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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
Walter José Senise
Análise da Evolução e Aplicação do Direito
na Tutela do Meio Ambiente
MESTRADO
Direito das Relações Sociais / Difusos e Coletivos
Direito Ambiental
SÃO PAULO
2009
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Walter José Senise
Análise da Evolução e Aplicação do Direito
na Tutela do Meio Ambiente
MESTRADO em Direito das Relações Sociais / Difusos e
Coletivos – Direito Ambiental
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Direito das Relações Sociais – Direitos
Difusos e Coletivos, sob a orientação do
Prof. Doutor Marcelo Gomes Sodré.
SÃO PAULO
2009
2
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FOLHA DE APROVAÇÃO
Walter José Senise
Análise da Evolução e Aplicação do Direito
na Tutela do Meio Ambiente
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Direito das Relações Sociais – Direitos
Difusos e Coletivos.
Banca Examinadora
_______________________________
_______________________________
_______________________________
3
RESUMO
Análise da Evolução e Aplicação do Direito na Tutela do Meio Ambiente
O presente trabalho tem por objetivo rediscutir a origem, evolução e aplicação do
Direito, em suas bases tradicionais, e os resultados dessa aplicação no tratamento do
Direito Ambiental. A discussão aqui adotada foi motivada a ilustrar a necessidade de o
Direito Ambiental ser efetivamente tratado como Direito Difuso, considerados os
aspectos sociológicos, econômicos e culturais, desprendidos do formalismo e
positivismo de interpretação e aplicação estanque da letra da lei. Hipoteticamente, se
assim fosse traduzido o Direito, poder-se-ia chegar à conclusão que este, o Direito,
não se traduz então como ciência e/ou não tem lugar na tutela do meio ambiente.
Palavras-chave: Evolução – Aplicação – Tutela – Meio Ambiente.
ABSTRACT
The Analysis of the Evolution and the Application of the Law
on the Protection of the Environment
The present research work analyses the evolution of the law and its efficacy to the
environmental protection, considering the character of the environmental law as the
main Diffuse Right - consequently the environmental law requires a Diffuse treatment,
no more linked with the private law traditional instruments.
Key-words: Evolution – Environment – Application
4
À Angela, minha mulher,
Em todos os momentos ao meu lado,
Mais esse nosso passo conquistado.
Aos meus filhos,
Ana Clara, Maria Luisa e João Pedro,
Uma contribuição a um Direito
Em equilíbrio com o meio ambiente.
5
Agradecimentos
Aos meus pais, José e Lydia, meus guias, por minha formação humana, segurança e paz.
Ao meu irmão, João, pelo companheirismo, impulsos e incentivo para seguir na área
Ambiental.
Às minhas queridas irmãs Amalia, Vera e Sandra, pelos exemplos, convívio e apoio de
toda hora.
Ao amigo e irmão Pedro Lunardelli, pelo estímulo e modelo de caminhada na vida e
carreira profissional.
Ao Professor, e amigo, Marcelo Sodré, pelo incentivo a esse Mestrado, pela orientação
e tranquilidade necessários a este trabalho.
À Profa. Consuelo Yoshida, pela dedicação, ensino e compartilhamento da matéria do
Direito Ambiental e contínuo apoio a este trabalho.
À Profa. Regina Villas Bôas, pelo entusiasmo e clareza na profundidade das discussões
dos Direitos Difusos, guardiões da dignidade da pessoa humana.
Ao Dr. Walter Ceneviva, pela oportunidade de convívio e trabalho, que me propiciou
conhecer o Direito, sua razão e valor.
Ao Dr. Édis Milaré, pela oportunidade de constatar a existência do Direito Ambiental e
o valor de sua aplicação.
Ao Fabio Feldmann, pelo crescimento profissional na matéria Ambiental, sempre num
caminho ético e coerente com a sustentabilidade.
À amizade, próxima e difusa, com ambientalistas como Werner Grau, Samir Murad,
Edson Braga e Luiz Carlos Aceti.
A todos que, de alguma forma, acompanharam e participaram desse trabalho.
Walter José Senise
Agosto/2009
6
Imerso no contrato exclusivamente social, o homem
político subscreve-o, reescreve-o e fá-lo observar até
hoje, unicamente como perito de relações públicas e
ciências sociais. Eloquente, retórico até,
rigorosamente culto, conhecendo os rins e os
corações e a dinâmica dos grupos, administrador
muito mediático, como convém, essencialmente
jurista, ele próprio produto e produtor do direito:
inútil ser físico.
Michel Serres
7
Índice
INTRODUÇÃO .......................................................................................10
1. Evolução do Direito....................................................................18
1.1. Direito – fenômeno histórico-social...............................................18
1.2. Lei e religião.................................................................................21
1.3. Do uso da lei para a evolução do Direito......................................23
1.4. Do uso da lei para aplicação do Direito........................................29
1.5. Lei e Segurança Jurídica .............................................................32
1.6. Lei eficaz – lei justa......................................................................38
2. Direitos Difusos......................................................................... 41
2.1. O Surgimento dos Direitos Difusos...............................................41
2.2. Um espaço definido aos Direitos Difusos.....................................43
2.3. A questão ambiental nos Direitos Difusos....................................48
2.3.1. O Direito e o meio ambiente ................................................... ....48
2.3.2. Princípios do Direito Ambiental.....................................................53
2.3.2.1. Princípio do Direito à sadia qualidade de vida.......................... 54
2.3.2.2. Princípio do Desenvolvimento Sustentável................................55
2.3.2.3. Princípio do poluidor-pagador....................................................57
2.3.3. Políticas Ambientais.....................................................................67
2.3.3.1. Política Nacional do Meio Ambiente...........................................67
2.3.3.2. Política Nacional de Educação Ambiental .................................74
8
3. Instrumentos de Proteção Ambiental ............................................ 78
3.1. Instrumentos preventivos – Aplicação dos princípios da Prevenção
e da Precaução.............................................................................78
3.2. Instrumentos corretivos - Termo de Ajustamento de Conduta.....81
3.3. Instrumentos repressivos..............................................................83
3.3.1. Do uso da sanção para a consolidação do Direito – O Direito
como poder...................................................................................84
3.3.2. A sanção como instrumento para a tutela dos Direitos Difusos..86
3.3.2.1. A sanção penal aplicada à tutela dos Direitos Difusos..............87
3.3.3. Lei de Crimes Ambientais.............................................................88
3.3.3.1. Dignidade da pessoa humana ...................................................90
4. Efetividade da legislação de tutela do meio ambiente ...........92
4.1. Lei de Biossegurança – aplicação do conceito de “biopirataria”..93
4.2. Lei de Proteção dos Mananciais ..................................................95
4.3. Código Florestal ...........................................................................98
5. Considerações finais..............................................................103
5.1. Entre o biocentrismo e o antropocentrismo................................103
5.2. O caráter técnico-científico e universal do Direito Ambiental.....105
5.3. O lugar do Direito na tutela do meio ambiente...........................106
5.4. Legislação e meio ambiente.......................................................108
5.5. Zonas de luz e o sentido do Direito............................................109
Referências Bibliográficas.................................................................112
9
Introdução
A evolução do Direito, caracterizada especialmente na observação da
necessidade de sua adequação às novas realidades formadas de tempos em
tempos, é continuamente analisada e ressaltada por juristas e pensadores
diversos, com importantes avanços. O século XX, no entanto, marcado por
guerras, conquistas e tantos avanços industriais e tecnológicos, retoma a
discussão do Direito, de forma mais concreta, somente no período final dos
anos 50 e da década de 60 em diante.
Esse fenômeno, a que Antônio M. Cordeiro (em introdução à obra de
Canaris
1
) chama de “letargia relativa”, nada tem em si de surpreendente, pois
as mudanças no Direito, tal como na língua, se dão de acordo com a realidade
cultural, em que as verdadeiras mudanças são lentas e sua percepção se dá
somente após longos períodos, ainda que variáveis de acordo com os fatos e
necessidades da nova realidade.
A este fator deve se acrescentar que é também no século XX que se dá
maior percepção da realidade social com paralelo bastante claro e crescente
da realidade científica, industrial e tecnológica, cenário que comandará um
novo mercado e definirá essa realidade social.
Para acompanhar as mudanças e o dinamismo dessa realidade social,
há necessidade de um novo Direito ou, senão, de uma forma também dinâmica
de interpretar e aplicar o Direito. Mas como fazer isto com um Direito ainda tão
limitado aos seus alicerces, de caminhos previamente definidos e restritos a
regras codificadas?
O trabalho maior percebido nos séculos anteriores foi o da consolidação
de regras, da exploração do positivismo para a fixação de conceitos e da
tentativa de fixação de valores. Havia um forte fim de codificação do Direito,
como forma teoricamente mais acertada e definitiva para nortear e organizar as
1
Claus-Wilhelm Canaris –- Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do
Direito - Fundação Calouste Gulbenkaian – Serviço de Educação e Bolsas – Introdução e
Tradução de Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro – 4ª edição, Lisboa, 2008 – página
inicial.
10
sociedades. No entanto, da segunda metade do século XX em diante, já com
tantas normas e consolidações, percebe-se que formalismo e positivismo não
são suficientes para acompanhar e resguardar um Direito dos novos tempos,
que merece maior dinamismo e atenção nas relações das sociedades para cuja
organização deve servir.
Antonio M. Cordeiro chama a atenção para esse aspecto, sublinhando
que “o primeiro óbice que se opõe ao formalismo reside na natureza histórico-
cultural do Direito. (...) o Direito pertence a uma categoria de realidades dadas
por paulatina evolução das sociedades. A sua configuração apresenta-se, pelo
menos ao actual estádio dos conhecimentos humanos, como o produto de uma
inabarcável complexidade causal que impossibilita, por completo, explicações
integralmente lógicas ou racionais. (...) O segundo obstáculo reside na
incapacidade do formalismo perante a riqueza dos casos concretos. Na
verdade, todas as construções formais assentam num discurso de grande
abstracção e, como tal, marcado pela extrema redução das suas proposições”.
Essas proposições, como aponta o autor, não são suficientes para
acompanhar a diversidade de ocorrências e respectivas soluções,
necessariamente também diferenciadas.
2
É difícil, e contínua, a tarefa de operadores do Direito e de atores sociais
diversos para definir um sistema que seja ao mesmo tempo sólido e de
flexibilidade acertada para o acompanhamento dessas ocorrências sociais e
que garanta respectivas soluções e seguro direcionamento de condutas a elas
relacionadas.
Canaris, na análise de possíveis sistemas de Direito que possam
garantir sua melhor aplicação, traz o pensamento de diversos autores, que
enfatizam o sentido do Direito enquanto aglutinador de conceitos e valores, por
vezes tão abstratos que “inteiramente inadequados para captar a unidade de
sentido, sempre concreta, do Direito”.
3
2
Antonio M. Cordeiro em Introdução à obra de Claus-Wilhelm Canaris –- Pensamento
Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito – 4ª edição, p. XX.
3
Claus-Wilhelm Canaris – Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do
Direito – p.59.
11
Entre os diversos sistemas possíveis ao Direito, o autor avalia a
aplicabilidade do sistema como relações da vida. Em raciocínio semelhante ao
de Kelsen, Canaris procura mostrar que, embora as relações humanas devam
ser consideradas na formação e aplicação do Direito, não devem ser obstáculo
à evolução do Direito nem ser confundidas com o próprio sistema de sua
construção e dinâmica. As relações humanas, as relações da vida, são objeto
do Direito, não o próprio Direito. “Não deve, evidentemente, negar-se que a
ordenação das relações da vida tenha uma influência essencial no sistema (...)
do Direito (...). Mas deve prevenir-se contra uma identificação desta ordem com
a conexão específica das normas jurídicas, pois haveria aí um sociologismo
alheio ao valor do Direito”.
4
Sobre o mesmo tema, e na mesma direção, a crítica de Bobbio mostra
que, embora a avaliação da adequação das normas de Direito à realidade
social vigente deva ser constante, não se deve confundir a validade dessas
normas com os resultados de sua aplicação – se justos ou injustos – a dizer
que somente a norma justa é válida. Observa o autor: “O que se nega é que o
juízo de valor seja idêntico ao juízo de validade, e se possa fazer depender o
juízo de validade, ao qual deve ater-se o cientista: ‘a norma X existe ou não
existe?’, pelo juízo de justiça, que é tarefa do moralista: ‘a norma X é justa ou
não é justa?’. (...) a diferença entre juízo sobre justiça de uma norma e juízo
sobre a validade da mesma norma consiste em que o primeiro é um juízo de
valor, e o segundo, um juízo de fato. Ora, fazer depender a existência da
norma de sua conformidade maior ou menor a um ideal de justiça equivale a
subordinar o juízo que somos chamados a dar, como historiadores, sobre a
existência de um fato ao valor que atribuímos”.
5
As normas são geradas a partir de demandas sociais por melhores
condições de vida, de trabalho, de ganho material, de convivência social e de
mercado. No momento de sua geração, portanto, sempre serão percebidas e
cumpridas, como objetivas e justas. E assim vai sendo consolidado o Direito.
Dado o dinamismo das sociedades, diferentes demandas surgem, sendo
4
Claus-Wilhelm Canaris – p.54.
5
Norberto Bobbio – Direito e Poder – tradução Nilson Moulin – Editora UNESP, São Paulo,
2008, p.28.
12
necessária uma normatização de condutas sociais adequada a essas novas
demandas.
Nesse mecanismo, o Direito permanece válido. Permanece válido
também o seu objetivo de ordenamento e segurança da sociedade – que não
pode ser confundido, perdido ou desacreditado em razão de necessárias
alterações legislativas ou da desordem e do jogo de interesses característicos
dos colegiados de legisladores.
O Direito não é perfeito, muito menos as normas que formam sua base.
Elas nascem da vontade humana e dos anseios sociais. Imperfeições fazem
parte mesmo de um processo aberto e democrático de discussão e formação
do Direito. Assim, refletirá da melhor forma o que é necessário à organização
social, à segurança jurídica dos indivíduos e ao resguardo de valores básicos
para a qualidade de vida. Imperfeições do Direito, embora inerentes ao seu
processo evolutivo, devem ser vigiadas, buscando-se sua correção para que
esses valores sejam protegidos.
Nesse sentido, antes de prosseguir na busca de um sistema adequado
para resguardar os valores do Direito, é importante retomar a discussão sobre
os conceitos dos próprios valores. Afinal, que valores são esses que, em dado
momento, passaram a ser observados, conquistados e definidos de forma
ordenada pelo Direito, estabelecidas regras para seu melhor uso e proteção?
Canaris retoma a discussão do Direito focada na fixação de “juízos de
valor” – estariam só nos valores singulares do legislador ou também nas
camadas mais profundas do Direito?
“Quando se fala aqui, constantemente, da adequação de valores,
pretende-se significar isso mesmo. Não se trata, portanto, da ‘justeza’ material,
mas apenas da ‘adequação’ formal de uma valoração – na qual ‘formal’ não se
deve, evidentemente, entender no sentido de ‘lógico-formal’ mas sim no sentido
em que também se fala do caráter ‘formal’ do princípio da igualdade. Por outras
palavras: não é tarefa do pensamento teleológico, tanto quanto vem agora a
propósito, encontrar uma regulação ‘justa’, a priori no seu conteúdo – por
exemplo, no sentido do Direito Natural ou do ‘Direito justo’ – mas apenas, uma
vez legislado um valor (primário), pensar todas as suas consequências até ao
13
fim, transpô-lo para casos comparáveis, solucionar contradições com outros
valores já legislados e evitar contradições derivadas do aparecimento de novos
valores. Garantir a adequação formal é, em consequência, também a tarefa do
sistema ‘teleológico, em total consonância com a sua justificação a partir do
princípio ‘formal’ da igualdade”.
6
Numa visão mais pura do Direito, por Canaris, os valores percebidos são
a justiça, a equidade e a segurança jurídica. A justiça, porém, parece suficiente
para traduzir o objeto do Direito, como seu fim e aglutinador de todos os
demais valores.
Para Alf Ross, a justiça é “a idéia específica do direito. Está refletida em
maior ou menor grau de clareza ou distorção em todas as leis positivas e é a
medida de sua correção”.
7
Esta visão de Alf Ross contribui a mostrar que a justiça é norte do
Direito. Há, nesse sentido, um caminho, uma direção a ser constantemente
perseguida, o que é importante para que não se perca a razão do Direito. No
entanto, esse caminho deve ser aberto a contribuições e alterações de leis, que
terão maior ou menor clareza, e efetividade, de acordo com o momento
histórico e social em que serão aplicadas. Quanto melhor aplicadas, maior
garantia se dará à equidade e segurança jurídica, mais justas serão as regras,
mais efetivo será o Direito.
Parece claro que, enquanto instrumento, o Direito de forma alguma
poderia ser barreira, limitador ou mesmo condição imposta à sociedade para o
seu desenvolvimento. O Direito e as normas que integram seu conteúdo devem
ser ágeis para atender à sociedade, orientando e assegurando sua
organização. Mesmo em sua necessária solidez e “pureza”, o Direito não
pretende traduzir o “ser”, mas tão somente o “dever ser”.
O Direito não se traduz somente nas normas. Estas, na verdade, servem
como instrumento para formalizar, positivar, de maneira ordenada, caminhos a
serem cumpridos pela sociedade, a fim de ver satisfeitos seus anseios para a
6
Claus-Wilhelm Canaris – Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do
Direito – p.75.
7
Alf Ross – Direito e Justiça – tradução Edison Bini – 2ª edição, EDIPRO, São Paulo, 2007, p.
313.
14
proteção de valores a que pretende ter Direito – como o valor da vida, da
propriedade, da família, da liberdade etc.
Nas palavras de Alf Ross, “o caráter normativo da ciência do direito
significa que se trata de uma doutrina que diz respeito a normas e não uma
doutrina composta de normas. Não pretende ‘postular’ ou expressar normas,
mas sim estabelecer o caráter de ‘direito vigente’ dessas normas”.
Prossegue o autor retomando a ponderação acima abordada e presente
já na doutrina de Kelsen, para dizer que o Direito não poderia pretender ser
uma ciência fechada em si mesmo. “A ciência do direito jamais poderá ser
separada da sociologia do direito. Embora a ciência do direito esteja
interessada na ideologia, é sempre uma abstração da realidade social. Mesmo
que o jurista não esteja interessado no nexo que liga a doutrina à vida real,
esse nexo existe. Reside no conceito de ‘direito vigente’ que (...) se refere à
efetividade das normas enquanto constituintes de um fato social”.
8
É nessa mesma linha de pensamento, de consideração da dinâmica dos
aspectos sociológicos, que o presente trabalho transcende a discussão da
evolução do Direito para a matéria dos Direitos Difusos.
Procuramos ilustrar que tratar Direitos Difusos com os mesmos
mecanismos tradicionalmente utilizados para a defesa de direitos que ainda
guardam relação com interesses individuais, privados ou limitados a uma
coletividade, não viabiliza sua plena compreensão e prejudica a evolução do
Direito.
Da mesma forma, perseguir o reconhecimento dos Direitos Difusos, por
meio da coerção, inclusive de sanção penal, sem a simultânea consideração da
realidade social, acaba por afastar os Direitos Difusos da compreensão de seus
diferentes sujeitos.
O Direito, como ciência, requer conhecimento e experiência, e sua
valorização se dará em proporção equivalente à sua instrumentalidade,
especialmente para manter preservadas as práticas e valores necessários ao
equilíbrio das relações sociais e ao resguardo da dignidade de cada ser
8
Alf Ross – Direito e Justiça – p.43.
15
humano. Não há Direito, nem mesmo Difuso, que possa evoluir e sobreviver
sem observar a manutenção dessa instrumentalidade.
Na questão da sanção como ferramenta de consolidação do Direito,
principalmente a penal, deve ser dobrado o cuidado com a sua aplicação. Caso
contrário, em se tratando de sanção desproporcional e que extrapola a conduta
punida, a aplicação dessa sanção jamais será valorizada e, num segundo
momento, o próprio Direito será desacreditado. Exemplo dessa situação é o
caso bastante comum do sujeito que responde a processo criminal por dano
ambiental, mesmo após a respectiva reparação civil e o cumprimento de
exigências apresentadas pelos órgãos da Administração. Neste exemplo, não é
factível esperar que haja uma compreensão positiva do Direito Ambiental por
pessoa sujeita a um processo criminal inadequado.
Como tratar, então, dessas questões difusas de nosso Direito? Como
inovar o Direito de modo que a assimilação de questões, como a ambiental, de
fato ocorra, com simplicidade, e, somente assim, seja respeitada, como uma
questão básica da sobrevivência e dignidade da pessoa humana, tão bem
compreendida e assimilada como são as questões da saúde, da segurança, da
moradia?
Esse é o centro da discussão a que se pretende dar início por meio do
trabalho que ora se apresenta.
Um dos caminhos, para a efetiva valorização dos Direitos Difusos,
parece ser a rediscussão do próprio Direito. A rediscussão de suas fontes, seus
objetivos, seus instrumentos. No fim, quem sabe, o resgate de valores e
dinâmicas inseparáveis da garantia à dignidade humana.
Para tanto, o presente trabalho começa retomando a formação do
Direito, especialmente sob a análise de Rousseau, das primeiras conquistas do
homem e suas primeiras relações sociais, às quais, em certo momento, foi
necessária a intervenção de um conjunto de regras e, assim, surgir o Direito.
Este aspecto da formação até a aplicação do Direito é abordado no
primeiro capítulo. No segundo capítulo, a discussão ingressa no mundo dos
Direitos Difusos, para que seja avaliada até mesmo a aplicabilidade do Direito
16
na tutela desses direitos, entre estes o Direito Ambiental – destacando-se a
análise trazida por Bobbio – tema dos capítulos seguintes.
No terceiro capítulo são trazidas reflexões sobre os instrumentos de
proteção ambiental, cuja efetividade é debatida por meio de casos práticos
exemplificados também no capítulo seguinte – onde se discute a efetividade do
próprio Direito na tutela ambiental.
Indo além de querer fixar com precisão os passos que devem ser
tomados a inovar o Direito, o que poderia ser contraditório à sua dinâmica, a
conclusão, no quinto capítulo, sublinha a relevância de uma visão ampliada,
efetivamente difusa, da questão ambiental, frente à universalidade de seus
crescentes problemas e realidade com que devem ser enfrentados.
No quinto capítulo, além de querer fixar com precisão os passos que
devem ser tomados para inovar o Direito, o que poderia ser contraditório à sua
dinâmica, a conclusão sublinha a relevância de uma visão ampliada,
efetivamente difusa, da questão ambiental, frente à universalidade de seus
crescentes problemas e à realidade com que devem ser enfrentados.
17
1.
Evolução do Direito
Se seguirmos o progresso da desigualdade (...) acharemos que
o estabelecimento da lei e do direito de propriedade foi o
primeiro termo, a instituição da magistratura o segundo, e que
o terceiro e último foi a mudança do poder legítimo em poder
arbitrário.
9
1.1. Direito – fenômeno histórico-social
O ser humano inicialmente toma conhecimento de si mesmo. Seu corpo,
suas habilidades e suas necessidades para sua perpetuação: a alimentação e
o uso de instrumentos para caçar e para se defender; um espaço para se
abrigar. Mais tarde a delimitação desse mesmo espaço será necessária para
abrigar homem e mulher e sua família, meio em que são estabelecidos e
aprofundados os primeiros laços de convivência.
Fora desse meio familiar, outras relações forçosamente devem ser
estabelecidas, para ir além das necessidades básicas à sobrevivência, ampliar
os conhecimentos e conquistas.
Grupos vão se formando e, com eles, o avanço da ocupação de novos
espaços. Para a consolidação da conquista de seus espaços, os homens
delimitam suas áreas. Inicialmente, família a família, depois, diversas famílias
formando comunidades. Pessoas que juntam esforços e convivem de forma
razoavelmente harmônica, sem que conflitos já existentes, de força,
habilidades, e bens materiais, possam extrapolar o equilíbrio da comunidade.
Bens materiais e informações são normalmente compartilhados e o uso dos
bens e fontes que a natureza oferece também é comum.
9
Jean-Jaques Rousseau - O Contrato Social - Editora Cultrix - 1ª Ed., 1999, pp.199.
18
Até então, o conjunto de todas as relações poderia ser denominado
comunidade, fruto de uma relação natural, em que todos têm objetivos comuns,
usam dos mesmos meios e aproveitam dos mesmos bens. Tudo dentro de um
quadro natural de conquistas para a sobrevivência.
Esse cenário é quebrado quando alguns se percebem distantes do
senso comum e, pretendendo conquistas maiores, encontram na apropriação
de bens e espaços, a declaração de sua superioridade.
Na sequência desta declaração, é estabelecido o mecanismo da
hierarquia, uma das marcas da desigualdade. A hierarquia que se inicia entre
as comunidades (e origina as sociedades e suas classes) e que passa para
aplicação ainda mais complexa, que é a hierarquia de um homem em relação a
outro, por meio da força, da apropriação de bens e conquista e detenção de
conhecimentos.
10
O Direito, então, nasce dessas relações, como instrumento de equilíbrio.
Especialmente as relações geradas para definir limites dos espaços
conquistados – as propriedades: “O primeiro que, cercando um terreno, se
lembrou de dizer: Isto me pertence, e encontrou criaturas suficientemente
simples para acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil”.
11
O Direito mostra-se necessário para organizar esse cenário de
conquistas e convivência social. No princípio, como instrumento para barrar a
violência, o Direito agora se mostra presente para regrar a rotina da vida em
sociedades. É o Direito a consolidação de experiências de convivência e que
deve servir de modelo às novas relações e comunidades que vão se
formando.
12
10
Jean-Jaques Rousseau - O Contrato Social – p.206. Sobre as origens da desigualdade,
Rousseau ainda conclui que “a desigualdade, sendo quase nula no estado natural, tira sua
força e seu acréscimo do desenvolvimento de nossas faculdades e dos progressos do espírito
humano, e se torna enfim estável e legítima pelo estabelecimento da propriedade e das leis”.
11
Jean-Jaques Rousseau - O Contrato Social - p.175.
