o termo “povo” ser corrente na época, existe a possibilidade de que o título do
periódico “O Povo” seja alusivo ao ideário de Mazzini, dada a intensa participação de Rossetti
no período de formulação do jornal, juntamente com Domingos José de Almeida, como se verá
a seguir.
264
Foi chefe de polícia dos distritos de Boqueirão, durante a guerra.
109
Bento Gonçalves e uma para Álvares Machado e Vasconcelos. Também
Salvatore Candido editou na Itália o epistolário de Rossetti e Gian Battista
Cuneo
265
, italiano que se encontrava em Montevidéu disseminando as ideias
de Mazzini. São 33 cartas escritas entre 28 de julho de 1837 e 1° de outubro de
1839, não contemplando as respostas de Cuneo. Em uma das cartas de
Rossetti a lacuna da persistência dessas fontes primárias para a atualidade é,
em parte, esclarecida, pois relata que os “inimigos” haviam entrado na casa em
que habitava e levado todos os seus papéis, dentre os quais estavam todas as
cartas de Cuneo.
266
Apesar de não conterem as respostas de Cuneo, os
documentos publicados por Candido primam por esclarecer sobre os
pensamentos e a personalidade de Rossetti.
Existem poucas informações seguras a respeito da vida de Rossetti na
Europa. Sua própria imagem é desconhecida. Elmar Bones salienta: “Conforme
o Instituto Mazziniano de Gênova [...], figura um Luigi Carlo, filho de Domenico
Rossetti, nascido em nova em 1800, que poderia ser certamente esta
pessoa”.
267
Salvatore Candido diz que a única informação precisa sobre
Rossetti seria acerca de sua naturalidade genovesa
268
, o que faz sentido, pois
não é provável que sua idade diferisse em mais de sete anos daquela de
Garibaldi e Cuneo.
269
Em carta enviada a este último, Rossetti deixaria a única
informação comprovável a respeito de sua família. Falando de Placida Lavaggi
de Rossetti, relata:
Tenho uma única irmã e esta se encontra distante da tria,
em Palermo. Desde que me encontro na América não pude
nunca lhe enviar um lenço sequer [...] Ela me serviu como mãe
e no tempo da minha emigração foi a amiga e o conforto de
toda a minha desgraça.
270
Acerca de sua vida na Europa, é provável que tenha estudado Direito
e, de acordo com Franco Cenni, ainda na faculdade teria fundado um pequeno
jornal manuscrito, La Voce del Popolo, para divulgar o ideário de Mazzini, do
265
CANDIDO. Op. Cit.
266
Ibid. Carta de n°.: XXX, de 7 de maio de 1839. p. 142.
267
“nato a Genova nel 1800, che potrebe essere quasi certamente questa persona”. In.:
REVERBEL; BONES. Op. Cit. p. 80-81.
268
CANDIDO. Op. Cit. p. 196.
269
Ambos teriam nascido, respectivamente, em 1807 e 1809.
270
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: XXX. p. 141.
110
qual seria adepto.
271
Sobre a vida de Rossetti, Abbeilard Barreto apurou:
“Nascido em Gênova. Participou possivelmente do levante de Nápoles em
1821; se terá refugiado na Ilha de Malta, de onde passaria para a América do
Sul em 1827”.
272
No entanto, Candido chama a atenção para o fato de não
restarem documentos relevantes que testemunhem sobre a participação de
Rossetti nos movimentos liberais europeus e, portanto, o motivo pelo qual
tenha vindo se instalar no Brasil fora outro que não o de exílio político.
273
É bastante possível que Rossetti tenha chegado ao Rio de Janeiro em
1827, pois em carta de 26 de janeiro de 1836, endereçada ao próprio Mazzini,
escreveu que estaria residindo na cidade havia nove anos e que Garibaldi o
teria achado digno de pertencer à Giovine Italia.
274
Rossetti e Garibaldi devem
ter se conhecido em fins de 1835, no momento em que atracara o navio
Nauttonier em solo brasileiro, trazendo o segundo da Europa:
Foi no Rio de Janeiro que a minha boa estrela fez com que eu
encontrasse a coisa mais rara do mundo, isto é, um amigo.
Não tive necessidade de o procurar, não tivemos necessidade
de nos estudar para nos conhecermos; encontramo-nos,
trocamos um olhar e nada mais; depois de um sorriso, um
aperto de mão e Rossetti e eu éramos dois irmãos.
275
Os anos em que Rossetti permaneceu no Rio de Janeiro até conhecer
Garibaldi são bastante obscuros. Porém, em algum momento, ele se aproximou
de homens como Giuseppe Stefano Grondona, que era um dos mais antigos
italianos residentes na capital brasileira. Chegou ao Brasil em 1815, sendo
expulso do país por suas ideias radicais, mas retornando, em meio ao clima
mais ameno do período regencial, em 1834.
276
Neste mesmo ano, no Rio de
Janeiro, Grondona seria o principal responsável pela fundação da Congrega
della Giovine Itália que, baseada no pensamento de Mazzini, se concentrava
na educação republicana, visando difundir os ideais mazzianianos através do
debate interno entre seus membros, da distribuição de panfletos
271
CENNI, Franco. Italianos no Brasil. São Paulo: USP, 1975. p. 71.
272
BARRETO, Abbeilard. Primórdios da imprensa no Rio Grande do Sul: 1827-1850. Porto
Alegre: Corag, 1986. p. 156.
273
CANDIDO. Op. Cit. p. 197.
274
Ibid. p. 197.
275
GARIBALDI. Op. Cit. p. 45-46.
276
CHIAVARI, Maria Pace. Rio de Janeiro, a porta de entrada de Garibaldi na América Latina.
In.: BARROS FILHO, Omar L. De; SEELIG, Ricardo Vaz; BOJUNGA, Sylvia (org.). Os
caminhos de Garibaldi na América. Op. Cit. p. 49-50.
111
revolucionários e da publicação de um jornal.
277
Nesse veículo, Rossetti pode
ter adquirido alguma experiência na área de imprensa. Como integrantes dessa
organização, Rossetti utilizava-se de dois pseudônimos, Olgiati e Benito
Oliva
278
, enquanto Garibaldi usava o de Borel.
279
Suas intenções eram mais
voltadas para os italianos da própria Península do que para aqueles que viviam
no Brasil. De certa forma, a Congrega foi desde o início um organismo frágil e
carente de disciplina e seu maior êxito foi no sentido de dar coesão e levantar a
moral dos mazzinianos aqui exilados.
280
Bones expressa que:
O Arquivo do Vaticano conserva um papel (envelope 251,
número 4704/5, segundo Spalding) com Relação dos
Indivíduos filiados à Congrega da Jovem Itália no Rio de
Janeiro [...] A lista, com dados imprecisos sobre cada um, foi
feita por Gennaro Merolla, cônsul-geral do Reino de Nápoles
no Rio de Janeiro e passada ao advogado Scipione Domenico
Fabrini, Enviado de Negócios de Santa , em maio de 1838.
O primeiro da lista é Giovanni Battista Cuneo, de cognome
„Farinata degli Uberti‟, genovês, „chefe da Confraria no Rio‟.
Garibaldi é o quarto: „cognominado Borel, de Nice, comandante
do barco pirata Mazzini‟. O quinto é Luigi Rossetti: „genovês,
vagabundo [...] agora com Garibaldi‟.
281
O primeiro nome da lista o se encontra por acaso, pois, ao que
tudo indica, esse italiano, que desenvolveu um forte vínculo de amizade com
Rossetti, possuía íntimos laços militantes com a Congrega do Rio de Janeiro.
Cuneo nasceu em 1809, na cidade de Orneglia. Apesar de sua origem humilde,
dedicou-se aos estudos literários e filosóficos. Adquiriu experiência na lida
marítima e, nas viagens, tomou conhecimento do ideário de Mazzini.
282
Devido
à sua participação em planos insurrecionais promovidos pela Giovine Italia, foi
perseguido e exilou-se, primeiro na França e depois no Brasil, onde veio a
instalar-se no Rio de Janeiro, em 1835, pouco antes de Garibaldi chegar ao
Novo Mundo. Participa da fundação da Congrega da Giovine Italia do Rio de
277
LEITMAN, Spencer. Revolucionários italianos no Imrio do Brasil. In: DACANAL. Op. Cit. p.
100.
278
Como remetente das epístolas a Cuneo, aparece o nome de Olgiati nas seguintes cartas de
n°.: V, VI, IX, X, XV, XVI, XVII, XVIII e XX. O pseudônimo de Benito Oliva é usado na carta de
n°.: XXII e apenas Oliva na carta de n°.: XXIII. As cartas encontram-se no livro de CANDIDO.
Op. Cit.
279
O pseudônimo Borel refere-se, possivelmente, ao francês Giuseppe Borel, que foi morto no
ano de 1834, após ser preso ao participar dos levantes de Mazzini contra o Reino de Sabóia.
280
CANDIDO. Op. Cit. p. 100 e 102.
281
REVERBEL; BONES. Op. Cit. p. 84.
282
SCHEIDT. Op. Cit. p. 112.
112
Janeiro e inicia sua carreira de periodista escrevendo no jornal do próprio
movimento que, publicado em italiano, intitulava-se La Giovine Italia.
283
Posteriormente, escreveria em jornais farroupilhas, como O Povo e, na região
platina, no El Nacional, El Iniciador, El Pueblo Libertador, El Nacional
Correntino e El Republicano, difundindo o ideário mazziniano por onde
passava. Adotou, na Congrega, o pseudônimo Farinata Degli Uberti, utilizado
muitas vezes nas cartas escritas por Rossetti para designar seu endereçado.
284
Grande parte dos membros da Congrega se dedicavam às atividades
marítimas. Garibaldi e Rossetti chegaram a tentar uma empresa comercial
juntos, mas não tiveram êxito. O momento ideal para colocarem em prática
suas intenções de difusão da ideia mazziniana de liberdade de todos os povos
surgiu quanto o Conde Livio Zambeccari
285
foi preso, durante a Batalha da Ilha
do Fanfa, em fins de 1836, e enviado para a Fortaleza de Santa Cruz, na Ilha
da Guanabara. Retomando o que já foi dito, Zambeccari tinha uma íntima
ligação com o Presidente da nascente República Rio-Grandense, Bento
Gonçalves. Foi a partir dele que Garibaldi e Rossetti entraram em contato com
Bento e receberam uma carta de corso, iniciando sua trajetória na guerra
contra o Império Brasileiro.
286
Devido à opressão exercida pelo Império às suas
províncias, bem como à tentativa de consolidação da República sulista, a
primeira impressão que Garibaldi e Rossetti tiveram, possivelmente, deve ter
sido a de forte ligação entre os princípios mazzinianos com o ideário que movia
o levante farroupilha. Era-lhes oferecida “[..] a satisfação de participarem de um
movimento que era aparentemente coerente com suas ideias radicais”.
287
Rossetti e Garibaldi transformaram seu pequeno barco comercial
Mazzini em corsário a serviço da República Rio-Grandense. Dessa forma,
serviam à causa de liberdade de todos os povos, como apregoara Mazzini ao
fundar a Giovine Europa, em 1834. No caminho para o sul, atacaram um navio
austríaco, com uma carga de café, e trocaram de navio com seus ocupantes,
rebatizando a nova embarcação de Farroupilha. É interessante salientar que o
283
Ibid. p. 113.
284
Aparecem endereçadas a Farinata Degli Uberti as cartas de n°.: I, IV, V, VII e XV. In.:
CANDIDO. Op. Cit.
285
Que era ligado à Congrega e tinha pertencido à Carbonaria, onde conhecera Mazzini.
286
GARIBALDI. Op. Cit. p. 46.
287
LEITMAN. Op. Cit. p. 103.
113
ataque a tal navio não deve ter ocorrido por acaso, dado o forte sentimento
antiaustríaco nutrido pelos italianos, já que boa parte do território itálico estava
nas mãos desse Império. Rossetti desembarcou no Porto de Maldonado,
seguindo para Montevidéu, a fim de se encontrar com Cuneo. Garibaldi não
teve a mesma sorte: foi pego pela polícia marítima uruguaia, acabando preso
na Argentina.
288
Além de Rossetti, Zambeccari e Garibaldi, muitos homens nascidos na
Península Itálica vieram para a América e lutaram na Guerra Farroupilha. Em
suas cartas a Cuneo, Rossetti cita o nome de muitos italianos ligados à causa
rio-grandense: Andrea Rini, Eduardo Mutru, Girolamo Francesco Bastini,
Giuseppe Zerboni, Lorenzo Vallesegno, Luigi Nascimbene, Luigi Staderini,
Napoleone Castellini, Saettone, Stellato e Sturla, dentre outros. Além daqueles
que lutaram no Rio Grande, Rossetti também cita conterrâneos que estavam
no Rio de Janeiro ou viviam na região platina e que, em maioria, possuíam
ligação com os movimentos giovini de Mazzini. Com grande probabilidade, em
Montevidéu residiam Amores, Antonini
289
, Calpino, Dodero, Gaetano Gallino,
Lombardo, Nallini, Pane, Piccardi, Quinzio e Villavegni. Tamm, figuram nas
cartas de Rossetti os nomes de Cesare Corridi, Giacomo Picasso e Garelli,
que, possivelmente, estariam no Rio de Janeiro quando da emissão das cartas.
Rossetti chegou a Jaguarão que, nesse momento, era a capital da
República Rio-Grandense, no dia 28 de julho de 1837 e logo partiu para
Piratini, como diz em carta a Cuneo.
290
A sua segunda correspondência
enviada a Cuneo encontra-se bastante rasurada, mas é possível identificar
grande empolgação com a causa farroupilha, notícias sobre a insurreição na
Bahia e descrição da imagem de Bento Gonçalves. Ainda, diz que Corte Real e
outro nome que não é possível identificar seriam talvez os menos
republicanos.
291
A terceira carta também se encontra fragmentada, mas é
288
Garibaldi relata este dado em suas “Memórias”, salientando as torturas que sofrera na
prisão. In.: GARIBALDI. Op. Cit. p. 62-67.
289
Possivelmente, existiram três homens com este sobrenome: Stefano, Giacomo e Paolo, o
que fica confuso nas cartas de Rossetti.
290
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: I, de 28 de julho de 1837. p. 43-44.
291
Ibid. Carta de n°.: II, de 3 de agosto de 1837. p. 45-47.
114
perceptível sua preocupação com Garibaldi, do qual não tinha notícias e
desconhecia o paradeiro. Desejava que ele comparecesse o quanto antes para
lutar nas fileiras rio-grandenses, dizendo que pediu, provavelmente para Bento,
uma nova patente e um grau na marinha republicana para Garibaldi. Além
disso, salienta que sua viagem, terminada com sua chegada a Piratini, não
teria sido de todo má, porque se livrara, por duas vezes, de quebrar as
costelas.
292
Estava, assim, adaptando-se à vivência no Rio Grande ao
conhecer o mais famoso meio de transporte sulista: o lombo do cavalo.
Em menos de duas semanas, Rossetti já estaria envolvido de tal forma
com a causa farroupilha que, ao relatar a Cuneo sobre manobras militares, fala
da “nossa bandeira”.
293
Continua preocupado com o sumiço de Garibaldi,
principalmente por que teme a perda de prestígio que procuravam
conquistar.
294
Essa busca de prestígio oferece uma indicação da importância
que Rossetti delegava à causa farroupilha, bem como pode oferecer indícios do
esforço que fazia para inserir-se neste nicho revoltoso sul-americano com
vistas a disseminar as ideias de liberdade de todos os povos, diretamente
relacionadas com as propostas de Mazzini na Giovine Europa. Nesta mesma
carta apresenta, de forma bastante clara, a ideia inicial que o italiano teve ao
ingressar na luta farroupilha, qual seja, a confluência de ideários. É possível
que ele tenha se entusiasmado por ver que o ideal de libertação dos povos,
pregado por Mazzini, estava ganhando corpo em região distante do cenário
europeu.
É em Piratini que Rossetti conhece os mais influentes líderes da
Guerra Farroupilha, como Onofre Pires, Domingos José de Almeida e Corte
Real, dentre outros. Relatando sobre o momento de confraternização com as
lideranças do movimento, escreve:
O baile que o Governo ofereceu a Onofre e Corte Real foi
inteiramente democrático. Todos vestidos com seu uniforme e
eu assisti com o meu de marinheiro; foi brilhante e patriótico e
não poderia vos dizer o quanto. A meia-noite fomos convidados
ao jantar e, na sobremesa, começaram os vivas. Depois que
292
Ibid. Carta de .: III. p. 48. Candido diz que a carta está sem data, mas por seu conteúdo
deve ser posterior àquela de 03 de agosto.
293
Grifo meu. Ibid. Carta de n°.: IV, de 9 de agosto de 1837. p. 49.
294
Ibid. p. 49.
115
não éramos muitos, o ministro da Justiça e da Polícia, senhor
Antônio Vicente [da Fontoura], que estava ao meu lado, evocou
a Giovine Europa. Eu respondi evocando a República Rio-
Grandense. [...] O Sr. Vicente possui a melhor vontade do
mundo e eu lhe desejo o melhor bem possível [...] Ele e Onofre
são os únicos que se entendem.
295
É interessante chamar primeiramente a atenção para o fato de
Fontoura ter evocado a Giovine Europa, pois demonstra que, ao menos, parte
das lideranças do movimento tinha consciência da existência da organização
mazziniana. Não apenas isso, mas atentar ao fato de que a organização
evocada não foi a Giovine Italia, mas aquela cujo objetivo seria o de expandir o
ideário republicano para os demais povos não itálicos. Em segundo lugar,
percebe-se o tom de apreço que Rossetti designa a Fontoura, que,
posteriormente, viria a compor o grupo minoritário das lideranças do
movimento. Isso poderia invalidar a hipótese de maior aproximação de Rossetti
com homens da futura maioria”, não fosse por duas razões. A primeira porque
Rossetti se encontrava havia pouco tempo na Guerra Farroupilha, estando
bastante empolgado pela sua percepção inicial. A segunda porque, em seus
escritos posteriores, não relatos sobre alguma relação de proximidade com
Fontoura. Por fim, a passagem acima serve para sedimentar a hipótese de que,
mesmo tendo as lideranças do movimento se polarizado em dois grupos
opostos, “maioria” e “minoria”, as dissidências de pensamento já eram visíveis
em momentos bastante anteriores à reunião da Assembleia Constituinte de
1842, que Rossetti percebeu que Fontoura e Onofre eram os únicos que
conseguiam se entender.
Em 14 de agosto, Rossetti expõe a Cuneo a preocupação com a
imagem negativa que seus conterrâneos genoveses poderiam ter acerca de
sua pessoa, pois leu no jornal Noticia Marítima, do Rio de Janeiro, que seu
nome constava como pirata que adentrara em território uruguaio.
296
Esclarece,
no entanto, que, na visão dos imperiais, Onofre, Neto, Corte Real, Canabarro
seriam ladrões, portanto seria natural que os italianos fossem vistos como
“piratas”. Pede que Cuneo publique no jornal, possivelmente El Nacional, a
aprovação de corso que o governo rio-grandense lhes houvera dado, o que
295
Grifo meu. Ibid. p. 50.
296
Ibid. Carta de n°.: V, de 14 de agosto de 1837. p. 51.
116
poderia ser útil se algo ocorresse a Borel (Garibaldi).
297
Dessa preocupação de
Rossetti pode-se inferir sua vontade de, algum dia, retornar à Península Itálica.
Mesmo lutando pela causa mazziniana no sul do Brasil, desejava lutar por sua
própria pátria. Esse sentimento é perceptível na leitura de passagem da carta
posterior, de 24 de agosto, em que se mostrou admirado pela bravura com que
os soldados farroupilhas lutavam pela causa, o que invejava de certa forma, já
que se encontrava distanciado da luta pela unificação da Itália:
Oh! Se soubesse quanta inveja me causam. Se os visses
quase nus, descalços e privados de tudo e, no entanto,
entusiasmados pela liberdade, querê-la e alcançá-la, sentirias,
como eu, descontentamento consigo mesmo. E porque em vez
de emigrar nós não buscamos a montanha e fizemos o mesmo
que eles?
298
Nesta mesma carta, Rossetti escreve que Corte Real o teria
convidado para acompanhá-lo, provavelmente em marcha para Rio Grande, e
que lhe teria dito para preparar-se para o comando da primeira canhoeira que
tomassem do inimigo. Pelo tom que se refere a determinada oferta de guerra,
demonstra estar pouco motivado. Escreve como se não tivesse alternativa:
“Que fazer, portanto? Qualquer que seja o emprego que me será oferecido,
qualquer que seja o destino que quiser me dar, a menos que fosse uma coisa
impossível e extremamente superior às minhas forças, decidi aceitar”.
