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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
“À Sombra das Palavras”:
A Oligarquia Acciolina e a Imprensa
(1896-1912)
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
“À Sombra das Palavras”:
A Oligarquia Acciolina e a Imprensa
(1896-1912)
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Dissertação apresentada como exigência parcial para a
obtenção do grau de mestre em História Social à
Comissão Julgadora da Universidade Federal do Ceará,
sob a orientação da Profa. Dra. Adelaide Maria Gonçalves
Pereira.
Fortaleza
Fevereiro de 2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
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Dissertação examinada, em
15
de
fevereiro
de
2008
, em sua forma final, pela
orientadora e membros da banca examinadora, composta pelos professores:
______________________________________________
Profa. Dra. Adelaide Maria Gonçalves Pereira - UFC
Orientadora
____________________________________________
Prof. Dr. Gisafran Nazareno Mota Jucá - UECE
____________________________________________
Prof. Dr. Almir Leal de Oliveira - UFC
Fortaleza
Fevereiro de 2008
4
Para o meu marido Alexandre e
meu querido filho Renan
5
AGRADECIMENTOS
Este estudo foi um dos grandes desafios que enfrentei na vida. Marcado por
longas pesquisas e muitas leituras, a atenção e o apoio de algumas pessoas foram
decisivos para que eu obtivesse sucesso. Assim, são muitos os que devo agradecer,
mesmo correndo o risco de que, traída pela memória, possa ser injusta.
Em primeiro lugar, quero agradecer a colaboração total e irrestrita do meu
marido Alexandre em todas as etapas deste trabalho. Produzimos juntos esta
dissertação, sendo responsável por toda a digitação, varando madrugadas apenas
para não me deixar estudar sozinha. Agradeço inclusive nos cuidados com Renan
me permitindo mais tempo para as leituras.
Agradeço de maneira especial à professora Adelaide Gonçalves que me
orientou, apoiou e a quem devo muito pelo sucesso neste trabalho. Sua preciosa
orientação me ensinou muito sobre a escrita da história, a leitura das fontes e abriu
as portas de sua casa e biblioteca. Difícil encontrar uma palavra que possa definir
minha gratidão.
Ao meu filho Renan cujo cuidado e atenção foram muitas vezes divididos
com este trabalho. Tenho certeza de que ao ler esta dissertação será mais um
apaixonado pela história, assim como a mãe.
Aos meus pais, Paulo e Maria das Graças, os mais assíduos e antigos
incentivadoras. À minha mãe quero agradecer de forma diferenciada pelas vezes em
que veio do interior para me auxiliar nos trabalhos com Renan, Alexandre e a casa.
Às minhas irmãs Girlândia, Edna e Gisele que sempre se empenharam em
ajudar de várias formas, inclusive trabalhando em meu lugar para que fosse possível
permanecer em minhas pesquisas sem interrupções.
À minha amiga Sônia Meneses, que me incentivou desde a seleção para o
mestrado, feitura do projeto e escrita da dissertação. Devo-lhe muito mais do que
tenha condições de expressar.
Aos meus sogros, Aldênia e Luis, sou grata pelo esforço em me ajudar nos
cuidados de Renan possibilitando dedicar-me mais detidamente aos trabalhos
oriundos da escrita de uma dissertação.
6
Aos meus colegas do mestrado: Eduardo, Soraia, Isaac, Fabio, Kamilo, Yuri,
Rodrigo, Carla, Tácito, Tereza, pela amizade e apoio que sempre encontrei nesta
unida turma.
Este trabalho contou ainda com a colaboração de outras tantas pessoas
como tios, Luis e Silvia, primas “Mazú”, Amélia e muitos amigos. Estes incentivaram
com palavras de apoio e carinho. E outros, que se tornaram amigos apenas com o
jeito acolhedor com que fizeram seu trabalho, como funcionários das bibliotecas e
arquivos visitados.
Agradeço também à Nadia e Valdiana, da Gibiteca de Quixadá e Lindélia,
diretora da Biblioteca Pública de Quixadá, que souberam entender minhas
ausências ao longo do processo de pesquisa e orientações.
Meus agradecimentos aos funcionários da Secretaria do Mestrado, Regina e
Silvia, pela eficiente e carinhosa colaboração durante todo o curso. Todas as
informações necessárias me eram repassadas pessoalmente ou através de
telefonemas e emails, sempre com muita gentileza.
Aos funcionários da Biblioteca Pública Menezes Pimentel/Ce, Madalena,
Dona Jurema, seu Chiquinho”, destacando a presteza, companheirismo e
inestimável contribuição de Gertrudes e Elmadan, incansáveis em sua
generosidade, ensinando alguns segredos” da pesquisa. Agradeço também sua
amizade carinho e as caronas de volta para casa.
A Deus, pela coragem, força e saúde.
A Nossa Senhora de Fátima, obrigada.
7
RESUMO
Este trabalho estuda a ação da imprensa em Fortaleza no período entre 1896
e 1912, tomando como foco da análise os discursos jornalísticos produzidos na
conjuntura política da oligarquia acciolina, a partir dos jornais A Republica, Unitario e
Jornal do Ceará. O trabalho está organizado em duas partes: na Primeira Parte o
objeto de análise é o jornal A Republica, em sua condição de porta-voz da
oligarquia, percebendo sua abordagem acerca do regime republicano e a construção
positiva da imagem do chefe oligárquico Antonio Pinto Nogueira Accioly. Na
segunda parte, o caminho da pesquisa adota como procedimento a análise daquela
conjuntura impressa nos jornais oposicionistas Unitario e Jornal do Ceará,
destacando as opiniões contrárias à oligarquia, bem como os enfrentamentos e
embates no campo das idéias políticas no Ceará. Em destaque ainda a palavra de
combate dos jornais O Rebate, A Cidade e a linguagem específica dos panfletos
alimentando as lutas antioligárquicas.
Palavras Chave: Imprensa, Política, Oligarquia, República, Accioly.
8
ABSTRACT
This text studies the action of the press in Fortaleza during the Accioly’s
oligarchy, between 1896 and 1912. The work is divided in two parts. The first part
analyzes A Republica as the main medium of oligarchy power. Therefore it is
fundamental to understand the newspaper approach to recent republican regime and
its role in the construction of a positive image of Antônio Nogueira Pinto Accioly . The
second part examines the newspapers Unitario and Jornal do Ceará and their
strategies against Accioly’s oligarchy, as well as the debates and fights in the political
arena. At last it is pointed out the combative positions of O Rebate, A Cidade and the
pamphlets which increase the antioligarchy combat with a specific language.
Keywords: Press, Politics, Oligarchy, Republica, Accioly.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO - A IMPRENSA E O PODER: REGISTRO DE UMA
HISTÓRIA. ........................................................................................................... 12
PARTE I – IMPRENSA OFICIAL: O JORNAL A REPUBLICA E A OLIGARQUIA
ACCIOLY............................................................................................................... 25
1. “Órgão do partido e do governo do exmo. Sr. Accioly”: Jornal A
Republica................................................................................................... 31
2. “Fazendo a sua Apotheose”: O Regime Republicano............................... 58
3. “O Ceará ser-lhe-á agradecido”: Antonio Pinto Nogueira Accioly............. 95
PARTE II – IMPRENSA INSURRECTA: UNITARIO E JORNAL DO CEARÁ E A
CRÍTICA OLIGÁRQUICA...................................................................................... 112
1. “De lança em riste”: Unitario e Jornal do Ceará.......................................... 117
2. “Republica pelo avesso”: A Oligarquia Acciolina......................................... 147
3. “Na teimosia do quero, posso e mando”: Nogueira Accioly....................... 188
CONSIDERAÇÔES FINAIS................................................................................. 213
FONTES............................................................................................................... 217
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................... 221
ANEXOS............................................................................................................... 225
10
QUADRO DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Edição do jornal A Republica ...................................................................30
Figura 2 – Notícias do Club Iracema.........................................................................35
Figura 3 – Telegramas do jornal A Republica ...........................................................37
Figura 4 – Propaganda política do jornal A Republica...............................................39
Figura 5 – Seção Bric-a-Brac do jornal A Republica.................................................40
Figura 6 – Seção Folhetim do jornal A Republica .....................................................43
Figura 7 – Notícia sobre o Almanach do Ceará.........................................................45
Figura 8 – Seção A Vida Social do jornal A Republica..............................................46
Figura 9 – Seção Ferruadas (9a) e seção Alfinetes (9b) do jornal A Republica........49
Figura 10 – Artigo sobre as mulheres do jornal A Republica.....................................50
Figura 11 – Seção Annuncios do jornal A Republica ................................................55
Figura 12 – Seção Annuncios do jornal A Republica ................................................57
Figura 13 – Fotos de Nogueira Accioly e Bezerril Fontenelle....................................62
Figura 14 – Artigo “Festas da Republica” do jornal A Republica...............................72
Figura 15 – Foto de José Accioly..............................................................................73
Figura 16 – Artigo alusivo às comemorações do 12 de julho do jornal A Republica.75
Figura 17 – Foto de Nogueira Accioly .......................................................................77
Figura 18 Edição comemorativa do jornal A Republica pelo aniversário de
Nogueira Accioly. ...............................................................................................78
Figura 19 – Artigo alusivo aos banquetes e cardápios do jornal A Republica...........81
Figura 20 – Foto de Pedro Borges............................................................................88
Figura 21 – Jornal A Republica em comemoração ao 15 de novembro...................90
Figura 22 – Texto A Republica..................................................................................90
Figura 23 – Edição do jornal Unitario......................................................................118
Figura 24 – Seção Expediente do jornal Unitario....................................................121
Figura 25 – Seção Índice Retrospectivo do jornal Unitario......................................125
Figura 26 – Seção Annuncios do jornal Unitario .....................................................127
Figura 27 – Seção Annuncios do jornal Unitario .....................................................127
Figura 28 – Soneto do jornal Unitario......................................................................128
Figura 29 – Edição do Jornal do Ceará...................................................................130
Figura 30 – Seção Folhetim do Jornal do Ceará.....................................................133
Figura 31 – Seçõa Folhetim do Jornal do Ceará.....................................................134
11
Figura 32 – Soneto do Jornal do Ceará...................................................................135
Figura 33 – Seção Annuncios do Jornal do Ceará..................................................136
Figura 34 – Seção Potocas do Jornal do Ceará......................................................139
Figura 35 – Caricatura de Nogueira Accioly............................................................142
Figura 36 – Caricatura de Nogueira Accioly............................................................142
Figura 37 – Texto do jornal Unitario em crítica à qualificação de eleitores..............153
Figura 38 – Pequeno texto do jornal Unitario referente aos processos eleitorais....155
Figura 39 – Seção telegramas do jornal Unitario ....................................................162
Figura 40 – Seção Tribuna do Povo do jornal Unitario............................................168
Figura 41 - Seção Tribuna do Povo do jornal A Republica......................................170
Figura 42 - Seção Tribuna do Povo do jornal A Republica......................................171
Figura 43 – Texto do jornal Unitario criticando os banquetes políticos....................174
Figura 44 - A Lista da Oligarquia Cearense do Jornal do Ceará.............................180
Figura 45 – Seção Noticias do jornal Unitario .........................................................182
Figura 46 – Edição do Jornal do Ceará...................................................................192
Figura 47 – Seção Telegramma do jornal Unitario..................................................195
12
INTRODUÇÃO
A I
A IA I
A IMPRENSA
MPRENSA MPRENSA
MPRENSA E O PODER: REGISTRO DE UMA
E O PODER: REGISTRO DE UMA E O PODER: REGISTRO DE UMA
E O PODER: REGISTRO DE UMA
HISTÓRIA
HISTÓRIAHISTÓRIA
HISTÓRIA
... O jornal é a verdadeira forma da república do pensamento.
É a locomotiva intelectual em viagem para mundos
desconhecidos, é a literatura comum, universal, altamente
democrática, reproduzida todos os dias, levando em si a
frescura das idéias e o fogo das convicções.
O jornal apareceu, trazendo em si o gérmen de uma
revolução. Essa revolução não é literária, é também social,
é econômica, porque é um movimento da humanidade
abalando todas as suas eminências, a reação do espírito
humano sobre as fórmulas existentes do mundo literário, do
mundo econômico e do mundo social...
O jornal, literatura quotidiana, no dito de um publicista
contemporâneo, é reprodução diária do espírito do povo, o
espelho comum de todos os fatos e de todos os talentos, onde
se reflete, não a idéia de um homem, mas a idéia popular esta
fração da idéia humana...
Machado de Assis
Transportes pelo Olhar de Machado de Assis
Ana Luiza Andrade
13
Esta dissertação tem como tema os discursos jornalísticos em torno da
oligarquia acciolina, entre 1896 e 1912, articulados pelos jornais A Republica, de
propriedade do próprio grupo de Nogueira Accioly e Jornal do Ceará e Unitario, de
oposição à política de Accioly, pertencentes a Waldemiro Cavalcanti e João Brígido,
respectivamente.
O recorte se deve ao fato de 1896 marcar o início da primeira legislatura de
Nogueira Accioly à frente da presidência do Ceará. Passados os quatro anos de seu
governo, assume Pedro Borges, continuador e correligionário de sua política.
Seguem-se oito anos de domínio oligárquico nas terras cearenses sob comando de
Accioly, que renuncia em 1912, finalizando o período de dezesseis anos que
dominou o Ceará.
Variadas leituras e fontes propiciaram o encontro com os rastros dos
estudos sobre a imprensa e a história política da oligarquia. Trabalhos como as
dissertações de João Mendes de Andrade, A Oligarquia Acciolina: 1877-1930 e a de
Virginia Maria Tavares da Silva, Crise na Política dos Governadores: o Declínio de
Accioly no Ceará (1912-1914), investigam diretamente o tema.
A leitura de História da Imprensa no Brasil, de Nelson Werneck Sodré, e
Imprensa e História do Brasil, de Maria Helena Rolim Capelato, obras que traçam
um histórico da imprensa brasileira desde o período colonial, permitiram desenvolver
a análise dos impressos, revelando setores que poderiam contribuir com a pesquisa
e a própria noção do jornal enquanto documento.
Para evitar uma história política que recaia no estudo biográfico e individual
ou pautar-me numa instituição e cair num certo relativismo, o trabalho de René
mond
1
me auxiliou na avaliação do político e sua interação com outros aspectos,
como o econômico e o social, podendo ocupar lugar de destaque numa relação
entre esses termos historiográficos.
Essa perspectiva da história política propiciou a compreensão de uma
dinâmica que levasse a pesquisa a perceber os domínios da ação política para além
do Estado, no intercâmbio com outros níveis de atuação da sociedade; bem como a
defesa de uma história que faça uma relação com o social, econômico e cultural,
levando em conta a ação dos homens, as idéias, o simbólico, os discursos,
percebendo, assim, as transformações num sentido menos compartimentado.
1
RÉMOND, René (org.). Por uma História Política. Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1996.
14
Um outro ponto ressaltado por René Rémond é a delimitação do espaço do
político, que não se restringe apenas às ações do Estado, sobretudo com o
desenvolvimento de políticas públicas, a elevação do nível de compreensão da
sociedade em relação aos debates políticos, por conseguinte, uma maior
participação surge enquanto exigência da população. Nesses termos, as ações tanto
do Estado quanto da sociedade civil são produções humanas, passíveis de serem
apreendidas, portanto, trabalho para a história.
Para um estudo da ambiência político-social por que passava o Brasil e o
Ceará naquele momento, José Murilo de Carvalho, em Os Bestializados: o Rio de
Janeiro e a República Que Não Foi mesmo discorrendo especificamente sobre o
caso do Rio de Janeiro, descrevendo as transformações sociais, políticas e culturais
no século XIX faz um rico debate acerca dos primeiros anos da república e sua
repercussão no Brasil. Examinando as várias concepções de cidadania vigentes à
época, estudando a Revolta da Vacina, o autor percebe as mudanças no regime,
inclusive no imaginário do povo brasileiro. Edgar Carone, em A República Velha:
Instituições e Classes Sociais, enriquece a discussão sobre a República, abordando
assuntos como coronelismo, política de favores, oligarquia, am de instituições
sedimentadas com o advento do Brasil republicano.
Essas leituras possibilitaram entender os debates e o discurso dos jornais,
contribuindo, inclusive, para a contextualização das lutas, conflitos e ideais que
permearam o Brasil, o Ceará, e, por conseguinte, estabelecer as articulações entre
as fontes impressas.
Ao longo da pesquisa, identifiquei nos jornais um dos pontos-chave nas
disputas político-partidárias, daquele momento. Os jornais, divulgadores de opiniões
por excelência, propunham questões que atraíam os leitores, levando-os a
escreverem cartas aos periódicos, denunciando uma interação entre público e
articulistas.
Tais opiniões eram, via de regra, enviadas na forma de telegramas. Essa
prática permitia a participação dos leitores, inclusive, da feitura dos jornais, posto
que muitas missivas eram publicadas. Exaltando ou condenando a ordem vigente,
apresentavam os sentimentos, indagações e opiniões da sociedade. Portanto,
permitem inferir sobre alguns aspectos da vida cotidiana, compromissos e interesses
que cercavam o público-leitor.
15
Nesses termos, os jornais, em suas abordagens, apresentavam
cotidianamente as lutas, os conflitos que se desenhavam na arena política cearense.
Utilizados para denunciar, defender e propagar idéias, estavam na defesa de um
determinado ideal, de um grupo, falando a favor ou contra alguém. Portanto,
instrumentos ligados a uma luta na defesa de uma posição, de um discurso, donos
de uma escrita completamente conflituosa.
2
No Ceará, a imprensa assume tamm esse viés. Os discursos eram
variados e dissonantes. Os jornais, dada a sua força política, encampavam batalhas,
em que os mesmos personagens iam de anjos a demônios de acordo com a
mudança de redação ou tipografia. Críticos em seus artigos, os jornais davam conta
dos debates que ora sacudiam políticos e cidadãos.
Então, é um diferencial para o trabalho a análise da imprensa cearense
nesse momento, abordando os jornais, os panfletos e pasquins, em sua
heteroglossia. A efervescência desse tipo de comunicação foi significativa na
transição da Monarquia para a República, colocando-se como instrumento de luta e
defesa de interesses e projetos políticos.
(...) o primeiro passo a adotar como postura metodológica é compreender
a imprensa como instrumento de intervenção na vida social em que seu
estudo pode se dar como objeto/fonte, uma vez que desaparece a
categoria imprensa na forma abstrata para dar lugar ao movimento vivo
das idéias, protagonistas e, principalmente, para que emerjam dessa
produção de sentidos, como resultado da operação histórica, sujeitos
dotados de consciência determinada na prática social.
3
À época em que o comendador Accioly esteve à frente do governo do
Ceará, precisamente entre 1896 e 1912, os periódicos circulavam em bom número,
tanto na capital quanto no interior. Muitos tinham na oligarquia acciolina seu principal
assunto, em pauta a política desenvolvida por Accioly e seus correligionários.
Em 1889 com a instauração da República, algumas mudanças
constitucionais são efetuadas, como a divio de poderes e adoção do federalismo.
A época era de intensa movimentação das idéias, avanço dos valores burgueses,
2
CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitário,
2002.p.58.
3
GONÇALVES, Adelaide (org.). Ceará Socialista: Anno 1919. Ed. Fac-similar. Florianópolis: Insular,
2001. p. 9.
16
pouco progresso no campo da expansão dos direitos civis e políticos e,
principalmente, um momento de impasse.
4
A República era reclamada por Deodoristas para assumir um caráter militar,
disputada por sociocratas ou positivistas ligados a Benjamim Constant e
republicanos históricos representados por Quintino Bocaiúva
5
. A busca pela
impressão de uma marca para a República mostra uma disputa em vários setores,
mas com as camadas populares alijadas desse processo político.
No Ceará, o momento de inserção da República obedeceu aos mesmos
referenciais do restante do país. A população recebe surpresa tal notícia. O próprio
Gerônimo Rodrigues Morais Jardim, então presidente do Ceará, não sabia de
qualquer movimentação nessa direção, assim como republicanos, ou os altos
escalões de Corpos Militares. Jardim convoca os comandantes da força pública
prometendo manter a ordem até que fossem esclarecidos os fatos.
O jornal Cearense
6
noticia a instauração do governo provisório de Deodoro
da Fonseca na presidência da República, comentando a adesão do Ceará e a saída
de Morais Jardim do governo do estado. Assume o Coronel Luiz Antonio Ferraz,
aclamado em meeting na praça do Passeio Público pelos militares do Exército.
As oligarquias e os antigos grupos políticos do Império continuavam no
controle do governo durante a República. Suas práticas políticas obedeciam aos
próprios interesses. Apesar do princípio federativo em vigor, a centralização
característica do regime monárquico permaneceu, sob novo trato, em bases
estaduais, geralmente dirigida pela burguesia rural.
7
Com essas práticas políticas surge então uma disputa acirrada pelo poder
local. As lideranças em geral proprietários de terras, comerciantes ou mesmo
industriais, que exerciam forte mandonismo político entre parentes, agregados e
moradores, comumente chamados coronéis – passam a adotar a estratégia de troca
de favores, em busca do voto.
Contudo, o poder dos chefes políticos locais não advinha somente da
dominação que exerciam em determinada região. Havia uma outra vertente agora,
4
CARVALHO, Jose Murilo de. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não Foi. São
Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 16.
5
CARVALHO, Jose Murilo de. A Formação das Almas: Imaginário da República do Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990. p.36.
6
Jornal Cearense, Fortaleza, A Nova Era (Cearense), 22/11/1889, nº 261, p.1.
7
JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. O Coronelismo: Uma Política de Compromissos. edição.
São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 33
17
aquela que contava com o apoio do governo do Estado. Estabelecia-se, nesse
momento, uma relão de dependência mútua.
Essas oligarquias
8
, originárias no Império, obedeciam à mesma lógica do
coronelismo, quanto à sua origem. Dotadas de maior estabilidade, diferenciam-se
pela escala política: uma atua em âmbito estadual, a outra, em escala mais
localizada. Porém, o oligarca é um coronel como outro qualquer, que se mantém no
poder pelas vias do autoritarismo e favores concedidos aos aliados.
Para a historiadora Maria de Lourdes Monaco Janotti, o coronelismo nasce
no Império, e o coronel tem seu papel ampliado dentro da estrutura política
republicana. A centralização política do regime monárquico permanece com nova
roupagem, porém “estadualista”. Esses agrupamentos políticos, coronéis e
oligarquias organizam-se num compromisso entre si.
9
O sistema federativo comporta essa estrutura herdada do Império sem
revelar maiores modificações. O centro da política continua sendo o município,
contudo, dependente do governo estadual para atender à sua clientela. As
oligarquias, remanescentes do Império, conseguem se reestruturar no poder.
10
O fenômeno da República assistiu, então, a um ajustamento entre as forças
políticas. As oligarquias estaduais aumentavam seu controle sobre os coronéis
locais para retribuir aos poderes federais o apoio e referendo nos mandatos políticos
locais. A essa política de conciliação, em que predominava extenso jogo de
interesses particularizados, chamou-se “política dos governadores”.
11
Maria de Lourdes M. Janotti argumenta que essa sofisticada cadeia de
compromissos,
(...)tinha como objetivo, portanto, harmonizar os interesses dos estados
mais ricos, fortalecer as situações estaduais e assegurar nas urnas
resultados eleitorais favoráveis.
8
Oligarquia se define como um governo em que a autoridade está nas mãos de poucas pessoas,
obedecendo ao sentido primitivo da palavra. Para o caso do Brasil, juntou-se um conceito ainda mais
específico: o do governo baseado na estrutura familiar patriarcal. CARONE, Edgard. A República
Velha: Instituições e Classes Sociais (1889-1930). São Paulo: Difel, 1970, p. 269.
9
JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. O Coronelismo: Uma Política de Compromissos. Op. Cit. p.
33.
10
SILVA, Virginia Maria Tavares da. Crise na Política dos Governadores: O Declínio dos Accioly no
Ceará (1912-1914). São Paulo: Dissertação de Mestrado defendida pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1982. p. 14.
11
Sobre a potica dos governadores, ver FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder. Rio de Janeiro:
Ed. Globo, 1975.
18
Acenando, o presidente, com a garantia do poder às situações estaduais,
estabeleceu-se longa cadeia de compromissos, na qual competia a cada
um dos beneficiários deveres e direitos.
12
Nesse acordo, o município era responsável pela eleição dos candidatos
escolhidos pelas oligarquias, o que o transformou em ponto de convergência das
manipulações dos grupos de interesses. Os conchavos tornaram-se, então, maiores
que o próprio poder municipal, que era fraco.
Tal sistema, cimentado pelo presidente Campos Salles, predominou durante
a República Velha. No Brasil, entre os exemplos clássicos, havia os Nery, no
Amazonas; os Montenegros, no Pará; Benedito Leite, no Maranhão; e os Acciolys,
no Ceará. Em alguns casos, os coronéis repartiam cargos blicos e votos entre
seus familiares, o que aumentava a estabilidade política das organizações locais.
Accioly foi um exemplo desse tipo de controle oligárquico no Ceará.
13
Essa movimentação política, as lutas, os conflitos, os conchavos e jogos de
interesse, eram amplamente repercutidos nos jornais. Segundo Walnice Nogueira
Galvão, o jornal era o mais eficiente veículo de comunicação no Brasil no final do
século XIX. A quantidade de jornais que circulavam no país à época também é um
dado impressionante.
14
A ênfase desta pesquisa é a análise dos discursos desses jornais do
período acerca da política acciolina. Tentar compreender o papel da imprensa nos
conflitos, percebendo os diversos grupos envolvidos nesse processo, observar as
abordagens, e identificar as estratégias de convencimento da população utilizadas
pelos jornais.
A definição de corpus documental da pesquisa se orientou pelo significado
dos periódicos naquele contexto. A Republica, porta-voz do governo Accioly, figura
como um dos jornais mais importantes nessa fase. De circulação diária, teve vida
longa, servindo de arena para o partido republicano e correligionários de Accioly por
mais de vinte anos.
Do jornal A Republica, foram trabalhados os anos de 1898, 1901, 1902,
1907, 1908 e 1911 constantes no acervo da Biblioteca Pública Menezes Pimentel.
12
JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. O Coronelismo: Uma Política de Compromissos. Op. Cit. p.
36 e 37.
13
Id. Ibidem. p. 65.
14
GALVÃO, Walnice Nogueira. No Calor da Hora: a Guerra de Canudos nos Jornais. expedição,
3ª edição. São Paulo: Ática, 1994. p.16.
19
No entanto em 22 de abril de 1987 esta instituição sofreu uma tragédia histórica. Um
incêndio acabou danificando muitos jornais de sua coleção, sendo o periódico A
Republica um dos mais afetados. Muitos de seus meros foram queimados sem
possibilidade de recuperação.
Os anos de 1896, 1899, 1900, 1903 e 1906 do jornal A Republica foram
pesquisados na Hemeroteca da Associação Cearense de Imprensa (ACI). A
pesquisa tornou-se penosa pelo estado de conservação em que se encontravam.
Exemplares mutilados e edições incompletas, páginas que se rasgavam ao serem
tocadas. O ano de 1910 foi pesquisado no Instituto Histórico do Ceará, cujos
números encontravam-se em bom estado de conservação.
Quanto ao Unitario e Jornal do Ceará, em sua qualidade de instrumentos de
oposição e com dificuldades para sobreviver, empenhavam esforços na luta contra
Accioly, tendo à frente três vultos da imprensa cearense: João Brígido, Waldemiro
Cavalcanti e Agapito dos Santos.
Os jornais Unitario e Jornal do Ceará foram pesquisados tamm na
Biblioteca Pública Menezes Pimentel. Quanto ao primeiro trabalhei os anos de 1905,
1907, 1909, 1910 e 1911 e do Jornal do Ceará os anos de 1904, 1905, 1907, 1908 e
1911. Com referência aos anos de 1906, 1909 e 1910 desse jornal, não notícias.
Do jornal Unitario existem os meros de abril de 1903 a dezembro de 1904 e os de
março a julho de 1910 no acervo do Instituto Histórico do Ceará, que, a despeito do
prejuízo à pesquisa, não pude consultar.
Os jornais participam de uma complexa rede de prescrições sociais, que
procura estabelecer um controle efetivo sobre as publicações. Ao observarmos o
discurso dos periódicos, é clara a intenção de persuadir os leitores, prescrever
condutas políticas, e defender um ideário.
Como observa Maria Helena Capelato, os jornais procuram atrair o blico
e conquistar seus corações e mentes”. As argumentações giravam em torno dessa
meta: a “sedução do público”. O uso de inúmeros artifícios se fazia necessário, no
entanto, deveriam ser “apropriados à clientela que pretende atingir”.
15
Os jornais são fontes de difícil leitura, pois podem levar o pesquisador a
assumir seus discursos esquecendo-se do exercício de interpretação. Contudo, à luz
de um trabalho criterioso,
15
CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto - EDUSP, 1988.
p. 15.
20
A leitura dos discursos expressos nos jornais permite acompanhar o
movimento das idéias que circulam na época. A análise do idrio e da
prática política dos representantes da imprensa revela a complexidade da
luta social. Grupos se aproximam e se distanciam segundo as
conveniências do momento; seus projetos se interpenetram, se mesclam e
são matizados (...). O confronto das falas que exprimem idéias e práticas,
permite ao pesquisador captar, com riqueza de detalhes, o significado da
atuação de diferentes grupos que se orientam por interesses
específicos”.
16
O contato com os jornais me fez perceber quais os conflitos intra-
oligárquicos. Aqui, um editorial de A Republica realiza um discurso laudatório sobre
Accioly.
O partido republicano do Ceará se desvanece de abrigar em suas fileiras
dezenas de talentos e ilustrações, homens dos mais eminentes pela
fortuna e posição social, essa phalange enorme derramada em todo o
estado, unida no mesmo pensamento de adhesão e respeito, orgulha-se
vibrante de entusiasmo, de consagrar n’esta data faustosa uma justa
aphoteose de estima e affeição em honra do chefe querido e incomparável
Dr. Nogueira Accioly. Jamais o Ceará teve chefe mais notável ...
17
O jornal Unitario, em 1904, em editorial, trata de realizar uma crítica ao
modo oligárquico na política, chegando inclusive a caracterizar o acciolismo como
sinônimo dos desvios republicanos na condução dos negócios públicos:
O typo classico das oligarchias, disse o Sr. Sylvio Romero, é fornecido
pelos Acciolys, já se tendo formado por ahi a fora o vobulo acciolysmos
para significar, nos departamentos públicos ou particulares, que estes
arranjos indecentes da falia, falcatruas immoraes, etc.
18
Para dar conta desses conflitos e dos discursos em torno da oligarquia nos
jornais A Republica, Unitario e Jornal do Ceará, recorro, em princípio, aos artigos de
fundo contidos na primeira página. Ricos em seus debates, traziam os discursos de
legitimação e crítica à oligarquia. Porém, no decorrer da pesquisa, percebi como
toda a disposição dos jornais editoriais, seções da segunda página e anúncios
era reveladora da orientação política dos periódicos, portanto, passíveis de análise e
apreciação. Assim, mesmo dando privilégio aos artigos da primeira página, recorro,
em muitas ocasiões, às outras páginas.
16
Id. Ibidem, p. 34.
17
Jornal A Republica, Fortaleza, Dr. Nogueira Accioly (Gazetilha), 11/10/1901, nº 231, p. 1.
18
Jornal Unitario, Fortaleza, Senatoria, 05/01/1904, nº 1068, p. 1.
21
Em rios momentos, a segunda página apresenta uma retórica
mobilizadora, tanto nos jornais de oposição quanto no periódico de situação. No ano
de 1908, o jornal A Republica traz na segunda página todo o seu repertório de
apelidos utilizados na crítica a seus opositores, numa linguagem violenta, pouco
vista nos discursos da primeira página.
Nesses termos, os periódicos recebem, em seus variados espaços de
discussão, atenção por expressar opiniões, inclusive na forma de apresentação. A
investigação se estende, assim, às colunas sociais, seções de entretenimento, dado
o registro “que faz do dia-a-dia e cotidiano em suas redações”.
19
Trabalho ainda com outros jornais enquanto fonte: A Cidade, Cearense, e
alguns boletins, panfletos e pasquins,
20
especificamente aqueles da primeira década
do culo XX. Confeccionados, em sua maioria, no final do ano de 1911 e início de
1912, esses escritos marcam o acirramento político por que passava o Ceará
naquele momento. Os panfletos serão um dos principais meios de difusão da luta
oposicionista contra a oligarquia de Accioly no instante em que seu chefe articula
sua substituição no governo do Ceará por um dos correligionários.
Utilizo os livros O Babaquara, escrito por Martim Soares, em 1912; O
Oligarca do Ceará, escrito por José Getúlio de Frota Pessoa, em 1912; e O Ceará
no Começo do Século XX, de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, escrito em 1909.
O corpus documental da pesquisa constitui-se ainda de artigos da Revista
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Cearense de Letras,
obras raras da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel e os memorialistas
João Nogueira, Raimundo de Menezes, Otacílio de Azevedo, entre outros.
Como aporte teórico as inspiradoras reflexões de Roger Chartier
21
e Robert
Darnton
22
. Elas ajudaram na construção de uma história social como campo de
atuação política, examinando as relações sociais, a atuação dos sujeitos, a
experiência social, múltipla e difusa.
19
CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e História do Brasil. Op. Cit. p. 34.
20
Panfletos, Boletins e Pasquins: sem título. Rolos nº 39 e 44. Disponíveis no Setor de Microfilmagem
da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel (Fortaleza).
21
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre Práticas e Representações. Lisboa: Difel, 1988; A
Ordem dos Livros: Leitores, Autores e Bibliotecas na Europa entre os Séculos XIV e XVII. Brasília:
Ed. da Universidade de Brasília, 1994.
22
DARNTON, Robert. O Grande Massacre de Gatos e Outros Episódios da História Cultural
Francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986; O Beijo de Lamourette. Mídia, Cultura e Revolução. São
Paulo: Companhia das letras, 1990.
22
Como a principal fonte trabalhada é hemerográfica, procedimentos da
história do livro e da leitura, propostos em Chartier, abriram vários caminhos. Em
primeiro lugar, a importância de se desvendar a materialidade do documento, o
modo de sua divulgação, seu regime de legibilidade e intencionalidade, sua
prescrição retórica, responsável por uma determinada produção de sentidos.
O texto, por sua vez, é objeto de apropriações sociais. Quando editado,
submete-se a uma ordenação. Essa ordenação procura exercer um controle de
sentidos sobre esse objeto, tentando discipliná-lo e conformá-lo de uma maneira que
seus leitores assimilem aquilo que se quer divulgar.
O documento informa uma prática social específica, sendo necessário
buscar seu estatuto social, procurando desvendá-lo nos aspectos constitutivos e
criadores, e analisar suas redes de construções simbólicas em determinado tempo,
bem como sua atuação no campo das possibilidades cotidianas.
O jornal, instrumento poderoso para a realização dessa prática social,
propicia uma interpretação da trajetória da oligarquia acciolina nos anos em que
esteve no poder. No jornal A Republica, o periódico e o partido Republicano
constituem a coluna oligárquica. Assim, o jornal A Republica anunciava a política de
Accioly inteiramente associado a ela.
Assim, a dissertação “À Sombra das Palavras”: A Oligarquia Acciolina e
a Imprensa (1896 – 1912), divide-se em duas partes.
Na primeira parte, Imprensa Oficial: o jornal A Republica e a Oligarquia
de Accioly, a abordagem concentra-se no jornal A Republica, percebendo sua
condição de porta-voz da oligarquia acciolina, questionando sua atuação de órgão
de imprensa oficial e parte integrante da política oligárquica. Importante é perceber a
leitura que o jornal faz do regime republicano como novo sistema de governo e,
finalmente, o perfil do chefe oligárquico Nogueira Accioly, traçado em suas páginas.
Desse modo, em “Órgão do partido e do governo do exmo. Sr. Accioly”:
Jornal A Republica, analiso o jornal A Republica em sua materialidade, tentando
perceber sua prática jornalística, e as idéias veiculadas em suas colunas e seções, o
teor dos discursos, o tipo de linguagem para expressar opiniões, como o
configuradas e até que ponto o jornal em si é demonstrativo do discurso oligárquico
e legitimador do debate acciolino.
Em “Fazendo a sua Apotheose”: O Regime Republicano, questiono a
noção de República trabalhada pelo jornal acciolino, percebendo nos discursos os
23
aspectos abordados no regime político republicano. O assunto figurou em seus
artigos de forma reiterada, e o jornal A Republica caracterizou cada aspecto da vida
do Estado, política, sociedade, a relação com a política nacional à luz dessa nova
forma de governo, cuja manutenção, aqui no Ceará, era feita pela oligarquia de
Accioly.
Em “O Ceaser-lhe-á agradecido”: Antonio Pinto Nogueira Accioly,
discuto a imagem construída pelo jornal A Republica em torno do chefe oligárquico
Antonio Pinto Nogueira Accioly. Como reconstituição histórica, a construção que a
oligarquia faz de seu oligarca. É interessante observar os predicados atribuídos a
Accioly por correligionários, redatores, familiares e adeptos de sua política.
Na segunda parte Imprensa Insurrecta: Unitário e Jornal do Ceará e a
crítica oligárquica, o caminho da pesquisa adota o mesmo procedimento com sinal
inverso. Procuro ver a oligarquia na palavra impressa do Unitario e Jornal do Ceará,
que se mantinham na contra mão da política dominante. Foram, por assim dizer, os
mais ferrenhos opositores. Em tom violento e inflamado, a oligarquia é discutida sob
outros aspectos.
Para tanto, faço a caracterização desses impressos em “De lança em
riste”: Unitario e Jornal do Ceará, pontuando algumas diferenças que cercavam
esses dois veículos. Como a imprensa de oposição se constituía materialmente em
seu fazer jornalístico, que tipo de linguagem adotada e onde eram apreciados seus
principais assuntos, geralmente ligados ao tema político.
No item “Republica pelo avesso”: A Oligarquia Acciolina, analiso o
discurso dos jornais Unitario e Jornal do Cea sobre a oligarquia acciolina. Discuto
opiniões contrárias à imprensa situacionista, observando a política na ótica dos
adversários. O interesse é perceber as intenções de desconstrução da imagem
traçada pelo jornal de Accioly em torno da política desenvolvida no Ceará,
apontando para uma República que obedeceria a uma outra lógica, diferente
daquela pautada pelo jornal A Republica.
No item “Na teimosia do quero, penso e mando”: Nogueira Accioly,
discuto a imagem impressa de Nogueira Accioly por seus opositores: as
características, opiniões, pensamentos, as nomenclaturas elaboradas e definidas
por seus adversários. Minha preocupação é mostrar uma outra dimensão do
personagem Accioly, agora sob o olhar de seus opositores políticos.
24
Na sociedade fortalezense, jornalistas, editores, poticos, escritores e
eleitores marcaram época nas folhas dos periódicos. O objetivo deixa de ser apenas
preencher lacunas ou pretender encontrar repostas, mas, insistindo na árdua tarefa
de pesquisar, conhecer outras realidades e colaborar com a escrita da história.
25
PARTE I
IMPRENSA OFICIAL: O JORNAL A REP
IMPRENSA OFICIAL: O JORNAL A REPIMPRENSA OFICIAL: O JORNAL A REP
IMPRENSA OFICIAL: O JORNAL A REPUBLICA E A
UBLICA E A UBLICA E A
UBLICA E A
OLIGARQUIA DE
OLIGARQUIA DEOLIGARQUIA DE
OLIGARQUIA DE ACCIOLY
ACCIOLYACCIOLY
ACCIOLY
“... A Republica tem procurado defender os elevados
interesses sociaes e encaminhando a opinião sempre pelo
melhor caminho”.
Bem possível é, que na nossa vida de jornal diário, tenha
havido descuidos e erros na intenção d’aquelles que inspiram
a folha, não entrou jamais a conjuração contra os immanentes
direitos da communhão.
Em nove annos de um lidar incessante, sem esmorecimento
que intibiem em nossa alma o amor das instituições e da
Pátria, abrimos larga brecha nos arraiaes adversos e
conseguimos manter a tradicção gloriosa daquelles de quem
somos successores na vida jornalística, como órgão do maior
partido e núcleo de mais seguida opinião.
Hoje que passa o anniversario desta folha, acalentado pelo
apoio unânime de nossos patrícios e pela consideração de
toda Imprensa Nacional, enviamos daqui sinceros
agradecimentos a quantos, n’esta incruenta labuta, tem
ocorrido para que alcançássemos em tão pequeno decorrer de
tempo o affago da confiança publica, que nos vida e
estimulo para proseguir na árdua tarefam por caminhos cheios
de urses, mas onde as flores do bem vicejam, ás vezes,
aromatisando o ambiente e levando á alama o consolo
enthusiastico da Victoria, que faz esquecer os pesados labores
e o cansaço da peleja...”
Jornal A Republica, A Republica, 09/04/1900, nº 81, p.1.
26
Este trabalho tem como proposta o estudo da Oligarquia Acciolina, grupo
político comandado por Antonio Pinto Nogueira Accioly, que dominou a política
cearense entre 1896 e 1912. Não é objetivo da pesquisa narrar os acontecimentos
que compuseram as três legislaturas de Nogueira Accioly, mas tentar historicizar a
oligarquia através dos jornais, percebendo o papel da imprensa na construção dessa
política.
Na primeira parte, procuro dialogar com o jornal A Republica, órgão do
governo acciolino. Criado em 1892, esse periódico se fez veículo de comunicação
para o povo cearense em torno de Accioly. Geraldo Nobre informa que A Republica
foi o único diário a não ser retirado de circulação, em mais de vinte anos de
existência (1892-1912), período que coincide com o governo de Accioly.
23
A imprensa do século XIX é marcada pela política partidária, sobretudo em
sua segunda metade, quando conservadores e liberais disputavam domínio sobre os
governos provinciais. Nesse contexto, os jornais aparecem como poderosos
instrumentos para os embates políticos.
24
As primeiras manifestações jornalísticas cearenses são da década de 1820,
com a publicação do Diário do Governo do Ceará. O primeiro número data de de
abril de 1824. O Diário tinha como redator o padre Gonçalo Inácio de Loiola
Albuquerque Mororó e circulava duas vezes por semana objetivo cumprido em
parte, publicando expedientes, ofícios, proclamações, avisos e correspondências do
governo revolucionário da Confederação do Equador
25
.
O historiador João Alfredo Montenegro, com propriedade, informa que o
Diário foi portador das idéias liberais de Mororó, envolvido no movimento da
Confederação do Equador. O empreendimento custava caro à província, sendo
necessária a subscrição de assinaturas para ajudar nas despesas geradas com as
atividades a que se propunha o Diário do Governo
26
. O jornal obedecia a um critério
oficial, e reconhece,
23
NOBRE, Geraldo da Silva. Introdução à História do Jornalismo Cearense. Fortaleza: Gfica
Editora Cearense, 1974. p. 124.
24
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a Elite Política Imperial; Teatro de
Sombras; a Política Imperial. Rio de Janeiro: UFRJ; Relume-Dumará, 1996. p.39. Para um estudo
dos partidos políticos e suas respectivas ideologias no período imperial. Os dois partidos mais
importantes à época são justamente os citados.
25
BRITO, Jorge (org.). Diário do Governo do Ceará: Origens da Imprensa e da Tipografia
Cearense. Edição Fac-similar. Fortaleza: Secretaria da Cultura/Museu do Ceará, 2006. p. 27.
26
MONTENEGRO, João Alfredo de Sousa. Padre Mororó: A Revolução Impressa. Fortaleza: Museu
do Ceará / Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, 2004. p. 90.
27
(...) a utilização de sua tipografia, sobretudo na veiculação da mensagem
libertária, seguindo o entendimento de acordo com o qual a propagação
dos interesses e da mensagem confederativa se expressam na crença da
eficácia, da foa da palavra, do discurso capaz de mover pessoas, de
agilizar o comportamento delas em torno da grande causa.
27
A linguagem forte dos impressos acompanhará quase todos os jornais
cearenses dpor diante. No entanto, é na segunda metade do século XIX que a
imprensa do Ceará consegue se estabelecer efetivamente, com os periódicos Pedro
II e o Cearense pertencentes aos partidos conservador e liberal, respectivamente.
Em 1889, a política brasileira sofre uma mudança. Instaura-se a República
numa manobra de militares e civis, marcada pela incipiente participação popular
aspecto, inclusive, bastante explorado pela imprensa. Como assevera Carvalho, o
que se assistiu foi à tomada do poder por parte dos militares absorvidos pelo
problema central a ser resolvido pelo novo regime, que seria a organização de um
novo pacto entre as forças políticas, capaz de substituir o antigo arranjo imperial.
28
O advento da República afasta da cena política os grupos de orientação
monarquista. Rapidamente ocorre um reordenamento das forças em ação, e novos
conchavos, diminuindo a possibilidade de maiores transformações na estrutura
política. Para Abelardo Montenegro, os chefes dos partidos anteriormente
monárquicos, que não queriam perder o controle de seu eleitorado, nem ficar à
margem do processo, ansiavam pela normalização dessa situação.
29
Nesse ambiente de limitadas mudanças se percebem alterações singulares
entre os grupos sociais na cidade de Fortaleza. A diversificação do comércio, o
movimento de importação e exportação, levando à formação de camadas médias
urbanas, com profissionais liberais e comerciantes, que buscavam maior
participação na vida pública, amplia o debate político da época.
Esses grupos sociais estabelecem relações de força, na busca pelo poder.
As oligarquias agrárias que disputam espaço com os republicanos existentes na
cidade buscam acatar as novas deliberações que acompanham a República. Com o
objetivo de manter seus privilégios, e aproveitando a fragilidade dos republicanos, as
elites articulam suas bases e manobram para retornar à arena política cearense.
27
_________________________________. Padre Mororó: o Político e o Jornalista. Fortaleza:
BNB/ACI, 1985. p. 102.
28
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não Foi.Op.
Cit. p.31.
29
MONTENEGRO, Abelardo F. Os Partidos Políticos do Ceará. Fortaleza: Ed. UFC, 1980, p. 63.
28
A imprensa será uma das armas utilizadas pelos políticos em busca da
manutenção de seu poder. Instituição de referência no Império, não se constituía em
um instrumento independente dos governos ou das organizações partidárias. A
imprensa, em sua grande maioria, estava vinculada a partidos ou políticos. Situação
e oposição mantinham verdadeiras batalhas através dos jornais.
30
No Ceará, os republicanos se congregavam no Centro Republicano,
fundado em julho de 1889. Entre seus membros estavam Joaquim Catunda, João
Cordeiro, Antônio Cruz, José Amaral, João Lopes, Gonçalo de Lajes, Papi Junior,
Adolfo Caminha, Martinho Rodrigues, que defendiam suas idéias no jornal
Libertador. Suas lutas restringiam-se a reuniões de propaganda, de pouca
representação e sem apoio de políticos dominantes.
Segundo Abelardo Montenegro, o Centro Republicano combatia os políticos
da Monarquia, atacando-os constantemente pela imprensa. Considerava os partidos
políticos remanescentes do regime monárquico incapazes de colaboraram com
algum proveito na reconstrução do país.
Com o golpe de 15 de novembro de 1889, o poder passa às mãos desses
republicanos, chamados históricos. Porém, as facções afastadas do poder em
virtude da nova ordem rapidamente passam a compor as agremiações republicanas.
Como parte dessas manobras, os ex-monarquistas, conservadores e
liberais, fundam novas agremiações partidárias. Rodrigues Junior funda o Clube
Democrático em 19 de fevereiro de 1890, com o Orgão Democrático substituindo o
Cearense. Pouco depois, em 19 de julho do mesmo ano, Antonio Pinto Nogueira
Accioly funda a União Republicana e seu antigo jornal Gazeta do Norte passa a
chamar-se Estado do Ceará.
31
Em 1891, o Centro Republicano acaba cindindo-se. Martinho Rodrigues,
Antonio Cruz, Gonçalo Lajes, Justiniano de Serpa e outros fundam o jornal O Norte
e recebem a alcunha de maloqueiros. João Cordeiro continua no Centro
Republicano e à frente do jornal Libertador, e os fiéis ao Centro são alcunhados de
cafinfins.
Os oligarcas se aproveitam dessa divisão. Rodrigues Junior acaba se
aproximando dos Maloqueiros e Accioly dos Cafinfins. Em 1892, o Centro
Republicano e União Republicana o fundidos, dando origem ao Partido
30
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem. Op. Cit. p. 46.
31
MONTENEGRO, Abelardo. Os Partidos Políticos do Ceará. Op. Cit. p. 62.
29
Republicano Federal, cujo órgão de divulgação será A Republica. À frente desse
partido, Accioly elege-se presidente do Ceará em 1896, encabeçando três das
quatro legislaturas que se seguem até 1912.
Na análise do jornal A Republica é necessário reter uma leitura dos
caminhos dessa oligarquia. Em outras palavras, perceber as formas de realização
da política acciolina, bem como da sociedade de seu tempo.
Assim, é preciso recuperar no jornal A Republica, os embates, as lutas e
conflitos em sua historicidade, como possibilidade de perceber o desenvolvimento
da trama em que estava envolto o Ceará a essa época. A partir de um
procedimento analítico dessa tessitura dar-sea escrita da história, que é o ofício
do historiador.
30
Figura 1 – Primeira página do jornal A Republica. Aqui a apresentação de algumas de suas seções
dispostas em suas sete colunas. 04/11/1889, nº 252.
31
1.1 - “Órgão do partido e do governo do exmo. Sr. Accioly”: Jornal A Republica
9 de abril. - Publica-se em Fortaleza A Republica, orgam politico.
Pertencia a uma sociedade anonyma denominada- Ceará-Libertador.
Foi o resultado da fusão do Libertador e do Estado do Ceará, orgãos do
Centro Republicano e da União Republicana.
Principiou a publicar-se à Rua do Major Facundo, n. 54, passando-se
depois para a Rua Senador Alencar, de onde mudou-se para a Rua Bôa
Vista ou Floriano Peixoto n. 55.
32
O jornal A Republica inicia suas atividades no ano de 1892, assumindo
feição partidária desde os primeiros números. Nascido sob a chancela republicana,
tem sua redação em Fortaleza, do início até o desaparecimento, em 1912. De
circulação diária, sua impressão saía da mesma tipografia onde anteriormente se
imprimia o Libertador. Órgão da Sociedade Cearense Libertadora de Fortaleza,
aparecido em 1 de janeiro de 1881, usava a epígrafe “Ama a teu próximo como a ti
mesmo”.
Como informa Barão de Studart, A Republica nasce da junção entre
Libertador, do Centro Republicano e o Estado do Cea, da União Republicana. O
primeiro propagava a campanha abolicionista, e era resultado dos esforços da
Sociedade Cearense Libertadora, responsável por sua redação. Em julho de 1889,
seus colaboradores se unem em torno do Centro Republicano e nomes como João
Cordeiro, Justiniano de Serpa, Martinho Rodrigues e João Lopes figuravam entre
seus redatores.
33
O Gazeta do Norte, posteriormente Estado do Ceará, surge em 8 de junho
de 1880, pertencendo à ala liberal dos Pompeus,
34
chefiados por Antonio Pinto
Nogueira Accioly, apresentava como principais redatores Thomaz Pompeu, João
Lopes, João Brígido, Virgílio Brígido e João Câmara. Em 19 de julho de 1890,
32
STUDART, Guilherme. Datas e Factos para a Historia do Ceará. Ed. fac-sim. Fortaleza:
Fundação Waldemar Alcântara, t. 3, 2001, p. 52.
33
STUDART, Guilherme. Catálogo dos Jornais, Revistas e Outras Publicações Periódicas do
Ceará. 1824-1904. Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza: Typ. Guarany, t. 19, 1905. p.280.
34
Na transão republicana, o Ceará viu divididos os liberais e os conservadores nas seguintes
facções: Liberais Paula, chefiados por Accioly, conservando o jornal Cearense; e os Liberais
Pompeus, chefiados por Rodrigues Júnior, conservando o jornal Tribuna do Norte. Os
conservadores Aquirazes ou Miúdos, capitaneados pelos irmãos Fernandes Vieira, Miguel e Gonçalo;
e os Ibiapabas ou Graúdos, chefiados pelo barão de Ibiapaba e o senador Domingos Jaguaribe.
ANDRADE, João Mendes de. A Oligarquia Acciolina e a Política dos Governadores. In: SOUSA,
Simone (coord.). História do Ceará. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1994. p.216.
32
Accioly e a União Republicana, agora transformada em agremiação partidária,
associam-se ao jornal Estado do Ceará.
Como porta-voz desse novo partido, denominado a esse momento de
Partido Republicano Federalista, surge o periódico A Republica. Com tiragem diária,
situava-se à rua Major Facundo, n. 55, de propriedade da sociedade Cea
Libertador, fundada em 30 de março de 1892.
Logo no início de sua veiculação, A Republica tem como diferencial a
publicação do expediente do governo. São textos de leis e artigos da competência
do governo, correspondências da Câmara Municipal, movimentação das rendas
ordinárias e extraordinárias, realizando uma espécie de demonstrativo das ações do
governo.
Esse conteúdo é acompanhado das correspondências dos secretários de
governo, assim como dos governos municipais, quase sempre restritos àqueles que
apoiavam à administração vigente. Cartas do interior eram recorrentes, e bem
aceitas para publicizar pomposas manifestações de apoio a Accioly, sendo suficiente
para representar as opiniões dos próprios articulistas.
35
Os textos de adesão, na forma de proclamações políticas com os
signatários expressando seu apoio ao governo de Accioly, vindos do interior, da
mara Municipal, da população em geral, dos próprios correligionários, tinham em
comum uma irrestrita confiança nos destinos que o poder executivo daria ao Estado.
Para se ter uma idéia do teor desse discurso, observemos um abaixo-
assinado enviado à Nogueira Accioly, da autoria do povo da vila de Paracuru” , em
5 de novembro de 1889, por ocasião de uma suposta tentativa de assassinato de
Accioly:
Os abaixo assignados solidarios com o patriotico governo de v. exc. vem
congratular se comvosco por ter-se mallogrado a tentativa de vossa
deposição. Recebei pois nossos parabens por haverdes descoberto e
suffocado immediatamente o infernal plano, concitando vos que continueis
como até hoje, a trilhar o caminho do dever e do patriotismo.
36
35
FERNANDES, Ana Carla Sabino. A Imprensa em Pauta: Jornais Pedro II, Cearense e
Constituição. Fortaleza: Museu do Ceará / Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, 2006. p. 49.
36
Jornal A Republica, Fortaleza, Telegramas, 11/11/1898, nº 259, p. 1.
33
Havia ainda espaço editorial para a transcrição de ofícios e seções da
mara Municipal. Não raro o jornal apresentava a fala de um vereador debatendo
assuntos que evidenciassem seu alinhamento ao governo.
