que aconteceu no contato dos índios com os instrumentos de metal: produziriam
mais em menor tempo e viram suas ferramentas de trabalho durarem mais
162
.
Mas o que aqui interessa é, sobretudo, uma discussão sobre o sentido da
tradição, nos termos que Diégues propõe:
“A introdução de determinadas tecnologias pode alterar certos aspectos
de produção e da vida social de comunidades de pescadores artesanais
sem que se modifiquem os elementos fundamentais da pequena
produção mercantil(...). A questão da tradição deve ser analisada dentro
do que constitui de um lado a pequena produção mercantil na pesca e
de outro a sua transformação possível na produção capitalista
caracterizada pela separação do produtor direto de seu objeto e meios
de produção, realizada através do capital e pela introdução das relações
de trabalho capitalista”
163
.
Como gente que “trabalha, come e dorme, gera filhos e saberes
variados”
164
, os pescadores de lagosta adaptam suas tradições, suas técnicas e
equipamentos a novas necessidades. Esse conhecimento técnico aparece como
determinante na importância que a pesca de lagosta viria a ter para esses
trabalhadores. Seu trabalho não desapareceu, mas alterou-se e exigiu uma
readaptação de equipamentos a partir de conhecimento pré-existente para a nova
alternativa que surgia
165
. Afinal, é preciso concordar com Goody, segundo quem
“toda sociedade enfrenta o problema de ter que passar seus bens e valores para
a próxima geração, e há certamente modos diferentes de fazê-lo”
166
.
Durante a pesquisa que levou a este trabalho, tornou-se necessário (e
mesmo inevitável) atentar para o "saber fazer", para as "maneiras de fazer" que
"constituem as mil práticas pelas quais os usuários se reapropriam do espaço
organizado pelas técnicas de produção sócio-cultural"
167
. A relação do homem
162
Para maiores esclarecimentos sobre a relação dos índios com esses equipamentos ver
CLASTRES, Pierre , A Sociedade Contra o Estado, Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1988.
163
DIEGUES, Antonio Carlos S.(org.), Op. Cit.
164
LINHARES, Maria Yelda, História Agrária, in CARDOSO, Ciro, e VAINFAS, Ronaldo (orgs.),
Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia, Ed. Campus, Rio de Janeiro, 1997.
165
“Samper chama a atenção para o fato de que, quanto às inovações técnicas, a adoção de uma
nova ferramenta, embora já conhecida em outro momento, dependerá de vários fatores, inclusive
da existência ou não de ocupações alternativas para a força de trabalho e, sobretudo, ‘ da
avaliação que se faça das vantagens e riscos de sua adoção’”. LINHARES, Maria Yelda,id.
ibidem..
166
Entrevista in PALLARES-BURKE, Maria Lucia Garcia, As muitas faces da História, Editora do
IFCH-Unicamp, 1996, pg. 38.
167
“Os utensílios são marcados por usos de modo mais lato, indicam portanto uma historicidade
social na qual os sistemas de representação ou procedimentos de fabricação não aparecem mais
só como quadros normativos mas como instrumentos manipuláveis por usuários”. CERTEAU,
Michel de 1996, in SILVA FILHO,,Antonio Luiz Macedo, Paisagens do Consumo, Fortaleza no
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