299
Assim
sendo, não se mostraria tão empolgado com as armas de morte, quanto,
futuramente, com aquilo que, pode-se dizer, a “arma das letras”. Talvez, até
mesmo não tenha lutado de fato em muitas das batalhas que participou. É
certo que não possuía muita experncia com armas de fogo, pois diria no final
de uma carta a Cuneo: Perdi um dente e um pedaço do nariz. Tanto me custa
a primeira lição de pistola”.
300
A correspondência de 8 de setembro demonstra a tentativa de
formalizar uma união entre Mazzini e o governo farrapo. Assim, discorre:
Procure [...] se entender com nosso Comitê, pois se Mazzini
nos mandasse uma autorização formal para celebrar um
tratado com este Governo, ela nos valeria grande prestígio e,
297
Ibid. p. 52.
298
Ibid. Carta de n°.: VI, de 24 de agosto de 1837. p. 55.
299
Ibid. p. 55.
300
Ibid. Carta de n°.: VIII, de 26 de maio de 1838. p. 63.
117
portanto maior facilidade de ter êxito em tudo isso que nos
propomos. Necessitaria, também, que ele nos mandasse cartas
patentes, ou ao menos nos autorizasse a dá-las, se não
queremos nos expor e ser injuriados como piratas.
301
Aqui aparece, novamente, a preocupação de Rossetti em ter sua
imagem exposta publicamente como pirata. De acordo com Candido, o pedido
de cartas de patente havia sido igualmente enviado por Rossetti a Mazzini, em
carta de 26 de maio de 1836.
302
Contudo, o que é importante na passagem
acima é a tentativa de inserir o próprio Mazzini em contato direto com as
lideranças farroupilhas, para facilitar os objetivos à que os italianos se
propunham. Não restam, no entanto, documentos que comprovem tal ligação
formal, sendo muito provável que a ideia de Rossetti o tenha passado do
papel para a ação. No parágrafo anterior da mesma carta, Rossetti cita “o
nosso plano”, que não é devidamente esclarecido. Ele seria relativo à
propagação do ideário de Mazzini nos meios em que se encontravam (Uruguai
e Rio Grande do Sul), mas fica obscuro se já seria referente à ideia da
formação da Giovine Rio-Grande e da Giovine Oriental, que apareceriam
claramente em cartas posteriores.
No âmbito tático, Rossetti formula um plano para a fuga de Bento
Gonçalves, que ainda se encontrava preso. Uma tentativa de fuga fora tempos
antes frustrada, quando Bento ainda estava no Rio de Janeiro. Agora, a
distância se ampliava, pois estava retido na Fortaleza do Mar, na Bahia.
Visando pôr seu planejamento em prática, Rossetti escreve ao sobrinho de
Bento, Ignácio Jode Oliveira Guimarães, pedindo seu apoio. Finda a carta,
salientando que:
Em todo o que Vossas Senhorias determinarem me honrará
muito de obedecê-los, não tanto pelo muito que me merecem,
quanto pelo grande afeto que eu tenho ao Ilmo. Sr. Bento e a
causa da Humanidade que esse intentou defender. [...] Julgo
não senecessário lhe recomendar o segredo, mesmo com
toda a parentela dos Senhores Gonçalves.
303
301
Ibid. Carta de n°.: VII. p. 56.
302
Ibid. Rodapé da p. 57.
303
Carta de 3 de outubro de 1837. CV-8032. Como todas as cartas de Rossetti encontram-se
no Maço 51 da CV, daqui para frente se apontará apenas o número do documento.
118
O plano de Rossetti não foi levado adiante, que Bento foi libertado
com o apoio da maçonaria. Porém, vale ressaltar a ideia do italiano sobre
Bento Gonçalves. Acreditava que ele possuía afinidade com seu pensamento,
haja vista a frase “causa da Humanidade que tentou defender”. Muitas outras
vezes se referiria a Bento com apreço e aproximação. Em carta a Cuneo, de 8
de setembro de 1837, diz: Esta manhã, tomei um café com o Presidente que
me disse, bem determinadamente, que eu o seguirei em todo lugar”.
304
Isso
corrobora para a hipótese de que sua aproximação, com o passar do tempo, se
dera em maior grau com alguns dos homens que futuramente iriam compor o
grupo “majoritário” das lideranças do movimento. Além disso, o pedido de
segredo feito a Guimarães demonstra que Rossetti estava se inserindo no
“grupo” farroupilha que seria mais ligado a Bento Gonçalves. O italiano
começava a delimitar seu espaço no contexto das lideranças do movimento
sulista.
De setembro de 1837 até maio de 1838, não restaram mais epístolas
de Rossetti para Cuneo. Em parte, isso se explica pela viagem que o primeiro
fez para Montevidéu, aonde chega em 31 de dezembro. As incumbências de
Rossetti devem ter se dado acerca da aquisição de uma tipografia
305
para a
República Rio-Grandense e sobre a contratação de homens para compor a sua
marinha.
306
Permanecendo no Uruguai, toma contato com a realidade desse
país, que é uma frágil República perante as intenções de Rosas, ditador
argentino que desejava dela tomar posse. Rossetti deve ter sido bem acolhido,
304
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°. VII. p. 59.
305
Sobre a aquisição da tipografia, destacam-se as seguintes passagens de três cartas para
Domingos José de Almeida: “O Tenente [José Maria] Olave me disse que para obter do
Governo Oriental a definitiva entrega da Tipografia seria bom que o Presidente pedisse isso a
Oribe ou fizesse procuração numa pessoa de sua confiança para poder agenciar este negócio
[...] Eu assento que poderia, talvez, obter o todo com uma carta escrita por V. S. a Oribe”. CV.
Documento de n°.: 8033. Carta de 5 de janeiro de 1838; “[...] Acabo de escrever ao General
Lavalleja a respeito da Tipografia. Assim que eu receba alguma contestação lhe comunicarei”.
CV. Documento de n°.: 8034. Carta de 9 de janeiro de 1838; “[...] O Senhor D. Olave me disse
ter-lhe escrito que a respeito da Tipografia devia V. Senhoria fazer de maneira que o Senhor
Bento Gonçalves a pedisse ao Presidente”. CV. Documento de n°.: 8035. Carta de 5 de
fevereiro de 1838.
306
Acerca desta contratação, Rossetti relata a Almeida: “Eu seria pronto para voltar, pois
tenho quase toda a gente, mas, como o senhor D. Feliz Arraga desistisse do negócio do gado,
me faltam os meios pecuniários para os fazer seguir. Desejo que os patriotas rio-grandenses
se persuadam que não é por minha falta se ainda não estamos na Lagoa hostilizando ao [John
Pascoe] Greenfell. Tivesse esta minha a fortuna de o cumprimentar outra vez no ministério.
Sou certo que então V. S. tomaria em mais consideração um negócio que sem vida, é, nas
atuais circunstâncias, da maior importância”. CV. Documento de n°.: 8035.
119
já que em Montevidéu se encontrava um grande número de italianos
envolvidos na causa da independência uruguaia. Perceberia, assim, o quão
importante seria a manutenção de relações com o líder uruguaio Oribe e até
mesmo com Rosas, visando o reconhecimento, por parte destes, da República
Rio-Grandense. Estando em Montevidéu, em carta a Domingos José de
Almeida, de 5 de janeiro de 1838, ressalta:
Sem perda de tempo eu enviaria a Oribe uma pessoa revestida
de caráter diplomático e lhe faria oferecer aliança, certo de que
ele a aceitaria tão mais prontamente, pois o inimigo é
certamente comum. Os Caramurus se mostrarão coniventes
com Fructus [Frutuoso Rivera] [...] De Fructus nada se pode
esperar. Na Banda Oriental ele é absolutamente o chefe do
partido retrógrado, antinacional, Caramuru, inglês, tem por
conseguinte a fraqueza inerente à falsidade de seus princípios;
e os rio-grandenses querendo ser fiéis a doutrina republicana
[trecho rasgado] nacional que apregoaram, têm a estrita
obrigação de o desprezar mesmo no caso que lhes
apresentasse alguma vantagem. O mesmo eu praticaria para
com Rosas. O Oribe, a serem verdadeiras as notícias mais
recentes, pactuou com Santa Cruz; o qual, d‟esta forma, tem
agora toda a sua força, de terra e mar, disponível. [...] A nós
não importa nem de Rosas nem de Santa Cruz; porém a um e
a outro pode muito importar que não lhe sejamos inimigos, por
conseguinte talvez não fosse má medida enviar para ambos
uma pessoa para tratar.
307
Note-se que Rossetti vilipendiava Rivera, que possuía íntimas relações
com alguns líderes farroupilhas, como Bento Gonçalves, já que houvera lutado
nas fileiras do exército imperial brasileiro. Para o italiano, entretanto, ele era o
verdadeiro inimigo oriental dos rio-grandenses, enquanto Oribe era o
verdadeiro amigo dos farroupilhas. Após relatar sobre boato de que Oribe se
“arranjaria” com Frutuoso Rivera, fica desolado:
Oribe, a não ser a pouca ou nenhuma franqueza que houve de
nossa parte, era nosso amigo. Ele era farroupilha; eram
Caramurus os seus empregados e seu ministério, os membros
da Câmara permanente. [...] Se o Senhor General Neto e o
Coronel Canabarro não tivessem contestado as suas cartas e
não entrasse o Governo em tratados com Lavalleja, posso me
enganar, mas me atrevo a dizer que Oribe teria reconhecido,
desde muito tempo, a independência do Rio Grande.
308
307
Carta de 5 de janeiro de 1838. CV- 8033.
308
Carta de 5 de fevereiro de 1838. CV-8035.
120
Como se sabe, Rossetti enganou-se muito com as intenções de Oribe,
já que ele mantinha relações secretas com o Império Brasileiro. Ainda em carta
de 5 de fevereiro de 1838, Rossetti expõe a Almeida mais um planejamento
tático. Versava sobre a possibilidade de o governo republicano adquirir
escunas para que, de Montevidéu, se armasse um cerco a Rio Grande, tirando
a cidade portuária das mãos imperiais e findando a guerra.
309
Como se sabe,
os farroupilhas não deram grande atenção à sua ideia, que não passou do
papel. Mesmo que Rossetti não cite o nome de Garibaldi, este plano parece ser
concomitante com o reencontro dos dois italianos em Montevidéu, já que o
último que passara por prisão e torturas em Gualeguay , após ser libertado,
veio com o conterrâneo para o Rio Grande.
310
Rossetti mostrava-se empolgado e crente que o ideal republicano se
espalhava pela antiga América Portuguesa. No Rio de Janeiro, estaria o filho
do rei da França que “[...] regala-se com os obséquios que lhe são ministrados
pelo imperador e seu governo; mas, entretanto, que fazem os povos?
Preparam em silêncio e mostrando participar, a tão grande regozijo, a própria
vingança”.
311
E essa vingança sobre a opressão do Império Brasileiro estava
em pauta com levantes que irrompiam em Pernambuco, Minas Gerais, Alagoas
e Bahia.
312
As cartas acima relatadas foram endereçadas ao ministro Domingos
José de Almeida, com o qual Rossetti teve grande aproximação durante sua
trajetória em solo rio-grandense, o que é nítido pela forma respeitosa e
afetuosa em que se dirige a Almeida nas cartas.
313
Por vezes, manda
309
Ibid.
310
GARIBALDI. Op. Cit. p. 68.
311
CV-8035. Op. Cit.
312
Ibid.
313
Isto é perceptível ao fim das seguintes cartas remetidas a Almeida, quando Rossetti assina:
“Mui venerador”. Carta de 5 de janeiro de 1838, CV de n°. 8033; “Mui venerador e amigo”.
Carta de 9 de janeiro de 1838, CV de n°. 8034; “Seu afeiçoado Venerador”. Carta de 5 de
fevereiro de 1838, CV de n°. 8035; “Criado e Amigo”. Carta de 13 de março de 1839, CV de n°.
8037; “[...] tenho a honra de ser seu fiel”. Carta de 20 de abril de 1839, CV de n°. 8038;
“Venerador e Amigo Fiel”. Carta de 05 de maio de 1839, CV de n°. 8039; “Criado e amigo
sincero”. Carta de 11 de outubro 1839, CV de n°. 8043; “Muito Venerador e Obrigado Amigo”.
Carta com data ilegível, mas posterior à de 11 de outubro de 1839, CV de n°. 8044; Seu
Servidor e amigo fiel”. Carta de 19 de dezembro de 1839, CV de n°. 8045; “Aceite o coração do
seu fiel servidor e amigo”. Carta de 22 de janeiro de 1840, CV de n°. 8046.
121
lembranças ou pede notícias da família do Ministro.
314
Domingos José de
Almeida era sobrinho de comerciante e filho de moleiro. Nasceu em Minas
Gerais, em 9 de julho de 1797, e foi jovem para o Rio de Janeiro tornar-se
ajudante de comércio e depois caixeiro-viajante. Negociando mulas,
estabeleceu-se na Freguesia de São Francisco de Paula (futura Pelotas) e
casou-se com Bernardina, filha de um dos grandes charqueadores da
renomada família Rodrigues Barcellos. Ao inserir-se na família prestigiosa,
assumiu relevância como homem de negócios e político de destaque.
315
Suas
propriedades eram tidas como exemplares em organização, fator que
provavelmente tenha colaborado para que galgasse ao cargo de ministro da
Fazenda e Interior da República Rio-Grandense. No ano de 1833, viria a ser
eleito como major da cavalaria da Guarda Nacional, sendo que,
posteriormente, chegou ao cargo de Coronel. Ainda acabaria por ser eleito
como deputado da Província Rio-Grandense, em função da sua ligação aos
provincianos liberais.
316
Além disso, foi um dos homens presentes na reunião
da casa maçônica Philantropia e Liberdade, no dia 18 de setembro de 1835.
Almeida era tido como um dos homens mais cultos da Província, possuindo
uma vasta biblioteca, a qual o próprio Rossetti demonstrou afinco em ampliar
quando, estando no Distrito de Lages, escreveu: “Apanhamos uma porção de
obras inglesas, que, logo que houver ocaso, farei o dever de enviar-lhe para o
aumento de sua Biblioteca”.
317
Anteriormente, demonstraria essa mesma
preocupação quando escrevera, a partir de Laguna, que ofertaria todas as
obras que Castellini lhe houvera trazido de Montevidéu para a biblioteca de
Almeida. Salienta que as doações seriam de todas as obras de Lamenais e o
Espirit des Loisde Montesquieu, com anotações de Thieres.
318
Por dizer que
as julgou “interessantíssimas”, pode-se conceber estes pensadores como
alguns daqueles que, além de Mazzini, influenciaram a formação do ideário
particular do italiano.
314
Cartas: CV-8038 (20 de abril de 1839), CV-8041 (14 de julho de 1839), CV-8043 (11 de
outubro de 1839), CV-8044 (com data ilegível, mas posterior à de 11 de outubro de 1839 e CV-
8045 (19 de dezembro de 1839).
315
MENEGAT. Op. Cit. p. 52.
316
Ibid. p. 52-53.
317
Carta de 19 de dezembro de 1839. CV-8045.
318
Carta de n°.: VIII, de 11 de outubro de 1839. CV-8043.
122
Foi a aproximação de Rossetti com Domingos José de Almeida, que
planejava editar um periódico oficial da República Rio-Grandense, que lhe
propiciaria, naquele ano de 1838, engajar-se no jornalismo farroupilha. A
primeira vez que menciona a incumbência de redigir um jornal é expressa em
carta a Cuneo, no dia 26 de maio de 1838.
319
Imbuído da preocupação em
instrumentalizar-se de conhecimentos necessários à confecção do periódico,
solicita que Cuneo lhe envie livros, pois diz que o único que encontrou foi de
Millot.
320
O pedido de livros seria constante em outras epístolas.
321
Ainda,
requer a Cuneo que escreva a Corridi
322
para que ele venha a se unir a ele. Diz
que cederia voluntariamente ao italiano seu lugar na redação, que aponta ter
anteriormente sido oferecida ao próprio Cuneo. Caso Corridi aceitasse tal
função, Rossetti crê que acompanharia um enviado farroupilha aos Estados
Unidos, na qualidade de seu secretário. Entretanto, indica que o primeiro
número do jornal estaria no “forno”, pois diz a Cuneo que lhe enviaria um
exemplar dele e do “Prospecto” para que opinasse em qual sentido deveriam ir
seus escritos. Dessa forma, salienta: “Não querem que se enuncie nem a ideia
de uma ditadura, dada necessidade de sustentar os decretos ditatoriais, sem
falar da suprema autoridade que nada menos exercita o Presidente. [...] farei o
possível para contentá-lo”.
323
Por causa disto, o tal “Prospecto”, saído da pena
do próprio Cuneo, teria sido cortado “quase pela metade”.
324
Além de ter
ciência destas “limitações” inicialmente impostas ao seu trabalho de redator,
Rossetti demonstra preocupação com o desígnio de um revisor para seus
textos, ressaltando que ficaria com a redação somente se o escolhido lhe
319
CANDIDO. Op. Cit. Carta de 26 de maio de 1838. p. 61.
320
De acordo com Candido, esta obra talvez se referisse ao francês jesuíta Abbé Claude-
François Xavier Millot, que teria aparecido em Paris, entre 1819 e 1820 com o título Oeuvres de
l’abMillot... continuées par M.M. Millon, Delisle de Sales etc. Seriam 12 volumes de História
Geral. In.: CANDIDO, Op. Cit. p. 60-61.
321
Cartas de n°.: VIII, de 26 de maio de 1838. p. 60; IX, sucessiva a de 26 de maio de 1838. p.
66; X, anterior a 12 de junho de 1838. p. 68; XII, de 18 de julho de 1838. p. 73; XV, de 30 de
agosto de 1838. p. 82 e 84; XVII, de setembro de 1838. p. 91; XXII, de 19 de janeiro de 1839.
p. 109; XVII, de 14 de março de 1839. p. 133.
322
Existem poucas informações precisas sobre Cesare Corridi. Segundo Candido, seria um
personagem de primeira importância na Congrega da Giovine Italia do Rio de Janeiro e na
publicação do jornal desta organização mazziniana, de nome La Giovine Italia, no qual
publicaria seus artigos com o pseudônimo de Pietro Carnesecchi. Essa experiência no ramo de
imprensa explica o pedido de Rossetti a Cuneo. In.: CANDIDO. Op. Cit. p. 176.
323
Ibid. Carta n°.: VIII. p. 61.
324
Rossetti reitera esta modificação na carta de n°.: X, provavelmente anterior a 12 de junho.
Ibid. p. 68.
123
agradasse. Caso contrário, seguiria Garibaldi na marinha.
325
Entende-se,
portanto, que, mesmo inicialmente minimizando tais limitações e preocupações,
Rossetti já teria a ideia de que algo entre a teoria e a prática política não estaria
em total confluência naquela República. Mas ele devia ter suas esperanças de
poder acrescentar algo de seu ideário naquela guerra. Veria sua estada no Rio
Grande como parte de sua “missão” como um dos homens do Progresso”,
expressão que usa em frase referindo-se a Nascimbene.
326
Deve-se atentar para o alto grau de importância que Rossetti delegava
aos jornais, pois eles serviriam para o cumprimento dessa “missão”. Seriam a
“voz” pela qual disseminariam o ideário mazziniano de “liberdade, igualdade e
humanidade”, a “arma branca” para a conscientização do povo acerca do ideal
nacional. Assim, regozija-se ao saber da fundação do Jornal El Iniciador, de
cuja publicação Cuneo participava em Montevidéu: “Uma voz que defenderá a
Humanidade e propagará os princípios do dever e do progresso”.
327
Nessas
poucas palavras, Rossetti resume grande parte do pensamento de Mazzini e se
percebe o quanto suas próprias ideias estavam embebidas no romantismo
mazziniano.
Anteriormente, em março, havia pedido a Cuneo que, “em nome da
Itália”, se unisse a ele no Rio Grande: “Com vós aqui, seremos mais seguros
de conseguir isto que tanto é necessário aos nossos fins”.