Outro espaço editorial de expressão no jornal A Republica é a coluna que
leva o nome do periódico. Chama a atenção por seu conteúdo eminentemente
político. Aqui, são discutidas as idéias-força que permeiam o conjunto da folha,
construindo um discurso de adesão às diretrizes emanadas desde os
acontecimentos de 1889.
Nesse aspecto é possível fazer uma análise da sociedade cearense naquele
momento, ainda que, limitada pelos olhares de um determinado grupo, no caso,
aquele ligado a Accioly. Rico em debates, a redação do jornal o se restringia ao
Ceará. Trazia notícias do sul do país e relatos de outros estados, principalmente
aqueles que davam conta da política acciolina no Ceará. Era recorrente a
transcrição desses textos, chegando a ser publicados em bom mero numa única
edição.
Concentram-se, na primeira gina, as grandes defesas, posicionamentos,
articulações, ataques, notícias, comunicações político-partidárias e manifestações
de apreço ao governo. No ano de 1898, os artigos publicados na coluna A Republica
funcionam como espécie de cartilha de como ser um fiel correligionário do grupo
comandado por Accioly. Os textos, por vezes apelativos em sua argumentação, não
poupam adjetivos para demarcar seu campo no jogo político cearense. O articulista
mostra um dos princípios básicos para seguir o grupo oligárquico de Accioly –
reconhecer na República ummbolo dos novos e melhores tempos:
Sobre todas as divergencias e todos os conflictos, além de todos os
accordos e acima de todos os interesses, qualquer que seja a causa,
sejam quaes forem os intuitos, libra-se incontrastavel e serena, uma
convicção que domina todos os espíritos, e que estaria em todos os labios,
se não fôsse o rumo perdido das opposições systematicas negar a
evidencia que lhes não parece favoravel: é a opinião de que republica e
federação, no Brasil, são duas cousas intimas, tão intimas que suppor a
primeira sem a segunda, na realidade dos factos consumados, é
desconhecer a maior de nossas fatalidades historicas.
37
Outra estratégia para arregimentar adeptos e propagar essa fidelidade ao
grupo acciolino era a desqualificação dos adversários com uma linguagem cáustica,
37
Jornal A Republica, Fortaleza, Telegramas, 11/11/1898, nº 25, p.1.
34
como se pode atestar no artigo intitulado Festim de cannibaes, responsabilizando a
oposição pelo atentado contra Nogueira Accioly alardeado pelo jornal A Republica:
A política partidária propriamente dita, ou seja, os artigos sobre o partido,
sobre a República e a Federação, discussões entre correligionários ou mesmo notas
virulentas contra os opositores estão nessa coluna. Como matéria de primeira
página, raras são as vezes em que não se inicia com uma polêmica reportando-se a
outros partidos ou respondendo a críticas impressas contra a política do governo.
Na maioria das vezes repercute o ideário do Partido Republicano e seu
vocabulário: democracia, disciplina, coragem, auto-proclamada igualdade entre os
povos, decência de sua gente.
Ao que parece, os periodistas adotavam como argumento central a
demonstração das virtudes da nova forma de governo no Brasil. No entanto, o teor
do texto aponta ainda para outras questões. Uma delas, diz respeito à forma da
escrita, da pena de quem tem completo domínio do que redige, um artifício que tenta
estabelecer junto ao leitor uma relação de confiança.
Outro aspecto a ser considerado é a ligação estabelecida com os jornais do
Rio de Janeiro, como por exemplo, o Jornal do Comércio e O Paiz. Percebe-se no
texto do jornal A República uma tentativa de diálogo em torno do debate político
trazido pelos periódicos cariocas. Comentavam, criticavam, não se limitando à mera
reprodução de seus artigos.
Outra dimensão do impresso é sua articulação com o público-leitor via
espaços de congraçamento das elites ao noticiar acontecimentos nos clubs e salões
da cidade. Esses clubs eram apreciados no jornal como palco de encontros entre
correligionários, a gente mais distinta da sociedade, ambientes que marcam as
diferenças políticas dos cidadãos. Os salões do Club Iracema estão constantemente
em pauta n’A Republica.
35
Figura 2 – O jornal A Republica noticiando festa em comemoração ao aniversário da proclamação da
república no Club Iracema, que costumeiramente tinha sua programação veiculada nesse jornal.
11/11/1899, nº 258.
São detalhados os relatos sobre as comemorações de efemérides do
calendário republicano nos clubs. Os brindes à sociedade cearense em tais datas
nunca passavam em brancas nuvens.
De importância é o noticiário eclesiástico. As procissões, missas, terços,
quermesses e demais acontecimentos sacros são destacados, assim como as
igrejas do interior. Vale lembrar que essa cobertura estava restrita aos católicos, não
havendo referência a qualquer outro culto.
Terminaram, no domingo ultimo, em verdadeira enchente de flores, as
kermesses em benefício da magestosa Capella que está sendo edificada
em honra ao Pequeno Grande, no Collegio da Imaculada Conceição. Foi
saudosa a despedida aos piedosos festejos por parte do publico desta
capital ...
38
38
Jornal A Republica, Fortaleza, Capella do Pequeno Grande, 02/12/1899, nº 275, p. 1.
36
A escrita da primeira gina, na coluna Parabéns, também reserva
homenagens aos cidadãos fortalezenses de estima do jornal, diariamente
registrando efusivas congratulações pelos aniversários dos amigos, parentes e
correligionários. É o texto do elogio, do encômio, qualificando e distinguindo
socialmente um seleto grupo e, como elo, a política.
Na coluna Registro dos mortos, espécie de utilidade pública, os necrológios
noticiam os falecimentos na capital. descrições de sepultamento, o registro da
presença de parentes e amigos, o motivo que ocasionou a morte, para ao final,
invariavelmente, manifestar os sentimentos de pêsames da fé cristã.
O jornal A Republica traz uma variedade de assuntos em sua primeira
página. Os valores do câmbio, as negociações bancárias, os meros da loteria da
Capital Federal, as chegadas e partidas de vapores na capital, os nomes dos
passageiros, resultados de exames, matrículas, aprovações e reprovações na
Escola Normal, notícias de outros estados, o registro dos feriados mais significativos
em Fortaleza, os casamentos civis, as vacinações, um mosaico de temas que vai
conformando o periódico.
Este collegio, após a missa que mandou celebrar hontem, e a qual
assistiram os seus alumnos, foram distribuidos a 85 destes os títulos das
aprovações que obtiveram. Entrou em férias para se abrir em janeiro
vindouro.
39
No ano de 1898, o jornal publicou, quase diariamente a coluna dos
telegramas enviados de muitas partes do Brasil, como um serviço especial da
própria folha. Oriunda do Rio de Janeiro, Manaus, Porto Alegre e tantos outros
lugares, a correspondência trazia as palavras de felicitação, agradecimento ou
estima ao presidente do Ceará.
39
Jornal A Republica, Parthenon Cearense, 26/11/1898, nº 272, p. 1.
37
Figura 3 – Telegramas enviados ao jornal A Republica em felicitações pela passagem do aniversário
de Nogueira Accioly. 13/10/1899, nº 232.
A folha tem suas atividades iniciadas no ano de 1892, porém, para este
trabalho, só foram localizadas as edições a partir de 1896. Os quatro anos anteriores
não foram encontrados. De acordo com a pesquisa, a forma, disposição e
abordagem dos artigos de fundo e notícias obedeciam a uma mesma lógica. Do ano
de 1896 para o ano de 1898, por exemplo, são pequenas as variações,
permanecendo o modelo inicial.
Avaliando os jornais de 1897 no Brasil, Walnice Nogueira Galvão faz uma
análise material desses periódicos e conclui que os modelos apresentam raras
diferenças. São colunas estreitas, sete, no caso de A Republica, com um artigo logo
depois do cabeçalho, que vai até o fim da página, para continuar, caso necessário,
na coluna seguinte. De forma que o movimento de leitura se repete várias vezes, de
cima a baixo, dependendo do tamanho do artigo.
Os jornais brasileiros, à época, seguem, portanto, um semelhante padrão, A
Republica não foge à regra. As dificuldades para ler e manusear esse material, nas
bibliotecas e arquivos, são peculiares. Páginas enormes, tipos pequenos e, como
assinala Walnice Galvão, para trabalhar com esses jornais ficando em pé, o
periódico aberto sobre a mesa para que seja possível enxergá-lo em sua porção
superior e inferior ao mesmo tempo.
40
Em 1892 o jornal A Republica pertencia a uma sociedade anônima chamada
Ceará Libertador e tinha como redator-chefe Dr. Antônio Arruda. Essa sociedade
40
GALVÃO, Walnice Nogueira. No Calor da Hora: a Guerra de Canudos nos Jornais. Op. Cit. p. 17.
38
tinha por fim, segundo Barão de Studart, restaurar a tipografia que anteriormente
publicava o jornal Libertador. Publicou desde o início o expediente do governo, bem
como as deliberações do Partido Federalista.
Segundo Studart, a tipografia do jornal se constituiu com um capital de
4:900$000, emtulos da oficina extinta, incorporando o material tipográfico ainda em
boas condições de uso. Os novos sócios entraram com a soma de 4:430$000
dividida em 10 prestações com o objetivo de resgatar títulos não pagos, saldar
dívidas e adquirir o restante do material que a oficina necessitava.
41
Suas instalações ficavam à rua Major Facundo, n. 54, posteriormente
mudando-se para a rua Senador Alencar, n. 16; novamente trocou o endereço para
a rua Boa Vista (hoje Floriano Peixoto), n. 55, de onde se mudou para o Major
Facundo, n. 26. Em novembro de 1904, parte para uma casa à rua da Boa Vista,
onde permaneceu aa queda da administração de Accioly, quando o jornal parou
de ser publicado.
42
O jornal mantinha uma apresentação imponente, com o nome A Republica
em letras grandes na cor preta, em colunas dispostas com simetria. No cabeçalho o
ano, o nome do diretor da folha, que em 1896 é substituído por João Eduardo Torres
mara, administrador-gerente, Cezidio D’Albuquerque Martins Pereira, e diretor de
Oficinas, Raimundo Barbosa de Paula Sena. A gerência localizava-se à rua da
Alegria e a redação à rua Floriano Peixoto, com a publicação sendo feita ainda pela
sociedade anônima Ceará Libertador.
43
uma ordenação do trabalho em torno do periódico, com uma distribuição
de tarefas e afazeres, seguindo um padrão de funcionamento que procura instaurar
uma determinada política ou mesmo uma ordem.
44
A divisão do trabalho, a estruturação de uma coletividade e o esforço para a
permanência do periódico são indicativos do surgimento de uma empresa, em
detrimento da pequena imprensa sustentada por artesãos.
41
STUDART, Guilherme. Estado do Ceará. Jornais, Revistas e Outras Publicações Periódicas de
1824-1908. Revista do IHGB. Parte I, II e V. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908, p. 280.
42
STUDART, Guilherme. Para a História do Jornalismo Cearense, 1824-1924. Fortaleza:
Typographia Moderna, 1924, p. 105.
43
Jornal A Republica, Fortaleza, 01/10/1896, nº 220, p.1.
44
Roger Chartier argumenta que o discurso visa instaurar uma ordem, que por sua vez estaria ligada
a uma instituição. E para compreender essa ordem o discurso é de fundamental importância perceber
os processos de produção, de comunicação, dispositivos técnicos, e, utilizando o procedimento da
história do livro, identificar formas, estruturar as prescrições, autoria, para chegar à materialidade do
jornal e melhor desvendá-lo. CHARTIER, Roger. A Ordem dos Livros: Leitores, Autores e
Bibliotecas na Europa Entre os Séculos XIV e XVII. Op. Cit. p.35.
39
Nos fins do século XIX, estava se tornando evidente, assim, a mudança na
imprensa brasileira: a imprensa artesanal estava sendo substituída pela
imprensa industrial. A imprensa brasileira aproximava-se, pouco a pouco,
dos padrões e das características peculiares a uma sociedade burguesa.
45
Toda essa divisão do trabalho corresponde às mudanças na imprensa
brasileira, e no Ceará A Republica se um exemplo típico desse período.
Analisando suas páginas, é marcante seu posicionamento a favor da política de
Accioly, articulando seus correligionários e o grupo familiar.
Raros são os números d’ A Republica em que os assuntos não se conectem
diretamente ao chefe do Partido Republicano. Geralmente, a crônica em torno deste
aparece no artigo de fundo A Republica, um pedaço da alma desse periódico, o
espaço dos debates mais polêmicos e fervorosos.
Nas eleições de 1900, o jornal dividirá seu espaço com as constantes
chamadas para os candidatos Pedro Augusto Borges, que disputava vaga para
presidente do Ceará, alguns nomes para a vice-presidência, e, entre os deputados,
quem concorre é Maurício Gracho Cardoso, advogado e jornalista que figura entre
os principais aliados de Accioly na política cearense, sendo inclusive seu genro.
Diariamente a folha apresenta os nomes de seus candidatos. Um dos
principais usos do jornal é como instrumento de propaganda política. A veiculação
do debate obedece a uma diretriz legitimadora desses nomes. A proposta do
periódico é trazer, em sua primeira página, sua opção eleitoral para que os leitores
introjetem este discurso como a melhor alternativa.
Figura 4 – Propaganda política publicada na primeira página do jornal A Republica. Era comum exibir
a ocupação e lugar da residência dos candidatos. 21/11/1899, nº 266.
45
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1996, p. 298.
40
Um outro elemento observado a partir dos anos 1900 na análise do jornal é
o aparecimento de uma nova coluna, Bric-à-brac, veiculando algo de entretenimento
como pequenos chistes, historietas engraçadas, e uma parte destinada aos sonetos.
Quase sempre dispostos na última coluna, os poemas, os versos e histórias querem
oferecer um tom mais suave ao jornal, que é quase sempre, na forma e conteúdo,
de aspecto grave, sisudo.
Figura 5 – Seção Bric-à-brac do jornal A Republica, em costumeiros chistes. 20/10/1900, nº 240
Pequenas rimas, sonetos, quadrinhas circulam em todos os anos analisados
do jornal A Republica. A temática é variada, mas mantém como mote principal o
romance, o amor, o sofrimento, a busca pela mulher amada. Entre os autores mais
freqüentes estavam Cruz e Sousa, Julio Olympio, Carlos Sá, Amadeu X. de Castro,
Lopes Filho e Delphim Brasil.
Muitos dos autores dos sonetos publicados no jornal A Republica eram
jornalistas, romancistas e políticos atuantes nesse período. Eram participantes de
movimentos literários como a Academia Francesa, fundada em 1873, e o Clube
Literário, de 1886. Lopes Filho, dono de muitos sonetos nesse jornal, além de
jornalista foi um dos fundadores do Clube Literário, sendo, inclusive, autor do
primeiro livro de poesia simbolista do Ceará.
46
Muitos sonetos tinham uma apresentação capitulada, uma estrofe publicada
a cada dia. Alguns deles se alongavam por oito ou dez números. No jornal do dia 6
de março, tem-se a estrofe de capítulo IV do soneto Griff-graff.
46
AZEVEDO, Sânzio de. Literatura Cearense. Fortaleza, Publicação da Academia Cearense de
Letras, 1976. p.209.
41
Griff-graff
IV
Há um eterno queixume
No coração de uma flor
Sua queixa é o perfume,
De uma desdita de amor.
Céhésse.
47
Percebe-se pelo texto que o mote do amor se confirma para a literatura
apresentada pelo jornal. Alguns sonetos funcionavam inclusive como mensagens,
com suas rimas dirigindo-se a uma pessoa específica.
Pedido
à minha namorada.
Tenho um desejo
Sem mal nenhum:
Peço-te um beijo,
Apenas um.
Tu (não o explico)
Ficas zangada.
Zangado eu fico,
... sem namorada.
E assim acabo,
Ó linda flor,
Mandando-o ao diabo,
O nosso amor.
É mais que o peças,
Eu te não faço
Novas promessas
De novo laço.
Ao meu desejo
Attende, pois,
E dá-me um beijo
Ou um... ou dois.
2-3-1906
LUCIO FLAVIO.
48
A coluna Bric-à-brac trazia tamm sonetos de escritores como Antonio
Salles, conhecido por sua atuação na sociedade literária Padaria Espiritual, da qual
foi membro fundador.
47
Jornal A Republica, Fortaleza, Griff-graff, 06/03/1906, nº 53. p. 1.
48
Jornal A Republica, Fortaleza, A Pedido, 02/03/1906, n] 50 , p.1.
42
Bric-à-brac
Um noivo ao cocheiro:
– Toca esses cavalos!... Neste andar perco a hora do casamento.
O cocheiro, friamente:
– É que quero dar-lhe tempo para refletir.
49
No deserto
Contem que quando torva a noite desce
Sobre o deserto, a triste caravana,
Não podendo avançar, a marcha empece
E pernoita entre as hervas da Savana
Então para livral-a da refice
Turbas das fêras em faminta gana,
Uma fogueira os ares esclarece,
E todas fogem n’uma furia insana
Ai! Os teus olhos são como a fogueira
Que p’ra afastar as fêra(s) carniceira(s)
Accende no deserto o viajôr !
Accedeste-os um dia em meu deserto
E desde então de mim não vi mais perto
A negra fêra sanguinaria – a Dor!
Antonio Salles
50
Nessa linha de entretenimento, o jornal apresentava o Folhetim. Inicialmente
vinha na primeira página, mas passa para a segunda na primeira década do século
XX. Os folhetins eram romances apresentados por capítulos, numa espécie de
“ficção em pedaços”, com o chamariz continua no próximo mero”
51
. Entre eles
estavam O Raio Azul de M. Gervais; O Exercito do Crime de Aléxis Bouvier; autor
francês muito utilizado pelo jornal nessa seção, e O Bilhete de Loteria 9672 de
Julio Verne. Tal seção fazia sucesso entre os leitores. Terminado um romance, o
jornal tratava de tranqüilizá-los quanto às novas publicações que, via de regra, se
iniciavam na segunda-feira.
FOLHETIM
Tendo terminado sabbado a publicação do importante romance de Xavier
de Montesim O Morto Vivo, começaremos segunda-feira a publicar
O DOMICOR DE ROSA
Sensacional romance do apreciado escriptor francez Aléxis Bouvier
Recomendamos, pois, aos nossos leitores o novo folhetim desta folha.
O DOMICOR DE ROSA
-2ª página-
52
49
Jornal A Republica, Fortaleza, Bric-à-Brac, 23/03/1901, nº 69, p.1.
50
Jornal A Republica, Fortaleza, Bric-à-Brac, 29/09/1900, p. 97, p.1.
51
MEYER, Marlyse. Folhetim: Uma História. São Paulo: Companhia das Letras. 1996. p. 31
52
Jornal A Republica, Fortaleza, 06/05/1907, nº ilegível. p. 1.
43
Existia para essa leitura um público consumidor, o que favorecia as vendas.
Alguns jornais se submeteram a modificações para que pudessem apresentar tal
seção, a exemplo do que aconteceu na França, e com isso, atingir um público mais
amplo, que é a “viga-mestre da produção em série”.
53
Extraordinariamente colaboravam nessa seção José Accioly e Rodolpho
Theóphilo, com os folhetins Santa Missão e Rapto, respectivamente.
Figura 6 – Seção Folhetim do jornal A Republica, exibindo um capítulo de Saltimbanco! De Henrique
Germain. 05/11/1899, nº 253.
Outra novidade fica por conta de um espaço editorial, a Gazetilha, que
circula em meados de 1901. Com reportagens polêmicas e políticas, a seção
assume característica de um outro editorial de A Republica. Funciona também como
espaço para um conjunto variado de informações com a veiculação de telegramas,
expedientes do correio, dados meteorológicos, notícias eleitorais, movimentação da
alfândega.
53
MEYER, Marlyse. Folhetim: Uma História. Op. Cit. p. 31.
44
Ainda em 1901, o jornal A Republica muda sua estampa, da disposição do
letreiro ao diretor. O novo redator-chefe e diretor passa a ser José Accioly, a
redação é transferida da rua Coronel Bezerril para a Major Facundo. Um detalhe
interessante fica por conta do novo desenho do cabeçalho: o nome do diretor-chefe
ficava no canto extremo-esquerdo, com JoAccioly, o lugar é exatamente o meio,
acompanhado apenas da data, disposta um pouco acima e em tamanho menor.
54
Em outubro de 1902, o jornal assumiuma outra roupagem. Letras mais
arredondadas, texto com tipos mais trabalhados, serviço diário com as fases da lua
e um pequeno calendário do mês vigente. O número de páginas continua o mesmo,
quatro, como em tantos outros perdicos existentes no Brasil.
A seção chamada Peça Official continua na primeira página encimando a
inscrição: “Administração do exmo. Sr. Dr. Antônio Pinto Nogueira Accioly”, com o
expediente do governo, notícias das secretarias, despachos, como em anos
anteriores.
Para 1903 continuam fazendo parte do diário os sonetos, as “notas diárias”
e um serviço de meteorologia com observações mais detalhadas. Os tipos mudam
novamente na confecção do jornal. Dados como o calendário mensal de luas
tamm apareciam diariamente. Estado atmosférico da véspera, duração do brilho
solar, hora local eram informações colhidas na Estação Central do Estado do Ceará,
que funcionava na Escola de Aprendizes Marinheiros, e repassadas pela folha todos
os dias. Com essas informações a seção acaba sofrendo uma influência do estilo
dos Almanaques
55
, cuja organização se devia a João mara, que redatoriou o
jornal por longo tempo.
54
Jornal A Republica, Fortaleza, 17/06/1901, nº 136.
55
O Almanaque do Ceará nasce em 1870, passando a Almanaque Administrativo, Mercantil e
Industrial da Província do Ceará em 1873, ambos fundados por Joaquim Mendes da Cruz Guimarães.
Em 1888, com Alfredo Bomilcar da Cunha, surge o Almanaque Administrativo e Comercial da
Província do Ceará, impresso na tipografia do Libertador. Em 1895, João Eduardo Torres Câmara,
jornalista, lançava o Almanaque da Cidade de Fortaleza, em seu segundo ano com o nome mudado
para Almanaque Administrativo, Estatístico, Mercantil e Industrial do Estado do Ceará, rodado na
tipografia do jornal A Republica. Deixaria de circular nos anos de 1913, 1914e 1915. BÓIA, Wilson.
Antônio Sales e sua Época. Fortaleza, BNB, 1984. p. 641.
45
Figura 7 – Notícia sobre o Almanach do Ceará veiculada pelo jornal A Republica. 05/11/1899, nº 253.
A seção Gazetilha veicula o debate político, as notícias da cidade, os
trabalhos da Assembléia Legislativa, notícias das Câmaras Municipais e do
Congresso Nacional. A primeira página continua sendo palco de debates calorosos,
dispensando boa parte do espaço para assuntar sobre o então Senador Antônio
Accioly, o Partido Republicano e as respostas aos ataques das folhas de oposição.
No ano quinze do jornal, em 1906, o redator-chefe passa a ser Antônio
Arruda. Ele será o último redator-chefe da folha, estando no cargo por ocasião do
desaparecimento do jornal, em 1912.
Uma nova seção alarga o conteúdo do congraçamento na cidade. A seção
A Vida Social traz notícias referentes a aniverrios, casamentos, congratulações de
espécie variada, estabelecendo vínculos diversos com o público leitor, ao mesmo
tempo que tenta propagar as formas de distinção social. Afinal, as congratulações se
dirigem à camada dirigente, ou àqueles que privam do círculo de poder. Com um
texto bem curto, acaba felicitando jovens, cônjuges e amigos.
Fez annos hontem o nosso prezado collega e amigo coronel Guilherme
Moreira, que terá mais uma vez ensejo de avaliar a estima em que o têm
sua numerosa familia e quantos lhe conhecem as bellas qualidades
46
pessoaes. A Republica, em cuja redação o estimado companheiro só conta
affectos, envia-lhe cordiaes parabens.
56
Passou hontem o anniversario natalicio dos nossos jovens amigos
Waldemar Mota e José de Vasconcelos, inteligentes academicos de
direito.
57
Figura 8 - Seção A Vida Social do Jornal A Republica, noticiando aniversários. 05/01/1906, nº 4.
A coluna Echos é uma das inovações no periódico, em 1906. Reproduz
notícias locais e nacionais, mencionando a execução de obras no âmbito local,
despachos ministeriais, discursos de governadores, como também publica
despachos telegráficos com notícias de outros estados.
De nosso serviço telegraphico consta a notícia de que está resolvida a
viagem do eminente sr. Affonso Pena aos Estados do Norte, cujas
condições e necessidades s. exc. deseja ver e apreciar de perto para
entrar, com toda a segurança, na execução de seu programma de
governo. E digna dos maiores louvores a resolução do preclaro estadista,
que eleito Presidente da Republica, tem em vista, no desempenho de tão
elevada e espinhosa missão, promover a prosperidade de nossa patria
lustre do regimen republicano e honra ás bellas tradições de seu nome. O
Ceará, incluido no intinerario dessa viagem, promissora de grandes
benefícios, terá muita honra em receber a visita do egregio cidadão.
58
Para o ano seguinte, 1907, poucas mudanças. A seção de maior espaço
continua sendo Gazetilha, para efeito de debates políticos, e a permanência das
56
Jornal A Republica, Fortaleza, A Vida Social, 05/02/1906, nº 28, p.1.
57
Jornal A Republica, Fortaleza, A Vida Social, 12/02/1906, nº 34, p.1.
58
Jornal A Republica, Fortaleza, Echos, 29/03/1906, nº 72, p.1.
47
colunas Governo do Estado, Echos, Revista dos Estados, uma panorâmica dos
acontecimentos em diferentes locais do país, Telegramas, Seção Comercial e
Tribuna do Povo, que, via de regra, aparecem na segunda página.
Nos anos que se seguem não são percebidas grandes diferenças, em
termos de disposição gráfica do jornal. Para os anos de 1907, 1908 e 1911, atente-
se para o fato de o haver mais no cabeçalho do jornal a inscrição “Sociedade
Anonyma Cea Libertador”. O que passa a figurar é a informação: “Diário da
Tarde Impresso em Machina Rotativa Marinoni”, uma indicação da inovação
técnica na vida dos periódicos impressos.
As inovações técnicas, que mudavam a feição da imprensa, visavam
principalmente uma impressão mais rápida, pois, “além de imprimir, contam e
dobram, um por um, todos os exemplares, que vão saindo aos milheiros”.
59
As
máquinas Marinoni operam uma revolução no mundo jornalístico.
Há, nesses últimos anos, uma preocupação maior em responder aos artigos
veiculados pela oposição. A folha acciolina participa de embates acirrados, sendo os
textos jornalísticos dessa época, em sua maioria, elaborados em torno dos ataques
que a oligarquia sofre. Sua linha primordial é a qualificação do governo Accioly e a
deslegitimação do discurso adversário.
Na análise dos conteúdos da primeira página percebe-se que o jornal é
instrumento de uso político. Sua matéria principal. A luta política travada nesses
jornais, não raro, atingia aspectos pessoais com desfechos terríveis. No caso do
Ceará, variava do empastelamento a ocasionais perseguições aos articulistas. Essa
ligação pode ser percebida no momento em que praticamente todos os partidos
políticos dispunham de um periódico. A vinculação político-partidária é marcante no
jornal A Republica. Usava-se a folha com um objetivo específico: uma opinião
articulada aos interesses do chefe político Nogueira Accioly e às ações de seu
governo. Essa vinculação ao grupo potico se estende aos redatores, que tamm
mantinham tal relação.
A maioria dos jornais do período tinha duração efêmera, mesmo sendo
considerável a quantidade que circulava pela cidade. Enfrentavam problemas
financeiros, apelando constantemente aos leitores da facção à qual o jornal estava
ligado a sustentação dos periódicos.
59
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Op. Cit. p.304.
48
No contexto da pesquisa, é inegável o poder que o jornal A Republica teve
na política do Ceará. Na realidade, os jornais permitem acompanhar o movimento de
idéias de uma determinada época, perceber valores, condutas sociais, confronto de
idéias
60
. Vale salientar que esse exercício, comumente na primeira página, desborda
para as outras:
Era, também, nas primeiras páginas, que se localizavam os ataques aos
jornais e jornalistas que defendiam o partido inimigo. Porém, nas páginas
internas desses periódicos, fossem eles da situação ou da oposição,
apareciam outros textos, alguns com notícias extraídas dos jornais de
centros maiores. Muitos desses artigos referiam-se à mulher; pareciam
inclusive, dirigir-se ao público feminino. Era como se os periódicos
promovessem, em suas páginas, uma divisão de gêneros...
61
A primeira gina desse jornal teve também, ao longo de seus vinte anos, a
coluna Revista dos Estados, que, vez por outra, trazia notícias de diferentes lugares
do Brasil e do exterior, calendários de vacinações, transcrições de outros jornais,
propagandas eleitorais, cartas políticas, registro da cidade.
A coluna Governo do Estado muitas vezes é veiculada na segunda página.
Estavam muitos dos editais, notícias da Escola Normal e Liceu do Ceará, listas
das aprovações para os anos escolares, prêmios lotéricos, registro de nascimentos
em Fortaleza, notas de congratulações a aniversariantes, obituários e anúncios,
como se pode ver a seguir:
Conservação e beleza dos dentes
Os s para dentes do pharmaceutico José Eloy da Costa, além de
agradáveis, prometem pelo seu uso continuado, um completo asseio da
bocca e dos dentes, conservando a estes a sua coloração natural,
trazendo a bocca em constante limpeza, prevenindo as caries dentarias e
as molestias da bocca.
62
O debate político se apresenta tamm na forma de sátira. A crítica mordaz
nas seções Alfinetes, Felippadas, Ferruadas e outras –, apresenta em versos os
ataques constantes à oposição, e também a alguns personagens como o Juiz
Seccional Samuel Felippe de Sousa Uchoa, adversário d’A Republica:
60
CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e História no Brasil. Op. Cit. p. 21.
61
PEDRO, Joana Maria. Nas Tramas Entre o Público e o Privado: A Imprensa do Desterro do
Século XIX. Florianópolis: Ed. UFSC, 1995. p. 52.
62
Jornal A Republica, Fortaleza, Anúncios, 07/11/1898, nº 255, p. 2.
49
Felippadas
Juntou-se toda a Maloca
Em casa do Geririca,
E num abaixo assignado
Poseram fôra do Estado
Ti-Felippe da botica.
Emquanto Affonso resmunga
Medonho de estupidez:
“Eu cá nunca fui falsário,
Com o amigo boticario
Irei inté p’ro xadrez.
63
Figura 9 - Ferruadas, Fellipadas e Alfinetes, comumente apresentadas em pequenas quadras,
criticavam os adversários, conhecidos como maloqueiros, referidos na figura 9a. Na figura 9b, a
referência é ao presidente da república Prudente de Morais.
A sátira o se limita à segunda página. O jornal apresenta o discurso
político e a defesa de suas idéias quase sempre na primeira página, exibindo
ocasionalmente uma sátira. No entanto, na folha principal, as estrofes satíricas,
ordinariamente, estão na segunda página, bem como seções do tipo Tribuna do
Povo, tabela de Iluminação, Balancetes do Estado, notícias do interior, alguns avisos
e transcrições de folhetins.
63
Jornal A Republica, Fortaleza, Tribuna do Povo, 14/11/1898, nº 260, p. 2.
Figura 9a- 09/11/1899, nº 256. Figura 9b- 19/11/1899, nº 265.
50
João Brígido tamm é personagem nas sátiras do jornal A Republica. No
ano de 1908, quando esse artifício foi bastante utilizado, o periódico acciolino se
reportou ao redator do Unitario nesses termos:
Esse seu João é negro velho severgonho!
Quando se pensa que lhe esta corrigido,
Já volta tífun a pedir pau de novo...
Sancta Cathirina,
Sam Bartholomeuu,
Quem não tem vergonha
Todo mundo é seu!
64
Ainda que não se perceba no jornal uma segmentação em termos de
gênero, já que se reporta preferencialmente aos leitores masculinos, acaba por
dispensar alguma preocupação em manter um texto ou mesmo algum tipo de seção
destinada ao público feminino.
Figura 10 – O texto é exibido na primeira página do jornal A Republica que, mesmo esporadicamente,
se dirige às mulheres. 09/11/1899, nº 256.
64
Jornal A Republica, Fortaleza, Calungadas (Tribuna do Povo), 24/02/1908, nº 45, p. 2.
51
O gênero feminino aparece na folha como incapaz de ser responsabilizada
por seus atos. A mulher precisaria ser cuidada, orientada, protegida; aparece quase
sempre como alguém que precisa da cabeça masculina para pensar, agir, deixando
nas mãos dos homens qualquer tipo de atitude. O trabalho, a política, ou a luta pela
sobrevivência acabariam por embrutecer a mulher, embora muitos articulistas
reconheçam nela a disposição para esses afazeres. São situações, segundo o
jornal, que lhe roubariam as “características e qualidades naturais”.
A Mulher de Sociedade
Três simples qualidades bastam para tornar qualquer senhora
perfeitamente de edade e distincta: a simplicidade, a bondade e a
modestia. A razão por que a mulher da burguezia é geralmente mais mal
criada do que a mulher aristocratica, é que a burgueza, pelas lutas da vida
em que se achou empenhada com seu par ou com seu marido, pela sua
intervenção nos negocios, pela sua constante aspiração ao exito, à fortuna,
à riqueza, ao ingresso nas classes superiores, sendo muitas vezes
humilhada, repellida, derrotada, creou naturalmente na sua alma o
despeito, a amargura, a inveja. Ainda depois de vencedora, de
enriquecida, de nobilizada, no meio feliz da opulencia e da dignidade, a
pontinha de fel da antiga lutadora transparece na sua nova pelle e alastra-
se na sua personalidade como uma nodoa grosseira.
65
Nesse artigo, o jornal é prescritivo, pauta-se por um código de conduta
social. Reforça um modelo de mulher, estereotipada, quando afirma que seu lugar
não é no trabalho, e nem mesmo emitindo opinião sobre notícias jornalísticas.
Compara a mulher a uma criança de pouca idade que reclama sobre si a
responsabilidade de um pai ou mãe para conduzi-la e assumir seus atos.
Hontem, fomos testemunhas de um disparate, que nos enche de
indignação: um soldado levava prêsa uma mulher! Em fins do século 19,
ainda se prende mulher! Aonde ficou estacionado o intellecto humano, que
deixou crescer esta verruga nos nossos costumes penaes! Compreende-
se que na meia edade os tribunaes se occupassem de processar auma
cabra de leite, que chifrara o bêbê que amamentava; pois que no
Maranham, reinando os jesuitas se fez processo a formigas, que roubavão
os frades; e nas eras de 1800, em Pacatuba, se processou uma vacca.
Mas prender, processar mulheres e aleval-as ao jury é disfructe, que,
por demais ridiculo, não cabe em nossos tempos, repugna as sciencias
medicas e juridicas. A mulher, disse um filosopho allemão é um ente
intermediario entre o homem, e a criança. Da brasileira, é regra de direito,
a cabeça é seo marido; logo, não tem nenhuma, quem não tem marido.
Presos devem ser os maridos, das que os têem...
66
65
Jornal A Republica, Fortaleza, A Mulher de Sociedade (Gazetilha), 04/07/1907, nº 150, p. 1.
66
Jornal A Republica, Fortaleza, Cousas à Toa, 07/01/1898, nº 5, p. 1.
52
Segundo as idéias do jornal, ao homem cabia a tarefa de pensar, agir, tomar
para si as responsabilidades, dentre elas a de carregar pela mão a esposa. Porém, o
jornal dedicava à mulher algum espaço em suas páginas. Aqui, observe-se um
soneto da pena de Francisca Clotilde, escritora e jornalista que praticou sua escrita
em jornais, livros, panfletos, em prosa e verso, críticas literárias e traduções de
folhetins europeus, sendo inclusive criadora e editora de uma revista, A Estrella. No
projeto da revista A Estrella, Francisca Clotilde contou com a colaboração de uma
outra mulher, Antonieta Clotilde, sua filha.
67
Fatal
Essa belleza imponente
Cheia de forte attracção
Que ostentas soberbamente
Em meio da multidão.
Que te applaude extasiada
As TOILETTES vaidosas
Chamando-te exaggeraria
A formosa entre as formosas;
Quando atravessas as ruas,
N’um passo régio, elegante
Mostrando as espáduas nuas
Sob a gase provocante.
E do teu lábio mimoso
Solta-se um riso ideal,
Como do lyrio sedoso
O cheiro que inunda o val;
Essa belleza imponente,
Cheia de dotes fataes
Há de ser a causa ingente
De affectos torpes, banaes.
Que hão de cercar-te a vida,
De lisongeiras chimeras
E murchar-te as primaveras
Da juventude florida.
Tem cautela: não feneçam
As roas tão vicejantes
Sempre vivas permaneçam
As tuas crenças frugrantes.
67
ALMEIDA, Luciana Andrade de. A Estrella: Francisca Clotilde e a Literatura Feminina em Revista
do Ceará [1906-1921]. Fortaleza: Museu do Ceará / Secretaria da Cultura do Estado do Ceará,
2006.p. 93.
53
Quando a mulher presta ouvidos
A´s vozes da sedução
E acolhe desvanecidos
Rumores da adulação
Está prestes a tombar
No precipício... (que horror!)
Onde verá naufragar
Belleza, crenças e amor.
68
Em um mero do jornal de 1901, Francisca Clotilde assina os sonetos, em
outros de setembro do mesmo ano, as mulheres anunciam. Trata-se de uma
professora de canto e piano que se utiliza da seção Tribuna do Povo para oferecer
seus serviços. É importante ressaltar o fato do nome da professora não figurar no
texto do anúncio, como se pode ver:
PROFESSORA
De canto, piano e bandolim
Uma senhora de nossa sociedade, que estudou com os melhores
professores, propõe-se a ensinar canto, piano e bandolim em casa de sua
residência.
Nessa redacção ministram as informações a respeito.
69
As mulheres no jornal A Republica escrevem poemas, anunciam e utilizam a
seção Parabéns para mandar suas mensagens. Demonstrativos de uma redação
que, não tendo a intenção de incluir o gênero feminino em sua política impressa,
acaba por franquear a participação da mulher nas páginas do jornal.
PARABÉNS
ADHENAR
Pelo teu aniversário acceita um abraço e um beijinho de tua mama.
Carmelita.
70
As mulheres anunciavam e a elas se dirigiam alguns dos anúncios. Eram
extratos para lenços, cremes glicerinados, bordados, cortes para vestidos,
sabonetes, águas para tratar peles com espinhas, perfumes, estojos de beleza,
entre outros. Os anúncios sugerem que produtos desse tipo tinham boas vendas,
com muitos dos anunciantes mantendo uma distribuição por atacado.
DONZELLA
Uma tis delicada, firme e igual no seu colorido claro ou moreno, uma
cútis aveludada exalando perfume suave e delicioso, uma cútis sem
68
Jornal A Republica, Fortaleza, Fatal. 12/01/1898, nº 9, p. 1.
69
Jornal A Republica, Fortaleza, Tribuna do Povo, 18/09/1901, nº 211. p. 2
70
Jornal A Republica, Fortaleza, Parabéns, 28/09/1896, nº 217. p. 2
54
manchas, sem sardas e sem espinhas e asperesas vos fará graciosa e
bella; e como a beleza attrae, é de bom conselho: usar o aformoseador e
conservador da cútis, chamado SEGREDO DE BELLEZA.
ESTOJO ............... 4$000
Para as vendas por atacado peçam-se preços aos depositários únicos.
Alfredo Ferreira J. Irmão
Rua Floriano Peixoto, nº 39 A
CEARÁ
71
O jornal trazia uma propaganda significativa para diversos produtos. Eram
oferecidos desde vinhos, xaropes, gêneros alimentícios, remédios, livros,
mamadeiras, sabões, licores para anemias, e serviços como relojoarias, ourives,
tinturarias e toda sorte de formicidas para a lavoura. Tomavam toda a gina três do
jornal e, posteriormente, apareceram também na última página.
Nesses termos, os anúncios representavam a metade de todo o jornal.
Havia na folha de situação uma preocupação com a apresentação do produto
anunciado. Tais páginas vinham sempre com uma redação de forma destacada,
como o “óleo de fígado de bacalháo”, que era acompanhado por um desenho de
uma garrafa com as inscrições de quem o produzia e para que seria útil.
72
71
Jornal A Republica, Fortaleza,Anúncios, 15/06/1901, n 116. p. 3.
72
Jornal A Republica, Fortaleza, Anúncios, 25/05/1901, nº 95. p. 3.
55
Figura 11 – Terceira página do jornal A Republica, que se destina aos anúncios. 02/11/1899, nº 250.
Os anúncios iam da professora de piano ao criado para a cozinha: entre
eles, dentistas, médicos, advogados, bem como serviços de hotelaria, clubes,
oficinas de marcenaria, e concertos para instrumentos musicais e de navegação. No
entanto, os produtos de maior incidência nos anúncios eram os medicamentos ou
artigos que serviriam no tratamento de alguma moléstia.
56
ELIXIR DE VELAME
DO PHARMACÉUTICO
ILDEBRANO RÊGO
Depurativo vegetal, especial para feridas, rheumatismo, coceiras,
morphéa, toda impureza do sangue.
Preço 2$500
Vende a
PHARMACIA GALENO
Fortaleza (Ceará).
73
Chamo a atenção para as ilustrações nessa parte do periódico. A
importância era dada tanto ao produto em si, como ao próprio comércio. Observam-
se propagandas de lojas, anúncios de produtos com ilustrações chamativas que logo
eram associados à mercadoria anunciada.
Mel de furo
em latas
vendem
Antônio da Silva Porto & Filho
Praça José de Alencar - 26
74
Livros Collegiaes
na
Casa Menescal
Praça do Ferreira
75
Entre os estabelecimentos destacam-se as livrarias, tipografias, casas de
importação e exportação, lojas de artigos religiosos, farmácias, lotéricas e aqueles
de ensino, como escolas de ensino particular e misto, pintura. O jornal A Republica
anunciava, inclusive, a venda de espaços, como por exemplo, no Almanach do
Ceará, dando os preços de quanto custaria uma folha inteira ou somente meia.
73
Jornal A Republica, Fortaleza, Anúncios, 22/03/1906, nº 72. p. 2.
74
Jornal A Republica, Fortaleza, Anúncios, 09/10/1902, nº 225, p. 3.
75
Jornal A Republica, Fortaleza, Anúncios, 18/02/1907, nº 40, p. 3.
57
Figura 12 - Da seção Annuncios do jornal A Republica, 02/03/1906, nº 50
Em 1907, a coluna Tribuna do Povo, que trata de amenidades, passa a
trazer um conteúdo político com fortes investidas contra os adversários.
Empregando uma linguagem virulenta, a folha trata os opositores com variados
apelidos. O tom sério da primeira gina difere da segunda, onde geralmente é
utilizada uma retórica mais ferina, satírica, apaixonada e panfletária. O texto destila
veneno contra políticos de outras facções e uma enxurrada de impropérios,
apelidando-os com uma infinidade de nomes que desafiavam a imaginação mais
fértil.
Na edição de 1908, pode-se ver uma mostra dessa coluna. A folha se refere
a João Brígido, antigo colaborador de Accioly, agora proprietário do jornal O Unitario,
e um dos grandes opositores do governo:
Calungadas
A estatua de seu João,
O negro de letras poucas,
Será feita de feijão
Passado por suas boccas...
(Rodrigues d’Andrade)
*
* *
Hontem, João Tribufú veio damnado!
Certo, foi o quanhaque que assoberbou na medida...
Como o tempo promette chuva, o preto velho, que tem um olho fundo, vae
embebendo logo cedo, pra evitar os resfriados.
Naquella guélla a secca é sempre grande; não água que a molhe de
todo...
76
76
Jornal A Republica, Fortaleza, Calungadas, 13/03/1908, nº 61. p. 2.
58
À medida que os anos passavam, o texto ficava cada vez mais ferino. Sob
pseudônimos, os editores escreviam um verbo ainda mais afiado e o jornal assumia
um forte compromisso retórico, principalmente quando abordava temas políticos.
Como se vê, o jornal A Republica se fez porta-voz da oligarquia de Accioly.
Apresentava um discurso legitimador do grupo acciolino, promovendo um debate
político contundente ao mesmo tempo que tentava desarticular a retórica
oposicionista.
Nesse ponto a pesquisa objetiva mostrar o jornal A Republica em sua
constituição, seções, colunas e temas mais freqüentes. O intuito é conhecê-lo,
abordando sua materialidade e seu papel na imprensa cearense.
1.2 - Fazendo a sua Apotheose”: O Regime Republicano
Auto de Installação do Governo Provisório do Estado do Cea
Republica Brasileira.
Aos dezesseis dias do mez de novembro do anno de mil oitocentos e
oitenta e nove, nesta cidade da Fortaleza, o povo e o exército de terra e
mar, reunidos na praça dos Martyres em comício patriótico, proclamaram
bem e legitimamente instituido o governo provisório installado na capital
do paiz sob a presidencia do senhor marechal Manoel Deodoro da
Fonseca, ao qual adheriram, proclamaram a província do Ceará - Estado
da República Brasileira e acclamaram chefe do poder executivo neste
Estado o tenente coronel de infantaria Luiz Antônio Ferraz, comandante
do 11º batalhão...
77
Passados sete dias da instauração da República no Brasil, o jornal
Cearense traz o Auto de Instalação do Governo Provisório, marcando o
reordenamento da política, ainda num momento de transição. O regime
presidencialista e a participação dos militares no processo são assuntos diários na
imprensa da cidade.
Entre os republicanos no Ceará estavam João Cordeiro, Joaquim Catunda,
Antonio Salles, reunidos no Centro Republicano, cujo porta-voz era o jornal
Libertador.
77
Jornal Cearense, Fortaleza, A Nova Era (Cearense), 22/11/1889, nº 261, p. 1.
59
A arena política era dominada pela luta entre liberais e conservadores e
suas facções internas, com a preocupação de não serem marginalizados do poder,
já que não haviam apoiado a proclamação da república.
Os Conservadores estavam divididos entre Aquirazes ou miúdos, liderados
por Gonçalo Batista Vieira (Barão de Aquiraz), proprietário do jornal Pedro II e
Ibiapabas graúdos, capitaneados por Joaquim da Cunha Freire (Barão de Ibiapaba)
e Domingos Jaguaribe (Visconde de Jaguaribe), que falavam através do jornal A
Constituição. Havia tamm a facção Pompeus, chefiada por Liberato Barroso e
Nogueira Accioly, que veiculava suas idéias pelo jornal A Gazeta do Norte e os
Paulas, chefiados por Rodrigues Junior, que utilizam o Cearense.
Esse dois partidos imperiais não apresentavam, segundo Paulo Bonavides,
grandes diferenças ideológicas, ainda que os liberais estivessem ligados a
interesses da burguesia urbano-comercial e os conservadores a uma estrutura
fundiária de plantadores e pecuaristas; eram forças que frente ao poder
abandonavam quaisquer princípios em favor de seus próprios interesses.
78
É de interesse apresentar aqui a análise de Ilmar Rohloff de Mattos, quando
afirma que a historiografia insiste em apontar semelhanças entre esses dois
partidos, ignorando a “relação hierarquizada” entre eles. Sendo assim, as
pretensões partidárias de monopolizar o poder podiam apresentar, a um tempo,
semelhanças, diferenças e hierarquias.
79
Eventualmente, poderia vir da capacidade de auto reestruturação dessas
forças políticas diante de uma nova possibilidade, como a mudança no regime. A
situação exigia adaptações, exercício constante para aqueles que seriam os futuros
republicanos.
O efusivo editorial do Cearense mostra o novo tom adotado pelos ex-
monarquistas, sintetizando os rumos da política e da imprensa na cidade dali por
diante.
Como estava annunciado realizou-se ante hontem a marcha cívica
organizada pela commissão, composta dos cidadãos Abel Garcia, F.
Florambel e Alfredo Barbosa. Todas as classes foram sollicitadas em
acudir ao appello que lhes havia feito a commissão e a aurora da nova
78
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1972. p.
471.
79
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema: A Formação do Estado Imperial. Rio de Janeiro:
Access, 1994. p. 131.
60
patria foi brilhantemente festejada. A Ilma. Camara municipal, diversos
collegios, as classes estudantal e caixeiral, corporações da guarda
nacional e de empregados públicos, o 11º batalhão de Infantaria,
aprendizes marinheiros e um grande concurso de povo, formavam esta
significativa solemnização da inauguração da republica brazileira no ex-
imperio do Cruzeiro. As ruas ricamente ornamentadas, as janellas
occupadas por distinctas senhoras que atiravam flores, realçavam ainda
mais a imponente manifestação republicana do povo cearense...
80
A folha, contagiada pela marcha cívica em apoio e saudação à República,
assume ares de admiração frente aos novos acontecimentos. Aqui, o jornal aparece
como apoiador do novo regime, destino de quase todos os outros órgãos de
imprensa de Fortaleza nesse momento.
Depois do 15 de novembro não facções, divisões partidárias, liberais ou
conservadoras. somente os novos republicanos, ou seja, ex-monarquistas.
Apesar da resistência dos republicanos antigos, as oligarquias que comandavam as
correntes políticas cearenses no final do Império buscam uma comunhão com os
defensores do governo republicano.
O jornal Cearense, por exemplo, órgão dos ex-liberais paulas, torna-se
disseminador e mobilizador da causa republicana. Dia a dia o jornal reporta notícias
engrandecedoras da nova era, discutindo os pontos mais relevantes, segundo eles,
do imaginário republicano. Um exemplo disso são as discussões sobre as chamadas
adesões patrióticas, como se pode ver nesse artigo:
De todos os pontos do Ceará chegam manifestações de adhesão à causa
da patria. Nenhum estorvo á marcha do progresso, á regeneração das leis
e dos costumes. Honra os nossos sentimentos este facto significativo, que
vem mais uma vez provar que o Ceará sempre foi o berço de todas as
ideias generosas, de todas as aspirações. Publicamos hoje a adhesão que
os patriotas cidadãos residentes na cidade de Redempção dirigiram ao
Governador Provisório do Ceará, documento que deve ser registrado para
servir de elemento ao futuro historiador...
81
Repercutindo os acontecimentos de quinze de novembro, o jornal realiza
sua adesão. O debate gira em torno de cooperação, compromisso, colaboração com
o novo sistema, uma forma de manter alianças com o governo vigente e com o novo
regime político.
80
Jornal Cearense, Fortaleza, Marcha Cívica (Noticiário), 26/11/1889, nº 264, p. 1.
81
Jornal Cearense, Fortaleza, A Republica (Cearense), 27/11/1889, nº 265, p. 1.
61
Aqui, para os chefes dos antigos partidos políticos, como era o caso de
Accioly, a adesão significava tamm manter laços com seus eleitores, para não
perder o controle sobre os processos eleitorais e a situação política em geral, e
assim continuarem em suas antigas e cômodas posições de mando e controle da
política local.
82
Apesar da resistência dos republicanos históricos e da declarada luta contra
os monarquistas, a imprensa do grupo destituído é enfática e atuante. Afirma o
discurso da necessidade de se construir novas instituições para que a nação
repousasse em tranqüilidade e paz. Além disso, todos tinham o direito de partilhar
do novo regime, pelo menos quando se tratava de políticos, como pontua o artigo:
Todos os republicanos (excepção feita de alguns moços que não tem a
direcção da imprensa e a responsabilidade do governo) sahiram por
partidos monarchicos. Nenhum cidadão contrariou, oppoz-se ou resistio ao
actual estado de cousas. Ora, si o republicanismo cearense chegou, em
eguaes circunstancias para todos; Si o patriotismo unio todas as facções
n’um pensamento; A’ que vem o exclusivismo de um grupo estatuindo
normas para ser-se republicano e impondo a deposição dos antigos
chefes? Não é patriotica, não é republicana, não é opportuna semelhante
propaganda, quando a patria tem lugar para todos, quando o voto popular
é o unico poder que elege ou depõe chefes políticos. Por que banir da
republica os partidos militantes no regimen decahido, quando vemos
occupando a pasta da fazenda no governo provisório um dos vultos mais
salientes do partido liberal? Com que direito se excluiria Ruy Barbosa, cujo
talento, caracter e reputação dão ao actual governo a confiança nacional e
estrangeira?
83
Argumentam que é injusto o exclusivismo dos partidos históricos na recém
instituída República e que alijar os membros do regime anterior fere os princípios de
solidariedade e cooperação caros ao novo tempo. Nesse combate ex-monarquistas
acusam republicanos de inoportunos, pouco patriotas e responsáveis diretos por
afastar do poder pessoas de talento e virtude, dispostas a colaborar com o novo
governo. Afinal, parecia que todos agora eram republicanos.
Na busca pela manutenção dos antigos privilégios, quase todos os grandes
jornais se vêem obrigados a aderir a uma série de mudanças para que continuem na
ordem do dia. Outros deixam de existir, como foi o caso do Cearense.
Nesses arranjos, com o propósito de se alinharem ao novo regime várias
agremiações são formadas. Uma delas é o Clube Democrático, criado em fevereiro
82
MONTENEGRO, Abelardo F. Os Partidos Políticos do Ceará. Op. Cit. p. 63.
83
Jornal Cearense, Fortaleza, Discutamos (Cearense), 08/01/1900, nº 275, p. 1.
62
de 1890, sob a direção de Rodrigues Júnior. O Cearense passa a se chamar Órgão
Democrático, logo após a instauração da República, desaparecendo por ocasião da
queda de Clarindo de Queiroz. Accioly funda a União Republicana com o jornal O
Estado do Cea, anteriormente, Gazeta do Norte. O Estado do Ceará funde-se ao
Libertador, surgindo A Republica, novo órgão do partido federalista.
Segundo Montenegro, em 1891, Antônio Pinto Nogueira Accioly já
desfrutava de prestígio político. Nesse mesmo ano, dirige os trabalhos da
Assembléia Constituinte, e, em julho de 1892, é eleito vice-presidente do Estado,
assumindo o governo até a posse do tenente-coronel Bezerril Fontenele.
84
O jornal A
Republica nasce em abril como instrumento indispensável para a construção de uma
máquina política, assente às necessidades dos chamados novos tempos.
Figura 13 - Fotos veiculadas no jornal A Republica como parte da propaganda política em torno de
Nogueira Accioly para presidente do Ceará no pleito de 12 de julho de 1896,que sucederia Bezerril
Fontenelle. 01/07/1896, nº 156.
O tema do regime republicano brasileiro é o centro da argumentação do
período. Accioly, novamente influente, dedica seu empenho político às instituições
republicanas e arregimenta parentes e correligionários para contribuir com a causa,
com o objetivo de fundar um partido que fosse suficientemente forte e disciplinado
para abarcar os republicanos de última hora.
