Download PDF
ads:
Universidade Severino Sombra – USS
Programa de Mestrado em História Social
“Do Discurso Missionário à Prática do Poder Político: uma análise da
atuação do Padre Júlio Maria de Lombaerde na Paróquia do Senhor Bom
Jesus de Manhumirim – 1928 a 1944”
Fabrício Emerick Soares
Vassouras
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Universidade Severino Sombra – USS
Programa de Mestrado em História Social
“Do Discurso Missionário à Prática do Poder Político: uma análise da
atuação do Padre Júlio Maria de Lombaerde na Paróquia do Senhor Bom
Jesus de Manhumirim – 1928 a 1944”
Dissertação apresentada pelo
aluno Fabrício Emerick Soares,
orientando da Professora Doutora
Ana Maria da Silva Moura, como
requisito parcial para a obtenção do
grau de Mestre em História Social.
Vassouras
2009
2
ads:
“Do Discurso Missionário à Prática do Poder Político: uma análise da atuação
do Padre Júlio Maria de Lombaerde na Paróquia do Senhor Bom Jesus de
Manhumirim – 1928 a 1944”
Fabrício Emerick Soares
Dissertação submetida à Universidade Severino Sombra USS, como
requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História Social e
aprovada pela seguinte banca examinadora:
__________________________________________________
Professora Doutora Ana Maria da Silva Moura (USS)
Orientadora
__________________________________________________
Professora Doutora Cláudia Regina Andrade dos Santos (USS)
Examinadora
__________________________________________________
Professor Doutor Marco Morel (UERJ)
Examinador
Vassouras
2009
3
AGRADECIMENTOS
Nesse momento muito especial, gostaria de agradecer a todas as
pessoas que me possibilitaram a conquista desse grande sonho, partilhando
com todas elas um pouco dessa vitória.
Primeiramente, agradeço a Deus por me dar forças e sabedoria para
entender que existe um “tempo para tudo debaixo dos céus”, e perseverança
suficiente para finalizar mais essa jornada.
Agradeço de forma muito especial à minha família, principalmente às
minhas irmãs Jacqueline Emerick Soares e Camila Emerick Soares, às minhas
sobrinhas Isabelle e Isadora e ao meu sobrinho Guilherme, por perdoarem
minhas faltas e ausências durante o período dessa caminhada e também por
sempre me motivarem e estarem comigo me apoiando e me dando forças para
prosseguir.
Também agradeço especialmente às minhas tias Ana da Penha
Emerick, Denise Ângela Emerick, Elizabeth Emerick e à minha prima Ana
Clara, pela preocupação dispensada a mim e pelos inúmeros conselhos
proferidos ao longo da confecção dessa pesquisa.
Todo agradecimento é pouco para expressar a minha estima e o meu
profundo respeito à minha orientadora, Professora Doutora Ana Maria da Silva
Moura, por sua generosidade, alegria e profissionalismo durante a construção
desse trabalho.
Agradeço à Universidade Severino Sombra - USS, através do Programa
de Mestrado em História Social, pela ótima formação que me foi dispensada ao
longo do período que convivi nessa Instituição; principalmente aos docentes
Cláudia Andrade dos Santos e Eduardo Scheidt, que possibilitaram importantes
contribuições na banca de qualificação e a todos os outros docentes que
fizeram parte de minha história nessa casa: Fábio Henrique Lopes, Cláudio
Monteiro, Surama Conde Pinto, José D”Assunção Barros, entre outros.
Muito Obrigado pelas lições acadêmicas e de vida.
Ao meu grande amigo Alessandro da Silva Leite, agradeço de uma
forma muito especial por sua generosidade e paciência, por sempre me
acompanhar, apoiar e muitas vezes, “puxar as minhas orelhas” nos momentos
4
de desânimo e cansaço. Agradeço por você ser mais que um amigo, ser um
grande “irmão”. Muito Obrigado por tudo. Valeu!
Não poderia deixar também de registrar o meu agradecimento a todas
aquelas pessoas, que de alguma forma fizeram e fazem parte da minha história
e que tiveram profunda relação com essa conquista. Primeiramente, às
funcionárias do Jornal O Lutador de Belo Horizonte, da Casa da Cultura de
Manhumirim e à Irmã Sebastiana, da Biblioteca das Irmãs Sacramentinas de
Nossa Senhora, que me possibilitaram o acesso às diversas fontes para a
construção desse trabalho.
Agradeço ao Edmar Avelar de Sena e à Daniela Martins Cunha; tantas
foram as viagens para Belo Horizonte para aliviar o stress, comprar livros, fazer
pesquisas no Jornal O Lutador.
À minha grande amiga Cândida Orlandina Dias Berbert, pelo minucioso
trabalho de revisão do texto e valiosa amizade, seja na escuta nas horas de
desabafo e nas horas de alegria.
Ao Ricardo Ker Elias, agradeço pela ajuda na construção das tabelas e
gráfico apresentados na pesquisa e pelas conversas informais nas nossas idas
para Iúna-ES, que foram de grande importância.
Aos meus amigos docentes, Maria Elvira Mendonça de Oliveira, Paulo
Roberto Vieira Corrêa, Elizete Andrade, Fernanda Beviláqua, Rock Kleyber
Silva Brandão, Flávia Rodrigues, Liege Cardoso Carvalho, Maria das Graças
Aguiar, Adriana Luchini, além dos meus alunos(as) da graduação, que sempre
me incentivaram e estiveram comigo durante esse período; muitas vezes,
simplesmente perguntando: “e aí, como está a sua dissertação?”
Enfim, agradeço aos meus colegas de turma pelas lições preciosas
durante as aulas ocorridas em Caratinga e Vassouras, mas principalmente nas
viagens para Vassouras; foram realmente inesquecíveis. Agradeço também ao
Aloysius Gentil, Nelson e ao Pablo.
5
À minha mãe,
Maria de
Lourdes Emerick
Soares, dedico
essa
dissertação, por
seu imenso
amor, carinho,
simplicidade,
esforço e
exemplo de vida,
dedicado a mim
e a minha
família, durante
sua existência.
6
“Do Discurso Missionário à Prática do Poder Político: uma análise da atuação
do Padre Júlio Maria de Lombaerde na Paróquia do Senhor Bom Jesus de
Manhumirim – 1928 a 1944”
Autor: Fabrício Emerick Soares
Orientadora: Doutora Ana Maria da Silva Moura
RESUMO
O trabalho que apresentamos refere-se à atuação do Padre Júlio Maria de
Lombaerde na Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim e o problema
que investigamos, constituiu-se no entendimento, se a trajetória missionária
daquele pode ser tomada como representativa dos novos interesses assumidos
pela Igreja Católica, no Brasil, naquele dado momento. Quanto aos recortes
espacial e temporal deste trabalho, temos os seguintes: espacialmente, a
região que constituía a Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim e,
temporalmente, os anos de 1928 até 1944, por tratarem-se, respectivamente,
do ano de chegada do Padre lio Maria de Lombaerde, e ano de sua morte,
ou seja, o período de sua trajetória em Manhumirim. Por outro lado, nosso
objeto insere-se num contexto histórico mais amplo dos anos da República na
Era Vargas (1930 -1945), quando se configurou a existência de um Estado
Republicano e Autoritário, mas que retomou as relações com a Igreja Católica,
estabelecendo um regime de colaboração. O corpo documental, do qual nos
servimos para a realização de nossa empreitada, foi constituído pelo Livro de
Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, no período de 1928
até 1938 e por exemplares dos jornais: O Lutador e Manhumirim, para o
período de 1928 até 1944. Trabalhamos toda essa documentação utilizando-
nos dos seguintes procedimentos metodológicos: documento/monumento e
análise de discurso, apoiando-nos principalmente no referencial teórico-
metodológico legado por Michel Foucault. Em síntese, tal atuação, a nosso
ver, constituiu-se em legítima representação dos novos interesses do
catolicismo no Brasil expressos no movimento de “Recristianização”, pois era,
ao mesmo tempo, ação missionária de combate ao protestantismo e exercício
de liderança política local.
PALAVRAS-CHAVES: Política, Missionarismo, Recristianização e Análise de
Discurso.
7
“Do Discurso Missionário à Prática do Poder Político: uma análise da atuação
do Padre Júlio Maria de Lombaerde na Paróquia do Senhor Bom Jesus de
Manhumirim – 1928 a 1944”
Autor: Fabrício Emerick Soares
Orientadora: Doutora Ana Maria da Silva Moura
ABSTRACT
This paper that we present, refer to Father Júlio Maria de Lombaerde
performance, in the Senhor Bom Jesus Parish from Manhumirim and the
problem investigated, based on the understanding, if his missionary trajectory
can be used like representative from new interests took over by Catholic
Church, in Brazil in that moment. For that spatial and temporal clipping from this
work we have the follow: spatially, the region that constituted the Senhor Bom
Jesus Parish from Manhumirim and temporally, the years from 1928 to 1944,
that refer to, respectively, from the year of his arrival and the year of his death,
that is, the period of his trajectory in Manhumirim. In another side, our object is
put in a widely historic context from the years of Vargas Republic (1930- 1945),
when configured the existence of a Republican and Authoritarian State,
however retook the relations with the Catholic Church re- establishing in co-
operation system. The documental body, that we refer to realization from this
work, constituted, by Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de
Manhumirim’s book, in the period from 1928 to 1938 and copies from the
newspaper: O Lutador and Manhumirim in the period from 1928 to 1944. We
worked with all these documents based on these followings procedures
methodological: document/ monument and the Discourse Analysis, supported,
mainly in the referential theorist-methodological by Michael Foucault. Due to,
according to us, based on the legal representation from the new interests of the
Catholics in Brazil, expressed in the movements of “ Re- Christianize”, because
it was in the same time, the missionary action of the combat to the
Protestantism and the exercise of the local politicians.
Key words: Politics, Missionarism, Re- Christianize and Discourse Analysis.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................10
1 – Padre Júlio Maria de Lombaerde: seu contexto, seu lugar e sua obra........18
2 – As obras e o discurso missionário: a guerra contra os inimigos................. 53
3 – As Obras do Padre Júlio Maria de Lombaerde: expressões da Cultura
Política...............................................................................................................79
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................103
FONTES..........................................................................................................105
BIBLIOGRAFIA................................................................................................106
9
INTRODUÇÃO
O trabalho que apresentamos insere-se na Linha de Pesquisa em
História Política: relações de poder e pensamento político do Programa de
Mestrado em História Social da Universidade Severino Sombra e tem com
título: “Do Discurso Missionário à Prática do Poder Político: uma análise da
trajetória do Padre Júlio Maria de Lombaerde na Paróquia do Senhor Bom
Jesus de Manhumirim, de 1928 a 1944”
A presente pesquisa justifica-se, primeiramente, na dimensão pessoal,
que é marcada pelo meu interesse na figura do Padre Júlio Maria de
Lombaerde e sua atuação no município de Manhumirim, pois sendo morador
deste município, desde cedo ouvi falar dessa personagem da nossa história
local, além de sempre ter contemplado a magnitude de suas obras, seja pela
tradição oral, seja na escola e na própria família.
Por outro lado, justifica-se na dimensão social, porquanto busca
oferecer, para a sociedade de Manhumirim, mais informações e conhecimentos
a cerca da história do Padre lio Maria de Lombaerde, porém, numa
perspectiva criteriosa, com novos procedimentos teóricos e metodológicos.
Por fim, esse estudo também pretende ser uma redescoberta da história
de nossa cidade e região, através do Padre Júlio Maria de Lombaerde, pois, se
por um lado suas obras contribuíram para o reconhecimento nacional do
município, por outro foram fatores significativos no seu desenvolvimento, seja
através do assistencialismo social de obras como o Hospital, o Asilo e o
Patronato, seja através de suas obras de caráter intelectual como os Colégios,
Santa Teresinha e Pio XI e o Seminário.
Quanto à relevância acadêmica desse trabalho, além de sua
originalidade, já que se trata de um estudo inédito, está na contribuição, por ele
pretendida, à historiografia brasileira nas interpretações das relações entre a
Igreja Católica e o Estado na República, a partir da análise do movimento de
“Recristianização” empreendido pela Igreja Católica.
Dessa forma, nosso objeto de pesquisa refere-se à atuação do Padre
Júlio Maria de Lombaerde na Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim.
O que mais nos intrigou no início de nossa pesquisa, foi o fato de todos
os discursos produzidos a respeito da personagem estudada e de sua atuação
10
terem sido realizados por seus “filhos espirituais”; nesse caso os religiosos e
pessoas de alguma forma envolvidas com seu projeto, contribuindo, assim,
para sempre mitificar o Padre Júlio Maria de Lombaerde. Não se sabia ou não
se queria reconhecer o discurso produzido por seus adversários e de outras
pessoas que não lhe estavam diretamente ligadas.
Daí também nasceu a abordagem teórica e metodológica desenvolvida
ao longo de nossa pesquisa, isto é: a trajetória missionária do Padre Júlio
Maria de Lombaerde, ao ser tomada como representativa dos interesses
assumidos pela Igreja Católica, no Brasil, naquele contexto específico e ao
desenvolver estratégias políticas para a sua consecução, constrói um
conjunto de práticas discursivas ou não-discursivas que faz alguma coisa
entrar no jogo do verdadeiro e do falso e a constitui como objeto do
pensamento
1
. Esse conjunto de práticas discursivas, por sua vez, é cruzado e
confrontado por outro conjunto, o de seus opositores.
No plano mais amplo, essa abordagem nos permite também, articular o
contexto local ao contexto nacional, tendo como fio condutor às práticas
discursivas, que fundamentadas em semelhanças de interesses, possibilitaram
a aliança entre Estado e Igreja Católica.
Através dessa abordagem, construímos três hipóteses a serem
desenvolvidas ao longo do presente trabalho: a primeira, é que a atuação do
Padre Júlio Maria de Lombaerde à frente da Paróquia do Senhor Bom Jesus de
Manhumirim, reveste-se de uma atuação missionária que é também política,
expressa no combate ao protestantismo, seu principal objetivo missionário.
A segunda é que os instrumentos empregados pelo Padre Júlio Maria de
Lombaerde, tais como Jornal, Hospital, Patronato, Asilo, Colégios e Seminário,
mais que meios de evangelização e de assistencialismo, são instrumentos de
manutenção de tradicionais relações de poder desenvolvidas pela Igreja
Católica, pois reforçam seus laços com a cultura política local de dominação e
clientelismo.
Por fim, na figura do Padre Júlio Maria de Lombaerde, na sua postura e
atuação no movimento de “Recristianização” e no confronto direto com o
1
MUCHAIL apud EWALD. In: MUCHAIL, Salma Tannus. Foucault, simplesmente. Textos
Reunidos. São Paulo: Edições Loyola, 2004, p. 19.
11
protestantismo, podemos vislumbrar uma prática política/cultural de tradição
milenar católica exemplar, tanto a nível regional quanto nacional.
Em síntese, tal atuação, a nosso ver, constituiu-se legítima
representação dos interesses do catolicismo no Brasil, pois era ao mesmo
tempo, ação missionária de combate ao protestantismo e exercício de liderança
política local.
Em relação aos objetivos desenvolvidos ao longo de nossos capítulos,
intentamos analisar as relações entre Estado e Igreja Católica a partir do
movimento de “Recristianização”, empreendido pela Igreja Católica no contexto
da República na Era Vargas.
Nesse primeiro objetivo apresentamos a nossa problematização: a
contradição entre a modernização do Estado e a manutenção das tradicionais
alianças locais nas quais o poder da cultura católica ainda é peça fundamental.
Ainda nesse momento, nossa pesquisa atenderá tanto a análise crítica do
contexto quanto à necessária ênfase que apontará para alguns aspectos
comprobatórios de nossas hipóteses.
Nosso segundo objetivo, ao reconstruir a trajetória missionária do Padre
Júlio Maria de Lombaerde, é tomá-la como base de comprovação de nossa
segunda hipótese e finalmente identificar, na figura do Padre Júlio Maria de
Lombaerde, um aglutinador e dispersor de interesses e conflitos sustentando
nossa terceira hipótese.
Torna-se necessário considerar que o recorte temporal do trabalho, os
anos de 1928 até 1944, respectivamente o ano de chegada do Padre lio
Maria de Lombaerde e de sua morte, ou seja, o período de sua trajetória em
Manhumirim, localiza-se por um lado, ainda que parcialmente, no período
conhecido como Primeira República e por outro, no contexto histórico mais
amplo dos anos da república na chamada Era Vargas (1930-1945), quando se
configurou a existência de um Estado Republicano, porém autoritário, mas que
retomou as relações com a Igreja Católica num regime de colaboração mútua.
Nossa temporalidade apresenta contextos diferentes para a história da
República no Brasil, relevantes para compreendermos a atuação do Padre
Júlio Maria de Lombaerde, pois todo o período da Primeira República (1889-
1930) foi marcado por uma tentativa muito grande, por parte da Igreja Católica,
12
de recuperar o seu lugar no Estado Brasileiro, uma vez perdido o “status” oficial
de religião do Brasil com a Proclamação da República.
Para maior compreensão, nesse período das novas relações assumidas
entre Igreja Católica e Estado no Brasil, é importante mencionarmos o
pontificado de Pio XI (1922-1939), o qual forneceu as novas diretrizes dessa
Instituição no mundo. Este, propôs um audacioso programa para tornar a Igreja
Católica uma presença ativa em uma sociedade cada vez mais laicizada. Sua
proposta considera que poderia haver progresso para o mundo mediante
uma efetiva “Recristianização” da sociedade a ser marcada por uma
“Militância” e por uma ”Restauração Católica”.
No contexto de reaproximação entre Igreja Católica e o Estado no Brasil,
iniciado em 1922, como decorrência das novas diretrizes do Vaticano, as
atuações eclesiásticas podem ser percebidas. Diretrizes de “Recatolização” ou
“Recristianização” com atitudes de “Militância” e “Combatividade” se
desdobravam em missões e posturas políticas.
Para a empreitada acima descrita, nos servimos de um corpo
documental do qual nosso primeiro passo foi o de selecionar as informações
básicas nele contidas e, logo em seguida, proceder a uma análise criteriosa
dos mesmos, revelando assim os enunciados que nos possibilitaram
compreender nosso objeto de pesquisa, bem como comprovar as nossas
hipóteses iniciais.
Esse corpus é constituído principalmente pelo Livro de Tombo da
Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim para o período de 1912 a
1938. Trata-se de fonte primária, manuscrita, pertencente ao acervo do
escritório paroquial, pouco explorada, cuja pertinência para a realização de
nossa pesquisa está no fato de narrar, senão todos, os principais
acontecimentos e ações tomadas pelo pároco durante o ano, a saber: atuação
frente ao avanço do protestantismo e da Maçonaria; a fundação de Irmandades
e desenvolvimento da Religião Católica; registros de construção de suas obras
assistenciais como o Colégio Santa Teresinha, Ginásio Pio XI, Seminário
Apostólico e Hospital São Vicente de Paulo; embates com o então prefeito Dr.
Alfredo Lima; contatos e articulações com Bispos da região e políticos locais,
além de impressões sobre a cidade de Manhumirim, sua cultura e população.
13
Também utilizamos o Jornal O Lutador”, fundado pelo próprio Padre
Júlio Maria de Lombaerde, na cidade de Manhumirim, em 25 de novembro de
1928, e principal veículo de divulgação de seu pensamento. Utilizado no
combate ao protestantismo e à maçonaria nas disputas políticas com os líderes
locais, além de ser um instrumento de catequização católica. Os exemplares
encontram-se em acervo particular, na cidade de Belo Horizonte/MG.
É importante mencionarmos que o referido jornal, na data de vinte e
cinco de março de 1934, contava com uma tiragem de 5.000 mil exemplares e
atualmente encontra-se em pleno funcionamento. Desse material selecionamos
e procedemos à análise dos títulos redigidos pelo Padre Júlio Maria de
Lombaerde para o período de 1928 até 1944; vale destacar que a seleção do
referido jornal foi realizada criteriosamente, tendo em vista a pequena
quantidade de jornais disponibilizados além de grandes dificuldades de acesso
e permanência no acervo onde se encontrava tal documentação.
A essas fontes contrapomos outra originada fora da esfera do
catolicismo, pois foi produzida por pessoas que não estavam diretamente
ligadas ao projeto do Padre Júlio Maria de Lombaerde; trata-se do jornal
Manhumirim”, cujo o primeiro número saiu em 11 de janeiro de 1925 e o último
no dia 04 de maio de 1947, de número 926. O respectivo jornal, desde o início,
prestava-se ao serviço do Partido Republicano Mineiro e dos interesses do
município, daí a pertinência do mesmo, pois no período de 1928 até 1944 foi
porta-voz das idéias contrárias ao Padre lio Maria de Lombaerde, seja, por
meio dos protestantes, seja por meio dos membros da maçonaria e dos líderes
políticos locais. Os jornais encontram-se no acervo da Casa de Cultura do
município de Manhumirim.
Trabalhamos toda essa documentação utilizando-nos dos seguintes
procedimentos metodológicos: documento/monumento e análise de discurso,
apoiando-nos principalmente no referencial teórico-metodológico legado por
Michel Foucault.
No tocante ao documento/monumento, utilizar-nos-emos de nossa
documentação de maneira a não nos importarmos mais em reconhecê-la,
enquanto detentora da verdade, ou um registro fiel do passado, ou em nos
preocuparmos com uma ordem linear de acontecimentos, da qual o historiador
deve arrancar a História tal como ela aconteceu, mas como resultado de várias
14
construções de uma época e também do historiador, sobre o qual cabe a crítica
histórica, pois,
... Digamos para resumir, que a história, em sua forma tradicional, se
dispunha a “memorizar” os monumentos do passado, transformá-los
em documentos e fazer falarem estes rastros que, por si mesmos,
raramente são verbais, ou que dizem em silêncio coisa diversa do
que dizem; em nossos dias, a história é o que transforma os
documentos em monumentos e que desdobra, onde se decifravam
rastros deixados pelos homens, onde se tentava reconhecer em
profundidade o que tinham sido, uma massa de elementos que
devem ser isolados, agrupados, tornados pertinentes, inter-
relacionados, organizados em conjuntos...
2
Sendo assim, nos interessaremos pela descontinuidade, uma vez que o
próprio historiador parte do presente para fazer a sua pesquisa que a
História,
“considera como sua tarefa primordial, não mais interpretá-lo, não
mais determinar se diz a verdade nem qual é seu valor expressivo,
mas sim trabalhá-lo no interior e elaborá-lo: ela o organiza, recorta,
distribui, ordena e reparte em níveis, estabelece séries, distingue o
que é pertinente do que não é, identifica elementos, define unidades,
descreve relações. O documento, pois, não é mais, para a história,
essa matéria inerte através da qual ela tenta reconstituir o que os
homens fizeram ou disseram, o que é passado e o que deixa apenas
rastros”
3
Logo, os discursos expressos na documentação não é aqui pensado
como signo, elemento significante que remeteria a conteúdos ou a
representações, como fosse “expressão do real”
4
. Tais análises discursivas, no
entendimento e problematização da mesma, uma vez que o nosso objeto de
estudo constitui-se através de formações discursivas, devem ser tomadas
como fatos, como reais e produtoras de realidade, sendo necessário entender
2
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 08.
3
_____. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 07.
4
LOPES apud RAGO. In: LOPES, Fábio Henrique. Suicídio: teia discursiva e relações de poder
na imprensa campineira, final do século XIX. São Paulo: UNICAMP/CMU, 2006, p. 16.
15
as “condições de possibilidades” em que foram produzidos e a quais bases
institucionais estavam ligados. Isso implica que, atentando que nenhum
discurso é neutro, sempre existem sistemas de exclusão, controle e delimitação
e que todo o discurso é um acontecimento, pois
... em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo,
selecionada, organizada e redistribuída por certo número de
procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos,
dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível
materialidade”
5
Por fim, quanto à estrutura capitular, optamos pela organização de
nosso trabalho em três capítulos. O primeiro capítulo tem com título: Padre
Júlio Maria de Lombaerde: seu contexto, seu lugar e sua obra.
No referido capítulo, em um primeiro momento, apresentamos os
conceitos, bem como suas principais características que nortearam nossa
pesquisa como o conceito de “Recristianização”, “Militância”, “Combatividade” e
“Neocristandade”; logo em seguida, apresentamos um breve histórico das
relações estabelecidas entre a Igreja Católica e o Estado no Brasil, no período
entre 1889 a 1945, dando um destaque central a Era Vargas, pois nosso
objeto de estudo circunscreve-se à essa temporalidade.
Uma vez já apresentados os conceitos, bem como o contexto histórico a
nível macro, iniciamos uma primeira abordagem do nosso objeto de pesquisa a
partir da construção de uma região de atuação do Padre Júlio Maria de
Lombaerde, que é o município de Manhumirim, fornecendo importantes
informações acerca do referido município e de que maneira iniciou-se a luta
política-religiosa a partir da chegada do referido padre em 1928, além de
também caracterizar os grupos que lhe faziam oposição, como a Maçonaria, os
Políticos Locais e os Protestantes.
A partir do segundo capítulo, que tem como título: As obras e o discurso
missionário: a guerra contra os inimigos, e ao longo do nosso terceiro capítulo:
As obras do Padre Júlio Maria de Lombaerde: expressões da Cultura Política,
5
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collége de France, pronunciada
em 2 de Dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2006, pp. 08-09.
16
objetivamos confirmar nossas hipóteses de trabalho utilizando-as no
desenvolvimento dos mesmos, uma vez que todas estão profundamente
ligadas como facetas de uma mesma questão: em que medida a atuação do
Padre Júlio Maria de Lombaerde pode ser considerada exemplar de sintonia a
uma macro historicidade que envolve Igreja Católica e Estado, assim como
reveladora de tradicionais práticas e de expressões discursivas do
missionarismo católico retomadas pelo movimento de “Recristianização”.
Capítulo 1
17
Padre Júlio Maria de Lombaerde: seu contexto, seu lugar e sua obra.
Para uma maior compreensão de nosso objeto de estudo, que é a
atuação política do Padre Júlio Maria de Lombaerde entre os anos de 1928 a
1944, é de fundamental importância apontarmos algumas reflexões sobre as
relações entre o Estado e a Igreja Católica, principalmente a partir da
Proclamação da República e as novas diretrizes assumidas pela Igreja,
marcadas pelos ideais da “Recristianização”, “Recatolização” ou
“Romanização”. Princípios esses baseados num caráter de profunda
“Militância” e “Combatividade”.
Ao longo de nossa pesquisa nos deparamos com uma variedade muito
grande de terminologias para identificar os novos ideais assumidos pela Igreja
Católica, a partir de 1922.
De todas elas optamos utilizar e analisar o termo “Recristianização” por
nos fornecer um maior e mais bem elaborado conjunto de enunciados, que nos
possibilitaram o entendimento de nosso objeto de pesquisa. Constituindo-se o
referido conceito, enquanto novo ideal que foi assumido pela Igreja Católica,
não no Brasil, mas no mundo, que apregoava a luta contra a laicidade do
Estado e contra os possíveis “inimigos da católica”. Isso seria possível
mediante a um audacioso programa que objetivou a recuperação dos espaços
políticos e sociais, perdidos pela Igreja Católica, no caso do Brasil, com a
Proclamação da República em 1889.