12
Também importante destacar a entrada de um direito civil (entre civis, pessoas cujos hábitos,
bens e práticas de conhecimento já eram de uma “civilização” formada) necessariamente
ocorrida a pôr ordem ao grande número de sociedades que vinham se formando, ainda no
início dos tempos, como observado por Rousseau: “As sociedades multiplicando-se ou
estendendo-se com rapidez, em breve cobriam toda a superfície da Terra; e não mais foi
possível encontrar um só ponto do Universo onde o homem se pudesse eximir do jugo e
subtrair a cabeça ao gládio, quase sempre mal conduzido e perpetuamente suspenso sobre
ela. Tornado assim o direito civil a regra comum dos cidadãos, a lei natural não teve lugar
19
Não há dúvida do papel do Direito enquanto norteador da construção de
relações. Ele permite que o homem use de alternativas ao combate físico e, em
maior escala, à guerra, para garantir a guarda de seus bens materiais
(especialmente a propriedade) e sua liberdade.
Rousseau, ao discorrer sobre a origem e os fundamentos da
desigualdade entre os homens, traz o Direito exatamente como sucessor de
outro instrumento – a violência – para a solução de conflitos e caminho para a
convivência social: “De que se trata, portanto, precisamente neste Discurso. De
assinalar no progresso das coisas o momento em que, o direito sucedendo à
violência, foi a Natureza submetida à lei; de explicar por qual encadeamento de
prodígios pôde o forte resolver-se a servir o fraco e o povo adquirir uma
tranqüilidade de espírito ao preço de uma felicidade real”.
13
Tendo a clareza do Direito como instrumento naturalmente criado e
utilizado pelo ser humano, e imprescindível à organização e convivência social,
resta cuidar dessa sua instrumentalidade. É certo que o Direito tenha solidez,
mas isso não significa que deva ser estanque.
Como ensina Miguel Reale: “O direito é um fenômeno histórico-social
sempre sujeito a variações e intercorrências, fluxos e refluxos no espaço e no
tempo ”
14
. O Direito deve ser continuamente observado, refletido e dinamizado,
de forma a ser verdadeiro instrumento, útil à organização e segurança da
sociedade, na sua contínua conquista de bem-estar e qualidade de vida – valor
de interesse de todos.
senão entre as diversas sociedades em que, sob o nome de direito das gentes, foi temperada
por algumas versões tácitas para tornar possível o comércio e substituir a comiseração natural
(...)”. Jean-Jaques Rousseau - O Contrato Social - p.190.
13
Jean-Jaques Rousseau - O Contrato Social - p.144.
14
Miguel Reale – Lições Preliminares de Direito – Editora Saraiva, 25ª edição, p. 14.
20
1.2. Lei e religião
O direito antigo era uma religião, a lei um texto sagrado, a
justiça um conjunto de ritos.
15
A lei entre os antigos foi sempre santa, uma parte da religião. Para a
organização das cidades, os antigos códigos constituíam um conjunto de ritos,
de preceitos litúrgicos, de orações, e, ao mesmo tempo, de disposições
legislativas. As regras do direito de propriedade e do direito sucessório
apresentavam-se esparsas em meio às regras relativas aos sacrifícios, ao
sepultamento e ao culto dos mortos.
Antigamente, bastava a lei enquanto tradução das palavras dos deuses
para proteger direitos básicos como a vida e a propriedade. Não se
questionava, portanto, a aplicação interpretada e flexibilizada do texto legal. No
direito primitivo, o exterior, a letra é tudo; não se trata de buscar o sentido ou o
espírito da lei. A lei não vale pelo princípio moral nela contido, mas sim pelas
palavras que sua fórmula encerra. Sua força reside nas palavras sagradas que
a compõem. E para a criação de uma lei, não bastava a unanimidade dos votos
dos legisladores. Era indispensável ainda que a decisão do povo fosse
aprovada pelos pontífices e que os áugures atestassem o favorecimento dos
deuses em relação à lei proposta.
16
A lei, embora aplicável (imponível) a todos, sem distinção, era acessível
somente a alguns. Num certo dia em que os tribunos da plebe desejam que
uma lei seja adotada por uma assembleia das tribos, um patrício lhes diz: “Que
direito tendes vós de produzir uma nova lei ou tocar nas leis existentes? Vós
que não dispondes dos auspícios, vós que em vossas assembléias não
realizais atos religiosos, que tendes de comum com a religião e todas as coisas
sagradas, entre as quais está incluída a lei?”.
17
O Direito também era inseparável do emprego de palavras
sacramentais. As obrigações somente seriam cumpridas se precisamente
15
Fustel de Coulanges– A Cidade Antiga - Estudos sobre o culto, o direito e as instituições da
Grécia e de Roma – Trad. Edson Bini – Edipro, São Paulo – 4ª edição, 2009 – p.157.
16
Fustel de Coulanges– A Cidade Antiga – p.153 a 157.
17
Fustel de Coulanges, – A Cidade Antiga - p.156.
21
previstas em lei e de fato aplicadas de acordo com todas as formalidades
previstas em lei. Não bastava, portanto, a existência fática de uma obrigação.
O seu cumprimento somente se veria satisfeito se satisfeitos também os
respectivos atos formais.
Caso se tratasse, por exemplo, da obrigação para contratar, um dos
contratantes devia dizer: “Promete?”, o outro devendo responder: “Prometo”.
Se estas palavras não fossem pronunciadas, não havia contrato e, em vão, o
credor viria reclamar o pagamento da dívida.
E assim evoluiu o direito, alicerçado por infindáveis leis e ritos. O
demandista procede mediante a lei. Pelo enunciado da lei ele agarra o
adversário. Mas que se acautele, pois para ter a lei a seu favor é preciso
conhecer os termos e pronunciá-los com precisão. Se ele trocar as palavras,
não existirá mais lei e esta não poderá vir em sua defesa.
“O enunciado da lei, portanto, não bastava. Era indispensável, também,
um acompanhamento de signos exteriores, que eram como os ritos dessa
cerimônia religiosa que se chamava de contrato ou se chamava de processo na
justiça. É por isso que para toda venda mister se fazia utilizar o pedaço de
cobre e a balança (...) Daí as formas de (...) ação na justiça e toda a pantomina
do processo”.
18
O Direito não se originava da ideia de justiça, mas sim da religião, não
sendo concebido independentemente dela. Para que uma relação de direito
fosse válida, deveria estar alicerçada em relação religiosa aceita e
estabelecida. Fariam jus aos frutos dessa relação de direito tão somente
aqueles que partilhassem da mesma crença comum religiosa. Assim é que
escravos e estrangeiros ficavam excluídos e também descobertos de direitos.
“O direito era tão somente uma das faces da religião. Sem religião comum não
havia direito comum”.
19
O que nos restou das mais antigas leis romanas, se aplica com
frequência tanto ao culto quanto às relações da vida civil. As leis
permaneceram durante muito tempo como uma coisa sagrada. Não era
18
Fustel de Coulanges, – A Cidade Antiga - p.157
19
Fustel de Coulanges, – A Cidade Antiga - p.158
22
concebível a produção de leis sem o aval da autoridade religiosa. E o
verdadeiro legislador entre os antigos não foi o homem e sim a crença religiosa
que o homem possuía em si.
No tempo da realeza a lei era a rainha dos reis; no tempo das repúblicas
foi a rainha dos povos. Desobedecê-la era um sacrilégio. Em princípio, sendo a
lei divina, recebida dos deuses, era imutável. Ao mesmo, sua criação e
imposição inquestionáveis. Por essa razão, a lei antiga jamais fazia
considerandos – como bem observa Fustel de Coulanges: “Para que
necessitaria tê-los? Não precisava dar suas razões: existia por ter sido feita
pelos deuses. Não é discutível, impõe-se. É uma obra de autoridade; os
homens a obedecem porque têm fé nela”.
20
Ter “fé” na lei, em seu teor, no caminho e regras que indica é
fundamental para que a lei tenha efetividade. Seja ela imposta a partir de sinais
dos deuses, seja, já mais evoluída, imposta para proteger valores para os quais
a sociedade clama resguardo, como a segurança da vida e da propriedade, a
vida com qualidade, a vida com liberdade e dignidade.
Esses valores jamais estarão plenamente amparados, se a sua proteção
estiver condicionada à restrita letra da lei, sem “considerandos” e
interpretações externas ao seu texto, que permitam aplicação mais adequada
da lei aos interesses individuais e sociais e em conformidade com a dinâmica e
evolução das sociedades.
1.3. Do uso da lei para a evolução do Direito
A nossa história e as suas lágrimas
explicam-se por um processo antigo: antes do
pecado original existiam a lei e um legislador,
daí a sentença e tudo o que se segue.
21
A percepção da necessária evolução do Direito, em paralelo e em ritmo
mais próximo à evolução da sociedade, torna-se mais clara quando resgatada
20
Fustel de Coulanges, – A Cidade Antiga - p.156
21
Michel Serres – o Contrato Natural – Instituto Piaget, 1990, p.93
23
a análise do Direito feita já há tempos, por pensadores como Rousseau. Em
sua obra é abordada a evolução do Direito e a necessidade de evolução
também em sua aplicação, quando ilustrado que os valores fundamentais não
mais se resumem às relações mais básicas do homem com a natureza, com
seu semelhante, com a pequena sociedade limitada à sua família. Também
não estão restritos, esses valores, à relação do ser humano com o espaço
conquistado e exaltado como propriedade particular, a impor certa posição e
regra de convivência em sociedades.
Rousseau mostra essa necessária evolução da percepção de outros
valores. As regras que vinham naturalmente sendo seguidas dentro de uma
relação regulada por um direito civil são ampliadas para organizar outro tipo de
relação, denominada por Rousseau como “direito das gentes”.
22
Outras
sociedades, conhecimentos e respectivas regras de trocas, de domínio e de
convivência, se fazem necessárias.
Daí, sempre, o Direito para disciplinar essas relações. E, para a garantia
do Direito, o inerente advento das leis. Os valores da boa qualidade de vida
que o homem procura conquistar e resguardar em toda a sua história
mereceram o Direito que, afinal, pôs ordem na convivência entre homens e
sociedades, estabelecendo leis para seu relacionamento.
Não se pode perder de vista, entretanto, que as leis são a ferramenta de
edificação do Direito e também chave de sua aplicação. Mas as leis não são o
fim do Direito, não se confundem com o próprio Direito, menos ainda com
valores humanos que o Direito pretende resguardar.
Como bem observa Vicente Ráo, “não é o direito, apenas, um conjunto
de regras técnicas destinadas a disciplinar certos fatos sociais, à medida que
se manifestam, sem visar um fim superior, um fim mais alto do que a solução
imediata, empírica e material, de um conflito. Se, em harmonia com a natureza
do homem, criatura dotada de razão e de consciência, o direito disciplina a vida
social, após ter estabelecido esta disciplina, não abandona o ser humano à sua
própria sorte, antes, lança-o no caminho da perfeição, do desenvolvimento e do
progresso, não só de sua vida física, mas também de sua vida psíquica, para
22
Jean-Jaques Rousseau. O Contrato Social. p.190.
24
constituir, por este modo, sim, uma coletividade melhor formada por seres
melhores”.
23
É preciso observar que, para garantir a organização das sociedades,
acompanhando a evolução do ser humano e de suas relações, um conjunto de
princípios, diretrizes, regras, não serão suficientes. Limites devem ser
impostos, por meio de leis. Todavia, o Direito é instrumento, não é simples
regra. É uma diretriz, ou soma de diretrizes, que nasce dos homens e a eles
deve servir na organização de uma comunidade e na convivência social.
O Direito, nesse sentido, não pode ser barreira aos interesses dos
homens ou algo superior à sua liberdade. E esse risco ocorre com maior
frequência quando a aplicação do Direito fica subordinada ou limitada à leitura
pura das leis e tão somente a elas, tantas vezes mal elaboradas ou atrasadas
em relação à evolução da sociedade.
É o que se extrai da análise de Rousseau sobre a instituição de normas
para o estabelecimento da sociedade: “Tal foi ou deveu ser a origem da
sociedade e das leis que criaram novas peias para o fraco e novas forças para
o rico, destruíram sem possibilidade de retorno a liberdade natural, fixaram
para sempre a ordem da propriedade e da desigualdade, que de uma astuciosa
usurpação, fizeram o direito irrevogável, e, para proveito de alguns ambiciosos,
sujeitaram, daí por diante, todo o gênero humano ao trabalho, à servidão, à
miséria”.
24
Leis somente não resolvem. Não garantem qualidade de vida, nem para
um, nem para todos. É ferramenta do Direito e, por isso, não é razoável que o
Direito seja visto somente como uma composição de leis, opere para atender
as leis e que esteja submetido às leis. O Direito é construído. Evolui
paralelamente à evolução das sociedades. Se as leis não acompanham tal
evolução, devem ser alteradas. Caso contrário, há o risco de se ver ameaçado
o Direito, e valores fundamentais como o bem-estar social e a dignidade da
pessoa humana.
23
Vicente Ráo – O Direito e a Vida dos Direitos – Max Limonad – São Paulo , 1960 - p.10.
24
Jean-Jaques Rousseau. O Contrato Social. p.190.
25
Antes que houvesse leis feitas, havia relações de justiça possíveis. Dizer
que não há nada justo ou injusto senão o que ordenam ou vedam as leis
positivas é dizer que “antes que se houvesse traçado o círculo todos os raios
não eram iguais”. Logo, cumpre reconhecer relações de equidade anteriores à
lei positiva que as estabelece. As leis justas são as que, deixando claras e
formulando as relações de justiça possíveis, lhes conferem sua atualidade e
sua positividade; não se trata aqui de uma invenção criativa, mas do
reconhecimento e da sanção legais de relações objetivas e prévias.
25
Conforme Perelman, vale observar que por vezes é, de fato, exacerbada
essa aplicação da justiça, a título de resguardar os direitos fundamentais
constitucionalmente protegidos. E “almas bem-nascidas”, diz o autor
26
, de boa
fé, podem se ver julgadas ou submetidas a procedimentos que caberiam
especialmente às almas de má fé, o que resulta em clara injustiça na aplicação
de uma norma ou mesmo de um princípio constitucional.
Tal percepção já é presente também no pensamento de Rousseau, em
crítica e alerta em relação às leis: “(...) quanto mais violentas são as paixões,
tanto mais se fazem necessárias as leis para as conter; mas além de os crimes
e as desordens, causados todos os dias por tais paixões entre nós, assaz
demonstrarem insuficiência das leis a este respeito, seria bom examinar ainda
se essas desordens não nasceram com as próprias leis (...)”
Em dado momento as leis serviram como freio a um terror que vinha se
instalando pelo sentimento de vingança entre os homens, fruto de conflitos
materiais e morais. Entretanto, em outro momento, percebido o poder das leis e
o poder de sua formulação e aplicação, novos conflitos foram gerados. E na
tentativa, quase compulsiva, de fazer novas leis para resolver lacunas nas
relações humanas, nas relações comerciais, nas de soberania e tantas outras,
muitas leis foram mal formuladas ou vieram em momento inadequado e, assim,
vêm perdendo sua efetividade. Não acompanham a realidade econômica e
social e acabam até mesmo por esquecer os valores que outrora pretenderam
25
Chaïm Perelman - Ética e Direito – tradução de Maria Ermantina Galvão – Martins Fontes,
São Paulo, 1999, p.75.
26
(vide Nota 48).
26
defender, inclusive a dignidade da pessoa humana, para um segundo plano. A
concepção do que seria justo, enfim, é abalada.
Para Paulo de Bessa Antunes, “a ordem jurídica e a lei, como expressão
da vontade majoritária, não representam, necessariamente, o princípio da
justiça. O forte sentimento de liberdade individual e de inconformismo com a
situação denunciada é bem definido pelo direito que o cidadão tem de se
submeter unicamente à sua consciência”
27
. E citando Thoreau, em
pensamento um século após Rousseau, pondera: “Deve o cidadão mesmo por
um momento, ou em caso extremo, renunciar a sua consciência para o
legislador? Por que todo homem tem uma consciência, então? Eu penso que
deveríamos ser homens primeiro, e súditos depois. Não é desejável cultivar um
respeito pela lei maior do que pelo direito”.
28
De fato, ideal seria que os legisladores, eleitos dentro de um processo
democrático e sendo representantes do povo, sempre produzissem leis que
servissem da melhor forma aos interesses comuns de todo esse povo. Porém,
não é o que se assiste no Legislativo, nas diversas esferas e em diferentes
estados e países.
Os legisladores, antes, são homens comuns, com erros, acertos e falhas
inerentes à natureza humana. E bem ou mal atuam conforme os interesses da
sociedade e seus eleitores. As leis, portanto, fruto de seu trabalho, refletirão da
mesma forma algumas falhas, como observa Carlos Maximiliano: “Toda lei é
obra humana e aplicada por homens; portanto imperfeita na forma e no fundo,
e dará duvidosos resultados práticos, se não verificarem, com esmero, o
sentido e o alcance das suas prescrições”
29
.
Fundamental é compreender que, por força justamente das falhas que
surgem na formulação da legislação em geral, erro maior é o de evitar que esta
seja questionada e alterada sempre que necessário. Especialmente quando se
trata de legislação que interfere em interesses de todos. Sejam interesses
difusos ou aqueles que, embora respectivos a cada indivíduo, como são os
27
Paulo de Bessa Antunes - Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual - Editora Lumen
Juris, Rio de Janeiro, 2002, 1ª edição, 2ª triagem, p. 43.
28
Henry David Thoreau – nascido nos Estados Unidos (1817-1862) - citado por Paulo de
Bessa Antunes - Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual - p. 43.
29
Carlos Maximiliano - Hermenêutica e Aplicação do Direito - Editora Forense, 19ª edição; Rio
de Janeiro, 2001, p.8.
27
valores que compõem a dignidade humana, são da mesma forma fundamentais
a todos e quaisquer seres humanos, como, por exemplo, a liberdade e o não
constrangimento ilegal.
Na sequência do pensamento de Thoreau, pode-se depreender que o
Direito é anterior e está acima da lei. E o indivíduo, o ser humano, é acima do
Direito. Valores fundamentais à dignidade da pessoa humana, que lhe
garantem bem-estar e boa qualidade de vida, não podem ter sua perpetuidade
condicionada à existência, ou não, de lei que os proteja. Ou que os prejudique.
Deve ser dito ainda que a conquista e uso de tais valores não devem estar
condicionados a uma visão obtusa do Direito, ciência cuja percepção deve ter
uma consideração de caráter sociológico, para adequar a aplicação do Direito à
realidade presente.
Cappelleti, em abordagem sobre a necessidade de inovar o Direito,
procura ilustrar que “o problema jurídico atual dos corpos intermediários, de
fato não é mais aquele do tempo positivamente resolvido, de sua
‘personalidade’ ou ‘subjetividade’, e, portanto, da própria capacidade jurídica –
com a conseqüente possibilidade de ser titular de seus próprios direitos e de
poder agir na tutela destes (...)”. E, conclui o autor: “Não cairemos na rede do
juspositivismo dogmático, segundo o qual deveremos primeiro procurar nos
‘textos’ (ordinários ou constitucionais) a solução e após atender o surgimento
de um fenômeno ou acontecimento de “colocar” no texto. Nossa
interpretação parte dos fenômenos da realidade”.
30
No mesmo sentido Carlos Maximiliano, ao tratar da interpretação e
aplicação do Direito: “Interpretar uma expressão de Direito não é simplesmente
tornar claro o respectivo dizer, abstratamente falando: é, sobretudo, revelar o
sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta. (...)
Pode toda regra jurídica ser considerada como uma proposição que subordina
a certos elementos de fato uma conseqüência necessária; incumbe ao
intérprete descobrir e aproximar da vida concreta, não só as condições
implícitas no texto, como também a solução que este liga às mesmas”.
31
30
Mauro Cappelletti - Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil
Revista de Processo Nº 5 – 1977, p.159.
31
Carlos Maximiliano - Hermenêutica e Aplicação do Direito - p.8.
28
O alerta feito por Rousseau, da possibilidade da desordem gerada a
partir das leis, como se vê, é retomado periodicamente até os tempos atuais. E
assim continuará, pelo natural dinamismo do melhor Direito e das leis, que a
este devem ser adequadas.
1.4. Do uso da lei para a aplicação do Direito
“A aplicação do Direito é simultaneamente produção do Direito”
32
. A
frase de Kelsen, data ainda da primeira metade do século passado. Uma das
lições que dela pode ser extraída é a de que deve haver cuidado na aplicação
do Direito para que o resultado produzido não extrapole o objetivo que se
pretendia alcançar. Extrapolar e/ou desvirtuar a finalidade da norma e da
aplicação do Direito resultará em sua incompreensão e consequente
desvalorização.
O Direito é dinâmico. Resultado dos anseios da sociedade, o Direito
deve ser periodicamente adequado à realidade por ela vivida, em cada
momento da história para garantir segurança jurídica à sociedade.
Diante dos problemas enfrentados pela sociedade, até mesmo princípios
consagrados podem ficar em segundo plano. Como pondera Gilberto Passos
de Freitas, “não é demais lembrar que o direito existe para resolver problemas
e não para manter princípios”
33
. O autor faz tal comentário referindo-se aos
cuidados que devem ser tomados quando da aplicação do Direito Penal para a
proteção do meio ambiente, discussão abordada nos próximos capítulos. De
qualquer forma, tal pensamento pode ser levado às demais áreas do Direito.
A alteração de um procedimento tradicional de aplicação do Direito, que
transcenda códigos e princípios jurídicos, é por vezes necessária e deve ser
visto com maior naturalidade, posto que tem por finalidade acompanhar e
atender à evolução das relações sociais. Trata-se, contudo, de trabalho árduo
para formadores e operadores do Direito, pois o próprio conceito do Direito
32
Hans Kelsen - Teoria pura do direito – Tradução de João Baptista Machado, Martins Fontes,
2006, p.260.
33
“Ilícito Penal Ambiental e Reparação do Dano” - Editora Revista dos Tribunais, São Paulo,
2005.
29
ainda é, para boa parte de seus atores, preso a interpretações pouco flexíveis
da lei (fonte do Direito) e à pré-normatização de condutas, como forma de
garantir suposta segurança jurídica.
“Suposta” segurança jurídica porque a aplicação do Direito que é
baseada em visão restrita de seu conceito de uma “composição de normas”,
pode não ser suficiente para dar suporte a tal segurança.
Para Carlos Maximiliano, “a Aplicação do Direito consiste no enquadrar
um caso concreto em a norma jurídica adequada. Submete às prescrições da
lei uma relação da vida real; procura e indica o dispositivo adaptável a um fato
determinado. Por outras palavras: tem por objeto descobrir o modo e os meios
de amparar juridicamente um interesse humano. O direito precisa transformar-
se em realidade eficiente, no interesse coletivo e também no individual. Isto se
dá, ou mediante a atividade dos particulares no sentido de cumprir a lei, ou
pela ação, espontânea ou provocada, dos tribunais contra as violações das
normas expressas, e até mesmo contra as simples tentativas de iludir ou
desrespeitar dispositivos escritos ou consuetudinários. Assim resulta a
Aplicação, voluntária quase sempre; forçada muitas vezes”
34
.
O Direito, como meio pelo qual se garante a justiça a todos, se mal
aplicado pode resultar no injusto. Um indivíduo, ou uma sociedade injustiçada,
não mais acredita no Direito. Na análise da concepção de justiça, Perelman
exemplifica algumas concepções. Entre elas a da justiça baseada na lei – “A
cada qual segundo o que a lei lhe atribui”. A interpretação dessa concepção
seria a de que “ser justo é conceder a cada ser o que a lei lhe atribui” e o juiz
justo é aquele que aplica as leis do país. Trata-se de aplicação pura do direito
positivo, criticada por Perelman, observando que a aplicação seca da letra da
lei que pode ser justa numa dada situação, pode não ser justa numa situação
diferente: “com efeito, ser justo é aplicar, ser injusto é distorcer, em sua
aplicação, as regras de um determinado sistema jurídico”.
35
Importante notar que, mesmo na aplicação de regras que pretendam
proteger um direito fundamental, como base e fim, deve se ter em vista a
dignidade da pessoa humana, que em momento algum pode ser relegada.
34
Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Editora Forense, Ed. Cit. p.5.
35
Chaïm Perelman - Ética e Direito – p. 9.
30
Nesse sentido, do direito da propriedade ao direito de ir e vir, do direito de
ampla defesa ao direito de educação, saúde e direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, em qualquer situação, a dignidade da pessoa
humana precisa ser observada e abrigada.
Desde as primeiras interações e relações entre os homens, a qualidade
de vida e dignidade da pessoa humana são buscadas. Não nasceram de lei
nem de um sistema de justiça. Ao contrário, as leis devem ser revistas e sua
aplicação constantemente interpretada e adequada, para atender à dignidade
da pessoa humana de forma igualitária e comum.
Carlos Maximiliano ilustra a relevância da devida interpretação das leis:
“Mais do que alterá-las, é fundamental saber interpretá-las de forma que
tenham a melhor aplicação àquela realidade presente: Fixou-se o Direito
Positivo; porém a vida continua, evolve, desdobra-se em atividades diversas,
manifesta-se sob aspectos múltiplos: morais, sociais, econômicos. (...) Nem por
isso se deve censurar o legislador, nem reformar a sua obra. A letra
permanece: apenas o sentido se adapta às mudanças que a evolução opera na
vida social”
36
.
A proposta atual, todavia, deve ir além. A letra da lei de que fala Carlos
Maximiliano, como a obra do legislador, deve, sim, por vezes, ser alterada e
mesmo revogada sempre que necessário a retomar o resguardo de um direito
fundamental, que tenha tido sua integridade de alguma forma prejudicada pelos
efeitos desta mesma lei.
36
Carlos Maximiliano - Hermenêutica e Aplicação do Direito - p.10.
31
1.5. Lei e Segurança Jurídica
A norma jurídica, assim como todos os modelos jurídicos, não pode ser
interpretada com abstração dos fatos e valores que condicionaram o
seu advento, nem dos fatos e valores supervenientes, assim como da
totalidade do ordenamento em que ela se insere, o que torna
superados os esquemas lógicos tradicionais de compreensão do direito
(elasticidade normativa e semântica jurídica)
37
.
Aplicar norma sem prévia interpretação não possibilita o melhor
resultado, quando se trata de norma de Direito. Não se trata de ciência exata
como a Física e a Matemática. É ciência essencialmente humana, voltada ao
ser humano e sua convivência social e tal fator deve ser continuamente
lembrado quando da interpretação e aplicação do Direito.