85
O jornal A Republica, analisado em sua historicidade, cria uma versão do
momento. A partir dos referenciais do Partido Federalista, da oligarquia Accioly, essa
84
MONTENEGRO, Abelardo F. Os Partidos Políticos do Ceará. Op. Cit. p. 75.
85
In memoriam. Dr. A. P. Nogueira Accioly. Fortaleza: Estabelecimento Gráphico A. C. Mendes, 1921,
p. 19.
63
falha passa a interpretar, mas não como reflexo, essa conjuntura
86
. Aqui a noção do
que seria um regime republicano está atrelada ao discurso dessa folha e,
conseqüentemente, da política acciolina.
Segundo o jornal A Republica, os acontecimentos do 15 de novembro
funcionaram como um momento em que as mais “belas lições políticas” se
apresentavam, sendo seus ensinamentos fontes para uma condução do país de
forma “democrática, exemplo de patriotismo, desprendimento, grandeza e
preocupação com os destinos do povo brasileiro”. A folha oligárquica continua
relatando que o povo desejava potencialmente a República no Brasil nos moldes
em que ela fora instaurada.
O jornal A Republica a instauração da República como verdadeiro marco
histórico, com direito à imortalidade, ato quase religioso. Seus resultados são
apresentados como grandiosos, levados a cabo por homens igualmente grandes,
que superaram até mesmo o grito de Independência, em 7 de setembro de 1822.
Mesmo com muita coisa ainda por fazer, acredita que suas instituições, formada por
líderes esclarecidos, conduzirão de forma magistral a nova política.
O jornal A Republica aclama os novos tempos como sinônimo de luz,
redenção e progresso. Como se observa, um discurso laudatório.
(...) O 15 de novembro não é e nem poderia ser a obra de uma classe ou
de uma seita, é uma obra nacional. Se nos fosse dado traçar aqui, sem o
mais rapido desvio de sua planejada trajetoria, a genese e a evolução da
Republica, esta verdade resaltaria como um pacto perennal de luz intensa
e vingadora. O 15 de novembro, como suprema e definitiva expressão de
um facto, elaborado por mais de uma geração e santificado por mais de
um martyr, é o cabo de uma longa e accidentada derrota, é um
renascimento, uma ascensão triumphal...
87
A historiadora Emília Viotti ao analisar a conjuntura do período, ressalta a
enorme euforia da parte dos republicanos históricos, calando os monarquistas, com
uma agitação reforçada pelos adesistas, extremamente preocupados em tornar
86
DARNTON, Robert. O Grande Massacre de Gatos e Outros Episódios da História Cultural
Francesa. Op. Cit. p. 107. No tópico Os Trabalhadores se Revoltam: o Grande Massacre de Gatos
na Rua Saint-Séverim, Darntom afirma que os relatos não são reflexos dos fatos em si, mas uma
versão. Tais narrativas se delineiam dentro de uma estrutura referencial dado pelo autor. Nessa
perspectiva, o que o jornal faz é promover um relato, da perspectiva situacionista, ao passo que o
discurso dos opositores é uma outra interpretação.
87
Jornal A Republica, Fortaleza, 15 de Novembro, 15/11/1896, nº 258, p. 1.
64
bastante ruidosas suas pretensões de fidelidade e apego ao regime que se
instalava.
88
O jornal A Republica nasce em pleno alvorecer republicano, como porta-voz
da oligarquia acciolina. O discurso apaixonado e enaltecedor do jornal não deixa
dúvidas. Advoga um apoio incondicional aos novos termos políticos e confere o
estatuto de mártir aos autores. Para aqueles que não aderiram o adjetivo é duro:
sectários. A folha já não permite um outro caminho que não seja o da República.
Aqui, o novo regime discutido como um desejo do povo, não sendo obra de
um único indivíduo ou pequeno grupo. Os militares estão no centro da vontade
popular, dando forma a uma idéia lícita e desejada. O objetivo é a liberdade. A
sociedade republicana é livre, democrática e ordeira, e visa ao bem comum e à
transformação política.
(...) O 15 de novembro é eterno, porque eterna é a liberdade, que é a
política dos povos. O 15 de novembro não partiu, como muitos pensam, de
um traço heroico do exercito, veio, sim, como uma erupção irreprimivel, do
fundo da opinião, ha muito em permanente ebulição. O exercito foi apenas
o grande instrumento escolhido pelo genio d’America para executar o
grande designio nacional. A Republica era uma aspiração, uma crença,
um ideal; e a América, como se sabe, esta votada à democracia por
predestinação fatal. Não é desconhecida a sua tendencia ineluctavel...
89
Recorrendo ainda a Emília Viotti, entende-se esse discurso da República
como aspiração nacional, um debate dos vencedores em contraposição aos
vencidos e também de republicanos e monarquistas sem distião, encerrando duas
“linhas de interpretação” surgidas no início do período republicano. Uma posição, de
resto já debatida desde o Manifesto Republicano de 1870, que considerava a
Monarquia deslocada em meio às repúblicas que se instauravam na América.
90
O jornal pesquisado apresenta a República como um momento irreprimível,
de instrumento” eleito a atuação dos militares. Homens de princípios, esclarecidos,
deram sua contribuição ao movimento porque conheciam as necessidades do país e
de seu povo. Estavam apenas “obedecendo as exigencias sociaes”, por serem a
folha de rosto da autoridade, não cabendo a outros esse desígnio.
88
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: Momentos Decisivos. edição. São Paulo:
Ed. UNESP, 1999. p. 386.
89
Jornal A Republica, Fortaleza, 15 de Novembro, 15/11/1896, nº 258, p. 1.
90
COSTA, Elia Viotti da. Da Monarquia à República. Op. Cit. p. 387.
65
O 15 de novembro, no discurso, d’A Republica, é um momento ímpar. Ato
espontâneo, levado pelos militares que “plantaram essa semente promissora” e
venceram preconceitos, e que devolveu o valor devido a essa classe. A República
foi implantada com amor, paz, liberdade e progresso. O novo regime surgiu pelo
desejo principalmente de sua gente, para que a nação tivesse um futuro melhor.
Segundo o texto, a República seria imortal.
O jornal de Accioly continua em tom enaltecedor quando se refere ao
regime republicano instalado em 15 de novembro. Esse momento é narrado sempre
em meio a diversos adjetivos.
(...) O soldado n’ella entrou não como soldado, que se conhece o fuzil e o
canhão, mas como cidadão, que o é antes de tudo, conhecendo o direito e
a justiça, as duas unicas armas invenciveis de um povo livre. A Republica
Brasileira tem direito á immortalidade, á gloria, á estima do mundo inteiro.
Merece ser amada por todos. Amemol-a e esforcemo-nos para que ella
seja uma verdade como verdade imperecivel.
91
A folha acciolina ressalta o 15 de novembro como pensado e “elaborado por
mais de uma geração”, vindo como uma necessidade de seu tempo, ápice de outros
fatos antecedentes, preparando a civilização para o novo baptismo”, marcando a
chegada de uma nova era
92
.
Edgar Carone observa que as notícias acerca da proclamação da República
mal pisaram o solo cearense, oficiais e alunos da Escola Militar proclamaram o novo
regime, enquanto o presidente da província ainda aguardava o desfecho dos
acontecimentos no Rio de Janeiro. Os republicanos históricos são atropelados pelos
militares que tomam o governo até o momento em que Clarindo de Queiroz assume
a presidência do Estado, nomeado pelo governo federal.
93
Aroldo Mota afirma que os republicanos cearenses não tinham organização,
e reitera esse atropelamento que sofreram frente aos acontecimentos. Um outro fato
levantado pelo autor era a pouca distância entre os “republicanos históricos”
cearenses e a Monarquia. João Cordeiro, principal figura entre os republicanos,
91
Jornal A Republica, Fortaleza, 15 de Novembro, 15/11/1896, nº 258, p. 1.
92
Jornal A Republica, Fortaleza, 16 de Novembro, 15/11/1896, nº 258, p. 1.
93
CARONE, Edgar. A República Velha: Evolução Política. Difusão Européia do Livro: São Paulo,
edição, 1974. p. 25.
66
havia sido o superintendente do combate às secas ao tempo do Império, fazendo
fortuna
94
.
Embora alguns analistas sugiram que a participação dos republicanos
cearenses na instauração da República possa não ter sido tão marcante, o jornal A
Republica aponta, entretanto, a importância dos homens que lutaram a favor da
causa republicana. Ressalta em seu artigo o fato do 15 de novembro ter sido
“elaborado por mais de uma geração e santificado por mais de um martir”. Homens
que foram conduzidos pela verdadeira inspiração do patriotismo, segundo o jornal.
95
Aqueles que contribuíram para o 15 de novembro, na interpretação do jornal
acciolino, compreenderam as necessidades de seu tempo, obedeceram as
exigências sociais, valorizaram o sacrifício de outras gerações e, principalmente,
souberam subordinar os interesses individuais aos interesses da nação.
96
Por fim, o jornal reclama aos que cuidam da escrita da história a justiça aos
esforços daqueles que lutaram pela República no Ceará, pois muitos foram os
apoiadores dessa luta, que souberam explorar o “espírito de liberdade”,
característico do povo cearense.
O escriptor, porém, que tiver de escrever isoladamente a história da
proclamação da república no Ceará, terá inductavelmente de fazer justiça
aos republicanos d’aquella epocha, que sem attentar nos incovenientes de
uma adhesão immediata e seguindo o mais nobremente possível o
exemplo de seus irmãos da capital federal responderam ao telegramma do
cidadão Quintino Bocayuva por uma enthusiastica saudação ao governo
provisório.
97
O jornal acciolino quando trata da instauração da República, revela em seu
discurso uma dívida com os republicanos históricos. Admite que foram eles os
responsáveis pela chegada, aqui no Ceará, dos planos de Quintino Bocaiúva, um
dos articuladores do 15 de novembro, que conclamava a população para se engajar
nessa luta.
Em torno do acontecimento, o jornal enfatiza a sua naturalização, como
decorrente de um “espírito de liberdade” no Ceará:
94
MOTA, Aroldo. História Política do Ceará. 1889-1930 Fortaleza, Stylus Comunicações, 1987 P.
21.
95
Jornal A Republica, Fortaleza, 16 de novembro, 15/11/1896, nº 258. p. 1.
96
Jornal A Republica, Fortaleza, 16 de novembro, 15/11/1896, nº 258. p. 1.
97
Jornal A Republica, Fortaleza, 16 de novembro, 15/11/1896, nº 258. p. 1.
67
(...) As causas determinantes desta manifestação estavam por certo no
pronunciado espirito de liberdade que sempre distinguio o Ceará e
recusando-se o presidente Jardim a adherir ao movimento revolucionario
em expectativa do que poderia acontecer, o povo reunio-se calmo e
confiante ao mesmo tempo, na praça pública, emcaminhando-se para o
palacio do governo, onde por seu orgão, um dos mais devotados obreiros
do progresso do Ceará, e nosso saudossissimo amigo, major Manoel
Bezerra de Albuquerque annunciou que aquele presidente achava-se
destituído de suas funcções em nome da revolução, aclamando ao mesmo
tempo governador do Estado federado, o coronel Luiz Antonio Ferraz
commandante do 11º batalhão de infantaria...
98
Para o jornal, o povo aparece como um recurso abstrato e retórico, que
muito vivia sob o jugo da monarquia. Não por acaso, liberdade é palavra associada à
República, de maneira recorrente. Todos estavam cansados de aturar os erros e
fraquezas daquela forma de governo, e, por isso, aplaudiu tão veementemente o
advento do novo regime. Dali por diante, o povo compreendeu a necessidade de
fechar os olhos para os interesses individuais em favor do bem comum. É dessa
forma que o jornal quer interpretar um difuso sentimento do povo e falar em seu
nome.
Escrevia-se largamente sobre a recente República, imputando-lhe os
adjetivos mais elogiosos: harmônica, equilibrada, igualitária, preocupada com a sua
gente, iluminada e justa. Inaugurava-se um tempo de alegria, como atestam as
festas em comemoração à nova era, tempo de entusiasmos por uma outra condução
política, e que seria alimentada por homens de compromisso firmado com a
liberdade, com o zelo da pátria.
Com o governo de Luiz Antonio Ferraz, percebe-se que tamm no Cea
os militares são protagonistas dessa história. Quando assume Clarindo de Queiroz,
em virtude da morte de Luiz Antonio Ferraz, a situação não sofre maiores
mudanças. Próximo de Deodoro da Fonseca, Clarindo de Queiroz faz uma
administração confortável, tendo como vice-governador o major Benjamim Barroso,
com a incumbência de instalar uma Assembléia Constituinte para elaborar a primeira
constituição estadual, fato que se concretiza em 16 de julho de 1891.
Com a queda do marechal Deodoro da Fonseca, Clarindo de Queiroz foi
alvo de pressões do governo federal com o objetivo de que se desligasse do
governo. Diante da negativa, coube ao tenente-coronel José Freire Bezerril
Fontenele, à frente do comando da guarnição e da Escola Militar, a missão de depô-
98
Jornal A Republica, Fortaleza, 16 de Novembro, 15/11/1896, nº 258, p 1.
68
lo do cargo. Após firme resistência, com o Palácio do Governo crivado de balas,
renuncia. Em 12 de julho de 1892, assume o coronel Bezerril Fontenele como novo
presidente, sendo o 1º vice-presidente do Estado Antonio Pinto Nogueira Accioly.
99
Quanto à escalada política de Accioly nesse momento, Raimundo Girão
comenta:
Nesta série de mutações sobressai, como individualidade culminante a do
Dr. Nogueira Acióli, feito presidente do Congresso Estadual e por este
eleito 1º Vice-Presidente do Estado (12 de julho de 1892), carácter em que
assume a direção dos negócios estaduais até 27 de agosto, dia da posse
do Tenete-Coronel Bizerril, a quem sucederia em 12 de julho de 1896,
indicado pelo voto popular, nas eleições de 11 de abril, para o quatriênio
de 1896-1900.
100
Accioly chega à presidência do Estado, iniciando um longo período de
dominação na política cearense. Na metáfora do historiador, o período do “polvo
nepotista” é assim caracterizado:
No Cea, a oligarquia aciolina plantou firmes alicerces no referido primeiro
período governamental do chefe e durante quatro quatriênios sucessivos
dominou, pois não se podem excluir dessa sucessão os anos da
administração do Dr. Augusto Borges (julho de 1900 a julho de 1904), o
qual, apesar de indicado pelo Ministro Murtinho, cedo foi abraçado pelo
polvo nepotista. Integralmente de acordo com o oligarca foi que o Dr.
Pedro Borges administrou, fazendo-o, no entanto, com lisura e
eficiência.
101
Após a cisão republicana, em que se dividem, no Ceará, seus
representantes em partidários de Deodoro da Fonseca, chamados “maloqueiros”, e
os apoiadores de Floriano, ou cafinfins”, percebe-se um caminho para a
aproximação dos ex-monarquistas, como foi o caso de Accioly. Com a ascensão de
Floriano Peixoto à presidência da República, os cafinfins” chegam ao poder com
Nogueira Accioly.
Accioly trata de agregar ao seu governo um certo apego às instituições
republicanas. A oligarquia é, potencialmente, a mantenedora dos principais símbolos
da República, com o apelo insistente em defesa da ordem e do progresso. Ao longo
dos anos, o jornal é cuidadoso em festejar datas e pessoas que, em sua
99
GIRÃO, Raimundo. Evolução Histórica Cearense. Fortaleza: BNB / ETENE, 1985. p. 355.
100
Id. Ibidem. p. 356.
101
Id. Ibidem, p. 357.
69
interpretação, colaboraram com o modelo republicano defendido pela oligarquia de
Accioly.
Vultos como Benjamim Constant, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto
são constantemente lembrados pela folha. O primeiro recebe o título de “patriarca da
republica”,
102
o outro, de “salvador e consolidador da Republica”.
103
Sobre Constant,
o jornal traça o seguinte perfil:
(...) O patriarcha da República exerceu tão profundamemte a sua influencia
moral na geração que passa, foi tão duradoura e profunda a reflexão dos
raríssimos dons de sua alma n’alma de seus coevos, que, voltando-nos
para seu tumulo, no dia de hoje, vemol-o entre os que encerram as cinzas
dos entes que mais amamos na vida. Coroando as suas disposições, como
o apice luminoso das altas montanhas, o ultimo de seus artigos relembra o
mérito diamantino do cidadão que em vida chamou-se Benjamim Constant
Botelho de Magalhães...
104
A memória constituída para Deodoro da Fonseca realizadas pela folha
cultivava sementes do culto cívico dos heróis dos ditos novos tempos:
O tempo na sua ingloria e pertinaz campanha de tudo destruir, não
conseguiu e nem conseguirá jamais diminuir o culto amorôso e dedicado
que os republicanos sabem render aos grandes mortos que amaram a
Republica sobre todas as cousas. Sua figura, insinuante e ao mesmo
tempo sobranceira, era admirada com carinho e respeito, e de tal forma
que a sua querida effigie perpetuou-se aureolada, na retina de todo
brazileiro amante desse regimen liberrimo e democratico, que hoje é o da
nossa Pátria...
105
Para estes personagens, José Murilo de Carvalho examina os distintos
projetos republicanos insertos em suas trajetórias. Deodoro, partidário de um projeto
militar, de posições corporativas, via na manutenção da Monarquia uma afronta ao
prestígio e poder dos militares, adotando uma posição distante dos civis. Quanto a
Constant, partidário de uma visão sociocrática, não militarista, pacifista, positivista e
adepto de uma ditadura republicana chegou inclusive a ter partidários para defendê-
lo como fundador da República.
106
102
Jornal A Republica, Fortaleza, Benjamim Constant, 27/06/1899, nº 145, p.1.
103
Jornal A Republica, Fortaleza, Floriano Peixoto (A Republica), 29/06/1898, nº 145, p.1.
104
Jornal A Republica, Fortaleza, Benjamim Constant (A Republica), 21/01/1899, nº 17, p. 1.
105
Jornal A Republica, Fortaleza, Generalíssimo Deodoro da Fonseca, 23/08/1900, nº 192, p. 1.
106
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil. Op.
Cit.p. 41.
70
O jornal oligárquico não discute essas nuances. Assume a defesa de
ambos, não atribuindo-lhes grandes diferenças. Para o jornal eram homens que
haviam participado da implantação do novo regime, e como tal, merecedores de
destaque, apreço e culto quase que religioso.
Para o autor de A Formação das Almas, o propósito é criar uma versão
oficial para os acontecimentos do dia 15 de novembro. Isso daria margem a um
possível aumento na participação dos personagens que ali estiveram no decorrer
dos acontecimentos.
107
No plano local, a oligarquia enaltece a República, afirma seu panteão. Sem
escolher caminhos, elogiava a todos. Ora militarista e deodorista, ora positivista e
próxima a Constant, não deixou de lado o nome de Floriano Peixoto, cuja política foi
responsável pela subida de Accioly ao poder. O jornal, repetidas vezes, trazia
saudações ao nome de Floriano, sendo costumeiramente homenageado como
“salvador e consolidador da república”, como aparece neste trecho do jornal:
Floriano Peixoto
não foi somente o patriota e soldado valente – foi o
providente diplomata, que, apos a borrasca, e depois de serenada a
athmosphera dos odios, recolheu-se modestamente ao seu lar, como os
velhos patriarchas da Antigüidade grega voltavam para as mesquinhas
vivendas, depois de discutidas, no forum publico, as mais transcendentes
questões sociaes. E como impressiona mais que todas as glorias da
politica, mais que todas as victorias das batalhas, como edifica e instrue
essa cabeça de soldado, encanecida no serviço da patria, vista assim
através de uma veneziana indiscreta, à suavidade pacifica do lar,
formando, com as cabeças dos filhos queridos, um grupo de amor e de
bondade.
108
O grupo florianista era adepto da “ditadura da espada”. Conhecido como
“Marechal de Ferro”, optou por uma política forte, autoritária, avessa à idéia do poder
em mãos civis. Tal postura, tamm chamada de jacobinismo florianista, com uma
ideologia militarista, desprezava um governo que não tivesse como gestor um
militar.
109
O jornal apresentava Floriano Peixoto como um presidente que sintetizava
força, ação; e que cercado de hostilidades e injúrias, usou sua cabeça de soldado a
serviço da pátria.
A Pátria, essa é sempre festejada, ano a ano, na data de 15 de novembro. É
exatamente no aniversário da proclamação da República que a oligarquia, através
107
Id. Ibidem.p. 53.
108
Jornal A Republica, Fortaleza, Floriano Peixoto, 29/06/1898, nº 219, p. 1.
109
Para saber mais sobre o jacobinismo no Brasil, ver QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Os Radicais
da República. São Paulo: Brasiliense, 1986.
71
de seu jornal, imortaliza Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Benjamim Constant,
Silva Jardim e Campos Sales.
110
A folha interpreta a ação desses homens como
engrandecedoras e construtivas:
Á cima de toda concepção comoventes e arrebatadoras, foram as festas
promovidas pela digna commissão central para solemnizar o décimo
anniversario da proclamação da Republica e adhesão do Ceará á nova
forma de governo instituído. O povo cearense, uma massa superior a dez
mil pessoas, transbordava de jubilo e contentamento, levantando delirantes
vivas á democracia, ao exercito, á marinha, aos marechaes Deodoro da
Fonseca, Floriano Peixoto, a Benjamim Constant, Silva Jardim, ao
eminnete sr dr. Campos Salles e ao patriótico e benemérito governo do
estado.
111
O clímax da festa era sempre o préstito cívico. Nesse décimo ano abriu o
desfile uma aluna representando a República, surgindo depois os retratos de seus
“immortais propagandistas”, acima descritos, seguidos por escolas, batalhões de
oficiais da infantaria, um carro alegórico e, por fim, a multidão com mulheres jogando
flores.
112
Essas comemorações cívicas herdadas do modelo republicano francês e
difundidas pelos positivistas de influência nos intelectuais à frente do movimento
republicano brasileiro tiveram aqui uma boa aceitação. Marcavam num tom
comemorativo uma “nova era”, com rituais convocados por apelo sonoro, passando
a idéia de comunhão, solidariedade e totalidade para a comunidade.
113
Nas manifestações de civismo à tria, o governo acciolino difundia a
memória dos heróis republicanos, articulando-os ao presente e futuro, e
consolidava-se como elo para ratificar no povo cearense a idéia de personificação
dessa República, dessa pátria.
110
A reportagem específica a que me refiro está no jornal A Republica, Fortaleza, Festas da
Republica, 17/11/1899, 262, p.1. O Presidente Campos Salles governou o Brasil entre 1898 e
1902.
111
Jornal A Republica, Fortaleza, Festas da Republica, 17/11/1899, nº 262. p. 1.
112
Jornal A Republica, Fortaleza, Festas da Republica, 20/11/1899, nº 264. p. 1.
113
CATROGA, Fernando. Nação, Mito e Rito: Religião Civil e Comemoracionismo (EUA, França e
Portugal). Fortaleza: Edições NUDOC/Museu do Ceará, 2005.p. 87.
72
Figura 14 – Em artigo, o jornal A Republica antecipa o calendário das festividades alusivas ao
aniversário da proclamação da república na cidade. 12/11/1899, nº 263.
É o tempo de sonoros vivas, animadas festividades, desfiles nas ruas,
jantares políticos, salvas de tiros e toda uma sorte de comemorações laudatórias. As
73
demonstrações nessa data ultrapassavam a conotação cívica, conferindo-lhes quase
um caráter religioso.
Chegamos a nota de maior animação e refulgencia dos festejos de 15 e 16
de Novembro o prestito civico. Muito antes de quatro horas da tarde
radiante massa popular agglomerava-se á praça General Tiburcio, a
comtemplar o bello carro alegorico á Republica (...) e os andores com os
retratos de Silva Jardim, Benjamim Constant, Deodoro da Fonseca e
Floriano Peixoto, trabalhos decorativos que muito honram a Santa Casa de
Misericordia, onde foram executados. Não se pode descrever o
extraordinario encanto que imprimiu ao sucesso dessa marcha patriótica o
grande numero de senhoras cearenses que aformoseavam o prestito e
outras agglomeradas nas praças e ruas, constantes do intinerario
publicado...
114
A Oligarquia expressa, então, um caráter eminentemente festivo. Através
das páginas de seu jornal veicula um calendário comemorativo que ano a ano se
repetia. Iniciava-se em maio homenageando com vistosas fotografias e um texto
chamativo o aniversário de José Accioly, filho mais velho de Accioly, político e
correligionário do pai. Quando derrubada a oligarquia em 1912, ocupava a
Secretaria do Interior de Justiça, tendo exercido muitos outros cargos.
Figura 15 - Foto de José Accioly, filho de Nogueira Accioly, trazida pelo jornal A Republica como parte
das comemorações ao seu aniversário. 11/05/1900, nº 108
114
Jornal A Republica, Fortaleza, Festas da Republica, 20/11/1899, nº 264, p. 1.
74
Em comemoração ao seu aniversário no ano de 1900, o jornal lhe presta
homenagem com um texto que enumera qualidades e talentos, sem economia. Os
festejos geralmente tinham lugar na redação do jornal A Republica, onde José
Accioly exerceu cargo de diretor-redator. Cercado de amigos e correligionários
comemorava a data ao som do hino da República executado pela Banda do
Batalhão de Segurança, regado a espumantes. Para completar são publicados
telegramas de felicitações e a descrição minuciosa do presente que oferecido ao
aniversário pelo Batalhão de Segurança e seus oficiais.
Por motivo do seu anniversario natalício que foi durante o dia de hoje,
effusivamente cumprimentado, esse nosso ilustre e presadissimo colega.
Além de estraordinarias manifestações particulares, recebeu muitas outras
de caracter official, como fosse um delicado e valioso cartão do
commandante e officiaes do Batalhão de Segurança (...).
Constou esse mimo além do lindo cartão de felicitação, de um broche para
gravata em forma de ferradura, cercado de rubis, com cinco brilhantes no
centro, e de um pár de botões de oiro, para punho, cravejado de rubis.
115
Em seguida, a 12 de julho as festividades giravam em torno do aniversário
do governo do Estado e tamm da promulgação da Constituição republicana. Esse
dia constituía-se num estrondoso e comemorado feriado. Essas duas datas
acabavam por fundir-se, sendo Accioly, para o jornal situacionista, o símbolo da
República, da Pátria e do povo cearense. Brindava-se à Constituição e ao governo,
ambos parte de uma mesma concepção republicana difundida pelo jornal.
115
Jornal A Republica, Fortaleza, José Accioly, 11/05/1900, nº 108. p. 1.
75
Figura 16 – As comemorações do 12 de julho têm como alvo a pessoa de Nogueira Accioly, como
atesta o artigo do jornal A Republica. 12/07/1898, nº 156.
Em julho de 1898 o jornal publica:
O feriado de hoje é consagrado à promulgação de nossa carta
constitucional. Emanada da soberania popular, cellula genetrix de toda
sociedade democrática, ella encarna e personifica a sábia generalisação
de todas as nossas necessidades ANATÔMICAS E PHYSIOLOGICAS, isto
é, aquelas que sob a égide do direto público e da política, constituem
propriamente o ser e a vida do estado.
116
116
Jornal A Republica, Fortaleza, O Anniversario Natalício do Preclaro Chefe do Partido Republicano
Cearense – Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly, 11/ 10 / 1911, nº 234, p.1.
76
Um dos feriados de 12 de julho que muito se comemorou foi o da
investidura de Nogueira Accioly no governo do Ceaem 1896. O dia transcorreu
com celebrações, desde a manhã até a noite, segundo a programação do jornal
acciolino.
Às 7 horas da manhã a empreza telephonica annunciava a todos os seus
assignantes que o piquete S. Salvador que trasia a seu bordo o benemérito
cearense era avistado alem do pharol do Mucuripe (...).
Notava-se grande agitação nas ruas e praças da cidade, que tinha o
aspecto eminentemente alegre de um grandioso dia de festas...
As festas serão concluídas com o pomposo baile que se realisará amanhã
nos esplendidos salões do Club Iracema.
117
No entanto, as duas últimas festas encampadas pelos políticos da facção
oligárquica foram singulares. Fazendo parte, inclusive, do calendário oficial do
estado, outubro e novembro assistiam a uma comemoração rica e bastante
pomposa, celebrava-se o aniversário do benemérito chefe Antônio Pinto Nogueira
Accioly e a festa republicana que marca o início de um novo regime.
O dia 11 de outubro, segundo A Republica, era uma solenidade de cunho
popular. Cuidava-se em manter um tom de agradecimento e homenagem a Nogueira
Accioly, demonstrando que este sabia respeitar os sentimentos do povo, seus
desejos e aspirações, trazendo-o para dentro da máquina administrativa. Pedestal
da competência e da magnanimidade”, assim a sua folha o cita, como digno filho do
Ceará que nunca mede esforços para trazer aos conterrâneos uma vida melhor e
socorro nos momentos de desespero. Festejá-lo, seria festejar a República, o Ceará
e o povo.
118
117
Jornal A Republica, Fortaleza, Recepção e posse do novo presidente, 13/07/1896, nº 157, p.1.
118
Jornal A Republica, Fortaleza, O Anniversario Natalício do Preclaro Chefe do Partido Republicano
Cearense – Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly, 11/ 10 / 1911, nº 234, p.1.
77
Figura 17 - Foto de Nogueira Accioly, feita pelo jornal A Republica em homenagem ao presidente do
Estado pela passagem de seu aniversário natalício.11/10/1900, n]233
Numa edição especial em comemoração ao aniversário de Nogueira
Accioly, o jornal comenta:
A sagração de hoje, dia de seu natalício, é a comemoração virtual do
engrandecimento do Ceará, na difusão do ensino, da reorganização das
finanças, da probidade administrativa, da verdade republicana, da
integração das novas instituições em nosso meio, pelo acatamento á
vontade soberana do eleitorado
119
As homenagens a Accioly por ocasião de seu aniversário costumavam ser
bastante ruidosas. Afinal, para o jornal acciolino, festejava-se, nesse momento, o
próprio Ceará, o Brasil, a República e o Partido Republicano Cearense. No
aniversário de Nogueira Accioly em 1896
120
, o jornal A Republica fez da entrega de
seu retrato e sua aposição no Salão de Honra da redação, o ponto alto dos festejos.
119
Jornal A Republica, Fortaleza, O Anniversario Natalício do Preclaro Chefe do Partido Republicano
Cearense – Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly, 11 / 10 / 1911, nº 234, p.1.
120
Jornal A Republica, Fortaleza, 12/10/1896, nº 229,p.1.
78
Ladeado pelas fotografias de Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Benjamim
Constant, entre outras, estaria agora Nogueira Accioly, mais um vulto de destaque
na construção da história republicana do país.
Figura 18 – Edição comemorativa do jornal pelo aniversário de Nogueira Accioly. Toda a primeira
página destaca o evento e detalha como se deu a festa. 12/10/1811, nº 235.
Nessa cerimônia, Accioly adentra o Salão de Honra cercado por numerosos
cavalheiros, o Hino Nacional executado por orquestra, e dirige-se ao lugar reservado
ao seu retrato. Segundo o jornal, o governante fazia-se acompanhar das “maiores
notabilidades do país e do estado”. Ao jornal acciolino e seus redatores cabia a
organização, sendo escolhida uma comissão para trabalhar em tal comemoração. A
festa rendia assunto para artigos nesse jornal, muitas vezes até que se findasse o
mês.
121
Para o aniversário do chefe oligárquico em 1900, o texto escrito pelos
políticos do partido, procura expressar o significado de sua figura para os
correligionários, e para o andamento do Partido Federal Republicano. Segundo a
folha, Accioly é o grande exemplo para seus amigos e familiares, merecedor de toda
121
Jornal A Republica, Fortaleza, Senador Accioly, 12/10/1896, nº 229. p. 1.
79
uma distinta manifestação de apreço e zelo, sendo este benemérito homem uma
representação viva de generosidade, cultura elevada e carisma. Nas palavras de
seus partidários:
O máximo critério e prova de superioridade com que tens dirigido nosso
partido em todas as phases de sua evolução quer plácidas quer agitadas,
em todas as suas conquistas e reinvidicações, devotados sem cessar e
com abnegação e civismo aos interesses geraes em sua comprehensão,
investido sempre de grandes responsabilidades, sem nunca as temer um
instante, fazendo do nosso programa uma severa religião, tudo nos
direito a benemerencia suprema do nosso respeito e veneração.
Sois digno do partido que vos consagrou chefe, visando desígnios
patrióticos e todos nós que vos conhecemos e admiramos os vossos
elevados atributos, asseguramos-vos em face do nosso credo potico, toda
nossa lealdade.
122
O aniversário do chefe do partido republicano começava com uma alvorada
arranjada por bandas de música e salvas de tiros, no palacete de sua família
ricamente adornado; em seguida, missa em ação de graças, manifestações de
instituições oficiais que prestavam suas homenagens, visita à redação d’A Republica
para receber os cumprimentos e almoço político.
Destaco aqui o fato do jornal se fazer símbolo de poder político, tornando-se
centro aglutinador, lugar do congraçamento, das reuniões, palco dos conchavos,
mbolo material desse poder. Portanto, as visitas políticas à redação do jornal eram
freqüentes.
Toda a agenda era acompanhada pelo jornal, que detalhava passo a passo
as atividades de Nogueira Accioly naquele dia. Incluía os pormenores das
festividades, o cardápio do almoço ou jantar, reproduzido na íntegra nas folhas de
seu jornal. O compromisso da oligarquia com seu chefe tinha uma conotação de
dependência, de veneração.
Aqui, num banquete oferecido aos deputados cearenses o jornal detalha a
festa, anunciando brindes feitos a Nogueira Accioly, o horário em que foi servida a
sobremesa, descrevendo em minúcia o desenrolar dos festejos, não se furtando em
publicar o cardápio na íntegra, para aquela noite.
122
Jornal A Republica, Fortaleza, Senador Accioly, 12/10/1896, nº 229. p. 1.
80
HOMENAGEM
À
Representação Federal Cearense
Tributada pelo Dr. Pedro Augusto Borges
Presidente do Estado
Fortaleza, 20 de abril de 1901.
MENU
POTAGE
Petits pois au crôuton.
Ecrévisse au Moyen-Age.
Galantine de Poularde.
Poisson saúce cúpre.
Dinde truffé et jambon.
Filet-boeuf à Richelieu.
LEGUMES
Plats assortis.
Asperger saúce beurre.
SALAD
Confitures Assorties.
VINS
Chateau Medoe, Chateau St. Julien, Bourgogus, Pommara, Risseting,
Sauterne, Porto.
CHAMPAGNE
–Cognac – Café–
123
O jornal mostra, com isso, uma preocupação em tornar pública uma
distinção social, quando expõe em suas páginas o menu do jantar à maneira
francesa. Em tempos de estiagem, como foi o ano de 1901, a oposição fez longos
artigos acusando a oligarquia de usar dinheiro público para fins que não os socorros
à população faminta.
123
Jornal A Republica, Fortaleza, Festa Política (A Republica), 22 / 04 / 1901, nº 92, p. 1.
81
Figura 19 –Artigo do jornal A Republica ilustra a preocupação desse periódico em pormenorizar esse
tipo de evento, inclusive, mostrando o cardápio. 27/07/1896, nº 168.
Por todo mês de outubro foram reproduzidos pelo jornal telegramas e cartas
de felicitações pela passagem do aniversário de Nogueira Accioly. Exibidos como
troféus, vinham do interior do Ceará e de várias partes do Brasil. Ao jornal cabia
82
agradecer, em nome do preclaro chefe, estas manifestações de amigos e
correligionários.
Congratulações
De vários pontos no Ceará, recebeu-o o eminente chefe do partido
republicano e querido director político desta folha, exmo. sr. dr. Nogueira
Accioly, inolvidáveis testemunhas de apreço de quantos ao seu lado
pelejam pela boa causa da integridade republicana do Estado. Aqui os
reproduzimos com o maior desvanecimento.
Rio 11
Parabéns
Bezerril
Quixadá 11
Cordiaes saudações por vosso anniversário natalício. Votos sinceros pela
prolongação de vossa existência preciosa aos amigos que vos
reconhecem chefe político modelo amigo e dedicado.
Álvaro Alencar
124
Na mesma linha, a composição de seu próprio calendário cívico, o jornal
oligárquico alardeava tamm a data de 15 de novembro. A instauração da
República no Brasil merecia comemorações. Eram, ano a ano, organizadas com
desvelo, com o jornal reiterando a constituição de uma comissão para trabalhar na
organização do evento. Tal festa era considerada como um marco histórico e
tamm como um rito de passagem de um regime que fora superado e que estava
associado à escravidão, sendo a República o tempo de liberdade. A metáfora era o
do amanhecer, do despertar dos primeiros raios de sol, a luz intensa, em
contraponto à extinta monarquia. Tudo isto culminando com a idéia de redenção,
como se observa aqui:
A memorabilissima e perfulgente data que assignala, nos fastos gloriosos
da historia patria, a nossa redempção potica, o inicio de nossa vida de
cidadãos livres, de nação independente e forte, que soube quebrar os
opressores grilhões de uma realeza estupida e aviltante, imcompativel com
a indole altiva e imsubmissa do povo brasileiro...
125
Os textos da folha acciolina quando reportavam as festividades de 15 de
novembro eram elogiosos à pessoa de Accioly, sendo ele o homenageado. A
referência para os atos festivos da oligarquia era o próprio presidente do Ceará.
Quando o jornal A Republica festejava a data, o texto recorria a palavras
como Patriotismo, Liberdade, Democracia para conceituar esse acontecimento. Os
124
Jornal A Republica, Fortaleza, Congratulações, 13/10/1900, nº 235, p. 1.
125
Jornal A Republica, Fortaleza, Congratulações, 13/10/1900, nº 235, p. 1.
83
adjetivos serviam, inclusive, para caracterizar a República e também Accioly, que
segundo esse jornal, estava sempre em consonância com os primeiros catequistas
do novo regime: Fenelon, em Telêmaco; Montesquieu, no Espírito das Leis e
Rousseau, no Contrato Social.
O jornal demonstrava preocupação em ser minucioso na descrição dessas
festas.
Terminou o espectaculo com uma artista deslumbrante apotheose,
representando A Republica, sobre um globo, tendo por traz uma linda
concha, vista à luz de fogos cambiantes e ao som electrisante do hymno
nacional. Os espectadores ao assistirem essa soberba homenagem À
Republica, prorromperam em estrepitosos applausos e calorosos vivas.
126
Os desfiles, além de conduzirem os “retratos dos immortaes
propagandistas”,
127
traziam moças e rapazes em trajes próprios à ocasião,
carregando bandeiras com frases patrióticas e sempre dando vivas ao presidente do
Estado, Nogueira Accioly, ao presidente do Brasil Campos Salles e à República. No
final da passeata, como destaque, um carro alegórico com uma moça ricamente
ornamentada simbolizando a República, seguida por um batalhão de infantaria no
qual, rapazes portavam “bouquets de flores naturaes à bocca das carabinas”,
128
segundo o jornal.
A participação da figura feminina nessas festividades era comum. Num dos
artigos em que o jornal A Republica trata das comemorações alusivas ao aniversário
de Nogueira Accioly, por exemplo, ressalta-se que ao lado dos correligionários e
amigos estão as distintíssimas senhoras, graciosos ornamentos da flor da nossa
elite”.
129
As apoteóticas festas organizadas pela oligarquia de Accioly demonstram
uma preocupação em não deixar esquecer datas e fatos da política, no calendário
instituído para a cidade. Nos jornais, percebe-se o cuidado dos oligarcas com as
comemorações, organizadas segundo uma “acção anamnética”, uma espécie de
126
Jornal A Republica, Fortaleza, Pela Republica, 20/11/1901, nº 265, p. 1.
127
Jornal A Republica, Fortaleza, Congratulações, 13/10/1900, nº 235, p. 1.
128
Jornal A Republica, Fortaleza, Congratulações, 13/10/1900, nº 235, p. 1.
129
Jornal A Republica, Fortaleza, 11 de Outubro (A Republica), 11/11/1899, nº 232, p. 1.
84
seleção do passado, elegendo-se o que deveria ser lembrado, para ser incultado
como “memória histórica” e estadual.
130
As festas pretendiam um efeito mobilizador das sensibilidades e de
aglutinação na cidade. As ruas eram ornamentadas, clubes e teatros enfeitavam
suas sacadas, o povo corria às ruas acompanhando o desfile, edifícios se
iluminavam, autoridades se reuniam, bandas se revezavam na execução dos hinos e
dobrados, para saudar a República em seu aniversário.
Na República repousava, pois, o lugar da democracia. As instituições desse
regime são proclamadas como livres, e, como tal, distantes da corrupção que
assolou o país por cinqüenta anos. Em oposição, a monarquia decaída significava o
atraso, a injustiça, velhos hábitos, a indisciplina, a falta de ordem. Essa nova era”
necessitava de instituições fortes, que se dispusessem a cumprir a missão
republicana: garantir liberdade e cidadania.
É essa a retórica dos impressos aqui estudados, ressaltando a perspectiva
de realização missionária dos pressupostos republicanos, como se vê aqui:
E porque essa atitude brilhante, unica compativel com a sua missão, com o
sentimento philosophico que é, ao mesmo tempo, a alma e o corpo dos
principios modernos? A civilisação, o dogma da fraternidade social, são o
evangelho que esta ahi a responder por nossos labios: na sociedade
democratica os exercitos exprimem como os cidadãos, o principio da
integridade e da indivisibilidade do governo e da nação. Si o paletot do
cidadão se distingue dos dourados de uma farda militar, não se distinguem
os corações que elles abrigão. O soldado e o paisano estão ligados pelo
mesmo patriotismo, pelo mesmo amor à Republica, e pela mesma
inspiração e pelo mesmo devotamento que os anima ...
131
O regime republicano, na retórica do jornal acciolino, seria o lugar da
igualdade dos povos, do progresso. Não se seguia tão somente princípios liberais
que acabam dando margem ao nepotismo e à tirania, nem se buscava o paradigma
ateniense de governo pautado pela mobilidade das inspirações do momento, nem a
democracia romana, quando o patriciado aliciava os votos da população. Não seria
parecido com os venezianos, de governo autocrático, tendo como instituições a
infâmia e a traição, e nem o temporário modelo inglês, com seu fanático Cromwel. A
República brasileira seria de um povo pacífico, ordeiro, generoso, baseada no
130
CATROGA, Fernando. Nação, Mito e Rito: Religião Civil e Comemoracionismo (EUA, França e
Portugal). Op. Cit. p. 91.
131
Jornal A Republica, Fortaleza, Pela República, 15 e 16/11/1899, nº 261, p. 1.
85
comércio, trabalho, e que se preocupa com o bem de todos
132
. É essa a
argumentação de fundo histórico que o jornal difunde.
A República, para Accioly, seu jornal e correligionários, começa no Rio de
Janeiro e é adotada no Ceará. Longe de qualquer imposição, é acolhida de maneira
consciente, obedecendo apenas a uma vocação natural de seu povo para a
liberdade, como demonstrado pelos movimentos que levaram ao abolicionismo.
Caberia ao governo, assim como ao povo, colaborar para seu sucesso, lutando
contra qualquer possibilidade de uma restauração monárquica.
Para tanto, um dos caminhos defendidos pela política oligárquica, segundo
o jornal A Republica, é respeitar a Constituição.
133
Abraçar suas disposições, seus
princípios, hipóteses e doutrinas, que em seu espírito liberal visa apenas ao
engrandecimento da República brasileira. Além de manter-se ao lado da lei, é
necessário buscá-la, estar “junto a ella como ao de um altar, conscientes de que
o cimento do novo regimen é o respeito e o amor ao pacto da Republica”.
134
Portanto, julgam ser a Constituição uma simbologia cara ao bom
funcionamento do regime, acrescentando que:
Para nós que julgamos serem a base das instituições republicanas a
federação e o presidencialismo, e que só vemos na lei de 24 de fevereiro a
cabal e perfeita consagração d’esses dous principios, a data de hoje é uma
verdadeira festa nacional, porque marca na historia d’esses primeiros dez
anos da nova phase política uma grande conquista.
135
O regime republicano é interpretado pelo jornal de Accioly como
indispensável ao povo brasileiro, assim como o presidencialismo e demais
instituições que passaram a ser defendidas pela oligarquia sem quaisquer ressalvas.
Vendo, porém, garantidas na perfeita execução dos dispositivos
constitucionaes em vigor a soberania da Nação e a autonomia do Estado,
as condições supremas da democracia brasileira, temos motivos de
religiosa adhesão à integridade e razões de absoluta confiança na
applicação feliz de seu texto...
136
132
Jornal A Republica, Fortaleza, Pela Republica, 15 e 16/11/1899, nº 261, p. 1.
133
A Constituição a que se refere o editorial é aquela elaborada durante o Governo Provisório de
Deodoro da Fonseca, em fevereiro de 1891, preconizando, o Federalismo, o Presidencialismo e
pontuando as contradições entre as principais forças do Estado: civis e militares, e exército e
marinha. Reitera o caráter transitório do cargo de Deodoro da Fonseca. CARONE, Edgar. A
República Velha. Op. Cit. p. 30.
134
Jornal A Republica, Fortaleza, 4 Constituições (A Republica), 24/02/1899, nº 45. p. 1.
135
Jornal A Republica, Fortaleza, 4 Constituições (A Republica), 24/02/1899, nº 45. p. 1.
136
Jornal A Republica, Fortaleza, 4 Constituições (A Republica), 24/02/1899, nº 45. p. 1.
86
É notória, no plano da escrita, a defesa visceral da oligarquia às instituições
republicanas. São expressões da, estabilidade e segurança e a Constituição
brasileira seria dona de uma racionalidade, consciência e aplicabilidade singulares
quanto às suas leis. Inimiga das ditaduras, a carta magna prima, em largo sentido,
pela democracia, justiça e bem da pátria, assim como de todo o seu povo, segundo
o jornal.
A República é exaltada na folha acciolina. O federalismo trouxe mais
unidade para a Nação, ao contrário de separá-la, permitindo o desenvolvimento do
país. O princípio federativo conta com a colaboração e o apoio de todos, que
segundo o jornal, não enfrentava oposição quanto à sua manutenção. Todos
aplaudiam esse novo sistema, pela igualdade que dispensava aos indivíduos.
Na homenagem que a oligarquia prestou a República, em seu décimo
primeiro aniversário, diz em seu jornal que ali se encerravam onze anos de vida
tranqüila e bastante feliz. Tempo em que reinou o patriotismo, a generosidade, a
fraternidade e a incansável busca de se fazer um grande país. Os que fizeram
previsões de dias de angústia para a transição política não eram brasileiros que
responsavelmente desejavam o engrandecimento de nossas instituições.
137
Mais uma vez o jornal alude ao quinze de novembro como data festiva da
proclamação e ao dia dezesseis pela adesão do Ceará ao novo regime. Comum a
essa época, as grandes festas são acompanhadas jornalisticamente e outras
manifestações de apreço. Reitera-se a importância do dezesseis de novembro para
o Ceará, como se pode perceber no artigo A Republica no Ceará, comentando:
Foi a 16 de novembro que o anjo luminoso da Democracia abriu as azas
sob este céu eternamente puro destendendo um como pallio bemdicto
sobre os nossos destinos. A patria cearense, pelos ensinamentos da
historia, pela propria intuição dos grandes ideaes, ainda a sentir a
influencia glorificante da assombrosa campanha da Abolição, banhou-se à
luz vivificadora do novo regimen, com a mesma convicção decidida do
patriota que põe a dextra sobre o estandarte de sua nacionalidade, no
momento em que os destinos communs, a segurança e a paz publicos,
podem perigar os embates de graves acontecimentos sociaes.
138
Em raras situações o jornal esquivou-se das comemorações em
homenagem à República. Salvo as conjunturas de secas, como no ano de 1900 que
137
Jornal A Republica, Fortaleza, 15 de Novembro, 15 e 16/11/1900, nº 262 e 263, p. 1.
138
Jornal A Republica, Fortaleza, 15 de Novembro, 15 e 16/11/1900, nº 262 e 263, p. 1.
87
refreavam os costumeiros festejos. Porém, a política de Accioly deixa claro que sua
adesão ao regime que acabara de ser implantado era total.
Diante de tão rendida admiração à causa republicana, assim como ao
próprio regime implantado no país, o jornal A Republica mostra uma característica
interessante que marca a oligarquia acciolina e sua condução política. O regime
republicano e o presidente do Brasil são comumente confundidos, ou melhor, um
representa o outro. A República brasileira está diretamente vinculada a essa
autoridade, portanto a relação entre forma republicana e o sistema de governo
passa a ser naturalizado.
Não se costuma separar as categorias políticas. Confundindo ou
simplesmente fundindo os dois, o jornal se apresenta como porta-voz da República,
já que o papel de incentivadora pertence aos acciolinos. Estar na oposição ao
governo cearense, ou mesmo contra o jornal, significa estar na contramão do ideário
republicano, até mesmo contra o Brasil, contra o progresso, a ordem e o
crescimento do país. Qualquer crítica soa imediatamente injusta aos partidários do
regime.
A oligarquia se atribuía a missão de dar ao governo cearense o perfil da
República brasileira. Para isso, se fazia necessário cultivar no povo, na “alma
cearense”,
139
uma esperança em um futuro melhor a partir da causa republicana.
Primar por virtudes como a força, ter como lema o patriotismo, adotando como forma
de governar o dinamismo e a devoção à causa pública, certamente faria com que o
objetivo fosse atingido. Aqui se o larguíssimo efeito laudatório e a retórica
deslocada das realidades da política local esta última, lugar das rivalidades, do
nepotismo, da violência.
Para o jornal oligárquico as administrações de Nogueira Accioly são
exemplos do cumprimento dessa missão.
É que o primeiro governo de s. exc. Havia sido uma força-com ordem e
tolerância; e o segundo, tendo como lema agir por patriotismo (...) viria a
ser certamente progresso e devotamento à causa publica. Assim, uma era
como que a rma estática, o outro como que a fôrma dimica, dum
republicanismo, elevado e puro, adaptado às condições, aos interesses e
aspiações da collectividade cearense.
140
139
Jornal A Republica, Fortaleza, Retrospecto Político II, 09/01/1906, nº 6, p. 1.
140
Jornal A Republica, Fortaleza, Retrospecto Político II, 09/01/1906, nº 6, p. 1
88
Esse discurso em defesa da República e dos interesses do povo cearense,
nas palavras do jornal, atingem o governo de Pedro Augusto Borges (1900-1904),
que aparentemente não participaria do campo de influência e controle oligárquicos.
Ao descobrir irregularidades na administração de Nogueira Accioly, Pedro Borges
decide denunc-lo às autoridades.
Figura 20 - Foto de Pedro Borges no jornal A Republica, por ocasião de sua posse no governo do
estado em 12 de julho de 1900. 12/07/1900, nº 157.
Formado médico no Estado da Bahia, Pedro Borges segue carreira militar e
com a instauração da República passa a integrar a política. Deputado nas eleições
de 1894 e 1897 é escolhido pelo ministro da fazenda de Campos Salles, Joaquim
Murtinho, para substituir Accioly no governo do Ceará após o término de seu
primeiro mandato em 1900. Joaquim Murtinho era inimigo político de Nogueira
Accioly.
141
Posteriormente rendido ao catecismo acciolino em virtude de um acordo
para elegê-lo senador quando seu mandato tivesse chegado ao fim, em 1904, e o
retorno de Accioly á presidência do Ceará, Pedro Borges acaba mantendo-se fiel à
linha política do chefe oligárquico, que continua a controlar a política cearense sem
preocupações.
A administração de Borges se compromete a dar continuidade à montagem
e sustentabilidade do projeto republicano no estado do Ceará. O compromisso
141
STUDART, Guilherme. Dicionario Bio-bibliographico Cearense. Volume Terceiro.Fortaleza:
Typ. Mineira, 1915. p. 18.
89
principal de seu governo seria o de seguir as leis e princípios republicanos, como
aponta o artigo.
Minha principal preoccupação é continuar na direcção do Estado o culto
sincêro e fervoroso a fé republicana, pela pratica rigorosa dos principios
fundamentaes que constituem a excellencia dos governos democraticos.
Só assim comprehendo que a Republica atinja os seus grandes destinos, e
que a federação, a mais preciosa conquista do novo regimen, produza
todos os seus beneficos resultados.
142
Defender as instituições republicanas significava patriotismo. Nesse sentido,
o jornal elabora os sentidos de pátria, república, democracia, federalismo, como
sendo, na verdade, frutos de uma mesma árvore. O Ceará encontrava-se entregue
aos políticos fiéis a Accioly que se mostravam, em tese, rendidos ao discurso
republicano da época. Tudo isso está organizado, em parte, como contrapartida ao
governo federal, que, por sua vez, dispensa aos estados federados um papel na
sustentação do regime.
O governo de Manuel Ferraz de Campos Salles investirá nessa direção. O
fato de Accioly ter em seu partido e governo o reflexo direto da república brasileira,
assim como de suas instituições, deve-se a sua aproximação com a política de
Campos Salles. Assumindo o governo federal em 1898, seus quatro anos à frente da
presidência rendem ao país a instalação de uma organizada malha de acordos
políticos conhecida como “Política dos Governadores”.
143
142
Jornal A Republica, Fortaleza, A Plataforma Presidencial,13/07/1900, nº 158, p. 1.
143
A “Política dos Governadores” idealizada por Campos Sales se traduzia em estruturas de poder
montadas nos Estados. Esses estados passam a exercer um domínio sobre a potica nacional
mediante acordo com as oligarquias estaduais e às facções municipais. Essas duas forças, juntas,
davam o apoio ao presidente, que por sua vez, dependia de acordos com as oligarquias para se
manter no poder. SOUZA, Maria do Carmo Campello. O Processo Político-partidário na Primeira
República. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em Perspectiva. São Paulo: DIFEL, 1971.p.
169.
90
Figura 21 - Foto de Campos Salles no jornal A Republica em comemoração ao 15 de novembro. O
presidente personifica o 15 de novembro, segundo esse periódico, como atesta a figura 21, logo
abaixo. 15 e 16/11/1898, nº 261 e 262.
Figura 22 – Jornal A Republica, 14/11/1889, nº 260.
91
Para Campos Salles, o sistema federativo não enfraqueceu a unidade
nacional. Ao contrário, permitia o desenvolvimento de todas as forças, inclusive as
locais, em consonância com os interesses econômicos da nação. A República
estabelecia assim a harmonia entre os poderes executivo e legislativo, guardando as
autonomias, e, com isso, eliminando as barreiras que impediam o país de dar um
salto econômico.
É o que afirma Campos Salles em sua mensagem ao Congresso Nacional
em 1899, (...) a Republica que não conta adversários é a forma definitiva do
governo de nossa patria”.