Todo esse processo seguia as diretrizes romanas, principalmente a
partir do pontificado de Pio XI
6
(1922-1939), sendo,
6
Em princípios de 1922, é eleito um novo papa, que adotou o nome de Pio XI (1922-1939),
propondo um audacioso programa para tornar a Igreja presença ativa em uma sociedade cada
vez mais laicizada. Na visão desse pontífice, haveria paz e prosperidade para o mundo
mediante uma efetiva recristianização da sociedade, tarefa considerada primordial para o
catolicismo de seus dias. A sonhada “nova ordem social” dependia, assim, de uma volta
decisiva a Cristo, Rei do Universo. Pio XI promove uma ampla militância dos católicos para
combater o laicismo social e defender os inalienáveis direitos de Cristo-Rei. Todos os fiéis,
afirma o Papa na sua Encíclica “Quas Primas” sobre o Cristo-Rei (11-12-1925), devem,
compenetrar-se de que “é obrigação sua combater com valentia e sem tréguas sob os
estandartes de Cristo-Rei”. (MATOS, Henrique Cristiano José. Nossa História: 500 anos da
Igreja Católica no Brasil. Tomo III: Período Republicano e Atualidade. São Paulo: Paulinas,
2003, p. 56)
18
... a data simbólica dessa orientação “recristianizadora” a nível
internacional, é a implementação litúrgica da festa de Cristo Rei, no
Ano Santo de 1925. Os termos com os quais o Papa justifica a nova
festa são muito sintomáticos para captar a mentalidade católica
naquele momento histórico: “Para nós também soou a hora de
provermos às necessidades dos tempos presentes e de opormos um
remédio eficaz à peste que corrói a sociedade humana. Fazemo-lo,
prescrevendo ao universo católico o culto de Cristo-Rei. Peste de
nossos tempos é o chamado “laicismo”, com seus erros e atentados
criminosos. Como bem sabeis, veneráveis irmãos, não é num dia
que esta praga chegou à sua plena maturação (...) Certos estados
(...) julgaram poder dispensar-se do próprio Deus e fizeram consistir
sua religião na irreligião e no esquecimento consciente e voluntário
de Deus”
7
.
Também, sobre o conceito de “Recristianização”, é válida a contribuição
do historiador Henrique Cristiano José de Matos:
... Trata-se, portanto, de um movimento amplo que atinge toda a
Igreja, de modo particular na Europa, de onde o Brasil receberá
muitos modelos concretos para executar as diretrizes de Roma...
8
... o processo de Recristianização do Brasil, conduzido com denodo
e perseverança pela hierarquia, coadjuvado por um dedicado grupo
de leigos, possui uma característica comum apesar da variedade
de formas que assume no decorrer das quatro primeiras décadas da
nossa vida republicana – a combatividade...
9
Dessa forma, o movimento de “Recristianização” apresentou formas
variadas ao longo das quatro primeiras décadas da República no Brasil,
destacando-se o surgimento de um catolicismo combativo e uma profunda
militância por parte de todos os católicos.
7
MATOS, Henrique Cristiano José. Um estudo histórico sobre o catolicismo militante em
Minas, entre 1922 e 1936. Belo Horizonte: O Lutador, 1990, p.21.
8
_____. Um estudo histórico sobre o catolicismo militante em Minas, entre 1922 e 1936. Belo
Horizonte: O Lutador, 1990, p.21.
9
_____. Um estudo histórico sobre o catolicismo militante em Minas, entre 1922 e 1936. Belo
Horizonte: O Lutador, 1990, p.33.
19
Quanto ao catolicismo combativo, os bispos e padres brasileiros
apontavam, sem cessar, a necessidade por parte dos católicos, de saírem de
sua inércia e defenderem sua religião, organizando-se e angariando forças
contra os possíveis “inimigos da fé católica”. Era muito comum o uso de
expressões por parte dos bispos brasileiros como: “a maioria inoperante”,
“letargia católica”, “medíocres” e tantas outras para denunciar o tipo de fiéis de
que a Igreja Católica não precisava naquele momento de profunda luta.
no que se dizia respeito à Militância, essa assume concretamente
algumas condições básicas, a saber: um caráter de profunda e incondicional
submissão à autoridade eclesiástica num sentido hierárquico: obedecer
primeiramente ao papa, e em seguida aos bispos e aos padres; a
necessidade de se formar uma “elite católica”, leigos bem formados e
instruídos na doutrina católica que estivessem a altura de se posicionarem a
favor da religião que confessavam, pois: um catolicismo forte, unido,
“másculo” e sobretudo, combativo, poderá devolver o Brasil “apóstata” ao seu
verdadeiro dono: Cristo.
10
Ao nível nacional, o grande articulador e idealizador do ideário
Recristianizador foi D. Leme
11
(1882-1942),
... que seguia paulatinamente as diretrizes de Pio XI. em 1918,
discursava: Nossas trincheiras católicas estão sendo invadidas pelo
inimigo. Espiritismo, protestantismo, livre-pensamento, ódios
sectários, anarquismo, o respeito humano, a descrença, enfim, e o
indiferentismo religioso penetram em nossos arraiais. Alerta
soldados de Cristo. Mas... os soldados são poucos, os soldados
10
MATOS, Henrique Cristiano José. Um estudo histórico sobre o catolicismo militante em
Minas, entre 1922 e 1936. Belo Horizonte: O Lutador, 1990, p.39.
11
Sebastião Leme da Silveira Cintra nasceu em 1882, em Espírito Santo do Pinhal (SP), de
família modesta com sólida formação cristã. Entrou no seminário de São Paulo em 1894 e
prosseguiu seus estudos filosóficos e teológicos em Roma. Foi ordenado sacerdote em 1904. A
partir de 1905, dedicou-se a atividades pastorais na capital paulista. Em 1911, foi nomeado
bispo auxiliar no Rio de Janeiro e transferido cinco anos depois para de Olinda, como
arcebispo (1916). Volta ao Rio em 1921, então na qualidade de arcebispo-coadjutor de velho
cardeal Arcoverde a quem efetivamente sucedeu em 1930. Morre em 1942. Dom Leme, como
ficou conhecido na história, tornou-se grande líder do Episcopado Nacional, papel
anteriormente exercido por Dom Macedo Costa. Coube a ele articular as forças católicas nas
décadas de 1920 e 1930. (MATOS, Henrique Cristiano José. Nossa História: 500 anos da
Igreja Católica no Brasil. Tomo III: Período Republicano e Atualidade. São Paulo: Paulinas,
2003, p.45)
20
jazem por terra, sonolentos, feridos de tédio, mortos de torpor... Eis
chegado o momento das associações católicas. Elas que saiam no
meio dos católicos que dormem, que saiam gritando: Camaradas,
que fazeis? Dormis? morreis? Levantai-vos... Jesus Cristo vos
chama. Mortos de pé!”
12
Uma vez já apresentados os conceitos que nortearam nossa pesquisa,
faz-se necessário uma breve apresentação das relações entre o Estado e a
Igreja Católica no Brasil a partir de 1889.
De início, com a Proclamação da República em 15 de novembro de
1889, as relações entre a Igreja Católica e o Estado Brasileiro mostraram-se
instáveis e tensas na medida em que preconizavam, por parte do Estado
Brasileiro, o fim do padroado e a perda do “status” de religião oficial, marcas
na tradição católica e na política do nosso país. Sobre tal aspecto o historiador
Boris Fausto comenta:
Na complexa situação criada com a Proclamação da República, esta
aparece ao episcopado brasileiro ao mesmo tempo como uma
salvação e uma ameaça. Desde o início, os Bispos saudaram a
República como uma libertação para a Igreja do pesado jugo que até
então vinha suportando no Brasil, em decorrência do regime do
padroado: necessidade de placet governamental para a publicação
dos documentos emanados de Roma, cobrança do dízimo pelo
governo, interferência deste em todos os negócios da Igreja, redução
prática do clero ao papel e a situação de um funcionalismo civil
13
.
No entanto, percebemos por parte da Igreja Católica, no tocante a essa
questão, duas perspectivas diferentes: de um lado, a maioria do clero brasileiro
lamentava o seu afastamento da esfera estatal e a perda de privilégios; é o
caso da quase totalidade dos bispos do Brasil, aliados a muitos leigos de
projeção, que viam com desconfiança o regime republicano, além de uma
grande quantidade de católicos conservadores, que tinham um parecer
12
MATOS, Henrique Cristiano José. Nossa História: 500 anos da Igreja Católica no Brasil.
Tomo III: Período Republicano e Atualidade. São Paulo: Paulinas, 2003, p.49.
13
FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira (Período Republicano). Tomo III O
Brasil Republicano. Volume 09 Sociedade e Instituições (1889-1930) edição. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 351.
21
favorável de retorno à monarquia. De outro, figuravam aqueles que viam com
bons olhos tal separação por permitir maior liberdade e conseqüentemente a
ação da Igreja Católica. Exemplifica tal perspectiva a atuação de Júlio César de
Moraes Carneiro (1850-1916), que se tornaria, em 1904, o Padre Júlio Maria, o
primeiro membro dos “Redentoristas” no Brasil, denunciando o saudosismo dos
fiéis e de grande parte do clero brasileiro pela monarquia. Seria, para ele,
necessário que a Igreja Católica assumisse a causa social, pois
... este é o dever que grande parte do clero não compreendeu ainda
no Brasil, onde o regime da liberdade, em vez da pugna valorosa,
que poderia ser travada para dar à Igreja brasileira o lugar que lhe
cabe no nosso movimento social, não vemos infelizmente, senão
uma devoção mórbida, sem virilidade cristã, uma piedade
assustadiça que se espanta de todos os movimentos do século e
foge, covardemente desanimada, de tantos combates, em que os
interesses do catolicismo, para triunfar, dependem apenas de que
desfraldemos, com ardor religioso e intrepidez católica, o estandarte
da nossa fé.
14
O marco legal da separação entre Estado e Igreja Católica é o decreto
de Rui Barbosa de número 119-A, de sete de janeiro de 1890. Sobre esse
decreto e suas conseqüências, o historiador Henrique Cristiano José de Matos
comenta:
...Proclamada a República, em 15 de novembro de 1889, logo aos 7
de janeiro de 1890, o Governo Provisório publicou o Decreto da
separação da Igreja e do Estado. Antes de chegar a publicação
desse revolucionário estatuto, de tão decisiva importância sócio-
política, houve várias tentativas de impedi-lo ou pelo menos,
amenizar suas conseqüências. Os líderes católicos continuavam a
defender em tese o ideal de união entre Igreja e Estado...
15
14
MATOS, Henrique Cristiano José. Nossa História: 500 anos da Igreja Católica no Brasil.
Tomo III: Período Republicano e Atualidade. São Paulo: Paulinas, 2003, p.22.
15
_____. Um estudo histórico sobre o catolicismo militante em Minas, entre 1922 e 1936. Belo
Horizonte: O Lutador, 1990, p.12.
22
Com a queda da monarquia e a Proclamação da República (1889),
inicia-se um processo de afastamento da Igreja da vida pública,
através de uma legislação política e a-religiosa...
16
Num primeiro momento, mais especificamente entre os anos de 1889 até
1922, percebemos por parte da Igreja Católica uma iniciativa, inicialmente
tímida, de recuperar seu prestígio e poder na sociedade brasileira,
argumentando que o catolicismo seria, de fato, a religião oficial da população
brasileira, fruto da longa tradição católica do nosso povo.
Somam-se a esses argumentos a idéia de que somente uma união entre
as forças espirituais e políticas ajudaria no combate aos possíveis princípios
desestabilizadores da pátria. Assim, a Igreja Católica, a partir de 1922,
pretenderia construir progressivamente, culminado o processo na década de
1930, como um fator de estabilização social.
É importante salientarmos que mesmo com a separação oficial entre a
Igreja Católica e o Estado os políticos não deixavam de fazer sua profissão de
católica em variadas ocasiões, inclusive nos palanques eleitorais. Em
contrapartida, a Igreja Católica denunciava os possíveis erros do novo regime
sem, no entanto, se declarar contrária e avessa a ele.
Na verdade, as relações estabelecidas entre Estado e Igreja Católica no
Brasil assumiram nesse primeiro momento (1889-1922) um caráter dicotômico,
como nos apresenta Riolando Azzi:
Em síntese, ao mesmo tempo em que questionam a legitimidade do
Estado Leigo, os prelados procuram também fortalecer o poder do
governo, prontos a colaborar com ele. A preocupação básica do
episcopado nesse período era o fortalecimento da instituição
eclesiástica, a fim de que pudesse reaver quanto antes sua parcela
de poder no aparelho do Estado. De forma alguma os bispos
queriam permitir que seu protesto contra a laicidade do Estado fosse
interpretado como uma postura de oposição ao regime. A Igreja,
pois, desejava manter-se como defensora da ordem social
estabelecida, desejando apenas que esta pudesse ser sacralizada
16
MATOS, Henrique Cristiano José. Um estudo histórico sobre o catolicismo militante em
Minas, entre 1922 e 1936. Belo Horizonte: O Lutador, 1990, p.08.
23
pela autoridade eclesiástica. Por sua vez o governo republicano
procurava mostrar à Igreja que a separação do Estado apenas lhe
traria benefícios, pois lhe conferia a liberdade e autonomia que a
monarquia lhe havia negado
17
.
Podemos perceber, que o regime republicano e as suas novas relações
com a Igreja Católica apresentam-se com grande dubiedade. O laicismo
político confronta-se com uma tradição religiosa plurisecular que inclusive dava
tom à postura pública dos grupos políticos.
Além disso, pela nova Constituição, outras religiões de caráter cristão
teriam um novo espaço de atuação, que o catolicismo perde o monopólio do
credo com a perda de status de religião do Estado.
O processo de laicização da esfera pública, embora lento, começa a
processar-se, como também na própria sociedade, acelerando-se na década
de 1920, pois a sociedade brasileira vivenciou um período de grandes
transformações nas esferas política, cultural, econômica e social, culminando
com um período de grandes inquietações.
Tanto na Europa quanto nos E.U.A., essa década conhecida como “os
anos loucos”, fruto de processos de rupturas políticas e culturais,
desenvolvidas no final da Primeira Guerra Mundial, as quais difundem questões
inquietantes, não somente para os Estados e seus regimes, como também
para o catolicismo.
São representativos dessa afirmativa no Brasil: a realização da Semana
de Arte Moderna acontecida em São Paulo no ano de 1922, reivindicando uma
nova concepção cultural para o nosso país em oposição à cultura em moldes
europeus; a criação do Partido Comunista; além da crescente ascensão de
novas forças sociais, como o operariado urbano, desejosas de mudanças,
entre outros.
Esse clima de instabilidade e inquietação para as forças da tradição,
mostrou-se propício para uma reaproximação entre Igreja Católica e Estado,
como bem nos aponta Riolando Azzi:
17
AZZI, Riolando. Igreja e Estado em Minas Gerais; crítica institucional. In: Síntese Nova Fase
XIV (1986), nº 38. p.38.
24
...A partir da década de 20, a Igreja iniciou uma ofensiva no sentido
de restabelecer seu pacto de aliança com o poder político, visando a
manutenção da ordem social, a fim de fazer frente ao avanço das
idéias reformistas e revolucionárias...
18
Também, sobre a reaproximação entre a Igreja Católica e o Estado no
Brasil, a partir de 1920, é válido destacar:
Nota-se que uma ação de reconciliação, entre o Estado e a Igreja
Católica toma corpo e também atingirá o Brasil, pois privada de
sustentáculo e de reforços, a facção mais radical do clero se
restringe pouco a pouco, até que as décadas de 20 e 30 lhe venham
trazer um socorro externo e um estímulo, graças a expansão das
ideologias conservadoras e integralistas na Europa. Na maioria do
clero e no conjunto da Igreja Católica do Brasil, nota-se uma
progressiva aproximação em relação ao regime e á sua ideologia
liberal. Bem logo, o restituídas á hierarquia as marcas exteriores
de prestígio e respeito, e mesmo acrescidas. Evidentemente,
também é necessário levar em consideração o peso e a sombra
do Vaticano sobre o comportamento da hierarquia: casamento civil,
secularização dos cemitérios não constituía em 1922 como em 1890,
aos olhos de Roma, questões de maior importância, nem mesmo o
regime de separação que se generalizava como instituição
irreversivelmente. O fato, porém, é que o estilo de relacionamento
com o mesmo regime republicano se transformara. Essa
transformação, somada a uma formação seminarística montada
segundo os padrões romanos, tem evidentemente conseqüências na
vida e na mentalidade do clero
19
.
É Indicativo dessas novas relações, a tentativa de aproximação de
Arthur Bernardes, que estava na presidência da República no período de 1922
a 1926, com a Igreja Católica. Em visita do presidente ao líder hierárquico da
18
AZZI, Riolando. Igreja e Estado em Minas Gerais; crítica institucional. In: Síntese Nova Fase
XIV (1986), nº 38. p.39.
19
FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira (Período Republicano). Tomo III O
Brasil Republicano. Volume 09 Sociedade e Instituições (1889-1930) edição. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 355.
25
Igreja Católica no Brasil, o Cardeal Arcoverde, em 4 de maio de 1924, o
presidente deixa claro, publicamente, os seus interesses,
... fala de Arthur Bernardes: a importância da colaboração constante
das nossas autoridades eclesiásticas com o governo do país,
auxiliando a manutenção da ordem e promovendo o progresso
nacional...
20
Depois de fortalecer sua estrutura interna ao longo dos primeiros
trinta anos de vida republicana, A Igreja oficial começa então a
reivindicar um lugar privilegiado na sociedade civil, a fim de restaurar
nela o “Estado Cristão”. De uma posição defensiva, passa para uma
política ofensiva, alegando que a instabilidade do país era a
conseqüência lógica do abandono público dosprincípios éticos” dos
quais a Igreja se fazia portadora e guardiã. Sendo a instituição
eclesiástica parceira na reconstrução da nação em de igualdade
com o poder civil.
21
É de fundamental importância também mencionarmos o pontificado de
Pio XI (1922-1939), que forneceu as novas diretrizes da Igreja Católica no
mundo, objetivando tornar ativa a presença dessa Instituição e combater uma
sociedade cada vez mais laicizada. O episcopado brasileiro, por sua vez,
acolhe e implementa as novas diretrizes de Roma.
A historiadora Maria Lúcia Montes nos apresenta um panorama desse
momento:
Formalmente ligada enquanto instituição ao Estado até o final do
Império, a Igreja Católica entra no século XX , sob o signo da
Romanização e ao mesmo tempo, da tentativa de recuperação de
seus laços privilegiados com o poder político. Submetida à injunção
de reorganizar-se institucionalmente, promovendo uma nova
centralização do poder eclesiástico segundo os ditames de Roma, e
obrigada a reencontrar para si um novo lugar na sociedade, a Igreja
20
MATOS, Henrique Cristiano José. Nossa História: 500 anos da Igreja Católica no Brasil.
Tomo III: Período Republicano e Atualidade. São Paulo: Paulinas, 2003, p.52.
21
_____. Nossa História: 500 anos da Igreja Católica no Brasil. Tomo III: Período Republicano
e Atualidade. São Paulo: Paulinas, 2003, p.54.
26
desde meados dos anos 20, abandonaria a posição defensiva em
que se encontrava ante o avanço da laicização do Estado e a
ideologia do progresso inspirada no positivismo, para engajar-se,
com um novo espírito triunfante, na implementação da “Restauração
Católica”.
22
É justamente nesse contexto de profunda aceitação e implementação
das novas diretrizes de Roma, que a figura de tantos padres e religiosos
podem ser percebidas e analisadas através da utilização das novas diretrizes
de “Recristianização” com atitudes de “Militância” e “Combatividade”.
A “Recristianização” do Brasil, termo que era muito difundido na
imprensa na década de 1920, caracterizava-se por uma postura mais enérgica
do clero em relação ao avanço da laicidade do Estado brasileiro, bem como
para fazer frente ao avanço “dos inimigos da católica” como o
protestantismo, a maçonaria, o espiritismo, entre outros.
Exigia-se do clero uma atitude militante e, em muitos casos, a
aproximação com governos fortes e autoritários; todos os instrumentos
deveriam ser utilizados nessa empreitada.
O movimento de “Recristianização” no Brasil, assumiu formas variadas,
a saber: a preocupação com a ignorância religiosa, a difusão dos ideais
católicos entre os intelectuais; a atenção especial à população masculina; a
difusão das missões populares; a utilização da boa imprensa católica,
expressão muito utilizada na época para designar a imprensa que defendia e
era representante dos ideais católicos; a preocupação com a educação católica
e o fortalecimento da própria Igreja Católica com criação de novas dioceses,
entre outros.
No que se refere “a ignorância religiosa de nosso povo”, essa era a
maior preocupação pastoral dos bispos brasileiros, daí organizar o
desenvolvimento de um grande movimento de instrução religiosa a partir da
catequese e outras organizações que tinham por finalidade instruir os “fiéis de
tradição” na religiosidade católica. Também, intentou-se resolver o problema da
22
MONTES, Maria Lúcia. As Figuras do Sagrado: entre o público e o privado. In: NOVAIS,
Fernando e SCHWARCZ, Lília Moritz. História da Vida Privada no Brasil: contrastes da
intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 73.
27
pouca participação dos homens na vida da Igreja Católica, sendo organizada a
Liga Católica de Homens. Para as mulheres a Associação Feminina Católica.
Nota-se uma preocupação por parte da Igreja Católica em oferecer uma
atividade para cada componente da estrutura familiar, pai, mãe e filhos,
organizando e dominando a vida social.
Também era necessária uma “Recristianização” dos intelectuais e, para
tanto, pensou-se na “recatolização da intelectualidade”, culminado com a
criação em 1921 da revista “A Ordem”, por Jackson de Figueiredo e alguns
outros. Revista essa que tinha por características: a defesa dos ideais
católicos; a obediência à autoridade católica; constituída por padres e bispos; e
um profundo espírito em defesa da ordem e da justiça. Logo em seguida, no
ano de 1922, foi criado o “Centro Dom Vital”
23
, originado da referida revista.
A imprensa foi uma grande aliada da Igreja Católica durante o processo
de “Recristianização” do Brasil, pois segundo o historiador Henrique Cristiano
José Matos, de fato, no período da “restauração católica no Brasil” a imprensa
ocupa lugar central. É vista como baluarte da defesa das mais sagradas
tradições religiosas, meio de divulgação do catolicismo e poderosa arma contra
os inimigos da Igreja.
24
O objetivo principal da imprensa seria o de defender os ideais católicos,
bem como alertar a todos sobre os possíveis “inimigos da religião”. Muitas
vezes sua atuação era melhor e mais ofensiva que o próprio púlpito. Em
contrapartida, percebemos um respaldo muito grande por parte da hierarquia
católica na implementação e defesa da boa imprensa, enquanto um
instrumento do movimento de Recristianização.
Aos padres caberia o papel de divulgadores dessa imprensa, pedindo
que os fiéis recebessem em casa, diariamente, um jornal católico, além de
23
Trata-se de “uma associação de intelectuais católicos, com o fim de reformar o espírito da
cultura católica”. Sua finalidade última consiste, inequivocadamente, na “recatolização” da
intelectualidade. Ligada ao Centro Dom Vital, surge em 1929, a AUC (Ação Universitária
Católica) com a revista Vida”, cujo nome define o seu objetivo e método de ação: viver
primeiramente com intensidade o cristianismo, na oração e na coerência da fé, para poder levá-
lo aos outros. (MATOS, Henrique Cristiano José. Um estudo histórico sobre o catolicismo
militante em Minas, entre 1922 e 1936. Belo Horizonte: O Lutador, 1990, p.25)
24
MATOS, Henrique Cristiano José. Um estudo histórico sobre o catolicismo militante em
Minas, entre 1922 e 1936. Belo Horizonte: O Lutador, 1990, p.107.
28
boletins informativos sobre temas religiosos. A imprensa também era utilizada
como um espaço de catequização da sociedade.
A educação católica proliferou rapidamente durante a vida republicana,
ministrada principalmente por religiosos e religiosas pertencentes a ordens
provenientes da Europa. Essa tinha como objetivo principal a formação católica
e também fazer frente, como era comum na imprensa da época, aos “nefastos
colégios protestantes”. Aliada aos estudos das disciplinas escolares, havia
toda uma formação católica que tinha por objetivo instruir os novos
componentes da sociedade, reproduzindo tais ensinamentos em meio às
famílias e nas próprias relações sociais.
Percebemos também, que tais educandários serviam de sustentação
econômica para as referidas ordens, uma vez que a Igreja Católica não mais
recebia os benefícios do Estado. Na clientela desses educandários, formados
em sua maioria pela classe média, também haveriam possíveis vocações
religiosas.
Durante o período que vai de 1890 até 1930, chegaram ao Brasil 31
congregações masculinas e 71 femininas. Quanto às congregações religiosas
criadas no nosso país para o mesmo período, são 01 masculina e 22
femininas. Possivelmente a grande parte tinha por objetivo principal o trabalho
em paróquias, hospitais e em educandários. O historiador José Oscar Beozzo,
complementa: também a Igreja, fazendo vir da Europa uma centena e meia de
congregações e ordens religiosas masculinas e femininas, num curto período
de trinta anos, vai se europeizar e romanizar...
25
A grande parte dos padres e religiosos de outros países, que vieram
para o Brasil, estavam imbuídos dessas novas diretrizes e encontraram
respaldo por parte da hierarquia eclesiástica católica para executá-las.
Outro fator que ilustra bem a reorganização da Igreja Católica em face
ao processo de “Recristianização”, no que se refere à organização eclesiástica
do Brasil, é o aumento considerável do número de arquidioceses e dioceses
para o período de tempo entre 1889 a 1930. Tal aumento parece indicativo de
25
BEOZZO, José Oscar. A Igreja entre a Revolução de 1930, o Estado Novo e a
Redemocratização. In: FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira (Período
Republicano). Tomo III O Brasil Republicano. Volume 4 - Economia e Cultura (1930-1964).
edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, p.279.
29
uma grande preocupação por parte da Igreja Católica em desenvolver uma
maior e mais profunda atuação da referida instituição em território brasileiro:
uma ação mais coordenada, eficiente, seguindo um ideário recristianizador,
como nos apontam a quadro e o gráfico abaixo:
Organização Eclesiástica Ano de 1889 Ano de 1930
Arquidioceses 01 16
Dioceses 11 50
Fonte: (PINHEIRO, Paulo Sérgio. et al. História Geral da Civilização Brasileira , tomo III O
Brasil Republicano. Volume 09: Sociedade e Instituições, 1889-1930. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2006:356)
Evolução da Organizão Eclesiástica
Arquidioceses
Arquidioceses
Dioceses
Dioceses
Arquidioceses Dioceses
Fonte: (PINHEIRO, Paulo Sérgio. et al. História Geral da Civilização Brasileira , tomo III O
Brasil Republicano. Volume 09: Sociedade e Instituições, 1889-1930. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2006:356)
Dessa forma, foi traçado pela Igreja Católica o conceito de
“Neocristandade”, objetivando uma aliança entre as duas instituições: Estado e
Igreja Católica. Não em termos de submissão, mas de uma profunda
colaboração entre as partes. Sobre o referido conceito:
30
Por volta de 1920, ressurgiu com força a utopia de “nova
cristandade” a ser conquistada no Brasil. Na opinião dos bispos da
época, a reconciliação da República com a religião tradicional
salvaria o país do eminente perigo de subversão política e
ideológica. Nesse clima foi traçado o ideal da neocristandade,
modelo de aliança, entre a Igreja e o Estado, não mais em termos de
submissão, mas de “cordial colaboração”, juridicamente assegurada.
A argumentação seria lógica: em um país com predominância quase
total de católicos, a Igreja deveria ocupar por direito o espaço social
e político correspondente a seu peso numérico. Além disso, como
representante do poder espiritual, apenas ela poderia fundamentar
os princípios de ordem e autoridade, sem os quais a nação
fatalmente se desintegraria, caindo em um caos social.
26
Esse foi um processo desenvolvido ao longo de décadas, do qual é
exemplar a trajetória do Padre Júlio Maria de Lombaerde, nosso objeto de
estudo, que se sustentando na lógica acima citada, mantinha estreita relação
com a política local, tanto num contexto micro que foi a cidade de Manhumirim,
como num macro contexto, iniciado na década de 1930 e consolidado na
primeira metade da década de 1940: um novo regime político autoritário
promotor de reformas sociais, mas que manteve a diretriz de colaboração entre
a Igreja Católica e Estado, pois
...durante os quinze anos de Vargas, a Igreja Católica reconstituirá
progressivamente o modelo de cristandade, com resultados práticos
imediatos, sobretudo no campo social. O nacionalismo católico havia
buscado explicitamente o reconhecimento do Estado para afirmar-se
como religião “oficial” do povo brasileiro, reivindicando um tratamento
privilegiado. Constatamos de fato, que o prestígio da instituição
eclesiástica na década de 1930 foi conseguido, especialmente por
via autoritária, mediante decretos, leis e acordos explícitos ou tácitos.
Como a consciência que a Igreja tinha de si mesma nesse período
era fundamentalmente hierárquica, era normal que ela buscasse, de
preferência, recursos autoritários como forma de assinalar sua
26
MATOS, Henrique Cristiano José. Nossa História: 500 anos da Igreja Católica no Brasil.