Para tanto, a base da Filosofia do Direito, ilustrada nas palavras de
Miguel Reale: “Quando o advogado invoca o texto apropriado da lei, fica
relativamente tranquilo, porque a lei constitui ponto de partida seguro para o
seu trabalho profissional; da mesma forma, quando um juiz emana a sua
sentença e a apóia cuidadosamente em textos legais, tem a certeza de estar
cumprindo sua missão de ciência e de humanidade, porquanto assenta sua
convicção em pontos ou em cânones que devem ser reconhecidos como
obrigatórios. O filósofo do direito, ao contrário, converte tais pontos de partida
em problemas perguntando: Por que o juiz deve apoiar-se na lei? Quais as
razões lógicas e morais que levam o juiz a não se revoltar contra a lei, e a não
criar solução sua para o caso que está apreciando, uma vez convencido da
inutilidade, da inadequação ou da injustiça da lei vigente? Por que a lei obriga?
Como obriga? Quais os limites lógicos da obrigatoriedade legal?”
38
O papel do juiz é de extrema relevância para o Direito. É o juiz o
intérprete aplicador da lei e, portanto, formador do melhor Direito. As soluções
diferenciadas e melhor adequadas à segurança jurídica e à realidade estão em
grande parte nas mãos do judiciário. Cabe ao julgador enfrentar os limites do
formalismo e do positivismo a que ainda tanto se amarra o Direito, para
encontrar uma solução outra, decidindo em outras bases: “a experiência, a
37
Miguel Reale - Teoria Tridimensional do Direito – Saraiva – São Paulo, 1968 - p. 79
38
Miguel Reale - Filosofia do Direito – Vol. I - Edição Saraiva, São Paulo, 1962 – p.9.
32
sensibilidade, certos elementos extra-positivos e, no limite, o arbítrio do
subjectivo, serão utilizados”
39
.
O julgador, além do cumprimento do Direito formal e positivado, deve
resguardar o objetivo do Direito, enquanto instrumento essencial para a
organização das sociedades e norteador das relações de convívio social. Esta
é a segurança que a sociedade espera ter no uso do Direito. Julgadores e, por
que não dizer, operadores do Direito em geral, precisam sempre estar atentos
ao fato de que, “o formalismo e o positivismo, tantas vezes preconizados em
nome da segurança do Direito acabam por surgir como importantes factores de
insegurança”.
40
A percepção da segurança jurídica ainda se vê muito presa ao uso de
formas tradicionais de aplicação do Direito. Isso se deve a uma percepção de
que, afinal, enquanto “tradicionais”, são mais bem conhecidas e, portanto,
menor seria o risco de uma aplicação errada do Direito. Uma aplicação do
Direito seria caracterizada como errada, não somente por não resultar em
solução adequada a uma situação jurídica. Antes, o erro na aplicação seria
essencialmente o formal – haveria erro na aplicação inovadora do Direito, que
baseada (i) em interpretação mais flexível e ampla da lei e (ii) em interpretação
que vá além da lei e da ciência pura do Direito.
No entanto, mesmo Kelsen não descarta uma interpretação mais aberta,
em sua análise específica do Direito, ao dizer: “Quando a si própria se designa
como ‘pura’ teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um
conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo
quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente,
determinar como Direito. (...) Um relance de olhos sobre a ciência jurídica
tradicional, tal como se desenvolveu no decurso dos sécs. XIX e XX, mostra
claramente quão longe está de satisfazer à exigência da pureza. De um modo
inteiramente acrítico, a jurisprudência tem-se confundido com a psicologia e a
sociologia, com a ética e a teoria política. Esta confusão pode porventura
explicar-se pelo fato de estas ciências se referirem a objetos que
39
Antonio M. Cordeiro em Introdução à obra de Claus-Wilhelm Canaris –- Pensamento
Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito – 4ª edição, p. XXIII.
40
Antonio M. Cordeiro em Introdução à obra de Claus-Wilhelm Canaris –- Pensamento
Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito – 4ª edição, p. XXIV.
33
indubitavelmente têm uma estreita conexão com o Direito. Quando a Teoria
Pura empreende delimitar o conhecimento do Direito em face destas
disciplinas, fá-lo não por ignorar ou, muito menos, por negar essa conexão,
mas porque intenta evitar um sincretismo metodológico que obscurece a
essência da ciência jurídica e dilui os limites que lhe são impostos pela
natureza do seu objeto.”
41
Já avançando na análise da ciência jurídica, quando trata do uso da
interpretação do Direito para sua aplicação, Kelsen novamente destaca a
necessidade de a norma jurídica ser compreendida como um norte, um
importante alicerce, mas que dificilmente satisfará todas as possibilidades de
aplicação e o resultado para o qual foi formulada. Diz o autor: “É que uma tal
interpretação científica pode mostrar à autoridade legisladora quão longe está a
sua obra de satisfazer à exigência técnico-jurídica de uma formulação de
normas jurídicas o mais possível inequívocas ou, pelo menos, de uma
formulação feita por maneira tal que a inevitável pluralidade de significações
seja reduzida a um mínimo e, assim, se obtenha o maior grau possível de
segurança jurídica”.
42
Este avanço na análise da ciência jurídica, para além de uma visão
delimitada do Direito e de suas normas, é necessário. É claro o fato de que
para o verdadeiro resguardo do objetivo do Direito como instrumento de
organização da sociedade e de garantia de bem-estar de suas comunidades, é
essencial que o Direito e as respectivas normas de sua aplicação estejam
abertos à avaliação de fatores relacionados a outras ciências que, em conjunto,
vão compor as bases de interesses fundamentais dos seres humanos.
Não ameaça a pureza do da ciência do Direito transitar por conceitos e,
por que não dizer, “leis” que regem ciências humanas como sociologia,
filosofia, ou mesmo ciências exatas como a física, a química, e a biologia,
antes de dar sequência à atividade jurídica. Ao contrário, enriquece o Direito
como ciência que, consolidando os mais diversos e profundos conhecimentos
de tantas outras ciências, mostra-se efetivamente capaz de servir à sociedade.
41
Hans Kelsen – Teoria Pura do Direito – p.1.
42
Hans Kelsen – Teoria Pura do Direito – p.396.
34
O Direito, enquanto ciência, é soma de conhecimentos humanos, criado
já com objetivo claro, muito além de um repositório de informações e regras
estanques, de servir ao ser humano, às suas atividades de rotina e de convívio
e ao resguardo de seus bens. Não seria razoável pretender traduzir essa
diversidade e contínua evolução de conhecimentos num Direito limitado aos
moldes dos códigos e à aplicação fechada da norma posta. Se assim
ocorresse, o Direito perderia sua instrumentalidade, com flexibilidade e
dinâmica inerentes a acompanhar a evolução humana.
Em momentos de crise, de desequilíbrios sociais, é comum se recorrer
ao Direito gerado na normatização limitadora de condutas e na produção de
legislação de maior rigor. “O Direito é um modo de resolver casos concretos.
Assim sendo, ele sempre teve uma particular aptidão para aderir à realidade:
mesmo quando desamparado pela reflexão dos juristas, o Direito foi, ao longo
da História, procurando as soluções possíveis. A preocupação harmonizadora
dos jurisprudentes romanos permitiu um passo da maior importância, que não
mais se perderia: a procura incessante de regras pré-determinadas ou pré-
determináveis para a resolução dos problemas. Assim, do Direito, se fez uma
Ciência”.
43
Cabe questionar até quando esse mecanismo, de pré-determinação das
regras e por vezes de rigor não compatível com a realidade de capacidade de
sua assimilação pela sociedade, será suficiente para restabelecer a ordem
social e a resguardar a qualidade de vida humana. Ainda que se queira
fundamentar o pré-estabelecimento de leis para garantir tratamento igualitário
e, tão somente por isto, mais justo, tratar-se-ia de sistema de eficácia (justa)
bastante questionável.
É o que traz a análise do tema feita por Perelmann: “A vida social
apresenta uma contínua oscilação entre a justiça e a eqüidade. Recorre-se a
esta todas as vezes que, na elaboração de uma lei ou de uma regulamentação,
não se teve a menor consideração por certas características essenciais, às
quais importantes camadas da população – a chamada opinião pública –
atribuem importância. Com efeito, muitos ficarão chocados com o tratamento
43
Antonio M. Cordeiro em Introdução à obra de Claus-Wilhelm Canaris –- Pensamento
Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito – 4ª edição, p. XXIV.
35
demasiadamente diferente reservado pela lei ou pela fórmula de justiça
paliçada a seres que fazem parte, \segundo essa característica reservado pela
lei ou pela fórmula de justiça paliçada a seres que fazem parte, segundo essa
minoria menosprezada, da mesma categoria essencial. Desejarão apelar à
equidade para diminuir essa enorme diferença. Em contrapartida, preferirão
ater-se ao texto da lei enquanto esta exprimir, de modo suficientemente
adequado, o sentimento público”.
44
O dia em que uma lei desfizer essas diferenças sociais, a equidade
tomará o lugar da justiça formal. “Mas durante o período transitório, será
preciso contentar-se com o recurso à eqüidade. Para concluir, apela-se à
equidade todas as vezes que a aplicação simultânea de mais de uma fórmula
da justiça concreta ou a aplicação da mesma fórmula em circunstâncias
diferentes conduz a antinomias que tornam inevitável a não-conformidade com
exigências da justiça formal. Serve-se da equidade como muleta da justiça”.
45
Para que a justiça não fique manca, mesmo dispensando-se a equidade,
é necessário aplicar uma única fórmula de justiça concreta, sem que se deva
levar em conta as modificações imprevistas da situação que podem ocorrer.
Isto só é possível se a concepção da justiça for muito estreita ou se a fórmula
da justiça utilizada for suficientemente complexa para levar em conta todas as
características consideradas essenciais ao equilíbrio social.
No interior do sistema, desde que não se ponha em discussão o
princípio fundamental que lhe serve de base, a justiça terá um sentido bem
definido: o de evitar qualquer arbitrariedade nas regras, qualquer irregularidade
na ação.
Para Perelman, é possível distinguir os seguintes elementos na justiça: o
valor que a fundamenta, a regra que a enuncia, o ato que a realiza.
É possível fixar critérios racionais às regras e aos atos normativos da
justiça. No entanto, o mesmo não pode ser dito em relação aos valores que
fundamentam a justiça e que teoricamente deveriam estar claramente previstos
nas normas. A concepção de valor de um sistema normativo e que pretende
44
Chaïm Perelman - Ética e Direito – p. 40.
45
Chaïm Perelman - Ética e Direito – p. 41.
36
ser elemento a dar o caráter, justo ou não, de uma norma, é de interpretação
arbitrária.
Com efeito, embora qualquer valor possa servir de fundamento para um
sistema de justiça, esse valor, em si mesmo, não é justo. “O que podemos
qualificar de justas são as regras que ele determina e os atos que são
conformes a essas regras”.
Quando se tem uma justiça não mais pautada somente na crença de
valores iluminados pelos deuses, daí inquestionáveis, não mais é razoável
pensar em um sistema perfeito. “Sustentar a existência de um sistema de
justiça perfeito é afirmar que o valor no qual é baseada se impõe de modo
irresistível, é afirmar, em definitivo, a existência de um único valor que domina,
ou engloba, todos os outros”.
46
A arbitrariedade do sistema normativo vem sancionar desigualdades
naturais que tampouco são suscetíveis de justificação, daí resulta que, por
essa dupla razão, não há justiça perfeita e necessária.
Essa imperfeição de todo sistema de justiça, a parte inevitável de
arbitrariedade que contém, deve sempre estar presente na mente de quem
quiser aplicar suas mais extremas consequências. Todo sistema normativo
imperfeito, para ser moralmente irrepreensível, deveria aquecer-se no contacto
de valores mais imediatos e mais espontâneos. “Todo sistema de justiça
deveria não perder de vista sua própria imperfeição e disso concluir que uma
justiça imperfeita sem caridade não é justiça”.
47
O caráter arbitrário dos fundamentos da justiça faz com que ela não se
imponha de forma direta como outras virtudes diretamente mais espontâneas,
de sorte que “a intransigência exacerbada em sua aplicação pode até conduzir
a consequências que uma alma bem-nascida sentirá como injustas”
48
.
46
Chaïm Perelman - Ética e Direito – p.63.
47
Chaïm Perelman - Ética e Direito – p.67.
48
Chaïm Perelman - Ética e Direito – p.66.
37
1.6. Lei eficaz – lei justa
Requisitos da Lei - De muitos atributos, ou virtudes, deve
revestir-se a lei, para alcançar o fim que se pressupõe, ou seja,
a disciplina social. Deve ser justa, mantendo igualdade entre os
que nela incidem e atribuindo a cada qual o que é seu;
honesta, não contendo nota alguma de torpeza ou contrária à
moral; possível, preferindo o medíocre possível ao ótimo
impossível; útil, favorecendo, efetivamente, o interesse geral;
manifesta, revelando ser a clareza qualidade própria da lei;
breve, dispondo e não disputando; e devem as leis, também,
ser poucas, porque ubi plures sunt leges, major est litium
foetura.
49
O Direito para Miguel Reale só é eficaz enquanto corresponde a um
comportamento social concreto e efetivo e resulta dele. Uma regra não é
jurídica no sentido pleno da palavra, quando não encontra correspondência no
viver social, “nem se transforma em momento da vida de um povo. É regra
formal que ficou com uma vigência puramente ‘significativa’”.
Para Kelsen, em interpretação contrária, o que distingue a regra jurídica
é sobretudo a sua vigência ou validade técnico-formal. A eficácia é elemento
distinto e de certa forma secundário. Visão que Kelsen, com o passar dos anos,
mostra mais flexibilizada, quando já um pouco afastado do rigor cultural
germânico e em maior convivência com a cultura norte-americana, fase em que
aceita maior correlação entre o problema da vigência, que é técnico-formal, e o
da eficácia, que envolve apreciações de natureza sociológica e axiológica.
Como destacado por Miguel Reale: “Para a Sociologia do Direito, (...) só
é Direito vigente o que obtém, em realidade, aplicação eficaz, o que se imiscui
na conduta concreta dos homens em sociedade, e não o que simplesmente se
49
Vicente Ráo – O Direito e a Vida dos Direitos – p. 318 – Com a expressão ubi plures sunt
leges, major est litium foetura, quer o autor destacar que quanto maior o número de leis, maior
a possibilidade de litígios, conflitos, de interpretações diversas e distorcidas.
38
contém na letra da lei sem ter conseguido força real suficiente para impor-se
aos indivíduos e grupos sociais”.
50
O cuidado com o uso de regras, leis, na formação e aplicação do Direito
é e deve ser frequentemente alertado para que, de instrumento, não passe a
ser uma amarra e, em pior cenário, uma armadilha.
A eficácia das leis (como ferramenta essencial do Direito), em toda a
história, é frequentemente questionada. Em Rousseau, Thoreau e outros, a
reflexão em torno do conceito e resultado das leis é retomada. E não poderia
ser diferente, já que a lei é obra dos homens. Do homem, enquanto profissional
representante do povo que o elegeu para legislar e também enquanto
integrante da sociedade em geral, que clama por novos regramentos para
garantir convivência harmônica e boas condições de vida.
Essa dependência entre Direito e lei e Poder Legislativo muito influencia
a crença no Direito. Se o Legislativo não anda bem, a sociedade terá seus
direitos prejudicados. E, num estágio mais avançado, pode-se perder até
mesmo o papel que o Direito vinha exercendo para essa mesma sociedade,
como instrumento de sua organização.
Bobbio discorre sobre a imagem do legislador em diferentes momentos e
visões – dos heróis do mundo clássico, ao admirado como “aquele que,
assumindo a iniciativa de fundar uma nação, deve sentir-se capaz de mudar a
natureza humana”
51
. Os primeiros legisladores eram modelos a serem
ouvidos. Além de detentores de alto poder e representantes do povo, eram
vistos também como normatizadores do que era certo ou errado, do que era
moral ou imoral.
Para ilustrar isso, o autor traça rápida passagem pelos pensadores:
Platão, que traz a discussão do legislador equiparado a um deus; Cícero, a lei
traduzida no proibir e ordenar; Montesquieu, que ressalta a lei, usada para
centrar o homem aos seus deveres.
50
Miguel Reale – em Filosofia do Direito Vol. II – citando Evaristo de Morais Filho, Nota 11,
p.404.
51
Norberto Bobbio – A Era dos Direitos – texto de outubro de 1990 - tradução de Carlos Nelson
Coutinho; apresentação de Celso Lafer – Nova ed. – Rio de Janeiro; Elsevier, 2004, p.73.
39
Muito evoluiu o Direito, não mais se restringindo aos limites
estabelecidos por lei. O certo e o errado não estão restritos ao conceito de
moral. Mesmo o conceito do que é certo ou errado pode ser questionado
conforme a evolução das relações humanas, os interesses das sociedades e a
formação de valores. Haverá, sempre, ainda assim, a necessidade de regras
que resguardem a diferença entre o bem e o mal.
Essas regras foram utilizadas, em tempos passados, para nomear como
bruxaria as ideias inovadoras e que, logicamente, poderiam interferir no poder
dos poderosos. Passado o temor às práticas outrora tidas como arte dos
bruxos, passou-se ao moralismo. Da mesma forma, ainda atrelado ao controle
do poder e da sociedade.
Atualmente, valores de interesse comum a cada indivíduo e a todos são
novamente retomados e cobrados por uma obrigação moral. São aqueles
mesmos valores no passado reconhecidos e buscados a proteger a famílias, a
propriedade e as comunidades - em outra época abordados por Rousseau –
que hoje permanecem importantes a garantir a boa qualidade de vida. Valores
tais como a saúde, a segurança etc.
Nos dias atuais, no entanto, esses mesmos valores antes percebidos
nas pequenas comunidades, tomam percepção de dimensões planetárias. E,
além de seu caráter difuso, consolidam-se como valores juridicamente
protegidos, pois crescente é a preocupação em formalizar o seu resguardo.
Contudo, é preciso estar atento para que a cobrança a esta proteção não
retroceda aos tempos de serem criadas leis para dizer o que é uma prática
moral e, ainda, para estabelecer que quem a adota é do bem, quem não a
adota é do mal.
A estes valores, de interesse de todos, de caráter genérico e diverso dos
tradicionalmente protegidos por lei, o Direito aplicado também deve ser diverso,
numa visão “difusa”, adiante debatida.
40
2.
Um espaço definido aos Direitos Difusos
2.1. O surgimento dos Direitos Difusos
Pessoas diferentes e sociedades diversas têm costumes, hábitos, bens
e valores diversos, de acordo com o local onde vivem, as condições
socioeconômicas, as características dos ecossistemas locais, a cultura, a
religião etc. Ainda assim, há valores em que comungam, como a sobrevivência
e boa qualidade de vida, a liberdade, o respeito pautado na igualdade, o
acesso a recursos naturais - seja para sua exploração e comercialização, seja
para o simples consumo e subsistência.
Em tese, estes valores, cuja proteção e conquista são naturalmente
perseguidas pelo ser humano, poderiam até mesmo independer de um Direito
específico para regular seu uso e resguardo, seguindo linha de raciocínio
semelhante à de Perelman, nos comentários sobre o ideal da caridade
52
. Afinal,
se são valores essenciais para a sobrevivência e boa qualidade de vida
humana, seu resguardo e também seu uso de maneira igualitária e equilibrada,
deveria ser uma rotina naturalmente trilhada por todos.
No entanto, sendo a rotina humana movida ainda por cultura
individualista, tornou-se imperiosa a instituição de ramo específico do Direito a
ordenar também o acesso e uso desses valores, que embora sejam essenciais
ao indivíduo particular, também são essenciais, ao mesmo tempo, a todos.
Assim, pode-se dizer que, do “direito das gentes” (observado como novo
por Rousseau) e surgido para regular relações das diversas coletividades que
se formavam, houve evolução para percepção maior, da essencialidade e
universalidade de valores hoje disciplinados entre os assim denominados
Direitos Difusos, aplicáveis e acessíveis a todos.
52
Chaïm Perelman - Ética e Direito – p. 46.
41
Os Direitos Difusos guardam esse caráter de proteção de interesses de
igual importância para uma pequena coletividade e também para toda a
humanidade.
Miguel Reale, embora em abordagem genérica sobre o Direito e não
específica sobre os Direitos Difusos, resgata o “direito social” como objetivo do
Direito, a satisfazer as aspirações do povo, destacando o fim do benefício para
a humanidade. Diz o autor: “Fala-se em direito social em tom de alta novidade.
Contudo, social sempre foi o Direito e como tal considerado em sua origem, em
sua essência e em sua finalidade, exatamente por ser o homem um ser social,
um ser que só em sociedade pode viver. Sempre assim foi, porque, sempre, só
assim podia ser. (...) O direito, entretanto, não se satisfaz com a simples
possibilidade da comunhão humana, isto é, não se satisfaz com a simples
possibilidade da coexistência social. (...) Assume, assim, o direito o caráter de
força social propulsora, quando visa proporcionar, por via principal aos
indivíduos e por via de consequência à sociedade, o meio favorável ao
aperfeiçoamento e ao progresso da humanidade”.
53
A cooperação entre os povos para o progresso da humanidade,
destacada na Constituição Brasileira (art. 4º, IX) e de outros países, guarda
perfeitamente o caráter de difusão, de transcendência dos Direitos Difusos. A
qualidade de vida e a dignidade humana - conquistada inicialmente pelo
indivíduo e para seu círculo familiar, posteriormente para a comunidade em que
convive, daí para a sociedade em geral e população de um país – torna-se
então fundamental e viável por meio da cooperação entre os povos, uma vez
elucidado seu valor comum e universal.
Cappelletti, em obra publicada em 1977, já aborda a irreparável
superação dos conceitos clássicos da aplicação do direito restrito às relações
“coisa – indivíduo” ou “indivíduo-indivíduo”. Trazem, então, os interesses
difusos, “novos direitos e deveres que, sem serem públicos no senso
tradicional da palavra, são, no entanto, coletivos: desse ninguém é ‘titular’, ao
mesmo tempo em que todos os membros de um dado grupo, classe, ou
categoria, deles são titulares. A quem pertence o ar que respiro? O antigo ideal
da iniciativa processual monopolística se revela impotente diante de direitos
53
Miguel Reale – Filosofia do Direito – Vol. I – p.11.
42
que pertencem, ao mesmo tempo, a todos e a ninguém. Pois bem, é mesmo a
luta por estes direitos – a luta, continuando o exemplo a pouco dado, do ar não
poluído – que exprime uma das maiores exigências dos sistemas jurídicos
contemporâneos”.
54
2.2. Um espaço definido aos Direitos Difusos
Quando aquilo que se quer conservar não responde mais às
novas e inderrogáveis necessidades sociais, então a
conservação não é mais ‘ordem’.
55
Os Direitos Difusos inicialmente foram vistos como, simplesmente,
aqueles dispersos, disseminados. Quando mais “propagandados”, ganharam
atenção, mas, ainda assim, como valorizadores de paixões, de grandes
massas e que não poderiam ser normatizados e formadores de Direito. Não se
vislumbrava tomá-los como fonte do ordenamento jurídico. Para uma
concepção ainda bastante conservadora, o Direito, tal como vinha sendo
construído e aplicado, voltado para o indivíduo, baseado em normas que
tinham por objetivo sua proteção, já era suficiente para o resguardo de todos os
interesses essenciais ao modelo de qualidade de vida vigente, pelo menos em
visão que se prolongou até a metade do século vinte.
O Direito, tal qual concebido e formado ao longo da história, já contava
com todas as ferramentas necessárias, inclusive para a defesa daqueles
interesses (mais tarde definidos como Difusos), que, ao mesmo tempo em que
se mostravam interesses universais, tangenciavam o Direito e pediam espaço
exclusivo entre os seus outros ramos.
Espaço esse muito bem destacado por Cappelletti, que ilustra a
necessidade de um novo Direito para cuidar de “problemas desconhecidos às
lides meramente individuais” e que também devem ser considerados quando
da formulação de regras para a organização da sociedade:
“o Direito,
instrumento de ordenamento da sociedade, deverá assumir a tarefa e
54
Mauro Cappelletti - Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil – p. 135.
55
Mauro Cappelletti - Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil
citando Bertrand Russell - p.157.
43
dimensões até agora ignoradas. Atividades e relações se referem sempre mais
freqüentemente a categorias inteiras de indivíduos, e não a qualquer indivíduo,
sobretudo. Os direitos e os deveres não se apresentam mais, como nos
Códigos tradicionais, de inspiração individualística, como direitos e deveres
essencialmente individuais, mas meta-individuais e coletivos”
56
.
Essa frase de Cappelletti retoma, de forma bastante objetiva, a
discussão sobre o papel do Direito, já havida por juristas e filósofos do Direito
em décadas e séculos passados, a exemplo de Rousseau.
Em linha de pensamento semelhante, a abordagem de Lorenzetti sobre
as gerações do Direito considera que:
“A classificação de direitos em função das gerações tem mais um
sentido histórico do que normativo. Os primeiros direitos fundamentais faziam
referência à liberdade, consagrados a partir da Declaração dos Direitos do
Homem, por isto denominados de ‘primeira geração’.
A segunda categoria de direitos reconhecida foi a dos denominados
‘direitos sociais’ – trabalho, moradia, saúde, incorporados por meio do
constitucionalismo social de meados do século.
Os da terceira geração são mais recentes: direitos à qualidade de vida,
ao meio ambiente, à liberdade de informação, ao consumo, ao patrimônio
histórico e cultural da humanidade, à defesa do patrimônio genético da espécie
humana”.
Lorenzetti critica a pouca utilidade dessa classificação
57
, para a solução
de casos concretos. Para tanto, diz o autor, “é necessário estabelecer uma
tipologia normativa de direitos, diferenciados em virtude de suas titularidades
ou seus efeitos”.
58
No mesmo sentido, as palavras de Hugo Mazzilli: “Em todos os tempos,
sempre existiram categorias intermediárias de interesses; nos últimos anos
56
Mauro Cappelletti - Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil – p. 131.
57
José Afonso da Silva classifica os direitos fundamentais, com base na Constituição, em seis
grupos: (a) direitos individuais (art.5°); (b) direitos coletivos (art.5°); (c) direitos sociais (art. 6° e
193 ss.); (d) direitos à nacionalidade (art.12); (e) direitos políticos (arts. 14-17); (f) direitos
solidários (arts. 3° e 225) - “Comentário Contextual à Constituição”, Malheiros Editores, São
Paulo, 2005, p. 59.
58
Ricardo Luiz Lorenzetti - “Fundamentos do Direito Privado”, Revista dos Tribunais, 1998, p.