144
A República, feita com os governadores e autoridades
locais obediente ao pacto dos governadores, era concentradora. Os estados, mesmo
federalistas e autônomos, sofriam intervenções diretas do governo federal, assim
como o Congresso. Não existia competição política ou disputas eleitorais, quem
estivesse ao lado do presidente, estaria no poder.
145
Mas o que se vê é um governo enfrentando tentativas de conquista do
poder por parte da oposição, apesar dos acordos firmados entre governo federal e
oligarquias estaduais.
Na análise de Campos Salles não existem disputas pelo poder. Cita como
exemplo o estado do Rio Grande do Sul, nos anos de Borges de Medeiros, que
tamm sofre um “arrefecimento” nas disputas políticas. Salles continua afirmando,
inclusive, que:
Nos estados do norte o congelamento das disputas é semelhante, com a
diferença de eternizar no poder máquinas políticas com forte feão
familiar, como demonstram os casos de Acioly no Ceará, Nery em
Amazonas e Rosa e Silva em Pernambuco...
146
A oligarquia apóia, logo de início, o presidente Salles. O jornal A Republica,
em 1899, nas primeiras edições, realiza intensa campanha a seu favor. Amplamente
comemorada, a vitória abre para Accioly a possibilidade de manter-se no poder,
adotando uma política nos moldes de Salles, trazendo a oposição para seu controle
e cooptando os pequenos chefes locais, para com isso colaborar com a política
nacional em vigência.
144
Jornal A Republica, Fortaleza, Mensagem Presidencial, 04/05/1899, nº 102, p. 1.
145
LESSA, Renato. A Invenção Republicana: Campos Sales, as Bases e a Decadência da Primeira
República Brasileira. São Paulo: Vértice / Editora Revista dos Tribunais; Rio de Janeiro: IUPERJ,
1988.p. 121.
146
Jornal A Republica, Fortaleza, Mensagem Nogueira Accioly IV, 13/07/1900, nº 184, p. 1.
92
Waldy Sombra apresenta Campos Salles enquanto formador do espírito
republicano no Brasil, graças à sua “Política dos Governadores”.
Em curto lapso de tempo, a Política dos Governadores gerava,
principalmente no Norte e Nordeste, as oligarquias, os grupelhos, senhores
absolutos de tudo e de todos, roubando o direito às manifestações pelo
voto livre, estrangulando a voz popular. Isso, em pleno regime
republicano!
147
O grupo de Accioly passa a representar o regime republicano no Ceará. São
os responsáveis pela sua defesa, e forças de sustentação. Tomam para si a missão
de promover o seu desenvolvimento, o que lhes daria a certeza de contribuir
diretamente para o crescimento da pátria. Intitulam-se autores de uma política
pacífica, preocupada com o bem do cidadão e da terra cearense, primando pela lei
em primeiro lugar.
Nas páginas do periódico oligárquico, as vitórias eleitorais estão ligadas ao
prestígio pessoal de Nogueira Accioly. Nas eleições federais e estaduais, o Partido
Republicano Federal e a oligarquia são constantemente vitoriosos. A leitura do jornal
para tal situação é a confiança e o reconhecimento do povo cearense nos seus
políticos, preocupados com suas necessidades e desejos.
O jornal, em sua escrita triunfalista, aborda o assunto de modo a construir
sempre uma apreciação positiva da oligarquia:
O reconhecimento dos 10 deputados eleitos pelo nosso partido á sombra
garantidora da lei: a consagração do voto livre do eleitorado cearense,
reflectindo-se ainda no seio do Senado Brasileiro, pelo reconhecimento do
nosso illustrado amigo Joakim Catunda; são as mais perfeita das victorias,
o mais significativo dos trumphos que poderia experimentar um partido
político, ainda que, como o nosso, este partido represente a soberania
popular, a unanimidade de vista das classes laboriosas, sob a direcção
iluminada de um chefe como s. exc. o sr. dr. Nogueira Accioly.
148
A oligarquia mantinha o controle da máquina eleitoral, e os partidos, nessa
nova ordem, para fazerem quorum frente ao ideal de federação, existem cada um
em seus estados sem manter pontos de ligação entre si. Baseando seus poderes
nos coronéis, pequenos chefes locais, os grupos oligárquicos organizavam,
implementavam e assumiam o processo eleitoral, sendo a distribuição de cargos e
147
SOMBRA, Waldy. A Guerra dos Panfletos: Maloqueiros x Cafinfins. Fortaleza: Casa de José de
Alencar/Programa Editorial, 1998, p. 29.
148
Jornal A Republica, Fortaleza, Suprema Victória, 01/05/1900, nº 99, p. 1.
93
privilégios uma constante nessa situação. Era o fôlego da Política dos
Governadores”.
149
Se a organização política implantada por Accioly no Ceará era favorável a
Campos Sales, mostra-se também partidária de Rodrigues Alves, bastante próxima
a Afonso Pena e Nilo Peçanha. Uma vez instalados no governo federal não se
encontram no jornal críticas a tais personagens. A plataforma presidencial de
Rodrigues Alves é detalhada pela folha, mostrando um discurso de campanha
exaltador e triunfalista, sendo Alves sinônimo de modéstia e justiça.
150
O jornal A Republica para o ano de 1908 não poupa elogios a Afonso Pena.
Vale ressaltar aqui relatos de almoços e brindes oferecidos a Accioly pelo vice-
presidente Nilo Peçanha,
151
apresentando uma aproximação entre os políticos em
questão, vigorando o mesmo tom laudatório. Afonso Pena é, inclusive, apresentado
aos leitores como um governo econômico, pela austeridade nos gastos públicos.
152
O governo de Accioly não faz oposição aos presidentes da República. Nesta
linha, o jornal é elogios e cortesia ao governo central. Nas costumeiras louvações
durante o aniversário do regime, o constantes as aposições de retratos desses
políticos, uma confirmação do elogio.
Esse parecia ser o princípio defendido pelo periódico de Accioly. Elogiar o
mandatário da nação era o elogio da República. Elevar os nomes de Campos Sales,
Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha ou Hermes da Fonseca, significava
enaltecer o Brasil, a Pátria, digna de toda honra e desvelo. Suas administrações
eram sempre espelhos das necessidades do povo brasileiro e responsáveis diretas
pelo bom andamento dos princípios republicanos no Brasil.
Nesses termos, o jornal se reporta a Rodrigues Alves, relatando que sua
vida é uma constante luta no campo social, definindo-o da seguinte forma:
O sr. Rodrigues Alves desde muito é uma individualidade que se distingue
no scenario politico; desde a sua passagem pelos postos mais
ambicionados teve a coragem civica de inscrever em sua aljarva o relevo
brilhante das idéias por que se bate em prol da democracia.
153
149
PORTO, Eymard. Babaquara, Chefetes e Cabroeira. Fortaleza no Início do Século XX. Op. Cit.p.
36.
150
Jornal A Republica, Fortaleza, A Plataforma Presidencial (A Republica), 31/08/1901, nº 195, p. 1.
151
Jornal A Republica, Fortaleza, Telegramas (A Republica), 14/01/1908, nº 10, p. 1.
152
Jornal A Republica, Fortaleza, Governo da Republica (A Republica), 06/02/1908, nº 30, p. 1.
153
Jornal A Republica, Fortaleza, Mensagem Presidencial (A Republica), 102, 04/05/1899, p. 1.
94
E continua, afirmando que, de acordo com sua plataforma de governo, o
mais importante era firmar o regime republicano.
Em uma syntese admiravel, s. exc. condensou os principios mais
acertados que entendem como a vida social, politica, e economica do paiz.
D’esse documento importante que endeixa o seu programa ou o perfil do
futuro governo, tres pontos se destacam, cuja solução pode assegurar a
estabilidade da Republica, sua tranquilidade e progresso: o
presidencialismo, a reforma do regimen eleitoral e a proteção á agricultura,
de onde depende, á luz de rigorosa moralidade, a expansão dos demais
planos administrativos.
154
As palavras de apoio, admiração, apreço e confiança são dispensados a
todos os presidentes. Enquanto a monarquia aparecia como o velho, decaído, antigo
e ultrapassado, a República significava o novo, moderno, a excelência, o futuro,
merecedora, portanto, da retórica enaltecedora. Dona de predicados zelosos
conduzia a nação em direção ao patriotismo, glória, democracia, justiça, ordem e
paz, com a colaboração honrosa de seus governantes.
O Brasil era, assim, uma república federativa sagrada pela soberania
popular e pela realeza de todos”,
155
conduzida por homens dotados de extrema
energia, autoridade e princípios. Suas ações primavam, principalmente, por uma
radical transformação das instituições políticas do Estado, com o intuito de promover
a implantação de uma constituição que defendesse os interesses do povo e
construísse um governo forte, liberal, estável e autônomo.
O acciolismo, e seu jornal apresentam uma pátria republicana de
solenidades e festas. Uma República ornada de arcos, galhardetes e muitas
bandeirolas. Palco para a liberdade, para a moral, perseverança, firmeza, e
exercícios administrativos de estadistas justos, serenos e capazes. A retórica e a
alegoria na praça desejam instituir a legitimidade do governo.
O discurso da folha A Republica é legitimador da política de Accioly, que
sintetiza as características de seu grupo. É o que resume o periódico situacionista,
apresentando-o como chefe do Partido Republicano, do jornal e do governo do
Ceará. A sua relação com o A Republica e como ele é descrito em suas páginas é
tema para o próximo item.
154
Jornal A Republica, Fortaleza, Mensagem Presidencial (A Republica), 102, 04/05/1899, p. 1.
155
Jornal A Republica, Fortaleza, 15 de Novembro, 15 e 16/11/1898, nº 261 e 262, p. 1.
95
1.3 - “O Ceará ser-lhe-á agradecido” – Antonio Pinto Nogueira Accioly
Foi político no antigo regimem onde foi chefe do partido liberal, no
Ceará, após o fallecimento do Senador Pompeu, em cuja escola educou-
se.
Formado em sciencias juridicas e sociaes pela faculdade do Recife
entregou-se nos primeiros tempos à magistratura, tendo exercido com
inteireza de caracter e justiça os diversos cargos que ocupou.
Mais tarde dedicou-se à vida política tendo occupado o cargo de 1º vice-
presidente da então província do Ceará, cargo que ocupou por mais de
uma vez, sendo eleito deputado provincial e geral e por último, senador
no império, logar este em que o encontrou A Republica.
156
O jornal A Republica traz nesse artigo uma resumida biografia política do
presidente do Ceará, empossado em 1896, e que deu início a uma política
oligárquica duradoura. Nogueira Accioly dominou a cena política cearense por
dezesseis anos, e como informa o texto acima, era remanescente do liberal Senador
Pompeu, homem de grande influência na política cearense na segunda metade do
século XIX, que ao morrer em 1877, deixa o genro Accioly na chefia do partido
liberal no Ceará.
O Partido Liberal do Ceará era formado por dois grupos: os Paulas e os
Pompeus. Accioly, no entanto, não conseguiu manter a unidade de outrora. Assume,
então, a liderança do grupo dos Pompeus e Antonio Rodrigues Júnior, a dos Paulas.
Sob a proteção de Sinimbu, ministro do Imrio, tornou-se Presidente da Província
do Ceará, em 1878, daí passou a deputado na Câmara dos Deputados Gerais,
depois Vice-presidente da Província, e por último, Senador, cargo que não assumiu
dada a conjuntura daquele momento de instauração da República.
157
Movendo-se em meio às dissenes intra-oligárquicas, sua habilidade para
os negócios da política era inquestionável. Com os partidos imperiais extintos,
Nogueira Accioly reivindica para si a influência conquistada. A sua capacidade de
adaptação foi testada no momento de instauração da República no Brasil,
156
Jornal A Republica, Fortaleza, Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly, 05/08/1896, nº 176, p. 1.
157
ANDRADE, João Mendes de. A Oligarquia Acciolina e a Política dos Governadores. In
SOUZA, Simone (coord.) História do Ceará. Op. Cit.p.214.
96
Aceitando esta, formou com o chefe conservador, barão de Aquiraz, a
“União Republicana” que mais tarde veio a fundir-se com o ”Centro
Republicando”, de que eram chefes os senadores João Cordeiro e Manoel
Bezerra, para formar-se o partido federal naquele estado.
Presidente da República Constituinte do Ceará, foi por esta eleito vice-
presidente do Estado, cargo que teve de renunciar para ser eleito senador
da República.
158
Com o advento do regime republicano, Accioly se depara com um novo
quadro. Como monarquista, vê-se distanciado das ações políticas. Contudo, observa
a ruptura dos republicanos ditos históricos entre “Maloqueiros” e Cafinfins”, que
disputariam a condução do jogo político no Ceará. Os Maloqueiros, ligados aos
republicanos históricos, entre eles João Cordeiro, serão alijados por Accioly na fusão
do Centro Republicano e União Republicana, para dar origem ao Partido
Republicano Federalista, em 1º de Junho de 1892.
A presidência do Partido Republicano Federalista coube à Nogueira Accioly,
fazendo do jornal A Republica, seu porta-voz. Com a conquista do governo estadual
em 1896, ele controla as três instituições.
Aroldo Mota, analisando o período, afirma que o nome de Accioly para o
governo do Ceará se consolidava na administração do presidente Bezerril
Fontenele, que percorreu boa parte do Estado apresentando-o a seus partidários,
reunindo-se em fazendas e sítios, principalmente no interior.
159
Por outra via, o jornal A Republica publicava um artigo intitulado Ao
Eleitorado Cearense, assinado pelo Partido Republicano Federal, no qual indicava
seus candidatos, inclusive Nogueira Accioly, apresentando-o como homem de
prestígio, criterioso e de aptidões políticas. Uma das tarefas do jornal era a criação
de um perfil de Accioly para ser explorado em suas páginas.
Caráter integérrimo e disciplinado, experimentado e acendrado nas
múltiplas e porfiadas lutas políticas, exemplo e modelo de quanto vale o
esfoo individual, honesto e moralizador na conquista das posições
sociais, ambicioso do justo, sua Exc. o Sr. . Dr. Accioly, na realização do
bem comum, e, além de um ensinamento vivo, uma garantia indefectível e
inamolgável, um phinto em que hão de repousar seguras as nossas
instituições democráticas.”
160
158
Jornal A Republica, Fortaleza, Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly, 05/08/1896, nº 176, p. 1.
159
MOTA, Aroldo. História Política do Ceará, 1889-1930.Op. Cit. p. 97.
160
Jornal A Republica, Fortaleza, Governo do Estado, 01/07/1896, nº 156, p. 1.
97
À frente do governo no quatriênio 1896 a 1900, acumula chefias e vitórias
para seu partido, que se auto-proclama nos anos de 1900 como o “maior
agrupamento sistematizado do país”
161
, também responsável pela chegada de
Accioly ao senado nesse mesmo ano. Enquanto Pedro Borges assume o governo
estadual entre 1900 e 1904, o chefe do partido republicano cearense, e agora
senador, não deixa de exercer seu poder e influência, o que acabou por aproximar
Borges da oligarquia acciolina.
Com a aproximação da sucessão local, o jornal noticia com orgulho, que o
partido republicano e suas agremiações no interior do estado resolveram apresentar
o nome de Nogueira Accioly para o cargo, indicado pelos influentes políticos locais e
autoridades do partido, sem nenhum voto contrário. É cada vez mais evidente a
condição de porta-voz do jornal A Republica da política de Accioly. Faz-se
propaganda do partido e do governo, numa operação de exaltação da figura de
Nogueira Accioly, emprestando-lhe qualidades e tecendo inúmeros elogios.
À apresentação de seu nome para as próximas eleições, o partido obtém a
seguinte resposta:
O Senador Nogueira Accioly a quem os amigos dirigiam-se em
communicação do ocorrido, julgou-se no indeclinável dever de
corresponder à nova prova de confiança com que o distinguiam e
respostou acceitando a candidatura que acabara de ser deliberada em
conselho do partido...
162
Em 1904, o que se é a permuta de cargos que ocupavam Accioly e
Pedro Borges. Accioly assumiu o governo estadual e Pedro Borges o posto de
senador. Quanto à imprensa será um campo de combates, marcado por grande
violência. O jornal A Republica e seus opositores, Unitario e Jornal do Cea, serão
protagonistas de longos e sucessivos embates.
É também no segundo mandato que Accioly articula o projeto de reeleição
que o beneficiaria na eleição seguinte para a presidência do Ceará. Utilizando-se de
toda sorte de estratégias, conseguiu tornar realidade a idéia que, segundo um artigo
de sua folha, surgiu como sentimento espontâneo dos “representantes do povo”:;
161
Jornal A Republica, Fortaleza, Governo do Estado, 01/07/1896, nº 156, p. 1.
162
Jornal A Republica, Fortaleza, Senador Nogueira Accioly, 21/08/1903, nº 183, p.1.
98
A patriótica idéia de reeleição do Exmo.sr.dr. Nogueira Accioly, surgiu dos
legítimos representantes do povo nos municípios, donde emerge, em
poderosos surtos de liberdade, a vida publica em todas as suas faces e
modalidades, para integralizar-se no Estado, syntese suprema que haure
forças de seiva fecunda nos governos locaes, sentindo sempre o seu
influxo vivificador.
163
José Getúlio Frota Pessoa
164
, relata que no ano seguinte à investidura de
Accioly no governo cearense, no segundo mandato, o chefe do partido republicano
reformou o texto constitucional, mudando as condições de elegibilidade para os
cargos de presidente e vice-presidentes do Estado. José Getúlio critica o governo
central face a ausência de providências quanto à ação política das oligarquias:
Não é uma republica federativa a que se compõe de Estados, onde os
governadores se podem perpetuar no poder.
E, sendo assim, é o Governo Federal obrigado a intervir para restabelecer
infrações tão escandalosas do regimem.
No entanto, o Sr. Presidente da Republica, conhecedor destes factos, nem
se anima a intervir, nem solicita do congresso qualquer providência.
165
Para o jornal A Republica, a candidatura partia dos municípios que o
apoiavam. O tom legitimador é reiterado, transferindo ao sentimento do povo as
providências tomadas por Accioly para continuar na condução política do Ceará. A
oposição, que nesse momento combate à reeleição, é classificada de “insana”.
Para o jornal da situação, a continuidade da política acciolina é exigência do
tempo, e para tal, apresenta um retrato com retoques do político e seu governo:
(...) a seqüência de um governo de paz e concórdia, de tolerancia, de
honestidade, de prudencia, firmeza, progresso e de impulssionamento da
indústria, commercio, e lavoura, sob a égide sacrossanta de justiça.
A inquebrantável energia do provecto homem de estado não se abateu no
esfoo ingente de quatro annos de labor perseverante; o seu patriotismo,
a sinceridade de suas convicções, davam-lhe foas para prosseguir
intemerato na obra grandiosa encetada.
166
163
Jornal A Republica, Fortaleza, A Opinião Triunphando, 27/02/1908, nº 48, p. 1.
164
José Getúlio Frota Pessoa, advogado cearense com residência no Rio de Janeiro. Um dos
grandes opositores de Nogueira Accioly, é autor da peça chamada “Contra os furtadores, o libello da
Oligarchia”, publicado pela imprensa carioca. Tal peça foi alvo de muitas críticas por parte do jornal A
Republica, segundo artigo do jornal Unitario de 25 de junho de 1907. Contudo, sua publicação mais
conhecida é “O Oligarcha do Ceara”, de 1912, em que faz um levantamento da oligarquia acciolina,
apresentando os supostos crimes cometidos por Accioly à frente do governo cearense. Ver PESSOA,
Jose Getulio Frota. O Oligarcha do Ceará. Xapuri, Acre: Correio do Acre, 1912.
165
PESSOA, José Getulio Frota. O Oligarcha do Ceara.Op. Cit.p. 138 e 139.
166
Jornal A Republica, Fortaleza, A Opinião Triunphando, 27/02/1908, nº 48, p.1.
99
A despeito dos esforços da oposição, Accioly foi novamente eleito, tendo
como primeiro vice-presidente Graccho Cardoso, seu genro e fiel correligionário. A
argumentação do jornal acciolino era de que o pensamento do partido republicano,
nesse momento, era também o do povo cearense.
O partido se apresenta como verdadeiro representante do povo. Os gritos
da oposição lhe parecem um murmúrio inaudível. Porém, o ano de 1908, para o
jornal situacionista, foi de intenso debate. Intensifica-se o nível de enfrentamento
entre os agrupamentos, tendo nos jornais, a principal arena de disputa política em
torno dos projetos de poder.
O jornal A Republica, mostra através de seus artigos, que o partido
republicano é a expressão do regime e seus ideais nas terras cearenses.
Representa a República, o povo, o governo e até mesmo a política como um todo. E
o grande comandante dessa agremiação é Nogueira Accioly,
(...) obedeceu a uma unânime, enthusiastica e significativa acclamação,
que, partindo dos legítimos órgãos effectivos do Partido, repercutiu em
unissono pelo Estado inteiro, elevando-se a altura de um incontrastável
symptoma democrático, numa perfeita e completa solidariedade do
pensamento republicano collectivo.
Essa vibração moral, sentida desde as maiores às mínimas partículas do
grande organismo político de que no estado somos não o corpo, mas o
espírito e a vida, altamente condigna do prestigio excepcional, do
verdadeiro mérito e consagrado valor do preclaro e illustre chefe cearense,
recomeça nos applausos que vêem coroar essa feliz e acertada indicação
às urnas livres, pela continuidade do governo – deposito vae ser confiado a
sua orientação, honradez e patriotismo.
167
O partido representa tamm uma extensão de seu poder. Accioly é o
responsável direto por suas manobras e seus comandados o vêem como uma figura
acima do erro, de comportamento irreparável, digno de todo o aplauso.
A folha A Republica e o Partido Republicano Cearense usam a estratégia da
(con)fusão dessas instituições e sua personificação no comendador Accioly, como é
chamado pelos fiéis correligionários. Enaltecê-lo significaria então pugnar pelo
engrandecimento da pátria.
Segundo o jornal situacionista, Accioly chega ao poder pelas urnas livres”,
pela “vontade popular”. A realidade é outra, segundo alguns registros da época:
167
Jornal A Republica, Fortaleza, A Opinião Triunphando, 27/02/1908, nº 48, p.1.
100
anotam a dificuldade de eleitores da oposição para conseguir alistamento e
participação no processo eleitoral, para citar um exemplo. Comenta também que, em
alguns lugares no interior cearense, nem mesmo uma simulação era encenada,
que não havia gente nem para formar as mesas eleitorais.
168
Para João Mendes de Andrade, o quadro político mostrava o chefe
oligárquico Accioly governando o Ceará como conduzia uma de suas tantas
propriedades, nas quais sua família tinha participação, decisão e principalmente
sentia-se dona do patrimônio público.
No ano de 1911, quando se aproximava mais um pleito eleitoral para o
governo local, a oligarquia se articula para a escolha de um sucessor que fizesse
parte do grupo. Para tanto, o jornal oligárquico traça um perfil da administração
Nogueira Accioly, nos seguintes termos:
(...)vae descendo para o occaso, sempre radiante de competencia, de
honestidade e de patriotismo, o sol da administração do estado, que tem
vivificado e fecundado o solo de nossa terra, para que na mesma
germinassem e se desenvolvessem as sementes do bem e do progresso,
dando messe abundantíssima de flores e de fructos.
Com os clarões luminosos de indefesa atividade de se recolher, tendo
bem seguro o orgulho dos relevantíssimos serviços prestados, durante um
cyclo governamental, a que o ânimo do historiador, repousado pela
serenidade de uma analyse rigorosa e imparcial, há de consagrar páginas
de justiça e de verdade em cuja leitura irão haurir ensinamentos quantos,
na alta região do poder, aspirarem seguir a larga trajectória do bem, da paz
e da ordem.
169
Nessa mesma edição, o jornal apresenta mais um retrato do governo no
Ceará, um artifício metódico para legitimar o trabalho de Accioly na política
cearense. Aqui, o tom é de admiração e pleno elogio às supostas qualidades
intrínsecas à Nogueira Accioly:
A administração do eminente conterrâneo marca uma era de progresso e
de grandeza para esta terra, que vae prosperando excepcionalmente, sob
o regimem da liberdade e da democracia, aqui praticado com absoluta
verdade.
Quem conhece o dr. Nogueira Accioly, as suas tradições de civismo, de
democrata, de homem de Estado, ha de fazer justiça ao modo porque elle
168
SOARES, Martim. O Babaquara: Subsídios para a História da Oligarchia no Ceará. Rio de
Janeiro: SPC, 1912. p. 24. Martim Soares é, na verdade, Antonio Salles, intelectual cearense, que no
governo acciolino se encontrava exilado, morando no Rio de Janeiro. Escreveu O Babaquara:
Subsídios para a História da Oligarchia no Ceará, concluído em 1911, com o objetivo de desmascarar
o oligarca cearense, Nogueira Accioly. Ver: SOMBRA, Waldy. A Guerra dos Panfletos: Maloqueiros
versus Cafinfins. Op. Cit. p. 65.
169
Jornal A Republica, Fortaleza, Governo do Estado (Gazetilha), 12 de Julho de 1911, nº 157, p. 1.
101
tem sabido pôr em prática essas idéas, esfoando-se pela concórdia de
todos os cearenses verdadeiramente patriotas e trabalhando sem
descanso pelo engrandecimento do Ceará.
170
Accioly e sua política são, para o jornal, sinônimos de justiça, moralidade,
patriotismo e liderança, dentre tantas qualidades que a folha apresenta a cada dia.
O jornal da oligarquia constrói uma ligação entre a política de Accioly e o
progresso econômico do Ceará. Cita como estratégia de Accioly a aproximação que
mantinha do governo central e do Congresso Nacional. Um exemplo foi o suporte
que deu, aqui no Ceará, à política dos governadores encampada por Campos
Salles.
Tal política sistematiza o poder de Salles dentro dos estados, baseado
numa liderança pessoal e no controle dos focos de oposição. O presidente diminui
os poderes do Legislativo e fortalece o executivo, entregando a organização política
aos chefes locais, que passam a ficar sujeitos aos ditames de Salles. Nessa
institucionalização das oligarquias
171
, Accioly foi o maior beneficiado no Ceará.
As oligarquias adquirem forças, e controlam o poder local diretamente, e
assim definiam os apoios ao presidente. Esse processo de compromisso e
ajustamento entre Estados e Federação
172
teve com autor, aqui no Ceará, Nogueira
Accioly.
Nogueira Accioly atravessa os governos Rodrigues Alves, Afonso Pena e
Nilo Peçanha. O entrave fica por conta dos objetivos de Hermes da Fonseca, que
tenta tirar de cena as velhas oligarquias. A esses objetivos somam-se a “habilidade
política de Pinheiro Machado”, senador e articulador do governo e a oposição
cearense composta por jornalistas como João Brígido, Hermenegildo Firmeza,
Agapito dos Santos e intelectuais como Frota Pessoa, Antônio Salles e Rodolpho
Theóphilo e a intransigência de Accioly em indicar candidato próprio.
173
Reunidos em Convenção, o Partido e o oligarca lançaram a candidatura de
Domingos Carneiro Vasconcelos, um dos nomes inaceitáveis para os oposicionistas,
que segundo eles, seria o representante da continuação do governo acciolino, fato
170
Jornal A Republica, Fortaleza, Governo do Estado (Gazetilha), 12 de Julho de 1911, nº 157, p. 1.
171
FAUSTO, Boris. (org.) História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Republicano. São
Paulo: DIFEL, 1977, p. 47, 48.
172
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. O Processo Político-Partidário na Primeira República. IN:
MOTTA, Carlos Guilherme (org.) Brasil em Perspectiva.Op.Cit. p. 185, 186.
173
CAMURÇA, Marcelo. Marretas, Molambudos e Rabelistas: a Revolta de 1914 no Juazeiro. São
Paulo: Maltese, 1994.p. 169.
102
suficiente para desencadear disputas. Os conflitos, a panfletagem, ataques através
da imprensa e outra tantas manifestações marcaram esse período. A oposão
estava decidida a contrariar os planos políticos oligárquicos.
Os jornais de oposição entram em campanha contra Accioly, sua política e
seus correligionários. O jornal A Republica responde às críticas dos oposicionistas.
Mantém um tom duro, falando sempre do governo e de suas atividades, para revidar
os ataques que recebiam seus políticos, como foi o caso de Francisco Sá,
correligionário e genro de Nogueira Accioly, criticado constantemente pelos jornais
de oposição.
Por motivos de ordem moral, deixamos o habito de ler as folhas
opposicionistas e por essa razão se explica a circunstancia, que muitas
vezes succede, de não sabermos quanto nellas se publica.
Essas aleivosias se filiam invariavelmente no despeito incontido que corroe
essa malta da opposição, por ver em destaque irrecusável no scenario da
política nacional, pesando na orientação publica do paiz, os mais brilhantes
campeos da grande causa que se synthetiza no programma do Partido
Republicano Cearense.
Assim, a campanha diffamatoria que se move contra o Dr. Francisco Sá,
traduz menos um caso particular e isolado do que os symptomas
manifestos de uma diathese moral que abate o nível da imprensa
brasileira, mas que precisamos curar, para fazermos jus aos fóros, que
aspiramos, de povo civilizado.
174
Aqui, um recurso jornalístico do A Republica. Afirma desconhecer o que
dizem as folhas oposicionistas, e em seguida, rebate as acusações, inclusive
classificando os argumentos em “aleivosias”. É evidente que liam e marcavam os
artigos da imprensa de oposição e que os mesmos eram o combustível dos debates,
das refregas e mereciam resposta.
A oposição encampa luta contra os acciolinos, seu candidato ao governo e à
sua política. A imprensa representava uma arma poderosa nessa batalha. Eram
jornais, panfletos, boletins bradando contra a longeva oligarquia. Entre passeatas,
meetings e tiroteios, o comendador Accioly renuncia à presidência do estado,
deixando o Ceará com sua parentela. O episódio se em janeiro de 1912,
encerrando tamm as atividades do jornal A Republica.
O periódico ainda assim insistia em apresentar a administração de Accioly
como um modelo de honestidade, a quem se devia os grãos de prosperidade,
desenvolvimento e pujança do estado. Traçava-se Accioly como homem honrado
174
Jornal A Republica, Fortaleza, Dr. Francisco Sá, 12/01/1911, nº 9, p. 1.
103
que soube avolumar receitas, diminuir despesas, equilibrar contas, fazer os
necessários investimentos que trouxeram ao Ceará uma economia bem estruturada,
tudo isso numa tentativa de salvação da imagem do chefe.
Essa imagem construída pelo Partido Republicano e seus correligionários
era reforçada pelo próprio Accioly. Em sua retórica, costumava render glórias à
República e à pátria; dizia-se um lutador pelo bem da nação, incansável no serviço à
sua terra natal; um incansável para vencer as dificuldades e proporcionar ao Cea
dias melhores, principalmente no que se referia à paz, à ordem, ao progresso; um
governante comprometido e confiante, merecedor da escolha popular.
É fácil perceber essa auto-construção, quando num de seus Manifestos ao
Povo Cearense, em 1904, Accioly afirma:
A virtude mais preciosa do homem potico é a paciência: disse-o estadista
longamente experimentado no meio dos homens. Já affeito à verdade
dessa máxima, procurarei sempre ser moderado no exercício do poder,
calmo e desapaixonado na apreciação dos alheios intuitos, sem faltar ao
dever de rigorosamente manter a paz pública, de impedir e reprimir com
energia toda tentativa de subversão da ordem. Desta sorte espero
encontrem em mim o homem tolerante e a autoridade forte.
175
Os artigos elaborados em torno de Accioly transbordavam virtudes:
responsabilidade, lealdade e trabalho, para citar algumas.
A busca de legitimidade, ora elaborada pelo seu jornal, ora levada por
correligionários e seus familiares, desborda no tempo como se pode observar em
discurso laudatório do Instituto do Ceará, em 11 de outubro de 1940, por ocasião do
centenário de Nogueira Accioly. Render-lhe a consagração pública no “dia centurial
do seu nascimento” e tentar reparar as injustiças a Accioly, na verdade, “um vulto de
real prestígio no cenário político nacional”, é a missão do orador.
(...) a sutileza de seu espírito, a visão clara dos homens e das coisas, a
sagacidade e a prudência, a ação pronta e a habilidade, a descrição e a
energia temperada, que no comum dos homens são qualidade, mas no
político são virtudes, abriram largos caminhos, que o levariam numa
ascensão vertiginosa à confiança de merecer o bastão de comando da
milícia potica do Ceará, sucedendo a Pompeu a quem o ligaram laços
sagrados de amizade e de família.
176
175
ACCIOLY, Antonio Pinto Nogueira. Manifesto ao Povo Cearense. Estado do Ceará, 1904, p.7.
176
RAMOS, Jose Waldo Ribeiro. Centenário do Comendador Accioli. Fortaleza, Tipografia
Minerva, Assis Bezerra & cia, 1940. p.5.
104
Laureado por muitos e festejado pela oligarquia, Accioly recebeu ruidosas
manifestações de apreço pelas supostas obras durante seu governo. Ele próprio
assim o diz numa de suas mensagens à Assembléia Legislativa:
Á cultura intelectual deve imprimir-se um caráter verdadeiramente
democrático, difundido-a fartamente por todas as camadas do agregado
social. A não ser assim firma-se a diferença profunda e radical, numa
distinção ingrata e odiosa, entre quantos vivem na inciência dos direitos e
deveres do cidadão, facilmente subornáveis a influencias perniciosas, e os
que mais felizes, estudaram, aprenderam e adquiriram conhecimento da
sua posição e de seu fim na sociedade, livres de qualquer tutela ou
sugestão, nefasta que os inibe de cumprir regularmente a sua missão.
177
O escritor Rodolpho Theóphilo escreve na obra Violência, que uma das
preocupações que Accioly teve em relação ao ensino público foi reformar o Liceu do
Ceará, estabelecimento para educação masculina.
Contudo, Theóphilo explica que a pseudo-reforma” há muito tempo
projetada, resumia-se a não realização de exames para candidatos. O mero de
cadeiras foi aumentado com a barganha da aposentadoria oferecida a alguns
professores. A reforma alterou tamm as demissões e transferências. Com isso,
A actual reforma do Lyceu do Ceará não teve por fim melhorar o ensino,
mas a collocação de parentes do sr. Presidente do Estado e de seus filhos,
o que me comprometto a provar.
(...) reformar um estabelecimento de instrução, entende-se alterar o seu
programma de ensino, argumentar ou diminuir o mero de suas
disciplinas, modificar de qualquer modo o seu regulamento.
O que se fez com o nome de reforma no Lyceu do Ceará foram as
nomeações de dois professores effectivos, um supplementar, a minha
designação, transferências de professores de uma para outra cadeiras e
uma demissão.”
178
Rodolpho Theóphilo, um crítico da oligarquia e professor do Liceu do Ceará,
foi exonerado de sua cátedra em 1905, da qual era titular desde 1878
179
. Redator de
um das folhas de oposição, o Jornal do Ceará, foi seguidamente combatido pelo
jornal oficial, principalmente por sua campanha contra a varíola em Fortaleza.
177
Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa do Ceará, em primeiro de junho de 1911, pelo
presidente do Estado do Ceará Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly.
178
TÉÓFILO, Rodolfo. Violência: Lyceu do Ceará / Coleção Outras Histórias, v.30. Ed. Fac-similar.
Fortaleza: s.n., 1905. p. 4,5.
179
PORTO, Eymard. Babaquara, Chefetes e Cabroeira: Fortaleza no Início do Século XX. Op. Cit.p.
50.
105
O relato de combate à varíola e miséria do povo, o seu abandono pelas
autoridades no livro Varíola e Vaccinação no Ceará, marca o rompimento entre
Theóphilo e a oligarquia. O jornal A Republica publicava diariamente avisos contra a
campanha de vacinação.
180
Muitos sofreram ataques desse periódico. Sobretudo aqueles cuja opinião
não coincidia com as homenagens diárias rendidas pela folha de situação; eram
considerados de oposição, portanto, veementemente combatidos.
O jornal A Republica o economizava na enumeração das virtudes que
dispensava ao velho chefe. De cearense ilustre, patriota, benemérito e nobre foi
agraciado inúmeras vezes. Accioly, nas páginas de seu jornal, era um político sem
máculas, brilhante, que se preocupava apenas em executar um governo justo.
Frota Pessoa, um desafeto político de Accioly, residente no Rio de Janeiro
como outros que fugiam do cenário político cearense, tinha outra definição. Cita o
oligarca como indivíduo habituado a extorquir dinheiro público para si e sua família.
Usa todos os meios para iludir as pessoas, de idoneidade discutível, e capaz de ferir
a constituição brasileira para atingir seu objetivos.
181
O jornal A Republica, nesse jogo de elogios e exaltação das virtudes de
Accioly, comenta:
Caracter de nobreza irresistivelmente communicativa, o eminente brasileiro
allia as mais puras virtudes da alma num tino administrativo
verdadeiramente admirável e qualidade infinitamente preciosas do chefe
político.
N’este ultimo caracter, ninguém lhe leva vantagem, presentemente, na
opulenta Republica amiga. É o diretor de aggremiação mais prestimoso e
applaudido de todo o Norte; é um symbulu nas novas instituições do
poderoso país destituado ao império constante da popularidade e
confiança dos seus correligionários.
182
Porém, os jornais de oposição noticiavam que, por decisões do governo, o
comércio sofria muitas taxações, assim como as indústrias e serviços profissionais.
O dinheiro obtido a partir dessas arrecadações tributárias era subtraído dos cofres,
revelando outra perspectiva da política de Accioly.
(...) para mostrar de vez a pervessidade de animo de chefe querido para
quem imploram as bênçãos do povo, apontaremos, embora de passagem,
180
SOARES, Martim. O Babaquara: Subsídios para a História da Oligarchia no Ceará. Op. Cit. p. 39.
181
PESSOA, Jose Getúlio Frota. O Oligarcha do Ceara. Op. Cit.p. 6.
182
Jornal A Republica, Fortaleza, Dr. Nogueira Accioly (A Republica), 13/06/1900, nº 135, p.1.
106
o facto de haver o governo taxados todos os gêneros de primeira
necessidade, mandando ainda cobrar o dizimo de rapaduras que por acto
de seu sucessor fôram declaradas isentas de quaisquer direitos, medida
tanto mais odiosa, quanto vinha ferir directamente o povo...
183
A oligarquia acciolina, para o jornal de sua propriedade, é apresentada
como exemplo de organização política, e paladina na luta em defesa do povo
cearense, defensora dos princípios da ordem e preceitos republicanos, enfim, do
próprio Brasil. Dissidentes e opositores são tidos como invejosos e maledicentes.
Um outro ponto de bastante debate na folha acciolina é a questão das
secas
184
. O jornal comenta que as estiagens provocavam um cenário de quebra de
expectativas de prosperidade e crescimento. Contudo, em alguns artigos do jornal,
percebe-se o aproveitamento da situação de miséria da população para fortalecer
politicamente o grupo acciolino, prática comum, segundo estudos que abordam essa
temática.
185
A populão sertaneja, segundo o jornal A Republica, era a mais
prejudicada. Sem condições de sobrevivência, rumava em direção à capital em
busca de melhores condições de vida, engrossando o contingente dos subúrbios e a
mendicância em ruas e praças.
A Folha acciolina assim descreve:
O mais cruel dos tormentos abril as azas fúnebres sobre o povo nosso
irmão. A fome, com todo o seu cortejo de misérias, persegue
implacavelmente a população pobre do Ceará, roubando-lhe aquelle
heroísmo e aquella força que fazem dos valores filhos do Norte
verdadeiros modelos de patriotas.
186
183
Jornal do Ceara, Fortaleza, Ainda os Saldos, 5/06/1905, nº 204, p. 1.
184
As maiores secas registradas no Ceará na segunda metade do século XIX foram nos anos de
1877-1879, tida pela historiografia como um dos maiores flagelos nessa terra; terminando o século
estão as secas de 1888, 1889, 1897, 1899, 1900. Para a primeira década do culo XX, os anos de
1902, 1903, 1904, 1905 e 1907 foram de estiagens parciais, variando entre chuvas escassas e
regionalizadas. BRASIL, Thomas Pompeo de Souza. O Ceará no Começo do Século XX. Fortaleza:
Typographia a Vapor, 1909.p. 249.
185
Kênia Rios, em estudo sobre a seca de 1932, relata que o jornal O Nordeste, noticiando o
sofrimento dos retirantes, aproveitava-se desse discurso para fortalecer seu grupo político. RIOS,
Kênia Sousa. Campos de Concentração no Ceará: Isolamento e Poder na Seca de 1932. ed.
Fortaleza: Museu do Ceará / Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, 2006. p. 16.
186
Parte do discurso proferido por Accioly no Congresso Nacional, em 28 de maio de 1900, foi citado
em sua mensagem à Assembléia Legislativa do Ceará, em 1 de julho de 1900.
107
O jornal publica, então, que o presidente do Ceará, Nogueira Accioly,
preocupado com a situação, resolveu buscar ajuda federal através da bancada
cearense no Congresso Nacional, colocando-se nos seguintes termos:
A secca acentua-se de modo irrecusável. A falta de chuvas é geral em
todos os municípios. Quase exgottado os restos das pastagens do ultimo
inverno, os gados começam a morrer de inanição. É difícil o transito dos
animais por carência de água na maior parte das estradas. Chegam
incessantes caravanas de retirantes a esta capital e mais pontos servidos
pela Estrada de Ferro de Baturité. Não dispomos de recursos para
enfrentar a crise que desponta pavorosa; e as mesmas rendas normais
diminuirão por efeito d’ella...
187
Os esforços do governo junto aos deputados para resolver o problema da
seca são noticiados como interesse e preocupação de Accioly com os retirantes.
Reiteradas vezes, o jornal comunicava ações empreendidas pelo governo para
minimizar os efeitos do terrível flagelo.
Mike Davis, em estudo sobre a seca de 1825, que matou 30 mil cearenses,
pontua que não havia fonte de investimento para minimizar os efeitos da estiagem,
pois as “inclinações à melhoria não existiam entre as oligarquias do sertão”.
Transportar essa realidade para a seca de 1900 é possível, já que, a vontade
política dos governadores continuava nessa direção.
188
O jornal A Republica pontua então que, atendendo ao apelo de Accioly, o
presidente da República Dr. Campos Salles, que acompanhava com total interesse
os problemas climáticos do Cea e suas conseqüências, convidou o “nosso
esforçado e talentoso amigo” o deputado Francisco para conferenciar sobre a
situação do estado. A notícia diz, ainda, que Campos Salles oferecia passagens
gratuitas para aqueles que quisessem deixar o Ceará. No entanto, apresentou
projeto cujos socorros seriam prestados por meio indirecto”, ou seja, através da
execução de obras públicas seriam prestados, alegando ser esta a melhor
alternativa.
189
Kênia Rios
190
observa que uma das políticas de assistência pública aos
famintos o as frentes de trabalho e o incentivo à migração para outros estados. O
187
Jornal A Republica, Fortaleza, A Fome no Ceara (A Republica), 25/09/1900, nº 219, p.1.
188
DAVIS, Mike. Holocaustos Coloniais. Tradução de Alda Porto. Rio de Janeiro: Record, 2002. p.
400.
189
Jornal A Republica, Fortaleza, Telegramas, 14/09/1907, nº 219, p.1.
190
RIOS, Kênia Sousa. Campos de Concentração no Ceará. Op. Cit. p. 76.
108
Ceará se utilizou de ambos, e ainda no governo de Pedro Borges, na seca dos
novecentos, o surto migratório para a região amazônica, que contava com o apoio
do governador, foi criticado pelos jornais de oposição, contrários à alternativa de
expatriação dos cearenses.
No entanto o elogio do jornal A Republica é dirigido nesse momento a
Francisco Sá, correligionário, partidário e genro de Accioly. Personagem recorrente
na folha do Partido Republicano, festejado e admirado, é sempre lembrado por suas
supostas virtudes. Como ele, todos os familiares de Accioly são reverenciados nesse
jornal.
Como recurso para legitimação dos familiares do chefe Nogueira Accioly e
da própria oligarquia, o jornal A Republica recorria às transcrições de artigos de
jornais e revistas de outros estados, principalmente do Rio de Janeiro e São Paulo.
Da Revista carioca O Malho transcreve, em seu mero 258 de 24 de agosto de
1907, o seguinte texto:
Velho político e parlamentar desde o tempo do império, em que chegou a
occupar a cadeira de senador, o sr. Nogueira Accioly tem, na Republica, a
responsabilidade da chefia do partido, cuja orientação tem norteado a
directriz da terra de Alencar; e, si a despeito de todas as contrariedades,
grande parte das quais provindas de seccas periódicas, que o flagellam, o
estado do Cea se apresenta com a sua economia perfeitamente em
ordem e em dia, caso é, sem vida, para se louvar o chefe incontestável
dessa orientação que, promovendo o progresso da região em que domina,
pôde-os fazer sem compromissos externos, dentro de seus próprios
recursos.
191
O cleo de argumentação da folha acciolina é a ação político-
administrativa do chefe do Partido Republicano e governador do Ceará. O festejado
diretor de A Republica comanda o governo adotando uma política articulada,
utilizando-se da imprensa para circular seus pontos de vista e desqualificar os
adversários de modo depreciativo e mordaz.
Nogueira Accioly é citado como “um interprete benevolente e sincero de
todos os seus leais e dedicados municípios do Ceará”
192
. Diariamente é noticiado,
principalmente através da seção de telegramas, adesões de políticos das mais
variadas partes do estado. Abaixo desses pequenos textos seguiam-se assinaturas
em estilo abaixo-assinados, apresentando cada um dos novos correligionários.
191
Jornal A Republica, Fortaleza, Dr. Nogueira Accioly, 27/08/1900, nº 195,p.1.
192
Jornal A Republica, Fortaleza, Protestos e Adhesões, 25/06/1898, nº 143, p.1.
109
Apesar de serem comuns, chegando quase que diariamente, A Republica
comemorava essas manifestações de adesão e apresso quase de modo particular,
dando as boas vindas em nome do partido.
O nosso eminente amigo e venerando chefe do partido Republicano, Exm.
sr. dr. Nogueira Accioly, tem recebido por cartas postaes e despachos
telegraphicos numerosos protestos de solidariedade e adhesão ao seu
honestísimo governo e à sua política esclarecida e patriótica.
Agrupados dest’arte todos os bens e leaes elementos em torno do nosso
máximo estimadíssimo chefe, fácil é de prever a derrota que aguarda o
partido adversário e os deputados e vice-presidente, colligidos.
193
Portanto, um dos artifícios utilizados pela oligarquia para enfraquecer a
oposição é o discurso de que o partido recebia adesões drias de todos os
municípios cearenses. O partido acciolino é apresentado como uma agremiação de
grande porte, e que dificilmente corria risco de perder disputas eleitorais frente aos
opositores, classificados de pequenos ou insignificantes.
Um outro aspecto do discurso oligárquico é a forma como aborda o próprio
estado. Mesmo referindo-se às crises climáticas com um agravante da situação de
dificuldade para o Ceará, esses fatores aparecem completamente externos ao
governo. A argumentação é a de que a estiagem obedece a uma lógica divina e o
que ela porventura possa acarretar tem merecido toda a atenção da administração.
Se a condição do povo é de penúria e tristeza, ao poder público tem cabido somente
tomar as providências mais imediatas.
Analisando as mensagens presidenciais de Nogueira Accioly, os textos de
seu jornal, como tamm os manifestos lançados por ele, percebe-se o exercício
que a oligarquia faz para relatar as ações do governo. São invariavelmente
classificadas como positivas, e graças a elas o Ceará gozava de tranqüilidade
mesmo em períodos de estiagem.
Na mensagem presencial de 1910 comenta que,
(...)apesar das vicissitudes a que está sujeito nosso estado, pela
inconstância dos invernos, pôde-se affirmar que é boa a situação
econômica e que a nossa producção, se não attingiu a um grao de intenso
193
Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa do Ceará, em 01/07/1906, pelo presidente do estado
do Ceará Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly.
110
desenvolvimento, mantém-se, em todo caso, com prosperidade, tanto
quanto lhe permittem as condições do meio.
194
No debate do jornal acciolino, bem como nas mensagens proferidas por
Accioly na Assembléia Legislativa, o Ceará goza de boas condições em setores
como o financeiro e político. O suposto empenho do governo em socorrer a
população nos períodos de seca é alardeado pelo jornal oligárquico. Quanto à ajuda
dispensada pelo presidente da República, é resultado da luta dos correligionários de
Accioly no congresso nacional.
As mensagens de Accioly apresentadas à Assembléia Legislativa também
colaboram na construção de uma imagem positiva do chefe: honesto, de pulso firme
e inteligência.
A mensagem de julho de 1912, de Antonio Frederico de Carvalho Mota,
narra os fatos que culminaram com a renúncia de Accioly e a desarticulação de seu
grupo. Ressalta um ambiente hostil por que passou a cidade, e o posterior alívio
com as mudanças que ocorreram após o embarque de Accioly e seus familiares
para o Rio de Janeiro. Com os ânimos arrefecidos,
O commercio que ha dias fechara suas portas, os bonds que
interromperam o trafego, as repartições publicas que deixaram de
funcionar, toda a vida da cidade, que estava como que suspensa, tudo
voltou à regularidade, sem mais perturbações que compromettessem a
vida normal da cidade.
As agitações que arrastam uma transição violenta no mechanismo político,
cederam à calma da razão com o desfecho dos acontecimentos, e o povo,
confiante na justiça da administração, depoz as armas e soube honrar a
sua victória, confirmando, generoso, os créditos de suas tradições
gloriosas.
195
Com a análise do jornal A Republica percebe-se em que batalhas estava
inserida tal folha. Veículo de comunicação da oligarquia de Accioly, foi porta-voz e
parte integrante das estratégias políticas desse grupo no que se refere à
sustentação de Accioly no poder.
O jornal A Republica ao afirmar em suas páginas que o estado do Ceará
tinha como regime um governo justo, ordeiro e seguidor das leis constitucionais,
caracteriza-se como colaboradora ativa do projeto oligárquico de Accioly.
194
Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa do Ceará, em 01/07/1910, pelo presidente do estado
do Ceará Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly.
195
Jornal A Republica, Fortaleza, 12 de julho (A Republica), 12/07/1908, nº 56, p.1.
111
Na medida em que noticiava diariamente o governo acciolino como autor de
uma política que se preocupava com o povo em primeiro lugar, A Republica
demonstrou que a defesa do grupo oligárquico e a construção de uma imagem
positiva da administração de Nogueira Accioly em seus três mandatos eram seus
principais objetivos.
112
PARTE II
IMPRENSA INSURRECTA:
IMPRENSA INSURRECTA: IMPRENSA INSURRECTA:
IMPRENSA INSURRECTA: UNITARIO
UNITARIOUNITARIO
UNITARIO E
E E
E
JORNAL DO CEA
JORNAL DO CEAJORNAL DO CEA
JORNAL DO CEA E A CRÍTICA
E A CRÍTICA E A CRÍTICA
E A CRÍTICA OLIGÁRQUICA
OLIGÁRQUICA OLIGÁRQUICA
OLIGÁRQUICA
“... Em toda parte a imprensa ajuda a governar e nem
governos bons onde não vista quem vai lhe apontando os
desvios. A violência da linguagem também só apparece, onde
existem escândalos.
Ninguém se atreveria a chamar nunca um governo de ladrão,
sem que esse houvesse mesmo furtado.
Si um jornalista ataca violentamente uma administração não é
a cacete, nem mesmo a processo, que esta deve responder: é
com factos e documentos, para mostrar que é calumniada.
O juiz neste caso não é o poder judiciário, que está
subordinado ás vontades da autoridade suprema, mas o
publico, que é a quem os governos devem prestar contas dos
seus atos...”
Jornal Unitario, A Imprensa no Ceará (Unitario), 21/09/1907, nº
582, p.1
113
Dando continuidade ao estudo da Oligarquia Acciolina no Ceará,
representada nos jornais em circulação nesse período, tomo, por outro viéis, os
periódicos Unitario e Jornal do Ceará, procurando perceber o jogo de tensões entre
eles e o jornal A Republica, de base situacionista.
O Unitario e o Jornal do Ceará são citados constantemente pelos estudiosos
da imprensa cearense como os jornais de oposição a Accioly. Surgidos no início do
século XX, destacaram-se pelos discursos contundentes. Porém, não foram os
únicos.
No momento de instauração da República e redefinição dos grupos
oligárquicos existentes no Ceará, vão, nesse momento, sendo organizados os
blocos que disputarão o poder do Estado. Em 15 de novembro, as facções estão
divididas em Liberais Pompeus e Liberais Paulas; Conservadores Miúdos ou
Carcarás e Conservadores Graúdos ou Ibiapabas, como já citado. Cresce a
descentralização político-administrativa característica do regime republicano,
propiciando o surgimento de partidos de caráter mais regionalizado.
196
Os republicanos aqui existentes, no esforço de manobrar a política cearense
e sofrendo oposição dos grupos remanescentes da monarquia, que comandavam a
política sem oposição, acabam por cindirem-se. A arena política tem duas alas, os
Cafinfins, ligada a João Cordeiro e Floriano Peixoto; a outra, os Maloqueiros,
deodorista, liderada por Martinho Rodrigues. O órgão de defesa das idéias
maloqueiras era o jornal O Norte
197
.
Com o governo deodorista de Clarindo de Queiroz sobem ao poder os Paula
Pessoa e os Ibiapabas. Em 1892, com a derrubada de Clarindo do governo, esses
grupos são alijados do poder. O golpe que s fim ao governo de Clarindo teve o
apoio do grupo acciolino, que por sua vez, estava ligado aos florianistas. A disputa
entre maloqueiros e cafinfins ocorrerá pelo longo período de governo da
Oligarquia.
198
Com a derrubada de Clarindo de Queiroz, o jornal O Norte deixa de ser
situacionista e sua sobrevivência financeira torna-se difícil. Faz oposição violenta a
196
GIRÃO, Raimundo. Evolução Histórica Cearense. Fortaleza, BNB.ETENE, 1985, p. 397.
197
Representativo da facção do Centro Republicano, declara-se independente desde o início de
1891. Sob a liderança de Martinho Rodrigues e Justiniano de Serpa, era órgão oficial, diariamente
apresentando o expediente do governo. Em virtude de um atentado suspende sua atividade após dois
anos e meio em circulação. NOBRE, Geraldo da Silva. Introdução à História do Jornalismo
Cearense. Op. Cit. p. 124.
198
PORTO, Eymard. Babaquara, Chefetes e Cabroeira. Op. Cit. p. 34.
114
Bezerril Fontenelle, sucessor de Clarindo, o que causou uma parada em sua
circulação e a prisão de Martinho Rodrigues. Outros jornais que desaparecem após
o golpe foram O Combate
199
, de Aderson Ferro e Antonio Duarte Bezerra, dirigentes
do Partido Operário do Ceae o Cearense de Rodrigues Junior. Com o apoio de
Accioly e João Cordeiro ao golpe que depôs Clarindo de Queiroz, abre-se um
entendimento entre Rodrigues Junior, Martinho Rodrigues e Aderson Ferro.