Tomo III: Período Republicano e Atualidade. São Paulo: Paulinas, 2003, pp. 59-60.
31
atuação dentro da vida do país. Os bispos esperavam do poder
constituído o pleno apoio às reivindicações católicas.
27
em novembro de 1937, sob o pretexto da ameaça comunista, Getúlio
Vargas o golpe de estado inaugurando o Estado Novo, implantando uma
longa ditadura (1937-1945). O Brasil recebeu uma nova Constituição de caráter
nacionalista inspirada em modelos autoritários europeus.
Em meio às transformações decorridas com o Estado Novo não houve
ruptura entre Igreja Católica e Estado. Continuava a existir uma grande aliança,
sendo a posição privilegiada do catolicismo uma concessão do governo e não
uma garantia da Constituição. O Estado por sua vez, tirava proveito da Igreja
Católica, para dar sustentação a seu projeto autoritário.
Nessa perspectiva, o projeto político de Getúlio Vargas recebeu
profundo apoio da Igreja Católica, pois Getúlio chegou à Presidência da
República tendo diante de si um quadro complicado, tanto no aspecto
econômico, quanto no político.
28
O historiador Boris Fausto aponta a continuidade de colaboração entre
Estado e Igreja Católica durante o governo de Getúlio Vargas:
...uma importante base de apoio do governo, foi a Igreja Católica. A
colaboração entre Igreja e o Estado não era nova, datando dos anos
20, especialmente a partir da presidência de Arthur Bernardes. Agora
ela se tornava mais estreita. Marco simbólico da colaboração foi a
inauguração da estátua do Cristo Redentor no Corcovado, a 12 de
outubro de 1931 – data do descobrimento da América. Getúlio e todo
o ministério concentravam-se na estreita plataforma da estátua,
pairando sobre o Rio de Janeiro. o Cardeal Leme, consagrou a
nação ao Coração Santíssimo de Jesus, reconhecendo-o para
sempre seu rei e senhor. A Igreja levou a massa da população
católica a apoiar o novo governo. Este, em troca, tomou medidas
importantes em seu favor, destacando-se um decreto de 1931, que
permitia o ensino religioso da religião nas escolas públicas...
29
27
_____. Nossa História: 500 anos da Igreja Católica no Brasil. Tomo III: Período Republicano
e Atualidade. São Paulo: Paulinas, 2003, p.72.
28
FAUSTO. Boris. Perfis Brasileiros: Getúlio Vargas. São Paulo: Companhia das Letras, 2006,
p. 42.
32
Portanto, durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945) a Igreja
Católica manteve o desenvolvimento progressivo do novo modelo de
cristandade. Dessa aliança a Igreja Católica ganhou muitos privilégios, mas
em contrapartida torna-se presa dos favores do Estado como em todas as suas
alianças com Estados autoritários europeus, também nessa época.
Desejosa de retomar às antigas posições de poder na sociedade e impor
seu autoritarismo, a Igreja Católica aliou-se, em sistema de colaboração, a um
governo forte e autoritário ampliando a legitimidade do Estado Getulista. Esse
apoio político, por sua vez, era indispensável para que a Igreja Católica
pudesse desenvolver as metas desejadas para a “Neocristandade”.
É representativa dessa perspectiva, a idéia de que a unidade nacional só
poderia vir da unidade religiosa do país em torno da Igreja Católica. Getúlio
Vargas encontrava no catolicismo um fundamento dessa unidade na tradição e
na história dessa instituição religiosa.
Seguindo essas diretrizes, Riolando Azzi no seu artigo: A Igreja Católica
no Brasil durante o Estado Novo (1937-1945), nos aponta importantes
reflexões:
...ao declarar sua aliança com o poder estabelecido no país, a Igreja
visava primordialmente garantir a continuidade e o fortalecimento da
Restauração Católica, ou seja, uma presença mais expressiva do
Catolicismo Romano na vida e na sociedade brasileira...
30
O importante era colocar em evidência que, com exceção da
católica, as outras denominações religiosas contribuíram apenas
para romper a unidade nacional, corromper o povo e atender a
interesses de grupos estrangeiros..
31
.
... em primeiro lugar, convém assinalar que não houve ruptura de
continuidade nas relações entre Igreja e Governo com a
29
_____. História do Brasil. edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2001, p. 332.
30
AZZI, Riolando. A Igreja Católica no Brasil durante o Estado Novo (1937-1945). In: Síntese
Nova Fase VII (1980), nº 19. p. 61.
31
_____. A Igreja Católica no Brasil durante o Estado Novo (1937-1945). In: Síntese Nova Fase
VII (1980), nº 19. p. 65.
33
proclamação do Estado Novo em 1937. A hierarquia católica, que
havia conseguido uma série de direitos e privilégios mediante a
Constituição de 1934, dispôs-se a continuar a apoiar o regime
ditatorial, caso essas conquistas permanecessem inalteradas. Foi o
que na realidade sucedeu, pois Vargas sabia que o apoio da Igreja
Católica lhe seria muito precioso...
32
Riolando Azzi, no artigo citado anteriormente, também nos aponta que
houve uma “adesão plena” por parte de uma parcela do clero ao Estado Novo e
a liderança de Getúlio Vargas, não existindo por parte da hierarquia
eclesiástica da época, uma contestação quanto às injustiças políticas e contra
os possíveis crimes aos direitos humanos.
Seguindo essa perspectiva, Riolando Azzi comenta: aliás, a tendência
conservadora e autoritária vinha marcando o pensamento da Igreja desde os
anos 20, com a implantação da Restauração Católica. De 1932 a 37, com o
aparecimento do integralismo, muito católicos deram inclusive plena adesão a
esse movimento de caráter direitista.
33
Em suma, a partir da dinâmica e dos interesses nas relações entre
Estado e Igreja Católica no Brasil, nos contextos brevemente indicados, é que
enquadramos a atuação missionária e política do Padre Júlio Maria de
Lombaerde.
Tal atuação, que se constituiu o objeto central de nossos estudos, é
representativa de um macro contexto, mas que, todavia, nos permite articular
aos limites e especificidades locais.
Para tal, precisamos também de alguns dados biográficos que nos
possibilitarão um maior entendimento da personagem estudada e em seguida,
traçaremos um panorama da cidade e região de Manhumirim, espaço central
de sua atuação e influência.
O historiador Henrique Cristiano José Matos, no seu artigo: Padre Júlio
Maria de Lombaerde no contexto histórico, apresenta-nos uma síntese
biográfica relevante:
32
AZZI, Riolando. A Igreja Católica no Brasil durante o Estado Novo (1937-1945). In: Síntese
Nova Fase VII (1980), nº 19. pp. 68-69.
33
_____. A Igreja Católica no Brasil durante o Estado Novo (1937-1945). In: Síntese Nova
Fase VII (1980), nº 19. p. 69.
34
“Ainda jovem, entra na Sociedade dos Missionários da África,
instituto religioso fundado em 1868, pelo Cardeal Charles-Martial
Lavigerie (1825-1892). Faz seu postulado em Boxel (Holanda) em
1894, e em outubro de 1895 parte para a África. No noviciado,
iniciado a primeiro de novembro daquele mesmo ano, recebe o nome
religioso de Irmão Optato Maria. Sua permanência na África durou
seis anos, sempre na qualidade de religioso-leigo, empenhado em
diversos serviços de seu Instituto. Com 19 anos fará sua
consagração definitiva (18/04/1897). É nesses mesmos anos que
amadurece sua vocação missionária e desperta nele o desejo de ser
sacerdote. Ainda como membro da Sociedade dos “Padres Brancos”,
entra em contato com o Padre Jean Baptiste Berthier (1840-1908), o
fundador dos missionários da Sagrada Família (MSF), Congregação
Religiosa fundada em Grave (Holanda) em 1895, com objetivo de
fomentar as vocações (especialmente as assim chamadas “vocações
tardias”) para o apostolado “missionário” da Igreja.
De volta a Europa (1901), inicia seu noviciado na Novel
Congregação Clerical, a 4 de outubro de 1902, seguido pela emissão
dos votos temporários (1903) e votos perpétuos (4/10/1906). Na
festa de Santo Antônio de Pádua (13/06/1908), é ordenado
presbítero.
Seu serviço sacerdotal começou no seminário da sua Congregação
por ele mesmo iniciado, em Wakkem, na Bélgica. No mesmo período
desempenha missões populares na França, revelando-se um
missionário fogoso, bem no estilo da época: um padre “de
relâmpagos e trovões, pela sua ousadia”. Pregava de dia e escrevia
grande parte da noite. Do alto do púlpito combatia energicamente os
vícios, sem acepção de pessoas. Ia até às casas para intimidar os
indiferentes. Não descansava a ter levado ao confessionário o
último dos pecadores. É nesse período que se desenvolve
intensamente seu amor à Eucaristia e a Virgem Maria.
A 23 de dezembro de 1912, parte com quatro co-irmãos de
Congregação ( dois padres e dois irmãos), para as missões no
Brasil, campo aberto ao apostolado dos Missionários da Sagrada
Família desde 1910. Desembarca em Recife no dia 15 de outubro de
1912, seguindo pouco depois para Natal/RN, onde se estabelece
numa casa da Congregação, em São Gonçalo, a uns quinze
quilômetros da capital do Rio Grande do Norte. É que aprende a
língua portuguesa e tem os primeiros conhecimentos dos costumes
da nova terra. Em 1913 encontramo-lo em Macapá, na Prelazia de
35
Santarém, na época Estado do Pará. É nessa região amazônica que
sua congregação iniciou a missão no Brasil. Dedica-se com ardor
incomum a trabalhos apostólicos nas áreas de saúde, educação e
logicamente serviços especificamente religiosos. Tão marcante foi a
sua atuação que o governo do Pará o nomeou “diretor das escolas
reunidas”. Em 1920, foi reconhecido oficialmente como “professor
público” de Macapá.
Após três anos de trabalho em Macapá resolve fundar as Filhas do
Coração Imaculado de Maria (21/11/1916), exatamente para o
amparo e formação católica da juventude feminina, área
completamente abandonada naquelas regiões. Obtém, não sem
dificuldades, a aprovação do prelado de Santarém, Dom Frei
Amando Bahlmann OFM (1908-1939) Dramático foi o afastamento
do Padre Júlio Maria da congregação por ele fundada. O bispo
diocesano exige sua retirada e obriga os Superiores religiosos do
Padre lio a providenciarem sua transferência. De 1926 a 1928
exerce atividades pastorais numa paróquia de Natal, mostrando-se
um sacerdote extremamente zeloso e empreendedor, marcado com
um espírito notadamente apologético e atitudes intransigentes,
quando a verdadeira fé corre perigo.
34
(Grifos Nossos)
Apesar de não ser um biógrafo oficial e nem de pertencer intimamente a
alguma congregação fundada pelo Padre Júlio Maria de Lombaerde, o
professor e pesquisador da História da Igreja, Henrique Cristiano José Matos,
deixa claramente explícita, ao longo de sua pequena biografia da personagem
estudada, um “discurso institucionalizado da Igreja Católica promovendo uma
verdadeira mitificação da personagem estudada, uma vez que ao longo da
mesma é muito valorizado o caráter “missionário”, “audacioso”, “combativo”,
“empreendedor” e por fim “apologético”, sempre somados a essas
características, uma profunda religiosidade católica.
Quanto à questão do “missionarismo” é nítido o interesse da Igreja
Católica naquele momento, por padres que se dedicassem a tal estratégia com
o objetivo principal de catequização e divulgação dos valores católicos, tal é o
caso do Padre Júlio Maria de Lombaerde que esteve em três continentes:
34
MATOS, Henrique Cristiano José. Padre Júlio Maria de Lombaerde no Contexto Histórico. In:
COSTA, José Raimundo da. Ensaios e Estudos. Belo Horizonte: O Lutador,1997, pp. 171 a
173.
36
Europa, África e América, e no Brasil, a partir de 1912 , no norte e logo em
seguida, 1928, no sudeste deste país.
No período que esteve no norte do Brasil, se destacou pelo trabalho de
catequização das populações locais, marca de uma postura “missionária”.
Na análise dos traços biográficos do Padre lio Maria de Lombaerde
no Brasil, também percebemos nuances nítidas do processo de
“Recristianização” empreendido pela Igreja Católica. Primeiramente por receber
uma formação profundamente “romanizada”, uma vez que o mesmo foi
formado em meio a esse ideal na Europa e o havia desenvolvido com
experiência em outros dois continentes, a saber, Europa e África.
no Brasil, ao longo de todo o seu trabalho, podemos perceber
campos de atuação privilegiados como a educação, saúde e o trabalho com a
juventude, e no ano de 1916 a fundação de uma congregação feminina no
norte do país, as Filhas do Coração Imaculado de Maria, atualmente chamadas
de Cordimarianas, tinha por objetivo a educação da mocidade e o trabalho em
hospitais.
É nítido nessa biografia o ideal de militância e combate exercido pelo
referido padre, que conforme menciona Henrique Cristiano José Matos,
“pregava de dia e escrevia grande parte da noite”, além de sua postura forte e
intransigente quando “a verdadeira fé corre perigo”.
Enfim, ao longo da análise dos dados biográficos do Padre Júlio Maria
de Lombaerde, podemos vislumbrar que o mesmo não faria em Manhumirim,
no período de 1928 até 1944, algo diferente; mas pelo contrário, reafirmaria a
sua posição no movimento de “Recristianização”, utilizando-se de toda a sua
experiência adquirida e implementando novas formas de atuação e propagação
do catolicismo, sempre agindo numa perspectiva “combativa”, “missionária” e
“militante”; agindo através da fundação de congregações masculinas e
femininas, a qual caberia a tutela da educação e a formação de novos
religiosos e religiosas para atuarem em maior número: catequização das
crianças, implementação das Associações Femininas Católicas e Ligas
Masculinas Católicas através da construção de obras assistenciais, como
Hospital e Patronato para cuidar dos menos favorecidos, o desenvolvimento
da imprensa como meio de combate ao protestantismo e divulgação do
pensamento católico.
37
Saindo do norte do Brasil, Padre Júlio Maria de Lombaerde vem para a
região sudeste, mais especificamente na diocese de Caratinga, chegando em
Manhumirim no dia 24 de março de 1928 e tomando posse do respectivo
Curato em 8 de abril de 1928.
Para a compreensão da história de Manhumirim nos serviremos do
trabalho bibliográfico realizado pelo Padre Demerval Alves Botelho
35
, que faz
uma evolução histórica do município a partir do ano de 1808 até o ano de 1989.
Consta também na referida obra um estudo sobre a Presença da Igreja na
História de Manhumirim.
De início, o nome Manhumirim é de origem tupi-guarani e significa “Rio
Pequeno”. É muito difícil precisar-se, devido à falta de documentação, quando
e como aqui chegaram os primeiros desbravadores. indicativos, porém, que
os primeiros vieram à procura de ouro, margeando o rio José Pedro, que nasce
na serra do Caparaó e desemboca no rio Manhuaçu.
Outro grande contingente é favorecido, para a sua chegada na região,
da estrada que foi aberta por ordem de D. João VI, em 1808, ligando Vitória,
mais precisamente a cidade de Viana, até Ouro Preto. Essa estrada passava
justamente onde se encontra a cidade de Manhumirim.
Ao longo de todo o seu percurso existiam os “Quartéis”, locais para o
descanso e pernoite dos desbravadores. Existiam mais de 10 “Quartéis” em
todo o percurso, geralmente de três em três léguas. A construção desses
“Quartéis era motivada pela dificuldade da viagem à noite com incidência de
roubos e mortes, assim como pela dificuldade na aquisição de alimentação.
Entretanto, o primeiro núcleo de Pirapetinga, primeiro nome dado a
região e que significa na origem tupi-guarani “peixe que tem cor
esbranquiçada”, foi iniciado por Manuel Francisco de Paula Cunha, no ano de
1865, que apoderou-se de algumas sesmarias no decurso dos rios Jequitibá e
Pirapetinga, edificando ali sua fazenda, que viria a se chamar: “Fazenda do
Ouro”.
Em seguida, vieram, João Félix de Oliveira, originário de Catas Altas,
estado de Minas Gerais e Geraldo Sabino estabelecendo-se, o primeiro no
35
O Padre Demerval Alves Botelho é um grande pesquisador e autor de rias obras
relacionadas ao Padre Júlio Maria de Lombaerde, Congregação dos Missionários
Sacramentinos e Irmãs Sacramentinas de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento. Publicou
uma coleção, em três volumes, sobre a caminhada histórica do município de Manhumirim e a
presença da Igreja no referido município.
38
“Córrego da Ventania” e o segundo no “Córrego da Caatinga”. Os outros
colonizadores chegariam a partir do ano de 1868, provenientes de Nova
Friburgo, Mar de Espanha, Rio de Janeiro e Cantagalo. Eram de
nacionalidades diferentes como alemã, suíça, italiana, francesa e portuguesa.
Constituíram-se as primeiras famílias: Eller, Nunes da Rosa, Sanglard,
Heringer, Furtado, Porcaro, Franco, Butters, Soares e Silva, Miranda, Gripp,
entre outros.
em inícios do século XX, chegaram também os descendentes de
libaneses e espanhóis.
O povoado, inicialmente, recebeu o nome de “Senhor Bom Jesus de
Pirapetinga”, pois o primeiro desbravador da região, Manoel Francisco de
Paula Cunha, cedeu uma área que viria a constituir-se no “Patrimônio do
Senhor Bom Jesus” para a construção de uma capela e a partir daquela
localidade o vilarejo se constituiu.
Constituem-se como marcos legais do município, a Lei Provincial de 05
de novembro de 1877, criando o distrito do Senhor Bom Jesus de Pirapetinga;
a Lei Provincial número 2.762 de 12 de setembro de 1881, passou a Freguesia
e no período republicano, em 1911, aparecia como Distrito de Pirapetinga.
No período de 1877 a 1924 o município de Manhumirim pertenceu ao
município de Manhuaçu. Em 16 de março de 1924 o distrito foi emancipado
com o território apresentado no mapa, a seguir:
39
Fonte: (BARROS:2008)
No que se diz respeito ao processo de emancipação político-
administrativa de Manhumirim, essa foi motivada principalmente pela
dependência do respectivo município em relação a Manhuaçu, pois carecíamos
de melhoramentos e maior assistência da prefeitura.
40
No dia 07 de setembro de 1923, a Lei Estadual número 843 criou o
município de Manhumirim e sua primeira Câmara foi instalada no dia 16 de
março de 1924, data oficial da emancipação.
A primeira Câmara era composta pelos políticos: presidente, Doutor
Alfredo Lima; vice-presidente, Agenor Carlos Werner; vereadores, Manoel
Barros de Almeida, Sebastião Teixeira Pinto, Manoel Nunes da Rosa, Júlio
Dias Rabelo e Hermenegildo Vieira de Gouvêa. Pertenciam ao município, além
da sede, os distritos de Durandé, Martins Soares e Presidente Soares, hoje
com o nome de Alto Jequitibá.
São marcas históricas do município de Manhumirim, o cultivo do café e
da madeira e com a vinda da estrada de Ferro Leopoldina, em 1914, o
desenvolvimento do comércio tornando-se um importante centro comercial.
Quando da chegada do Padre Júlio Maria de Lombaerde em 1928,
Manhumirim se caracterizava por uma cidade que estava em pleno
desenvolvimento. De acordo com Padre Demerval Alves Botelho, a população
era de 35.000 mil habitantes; as exportações de café ultrapassavam a marca
de 180.000 mil sacas; Manhumirim possuía duas agências bancárias, a
saber: Banco de Crédito Real de Minas Gerais e Banco Comercial de Minas
Gerais. As firmas comerciais eram muitas: Fraga, Irmão & Cia, Fraga &
Sobrinhos, Rabello & Irmão, Tostes & Cia, Semi Abi-Sâmara & Irmão ; Felix
Fonseca, Ferrari Souza & Cia, Miguel José & Filhos e outras mais.
Em 1928 foi renovada a Câmara Municipal. Os vereadores gerais eram:
Doutor Alfredo Soares Lima
36
, futuro adversário político do Padre Júlio Maria de
36
“Doutor Alfredo Soares Lima sobre ser ele o primeiro Presidente da Câmara Municipal de
Manhumirim, após a emancipação político-administrativa, foi também seu primeiro prefeito,
logo depois da dissolução das Câmaras com a revolução de 1930. Doutor Alfredo Lima – como
ele mesmo assinava nasceu em Carangola no dia 21 de novembro de 1892. Seus pais foram
Joaquim Fernandes de Lima, farmacêutico e D. Amélia Soares de Lima. Fez os primeiros
estudos em sua cidade natal. Terminado o curso secundário, submeteu-se ao vestibular para
medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro e concluiu seu curso no final de 1916.
Formado médico, certamente por causa de convites e propostas de chefes políticos de Mutum,
queria iniciar a sua carreira profissional naquela cidade. Porém, Adolfo de Carvalho o dissuadiu
e o convenceu a vir para Manhumirim. O jovem médico acabou anuindo às insistências do
futuro sogro e veio para cá. Em 1917, casou-se com Judith de Carvalho, natural de Barbacena.
Logo após o seu nascimento, seus progenitores mudaram para Carangola. No começo de sua
vida profissional, Doutor Alfredo Lima não era político. Dedicava-se de corpo e alma, somente à
sua profissão. Devido a certas contingências e por insistência do sogro, é que se iniciou na
política, e por ela se apaixonou. Tornou-se, um político fino, arguto e realizador. Como todo
homem de destaque pertencia à Maçonaria, por convites insistentes dos amigos, ele entrou
para Loja local em 14.07.1921. Três anos depois, em 26.04.1924, foi eleito Venerável. Segundo
o testemunho de suas filhas, D. Maria Aparecida e D. Cleonice, ele não demonstrava muito
entusiasmo pela Instituição e pouco freqüentava as reuniões. Sentia-se feliz com tudo o que se
41
Lombaerde, Coronel Manuel Nunes da Rosa, Manoel Barros de Almeida,
Doutor João Flaviano Cacequinho de Carvalho e os distritais eram: Coronel
João do Santos Portugal, pela sede do município, Ozório Werner, por
Presidente Soares, Capitão Hermenegildo Vieira de Gouvêa, por Dores de
José Pedro e Durandé.
Também em 1928 foi instalado o Termo Judiciário de Manhumirim,
sendo o primeiro juiz municipal o Doutor João Batalha Neto. Decorreram-se
três anos da criação e instalação do referido termo; todo o processo foi
conduzido pelo Doutor Alfredo Soares Lima, político local.
Ilustram também as atividades do referido ano de 1928: a criação da
primeira banda de música do município, com o nome da Banda de sica
Santa Cecília, no mês de março, a firma Polastri & Filhos montou a primeira
máquina de limpar café do município, “Máquina de Pilar” e por fim, em
dezembro foi criada a linha de auto-ônibus, ligando Manhumirim a Manhuaçu
não dependendo somente do transporte de trem.
Sobre a vinda do Padre Júlio Maria de Lombaerde para a região
estudada, essa foi motivada e preparada por Dom Carloto da Silva Távora
37
,
empreendia no município visando seu progresso. Entusiasmou-se com a construção da Matriz
do Bom Jesus. Via na obra um projeto arrojado que iria projetar longe o nome de Manhumirim.
Chegando o Padre Júlio Maria, ficou orgulhoso com a personalidade, a cultura e o valor do
novo Cura. A cidade estava recebendo mais gente de real respeitabilidade. Em consequência
daquela tremenda luta política-religiosa, que se travou em Manhumirim, ficou ele de tal modo
envolvido, negativamente envolvido e comprometido, que foi afastado da administração do
município, de janeiro de 31 a janeiro de 32. Porém malgrado não ser ele o titular, muita coisa
não se fazia sem o seu parecer. Doutor Alfredo Lima era um homem corajoso e
destemido.”Não comprava briga, mas não a enjeitava”, como atestam suas filhas. Enfrentando
qualquer situação sem medo e com intrepidez. Eleito Constituinte, mineiro e depois Deputado
Estadual, transferiu-e para Belo Horizonte, onde viveu intensamente dedicado ao exercício do
seu mandato na Assembléia Legislativa e advogando os interesses de Manhumirim. Terminado
esse período, foi exercer um alto cargo que lhe foi confiado pelo governo do Estado. o
obstante longe, acompanhava tudo o que acontecia aqui. Fazia questão de marcar presença
em todos os acontecimentos mais importantes do município. Não media sacrifícios para isso.
Veio a falecer de efisema pulmonar, com a idade de 74 anos, no dia 15.05.1966. D Judith viveu
mais dez anos e terminou sua carreia terrestre aos 23.06.1976. Era tia do Doutor José Soares
de Figueiredo, o primeiro prefeito eleito de Manhumirim, após a ditadura getulista”. (BOTELHO,
Demerval Alves. História de Manhumirim: Município e Paróquia II Volume: (1924-1947). Belo
Horizonte: O Lutador, 1989, pp. 20-22)
37
“Carloto Fernandes da Silva Távora nascera em Jaguaribe-Mirim, no Ceará, a 18 de
dezembro de 1863. Os Távora constituíam-se um dos clãs bastante conceituados na região.
Fizera os estudos elementares numa escola estabelecida em sua própria residência por uma
irmã mais velha. Em seguida fora para o colégio da vila, fundado por seu irmão Monsenhor
Antônio Távora, então vigário da localidade. Desejoso de seguir também ele a vida sacerdotal,
fora encaminhado para o seminário de Fortaleza, dirigido na época pelos padres lazaristas, ali
instalado a convite do primeiro bispo do Ceará, Dom Luís Antônio dos Santos. A finalidade da
atuação desses religiosos à frente do seminário era imprimir no novo clero em formação as
características desejadas pelo movimento dos bispos reformadores. O prelado de Fortaleza,
42
então bispo de Caratinga que mantinha contatos com o referido padre na
região norte do nosso país, dado ao seu trabalho em moldes do ideário
recristianizador.
D. Carloto sabia da intenção do Padre Júlio Maria de Lombaerde em
fundar uma Congregação de padres para disseminar a religião católica através
do trabalho em paróquias, hospitais, escolas.
Dom Carloto, colhendo a oportunidade, preparou toda a documentação,
bem como todas as exigências enviadas por Roma para que tal projeto
acontecesse em sua diocese, uma vez que tal diocese contava com um
número reduzido de padres. Aliado a essa questão, a personalidade, bem
como todo o trabalho do Padre Júlio Maria de Lombaerde, em moldes de
militância e combatividade, fazendo valer os direitos da religião católica, em
muita agradava D. Carloto, uma vez que era notória a presença protestante na
sua diocese, mas especificamente na região de Carangola, Manhumirim e
Manhuaçu, pois recebiam uma grande quantidade de imigrantes de origem
luterana, buscando novas terras para o cultivo da lavoura nessas localidades.
É válido adiantarmos algumas informações importantes que nos
possibilitarão um maior entendimento sobre a atuação da personagem
estudada, no tocante à disputa política-religiosa acontecida em Manhumirim a
partir de 1928.
Sobre a presença dos protestantes na região de Manhumirim, essa foi
iniciada a partir de 1868 com a vinda da família de Guilherme Eller e seus filhos
Pedro e Henrique Eller. Esses eram descendentes de alemães que vieram para
aliás, fora discípulo de D. Antônio Viçoso e por ele enviado a Roma para complementar sua
formação sacerdotal. Assim sendo, Carloto fora moldado dentro dos padrões de uma
orientação ascética e religiosa muito rígida. Tendo recebido a tonsura a 30 de novembro de
1886, foi ordenado sacerdote a 25 de novembro de 1888, já no ocaso da época imperial. Como
pároco, desempenhou inicialmente o seu ministério sacerdotal em Barbalha, Crato e Quixadá,
todas paróquias do Ceará. Em seguida, desejoso de cultivar o ideal missionário, transferiu-se
para a região amazônica, exercendo o ministério sacerdotal em Rio Branco, Rio Negro e Juruá.