291.
44
apenas se acentuou a preocupação doutrinária e legislativa em identificar e
proteger jurisdicionalmente todas as formas de interesses. E a preocupação se
justifica especialmente porque todo nosso sistema jurídico foi concebido para a
defesa clássica de interesses por meio de legitimação ordinária: a) cada titular
defende interesse meramente privado; b) o estado defende o interesse público.
Entretanto, a defesa de interesses metaindividuais de origem comum
tem peculiaridades, de forma que o legislador reconheceu, aliás com acerto e
até certa tardança, a necessidade de dar disciplina especial à defesa judicial
desses interesses, estipulando regras próprias para disciplina da legitimação
ativa e dos efeitos da coisa julgada”.
59
Bobbio, de certa forma, questiona até mesmo a razão de uma disciplina,
de um Direito específico e tão regrado para esses interesses metaindividuais.
O que não deve ser visto com tanta surpresa, considerando os
questionamentos, bem mais arrojados para a época que surgiram, como vimos,
de Rousseau e especialmente Thoreau, sobre os resultados da lei e da
sujeição às regras do Direito.
Em comentários sobre os novos direitos, Bobbio pondera que após a
inclusão destes entre os direitos de solidariedade, o direito ao
desenvolvimento, à paz internacional, a um ambiente protegido, à
comunicação, “é natural que o autor pergunte se ainda é possível falar de
direitos em sentido próprio ou senão se trata de simples aspirações e
desejos”.
60
Retomando-se, então, a questão inicial, é de se perguntar se é
realmente necessário o estabelecimento de Direito específico para normatizar
relações e usos de bens que, se por um lado são fundamentais à dignidade da
pessoa humana – e daí a relevância e lógica de sua proteção também jurídica
– por outro lado são denominados Difusos, exatamente por transporem os
limites do Direito tradicionalmente normatizado.
Prosseguindo no mesmo raciocínio, se inevitável o estabelecimento da
disciplina específica dos Direitos Difusos, e considerando que sua efetividade
59
Hugo Nigro Mazzilli - “A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, Editora Saraiva, 7ª edição,
São Paulo, 1995, p. 12.
60
Norberto Bobbio – A Era dos Direitos – p.25 e p.31, nota 9.
45
dependerá de visões, interpretação e aplicação, também difusas, vale
questionar se, por outro lado, será viável libertá-los de amarras legais e de
qualquer outra área do Direito condicionada à prévia normatização?
Inevitavelmente, ainda presa ao conforto da segurança jurídica
expressa em leis, a sociedade em geral clamou por normas específicas
também para a proteção dos Direitos Difusos, por mais naturais que sejam.
Ainda recentes (como Direito, não como fato), as leis que regram os Direitos
Difusos vêm novamente a definir limites. Aqueles mesmos limites observados
por Rousseau, necessários para equilibrar relações de convivência e
governabilidade (civis, de trabalho e comerciais) e que agora surgem a
equilibrar, ou reequilibrar, as relações entre indivíduos e sociedades próximas
e/ou entre indivíduos e sociedades do outro lado do oceano. Relações difusas,
naturalmente existentes, e que voltam a ser bastante valorizadas, frente ao
crescimento de conflitos e à clareza de que alguns bens, como os recursos
naturais e sua boa qualidade, são finitos.
Trata-se, afinal, de necessária transformação no lidar com o Direito, que
Cappelleti ressalta ao trazer o comentário de que “o advogado da
transformação tem uma tarefa bem mais difícil que o advogado da conservação
e da ordem. (...) As transformações respondem àquilo que são as grandes e
gerais tendências evolutivas do mundo contemporâneo”.
61
Resta haver atenção para se confirmar que a ciência do Direito e suas
leis sejam suficientes ou boas para regular essas relações difusas e,
consequentemente, resguardar esses bens, especificamente.
A partir do momento que esses bens, difusos, também são normatizados
de acordo com regras tradicionais do Direito e, principalmente, interpretados e
aplicados conforme tais regras, corre-se o risco de o objetivo e valor Difuso que
os fundamenta se perderem no meio de debates, interesses escusos, vaidades
de poder, processos morosos desgastantes e burocráticos, judicialização de
conceitos e procedimentos etc. Perde-se a noção da necessidade de serem
vistos com simplicidade e naturalidade – características inerentes à sua
61
Mauro Cappelletti - Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil
citando Bertrand Russell - p.157.
46
dimensão, e cuja percepção é o caminho ideal para sua ilustração e
valorização.
Se ocorre confusão nas formas de sua defesa, como de fato tem havido,
os Direitos Difusos também serão jogados às regras contratuais do direito civil,
compreendidos somente se constitucionalmente fundamentados como no
mundo do direito administrativo regulatório etc. E, então, vem o pior resultado
o da negação do Direito Difuso, como efetivamente Difuso, como aquele que
transita necessária e livremente por todas as diversas áreas do Direito, porque
de interesse comum, relativo a necessidades básicas da qualidade de vida e
dignidade humana e, portanto, de valor que deveria ser inquestionável.
Válida, nessa direção, a crítica de Bobbio, sobre o nascimento dos
novos direitos: “Novos carecimentos nascem em função da mudança das
condições sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazê-los.
Falar de direitos naturais ou fundamentais, inalienáveis ou invioláveis, é usar
fórmulas de uma linguagem persuasiva, que podem ter uma função prática
num documento político, a de dar maior força à exigência, mas não têm
nenhum valor teórico, sendo, portanto, completamente irrelevantes numa
discussão de teoria do direito”.
62
Em análise semelhante à feita por Lorenzetti, Bobbio destaca “o direito
de viver num ambiente não poluído” como o mais importante entre os de
terceira geração. Mas cabe realçar a distinção que dá aos direitos relacionados
ao patrimônio genético, separando-os para uma quarta geração, dada a
complexidade de seu tratamento, enquanto referentes aos efeitos cada vez
mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do
patrimônio genético de cada indivíduo. Quais são os limites dessa possível (e
cada vez mais certa no futuro) manipulação? Mais uma prova, se isso ainda
fosse necessário, de que os direitos não nascem todos de uma vez. ‘Nascem
quando devem ou podem nascer’, conclui o autor.
63
62
Norberto Bobbio – A Era dos Direitos – Introdução - p.26 – (texto de outubro de 1990).
63
Norberto Bobbio – A Era dos Direitos – Introdução - p.25. Realmente, questões como a da
manipulação do patrimônio genético merecem tratamento diferenciado que não o do direito
privado ou do direito difuso. As conclusões sobre este assunto pouco evoluíram nos últimos
quase vinte anos, de quando Bobbio redigia as considerações acima. No Brasil, a Lei de
Biossegurança, 11.105/05, previu a pesquisa com utilização de células embrionárias, item que
foi palco de polêmica e alvo de ação direta de inconstitucionalidade fundamentada na ameaça
47
2.3. A questão ambiental nos Direitos Difusos
2.3.1. O Direito e o Meio Ambiente
Como na clássica questão do “ovo e a galinha”, a aplicação do Direito
Ambiental ainda parece sofrer de dúvida semelhante, a saber o que veio
primeiro: se o meio ambiente ou o Direito.
Do ponto de vista da física, primeiro o mundo, depois o homem. Na
interpretação biológica, o princípio é a vida, em seguida o homem e a
convivência. E, afinal, o Direito, a viabilizar as relações geradas e a garantir o
equilíbrio dessa convivência.
A resposta à dúvida acima comentada é óbvia. E é exatamente essa
obviedade que precisa ser percebida – não a corroborar o raciocínio de Bobbio,
da hipótese de desnecessidade de um Direito Ambiental, mas a obviedade de
que o Direito Ambiental deva ser tão simples, real e natural, como é o bem que
visa resguardar.
O alcance do Direito é sublinhado por mestres como Miguel Reale: “O
direito é realidade universal. Onde quer que exista o homem, aí existe o direito
como expressão de vida e de convivência”.
64
O Direito é expressão de convivência e até mesmo de vida. Entretanto,
não se pode perder de vista os valores pré-existentes ao Direito. O meio
ambiente é o exemplo maior desses valores. É o único bem, comum, de todos,
cuja relação com o homem se dá desde a existência humana. Trata-se, na
verdade, e por óbvio, de relação anterior e independente da existência de um
Direito que a regulasse. O meio ambiente, sem a presença humana, sobrevive.
A recíproca não é verdadeira, pois o homem precisa de algum espaço físico
para sobreviver, com os pés no chão, na Lua, ou até mesmo flutuando, não
que a pesquisa poderia apresentar à vida humana. Somente em maio de 2008, o STF viria a
decidir pela regular constitucionalidade da lei, permitindo a pesquisa que, entre outros efeitos,
possibilitará melhor qualidade de vida para pessoas com problemas físicos, curáveis somente
por meio da manipulação de células-tronco.
64
Miguel Reale - Filosofia do Direito – Vol. I – p.9.
48
importa. O meio ambiente natural é o berço da vida humana. E, portanto,
bastante anterior ao Direito.
Dúvida poderia haver quanto ao meio ambiente artificial. Desde o tempo
do primeiro corte de árvores, da exploração da primeira caverna, aí sim, algum
Direito já podia ser observado – o Direito de posse e propriedade (na ocupação
de espaços); nas relações de disputas por esses espaços; no uso de recursos
naturais como pedras, madeiras e tantos outros explorados desde o início da
história humana, como já analisado por Rousseau.
Mas não é esse o Direito, tal como o que aí está, com raízes já criticadas
por Rousseau, refletidas por Kelsen, que melhor resguarda o equilíbrio
ambiental. Ainda hoje, a aplicação dada ao Direito Ambiental está presa aos
procedimentos clássicos do Direito Civil, Penal e Processual ou mesmo no
Administrativo, que, a duras penas, tenta dar credibilidade ao poder de polícia e
à discricionariedade das autoridades ambientais.
Paulo Affonso Leme Machado traz decisão do Supremo Tribunal
Federal, de 1995, que conceituou o direito ao meio ambiente “como um típico
direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado,
a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação
– que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e de
preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações”.
65
Sem dúvida o Direito Ambiental tem forte caráter inovador, como nova
disciplina e especialmente novas reflexões que traz à ciência do Direito,
destacadas por Édis Milaré: “Como ocorreu no passado, em situações cruciais
ou de mudanças profundas, a Questão Ambiental sacudiu também a instituição
do Direito. A velha árvore da Ciência Jurídica recebeu novos enxertos”
66
.
Cabe notar a questão ambiental destacada pelo autor como “enxerto”,
como parte integrante, somada à ciência do Direito, portanto não tratada à
parte, como algo utópico, em nível somente reflexivo. Ao contrário, a questão
ambiental também deve ser tratada, na área do Direito, em bases concretas,
65
Paulo Affonso Leme Machado - Direito Ambiental Brasileiro – 2006, p. 118.
66
Édis Milaré – Direito do Ambiente – A Gestão Ambiental em Foco – Revista dos Tribunais -
5ª edição – 2007, p. 755.
49
presentes na realidade social vigente, embora devendo ser considerada em
conjunto com outras ciências (a exemplo da sociologia, da física e da biologia).
Para Édis Milaré, em tradução grandiosa mas ao mesmo tempo de
visualização simples e objetiva, o Direito Ambiental é “um ramo novo e
diferente, destinado a embasar novo tipo de relacionamento das pessoas
individuais, das organizações e, enfim, de toda a sociedade com o mundo
natural. O Direito ambiental ajuda-nos a explicitar o fato de que, se a Terra é
um imenso organismo vivo, nós somos a sua consciência. O espírito humano é
chamado a fazer as vezes da consciência planetária. E o saber jurídico
ambiental, secundado pela ética e municiado pela ciência, passa a co-pilotar os
rumos desta nossa frágil espaçonave”
67
.
O caráter Difuso do Direito Ambiental não o distancia dos demais ramos
do Direito. Ao contrário. Ele possibilita, e assim deve ser, que a questão
ambiental transite por todas as diferentes áreas do Direito. Nesse sentido, um
modo bastante positivo de utilização e inovação das leis para a formação do
Direito e dos novos Direitos, é o fato de que “as normas ambientais tendem a
se incrustar em cada uma das demais normas jurídicas, obrigando que se leve
em conta a proteção ambiental em cada um dos demais ‘ramos’ do Direito”.
68
O Direito Ambiental, o mais difuso dos difusos, merece tratamento
diferenciado. Não um tratamento que o eleve ao quase inatingível, mas, ao
contrário, que torne simples sua compreensão e habitual sua prática, já que
esta resultará na contínua proteção da vida. A natureza e a vida selvagem,
para Thoreau, eram os dois fatores fundamentais para a preservação da vida e
do mundo. A civilização e a sociedade urbana eram definitivamente
responsáveis pela decadência e pela degradação da vida
69
.
Thoreau, aqui citado por Paulo de Bessa, retoma o alerta feito por
Rousseau, sobre os efeitos negativos e de desordem gerados a partir das
relações civis e regras estabelecidas pela convivência entre as sociedades,
todas com o único fito do poder sobre conhecimentos e bens materiais
conquistados.
67
Édis Milaré – Direito do Ambiente – A Gestão Ambiental em Foco - p. 755.
68
Édis Milaré – Direito do Ambiente – A Gestão Ambiental em Foco – citando Paulo de Bessa
Antunes – Nota 58, p. 756.
69
Paulo de Bessa Antunes - Dano Ambiental – p.47.
50
Outra interpretação é dizer que vinha tudo caminhando muito bem –
equilíbrio ambiental e equilíbrio de relações humanas até que se clamou por
regras para impor ordem e tornar as relações sociais mais civilizadas e também
disciplinar o uso dos bens da natureza. Até hoje essas regras não foram
capazes de ordenar as relações sociais. Aquelas mesmas regras geradas e
impostas desde o início dos tempos para combater a violência, a ameaça à
propriedade e a um pequeno núcleo social e a ameaça ao poder e à
governabilidade têm sido utilizadas também para a divulgação e proteção dos
Direitos Difusos, com destaque para o Direito ao meio ambiente.
Aqui, a tarefa dos operadores do Direito é a de dar espaço e subsídios
para a evolução do Direito. Em dado momento foi iniciada a quebra da
resistência à aplicação interpretativa do Direito, baseada também em fatores
sociológicos, compreendendo-se que isto não poria em risco a “pureza” da
ciência jurídica. Agora, deve ser dada continuidade à evolução do Direito,
considerando os “enxertos” com o Direito de terceira, quarta e outras gerações
que virão.
Pode-se dizer que é necessária mesmo uma visão global e globalizada
do Direito, como aborda François Ost: “Globalidade, processualidade,
complexidade, irreversibilidade, incerteza... Como poderia o direito reapropriar-
se de todos estes traços da ecologia? A questão da tradução da linguagem
científica da ecologia para a linguagem normativa dos juristas é aqui colocada.
Para traçar o limite do permitido e do interdito, instituir responsabilidades,
identificar os interessados, determinar campos de aplicação de regras no
tempo e no espaço, o direito tem o costume de se servir de definições com
contornos nítidos, critérios estáveis, fronteiras intangíveis. A ecologia reclama
conceitos englobantes e condições evolutivas; o direito responde com critérios
fixos e categorias que segmentam o real. A ecologia fala em termos de
ecossistema e de biosfera, o direito responde em termos de limites e de
fronteiras; uma desenvolve o tempo longo, por vezes extremamente longo, dos
seus ciclos naturais, o outro impõe o ritmo curto das previsões humanas. E eis
o dilema: ou o direito do ambiente é obra do jurista e não consegue
compreender, de forma útil, um dado decididamente complexo e variável; ou a
norma é redigida pelo especialista, e o jurista nega esse filho bastardo, esse
51
‘direito de engenheiro’, recheado de números e de definições incertas,
acompanhado de listas intermináveis e constantemente revistas. Não basta,
dirá o jurista desiludido, flanquear de algumas disposições penais, uma norma
puramente técnica, para fazer realmente uma obra de legislador”
70
.
O autor vai além, chamando a atenção para o fato de que “se, nos
primeiros tempos da protecção da natureza, o legislador se preocupava
exclusivamente com tal espécie ou tal espaço, beneficiando dos favores do
público (critério simultaneamente antropocêntrico, local e particular), chegamos
hoje à protecção dos objectos infinitamente mais abstractos e mais
englobantes, como o clima e a biodiversidade”.
71
Para lidar com tamanha complexidade e amplitude da questão
ambiental, novamente destaca-se a necessidade de resgatar os fatores
sociológicos, a conciliar a ecologia aos demais fatores da rotina das
sociedades, ordenada pelo Direito e pela qual, agora, transita o Direito
Ambiental.
“O paradigma ecológico caracteriza-se, dizíamos, pela processualidade
complexa, que engendra inevitavelmente a incerteza. Ora, cabe ao direito
transformar esta ‘incerteza ecológica em certeza social’. Mas não o conseguirá,
no entanto, senão aumentando a sua própria flexibilidade. Às normas jurídicas
clássicas, concebidas como mandamentos ou instituições encerrando um
procedimento, substituir-se-ão actos jurídicos em constante reelaboração,
como se a processualidade do objecto atingisse igualmente a regra que o
compreende. A norma jurídica será constantemente retrabalhada, para se
adaptar aos progressos dos conhecimentos e das técnicas; trata-se aqui,
aparentemente, da única maneira de sair de uma situação onde se trata de
tomar decisões duras num contexto de conhecimentos friáveis”.
72
70
François Ost – A Natureza à Margem da Lei – p.110.
71
François Ost – A Natureza à Margem da Lei – p.112.
72
François Ost – A Natureza à Margem da Lei – p.114.
52
2.3.2. Princípios do Direito Ambiental
Princípios são norteadores de condutas sociais. Princípios do Direito
estabelecem diretrizes que conduzem a sociedade a relações equilibradas e
possibilitando o alcance e preservação de condições justas de vida – condições
“justas” aqui traduzidas naquelas que propiciam boa qualidade de vida, com
acesso à saúde, educação, moradia, segurança, entre outros fatores, além do
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que, em conjunto,
garantirão condições de vida digna.
Ao tratar do tema dos Princípios Gerais do Direito Ambiental, Paulo
Affonso Leme Machado traz o seguinte comentário: “Princípio é aqui utilizado
como alicerce ou fundamento do Direito. Como ensina Gomes Canotilho, ‘os
princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis
com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e
jurídicos. Permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem,
como as regras, à ‘lógica do tudo ou nada’), consoante o seu peso e
ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes’. São padrões
‘juridicamente vinculantes radicados nas exigências de ‘justiça’ (Dworkin) ou na
‘idéia de direito’ (Larenz)”
73
.
Em sequência a este tópico, adiante são abordados somente os
princípios que guardam maior relação com a análise do tema proposto para o
presente trabalho, comentados por diferentes autores.
Também aos princípios, não somente às leis, é necessário que se
possibilite a interpretação e aplicação mais adequada à situação fática, do
contexto social presente. A título de ilustrar isso, os comentários pertinentes
aos princípios abordados a seguir trazem exemplos de situações comum e
concretamente vividas pelos operadores do Direito Ambiental.
73
Paulo Affonso Leme Machado - Direito Ambiental Brasileiro – 2006, p.53.
53
2.3.2.1. Princípio do direito à sadia qualidade de vida
A garantia de um meio ambiente equilibrado não é, e nem poderia ser,
finalidade última e isolada. Em verdade, o objetivo fim de se proteger o meio
ambiente é a proteção mesmo da vida humana, e com qualidade, pautada em
condições de saúde e bem-estar.
O que se observa, nesse sentido, é a necessária integração da questão
ambiental aos demais valores que compõem essa qualidade de vida, como a
segurança, a moradia, a saúde etc. Para tanto, o mesmo tratamento dado a
essas necessidades básicas à sobrevivência e qualidade de vida deve ser
aplicado ao meio ambiente, como única forma de ser assimilado, compreendido
e, somente assim, valorizado e verdadeiramente respeitado.
Princípio 1 das Declarações de Estocolmo/72 e do Rio de Janeiro/92, o
princípio à sadia qualidade de vida prevê que os seres humanos têm direito a
uma vida saudável:
O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade, e ao
desfrute de adequadas condições de vida em um meio cuja qualidade
lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem solene
obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações
presentes e futuras.
(Princípio 1 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento de 1992).
A importância deste princípio é destaque nos comentários de Paulo
Affonso Leme Machado: “a saúde dos seres humanos não existe somente
numa contraposição a não ter doenças diagnosticadas no presente. Leva-se
em conta o estado dos elementos da Natureza – águas, solo, ar, flora, fauna e
paisagem – para se aquilatar se esses elementos estão em estado de sanidade
e que de seu uso advenham saúde ou doenças e incômodos para os seres
humanos”.
74
O autor prossegue, citando decisão de 1994 do Tribunal Europeu de
Direitos Humanos, com sede em Estrasburgo, segundo a qual “atentados
74
Paulo Affonso Leme Machado - Direito Ambiental Brasileiro - 2004, p. 48.
54
graves contra o meio ambiente podem afetar o bem-estar de uma pessoa e
privá-la do gozo de seu domicílio, prejudicando sua vida privada e familiar”.
Na interpretação de Édis Milaré, “o reconhecimento a um meio ambiente
sadio configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob o
enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto
ao aspecto da dignidade dessa existência – a qualidade de vida -, que faz com
que valha a pena viver”.
75
Como se vê, em todo o momento a dignidade da pessoa humana é valor
fundamental que, ainda que se confunda e se complemente com o meio
ambiente ecologicamente equilibrado, não pode ser esquecida ou vista
reduzida ao lado deste. Não seria razoável dissociar a proteção do meio
ambiente dos demais valores que garantem a vida, a dignidade e o bem-estar
do ser humano, objetivos próprios do Direito Ambiental.
2.3.2.2. Princípio do Desenvolvimento Sustentável
Desenvolvimento sustentável é desenvolvimento que satisfaz às
necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as
futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades.
O Princípio do Desenvolvimento Sustentável – Princípio 4 da Declaração do
Rio, de 1992 – traduz a regra básica do desenvolvimento em equilíbrio com o
meio ambiente sadio. Já perfeitamente consolidado, este Princípio surge em
discussões acadêmicas, nas lições dos mais diversos doutrinadores nacionais
e estrangeiros, também servindo para fundamentar as decisões de nossos
tribunais, como decisão do STF, a seguir transcrita:
(...) A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A
NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO
AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO
ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. -
O princípio
do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter
eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em
75
Édis Milaré - Direito do Ambiente – 4ª edição, p. 158.
55
compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e
representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da
economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse
postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores
constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância
não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais
significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio
ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas,
a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. (STF,
Tribunal Pleno, ADI-MC 3540/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ
03.02.2006, p. 14).
Da análise do artigo 170 da Constituição Federal torna-se clara a
necessária convivência dos valores sociais e econômicos com o meio
ambiente, para assegurar, entre outros valores, diga-se, a dignidade da pessoa
humana:
Art.170 – A ordem econômica, (...) tem por fim assegurar a todos a
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: (...)
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços de
seus processos de elaboração e prestação. (Grifos nossos.)
Seguindo as palavras de Celso Fiorillo, “devemos lembrar que a idéia é
assegurar existência digna, através de uma vida com qualidade. Com isso, o
princípio não objetiva impedir o desenvolvimento econômico. (...) Delimita-se o
princípio do desenvolvimento sustentável como o desenvolvimento que atenda
às necessidades do presente, sem comprometer as futuras gerações”.
76
Para a realidade brasileira, com ainda tão elevado nível de miséria e
ignorância, essa noção de a proteção do meio ambiente não ser obstáculo, às
condições básicas de sobrevivência e de dignidade de uma pessoa, faz-se
ainda mais relevante.
76
Celso Antonio Pacheco Fiorillo - “Curso de Direito Ambiental Brasileiro”, 2004, p. 27.
56
Ao mesmo tempo, a integração de valores ambientais a essa realidade é
bastante difícil. Como lidar, por exemplo, com ocupações desordenadas em
áreas de mananciais? O respeito à dignidade humana manda que aos
habitantes dessas áreas sejam garantidas instalações de segurança,
abastecimento e higiene. Não lhes poderia ser negado obras de infraestrutura,
por exemplo, de redes de água e esgoto.
Por outro lado, ao ser garantida a infraestrutura, percebe-se ao mesmo
tempo a temerosa situação do “fato consumado”. Dá-se perpetuidade a uma
situação que contraria a legislação, ainda que essa legislação apresente
flexibilidade, quando há outros interesses sociais (como moradias) em jogo. Ao
mesmo tempo, adequar as instalações de infraestrutura à permanência desses
habitantes de áreas que deveriam ser protegidas e livres de qualquer
ocupação, por vezes, é necessário também à preservação ambiental. Obras
para instalação de equipamentos de saneamento básico, redes de coleta de
esgoto e sistemas de tratamento de água, são uma forma de preservar a
qualidade das águas dos mananciais e dos reservatórios que servem para o
consumo de água para um grande número de pessoas.
A gestão de áreas de mananciais, como se vê, é um exemplo a ser
tomado como base para a discussão das políticas ambientais, ainda mal
trabalhadas. Tópico que será discutido adiante.
2.3.2.3. Princípio do poluidor-pagador
Princípio 16 da Declaração do Rio, de 1992 - “Tendo em vista
que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo
decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem
promover a internalização dos custos ambientais e o uso de
instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse
público, sem distorcer o comércio e os investimentos
internacionais”
(Grifos nossos.)
Embora bastante bem assimilado, a aplicação deste princípio por vezes
parece extrapolar os limites da razoabilidade.
57
A origem de sua má aplicação está na própria legislação, nos conceitos
de meio ambiente, degradação ambiental, poluição e poluidor, estabelecidos na
Lei nº 6.938/81:
77
Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
(...)
II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das
características do meio ambiente;
III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de
atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
(...)
IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, (...) responsável (...), direta ou
indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.
Por lei, “poluidor” não é somente aquele que causa “poluição”, mas o
que, direta ou indiretamente, causa “degradação ambiental”. Ora, sendo a
“degradação ambiental”, segundo a lei, qualquer “alteração adversa” do meio
ambiente, também o usuário de recursos naturais que inicia a intervenção em
uma área para instalação de seu empreendimento, ainda que com impactos
previstos e regularmente licenciados, será equiparado ao “poluidor”.