Fundiram-se então as facções representadas pelos jornais O Norte e Cearense,
chefiadas respectivamente por Martinho Rodrigues e Rodrigues Junior, publicando o
jornal O Ceará
200
, novo órgão do Partido Republicano Democrata.
201
O P.R.D. não fez caminhada longa. Muitos dos seus mais influentes
prosélitos, como Sólon Pinheiro (...) Martinho Rodrigues, João Oton,
Justiniano de Serpa, perseguidos pelos adversários dominantes, tiveram
de emigrar para a Amazônia e, por esse motivo, aos poucos foi
esmaecendo a ação do partido no cenário político do Estado.
202
Ao mesmo tempo, políticos do P.R.D., fiéis ao Conselheiro Rodrigues Junior,
articulam-se no oposicionista Partido Republicano Liberal. Personagens como
Agapito dos Santos e Waldemiro Cavalcanti abandonam o partido de Nogueira
Accioly e são batizados com a alcunha de “maloqueiros”. Seus representantes na
imprensa foram os jornais Unitario e Jornal do Ceará.
203
O Partido Republicano Liberal seresponsável por um intenso combate à
oligarquia acciolina. Os embates entre os jornais O Ceará e A Republica serão
constantes. Em um artigo do jornal A Republica, o discurso é de defesa frente às
declarações do jornal O Ceará, que acusa a administração de Nogueira Accioly de
iludir o povo.
199
Órgão do Partido Operário de Fortaleza, tinha como redatores Aderson Ferro e Antonio Duarte
Bezerra. Saía três vezes por semana, custando 12$000 por ano. Seu primeiro mero é do dia 5 de
abril de 1891. Revista do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro. Tomo consagrado à exposição
commemorativa ao primeiro centenário da imprensa periódica do Brazil promovida pela mesma
instituição. Parte II. Vol. I. Rio de Janeiro. Imprensa Nacional, 1908.
200
Segundo Barão de Studart, o primeiro mero é de de novembro de 1895. Seus principais
redatores foram Conselheiro Rodrigues Junior, Martinho Rodrigues, Álvaro de Alencar, J. Othon e
Pedro Rocha. O escritório ficava à rua Formosa, 130. STUDART, Guilherme, Para a História do
Jornalismo Cearense, 1824-1924. Op. Cit, p. 115.
201
NOBRE, Geraldo da Silva. Tiburcio Rodrigues, a Imprensa e a República. Fortaleza: Secretaria
de Cultura e Desporto, 1986.p.58.
202
GIRÃO, Raimundo. Evolução Histórica Cearense. Op. Cit. p. 398.
203
Id. Ibidem, p.399.
115
O órgão da opposição quis fazer crer ao publico que o dr. Nogueira
Accioly, ao assumir a gestão do alto cargo de presidente do Estado,
começou illudindo o povo com promessas fallazes e illusões fagueiras:
mas engrossou tanto as proporções de sua affirmativa que apenas nos
deixou ver como a todo aqquele não desprovido de senso commum, a
inanidade da parva accusação formulada.
Oh! Sancta Sinplicitas! Bemdicta providência que faz parvos e imbecis os
perversos.
204
O jornal O Ceará é substituído pela folha O Estado, caracterizado como órgão
do Partido Republicano Democrata, sem maiores diferenças de perfil, com seu
antecessor. Tinha como redatores o Conselheiro Rodrigues Junior, Martinho
Rodrigues, Álvaro de Alencar, João Othon e Pedro Rocha. Waldy Sombra
205
assevera que esse jornal “atassalhou, insultou, agrediu o presidente Accioly” e todo
o seu governo.
O debate que se seguiu entre A Republica e O Estado foi também violento. A
troca de insultos era constante, disfarçados em artigos para compor seções. Em
artigo do jornal de situação os partidários do periódico oposicionista são taxados de
desequilibrados, e a mesmo de psicopatas, quando reclamam para o Ceará a
liberdade perdida, o apoio do governo, alimentando a esperança de ver seus
compatriotas serem socorridos da fome que a seca trouxe. Aos redamos da
oposição quanto aos socorros públicos nos períodos castigados pela estiagem,
classifica-os enquanto atitudes de desequilibrados.
A algaravia como que tomou por thema as chuvas que têm cahido
ultimamente no Ceará, não obstante o maldito pluviômetro dos partidários
da seca.
Mas a estação é apenas um pretexto.
O collaborador d’O Estado, abordando o assumpto do “inverno que
promette ser auspicioso” depois nos garantiu que “a fome e a miséria tem
trucidado os nossos co-estadinos”, satisfeito o pendor de se contradizer
nos mesmo períodos quando nos falla da “crise” que, “infelizmente ainda
tende a prolongar-se”, tendo, em seguida, nos endereçado o epitheto que
lhes cabe de locupletarios da secca em espectativa(...).
Alli havia um enigma (...).
Matutamos na decifração, vendo em nós a curiosidade ao juízo que
fazemos do equilíbrio da troupe lyrica d’O Estado.
E abandonamos de vez o esforço de destrinchar aquelle trecho de
apocalypse, attribuindo-o ao capricho dos nervos de um psycopatha que
se mettera da restea no corpo da redação d’O Estado...
206
204
Jornal A Republica, Fortaleza, Vie Victis (A Republica), 9/12/1896, nº 277. p. 1.
205
SOMBRA, Waldy. A Guerra dos Panfletos: Maloqueiros versus Cafinfins. Fortaleza: Casa de
José de Alencar/ Programa Editorial, 1998. p. 35.
206
Jornal A Republica, Fortaleza, As Meias Palavras (A Republica), 03/02/1899, nº 27, p. 1.
116
A partir dpode-se perceber as contendas em que estão envolvidas as duas
facções políticas. A linguagem virulenta, traçando um jogo de ataques envolvendo
partidos, correligionários-articulistas e o presidente do Estado. Os redatores do
jornal O Estado são ainda chamados de “relapsos”, “facciosos” e donos de “miséria
moral”. Não há diálogo, mas sim um embate entre forças políticas.
207
Nelson Werneck Sodré pontua que uma das características da imprensa é
refletir as contradições sociais e políticas e, inclusive, influir no curso dos
acontecimentos. Nesse embates era observada a dificuldade para manter a
circulação dos jornais em atividade, fenômeno que se repetia em quase todo o
país.
208
Um outro jornal de oposição à oligarquia de Accioly é O Rebate. Num curto
período de cinco meses disparou sua “artilharia contra a bastilha aciolina”. Segundo
Sombra, “num estilo cortante, de frases curtas e de miniparagrafação, não poupou
críticas contundentes, desabusadas, aos que integravam a grei situacionista”.
209
Tibúrcio Rodrigues, em O Rebate, tinha como alvo direto de suas críticas o
presidente Accioly, e a cada número do jornal aumentava sua rede de inimigos. Na
edição de número 21, o penúltimo número, Tibúrcio Rodrigues faz críticas severas a
Nogueira Accioly, como se pode ver no trecho abaixo:
Em todos os ângulos do Estado sente-se o effeito maléfico e tyrannico do
asphixiante governo do sr. Commendador Accioly. S. exc. com um
machinismo infernal aparelhado atira um povo no abysmo da degradação,
do aviltamento, da desonra e pouco interessa à s. exc. os meios do
processo empregado, comtanto que seus caprichos sejam satisfeitos, sua
vontade obedecida, seu partidarismo exaltado e impondo-se pelo terror,
pelo assassinato, pela absoluta falta da garantia da segurança individual e
dos direitos sociaes políticos; mantendo-se no Estado uma situação de
horrores e de crimes...
210
Com a epígrafe “rindo, digo a verdade”, O Rebate, em seus vinte e dois
números, não poupou a oligarquia acciolina de críticas na sua administração no
estado. Fortes investidas desse jornal contra o governo trouxeram represálias
207
Jornal A Republica, Fortaleza, As Meias Palavras (A Republica), 03/02/1899, nº 27, p. 1.
208
SODRÉ, Nelson Werneck. A História da Imprensa no Brasil. Op. Cit. p. 152.
209
SOMBRA, Waldy. A Guerra dos Panfletos: Maloqueiros x Cafinfins Op. Cit. p. 42.
210
Jornal O Rebate. Fortaleza, O governo, 27/08/1898. Apud. NOBRE, Geraldo da Silva. Tibúrcio
Rodrigues, a Imprensa e a República. Op. Cit. p. 42 e 43.
117
violentas, até que fosse determinado definitivamente o seu fechamento. Todavia,
Geraldo Nobre atribui ao fato a morte precoce de seu diretor, Tibúrcio Rodrigues.
211
Geraldo Nobre observa também que O Rebate fazia críticas contundentes ao
jornal A Republica, e ao O Estado, porta-voz da oposição nesse período. Segundo
ele, era um jornal contra tudo e contra todos”
212
. Contudo, o alvo principal foram
Nogueira Accioly e seus correligionários, personagens constantes nas críticas dos
editoriais e artigos do jornal de Tibúrcio Rodrigues.
Dado o exemplo de jornais como O Cea, O Estado e O Rebate, percebe-se
que a linguagem oposicionista é de cunho contundente e desabusado. O Unitario e
Jornal do Ceará não são exceções à regra. m como tema central de seus artigos
o comportamento político e administrativo de Nogueira Accioly e sua oligarquia,
propondo uma outra versão para os fatos que montaram a conjuntura que favorece o
grupo governista.
2.1 – “De lança em riste”: Unitario e Jornal do Ceará
O Jornal do Ceará e o Unitario iniciam suas atividades com o propósito de
manter acirrada a oposição ao governo de Nogueira Accioly. Com uma linguagem
desabrida, dão voz àqueles que, durante a primeira década do século XX, estavam
na contramão da administração oligárquica de Accioly.
J. C. Alencar Araripe
213
, em artigo para a revista do Instituto do Ceará, cita o
Jornal do Ceará e Unitario como opositores ao governo de Accioly, combatendo-o de
forma mordaz”. Outro estudioso a salientar essa posição é Geraldo Nobre
214
. Em
seu livro A História do Jornalismo Cearense, enfatiza a luta estabelecida por tais
folhas contra o governo local.
Abelardo Montenegro
215
afirma que o Unitario, com João Brígido, e o Jornal
do Ceará, com Waldemiro Cavalcanti, são expoentes na batalha contra o governo de
Accioly, tendo suas páginas marcadas por um discurso oposicionista veemente.
O Unitario, de oito de abril de 1903, fundado por João Brígido, tinha entre
seus principais redatores, Agapito dos Santos e Hermenegildo Firmeza. Waldemiro
211
NOBRE, Geraldo da Silva. Tibúrcio Rodrigues, a Imprensa e a República. Op. Cit. p. 23.
212
Id. Ibidem.
213
ARARIPE, J. C. Alencar. Pioneirismo do Ceará na Imprensa. Revista do Instituto do Ceará.
Fortaleza: Typographia Studart, Tomo 97. Ano 1983, p. 112.
214
NOBRE, Geraldo da Silva. Introduções à História do Jornalismo Cearense. Op. Cit. p. 128.
215
MONTENEGRO, Abelardo F. Os Partidos Políticos do Ceará. Op. Cit. p. 78.
118
Cavalcanti, que funda posteriormente o Jornal do Ceará, tamm esteve nessa
redação.
No que se refere ao Unitario,
Foi seu principal fundador e diretor João Brígido dos Santos. Irrequieto,
combativo, destemeroso e culto, foi Brígido a mais forte e, diga-se, a mais
violenta expressão do jornalismo no Ceará, tendo fundado diversas folhas
na sua longa existência de 90 anos.
216
Figura 23 – Jornal Unitario. Em destaque algumas seções dispostas em suas cinco colunas na
primeira página. 26/03/1910, nº 953.
216
GIRÃO, Raimundo. Evolução Histórica Cearense. Op. Cit. p. 396.
119
Segundo Geraldo Nobre
217
, João Brígido foi um dos que “exerceram o
jornalismo com notoriedade”, com uma atuação de mais de meio século nessa
atividade. Fundou jornais no interior e na capital, foi redator, escreveu artigos,
sempre fiel a um estilo classificado por Raimundo Girão
218
como “corrosivo”.
(...) A um tempo, contraditoriamente explosivo, ferino e frio, quer no
estudo do passado, quer no trato do presente, agia sempre de acôrdo com
os seus sentimentos, os seus pontos de vista, as suas inclinações
filosóficas, políticas e pessoais. Nas chocantes facêtas do seu espírito é
que reside, sem dúvida alguma, a complexidade da sua obra – vasta, viva,
com intervalos de paz e guerra...
219
Brígido viveu mergulhado nas batalhas jornalísticas, sempre envolvido em
disputas políticas, obedecendo a um estilo “candente, vibrante na clareza e
precisão”. Foi “intrepedido, agressivo e irreverente”, arrastando, não raro, o
adversário à rua da amargura, ou dele sofrendo revides violentos.
220
Jáder de Carvalho completa quando afirma ter sido Brígido um jornalista
“emaranhado na teia local dos combates partidários, das competições individuais”,
que esteve vinculado a uma de suas maiores guerras, aquela travada contra a
oligarquia de Accioly, com uma ”pena de grande poder e força”.
221
O Unitario, em artigo comemorativo aos oitenta e um anos de idade de João
Brígido, comenta que este “jornalista e homem publico” lutou por quatorze anos
contra a família Fernandes Vieira que dominava o Ceará. Com a República, e,
(...) em conseqüência do morticínio de 3 de janeiro de 1904, desligou-se
dos seus amigos poticos, abrindo luta com a família Accioly-Pompeu e
ainda agora se bate com esta oligarchia, embora em adiantada senectude,
com um olho inteiramente perdido e o outro em via disto, por effeito de
cataractas.
222
Nas palavras de Eusébio de Sousa, João Brígido tornou o Unitario “o jornal
mais temido do seu tempo pelo desassombro e virulencia da linguagem”, que jamais
217
NOBRE, Geraldo da Silva. Introdução à História do Jornalismo Cearense.Op. Cit. p. 93.
218
GIRÃO, Raimundo. Geografia Estética de Fortaleza. Fortaleza: Imprensa Universitária, 1959, p.
85.
219
CARVALHO, Jáder de. (Org.) Antologia de João Brígido. Op. Cit. p. 13.
220
GIRÃO, Raimundo e SOUSA, Maria da Conceição. Dicionário da Literatura Cearense. Fortaleza:
Imprensa Oficial, 1987.p.75.
221
CARVALHO, Jáder de. (Org.) Antologia de João Brígido. Op. Cit. pág. 13.
222
Jornal Unitario. Fortaleza, Ceará (J. Brígido), 04/05/1911, nº 1104, p. 1.
120
admitia “recuos nem dubiedade” de quem quer que fosse, tornando-se respeitado
tanto na imprensa quanto na política.
Eusébio de Sousa traçou o perfil do jornalista João Brígido, utilizando estas
palavras:
(...) raro foi o individuo, no Ceará, que ao seu tempo exerceu função
publica, que não tivesse passado pelo cadinho de sua causticante pena,
com arranhões, na maior parte, pouco lisonjeiros, à dignidade própria.
223
Segundo Raimundo Girão, João Brígido se comprazia com as lutas
partidárias, pois foram raras as vezes em que permaneceu ao lado dos governos.
Logo rompia, passando a combatê-los com as terríveis armas da sua coragem,
mordacidade e irreverência, pondo em berlinda o adversário”
224
.
João Brígido e o Unitario foram alvos de muitas investidas daqueles a quem
faziam oposição. Sobrevivendo a muitos tropeços, estava tamm Hermenegildo de
Brito Firmeza. Redatoriava agressões, perseguições, sofrendo com isso prisão por
ordem de governantes “a quem ele não dava tréguas”.
225
Hermenegildo Firmeza iniciou-se na carreira jornalística com João Brígido no
jornal Unitario. Escreveu artigos, em que, por vezes, assumia algumas
características de seu mentor. Com uma redação violenta, muitos dos artigos de sua
autoria tiveram repercussão na opinião blica, formando com Waldemiro
Cavalcanti, Agapito dos Santos e Americo Facó, entre outros, “a trincheira avançada
da oposição, sendo responsável por colaborar na derrubada da oligarquia de Accioly
no Ceará”.
226
João Brígido, assim como Agapito dos Santos, pertenceu à facção acciolina,
inclusive colaborando na redação do jornal A Republica. Quando se desligaram do
partido, deram vazão à veia oposicionista.
O jornal de Brígido e Firmeza circulava às terças, quintas e sábados e sua
oficina situava-se à rua Formosa, número 33. No cabeçalho da primeira página lia-se
a inscrição: jornal político”. Informava-se ainda que era de propriedade de uma
associação, sendo seu editor F. Pereira da Cunha e que mantinha diversos
colaboradores. Ainda na primeira página, vinham determinados os preços das
223
SOUSA, Eubio de. A Imprensa do Ceará dos Primeiros Dias aos Atuais.Op. Cit. p. 35.
224
GIRÃO, Raimundo. Evolução Histórica Cearense. Op. Cit. 396.
225
FIRMEZA, H. Centenário de seu Nascimento. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 1981,
p. 16.
226
Id. Ibidem. p. 23.
121
assinaturas tanto para a capital quanto para o interior, com o mero do dia
equivalente a 100 réis e as edições atrasadas o dobro dessa quantia. As assinaturas
eram vendidas tamm por trimestre, semestre e anualmente, valendo essa
condição para todo Ceará. Essas informões compunham a seção Expediente,
encimada com o texto:
O Unitario publica-se as terças, quinta e sábbados.
As publicações a inserirem-se nesta folha devem estar na redacção até 9
horas da manhã.
Os pedidos de assignatura serão acompanhados da respectiva
importância.
A redacção não assume responsabilidade pelos ineditoriaes, os quaes
serão assignados pelos seus autores.
227
Ao lado da Seção Expediente, via de regra, estavam as chamadas aos
assinantes que se achassem em atraso com seus pagamentos. A luta desses jornais
para que os assinantes liquidassem as dívidas era diária, e a sobrevivência das
publicações praticamente dependia das assinaturas. Esse motivo, somado às baixas
tiragens, é um dos fatores explicativos para a duração efêmera de algumas folhas.
Figura 24 – A seção Expediente, sempre na primeira página do jornal Unitario. 21/02/1905, nº 241.
227
Jornal Unitario, Fortaleza, 21/02/1905, nº 241, p.1.
122
Na primeira página o jornal trazia também a seção Echos e Notícias,
notificando perdas, ratificações, crônicas, partidas e chegadas do porto, convites,
entre outros assuntos. Eventualmente publicavam-se alguns telegramas,
principalmente se fossem depositários de alguma crítica à política oligárquica. Ainda
nessa seção, podem ser encontrados pequenos artigos acerca da política local e
transcrições de outros jornais, muitos da imprensa carioca.
Porém, o periódico tinha uma seção própria, chamada Telegramas, que
transmitia cartas e notícias de Fortaleza e do Brasil. Esse espaço recebia a
colaboração de um serviço especial do Jornal do Cea, de Waldemiro Cavalcanti.
Nele, veiculavam-se artigos de jornais do Rio de Janeiro, modelo comum ao
periodismo de então. Eventualmente tal seção se encontrava na segunda página.
No entanto, a seção Unitario concentrava os embates políticos. Configurava-
se como a de maior importância no corpo do jornal. Nela eram registradas as pautas
políticas, na forma de críticas, articulações e comunicações político-partidárias. O
texto, virulento em sua argumentação, tinha como mote central a oligarquia de
Accioly.
Para se avaliar o teor desse discurso, observemos um artigo intitulado Um
bebê vice-presidente, numa alusão à entrada de José Accioly, filho de Nogueira
Accioly, para os quadros administrativos do Estado.
Quem quer que tinha lido a apresentação que o Snr. Accioly fez, pelo
jornal official de ante-hontem, do seu filho José, para o cargo de 1º vice-
presidente do Estado, de ter exclamado: a loucura paira nas regiões
acciolynas.
De facto, ninguem seria capaz de suppôr que a nomeação fosse recahir no
mimoso bebê do governador, o que usaria ainda calças curtas se tanto não
lhe houvessem as pernas crescido.
228
O discurso dessa seção se apropriava de uma linguagem forte, truculenta,
ferina em sua argumentação. A administração de Nogueira Accioly, a política
desenvolvida pela oligarquia e seus correligionários e, ainda, o comportamento
pessoal do chefe oligarca eram diariamente depreciados nessa parte do jornal.
Contudo, um dos assuntos mais presentes nessa seção foi a própria folha
acciolina. Criticada, combatida, atassalhada pelos articulistas do Unitario, o jornal A
Republica era a primeira linha inimiga a ser combatida pelo periódico oposicionista.
228
Jornal Unitario. Fortaleza, A Imprensa Acciolysta (Unitario), 07/11/1905, nº 331.
123
Seus editoriais eram constantemente ridicularizados pelo Unitario, acusados de
distorcerem a verdade acerca dos fatos sobre os quais discorria.
Para explicar os constantes ataques sofridos por parte do jornal oligárquico,
João Brígido, em artigo escrito de 1910, no Unitario, afirma que a redação daquele
periódico é composta por “ladrões publicos e confessos, caloteiros cynicos”, que não
passam de “brutos”, “espoliadores da pobreza”, participantes da oligarquia
dominante.
229
Em muitos logares a imprensa se tem desvirtuado, misturando-se ao lôdo,
porque nunca deixaram de existir os Apulchros. Mas em parte alguma ella
desceu a nível tão baixo, como no Ceará a imprensa estipendiada pelo
governo do Snr. Accioly.
A Republica, que é o órgão dessa família com ros de regia, avilta uma
terra civilisada, conspurcando-a de lama que os alugados da situação, de
mangas arregaçadas, apanham nos charcos para atirarem contra os
adversarios.
Diante delles o merito é que deprime; a virtude é a desonra, a
benemerência é um mal.
230
Como se vê, o Unitario, assim como o Jornal do Ceará, combatia a política
acciolina, travando um debate virulento. As críticas eram diárias e geravam batalhas
com políticos e jornalistas produzindo discursos inflamados e apaixonados por suas
causas. Nesses termos, os artigos da seção Unitario mantinham uma linguagem
corrosiva.
Ao longo dos anos, o jornal apresenta algumas mudanças na composição do
nome do periódico ou na disposição de suas seções. Chamo atenção para o fato do
jornal ter, por vários anos, na primeira página, apenas três seções, Expediente,
Unitario e Noticias.
O jornal Unitario é disposto em colunas e com um formato pequeno se
comparado às dimensões do rival, A Republica. Assim, a primeira gina torna-se
preciosa, percebendo-se a preocupação de seus editores para apresentar nela
textos voltados para a discussão política.
A seção Noticias, que fecha a primeira página, traz informações sobre
alistamentos eleitorais e a administração acciolina, avisos de casamentos, obituários
e telegramas recortados de outros jornais do país. Assinala tamm uma espécie de
noticiário dos fatos ocorridos na cidade, como o próprio nome sugere.
229
Jornal Unitario, Fortaleza, A Gentalha da “Gazúa” (Unitario), 11/01/1910, nº 923, p. 1.
230
Jornal Unitario, Fortaleza, A imprensa Acciolysta (Unitario), 07/11/1905, nº 331, p. 1.
124
Tal seção, observada a partir do ano de 1907, apesar de alargada a pauta, é
apenas a mudança do nome Echos e Noticias, para simplesmente Noticias. Discorre
acerca da conjuntura nacional, desfere críticas ao governo local, não deixando de
lado extensos comentários sobre os personagens que faziam a política cearense,
fossem da situação ou oposição.
Num de seus artigos, a seção Noticias critica a oligarquia de Accioly na
pessoa de seu genro, Francisco Sá, então ministro da viação:
Com um genro ministro, dizem os aduladores do snr. Accioly, este de
pôr o pé no pescoço de todo mundo.
Esperamos que elle o pretenda, mas temos como evidente que não
conseguirá. O número das victimas há de ser grande certamente.
Entre mortos e feridos, porém alguém de escapar, e nunca será
possível o thug cearense enforque o tempo, supremo vingador de todas as
opressões da terra, olho de fogo a que nada escapa, e escarneo pungente
para todas as soberbas humanas.
Si o tyranno do Ceará recresce na fortuna dos filhos, seo nome será
humilhado no escarneo que virá sobre elles, e deve pulverisar os netos.
Quizeramos que os aduladores do snr. Accioly nos puzessem a mão sobre
o peito. Verião que o coração não nos pulsa mais accelerado.
231
Para os anos de 1910 e 1911 o periódico apresenta algumas mudanças na
primeira página. Logo abaixo do título, que encima o jornal, desaparece a epígrafe
“Jornal Político”, passando a exibir a inscrição Órgão do Partido Republicano
Liberal”. Ainda com uma disposição de cinco colunas, traz novas seções, como
Avisos Úteis, Annuncios Especiais e Fatos Diversos.
Tais seções, não raro, figuravam na primeira página. Avisos Úteis exibe
chamadas para médicos, advogados, engenheiros, num discreto anúncio. São
dispostos ainda os endereços dos profissionais ou o lugar onde prestam seus
serviços.
AVISOS ÚTEIS
MÉDICOS
Dr. Álvaro Fernandes – residência á rua Barão do Rio Branco, 180ª.
Consultório – Pharmacia Studart.
ADVOGADOS
Coronel Agapito Jorge dos Santos – residência á rua 24 de maio, nº 228.
ENGENHEIROS
Dr. Antonio Theodorico da Costa – residência na Aldeota.
232
231
Jornal Unitario, Fortaleza, Ministro F. Sá (Notícias), 19/06/1909, nº 840, p.1.
232
Jornal Unitario, Fortaleza, Avisos Úteis, 09/06/1910, nº 980, p.1.
125
Quanto à seção Annuncios Especiais, o que a difere é a sua localização.
Enquanto em outros jornais, os anúncios são perfilados nas duas últimas páginas do
periódico, no Unitario eles estão na primeira. Porém, com textos simples e diretos.
Anunciam o produto e onde podem ser encontrados.
CHANTUNG, para vestidos em cores chics e variada na
LOJA BAYMA.
233
A PHARMACIA GALENO
Abre a qualquer hora da noite
Praça do Ferreira, 24.
234
Traz ainda um Índice Retrospectivo com um resumo dos fatos de cada
trimestre, notícias do telégrafo, das chuvas no estado, festivais realizados nos
clubes fortalezenses, aniversários, entre outros.
Figura 25 – Seção Índice Retrospectivo do jornal Unitario, que nesse número destaca os meses de
janeiro e fevereiro de 1910. 03/01/1911, nº 1067.
Para a segunda página ficam as transcrições literárias, sonetos, notas de
embarques e desembarques, clubes fortalezenses, assim como uma seção para
noticiar valores cambiais e outros anúncios. Aqui, o jornal ocasionalmente
reproduzia artigos de outros periódicos com notícias de cadas passadas, num
trabalho de construção da memória cearense. Trata-se da seção Jornal Antigo, com
233
Jornal Unitario, Fortaleza. Annuncios Especiais, 05/07/1910, nº 991, p. 1.
234
Jornal Unitario, Fortaleza. Annuncios Especiais, 09/08/1910, nº 1005, p. 1.
126
matérias de jornais como Cearense e Constituição. Muitos artigos datam da cada
de 70 do século XIX.
Na segunda página encontra-se também uma seção chamada A Pedido,
acolhendo as colaborações dos leitores, cartas, opiniões, telegramas, e por vezes,
textos cuidadosamente publicados, mas sem assinatura.
Syntaxe peixotolica
A gazua posta á mercê de José Bofete, por escola da grammatica e, do
alto da sua stiologia este se tem convertido em amatutado revisor, de
palmatória em punho.
Na grammaticologia desse matuto que é mais correta que a da praça – ser
é sempre existir, não é um elo ligando a qualidade á substancia.
Desse modo quando se diz bofetão ser boa lição, se tem commettido
erro, pois o que se exprimio foi existir bofetão.
Tapa-olho, tapona, bofete e bofetão. Não são coisas susceptíveis de
qualidade, por mais pesada que seja a mão...
235
Por vezes aparecem nesse espaço seções como Telegramas, a própria
Notícias, transcrições de outras publicações e notas políticas, sem, contudo, receber
o destaque dos debates da primeira gina. Entre notas de utilidade e notícias de
municípios vizinhos existe espaço para alguns chistes como tamm para as
tradicionais críticas das quais Accioly era sempre tema.
As duas últimas ginas trazem anúncios de produtos, serviços e
estabelecimentos comerciais. Anúncios de produtos são os mais presentes.
O Elixir Cabeça de Negro cura
reumatismo, impureza do sangue,
feridas. É o primeiro depurativo do
sangue. Pedir o verdadeiro do Pharmaceutico
Ildebrando Rêgo. É um ligeiro crystallesio, dourado,
não é escuro como há muito no mercado.
Preço 2$000
Vende-se na Pharmacia Galeno, praça do Ferreira, 24
Ceará.
236
235
Jornal Unitario, Fortaleza, Syntaxe Peixotolica (A Pedido), 23/03/1909, nº 804, p. 2.
236
Jornal Unitario, Fortaleza, Annuncios. 23/03/1909, nº 804, p. 4.
127
Figura 26 - Seção Annuncios do jornal Unitario. 03/07/1909, nº 845.
Muitas mercadorias eram valorizadas pela utilização de ilustrações, outras
pelo tamanho do anúncio. O destaque para essa seção no jornal Unitario deve-se ao
fato dos anúncios invadirem a primeira página nos anos de 1910 e 1911. Pequenos
ou de proporções maiores, percebe-se que os produtos ganhavam mais destaque
que os fabricantes ou casas comerciais.
Figura 27 - Seção Annuncios do jornal Unitario. 26/06/1909, nº 842.
128
No jornal Unitario os sonetos e folhetins ocupam seu espaço, ainda que
reduzido. Em 1909, o jornal reproduz um soneto sobre a morte de Domingos José
Martins, chefe do movimento republicano de Pernambuco, fuzilado na Bahia em
1817:
Meus ternos pensamentos, que sagrados
me fostes quase a par da liberdade!
Em vós não tem puder a iniqüidade;
Á esposa voae, narrae meus fados!
Dizei-lhe que nos transes apertados
Ao passar desta vida à eternidade,
Ella n’alma reinava na metade;
E com a pátria partia-lhe os cuidados.
A pátria foi o meu Numem primeiro,
A esposa depois o mais querido
Objeto de desvelo verdadeiro;
E na morte entre ambas repartido,
Será de uma suspiro derradeiro,
Será de outra o ultimo gemido.
237
Figura 28 - Soneto de J. Eustachio de Azevedo, constante da segunda página do jornal Unitario, que
fazia uso desse tipo de literatura de forma esporádica. 05/07/1909.
A disposição gráfica do jornal Unitario, em suas quatro páginas, não é
diferente dos demais de sua época. O Unitario e Jornal do Ceará mantém as
mesmas propriedades apresentadas pelos jornais do primeiro decênio do século XX,
com a particularidade do empenho na luta contra o governo de Accioly.
237
Jornal Unitario, Fortaleza, Soneto, 23/10/1909, n 892, p.2.
129
Entre muitas publicações de vida efêmera, característica desse tempo, o
Unitario se singulariza com quinze anos de atividade. Após 24 de fevereiro de 1918,
data de seu último número, seu material tipográfico foi vendido e remetido à firma
Carneiro & Cia, de Camocim. Teve como gerente Rodolpho Ribas e em seguida
Armando Monteiro, genro de João Brígido.
Jornal vespertino, o Unitario foi vigoroso em seus combates, a exemplo de
seu proprietário. O conteúdo ideológico que animava suas publicações era a
oposição ao governo de Nogueira Accioly.
O Unitario nasce no momento em que essa oposição se intensificava. Os
chefes políticos alijados do poder buscavam alternativas para romper com o governo
de Accioly. Enquanto a oligarquia nomeasse candidatos a cargos eletivos e
controlasse as eleições, a oposição não teria força para reverter o quadro.
238
A essa oposição, liderada por João Brígido, Agapito dos Santos e Waldemiro
Cavalcanti alia-se Francisco de Paula Rodrigues, filho e sucessor político de
Rodrigues Junior. Unidas, as oposições adotam como instrumento para as disputas
o Partido Liberal. Na eleição para uma vaga no Senado Federal, em 1907, é
possível perceber essa junção. O artigo do Unitario assim apresenta a conjuntura
político-eleitoral:
O candidato que a opposição recomenda aos votos de seus partidários
representa uma das mais bellas tradições cearenses. É o continuador do
chefe liberal do antigo regime e ministro do Império, o exm. Snr.
Conselheiro Antonio Joaquim Rodrigues Junior, de honrada memória.
Filho deste cearense illustre que deixou firmada a gloria do seu nome,
assim na sua longa vida publica como na sua vida particular, o dr. Paula
Rodrigues constitue hoje um prolongamento dessa existência que se
findou para os homens, mas que sobrevive para a gratidão do publico.
239
Esse bloco oposicionista, que se dizia representante do povo, defensor das
mudanças no poder, tinha nos jornais Unitario e Jornal do Ceará os maiores
instrumentos de luta contra o governo acciolino. O Jornal do Ceará, de propriedade
de Waldemiro Cavalcanti e como colaborador o próprio Brígido, seguia basicamente
o mesmo perfil do Unitario.
O Jornal do Ceará com o título no alto da folha tinha como cabeçalho a
inscrição: “órgão político”, e no canto esquerdo: Político Commercial e Noticioso”.
238
STUDART, Guilherme. Para a Historia do Jornalismo Cearense, 1824-1924. Fortaleza:
Typographia Moderna, 1924. p.143.
239
Jornal Unitario, Fortaleza, Eleição Senatorial (Unitario), 19/09/1907, nº 381. p. 1.
130
Era publicado pela ”Empresa Tipographica Cearense de W. Cavalcanti & Cia.
Reddação e Officinas Rua formosa 41 e Senador Alencar 14 (Fortaleza)”
240
.
Logo abaixo um pequeno texto rogando aos assinantes a quitação de suas
assinaturas. Era diretor Waldemiro Cavalcanti e redator secretário o advogado
Leonel Chaves, gerente Jo Pinto P. Filho, administrador de oficinas F.
Vasconcellos e de impressos Manoel Figueiredo. Entre os redatores aparecem os
nomes de João Brígido, Agapito dos Santos, Álvaro Mendes, Castro Medeiros,
Hermenegildo Firmeza, Manoel Satyro, Rodolpho Theophilo, Eduardo Girão,
Theóphilo Rufino, Bezerra de Menezes Filho, Arthur Cyrillo, Martins de Freitas, J.
Othon, Rodolpho Ribas.
241
Figura 29 –Número do Jornal do Ceará com foto de Waldemiro Cavalcanti em homenagem ao seu
redator-chefe pela passagem de seu aniversário.A apresentação desse jornal se fazia também em
cinco colunas. 26/01/1907, nº 492.
240
Jornal do Cea, Fortaleza, 27/01/1905, nº 151, p. 1.
241
Jornal do Cea, Fortaleza, 16/03/1905, nº 171, p.1
131
Eram políticos, professores, jornalistas, farmacêuticos, advogados, que com
ensaios e artigos, colaboravam com a oposição em favor da derrubada do governo
acciolino. Rodolpho Ribas, jornalista que tamm exerceu a função de gerente no
jornal Unitario, jamais se afastaria de Brígido, de quem era fiel companheiro.
Os periódicos de oposição se mantinham com dificuldades, concorrendo para
tanto o fato de não receberem os favores do poder público, mediante comunicação
da correspondência oficial, publicações do executivo e das atas da Assembléia
Legislativa. Esse trabalho, comumente feito sem contrato, injetava um significativo
numerário nas receitas que executavam o serviço. Via de regra, as folhas
situacionistas eram beneficiadas.
O Jornal do Ceará se definia como órgão político. Na edição que comemora
seu primeiro aniversário, o jornal assim se proclama:
O Jornal é o órgão da opinião pública, da verdadeira opino que se forma
em torno dos homens de bem.
Tem se mantido sempre ao lado do povo, que soffre, para propligiar a
tyrannia dos déspotas, que martyrisão.
242
Num outro trecho desse número, acrescenta que a luta travada na política
junto ao jornal Unitario lhes conferia “rasgos de heroísmo”:
No campo de batalha; nesta lucta cruenta, bateu-se o “Jornal” em um
período de 365 dias, ao lado do “Unitario” com admirável denodo,
assinalando em suas columnas de mármore verdadeiros rasgos de
heroísmo, condemnando o erro e o abuso, stygmatisando com ferro em
brasa os algozes, opressores do povo cearense.
243
O Jornal do Ceará demonstra em seus artigos de fundo um combate contínuo
ao acciolismo, tentando disseminar sua versão sobre os acontecimentos. Segundo
seus editoriais, era sua missão mostrar ao povo um caminho para tentar se
desvencilhar dos tentáculos de uma oligarquia dominadora, como era definido o
governo Accioly.
Waldemiro Cavalcanti, dono e redator do Jornal do Cea, já havia colaborado
com o grupo de Accioly. Em 1896, nas eleições para deputado à Assembléia
Legislativa do Estado, a folha acciolina trazia uma lista dos candidatos da situação,
citando entre eles os nomes de Agapito dos Santos, João Brígido e Waldemiro
242
Jornal do Cea, Fortaleza, Por Si Muove..., 16/03/1905, nº 171, p.1.
243
Jornal do Cea, Fortaleza, Marchemos, 16/03/1905, nº 171, p.1.
132
Cavalcanti, defendidos como legítimos representantes do povo, indicados pelo
diretório do Partido Republicano por sua dedicação “à causa republicana e à
pátria”.
244
Tanto Cavalcanti quanto Brígido escreveram em A Republica, sendo confiada
ao primeiro a redação do jornal. Foi tamm diretor da Escola Normal e autor de um
discurso proferido no dia 11 de outubro de 1899, mês do aniversário de Accioly, em
virtude da inauguração do retrato do presidente do Ceará no salão de honra do
Quartel do Corpo de Segurança
245
. Em resumo, era um aliado do governo.
Cavalcanti rompe com a oligarquia por ocasião de sua demissão do cargo de
diretor da Escola Normal, onde trabalhavam muitos dos correligionários de Accioly.
Funda então o Jornal do Ceará e,
Tomando o seu posto na oposição à satrapia reinante, Valdemiro a
combateu com denodo e perseverança no seu diário “Jornal do Ceará”,
com o concurso de um pugilo de moços de talento e ardentes de amor à
terra natal, liderando a campanha que terminou em 1914 com a deposição
do autocrata por uma lídima e indomável revolução popular.
246
O jornal de Waldemiro Cavalcanti, com seu primeiro número no dia 16 de
março de 1904, apresenta nos anos iniciais as seguintes seções: Jornal do Ceará,
Guia Eleitoral, Telegramas, Echos e Notícias, Correspondência, Folhetim, Interior e
Secção de Todos. A coluna Interior trata dos fatos relativos aos municípios,
mostrando um variado noticiário de todo o estado.
A seção Folhetim, sempre no final da primeira gina, a exemplo de outros
jornais, apresenta sonetos, resenhas literárias, trechos de livros e folhetins, entre os
autores publicados, o escritor José de Alencar e Américo Facó. Mesmo sendo
política e partidária, essa folha não deixou de ocupar-se dessa literatura pouco
veiculada por jornais dessa natureza.
244
Jornal A Republica, Fortaleza, A Futura Assembléia (A Republica), 3/11/1896, nº 248, p.1.
245
STUDART, Guilherme. Dicionario Bio-Bibliografico Cearense. Fortaleza: Typolitografia a vapor,
1910 (vol. 1), 1913.p. 48.
246
SALLES, Antônio. Valdemiro Cavalcanti. In: Almanaque do Estado do Ceará, Estatístico,
Administrativo, Mercantil, Industrial e Literário. Fortaleza: Tipografia Minerva, 42º ano, 1936, pág.
63.
133
Figura 30 - Seção Folhetim do Jornal do Ceará apresentando Iracema do escritor cearense José de
Alencar. 05/06/1905, nº 204.
Entre os autores publicados pelo Jornal do Ceará, merece destaque o escritor
cearense José de Alencar, com vários de seus romances veiculados nesse
periódico. A Alma do Lázaro, O Ermitão da Gloria e o famoso Iracema, estiveram
nos folhetins do Jornal do Ceará. Jurisconsulto, político e orador, Alencar, a exemplo
de outros escritores dessa época, dedicava-se tamm ao jornalismo
247
.
Porém, os folhetins alternavam traduções do francês e romances nacionais
248
.
E aqueles escritos por José de Alencar figuravam entre os maiores sucessos no
Jornal do Ceará.
Os folhetins foram inventados pelo jornal e para o jornal. A ele, conferiam um
tom mais leve. Poderiam ser de caráter dramático, crítico ou mesmo recreativos. Os
jornais, para adequá-los ao grande público, recorreram à técnica do suspense”, que
faz um “corte sistemático” num instante em que deixa a atenção do leitor presa ao
próximo capítulo, o que lhe confere uma forma novelesca.
249
Os folhetins, como diz
Meyer, acabavam como estratégias de venda dos jornais.
247
AZEVEDO, Sânzio de. Literatura Cearense. Op. Cit. p. 43.
248
MEYER, Marlyse. Folhetim: Uma História. Op. Cit. p. 31.
249
MEYER, Marlyse. Folhetim: Uma História. Op. Cit. p. 31.
134
Figura 31 – Seção Folhetim do Jornal do Ceará apresentando Rapto Jocoso de Nitio-obá.
09/01/1907, nº 485.
A Secção de Todos exibe notas de parabéns, avisos, pequenas homenagens,
valendo ressaltar o fato de que nem sempre eram assinados. Aparecem ainda
agradecimentos, rimas, versos, a maioria endereçada a aniversariantes.
ainda a seção Parte Commercial, na segunda página, com notícias de
vapores esperados de norte a sul, números do câmbio, boletins de mercado, resumo
de loterias da capital federal e meteorologia, entre outros assuntos.
Constam da segunda página artigos sobre a situação econômica do estado,
na seção Pelo Cea, que quase sempre tratam da administração de Accioly. Nela
muitos versos que tematizam a política e o governo de Nogueira Accioly. Mas
alguns desses sonetos e versos são homenagens a amigos, parentes e
aniversariantes ou mesmo espaço para valorizar e apresentar poetas.
Entre os poetas veiculados na seção Pelo Ceará, Américo Facó foi o autor
que mais publicou nesse jornal. Ligado a redação do Jornal do Ceará, de sua pena
saíram inúmeras crônicas, artigos, alguns com forte conteúdo político. Martim
Soares
250
comenta que uma de suas crônicas teria sido responsável pela agressão
que sofreu da polícia a mando de Raimundo Borges, comandante do batalhão e
genro de Accioly.
250
SOARES, Martim. Babaquara. Op. Cit. p. 58.
135
Figura 32 – No Jornal do Ceará, soneto na primeira página, de autoria de Americo Facó. 17/09/1907,
nº 631.
Os anúncios estão nas duas últimas páginas, a exemplo de muitos jornais
dessa época. Seguindo o modelo francês, os anúncios recebiam destaque em sua
composição gráfica
251
, apresentando produtos, estabelecimentos e serviços.
Ocupavam também, vez por outra, a primeira e segunda folha, anunciando um
advogado, dentista ou outra ocupação.
Todavia os anúncios apresentados pelo Jornal do Ceará e Unitario o
ofereciam os mesmos recursos que o jornal A Republica, por exemplo. Esse último,
inclusive, continha um mero de anunciantes consideravelmente superior. Pode-se
inferir que o anúncio marcaria uma opção política para os donos de lojas, produtores
e outros estabelecimentos.
251
SODRÉ, Nelson Werneck. A História da Imprensa no Brasil. Op. Cit. p. 5.
136
Figura 33 – Seção Annuncios do Jornal do Ceará, configurados aqui, os anúncios da terceira página
do jornal. 05/07/1911, nº 1368.
Nesses termos, oferecer produtos ou serviços num jornal de situação ou de
oposição poderia provocar ocorrências desagradáveis ao anunciante. A opção
chegaria a comprometer as oportunidades de negócios principalmente para aquele
que, mesmo eventualmente, anunciasse em jornais oposicionistas.
A partir daí, pode-se explicar o baixo número de anunciantes no Unitario e
Jornal do Ceará, utilizadas como referência as duas últimas páginas do jornal A
Republica. Além de inovações quanto à grafia e ilustrações, a folha situacionista
mantinha uma quantidade de anúncios que excede em muito os seus rivais.
Mas para um veículo político como o Jornal do Ceará, a coluna que o
marcaria encontrava-se na seção que levava o mesmo título do jornal. Seu principal
articulista foi o próprio Waldemiro Cavalcanti, descrito por seu jornal como um
cidadão eminente, homem de profunda inteligência, além de um grande batalhador,
137
e que figurava na luta em defesa da pátria e contra a oligarquia que ora assoberbava
o Ceará.
252
Essa seção discorria sobre o ambiente político do Ceará. Com isso seus
artigos sempre convergiam em direção ao acciolismo, criticando o governo do
presidente Nogueira Accioly, em tom violento. O artigo denominado Mancenilheira
Política uma noção da abordagem:
Diante dos escombros de nossa terra, arrastada à miséria econômica, à
insignificantíssima produção, com o mal geral de todas as classes,
comprando tudo que consume e vivendo parasitariamente do que o braço
cearense ganha no Amazonas, sem meios de defeza contra as seccas
periódicas e fataes, sem hygiene, que preserve a vida dos politiqueiros, a
propriedade em saque, - tal é o aspecto político da collectividade, cuja
direcção o commendador Accioly usurpou com a cumplicidade do sr.
Rodrigues Alves e auxílio directo do sr. Seabra, ministro do Interior.
253
Percebe-se no título desse artigo, Os Caras de Páo, que a crítica era feroz.
Os títulos foram usados para detratar as adesões à política de Accioly, considerada
pelos oposicionistas, responsável pela instituição de uma republica pelo avesso,
comandada por um governo demente, um Accioly doido.
Para os opositores, o triste Cea, vive uma situação insustentável. A
oligarquia acciolina tem levado o estado à anarchia, com uma administração cercada
de horrores, abusos, arranjos, cuja estratégia mistura violencia com immoralidades.
Com o título Falsificadores e Intrigantes, o jornal Unitario publica um artigo
referindo-se aos correligionários de Accioly encarregados dos processos eleitorais,
que, para o Jornal do Ceará são sempre miseráveis. Nesses termos, a política de
Accioly une crime e usurpação, mascarada e legitimada por seu jornal, a industria da
calumnia.
Nos jornais de oposição a crítica ao governo acciolino toma todos os espaços,
dos títulos às transcrições. Infere-se, a partir daí, que os tulos eram responsáveis
para marcar o tom da crítica, dispensando a ela a força e virulência contidos nos
artigos.
Por vezes, as críticas aparecem em outras seções do periódico. Essa
alternância se repetia com freqüência na Secção de Todos. Aberta aos leitores, ela
252
Jornal do Ceará, Fortaleza, Dr. Waldemiro Cavalcanti, 19/06/1905, nº 210, p. 1.
253
Jornal do Cea, Fortaleza, Mancenilheira Política (Jornal do Ceará) 01/11/1905, nº 289, pág. 1.
138
publicava estrofes, versos ou telegramas. A própria família do governador era
comumente citada. Os versos a seguir localizavam-se nessa seção e vieram ao
público no mês em que Nogueira Accioly fazia aniversário, tendo como título A
Oligarchia.
Passa o cortejo inflado, além. Pompeia
Os galarins letaes da Oligarchia;
Desfila em carnaval com alma cheia
Da miséria Vandalica de orgia...
Prosegue a lena estolida e campeia
No banquete do vício em noite fria
No declive cahotico alardeia
A crapula infernal que tripudia.
E ai! D’aquelle que for beber do vinho
Saboroso, espumante, da desgraça,
Attrahido à seara em chão damninho!
É ella a arma alodial que a tudo espanta
A anarchia oppressora vil, devassa!
Ó mocidade, é tempo, te levanta.
254
O soneto conclamava a população a levantar-se contra a opressão do
governo acciolino. A opressão citada no verso era alardeada pelo jornal diariamente,
reportando-se à administração oligárquica que sangrava o povo com impostos, ou
ao desvio de recursos dos cofres públicos para o “esplendor e opulência da tribo de
que é pagé”.
255
Fazendo coro à seção Jornal do Ceará na crítica ao governo Accioly, a sua
segunda página apresenta Potocas. Seção, antes de tudo, curiosa, traz uma
pequena caricatura de Accioly lendo o que parecia ser um jornal que tem como título
o mesmo da folha oposicionista. Figuraram nela pequenas quadrinhas, sonetos ou
textos.
254
Jornal do Ceará, Fortaleza, Oligarchia (Secção de Todos) 17/10/1905, nº 282, pág. 2.
255
Jornal do Cea, Fortaleza, Poder Autocrata, 27/01/1905, nº 151, p. 1.
139
Figura 34 – Seção Potocas do Jornal do Ceará, com texto crítico em torno de José Accioly,.
24/04/1905, nº 186.
Como o próprio nome da seção sugere, o que movia os discursos eram as
críticas a Accioly, literalmente em “prosa e verso”, na forma de humor, como se pode
observar nessas quadrinhas:
Nesta terra de calor
Qualquer frio muito dóe...
Todo minú causa horror,
Accioly as unhas róe.
No governo do terror
Onde tudo asphixia,
Há muito que não chovia
Nesta terra do calor.
Mas Deus como se condóe
Do seu povo na afllicção;
Em mudando a estação...
Qualquer frio muito dóe.
Se a fome traz a dor
Da morte para o nuvente:
- Só em vez passar n’gente:
To minú causa horror.
Enquanto este povo estróe
Quando recolhe ao thesouro,
Seja papel nik ou ouro
Accioly as unhas róe.
Babaquara & Filhos.
256
256
Jornal do Cea, Fortaleza, Quadrinhas (Potocas), 27/03/1905, nº 174, p. 2.
140
A seção Potocas utiliza-se do artifício da caricatura, com pequenos textos. O
tipo sico de Nogueira Accioly é constantemente explorado, e suas características
servem de mote para a criação de quadras e sonetos.
Ante-hontem o Jaburu passando na praça do Ferreira fez umas creanças
correrem assustadas da... bellesa. O bicho... o bicho..., gritavam as
creancinhas.
Foi um alvoroço dos demônios, supondo todos que era a “anta” do
Acarape, que havia fugido de palácio.
257
Potocas também abriu espaço para familiares e correligionários de Nogueira
Accioly. Para figurar na lista dos que freqüentavam tal seção haveria uma
exigência, a pertença à oligarquia e o apego ao chefe oligárquico.
A assembléa mandou contar ao padre Pinto o tempo de vigário para sua
aposentadoria.
Era melhor que tivessem contado os annos de seminarista.
258
*
O Meton anda agora de cabeça muito mais erguida.
Sabem lá o que um sujeito tirar um peso da consciência.
259
Segundo o Unitario, Meton de Alencar, em nada lembrava a grata memória”
de seu pai, medido, pontual, afetuoso, que não “sangrava seus clientes”. Já o
“Metonito”, ou “fura-olho”, recebe inclusive em machinas de costuras”, “com que as
infelizes ganhavam o pão”. Para o jornal, Meton era mais um dos “comparsas no
drama, que se tem desenvolvido no Ceará”.
260
Nessa quadrinha de Potocas, o personagem é Nogueira Accioly.
O accioli disse aos deputados que elles estão ficando muito altaneiros.
Apoiado. Devem enxergar-se, conheçam o seu lugar, não se façam de
tolos.
261
A seção Potocas o se encabulava com os correligionários de Accioly.
Quaisquer situação ou comportamento eram passíveis de sátira. A própria condução
política da oligarquia era objeto de apreciação para as Potocas.
257
Jornal do Cea, Fortaleza, Potocas, 27/01/1905, nº 151, p. 2.
258
A crítica se refere ao Padre Vicente Pinto Teixeira, político e amigo da oligarquia. Jornal do
Ceará, Fortaleza, Potocas, 07/08/1911, nº 1382, p. 2.
259
Jornal do Cea, Fortaleza, Potocas, 07/08/1911, nº 1382, p. 2.
260
Jornal Unitario, Fortaleza, Dr. Meton, 23/04/1907, nº 518, p. 1.
261
Jornal do Cea, Fortaleza, Potocas, 07/08/1911, nº 1382, p. 2.
141
O dr. Jorge de Sousa foi nomeado para Academia. Logrou a dois. Por
conta do dote já recebeu uma cadeira de deputado e uma de professor.
E d’aqui pó diante não haverá possa competir com elle.
O coronel Alverne precisa falar-lhe, dr....
Babaquara & Comp.
262
*
Idelfonso conversava com Accioly:
Idelfonso – Sr. Presidente como tem passado, bem ?
Presidente – tem passado bem.
Idelfonso – Mas vosmecê não se fie nisso não...
Presidente – Porque?
Idelfonso Porque está com medico novo em casa e essa gente começa
sempre desmanivando a família.
263
Ao que parece, a seção tinha sucesso entre os leitores. Ela está presente em
números do Jornal do Ceará em 1905 e também em 1911. O tom de deboche não
mudaria, assim como sua localização no jornal, sempre na segunda página.
Os jornais de oposição utilizavam expedientes como folhetins e
principalmente caricaturas, atrativos conhecidos por sua capacidade de sedução do
público, adotando uma comunicação direta, de cil compreensão e divulgação
264
.
Aliado a esse artifício, uma linguagem contundente, de ataque direto aos
adversários.
O emprego da caricatura no espaço jornalístico era recente. Na segunda
metade do século XIX, surgiriam as primeiras publicações ilustradas com desenhos
humorísticos
265
. No Ceará, o Unitario e Jornal do Ceará lançavam mão da caricatura
como arma contra o governo acciolino e seus correligionários.
262
José Francisco Jorge de Sousa era médico residente em Fortaleza e político da situação. Faz
parte da Assembléia Legislativa durante a última legislatura de Accioly. Jornal do Cea, Fortaleza,
Potocas, 01/02/1905, nº 153, p. 2.
263
Idelfonso Correia Lima, político antigo, já nos primeiros anos da República esteve ao lado de
Accioly, exercendo inclusive o cargo de 3º vice-presidente do Estado, em 1893. Jornal do Ceará,
Fortaleza, Potocas, 02/08/1905, nº 231, p. 1.
264
CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e História do Brasil. Op. Cit. p. 16.
265
SODRÉ, Nelson Werneck. A História da Imprensa no Brasil. Op. Cit. p. 117.
142
Figura 35 - Caricatura de Nogueira Accioly feita pelo Jornal A Cidade de Sobral.Tal caricatura tomava
toda a primeira página do jornal. 11/10/1904, nº 108
O mote: Accioly as unhas róe” percorreu a seção Potocas. São comuns as
quadras que trazem essa frase para fechar uma ou outra rima. A crítica dessa seção
utilizava basicamente uma linguagem ácida para desqualificar Nogueira Accioly e
sua política.