328
Esses “fins”, no
entanto, não parecem estar diretamente relacionados à Itália, mas em ir ao
encontro da orientação mazziniana após a criação da Giovine Europa, em
1834. Prestando-se atenção ao pedido de Rossetti, se perceberá que a
“missão” de todo italiano, patriota nos moldes de Mazzini, seria a de lutar pela
liberdade dos povos oprimidos em escala mundial, expandindo o ideário
republicano e democrático. Desta forma, Rossetti e Cuneo buscariam lograr
325
Ibid. Carta n°.: VIII. p. 61.
326
Ibid. p. 63. Luigi Nascimbene aparece nas cartas de Rossetti como negociante e
intermediário entre o governo da República Rio-Grandense e seus fornecedores platinos.
Recentemente, foi lançada uma versão ilustrada de um livro por ele escrito e conhecido como a
primeira história editada sobre a Guerra Farroupilha (na Itália em 1873). De acordo com Carlos
Roberto da Costa Leite: “Encontra-se registrada, nas páginas do jornal O Povo, a participação
de Nascimbene em negociações financeiras durante a Guerra dos Farrapos, dentro do período
de 1838 a 1839, nas seguintes edições do periódico: 14ª, 16ª, 20ª, 21ª, 25ª, 43ª.” In.:
NASCIMBENE, Luigi. Op. Cit. p. 68.
327
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: X. p. 67-68.
328
Ibid. Carta de n°.: IX, successiva a 26 de maio de 1838. p. 64.
124
este objetivo, não apenas pela imprensa, mas tentando colocar em prática, em
solo rio-grandense e uruguaio, duas organizações de moldes diretamente
mazzinianos: a Giovine Rio-Grande e a Giovine Oriental.
Referindo-se a fundação da Giovine Rio-Grande, Rossetti diz que
Corte Real teria prometido instaurá-la, mas, ao invés disso, juntamente com
Paulino
329
, teriam instituído a associação Tupinambá, cuja autoria pareceria ser
de Zambeccari. Pede que Cuneo escreva a ele, pois receia que sua ideia
proposta “[...] para o bem da América do Sul, aqui não se dirigiria mais que
alimentar uma guerra civil, pois se quer suscitar um partido contra Bento
Gonçalves, talvez em favor de Bento Manoel”.
330
Essa questão é bastante
intrigante, que não existem documentos que comprovem a existência da
Tupinambá. Talvez houvesse um plano para sua criação, mas igualmente não
restam documentos que o comprovem. Importante é destacar a preocupação
que Rossetti demonstra para com Bento Gonçalves, o que reitera ainda mais
sua aproximação com o Presidente.
Em 18 de julho, refere-se à Giovine Rio-Grande com mais ânimo: “Não
instalamos ainda a Giovine Rio-Grande; entretanto, o cunhado do Presidente
[...] se ocupa com assiduidade e me prometeu que escolheria todas as pessoas
mais distintas da República”.
331
No fim de agosto, diz esperançoso:
Aqui não tardaremos de ter o Comitê da Giovine Rio-Grande. O
Presidente senaturalmente Almeida. Seria preciso que você
procurasse organizar a Giovine Oriental, porque, deste modo,
conseguiremos mais facilmente unir os dois povos, que agora
pouco simpatizam.
332
Duas coisas merecem destaque. A primeira é a certeza com que
Rossetti aponta Almeida para presidir a futura organização, o que reforça a
ideia de sua aproximação e estima pelo Ministro. Depois, a ligação entre a
Giovine Rio-Grande e a Giovine Oriental, que demonstra a preocupação de unir
duas populações tão próximas geograficamente, mas tão distantes no âmbito
de relações políticas. Isso sugere a “fraternidade” entre os povos, apregoada
329
Poderia ser Paulino da Fontoura, mas Rossetti diz que é irmão de tal Sebastiano.
330
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: IX. p. 65.
331
Ibid. Carta de n°.: XII. p. 74.
332
Ibid. Carta de n°.: XV. de 30 de agosto de 1838. p. 83.
125
por Mazzini. Porém, não documentos conhecidos que comprovem a real
formação destas organizações, sendo mais provável que não tenham saído do
papel, já que, em cartas posteriores, Rossetti não mais se refere a elas.
Dentre vários assuntos, na carta de 12 de junho, Rossetti fala que
estaria sendo impresso o “Manifesto”.
333
Ele seria o conhecido “Manifesto do
Presidente da República Rio-Grandense em nome de seus constituintes”, de 29
de agosto de 1838. Foi o primeiro manifesto assinado por Bento Gonçalves
após sair da prisão e ascender ao cargo de Presidente da República. O
“Manifesto” também foi assinado por Domingos José de Almeida, mas Rossetti
conta a Cuneo quais foram as mãos que o escreveram. Inicialmente, sua
redação teria saído da pena de Antônio Manoel Correa da Câmara, que o
italiano chama de “aristocrático no fundo da alma”.
334
Depois, teria sido
encarregado, da nova redação, Francisco de Brito, que deixara escapar de
sua boca a frase: “Governo democrático não se pode estabilizar onde não
existe aristocracia”.
335
Rossetti se irrita com tal pensamento e diz a Cuneo:
Veja com que homens se precisa conviver. E é uma ilustração
do País, um juiz de Direito, um dos quais é tido aqui como
„sabe-tudo‟. [...] Preste atenção que tal bestialidade falou não
a mim, mas a sustentou também a Almeida. Almeida quis
castigá-lo, por assim dizer, a porradas; mas que se faz?
Precisa marchar a passo de formiga. Quem quisesse lhe
atacar diretamente, não se faria nada.
336
Rossetti demonstra incomodar-se com o fato de a Guerra
Farroupilha não ser tão “libertária” quanto acreditava quando chegou ao Rio
Grande. Até mesmo com a atitude de Bento Gonçalves fica espantado, mas
isso o iria diminuir o tom de apreço com o qual a ele se refere nas cartas
posteriores. Comenta uma opinião severa e depreciativa de Almeida ao
pensamento de Brito. Entretanto, seriam impasses que, como anteriormente
dito, iriam se agudizar à medida que o movimento se aproximava de seu
desfecho. Não é apenas a reprovação de Rossetti que fornece indícios da
importância que ele vai adquirindo no movimento farroupilha. Em 30 de julho,
diz a Cuneo que Almeida teria lhe dado o “Manifesto” para que ele o revisasse,
333
Ibid. Carta de n°.: XI. p. 70.
334
Ibid. Carta de n°.: XIII. p. 76.
335
Ibid. p. 77.
336
Ibid. p. 77.
126
sendo que o achou tão cheio de anomalias que seria indigno do objetivo ao
qual se designava.
337
Posteriormente, reitera sua participação na finalização do
documento, relatando a Cuneo que tinha “[...] orgulho de lhe dizer que a mim
devem obrigação de ter impedido que saísse péssimo. [...] Aceitaram as
minhas observações e tenho a satisfação de ver que outros também as
acharam justas”.
338
Rossetti era um homem intelectualmente culto e bem informado e, com
esses dotes raros no Rio Grande à época, é bastante compreensível que fosse
consultado para dar sua opinião acerca de um documento tão importante
quanto o “Manifesto de 1838”. Analisando-se tal documento, não se pode
associar alguma influência direta de Rossetti no texto. Muitas vezes são citadas
palavras como “povo” e “leis da humanidade”, que eram muito comuns nos
escritos de Mazzini e nos artigos posteriores de Rossetti no jornal O Povo,
mas, como foram termos correntes naqueles tempos, não se pode afirmar que
tenham sido inseridos no texto a partir da citada correção” de Rossetti. Ainda
assim, existe uma parte do “Manifesto” que, talvez, fosse ali colocada pela
revisão do italiano. Quando o documento cita a utilização da imprensa pelos
imperiais, salienta: “Eles a degradam de sua nobre missão transformando-a em
veículo impuro de injuriosos ditos, grosseiras inventivas e difamante
impropério”.
339
O vocábulo “missão” pode indicar uma presença do ideário
mazziniano no “Manifesto”.
340
Mas tal documento não deve ter grande
influência de Rossetti, pois seu conteúdo voltou-se a explicar os fatores que
originaram a Guerra Farroupilha como única saída possível aos rio-
grandenses, vilipendiados pela opressão do governo imperial. Rossetti não
concordava com tal explicação localista da eclosão do movimento, visto que
acreditava ser um reflexo daquilo que estaria ocorrendo a todos os povos do
mesmo período.
341
Essa era uma clara alusão ao pensamento de Mazzini, que
337
Ibid. p. 76.
338
Ibid. Carta de n°.: XV, sucessiva a de 30 de julho de 1838. p. 82.
339
CDBGS. Op. Cit. Documento de n°.: 420. p. 286.
340
Ainda, sobre o ofício do jornalista, Cuneo apresentou ideia semelhante à de Rossetti em seu
artigo “Prospecto”: O ofício do jornalista hoje em dia, por culpa de muitos, suspeito e
merecidamente em parte infamado, é ofício santíssimo quando exercido retamente, e se não
desvia da sublime e luminosa carreira que os novos destinos da humanidade lhes confia. [...] O
jornalista enfim para não ser inferior, nem à sua missão, nem a nossa época, deve ser
essencialmente - Educador”. O Povo, n°.: 1, de 1° de setembro de 1839. p. 1-2.
341
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: XXV, de 7 de fevereiro de 1839. p. 119-120.
127
acreditava em um “novo tempo” de levantes populares, pós-contexto da
Revolução Francesa.
Não há como negar que a Guerra Farroupilha estava inserida na ampla
conjuntura de insurreições do século XIX, principalmente no que tange aos
processos de independências americanas. Todavia, como demonstrado no
capítulo anterior, o caso farroupilha possuía íntima ligação com o contexto
brasileiro, cujas raízes remontam à vinda da família real portuguesa para o
Brasil e à forma governativa que foi se organizando no país. Rossetti, imbuído
de seu romantismo mazziniano, não conseguiu aceitar tamanha relação do
movimento farroupilha com o contexto brasileiro e superdimensionou o
“espírito” insurrecional farroupilha.
Mesmo possuindo ressalvas acerca do “Manifesto de 1838”, o italiano
recomenda a Cuneo que o insira no El Nacional, pois “Convém dar ao mesmo
a maior publicidade”.
342
Ainda no sentido de buscar fora do Rio Grande pontos
de apoio para a República, pede a Cuneo que escreva ao deputado Ottoni,
líder da oposição no parlamento do Rio de Janeiro, enviando-lhe cópia do
“Manifesto” e das “Leis”.
343
Rossetti diz que ele seria jovem e republicano,
podendo ser de grande utilidade.
344
Reitera o pedido em uma segunda carta
que escreve no mesmo dia
345
, já que “[...] ele poderá nos manter informados de
tudo que se passa na capital do Império e ele, mais que todos os outros, pode
fazê-lo porque é, como vos disse, a cabeça da oposição”.
346
Na Coleção Varela
não cartas de Ottoni, mas na publicação de número 45 d‟O Povo é exposto
um pedido para que o redator do periódico publicasse um artigo referente à
situação da Bahia, especificamente acerca das “[...] violências do Exmo. Sr.
Thomas Xavier e de várias outras autoridades”.
347
Esse pedido é finalizado
com palavras: “Sou seu venerador e assinante T. B. Ottoni”.
348
Apesar da
342
Ibid. Carta de n°.: XVII, de 30 de agosto de 1838 (II). p. 87.
343
Menciona, na mesma carta, que estaria mandando cópia da Legislação do Governo Rio-
Grandense, pois poderia servir para publicá-lo no El Nacional. Infelizmente, não se conseguiu
descobrir de qual legislação estaria se referindo.
344
CANDIDO. Op. Cit. Carta demero XV, de 30 de agosto de 1838. p. 84-85.
345
Em pé de página, Candido menciona que “a frequência da correspondência dependia,
tamm, da data de partida dos mensageiros”. p. 87.
346
Ibid. p. 87.
347
O Povo, n°.: 45, de 2 de fevereiro de 1839. p. 3.
348
Referente a Teófilo Benedeto Ottoni.
128
falta de cartas de sua autoria na Coleção Varela, essa passagem das páginas
d‟O Povo é um indício de que Ottoni deve ter possuído relações com os
farroupilhas, ou, ao menos, teve apreço pela causa rio-grandense.
Voltando à tipografia, Rossetti diz que ela teria sido adquirida e em
poucos dias sairia o primeiro número do jornal.
349
Congratula-se por ter
recebido do Presidente Bento o título de Primeiro-Tenente da Marinha e diz
que Almeida quer que ele redija o periódico.
350
Todavia, tinha mencionado
que parte das lideranças farroupilhas não queria que fosse expressa a ideia de
“ditadura” e por isso o “Prospecto”, escrito por Cuneo, sofrera modificações.
Ressalta, tamm, que aquilo que vinha escrevendo não lhe agradava, mas
agradava aos outros.
351
Em julho evidenciam-se ainda mais os descompassos
entre seu ideário e o de parte das lideranças do movimento, quando relata:
A publicação do jornal está novamente suspensa. Dizer-lhe os
motivos seria coisa muito longa. Vos basta que um dos
principais [motivos] é que se teme a propagação de princípios
democráticos. Ficaria surpreso como eu mesmo fiquei, mas tal
é verdade. Não é nem o Presidente, nem Almeida que tem tais
medos ou que levantam tais dúvidas, não por certo. Mas certos
homens mesquinhos, os quais não se omitem de
contrabalançar, com grave prejuízo da Nação, a ação do
Governo. Ocupo, entretanto, o emprego de Diretor dos
trabalhos tipográficos.
352
A passagem acima traz à tona elementos riquíssimos, que merecem
ser analisados com cuidado. Ademais, Rossetti escreve sobre o retorno à
situação de suspensão da impressão do jornal. Isso se daria por “certos
homens” temerem a propagação de “princípios democráticos”. O tal impasse
não deve ter sido de fácil resolução, haja vista que a aquisição da tipografia foi
anunciada por Rossetti a Cuneo, no mês de junho, e apenas em setembro
sairia o primeiro número do periódico. No entanto, o italiano esclarece que o
seriam nem Almeida nem Bento Gonçalves tais homens, reforçando mais uma
vez a hipótese de maior aproximação com os líderes que, futuramente,
comporiam o grupo da “maioria” farroupilha. Não obstante, tais percepções de
Rossetti podem o condizer totalmente com a realidade, mas o importante é
349
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: X, anterior ao dia 12 de junho de 1838. p. 68.
350
Ibid. Carta de n°.: XI, de 12 de junho de 1838. p. 69-70.
351
Ibid. Carta de n°.: X. p. 68.
352
Ibid. Carta de n°.: XIII, de 30 de julho de 1838. p. 76.
129
salientar sua preocupação com os prejuízos que esses homens geravam às
ações do governo republicano. Mesmo tendo em vista os cargos de altíssimo
escalão que Almeida e Bento ocupavam, para que se viabilizasse a
continuidade do movimento, teriam que encontrar formas de contentar
diferentes interesses, visando minimizar possíveis tensões que viessem a
ocorrer.
Enfim, em setembro de 1838, Rossetti começou a exercer seu papel
de maior destaque na Guerra Farroupilha, ou seja, o de redator do jornal O
Povo. Foi o primeiro periódico publicado depois da proclamação da República
Rio-Grandense, iniciando suas funções, com sede em Piratini, de de
setembro de 1838 a 06 de março de 1839.
353
O jornal transferiu-se para
Caçapava, com a mudança da capital da República, continuando a ser editado
até 22 de maio de 1840.
354
Era bissemanal, circulando às quartas-feiras e aos
sábados, quando não havia interrupção devido a circunstâncias da guerra.
Durou mais tempo e teve mais números de edições publicadas do que o jornal
farroupilha anterior, O Mensageiro, que tivera pouco mais de um ano de
atividade, entre 22 de abril de 1835 e 3 de maio de 1836.
O Povo se autointitulava “Jornal Político, Literário e Ministerial da
República Riograndense”, inserindo a frase na primeira página de suas
edições. Dessa maneira, apresentava uma mescla de artigos que atacavam o
Império Brasileiro, de notícias diversas do Rio Grande, de manifestos, de
proclamações e de prestação de contas públicas. Na prática, portanto,
misturava o objetivo de ser noticioso com o de órgão oficial da República. No
anseio de encontrar formas de expressão para seus concidadãos, o conteúdo
dos manifestos cambiava de sentido, com maior ou menor grau de entusiasmo,
se viesse ou o assinado pelo remetente. Com O Povo buscava-se
sedimentar a nova República ao ser dado um caráter público às ações e ao
discurso dos farroupilhas. Institucionalizava-se, desta forma, o movimento em
si, objetivando legitimá-lo frente ao Império Brasileiro. É importante salientar
que, mesmo podendo ser lido por pessoas alfabetizadas, o jornal acabava
353
O Povo, n°.: 45.
354
Ibid. n°.: 160.
130
atingindo a massa iletrada devido aos comentários que se propagavam boca a
boca a partir daqueles que se encontravam de posse das informações.
Além das cartas a Cuneo, Garibaldi confirma o nome de Rossetti como
redator d'O Povo. Em suas Memórias” lembra que, enquanto se encarregava
do armamento de dois lanchões na Barra do Camaquã, Rossetti tinha ficado
em Piratiny, incumbido da redação do jornal O Povo”.
355
Mesmo com ideias
mais democráticas do que parte das lideranças farroupilhas gostaria, sendo
considerado culto para a época, não é de se estranhar a incumbência dada a
Rossetti como redator d'O Povo. O italiano aceitou o cargo, mesmo ciente das
limitações impostas ao periódico, pois acreditava poder divulgar seu ideário.
Além disso, exercer o jornalismo permitia que continuasse sua formação
estudantil, como escreveu a Cuneo:
Vós sabeis que desde que vivo na América não tive nem
tempo nem vontade de aplicar-me, e que, por consequência,
necessita que eu possa, por assim dizer, principiar novamente
meus estudos. [...] Estudarei escrevendo e se tu me auxiliares
[...] tenho esperança de continuar com o empenho
contratado.
356
Salvatore Candido expressa achar comovente este ato de humildade
de um homem que parece ter feito estudos universitários em Gênova.
357
Além
da possibilidade de adquirir conhecimentos, o cargo de editor lhe
proporcionava ter em mãos um meio de comunicação que facilitasse a
propagação da “causa” que defendia. Demonstrava, ainda, a preocupação de
receber conselhos de Cuneo, que o impedissem de desviar-se de seu caminho,
dado o meio bastante complicado em que se encontrava para propagação do
republicanismo de Mazzini.
358
Desde o início da atividade de Rossetti como redator, percebe-se a
inserção do ideário mazziniano n'O Povo, que este apresenta como divisa
“Liberdade Igualdade Humanidade”, o famoso lema da Revolução
Francesa, com o último termo fraternidade” trocado por “humanidade”, como
fizera Mazzini. Apenas pela divisa não é possível concluir que o jornal estaria
355
GARIBALDI. Op. Cit. p. 73.
356
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: XVII, de setembro de 1838. p. 91.
357
Ibid. p. 91.
358
Ibid. p. 90.
131
sendo influenciado diretamente pelo ideário mazziniano, pois como se pôde
perceber, existiam muitas forças em jogo dentre as lideranças do movimento
farroupilha, o que inviabilizava a propagação aberta de conteúdo plenamente
republicano e democrático.
Gerou polêmica no meio historiográfico o dístico que aparecia na
primeira página das edições d'O Povo, que era parte de um artigo editado no
jornal Giovine Italia de Mazzini: O poder que dirige a revolução, deve preparar
os ânimos dos cidadãos aos sentimentos de fraternidade, de modéstia, de
igualdade e desinteressado e ardente amor da Pátria. Joven Itália, Vol. V”.
359
Segundo Moacyr Flores, esta nota de abertura provocou uma série de
confusões nas interpretações historiográficas sobre o ideário farroupilha,
fazendo muitos historiadores acreditarem que O Povo seria orientado segundo
o viés do jornal da Giovine Italia.
360
O interessante é ter-se o conhecimento
acerca da origem de tal dístico. De acordo com Salvatore Candido, essa frase
foi retirada do artigo intitulado “Do governo de um povo em revolta para
conseguir a liberdade”
361
, assinado por Cammillo, pseudônimo do velho
carbonaro Filippo Buonarroti (1761-1837), que se encontrava exilado na
França. Tais escritos foram publicados no fascículo V do jornal Giovine Italia,
mas Mazzini não concordava com seu conteúdo integral, colocando uma nota
ao final do artigo:
Nós consentimos em todas as ideias que o artigo exprime
menos uma, que admite entre os modos do poderio
revolucionário a ditadura de um. A opinião da Ditadura, onde
prevaleça na Itália, dará poder ilimitado, facilidade de
usurpação, e talvez a coroa ao primeiro soldado que a fortuna
destinará a vencer uma batalha.