A alternativa para tentar minimizar erros e a aplicação injusta da lei seria
diferenciar “dano” ou “poluição” ambiental de uma simples intervenção ou um
“impacto” inerente à instalação de um empreendimento. Como, por exemplo, a
preparação do terreno com obra de terraplanagem, a perfuração de um poço
77
Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,
química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio
ambiente;
III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou
indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;
IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta
ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os
estuários, o mar territorial,o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.
58
para captação de água para o canteiro de obras, a supressão de vegetação
para abertura de via de acesso à área do empreendimento etc.
Contudo, novamente a própria legislação é obstáculo a essa solução. Se
adotado o termo “impacto ambiental” para essa simples intervenção (uma
alteração mitigável), retoma-se o seu conceito pela Resolução do Conselho
Nacional do Meio Ambiente - Conama 01/86, que considera “impacto ambiental
qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio
ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das
atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a
segurança e o bem-estar da população (...)” – conceito que foi baseado, como
se vê, no conceito de “poluição”, do artigo 3º da Lei nº 6.938/81.
Por esse caminho, portanto, se os conceitos previstos em lei forem
aplicados diretamente, sem margem a interpretações técnicas e jurídicas,
qualquer intervenção, qualquer “alteração adversa” do meio ambiente, poderá
ser considerada poluição. E, na sequência desse raciocínio, essa mesma
intervenção e uso de uma área e dos recursos naturais, como solo e água,
poderão ainda ser interpretados como o crime de “poluição”, assim previsto na
Lei de Crimes Ambientais – Lei nº 9.605/98, que também repete os termos
utilizados na Lei nº 6.938/81:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que
resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que
provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da
flora.
É necessário, como se nota, maior cuidado na aplicação da norma
ambiental. No anseio de proteger o meio ambiente e punir seus degradadores,
legisladores e autoridades ambientais por vezes afastam o cidadão e
empreendedor de boa-fé da compreensão do valor ambiental e da utilização de
mecanismos importantes e positivos para sua proteção, como o licenciamento
ambiental. Não é razoável que todas as atividades sejam consideradas
“poluidoras” e, daí, seus titulares sempre vistos, por princípio, como potenciais
criminosos ambientais, cabendo-lhes, até preventivamente, todas as medidas
reparatórias, compensatórias e, em extremo, as sanções criminais.
59
Não se questiona a obrigatoriedade de reparação do dano ambiental,
como manda a Lei nº 6.938/81, art.14, §1º
78
. O dano deve ser reparado. Uma
área degradada deve ser recuperada, independentemente da configuração de
culpa e do tempo que correu entre o dano e respectiva constatação. De fato,
não faria sentido permitir que uma área permanecesse contaminada, pondo em
risco a qualidade do lençol freático e de águas próximas usualmente
consumidas por comunidades vizinhas, até que fosse definido a quem caberia
a responsabilidade pela remediação dessa área.
79
Por outro lado, a aplicação do “pagamento” pela poluição tem sido
estendida ainda às situações em que não houve propriamente um dano
ambiental, mas um simples impacto, uma intervenção, necessária e até mesmo
inerente à atividade que está sendo regularmente implantada.
É o que se assiste em relação às medidas mitigadoras e
compensatórias. Medidas mitigadoras são comumente aplicadas para
minimizar os riscos de um impacto ambiental de maiores proporções, bem
como medidas compensatórias, que visam propriamente compensar impactos
característicos de um dado empreendimento, inerentes a certa atividade que
está sendo licenciada. Assim, são impactos inevitáveis e cuja remediação nem
sempre é possível. Para tal situação, o emprego das medidas compensatórias.
No entanto, há casos de imposição de medidas compensatórias como
condicionantes de emissão de licença ambiental, que não guardam proporção
com o potencial de impacto apresentado pelo empreendimento que está sendo
licenciado. Para ilustrar esse problema, interessante a comparação de algumas
situações.
No âmbito municipal, por exemplo, é comum a aplicação de medida
compensatória que manda plantar um bom número de árvores para substituir a
retirada de uma só árvore, mesmo quando não há alternativa para essa
78
Art. 14, §1° “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor
obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. (...)”.
79
Para que a questão fique ainda mais clara, pode-se buscar exemplo fora da matéria
ambiental, na situação do novo proprietário de um apartamento, que já apresentava
vazamento. Tal problema não é informado no ato da venda do imóvel, mas já vinha danificando
o apartamento do andar de baixo. Aqui, também, não seria aceitável que o morador do
apartamento prejudicado tivesse que aguardar o atual proprietário do apartamento de cima ser
indenizado pelo antigo, para, somente depois, o vazamento ser reparado.
60
remoção, que é necessária para abertura de acesso a um terreno em que será
construído um prédio, por exemplo.
Esse tipo de contrapartida, é verdade, pode ser de fácil compreensão,
dada a escassez de áreas verdes e do reduzido número de árvores ainda
existentes nos centros urbanos. Trata-se de medida aceitável, ainda que seja
exigido o plantio de um elevado número de árvores para compensar o corte de
um único exemplar, como ocorre no município de São Paulo, onde há casos de
compensação com quarenta e cinco árvores plantadas para cada uma que é
cortada.
80
O mesmo não pode ser dito em alguns outros casos de medidas
mitigadoras e compensatórias impostas pelos órgãos ambientais, por exemplo
para aprovação de empreendimentos imobiliários. Em diversos desses
empreendimentos, as condicionantes ambientais impostas extrapolam o nível
de proteção necessário ao equilíbrio ambiental do ecossistema onde se
encontra o imóvel e ao exercício da função social da propriedade. E acabam
por atingir o direito de propriedade e a viabilidade operacional e econômica do
empreendimento.
Ainda há muitos conflitos, por exemplo, em relação às restrições legais
para supressão de cobertura vegetal para a implantação de empreendimentos
imobiliários ou mesmo de uma casa em empreendimento já licenciado, seja em
área rural ou urbana. Especialmente porque a legislação ainda apresenta
muitas lacunas, dando margem a interpretações e consequentes aplicações
diferentes. Restam algumas dúvidas mesmo em restrições expressamente
definidas pela legislação, como as referentes às Áreas de Preservação
Permanente. Basta ver a questão da delimitação do ”topo de morro”, cuja
definição trazida pelo Código Florestal foi teoricamente esclarecida bem mais
tarde pela Resolução CONAMA nº 303/02, mas ainda gera conflitos.
81
80
Portaria 26 / SVMA (Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente de São Paulo) de
10.03.2004.
81
Resolução Conama 303/02 - Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área
situada: (...)
V - no topo de morros e montanhas, em áreas delimitadas a partir da curva de nível
correspondente a dois terços da altura mínima da elevação em relação à base;
VI - nas linhas de cumeada, em área delimitada a partir da curva de nível correspondente a
dois terços da altura, em relação à base, do pico mais baixo da cumeada, fixando-se a curva
de nível para cada segmento da linha de cumeada equivalente a mil metros; Parágrafo único.
61
O mesmo ocorre na delimitação da área de reserva de Mata Atlântica, e
da relevância ou não daquela porção de vegetação, existente no imóvel para a
preservação da biodiversidade.
É conhecido o caso do loteamento implantado há muitos anos na Praia
do Iporanga, Município do Guarujá, no litoral de São Paulo, cujos proprietários
de lotes ainda enfrentam dificuldades para a aprovação dos projetos de suas
casas, mesmo tendo sido estabelecido um mínimo de 70% (setenta por cento)
de área de reserva para cada lote, além das restrições legais respectivas às
áreas de preservação permanente e de proteção da Mata Atlântica.
Essa porcentagem (70%) foi estabelecida em Termo de Ajustamento de
Conduta firmado com o Ministério Público e deveria ter sido suficiente a
solucionar os problemas de uma ocupação má conduzida que existiam sobre
aquela área. No entanto, o permanecem questionamentos e são somadas
novas restrições à ocupação de lotes que estariam apresentando cobertura
vegetal mais significativa.
Proprietários de áreas vizinhas e outras semelhantes à Iporanga, com
loteamentos regularmente licenciados, enfrentam o mesmo problema.
Além do prejuízo desses proprietários e das consequentes vultosas
ações indenizatórias propostas contra o Estado, lamentavelmente, o que se
assiste é a imposição tecnicamente infundada de restrições a uma ocupação
ordenada, enquanto, ao mesmo tempo, perde-se o controle sobre más
ocupações e invasões, a exemplo daquela que cresce, a cada dia, em área
vizinha ao Iporanga, com formação de favelas, problemas sociais, de
saneamento, saúde e danos ambientais.
As restrições e exigências impostas aos empreendedores têm sido em
número por vezes exacerbado e nem sempre justificáveis. Exemplo disso são
Na ocorrência de dois ou mais morros ou montanhas cujos cumes estejam separados entre si
por distâncias inferiores a quinhentos metros, a Área de Preservação Permanente abrangerá o
conjunto de morros ou montanhas, delimitada a partir da curva de nível correspondente a dois
terços da altura em relação à base do morro ou montanha de menor altura do conjunto,
aplicando-se o que segue:
I - agrupam-se os morros ou montanhas cuja proximidade seja de até quinhentos metros entre
seus topos;
II - identifica-se o menor morro ou montanha;
III - traça-se uma linha na curva de nível correspondente a dois terços deste; e
IV - considera-se de preservação permanente toda a área acima deste nível.
62
algumas medidas como: exigência de aquisição de equipamentos eletrônicos,
de veículos automotores, além contratação de profissionais especializados na
área ambiental para prestação de serviço a órgãos ambientais, de modo que é
transferida ao empreendedor a responsabilidade de monitoramento desses
profissionais que é do órgão público.
Exigências como estas, surgem introduzidas no rol das medidas
compensatórias, como condicionante de emissão da licença ambiental, embora
não guardem plena relação com o caráter preventivo do licenciamento
ambiental. Sua imposição tem sido fundamentada na previsão da
“compensação ambiental”, da Lei nº 9.985/00, que institui o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação – SNUC. Ou seja, as medidas acima
exemplificadas seriam necessárias para dar condições de manutenção de uma
Unidade de Conservação, que poderá ser impactada pelo empreendimento que
está sendo licenciado.
Sem entrar no mérito da discussão específica sobre a polêmica
“compensação ambiental”
82
, que foge do objetivo do presente trabalho, fato é
que se criaram diversos instrumentos legais para a aplicação do princípio do
poluidor-pagador; no entanto, ficaram esquecidos seus mecanismos, o
adequado controle sobre sua aplicação e, principalmente, seu objetivo e
respectiva informação, que é fundamental ao entendimento e valorização da
questão ambiental.
Um princípio de Direito deve passar segurança à sociedade para que ela
possa sempre recorrer deste para nortear e também sustentar suas ações. Se
esse mesmo princípio, porém, é mal aplicado pelas autoridades públicas a
82
Vide decisão do Supremo Tribunal Federal, de 09 de abril de 2008, em Ação Direita de
Inconstitucionalidade - ADI 3.378, proposta pela Confederação Nacional das Indústrias – CNI,
requerida a inconstitucionalidade do art.§1º do art. 36 da Lei nº 9.985/00 que prevê o
pagamento de valor destinado à manutenção ou criação de Unidade de Conservação,
posteriormente denominado como “compensação ambiental”. O STF derrubou o valor da
compensação ambiental, especialmente porque a lei não determina um valor máximo, tendo
fixado somente o mínimo, de 0,5% (meio por cento) do valor total investido na implantação do
empreendimento, com base no respectivo EIA/RIMA. Posteriormente, o Decreto nº 6.848,
publicado em 15 de maio de 2009 (que altera o Decreto nº 4.340/02, que regulamenta a Lei nº
9.985/00), fixou teto do valor da compensação ambiental em 0,5% (meio por cento). A polêmica
em torno do assunto diminuiu, mas ainda existem dúvidas sobre os critérios de fixação do valor
da compensação ambiental, considerando que parte desse valor ainda permanece baseada no
valor do empreendimento, o que não guarda relação com o grau de potencial impacto
ambiental, que deveria ser o único dado a servir de base para a fixação da compensação
ambiental.
63
quem a sociedade deve atender, ele perde esse caráter, deixa de ser norteador
para ser explorado como arma para interferir no centro das discussões. Deixa
de ser algo que vale a pena compreender e seguir, para ser algo que não se
quer ver aplicado.
Na doutrina ambiental, a abordagem sobre o princípio do poluidor-
pagador não é unânime.
Nas palavras de José Renato Nalini, de caráter rigoroso de proteção ao
meio ambiente, “o princípio do poluidor-pagador precisa ser bem
compreendido, sob duas vertentes: a prevenção do dano ambiental e a
repressão, mediante reparação daquele já causado. Não significa - e lembra
FIORILLO - “pagar para poder poluir, poluir mediante pagamento ou pagar para
evitar a contaminação. Não se podem buscar através dele formas de contornar
a reparação do dano, estabelecendo-se uma liceidade para o ato do poluidor,
como se alguém pudesse afirmar: Poluo, mas pago. Está ausente desse
princípio a identidade do vulnerador. O poluidor, ainda que potencial, é
responsável pela integral prevenção quanto à capacidade lesiva de sua
atividade. E se causar prejuízo ao meio ambiente, ficará obrigado a indenizar.
É uma das diretivas da Comunidade Econômica Européia e está assim
redigida: ‘as pessoas naturais ou jurídicas, sejam regidas pelo direito público ou
pelo direito privado, devem pagar os custos das medidas que sejam
necessárias para eliminar contaminação ou para reduzi-la ao limite fixado pelos
padrões ou medidas equivalentes que assegurem a qualidade de vida,
inclusive os fixados pelo Poder Público competente’”.
83
Nalini mostra uma clara e importante preocupação com o uso
desvirtuado do princípio, que, embora tenha vindo para proteger, poderia ser
mal utilizado, a resultar em abuso e maior degradação do meio ambiente.
Por outro lado, como melhor discutido adiante, vale atentar para a
citação por ele próprio destacada, da diretriz da Comunidade Econômica
Europeia. Claramente, a mencionada diretriz, é dedicada ao poluidor - àquele,
enfim, que causou dano ambiental, “contaminação” e, por isso, a obrigação em
83
José Renato Nalini - Ética Ambiental - Millenium Editora - 2001 - p. 26.
64
“eliminar”, reparar, em indenizar, em “pagar”, que cabe perfeitamente ao
poluidor. Mas não ao usuário.
Esse, o usuário, por vezes paga, também. Mas em caráter preventivo e
compensatório. Não se trata da situação do “poluo, mas pago” (que faz
lembrar, aliás, a velha do “rouba, mas faz”). Na verdade, está se usando e, por
isso, se pagando, em circunstância semelhante ao pagamento pelo uso da
água, previsto na Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei nº
9.433/97.
Paulo Affonso Leme Machado adota linha bastante conservadora,
aparentemente cuidando tão somente da preservação ambiental, interpretando
de forma bastante abrangente o conceito de poluidor e, daí, passando a afirmar
ser exigível em muitas situações o “pagamento” pela poluição:
“Entre as ‘medidas mitigadoras’ previstas nos arts. 6º, III, e 9°, VI, da
Resolução 1/86 compreende-se, também, a compensação do dano ambiental
provável. A compensação é uma forma de indenização. Mesmo que a
compensação não fosse prevista no EPIA, ela é devida pelo princípio da
responsabilidade objetiva ambiental (art.14, §1°, da Lei 6.938/81)”.
84
Devo dizer que a interpretação aqui adotada é diferente da apresentada
pelo mestre Paulo Affonso. O autor aborda o tema dentro do capítulo
respectivo ao Estudo Prévio de Impacto Ambiental - EPIA. Analisa as medidas
mitigadoras e compensatórias e, finalmente, falará sobre a compensação
ambiental, da Lei nº 9.985/00. Todavia, é delicada a afirmação de que a
compensação do dano ambiental caberia mesmo sem previsão no EPIA,
bastando para fundamentá-la o princípio da responsabilidade objetiva. A
reparação, ou indenização, do dano ambiental, assim prevista no citado
dispositivo da Lei nº 6.938/81, é obrigatória e tem caráter até mesmo de
penalidade, ou, ao menos de ônus, já que estará obrigado a reparar, também
aquele que não teve culpa pelo dano ocorrido, como pode ocorrer, por
exemplo, com o adquirente de imóvel anteriormente contaminado. Assumirá o
passivo ambiental, ponto de vista já consolidado na jurisprudência:
85
84
Paulo Affonso Leme Machado - Direito Ambiental Brasileiro - 2004, p. 222.
85
Parecer Jurídico de André Lima -“ Princípios Constitucionais Aplicáveis às Áreas de
Preservação Permanente”, 2003, p.61 - Internet-página:
65
“(...) Não há cogitar, pois, de ausência de nexo causal, visto que
aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por
outrem está, ele mesmo, praticando o ilícito. A obrigação de
conservação é automaticamente transferida do alienante ao
adquirente, independentemente deste último ter responsabilidade
pelo dano ambiental”.
86
Entretanto, o mesmo não deve ser dito da compensação ambiental,
prevista no art.36, §1º, da Lei nº 9.985/00 (SNUC)
87
que não é obrigatória em
todas e quaisquer circunstâncias, uma vez que não está necessariamente
relacionada à reparação de um dano, esta sim, compulsória, sempre. Caso
contrário, todo empreendedor se verá diante de tal soma de restrições e
condicionantes, em que se mesclam medidas mitigadoras, compensatórias e
compensação ambiental, além da obrigatória assunção de passivos e
reparação de danos ambientais, que acabaria por inviabilizar a implantação de
seu e de tantos outros projetos.
A responsabilidade objetiva é aplicada tão somente à reparação e
indenização do dano ambiental. Não deve caminhar junto à compensação
ambiental (fundamentada pela Lei nº 9.985/00 e destinada às Unidades de
Conservação) nem mesmo junto às medidas compensatórias genéricas, que
integram a maior parte dos processos de licenciamento ambiental.
Tal como prevista na Lei nº 6.938/81, a responsabilidade objetiva
destina-se basicamente ao “poluidor”
88
. O mesmo não pode ser dito em
relação às medidas mitigadoras e compensatórias e à compensação ambiental,
http://www.mma.gov.br/port/conama/processos/F3F96568/ParecerPrincipiosConstitucionaisCT
Biomas.pdf.
86
STJ, REsp 343.741/PR, rel. Min. Franciulli Netto, DJU 07.10.2002.
87
Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto
ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo
de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a
implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de
acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.
§ 1
o
O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode
ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do
empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o
grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento.
88
Vide Nota 77.
66
impostas não ao poluidor, mas a quem utiliza, explora os recursos naturais,
podendo ser identificado como seu “usuário”.
Édis Milaré
89
, ao diferenciar os conceitos de usuário-pagador e poluidor-
pagador, ensina que “o poluidor que paga, é certo, não paga pelo direito de
poluir: este ‘pagamento’ representa muito mais uma sanção, tem caráter de
punição e assemelha-se à obrigação de reparar o dano. De outro lado, o
usuário que paga, paga naturalmente por um direito que lhe é outorgado pelo
Poder Público competente, como decorrência de um ato administrativo (que às
vezes pode até ser discricionário quanto ao valor e às condições); não tem
qualquer conotação penal (...)”.
A reparação está sempre relacionada a um dano ambiental, gerado a
partir de uma ação não autorizada, tendo assim caráter ilícito, por isso a
punição ao seu autor, o poluidor. Já a compensação deve ocorrer ainda
durante o processo de licenciamento de uma atividade, portanto, não há que se
falar em dano, pois nem mesmo a atividade que seria sua potencial geradora
poderia existir. Se não há dano, não há lugar para reparação. Fala-se, então,
na compensação perfeitamente aplicável ao usuário do recurso ambiental.
2.3.3. Políticas Ambientais
2.3.3.1. Política Nacional do Meio Ambiente
Sempre amplamente citada, por doutrinadores e tribunais, não resta
dúvida da importância da Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA,
instituída por meio da Lei nº 6.938/81. Marco do Direito Ambiental Brasileiro, os
conceitos e princípios nela encontrados foram abraçados pela Constituição
Federal e por todos os diplomas legais em matéria ambiental, posteriores à sua
edição.
A PNMA é uma das políticas públicas em matéria ambiental, que
alcançou alto grau de implantação no cenário brasileiro. Entretanto, dada sua
89
Édis Milaré - Direito do Ambiente – 4ª edição, p. 171.
67
abrangência, que servirá de base inclusive para a formação das demais
políticas ambientais, como a de Recursos Hídricos e a de Educação Ambiental,
é possível observar que sua assimilação não é plena. Ao contrário, é comum
verificar iniciativas (tanto pelo Poder Público, Executivo e Legislativo, como
pelo setor privado) que a põem em risco por falhas em sua interpretação e
aplicação.
Passados já perto de trinta anos da publicação da Lei nº 6.938/81, muito
pouco evoluíram os instrumentos de sua aplicação. Persiste-se na formulação
infindável de normas, dos mais diversos níveis, por diferentes poderes, para
tentar dar efetividade à PNMA, pré-ordenando condutas ambientalmente
adequadas e penalizando condutas que seguem caminhos distintos do que as
normas conceituam como conduta ambientalmente correta, seja lá qual for o
contexto socioeconômico, histórico e cultural.
90
Cabe ressaltar que o principal instrumento da PNMA – o licenciamento
ambiental de atividades potencialmente poluidoras – ainda pende de
regulamentação, pois permanecem confusos e polêmicos os critérios da
competência para exercê-lo. Embora a Lei nº 6.938/81 tenha instituído o
Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), que deveria funcionar da
mesma forma, portanto, em âmbito nacional, o procedimento mais seguro
indicado a empreendedores que vão iniciar o licenciamento de seus projetos
tem sido o de que consultem os três órgãos ambientais (municipal, estadual e
federal), para terem maior segurança em definir em qual, ou quais, desses
órgãos deve tramitar o processo para obtenção das licenças ambientais.
Observa-se, no tratamento da legislação ambiental num mecanismo que
remonta àquele já alertado por Rousseau como causador de caos social –
gerado pela má elaboração e aplicação da própria lei que veio a ordenar as
relações sociais e, em contexto mais atual, as relações socioambientais.
90
Entre as medidas do Programa de Aceleração de Crescimento – PAC, do Governo Federal,
está o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 388/07 (apensado ao PL nº 12/2003), que dispõe
sobre a competência da União, Estados, DF e Municípios para licenciar em matéria ambiental,
tópico previsto no artigo 23 da Constituição Federal. O PLC nº 388/07 busca dar legalidade a
assunto – obrigatoriedade de edição de Lei Complementar sobre a matéria de competência,
conforme previu, em 1988, o art. 23 da CF - mal resolvido por mera Resolução (Resolução
Conama nº 237/97) que tem cara de lei, função de decreto, e pouco resolveu em dez anos.
68
Da análise dos princípios da PNMA
91
, relacionados no artigo 2º da Lei nº
6.938/81, nota-se pendências de sua efetivação. Vejamos alguns deles:
Art.2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a
preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à
vida, (...) atendidos os seguintes princípios:
I- ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico (...);
II- racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
Ill- planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;
IV- proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas
representativas;
V- controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente
poluidoras;
O equilíbrio ecológico, o controle, uso sustentável e gestão dos recursos
naturais são ações governamentais previstas na PNMA cujos efeitos ainda
estão bastante aquém de serem concretizados.
Para a proteção de ecossistemas de áreas representativas, houve
incremento de áreas decretadas como Unidades de Conservação e então
teoricamente protegidas. No entanto o governo não conta com recursos
apropriados para sua proteção e gestão. Ao mesmo tempo, não é aberto
espaço para a gestão dessas áreas em pareceria com a iniciativa privada, o
que viabilizaria uma melhor gestão de recursos financeiros, infraestrutura e
gerenciamento das Unidades de Conservação.
91
Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, (...) atendidos os seguintes princípios:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico (...)
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
Ill - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;
IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;
V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;
VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a
proteção dos recursos ambientais;
VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII - recuperação de áreas degradadas;
IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade,
objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.
69
Atividades de pesquisa, como centros de biologia marinha de instituições
privadas, por exemplo, deveriam ser bem-vindos a se instalarem nas Unidades
de Conservação, de modo a propiciar investimentos na infraestrutura, na
segurança e controle de acesso, além da aproximação dos pesquisadores com
o meio pesquisado e do público em geral com as informações geradas a partir
dessa pesquisa.
Quanto ao controle de atividades potencialmente poluidoras, alguns
Estados, como São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e outros,
avançaram significativamente nas atividades de fiscalização e políticas
ambientais. Mas ainda há muito a ser feito, mesmo nesses Estados,
destacando-se a conciliação da proteção ambiental com a questão social,
como um dos maiores desafios para se dar efetividade e constância ao controle
ambiental.
Ainda na relação de princípios da Lei nº 6.938/81, trazemos à presente
análise o do inciso VI do art. 2º:
VI -
incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o
uso racional e a proteção dos recursos ambientais.
Estudo e pesquisa no país são sabidamente mal valorizados. Ainda, por
força da legislação ambiental, profissionais de ensino e pesquisadores
brasileiros têm sido equiparados a “biopiratas”
92
, porque estariam efetuando
apanha (na verdade realizando coletas de exemplares da fauna, flora e micro-
organismos, para estudo de nossa biodiversidade e suas propriedades) de
espécimes da fauna e flora e materiais diversos de ecossistemas brasileiros
diferentes, sem autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético –
CGEN, como determina a Medida Provisória nº 2.186/01.
93
A Medida Provisória – MP nº 2.186/01, de 23 de agosto de 2001, dispõe
sobre o acesso ao patrimônio genético; a proteção e o acesso ao
92
É considerada biopirataria a prática de retenção de informações e exploração comercial de
produto gerado a partir substâncias extraídas da biodiversidade brasileira e/ou cujas
propriedades – por exemplo, medicinais – tenham sido anteriormente constatadas por meio de
conhecimento de comunidades tradicionais brasileiras – a exemplo de indígenas ou
quilombolas – ou por outros pesquisadores.
70
conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à
tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização. Mal
redigida e aplicada, a MP nº 2.186/01 equiparou a atividade da pesquisa, de
acesso e coleta de recursos naturais e genéticos (que de fato é, tecnicamente,
conceituada como “bioprospecção”) à bioprospecção, definida no art. 7º, VII,
como atividade exploratória que visa identificar componente do patrimônio
genético e informação sobre conhecimento tradicional associado, com
potencial de uso comercial.
