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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DE TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA URBANA
ANÁLISE COMPARATIVA DE INDICADORES DE
CARÊNCIA HABITACIONAL URBANA:
Fundação João Pinheiro, Fundação SEADE e HABITAT/ ONU
ANDRÉ RORIZ DE CASTRO BARBO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Engenharia Urbana da Universidade Federal de São
Carlos, como parte dos requisitos para a obtenção do título
de Mestre em Engenharia Urbana.
Orientação: Prof. Dr. Ioshiaqui Shimbo
São Carlos
2005
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http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
B238ac
Barbo, André Roriz de Castro.
Análise comparativa de indicadores de carência
habitacional urbana: Fundação João Pinheiro, Fundação
SEADE e HABITAT/ONU / André Roriz de Castro Barbo. --
São Carlos : UFSCar, 2006.
175 p.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2005.
1. Habitação social. 2. Carências habitacionais. 3.
Fundação João Pinheiro. 4. Fundação SEADE. 5. UN-
HABITAT. I. Título.
CDD: 363.5 (20
a
)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DE TECNOLOGIA
Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana
c. P. 676-13.560-970 - São Carlos - SP
Fone/FAX: (16)3351-8295
home-page: www.ufscar.brj~ppgeu
PPGEU I UFSCar
FOLHA DE APROVAÇÃO
ANDRÉ RoRÍz DE CASTRO BARBO
Dissertação defendida e aprovada em 05/10/2005
pela Comissão Julgadora
$iilU
ProE Dr. Ioshiaqui Shimbo
Orientado r (DECiv/UFSCar)
~-~~~~ Pr . Dr. Sergio de A~do
(UENF)
ProE Dr. Ric~r~ ~oto da Silva
(DECi1/rlFSCar)
"
ProE Dr. Bemardo Arant'es do Nascimento Teixeira
Presidente da CPG-EU
ii
Dedico esse trabalho aos pesquisadores que buscam aliar a fé e a razão,
convictos de que um potencializa o outro.
“Sofro para que eles sejam confortados em seus corações e assim,
estreitamente unidos no amor, se enriqueçam com a plenitude da
compreensão, a fim de conhecerem o mistério de Deus: Cristo, no qual
estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência”.
São Paulo, em carta aos Colossenses (Col 2, 2-3)
iii
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida;
Aos meus pais e irmãos, pelo amor, compreensão e apoio que sempre me deram;
Ao tio Paulo, tia Lelé e tia Lôla, pelo empenho em me ajudar e pelas contribuições à pesquisa;
Ao Sérgio, Juan, Michelly e Tissyana, colegas e companheiros de mestrado, pelas trocas que
proporcionaram um crescimento mútuo;
Aos professores Ricardo Siloto e Sérgio de Azevedo, por terem aceitado o convite de
participar da banca de defesa;
Ao professor Shimbo, pela orientação;
A CAPES, pelo fomento à pesquisa.
iv
SUMÁRIO
PARTE I – FUNDAMENTOS PARA DISCUSSÃO METODOLÓGICA SOBRE INDICADORES DE
CARÊNCIA HABITACIONAL.........................................................................................................................12
1. AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE HABITAÇÃO SOCIAL: REVISÃO HISTÓRICA E TENDÊNCIAS
ATUAIS................................................................................................................................................................13
1.1 DO HIGIENISMO AO BANCO NACIONAL DE HABITAÇÃO .....................................................................15
1.2 O PERÍODO BNH (1964-86) ................................................................................................................18
1.3 A POLÍTICA HABITACIONAL PÓS-BNH: BALANÇO E PERSPECTIVAS.....................................................21
2. METODOLOGIA DE QUANTIFICAÇÃO DAS CARÊNCIAS HABITACIONAIS NO BRASIL........33
2.1 O PROCESSO HISTÓRICO DE QUANTIFICAÇÃO DAS CARÊNCIAS HABITACIONAIS NO BRASIL .........................34
2.2 DELIMITAÇÃO DE TERMOS...........................................................................................................................39
2.3 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE INDICADORES DE CARÊNCIA HABITACIONAL...........................................42
2.3.1 O padrão mínimo de moradia digna...................................................................................................42
2.3.2 Critérios de seleção dos indicadores..................................................................................................45
2.4 A FONTE DE INFORMAÇÃO ...........................................................................................................................50
2.5 DESAGREGAÇÃO DOS RESULTADOS DOS INDICADORES................................................................................54
2.6 EXPLICITAÇÃO DAS PERGUNTAS E HIPÓTESES DE PESQUISA.........................................................................56
3. ESTRATÉGIA GERAL E MÉTODO DA PESQUISA ...............................................................................59
PARTE II – ANÁLISE DE TRÊS SISTEMAS DE INDICADORES DE CARÊNCIA HABITACIONAL61
4. OS SISTEMAS DE INDICADORES E AS CARÊNCIAS HABITACIONAIS AVALIADAS................62
4.1 O SISTEMA DE INDICADORES DA FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (2001)..........................................................63
4.1.1 Fontes de informação .........................................................................................................................65
4.1.2 Aspectos metodológicos......................................................................................................................71
4.1.3 As carências habitacionais avaliadas.................................................................................................81
4.2 O SISTEMA DE INDICADORES DA FUNDAÇÃO SEADE (2001)......................................................................88
4.2.1 Fontes de informação .........................................................................................................................89
4.2.2 Aspectos metodológicos......................................................................................................................94
4.2.3 As carências habitacionais avaliadas.................................................................................................98
4.3 O SISTEMA DE INDICADORES DA HABITAT (2003)..................................................................................102
4.3.1 Fontes de informação .......................................................................................................................104
4.3.2 Aspectos metodológicos....................................................................................................................105
4.3.3 As carências habitacionais avaliadas...............................................................................................114
4.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS FONTES DE INFORMAÇÃO UTILIZADAS............................................................118
4.5 SISTEMATIZAÇÃO DAS CARÊNCIAS AVALIADAS PELOS SISTEMAS DA FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, FUNDAÇÃO
SEADE E HABITAT......................................................................................................................................121
v
5. ANÁLISE COMPARATIVA DOS INDICADORES DE CARÊNCIA HABITACIONAL....................130
5.1 AS CARÊNCIAS AVALIADAS E OS INDICADORES UTILIZADOS......................................................................135
5.1.1 Precariedade da construção.............................................................................................................135
5.1.2 Improvisação do domicílio................................................................................................................138
5.1.3 Cortiço..............................................................................................................................................138
5.1.4 Coabitação familiar..........................................................................................................................140
5.1.5 Depreciação......................................................................................................................................142
5.1.6 Localização em áreas inapropriadas................................................................................................144
5.1.7 Ônus excessivo com aluguel .............................................................................................................148
5.1.8 Densidade excessiva de moradores ..................................................................................................150
5.1.9 Inadequação da infra-estrutura urbana............................................................................................154
5.1.10 Espaço interno insuficiente.............................................................................................................162
5.1.11 Insegurança de posse......................................................................................................................164
5.1.12 Irregularidade na construção.........................................................................................................166
6. CONCLUSÃO ...............................................................................................................................................168
REFERÊNCIAS................................................................................................................................................171
vi
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: Cálculo das necessidades habitacionais – FJP, 2001.....................................................................75
QUADRO 2: FJP - Resumo das alterações metodológicas entre 1995 e 2001.....................................................75
QUADRO 3: FJP - Resumo das alterações metodológicas entre 2001 e 2004.....................................................80
QUADRO 4: Classificação dos indicadores da Fundação João Pinheiro (2001) quanto as carências avaliadas87
QUADRO 5: Procedimentos Metodológicos para se classificar os domicílios – Fundação SEADE...................95
QUADRO 6: Procedimentos para confirmar a classificação das moradias inadequadas – Fundação SEADE ..97
QUADRO 7: Classificação dos indicadores da Fundação SEADE......................................................................99
QUADRO 8: Objetivos e Metas de Desenvolvimento do Milênio.......................................................................102
QUADRO 9: Dimensões e indicadores para o monitoramento da meta 11 dos ODM .......................................106
QUADRO 10: Indicadores da HABITAT e adaptações inseridas pelo IPEA......................................................113
QUADRO 11: Classificação dos indicadores da HABITAT segundo as carências avaliadas............................117
QUADRO 12: Carências avaliadas pelos sistemas pesquisados........................................................................122
QUADRO 13: As carências habitacionais e os indicadores utilizados...............................................................123
QUADRO 14: Classificação das carências habitacionais quanto ao déficit ou inadequação............................129
QUADRO 15: Indicadores utilizados para identificar a precariedade da construção.......................................135
QUADRO 16: Indicador utilizado para identificar os domicílios improvisados................................................138
QUADRO 17: Indicadores utilizados para identificar os cortiços .....................................................................139
QUADRO 18: Indicador utilizado para identificar a coabitação familiar.........................................................140
QUADRO 19: Indicador utilizado para identificar a depreciação.....................................................................143
QUADRO 20: Indicadores utilizados para avaliar a localização em áreas inapropriadas ...............................145
QUADRO 21: Indicadores utilizados para identificar o ônus excessivo com aluguel........................................149
QUADRO 22: Indicadores utilizados para identificar a densidade excessiva de moradores.............................151
QUADRO 23: Simulações com indicadores de densidade excessiva da FJP e SEADE......................................152
QUADRO 24: Indicadores utilizados para avaliar o acesso ao esgotamento sanitário.....................................155
QUADRO 25: Indicadores utilizados para avaliar o acesso à água tratada......................................................157
QUADRO 26: Indicadores utilizados para avaliar o acesso à coleta de lixo.....................................................160
QUADRO 27: Indicadores utilizados para avaliar o acesso à energia elétrica.................................................161
QUADRO 28: Indicadores utilizados para identificar o espaço interno insuficiente.........................................162
QUADRO 29: Indicadores utilizados para identificar a insegurança de posse..................................................164
QUADRO 30: Indicador utilizado para identificar a irregularidades na construção........................................166
vii
RESUMO
Captar as várias formas impróprias de morar é fundamental para permitir a definição de
prioridades pelos órgãos públicos competentes, visto que a construção de novas moradias
demanda altos investimentos. Para tanto, é essencial incentivar um rigoroso debate
metodológico, com a divulgação dos indicadores, componentes e conceitos utilizados na
identificação das carências habitacionais. Nesse sentido, a presente dissertação procura
discutir o método de cálculo das carências habitacionais urbanas no Brasil a partir do estudo
de três sistemas de indicadores, dois deles desenvolvidos por órgãos oficiais brasileiros – a
Fundação João Pinheiro e a Fundação SEADE – e um desenvolvido por um organismo
internacional – a Agência das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (HABITAT). O
objetivo geral do trabalho é analisar comparativamente os três sistemas de indicadores
visando a um aprimoramento metodológico, e os objetivos específicos, identificar as carências
avaliadas por cada um deles e comparar os indicadores utilizados, com base em critérios de
seleção de indicadores previamente definidos. Como resultados da pesquisa, foi possível
confirmar que os três sistemas de indicadores identificam carências habitacionais
semelhantes, porém utilizando indicadores diferentes.
Palavras-chave: 1. Déficit habitacional. 2. Condições habitacionais. 3. Carências
habitacionais. 4. Fundação João Pinheiro. 5. Fundação SEADE. 6.
HABITAT.
viii
ABSTRACT
Identifying the several improper forms of dwelling is fundamental to permit the definition of
priorities by the public specialized agencies, as building of new residence demands high
investments. For this purpose, it is essential to stimulate a rigorous methodological
discussion, with the spread of indicators, components and concepts used in the identification
of housing needs. In this sense, the present dissertation intends to discuss the calculation of
urban housing needs in Brazil through the study of three housing need indicator systems, two
of them developed by Brazilian official agencies - the Fundação João Pinheiro and Fundação
SEADE – and one developed by an international organization - the United Nations Human
Settlements Programme (HABITAT). The general objective of this work is to analyze the
three indicator systems in a comparative way aiming a methodological improvement and, the
specific objectives are to identify the housing needs evaluated by each one of them and to
compare the indicators used based on criteria previously defined. In result, it was possible to
confirm that the three methods of calculation identify similar housing needs, however using
different indicators.
Keywords: 1.Housing deficit. 2. Housing conditions. 3. Housing needs. 4. Fundação João
Pinheiro. 5. Fundação SEADE. 6. HABITAT.
9
APRESENTAÇÃO
Captar as várias formas impróprias de morar é fundamental para permitir a
definição de prioridades pelos órgãos públicos competentes, pois, tradicionalmente, a solução
proposta para resolver o problema habitacional é a construção de moradias, o que demanda
altos investimentos no setor. Na escassez de recursos necessários para atender a todas as
famílias carentes em moradia, grande parte delas continua morando em condições impróprias
e vêem adiada a solução de seu problema habitacional. Possibilitar a definição de prioridades
é imprescindível, uma vez que permite identificar as situações que exigem substituição de
unidades habitacionais e aquelas que podem ser resolvidas por meio de programas
alternativos à construção de novas moradias. Para tanto, é essencial incentivar um rigoroso
debate metodológico, com a divulgação dos indicadores, componentes e conceitos utilizados
na identificação das carências habitacionais.
Para medir carências habitacionais, é necessário enfrentar o desafio de
identificar as alternativas impróprias que famílias carentes e sem acesso ao mercado
imobiliário adotam para se abrigar. Além das moradias tradicionalmente consideradas
precárias – favelas e cortiços – há uma infinidade de situações, nem sempre facilmente
observáveis, em que a moradia, ou sua ocupação, compromete as condições de vida de seus
ocupantes: são os chamados “moradores de rua” – que nem contam com um abrigo; a
ocupação desordenada do solo urbano, nos loteamentos clandestinos – que resultam em áreas
sem infra-estrutura adequada, com grande concentração de moradias e falta de áreas verdes; a
autoconstrução sem apoio técnico – que compromete a segurança dos moradores, em virtude
da falta de prática para levantar uma casa. Também é preciso lembrar a falta de conservação
10
de muitos imóveis e o congestionamento de casas e apartamentos, o que compromete a saúde
e a qualidade de vida dos moradores. Enfim, são muitas as situações precárias da “cidade
irregular” em que vive grande parte dos brasileiros.
O desafio que representa o estudo de tais situações começa com a identificação
das condições impróprias para morar. Eleger indicadores capazes de diagnosticar carências
que comprometem as condições de vida, quando se trata da cidade real e não da legal, supõe
elaborar conceitos e adotar critérios baseados no conhecimento das estratégias adotadas pelas
famílias que não encontram alternativas para garantir um abrigo em conformidade com as
normas legais.
Além disso, quando a investigação é feita por meio de pesquisa domiciliar,
existe a possibilidade de não serem obtidas informações sobre irregularidades, omitidas pelos
próprios moradores quando temem perder seus abrigos. Vários estudos e pesquisas que tratam
das carências habitacionais comprovam tais dificuldades e resultam em estimativas muitas
vezes discrepantes quanto à quantificação do déficit habitacional. Se cortiços e favelas fazem
parte do contingente de habitações que não oferecem condições de vida adequadas, a
identificação de outras carências exige cuidado na formulação de indicadores. Segundo a
Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), do Estado de São Paulo:
“O estudo das necessidades habitacionais constitui tarefa das mais urgentes e
interessantes para a pesquisa social, sobretudo quando procura sua identificação e
análise a partir de uma contínua revisão crítica da metodologia e dos indicadores
utilizados. A metodologia das ciências sociais é um tema controverso, que deve
provocar o trabalho dos pesquisadores, e a falta de moradia digna é aviltante para
o cidadão, exigindo ações do Estado e da sociedade” (SEADE, 2001, p.5).
Nesse sentido, o presente trabalho visa incentivar o debate e aprimorar os
indicadores para a identificação das carências habitacionais urbanas no Brasil, partindo do
princípio que somente com a análise dos ganhos e das limitações identificados nos
11
procedimentos empreendidos será possível aprimorar metodologias de pesquisa e fornecer
informações capazes de subsidiar o planejamento e as ações públicas no setor habitacional.
Para a consecução da pesquisa, a dissertação foi dividida em duas partes. Na
primeira parte, faz-se uma revisão histórica das políticas públicas de habitação social e uma
análise das tendências das políticas atuais, procurando ressaltar a necessidade dos indicadores
de carência habitacional. Investiga-se também o método de construção de indicadores de
carência habitacional e, a partir dessa revisão literária, apresentam-se a pergunta e as
hipóteses adotadas, e a estratégia geral da pesquisa.
Na segunda parte da dissertação, apresentam-se os métodos de cálculo das
carências habitacionais que serão estudados, procurando identificar e discutir as carências
avaliadas em cada um deles. Por fim, procura-se analisar comparativamente os indicadores
utilizados por cada um dos métodos de cálculo com base em critérios de seleção previamente
definidos, visando a um aprimoramento metodológico.
Com esse trabalho, pretende-se contribuir para a discussão do padrão mínimo
de moradia digna no meio urbano brasileiro e também para a melhoria das estimativas de
cálculo das carências habitacionais, para que possam melhor embasar a formulação e o
monitoramento das políticas e programas habitacionais nos três níveis de governo.
12
PARTE I – FUNDAMENTOS PARA DISCUSSÃO
METODOLÓGICA SOBRE INDICADORES DE CARÊNCIA
HABITACIONAL
13
Com o propósito de ampliar a discussão da metodologia para a estimativa do
cálculo das carências habitacionais urbanas no Brasil, serão abordadas as questões relativas,
inicialmente, à complexidade e à heterogeneidade do problema habitacional vis-à-vis aos
modelos de ação pública que vêm sendo implementados no Brasil, em período recente,
notadamente após a criação do Banco Nacional da Habitação. Na seqüência, analisam-se os
aspectos relativos à construção dos indicadores de carência habitacional, com ênfase no seu
processo de seleção e no método de coleta das informações necessárias. Finaliza-se esta parte
com a apresentação das perguntas e hipóteses adotadas, e da estratégia geral da pesquisa.
1. AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE HABITAÇÃO SOCIAL:
REVISÃO HISTÓRICA E TENDÊNCIAS ATUAIS
A habitação destaca-se como necessidade básica e aspecto determinante que
interfere nas demais condições de vida da população, tendendo a representar parte
significativa dos gastos da família para a reprodução da força de trabalho. Seu tamanho e
qualidade são importantes para a saúde, a segurança e a privacidade, sendo que sua
localização é decisiva para o acesso aos empregos ou aos serviços da cidade. Para o indivíduo,
ela representa uma referência central dentro do meio urbano, uma vez que condiciona as
soluções adotadas para suprir as demais necessidades básicas.
A Fundação “Sistema Estadual de Análise de Dados” (SEADE, 2001), do
Estado de São Paulo, explicita a importância do bem habitação:
“O direito à moradia tem sido reconhecido pelas políticas públicas como básico e
essencial para a cidadania. A moradia é central para a constituição familiar, além
de local privilegiado para a formação do indivíduo. O reconhecimento social do
indivíduo e da família pede um endereço, assim como um nome e uma ocupação. É
onde a pessoa e a família alimentam-se, sentem as alegrias ou tristezas, curam
suas doenças, descansam ou mesmo trabalham em um espaço próprio e autônomo,
sendo, portanto, fundamental para a integridade do ser”.
14
Desde o início do século XX uma série de fatores, dentre eles o processo de
urbanização acelerado aliado a uma alta concentração de renda, têm condicionado uma
parcela significativa da população a viver em condições precárias de moradia, que se revelam
principalmente na forma de posse, uso e ocupação do solo, com localização insegura, em
áreas de risco ou de preservação ambiental; na construção com utilização de materiais ou
técnicas construtivas inadequados, sem equipamentos hidráulicos ou sanitários; em espaços
ocupados com alta densidade; em aluguéis que ultrapassam as possibilidades da renda
familiar; na coabitação involuntária; ou em uma inadequada disponibilidade de infra-estrutura
e serviços.
As péssimas condições de habitabilidade geradas obrigam o governo a intervir
na questão. SANTOS (1999) destaca três especificidades do bem habitação que justificam a
intervenção governamental:
(1) a habitação é um bem muito caro, de modo que sua comercialização depende muito de
esquemas de financiamento de longo prazo aos demandantes finais;
(2) a habitação é uma necessidade básica do ser humano, de modo que toda família é uma
demandante em potencial do bem habitação;
(3) a habitação responde por parcela significativa da atividade do setor de construção
civil, que, por sua vez, responde por parcela significativa da geração de empregos e do
PIB da economia.
Segundo o autor, as características (1) e (3) fazem que os governos
classicamente atuem na direção de disponibilizar recursos para o financiamento do setor, seja
de modo direto (por meio da utilização de fundos públicos) e/ou indiretamente (por meio da
legislação incidente sobre o mercado financeiro). Já as características (1) e (2) fazem que os
governos classicamente também atuem na provisão de moradias destinadas às camadas menos
favorecidas da população.
15
Assim, logo que os problemas habitacionais surgiram, no início do século
passado, o poder público procurou intervir de diversas formas. No presente capítulo, a política
habitacional brasileira será abordada em três momentos distintos: o primeiro momento
abrange o período que vai do higienismo, quando começaram a surgir os problemas
habitacionais no país, até o surgimento do Banco Nacional de Habitação (BNH), quando se
instaurou uma política mais consistente para o setor. O segundo momento aborda
especificamente o período em que ficou vigente o BNH e, por fim, o terceiro momento trata
do período pós-BNH, que vai desde a sua extinção, em 1986, até o Governo do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva.
Vale observar que, uma vez que a presente dissertação visa discutir o processo
de quantificação das carências habitacionais no Brasil, será dada ênfase no lado social da
política habitacional. Essa ênfase, no entanto, não deve de modo algum obscurecer a
importância da atuação do governo sobre o segmento de mercado do setor habitacional, uma
vez que este setor responde por parcela significativa da atividade econômica e do número de
empregos gerados na economia (SANTOS, 1999).
1.1 Do Higienismo ao Banco Nacional de Habitação
O problema habitacional no Brasil tem suas origens no início no século XX,
precisamente no Rio de Janeiro. Ocorria nesse período um surto manufatureiro-industrial,
sucedendo a decadente economia cafeeira no vale do Paraíba, que vai se aproveitar da
abundante oferta de mão-de-obra oriunda dos novos imigrantes e dos escravos expulsos do
campo e recém libertos para as principais cidades e capitais.
Uma das respostas espontâneas para a resolução desta situação de inchamento
demográfico das cidades era a “habitação coletiva”, definida oficialmente como aquela que
16
num mesmo terreno ou sob o mesmo teto abrigava famílias distintas, o que incluía os cortiços,
as casas-de-cômodos e as vilas operárias. Estas soluções “populares” para as dificuldades dos
trabalhadores se transformaram num problema para toda a sociedade, devido as suas
condições insalubres, que representavam uma ameaça de infecções e epidemias para toda a
população urbana, trazendo então à tona a discussão de novas formas regulatórias sobre as
cidades, que caracterizaram o higienismo (COELHO, 2002).
Dessa forma, a administração de Pereira Passos (1902-1906) deu início a um
processo de erradicação das habitações coletivas e alugadas pela população de baixa renda no
centro da cidade, e de construção de habitações de baixo custo nos subúrbios para a classe
trabalhadora (vilas operárias), provocando um aumento no valor das terras centrais e
periféricas e a conseqüente expulsão dos mais pobres para os subúrbios e os morros ao redor
da cidade, formando, assim, as primeiras favelas (MORAIS et al, 2003). Constituída por
moradias que pouco se diferenciavam das que os trabalhadores estavam habituados a morar
nos cortiços espalhados pela cidade, na favela elas eram ainda mais precárias e insalubres,
construídas com toda sorte de materiais que pudessem ser reaproveitados, além do difícil
acesso físico e da falta de serviços básicos.
Ao lado dos médicos e higienistas, que procuraram intervir na questão
habitacional, destacou-se também o papel dos engenheiros-arquitetos, particularmente de um
grupo formado pela Escola Politécnica de São Paulo que, a partir dos anos 20, passou a
defender propostas urbanísticas para as cidades, incluindo nelas a questão habitacional.
Alguns destes engenheiros-arquitetos fundaram o Instituto de Engenharia e passaram a
promover encontros, o que culminou, no ano 1931, na realização do Primeiro Congresso de
Habitação em São Paulo, o qual propôs novas soluções para o meio urbano que tratavam a
17
cidade como um todo, preocupando-se com questões políticas e sociais como o transporte, a
habitação, a educação e a formação de bairros operários (Carpintéro, apud COELHO, 2002).
A partir do Governo Vargas, a intervenção do Estado na questão habitacional
começa a apresentar uma maior expressão tanto no aumento das experiências pontuais como
nos importantes passos rumo a uma formulação da política de intervenção no setor
habitacional, sendo que a habitação passa a ser enxergada sob uma nova ótica:
“O clima político, econômico e cultural durante a ditadura Vargas (1930-45)
colocou em cena o tema da habitação social com uma força jamais vista
anteriormente... Embora continuasse presente, a questão sanitária passou para o
segundo plano nos debates sobre a habitação social e surgiram novos temas,
condizentes com o projeto nacional-desenvolvimentista da era Vargas: primeiro a
habitação vista como condição básica da reprodução da força de trabalho e,
portanto, como fator econômico na estratégia de industrialização do país;
segundo, a habitação como elemento na formação ideológica, política e moral do
trabalhador e, portanto, decisiva na criação do ‘homem novo’ e do trabalhador-
padrão que o regime queria forjar, como sua principal base de sustentação
política” (Bonduki, apud COELHO, 2002).
A partir de 1930, a questão principal passou a ser viabilizar o acesso à casa
própria, quando foram criadas no país as “Caixas de Pensão”, que podiam aplicar legalmente
parte de suas receitas na construção de casas para seus associados. Em 1933, foram criados os
Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), que substituíram as Caixas de Pensão.
O Governo Vargas passou a interferir também no mercado imobiliário rentista,
com a “Lei do Inquilinato”, de 1942, que decretou o congelamento dos aluguéis. Essa lei
perdurou por 22 anos, sofrendo diversas alterações, e acabou por agravar ainda mais a
situação habitacional, desestimulando a colocação de novos imóveis no mercado de locação e
provocando uma enorme quantidade de despejos (ibid).
No final deste período, em 1945, é criado o órgão governamental específico
para unificar a previdência no país, o Instituto de Serviço Social do Brasil (ISSB), que previa
a unificação dos IAPs. No ano seguinte, em 1946, foi criada a Fundação da Casa Popular
como um órgão específico para tratar dos problemas habitacionais e que, por sua vez, lançaria
18
as bases para a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH), quase duas décadas depois.
Todavia, essas ações pouco contribuíram para solucionar o problema habitacional, como
atesta Bonduki (ibid.):
“(...) o fracasso tanto da unificação dos Institutos como da criação de um órgão
habitacional forte eliminou a possibilidade de superar, por meio de uma política
integrada e consistente, a precária solução proposta pelos Institutos para o
problema habitacional. E isto levaria inevitavelmente ao enfraquecimento
progressivo da ação dos Institutos na área da moradia”.
No período populista, com a intervenção estatal direta, apareceram também os
primeiros dispositivos legais sobre a eliminação de favelas da paisagem urbana, que deveriam
ser substituídas por habitações proletárias a serem vendidas para a população pobre. Dentre
esses dispositivos, destaca-se a “Lei de Favelas”, editada em 1956, que constituía poder aos
governos municipais para elaborar projetos de transferências dos favelados para alojamentos
provisórios, enquanto se construíam casas de alvenaria.
1.2 O período BNH (1964-86)
Embora a intervenção estatal na questão habitacional tenha iniciado de maneira
expressiva nos anos 30, com o Governo Vargas, é durante o regime militar (1964-84) que o
poder público passa a intervir de forma massiva no problema da habitação, com a criação do
Banco Nacional da Habitação - BNH. Segundo CARDOSO (2003), o modelo de política
habitacional implementado a partir de 1967 pelo BNH pode ser sistematizado em um conjunto
de características, a saber:
a) criação de um sistema de financiamento que permitiu a captação de recursos
específicos e subsidiados (apoiado no Fundo de Garantia de Tempo de Serviço –
FGTS -; e no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo - SBPE), chegando a
atingir um montante bastante significativo para o investimento habitacional;
b) criação e operacionalização de um conjunto de programas federais que estabeleceram
as diretrizes gerais a serem seguidas nas regiões pelos órgãos executivos locais;
19
c) criação de uma agenda de redistribuição dos recursos, que funcionou principalmente
no âmbito regional a partir de critérios definidos centralmente; e
d) criação de uma rede de agências locais (principalmente estaduais), responsáveis pela
operação direta das políticas.
Embora essa política habitacional tenha possibilitado, do ponto de vista
quantitativo, a mais importante intervenção governamental sobre as cidades em toda a história
do País, tendo financiado a produção de 4,5 milhões de moradias (BONDUKI, 1997), houve
inúmeras críticas a seu respeito.
Um primeiro aspecto a ser abordado é a questão do autoritarismo vigente no
período. Todas as decisões eram centralizadas na esfera federal, e não havia participação dos
usuários e da sociedade em geral na elaboração e implementação das políticas e programas
habitacionais. BONDUKI (1997), que nomeia o modelo de política urbana vigente nesse
período de “central-desenvolvimentista”, mostra a mentalidade que predominava na época:
“Sem se preocupar em construir propostas num processo de participação e debate
com a sociedade, as intervenções governamentais urbanas no modelo “central-
desenvolvimentista" se caracterizam pela crença de que o desenvolvimento e o
crescimento a qualquer custo seriam sempre positivos e que a centralização de
poderes no Estado para intervir sobre a cidade traria as soluções adequadas para
resolver seus problemas”.
Um segundo aspecto do modelo de política urbana vigente no período se refere
ao desrespeito ao meio ambiente e ao patrimônio cultural, numa lógica em que predominou o
mito da modernidade como sinônimo da transformação sem compromissos com o ambiente e
com os valores culturais (BONDUKI, 1997).
Do ponto de vista do atendimento às famílias mais carentes, observa-se
também uma situação desfavorável, uma vez que do total de unidades habitacionais
produzidas no período, somente 33,5% foram destinadas aos setores populares (CARDOSO,
2003). Segundo BONDUKI (1997), esse modelo de política habitacional, baseado no
financiamento ao produtor – e não ao usuário final - e no equilíbrio financeiro do sistema,
20
excluiu parcelas consideráveis da demanda que não dispunha da renda mínima (ou mesmo de
comprovação de renda) para acessar ao sistema. O autor cita ainda outras características
presentes no modelo de política habitacional do chamado “período BNH”: desarticulação das
políticas setoriais – isto é, não se articulava, por exemplo, um programa de habitação social
com um programa de geração de trabalho e renda, ou um programa de capacitação técnica,
etc. -; e preferência pelas grandes obras, às vezes desnecessárias, canalizando recursos
públicos para empreiteiras e relegando a segundo plano as iniciativas na área social.
É inegável que o Sistema Financeiro da Habitação significou um avanço para o
setor habitacional, viabilizando uma produção de unidades habitacionais jamais igualada na
história do país. No entanto, BONDUKI (1997) resume as principais falhas do modelo de
política adotado:
“Os conjuntos habitacionais financiados pelo BNH se caracterizam, em geral, pela
monotonia de sua arquitetura e pela ausência de relação com o entorno, por sua
localização periférica, estendendo horizontalmente as cidades, pela
despreocupação com a qualidade dos projetos e com o meio ambiente, resultando
na depredação ambiental, pela negação aos processos de participação
comunitária, preferindo uma gestão centralizada e a contratação de empreiteiras,
entregando moradias próprias prontas”.
Esse modelo de política habitacional gerou efeitos negativos que podiam ser
vistos claramente na década de 70: ao lado da cidade legal, edificada pelos agentes
imobiliários capitalistas de acordo com a legislação, crescia uma cidade real, habitada
precária e predatoriamente por contingentes significativos da população, mas que inexistia
perante os órgãos públicos. Para os governantes, essa cidade real deveria ser substituída por
conjuntos habitacionais construídos por empreitada sem qualquer participação da população –
dando pouca importância, portanto, a soluções como o mutirão, a autoconstrução, a
urbanização de favelas, etc. -, o que exigia uma soma de recursos para atender à demanda
muito superior a que o poder público dispunha.
21
Essa incapacidade do governo de solucionar o problema da habitação mediante
o modelo de política adotado veio se somar no início da década de 80 aos efeitos negativos do
milagre econômico. A inflação galopante que se instala gera uma enorme inadimplência entre
os mutuários do BNH, que se vê então obrigado a reduzir drasticamente o número de
unidades produzidas para a classe de baixa renda, vindo a ser extinto em 1986.
1.3 A política habitacional pós-BNH: balanço e perspectivas
Com a extinção do BNH, em 1986, seus ativos são transferidos para a Caixa
Econômica Federal – CEF. A partir daí, cria-se um vácuo nas políticas habitacionais
brasileiras, de modo que, de 1986 (com a extinção do BNH) até 1995 (quando se dá início
uma reestruturação mais consistente no setor), tais políticas foram regidas por vários órgãos
que se sucederam ao longo do período, sem que se conseguissem resultados efetivos,
conforme coloca Arretche (apud CARDOSO, 2001):
“Na verdade, na assim chamada Nova República, as áreas de habitação e
desenvolvimento urbano percorreram uma longa via-crucis institucional. Até 1985,
o BNH era da área de competência do Ministério do Interior. Em março de 1985,
foi criado o Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente – MDU, cuja
área de competência passou a abranger as políticas habitacional, de saneamento
básico, de desenvolvimento urbano e do meio ambiente. Em novembro de 1986,
com a extinção do BNH e a transferência de suas atribuições para a Caixa
Econômica Federal – CEF, a área de habitação permanece vinculada ao MDU,
mas é gerida pela CEF que, por sua vez, não está concernida a este Ministério,
mas ao Ministério da Fazenda. Em março de 1987, o MDU é transformado em
Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente – MHU, que acumula, além
das competências do antigo MDU, a gestão das políticas de transportes urbanos e
a incorporação da Caixa Econômica Federal. Em setembro de 1988, ocorrem
novas alterações: cria-se o Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social
MBES, em cuja pasta permanece a gestão da política habitacional. Em março de
1989, é extinto o MBES e cria-se a Secretaria Especial de Habitação e Ação
Comunitária – SEAC, sob competência do Ministério do Interior. As atividades
financeiras do Sistema Financeiro da Habitação – SFH e a Caixa Econômica
Federal – CEF passam para o Ministério da Fazenda”.
Quanto à SEAC, suas ações representaram algumas inovações, como: a
implementação de linhas de financiamento a fundo perdido, para atendimento à população
com renda até 3 salários mínimos (até então excluídas das políticas habitacionais); a utilização
22
de sistemas alternativos de produção, como mutirão e lotes urbanizados; e o incentivo à
iniciativas próprias de estados e municípios, que deixaram portanto de ser somente executores
da política (CARDOSO, 2001). Desse modo, já se observa um grande avanço em relação ao
antigo Sistema Financeiro da Habitação, que pouco atendia às populações de renda até 3 sm,
dava pouca importância a sistemas alternativos de produção (priorizando a construção de
unidades prontas, por empreitada) e era centralizado no governo federal.
Dentro desse novo quadro da política habitacional brasileira, marcado pela
descentralização administrativa, é importante ressaltar também o papel da Constituição de
1988. Através de uma reforma tributária, ela ampliou os recursos dos municípios, dando-lhes
maior capacidade de investimento e autonomia para formular políticas públicas específicas, e
abriu espaço para a função social da propriedade, combatendo a especulação e colocando a
figura do “usucapião”. Como forma de combater a especulação, a Constituição definiu alguns
instrumentos, como a edificação ou parcelamento compulsório, o Imposto Predial e Territorial
Urbano (IPTU) progressivo e a desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública.
O texto constituinte ressaltou também o plano diretor como instrumento básico da política
urbana.
Se, por um lado, a nova Constituição forneceu as bases para uma profunda
reestruturação da política habitacional brasileira, tais mudanças foram muito pouco visíveis
no Governo Collor (1991-92), no qual, segundo BONDUKI (1997), prevaleceu a lógica do
tradicional e decadente Sistema Financeiro da Habitação:
“Esta lógica atingiu o clímax no governo Collor, marcado pela corrupção, quando
se financiou e produziu dezenas de conjuntos habitacionais de péssima qualidade e
localização, construídos por empreiteiras suspeitas, onde quem podia pagar o
financiamento não queria lá morar, e os que se dispunham a habitá-los não tinham
renda. Grande parte dessas unidades ficou desabitada ou inacabada, verdadeiro
símbolo da decadência do tradicional Sistema Financeiro da Habitação (...)”.
23
Segundo Azevedo (apud CARDOSO, 2001), o governo Collor foi
caracterizado por uma “banalização” da política, com sua clara transformação em uma
política distributiva, vinculada ao Ministério da Ação Social. O principal programa
habitacional do governo, denominado “Plano de Ação Imediata para a Habitação” (PAIH),
previa a construção, em caráter emergencial, de aproximadamente 245 mil unidades
habitacionais em 180 dias, por meio da contratação de empreiteiras privadas. Azevedo (apud
SANTOS, 1999) avalia os resultados do PAIH da seguinte forma:
“A avaliação preliminar do PAIH mostra o não cumprimento de várias metas
estabelecidas: o prazo estimado de 180 dias alongou-se por mais de dezoito meses;
o custo unitário médio foi (...) bem superior ao previsto (...) ocasionando uma
diminuição de 245 mil para 210 mil unidades. Por fim, por motivos clientelistas
(...) o plano não seguiu os percentuais de alocação de recursos definidos pelo
conselho curador do FGTS para os diversos estados da Federação”.
Uma outra característica da política desse governo foi a desvinculação dos
programas habitacionais dos de saneamento e desenvolvimento urbano, o que contraria um
relativo consenso de que a integração desses programas produz resultados socialmente mais
eficientes e eficazes.
Com o impeachment de Collor, em 1992, o governo Itamar Franco buscou
concluir as obras iniciadas na gestão anterior e lançou os programas “Habitar-Brasil” e
“Morar-Município”, iniciando uma política de descentralização e parceria com Estados e
Municípios. Os programas foram redesenhados e passaram a exigir a participação de
conselhos com participação comunitária dos governos locais e uma contrapartida financeira
desses últimos aos investimentos da União. Segundo SANTOS (1999), tais mudanças
aumentaram significativamente o controle social e a transparência da gestão dos programas
em questão, mas não tiveram fôlego para reverter o quadro de crise estrutural do sistema.