362
Para Mazzini, portanto, a liberdade de expressão e a soberania
popular em hipótese alguma deveriam ser deixadas de lado. No presente
trabalho, não se conhece o conteúdo integral do artigo de Buonarrotti, mas a
negativa veemente de Mazzini contra a ideia de ditadura expõe adaptações
que Rossetti precisou fazer para atuar n'O Povo. Anteriormente, foi visto que,
359
Nota que apareceu na primeira página das publicações do O Povo, até o final de sua
edição.
360
FLORES. Op.Cit. p. 56-57.
361
“Del governo di un popolo in rivolta per conseguire la libertà”.
362
Jornal Giovine Italia, vol. V. p. 46. Apud. CANDIDO, Salvatore. Op. Cit. p. 81.
132
em carta a Cuneo, ele dissera que os farroupilhas (sem nomear quem) não
queriam que nem mesmo fosse citada a ideia de ditadura. Entende-se que isso
se devia ao fato de que o governo republicano farroupilha possuía práticas
políticas bastante ditatoriais, mas as explicavam pelos desígnios do contexto
de guerra, no qual os confrontos militares com o Imrio impediam a
sedimentação e plena organização do regime republicano em solo rio-
grandense. Assim, uma grande diferença entre o pensamento de Mazzini e
o de parte dos líderes farroupilhas. O primeiro vetava a ideia de ditadura, mas o
governo farrapo apenas não queria que se expressasse essa ideia n'O Povo,
apesar de manter uma postura administrativa ditatorial.
Rossetti fez uso de um artigo de Cuneo para a primeira página da
primeira edição d'O Povo, mas como ele dissera ao amigo, precisou modificar o
texto. O Prospecto” é iniciado com parte do acima citado artigo de Buonarrotti.
É provável que, a parte publicada no O Povo, seja exatamente aquela
repudiada por Mazzini:
Para chegar da tirania à Liberdade, é mister valer-se de
medidas incompatíveis com a Liberdade regular e permanente.
Aquele tempo de trânsito não pode ser de liberdade. O poder
que governa a Revolução tem que ser essencialmente a força
livre de qualquer vínculo e superior a todo o obstáculo. Querer
governar a época tumultuosa da revolução, com as regras
conservadoras do regime definitivo, seria o mesmo que avaliar
a paz com a guerra.
363
Essa parte claramente deve ter ficado ao gosto de alguns líderes
farroupilhas e é impressionante como expressa, de forma habilidosa, uma ideia
querendo dizendo outra. Ou seja, possui um tom de real impossibilidade de
governar com participação popular em uma situação de guerra, mas em
verdade quer impor a forma sectária em que se encontrava o poder nas mãos
das lideranças farroupilhas. É possível que Rossetti tenha publicado esta
passagem do artigo, na primeira edição do O Povo, por servir de resposta às
críticas dos jornais imperiais acerca da falta de democracia na República Rio-
Grandense. Ao destacar a “época tumultuosa da revoluçãocomo razão para a
“falta de democracia”, o artigo desviava a culpa dos farroupilhas,
363
O Povo, n°.: 1, de 1° de setembro de 1838. p. 1.
133
responsabilizando o Império por tais medidas ditatoriais que, em verdade, iam
ao encontro dos objetivos de parte das lideranças do movimento.
Após a citação acima descrita, o restante do artigo n‟O Povo segue a
mesma linha de raciocínio, que diz ser regente dos “princípios que guiariam a
redação do jornal”, salientando:
Devemos nos identificar com o poder que rege a guerra e
tentar todos os meios lícitos para lhe adquirir maior
probabilidade de uma decisiva vitória. Procurar com todas as
nossas forças propagar entre o Povo doutrinas essencialmente
democráticas, sendo aquelas das quais depende a salvação e
a felicidade da República. Tal é a missão que a nossa
consciência imperiosamente nos ordena nas circunstâncias.
Quem se opor a outro fim além deste, teria a nosso ver mal
concebido o espírito de uma guerra de insurreição. [...] Seria
importuno, e perigoso instituir uma censura contra um Governo
que está lutando para conquistar a independência da Nação, e
que para consegui-la, não pode, nem deve sem faltar ao
ministério para o qual foi estabelecido deixar de valer-se de
tudo o que estiver ao seu alcance; pois quando se trata dos
destinos da Pátria, qualquer meio é santo, qualquer arma,
empunhada pelo valoroso que se oferece tima consagrada, é
abençoada de Deus, que somente concede a palma da vitória
aos que insurgem firmemente resolvidos a obtê-la.
364
A passagem acima mescla o pensamento de Mazzini com os
interesses das lideranças farroupilhas e, por não se conhecer o texto integral
escrito por Cuneo, é difícil mensurar quais as partes que foram suprimidas ou
modificadas. Aparentemente, a redação ficou bastante ao gosto das lideranças
do movimento, apaziguando algumas preocupações que surgiram dentre
alguns destes líderes acerca do rumo que tomaria o jornal. Note-se que se fala
em um período de falta de liberdade, o que maquia o contexto em que se
encontrava a governança farroupilha, que, na prática, beirava uma ditadura.
Naquele momento, não havia um projeto de constituição a ser votado, nem
mesmo eleições para os cargos públicos. A própria escolha de Bento
Gonçalves para a Presidência se deu a partir de uma cúpula de poder do
movimento e o pelo voto popular. Além disso, aparece a frase “doutrinas
essencialmente democráticas” no texto de Cuneo, mas deve-se manter
atenção nesta passagem, visto que existia uma diferença entre o pensamento
364
Ibid. p. 1.
134
do italiano mazziniano, sobre a ideia de democracia e o das lideranças
farroupilhas ou parte delas.
O artigo diz apresentar os princípios que guiariam o periódico, mas
tamm possui um tom doutrinador ao indicar ao leitor como deveria proceder
para ser um “bom republicano”, por assim dizer, e aceitar os desígnios do
governo farrapo, que estaria fazendo o melhor para seus “cidadãos” em um
contexto tenso da guerra contra o Império. A situação, realmente, o era
tranquila para a estabilização do sistema republicano, mas ao se analisar o
Projeto de Constituição da República Rio-Grandense, vê-se que o conceito de
cidadania não se estende ao todo, já que a participação popular nas estâncias
governamentais não se mostrou diretamente compatível com o pensamento de
parte das lideranças farroupilhas. Isso é perceptível ao analisarmos o
capítulo, acerca das eleições:
Art. 89. A nomeação dos Senadores para a Assembleia Geral
[...] se fa por eleições indiretas, elegendo a massa dos
cidadãos ativos em assembleias dos distritos os eleitores, e
estes os Senadores. A nomeação dos Deputados será feita por
eleição direta do povo. Art. 90. A eleição dos Conselheiros de
Estado será também indireta como a dos Senadores, mas em
uma lista tríplice, sobre a qual o Presidente do Estado
escolherá o terço na totalidade da lista. [...] Art. 92. São
excluídos de votar nas assembleias paroquiais: [...] 3. Os
criados de servir [...] 6. Os que não sabem ler nem escrever. 7.
Os que não tiverem de renda anual cem mil réis por bens de
raiz, indústria, comércio ou empregos. Art. 93. Os que não
podem votar nas assembleias paroquiais não podem ser
membros nem votar na nomeação de alguma Autoridade
eletiva nacional ou local.
365
Da mesma forma, em decreto publicado n'O Povo, em 12 de fevereiro de
1840, acerca das instruções para as eleições Assembleia Constituinte e
Legislativa, já aparecia no artigo 4°:
Que todos os que podem ser Eleitores são hábeis para serem
Deputados [...] excetuando todavia os que não tiverem de
renda mínima líquida anual a quantia de trezentos mil réis por
bens, indústria ou emprego; os Libertos; os criminosos
pronunciados em querela ou devassa; os estrangeiros ainda
365
Projeto de Constituição da República Rio-Grandense. Op. Cit. p. 10.
135
que sejam naturalizados; e os que não professarem a Religião
Católica Apostólica Romana.
366
A partir desta ampla gama de exclusões e ressalvas quanto à
possibilidade de votar e se eleger no processo eleitoral, pode-se presumir que
a República passa a significar, no contexto farroupilha, uma “democracia
elitista”, contraposta à visão de Mazzini de uma “democracia direta e popular”.
Dessa maneira, é nitidamente perceptível o distanciamento entre a
compreensão de povo” de Mazzini e a de parte das lideranças farroupilhas.
Enquanto para o primeiro a República deveria ser construída a partir de uma
ativa e atuante participação da população, o pensamento de parte dos líderes
farrapos não era compatível com o do italiano, visto que se preocupava em “[...]
representar seus interesses em nível de Estado e que os corporificava num
conjunto de normas a Constituição e que, assim, dava base de legitimidade
ao governo”.
367
O “Prospecto” de Cuneo, ainda ressalta o direito de “[...] excluir de
nossas colunas qualquer correspondência, ou comunicado que não esteja em
perfeita harmonia com nossas doutrinas”.
368
Deste modo, o texto fala em
democracia, mas reprova possíveis censuras contra o governo farroupilha. Vê-
se no direito de censurar aqueles pontos de vista que se distanciavam de seu
pensamento, indo de encontro ao ideário democrático de liberdade de
expressão. É claro que se deve ter em mente que nem toda população rio-
grandense tinha aderido à República e que O Povo possuía, dentre outros, o
objetivo de angariar mais adeptos à causa farroupilha, sendo lógico que isso
não se daria em proporção considerável se em suas páginas aparecessem
críticas ao movimento. Apenas se salientou tal passagem do artigo para
mostrar as incongruências que aparecem não no referido texto, mas em
muitos números d'O Povo.
O “Prospecto” em si, como se pôde perceber, possui elementos
interessantes para a análise das adaptações que o ideário mazziniano teve de
sofrer para adequar-se a realidade rio-grandense. Mas, em especial, existe
366
O Povo, n°.: 141. p. 2.
367
PESAVENTO. Op. Cit. p. 18.
368
O Povo, n°.: 1. p. 1.
136
uma parte de suma importância para se compreender o que os italianos
objetivavam com o ofício de jornalistas:
Aquele que se propõe a escrever para um Povo, e mais
particularmente para um Povo que está para surgir à nova vida,
tem que assumir o caráter do sacerdócio; e para que a voz
dele soe venerada e cara entre as multidões, deve como a do
intérprete de Deus, ser forte, pura e solene. O jornalista enfim
para não ser inferior, nem à sua missão, nem a nossa época,
deve ser essencialmente Educador.
369
A educação do povo era crucial para Mazzini e, desta maneira, a
passagem do “Prospecto” de Cuneo mostra-se embebida em seu ideário. Além
disso, vai à total confluência com o que Rossetti esperava d'O Povo. Educar os
leitores, educar para uma ideia de união, de formação de uma nação, de
entendimento acerca do quanto um governo republicano superaria o antigo
modelo monárquico e de quanto o povo deveria estar inserido na governança,
através do conhecimento dos seus direitos e, mais ainda, dos seus deveres.
dizia Mazzini: “Sem Educação Nacional, não existe moralmente Nação. A
consciência nacional não pode sair senão daquela”.
370
Rossetti teve a mesma
preocupação de Mazzini que, ao falar do periódico Giovine Italia, ressaltou seu
caráter informativo e educativo.
371
A intenção de educar a população era compartilhada por Domingos
José de Almeida, o líder farroupilha que mais se esforçou para a aquisição de
uma tipografia para a República Rio-Grandense. Em 27 de julho de 1839,
expediu uma Circular, endereçada ao citado Inácio José de Oliveira
Guimarães, onde escreveu:
Fui informado por dois professores de primeiras letras de que o
número de seus alunos se tem dias consideravelmente
enfraquecido por causa de avisos dados a seus pais e tutores
de que o governo com o fim aparente de promover a instrução
pública aleivosamente os reunia para em tempo dado fazer-
lhes sentar praça nos Corpos de Linha, embora não tenham
os anos da lei. Para dissipar esse prejuízo, de propósito
incutido por nossos inimigos para não aproveitar aquela salutar
providência, cujos resultados a favor da Nação nunca foram
entendidos pelo Governo do Brasil e por outros, que, como ele,
firmam a base da tirania na ignorância dos povos, manda o
369
Grifado no original. Ibid. p. 2.
370
MAZZINI, 1952. Op Cit. p. 389
371
MAZZINI, 1976. Op. Cit. “Da Giovine Italia”. p. 90.
137
mesmo Governo declarar-lhe que os alunos, depois de
matriculados em quaisquer das aulas nacionais do estado e
que as frequentem com proveito, estão isentos o do
recrutamento para a primeira linha, como ainda da Guarda
Nacional e do serviço da polícia dos distritos; do que V. Sª. dar-
se-á por entendido e fará observar na parte que lhe toca.
372
Lendo-se tal documento ficam mais claros os motivos de aproximação
entre Rossetti e Almeida, pois, ao menos neste aspecto crucial, seu
pensamento confluía. Por esta manifestação, entende-se, também, por que
Rossetti afirmou a Cuneo que Almeida não temia a disseminação das ideias
democráticas, haja vista que importava-se com a educação da população, o
que seria considerado perigoso para muitos, pois um povo instruído aprende a
pensar e escolher o caminho que melhor lhe convir. Note-se que tal documento
não se constituiu de um manifesto ou de uma proclamação, mas de uma ordem
enviada ao Chefe de Polícia do Departamento do Boqueirão. Sua finalidade,
portanto, é digna de louvor, pois dado o contexto da época, é uma ação salutar
primar pela educação em vez de angariar soldados para as fileiras de guerra.
Almeida sabia da importância de um país de população instruída e criticava os
governos que “firmam a base da tirania na ignorância dos povos”. Nesse ponto,
entender-se-ia bem com o ideário de Mazzini.
Rossetti, por sua vez, de maneira bastante realista, compreendia que,
para alcançar a finalidade da educação popular, O Povo deveria conter
assuntos triviais, mas necessários, pois se o periódico tivesse um tom
totalmente doutrinário, não seria lido pelo público que se propunha a atingir.
373
Em carta a Cuneo, desanimava-se por ter de compor artigos de “encomenda”,
o que achava fatigante.
374
Esses artigos de “encomenda” eram “Necrologia” e
“Bahia”, sendo o primeiro publicado logo abaixo do “Prospecto” de Cuneo e o
segundo no 2 d'O Povo. “Necrologia” fala da morte do septuagenário
Francisco Xavier Ferreira, preso em 15 de junho de 1836, em Porto Alegre.
Com discurso entusiasmado, Rossetti exalta a figura de Ferreira e culpa os
imperiais por não prestarem a atenção médica devida ao prisioneiro de quase
setenta anos, que teria vindo a falecer. Mesmo sendo um texto de
372
Grifado no original. AAHRGS. Op. Cit. Vol. 2. CV-322. p. 250.
373
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: XVII, de setembro de 1838. p. 91.
374
Ibid. p. 90.
138
“encomenda”, ele permite que se percebendo os traços característicos da
pena do italiano. As palavras “Pátria”, “Nação”, Cidadão”, “Povo”, “Liberdade”,
“Humanidade” e “Deus”, dentre outras, aparecem em letra maiúscula,
demonstrando o grau de importância que Rossetti lhes delegava. Apesar de o
artigo ser necrológico, apresenta passagens claramente mazzinianas:
Dois Meirinhos e quatro Permanentes para acompanhar um
velho de setenta anos em agonia? E Deus não vos envolverá
na sua cólera? E o Povo que vossa barbárie desonra deixará
ainda para um momento nas vossas mãos seu poder? Ah!
Não. Pode tardar, mas o dia vi em que ele se desperte.
Conseguistes adormecer esse Povo, contudo não esperai que
vossos crimes fiquem sempre impunes.
375
Rossetti fala de um dia em que o povo haveria de se despertar contra
a tirania imperial. Fica a vida se ele estaria se referindo à população rio-
grandense e brasileira, que estava ao lado do Império, ou, algo pouco provável,
que sua frase seria uma crítica “disfarçada” à parte das lideranças farroupilhas
que não era totalmente adepta do sistema republicano.
Ao final do artigo, conclama os rio-grandenses à causa revoltosa:
E vós, Rio-Grandenses, aproveitai as lições que com estes
fatos vos dão vossos tiranos! Não desperdiçai no silêncio
inúteis gemidos: não derramareis lágrimas sobre as pedras que
encobrem as cinzas de vossos mártires! Afiai vossas armas!
Vingai os ultrajes; e escutai o grito que do fundo de seu túmulo
eles vos mandarão. Nós principiamos acabai-vos a obra
santa!
376
Afinal, a quem se referiria Rossetti ao dizer “nós principiamos” ao falar
da obra que julga santa”? Alude aos farroupilhas em armas contra o poderio
imperial, mas, ao dizer “nós”, -se o quanto já estaria sentindo-se parte
daquela luta. É claro que não se pode deixar de lado o fato de ser uma
linguagem jornalística e que tal periódico tinha o intuito de parecer diretamente
saído do governo republicano, razão pela qual os artigos, em grande parte, não
eram assinados. Não obstante, o tom da citada passagem lembra muito aquele
dos escritos de Mazzini, demonstrando que Rossetti se via cumprindo sua
“missão” de divulgar o republicanismo no meio rio-grandense.
375
O Povo, n°.: 1. p. 3.
376
Ibid. p. 4.
139
O segundo artigo de “encomenda” escrito por Rossetti foi intitulado
apenas “Bahia”. Pouco extenso, ocupou apenas uma parte de uma das duas
colunas da página 4 do n°. 2 d'O Povo. Fala sobre a revolta iniciada em 7 de
novembro de 1837, na Bahia
377
, que acabara malograda. Mas ressalta que “A
Bahia sucumbiu! Porém não sucumbiram os Baianos”.
378
Diz acreditar que uma
nova insurreição baiana surgiria contra a “infame facção lusitana que assola a
terra de Vera Cruz” e assegura que os farroupilhas iriam a seu socorro.
A próxima carta que restou de Rossetti foi endereçada a Cuneo, no dia
17 de outubro de 1839, e, antes desse período, n'O Povo, de 15 de setembro
de 1838, aparece um artigo intitulado “O Povo! O Povo! Joven Italia”. Nas
cartas, Rossetti não menciona o artigo e, portanto, não se pôde apurar em qual
edição teria sido publicado no periódico Giovine Italia de Mazzini. Faz-se
importante prestar atenção no tom do texto:
Não é nem a imperfeição, nem o atraso que se nota no povo
[...] Por um infame egoísmo de classe se quiseram eternizar os
privilégios, atenuou-se friamente a igualdade que se
preconizava e a Liberdade foi vendida ao Poder que dirigia as
consciências e os votos. [...] A ignorância então, a credulidade
e as paixões todas que tanto hipocritamente se lastimam no
Povo são necessárias para que a feia aristocracia o possa
conservar de baixo de seu jugo, para que ele possa tirar
proveito de suas desgraças. Eis o verdadeiro motivo porque
não se quer conceder ao Povo uma mais ampla Liberdade; eis
porque se quer eternizar o erro e a cegueira humana; e nós
estamos convencidos que não todos os nossos Leitores serão
desconformes de nossa opinião.
379
Encontrar tais escritos mazzinianos publicados nas páginas d'O Povo é
esclarecedor acerca da contradição que existia entre o discurso e a prática das
lideranças farroupilhas. É muito provável que, a exemplo de Almeida, havia
homens inseridos na cúpula de poder farrapo que acreditavam na instrução
popular, o que, consequentemente, corroboraria para uma população menos
manipulável. No entanto, a ampla gama de exclusões nos processos eleitorais
da República Rio-Grandense, apresentada mais acima, comprova que tal
sistema de governo não incluía as bases populares em sua visão de
377
Referente à Sabinada.
378
O Povo, n°.: 2, de 05 de setembro de 1838. p. 4.
379
Ibid. nº.: 5, de 15 de setembro de 1838. p. 4.
140
democracia. Como o artigo acima expõe, de maneira bastante realista, nem
todos os leitores deveriam discordar de tais ideias.
O artigo O Povo! O Povo!” continua na edição de número 6 e apresenta
uma visão interessante acerca da figura feminina:
E a mulher, esta metade do gênero humano, a mãe de nossos
filhos e de nós mesmos, a companheira incansável de nossas
desventuras e deleite de nossa vida, como foi tratada?