Por causa do controle contra a biopirataria, que tem fins exploratórios
comerciais, a respectiva fiscalização e processo de licenciamento estenderam-
se aos pesquisadores e profissionais de ensino, que têm por finalidade tão
somente o acesso e levantamento de dados e de novas informações sobre o
patrimônio da biodiversidade brasileira, para geração de conhecimento.
No entanto, a fiscalização chegou ao ponto de aplicar aos pesquisadores
sanções previstas na Lei de Crimes Ambientais – nº 9.605/98 – por apanha ou
exploração de espécimes da fauna e flora, sem autorização ambiental e sem
distinguir suas atividades daquelas que guardavam finalidade industrial e
comercial e realizadas de forma irregular.
Somente neste ano de 2009, a polêmica está chegando a uma solução
sensata, por meio de instrumentos normativos editados pelo Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio (órgão ambiental federal,
responsável pela gestão das Unidades de Conservação e proteção da
Biodiversidade), em trabalho conjunto com os representantes de instituições de
pesquisa, até que se tenha solução definitiva, para dar a necessária segurança
jurídica aos pesquisadores brasileiros, por meio da votação e aprovação de Lei,
em substituição à MP nº 2.186/01.
Também importante destacar o princípio do inciso X do artigo 2º da Lei
6.938/81, que trata da proteção de áreas ameaçadas de degradação.
Sobre este princípio, importante notar que a proteção ambiental não será
alcançada somente por meio de sanções. Sanções são aplicáveis
essencialmente para áreas já degradadas, não são instrumentos de prevenção
contra ameaças à degradação. É necessário planejamento e infraestrutura,
71
concretizados a partir da consolidação de política pública de proteção
ambiental. Não guarda razoabilidade a imposição de sanções, se descobertas
de informação e instrumentos previamente implantados, que possam dar
efetividades a essas sanções para a proteção ambiental.
Por fim, a Lei nº 6.938/81 encerra a relação de princípios da PNMA,
destacando a educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a
educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na
defesa do meio ambiente (Art.2º, X), tópico abordado a seguir, em comentários
sobre a Política Nacional de Educação Ambiental.
Importante trazer à discussão da PNMA e da efetividade de seus
princípios, o papel essencial da informação. Informação e participação têm sido
precárias na rotina dos aplicadores da PNMA, o que resulta em claro prejuízo à
sua compreensão e aos valores que pretende defender:
A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a
participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No
nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações
relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas,
inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas
comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de
tomadas de decisão. Os Estados devem facilitar e estimular a
conscientização pública, valorando a informação à disposição de todos.
Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e
administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e
reparação dos danos. (Princípio 10 da Declaração do Rio de Janeiro de
1992).
De todo o Princípio 10 da Declaração do Rio, de 1992, somente os
“mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à
compensação e reparação dos danos” têm sido utilizados pelo Poder Público.
Da PNMA, ênfase maior tem sido dada somente aos instrumentos punitivos.
Demais deveres, fundamentais, como a informação e a participação, foram
esquecidos a um segundo plano.
72
Como ressalta Marcelo Abelha Rodrigues, “é certo que a participação e
sua solidariedade na implementação das políticas públicas que envolvam o
meio ambiente só poderá ser alcançada com êxito, caso concorram dois
fatores que colocam-se como essenciais nesse processo: a informação e a
educação vistos como instrumentos de efetivação do direito ambiental”.
94
Segue o autor: “A informação já foi considerada como um quarto poder.
Aquele que detém a informação coloca-se, inevitavelmente, numa posição de
vantagem aos demais. (...) Enfim, se o bem sobre o qual recai a informação é
difuso, certamente que o direito à informação e obtenção de dados acerca
desse bem têm igualmente natureza difusa. (...) Tendo em vista o exposto,
percebe-se que o acesso efetivo à informação constitui elemento fundamental
à democracia não só pelo princípio da transparência (publicidade), mas
também porque a partir dessa ‘transparência’ permite-se a possibilidade de
participação e evita-se o autoritarismo, servindo, pois, como mecanismo de
controle dos atos públicos”.
95
Finalmente, sobre alguns dos instrumentos utilizados para a garantia da
informação ambiental, como o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo
Relatório de Impacto ao Meio Ambiente - EIA/RIMA, as audiências públicas, a
publicidade sobre novos projetos em licenciamento etc., Marcelo Abelha
entende que “todos estes constituem singelos exemplos da importância da
informação ambiental na efetivação do direito ambiental e, especialmente, na
formação de uma ética ambiental (implementação da educação ambiental).
São alguns exemplos da projeção do princípio da informação ambiental”.
A informação ambiental tem por objetivo maior a conscientização e
educação ambiental. Para tanto, a informação deve ser muito clara e objetiva,
proporcionando, aí sim, a percepção do valor do meio ambiente como valor
básico da sobrevivência e qualidade de vida, a exemplo de segurança, saúde e
moradia.
94
Marcelo Abelha Rodrigues - Instituições de Direito Ambiental - Max Limonad, 2002, pp.259 a
262.
95
Paulo Affonso Leme Machado destaca três características essenciais à informação
ambiental: Tecnicidade (conteúdo técnico, fático), compreensibilidade (clareza, acessível a
todo cidadão) e rapidez (prestação da informação num prazo máximo de 30 dias) – Paulo
Affonso Leme Machado – Direito à Informação e Meio Ambiente – 2006, p.93.
73
Procurando demonstrar a relação da informação com a educação
ambiental, Celso Fiorillo
96
pondera que “a informação ambiental encontra
respaldo legal nos arts. 6°, §3º, e 10 da Política Nacional do Meio Ambiente.
Além disso, como é sabido, alguns princípios no direito ambiental constitucional
se interpenetram, de modo a estabelecerem uma interdependência. Com isso,
observa-se que a educação ambiental é efetivada mediante a informação
ambiental, que é expressamente abraçada pela Constituição Federal, no seu
art. 225, §1°, VI:
§ 1° Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público: (...) VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de
ensino e a conscientização pública para a preservação do meio
ambiente”.
2.3.3.2. Política Nacional de Educação Ambiental
Celso Fiorillo, ainda sobre educação ambiental, sintetiza a tarefa de
educar bem da seguinte forma: “Educar bem significa: a) reduzir os custos
ambientais, à medida que a população atuará como guardiã do meio ambiente;
b) efetivar o princípio da prevenção; c) fixar a idéia de consciência ecológica,
que buscará sempre a utilização de tecnologias limpas; d) incentivar a
realização do princípio da solidariedade, no exato sentido que perceberá que o
meio ambiente é único, indivisível e de titulares indetermináveis, devendo ser
justa e distributivamente acessível a todos; e) efetivar o princípio da
participação, entre outras finalidades”.
97
A demora da efetivação da Política Nacional de Educação Ambiental –
PNEA ((Lei nº 9.795/99) não pode ser justificada sob o argumento de que se
trata de matéria recente, parcialmente regulamentada em 2002, por meio do
Decreto nº 4.281/02.
Na verdade, a relevância da inclusão da questão ambiental na grade
educacional e nas informações veiculadas diariamente pelos diversos meios de
96
Celso Antônio Pacheco Fiorillo - Curso de Direito Ambiental Brasileiro - p. 39.
97
Celso Antonio Pacheco Fiorillo - Curso de Direito Ambiental Brasileiro, p. 41 - citando Celso
Antonio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues- Manual de direito ambiental - p. 147.
74
comunicação é percebida já no Código Florestal de 1965. Iniciativas hoje
destacadas como fundamentais à educação ambiental são previstas como
obrigações no Código de 1965. Infelizmente, não implementadas.
O artigo 42 do Código Florestal já previa uma série de medidas para
divulgação e valorização da educação florestal que deveriam ser
implementadas no prazo de dois anos após sua promulgação:
Art. 42. Dois anos depois da promulgação desta Lei, nenhuma
autoridade poderá permitir a adoção de livros escolares de leitura
que não contenham textos de educação florestal, previamente
aprovados pelo Conselho Federal de Educação, ouvido o órgão florestal
competente.
§ 1° As estações de rádio e televisão incluirão, obrigatoriamente, em
suas programações, textos e dispositivos de interesse florestal,
aprovados pelo órgão competente no limite mínimo de cinco (5) minutos
semanais, distribuídos ou não em diferentes dias.
§ 2° Nos mapas e cartas oficiais serão obrigatoriamente assinalados os
Parques e Florestas Públicas.
§ 3º A União e os Estados promoverão a criação e o desenvolvimento
de escolas para o ensino florestal, em seus diferentes níveis.
Art. 43. Fica instituída a Semana Florestal, em datas fixadas para as
diversas regiões do País, do Decreto Federal. Será a mesma
comemorada, obrigatoriamente, nas escolas e estabelecimentos
públicos ou subvencionados, através de programas objetivos em que
se ressalte o valor das florestas, face aos seus produtos e
utilidades, bem como sobre a forma correta de conduzí-las e
perpetuá-las.
Parágrafo único. Para a Semana Florestal serão programadas reuniões,
conferências, jornadas de reflorestamento e outras solenidades e
festividades com o objetivo de identificar as florestas como recurso
natural renovável, de elevado valor social e econômico. (Grifos nossos.)
No mesmo sentido, a Lei nº 5.197/67 – Lei de Fauna ou Código de
Caça:
75
Art. 35. Dentro de dois anos a partir da promulgação desta Lei,
nenhuma autoridade poderá permitir a adoção de livros escolares de
leitura que não contenham textos sobre a proteção da fauna, aprovados
pelo Conselho Federal de Educação.
§ 1º Os Programas de ensino de nível primário e médio deverão contar
pelo menos com duas aulas anuais sobre a matéria a que se refere o
presente artigo.
§ 2º Igualmente os programas de rádio e televisão deverão incluir textos
e dispositivos aprovados pelo órgão público federal competente, no
limite mínimo de cinco minutos semanais, distribuídos ou não, em
diferentes dias.
Os “dois anos” previstos nas leis da década de 60 se passaram, e, mais
de quarenta anos depois, ainda poucos frutos podem ser colhidos dessa
legislação, no que diz respeito ao incremento de medidas de educação
ambiental.
O mesmo está ocorrendo com a efetividade da tão esperada Política
Nacional de Educação Ambiental. Basta verificar em rápida análise de seus
dispositivos iniciais:
Art. 3º Como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito
à educação ambiental, incumbindo:
I - ao Poder Público, nos termos dos arts. 205 e 225 da Constituição
Federal, definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental,
promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e o
engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do
meio ambiente (...)
Art. 4
o
São princípios básicos da educação ambiental: (...)
II - a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a
interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural,
sob o enfoque da sustentabilidade.
76
Ocorre que, da forma como vem sendo aplicada a legislação que
pretende proteger os valores ambientais, em dissonância com demais valores
também importantes à garantia da qualidade de vida humana, torna-se inviável
atender ao previsto na PNEA. A rotina dos meios de aplicação dessa legislação
estão demais afastados do sentido informativo e educativo da PNEA.
Pretende-se o engajamento da sociedade, mas dá-se valor maior às
sanções, inclusive penais, àqueles que não respeitarem o meio ambiente - leia-
se, àqueles que não seguirem letra a letra, a legislação ambiental (leis,
decretos, resoluções, portarias, instruções normativas e deliberações), ainda
que não compreendam seu objetivo.
77
3.
Instrumentos de Proteção Ambiental
3.1. Instrumentos Preventivos – Aplicação dos princípios da
Prevenção e da Precaução
É feita a seguir, breve abordagem sobre este tema, dos instrumentos
preventivos de proteção ambiental. Para isso, é desenvolvida rápida reflexão
com base nos princípios da Prevenção e da Precaução, utilizando-se exemplos
práticos de suas aplicações, com o fim de trazer ao debate a atenção à
aplicação mais acertada desses princípios.
“É melhor prevenir do que remediar”. Ditado muito antigo, podemos
afirmar com certa tranqüilidade que ele é a verdadeira base do Princípio da
Prevenção. Bem ou mal usado, é esse o princípio que sustenta todo o
processo de licenciamento ambiental de atividades de eventual potencial
poluidor. A Prevenção foi aclamada em convenções internacionais. Passando
por Estocolmo e Rio-92, casa perfeitamente com o Desenvolvimento
Sustentável. Mas a regra básica é a mesma.
Afinal, por que também em meio ambiente é melhor prevenir do que
remediar? Por fatores físicos, químicos, biológicos, toda intervenção humana
sobre o meio natural causa a alteração na dinâmica de um ecossistema.
Dependendo do grau da intervenção, essa alteração pode resultar no
desequilíbrio das condições ambientais de um ecossistema, a ponto de pôr em
risco a qualidade dos recursos naturais nele existentes, a sobrevivência da
flora e da fauna e, por vezes, a própria sobrevivência humana. Ainda,
dependendo do grau de alteração que ocorre, as medidas necessárias a
retomar o equilíbrio ambiental, podem ser extremamente onerosas e morosas.
Tome-se como exemplo básico a derrubada de uma floresta de quarenta
anos de Mata Atlântica. Quanto tempo e que demais condições seriam
necessárias para restabelecer o equilíbrio de um ecossistema, do qual fazia
parte essa floresta (?). Nesse mesmo exemplo, supondo-se que tal floresta não
78
havia sido derrubada, mas poderia ser incendiada (por acidente, em razão de
uma queimada não planejada de acordo com a direção do vento; ou de uma
fogueira de acampamento etc.), nesta hipótese, uma ação preventiva, de
ordem técnica, seria a execução de aceiros, a separar, o quanto possível, a
floresta, da zona de potenciais incêndios.
Com maior complexidade, outro exemplo seria o de uma indústria
“pesada”. Além de todo o impacto imediato que se dá com sua implantação
(desmatamento, terraplanagem etc.) qual o potencial impacto de contaminação
do solo, de águas subterrâneas e rios próximos? Para a minimização do risco
potencial de impactos que uma atividade como essa possa vir a causar, a
legislação impôs o licenciamento ambiental prévio, cujo processo, para
empreendimentos de maior complexidade, dependerá de avaliação do Estudo
de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto ao Meio Ambiente -
EIA/RIMA.
O ditado, acima relembrado, virou lei. A avaliação prévia de impactos
ambientais que possam ser causados pela implantação de atividades
potencialmente poluidoras é instrumento de proteção ambiental previsto na
PNMA e na Constituição Federal. Portanto, válido e perfeitamente cabível e
compreensível o Princípio da Prevenção.
Entretanto, a prevenção em diversos casos deve ser mais profunda.
Para algumas atividades, produtos, equipamentos, não há discricionariedade
suficiente, e muitas vezes nem mesmo conhecimento científico, para suportar a
decisão de aprovação de sua implantação.
Em muitos casos, há somente estatísticas, com resultados positivos e
com resultados negativos em proporções semelhantes. Em outras palavras,
não há a assim denominada “certeza científica” que assegure a viabilidade
ambiental de dada atividade. Então, por precaução, nestes casos deve-se
aguardar até que venha a certeza científica. Essa é a síntese do assim
denominado Princípio da Precaução, consolidado na Conferência do Rio de
Janeiro de 1992.
Para alguns autores, o Princípio da Precaução está abaixo do Princípio
da Prevenção. A precaução, na verdade, nada mais seria do que prevenir, com
79
cautela dobrada. Mas até onde vai essa cautela? Precaver, na linguagem
ambientalista, muitas vezes é entendido como evitar, sem margem a outra
interpretação. Assim, se uma atividade, que se pretende instalar, é vista como
de essência estranha, o entendimento é de que é mais conveniente bloqueá-la
- Deixemo-la em uma bolha de observação, em que possa ser avaliada,
dessecada, mas assegurados os seus efeitos dentro dos limites da bolha. “Por
princípio”, trata-se de uma atividade inviável.
Com base na Prevenção, isso não ocorre. Não se conclui pela
inviabilidade, “por princípio”. A inviabilidade de um empreendimento poderá ser
decretada, mas apenas após a avaliação dos riscos de sua implantação, de
seu potencial poluidor, das condições reparatórias de eventuais danos
ambientais que acarretaria. Ou seja, tratar-se-ia de uma inviabilidade, assim
definida, com fundamentação técnica formada dentro de um processo de
licenciamento ambiental, que possivelmente tenha sua análise baseada em
EIA/RIMA – com riscos e potenciais impactos conhecidos.
Podemos utilizar dois exemplos, para a compreensão do alcance desses
princípios:
(i) Organismos Geneticamente Modificados (OGMs)
Os popularmente chamados “transgênicos” ficaram conhecidos com o
episódio da soja transgênica, cujo cultivo foi tentativamente barrado por meio
de ação civil pública promovida pelo IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor)
em 1998, liberado anos depois. O importante é observar nesse caso a
aplicação clara de ambos os princípios - o da Prevenção, porque a ação
proposta pedia pelo licenciamento ambiental prévio à liberação do cultivo da
soja transgênica, por meio de EIA/RIMA; já o Princípio da Precaução esteve
marcado pelo objetivo claro da exigência do EIA/RIMA que era o da informação
ao público consumidor desse alimento. Os riscos do uso de OGMs eram
desconhecidos. Havia muito conflito, ainda existente, entre os cientistas
conhecedores do assunto, entre as autoridades envolvidas, Organizações Não-
Governamentais (ONGs) etc. Não se conhecia, com segurança (com certeza
científica), quais os riscos sobre a saúde humana e, especialmente, sobre o
meio ambiente, mais especificamente sobre a cadeia alimentar, vetores etc -
80
um processo de degradação que poderia ser irreversível - daí, pela Precaução,
poder inviabilizar o cultivo de vegetais compostos por OGMs.
(ii) Telefonia celular
Ainda polêmico assunto, com discussões das mais diversas disponíveis
na Internet e em outros meios de informação, mas que, em tese, poderia ser
tratado com rigor menor do que o dedicado aos OGMs.
A razão disso estaria no fato de que, na telefonia celular, os estudos
realizados são suficientes, ao menos, para conhecer os riscos e,
principalmente, a forma de controlá-los ou, em última análise, a forma de
cessar a atividade que tem potencial danoso – bastaria desligar as operadoras,
cessando-se, de imediato as emissões das ondas eletromagnéticas – o que
seria inconcebível no caso de um efeito danoso/desequilíbrio hipoteticamente
desencadeado pelos OGMs numa cadeia alimentar no meio ambiente.
Como se nota, embora lúcidos e fundamentais a justificar a geração e
melhoria de instrumentos de proteção ambiental, a aplicação desses dois
princípios deve se pautar sempre em critérios como o da razoabilidade e da
finalidade, para que, o resguardo do meio ambiente, não possa ser traduzido
em obstáculo, às vezes infundado, ao desenvolvimento sustentável.
3.2. Instrumentos corretivos – Termo de Ajustamento de Conduta
Obrigar a assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por
empresas supostamente envolvidas na ocorrência de um dano ambiental,
como condição para não sofrerem penalidades administrativas, civis e
criminais, mesmo quando não há prova suficiente de seu envolvimento, deve
ser tomado como modelo de “engajamento da sociedade”, a ser seguido para a
valorização e prática da educação ambiental?
Exemplo disso é o que ocorreu no caso clássico do Aterro Mantovani,
no interior de São Paulo. Na verdade, um lixão de resíduos industriais, sem
quaisquer condições ambientais de operação. Funcionou por treze anos,
recebendo resíduos industriais dos mais variados (de petróleo a fraldas), sem
81
qualquer controle ambiental, embora autorizado pelo órgão ambiental de São
Paulo – CETESB
98
.
Proposta ação civil pública, o dono do aterro, pessoa física, foi
condenado a remediar toda a área. Mas por falta de condições financeiras,
foram chamadas a responder todas as empresas que, segundo informações do
Mantovani, teriam algum envolvimento com os resíduos ali depositados. Assim,
em 2001, num fatídico 11 de setembro, o Ministério Público estadual
convocava todas as tais empresas para assinarem um TAC, de forma a se
verem livres de qualquer demanda relativa ao assunto. Demanda que
certamente sofreriam as empresas que não aderissem ao TAC.
Entretanto, como se comprometer com algo que era desconhecido por
muitas empresas? Algo que teria contado, durante longos anos, com o aval da
própria da CETESB, o mesmo órgão que, agora, sob pressão do Ministério
Público, lavrou pesadas multas aos não assinantes do TAC.
O custo inicial, previsto com a remediação, chegaria a alguns milhões de
dólares, incluindo a remoção de aproximadamente 180 mil toneladas de
resíduos, sendo que boa parte desse volume, tinha origem desconhecida ou de
impossível identificação. Passado algum tempo e ampliadas as investigações
técnicas do local, estimava-se um custo de dez milhões de dólares e a retirada
de mais de 300 mil toneladas de resíduos.
A descontaminação é necessária e é obrigatória. Trata-se de típica
obrigação pautada na responsabilidade objetiva. E, de fato, não seria razoável
aguardar ainda mais tempo até que fossem identificados os reais responsáveis.
Mas, ainda assim, vale questionar se não haveria outro meio de “engajar” as
empresas envolvidas no caso Mantovani. O “engajamento” utilizado nesse caso
atende aos objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental?
99
E o Poder
98
Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (nova denominação dada à CETESB –
anteriormente Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental. Alteração pela Lei nº
13.542, de 08 de maio de 2009, em vigor desde 07 de agosto de 2009. A CETESB passou a
centralizar todas as ações de fiscalização e licenciamento ambiental, inclusive as relacionadas
às áreas de avaliação e planejamento ambiental, proteção de mananciais e supressão de
cobertura vegetal, além da área de controle de poluição industrial.
99
Vide caso Johnson &Johnson – empresa chamada a responder solidariamente pela
remediação da área do Aterro Mantovani, por ter destinado ao local resíduos de compostos
normalmente utilizados na fabricação de fraldas descartáveis – destinação autorizada pela
CETESB. Material originalmente de menor potencial poluidor, após disposto no Aterro
82
Público, nada responde pelo ocorrido? Por que nada foi feito entre o período de
1987, quando o aterro foi interditado, e 2001, quando sessenta empresas foram
chamadas a responder pelos fatos?
Casos como o do Aterro Mantovani (este, de fato, de interpretação mais
complexa), Iporanga, acima citado, e tantos outros, revelam que a sanção tem
sido mal utilizada pelos aplicadores e engajadores do Direito Ambiental, que
acabam por prejudicar sujeitos que nem mesmo deveriam ser considerados
poluidores. A sanção por sanção, pelo mero cumprimento da letra da lei,
coage. Não cria relação de respeito. Não serve, isoladamente, como
instrumento de educação nem de real valorização da questão ambiental.
Da mesma forma, o TAC, quando desvirtuado de seu uso corretivo para
o uso coercitivo, perde credibilidade.
3.3. Instrumentos Repressivos
Nas palavras de Vicente Ráo, é o direito um sistema de disciplina social
fundado na natureza humana que, estabelecendo nas relações entre os
homens uma proporção de reciprocidade nos poderes e deveres que lhes
atribui, regula as condições existenciais dos indivíduos e dos grupos sociais e,
em consequência, da sociedade, mediante normas coercitivamente impostas
pelo poder público.
“Essa noção não parte da sociedade, menos ainda do estado, para
atingir o homem. Ao contrário, partindo da natureza humana, alcança a
organização social e visa à disciplina das condições de coexistência e de
aperfeiçoamento dos indivíduos, dos grupos sociais e da própria sociedade. E
assim fixa o conceito unitário e básico sobre o qual toda a estrutura do direito
se ergue.
Mantovani absorveu os demais resíduos e líquidos ali depositados, passando a integrar o
conjunto de resíduos de maior potencial contaminador, daí a responsabilidade solidária. –
Informações disponíveis em:
http://www.jnjbrasil.com.br/downloads%5CPosicionamento%20oficial%20jun_revisado.doc
83
Quando o direito ultrapassa os limites de sua conceituação filosófica, ou
científica, concretizando-se em normas ou regras positivas destinadas a
realizá-lo, então adquire força coercitiva. (...) A proteção-coerção é elemento
essencial do direito objetivo, tanto assim que as normas jurídicas positivas se
distinguem das normas espirituais, ou morais, principalmente por seu caráter
coercitivo.
Representa a proteção-coerção, portanto, a possibilidade do poder
público intervir, com a força, em defesa do direito ameaçado, ou violado, a fim
de manter, efetivamente, a vida em comum, na sociedade”.
100
3.3.1. Do uso da sanção para a consolidação do Direito – O Direito
como poder
Para Willis Santiago “o direito como poder é a manifestação de uma
vontade supra-individual, capaz de se impor às demais através de normas com
ascendência moral, psíquica e amparada também, num poder de outra
natureza, não-espiritual, mas material, meios físicos para forçar, só por coação,
o cumprimento dos preceitos jurídicos”.
Desses preceitos, analisa o autor, “tanto pode emanar um dever, que é
sua força vinculante, de natureza ética ela também, graças à qual se cumpre
espontaneamente o que determinam as normas do direito, e também uma
obrigação, para cujo cumprimento se faz necessário o emprego dos meios
materiais da vis coativa. Em ambas as formas, o direito se mostra como poder-
de-império, mas também há um outro sentido em que o direito se manifesta
como poder: quando fornece proteção, criando faculdades que fortalecem a
posição de um indivíduo frente a outro”
101
.
Pretender que o Direito exerça seu papel primeiro de ordenamento da
sociedade, sem necessariamente representar um poder, ou querer que o
100
Vicente Ráo – O Direito e a Vida dos Direitos – p.42.
101
Willis Santiago Guerra Filho - Material para Estudos de Teoria do Direito - Nomos, volumes
9/10, números 1/2, Fortaleza, jan./dez. 1990/91, p. 67.
84
Direito tenha o poder de exercer esse papel, sem imposição de regras a serem
seguidas, não tem lugar no mundo real.
A norma imposta, por sua vez, não terá força se outra, imediata, não vir
a garantir o seu cumprimento. A esta segunda norma, dá-se o nome de
sanção. De norma punitiva.
Feita essa percepção preliminar do tema, veem-se algumas
preocupações. O primeiro ponto é exatamente o do conceito e papel do Direito.
Se as discussões até aqui levam a concluir que a evolução do Direito não deve
estar condicionada tão somente a uma respectiva normatização, menos ainda
poderia o Direito estar condicionado às sanções - ao que Bobbio chama de
redução do Direito à força
102
. O autor observa, no entanto, que tal
preocupação cabe mais apropriadamente ao conceito de justiça (o Direito justo
e ideal), não ao conceito de Direito enquanto Direito positivo (conceito mais
adequado à realidade).