Fatigado e abalado de saúde veio para o sul, trabalhando durante vinte e um anos na paróquia
de São José de Além Paraíba, em Minas Gerais. Em 1912, fora proposto para bispo do Piauí,
mas não aceitou o múnus episcopal. Mais tarde, em 1919, quando se achava em Juiz de Fora,
foi nomeado para a diocese de Caratinga”. (AZZI, Riolando. A Igreja no Brasil. Da Apologética
à Renovação Pastoral. A atuação do Padre Júlio Maria e das Irmãs Sacramentinas de Nossa
Senhora. Volume I 1912-1987. Belo Horizonte: O Lutador, 1991, p.p.133 a 135) Morreu no
Rio de Janeiro aos 27 de novembro de 1933, em conseqüência de um atropelamento de carro.
Regeu a diocese por fecundos treze anos”. (BOTELHO, Demerval Alves.História de
Manhumirim: Município e Paróquia I Volume: (1808-1924). Belo Horizonte: O Lutador, 1987,
p.171)
43
Nova Friburgo e dali, seguindo o caminho via Tombos e Carangola, chegaram
em Manhumirim.
Uma vez estabelecidos na cidade de Alto Jequitibá, que naquela época,
pertencia ao município de Manhumirim, a notícia de terra boa para se cultivar
logo se espalhou e atraiu tantas outras famílias de origem alemã e suíça que
já professavam o credo protestante.
Em 1908, chega na cidade de Alto Jequitibá o Reverendo Aníbal Nora,
que tinha como principal objetivo conduzir a Igreja Presbiteriana daquela
localidade. Sua esposa Dona Constança, era professora e conduzia uma
escola primária naquela localidade. Percebendo o aumento do número de
alunos e uma grande quantidade que havia terminado o quarto ano primário,
no ano de 1923, o casal fundou um novo colégio, que viria a se chamar Ginásio
Evangélico de Alto Jequitibá como extensão do curso primário.
Tal colégio contribuiu para o aumento e difusão do protestantismo, não
na própria cidade, mas em toda a região do município de Manhumirim. No
ano de 1930, assume a direção do referido Colégio, o Reverendo Cícero
Siqueira, tendo sua esposa, Cecília Siqueira, como uma de suas professoras.
Mais precisamente na cidade de Manhumirim, a presença protestante
organiza-se em dois momentos. Primeiramente, no ano de 1919, quando o
presbiteriano Alfredo José Francisco Breder fundou o Externato Mineiro Alfredo
Breder destinado aos alunos que já possuíam o quarto ano primário, cedendo o
salão da escola para o respectivo culto e logo em seguida, no dia 06 de março
de 1922, foi organizada a Primeira Igreja Presbiteriana de Manhumirim.
Também ajuda-nos ao entendimento da presença protestante em
Manhumirim, a atuação do Pastor Alberto Vaz Lessa, que no ano de 1924
organizou em sua própria casa uma congregação Batista destinada ao estudo
da bíblia aos domingos. Dessa congregação nasceu, em fevereiro de 1925, o
Colégio Batista Mineiro na cidade de Manhumirim.
Quando chega no município de Manhumirim, no ano de 1928, Padre
Júlio Maria de Lombaerde, encontrou esse panorama religioso protestante;
uma grande quantidade de famílias protestantes, em sua maioria descendentes
de alemães e suíços, vindos de Nova Friburgo em busca de terras para o
cultivo, já com formação protestante. Uma congregação Presbiteriana em pleno
funcionamento na cidade de Alto Jequitibá e Manhumirim e uma outra de
44
orientação Batista, aliado a uma rede de três escolas de orientação
protestante, duas na cidade de Manhumirim e uma na cidade de Alto Jequitibá.
Essa última apresentava um enorme desenvolvimento, seja pelo número de
alunos e o respaldo social que possuía na região.
Uma outra questão local está presente no momento da chegada do
padre Júlio Maria de Lombaerde. na própria sede do curato, a cidade de
Manhumirim, a Maçonaria, era uma importante Instituição sendo formadora da
elite política local. Inclusive o Doutor Alfredo Lima, então prefeito municipal e
futuro inimigo do Padre Júlio Maria de Lombaerde, era seu membro.
A Loja Maçônica fundada e instalada no dia 14 de julho de 1921, em
Manhumirim, contando de início com 18 membros, constituindo-se
progressivamente na vida do município, enquanto uma Instituição formadora
da elite política local, além de a maioria dos seus membros serem de destaque
na sociedade da época, ocupando cargos no executivo e legislativo municipal.
Tal Instituição representava desde o início, um grande impasse aos
objetivos “recristianizadores” do Padre Júlio Maria de Lombaerde, seja pelos
ideais que a Maçonaria pregava ou mais explicitamente, por ser local de
formação e indicação dos futuros líderes políticos do município; agora, com a
vinda do padre Júlio Maria de Lombaerde, os rumos políticos locais seriam
reorganizados e disputados; não mais haveria a possibilidade de ser católico e
maçom, os campos seriam profundamente separados, prova disso é que
tomando conhecimento da comissão da construção da Igreja Matriz do
município ser formada por maçons, logo tratou de desarticulá-la.
Diante das exposições acima, iniciou-se uma disputa político-religiosa
em Manhumirim, reveladora do incômodo causado por Padre Júlio Maria de
Lombaerde aos dirigentes políticos e de outras denominações religiosas do
município, uma vez desejoso de recuperar e afirmar os interesses da Religião
Católica naquela localidade.
Em síntese, no momento mesmo de sua chegada, duas grandes frentes
de conflito são abertas pelo Padre Júlio Maria de Lombaerde. Nelas reage
estabelecendo a proibição dos integrantes da Maçonaria de fazerem parte das
Irmandades Católicas, bem como dos sacramentos. Protesta e proíbe a
Maçonaria de construir a Loja Maçônica perto da Igreja Matriz; disputa com a
Prefeitura sobre a posse do Patrimônio do Bom Jesus; ataca ao
45
protestantismo, inicialmente em forma de panfletos e mais tarde através do
jornal “O Lutador”, entre outros.
Sobre a disputa em torno do Patrimônio do Bom Jesus, essa foi travada
durante longos anos com a Prefeitura Municipal de Manhumirim, pois o
respectivo Patrimônio foi doado por Paula Cunha e possuía 32 alqueires. A
escritura, entretanto, confirmando a doação, foi dada por Anastácio, filho do
doador.
Depois de regularizada a escritura, em 1924 iniciaram-se muitas
invasões e abusos até por parte da prefeitura, doando terrenos que pertenciam
à Igreja Católica. Quando chegou em Manhumirim, Padre Júlio Maria de
Lombaerde constatou que a escritura havia sumido e mais tarde, no ano de
1935, também foi constatado que a Prefeitura autorizava invasões no terreno
cobrando tributos municipais. Depois de um grande período de disputas
judiciais a causa foi ganha pela Igreja, contribuindo assim, para o aumento das
rivalidades. O respectivo patrimônio constituía-se na região central do
município.
Padre Demerval Alves Botelho, estudioso da vida e obra do Padre Júlio
Maria de Lombaerde, apresenta-nos algumas reflexões da disputa religiosa
ocorrida em Manhumirim e a atuação da personagem estudada.
... O Padre lio Maria, de fato, dividiu, mas reuniu e uniu muita
gente; levou a muitos a se definirem, e marcou uma direção nova.
Separou os católicos dos o-católicos. Porém, a separação foi, às
vezes, violenta por demais e fez abrir chagas que nunca se
cicatrizaram. Não discutimos intenções.
38
Não arbitramos ser fácil apresentar aquela desastrosa e
desgastante luta religiosa que se conflagrou em Manhumirim, entre
a Igreja Católica, as Igrejas Evangélicas e a Maçonaria; entre o o
Padre Júlio Maria, os pastores da Reforma e os maçons...
39
38
BOTELHO, Demerval Alves. História de Manhumirim: Município e Paróquia II Volume: (1924-
1947). Belo Horizonte: O Lutador, 1989, p. 185.
39
_____. História de Manhumirim: Município e Paróquia II Volume: (1924-1947). Belo
Horizonte: O Lutador, 1989, p. 184.
46
Também é de muito valor a contribuição de Antônio Afonso de Miranda,
sobre a disputa religiosa acontecida:
... E a luta não foi somente com o protestantismo. Ergueu-se contra
ele a maçonaria. E o conflito tomou, em Manhumirim, aspectos
políticos. A personalidade do homem, do padre, do teólogo, do
religioso que rezava e trabalhava, revestiu-se dos traços do
panfletário, do jornalista combatente e agressivo. E é preciso
confessar que era uma condição de sobrevivência aquele espírito
aguerrido. Os que vivemos ao seu lado a partir de 1933, podemos
sentir de perto a gravidade dos conflitos e a rudeza dos inimigos.
40
A partir dos registros acima de duas pessoas que conviveram com o
Padre Júlio Maria de Lombaerde, fica-nos evidente que chegando em
Manhumirim, em 1928 e uma vez já iniciado o conflito, percebemos, de ambas
as partes, tanto do padre como daqueles que se faziam seus inimigos, os
políticos locais, os maçons e os protestantes, um clima de profundo combate
que ocasionou a luta política-religiosa nesse município.
É bem verdade que tanto seus adversários como o próprio padre,
utilizaram-se de todos os meios disponíveis para fazer valer seus interesses
separando assim em dois grupos, “os católicos dos não católicos”.
No que se diz respeito à atuação do Padre Júlio Maria de Lombaerde,
vislumbramos que a mesma foi uma atuação moldada em plena sintonia com o
movimento de “Recristianização”, iniciado em 1922 e que perpassará a década
de 1930; sendo mais especificamente sua postura política uma faceta desse
novo ideário da Igreja Católica no Brasil, agindo assim num caráter de profundo
combate aos “inimigos da católica”, e se consolidando tanto a nível local
como em nível nacional, enquanto uma importante Instituição agindo na
manutenção da “ordem social” tão cara ao governo a partir de 1930.
Essa atuação num primeiro momento, foi entendida por seus
adversários como um conflito muito grande. O historiador Demerval Alves
Botelho ilustra muito bem alguns acontecimentos travados entre o Padre Júlio
40
MIRANDA, Antônio Afonso de. Padre Júlio Maria: testemunho de uma nova igreja. edição.
Belo Horizonte: O Lutador, s.d. p. 68.
47
Maria e seus adversários políticos no município de Manhumirim, logo após sua
chegada:
... Os seus adversários arvoraram-se contra ele e apodaram seu
jornal de subversivo. Urdiram, então, um plano com o intuito
premeditado de interditar sua tipografia, fechar-lhe a boca e força-lo
a depor a pena (...) No dia 07 de dezembro de 1930, domingo, era o
dia “D” para o desfecho final. À hora da missa das 9 horas, deveria
ser o momento azado para eliminar o Padre barbudo. Deveria ser ele
assassinado dentro da Igreja, enquanto celebrava. Três homens
estavam marcados para morrer naquele dia: Coronel lio Rabello,
amigo íntimo e defensor do Padre Júlio, e seu empregado de
confiança e o próprio Padre Júlio Maria. Os dois primeiros seriam
alvejados no adro da matriz a fim de provocar um alvoroço e atrair o
povo para fora. O Padre Júlio, ficaria sozinho e desprotegido no altar,
e seria assassinado (...) Malograda essa tentativa, moveram
outras perseguições ao Padre lio Maria. E, de quando em vez,
saía um boletim injuriando-o e artigos em jornais denegrindo a sua
reputação perante a opinião pública e outras coisas mais...
41
Em resposta aos adversários e na tentativa de cada vez mais consolidar
o poder da Igreja Católica, Padre Júlio Maria de Lombaerde utilizava,
entretanto, dos mesmos meios para poder silenciá-los. É representativo dessa
atuação a exoneração do Doutor Alfredo Lima, prefeito de Manhumirim, por
intermédio da ação do referido padre:
... Dr. Arthur Bernardes recebeu-o com distinção e pediu-lhe que
expusesse os problemas de Manhumirim. Ouviu atentamente e
prometeu-lhe empenhar-se junto ao governo do Estado, a fim de
renovar o quadro político do município com a exoneração de Alfredo
Lima e a designação de um outro prefeito municipal, tão logo fosse
possível. No final de dezembro daquele ano, a pedido e por
indicação de Arthur Bernardes, Olegário Maciel exonerou e nomeou
Doutor Nelson César Pereira da Silva para substituí-lo. Sob a égide
do ilustre mineiro, Padre Júlio Maria conseguiu também a nomeação
de um chefe político católico e de um delegado que não fizesse o
41
BOTELHO, Demerval Alves. História de Manhumirim: Município e Paróquia II Volume: (1924-
1947). Belo Horizonte: O Lutador, 1989, pp. 182-183.
48
jogo dos tais” senhores absolutos” (...)Com essa vitória do Padre
Júlio Maria, subiu ainda mais o seu prestígio e autoridade, não
diante dos católicos e amigos, mas também de seus
perseguidores...
42
(Grifos Nossos)
É indicativo, a partir do registro acima, as novas relações estabelecidas
entre Igreja Católica e Estado no Brasil; se logo após a proclamação da
República em 1889, a Igreja se perdida em meio ao processo de laicização
da sociedade brasileira, a referida Instituição conseguiu construir
progressivamente, a partir de 1922, um novo modelo objetivando seu retorno e
conseqüentemente influência na vida social e política do país; tal processo, a
construção da “Neocristandade”, assentava-se numa profunda colaboração
entre Estado e Igreja Católica.
É exemplar de tal perspectiva a nível local, a exoneração do Doutor
Alfredo Lima em 1930 e a nomeação, por parte do governo de um interventor
católico para a mesma cidade sendo tal pedido articulado pelo Padre Júlio
Maria de Lombaerde e D. Carloto.
Padre Júlio Maria de Lombaerde iniciou e desenvolveu seu trabalho de
cunho específico missionário seguindo o modelo de militância e projeção social
do catolicismo. Uma vez que, desenvolvendo o poder religioso e
conseqüentemente, o poder político, era necessário que essa prática se
perpetuasse e se legitimasse vital para sua manutenção. Para tal, desenvolve
estratégias de atuação que terão suas análises desenvolvidas a partir de nosso
segundo capítulo. Ainda nesse primeiro capítulo apontaremos apenas as suas
obras e nelas os seus objetivos, como estão expostos.
De início foi fundado o semanário católico “O Lutador”, cujo primeiro
número foi publicado em vinte e cinco de novembro de 1928. O respectivo
jornal fazia frente aos ataques da Maçonaria, dos políticos municipais e
protestantes que escreviam no jornal “Manhumirim”. Sobre as diretrizes do
novo jornal, o historiador Henrique Cristiano José de Matos nos apresenta
algumas informações:
a nossa orientação – escreve Júlio Maria – é bem determinada. É um
jornal genuinamente Católico e Católico Militante, defendendo com
42
_____. História de Manhumirim: Município e Paróquia II Volume: (1924-1947). Belo
Horizonte: O Lutador, 1989, p.77.
49
brio e clareza os interesses da religião que são os interesses de
Deus, da Pátria e da Família. Pretende ser um paladino da verdade e
como tal, desmascarar a mentira, a falsidade, a hipocrisia...
43
É válido ressaltar também que a produção bibliográfica do Padre Júlio
Maria de Lombaerde não era limitada somente aos artigos expressos no jornal
“ O Lutador”, ao contrário, possuía inúmeros livros de cunho teológico e a partir
de 1928, de ataque e respostas às indagações protestantes, como nos aponta
Antônio Afonso de Miranda no seu artigo: Padre Júlio Maria, não simplesmente
um polemista,
Seus livros polêmicos chegam quando muito a dez: “Respostas às
objeções protestantes” (Ed. O Lutador, 1929), mais tarde republicado
com o nome de “Ataques Protestantes” (Ed. Vozes, edição); “A
mulher e a serpente” (Ed. O Lutador, 1931), depois reformulado com
o título de “A mulher Bendita”, aliás em estilo teológico bem mais
positivo e quase sem tom polêmico (Ed. O Lutador, 1936);
“Palhaçadas Protestantes” (Ed. O Lutador,1929); “O homem de sete
cabeças” ( Ed. O Lutador, 1933); “Luz nas trevas” (Ed. Vozes, 1935);
“Segredos do Espiritismo” ( Ed. Vozes, 1936); “Aventuras de
Chiquinho dos Ares” (Ed. O Lutador, data ignorada); O Diabo,
Lutero e o Protestantismo” (Ed. O Lutador, 1939); “O perigo dos
colégios protestantes” (Ed. Vozes, data ignorada).
44
Um das características do processo de “Recristianização” era a
utilização da “boa imprensa católica”, enquanto um instrumento eficaz de
divulgação das idéias católicas, bem como de ataque aos “inimigos da
verdadeira fé”. Padre Júlio Maria de Lombaerde circunscreve-se, nessa
perspectiva, utilizando-se em muito da imprensa para o ataque, principalmente
aos protestantes, como nos aponta o registro acima, à maçonaria, além de
divulgar os ensinamentos da fé católica.
43
MATOS, Henrique Cristiano José. Padre Júlio Maria de Lombaerde no Contexto Histórico. In:
COSTA, José Raimundo da. Ensaios e Estudos. Belo Horizonte: O Lutador, 1997, p.178.
44
MIRANDA, Antônio Afonso de. Padre Júlio Maria: testemunho de uma nova igreja. edição.
Belo Horizonte: O Lutador, s.d. pp. 69-70.
50
Nota-se, que no período de 1910 até 1944, ano de sua morte, o referido
padre, produziu 77 obras bibliográficas, além de uma série de artigos no jornal
“O Lutador”. Quanto ao título das obras, apontadas no registro anterior,
também fica-nos evidente a preocupação e o profundo ataque do padre ao
protestantismo, seja na sua base teológica, na organização de colégios
protestantes, como nos comprova um trecho do livro, “O perigo dos Collégios
Protestantes”, publicado pela editora Vozes, onde é notório, fica bem provado
que taes collegios evangélicos têm por escopo principal espalhar as doutrinas
protestantes
45
, e logo em seguida reafirma, fundam elles collegio, abrem
escolas dominicais, não para os protestantes, mas para os catholicos
46
, e até
num tom de ironia, como nos aponta o título “Palhaçadas Protestantes”.
Também constitui-se, como elemento de sua obra, a fundação do
Instituto Religioso de Padres chamando-se mais tarde de Instituto dos
Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento,
primeiro Instituto Masculino do Brasil, fundado em sete de abril de 1927,
através de um decreto diocesano. No dia 16 março de 1929 aconteceu a
“vestição” dos primeiros padres, ou seja, a cerimônia pela qual se tornavam
pertencentes àquela ordem religiosa, como já era programado entre o Padre
Júlio Maria de Lombaerde e o bispo de Caratinga, D. Carloto
Nota-se que era necessário formar um clero nacional, segundo as
novas orientações da Igreja Católica e expandir a rede de seminários, dado ao
grande contingente geográfico e populacional do nosso país; ações essas,
pedidas e amplamente difundidas pelos bispos brasileiros reformadores.
Logo em seguida, também atendendo aos pedidos de D. Carloto, é
fundado o Instituto das Irmãs de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento,
em 25 de março de 1929, conforme decreto da diocese de Caratinga.
Nota-se que a criação no Brasil de Institutos Religiosos Masculinos e
Femininos ia de encontro às aspirações da Igreja Católica no Brasil, uma vez
preocupada com o aumento do protestantismo, aumento da população e acima
de tudo o interesse pela educação da juventude, dado ao aumento dos
colégios protestantes. A esse respeito: A fundação feminina está bem
45
LOMBAERDE, Padre Júlio Maria de. O Perigo dos Collegios Protestantes. Petrópolis: Vozes,
1929, p. 24.
46
_____. O Perigo dos Collegios Protestantes. Petrópolis: Vozes, 1929, p. 24.
51
enquadrada na política eclesiástica da época: opor uma barreira ao laicismo e
à protestanização do país e recuperar o espaço social tradicionalmente
reservado ao catolicismo
47
.
Em seguida foram criados, o Colégio Santa Teresinha em 1931,
destinado à educação da elite da região, pois era um internato de moças,
fazendo frente a um outro internato na cidade de Presidente Soares, atual Alto
Jequitibá, de índole protestante, administrado pelo Reverendo Cícero Siqueira.
A criação do Seminário Apostólico de Manhumirim, iniciado em 1931,
para formar os futuros membros de sua Congregação Religiosa, teve
inaugurada sua primeira ala em vinte e dois de janeiro de mil novecentos e
trinta e três.
Também no ano de 1931, foi fundado o Asilo São Vicente de Paula, de
cunho assistencial e no ano de 1939 foi inaugurado o Hospital e Asilo São
Vicente de Paula.
Ao longo dos outros anos foram se expandindo tais obras e foram
criadas outras, como o Ginásio Pio XI, um internato masculino que recebia
jovens do Brasil inteiro. Ginásio esse fundado em 16 de março de 1941.
Somam-se a tais obras o término da Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus de
Manhumirim e o Patronato Agrícola Santa Maria. Essas obras tornaram-se a
representação visível do poderio da Igreja Católica e da atuação do padre Julio
Maria de Lombaerde.
47
MATOS, Henrique Cristiano José. Padre Júlio Maria de Lombaerde no Contexto Histórico. In:
COSTA, José Raimundo da. Ensaios e Estudos. Belo Horizonte: O Lutador, 1997, p.180.
52
Capítulo 2
As obras e o discurso missionário: a guerra contra os inimigos.
Tendo ao longo do primeiro capítulo a preocupação de contextualizar e
caracterizar nosso objeto de estudo, torna-se necessário, então, retornar
nossas hipóteses no sentido em que elas explicitarão o desenvolvimento deste
capítulo e daquele que virá a seguir.
Na verdade, embora destaquemos aqui nossa primeira hipótese que a
atuação do Padre Júlio Maria de Lombaerde à frente da Paróquia do Senhor
Bom Jesus de Manhumirim, se reveste de uma atuação missionária, mas
também política no combate ao protestantismo, seu principal objetivo todas
as nossas hipóteses estão profundamente ligadas como facetas de uma
mesma questão: em que medida a atuação do Padre Júlio Maria de Lombaerde
pode ser considerada exemplar de sintonia a uma macro historicidade que
envolve Igreja Católica e Estado, assim como reveladora de tradicionais
práticas e de expressões discursivas do missionarismo católico retomadas pela
“Recristianização”.
Vejamos, pois, o que nos informam as fontes sobre a atuação do Padre
Júlio Maria de Lombaerde, na Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim,
a começar pelo Livro de Tombo
48
.
48
O Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus é uma fonte primária, manuscrita,
pertencente ao acervo do escritório paroquial, cuja pertinência para a realização de nossas
pesquisas está no fato de narrar, senão todos, os principais acontecimentos e ações tomadas
pelo pároco durante o ano, a saber: atuação frente ao avanço do protestantismo e da
Maçonaria, fundação de Irmandades e desenvolvimento da Religião Católica, registros de
construção de suas obras assistenciais, como o Colégio Santa Teresinha, Ginásio Pio XI,
Seminário Apostólico e Hospital São Vicente de Paulo, embates com o então prefeito Dr.
Alfredo Lima, contatos e articulações com Bispos da região e políticos locais, além de
impressões sobre a cidade de Manhumirim, sua cultura e população.
53
De início, destacamos o registro de dois momentos relevantes nessa
fonte: o primeiro ocorrido em cinco de julho de mil novecentos e doze, refere-se
à criação do curato do Bom Jesus do Manhumirim, ou seja, a base física de
atuação do Padre Júlio Maria de Lombaerde, que ficou sendo a seguinte:
(...)tendo sido creado o Districto civil do Bom Jesus de Pirapetinga,
desmembrando o seu território da freguesia de S. Lourenço do
Manhuaçu, deste arcebispado, não tem deixado desde então os
seus fieis habitantes de solicitar a creação canônica de um curato
com a mesma sede, nome e limites do Districto civil. Nos, portanto,
considerando a vasta extensão daquelle território, as necessidades
espirituais da sua população cada vez mais florescente,
considerando ser quase impossível ao Parocho de S. Lourenço do
Manhuassu attender convenientemente ao serviço religioso daquella
parte do seo crescente rebanho e tendo finalmente em vista a
deligencia com que os fiéis de Bom Jesus do Pirapetinga
satisfizeram a todos os requisitos canônicos para dita creação:
Havemos por bem instituir e crear como pela presente Provisão e em
virtude da Nossa Auctoridade ordinária, effetivamente instituimos e
creamos um Curato naquella parte territorial da freguesia de S.
Lourenço do Manhuaçu tendo por sede a Capella de Bom Jesus do
Pirapetinga, conservando o mesmo nome e os limites civis são os
seguintes: ao norte a fazenda de Alfredo Breder, inclusive, ao nor-est
a linha até agora respeitada entre Pouso Alegre e Dores do
Manhuassú, ao Nascente o rio José Pedro compriendidas ambas as
margens, ao Sul a Serra chamada do Bonifácio, que separa o
referido Districto e Curato de B. Jesus do Pirapetinga do Município
de S. Luzia do Carangola e finalmente ao Poente e Nordente a Serra
do Ouro e Cordilheira de São Luiz.
49
O segundo registro, em oito de abril de mil novecentos e vinte e oito, diz
respeito a sua posse à frente dos trabalhos no curato, substituindo o Padre
Frederico de La Barrera, em cujas palavras conseguimos vislumbrar alguns dos
traços que, antecipadamente, marcariam o Padre Júlio Maria de Lombaerde no
que se refere tanto ao homem quanto ao sacerdote:
49
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, folhas 1 e verso.
54
Respeito o povo de Manhumirim. tenho palavras de gratidão,
pedindo ao Altíssimo que o abençoe. Sou sucedido na freguesia pelo
virtuoso e inteligente Pe. Frey Júlio Maria, apostolo dos índios no
norte do Brasil e pertencente à congregação religiosa da Sagrada
Família e Fundador aqui em Manhumirim da congregação
exclusivamente brasileira dedicada à parochiar dos Padres
Sacramentinos de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento,
passando em minha companhia os quinze dias anteriores a toma de
posse (...) hoje dia oito de abril de mil novecentos e vinte e oito.
Durante estes dias pude verificar que o meu digno sucessor, com
melhores predicados de piedade e sciências ecclesiasticas do que
as minhas qualidades, promoverá o progresso espiritual da minha
estimada freguesia, esperando de tão digno sucessor peça a Deus
por mim e perdoe as minhas faltas.
50
(Grifos Nossos).
Entre o ano de fundação e a posse do novo pároco à frente do curato do
Bom Jesus do Pirapetinga, decorreram aproximadamente dezesseis anos. Se
por um lado o texto de fundação do curato nos permite considerar a existência
de um território extenso e de uma população crescente e ansiosa por um
guia/pastor espiritual próprio, portanto um terreno propício para consolidar os
interesses da Igreja Católica, o texto acima nos permite também inferir que o
desenvolvimento dessa espiritualidade/religiosidade católica não se deu
conforme o esperado, pois o próprio vigário ao tecer elogios ao novo sacerdote,
ou seja, ao Padre Júlio Maria de Lombaerde, parece deixar transparecer nas
entrelinhas, o o despreparo do sacerdote para empreender tal
empreitada, quanto a necessidade premente da vinda de um padre-
combatente, forte, não na teologia, mas na experiência da lida com o árduo
trabalho de catequizar “povos hostis”. Talvez por essa razão o Padre La
Barrera o tenha considerado como um “virtuoso e inteligente apostolo dos
índios”.
Todavia, não era esse o caso, ou melhor, não era essa a população com
a qual se depararia o Padre lio Maria de Lombaerde ao chegar em
Manhumirim, mas encontraria com certeza uma situação, segundo as novas
diretrizes de “Recristianização”, que requeria a astúcia e as estratégias de um
catolicismo combatente para recuperar, além dos fiéis, o espaço político-social
50
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 8 v. e 9.
55
que a Igreja Católica havia perdido naquelas paragens como parece-nos
sugerir seu primeiro registro no Livro de Tombo:
Retardei até janeiro deste anno a escricturaçaõ do Livro de Tombo,
para ter o tempo de observar e estudar o povo e a situação, e não
adiantar nada de duvidoso ou de incerto. É pois após 9 mezes de
residência e de trabalhos que julgo a situação e os factos da
parochia (...) Passei na casa parochial, junto com o Vigário, a
Semana Santa, constatando com tristesa que o povo estava
completamente imbuído de idéias protestantes, freqüentando poucos
e pouco a igreja, e de nenhum modo os sacramentos. O
protestantismo solidamente implantado e protegido por uns ricos,
possuía dois templos um de presbiterianos e outro de Baptistas,
funcionando um terceiro os Evangelistas e em casa particular.