Reduzida a vil escrava; a mártir da Sociedade; a ver prostituído
e objeto, já não sabe distinguir a chama divina espiritual e
eterna do amor que devia acender da física ligeira
imperceptível material do prazer ao qual infamemente vós a
tendes apenas educado.
380
Com discurso semelhante, escritos posteriores do próprio Rossetti n'O
Povo salientariam:
Oh! Se as mulheres despidas finalmente das frivolidades que
as ocupam entendessem sua verdadeira vocação social, e
esquecendo de uma vez todos os vícios de uma educação que
as degrada, compreendessem qual foi a missão que Deus lhes
confiou, quantos bens poderiam derramar sobre a
Humanidade!
381
Mazzini delegava um valor crucial às mulheres como primeiras
educadoras da vida humana. Mas não apenas esse seria seu papel, pois elas
faziam parte do povo e, assim como os homens, teriam o direito de
participação ativa na decisão sobre os rumos a serem tomados na nação à
qual pertenciam. No contexto da Guerra Farroupilha, muitas mulheres
acabaram por tomar as rédeas dos negócios de sua família enquanto os
homens estavam em combate. Contudo, esse fato o promoveu a ascensão
feminina aos postos de poder político da sociedade rio-grandense da época,
visto que o próprio direito ao voto somente lhes foi permitido no século
subsequente. Por conseguinte, pode-se presumir que tais ideias, expressas
nas páginas d'O Povo, soaram um pouco dissonantes a muitos de seus
leitores.
No mero 7 do periódico farroupilha encontra-se, mais uma vez, um
artigo da pena de Cuneo, intitulado A Legalidade”. De modo semelhante ao
380
Grifado no original. Ibid. nº.: 6, de 19 de setembro de 1838. p. 4.
381
Ibid. nº.: 36, de 2 de janeiro de 1839. p. 4.
141
texto “O Povo! O Povo!”, ressalta a soberania popular: “Em que funda-se a
vossa pretendida Legalidade! Um poder não é legítimo senão quando reúne o
voto de todos.”.
382
A “Legalidade”, por conseguinte, teria direta relação com a
ativa participação da população no poder; com o espírito da Democracia”, que
proviria do povo, o “intérprete de Deus” na Terra.
383
É perceptível que, de
forma análoga a Rossetti, Cuneo via a onda revolucionária partindo da Europa
e disseminando-se pela América. Neste sentido, estariam prestando um nobre
serviço à “causa da humanidade” de Mazzini, pois, em sua visão, se
encontravam no centro de tais acontecimentos do Novo Mundo e seu ofício de
jornalistas lhes permitia disseminar as “novas ideias” de República e
democracia nos contexto platino e rio-grandense.
Apesar dos percalços sofridos com líderes que não compartilhavam
suas ideias, no caso d'O Povo, alguns leitores enviavam “correspondências”
que eram publicadas em algumas de suas edições. Em 10 de dezembro de
1838, por exemplo, um leitor finaliza uma “correspondência”, pedindo sua
publicação e elogiando o serviço do redator:
Queira, Sr. Redator, se lhe parecer que merece publicidade,
manifestar este pequeno produto de uma lucubração pelo que,
além de V. M. fazer um serviço a nossa cara Pátria, lhe ficará
grato um seu Patrício. Republicano de Coração.
384
É evidente que as cartas a serem publicadas n'O Povo eram escolhidas
a dedo e que muitas outras deveriam conter críticas a tal redação. Mas aquelas
cartas de conteúdo semelhante ao do “Republicano de Coração” deveriam dar
a Rossetti a certeza de estar cumprindo sua “missão” mazziniana no Rio
Grande do Sul.
A função de jornalistas permitia a Rossetti e Cuneo destacarem-se nos
centros de poder em que estavam inseridos. Isso fez com que Rossetti
vislumbrasse um “progresso gigantesco” para sua “associação”.
385
Não se sabe
ao certo se Rossetti estaria mencionando os movimentos giovini de Mazzini,
aos quais eram associados, ou a sua tentativa anterior de formação da Giovine
382
Grifado no original. Ibid. nº.: 7, de 22 de setembro de 1838. p. 5.
383
Ibid. p. 5-6.
384
Ibid. n°.: 32, de 10 de dezembro de 1838. p. 4.
385
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: XIX, de 17 de outubro de 1838. p. 95.
142
Rio-Grande. O que se pode perceber é que tal esperança de progresso da
associação refere-se à aproximação que adquire com José Mariano de Mattos
e Antônio de Sousa Neto, ambos ligados a Bento Gonçalves e, futuramente,
membros do grupo “majoritário” das lideranças do movimento. Sobre Neto,
ainda ressalta que este seria “nosso irmão”.
386
O termo “irmão” era utilizado
para designar os membros associados aos movimentos mazzinianos, mas não
restam documentos que comprovem uma ligação formal de Neto com eles.
Provavelmente, Rossetti sentia uma confluência entre suas ideias e as de
Neto
387
e tenha usado tal frase para expressar essa ligação. Na mesma carta a
Cuneo, Rossetti ainda salienta que se gabava, pois recebera ofícios do
governo republicano e via que em tudo, seguiram seus conselhos.
388
Se
Rossetti era ouvido ou não, é difícil mensurar. Essa sua percepção pode ser
fantasiosa, mas traz à tona o contato que possuía com parte das lideranças do
movimento, o que possibilitava abertura para que expusesse seus conselhos.
Essa abertura é fundamental para que se compreenda o papel de Rossetti no
contexto farroupilha.
Não tardaria, contudo, que Rossetti novamente se queixasse para
Cuneo de erros na revisão de seus textos n‟O Povo.
389
Não há como saber a
qual artigo Rossetti estaria falando, pois Salvatore Candido diz que, no
periódico do dia 15 ao final do mês de dezembro, só haveria um pequeno artigo
de título “Porto Alegre”.
390
Averiguando tal artigo, o se encontram elementos
comuns à pena de Rossetti, permanecendo um ponto de interrogação acerca
do texto a que se refeririam suas queixas ao amigo em Montevidéu. Como ele
diz que “não retomaria a redação”, tal artigo não deve ter sido publicado. Em
seu lugar, relata que estaria pensando em escrever outro periódico de título O
Republicano e que teria falado com Almeida, que aprovara seu projeto.
386
Ibid. p. 95. Posteriormente, em carta do dia 7 de fevereiro de 1839, ficaria feliz com o bom
relacionamento que Cuneo estaria desenvolvendo com Mattos. Ibid. p. 118.
387
Vale ressaltar que Neto foi um dos generais farroupilhas que deu liberdade aos seus
escravos ao fim da Guerra.
388
CANDIDO.Op. Cit. p. 95.
389
Ibid. Carta de n°.: XX, de dezembro de 1838. p. 99.
390
Ibid. rodapé da p. 99. O artigo referido foi publicado n‟O Povo, n°.: 35, de 29 de dezembro
de 1838. p. 4.
143
Dois artigos de Rossetti foram publicados em 2 de janeiro de 1839 n‟O
Povo. O primeiro, que fora encomendado por Almeida
391
, não possui título e
fala de oitenta polacos que chegaram às terras sulistas, contratados para lutar
nas fileiras imperiais. O italiano questiona os conterrâneos do Velho Mundo:
“Os heróis da liberdade europeia, os cavaleiros errantes das revoluções
populares, os irmãos dos Liberais Italianos e Alemães, viriam hoje combater
contra uma Nação, que se levantou para fazer cessar o jugo que pesa sobre
si?”.
392
Neste tom conciliador e enaltecedor dos pretensos “inimigos” dos
farrapos, o italiano visou atingir a consciência de tais homens e aliciá-los à
causa farroupilha. O outro artigo de Rossetti, presente neste jornal de 2 de
janeiro, é curiosamente publicado como se fosse uma carta remetida de um
leitor para a redação do periódico. Em tal texto, como anteriormente
mencionado, Rossetti critica a educação dada às mulheres, que não deveriam
servir apenas para os prazeres dos homens e para os serviços domésticos.
393
Anteriormente à publicação de tais artigos, data do mês de dezembro de
1838 a única carta remetida por Almeida a Rossetti, a qual restou para a
posteridade:
Querido Rossetti [...] te faço a presente para dizer que tenho
recebido as suas últimas [cartas], inclusive as comunicações.
Ao seu patrício Carline dei 30 patacões [...] esta classe de
gente não é mui cil de contentar-se. Os Srs. Engenheiro e
Artilheiro m tido um procedimento que se o compadece
com os defensores de princípios, cuidam que nadamos em
ouro. Não é fácil encontrar muitos Zambeccaris, Rossettis e
Garibaldis. Se não chegares por estes oito dias serei extenso
então. Minha menina mais velha está à morte; eu desesperado
e com um peso de trabalho superior às minhas forças; e vós e
outros a quererem que eu arrebente!!! Enfim, cumpramos o
fado. Saudades a Cuneo, a Castellini, e tu recebe o coração do
Teu (ass.) Almeida.
394
Essa correspondência apresenta ricos dados. Primeiramente, percebe-
se que a relação de afeto e proximidade que Rossetti parece delegar a Almeida
se demonstra recíproca. A carta se distancia, e muito, de um tom oficial. Inicia-
se com a saudação: “Querido Rossetti” e finda com “Teu Almeida”. Ao se
391
Ibid. p. 99.
392
O Povo, n°.: 36, de 2 de janeiro de 1839. p. 3.
393
Ibid. p. 4.
394
AAHRGS. Op. Cit. Vol. 2. CV-272. Carta de 10 de dezembro de 1838. p. 222-223.
144
analisar o epistolário de Almeida, nota-se que o ministro era bastante afetuoso
com seus familiares e amigos, como Bento Gonçalves, por exemplo, e que a
carta que envia a Rossetti possui um de seus tons mais afetivos. A proximidade
entre os dois fica ainda mais nítida com o relato de que a filha de Almeida
estaria à beira da morte. Esses casos, nos termos utilizados na carta, não se
contam às pessoas com as quais não se tenha uma relação informal de
afinidade. Não obstante, faz uma crítica leve a Rossetti, ao dizer que era um
dos que queria que ele “arrebentasse”, provavelmente pela quantidade de
atenção que o italiano devia pedir-lhe. Por fim, atente-se ao fato crucial de
enaltecer Rossetti, Zambeccari e Garibaldi, demonstrando a alta conta que eles
atingiram, ao menos para parte das lideranças do movimento. E, não por
acaso, esse elogio vem após falar de indivíduos que acreditavam que a
República “nadava em ouro”, o que é mais um indício de que, não
permanecendo no meio farroupilha com o intuito de enriquecer, Rossetti estaria
preocupado em difundir a causa mazziniana da humanidade.
A partir de janeiro de 1839, Rossetti demonstra-se cada vez menos
estimulado e escreveu a Cuneo, acerca da intenção de abandonar O Povo e
criar um novo periódico que se intitularia O Jornal da República, destinado à
política, ciência e indústria.
395
Seu desânimo era tamanho que afirmou:
Eu faço quanto posso, mas muitas vezes sou constrangido a
confessar, a mim mesmo, que eu prego no deserto. Corridi,
então, me é necessário. Nós escreveremos um jornal nosso
independente e propagaremos as doutrinas e os princípios que
professamos.
396
É nítido o desestímulo do italiano com as limitações e confrontos que
vai encontrando entre seu ideário e aquele de parte das lideranças farroupilhas.
Sua intenção de montar um periódico com o conterrâneo Corridi, onde pudesse
expressar livremente as ideias mazzinianas, denota o quanto essa missão
doutrinadora lhe era cara.
Na mesma carta em que expressa seus desgostos a Cuneo, Rossetti
diz que teria escrito duas proclamações do Presidente Bento Gonçalves e um
395
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: XXI, de 17 de janeiro de 1839. p. 102.
396
Ibid. Carta de n°.: XXII, de 19 de janeiro de 1839. p. 105.
145
artigo que vinha pensando sobre a América e o contexto brasileiro.
397
Essas
duas proclamações foram publicadas no número 38 d‟O Povo, sendo bastante
curtas. A primeira reitera os esforços despendidos pelo governo da República
Rio-Grandense em três anos de administração e a segunda expressa um
agradecimento ao povo de Piratini, devido à transferência da capital para
Caçapava.
398
O interessante de se salientar não é o conteúdo de tais
proclamações, mas o fato de Rossetti -las escrito, já que se tratam de
documentos oficiais assinados pelo Presidente da República.
Em um número anterior d‟O Povo foi publicado um “Comunicado”,
escrito por Rossetti. Ele merece atenção, pois indica elementos que geraram
equívocos no meio historiográfico. O texto possui a seguinte passagem:
A um simples golpe de vista se patenteia o despotismo atroz e
tirânico que oprime o malfadado Brasil: as simpatias que nos
merece esta desditosa Nação, de que outrora fizemos parte;
sua tendência da guerra que simultaneamente nos fazem
detestáveis e torpes Lusitanos, sobre tudo a íntima convicção
que [...] é a feliz época em que o laço Federal com indissolúvel
nos ligará todo Continente brasileiro [...].
399
É sobre essa ideia de “federação” ou ligação” entre as Províncias
brasileiras que se deve prestar curiosa atenção, pois aparece em muitos
documentos farroupilhas. É importante ater-se aos já citados Manifesto de 29
de agosto de 1838” e “Projeto de Constituição da República Rio-Grandense”.
No primeiro texto, está escrito:
Perdidas, pois, as esperanças de concluírem com o Governo
de Sua Majestade Imperial uma conciliação fundada nos
princípios de justiça universal, os rio-grandenses reunidos às
suas municipalidades solenemente proclamaram e juraram a
sua independência política debaixo dos auspícios do sistema
republicano, dispostos, todavia, a federarem-se [grifo meu]
quando nisso se acorde às Províncias irmãs que venham a
adotar o mesmo sistema. Bem penetrados da justiça de sua
santa causa, confiando primeiro que tudo no favor do juiz
supremo das nações, eles têm jurado por esse mesmo
supremo juiz, por sua honra, por tudo que lhes é mais caro,
não aceitar do Governo do Brasil [grifado no original] uma paz
397
Ibid. p. 105.
398
O Povo, n°.: 38, de 9 de janeiro de 1839. p. 1.
399
Grifo meu. Ibid. n°.: 37, de 5 de janeiro de 1839. p. 3.
146
ignominiosa que possa desmentir a sua soberania e
independência.
400
Já o Projeto de Constituição da República Rio-Grandense salienta:
Art. - A República do Rio Grande é a associação política de
todos os cidadãos rio-grandenses. Eles formam uma nação
livre e independente, que não admite com qualquer outro laço
de união, ou federação, que se oponha à independência de
seu regime interno.
401
Em um olhar apressado, poder-se-ia pensar que tais documentos
destoassem entre si, ou que entre o período de publicação de um e outro de
1838 a 1843 houvesse uma grande modificação do pensamento das
lideranças farroupilhas no que tange à ideia de manutenção de sua soberania
interna. Porém, faz-se importante compreender o significado que o termo
“federação” possuía no contexto farroupilha. Quando se dá a independência do
Rio Grande, Moacyr Flores ressalta que:
Nesta época predomina a corrente que deseja formar uma
nova nação, totalmente independente do Brasil, oriunda do
exagero da corrente federalista, que no século passado,
atribuía à federação um sentido mais amplo de independência
administrativa, que hoje está mais restrita pela ideia de
autonomia administrativa.
402
Com a proclamação da independência pelos farroupilhas, iniciava-se
um momento de busca de formação e consolidação de um novo país e, como
Flores apontou, a ideia de “federação” não era vista pelos agentes históricos do
período de maneira análoga ao sentido que lhe delegamos na atualidade.
O “Manifesto de 29 de agosto de 1838” e o “Projeto de Constituição da
República Rio-Grandense” não possuíam ideias destoantes. Não houvera, por
parte das lideranças farroupilhas, uma clara discussão acerca do federalismo e,
devido a este fato, alguns autores acreditaram que, neste ponto, as ideias de
Mazzini seriam incongruentes com as dos farroupilhas. O próprio Flores
expressou: “O „Risorgimento‟ com seu espírito revolucionário, pode ter
entusiasmado os farroupilhas, mas seu objetivo de estado unitário era contrário
400
CDBGS. Op. Cit. Documento de n°.: 420, de 29 de agosto de 1838. p. 290.
401
Grifo meu. Projeto de Constituição da República Rio-Grandense. Op. Cit. Título I: Da
República do Rio Grande, seu Território, seu Governo e Religião. p. 1.
402
FLORES. Op. Cit. p. 93.
147
à doutrina federalista dos rio-grandenses”.
403
De maneira semelhante, Eduardo
Scheidt ressaltou:
Para contentar os líderes rio-grandenses, Rossetti é obrigado à
modificar algumas concepções de parte das ideias de Mazzini,
como no caso do federalismo. [...] o fundador da „Jovem Itália‟
era partidário da unidade italiana, criticando as propostas de
federalismo. Neste sentido, a nação estava diretamente
vinculada à unidade, enquanto as propostas federalistas eram
criticadas por serem formas de enfraquecer os governos
nacionais.
404
Ambos os historiadores não estariam errados se olhassem apenas
para o pensamento de Mazzini relativo à associação Giovine Italia e se o
sentido de “federação” dos farroupilhas fosse análogo ao dos dias atuais.
Quando Mazzini estava voltado apenas para a questão interna da Península
Itálica, foi contra a ideia de “federação” propriamente dita. Neste momento, o
território itálico estava dividido em pequenos Estados em desunião: Reino
Sardo-Piemontês, Reino Lombardo-Veneziano, Reino das Duas Sicílias,
Estados Pontificais e Ducados de Parma, Módena e Toscana. Um governo de
cunho federalista soava, para Mazzini, como uma perpetuação da desunião
peninsular. Entretanto, quando fundou a Giovine Europa, em 1834, seu objetivo
central foi o de expandir o ideário republicano pela Europa. Se a República
fosse instaurada em larga escala, as regiões subjugadas pelos grandes
impérios, bem como estes mesmos transformados em repúblicas, formariam
uma união de Estados independentes, ligados por laços de auxílio mútuo, o
que deveria ter o sentido atual de uma confederação”. Por estas ideias de
Mazzini, atualmente, comumente pode-se ter notícia de discursos de líderes
políticos europeus citando seu nome como “pai” da atual União Europeia.
Entendido isso, deve-se retornar a ideia que o termo “federação”
possuía no contexto farroupilha. Dada a ambigüidade e pouca clareza de
sentido em que aparece nos textos dos insurgentes rio-grandenses, é bastante
provável que, com o transcorrer da guerra, o termo “federação” possa ter
adquirido significado semelhante àquele de Mazzini, ou seja, de uma
“confederação”. Aparece em textos farroupilhas a ideia de ligação com as
403
Ibid. p. 49.
404
SCHEITD. Op. Cit. p. 139.
148
demais províncias brasileiras que viessem a se dissociar do Império, bem como
com a região platina. Contudo, esses laços se dariam de forma a unir estes
novos Estados em um projeto semelhante de desenvolvimento e de trocas
mútuas, mas resguardaria a independência política de todas as partes desta
“(con)federação”. O próprio Rossetti, em um de seus poucos artigos assinados
n'O Povo, usa o termo “confederação” ao dirigir-se às Províncias brasileiras:
“Uni-vos à nós. A confederação das repúblicas brasileiras é altamente
reclamada pelas circunstâncias do país e pelas exigências da América, pelos
interesses do mundo em geral”.
405
E, estando em Laguna, Rossetti escreve a
Almeida utilizando o mesmo tom:
Vejo com imensa satisfação que a política exterior do gabinete
vai seguindo melhor caminho. [...] agora estou esperançado,
que deste ano o Império haja de desistir de sua inútil teima.
Esforce-se, contudo, para que seja celebrado o tratado de
confederação com a República Catarinense, e faça de modo
que nele intervenha o Presidente Fructo [Rivera]. assim
poderíamos fixar os destinos futuros do Brasil e cobrir de glória
a república que V. Exa. governa.
406
À “federação” de viés confederativo” é associada a ideia de liberdade,
vinculada ao objetivo dos farroupilhas, que estariam abrindo portas para a
expansão, à outras províncias, de um processo de independência do Império
Brasileiro. Isso foi colocado na prática no caso da República Juliana, fundada
em Laguna em julho de 1839. Em fins de agosto de 1839 foi publicado n'O
Povo, uma “Cópia do Circular que o comandante d‟Avanguarda da Divisão
auxiliadora dirigido a diversos Cidadãos Catarinenses ao internar-se no seu
território”.