O Governo Fernando Henrique Cardoso irá, então, empreender uma reforma
mais efetiva na política habitacional, promovendo uma ampla reorganização institucional com
24
a extinção do Ministério do Bem-Estar Social e a criação da Secretaria de Política Urbana
(SEPURB) no âmbito do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), esfera que ficaria
responsável pela formulação e implementação da Política Nacional de Habitação. Com essa
reorganização, a CEF passou a ter atuação limitada ao papel de agente operador dos recursos
do FGTS e agente financeiro do SFH, enquanto que à SEPURB coube o papel de formular e
coordenar as ações que passam a integrar habitação, saneamento e infra-estrutura, sendo estas
baseadas em uma articulação intra e inter governamental (Oliveira, apud CARDOSO, 2003).
Segundo os documentos oficiais Política Nacional de Habitação, de 1996
(apud SANTOS, 1999), e Política de Habitação: Ações do Governo Federal de Jan/95 a
Jun/98, de 1998 (ibid), o modelo de política habitacional do governo FHC teve 4 premissas
básicas: (a) a focalização das políticas públicas voltadas para a área habitacional no
atendimento das camadas populacionais de baixa renda, que concentram cerca de 85% do
déficit habitacional brasileiro; (b) a necessidade de descentralizar e aumentar o controle social
sobre a gestão dos programas federais de habitação; (c) o reconhecimento, por parte do
governo, de sua incapacidade de resolver sozinho o problema habitacional do país e da
necessidade de tentar melhorar o funcionamento do mercado de moradias no Brasil; e (d) o
reconhecimento de que as políticas públicas não devem negligenciar a grande parcela da
população de baixa renda do país que trabalha no setor informal da economia e/ou habita
moradias informais.
Fundamentado nessas 4 premissas básicas, o governo desenhou vários
programas e ações habitacionais, que SANTOS (1999), analisando a primeira gestão do
governo FHC (1995-98), agrupa em três grandes frentes de atuação:
a) atuação no financiamento (a fundo perdido ou subsidiado) a estados e municípios para
a reurbanização de áreas habitacionais muito degradadas com melhoria das habitações
existentes, construção de novas habitações e instalação e ampliação da infra-estrutura
25
dessas áreas, ocupadas principalmente pelas camadas populacionais de renda inferior a
três salários-mínimos mensais. Os principais programas nessa área foram o Habitar-
Brasil e o Pró-Moradia;
b) atuação na provisão de financiamentos de longo prazo para a construção e melhoria de
habitações destinadas principalmente à população de renda mensal até doze salários-
mínimos. Nessa área, o principal programa federal foi o Carta de Crédito, que visava
à concessão de crédito direto ao consumidor, dando-lhe liberdade para optar por entre
uma série de alternativas que iam desde a compra de imóveis prontos, novos ou
usados, até a compra de terrenos ou de materiais de construção; e
c) políticas voltadas para a melhoria da performance do mercado habitacional, tanto na
reformulação da legislação quanto no desenvolvimento institucional e tecnológico do
setor. As principais ações empreendidas na área foram: a criação do Programa
Brasileiro de Qualidade e Produtividade Habitacional (PBQP-H), com o intuito de
melhorar a produtividade das construções de habitação no Brasil; a criação do Sistema
Financeiro Imobiliário (SFI) e a flexibilização do Sistema Financeiro da Habitação
(SFH), com o intuito de garantir uma oferta de recursos de longo prazo que pudesse
ser canalizada para o setor habitacional; e a proposta de alterações na legislação sobre
o uso do solo e sobre questões ambientais que, segundo o governo, eram
excessivamente rígidas e contribuíam para a elevação dos custos habitacionais.
Além dos programas mencionados por Santos, que analisa somente a primeira
gestão do governo FHC, em 1999 a CEF apresentou o Programa de Arrendamento
Residencial, como uma alternativa para o atendimento às populações de baixa renda, que não
estavam incluídas nos programas Carta de Crédito. Do ponto de vista institucional, governos
municipais e estaduais participaram através do cadastro e seleção prévia dos adquirentes e,
eventualmente, através da doação de terrenos e na redução de exigências urbanísticas, visando
à redução de custos. Segundo CARDOSO (2003), embora esse programa tenha contribuído
para atender uma parcela importante da demanda habitacional (de 3 a 6 salários mínimos), a
análise da capacidade de pagamento dos candidatos criou um filtro que acabou por concentrar
os recursos na franja superior da faixa de renda pretendida.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou, em 2003, o
Ministério das Cidades, que passa a ser o órgão responsável pela Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano e, dentro dela, pela Política Setorial de Habitação. Integram o
Ministério das Cidades: a Secretaria Nacional de Habitação, a Secretaria Nacional de
26
Programas Urbanos, a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental e a Secretaria Nacional
de Transporte e Mobilidade Urbana.
A Política de Habitação se inscreve dentro da concepção de desenvolvimento
urbano integrado, em que a habitação não se restringe à casa, mas incorpora o direito à infra-
estrutura, saneamento ambiental, mobilidade e transporte coletivo, equipamentos e serviços
urbanos e sociais, buscando garantir o direito à cidade (Ministério das Cidades, 2004).
Dentro de um modelo participativo, o Ministério, em 2003, articulou a
realização das Conferências municipais, regionais e estaduais das cidades, que contaram com
a participação de amplos segmentos da população, em cerca de 3.400 municípios. Em outubro
de 2003, foi realizada a Conferência Nacional das Cidades, da qual resultou a criação do
Conselho das Cidades e a aprovação das diretrizes para a nova Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano.
O Conselho das Cidades conta com 71 membros titulares, representando os
diversos segmentes da sociedade e do poder público, e tem como finalidade assessorar,
estudar e propor diretrizes para a execução da política urbana nacional. Quatro Comitês
Técnicos compõem o Conselho das Cidades: Habitação, Planejamento Territorial Urbano,
Saneamento Ambiental e Transporte e Mobilidade Urbana, em que são apresentadas, para
discussão e deliberação, ações que se pretende implementar no Ministério.
Dentre os programas e ações atualmente
1
desenvolvidas pela Secretaria
Nacional de Habitação, do Ministério das Cidades, é possível citar:
a) Carta de Crédito - o programa financia pessoas físicas com renda de cinco a 12 salários
mínimos para aquisição de imóveis novos ou usados ou lote urbanizado, conclusão,
ampliação, reforma ou melhoria de unidade habitacional, e aquisição de material de
construção. Concede financiamento também a pessoas jurídicas, com renda de cinco a 12
salários mínimos, voltadas à produção habitacional;
1
Conforme consulta ao site do Ministério das Cidades em abril/2005.
27
b) Arrendamento Residencial (PAR)voltado para a população de baixa renda nas áreas urbana
e rural, o programa proporciona a aquisição de unidades prontas, na planta, em processo de
reorganização funcional, de reabilitação ou mudança de uso de ocupação, para fins de
arrendamento residencial com opção futura de compra;
c) Habitar-Brasil/BID (HBB) - atende preferencialmente famílias com renda de até 3 salários-
mínimos, moradoras em assentamentos subnormais, financiando ações integradas de
habitação, saneamento, infra-estrutura, trabalho social, cursos profissionalizantes e geração de
trabalho e renda. O HBB também apóia a modernização institucional dos municípios para que
atuem na melhoria das condições de moradia das famílias de baixa renda. O programa é
financiado com recursos do Orçamento Geral da União e do Banco Interamericano de
Desenvolvimento, com contrapartida dos Estados, Distrito Federal, municípios de regiões
metropolitanas, aglomerados urbanos e capitais;
d) Pró-Moradia - beneficia especialmente famílias com renda mensal de até 3 salários-mínimos,
financiando obras e serviços de melhoria das condições de moradia, infra-estrutura e
saneamento básico. Os recursos - do FGTS - são emprestados a Estados, Municípios, Distrito
Federal ou órgãos das respectivas administrações;
e) Apoio à melhoria das condições de habitabilidade de assentamentos precários –
transferência de recursos do Orçamento da União para urbanização de assentamentos
precários, podendo compreender regularização fundiária, construção, ampliação ou melhoria
de habitações, construção de instalações hidráulico-sanitárias domiciliares, obras e serviços de
infra-estrutura e recuperação ambiental, construção de equipamentos comunitários,
implantação e parcelamento de glebas, desenvolvimento de trabalho social e comunitário;
f) Apoio ao Poder Público para construção habitacional destinada a famílias de baixa renda -
transferência voluntária de recursos do orçamento da União a estados, Distrito Federal e
municípios, objetivando a produção de soluções habitacionais alternativas, articulando
recursos e iniciativas do poder público, da população e de organizações sociais;
g) Crédito Solidário - Concessão de financiamento a cooperativas populares e associações auto-
gestionárias voltadas à produção habitacional destinada à população de baixa renda. Deve ser
uma ação articulada com a concessão de subsídio habitacional para viabilizar financiamento
de maior montante de recursos por família. A ação também deve articular parcerias de estados,
municípios e organizações da sociedade para implantação de infra-estrutura urbana, serviços,
parcelamento e regularização fundiária;
h) Programa Qualidade e Produtividade do Habitat (PBQP-H) – Procura elevar os patamares de
qualidade e produtividade da construção civil, por meio da criação e implantação de
mecanismos de modernização tecnológica e gerencial, contribuindo para ampliar o acesso à
moradia para a população de menor renda.
Analisando, portanto, a política habitacional brasileira no período pós-BNH, é
possível identificar algumas tendências que foram se conformando. A primeira delas,
viabilizada pela Constituição de 88 e potencializada com o Estatuto da Cidade
2
, é a
2
Lei Federal no. 10.257 de julho de 2001. Prevê a possibilidade de uma administração do espaço urbano de
forma mais democrática, instituindo diversos mecanismos que permitem uma maior intervenção no espaço, entre
eles a taxação do IPTU progressivo no tempo, para áreas não construídas.
28
municipalização das políticas habitacionais. Segundo CARDOSO & RIBEIRO (1999), a
gestão local tem a vantagem de ser o nível de governo que permite uma maior integração
entre as políticas de provisão de moradias e as políticas fundiária e de controle do uso e
ocupação do solo, o que amplia suas possibilidades de eficácia e eficiência. Embora esse
processo de municipalização venha sendo encarado de uma forma positiva, os próprios
autores e também TONELLA (2002) apontam alguns efeitos perversos do processo: a
sobrecarga de responsabilidades tem engessado as iniciativas municipais em grande medida;
uma quantidade elevada de municípios necessitam da tutela de outros níveis de poder para
implementar políticas; e muitos municípios não atingem um nível desejável de autonomia por
estarem técnica e financeiramente despreparados.
Nessa perspectiva, BONDUKI (1998) aponta a importância de os municípios
se aparelharem do ponto de vista técnico, institucional e financeiro para enfrentar
adequadamente o problema habitacional nesta nova fase de descentralização das políticas:
“A qualificação técnica, a criação de uma estrutura administrativa autônoma e
aparelhada para diagnosticar a situação habitacional do município e equacionar
uma estratégia de intervenção, e a mobilização de recursos locais ou através de
financiamentos para concretizar programas são elementos essenciais para que o
município possa exercer seu novo papel na questão da moradia”.
BONDUKI (ibid.) coloca ainda que essa tendência de municipalização das
políticas habitacionais não deve significar uma “desresponsabilização” dos governos do
estado e da união, cujos recursos são essenciais para o enfrentamento do problema. Torna-se
importante, portanto, que haja uma articulação entre os 3 níveis de governo.
Uma segunda tendência verificada no período pós-BNH é uma crescente
participação da população na elaboração e implementação das políticas públicas, através de
espaços de discussão, como o orçamento participativo e os conselhos setoriais. Esses e outros
29
canais de participação podem garantir uma maior transparência nos atos governamentais,
dando acesso a informações normalmente inacessíveis aos cidadãos comuns e permitindo o
acompanhamento da execução orçamentária e da implementação de programas e projetos.
Uma terceira tendência observada é o estabelecimento de parcerias governo-
sociedade civil. Desse modo, reforçam-se as parcerias entre prefeituras e associações de
bairro, organizações não-governamentais e outros movimentos organizados da sociedade,
através de programas auto-gestionários e co-gestionários. Segundo BONDUKI (1997), o
desenvolvimento dessas novas formas de gestão tem sido adotado numa perspectiva de se
combinar a capacidade de financiamento e o caráter público, social e não-lucrativo da ação
governamental com a agilidade e a eficiência que a gestão privada possibilita, garantindo
melhores resultados em termos de qualidade e baixo custo:
ao assumir a gestão dos empreendimentos, as organizações não-governamentais e
os movimentos sociais passam a ter um novo tipo de inserção na luta por melhores
condições de vida urbana, acrescentando ao caráter reivindicatório tradicional
uma perspectiva propositiva e auto-gestionária. O poder público, por sua vez,
deixa de ser o responsável exclusivo pelos programas sociais, passando a
compartilhar poder e responsabilidades”.
Uma quarta tendência diz respeito ao reconhecimento da cidade real, com suas
favelas, loteamentos irregulares, etc. Após vários anos de recusa a essa cidade real, por parte
do Sistema Financeiro da Habitação, que defendia o financiamento ao produtor de unidades
prontas, uma nova visão de política habitacional vem se consolidando, propondo soluções
alternativas à construção por empreitada de unidades prontas e à remoção de favelas inteiras:
soluções como a urbanização de favelas, a regularização fundiária e o financiamento direto ao
usuário final, ao invés do produtor (o que dá ao usuário a opção de reformar/ ampliar sua casa,
por exemplo).
Uma quinta tendência é uma maior preocupação com a preservação do meio
ambiente, na implantação de projetos urbanos e habitacionais. Após séculos de exploração
30
predatória do meio ambiente, seja através da ocupação de áreas de preservação ambiental por
populações marginalizadas na sociedade, seja pela exploração desenfreada e predatória do
meio ambiente pautada na visão arcaica de desenvolvimento econômico a qualquer custo,
observa-se nos dias atuais uma maior preocupação com a preservação ambiental. Projetos de
recuperação ambiental de áreas ocupadas espontaneamente, visando compatibilizar (quando é
possível) os assentamentos humanos com a recuperação ambiental, a busca da utilização de
materiais reciclados na construção civil e a produção de alternativas para remoção de
ocupações situadas em áreas de preservação permanente são algumas das iniciativas que
caracterizam essa tendência.
Por fim, uma sexta e última tendência a ser apontada é a articulação entre
diversas políticas setoriais. Uma mentalidade que perdurou por bastante tempo foi a de que
fazer política habitacional se refere tão somente a construir conjuntos. Hoje essa visão está
mudando e pode ser notada de duas formas: por um lado, emerge um novo conceito de
política habitacional, que passa a enxergar a habitação de uma forma mais ampla,
preocupando-se também com a sua localização na cidade, com a infra-estrutura existente, com
a disponibilidade de linhas de ônibus, etc. Um exemplo de programa habitacional que
demonstra essa tendência é a construção de unidades habitacionais em centros e vazios
urbanos, que busca aproveitar toda a infra-estrutura da cidade já existente naquele local, assim
como a sua proximidade de serviços urbanos como postos de saúde, creches, escolas,
hospitais, e outros.
Uma outra forma de perceber esse caráter intersetorial das políticas é através de
programas habitacionais que buscam se articular com programas de geração de emprego e
renda, de capacitação técnica, educação, e outros mais, e que foram potencializados à medida
que aumentaram as parcerias governo-sociedade civil. Um exemplo de programa como esse é
31
o Habitar Brasil-BID – iniciado no governo Itamar Franco e existente ainda hoje -, que
financia ações integradas de habitação, saneamento, infra-estrutura, assistência social,
profissionalização e geração de trabalho e renda.
Embora seja possível identificar algumas tendências da política habitacional no
período pós-BNH, BONDUKI (1998) ressalta que essas tendências não devem ser vistas
como um novo modelo de política habitacional, pois o que caracteriza esse período é
justamente a diversidade das políticas, que buscam desenvolver para cada realidade um tipo
específico de intervenção, a partir de posturas comuns.
É válido pontuar que a Conferência das Nações Unidas para Assentamentos
Humanos, realizada em Istambul (Turquia) em 1996, produziu um documento denominado
Agenda Habitat que, visando proporcionar progressos na sustentabilidade dos assentamentos
humanos do planeta, teve como “palavras de ordem” para as políticas aspectos como
descentralização, autogestão, respeito ao meio ambiente e participação popular (BONDUKI,
1997), o que confirma o caráter positivo dessas tendências no Brasil.
A análise das tendências da política habitacional brasileira no período pós-
BNH vem reforçar a necessidade de se criarem instrumentos de mensuração das carências
habitacionais no país, especialmente indicadores, que possam subsidiar a formulação dos
programas habitacionais nas três esferas de governo.
Com a tendência de municipalização das políticas habitacionais, a
quantificação dos domicílios com carências, por meio de indicadores, tem um importante
papel na formulação das políticas públicas locais e também no diálogo governo-sociedade,
que vem se ampliando com o aumento da participação popular e com as parcerias que vêm se
firmando entre o governo e a sociedade civil.
32
Com as tendências das políticas habitacionais de reconhecimento da cidade
real, como uma alternativa à remoção de favelas inteiras, e de preservação do meio ambiente,
os indicadores são um importante instrumento de identificação das várias modalidades de
carência habitacional existentes, que permitirão o delineamento de ações mais adequadas em
cada contexto. A tendência de articulação entre as diversas políticas setoriais também dá
destaque aos indicadores de carência habitacional, na medida em que este possibilita o
cruzamento com outros dados sócio-econômicos da população, como níveis de renda, de
educação e de emprego.
Nesse sentido, têm se observado uma crescente preocupação com o
desenvolvimento de métodos de cálculo das carências habitacionais no Brasil. Uma vez que
para cada método desenvolvido são adotados conceitos e indicadores distintos, que resultam,
muitas vezes, em estimativas desencontradas e até discrepantes sobre os domicílios
inadequados, convém abordar a metodologia de quantificação, buscando construir categorias
de análise que reflitam, de forma mais aproximada, as carências da população.
33
2. METODOLOGIA DE QUANTIFICAÇÃO DAS CARÊNCIAS
HABITACIONAIS NO BRASIL
Em geral, o processo de quantificação das carências habitacionais envolve
diversas perguntas, do tipo: como precisar as carências habitacionais? Em termos
quantitativos apenas ou também qualitativos? Para além das situações óbvias de pessoas ou
grupos vivendo em habitações improvisadas - sob o viaduto, em veículos abandonados -,
como definir quem necessita de uma casa (ou de melhorias na sua)? Os moradores de uma
favela precisam de uma nova residência? Para responder a essas e outras perguntas, faz-se
necessário a definição de um método de quantificação das carências habitacionais. Nesse
sentido, o presente capítulo procura investigar aspectos mais gerais do desenvolvimento de
um método, dando ênfase para o processo de construção dos indicadores.
Inicialmente, faz-se uma retrospectiva histórica do processo de quantificação
das carências habitacionais no Brasil. Salienta-se quando surgiram os primeiros debates e
como eles foram se aprimorando até o surgimento de propostas concretas de quantificação.
Em seguida, faz-se a necessária delimitação de alguns termos, inclusive do
próprio “indicador de carência habitacional”, da forma como está sendo admitido no âmbito
dessa pesquisa, o que permitirá a discussão do processo de construção dos indicadores de
carência habitacional, das fontes de informação e da desagregação dos resultados dos
indicadores. Finaliza-se o capítulo com a delimitação das perguntas e hipóteses de pesquisa.
34
2.1 O processo histórico de quantificação das carências habitacionais no
Brasil
Apesar dos grandes problemas habitacionais que afligiram o país ao longo do
século XX, e que se agravaram a partir da década de 80 com os efeitos do milagre econômico,
durante esta mesma década e ainda no início dos anos 90, o debate sobre o cálculo do déficit
habitacional esteve ausente da discussão técnica e da grande imprensa. Essa ausência,
segundo CARDOSO (1998), era fruto de uma certa descrença nas estatísticas e nas
abordagens quantitativas em geral e, ainda, da controvérsia que sempre envolveu o debate
sobre o cálculo do déficit.
Originalmente, o conceito de déficit habitacional era demasiadamente restrito,
tendo como pressuposto a necessidade de substituição absoluta de todas as unidades
habitacionais consideradas como “sub-normais” ou “irregulares”. Esse debate surgiu no início
do século passado, no âmbito do higienismo, que buscou instituir os critérios básicos de
normalidade – a moradia higiênica -, a partir dos quais se poderia, então, classificar parte do
estoque habitacional existente como sub-normal. Esse projeto implicou, como já colocado,
numa enorme operação de demolição de cortiços e bairros populares, classificados como
degradados, anti-higiênicos, insalubres, etc. Tratava-se de uma ação de limpeza que tinha
como propósito básico apenas a demolição dos bairros ou quarteirões insalubres, considerados
como focos de transmissão de doenças epidêmicas. Ou seja, tratava-se mais de uma questão
médica do que da identificação de carências habitacionais. A partir dessa concepção, o déficit
era constituído por todas as moradias classificadas como sub-normais.
Logo, porém, verificou-se que não bastava demolir, mas que era também
necessário uma intervenção de regulação do mercado habitacional, com base nos padrões
mínimos estabelecidos para a habitação higiênica. Os primeiros regulamentos de edificações e
leis de zoneamento tinham esse fim. Todavia, mesmo a ação regulatória mostrou-se
35
insuficiente e passou-se a discutir e implementar políticas de provisão de moradia para setores
da população que não conseguiam, se deixados por sua própria conta, acesso ao mercado
formal. É nesse momento que surgia efetivamente a noção de déficit, ou seja, de uma lacuna
na oferta de moradia, ou uma oferta de baixa qualidade, propiciada pelo mercado. Com base
nesses princípios, os números do déficit tinham como fundamento a substituição de todas as
moradias identificadas como sub-normais e, ainda, o atendimento à demanda não solvável
(CARDOSO & RIBEIRO, 1999).
Com a evolução ocorrida na concepção das políticas habitacionais ao longo dos
últimos 50 anos, discorrida no capítulo anterior, o conceito de déficit passou a sofrer críticas.
Isso se deu, no âmbito internacional, através de uma forte contestação às políticas tradicionais
de construção de grandes conjuntos habitacionais padronizados, ao qual se contrapunha o
modelo de “habitat evolutivo e autoconstruído”, como apontava Turner, em 1976 (apud
CARDOSO, 1998). A autoconstrução em favelas passou a ser vista não mais como um
“problema”, mas como a “solução“ para os problemas habitacionais da população. No caso
brasileiro, a partir dos anos 80, a resistência ao processo de remoção de favelas, que uniu
moradores, lideranças políticas e parte dos setores técnicos, levou a que a política de
urbanização, e não a remoção, passasse a prevalecer, quando até mesmo o BNH desenvolveu
programas nessa direção (Machado da Silva, Figueiredo, apud CARDOSO, 1998).
Nesse período, havia no Brasil uma grande discrepância entre as estimativas de
déficit apresentadas. Segundo dados da extinta SUDENE – Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste - (apud FJP, 1995, p.9), em 1989 o déficit brasileiro era da
ordem de 6.468.667 unidades. Documento da Caixa Econômica Federal, por sua vez,
calculava-o, em 1991, como sendo de 8.903.398 residências. Por outro lado, um trabalho
comparativo da CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina (Nações Unidas) –
36
(ibid.) sobre o déficit habitacional dos países da América do Sul, América Central e Caribe,
entre os anos de 1985 e 1992, apontava o déficit brasileiro como sendo de 15.404.033
unidades habitacionais. Em 1993, PRADO & PELIN (1993) estimaram o déficit total de
moradias no Brasil em aproximadamente 12,7 milhões de unidades. E o Instituto de
Desenvolvimento e Apoio à Construção (IDACON) – entidade privada ligada à construção –
(apud FJP, 1995) avaliava que o déficit habitacional brasileiro em 1994 superava 12 milhões
de unidades, e no ano de 2000 seria da ordem de 18,4 milhões de habitações, sendo 14,1
milhões relativas à área urbana. Obviamente, essa dança dos números tinha como efeito
perverso, entre outros, a impossibilidade de se utilizarem esses dados de forma operacional,
com um mínimo de segurança, para a definição de políticas públicas e para alocação de
recursos na área habitacional.
As soluções alternativas que vinham sendo defendidas para o problema
habitacional passaram, então, a colocar outros elementos para se pensar o déficit. Como
apontava Taschner em 1992 (apud CARDOSO, 1998):
“Coloca-se em discussão se toda unidade domiciliar em favela integraria,
necessariamente, o déficit tal qual se imagina, ou seja, reposição total da unidade.
Perante as atuais políticas de urbanização de favelas e garantia de posse aos seus
moradores, isto é discutível. (...). Mesmo no caso dos cortiços, é discutível colocar
todas as famílias moradoras integrando o déficit. Nos cortiços tipo “avenida” a
possibilidade de extensão dos pontos de água a cada unidade é factível. A
colocação da totalidade dos cortiçados e favelados no déficit deve passar por uma
reflexão mais aprofundada. Sem dúvida, parte desse parque imobiliário não
apresenta condições adequadas de vida. Mas admitir-se todas as unidades
faveladas como passíveis de reposição total é, implicitamente, negar a
possibilidade de urbanização, melhoria e regularização da posse nas invasões”.
Nessa perspectiva, um importante marco para a rediscussão do chamado déficit
habitacional foi a proposta metodológica apresentada em 1995 pela Fundação João Pinheiro
(FJP)
3
, no estudo “Déficit Habitacional no Brasil” (FJP, 1995), para a Secretaria de Política
3
A Fundação João Pinheiro é uma entidade do Governo de Minas Gerais, voltada para a realização de projetos
de pesquisa aplicada, consultorias, desenvolvimento de recursos humanos e ações de apoio técnico ao Sistema
37
Urbana em convênio com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD.
Na busca de uma estimativa mais fina e integrada à realidade sócio-econômica do país, o
método desenvolvido introduziu o conceito de necessidades habitacionais, que passou a
abranger o “déficit” (moradias a serem construídas) e a “inadequação” (moradias com
deficiências mas que não demandam substituição), superando, portanto, a visão de que todas
as unidades habitacionais situadas em favelas, loteamentos irregulares, cortiços, etc. deveriam
ser reconstruídas. O déficit habitacional brasileiro, que passou a abranger somente as unidades
a serem construídas, foi então estimado em 5,6 milhões de moradias.
Esse estudo da FJP, que foi dirigido para o Brasil, grandes regiões, unidades da
Federação e regiões metropolitanas, tornou-se referência nacional e foi amplamente
incorporado no debate sobre a política habitacional no país. No entanto, este não ficou isento
de críticas quanto a alguns de seus pressupostos, e foram apresentadas sugestões visando ao
seu aprimoramento (CARDOSO, 1998; CARDOSO e RIBEIRO, 1999; entre outros). Assim,
na procura em aprimorar instrumentos que melhor retratassem a situação do setor habitacional
no Brasil, a metodologia foi revisada em 2001 (FJP, 2001), quando as carências habitacionais
foram recalculadas com base nas informações até então disponíveis do Censo Demográfico de
2000 e nas informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1999.
Três anos depois, em novembro de 2004, a FJP publicou um terceiro estudo
sobre o déficit habitacional no Brasil (FJP, 2004), este voltado para municípios, regiões
metropolitanas e microrregiões geográficas, contando agora com a divulgação e a liberação,
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, dos dados da amostra e dos
“microdados” do Censo Demográfico 2000, que ocorreu no final de 2002.
Estadual de Planejamento e demais sistemas operacionais do Estado, nas áreas da administração pública e
privada, economia, estudos históricos, culturais, municipais e político-sociais.
38
Uma outra contribuição importante para a discussão das carências
habitacionais no Brasil foi o trabalho publicado em 2001 pela Fundação Sistema Estadual de
Análise de Dados (SEADE, 2001), do Estado de São Paulo, para o diagnóstico das condições
habitacionais no Estado. O objetivo do estudo foi o de elaborar metodologia específica,
baseando-se no trabalho publicado pela FJP em 1995, e de calcular as carências habitacionais
no Estado de São Paulo, além de estimar a parcela da população classificada como demanda
potencial da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano - CDHU, segundo
critérios da política de atendimento da Companhia. Para empreender esse cálculo, a Fundação
SEADE utilizou as informações provenientes da Pesquisa de Condições de Vida, uma
pesquisa amostral que foi realizada nos anos de 1990, 1994 e 1998 no Estado de São Paulo.
Além dos estudos de avaliação das carências habitacionais desenvolvidos no
país, há também alguns que são elaborados por organismos internacionais para serem
aplicados em um conjunto amplo de países, incluindo, muitas vezes, o Brasil.
Dentre esses estudos, destaca-se o produzido pela Agência das Nações Unidas
para Assentamentos Humanos – HABITAT – para o monitoramento da melhoria dos
assentamentos precários em todo o mundo (HABITAT, 2003). Esse trabalho faz parte de um
monitoramento mais amplo dos “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”, os quais foram
acordados pelos países-membro das Nações Unidas durante a “Cúpula do Milênio“, realizada
em Nova Iorque, em setembro de 2000.
Embora não seja a intenção da HABITAT identificar os domicílios que
precisam ser repostos (déficit quantitativo) e aqueles que precisam passar por melhorias
(déficit qualitativo), a agência propõe um método para a identificação das carências
habitacionais, a ser aplicado em qualquer país membro das Nações Unidas, incluindo o Brasil.
39
Esses e outros estudos desenvolvidos no país e por organismos internacionais
sem dúvida contribuem para que a metodologia de cálculo das carências habitacionais no
Brasil possa ser continuamente revisada e aprimorada, e se consolide como um instrumento
fundamental para subsidiar os especialistas e formuladores de política nas três esferas de
governo, e para possibilitar um melhor direcionamento e planejamento dos tomadores de
decisão nos vários setores do desenvolvimento urbano.
Antes de adentrar na discussão do método de construção dos indicadores de
carência habitacional, torna-se necessário ainda delimitar o próprio conceito desses
indicadores, da forma como estão sendo admitidos no presente trabalho.
2.2 Delimitação de termos
No âmbito deste trabalho, o termo indicador é entendido como uma forma de
mensuração, um instrumento que sintetiza um conjunto de informações em um “número” e,
portanto, permite medir determinado fenômeno ao longo do tempo. Os indicadores podem ser
utilizados para verificação, observação, demonstração, avaliação, ou seja, permitem observar
e avaliar determinados aspectos da realidade social de acordo com um determinado ponto de
vista. Nas palavras de KAYANO & CALDAS (2002), os indicadores podem ser comparados
a fotografias de determinadas realidades sociais. Dessa forma, os autores colocam que os
indicadores aplicados a determinados espaços territoriais podem ser comparados ao longo do
tempo, permitindo um acompanhamento das alterações de uma mesma realidade, e podem
também permitir comparações entre localidades diferentes, num mesmo espaço de tempo.
Nessa perspectiva, os indicadores são importantes instrumentos para disponibilizar
informação básica para a construção de diagnósticos sobre a realidade social, sendo utilizados
40
não apenas para avaliar, mas também para subsidiar e amparar o desenho de determinadas
políticas e programas públicos.
Ressaltadas as potencialidades desse instrumental, deve-se ter em mente
também as suas limitações. Um mesmo indicador pode ser interpretado de formas distintas
4
,
uma vez que revela apenas uma faceta da realidade. Por isso, embora os indicadores auxiliem
na interpretação da realidade, estes não substituem uma análise e discussão qualitativa,
minuciosa e particular do fenômeno analisado (ibid.).
Por sistema de indicadores, entende-se um conjunto de indicadores inter-
relacionados que se prestam a expressar determinada situação, podendo estar estruturados em
diversos níveis de agregação de acordo com os objetivos (NAHAS, 2002). Assim, existe, por
exemplo, o sistema de indicadores de desenvolvimento sustentável da ONU, que são vários
indicadores agrupados em dimensões, temas e sub-temas da sustentabilidade e que no
conjunto se prestam a avaliar o progresso dos países de acordo com os objetivos do
desenvolvimento sustentável.
Partindo do conceito de indicador, torna-se possível definir um indicador de
carência habitacional. Por carência habitacional, admite-se todo tipo de característica do
imóvel, ou da forma de morar dos ocupantes, que prejudica as condições de vida desses
moradores. Assim sendo, define-se um indicador de carência habitacional como ummero
que procura expressar a magnitude de determinada carência habitacional em uma dada
localidade. São exemplos de indicadores: “número de domicílios com adensamento
excessivo”; e “número de domicílios com espaço interno insuficiente”.
4
Como exemplo, KAYANO & CALDAS (2002) citam o indicador “número de atendimentos em pronto socorro
municipal”: se este número estiver aumentando, o indicador pode ser divulgado como um resultado positivo,
apontando maior intervenção pública na área de saúde, mas também de forma negativa, indicando uma ausência
de políticas preventivas de saúde.
41
Dessa forma, temos que um sistema de indicadores de carência habitacional se
presta a identificar um conjunto de carências habitacionais em uma dada localidade. Seu
usuário imediato é o poder público, que se servirá desse instrumental para conhecer melhor o
problema habitacional e assim elaborar políticas e programas mais eficazes e eficientes.
Outros usuários em potencial são os estudiosos da questão habitacional e das condições de
vida da população, que poderão se apropriar das informações para avaliar o desempenho do
governo e para outros fins específicos.
Por fim, torna-se necessário delimitar ainda o próprio universo da habitação,
que também pode adquirir significados diversos. No sentido tradicional, há uma tendência em
se tratar da questão habitacional de forma setorial, abordagem essa que, segundo a Fundação
João Pinheiro (FJP, 2001), mostra-se equivocada, tendo em vista a interface do problema
habitacional com outros problemas urbanos. De fato, a interdependência da moradia com
outras esferas recorrentes e complementares, como a questão da regularidade fundiária e da
infra-estrutura urbana, mostra que nem sempre um simples incremento dos programas de
habitação se apresenta como a solução mais indicada para melhorar as condições
habitacionais da população mais pobre. Não é por acaso que, nas grandes metrópoles
brasileiras, os programas de regularização fundiária vinculados a melhorias urbanas têm sido
um instrumento de política habitacional valioso na luta de um grande contingente de
moradores de favelas e bairros clandestinos em busca da integração sócio-econômica (ibid.).
Seguindo a mesma orientação da FJP, para efeito de quantificação das
carências habitacionais, o presente trabalho não tratará apenas da unidade habitacional stricto
sensu, mas também das condições de moradia vinculadas à qualidade de vida mais ampla,
como os serviços de infra-estrutura básica e a questão da regularidade fundiária, o que remete
à idéia de habitat (ibid.). Convém lembrar que essa noção de habitat vai ao encontro da
42
tendência atual das políticas habitacionais, mencionada no capítulo anterior, de abordar a
habitação de uma forma mais ampla, preocupando-se também com a sua localização na
cidade, com a infra-estrutura existente e outros aspectos.
Feitas as delimitações necessárias, passa-se então a uma investigação do
método de construção dos indicadores de carência habitacional.
2.3 O processo de construção de indicadores de carência habitacional
2.3.1 O padrão mínimo de moradia digna
A construção de um sistema de indicadores que tenha como propósito a
quantificação das carências habitacionais em uma dada localidade começa, como coloca a
SEADE (2001), com a identificação de um padrão mínimo que corresponda à moradia digna
conforme critérios e requisitos técnicos, legais e culturais, determinados histórica e
regionalmente. Trata-se de uma definição importante por servir de referência na identificação
das carências habitacionais. Nas palavras de GENEVOIS e COSTA (2001):
(...) “se é preciso conhecer as condições habitacionais a fim de informar as
políticas públicas e possibilitar o tratamento diferenciado conforme as carências
encontradas, faz-se necessário estudar o conjunto de moradias, relacionando-as a
um padrão mínimo de adequação. Ou seja, não se trata unicamente de identificar
os domicílios precários, mas partir de um padrão mínimo e classificar todas as
habitações”.
Esse padrão mínimo orienta a identificação das carências habitacionais que
serão medidas, e dos indicadores que farão a medição. Há, no entanto, muita discussão sobre
o que se trata de uma habitação satisfatória. Fatores culturais, econômicos e ambientais, entre
outros, moldam a questão habitacional, definindo o mínimo desejável. É certo que as soluções
alcançadas na pré-história já não satisfazem os padrões atuais, é certo também que o padrão
mínimo de moradia digna na China e na Índia, países superadensados, é diferente do Brasil,
43
bem como a habitação minimamente adequada para as áreas rurais não atende ao modo de
vida urbano.
Ainda que admitindo essas variações, em observação dirigida à realidade
brasileira, não há uma aceitação comum sobre o que seria uma moradia adequada. Para a
Fundação Estadual de Análise de Dados – SEADE, do Estado de São Paulo, o padrão mínimo
de adequação estabelece que uma moradia deve:
“(...) ser construída com material apropriado, a fim de garantir solidez e
segurança a seus ocupantes; estar inserida em áreas onde as vias de acesso e a
separação entre domicílios foram planejadas conforme as normas urbanas de
ocupação da área, para permitir a circulação segura de veículos e pedestres;
dispor de quarto, sala, cozinha e banheiro de uso privativo de seus ocupantes, para
evitar superposição de funções e garantir a execução das atividades cotidianas; e
não ser congestionada, na relação entre espaço e número de moradores” (SEADE,
2001).
Segundo a própria Fundação SEADE (ibid.), a exigência de quarto, sala,
cozinha e banheiro pode ser criticada, devido à existência de domicílios com menos de quatro
cômodos em ótimas condições de salubridade e até de conforto, como os flats e as quitinetes,
geralmente ocupados por pessoas de renda média ou alta que moram em tais domicílios por
escolha própria, e não por imposição econômica.
Há autores que incluem outros aspectos na classificação de uma moradia
adequada (ou inadequada). CARDOSO (1998) coloca a informalidade dos domicílios situados
em favelas e loteamentos clandestinos, os domicílios situados em área de risco e aqueles
situados em áreas de preservação ambiental como elementos fundamentais para se pensar, de
forma mais abrangente, a problemática do déficit habitacional no Brasil.
A Fundação João Pinheiro (2001) inclui em seu método de cálculo das
necessidades habitacionais, dentre outros aspectos, a coabitação familiar como uma carência
habitacional, o que para ALVES & CAVENAGHI (2005) pode ser criticado, tendo em vista a
44
sobrevivência, principalmente nos meios populares, das famílias ampliadas, que moram juntas
por opção.
O conceito de habitação adequada, portanto, está ligado a aspectos históricos e
regionais e possui ainda um viés individual de cada cidadão. Todavia, a delimitação de um
padrão mínimo de moradia é particularmente importante para a formulação de políticas
públicas, uma vez que serve de referencial para a identificação das diversas modalidades de
carência habitacional.
Alguns sistemas de indicadores optam por estratificar o padrão mínimo
segundo as faixas de renda da população. Esse é o caso da Fundação João Pinheiro que, para o
cálculo das carências habitacionais no Brasil em 1995, considerou que “em uma sociedade
profundamente hierarquizada e extremamente desigual como a brasileira não se devem
padronizar as necessidades de moradias para todos os estratos de renda” (FJP, 2001). Esse
pressuposto metodológico levou a FJP a estabelecer critérios mínimos de acesso à infra-
estrutura básica diferenciados por faixas de renda, os quais foram questionados por alguns
autores quanto à sua validade lógica e ética (CARDOSO, 1998; CARDOSO e RIBEIRO,
1999).