Nenhuma irmandade canonicamente erigida existia. Encontrei umas
15 senhoras com a fita do Coração de Jesus, fazendo a comunhão
mensal no Domingo; também umas 18 Filhas de Maria, que nem
appareceram no princípio, sendo apenas a fita e o véu, sem
organização nenhuma. O catecismo das creanças não existia, nem
havia pregação, de modo que reinava a mais completa ignorância
religiosa.
51
(Grifos Nossos)
Tal foi a situação encontrada pelo Padre Júlio Maria de Lombaerde: de
um lado, uma população “católica desbaratada”, sem “liderança espiritual”,
dormindo na mais “completa ignorância religiosa”, pois quase não havia
freqüência à Igreja e aos sacramentos, além de inexistirem, oficialmente os
movimentos religiosos capazes de agregar os leigos. Por outro lado um
protestantismo “solidamente implantado e protegido por uns ricos”.
Podemos perceber pelos registros do Padre Júlio Maria de Lombaerde
que, naquele momento a situação apresentava-se propícia para colocar em
prática a atuação missionária de “Recristianização”, que através da ação
militante de padres na reorganização da sociedade, reconquistariam o espaço
sócio-político perdido para as religiões protestantes e outros grupos como a
maçonaria.
51
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 9 verso.
56
A continuidade do registro de sua observação e “estudo do povo e da
situação”, parece confirmar também a debilidade, falta de preparo e iniciativa
do clero que naquele momento se achava à frente dos trabalhos da Igreja
Católica na Paróquia do Senhor Bom Jesus, pois o Padre Júlio Maria de
Lombaerde assim considerou,
O Padre Frederico, Hespanhol e falando bastante mal o portuguez,
era um sacerdote piedoso e exemplar, de optimos costumes , que
procurou melhorar a situação. De temperamento pacífico e querendo
a paz com todos, receava declarar a guerra aos protestantes , e
chamar a attenção do povo sobre os abusos. Dessa falta de iniciativa
resultava necessariamente a diminuição da e a invasão do erro.
52
(Grifos Nossos).
Se nos detivermos por alguns instantes nesse segundo registro, somos
capazes de fazer emergir dele algumas questões bastante interessantes para
nossos propósitos: primeiro, o Padre Júlio Maria de Lombaerde reconheceu
que parte da dificuldade do Padre Frederico La Barrera estava na comunicação
verbal ao falar “bastante mal o portuguez”, confirmando, de certa forma, o
despreparo do padre que estava atuando na paróquia naquele momento.
Dessa constatação, inferimos que a vinda do Padre Júlio Maria de
Lombaerde para Manhumirim vai de encontro às novas diretrizes da Igreja
Católica no tocante à “Recristianização”, seja porque sua formação havia se
dado dentro do espírito de um missionarismo combativo, seja porque, no Brasil,
a Igreja se preocupava com a formação de um clero em território nacional,
pois mais tarde o Padre Júlio de Lombaerde, fundaria um seminário na
Paróquia de Manhumirim conforme veremos no terceiro capítulo, no qual nos
dedicaremos a analisar suas obras físicas (seminário, colégio, hospital entre
outras), confirmando nossa hipótese, de que tais obras, mais que meios de
evangelização e de assistencialismo, o instrumentos de manutenção de
tradicionais relações de poder desenvolvidas pela Igreja Católica, pois reforçam
seus laços com a cultura política local de dominação e clientelismo.
52
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 9 verso.
57
Embora, para o Padre Júlio Maria Lombaerde, o Padre La Barrera
reunisse atributos necessários à prática do sacerdócio, tais como a piedade e o
exemplo nos costumes, faltavam-lhe outros tão importantes, ou mais, naquele
momento como por exemplo o espírito aguerrido capaz de não “declarar a
guerra aos protestantes”, mas de chamar a atenção o povo.
Outro ponto bastante interessante nesse registro é a maneira como o
Padre Júlio Maria de Lombaerde se refere ao protestantismo, ou seja, como “a
invasão do erro”, na medida em que nos sugere pelo “jogo das palavras” a
construção de um discurso que reafirma o princípio da “única verdade”, ou seja,
o do catolicismo como a única expressão da verdade da fé.
Claro que essa questão não poderia ser diferente, pois o Padre Júlio
Maria de Lombaerde representou, de fato, o espírito missionário da Igreja
Católica daquele período, tendo em vista sua atuação em três continentes
África, Europa e América e, no Brasil, no norte e sudeste, sobretudo, se
considerarmos que, conforme as diretrizes da “Recristianização”, mais do que
nunca o princípio da univocidade do catolicismo estava evidente na idéia de
que somente a Igreja Católica seria capaz de organizar a sociedade
restabelecendo-lhe a ordem e a moral, que era a única portadora da
verdade.
Uma vez à frente dos trabalhos da Igreja Católica, no Curato do Bom
Jesus do Pirapetinga, o Padre Júlio Maria de Lombaerde, tratou logo de colocar
a “casa em ordem”,
Tendo tomado posse da parochia esperei a hora opportuna para
agir, provocando-a durante a pregação do mês de Maria. O resultado
não se fez esperar. Os protestantes desesperados pela enorme
concorrência do mês Mariano e o enthusiasmo dos Cathólicos,
espalharam um Bolletim contendo diversas objecçoes contra a
religião, e mandaram vir uns pastores de fora, para pregar nas ruas.
Tomei a defensiva e ataqueio-os resolutamente em conferencias
públicas e pelo jornal “Manhumirim”. O resultado foi extra-ordinário.
A egreja encheu-se o jornal duplicou a tiragem, e apesar da
resistência tenaz dos Pastores, a verdade foi vencendo todos os
obstáculos. Cahiram me nas costas uns 5 pastores, com artigos e
folhetos, respondi a todos, esmagando-os um por um e obrigando-os
58
à uma retirada vergonhosa. A opinião pública foi conquistada em
favor da verdade. Muitos protestantes voltaram ao seio da egreja e
outros retiraram-se, de modo a deixar o campo vasio. Sobre as
ruínas do espírito protestante fundei e organisei a Liga Catholica dos
homens, o Apostolado, as Filhas de Maria, a Cruzada eucharistica, e
o cathechismo, e por fim fundei o Lutador para manter a direcção e
não deixar refriar o catholicismo (...) Hoje o triunfo é completo. O
templo baptista fechou por falta de frquencia o evangélico seguiu
de perto e o Presbyteriano está em completa decadência. Em vez de
uma freqüência de 200 pessoas que contava está reduzido a uma
freqüência de 15 a 20 pessoas. Os outros envergonham-se de
freqüentar o templo ou voltaram a religião catholica
53
. (Grifos
Nossos).
Nesse trecho notamos claramente, pelas palavras e termos por nós
sublinhados, a construção de um discurso que reflete a ação combativa da
Igreja Católica naquele momento, pois o vocabulário é de guerra. É, portanto,
um discurso guerreiro que caracterizou toda a construção discursiva do Padre
Júlio Maria de Lombaerde, seja nos registros do Livro de Tombo, seja nos
artigos publicados pelo jornal “O Lutador”.
A partir do mesmo registro acima nos é possível começar esquadrinhar
algumas das estratégias, que falaremos mais à frente, das quais se serviu o
Padre Júlio Maria de Lombaerde para empreender sua campanha de
conquistar e reconquistar, não os fiéis católicos, mas os ditos protestantes,
assim como a própria importância sócio-política da Igreja Católica.
Por enquanto consideremos ainda o estabelecimento do conflito entre o
Padre Júlio Maria de Lombaerede e aqueles a quem chamou de “inimigos da
religião”. A considerar pelo registro do Livro de Tombo, os anos de 1929 e 1930
foram, por assim dizer,“quentes” no embate promovido pelo Padre Júlio Maria
de Lombaerde contra seus adversários. Embora extenso é válido transcrevê-lo
na íntegra, porém o faremos entremeando-o com nossas considerações:
Estes dois anos tem sido dois annos de lucta sem trégua, contra os
inimigos da religião e de esforço para o levantamento espiritual das
almas. O protestantismo desmoralisado e derrotado procurou um
apoio na maçonaria e desta união surgiu nova lucta religiosa. A
53
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 10.
59
maçonaria embora quieta e escondida constituia uma verdadeira
força na cidade, contando 127 homens, todos elles de classe
abastada e chefiada pelo Vice-presidente da Comarca: Manoel
Manduca, um vereador: Dr. Caciquinhae o próprio presidente Dr.
Alfredo Lima. Todos os empregados públicos eram maçons e
diversos pertenciam à Liga Cathólica. A Maçonaria resolveu construir
a sua Loja, e para esse fim adquiriu um terreno ao pé da Matriz do
Bom Jesus. Sciente do propósito de ali levantar a maçonaria chamei
em particular o Venerável Manoel Manduca e Dr. Caciquinha,
pedindo-lhes, como amigos, que não fizessem tal, pois parecia um
affronto, uma provocação a egreja catholica. Prometteram empenhar
se, porém nada fizeram e deliberaram que a Loja seria feita ali
mesmo. Protestei publicamente na egreja e pelo jornal estando a
população inteira ao meu lado. Mandei um officio de protesto à
Maçonaria, porém sem resultado. Neste ínterim, descubri nos livros
do patrimônio que a escriptura da posse tinha sido falsificada e que
tinham quasi duplicado a area de terreno adequirida, de modo que o
prédio estava pela metade no terreno da egreja. Protestei de novo,
não atenderam, e as obras continuaram. Chamei então os
advogados Adhemar Távora e Edgar Toledo que examinaram o caso
demonstraram a falsificação. Então a maçonaria desistiu e vendeu o
prédio começado à Câmara. A questão foi resolvida, porém, os
maçons humilhados, envergonhados procuraram a todo custo uma
desfora de vinganças. Começou então uma serie de perseguições,
ataques, calunnias, etc
54
. (Grifos Nossos).
Os registros até aqui mostram, e provavelmente continuarão a mostrar,
um triunfalismo guerreiro desmontado pelos contínuos embates com os
protestantes então, não desapareceram e pelos confrontos com outras
forças e grupos locais, tendo como pano de fundo a perseguição ao
protestantismo, pois se em primeiro momento o trecho supracitado nos sugere
que se de início, em 1928, o triunfo sobre o protestantismo pareceu completo
ao padre, o desenrolar dos acontecimentos nos anos seguintes tomou outro
rumo, pois o padre parece entender ter havido uma articulação dos grupos
protestantes junto à maçonaria para fazer-lhe frente.
54
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 13 verso.
60
A princípio nos parece que o Padre lio Maria de Lombaerde
reconhecia que maçonaria, embora “escondida” representava uma força na
comunidade capaz de fazer frente aos seus interesses, porém não poderia ser
declarada como inimiga da Igreja Católica, porque muitos de seus adeptos
freqüentavam a Liga Católica fundada por ele. Essa idéia nos parece muito
clara quando o Padre Júlio Maria de Lombaerde tentou resolver a questão da
construção da loja maçônica nas proximidades da igreja de forma cordial.
No entanto, a aceitação de protestantes na maçonaria facilitou tal
questão, ou seja, sob o pretexto da aceitação de protestantes naquela
instituição, o padre Júlio Maria de Lombaerde tornou-a uma inimiga pública da
religião e através dos protestos no jornal iniciou uma “nova luta religiosa” que
ganharia outros contornos, pois outra consideração a ser feita é o fato de esses
registros demonstrarem a existência de um conflito que, para além do campo
religioso, perpassa os campos do social e do político, pois os inimigos agora
têm nomes e não o somente por serem protestantes ou maçons, mas
indivíduos de poder e prestígio na sociedade, como o Dr. Caciquinha, Manoel
Manduca e Dr. Alfredo Lima, todos ocupando cargos no legislativo da política
local, o primeiro vereador, o segundo Vice-presidente da Câmara e o terceiro o
próprio presidente.
Embora resolvida a questão da construção da sede da maçonaria a seu
favor, os embates não estavam terminados e se tornaria cada vez mais
evidente a face política desses acontecimentos. Sigamos na transcrição do
registro
Aproveitaram da revolução para fazer todos os absurdos; chegaram
a tomar as machinas de typographia, quebraram tudo, queimaram os
jornais. Um bando de capangas chefiado pelos assassinos José
Porcino e Alvim, sempre sobre ordens de Dr. Alfredo Lima, Manoel
Manduca e Pedro Nolasco. Um dia o furor maçônico de Dr. Alfredo
chegou ao ponto de esperar me da descida do trem para defeitear-
me, e não tendo podido fazel-o, foi no Collegio, onde derramou toda
a bílis, insultando e praguejando depois de se ter entregue ao
excesso de bebida. Outro dia bombardearam o Collegio de Sta.
Therezinha com mais de 200 bombas e foguetes, quebrando
61
quantidade de telhas No dia 7 de Dezembro de 1930 chegou o furou
ao auge; Porcino com seus 10 capangas foi atacar a egreja, na
ocasião da missa das 9 horas devendo ser matado à porta da egreja
o sr. Julio Rabello, e assassinado no Altar o Padre Júlio Maria. O
ataque deu-se.. houve tiroteio, porém o plano sahindo mal; não
chegaram a matar ninguém. Todos os pormenores destas
barbaridades estam descriptos no “O Lutador” cujo número ficará
archivado. De combinação com o Exmo. Sr. Bispo D. Carloto, tomei
a frente de uma reacção energica, e sem entrar diretamente no
movimento político, organisei os elementos de valor, no fim de
formar a base de uma política catholica.
55
(Grifos Nossos).
O que nos é possível apreender deste trecho? Embora não tenhamos
tido acesso a nenhum jornal que retratasse em notícias os acontecimentos da
revolução, encontramos no livro do Padre Demerval Alves Botelho algumas
pistas, primeiro que, devido à Revolução de 30, havia um clima de instabilidade
que pairava na cidade por causa da retirada da polícia para integrar as forças
revolucionárias, ficando a guarda da cidade a cargo de homens contratados
pelo Presidente da Câmara, segundo que, as notícias que chegavam a
Manhumirim eram filtradas e controladas, ficando a população desinformada,
temerosa do que poderia, de fato, estar acontecendo.
Afim de divulgar os acontecimentos reais, o Padre Júlio Maria de
Lombaerde conseguiu um mensageiro de confiança e passou a publicar em
seu jornal – O Lutador – o que de fato acontecia.
Por essa razão, ou melhor, tomando-a como pretexto, seus adversários
lançaram-se contra ele e, conforme o Padre escreveu, aproveitaram-se da
ausência de forças policiais para destruir sua tipografia.
Fica-nos, também, sugerido pelo Padre Júlio Maria de Lombaerde que
seus adversários eram um “bando de baderneiros” que, sem nenhuma
diplomacia tentavam fazer valer suas causas utilizando-se da violência física e
verbal. Diferentemente dele que se conduziria sempre buscando a legalidade
para resolver as querelas com seus opositores. Procuraria aglutinar em seu
entorno indivíduos de influência local, além de lançar mão da influência
exercida pela Igreja Católica junto ao Estado, conforme nos transparece o
trecho que sublinhamos.
55
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 14.
62
É muito curioso como o Padre Júlio Maria de Lombaerde fez questão de
deixar bem claro que não entrou diretamente na política, embora tenha se
preocupado em reunir um grupo de indivíduos para formar uma base política
católica, deixando-nos a falsa impressão de que, nessa situação, sua posição
era pela luta religiosa e não política, pois o que se segue na seqüência do
registro é muito mais esclarecedor de que seus interesses os quais iam muito
além da religião,
Munido da recomendação de D. Carloto e acompanhado por
Monsenhor Gonsalez, fui apresentar e expor o caso ao Dr. Arthur
Bernardes, em Viçosa, que prometeu tomar as providencias e
destituir a política de Manhumirim. Assim foi feito: alcancei a
nomeação de um chefe político catholico: Sr. Narciso Rabelo, a
vinda de um Prefeito Catholico, e de um tenente do exercito para
manter a ordem. A política do Dr. Alfredo Lima ficou deste modo
derrubada e o povo ficou enthusiasmado pela nova direção das
cousas. A maçonaria desmantelou-se por completo; ficando reduzida
à metade. Mais um esforço e espero que a seita codennada
desaparecerá de Manhumirim, para ceder o lugar a um único
rebanho, que é o de Jesus Cristo. A vitória está alcançada; falta
agora approveital-a, e não deixar mais entrar no governo nenhum
maçon, nem nenhum protestante
56
. (Grifos Nossos).
Notamos claramente que, no contexto de instabilidades e inquietações
da Revolução de 30, as ações do Padre Júlio Maria de Lombaerde, numa micro
historicidade, ao conseguir chefes de governo local católicos, agindo como um
legítimo representante da ordem social ameaçada por seus adversários, ou
seja, protestantes e maçons, vão de encontro e sintonizam-se com uma macro
historicidade que envolve Igreja Católica e Estado, na medida em que,
conforme nos apontou Riolando Azzi, propiciou uma reaproximação entre
essas duas instituições na perspectiva da “Neocristandade”.
Retomando o esquadrinhamento das estratégias do Padre Júlio Maria de
Lombaerde, consideraremos que em primeiro lugar, fez o que não havia feito o
Padre La Barrera, ou seja, deflagrou o conflito ao protestantismo, utilizando-se
56
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 14 verso.
63
do mês de maio, tão caro aos católicos por ser consagrado à Virgem Maria,
para fazer suas provocações aos protestantes. Tal estratégia tornou público e
notório o conflito, pois às provocações do padre, os protestantes responderam
com boletins que foram rebatidos “em conferências públicas e pelo jornal”.
De nossa parte consideramos que, ao tornar o conflito público fazendo
com que o mesmo ganhasse a imprensa escrita, o Padre Júlio Maria de
Lombaerde atingiu um número significativo da população local, pois tornou o
espaço da discussão e circulação das idéias muito mais amplo que o espaço
restrito do templo católico.
Assim, as pessoas, mesmo não freqüentando a Igreja Católica, podiam
acompanhar o desenrolar do conflito pelos jornais e tomarem sua posição ou
partido. Isso significa que uma questão que estaria constitucionalmente, pela
Constituição da República, restrita ao foro privado e civil é colocada como
questão blica, o que reforça nossa proposta de discuti-la como estratégia
política no sentido de aproximar a questão à ordem social. A julgar pelo registro
do padre e sem termos nenhum outro para contrapô-lo, seu plano funcionou
bem.
Destacamos do Livro de Tombo outras atitudes/ações do Padre Júlio
Maria de Lombaerde que em conjunto com a supracitada foram fundamentais
para a consolidação do catolicismo e da importância da Igreja Católica na
localidade.
Uma delas foi a fundação de um jornal “O Lutador” que se tornaria o
principal veículo de divulgação das posições e das idéias do Padre lio Maria
de Lombaerde, conforme veremos mais adiante, o que também daria foro
público à toda e qualquer questão, por ele levantada.
Outra ainda tinha por finalidade aglutinar, ao menos numericamente, os
leigos em favor da Igreja Católica, e se deu através da fundação/organização
de vários movimentos/irmandades que parecem ter sido bastante eficientes,
conforme sugerem os registros do Livro de Tombos até o ano de 1938.
64
Quadro demonstrativo dos movimentos religiosos da Parochia do Senhor Bom Jesus de
1929 a 1938
57
Movimentos 1928 1929/30 1931/32 1933 1934 1935 1936 1937 1938
Liga Católica
350
sócios
550
sócios
680
sócios
_ 450
sócios
_ 400
sócios
_ _
Coração de
Jesus
240
sócios
600
Sócios
730
sócios
_ 530
sócios
_ 480
sócios
_ _
Filhas de
Maria
60
sócios
100
Sócios
108
sócios
_ 102
sócios
_ 92
sócios
_ _
Cruzada
Eucaristica
82
meninos
100
Crianças
132
crianças
_ 85
crianças
_ 112
sócios
_ _
Catecismo
215
crianças
200
crianças -
_ 320
crianças
_ 412
sócios
_ _
Vicentinos
_ _
20
_
26
_
23
_ _
Congregação
Mariana
_ _ _ _ _ _ _ 22
jovens
_
Fonte: Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim
Tais movimentos eram destinados, uns exclusivamente aos homens,
como a Liga Católica, a Conferência de São Vicente de Paulo e a Congregação
Mariana, e outros às mulheres, como o Coração de Jesus e as Filhas de Maria.
Havia ainda, aqueles destinados às crianças (ou dos meninos e a das
meninas), o Catecismo e a Cruzada Eucarística (cruzadinha). Todos se
inserem numa perspectiva de controle social, pois, embora não sejam
constantes, que para alguns anos não o registro dos indicativos do
número de participantes, esses registros foram considerados porque nos
sugerem, uma preocupação em registrar, estatisticamente, o número de
pessoas/fiéis que freqüentavam a Igreja Católica e recebiam os sacramentos.
Além disso, esses registros abrangem à população como um todo, ou mais
precisamente à família: homens (pais), mulheres (mães) e crianças (filhos). Se
57
Para os anos nos quais os registros não foram feitos, encontramos alguma observação
sugerindo que os movimentos caminhavam bem, como exemplifica o registro para o ano de
1933: ”As diversas irmandades continuam ora aumento ora diminuindo em número, pela
retirada ou morte dos sócios”.
65
notarmos bem, veremos que cada um desses movimentos/irmandades
destinava-se a um membro da família, evidenciado, mais uma vez, seu caráter
de controle social.
Outros registros que nos chamaram a atenção foram os das freqüências
aos sacramentos que demonstramos nos quadro abaixo. Esses registros nos
sugerem por um lado a eficiência dos movimentos religiosos criados, que nos
indicam um aumento expressivo da participação da sociedade na Igreja
Católica recebendo a comunhão, casando e batizando seus filhos, ou seja, a
vida na Igreja, e, por outro, o eficiente mecanismo de controle social que foram
os movimentos religiosos para leigos.
Quadro demonstrativo da freqüência aos Sacramentos da Parochia do Senhor Bom
Jesus de 1929 a 1938
58
Sacramentos
/Ano
1928 1929/30 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 Total
Comunhões
11.200 30.250 41.130
57.27
6
57.19
1
63.32
5
83.73
7
74.28
4
79.95
7
97.90
9 596.259
Batizados
466 579 790 644 686 912 514 626 717 672 6.606
Casamentos
61 64 143 118 157 146 101 101 100 72 1.063
Fonte: Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim
Ainda no conjunto das chamadas “obras espirituais” do Padre Júlio Maria
de Lombaerde, as quais analisamos como estratégia para seus objetivos
missionários/políticos, destacamos a instituição de uma ordem religiosa para
mulheres, e que, por enquanto, nos limitaremos a somente mencioná-la, pois o
seu significado, no contexto de “Recristianização”, do qual o Padre Júlio Maria
foi um legítimo representante, será trabalhado em nosso terceiro capítulo,
juntamente com outras obras.
... com a autorisação do do Exmo. Bispo fundei a Congregação das
Irmãs de Na. Sa. do Ssmo. Sacramento, cujo fim é a educação da
mocidade
59
(Grifos Nossos).
58
Quanto a freqüência aos sacramentos, em 1938, Padre Júlio Maria de Lombaerde, deixava
registrado: “Quanto a Parochia, o movimento religioso tem só desenvolvido, admiravelmente de
tudo que o número de comunhões aumentaram este ano di quase 20.000, sobre o ano
passado.”
59
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 14 verso.
66
Outra ação que destacamos foi a elevação do curato à condição de
Paróquia pelo bispo da diocese de Caratinga, D. Carloto, ainda no ano de
1928, em vinte e três de setembro, ou seja, em menos de cinco meses de
posse do Padre Júlio Maria de Lombaerde.
Fazemos saber que concorrendo no Curato do Bom Jesus de
Manhumirim, deste Bispado, os requisistos canônicos para ser o
mesmo elevado a cathegoria de freguesia, pelo direito ordinário que
nos assiste, e de conformidade com os sagrados cânones, do direito
canônico, havemos por bem instituir e erigir o mencionado curato do
Bom Jesus de Manhumirim em Parochia. Terá por orago o “Bom
Jesus” e assignalamos por limites desta nova parochia os limites do
antigo districto civil dentro dos quaes se acha o novo districto de
Presidente Soares, desmembrado da parochia de São Lourenço de
Manhuassú.
60
Essa ação nos pareceu uma estratégia, menos por ter sido tomada pelo
Padre Júlio Maria de Lombaerde, pois a elevação do curato à paróquia
poderia ser feita pelo bispo Diocesano, e mais por ser uma espécie de corolário
das outras ações que o padre havia tomado, que fizeram com que o
catolicismo vivido no curato atendesse ao que era exigido para uma paróquia.
Assim, canonicamente, o Padre Júlio Maria poderia usar de certas faculdades e
prerrogativas como vigário que não tinha como cura.
Os anos de 1931 e 1932 marcaram-se pelo término de construção do
seminário considerado o mais vasto e bello prédio da cidade
61
que contava
com a presença de sessenta alunos. Outra construção, em fase de conclusão
era a Igreja Matriz. Também , para o período, o registro das construções de
capelas em outras localidades da paróquia.
Quanto aos conflitos com seus opositores, considerando os registros do
Livro de Tombo, parece-nos que as estratégias do Padre Júlio Maria de
60
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 11 e verso.
61
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 15.
67
Lombaerde tornou quase nula suas presenças, mas não as eliminou
totalmente, pois o mesmo assim registrou sobre essa questão,
Os sacramentos são bem freqüentados e o espírito religioso esta se
desenvolvendo solidamente. O protestantismo e a maçonaria
desapparecam quasi, e o espiritismo não tem adeptos notórios, nem
reuniões.
62
E ainda assim, essas outras crenças, principalmente os protestantes
abrigados na maçonaria, se não mais representavam uma ameaça real aos
interesses do catolicismo na localidade, continuariam sendo-lhe um incômodo,
pois no ano de 1938, encontramos o seguinte registro,
A lucta da maçonaria local não refreou, mas creou difficuldades onde
podia, tanto contra o patrimônio da egreja, como contra a Escola
Normal (o colégio Santa Therezinha), o Seminário e os catholicos
praticantes. Temos em Deus que tudo se modificará, tanto pela
suppressão das facções políticas, como pela influencia do novo
Bispo perto do Governo
63
. (Grifos Nossos).
Aqui, novamente, fica-nos evidente a articulação entre Estado e Igreja,
pois o padre “confia” que, pela influência do novo bispo, junto ao governo, as
querelas políticas seriam resolvidas e, mais uma vez, a maçonaria é
mencionada como inimiga, seja porque abrigou protestantes, seja porque
reunia indivíduos com interesses políticos avessos ao do padre.
Prosseguindo na análise das estratégias do Padre Júlio Maria de
Lombaerde, dedicamos um grande espaço pela sua importância ao Jornal “O
Lutador” à procura de outros registros do conflito entre o padre e seus
adversários. Infelizmente, obtivemos acesso a uns poucos exemplares do
jornal. Fundado em 1928; em 1934 o jornal possuía uma tiragem de 5.000
exemplares, o que nos leva a crer que sua circulação ia além dos domínios da
paróquia.
62
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 15.
63
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 21 verso.
68
Vale lembrar que a imprensa, conforme mencionada no primeiro
capítulo, agiu decisivamente no processo de “Recristianização”, sendo uma
faceta concreta e amplamente utilizada no Brasil pela Igreja Católica,
divulgando e caracterizando suas ações profundamente apologéticas e
contrárias aos “inimigos da verdadeira fé”.
Da leitura dos exemplares aos quais tivemos acesso identificamos
artigos que procuravam dar orientações às famílias católicas de como deveriam
proceder principalmente na educação de seus filhos e às leituras.
Assim, em 14 de janeiro o jornal publicou sobre o titulo de “Jornaes e
Collegios protestantes uma matéria, na qual era estabelecido a todos os
cathólicos certos deveres, no que diz respeito à educação dos filhos e às
leituras dos jornaes.
64
No texto o autor chama atenção aos leitores para a
existência de jornais protestantes, ateus, maçônicos e espíritas, advertindo-os
para não renovarem suas assinaturas, uma vez que eram conhecidos seus
propósitos. É interessante o jornal alertar para a não renovação das
assinaturas dos jornais, deixando-nos subentender que alguns leitores do
Lutador eram assinantes dos mesmos.