407
Em tal “Circular”, está escrito:
Secundando o passo pelos Rio-Grandenses, dado em 20 de
setembro de 1835, proclamando a Independência de vosso
país, não penseis, Srs., que nisso afetais os interesses do
Brasil, do solo sagrado dos Brasileiros: pois que a República
Rio-Grandense, conscienciosa de sua dignidade, do espírito da
grande maioria dos Brasileiros e da honrosa missão que lhe foi
confiada, nada tem tanto apreço que a Federação dos Estados
seus irmãos; a quem negando toda ingerência, e intervenção
nos seus negócios particulares, protesta prestar-lhes seus
405
Grifo meu. O Povo, n°.:° 42, de 23 de janeiro de 1839. p. 171.
406
Grifo meu. Carta de 22 de janeiro de 1840. CV-8046.
407
O Povo, nº.: 97, de 31 de agosto de 1839. p. 1.
149
braços, sua fortuna, e seus guerreiros para facilitar-lhes os
meios de reaverem a Liberdade perdida.
408
Tal documento foi assinado por Joaquim Teixeira Nunes, mas
indícios de que tenha sido escrito por Rossetti, que agradece em carta a
Almeida as correções que o ministro farroupilha teria se dignado a fazer acerca
de documentos oficiais expedidos pelo Governo Juliano, mas de seu fabrico.
Assim, expõe: “Todos os Decretos que até agora promulgou o governo o
igualmente produção minha”.
409
O próprio estilo do texto da “Circular” lembra
Rossetti, ao salientar a “honrosa missão” dos farroupilhas. De todas as
passagens saídas da pena do italiano, esta é a que denota mais claramente
que a palavra “federação” não estava indo de encontro dos preceitos de
Mazzini, pois seu real sentido seria o de uma união “confederativa” entre as
Repúblicas Rio-Grandense e Juliana. Isso é evidente, pois, ao enviar seus
soldados à Província Catarinense, os farroupilhas mantiveram a soberania
governativa do povo catarinense. Portanto, comprova-se que Rossetti teve de
se adaptar em muitas circunstâncias ao contexto farroupilha, mas na questão
da ideia de “(con)federação”, não necessitou alterar seu ideário.
Antes de ocupar cargo destacado em Laguna, Rossetti passou por
percalços que o desestimularam em seu ofício de redator d'O Povo. No número
41 do periódico, teve início um artigo de tulo “O Brasil em 1839”
410
, de autoria
de Antônio Manoel Correa da Câmara, com o qual Rossetti tivera
desentendimentos acerca da escrita do “Manifesto de 1838”. Além de não
concordar com as palavras de Câmara, o italiano ficou indignado com o ataque
proferido à juventude italiana:
Assim, apelastes à juventude, a quem atribuístes a experiência
que não sobeja aos velhos [...] fostes servis imitadores de um
punhado de loucos, que na França, como na Itália pretenderam
[...] regenerar o Mundo, substituindo as Faixas infantis aos
calções.
411
408
Grifo meu. Ibid. nº.: 97, de 31 de agosto de 1839. p. 1.
409
Carta de 1º de outubro de 1839. CV-8042.
410
O Povo, n°.: 41, de 19 de janeiro de 1839. p. 1-3.
411
Ibid. p. 3.
150
Não é difícil mensurar o nível de ira que Rossetti atingiu com tais
provocações de Câmara, às quais, possivelmente, deveram-se aos
desentendimentos de ambos acerca do “Manifesto de 1838”, especialmente no
que tange à correção que o italiano fizera ao documento. Dessa maneira, pede
a Cuneo que critique Câmara no El Nacional:
Ele trata de maluca a juventude italiana e francesa, entretanto
não se sabe bem se quer preconizar o princípio aristocrático ou
se quer defender e sustentar a República. Mas me parece que
deixa transparecer que a República proclamada não é,
segundo ele, a consequência do discernimento do progresso,
mas apenas da má administração imperial.
412
O artigo de Câmara prossegue no mero 42 d‟O Povo
413
e, ao seu
final, anuncia continuação no número posterior, o que não ocorre. Rossetti não
menciona em suas cartas a razão pela qual parou a publicação do texto de
mara, mas existe a probabilidade de que isso se deva à sua própria
influência como redator do periódico.
Ainda no exemplar de número 41 d‟O Povo, o artigo de Câmara é
seguido por um “Comunicado” de Rossetti, cujas frases finais salientam o
espírito de liberdade americano:
Seremos condenados a engolir até a última gota a amargura da
dor de que, desde nossa infância, somos vítimas todos nós, os
Povos da América do Sul? Ah não! remédio porque o dia
em que finalmente aproveitarmos as lições de nossa
dilacerante história não está longe. s nos
compreenderemos. Nos daremos a mão, nos uniremos em um
mesmo pacto e, lembrados finalmente de que somos irmãos,
estabeleceremos sobre melhores alicerces a nossa
Independência e nossa Liberdade. O Império, origem de
nossas desavenças, acabará de um todo. Mas convençamo-
nos que a política da Europa não é a da América; procuremos
escapar à sua diplomacia; separemo-nos, por ora, daquela
agitada parte do mundo e tempo virá que seremos habilitados
para cumprir para com ela todos os deveres de irmãos que não
renegamos.
414
A passagem acima traz à tona o pensamento que Rossetti possuía
acerca do papel da América enquanto disseminadora dos ideais republicanos e
412
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: XXV, de 7 de fevereiro de 1839. p. 119-120.
413
O Povo, n°.: 42, de 23 de janeiro de 1839. p. 1-2.
414
Ibid. n°.: 41. p 3-4.
151
democráticos. O italiano previa uma união entre as nações independentes da
América, o que lhes renderia a sedimentação de seus sistemas republicanos.
Tamm, como bem ressaltou Eduardo Scheidt:
A construção de uma imagem de América republicana,
democrática, igualitária, contraposta à Europa feudal,
aristocrática, monárquica, é, se não o central, um dos principais
temas dos textos políticos do jornalista italiano. Neste sentido,
a Revolução Farroupilha fica justificada como a „natural
adequação‟ do Rio Grande do Sul ao continente americano,
enquanto o Brasil teria se afastado de seu destino ao preferir
manter-se aliado à „atrasada‟ Europa. A dicotomia
Europa/América contém, neste contexto, características
políticas, uma vez que „ser europeu‟ e „americano‟ significa
menos o fato de ter nascido nos respectivos continentes do que
ser monarquista, feudal, colonialista, retrógrado (no caso de
„europeu‟) ou republicano, democrata, defensor da liberdade e
do progresso (no referente a „americano‟).
415
Rossetti, portanto, inseriu o contexto rio-grandense no das
independências sul-americanas. Entretanto, a exaltação do “espírito
americano” de democracia, republicanismo e igualitarismo não foi de encontro
à sua própria origem, que era europeia. Rossetti não era ingênuo a ponto de
acreditar que todos os americanos fossem partidários da República e da
democracia, bem como não criticava todos os homens da Europa. Mazzini, por
exemplo, era europeu e se encontrava no Velho Mundo. Ao apresentar, de
maneira oposta, a América e a Europa, Rossetti estaria glorificando as ações e
pensamentos daqueles homens que participaram dos movimentos de
independências americanas e criticando a postura daqueles ditos “retrógrados”
europeus.
Outro ponto interessante de salientar no discurso de Rossetti seria sua
postura antiescravagista em um contexto pleno de controvérsias, como aquele
da República Rio-Grandense. Em artigo assinado pelo italiano, no exemplar de
número 42 d‟O Povo, escreve aos brasileiros: “[...] tudo sofreis em silêncio;
tanto é verdade que a escravidão amortece no homem os sentimentos mais
nobres da alma!.
416
Na publicação seguinte do periódico farroupilha, em texto
intitulado “Do Arroio-Grande nos escrevem”, um forte julgamento negativo à
entrada de escravos novos no Rio Grande do Sul. Essa breve carta de um
415
SCHEIDT. Op. Cit. p. 138-139.
416
O Povo, n°.: 42. p. 3.
152
leitor é seguida de uma ferrenha depreciação à postura do Império Brasileiro
em manter um “ignominioso” e “indigno” contrabando de negros.
417
De acordo
com Salvatore Candido o texto, que contém tais críticas ao tráfico negreiro,
seria de autoria de Rossetti.
418
Tendo em vista sua formação liberal e romântica, é compreensível que
o italiano não compactuasse com a lógica de escravização negra. No entanto,
bem se sabe que, no contexto da Guerra Farroupilha, os escravos serviram de
massa de manobra, tanto nas fileiras imperiais quanto nas dos farrapos. Por
este fato, muitos líderes do movimento sulista, não aceitavam a liberdade
prometida àqueles negros que se engajassem na luta quando a guerra com o
Império tivesse desfecho. O Acordo de Ponche Verde dispunha, em seu
artigo: Está garantida pelo Governo Imperial a liberdade dos escravos que
tenham servido nas fileiras republicanas, ou nelas existam”.
419
Porém, como
mencionado, sabe-se que pouquíssimos negros que permaneceram vivos após
o massacre ocorrido em Cerro dos Porongos tiveram a liberdade como destino.
Além disso, no Projeto de Constituição da República Rio-Grandense, os
escravos eram excluídos do processo eleitoral, como anteriormente exposto.
420
O comportamento ambivalente das lideranças farroupilhas, acerca dos
escravos, é expresso por Margaret Bakos quando salienta:
Veja-se o caso, muito conhecido, de Domingos José de
Almeida, que transfere os escravos de sua propriedade do
Brasil para o Uruguai. Bento Gonçalves, ao mesmo tempo em
que solicita como condição de paz ao governo imperial a
liberdade dos escravos que estão a serviço da República,
deixa, como herança ao morrer em 1847, 53 escravos em sua
fazenda de Camaquã. Outros integrantes do movimento
revolucionário também possuíam escravos vários anos após o
término da luta armada [...]
421
É perceptível, portanto, que mesmo líderes do grupo “majoritário” das
lideranças farroupilhas tiveram posturas ambíguas. Na teoria, pregavam a
libertação dos escravos que serviram à causa farroupilha, mas, na prática,
417
Ibid. nº.: 43, de 26 de janeiro de 1839. p. 2.
418
CANDIDO. Op. Cit. Nota de rodapé da página 121.
419
In.: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Poncho_Verde
420
Projeto de Constituição da República Rio-Grandense. Op. Cit. Artigo 92.
421
BAKOS, Margaret Marchiori. Escravidão negra e os farroupilhas. In.: DACANAL. Op. Cit. p.
94.
153
mantinham seus próprios cativos, vistos como parte de suas posses materiais.
Todavia, Bakos oferece a seguinte reflexão:
Como esperar que os farroupilhas [...] com a formação
plasmada pelos valores vigentes e, portanto, considerando o
escravo negro como mercadoria e como elemento
potencialmente perturbador da ordem, pudessem defender a
abolição da escravatura? [...] Os senhores não desejavam
libertá-los, porque significavam trabalho, capital, prestígio
social e poder político.
422
Conclui-se que, em um contexto cuja escravidão estava entranhada na
sociedade em todos os seus âmbitos, Rossetti, realmente, “pregava no
deserto”, fazendo-se alusão à desilusão que ele mesmo havia expressado para
Cuneo.
423
Apesar de seu grande senso humanitário, as situações de guerra
afetaram muito Rossetti. Em 30 de janeiro de 1839, escreve n‟O Povo acerca
de uma série de barbáries cometidas pelos imperiais. Muitos homens ligados à
causa farroupilha teriam sido brutalmente assassinados e ele pede aos
administradores da República Rio-Grandense que respondam na mesma
moeda ao decreto imperial, cuja ordem seria a de morte dos oficiais
republicanos, que caíssem em seu poder.
424
Para Rossetti esse pedido seria
totalmente convergente com suas ideias mazzinianas, pois termina seu texto
expondo o que segue:
Subordinando, assim o Governo, sua ação administrativa,
cumprirá com um dos seus mais sagrados deveres, satisfará a
expectação pública, minorará os males e sofrimentos da
Nação, e não mais arrancará, como esta, as censuras do
Redator.
425
Aparentemente, tal artigo de Rossetti possuía o tom de uma
solicitação. Todavia, ao final do mesmo exemplar d‟O Povo um “Decreto”,
assinado por Joda Silva Brandão
426
e por Bento Gonçalves, cujo conteúdo
sedimenta o que foi expresso pelo italiano. Assim sendo, o texto da primeira
422
Ibid. p. 89 e 88.
423
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: XXII, de 19 de janeiro de 1839. p. 105.
424
O Povo, n°.: 44, de 30 de janeiro de 1839. p. 1.
425
Grifo meu. Ibid.
426
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra, Marinha e Exterior da República
Rio-Grandense.
154
página do periódico estaria apenas acirrando os ânimos dos leitores às ordens
militares das lideranças farroupilhas. Ao final deste artigo, Rossetti expressa
que, se seu pedido fosse aceito, cessaria com as “censuras” que delegava ao
governo farrapo. Em verdade, o italiano se sentia cada vez mais lesado pela
revisão de seus escritos e as circunstâncias se agravaram quando da correção
de seu artigo intitulado “O Povo”:
Aterrai-vos homens perversos! Os povos não se vencem assim.
As pontas destes punhais por vós comprados, contra vós hão
de retorcer. Um indivíduo pode cair vítima inocente de vossa
barbárie! Mas o povo não cai de uma ferida. Ele é invencível, e
um dia, dia que não está longe, vos pedirá conta de vossos
delitos.
427
Em correspondência a Cuneo, Rossetti reclama que, ao invés da
passagem “ele é invencível, e um dia, dia que não está longe, vos pedirá conta
de vossos delitos”, tinha escrito originalmente o Povo é invencível, eterno e
onipotente como Deus”.
428
Essa frase evidencia a influência do romantismo
mazziniano sobre Rossetti, vendo o povo como grande força de libertação,
como força motriz da luta contra a opressão imperial. Também, em conjunto
com seus demais escritos jornalísticos, poderíamos dizer que Rossetti via o
povo como parte que deveria obter participação ativa em uma sociedade de
viés republicano e democrático. Como se sabe, Mazzini acreditava que o povo
era o intérprete de Deus na Terra e, portanto, tal passagem tem aberta relação
com a ideia de soberania popular. Além disso, é perceptível que Rossetti não
era ateu, mas possivelmente se vinculava ao lado jansenista de Mazzini, já que
em suas cartas aparecem citações sobre a figura de Deus como guia da
jornada revolucionária. O revisor do texto, possivelmente o deve ter
compreendido a intenção de Rossetti, achando herética a “comparação” do
povo com Deus. Ao mesmo tempo, vale ressaltar que tal parte foi modificada
pelo revisor com o consentimento de Almeida. Fica a dúvida sobre a intenção
deste último em aceitar o corte do conteúdo. Talvez tenha acreditado ser
desnecessária a presença de tantos adjetivos no texto ou tenha concordado
com o revisor sobre a impropriedade dos adjetivos para tal jornal.
427
O Povo, nº.: 47, de 9 de março de 1839. p. 4.
428
CANDIDO. Op. Cit. Carta de nº.: XXVII, de 14 de março de 1839. p. 130.
155
Após esse incidente, Rossetti escreve a Almeida pedindo sua
demissão, que é aceita imediatamente.
429
Reitera ao ministro farroupilha sua
crença de que os princípios de ambos sejam os mesmos. Salienta seu alto
nível de comprometimento com o serviço que prestava à causa rio-grandense e
pede que Almeida trouxesse Cuneo de Montevidéu para redigir o periódico e
“mantê-lo no rumo certo”, pois temia o “prejuízo” dos seus “princípios
democráticos”.
430
Isso pode ter ofendido Almeida em maior grau do que o
pedido de demissão, já que o Ministro ameaçara mudar o título do periódico e a
epígrafe da Giovine Italia, que aparecia na primeira página de suas edições.
431
A amizade entre os dois sofreria um abalo
432
, mas não se desfez, que a
maioria das cartas posteriores que Rossetti remeteu a Almeida possui tom de
apreço por sua pessoa.
Na primeira publicação d‟O Povo, em seguida à saída de Rossetti,
um artigo, sem título, cujo tipo de escrita lembra muito a pena do italiano. De
acordo com Salvatore Candido, seria uma das colaborações de Rossetti no
periódico.
433
Neste texto, Mazzini é diretamente referenciado: Os Povos hão
de ser livres. Mas, além das rmulas Republicanas, disse Mazzini, não
Liberdade possível; e os povos jurarão obtê-la: Deus ouviu o seu juramento e
de cumpri-lo”.
434
No artigo, que ocupa duas páginas e quase quatro colunas
completas do jornal, salta à vista as principais bandeiras da luta de Mazzini: o
“espírito do século” de luta contra os impérios opressores e de vitória do
sistema republicano, a de que Deus estaria dando seu aval à causa, a união
dos povos em consonância com a individualidade nacional e, principalmente, o
amor à pátria e à humanidade. Rossetti, assim, não apenas expôs o
pensamento mazziniano, mas marcou, indelevelmente, o nome de Mazzini nas
páginas d‟O Povo.
Após deixar o cargo de editor d‟O Povo, Rossetti imaginou que o
governo farroupilha lhe enviaria em missão diplomática ao Paraguai, como
429
Carta de 5 de maio de 1839. CV-8039.
430
Ibid.
431
CANDIDO. Op. Cit. Carta de nº.: XXX, de 7 de maio de 1839. p. 139.
432
Rossetti expõe a Cuneo: “Eu não esperava de Almeida, tão pouca amizade e, lhe direi, tanto
desconhecimento”. Ibid. Carta de nº.: XXXIII, de 1º de outubro de 1839. p. 151.
433
CANDIDO. Op. Cit. p. 201.
434
Grifado no original. O Povo, n°.: 48, de 13 de março de 1839. p. 4.
156
secretário de Antônio Câmara, nomeado Embaixador da República Rio-
Grandense.
435
Este último tinha sido ministro do Império Brasileiro no
Paraguai, no entorno de 1827, conseguindo ser o único representante de um
governo estrangeiro a ser recebido pelo chefe de Estado Dom José Gaspar
Tomás Rodrigues de Francia.
436
As intenções de Rossetti não se tornam
realidade e ele escreve, desolado, a Cuneo:
Câmara não me escreveu e sei que está de partida; esvai-se,
portanto, a esperada viagem ao Paraguai. E por quê? Quais
motivos ele teria para não me chamar, conforme me havia
prometido? Querem-me marinheiro a todo custo; acreditam que
sou necessário ao bom êxito das novas operações! E com
Garibaldi vou fazer a figura do pobre marquês com seu
Tenente, ou pior ainda: o mar, como é de se supor, me provoca
o vômito.
437
É curioso que Rossetti tenha ficado pasmo com a negativa de Câmara
em levá-lo consigo ao Paraguai. Ambos tiveram várias rusgas na trajetória
farroupilha. O próprio artigo “O Brasil em 1839”, de Câmara, provavelmente,
não teve sua continuação publicada nas páginas d‟O Povo por influência de
Rossetti. Não o italiano perdeu a oportunidade de ocupar um cargo
destacado, em missão diplomática ao país vizinho, como estaria sendo coagido
a ingressar na marinha farroupilha. Sua repulsa pelo cargo de marinheiro não
era diretamente relativa ao mar, mas demonstra o desestímulo de um homem
que preferia trabalhar com as letras em vez das armas.
Em fins de junho de 1839, Rossetti estaria engajado nas tropas
farroupilhas, rumando para Santa Catarina. Partia triste por não ter recebido
uma carta de Almeida.
438
Pode-se dizer que o papel mais destacado que o
italiano conseguiu nas terras americanas foi o de Secretário Interino do
Governo da República Juliana. Giuseppe Garibaldi, em suas “Memórias”,
lembra da suma importância que seu conterrâneo adquirira em solo
catarinense: “Rossetti, com o título de secretário do governo, era
verdadeiramente a sua alma. Rossetti estava talhado para todos os
435
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: XXVIII, de 14 de março de 1839. p. 134; Carta de n°.:
XXIX, de 20 de março de 1839. p. 136.
436
FAGUNDES, Morivalde Calvet. Op. Cit. p. 318.
437
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: XXX, de 7 de maio de 1839. p. 140.
438
Carta de 28 de junho de 1839. CV-8040.
157
empregos”.