Figura 36 - Caricatura de Nogueira Accioly feita pelo Jornal Unitario, em alusão ao seu aniversário de
setenta anos. 11/10/1910, nº 1032.
143
Os opositores, mais uma vez, utilizam as características físicas do chefe
oligarca para satirizá-lo.
A Jaburú perguntaram:
Belleza... feiura dóe?
Nomes feios ao ar voaram,
Accioly as unhas róe.
266
***
Aqui, a doutrina Matheus
Na América, ensina Monroe:
O alheio pertence aos meus
Accioly as unhas róe.
***
Na Rússia o caso vae sério...
Phantastico..., a Edgard Poe;
Porto-Artur: que cemitério?!!!
Accioly as unhas róe.
267
O discurso supera a crítica simples. É desafiador. Sugere entre os
oposicionistas uma preocupação com os destinos do povo cearense, tentando
convencer os leitores de que seriam capazes de mostrar uma alternativa política. É
comum observar, na leitura desses discursos, que os articulistas se pretendiam
missionários, e, portanto, conduzir o povo na direção de uma vida de mais
integridade e menos opressão. Seus instrumentos eram os jornais.
Observando um trecho do Jornal do Ceará, percebe-se nos artigos, uma
disposição por parte dos articulistas para a batalha em busca do respeito aos
direitos dos cidadãos supostamente negado pela oligarquia de Accioly. Segundo
eles, tal luta unia “abnegação e coragem”.
Chegamos ao primeiro marco desse penoso caminhar por entre urzes e
espinhos. A missão que a princípio nos impuzemos era quase de martyrio
por que era a do fraco contra o forte, do opprimido contra o oppressor.
Não nos poude valer o argumento de nossa fraqueza e insignificância,
porque o adversário investiu furioso contra as individualidades e obrigou-
nos à defensiva, mas quando terminámos esse ingrato batalhar, o
inimigo estava rechassado e a opinião aplaudia nosso esforço, abnegação
e coragem.
Queremos a integridade de nossa Pátria, substituindo o sentimento largo
da nacionalidade brasileira pelo estreito e acanhado bairrismo que domina
nos Estados fortificando a União no seio da Nação e não enfraquecendo-a
pela emulação de lutas de Estado a Estado e destes contra a Pátria...
268
266
Jornal do Ceará, Fortaleza, (Potocas), 30/01/1905, nº 158, p.2.
267
Jornal do Cea, Fortaleza, (Potocas), 01/02/1905, nº 153, p.2.
268
Jornal do Ceará, Fortaleza, O “Jornal do Ceará”, 16/03/1905, nº 171, p. 1.
144
As folhas oposicionistas se colocavam como partidárias de uma justiça que
garantisse o direito de todos, num regime definido constitucionalmente e com uma
pátria, ressaltando suas lutas ininterruptas para alcançar esses objetivos. Como
parte disso estava o combate ininterrupto ao “nepotismo e corrupção dominante” e a
certeza de que essas bandeiras garantiriam o apoio de um grande número de
pessoas
269
.
O Jornal do Ceará e o Unitario recorrentemente escreveram sobre suas
batalhas. Os textos sugerem um tratamento heróico para os que lutavam contra a
oligarquia. A justificativa pelo título estaria na diferença de forças políticas entre os
grupos políticos de oposição e situação.
As folhas oposicionistas em seu propósito de jornalismo como missão
estavam sempre preocupados em alertar o povo quanto aos malefícios da
administração acciolina. Esse objetivo é perceptível tamm no jornal oposicionista
A Cidade
270
, do interior do Estado:
A nossa missão na imprensa tem sido pugnar, pela verdade eleitoral, que
tem sido falseada muitas vezes, por esses aventureiros de profissão; é
pugnar pela obediência as leis, que devem ser claras e concisas, sem
prestarem-se à diversas interpretações quase sempre forçadas e
amoldáveis as occasiões.
Pensamos que o melhor meio de doutrinar o povo é apontar-lhe o mal,
mostrando-lhe ao mesmo tempo o meio mais efficaz de combatel-o, vamos
hoje nos occupar de um magno assumpto que diz de perto com o
engrandecimento e a prosperidade da República.
271
João Brígido, Waldemiro Cavalcanti, Agapito dos Santos e Américo Facó
foram alguns dos jornalistas que se bateram nas disputas políticas, lançando mão
até de insultos pessoais como pontuou o próprio Brígido
272
. Os embates partidários
extrapolavam as redações e chegavam às queixas pessoais, valendo-se da violência
física e verbal para dar vazão às renhidas disputas.
269
Jornal do Cea, Fortaleza, O “Jornal do Ceará”, 16/03/1905, nº 171, p. 1.
270
Jornal político, fundado em 8 de fevereiro de 1899 na cidade de Sobral, interior do Ceará, por
Álvaro Ottoni, posteriormente assumindo a direção do jornal o capitão Carlos Rocha. Em 27 de julho
de 1891, o jornal passou a ser diário, voltando, em seguida, a sair às quartas-feiras e sábados.
Funcionou por toda a década inicial do século XX trazendo os pormenores da política cearense,
sendo, contudo, um forte opositor à oligarquia acciolina. CEARÁ, Biblioteca Pública Menezes
Pimentel. Departamento de Patrimônio Cultural. Núcleo de Microfilmagem. Jornais Cearenses em
microformas, catálogo geral. Op. Cit.p.40.
271
Jornal A Cidade. Nossa Missão. 06/08/1899, nº 55, p. 1.
272
BRÍGIDO, João. Ceará. Homens e Factos. Rio de Janeiro: Typ. Bernard Fréres, 1919. p.47.
145
Seus redatores foram homens de intensa atividade jornalística, aliada ao
exercício da política. Para muitos, a escrita, produção e edição desses periódicos
foram armas afiadas e perfurantes”, como disse Antonio Bezerra de Meneses
273
sobre João Brígido.
As armas dos opositores, os jornais, davam conta das contendas poticas,
dos insultos, empastelamentos, as lutas diárias. Segundo eles, publicar falsos
elogios, enganando a opinião do povo para receber alguns tostões, prejudicaria
àqueles encarregados de escrever a história. No discurso opositor, os jornais não
poderiam faltar com a verdade, ainda que, o dinheiro que dependessem do dinheiro
para viabilizar o funcionamento das folhas.
Daqui a cem annos quem puzer os olhos sobre os jornaes de agora,
querendo fazer um estudo consciensioso da nossa historia política, há de
se ver a braços com enormes difficuldades, para separar o joio do trigo.
A imprensa, que pudera ser a mais autorizada fonte subsidiaria, tem-se
deixado vilipendiar tanto, que se afundou no lodo das enxurradas em
que apodrece o caracter nacional.
274
Segundo os jornais oposicionistas, muitos articulistas, alugavam suas
penas ao governo, narrando fatos inverossímeis, deturpando a história e
vilipendiando a imprensa. Tal prática tornaria o jornal imprestável para possíveis
consultas, e, por conseguinte, a compreensão dessas pretéritas experiências
comprometida.
É grande no Brasil o abastardamento da imprensa, que transformada em
balcão mercantil, deturpa os acontecimentos da época.
Imaginem que, um culo adeante, dê a cabeça de alguém estudar a
feição moral do governo do snr. Accioly.
Deparará, percorrendo as suas folhas (...) falando da interminável ninhada
que se acolhe ás asas de um presidente qualificado ali do gallo-capão;
encontrará estupendo elogio, noutra semana, feita de encommenda ao
mesmo gallo-capão da véspera (...) cuja publicação (...) custa sempre bons
contos de réis ao Estado.
275
O articulista mostra indignação frente aos fatos observados. Alerta o
historiador para os jornais que mantiveram esse comportamento, descrevendo-os
como fontes corrompidas pelos políticos da situação. As penas de aluguel teriam
273
MENESES, Antônio Bezerra. Descrição da Cidade de Fortaleza. (Introdução e Notas de
Raimundo Girão). Fortaleza: Edições UFC / Prefeitura Municipal de Fortaleza, 1992, p. 10.
274
Jornal do Cea, Fortaleza, Imprensa Brasileira, 13/09/1911, nº 1395, p.1.
275
Jornal do Ceará, Fortaleza, Imprensa Brasileira, 13/09/1911, nº 1395, p.1.
146
tecido uma memória imprecisa dos acontecimentos, e talvez nem mesmo a tradição
consiga recuperar tais dados:
Causa lastima ver a amada filha de Gutemberg tão vilmente prostituída,
maculada, entregando-se, qual impudica messalina, nos braços corruptos
dos politiqueiros da Republica.
276
Os redatores do Jornal do Ceará e Unitario pareciam buscar uma conduta
jornalística forte, combativa, mas que tratasse da sociedade, dos seus problemas,
lutas e ações sem informações vendidas. Nesses termos, os argumentos teriam
ligações com os próprios articulistas, seus sentimentos, suas inclinações, suas
experiências poticas, porém, sem receber nada em troca.
A trajetória dos jornais de oposição não se configurou em tarefa das mais
fáceis. O editor do Jornal do Ceará, Antônio Clementino Oliveira, teria sido
espancado por policiais pouco antes da posse de Nogueira Accioly em seu segundo
mandato.
277
Por seus objetivos e lutas antioligárquicas, esses jornais mantiveram uma
estratégia de constante ataque. Partidários da oposição afirmavam que o governo
acciolino trazia malefícios ao povo do Ceará, e através dos principais editoriais
dessas folhas, condenavam diariamente a conjuntura mantida pela oligarquia.
Esses combates marcaram quase toda a existência do Jornal do Ceará,
que desapareceu no mesmo momento que a folha acciolina A Republica, por
ocasião da queda do governo. O Unitario sobreviveu mais alguns anos até
desaparecer em fins da década de 1910. Esses jornais estiveram envolvidos em
intensos combates, fossem partidários ou jornalísticos. Mantiveram um repertório de
críticas ao governo acciolino e suas instituições, combatendo, segundo eles, em prol
da causa pública e bem da sociedade.
Os jornais Unitario e Jornal do Ceará se utilizavam de uma argumentação
apaixonada e discursos ousados. Desafiaram as noções republicanas impostas pelo
Jornal A Republica e construíram sua versão acerca dos fatos. No próximo item
analiso a política cearense conduzida pela oligarquia, sob a ótica desses periódicos.
276
Jornal do Cea, Fortaleza, Imprensa Brasileira, 13/09/1911, nº 1395, p.1.
277
BRÍGIDO, João. Ceará. Homens e Factos. Op. Cit. p. 515.
147
2.2 – “Republica pelo aveso”: a oligarquia acciolina
A mudança de regime político no Brasil instaurou a República. Para o
jornal Unitario, no antigo regime havia uma única autoridade de onde emanavam
todos os poderes. O imperador era “ponto fixo no espaço”. Com a República e o
processo eleitoral como base para esse sistema, o exercício da política passaria a
permitir maior mobilidade. O Ceará, no entanto, não assistiu a grandes mudanças.
278
Para o discurso da oposição, o novo regime inaugura no Ceará um outro
reinado dominado por Nogueira Accioly. O jornal Unitario debate as transformações
políticas pontuadas pela imprensa de situação. O discurso de elogio articulado pelo
jornal A Republica é refutado diariamente pelos oposicionistas que reiteram a
condição de expectador do povo cearense ante a reorganização das forças políticas.
A expectativa de participação ensejada pela instauração do novo regime
foi sofrendo sistemáticas frustrações. Intelectuais, operários, e a própria população
não obtiveram meios para que fossem ouvidas suas vozes. Os processos eleitorais
continuavam abrindo espaços para arranjos e barganhas políticas.
279
Através de alianças as oligarquias agrárias remanescentes do Império
ampliam seu domínio político na República. Os representantes passaram a ser
escolhidos no próprio grupo de compromisso, o que acabou promovendo a formação
de organizações autônomas emrios estados.
280
No Ceará, o que se viu foi a concentração de poder nas mãos de uma
família, dona dos cargos mais importantes da administração estadual, tomando
posse do tesouro público, montada a partir de uma engrenagem que lhe permitia,
segundo o Jornal do Cea, enquadrar-se não numa oligarquia, mas numa
“patriarchia”, ou mesmo, “piratarchia”.
281
A prática republicana que o Ceará vivenciou no momento em que a
oligarquia acciolina conduzia o governo foi inteiramente deturpada, no relato de José
Getúlio Frota Pessoa
282
. Sua hipótese é que os cearenses não acreditavam na
278
Jornal Unitario, Fortaleza, Transtorno nas Instituições (Unitario), 05/02/1907, nº 486, p.1.
279
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a Republica Que Não Foi. Op.
Cit., p. 37.
280
CARONE, Edgard. A República Velha (Instituições e Classes Sociais – 1889-1930). Op. Cit. p.
154.
281
Jornal do Ceará, Fortaleza, A Oligarquia Cearense, 03/11/1911, nº 1417, p. 1.
282
PESSOA, José Getúlio Frota. O Oligarcha do Ceará. Op. Cit.p.88.
148
moralidade política do governo de Accioly, acusado de desrespeito às instituições
que constituíam a espinha dorsal do regime republicano. Sua administração,
segundo os opositores, feria princípios republicanos fundamentais: moral, liberdade,
democracia e justiça.
A montagem do aparelho oligárquico conduzido por Campos Salles, e
posteriormente mantido por Rodrigues Alves, foi responsável pela sorte “nefasta” em
que estiveram mergulhados alguns estados brasileiros, como o Ceará. Para a
oposição, Campos Salles,
(...) cuja presidência foi o marco de negra desmoralização, a marcha
avançada do assalto aos cofres públicos, a corrupção, a prevaricação, a
immoral e compressôra política dos governadores que veio dividir o paíz
em vencidos e vencedores.
283
Na avaliação do Jornal do Ceará, a situação local, assim como de outros
estados, não avançaria com a sucessão presidencial e a chegada de Rodrigues
Alves ao poder:
(...) é na vigência delle que os brasileiros vêm passar o anniversário da
promulgação da constituição, defunto sem chôro, a quem a federação, a
dualidade da magistratura, as oligarchias estaduais e o vício orgânico dos
politiqueiros do Império trucidaram, tornando odiado o regimem que ella
implantou.
284
O discurso oposicionista condenava os desvios ensejados pela “política
dos governadores”, porém acreditava na viabilidade da República e de suas
instituições enquanto forma de governo. Contudo, parâmetros estabelecidos pelas
oligarquias estaduais para a condução dos negócios públicos enterravam tradições,
esmagavam o sentido de patriotismo, desrespeitavam as noções de solidariedade e
civismo, deturpando os princípios originais.
Os opositores, confiantes na República, faziam uma defesa pungente
desse regime como condição básica de progresso dos povos e da dignidade do
homem, desde que sua implantação levasse em consideração o respeito às leis
constitucionais. Os artigos assumem uma conotação de repúdio às administrações
283
Jornal do Ceará, Fortaleza, 24 de fevereiro (Jornal do Ceará), 24/02/1905, nº 163, p. 1.
284
Jornal do Cea, Fortaleza, 24 de fevereiro (Jornal do Ceará), 24/02/1905, nº 163, p. 1.
149
estaduais que desconsideravam os princípios republicanos, com destaque para
aquela desenvolvida por Accioly, no Ceará.
Segundo Renato Lessa, a República manteve velhas ordenações. No
Império, os partidos deveriam obedecer a direção ordenada pelos chefes.
285
Na
argumentação do jornal do Ceará, os oligarcas tomam para si esse papel,
sacrificando os interesses públicos em favor do interesse privado.
Nos artigos dos jornais oposicionistas percebe-se uma preocupação com a
retomada de um regime republicano constitucional, e a cobrança diária por uma
intervenção federal como medida necessária para que fosse alcançado tal objetivo:
Collocando a Constituição os Estados sob a salvaguarda do poder federal,
para lhes assegurar o gôzo dessas instituições, impoz em compensação
aos Estados o dever de obediência àquelle poder, no que fosse necessario
para manter a nação unida e forte.
Para que a União intervenha nos Estados, não se faz preciso que nelles se
procure submeter a forma republicana de governo. A intervenção é
legítima, é mesmo obrigatória, sempre que os poderes estaduaes
ameacem o império da lei federal ou contra ella se insurjam.
286
A indignação presente nos jornais de oposição tinha como propósito sua
inserção nos processos eleitorais, que o controle exercido pelos governos os
afastavam da esfera do poder. As oposições eram, por assim dizer, degoladas.
287
Nesses termos, a República cearense, a exemplo dessa conjuntura,
precisava de um novo arranjo, distinto do direcionamento dado pela oligarquia
acciolina. O regime de governo que tinha como ponto chave a democracia precisava
direcionar-se para o povo.
As oligarquias não eram vistas, na ótica oposicionista, como criações da
República, mas obra de governantes e suas políticas. Consideram-nas extensões da
Política dos Governadores, com pretensões arbitrárias e atitudes que buscavam um
favorecimento pessoal. Segundo os jornais de oposição, elas fizeram o regime cair
no descrédito, perder seu significado.
O Jornal do Ceará caracteriza as oligarquias de “lepra maldicta”.
285
LESSA, Renato. A Invenção Republicana. Op. Cit. p. 111.
286
Jornal do Cea, Fortaleza, 24 de fevereiro (Jornal do Ceará), 24/02/1905, nº 163, p. 1.
287
CARONE, Edgard. A República Velha (Instituições e Classes Sociais- 1889-1930). Op. Cit. p.
309.
150
Felizmente não há, hoje, no Brasil, quem o esteja convencido da
necessidade inadiável em que todos nós vemos, de dar combate de morte
a essa lepra maldicta que, corroendo o organismo vital da Nação, ameaça
aniquilar completamente as instituições.
288
Para a oposição as oligarquias estavam utilizando o regime para alcançar
seus objetivos, vilipendiando com isso os direitos da população. Os jornais Unitario e
Jornal do Ceará, em seus editoriais de desqualificação da oligarquia de Nogueira
Accioly, usam como uma de suas estratégias o ataque à política em vigência no
país, marcada por vários desses exemplos, principalmente nos estados do Norte.
Campos Salles, segundo os jornais de oposição, mostrava resistência
em associar sua imagem a essas instituições. Salles, então senador, se recusava a
ser visto como aliado na montagem dessa engrenagem. Outro a ser destacado
nesse debate foi o também senador Quintino Bocaiúva, presidente do Partido
Republicano Conservador. Muitos desses novos críticos das oligarquias usavam a
palavra impressa para manifestar seu pensamento e tendência política.
O Jornal do Ceará traz num de seus editoriais os novos rumos tomados
por Bocaiúva na política. As oligarquias são agora denominadas de “sátrapas”.
(...) s. exc. que até agora tem convivido intimamente com os Acciolys, os
Maltas, os Maranhões, os Nerys, os Lemos, os Machados e outros typos
semelhantes, todos chefes das mais aladroadas satrapias, acaba, por sua
vez, de renegar os seus amigos de hontem declarando-lhes guerra crua e
implacável.
289
O Jornal do Ceará afirma com Quintino Bocaiúva que as oligarquias são “a
mais odiosa deturpação do regimen” republicano, e seus chefes senhores
prepotentes, a propósito de causas mínimas, levantam a voz invocando a soberania
estadual”. Bocaiúva teria classificado os chefes oligárquicos “enquanto verdadeiros
soberanos em seus estados, desrespeitando a própria Federação, praticando toda a
sorte de politicagem e desordem, deixando o povo à merde verdadeira miséria e
entregues a própria sorte”.
290
Os periodistas de oposição se utilizam dos discursos de políticos como
Campos Salles e Quintino Bocaiúva, já com uma orientação política que não
288
Jornal do Cea, Fortaleza, O Snr. Quintino Bocayuva e as Oligarchias, 4/12/1911, nº 1430, p. 1.
289
Jornal do Cea, Fortaleza, O Snr. Quintino Bocayuva e as Oligarchias, 4/12/1911, nº 1430, p. 1.
290
Jornal do Cea, Fortaleza, O Snr. Quintino Bocayuva e as Oligarchias, 4/12/1911, nº 1430, p. 1.
151
defendia as oligarquias, para dar força a seus argumentos. Afinal, o recuo desses
políticos em relação aos processos oligárquicos demonstrava que tais alianças lhes
renderiam prejuízos.
Na observação desses periódicos, as oligarquias representam um “cancro
social”: capazes de atos cruéis, atitudes implacáveis, conduzem uma política imoral
e mantém laços de colaboração entre os seus, propondo políticas que viabilizam
seus interesses, dando ênfase à construção de um ambiente político que perpetue
seus poderes e a permanência de privilégios pessoais e políticos.
Para o jornal Unitario, o Ceará sob o domínio da oligarquia de Accioly
reduzia-se a uma “carniçamoral atitudes inescrupulosas, corrupções, subornos e
fraudes. O estado era exemplo de uma das piores oligarquias instaladas no país,
consistindo, sua política no emprego insistente de “tramóias”.
291
Abelardo Montenegro, citando Brígido, pontua que os presidentes dos
estados, ou chefes oligárquicos, com o seu séquito de amigos pessoais”, formavam
uma “corte”. O governo oligárquico o dispensava preocupações com a causa
pública. À população, sobrava o trabalho, condição necessária para que fosse
mantido “o espavento desse governo, e as suas loucuras e cobiças”.
292
O jornal argumenta que de julho de 1896 a julho de 1904, e mais os seis
últimos meses de 1904, com o chefe oligárquico de volta à cadeira presidencial,
“referindo a segunda investidura de Nogueira Accioly, se tem arrancado da
população vultuosas quantias em forma de impostos, fato que obriga os homens do
Ceará a migrar em busca de pão para seos filhos”.
293
Edgard Carone afirma que as oligarquias podem ser divididas em duas
categorias: a que se caracteriza pela formação de grupos impermeáveis, fechados à
participação de elementos estranhos, o que resulta em oposição armada e conflitos
radicais pelo poder; e a que domina os poderes executivo, legislativo e judiciário,
empregando familiares e correligionários para manter o controle das decisões
nesses três níveis, obrigando a todos uma definição contrária ou favorável à sua
política.
294
291
Jornal Unitario, Fortaleza, Chama-lhe... Antes que Ella te Chame (Unitario), 09/02/1911, nº 1082,
p. 1.
292
MONTENEGRO, Abelardo F. Os Partidos Políticos do Ceará. Op. Cit. p. 78.
293
Jornal Unitario, Fortaleza, Misérias do Ceará (Unitario), 28/01/1905, nº 231, p. 1.
294
CARONE, Edgard. A República Velha (Instituições e Classes Sociais – 1889-1930). Op. Cit. p.
270.
152
Pela argumentação oposicionista, Accioly reuniria as duas categorias
citadas por Carone, ressaltando a nula participação da população na administração,
cujos cargos estariam restritos a parentes e amigos próximos e a condição servil dos
poderes públicos, acrescentando aos deputados da Assembléia do Ceará uma falta
de consciência na condução dos negócios daquela casa.
Para os opositores, a oligarquia de Nogueira Accioly era sinônimo de
atraso para o desenvolvimento cio-potico do estado. Conduzia a economia sem
priorizar o cidadão, a política sem a necessária justiça e os processos eleitorais
beneficiavam apenas candidatos de seu partido. Em seus discursos, a oposição
desqualifica o republicanismo cearense nos moldes acciolinos.
Em 1907, o jornal Unitario transcrevendo discursos de alguns senadores,
faz eco à preocupação dos parlamentares com a “deturpação do Regimen...”, cuja
responsabilidade era atribuída às oligarquias. Para os senadores, esse grupos
oligárquicos eram chefiados “por homens que se dizem republicanos, mas não
praticam a república”
295
. Pinheiro Machado, um dos senadores contrários às
oligarquias, de acordo com o Unitario, conclamava:
Exerçamos todos a crítica contra esses avanços ao poder, seja porque
meio fôr; não tenhamos condescendências nem contemplações; não
queiramos manter ao redor de nós um agrupamento numeroso, constituído
por lenitas, que não conhecem o nosso alcorão (...)
296
O jornal Unitario destaca do discurso de Machado, o combate político às
oligarquias estaduais. O senador, ainda em seu discurso, declara que as oligarquias
não mereciam qualquer tolerância, a fim de que se pudesse salvaguardar os direitos
dos cidadãos.
Nós não podemos desejar, na República, que os estados jazam
eternamente sob o guante das oligarquias; não podemos desejar que os
códigos dos Estados sejam reformados ao sabor d’aquelles que detém o
poder, para se eternisarem nelle.
Tal solidariedade nós refugamos. Isto é que precisamos declarar
solenemente à Nação resguardando o nosso passado, afim de que
possamos entre os nossos cidadãos, manter a fonte erecta, não tolerando
os desvios, que profligamos, mantendo communhão com os processos
daqueles que fazem da política um meio de vida.
297
295
Jornal Unitario, Fortaleza, As Oligarchias (Unitario), 10/09/1907, nº 577. p. 1.
296
Jornal Unitario, Fortaleza, As Oligarchias (Unitario), 10/09/1907, nº 577. p. 1.
297
Jornal Unitario, Fortaleza, As Oligarchias (Unitario), 10/09/1907, nº 577. p. 1.
153
As folhas oposicionistas mantêm um discurso de combate às oligarquias
evidenciando a intolerância que cidadãos e oposição devem manifestar sem recuos.
A linguagem para os ataques é a da hostilidade, da crítica desabrida, do
desvirtuamento das ações políticas desenvolvidos por Nogueira Accioly à frente do
governo.
A oligarquia cearense, para o Jornal do Ceará, desobedecia o que
rezavam as leis eleitorais, fonte do poder soberano do povo. Para isso, manobrava a
Assembléia para que as leis e os recursos beneficiassem filhos, genros e
correligionários, manipulava eleições, coagindo e deixando de qualificar eleitores
aptos, caso fossem oposicionistas.
Durante o processo eleitoral as comissões formadas para realizar os
trabalhos eram acusadas de afastar eleitores hostis a Accioly e sua política. O jornal
Unitario manifestava sua indignação com o governo que desrespeitava os direitos do
cidadão, principalmente se não compactuasse com as orientações do governo.
Figura 37 – Texto do jornal Unitario em primeira página, criticando o processo de qualificação de
eleitores feita pelo governo onde muitos opositores foram “degolados”. 19/01/1907, nº 479.
Com a utilização dessa estratégia, de acordo com Edgard Carone,
O que realmente se é que no decorrer de sua experiência, o maior
defeito da política dos governadores foi a estagnação da vida
representativa. Espessa trama de cumplicidade cobriu o cenário político;
convertera-se a vida política num jogo de cúpula, de que participavam
os iniciados, as oligarquias ostensivas ou apenas disfarçadas.
298
298
CARONE, Edgard. A República Velha (Instituições e Classes Sociais- 1889-1930). Op. Cit. p.
309.
154
A oligarquia acciolina se utilizou de inúmeras estratégias para a
manutenção do poder, mantendo familiares e correligionários em cargos públicos, e
tirando da população o direito de decisão. Para a oposição, as eleições eram apenas
um período de “nullas cogitações”, “passada a folia”.
299
Não se concebe, diz o admirável jornalista, que o nome da República
possa cobrir uma fórma de governo em que o poder, ao envez de ser
transitório, temporário, periódico, seja exercido por um mesmo indivíduo,
enquanto isto lhe approuver, pouco importando o ardil de que lance mão
para chegar a esse resultado. Profundamente immoral como é, não póde
semelhante resultado ter qualquer característica legal, pois ninguém
concebe que a lei legitima a immoralidade...
300
A política, principalmente aquela adotada pelo governo de Campos Salles,
impõe um “congelamento da competição nos estados”. No norte, são eternizados no
poder máquinas políticas com forte feição familiar”, como é o caso de Accioly. As
eleições não tinham legitimidade, as atas eram lavradas nas casas dos chefes
políticos, e a oposição, executada de forma implacável.
301
Pela retórica oposicionista, no Ceará, as eleições estavam entregues nas
mãos de poucos correligionários de Accioly. As maras municipais reconheciam
seus próprios poderes, e ao chefe oligárquico cabia a escolha de intendentes para
os municípios. Todos esses elementos acabavam provocando reações contrárias ao
governo, que com o tempo só cresciam.
302
Frota Pessoa comenta que o processo eleitoral montado por Accioly era
desqualificado. Atestado de residência necessário ao cidadão-eleitor que desejasse
se qualificar o era emitido de forma alguma. As juntas de alistamento o tinham
qualquer funcionalidade quando se tratava de admitir um eleitor da oposição. As
mesas apuradoras negavam todos os recursos solicitados pelos adversários.
Em tom de desabafo, o articulista do jornal Unitario informa que, no Ceará,
os políticos dominantes não têm qualquer noção de lei ou sentimento de pudor.
Nesses termos, não se pode esperar que a lei se imponha, posto que seus
executores são capazes de repugnantes infâmias. Para a qualificação de eleitores
no Ceará, só há uma lei:
299
Jornal Unitario, Fortaleza, A Quadra (Unitario), 20/02/1909, nº 793, p. 1.
300
Artigo escrito pelo redator-chefe d’A Imprensa, órgão do Estado do Rio de Janeiro, transcrito em
PESSOA, José Getúlio Frota. Oligarcha do Ceará. Op. Cit. p. 153..
301
LESSA, Renato. A Invenção Republicana. Op. Cit. p. 109.
302
MONTENEGRO, Abelardo F. Os Partidos Políticos do Ceará. Op. Cit., p. 76.
155
O mot dordre do snr. Accioli é que ninguém da opposição adquiria o direito
do voto, para dar-lhe o trabalho de supprimil-o nas verificações de
poderes.
E nenhum será eleitor no Ceará em pleno domínio da Republica.
Que importa a lei?
303
Ainda, segundo o jornal Unitario, o presidente da República, Hermes da
Fonseca, pediu providências quanto à qualificação de eleitores no Ceará e provoca:
O sr. Accioly, para illudir ao presidente da República, que lhe exige
procedimento mais honesto na qualificação de eleitores deste estado,
manda escrever que tudo vae a mil maravilhas, como em república
civilizada, a Suissa e a França, por exemplo.
Agora veja s. exc. como lhes está a mentir o dictador do Ceará.
304
Quanto aos processos eleitorais, os jornais oposicionistas são taxativos. O
governo de Accioly não os respeitavam e, além disso, manobrava-os a seu favor,
principalmente quando o objetivo era eleger algum de seus filhos, parentes ou
correligionários. Na votação, na apuração, nas reformas arranjadas, para os
opositores, o que prevalecia era a vontade do governante e de sua gente.
Figura 38 – Texto de crítica ao governo feita pelo jornal Unitario referente aos processos eleitorais.
20/02/1909, nº 793.
303
Jornal Unitario, Fortaleza, Qualificação, 26/01/1907, nº 482, p. 2.
304
Jornal Unitario, Fortaleza, Qualificação, 09/02/1912, nº 1082. p.1
156
O vocabulário utilizado pela oposição para tratar desse tema recorria ao
termo fraude com freqüência. As críticas eram dirigidas aos pleitos “mentirososque
afrontavam a vontade do povo; acusavam-se as mesas apuradoras de atitudes
insolentes, acostumadas a baixarias”, e que influenciavam nos resultados. No
discurso opositor, as eleições organizadas pela oligarquia eram feitas de mentiras e
violências.
305
O debate ressalta ainda existir na população inúmeras queixas contra o
processo eleitoral acciolino. O jornal Unitario nomina de “patifaria”
306
a sua
condução, enfatizando que seu papel de opositor é dar notoriedade ao fato.
Para o jornal Unitario, as eleições nas mãos da oligarquia de Accioly eram
discriminatórias, apoiadas pela força armada, arbitrárias e anárquicas. No entanto, o
discurso aponta para o combate, instigando o povo a lutar contra tal indecência.
No Ceará, o eleitor é obra exclusiva do sr. Accioly; toda eleição, uma
ironia; todo poder, uma industria cruel e indecente.
O que resta, pois? Cruzar os braços?
Não: armal-os.
Quem não póde votar, póde bem combater.
307
José Murilo de Carvalho pontua que, embora o regime republicano tivesse
eliminado o voto censitário, manteve outras restrições como a exclusão de
analfabetos, estrangeiros e mulheres do processo eleitoral. Analisando o caso do
Rio de Janeiro, a exclusão seria de 80% da população, o que significou um aumento
irrisório do eleitorado. Completa dizendo que o regime republicano conseguiu “quase
literalmente eliminar o eleitor”, e a participação política pelo voto.
Carvalho acrescenta ainda que somada à “exclusão legal, alguns cidadãos
escolhiam não participar dos processos eleitorais”, apontando como uma das razões
para tal comportamento, a “fraude eleitoral que a Republica nada fez para eliminar”.
Além disso,
(...)votar era muito perigoso. Durante o império, as eleições na capital eram
marcadas pela presença de capoeiras, contratados pelos candidatos para
garantir os resultados. A Republica combateu os capoeiras, mas o uso de
capangas para influenciar o processo eleitoral só fez crescer...
308
305
Jornal Unitario, Fortaleza, Apuração (Unitario), 01/04/1911, nº 1103, p. 1.
306
Jornal Unitario, Fortaleza, Qualificação, 12/01/1911, nº 1071, p. 1.
307
Jornal Unitario, Fortaleza, Transtorno nas Instituições (Unitario), 05/02/1907, nº 486, p. 1.
308
CARONE, Edgard. A República Velha (Instituições e Classes Sociais- 1889-1930). Op. Cit. p.
87.
157
Nogueira Accioly o permitia que os processos eleitorais apresentassem
resultados diferentes daqueles previamente arranjados. Ao governo sobravam
capangas para que os objetivos fossem alcançados. O jornal Unitario, em artigo
alusivo às eleições, comenta:
Não palavras que traduzão o enfado, o aborrecimento e até a colera
produzida pelo pleito de uma eleição contra o governo, quando este é
meramente nominal e fóra da lei, tendo por hábito a mentira e por objecto o
dinheiro suado do povo.
E isto mortifica muito mais, que ter armas e bater-se o povo em lucta
desesperada das multidões inermes contra o poder, que move canhões.
309
Um exemplo dos arranjos políticos de Accioly, segundo esse mesmo
jornal, se traduziu no pleito eleitoral de 28 de fevereiro de 1911, que deu a Francisco
Sá, genro de Accioly e ex-ministro da Viação, o cargo de senador: um negociante
residente na cidade de Icó, Manoel Freire de Andrade, havia feito uma petição ao
juiz seccional em protesto à eleição de Sá, alegando nunca ter havido tal pleito
naquela localidade.
310
Para os jornais oposicionistas, Accioly e sua oligarquia contavam ainda
com a cumplicidade e colaboração de seu partido, responsável por quase todos os
arranjos políticos, assim como pelas violências praticadas no seu governo. O Jornal
do Ceará, inclusive, batizou os colaboradores acciolinos de “escravos”, segundo o
artigo:
era tempo dos escravos que o snr. Accioly traz acorrentados ao seu
partido, irem quebrando os grilhões que lhes prendem as consciências.
Elle domina um partido de cadáveres, a que o galvanismo platônico do seu
governo empresta apenas a vida das rãs. Do charco em que se remexem,
levanta-se o cheiro nauseabundo das consciências em decomposição,
fedentina moral que incommoda muito mais do que a que costuma
penetrar o organismo pelos órgãos nasaes.
311
A oligarquia mantinha um grande número de correligionários, a maioria
afiliada ao Partido Republicano. Para a oposição, eram apenas bonecos nas mãos
309
Jornal Unitario, Fortaleza, Apuração (Unitario), 01/04/1911, nº 1103. p.1.
310
Jornal Unitario, Fortaleza, Escândalo Inaudito (Unitario), 11/03/1911, º 1096, p. 1.
311
Jornal do Cea, Fortaleza, Partido de Escravos, 05/04/1911, nº 1368, p. 1.
158
de Accioly, vivendo sob um domínio odiento e nefasto”, sendo suas opiniões
aquelas permitidas pela “ditadura” acciolina.
312
O discurso da oposição utiliza nomes como “escova-botas
313
e
“assassinos”
314
para nomear os correligionários da situação. Em debates ferinos, a
folha oposicionista trata-os como cúmplices das ações corruptas do chefe
oligárquico.
O Jornal do Ceará afirma ainda que o partido de Accioly era feito de
“homens mesquinhos, egoístas que sofriam todo tipo de opressão e violência sem
direito a levantar a voz, não importando a situação”. A eles eram dispensadas
somente as sobras do roubo do dinheiro público, segundo esse periódico. E
completa dizendo-se indignado ao “vel-o engolir todo o milho do Estado enquanto
apenas os sabugos deixa para os que lhe amaciam a asquerosa plumagem”.
315
Nesse mesmo artigo, o jornal afirma que os correligionários tinham plena
consciência de que eram constantemente vilipendiados pelo chefe corrupto, assim
como sabiam que suas palavras ou atitudes não seriam ouvidas ou acatadas.
Comentavam ainda que Accioly comandava seus subordinados com mão-de-ferro,
oferecendo-lhes uma única alternativa: a de aplaudi-lo sempre, sem contradizê-lo.
Para os articulistas dos jornais opositores, o partido de Accioly não se
configurava como uma agremiação que
(...)implica a existência dum ideal elevado, duma certa identidade de
pensamento entre os indivíduos que o compõem, alguma coisa de solidario
e orgânico, como uma aglomeração de polypos tende a um fim
determinado..
316
O discurso do jornal Unitario reitera a afirmação do Jornal do Ceará,
pontuando que o partido situacionista seria uma “senzala de pretos”, escravos.
Accioly, comandando aquela multidão de lacaios”, destinava-lhes o que sobrava
dos filhos e genros. Eram tratados a ossos; a “carne do vitello” era despojo dos
familiares.
317
312
Jornal do Cea, Fortaleza, O Monopólio do Voto (Jornal do Ceará), 18/12/1905, nº 315, p. 1.
313
Jornal Unitario, Fortaleza, Chegou!, 12/01/1911, nº 1071, p. 1.
314
Jornal Unitario, Fortaleza, A Política, 01/04/1911, nº 1103, p. 1.
315
Jornal do Ceará, Fortaleza, Partido de Escravos, 05/04/1911, nº 1368, p. 1.
316
Jornal do Cea, Fortaleza, Partido de Escravos, 05/04/1911, nº 1368, p. 1.
317
Jornal Unitario, Fortaleza, Os Pretos da Situação (Unitario), 14/09/1907, nº 579, p. 1.
159
Para os opositores, ter um ideal seria a característica necessária para
marcar a existência de um partido político. O de situação não passava de uma
organização política cuja espinha dorsal era o roubo. Um roubo sem sustos, pois
recebia a tácita anuência da justiça, e sua sustentação nas bases da administração.
Nas folhas de oposição, os debates que tratavam do partido de Nogueira
Accioly obedeciam a um tom de ironia. A ele cabia a responsabilidade de denunciar
os caluniadores às autoridades para que fossem tomadas as providências. Segundo
o jornal Unitario, os caluniadores eram os articulistas da imprensa de oposição, que
denunciavam os crimes em seus “detalhes e minuncias”.
318
O partido situacionista é acusado de forjar uma política de falsas
liberdades para o povo. O discurso oposicionista descreve-o como divulgador de um
governo leal aos direitos do cidadão, e ao mesmo tempo hábil na manipulação da
população. Seria necessário exterminá-lo, utilizando-se até mesmo da resistência
armada para dar cabo à fúria daqueles “lobos” que o formavam.
319
A oposição aponta ainda que o partido de Accioly se encerrava nele
mesmo máquina montada em mecanismos que contava com o apoio de vasta
parentela, conivência da Assembléia Legislativa, eliminação das liberdades e direitos
dos cidadãos, instituição da ”fraude, do roubo, do crime, do despotismo –,
atropelando os desígnios democráticos que deveriam reger o país e distanciando-o
cada vez mais dos princípios republicanos.
320
Edgard Carone afirma que nos estados em que o coronelismo se
apresenta com traços marcados pela solidariedade familiar”, a estrutura partidária
regula os choques armados:
(...) O Partido é um órgão regulador das atitudes, premiando ou pondo no
ostracismo os seus elementos; qualquer divergência surge como um ato
aparente contra a coletividade e não como choques individuais.
321
Martim Soares afirma, no livro O Babaquara, que Accioly tinha
correligionários, amigos, não. Ilustra a afirmação com a transcrição de um diálogo
com um dos chefes políticos do interior do estado ligado ao grupo acciolino. No
318
Jornal Unitario, Fortaleza, Moedeiros Falsos, 05/03/1910, nº 945, p. 1.
319
Jornal Unitario, Fortaleza, Moedeiros Falsos, 05/03/1910, nº 945, p. 1.
320
Jornal do Cea, Fortaleza, Partido de Escravos, 05/04/1911, nº 1368, p. 1.
321
CARONE, Edgard. A Republica Velha (Instituições e Classes Sociais- 1889-1930). Op. Cit. p.
266.
160
diálogo, o correligionário é interrogado acerca do motivo que o levara a compactuar
com tal política. Segundo Martim Soares, na razão apresentada pelo homem para
sua participação na oligarquia, estaria uma das características do governo: a
perseguição.
- Como se explica a sua posição como correligionário de Accioly?
- Comprehendo a sua extranheza e sei que mereço as suas recriminações.
Eu e todos os chefes do interior detestamos essa potica de ódios e
corrupção, e desejamos ardentemente um novo estado de cousas. Si a
apoiamos é por instincto de conservação. É melhor devorar que ser
devorado.
Si recusarmos apoio a Accioly, elle não trepidará em entregar o município
a pior gente, escolhida a dedo para nos hostilizar pelos meios mais
violentos e indignos. Eu tenho (...) os meus bens, minha família, todos os
meus interesses. Como opposicionista, não teria garantia alguma, seria
exautorado, perseguido, e, afinal, para não perder a vida, depois de ter
perdido a minha pequena fortuna, seria forçado a mudar de terra. Mal com
elle, pior contra elle. Livrem-nos da oligarchia todos nós exultaremos com
isso!.
322
Os jornais oposicionistas confirmam a perseguição apresentada por
Martim Soares como estratégia da política acciolina. Reiteram em suas
considerações o uso do medo como arma. A fim de não sofrerem represálias os
correligionários se submetiam ao jogo político acciolino. Também denominados pela
oposição de “servos”, não tinham direito de manifestar opinião, sendo a obediência a
alternativa.
Martim Soares assim definia os partidários da oligarquia de Nogueira
Accioly:
Os os sujeitos que se apoderaram do Cea não sabem o que é um
escrúpulo, porque ou nasceram sem consciência ou muito se
despojaram della como de um trambolho: pouco se lhes importa que os
chamem de gatunos; o ridículo não lhes faz mossa; é-lhes indifferente e
mesmo imperceptível o ódio popular que os traz seggregados das
consciências honestas.
No seu profundo embotamento moral, elles não se lembram que estão
fazendo a história do Ceará nesta phase de vida republicana e que essa
história é a mais ignomiosa que já se escreveu da existência de um povo.
Não são entidades morais: são porcos vorazes, empastados de lama,
investindo contra a gamella, onde os deixam chafurdar-se, grumindo de
gula.
323
322
SOARES, Martim. O Babaquara: Subsídios para a História da Oligarchia no Ceará. Op. Cit. p. 22.
323
Martim Soares diz, em nota introdutória, que seu livro era “o complemento e a continuação do
formidável libello de Frota Pessoa”, referindo-se à publicação “O Oligarcha do Ceará”. Observa ainda
que na publicação de Frota Pessoa estão “Alguns pontos capitaes da chrônica desse baixo déspota
161
Para o jornal O Unitario a política cearense sob o comando de Accioly era
sinônimo de crueldade e cinismo. Em sua retórica, o povo era exposto aos piores
sacrifícios, solapado por impostos que diminuíam o produto de seu trabalho
principalmente nos períodos de seca quando crescia a fome, o desespero, a
migração.
No ano de 1905, o governo cearense com a ajuda da Assembléia
Legislativa transformava em lei o imposto de 3% sobre as transações comerciais, o
que acabou por deflagrar uma cruzada por parte do Jornal do Ceará contra tal
medida. Durante todo o ano, quase diariamente, os artigos se reportavam ao
assunto, acusando os legisladores de “servilismo” einstrumentos cégos, executores
submissos às ordens de um governo ganancioso e inconsciente”.
324
O Jornal do Ceará trata Nogueira Accioly sob a alcunha de “velho abutre”.
Um autocrata avesso a leis que diminuíssem seus poderes, e responsável por
espoliar a população com impostos aviltantes. Para esse jornal, Accioly tinha como
preocupação principal aumentar a receita dos cofres blicos ainda que às custas
do suor do povo cearense.
a alcunha de ditador havia sido dada por seus opositores desde os
primeiros anos de mandato. Num artigo intitulado Era Maldita, o jornal A Cidade
pontuava:
É cedo ainda para fazer-se historiologico desse governo que como o de
Attila trucida os cidadãos, desse governo que esmaga o povo de tributos e
que se mantem a custa da traição, da prepotência e do crime.
A vida do dictador deslisou-se macabramente no remanso da covardia e
da traição, identificou-se com a perfidia a mais requintada.
D’ahi a desencadeação de seus actos contrários a honra e a moral que
tanto caracterisão o seu governo nefasto.
325
Os jornais Unitario, Jornal do Ceará e A Cidade travavam diário combate
contra a tributação exagerada. A argumentação desses jornais girava em torno do
uso indevido do dinheiro público. Os únicos favorecidos com obras e projetos do
governo eram partidários e familiares de Nogueira Accioly.
estão ali reunidos, apreciados, com estylo flagellante e fartamente documentados”. Ver: SOARES,
Martim. O Babaquara: Subsídios para a História da Oligarchia no Ceará. Op. Cit. p.1.
324
Jornal do Ceará, Fortaleza, Imposto de 3%, 31/08/1905, nº 255, p.1.
325
Jornal A Cidade, Sobral, Era Maldita (A Cidade), 11/03/1899, nº 10, p. 1.
162
Muitos argumentos utilizados para reforçar a imagem de espoliadora da
oligarquia, giram em torno das taxações. Os jornais alardeavam que as cobranças
eram abusivas, frutos da política de furtos de Accioly: os impostos sobre terras, que
roubavam os mingoados productos da roça e do estábulo cearense”
326
; a tributação
imputada aos colégios, com um aumento de 50% sobre a contribuição que já
pagavam, enquanto fábricas de tecido de propriedade do presidente eram
favorecidas com taxa fixa.
327
Figura 39 – Texto de repúdio ao imposto territorial veiculada na seção telegramas do jornal Unitario,
marcando a desaprovação do povo. 25/06/1907, nº 545.
Para os periódicos de oposição, as taxações mantidas pelo governo
alimentavam a política de furtos. Os impostos pagos pelas tipografias do Jornal do
Ceará e Unitario eram superiores aos pagos pela referida fábrica de tecidos. Cada
tipografia possuía capital de 10 contos de réis e a fábrica de tecidos um capital
superior a 600 contos de réis, segundo o jornal Unitario.
328
Os discursos dispensam a alcunha de ladrões para os responsáveis por
essa política, qualificando-a de “furto muito feio, com violência e abuso da
autoridade”. Em tom mordaz, Accioly é criticado por apelar ao terror de “diffamar as
senhoras das famílias”, cujos maridos são reclamantes dessas taxações.
329
326
Jornal Unitario, Fortaleza, Impostos sobre Terras (Unitario), 07/02/1907, nº 487, p. 1.
327
Jornal Unitario, Fortaleza, Triste Ceará, 28/03/1907, nº 508, p. 1.
328
Jornal Unitario, Fortaleza, O Diabo Vestido de Frade (Unitario), 02/03/1907, nº 497, p. 1.
329
Jornal Unitario, Fortaleza, O Diabo Vestido de Frade (Unitario), 02/03/1907, nº 497, p. 1.
163
Para o Jornal do Ceará os cofres contavam com somas extraordinárias,
resultado das taxações exorbitantes, arrancadas ao pobre povo completamente
exhausto”.
(...) que essa exultada soma, a grande custo accumulada no erário publico,
é, em sua quasi totalidade, o produto da especulação mais torpe e
vergonhosa que conhecemos, – a especulação com a miséria publica, com
as necessidades extremas de um povo infeliz acessado constantemente,
nestes ultimos tempos, pelo mais terrível dos flagellos – a fome.
330
Esse periódico afirma que mesmo em anos de inverno irregular, em que a
necessidade de importação de gêneros básicos tornava-se indispensável, como
estratégia de socorro em tempos de grande fome, o governo criava artifícios para
taxar mercadorias como farinha, milho, feijão, ainda que proibido pela Constituição
Brasileira. Em virtude disso, o Jornal do Ceará acusa o governo de vilania, dizendo
que se aproveitar do povo e condená-lo à tortura da fome seria digno de
salteadores, como aqueles que acompanhavam a política de Accioly.
O jornal Unitario afirma ainda que, durante doze anos, a oligarquia
corrompeu consciências, impondo uma política de submissão e exploração. Para
ilustrar, cita o exemplo dos agricultores, que além de não receberem qualquer ajuda
pública, eram obrigados a retirar da colheita uma décima parte para o governo.
331
Segundo a argumentação desse periódico, nos produtos como o algodão
do tipo exportação eram cobrados 10% a mais e entregues aos cofres públicos.
Somados a esses tributos, havia um imposto extra pelo uso do maquinário agrícola,
o que tornava a taxação exorbitante. Com incentivos praticamente inexistentes, tanto
para o comércio quanto para a indústria, a preocupação de Nogueira Accioly seria
criar condições para se manter no poder ao invés de promover o crescimento.
O Jornal do Cea traz, em discurso ferino, uma explicação para o destino
dos tributos arrecadados no Ceará. Accioly, supostamente, faria da receita do
Estado objeto de violação conforme suas necessidades e condições.
Os tributos públicos são destinados para dois fins: para a sustentação
do funcionalismo parasitário, que nada produz, mas que é o principal
elemento da politicagem, ao sabor do avillanado oligarcha;
essencialmente para a satisfação das vontades do grão senhor, que
330
Jornal do Cea, Fortaleza, Ainda os Saldos (Jornal do Ceará), 05/06/1905, nº 204, p. 1.
331
Jornal Unitario, Fortaleza, Governo Corruptor (Unitario), 13/08/1907, nº 566, p. 1.
164
dispõe das somas extorquidas aos cearenses, a seu bel prazer e vontade,
para si e para os seus, cabendo apenas algumas migalhas aos chamados
amigos do peito.
As arcas do thesouro do Estado são consideradas como de sua
propriedade e as sommas, que deviam ser destinadas a melhoramentos
públicos, desaparecem dolosamente com o mais avultante cynismo.
332
A oligarquia, para o Jornal do Ceará, seria autora de transações escusas,
roubo do dinheiro público e farsas eleitorais revelando uma faceta indecente, de
falcatruas e escândalos administrativos. Para esse jornal, a oligarquia não tinha
preocupações com o cidadão, responsável por sua eleição e pagamento dos
pesados impostos, posto que, o que interessava para sua política, era que seus
furtos tivessem sucesso.
333
A oposição, reiteradas vezes, assume um discurso em que atribui à
política de Accioly o desrespeito para com os cidadãos, sem importar quaisquer que
fossem os resultados advindos dessa orientação. Todas as preocupações estariam
voltadas para os objetivos da oligarquia, ainda que acarretassem danos irreversíveis
à população.
À oligarquia é também creditado o episódio do Três de janeiro de 1904,
onde os catraieiros do Porto de Fortaleza se declaram em greve e se recusaram a
fazer o desembarque de cargas e passageiros do paquete “Maranhão”. A revolta, no
entanto, era contra a lei de sorteio da Marinha para o serviço da Armada, posta em
execução pelo capitão do porto Luis Lopes da Cruz.
334
O capitão havia ordenado que o transporte fosse feito com a baleeira da
capitania, gesto tomado como hostilidade, num ambiente carregado de revolta.
Requisitando força armada, deu-se início o conflito
335
.
O jornal Unitario em edição do dia 3 de janeiro de 1905, portanto, um ano
depois do ocorrido, num artigo intitulado “O 3 de Janeiro de 1904”, assinala que
naquele dia ocorreu uma “horrorosa tragédia policial, em que mais de uma dezena
de cearenses infelizes, foi victimada pelos camblains da força policial do estado”,
sob o comando de Pedro Borges.
332
Jornal do Cea, Fortaleza, Governo Funesto, 20/10/1911, nº 1411, p. 1.
333
Jornal do Cea, Fortaleza, Sempre Miseráveis III (Jornal do Ceará), 09/09/1907, nº 624. p. 1.
334
BARROSO, Gustavo. Memórias de Gustavo Barroso.Liceu do Ceará. Fortaleza: Casa José de
Alencar / Programa Editorial, 2000. p. 139.
335
MENEZES, Raimundo de. Coisas Que o Tempo Levou...Fortaleza: Livraria Edésio Editor, 1938.
p. 121.
165
Transcreve nessa edição o primeiro boletim a circular naquele dia, logo
após a ocorrência do episódio.
POVO CEARENSE
O presidente do estado acaba de vos mandar fusilar de modo rbaro e
descommunal. O seo acto brutal e único na historia dos povos civilizados.
Esse homem está fora da lei, porque é o maior dos criminosos. A sua
cabeça deve responder pelo sangue inocente que acaba de derramar.
Cada cidadão deve se armar para defender sua vida e sua liberdade.
Ao commércio desta capital pede-se que feche as suas portas em signal
de pesar e protesto contra esse crime hodiento desse Nero caricato e ao
mesmo tempo, se convida a população enluctada para acompanhar o
enterro das victimas.
Viva a nação!
Morra a tyrania!
Às armas!
A Commissão Central da resistência.
336
Nas palavras do jornal foi um espetáculo horrível, de dor e luto”. Foram
três dias de luta popular, de revolta e gritos de vingança. A vigilância das ruas era
feita a cavalo, como se a força policial estivesse à caça de outras timas. Mas
muitos continuavam de pé, firmes em seus propósitos. Para a oposição havia
sobrado o dispêndio de mais de trinta contos, com as vítimas do dia 3 de Janeiro,
em enterros, assistência para os feridos, pagamento de passagens para os
perseguidos e provisão de “pão e de tecto às viúvas e orphãos abandonados à
caridade publica”.
337
O jornal Unitario afirma que a matança foi comandada por Pedro Borges.
A população fugia assustada, diante do sangue das vítimas. Muitos lá estavam com
o objetivo de conseguir “o pão para suas mulheres e filhos”.
338
Segundo o jornal Unitario, em mais uma publicação recordando o episódio
que o que se viu foi um massacre dos catraieiros, com sete mortos e quarenta
feridos, “dando lugar a amputações, incontinente de 4 braços e 4 pernas”
339
.