No tocante à educação dos filhos, o texto chama atenção aos leitores
para não matricularem seus filhos em colégios protestantes por descuido ou
por miserável interesse financeiro, entregando os seus filhos aos inimigos da
religião
65
. Ainda sobre essa questão, no mesmo texto, o autor se refere ao
colégio protestante de Alto Jequitibá de forma muito pejorativa,
Temos em Jequitibá um Gymnasio sem valor intelectual, como sem
valor pedagógico e sem valor moral, que visa unicamente, sob a
proteccção de certos inimigos da religião de Manhumirim arrancar a
de seus educandos, e embora seja isto do domínio publico, dito e
promulgado pelos seus próprios dirigentes, ainda catholicos que
mandam para lá seus filhos
66
. (Grifos Nossos).
64
Jornal O Lutador, edição de 14 de Janeiro de 1934.
65
Jornal O Lutador, edição de 14 de Janeiro de 1934.
66
Jornal O Lutador, edição de 14 de Janeiro de 1934.
69
A partir de tal registro, percebemos uma grande preocupação do Padre
Júlio Maria de Lombaerde no tocante à educação. Constituía-se um perigo
muito grande que a juventude de Manhumirim fosse estudar na cidade de Alto
Jequitibá, pois a orientação do colégio que existia, era profundamente
protestante.
Daí os ataques incisivos através do jornal “O Lutador e do próprio
púlpito da Igreja, para que as famílias não enviassem seus filhos para o
referido colégio . Fica-nos evidente a utilização da educação enquanto
mecanismo de catequização e formação religiosa, artifício utilizado pelo Padre
Júlio Maria de Lombaerde em Manhumirim, com a criação Colégio Santa
Teresinha e mais tarde me 1940, o Ginásio PIO XI; facetas essas do
movimento de “Recristianização”.
Na edição de 21 de janeiro de 1934, em matéria de página inteira, sob o
título de “O Lutador” e o P. Júlio Maria, encontramos um texto, assinado por
Herd, ressaltando a dedicação e o empenho na “cruzada” do Padre Júlio Maria
de Lombaerde contra os inimigos da religião considerando-o como um
inabalável batalhador. Defende ardorosamente os sagrados direitos
da Religião, e é por isso que se surgem contra elle os propagadores
da iniqüidade e do erro (..) As obras do Pe. Júlio ahi estão
confirmando o seu zelo pela salvação das almas, o seu saber, a sua
virtude
67
Em outra edição do semanário
68
localizamos um extenso artigo de
quatro páginas, praticamente todo o jornal, dedicado a rebater provocações
lançadas ao Padre Júlio Maria de Lombaerde, intitulado “Antes de tudo...
mentira: resposta ao jornal “o Evangelista”.
Quando, por ocasião do fechamento das lojas maçônicas em outubro de
1937, pelo Governo, o Padre Júlio Maria de Lombaerde estampou matéria de
primeira página com o título Fechada a Maçonaria! O Grande Oriente “abateu
columna” – o perigo continua, comemorando tal atitude.
67
Jornal O Lutador, edição 21 de janeiro de 1934.
68
Jornal O Lutador, edição de 28 de janeiro de 1934.
70
Pode-se notar que pelo título, mesmo fechada a loja maçônica por
decreto governamental isso não significaria, no seu entendimento, o fim do
perigo que ela representava, ao menos na sua paróquia e em relação aos seus
interesses, uma vez que a maçonaria em Manhumirim, ainda segundo o padre,
deu abrigo aos protestantes e congregava importantes figuras de prestigio
político local. No entanto, no texto, o padre celebrou o fechamento das lojas
maçônicas no Brasil, e por extensão em Manhumirim como o maior
acontecimento promovido pelo governo.
Ao considerá-la como ação significativa do Governo, o padre evidenciou-
nos mais uma vez a articulação entre Igreja e Estado, pois aquela instituição
era considerada inimiga da verdade, ou seja, da religião católica. Por outro
lado, o missionarismo combativo do padre Júlio Maria de Lombaerde se
mostrou ao considerar que os inimigos da religião estavam sendo punidos ou
castigados por Deus por causa de serem perseguidores da religião católica.
Assim, se fazia duplamente a “justiça dos homens” pela mão do Governo, e a
“justiça de Deus”.
Dessa forma, não a instituição recebia seus castigos, como o padre,
considerou que seus dirigentes estavam e seriam igualmente punidos pela
justiça divina. Sobre essa questão o Padre. Júlio Maria de Lombaerde escreveu
assim,
O maior acontecimento deste mez de outubro, e até um dos maiores
e mais significativos que o Governo realizou, é sem dúvida o
fechamento das lojas maçônicas, reconhecidas como centro de
communismo (...) Em Manhumirim, o povo conhece bastante o que é
a tal maçonaria, o que deseja, o que faz... Quantas calamidades ella
tem espalhado em Manhumirim!... Mas também quantos castigos ella
recebeu de Deus. Passem em revista os taes heroes do triangulo
e seus emissarios desde aquelle advogado que assignou, na
revolução, a violação de domicilio e a profanação das imagens dos
santos, até o ultimo que defendeu o processo maçônico contra o
Collegio das Religiosas. O primeiro deixou este mundo, e dizem
que o segundo está tuberculoso numa casa de saúde. E entre os
dois, quantos outros receberam o pagamento de suas obras!
69
(Grifos Nossos)
69
Jornal O Lutador, edição de outubro de 1937.
71
Foi, contudo, a edição do jornal de 25 de março de 1934 que nos
chamou mais a atenção porque nela encontramos referências ao episódio de
destruição das máquinas de tipografia do jornal, mencionado pelo Livro de
Tombo nos anos de 1929 e 1930, pelos maçons. Com o título de O Lutador
resuscitado! O texto é uma justificativa aos leitores do desapparecimento do
Lutador do theatro da luta
70
. Entretanto, o texto merece destaque por uma
razão: nele ficou muito claro para nós que, mesmo tendo perdido uma batalha
para seus opositores, o padre conseguiria consolidar o poder e prestígio da
Igreja Católica, pois conforme foi dito no Livro de Tombo, pela articulação do
Padre lio Maria de Lombaerde, os importantes cargos políticos do município
foram ocupados, por figuras locais e outras vindas de fora nomeadas pelo
então presidente Arthur Bernardes, todos católicos praticantes. Nas palavras
do próprio padre,
Graças a Deus e mercê à acção moralizadora, energica e patriótica
do incomparável e eminente Mineiro, Dr. Arthur Bernardes,
Manhumirim readquiriu a paz, a concórdia, a perfeita união de seus
filhos. Os elementos pertubadores, desordeiros do Município, em
justo castigo de seus erros e bravatas, foram exonerados e
substituído por elementos de escol, que podem garantir e realizar a
paz e a felicidade da população. O Dr. Alfredo Lima, de tristissima
memória, com a caterva de sequazes, que o cercavam, foi demitido
e para sempre alijado da política, que descaradamente deshonrava,
e hoje os destinos do nosso Município estão entregues nas mãos de
um homem a quem todos veneram e estima, por ser homem de bem
em toda a extenção da palavra; homem de progresso, de justiça, de
consummada prudência, homem de fé. Sim, o Sr. Narciso Rabelo, de
quem queremos fallar, foi nomeado Chefe político do Município,
tendo a seu lado o sr. Américo Toledo, outro elemento digno de
todos os encômios, por sua dignidade, honradez e espírito
progressista. O novo Prefeito Municipal, o digníssimo Dr. Nelson
César Pereira da Silva é um moço de raras e exepcionaes (...) de
visão e de conhecimentos administrativos práticos, além de ser um
catholico praticante, decidido, de acção e soccio da Liga Catholica.
(...) Com taes predicados o novo Prefeito encontrará em
Manhumirim, como em cada uma de suas famílias, uma ampla e
70
Jornal O Lutador, edição de 25 de março de 1934.
72
cordial sympathia, o auxilio e boa vontade de todos para felicíssimo e
fecundo governo. Com catholico praticante e de acção saberá na sua
douta e esclarecida prudência, sanar e remediar os males aqui feitos
pela nefanda seita maçônica, que empurrava e dirigia o Dr. Alfredo
Lima, fraco catholico e de nome, tornado o protector dos que, de
qualquer modo, têm combatido aqui a egreja chatholica, a única
propulsora do progresso deste logar, (...) Como o sr. Prefeito, é o
nosso digníssimo Delegado também um catholico praticante,
convencido e igualmente sócio da Liga Catholica. Elle saberá manter
com punho férreo se preciso, entre todos nós a união e a paz, e
extinguirá impiedosamente e por completo o cangaceirismo que nos
infesta com desordeiros e criminosos, que ultimamente m
implantado o terror e desassocego em nossa sociedade pacata e
ordeira(...)
71
.(Grifos Nossos)
Esse registro nos comprova mais uma vez que as ações do Padre Júlio
Maria de Lombaerde, em Manhumirim, seguiram as diretrizes de
“Recristianização”, pois ao conseguir a nomeação de chefes locais católicos,
evidenciou-nos, novamente, um contexto macro histórico marcado pela
reaproximação entre Igreja e Estado.
Por outro lado, as novas autoridades locais reuniam as características
necessárias ao novo catolicismo, no qual os indivíduos deveriam ser
praticantes e associados a algum movimento religioso e não católicos “só de
nome” ou fracos, que se deixavam influenciar por seitas não-católicas (como a
maçonaria) como era o Dr. Alfredo Lima. Assim, a Igreja Católica cumpriria seu
papel de protetora da ordem social e promotora do verdadeiro progresso.
O “Manhumirim” era, à época, o jornal oficial da Prefeitura de
Manhumirim e se encarregou de fazer circular as idéias dos opositores ao
Padre Júlio Maria de Lombaerde, bem como rebater os ataques ou atacar ao
padre e seus seguidores, e vasculhando alguns de seus exemplares
encontramos também os registros desse conflito.
Assim, na edição de 2 de abril de 1933, uma matéria que objetivou, a
nosso ver, atacar o Padre Júlio Maria de Lombaerde e sua intromissão nas
coisas da política, na medida em que o texto assinado por Manoel Bernardes
procurava definir claramente a finalidade e os limites de ação do clero.
71
Jornal O Lutador, edição de 25 de março de 1934.
73
O intromettimento do Clero nos negócios públicos, - e é um catholico
de verdade quem falla - destoa completamente do verdadeiro
sentimento que deve presidir a alma religiosa do Brasil (...) O papel
do clero brasileiro nestas horas de afflição para este bocado de
mundo sagrado, é no altar, aos pés de Jesús Sacramentado,
implorando ao Pai muito querido, com fervor, com amor e absoluta
confiança, sentimentos bons para os homens que têm de governar o
Brasil e não nos palanques públicos, desviando o coração de seus
parochianos para a política da terra, enfraquecendo-lhes (...)
72
Embora escrito na década de 30 e, por alguém que se dizia “um católico
de verdade”, a idéia por ele defendida vai à contra-mão das novas diretrizes
para a atuação da Igreja Católica no Brasil a partir da década de 20, que se
perpetuará na década de 30 com o movimento de “Recristianização”. No
entanto, será utilizada pelas páginas do jornal para fazer frente ao Padre e sua
intromissão na política que, conforme vimos, está em plena sintonia com os
novos interesses do catolicismo, ou seja, um catolicismo combativo e que
ocupe todos os espaços da sociedade, inclusive o político.
No mesmo s e ano, esse jornal publicou uma matéria na qual o Dr.
Alfredo Lima, prefeito à época, dirigindo-se a D. Carloto, Bispo Diocesano,
explicava um “mal entendido” entre seus correligionários e o Dr. Aldo Prado,
suposto presidente da Liga Eleitoral Catholica, portanto, vinculado ao Padre.
Júlio Maria de Lombaerde. Segundo o Dr. Aldo Prado, em carta ao bispo,
estava correndo perigo de morte pelo Dr. Alfredo Lima e seus amigos porque
lhe fazia oposição. O trecho da carta ao bispo foi assim publicado,
“Dr. ALDO PRADO, presidente da Liga Eleitoral Catholica, que tem
qualificado numerosos eleitores catholicos, será eliminado pelos
assassinos que cercam o prefeito, si Vossencia não tomar enérgicas
providências... Confio Vossencia não protegerá assassinos, embora
politicamente seus amigos”.
73
72
Jornal “Manhumirim”, edição de 2 de abril de 1933.
73
Jornal “Manhumirim”, edição de 27 de abril de 1933.
74
O que parece estar em jogo nesta denúncia não se tratava de questões
de amizades, mas de posições políticas. O Dr. Aldo Prado apela ao bispo para
proteger-lhe, porque se considera um representante dos interesses do
catolicismo ameaçado pelo Dr. Alfredo Lima e seus correligionários na cidade e
por essa razão estaria “qualificando numerosos eleitores cathólicos”.
Procurando “desqualificar” tal posição adotada pelo Dr. Aldo Prado, o Dr.
Alfredo Lima assim escreveu,
Nesse comunicado telegraphico, expedido, não daqui, onde os
factos se desenrolam, mas de Caratinga, onde a noticia delles deve
chegar com os accréscimos recebidos em viagem, s.exc. o sr. dom
Carloto começa por me accusar de não querer opposição nem
eleitores catholicos. Antes de tudo, sem desrespeito por s. exc., eu
terei de observar que a accusação é visivelmente oca, embora
lançada de tão alto. Si o eleitorado municipal, numa proporção de 90
por cento, está declaradamente, a meu lado, e secunda a minha
acção política, acho razoável admittir-se que no meu partido e sob a
minha orientação, uma ponderabilissima percentagem de
eleitores catholicos (...) E para mostrar como é imperdoável a minha
hostilidade aos eleitores catholicos, o senhor bispo dom Carloto
escreve, com toda as letras, que padre Julio não faz política. (...)
Ainda mais. Sabe, convencidamente, s. exc. o sr. bispo que o dr.
Aldo Prado não é o presidente da Liga Catholica local. Esta honraria
lhe está sendo atribuída para armar ao effeito e para colorir a
perseguição de que lhe queixa. Presidente da Liga é o nosso digno
concidadão, sr. Anselmo Gomes Campos, figura de relevo no
commercio e na industria do município
74
.
As páginas do Manhumirm também revelaram, ou melhor, confirmaram,
o que tanto O Lutador, quanto o Livro de Tombo nos havia deixado bem
transparente, ou seja, a existência de um conflito no qual estava em jogo a
consolidação do catolicismo enquanto fator de ordem social do qual era
representante o Padre Júlio Maria de Lombaerde.
Nesse conflito, as forças que se enfrentavam estavam assim definidas:
de um lado o sacerdote supracitado liderando os católicos, e de outro o Dr.
Alfredo Lima que, embora fosse católico, mesmo que considerado um “católico
74
Jornal “Manhumirim”, edição de 27 de abril de 1933.
75
fraco” pelo padre por causa de seu cargo político, mantinha bom trânsito com
os protestantes.
Tudo era alvo de ataques de ambas as partes, conforme nos ilustra o
trecho abaixo da edição do jornal Manhumirim que rebate um artigo do Lutador,
no qual o Padre Júlio Maria de Lombaerde, ao criticar os festejos promovidos
em Alto Jequitibá, distrito de Manhumirim, pelo colégio protestante em
comemoração ao 7 de Setembro, estava na verdade condenando a presença
do prefeito numa festividade, ainda que cívica, mas promovida por aqueles a
quem considerava “inimigos da religião”.
Ao se defender o Dr. Alfredo Lima não o fez somente destacando suas
próprias virtudes, mas fez questão de não esconder seus desafetos pelo
padre, servindo-se até mesmo de sua nacionalidade para atacá-lo,
Assignado pelo seu gerente, J. Machado, e sob o titulo Uma festa
escandalosa publicou “O lutador”, semanário catholico que se
edita nesta cidade, - uma nota, em a qual se refere com desmarcado
escândalo a uma festança protestante, que se realizou, no districto
de Jequitibá, no dia 7 de Setembro, com a assistência do Prefeito
Municipal de Manhumirim e das principaes autoridades (...) Diz o
hebdomario do rev. P. Julio Maria que “o sr. Prefeito é o protector
dos protestantes, e, de um modo particular, do gymnasio protestante
de Jequitibá...” (...) Não sou inimigo da religião catholica. Pelo
contrario. tive occasião de dizer pelas columnas do “Manhumirim”
de 29 de março de 1931, que sendo descendente de família
religiosa, educado nos princípios sacrosantos da Igreja e possuindo
uma moral toda christã, como poderei ser inimigo da Igreja,
renegando os princípios de minha educação e de minha própria
vida?”(...) Estrangeiro como é, o P. Júlio Maria, redactor de “O
Lutador”, em vez de voltar sua atenção para a vida do Prefeito
Municipal de Manhumirim, que é catholico, e tem por norma na vida
respeitar a opinião religiosa dos outros para que respeitem a sua, - o
P. Julio Maria, repito, deveria preocupar-se somente com a defesa
da religião catholica e não com outros factos! Estrangeiro que é,
vive, constantemente, a insultar brasileiros pelas columnas de seu
jornal, o que talvez não lhe fosse permittido em seu paiz de origem.
75
75
Jornal “Manhumirim”, edição de 7 de Setembro de 1933.
76
Ao ataque comemorativo feito pelo Padre lio Maria de Lombaerde
sobre o fechamento das lojas maçônicas na edição do Lutador de Outubro de
1937, a resposta de seu opositor, ou de seus opositores, veio em novembro de
1937 pelo jornal “Manhumirim”, sob o tulo de Em defesa da memória de um
amigo
O jornaleco “O Lutador”, que se edita nesta cidade, sob a direcção
do Padre Júlio Maria, em seu numero de Ourtubro p.p., falando
accerca do fechamento da Maçonaria, fez allusão a uma passagem,
cujas personagens ficaram desde logo, patenteadas aos olhos dos
que conhecem a vida local como se referindo ao saudoso Dr. Vasco
Soares de Moura e ao jovem causídico Dr. Carlos Soares de Moura.
Disse que “o primeiro deixou este mundo”, e o “segundo está
tuberculoso numa casa de saúde”. Vislumbra-se nas entrelinhas do
trecho a que nos referimos a satisfação do aludido mensário por
esse infausto acontecimento. É lamentável que um periódico, dirigido
por um sacerdote, ao envez de ter palavras de conforto, em taes
casos, sahia em campo vangloriando por um facto dessa naturesa.
(...) Em nosso nome, portanto, e no do povo manhumiriense,
protestamos energicamente contra esse gesto do Pe. Júlio Maria
(...)
76
Como não poderia ser de outra forma, o tom dos desafetos está
presente também nesse trecho que inicia por desqualificar a publicação de “O
Lutador” tomando-o por jornaleco. A repulsa à atitude do padre Júlio Maria de
Lombaerde em se vangloriar com morte e doença de seus inimigos é traduzida
em espanto pela mesma vir da parte de um sacerdote que, neste caso, deveria
ter palavras de conforto ao invés de euforia.
De nossa parte, fica-nos, como dissemos muitas vezes anteriormente,
que, para além dos desmerecimentos pessoais, profissionais ou vocacionais,
está caracterizado um conflito, que por parte do discurso do Padre Júlio Maria
de Lombaerde é tratado e usado entre posições religiosas diferentes, questões
que ganham os campos da sociedade na medida em que tanto “O Lutador”,
quanto o “Manhumirim”, se consideravam porta-vozes do “povo
manhumiriense”.
76
Jornal “Manhumirim”, edição de 7 de novembro de 1937.
77
Não é demais repetir que na construção do discurso e nas ações do
Padre lio Maria de Lombaerde, percebemos a sintonia entre a micro história
da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim com a macro historicidade,
na medida em que aquela evidenciou que havia uma reaproximação entre
Estado e Igreja a partir do movimento de “Recristianização”, que passou a
declarar e combater publicamente, ora denominando-os de seitas, ora de
comunistas, ora de erro os “inimigos da fé católica”. Sendo assim, suas atitudes
e seu vocabulário foram representativos desse novo missionarismo e
combatividade.
Capítulo 3
As Obras do Padre Júlio Maria de Lombaerde: expressões da Cultura Política
78
A hipótese que orienta a construção deste capítulo é a de que os
instrumentos empregados pelo Padre Júlio Maria de Lombaerde foram mais
que meios de evangelização e assistencialismo, pois serviram para reforçar
seus laços de dominação e clientelismo na política local expressando a Cultura
Política da qual era representante.
Antes, porém, é necessário esclarecer o que estamos aqui considerando
por Cultura Política. Nesse sentido, tomaremos como referência o texto de
Serge Berstein (1998) no qual evocando Jean-François Sirinelli a considera:
uma espécie de código e de um conjunto de referentes, formalizados
no seio de um partido ou, mais largamente, difundidos no seio de
uma família ou de uma tradição política
77
cujo surgimento, enquanto fenômeno inteligível, se deu através da investigação
pelos historiadores para explicar os comportamentos políticos.
Dessa maneira, o historiador deve considerar e tentar captar em sua
análise histórica, o papel significante que tanto os discursos codificados quanto
os rituais, gestuais e símbolos assumem, enquanto expressão daquele
conjunto de tradições, na construção de uma sociedade projetada por certa
Cultura Política.
Mais precisamente pudemos captar nos discursos codificados pelo
Padre Júlio Maria de Lombaerde através de seu jornal analisados no capítulo
anterior - seja nas suas palavras-chaves, no seu vocabulário, nas suas
fórmulas repetitivas, elementos significantes de uma Cultura Política, que
encontrará eco em suas obras, pois também essas, expressarão os mesmos
elementos da tradição a qual se vinculava o sacerdote, ou seja, a da Cultura
Política católica naquele contexto/momento histórico.
Importa também ao historiador que conduz sua análise por esse
fenômeno, considerar que numa sociedade existe uma pluralidade de Culturas
Políticas que embora se apresentem antagônicas, possuem alguma
concordância entre si.
77
BERSTEIN, Serge. A Cultura Política. In: RIOUX, Jean-Pierre e SIRINELLI, Jean-François
(org). Para uma História Cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 350.
79
Isso quer dizer que mesmo existindo uma Cultura Política dominante ela
não e única, mas convive com outras Culturas Políticas disputando o projeto e
a arquitetura da sociedade.
Em nosso caso, podemos identificar a existência de pelo menos três
Culturas Políticas que conviviam naquele contexto: a Cultura Política
dominante do Estado Republicano, a Cultura Política católica e a Cultura
Política protestante.
Se por um lado essas culturas se apresentam como antagônicas, por
outro, possuem pontos de convergência: para a Cultura Política dominante do
Estado Republicano, interessava a construção de um país ordenado no qual o
comunismo era visto como ameaça à ordem e ao desenvolvimento.
A Cultura Política católica, caracterizada por seu forte conservadorismo
e ordenamento, declarava publicamente o comunismo como inimigo. Por sua
vez, a Cultura Política protestante forjada no modelo de desenvolvimento de
países como a Inglaterra e EUA, berços do capitalismo, possuía práticas e
valores, também anticomunistas.
Uma outra questão a ser considerada é o fato de que a Cultura Política
se processa da individualidade a coletividade, ou seja, o indivíduo é inserido
em meios família, escola, trabalho, etc nos quais recebe elementos de
Culturas Políticas, mas que passam da individualidade para uma dimensão
coletiva que permite a compreensão da coesão de grupos no tocante à visão
de mundo leitura do passado e projeção do futuroda qual o vocabulário, os
símbolos, os gestuais e os rituais são expressões.
Ora, acaso não foi justamente isso que aconteceu ao Padre Júlio Maria
de Lombaerde? Se recorrermos aos seus dados biográficos e sua trajetória
missionária apresentados no catulo primeiro desse trabalho não
verificaremos exatamente esse processo? Pois bem, aqui podemos concluir
que, sendo a Cultura Política um dos elementos da cultura de uma sociedade,
que diz respeito aos fenômenos políticos, permite-nos, enquanto historiadores,
um “lugar” de observação e compreensão/explicação de como os homens
transferem/carregam para o espaço/ação da política os valores, crenças, leitura
do passado, visão do futuro, adquiridos em outros espaços sociais, tais como a
família, a escola, o trabalho, através de seus comportamentos políticos.
80
Estando à frente da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, o
Padre Júlio Maria de Lombaerde empreendeu uma ousada obra que contou
com a criação de um Seminário, duas Congregações Religiosas, uma
masculina e outra feminina, a saber: o Instituto dos Missionários Sacramentinos
de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento e o Instituto das Irmãs
Sacramentinas de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, um Colégio, um
Asilo, um Hospital, um Patronato para crianças pobres e mais tarde em 1942,
fundou o Ginásio Pio XI, um prédio anexo ao Seminário Apostólico.
Entretanto, para verificarmos nossa hipótese de trabalho, tomaremos
duas dessas obras o Seminário Apostólico e o Colégio Santa Teresinha
como representativas de sua ação política no município.
A escolha dessas obras se justifica porque as duas atendiam as
prerrogativas do movimento de Recristianização empreendido pela Igreja
Católica. vimos que um dos pilares daquele movimento foi a preocupação
com a formação de um clero nacional concatenado com a demanda da
sociedade brasileira, que os padres e missionários atuantes na
evangelização no Brasil advinham de congregações estrangeiras.
a segunda obra, destinava-se a atender a comunidade local (e
regional) através da instrução formal, atraindo, com isso, para o movimento da
Cultura Política católica a sociedade civil.
Seguiremos o mesmo caminho trilhado para a elaboração do nosso
segundo capítulo; recorrendo ao Livro de Tombo para extrair os registros
referentes à fundação do Seminário Apostólico e do Colégio Santa Teresinha e
aos jornais O Lutador e o Manhumirim.
Entretanto, também utilizaremos outros materiais que não chamaremos
de fontes, ao menos não no sentido histórico, que foram produzidos a
posteriori aos acontecimentos aqui trabalhados, e que o o livro História dos
Missionários Sacramentinos I Volume (1878-1944) escrito pelo Padre
Demerval Alves Botelho, e dois artigos do livro A Igreja no Brasil: da
apologética a renovação Pastoral, de Riolando Azzi, porque neles encontramos
informações relevantes e expressivas obtidas junto a outros registros; esses
sim históricos, e aos quais não tivemos acesso, como, por exemplo, as
81
memórias da Madre Maria Beatriz Frambach
78
, importante religiosa que
auxiliou ao Padre lio Maria de Lombaerde na fundação, organização e
direção do Colégio Santa Teresinha e do Instituto das Irmãs Sacramentinas de
Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento.
Assim, tentaremos demonstrar como, através dessas obras, podemos
captar os elementos significantes e significações da Cultura Política da qual o
Padre Júlio Maria de Lombaerde foi legítimo representante.
Em relação ao Seminário Apostólico, no inicio de sua construção,
podemos notar a presença do ritual da benção, um elemento da tradição
católica que nos parece traduzir a crença de que sendo aquela obra
consagrada a Deus, dele obterá proteção para o sucesso. Vejamos como nos
narra esse acontecimento o Padre Demerval Alves Botelho:
Certo dia, teve uma agradável surpresa. Seus amigos tinham
preparado a “festa do tijolo” para o dia 21 de abril, domingo. Após, a
missa das 9h, ao lado dos alicerces já abertos, colocaram uma mesa
e uma cadeira para ele, e foram chama-lo. Chegando e, ao ser
informado do que se tratava, sobe na cadeira e dirige-se ao povo
nestes termos: “Meus queridos amigos, vamos benzer o primeiro
tijolo para o Seminário Nossa Senhora do SS. Sacramento”
79
.
78
“Era natural de Piracambi – RJ, onde nasceu a 27.11.1896. Recebeu na pia batismal o nome
de Adélia Maria. Foram seus pais, Carlos Augusto Frambach, de descendência alemã, e D.