439
No fim de setembro, Rossetti diria a Cuneo que estava tão
atarefado que lhe escreveria poucas linhas, que, como Secretário do
governo, tudo “pesava sobre seus ombros”, sendo tal circunstância agravada
pela pouca experiência do Presidente Vicente Ferreira dos Santos Cordeiro e
de seus ministros.
440
Preocupado com as precárias finanças da nascente República Juliana,
Rossetti escreve a Almeida planejando uma forma de a República Rio-
Grandense ajudá-la, sem que lhe houvesse prejuízos. Isto se daria com o
empréstimo de cem contos de réis, que seriam restituídos ao governo
farroupilha no período de três anos.
441
Almeida responde tal carta tardiamente,
mas o deve ter falado ou consentido acerca do empréstimo, pois o italiano
lhe pediria novamente o dinheiro.
442
Ainda, Rossetti demonstraria preocupação
com a frota marítima farroupilha, tentando articulações com seus compatriotas
residentes no Prata
443
e criticaria Canabarro, o qual seria membro do futuro
grupo “minoritário” das lideranças do movimento.
444
Faz queixas a Almeida
sobre as dificuldades que sofre por não ser brasileiro: “Sei que sou estrangeiro
e sei a custa de muitos desgostos que por nenhum modo me convém defender
os princípios que professo em emprego, onde se faz preciso a pena”
445
,
prosseguindo ao encorajar Almeida em seus problemas na governança
farroupilha: “Eu sei por experiência própria o quanto é receado imperdoável o
ser estrangeiro, porém V. Exa. não deve se considerar tal, se na revolução rio-
grandense vê, como eu, a revolução brasileira”.
446
439
GARIBALDI. Op. Cit. p. 92.
440
CANDIDO. Op. Cit. Carta de nº.: XXXII, de 30 de setembro de 1839. p. 149.
441
Carta de 14 de julho de 1839. CV-8041.
442
Carta de 11 de outubro de 1839. CV-8043.
443
Tais preocupações aparecem nas seguintes epístolas enviadas a Almeida: Carta de 5 de
maio de 1839. CV-8039; Carta de 14 de julho de 1839. CV-8041; Carta de de outubro de
1839. CV-8042; Carta de 11 de outubro de 1839. CV-8043.
444
As críticas a Canabarro ocorrem com a chegada de Rossetti a Laguna, estando presentes
nas seguintes correspondências: Carta de 14 de julho de 1839. CV-8041 e Carta de 11 de
outubro de 1839. CV-8043. Posteriormente, estando em Lages, iria em favor de Canabarro e
Teixeira Nunes, ao questionar Almeida: “Não entendo porque razão o General Neto e o mesmo
Bento Gonçalves o tratam de General ao Cidadão David Canabarro, nem de Coronel ao
Teixeira [...] Com seco vagar, me diga alguma coisa a este respeito”. Carta de 22 de janeiro de
1840. CV-8046.
445
Carta de 11 de outubro de 1839. CV-8043.
446
Carta com data ilegível, mas posterior à de 11 de outubro de 1839. CV-8044.
158
Rossetti parecia bastante empolgado com o alto cargo que ocupava,
encontrando no meio catarinense a possibilidade de divulgar os preceitos da
Giovine Europa. Em carta a Cuneo, fala de sua influência como Secretário da
República Juliana:
Este Governo é de favor meu e eu sou o órgão principal. Creio
que vós suspeitastes disso, caso tenha lido os nossos
decretos. Eles todos são assinalados com a divisa da Giovine
Europa adotada pelo Governo por legenda de sigilo da Câmara
Municipal da nova cidade. Deixamos, assim, um traço indelével
nosso.
447
A divisa que o italiano menciona seria Liberdade Igualdade
Humanidade”, que apareceria nos documentos oficiais expedidos pelo governo
lagunense. No presente trabalho, não foi possível averiguar a existência destes
documentos em arquivos do Estado de Santa Catarina. Contudo, um texto
publicado n'O Povo em que consta a assinatura de Teixeira Nunes seguida da
frase: “esconforme, Luiz Rossetti, Secretário Interino do Governo”.
448
Este
“3º Boletim da Vanguarda da Divisão Libertadora” possui a divisa “Liberdade
Igualdade Humanidade”, demonstrando o “traço indelével” que o italiano
dissera ter deixado em terras catarinenses. O conteúdo do “Boletim” mescla
informações de operações militares com a execração do Império e exaltação
da expansão da República em solo brasileiro. A última frase, “nada pode fazer
que não se cumpra o que Deus quer”, lembra a ideia mazziniana de que o
destino da época” estava se cumprindo, ou seja, o sistema republicano se
expandia pelo mundo por força divina.
O momento de glória de Rossetti na América, entretanto, duraria
apenas três meses, que a República Juliana fracassou, levando o italiano a
rumar para o território de Lages, juntamente com parte das tropas farroupilhas
que ainda restavam em Laguna. O Distrito de Lages foi retomado pelos
farrapos e Rossetti relata a Almeida a esperança de que ele nunca mais
tornasse a pertencer ao Império.
449
Mantinha a crença na retomada de Laguna
447
Grifo meu. CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: XXXIII, de 1° de outubro de 1839. p. 151.
448
O Povo, nº.: 102 de 18 de setembro de 1839. p. s/nº.
449
Carta de 19 de dezembro de 1839. CV-8045.
159
pelos farroupilhas e planejava que isso ocorresse com uma ofensiva vinda de
todos os lados, especialmente com reforços das bandas de Rio Grande.
450
Restam poucas informações acerca das ações e paradeiro de Rossetti
no ano de 1840. Sua última correspondência, remetida a Cuneo, data de de
outubro de 1839. Entre a primeira e a última carta, escritas no ano de 1840 e
que restam na Coleção Varela, uma lacuna de dez meses.
451
Em maio,
Cuneo assume a redação d'O Povo, como Rossetti desejava no momento de
sua saída do periódico. Todavia, o italiano veio de Montevidéu para ficar pouco
tempo em solo rio-grandense. Iniciara suas atividades no jornal farroupilha em
sua edição de número 156, do dia 6 de maio, permanecendo no cargo apenas
até a publicação do 160º número do periódico, de 22 de maio. Em menos de
um mês, portanto, a tipografia farroupilha foi atacada por tropas imperiais e
destruída. Cuneo resolveu não ingressar nas fileiras de guerra dos
republicanos e retornou ao Uruguai.
Na edição d'O Povo de número 155, uma anterior a Cuneo assumir a
redação, há um artigo intitulado “A República”, que inicia com a seguinte
citação do periódico Giovine Italia: A República é para nós aquela forma de
governo que única pode dar lugar ao desenvolvimento harmônico de todas as
faculdades do homem”.
452
Tal menção e conteúdo do artigo sugerem que ele
tenha sido escrito por um dos mazzinianos que se encontravam envolvidos na
luta farroupilha. Em determinado momento do texto, aparecem as
subsequentes ideias:
O principio da Soberania Popular e o desprezo das foas
monárquicas se acham arraigados no seio de nossas
Sociedades Americanas; e hoje, por mais que digam os
periódicos do Império, aqui entre nós, entre os milhares de
combatentes, [...] não um homem que não se
empenhasse, voluntário, detestando este mesmo Império. [...]
Uma revolução feita em nome da República importa alguma
coisa mais que a mudança das formas governativas. Os
tempos exigem muito mais. Revolução, no presente, é
inovação em todas as modas sociais, e seu objeto supremo,
essencial: o povo. O povo que necessita ver realçada sua
450
Ibid.
451
Respectivamente, cartas de 22 de janeiro de 1840 (CV-8046) e de novembro de 1840 (CV-
8047).
452
O Povo, nº.: 155, de 2 de maio de 1840. p. 1.
160
dignidade, que necessita conhecer todos os seus direitos para
saber defen-los com nobreza, que necessita aprender quais
são seus deveres para saber respeitá-los e cumpri-los.
453
Mesmo não tendo certeza de que tal artigo saiu da pena de Rossetti,
pode ter sido seu último texto na imprensa farroupilha. Assim, optou-se por
expô-lo e reiterar ideias que foram propagadas pelos mazzinianos em sua
trajetória na luta rio-grandense. Novamente, o “espírito americano” é
apresentado com um viés antimonarquista e republicano, embora
superdimensionado, haja vista que boa parte dos brasileiros estava de acordo
com a governança imperial. Mais uma vez, como apregoava Mazzini, a figura
soberana do povo é destacada e é ressaltado o caráter popular que deveria
atingir a República. Ela não deveria ser apenas vista como “um termo vazio”,
utilizado por parte das lideranças farroupilhas como forma de modificação
apenas dos personagens governativos locais. A República não deveria se dar
para manter a opressão popular e sim ser construída através de uma
conscientização das massas, na qual os agentes de transformação deveriam
estar cientes de seus direitos e, sobretudo, de seus deveres na construção de
uma sociedade harmônica.
No derradeiro mês de novembro de 1840, Rossetti escreveria a Bento
Gonçalves, a Álvares Machado e a Domingos José de Almeida afirmando que
o melhor caminho para o Rio Grande seria o da paz com o Império Brasileiro.
Afirmaria ao Presidente da República Rio-Grandense:
Eu nada espero do Império, porque nada esperava da
República, da qual também nada queria, mas é em nome dela
e do Povo, que confiou a V. Exa. os seus destinos que eu lhe
peço a... paz; porque essa poderá um dia lhe dar a
Liberdade verdadeira que anelava; porque é a sobra da Paz
que espero ver ainda triunfar os princípios que professo e a
cujo espalhamento me tenho imolado. A guerra os submergia
sem que deixassem uma só pisada.
454
Do mesmo modo, resumira seus motivos a Almeida:
V. Exa. não ignora que a revolução de 20 de Setembro foi mais
um corolário da revolução da Independência de que o efeito de
um amor sincero à República; portanto o sacrifício não é
453
Ibid. p. 2.
454
Carta datada de novembro de 1840. CV-8047.
161
tamanho que não se possa fazer e além disso se queremos
um dia dar vivas mais eficazes à República devemos fazer para
que ela deixe recordações e saudades. Se nós continuarmos a
guerra, como a república francesa, a rio-grandense deixará
somente [desm]erecimento e ficarão para sempre perdidos ao
Brasil os princípios democráticos por cujo estabelecimento, nos
homens de fé tantos trabalhos vamos aturando.
455
Por todo o histórico de Rossetti na luta pala causa farroupilha sabe-se
que estas são palavras circunstanciais de um homem desiludido. Ele acreditou,
sim, no triunfo dos princípios republicanos e democráticos em solo rio-
grandense. Tanto que explica seu desejo de paz com o intuito de deixar boas
“recordações e saudades”, para que a implantação do sistema republicano
fosse, futuramente, expandida pelo Brasil. Mesmo com os percalços e
desentendimentos que teve com parte das lideranças do movimento, imaginava
poder cumprir com sua “missão” mazziniana e deixar sua marca em terras
americanas. Do mesmo modo, acreditara que o levante rio-grandense se dera
por amor à causa republicana, tendo em vista que criticara Câmara pela
mesma opinião que agora acreditava: a de ser a Guerra Farroupilha apenas
uma consequência de um malfadado processo da independência brasileira de
Portugal. E é necessário se levar em conta que o italiano estava de tal forma
imbuído de percepções mazzinianas acerca das revoluções americanas de
independência, que, por muito tempo, não compreendeu o contexto da revolta
rio-grandense, encabeçada por homens com sérias dissidências entre si e que,
em parte considerável, não desejavam profundas reformas sociais.
Na carta remetida a Bento Gonçalves, fica visível o apreço de Rossetti
por sua pessoa. Dessa forma, oferece mais um indício de sua maior ligação
com a parte das lideranças farroupilhas que futuramente comporiam o grupo
“majoritário” do movimento sulista. Ao mesmo tempo, é necessário lembrar
que, no mesmo período em que o italiano revelou suas intenções de paz, Bento
envolveu-se em tratativas de pacificação com Álvares Machado, responsável
pela governança imperial na Província Rio-Grandense. Rossetti, portanto, não
era o único a pensar no fim da guerra, agindo em consonância com o
pensamento de Bento.
456
É provável que, dadas as circunstâncias vividas pelos
455
Carta de 19 de novembro de 1840. CV-8049.
456
Carta de 16 de novembro de 1840. CV-8048.
162
insurgentes no ano de 1840, naquele momento o desejo de paz fosse corrente
dentre algumas das lideranças farroupilhas.
Em sua penúltima carta
457
, datada do dia 16 de novembro de 1840,
endereçada ao deputado Francisco Álvares Machado, Rossetti expõe suas
reflexões sobre o desenrolar da Guerra Farroupilha, expressando seu caráter e
ligação intrínseca com os ideais mazzinianos.
458
Dessa forma, optou-se por
transcrever integralmente o conteúdo da correspondência, em anexo, que
sintetiza de forma clara os princípios que nortearam a luta de Rossetti no
movimento rio-grandense. Ao longo da carta, o emissor reitera seu apreço pela
coragem delegada pelo povo rio-grandense à causa farroupilha, bem como
demonstra sua preocupação com o destino desta população, que deveria ser
poupada de mais pesares. Como a correspondência foi enviada em favor da
pacificação do conflito, o texto se desenrola em tom conciliatório para com o
Deputado Álvares Machado. Rossetti expressa sua crença de que a única fonte
de liberdade e bem-estar geral da população se encontraria no advento
universal da República. Contudo, reflete que a humanidade ainda não estava
pronta para uma sociedade regrada nos moldes da democracia. Acredita,
entretanto, que a luta daqueles que creram nesses ideais não era emo, pois
embora eles não vivessem para ver o fruto de sua batalha, ela foi
imprescindível para preparar a sociedade dos tempos vindouros.
Com o romantismo mazziniano que, inegavelmente, o influenciou, fala
de seu amor ao Brasil e de sua para que ele não tomasse o rumo de uma
sequência de maus governos, como teria ocorrido na Itália desde a
Antiguidade. As últimas frases da epístola denotam o quanto Rossetti
acreditava que a Guerra Farroupilha tinha se desviado de seu caminho inicial, a
tal ponto que se desvencilha de seu ardente viés antimonarquista e acredita ser
melhor para o Rio Grande a paz com o imperador Dom Pedro II do que a
continuação de uma luta que perdera sua razão de ser. Porém, o mais
provável, como já mencionado, é que Rossetti tenha se iludido, no momento de
sua chegada ao Rio Grande, com o dito viés “republicano” do movimento.
457
A última foi a já citada carta remetida a Almeida no dia 19 de novembro de 1840.
458
Carta de 16 de novembro de 1840. CV-8048.
163
Mesmo desestimulado, o italiano continuou a lutar ao lado das fileiras
farroupilhas e, no dia 24 de novembro de 1840, participou do Combate do
Passo do Vigário, na atual cidade de Viamão, quando Bento Gonçalves
organizou a retirada de suas tropas sob o ataque de João Nepomuceno. Nessa
batalha, vitima de uma lança do inimigo, morreu Luigi Rossetti, um legítimo
romântico do século do nacionalismo, o qual dedicou sua vida à propagação do
ideário de seu mentor, Giuseppe Mazzini.
164
Considerações finais
Analisou-se, na presente pesquisa, o processo histórico de unificação
da Península Itálica, que foi de suma importância para o entendimento da
formação do ideário de Giuseppe Mazzini. De maneira semelhante,
apresentou-se o contexto brasileiro em que eclodiu a Guerra Farroupilha, o
que, juntamente com a exposição da trajetória da insurreição sulista, de alguns
pontos significantes de seu norte político e das dissidências entre suas
lideranças, permitiu a compreensão daquilo que ocorrera nos momentos em
que os italianos mazzinianos fizeram-se presentes no movimento rio-
grandense. Analogamente, abriu-se caminho para a apreensão de como pode
ter se inserido o ideário de Mazzini no movimento farroupilha a partir da figura
de Luigi Rossetti. Vale ressaltar que, em um olhar apressado, além de transpor
territórios além-mar, o presente trabalho parece lançar-se em um estudo de
diferentes escalas: a nacional (processo de Unificação Italiana) versus a
regional (constituição de uma República na Província Rio-Grandense). Todavia,
focalizando atenção no contexto do século XIX, é perceptível que tanto Mazzini
quanto as lideranças farroupilhas organizaram seus esforços para a aquisição
de autodeterminação em âmbito nacional por meio da luta contra Estados
vistos como opressores, no caso os impérios austríaco e brasileiro. Entretanto,
o caso italiano obteve sucesso ao consolidar a Península como Estado, em
1861, enquanto a Província Rio-Grandense voltou a fazer parte do Brasil, em
fevereiro de 1845, situações que perduram até a atualidade.
Feitas essas considerações, deve-se voltar o olhar ao conteúdo
exposto para chegar-se a conclusões satisfatórias acerca da inserção das
ideias de Mazzini no meio farroupilha, visando não incorrer em noções
errôneas e extremadas sobre o grau de influência que tal ideário possa ter
alcançado nas terras rio-grandenses. Primeiramente, é fato amplamente
conhecido que Livio Zambeccari, Luigi Rossetti e Giuseppe Garibaldi tiveram
presença atuante no seio do movimento, ocupando altos cargos. Zambeccari
desfrutava de proximidade com Bento Gonçalves no início da batalha contra a
opressão imperial, sendo chamado de “secretário particular” de Bento.
Garibaldi foi um dos formadores e organizadores das frotas navais farroupilhas,
165
sendo-lhe conferido o título de Comandante da Marinha. Apesar de ter recebido
soldo de guerra, portanto servido como corsário, e de se afastar da luta rio-
grandense e rumar para o Uruguai, Garibaldi teve presença marcante na
trajetória do movimento, tanto no que diz respeito às suas ações, quanto
acerca de suas íntimas relações com aquela parte das lideranças farroupilhas
de maior ligação a Bento Gonçalves. Rossetti foi escolhido como primeiro
redator do mais duradouro periódico farroupilha, O Povo, e, mesmo tendo
sofrido percalços na sua jornada, conseguiu publicar artigos de viés claramente
mazzinianos em suas páginas. Do mesmo modo, acompanhando a missão
militar farroupilha às terras lagunenses, Rossetti ocupou o destacado cargo de
Secretário Interino do governo da República Juliana.
Dado os altos cargos exercidos por Zambeccari, Rossetti e Garibaldi
no movimento farroupilha, faz-se imprescindível a compreensão do contexto
rio-grandense no momento da estada desses italianos no extremo sul do Brasil.
Na cada de 1830, as camadas altas da Província Rio-Grandense estavam
exasperadas com a quantidade de impostos sobre seus produtos, impostos
que o governo imperial não revertia para a melhoria das condições da
Província. O Rio Grande de São Pedro era visto como uma zona periférica do
Império Brasileiro, sendo explorado sem maiores preocupações acerca da
situação vivida pela população local. Dessa forma, a Guerra Farroupilha se
inicia com a luta pela maior autonomia provincial e torna-se republicana com a
impossibilidade de negociação dos interesses das camadas altas locais com os
da governança imperial.
No início do movimento, havia vários tipos de pensamento entre os
insurgentes. Existiam separatistas, não separatistas, abolicionistas,
escravagistas, republicanos, imperialistas e assim por diante, numa
combinação bastante ampla de pensamentos, convergentes e divergentes. Na
eclosão da revolta, em 1835, nem todos eram republicanos e separatistas, mas
os fatos e rumos tomados pelo movimento levaram ao desfecho da construção
de uma República. No momento da Proclamação da República Rio-Grandense,
o ideário das lideranças farroupilhas se dividiu em duas frentes: os mais
“progressistas”, que apregoavam a República em caráter de (con)federação
com as demais Províncias brasileiras que viessem a se dissociar do Império, e
166
aqueles mais “conservadores”, que mantinham-se participantes da guerra ao
lado revoltoso, mas não queriam mexer fortemente nos alicerces da estrutura
vigente, desejando apenas que os anseios de maior autonomia da Província de
São Pedro fossem postos em prática pelo governo do Império. Nesse sentido,
deve-se ressaltar que, no transcorrer da Guerra Farroupilha, a busca pela
República não adquiriu caráter unânime entre as lideranças do movimento. Isso
é perceptível nas divergências de opiniões entre aquele grande grupo que se
voltava para Bento Gonçalves e o grupo “minoritário”, representado por David
Canabarro e José Vicente da Fontoura, oposto a Bento. Os ideais mazzinianos
que impregnavam o pensamento de Luigi Rossetti contrariavam a parcela dos
líderes farroupilhas que defendia apenas o viés federativo propriamente dito,
mas se aproximava daquela de Bento Gonçalves, buscando a formação de
uma (con)federação entre as demais províncias que seguissem seu exemplo e
galgassem a independência do Império Brasileiro.