Mas o Direito positivo também não deve ter a tradução estreita de mera
redução à norma coercitiva. “Quando Kelsen diz que o Direito é um
ordenamento coercitivo quer dizer que é composto por normas que regulam a
coação, isto é, que dispõem sobre a maneira pela qual se devem aplicar as
sanções. O problema da coerção não é o problema de garantir a eficácia das
regras, mas o problema do conteúdo das regras.
103
O outro aspecto será limitar o poder sancionatório de forma a sempre
melhor adequá-lo às normas fundamentais do Direito. A sanção melhor
aplicada é a que, muito acima de buscar o cumprimento da letra de uma lei,
procura resguardar o seu objetivo, que, desde as primeiras leis, têm como fim
organizar as sociedades, resguardando os valores essenciais à qualidade de
vida e dignidade da pessoa humana.
102
Norberto Bobbio – Teoria do Ordenamento Jurídico – trad. Maria Celeste C.J.Santos –
Editora Universidade de Brasília – 10ª edição, 1999 – p.66.
103
Norberto Bobbio – Teoria do Ordenamento Jurídico – p.67.
85
3.3.2. A sanção como instrumento para a tutela dos
Direitos Difusos
No pensamento de Maria da Glória Garcia, relacionado à tomada de
decisões no campo dos Direitos Difusos, “se o sentido comunitário mais
profundo impele os homens a procura de decisões politicamente legitimadas,
cientificamente fundadas, tecnicamente adequadas, economicamente
eficientes e eticamente sustentadas, entendidas como as que contêm as
soluções que melhor projectam o homem e a comunidade no futuro e, logo,
integram uma compreensão actualizada da justiça, então realizar o direito hoje
consistirá precisamente em garantir essa acção, de acordo com uma ordem de
validade que a funda ao mesmo tempo em que a constitui.”
104
A garantia dessa ação, referida pela autora, estará mais bem
assegurada por meio de sanções. Mas quais sanções? As mesmas utilizadas
desde o início dos tempos - ainda que tenham evoluído os métodos punitivos –
e das primeiras relações civis que dependiam de disciplina, para tanto o Direito,
suas leis e respectivas sanções aplicáveis nas hipóteses de seu
descumprimento? Ou as sanções surgidas para garantir o poder do Estado e
de governabilidade da sociedade? Ou, ainda, a sanção penal, que tem por
objetivo – embora com alcances outros – de proteger a vida humana?
Direitos Difusos precisam ser tratados como Difusos. A sanção penal
continua tendo importante papel contra os atentados à vida humana. Contudo,
seu uso não tem sido adequado, quando imposta sanção penal, por exemplo,
para regular as relações do homem com o meio ambiente - cujo alcance vai
muito além do individual ou das primeiras sociedades que o Direito pretendeu
organizar e hoje extrapola os limites da propriedade e do solo, tendo avançado
para as águas internacionais e o clima do planeta. Trata-se de uma necessária
“ecologização do direito”, assim chamada por François Ost.
Para reorientar o direito do meio, diz o autor, é necessária “uma
concordância prévia quanto ao papel que o direito pode ter na sociedade. Muito
freqüentemente, o jurista fica confinado ao papel de escrivão de regras, cujo
104
Maria da Glória F.P.D. Garcia – O Lugar do Direito na Protecção do Meio Ambiente – p.34.
86
conteúdo, senão a forma, são ditados pelos representantes de outras
disciplinas. Muito freqüentemente o direito é reduzido à sanção penal
105
, que
não lhe é contudo essencial, e é levado a reboque de dados empíricos, que lhe
podem ser perfeitamente estranhos. No limiar de um projecto que pretende
reflectir sobre a protecção do meio pelo direito, importa, pois, explicar o que
temos direito a esperar do jurídico”
106
.
3.3.2.1. A sanção penal aplicada à tutela dos Direitos Difusos
Para fechamento desse tópico, e adiantando comentários ao tema
abordado a seguir, novamente é válido utilizar como modelo, entre os Direitos
Difusos, o meio ambiente. Para introduzir a análise dos efeitos da sanção penal
na proteção do meio ambiente, cabem as palavras de Márcia Elayne Berbich
de Moraes. Ao comentar sobre a Lei de Crimes Ambientais, diz a autora: “Na
medida em que os agentes fiscalizadores da Lei nº 9.605/98 terminam
desempenhando uma função de educadores ambientais, acabam por
desvirtuar, de maneira violenta, a lei penal como ultima ratio. Tal maneira de
atuar nada mais é do que um modo de lidar com uma lei da qual não se
necessita dentro do ordenamento jurídico e busca, fundamentalmente, não
cometer injustos ainda maiores. Resta saber se tal procedimento seria legítimo
e até que ponto o cidadão pode aceitar a lei penal como instrumento de
educação”
107
.
Adiante, o questionamento sobre as sanções aplicadas à tutela
ambiental, especialmente a penal, é aprofundado, no sentido de pôr em cheque
não só este papel educativo, tentado pela legislação vigente, mas também
seus efeitos sobre a qualidade de vida e a dignidade da pessoa humana -
valores maiores e que são afetados, positiva e negativamente, pelas normas
ambientais e pela forma como têm sido aplicadas.
105
Fazendo lembrar os comentários de Bobbio sobre o cuidado de não ser o Direito reduzido à
força.
106
François Ost – A Natureza à Margem da Lei – Éditions La Découverte – Instituto Piaget,
Lisboa, 1995 - p.19
107
A (In) Eficiência do Direito Penal Moderno para a Tutela do Meio Ambiente na Sociedade de
Risco (Lei N° 9.605/98) - p. 197.
87
3.3.3. Lei de Crimes Ambientais
“Atendendo ao princípio da intervenção mínima do Direito
Penal, ‘a tutela penal ambiental é chamada a intervir somente
nos casos em que as agressões aos valores fundamentais da
sociedade alcancem o ponto do intolerável ou sejam objeto de
intensa reprovação do corpo social’ ”
108
Instrumento de maior significado para a repressão às infrações
ambientais, sem dúvida é a Lei de Crimes Ambientais - Lei federal 9605/98.
Contudo, se por um lado tem forte e reconhecida natureza repressiva, por outro
lado os seus resultados são de alcance e benefício questionáveis.
As sanções penais sempre estiveram presentes, a punir atos que
ponham em risco as condições de vida da sociedade e, especialmente, a vida,
de um ou muitos indivíduos. A necessidade dessa repressão é inquestionável.
Mas qual é o erro, então, de uma lei que pune ações que, de uma ou outra
forma, também põem em risco a vida, como no caso da contaminação de um
rio que, adiante, terá sua água e peixes consumidos por uma comunidade?
O erro, desde a formulação da lei 9605/98, até hoje em sua aplicação, é
o de tipificar como crime a ação do homem contra a natureza, considerando a
natureza, propriamente, como vítima - A ponto de punir com maior rigor o ato
de maus tratos a um animal do que a um ser humano
109
. O crime ambiental,
sim, existe. Mas seus efeitos são contra o próprio homem.
O Direito é criação humana. A natureza não clama por um Direito, não
deve ser sujeita a direitos. Sempre é bom lembrar que, a partir do momento
que determino lei específica e de tal severidade para a proteção da natureza, a
valorização do meio ambiente se dará por coação, não por percepção e
compreensão habitual. Nessa direção, se a lei “não pega” ou se os dispositivos
108
Maura Roberti, citando Ivette Senise Ferreira - Observações críticas às penas previstas na
Lei dos Crimes Ambientais a serem aplicadas à pessoa jurídica -
www.mundojuridico.adv.br.
109
Enquanto a lei ambiental determina uma detenção mínima de três meses a um ano e multa
para o
crime de maus tratos contra animais (art. 32, da Lei nº 9.605/98), impõe-se uma
penalidade de detenção mínima de dois meses a um ano e multa, quando o sujeito passivo é
um ser humano (art.136 do CP).
88
mais restritivos da legislação ambiental são alterados, flexibilizados e até
revogados, a proteção ambiental será vista como anedota.
É necessário haver cuidado para não retroceder aos tempos do
Regimento do Pau-Brasil de 1605 que, entre outras penalidades, previa até a
pena de morte, para aquele que extraísse a nobre madeira sem autorização do
El Rei:
Eu El-rei. Faço saber aos que este Meu Regimento virem, que sendo
informado das muitas desordens que lia no certão do páo brasil, e na
conservação delle, de que se tem seguido haver hoje muita falta, e ir-se
buscar muitas legoas pelo certão dentro, cada vez será o damno mayor
se se não atalhar, e der nisso a Ordem conveniente, e necessaria, como
em cousa de tanta importancia para a Minha Real Fazenda (...)
Parágrafo 1'. Primeiramente Hei por bem, e Mando, que nenhuma
pessoa possa cortar, nem mandar cortar o dito páo brasil, por si, ou
seus escravos ou Feitores seus, sem expressa licença, ou escrito do
Provedor mór de Minha Fazenda, de cada uma das Capitanias, em cujo
destricto estiver a mata, em que se houver de cortar; e o que o contrário
fizer encorrerá em pena de morte e confiscação de toda sua fazenda.
Parágrafo 2'. O dito Provedor Mór para dar a tal licença tomará
informações da qualidade da pessoa, que lha pede, e se delia ha
alguma suspeita, que o desencaminhará, ou furtará ou dará a quem o
haja de fazer.
(...)
Parágrafo 4
o
. E toda a pessoa, que tomar mais quantidade de páo de
que lhe fôr dada licença, além de o perder para Minha Fazenda, se o
mais que cortar passar de dez quintaes, incorrerá em pena de cem
cruzados, e se passar de cincoenta quintaes, sendo peão, será
açoutado, e degradado por des annos para Angola, e passando de cem
quintaes morrerá por elle, e perderá toda sua fazenda.
89
3.3.3.1. Dignidade da pessoa humana
Como bem observa Regina Vera Villas Boas: “Quase nada, no plano do
Direito e no plano social, teria sentido se a dignidade da pessoa humana não
fosse, a todo tempo, homenageada, protegida, difundida, ressaltada, tutelada,
servindo de fundamento para ‘tantos direitos’. Se ela é fundamental para a
pessoa humana, ela também o é para o Direito, em todas as suas possíveis
acepções, ajudando, inclusive à fundamentação de disciplinas e de ramos do
direito, dentre os quais os difusos e coletivos”
110
.
Assim, quando se fala da imposição de instrumentos repressivos ao
infrator ambiental para que se garanta a qualidade de vida de todos, o
aplicador do Direito deve estar atento para que, ainda assim e em qualquer
hipótese, seja sempre resguardada a dignidade da pessoa humana, protegida
pela Constituição e objetivo maior também de toda a legislação ambiental.
Por essa razão, quando se julgar efetiva e necessária a aplicação da lei
penal, não se pode perder de vista a dignidade da pessoa humana, que deve
prevalecer sobre todos os demais e quaisquer fatores. Tendo o infrator sofrido
pena restritiva de liberdade, ou se sentido ameaçado por esta, mesmo após
completa reparação do dano ambiental e sem ter restado danos à saúde e
qualidade de vida humana, não pode ser esperado que o mesmo venha a dar
valor, reconhecimento, à questão ambiental. Ao contrário, esta o amedrontará,
alimentando a polaridade ainda marcante entre desenvolvimento humano e
equilíbrio ambiental.
Como destaca Celso Fiorillo
111
, “causaria espanto pretender um direito
criminal ambiental em que as sanções mais importantes fossem destinadas
não à proteção da pessoa humana, mas em detrimento desta”.
Esse posicionamento já é presenciado também em tribunais. Acórdão
proferido em julgamento de Recurso de Apelação, na comarca do Rio de
110
Regina Vera Villas Boas - comentários sobre o tema, durante o curso de pós-graduação,
Mestrado, área de Fundamentos dos Direitos Difusos e Coletivos, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo - 2005.
111
Celso Antônio Pacheco Fiorillo - Curso de Direito Ambiental Brasileiro – 2004, p.397.
90
Janeiro
112
, discute a aplicabilidade da lei penal, quando se tratar de infração
insignificante. Referido acórdão transcreve passagem do artigo do Procurador
da República Eugênio Pacelli de Oliveira:
“Assim e por razões outras, tantas e tão óbvias, não vemos como
emprestar aos tipos penais em comento a extensão que parecem
supor os técnicos e demais envolvidos na proteção ambiental que,
de um lado, ampliam os horizontes do Direito Penal para muito
além de qualquer fronteira ou expectativa racional e, de outro,
terminam por reduzir a criminalidade ao simples descumprimento
de qualquer norma positiva, sem compromisso axiológico na sua
interpretação, ressuscitando, com nova (porque legal) roupagem,
o Direito Penal da vontade, proclamado e sustentado com fervor
nazista pela escola de Kiel, na Alemanha de Hitler”.
112
(Apelação n° 2002.700.002101-2, Apelante: Márcio Lopes, Apelado: Ministério Público - Rio
de Janeiro).
91
4.
Efetividade da legislação de tutela do meio ambiente
O cerne da problemática dos direitos
humanos não reside na sua
fundamentação, mas no desafio da sua
tutela.
113
No estudo da Física aprendemos que, para cada ação, há uma reação
correspondente. No Direito, não é diferente. Se a legislação, ao invés de
orientar e organizar, passa a ser mero instrumento sancionatório, a reação será
no sentido de derrubá-la.
114
Para ilustrar este efeito, este capítulo traz casos de temas de elevada
relevância para a matéria ambiental, debatidos pela sociedade e submetidos ao
complexo processo do Legislativo brasileiro. Legislativo este que - se em
alguma outra época, como inicialmente abordamos, possa ter sido considerado
um colegiado de deuses, como mostrado por Fustel de Coulanges
115
e criticado
por Thoreau
116
- se desacreditado pela sociedade, leva ao descrédito também
a lei em geral, o Direito, e os valores juridicamente protegidos, como é o meio
ambiente ecologicamente equilibrado.
113
Celso Lafer em apresentação da obra de Norberto Bobbio – A Era dos Direitos - p.6.
114
Lorenzetti destaca o problema da eficácia como “um dos mais transcendentes no momento
de superar o declaracionismo dos direitos”. Ilustra, por meio de alguns exemplos, a dificuldade
de a avaliação da eficácia das normas ir além dos limites do círculo “direitos e deveres” (do
direito privado), no sentido de uma norma ser viável, ou não, em dado contexto onde se
pretende aplicá-la. Avaliação necessária quando em face de Direitos Difusos. Assim, por
exemplo, um indivíduo vê limitado o exercício de sua liberdade se não tem trabalho; quem tem
trabalho e liberdade não pode exercê-lo devidamente se o ambiente está contaminado” -
Fundamentos do Direito Privado - p. 308.
115
Vide p.21.
116
Vide p.27.
92
4.1. Lei de Biossegurança
A Lei de Biossegurança, Lei nº 11.105/05, matéria de longo trâmite no
Congresso Nacional, acabou por negar a competência dos órgãos ambientais,
integrantes do SISNAMA, transferindo-a integralmente à Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBIO), a quem passou a competir, inclusive, a
interpretação quanto ao potencial de impacto ambiental que pode ser oferecido
por um organismo geneticamente modificado (OGM)
117
.
O caso dos OGMs, mais especificamente dos alimentos transgênicos, é
um caso típico em que um instrumento de caráter absolutamente preventivo, o
EIA/RIMA, passa a ser exigido em caráter sancionador, tal a forma como é
imposto.
O Estudo de Impacto Ambiental e o respectivo Relatório (EIA/RIMA) são
um dos instrumentos mais bem recepcionados por toda a legislação posterior à
sua instituição, por meio da Resolução Conama 1/86. Basicamente, o
EIA/RIMA consolidou a relevância de licenciar, previamente, uma atividade que
apresentasse potencial de impacto ambiental. Quando esse impacto se mostra
“significativo”, sua avaliação é feita por meio do EIA/RIMA.
O caráter fundamental do EIA/RIMA é atender plenamente ao princípio
da informação, acima abordado, por meio da publicidade que acompanha todo
o processo de sua avaliação, destacando-se a etapa da audiência pública,
aberta à participação dos diferentes atores sociais de alguma forma envolvidos
com o empreendimento cujo projeto consta do EIA/RIMA.
Para tornar pública uma informação relevante sobre o potencial impacto
ao meio ambiente e à sadia qualidade de vida, foi proposta a Ação Civil
Pública, de autoria do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) contra a
117
Lei nº 11.105/05 - Art. 6
o
Fica proibido:
(...) VI – liberação no meio ambiente de OGM ou seus derivados, no âmbito de atividades de
pesquisa, sem a decisão técnica favorável da CTNBio e, nos casos de liberação comercial,
sem o parecer técnico favorável da CTNBio, ou sem o licenciamento do órgão ou entidade
ambiental responsável, quando a CTNBio considerar a atividade como potencialmente
causadora de degradação ambiental, ou sem a aprovação do Conselho Nacional de
Biossegurança – CNBS, quando o processo tenha sido por ele avocado, na forma desta Lei e
de sua regulamentação.
93
aprovação pela CTNBIO, para a o plantio de soja transgênica, sem a avaliação
prévia por meio de EIA/RIMA.
Tal ação foi proposta em 1998. No período até 2005, inúmeros esforços
foram aplicados para que fosse imposta a elaboração de EIA/RIMA às
empresas produtoras de transgênicos. Base legal para essa exigência até
havia. Entretanto, mais uma vez, a exigência do cumprimento formal da letra da
lei parece ter ficado acima de seu objetivo, do valor por ela protegido, qual seja,
o bem ambiental e o “engajamento” da sociedade para proteção desse bem,
como pretende a PNEA.
A reação dos setores interessados no incremento do cultivo dos
transgênicos não poderia ser outra, senão a que resultou em nova Lei de
Biossegurança, a Lei nº 11.105/05.
Uma reação já esperada e bastante previsível, que vinha se desenhando
com a Medida Provisória - MP nº 2.191/01 (que alterou a antiga Lei nº
8.974/95) e com outras MPs, que vieram especificamente para a liberação de
safras de soja transgênica. Finalmente, a Lei nº 11.105/05, que atropela o
SISNAMA.
Em toda essa jornada pelo polêmico tema dos transgênicos, somente
uma conquista foi obtida - a de garantir publicidade das informações sobre os
alimentos transgênicos, por meio de rotulagem dos produtos originados, ou que
possam ter tido origem, a partir de OGMs. Esse era o objetivo central da ação
promovida pelo IDEC, em 1998. Ponto para o consumidor. Já para o meio
ambiente, parece ter havido uma perda, e significativa, ainda que dentro de um
processo democrático, que é, por princípio, a elaboração de uma lei, como a
Lei nº 11.105/05.
94
4.2. Lei de Proteção dos Mananciais
118
É válida mais uma vez a abordagem sobre as áreas de mananciais
representadas pelas bacias da Billings e da Guarapiranga, em São Paulo, para
mostrar a relevância da integração das políticas públicas de meio ambiente e
de saneamento básico. O exemplo funciona ao mesmo tempo como modelo de
erros e acertos e do intenso e contínuo trabalho de gestão necessária para
alcançar essa integração.
Áreas de mananciais, destinadas a proteger nascentes e margens de
reservatórios vêm sendo ocupadas há décadas. Em São Paulo, a legislação da
década de 70 procurava dar o destino adequado a essas áreas, como aquelas
no entorno das Represas Billings e Guarapiranga
119
. A legislação era
adequada, entretanto ocorreram duas falhas graves: a falta de planejamento e
de estruturação prévia; e a falta de integração entre as políticas públicas.
A primeira falha está no fato de a restrição de uso das áreas de
mananciais não ter sido precedida e acompanhada de planejamento imobiliário,
de forma a privilegiar as moradias de médio e alto padrão já existentes na
região e viabilizar e incentivar uma ocupação, também por moradias de padrão
inferior, mas de forma ordenada, pré-estabelecida e estruturada. A ocupação
permitida pela legislação de proteção dos mananciais, nas faixas de maior
interesse para o uso de residências, era somente de áreas bastante extensas e
com baixa densidade ocupacional. Essa era a condição, sendo que a
possibilidade de atividades comerciais na região das represas também foi
bastante restringida pela legislação.
Esse fator provocou a desvalorização comercial de inúmeras áreas, que
foram abandonadas, tornando-se vulneráveis a invasões ou alvo de
especuladores de má-fé, que as picotaram em loteamentos irregulares.
Como já foi dito, a legislação era apropriada e seu rigor certamente
necessário a proteger os mananciais da Região Metropolitana de São Paulo.
118
Walter José Senise - Texto extraído do artigo - A questão ambiental e a Lei de Saneamento
Básico (Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007) – publicado na Revista do Direito da Energia, v.
7, p. 292-314, 2008.
119
Lei nº 898, de 1975 e Lei nº 1.172, de 1976.
95
No entanto, faltou a estruturação de um sistema adequado para recepcionar
essa legislação, para que sua aplicação ocorresse sem prejudicar moradores e
empreendedores idôneos
120
. Esses acabaram sendo simplesmente barrados
ou “despejados”. Suas áreas não foram devidamente administradas pelos
órgãos competentes e terminaram ocupadas de forma irregular e sem
condições de saneamento básico. As margens das represas foram
expressivamente invadidas e as águas dos mananciais paulistanos, embora
protegidas legalmente, restaram poluídas – poluição “gerada” pela lei, por mau
planejamento e falta de estruturação prévios à sua publicação, por má gestão
em condições e rotina de sua fiscalização e aplicação.
O resultado, mais uma vez, é o fato consumado, com a situação (de
dano ambiental) consolidada e que, agora confirmada, tenta se controlar por
meio de normas, como a Resolução CONAMA nº 369/06
121
e o Decreto do
Estado de São Paulo nº 49.566/05, que trabalham conceitos arriscados de
“baixo impacto” e “de utilidade pública” ou “de interesse social”.
122
A segunda falha nesse processo de proteção legal dos mananciais foi a
falta de integração das políticas públicas, de saneamento, habitação e
segurança com a política ambiental. Em meados da década de 90, entre 1995
e 1998, a Secretaria de Recursos Hídricos (Sabesp
123
), a Secretaria de
Energia (Eletropaulo
124
), a empresa de Telecomunicações de São Paulo
(Telesp
125
) e a Prefeitura de São Paulo, foram chamadas para colaborar com a
Secretaria de Meio Ambiente para o controle das invasões dos mananciais da
Billings e da Guarapiranga.
120
De acordo com a Secretaria de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, ”havia
preocupação com o problema, mas sua complexidade superava a capacidade técnica
existente, inclusive pela crença exagerada nos poderes do Estado” - comentários à legislação
de mananciais da década de 70, em reportagem da Revista 22 – Sampa tem sede de quê? -
FGV/GVces, maio de 2007, p. 33.
121
Resolução nº 369, de 28 de março de 2006 - Dispõe sobre os casos excepcionais, de
utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou
supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente - APP.
122
Decreto do Estado de São Paulo nº 49.566, de 25.04.2005 – dispõe sobre a intervenção de
baixo impacto em áreas consideradas de preservação permanente pelo Código Florestal.
123
Sabesp – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
124
Eletropaulo – Eletricidade de São Paulo S.A. (atual AES Eletropaulo).
125
Posteriormente privatizada, passado o comando de suas operações para a empresa
Telefonica S.A.
96
A razão desse trabalho conjunto estava no fato de que nada adiantaria a
fiscalização pelos órgãos ambientais, para coibir loteamentos irregulares e
invasões, se a Sabesp e a Eletropaulo prosseguissem implantando novas
redes e pontos de fornecimento de água e de energia elétrica, e a Telesp
conectando novos telefones, em locais irregularmente ocupados. Quanto à
Prefeitura, da mesma forma, deveria interromper serviços de pavimentação de
ruas abertas em áreas não permitidas e não licenciadas pela Secretaria de
Meio Ambiente.
A interrupção da implantação de infraestrutura de serviços básicos inibe
novas ocupações. Não é suficiente para evitá-las, porém sua continuidade é
um estímulo às invasões e loteamentos clandestinos, em absoluto
descumprimento da legislação.
A dificuldade maior está em lidar com interesses que podem estar em
conflito, mesmo ambos sendo essenciais à garantia da qualidade de vida. De
um lado, o direito de todos a serviços de saneamento básico, abastecimento de
água e redes de esgoto, e fornecimento de energia elétrica. De outro lado,
também de todos, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Para a conciliação desses interesses, basta a compreensão de que o
ponto comum é a garantia da qualidade de vida. E que esta que é alcançada
somente quando se dá tal conciliação, em conformidade com o princípio do
desenvolvimento sustentável.
A Lei Específica Guarapiranga, de 2006, traz uma proposta
diferenciada.
126
Com o devido planejamento a referida lei poderá ser
implantada a médio e longo prazo, dentro de critérios de sustentabilidade. Há
uma esperança de não assistirmos, novamente, ao desprezo com que foram
tratadas as primeiras normas de proteção de mananciais, da década de 70
127
.
126
Lei estadual nº 12.233, de 16 de janeiro de 2006
(
http://www.socioambiental.org/nsa/doc/12233.pdf) regulamentada pelo Decreto nº 51.686, de
22 de março de 2007, disponível em:
http://www.al.sp.gov.br/staticfile/integra_ddilei/decreto/2007/decreto%20n.51.686,%20de%2022
.03.2007.htm
127
Matéria publicada na Revista Página 22, da FGV/GVces (número 8, de maio de 2007, p.
32), revela a situação do Sistema Cantareira, que fornece água para mais de 19 milhões de
habitantes da Região Metropolitana de São Paulo. Menos degradado que as represas Billings e
Guarapiranga, já exige atenção, diz a matéria – Num período de quatro anos, houve 30% de
aumento da urbanização dentro da área do manancial e mais de 70% do que deveriam ser
97
4.3. Código Florestal
Diploma legal periodicamente atacado é o Código Florestal. As Áreas de
Preservação Permanente (APP) têm suas raízes no Código e sempre foram
alvo de questionamentos e pressões por parte daqueles que querem explorar o
espaço dessas áreas, cuja possibilidade de uso pela legislação é bastante
restrita.
Ainda hoje, é possível ouvir opiniões de que as APPs não têm
fundamento legal, não existe sua previsão em Lei, propriamente dita.
Entretanto, tal opinião é rara e não mais seria aceita pelo Judiciário, já havendo
decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acatando o pedido de embargo
de obras, imposto por decisão liminar, quando há dúvida sobre a configuração,
ou não, da área impactada como APP.