Indignados, as folhas oposicionistas relatam a perplexidade que tomava
conta da população. As ruas estavam esvaziadas, assim como os cafés da Praça do
Ferreira e o comércio. Um dos mais exaltados era João Brígido, nesse momento
336
Jornal Unitario, Fortaleza, 3 de Janeiro (Unitario), 03/01/1905, nº 220. p. 1.
337
Jornal Unitario, Fortaleza, 3 de Janeiro, 03/01/1905, nº 220. p. 1.
338
Jornal Unitario, Fortaleza, 3 de Janeiro (Unitario), 03/01/1909, nº 781. p. 1.
339
Jornal Unitario, Fortaleza, 3 de Janeiro (Unitario), 03/01/1911, nº 1067. p. 1.
166
amigo e colaborador da política de Accioly. O incidente no Porto marcava o
rompimento entre eles, com a pena afiada de Brígido servindo daí por diante à
oposição, na afirmação de Rodolpho Theóphilo.
340
O Unitario e Jornal do Cea fazem menção ao episódio como uma atitude
sintomática da oligarquia. O morticínio
341
levou Brígido para a oposição a Accioly e o
Jornal do Ceará nasceria sob o signo do combate. Waldemiro e Agapito dos Santos
deixavam o partido governista, assim como a redação de seu jornal. Nas palavras de
Waldemiro Cavalcanti, a luta contra a “chaga ulcerosa do oligarquismoteria em sua
pena um bisturi, a fim de “extirpar do nosso organismo” tal ferida.
342
Como estratégia de ataque, o discurso oposicionista acusa o jornal A
Republica de participar da política oligárquica como veículo de calúnias. Em artigos
violentos, a folha situacionista é considerada responsável pela difamação de
pessoas inocentes como mães de família e homens de bem. Entre fortes críticas, a
folha acciolina ainda é responsabilizada por inaugurar a linguagem dos ataques à
honra de senhoras casadas e suas filhas na imprensa cearense, assim como o
expediente de utilizar soldados do Quartel para afixar nas portas dos adversários o
jornal que continha tais textos, como estratégia de cala-boca.
343
O Unitario afirma que desde as primeiras manifestações impressas no
Ceará jornais de situação e oposição duelavam. Quando as lutas se tornavam mais
acirradas, soldados do palácio perseguiam jornalistas com o objetivo de matá-los.
Porém, nenhum periódico até então havia atacado com artigos ou cartazes senhoras
inofensivas, a fim de fazer calar seus adversários.
344
A imprensa acciolina é caracterizada como um “lôdo”, constantemente
atacando a honra de seus adversários. Sua linguagem, segundo o Unitário, é o
insulto. São calúnias escritas contra os opositores e assinados com nomes de
pessoas amigas e correligionários dos insultados, o que poderia gerar desconforto
dentro do partido de oposição. Para esse jornal, a folha situacionista trabalhava em
completa “descompostura”.
345
340
THEÓPHILO, Rodolpho. A fome; Violação. Organização, atualização e notas por Otacílio
Colares. Rio de Janeiro: J. Olympio, Fortaleza: Academia Cearense de Letras, 1979.
341
EPHEMERIDES. Ceará Republicano. Revista Trimestral do Instituto do Ceará. Tomo XIX. Ano
XIX. Fortaleza. 1905. p. 325.
342
Jornal do Cea, Fortaleza, O Jornal (Jornal do Ceará), 19/04/1905, nº 185, p. 1.
343
Jornal Unitario, Fortaleza, Ainda Pasquim (Unitario). 29/04/1905, nº 266, p. 1.
344
Jornal Unitario, Fortaleza, Ainda Pasquim (Unitario). 29/04/1905, nº 266, p. 1.
345
Jornal Unitario, Fortaleza, A Imprensa Acciolysta (Unitario). 7/11/1905, nº 331, p. 1.
167
Em seu editorial, o Unitario comenta que o que se escreve naquella folha
latrinária escandalisa a todo mundo”. Seus argumentos são “cousas
pornographicas”, que faz rebaixar o Ceaà condição de “terra de selvagens”, não
sendo respeitadas nem mesmo a honra das famílias. O jornal afirma que muitos
chefes de família têm proibido a entrada de A Republica em suas casas, como
prevenção.
346
A folha acciolina era sustentada pelos cofres públicos, segundo o Unitario.
No entanto, os opositores consideravam que se os leitores a condenasse “em
absoluto, pelo seu desregramento”, ela teria de mudar o rumo de sua retórica
347
.
Aqui, percebe-se a tentativa da oposição de levar a população a boicotar a folha
governista, utilizando como argumento as “descomposturas” impressas por esse
veículo.
Nos debates é enfatizado o caráter imoral do jornal acciolino. Em seus
editoriais, o jornal A Republica estaria usando linguagem desrespeitosa e chula”
348
para combater os adversários do governo.
Com o acirramento das disputas, o jornal A Republica falsifica uma edição
do Unitario. Todos os meros são vendidos na rua como se fossem realmente
originários da tipografia do Unitario. Seus articulistas manifestavam indignação,
respondendo com violência e questionando se no Ceará não haveria direitos de
propriedade.
O Unitario avalia a situão do Ceará e conclui que o governo não
respeitava os direitos dos cidadãos, a política vivia uma triste condição sob domínio
de Accioly e sua família, e finaliza reclamando que a “ação criminosa” do jornal
situacionista deveria figurar nos anais desta terra
costumes barbaros” como esse
seriam passíveis de condenação.
349
Frota Pessoa, em comentário sobre a edição falsificada, relata que o
conteúdo aviltava e desonrava àqueles que se opunham à oligarquia. Os
exemplares foram distribuídos nas casas dos adversários, intimidando as famílias
enquanto palestravam à tarde nas calçadas de suas residências.
346
Jornal Unitario, Fortaleza, A Imprensa Official (Unitario), 01/10/1907, nº 586, p. 1.
347
Jornal Unitario, Fortaleza, A Imprensa Official (Unitario), 01/10/1907, nº 586, p. 1.
348
Jornal Unitario, Fortaleza, Reforma Constitucional (Unitario), 21/03/1907, nº 509, p. 1.
349
Jornal Unitario, Fortaleza, A Imprensa Acciolysta (Unitario), 7/11/1905, nº 331, p. 1.
168
Figura 40 – Artigo do jornal Unitario acusando o periódico A Republica de falsificar um de seus números
contendo ofensas aos oposicionistas e vendê-los nas ruas. 07/11/1905, nº 531.
Os falsos meros do jornal Unitario foram deixados por mensageiros
armados com cacetetes e punhais, que os entregavam e saíam com “cínicos
sorrisos”. Os nomes dos opositores apareciam entre insultos, injúrias, afrontas, com
sua imagem denegrida por vocábulos “obsenos”. Para Frota Pessoa, tratava-se de
uma “literatura pornográfica”.
350
Um dos resultados dessas perseguições aos oposicionistas foi a
necessidade que alguns cidadãos tiveram de deixar o Ceará. Entre muitos, Antônio
Salles, Américo Facó e Gustavo Barroso. Segundo Martim Soares, Accioly apelava a
amigos e correligionários para dificultar a vida de seus inimigos no exílio. Chegando
ao ponto de tentar impedi-los de arranjar trabalho para sobreviver.
351
350
Jornal Unitario, Fortaleza, A Imprensa Acciolysta (Unitario). 7/11/1905, nº 331, p. 1.
351
SOARES, Martim. O Babaquara: Subsídios para a História da Oligarchia no Ceará. Op. Cit. p. 30.
169
De acordo com Edgard Carone, “o desvio da política oligárquica leva
comumente dissidência ou dissidentes ao ostracismo, e até à morte”. Aqueles que
se desviassem do discurso oficial poderiam ter o mesmo fim.
Outras vezes, a situação torna-se tão coerciva que a oposição precisa
emigrar: os exemplo do Ceará e Pernambuco são constantes. Os
assassinatos políticos e a destruição de propriedades inimigas, afinal, são
as soluções extremas, e foram abundantemente ilustradas.
352
O jornal Unitario resume a situação escrevendo que Nogueira Accioly
instituíra no Ceará a censura à imprensa. O direito de livre expressão foi substituído
pelo dever de calar-se diante de sua política.
Não existe no Ceará liberdade de imprensa, como não existe liberdade de
voto, como não existe liberdade de espécie alguma. Todo o poder está
concentrado nas mãos da família Accioly, e ai! De quem ouse insurgir-se
contra os seus interesses e contra sua política.
Não quem negue que a aggressão soffrida pela imprensa
opposicionista foi inspirada, foi machinada, foi preparada e foi executada
com conhecimento do sr. Accioly, por gente do sr. Accioly, e a mando do
sr. Accioly.
353
O jornal observa que a constante opressão é característica da situação em
que se encontrava o Ceará. Accioly só permitia a liberdade de imprensa para
aqueles que se submetessem, atendendo-lhe os desejos e diariamente “incensa-lhe
a figura de manda-tudo”.
354
O jornal Unitario denuncia as perseguições e agressões contra os
oposicionistas. O diretor do jornal O Rebate, de Sobral, foi agredido a cacetetes em
plena rua. O jornal A Reacção teve seu diretor preso, e proibida sua circulação.
Posteriormente, seu editor foi obrigado a deixar o estado em virtude das
perseguições.
355
Não há garantias absolutamente para quem não escreve no Ceará á feição
das causas acciolistas. Ou é ameaçado com o cacete dos soldados do
genro do governo, ou enlameado pela imprensa official.
356
352
CARONE, Edgard. A República Velha (Instituições e Classes Sociais – 1889-1930). Op. Cit. p.
273.
353
Jornal Unitario, Fortaleza, A Situação no Ceará, 14/01/1909, nº 786, p.1.
354
Jornal Unitario, Fortaleza, A Situação no Ceará, 14/01/1909, nº 786, p.1.
355
Jornal Unitario, Fortaleza, A Imprensa no Ceará (Unitario), 21/09/1907, nº 582, p. 1.
356
Jornal Unitario, Fortaleza, A Imprensa no Ceará (Unitario), 21/09/1907, nº 582, p. 1.
170
A folha oficial tinha como uma de suas propostas veicular artigos
depreciativos, utilizando pseudônimos para referir-se aos adversários. Os termos
usados desafiam a imaginação. Conforme Gustavo Barroso, João Brígido era alvo
de críticas e apelidos. Chamavam-lhe de Barão das Duas Mortes, Apulcro Negro,
João Broto, João Calunga e João Cacique. Sobre Agapito dos Santos pesava a
acusação de bolinar as moças com o pé por debaixo das mesas, daí o verbo
“agapitar”: “fulano agapitando com a namorada” exemplifica o significado desse
neologismo. A quadrinha a seguir era recorrente.
O dedo do Agapito,
O dedo grande do pé,
É sujo como granito,
Quebra coco e catolé!
357
Figura 41 - Seção Tribuna do Povo do jornal A Republica, onde os opositores são criticados e
recebem inúmeros apelidos, como Agapito dos Santos,nesse texto. 13/11/1908, nº 36.
Barroso acrescenta que chamavam o Unitario de “o latrinário, o urinário”, e
o Jornal do Ceará de “Jornal da Peste”, numa referência ao redator-chefe,
Waldemiro Cavalcanti, que era morfético. Aqui vale ressaltar a indignação do autor
com a alusão à doença de Cavalcanti.
358
357
BARROSO, Gustavo. Memórias de Gustavo Barroso. Liceu do Ceará. Op. Cit. p. 136.
358
Id. Ibidem.
171
O discurso do jornal A Republica é avaliado como detentor de uma política
que descredibiliza os adversários, ao passo que legitima a oligarquia. Uma das
estratégias é o deboche aos políticos de oposição.
No ano de 1908, o jornal A Republica, na seção Tribuna do Povo, veicula
pequenos textos chamados de Graçolas, com variados apelidos para os desafetos.
O tom desses artigos pode ser visto neste trecho:
Será esboçado hoje o perfil moral de D. João Brígido Calounga Santo.
Tendo sido o primeiro o do H. Pito Santo, bem vêm os leitores como
andaram parelhas esses dois que apezar de serem dos santos, em si
resumem a libertinagem.
359
Figura 42 - Seção Tribuna do Povo do jornal A Republica. Negro Calunga trata-se de João Brígido.
14/11/1908, nº 12.
O texto se refere ainda a Rodrigues Junior
360
como Rodrigues Rato de
Andrade, Waldemiro Cavalcanti é W. Canicha Esmeralda Cavalcanti
361
,
Hermenegildo Firmeza o Negro Calunga ou K. Britto Firmeza
362
, e Américo Facó é
alcunhado de Américo Tocó
363
. Aqui, percebe-se uma disputa verbal diária nos
jornais, notadamente entre A Republica e o Jornal do Ceará.
359
Jornal A Republica, Fortaleza, Graçolas (Tribuna do Povo), 07/01/1908, nº 4 p. 2.
360
Jornal A Republica, Fortaleza, Graçolas (Tribuna do Povo), 07/01/1908, nº 4 p. 2.
361
Jornal A Republica, Fortaleza, Graçolas (Tribuna do Povo), 11/01/1908, nº 8 p. 2.
362
Jornal A Republica, Fortaleza, Graçolas (Tribuna do Povo), 14/01/1908, nº 10 p. 2.
363
Jornal A Republica, Fortaleza, Graçolas (Tribuna do Povo), 15/10/1908, nº 11 p. 2.
172
Muitos dos apelidos citados por Gustavo Barroso são corriqueiros nas
críticas do jornal A Republica, em 1908. João Brígido na seção Tribuna do Povo,
aparece perfilado da seguinte maneira:
J. Brigido Calunga Santo
Volvendo a vista para o seu passado,
O que se vê bem claro, bem patente,
É o crime desmedido e comprovado
De quem matou uns trez perversamente;
Depois, ao vel-o bebendo, se sente
Um nojo imenso desse renegado
Que entra nos cemitérios e, inconsciente,
Insulta os mortos no seu lar sagrado;
Pra cevar instinctos não secretos
Ainda o vemos desherdar os netos
Tomando tudo quanto lhes pertence
E hoje? Qual a serpente mais daninha,
A todos quer prostar... e se avizinha
E, desdentado, morde mas não vence!
Clow.
364
Waldemiro Cavalcanti é tema de um soneto nessa seção, onde mais uma
vez se faz alusão à sua doença:
W. Caniche Emeralda Cavalcanti
Só se passando ao verso extenso-alexandrino-
Afim de adjetivar o pútrido e nefando
Sujeito que vivia, há tempos, incensando
Os mesmos contra os quaes atira-se ferino...
Seus falsos e as bestices verrinas não declino
Nem fazer tal careço inutilmente, e, quando
Quisesse criticar, teria um formidando,
Um sordido montão de fezes dum Cretino.
De honesto e sabichão já foram-se-lhe os foros:
Hoje distilla o puz em cada um dos poros
Do corpo todo infecto onde inda habita um’alma
E diz bem claramente – eu me proclamo agora
Despeitado, ladrão e imfamador, embora
Tenha do engrossamento ainda a minha palma!
Clown.
365
364
Jornal A Republica, Fortaleza, Graçolas, (Tribuna do Povo), 07/01/1908, nº 4. p.2.
365
Jornal A Republica, Fortaleza, Graçolas, (Tribuna do Povo), 11/01/1908, nº 8. p.2.
173
De acordo com o Unitario e o Jornal do Ceará, o combate aos articulistas
do jornal A Republica sempre foi difícil. Brígido relata que em 12 de julho de 1904,
horas antes da posse de Antônio Accioly em seu segundo mandato, foi espancado o
capitão Antônio Clementino de Oliveira, editor do Jornal do Ceará, por três praças de
polícia
366
. Martim Soares acrescenta que Antonio Clementino, sofrera tamm vítima
de assalto, após as agressões em frente à sua residência teria ficado no chão como
morto
367
.
Segundo o jornal Unitario,
Os assassinos, que eram soldados do corpo de polícia, julgando-o sem
vida, retiraram-se calmamente do local do crime, indo dar conta do acto no
quartel.
A víctima, levada em padiola para os leitos da S. Casa, foi conservada com
o sello da immcomunicabilidade durane longos dias, e depois transportada
para a cadeia publica, forgicado-se contra ella um processo de tentativa de
morte por ter procurado vibrar (não chegou a vibra) uma facada no cabo
Liberato ou patação de sola, que está agora encandalizando e trazendo
um perigo a população do Acarape.
368
O Jornal do Ceará questiona se o ataque a Antônio Clementino não faria
parte dos festejos de 12 de julho, data em que a oligarquia comemorava duplo
aniversário: a posse de Accioly e a emlameada constituição do Estado”. Nos
desfiles “um coro tétrico de viúvas e orphãos amaldiçoa o responsável por esse
crime e que vem a ser o snr. dr. Nogueira Accioly”.
Em sua retórica, o Jornal do Ceará afirma que o dia era propício para
apresentar ao povo cearense Nogueira Accioly e sua prole. O discurso tenta
contrapor-se aos textos laudatórios do jornal A Republica. A estratégia da oposição
é enumerar os crimes atribuídos à oligarquia e seus correligionários.
As festas da oligarquia sobram em “fanfarras” e “fandangos”, segundo o
Jornal do Cea
369
. Em 11 de outubro de 1905, aniversário de Accioly, o periódico
rememora os oposicionistas que partiram fugindo das perseguições, evoca a
memória de vítimas de morte, como Tibúrcio Rodrigues, e saúda aqueles que se
empenham na luta, como João Brígido e Agapito dos Santos. Eventualmente,
destila-se uma crítica a um de seus correligionários.
366
BRIGIDO, João. Homens e Factos. Op. Cit. p. 515.
367
SOARES, Martim. O Babaquara: Subsídios para a História da Oligarchia no Ceará. Op. Cit. 58.
368
Jornal do Cea, Fortaleza, Data Sangrenta (Jornal do Ceará), 12/07/1911, nº 1371, p. 1.
369
Jornal do Cea, Fortaleza, Os Annos do Babaquara (Jornal do Ceará), 11/10/1905, nº 279, p. 1.
174
Figura 43 – Texto do jornal Unitario de crítica aos banquetes oferecidos pela oligarquia. O banquete a
que se refere o jornal nesse número é a festa organizada pelo presidente Accioly por ocasião do
lançamento da candidatura de Hermes da Fonseca à presidência da república. O Sá, referido no
texto, é na verdade, Francisco Sá, político e genro de Nogueira Accioly. 18/01/1910, nº 926.
Acrescenta ainda que no início das festividades,
Quando ruflarem os tambores, em guadio ao 11 de Outubro, amargas
lagrimas deslisarão pelas faces de tantas victimas, orphãos e viúvas,
espalhadas por todo território cearense.
Das bandas do Cariry, outro cortejo deslisará representando os espoliados
pela violência da chamma, ateada pelo furor partidário da tribo minú...
370
O Jornal do Ceará, em texto irônico, pontua que o aniversário do
presidente seria comemorado entre cortejos de alegria e sangue. Ressalta que
muitas vítimas das perseguições morriam nos pântanos do Acre, exílio perigoso para
aqueles que iam forçados ao êxodo para terras longínquas.
371
Na política de ataques e agressões implementada pela oligarquia, figura
Américo Facó, do Jornal do Ceará. Ele teria sido agredido por policiais, sob as
ordens do Comandante Raimundo Borges, genro de Accioly. a redação do
Unitario foi assaltada e empastelada pela polícia de Carneiro da Cunha.
372
Esse jornal teve sua circulação interrompida por duas vezes até a queda
de Accioly, depois de atacado e destruído
373
. No primeiro episódio, em de janeiro
de 1906, João Brígido relata que a destruição se deu à uma hora da madrugada
370
Jornal do Ceará, Fortaleza, Os Annos do Babaquara (Jornal do Ceará), 11/10/1905, nº 279, p. 1
371
Jornal do Cea, Fortaleza, Reforma Constitucional (Jornal do Ceará), 31/03/1907, nº 509, p. 1.
372
SOARES, Martim. O Babaquara: Subsídios para a História da Oligarchia no Ceará. Op. Cit. 58
373
SOUSA, Eubio de. A Imprensa do Ceará dos Seus Primeiros Dias aos Atuais. Op. Cit. p. 35
175
chefiada pelo mandante da Escola de Aprendizes Marinheiros, Severino Maia e o
sub-comandante da Polícia Joaquim Manuel Carneiro da Cunha. No segundo, em 9
de novembro de 1912, a quebradeira coincidiu com o incêndio das propriedades de
Nogueira Accioly e seus familiares, no processo de desarticulação da
oligarquia
374
.
No dia 28 de janeiro de 1907, o jornal Unitario, rememora o
empastelamento de suas oficinas, acontecido um ano, como um dia de vergonha
para o Ceará:
Á uma hora da manhá de 28 de janeiro de 1906, foram arrombadas as
portas a nossa officina, invadida a casa, quebrando o nosso prelo,
espatifadas os móveis, destruídos os typos, roubada à escripta e
autographo.
Condusídos muitos documentos, encontrados da qualificação de eleitores,
e tratavão os agentes do poder publico de pôr fogo à casa, quando
tomaram-se de pânico e abandonaram as ruínas, deixando o seo
petróleo(...).
Que houve mais?
Coisa alguma! Nem processo, nem demissões, nem censuras, nem
reparos, ao menos, dos que possuem a terra, a título de governá-la.
E nada produsio o arrojo mesmo de Pedro Borges, disendo quaes os
autores do crime, que deshonrava o governo de Rodrigues Alves, mas não
o Accioly, que nada tem a perder.
375
Ao final atearam fogo à casa. Serviram de combustível os papéis e a
madeira das caixas. Porém, receosos com a altura das chamas e sua possível
comunicação com as casas vizinhas, abandonaram a idéia esquecendo no local
“duas garrafas de Kerosene”. Logo cedo, o gerente Rodolpho Ribas foi alertado da
destruição.
376
Em carta aberta, o jornal detalha o atentado, concluindo então que o
policiamento, que atuava todas as noites naquele quarteirão com quatro agentes,
em frente às redações do Unitario e Jornal do Ceará, não se encontrava em seus
postos naquele momento. Próximo aos prédios das redações, um vizinho que velava
um defunto, assegurou que nada se ouviu no instante em que se dava o
arrombamento.
O jornal argumenta que um grupo de soldados disfarçados, entre oito e
dez homens, armados com alavancas procedeu ao arrombamento, “a porta foi
374
BRÍGIDO, João. Homens e Factos. Op. Cit. p. 516.
375
Jornal Unitario, Fortaleza, Recordações (Unitario), 28/01/1907, nº 483. p. 1.
376
Jornal Unitario, Fortaleza, Recordações (Unitario), 28/01/1907, nº 483. p. 1.
176
escalada assim a pancadas”, e num instante invadiram a casa, pela porta principal.
O jornal completa dizendo que, Guilherme Studart, “á setenta palmos de distancia,
nada ouvio”.
Assim, se deu o quebra-quebra das oficinas do jornal Unitario.
Penetrada a casa, a destruição foi total, ate as gavetas arrombaram
condusindo toda a escripta da casa; quebraram moveis, entornaram as
caixas inutilisando os typos, quebraram o prelo, e lhe deitaram na cacimba
peças muito importantes. O peor de tudo é que ia deitando fogo a casa.
377
O Unitario voltaria a funcionar no ano de 1907. Em 9 de novembro de
1912, o jornal sofreria novas agressões, com outro empastelamento. A partir de tais
episódios, a oligarquia passa a ser descrita pelos periódicos oposicionistas como
autora de uma política de perseguições e violência física ou moral contra seus
adversários.
Pela política de “quebra-quebra” da oligarquia contra os jornais de
oposição, infere-se que a palavra impressa era um forte instrumento político de luta.
Entre ataques e agressões em linguagem violenta e desabrida, o objetivo,
oposicionista e de situação, era desarticular o discurso adversário. Para tanto, os
articulistas revezavam-se em suas penas num combate ininterrupto.
A imprensa de oposição preocupou-se também em atacar o sistemático
discurso incensatório do jornal A Republica, empenhado na criação de uma
imagem
378
de Nogueira Accioly a ser perpetuada na história cearense. Os artigos
violentos do Jornal do Ceará e Unitario contrastavam com os constantes elogios do
jornal A Republica, ambos direcionados a Accioly.
A partir de 1907, o discurso da oposição torna-se mais ferino. O risco de
uma reeleição de Accioly, no pleito eleitoral para presidente de 1908, era iminente. A
oligarquia trabalhava para manter seu comando na administração dos negócios
públicos. No Ceará o poder seria passado de pai para filhos e genros.
Num editorial do Unitario em 1907, o discurso ressalta as pretensões de
uma política hereditária encampada pela oligarquia. Nesses termos, Accioly seria,
377
Jornal Unitario, Fortaleza, Recordações (Unitario), 28/01/1907, nº 483. p. 1.
378
Isabel Lustosa comenta que o jornal O Regulador Brasileiro, do Rio de Janeiro, é que dá início a
esse trabalho de criação de uma imagem a ser fixada na história, publicando uma série de
referências elogiosas a José Bonifácio de Andrada, na década de 20 do século XIX. Tal estratégia de
propaganda política conseguiu construir mitos, como foi o caso dos próprios Andrada. LUSTOSA,
Isabel. Insultos Impressos. Op. Cit. p. 357.
177
O que reina com direito vitalício e transmissível por herança; o seu poder é
discricionário e absoluto; há uma só vontade – a sua. Não há lei que se lhe
opponha, por quanto sobre ella arvorou-se a força armada, comandadas
pelo seu genro.
O povo sente-se feliz quando não lhe sobrevém um 3 de janeiro, em que
foi varrido a balas, de um galpão na praia, onde ficaram estendidos mais
de sessenta pessôas, entre mortos e feridos.
Nem o direito de personalidade assiste ao cidadão, subjugado pela
prepotência e pelo arbítrio.
379
A imprensa oposicionista conduziu um debate que tinha como argumento,
o ataque. Descreve-se a oligarquia como sinônimo de violências, fraudes,
dominação política e desacato às leis constitucionais, apresentando uma influência
“imoral” no andamento da administração.
O Unitario resume a oligarquia acciolina como a mais immoral do
Brasil
380
. Ano a ano, o jornal fazia uma radiografia dos nomes, cargos e
vencimentos de cada um dos seus participantes. Encabeçada por Nogueira Accioly,
a lista, apesar de longa, permite conhecer, um a um, os correligionários e parentes
do presidente e suas funções na administração pública.
No ano de 1905, a lista sai no Jornal do Ceará intitulada a “lista civil do
povo”. O jornal completa dizendo que “a tribo minú” custaria ao Ceará uma
“horrorosa soma”, levando-se em consideração que a relação não estaria
completa
381
.
Em 1910, uma edição da lista é apresentada ao presidente Hermes da
Fonseca, por ocasião de sua posse. O mesmo presente teria sido oferecido a
outros presidentes. No cabeçalho da lista, o jornal Unitario estampa que a oligarquia
cearense é o espectaculo de mais profunda degradação”, as rendas públicas são
distribuídas a “exploradores”, em uma demonstração da mais cynica ostentação de
despudor”.
382
A lista é um retrato do nepotismo no Ceará: de Nogueira Accioly e sua
parentela, especifica os cargos e a quantia que cada um custaria aos cofres
públicos. Embora extensa, a lista aqui transcrita não contemplava todos os nomes.
Os correligionários com funções no interior do estado não foram apresentados nesse
379
Jornal Unitario, Fortaleza, Republica pelo Avesso (Unitario). 24/09/1907, nº 583 p.1
380
Jornal Unitario, Fortaleza, Oligarchia do Ceará, 21/09/1907, nº 583. p. 1.
381
Jornal do Cea, Fortaleza, Lista Civil do Povo, 02/08/1905, nº 231. p. 1.
382
Jornal Unitario, Fortaleza, Oligarchia do Ceará, 25/11/1910, nº 1052. p. 1.
178
texto. Chamo atenção para os cargos dispensados aos filhos de Accioly, os de
maiores vencimentos.
Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly, presidente de facto pela foa e pela
fraude. (Vencimentos, representação, etc. etc... 30:000 $
José Pompeu Pinto Accioly (filho), vice-presidente do Estado, secretário
do Interior, lente do Lyceu, advogado do monopólio das carnes verdes e
deputado estadual... 15:200 $
Benjamin Pompeu Pinto Accioly (filho), professor do Lyceu, fiscal de
Empresas (ausente sem licença percebendo todos os vencimentos) e
deputado estadual... 10:800 $
Antonio Pompeu Pinto Accioly (filho), lente da Academia Livre, procurador
fiscal da Fazenda estadual e advogado da C. Municipal... 9:360 $
Thomaz Pompeu Pinto Accioly (filho), lente da Academia Livre, e professor
da Escola Normal... 7:200 $
Alferes do Exército Raimundo Borges (genro), comandante da polícia e
deputado estadual... 10:272 $ 500
José Francisco Jorge de Sousa (genro), professor do Lyceu, lente da
Academia Livre, médico adjuncto do Asylo, médico da S. Casa e deputado
estadual (figurando actualmente como representante do Ceará no
Congresso Médico de S. Paulo, recebendo para esse fim 15:000 $...
15:600 $
Thomaz Pompeu de Souza Brasil (cunhado), professor aposentado do
Lyceu, lente e vice-director da Academia Livre... 7:200 $
José Pinto Nogueira (sobrinho), ajudante do inspector da Hygiene e
médico da Comarca Municipal... 6:000 $
Lindolpho Pinto Nogueira (sobrinho), official da secretaria de Justiça,
promovido com preterição de outros... 3:000 $
Antonio Pinto Nogueira Brandão (primo), director do hospital de loucos da
Escola Normal e deputado estadual... 9:600 $
N. B. Foi nomeado para perceber quatro contos, sendo demittido o dr.
José Lino, que percebia dois contos!
D. Adília de Luna Freire (prima), professora da Escola Normal... 3:600 $
D. Maria Libania Catunda (prima), professora primária de Santa Quitéria...
1:200 $
D. Ozoria Catunda (prima), professora da Escola Normal... 3:600 $
D. Julia Catunda (prima), professora primária de S, Quitéria... 1:200 $
Joaquim Catunda Junior (primo), promotor de Canindé... 2:400 $
Thomaz de Aquino Souza Catunda (primo), collector estadual de S.
Quitéria, porcentagem calculada... 2:500 $
Ab-del-Kader Catunda (primo), secretário da Câmara de S. Quitéria...
1:000 $
João Vianna (primo), contínuo da secretaria do Interior... 1:200 $
Pedro Viana (primo), fiel do thesoureiro da Fazenda Estadual... 1:800 $
Dagoberto Jugurtha Vianna (primo), amanuense da secretaria de Fazenda.
(Em commissão no interior, percebendo, afóra as funcções do cargo, mais
7:000 diários.. 1:800 $
Adelino Neto (primo), fiel do thesoureiro da Recebedoria... 1:400 $
Zélia Teixeira Mendes (prima), professora primária da capital... 1:200 $
Thomaz Antonio de Carvalho (parente affim), professor da Escola Normal,
com argumento de gratificação pela Assembléia... 4:000 $
D. Joana de Carvalho, filha deste (idem), inspetora de allumnas da Escola
Normal... 1:500 $
179
Antonio Cesar de Vasconcellos, marido desta (primo), secretario da Escola
Normal... 3:000 $
Thomaz, filho de H. Pompeu (sobrinho), amanuense da Escola Normal...
1:800 $
Dr. Thomaz Pompeu Filho (sobrinho), professor do Lyceu... 3:600 $
D. Irinéa Teixeira Mendes (prima), professora primária de Barro
Vermelho... 1:200 $
D. Helena de França Alencar (prima affim de J. Accioly), professora
primária de Mecejana... 1:200 $
Joaquim Manoel Carneiro da Cunha (parente affim), fiscal do corpo de
polícia... 6:192 $ 500
Annibal Pinto Nogueira (sobrinho), empregado aposentado... 4:000 $
Alcides Mendes (primo), conferente da Recebedoria... 2:400$
Carlos Teixeira Mendes (primo), amanuence do Lyceu...1:800$
D. Aguida Ozório (prima), professora primária de Baturité... 1:400$
D Francisca Pinto Nogueira (prima), professora... 1:400$
Meton da Franca Alencar (cunhado de José Accioly), inspector de
Hygiene... 4:800$
Antonio da Franca Alencar (cunhado de José Accioly), cirurgião dentista da
S. Casa ... 800$
Antonio Eugenio Gadelha, official do exercito (concunhado de José
Accioly), professor do Lyceu, contractante de impressões, deputado
estadual, etc., etc...16:200$
Francisco José de Moura (concunhado de Thomas Accioly), professor do
Lyceu e fornecedor de medicamentos para a cadeia... 5:000$
Claudemiro Julio de Andrade Figueira (concunhado de Antonio Accioly),
professor do Lyceu. (em dias deste anno esse professor esbofeteou no
estabelecimento um estudante, o que deu logar aos alumnos sustentarem
uma greve por mais de um mês, conseguindo que elle não assumisse mais
o exercício do cargo. Apesar da gravidade do caso o governo não tomou a
menor providencia)... 3:600$
Raymundo Antonio Borges (sogro de uma filha de Accioly), director da
Escola Normal... 4:800$
Antonio Adolpho Coelho de Arruda (primo affim de Accioly), juiz de direito
em disponibilidade, professor da Academia Livre e redactor do jornal
official... 8:000$
Antonio Gomes Tavares (concunhado do dr. Thomas Pompeu),
desembargador... 8:000$
Virgilio Jorge de Souza (irmão de Jorge de Souza, genro de Accioly),
promotor de S. Francisco... 2:400$
Antonio F. de Carvalho Motta (sogro do dr. Brandão) deputado estadual....
1:200$”
383
383
Jornal Unitario, Fortaleza, Oligarchia do Ceará, 05/09/1907, nº 573. p. 1.
180
Figura 44 - A Oligarquia cearense, em seus nomes e cargos, elaborada pelo Jornal do Ceará, com o
sugestivo título de ” lista civil do polvo”. 02/08/1905, nº 231.
A governança do estado ainda se fazia entre extensa parentela e muitos
dependentes políticos. Accioly é caracterizado de coronel, personalidade política
que, segundo perfil traçado por Maria de Lourdes Janotti, reparte os cargos públicos,
181
assim como os votos, com sua própria parentela, uma manobra que visa garantir o
poder e a permanência no cargo de chefia política.
384
Janotti
385
inclusive, confirma a pouca distância entre um coronel do interior e
os governos estaduais. As confusões entre o bem público e o particular eram
“inerentes ao patrimonialismo da Primeira República”. Cita como exemplo do
controle oligárquico, a distribuição de cargos feita pela família Accioly no Ceará.
O jornal Unitario afirma que a oligarquia local baseava-se no poder quase
absoluto do presidente, escolhendo para cargos públicos somente aqueles de seu
grupo político e familiares. Viviam um jogo de aparências, ferindo códigos
constitucionais, como o voto independente, violando leis e preocupando-se somente
com a manutenção de seu poder.
As oligarquias, “campeãs em desfaçatez”, viviam mergulhadas em
desonestidades sem punições, prevaricando, enterrando os direitos do povo.
Preocupavam-se em tributar a população, atacar seus opositores e tirar da
sociedade as esperanças de um futuro de liberdades e direitos, segundo o Jornal do
Ceará.
O artigo Oligarchia, Anarchia e Dictadura, é exemplar no sentido de exortar
o povo ao combate anti-oligárquico:
As oligarchias devem morrer. E hão de morrer, meus cidadãos. Não falta
muito. Conservál-as, seria o mais inepto, o mais perigoso de todos os
nossos crimes.
É só o que se vê, nem será possível a ninguém, por mais que envide todas
as forças, amparál-as muitos annos, ou perpetuál-as na história...
Não se pereniza nas sociedades se não o que é natural e se ajusta aos
interesses comuns...
386
Accioly comandava um governo de “salteadores”, de “aves carniceiras”, que
tremiam ao imaginar o dia de aman sem o controle do governo. Não se
compadeciam, nem mesmo “com as grimas de viúvas e órfãos que tiveram suas
casas vendidas para pagamento de tributos”.
387
Para O Unitario, a oligarquia era uma Indústria de Roubo, beneficiando os
familiares em detrimento da população. Extorsões e artifícios de toda espécie eram
384
JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. O Coronelismo: Uma Política de Compromissos. ed.,
São Paulo, Brasiliense, 1981. p. 64.
385
Id. Ibidem.
386
Jornal do Cea, Fortaleza, Oligarchia, Anarchia e Dictadura, 07/08/1911, nº 1382, p. 2.
387
Jornal do Cea, Fortaleza, Oligarchia Moribunda, 30/08/1911, nº 1389, p.1.
182
utilizados pelo governo para multiplicar seu dinheiro: a principal estratégia, contudo
era o assalto aos cofres públicos. Para esse jornal, Accioly não fazia distinção entre
suas propriedades e o numerário do estado.
388
Figura 45 – Texto publicado pelo jornal Unitario, na seção Noticias, dando conta do processo de
enriquecimento porque vinha passando a família Accioly. 21/02/1907, nº 493.
Os jornais de oposição reiteravam em seus artigos o temor que gerava na
oligarquia a perda do prestígio e do poder de que eram donos. O escritor Rodolpho
Theóphilo revela que nas eleições para governo do estado, marcadas para 11 de
abril de 1912, Accioly, em dezembro de 1911, ainda relutava em escolher sucessor,
argumentando achar cedo tal medida. Assim, o presidente procurava com cuidado o
candidato. Foi anunciado José Domingos Carneiro, que seria “continuador de sua
política”, um correligionário disposto a renunciar no momento oportuno para ser
empossado José Accioly, filho do chefe oligárquico. A oposição não aceitava a
candidatura, pois o governo do estado não seria da responsabilidade de Domingos
Carneiro.
389
Em fins de 1911, com a aproximação do pleito eleitoral que escolheria o
novo presidente do Ceará, a imprensa intensifica seus combates se utilizando de
outros instrumentos. O mais ferino e virulento deles foi o panfleto. De grande
importância nos acontecimentos que culminaram com a queda de Accioly, os
388
Jornal Unitario, Fortaleza, Nova Indústria do Roubo, 10/01/1905, nº 223, p. 1.
389
THEÓPHILO, Rodolpho. Libertação do Ceará (Queda da Oligarchia Accioly). Edição Fac-
similar. Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 1914. p. 71.
183
boletins e panfletos se multiplicaram na luta antioligárquica. De fácil confecção e ágil
distribuição, serviram para incendiar as contendas política.
Passeatas, reuniões e protestos, foram organizadas com apoio da oposição,
e tornados públicos com o auxílio dos panfletos. O povo, percebendo a possibilidade
de mudanças foi às ruas protestar. Para enfrentar Accioly nas urnas, foi escolhido
Franco Rabello
390
, homem de raízes cearenses.
A política do panfleto utilizou como estratégia a transformação da imagem
de Franco Rabello em “salvador” do povo cearense.
Ao Partido Rabellista, que congregava a oposição, eram associadas
palavras de patriotismo e respeito ao Ceará. À sua candidatura se uniram aqueles
que reclamavam mudanças para a política do estado, os dissidentes do grupo
acciolino, os jovens, as mulheres e a família cearense, como asseveram alguns
panfletos.
No trecho de um panfleto, a população é convidada a um préstito a realizar-
se na Praça do Ferreira, com o objetivo de homenagear o Partido Rabellista e
demonstrar sua expressão na política cearense.
CONVITE AO POVO!
Devendo effectuar-se amanhã, a grande ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE
DO CEARÁ, realizar-se-a hoje às 5 horas da tarde, partindo da Praça do
Ferreira, um imponentíssimo préstito cívico, afim de ainda uma vez ficar
demonstrado o valor numérico e o alto patriotismo do partido Rabellista em
Fortaleza.
Partindo da Praça do Ferreira, precedido do glorioso pavilhão nacional, e
puxado por duas bandas de musica, percorrerá as Ruas Major Facundo,
Formoza, Senador Pompeu, General Sampaio, 24 de maio e Floriano
Peixoto, vindo se dissolver na avenida 7 de setembro.
Todas as ligas, com os respectivos estandartes se farão representar.
Um pelotão de sócios do Tiro 38, formará a guarda do pavilhão brasileiro.
Será conduzida por um grupo de combatentes de 24 de janeiro, a bandeira
offertada com heroes da memorável jornada.
A commissão espera que o commercio, demonstrando a sua alta
solidairedade, fecha ás 5 horas da tarde. Espera-se o Maximo
deslumbramento e todo brilhantismo para esta grande manifestação.
391
390
Franco Rabello foi escolhido pela oposição para disputar as eleições de 1812 para presidente do
Ceará. Rabello era cearense e havia deixado o estado por ocasião da deposição de seu sogro o
general Clarindo de Queiroz, por ordem do presidente Floriano Peixoto, em 1891. THEÓPHILO,
Rodolpho. Libertação do Ceará (Queda da Oligarchia Accioly). Op. Cit. p. 85.
391
Panfletos, Boletins e Pasquins: sem título, Rolos 39 e 44. Disponíveis no setor de
Microfilmagem da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Departamento de Patrimônio
Cultural, Fortaleza, Ceará.
184
Esses préstitos transformavam-se em festas públicas. Às famílias que
aguardavam em casa a passagem dos desfiles era solicitado um auxílio na forma de
iluminação e ornamentação das fachadas de suas residências e a participação com
gritos de “vivas” e palmas, como apreço à causa rabellista.
AVISO
As famílias residentes nos prédios das ruas por onde tem de passar
domingo o grande préstito da Liga feminista, em homenagem ao coronel
Franco Rabello, farão ornamentar as fachadas de suas casas, a fim de
prestar maior brilhantismo a esta digna e patriótica manifestação.
As falias fortalezenses, assim procedendo, demonstram a sua
solidariedade com a causa dos que trabalham pela libertação do Ceará.
Viva a liga Feminista.
Viva a família cearense.
Viva a soberania do Povo!!!
392
A Liga Feminina Libertadora Pró Rabello era uma das mais atuantes na
organização das festas, homenagens e préstitos em favor da candidatura de
oposição. Apresentava-se como representante da família cearense nos desfiles, e
num de seus panfletos agradece as cartas e cartões recebidos, em número superior
a quatrocentos.
Na retórica dos panfletos, o apoio a Franco Rabello pelas famílias
cearenses era demonstrativo da crise oligárquica por que passava o Ceará. Para o
ano de 1912 a política reservava aos familiares e correligionários de Accioly a
derrota nas urnas. A cidade aglomerava-se nos desfiles e passeatas.
A Liga Feminina apelava para a colaboração dos cafés, hotéis, casas
comerciais em apoio à sua luta, como atesta o panfleto, no qual convida a população
desta “heroica cidade” a participar de mais um préstito.
O Préstito d’Amanhã
A Liga Feminina espera também contar com o valioso auxilio dos distinctos
proprietários do Maison Art-Noveau, cafés do Commercio, Carmo, Java,
Iracema, Elegante e Avenida: Polytheama, Rotisserie e Restaurant
Heraclito, a fim de que a Avenida 7 de setembro apresente um aspecto
verdadeiramente encantador.
392
Panfletos, Boletins e Pasquins: sem título, Rolos 39 e 44. Disponíveis no setor de
Microfilmagem da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Departamento de Patrimônio
Cultural, Fortaleza, Ceará.
185
O mesmo appello fica feito aos proprietários de hotéis, estabelecimentos
commerciais por onde tem de passar o préstito, bem como aos valentes
rapazes do Club Iracema.
393
Os panfletos distribuídos pela Liga Feminina são evidência da participação
das mulheres no desenrolar dos acontecimentos de janeiro de 1912. As sócias eram
responsáveis pela organização dos préstitos, conduzindo os estandartes da Liga, o
pavilhão nacional e o pavilhão Franco Rabello nas manifestações.
Um dos pontos de partida dos desfiles escolhido pela agremiação era a
praça do Passeio Público, segundo as organizadoras o “logar representa o Sitio
onde no antigo regimem, tombaram mandando o ultimo adeus ao Ceará, os
martyres que sonhavam a liberdade da pátria”, numa alusão aos deres da
Confederação do Equador.
Os panfletos convidavam a população a se fazer presente e informavam a
organização, trajetória e, inclusive, a indumentária das moças, necessária para o
desfile. No trecho a seguir, informa-se sobre o préstito do domingo, dia 14 de
janeiro, liderado pela Liga Feminina.
Fechará esta primeira parte do préstito, a Liga Feminina representada por
todas as associadas cujo numero já se eleva a 947.
Seguir-se-á o povo representado por todas as corporações cearenses e
conduzindo a bandeira brasileira.
O Tiro Cearense, ladeará o préstito da Liga Feminista.
O toilet para as moças é a vontade, pedindo-se porem a todas que
conduzam no braço esquerdo um laço com as cores adoptadas.
394
As cores que marcavam as homenagens a Franco Rabello eram o verde e
amarelo, em laços de fita pendurados no peito e nos buttons, e o branco nas
vestimentas
395
. Algumas das passeatas organizadas pela Liga Infantil obedeceram
essa orientação. Essa Liga, em um de seus préstitos, foi alvo da repressão de
soldados à cavalo, sob as ordens de Nogueira Accioly.
Um de seus panfletos traz a seguinte mensagem:
393
Panfletos, Boletins e Pasquins: sem título, Rolos 39 e 44. Disponíveis no setor de
Microfilmagem da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Departamento de Patrimônio
Cultural, Fortaleza, Ceará.
394
Panfletos, Boletins e Pasquins: sem título, Rolos 39 e 44. Disponíveis no setor de
Microfilmagem da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Departamento de Patrimônio
Cultural, Fortaleza, Ceará.
395
SOMBRA, Waldy. A Guerra dos Panfletos: Maloqueiros versus Cafinfins. Op. Cit. p. 130.
186
JUSTIÇA!
Por todo próximo mez, pizará às libertas plagas cearenses, o responsável
moral do massacre bárbaro das meigas criancinhas, na funesta e triste
tarde 21de janeiro.
O sangue innocente dos nodos irmãozinhos, à mocidade, ainda brada:
JUSTIÇA!
LIGA INFANTIL
396
Outras associações lutaram contra a oligarquia acciolina utilizando-se a
estratégia dos convites, panfletos e préstitos em homenagem a Franco Rabello.
Entre elas a Associação Comercial, a classe Typographica Cearense, industriais,
caixeiros, artífices e estudantes, que criaram panfletos, boletins satíricos e
virulentos. Os panfletos eram distribuídos gratuitamente, circulando com grande
velocidade, ao passo que os jornais eram pagos e dependiam de assinaturas.
MEETING
Hoje, ás 6 horas da tarde, na Praça do Ferreira, realisar-se-á grandioso
Meeting Rabellista.
Seu fim é demonstrar perante os altos poderes da nação e as auctoridades
civis e militares desta capital, que Franco Rabello, continúa a ser o
candidato do povo.
O povo continúa firme, em seus postos, prompto a não ceder uma linha e
continuará a defender dentro dos limites da lei, a candidatura do impolluto
e valoroso Coronel Marcos Franco Rabello, justamente classificado o ídolo
do povo cearense, pelo valoroso General Carlos de Mesquita.
Ficam desde convidadas todas as classes e corporações e ao povo em
geral.
Espera-se o comparecimento do heróico pessoal da Estrada de Ferro, do
patriótico commercio, da sempre dedicada classe caixeiral, de todo o
operariado cearense, classe artística, guarda nacional, Ligas Feministas,
artística, pharmaceutica, acadêmicas e demais ligas pro-Rabello e pro-
Ceará Liberto...
397
Na seqüência de homenagens a Franco Rabello e tentativas de enterro da
oligarquia acciolina, ruas, praças e avenidas com o nome de Nogueira Accioly foram
rebatizadas com o nome de Franco Rabello. Ao que parece, o povo cearense fez a
derrubada de Accioly e sua substituição na política cearense antes mesmo do pleito
396
Panfletos, Boletins e Pasquins: sem título, Rolos 39 e 44. Disponíveis no setor de
Microfilmagem da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Departamento de Patrimônio
Cultural, Fortaleza, Ceará.
397
Panfletos, Boletins e Pasquins: sem título, Rolos 39 e 44. Disponíveis no setor de
Microfilmagem da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Departamento de Patrimônio
Cultural, Fortaleza, Ceará.
187
eleitoral. A cada mudança, uma festa era promovida. Préstitos, desfiles,
ornamentação das casas, retratos de Franco Rabello e convites à população
marcavam essa modificação política.
CONVITE
Convida-se ao heroico povo desta cidade, para assistir hoje, á 1 hora, a
substituição das placas da Rua Municipal, por outra denominada
RUA 24 de Janeiro
Esta data gloriosa para o povo de Fortaleza, representa o dia que tombou
para não mais se levantar, a oligarchia acciolyna.
Foi nesta rua, em que o velho tyranno assassinou creanças, que o mesmo
içou bandeira pedindo misericórdia.
Portanto, todas as classes e todas as ligas libertadoras, com os
respectivos estandartes, devem comparecer a este acto, digno de toda
solennidade.
24 de janeiro é uma tríplice gloria para todo o povo cearense, pois elle
representa a queda do despotismo, a vingança da infância e o heorismo da
mocidade.
Viva o Ceara Livre!
Viva a soberania do povo!
Viva a mocidade cearense!
398
O dia 24 de janeiro de 1912 marca o fim do governo acciolino. A cidade
viveu momentos de conflitos e enfrentamentos armados, multidões atropeladas,
crianças pisoteadas, paralisações e mortes. Cercado em seu palacete, após ter
algumas de suas propriedades queimadas, Accioly renuncia diante das
circunstâncias, embarcando junto com sua família para o Rio de Janeiro.
Num panfleto intitulado 24 de Fevereiro convida a população a participar de
uma grande festa na avenida 7 de setembro, em comemoração ao 30º dia da vitória
do povo cearense, que em ato de “heroísmo” acabou vencendo a barreira de
bayonetas que defendia o massacrador de creanças”.
399
Os relatos jornalísticos, assim como dos panfletos, buscam mostrar uma
oligarquia que espoliava a população cearense. A retórica e o estilo das publicações
variam entre a ironia e a violência. Observações ferinas e argumentos constantes
dão vazão a imagens de roubo, corrupção e injúrias. Accioly teria presidido uma
398
Panfletos, Boletins e Pasquins: sem título, Rolos 39 e 44. Disponíveis no setor de
Microfilmagem da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Departamento de Patrimônio
Cultural, Fortaleza, Ceará.
399
Panfletos, Boletins e Pasquins: sem título, Rolos 39 e 44. Disponíveis no setor de
Microfilmagem da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Departamento de Patrimônio
Cultural, Fortaleza, Ceará.
188
oligarquia dominadora, de moralidade contestável, vil, transformando o Ceará numa
“gafieira potica”.
2.3 – “Na teimosia do quero, posso e mando”: Nogueira Accioly
O Ceará está hoje abaixo de uma senzala. O seu tyranno é um violador
impenintente de todos os pudores de uma raça. Elle não trata os seus
vassalos, como um senhor os seus escravos, mas como um rufião suas
victimas: despoja-os, humilha-os, degrada-os e ainda os castiga.
400
Nogueira Accioly, em 1910, finaliza seu terceiro mandato e o quarto sob a
tutela de seu grupo oligárquico. A oposição, engrossada pelos jornais Unitario e
Jornal do Ceará, assim o define: tirano. Era considerado um homem dado a
violência, vinganças, de condutas marcadas pelo rancor, interesse e ambição.
401
Contudo, a característica atribuída a Accioly, que mais figurou no periodismo
de oposição foi o de violador do dinheiro público. Segundo o jornal Unitario, a
devastação da fortuna dos cofres cearenses deixou-o “bem amoedado”. A
administração acciolina teria enfrentado a “governância do Ceará com uma mão
atraz outra adeante”. Contudo, encontra-se em condição de capitalistas de primeira
classe”, aludindo aos palacetes, chácaras, prédios e fazendas pertencentes a
Accioly e seus filhos.
402
Para o Jornal do Ceará, Accioly, um antigo chefe monarquista, caiu no
governo do Ceará por um erro de Bezerril Fontenele. Desenvolveu uma política de
infâmias e corrupções, adotando como lema o crê ou morre
403
, com um sistema
eleitoral “viciado e burlado” e ameaçando constantemente o cidadão em sua vida e
propriedade.
Os jornais afirmam que a dinâmica política girava em torno do desmando, da
falta de moralidade pública, no abandono do cidadão, levando o Ceará a um estado
400
Jornal Unitario, Fortaleza, O Oligarcha do Ceará, 16/04/1910, nº 962, p. 1.
401
Jornal Unitario, Fortaleza, O Oligarcha do Ceará, 16/04/1910, nº 962, p. 1.
402
Jornal Unitario, Onde Vae Ter Isto? (Unitario), 06/11/1909, nº 897, p. 1.
403
Jornal do Ceará, Fortaleza, Futuro Governo do Ceará (Jornal do Ceará), 31/07/1911, nº 1379, p.
1.
189
de miséria. A família de Accioly seria, nas palavras do jornal Unitario, uma “industria
de roubo”.
404
Para o Jornal do Cea a associação do nome de Accioly a roubos, crimes,
prejuízos e lesões ao cidadão, acabou permitindo à imprensa tomá-lo como
sinônimo de dano, causador de males, inclusive em substituição ao vocábulo praga.
É possível observar a argumentação irônica dos periódicos de oposição num
artigo intitulado A Palavra Accioly, do Jornal do Ceará. Argumenta-se que a língua
portuguesa teria sofrido um acréscimo de mais uma palavra.
A lingua portugueza está enrequecida de mais uma expressão pejorativa.
A imprensa do Brasil tornou corrente a expressão, e o vulgo o adotou,
estando consagrada pelos jornalistas e pelo povo.
No nosso sertão quando queremos significar uma praga que produz dam
nos nas plantações e nos animais como os lagartos, carrapatos e
gafanhotos, dizemos: os acciolys chegaram ao roçado, os acciolys estão
matando o gado etc.
Quando queremos exprimir um animal damninho, roedor ou parasita, de
proliferação assombrosa, formamos o adjetivo acciolesco, e é tal a
aceitação do vocábulo, tal a propriedade de seu emprego nesse sentido
que a mesma imprensa do Rio, presa ao commendador Accioly por
conveniencias maternas não se dedigna de, usal-o, como portuguez
corrente.
405
Accioly significaria praga, associado a carrapatos, gafanhotos ou devoradores
em potencial. Seu emprego teria sido acolhido pelo povo cearense, assim como
em outros estados. Sendo assim, os sinônimos e adjetivos associados de forma
pejorativa ao nome do presidente eram, portanto, de domínio público.
O artigo, sem autoria, prática comum nessa época, revela um tom de
indignação e ao mesmo tempo de escárnio, quando analisa as práticas políticas da
oligarquia acciolina no governo. Segundo o articulista, suas atitudes tal associação.
Passando da indignação à lamentação, o articulista conclui que se a associação não
incomoda o presidente, ao estado traz prejuízos.