Marcelina Fanei, de origem italiana. O padrão de vida da família era de classe média. Gente
honesta, temente a Deus e dedicada ao trabalho. O pai era homem alegre e expansivo; a mãe,
porém, de ar circunspeto, mas de uma piedade admirável. Por essa razão, marcou, muito os
filhos e os educou para a fé. Adélia estudou piano. Exerceu as funções de professora de piano,
de organista na Igreja Paroquial e pianista do cinema mudo pertencente à Paróquia do
Realengo, para onde a família se mudara. Desde criança, Adélia revelava a grandeza de sua fé
e distinguia-se pela piedade. A vocação religiosa lhe despontou no coração aos oito anos de
idade, quando sua mãe se achava gravemente enferma. Em troca de sua saúde, prometeu a
Deus consagrar-se a Ele, entrando para o Convento. Recebeu, em família, boa e sólida
formação religiosa e humana. Por isso tornou-se uma mulher de profunda piedade e de firmeza
de caráter. Era muito reta e definida nas suas atitudes. Além do mais, sabia sofrer e enfrentar
os embates da vida sem se abater, bem como superar as dificuldades com otimismo e
confiança em Deus. Aos 24 anos de idade (em 1920), entrou para a Congregação das Servas
de Maria do Brasil (...) Depois de quase quarenta anos de governo, ela viu que era hora de
passá-lo a uma de suas filhas espirituais. Uma vez resignatária e emérita, confiou tudo à nova
Superiora Geral e passou a dedicar-se mais a vida espiritual.” (BOTELHO, Demerval Alves.
História dos Missionários Sacramentinos I Volume (1878-1944). Belo Horizonte: Editora O
Lutador, 1994, p.p. 275-276)
79
BOTELHO, Padre Demerval Alves. Historia dos Missionários Sacramentinos I Volume (1878-
1944). Belo Horizonte: Editora, O Lutador, 1994, p.287.
82
O Padre Julio Maria de Lombaerde, sem perder tempo, tratou logo de
transformar o que a princípio seria um acontecimento social: o lançamento de
uma pedra fundamental, em cerimônia religiosa, atribuindo-lhe significação a
partir de um traço da Cultura Política a qual estava vinculado e que queria
imprimir naquela comunidade.
A conclusão da construção do Seminário Apostólico se daria no ano
seguinte conforme os registros feitos pelo Padre lio Maria de Lombaerde no
Livro de Tombo para o movimento religioso de 1931 e 1932,
Foi terminado a construcçao do Seminário Apostholico que é o mais
vasto e o mais belo prédio da cidade. As vocações são numerosas
de modo que o Seminário conta neste dia 60 alunnos
80
.
e no ano de 1934, o Seminário Apostólico, segundo registros do padre,
contava com “90 alunnos”
81
. São representativas nesses registros as anotações
referentes ao número de alunos e vocações, pois nos sugerem uma idéia do
alcance que essa obra teve na comunidade.
Nas páginas do jornal O Lutador , aos quais tivemos acesso para a
realização de nossas pesquisas, encontramos notícias sobre o Seminário
Apostólico em duas edições. A primeira, do dia 18 de maio de 1930, cujo título
é O nosso Seminário Apostólico, dizia assim:
Está completamente terminada a primeira parte da obra encetada. É
apenas a terceira parte do Seminário, porém tem accomodações
para 50 estudantes; número este já quase completo, havendo uns 20
a espera de que a matrícula possa ser augmentada, para ingressar
no mesmo. A photographia que hoje estampamos reproduz apenas
os fundos da ala esquerda do edifício. É um prédio amplo, arejado,
construído com esmero, arte e todos os requisitos da hygiene
moderna. O aspecto majestoso e imponente; as proporções
admiravelmente combinadas, de modo que produz uma impressão
suave e agradável. Os fundos, com elegantes columnas e vigas de
cimento armado, tem um aspecto de força e de arte, enquanto as
janellas de feições iônicas, com molduras clássicas fazem como
80
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 15 v.
81
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 17 v.
83
entrever velhos castellos, fidalgos da edade média. Não falta nada
ao conforto dos estudantes, para que possam de corpo e coração,
applicarem-se a realização do grande e sublime ideal que
prosseguem em seus estudos: serem um dia Sacerdotes instruídos,
santos e zelosos, para trabalharem a salvação das almas. O
Seminário cuja matrícula esta completa, consta atualmente 50
alunnos, mais ou menos, adiantados em seus estudos, além de
diversos irmãos que se dedicam aos serviços materiaes e a
impressão do “O Lutador”. Visivelmente protegida por Deus, a
Instituição tem deante de si um porvir risonho, esperando poder
realizar ate o fim, a sua sublime finalidade, como e a formação de
novos Sacerdotes. A segunda parte do edifício esta iniciada, e
com a protecção divina esperamos termina-la neste anno, apesar da
crise e das dificuldades que surgem por toda a parte
82
. (Grifos
Nossos)
Ao noticiar sobre a construção do Seminário Apostólico, descrevendo
algumas das características físicas do prédio, o Padre Júlio Maria de
Lombaerde permite-nos captar algumas significações dessa obra.
Em primeiro lugar, tal obra expressa o atendimento pelo sacerdote à
exigência do movimento de Recristianização, que era a de formar um clero
brasileiro, pois fica claro no texto acima que a finalidade do Seminário
Apostólico era a de “formar novos sacerdotes para trabalhar a salvação das
almas”.
Em segundo lugar, embora o prédio seja construído atendendo as
exigências da higiene moderna, sendo amplo, majestoso e arejado, seu
aspecto reproduz a força dos velhos castelos medievais. Ora, não fora todo o
período medieval marcado pelo predomínio da Igreja Católica no controle da
sociedade?
Parece-nos que através do prédio do Seminário Apostólico, o padre
tentava imprimir naquela sociedade a importância e imponência da Igreja
Católica.
Em terceiro lugar, parece-nos que a idéia presente no ritual da “festa do
tijolo” se confirma e, ao mesmo tempo, se atualiza no prédio, agora, quase
concluído, pois o mesmo é “visivelmente protegido por Deus”.
82
Jornal O Lutador, edição, de 18 de maio de 1930, Grifos Nossos.
84
A segunda edição do jornal O Lutador que noticiava sobre o Seminário
Apostólico foi a de 14 de janeiro de 1934. Vejamos o texto:
Terminaram enfim as férias de nossos alunnos do Seminário
Apostólico. Durante um mês gozaram todos o carinho dos seus paes
e o descanço do lar paterno. O tempo passa... e mais feliz elle é,
mais depressa passa. Eis, pois os nossos sessenta alunnos
apostólicos de volta ao Seminário, após terem aberto em seus
corações a ferida da saudade; eil-os obrigados a passarem sobre a
chaga dolorida o balsamo seccativo do ideal que se descortina no
porvir. Todos lembraram daquella sentença do divino Mestre:
Ninguém que depois de ter mettido a mão ao arado, olha para trás, é
apto para o reino de Deus (Luc. IX, 62). E nenhum delles quiz olhar
para trás. Todos pretendem ser dignos do reino de Deus. Avante,
pois! Malas arrumadas; apenas umas lágrimas silenciosas, um último
abraço, e eil-os de volta, em caminho da terra da promissão, onde
não corre simplesmente o mel e o leite, como em Chanaan, mas
onde refulge o ideal da vida sacerdotal e da perfeição. Chegaram,
então, todos, alegres, deixando e trazendo saudades, e, quando,
após um mês de separação, encontraram-se de novo, houve quasi
lágrimas de satisfação. não somente voltaram, mas augmentaram e
cresceram perante Deus e perante os homens, em tamanho e em
número. Em vez de sessenta que eram, voltaram setenta e cinco.
Entraram em retiro, saccudindo durante estes dias o pó do mundo e
fervorando as aspirações do ideal sacerdotal. Após o retiro, houve
tomada de hábito, profissões triennaes, perpétuas, e hoje já
entravam de novo no rumo e prumo de seus estudos. Hoje
continuam alegres, satisfeitos, formando regimento, rivalizando na
acquisiçao da piedade e do saber. O Seminário e grande e
espaçoso, mas si o nosso R. Padre Superior continuar nesta
carreira, breve terá que construir um Seminário mais vasto. A Egreja
precisa de Sacerdotes e Apóstolos; e aqui é um viveiro de uns e de
outros. Nossa Senhora do SSmo. Sacramento continue a proteger-
nos e a abençoar os esforços heculeos de nosso querido superior, o
P. Julio Maria. A todos os caros collegas almejo as boas vindas, a
morte das saudades, a alegria da vida de Seminário, o progresso na
sciencia e na virtude, e emfim, a perseverança final. (Prof.
Semferias)
83
(Grifos Nossos)
83
Jornal O Lutador, edição de, 14 de janeiro de 1934, Grifos Nossos.
85
Daquele que deveria ser apenas um artigo de boas-vindas aos alunos
seminaristas que retornavam das suas férias, podemos fazer emergir
importantes significados do Seminário Apostólico para a comunidade na qual
fora erigido e, ao mesmo tempo, para o projeto ao qual servia, pois, mais uma
vez, a finalidade de formar sacerdotes está presente na mensagem em várias
passagens e de diferentes formas e sentidos; quando o autor alerta aos alunos
para passarem sobre suas chagas aquilo que será o bálsamo que está por vir,
ou seja, a atuação sacerdotal, o trabalho junto das almas, a atuação na
Evangelização-Recristianização do Brasil como algo muito mais gratificante
que o convívio com a família; quando os incita, para através do retiro sacudir a
poeira do mundo e fervorarem o ideal sacerdotal; ao deixar subentendido que
naquele Seminário Apostólico encontrariam as qualidades necessárias ao bom
sacerdote, pois ali, adquiririam “piedade e saber”.
Por outro lado, nos parece ser este artigo um recado muito claro para a
comunidade, e em especial, para os protestantes, que a construção do
Seminário Apostólico na cidade de Manhumirim a teria transformado numa
nova “terra prometida”, onde tanto o ideal da vida sacerdotal quanto à
perfeição, ou seja, a religião católica, encontraria as condições necessárias
para se solidificarem.
No entanto, estamos convencidos de que, ao se solidificarem tais ideais,
na verdade, se solidificava uma Cultura Política católica que, cada vez mais,
ocupava e demarcava seu espaço naquela sociedade em relação à sua cultura
antagonista, ou seja, a Cultura Política protestante reproduzindo a nível local, o
que acontecia em nível nacional.
Os desdobramentos do embate entre essas Culturas Políticas, podem
ser mais bem apreendidos através educação. Segundo Riolando Azzi (1991),
os protestantes estavam atraindo muitas famílias católicas por causa da
seriedade com a qual ministravam o ensino.
Como não poderia ser diferente, essa situação logo provocou uma
reação das autoridades católicas que trataram logo de preservar sua tradição
no ensino. No entanto, agora, sua tarefa era dupla: combater o ensino leigo
inaugurado pela República, e o ensino ministrado pelos protestantes.
Tal situação que se configurava na macro-historiciade, refletiu-se no
nível micro-histórico que estamos analisando, ou seja, na Paróquia do Senhor
86
Bom Jesus de Manhumirim, pois os protestantes haviam erguido um Colégio
no distrito de Alto Jequitibá e que fora duramente combatido pelo Padre Júlio
Maria de Lombaerde, que para lhe fazer frente fundou, em Manhumirim, o
Colégio Santa Teresinha.
Sobre o Colégio Santa Teresinha, nos registros do Livro de Tombo para
os anos de 1929 e 1930, encontramos o seguinte,
Além disso foi creado o Collegio Santa Therezinha e, com
autorização do Exmo. Sr. Bispo, fundei a Congregação das Irmãs de
Nossa Senhora do SSmo. Sacramento, cujo fim é a educação da
mocidade. O Collegio esta completamente terminado, contando com
bello prédio antigo, e de novas construcções no valor de cem contos
de réis
84
.
Assim como em relação ao Seminário Apostólico, o Padre Júlio Maria de
Lombaerde teve o cuidado de registrar o número de alunos freqüentes ao
educandário por ele fundado e dirigido pelas Irmãs Sacramentinas de Nossa
Senhora do Santíssimo Sacramento, pois no conjunto de sua ação essa obra
tinha grande importância, uma vez que através dela as famílias de Manhumirim
e região poderiam ser trazidas, ou reconquistadas, para o seio da Cultura
Política católica.
Também vale destacar a importância da Educação Católica como uma
faceta do movimento de Recristianização, do qual o Padre Júlio Maria de
Lombaerde é um fiel representante na micro-historicidade da Paróquia do
Senhor Bom Jesus de Manhumirim.
Se por um lado a educação da mocidade constituía-se num importante
meio de propagação dos ideais católicos em meio às famílias e a sociedade,
por outro, também se constituía num importante meio de sobrevivência dos
Institutos dos Padres e das Irmãs, uma vez que não mais recebiam os
benefícios financeiros do Estado Republicano.
Dessa forma, encontramos os seguintes registros: em 1931 e 1932, o
colégio possuía 140 alunnas e em 1934, 120 alunnas
85
.
84
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 14 v.
85
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 16 e f. 17 v.
87
Para o ano de 1936, o Padre lio Maria de Lombaerde não anotou a
quantidade de alunos, mas considerando seu registro podemos inferir que o
número de alunos era bem satisfatório, pois assim considerou ,
A Escola Normal tomou o mais bello impulso tendo bom número de
internos e externos que recebe uma construcçao religiosa sólida
86
.
Quanto ao ano de 1937, o Padre Júlio Maria de Lombaerde se limitou a
considerar que o movimento das Irmãs continua como no anno passado
87
.
Embora nosso foco, nesse capítulo, seja o significado que o Colégio
Santa Teresinha teve no conjunto das ações do Padre Júlio Maria de
Lombaerde, é necessária uma breve referência à fundação da Congregação
das Irmãs Sacramentinas de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, pois
conforme nota-se pelo registro feito no Livro de Tombo, anteriormente
transcrito, à criação do Colégio Santa Teresinha, seguiu-se a fundação de uma
congregação de religiosas, cuja finalidade seria a “educação da mocidade”.
Por outro lado, essa referência é importante, porque, assim como
Seminário Apostólico, visava frear o avanço protestante; a fundação de uma
congregação feminina ia no mesmo sentido.
No entanto, a referência à Congregação das Irmãs leva em conta
também que, com ela, surgiria em cena uma personagem protagonista desse
intento do Padre Júlio Maria de Lombaerde, ou seja, a Irmã Maria Beatriz
Frambach, mais tarde a Madre Maria Beatriz Frambach, cujas memórias sobre
a fundação do Colégio Santa Teresinha utilizaremos mais à frente.
Percorrendo as páginas das edições do jornal O Lutador, aos quais
tivemos acesso, encontramos mais notícias sobre o Colégio Santa Teresinha
que sobre o Seminário Apostólico.
Se para o Seminário Apostólico, as edições foram somente duas, para o
Colégio Santa Teresinha foram quatro: 14 de setembro de 1930; 27 de
novembro de 1932; 21 de janeiro de 1934 e 25 de março de 1934.
Parece-nos que essa maior ocorrência para notícias do Colégio que para
o Seminário Apostólico se justifica porque o Colégio Santa Teresinha
86
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 20.
87
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, f. 20 v.
88
destinava-se a educação formal das moças das famílias de Manhumirim e
região. Assim, o jornal O Lutador atuava como um veículo de propaganda das
atividades do Colégio para atrair as famílias da cidade e região.
Encontramos também, um artigo no editorial de janeiro de 1935, cujo
propósito foi o de rebater um artigo do jornal Manhumirim sobre o Colégio
protestante de Alto Jequitibá.
E em dois exemplares do jornal Manhumirim, um de 08 de outubro de
1933 e outro de 23 de outubro de 1938, deparamo-nos com artigos que
divulgavam a escola e o ensino dos protestantes, ao passo em que criticava a
atuação da religião católica na educação com um entrave ao desenvolvimento
do país. Por hora, reservaremos esse material. Por enquanto, voltemos ao O
Lutador.
As páginas do jornal O Lutador, dedicavam grande espaço para a
divulgação do Colégio Santa Teresinha e principalmente do trabalho das Irmãs
Sacramentinas na direção desta obra.
Em 1932 o Colégio Santa Teresinha já havia sido equiparado a condição
de Escola Normal. Em matéria de três páginas o jornal noticiava, festivamente,
o que representou aquele acontecimento para a cidade:
A equiparação da Escola Normal de Manhumirim, marca uma etapa
de elevado progresso no desenvolvimento da cidade e mesmo do
município inteiro. (...) É, pois, um horizonte novo que se abre deante
de nós, pela fundação de uma Escola Normal, horizonte de vida
intellectual e moral, de educação, de progresso e de luz. (...)
Manhumirim inteiro já conhece, de sobejo a boa e admirável direcçao
do Collegio Santa Terezinha. As alumnas, os paes das alumnas, os
fiscaes, e todos os entendidos, são unânime em exaltar os methodos
alli adaptados, o aproveitamento intellectual e moral das alumnas, a
educação esmeralda ahi recebida, a transformação de caracter
operada e o amor sincero que as alumnas dedicam as suas mestras.
(...) É o que as dignas Religiosas de Manhumirim tem procurado
desenvolver no collegio “Santa Therezinha”, e parece que o
resultado tem correspondido aos esforços das dedicadas Irmãs
Sacramentinas de Na. Sra. que dirigem o Collegio. O Collegio é
amado pelas educandas, as mestras o queridas e, como
conseqüência, as alumnas estudam, trabalham, se aperfeiçoam, com
gosto, prazer e perseverança. A instrução torna-se, deste modo, uma
89
consoloaçao, as alumnas estudam, por Amor a sciencia e educam-
se por amor a educação
88
. (Grifos Nossos)
Vamos nos deter um pouco neste trecho para capturar dele algumas
questões que consideramos relevantes. Em primeiro lugar, o Padre Júlio Maria
de Lombaerde, mais uma vez, considera que é através de seu trabalho - agora
com o Colégio dirigido pelas religiosas pertencentes a Congregação por ele
fundado - que o progresso está sendo alcançado na cidade e em todo o
município, quer dizer, na sua paróquia, pois ambos possuíam os mesmos
limites físicos.
Há, portanto, uma idéia de associação entre o catolicismo e o
desenvolvimento do progresso. Em segundo lugar, a maneira como é descrito
o trabalho das Irmãs no Colégio Santa Teresinha; o reconhecimento por parte
da sociedade e das alunas parece sugerir-nos um ambiente muito agradável e
tranqüilo marcado pela ordem, pelo respeito e pela concórdia numa espécie de
paz celestial, no qual inexistem os conflitos e transgressões tão próprios da
juventude. Fica parecendo que o Colégio era uma espécie de paraíso na terra.
Continuemos com a transcrição:
A Nova Escola Normal, sendo o prolongamento do Collegio
obedecera ao mesmo ideal, seguira o mesmo rumo, sendo dirigido
pela mesma Superiora, a digna Irmã Beatriz, auxiliada por Irmãs da
mesma tempera e por Professoras da mesma táctica. Pretendemos
formar uma Escola Normal modelo, tanto pela superioridade e a
extenção do ensino, como pelos esmero e a elevação da educação
(...) A nova Escola Normal (...) visa unicamente o progresso espiritual
e intellectual da mocidade alli educadas (...) Por isso temos
egualmente a certeza que ella será preferida por todos os paes que
desejam dar as suas filhas uma educação primorosa, uma instrucçao
sólida e fazer dellas moças de valor reconhecido, dotadas de todas
as qualidades que garantem o êxito e a felicidade
89
. (Grifos Nossos)
Façamos uma nova interrupção para considerarmos mais algumas
questões. Nota-se claramente no trecho acima a preocupação do Padre Júlio
Maria de Lombaerde em garantir aos pais que o direcionamento dos trabalhos
88
Jornal O Lutador, edição de, 27 de novembro de 1932. Grifos Nossos.
89
Jornal O Lutador, edição de, 27 de novembro de 1932. Grifos Nossos.
90
da Escola Normal seria feito pelas Irmãs, logo, aqueles poderiam tranqüilizar-
se, pois, suas filhas continuariam sendo instruídas e vigiadas por suas filhas
espirituais – as Sacramentinas.
Outro ponto neste trecho diz respeito à finalidade da nova Escola
Normal: o progresso intelectual e espiritual da mocidade. Mais uma vez, o
sacerdote associa aos ambientes educacionais católicos e mais
especificamente ao seu Colégio, o desenvolvimento intelectual. Isso sem
mencionar o desenvolvimento espiritual dentro dos valores do catolicismo.
Como não poderia faltar, na seqüência que transcrevemos abaixo, o
artigo dedica uma parte à descrição do aspecto físico do prédio e da
equipagem material. Assim, o articulista, descreve o colégio com um ambiente
moderno, agradável e aconchegante, reunindo todo o conforto e as condições
necessárias para o bom desenvolvimento do estudo e da intelectualidade, mas
não sem relacionar toda essa estrutura ao trabalho das Irmãs Sacramentinas;
quer dizer, para além de todas as vantagens físicas, técnicas e materiais, o que
realmente conta como sendo a grande razão para os pais matricularem suas
filhas no Colégio, é o fato desse ser dirigido pelas religiosas. Vejamos:
O prédio da Escola Normal (...) e um dos melhores e mais bem
localizados da cidade (...) elle reúne todas as condições de conforto
e de hygiene que requer um educandário moderno e modelo. A
Escola Normal, construída de accordo com as prescripçoes da
hygiene e da pedagogia moderna, consta vastos dormitórios bem
arejados, optimas salas de aula com mobiliário adequado ao fim a
que se destinam, confortável refeitório, jardins e parques de recreio,
rede de água quente e fria, luz electrica unilateral, conforme as
ultimas prescripçoes scientificas. Nada falta no mobiliário para o
estudo das sciencias, como sejam: mappas, quadros, modelos, bello
e completo gabinete de physica e chimica, museu de historia natural,
aulas e modelos de desenho, pintura, de musica, de bordados, de
trabalhos de pyrogravura, etc, etc, (...) A alimentação do Collegio e
de primeira ordem, sob a direcçao de Irmãs habilitadas que
proporcionam e adaptam a alimentação as pessoas, ao tempo, e as
occupaçoes das educandas
90
. ( Grifos Nossos)
90
Jornal O Lutador, edição de, 27 de novembro de 1932. Grifos Nossos.
91
Também esse trecho lança-nos alguma luz sobre o que se ensinava,
além dos valores do catolicismo, às alunas do Colégio, pois os artigos
anteriores somente informavam que a educação ministrada no Colégio era das
melhores. Assim, as educandas recebiam no tocante à instrução intelectual os
ensinos da física, da química, da biologia, da geografia e do francês, língua
materna do Padre Júlio Maria de Lombaerde, além de ser uma língua
ensinada nos educandários, na respectiva época; ressalte-se, além dos
trabalhos manuais com agulhas e pinturas.
Por fim, recortamos nesse artigo um último trecho que nos parece ainda
mais esclarecedor de que o verdadeiro valor do Colégio Santa Teresinha e,
agora, da nova Escola Normal, residia na presença das Irmãs Sacramentinas
direcionando os trabalhos pedagógicos e na permanente vigilância das alunas
e na defesa dos interesses católicos frente ao protestantismo:
A correspondência epistolar será permitida com pessoas da
família. As alumnas não poderão, sem expresso consentimento da
Directoria, ter livros extranhos ao estudo, receber jornaes ou
revistas
91
. (Grifos Nossos)
Chamou-nos atenção nesse trecho a proibição do recebimento de
jornais e revistas, mas muito provavelmente, daqueles que não fossem
católicos, pois, com toda certeza as alunas poderiam ler os editorais do jornal
O Lutador. Aliás, sobre a existência daqueles e o perigo que representavam, o
próprio Padre Júlio Maria de Lombaerde, em nota na edição de janeiro de
1934, assim considerou:
Ao começarmos o anno novo é bom lembrar, mais uma vez, a todos
os catholicos certos deveres rigorosos no que diz respeito a
educação dos filhos e as leituras dos jornais. Um catholico, que tem
um pouco de brio religioso e de respeito à religião que professa, não
deve tomar assignaturas de jornaes anti-catholicos, que offendem,
insultam e blasphemam a nossa santa Religião. Há jornaes
protestantes, espíritas , atheus, maçônicos. Não é preciso enumera-
91
Jornal O Lutador, edição de, 27 de novembro de 1932. Grifos Nossos.
92
los mais, pois nos são demais conhecidos pelos seus redactores,
proprietários e pelos artigos anti-religiosos que publicam. Catholicos,
não renovae estas assignaturas, nem comprae números avulsos de
taes jornaes
92
.
O jornal O Lutador de 21 de janeiro de 1934 também noticiou sobre o
Colégio Santa Teresinha e o tom não era diferente dos artigos anteriores:
divulgar o Colégio, ressaltar suas vantagens físicas, técnicas, e pedagógicas,
mas principalmente, destacar o trabalho das Irmãs Sacramentinas na condução
dessa obra intelectual, moral e espiritual como o verdadeiro alicerce desse
empreendimento como nos sugere o trecho abaixo:
As dignas Irmãs Sacramentinas, que a dirigem, são conhecidas,
sendo do conhecimento público tanto a sua competência educativa,
como o carinho com que cercam as alumnas. Com tal base, a Escola
Normal pode encarar o futuro e rivalizar com qualquer outro
estabelecimento de educação
93
. (Grifos Nossos)
Finalizaremos as análises dos jornais O Lutador com o editorial de 25 de
março de 1934. Este artigo pareceu-nos uma apoteóse do que o Colégio Santa
Teresinha representou naquele contexto para a Paróquia do Senhor Bom
Jesus de Manhumirim e para o projeto de mão dupla do qual fazia parte, ou
seja, recristianizar e obstacularizar o avanço protestante na região.
Tratou-se do comentário de uma exposição dos trabalhos das alunas do
Colégio, por ocasião do aniversário de sua diretora, a Rev. Irmã Beatriz.
Contudo, a nosso ver, ao expor para os familiares e outros visitantes o
trabalho das alunas, na verdade demonstrava-se o trabalho das Irmãs, ou
melhor, o sucesso do trabalho daquelas religiosas junto às moças, pois em
momento algum, o texto faz menção à capacidade intelectual e habilidades
manuais das alunas:
Acceitamos jubilosos o gentil convite que nos enviou o Collegio
Santa Theresinha para assistirmos a uma festinha promovida por
92
Jornal O Lutador, edição de, 14 de janeiro de 1934.
93
Jornal O Lutador, edição de, 21 de janeiro de 1934. Grifos Nossos.
93
suas alumnas a sua querida directora, por seu anniversário, vermos
a sua primeira exposição de trabalhos de suas educandas. (...) As 2
e ½ horas da tarde do dia 27 de novembro, alli chegamos, sendo
gentil e graciosamente recebidos no salão do Collegio pelas
Revmas. Irmas Sacramentinas de Nossa Senhora, que
recepcionavam (...) famílias e visitantes que accorriam com o mesmo
fim. (...) achamo-nos de repente diante de uma verdadeira loja de
variedades, tal a quantidade e diversidade de cousas curiosíssimas
expostas. É quasi inacreditável, sobretudo a quem conhece bem
esta cousa de educação, que, em tão exíguo espaço de tempo
pudessem as educandas desse collegio apresentar tão grande quão
variada copia de trabalhos, com tal perfeição e cuidadíssimo esmero.
(...) Limitamo-nos a dizer que, não no arranjo e disposição de
tudo, como no acabamento do menor e do mais insignificante
detalhe imperava a visível e palpavelmente o cunho acurado do
ensino da mestra, segura e desvelada, que a tudo presidiu e guiou
nas linhas rígidas da perfeiçao e da esthetica, sem faltar comtudo, a
simplicidade (...) Eram cardenos dos exames de exercícios annuaes
fallando pelo capricho, zelo e distinctas notas que os exornavam,
quer fossem de línguas, mathematicas, música, desenho ou pintura
(...) Os trabalhos de agulha bordados, ponto a jur e confecções
varias condiziam-se com os de arte e pintura, em florões, almofadas
e almofadões, travesseiros, fronhas, atoalhados, centros de mesa,
cortinados, chapeos e entietes de toda sorte e espécies (...)
Verdadeira maravilha para um estabelecimento tão novo e em
interior tão longiquo
94
. (Grifos Nossos)
Na procura de indícios que informassem sobre a questão entre o ensino
religioso ministrado no Colégio Santa Teresinha, e o ensino protestante
ministrado em Alto Jequitibá, recorremos às páginas do jornal Manhumirim e
na edição de 08 de outubro de 1933 e encontramos um artigo divulgando a
Escola Normal Evangélica de Alto Jequitibá:
Acaba de ser concedida a Escola Normal anexa ao Ginásio
Evangélico de Alto Jequitibá a inspeção permanente, tendo sido
nomeado para a sua fiscalização o sr. Jose Borges de Morais, diretor
do grupo escolar de Guarani (...) Não como encarecer os
94
Jornal O Lutador, edição de, 25 de março de 1934. Grifos Nossos.