Em 1836, quando da Proclamação da República, os ânimos estavam
jubilosos. O ano de 1837 foi afortunado aos farroupilhas, terminando com a
fuga de Bento do Forte do Mar da Bahia para assumir a presidência da
República. Nesse ano, Luigi Rossetti chegou ao Rio Grande e, na euforia dos
avanços farroupilhas, possivelmente, sedimentou as expectativas que criara ao
sair do Rio de Janeiro. Estaria lutando por uma causa que se assemelhava à
das lutas que travara no continente europeu: pela liberdade de todos os povos
oprimidos por governos tidos como “tirânicos”. Nesse primeiro momento, os
ideais mazzinianos que o inspiravam devem ter ecoado ao encontro da luta
sulista contra a opressão do Império Brasileiro. Rossetti não percebeu que
parte dos líderes farroupilhas esperava que a guerra lhes trouxesse
exatamente aquilo que Mazzini condenava, ou seja, uma mudança política que
não alterasse as estruturas da sociedade.
Como editor de periódico farroupilha, é bastante provável que Rossetti
tenha influenciado o título O Povo, que o povo era o personagem principal
dos escritos de Mazzini. Nesse periódico, pôde trabalhar pela concretização de
sua “missão” de expandir o ideário republicano e democrático de Mazzini,
começando pela publicação da divisa Liberdade Igualdade Humanidade” e
do dístico do volume V do jornal Giovine Italia, na primeira página das edições
167
do jornal farrapo. O dístico e a divisa, que apareciam na primeira página das
edições d‟O Povo, foram influências diretas de Rossetti. No que tange à divisa
“Liberdade Igualdade Humanidade”, o italiano conseguiu deixar uma forte
marca imagética para o Rio Grande do Sul. Muitas vezes, ao se olhar o brasão,
que fica no centro da bandeira rio-grandense
459
, faz-se uma rápida relação da
divisa Liberdade Igualdade Humanidade” com a da Revolução Francesa,
mas sem se perceber que o último termo “Humanidade” não é homônimo ao da
frase original, “Fraternidade”. Essa modificação, como relatado anteriormente,
era realizada por Mazzini, que compreendia o termo “humanidade” como pilar
central para que as sociedades rumassem à fraternidade.
Ao longo de sua permanência na Guerra Farroupilha, Rossetti sofreu
percalços que atingiram diretamente suas ideias romântico-mazzinianas. O
caso mais nítido de embate de diferentes formas de pensamento ocorreu com
Antonio Câmara, no qual o italiano parece ter ganhado, pois é muito provável
que o artigo de Câmara tenha sofrido restrições, de continuação no periódico,
por influência de Rossetti. Mas as revisões ou modificações de seus textos
chegaram a um ponto insuportável para o italiano, que pediu demissão do
jornal. Com sua saída da parte editorial, Almeida ameaçou mudar a epígrafe e
o título d‟O Povo, mas não o fez. Dessa maneira, referências ao ideário
mazziniano continuaram no periódico até o fim de suas edições.
Alijando-se da redação do jornal farroupilha, Rossetti não se distanciou
da guerra rio-grandense e engajou-se em suas fileiras. É difícil acreditar que
permanecer no Rio Grande do Sul fosse sua única opção, que muitos de
seus amigos italianos residiam no Prata, como o próprio Cuneo, com quem
trocava ampla correspondência. Não obstante, ao envolver-se na intervenção
farroupilha à cidade de Laguna, acabou por receber um cargo de destaque na
inaugurada República Juliana: o de Secretário Interino do governo. Tal cargo
lhe permitiu incluir a divisa mazziniana “Liberdade Igualdade Humanidade”
nos manifestos, proclamações e demais documentos oficiais da nascente
República em solo catarinense, o que fizera com o intuito de deixar uma
“marca indelével” da presença mazziniana nas terras catarinenses.
459
Em anexo.
168
Com a reincorporação do território lagunense ao jugo imperial, Rossetti
novamente se incorpora nas tropas farroupilhas, com destino ao Distrito de
Lages. No final de 1840, se mostraria bastante decepcionado com os rumos
tomados pelo movimento rio-grandense e visou articular a pacificação do
conflito, enviando carta a Álvares Machado. Tal desejo foi expresso, de
maneira semelhante, por Bento Gonçalves que, no mesmo período, igualmente
enviara correspondências a Machado. Essa questão pode ser mais um indício
da afinidade que Rossetti e o Presidente da República possuíam em
determinadas questões.
Em verdade, o momento em que Rossetti chega ao Rio Grande de São
Pedro, no ano de 1837, propiciou-lhe imaginar um movimento farroupilha que,
em verdade, não existia. É claro que havia republicanos fervorosos no
movimento rio-grandense, como Lucas de Oliveira e Pedro Boticário, por
exemplo. Porém, muitos líderes farroupilhas adquiriram o apreço pela
República com o transcorrer dos acontecimentos, como dito anteriormente. Ao
mesmo tempo, boa parte das lideranças do movimento ainda permanecia
escravagista, o que era inaceitável para o italiano que, sem compreender em
profundidade o contexto do Rio Grande, achava absurdamente incoerente a
permanência da escravidão após a Proclamação da República.
No plano das ideias, muitas das cartas expedidas por Rossetti
demonstram o alto grau em que ele era tido por Bento Gonçalves e Almeida,
havendo grandes possibilidades de que os dois líderes farrapos tenham
assimilado algo do pensamento do italiano. Em determinados pontos, suas
ideias confluíam, tanto que Almeida, responsável pela compra da tipografia d‟O
Povo, conferiu a Rossetti o cargo de redator do periódico. Do mesmo modo,
Bento, Presidente da República, delegou a Rossetti a revisão do “Manifesto do
Presidente da República Rio-Grandense em nome de seus constituintes”, de
1838, bem como a redação de alguns de seus documentos oficiais. A
possibilidade de Rossetti ter revisado e modificado alguns pontos do “Manifesto
de 1838”, aponta para uma marca” do italiano no contexto revoltoso. De certa
maneira, nisso se pode apontar sua influência no movimento. Analogamente, a
escrita de documentos oficiais de Bento Gonçalves denota a estima que foi
adquirindo junto a parte da pula de poder insurgente. Entretanto, deve-se
169
levar em conta que uma grande probabilidade de que o sentido de
republicanismo e democracia para Bento Gonçalves nunca tenha se
equiparado ao de Rossetti, que, por exemplo, o primeiro manteve posse de
escravos após o fim da guerra. Rossetti, sendo um autêntico romântico-
mazziniano, acreditava na liberdade dos povos oprimidos pela força dos
grandes impérios e via nesses mesmos povos a força motriz da luta
revolucionária, tomando consciência de seus direitos e deveres e, por
excelência, participando ativamente dessa nova sociedade conquistada. Para o
italiano, como apregoava Mazzini, a República não seria apenas a troca de
personagens no poder, mas a modificação da sociedade, que deveria ser
orientada para a harmonia social, o que deveria ocorrer em âmbito
internacional para a plena consolidação desse sistema.
Apesar de Rossetti não ter influenciado diretamente nos rumos da
Guerra Farroupilha, a documentação primária permitiu a percepção da sua
importância no movimento rio-grandense. Articulou uma tentativa de fuga de
Bento Gonçalves, quando de sua estada na prisão em 1837, expôs a Almeida
um plano para atacar a cidade de Rio Grande, contando com marinheiros
vindos do Prata, e continuou expondo suas ideias no âmbito das ações
militares dos farroupilhas. Seus planejamentos militares, no entanto, não foram
postos em prática, o que demonstra que, no plano tático, suas ideias não foram
benquistas pelas lideranças farroupilhas. Buscou, ainda, formar pontos de
apoio à República Rio-Grandense. Mediou relações entre os farroupilhas e
seus compatriotas italianos que viviam no Prata. Na capital do Imrio, pediu a
Cuneo que mantivesse contato com o deputado Teófilo Benedeto Ottoni que,
como foi exposto, era leitor d‟O Povo. No que tange à questão platina, Rossetti
parece ter tido um papel importante no contexto sulista, que, sendo seus
conterrâneos, os italianos de Montevidéu eram responsáveis por grande parte
das negociações comerciais que os farrapos possuíam com aquela rego.
Acerca de Ottoni, não se obtiveram maiores informações sobre sua possível
relação com os farroupilhas.
170
Enfim, os predicados de Rossetti não eram de ordem patrimonial, mas
de erudição. Portanto, não seriam os interesses econômicos que o
aproximariam dos líderes farroupilhas. Mesmo desprovido de recursos
materiais, ocupou cargos de destaque em sua atividade em solo sulino. Tendo
em vista o baixo nível de instrução da época nas terras do Rio Grande, até
mesmo membros da “minoria” farroupilha devem ter ficado maravilhados com o
preparo intelectual evidenciado nos discursos e escritos de Rossetti n‟O Povo.
O próprio Rossetti demonstra seu espírito desprendido ao participar da luta
farroupilha sem a finalidade de receber altas quantias de dinheiro por seus
serviços. Em carta a Cuneo, mostra seu estado de penúria ao pedir para que o
conterrâneo diga a Giacomo Antonini que não despendera gastos nem para
comprar um par de sapatos.
460
O fato de Rossetti não se encontrar na Guerra Farroupilha por
interesses de cunho econômico é mais uma evidência de que, apesar de ser
ligado ao movimento Giovine Italia, fazia-se presente no Rio Grande
predisposto a divulgar o ideário republicano e democrático de Mazzini para
outros povos que não somente o italiano. Desse modo, estava em consonância
com os preceitos da Giovine Europa, que inaugurou um novo momento da
trajetória ativista de Mazzini. Com o intuito de disseminar as ideias mazzinianas
em solo americano, Rossetti intencionou fundar a Giovine Rio-Grande, que
deveria laborar em conjunto com a Giovine Oriental, a ser criada por Cuneo em
Montevidéu. Ambas as associações, de claro viés mazziniano, provavelmente,
não saíram do papel, mas denotam o empenho desses italianos em divulgar os
preceitos de seu mentor.
Existiram momentos de confluência do pensamento de Rossetti com o
de parte dos líderes farrapos, o que lhe propiciou evidência no cenário sulista.
Ressalva-se que, para não incorrer em pontos extremos, é necessário que se
tenha em mente as dificuldades enfrentadas por Rossetti nos quatro anos de
sua permanência em solo rio-grandense, o que demonstra que tal confluência
de pensamento não foi forte a ponto de lhe permitir influenciar diretamente os
rumos tomados pelo movimento farroupilha. O italiano pode ter tido maior
460
CANDIDO. Op. Cit. Carta de n°.: XVI, de 30 de agosto de 1838 (II). p. 88.
171
receptividade pelo futuro grupo “majoritário” das lideranças, o que não significa
que suas ideias tenham apresentado total relação com o pensamento dessa
parcela farroupilha.
Por fim, não superestimando nem anulando a influência do ideário de
Mazzini na Guerra Farroupilha, o presente trabalho se apresentou como uma
via intermediária entre as duas vertentes da historiografia rio-grandense, a
superestimativa e a anulativa.
461
Estando-se ciente das restrições que o ideário
de Mazzini obteve no meio rio-grandense, mas tendo em mente a importância
das participações de Zambeccari, Garibaldi e Rossetti, o desafio a que esta
pesquisa se propôs foi, exatamente, o de perceber como possa ter se dado a
inserção do ideário mazziniano, presente na releitura de Rossetti, no
movimento farroupilha.
Vale, ainda, ressaltar que, mesmo tendo sido encabeçado por grandes
estancieiros, charqueadores, comerciantes e pela cúpula militar, o movimento
farroupilha foi progressista, dada a realidade do Brasil no período em questão.
Pensar que seria encabeçada por um proletariado, que nem existia enquanto
tal naquele contexto, seria incongruente com os agentes históricos daquela
época. Igualmente, não se pode esquecer que o movimento rio-grandense não
foi composto apenas pelas camadas altas do Rio Grande de São Pedro. Boa
parte da população local de baixa renda esteve envolvida na revolta sulista,
incluindo a participação militar, inestimável, de negros e indígenas no
transcorrer do conflito.
Tanto Rossetti quanto os líderes farroupilhas tiveram suas percepções
e vivências do contexto em que estavam inseridos. Cada qual, ao seu modo,
possuiu uma “bagagem de experiências”
462
que, ao longo de sua vida, formulou
visões particulares a respeito de seu meio de convívio. Em determinado
461
Expostas na introdução da presente dissertação.
462
Termo utilizado pela saudosa Profª. Drª. Sandra Pesavento, em suas aulas ministradas no
Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
172
momento, essas visões embateram-se, confluíram, conflitaram e adaptaram-se.
E é a esse embate, entre os mais diversos períodos e personagens históricos,
que o historiador dedica sua atenção e exerce o seu ofício.
* * *
A continuidade da presente pesquisa está atrelada à busca de maior
número de fontes primárias na Itália. Acerca de Luigi Rossetti, provavelmente,
não serão mais encontrados documentos em quantidade significativa, mas
podem existir jornais e cartas do próprio Mazzini que ajudem a clarear suas
relações com os italianos residentes no continente americano. É possível que
possa existir material referente a Zambeccari e a Garibaldi. Acerca de
Zambeccari, como relatado, é difícil perceber quais foram seus artigos na
imprensa rio-grandense. No entanto, ao se conseguir algum documento de sua
autoria no Velho Mundo, talvez se possa mapear o traço de escrita do italiano,
facilitando a descoberta de seus escritos nos periódicos do Rio Grande. Isso
seria de extrema valia para compreender a influência deste carbonaro em
períodos anteriores e na eclosão da revolta sulista. Muitos outros italianos
foram citados nas cartas de Rossetti, indicando suas participações na Guerra
Farroupilha. As relações desses personagens com a República Rio-Grandense
tamm seriam um interessante ponto a ser desvendado, caso se encontrasse
documentação primária que oferecesse tais indícios. A inclusão do próprio
Cuneo, em solo rio-grandense, mereceria ser estudada mais
aprofundadamente. Enfim, o objetivo de compreensão da inserção do ideário
de Mazzini no contexto farrapo poderia ser ampliado para o entendimento de
sua recepção, o que demandaria maior tempo de pesquisa para se analisar,
com maior profundidade, a vasta gama de documentos referentes às lideranças
do movimento farroupilha.
173
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www.hartford-hwp.com/archives/26/020.html
184
Anexos
Giuseppe Garibaldi
Giuseppe Mazzini
Livio Zambeccari
Bento Gonçalves da Silva Domingos José de Almeida
185
Primeira planta da cidade de Porto Alegre
Ano: 1833.
Autor: Livio Zambeccari.
Tipo: Colorido, aquarela sobre papel, com legenda, sem escala, original
autografado.
Tamanho: 27x15cm.
Pertencente ao Museo Del Risorgimento, Bologna, Itália.
Cópia digital: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.
186
A primeira página da edição inicial d‟O Povo.
187
Bandeira atual do Estado do Rio Grande do Sul.
Brasão atual do Estado do Rio Grande do Sul. Veem-se, claramente, as
premissas mazzinianas: “Liberdade – Igualdade Humanidade”.
188
Carta de Luigi Rossetti a Álvares Machado. CV8048.
Illmo. e Exmo. Senhor Álvares Machado e Vasconcellos.
A carta com que vem honrar-me havia quase me desalentado, pois
parecia-me que V. Exa. desesperasse de sua missão, em consequência de
condições que se propusessem ao Império. Fui rogar ao Sr. Ulhoa Cintra que
fizesse o obséquio de mostrar-me as correspondências do General em Chefe
com V. Exa., e o seu conteúdo me tranquilizou. Continuo a ser de opinião que
V. Exa. triunfará em todos os obstáculos se, como não duvido, quiser fazer-nos
o sacrifício de vir presidir aos destinos da Província.
O Exército dissidente quer a Paz, mas precisa fazer-lhe ao menos em
alguma coisa sua vontade. O sacrifício, não deixo de reconhecer, é grande,
mas V. Exa., se deseja pôr termo à tantas calamidades, poupar novo sangue e
novas lágrimas, deve o fazer. Eu penso que, estando V. Exa. na Presidência,
este Povo dócil, ainda mais que valoroso, a tudo se sujeitaria. Desejo ver
acabada esta luta de irmãos, sem objeto agora, e espero que me perdoe se lhe
sou importuno.
O Senhor Jerônimo Castilho, aqui presente, me ordena dirigir a V. Exa.
de sua parte o mesmo pedido e diz demais que se lisonjeia que V. Exa. não se
negará aos desejos de todos os bons patriotas e leais súditos de Sua
Majestade Imperial.
A doutrina da Jovem Itália não era a da Monarquia, ainda que fosse a
da individualidade e da união. Nós queremos a República, até puramente
democrática, porque além destas fórmulas nós não vemos Liberdade
verdadeira possível. Contudo, pode ser que, desde o tempo que tudo quanto
diz respeito à minha Pátria, ignoro que nossos sábios iniciadores assentem em
estabelecer, por ora, uma Monarquia Representativa, como para dar finalmente
um passo para reunir, ao menos, os membros dispersados. Porém, não
acredito que, na Monarquia geral e individual e mesmo representativa, parem
os nossos trabalhos. Nós temos por fé que a Humanidade não será constituída,
189
e em marcha para o seu bem estar, se não quando todos os Povos serão
aliados em uma federação republicana. Não a queremos no Brasil, mas
universal, e estamos convencidos que nossos esforços não serão baldados. A
época em que se cumprir este plano majestoso, nós não a veremos; ela é
remota, mas de vir e nós a preparamos, ainda que com a certeza de não
desfrutá-la. Teremos ao menos posto, também, uma pedrinha na elevação do
grande edifício. Nosso apostolado é difícil e penoso; precisa até fazer muitas
vezes abnegação de nossos princípios. Mas não importa; a ele nos
sacrifiquemos e nada nos abala. Os rio-grandenses cometeram um erro, que
foi fatal ao Brasil e às doutrinas que nós apregoamos.
É em favor delas, do País e da Humanidade que o desejo ver corrigido
com a Paz.
Falo-lhe na minha Pátria, o amor que lhe tenho e as saudades de
muitos anos me impelem a ser importuno para com V. Exa. A Itália produziu
heróis quando governada pela República Romana, que, se contentando em
engrossar suas falanges com os soldados dos outros Povos italianos, deixava-
lhes o direito de dirigir, como a eles melhor convinha, seus negócios interiores.
A Itália produziu heróis no tempo ainda que agitado das repúblicas da meia
idade; produziu escravos e vis quando governada pelos Imperadores, pelos
reis e pelos Papas. O mesmo não aconteceu, nem acontecerá, por ora, ao
Brasil, porque os tempos lhe o mais favoráveis; porque a corrupção das
Cortes europeias ainda não o infestou. Eu amo o Brasil e lhe falarei com
franqueza de que faço ardentes votos a Deus para que tamanha desgraça não
o alcance.
Isto acontecerá se lhe der príncipes tão virtuosos como o que hoje tem
empunhando o cetro. Mas se seus filhos o não imitarem? De resto, eu sou
estrangeiro e me fica o direito para valer-me do meu pequeno préstimo em
favor do País que me hospeda. Nesta intenção, entrei na revolução e porque
meus princípios adquiriam, tamm, um auxiliar. É nesta mesma intenção, e
para o os ver inteiramente perdidos na terra onde desejava deixar ao menos
uma pisada, que agora hei de valer de minha pouca influência e fazer para que
estes bravos brasileiros voltem ao grêmio da própria família. Eu conheço a
190
necessidade em que eles estão de dar semelhante passo e conheço o quanto
convém à prosperidade material da Província que eles tornem a obedecer ao
mui digno Soberano, que felizmente domina sobre todo o Brasil. E direi demais
que desejava podê-los convencer do quanto lucrariam em confiar, antes do que
no tratado, na magnanimidade do Senhor Dom Pedro II. V. Exa., talvez, o
consiga voltando.
Tudo depende que V. Exa. possa proporcionar ao Sr. Bento Gonçalves
o meio de se entender com os demais chefes da revolução.
Tomei-lhe o tempo, mas me perdoará. me resta suplicar-lhe de o
abandonar a empresa começada. A paz depende de V. Exa. Eu não vejo
obstáculos. Se há, não os conheço.
Seu atencioso Servidor,
[a] L. Rossetti
Viamão, 16 Novembro 1840.
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