Outra discussão refere-se à manutenção da APP, quando já desmatada,
uma vez que o Código Florestal estaria protegendo tão somente as formas de
vegetação e não a área, o solo, ocupado por essa vegetação. Trata-se de
interpretação primária, que não quer visualizar os objetivos de preservação das
APPs: a continuidade do fluxo gênico, proteção das margens de um curso
d’água contra processo erosivo entre outras funções. Essa
ideia também não
prosperou dada a precariedade de base técnica para a posição daqueles que
pretendiam respeitar somente as APPs vegetadas.
Ainda assim, as APPs, previstas no Código Florestal sofrem ameaça.
Em 2004, o projeto de lei (PL) nº 2.109/99, aprovado pelo Congresso Nacional
previa a não aplicação do Código Florestal no caso de empreendimentos
imobiliários em zonas urbanas ou de expansão urbana
128
.
áreas de preservação permanente estão desmatadas. Entre outros aspectos, a matéria
destaca o efeito sobre o custo da água. De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec), a tarifa da água subiu, em média, 209% entre 2000 e 2006, ante uma
inflação de 59%. E, na Grande São Paulo, há um novo aumento previsto: dentro de um ano, os
consumidores passarão a pagar pela água que usam, e não mais pela captação, tratamento e
distribuição.
128
Previa o artigo 65, do PL nº 2.109/99 - Na produção imobiliária, seja por incorporação ou
parcelamento do solo, em áreas urbanas e de expansão urbana, não se aplicam os dispositivos
da Lei n° 4.771, de 15 de setembro de 1965 (www.camara.gov.br/sileg/integras/233377.pdf).
98
Entre outros efeitos deste PL, as APPs estariam ameaçadas, pois,
sendo o município exclusivamente competente a decidir sobre o zoneamento
de seu território, poderia alterar zonas classificadas como rurais em zonas
urbanas, daí não mais aplicáveis as restrições do Código Florestal, inclusive as
respectivas às APPs. Uma vez devidamente ilustrado tal risco, o PL foi vetado
pelo Presidente da República.
Algum tempo depois, liminar concedida pelo presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), suspendeu dispositivos da Medida Provisória nº 2.166-
67/01 que tratam da autorização para desmatamento em Áreas de Preservação
Permanente (APPs). A MP altera o Código Florestal, delegando ao Conselho
Nacional do Meio Ambiente (Conama), vinculado ao Ministério do Meio
Ambiente (MMA), a responsabilidade de determinar os casos excepcionais que
possibilitem a supressão de vegetação e intervenção nessas áreas. A definição
desses casos, que possibilitam a supressão teria que ser prevista em Lei. Não
poderia ser definida por Resolução do Conama, como estava para acontecer,
daí a concessão da liminar. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) foi
apresentada pelo procurador-geral da República
129
.
Importante, nesse episódio, é notar que novamente revelou-se a
vulnerabilidade da lei e, consequentemente, dos valores que pretende proteger.
Caso tivesse sido sancionado o PL nº 2.109/99 e transformados em Lei os
dispositivos acima citados da MP nº 2.166, qual seria o resultado sobre as
APPs?
É importante compreender que tal fato não ocorreu, na época, porque o
valor ambiental das APPs estava devidamente arraigado na cultura. Valorizado
por parcela significativa da sociedade, que percebia a importância delas,
independentemente de sua proteção estar prevista em lei.
Todavia, nos primeiros meses de 2009, duas leis estaduais já alteraram
as regras de preservação de APPs. A primeira delas é de Minas Gerais. Lei
estadual reduziu a margem de preservação respectiva aos reservatórios
artificiais de hidrelétricas. De 100m (cem metros), a faixa de preservação foi
129
Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 3540, proposta pelo Procurador Geral da
República, 18/7/2005 -
www.stf.gov.br
99
reduzida para 30m (trinta metros)
130
. Essa APP, especificamente, sempre foi
discutível, considerando que sua extensão, não definida pelo Código Florestal,
ganhou números somente em 2002, por meio da Resolução Conama 302/02.
Ainda, a lei mineira é restrita aos reservatórios de hidrelétricas, não alterando a
preservação de margens de outros cursos d’água. Sua constitucionalidade é
questionada pelo Ministério Público Federal de Minas Gerais
131
. Já a segunda
lei, do Estado de Santa Catarina, diminui a margem de preservação ao longo
de rios, de um mínimo de 30m (trinta metros), como prevê o Código Florestal,
para um mínimo de 5m (cinco metros) e, a faixa ao redor de nascentes, de 50m
(cinquenta metros) para 10m (dez metros)
132
.
Polêmica também se dá em torno da Medida Provisória – MP nº 462. Em
abril de 2009, a Câmara dos Deputados aprovava a alteração da MP nº 452,
que originalmente tratava apenas do Fundo Soberano e de ações do
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), para nela incluir
novas regras de licenciamento ambiental e dispensar a obtenção de Licença
Prévia para intervenções em APPs, quando necessárias para trabalhos de
reparo, melhoria e duplicação em rodovias federais, inclusive as que cortam a
Amazônia. Dada a polêmica após muitos debates em agosto de 2009 nova
votação retirou do texto da MP 462 o dispositivo que dispensava necessidade
do licenciamento ambiental para a realização de obras nas faixas de domínio
das rodovias federais, atualmente de 100 metros. Permaneceram as regras
atuais, que exigem estudos de impacto ambiental para obras nas faixas
contíguas às rodovias federais.
Novamente, também nesse exemplo, prova-se a ação (imposição de
rigorosas restrições ambientais) e a reação (de igual força, mas em sentido
contrário), como na lei da Física. Reação para tentar derrubar o Código
Florestal, que tem – importante observar – exageros legislativos na área
ambiental, como a da faixa de preservação de 300m (trezentos metros) de
restinga, prevista na Resolução CONAMA nº 303/02. Será relevante essa
extensão de proteção em todo o litoral brasileiro? É razoável embargar obra de
terreno de frente para o mar, porque em tese está situado em espaço de
130
Lei nº 18.023, de 10 de janeiro de 2009.
131
http://www.prmg.mpf.gov.br/noticias/noti_result. php?id=1232&dados=
132
Lei nº 14.675, de 13 de abril de 2009 - http://www.sc.gov.br/downloads/Lei_14675.pdf
100
restinga – quando todos os terrenos vizinhos já estão ocupados? É razoável
esse embargo, mesmo quando não se tratar mais daquela restinga primeira do
Código Florestal, cuja cobertura vegetal tem a função principal de
estabilizadora de dunas ou guardiã de porção relevante de mata ou de
biodiversidade? Finalmente, em 2009, o Estado de São Paulo publicou
Resolução da Secretaria de Estado do Meio Ambiente – SMA, que procura
solucionar situações esdrúxulas como essa de um terreno isolado
133
, assim
estabelecendo:
Resolução SMA-009, de 26-2-2009
Dispõe sobre as situações de ocorrências de restingas
consideradas de preservação permanente no Estado de São
Paulo
Artigo 3º - Nas áreas localizadas na faixa de 300m (trezentos metros) a
contar da linha de preamar máxima que não estejam abrangidas pelo
artigo 2º desta Resolução, deverá ser avaliado se estão caracterizadas
as funções ambientais de preservação dos recursos hídricos, da
paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade e do fluxo
gênico de fauna e flora, proteção do solo e manutenção do bem-estar
das populações humanas.
Parágrafo único - Não sendo verificadas as funções ambientais
descritas no caput, considera-se não haver a ocorrência de restinga.
Pelos exemplos acima relatados, compreende-se a fragilidade do
processo legislativo e da própria Lei, enquanto principal instrumento de tutela
do meio ambiente. Por um lado, todos os interesses humanos passam a ter
maior reconhecimento e proteção, quando dispostos em lei. Por outro lado, se
a lei é mal elaborada e está sempre sujeita a alterações e revogação, esses
interesses se vêem ameaçados. De uma hora para outra, esses interesses que
já vinham sendo comum e historicamente valorizados, independentemente de
sua disposição em lei, podem cair, podem ser revogados da memória e rotina
do ser humano, juntamente com a revogação de suas leis.
Por isso, a relevância da formação de valores, que sejam consolidados
mesmo sem lei que ordene essa consolidação. O que é factível em relação a
133
Resolução SMA 09, de 26 de fevereiro de 2009.
101
valores como a saúde, o bem-viver, e o meio ambiente adequado à boa
qualidade de vida.
102
5.
Considerações finais
5.1. Entre o biocentrismo e o antropocentrismo
Os defensores mais extremistas do meio ambiente chegam a sobrepô-lo
ao homem. Pelo entendimento de Diogo de Freitas do Amaral
134
, “já não é mais
possível considerar a proteção da natureza como um objetivo decretado pelo
homem em benefício exclusivo do próprio homem. A natureza tem que ser
protegida também em função dela mesma, como valor em si, e não apenas
como um objeto útil ao homem. (...) A natureza carece de uma proteção que,
muitas vezes, terá de ser dirigida contra o próprio homem”.
Essa visão merece ponderações. Como já extraído da obra de
Rousseau, o direito veio para definir limites e nortear condutas do homem em
relação a seu semelhante, num momento em que nenhuma alternativa vinha
sendo usada, além da força, da violência e do poder representado na detenção
de propriedades e de conhecimentos. Entre esses conhecimentos, o do uso de
recursos disponíveis na natureza.
De fato, o homem que tinha o poder do conhecimento e de usufruir
melhor dos bens da natureza, entendeu por aumentar essa capacidade de
modo que, além de usufruir esses bens na forma como estavam acessíveis
naturalmente, os extraía para transformá-los e usá-los de outras maneiras,
podendo, inclusive, comercializá-los.
Regras existiram para limitar esse uso, mas não com a preocupação de
preservação do meio ambiente e sim com o interesse de resguardar as
condições de sua exploração comercial.
Atualmente, quando se percebe que a prática exploratória exacerbada
está acarretando o desequilíbrio e esgotamento de recursos da natureza,
recomenda-se por medida contraposta igualmente rigorosa, que o homem
134
Direito ao Meio Ambiente, Apresentação, Lisboa, Ed. INA, 1994 - citado por Celso Antonio
Pacheco Fiorillo “Curso de Direito Ambiental Brasileiro”, 2004, p.18.
103
agora aguarde e se contente com as condições de subsistência até o presente
acumuladas. A natureza precisa descansar. Recuperar-se e regenerar-se. O
raciocínio tem certa lógica, mas ainda assim, não é razoável pensar na
natureza dissociada do homem. Não é razoável pensar em lei, humana, que
proíba o contato humano com o meio natural ou, pior, que ponha a natureza
“contra o próprio homem”.
O Direito mostrado por Rousseau não veio para dizer que o homem não
mais podia usar a natureza. O Direito, na verdade, veio exatamente para tentar,
quem sabe, resgatar a relação que havia entre os homens, dentro de um
cenário de equilíbrio, tal qual possivelmente espelhado na natureza.
Porém, ao tentar resgatar o equilíbrio dessa relação, por via repressiva,
a ponto de dar maior poder legal à natureza, colocando-a como superior ao
homem, o aplicador do Direito apenas separa e afasta os dois – natureza e
homem. E, como se isso fosse concebível, a natureza passa a ser inimiga do
homem. A prosseguir assim retrocederemos aos tempos em que a floresta era
temida por nela viverem somente assombrações. A única alternativa, então,
será queimá-la.
Para essa antiga, infeliz e, aparentemente, infindável polaridade entre
direito à qualidade da vida humana e do meio ambiente, a alternativa, por
óbvio, é o equilíbrio, que hoje se vê mais claramente como essencial à
sobrevivência da espécie humana. Nem tanto ao biocentrismo, nem tanto ao
antropocentrismo. Mas o meio termo, como é denominado por Annelise
Steigleder, “antropocentrismo alargado”: “o antropocentrismo alargado está na
base do reconhecimento de que o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado é um direito humano fundamental, e que deve ser resguardado
como ‘patrimônio comum da humanidade”.
135
135
Annelise Monteiro Steigleder - Responsabilidade Civil Ambiental – citando Dominique Bourg,
p. 93.
104
5.2. O caráter técnico-científico e universal do Direito Ambiental
Serres olha o papel do legislador frente ao espaço cada vez mais
relevante tomado pela ciência e pela técnica, no contexto atual em que a
questão difusa do equilíbrio ambiental, como básica à sobrevivência da espécie
humana, se faz tão clara e presente. Conclui o autor, dizendo que a razão
superou o juízo, “a técnica estabelece os veredictos de forma decisiva e o
grande cientista colhe a glória que dantes cobria o legislador.”
136
François Ost, em análise da obra de Serres, mostra a ciência como a
instância privilegiada de mediação com a natureza. “O porta-voz da terra, o
advogado da natureza, é a ciência moderna, ela que afirma a globalidade e
fragilidade do mundo”. E segue, colocando a questão central, do governo dos
homens pela ciência; ou, melhor ainda, do confronto necessário entre garantias
jurídicas (prudência, contrato, justiça, equilíbrio das prestações) e saber
científico. O jurídico conseguiu, até aqui, pacificar as relações entre os homens;
é o papel do contrato social. A ciência, em contrapartida, nunca perdeu o
mundo; o contrato sábio ou contrato científico sobre o qual se baseia ‘dá a
razão’ das coisas do mundo. A questão, hoje, é de sobrepor os dois contratos:
de reintegrar o interesse do mundo no comércio dos homens”.
137
A questão ambiental tem a forte característica de universalidade.
Perante o meio ambiente, na relação direta ser humano – meio ambiente, são
(foram no princípio) todos iguais. Por intervenções humanas e pelo uso de
instrumentos que regularam as relações sociais, o acesso ao meio ambiente,
ao uso dos recursos naturais e à garantia de um meio ambiente saudável e
ecologicamente equilibrado, tornou-se desigual.
Atualmente, diante da globalização do conhecimento e do mercado, e
especialmente diante da percepção de que os fatores ambientais também são
globais, vislumbra-se a possibilidade de que todos se vejam iguais no lidar com
o meio ambiente e com sua proteção.
136
Michel Serres – o Contrato Natural – p.145.
137
François Ost – A Natureza à Margem da Lei – p.196.
105
5.3. O lugar do Direito na proteção do meio ambiente
Nas palavras de Willis Santiago Guerra Filho: “O Direito, assim como a
ética, pode ser concebido como repositório de normas consagradas
socialmente para orientação da conduta humana. (...) A crescente
complexidade dessa sociedade, em ritmo vertiginoso, torna aqueles
repositórios, assim como os conhecimentos acumulados no passado, em
grande parte, obsoletos ou, no mínimo, insuficientes, na medida em que não
oferecem soluções para os problemas radicalmente novos com os quais temos
que lidar”.
Entre esses novíssimos problemas, o autor destaca a questão ambiental
– “O problema ecológico, por exemplo, seria uma dessas ‘anomalias’, capazes
de romper com o paradigma vigente nas mais diversas ciências ou, no mínimo,
gerar uma ‘crise de paradigmas’, por não oferecerem explicações satisfatórias
a esse problema (...). A busca de soluções para a problemática ambiental
impõe uma prática cognitiva radicalmente interdisciplinar, (...) capaz de articular
explicações de natureza sociológica, econômica, jurídica, biológica, filosófica e,
até, teológica”.
138
Não é por outra razão que grande parte das Constituições e a maioria
dos tratados internacionais cuidam de inserir a questão ambiental
(expressamente ou enquanto integrante do rol de direitos e deveres sociais e
coletivos fundamentais). Em particular o direito ao ambiente natural e ao
respeito às belezas monumentais, o direito de não ser esmagado por um
caótico desenvolvimento urbanístico, todos estes direitos que nunca foram
colocados em qualquer legislação progressista e que têm caráter difuso.
Nesse sentido, continuar, segundo a tradição individualística do modelo
oitocentista, a atribuir direitos exclusivamente a pessoas individuais, significaria
tornar impossível uma efetiva proteção jurídica daqueles direitos, exatamente
138
Willis Santiago Guerra Filho – Epistemologia Sistêmica para Fundamentação de Um Direito
Tributário da Cidadania Democrática e Legal (in Direito Tributário Ambiental – organizador
Heleno Taveira Tôrres, Malheiros Editores – São Paulo, 2005, p. 587).
106
na ocasião em que surgem como elementos cada vez mais essenciais para a
vida civil.
139
Na avaliação feita por Maria da Glória Garcia: “Qualquer acção humana
comporta riscos e contém potenciais danos – o risco coloca todos no mesmo
plano de igualdade – a partilha do risco entre todos, independentemente da
existência de danos, parece dever ser a consequência. (...) A legitimação da
intervenção política, no quadro da ignorância e incerteza, acarreta particulares
problemas. Na verdade, tempo curto da acção adequada ao controlo da
‘questão ecológica’ é exigido pela compreensão do sentimento de justiça que a
acompanha e se traduz numa específica intencionalidade: a manutenção da
vida a longo prazo. (...) A insuficiência e a incerteza dos conhecimentos que
fundamentam a acção transmitem-se à acção e aos seus efeitos. Daí que, se
não subjazer à intenção de agir um sentimento de justiça, funda e alargada,
que absorva a incerteza, a confiança na acção política esboroa-se”.
140
Certo é que a questão ambiental deve ser enfrentada juridicamente.
Tomando-se como exemplo o problema do aquecimento global, “tudo se passa
no domínio científico e técnico, a que acresce o de eficiência econômica,
quando os custos da acção intervêm. Torna-se, no entanto, um problema para
o direito a partir do momento em que adquire conotações éticas e, por essa via,
se esboça uma responsabilidade ecológica, i.e., quando se consciencializa que
o futuro da humanidade se apresenta crítico por força daquelas realidades. Por
outras palavras, torna-se jurídico quando a comunidade reconhece que a sua
acção presente põe em risco a sobrevivência do homem e, por isso, é uma
acção injusta, porque nada justifica que a vida da geração presente tenha mais
valia do que a vida das gerações futuras. (...) Importa reflectir sobre a
incorporação da ciência e da técnica no direito. A partir daí será mais fácil
compreender o peso que a economia e a eficiência da acção têm no direito e
no relacionamento deste com o poder político (...)”.
141
Prosseguindo, Maria da Glória Garcia aponta os riscos do direito
positivado, de insuficiência para conferir segurança às condutas sociais,
139
Mauro Cappelletti - Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil –p.131.
140
Maria da Glória F.P.D. Garcia – O Lugar do Direito na Protecção do Ambiente – p.370.
141
Maria da Glória F.P.D. Garcia – O Lugar do Direito na Protecção do Ambiente – p.396.
107
destacando que o risco atravessa o direito, impedindo que as fronteiras do
legal/ilegal coincidam com as fronteiras da certeza/incerteza. “Através da lei”,
diz a autora, “o direito torna-se meio por excelência de alteração de
comportamentos arriscados e, logo, potencialmente geradores de danos”.
Trazendo alguns dados sobre a produção de normas como forma de
medir a eficácia da política ambiental em relação à minimização de riscos e
danos ambientais, a autora menciona a assinatura de centenas de tratados
multilaterais em matéria ambiental, mas nem por isso a degradação ambiental
diminuiu – “Uma coisa parece segura: a eficácia da política ambiental tende a
ser avaliada pelo número de tratados internacionais, directivas europeias,
normas legais estaduais... E a interrogação eleva-se: é este o lugar do direito
na protecçção ambiental? Pertence ao direito ser o instrumento de alteração
comportamental, uma alteração não suportada por conhecimentos seguros
nem pelo tempo cultural de maturação necessário à conformação da
justiça?”.
142
5.4. Legislação e meio ambiente
A má aplicação de leis e princípios como o do poluidor-pagador pode
levar a um retrocesso negativo na percepção e tratamento da questão
ambiental, em resposta a uma legislação imprecisa e mal aplicada.
Como pondera Vladimir Passos de Freitas: “Conhecer é o primeiro
passo para a busca da eficiência”.
143
Esse conhecimento, essa “prática cognitiva”, não ocorre somente por
meio de uma grande, e por vezes irrazoável, produção de leis. O cumprimento
de uma lei, qualquer que seja, não pode ser esperado como certo e seguro, se
os valores básicos de sobrevivência e qualidade de vida, fundamentais e
também destacados pela Constituição Federal, não forem garantidos. Os
aspectos sociológicos, econômicos e outros, devem ser prévia e
142
Maria da Glória F.P.D. Garcia – O Lugar do Direito na Protecção do Ambiente – p.371.
143
“A Lei dos Crimes Ambientais” - Artigo publicado no informativo Migalhas
http://www.migalhas.com.br/retorna_busca.aspx - 11/08/2005.
108
simultaneamente considerados para o cumprimento da lei. E, ainda assim, é
fundamental estar atento para o fato de que a dignidade da pessoa é percebida
não no cumprimento da lei imposta, mas na proteção, na segurança e bem-
estar, que essa lei lhe proporciona.
Retomando as palavras de Bobbio: “Nas sociedades tradicionais, nas
quais a maior parte das pessoas submetidas não conta nada e não intervém no
processo de legitimação, basta o exercício do poder punitivo para manter sob
controle a massa ignorante, pobre, sem direitos civis e menos ainda políticos.
Na democracia não: na democracia, a massa dos cidadãos não apenas
intervém ativamente no processo de legitimação do sistema em seu conjunto
(...) mas intervém na repartição do poder de governar entre as várias forças
políticas em campo, distribuindo diversificadamente os votos de que dispõe. É
natural que num sistema democrático o poder não possa – tal como o burrico
da fábula – ser conservado apenas à base do bastão; faz-se necessário
também a cenoura (aliás, um gênero para o mercado)”.
144
Assim deve ocorrer para a tomada de iniciativas para a conservação
ambiental. O “engajamento da sociedade”, preconizado pela Política Nacional
de Educação Ambiental, se dá por meio de construção conjunta de valores
sociais e econômicos que englobem a variável ambiental. De forma que a
questão ambiental seja assimilada, de modo simples e acessível como outros
hábitos e necessidades básicas para a garantia de uma vida saudável, tais
como segurança, saúde e habitação.
5.5. Zonas de luz e o sentido do Direito
Bobbio busca mostrar “zonas de luz”, na evolução do ser humano, das
sociedades e suas relações, o Direito e respectivas normas. Acontecimentos
extremamente positivos que não podem ser apagados da memória: desde a
abolição da escravatura à supressão, já em muitos países, da pena de morte.
144
Norberto Bobbio – O Futuro da Democracia – Uma defesa das regras do jogo – tradução de
Marco Aurélio Nogueira - Editora Paz e Terra S/A, Rio de Janeiro, 1986 . p.141.
109
Conquistas como essas devem ser continuamente lembradas e
valorizadas. Revelam a consolidação de interesses comuns, de uma grande
maioria e de diferentes classes sociais. São fatos e momentos que, de certa
forma, superando os conceitos do certo ou errado e do moral ou imoral,
refletem práticas que levam ao bem ou ao mal.
Eventos do bem são notados como positivos até pelo “mais convicto dos
pessimistas”. Bobbio coloca eventos assim nos espaços que então denomina
como “zonas de luz”: movimentos ecológicos e pacifistas e movimentos pelo
reconhecimento e produção dos direitos do homem.
145
Esse é o centro de uma discussão que passa por todos os momentos e
eventos da história. E cuja visão também evolui – por sorte, de modo que o
homem não estacionou nos tempos da escravidão. Resta atentar para que não
insista em mecanismos ultrapassados que, ainda que legais, levam a grave
retrocesso de “caça às bruxas”.
São “zonas de luz” as práticas que levam ao bem, seja no conceito
religioso, seja no moral, seja, enfim, no conceito de bem como o bem de todos,
o do bem-estar, o da vida com qualidade e dignidade.
A religião, por um lado, pode ser vista como nada além de uma forma de
poder, “um conjunto de escrúpulos que se opõe obstáculo ao livre exercício de
nossas faculdades”
146
. Como destacado por Fustel de Coulanges,
anteriormente comentado, por longo tempo houve a crença em regras trazidas
diretamente dos céus às mãos dos pontífices e legisladores, os quais, na
verdade, usavam desta crença para centralizar o poder e controlar a
sociedade. Por outra visão, uma conduta pode ser considerada “religiosa”,
quando baseada em consciência que transcende aos indivíduos e à sociedade.
Há um dar-se como condição de compreensão, um subordinar-se como razão
de conquista estimativa.
Fazendo comparação com as condutas transcendentais mais elevadas,
Miguel Reale faz analogia dessa “conduta religiosa” à conduta amorosa. Algo,
portanto, que, além de guardar essa superioridade transcendental, é também
145
Norberto Bobbio – A Era dos Direitos – Ed. cit. p. 71.
146
Miguel Reale – Filosofia do Direito Vol. II – citando Salomon Reinach - p. 345.
110
absolutamente natural, daí naturalmente assimilada, trabalhada e conquistada.
Algo semelhante à fé, em que se baseava a conduta dos antigos.
Essas práticas “amorosas” ou do bem são naturalmente compreendidas
e valorizadas por todos. A tal ponto, que nem mesmo dependem de
normatização. Exemplo disso é a prática da caridade, na análise de Perelman:
“O ideal da caridade é incondicional. É universal e não é limitado nem por
regras, nem por condições, nem por palavras; a caridade é instintiva, direta,
indiscutível. Não se entra em acordo sobre fórmulas de caridade, pois ela não
necessita de fórmulas para exprimir-se, se é alheia não só a todo espírito
sistemático, mas mesmo a todo raciocínio: ela dispensa qualquer elemento
discursivo”.
147
Assim deve ser com os interesses comuns, aos quais se uniram os
direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e respectivos
interesses, como é a garantia à qualidade de vida, ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, à saúde, à moradia. Direitos cuja conquista foi
naturalmente, instintivamente, realizada e acontecida.
“A questão reside desde já em saber se, nessa procura, que se sabe
necessariamente aberta e flexível, atenta desde logo, a complexidade das
situações e rápida evolução, exigindo acções cientificamente fundadas,
tecnicamente adequadas, economicamente eficientes, eticamente sustentadas
e politicamente legitimadas, não vai implicado o sentido mesmo do direito
enquanto direito, isto é, se, no fundo, nessa procura não irá também envolvida
a realização de uma axiologia suprema da existência humana comunitária, que,
na sua intenção, se reassume simplesmente na realização da justiça”.
148
147
Chaïm Perelman - Ética e Direito – p. 46.
148
Maria da Glória F.P.D. Garcia – O Lugar do Direito na Protecção do Ambiente – citando
Antônio Castanheiras Neves - Edições Almedina, Coimbra, 2007 – p. 33.
111
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