As alcunhas utilizadas para nomear Accioly extrapolavam o estado do Ceará
como certifica o artigo. Os jornais de oposição na transcrição de editoriais de outros
404
Jornal Unitario, Fortaleza, Nova Industria de Roubo, 10/01/1905, nº 223, p. 1.
405
Jornal do Ceará, Fortaleza, A Palavra Accioly (Jornal do Ceará), 09/01/1907, nº 485, p.1.
190
periódicos privilegiavam os desacatos ao chefe oligárquico, estratégia recorrente na
imprensa. Ressaltavam, ainda, que o emprego desses apelidos, denunciava um
sentimento de descrédito da população cearense.
Um exemplo dessa prática é a transcrição feita de um artigo do jornal O Paiz,
do Rio de Janeiro. Intitulado Viagem de Orpheu, reproduz a crítica às viagens de
Accioly e sua costumeira comitiva à capital. O jornal busca mostrar que, mesmo em
outros estados, o emprego do vocábulo havia sido assimilado e empregado de
forma habitual, como forma de mostrar o descrédito do chefe oligárquico. No trecho
abaixo, o jornal é minudente, trazendo o diálogo em destaque.
Afinal (...) se as visitas se tornarem de moda, chegarem os governadores,
acompanhados de bandas musicais, como o rei do Cambodge, em Paris,
acompanhado das suas bailarinas, - teremos, ao menos alegrias
duradoras.
Rogamos, unicamente, aos céos, que retardem o advento do sr. Accioly e
da sua respeitável família, até a installação do Hotel, com cerca de dois mil
quartos, que o syndicato americano pretende construir aqui, no fim da
Avenida, bem perto do mar...
406
A ênfase nesse tipo de editorial, demonstra que os oposicionistas procuravam
ampliar as críticas para ferir a imagem do governo. A “Oligarchia Minú”
407
, com fora
batizado seu grupo político, era execrada em todo o país. Na retórica de oposição,
Accioly representava de forma vergonhosa o estado quando em suas viagens levava
comitiva tão numerosa.
O Jornal do Ceaalardeava também que um outro jornal, fixado na cidade
de São Paulo, anunciava desfalques no dinheiro público: “Os acciolys assaltaram os
cofres de tal repartição etc, etc.”. Notícias com esse tema, constantes em folhas de
outros estados, mereceram destaque nas páginas da oposição.
Diariamente, a imagem de Accioly era associada a assaltos, a utilização de
rendas do estado em favor de causas pessoais, atos de vilania contra o povo. As
folhas de oposição afirmavam que os atos administrativos implementados pela
oligarquia acciolina eram tirânicos.
406
Jornal do Cea, Fortaleza, A Palavra Accioly (Jornal do Ceará), 09/01/1907, nº 485, p.1.
407
Jornal do Ceará, Fortaleza, A Palavra Accioly (Jornal do Ceará), 09/01/1907, nº 485, p.1.
191
Projetavam ainda que Nogueira Accioly ganharia, na posteridade, lugar de
honra na maldade humana, se fossem levados em consideração seus processos e a
ausência de escrúpulos.
408
Accioly é comparado a um rei absoluto, comandando uma corte.
Os governadores fizeram coroas e crearam corte. Para terem súbditos e
lacaios mercadyam com a honra alheia, impondo a submissão e a vilancia
em troca de salário.
No Ceará adquiriu um sceptro e uma coroa, agachando-se como uma
raposa, um homem que tem esgottado os cofres públicos, durante 12
annos de governo, corrompendo as consciências.
(...) À proporção que os dinheiros públicos são dissipados
vergonhosamente, a velhacaria dos governantes, se exercita.
409
Para os jornais de oposição, o acciolismo era anormal e “nocivo”. Estaria
ligado aos mais baixos níveis de respeito, da pouca moral, da estupidez, do
comportamento torpe, da calúnia, da anarquia. Portanto, o vocábulo “Accioly” reúne
todas as características negativas que um cidadão ou um governador podem
apresentar:
Acciolysmo não significa somente nepotismo, filhotismo, mas todo
processo indecoroso de se locupletar e toda maneira de ser nocivo à
sociedade.
Ser Accioly na expressão lata do vocabulário é reunir todas as más
qualidades de cidadão, é ser intellectualmente um cretino e moralmente
um Accioly, sem respeito à moral política e social.
410
408
Jornal do Cea, Fortaleza, A Palavra Accioly (Jornal do Ceará), 09/01/1907, nº 485, p.1.
409
Jornal Unitario, Fortaleza, Governo Corruptor (Unitario), 13/08/1907, nº 566, p. 1.
410
Jornal do Ceará, Fortaleza, A Palavra Accioly (Jornal do Ceará), 09/01/1907, nº 485, p.1.
192
Figura 46 – Edição do Jornal do Ceará que explora a palavra “Accioly” em seus significados
difundidos pela imprensa. 09/01/1907, nº 485.
O termo acciolismo, para os opositores, significava o emprego e a expressão
da impiedade, do desatino e da falta de caráter. Acciolismo designava a política do
bacamarte, da violência eleitoral, do aumento de impostos, da indignidade, da
agressão e corrupção. No discurso da oposição, o Ceará, que há muito vinha
sofrendo com a “política imoral” de Accioly, sabia o que significava o emprego
desses artifícios.
193
Acciolismo significava também ignorar socorros públicos ao povo sertanejo
castigado pelas secas. Segundo a oposição, todo o empenho político era canalizado
para a cobrança de impostos abusivos. O ataque aos adversários através do jornal A
Republica fazia parte da estratégia de convencimento organizada pela oligarquia.
Em tom zombeteiro, João Brígido chamava essa publicação de gazúa”
411
. Nesses
termos, Accioly obedecia apenas sua própria vontade, invocando um espírito
teimoso que adotou para a condução de sua oligarquia, com o lema: “quero, posso e
mando”.
412
Para o Jornal do Ceará, acciolinar significava roubar algo do outro. Acciolinar,
cobrar impostos abusivos, faltar com a verdade, agir de forma inescrupulosa,
subjugar o cidadão, persegui-lo. Não seriam poupados esforços para a prisão de um
cidadão, caso pertencesse à oligarquia. Provada a filiação, a impunidade era certa.
O Jornal do Ceará, repetidas vezes, acusa Accioly e seu grupo de tomar para si o
dinheiro do tesouro cearense. Tal discurso é engrossado pelos articulistas do jornal
Unitario
(...)Acresce que se alguém há que deva recear a effectividade das penas
legaes, outros não podem ser senão os que acciolinando os dinheiros do
Estado, na phrase de conhecido jornalista mineiro, vão passando para as
próprias algibeiras aquillo que com indivizel sacrifício vae o contribuinte
accumulando nas arcas do thesouro estadual.
413
Continuando essa análise, o Jornal do Ceará afirma vir do sobrenome Accioly
a ramificação de várias outras expressões como acciolysação, comum entre os
correligionários do presidente cearense, e interpretada pelo periódico como
bajulação. Para os que acciolysavam era freqüente a utilização do termo
“engrossadores”.
De Accioly formaram-se as expressões acciolysar, acciolico, acciolyna,
acciolesco e acciolynisar, isto é, ostentar a sua acciolysação como fazem
os engrossadores, trazendo á caçoleta ou na lapella a veronica do chefe
da tribu.
414
411
Gazúa era o nome dado por João Brígido ao jornal A Republica, quando a citava em seu próprio
periódico. Jornal Unitario, Fortaleza, Ainda Hábeas-Corpus a 50$000, 16/09/1909, nº 876, p.1.
412
Jornal Unitario, Fortaleza, Ainda Hábeas-Corpus a 50$000, 16/09/1909, nº 876, p.1.
413
Jornal do Ceará, Fortaleza, A Palavra Accioly (Jornal do Ceará), 09/01/1907, nº 485 p.1.
414
Jornal do Cea, Fortaleza, A Palavra Accioly (Jornal do Ceará), 09/01/1907, nº 485, p.1.
194
Conforme os articulistas das folhas de oposição, no sertão cearense, o
sobrenome Accioly estava associado aos termos sugadores” e “exploradores”.
uma intensão dos jornais oposicionistas em tornar pública uma imagem de Accioly
associada a roubos e corrupções, dentro e fora dos limites da capital cearense.
No sertão a expressão vae corrente até para exprimir a sucção dos
morcegos nos animaes.
E no caso particular dos cearenses a analogia é perfeita por que o
commendador Accioly e a sua prole têm sido os morcegos sugadores de
todo o sangue dos cearenses.
415
O Jornal do Ceará, em retórica desabrida, rebate os títulos de estadista,
eminente, chefe egrégio, ínclito, preclaro, atribuídos a Accioly por A Republica.
Acrescenta que o periódico acciolino dispensa tais predicados ao presidente por ter
entre chefes e redatores apenas aqueles que lhe são fiéis. Eles são classificados
pela oposição como gente sem princípios, grupo perigoso, usurpadores, sem valor.
O jornal assevera que Nogueira Accioly comandava uma oligarquia “nefasta e
indecente”, cujas “falcatruas” apareciam uma a uma, escandalosamente. Seria ele
autor de transações comerciais escusas, especulação de toda ordem, atos de
violência contra a imprensa, como foi o caso da destruição das oficinas do
Unitario.
416
Accioly é apontado como “gatuno de palácio”, e não se furtaria em confiscar
bens, inclusive de órfãos e viúvas.
Repercutem na alma cearense os gemidos de viúvas e de orphãos cujos
bens têm sido confiscados. De todos os pontos do território do Estado
sobem queixas ao throno de Deus contra as injustiças monstruosas e
crimes os mais audaciosos.
Um anno de mais no kalendario minú, parece um século aos opprimidos
que cobrem de maldição e homem funesto que arrasou a nossa infeliz
pátria...
417
O Unitario apresenta Nogueira Accioly como um ditador,
418
desalmado
419
,
capaz de mentir inclusive nos processos eleitorais, com o objetivo de facilitar cargos
415
Jornal do Cea, Fortaleza, A Palavra Accioly (Jornal do Ceará), 09/01/1907, nº 485, p.1.
416
Jornal do Cea. Fortaleza, Sempre Miseráveis III (Jornal do Ceará). 09/09/1907, nº 624, p.2.
417
Jornal do Ceará, Fortaleza, Crime e Usurpação (Jornal do Ceará), 12/07/1905, nº 222, p. 1.
195
aos familiares e enriquecer de forma ilícita. O jornal faz as acusações baseadas num
questionamento sobre a origem de algumas propriedades de Accioly como
palacetes, prédios de aluguel e fazendas de criar, ressaltando que ao entrar no
governo era homem de parcos recursos.
420
O jornal Unitario comenta que o patriotagovernador do Ceará, usando um
termo caro ao jornal A Republica, nada mais é que um tirano, que comandava o
povo com mãos de ferro, usando um único meio: a exploração. Accioly seria, na
retórica desse jornal, um “violador impenitente”, corrupto, espoliador, que desonrava
e vilipendiava a sociedade cearense em seus direitos e dinheiros.
421
José Getúlio Frota Pessoa cita algumas das atividades desenvolvidas pelo
presidente que, segundo ele, se configuravam em crimes.
Figura 47 – Seção Telegramma do jornal Unitario publicando a denúncia feita por Frota Pessoa através do
Jornal do Comércio (RJ), acusando Accioly de estelionato. 21/12/1909, nº 916.
418
Jornal Unitario, Fortaleza, Cinysmo, 20/02/1909, nº 793, p.1.
419
Jornal Unitario. Fortaleza, Monopólio, 23/10/1909, nº 892, p.1.
420
Jornal Unitario. Fortaleza, Onde Vae Ter Isto?. 06/11/1909, nº 897, p.1.
421
Jornal Unitario. Fortaleza, Onde Vae Ter Isto?. 06/11/1909, nº 897, p.1.
196
O fato de Nogueira Accioly assumir a chefia do estado, em 1896 sem
renunciar ao cargo de senador, foi apontado como estelionato. Em referência às
pontes metálicas compradas por Accioly para servir aos rios Pacoti e
Maranguapinho, ambos em Fortaleza, Frota Pessoa classificou-o de salteador,
alegando que tais pontes foram pagas e nunca montadas. Relata ainda o propósito
de Accioly em contrair empréstimo na Europa, em nome do governo, no valor de
quinze milhões de francos sob pretexto de construir, na cidade de Fortaleza, uma
rede de esgotos e abastecimento de água. Frota Pessoa pontua que todas essas
providências administrativas nada mais eram que estratégias para dilapidar o
dinheiro público, com a justificativa de melhorar as condições de vida no estado.
O que ha nelle, com apparencia de governo, é o rigimen da rapinagem.
Todos os seus apparelhos de administração se acham aliciados,
corrompidos, deturpados.
Ha um tyranno que investiu alguns escravos das funções de juizes e
deputados: esses indivíduos fingem de pôder judiciário e poder legislativo.
O oligarcha é o senhor absoluto da população do Estado; manda sem
contraste sobre os seus bens, sobre a sua liberdade e sobre a sua vida.
422
Martim Soares, no livro O Babaquara, interpreta a oligarquia como uma “corja
de salteadores”, que tornava a vida no Ceará intolerável em virtude da perseguição
àqueles que se declaravam contrários à política acciolina. Para a oposição, a política
era a do esmagamento, da humilhação; dava vazão a um traço da natureza de seu
comandante: a maldade. Accioly, nas palavras de Martim Soares, era:
(...) perverso, rancoroso e vingativo (...) De uma subserviência nauseante
para com as pessoas de quem depende, é de uma sobranceria intolerante
para com aquellas que estão na sua dependência...
423
O perfil de Accioly, traçado por Martim Soares, sintetiza o que representava a
oligarquia para os jornais oposicionistas. Em tom mordaz, a crítica faz um retrato das
características físicas do oligarca:
422
PESSOA, José Getúlio Frota. O Oligarcha do Ceará. Op.Cit.p.153.
423
SOARES, Martim. O Babaquara: Subsídios para a História da Oligarchia no Ceará. Op.Cit. p.19.
197
O Babaquara é physicamente horrendo, como se sabe. A caricatura tem
largamente divulgado essa figura de pesadello, digno envolucro de uma
consciência torpe. Macrocéphalo, de orelhas concavas e pendentes, livido,
a cabeça mettida nos hombros, com uma voz de sapo, myope e glutão, tal
é o oligarcha do Ceará.
424
Continuando sua crítica, Martim Soares observa o caráter do chefe
oligárquico e faz um comparativo com a peçonha dos répteis:
Moralmente, o Babaquara é uma cobra, um desses animais frios,
cobardes, pegajosos e traiçoeiros. Precisamos rectificar um conceito que
se tem formado a respeito do Oligarcha, de par com a popularidade e
ridículo que o cerca em todo o paiz. Esse mesmo ridículo concorreu para
formar a convicção de que elle é um indivíduo velhaco e nullo, tratando de
encher o seu pandulho e dos seus, assim uma espécie de patife-patriarca,
porem bonachão, tolerante, indifferente a tudo que não seja o gosto do
poder e a tranquilla desfructação dos dinheiros públicos.
425
Os termos “patife” e “velhaco” aparecem diariamente nos discursos
oposicionistas. A imagem de Accioly é constantemente ridicularizada assim como de
seus colaboradores e familiares, como estratégia de desmonte da oligarquia.
O discurso oposicionista analisa a formação da oligarquia, seus atos e suas
políticas sob a égide da truculência, do ódio, da hostilidade e ataques pessoais.
Nogueira Accioly é a figura representativa da oligarquia, assim como do partido e do
jornal A Republica. Portanto, caricaturá-lo ou denegri-lo seria um recurso corrente na
imprensa de oposição para tentar desqualificar o grupo que administrava e se
beneficiava do governo.
Para os anos de 1909 e 1910, os embates políticos entre os principais jornais
de oposição, Unitario e Jornal do Ceará, e a folha da oligarquia, A Republica, foram
violentos. O discurso oposicionista apresenta apelo dirigido principalmente à
magistratura cearense, para que as desgraças que acabrunhavam o estado
tivessem fim, e a bastardia potica dominante fosse apaziguada.
O jornal Unitario, em seus artigos de fundo, apresenta diariamente artigos de
repúdio à administração de Accioly. Os temas variam de eleições alteradas ou
corrompidas, improbidade administrativa, desvio do dinheiro público, a outros crimes
424
Id.Ibidem. p.15.
425
Id.Ibidem.p.17,18.
198
supostamente cometidos pela oligarquia. Um assunto recorrente é o próprio jornal
adversário, acusado de perseguição. O jornal Unitario define as pessoas que
trabalham naquela redação como “gentalha vil”.
426
Os ataques entre esses jornais, Unitario, Jornal do Ceará e A Republica, m
como mote principal a figura de Accioly. Em artigo de 1910, o Unitario cita Accioly
como responsável pelo tipo mais repulsivo de governo entre as repúblicas desse
país
427
, ao passo que na folha situacionista é lembrado por sua conduta generosa,
benemerência e preocupação com o povo cearense.
A Republica, jornal e os engrossadores do bonzo chinez chamamn’o o
benemerito. Talvez.
É a benemerencia do desabo, do crime e da perversidade.
Saibam todos os cearenses que não nos governam homens mas féras.
Estamos como Cristo no deserto: Eratque cum besjus, amparados pela
Providencia Divina.
428
O jornal A Republica em 1908, utiliza a seção Tribuna do Povo para travar
violento ataque a seus opositores. O jornal Unitario e Jornal do Cea fazem de seus
editoriais arenas de combate. São criticados familiares, correligionários, a política
oligárquica, a administração e o jornal. A folha de Accioly é desqualificada, acusada
de auxílio nos crimes do presidente e atentados contra a família cearense. Críticas
contundentes eram desferidas contra o órgão de imprensa oficial.
(...) no Ceará, onde a critica esta banida da política, e a petição é mesmo
uma irreverência; onde o Sr. Accioli cerca typographias com os seus
janizaros, toma jornaes, prende redactores, processa e pôe em fuga para
além das fronteiras; onde o S. Exc. converte o seu jornal official num
pasquim para difamar até as mães de falia, dest’arte impondo silencio á
imprensa, que profliga os seus desmandos; no ceará, disemos, o Sr.
Accioli, embora toda sua persistência, há-de ceder....
429
Os artigos das folhas oposicionistas, notadamente aqueles escritos durante o
terceiro mandato de Accioly (1908-1912), põe em xeque o caráter do chefe da
oligarquia. Atacá-lo, significava ferir seu grupo, seu jornal e seu partido.
426
Jornal Unitario, Fortaleza, J. Brigido (Unitario). 11/01/1910, nº 923, p.1.
427
Jornal Unitario. Fortaleza, O Oligarcha do Ceará, 16/04/1910, nº 962, p.1.
428
Jornal do Cea, Fortaleza, Descaso Criminoso (Jornal do Ceará), 18/01/1907, nº 489, p. 1.
429
Jornal Unitario, Fortaleza, O Jornal “Republica” (Unitario), 25/02/1905, nº 243, p. 1.
199
Na luta que se travou para desarticular a eleição do candidato de Accioly para
governo do Estado em 1911, a estratégia principal foi o ataque direto. Os panfletos
distribuídos na cidade fazem referência ao chefe em tom ferino, utilizando um
vocabulário variado para denegrir sua imagem. Para o texto abaixo a palavra “peba”
animal que cava buracos no chão para a sua proteção –, foi utilizada para
aproximar Accioly dos hábitos peculiares desse mamífero.
BASTA!
Negro Peba, alma corrupta,
Perverso, trahidor, Caim.
Sobejo de prostituta,
Retalho de couza ruim;
Alma vil de salafrario,
Falho de senso e de vista,
Romão do cubo-Unitario,
Refinado conchavista;
Peba que vive por sobre
A sombra de quem matou,
Roendo o resto do cobre
Que o pobre Antonio deixou;
Zuadento, sem futuro,
Bestiador que se bole
Como um chocalho seguro
No pescoço do Accioly;
Peba que pasta sem guia,
Entre espelhos da Razão,
De cada couza que espia
Descobre logo um ladrão;
Peba enganador do povo,
Que quer encher os alforges,
Como gazua de novo,
Nas mãos do Raimundo Borges;
Peba chefiado sem chefes,
De coherencia, profano,
Caixa de guardar tabefes
De Joaquim Victoriano;
Peba, por menos serviço,
Peba por menos trabalho,
Peba o povo quer é isso:
Que te suicides, BANDALHO.
430
430
Panfletos, Boletins e Pasquins: sem título, Rolos 39 e 44. Disponíveis no setor de
Microfilmagem da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Departamento de Patrimônio
Cultural, Fortaleza, Ceará.
200
Os panfletos, assim como os jornais, assumem uma postura de ataque
pessoal. Toda a parentela de Accioly e correligionários são alvos das contendas
políticas. Oposição e situação fazem desse recurso uma arma. Maria Helena
Capelato, no entanto, assevera que o próprio jornal se fazia arma, com força
política, fazendo-se respeitados e temidos, e aqueles que o manejar “têm uma
variada gama de opções entre o domínio das consciências e a liberdades”
431
.
Aqueles a quem deveria atingir poderiam ser defendidos antes da luta ou no
decorrer dela.
Entre os familiares de Accioly citados pelos panfletos e jornais de oposição,
dois eram seus genros: Graccho Cardoso, sergipano, pertencente à Escola Militar, e
um dos articulistas do jornal A Republica, foi diretor da Secretaria da Assembléia e
diretor da Construção do Teatro José de Alencar; e Raimundo Borges, bacharel da
Faculdade de Direito, que ocupou o posto de Coronel comandante do Batalhão de
Segurança e cumpriu o mandato de deputado estadual.
A imprensa oposicionista se reportava com freqüência aos filhos de Nogueira
Accioly: Thomaz, Benjamim, Hildebrando, Antônio e José Accioly. Todos com cargos
na administração pública, tendo o último chegado à vice-presidência do governo e à
Secretaria do Interior. Era também o dono do jornal A Republica.
Num texto intitulado Os miseráveis, estão citados Graccho Cardoso,
Raymundo Borges e os filhos de Accioly. Cardoso e Borges eram, ao que parece,
odiados pelos oposicionistas.
O panfleto inicia sua redação taxando-os de algozes cobardes”. Gente de
“passado negro”, “infames gatunos e assassinos”, que incita seus “cães
hydrophobos” contra pessoas de bem, fazendo intrigas, “inventando infâmias e
mentindo com despudor”, arrogando a si mesma prestígio de que não seria
merecedora. Observa ainda que o povo cearense desejaria vingança contra esses
“miseráveis”.
431
CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e História do Brasil. Op. Cit.p.13.
201
OS MISERAVEIS
(...) GRACCHO CARDOSO, LADRÃO DE BODE, no tempo de alumno da
E. Militar, conforme o testemunho do velho matador de Vicente Themoteo
e Joaquim Victorianno, o mais crapuloso e ruim dos sevandijas
acciolinicos, possuindo com as suas ladroeias, fortuna superior a quatro
cento contos;
RAYMUNDO BORGES, que aqui chegou pobre, tendo se casado com a
filha do velho PAGE, enriquecendo pelas falcatruas, escandolosas e
conhecidas do publico, possue hoje mil Contos approximadamente;
JOSÉ, BENJAMIN, THOMAZ E BIBIO e toda a cáfila de patifes que forma
esta pecula de desalmados furtadores ahi estão novamente urdindo
conchavos immoraes na phautastica illusão de novo mando.
432
O Jornal do Ceará promove em suas páginas um apelo ao presidente da
República, Hermes da Fonseca, a fim de que seja coibida a “engrenagem especial”
que movimenta o Ceará e subordina a máquina pública aos filhos e genros do chefe
oligárquico. Ocupando cargos rentáveis, o periódico cita o caso de José Accioly que
na condição de vice-presidente teria maior facilidade para tomar posse do tesouro
estadual sem preocupações, por exemplo.
433
A tal “engrenagem especial” é mantida pelo:
(...) presidente do Estado o snr. Commendador Antonio Pinto Nogueira
Accioly, que é ao mesmo tempo chefe do partido situacionista, famoso
no antigo regimem entre os LADRÕES DE CASACA E LUVA DE
PELLICA.
434
Com uma linguagem desabrida, tanto os panfletos quanto os jornais
mantinham um tom desafiador. Os termos e expressões procuram associar Accioly à
corrupção, falsificação, imoralidade política e traição. Uma atribuição muito utilizada
para definir o governo nos discursos jornalísticos e panfletários de oposição foi
“ditadura”.
432
Panfletos, Boletins e Pasquins: sem título, Rolos 39 e 44. Disponíveis no setor de
Microfilmagem da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Departamento de Patrimônio
Cultural, Fortaleza, Ceará.
433
Jornal do Ceará, Fortaleza, A Oligarchia Cearense, 03/11/1911, nº 1417, p. 1.
434
Jornal do Ceará, Fortaleza, A Oligarchia Cearense. 03/11/1911, nº 1417, p. 1.
202
O tom inflamado e a postura de luta aberta eram corriqueiros. Para tirar a
oligarquia do poder valia, inclusive, “morrer”. Os panfletos chegam a apresentar uma
possibilidade de conflito armado, com frases de impacto como “vencer ou morrer”.
Assim a população era conclamada a se fazer presente nas passeatas, meetings e
reuniões com o claro objetivo de derrubar o regime acciolino.
Isabel Lustosa, analisando a imprensa no início do século XIX e as liberdades
que, paulatinamente, ia conquistando, afirma que os artigos de convocação à
população para tomar parte nos debates políticos mostravam-se como um caminho
para estimular a opinião pública a manifestar-se e, ao mesmo tempo, lançar sobre
ela forte influência.
435
O conteúdo centra-se no apelo patriótico. O Jornal do Ceará se lança em
campanha contra os políticos ligados à “tribo Minú”. A Campanha, lançada em
novembro de 1905, tinha como objetivo lutar para “salvar o Ceará” das mãos de um
governo que faz política com o bacamarte. O artigo, de argumentação desafiadora,
julga Accioly autor de atos criminosos e conclama os cidadãos a lutar contra os
poderes oligárquicos que ora exerciam em terras cearenses tantas perseguições,
pressões e atentados.
436
O artigo tinha como autor Waldemiro Cavalcanti, que inicia sua fala dizendo-
se republicano e se dirigindo aos republicanos.
Eu me dirijo a vós, como brasileiro a outros, como republicano a
republicanos cheios de serviços e responsabilidades, com os sentimentos
de estima e cordialidade com os quaes lereis esta carta, cuja interpretação
e compreensão não serão possíveis sem recíprocas e benevolentes
disposições de espírito.
Desejo falar do estado de annarchia e das perseguições que no interior
dividem a família cearense, roubam garantia á propriedade e á vida,
ensanguentam o solo, cobrem de crepe os lares e afugentam de nossas
almas a esperança.
437
Cavalcanti desenvolve seu apello criticando a impunidade que reina no
Ceará, a política do despotismo, o desrespeito às leis constitucionais, a falta de
liberdade e consciência e os sofrimentos da população. Ressalta, as tantas missivas
435
LUSTOSA, Isabel. Imprensa e História do Brasil. Op. Cit. p. 115.
436
Jornal do Ceará. Fortaleza, Primeira Etapa de uma Campanha, 15/11/1905, nº 296, p.1.
437
Jornal do Cea. Fortaleza, Primeira Etapa de uma Campanha, 15/11/1905, nº 296, p.1.
203
e telegramas recebidas pela oposição, denunciando a aflitiva situação em que se
encontram muitos de seus patrícios. Conclui com a seguinte assertiva:
(...)escrevendo este apello não procurarei expender minha opinião e os
meus sentimentos isolados, mas as opiniões e os sentimento dos mais
illustres cearense, que aqui e fora d’aqui vivem e tem amor ao Ceará, dos
melhores e mais dedicados na política e fora della que desejam o mesmo
que eu desejo para minha pátria e para meus irmãos: Paz e justiça...
438
O jornal Unitario, assim como o Jornal do Ceará, aponta como caminho para
o povo cearense, e a conseqüente recuperação de sua política, a saída de Accioly
do governo, ou melhor, A morte das oligarquias.
A desgraça temporária de oligarchisação foi um incidente, uma
parada, um desvio, do curso natural, a que os sentimentos, as idéias e os
actos da pátria republicana, tem de obedecer.
(...) As oligarchias hão de morrer pelas os do povo, accionando
patrioticamente o apparelho formidavel que executa os decretos de sua
vontade, soberania quanto substancia os seus interesses organicos.
439
Patriótica é o adjetivo dado à batalha contra essas oligarquias, segundo o
artigo, que impedem o progresso e a instauração da democracia, usando como
estratégia o aniquilamento dos opositores. É preciso recuperar o processo eleitoral e
o patriotismo antes existente no Norte, libertando o Ceará dessas “commanditas
roazes
440
, diz um inflamado mero do jornal Unitario.
Nos combates diários à oligarquia, o jornal Unitario, muitas vezes, acusa
Accioly de “doido”. Inclusive transcreve um artigo, do Jornal do Brasil (RJ), intitulado
Cousas da Política, noticiando boatos que um dos governadores do Norte estaria
sofrendo de uma “desorganisação mental”. A acusação origina-se, segundo o jornal
Unitario, de sua possível candidatura à reeleição, e o lançamento de um filho a uma
vaga no Senado. Naquela casa, já atuava um genro seu.
441
438
Jornal do Ceará. Fortaleza, Primeira Etapa de uma Campanha, 15/11/1905, nº 296, p.1.
439
Jornal Unitario. Fortaleza, A Morte das Oligarchias III (Transcripções), 25/08/1919, nº 1012, p.1.
440
Jornal Unitario. Fortaleza, A Morte das Oligarchias III (Transcripções), 25/08/1919, nº 1012, p.1.
441
Jornal Unitario. Fortaleza, Accioly Doido (Unitario), 7/11/1907, nº 602, p.1.
204
A luta entre oligarquia e oposição foi marcada por ataques e perseguições,
muitos dos quais através da imprensa. Tanto a linguagem jornalística quanto a
panfletária se utilizaram de instrumentos como a caricatura, a paródia, o riso e o
escárnio para desarticular discursos e atacar adversários.
O jornal A Republica, mesmo com um tom mais formal em suas
argumentações, não se esquivou de usar esse tipo de arma. Num pequeno texto
intitulado Palheiro, a folha situacionista faz alusão a João Brígido que nesse período
se achava nonagenário e cego.
PALHEIRO
(É palha, sim, mas é devéras)
Cuidado, meu povo
O burro velho preto de Ignácio Calunga está cego, mas ainda dá coices.
Pois, quem passar pelo Latrinario...
Cuidado!
442
Em outro número do jornal A Republica, entre risos e escárnios, sai a
publicação de um motte” cuja personagem principal, Agapito dos Santos, redator do
jornal Unitario, teria como costume usar o dedo para bolir” as moças. O tom forte e
zombeteiro do texto contrasta com a austeridade que marca a redação da folha
situacionista.
MOTTE
Seu Hpito, meu bem
Me dê noticias do dedo
GLOZA
Já perguntei, mas ninguém
Sabendo me responder,
A todos quer esconder,
Seu Hpito meu bem,
Até mesmo o João Vintém
Cabra que nunca tem medo,
Mas não gosta do “brinquedo”;
So assenta em gente suja,
E antes que você fuja
Me dê noticias do dedo.
Rozinha.
443
442
Jornal A Republica. Fortaleza, Palheiro, 27/01/1908, nº 21. p. 2.
443
Jornal A Republica. Fortaleza, Motte, 31/03/1908, nº 74. p. 2.
205
No entanto, a imagem mais explorada na imprensa panfletária foi a de
Accioly. O homem, a quem A Republica consagra como “preclaro estadista e
conspícuo chefe”, responsável pelos mais nobres serviços prestados ao estado,
venerado pelos amigos, de extrema significação moral, justo e cortês, é parodiado
num panfleto nos seguintes termos:
Vamos a palacio
Arrancar a unha
Do velho Accioly
E do Carneiro Cunha.
Vamos a palacio,
Levar um canhão,
Para o babaquara
E seu genro Reymundão.
Já está chegando,
A nossa alegria,
Do Franco Rabello
Abaixar a Oligarchia.
Alerta Cearenses,
Desta lethargia,
Que a muito tempo
Nos domina a Oligarchia.
Não brinca Accioly,
Não te fica rindo,
Quem vem governar,
É pessôa do Clarindo.
Viva a nossa gloria!
P'ra desgraça sua,
É Antonio Arruda
Instrumento da Gazúa
O Corrêa Lima,
Heróe muito valente,
Provas está dando
De ser um homem intelligente.
Viva o Brasil,
E seus verdes mares,
Que só foi feliz,
Com os militares.
Viva o Ceará
Viva a liberdade,
Que vem sobrepor,
Toda essa iniquidade.
206
Vae-se embora o babaquara,
Vae embora e já não chia,
Que o povo não quer mais,
Esta vil oligarchia.
444
A paródia saiu em panfleto com a informação que deveria ser cantada como a
música do Pereira” e o carnaval que se aproximava iria ser adiado para o dia 12
de julho, data da eleição. Segundo Rodolpho Theóphilo, Carneiro Cunha, um dos
personagens da paródia, era um dos mais odiados correligionários de Accioly, em
virtude das perversidades que faziam os soldados de polícia que seguiam suas
orientações. Raimundão, trata-se de Raimundo Borges, e Antonio Arruda foi um dos
redatores-chefes do jornal da situação.
Ao tratar das paródias que fizeram sucesso nesse momento, e que “sacudiam
a moçada rabelista”, Waldy Sombra fala de uma sátira gravada para ser escutada
em vitrola, chamada O Pai de Toda Gente, de autoria ignorada. Trata-se de uma
peça popular, que chamava Accioly de “caboclo cutuba”, entre outros apelidos.
Vem comigo mulata!
Mulata, meu bem, embarca!
Vamos lá pro Ceará,
Vamos ver os oligarcas!
Vem, vem, vem, minha gente!
Meu bem, embarque.
Vamos ver o grande homem,
Tem um grande cavanhaque.
Que cavanhaque sedoso!
Que cavanhaque decente!
Ele é o presidente
E é o pai de muita gente.
É um caboclo levado,
É um caboclo cutuba.
Meu Deus, que homem valente,
Que cabeça lustrada!
É um grande presidente
Mas da sua fiarada!
445
444
THEÓPHILO, Rodolpho. Libertação do Ceará. Op.Cit. p.60.
445
SOMBRA, Waldy. A Guerra dos Panfletos. Op. Cit. p. 178.
207
Zombeteiros, os panfletos são tamm responsáveis pela disseminação de
alguns pseudônimos usados na crítica a Accioly. Aqueles que tinham um ritmo
musical para acompanhá-los rapidamente se sobressaiam. O termo “Babaquara” é
um exemplo disso. Com a intensificação da campanha anti-oligárquica, músicas e
termos nesse estilo ganharam as ruas da cidade.
446
Uma quadra bastante difundida foi a seguinte:
O Acioly vai no bonde chorando
A velha dele vai atrás acalentando
Que velha feia, cara de bode
Só tem dinheiro pra fazer pagode.
447
À medida que o combate à oligarquia se organizava, mais visível se tornava a
“guerra dos panfletos”. Gatuno, amaldiçoado, desavergonhado, carrasco, alguns
desses adjetivos dados a Accioly foram espalhados pelos pasquins e panfletos. Por
seu turno, os políticos situacionistas apressavam-se em elaborar alguns boletins
conclamando a população a participar de reuniões e meetings com o objetivo de
apoiar o governo.
O terceiro mandato de Nogueira Accioly chegava ao fim cercado de críticas. A
movimentação da oposição era intensa. A campanha contra a oligarquia era
marcada pelo tom violento dos debates nos jornais. Segundo a imprensa
oposicionista, em 1911 o governo enfrentava grande resistência popular. Insultada e
odiada, a oligarquia lançou candidato próprio à sucessão do executivo: Domingos
Carneiro.
O Unitário traz um artigo intitulado Um Candidato Ridículo, no qual comenta:
O escândalo da semana foi divulgar-se, com algum ou nenhum
fundamento, que o sr. Accioly tinha apanhado o nome do sr.
desembargador José Domingues Carneiro para, ainda uma vez, mascarar
as suas trapaças de manter nos cargos os seus parentes, fazendo as
synalephas que as leis de incompatibilidade o obrigão(...)
O povo que já estava exasperado com a publicação da chapa, ficou
furioso quando dias depois, o Sr. Domingues Carneiro veio pela imprensa
agradecer ao partido a confiança com que o distinguira, e dizer que
446
PORTO, Eymard. Babaquara, Chefetes e Cabroeira. Op.Cit. p.84.
447
Id.Ibidem.
208
continuaria a política de seu venerando amigo Dr. Antonio Pinto Nogueira
Accioly.
Isto era sabido, mas o povo achava que dizer em blico era um acinte,
um menosprezo à sua soberania.
Começou então o movimento, inteiramente popular, contra as candidaturas
lançadas pela convenção.
448
O movimento, que começara na imprensa, chegou às ruas. A eleição para a
escolha do novo presidente se aproximava e os conchavos políticos se
intensificavam. Nas palavras do Unitario, “o côrvo que chefiando o seu bando,
preside a carniça a que está reduzido o Ceará inteiro no que respeita à sua moral,
às leis e ao direito de propriedade”, começava a mostrar preocupação. A Accioly
interessava manter a oposição longe das urnas. No entanto, o próprio presidente da
República, Hermes da Fonseca, exigia um procedimento mais honesto na
qualificação dos eleitores, pressionado pelos mais de quatrocentos oposicionistas
que desejavam incluir-se no alistamento eleitoral e participar do pleito em
questão.
449
Com boletins, panfletos e meetings a oposição reage às manobras políticas
de Accioly. Passeatas foram organizadas, crianças, mulheres e muitas associações
foram às ruas para combater a oligarquia. Na imprensa, Accioly é acusado de
apodrecido, desgovernado e despudorado. Segundo o Unitário, Accioly, o “sátrapa
cearense”, é um perseguidor desprezível, que comanda um grupo imoral, afundado
na bandalheira. A cada novo panfleto ou artigo de jornal o discurso ficava mais
violento.
450
Otacílio de Azevedo descreve as passeatas organizadas na cidade para
combater o governo de Accioly:
Era uma avalancha de homens, mulheres e até crianças (os nossos
Gravoches...) que avançaram numa onda compacta, derrubando tudo à
sua passagem, avançando sempre para a frente, não importando os
obstáculos. Vi um sujeito arrancar, sozinho, um combustor de luz
carbônica da Praça do Ferreira!
448
Jornal Unitario, Fortaleza, Um Candidato Ridículo (Unitario), 19/12/1911, nº 1212, p.1.
449
Jornal Unitario, Fortaleza, Chama-lhe... Antes que Ella te Chama (Unitario), 09/02/1911, 1082,
p.1.
450
Jornal Unitario. Fortaleza, Eleição Senatorial, 23/02/1911, nº 1088, p.1.
209
Com uma lata de tinta preta e um largo pincel, era o meu trabalho escrever
nos muros frases assim: “Franco Rabello ou Morte” Abaixo o
Babaquara!.
451
A oposição congregava instituições como a Associação Comercial, que
esteve por muito tempo sob o jugo oligárquico enquanto foi seu presidente Thomás
Pompeu, cunhado de Accioly. Em 1905 ele deixa o cargo e a instituição passa a ter
maior autonomia. A Fênix Caixeiral, entidade dos auxiliares do comércio de
Fortaleza, o Centro Artístico Cearense e seus sócios, pintores, pedreiros e
carpinteiros, o Centro Tipográfico Cearense, que reunia tipógrafos de rios
estabelecimentos, a Classe Estudantil reunindo alunos da Faculdade Livre de Direito
e Liceu do Ceará e as Ligas Populares, reunião de pessoas com interesses comuns,
tiveram atuação marcante nas fileiras oposicionistas, com destaque para a Liga
Feminina Pró-Ceará Livre e a Liga Infantil.
452
Mulheres e crianças tiveram participação no movimento de oposição a
Accioly. Organizavam passeatas, meetings, assinavam panfletos, conclamavam a
população a dar sua contribuição, ainda que muitas vezes sua participação
estivesse reservada à calçada de suas casas.
Nesse Boletim, a Liga Infantil convida as crianças a uma passeata em apoio a
Franco Rabello.
A heróica petizada cearense, a Liga Infantil Pro-Rabello convida mais uma
vez para a passeata que sahirá hoje ás 4 horas da tarde da Avenida
Franco Rabello, ex-Babaquara. Para a mesma passeata intercedemos o
concurso das nossas jovens patrícias, que naturalmente nos
acompanharão nesta prova de patriotismo.
Desta vez nada que temer, pois não existe mais o assassino de
crianças.
Convidamos também todas as ligas propagandistas da candidatura Franco
Rabello.
Viva a Liga Infantil Pro-Rabello.
Viva o Ceará Livre!
Viva o bello sexo!
Viva o Cel. Rabello.
453
451
AZEVEDO, Otacílio de. Fortaleza Descalça. 2.ed. Fortaleza: UFC/Casa José de Alencar, 1992,
p.76.
452
SOMBRA, Waldy. A Guerra dos Panfletos...Op. Cit. p. 80.
453
Panfletos, Boletins e Pasquins: semtulo, Rolos nº 39 e 44. Disponíveis no setor de
Microfilmagem da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Departamento de Patrimônio
Cultural, Fortaleza, Ceará.
210
Com a movimentação que tomara conta da cidade, Rodolpho Theóphilo
afirma que seu aspecto era “desolador”. Todos os dias novas associações eram
fundadas, a fim de propagandear o nome de Franco Rabello para o governo do
estado. Theóphilo comenta o notável entusiasmo e a participação das mulheres na
campanha. A elas se deviam muitos dos anúncios, convites e organização de
passeatas e desfiles, utilizando boletins e panfletos.
454
A Liga Feminina Libertadora foi responsável por uma das maiores passeatas
na capital em homenagem a Franco Rabello. Ocorrido no dia 14 de janeiro de 1911,
o evento foi seguido de estandartes, bandeiras, acompanhado por cerca de duas mil
mulheres vestidas de branco, conduzindo um altar rodeado de flores com o retrato
de Rabello. Logo atrás, avolumou-se uma multidão estimada em dez mil pessoas,
todas com a divisa de Franco Rabello no peito.
455
Os ânimos se exaltam. A próxima passeata a fazer história na luta contra a
oligarquia e a favor de Franco Rabello foi a da Liga Infantil. As crianças vestiram
branco, com laços de fita nas cores verde e amarela, e uma medalha no peito com a
foto de Franco Rabello. A multidão, estimada em mais de oito mil pessoas, contou
600 crianças aproximadamente. Era domingo, 21 de janeiro de 1912. A polícia
investiu contra as crianças, que resultou na morte de muitas delas. Algumas na
presença de suas mães.
A indignação foi geral. Na cidade reinava a apreensão e a tristeza. A
população amotinou-se, populares armados atacaram familiares de Nogueira
Accioly, destruíram praças, queimaram bondes, armaram barricadas e cercaram o
palácio do governo. A panfletagem continuava em curso, combatendo o presidente
Accioly violentamente, enquanto Franco Rabello era anunciado “salvador” do Ceará.
Marcos Franco Rabello, nesse momento, radicado no Rio de Janeiro, era
professor da Escola Militar daquela cidade e mantinha com o Ceará uma ligação
política por ser genro de Clarindo de Queiroz, deposto com o fim do governo
deodorista, num golpe que favoreceu Nogueira Accioly. Assim, o seu nome
interessava aos grupos de oposição à oligarquia.
454
THEÓPHILO, Rodolpho. Libertação do Ceará. Op.Cit. p.102.
455
THEÓPHILO, Rodolpho. Libertação do Ceará. Op.Cit. p.104.
211
Um fato político que colaborou para o enfraquecimento de Accioly foi a
chegada de Hermes da Fonseca à presidência da República. Inicia-se o período das
“salvações” militares, cujo objetivo seria a defesa da democracia. Apoiado pelo
ministro da guerra, Dantas Barreto e pelas minorias estaduais alijadas do poder,
Hermes da Fonseca estende as “salvações” por todo Norte e Nordeste. A estratégia
era a retirada dos grupos que haviam se cristalizado no poder, a exemplo de
Accioly.
456
A população de Fortaleza em campanha a favor de Franco Rabello se alterna
entre passeatas e meetings.
457
Para Theóphilo, a sua candidatura tornou-se em
curto tempo a grande aspiração do povo, adotando como divisa as cores nacionais.
Segundo o autor, era “um delírio, uma doença”.
458
No dia 28 de dezembro de 1911, uma das manifestações organizadas pelos
oposicionistas teve lugar na Praça do Ferreira. Dissolvida a patas de cavalo pela
polícia, causou enorme protesto, levando a Associação Comercial a decretar o
fechamento do comércio e pedir apoio ao presidente da República na resolução dos
problemas políticos que afligiam o estado.
Em 30 de dezembro, o Unitario noticia:
O jornal do sr. Accioly vociferando ante-ontem contra a “Associação
Commercial”, nominadamente o seu presidente, brasileiro protestante
Barão de Camocim.
A digna corporação de commerciantes nacionais fez sentir, com intuitos
patrióticos, ao illustre Marechal Hermes da Fonseca que era de mister
proteger o commercio da terra com soldados propriamente seos, visto
como periclitava o movimento mercantil, assim na capital como
principalmente nos diversos municípios do Estado.
A occorrência de sangue havida hontem à noite, justifica as previsões dos
negociantes brasileiros.
459
456
SOUZA, Maria do Carmo Campello. O Processo Político-partidário na Primeira República. In:
MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em Perspectiva. São Paulo: DIFEL, 1971.p. 204.
457
PORTO, Eymard. Babaquara, Chefetes e Cabroeira. Op.Cit. p.87.
458
THEOPHILO, Rodolpho. Libertação do Ceará. Op.Cit. p.87.
459
Jornal Unitario. A “Associação Commercial” (Unitario), 30/12/1911, nº 1216, p.1.
212
Em um outro artigo, o jornal comenta o desfecho da manifestação do dia 28
de dezembro em tom indignado. A folha afirma que a situação da capital era
insustentável.
Hontem, ás 8 horas da noite, achando-se apinhada a Praça do Ferreira de
pessôas de todas as classes, forão estas investidas por um troço
numeroso de cavalharia que atropelava, acutilava e atirava no povo com
revólver Mauser.
As falias recuaram aterrorizadas, os homens, porém, embora as armas
insufficientes, affrontaram a força policial. Esta era dirigida em pessoa pelo
sr. Raymundo Borges, genro do pseudo presidente do Estado (...)
A noite passou-se em tumulto e hoje estão fechados todos os
estabelecimentos da praça, sendo as ruas precorridas por cavalharia
municiada, pela soldadesca fardada com carabinas e disfarçada à paisana
com revólver, faca e cacête.
460
No dia 22 de janeiro a força policial fazia a proteção de Accioly em frente ao
palácio, que se achava sitiado. O objetivo do cerco era impedir o fornecimento de
comida. A cidade dormiu entre trincheiras e tiroteios. A vida da capital estava
paralisada. Pela imprensa, o combate era liderado por João Brígido e Agapito dos
Santos, que teria escapado de ser assassinado muitas vezes.
461
Otacílio de Azevedo
462
escreve que durante “três dias e três noites as balas
sibilaram”. Na iminência de ter seu palácio invadido e morrer pelas mãos dos
revoltosos, Nogueira Accioly renuncia e exila-se com sua família no Rio de Janeiro.
Chega ao fim os dezesseis anos em que a oligarquia acciolina dominou a
política no Ceará. Debaixo de muitas vaias, o destronado chefe rumou em direção
ao paquete que o levaria ao sudeste do país.
Os jornais de oposição, por todo ano de 1911, pediam a morte das
oligarquias. Seu desaparecimento significaria o fim da anarquia que imperava no
Ceará. A queda de Nogueira Accioly, interpretado pelo Jornal do Cea como um
“déspota vil”
463
, dava fim a uma oligarquia que, para seus opositores, há muito
tempo era moribunda.
460
Jornal Unitario. A “Associação Commercial” (Unitario), 30/12/1911, nº 1216, p.1.
461
THEOPHILO, Rodolpho. Libertação do Ceará. Op.Cit.p.142.
462
AZEVEDO, Otacílio de. Fortaleza Descalça. Op.Cit. p. 76.
463
Jornal do Ceará, Fortaleza, Partido de Escravos (Jornal do Ceará). 05/07/1911, nº 1368, p.1.
213
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“... o despudorado oligarcha mandou despejar gemmas do
oiro, pedido por empréstimo ao estrangeiro, sob os balcões da
imprensa e a cada sacco que se afroixava correspondia um
longo editorial pintando de cores róseas a situação do Ceará...
é uma profissão o jornalismo, quando noutros tempos era
apenas um sacerdócio... ninguém absolutamente se atreveria
a depositar-lhe nas mãos uma moeda, porque seria repellida.
Era-lhe de todo vedado receber dinheiro.
Imaginem que, um século adeante, dê á cabeça de alguem
estudar a feição moral do governo do snr. Accioly.
Tomará, por exemplo, o jornal O Paiz. E que irá encontrar?
... ora, deante disso como poderia o historiador guiar-se, se
não houvesse outras fontes consultivas, que o fôra a
imprensa?
... diz o snr. Rui Barbosa A história é a elaboração
espontânea de um elemento impaupável como o ar e ainda
menos compressível o historiador pelo menos ha de atirar o
jornal ao canto como coisa imprestável e irá buscar
informações noutras fontes mais puras, quando esta pudera
ser a mais cristallina...”
Jornal do Ceará, Fortaleza, Imprensa Brasileira, 13/09/1911,
nº 1395.
214
O discurso jornalístico tecido em torno da oligarquia acciolina entre os anos
de 1896 a 1912 é complexo e diferenciado. Os jornais A Republica e Jornal do
Ceará assumem posturas divergentes e na análise de seus discursos são
construídas duas oligarquias distintas. O jornal de situação, A Republica, sinaliza em
direção a uma República forte, bem montada e em busca de desenvolvimento,
enquanto o Unitario e Jornal do Cea descortinam um governo que tem como
característica principal o desvio às leis constitucionais.
O uso que acciolistas e opositores fazem da imprensa aponta para um
discurso-arma. Instrumento de poder, os jornais dão voz a articulistas para desafiar,
insultar, agredir pessoas, governos e partidos. Palco de contendas, foram veículos
de uma cultura preocupada com a busca pela manutenção da palavra impressa,
sinônimo de força e certeza de que as idéias ecoariam na população.
Para perceber em que nuances estavam envolvidas esses discursos, foi
necessário um diálogo com colunas, seções, títulos e a própria materialidade dos
jornais. Ler nas entrelinhas dos textos, dos sonetos, das quadras poéticas, dos
avisos e anúncios. Perceber que em sua feitura, os jornais davam conta de um
discurso, de uma idéia, defendida, em algumas situações, entre violentos adjetivos.
O jornal A Republica, como órgão oficial, apresenta um tom mais sério em
suas defesas e faz uso de uma escrita mais formal. Porém, não se esquivou do
debate virulento, apelando mesmo para agressões pessoais, em especial o uso de
apelidos, para desarticular o debate da oposição. Contudo, as idéias políticas
discutidas na primeira página do jornal assumem a empolação discursiva na defesa
desabrida do governo acciolino.
A argumentação do Jornal do Ceará e Unitario é esfacelada. Não
preocupações com formalidades, recorre aos chistes, caricaturas, permitindo-se, por
vezes, a apropriação de discurso panfletário para viabilizar suas críticas. Taxados de
insanos, caluniadores e agitadores pelos adversários, os jornalistas de oposição
mantiveram tom seco e pesado com os oligarcas.
Os jornais tratam em seus artigos da política vigente. Eleições, secas, roubo
do dinheiro público, benefícios trazidos pelo governo são temas recorrentes nos
periódicos. Em comum a autoproclamação de arautos de uma política que teria
215
como principal objetivo a luta pelo bem público. A imprensa, dessa forma, estaria ao
lado do povo, segundo seus discursos, fossem acciolistas ou oposicionistas.
Estariam tamm ao lado da República, todos lutando pela “solidariedade e
corporisação”
464
do regime republicano. Contudo, tinham no governo oligárquico o
ponto de divergência.
Tema central do jornal A Republica, a política cearense vivia momento
glorioso, na retórica desse jornal. Conduzida pelo chefe Nogueira Accioly, cujo
nome,
(...)tem verdadeiro altar de sympathia e gratidão no peito de cada
cearense; e esse mesmo nome, aureolado pelo sacrifício e santificado pelo
triunpho será de hoje em diante para todos nós uma legenda de gloria e a
estrella refulgente, cujo fulgor diamantino guia através da noite
tempestuosa da Pátria, os destinos da Republica, no seio da pátria
cearense.
465
Governo forte e República conduzida de forma a assegurar o progresso das
terras cearenses, segundo A Republica, foram argumentos que não encontravam
ressonância nos debates do Jornal do Ceará e Unitario. Para a oposição, a
administração de Accioly tinha como baluartes o abuso e a espoliação, prática
aplicada pela polícia até mesmo entre mortos e ausentes.
466
Para os opositores de Accioly,
(...) as desgraças do Ceará, as suas infelicidades partem do predomínio
odiento e nefasto dos Acciolys(...)
Hoje o Ceará é uma vasta arena de atentados contra a moral, a justiça e o
direito.
467
Os discursos apontam duas possibilidades de interpretação para a oligarquia
acciolina. As defesas e ataques encampados pelos jornais fazem desses meios de
464
Jornal Unitario, Fortaleza, Nossos Quatro Annos (Unitario), 08/04/1907, nº 512, p. 1.
465
Jornal A Republica, Fortaleza, Amor a nós mesmos (A Republica), 21/11/1899, nº 265, p.1.
466
Jornal Unitario, Fortaleza, Espólios (Unitario), 15/03/1910, nº 949, p. 1.
467
Jornal do Cea, Fortaleza, O Monopólio do Voto (Jornal do Ceará), 18/12/1905, nº 315, p. 1.
216
comunicação espaços de luta, o que os torna capazes de mostrar, diariamente, o
movimento da história.
Assim, na busca da verdade, o historiador percebe que muitas verdades.
Muitas propostas viabilizadas pelos jornais nos o a possibilidade de conhecer a
história, porém, é preciso tomar cuidado para não somente repetí-las. Interpretar os
discursos faz perceber o movimento histórico.
No entanto, é certo que a experiência humana não pode ser reduzida ao
discurso, isso seria simplificar o complexo quadro das relações sociais. Chegar a
uma certa construção da realidade é constantemente submeter material e hipóteses
ao trabalho de pesquisa. Cada agente está ligado a um campo de ação que, de
certa maneira, tem uma lógica, um hábito específico que direciona as atitudes e as
condutas dos indivíduos diante da realidade social. É nesse sentido que se busca
apreender esses discursos, ainda que limitados pela parcialidade da produção
histórica.
217
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