O padrão mínimo de moradia fundamenta, portanto, a identificação das
carências habitacionais que serão medidas por um sistema de indicadores, e também a seleção
dos indicadores propriamente ditos. O processo de seleção dos indicadores, no entanto, ainda
envolve uma série de outras variáveis que devem ser levadas em consideração, as quais serão
discutidas logo a seguir.
45
2.3.2 Critérios de seleção dos indicadores
Um importante passo no processo de desenvolvimento de indicadores de
carência habitacional consiste na sua seleção. É inegável que toda e qualquer seleção de
indicadores reflita, em certa medida, um viés individual dos analistas acerca do padrão
mínimo de moradia digna, como reconhece a FJP (1995). Contudo, há uma série de critérios
que podem orientar o processo de seleção, como por exemplo a acessibilidade à informação.
Nesse sentido, no presente item procurar-se-á identificar alguns critérios considerados
importantes para a seleção de indicadores de carência habitacional.
Na falta de uma literatura consistente voltada especificamente para a seleção de
indicadores de carência habitacional, optou-se por analisar as sugestões de alguns autores para
a seleção de indicadores sociais
5
– nos quais podem ser incluídos os indicadores de carência
habitacional – e, a partir daí, relacionar critérios importantes para o caso mais específico dos
indicadores em estudo.
Uma primeira contribuição relevante a ser analisada é a de KAYANO &
CALDAS (2002) que, voltando para os aspectos práticos da construção de indicadores
sociais, mencionam que os seguintes critérios devem ser observados:
a) Validade/ Estabilidade: deve haver uma boa relação entre o conceito e a medida;
b) Seletividade/ Sensibilidade/ Especificidade: os indicadores devem expressar
características essenciais e mudanças esperadas;
c) Cobertura: devem ter amplitude e diversidade;
d) Independência: não devem ser condicionados por fatores externos;
e) Baixo custo/ Fácil obtenção/ Periodicidade/ Desagregação: as informações requeridas
pelos indicadores devem ser de produção e manutenção factíveis;
5
Os indicadores sociais foram definidos pela UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura – como “estatísticas aptas a medir os elementos atinentes à condição social e do bem-estar
dos diversos segmentos da população” (UNESCO, apud RATTNER, 2003).
46
f) Comparabilidade: os indicadores devem permitir a comparação temporal e espacial.
Os autores apontam que aí surge um problema: generalização versus individualização
dos indicadores. Quanto mais generalizado o indicador, maiores são as possibilidades
de comparações com outras realidades. Por outro lado, quanto menos generalizados,
maiores são as possibilidades de individualizar e medir determinadas especificidades
locais;
g) Normalização: os resultados dos indicadores devem ser traduzidos para uma escala
adimensional, para permitir uma mescla entre diferentes indicadores;
h) Quantificação: os indicadores devem ser traduzidos em números, sem o demérito da
análise qualitativa (devem facilitar uma análise qualitativa);
i) Simplicidade: devem ser de fácil compreensão.
Uma segunda sistematização é proposta pela REDEFINING PROGRESS
6
et al
(1997), em uma publicação sobre indicadores comunitários. Segundo a organização,
dificilmente é possível encontrar um indicador que atenda a todos os critérios, no entanto, ela
apresenta as características de um bom indicador, dentre as quais:
a) Relevância: o indicador deve medir algo que a comunidade precisa saber, isto é, que é
significante pra ela;
b) Validade: o indicador deve medir aquilo que realmente se deseja medir;
c) Consistência e confiabilidade: as informações disponíveis devem ser de qualidade ao
longo do tempo em que foram (e serão) coletadas;
d) Comparabilidade: os indicadores devem ter uma certa padronização de modo a
possibilitar comparações com outras comunidades;
e) Compreensibilidade: os indicadores devem ser compreensíveis para a população em
geral, e devem mostrar claramente qual direção representa um progresso e qual
representa um regresso;
f) Preditividade: os indicadores devem servir de alerta, apontando problemas antes que
eles se tornem perigosos ou complicados de serem solucionados;
g) Pró-atividade: os indicadores devem ser “interessantes”, de modo a facilitar a
comunicação com o público;
6
A Redefining Progress é uma organização pública norte-americana que procura orientar a economia e as
políticas públicas do país sobre o referencial da sustentabilidade. Possui um programa nacional de indicadores
que busca estimular o diálogo sobre as mais importantes tendências do futuro da nação (ver
http://www.rprogress.org).
47
h) Interesse da mídia local: visto que a mídia local é importante para difundir o
indicador;
i) Acessibilidade: o custo de coleta das informações deve ser compatível com os recursos
do projeto.
Embora a organização tenha inserido algumas características mais específicas,
como “preditividade”, “pró-atividade” e “interesse da mídia local”, convém observar que a
maioria das características se assemelham à sistematização feita por Kayano e Caldas.
Podemos comparar ainda com uma terceira sistematização, esta proposta pela Agência das
Nações Unidas para Assentamentos Humanos - HABITAT (1997). Em uma publicação que
visa apresentar um conjunto de indicadores urbanos a serem aplicados em todos os países
membros das Nações Unidas, para o monitoramento das condições de vida nas cidades, a
agência destacou um conjunto de critérios para guiar a seleção dos indicadores. Eis alguns
critérios estabelecidos:
a) Relevância: os indicadores devem ser relevantes para o objetivo ao qual se propõem;
b) Compreensibilidade: devem ser compreensíveis pela população;
c) Acessibilidade à informação: as informações requeridas pelos indicadores devem ser
de fácil acesso (boa relação custo-benefício);
d) Adimensionalidade: os indicadores devem ser preferencialmente adimensionais e
independentes da escala de tempo;
e) Sensibilidade: os indicadores não devem ser nem muito rígidos (indicadores que quase
não mudam ao longo do tempo tendem a ter pouco valor) e nem muito voláteis
(indicadores que mudam muito dificultam a interpretação e a coleta dos dados);
f) Sem ambigüidade: os indicadores devem ter uma definição clara e se referirem a um
objetivo específico;
g) Independência: os indicadores não podem se sobrepor.
Embora haja uma grande variedade de critérios encontrados na literatura, é
possível notar que critérios como a validade do indicador, a acessibilidade à informação e a
clareza são citados com freqüência, enquanto que outros, como o interesse da mídia local,
48
parecem mais específicos. Dessa forma, baseando-se nas contribuições dos autores e
organizações pesquisadas, torna-se possível relacionar um conjunto de critérios importantes a
serem observados em um processo de seleção de indicadores sociais, os quais são
sistematizados a seguir:
a) Validade: deve haver uma boa relação entre o conceito e a medida;
b) Comparabilidade: os indicadores devem permitir a comparação temporal e espacial;
c) Padronização: devem ser traduzidos em números, em uma escala adimensional e
independente do tempo;
d) Clareza: devem ser claros para seus usuários, transmitindo a informação de maneira
simples e compreensível, sem ambigüidade;
e) Acessibilidade à informação: as informações requeridas pelos indicadores devem estar
disponíveis ou serem de produção e manutenção factíveis;
f) Sensibilidade: os indicadores devem expressar mudanças esperadas;
g) Cobertura e especificidade: devem ter cobertura e diversidade, e não devem se
sobrepor;
h) Seletividade: devem expressar características essenciais;
i) Independência: não devem ser condicionados por fatores externos.
Embora os critérios relacionados possam ser úteis em um processo de seleção
genérico de indicadores sociais, cabe lembrar que a importância atribuída a cada critério de
seleção pode variar de uma experiência para outra, conforme os objetivos específicos para o
qual os indicadores são elaborados. Nessa perspectiva, é possível eleger os critérios mais
relevantes a serem observados em um processo de seleção de indicadores de carência
habitacional.
Dos critérios relacionados, temos que a validade e a acessibilidade a
informação devem ser atendidos necessariamente, pois um indicador que não mede bem a
carência habitacional que se pretende medir deve ser descartado e, da mesma forma, um
indicador que requer informação que não está disponível e que não pode ser coletada, também
49
não deve ser selecionado. É importante lembrar que a validade do indicador está
intrinsecamente ligada à discussão do padrão mínimo de moradia digna. Discute-se, por
exemplo, o que caracteriza um adensamento excessivo de moradores, ou um espaço
insuficiente para uma habitação.
Os outros critérios mencionados podem, a maioria deles, orientar o processo de
seleção de indicadores de carência habitacional. É desejável, pois, que os indicadores atendam
ao critério da comparabilidade, para que regiões semelhantes (onde se pode admitir um
mesmo padrão de moradia digna) possam ser comparadas; da padronização, que dá condições
para que o indicador seja acompanhado ao longo do tempo e com regiões semelhantes; da
clareza, para que os indicadores possam ser corretamente interpretados pelos seus usuários;
da cobertura e especificidade, para que as carências habitacionais sejam avaliadas com
amplitude sem se sobreporem; e da seletividade, para que os indicadores se atenham ao que é
mais importante de ser avaliado nas carências habitacionais.
Por outro lado, temos que os critérios da sensibilidade – que prega que os
indicadores devem expressar mudanças esperadas – e o da independência – segundo o qual os
indicadores não devem ser condicionados por fatores externos - não exercem influência na
escolha dos indicadores de carência habitacional, já que esses indicadores se atêm ao estado
das condições habitacionais, sem se preocupar com os fatores que ocasionam esse estado.
Assim, torna-se possível delinear alguns critérios que podem orientar o
processo de seleção de indicadores de carência habitacional, a saber:
a) Validade: deve haver uma boa relação entre o conceito e a medida;
b) Acessibilidade à informação: as informações requeridas pelos indicadores devem estar
disponíveis ou serem de produção e manutenção factíveis;
c) Comparabilidade: os indicadores devem permitir a comparação temporal e espacial;
50
d) Padronização: os indicadores devem ser traduzidos em números, em uma escala
adimensional e independente do tempo;
e) Clareza: os indicadores devem ser claros para seus usuários, transmitindo a
informação de maneira simples e compreensível, sem ambigüidade;
f) Cobertura e especificidade: os indicadores devem ter cobertura e diversidade, e não
devem se sobrepor;
g) Seletividade: os indicadores devem expressar características essenciais.
Nesse processo de seleção, um critério que merece especial destaque é a
“acessibilidade à informação”. Isso porque não basta que as informações necessárias aos
indicadores sejam acessíveis, mas é preciso que elas sejam de boa qualidade, para que os
resultados gerados pelos indicadores possam ser confiáveis. Para isso, faz-se necessário uma
análise da fonte de informação.
2.4 A fonte de informação
Em geral, o levantamento das carências habitacionais no Brasil é feito por meio
de pesquisas domiciliares, que consistem em uma série de perguntas, feitas pelo pesquisador,
aos moradores do domicílio. Dentre as razões da freqüente utilização desse tipo de pesquisa,
pode ser apontada, de um lado, a necessidade de se conhecerem aspectos internos do
domicílio, como número de moradores e de dormitórios e, de outro lado, a sua praticidade,
por dispensar a participação de técnicos e especialistas, o que multiplicaria enormemente os
gastos com a pesquisa e o seu tempo de execução.
Apesar da sua enorme utilização na avaliação das carências habitacionais, há
também uma série de limitações inerentes aos levantamentos domiciliares. Dentre esses
limites, a SEADE (2001) ressalta as dificuldades para apreender as condições ao redor das
moradias, como localização em áreas de risco ou de preservação, e situações de irregularidade
51
ou ilegalidade da moradia ou do morador, uma vez que o entrevistado pode omitir ou ocultar
informação intencionalmente.
As pesquisas domiciliares podem já estar disponíveis para a região em estudo –
sendo chamadas, nesse caso, de fontes secundárias – ou serem levantadas por ocasião do
estudo – sendo assim fontes primárias (HABITAT, 2003). Quando as informações são
extraídas de fontes secundárias, essas fontes precisam ser cuidadosamente analisadas, para
que os resultados gerados pelos indicadores possam ser confiáveis. Em trabalho que procura
discutir os motivos da padronização de diversos índices sociais, Simon Schwartzman (apud
FJP, 2004) menciona que os valores centrais dos sistemas estatísticos eficazes são a
legitimidade e credibilidade. Nessa linha de argumentação, o autor coloca que as bases da
credibilidade decorrem de inúmeros fatores, entre os quais pode-se destacar:
a) a informação confiável é aquela procedente de instituições que não sejam identificadas
como a serviço de um grupo de interesse ou ideologia específica;
b) a informação aceita como confiável é aquela fornecida por pessoas ou instituições com
um forte perfil profissional e técnico;
c) números produzidos sempre de acordo com os mesmos procedimentos, ou seja, com
estabilidade e consistência, são mais facilmente aceitos do que aqueles que variam,
dependendo de diferentes metodologias;
d) pesquisas avulsas tendem a ser questionadas com mais freqüência que os resultados de
práticas estatísticas permanentes e continuadas.
Além dos fatores que devem orientar a utilização de fontes secundárias, vale a
pena destacar alguns pontos importantes a serem observados nas pesquisas domiciliares,
sejam elas fontes primárias ou secundárias.
Um primeiro ponto a ser observado é a periodicidade da pesquisa domiciliar.
Segundo a HABITAT (2003), a periodicidade da base de dados deve ser equivalente à taxa na
qual se espera mudanças nos indicadores. Embora não seja fácil precisar a taxa com que
ocorrem mudanças nos indicadores de carência habitacional, essa taxa é certamente menor do
52
que uma década, o que mostra a necessidade de se criarem novos sistemas de informações
municipais sobre as condições habitacionais, para que os formuladores de política não
dependam exclusivamente do Censo Demográfico, que é decenal.
Um segundo ponto diz respeito à unidade básica de coleta dos dados. No
Brasil, as principais pesquisas domiciliares que investigam as carências habitacionais - o
Censo Demográfico e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) – adotam o
domicílio como unidade básica de coleta e distinguem “famílias” dentro deles. Essa opção
metodológica diverge das Nações Unidas que, visando à compatibilização internacional,
recomendam a adoção do conceito de hogar (ou “unidade doméstica”), definido da seguinte
forma:
“El concepto de hogar se basa en las disposiciones adoptadas por lãs personas
(individual o colectivamente) para satisfacer sus necesidades de alimentos o de
otros artículos esenciales para vivir. (...) Los miembros del grupo pueden
mancomunar más o menos sus ingresos y tener um presupuesto único puede tratar-
se de un grupo compuesto solamente por personas emparentadas, sin emparentar,
o ser una combinación de ambas clases” (Nações Unidas, apud SEADE, 2001).
Apesar das diferentes acepções da expressão, um ponto básico comum é o de
que “para haver uma unidade doméstica, não basta que as pessoas morem juntas em uma
unidade de residência, mas é preciso que partilhem, também, um orçamento comum, definido,
minimamente, pela divisão das despesas alimentares” (Rodrigues, ibid).
Segundo a SEADE (ibid.), a concepção de unidade doméstica busca reter, de
modo operacional, uma referência às relações sociais que configuram o “morar junto” para
além do simples partilhar do espaço físico. Na ocorrência de um orçamento comum, estão
implícitas obrigações e direitos, constrangimentos e possibilidades, configurando hierarquias
que organizam as relações entre moradores. Desse modo, é possível que haja mais de uma
unidade doméstica em uma mesma unidade de residência.
53
Para efeito de quantificação das carências habitacionais, entretanto, parece
mais adequada a adoção do domicílio como unidade de coleta dos dados, como faz o Censo
Demográfico brasileiro, uma vez que interessa ao governo – principal usuário dos indicadores
- estimar o número de domicílios que necessitam de melhorias.
A partir da definição da unidade básica de coleta dos dados, torna-se necessário
definir também o universo de aplicação da pesquisa domiciliar, que visa delimitar o universo
de domicílios que serão investigados. Trata-se de uma delimitação importante, visto que “todo
mundo mora em algum lugar”, como coloca a FJP (2001, p.34), devendo se adequar aos
interesses dos usuários da informação. O Censo Demográfico (2000), por exemplo, define
como universo de aplicação de seu questionário os domicílios particulares permanentes,
excluindo, assim, os domicílios coletivos (como asilos, orfanatos, mosteiros) e os domicílios
particulares improvisados (como debaixo de pontes e viadutos), devido às suas peculiaridades.
Um quarto ponto a ser analisado é a abrangência geográfica da pesquisa. Há
pesquisas que possuem uma abrangência nacional, como é o caso do Censo Demográfico e da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Outras se atêm a uma determinada Unidade da
Federação, como a Pesquisa de Condições de Vida, do Estado de São Paulo. Há ainda
pesquisas que se limitam a um município ou a um conjunto deles. A abrangência geográfica
pode também se restringir ao meio urbano ou rural.
Um quinto ponto diz respeito ao universo amostral da pesquisa. As pesquisas
domiciliares podem ser aplicadas em 100% do universo de aplicação delimitado, ou em uma
amostra deste. Nesse segundo caso, o tamanho da amostra deve ser analisado, uma vez que
este determina um tamanho mínimo de população a ser considerado, para que os intervalos de
confiança das estimativas não sejam demasiadamente amplos e comprometam a utilização dos
dados (FJP, 2004).
54
E, finalmente, um sexto ponto se refere ao procedimento de coleta dos dados.
Esse procedimento abrange desde os conceitos adotados na pesquisa (como a definição de
domicílio, dormitório, banheiro, família, etc.) até as perguntas que são feitas aos moradores e
as opções de resposta que são oferecidas. Segundo a Agência das Nações Unidas para
Assentamentos Humanos - HABITAT -, a descrição do procedimento de coleta dos dados
deve estar sempre acessível aos usuários da fonte de informação, para que eles possam ter
ciência dos conceitos adotados e dos limites da pesquisa.
Feita uma breve descrição de alguns pontos relevantes a serem observados na
fonte de informação, um outro tópico importante a ser discutido diz respeito à desagregação
dos resultados dos indicadores. Desagregar os resultados se torna necessário para que os
usuários dos indicadores – especialmente o poder público – possam relacionar as carências
habitacionais com outras condições sócio-econômicas, como a renda familiar e os níveis de
educação e emprego. Esse tópico será comentado em seguida.
2.5 Desagregação dos resultados dos indicadores
Segundo a HABITAT (1997), indicadores urbanos que podem ser
desagregados geralmente são vistos com mais interesse e podem ser utilizados em uma ampla
variedade de circunstâncias. As desagregações são particularmente úteis para permitir
correlações entre os indicadores habitacionais, e destes com outros indicadores sociais, como
os de educação e saúde, o que proporciona estudos mais abrangentes e holísticos dos
problemas urbanos.
Confirmando a importância das desagregações, temos que a Fundação João
Pinheiro (FJP, 2001), em estudo das necessidades habitacionais no Brasil, sempre que
possível, desagrega os resultados segundo faixas de renda (até 3 sm, de 3 a 5, de 5 a 10 e mais
55
de 10), o que possibilita ao governo federal identificar a parcela da população que deve ser
atendida por programas habitacionais. Além dessa desagregação, a FJP também organiza os
resultados de seus indicadores por unidades da Federação e regiões metropolitanas e entre
domicílios urbanos e rurais, dentre outras desagregações.
Também a Fundação SEADE (2001), no diagnóstico das necessidades
habitacionais no Estado de São Paulo, apresenta os resultados de seus indicadores com
diversas desagregações, dentre elas: por região (Estado de São Paulo, Região Metropolitana
de São Paulo, município de São Paulo e agrupamentos urbanos do interior); segundo classes
de renda domiciliar; por número de pessoas no domicílio; segundo a faixa etária do chefe do
domicílio; segundo o local de nascimento do chefe do domicílio; segundo o tempo de
residência no município atual do chefe do domicílio; segundo o nível de instrução do chefe do
domicílio; segundo a posição na ocupação do chefe do domicílio; segundo a forma de
apropriação da moradia (própria, alugada, cedida ou invadida), segundo o grau de salubridade
da moradia (satisfatório ou insatisfatório); e segundo equipamentos urbanos na rua de acesso à
moradia (pavimentação, guias e sarjetas, e iluminação pública).
Como se observa, são ilimitadas as formas de desagregação dos indicadores de
carência habitacional, e sua determinação está sujeita aos interesses dos usuários dos
indicadores. Quando o principal usuário é o poder público, as desagregações por faixas de
renda são particularmente úteis para possibilitar a identificação da demanda por programas
habitacionais, uma vez que famílias de renda mais alta podem buscar soluções no mercado.
Dentre outras desagregações, a separação intra-urbana (entre bairros, por exemplo) também
pode ser interessante para permitir a identificação das regiões mais carentes do município e
que portanto mais necessitam da intervenção governamental.
56
2.6 Explicitação das perguntas e hipóteses de pesquisa
Fazendo uma recapitulação, portanto, desta primeira parte da dissertação, no
primeiro capítulo foi possível analisar o histórico da política habitacional brasileira ao longo
do século XX e identificar algumas tendências que estão se conformando. As tendências
atuais da política habitacional, que tem como “palavras de ordem” aspectos como a
municipalização, a autogestão, o respeito ao meio ambiente e a participação popular, vieram a
reforçar a necessidade de se criarem instrumentos de mensuração das carências habitacionais
no meio urbano, que possam subsidiar a formulação de políticas públicas e o diálogo governo-
sociedade.
No segundo capítulo, foi mostrado que a construção de um sistema de
indicadores de carência habitacional começa com a delimitação de um padrão mínimo de
moradia digna e, quando necessário, com a classificação das carências quanto ao déficit ou a
inadequação. Foi dado um especial destaque ao processo de seleção dos indicadores,
procurando levantar alguns critérios que pudessem orientar tal processo. Também foram feitas
algumas considerações sobre as fontes de dados utilizadas e, por fim, foram feitos alguns
comentários sobre as desagregações dos resultados dos indicadores.
A partir da revisão da literatura, foi possível constatar a existência de vários
métodos de cálculo das carências habitacionais no Brasil, desenvolvidos tanto por órgãos
oficiais brasileiros como por organismos internacionais, com a finalidade primeira de
subsidiar o poder público na formulação de políticas e programas habitacionais.
57
Atendo-se ao meio urbano
7
, é certo que os métodos de cálculo variam,
propondo distintas formas de quantificação das carências habitacionais no Brasil. Nesse
sentido, foi possível identificar a seguinte pergunta de pesquisa:
Quais as semelhanças e as diferenças entre os métodos de cálculo das carências
habitacionais urbanas no Brasil, elaboradas com o intuito de subsidiar o poder público
na formulação de políticas e programas habitacionais?
Admitem-se como hipóteses:
1) que os métodos de cálculo têm avaliado carências habitacionais semelhantes; e
2) que os métodos de cálculo têm adotado indicadores diferentes para avaliar uma mesma
carência.
Desse modo, define-se como objetivo geral da pesquisa analisar
comparativamente métodos de cálculo das carências habitacionais urbanas no Brasil,
utilizados por órgãos oficiais brasileiros ou organismos internacionais, visando a um
aprimoramento metodológico e, como objetivos específicos:
a) identificar as carências habitacionais avaliadas por cada método de cálculo; e
b) analisar comparativamente os indicadores utilizados, segundo critérios previamente
definidos.
Convém ainda explicitar um pressuposto metodológico que norteará a
pesquisa. De acordo com a FJP (2001), todo modelo de indicadores parte de pressupostos que
merecem ser discutidos, por dois motivos: primeiro porque, como opções analíticas, podem
ser contestados a partir de outros paradigmas; e segundo, porque somente conhecendo esse
arcabouço valorativo, torna-se possível não só entender a lógica do modelo proposto, como
também avaliar se os seus componentes são consistentes com as premissas enunciadas.
7
Na presente pesquisa, será feita uma restrição ao meio urbano – onde está concentrada a maior parte das
carências habitacionais - partindo do princípio que, no meio rural, o conceito de moradia digna é diferente. Essa
restrição, no entanto, não visa desprezar o déficit habitacional no meio rural que, segundo estimativas oficiais,
era da ordem de 1.244.770 novas moradias em 2000, correspondente a 18,7% do montante brasileiro (FJP,
2001).
58
O pressuposto adotado consiste em admitir um único padrão de moradia digna
para todas as áreas urbanas do país. Embora seja correto afirmar que o conceito de moradia
digna possa variar conforme a região do Brasil que se pretenda estudar, segundo critérios e
requisitos técnicos, legais e culturais (SEADE, 2001), trata-se de uma simplificação
metodológica, que permite a discussão de indicadores a serem aplicados em qualquer área
urbana do país.
Feitas as delimitações necessárias para o desenvolvimento da pesquisa, o
próximo passo consiste em traçar uma estratégia geral, a qual será explicitada à parte, no
capítulo seguinte.
59
3. ESTRATÉGIA GERAL E MÉTODO DA PESQUISA
Com base no tipo de questão de pesquisa proposto, a estratégia de pesquisa
adotada foi o estudo de casos múltiplos (YIN, 2001). As unidades de análise selecionadas
foram sistemas de indicadores de carência habitacional urbana aplicáveis no Brasil, para que
se possa proceder a uma análise comparativa entre esses sistemas.
A seleção das unidades de análise pautou-se em uma vasta revisão da literatura
nacional e internacional, na busca por sistemas de indicadores de carência habitacional
8
aplicáveis no meio urbano brasileiro, desenvolvidos por órgãos oficiais brasileiros ou por
organismos internacionais como as Nações Unidas, o Banco Mundial e a Organização para a
Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE). A partir da revisão da literatura, foi
possível identificar três sistemas de indicadores reconhecidos e referenciados, a saber:
a) o sistema da Fundação João Pinheiro, para o cálculo das necessidades habitacionais no
Brasil (FJP, 2001);
b) o sistema da Fundação SEADE, para o cálculo das necessidades habitacionais no
Estado de São Paulo (SEADE, 2001);
c) o sistema da Agência das Nações Unidas para Assentamentos Humanos – HABITAT –
para o monitoramento da melhoria de assentamentos precários nos países membros da
ONU - meta 11 dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
9
(HABITAT, 2003).
Para analisar comparativamente os indicadores dos três métodos de cálculo,
serão utilizadas como categorias de análise as carências habitacionais avaliadas pelos
sistemas. Assim, torna-se possível delinear as duas próximas etapas da pesquisa:
8
Conforme a definição adotada para “indicadores de carência habitacional” e a delimitação feita para o termo
“habitação”, ambas explicitadas no Capítulo 2 (item 2.2).
9
Objetivos firmados por 189 países durante a “Cúpula do Milênio” – reunião de chefes de Estado ocorrida na
sede das Nações Unidas, em Nova York, em setembro de 2000 - os quais constituem um compromisso da
comunidade internacional em reduzir no planeta a pobreza e a fome, e assegurar um desenvolvimento
sustentável em harmonia com o meio ambiente.
60
1) contextualizar e apresentar os sistemas de indicadores da Fundação João Pinheiro,
Fundação SEADE e HABITAT, procurando identificar e discutir as carências
habitacionais avaliadas em cada um deles;
2) analisar comparativamente os indicadores utilizados pelos sistemas para mensurar cada
carência habitacional identificada, segundo os critérios de seleção definidos no
Capítulo 2.
Por meio da análise comparativa dos indicadores será possível identificar
alguns limites e potencialidades desses para a formulação de políticas públicas. Dessa forma,
pretende–se contribuir para o aprimoramento do diagnóstico das carências habitacionais
urbanas no Brasil, na tentativa de colocar ao alcance do poder público parâmetros e
informações que lhe permitam subsidiar, com mais segurança, a definição de políticas no
setor.
61
PARTE II – ANÁLISE DE TRÊS SISTEMAS DE
INDICADORES DE CARÊNCIA HABITACIONAL
62
Nesta segunda parte da dissertação, será feita uma análise comparativa dos três
sistemas de indicadores selecionados, com o intuito de verificar as hipóteses de pesquisa
enunciadas.
No Capítulo 4 será feita uma apresentação dos três sistemas pesquisados,
procurando identificar e sistematizar as carências habitacionais que estão sendo avaliadas em
cada um deles. Essas carências sistematizadas servirão como categorias de análise para que,
no Capítulo 5, os indicadores possam analisados comparativamente segundo os critérios de
seleção definidos no Capítulo 2.
4. OS SISTEMAS DE INDICADORES E AS CARÊNCIAS
HABITACIONAIS AVALIADAS
Conforme explicitado no capítulo anterior, serão estudados três sistemas de
indicadores de carência habitacional, dois deles desenvolvidos por órgãos oficiais do Brasil –
Fundação João Pinheiro e Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) - e um
proposto pela Agência das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (HABITAT).
Num primeiro momento, será feita uma contextualização de cada sistema,
procurando destacar as fontes de informação utilizadas e o método de cálculo adotado.
Também para cada sistema, procurar-se-á discutir a concepção de moradia digna no meio
urbano brasileiro a partir da identificação e análise das carências habitacionais que estão
sendo avaliadas.
Num segundo momento, pretende-se tecer algumas considerações sobre as
fontes de informação dos sistemas pesquisados e, por fim, será feita uma sistematização das
carências abordadas pelos três sistemas, o que permitirá verificar a primeira hipótese
63
intermediária adotada, de que os métodos de cálculo das carências habitacionais têm avaliado
carências semelhantes. Essa sistematização facilitará, também, uma análise dos indicadores
que se dará no próximo capítulo.
4.1 O Sistema de Indicadores da Fundação João Pinheiro (2001)
Pode ser considerada um marco, no processo de discussão do déficit
habitacional no Brasil, a proposta metodológica apresentada no estudo “Déficit Habitacional
no Brasil”, desenvolvida em 1995 pela Fundação João Pinheiro (FJP), a pedido do governo
federal. A metodologia desenvolvida introduziu o conceito de necessidades habitacionais,
abrangendo o “déficit habitacional”, a “inadequação de moradias” e a “demanda
demográfica”, que serão detalhados adiante.
Desse modo, com base nas informações disponíveis no Censo Demográfico de
1991 e na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1990, a FJP desenvolveu
e publicou, em 1995, os indicadores para o cálculo das necessidades habitacionais no Brasil,
grandes regiões, unidades da Federação e algumas regiões metropolitanas. Seis anos mais
tarde, levando em consideração as mudanças que houve durante a década e as sugestões dadas
por diversos autores, a FJP introduziu algumas alterações em sua metodologia de cálculo,
quando recalculou as necessidades habitacionais no país em 2001, com base nas informações
do Censo Demográfico de 2000 e da PNAD de 1999. Segundo a FJP (2001), o objetivo desta
segunda publicação foi obter informações sobre o setor habitacional no Brasil no início do
século XXI e, ao mesmo tempo, traçar a evolução dos seus indicadores na última década.
No final de 2004, a FJP publicou um terceiro estudo visando retratar a
realidade do setor habitacional no país, que procurou suprir as limitações das fontes de dados
disponíveis à época da elaboração dos estudos anteriores, que somente possibilitaram o
64
cálculo das necessidades habitacionais para o Brasil, unidades da Federação e algumas regiões
metropolitanas. Segundo a FJP (2004), existia uma lacuna no que se referia ao conhecimento
das carências habitacionais no âmbito municipal. Embora tal estudo seja o mais recente, no
presente trabalho será tomado como referência o método de cálculo proposto em 2001, por
motivos que serão explicitados adiante.
O modelo de cálculo das necessidades habitacionais proposto pela FJP parte de
dois pressupostos. O primeiro pressuposto considera que “em uma sociedade profundamente
hierarquizada e extremamente desigual como a brasileira não se devem padronizar as
necessidades de moradias para todos os estratos de renda” (FJP, 2001, p.5). Esse pressuposto
metodológico levou a FJP, no estudo publicado em 1995, a estabelecer critérios de
inadequação em infra-estrutura diferenciados por faixas de renda, cuja validade lógica e ética
foi questionada por alguns autores (CARDOSO, 1998; CARDOSO e RIBEIRO, 1999). Na
revisão do modelo publicada em 2001, embora a FJP tenha mantido esse pressuposto, ela
optou por desconsiderar a diferenciação por faixas de renda no indicador de infra-estrutura,
alegando que “mudanças sociais e econômicas ocorridas na última década, assim como a
maior organização de segmentos sociais marginalizados, com patamares de reivindicação
mais elevados do que dez anos atrás, mostraram que esses deveriam ser revistos” (FJP, 2001,
p.17).
Um segundo pressuposto metodológico adotado é que “a questão habitacional
possui fortes interfaces com outras questões, sendo inadequada uma abordagem setorial que
busque reduzir a complexidade do habitat a um déficit habitacional stricto sensu” (ibid., p.6).
Nesse sentido, a FJP discute a própria nomenclatura de déficit habitacional, que no sentido
tradicional induz equivocadamente a expectativas de enfrentar a questão da moradia de forma
setorial (ibid., p.7).
65
Tais pressupostos formam um arcabouço valorativo que permite a
compreensão da lógica do modelo proposto. A seguir, discorre-se sobre as fontes de dados
utilizadas no estudo da FJP.
4.1.1 Fontes de informação
Para o cálculo do déficit e da inadequação habitacional em todas as unidades
da Federação e algumas regiões metropolitanas, a FJP requer informações pormenorizadas
sobre características dos domicílios, as quais só estão disponíveis no Censo Demográfico e na
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), ambos elaborados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As duas pesquisas investigam informações semelhantes sobre as características
dos domicílios, embora o Censo Demográfico possua um questionário mais curto
10
. A seguir,
serão expostas as principais informações levantadas, sobre as condições habitacionais, em
cada uma das pesquisas.
O Censo Demográfico Brasileiro
O Censo Demográfico é realizado no Brasil uma vez a cada dez anos, sendo o
Censo de 2000 o último realizado no país. Este possui dois modelos de questionários, de
modo que em cada domicílio é aplicado somente um dos modelos. Um deles, simplificado, é
denominado Questionário Básico, e o outro, bem mais extenso e complexo, denominado
Questionário da Amostra, selecionado através de amostragem probabilística. Este último
contém todas as perguntas do questionário básico e mais um conjunto de quesitos sobre temas
como educação, religião, deficiência, migração, fecundidade, trabalho e rendimento, entre
10
Os modelos de questionário do Censo Demográfico de 2000 e da PNAD de 2003, relativos às características
do domicílio, estão disponibilizados em anexo nesta dissertação.
66
outros. O conjunto de informações comuns aos dois questionários, o Básico e o da Amostra,
constitui as informações básicas censitárias obtidas para 100% da população brasileira.
A unidade básica de coleta dos dados censitários é o domicílio, definido como
“o local estruturalmente separado e independente que se destina a servir de habitação a uma
ou mais pessoas, ou que esteja sendo utilizado como tal”. A separação fica caracterizada
quando o local de habitação é limitado por paredes, muros ou cercas, coberto por um teto,
permitindo a uma ou mais pessoas, que nele habitam, isolar-se das demais, com a finalidade
de dormir, preparar e/ou consumir seus alimentos e proteger-se do meio ambiente, arcando,
total ou parcialmente, com suas despesas de alimentação ou moradia. A independência fica
caracterizada quando o local de habitação tem acesso direto, permitindo a seus moradores
entrar e sair sem necessidade de passar por locais de moradia de outras pessoas (CENSO,
2000).
Dentro de cada domicílio, o Censo brasileiro procura distinguir famílias
censitárias, as quais são definidas como:
a) o conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco ou de dependência doméstica
que morem no mesmo domicílio;
b) pessoa que more sozinha num domicílio particular – cujo conceito será exposto
adiante;
c) as pessoas ligadas por normas de convivência. Entende-se como “dependência
doméstica” a situação de subordinação dos empregados domésticos e agregados em
relação à pessoa responsável pelo domicílio, e por “normas de convivência” as
regras estabelecidas para convivência de pessoas que residiam no mesmo domicílio e
não estavam ligadas por laços de parentesco nem de dependência doméstica (ibid.).
Apesar da elasticidade desse conceito de família, ele não chega a cobrir todas
as formas de ocupação dos domicílios e, por essa razão, o Censo separa as famílias únicas das
famílias conviventes. Definem-se como famílias conviventes as famílias de, no mínimo, duas
pessoas cada uma, que convivem no mesmo domicílio.
67
O Questionário Básico do Censo 2000 inclui: 10 quesitos de características do
domicílio, 8 quesitos para a pessoa responsável do domicílio ou e 5 quesitos para cada um dos
demais moradores do domicílio. Com relação às características do domicílio, são levantadas
inicialmente informações sobre a situação (urbana ou rural) e a espécie (particular ou
coletivo), que obedece às seguintes definições (CENSO, 2000):
a) domicílio particular - quando o relacionamento entre seus ocupantes é ditado por laços de parentesco, de
dependência doméstica ou por normas de convivência. Os domicílios particulares desagregam-se em
permanentes e improvisados, entendidos da seguinte forma:
- permanente - quando construído para servir, exclusivamente, à habitação e, na data de referência da
pesquisa (1º de Agosto de 2000), tinha a finalidade de servir de moradia a uma ou mais pessoas; ou
- improvisado - quando localizado em unidade não-residencial (loja, fábrica, etc.) que não tinha
dependências destinadas, exclusivamente, à moradia, mas que, na data de referência, estava ocupado
por morador. Os prédios em construção, vagões de trem, carroças, tendas, barracas, grutas, etc., que
estavam servindo de moradia na data de referência, também foram considerados como domicílios
particulares improvisados;
b) domicílio coletivo - quando a relação entre as pessoas que nele habitavam era restrita a normas de
subordinação administrativa, como em hotéis, pensões, presídios, cadeias, penitenciárias, quartéis,
postos militares, asilos, orfanatos, conventos, hospitais e clínicas (com internação), alojamento de
trabalhadores, motéis, camping, etc.
Para os “domicílios particulares permanentes”, são coletadas informações
sobre (ibid.):
a) o tipo do domicílio (casa; apartamento ou cômodo);
b) a condição de ocupação do domicílio (próprio já quitado; próprio em aquisição; alugado; cedido por
empregador; cedido de outra forma ou outra condição);
c) a condição de ocupação do terreno (próprio; cedido ou outra condição);
d) a forma de abastecimento de água (rede geral; poço ou nascente na propriedade; ou outra);
e) a forma de canalização da água (canalizada em pelo menos um cômodo; canalizada só na propriedade ou
terreno; ou não canalizada);
f) o número de banheiros (considerou-se como banheiro o cômodo que dispunha de chuveiro ou banheira e
aparelho sanitário);
g) a existência de sanitário (considerou-se como sanitário o local limitado por paredes de qualquer material,
coberto ou não por um teto, que dispunha de aparelho sanitário ou buraco para dejeções);
h) o tipo de escoadouro do banheiro ou sanitário (rede geral de esgoto ou pluvial; fossa séptica; fossa
rudimentar; vala; rio, lago ou mar; e outro); e
68
i) o destino do lixo (coletado por serviço de limpeza; colocado em caçamba de serviço de limpeza;
queimado na propriedade; enterrado na propriedade; jogado em terreno baldio ou logradouro; jogado
em rio, lago ou mar; e outro destino).
O Questionário da Amostra inclui, além dos quesitos que constam do
questionário básico, outros quesitos mais detalhados sobre características do domicílio e das
pessoas moradoras. Com relação às características dos domicílios, são investigadas, para os
domicílios particulares permanentes, informações sobre (ibid):
j) o número de cômodos existentes no domicílio;
k) o número de cômodos que servem de dormitórios para os moradores;
l) a existência de iluminação elétrica;
m) a existência dos bens duráveis: rádio, geladeira ou freezer, videocassete, máquina de lavar roupa, forno
de microondas, linha telefônica instalada, microcomputador; e quantidade de televisores, automóveis
para uso particular e aparelhos de ar condicionado.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
O sistema de pesquisas domiciliares, implantado no Brasil com a criação da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD -, tem como finalidade a produção de
informações básicas para o estudo do desenvolvimento sócio-econômico do País. A PNAD é
realizada anualmente, investigando, de forma permanente, os temas habitação, rendimento e
trabalho, associados a aspectos demográficos e educacionais e, com periodicidade variável,
geralmente por meio de pesquisas suplementares, outros assuntos de caráter demográfico,
social e econômico.
Como o seu próprio nome indica, a PNAD é realizada por meio de uma
amostra de domicílios e a sua abrangência geográfica vem se ampliando, gradativamente,
desde que foi iniciada, em 1967. Em 1981, a PNAD alcançou todo o País, com exceção da
área rural da antiga Região Norte, que compreendia Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima,
Pará e Amapá. Para as pesquisas da década de 1990, e para as de 2001, 2002 e 2003, esta
abrangência geográfica foi mantida, ou seja, a PNAD continuou a cobrir todo o País, com
69
exceção da área rural dessas seis Unidades da Federação que abriga 2,1% da população do
País.
Quanto às características dos domicílios, as informações levantadas pela
PNAD de 2003 são muito semelhantes àquelas levantadas pelo Censo Demográfico, expostas
anteriormente. A unidade básica de coleta dos dados é o domicílio, o qual possui a mesma
definição adotada pelo Censo, e também a mesma classificação entre domicílios particulares
(permanentes ou improvisados) e coletivos. A distinção entre famílias também é feita da
mesma forma que no Censo. Para os domicílios particulares permanentes, são pesquisadas
informações sobre (PNAD, 2004b):
a) o tipo de domicílio (casa, apartamento ou cômodo);
b) o material que predomina na construção das paredes externas (alvenaria, madeira aparelhada, taipa não
revestida, madeira aproveitada, ou outro material especificado);
c) o material que predomina na cobertura (telha, laje de concreto, madeira aparelhada, zinco, madeira
aproveitada, ou outro material especificado);
d) o número de cômodos;
e) o número de cômodos que estão servindo permanentemente como dormitório;
f) a existência de vaga ou garagem para automóvel;
g) a condição de ocupação do domicílio (próprio já quitado, próprio em aquisição, alugado, cedido por
empregador, cedido de outra forma, ou outra condição especificada);
h) para os domicílios alugados: o valor mensal do aluguel pago, ou que deveria ter sido pago, no mês de
referência (setembro/2003);
i) para os domicílios próprios, em aquisição: o valor mensal da prestação paga, ou que deveria ter sido paga,
no mês de referência;
j) a condição de ocupação do terreno (próprio ou não);
k) a área construída, em metros quadrados, do domicílio (até 20 metros quadrados, de 21 a 50, de 51 a 80, de
81 a 110, de 111 a 140, de 141 a 200, de 201 a 400, mais de 400, ou não sabe);
l) o valor do domicílio (até 2 mil reais, de mais de 2 mil a 5 mil, de mais de 5 mil a 10 mil, de mais de 10
mil a 15 mil, de mais de 15 mil a 25 mil, de mais de 25 mil a 35 mil, de mais de 35 mil a 50 mil, de
mais de 50 mil a 100 mil, mais de 100 mil reais, ou não sabe);
m) a existência de água canalizada em pelo menos um cômodo;
n) a forma de abastecimento de água (rede geral; poço ou nascente; ou outra condição especificada);
70
o) para os domicílios abastecidos por rede geral: se a água da rede geral de distribuição é canalizada para a
propriedade (sim ou não);
p) para os domicílios abastecidos por poço ou nascente: se o poço ou nascente está localizado na
propriedade (sim ou não);
q) a existência, no domicílio ou na propriedade, de banheiro ou sanitário (sim ou não);
r) para os domicílios que possuem banheiro ou sanitário (sendo estes definidos da mesma forma que no
Censo Demográfico):
- se este banheiro ou sanitário é de uso exclusivo do domicílio, ou se é comum a mais de um domicílio;
- o número de banheiros ou sanitários existentes no domicílio;
- a forma como é feito o escoadouro deste banheiro ou sanitário (rede coletora de esgoto ou pluvial;
fossa séptica ligada à rede coletora de esgoto ou pluvial; fossa séptica não ligada à rede coletora de
esgoto ou pluvial; fossa rudimentar; vala, direto para rio, lago ou mar; ou outra forma especificada);
s) o destino do lixo (coletado diretamente; coletado indiretamente; queimado ou enterrado na propriedade;
jogado em terreno baldio ou logradouro; jogado em rio, lago ou mar; ou outro destino especificado);
t) a forma de iluminação do domilio (elétrica; óleo, querosene ou gás de botijão; ou outra forma
especificada);
u) se algum morador do domicílio possui telefone móvel celular;
v) a existência no domicílio de telefone fixo convencional;
w) a existência no domicílio de fogão de duas ou mais bocas;
x) para os domicílios que não possuem fogão de duas ou mais bocas: a existência de fogão de uma boca;
y) o tipo de combustível utilizado no fogão (gás de botijão; gás canalizado; lenha; carvão; energia elétrica;
ou outro combustível especificado);
z) existência no domicílio de algum tipo de filtro d’água;
aa) a existência de rádio;
ab) a existência de TV em cores;
ac) para os domicílios que não possuem TV em cores: a existência de TV preto e branco;
ad) a existência de geladeira (2 portas, 1 porta, ou não);
ae) a existência de freezer;
af) a existência de máquina de lavar roupa;
ag) a existência de microcomputador;
ah) para os domicílios que possuem microcomputador: se este microcomputador é utilizado para acessar a
Internet.
71
Embora as informações do Censo Demográfico possuam um universo amostral
maior que as informações da PNAD, no ano de elaboração e publicação da edição revisada da
Fundação João Pinheiro, 2001, a maioria dos resultados do Censo ainda não haviam sido
divulgados, obrigando o órgão a recorrer aos dados da PNAD de 1999 e aos dados já
disponíveis do Censo Demográfico 2000 que, em novembro de 2001, eram: população por
situação de domicílio, e domicílios recenseados por espécie e situação (FJP, 2001).
Segundo a FJP (2001), a PNAD como fonte de dados traz algumas limitações,
em função do seu desenho amostral. Isso traz como conseqüência, para o cálculo os
indicadores, o fato de ser representativa apenas para as unidades da Federação e algumas
regiões metropolitanas, não oferecendo nenhuma informação para os municípios. Outra
lacuna apontada pela FJP, advinda da utilização da PNAD, é que a área rural da Região Norte
não é pesquisada, o que limita as estimativas do déficit e da inadequação à sua área urbana.
Utilizando, portanto, os dados da PNAD e os dados disponíveis do Censo
Demográfico, a FJP procurou estimar em 2001 o déficit e a inadequação dos domicílios
particulares para o país, grandes regiões, unidades da Federação e algumas regiões
metropolitanas.
4.1.2 Aspectos metodológicos
Dentro do conceito mais amplo das necessidades habitacionais, o estudo
identifica o déficit habitacional, a inadequação dos domicílios e a demanda demográfica.
Como déficit habitacional se entende a necessidade de construção de novas moradias, seja em
função de reposição do estoque de domicílios existente, seja em função do incremento desse
estoque. O conceito de moradias inadequadas reflete problemas na qualidade de vida dos
moradores não relacionados ao dimensionamento do estoque de habitações, e sim a
72
especificidades internas de um estoque dado. Seu cálculo visa ao delineamento de políticas
complementares à construção de moradias. Por fim, a demanda demográfica não é
considerada como déficit habitacional, mas apenas dimensiona quantas moradias adicionais
devem ser acrescidas para acomodar condignamente o crescimento populacional em
determinado intervalo de tempo (FJP, 2001).
Dentro da preocupação com a heterogeneidade e desigualdade social, a FJP
quantifica, para diversas faixas de renda, o déficit habitacional e as inadequações
correspondentes, buscando com isso identificar a clientela específica de programas e/ou
políticas públicas voltadas a atender as carências, principalmente, da população de baixa
renda (FJP, 2001). São apresentadas informações para famílias com renda até três salários
mínimos, de três a cinco, de cinco a dez e mais de dez salários. Em 2001 a FJP pesquisou a
renda média mensal familiar que, de acordo com a Fundação, é mais adequada para a
caracterização das famílias segundo as necessidades habitacionais, e não mais a renda
domiciliar, como na metodologia original
11
.
A seguir, serão descritos os indicadores relativos tanto ao déficit habitacional
quanto à inadequação propostos na metodologia de 2001, ressaltando que, no levantamento
das características dos domicílios, a FJP considerou somente os domicílios particulares
permanentes.
Déficit Habitacional
O déficit habitacional está diretamente ligado à insuficiência do estoque de
moradias. Foi categorizado em déficit por “reposição do estoque” e déficit por “incremento do
estoque” de moradias. A “reposição do estoque” é quantificada de acordo com:
11
A forma de processamento dos microdados da PNAD 1999 tornou possível trabalhar com a renda familiar,
uma vez que possibilitou desagregar a renda das famílias conviventes. Assim, em domicílios onde residem mais
de uma família, é considerada a renda apenas da família principal.
73
a) o número de domicílios rústicos, entendidos como aqueles que não apresentam paredes
de alvenaria ou madeira aparelhada; e
b) o número de domicílios depreciados. Estes são calculados de forma diferente para
regiões metropolitanas e demais unidades da federação: para regiões metropolitanas,
estipulou-se em 23% a parcela dos domicílios urbanos recenseados em 1950 ainda
sendo utilizados para fins residenciais em 2000 e, desses, 15% deveriam ser repostos.
Para as demais unidades da federação, as porcentagens estipuladas foram de 20% e
10%
12
, respectivamente, considerando somente os domicílios em situação urbana
13
.
Já o “incremento do estoque” foi estimado com base nos seguintes
componentes:
a) ônus excessivo com aluguel – abrangendo os domicílios com até três salários mínimos
de renda familiar que despendem mais do que 30% do orçamento com o aluguel;
b) domicílios improvisados – computando os domicílios particulares construídos sem fins
residenciais, como debaixo de pontes e viadutos, dentro de carcaças de carros
abandonados, etc;
c) coabitação familiar, que abrange as famílias conviventes secundárias – quando duas
pessoas, no mínimo, residem em um mesmo domicílio junto com outra família
denominada principal – e os cômodos alugados e cedidos – entendidos como os
domicílios que ocupam um ou mais cômodos de uma casa de cômodos, cortiço,
cabeça-de-porco, etc., o que foi considerado uma coabitação disfarçada
14
.
Habitações inadequadas
O conceito de necessidades habitacionais engloba, além do déficit quantitativo,
o déficit qualitativo (ou domicílios inadequados), que procura quantificar as habitações que
não proporcionam a seus moradores condições desejáveis de habitabilidade, não implicando,
12
Todas essas porcentagens foram definidas de maneira exploratória e tomando como base um estudo de caso
referente ao município de Belo Horizonte (FJP, 2001, p.11).
13
Segundo a FJP (2001, p.12), em função do grande êxodo rural brasileiro ocorrido a partir da década de 1950,
não faz sentido a preocupação com a reposição de domicílios rurais que foram abandonados, limitando-se a
possibilidade de cálculo da depreciação apenas ao estoque de domicílios em situação urbana.
14
A PNAD 1999 restringiu a denominação de “cômodo” ao domicílio que ocupasse um ou mais cômodos de
uma casa de cômodos, cortiço, cabeça-de-porco, etc., o mesmo conceito utilizado pelos Censos Demográficos.
Segundo a FJP (2001, p.13), por uma análise dos dados censitários de 1991, observa-se que a grande maioria
desses cômodos em cortiços e cabeças-de-porco é alugada ou cedida (86%) e não dispõe de instalação sanitária,
ou quando há é comum a mais de um domicílio (80%), o que denuncia uma forma de coabitação disfarçada.
74
contudo, necessidade de construção de novas moradias. As habitações inadequadas foram
computadas levando-se em consideração:
a) a densidade excessiva de moradores por dormitório – definida como os domicílios
urbanos que possuem acima de 3 pessoas por dormitório. Para o cálculo da densidade
excessiva, foram considerados somente os domicílios duráveis, isto é, foram excluídos
os domicílios já computados no déficit. No caso dos domicílios com famílias
conviventes, excluíram-se os moradores das famílias secundárias, e o cálculo da
densidade só levou em consideração o número de dormitórios e o número de pessoas
da família principal;
b) a carência de serviços de infra-estrutura – enquadrando os domicílios urbanos duráveis
que não contam com um ou mais dos serviços de: energia elétrica; rede de
abastecimento de água com canalização interna; rede coletora de esgoto ou pluvial, ou,
ainda, fossa séptica; e lixo coletado direta ou indiretamente
15
;
c) a inadequação fundiária urbana – computando os domicílios urbanos cujos moradores
declaram não ter a propriedade do terreno e sim apenas da construção. Foram
considerados somente as casas e os cômodos próprios (excluindo, portanto, os
apartamentos), atendo-se aos domicílios duráveis;
d) os domicílios inadequados em função da depreciação - para regiões metropolitanas,
estipulou-se em 23% a parcela dos domicílios urbanos recenseados em 1950 ainda
sendo utilizados para fins residenciais em 2000 e, desses, 85% precisariam de
manutenção (não necessitando, todavia, serem repostos). Para as demais unidades da
federação, as porcentagens estipuladas foram de 20% e 90%
16
, respectivamente,
considerando todos domicílios permanentes em situação urbana, e não apenas os
duráveis, como desejado, em função das limitações da fonte de informação (FJP, 2001,
p.86);
e) a inexistência de unidade sanitária domiciliar interna – computando os domicílios
urbanos duráveis que não possuem sanitário de uso exclusivo.
O QUADRO 1 traz uma síntese dos indicadores do déficit e da inadequação
dos domicílios.
15
A PNAD (2004a) classifica como coleta direta do lixo quando este é coletado diretamente por serviço de
empresa pública ou privada; e como coleta indireta quando o lixo do domicílio é depositado em uma caçamba,
tanque ou depósito, fora do domicílio, para depois ser coletado por serviço de empresa pública ou privada.
16
Essa porcentagem de 85% para regiões metropolitanas foi definida da seguinte forma: considerou-se que
100% dos domicílios recenseados em 1950 e ainda sendo utilizado para fins residenciais em 2000 precisam ou
de manutenção ou, nos piores casos, de serem repostos. Para regiões metropolitanas ficou definido que 15%
precisariam ser repostos (ver descrição do déficit quantitativo), logo, o restante (85%) foi enquadrado como
domicílio inadequado em função da depreciação. De maneira análoga, para as demais unidades da federação,
ficou estipulado que 10% precisariam ser repostos, implicando, portanto, que os outros 90% precisariam de
manutenção.
75
QUADRO 1: Cálculo das necessidades habitacionais – FJP, 2001.
Déficit Habitacional Inadequação dos domicílios
Reposição do estoque:
- Domicílios rústicos
- Domicílios depreciados
Incremento do estoque:
- Ônus excessivo com aluguel
- Domicílios improvisados
- Coabitação familiar:
- famílias conviventes
secundárias
- cômodos alugados e
cedidos.
Densidade excessiva de moradores por
dormitório
Carência de serviços de infra-estrutura
(energia elétrica, abastecimento de água,
esgotamento sanitário, coleta de lixo)
Inadequação fundiária urbana
Inadequação em função da depreciação
Inexistência de unidade sanitária domiciliar
interna
Fonte: adaptado de FJP (2001)
Conforme já mencionado, os indicadores apresentados no QUADRO 1 são
fruto de um aprimoramento metodológico feito a partir do primeiro estudo sobre as
necessidades habitacionais no Brasil, publicado pela FJP em 1995. Como principais alterações
metodológicas introduzidas em 2001, observa-se a transferência do indicador de “ônus
excessivo com aluguel” da inadequação para o déficit habitacional, algumas alterações feitas
no indicador de “carência de infra-estrutura”, e a inclusão de três novos indicadores -
“depreciação”, “inadequação fundiária urbana” e “inexistência de unidade sanitária domiciliar
interna” -, que não estiveram presentes na metodologia original. O QUADRO 2 faz uma
comparação entre a metodologia original, publicada em 1995, e a revisada em 2001.
QUADRO 2: FJP - Resumo das alterações metodológicas entre 1995 e 2001
DÉFICIT HABITACIONAL
1995 2001
Reposição do estoque:
- Domicílios rústicos
Reposição do estoque:
- Domicílios rústicos
- Depreciação
76
Incremento do estoque:
- Domicílios improvisados
- Coabitação familiar:
- famílias conviventes
secundárias
- cômodos alugados e
cedidos.
Incremento do estoque:
- Domicílios improvisados
- Coabitação familiar:
- famílias conviventes
secundárias
- cômodos alugados e
cedidos.
- Ônus excessivo com aluguel
INADEQUAÇÃO DOS DOMICÍLIOS
1995 2001
Densidade excessiva de moradores por
dormitório
Densidade excessiva de moradores por
dormitório
Inadequação da infra-estrutura
- Carência de infra-estrutura
- Infra-estrutura inadequada
- Qualidade da infra-estrutura física
Carência de serviços de infra-estrutura
(energia elétrica, abastecimento de água,
esgotamento sanitário, coleta de lixo)
Ônus excessivo com aluguel
Inadequação fundiária urbana
Inadequação em função da depreciação
Inexistência de unidade sanitária domiciliar
interna
Fonte: Adaptado de FJP (2001, p.23)
A transferência do “ônus excessivo com aluguel” da inadequação para o déficit
é justificada por uma colocação de CARDOSO e RIBEIRO (1999) de que “a única alternativa
para que se tratasse tal critério no âmbito do conceito de inadequação seria no caso de
políticas de controle dos aluguéis ou de complementação de renda, o que não faz parte da
nossa experiência recente”. Assim, os autores afirmam que as famílias de baixa renda que
pagam um aluguel excessivo formam uma parcela da população em situação de carência
extrema, que necessita de acesso à moradia e não de melhorias.
77
Com relação ao indicador de infra-estrutura, a metodologia original (1995)
estabelecia uma diferenciação entre a “carência de infra-estrutura”, que enquadrava os
domicílios que não contam com pelo menos um dos critérios mínimos de acessibilidade, e a
“infra-estrutura inadequada”, correspondente aos domicílios que dispõem de acesso à infra-
estrutura, mas necessitam de melhorias na acessibilidade. A carência é um critério básico e
absoluto e foi definido da seguinte forma:
“São considerados totalmente inadequados ou carentes em infra-estrutura básica
os domicílios urbanos duráveis que, independente da faixa de renda, não contam
com qualquer um dos indicadores a seguir:
- energia elétrica;
- abastecimento de água em sua forma mais ampla, ou seja, ao menos água de
poço ou nascente;
- esgotamento sanitário de qualquer espécie, no mínimo uma fossa rudimentar;
- coleta de lixo em regiões metropolitanas; para as demais áreas urbanas seria
aceitável que o lixo fosse queimado ou enterrado” (FJP, 1995).
Uma vez realizada a estimativa relativa aos domicílios carentes, eram
identificados, então, aqueles que têm infra-estrutura mínima, porém inadequada. Nesse caso,
fazia-se uma estratificação do padrão mínimo segundo as faixas de renda, obedecendo aos
seguintes critérios:
“a) Famílias com renda acima de 5 salários mínimos devem ter, no mínimo:
– rede de água e instalações hidráulicas dentro de casa;
- rede de esgoto ou fossa séptica;
- instalações sanitárias dentro de casa;
- coleta direta de lixo.
b) Famílias com renda entre 2 e 5 salários mínimos devem ter, no mínimo:
- rede de água com ponto de água dentro do lote, poço ou nascente;
- canalização interna;
- rede de esgoto ou fossa séptica;
- instalação sanitária dentro de casa.
c) Famílias com renda até 2 salários mínimos devem ter, no mínimo:
- rede de água, ponto de água ou poço, mesmo que sem canalização;
- rede de esgoto, fossa séptica ou rudimentar;
78
- inexistência concomitante de água de poço e fossa rústica;
- instalação sanitária dentre de casa” (ibid.).
Conforme já mencionado, alegando mudanças sociais e econômicas ocorridas
na última década, assim como a elevação dos patamares de reivindicação de segmentos
sociais marginalizados, a FJP optou por desconsiderar essa diferenciação por faixas de renda
na revisão da metodologia em 2001 (FJP, 2001).
Houve também críticas em relação ao esgotamento sanitário por fossa
rudimentar e a queima do lixo, aceitos para populações de renda precária, como práticas
profundamente danosas ao meio ambiente nas regiões urbanas adensadas (CARDOSO e
RIBEIRO, 1999), as quais fizeram com que a FJP alterasse, em 2001, os critérios mínimos
para se considerar uma habitação adequada segundo a infra-estrutura básica.
A ausência de banheiro interno, considerada em 1995 parcela da infra-estrutura
inadequada, passou a caracterizar na revisão da metodologia um novo componente da
“inadequação de moradias”, denominado inexistência de unidade sanitária domiciliar interna.
Outra inovação no modelo foi o de considerar a ilegalidade fundiária urbana
como caso de inadequação, “por causa da insegurança na permanência da moradia e em
função da inibição de iniciativas de investimentos na própria habitação” (FJP, 2001, p.18).
Finalmente, a preocupação com os domicílios depreciados passou a fazer parte
do cálculo tanto do déficit quanto da inadequação, como uma tentativa metodológica de se
estimar uma parcela real dessa carência habitacional, apesar dos vários constrangimentos
relacionados à falta de sustentação factual do indicador (FJP, 2001).
Também é cabível comentar sobre um terceiro estudo da FJP, publicado em
dezembro de 2004. Com a liberação das informações do Censo Demográfico 2000 pelo IBGE,
foi possível à FJP proceder ao cálculo dos indicadores para os municípios brasileiros,
79
baseando-se na metodologia utilizada para a mensuração do déficit e da inadequação de
domicílios das unidades da Federação – publicada originalmente em 1995 e revisada em
2001. A elaboração desse estudo, intitulado “O Déficit Habitacional no Brasil – Municípios
Selecionados e Microrregiões Geográficas”, gerou a construção de um banco de dados que
contempla as principais características das necessidades habitacionais nos seus dois
segmentos – déficit habitacional e inadequação de domicílios – para municípios selecionados,
regiões metropolitanas e microrregiões geográficas.
Uma vez que a metodologia para o cálculo das necessidades habitacionais foi
originalmente desenvolvida tendo como base de informações a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, estatisticamente representativa somente para as
unidades da Federação e nove regiões metropolitanas, foi necessário à FJP adaptar essa
metodologia, de modo a fornecer o cálculo desses mesmos indicadores para municípios.
Segundo a FJP (2004), para essa revisão e adaptação da metodologia, levaram-se em
consideração, ainda, sugestões de especialistas que trabalham com o problema habitacional.
Em 2004, como principais alterações em relação à metodologia da FJP para
unidades da Federação, publicada em 2001, houve uma modificação na contagem dos
domicílios rústicos e da coabitação familiar, e a exclusão dos indicadores de “depreciação” e
de “ônus excessivo com aluguel”.
O cálculo do número de domicílios rústicos para municípios não pôde ser feito
de maneira direta, como na metodologia de 2001, pelo fato de que o Censo Demográfico 2000
não disponibiliza essa informação. Dessa forma, a FJP recorreu a modelagens estatísticas,
para identificar um método estatisticamente confiável para sua estimativa.
Já no cálculo da coabitação, foram incluídos, além dos cômodos alugados e
cedidos, também os próprios, “devido aos questionamentos e sugestões dos especialistas
80
presentes à reunião técnica na qual foram discutidos os parâmetros da pesquisa” (FJP, 2004,
p.17).
O indicador de depreciação, que é baseado em dados disponíveis para Belo
Horizonte, foi retirado “em função da grande complexidade dos cálculos necessários e da
fragilidade factual da hipótese adotada” (FJP, 2004, p.18). E o indicador de “ônus excessivo
com aluguel” foi excluído pelo fato de o Censo Demográfico 2000 não pesquisar o valor do
aluguel (FJP, 2004, p.17). O QUADRO 3 apresenta as principais modificações introduzidas
na metodologia para municípios e microrregiões, publicada em 2004, em relação à
metodologia para o Brasil e unidades da Federação, publicada em 2001.
QUADRO 3: FJP - Resumo das alterações metodológicas entre 2001 e 2004
DÉFICIT HABITACIONAL
Brasil e unidades da Federação (2001) Municípios e microrregiões (2004)
Reposição do estoque:
- Domicílios rústicos
- Depreciação
Reposição do estoque:
- Domicílios rústicos (estimativa)
Incremento do estoque:
- Domicílios improvisados
- Coabitação familiar:
- famílias conviventes
secundárias
- cômodos alugados e
cedidos.
- Ônus excessivo com aluguel
Incremento do estoque:
- Domicílios improvisados
- Coabitação familiar:
- famílias conviventes
secundárias
- cômodos
próprios, alugados e cedidos
INADEQUAÇÃO DOS DOMICÍLIOS
Brasil e unidades da Federação (2001) Municípios e microrregiões (2004)
Densidade excessiva de moradores por
dormitório
Densidade excessiva de moradores por
dormitório
Carência de serviços de infra-estrutura
(energia elétrica, abastecimento de água,
esgotamento sanitário, coleta de lixo)
Carência de serviços de infra-estrutura
(energia elétrica, abastecimento de água,
esgotamento sanitário, coleta de lixo)
81
Inadequação fundiária urbana Inadequação fundiária urbana
Inadequação em função da depreciação
Inexistência de unidade sanitária
domiciliar interna
Inexistência de unidade sanitária domiciliar
interna
Fonte: Adaptado de FJP (2004, p.15)
Embora o estudo da FJP para municípios e microrregiões geográficas tenha
sido publicado em data posterior ao estudo para o Brasil e unidades da Federação, será
tomada como referência, para fins de análise das carências avaliadas e dos indicadores
utilizados, a metodologia apresentada em 2001. A justificativa é que esta metodologia
contempla todas as carências avaliadas pela metodologia de 2004 (embora nem sempre
utilizando os mesmos indicadores) e ainda outras duas - a depreciação e o ônus excessivo com
aluguel. As alterações introduzidas na metodologia de 2004, todavia, também serão discutidas
na análise dos indicadores, que será feita no próximo capítulo.
Assim, feita uma apresentação do método de cálculo da FJP, bem como das
fontes de informação utilizadas, o passo seguinte consiste em identificar as carências
habitacionais que estão sendo avaliadas pela FJP para o cálculo das necessidades
habitacionais no Brasil e unidades da Federação, publicado em 2001.
4.1.3 As carências habitacionais avaliadas
Analisando a metodologia da FJP, revisada em 2001, para o cálculo das
necessidades habitacionais no Brasil, grandes regiões, unidades da Federação e regiões
metropolitanas, observa-se que há várias carências sendo avaliadas. Assim, neste momento,
procurar-se-á identificar e analisar tais carências, o que facilitará uma discussão dos
indicadores que será feita no próximo capítulo.
82
A começar pelo cálculo do déficit habitacional, observa-se que a “reposição do
estoque” é calculada com base no número de domicílios rústicos, isto é, de construção
precária, e no número de domicílios depreciados. Desse modo, pode-se admitir que a primeira
carência avaliada pela Fundação João Pinheiro é a precariedade da construção, uma das
carências mais facilmente observáveis e também uma das que mais claramente identificam
uma habitação precária, que são aquelas construídas com papelão, madeira não aparelhada, ou
outros materiais impróprios.
Segundo a FJP, os domicílios que não apresentam paredes com material
apropriado representam não apenas desconforto para seus moradores, mas também risco de
contaminação por doenças, em decorrência das suas condições de salubridade, devendo,
portanto, serem repostos (FJP, 2001, p.10). De fato, é socialmente inaceitável que algumas
famílias construam seus domicílios utilizando materiais que não oferecem condições de
segurança indispensáveis a seus ocupantes e que comprometem a salubridade do local.
Outra carência contemplada pela FJP é a depreciação, a qual foi considerada
somente na edição de 2001 do cálculo da FJP. Na primeira edição, publicada em 1995, esta
carência não foi considerada em função de vários constrangimentos. Segundo a FJP (ibid.), o
argumento na época era de que os vários procedimentos utilizados por analistas em habitação
para calcular as necessidades de reposição do estoque, ocasionadas pela depreciação, eram
variáveis e careciam de sustentação factual. Os procedimentos adotados eram: delimitação de
um tempo de vida útil arbitrado para as moradias (em geral 40 ou 50 anos, no caso brasileiro)
ou de um percentual do estoque que deve ser reposto.
CARDOSO (apud FJP, 2001), referindo-se à 1ª edição do déficit habitacional,
menciona que, apesar da pouca precisão no cálculo da depreciação, ainda assim ela deveria
ser considerada, e propõe uma forma de cálculo simples a ser utilizada:
83
“Na definição de déficit não é computado o envelhecimento e deterioração do
estoque, já que os domicílios construídos com material rústico correspondem à
precariedade da construção e não à obsolescência pela idade. Considerando-se 50
anos como tempo de vida útil e tomando-se como base os Censos, pode-se estimar
o estoque degradado por envelhecimento e necessitando de reposição”.
Apesar dos vários constrangimentos no cálculo da depreciação amplamente
desenvolvidos na edição de 1995, a FJP resolveu avançar na edição de 2001, “utilizando
dados disponíveis referentes à cidade de Belo Horizonte, como um primeiro parâmetro para o
cálculo da depreciação nas grandes metrópoles brasileiras, mediante um exercício
fundamentado em hipóteses simplificadoras” (FJP, 2001, p.10). Em 2004, entretanto, a FJP
voltou atrás e desconsiderou o cálculo da depreciação, o que mostra a fragilidade factual da
hipótese adotada.
O cálculo do déficit habitacional por “incremento de estoque” inclui outros três
indicadores, já apresentados, que são os domicílios improvisados, a coabitação familiar e o
ônus excessivo com aluguel. Os domicílios improvisados, que são aqueles locais que estão
servindo de moradia apesar de não terem sido construídos para fins residenciais, como
embaixo de pontes e viadutos, dentro de carcaças de carros abandonados, em abrigos de
papelão, etc., revelam uma carência habitacional total e completa, uma vez que os moradores
não possuem absolutamente nada do que é considerado minimamente necessário para uma
moradia digna. Segundo a FJP (2001, p.12), não há a menor aceitação social de que pessoas
vivam em domicílios improvisados, e há praticamente unanimidade na sociedade sobre a
necessidade e possibilidade de eliminá-los. Trata-se, portanto, de uma parcela importante das
carências habitacionais que deve ser computada.
A FJP considera a coabitação familiar uma carência habitacional
argumentando que “decorre da expectativa em todos os setores da sociedade de que não é
84
apenas desejável, mas possível e esperado que toda família nuclear possa ter acesso a um lar
exclusivo” (FJP, 2001, p.13).
A inclusão da coabitação no diagnóstico das carências habitacionais não é
consenso entre os autores, de modo que alguns apontam para a existência de muitos casos de
coabitação voluntária, que acabam por levar a uma superestimação das carências
habitacionais. CARDOSO e RIBEIRO (1999) observam que o pressuposto de que para cada
família deve haver uma habitação pode ser criticado, tendo em vista a sobrevivência,
principalmente nos meio populares, das famílias ampliadas, que moram juntas por opção.
Essa mesma posição é defendida por ALVES e CAVENAGHI (2004):
“Considerar toda coabitação como déficit habitacional não nos parece um
procedimento adequado nem em termos teóricos, nem práticos. Com o aumento da
esperança de vida, a diminuição da fecundidade, o aumento das rupturas
familiares e o aumento da incidência de filhos fora do casamento é cada vez mais
comum a convivência de parentes de duas, três ou até quatro gerações morarem no
mesmo domicilio. Se o domicílio comporta este tipo de arranjo multi-geracional
não há porque considerá-lo déficit habitacional, a não ser que haja densidade
excessiva”.
Como demonstram ALVES e CAVENAGHI (2005) com dados do Censo
Demográfico 2000, as famílias conviventes brasileiras são, em sua maioria, famílias
estendidas, isto é, famílias multi-geracionais (pais, filhos, netos) ou famílias estendidas
horizontais, que são aquelas que contam com algum parente do responsável (ou do cônjuge)
do domicílio (irmão, tio, primo, etc.), o que mostra uma estratégia de sobrevivência, cujo
arranjo familiar conjunto eleva o nível de renda do domicílio e garante a ajuda mútua entre os
diversos moradores, em sua grande maioria parentes.
Assim, parece sensata a conclusão dos autores, de que pressupor que toda
família nuclear (casal com ou sem filhos) queira ter um domicílio é ignorar as formas criativas
de sociabilidade da população e o fato de que os cidadãos, às vezes, optam por viver em
famílias estendidas e arranjos amplos, com presença de múltiplas gerações e parentes.
85
A avaliação do ônus excessivo com aluguel procura identificar os domicílios
cujos moradores despendem uma parcela excessiva da renda com o aluguel. A FJP defende a
avaliação desta carência expondo as vantagens de se possuir casa própria e os malefícios do
aluguel, especialmente para os setores de menor renda:
“A casa própria para os setores populares possui não só um significado de um
bem de reserva, que pode ser usado em caso de emergência, mas sobretudo torna-
se uma questão fundamental para se lograr um mínimo de qualidade de vida (...).
Para os assalariados de baixa renda, não possuir casa própria é normalmente
sinônimo de extrema insegurança e de grande perda de renda mensal, já que –
diferentemente dos setores médios – o aluguel não é para eles mais uma opção
habitacional, mas o limite ou a fronteira da desagregação social (...). Para os
setores de menor renda, o aluguel, longe de ser regido por leis e regulamentos
gerais, baseia-se em relações informais extremamente perversas para os inquilinos
(despejo imediato, violência, etc.)” (FJP, 2001, p.14-15).
O comprometimento excessivo da renda com aluguel acarreta, sem dúvida,
inúmeros malefícios principalmente para a população de baixa renda, sendo que alguns desses
malefícios foram expostos pela FJP, o que justifica a sua admissão como uma carência
habitacional.
Passando ao cálculo da inadequação dos domicílios, foi mostrado que os
indicadores utilizados pela FJP procuram identificar: a densidade excessiva de moradores por
dormitório, a carência de serviços de infra-estrutura, a inadequação fundiária, a inadequação
em função da depreciação e a inexistência de unidade sanitária domiciliar interna.
Representam de fato facetas importantes das carências habitacionais, que merecem ser
analisadas.
O indicador de densidade excessiva de moradores contabiliza os domicílios
com adensamento excessivo de pessoas, o que gera desconforto para os moradores e propicia
a insalubridade do local, dentre outras conseqüências maléficas.
É fundamental a identificação da carência de serviços de infra-estrutura –
contemplando água, esgotamento sanitário, energia elétrica e coleta de lixo –, haja vista os
86
problemas que normalmente ocorrem nas redondezas do domicílio quando um destes serviços
não é oferecido, tais como a contaminação do lençol freático e dos corpos d’água próximos
(em função da disposição inadequada do esgoto ou do lixo), a contaminação dos moradores
do local (na falta de um abastecimento adequado de água ou de uma disposição adequada do
lixo) ou mesmo o desconforto e as limitações de ordem econômica
17
decorrentes da falta de
energia elétrica.
A questão da irregularidade fundiária não foi considerada na primeira edição
do déficit habitacional, publicado em 1995. No entanto, na revisão da metodologia, em 2001,
a FJP optou por considerar a ilegalidade fundiária um caso de inadequação “por causa da
insegurança na permanência na moradia em função da inibição de iniciativas de investimentos
na própria habitação” (FJP, 2001, p.18). De fato, a irregularidade fundiária gera insegurança
nos moradores, que a qualquer momento podem ser despejados pelo proprietário da terra
(público ou privado), mostrando que realmente deve ser encarada como uma carência
habitacional.
Além da depreciação, já comentada, são contabilizados, também, no cálculo da
inadequação, os domicílios que não possuem unidade sanitária interna. Segundo a FJP
(2001, p.110), a existência de banheiro de uso exclusivo ao domicílio é necessária para
garantir aos seus moradores condições aceitáveis de qualidade de vida.
A seguir, o QUADRO 4 apresenta todos os indicadores da FJP, utilizados para
o cálculo das necessidades habitacionais no Brasil em 2000, organizados de acordo com e as
respectivas carências que avaliam.
17
É importante lembrar que a existência de energia elétrica é necessária não só para o conforto dos moradores,
mas possibilita também o desenvolvimento de atividades econômicas no próprio domicílio, como serviços de
costura com máquina, produção e venda de alimentos congelados, e outros.
87
QUADRO 4: Classificação dos indicadores da Fundação João Pinheiro (2001) quanto as carências
avaliadas
CARÊNCIA AVALIADA INDICADOR
Precariedade da construção
Número de domicílios rústicos: domicílios que não possuem paredes de
alvenaria ou madeira aparelhada
Depreciação
Número de domicílios depreciados: para as regiões metropolitanas, foi
estipulado que 23% dos domicílios recenseados em 1950 ainda possuem
fins residenciais em 2000, estando estes depreciados (passíveis ou de
reposição, ou de manutenção). Para demais unidades da federação, a
porcentagem estipulada foi de 20%.
Improvisação do domicílio Número de domicílios improvisados
Coabitação familiar
Número de domicílios com famílias conviventes secundárias; e Número
de cômodos alugados e cedidos
Ônus excessivo com aluguel
Número de domicílios com até 3 sm de renda familiar que despendem
mais do que 30% com o aluguel
Densidade excessiva de
moradores
Número de domicílios que possuem acima de três pessoas por dormitório
Esgotamento sanitário
Número de domicílios que não contam com rede coletora de esgoto ou
pluvial, ou ainda, fossa séptica.
Coleta do lixo
Número de domicílios que não contam com o serviço de coleta direta ou
indireta do lixo
Energia elétrica Número de domicílios que não contam com energia elétrica
Inadequação da infra-
estrutura urbana
Água tratada
Número de domicílios que não contam com rede de abastecimento de
água com canalização interna
Irregularidade fundiária Número de domicílios em situação de irregularidade fundiária
Inexistência de unidade sanitária
interna
Número de domicílios que não possuem unidade sanitária interna
Fonte: Elaboração própria
É certo que as carências avaliadas na metodologia de cálculo da FJP de 2001
são capazes de prover um quadro relativamente detalhado das condições habitacionais no
Brasil, sendo de grande valia para impulsionar tomadas de decisões e para avaliar a eficácia
das ações desencadeadas pelo poder público na área da habitação. Obviamente, outras
carências poderiam ter sido abordadas, ou mesmo algumas das carências abordadas poderiam
ter sido mais bem exploradas. A título de exemplo, podem-se citar os domicílios situados em
88
áreas de risco ou em áreas de preservação permanente, colocados por CARDOSO (1998)
como elementos fundamentais para se pensar, de forma mais abrangente, a problemática do
déficit habitacional no Brasil. Essas e outras questões, que sem dúvida enriqueceriam o
trabalho da FJP, esbarram quase sempre na indisponibilidade de informação, o que mostra a
necessidade de se ampliarem as bases de dados sobre as condições habitacionais no Brasil.
4.2 O Sistema de Indicadores da Fundação SEADE (2001)
O segundo sistema de indicadores a ser estudado foi desenvolvido pela
Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – SEADE - para a quantificação das
necessidades habitacionais no Estado de São Paulo. Este cálculo foi feito, inicialmente, para
atender à demanda da Assembléia Legislativa de São Paulo, que buscou subsídios para o
debate de problemas estaduais relevantes, no âmbito do Fórum São Paulo – Século XXI,
instituído em 1999.
O objetivo do projeto Diagnóstico das Condições Habitacionais no Estado de
São Paulo foi o de elaborar metodologia específica e de calcular as carências habitacionais no
Estado, além de estimar a parcela da população classificada como demanda potencial da
Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), segundo critérios da
política de atendimento.
Para empreender esse cálculo, o marco referencial consistiu no método
desenvolvido pela Fundação João Pinheiro e contido na obra Déficit habitacional no Brasil,
editada em 1995. Com essa referência, a Fundação SEADE elaborou uma metodologia de
cálculo das necessidades habitacionais, publicada em 2001 (SEADE, 2001), e utilizou as
informações provenientes da Pesquisa de Condições de Vida, que será apresentada a seguir.
89
4.2.1 Fontes de informação
A base de dados utilizada pela SEADE para o dimensionamento das carências
habitacionais é a Pesquisa de Condições de Vida (PCV), uma pesquisa amostral da própria
SEADE, que foi realizada nas áreas urbanas da Região Metropolitana de São Paulo e de
municípios do interior do Estado com população urbana acima de 50 mil habitantes, nos anos
de 1990, 1994 e 1998
18
.
A PCV foi planejada para investigar as condições de vida da população e
ampliar o conhecimento e o dimensionamento da pobreza, com o levantamento de
informações sobre moradia, instrução, emprego, renda e acesso a serviços de saúde. No
estudo sobre as condições habitacionais, a PCV classifica todas as moradias conforme suas
características de edificação, de espaço interno e de sua ocupação, utilizando-se de uma escala
classificatória “em cascata”, ou seja, a seqüência hierárquica de atributos em que se
acrescenta mais um requisito quando o anterior está presente.
Segundo o relatório da SEADE (2001), a PCV inovou ao definir dessa forma o
padrão mínimo de adequação física de uma moradia, porque, em geral, os estudos sobre
habitação identificam as moradias mais carentes e não consideram as demais. Esse é o caso
das moradias em favelas e cortiços, tradicionalmente classificadas como habitações precárias,
contrapostas às demais (casas de alvenaria e apartamentos), que ficam agrupadas como “não-
precárias”, apesar da variedade de condições observadas entre uma mansão luxuosa e uma
casa autoconstruída, por exemplo.
18
Em 2002 a Pesquisa de Condições de Vida não foi aplicada por falta de recursos orçamentários (segundo
resposta enviada por e-mail pelo “Serviço de Orientação ao Usuário”, da Fundação SEADE).
90
Importa também lembrar que a PCV não tem como objetivo medir o déficit
habitacional, mas possibilita realizar estimativas das necessidades habitacionais graças à sua
investigação sobre as condições de moradia da população.
A unidade básica de coleta dos dados da PCV é o domicílio, entendido como o
local de moradia constituído por um ou mais cômodos, com entrada independente e limitado
por paredes, muro, cerca, etc., e coberto por um teto, o que possibilita às famílias ou pessoas
que o habitam isolarem-se das demais. Entende-se como entrada independente o acesso direto
ao domicílio, sem passagem por cômodos destinados à moradia de outras pessoas. Além das
edificações de fácil identificação como unidades habitacionais, também são considerados
domicílios edifícios em construção, “veículos”, “barracas”, “tendas”, desde que destinados à
moradia.
Outras unidades de informação identificadas pela PCV são a família e o
morador, as quais permitem o estudo e a análise de vários aspectos relativos às condições de
vida. A definição de família se baseia na relação de parentesco entre os moradores do
domicílio: relação “nuclear” ou núcleo familiar (casal), relações primárias (pai, filho, irmão,
etc.) e relações secundárias (tio, sobrinho, primo, etc.). Quando existe mais de uma família,
considera-se a família principal (cujo chefe também é o chefe do domicílio) e a(s) família(s)
secundária(s) ou conviventes (ou seja, as que compartilham com outra o mesmo domicílio).
Quando se identifica a posição do indivíduo na família, o chefe é o morador
(homem ou mulher) considerado pelos demais como o responsável pelo domicílio. Os
moradores são todas as pessoas que moram em domicílios particulares e as que moram, de
forma permanente, em hotéis e pensões. Os moradores são nomeados conforme a relação com
o chefe da família.
91
No que diz respeito às condições habitacionais, a PCV investiga informações
sobre: o tipo de edificação; o espaço interno dos domicílios; a densidade habitacional; a infra-
estrutura urbana; e o grau de salubridade, cujos conceitos e definições são expostos a seguir
19
.
Tipos de Edificação
Definidos basicamente pela observação do entrevistador (em alguns casos com
informações complementares), os cinco tipos de edificação incluem características
observáveis e aspectos ligados à ocupação do espaço: barraco (isolado ou em favela), moradia
em favela, cortiço, casa de alvenaria e apartamento, de acordo com as seguintes definições:
a) barraco - moradia com as paredes externas feitas, total ou parcialmente, com material
não apropriado para um domicílio ou reaproveitado (madeira fabricada para fins de
embalagem, construção de tapumes, andaimes, etc.; placa, zinco, papelão, plástico,
etc.), que permita sua identificação pela observação; pode ser barraco isolado (quando
não está construído ao lado de outros domicílios) ou em favela;
b) favela - agrupamento de moradias situado em área ocupada de forma desordenada (ou
seja, sem delimitação das ruas e das calçadas, com distâncias variáveis entre as
moradias, etc.), onde as edificações são construídas com material apropriado ou
adaptado. A favela não depende de número mínimo de domicílios e é identificada pelo
listador de endereços, em etapa anterior à definição da amostra;
c) cortiço - domicílio que se encontra em edificação coletiva precária, onde vários grupos
coabitam em espaço com insuficiência de equipamentos hidráulicos e sanitários e falta
de privacidade, ventilação e insolação. O uso coletivo de equipamentos indispensáveis
(cozinha, banheiro e tanque de lavar roupas) é imposto ou seja, os moradores não
escolheram os vizinhos com quem dividem a utilização;
d) casa de alvenaria - domicílio que se localiza em edificação de um ou mais pavimentos
(casa térrea ou sobrado), feita com material apropriado e que possui as instalações
hidráulica e sanitária necessárias para garantir, às famílias moradoras, o uso exclusivo
da cozinha, do banheiro e do tanque de lavar roupas. Para diferenciar as condições de
vida em um contingente tão grande, esse tipo de edificação foi dividido em casa
isolada – domicílio que se encontra em casa de alvenaria com acesso exclusivo à via
pública e não divide o lote ou terreno com outra(s) casa(s) (outros domicílios) e casa
frente-fundos – domicílio em casa de alvenaria que divide o mesmo lote com uma ou
mais casas (outros domicílios), independentemente do acesso para a via pública:
podem ser vários os acessos (cada casa tem o seu portão) ou haver uma única entrada
19
Os aspectos pesquisados pela PCV serão apresentados a seguir com base no que é exposto no relatório da
SEADE (2001) sobre as necessidades habitacionais no Estado de São Paulo, já que a SEADE não divulga o
procedimento de coleta dos dados da PCV.
92
utilizada pelos diversos domicílios, sem importar a posição dentro do lote ou terreno
(“frente-fundos”, “alto-baixo”, “direita-esquerda”, etc.);
e) apartamento - corresponde a um domicílio localizado em prédio de dois ou mais
pavimentos, com espaços de uso comum a mais de um domicílio (vestíbulo, escada,
corredor, portaria e outras dependências), e que possui as instalações hidráulica e
sanitária necessárias para garantir, aos seus ocupantes, o uso exclusivo da cozinha, do
banheiro e do tanque de lavar roupas.
Espaço Interno dos Domicílios
É medido por um indicador especialmente formulado para tal e inclui vários
procedimentos metodológicos. Para garantir a compreensão dos passos adotados na formação
desse indicador, são dados alguns conceitos relativos ao estudo do espaço: cômodo, tipos de
cômodos e indicador de espaço, que definem o padrão de adequação dos compartimentos
internos.
a) cômodo - compartimento do domicílio totalmente delimitado por paredes e de uso
privativo dos moradores do domicílio. Os compartimentos que servem de passagem
aos moradores (corredor, hall de entrada, etc.) não são contados como cômodos, nem
aqueles separados por paredes móveis (exemplo: uma sala e um quarto divididos por
uma cortina ou um armário corresponde a um cômodo);
b) tipos de cômodos - a definição considera o uso efetivo e não o previsto (por exemplo:
garagem transformada em sala) para identificar quantos e quais são os cômodos
existentes na moradia. Os tipos explicitados e que tiveram a respectiva quantidade
registrada foram quarto, sala, cozinha, banheiro e outros. Quarto é o cômodo do
domicílio onde dorme(m), regularmente, um ou mais moradores; é usado,
regularmente, como dormitório e, mesmo se não foi construído para esse fim (por
exemplo: segunda sala), deve ser contado como quarto. Sala é o cômodo onde os
moradores assistem televisão e/ou recebem visitas, e/ou fazem refeições, etc. Cozinha
é onde se encontra o fogão e se preparam os alimentos. Banheiro é o cômodo
destinado à higiene dos moradores e ao uso do vaso sanitário, e sua classificação
depende da presença do vaso sanitário (ou substituto, como fossa, por exemplo);
quando equipado somente com pia e/ou chuveiro, é considerado de outro tipo. Quando
o uso do banheiro é compartilhado, a relação com os vizinhos determina se ele deve
ser contado: se a utilização é dividida por escolha (por exemplo: duas casas que
dividem um lote e são ocupadas por parentes ou amigos) o banheiro é considerado na
composição de cômodos do domicílio; se sua utilização é dividida por imposição (por
exemplo: banheiro dividido entre domicílios em cortiço), ele não é considerado. O
cômodo não destinado, de forma prioritária e permanente às atividades anteriormente
mencionadas, é classificado como de outro tipo - por exemplo, lavanderia, área de
serviço de um apartamento, despensa, cômodo utilizado apenas como consultório, etc.
De acordo com o conceito de cômodo, já exposto, somente os compartimentos e
93
equipamentos de uso privativo dos ocupantes do domicílio são contados no
levantamento de informações sobre espaço interno (no exemplo do cortiço, o banheiro
dividido entre domicílios não é totalizado na contagem de cômodos, porque a divisão
de seu uso entre vizinhos é imposta);
c) indicador de espaço - utilizado para medir o espaço interno das moradias, levando em
conta, simultaneamente, a quantidade e os tipos de cômodos. Nessa medida, o padrão
de adequação corresponde à presença de, no mínimo, um quarto, sala, cozinha e
banheiro. Os cômodos nomeados outros não entram na soma de cômodos disponíveis
em razão do pressuposto de que eles sejam destinados a toda e qualquer atividade
diferente das executadas nos outros ambientes, porque os moradores executam as
funções básicas domiciliares nos demais cômodos.
Densidade Habitacional
A ocupação do espaço interno disponível nos domicílios é medida, na PCV,
pelo indicador “cômodos usados para dormir”, que supõe como ideal o uso apenas dos quartos
como dormitórios; quando sala ou cozinha também serve para o descanso de uma ou mais
pessoas, o domicílio está congestionado.
Infra-estrutura Urbana
A infra-estrutura urbana dos domicílios, segundo o padrão de adequação,
considera indispensável a existência das formas de abastecimento de energia elétrica e de
água, e de coleta de lixo e esgotamento sanitário.
Além da infra-estrutura urbana, são levantadas informações também sobre os
equipamentos urbanos, na rua de acesso à moradia, que garantem a circulação de veículos:
pavimentação, guias e sarjetas e iluminação pública.
Grau de Salubridade
O grau de salubridade e conservação das moradias é estudado por intermédio
das condições físicas dos quartos e salas, considerados cômodos de permanência prolongada.
São coletadas informações junto aos moradores sobre as condições de arejamento e insolação
desses cômodos, bem como sobre a eventual presença de manchas de umidade nas paredes ou
94
no teto e de obstáculos que impeçam a ventilação pelas janelas. Quando a moradia apresenta
dois dos problemas mencionados em parte dos cômodos referidos, ou mais problemas em
mais cômodos, o grau de salubridade é considerado insatisfatório. Caso contrário, é
considerado satisfatório.
Feita uma descrição sucinta dos dados coletados pela PCV no que diz respeito
às condições habitacionais, passemos aos aspectos metodológicos do sistema de indicadores
da Fundação SEADE.
4.2.2 Aspectos metodológicos
A metodologia utilizada pela Fundação SEADE se assemelha à da FJP, na
medida em que define como necessidades habitacionais as condições de moradia que
apresentam problemas e inclui, nessa denominação genérica, dois tipos de carência conforme
a sua gravidade: déficit, quando os problemas são de tal ordem que demandam substituição do
domicílio; e inadequação, quando as carências identificadas podem ser superadas com
reformas, ampliações e outras melhorias, em programas alternativos à substituição dos
domicílios.
O domicílio é enquadrado no déficit quando está construído com material
impróprio, e na inadequação quando se encaixa em um dos seguintes casos: casa de alvenaria
ou apartamento em favela; cortiço; quando possui espaço interno insuficiente; quando há
congestionamento; quando há comprometimento excessivo da renda com aluguel; ou quando
a infra-estrutura urbana é imprópria. A classificação dos domicílios, inspirada na metodologia
da PCV, obedece a uma escala classificatória em “cascata”, ou seja, os atributos da
inadequação são hierarquizados de modo que se acrescenta mais um requisito quando o
95
anterior está presente, na intenção de evitar dupla contagem dos domicílios. O QUADRO 5
apresenta e define os indicadores, já na sequência hierárquica definida pela SEADE.
QUADRO 5: Procedimentos Metodológicos para se classificar os domicílios – Fundação SEADE
COMPONENTES CLASSIFICAÇÃO
Barraco isolado ou em favela? Sim Æ
Não È
Déficit
Casa de alvenaria ou apartamento em favela (*)? Sim Æ
Não È
Inadequação
Cortiço em área urbanizada (*)? Sim Æ
Não È
Inadequação
Casa de alvenaria ou apartamento em área urbanizada, mas com espaço interno
insuficiente ? (a unidade habitacional deve ter no mínimo quarto, sala, cozinha,
banheiro e tanque de lavar roupas). Sim Æ
Não È
Inadequação
Casa de alvenaria ou apartamento em área urbanizada, com espaço interno
adequado, mas congestionado? (quando há mais de uma pessoa por cômodo e,
simultaneamente, mais de duas pessoas por quarto ou; quando sala ou cozinha
estão sendo utilizados como dormitório por uma ou mais pessoas) Sim Æ
Não È
Inadequação
Casa de alvenaria ou apartamento em área urbanizada, com espaço interno e
densidade adequados, mas onde os moradores comprometem parcela excessiva
da renda com aluguel? (30% da renda familiar considerando somente as famílias
com renda inferior a R$ 1.798,00
20
) Sim Æ
Não È
Inadequação
Casa de alvenaria ou apartamento em área urbanizada, com espaço interno e
densidade adequados, no qual os moradores não comprometem parcela excessiva
da renda com aluguel, mas o domicílio tem infra-estrutura urbana insuficiente
? (considerando as redes públicas de energia elétrica, abastecimento de água e
esgotamento sanitário, e o serviço de coleta de lixo) Sim Æ
Não È
Inadequação
Domicílio Adequado
Adequação
(*) Conforme definições da PCV.
Fonte: Adaptado de SEADE (2001).
20
Em setembro de 1998 correspondiam a 75% da população do Estado de São Paulo, excluindo, assim, as
famílias de mais alta renda (SEADE, 2001).
96
São incluídos, portanto, no déficit, somente os barracos (isolados ou em
favelas), por causa da impossibilidade de execução de reformas e melhorias capazes de
garantir condições adequadas de habitabilidade, em face da precariedade em que se
encontram. Segundo a Fundação SEADE (2001), além dos barracos, não há imóveis que
devam, a priori, compor o contingente de domicílios a serem substituídos.
No agrupamento da inadequação habitacional, foram enquadrados os
domicílios com carências que podem ser superadas por programas alternativos à sua
substituição, ou que incluem diferentes graus nos problemas detectados. Convém destacar
que, ao contrário da Fundação João Pinheiro, os indicadores de “inadequação” da SEADE são
mutuamente excludentes, o que impede a dupla contagem dos domicílios.
Vale lembrar que, embora a PCV investigue o grau de salubridade das
moradias e os equipamentos urbanos na rua de acesso da moradia, esses aspectos não são
utilizados pela SEADE para enquadrar um domicílio no déficit ou na inadequação.
A SEADE coloca ainda que, uma vez que a inadequação agrupa diferentes
graus de carências, é indispensável identificar os casos em que a deterioração das condições
do imóvel ou de sua ocupação seja tão acentuada que determine a sua transferência para o
déficit. Para quantificar mais apuradamente os casos que se mantêm na inadequação (a serem
reformados) e aqueles que devem ser transferidos para o déficit (a serem substituídos), o
estudo supõe contar com informações adicionais (de outras fontes ou de pesquisas
especializadas) e chega a apresentar que tipo de informação seria relevante para confirmar a
classificação das moradias inadequadas (QUADRO 6), embora tais informações não tenham
sido investigadas pela PCV.
97
QUADRO 6: Procedimentos para confirmar a classificação das moradias inadequadas – Fundação
SEADE
Tipo de inadequação
Características complementares a serem
equacionadas
Classificação final
Casa de alvenaria e
apartamentos em favelas
Questão da propriedade da terra:
propriedade pública ou particular,
possibilidade de negociação, etc.
Condições de ocupação da área:
possibilidades de programas de urbanização
para garantir habitabilidade indispensável
(delimitação de ruas e calçadas, distâncias
entre moradias, ligação às redes de infra-
estrutura urbana, etc, que garantem
circulação segura de pedestres e veículos).
Condições do imóvel: segurança e
salubridade adequadas ou possibilidades de
garanti-las por meio de reformas e/ou
melhorias.
Todas as características
complementares são
equacionadas = domicílio fica na
inadequação.
Uma ou várias características
complementares não são
equacionadas = domicílio passa
para o déficit.
Cortiços
Condições do imóvel: possibilidades de
garantir condições de habitabilidade
(solidez da edificação, segurança e
salubridade do arcabouço e das instalações
internas, etc.)
Condições da unidade habitacional:
possibilidades de garantir condições de
habitabilidade.
Idem
Espaço interno
insuficiente
Condições da unidade habitacional:
possibilidades de ampliação da moradia.
Idem
Congestionamento
Condições da unidade habitacional:
possibilidades de ampliação da moradia.
Idem
Comprometimento
excessivo da renda com
aluguel
Condições da família moradora:
possibilidades de ampliar a renda (com os
programas de complementação de renda,
por exemplo).
Idem
Infra-estrutura urbana
deficiente.
Condições da(s) rede(s): possibilidades de
ampliação da(s) rede(s) de abastecimento e
coleta, incluindo localização (fora de áreas
de mananciais e áreas de risco, por
exemplo) e potencial de extensão do(s)
serviço(s) público(s).
Idem
Fonte: SEADE (2001).
Feita uma breve apresentação dos indicadores utilizados pela Fundação
SEADE para o diagnóstico das condições habitacionais no Estado de São Paulo, podemos
então passar para uma análise das carências avaliadas pelo sistema.
98
4.2.3 As carências habitacionais avaliadas
Conforme apresentado, vimos que a Fundação SEADE utiliza, ao todo, sete
indicadores para classificar os domicílios no “déficit”, na “inadequação” ou na “adequação”,
os quais avaliam diferentes carências habitacionais.
O primeiro indicador – barraco isolado ou em favela – procura analisar o tipo
de material utilizado nas paredes do domicílio, computando os domicílios com a construção
precária. De maneira similar ao que faz a FJP, ao computar os domicílios rústicos, a SEADE
contabiliza os barracos argumentando que estes devem ser substituídos em conseqüência da
falta de solidez e segurança que apresentam para seus ocupantes (SEADE, 2001).
Já no campo da inadequação, temos que o segundo indicador – casa de
alvenaria ou apartamento em favela - e o terceiro – cortiço em área urbanizada – procuram
identificar grupos de domicílios que reúnem uma série de características específicas. No
primeiro caso, são identificados os domicílios situados em favelas e, no segundo caso, os
cortiços, conforme definições adotadas pela PCV.
O quarto indicador – espaço interno insuficiente –, como o próprio nome
indica, avalia o espaço interno dos domicílios, da mesma forma que o indicador de existência
de unidade sanitária interna, da FJP. O da SEADE, no entanto, é muito mais amplo, uma vez
que avalia a existência dos quatro cômodos básicos (quarto, sala, cozinha e banheiro) e ainda
do tanque de lavar roupas.
Os outros indicadores utilizados pela SEADE avaliam carências também
contempladas pela FJP. O quinto indicador – domicílios congestionados - procura identificar a
densidade excessiva de moradores, e o sexto – domicílios cujos moradores comprometem
parcela excessiva da renda com aluguel – identifica o ônus excessivo com aluguel.
99
Por fim, o último indicador – infra-estrutura urbana – investiga a existência
das formas de abastecimento de energia elétrica e de água tratada, e de coleta de lixo e
esgotamento sanitário. Segundo a SEADE (2001), “baseia-se na constatação de que, sendo
residências urbanas, é fundamental haver as quatro ligações às redes públicas, para que
atividades essenciais sejam exercidas com a garantia da saúde dos moradores e da
coletividade”. Ela rebate ainda o contra-argumento de que é possível haver alternativas
apropriadas às redes de abastecimento e de coleta, afirmando que a impossibilidade de contar
com informações mais detalhadas sobre essas alternativas (que possivelmente não têm o
devido controle de qualidade) em centros urbanos e o fato de se tratar de uma pesquisa
domiciliar (de dados fornecidos pelos moradores e não colhidos por especialistas) não
permitem considerar adequadas outras alternativas às quatro redes públicas, uma vez que pode
haver contaminação entre moradias vizinhas.
A classificação dos indicadores da Fundação SEADE quanto às carências
avaliadas é apresentada no QUADRO 7:
QUADRO 7: Classificação dos indicadores da Fundação SEADE
CARÊNCIA AVALIADA INDICADOR
Precariedade da construção Número de barracos (isolados ou em favela).
Localização em favela Número de domicílios em favela
Cortiço Número de domicílios em cortiço
Espaço interno insuficiente
Número de domicílios que não dispõem da composição mínima de quarto,
sala, cozinha, banheiro e tanque de lavar roupas.
Densidade excessiva de
moradores
Número de domicílios que possuem mais de uma pessoa por cômodo e,
simultaneamente, mais de duas pessoas por quarto ou; quando sala ou cozinha
estão sendo utilizados como dormitório por uma ou mais pessoas
Ônus excessivo com aluguel
Número de domicílios com até R$ 1.798,00 de renda familiar que despendem
mais do que 30% com o aluguel
100
Esgotamento
sanitário
Número de domicílios que não contam com rede coletora de esgoto ou fossa
séptica.
Coleta de lixo Número de domicílios que não contam com o serviço de coleta do lixo
Energia elétrica
Número de domicílios que não possuem ligação à rede pública de
abastecimento de energia elétrica
Inadequação da infra-
estrutura urbana
Água tratada
Número de domicílios que não contam com rede pública de abastecimento de
água
Fonte: Elaboração própria
Ao comparar, portanto, os indicadores da Fundação SEADE com os
indicadores da Fundação João Pinheiro, é possível perceber que, ainda que utilizando
indicadores diferentes, as carências avaliadas são basicamente as mesmas, com poucas
exceções.
Com relação à infra-estrutura urbana, vimos que os mesmos serviços – acesso à
água e à energia elétrica, coleta do esgoto e coleta do lixo – são avaliados tanto pela SEADE
quanto pela FJP. Ambos os sistemas avaliam também a qualidade da construção, o espaço
interno dos domicílios, a densidade habitacional e o ônus com aluguel.
Embora a FJP não avalie a localização dos domicílios, que é contemplada pela
SEADE pelo indicador “número de casas de alvenaria ou apartamentos em favela”, ela aborda
a questão da irregularidade fundiária (pelo indicador “número de domicílios em situação de
irregularidade fundiária”) que abrange, dentre outras situações, os domicílios situados em
favelas. Daí, então, é possível afirmar que o indicador da FJP é mais genérico que o da
SEADE, o que demonstra a alta correlação existente entre ambas as carências avaliadas.
Desse modo, apenas uma carência contemplada pela SEADE deixa de ser pela
FJP, que são os domicílios em cortiços. Por outro lado, observa-se que a FJP identifica
algumas carências que não são consideradas pela SEADE, sendo elas a coabitação familiar, a
depreciação e a improvisação dos domicílios. Quanto à primeira – coabitação familiar – a
101
SEADE argumenta que é possível existir a convivência de duas ou mais famílias, no mesmo
domicílio, por escolha mútua, e que por isso a coabitação não deve ser considerada,
automaticamente, sinônimo de carência de moradia:
“(...) os processos de ampliação/ contração dos arranjos de residência estabelecem
estratégias familiares que respondem a constrangimentos cambiantes de várias
ordens (demográficos, sociais, culturais, econômicos) e de vários níveis. (...) Se
não resta dúvida que o desejável na maior parte do tempo é o padrão “uma casa
para uma dona de casa e um pai de família”, as condições de vida da maioria da
população são instáveis o suficiente para impedir que este padrão se generalize
nos níveis europeus. Em tais condições, é extremamente arriscado atribuir-se a
ocorrência da ampliação a um fator específico, seja ele o déficit habitacional ou a
instabilidade do emprego” (SEADE, 2001).
Essa opção metodológica vem reforçar, portanto, o caráter da coabitação como
uma estratégia de sobrevivência, mostrando que é temerário encará-la como uma carência
habitacional.
Também os domicílios depreciados e os improvisados – estes últimos
entendidos como aqueles locais construídos sem fins residenciais, como debaixo de pontes e
viadutos, dentro de carcaças de carros abandonados, embarcações, etc. – não são computados
pela SEADE, o que acarreta, sem dúvida, uma subestimação das carências habitacionais em
sua metodologia de cálculo.
Finalmente, além dos sete indicadores apresentados, a SEADE expõe também
uma lista de informações adicionais (QUADRO 6) que, embora não investigadas em seu
trabalho, seriam necessárias para quantificar mais apuradamente os casos que se mantém na
inadequação (a serem reformados) e aqueles que devem ser transferidos para o déficit (a
serem substituídos). Esse quadro vem confirmar a tendência em se ampliar o leque de
informações quando se procura diagnosticar a realidade habitacional, de modo a dar mais
subsídios para a formulação e o monitoramento das ações empreendidas pelo poder público.
102
4.3 O Sistema de Indicadores da HABITAT (2003)
Em setembro de 2000, os 189 Países-Membros das Nações Unidas assinaram a
Declaração do Milênio, um documento que agrupa oito objetivos gerais para todo o mundo,
conhecidos como “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” (ODM), os quais constituem
um compromisso da comunidade internacional em reduzir a pobreza e a fome, e assegurar um
desenvolvimento sustentável em harmonia com o meio ambiente.
Na Declaração do Milênio, pede-se para reduzir à metade, para o ano de 2015,
a porcentagem de pessoas no mundo cuja renda seja inferior a 1 dólar por dia. Isto supõe
também encontrar soluções para a fome, para a má nutrição e para as enfermidades, promover
a igualdade de gêneros e a autonomia da mulher, garantir a educação básica para todos e
apoiar os princípios do desenvolvimento sustentável (ONU, 2004).
Com o propósito de dar assistência aos Estados Membros no cumprimento dos
oito objetivos da Declaração do Milênio, a Organização das Nações Unidas (ONU) definiu
um conjunto de metas quantitativas e sujeitas a prazos. Ademais, os especialistas
internacionais selecionaram indicadores apropriados para monitorar o progresso dos objetivos
e a consecução das metas correspondentes. Uma lista de 18 metas e mais de 40 indicadores
garantem uma avaliação e apreciação comum do estado dos Objetivos do Milênio em âmbito
mundial, nacional e local. Os ODM e suas respectivas metas podem ser visualizadas no
QUADRO 8:
QUADRO 8: Objetivos e Metas de Desenvolvimento do Milênio
Objetivo 1: Erradicar a pobreza extrema e a fome.
Meta 1. Reduzir à metade a proporção de pessoas cuja renda seja menor que 1 dólar por dia;
Meta 2. Diminuir à metade a proporção de pessoas que padecem de fome.
Objetivo 2: Alcançar a universalidade do ensino primário
Meta 3. Garantir que todas as crianças possam terminar um ciclo completo de ensino primário.
103
Objetivo 3: Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia da mulher
Meta 4. Eliminar as disparidades entre os sexos na educação primária e secundária preferivelmente pra
o ano 2005 e para todos os níveis de educação para o ano 2015;
Objetivo 4: Reduzir a mortalidade infantil.
Meta 5. Reduzir em dois terços a taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos;
Objetivo 5: Melhorar a saúde materna
Meta 6. Reduzir a taxa de mortalidade materna em três quartas partes;
Objetivo 6: Combater o HIV/ AIDS, a malária e outras enfermidades
Meta 7. Deter e começar a reverter a tendência de expansão do HIV/ AIDS;
Meta 8. Deter e começar a reduzir a incidência de malária enfermidades importantes.
Objetivo 7: Garantir a sustentabilidade do meio ambiente
Meta 9. Incorporar os princípios do desenvolvimento sustentável nas políticas e nos programas
nacionais e reverter a perda de recursos do meio ambiente;
Meta 10. Reduzir à metade a porcentagem de pessoas que carecem de acesso sustentável à água
potável e a serviços básicos de saneamento;
Meta 11. Ter melhorado substancialmente, para o ano 2020, a vida de pelo menos 100 milhões de
habitantes de assentamentos precários.
Objetivo 8: Fomentar uma associação mundial para o desenvolvimento
Meta 12. Desenvolver, ainda mais, um sistema comercial e financeiro aberto, baseado em normas,
previsível e não discriminatório. Isto ajuda no compromisso de alcançar uma boa gestão dos assuntos
públicos, o desenvolvimento e a redução da pobreza, nacional e internacionalmente.
Meta 13. Atender às necessidades especiais dos países menos desenvolvidos. Isto inclui acesso livre de
tarifas e quotas para as exportações dos países menos adiantados, um programa melhor de alívio da
dívida dos países pobres muito endividados e o cancelamento da dívida bilateral oficial e a concessão
de uma assistência oficial para um desenvolvimento mais generoso aos países que estão
comprometidos em reduzir a pobreza.
Meta 14. Atender às necessidades especiais dos países sem acesso ao mar e aos estados insulares
pequenos;
Meta 15. Encarar de maneira geral os problemas da dívida dos países em desenvolvimento aplicando
medidas nacionais e internacionais, com o fim de garantir a sustentabilidade da dívida a longo prazo;
Meta 16. Em cooperação com os países em desenvolvimento, elaborar e aplicar estratégias que
proporcionem aos jovens um trabalho digno e produtivo;
Meta 17. Em cooperação com os laboratórios farmacêuticos, proporcionar acesso aos medicamentos
de primeira necessidade e a preços acessíveis nos países em desenvolvimento;
Meta 18. Em colaboração com o setor privado, aproveitar os benefícios das novas tecnologias, em
particular as tecnologias de informação e das comunicações.
Fonte: HABITAT, 2003
Dentre as 18 metas dos ODM, a meta 11 – “melhorar substancialmente, até
2020, a vida de pelo menos 100 milhões de habitantes de assentamentos precários” – refere-
se especificamente à questão habitacional e, por isso, coube à Agência das Nações Unidas
104
para Assentamentos Humanos – HABITAT
21
- a responsabilidade de prestar assistência aos
Países-Membros no monitoramento e consecução gradual da meta. Segundo a Agência,
“a meta 11 do Objetivo 7 é uma resposta a um dos maiores desafios do milênio.
Preocupando-se com as pessoas que vivem nas piores condições físicas nas cidades
por todo o mundo, a meta 11 é um reconhecimento direto de que os assentamentos
precários são um problema de desenvolvimento que deve ser encarado. Os
assentamentos precários não podem ser considerados simplesmente como uma
conseqüência desafortunada da pobreza urbana, mas sim devem ser tratados como
um problema de primeira grandeza” (HABITAT, 2003).
O indicador inicialmente proposto pela ONU para o monitoramento da Meta 11
foi “proporção de famílias com título seguro de posse do domicílio”. Todavia, em uma
reunião sobre os ODM levada a cabo em Nova Iorque, em janeiro de 2002, o Grupo das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (GNUD) expressou a sua preocupação de que a
melhoria da segurança de posse não responde de forma adequada à meta de “melhorar
substancialmente a vida de pelo menos 100 milhões de habitantes de assentamentos precários
até o ano 2020” (HABITAT, 2003). A HABITAT, portanto, propôs o desenvolvimento de
uma definição e medição operacional da melhora dos assentamentos precários, para responder
mais diretamente à meta 11. Dessa forma, em uma reunião promovida pela HABITAT, ao
final de 2002, foram propostos cinco novos indicadores. Ao contrário da Fundação João
Pinheiro e da Fundação SEADE, entretanto, a seleção dos indicadores da HABITAT não
esteve condicionada a nenhuma fonte de informação, como se expõe a seguir.
4.3.1 Fontes de informação
A HABITAT salienta que, para o cálculo dos indicadores, tanto dos que foram
propostos como de outros que possam vir a ser acrescentados pelos próprios países, podem ser
utilizadas informações secundárias (informações do censo demográfico, ou relacionadas a
21
A HABITAT é a Agência das Nações Unidas responsável pela implementação das atividades da ONU na área
dos assentamentos humanos. Suas ações se regem a mando da Assembléia Geral da ONU para promover povos e
cidades social e ambientalmente sustentáveis e para assegurar o direito a uma habitação adequada para todos.
105
outros projetos e pesquisas, etc.) ou informações primárias, coletadas em novas pesquisas de
verificação. No entanto, uma vez que os indicadores foram definidos para serem aplicados em
qualquer país-membro das Nações Unidas, a sua elaboração não se baseou em nenhuma fonte
de dados específica.
4.3.2 Aspectos metodológicos
Uma reunião de um grupo de especialistas foi celebrada em Nairobi (Quênia),
em outubro de 2002, com a finalidade de encontrar uma definição para “assentamentos
precários” e de definir indicadores para o seu monitoramento. A definição genérica para o
termo foi acordada da seguinte forma:
“Um assentamento precário é um assentamento contíguo no qual os habitantes
são caracterizados por terem uma habitação e serviços básicos inadequados. Os
assentamentos precários não são reconhecidos e não são tratados como uma parte
incorporada ou igual às demais partes da cidade pelas autoridades públicas”
(HABITAT, 2003).
Como unidade básica de coleta dos dados, foi adotado o conceito de hogar ou
unidade doméstica, que é diferente do conceito de domicílio, adotado tanto pela Fundação
João Pinheiro como pela Fundação SEADE. Conforme já exposto no capítulo 2, a definição
de uma “unidade doméstica” passa pela verificação de um orçamento comum ou, no mínimo,
da partilha de algumas despesas básicas como alimentação, de modo que pode haver mais de
uma “unidade doméstica” em uma mesma unidade de residência.
Para permitir, portanto, a caracterização e o monitoramento das “unidades
domésticas” de assentamentos precários – e conseqüentemente da meta 11 dos ODM -, foram,
então, definidas cinco dimensões fundamentais e, para cada dimensão, foram propostos
indicadores, os quais são apresentados no QUADRO 9.
106
QUADRO 9: Dimensões e indicadores para o monitoramento da meta 11 dos ODM
DIMENSÃO DEFINIÇÃO INDICADORES
Acesso à
água potável
Considera-se que uma “unidade doméstica” tem
acesso ao abastecimento de água potável se dispõe de
uma quantidade de água suficiente para o uso familiar,
a um preço acessível, disponível para todos os
membros, sem que necessitem se submeter a um
esforço extremo, principalmente as mulheres e
crianças.
- Proporção de “unidades
domésticas” com acesso a um
abastecimento adequado de água.
Acesso ao
saneamento
básico
Considera-se que uma “unidade doméstica” tem
acesso adequado ao saneamento básico se seus
membros dispõem de um sistema de eliminação de
seus excrementos, seja na forma de bacias particulares
ou compartilhadas com um número razoável de
pessoas.
- Proporção de “unidades
domésticas” com acesso a
instalações sanitárias adequadas.
Segurança
de posse
Segurança de propriedade é o direito de todos os
indivíduos e grupos a contar com uma proteção eficaz
do Estado contra os despejos forçados. Considera-se
que uma “unidade doméstica” possui segurança de
posse quando:
- existem provas documentais que possam ser
utilizadas para comprovar o direito de propriedade;
- existe uma proteção de fato ou de direito contra os
despejo forçados.
- Proporção de “unidades
domésticas” que têm segurança de
propriedade, isto é, que possuem:
1. evidência documental que pode
ser usada para provar o status de
propriedade segura;
2. proteção de fato ou de direito
contra os despejos forçados.
Durabilidade
da habitação
Uma habitação é considerada durável se está
construída em um local não perigoso e tem uma
estrutura permanente e adequada o bastante para
proteger seus habitantes das inclemências do tempo,
tais como a chuva, o calor, o frio e a umidade.
- Proporção de “unidades
domésticas” que vivem em uma
habitação considerada durável, isto
é, construída em uma área sem
riscos e com uma estrutura
permanente e suficientemente
adequada para proteger seus
habitantes das inclemências do
tempo, tais como a chuva, o calor,
o frio e a umidade.
Área
suficiente
para viver
Considera-se que uma habitação proporciona uma
área suficiente para seus moradores quando há, no
máximo, duas pessoas por cômodo.
- Proporção de “unidades
domésticas” com três pessoas ou
mais por cômodo.
Fonte: Adaptado de HABITAT, 2003.
Uma vez que o Brasil é signatário da Declaração do Milênio, o governo federal
assumiu o compromisso de monitorar os objetivos e metas de desenvolvimento do milênio.
Em setembro de 2004, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA – publicou o
primeiro “Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do
107
Milênio” (IPEA, 2004), o qual apresenta os resultados dos indicadores e as ações do governo
para atingir as metas estipuladas pelas Nações Unidas.
Com relação à meta 11, que foi adotada pelo Ministério das Cidades, do
Governo Lula, como diretriz para a área de habitação
22
, foram utilizados os mesmos
indicadores propostos pela HABITAT, porém com algumas adaptações ao contexto brasileiro
e à disponibilidade de dados nas Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios – PNADs.
A seguir, será feita uma explanação mais detalhada de cada um dos indicadores propostos
pela HABITAT, assim como das respectivas adaptações inseridas pelo IPEA. Convém
mencionar que este último, diferentemente da HABITAT, adotou como unidade básica de
coleta de dados o domicílio (já que esta é a unidade adotada pelas PNADs) e definiu como
universo de aplicação de seus indicadores os domicílios particulares permanentes urbanos
(conforme conceituação do IBGE).
Passando então à primeira dimensão - “Acesso à água potável” –, temos que a
HABITAT propõe o indicador “Proporção de unidades domésticas com acesso a um
abastecimento adequado de água”. Por “abastecimento adequado”, entende-se aquelas
unidades domésticas que possuem:
a) conexão direta (água corrente) na habitação ou no terreno;
b) acesso a uma torneira compartilhada por, no máximo, duas unidades domésticas;
c) acesso à água de outras fontes:
- poços;
- mananciais protegidos;
- coleta da água da chuva.
22
O Ministério das Cidades decidiu adotar como diretriz para a área de habitação as seguintes Metas de
Desenvolvimento do Milênio: reduzir pela metade a proporção da população sem acesso à água potável até 2015
– meta 10 -, e atingir, até 2020, uma melhoria significativa da qualidade de vida das pessoas que residem em
habitações precárias – meta 11 -, segundo informação divulgada pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento - PNUD Brasil - em março de 2004 (http://www.pnud.org.br).
108
Além disso, o preço da água deve estar ao alcance de todos e sua quantidade
deve ser suficiente, de modo que se disponha dela sem esforço físico nem perdas de tempo
excessivos. Um abastecimento “não adequado” de água abrange: poços e mananciais sem
proteção, água provida por vendedores ambulantes ou por caminhões-cisterna e água
engarrafada (baseado na preocupação sobre a quantidade de água a ser provida e não sobre a
sua qualidade). Esse indicador possui alguns elementos subjetivos, como “preço ao alcance de
todos” e “quantidade suficiente de água”. Embora a HABITAT recomende que estes
elementos devam ser adaptados ao contexto local, ela própria sugere as seguintes definições:
a) preço ao alcance de todos: a água deve consumir menos de 10% da renda familiar;
b) quantidade suficiente: a água deve estar disponível em uma quantidade de pelo menos
20 litros por pessoa por dia;
c) sem esforço físico nem perda de tempo excessivos: a obtenção de água para abastecer
as unidades domésticas não deve tomar uma proporção indevida do tempo dos
moradores (deve consumir menos de uma hora por dia para obter a quantidade mínima
suficiente de pelo menos 20 litros por pessoa por dia).
Para essa dimensão, o IPEA utilizou o indicador número de domicílios que não
contam com rede pública de abastecimento de água, canalizada para o domicílio ou para a
propriedade. A coleta dos dados é feita basicamente por meio de uma pergunta ao morador
sobre a proveniência da água utilizada no domicílio - dentre as opções: rede geral de
distribuição; poço ou nascente; ou outra proveniência especificada (PNAD, 2004b) -, sendo
que a primeira opção classifica o domicílio como “adequado” quanto a essa dimensão.
Com relação à segunda dimensão - “Acesso ao saneamento básico -, temos
que o indicador escolhido foi “Proporção de unidades domésticas com acesso a instalações
sanitárias adequadas”. Isto inclui a proporção de unidades domésticas com:
a) uma conexão direta e particular (da habitação ou do terreno):
- ao sistema de esgotamento público; ou
- a um sistema séptico (com capacidade suficiente);
109
b) uma bacia sanitária com descarga, particular ou compartilhada (não pública);
c) uma bacia sanitária de poço, adequada, particular ou compartilhada (não pública).
Por “compartilhada”, admite-se que as instalações sejam compartilhadas no
máximo entre duas unidades domésticas, e as bacias sanitárias com descarga e de poço devem
estar conectadas a sistemas sépticos que não ofereçam riscos de colmatação. Um saneamento
inadequado inclui: bacias secas ou de cubo (aquelas em que os excrementos são retirados
manualmente), bacias públicas, bacias com poço aberto.
O IPEA adaptou esse indicador para número de domicílios que não contam
com rede coletora de esgoto ou fossa séptica. A coleta de dados consiste em uma pergunta ao
morador sobre a forma como é feito o escoadouro do banheiro ou sanitário do domicílio –
dentre as opções: rede coletora de esgoto ou pluvial; fossa séptica ligada à rede coletora de
esgoto ou pluvial; fossa séptica não ligada à rede coletora de esgoto ou pluvial; fossa
rudimentar; vala; direto para o rio, lago ou mar; ou outra forma especificada (ibid.) -, sendo
que as três primeiras opções de resposta classificam o domicílio como adequado.
Para a terceira dimensão, “Segurança de posse”, foi proposto o indicador:
Proporção de unidades domésticas que têm segurança de posse, isto é, que possuem:
1. evidência documental que pode ser usada para provar o status de propriedade
segura;
2. proteção de fato ou de direito contra os despejos forçados.
Este indicador foi separado em três sub-indicadores: o primeiro deles é a
proporção de unidades domésticas cujos moradores têm documentos que possam ser usados
como prova do direito de propriedade”, o que inclui as unidades domésticas cujos membros
possuem:
a) títulos formais de propriedade tanto do terreno como da residência;
b) um título formal de propriedade do terreno ou da residência;
110
c) contratos executáveis
23
ou qualquer documento que prove um acordo de propriedade;
d) contratos formais de aluguel;
e) posse consuetudinária ou ocupação irregular com recibos de pagamentos de impostos
(imposto imobiliário, taxas municipais, etc.) somente;
f) posse consuetudinária ou ocupação irregular com contas de serviços públicos no nome
do morador.
O segundo sub-indicador é a “proporção de homens e mulheres que foram
desalojados de suas casas nos últimos dez anos”, e o terceiro e último sub-indicador é a
percepção da segurança de propriedade: “proporção dos chefes de família que crêem que não
serão desalojados de sua residência atual dentro dos próximos cinco anos”. Segundo a
HABITAT (2003), as informações para o terceiro sub-indicador podem ser obtidas por meio
de pesquisas, com várias perguntas sobre a percepção que os indivíduos têm acerca da
segurança de sua propriedade. Para esse questionário, são sugeridas as seguintes perguntas:
1) Se houver uma mudança política no seu país ou na sua cidade, você crê que os
documentos que comprovam seus direitos o protegerão de um despejo? (Sim/ Não).
2) O senhor acredita que existe alguma possibilidade de ser desalojado de sua habitação
sem um processo legal? (Sim/ Não)
3) Em caso afirmativo, por quem? (Por meu cônjuge/ por outros membros da família/
pelas autoridades públicas/ pelo proprietário)
Adaptando esses indicadores para o contexto brasileiro e de acordo com as
informações disponíveis nas PNADs, o IPEA adotou o indicador número de domicílios em
terrenos de propriedade de terceiros e outras condições de moradia, como invasões. Para
esse indicador, a coleta de dados é feita com duas perguntas ao morador: a primeira investiga
se o terreno onde está localizado o domicílio é próprio – sim; ou não -; e a segunda investiga
se o domicílio é: próprio – já pago; próprio – ainda pagando; alugado; cedido por empregador;
cedido de outra forma; outra condição especificada (ibid.). O domicílio é considerado
23
Segundo a HABITAT (2003), uma habitação recebe um acordo executável das autoridades públicas nos casos
em que os moradores não têm um título de propriedade formal, mas estão protegidos contra o despejo por
diversas razões (práticas consuetudinárias, influência política dos ocupantes ilegais, etc.).
111
adequado caso o morador responda “sim” na primeira pergunta, e qualquer opção de resposta
com exceção da última, na segunda pergunta.
Passando para a quarta dimensão - “Durabilidade da habitação” -, temos que
o indicador proposto é: “proporção de unidades domésticas que vivem em uma habitação
durável, isto é, construída em uma área sem riscos e com uma estrutura permanente e
suficientemente adequada para proteger seus habitantes das inclemências do tempo, tais
como a chuva, o calor, o frio e a umidade”. Segundo a HABITAT, os seguintes locais devem
ser considerados perigosos:
a) habitações assentadas em zonas de risco geológico (áreas sujeitas a deslizamentos,
terremotos e inundações);
b) habitações assentadas sobre aterros sanitários;
c) habitações próximas a áreas de alta contaminação industrial;
d) habitações próximas a outras zonas de alto risco, por exemplo, linhas de trem-de-ferro,
aeroportos e linhas de transmissão de energia.
Também ao categorizar as unidades habitacionais, os seguintes fatores de
durabilidade devem ser levados em conta:
a) qualidade da construção (por exemplo, os materiais utilizados nas paredes, no piso e
no teto);
b) conformidade com os códigos, padrões e normas de construção locais.
Para essa dimensão, o IPEA utilizou o indicador número de domicílios com
qualidade estrutural inadequada, em função do uso de materiais não duráveis nas paredes e
teto, ou da não-conformidade com os padrões construtivos e urbanísticos (aglomerados
subnormais). Trata-se de um indicador que contém dois sub-indicadores, sendo o primeiro o
número de domicílios com materiais não duráveis nas paredes e teto; e o segundo, o número
de domicílios em aglomerados subnormais.
112
Para o primeiro sub-indicador, a coleta de dados consiste em duas perguntas: a
primeira verifica o material que predomina na construção das paredes externas do domicílio,
dentre as opções: alvenaria; madeira aparelhada; taipa não revestida; madeira aproveitada;
palha; ou outro material especificado, e a segunda verifica o material que predomina na
cobertura (telhado) – telha; laje de concreto; madeira aparelhada; zinco; madeira aproveitada;
palha; ou outro material especificado (ibid.). O domicílio é considerado adequado caso o
morador responda alguma das duas primeiras opções de resposta, na primeira pergunta, e
alguma das três primeiras opções, na segunda pergunta.
Para o segundo sub-indicador, a coleta de dados é feita pelo próprio
pesquisador, que identifica os aglomerados subnormais. Estes são definidos como “um
conjunto constituído por no mínimo 51 unidades habitacionais (barracos, casas etc.) ocupando
ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular),
dispostas, em geral, de forma desordenada e densa, e carentes, em sua maioria, de serviços
públicos essenciais” (FJP, 2004). A partir dessa definição, o domicílio é considerado
adequado caso não esteja localizado em um “aglomerado subnormal”.
Por fim, para a quinta e última dimensão, “Área suficiente para viver”, foi
definido o indicador “proporção de unidades domésticas com pelo menos três pessoas por
cômodo”. A palavra “cômodo” foi definida como um espaço em uma unidade habitacional ou
outro tipo de alojamento cercado por paredes do piso até o teto, ou com pelo menos dois
metros de altura, e com uma área de pelo menos quatro metros quadrados, o que significa ser
suficientemente grande para que caiba uma cama de adulto. Desse modo, os cômodos incluem
dormitórios, cozinha, sala de estar, sala de estudo, área de serviço e outros espaços com fins
residenciais.
113
O IPEA adaptou esse indicador para número de domicílios com mais de três
pessoas por dormitório. A coleta de dados consiste em perguntar a um morador o número de
moradores do domicílio e o número de cômodos que estão servindo permanentemente de
dormitório (PNAD, 2004b). O QUADRO 10 apresenta os indicadores da HABITAT e as
respectivas adaptações feitas pelo IPEA em 2004:
QUADRO 10: Indicadores da HABITAT e adaptações inseridas pelo IPEA
DIMENSÃO INDICADORES DA HABITAT INDICADORES DO IPEA
Acesso à
água potável
- Proporção de “unidades domésticas” com
acesso a um abastecimento adequado de água.
- Número de domicílios que não
contam com rede pública de
abastecimento de água, canalizada para
o domicílio ou para a propriedade.
Acesso ao
saneamento
básico
- Proporção de “unidades domésticas” com
acesso a instalações sanitárias adequadas.
- Número de domicílios que não
contam com rede coletora de esgoto ou
fossa séptica.
Segurança
de posse
- Proporção de “unidades domésticas” que têm
segurança de propriedade, isto é, que possuem:
1. evidência documental que pode ser usada para
provar o status de propriedade segura;
2. proteção de fato ou de direito contra os
despejos forçados.
- Número de domicílios em terrenos de
propriedade de terceiros e outras
condições de moradia, como invasões.
Durabilidade
da habitação
- Proporção de “unidades domésticas” que vivem
em uma habitação considerada durável, isto é,
construída em uma área sem riscos e com uma
estrutura permanente e suficientemente adequada
para proteger seus habitantes das inclemências do
tempo, tais como a chuva, o calor, o frio e a
umidade.
- Número de domicílios com materiais
não duráveis nas paredes e no teto; e
- Número de domicílios em
aglomerados subnormais.
Área
suficiente
para viver
- Proporção de “unidades domésticas” com três
pessoas ou mais por cômodo.
- Número de domicílios com mais de
três pessoas por dormitório.
Fonte: Elaboração própria
Feita uma breve descrição de cada uma das cinco dimensões utilizadas pela
HABITAT para caracterizar um assentamento precário, bem como das adaptações ao contexto
brasileiro inseridas pelo IPEA, podemos passar para a identificação e análise das carências
avaliadas pelo sistema da HABITAT. Cabe ressaltar que será tomado como referência, tanto
114
na análise das carências avaliadas como dos indicadores utilizados, o modelo de cálculo
proposto originalmente pela HABITAT, e não o adaptado para o contexto brasileiro, uma vez
que o primeiro não teve que se adequar a nenhuma fonte de dados específica, e por isso faz
uma avaliação mais abrangente das carências habitacionais. Todavia, é válido pontuar que, na
discussão dos indicadores, que será feita no próximo capítulo, os indicadores adaptados ao
contexto brasileiro também serão levados em consideração.
4.3.3 As carências habitacionais avaliadas
Temos que o primeiro indicador proposto pela HABITAT – proporção de
unidades domésticas com acesso a um abastecimento adequado de água -, relativo à
dimensão “acesso à água potável”, procura identificar a falta de acesso à água tratada.
Segundo a HABITAT (2003), em muitas cidades no mundo é comum que as unidades
domésticas de assentamentos informais não estejam conectados à rede de água corrente e
dependam de vendedores ambulantes que vendem a água a um preço até 200 vezes superior
ao da rede pública. Deste modo, afirma a Agência das Nações Unidas, melhorar o acesso à
água potável implica diminuir a carga que pesa sobre as pessoas, geralmente mulheres, que
buscam água nas fontes disponíveis, e significa também reduzir a mortalidade e as
enfermidades relacionadas com a água e melhorar a qualidade de vida.
Ainda com relação aos serviços de infra-estrutura, o segundo indicador –
proporção de unidades domésticas com acesso a instalações sanitárias adequadas - avalia a
adequação das instalações sanitárias (se possuem descarga ou são de “poço”) e ainda a ligação
do escoadouro sanitário (se conectado ao sistema de esgotamento público ou a um sistema
séptico que não ofereça risco de contaminação), sendo, portanto, admitido como um indicador
de esgotamento sanitário. Segundo a HABITAT (2003), a carência de um escoadouro
115
sanitário adequado é um dos principais problemas de saúde pública, provocando enfermidades
como cólera e diarréia, que chegam a afetar comunidades inteiras nos países em
desenvolvimento. A Agência cita, ainda, as importantes implicações da falta de gestão do
esgoto sanitário sobre o desenvolvimento econômico - visto que as pessoas faltam aos seus
trabalhos em função das infecções contraídas - e sobre a qualidade dos recursos hídricos do
mundo.
O terceiro indicador – proporção de indivíduos que tem segurança de
propriedade – procura mensurar a insegurança de posse. Segundo a HABITAT (2003), “os
objetivos de prover segurança legal de propriedade e igualdade de oportunidade para o acesso
à terra todos, homens e mulheres, são considerados questões fundamentais para o
desenvolvimento dos assentamentos precários”. A Agência coloca, também, que a segurança
de posse é um dos elementos essenciais de uma estratégia habitacional exitosa, e a sua
ausência tem demonstrado que: inibe o investimento em habitação; atrapalha uma boa
governança e um planejamento a longo prazo; distorce os preços da terra e dos serviços
públicos; alavanca a pobreza e a exclusão social; e impacta de forma negativa as mulheres e
as crianças.
A falta de segurança de posse no Brasil pode ser encontrada, entre outras
situações, nos assentamentos informais, onde os moradores não possuem a posse da terra, nos
contratos informais de aluguel, nos domicílios cedidos ou comprados à margem do mercado
formal, e nos domicílios que não estão em conformidade com as normas de construção locais.
São, portanto, diversas situações distintas em que os moradores não se sentem seguros contra
despejos, o que representa, obviamente, uma carência habitacional.
O quarto indicador - proporção de unidades domésticas que vivem em
habitações duráveis - pode ser decomposto em três sub-indicadores, uma vez que avalia três
116
modalidades de carência habitacional. Para categorizar uma habitação como “não-durável”,
leva-se em conta a localização em áreas inapropriadas (como zonas de risco geológico,
aterros sanitários, áreas de alta contaminação industrial, etc.), bem como a precariedade da
construção (materiais utilizados nas paredes, no piso e no teto) e ainda a irregularidade na
construção, isto é, o desrespeito às normas de construção locais.
Aqui vemos que a HABITAT, diferentemente dos outros dois sistemas
pesquisados (FJP e SEADE), inclui uma avaliação dos domicílios situados em áreas de risco,
e também dos domicílios em inconformidade com as normas de construção locais, que
contabilizam os inúmeros casos de desrespeito à legislação local.
O quinto e último indicador – proporção de unidades domésticas com pelo
menos três pessoas por cômodo – relativo à dimensão “área suficiente para viver”, procura
identificar as “unidades domésticas” com densidade excessiva de moradores. Trata-se de
uma carência também contemplada pela FJP e pela SEADE e, segundo a HABITAT (2003), é
um “indicador chave” que mede a adequação à necessidade humana básica de abrigo. Ainda
segundo a Agência da ONU, o espaço reduzido por pessoa nos domicílios está associado a
certas categorias de risco para a saúde, o que torna a densidade um critério fundamental para
definir um assentamento precário.
Feita uma análise dos indicadores da HABITAT segundo as carências
avaliadas, vimos que os cinco indicadores propostos foram organizados em sete carências
habitacionais: falta de acesso à água e ao esgotamento sanitário (ambos relacionados à infra-
estrutura urbana), insegurança de posse, localização em áreas inapropriadas, precariedade da
construção, irregularidade na construção e densidade excessiva de moradores. O QUADRO
11 resume a sistematização feita.
117
QUADRO 11: Classificação dos indicadores da HABITAT segundo as carências avaliadas
CARÊNCIA AVALIADA INDICADOR
Água tratada
Unidades domésticas que possuem conexão direta de água corrente; acesso a
uma torneira compartilhada com, no máximo, outra habitação; ou acesso à água
de outras fontes (poços, mananciais protegidos ou coleta da água da chuva).
Além disso, a água deve ser em quantidade suficiente, deve-se dispor dela sem
esforço físico nem perda de tempo excessivos, e seu preço deve estar ao alcance
de todos (o gasto com o consumo deve ser inferior a 10% da renda familiar).
Inadequação da infra-estrutura
urbana
Esgotamento
sanitário
Proporção de unidades domésticas que possuem bacias sanitárias com descarga
ou de poço, particular ou compartilhada com no máximo outra habitação, e
Proporção de unidades domésticas com uma conexão direta e particular (da
habitação ou do terreno) ao sistema de esgotamento público ou a um sistema
séptico com capacidade suficiente.
Proporção de unidades domésticas que tem documentos que possam ser usados
como prova do direito de propriedade
Proporção de homens e mulheres que foram desalojados de suas casas nos
últimos dez anos
Insegurança de posse
Proporção de chefes de família que crêem que não serão desalojados de sua
residência atual dentro dos próximos cinco anos.
Irregularidade na
construção
Precariedade da
construção
Localização em áreas
inapropriadas
Proporção de unidades domésticas que vivem em habitações duráveis, o que
leva em conta:
- o local onde ela está assentada (são considerados locais perigosos: zonas de
risco geológico, aterros sanitários, áreas de alta contaminação industrial, etc.);
- a qualidade da construção (p. ex. os materiais utilizados nas paredes, no piso e
no teto);
- a conformidade com os códigos, padrões e normas de construção locais.
Densidade excessiva de
moradores
Proporção de unidades domésticas com pelo menos três pessoas por cômodo.
Fonte: Elaboração própria
Analisando os indicadores da HABITAT, vemos que estes procuram fazer uma
avaliação minuciosa de cada dimensão abordada. Por outro lado, deixam de avaliar inúmeras
outras carências habitacionais.
Com relação à infra-estrutura urbana, por exemplo, os indicadores da meta 11
dos ODM avaliam somente o acesso à água e ao esgotamento sanitário. Não se considera a
coleta do lixo produzido ou a existência de energia elétrica nas residências, ao contrário da
118
Fundação João Pinheiro e da Fundação SEADE, que contemplam também esses dois
componentes.
Dentre outras carências negligenciadas, é possível citar o ônus excessivo com
aluguel, o espaço interno insuficiente e a improvisação dos domicílios (utilizando locais
construídos sem fins residenciais, como debaixo de pontes e viadutos) que, sem dúvida,
enriqueceriam o diagnóstico da HABITAT. É necessário reconhecer, no entanto, a dificuldade
em se estipular um único padrão de moradia digna para todos os países membros das Nações
Unidas.
Feita uma apresentação dos três sistemas de indicadores – Fundação João
Pinheiro, Fundação SEADE e HABITAT –, o passo seguinte consiste em tecer alguns
comentários sobre as fontes de informação utilizadas pelos sistemas, visto que essas são
fundamentais no processo de seleção dos indicadores de carência habitacional.
4.4 Considerações sobre as fontes de informação utilizadas
Como exposto ao longo do capítulo, constata-se que a Fundação João Pinheiro
tem como fonte de dados o Censo Demográfico e a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), enquanto que a Fundação SEADE utiliza a Pesquisa de Condições de
Vida (PCV), do Estado de São Paulo, e a HABITAT não especifica nenhuma fonte de dados.
Assim, nesse momento procurar-se-á analisar as três fontes de dados citadas segundo os
critérios pontuados no Capítulo 2 – periodicidade; unidade básica de coleta dos dados;
universo de aplicação; abrangência geográfica; universo amostral; e procedimento de coleta
dos dados –, na intenção de identificar as suas limitações e potencialidades para as estimativas
de cálculo das carências habitacionais no Brasil.
119
Com relação à periodicidade, temos que o Censo Demográfico é decenal,
enquanto que a PNAD é anual e a PCV, quadrienal. As duas últimas permitem um
monitoramento mais de perto das carências habitacionais, contudo, segundo a FJP (2004), a
regularidade decenal do Censo Demográfico é muito longa para o acompanhamento das
condições habitacionais.
Quanto à unidade básica de coleta dos dados, temos que as três pesquisas
adotam o domicílio, com o mesmo conceito. Vale a pena ressaltar que a HABITAT, embora
não recomende nenhuma fonte de dados, adota o hogar como unidade de coleta dos dados,
que não parece a mais adequada para a formulação de políticas públicas, uma vez que, para o
governo, é interessante determinar o número de domicílios a serem construídos e/ ou
reformados.
Com relação ao universo de aplicação e à abrangência geográfica, sabe-se que
o Censo Demográfico investiga os domicílios particulares permanentes situados no território
nacional. A PNAD, por sua vez, abrange os domicílios particulares permanentes situados em
todo o país, com exceção da área rural da antiga Região Norte, que compreendia Rondônia,
Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Já a PCV foi realizada nas áreas urbanas da Região
Metropolitana de São Paulo e de municípios do interior do Estado, com população urbana
acima de 50 mil habitantes. Assim, no que diz respeito ao universo de aplicação e à
abrangência geográfica, somente o Censo e a PNAD podem ser utilizados para estimar as
carências habitacionais em qualquer área urbana do país.
Sobre o universo amostral, temos que o Censo Demográfico possui o
Questionário Básico, que é aplicado em 100% da população, e o Questionário da Amostra
que, como o próprio nome diz, é amostral. As outras duas fontes de dados – a PNAD e a PCV
– também são amostrais, o que permite o acompanhamento macro, mas dificulta a realização
120
de análises mais precisas, sobretudo na escala local. Nessa medida, somente o Censo
Demográfico é capaz de fornecer informações sobre as condições habitacionais em âmbito
municipal no Brasil.
Quanto ao procedimento de coleta dos dados, é certo que há uma série de
limitações nas três pesquisas que comprometem a veracidade das informações coletadas, uma
vez que muitos moradores não respondem sinceramente às perguntas, ou respondem sem as
terem compreendido, ou ainda, sem saberem ao certo dar a informação. Trata-se de limitações
inerentes a qualquer pesquisa domiciliar, mas que podem ser majoradas ou minoradas de
acordo com os procedimentos de coleta adotados. Há também inúmeros conceitos que
merecem ser discutidos, como os de domicílio e família, que interferem diretamente no
cálculo das carências habitacionais. Para tanto, optou-se por discutir o procedimento de coleta
dos dados durante a análise dos indicadores utilizados pelos sistemas, que será feita no
próximo capítulo.
Analisando, portanto, o Censo Demográfico, a PNAD e a PCV segundo os seis
critérios pontuados no Capítulo 2, foi possível constatar que não há, no Brasil, uma fonte de
informação passível de ser utilizada em qualquer município, e em uma periodicidade
adequada. A PCV, embora seja quadrienal, cobre apenas o Estado de São Paulo e ainda traz
imprecisões resultantes da amostragem probabilística. A PNAD, embora cubra toda a área
urbana do país e possua regularidade anual, também é feita por amostragem, o que
impossibilita análises em âmbito municipal. E o Censo, embora cubra 100% da população
brasileira, é decenal, o que dificulta o acompanhamento das carências habitacionais. Segundo
a FJP (2004, p.89):
“É momento de se pensar um sistema próprio de informações habitacionais/
urbanas, que levem em conta a complexidade inerente ao tema (considerando o
habitat, por exemplo), criando conceitos mais adequados, e a necessária agilidade
na obtenção de informações municipais. A série anual das PNADs permite o
121
acompanhamento macro, mas não se pode esperar durante uma década para a
obtenção de informações municipais, dentro de um marco referencial único”.
Essa situação expõe a necessidade de se criarem novas pesquisas domiciliares
voltadas para a questão habitacional, que permitam a obtenção de informações municipais ao
menos em cidades com população igual ou superior a 20 mil habitantes e naquelas localizadas
em regiões metropolitanas, objeto de preocupação do Estatuto das Cidades, e que tenham uma
periodicidade inferior a dez anos, como enfatiza a Fundação João Pinheiro. Somente assim
será possível ampliar o leque de carências habitacionais a serem avaliadas, e avaliar com mais
detalhes as que já são computadas.
Após uma análise das principais fontes de informação sobre as carências
habitacionais existentes no Brasil, passa-se, então, a uma sistematização das carências
abordadas pelos sistemas pesquisados.
4.5 Sistematização das carências avaliadas pelos sistemas da Fundação João
Pinheiro, Fundação SEADE e HABITAT
Na apresentação dos sistemas da Fundação João Pinheiro, Fundação SEADE e
HABITAT, feita na primeira parte desse capítulo, procurou-se sistematizar os indicadores
utilizados em cada sistema de acordo com as respectivas carências avaliadas. Analisando
essas carências, é possível notar que algumas se repetem entre os três sistemas, como é o caso
da “precariedade da construção”, da “densidade excessiva de moradores” e da “inadequação
da infra-estrutura urbana”. O “ônus excessivo com aluguel” é contemplado tanto pela
Fundação João Pinheiro (FJP) como pela Fundação SEADE. Já as outras carências são
abordadas apenas uma vez, por algum dos três sistemas, como se observa no QUADRO 12.
122
QUADRO 12: Carências avaliadas pelos sistemas pesquisados
Fundação João Pinheiro Fundação SEADE HABITAT
Precariedade da construção; Precariedade da construção; Precariedade da construção;
Densidade excessiva de
moradores;
Densidade excessiva de
moradores;
Densidade excessiva de
moradores;
Inadequação da infra-
estrutura urbana (esgotamento
sanitário, coleta do lixo, água
tratada e energia elétrica);
Inadequação da infra-
estrutura urbana (esgotamento
sanitário, coleta do lixo, água
tratada e energia elétrica);
Inadequação da infra-
estrutura urbana (esgotamento
sanitário, coleta do lixo, água
tratada e energia elétrica);
Ônus excessivo com aluguel; Ônus excessivo com aluguel;
Depreciação;
Improvisação do domicílio;
Coabitação familiar;
Irregularidade fundiária;
Inexistência de unidade
sanitária interna.
Localização em favela;
Cortiço;
Espaço interno insuficiente
Insegurança de posse;
Irregularidade na construção;
Localização em áreas
inapropriadas.
Fonte: Elaboração própria
Um ponto a ser observado é que algumas dessas carências se sobrepõem, de
modo que podem ser abordadas conjuntamente na análise dos indicadores, que será feita no
próximo capítulo. Esse é o caso da “irregularidade fundiária” (avaliada pela FJP), da
“localização em favelas” (SEADE) e da “localização em áreas inapropriadas” (HABITAT),
que se relacionam todas com a questão da posse da terra e que, portanto, podem ser abordadas
na única carência de “localização em áreas inapropriadas”.
Também a “inexistência de unidade sanitária interna” (FJP) pode ser inserida
no “espaço interno insuficiente” (SEADE), uma vez que ambas as carências tratam do espaço
interno.
E, ainda, o indicador de “cômodos alugados e cedidos” - considerados pela FJP
uma “coabitação disfarçada” - pode ser tratado como um indicador de cortiço, da mesma
forma que o indicador “número de domicílios em cortiços”, da SEADE.
123
Deste modo, a partir da identificação e análise das carências habitacionais
avaliadas pelos sistemas da Fundação João Pinheiro, Fundação SEADE e HABITAT, torna-se
possível sistematizar um conjunto de carências relevantes para a formulação e a avaliação de
políticas habitacionais no Brasil, as quais guiarão, no próximo capítulo, a análise comparativa
dos indicadores utilizados por cada sistema. O QUADRO 13 expõe essas carências e os
respectivos indicadores adotados pelos sistemas estudados.
QUADRO 13: As carências habitacionais e os indicadores utilizados
Carência habitacional Indicadores utilizados
Precariedade da
construção
- Número de domicílios rústicos (FJP);
- Número de barracos (isolados ou em favela) (SEADE);
- Proporção de “hogares” que vivem em habitações com construção de boa
qualidade (HABITAT).
Densidade excessiva de
moradores
- Número de domicílios que possuem acima de três pessoas por dormitório (FJP);
- Número de domicílios que possuem mais de uma pessoa por cômodo e,
simultaneamente, mais de duas pessoas por quarto ou; quando sala ou cozinha
estão sendo utilizados como dormitório por uma ou mais pessoas (SEADE);
- Proporção de “hogares” com pelo menos três pessoas por cômodo (HABITAT).
Localização em áreas
inapropriadas
- Número de domicílios em situação de irregularidade fundiária (FJP);
- Número de domicílios em favela (SEADE);
- Proporção de “hogares” que vivem em uma habitação construída em uma área
sem riscos (HABITAT).
Água tratada - Número de domicílios que não contam com rede de abastecimento de água com
canalização interna (FJP);
- Número de domicílios que não contam com rede pública de abastecimento de
água (SEADE);
- Proporção de “hogares” com acesso a um abastecimento adequado de água
(HABITAT).
Inadequação da infra-estrutura urbana
Esgotamento
sanitário
- Número de domicílios que não contam com rede coletora de esgoto ou pluvial,
ou ainda, fossa séptica (FJP);
- Número de domicílios que não contam com rede coletora de esgoto ou fossa
séptica (SEADE);
- Proporção de “hogares” com acesso a instalações sanitárias adequadas
(HABITAT).
124
Coleta do lixo - Número de domicílios que não contam com o serviço de coleta direta ou indireta
do lixo (FJP);
- Número de domicílios que não contam com o serviço de coleta do lixo
(SEADE).
Energia elétrica - Número de domicílios que não contam com energia elétrica (FJP);
- Número de domicílios que não possuem ligação à rede pública de abastecimento
de energia elétrica (SEADE).
Ônus excessivo com
aluguel
- Número de domicílios com até 3 sm de renda familiar que despendem mais do
que 30% com o aluguel (FJP);
- Número de domicílios com até R$ 1.798,00 de renda familiar que despendem
mais do que 30% com o aluguel (SEADE).
Cortiço - Número de domicílios do tipo “cômodo” alugados e cedidos (FJP);
- Número de domicílios em cortiço (SEADE).
Espaço interno
insuficiente
- Número de domicílios que não possuem unidade sanitária interna (FJP);
- Número de domicílios que não dispõem da composição mínima de quarto, sala,
cozinha, banheiro e tanque de lavar roupas (SEADE).
Coabitação familiar - Número de domicílios com famílias conviventes secundárias (FJP).
Depreciação - Número de domicílios depreciados (FJP).
Improvisação do
domicílio
- Número de domicílios improvisados (FJP).
Insegurança de posse - Proporção de “hogares” que possuem segurança de posse (HABITAT).
Irregularidade na
construção
- Proporção de “hogares” que vivem em habitações que estão em conformidade
com as normas de construção locais (HABITAT).
Fonte: Elaboração própria
Com essa sistematização, torna-se possível delinear, em termos genéricos, um
padrão mínimo de moradia digna para o meio urbano brasileiro. Trata-se de um domicílio:
a) que não possui uma construção precária (no que se refere aos materiais utilizados na
construção);
b) que não possui densidade excessiva de moradores;
c) que possui serviços adequados de infra-estrutura urbana (considerando água, esgoto,
energia elétrica e lixo);
d) em que os moradores não comprometem uma parcela excessiva da renda com o
aluguel;
e) que não está depreciado;
125
f) que não é improvisado (construído sem fins residenciais);
g) que não está em cortiço;
h) que não está localizado em áreas inapropriadas (como áreas de preservação ambiental,
áreas de risco, áreas invadidas ou loteamentos irregulares, dentre outras);
i) que possui um espaço interno suficiente;
j) em que há segurança de posse (no que se refere à proteção contra despejos); e
k) que não possui irregularidades na construção (com relação às normas de construção
locais).
Convém ressaltar que a coabitação familiar não foi citada, uma vez que, no
presente trabalho, ela está sendo considerada uma carência habitacional somente nos casos em
que há densidade excessiva de moradores.
Uma outra discussão concernente às carências sistematizadas diz respeito à
identificação dos domicílios que devem ser repostos, dado o estado de precariedade em que se
encontram, e dos domicílios que necessitam apenas de manutenção, por possuírem carências
mais brandas. Essa separação, comumente chamada de “déficit” e “inadequação”, é
particularmente importante no cálculo dos domicílios inadequados, que não deve levar em
consideração os domicílios que devem ser repostos, uma vez que estes já foram enquadrados
no déficit (FJP, 2001. p.77). Essa discussão será tratada à parte, logo em seguida.
Déficit habitacional e inadequação
Se observarmos os sistemas de indicadores da FJP e da SEADE, veremos que
esses procuram enquadrar os indicadores no déficit ou na inadequação, conforme o tipo de
ação necessária para superar as carências: no déficit, são incluídas as moradias que demandam
substituição, e na inadequação, aquelas que podem passar por reformas e/ ou melhorias para
ter garantida a habitabilidade indispensável. Apesar de partirem de conceitos semelhantes de
126
déficit e inadequação, ocorre que a Fundação João Pinheiro e a Fundação SEADE
operacionalizam esses conceitos de forma um pouco diferente.
Temos que a FJP (2001, p.8) entende como déficit habitacional a “noção mais
imediata e intuitiva de necessidade de construção de novas moradias para a resolução de
problemas sociais e específicos de habitação, detectados em um certo momento”. Deste modo,
foram enquadrados os domicílios que não dispõem de condições de habitabilidade, por sua
precariedade física ou desgaste de sua infra-estrutura física (incluindo os domicílios rústicos,
os depreciados e os improvisados), os que apresentam coabitação familiar, e ainda, aqueles
com precárias condições econômicas de seus ocupantes (ônus excessivo com aluguel)
Já o conceito de inadequação de moradias “reflete problemas na qualidade de
vida dos moradores, não relacionados ao dimensionamento do estoque de habitações, e sim a
especificidades internas de um estoque dado” (ibid.). Assim, a inadequação engloba todas as
outras carências que visam ao delineamento de políticas complementares à construção de
moradias.
A SEADE, por sua vez, coloca que “o déficit habitacional agrupa as moradias
que devem ser substituídas por não oferecerem as condições de segurança indispensáveis a
seus ocupantes” (SEADE, 2001, p.66). Segundo a SEADE (ibid.), as edificações que, com
certeza, não garantem segurança, são os barracos. Além desses, a fundação afirma que não há
imóveis que devem, à priori, compor o contingente de domicílios a serem substituídos.
Assim, no agrupamento da inadequação habitacional “foram reunidos os
domicílios com uma ou várias carências, mas que não demandam automaticamente
substituição, uma vez que ou não apresentam problemas de mesma gravidade, ou há
diferenças de graus entre os domicílios agrupados no mesmo componente” (ibid.). A SEADE
ressalta, ainda, que as moradias classificadas na inadequação podem ser transferidas para o
127
déficit quando, no caso particular, não houver possibilidades de garantir a habitabilidade
requerida mediante programas alternativos à sua substituição.
Vimos, portanto, que a SEADE cuida para não superestimar o déficit, mesmo
com a eventual superestimativa da parcela de moradias inadequadas. Deste modo, os
domicílios com ônus excessivo de aluguel são alocados na inadequação – ao contrário da FJP,
que os insere no déficit – com o seguinte argumento:
“ (...) a identificação dos casos em que existe comprometimento excessivo da
renda com aluguel e que devem ser transferidos para o déficit depende das ações e
programas previstos para resolver essa carência - se específicos de uma política
habitacional ou de soluções mais amplas, de política social; por exemplo: podem
ser identificadas as famílias mais carentes e destinadas a elas um programa de
complementação da renda” (SEADE, 2001, p.67).
Com isso, a SEADE explicita que o problema do ônus excessivo com aluguel
pode ser resolvido de diferentes formas, e não somente através da alocação da família para um
outro domicílio.
É importante lembrar que a FJP, na primeira versão do cálculo do déficit
habitacional, publicado em 1995, classificou o ônus excessivo com aluguel como uma
inadequação (e não como déficit), como faz a SEADE. No entanto, houve críticas a esse
respeito, o que levou a FJP, na versão de 2000, a transferir o ônus com aluguel para o déficit.
Algumas das críticas foram levantadas por CARDOSO e RIBEIRO (1999):
“A inadequação, da forma como é utilizada no estudo da Fundação João Pinheiro,
diz respeito a um conjunto de moradias que não precisam ser substituídas, mas que
podem ser “melhoradas” ou complementadas em alguns de seus elementos
constituintes (internos ou ambientais). (...) Já as famílias de baixa renda que
pagam um aluguel excessivo formam uma parcela da população em situação de
carência extrema, que necessita de acesso à moradia e não de melhorias. A única
alternativa para que se tratasse tal critério no âmbito do conceito de inadequação
seria no caso de políticas de controle de aluguéis ou de complementação de renda,
o que não faz parte da nossa experiência recente”.
A afirmação dos autores de que políticas de controle de aluguéis ou de
complementação de renda não fazem parte da nossa experiência recente pode ser questionada.
128
Por exemplo, a Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano do município de São
Paulo implementou, durante a gestão de Marta Suplicy (2001-2004), os programas “Locação
Social” e “Bolsa Aluguel”, destinados a viabilizar o aluguel para famílias de baixa renda. Pelo
primeiro programa, a prefeitura constrói ou reforma imóveis para alugar a famílias com renda
mensal de até três salários mínimos, sendo que o valor pago é proporcional à renda e ao
tamanho da família. Já o “Bolsa Aluguel” é um auxílio mensal de R$ 200 a R$ 300 dirigido a
quem recebe até seis salários-mínimos
24
.
Evidentemente, há casos em que o ônus excessivo com aluguel determina a
remoção da família para outro domicílio, mas não sempre, razão pela qual se defende que essa
carência seja incluída na inadequação, como procede a SEADE.
Portanto, no âmbito desta pesquisa serão admitidos como integrantes do déficit
apenas os domicílios que apresentam alto grau de precariedade (incluindo os domicílios de
construção precária, os domicílios em cortiço e os improvisados) e ainda a coabitação
familiar, essa somente nos casos onde houver densidade excessiva de moradores. Isso
significa que as outras carências sistematizadas não incluem o domicílio, ao menos em
princípio, no déficit habitacional, compondo a inadequação. O QUADRO 14 apresenta a
classificação das carências quanto ao déficit ou inadequação.
24
De acordo com a publicação “HABITASAMPA”, distribuída pela Secretaria da Habitação e Desenvolvimento
Urbano da Prefeitura de São Paulo, durante a gestão de Marta Suplicy.
129
QUADRO 14: Classificação das carências habitacionais quanto ao déficit ou inadequação
Déficit Inadequação
Precariedade da construção;
Improvisação do domicílio;
Cortiço;
Coabitação familiar.
Depreciação
Localização em áreas inapropriadas;
Ônus excessivo com aluguel;
Densidade excessiva de moradores;
Inadequação da infra-estrutura urbana;
Espaço interno insuficiente;
Insegurança de posse;
Irregularidade na construção.
Fonte: Elaboração própria
Após uma análise e sistematização das carências habitacionais contempladas
em cada um dos sistemas pesquisados, a próxima etapa da pesquisa consiste em analisar
comparativamente os indicadores utilizados pelos sistemas para mensurar cada uma das
carências apresentadas no QUADRO 14.
130
5. ANÁLISE COMPARATIVA DOS INDICADORES DE
CARÊNCIA HABITACIONAL
Após uma sistematização das carências habitacionais avaliadas pelos sistemas
pesquisados, feita no capítulo anterior, torna-se possível analisar os indicadores utilizados
para mensurar cada modalidade de carência habitacional identificada, com base nos critérios
de seleção definidos no Capítulo 2. Desse modo, pretende-se identificar alguns limites e
potencialidades dos indicadores para a formulação de políticas públicas, visando a um
aprimoramento metodológico.
Analisando os sistemas da Fundação João Pinheiro, Fundação SEADE e
HABITAT, é certo que o contexto e os objetivos mais específicos de cada um exerceram
influência na seleção dos respectivos indicadores. Nesse sentido, uma primeira diferença a ser
ressaltada entre os sistemas é a região geográfica abordada. O primeiro considerou, na
elaboração dos indicadores, todo o território nacional, enquanto que o segundo considerou as
áreas urbanas da Região Metropolitana de São Paulo e de municípios do interior do Estado
com população urbana acima de 50 mil habitantes, e o terceiro abrangeu todos os 191 países
membros das Nações Unidas.
A região geográfica é um fator importante na seleção dos indicadores, uma vez
que a concepção de padrão mínimo de moradia digna está ligada a aspectos históricos e
regionais (SEADE, 2001). No entanto, no caso dos sistemas selecionados, essa diferença não
impede uma análise comparativa entre eles, visando a um aprimoramento das estimativas de
cálculo das carências habitacionais urbanas no Brasil. De um lado porque, sendo o Brasil um
país membro das Nações Unidas, os indicadores propostos pela HABITAT são aplicáveis
também neste país.
131
De outro lado, temos os indicadores da Fundação SEADE que, sendo
elaborados para o Estado de São Paulo, podem ser aplicados em outros Estados brasileiros, de
acordo com o pressuposto metodológico enunciado, que admite um único padrão de moradia
digna para todo o país. Nesse caso, vale ressaltar que algumas especificidades do Estado de
São Paulo, não relacionadas ao padrão mínimo de moradia, que porventura tenham sido
incorporadas no modelo da Fundação SEADE, serão tratadas com o devido cuidado na análise
dos indicadores.
Uma segunda diferença entre os sistemas pesquisados diz respeito à fonte de
informação. Temos que a Fundação João Pinheiro (2001) e a Fundação SEADE selecionaram
seus indicadores com base em fontes de informação pré-determinadas. Com a HABITAT,
ocorreu o inverso, uma vez que a escolha dos indicadores não esteve condicionada a nenhuma
fonte de dados. Nesse caso, os especialistas se preocuparam em selecionar indicadores cujas
informações necessárias seriam mais facilmente encontradas nos órgãos oficiais de estatísticas
de cada país, principalmente nos censos demográficos. No entanto, para alguns dos
indicadores propostos, a própria HABITAT reconhece que dificilmente haverá informação
disponível nos órgãos oficiais. Em tais casos, ela recomenda a utilização de fontes não
oficiais, ou até mesmo a criação de novas pesquisas para a obtenção dos dados (HABITAT,
2003).
Observa-se, portanto, que a fonte de informação influenciou de forma diferente
na seleção dos indicadores de cada um dos três sistemas pesquisados. Para a Fundação João
Pinheiro e Fundação SEADE, as informações já disponíveis nas fontes de dados foram fatores
limitantes na seleção, sendo que o mesmo não aconteceu com a HABITAT.
Assim, convém registrar que, no presente trabalho, a análise dos indicadores –
especialmente quanto ao critério de acessibilidade à informação - não estará atrelada a
132
nenhuma fonte de dados específica porque, como já demonstrado, não há, no Brasil,
informação sobre as carências habitacionais disponível para todos os municípios, em uma
periodicidade adequada.
Portanto, para cada modalidade de carência habitacional identificada no
capítulo anterior, será feita uma análise dos indicadores propostos pelos sistemas pesquisados
com base nos critérios de seleção relacionados no Capítulo 2, a saber:
a) Validade: deve haver uma boa relação entre o conceito e a medida;
b) Acessibilidade à informação: as informações requeridas pelos indicadores devem estar
disponíveis ou serem de produção e manutenção factíveis;
c) Comparabilidade: os indicadores devem permitir a comparação temporal e espacial;
d) Padronização: os indicadores devem ser traduzidos em números, em uma escala adimensional
e independente do tempo;
e) Clareza: os indicadores devem ser claros para seus usuários, transmitindo a informação de
maneira simples e compreensível, sem ambigüidade;
f) Cobertura e especificidade: os indicadores devem ter cobertura e diversidade, e não devem se
sobrepor;
g) Seletividade: os indicadores devem expressar características essenciais.
O critério da validade prega que deve haver uma boa relação entre o indicador
e a carência habitacional que se deseja avaliar, para que a medida seja válida, o que envolve a
discussão do padrão mínimo de moradia digna no meio urbano brasileiro. Em outras palavras,
significa discutir o que caracteriza, por exemplo, um adensamento excessivo ou um espaço
interno insuficiente em uma habitação.
A acessibilidade à informação orienta o processo de seleção para que não
sejam selecionados indicadores cujas informações necessárias exijam um esforço de coleta de
dados incompatível com os recursos (financeiros, humanos, etc.) disponíveis.
Para que os indicadores tenham comparabilidade, é interessante que seja
admitido um único padrão de moradia digna para todas as áreas urbanas do Brasil. E, ainda,
133
torna-se altamente recomendável a criação de um único sistema de informações habitacionais
para todo o país, para que haja uniformização dos conceitos e procedimentos adotados,
possibilitando a aplicação e a comparação dos indicadores em todo o território nacional.
Para atender ao critério da padronização, é importante que os indicadores
sejam traduzidos em “número de domicílios” e quantifiquem sempre os domicílios
inadequados, ao invés de quantificar os domicílios adequados. Tais procedimentos facilitam
enormemente a análise das informações, permitindo a comparação e a sobreposição dos
indicadores e a desagregação de seus resultados, sendo de especial interesse para o poder
público.
Atendendo ao critério da clareza, procurar-se-á identificar qualquer
ambigüidade nos indicadores, que possa gerar interpretações equivocadas por parte de seus
usuários.
De acordo com o critério da cobertura e especificidade, os indicadores devem
ter cobertura e diversidade, e não podem se sobrepor. A cobertura e diversidade são
importantes para que os indicadores sejam capazes de captar as principais carências do
domicílio tanto nas suas características de construção e de espaço, como nas formas de
ocupação desse espaço. Embora importante, esse critério traz em si um grande desafio, visto
que muitas carências são difíceis de serem mensuradas, quando se trata da cidade real e não
da legal.
Quanto à exigência de que os indicadores não devem se sobrepor, no cálculo
do déficit habitacional este critério se aplica, já que é importante que os indicadores sejam
mutuamente excludentes, para que não haja dupla contagem dos domicílios a serem repostos.
O mesmo critério, no entanto, não se aplica no cálculo da inadequação, uma vez que, para a
formulação de políticas públicas, interessa mais saber quais carências o domicílio possui, o
134
que permite que um mesmo domicílio seja considerado inadequado segundo mais de uma
carência, havendo, assim, sobreposição de indicadores.
Por fim, segundo o critério da seletividade, os indicadores devem expressar
características essenciais das carências habitacionais. Assim, indicadores que se atêm a
características muito específicas da habitação, ou de pouca importância para a formulação de
políticas públicas, devem ser evitados.
Convém ressaltar que, na análise dos indicadores, todos esses critérios serão
analisados de forma conjunta, e não individualmente. Será dada ênfase, no entanto, aos
critérios da “validade” e da “acessibilidade à informação”, por serem critérios mais relevantes
na seleção dos indicadores. Em outras palavras, a análise dos indicadores envolverá,
sobretudo, uma discussão sobre o padrão mínimo de moradia digna, e sobre o procedimento
de coleta dos dados dos indicadores.
Por fim, torna-se necessário homogeneizar a unidade básica de coleta de dados
dos indicadores. No presente trabalho, será adotado como unidade básica de coleta dos dados
o domicílio (conforme definição adotada pelo Censo Demográfico 2000), e não o hogar
(unidade doméstica), já que o poder público tem interesse em quantificar os domicílios com
inadequações. Uma vez que a HABITAT utiliza o hogar como unidade de coleta, faz-se
necessário substituí-lo por “domicílio”, para que haja uniformidade na análise dos
indicadores, muito embora haja pouca diferença entre esses dois conceitos na prática
25
.
25
Pelos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares – POF/ IBGE – de 1996, citados pela Fundação SEADE
(2001), o total das zonas urbanas das nove regiões metropolitanas brasileiras perfaz 11.813.300 domicílios
particulares permanentes e 11.845.194 “unidades de consumo” (ou “unidades domésticas”) isto é, uma média de
1,003 unidades de consumo por domicílio, ou seja, um excedente de menos de 3% sobre o total de domicílios.
135
5.1 As carências avaliadas e os indicadores utilizados
Feita uma breve introdução sobre os principais pontos que delinearão a análise
dos indicadores utilizados pela Fundação João Pinheiro, Fundação SEADE e HABITAT para
a quantificação das carências habitacionais, podemos, então, passar ao passo seguinte, que
consiste em analisar todos os indicadores utilizados pelos três sistemas pesquisados, os quais
foram inseridos, com o intuito de facilitar a análise, em doze modalidades de carência
habitacional (ver QUADRO 14). A análise será iniciada pelas carências enquadradas no
déficit – a precariedade da construção, a improvisação do domicílio, os cortiços e a coabitação
familiar –, passando, então, às carências da inadequação – depreciação, localização em áreas
inapropriadas, ônus excessivo com aluguel, densidade excessiva de moradores, inadequação
da infra-estrutura urbana, espaço interno insuficiente, insegurança de posse e irregularidade na
construção.
Cálculo do déficit habitacional
5.1.1 Precariedade da construção
A precariedade da construção é uma carência avaliada pelos três sistemas
pesquisados – Fundação João Pinheiro, Fundação SEADE e HABITAT, podendo abranger a
qualidade do piso, das paredes e do telhado da habitação. Apesar dessa ampla abrangência, os
indicadores da FJP e da SEADE só levam em consideração a qualidade das paredes, sendo o
indicador da HABITAT o único a abordar a carência de uma forma mais ampla, conforme
apresenta o QUADRO 15.
QUADRO 15: Indicadores utilizados para identificar a precariedade da construção
INDICADORES DE PRECARIEDADE DA CONSTRUÇÃO
- Número de domicílios rústicos: número de domicílios que não possuem paredes de alvenaria ou madeira
aparelhada (FJP).
136
- Número de barracos (isolados ou em favela) (SEADE).
Proporção de domicílios duráveis, o que leva em conta:
- a qualidade da construção (p. ex. os materiais utilizados nas paredes, no piso e no teto) (HABITAT).
Fonte: Elaboração própria
A começar pela FJP, vemos que ela identifica a precariedade da construção
pelo número de domicílios rústicos, que são definidos pelo tipo de material utilizado na
construção das paredes externas – aqueles que não possuem paredes de alvenaria ou madeira
aparelhada. A SEADE quantifica os barracos, estejam eles isolados ou situados em favelas,
sendo um barraco definido como uma “moradia com as paredes externas feitas, total ou
parcialmente, com material não apropriado para um domicílio ou reaproveitado (madeira
fabricada para fins de embalagem, construção de tapumes, andaimes, etc.; placa, zinco,
papelão, plástico, etc.), que permita sua identificação pela observação” (SEADE, 2001,
p.155).
Embora haja muita semelhança entre os dois indicadores, uma vez que ambos
se atentam para o material utilizado nas paredes externas do domicílio, temos que o indicador
da FJP identifica os domicílios adequados, enquanto que o da SEADE identifica os não-
adequados. Comparando os dois, o indicador da FJP se mostra menos preciso ao considerar
somente dois tipos de materiais como adequados (a madeira aparelhada e a alvenaria),
excluindo, assim, inúmeros outros materiais que também podem gerar conforto e segurança
para os moradores, como a taipa e a pedra, quando construídos corretamente. Já a Fundação
SEADE identifica os domicílios construídos com materiais precários, abrindo, então, a
possibilidade para que outros materiais de construção, além da madeira e da alvenaria, possam
ser considerados adequados.
Com relação ao procedimento de coleta de dados, para o indicador da
Fundação João Pinheiro é feita uma pergunta pelo pesquisador ao morador do domicílio,
137
sobre qual o material que predomina nas paredes externas do domicílio. As opções dadas são:
alvenaria; madeira aparelhada; taipa não revestida; madeira aproveitada; palha; ou outro
material especificado (PNAD, 2004b). Já a Fundação SEADE identifica os barracos pela
observação do entrevistador, de acordo com definição de “barraco” já mencionada. Esse
procedimento possui a vantagem de homogeneizar a identificação dos materiais de construção
precários, evitando distintas interpretações que podem ocorrer sobre a segurança dos
materiais, quando a pergunta é dirigida aos moradores.
O indicador da HABITAT apenas sugere, de maneira genérica, quais itens
poderiam ser avaliados (materiais utilizados nas paredes, no piso e no teto, etc.). O IPEA
(2004), considerando o contexto brasileiro e as informações disponíveis nas PNADs, adaptou
este indicador para número de domicílios com materiais não duráveis nas paredes e no teto.
A avaliação dos materiais utilizados nas paredes, no piso e no teto pode, sem
dúvida, proporcionar um diagnóstico mais amplo da qualidade de construção. No entanto,
desses três componentes da habitação, o único que, quando construído com material
inapropriado, implica necessariamente a substituição da moradia, é a parede externa. Nos
domicílios com piso e/ou cobertura feitos com material inapropriado, torna-se possível ao
menos um estudo que considere a possibilidade de reformas na moradia. Por esse motivo,
parece mais adequado que, na contabilização do déficit habitacional, somente a parede
externa da habitação seja analisada. Desse modo, os materiais utilizados no piso, no telhado e
nas paredes internas também poderiam ser avaliados, porém no cálculo da inadequação e de
modo análogo a que as paredes externas são avaliadas pela SEADE: identificando os
materiais inadequados, pela observação direta do entrevistador.
138
5.1.2 Improvisação do domicílio
A quantificação dos domicílios improvisados é feita somente pela FJP, que
extrai a informação do Censo Demográfico. Este classifica um domicílio em “particular
improvisado” quando está localizado em unidade não-residencial (loja, fábrica, etc.) que não
possui dependências destinadas, exclusivamente, à moradia, mas que, na data de referência do
Censo, estava ocupado por morador. Os prédios em construção, vagões de trem, carroças,
tendas, barracas, grutas, etc., que estavam servindo de moradia na data de referência, também
são considerados como domicílios improvisados (CENSO, 2000). O QUADRO 16 apresenta
o indicador adotado pela FJP.
QUADRO 16: Indicador utilizado para identificar os domicílios improvisados
INDICADOR DE IMPROVISAÇÃO DOS DOMICÍLIOS
Número de domicílios improvisados (FJP).
Fonte: Elaboração própria
Os domicílios improvisados representam, sem dúvida, a carência habitacional
mais grave e a sua inclusão no déficit é inquestionável. A quantificação desses domicílios
possui, no entanto, uma limitação, uma vez que só pode ser feita por uma pesquisa censitária,
o que ocorre no Brasil somente a cada dez anos. Levantamentos por amostragem não podem
considerar tais domicílios, como apontam GENEVOIS e COSTA (2001).
5.1.3 Cortiço
Os cortiços foram contemplados tanto pela Fundação SEADE como pela
Fundação João Pinheiro. Esta última computou os “cômodos alugados e cedidos”, sendo o
“cômodo” definido como o domicílio que ocupa um ou mais cômodos de uma casa de
139
cômodos, cortiço, cabeça-de-porco, etc
26
, se diferenciando, portanto, do domicílio do tipo
“casa” ou “apartamento”. Trata-se de uma informação que é levantada por meio de
observação direta do entrevistador. O QUADRO 17 expõe os indicadores da FJP e da
SEADE.
QUADRO 17: Indicadores utilizados para identificar os cortiços
INDICADORES DE DOMICÍLIOS EM CORTIÇO
- Número de cômodos alugados e cedidos (FJP);
- Número de domicílios em cortiços (SEADE).
Fonte: Elaboração própria
Com relação ao primeiro indicador – número de cômodos alugados e cedidos -,
a FJP assim justifica a sua consideração:
“A residência em cortiços ou cabeças-de-porco é geralmente considerada não
adequada. Porém, o fato de os domicílios neles localizado ser próprio atenua a
restrição em termos habitacionais, permitindo melhorias no imóvel. A
consideração dos cômodos cedidos ou alugados como déficit habitacional adveio
justamente do mascaramento de uma situação de convivência familiar real e
economicamente compulsória, através do compartilhamento de instalações
sanitárias e até de uso de pontos de água no lote” (FJP, 2001, p.39).
Essa opção metodológica foi posteriormente revista em 2004, quando a FJP
decidiu incluir no déficit também os cômodos próprios, “devido aos questionamentos e
sugestões dos especialistas presentes à reunião técnica na qual foram discutidos os parâmetros
da pesquisa” (FJP, 2004, p.17).
A Fundação SEADE (2001) também computa todos os domicílios em cortiços
– sejam eles próprios, alugados ou cedidos –, no entanto, são todos alocados na
“inadequação”. Segundo a fundação, o que vai determinar a inclusão de tais domicílios no
26
Definição essa que consta na PNAD de 1999, a qual serviu como fonte de dados para o trabalho da FJP, sendo
a mesma definição adotada pelos Censos Demográficos.
140
déficit são as possibilidades de garantir condições de habitabilidade (solidez da edificação,
segurança e salubridade do arcabouço e das instalações internas, etc.).
A inclusão dos cômodos alugados e cedidos na “inadequação”, como faz a
SEADE, parece uma cautela excessiva, uma vez que, nesses casos, não há possibilidade de
serem feitas melhorias no imóvel. Deste modo, considera-se mais aconselhável a opção da
FJP, que inclui esses domicílios no déficit. Por outro lado, os cômodos próprios podem ser
alocados na “inadequação”, já que muitos deles podem ser melhorados por meio de reformas,
como atesta a SEADE (2001) e a própria FJP (2001).
Vale lembrar, ainda, que a identificação dos domicílios em cortiço não deve
considerar os domicílios de construção precária, para que não haja dupla contagem no cálculo
do déficit habitacional.
5.1.4 Coabitação familiar
A coabitação familiar é considerada no cálculo das carências habitacionais
somente pela FJP (2001), pelos indicadores número de famílias conviventes, e número de
cômodos alugados e cedidos. Uma vez que o segundo indicador foi inserido na identificação
dos cortiços, a discussão da coabitação envolverá a análise apenas do primeiro indicador, o
qual é exposto no QUADRO 18.
QUADRO 18: Indicador utilizado para identificar a coabitação familiar
INDICADOR DE COABITAÇÃO FAMILIAR
- Número de famílias conviventes (FJP).
Fonte: Elaboração própria
Temos que a FJP considera toda família convivente, que reside junto a outra
família denominada principal, um déficit habitacional, com a justificativa de que “não é
141
apenas desejável, mas possível e esperado que toda família nuclear possa ter acesso a um lar
exclusivo” (FJP, 2001). As famílias são definidas como: a) a pessoa que mora sozinha; b) o
conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco ou dependência doméstica; c) as pessoas
ligadas por normas de convivência. Entende-se por “dependência doméstica” a situação de
subordinação dos empregados domésticos e agregados em relação ao chefe da família, e por
“normas de convivência”, o cumprimento de regras estabelecidas para convivência de pessoas
que residem no mesmo domicílio e não estão ligadas por laços de parentesco ou dependência
doméstica (CENSO, 2000).
O procedimento de coleta segundo o Censo consiste em verificar a relação de
todos os moradores com a pessoa responsável pelo domicílio, e com a pessoa responsável pela
família, quando houver mais de uma família no domicílio. As opções dadas são: a) pessoa
responsável; b) cônjuge, companheiro; c) filho, enteado; d) pai, mãe, sogro; e) neto, bisneto;
f) irmão, irmã; g) outro parente; h) agregado; i) pensionista; j) empregado doméstico; k)
parente do empregado doméstico; e l) individual em domicílio coletivo.
As famílias conviventes secundárias são constituídas por, no mínimo, duas
pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência e
que residem em um mesmo domicílio com outra família, denominada principal. O
responsável pela família principal é também o responsável pelo domicílio.
Conforme já mencionado, ALVES e CAVENAGHI (2005) questionam a
inclusão de todas famílias conviventes secundárias no déficit, com o argumento de que
“pressupor que toda família nuclear queira ter um domicílio é ignorar as formas criativas de
sociabilidade da população e o fato de que os cidadãos, às vezes, optam por viver em famílias
estendidas e arranjos amplos, com a presença de múltiplas gerações e parentes”.
142
Os autores demonstram, com dados do Censo Demográfico de 2000, que o
fenômeno da convivência refere-se, na grande maioria das vezes, a famílias estendidas, isto é,
famílias multi-geracionais (pais, filhos e netos) ou famílias estendidas horizontais, que são
aquelas que contam com algum parente do responsável (ou do cônjuge) do domicílio (irmão,
tio, primo, etc.). Mostram, ainda, que a família estendida pode ser encarada como uma
estratégia de sobrevivência, cujo arranjo familiar conjunto eleva o nível de renda do domicílio
e garante a ajuda mútua entre os diversos moradores, que buscam inclusive uma utilização
mais ampla do domicílio próprio.
A partir desse estudo, os autores sugerem que sejam incluídos no déficit apenas
os domicílios com famílias conviventes que possuem uma densidade excessiva de moradores,
o que parece razoável diante dos dados apresentados. Se não resta dúvida que o ideal para as
famílias nucleares é seguir o ditado “quem casa quer casa”, os processos de ampliação e
contração dos arranjos de residência estabelecem estratégias familiares que respondem a
constrangimentos de várias ordens (demográficos, sociais, culturais, econômicos), de modo
que, como coloca a SEADE (2001), é extremamente arriscado atribuir-se a ocorrência das
famílias estendidas a um fator específico, seja ele o déficit habitacional ou a instabilidade do
emprego.
Cálculo da inadequação dos domicílios
5.1.5 Depreciação
Passando às carências enquadradas na “inadequação”, a primeira a ser
abordada é a depreciação, incorporada no método de cálculo da Fundação João Pinheiro. Esta
procura quantificar os domicílios que necessitam de reposição e de manutenção, tendo em
vista a idade da construção.
143
Segundo a FJP, estimativas baseadas em estudo de caso referente ao município
de Belo Horizonte
27
informam que os domicílios construídos há 50 anos ou mais, em 2000,
ainda em uso residencial, representam 23% do total dos domicílios recenseados em 1950,
grande parte não apresentando graves problemas de habitabilidade. A FJP decidiu extrapolar
esse percentual para a região metropolitana de Belo Horizonte e, em seguida, para as demais
regiões metropolitanas. Após ter definido o universo de domicílios depreciados, a FJP decidiu
- de uma maneira exploratória - admitir que, para regiões metropolitanas, 15% das habitações
do referido universo precisariam ser repostas, e o restante necessitaria de manutenção. Para as
demais unidades da federação, foi adotado que 20% dos domicílios urbanos recenseados em
1950 ainda estavam sendo utilizados para fins residenciais em 2000 e, desse contingente, 10%
deveriam ser repostos (sendo que o restante – 90% - precisariam de manutenção).
Conforme já mencionado, a FJP não computou os domicílios situados em áreas
rurais argumentando que, em face do grande êxodo rural brasileiro ocorrido a partir da década
de 50, não faria sentido a preocupação com a reposição de domicílios rurais que foram
abandonados. O QUADRO 19 apresenta o indicador utilizado pela FJP para o cálculo da
depreciação.
QUADRO 19: Indicador utilizado para identificar a depreciação
INDICADOR DE DEPRECIAÇÃO
Número de domicílios depreciados: para as regiões metropolitanas, foi estipulado que 23% dos domicílios
recenseados em 1950 ainda possuem fins residenciais em 2000, estando estes depreciados (15% necessitando
de reposição, e o restante (85%) necessitando de manutenção). Para as demais unidades da federação,
estimou-se em 20% a parcela dos domicílios urbanos recenseados em 1950 ainda sendo utilizados para fins
residenciais em 2000, os quais foram considerados depreciados (10% necessitando de reposição, e o restante
- 90% - necessitando de manutenção) (FJP, 2001).
Fonte: Elaboração própria
27
Levantamento do Cadastro de Imóveis da Prefeitura de Belo Horizonte, que informaram a idade e o uso atual
das edificações (FJP, 2001).
144
Como a própria FJP atesta, a avaliação dos domicílios depreciados ainda é feita
de maneira exploratória. Segundo a FJP (2001), a definição da extensão da vida útil de uma
moradia urbana depende de uma vasta gama de elementos, dos quais não sem tem clareza,
para tentar quantificar o saldo líquido do estoque de moradias com mais de 40 ou 50 anos de
construção que devem ser repostas para fins habitacionais. Como exemplo, ela cita elementos
de ordem cultural (aceitação social, status, etc.), do tipo de construção (casas são passíveis de
reformas estruturais, enquanto prédios de apartamento não), da sua nomeação como
patrimônio histórico, das características do processo de especulação imobiliária, do
zoneamento urbano por funções (casas antigas podem passar para uso comercial) e do
adensamento em áreas urbanas mais valorizadas (casas ainda dentro do prazo de vida útil
podem ser derrubadas para a construção de prédios).
Em face da complexidade dessa análise, a FJP adotou hipóteses simplificadoras
para o cálculo da depreciação que, segundo ela própria, ainda carecem de sustentação factual.
No estudo divulgado em dezembro de 2004, sobre o déficit habitacional em municípios e
microrregiões geográficas, a própria FJP optou por desconsiderar o cálculo da depreciação,
“em função da grande complexidade dos cálculos necessários e da fragilidade factual da
hipótese adotada” (FJP, 2004, p.18). Segundo a FJP (ibid.), a extrapolação da experiência de
Belo Horizonte resultou, no cálculo do déficit habitacional em 2001, em números
conservadores para o total das unidades da Federação.
5.1.6 Localização em áreas inapropriadas
A localização em áreas inapropriadas é abordada pelos três sistemas
pesquisados, ainda que usando indicadores distintos. Conforme já mencionado, esta engloba o
indicador de “irregularidade fundiária”, da FJP, o indicador de “localização em favela”, da
145
SEADE, e o indicador de “localização em áreas inapropriadas”, da HABITAT, por causa da
alta correlação existente entre eles.
Temos que a FJP introduziu o indicador de irregularidade fundiária procurando
quantificar os domicílios cujos moradores declaram não ter a propriedade do terreno e sim
apenas da construção, aflorando, portanto, o problema da posse da terra em favelas, vilas e
áreas ocupadas (FJP, 2001).
Já a SEADE quantifica os domicílios em favelas, que podem ser consideradas
um tipo de irregularidade fundiária. A favela é definida como um agrupamento de moradias
situado em área ocupada de forma desordenada (ou seja, sem delimitação das ruas e das
calçadas, com distâncias variáveis entre as moradias, etc.), onde as edificações são
construídas com material apropriado ou adaptado. Não depende de número mínimo de
domicílios e é identificada pelo listador de endereços, em etapa anterior à definição da
amostra (SEADE, 2001).
A avaliação da localização em áreas inapropriadas, por sua vez, inserida no
indicador de “durabilidade da habitação” da HABITAT, procura identificar os domicílios
situados em zonas de risco, levando em conta: habitações assentadas em áreas de risco
geológico (áreas sujeitas a escorregamentos, terremotos e inundações); habitações assentadas
sobre aterros sanitários; habitações próximas de áreas de alta contaminação industrial; e
habitações próximas a outras zonas de alto risco, como por exemplo, linhas de trens-de-ferro,
aeroportos e linhas de transmissão de energia (HABITAT, 2003). O QUADRO 20 apresenta
os indicadores utilizados pelos três sistemas.
QUADRO 20: Indicadores utilizados para avaliar a localização em áreas inapropriadas
INDICADORES DE LOCALIZAÇÃO EM ÁREAS INAPROPRIADAS
Domicílios situados em favelas (SEADE)
146
Proporção de domicílios duráveis, o que leva em conta:
- o local onde eles estão assentados (são considerados locais perigosos: zonas de risco geológico, aterros
sanitários, áreas de alta contaminação industrial, etc.) (HABITAT).
Domicílios em situação de irregularidade fundiária (FJP).
Fonte: Elaboração própria
Analisando os três indicadores utilizados, é possível afirmar que a identificação
somente dos domicílios situados em favelas, como faz a SEADE, acaba por deixar de fora do
cálculo inúmeros outros casos de localização inadequada dos domicílios, tais como áreas de
risco geológico, de preservação ambiental ou de contaminação industrial, que nem sempre
estão situados em favelas. A desconsideração desses casos certamente acarreta em uma
subestimação das necessidades habitacionais pela SEADE.
CARDOSO (1998), comentando sobre a importância da consideração da
irregularidade da moradia popular no cálculo das necessidades habitacionais, coloca as
diversas situações que podem ser encontradas:
“Um dos elementos centrais no debate sobre as políticas habitacionais diz respeito
ao acesso à terra e à questão da irregularidade da moradia popular. Isso se deve,
por um lado, aos mecanismos informais através dos quais a população enfrenta os
limites do mercado fundiário e habitacional, e, por outro lado, a uma precarização
da moradia, seja no seu aspecto jurídico, seja no aspecto urbanístico e de infra-
estrutura, seja ainda no aspecto ambiental. Favelas, loteamentos clandestinos e
ocupações em áreas de risco ou de preservação ambiental revelam as faces
públicas desse mercado informal. (...) A informalidade, o risco e a ocupação de
áreas de preservação colocam-se, assim, como questões fundamentais para se
pensar, de forma mais abrangente, a problemática do déficit habitacional”.
Ao relacionar três elementos fundamentais – a informalidade, o risco e a
ocupação de áreas de preservação -, ligados à irregularidade da moradia, o autor extrapola,
portanto, o caso dos domicílios situados em favelas.
Já o indicador da HABITAT, diferentemente da SEADE, menciona uma série
de situações – domicílios situados em áreas de risco geológico, aterros sanitários,
contaminação industrial, etc. – que caracterizam uma zona de risco para a localização dos
147
domicílios. Aí, no entanto, ocorre um outro problema, que diz respeito ao levantamento de
informações. A identificação dos domicílios situados em zonas de risco não é simples, já que
envolve a opinião de peritos (para identificar áreas de risco geológico e de contaminação
industrial, por exemplo). Trata-se de um esforço de coleta que pode até ser incorporado em
levantamentos em âmbito local, mas provavelmente se mostraria inviável nacionalmente.
Segundo CARDOSO (1998), as informações no Brasil sobre domicílios
situados em áreas de risco e em áreas de proteção ambiental só existem – quando existem
em nível local. Todavia, atesta o autor:
esse fato não deve levar a uma desconsideração pura e simples dessas
informações, mas sim a um esforço no sentido de que se produzam estatísticas cada
vez melhores, permitindo identificar esses casos e computá-los no déficit, senão
nacional, pelo menos local”.
O indicador da FJP, embora não avalie diretamente a localização dos
domicílios, identifica aqueles que estão em situação de irregularidade fundiária, abrangendo
situações como: a terra em condições ilegais comprada pelo morador; o loteamento irregular,
parcialmente aprovado pela prefeitura, não registrado em cartório; o loteamento clandestino,
executado e vendido sem nenhuma formalização nos órgãos públicos; o loteamento
"dissimulado", um fenômeno mais recente, de ocupações organizadas por "associações"
(imobiliárias clandestinas), cuja diretoria, que tem ligações com o proprietário do solo, cobra
dos moradores o direito ao lote ilegal; e a terra invadida por favelas, áreas públicas ou
privadas ocupadas por não proprietários, sem anuência, mas sem expulsão por parte do dono,
onde os moradores edificam casas à margem dos códigos legais de parcelamento do solo e
edificação.
A identificação da irregularidade fundiária, portanto, tem a vantagem de
abarcar inúmeras situações distintas, sendo de fácil identificação (podendo ser levantada
através de pesquisa domiciliar). É certo que, uma vez que o indicador abrange diversas
148
situações, ele pode ser desagregado, por exemplo, entre domicílios situados em favelas, em
áreas de risco geológico, em áreas de preservação ambiental, em áreas de contaminação
industrial e outras áreas inapropriadas que estiverem ocupadas em cada cidade, obviamente
dentro dos limites de exeqüibilidade da coleta de dados, já que a delimitação dessas áreas
envolve a ajuda de especialistas.
Com relação à coleta de dados para o indicador de irregularidade fundiária,
temos que o Censo Demográfico (2000) pergunta ao morador se o terreno em que se localiza
o domicílio é: próprio; cedido; ou outra condição. Já a PNAD (2004b) pergunta se o terreno
onde está localizado o domicílio é próprio, dando as opções de resposta “sim” e “não”. Tanto
o Censo como a PNAD restringem a pergunta aos domicílios próprios, partindo do
pressuposto de que nos domicílios com outra condição de ocupação (alugado, cedido, etc.) os
moradores dificilmente saberão responder se o proprietário do domicílio tem a posse do
terreno, o que mostra uma limitação no uso do indicador.
Outra limitação evidente é que, embora o indicador da FJP cubra
“teoricamente” uma série de situações de irregularidade fundiária, na prática o seus resultado
é consideravelmente impreciso, já que muitos moradores não respondem sinceramente quando
questionados sobre a posse do terreno.
5.1.7 Ônus excessivo com aluguel
O ônus excessivo com aluguel é contemplado tanto pela FJP quanto pela
SEADE, que procuram quantificar os domicílios cujas famílias despendem uma parcela
excessiva do orçamento com o aluguel.
Se por um lado há uma relativa aceitação de que domicílios nessa situação
representam uma carência habitacional, por outro, ainda há muita discussão sobre o que deve
149
ser considerado um ônus excessivo. Vejamos os indicadores adotados pela FJP e pela SEADE
(QUADRO 21):
QUADRO 21: Indicadores utilizados para identificar o ônus excessivo com aluguel
INDICADORES DE ÔNUS EXCESSIVO COM ALUGUEL
Domicílios urbanos com até 3 sm de renda familiar que despendem mais do que 30% com o aluguel (FJP).
Domicílios urbanos com até R$ 1.798,00 de renda familiar que despendem mais do que 30% com o aluguel
(SEADE).
Fonte: Elaboração própria
Analisando os indicadores, vemos que estes envolvem duas definições: a
primeira refere-se ao patamar de corte para separar as famílias mais carentes, e a segunda diz
respeito à porcentagem a ser considerada teto máximo aceitável para o pagamento do aluguel,
sem comprometer as demais necessidades básicas.
Para a primeira definição, a FJP considera no cálculo somente as famílias com
renda igual ou inferior a três salários mínimos - sendo a renda familiar definida, segundo o
Censo de 2000, como a soma dos rendimentos mensais de cada morador do domicílio com 10
anos ou mais de idade, exclusive os das pessoas cuja condição na família é pensionista,
empregado doméstico ou parente do empregado doméstico. A justificativa dada pela FJP é
que, a partir de entrevistas qualitativas feitas com lideranças de Minas Gerais dos
“movimentos dos sem-casa” e com representantes em nível nacional, constatou-se que a
maioria dos participantes de tais movimentos são famílias com renda de até três salários
mínimos, que lutam desesperadamente para sair do aluguel (FJP, 2001, p.14). Embora utilize
esse patamar de corte, a própria FJP reconhece que há uma certa subestimação em sua base de
cálculo, ressaltando que na Região Sudeste (e principalmente em São Paulo), a renda média
destas famílias tende a ser maior. Talvez essa constatação tenha sido levada em conta para
que a SEADE, que analisa somente o Estado de São Paulo, viesse a estipular um patamar de
150
corte mais elevado, que abrangesse 75% da população do Estado (o que correspondia, em
setembro de 1998, a uma renda familiar de R$ 1.798,00).
Dada a complexidade que envolve a escolha de um patamar de corte, uma
possível saída seria estipular um patamar mais alto, de dez salários mínimos
28
, com os
resultados do indicador desagregados segundo faixas de renda domiciliar (até 3 s.m; de 3 a 5;
e de 5 a 10), possibilitando ao governo definir a clientela dos programas habitacionais.
Para a segunda definição do indicador, tanto a FJP como a SEADE utilizam o
índice de comprometimento máximo de 30% da renda familiar, ambos se baseando no
parâmetro tradicional do antigo Banco Nacional da Habitação e, atualmente, da Caixa
Econômica Federal, que considera esta porcentagem o máximo tolerável de gasto direto com
a habitação (FJP, 2001; SEADE, 2001). No entanto, ambos também colocam que pode estar
havendo uma certa subestimação do índice utilizado, apontando que, para as famílias de
menor renda mensal (um salário mínimo, por exemplo), mesmo gastos de 10 a 30% podem
pesar excessivamente sobre o orçamento familiar.
Ainda que nos setores de menor renda uma ínfima porcentagem do orçamento
familiar destinado ao pagamento do aluguel já acarrete em prejuízo das demais necessidades
básicas, considera-se razoável a porcentagem adotada de 30%, tendo em vista que não só o
aluguel, mas os gastos com as demais necessidades básicas (p. ex. saúde, educação,
alimentação, etc.) também deveriam ser controlados.
5.1.8 Densidade excessiva de moradores
A quantificação dos domicílios com adensamento excessivo de pessoas é feita
pelos três sistemas pesquisados, embora utilizando indicadores distintos. A Fundação João
28
Já que na cidade de São Paulo, que é um caso extremo, há famílias participantes do “movimento dos sem-
casa” (inquilinos) com renda mensal de até dez salários mínimos (FJP, 2000, p.14).
151
Pinheiro procura mensurar esta carência através do número de pessoas por dormitório,
enquanto que o indicador da HABITAT avalia o número de pessoas por cômodo. O indicador
da Fundação SEADE, por sua vez, analisa duas situações distintas de densidade: a primeira
avaliando tanto o número de pessoas por dormitório quanto o número de pessoas por cômodo,
e a segunda que avalia se a sala ou a cozinha estão sendo utilizados como dormitório por um
ou mais moradores. O QUADRO 22 apresenta os indicadores utilizados por cada um dos três
sistemas.
QUADRO 22: Indicadores utilizados para identificar a densidade excessiva de moradores
INDICADORES DE DENSIDADE EXCESSIVA
Domicílios urbanos que possuem acima de três pessoas por dormitório (FJP).
Domicílios que possuem mais de uma pessoa por cômodo e, simultaneamente, mais de duas pessoas por
quarto ou; quando sala ou cozinha está sendo utilizada como dormitório por uma ou mais pessoas (SEADE).
Proporção de domicílios com pelo menos três pessoas por cômodo (HABITAT).
Fonte: Elaboração própria
Analisando esses indicadores, constata-se que a FJP considera como
inadequados os domicílios que possuem acima de três pessoas por dormitório, tomando como
base as médias estimadas de 3,8 pessoas por domicílio do Censo Demográfico de 2000, e de
4,2 do Censo de 1991 (FJP, 2001, p.17).
Já o indicador da HABITAT considera como inadequadas as habitações que
possuem acima de duas pessoas por cômodo, incluindo dormitórios, cozinha, sala, escritório,
área de serviço e outros espaços separados com fins residenciais (HABITAT, 2003). Nesse
caso, um domicílio de quatro cômodos, (quarto, sala, cozinha e banheiro), por exemplo, só
seria classificado como inadequado se tivesse mais de oito moradores. Para um país como o
Brasil, que possuía em 2000 uma média de 3,8 pessoas por domicílio, esse indicador parece
ser, portanto, exageradamente complacente. É o que confirma o IPEA (2004), ao adaptar esse
152
indicador para número de domicílios com mais de três pessoas por dormitório, o mesmo
utilizado pela FJP (2001).
O indicador da SEADE é o único que considera duas situações distintas: na
primeira, quando há mais de uma pessoa por cômodo e, simultaneamente, mais de duas por
dormitório; e na segunda situação, quando sala ou cozinha está sendo usada como dormitório
por uma ou mais pessoas.
Quanto à primeira situação, optou-se por simular algumas formas de ocupação
do domicílio para que se possa proceder à análise comparativa desse indicador com o
indicador da FJP. O QUADRO 23 apresenta essas simulações, juntamente com os resultados
gerados pelos indicadores da FJP e da SEADE.
QUADRO 23: Simulações com indicadores de densidade excessiva da FJP e SEADE
Cômodos existentes no
domicílio
Número de
cômodos
Número de
moradores/
dormitório
Classificação
segundo a FJP
Classificação
segundo a
SEADE
2 Adequado Adequado
3 Adequado Adequado
1 quarto, sala cozinha e banheiro 4
4
Inadequado Adequado
2 Adequado Adequado
3 Adequado Inadequado
2 quartos, sala, cozinha e
banheiro
5
4 Inadequado Inadequado
2 Adequado Adequado
3 Adequado Adequado
1 quarto, sala cozinha, banheiro,
despensa e área de serviço
6
4
Inadequado Adequado
2 Adequado Adequado
3 Adequado Adequado
2 quartos, sala, cozinha,
banheiro, despensa e área de
serviço
7
4 Inadequado Inadequado
Fonte: Elaboração própria
153
Analisando as linhas sombreadas, que mostram simulações em que a
classificação dos indicadores diverge, torna-se possível tirar algumas conclusões. A primeira
simulação em que ocorre divergência diz respeito a um domicílio que possui quarto, sala,
cozinha e banheiro e quatro pessoas no quarto. Para a Fundação João Pinheiro, este domicílio
estaria excessivamente adensado, enquanto que para a SEADE, estaria adequado.
A segunda simulação sombreada supõe um domicílio com dois quartos, sala,
cozinha e banheiro e três pessoas por dormitório (portanto seis moradores). Essa situação,
adequada para a FJP, é considerada inadequada pela SEADE, pois possui mais de uma pessoa
por cômodo e mais de duas por dormitório, o que sugere um contra-senso, já que a situação
anterior, em que o quarto estava mais congestionado (com quatro pessoas), teria sido
considerada adequada.
A terceira simulação sombreada reforça esse argumento, visto que um suposto
domicílio com um quarto, sala, cozinha, banheiro, área de serviço e despensa (portanto seis
cômodos) e quatro moradores em um mesmo quarto, que é considerado excessivamente
adensado pela FJP, é novamente considerado adequado pela SEADE.
Portanto, a partir das simulações feitas e, ainda, considerando a média estimada
de 3,8 pessoas por domicílio no Brasil, segundo o Censo de 2000, o indicador da FJP parece
mais adequado que o da SEADE para a mensuração da densidade excessiva.
Voltando ao indicador da SEADE, é razoável a opção de considerar
inadequados, em uma segunda situação, os domicílios cujos moradores estão ocupando
permanentemente a sala ou a cozinha como dormitório. Em tais casos, mesmo que a
densidade de pessoas por dormitório esteja adequada, está havendo uma superposição de
atividades em um ou mais cômodos, o que nos leva a concluir que falta espaço para os
moradores.
154
Cabe lembrar que, do contingente de domicílios com adensamento excessivo,
dever-se-iam excluir aqueles que possuem famílias conviventes, uma vez que esses já
estariam sendo computados no déficit, pelo indicador de coabitação familiar.
5.1.9 Inadequação da infra-estrutura urbana
Com relação à infra-estrutura urbana dos domicílios, temos que os três sistemas
pesquisados avaliam o acesso à água tratada e ao esgotamento sanitário, sendo que a
Fundação SEADE e a Fundação João Pinheiro avaliam ainda o acesso à energia elétrica e à
coleta de lixo nos domicílios.
Ao observarmos os indicadores, é possível notar que aqueles adotados pela FJP
e pela SEADE se assemelham muito, ao passo que a HABITAT procura fazer uma avaliação
mais minuciosa e qualitativa.
A seguir, serão discutidos em separado os indicadores referentes a cada um dos
quatro componentes da infra-estrutura urbana.
5.1.9.1 Acesso ao esgotamento sanitário
A avaliação do acesso ao esgotamento sanitário, feita pelos três sistemas
pesquisados, procura, basicamente, analisar o destino que é dado ao esgoto doméstico. Como
destinos apropriados, no meio urbano, os sistemas colocam a rede de esgotamento pública e a
fossa séptica, classificando como inadequados outras soluções como a fossa rudimentar e o
lançamento em valas, rios, lagos ou no mar. A HABITAT é a única que vai além, avaliando
ainda a capacidade das fossas sépticas e a adequação das bacias sanitárias, conforme se
verifica no QUADRO 24.
155
QUADRO 24: Indicadores utilizados para avaliar o acesso ao esgotamento sanitário
INDICADORES DE ACESSO AO ESGOTAMENTO SANITÁRIO
Domicílios urbanos que não contam com rede coletora de esgoto ou pluvial, ou ainda, fossa séptica (FJP).
Domicílios urbanos que não contam com rede coletora de esgoto ou fossa séptica. (SEADE).
Proporção de domicílios com acesso às instalações sanitárias adequadas, o que inclui: uma conexão direta e
particular (da habitação ou do terreno) ao sistema de esgotamento público ou a um sistema séptico com
capacidade suficiente; e ainda uma bacia sanitária com descarga ou de poço, particular ou compartilhada no
máximo com mais uma habitação (HABITAT).
Fonte: Elaboração própria
Analisando esses indicadores, nota-se que a avaliação do tipo de escoadouro
sanitário é basicamente a mesma para os três sistemas pesquisados: todos consideram
adequada a ligação à rede pública de esgoto ou a uma fossa séptica. As outras situações são
classificadas como inadequadas, o que parece razoável, tendo em vista os problemas
ambientais e de saúde pública que “soluções” alternativas podem causar principalmente no
meio urbano. Alguns desses problemas são levantados por GENEVOIS e COSTA (2001):
“Muitos dos destinos alternativos dados ao esgoto doméstico também
comprometem a salubridade dos reservatórios de água. Quando ele é jogado a céu
aberto a contaminação se dá com as chuvas, que o carregam para os rios ou
diretamente para as represas. Quando é uma fossa negra ou rudimentar, a falta de
revestimento das paredes favorece a contaminação do solo, atingindo os poços das
moradias vizinhas e os lençóis d´água que vão desembocar nos reservatórios
coletivos. Somente a fossa séptica pode ser considerada uma alternativa adequada
à rede pública de esgotamento sanitário, pois ela tem as paredes revestidas –
isolando os dejetos da possível contaminação subterrânea do solo – e o devido
tratamento dos resíduos”.
A coleta de dados para esse indicador, da forma como faz o Censo
Demográfico 2000 - perguntando ao morador o tipo de escoadouro do banheiro ou sanitário,
dentre as opções de: rede geral de esgoto ou pluvial; fossa séptica; fossa rudimentar; vala; rio,
lago ou mar; ou outra forma – é criticada por CARDOSO (1998). Segundo o autor, nem
sempre os moradores sabem se seus domicílios estão conectados à rede geral de coleta de
esgoto, assim como não sabem se a fossa que existe em sua casa é realmente séptica, o que
acaba por gerar dados bastante precários. Essa limitação, no entanto, dificilmente poderá ser
156
contornada em se tratando de pesquisa domiciliar, que não conta com a ajuda de técnicos ou
especialistas.
A avaliação da capacidade das fossas sépticas, proposta pela HABITAT,
parece ser uma informação de pouca relevância para os formuladores de políticas públicas,
cuja coleta de dados não seria fácil, uma vez que muitos moradores desconhecem a
capacidade de suas fossas sépticas. Recorrendo ao critério da “seletividade”, que prega que os
indicadores devem expressar características essenciais, o que não é o caso, essa avaliação
talvez merecia ser desconsiderada.
Outra informação também levantada pelo indicador da HABITAT diz respeito
à adequação das bacias sanitárias: são consideradas adequadas as bacias de descarga ou de
poço, desde que particulares ou compartilhadas no máximo com mais uma habitação, e
inadequadas as bacias secas ou de cubo (nas quais os excrementos são retirados
manualmente), as bacias públicas e as bacias com poço aberto. Essa avaliação, no entanto, é
relativamente restrita dentro de uma avaliação mais ampla das instalações sanitárias,
parecendo ser de pouca relevância para a elaboração de políticas públicas. Mais uma vez,
portanto, sob a ótica do critério da “seletividade”, essa informação poderia ser dispensada.
Um outro ponto que merece ser discutido diz respeito à partilha da bacia
sanitária entre duas habitações, que, embora seja aceita pelo indicador da HABITAT, não é
aceita pelos outros dois sistemas de indicadores pesquisados. Segundo a FJP (2001, p.110), os
domicílios que não possuem banheiro de uso exclusivo não propiciam aos seus moradores
condições aceitáveis de qualidade de vida. Já a Fundação SEADE, um pouco mais flexível,
menciona que na contagem do número de cômodos do domicílio, a relação com os vizinhos
determina se o banheiro deve ou não ser contado:
157
se a utilização é dividida por escolha (por exemplo: duas casas que dividem um
lote e são ocupadas por parentes ou amigos), o banheiro é considerado na
composição de cômodos do domicílio; se sua utilização é dividida por imposição
(por exemplo: banheiro dividido por domicílios em cortiço), ele não é
considerado” (SEADE, 2001, p.157).
Essa distinção feita pela SEADE entre banheiros divididos por escolha dos
moradores e por imposição econômica se torna, todavia, um tanto obscura, uma vez que
mesmo nos casos em que o banheiro é dividido entre parentes ou amigos, pode haver como
“pano de fundo” uma limitação econômica. Por essa razão, perece mais adequado admitir que
cada domicílio tenha acesso a um banheiro de uso exclusivo, como procede a Fundação João
Pinheiro.
5.1.9.2 Acesso à água tratada
Passando à identificação do acesso à água tratada, observa-se que todos os
sistemas pesquisados contemplaram esse componente. Os indicadores utilizados para
identificá-lo são apresentados no QUADRO 25.
QUADRO 25: Indicadores utilizados para avaliar o acesso à água tratada
INDICADORES DE ACESSO À ÁGUA TRATADA
Domicílios urbanos que não contam com rede de abastecimento de água com canalização interna (FJP).
Domicílios urbanos que não contam com rede pública de abastecimento de água (SEADE).
Domicílios que possuem conexão direta de água corrente; acesso a uma torneira compartilhada com, no
máximo, outra habitação; ou acesso a água de outras fontes (poços, mananciais protegidos ou coleta da água
da chuva). Além disso, a água deve ser em quantidade suficiente (mínimo de 20 litros/pessoa/dia), deve-se
dispor dela sem esforço físico nem perda de tempo excessivos (menos de 1 hora/dia), e seu preço deve estar
ao alcance de todos (inferior a 10% da renda familiar) (HABITAT).
Fonte: Elaboração própria
Os indicadores da FJP e da SEADE classificam como inadequados os
domicílios urbanos que não contam com rede de abastecimento de água com canalização
interna. A exigência da canalização interna, como coloca a SEADE (2001), é de fato
158
importante para garantir aos moradores o uso privativo de equipamentos indispensáveis ao
cotidiano da moradia – cozinha, banheiro e tanque de lavar roupas.
O indicador da HABITAT é, mais uma vez, o que mais detalha um acesso
adequado à água. São consideradas adequadas as habitações que possuem conexão direta de
água corrente, acesso à uma torneira compartilhada com, no máximo, outra habitação; ou
acesso à água de outras fontes (poços, mananciais protegidos ou coleta da água da chuva).
Menciona, ainda, que a água deve ser provida em quantidade suficiente (20 litros/pessoa/dia),
os moradores devem dispor dela sem esforço físico nem perda de tempo excessivos (menos de
1hora/dia) e seu preço deve estar ao alcance de todos (inferior a 10 % da renda familiar).
O acesso a uma torneira compartilhada com outro domicílio, considerado como
“aceitável” pelo indicador, embora possa ser suficiente para a ingestão, dificulta outras
atividades domésticas, como a preparação de alimentos e o banho. Por isso, é de se esperar
que essa condição seja revista para o caso do Brasil.
Com relação ao acesso à água de outras fontes, a SEADE (2001, p.159)
defende que essa opção não deve ser aceita para domicílios urbanos, uma vez que a água não
tem o devido controle de qualidade. Como exemplo, ela menciona a situação de uma casa
onde existe um poço para abastecimento de água considerado adequado como alternativa à
rede pública de abastecimento, no entanto, se a casa vizinha tem uma fossa negra (sem o
revestimento que garante o necessário isolamento dos dejetos), a água do poço pode ser
contaminada pela fossa.
Tendo em vista que a forma de abastecimento de água adotada em uma
residência urbana pode ter conseqüências tanto para a moradia em questão, como para o
conjunto de habitações do qual faz parte, de fato parece mais aconselhável admitir somente a
159
rede pública como solução adequada, descartando outras opções, como a extração direta de
água de poço ou nascente. É o que defendem GENEVOIS e COSTA (2001):
“O abastecimento de água, dentro da cidade, feito por bica, nascente ou poço de
uso coletivo – sem o controle de órgãos públicos competentes – não tem garantia
de salubridade. Quando a água é recolhida de poço individual, os eventuais
cuidados da família moradora que o utiliza não são suficientes para garantir que,
com a densidade populacional urbana, não haja contaminação subterrânea da
água obtida”.
Vale lembrar que o IPEA (2004), ao adaptar o indicador da HABITAT para o
contexto brasileiro, também exclui o abastecimento de água por outras fontes, propondo o
indicador número de domicílios que não contam com rede pública de abastecimento de água,
canalizada para o domicílio ou para a propriedade, o mesmo adotado pela FJP (2001).
A exigência feita pelo indicador da HABITAT de que a água seja provida em
quantidade suficiente (20 litros/ pessoa/ dia) exige a verificação do consumo mensal de água
na residência, que é inviável de ser feita em uma pesquisa domiciliar, já que dificilmente os
moradores saberão dar essa informação. No entanto, poderia ser avaliada a freqüência com
que os domicílios têm interrupções no fornecimento de água, visto que são conhecidas as
interrupções sazonais, em períodos de estiagem, e a irregularidade na provisão cotidiana em
algumas regiões do Brasil, apontadas por CARDOSO (1998). Trata-se de uma avaliação
qualitativa do abastecimento de água, que certamente daria mais subsídios para a formulação
de políticas públicas.
Outra exigência feita pela HABITAT é a de que a água seja provida sem
esforço físico nem perdas de tempo excessivos. Admitindo, no entanto, como adequados,
somente os domicílios com ligação à rede pública de abastecimento, essa verificação perde o
sentido.
Um último item avaliado pelo indicador da HABITAT diz respeito ao preço
pago pela água consumida, para o qual é sugerido um teto de 10% da renda familiar. Trata-se
160
de uma informação que por si só não é suficiente para proporcionar uma avaliação do acesso
financeiro das famílias à água tratada, já que uma família pode se enquadrar no teto proposto
e estar consumindo menos água do que o necessário para a execução das tarefas domésticas.
Por isso, seria importante dispor de outras informações, como o consumo de água nas
residências. Aí, no entanto, há uma limitação relativa à coleta de dados, uma vez que muitos
moradores não saberiam fornecer tal informação.
5.1.9.3 Acesso à coleta de lixo
O terceiro componente da infra-estrutura urbana – a coleta de lixo – foi
contemplado somente pela FJP e pela SEADE. Segundo CARDOSO (1998), trata-se de um
serviço de competência municipal, que vem recebendo pouca atenção dos governos locais
que, por outro lado, não dispõem de recursos para investimentos no setor.
O lixo não coletado é, em parte, lançado em valas, canais e rios, o que
contribui para o assoreamento dos canais de drenagem e para as inundações, sendo os
impactos sobre o ambiente e a saúde das populações amplamente conhecidos. Assim sendo,
tanto a FJP como a SEADE procuram classificar como inadequados os domicílios que não
possuem uma coleta regular de lixo. Vejamos os indicadores utilizados (QUADRO 26):
QUADRO 26: Indicadores utilizados para avaliar o acesso à coleta de lixo
INDICADORES DE ACESSO À COLETA DE LIXO
Domicílios urbanos que não contam com o serviço de coleta direta ou indireta do lixo (FJP).
Domicílios urbanos que não contam com o serviço de coleta do lixo (SEADE).
Fonte: Elaboração própria
Vemos que a FJP e a SEADE adotaram indicadores idênticos para avaliar o
acesso à coleta de lixo, sendo que a FJP apenas especifica os dois tipos de coleta que podem
existir: a direta, por serviço de empresa pública ou privada; e a indireta, quando o lixo é
161
depositado em depósito fora do domicílio para depois ser coletado por empresa pública ou
privada.
Dessa forma, são automaticamente classificados como inadequados outros
destinos dados ao lixo, como queimá-lo, enterrá-lo ou jogá-lo em terreno baldio, rio, lago ou
mar. São destinos que realmente podem comprometer a qualidade do ambiente e a saúde das
pessoas, especialmente no meio urbano. GENEVOIS e COSTA (2001) discorrem sobre
algumas conseqüências do lixo não coletado:
“O lixo doméstico, quando não coletado, favorece a contaminação dos
reservatórios de água – particulares (poços) ou coletivos (represas). Quando é
jogado em rio, riacho ou represa, a poluição é direta; quando jogado em terreno
baldio ou enterrado, a contaminação se dá com as chuvas e com a infiltração do
solo até os lençóis de água. Queimar o lixo – alternativa à coleta considerada
adequada em alguns estudos baseados em pesquisas domiciliares – também não
resolve satisfatoriamente a necessidade de um destino adequado para os dejetos
dentro da cidade”.
Dentre os problemas resultantes da queima do lixo, os autores destacam os
materiais combustíveis (panos, papéis, couros, plásticos, madeiras, etc.) ou incombustíveis
(metais, vidros, pedras, etc.) que mantém o amontoado de detritos queimando durante longo
tempo (poluindo o ar, muitas vezes com a emissão de gases tóxicos) ou se deterioram,
espalhando substâncias nocivas à saúde.
5.1.9.4 Acesso à energia elétrica
A FJP e a SEADE avaliaram ainda o acesso à energia elétrica nos domicílios.
Vejamos os indicadores utilizados (QUADRO 27).
QUADRO 27: Indicadores utilizados para avaliar o acesso à energia elétrica
INDICADORES DE ACESSO À ENERGIA ELÉTRICA
Domicílios urbanos que não contam com energia elétrica (FJP).
Domicílios urbanos que não possuem ligação à rede pública de abastecimento de energia elétrica (SEADE).
Elaboração própria
162
Observa-se que a FJP (2001) computa os domicílios que não possuem
iluminação elétrica, seja ela de rede pública, de gerador ou solar, diferentemente da SEADE,
que computa os domicílios sem ligação à rede pública de energia.
Embora o acesso à energia elétrica por meio de gerador ou energia solar possa
ser considerado adequado, para efeito de formulação de políticas públicas urbanas, o
indicador da SEADE poderia ser de maior serventia, já que avalia a cobertura da rede pública
de abastecimento de energia elétrica.
5.1.10 Espaço interno insuficiente
O espaço interno insuficiente é uma carência que diz respeito aos tipos de
cômodos existentes nos domicílios, sendo contemplada tanto pela FJP como pela SEADE.
Segundo a SEADE, “para executar as funções básicas a toda moradia - repouso, estar,
preparação de alimentos e higiene, é indispensável a existência dos quatro compartimentos
(quarto, sala, cozinha e banheiro), a fim de evitar superposição de atividades”, independente
do número de moradores do domicílio (SEADE, 2001). A FJP, por sua vez, avalia somente a
existência de unidade sanitária. Os indicadores utilizados em cada um dos sistemas são
apresentados no QUADRO 28.
QUADRO 28: Indicadores utilizados para identificar o espaço interno insuficiente
INDICADORES DE ESPAÇO INTERNO INSUFICIENTE
Domicílios urbanos que não possuem unidade sanitária interna (FJP).
Domicílios urbanos que não dispõem da composição mínima de quarto, sala, cozinha, banheiro e tanque de
lavar roupas (SEADE).
Fonte: Elaboração própria
O primeiro indicador classifica como inadequados os domicílios que não
possuem banheiro ou sanitário ou, se possuem, não são de uso exclusivo dos moradores.
163
Diante da definição de banheiro e sanitário admitida
29
, a aceitação dos domicílios que
possuem somente sanitários, mesmo que de uso exclusivo, pode ser questionada, tendo em
vista o estado precário que muitos deles se encontram.
A SEADE faz uma avaliação mais ampla do espaço interno, na medida em que
avalia a existência dos quatro cômodos “básicos”. Essa exigência, segundo a própria SEADE,
pode ser contestada em face da existência de domicílios com menos de quatro cômodos em
ótimas condições de salubridade e até de conforto, como os flats e as quitinetes, geralmente
ocupados por pessoas de renda média ou alta que moram em tais domicílios por escolha
própria, e não por imposição econômica. A esse questionamento, a SEADE responde que,
diante da indisponibilidade de dados mais detalhados que permitam discernir os casos em que
as pessoas vivem em um domicílio com menos de quatro cômodos por vontade própria,
daqueles que são fruto de uma imposição econômica, e, ainda, diante da dificuldade em
arbitrar o "piso" no qual uma família teria renda suficiente para garantir condições de escolha
ao ocupar um "três cômodos", ela optou por classificar como “inadequados” todos os
domicílios que não possuem os quatro compartimentos básicos (SEADE, 2001, p.158).
Essa opção metodológica da SEADE parece razoável diante dos argumentos
apresentados, considerando que, na maioria dos domicílios que não possuem os quatro
cômodos básicos, pode estar haver superposição de atividades em um ou mais cômodos.
Além dos quatro cômodos básicos, a SEADE exige ainda a existência do
tanque de lavar roupas de uso exclusivo. A ausência do tanque pode realmente prejudicar a
execução das tarefas domésticas, todavia, trata-se de uma carência cuja solução envolve baixo
29
A PNAD (2004a) considera “banheiro” o cômodo que dispõe de chuveiro ou banheira e aparelho sanitário; e
“sanitário” o local limitado por paredes de qualquer material, coberto ou não por um teto, que dispunha de
parelho sanitário ou buraco para dejeções.
164
custo, se comparada às outras carências, e que, portanto, pode dispensar a intervenção do
poder público. Por esse motivo, parece uma avaliação, no contexto geral, de pouca relevância.
5.1.11 Insegurança de posse
Foi contemplada pela HABITAT a questão da segurança de posse, definida
como o “direito que todas as pessoas e grupos possuem à uma proteção efetiva do Estado
contra despejos forçados”. Portanto, segundo a HABITAT (2003), “todas as categorias de
posse locais que não protejam efetivamente contra o despejo forçado devem ser consideradas
como não seguras”. Para a identificação da insegurança de posse, a HABITAT propõe três
sub-indicadores: o primeiro avalia a evidência documental que pode ser usada como prova do
direito de posse; o segundo, o histórico de despejos forçados no local; e o terceiro, a sensação
de segurança dos moradores. Esses três sub-indicadores são apresentados no QUADRO 29.
QUADRO 29: Indicadores utilizados para identificar a insegurança de posse
INDICADOR DE INSEGURANÇA DE POSSE
Proporção de indivíduos que têm a posse assegurada, o que inclui:
1. Proporção de domicílios urbanos cujos moradores possuem documentos que possam ser usados como
prova do direito de posse;
2. Proporção de homens e mulheres que foram desalojados de suas casas nos últimos dez anos;
3. Proporção de chefes de família que crêem que não serão desalojados de sua residência atual dentro dos
próximos cinco anos (HABITAT).
Fonte: Elaboração própria
Conforme já mencionado no Capítulo 4, verifica-se que o primeiro sub-
indicador procura abranger diversas situações nas quais o morador possui uma evidência
documental que pode ser usada como prova do direito de posse, incluindo:
a. títulos formais de propriedade tanto do terreno como da residência;
b. um título formal de propriedade do terreno ou da residência;
c. contratos executáveis ou qualquer documento que prove um acordo de propriedade;
165
d. contratos formais de aluguel;
e. posse consuetudinária ou ocupação irregular com recibos de pagamentos de impostos
(imposto imobiliário, taxas municipais, etc.) somente;
f. posse consuetudinária ou ocupação irregular com contas de serviços públicos no nome
do morador.
A partir dessa proposta da HABITAT, o IPEA (2004), considerando o contexto
brasileiro e as informações disponíveis nas PNADs, adaptou o indicador para número de
domicílios em terrenos de propriedade de terceiros e outras condições de moradia, como
invasões, o qual aborda duas situações distintas: os domicílios cujos moradores não possuem
a propriedade do terreno e as ocupações ilegais de habitações, dos chamados “invasores”.
A primeira situação avaliada pelo IPEA representa, de fato, uma insegurança
de posse, e já foi discutida na avaliação dos domicílios situados em locais inapropriados. A
segunda situação diz respeito aos domicílios que não são próprios, alugados e nem cedidos,
mas que possuem outra condição de ocupação, como a invasão. Trata-se, de fato, de uma
situação de extrema insegurança de posse que deve ser identificada.
Há, no entanto, outras situações de insegurança de posse não computadas pelo
indicador, como é o caso dos domicílios próprios cujos moradores não possuem a escritura do
imóvel, e também dos domicílios alugados que não possuem um contrato formal de aluguel,
isto é, de um contrato assinado por ambas as partes. São situações que também mereciam ser
identificadas.
O segundo sub-indicador proposto pela HABITAT – proporção de homens e
mulheres que foram desalojados de suas casas nos últimos dez anos - embora possa ser útil na
avaliação da segurança de posse, dando uma noção da magnitude do problema (HABITAT,
2003), não se enquadra na definição de “indicador de carência habitacional” admitida neste
trabalho, uma vez que não identifica os domicílios com ou sem segurança de posse.
166
O terceiro sub-indicador da HABITAT faz uma avaliação subjetiva da
segurança de posse, procurando levar em conta a percepção dos chefes de família sobre esse
quesito. Para a avaliação, são propostas as seguintes perguntas ao chefe do domicílio:
1) Se houver uma mudança política no seu país ou na sua cidade, você crê que os
documentos que comprovam seus direitos o protegerão de um despejo? (Sim/ Não).
2) O senhor acredita que existe alguma possibilidade de ser desalojado de sua habitação
sem um processo legal? (Sim/ Não)
3) Em caso afirmativo, por quem? (Por meu cônjuge/ por outros membros da família/
pelas autoridades públicas/ pelo proprietário)
A primeira pergunta é de pouca relevância no Brasil, uma vez que a validade
dos documentos formais que comprovam o aluguel ou a propriedade da habitação pouco ou
nada depende de uma mudança de governo. A segunda e a terceira perguntas, por serem
subjetivas, obscurecem a identificação dos domicílios inadequados e, portanto, são pouco
relevantes para efeito de formulação de políticas públicas.
5.1.12 Irregularidade na construção
Uma outra carência contemplada pela HABITAT é a inconformidade com as
normas de construção locais, a qual se encontra inserida no indicador de “durabilidade da
habitação”, apresentado no QUADRO 30.
QUADRO 30: Indicador utilizado para identificar a irregularidades na construção
INDICADOR DE IRREGULARIDADES NA CONSTRUÇÃO
Proporção de domicílios duráveis, o que leva em conta:
- a conformidade com os códigos, padrões e normas de construção locais (HABITAT).
Fonte: Elaboração própria
A avaliação proposta pelo indicador diz respeito a irregularidades na
construção do domicílio, relacionadas especificamente à legislação de uso do solo ou aos
procedimentos de licenciamento adotados pela prefeitura de cada município. Dentre essas
167
irregularidades, está incluído o desrespeito aos índices urbanísticos (coeficiente de
aproveitamento do terreno, taxa de ocupação do lote e outros), à altura máxima de empenas
ou aos recuos mínimos da edificação em relação aos limites do lote. CARDOSO (1998)
coloca a irregularidade urbanística dos assentamentos como uma das questões fundamentais
para se pensar, de forma mais abrangente, a problemática do déficit habitacional no Brasil.
Embora a HABITAT não especifique nenhum indicador capaz de identificar a
inconformidade com as normas de construção locais, o IPEA (2004) propõe o indicador
número de domicílios em aglomerados subnormais, sendo o aglomerado subnormal definido
como “um conjunto constituído por no mínimo 51 unidades habitacionais (barracos, casas
etc.) ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública
ou particular), dispostas, em geral, de forma desordenada e densa, e carentes, em sua maioria,
de serviços públicos essenciais” (FJP, 2004).
É certo que os aglomerados subnormais representam uma não conformidade
com os padrões construtivos e urbanísticos, no entanto, há inúmeras outras situações de
irregularidade não captadas pelo indicador do IPEA, mas sugeridas no indicador da
HABITAT, quando trata dos padrões estabelecidos pela legislação.
168
6. CONCLUSÃO
Na presente dissertação, procurou-se contribuir para um aprimoramento das
estimativas de cálculo das carências habitacionais urbanas no Brasil, a partir da análise
comparativa de três sistemas de indicadores de carência habitacional, dois deles
desenvolvidos por órgãos oficiais brasileiros – a Fundação João Pinheiro e a Fundação
SEADE – e um desenvolvido por um organismo internacional – a Agência das Nações Unidas
para Assentamentos Humanos (HABITAT).
Pela análise dos três sistemas de indicadores, foi possível confirmar as
hipóteses enunciadas no Capítulo 2, de que os métodos de cálculo avaliam carências
habitacionais semelhantes, e que os indicadores utilizados para mensurar cada carência são
diferentes, quando comparados entre si.
Para verificar tais hipóteses, procurou-se, num primeiro momento, identificar e
sistematizar as carências habitacionais avaliadas em cada um dos sistemas pesquisados, o que
permitiu constatar que muitas carências se equivalem entre os três sistemas.
Em um segundo momento, procurou-se analisar comparativamente, segundo os
critérios de seleção definidos no Capítulo 2, os indicadores utilizados para mensurar cada
modalidade de carência habitacional sistematizada no Capítulo 4, o que implicou discutir,
sobretudo, o padrão mínimo de moradia digna no meio urbano brasileiro e o procedimento de
coleta dos dados dos indicadores.
169
A verificação dessas duas hipóteses permitiu responder à pergunta de pesquisa
formulada, que questiona quais as semelhanças e as diferenças entre os métodos de cálculo
das carências habitacionais urbanas no Brasil.
Como desdobramentos da pesquisa, propõe-se uma investigação dos dados a
serem coletados em uma pesquisa sobre as condições habitacionais, reforçando a
recomendação de que o país crie um sistema de informações sobre as condições habitacionais
com uma periodicidade inferior aos dez anos do Censo Demográfico, e que possibilite a
obtenção de informações municipais ao menos em cidades com população igual ou superior a
20 mil habitantes e naquelas localizadas em regiões metropolitanas, objeto de preocupação do
Estatuto das Cidades, dentro de um marco referencial único.
Um segundo possível desdobramento do trabalho consiste em comparar os
indicadores analisados nesta dissertação com outros sistemas de indicadores já existentes ou
que irão surgir, dando, assim, continuidade ao processo de aprimoramento das estimativas de
cálculo das carências habitacionais urbanas no Brasil, lembrando que o padrão mínimo de
moradia digna também sofre variações com o tempo.
É importante destacar que a busca de aprimoramento dos indicadores de
carência habitacional deve incluir novas carências, capazes de melhor retratar a complexidade
do habitat. Dentre as inúmeras carências que faltam para serem identificadas, é possível citar
a falta de acesso à telefonia fixa, a qual é levantada pelo CENSO (2000) e pela PNAD
(2004b) e a inadequação da infra-estrutura na rua de acesso do domicílio (pavimentação,
guias e sarjetas), que é investigada pela Pesquisa de Condições de Vida. Vale lembrar que, no
âmbito desta dissertação, essas carências não foram discutidas por não terem sido abordadas
por nenhum dos três sistemas pesquisados.
170
Convém registrar que o IPEA publicou, em setembro de 2005, um segundo
relatório nacional de acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (IPEA,
2005), no qual os indicadores da meta 11 foram alterados significativamente em relação aos
de 2004, que foram apresentados nesta dissertação. Daí a importância da continuidade do
debate sobre os métodos de cálculo das carências habitacionais.
Como enfatizam GENEVOIS e COSTA (2001), é importante incentivar os
órgãos especializados na área de habitação e os técnicos que trabalham com moradia a
buscarem aprofundar a definição dos indicadores que traduzam as diferenças a serem
observadas para uma consequente classificação mais apurada das carências existentes. Assim
estaremos todos, quem busca conhecer a realidade e quem atua para modificá-la, trabalhando
na mesma direção, de melhorar as condições de moradia e de vida da população mais carente.
171
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Porto Alegre. 2001. 205p.
175
ANEXOS
A) Questionário do Censo Demográfico 2000 – Características dos domicílios
B) Questionário da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2003 –
Características dos domicílios
176
177
178
179
180
181
182
Livros Grátis
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