94
resultados que advirão dessa concessão, pois, com ela, não só fica o
nosso município dotado de mais um estabelecimento de ensino de
organisaçao modelar, como toda a vasta zona leste do nosso Estado
adquirira uma fonte salutar de ensino secudário oficialisado, na altura
de preparar, proveitosamente, aqueles que desejarem abraçar a
árdua carreira do magistério. Não isso: a Escola Normal, que
surge tão promissoramente e mais um atestado brilhante da cultura
do distrito de Presidente Soares e da vitalidade magnífica do Instituto
de Educação que, dispondo do Ginásio Evangélico uma
expressão nítida do progresso e eficiência do ensino secundário no
país – ainda procura disseminar, num círculo mais amplo, a instrução
proveitosa e a educação neste momento de graves inquietações
95
.
(Grifos Nossos)
Ao celebrar a instalação de uma Escola Normal num distrito protestante
da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, o jornal evidenciou mais
uma vez, o enfrentamento entre as Culturas Políticas católica e protestante.
De acordo com o texto o distrito de Presidente Soares, povoado pela
maioria de protestantes que vieram para essa região, é apresentado como
brilhante ponto cultural no conjunto do município.
Outro aspecto a ser destacado é o fato do autor do artigo considerar
que, a partir do estabelecimento da Escola Normal evangélica o município e
toda a zona leste adquiriram uma fonte salutar de ensino.
O que isso significava? De nossa parte, acreditamos ser o fato do
Colégio ser evangélico, principalmente se levarmos em conta o artigo publicado
no editorial de 23 de outubro de 1938 que, a nosso ver, traduz bem os valores
e crenças desse jornal, e portanto, a Cultura Política do qual era porta-voz, ao
considerar que,
Os sábios rumos da Educação Cristã tem mais que qualquer outro
fator contribuído para a grandeza e esplendor dos Estados Unidos e
Inglaterra. Nós, infelizmente, não temos recebido os influxos
vitalizadores da mais sabia das educações a do Cristianismo puro,
porque temos sofrido a influência nefasta de uma religião como a
dominante, que de cristã nem o rótulo tem, e daí, o descalabro moral
e os calipses sociaes que obumbram e ofuscam todo o esplendor
95
Jornal O Manhumirim, edição de, 08 de outubro de 1933. Grifos Nossos.
95
incomparável de uma ética e de uma pedagogia de um valor sem
rival entre os valores. Como exemplo da superioridade absoluta da
genuína educação cristã, relembre-se os Estados Unidos e a
Inglaterra, que são, inegavelmente, as maiores potências do mundo.
E a vitória da Educação Crista!
96
Também o jornal Manhumirim utilizava-se de suas páginas para divulgar
o estabelecimento de ensino dirigido pelos protestantes destacando suas
instalações, recursos técnicos e pedagógicos conforme publicidade veiculada
na edição do dia 03 de dezembro de 1933, na qual lê-se:
Prédios confortáveis Instalações Modernas Material Didático de
Primeira Ordem Ótimos Gabinetes de Física, Química e Museu de
Historia Natural Corpo Docente Idôneo e Inscrito no Registro de
Professores da Diretoria Geral de Educação Método Direto para o
ensino de Línguas Magnífica Praça de Desportos para Exercícios
Físicos, “FOOT-BALL”, “BASKET-BALL” E “VOLLEY-BALL”
97
.
A julgar pelos textos publicados no jornal, parece-nos que no tocante a
estrutura física, cnica e pedagógica, tanto o Colégio católico quanto o
protestante, reuniam boas condições para o ensino; por essa razão, fica-nos
ainda mais evidente a preocuapação que teve o Padre Júlio Maria de
Lombaerde em destacar o trabalho das Irmãs Sacramentinas como o grande
diferencial de seu educandário.
Pelos textos anteriormente analisados, inferimos que a disputa entre as
Culturas Política católica e protestante fez da educação um campo forte na
atração das famílias para suas esferas de influências, além da disseminação
de seus ideais, e se, por um lado, se apresentam antagônicas, por outro, nos
permite pinçar algum ponto de convergência, na medida em que, tanto uns
quanto os outros, através de seus sistemas educacionais, apresentavam-se
como construtores do progresso para a cidade e região.
Apenas para dar ao leitor uma dimensão da disputa que estamos aqui
caracterizando, recorreremos a um último exemplar do jornal O Lutador de
janeiro de 1935, no qual um articulista, identificado por “Ex-pastor Ouriço”,
96
Jornal O Manhumirim, edição de, 23 de outubro de 1938.
97
Jornal O Manhumirim, edição de, 03 de dezembro de1933.
96
ataca o educandário de Alto Jequitibá com sentenças desafiadoras e que
desmerecem tanto sua estrutura física quanto pedagógica, mas deixando bem
claro o real motivo de tanto desafeto para com o estabelecimento: trata-se de
uma instituição evangélica ainda freqüentada por moças de famílias católicas,
sendo portanto, necessário resgatá-las para o seio do catolicismo. Não havia
melhor maneira para fazer isso sem ser a desmoralização da Escola Normal de
Alto Jequitibá e a intensa divulgação do trabalho das Irmas Sacramentinas no
Colégio Santa Teresinha:
Cada Domingo, quando chega o jornal local Manhumirim deparamos
ali com um enorme annuncio, com o titulo que seria suggestivo, si
não fosse ridículo: Instituto de Educação de Alto Jequitibá. Cursos:
Primário, Normal, Gymnasial, Dactylographia e Linha de tiro.
Internato e externado, etc. etc. (...) Julgando de longe, e pela leitura,
o tal annuncio, tem-se a impressão de estar em frente a um
educandário modelo, grandioso, imponente de reputação mundial.
Mas, chegando em Jequitibá, que desilusão! E uma miséria! Casas
sem jeito, sem ordem, sem organização! Professorado que nem
merece este nome! (...) Onde esta a tal Escola Normal? Queira nos
dizer o numero de equiparação de tal Escola? (...) O Sr. Cícero e
incapaz de exhibir taes documentos; e vive ali como um um
escamoteador público, a enganar pobres paea de família, mocinhas
incautas, fazendo-lhes acreditar que a sua Escola Normal está
equiparada e que os diplomas são títulos authenticos de professoras
(...) dizem que no ano passado para enganar os paes e as alumnas,
o ilustre Cícero entregou diplomas de Normalistas, anneis de
Professoras, fazendo acreditar as victimas de sua exploração, que
podiam considerar-se Professoras, diplomadas (...) E para as
alumnas catholicas, o único proveito que ali tiram, e talvez a perda
de sua fé, deante das calumnias do fanatismo protestante que
impera em tal instituto de educação que não passa de insitutuo de
perversão
98
(..) (Grifos Nossos)
Finalizaremos este capítulo recorrendo ao trabalho de Riolando Azzi
(1991), mais especificamente, os recortes da memória da Irmã Maria Beatriz
Frambach, a primeira diretora do Colégio Santa Teresinha e que, como
98
Jornal O Lutador, edição de janeiro de 1935. Grifos Nossos.
97
dissemos anteriormente, foi personagem importantíssima para o sucesso
daquela empreitada.
Através de seu Histórico da Congregação, a Madre Beatriz, como era
chamada, legou-nos algumas informações relevantes sobre o significado do
Colégio Santa Teresinha naquele contexto de disputa entre as Culturas
Políticas católica e protestante:
D. Carloto, que queria impedir o reconhecimento oficial da Escola
Normal protestante de Jequitibá, propôs a fundação de uma aqui e
me falou nisso. Disse-lhe eu de pronto: Excelência, uma Escola
Normal aqui? É muito cedo para isso. Não temos elementos. Ele
calma e bondosamente me explicou: - Minha filha, é uma
necessidade urgente iniciarmos uma escola católica. Não posso
permitir que os protestantes reconheçam a deles. Pense bem nas
conseqüências futuras, se eles conseguirem se oficializar. Sonde as
possibilidade de início e o mais Nosso Senhor mandara a seu tempo.
(...) A maçonaria e os protestantes e que não viram com bons olhos
essa iniciativa
99
. (Grifos Nossos)
Fica claro neste trecho que, em se tratando de educação, ao menos na
Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, os protestantes se achavam
bem a frente dos católicos, daí a urgência do bispo em, logo no início de
funcionamento do Colégio Santa Teresinha, fundar uma Escola Normal, ainda
que não dispusessem das condições necessárias para tanto, mesmo porque,
de acordo com o bispo, a providência divina se encarregaria de trazer o que
faltava a seu tempo. Fica claro também que tanto o Colégio quanto a Escola
Normal foram fundados com a finalidade de frear o avanço dos protestantes na
região, assumindo assim o seu papel de instrumento chave no processo de
Recristianização da região através da educação.
Se a providência divina se encarregou de trazer o que faltava, não temos
condições de saber, mas o reconhecimento da Escola Normal ou a sua
equiparação foi um processo custoso, em parte porque estava a política local
naquele período dominada por maçons e protestantes e que nada teve de
99
Histórico da Congregação escrito por Madre Beatriz, 1929 a 1936, apud AZZI, Riolando. A
Igreja no Brasil: Da Apologética à Renovação Pastoral a atuação do Padre Júlio Maria e das
Irmãs Sacramentinas de Nossa Senhora. Volume I (1912-1987). Belo Horizonte: Editora O
Lutador, 1991, p. 199.
98
divino, pois contou com influências do bispo, D. Carloto e do Padre Júlio Maria
de Lombaerde junto ao governo, através de familiares do referido bispo, que
ocupavam posições políticas de destaque, evidenciando, mais uma vez na
micro-historicidade, a reaproximação entre Igreja Católica e Estado que vinha
se processando na história do país, a partir da década de 1920, através do
ideal da Neocristandade. Vejamos o que a Madre Beatriz Frambach relatou
sobre isso:
Em fevereiro, percebendo o inspetor que nada se conseguiria por
correspondência, telefonou para e me aconselhou a ir a Belo
Horizonte, a fim de tratar pessoalmente com o Secretario da
Educação. Preparamos uns documentos que haviam sido pedidos.
D. Carloto me deu um cartão para o Dr. Belisário Távora e outro para
o ministro Juarez Távora, e sozinha parti para o Rio de Janeiro e de
la iria para Belo Horizonte. (...) Chegando ao Rio, me hospedei com
minha família... Fui ao Dr. Belisario Távora, apresentei-lhe a carta,
recebi dele um cartão para o ministro da Fazenda Juarez Távora e
uma recomendação do Diretor Geral da Instrução em Minas, Dr.
Noraldino de Lima. Chegando a Belo Horizonte, fui a Secretaria e,
munida do cartão do Sr. Ministro, fui logo atendida pelo Diretor Geral.
Ele me ouviu e disse: - O decreto será assinado hoje. A senhora
pode esperar sua publicação no Minas de amanhã.
100
Ainda junto ao histórico feito pela Madre Beatriz, logo no primeiro ano de
funcionamento do Colégio Santa Teresinha, nos deparamos com um registro
no mínimo intrigante e que inquietou-nos enquanto historiador.
Embora pareça causar uma digressão em nossa análise, o
consideraremos somente pelo fato de ter nos suscitado alguns
questionamentos que, infelizmente, ou pelo menos dentro da proposta desse
trabalho, ficaram sem respostas.
Tudo parece ter sido causado pela fuga de duas candidatas ao noviciado
da Congregação Sacramentina que foram buscar refúgio na casa do prefeito,
inimigo político do Padre lio Maria de Lombaerde. No dia seguinte a esse
100
Histórico da Congregação escrito por Madre Beatriz, 1929 a 1936, p.15, texto
mimeografado, apud AZZI, Riolando. A Igreja no Brasil: Da Apologética à Renovação Pastoral
a atuação do Padre Júlio Maria e das Irmãs Sacramentinas de Nossa Senhora. Volume I
(1912-1987). Belo Horizonte: Editora O Lutador, 1991, pp. 202-204.
99
ocorrido, a freqüência das alunas ao Colégio era pouca e as que haviam
comparecido exigiram esclarecimentos:
As irmãs sabem o que escreveram pelas calçadas, nos muros nas
paredes de algumas casas? Cadê as freiras? Por que fugiram? Ou
em outros: Por que deixaram o convento? As ruas estão
movimentadas e todos comentam a fuga das irmãs
101
.
O fato é que, a partir disso, estabeleceu-se uma indisposição por parte
do povo de Manhumirim em relação ao Padre Júlio Maria de Lombaerde e às
Irmãs Sacramentinas, conforme a própria Madre Beatriz narrou:
Escrever o que foi para mim esse dia 3 de novembro de 1930, é
impossível. Deus sabe o que senti, sofri e recalquei no intimo da
alma. Uma Filha de Maria que nos veio visitar, contou-me: a Irmã
Margarida não ficou aqui, porque ela e a única filha de família que
existe aqui dentro. O Colégio ficou reduzido a 40 alunas no total.
Passamos um mês sem sair de casa para coisa alguma. Nosso
fundador teve o cuidado de nos cercar de atenções, vindo dar-nos a
sagrada comunhão diariamente e ate as missas do domingo eram
celebradas aqui (...)
102
No entanto, as coisas não cessaram por aqui, pois vários boletins foram
espalhados na cidade difamando e atacando a moral do Padre Julio Maria de
Lombaerde e alertando aos pais para não permitirem que suas filhas
freqüentassem o Colégio Santa Teresinha para não terem contato com o
sacerdote que havia transformado o Colégio em templo de profanação. Sobre
esses boletins a Madre Beatriz narrou:
101
Histórico da Congregação escrito por Madre Beatriz, 1929 a 1936, p.15, texto
mimeografado, apud AZZI, Riolando. A Igreja no Brasil: Da Apologética à Renovação Pastoral
a atuação do Padre Júlio Maria e das Irmãs Sacramentinas de Nossa Senhora. Volume I
(1912-1987). Belo Horizonte: Editora O Lutador, 1991, p. 195.
102
Histórico da Congregação escrito por Madre Beatriz, 1929 a 1936, p.15, texto mimeografado,
apud AZZI, Riolando. A Igreja no Brasil: Da Apologética à Renovação Pastoral a atuação do
Padre Júlio Maria e das Irmãs Sacramentinas de Nossa Senhora. Volume I (1912-1987). Belo
Horizonte: Editora O Lutador, 1991, p. 195.
100
Esses boletins foram pregados nos muros, postes, paredes e
espalhados pelas ruas. Houve gáudio de uns, indignação de outros,
mas ninguém tomou a causa ou se bateu por ela... Ninguém se deu
ao cuidado de apagar os escritos dos muros nem tirar os tais
boletins. Foi o Pe. Superiror mesmo quem mandou um empregado
faze-lo. So então ele nos permitiu sair novamente para irmos a
matriz. Quantas vezes, ao passar por varias senhoras, elas me
viravam as costas ou diziam piadas salgadas, para que ouvíssemos.
Tempo amargo e difícil de se atravessar foi aquele. So Deus sabe o
quanto sofremos.
103
Segundo a Madre Beatriz a situação foi aos poucos retornando a
normalidade e em 1931 tudo havia voltado ao normal. Tal episódio narrado
com tanta tristeza e decepção pela Madre Beatriz Frambach, lança-nos mais
dúvidas que certezas. O que de fato teria acontecido? Não é curioso que após
as Irmãs terem se refugiado na casa do inimigo político do Padre Júlio Maria de
Lombaerde ocorra todo esse desfecho?
Quem teria escrito os boletins? Por que ninguém havia tomado a defesa
pública do Padre Júlio Maria de Lombaerde? Se que esse episódio é mais
uma faceta da disputa estabelecida entre os católicos e os protestantes
naquele momento? A situação teria voltado verdadeiramente à normalidade
sem o Padre Júlio Maria ter feito nada com o espírito aguerrido e combativo
que possuía?
De nossa parte, achamos pouco provável, sobretudo, se considerarmos
que naquele momento o Padre Júlio Maria de Lombaerde era um legítimo
representante dos interesses do catolicismo no Brasil e em nível micro-histórico
reproduzia as tendências da macro-história brasileira: as diretrizes do
movimento de Recristianização, o combate ao avanço do protestantismo e a
reaproximação entre Igreja Católica e o Estado, utilizando-se para tanto de um
instrumental que se compunha dentre outras obras do Jornal O Lutador , de um
Seminário Apostólico e do Colégio Santa Teresinha.
103
Histórico da Congregação escrito por Madre Beatriz, 1929 a 1936, p.15, texto mimeografado,
apud AZZI, Riolando. A Igreja no Brasil: Da Apologética à Renovação Pastoral – a atuação do
Padre Júlio Maria e das Irmãs Sacramentinas de Nossa Senhora. Volume I (1912-1987). Belo
Horizonte: Editora O Lutador, 1991, p. 197.
101
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decurso da construção de nossa pesquisa sobre a atuação do Padre
Júlio Maria de Lombaerde na Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim,
na temporalidade de 1928 a 1944, foi-nos revelado um importante acervo
documental constituído pelo Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom
Jesus de Manhumirim, para o período de 1928 a 1938, e também de vários
exemplares dos jornais O Lutador e Manhumirim para o período de 1928 a
1944. Todo esse “corpus” documental, além da confirmação de nossas
102
hipóteses de trabalho, permitiu-nos obter informações sobre os aspectos
sociais, econômicos, políticos e culturais-religiosos de Manhumirim e região.
Em nosso primeiro capítulo, apresentamos os conceitos dos quais nos
apropriamos ao longo de nossa pesquisa, bem como a historiografia pertinente
ao tema trabalhado para melhor analisarmos e compreendermos nosso objeto.
Nesse sentido, tal material proporcionou-nos, ao mesmo tempo, a
contextualização regional da atuação do Padre Júlio Maria de Lombaerde e a
caracterização dos grupos que lhe faziam oposição.
Assim, a partir do referencial teórico-metodológico pelo qual optamos,
principalmente o da análise do discurso e documento monumento, na
perspectiva foucaultiana, foi nos possível problematizar, confrontar e,
sobretudo, revelar as várias construções discursivas tanto do Padre Júlio Maria
de Lombaerde quanto daqueles a quem considerava inimigos.
Do conjunto das construções discursivas apresentadas no segundo e
terceiro capítulos de nosso texto, emergiu um conflito estabelecido pelo Padre
Júlio Maria de Lombaerde, que se considerava um legítimo representante e
portador da “única verdade” contra aqueles a quem chamou de inimigos. Como
vimos, tal conflito teve como palco a imprensa, através dos jornais O Lutador e
Manhumirim, cujas análises revelaram um vocabulário de guerrra, combativo,
militante e ofensivo, bem como as articulações do Padre e de seus opositores.
No que se refere aos discursos e ações do Padre Júlio Maria de
Lombaerde, esses foram reveladores de que tal personagem representava
legitimamente os interesses do movimento de “Recristianização” expressos no
ideal da “Neocristandade”, haja vista sua atuação, sobretudo, na chamada “boa
imprensa” e na educação.
Ao analisarmos a atuação do Padre Júlio Maria de Lombaerde que,
embora tenha sido revestida por um discurso missionário, marcada pelo
combate tanto ao protestantismo quanto à maçonaria e a outros possíveis
“inimigos” da Igreja Católica e fundamentada no movimento de
“Recristianização”, nós a consideramos como exemplo da sintonia entre a
micro-historicidade de uma região do interior das Minas Gerais e a macro
historicidade que envolve a Igreja Católica e o Estado.
103
No entanto, a nosso ver, o mais importante a considerar é que tal
atuação constituiu-se em exercício do poder político como expressão daquilo
que consideramos por Cultura Política.
Fontes
Livro de Tombo da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Manhumirim, para o
período de 1928 até 1938. Possui 22 folhas – frente e verso.
Exemplares do Jornal - O Lutador:
Jornal O Lutador, edição de 18 de maio de 1930.
Jornal O Lutador, edição de 27 de novembro de 1932.
104
Jornal O Lutador, edição de 14 de janeiro de 1934.
Jornal O Lutador, edição de 21 de janeiro de 1934.
Jornal O Lutador, edição de 28 de janeiro de 1934.
Jornal O Lutador, edição de 25 de março de 1934.
Jornal O Lutador, edição de janeiro de 1935.
Jornal O Lutador, edição de outubro de 1937.
Exemplares do Jornal Manhumirim:
Jornal Manhumirim, edição de 02 de abril de 1933.
Jornal Manhumirim, edição de 27 de abril de 1933.
Jornal Manhumirim, edição de 07 de setembro de 1933.
Jornal Manhumirim, edição de 08 de outubro de 1933.
Jornal Manhumirim, edição de 03 de dezembro de 1933.
Jornal Manhumirim, edição de 07 de setembro de 1937.
Jornal Manhumirim, edição de 23 de outubro de 1938.
Bibliografia
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o Futuro. edição. São Paulo:
Perspectiva, 2005.
ARÓSTEGUI, Júlio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru: EDUSC,
2006.
AZZI, Riolando. A Igreja no Brasil: Da Apologética à Renovação Pastoral.
Volume I: a atuação do Padre Júlio Maria de Lombaerde e das Irmãs
Sacramentinas de Nossa Senhora (1912 -1944). Belo Horizonte: O Lutador,
1991.
105
_____. A Igreja no Brasil: Da Apologética à Renovação Pastoral. Volume II: a
atuação do Padre Júlio Maria de Lombaerde e das Irmãs Sacramentinas de
Nossa Senhora (1945 -1987). Belo Horizonte: O Lutador, 1991.
_____. A Igreja Católica no Brasil durante o Estado Novo (1937-1945). In:
Síntese Nova Fase VII (1980), nº 19. pp. 49-71.
_____. Igreja e Estado em Minas Gerais; crítica institucional. In: Síntese Nova
Fase XIV (1986), nº 38. pp. 23-52.
BARROS, José D”Assunção. O Campo da História. edição. Petrópolis:
Vozes, 2004.
_____. O Projeto de Pesquisa em História: da escolha do tema ao quadro
teórico. Petrópolis: Vozes, 2005.
BEOZZO, José Oscar (et. al.). História da Igreja no Brasil. Tomo II Segunda
Época – século XIX. 3ª edição. Petrópolis: Vozes, 1992.
BERSTEIN, Serge. A Cultura Política. In: RIOUX, Jean-Pierre e SIRINELLI,
Jean-François (org). Para uma História Cultural. Lisboa: Editorial Estampa,
1998.
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade para uma teoria geral da
política. 12ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
BOTELHO, Demerval Alves. Anais Sacramentinos. I Parte: de 1912 a 1929.
Manhumirim: 1982, (texto mimeografado).
_____. História de Manhumirim: Município e Paróquia I Volume: (1808-1924).
Belo Horizonte: O Lutador, 1987.
_____. História de Manhumirim: Município e Paróquia II Volume: (1924-1947).
Belo Horizonte: O Lutador, 1989.
_____. História de Manhumirim: Município e Paróquia III Volume: (1947-1989).
Belo Horizonte: O Lutador, 1990.
_____. Diário Missionário do Padre Júlio Maria. Belo Horizonte: O Lutador,
1991.
_____. História dos Missionários Sacramentinos I Volume (1878-1944). Belo
Horizonte: O Lutador, 1994.
_____. Júlio Emílio. Belo Horizonte: O Lutador, 2006.
BORGES, Vavy Pacheco. História e Política: laços permanentes. In: ANPUH.
Revista Brasileira de História n° 23/24. São Paulo: Contexto: 1991.
106
_____. História Política: totalidade e Imaginário. In: Revista Estudos Históricos
n° 17. Rio de Janeiro: [S.n.], 1996.
CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. Rio de
Janeiro: Campus, 1997.
CAVALIERI, Ivan Fornazier. A Obra do Padre Júlio Maria de Lombaerde no
Brasil. Juiz de Fora: Palomar, 1977.
COSTA, José Raimundo da. Ensaios e Estudos. Belo Horizonte: O
Lutador,1997.
FAUSTO, Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira (Período
Republicano). Tomo III O Brasil Republicano. Volume 10 Sociedade e
Política (1930-1964). 9ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
_____. História Geral da Civilização Brasileira (Período Republicano). Tomo III
O Brasil Republicano. Volume 09 Sociedade e Instituições (1889-1930)
edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
_____. Perfis Brasileiros: Getúlio Vargas. o Paulo: Companhia das Letras,
2006.
_____. História Geral da Civilização Brasileira (Período Republicano). Tomo III
O Brasil Republicano. Volume 4 - Economia e Cultura (1930-1964). 3ª edição.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
_____. História do Brasil. edição. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2001.
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2002.
_____. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1998.
_____. A ordem do discurso: aula inaugural no Collége de France, pronunciada
em 2 de Dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2006.
_____. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 3 edição. Petrópolis: Vozes,
2007.
GOMES, Ângela de Castro. Política: História, Ciência, Cultura, etc. In: Revista
de Estudos Históricos. Rio de Janeiro, volume 09, nº 17, 1996.
GRIPP, Roberto (et. al). História da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá. Belo
Horizonte: Betânia Editora, 1991.
HAROCHE, Claudine. Da Palavra ao Gesto. Campinas: Papirus, 1998.
107
HOBSBAWN, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
LOMBAERDE. Júlio Maria de Lombaerde. O Perigo dos Collégios Protestantes.
Petrópolis: Vozes, 1929.
LOPES, Fábio Henrique. Suicídio: teia discursiva e relações de poder na
imprensa campineira, final do século XIX. São Paulo: UNICAMP/CMU, 2006.
LOPEZ, Luiz Roberto. História do Brasil Contemporâneo. edição. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1997.
MATOS, Henrique Cristiano José. Nossa História: 500 anos da presença da
Igreja Católica no Brasil. Tomo I: Período Colonial. São Paulo: Paulinas, 2002.
_____. Nossa História: 500 anos da presença da Igreja Católica no Brasil.
Tomo II: Período Imperial e Transição Republicana. São Paulo: Paulinas,2002.
_____. Nossa História: 500 anos da Igreja Católica no Brasil. Tomo III: Período
Republicano e Atualidade. São Paulo: Paulinas, 2003.
_____. Um estudo histórico sobre o catolicismo militante em Minas, entre 1922
e 1936. Belo Horizonte: O Lutador, 1990.
MAZARIM, Cardeal. Breviário dos Políticos. São Paulo: Editora 34, 1997.
MIRANDA, Antônio Afonso de. Padre Júlio Maria: testemunho de uma nova
igreja. 2ª edição. Belo Horizonte: O Lutador, s.d.
_____. Padre Júlio Maria: sua vida e missão. edição. Belo Horizonte: O
Lutador: 1957.
MONTES, Maria Lúcia. As Figuras do Sagrado: entre o público e o privado. In:
NOVAIS, Fernando e SCHWARCZ, Lília Moritz. História da Vida Privada no
Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
MUCHAIL, Salma Tannus. Foucault, simplesmente. Textos Reunidos. São
Paulo: Edições Loyola, 2004.
PINTO, Surama Conde. A cidade e a política: o jogo de poder na capital da
república nas primeiras décadas do século XX. In: MOURA, Ana Maria da Silva
e FILHO, Nelson Sena. Cidades: relações de poder e cultura urbana. Goiânia:
Vieira, 2005.
PINSKY, Carla (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
RAGO, Margareth. Foucault, História e Anarquismo. Rio de Janeiro: Achiamé,
2004.
108
RAIMUNDO, Heleno. Perfil do Padre Júlio Maria de Lombaerde. Traçado pela
família Julimariana. Manhumirim: O Lutador, 1993.
ROSANVALLON, Pierre. Por uma história conceitual do político. In: ANPUH.
Revista Brasileira de História n° 30. São Paulo: Contexto, 1995.
REMOND, René. Por uma História Política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
SIQUEIRA, Célio. Embaixador e Forasteiro. Biografia do Ver. Cícero Siqueira.
São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1996.
VIEIRA, Maria do Pilar; PEIXOTO, Maria do Rosário e KHOURY, Yara Maria. A
Pesquisa em História. São Paulo: Ática, 1989.
109
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo