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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
INSTITUTO DE CULTURA E ARTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
André Nascimento Pontes
A FORMA LÓGICA DE SENTENÇAS DE EXISTÊNCIA
Uma avaliação da abordagem quantificacional
Fortaleza, Março de 2010
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1
André Nascimento Pontes
A FORMA LÓGICA DE SENTENÇAS DE EXISTÊNCIA
Uma avaliação da abordagem quantificacional
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Filosofia da Universidade
Federal do Ceará (UFC), como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Filosofia.
Área de concentração: Filosofia.
Linha de Pesquisa: Filosofia da Linguagem
e do Conhecimento.
Orientador: Prof. Dr. Dirk Greimann.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
Fortaleza, Março de 2010
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Dissertação defendida e avaliada em / / , pela banca examinadora constituída pelos
professores:
__________________________________________
Prof. Dr. Dirk Greimann – Orientador (UFC)
__________________________________________
Prof. Dr. André Leclerc – Examinador (UFC)
__________________________________________
Prof. Dr. Guido Imaguire – Examinador (UFRJ)
3
Aos meus pais,
que me deram tudo que tenho de mais importante: a vida e os valores.
4
AGRADECIMENTOS
________________________________________________________________
Ao Professor Dirk Greimann, por aceitar solicitamente orientar o presente trabalho mesmo
em condições tão adversas –, por sempre ressaltar a necessidade do rigor, objetividade e
clareza da pesquisa e por ter sido para mim um exemplo de profissionalismo e disciplina.
Ao Professor Guido Imaguire, por todo apoio que sempre empenhou em todas as etapas de
realização do presente trabalho, por ter me guiado de forma tão didática em meus primeiros
passos em Filosofia Analítica, pelo exemplo de dedicação à pesquisa e, principalmente, por
sua amizade;
Ao Professor André Leclerc que gentilmente aceitou participar da Banca de Defesa que
avaliou o presente trabalho;
Ao Professor João Branquinho que, com suas críticas instigantes e sua reconhecida
competência no tratamento do problema da existência, contribuiu de forma significativa para
a realização do meu trabalho;
Aos Professores Marco Ruffino, Luiz Carlos Pereira e Oswaldo Chateaubriand que me
acolheram tão agradavelmente na minha breve temporada carioca;
Aos amigos Maxwell Morais, Cícero Barroso, Valdetonio Alencar, Thiago X. de Melo, Tárik
Prata, Renato Almeida, Gilberto Lima e Martin Motloch pelos excelentes momentos
compartilhados e por comporem essa minha tão heterogênea família filosófica. Sem as críticas
e a amizade de todos eles minha vida acadêmica seria, no mínimo, muito entediante.
É importante ressaltar que, embora o presente trabalho seja fruto de uma pesquisa individual,
é inegável que ele estaria aquém do resultado alcançado sem a contribuição de cada um dos
colegas que discutiram comigo as ideias nele contidas. Nesse sentido, agradeço a todos
aqueles que fazem parte do Grupo de Estudo em Filosofia Analítica do Departamento de
Filosofia da UFC pelas suas sugestões e correções. Sempre lembrando que toda
impropriedade presente nesse trabalho é de minha inteira responsabilidade.
À CAPES, que proporcionou as condições financeiras de realização desse trabalho;
À Aninha, por ser a personificação mais clara de tudo aquilo que entendo por amor,
companheirismo e dedicação. Seu apoio constante foi fundamental em todos os momentos
dessa caminhada;
Ao meu irmão e grande amigo Tiago Pontes com quem compartilho além do laço sanguíneo,
minha história e meus valores;
Aos irmãos que a vida me permitiu escolher: Airton Bezerra, Edygledson Abreu, Ronald
Leite, David Melo, Mariana Sousa, Leilane Correia, Teteco, Aislânia Costa, Jô Araújo,
Márcia Araújo, Aline Gouveia, Kéfyla Kayline, Helton Marinho, Willam Gerson, Sandro
Soares, Abrahão Sampaio, James Wilson, Antônio Melo e Rosemeire Basílio.
Enfim; é impossível expressar através de palavras toda a gratidão, carinho e respeito que nutro
por essas pessoas. Como um prêmio de consolação, espero que aqui haja algo de tractatiano;
algo sobre o qual não posso falar, mas que de alguma forma se mostre.
5
RESUMO
________________________________________________________________
O objetivo desse trabalho é apresentar uma avaliação da abordagem quantificacional do
problema da existência nas versões defendidas por Frege, Russell e Quine. Tal abordagem é
apresentada tendo como pano de fundo sua reação ao modelo clássico de análise de sentenças
utilizado pelas ontologias inflacionadas derivadas do argumento do não-ser de Platão e da
Teoria dos Objetos de Meinong. A ideia básica é mostrar que a ontologia inflacionada
sustentada por Platão e Meinong que, em grande parte, é derivada de um modelo deficiente de
análise de sentenças, pode ser eliminada através de um tratamento lógico eficiente de
enunciados de existência com base na lógica de predicados. A despeito das divergências
internas, a tese central dos proponentes da abordagem quantificacional é que o predicado de
existência é, do ponto de vista lógico, representado pelo quantificador existencial ($) da
lógica de predicados. Tento mostrar também que, embora a abordagem quantificacional
represente um avanço sem precedentes em filosofia no que diz respeito à análise do estatuto
lógico do termo “existe”, ela possui algumas limitações relevantes que seus proponentes até
então não conseguiram superar.
Palavras-chave: existência, quantificação e ontologia.
ABSTRACT
________________________________________________________________
The objective of this work is to present an evaluation of the quantificational approach of the
problem of existence in the versions defended by Frege, Russell and Quine. This approach is
presented having as a background its reaction to the classic model of sentence analysis used
by inflationed ontologies derived from Plato’s nonbeing argument, as well as from the
Meinong’s Theory of Objects. The basic idea is to show that the inflationed ontology claimed
by Plato and Meinong - which, in the most part, is derived from a deficient model of sentence
analysis -, can be eliminated through an efficient logical treatment of existence utterances
based on the logic of predicates. In spite of internal divergences, the central thesis of
proponents of the quantificational approach is that the existence predicate is, from a logical
point of view, represented by the existential quantifier ($) of the logic of predicates. I also try
to show that, although the quantificational approach represents an advance without precedents
in the philosophy concerning to the logical status analysis of the term “exist”, it has some
relevant limitations which its proponents have not overcome yet.
Key-words: existence, quantification and ontology.
6
SUMÁRIO
________________________________________________________________
INTRODUÇÃO
______________________________________________________
08
1 O problema da existência: uma abordagem
categorialmente inflacionada_______________________________________________
13
1.1
O modelo clássico de análise e o argumento do
não-ser ________________________________________________________________
15
1.2
A Teoria dos Objetos de Alexius Meinong ____________________________________
18
1.3
Algumas conseqüências e objeções
__________________________________________
22
2
A abordagem quantificacional ____________________________________________
33
2.1
A solução fregeana: existência enquanto um predicado de ordem
superior ________________________________________________________________
34
2.2
2.1.1 A hierarquia fregeana de predicados_____________________________________
2.1.2 Sentenças de existência e nomes próprios_________________________________
Russell e a Teoria das Descrições: sentenças de existência enquanto
afirmações acerca de funções proposicionais ___________________________________
35
40
47
2.3
2.4
2.2.1 A noção de função proposicional________________________________________
2.2.2 A teoria das descrições definidas________________________________________
2.2.3 O descritivismo de Russell_____________________________________________
Os Critérios Ontológicos de Quine enquanto uma
meta-ontologia___________________________________________________________
Algumas objeções________________________________________________________
48
51
56
60
70
3
Uma avaliação de resultados: alguns tipos de sentenças de existência
e um problema chamado “discurso ficcional” ________________________________
76
3.1
Uma avaliação de resultados________________________________________________
77
7
(A) Sentenças de existência com ocorrência de descrições
definidas_____________________________________________________________
77
(B) Sentenças de existência com ocorrência de nomes
próprios _____________________________________________________________
79
(C) Sentenças de existência com ocorrência de tipos
naturais______________________________________________________________
82
(D) Sentenças de existência com ocorrência de indexicais______________________
84
3.2
Algumas observações acerca do discurso ficcional e o tratamento contextualista de
Carnap _________________________________________________________________
87
CONSIDERAÇÕES FINAIS ______________________________________________
94
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ______________________________________
97
8
INTRODUÇÃO
________________________________________________________________
O conceito de existência é central em ontologia. A rigor, uma teoria ontológica é, dentre
outras coisas, uma teoria que busca delimitar o domínio de aplicação do predicado de
existência e as diferenças entre duas teorias ontológicas distintas podem ser explicitadas
mostrando quais sentenças existenciais são verdadeiras em cada teoria, ou seja, o que cada
teoria afirma existir. Ocorre que, no contexto das teorias formalizadas, todo procedimento de
checagem de comprometimento ontológico, ou seja, o método que usamos para verificar o
que a teoria em questão afirma existir, pressupõe um modelo claro de análise de sentenças,
bem como uma explicitação do estatuto lógico do predicado “existe”. Em última instância,
isso implica que basicamente dois tipos de questões envolvendo o conceito de existência:
(i) as questões propriamente ontológicas, que versam diretamente sobre comprometimento
ontológico, e (ii) as questões meta-ontológicas, que tratam da forma lógica de sentenças de
existência e do estatuto lógico do predicado “existe”. Minha pretensão no presente trabalho é
fundamentalmente meta-ontológica.
1
O que está em jogo aqui é a avaliação do que chamo de
abordagem quantificacional do predicado de existência nas versões defendidas por Frege,
Russell e Quine. A despeito das inúmeras divergências entre esses autores quanto ao
comportamento lógico dos quantificadores e seu escopo de aplicação, em comum entre eles
a tese de que existência, do ponto de vista lógico, é aquilo que o quantificador existencial
($) da lógica de predicados expressa.
O problema da formalização de sentenças de existência é, em outras palavras, o problema
da caracterização formal de uma predicação de existência. Em linhas gerais, existem
basicamente dois tipos de predicação, a saber, (i) predicação de primeira ordem: ocorre
quando o predicado é atribuído diretamente a um indivíduo ou objeto particular. Por exemplo,
na sentença “Sócrates é sábio” o predicado “ser sábio” é atribuído diretamente ao sujeito
“Sócrates” e, portanto, é um predicado de primeira ordem. (ii) Predicação de ordem superior:
ocorre quando o predicado é atribuído a outros predicados. Na sentença “políticos honestos
são raros” o predicado “ser raro” é atribuído, não a cada indivíduo que é um político honesto,
mas à composição predicativa “ser político” e “ser honesto” e afirma que poucos objetos
possuem a uma vez essas duas propriedades. A rigor, a disputa em torno do estatuto lógico
1
Embora várias questões ontológicas sejam mencionadas no meu trabalho como subproduto das questões meta-
ontológicas, meu foco central é a forma gica de sentenças de existência. As questões ontológicas entram na
medida em que, como pretendo mostrar, diferentes modelos de análise de sentenças implicam em posições
ontológicas completamente divergentes.
9
do termo “existe” busca definir que tipo de predicação é uma predicação de existência: é ela
uma predicação de primeira ordem, de ordem superior ou ela se comporta de uma forma
híbrida (em certos casos é uma predicação de primeira ordem e em outros de ordem superior)?
O predicado “existe” deve ser atribuído a termos singulares ou a outros predicados?
No primeiro capítulo apresento duas leituras de primeira ordem do predicado de
existência: o argumento do não-ser de Platão e a Teoria dos Objetos de Meinong. Em comum
entre essas duas teorias o fato de que ambas estão fundadas, tanto no pressuposto
equivocado de que a estrutura gramatical e a estrutura lógica das sentenças sempre coincidem,
quanto no – não menos equivocado – modelo clássico de análise de sentenças, segundo o qual
toda sentença possui a forma sujeito-predicado.
2
Esse modelo de análise deficiente utilizado
por essas teorias não era capaz, dentre outras coisas, de manter a coerência de sentenças
existenciais negativas sem apelar para uma distinção conceitual de conseqüências ontológicas
de extrema importância entre os termos “há” e “existe”.
3
Em bom português, para tentar
superar uma limitação de expressividade lógica, os proponentes do modelo clássico de análise
precisaram sustentar fortes implicações conceituais e ontológicas de suas teorias. Do ponto de
vista ontológico, tanto o argumento do não-ser quanto a teoria dos objetos de Meinong estão
comprometidos com um domínio significativamente amplo do ser que comporta, não a
realidade física (cadeiras, mesas, partículas subatômicas etc.) e a abstrata (números,
conjuntos, funções, a inflação econômica etc.), mas também um polêmico domínio de
entidades intencionais
4
, tais como formas puras não instanciadas (caso de Platão), possibilia e
até mesmo impossibilia (caso de Meinong). Para descrever essa realidade exuberante, Platão
postulou um mundo das ideias e Meinong, além da noção de existência, precisou inflar sua
teoria com categorias como subsistência e não-subsistência. É precisamente essa expansão
ontológica que terei em mente ao longo do meu trabalho ao denominar de categorialmente
inflacionada essa abordagem do problema da existência compartilhada por Platão e Meinong.
Em linhas gerais, tento mostrar que toda essa inflação ontológica sustentada por Platão no
2
É importante ter em mente que o que chamo ao longo desse trabalho de modelo clássico de análise de
sentenças não é assim denominado em virtude do fato desse modelo fazer uso da lógica clássica – essa
característica também está presente no modelo quantificacional de Frege, Russell e Quine mas, antes, pelo fato
de que ele está fundado na lógica de inspiração aristotélica que era formulada em linguagem natural, ignorava
predicações complexas como relações de diferentes aridades e analisava toda sentença na forma sujeito-
predicado.
3
Como veremos no início do primeiro capítulo, a coerência de negações existenciais constitui um grande
problema desde o monismo ontológico defendido por Parmênides. Foi na tentativa de resolver esse problema que
surgiu todo o debate filosófico acerca de conceitos como ser e existência.
4
Ao longo do presente trabalho usarei o termo “entidades meramente intencionais” para me referir às entidades
de natureza ideal.
10
argumento do não-ser e por Meinong através de sua teoria dos objetos é, em grande parte,
derivada de uma má compreensão da forma lógica das sentenças de existência.
Embora a reação a essa abordagem categorialmente inflacionada já encontrasse voz
através de filósofos como Hume e Kant, que argumentaram em favor da não legitimidade ou
trivialidade do predicado de existência, foi somente com o advento da lógica de predicados
que os filósofos obtiveram o aparato formal para propor um modelo alternativo de análise de
sentenças e, junto com ele, uma revisão de todos os problemas filosóficos. No que diz respeito
ao problema da existência, a lógica de predicados representou a possibilidade de pensar o
termo “existe” enquanto um predicado de ordem superior. A ideia de uma predicação de
ordem superior, ou seja, uma predicação de predicados, está na base da lógica de predicados
desenvolvida por Frege em sua Begriffsschrift e é de extrema importância para algumas
versões da abordagem quantificacional do predicado de existência.
5
A abordagem quantificacional representou a primeira grande alternativa ao modelo
clássico de análise de sentenças fundado no pressuposto equivocado de que toda sentença
possui a estrutura sujeito-predicado e na alegada simetria entre estrutura gramatical e estrutura
lógica. Esse modelo clássico foi amplamente adotado ao longo da história da filosofia e está
presente, seja de forma direta nas abordagens clássicas do conceito de existência, seja de
forma indireta enquanto pressuposto das teses centrais de filósofos como Platão, Anselmo,
Descartes e, na contemporaneidade, Meinong.
O segundo capítulo é inteiramente dedicado à abordagem quantificacional nas versões de
Frege, Russell e Quine. É um fato reconhecido que esses três filósofos possuem inúmeros
pontos divergentes; no entanto, alguns pontos de convergência também podem ser observados
e muitos deles possuem extrema importância no debate acerca do estatuto lógico do predicado
de existência e, principalmente, na crítica ao modelo clássico de análise. Essa convergência é
expressa do ponto de vista lógico-conceitual (i) na rejeição da identidade entre estrutura
lógica e estrutura gramatical das sentenças, (ii) na afirmação da equivalência entre os
predicados “há” e “existe” e, do ponto de vista ontológico, (iii) na defesa de que algum grau
de rejeição à ontologia categorialmente inflacionada pode ser derivado através de um modelo
adequado de análise de sentenças. Com isso, pretendo mostrar de que forma a abordagem
quantificacional tenta evitar os problemas do modelo de análise defendido por Platão e
Meinong. Esse aspecto crítico comum em relação à abordagem inflacionada caracterizado em
5
Uma exceção é a proposta de Quine que, embora defenda a relação estreita entre existência e quantificação Cf.
(QUINE, 1975b) e nesse sentido apresenta uma abordagem quantificacional do problema da existência é
terminantemente contra a lógica de predicado de segunda ordem por rejeitar suas conseqüências ontológicas.
11
(i) (ii) e (iii), bem como a defesa de que, de uma forma ou de outra, uma relação estreita
entre o predicado de existência e o quantificador existencial, me permitem falar das propostas
de Frege, Russell e Quine, no que diz respeito ao problema da existência, como pertencentes a
uma mesma família.
Por fim, no terceiro capítulo faço uma avaliação dos limites de aplicação da abordagem
quantificacional com o objetivo de verificar até onde ela realmente pode evitar os problemas
da solução meinongiana e até que ponto suas teses quanto à univocidade do predicado de
existência podem ser coerentemente mantidas. Para isso, dividi as sentenças de existência em
quatro tipos básicos: sentenças de existência com ocorrência de (a) descrições definidas, (b)
nomes próprios, (c) tipos naturais e (d) indexicais. Meu objetivo é verificar a aplicação das
propostas de Russell e Quine nos quatro casos.
Em linhas gerais, tento mostrar que, embora represente um avanço significativo na
análise de sentenças e uma sofisticação sem precedentes em filosofia no tratamento do
conceito de existência, o modelo quantificacional nas três versões Frege, Russell e Quine
também possui suas limitações e falhas. Na seção 3.2 argumento no sentido de mostrar que
mesmo que o modelo quantificacional fosse inatacável no tratamento de teorias formalizadas,
ainda assim ele teria problemas com o chamado discurso ficcional. Isso é especialmente
delicado para a abordagem quantificacional, pois o discurso ficcional parece ser, por
excelência, o espaço onde as teses meinongianas sobre possibilia parecem ganhar mais força.
Como uma possível saída, sugiro que o insight de Carnap
6
acerca de domínios de
quantificação ou sistema de referência (framework) pode ser de extrema utilidade na
construção de uma solução elegante que compatibilize nosso discurso acerca da realidade e
nossas afirmações sobre o domínio ficcional e com isso evite o comprometimento indesejado
com a ontologia meinongiana.
Gostaria de ressaltar que meu trabalho não pretende ser, de forma alguma, uma
apresentação exaustiva do problema da existência em vários autores. Meu objetivo aqui é,
primordialmente, a apresentação e avaliação da abordagem quantificacional do problema da
existência tendo como pano de fundo a reação de seus proponentes à abordagem
categorialmente inflacionada defendida por Platão e Meinong através do modelo clássico de
análise de sentenças. Portanto, pretendo realizar aqui, não um trabalho exegético, mas
sistemático. Como conseqüência disso, tentarei evitar me deter em muitos detalhes de
interpretação das teses polêmicas que os autores mencionados sustentam.
6
Cf. (CARNAP,1988).
12
Basicamente, a escolha das versões da abordagem quantificacional que irei apresentar se
deve à influência que elas exerceram e ainda exercem sobre tradição analítica. Embora
seja verdade que o que Frege escreveu explicitamente sobre a análise do problema da
existência representa uma parte muito pequena de sua obra, o pouco que ele escreveu sobre o
tema gerou grande repercussão. Da mesma forma, a revolução gica provocada por Frege e
sua proposta de uma hierarquia de níveis de predicados foram decisivas para uma análise de
ordem superior do predicado de existência e para superação da falsa simetria entre estrutura
gramatical e estrutura lógica das sentenças. Por outro lado, as fases da filosofia de Russell e
Quine marcadas pela publicação dos artigos Da denotação, que marcou o advento da Teoria
das Descrições de Russell, e Sobre o que representaram a assunção de um modelo de
análise e de um conjunto de teses que proporcionaram uma revisão crítica da ontologia
inflacionada de Platão e Meinong via tratamento lógico do predicado de existência.
Partindo do pressuposto de que podemos medir o poder e a relevância de um problema
filosófico conhecendo as relações que ele possui com outros problemas filosóficos de valor
reconhecido, penso que o problema em torno do tratamento lógico do predicado de existência
ocupa uma posição de destaque no debate filosófico. Como veremos ao longo desse trabalho,
o problema de formalização de sentenças de existência está diretamente ligado a tópicos
centrais da filosofia, a exemplo do debate platonismo versus nominalismo, o estatuto gico-
semântico dos nomes próprios, a teoria descritivista e a teoria da referência direta, dentre
outros. Seja bom ou ruim, penso que de alguma forma, esses tópicos estão todos
interconectados e qualquer avanço ou retrocesso em um deles possui reflexo direto em todos
os outros.
♣♣♣
13
CAPÍTULO I
O problema da existência: uma abordagem categorialmente inflacionada
________________________________________________________________
No contexto da análise da linguagem fundada na lógica contemporânea, o centro da
polêmica envolvendo o uso do conceito de existência reside no problema da forma lógica das
sentenças em que a expressão “existe” ocorre. Embora aquilo que, em geral, se qualifica como
a abordagem analítica do problema das sentenças de existência possua atualmente o status de
abordagem padrão, os primeiros tratamentos do problema remetem à antiguidade. O monismo
ontológico de Parmênides, fundado na unicidade do ser (o ser é, o não-ser não é) em
conjunção com sua tese lingüístico-epistêmica de que somente o ser é pensável e
comunicável, e que o não-ser é impensável e inefável gerou, dentre vários problemas lógicos
7
,
o problema da expressividade de sentenças de inexistência. Em outras palavras, a conjunção
das teses parmenideanas sobre o ser impossibilita a formulação de sentenças existenciais
negativas verdadeiras, ou seja, a formulação de sentenças existenciais onde ocorrem termos
vacuosos, a exemplo de “a montanha de ouro”, “Sherlock Holmes”, “Pégasus”, “Vulcano”, “a
fonte da juventude”, “o maior número primo”, “o círculo quadrado” etc. Do ponto de vista do
modelo clássico de análise de sentenças
8
, quem enuncia uma sentença do tipo “a montanha de
ouro não existe”, a rigor, pretende afirmar que o domínio do ser não contém objetos como
montanhas de ouro, ou ainda, que montanhas de ouro não pertencem ao domínio da ontologia
em questão. Contudo, nos termos de Parmênides, isso equivale a enunciar algo sobre um
objeto do domínio do não-ser, o que para ele é ilegítimo. Por outro lado, “a montanha de
ouro” é um termo dotado de sentido e perfeitamente comunicável e, portanto, segundo a tese
parmenideana da comunicabilidade exclusiva do ser, algo que aponta para alguma posição de
sua ontologia. Logo, assumindo de uma forma radical as teses de Parmênides e o modelo
7
Um dos problemas lógicos básicos que a teoria de Parmênides gerou diz respeito à impossibilidade de enunciar
sentenças falsas de maneira coerente. Por exemplo, duas maneiras básicas seriam, ou por meio de uma
predicação falsa como em “Sócrates é médico”, ou através do uso de um termo vacuoso, como em “Sherlock
Holmes é brasileiro”. Em ambos os casos afirmamos o não-ser como ser – seja atribuindo uma propriedade a um
determinado objeto quando, na realidade, esse mesmo objeto não possui tal propriedade, seja usando um termo
denotativo que não possui referência. De acordo com as teses parmenideanas, os dois casos anteriores, bem
como todas as outras formas de expressar uma falsidade são impossíveis, pois seriam maneiras de referir o não-
ser que, segundo Parmênides, é inefável. Não há um complemento do ser ao qual eu possa me referir ou mesmo
pensá-lo. No entanto, a ocorrência de sentenças falsas é um fato lingüístico corriqueiro. Ao afirmarmos “O atual
rei da França é careca”, estamos atribuindo ser a algo que não é. Partindo do pressuposto de Parmênides, se o
falso é inexprimível, toda sentença semanticamente legítima e sintaticamente bem formada é a priori verdadeira;
conclusão essa difícil de aceitar.
8
É importante lembrar mais uma vez que usarei no presente trabalho as expressões “modelo clássico de análise”
ou simplesmente “análise clássica” para expressar o modelo de análise de influência aristotélica fundada no
pressuposto de que todas as sentenças possuem a forma sujeito-predicado. Dessa forma, será incorreto interpretar
tais expressões como tendo o mesmo significado do que entendemos atualmente por “lógica clássica”.
14
clássico de análise, é possível extrair da sentença “a montanha de ouro não existe” uma
contradição do tipo: montanhas de ouro pertencem e não pertencem ao domínio do ser.
9
Penso que a solução do problema da inconsistência das sentenças de inexistência, da
forma como ele foi exposto acima, pode ser desenvolvida a partir de uma revisão das teses
de Parmênides e de uma proposta de tratamento lógico de sentenças que elimine problemas de
expressividade presentes na linguagem natural. Não obstante, a tese parmenideana de
unicidade do ser (o ser é, o não ser não é) é formulada de uma maneira tautológica
10
e,
portanto, dificilmente um filósofo ousaria pô-la em questão. Com isso, as primeiras
estratégias de reformulação da posição de Parmênides em geral buscaram uma revisão e
ampliação da extensão do conceito de ser. Essa estratégia foi adotada por proponentes de
ontologias exuberantes a exemplo de Platão em diálogos como o Sofista e Parmênides na
antiguidade e Meinong
11
entre os contemporâneos. A tentativa de sustentar a legitimidade das
teses de Parmênides e, ao mesmo tempo, solucionar os problemas que ela pode gerar serviu de
base para impasses ontológicos de incrível persistência a exemplo do argumento do não-ser
que apresento a seguir – bem como seus herdeiros contemporâneos como a Teoria dos
Objetos de Meinong.
Meu trabalho não pretende ser uma crítica à ontologia de Parmênides, embora eu possua
sérias objeções a ela. Naturalmente, devo reconhecer que as conclusões que derivo através das
teses de Parmênides não necessariamente coincidem com a interpretação sustentada pelos
especialistas neste filósofo. A despeito de tudo isso, penso que as teses fundamentais da
unicidade e comunicabilidade exclusiva do ser não podem ser conjuntamente sustentadas sem
que isso leve a contradições. O monismo ontológico é mencionado aqui com mero caráter
introdutório tendo em vista que ele é a base de onde surgem as teorias clássicas de tratamento
do conceito de existência. Em última instância, o objetivo do meu trabalho é analisar as mais
influentes versões da abordagem quantificacional do tratamento de sentenças de existência.
Com isso, pretendo verificar até que ponto essa abordagem pode eliminar problemas
ontológicos clássicos. Pretendo também investigar a possibilidade de um tratamento unívoco
do conceito de existência aplicado a diferentes domínios (objetos físicos, ficções etc.) e a
diferentes tipos de sentenças de existência. Contudo, para uma melhor compreensão da
análise do problema da formalização de sentenças de existência e dos impasses lógico-
9
O mesmo argumento pode ser igualmente aplicado à toda sentença existencial negativa.
10
Em linhas gerais, a tese da unicidade do ser pode ser formulada da seguinte maneira: "x(x é ®x é). Tal tese é
constantemente reenvidicada como a precursora dos princípios lógicos portanto, tautológicos da identidade,
do terceiro excluído e de não-contradição.
11
Cf. (MEINONG, 2005).
15
filosóficos que uma formalização adequada deve resolver, é necessária uma apresentação
prévia da abordagem clássica e suas variantes que contribuíram para a discussão
contemporânea. Esse é basicamente o objetivo do presente capítulo.
1.1 O modelo clássico de análise e o argumento do não-ser
O modelo clássico de análise, de influência aristotélica, se sagrou historicamente como
a primeira proposta explícita e bem articulada de análise de sentenças sob o pressuposto não
questionado de que toda sentença tem sempre a forma básica sujeito-predicado
12
e de que,
esta mesma forma básica, aparentemente reflete uma distinção ontológica mais fundamental, a
saber, que toda a realidade está estruturada nas categorias de substância e atributo. Ao
afirmar “a montanha de ouro não existe” estaríamos fazendo uso de uma sentença bem
formada composta por um sujeito (a montanha de ouro) e lhe predicando algo (no caso, a não
existência). Usando o aparato formal da lógica de predicados e mantendo o pressuposto
clássico de que toda sentença bem formada é analisada em termos da distinção sujeito-
predicado, poderíamos legitimamente formalizar a sentença acima da seguinte maneira: ¬Ea,
onde a é uma constante individual, contraparte lógica do sujeito “a montanha de ouro”, e E o
predicado de existência. Teríamos, então, uma sentença simples onde “existe” é claramente
um predicado de primeira ordem, ou seja, um predicado aplicado diretamente a objetos.
Uma das teses da filosofia da linguagem contemporânea pela qual tenho uma grande
simpatia, afirma que nossas teorias de mundo são, em grande parte, produto da linguagem que
usamos para descrevê-lo.
13
Isso parece ficar claro se observarmos o modelo clássico de
análise onde toda expressão denotativa presente numa sentença se comporta como sujeito da
sentença e, conseqüentemente, como uma entidade ontologicamente definida representada
formalmente através de uma constante individual, e também onde o predicado de existência
expressa uma propriedade legítima e relevante de objetos. Seguindo esse modelo, somos
inevitavelmente levados a nos comprometer com uma ontologia que comporte tais entidades
12
Em sua lista de silogismos Aristóteles deixou de fora raciocínios envolvendo sentenças na forma de relações
com diferentes aridades. O exemplo mais elementar de uma sentença envolvendo relações é uma sentença como
“Pedro ama Maria” que pode ser interpretada na forma sujeito-predicado-sujeito (aRb). Para Aristóteles, tal
sentença era analisada na forma tradicional sujeito-predicado (Fa) onde “F” representa o predicado “amar
Maria”.
13
Essa tese é defendida por Wittgenstein tanto no Tractatus (“às diferentes redes correspondem diferentes
sistemas de descrição do mundo”, TLP 6.341 em diante) como nas Investigações Filosóficas onde ele claramente
sustenta que todo jogo de linguagem encerra uma forma de vida. Outra defesa dessa tese (mais próxima da
orientação que meu trabalho segue) pode ser encontrada no artigo Relatividade Ontológica (QUINE, 1975c)
onde Quine defende, grosso modo, que toda ontologia é sempre relativa à linguagem com a qual a teoria que a
sustenta é formulada.
16
representadas pelas constantes individuais. Em outras palavras, somos levados a assumir que
os objetos possivelmente denotados pelos termos que ocupam a posição gramatical de sujeito
das sentenças, pertencem de alguma forma ao domínio de nossa ontologia. Não obstante, uma
análise mais detida dos pressupostos da sintaxe embutida no modelo clássico de análise e de
suas conseqüências para a filosofia revela uma série de conclusões extremamente
problemáticas e que muitos filósofos não estão dispostos a aceitar. A maioria das objeções ao
modelo clássico de análise se concentra na tese mencionada de que ela conduz seu
proponente ao comprometimento inevitável com a existência das entidades supostamente
denotadas pelas expressões contidas nas sentenças. Basta lembrar a crítica de Quine ao que
ele chama ironicamente de enigma platônico do não-ser ou a barba de Platão e que
chamaremos de agora em diante simplesmente de argumento do não-ser.
14
Tal argumento é
um exemplo claro dos problemas ontológicos gerados por intermédio de uma análise lógica
deficiente. Em linhas gerais, o argumento do não-ser pode ser apresentado da seguinte forma
enigmática: “o não-ser deve em algum sentido ser, caso contrário o que seria aquilo que não
é?”
15
A intuição básica de quem defende o argumento do não-ser é que, ao fazermos uso de
uma sentença como “a montanha de ouro não existe”, de certa forma pressupomos algum
tipo de ser à montanha de ouro. Se a montanha de ouro fosse, em todos os sentidos, um mero
nada, a expressão “a montanha de ouro” e, conseqüentemente, toda sentença em que ela
ocorre, mesmo sendo ela uma sentença existencial negativa, não teria sentido algum. Essa é,
em linhas gerais, a reformulação platônica da tese de Parmênides de que o não-ser é inefável,
embora a reformulação de Platão extrapole os limites de Parmênides e já aponte para uma
possível solução. Se podemos expressar algo com sentido como “a montanha de ouro” é
porque, de alguma forma, ela deve ser. Do contrário, o termo “a montanha de ouro” não seria
sequer inteligível. O raciocínio estranho por traz do argumento do não ser é que: se uma
sentença P tem sentido, então todas as expressões que compõem P devem denotar algo.
aqui um salto não justificado do sentido para a denotação. Platão já havia observado o
problema envolvendo sentenças existenciais quando associadas às teses de Parmênides e foi
um dos primeiros filósofos a propor uma solução para o impasse através de uma reformulação
do conceito de ser. A solução de Platão está intimamente associada à sua teoria das ideias.
Obviamente, para Platão, o ser da montanha de ouro era assegurado através da existência de
uma entidade ideal que a correspondesse, em outras palavras, uma forma pura não instanciada
presente no mundo das ideias.
14
Versões do argumento do não-ser podem ser encontradas nos diálogos Sofista e Parmênides de Platão.
15
Cf. (QUINE, 1975a: 223).
17
A formalização apresentada anteriormente (¬Ea) e que introduzi propositalmente é útil
tendo em vista que ela torna clara a estrutura do argumento do não-ser.
16
Baseado nessa
interpretação, mesmo para negar existência à montanha de ouro, precisamos entender o termo
“a montanha de ouro”, do ponto de vista lógico, enquanto um termo singular representado
formalmente por uma constante individual que me compromete com a entidade montanha de
ouro. Nas palavras do proponente do argumento do não-ser, devemos assumir que a montanha
de ouro pertence ao domínio mais geral do ser para podermos negá-la existência. Vale
lembrar que, nesse contexto, “pertencer ao domínio do ser” admite diferentes interpretações
dependendo da posição filosófica em questão: se para tratar de entidades que não existem,
mas pertencem ao domínio do ser, Platão introduziu a noção de “ideia” ou “forma pura não
instanciada”, a metafísica medieval falou de meros possibilia, ao passo que Meinong usou o
termo “objetos subsistentes” (como veremos a seguir). Usando uma linguagem matemática,
podemos seguramente afirmar que o ponto básico de interseção entre todas essas posições
filosóficas que, de uma forma ou de outra, estão filiadas ao argumento do não-ser, reside na
tese de que o predicado “existe” tem como domínio apenas um minúsculo subconjunto do
domínio geral, absoluto, do ser. Nos termos da lógica de predicados, podemos dizer que o
domínio do ser compreende toda entidade que possa entrar na composição de uma sentença
quantificada em ocasião da formalização da teoria na qual ela ocorre. No caso do argumento
do não-ser, entidades que, segundo o modelo clássico de análise, figurem como sujeito da
sentença. Nisso consiste precisamente a distinção entre os conceitos de haver e existir. A
partir dessa distinção foi possível para Meinong, como veremos a seguir, formular o que é
quase o slogan das teorias ontológicas categorialmente inflacionadas: coisas que não
existem” (a montanha de ouro, por exemplo).
O argumento do não-ser é um ponto de extrema relevância para a compreensão do
problema contemporâneo da análise de sentenças de existência, pois é a base de argumentação
de ontologias que, invariavelmente, estão comprometidas com entidades ficcionais, a exemplo
de Pégasus, montanhas de ouro, e abstratas como, números, conjuntos, funções etc. Dentre
tais ontologias a mais comumente citada é a ontologia de objetos de Alexius Meinong.
16
Obviamente Platão, ao propor o argumento do não-ser, não tinha em mente a formalização ¬Ea apresentada
neste texto com uma finalidade meramente ilustrativa.
18
1.2 A teoria dos objetos de Alexius Meinong
A teoria dos objetos de Meinong é comumente citada como a herdeira contemporânea
do argumento do não-ser de Platão, embora com uma releitura de inspiração psicologista e
uma metodologia de análise de sentenças muito próxima da que a filosofia analítica
posteriormente adotou. A teoria de Meinong possui inegável base psicologista no que diz
respeito a sua posição filosófica geral
17
, contudo, pode ser, do ponto de vista metodológico,
classificada como uma precursora da filosofia analítica: se por um lado ela é conseqüência de
uma concepção psicológica da formação das nossas asserções sobre a realidade, por outro, ela
propõe, como fundamento de suas teses, um modelo explícito de análise de sentenças. Essas
duas vertentes adotadas por Meinong podem ser expressas, respectivamente, através das teses
de que (I) todo juízo ou representação é sempre um ato intencional onde se julga ou
representa algo e que, (II) dada qualquer sentença sintaticamente correta onde ocorra uma
determinada expressão denotativa, devemos atribuir algum tipo de ser à entidade
supostamente denotada.
Em linhas gerais, ao propor sua teoria dos objetos, Meinong pretendia oferecer as bases
de estudo do “objeto enquanto tal”. Para isso, é importante ter em vista a distinção que ele faz
entre os escopos da metafísica e de sua teoria dos objetos. Para Meinong, a filosofia e a
ciência forjaram o que ele chamou de um pré-juízo ou pré-conceito em favor do que é efetivo,
ou seja, do que é atual. Em outras palavras, ambas estão fundadas no pressuposto não
questionado de que o conhecimento se refere sempre a um objeto existente. Segundo
Meinong, a metafísica é, por excelência, a representação desse projeto em favor do efetivo.
Ela possui uma posição especial, a saber, “a apreensão da totalidade do mundo em sua
essência e fundamentos últimos” (MEINONG, 2005:p.96). Grosso modo, isso não equivale a
dizer que ela é uma teoria do objeto enquanto tal, mas, antes, uma teoria da totalidade do que
17
Para ser justo em minha apresentação da teoria dos objetos de Meinong é importante ressaltar que ele não
classificou sua teoria como psicologista. Segundo ele, uma teoria é dita psicologista se ela afirma que toda a
realidade é um mero produto dos nossos juízos e representações (algo muito próximo do que entendemos por
idealismo radical do tipo “o que existe são apenas idéias”). Nesse sentido, Meinong alega que sua teoria não é
psicologista, pois o ato de julgar ou de representar, de acordo com ele, nos comprometeria inteiramente com o
objeto julgado ou representado, seja este objeto existente ou subsistente. O ser deste mesmo objeto, nesses
termos, independe de qualquer julgamento ou representação. Não obstante, afirmo que a teoria dos objetos de
Meinong é psicologista tendo em mente o fato de que, para ele, toda descrição do domínio do ser (o conjunto de
objetos que existem e dos que subsistem) está inevitavelmente subordinada à análise de elementos psicológicos
do conhecimento tais como a intencionalidade de representações mentais. Não por acaso, a seção 5 de Sobre a
Teoria dos Objetos leva o título de “Teoria do objeto como Psicologia”.
19
existe. Porém, a totalidade do que existe, nos termos de Meinong, é apenas um minúsculo
subconjunto da imensa totalidade dos objetos do conhecimento. O pré-juízo em favor do
efetivo consiste, precisamente, na tese de que o não-efetivo é ontologicamente um simples
nada desprovido de relevância para o conhecimento. A posição de Meinong pode ser
sintetizada na seguinte passagem:
A metafísica lida, sem dúvida, com a totalidade do que existe. Mas, a totalidade do
que existe, incluindo o que existe e o que existirá, é infinitamente pequena em
relação a totalidade dos objetos do conhecimento; e que se tenha negligenciado isso
tão facilmente tem, bem entendido, o seu fundamento no fato de que o interesse pelo
efetivo, que está em nossa natureza, favorece esse excesso que consiste em tratar o
não efetivo como um simples nada, mais precisamente, a tratá-lo como algo que não
oferece ao conhecimento nenhum ponto de apreensão ou nenhum que seja digno de
interesse (MEINONG, 2005:p. 96).
Desse ponto de vista, Meinong pretendia que sua proposta de uma teoria dos objetos
fosse entendida como uma superação do pré-juízo em favor do efetivo e, portanto, como a
base de análise da totalidade dos objetos do conhecimento; e isso inclui o domínio do efetivo
e do não-efetivo.
O argumento de Meinong para reabilitar o comprometimento ontológico com o não-
efetivo, como foi dito anteriormente, é associado a duas vertentes de análise: uma psicológica
e outra lingüística. Não pertence ao objetivo do presente trabalho uma análise detalhada da
abordagem psicológica da obra de Meinong, mas a título de informação, podemos afirmar que
essa abordagem está fundada na tese meinongiana de que todo estado mental possui uma
direcionalidade, ou seja, a propriedade de estar “orientada para algo”. Em outras palavras,
estados mentais possuem sempre uma intencionalidade
18
e isso, segundo Meinong, implica o
comprometimento com um objeto. A rigor, para Meinong, um desejo é sempre desejo de algo,
uma espera é sempre espera por algo, uma crença é sempre uma crença em algo, e assim por
diante. Tudo que for objeto de uma disposição psicológica deve possuir uma posição definida
no domínio do ser. Segundo o argumento de Meinong, se Pedrinho acredita que Saci tem uma
perna só, então tal objeto afirmado pela crença de Pedrinho que se chama “Saci”, mesmo
que este objeto não exista. Do contrário, a crença de Pedrinho não teria uma intencionalidade
e, portanto, sequer seria um ato mental legítimo.
Do ponto de vista semântico, Meinong introduz uma distinção fundamental para a
compreensão de sua teoria dos objetos, a saber, a distinção entre os conceitos de objetividade
18
Embora atualmente os teóricos da mente chamem atenção para a existência de estados mentais não
intencionais, tais como angústia e ansiedade, Meinong, que foi fortemente influenciado pela escola austríaca a
qual Brentano pertencia, pensava na intencionalidade como a marca essencial do mental.
20
(Objekte) e objetivo (Objektiv). Dada qualquer sentença sintaticamente correta, uma
entidade que expressa a objetividade dessa sentença e um conteúdo que Meinong chama de
objetivo da sentença.
19
Se afirmo “Pégasus não existe”, o sujeito “Pégasus” compõe a
objetividade da sentença, em outras palavras, o objeto ao qual a sentença se refere. Por outro
lado, o conteúdo afirmado na sentença, no caso, “a não existência de Pégasus”, constitui seu
objetivo. O argumento de Meinong de reabilitação do não-efetivo sustenta que o que é negado
na sentença “Pégasus não existe” é que o objeto que oferece objetividade à sentença seja
efetivo, ou seja, na sentença em questão, nega a existência espaço-temporal do cavalo alado
relatado nos textos mitológicos. Contudo, segundo Meinong, é necessário admitir o ser do
objetivo da sentença, ou seja, a proposição ou o conteúdo que ela encerra. Para a sentença em
questão isso equivale a dizer que “há tal objeto que é um cavalo alado e este objeto o
existe” e que, portanto, Pégasus pertence ao domínio do ser. Daí segue a distinção afirmada
por Meinong entre os conceitos de haver e existir. “Existência” pertence ao domínio restrito
da metafísica
20
, ao passo que, “há” pertence ao domínio mais amplo da teoria dos objetos de
uma maneira geral. A análise realizada na sentença “Pégasus não existe” pode ser estendida
para toda sentença existencial negativa sintaticamente bem formada implicando no
comprometimento ontológico com o objeto supostamente denotado pela sentença enquanto
um objeto subsistente.
Meinong acreditava que suas teses em favor do não efetivo poderiam ser reconhecidas
como claras e intuitivas. Para ele, isso fica evidente na presença constante de objetos ideais
que permeiam nosso discurso do real e que são aceitos com certa naturalidade. Dentre tais
objetos que, segundo Meinong, possuem subsistência, mas não existência, podemos citar a
identidade, a diferença, conjuntos, e uma série de outros objetos ideais que pertencem ao
domínio das ciências formais tais como a lógica e a matemática. Segundo ele, todos os
enunciados matemáticos expressam conhecimento acerca de objetos não existentes. Em
qualquer asserção matemática, como “2+2=4”, uma estrutura que, segundo Meinong, do
ponto de vista da teoria dos objetos, deve ser analisada nos termos da distinção entre objetivo
19
aqui uma semelhança direta entre o conceito meinongiano de objetivo (objektiv) e o conceito fregeano de
pensamento (proposição ou sentido da sentença). Tal semelhança não é uma mera coincidência tendo em vista
que tanto Meinong quanto Frege, em algum momento de suas vidas acadêmicas, tiveram contato com autores da
tradição psicologista, a exemplo de Husserl. Não obstante, as reações desses dois autores à corrente psicologista
foram diametralmente opostas. Se por um lado Meinong incorporou um grau significativo de elementos
psicológicos na defesa de sua teoria, por outro, Frege quis a todo custo abolir qualquer nível de psicologismo na
formulação de uma ciência rigorosa.
20
Entenda aqui “Metafísica” nos termos em que Meinong a definiu, a saber, “a apreensão da totalidade do
mundo em sua essência e fundamentos últimos”. O que, segundo ele, equivale ao estudo de objetos efetivos.
Nesse sentido, o predicado “existe” é aplicado invariavelmente a objetos espaço-temporais.
21
e objetividade, ou seja, o enunciado, em última instância, afirma que “há tal objeto, 2, que
somado a si mesmo é igual ao objeto 4”, muito embora 2 e 4 não existam efetivamente.
assim é possível compreender como geramos conhecimentos, ou seja, sentenças com sentido,
através de objetos não existentes. Grosso modo, isso equivale a afirmar que o sentido de
qualquer sentença (não as matemáticas) depende do comprometimento ontológico com as
expressões denotativas nelas presentes, mesmo que as entidades denotadas simplesmente não
existam. Portanto,“2+2=4” é uma sentença com sentido se, e somente se, há tais objetos: 2, 4,
adição e igualdade, ou seja, que esses objetos pertençam ao domínio do ser, mesmo que eles
não existam. Um objeto pode, portanto, ter um conjunto de características independentemente
de sua existência, ou seja, para qualquer propriedade f e qualquer objeto a, a pode ter ou não
a propriedade f mesmo que a não exista. Nisso consiste a tese da independência do ser
(Aussersein) do objeto em relação à sua existência. Tudo aquilo que pertence ao domínio do
ser, mas não existe espaço-temporalmente, segundo Meinong, subsiste. Nesse sentido,
“subsistência” é uma categoria independente da categoria de “existência”.
As duas abordagens da teoria dos objetos de Meinong a psicológica e a lingüística -
visam sustentar a mesma tese de partição do domínio do ser em existente e subsistente que é
enunciada na sentença paradoxal “há (es gibt) objetos a propósito dos quais se pode afirmar
(von denen gilt) que não tais objetos”.
21
Em linhas gerais, Meinong pretende sustentar que
todo objeto nos é dado de alguma forma, antes mesmo de qualquer atribuição nossa quanto a
sua existência.
Meinong propôs também uma distinção entre o que ele chamou de propriedade nuclear
e propriedade não nuclear ou extranuclear de objetos. Uma propriedade é dita nuclear se ela
entra diretamente na constituição da estrutura do objeto e serve de alguma forma como
critério de identificação, ao passo que uma propriedade extranuclear não acrescenta nada à
estrutura do objeto que a possui e se refere apenas à posição desse mesmo objeto na ontologia
meinongiana.
22
A montanha de ouro possui entre suas propriedades nucleares “ser montanha”
e “ser de ouro”, por outro lado, “ser subsistente” ou “pertencer ao domínio do ser” são
propriedades extranucleares da famosa montanha indicando assim seu status ontológico. Com
base nessa distinção Meinong estabeleceu o que ele chamou de princípio da indiferença em
relação à existência, segundo o qual, nem a existência nem a não existência fazem parte da
natureza do objeto.
21
Cf. (MEINONG, 2005:p.101). Para uma análise mais detalhada dos problemas lógicos envolvidos na
formulação paradoxal da tese de Meinong Cf. (van INWAGEN, 2005).
22
Uma análise mais detalhada da distinção entre propriedade nuclear e extranuclear é apresentada em
(REICHER, 2005).
22
Vale notar que o princípio da indiferença e a tese da independência do ser possuem uma
sutil diferença. O princípio da indiferença sustenta que o que foi definido como a “natureza de
um objeto a”, que é caracterizado por um conjunto de propriedades nucleares f que
determinam as características básicas de a, não inclui dentro desse agrupamento de
propriedades f, para qualquer a, a propriedade de existência (ou não existência). Por outro
lado, a tese da independência do ser afirma que, para qualquer objeto a, a ter ou não uma
propriedade w é uma questão independente ou dissociada do fato da existência ou não
existência de a.
Em resumo, a teoria dos objetos de Meinong pode ser sintetizada, grosso modo, em um
conjunto de princípios gerais como se segue:
1) Nosso pensamento
23
não está limitado nem ao que existe nem ao que é possível;
2) Todo pensamento que é aparentemente sobre um objeto possui, de fato, a
característica de estar direcionado ao objeto ao qual ele se refere e esse objeto
pertence ao domínio do ser;
3) Há alguns objetos que não existem;
4) O fato de um objeto ter ou não uma propriedade independe de sua existência
(Princípio da independência do Ser);
5) Se nós usamos uma descrição para apresentar um objeto que não existe, então esse
objeto possui as propriedades enunciadas pelos predicados presentes na descrição.
1.3 Algumas conseqüências e objeções
Embora as posições filosóficas apresentadas através da teoria dos objetos de Meinong e
do argumento do não-ser de Platão possuam variantes contemporâneas amplamente
defendidas por filósofos de peso como Terence Parsons (1980), Edward Zalta (1983), dentre
outros, ambas as teorias possuem vários elementos problemáticos e duramente atacados por
seus críticos. Apresento a seguir alguns pontos polêmicos que penso contemplarem as críticas
mais corriqueiras e que irão conduzir a discussão nos próximos capítulos:
23
“Pensamento” aqui possui uma acepção ampla que inclui todo tipo de ato mental tal como imaginar,
questionar-se sobre algo (mesmo quando esse algo é impossível, a exemplo de círculos quadrados), julgar, etc.
23
(I) Ontologia de objetos intencionais Tanto o argumento do não-ser quanto a teoria dos
objetos de Meinong parecem claramente fundados em dois pressupostos básicos, a saber, (i)
na leitura de primeira ordem do conceito de existência e (ii) na distinção entre os conceitos de
haver e de existir. Se o argumento do não-ser estiver certo, seu proponente deverá assumir
como conseqüência direta (iii) uma ontologia inflacionada por objetos meramente
intencionais. É óbvio que nem todo filósofo está disposto a aceitar uma conseqüência tão forte
que pode representar uma mudança drástica de posição filosófica. Ora, (iii) é claramente
incompatível com a postura de filósofos de orientação nominalista e naturalista que tentam
reduzir todo o domínio da ontologia ao domínio de objetos físicos. Quem assume (iii) se
compromete com um conjunto infinito de entidades que não têm referência física, mas que,
segundo o proponente do argumento do não-ser, possuem uma realidade ideal. Nesse sentido,
qualquer expressão denotativa que não possua referência, ao substituir a montanha de ouro”
na sentença “a montanha de ouro não existe”, tem imediatamente sua suposta referência
adicionada ao pacote ontológico de quem defende (iii) via argumento do não-ser ou teoria dos
objetos de Meinong. É precisamente a proposta de um modo consistente de rejeitar (iii) que
está em jogo neste trabalho.
Uma das maneiras mais incisivas de negar (iii), conseqüência derivada da análise
ontológica proposta pelo argumento do não-ser com base no modelo clássico de análise, é
negar a validade dos pressupostos do próprio modelo clássico de análise e de mecanismos
similares, a exemplo do critério sintático de Meinong. Em outras palavras, trata-se de negar (i)
e (ii), bem como, rejeitar a tese do modelo clássico de análise de que a forma lógica das
sentenças pode ser expressa unicamente através da distinção padrão sujeito-predicado. Supor
que a análise lógica clássica constitui uma base sólida para a análise filosófica foi um dos
grandes equívocos da tradição.
(II) Comprometimento ontológico obrigatório Outro ponto problemático e distante de
uma solução consensual diz respeito ao comprometimento ontológico obrigatório. Da mesma
forma que Quine, penso que uma boa análise do discurso ontológico deve admitir o uso de
expressões denotativas sem cair num inevitável comprometimento com as entidades
supostamente denotadas, a exemplo do que ocorre nas ontologias que estão filiadas ao
argumento do não-ser. Caso contrário, haveria um sério problema para o debate entre teorias
divergentes em que estivesse em jogo a existência ou não de uma entidade x. Segundo
24
Quine
24
, numa tal disputa, quem defendesse a parte negativa, ou seja, a o existência de x,
sempre levaria uma inevitável desvantagem. Ao afirmar x não existe” o filósofo estaria
comprometido com x, seja enquanto um objeto intencional seja enquanto uma forma pura não
instanciada, um possibilia ou coisa do gênero, o que tornaria inviável qualquer disputa entre
teorias ontológicas divergentes. Portanto, estaria o filósofo inapelavelmente comprometido
com a ontologia inflacionada anteriormente citada em (iii).
(III) O comprometimento ontológico com impossibilia Vale lembrar que todo o
problema estabelecido em torno do conceito de existência surge, como vimos anteriormente
na apresentação do argumento do não ser, da incapacidade de manutenção da coerência de
frases existenciais negativas. Como alguns críticos tentam sustentar, o modelo clássico de
análise aplicado a sentenças existenciais negativas conduziria seu proponente a uma
contradição. Ao afirmar “montanhas de ouro não existem”, segundo o argumento do não-ser,
de alguma forma afirmamos o ser delas, do contrário, sequer entenderíamos a sentença em
questão; logo, afirmamos que montanhas de ouro são e não são. Para os defensores do
argumento do não-ser e de suas variantes contemporâneas, tal contradição é aparente, pois
pode ser plenamente superada com a distinção entre os conceitos de haver e existir que, em
última instância, conduz à admissão de um domínio ontológico mais amplo que o domínio
estritamente espaço-temporal e que incorpore objetos ideais tais como formas puras não
instanciadas ou possibilia. A rigor, do ponto de vista conceitual, é a distinção entre os
conceitos de haver e existir que constitui o fundamento teórico onde se sustenta as ontologias
categorialmente inflacionadas de Platão e Meinong. No entanto, aqui surge um grande
problema: ao tentar se livrar da pressuposta incoerência de frases existenciais negativas
defendendo um universo repleto de objetos ideais, tais ontologias inflacionadas ampliam de
forma radical seus domínios a ponto de admitir um problema tão grande quanto o que
pretendia combater, a saber, a legitimidade ontológica de entidades impossíveis ou
impossibilia. O mesmo argumento utilizado anteriormente para sustentar a subsistência de
montanhas de ouro e, junto, toda uma série de possíveis não realizados, pode ser igualmente
usado para sustentar o comprometimento ontológico para com algo como um círculo
quadrado. Tomemos a sentença o círculo quadrado não existe”. Munidos do argumento
utilizado por Meinong e pelos defensores do argumento do não-ser, alguns filósofos diriam
que, se o círculo quadrado não existisse não estaríamos falando de nada ao proferirmos estas
24
Cf. (QUINE, 1975: p. 223).
25
palavras e, portanto, não faria sentido sequer negar a existência da entidade por elas
representadas. Para acrescentar mais um argumento, “o círculo quadrado” é uma expressão
denotativa sintaticamente correta, obedecendo assim a todos os pré-requisitos da ontologia de
objetos de Meinong. Logo, seria forçoso admitir a subsistência do círculo quadrado, ou seja, a
subsistência de algo impossível.
De fato, a tese meinongiana de independência do ser (Aussersein) implica que:
(...) o ser-tal de um objeto não sofre nenhum interdito pelo não-ser (Nichtsein) deste
objeto (...) e o domínio de validade desse princípio se manifesta, pelo menos em
vista a isso, que decorrem desse princípio não apenas os objetos que não têm
existência de fato, mas também aqueles que não podem existir porque são
impossíveis. Não apenas a célebre montanha dourada é de ouro como o círculo
quadrado é redondo (MEINONG, 2005:p.100).
Se, por um lado, para solucionar uma possível inconsistência na formulação de
sentenças existenciais negativas, Meinong postulou a realidade de um vasto domínio de
objetos subsistentes oferecendo critérios, psicológico e sintático, para o comprometimento
ontológico com tais objetos, por outro, o uso irrestrito desses mesmos critérios conduziram
sua teoria a um polêmico comprometimento com uma indesejável classe de entidades
impossíveis. O domínio do ser categorialmente inflacionado descrito pela teoria dos objetos
de Meinong comporta o entidades físicas presentes no nosso cotidiano (mesas, cadeiras,
livros etc.), como as polêmicas entidades meramente possíveis (Pégasus, a montanha de ouro,
Batman, Homer Simpson) e, o que para muitos é pior ainda, entidades impossíveis (círculos
quadrados).
As reações dos neo-meinongianos às objeções apresentadas ao comprometimento com
impossibilia, em geral, possuem duas direções contrárias: ou se tenta sustentar a legitimidade
de objetos impossíveis (estratégia 1) ou se estabelece restrições aos critérios de Meinong de
maneira a evitá-los (estratégia 2). Vejamos as duas estratégias:
25
É comum entre aqueles que defendem a primeira posição tentarem sustentar a
legitimidade ontológica de impossibilia através da estratégia que consiste em ressaltar uma
distinção entre, por um lado, objetos impossíveis descritos na forma (FaÙGa) tal que os
predicados F e G sejam, de alguma forma, incompatíveis entre si e, por outro, objetos
contraditórios descritos na forma (FaÙØFa). A idéia básica dessa estratégia é mostrar que ao
se comprometer com rculos quadrados estamos nos comprometendo com objetos do
primeiro tipo, mas não do segundo. No caso, os predicados ser circular (F) e ser quadrado
25
Essas duas estratégias são brevemente apresentadas em (BRANQUINHO, 2007:260-261) e de forma mais
detalhada em (PARSONS, 1980).
26
(G) são atribuídos a um objeto e, embora eles sejam materialmente incompatíveis, ou seja,
é impossível pelas leis da geometria que as propriedades que eles representam estejam
instanciadas simultaneamente nos mesmos objetos, eles não são contraditórios. Algo
completamente diferente do comprometimento com um objeto que tenha, por exemplo, as
propriedades de ser circular e não ser circular simultaneamente. Essa distinção entre
propriedades incompatíveis e contraditórias é ressaltada por alguns neo-meinongianos na
tentativa de mostrar que somente o comprometimento ontológico com objetos contraditórios
poderia conduzir a teoria a um colapso, ao passo que o comprometimento com objetos
impossíveis pode ser visto de forma natural e sem prejuízo dos critérios, sintáticos e
psicológicos, estabelecidos por Meinong. O ponto polêmico dessa estratégia é que o domínio
de objetos determinado pela ontologia que os meinongianos e seus simpatizantes pretendem
defender é derivado e, portanto, subordinado a regras meramente convencionais como é o
caso de regras sintáticas. Os proponentes dessa estratégia assumem o comprometimento com
entidades polêmicas para salvar um critério permissivo ao extremo. Penso também que em
uma análise mais precisa das inferências possíveis envolvendo sentenças com predicados
incompatíveis atribuídos a um mesmo sujeito é sempre possível extrair algum tipo de
contradição. Por exemplo, no caso do círculo quadrado, penso que a partir de uma análise
mais detalhada das inferências possíveis envolvendo as sentenças onde esse objeto
meinongiano é expresso é possível derivar, não uma mera incompatibilidade, mas uma clara
contradição com os axiomas da geometria euclidiana. Se isto estiver correto, o preço a pagar
pela admissão da subsistência de círculos quadrados seria alto demais: a própria consistência
da teoria. Com isso, talvez seja o caso de rever não só a legitimidade dos objetos impossíveis,
mas a dos próprios critérios de Meinong.
A segunda estratégia, como foi dito anteriormente, consiste basicamente em estabelecer
restrições aos critérios de Meinong de maneira a evitar o comprometimento com objetos
impossíveis. Em geral, tal estratégia é assumida por filósofos de orientação neo-meinongiana
que, embora defendam a consistência e legitimidade de uma ontologia de possibilia, não
possuem a mesma simpatia para com o comprometimento inevitável com objetos impossíveis.
Grosso modo, eles defendem que um critério ontológico fundado numa sintaxe que permita
uma descrição do real composta não de possibilidades, mas também de impossibilidades,
não parece obedecer à noção intuitiva que temos do conceito de ser. Portanto, um objeto
impossível ou contraditório, a rigor, sequer é um objeto. Com isso, eles pretendem restringir o
critério sintático de Meinong defendendo que expressões denotativas que tentem descrever
27
objetos contraditórios ou dotados de propriedades incompatíveis não possuem referência nem
existente, nem subsistente.
(IV) Propriedades de objetos ficcionais – Outro ponto de extrema relevância para
ontologia de uma maneira geral e que carece esclarecimentos na teoria dos objetos de
Meinong diz respeito à relação que as propriedades têm com os objetos, em especial os
subsistentes (possibilia) e os não subsistentes (impossibilia). Como vimos anteriormente,
Meinong sustenta que objetos subsistentes possuem propriedades. Isso é derivado como uma
espécie de corolário do princípio da independência do ser: se um objeto pode ou não ter uma
propriedade independentemente de sua existência e se, como afirma Meinong, objetos
subsistentes, então tais objetos possuem propriedades. De acordo com a teoria de Meinong, a
montanha de ouro é dourada, Pégasus possui asas e Sherlock Holmes toca violino, embora
nenhum desses objetos exista. Contudo, não parece algo claro na ontologia meinongiana
como objetos meramente possíveis podem instanciar propriedades características de objetos
físicos. Obviamente, todo objeto ficcional, ou seja, um objeto possível que, caso existisse,
seria um objeto físico, é descrito através de propriedades típicas de objetos físicos. O Sherlock
Holmes descrito por Conan Doyle toca violino, mora na Baker Street 221B e provavelmente
possui mais de um metro de altura. Logo, de acordo com as teses de Meinong, tal objeto
meramente possível referido pelo termo “Sherlock Holmes” e tal objeto, dentre outras coisas,
possui ou instancia a propriedade “ter mais que um metro de altura”. Parece pouco claro como
um possibilia, enquanto uma mera possibilidade lógica, pode ter a propriedade de ter mais de
um metro de altura, afinal, objetos não físicos não possuem altura da mesma forma que
objetos físicos possuem. Para acrescentar mais uma objeção, é algo ainda mais polêmico
sustentar acerca dos impossibilia de Meinong que eles instanciam propriedades incompatíveis.
Segundo a teoria meinongiana o círculo quadrado possui as propriedades “ser circular” e “ser
quadrado”. Não satisfeitos com essa conseqüência da teoria de Meinong, alguns neo-
meinongianos como Zalta
26
defendem, como uma possível saída, a distinção entre instanciar
e codificar uma propriedade.
27
Segundo eles, objetos existentes instanciam propriedades, ao
passo que objetos subsistentes ficcionais apenas codificam propriedades. Pela sua própria
natureza não física, ficções são descritas através de compostos ou agrupamento de predicados.
Todo predicado que pertença a esse agrupamento expressa uma propriedade j codificada pelo
objeto possível descrito através desse mesmo agrupamento. Para Zalta, as noções de
26
Cf. (ZALTA, 1988).
27
Para uma crítica à solução de Zalta dos problemas envolvendo predicação de objetos intencionais e uma
análise das noções de instanciar e codificar uma propriedade Cf. (GREIMANN, 2003).
28
instanciar e codificar uma propriedade constituem relações metafísicas primitivas e, através
delas, é possível apresentar um critério de identidade tanto para objetos reais quanto para
objetos intencionais. Uma formulação desse critério pode ser dada como segue:
Dois objetos são idênticos se, e somente se, uma das seguintes condições é atendida:
(a) eles são, ambos, objetos ordinários e eles necessariamente e sempre instanciam
as mesmas propriedades, ou (b) eles são, ambos, objetos abstratos e eles
necessariamente e sempre codificam as mesmas propriedades (GREIMANN, 2003).
Os impasses gerados pelo tratamento do conceito de existência oferecido pelo argumento
do não-ser, e mais tarde reforçada pela teoria dos objetos de Meinong, ajudaram a construir
uma reação radical em filosofia que pôs em questão a própria legitimidade do status de
propriedade atribuído ao conceito de existência. Em outras palavras, argumentos foram
articulados para questionar a idéia de que “existe” seja um predicado relevante. Essa posição
foi defendida na modernidade por filósofos do primeiro escalão como Hume e Kant, e na
contemporaneidade por, dentre outros, David Pears, Russell e Quine.
28
Hume propôs uma
leitura epistemológica do conceito de existência onde o termo “existe”, quando aplicado a um
objeto, não acrescenta a esse mesmo objeto nenhuma informação relevante. Em seu Tratado
da natureza humana (Livro I, Parte II, seção VI) Hume defende claramente a ideia,
conseqüência de suas teses epistemológicas, de que a crença na existência de algo é uma
conclusão que se segue sempre de impressões sensíveis, e é da noção de impressão que
derivamos a noção de objeto. Dessa forma, em última instância, o que é objeto de uma
impressão é existente e, portanto, a noção de existência se aplica trivialmente a tudo. Podemos
ter uma impressão de algo circular, vermelho, pesado etc., e de tais impressões concluímos a
existência de algo com tais características. Contudo, segundo Hume, a propriedade da
existência nunca nos é dada de forma direta, mas sempre mediada por impressões sensíveis.
Kant endossa a posição de Hume ao sustentar que dizer de um objeto que ele é, não é
acrescentar nada ao objeto (Crítica da Razão Pura, B628). Para Kant, existência não constitui
um predicado real de objetos, mas, antes, tem a ver com o objeto ter uma posição no espaço-
tempo. Dizer de um objeto que ele existe é o mesmo que dizer que este mesmo objeto possui
uma posição espacial e/ou temporal. Mas novamente, dizer isso é algo trivial, pois pode ser
dito verdadeiramente de tudo aquilo que é um objeto.
Uma leitura contemporânea das objeções de Hume e Kant apresentadas anteriormente
pode ser formulada como segue. A aplicação do termo “existe” por si só parece engendrar um
28
Uma abordagem mais detalhada da análise que Russell e Quine oferecem ao conceito de existência será
apresentada no segundo capítulo do presente trabalho.
29
problema que constitui o centro do argumento para quem defende a trivialidade da
propriedade expressa por esse termo: se “existe” é um predicado que expressa a propriedade
da existência, então, segundo os defensores dessa posição, segue que toda sentença existencial
singular positiva seria uma tautologia, ao passo que sentenças existenciais singulares
negativas seriam auto-contraditórias. Se me refiro a um objeto dizendo que esse objeto existe,
não estou acrescentando nada ao objeto, tendo em vista que sua existência é pressuposta para
que eu me refira legitimamente a ele. Pelo mesmo pressuposto da existência para uma
referência legítima, uma sentença existencial negativa seria sempre auto-contraditória, pois
estaria me referindo a algo e afirmando desse algo que ele não existe. No artigo intitulado Is
existence a predicate?”
29
David Pears expressa essa tese aplicada a sentenças existenciais com
ocorrência de indexicais tais como “eu existo” e “isto existe” formulando uma distinção entre
tautologia referencial (para sentenças existenciais positivas com indexicais) e contradição
referencial (para sentenças existenciais negativas com indexicais). A idéia básica é que se tais
sentenças se referem a algo, elas são sempre verdadeiras. Negar a verdade de uma sentença
deste tipo equivale a negar a existência de algo ao qual afirmamos ter conhecimento de trato
e, portanto, a estrutura mesma da sentença garante que ela seja sempre falsa.
Vale ressaltar que o impasse observado por Hume, Kant e Pears
30
em torno do termo
“existe”, em sua estrutura básica, estava formulado no enigma platônico do não-ser e era
precisamente o que Platão e Meinong queriam superar. A relevância de uma apresentação do
argumento do não-ser e da teoria dos objetos de Meinong para a discussão contemporânea do
conceito de existência, por mais superficial que ela seja, reside no fato de que ambas oferecem
a base teórica de onde emergem as principais questões com as quais este conceito está
envolvido. Talvez possamos dizer sem exageros que, no cenário filosófico atual, qualquer
posição consolidada que tente oferecer uma interpretação do conceito de existência está, de
alguma forma, ou reafirmando ou negando muitas das intuições básicas de Platão e Meinong e
que tais posições podem, sem sombra de dúvida, ser inseridas em debates filosóficos de
primeira grandeza a exemplo do debate sobre os universais. Penso que, em última instância, o
problema que envolve os universais pode ser perfeitamente analisado nos termos do problema
da existência. Nele o que está em questão é a existência ou não de determinado tipo de
entidades.
29
Cf. (PEARS, 1967).
30
Outro olhar suspeito em direção a legitimidade lógica do predicado de existência pode ser encontrado em
(MOORE, 1970).
30
A ideia básica por traz da tese da trivialidade da propriedade da existência é mostrar
que, mesmo que seja considerado que existência é uma propriedade de primeira ordem, ainda
assim ela constitui uma propriedade que não oferece ao objeto que a instancie nenhuma
diferença substancial em relação a outros objetos. Como mostra a tese da trivialidade da
existência, a grande maioria das propriedades divide a realidade em dois segmentos básicos, a
saber, o conjunto de objetos que instanciam a propriedade em questão e o conjunto dos
objetos que não a instanciam, em outras palavras, o complemento da extensão da propriedade.
Uma propriedade j qualquer possui uma extensão, ou seja, o conjunto de todos os objetos que
instanciam j e, indiretamente, possui um complemento formado pelo conjunto de todos os
objetos que não instanciam j. No caso de propriedades não triviais ou informativas, embora
possamos conceber casos especiais onde o complemento da extensão de tais propriedades
possa ser vazio, ele não é necessariamente vazio. Esse princípio falha em relação às
propriedades triviais tais como “ser ou não ser vermelho”, “ser idêntico a si mesmo” e,
segundo os proponentes da tese da trivialidade da existência, “ser existente”. Tais
propriedades são instanciadas necessariamente por todo objeto do domínio. Se “existe” é uma
propriedade de indivíduos, então trivialmente ela é uma propriedade instanciada por tudo e,
portanto, possui necessariamente como complemento de sua extensão o conjunto vazio. Outro
critério básico de distinção entre propriedades triviais e as propriedades, por assim dizer, não
triviais ou “padrões”, é que as do segundo tipo o propriedades que possuem características
que ajudam a diferenciar, classificar e/ou identificar objetos. Ao pedir a alguém que descreva
um objeto do qual não tenho conhecimento de trato, esse alguém deve enunciar propriedades
que ajudem a diferenciá-lo de outros objetos, classificá-lo dentro de determinadas classes de
objetos conhecidos e identificá-lo no caso de uma futura apreensão. Propriedades como
“ser alto”, “ser metálico” e “ser bela” cumprem essa função, ao passo que “existir” não.
Alguém descrevendo a Torre Eiffel como alta, metálica e bela estaria oferecendo critérios de
identificação e classificação da famosa torre francesa, contudo, acrescentar a essa descrição
que a torre em questão é existente não traria uma informação substancial. A existência da
torre, no contexto dessa descrição, é dada como um pressuposto pragmático do discurso.
Não obstante, a tese da trivialidade da propriedade da existência gera um grande
problema para interpretação das sentenças existenciais negativas. Sentença como “a montanha
de ouro não existe”, que todos parecem aceitar como verdadeira, analisada nos termos do
modelo clássico de análise, apresenta um elemento do complemento do conjunto das coisas
que existem, a saber, a montanha de ouro. Contudo, sendo uma propriedade trivial, existência
31
deveria, em tese, possuir um complemento vazio. Com isso, ou reconhecemos que a tese da
trivialidade está equivocada ou oferecemos um tratamento lógico de sentenças existenciais
onde termos como “a montanha de ouro” não nos comprometa diretamente com um objeto
possivelmente denotado. Assim, ao afirmarmos “a montanha de ouro não existe”, a rigor, não
estaríamos nos comprometendo com nenhum elemento de um possível complemento da
extensão do predicado existe”. Como veremos mais adiante, essa estratégia de reforma da
sintaxe lógica clássica só foi plenamente realizada com Frege no final do século XIX.
É importante observar também que todas as questões levantadas neste capítulo inicial
podem ser classificadas em duas grandes famílias, a saber, a das questões de caráter lógico (o
conceito de existência é um conceito de primeira ou segunda ordem?) e as de caráter
filosófico (os conceitos de ser e existir são ou não coincidentes? É legítima uma ontologia de
objetos impossíveis? É possível uma redução de todo o discurso em torno de objetos abstratos
e ficcionais a um discurso sobre a realidade física?). Embora em filosofia a figura do
consenso seja algo raro, ele ainda é possível no âmbito mais geral das posturas metodológicas;
e um lugar-comum na tradição analítica consiste na idéia de que uma análise mais basilar de
questões lógicas associadas a determinados conceitos filosóficos, se não respondem, ao menos
esclarecem as questões filosóficas com as quais estes mesmos conceitos estão envolvidos.
Portanto, a estratégia básica deste trabalho poderia ser dividida em duas etapas: a primeira
etapa é caracterizada por uma abordagem dos problemas envolvidos no tratamento lógico de
sentenças de existência que penso poder esclarecer o comportamento semântico do termo
“existe”. Essa primeira etapa será realizada por intermédio de uma apresentação e análise de
algumas propostas de tratamento lógico do conceito de existência, a saber, as abordagens de
Frege, Russell e Quine. A segunda etapa consiste em apresentar as conseqüências filosóficas
que estas abordagens formais devem implicar, bem como suas possíveis limitações. Uma vez
determinado o correto tratamento gico a ser dado a tais sentenças se houver um único
tratamento teremos os subsídios formais básicos para responder tanto a questões mais
específicas referentes ao status do conceito de existência, como a suas implicações no que
toca a problemas filosóficos gerais.
Resumindo: no presente capítulo apresentei, nas versões defendidas por Platão e
Meinong, o que chamei de abordagem categorialmente inflacionada do problema da
existência (seções 1.1 e 1.2). Em outras palavras, uma abordagem que, através de um modelo
específico de análise de sentenças, expandiu o conceito de ser de uma maneira a abrigar não
aquilo que existe, mas também aquilo que subsiste e até mesmo o que não subsiste. Com
32
isso, a noção de existência passou a ser entendida pelos proponentes dessa abordagem como
uma entre as várias categorias do ser. Para Platão, o domínio do ser inclui um vasto domínio
de formas puras não instanciadas habitando um mundo das idéias. Para Meinong, o domínio
do existente constitui um subconjunto particular que tem como complemento o conjunto do
subsistente e do não subsistente. Tentei também mostrar que essa abordagem foi formulada ao
longo da tradição com base na análise lógica de inspiração aristotélica fundada no pressuposto
de que toda sentença possui a forma sujeito-predicado. Esse mesmo modelo de análise
ofereceu a base para a afirmação de uma identidade entre estrutura gramatical e estrutura
lógica das sentenças. No que diz respeito à noção de existência, esse modelo de análise
enfrentou alguns problemas elementares, tal como o problema da manutenção da coerência de
sentenças existenciais negativas verdadeiras. Por fim, fiz uma breve exposição das principais
e mais freqüentes objeções às soluções de Platão e Meinong ao problema da existência (seção
1.3).
♣♣♣
33
CAPÍTULO II
A abordagem quantificacional
________________________________________________________________
Como vimos anteriormente, a tentativa de eliminar as incoerências de uma abordagem
ingênua do conceito de existência derivadas de um modelo deficiente de análise de sentenças
levou Meinong a sustentar uma distinção entre os conceitos de haver e existir, bem como a
argumentar em favor de uma teoria inflacionada do ser. Não obstante, com o advento das
críticas e objeções contra o argumento do não-ser de Platão e a teoria dos objetos de Meinong,
ficou cada vez mais difícil sustentar as pressuposições e implicações da abordagem
inflacionada nas formas propostas originalmente por Platão e Meinong. As deficiências dessa
abordagem ajudaram a pôr em questão a validade, não de suas teses acerca da existência,
como do próprio modelo de análise de sentenças até então assumido. Nesse sentido, ficou
cada vez mais patente a necessidade de um modelo de análise de sentenças alternativo que
pudesse oferecer uma base sólida ao tratamento de questões científicas e filosóficas que
eliminasse as inconsistências e limitações do modelo anterior.
O projeto de uma linguagem perfeita na qual pudéssemos formalizar e solucionar
qualquer problema de ordem científica e filosófica é um ideal antigo entre filósofos; talvez, o
exemplo mais citado de defesa desse ideal se encontre em Leibniz e sua busca por uma
característica universal, uma espécie de calculus raciocinator que pudesse conter todas as
regras de análise de idéias.
31
A realização desse projeto encontrou sua forma mais sofisticada
na publicação em 1879 da Begriffsschrift de Frege que inaugurou uma nova era para as
ciências formais. Na esteira da grande contribuição fregeana finalmente foi possível a
assunção de modelos alternativos de análises de sentenças e, juntamente com isso, a
oportunidade de uma revisão de todos os problemas filosóficos, incluindo o problema da
existência.
O objetivo do presente capítulo é analisar esses modelos alternativos de análise de
sentenças de existência, a saber:
(i) a proposta de Frege: sentenças de existência enquanto predicações de ordem superior;
(ii) a proposta de Russell: sentenças de existência enquanto afirmações acerca de funções
proposicionais
e por fim,
31
Para uma análise detalhada do ideal leibniziano de uma linguagem perfeita Cf. (LEIBNIZ, 1951).
34
(iii) a proposta de Quine: existência definida em termos de valores de variáveis
quantificadas.
A despeito das várias e significativas diferenças entre essas três propostas, num contexto
mais geral, pretendo qualificá-las como pertencentes a uma mesma família, tendo em vista
que todas elas compartilham uma base crítica comum em relação à abordagem inflacionada
apresentada no primeiro capítulo. Essa base crítica é caracterizada pela rejeição da identidade
entre estrutura gica e estrutura gramatical das sentenças, pela afirmação da equivalência
entre os predicados “há e “existe” e um grau de rejeição à ontologia categorialmente
inflacionada, seja por meros possibilia, imposibilia ou formas puras não instanciadas.
Pretendo também mostrar de que maneira essa nova abordagem evita os problemas da análise
de Platão e Meinong apresentadas na seção 1.3 do capítulo anterior. Do ponto de vista formal,
as propostas (i), (ii) e (iii) mencionadas acima compartilham a tese de que, de uma forma ou
de outra, o predicado de existência é expresso pelo quantificador existencial da lógica de
predicados. Em virtude dessa tese e do aspecto crítico comum em relação à abordagem
inflacionada apresento essas três propostas como pertencentes a uma mesma linha de
abordagem que chamo quantificacional.
2.1 A solução fregeana: existência enquanto um predicado de ordem superior
Ao publicar sua Begriffsschrift Frege lançou as bases da lógica e da análise filosófica
contemporâneas revelando o que hoje conhecemos como cálculo de predicados. Apoiado
nessa base formal propôs uma extensão do seu projeto logicista à filosofia da linguagem
através de uma ontologia bi-categorial fundada na distinção semântica entre conceito e
objeto
32
, contraparte da distinção sintática entre termo insaturado e termo saturado. Segundo
Frege, os conceitos possuem estatuto ontológico tanto quanto objetos: da mesma forma que
objetos são referidos por temos singulares, conceitos são referidos por predicados da
linguagem. A ideia básica de Frege para formalizar sentenças das linguagens naturais estava
fundada na isomorfia por ele percebida entre estruturas sentenciais e funções matemáticas. A
analogia entre sentenças lingüísticas e matemáticas pode ser observada na seguinte passagem
de Função e Conceito:
A forma lingüística da equação é uma sentença assertiva (...) As sentenças assertivas
podem ser entendidas, assim como as equações ou expressões analíticas, como
decompostas em duas partes, uma completa em si mesma e a outra necessitando de
32
Cf. (FREGE, 1978b).
35
complementação, sendo insaturada. Assim, por exemplo pode-se decompor a
sentença
“César conquistou a Gália”
em “César” e “conquistou a Gália”. A segunda parte é insaturada, ela contém um
lugar vazio, e somente quando este lugar é preenchido através de um nome próprio,
ou de uma expressão que represente um nome próprio, aparece o sentido completo.
Aqui também denomino de função a referência desta parte insaturada. Neste caso, o
argumento é César (FREGE, 1978c: pp,45-46).
Em outras palavras, como numa operação matemática onde um elemento de um
determinado domínio satisfaz uma função tornando-se o que os matemáticos chamam de
argumento da função, assim também, tanto na nossa linguagem cotidiana como nas
linguagens científicas, objetos satisfazem ou, na terminologia fregeana, caem sob conceitos
expressos linguisticamente pelos predicados. Com isso, Frege notou que todas as sentenças
declarativas bem formadas das linguagens podem ser analisadas enquanto um tipo especial de
função. Para tornar essa função formalmente explícita basta parafrasear as sentenças através
da lógica fazendo uso, como veremos a seguir, de variáveis ligadas, quantificadores, letras
predicativas e constantes individuais.
2.1.1 A hierarquia fregeana de predicados
Frege mostrou também de forma clara, dentre outras coisas, que existe uma hierarquia de
predicados e que muitos dos problemas que o conhecimento humano gerou (matemáticos,
filosóficos etc.), que de alguma forma estavam associados à análise lógica de argumentos
foram, em grande parte, derivados de uma má compreensão ou do completo desconhecimento
dessa hierarquia. A idéia básica é que, sendo interpretados no contexto de uma função, os
predicados estão do ponto de vista lógico, e enquanto expressões de conceitos, classificados
em diferentes ordens de acordo com o tipo de argumento que eles admitem, a saber, objetos
ou outros predicados de nível inferior. Numa sentença como “Sócrates é sábio”, “ser sábio” é
um predicado que expressa uma propriedade atribuída diretamente a Sócrates e, portanto, um
predicado de primeira ordem, pois é dito verdadeiro ou falso diretamente de um objeto. No
caso, Sócrates cai sob o conceito sábio. O mesmo não ocorre com o predicado “é raro” que
expressa sempre uma propriedade de conceitos (não de objetos) e, portanto, uma propriedade
de ordem superior. Em última instância, afirmar “Sabedoria é rara” é afirmar a propriedade
que a propriedade de primeira ordem “ser sábio” tem de ser instanciada em poucos objetos.
Em outras palavras, a sentença afirma que poucos objetos caem sob o conceito sábio.
36
Não obstante, é importante ressaltar a distinção entre a relação de “cair sob um
conceito” e a relação de subordinação entre conceitos. A primeira relação se dá, em linhas
gerais, entre elementos de diferentes níveis hierárquicos, ao passo que a segunda ocorre entre
elementos de um mesmo nível e pode ser analisado em termos de continência de conjuntos.
Na sentença “Baleias o mamíferos” o conceito “ser baleia” não cai sob o conceito “ser
mamífero”, pois ambos são conceito de primeira ordem, igualmente aplicados a objetos.
Contudo, a extensão do conceito “ser baleia” é parte da extensão do conceito “ser mamífero”
formando assim um subconjunto próprio do conjunto dos mamíferos. Em outras palavras,
tudo que é baleia é também mamífero, mas nem tudo que é mamífero é também baleia. Uma
maneira de esclarecer a relação de subordinação de conceitos apresentada por Frege pode ser
oferecida formulando essa relação em termos de continência de conjuntos como segue:
Um conceito F é subordinado a um conceito G se, e somente se, o conjunto formado
pela extensão de F é um subconjunto próprio do conjunto formado pela extensão de
G.
Essa relação de inclusão entre conjuntos ou extensões de conceitos pode ser expressa na
lógica através do operador de implicação “se... então...” (®). Na sentença em questão temos:
"x (x é uma baleia ® x é um mamífero). Vale notar que, a partir desses resultados, Frege
traçou uma linha divisória significativa entre a estrutura gramatical de uma sentença e sua
estrutura lógica profunda mostrando, ao contrário do que pressupunha o modelo clássico de
análise apresentado no capítulo anterior, que nem sempre elas coincidem.
33
Através da
hierarquia fregeana de predicados fica claro que, para um número significativamente grande
de sentenças, a forma sujeito-predicado não é adequada para expressar a estrutura lógica
subjacente. Por exemplo, a forma lógica da sentença “Baleias são mamíferos”, a saber, "x (x
é uma baleia ® x é um mamífero), apresenta uma relação entre predicados e não possui
nenhuma ocorrência de um termo singular ao qual pudéssemos atribuir o papel de sujeito
lógico da sentença, embora a estrutura gramatical dessa mesma sentença possua a forma
sujeito-predicado. Dessa forma, Frege mostrou que esse arcabouço formal, aliado ao correto
uso da distinção entre conceito e objeto e à hierarquia dos predicados aplicados à análise de
33
A ideia de que a linguagem natural é perpassada por imperfeições e que por isso não serve para fins científicos
devendo ser substituída por uma linguagem lógica ideal é expressa claramente por Frege em seu texto Sobre a
justificação científica de uma conceitografia (FREGE, 1983b). Para Frege, na construção do discurso rigoroso
da ciência e de uma filosofia criteriosa a estrutura gramatical das sentenças, repleta de ambigüidades, deve ser
abandonada em favor da estrutura lógica explicitada através de uma linguagem ideal.
37
argumentos podem, juntos, revelar a verdadeira forma lógica das sentenças e esclarecer
muitos equívocos gerados, seja por uma análise lógica deficiente, seja pela gramática
superficial. Com isso, a partir do aparato da lógica de Frege, tinha sido dado um grande passo
na direção de uma revisão de todos os problemas clássicos da filosofia, dentre eles o problema
do tratamento do conceito de existência que passa agora a ser analisado nos termos do
problema da forma lógica de sentenças de existência.
No que diz respeito à discussão em torno do conceito de existência, o que Frege
percebeu e a grande maioria dos críticos da abordagem inflacionada anteriores a ele ignorou –
e isso vale para muitos outros conceitos filosoficamente relevantes, em especial os predicados
lógicos – é que “existe” é um predicado de ordem superior, ou seja, um predicado dito
verdadeiro ou falso de outros predicados.
34
Embora Hume e Kant tenham percebido os
impasses derivados da análise de primeira ordem do termo “existe”, ambos pensaram que isso
seria a evidência em favor da tese de que a existência não constitui um predicado relevante. A
análise de Frege mostra que existência é um predicado não trivial e tão legítimo quanto
qualquer outro, no entanto, um predicado de ordem superior. Isso pode ser observado através
da formalização de sentenças de existência que ele propôs. A sentença
(1) Montanhas existem
se Frege estiver correto, deve ser analisada da seguinte forma:
(1)* $x(Mx)
onde “M” representa o predicado “ser montanha”, ou ainda, o conceito ser montanha e o
quantificador existencial ($), quando aplicado a predicação de primeira ordem “ser
montanha”, representa o predicado de ordem superior “existe”. Uma forma mais precisa e
34
O pressuposto não questionado de que “existe” é um predicado aplicado diretamente a objetos, é o fundamento
de argumentos célebres na tradição filosófica tais como o chamado argumento ontológico da existência de Deus
proposto inicialmente por Santo Anselmo no Proslógio. Segundo o argumento ontológico de Anselmo, dado que
pensamos em Deus enquanto “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, então devemos pensá-lo
necessariamente como um ser dotado de todos os predicados de perfeição; e isso inclui o predicado da
existência. Para Anselmo, existência é uma propriedade de indivíduos e uma propriedade essencial de todo
indivíduo perfeito. Outro exemplo clássico onde a noção de existência aparece enquanto um predicado de
primeira ordem está presente no argumento apresentado por Descartes tanto na Parte IV do Discurso do Método
quanto no §4 da segunda Meditação onde ele sustenta que a res cogitans constitui a única verdade clara e distinta
que sobrevive ao crivo da dúvida metódica. A máxima cartesiana “penso; logo existo” parece claramente
pressupor que existência constitui uma propriedade legítima do indivíduo. Tais argumentos não são válidos
dentro da hierarquia fregeana de predicados, onde “existe” expressa um predicado de ordem superior.
38
logicamente mais sofisticada de representar o caráter de ordem superior de uma predicação de
existência como (1) pode ser dada como segue:
(1)** lj ($xjx) (M)
que pode ser lida da seguinte maneira: o predicado de ordem superior “ser um predicado
aplicado a pelo menos um objeto” é satisfeito pelo predicado “M” “ser montanha”.
Embora a estrutura gramatical de (1) possua a forma sujeito-predicado (montanhas -
existem), a estrutura lógica profunda revela uma sentença puramente predicativa que afirma
do predicado “ser montanha” que ele é aplicado a pelo menos um objeto. Da mesma forma,
uma sentença existencial negativa tal como
(2) Montanhas de ouro não existem
pode ser formulada da seguinte maneira
(2)* Ø$x(MxÙOx)
onde temos novamente “M” representando o predicado “ser montanha” e “O” representando o
predicado “ser de ouro”. Em (2)* temos mais uma vez uma predicação de ordem superior,
onde é afirmado que os predicados “ser montanha” e “ser de ouronão são instanciados por
nenhum objeto a uma vez. Como vimos anteriormente, vale notar que, segundo o modelo
clássico de análise, o termo “montanhas de ouro” constitui o sujeito da sentença e, portanto,
numa sentença formalizada deveria ser representado por uma constante individual. A
pressuposição da análise lógica clássica de que ao enunciar (2) estamos predicando algo
acerca de um sujeito e que esse sujeito deve possuir algum tipo de referência para que a
sentença como um todo tenha sentido é a base do argumento do não-ser e da teoria dos
objetos de Meinong para defender o comprometimento ontológico com montanhas de ouro.
De acordo com a análise de Frege, tais argumentos são completamente falaciosos, pois a
verdadeira forma lógica de (2), expressa em (2)*, mostra que o termo “montanhas de ouro” é,
na verdade, uma composição de termos predicativos e não um nome para um objeto ou classe
de objetos. Em (2)* não nenhum termo singular ao qual precisamos postular uma
denotação, como precisavam Platão e Meinong, para garantir o sentido da sentença como um
39
todo. Com isso, fica fácil notar que, caso a análise fregeana esteja correta, podemos dispensar
a abordagem de Platão e Meinong, bem como rejeitar suas conseqüências filosóficas mais
gerais, tais como sua ontologia categorialmente inflacionada.
A análise de Frege reflete claramente a posição superior do predicado “existe” na sua
hierarquia de predicados. A ideia de Frege era mostrar com sua análise que sentenças de
existência devem ser sempre formalmente analisadas em termos de predicações de ordem
superior e que o predicado “existe” é fielmente representado pelo quantificador existencial ($)
quando aplicado a outra predicação. Toda sentença de existência é uma sentença acerca de
propriedades de ordem inferior em relação à propriedade da existência expressas
predicativamente e afirma a respeito dessas mesmas propriedades se elas são ou não
instanciadas. Seguindo mais uma vez a analogia entre estrutura sentencial e linguagem
matemática, no parágrafo 53 dos Fundamentos da Aritmética, Frege expressa claramente a
idéia de que “(...) a afirmação de existência nada mais é que a negação do número zero”. Ou
seja, ao afirmar (1), em última instância, o falante está enunciando o fato de que o predicado
“ser montanha” é instanciado por pelo menos um objeto e, portanto, que a extensão desse
predicado não é vazia. Usando a contra positiva segue que: a afirmação de não existência
nada mais é que uma afirmação do número zero. Em outras palavras, que o predicado em
questão na sentença formalizada possui extensão nula. Outra evidência textual em favor dessa
analogia pode ser encontrada em Sobre o conceito e o objeto:
Disse
35
que a indicação de um número predica algo de um conceito; falo de
propriedades que são predicadas de um conceito e admito que um conceito caia sob
outro superior
36
. À existência, chamei-a de uma propriedade de um conceito. Um
exemplo tornará claro como isto deve ser entendido. Na sentença “há pelo menos
uma raiz quadrada de 4”, nada se predica do número determinado 2, nem tampouco
de -2; mas se predica de um conceito, a saber, a raiz quadrada de 4, que este não é
vazio (FREGE, 1978b: p.96)
Essas passagens são extremamente esclarecedoras, pois sintetizam a concepção fregeana
da existência enquanto um predicado de ordem superior. No contexto de sentenças
formalizadas temos a tese equivalente de que o quantificador existencial invariavelmente
expressa uma propriedade de propriedades e é corretamente aplicado se a propriedade que
está ligada ao quantificador é instanciada, ou ainda, se a extensão do conceito expresso pelo
predicado ligado ao quantificador não é nula. Uma sentença existencial qualquer $x(Fx) é
verdadeira caso a propriedade expressa por F” seja instanciada por pelo menos um objeto e
35
Cf.(FREGE, 1983a: §46).
36
Cf. (FREGE, 1983a: §53).
40
falsa caso nenhum objeto a instancie. Seguindo a analogia matemática, a sentença $x(Fx) é
verdadeira caso o conjunto que constitui a extensão do conceito F possua pelo menos um
elemento e falsa caso esse mesmo conjunto seja vazio.
Da mesma forma que Frege, Inwagen também ressalta o paralelo entre sentenças de
existência e afirmações numéricas com o objetivo distinto de sustentar a univocidade
37
do
predicado “existe”:
The very essence of the applicabilty of arithmetic is that numbers may count
anything: if you have written thirteen epics and I own thirteen cats, then the number
of your epics is the number of my cats. But existence is closely tied to numbers. To
say that unicorns do not exist is to say something very much like saying that the
numbers of unicorns is 0; to say that horses exist is to say that numbers of horses is 1
or more. And to say that angels or ideas or prime numbers exist is to say that the
number of angels, or of ideas, or of prime numbers, is greater than 0. The univocacy
of numbers and the intimate connection between numbers and existence should
convince us that there is at least very good reason to think that existence is univocal
(van INWAGEN, 2001: p.17).
Segundo Inwagen, da mesma forma que atribuições numéricas possuem um alto grau de
universalidade podemos contar coisas tão diversas como, cavalos, anjos, unicórnios,
conjuntos, conceitos, soluções de uma equação etc. sem que façamos distinções conceituais
entre números quando aplicados a objetos físicos ou quando aplicados a abstrações; o
conceito de existência também possui uma característica unívoca e universal. Em linhas
gerais, podemos proferir significativamente sentenças de existência e inexistência com
ocorrência de qualquer predicado, sem que com isso o termo “existe” exija um tratamento
lógico diferenciado em cada caso. Da mesma forma que Frege, Inwagen defende que esse
tratamento lógico unívoco é oferecido através do quantificador existencial.
2.1.2 Sentenças de existência e nomes próprios
Embora, à primeira vista, os resultados de Frege apontem para uma superação das
conseqüências indesejadas derivadas da abordagem inflacionada, algumas complicações
que precisam ser mencionadas. Os resultados derivados da solução fregeana ao problema de
formalização de sentenças de existência possuem dois aspectos distintos. Se por um lado, o
modelo de análise proposto por Frege oferece vantagens significativas em relação ao modelo
37
Dizemos que o predicado de existência é unívoco quando podemos oferecer um tratamento gico único a
qualquer instância de sentença existencial. Em outras palavras, que a propriedade da existência é atribuída, do
ponto de vista lógico, de forma similar a qualquer tipo de propriedade a qual ela esteja associada. Na abordagem
fregeana esse tratamento unívoco fica evidente ao observarmos que o termo “existe” é sempre formalmente
representado pelo quantificador existencial e que toda sentença de existência constitui sempre predicações de
ordem superior.
41
clássico de análise no sentido de eliminar elegantemente algumas de suas conseqüências
indesejadas vale lembrar que o argumento do não-ser, onde a garantia do sentido de uma
sentença como um todo pressupunha algum tipo de referência a todo termo denotativo
presente na sentença, não é válido dentro da análise fregeana por outro lado, algumas
complicações para a abordagem de Frege que tornam a crítica ao modelo clássico de análise
algo não tão simples de ser levada a cabo, além de colocar a solução fregeana no centro de
algumas polêmicas. Uma das complicações surge da análise de sentenças singulares de
existência com ocorrência de nomes próprios, a exemplo de
(3) Júlio César existe.
38
Parece bastante intuitivo afirmar que (3) é uma sentença com sentido e além de tudo
verdadeira. Ela afirma a existência historicamente comprovada de um indivíduo que viveu na
antiguidade. Não obstante, do ponto de vista da abordagem de Frege, (3) não é nem
verdadeira nem falsa e sequer possui sentido.
39
As razões para essa afirmação são de fácil
compreensão. Na sentença (3) o termo “existe” ocorre como único predicado e está
claramente ligado a um nome próprio, a saber, “Júlio César”, o que entra em choque frontal
com a tese fregeana de que toda sentença de existência é constituída por uma predicação de
ordem superior, ou ainda, uma predicação sobre predicados. Se (3) fosse uma sentença
legítima, o predicado “existe”, nela presente, figuraria como um predicado de primeira ordem,
ou seja, um predicado dito verdadeiro ou falso diretamente de um objeto, o que vai de
encontro a real posição desse predicado na hierarquia fregeana. Segundo Frege, (3) é
destituída de sentido pois fere noções básicas sintáticas que perpassam toda a linguagem e
caracterizam a hierarquia de predicados.
Uma tentativa de solucionar o problema da significatividade de sentenças de existência
com nomes próprios é defendida da seguinte maneira: nomes próprios dentro de uma sentença
de existência podem ser analisados em termos de um conceito envolvendo identidade. Com
isso a sentença (3) pode ser corretamente formalizada como segue:
(3)* $x(x = Júlio César).
38
O predicado “existe” será utilizado neste trabalho num sentido atemporal. Quando for necessário ressaltar
algum aspecto temporal deste predicado ele virá explícito no texto.
39
Cf. (FREGE, 1978b; p.98).
42
Vale ressaltar que o quantificador existencial ($) em (3)* não está sendo aplicado
diretamente a “Júlio César”; se fosse o caso, “existe” seria um predicado de primeira ordem.
Segundo Frege, é ao predicado de primeira ordem “= Júlio César” que deve ser lido como
“ser idêntico a Júlio César” que o quantificador presente em (3)* se aplica, tornando “existe”
um predicado de segunda ordem. O que (3)* expressa, em linhas gerais, é que o predicado
“ser idêntico a Júlio César” é instanciado por algo. Não obstante, essa proposta está fundada
na estratégia não admissível no sistema fregeano de substituir um nome próprio por um
predicado. Tal estratégia fere o princípio básico de Frege de distinção entre as noções de
conceito e objeto. Mesmo que essa análise fosse defensável dentro dos parâmetros fregeanos
ainda assim ela se defrontaria com algumas incongruências entre a formalização de sentenças
existenciais negativas com nomes próprios sem referências e algumas das teses da Filosofia
da Linguagem de Frege. Vejamos como isso ocorre: uma sentença existencial negativa do tipo
(4) Sherlock Holmes não existe.
se analisada de maneira análoga à (3)*, teríamos então algo como
(4)* ¬$x (x = Sherlock Holmes).
Tendo em vista que não nada que satisfaça o predicado “ser idêntico a Sherlock
Holmes” a sentença (4)* seria consistentemente verdadeira. No entanto, Frege afirma que
uma sentença existencial negativa com um termo sem referência simplesmente não possui
valor de verdade. O argumento de Frege para sustentar essa afirmação é derivado de seu
princípio de composicionalidade que afirma que o sentido e a referência de uma sentença é
uma função do sentido e da referência das partes da sentença, juntamente com suas regras de
composição. De fato, o princípio de composicionalidade parece claro e intuitivo, mas
juntamente com a análise fregeana de sentenças conduz a conclusões nem sempre intuitivas.
A sentença (4) possui um termo vacuoso, ou seja, um termo sem referência, a saber,
“Sherlock Holmes”. Se a referência de (4) é uma função da referência de suas partes e
“Sherlock Holmes” não possui referência, então (4) não possui referência. Mas o que é a
referência de uma sentença para Frege? Frege possui um argumento apresentado em Sobre o
Sentido e Referência
40
para sustentar que a referência de uma sentença é seu valor de verdade.
40
Cf. (FREGE, (1978:67-69).
43
Frege chama atenção para o nosso constante interesse pela referência dos termos que ocorrem
nas sentenças; ou seja, se existe ou não o objeto que eles pretendem representar. Segundo ele,
esse interesse em relação à referência das partes de uma sentença é motivado pelo nosso
interesse quanto ao valor de verdade das sentenças. Se não nos interessássemos pelo valor de
verdade das sentenças assim como ocorre na nossa relação com as artes, a exemplo de um
texto literário onde, segundo Frege, o deleite estético constitui a finalidade última da leitura –
a compreensão do sentido das sentenças seria o suficiente para os nossos objetivos. Contudo,
isso nem sempre é o caso. Para Frege, é o interesse pelo valor de verdade das sentenças que
move o homem do mero deleite estético em relação à linguagem em direção a investigação
científica. Com isso, a compreensão do pensamento não é o bastante; precisamos do valor
de verdade das sentenças. Tendo em vista que é o interesse pelo valor de verdade que leva ao
interesse pela referência, Frege identifica valor de verdade à referência de uma sentença. Essa
identidade entre o valor de verdade e a referência no âmbito das sentenças fica evidente no
célebre princípio de substituição salva veritate segundo o qual, se substituo numa sentença S
um termo por outro termo com mesma referência, a referência da sentença resultante da
substituição em S permanece inalterada em relação à S. Tendo em vista que na maioria dos
casos esse tipo de substituição altera o sentido da sentença, mas nunca seu valor de verdade,
Frege deduz disso que a referência de uma sentença é seu valor de verdade. Mas, retornando
ao ponto que deixamos para traz, segundo Frege, (4) não possui uma referência. Portanto, (4),
assim como toda sentença existencial negativa com termo vacuoso, não possui valor de
verdade. A rigor, (4) não é nem verdadeira nem falsa.
Naturalmente, o modelo de análise proposto por Frege é disputável. Aparentemente
compreendemos o sentido de uma sentença se compreendemos as condições de verdade desta
mesma sentença, ou seja, o que é o caso se ela for verdadeira. Nesse sentido, intuitivamente
parece que compreendemos o sentido das sentenças (3) e (4). No entanto, Frege justifica a
ausência de sentido de (3) e (4) atribuindo tal ausência a não observância de determinadas
regras da hierarquia de predicados. A ideia de que há sentenças a qual intuitivamente
compreendemos seu sentido, mas que, em última instância, não só não possuem sentido como
também são destituídas de valor de verdade, parece forte demais e não por acaso é tão
polêmica. Filósofos como Russell rejeitaram essas conseqüências da análise fregeana sob a
alegação de que ela parece entrar em choque frontal com um princípio lógico clássico mais
fundamental que é o princípio da bivalência das proposições, a saber, que uma sentença que
44
encerra uma proposição com sentido deve ser ou verdadeira ou falsa.
41
Algo como o princípio
lógico do terceiro excluído aplicado a proposições. Por outro lado, a análise alternativa que
propõe substituir um nome próprio por um conceito envolvendo identidade (por exemplo,
“Júlio César” por “ser idêntico a Júlio César”) parece ser incompatível com as teses básicas de
Frege. A crítica padrão a essa alternativa afirma que a estratégia de substituir um nome
próprio por um termo conceitual fere a distinção fregeana entre conceito e objeto, pois,
segundo tal distinção, um nome próprio nunca deve ser analisado enquanto um termo
insaturado. Para além disso, há ainda complicações mais gerais acerca do status lógico-
semântico dos nomes próprios. Atualmente uma enorme discussão em torno dos nomes
próprios e do correto tratamento lógico a ser dado a eles, o que torna a análise realizada em
(3)* e (4)*, onde ocorrem conceitos como “ser idêntico a Júlio César” ou “ser idêntico a
Sherlock Holmes”, que são expressos através de nomes próprios, algo não muito claro. De
fato, essa análise parece carecer uma explicação do que devemos entender por “ser idêntico a
x” onde x é um nome próprio.
42
Em seu artigo Sobre o sentido e a referência, Frege expôs uma teoria indireta da
referência de nomes próprios. A ideia básica é que expressões denotativas referem objetos
(caso o pretenso referido exista) através de um sentido que Frege identifica como o “modo de
apresentação do objeto”. A distinção entre sentido (Sinn) e referência (Bedeutung) é proposta
para explicar, dentre outras coisas, diferentes estruturas de sentenças de identidade de acordo
com seu grau informativo. Uma sentença como “A estrela da manhã é a estrela da manhã” (do
tipo “a=a”) é uma instância do princípio trivial de que todo objeto é idêntico a si mesmo e,
portanto, não acrescenta informação alguma a respeito do referente do termo “A estrela da
manhã”. Por outro lado, a sentença “A estrela da manhã é a estrela da tarde” (do tipo “a=b”) é
uma sentença que possui uma informação astronômica relevante a respeito do referente dos
termos “A estrela da Manhã” e “A estrela da tarde” e, portanto, não trivial. Frege explica a
não trivialidade da segunda sentença defendendo a tese de que, embora a referência dos
termos “A estrela da manhã” e “A estrela da tarde” seja o mesmo objeto, a saber, o planeta
Vênus, eles referem ao planeta Vênus através de sentidos diferentes, ou ainda, eles possuem
diferentes modos de apresentação do objeto planeta Vênus. O problema agora é definir o que
41
Como veremos mais adiante, Russell rejeitou veementemente a tese fregeana de que sentenças constituídas por
termos sem referência – a exemplo de algumas sentenças existenciais negativas – ou sentenças de existência com
ocorrência de nomes próprios simplesmente não possuam valor de verdade. Ele mesmo descreveu como uma das
contribuições de sua teoria das descrições a preservação da bivalência dessas sentenças. Cf. (RUSSELL:1978a).
42
Frege tinha uma concepção ampla de nomes próprios que incluíam não os nomes próprios da linguagem
natural (Sócrates, Sherlock Holmes etc.), como descrições definidas (“o mestre de Alexandre Magno”, “o mais
famoso detetive inglês” etc.) e até mesmo indexicais (isto, aquilo, etc.). Contudo, no presente caso, a polêmica
gira exclusivamente em torno dos nomes próprios da linguagem natural.
45
vem a ser precisamente esse “modo de apresentação de um objeto”. Embora seja algo
extremamente delicado e não consensual, uma linha forte de interpretação defende que, para
Frege, o modo de apresentação do objeto, ou seja, o sentido de uma expressão denotativa é
dado por alguma descrição definida que identificasse a referência dessa mesma expressão. Em
geral, essa interpretação está fundamentada em evidências textuais tais como a seguinte nota
encontrada em Sobre o sentido e a referência:
No caso de nomes próprios genuínos como Aristóteles”, as opiniões quanto ao
sentido podem certamente divergir. Poder-se-ia, por exemplo, tomar como seu
sentido o seguinte: o discípulo de Platão e o mestre de Alexandre Magno. Quem
fizer isto associará outro sentido à sentença “Aristóteles nasceu em Estagira” do que
alguém que tomar como sentido daquele nome: o mestre de Alexandre Magno, que
nasceu em Estagira. Enquanto a referência permanecer a mesma, tais variações de
sentido serão toleradas, ainda que elas devam ser evitadas na estrutura teórica de
uma ciência demonstrativa, e não devem ter lugar numa linguagem perfeita.
(FREGE, 1978; p. 63).
Com isso, Frege é posto, de acordo com essa linha de interpretação, no rol dos filósofos
que defendem a posição hoje conhecida como descritivismo. De acordo com o descritivismo,
o sentido de um nome é expresso através do sentido de uma descrição definida a ele associada
que identifica o objeto que o nome em questão indiretamente refere. Em linhas gerais, a
descrição definida que é associada ao nome deve oferecer um critério de identidade para o
referente do nome, tendo em vista que apenas o portador do nome deve satisfazer tal
descrição.
43
Do ponto de vista formal, a estratégia descritivista consiste basicamente na
substituição do nome próprio por uma descrição definida satisfeita pelo portador do nome que
será analisada enquanto um complexo de predicativo. Com isso, poderíamos formalizar (3) e
(4) da seguinte forma:
(3)** $x(RxÙGx)
(4)** Ø$x(DxÙMx)
onde os predicados “R”, “G”, “D” e “M” abreviam diferentes descrições de acordo com o
falante. Um exemplo possível seria: “é chefe de governo romano” para “R”, “é o conquistador
da Gália” para “G” e “é detetive” para “D” e “mora na Baker Street 221B” para “M”. Como
Frege ressalta na nota anteriormente citada, embora essa variação de descrição associada a um
nome por cada falante deva ser evitada em uma linguagem que se pretenda perfeita, a
43
O descritivismo será tratado em mais detalhes na apresentação da análise russeliana de sentenças existenciais.
46
exemplo da linguagem científica, ela pode ser tolerada em linguagens naturais desde que se
mantenha a referência do nome em questão.
Essa análise descritivista, segundo seus proponentes, possui uma clara vantagem em
relação à análise oferecida em (3)* e (4)*, tendo em vista que elimina a necessidade do uso de
predicados obscuros tais como “ser idêntico a Júlio César” ou “ser idêntico a Sherlock
Holmes”, bem como oferece um critério prático de verificação do valor de verdade de uma
sentença. Por exemplo, “Júlio César existe” é uma sentença verdadeira caso exista um
indivíduo do domínio que instancie a uma vez as propriedades “ser chefe de governo
romano” e “ser o conquistador da Gália”. Seguindo essa mesma estratégia, a interpretação
descritivista do modelo de análise de Frege evita também que sentenças existenciais com
nomes próprios ou com termos vacuosos, a exemplo de (3) e (4), sejam, a despeito das nossas
intuições mais básicas acerca da linguagem, simplesmente destituídas de valor de verdade.
Vale ressaltar mais uma vez, como pode ser novamente observado através das sentenças (3)**
e (4)**, que o predicado “existe” possui sempre como contraparte formal o quantificador
existencial da lógica de predicados. A posição do conceito de existência na hierarquia
fregeana é traduzida no comportamento sintático desse quantificador. ($) expressa uma
função de predicados de primeira ordem em valores de verdade.
44
Outro ponto controverso na interpretação das teses de Frege acerca da existência diz
respeito a uma característica curiosa quanto ao status da propriedade da existência na
hierarquia fregeana dos predicados. A rigor, o predicado de existência não possui uma posição
definida nessa hierarquia. Em tese, o predicado “existe” pode ocorrer em qualquer nível
excetuando o nível 0 (o dos objetos) e o nível 1 (o das propriedades que se aplicam
diretamente a objetos).
45
Nada impede que o quantificador existencial possa ser
significativamente aplicado a qualquer propriedade de qualquer nível n, sendo n ³ 1, sendo
inclusive aplicável a si mesmo. Essa característica de “não localidade” da propriedade da
existência na hierarquia fregeana é comum a toda propriedade lógica, tais como, identidade ou
instanciação; e é precisamente isso que traduz a universalidade de tais propriedades
46
. O
problema é determinar se o predicado “existe” é unívoco ou se na verdade ele sofre de uma
espécie de ambigüidade conceitual. Por um lado, se a primeira hipótese estiver correta e se o
44
Para uma análise mais detalhada dos quantificadores e da noção de hierarquia de níveis na filosofia de Frege
Cf. (DUMMETT, 1973: cap. 2 e 3).
45
Embora Frege não tenha oferecido uma análise detalhada de como se estende essa hierarquia de propriedades
ou predicados, é bastante razoável sustentar que esses níveis, em tese, se estendam ao infinito. De fato, não havia
uma necessidade teórica de detalhar essa análise, pois todos os predicados relevantes ao projeto filosófico
fregeano estão presentes até o primeiro ou segundo nível da hierarquia.
46
Para uma análise mais detalhada da universalidade das propriedades lógicas Cf.(McGUINN, 2000).
47
mesmo predicado “existe” ocorrer em diferentes níveis da hierarquia fregeana, então é
necessário mostrar de forma explícita como isso não conduz a algum paradoxo semelhante
àqueles que surgem quando violamos níveis lógicos, como é o caso do famoso paradoxo de
Russell. Por outro lado, se a segunda, e mais radical hipótese, estiver correta, estaríamos então
legitimados a defender a tese contra-intuitiva de que diferentes predicados de existência
aplicados a diferentes níveis da hierarquia fregeana. Esse impasse entre um predicado unívoco
de existência e diferentes predicados em diferentes níveis hierárquicos é claramente
formulado na seguinte passagem de Logical Forms de Chateaubriand:
We could conceive of existencial quantification as a property of properties that
applies to a property if and only if this property is instantiated. Although distinct
from a property of objects, existential quantification thus characterized would be
significant for all properties, including itself. But it is precisely this very general
conception of properties that can lead to paradox and that seems to force a stricter
distinction of levels. Thus, instead of a single property Existentiality, we have an
indefinite number of Existentiality properties of different levels
(CHATEAUBRIAND, 2001: p. 300).
47
Ao que parece, Frege sustentou a univocidade do predicado de existência expresso no
tratamento uniforme de sentenças existenciais enquanto predicações de ordem superior onde o
termo “existe”, qualquer que seja o que nível no qual ele esteja sendo plicado, é sempre
caracterizado pela associação do quantificador existencial a uma predicação de ordem inferior
na mesma hierarquia.
2.2 Russell e a Teoria das Descrições: sentenças de existência enquanto afirmações
acerca de funções proposicionais
Através da discussão anteriormente estabelecida, parece ficar cada vez mais patente que
muitos dos grandes problemas envolvidos na formalização de sentenças de existência estão
intimamente associados à análise de sentenças existenciais negativas. É basicamente desse
tipo específico de sentença de onde parece derivarmos a grande maioria dos impasses
filosóficos com os quais a noção de existência está associada. Esse é o grande impasse em
relação ao argumento do não-ser: dizer de um objeto x, que ele existe parece menos
problemático; a grande dificuldade é oferecer um procedimento que evite o comprometimento
inevitável com os objetos possivelmente denotados pelos termos de uma sentença existencial
47
Vale ressaltar que a presente passagem não expressa a posição de Chateaubriand, mas apenas sua formulação
do impasse entre a univocidade ou pluralidade do predicado “existe”.
48
negativa, ou seja, dizer de um possível objeto y que y não existe sem que isso pressuponha de
alguma forma um comprometimento com y. A todo instante o problema platônico do não-ser
retorna como um fantasma que assombra a gica da linguagem dando uma aparência quase
paradoxal a negações existenciais. O problema do não-ser é um problema recorrente na
discussão acerca da existência, pois nem todo termo que usamos numa sentença (nome
próprio, descrição definida etc.) possui, de fato, uma referência. Em outras palavras, nem tudo
que está presente na nossa linguagem possui uma contraparte na realidade. Esse é o elemento
básico que permite a ocorrência de sentenças existenciais negativas verdadeiras. O problema é
oferecer um tratamento lógico que possibilite o uso desses termos vacuosos sem um
comprometimento inevitável com os objetos supostamente denotados. É no contexto de
problemas desse tipo que Russell apresenta sua teoria das descrições definidas
48
, bem como
sua contribuição ao problema da existência propondo uma análise de afirmações de existência
enquanto afirmações acerca de funções proposicionais.
49
2.2.1 A noção de função proposicional
Embora Frege tenha dado o passo decisivo na direção de uma formalização de sentenças
de existência e de uma revisão do status lógico do predicado “existe”, sem sombra de dúvida,
foi com Russell que a tese de que sentenças de existência são formadas por predicações de
ordem superior conquistou notoriedade e, ao menos em certo período, o status de
interpretação standard do problema da existência na tradição analítica. Segundo Russell, toda
afirmação de existência é, fundamentalmente, uma afirmação acerca de uma função
proposicional e não, como a gramática superficial pode levar a crer, uma atribuição de uma
propriedade a da existência diretamente a um indivíduo particular. É fácil observar que o
48
Cf. (RUSSELL, 1978a).
49
É importante observar que a abordagem russeliana do problema da existência apresentada no meu trabalho se
situa no contexto da publicação do artigo Da Denotação datada de 1905 (RUSSELL, 1978a) e que representou
um marco na fase de influência nominalista na obra de Russell. É fato que, ao longo de sua trajetória filosófica,
Russell mudou várias vezes de posição filosófica geral. No início de sua carreira Russell defendeu uma posição
idealista com forte influência do idealismo de Hegel e Bradley. O mais surpreendente é que, entre as fases
idealista e nominalista, Russell chegou muito próximo do meinongianismo. A seguinte passagem de Principles
of Mathematics de 1903, que deixa claro essa proximidade, poderia ser, sem dificuldades, confundida com uma
passagem da Teoria dos Objetos de Meinong: Being is that which belongs to every conceivable term, to every
possible object of thought...If A be any term that can be counted as one, it is plain that A is something, and
therefore that A is. A is not” must always be either false or meaningless. For if A were nothing, it could not be
said to not be; A is not” implies that there is a term A whose being is denied, and hence that A is. Thus unless “A
is not” be an empty sound it must be false whatever A be, it certainly is. Numbers, the Homeric gods, relations,
chimeras and four-dimensional spaces all have being, for if they were not entities of a kind, we could make no
propositions about them. (...) Existence, on the contrary, is the prerogative of some amongst beings” (RUSSELL,
2009: seção 427). Para uma análise das razões que levaram Russell a rejeitar a ontologia de Meinong e propor
sua teoria das descrições Cf. (HYLTON, 2003).
49
contrário também é válido; toda afirmação acerca de uma função proposicional implica, direta
ou indiretamente, uma afirmação existencial. Vejamos primeiramente o que vem a ser uma
função proposicional.
50
Entende-se por uma função proposicional uma expressão com uma posição vazia
representada formalmente por variáveis que, quando preenchida por um termo sintaticamente
adequado, produz uma sentença. Por exemplo, a expressão “x é filósofo” constitui uma
função proposicional onde a variável, quando preenchida por algum termo singular,
Sócrates, por exemplo produz uma sentença; no caso, “Sócrates é filósofo”. O termo vazio
pode ser também um predicado como no caso j(a) onde j é uma variável para predicados e a
uma constante individual. O tipo de variável utilizada, ou ainda, a posição insaturada da
sentença, determina o nível da função em questão: “... é filósofo" expressa uma função de
primeira ordem, pois admite como valor de sua variável apenas objetos. Por outro lado,
“Sócrates ...” expressa uma função de ordem superior onde o valor da variável deve ser, não
um objeto, mas um predicado. Chamamos de um termo funcional todo termo ou expressão
insaturada que entre na composição de uma função proposicional. O exemplo padrão de um
termo funcional é uma descrição definida. Toda descrição definida possui a forma “o x tal que
F(x)”, onde x é uma variável sobre indivíduos e F é um predicado de primeira ordem. Da
mesma forma que quando preenchemos as variáveis de uma função proposicional por um
termo sintaticamente adequado produzimos uma sentença, quando substituímos as variáveis
de uma descrição definida por um termo também sintaticamente adequado produzimos um
termo singular, ou seja, um termo que designa um objeto particular. Vale ressaltar que uma
descrição definida expressa sempre um termo funcional de primeira ordem, pois admite como
valores de suas variáveis apenas objetos. Como veremos a seguir, essa estreita relação entre
funções proposicionais e descrições definidas será de extrema relevância para a teoria das
descrições de Russell.
A tese básica de Russell no que diz respeito ao problema da existência, consiste na
alegação de que a estrutura de uma sentença existencial positiva, em última instância, possui a
forma de uma afirmação acerca de uma dada função proposicional, a saber, que essa mesma
função proposicional possui pelo menos um valor que, substituindo as variáveis, torna a
sentença resultante verdadeira. Usando a contra-positiva, uma negação existencial afirma
acerca de uma função proposicional que ela não possui nenhum valor que, substituindo as
variáveis, torne a sentença verdadeira. Essa relação entre existência e satisfação de uma
50
Uma abordagem bastante didática da noção de função proposicional é oferecida pelo próprio Russell em
(RUSSELL, 2007: cap.15).
50
função proposicional fica evidente na seguinte passagem de Introdução à filosofia
matemática:
(...) a forma fundamental [da sentença de existência] é aquela derivada
imediatamente da noção de “às vezes verdadeiro”. Dizemos que um argumento a
“satisfaz” uma função fx se fa for verdadeira; é nesse mesmo sentido que dizemos
que as raízes de uma equação satisfazem a equação. Ora, se fx às vezes é
verdadeiro, podemos dizer que x para o qual ela é verdadeira, ou podemos dizer
“existem argumentos que satisfazem fx”. Esse é o significado fundamental da
palavra “existência” (RUSSELL, 2007: p. 197).
Isso fica mais claro através de exemplos. De acordo com Russell, podemos afirmar
corretamente que a sentença “existem homens” significa nada mais que “a função
proposicional ‘x é um homem’ às vezes é verdadeira”, ou ainda, que há pelo menos um objeto
do domínio que é o valor de x na função “x é um homem”. Uma análise compatível pode ser
sustentada para sentenças existenciais negativas. Na sentença
(2) Montanhas de ouro não existem
do ponto de vista gico, está sendo afirmado acerca de uma função proposicional, a saber, “x
é uma montanha Ù x é de ouro”, que ela não possui nenhuma instância que a torne verdadeira;
portanto, que x não possui um valor no nosso domínio. Em outras palavras, que as
propriedades de primeira ordem que ocorrem na função não são conjuntamente instanciadas
por nenhum objeto do domínio.
Há aqui um ponto de semelhança na estratégia geral de Frege e Russell: os argumentos de
ambos, no que diz respeito ao tratamento formal a ser dado a sentenças da linguagem natural,
convergem no sentido de mostrar, contra o modelo clássico de análise que, em muitos casos,
uma diferença radical entre a gramática superficial de uma sentença e sua estrutura lógica
profunda e que, portanto, nem sempre elas coincidem. Embora sentenças como “Júlio César é
poderoso” e “Júlio César existe” pareçam ser ambas, do ponto de vista da gramática
superficial, predicações simples acerca de um indivíduo, a saber, Júlio César, uma análise
mais detalhada mostra, segundo Russell, que isso vale para a primeira, mas não para a
segunda sentença. Na verdade, a sentença “Júlio César existe” é constituída por uma
predicação acerca de um ou mais predicados instanciados pelo indivíduo Júlio César. A
despeito do fato de que essa tese possa parecer, a primeira vista, contra-intuitiva, a linguagem
está repleta de predicados de predicados tais como, “ser raro” (já citado anteriormente) ou
“ser numeroso” e que, portanto, se comportam de forma semelhante ao predicado “existe”
51
sem que isso cause algum tipo de complicação teórica relevante. Afirmar “Políticos corruptos
são numerosos” não é afirmar de cada político corrupto em particular que ele é numeroso
(todo indivíduo é, por definição, único), mas antes, que a extensão de objetos que instanciam
ambos os predicados, “ser político” e “ser corrupto” possui, infelizmente, muitos membros.
A noção de função proposicional é basilar para a compreensão da análise gica de
sentenças proposta por Russell e possui uma relação indissociável com a noção de descrição
definida. Em Filosofia da Linguagem chamamos de descrição definida um complexo
denotativo precedido pelo artigo definido “o” (ou “a”) expresso, como mencionei
anteriormente, na forma geral “o x tal que F(x)”, a exemplo de “o Rei da França”, “o maior
número primo” ou “a fonte da juventude”. As descrições definidas têm em comum, dentre
outras coisas, o fato de serem composições predicativas usadas para referir a um objeto. Por
exemplo, “o maior número primo menor que 100” é um complexo predicativo que busca
referir a um objeto particular que tenha todas as propriedades apresentadas na descrição, a
saber, “ser um número”, “ser primo” e “ser maior que qualquer outro número primo menor
que 100”. Dessa forma, não é difícil perceber a similaridade entre a noção de um complexo
predicativo que pode ser atribuído a um sujeito e a noção de uma função proposicional. Com
isso, Russell pretendia mostrar que descrições definidas e funções proposicionais possuem
estruturas equivalentes e que, portanto, toda descrição definida pode ser traduzida, ou ainda,
entrar na composição de uma função proposicional. A descrição definida “o maior número
primo menor que 100” pode ser expressa através da função proposicional “x é um número Ù x
é primo Ù x é maior que todo número primo menor que 100”. É nessa similaridade entre
descrições definidas e funções proposicionais que Russell encontra um fundamento valioso
sobre o qual ele vai erguer sua teoria das descrições. Em linhas gerais, Russell busca traduzir
toda expressão denotativa presente em uma sentença em termos de uma descrição definida e,
por sua vez, analisá-la em termos de uma função proposicional. Essa é uma estratégia que visa
revelar, através de paráfrases, a verdadeira estrutura lógica da sentença eliminando assim os
problemas derivados da gramática superficial.
2.2.2 A teoria das descrições definidas
51
A teoria das descrições definidas de Russell consiste basicamente num dispositivo formal
para interpretar expressões da forma geral “o x tal que F(x)” em termos de símbolos
51
Para uma apresentação didática da teoria das descrições de Russell, bem como de seu Background filosófico
recomendo fortemente (HYLTON, 2003).
52
incompletos, e não mais como unidades semânticas autônomas representadas na forma de
constantes lógicas que conduziam ao comprometimento indesejado com o objeto
possivelmente denotado. Por símbolos incompletos, Russell entendia unidades semânticas que
entram na composição das funções proposicionais e que carecem saturação. Pela sua própria
constituição insaturada, os símbolos incompletos não possuem sentido independente, mas
apenas no contexto da sentença. O fato de, aparentemente, eles possuírem um sentido
independente como sujeito gramatical da sentença segundo Russell, apenas conta como
evidência em favor da tese de que a estrutura gramatical das sentenças onde eles ocorrem não
coincide com sua estrutura gica e que, portanto, deve ser eliminada de uma análise que se
pretenda sólida para objetivos filosóficos e científicos. Vale ressaltar que, o que está em jogo
para Russell na proposta de um modelo de análise lógica é um meio de depuração e
eliminação dos problemas estruturais que a linguagem natural apresenta. Nesse sentido,
qualquer choque entre a estrutura lógica e a gramatical deve ser superado em favor da
estrutura lógica das sentenças. Essa mudança de estratégia de formalização das sentenças que
Russell propôs em favor da estrutura lógica implícita, implicou uma revolução na abordagem
não de problemas lógicos como de problemas ontológicos envolvidos na análise
proposicional. Tudo isso ficará mais claro ao vermos como se o mecanismo de análise da
teoria de Russell.
Uma sentença como
(5) O atual Rei da frança é careca
onde ocorre uma descrição definida (“O atual Rei da França”), de acordo com a leitura do
modelo clássico de análise seria formalizada na forma Fa, onde “F” representaria o predicado
“ser careca” e aa constante lógica para “O atual Rei da França” que, segundo esse modelo
de análise, constitui o sujeito da sentença. Russell chama atenção para o fato de que esse
modelo de análise, quando aplicado a sentenças como (5), onde ocorre um termo vacuoso,
parece ferir o princípio do terceiro excluído. De fato, Segundo Russell, (5) é claramente falsa;
e como toda sentença falsa, quando negada deve tornar-se verdadeira. No entanto, sua
negação
(5)* O atual Rei da França não é careca
53
também parece falsa, pois o atual rei da França não pertence nem ao conjunto dos objetos que
instanciam a propriedade “ser careca” nem ao conjunto dos que não instanciam tal
propriedade. Esse fato causa uma espécie de colapso, pois desafia as mais sólidas bases da
lógica clássica, além de provocar um enorme embaraço para quem, assim como Russell,
nesse modelo de lógica e em princípios como o do terceiro excluído a base sólida sobre a qual
legitimamos toda nossa racionalidade. Com isso, segundo Russell, devemos prontamente
solucionar e superar essas anomalias que surgem na análise de sentenças. Duas soluções
possíveis seriam: ou mudar a lógica (posição extremamente radical e com conseqüências
indesejadas; algo como jogar fora a água do banho juntamente com o bebê) ou mudar o
modelo de análise. Obviamente, a teoria das descrições é a realização do segundo projeto. Se
o modelo clássico de análise implica um furo do princípio do terceiro excluído muito pior
para ele que, por isso, se mostra deficiente. Russell tenta mostrar que problemas como esse
são derivados de uma análise equivocada e pode ser dissolvido ao revelarmos a verdadeira
forma gica das sentenças. Em última instância, “o atual rei da França”, ao contrário do que
pressupõe a análise clássica apresentada anteriormente, é uma expressão do tipo “o x tal que
F(x)”, ou seja, uma descrição definida. Portanto, como toda descrição definida deve ser
analisada, não em termos de uma constante individual, mas de uma função proposicional.
Essa função é facilmente revelada ao desdobrarmos todo o conteúdo informativo de (5)
através de paráfrases dessa mesma sentença. Podemos notar que (5) é uma composição de três
sentenças mais elementares:
(C1) Existe um atual rei da França.
(C2) Existe apenas um atual rei da frança.
e
(C3) Esse atual rei da França é careca.
Usando o aparato da lógica de predicados temos:
(5)** $x(FxÙ"y(Fy®y=x)ÙCx)
onde “F” representa o predicado “ser rei da França” e “C” o predicado “ser careca”. É de
extrema importância observar que em (5)** não nenhuma ocorrência de um termo singular
explícito. (5)** é uma sentença composta apenas por predicados e variáveis quantificadas. Se
por um lado, a gramática superficial analisa (5) em termos de uma sentença da forma sujeito-
54
predicado, por outro, a estratégia de Russell dispensa qualquer uso explícito de um termo
singular. (5)** é simplesmente uma sentença formalizada destituída de sujeito. Ao analisar “o
atual rei da França” enquanto uma função proposicional, estamos eliminando do nosso
discurso o ato de falar sobre uma entidade específica, a saber, o possível atual rei da França.
O que torna (5)** verdadeiro ou falso é o fato de possuirmos ou não algum objeto no domínio
de nossa ontologia que instancie as propriedades enunciadas na sentença formalizada através
das letras predicativas. De fato, como não tal objeto que instancie “F” e “C” a uma vez,
(5)** é falsa.
Podemos mostrar também que é possível uma formalização da negação de (5)** com
valor de verdade verdadeiro garantindo assim a validade do princípio do terceiro excluído.
Russell mostra que duas maneiras de negar (5)**: através de uma negação com escopo
restrito ou através de uma negação com escopo amplo. Respectivamente temos
(i) $x(FxÙ"y(Fy®y=x)ÙØCx)
(ii) Ø$x(FxÙ"y(Fy®y=x)ÙCx)
A sentença (i) afirma que exatamente um objeto que instancia a propriedade “ser o atual
Rei da França”, mas que não instancia a propriedade “ser careca”; o que torna sentença (i)
falsa. Por outro lado, (ii) afirma que não nenhum objeto que instancie a uma vez as
propriedades “ser o atual Rei da França” e “ser careca”; o que é verdadeiro. Com isso, (ii)
possui valor de verdade compatível com a sentença da qual ela é a negação, a saber, (5)** e,
portanto, preserva a lei do terceiro excluído. Dessa forma, Russell mostra que a possível falha
do princípio do terceiro excluído foi, na verdade, derivada de uma análise sentencial
equivocada.
Como foi mencionado anteriormente, é algo comum afirmar que compreender uma
sentença declarativa é compreender suas condições de verdade, ou seja, sabemos o que um
enunciado afirma quando sabemos o que deve ser o caso para que a sentença seja verdadeira.
Russell estava fazendo uso desse princípio ao desmembrar (5) em sentenças mais
elementares; ele estava, com isso, oferecendo as condições de verdade de (5). Vale notar que
(5) e, por razões óbvias, (5)** são formadas pela conjunção (C1ÙC2ÙC3) que chamarei
simplesmente C. Naturalmente, como em toda conjunção, C deve ser verdadeira caso todas
suas partes, ou seja, (C1), (C2) e (C3), também o sejam. No entanto, (C1) é falsa, pois afirma
a existência do atual Rei da França, ou seja, afirma que há um objeto que instancia a
55
propriedade “ser o atual rei da França” que, na realidade, não é instanciada por objeto algum.
Mas, como mostramos anteriormente, se tanto (5) como sua contraparte formalizada (5)** são
equivalentes a C, e C é falsa, então ambas também o são.
Um fato digno de menção é que, para explicitar as condições de verdade de uma sentença
qualquer, a estratégia da paráfrase utilizada na teoria das descrições de Russell revela nada
mais que o poder inferencial das descrições presentes na sentença em questão. Como é
facilmente observável, as sentenças (C1), (C2) e (C3) são semanticamente dedutíveis de (5) e
o que garante a correção dessas deduções é o poder inferencial da descrição definida “o atual
Rei da França” determinado pelo seu comportamento semântico e sintático.
Embora o mecanismo de análise proposto na teoria das descrições aparentemente possua
um aspecto estritamente formal, seria um grande equívoco pensar que esse mesmo mecanismo
é destituído de relevância filosófica. Em verdade, ele oferece um avanço significativo e
conseqüências de extrema grandeza para abordagem de questões ontológicas através da
formalização de sentenças. De fato, o espírito filosófico geral por traz do modelo de análise
proposto por Russell possui uma clara filiação nominalista e é norteado pelo princípio da
navalha de Ockham. Russell oferece com a teoria das descrições uma base formal bem
definida e elegante de eliminação de termos denotativos em favor de funções proposicionais,
símbolos incompletos e variáveis quantificadas a espera de uma saturação que decida o valor
de verdade da sentença. Com isso, através de um processo construído por paráfrase de
sentenças, é possível realizar um projeto de redução onde podemos eliminar do nosso discurso
determinados termos denotativos e, conseqüentemente, eliminar da nossa ontologia
determinadas classes de entidades. O modelo de análise de Platão e Meinong necessitava a
pressuposição do ser ou da subsistência de um objeto como a montanha de ouro para que a
sentença “A montanha de ouro não existe” fizesse sentido. Segundo eles, mesmo ao
afirmarmos da montanha de ouro, que ela não existe, ainda assim a montanha de ouro precisa
de alguma forma ser; do contrário, estaríamos falando acerca do nada, ou seja, falando algo
sem sentido. Se a teoria das descrições é um procedimento de análise sólido, então podemos
afirmar que as conclusões de Platão e Meinong quanto à pressuposição do ser de
determinadas entidades para garantir o sentido de sentenças com termos vacuosos são
falaciosas. Segundo Russell, a sentença “a montanha de ouro não existe” não se refere a uma
montanha possível, mas também não é uma sentença sobre o nada e, conseqüentemente, uma
sentença sem sentido. Tal sentença é sobre uma função proposicional, a saber, “o x tal que, x
é montanha Ù x é de ouro”; e afirma a respeito dessa função que não nenhum objeto do
domínio da nossa ontologia que instancie as propriedades “ser montanha” e “ser de ouro” de
56
uma vez. Segundo Russell, um dos erros do modelo clássico de análise que está por traz
das teorias de Platão e Meinong, foi pensar que o termo denotativo “a montanha de ouro” que
figura como sujeito gramatical figuraria também como sujeito na estrutura lógica da sentença
garantindo o sentido da sentença como todo. Esse mesmo erro levou os proponentes da
análise lógica clássica a sustentar desnecessariamente o ser da montanha de ouro.
2.2.3 O descritivismo de Russell
Assim como na análise fregeana de sentenças de existência, a teoria das descrições de
Russell parece ser, à primeira vista, uma forte candidata na busca por um modelo de análise
que elimine os problemas da abordagem inflacionada de Platão e Meinong. Contudo, temos
novamente algumas complicações. A rigor, no que diz respeito à análise de sentenças de
existência, o poder de redução ontológica que a teoria das descrições possui fica restrito a
sentenças com ocorrência de termos funcionais, ou seja, termos que podem ser interpretados
enquanto uma função proposicional. Esse é o caso claro das sentenças com descrições
definidas lembrando sempre que uma descrição definida possui, como mostrei
anteriormente, a forma de um termo funcional do tipo “o x tal que F(x)” mas não o de
sentenças com nomes próprios. Como vimos na seção anterior, foi também um impasse
envolvendo o tratamento de sentenças de existência com a ocorrência de nomes próprios que
levou Frege a sustentar que sentenças desse tipo a exemplo de “Júlio César existe” são
destituídas de sentido e referência. No caso de Frege, isso se devia a ilegitimidade, dentro das
regras de constituição da hierarquia de predicados e da distinção entre conceito e objeto, de
um procedimento que substituísse um nome próprio como “Júlio César” por um termo
predicativo que pudesse, por sua vez, compor uma predição de ordem superior que se
adequasse ao status lógico do predicado “existe”. Quanto à teoria das descrições, sua
limitação em relação ao tratamento de sentenças de existência com nomes próprios pode ser
observada como segue: uma sentença existencial com ocorrência de um nome próprio na
posição gramatical de sujeito, a exemplo de
(3) Júlio César existe
a princípio, não poderia ser analisada segundo o mecanismo de Russell pois “Júlio César” por
si não constitui uma função proposicional a qual o predicado “existe” esteja ligado. Não
obstante, Russell não estava disposto a pagar um preço alto como abdicar da bivalência de
57
sentenças de existência com nomes próprios em virtude dessa aparente limitação. Um meio
possível de superar essa restrição consiste em oferecer um procedimento que converta
expressões não funcionais em expressões funcionais; e foi basicamente essa a saída de
Russell. Segundo Russell, esse procedimento é possível para nomes próprios da linguagem
natural e o argumento para sustentar essa afirmação é derivado de uma tese lingüística que se
tornou um marco na Filosofia da Linguagem do século XX. Para Russell, os nomes próprios
da linguagem natural são, em última instância, descrições definidas abreviadas. Em uma
maneira mais precisa, o sentido de um nome próprio é o sentido de uma descrição definida a
ele associada. Na sentença (3), o nome próprio “Júlio César” é, do ponto de vista lógico, a
abreviação de uma descrição definida e seu sentido é o sentido dessa mesma descrição. Essa
tese de que nomes próprios da linguagem natural são meras abreviações de descrições é o que
chamamos de descritivismo. De acordo com o descritivismo uma sentença existencial com
nomes próprios continua sendo uma sentença acerca de uma função proposicional expressa
pela descrição que o nome próprio em questão abrevia. Russell sustentou que diferentes
falantes poderiam associar diferentes descrições a um mesmo nome próprio dependendo do
tipo de informação ou relação que o falante possua com portador desse mesmo nome. Ao
nome “Júlio César”, alguns associam a descrição “o chefe de governo romano que dissolveu o
senado e que conquistou a Gália” outros “o chefe de governo romano traído por Brutus” e
assim por diante. Isso não constitui um problema, o fundamental é que a descrição que “Júlio
César” abrevie seja de fato satisfeita por Júlio César. Portanto, não existe uma única maneira
correta de formalizar a sentença (3), mas toda formalização correta de (3) deve substituir o
termo “Júlio César” por uma predicação que seja satisfeita pelo portador do nome “Júlio
César”.
Toda a filosofia de Russell foi fortemente influenciada pela sua Teoria do Conhecimento
e com o seu descritivismo não poderia ser diferente.
52
Segundo Russell, existem duas formas
básicas de conhecimento:
53
o conhecimento por familiaridade (acquaintance), ou seja, aquele
que nos é dado diretamente através dos sentidos; e o conhecimento por descrições, em outras
palavras, o conhecimento que temos de objetos através da descrição de um conjunto de
propriedades que esses mesmos objetos possuem. Russell defende a ideia de que introduzimos
os nomes próprios da linguagem natural com o objetivo de simplificar a comunicação. Nomes
próprios como Platão, Sherlock Holmes ou Fortaleza são como marcas que usamos para
52
Para uma análise da relação entre semântica e epistemologia no tratamento russelliano dos nomes próprios Cf.
(IMAGUIRE, 2006).
53
Cf. (RUSSELL, 1978a: p.3).
58
abreviar, no contexto comunicativo, um conjunto de impressões (no caso do conhecimento
por familiaridade) ou de descrições que temos de possíveis objetos. Por exemplo, usamos uma
série de nomes próprios para nos referir a entidades das quais temos apenas conhecimento por
descrição. Atualmente, ninguém que use o nome “Sócrates” para referir o grande filósofo
grego, possui um conhecimento por familiaridade de Sócrates, mas apenas conhecimento por
descrições. Associamos ao termo “Sócrates” um conjunto de informações que nos foi
transmitida através dos nossos professores, dos livros que lemos, de documentários da TV etc.
Enfim, usamos “Sócrates” como um termo que abrevia um conjunto de informações a respeito
de um indivíduo que viveu na Grécia antes de Cristo, sendo que esse mesmo conjunto de
informações pode variar de pessoa para pessoa. O termo “Sócrates” pode ser uma abreviação
para “o mestre de Platão”, “o filósofo que bebeu a cicuta”, “o marido de Xantipa” e uma
infinidade de outras descrições.
Do ponto de vista sintático, grande parte do argumento em favor da estratégia russelliana
de análise depende do comportamento lógico de uma descrição definida e do artigo definido
nela presente. O artigo definido cumpre uma função relevante no modelo de análise de
sentenças proposto por Russell, pois, como vimos, ele constitui a marca característica de
uma descrição definida. Em seu artigo Da Denotação
54
Russell mostra que, usado de maneira
rigorosa, o artigo definido entra na composição de uma expressão denotativa com a função de
expressar unicidade. Na sentença
(5) O atual Rei da frança é careca
a presença do artigo definido “O” indica que a sentença se refere a um único e exclusivo
objeto através da expressão “O atual rei da França”. Em outras palavras, a sentença afirma
que apenas um rei da França e este é careca. Com isso, a presença de um artigo definido
em um complexo denotativo torna tal complexo uma descrição definida.
Frege propôs uma abordagem distinta da interpretação de Russell e sustentou algo
significativamente diferente em relação à função de um artigo definido dentro de uma
sentença. Segundo Frege, o uso do artigo definido antes de um complexo denotativo não
indica unicidade, mas também determina que a expressão denotativa ao qual ele está
associado constitui um nome para um objeto e não uma descrição, como defende Russell.
55
Nesse sentido, em (5) o artigo definido “O” indica que a expressão O atual rei da França”
54
Cf. (RUSSELL, 1978a: p.5).
55
Para a análise da abordagem fregeana do artigo definido Cf. (FREGE, 1978b).
59
funciona como um nome para um objeto, mesmo que essa expressão não possua referência.
Com isso, uma expressão denotativa com ocorrência de um artigo definido deve, segundo
Frege, ser analisada em termos de uma constante individual. Isso gera conseqüências
estranhas com as quais Russell nunca concordou.
56
Se de fato Frege está certo quanto ao
comportamento do artigo definido, então a expressão “O atual rei da França”, ao contrário do
que afirma Russell, não deveria ser analisada em termos de uma função proposicional, mas,
antes, na forma de uma constante individual. Com isso, a sentença “O atual rei da França é
careca” teria como correta formalização a sentença Fa, onde “F” representaria o predicado
“ser careca” e a a expressão “O atual rei da França”. Essa mudança pontual na maneira de
formalizar uma expressão denotativa implica, juntamente com algumas teses fregeanas acerca
da referência das sentenças, em conseqüências filosóficas mais amplas e extremamente
polêmicas. Vejamos como isso ocorre:
Frege propôs o que ficou conhecido como princípio da composicionalidade segundo o
qual, o sentido e a referência de uma sentença são derivados enquanto uma função das partes
e das regras de composição da própria sentença. Daí segue que, uma sentença com uma
ocorrência de um termo sem referência também não deve, ela mesma, possuir uma referência.
Essa afirmação somada à tese fregeana de que a referência de uma sentença é seu valor de
verdade
57
implica que sentenças sintaticamente bem formadas com a ocorrência de um termo
sem referência, a exemplo de “O atual rei da França é careca”, embora possua sentido, não é
nem verdadeira nem falsa. Algo estranho e extremamente polêmico, pois em filosofia da
linguagem é bastante ampla a defesa de que toda sentença com sentido, deve possuir um valor
de verdade. Em sua análise da sentença (5) Frege parece abrir uma exceção ao principio do
terceiro excluído: (5) é uma sentença sintaticamente bem formada, com sentido, mas nem
verdadeira nem falsa. Russell nunca concordou com essa conseqüência da análise fregeana e
via em sua teoria das descrições uma maneira consistente de evitá-las. Segundo Russell, o
artigo definido não implica que o termo ao qual ele se aplica é um nome de algo, mas apenas
que esse mesmo termo designa univocamente e isso é o que o caracteriza enquanto uma
56
As teses fregeanas acerca da ocorrência do artigo definido em expressões denotativas conduzem a estranhos
paradoxos. Talvez o mais citado seja o mencionado pelo próprio Frege (1978b, p. 93) segundo o qual a sentença
“’O conceito de cavalo’ não é um conceito” é verdadeira. A justificativa para tal afirmação pode ser derivada do
fato de que, sustentando a verdade de que a expressão “O conceito de cavalo” é um nome para um objeto e não
para um conceito, Frege poderia evitar uma possível falha da sua tese de que conceitos possuem sempre um
caráter predicativo e que, portanto, não deveriam ocorrer na posição de sujeito gramatical de uma sentença. De
argumentos como esse segue as evidências em favor de uma interpretação platonista da filosofia fregeana. Para
Frege, não “O conceito de cavalo”, mas também termos como “O verdadeiroe “O falso”, dentre outros
termos, expressam todos eles objetos lógicos análogos às ideias platônicas.
57
Cf. (FREGE, 1978a, p. 67-69).
60
descrição definida. Com isso, é possível anular a necessidade alegada pelo argumento do não-
ser de uma referência obrigatória para os termos denotativos que ocorrem em uma sentença
existencial negativa.
Com a função de uma revisão panorâmica, uma síntese esclarecedora da posição de
Russell acerca do tratamento de sentenças de existência pode ser exposta como propõe
McGuinn
58
em três teses básicas:
1. Tese ontológica: existência não constitui uma propriedade instanciada por indivíduos,
mas uma propriedade de propriedades e, portanto, uma propriedade de ordem superior.
2. Tese lógica ou semântica: “existe” é um predicado que, quando aplicado em uma
sentença, a torna verdadeira quando a função proposicional revelada na análise lógica
pode ser saturada por um nome de um objeto que, de fato, instancia os predicados que
ocorrem na função proposicional desta mesma sentença. Por exemplo, “átomos
existem” é uma sentença verdadeira, pois a sentença a é um átomo”, resultante da
saturação da função proposicional “x é um átomo” por uma constante individual a, é
verdadeira; ou seja, a instancia a propriedade “ser átomo”. Em outras palavras,
“átomos existem” é equivalente a “algumas sentenças resultantes da saturação da
função x é um átomo’ são verdadeiras”. A tese lógica está apoiada no princípio de
que toda sentença existencial pode ser parafraseada numa sentença com ocorrência de
funções proposicionais.
3. Tese definicional: “existe” pode ser definida em termos da expressão “algumas vezes
verdadeira”. Sentenças existenciais a exemplo de “cadeiras existem” é equivalente à
“‘x é uma cadeira’ é algumas vezes verdadeira”, ou seja, “a sentença ‘x é uma cadeira’
é verdadeira para pelo menos um valor possível de x no domínio”.
59
2.3 Existência definida em termos de valores de variáveis quantificadas: os critérios
ontológicos de Quine enquanto uma meta-ontologia.
A abordagem quineana do problema da existência está intimamente associada à questão
da interpretação dos quantificadores da lógica de predicados. Em linhas gerais, é comum
encontrarmos duas formas básicas de interpretar os símbolos (") e ($), a saber, (i) uma
58
Cf. (McGUINN, 2000: p.19).
59
Uma análise mais detalhada da Tese definicional pode ser encontrada em (RUSSELL, 1978b:97-104).
61
interpretação objetual e (ii) uma interpretação substitucional.
60
Chamamos de objetual a
interpretação que apela para os valores das variáveis que ocorrem na sentença formalizada, ou
seja, os objetos do domínio sobre os quais as variáveis variam. No contexto da interpretação
objetual, as condições de verdade das sentenças formalizadas "xjx e $xjx são expressas da
seguinte maneira:
"xjx” é verdadeira se, e somente se, para todos os objetos x no domínio D, x satisfaz j;
ao passo que,
$xjx” é verdadeira se, e somente se, para pelo menos um objeto x no domínio D, x
satisfaz j.
Por outro lado, ao propor uma leitura adequada dos quantificadores, o modelo de
interpretação substitucional faz uso, não da noção de valores de variáveis ou de domínios de
quantificação, mas de classe de substituição de variáveis, ou seja, expressões que,
substituindo as variáveis, podem oferecer uma instância verdadeira da sentença quantificada.
Por uma instância substitutiva devemos ter em mente uma sentença que obtemos a partir de
uma sentença quantificada através da aplicação das regras de eliminação dos quantificadores
existencial ($) e universal ("). Por exemplo, uma sentença como "x(Fx) tem como uma
instância substitutiva sentenças como Fa obtida pela simples aplicação da regra de eliminação
do quantificador universal. Nesse sentido, de acordo com a interpretação substitucional as
condições de verdade de uma quantificação podem ser expressas como segue:
"xjx” é verdadeira se, e somente se, todas as instâncias substitutivas de "xjx’ são
verdadeiras;
ao passo que,
$xjx” é verdadeira se, e somente se, pelo menos uma instância substitutiva de $xjxé
verdadeira.
61
Essa distinção entre uma interpretação objetual e outra substitucional resulta em
conseqüências ontológicas interessantes na análise de sentenças quantificadas. Ao fazer apelo
claro a um domínio de objetos sob os quais as variáveis das sentenças formalizadas variam, a
interpretação objetual oferece um dispositivo prático e direto de checagem de
comprometimento ontológico. Como veremos a seguir, foi precisamente essa característica
que auxiliou Quine na formulação de seus critérios ontológicos. Por outro lado, a
interpretação substitucional, por fazer uso de classes de substituição e instâncias verdadeiras
60
Quine faz uma breve apresentação dessas duas abordagens em (QUINE, 1972).
61
Uma discussão mais precisa acerca das interpretações dos quantificadores e algumas conseqüências
ontológicas derivadas dessas interpretações podem ser encontradas em (HAACK, 2002: cap. 4).
62
de sentenças quantificadas, oferece um procedimento indireto de checagem de
comprometimento ontológico de uma teoria. A razão é que, se a interpretação objetual faz
menção direta aos objetos que a sentença quantificada afirma existir, do ponto de vista da
interpretação substitucional, para checar o comprometimento que uma quantificação implica,
precisamos primeiro verificar as condições de verdade das suas instâncias substitutivas. Por
exemplo, para checar o comprometimento da sentença $xFx de uma teoria T, precisamos
primeiro verificar as condições de verdade de pelo menos uma de suas instâncias substitutivas
verdadeiras. Suponha que seja ela a sentença Fa. Nesse caso, a instância substitutiva Fa é
verdadeira se, e somente se, “a” for um termo que denote um objeto existente e esse objeto for
um F. Somente dessa forma indireta expressamos o comprometimento ontológico da sentença
$xFx.
Quine claramente se posicionou a favor de uma interpretação objetual dos
quantificadores
62
e isso influenciou de forma marcante sua abordagem do problema da
existência, como fica evidente na formulação dos seus critérios ontológicos. Minha pretensão
na presente seção consiste meramente em mostrar de que forma se deu essa influência e como
os critérios ontológicos de Quine constituem uma meta-ontologia. Esses mesmos critérios são
de extrema relevância para a verificação de atribuições de existência envolvendo teorias
ontológicas divergentes. Por motivos de simplificação não será possível aqui fazer uma
apresentação da ontologia quineana, ou seja, uma descrição do domínio de objetos que Quine
sustenta como existentes. Como afirmei na introdução, meu trabalho tem um caráter
fundamentalmente meta-ontológico e não ontológico. Com isso, deixo de lado várias
complicações associadas às discussões traçadas acerca da epistemologia e da relatividade
ontológica quineana.
Quine abre o artigo Sobre o que
63
chamando atenção para a simplicidade da formulação
do problema ontológico que pode ser expresso com a questão “O que há?”, em outras
palavras, “O que existe?”. Toda e qualquer ontologia se pretende uma resposta a essa
pergunta de aspecto inocente oferecendo um recorte entre aquilo que, em termos clássicos,
pertence e não pertence ao domínio do ser. Em linhas gerais, podemos apresentar as
diferenças entre duas teorias ontológicas divergentes mostrando quais objetos cada teoria
assume como existente. No contexto de teorias formalizadas, isso equivale a oferecer o
conjunto das sentenças existenciais verdadeiras dentro de uma dada teoria ontológica ou, pelo
62
Quine oferece um tratamento objetual dos quantificadores nas partes II e III do seu Methods of Logic. Cf.
(QUINE, 1950) e também em (QUINE, 1972).
63
Cf. (QUINE, 1975a).
63
menos, um procedimento de obtenção desse mesmo conjunto. Contudo, uma pergunta mais
basilar pode ser levantada, como mostra Inwagen
64
, acerca do que está por traz dessa questão
ontológica fundamental, ou seja, “o que estamos perguntando quando perguntamos ‘o que
há?’?”. Essa questão mais basilar que Inwagen chama de questão meta-ontológica
65
possui
uma relevância fundamental na compreensão das teses quineanas sobre existência. uma
diferença significativa entre o que Quine assume que existe e isso inclui todas as teses que
justifiquem a tentativa inicial do programa quineano de mostrar a possibilidade de uma
redução de todo o discurso a um discurso sobre objetos físicos, em outras palavras, uma teoria
de mundo que assuma como valores das variáveis ligadas das sentenças formalizadas apenas
objetos físicos e suas teses mais gerais acerca da quantificação e da identidade que
caracterizam seus critérios ontológicos e que, a princípio, devem ser aplicadas de forma
irrestrita a toda e qualquer teoria ontológica, seja ela nominalista ou platonista. É
precisamente esse grupo de teses de caráter mais geral condensadas em seus critérios
ontológicos que consiste a meta-ontologia quineana.
66
A função de tais critérios é oferecer um
procedimento para checar, não a existência, mas as imputações de existência, ou seja, o que
uma teoria diz que existe. A ideia básica é mostrar que, se uma determinada teoria necessita
de um objeto ou de uma classe de objetos para tornar suas sentenças verdadeiras, então essa
teoria está comprometida com esse objeto ou classe de objetos.
67
É no âmbito da meta-
ontologia que se decide questões que envolvem a relação entre existência e quantificação
lógica, critérios de comprometimento ontológico e outras noções básicas da filosofia de
Quine.
A base da análise quineana do problema das sentenças de existência, bem como sua
resposta ao problema ontológico (o que há?) e seus critérios ontológicos são inteiramente
derivados de suas teses acerca da quantificação existencial. Essas teses podem ser sintetizadas
em um grupo de três princípios elementares: (I) “há” e existe” expressam um mesmo
predicado, (II) ambos os predicados possuem, do ponto de vista lógico, interpretação unívoca
e, por fim, (III) ambos os predicados possuem como contraparte formal o quantificador
existencial, em outras palavras, existência é aquilo que o quantificador existencial expressa.
Ao tentar sustentar (I), Quine tenta mostrar que não há nenhum bom argumento para uma
distinção entre os predicados “há” e “existe” como defende a teoria dos objetos de Meinong e
64
Cf. (van INWAGEN, 2001).
65
Cf. (van INWAGEN, 2001: p.13).
66
Uma apresentação dos critérios ontológicos de Quine enquanto uma meta-ontologia também é realizada por
Susan Haack: “O critério ontológico de Quine é um teste do que uma teoria diz que há, não do que há. O que há
é o que uma teoria verdadeira diz que há” Cf. (HAACK, 2002: p.78).
67
Mais adiante analisarei esse princípio no contexto das teorias formalizadas.
64
o argumento do não-ser de Platão. A rigor, as sentenças “fantasmas existem” e “há fantasmas”
afirmam uma única coisa podendo, portanto, serem substituídas uma pela outra em qualquer
contexto discursivo, independentemente da realidade comportar ou não tais entidades. Mesmo
que, através da plasticidade da linguagem, alguém afirme, se referindo a Nash, que uma
porção de coisas que Nash acredita e que não existem, tais como espiões o seguindo”, ainda
assim, a maioria das pessoas não estaria disposta a afirmar que espiões seguindo Nash” e
existem espiões seguindo Nash” são sentenças com diferentes conteúdos informativos, e que
os espiões que seguem Nash, embora não existam, subsistam, como afirma Meinong. Tais
sentenças que, aparentemente, funcionam como contra-exemplos à identidade entre “há” e
“existe” podem ser facilmente dissolvidos através de uma análise mais acurada. Usando uma
estratégia semelhante à de Russell em sua teoria das descrições, tais usos anômalos podem
facilmente ser eliminados através de uma explicitação da estrutura lógica profunda da
sentença. No caso específico da sentença acima o que está sendo afirmado é que “Nash
acredita que existem coisas que na realidade não existem, tais como espiões que o seguem”.
Com isso, não nenhum bom argumento para provar que “há” e “existe” expressam
diferentes propriedades e que coisas que não existem.
Segundo Quine, uma vez que “há” e “existe” expressam o mesmo conteúdo, segue que a
tese (II) é igualmente verdadeira, ou seja, que ambos os predicados devem possuir um
tratamento lógico uniforme. Uma conseqüência disso é que os predicados “há” e “existe” são
aplicados de forma similar para sustentar a instanciação de tipos diferentes de objetos tais
como objetos físicos, ficções, números etc. Sem a tese de que o predicado “há” constitui um
predicado que expressa um domínio mais amplo do que o domínio do predicado “existe”,
como ocorria na abordagem inflacionada, esses dois predicados passam a ser aplicados ao
mesmo domínio de objetos. Como mostramos anteriormente (Seção 2.1), Inwagen
68
apresenta
a tese da univocidade de aplicação dos predicados “há” e “existe” através de uma analogia
entre a generalidade da aplicação do predicado de existência e de atribuições numéricas. Da
mesma forma que podemos usar números para contar diferentes tipos de objetos sem que em
virtude disso façamos distinções, lógicas ou conceituais, de tipos de números ou de
atribuições numéricas; podemos afirmar a existência de qualquer tipo de objeto sem que isso
comprometa o comportamento lógico do predicado “existe”; e tendo em vista que o termo
“há” é logicamente equivalente ao predicado de existência, então o mesmo vale para esse
termo. Nesse contexto, resta apenas mostrar qual o equivalente lógico dos predicados “há” e
68
Cf. (van INWAGEN, 2001: p.17).
65
“existe”. Quine tenta mostrar que o comportamento lógico de sentenças existenciais obedece
um modelo padrão e que a contraparte formal dos predicados “existe” e “há” se encontra
fielmente representada pelo quantificador existencial da lógica de predicados como afirma a
tese (III). Como pretendo mostrar a seguir, a conexão entre o problema da existência e a
questão da interpretação dos quantificadores ocorre na defesa da tese (III) e na apresentação
dos critérios ontológicos de Quine.
Existência e quantificação são dimensões indissociáveis no programa quineano.
69
Os
critérios ontológicos, assim como eles são apresentados por Quine, se relacionam diretamente
com as noções lógicas de quantificação e identidade e são aplicados sempre às teorias
interpretadas e formalizadas.
70
Tais critérios podem ser apresentados na forma de slogan
como segue:
(i) Ser é ser o valor de uma variável
e
(ii) Não há entidade sem identidade.
Susan Haack faz uma distinção esclarecedora quanto ao papel que cada um desses
critérios cumpre na filosofia de Quine. Segundo Haack
71
, o critério (i) define aquilo que ficou
conhecido como critério de comprometimento ontológico funcionando como teste para
determinar, não o que existe, mas que tipos de coisas uma teoria afirma existir. A ideia básica
por traz do critério (i) é que, ao formalizarmos as sentenças de uma determinada teoria T na
linguagem da lógica de predicados, podemos verificar o que T afirma existir da seguinte
maneira: os objetos que são pressupostos como valores das variáveis das sentenças
formalizadas de T são os mesmos objetos que, segundo T, existem. Em outras palavras, os
objetos que figuram ou deveriam figurar como os valores das variáveis das sentenças
formalizadas de uma determinada teoria para que essa mesma seja verdadeira, são os mesmos
objetos que a teoria em questão afirma existirem. Para usar um exemplo do próprio Quine
72
,
uma teoria que afirma a sentença $x(x é um número Ù x é primo Ù x>1.000.000) está
imediatamente comprometida com a existência de objetos como números primos maiores que
69
Cf. (QUINE, 1975b).
70
Para que possamos aplicar os critérios de Quine com sucesso a teoria deve ser interpretada pois, obviamente,
uma teoria semanticamente definida pode referir algo e, com isso, possuir comprometimento ontológico. Ela
também deve ser formalizada, pois o critério ontológico é expresso no contexto de sentenças quantificadas onde
o comprometimento ontológico se localiza nas variáveis da sentença.
71
Cf (HAACK, 2002: p. 77).
72
Cf. (QUINE, 2003: p.103)
66
1.000.000 e, conseqüentemente, com a existência de números primos e números. Por outro
lado, para Haack, o critério (ii) expressa o que ela chama de padrão de admissibilidade
ontológico segundo o qual devemos admitir entidades para as quais podemos estabelecer
critérios de identidade bem definidos. Para uma maior objetividade na exposição do problema
que meu trabalho pretende tratar, irei me deter apenas sobre o critério (i), tendo em vista que
ele se relaciona de uma forma mais direta com problema da formalização de sentenças de
existência e com o estatuto lógico de sentenças quantificadas. No entanto, algumas palavras a
respeito do critério (ii) podem ser de extrema importância para ressaltar a relação entre esse
critério e a rejeição quineana de uma ontologia de objetos intencionais, tais como as ideias
platônicas ou objetos subsistentes de Meinong. Segundo Quine, por sua natureza obscura e
incompleta, os objetos intencionais são destituídos de critérios bem definidos de identidade.
Com isso, uma teoria que os sustente, em geral, se encontra envolvida em uma série de
dificuldades. Essa tese fica clara na seguinte passagem de Sobre o que Há:
Considere-se, por exemplo, o homem gordo possível no umbral daquela porta; e
agora o homem calvo possível no umbral daquela porta. São eles o mesmo homem
possível ou dois homens possíveis? Como decidir? Quantos homens possíveis no
umbral daquela porta? mais homens magros do que gordos possíveis? Quantos
deles são semelhantes? Ou o fato de serem semelhante torna-os um único? Duas
coisas possíveis nunca são semelhantes? Isso é o mesmo que afirmar ser impossível
que duas coisas sejam semelhantes? Ou, finalmente, é o conceito de identidade
simplesmente inaplicável a possíveis não realizados? Mas que sentido faz falar de
entidades que não podem significativamente ser idênticas a si mesmas e distintas
uma da outra? Esses elementos são praticamente incorrigíveis. (...) pressinto que o
melhor seja simplesmente remover [o domínio das entidades intencionais] e
esquecê-lo (QUINE, 1975a: p.225).
Quine pretendia com isso, eliminar de sua ontologia toda entidade que, de uma forma ou
de outra, pusesse em cheque a correção de sua teoria. Nesse sentido, a admissão de entidades
com critérios de identidade desconhecidos, a exemplo de possibia, traria consigo um risco que
deveria ser evitado sempre que possível.
73
No que diz respeito ao critério (i), ele está claramente fundado numa interpretação
objetual dos quantificadores. Essa interpretação pode ser observada no início do artigo Logic
and reification of universals onde Quine apresenta uma formulação do critério de
comprometimento ontológico nos seguintes termos:
73
Uma crítica comum desferida contra Quine afirma que poucas são as entidades que possuem um critério de
identidade bem definido. Nesse sentido, o próprio Quine admite em sua ontologia objetos que desobedecem seu
padrão de admissibilidade Cf. (LOWE, 1995).
67
In general, entities of a given sort are assumed by a theory if and only if some of
them must be counted among the values of the variables in order that the statements
affirmed in the theory be true (QUINE, 2003: p. 103).
e que é reforçada no artigo Notes of theory of reference:
(...) to say that a given existential quantification presupposes objects of a given kind
is to say simply that the open sentence which follows the quantifier is true of some
object of that kind and none not of that kind (QUINE, 2003: p. 131).
Seguindo a mesma estratégia que a apresentada na interpretação objetual dos
quantificadores, Quine apresenta seus critérios ontológicos fazendo apelo a objetos que
operam como valores de variáveis tornando algumas quantificações verdadeiras.
No que diz respeito ao modelo de formalização de sentenças utilizado por Quine, ele
segue basicamente o padrão eliminativista de Russell via teoria das descrições; embora ele
não aceitasse de forma irrestrita algumas teses lingüísticas russellianas como o descritivismo.
Da mesma forma que Russell, a abordagem quineana tem como estratégia, em última
instância, interpretar todo termo denotativo enquanto um termo funcional; e isso implica, do
ponto de vista formal, a eliminação de termos como nomes próprios e a afirmação de sua
dispensabilidade no contexto de discussões ontológicas. Segundo Quine,
O uso de supostos nomes não é critério [de comprometimento ontológico], pois seu
caráter de nomes pode ser repudiado num piscar de olhos, a menos que a assunção
de uma entidade correspondente possa ser descoberta entre aquilo que afirmamos em
termos de variáveis ligadas. Os nomes são, de fato, totalmente irrelevantes para o
problema ontológico, pois mostrei, em relação a “Pégaso” e “pegasear”, que nomes
podem ser convertidos em descrições e Russell mostrou que descrições podem ser
eliminadas. Tudo o quanto dizemos com o auxílio de nomes pode ser dito numa
linguagem que os dispense totalmente (QUINE, 1975a: p.231).
O que Quine defende nessa passagem é que, não devem ser os nomes que devem
sustentar o comprometimento ontológico nas teorias formalizadas, mas, antes, as variáveis
quantificadas. No entanto, uma velha complicação ressurge aqui. Para mostrar que sua
proposta é realizável, Quine precisou mostrar como podemos eliminar qualquer termo
denotativo e isso inclui nomes próprios em favor de termos funcionais expressos através
de letras predicativas e variáveis. No contexto de sentenças com ocorrência de descrições, a
análise de Quine se assemelha ao tratamento de sentenças oferecido na teoria das descrições
de Russell. Uma sentença como
(1) Montanhas existem
68
é verdadeira se, e somente se, para pelo menos um objeto x no domínio da teoria que afirma
(1), x satisfaz o predicado “ser montanha”. Em termos lógicos temos: $x(Mx). Por outro lado,
o problema da formalização das sentenças existenciais com nomes próprios ressurge na
abordagem de Quine com a mesma força que se impôs a Frege e Russell em virtude de Quine
não aceitar a solução fregeana que pressupunha uma quantificação de ordem superior
74
e por
esboçar a situação possível onde não possuímos recursos para analisar um dado nome próprio
de acordo com a tese descritivista russelliana.
75
Ao propor essa situação Quine pretendia
mostrar um caso de restrição à aplicabilidade do descritivismo de Russell. Como vimos
anteriormente (seção 2.2.3), com o objetivo de substituir nomes próprios por funções
proposicionais, Russell defendeu a polêmica tese descritivista de que um nome próprio
abrevia uma descrição a ele associado e que, portanto, o sentido de um nome é o sentido da
descrição que ele abrevia. Nesse ponto, o trabalho de Quine difere sutilmente da abordagem
russelliana.
76
Quine ofereceu um tratamento não ortodoxo de nomes próprios ao propor
substituí-los por uma predicação artificialmente gerada. Segundo Quine, um nome como
“Pégasus” expressa um predicado tal como (ix) (Px), ou seja, “o x que pegaseia”. Nesse
sentido, afirmar a existência de Pégasus é afirmar precisamente que algo que pegaseia, ou
ainda que, para exatamente um objeto x do domínio, x pegaseia. Nesse contexto, o predicado
artificial “pegaseia” seria não analisável e irredutível. Com isso, Quine estava oferecendo um
mecanismo de aplicação da estratégia descritivista para os casos onde aparentemente havia
uma restrição de análise como na situação proposta anteriormente.
Outra forma de checar comprometimento ontológico é apresentada por Quine em
Existência e Quantificação. De acordo com Quine, podemos afirmar que, em uma dada teoria,
um termo qualquer é usado para designar um objeto se, e somente se, a identidade
existencialmente quantificada desse termo for verdadeira para a teoria.
77
Por exemplo: dado o
termo “Pégasus”; se $x(x=Pégasus) é verdadeira para uma dada teoria, segue que esta mesma
74
Tratarei da rejeição quineana da quantificação de ordem superior a seguir.
75
Segundo Quine, pode haver casos onde a noção expressa pelo nome próprio “fosse tão obscura ou tão básica a
ponto de naturalmente não se ter oferecido nenhuma tradução conveniente em termos de uma expressão
descritiva” Cf. (QUINE, 1975a: p. 227). A estratégia de Quine é mostrar que essa restrição ao descritivismo
russelliano pode ser evitada, como veremos a seguir, através de sua análise de nomes próprios.
76
Embora Quine fizesse uso explícito da estratégia de análise descritivista de eliminação de termos não
funcionais, ele possuía alguns pontos de divergências e/ou sofisticação em relação a Russell. Por exemplo, a
análise russelliana tinha como fundamento básico a noção de paráfrase, ou seja, re-escrever algo de forma mais
clara preservando o sentido original. O que está no centro da estratégia da paráfrase é, portanto, a noção de
sinonímia (ter o mesmo sentido que) que foi bastante criticada por Quine Cf. (QUINE, 1975e). Quine pensava na
análise gica, não como algo que melhore a linguagem natural, mas como algo que efetivamente a corrija e a
substitua. A ciência e a filosofia devem formular suas teorias em uma linguagem precisa e livre das imperfeições
da linguagem natural para possuir clareza e rigor.
77
Cf. QUINE (1975b).
69
teoria possui um comprometimento ontológico com a entidade gasus. O contrário
implicaria a não admissão de Pégasus pela teoria. Em resumo, para mostrar que uma
determinada teoria assume um dado objeto, devemos mostrar que algumas sentenças dessa
mesma teoria ou que ela implica seriam falsas se esse objeto não existisse. Isso
significaria que a correção da teoria pressupõe a existência de tal objeto.
Por fim, vale ressaltar que a análise quineana do problema da existência não constitui
uma defesa do predicado “existe” enquanto um predicado de ordem superior. Quine foi, sem
sombra de dúvida, um dos mais célebres oponentes da gica de predicados de segunda
ordem. Quine rejeitava as conseqüências platônicas de uma quantificação de ordem superior.
A ideia é que se o comprometimento ontológico gira em torno dos valores das variáveis
quantificadas e essas variáveis, como pretende a lógica de predicados de segunda ordem,
variam também sob predicados como “ser vermelho” ou “ser bom”, então estaríamos
comprometidos com a ideia platônica do vermelho ou da bondade. A interpretação objetual de
Quine expressa uma quantificação sob variáveis de objetos e, portanto, uma quantificação de
primeira ordem. De acordo com Quine, o predicado “existe” expresso pelo quantificador
existencial opera, da mesma forma que constantes lógicas (conectivos, operador de identidade
etc.) como um termo sincategoremático, ou seja, um termo que isoladamente é destituído de
sentido, adquirindo-o apenas na relação com outros termos no contexto de uma sentença bem
formada.
Antes de passar à próxima seção, gostaria de pontuar brevemente o que penso serem os
principais avanços realizados pela abordagem quantificacional em relação ao modelo clássico
de análise de sentenças sustentado pelas ontologias inflacionadas de Platão e Meinong:
1. A lógica de predicados de Frege mostrou de forma categórica que, para a maioria dos
casos, não existe a simetria entre estrutura lógica e estrutura gramatical de uma
sentença pressuposta pelo modelo clássico de análise. Ou seja, um número relevante
de sentenças não se encaixa na forma sujeito-predicado.
2. Muitos dos termos denotativos que figuram, do ponto de vista da estrutura gramatical,
como nomes para objetos, de acordo com a estrutura lógica, são meros complexos
predicativos que podem, a partir do modelo quantificacional de análise, ser dissolvidos
em termos funcionais. A conseqüência direta disso é que, em sentenças existenciais
negativas, não precisamos assumir, como pretendia o argumento do não-ser de Platão
e a teoria dos objetos de Meinong, uma referência ideal para esses termos de forma a
garantir o sentido e a consistência das sentenças em que tais termos ocorrem.
70
3. Que os predicados “há” e “existe” são co-extensionais, ou seja, são aplicados de forma
significativa ao mesmo domínio de objetos. Podemos afirmar também que tudo aquilo
que é possível expressar através do predicado “há” é igualmente expressável pelo
predicado “existe” e que, do ponto de vista formal, ambos os predicados tem como
contraparte o quantificador existencial ($). Portanto, não nenhuma razão formal,
tanto para uma distinção lógica entre os dois predicados, quanto para a afirmação
ontológica de que eles se aplicam a domínios diferentes do ser.
Penso que esse grupo pequeno de resultados obtidos pela abordagem quantificacional são
suficientes para expor a fragilidade do modelo clássico de análise apresentado no primeiro
capítulo e, no mínimo, lançar suspeitas contra os resultados filosóficos que os proponentes
desse modelo derivaram. Embora os teóricos da abordagem quantificacional enfrentem
dificuldades para realização efetiva de seu projeto de análise de sentenças como pretendo
mostrar nas próximas páginas penso que esses avanços pontuados acima em relação ao
modelo clássico de análise são extremamente relevantes. Mesmo alguém que queira sustentar
os resultados ontológicos da teoria dos objetos de Meinong, a exemplo do que fazem os neo-
meinongianos, não podem ignorar toda a contribuição e a revolução provocada pela lógica de
predicados.
2.4 Algumas objeções.
Tendo em vista que no próximo capítulo será realizado um trabalho mais detalhado de
classificação e formalização de diferentes tipos de sentenças de existência e, juntamente com
isso, uma avaliação crítica das limitações dos modelos de análise apresentados no presente
capítulo, gostaria de apresentar nessa seção um pequeno número de objeções de caráter mais
geral desferidas contra algumas teses básicas dos modelos de análise apresentados no presente
capítulo.
(I) Realidade e ficção Determinadas sentenças que envolvem ou pressupõem um
domínio ficcional do discurso parecem obstinadamente oferecer certa resistência aos padrões
de análise da teoria das descrições de Russell trazendo à tona algumas complicações. Vejamos
dois exemplos ilustrativos:
De acordo com a análise russelliana, segundo a qual devemos substituir nomes próprios
por descrições definidas, dentre as várias maneiras de formalizar as sentenças verdadeiras “Os
71
Gregos antigos adoravam Zeus” e “Sherlock Holmes é mais famoso que qualquer detetive da
realidade”, uma delas seria da seguinte maneira: “Há um e somente um deus que é o pai de
Hércules e esse deus era adorado pelos gregos antigos” e “Há um e somente um detetive x que
mora na Baker Street 221B e para todo detetive y da realidade, x é mais famoso que y”. Em
ambos os casos ocorrem algumas complicações: a análise da primeira sentença parece induzir
seu proponente ao comprometimento com existência de um deus mitológico, ao passo que a
análise da segunda sentença parece de alguma forma pressupor, tanto uma indesejada
distinção, do ponto de vista de Russell, entre objetos reais e ficcionais, como a assunção
equivocada de que “Sherlock Holmes” refere um objeto intencional; algo como um objeto
subsistente meinongiano. Esses dois casos ilustram bem a dificuldade que a teoria das
descrições enfrenta ao analisar sentenças onde o discurso sobre a realidade e o discurso sobre
a ficção se misturam. Esses casos parecem conduzir ao comprometimento com um domínio
mais amplo que o composto pela realidade física e por isso entra em choque frontal com o
programa nominalista de Russell e Quine. Ao final do próximo capítulo (seção 3.2) apresento
uma tentativa de compatibilizar discurso sobre o real e discurso ficcional.
(II) Teorias das descrições e analiticidade Como vimos anteriormente, o sucesso da
análise de Russell para sustentar que o predicado de existência é um predicado de ordem
superior, quando estendida às sentenças com ocorrência de nomes próprios na posição de
sujeito gramatical, necessita da tese descritivista como um mecanismo semântico que associa
cada nome próprio a uma descrição definida. Com isso, tais expressões podem ser analisadas
nos termos de uma função proposicional se adequando assim ao padrão proposto na teoria das
descrições de Russell. Não obstante, algumas complicações podem ser derivadas do
descritivismo russelliano. Como afirmam os críticos de Russell, se o descritivismo sustenta
que o sentido de um nome próprio é identificado como o sentido de uma descrição definida a
ele associado, então o núcleo dessa tese é a noção de sinonímia. Imaginemos então uma
situação onde um determinado falante x associe ao nome “Júlio César” a descrição “o chefe
de governo romano que conquistou a Gália”. Segundo o descritivismo de Russell, para x,
“Júlio César” e “o chefe de governo romano que conquistou a Gália” possuem o mesmo
significado. O termo “Júlio César” é nada mais que uma abreviação de “o chefe de governo
romano que conquistou a Gália”. Com isso, do ponto de vista de x, a sentença “Júlio César é o
chefe de governo romano que conquistou a Gália” é uma sentença analítica, pois, para x, “o
chefe de governo romano que conquistou a Gália” é nada mais que uma definição de “Júlio
César”; algo difícil de aceitar.
72
Uma possível saída para essa falha no descritivismo de Russell seria a teoria cluster dos
nomes próprios de Searle apresentada no artigo “Proper Names”
78
e que constitui um
sofisticação do descritivismo original. É comum a crítica de que o descritivismo de Russell
defendia uma tese forte demais, a saber, a relação de sinonímia entre nomes próprios e
determinadas descrições; e é precisamente essa tese que conduz ao problema anteriormente
mencionado envolvendo a analiticidade. Ao contrário de Russell, Searle defende que um
nome próprio da linguagem natural não é nem uma abreviação, nem um sinônimo de uma
determinada descrição. No entanto, é um fato que nomes próprios referem objetos através de
algum dispositivo. Para Searle, esse dispositivo é um feixe (cluster) de descrições que o
portador do nome satisfaz. A questão sobre o sentido de um nome próprio é respondida da
seguinte maneira por Searle:
We can now resolve our paradox: does a proper name have a sense? If this asks
whether or not proper names are used to describe or specify characteristics of
objects, the answer is “no”. But if it asks whether or not proper names are logically
connected with characteristics of the object to which they refer, the answer is “yes,
in a loose sort of way” (SEARLE, 1996: p. 253).
Para explicitar a relação entre nomes próprios e descrições definidas Searle lançou mão
da metáfora do gancho (pegs): um nome próprio funciona como um gancho onde penduramos
um conjunto de descrições definidas que o portador do nome satisfaz. Nesse sentido, um
nome próprio sempre está associado a um conjunto não imutável de descrições definidas. É
algo natural que os portadores de nomes próprios percam e adquiram propriedades ao longo
do tempo. O importante é que o uso padrão de um nome próprio está sempre associado a um
conjunto de descrições que identificam o portador do nome em questão. Segundo Searle, o
objeto é identificado como o portador de um determinado nome próprio caso ele satisfaça
uma parte significativa da disjunção inclusiva formada pelo conjunto de descrições associados
ao nome próprio em questão. Em geral, o que é caracterizado como “parte significativa” é
determinado pragmaticamente pelos falantes. É também a comunidade de falantes que
determina quais as descrições dessa disjunção inclusiva são mais importantes que as outras.
Com isso, Searle propôs um descritivismo sofisticado, onde o feixe de descrições associado
ao nome próprio pode ser constantemente reformulado pelos falantes.
78
Cf. (SEARLE, 1996).
73
(III) Contextos “opacos Dentre as sentenças que oferecem resistência ao tratamento
descritivista dos nomes próprios proposto por Russell, as sentenças em contexto opaco
merecem uma menção especial. Por sentenças em contexto opaco entendemos toda sentença
que não obedece ao princípio de substitutividade de Frege, segundo o qual, quando
substituímos um termo por outro termo co-referencial em uma sentença, a referência da
sentença como um todo se mantém inalterada. Os exemplos mais comuns de contextos opacos
envolvem sentenças em contextos com aspas onde a referência do termo com aspas não é
sua referência habitual
79
–, além de contextos epistêmicos e modais. Como esses casos
anômalos de possível falha do princípio de substitutividade podem dificultar um tratamento
descritivista dos nomes próprios de Russell é facilmente observável. Um exemplo envolvendo
modalidade ilustra bem o caso: a sentença “Sócrates poderia não ter existido”, de acordo com
a teoria das descrições, seria analisada em algo como “existe um único x que foi mestre de
Platão e x poderia não ter existido”; isso é claro, pressupondo que Sócrates é uma abreviação
da descrição “o mestre de Platão”. No entanto, um grande problema com essa paráfrase,
pois o que a sentença original afirma é a possibilidade da inexistência do indivíduo Sócrates e
não a do mestre de Platão. Sócrates poderia não ter existido e mesmo assim Platão ter tido
outro mestre, isso porque os termos “Sócrates” e “o mestre de Platão” não são
necessariamente co-referenciais. Como pano de fundo de toda essa discussão está a
controvérsia que questiona a preservação do sentido e referência de uma sentença onde uma
descrição definida é introduzida para substituir um nome próprio, ou seja, a própria
legitimidade da estratégia russelliana de que, por meio de paráfrases descritivistas, podemos
revelar a verdadeira estrutura lógica dos enunciados.
(IV) A teoria das descrições e os atos de fala A pretensão levantada por Russell de
oferecer, através da teoria das descrições, um dispositivo claro para a eliminação de
79
Quando substituímos o termo “Sócrates” pelo termo co-referencial “o mestre de Platão” na sentença
verdadeira “’Sócrates’ tem oito letras”, o resultado da substituição não é uma sentença verdadeira, mas falsa, a
saber “’o mestre de Platão’ tem oito letras”. A primeira vista, esse fato parece contrariar o princípio de
substitutividade de Frege, pois a substituição de termos co-referenciais alterou a referência da sentença
resultante, ou seja, alterou seu valor de verdade. Isso não deveria ocorrer, tendo em vista que, segundo Frege, a
referência de uma sentença é uma função do valor de verdade dos termos constituintes dessa mesma sentença.
Com isso, se substituo numa sentença um termo por outro co-referencial, a referência da sentença como um todo
deveria permanecer inalterada, ao contrário do que ocorreu no exemplo citado anteriormente. Uma forma de
eliminar esse tipo de problema seria lançar mão da distinção entre uso e menção de um termo. Quando
mencionamos uma expressão usando aspas o que temos em mente não é sua referência habitual, mas a própria
expressão. Portanto, duas expressões como “Sócrates” e “o mestre de Platão” são co-referenciais quando usadas,
mas não quando mencionadas. O próprio Frege verificou casos anômalos de possíveis falhas do princípio de
substitutividade, exemplo do que ele chamou de discurso indireto, caso onde a expressão a ser substituída é ela
própria uma sentença. Segundo Frege, no discurso indireto o que está em jogo não é a referência habitual dos
termos que compõem a sentença, mas o próprio sentido que a sentença expressa, ou seja, um pensamento Cf.
(FREGE, 1978a: p.71-73).
74
problemas típicos das linguagens naturais, tais como a ambigüidade da referência, e assim
erguer uma base sólida a partir de onde uma notação lógica correta pudesse determinar o valor
descritivo preciso de uma expressão foi duramente atacada por Strawson e Donnellan.
Segundo Strawson
80
, Russell apresentou uma abordagem parcial do modo que uma descrição
se relaciona com algo na realidade. O problema, segundo Strawson, é que Russell ignorou a
distinção entre denotação e referência. De acordo com Strawson, a denotação é a relação
entre um termo da linguagem e aquilo ao qual ela denota através das regras e convenções
lingüísticas, ao passo que a referência é uma relação entre o falante e aquilo ao qual ele
pretende referir. Se a denotação está submetida às regras da linguagem, a referência depende
da intenção do falante. Uma pessoa poderia usar a descrição “o atual rei da França” para
referir quem ele quisesse, embora essa mesma expressão já tenha sua denotação. Nesse
sentido, em última instância, quem refere não é a expressão, mas o falante através de uma
expressão. Com isso, Strawson queria mostrar que tudo aquilo que Russell defendeu acerca de
descrições em seu artigo Da denotação foi o comportamento denotativo dessa classe de
expressões. Na realidade, no contexto das linguagens naturais, usamos descrições de uma
maneira muito mais ampla.
Seguindo a mesma linha de argumentação que Strawson, Keith Donnellan apresentou em
seu célebre artigo Reference and Definite Descriptions
81
uma respeitada crítica à teoria das
descrições ao afirmar que o modelo de análise de sentenças proposto por Russell ignora a
distinção entre uso atributivo e uso referencial de uma descrição.
82
De acordo com Donnellan,
no uso atributivo o falante quer se referir a qualquer objeto que satisfaça a descrição e,
portanto, nele o conteúdo descritivo é essencial para a captação do referente da descrição. Por
outro lado, no uso referencial de uma descrição o falante pretende se referir a um determinado
objeto mesmo que a descrição não seja adequada. Para usar o exemplo clássico oferecido por
Donnellan
83
, imagine uma situação na qual um detetive profira, diante da cena de um crime, a
sentença “o assassino de Smith é insano” ao se impressionar com a crueldade do criminoso,
seja quem ele for. Nesse caso o detetive estaria fazendo um uso atributivo da referência. Por
outro lado, essa mesma sentença pode ser proferida em outro contexto. Por exemplo, diante de
80
Cf. (STRAWSON, 1975).
81
Cf.(DONNELLAN, 1996).
82
Kripke possui uma distinção similar entre valor pragmático, ou seja, aquilo a que o falante quer se referir
usando a descrição, mesmo que a descrição seja inadequada, e valor semântico, aquilo que certas expressões
efetivamente denotam Cf. (KRIPKE, 1972). O valor pragmático é de extrema relevância para a constituição da
teoria dos atos de fala.
83
Cf.(DONNELLAN, 1996: p. 235).
75
um sujeito meio louco chamado “Jones” que é suspeito do assassinato de Smith, mas é
inocente. Nesse caso o falante estaria fazendo um uso referencial da descrição “o assassino de
Smith”, pois a descrição estaria cumprindo o papel referir algo sem a exigência de que esse
algo de fato satisfaça as propriedades enunciadas por ela.
Penso que as críticas de Strawson e Donnellan se aplicam de forma bastante razoável à
análise de sentenças de existência no contexto dos atos de fala e são de extrema importância
para uma compreensão da constituição das linguagens naturais. No entanto, ao propor a teoria
das descrições, Russell tinha em mente um tratamento para questões no seio de teorias
formalizadas, seja visando a resolução dos famosos problemas dos fundamentos da
matemática, seja para um tratamento formal de questões ontológicas e epistemológicas. Nesse
sentido, tenho minhas dúvidas se os casos anômalos derivados de contextos pragmáticos são
de fato pontos fracos do projeto filosófico de Russell ou simplesmente propostas alternativas
para análise de problemas diferentes dos que Russell tinha em mente quando propôs sua teoria
das descrições.
♣♣♣
76
CAPÍTULO III
Uma avaliação de resultados: alguns tipos de sentenças de existência e um
problema chamado “discurso ficcional”
________________________________________________________________
Até o presente momento, apresentei a abordagem quantificacional do problema da
formalização de sentenças de existência nas versões propostas por Frege, Russell e Quine.
Essa abordagem figura como uma possível alternativa à abordagem categorialmente
inflacionada de Platão e Meinong apresentada no primeiro capítulo. Também tentei acentuar
as diferenças entre essas duas abordagens de uma forma que pudesse ficar claro como uma
leitura do predicado “existe” seja enquanto um predicado de ordem superior, como Frege e
Russell propõem, seja enquanto um termo sincategoremático, como defende Quine pode
contribuir na direção de uma solução das objeções apresentadas na seção 1.3 contra as
conseqüências ontológicas dos tratamentos oferecidos por Platão e Meinong ao predicado de
existência.
A seguir, na seção 3.1, tentarei executar a análise de sentenças de existência de acordo
com o padrão proposto por Russell e Quine. Com isso, pretendo checar a sustentabilidade
desse padrão de análise e até que ponto ele pode evitar os impasses gerados pelo modelo
clássico de análise utilizado pela abordagem inflacionada. A questão é saber até onde
podemos, através da abordagem quantificacional, oferecer uma solução que evite os
pressupostos assumidos pelo argumento do não-ser e pela teoria dos objetos de Meinong. Para
realização desse projeto de avaliação do modelo quantificacional, segui a classificação
corriqueira dos livros especializados e dividi as sentenças de existência de acordo com o tipo
de expressão denotativa nelas presente, a saber, descrições definidas, nomes próprios, tipos
naturais ou indexicais. Para cada tipo de sentença apresento uma ocorrência afirmativa e outra
negativa. Minha estratégia básica é, de início, assumir o modelo de análise proposto por
Russell através de sua teoria das descrições e verificar se ele pode ser fielmente estendido
para todos os tipos de sentenças de existência com os mesmos benefícios apresentados na
análise de sentenças de existência com ocorrência de descrições definidas. Por fim, na seção
3.2, gostaria de ressaltar algumas relações entre a constituição do discurso ficcional e as teses
meinongianas, bem como apresentar algumas propostas de tratamento de tal discurso que
evitem a necessidade de comprometimento ontológico com as entidades ideais defendidas por
Meinong.
77
3.1 Uma avaliação de resultados.
A) Sentenças existenciais singulares nas formas, afirmativa e negativa, com
ocorrência de descrições definidas:
(6) O maior planeta do sistema solar existe.
(7) A montanha de ouro não existe.
Sem dúvida alguma, sentenças do tipo A pertencem ao caso menos problemático de
aplicação do modelo de análise proposto por Russell, tendo em vista que sua teoria, como seu
próprio nome indica, é uma teoria de tratamento de descrições. O modelo paradigmático de
formalização de sentenças com descrições definidas proposto por Russell pode ser encontrado
em todo livro texto de lógica com pequenas adaptações ao simbolismo atual. Como vimos na
seção 2.2, a intenção básica de Russell era analisar sentenças, não na forma do modelo
clássico de análise fundada na distinção sujeito-predicado, mas interpretando expressões
denotativas enquanto termos funcionais, ou seja, termos que entram na composição de
funções proposicionais presentes nas sentenças em que elas ocorrem. Nesse sentido,
expressões denotativas não constituem unidades semânticas autônomas, mas, antes, símbolos
incompletos e devem ser analisadas enquanto abreviações de predicados. Partindo deste
pressuposto, a formalização de (6) e (7) seria algo do tipo:
(6)* $x(PxÙSxÙ"y(PyÙSyÙy≠x→x>y))
(7)* ¬$x(MxÙOx)
onde as letras predicativas P,S,M e O representam, respectivamente, os predicados “ser
planeta”, “pertencer ao sistema solar”, “ser montanha” e “ser de ouro”. Com este novo
modelo de tratamento Russell elimina de forma elegante o comprometimento obrigatório com
os supostos objetos denotados pelas expressões presentes nas sentenças (6) e (7). De fato, em
(6)* e (7)* não ocorre nenhuma constante individual, contraparte gica de um sujeito
gramatical tal como “o maior planeta do sistema solar” ou “a montanha de ouro” e, dessa
forma, não razão nenhuma para assumir um comprometimento ontológico prévio com as
78
supostas entidades denotadas. Como vimos, o modelo clássico de análise assumido pela
abordagem inflacionada necessitava assumir, no caso da sentença (7), o ser da montanha de
ouro para que (7) fosse significativa. Essa estratégia está na base do argumento do não-ser e
do critério sintático de admissão de objetos subsistentes de Meinong. Tudo isso era necessário
porque o termo a montanha de ouro”, segundo o modelo clássico de análise, era entendido
como um nome para um objeto. As sentenças formalizadas (6)* e (7)* nos dão, não nomes
para objetos, mas apenas funções proposicionais compostas por predicados monádicos e o
quantificador existencial ($) representando o predicado de existência. Vale ressaltar que
“existe” é claramente, nos termos da teoria das descrições de Russell, uma afirmação acerca
de uma função proposicional e, conseqüentemente, um predicado de segunda ordem, ou seja,
um predicado dito verdadeiro ou falso apenas de outros predicados, mas nunca diretamente de
objetos.
Como vimos, ao dissolver expressões denotativas em feixes de predicados o proponente
da teoria das descrições não pretende anular o possível comprometimento ontológico das
sentenças, mas transferi-lo para a variável ligada da sentença formalizada. Com isso, é
possível fazer uso de frases existenciais negativas sem nos comprometermos com as entidades
supostamente denotadas pelas expressões nelas contidas e, assim, eliminar as conseqüências
do argumento do não-ser derivadas do tratamento de sentenças de existência proposto pela
modelo clássico de análise. Dizer do maior planeta do sistema solar que ele existe é, em
última instância, dizer que o domínio de objetos que minha ontologia assume comporta um
objeto x ao qual é aplicado a uma só vez os predicados “ser planeta” e “ser do sistema solar” e
que para qualquer outro objeto y, sendo y≠x, pertencente ao mesmo domínio e que se aplique
os predicados “ser planeta” e “ser do sistema solar” então, x é maior que y. Em resumo, (6)*
afirma acerca da função proposicional expressa através do complexo predicativo presente na
sentença, que um objeto no domínio que satisfaz conjuntamente todas as predicações em
questão e que, portanto, um valor para a variável x que torna a sentença verdadeira. Como
vimos, é precisamente nisto que consiste um dos critérios ontológicos de Quine, a saber, “ser
é ser o valor de uma variável”. Segundo o critério de Quine, uma dada teoria assume o
comprometimento ontológico com uma entidade quando esta mesma entidade se configura
enquanto valor da variável de uma sentença quantificada tornando esta mesma sentença
verdadeira.
Penso que as sentenças do tipo A, a exemplo de (6) e (7), expressam casos típicos onde a
teoria russelliana das descrições parece mais razoavelmente sustentável que a análise
fregeana. Como vimos, segundo Frege, o artigo definido presente tanto em (6) quanto em (7)
79
implica que os termos “o maior planeta do sistema solar” e “a montanha de ouro” sejam
entendidos enquanto nomes para objetos e não complexos predicativos. Portanto, de acordo
com Frege, (6) e (7) seriam sem sentido, e conseqüentemente sem referência, pois são
constituídas pela composição indevida entre termos para objetos e o predicado de ordem
superior “(não) existe”. Por outro lado, a análise de Russell torna todo termo gramaticalmente
denotativo em um termo funcional e mantêm tanto o sentido quanto a bivalência de ambas as
proposições.
A partir do que foi exposto até o presente momento, fica claro também que a análise
quantificacional de sentenças do tipo A representa um rompimento significativo com o
pressuposto clássico da simetria entre estrutura gramatical e estrutura lógica. De fato, embora
do ponto de vista gramatical (6) e (7) possam ser analisadas na forma sujeito-predicado, suas
estruturas formais reveladas em (6)* e (7)* são inteiramente predicativas, ou seja,
completamente destituídas de qualquer constante individual que levasse ao comprometimento
com uma entidade existente ou meramente possível. Essa estratégia de eliminação de
constantes individuais em favor de termos funcionais é de extrema importância para os
objetivos de Russell e Quine. A idéia básica por traz do tratamento descritivista do problema
da existência é que uma extensão consistente desse modelo de análise a outros tipos de
sentenças de existência levariam aos mesmos ganhos no que diz respeito à rejeição da
abordagem inflacionada. É precisamente a possibilidade e os limites dessa extensão que
verificaremos de agora em diante.
B) Sentenças existenciais singulares nas formas, afirmativa e negativa, com
ocorrência de nomes próprios:
(3) Júlio César existe
(4) Sherlock Holmes não existe
Se a aplicação da teoria de Russell a sentenças do tipo A parece o caso menos
problemático e até mesmo bastante razoável no que toca as formalizações de sentenças de
existência, a situação é completamente inversa quanto às sentenças do tipo B. Descrições
definida são claramente compostas por predicados, o que facilita o trabalho de formalização
das sentenças com uma leitura do predicado de existência enquanto um predicado de segunda
ordem como propôs Russell. Um problema fundamental é que nem toda sentença de
existência é composta por descrições definidas. A princípio, nas sentenças (3) e (4), o que está
80
em jogo não é a instanciação ou não de determinados predicados no meu domínio de objetos
como propõe uma leitura de segunda ordem do predicado de existência. É bastante intuitivo
pensar que a questão que se põe em sentenças do tipo B é a existência ou não de objetos, no
caso, Júlio César e Sherlock Holmes, o que em tese seria um contra-exemplo à tese de que
existência não é um predicado dito diretamente de objetos. A solução de Russell para adequar
o tratamento de sentenças do tipo B à sua teoria das descrições é sustentar a tese descritivista,
diga-se de passagem, bastante controversa, de que termos singulares como “Júlio César” e
“Sherlock Holmes”, nomes próprios da linguagem natural, não constituem nomes logicamente
próprios, mas descrições definidas abreviadas.
84
Com isso, para formalizar sentenças como
(3) e (4) nos termos da teoria das descrições é necessário parafraseá-las explicitando as
descrições definidas que os termos singulares envolvidos, no caso, “Júlio César” e “Sherlock
Holmes” abreviam. Publicamente, usamos a expressão “Júlio César” para referir o objeto que
julgamos possuir determinados predicados como “o conquistador da Gália”. Da mesma forma,
através da expressão “Sherlock Holmes” abreviamos predicados como “o detetive que mora
na Baker Street 221B, toca violino e tem um assistente chamado Watson”. Tais predicados
são usados como critérios de identificação no domínio de objetos. Fazendo uso deles podemos
determinar se tais objetos pertencem ou não a um dado domínio, ou ainda, como sugere
Quine, podemos checar se no domínio assumido pela nossa ontologia há alguma entidade que
seja o valor da variável das sentenças (3) e (4) quando formalizadas.
Assumindo a tese descritivista de Russell, a formalização de (3) e (4) fica como segue:
(3)** $x(Cx Ù"y(Cy→y=x))
(4)** ¬$x(DxÙBxÙVxÙ"y(DyÙByÙVy®y=x))
onde C, D, B e V significam, respectivamente, “ser o conquistador da Gália”, “ser detetive”,
“morar na Baker Street 221B” e “tocar violino”.
A ideia básica por traz dessa estratégia de formalização é que, uma vez que as sentenças
do tipo B passam a ser analisadas de maneira análoga às sentenças do tipo A, passam a valer
também para elas todas as vantagens em relação ao modelo clássico de análise enunciadas
anteriormente no tratamento das sentenças do tipo A. O problema é que esse resultado é
84
Segundo Russell (RUSSELL, 1978b: p.72), apenas constantes individuais da lógica e da matemática e, nas
linguagens naturais, os indexicais, a exemplo de “eu”, “isto” e “aquilo”, constituem nomes logicamente próprios.
Em outras palavras, somente eles se referem diretamente a objetos. Termos singulares como “Sócrates” e
“Sherlock Holmes” referem indiretamente através de descrições.
81
possível a partir da assunção da tese descritivista dos nomes próprios. Sem a ideia de que
nomes próprios abreviam descrições, a análise desses mesmos nomes em termos funcionais
estaria comprometida.
85
Nesse sentido, a credibilidade dos resultados do modelo de análise de
Russell aplicado às sentenças do tipo B é inteiramente dependente da credibilidade da tese
descritivista e é precisamente essa tese que muitos filósofos não estão dispostos a aceitar.
Um dos oponentes mais célebres da tese descritivista é Saul Kripke. Embora Kripke
tenha assumido claramente em Naming and Necessity
86
que os resultados de Russell são
perfeitamente defensáveis quando o que está em jogo é a análise de sentenças com descrições
definidas e onde o falante faz uso do valor semântico – ou seja, algo análogo ao uso atributivo
de Donnellan do conteúdo descritivo, ele rejeitou a todo custo o uso do mesmo recurso
descritivista na análise de sentenças com nomes próprios. A razão para tal rejeição era sua não
aceitação da ideia de que nomes próprios abreviam descrições. Kripke defendeu, contra
Russell e Frege, uma teoria da referência direta dos nomes próprios, segundo a qual nomes
próprios referem sem a mediação de sentidos fregeanos, sejam enquanto modos de
apresentações, sejam enquanto descrições definidas das quais eles seriam meras abreviações.
Segundo Kripke, nomes próprios são introduzidos na nossa linguagem, ou de forma ostensiva,
ou através de uma descrição em um procedimento que ele chama de batismo inicial. Eles são
transmitidos de falante para falante por gerações através de uma cadeia causal histórica.
87
Vale ressaltar que, segundo Kripke, embora possamos fazer uso de uma descrição no ato do
batismo inicial de um objeto, tal descrição não possui qualquer influência posterior na
transmissão do nome através dos elos da cadeia causal histórica e, portanto, não nenhum
elemento descritivista na teoria kripkeana.
No que diz respeito ao tratamento do predicado de existência, o problema que a teoria da
referência direta de Kripke, na forma como ela foi exposta em Naming and Necessity, não
conseguiu superar é o da formulação consistente de sentenças existenciais negativas
verdadeiras com ocorrência de nomes próprios
88
como ocorre em
(4) Sherlock Holmes não existe
85
A menos que Russell endossasse a estratégia de predicações artificiais de Quine; o que de fato não ocorreu.
86
Nas Lectures I e II de Naming and Necessity Kripke oferece uma análise das críticas mais freqüentes à tese
descritivista dos nomes próprios bem como seu argumento para rejeitar a estratégia de Russell.Cf. (KRIPKE,
1972).
87
Uma análise bastante didática das teses de Kripke quanto ao comportamento gico-semântico dos nomes
próprios pode ser encontrado em (LYCAN, 2008: cap. 4).
88
A dificuldade de formulação de sentenças existenciais negativas com nomes próprios é reconhecida por
Kripke na Lecture I de Naming and Necessity Cf. (KRIPKE, 1972: p. 29).
82
A sentença (4) é claramente verdadeira, no entanto, do ponto de vista de Kripke, o termo
“Sherlock Holmes” não pode ser dito um nome próprio legítimo, pois ele foi gerado
artificialmente e não por intermédio de um batismo inicial de um objeto.
89
Em outras
palavras, o termo “Sherlock Holmes” não nomeia nada. Como Kripke rejeita a tese
descritivista, ele também não poderia assumir que “Sherlock Holmes” abrevia alguma
descrição. Com isso, Kripke tinha que assumir que “Sherlock Holmes” não significa nada e
que, conseqüentemente, (4) é destituída de sentido e de valor de verdade. Se assumirmos as
teses de Kripke expostas em Naming and Necessity, não como formular negações
existenciais verdadeiras e significativas que envolvam nomes próprios. Com isso, me parece
que nem a abordagem descritivista de Russell nem a teoria da referência direta de Kripke
podem oferecer um modelo confiável de análise de sentenças do tipo B.
C) Sentenças existenciais gerais nas formas, afirmativa e negativa, com ocorrência
de tipos naturais.
90
(8) Morcegos existem
(9) Unicórnios não existem
A estratégia básica de formalização de sentenças do tipo C com a finalidade de adequar
essas sentenças ao modelo descritivista de análise é substituir termos para tipos naturais por
predicações correspondentes. Assim, as sentenças (8) e (9) podem ser formalizadas em algo
do tipo
(8)* $xMx
(9)* ¬$xUx
onde as letras predicativas “M” e “U” representam, respectivamente, os predicados “ser
morcego” e “ser unicórnio”. Com isso, podemos facilmente observar que em (8)* e (9)*
temos novamente sentenças inteiramente predicativas resultantes da substituição dos termos
89
O argumento vale para todo nome com vacuidade referencial.
90
Em filosofia analítica usamos o termo “tipos naturais” para designar, não um indivíduo particular, mas uma
classe de indivíduos determinados por certas propriedades. Esses tipos são ditos naturais, pois se referem a
espécies animais, substâncias orgânicas, minerais, químicas etc. Em resumo, conjuntos de entidades da natureza
agrupados por certas propriedades estruturais.
83
denotativos “morcego” e “unicórnios” por termos funcionais como “o x que é morcego” e “o
x que é unicórnio”. O objetivo da eliminação dos termos denotativos em (8)* e (9)*, da
mesma forma que na análise das sentenças do tipo A e B, é a anulação de inflações
ontológicas desnecessárias tais como as resultantes do argumento do não-ser e da teoria dos
objetos de Meinong. Tal estratégia visa garantir o sentido e a verdade de (9) sem a
necessidade de um comprometimento obrigatório com unicórnios.
A adequação do tratamento de sentenças do tipo C ao modelo de análise descritivista
proposto por Russell é relativamente simples tendo em vista o comportamento semântico de
termos para tipos naturais. Como tais termos são usados para nomear, não uma entidade
específica, mas uma classe de entidades, eles estão, de certo ponto de vista, muito mais
próximos do comportamento semântico dos predicados – e conseqüentemente de termos
funcionais do que, por exemplo, de nomes próprios da linguagem natural. De fato, uma
relação estreita entre termos para tipos naturais e predicados fregeanos. Em última instância,
negar existência a unicórnios equivale a afirmar que o predicado de primeira ordem “ser
unicórnio” possui extensão nula.
É possível também analisar termos para tipos naturais enquanto feixes de predicados.
Como vimos acima, um termo para um tipo natural é utilizado para referir uma classe de
entidades que é agrupada por certas propriedades estruturais. Por exemplo, afirmamos que o
termo “morcego” se aplica verdadeiramente a uma determinada entidade caso ela instancie a
uma só vez determinadas propriedades estruturais com as quais definimos o termo “morcego”,
tais como “ser um mamífero” e “ser voador”. O mesmo vale para outros termos para tipos
naturais. Assim, é possível substituir termos para tipos naturais na análise de sentenças do tipo
C por um ou mais predicados estruturais que definem o termo em questão.
91
Dessa forma,
podemos analisar (8) e (9) em algo como
(8)** $x (MxÙVx)
(9)** ¬$x(HxÙCx)
91
Por motivos de simplificação estou ignorando toda discussão realizada por filósofos como Kripke (1972) e
Putnam (1975) em torno do estatuto semântico de termos para tipos naturais. Kripke e Putnam pensam essas
propriedades estruturais como propriedades essenciais que toda entidade que pertence a um tipo natural possui
em todo mundo possível no qual ela existe. Isso leva a uma enorme discussão acerca da natureza modal rígida de
termos usados para expressar tipos naturais. É precisamente essa discussão que pretendo evitar aqui. Apenas é
importante ressaltar que, da forma que penso, nem Kripke nem Putnam aceitariam a idéia de que termos para
tipos naturais abreviam ou significam o conjunto de propriedades estruturais que o define; essa é apenas uma
forma de pensar termos para tipos naturais de maneira análoga aos nomes próprios da linguagem natural segundo
a abordagem descritivista de Russell.
84
onde as letras predicativas “M”, “V”, “H” e “C” representam, respectivamente, os predicados
“ser mamífero”, “ser voador”, “ser cavalo” e “ter um chifre”.
D)Sentenças existenciais singulares nas formas, afirmativa e negativa, com
ocorrência de indexicais:
(10) Eu existo
(11) Eu não existo
A intuição básica de qualquer ser humano é que, quando proferida, (10) é uma sentença
sempre verdadeira, ao passo que (11) é sempre falsa. Essa característica se deve ao
comportamento semântico de termos indexicais e sua relação com a referência ostensiva de
objetos. Os Indexicais são os únicos termos das linguagens naturais que Russell assume como
nomes logicamente próprios.
92
De acordo com Russell, sentenças existenciais negativas
envolvendo nomes logicamente próprios são sempre, ou sem sentido, ou contraditórias. Isso
se deve ao fato de que um indexical nomeia necessariamente algo que existe, pois um
indexical é um termo usado para representar algo do qual temos conhecimento direto e
imediato, ou seja, aquilo que Russell denominou sense-data.
93
A afirmação de existência de
um sense-data é uma tautologia referencial. Portanto, dizer de algo referido através de um
indexical que ele existe é simplesmente uma trivialidade e dizer deste mesmo objeto, no
mesmo contexto, que ele não existe, é uma contradição. Ao atribuir existência a um dado
objeto, especialmente àqueles que conhecemos enquanto resultado das nossas apreensões
sensíveis, como no caso dos objetos referidos pelos nomes logicamente próprios de Russell,
não estamos acrescentando nada de novo e ao lhe negar existência estamos caindo em
contradição. Russell pensava nas sentenças (10) e (11), respectivamente, como tautologias e
contradições referenciais. De certa forma, podemos dizer que Russell defendia a tese da
92
Cf. (RUSSELL, 1978b: p. 71-72).
93
De acordo com Russell, “um nome, no sentido gico estrito de uma palavra cujo significado é um particular,
pode-se aplicar somente a um particular com o qual o orador esteja familiarizado, porque não podemos nomear
nada como o qual não estejamos familiarizados”. Essa característica nem sempre é satisfeita pelos nomes
próprios das linguagens naturais. Por exemplo, “não estamos familiarizados com Sócrates e, portanto, não
podemos nomeá-lo [no sentido gico]. Quando usamos a palavra ‘Sócrates’ estamos, na verdade, usando uma
descrição. Nosso pensamento pode ser interpretado por algumas expressões tais como ‘o mestre de Platão’ ou ‘o
filósofo que bebeu a cicuta’ ou ‘a pessoa que os lógicos afirmam ser mortal’, mas certamente não usamos o
nome como um nome no sentido apropriado da palavra” (RUSSELL, 1978b: p. 71-72).
85
trivialidade da existência mencionada no capítulo 1 de uma forma restrita às sentenças do tipo
D.
À primeira vista, a tese de Russell parece razoável. Não obstante, ainda assim é possível
encontrar algumas tentativas de extrair do contexto pragmático situações onde sentenças
existenciais negativas com ocorrência de indexicais poderiam ser verdadeiras. Em geral, esses
exemplos estão associados a situações de privações epistêmicas e alucinações. Um homem
poderia afirmar significativamente acerca de uma miragem de um oásis a sentença “Isto não
existe”; e nesse contexto parece razoável aceitar que a afirmação é, em certo sentido,
verdadeira e não uma contradição referencial. No entanto, é sempre possível argumentar que
talvez esse não seja um uso standard de um termo indexical, mas apenas um uso anômalo
permitido pela frouxidão da linguagem como um meio de captar uma situação de privação
epistêmica do sujeito. Tal situação deve, portanto, ser completamente evitada num tratamento
formal de problemas ontológicos como é o objetivo da abordagem quantificacional de
Russell.
94
Estamos aqui diante de um ponto extremamente delicado. Todas essas teses estão
completamente envolvidas em grandes polêmicas filosóficas e é difícil chegar a uma solução
e até mesmo uma abordagem parcimoniosa delas. No entanto, penso que tudo caminha numa
direção: ou aceitamos juntamente com Russell que sentenças existenciais com ocorrência de
indexicais nas formas negativa e afirmativa são, respectivamente, contradições e tautologias –
portanto, ou falsas ou triviais –, ou temos um caso claro onde o predicado “existe” é
legitimamente um predicado de primeira ordem, ou seja, onde a existência está sendo
atribuída diretamente ao objeto referido pelo indexical em questão.
Pelas razões apresentadas acima, penso que as sentenças do tipo A e C são mais
facilmente analisáveis de acordo com o padrão da teoria das descrições, ao passo que as
sentenças do tipo B e D, só se adéquam ao modelo russelliano na medida em que fazemos uso
de teses colaterais tais como a tese descritivista dos nomes próprios e algumas teses
epistêmicas do autor em questão. Como essas teses estão no centro de diversas polêmicas
filosóficas não resolvidas, a questão acerca da forma lógica das sentenças de existência possui
um status de questão em aberto. Não por acaso, meu objetivo no presente trabalho não foi
marcado por uma tentativa de apresentar uma saída aos problemas da abordagem
quantificacional, mas, antes, uma tentativa de rasteá-los.
94
O próprio Russell afirma que a importância dos nomes próprios no sentido lógico se revela no âmbito da
lógica e não na vida cotidiana Cf. (RUSSELL, 1978B: p. 72).
86
A busca por uma estratégia de análise de sentenças dentro do aparato formal da lógica de
predicados que elimine os problemas envolvendo vacuidade de referência – a exemplo do que
ocorre em sentenças existenciais negativas e comprometimentos ontológicos indesejados
constitui uma tentativa de superar os impasses gerados pela suposição implícita da semântica
da gica clássica de que todo termo singular que ocorre em uma sentença formalizada deve
ser interpretado dentro de um determinado domínio de quantificação. Essa suposição implica
que todo termo singular é um representante formal de um objeto. Foi precisamente essa
suposição que tornou possível a formulação do argumento do não-ser de Platão, dos critérios
sintáticos e semânticos da teoria dos objetos de Meinong e, juntamente com isso, a defesa de
uma ontologia inflacionada. Em última instância, os problemas ontológicos envolvendo a
formulação de sentenças existenciais são derivados da dificuldade, dentro dos parâmetros da
lógica clássica, da aplicação de termos com vacuidade referencial em sentenças com
quantificações sem que isso conduza ao comprometimento indesejado com os possíveis
referentes dos termos em questão. Daí a necessidade sustentada por Russell e Quine de
eliminar termos denotativos em favor de termos funcionais.
Vale ressaltar que, as três versões da abordagem quantificacional do problema da
existência apresentadas no presente trabalho constituem estratégias de análise de sentenças
dentro dos parâmetros da lógica clássica de predicados. Uma estratégia mais ousada se
caracteriza pela mudança da própria lógica de um modo a evitar pressupostos clássicos como
o mencionado acima acerca da interpretação de todo termo singular utilizado em sentenças
formalizadas. Isso é basicamente o que pretendem, por exemplo, os proponentes das
chamadas lógicas livres (free logics).
95
Uma lógica livre é uma lógica quantificada que admite
que, em determinados casos, alguns termos singulares que ocorrem nas sentenças
formalizadas simplesmente não possuam contraparte no domínio de quantificação, embora os
quantificadores continuem sendo interpretados na forma usual. Isso equivale a dizer que,
constantes individuais para termos como “Pégasus” ou “Sherlock Holmes” podem ser usados
em lógicas livres sem que isso implique que nosso domínio possua tais entidades como
Pégasus e Sherlock Holmes. Embora não seja meu objetivo no presente trabalho uma
apresentação das lógicas livres, é importante mencioná-las como um exemplo de que a busca
pela superação dos problemas gerados pela abordagem inflacionada e pelo modelo clássico de
análise não está restrita à assunção de modelos alternativos de análise dentro da própria lógica
95
Para uma apresentação das chamadas lógicas livres Cf. (BENCIVENGA, 1986).
87
de predicados, mas, em alguns casos, passa também pela proposta de sistemas formais que
eliminem os excessos semânticos e ontológicos da lógica clássica.
3.2 Algumas observações acerca do discurso ficcional e o tratamento contextualista
de Carnap.
Tendo realizado essa breve avaliação dos limites da modelo quantificacional de
formalização, penso que algumas palavras precisam ainda ser ditas acerca do que se
convencionou chamar discurso ficcional, tendo em vista que ele constitui um tópico relevante
para o problema da existência. Em geral, o sucesso do projeto de uma solução estritamente
formal para os problemas ontológicos envolvidos na noção de existência parece
constantemente esbarrar em alguns pormenores do poder expressivo das linguagens naturais
que sempre é capaz de surpreender com algum novo contra-exemplo desconcertante. Mesmo
que fosse oferecida, como queria Russell e Quine, uma interpretação sólida e unívoca do
conceito de existência que refutasse qualquer comprometimento obrigatório com a ontologia
inflacionada derivada do modelo clássico de análise de sentenças assumido por Platão e
Meinong, ainda assim alguns problemas poderiam surgir através de estranhos esquemas
proposicionais que ocorrem em alguns contextos comunicativos em linguagem natural. Isso
porque as teses de Russell e Quine sobre a quantificação existencial e o descritvismo, tomadas
de maneira isolada, não são capazes de tratar consistentemente alguns contextos anômalos
derivados da prática comunicativa cotidiana.
96
Vários neo-meinongianos, a exemplo de
Zalta
97
e Parsons,
98
apresentam esses contextos anômalos em relação ao tratamento de Russell
e Quine como evidências em favor das intuições meinongianas acerca da caracterização de
um objeto e da ontologia como um todo. Talvez o mais célebre desses contextos anômalos
seria o que chamamos de discurso ficcional. Vale ressaltar que, por discurso ficcional entendo
não o conjunto das sentenças que ocorrem nas obras de ficção, mas também o conjunto de
sentenças que proferimos acerca de personagens, lugares, objetos e eventos que ocorrem
exclusivamente nos romances, contos e outros tipos de obras literárias, bem como as
sentenças acerca de narrativas míticas ou coisas do gênero, que são comunicadas através da
tradição oral dos povos, desde que essas sentenças pressuponham, de alguma forma, o
domínio de objetos assumido no contexto ficcional em questão.
96
Alguns desses contextos modais, epistêmicos e outros derivados dos atos de fala foram mencionados na
seção 2.4.
97
Cf. (ZALTA, 1983 e 1988).
98
Cf. (PARSONS,1980).
88
A linguagem natural é plástica o bastante para permitir a formulação de instâncias de um
estranho esquema proposicional tal como x é um F Ù x não existe” com valor de verdade
pelo menos, intuitivamente verdadeiro, assim como em “Sherlock Holmes é detetive Ù
Sherlock Holmes não existe”. Esse esquema possui inúmeras ocorrências envolvendo termos
vacuosos e está intimamente ligado à constituição do discurso ficcional. De fato, se alguém é
questionado quanto ao valor de verdade de
(12) Sherlock Holmes é detetive
e
(4) Sherlock Holmes não existe
esse alguém teria boas razões para afirmar a verdade tanto de (12) quanto de (4) e,
conseqüentemente, a verdade da conjunção (12)Ù(4) que é uma instância do esquema x é um
F Ù x não existe”. Esse mesmo esquema é importante para o problema da existência por
razões elementares. Ele parece apoiar a intuição meinongiana enunciada na tese da
independência do ser, segundo a qual um objeto pode ou não ter uma propriedade
independentemente dele ser ou não existente. De fato, o que está sendo afirmado acerca do
objeto x é que x instancia a propriedade F, embora x não exista: Sherlock Holmes instancia a
propriedade “ser detetive”, embora ele não exista. Além disso, esse mesmo esquema está
claramente sustentado na distinção dos conceitos de “ser” e “existir”: uma leitura possível
desse esquema sentencial que evidencia essa distinção pode ser dada como segue; “há um x
que é um F e x não existe”: um indivíduo que é detetive e esse indivíduo não existe. A
grande maioria das afirmações meinongianas acerca de possibilia e impossibilia, tais como
atribuições de propriedades a objetos que não existem, pode ser facilmente inserida no
contexto da análise de um discurso ficcional.
99
Segue daí que qualquer indivíduo que queira
evitar as conseqüências do discurso ficcional sustentadas pelos meinongianos deve oferecer
uma saída para o tratamento de sentenças em contexto ficcionais que dispense uma
interpretação nos termos da teoria dos objetos de Meinong. Em outras palavras, para uma
formalização não-meinongiana do discurso ficcional é necessário um modelo de análise que
traduza para o idioma canônico quantificacional sentenças envolvendo ficções sem implicar
que essas mesmas ficções possuam algum tipo de ser. Isso equivale a um modelo de análise
que inviabilize a tese da independência do ser.
99
Para uma análise meinongiana de sentenças do discurso ficcional Cf. (PARSONS, 1980).
89
Uma abordagem alternativa dos problemas envolvendo o discurso ficcional pode ser
encontrada em Inwagen.
100
Segundo Inwagen, à primeira vista, sentenças do discurso
ficcional parecem possuir uma estrutura sintática e semântica semelhante às sentenças que
enunciamos para referir entidades e eventos da realidade. Essa similaridade estrutural pode ser
observada em três características básicas: da mesma forma que sentenças acerca da realidade,
as sentenças do discurso ficcional (i) podem ser formuladas através de quantificações
existenciais, (ii) podem possuir estrutura quantificacional complexa (por exemplo, $x$y"z...)
e (iii) as inferências que fazemos a partir dessas sentenças com base nas regras da lógica são,
de fato, válidas. Contudo, uma quarta característica de sentenças do discurso ficcional acentua
a diferença em relação às sentenças acerca da realidade, a saber, (iv) as entidades que figuram
como sujeito das sentenças do discurso ficcional possuem, não somente predicados passíveis
de serem satisfeitos por determinados objetos físicos, a exemplo de “ser vermelho”, “ser alto”,
“ser sábio” e “ser idêntico a si mesmo”, mas também predicados literários tais como “ser uma
personagem”, “aparecer pela primeira vez no capítulo 6” etc. As características (i), (ii) e (iii),
pensadas isoladamente, facilitam o surgimento de estranhos esquemas funcionais como x é
um F Ù x não existe”. De acordo com Inwagen, uma tentativa de evitar esses esquemas
indesejados em uma análise não-meinongiana do discurso ficcional pode ser construída a
partir de uma análise detalhada de como as características que diferenciam o comportamento
sintático-semântico das sentenças ficcionais em relação às demais sentenças determinam a
análise de sentenças envolvendo ficções. O centro da argumentação de Inwagen se encontra
na explicitação da característica (iv) enunciada acima. Inwagen defende uma caracterização
de sentenças do discurso ficcional em termos de uma distinção entre por um lado, a relação de
entidades ficcionais expressas nessas sentenças com propriedades de objetos físicos e
abstratos e por outro, a relação dessas mesmas entidades com as propriedades exclusivas de
contextos ficcionais. Segundo Inwagen, entidades ficcionais têm (have) somente (a)
propriedades lógicas, a exemplo da auto-identidade, e (b) propriedades literárias, tais como
“ser uma personagem”. Por outro lado, entidades ficcionais não têm (have) propriedades
estritamente aplicadas a seres reais, mas as sustenta (hold). Assim, Sherlock Holmes tem a
propriedade “ser um personagem criado por Conan Doyle” e sustenta a propriedade de “morar
na Baker Street 221B”. De fato, se procurarmos na obra de Conan Doyle um personagem
chamado “Sherlock Holmes”, iremos encontrá-lo, ao passo que, nenhuma pessoa chamada
“Sherlock Holmes” morou na Baker Street 221B no período histórico descrito na obra policial
100
Cf. (van INWAGEN, 2005).
90
de Doyle. A relação que “Sherlock Holmes” possui com a propriedade “morar na Baker Street
221B” não pode ser a mesma que objetos físicos têm com as propriedades que eles
instanciam. Com isso, Inwagen pretende sustentar a noção intuitiva de que o termo “Sherlock
Holmes” foi introduzido por Doyle para “sustentar” propriedades que simulem uma entidade.
É precisamente essa característica que define um termo para um personagem ficcional e, por
isso, Inwagen defende que personagens ficcionais existem enquanto uma espécie de
construção lingüística, mas não há entidades, objetos no mundo, as quais essas mesmas
construções representem. Nesse sentido, “Sherlock Holmes” é uma construção na obra de
Doyle que simula um indivíduo. Sherlock Holmes é nada além de um construto lingüístico.
Com isso, de acordo com a distinção proposta por Inwagen, o esquema x é um F Ù x não
existe”, freqüentemente derivado do discurso ficcional, pode ser interpretado da seguinte
maneira: x sustenta um termo que comporta] a propriedade F Ù x não existe [não expressa
nem refere nenhum objeto real]”.
A distinção defendida por Inwagen
101
entre ter e sustentar uma propriedade é bastante
próxima da distinção proposta por Zalta
102
, que apresentei na seção 1.3 do presente trabalho,
entre instanciar e codificar uma propriedade. Contudo, algumas diferenças entre as
conseqüências derivadas pelos autores a partir de suas distinções. Se, por um lado, Zalta
defende que personagens ficcionais pertencem à ontologia enquanto objetos subsistentes e,
portanto, deriva de sua distinção uma interpretação meinongiana das sentenças do discurso
ficcional, por outro, Inwagen defende, contra Meinong e Zalta, que ou existem
personagens ficcionais enquanto construções lingüísticas, mas que tais personagens não
denotam entidades, nem existentes, pois eles não são objetos reais, nem subsistentes, pois não
um domínio de objetos ideais. Personagens ficcionais são termos associados a conjuntos
abertos não maximais de predicados que usamos para simular objetos. Nesse sentido, o
discurso ficcional pode ser corretamente entendido como um jogo de simular objetos e
eventos.
Embora a proposta de Inwagen possa oferecer uma saída para os problemas envolvendo o
discurso acerca de ficções, penso que uma melhor abordagem para análise de sentenças do
discurso ficcional pode ser derivada do estudo de Carnap
103
acerca de tipos de questões de
existência. Em última análise, Carnap estava preocupado com a relação entre a admissão de
uma linguagem ou sistema de referência (framework) e suas implicações ontológicas, tais
101
Cf. (van INWAGEN, 2005).
102
Cf. (ZALTA, 1983).
103
Cf. (CARNAP, 1988).
91
como o comprometimento que essa mesma linguagem carrega em relação a determinados
tipos de entidades. Essa discussão era fundamental para os objetivos dos representantes do
positivismo lógico, ao qual Carnap pertencia, pois o que estava em jogo para esses filósofos,
dentre outras coisas, era um meio sólido de mostrar como podemos usar esses sistemas de
referências sem com isso derivar questões metafísicas dentro do discurso científico e
filosófico. Segundo Carnap, todo nosso discurso acerca de entidades, seja de que tipo elas
forem, tem como pano de fundo um sistema de referência lingüístico, ou seja, uma linguagem
que comporte um conjunto de termos necessários para expressar proposições acerca das
entidades em questão. Por exemplo, dentro das ciências formais, a aritmética constitui o
sistema de referência a partir do qual geramos todo nosso discurso acerca de números. É na
aritmética que definimos termos com regras apropriadas como “ser par” e “ser ímpar”,
relações como, “ser sucessor de” e “ser maior que”, além de funções como adição e subtração
sem as quais os números são completamente destituídos de sentido. Em outras palavras, se os
números constituem um tipo específico de entidade, eles são significativos dentro de um
sistema de referência, a saber, a aritmética.
Tomando a noção de sistema de referências como fundamental para análise de problemas
filosóficos e científicos, no apêndice de Meaning and Necessity (1988) intitulado
“Empiricism, Semantic and Ontology”, Carnap propõe uma distinção entre dois tipos de
questões de existência que ele chama de questões internas e questões externas. Grosso modo,
(i) uma questão de existência é dita interna caso ela seja formulada no interior de um sistema
de referência. Por outro lado, (ii) se ela é formulada pondo em questão os fundamentos do
próprio sistema de referência como um todo, então ela é dita uma questão externa. Essa
distinção fica clara retomando o exemplo da aritmética. Segundo Carnap, uma questão como
“existe um número primo maior que cem?” é uma questão interna ao sistema de referência
que chamamos aritmética, pois pode ser resolvida através de um procedimento de análise
estritamente matemático e definido através das regras de uso dos termos contidos na própria
aritmética. Por outro lado, uma questão como “existem números?” pode ser tanto uma questão
interna como externa, dependendo do tipo de abordagem que é dada a ela. Ao perguntar
“existem números?”, se o que está em jogo é algo como “existe um x, tal que x é um número”,
então temos uma questão interna. É necessária apenas uma rápida análise do domínio de
objetos descrito pela aritmética para observar que alguns desses objetos – o dois, por exemplo
possuem a propriedade “ser um número”, definida dentro do próprio sistema de referência.
Não obstante, se o que temos em mente com essa mesma questão for algo como o estatuto
ontológico dos números, ou seja, o grau de realidade dessa classe de entidades descrita pela
92
aritmética, então estamos diante de uma questão externa, pois ela põe em cheque a estrutura
da totalidade do sistema de referência do qual ela surge. Segundo Carnap, questões externas
são produtos de um mau uso desses sistemas de referências e a fonte principal dos pseudo-
problemas em filosofia, a saber, os problemas metafísicos. Na realidade, toda questão de
existência externa é derivada de uma má compreensão do uso do termo “real”. Para Carnap, a
pergunta pela realidade (ou existência) de uma entidade ou classe de entidades é sempre
relativa a um sistema de referência. Uma questão externa ou metafísica é uma pergunta sobre
a realidade ou o estatuto ontológico de uma entidade isolado do contexto onde a entidade é
definida. A expressão “ser real” ou “ser existente”, como defende Carnap, equivale a “ser um
elemento de um sistema de referência” e, portanto, não pode ser aplicada significativamente
ao próprio sistema.
Penso que a distinção de tipos de questões de existência proposta por Carnap pode
oferecer uma base relevante para a discussão de uma abordagem contextualista do problema
da existência.
104
A abordagem contextualista é muito mais comum do que, a primeira vista,
possa parecer. Isso pode ser observado não no contexto mais geral de sistemas de
referências como proposto por Carnap, mas também em contextos pragmáticos específicos.
Na realidade, todo nosso discurso cotidiano está perpassado pela admissão de contextos
implícitos. Isso fica claro numa rápida análise dos problemas associados à questão sobre o
escopo dos quantificadores que também pode oferecer uma contribuição interessante para o
problema da análise do discurso ficcional. Imagine uma situação na qual vou assistir a uma
palestra no auditório da reitoria da UFC e ao chegar lá percebo que o evento superou as
expectativas geralmente criadas em torno de acontecimentos filosóficos, pois o espaço está
completamente ocupado por pessoas ansiosas para ouvir o palestrante. Ao constatar isso,
afirmo “Não há onde sentar! Todas as cadeiras estão ocupadas”. Porém, com isso não quero
dizer que todas as cadeiras do mundo estão ocupadas, mas apenas que todas as cadeiras do
auditório em questão estão ocupadas. aqui um contexto implícito que restringe o domínio
de aplicação do quantificador universal (") na sentença "x (x é uma cadeira ® x está
ocupada). O domínio de quantificação da sentença mencionada é composto pelo conjunto de
104
duas formas de compreendermos o termo “abordagem contextualista” no que diz respeito ao problema da
existência: a primeira forma se refere ao estatuto lógico do predicado de existência, também chamada de
interpretação híbrida. Ela consiste basicamente na defesa de que “existe” pode ser, dependendo do contexto de
aplicação, tanto um predicado de primeira ordem quanto de ordem superior. A segunda forma consiste na idéia
de que uma questão significativa de existência possui sempre, como uma espécie de índice, um domínio de
quantificação. Ela é sempre relativa a um domínio, ou seja, é corretamente formulada no contexto de um
domínio. É precisamente nesse segundo sentido que devemos entender a proposta de Carnap. Para uma discussão
introdutória acerca do contextualismo no tratamento do problema da existência Cf. (LECLERC, 2006).
93
cadeiras do auditório da reitoria da UFC e isso fica claro no contexto pragmático onde foi
proferida a sentença. Com o discurso ficcional ocorre algo semelhante. Toda quantificação
dentro do discurso ficcional tem como escopo um domínio ficcional ou, para usar a expressão
de Carnap, o sistema de referência admitido no contexto da ficção. Essa restrição explica de
forma elegante porque estamos dispostos a sustentar a verdade da sentença “Sherlock Holmes
é detetive” e também a verdade de “Sherlock Holmes não existe”, embora não queiramos nos
comprometer com a verdade meinongiana de que “há pelo menos um detetive que não existe”.
Isso se deve ao fato de que cada uma das duas primeiras sentenças se refere a domínios
diferentes e qualquer quantificação usada na tentativa de expressar a forma lógica dessas
sentenças tem como escopo diferentes conjuntos de objetos em diferentes sistemas de
referências. A rigor, as sentenças “Sherlock Holmes é detetive” e “Sherlock Holmes não
existe” são ambas verdadeiras, mas a primeira é verdadeira no domínio ficcional criado por
Conan Doyle e a segunda no domínio padrão da realidade. Por isso, a conjunção “Sherlock
Holmes é detetive Ù Sherlock Holmes não existe” não pode ser corretamente derivada a partir
de um mesmo domínio de quantificação. Essa conjunção não é verdadeira em nenhum dos
dois domínios, pois a primeira parte da conjunção é falsa na realidade e a segunda parte falsa
no domínio ficcional de Conan Doyle.
♣♣♣
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
________________________________________________________________
Tendo em vista o caráter de avaliação crítica que minha dissertação possui, nada mais
natural que sua conclusão possua um aspecto fundamentalmente negativo no sentido de
apresentar um apanhado das limitações e impasses em torno do modelo clássico de análise e
da abordagem quantificacional de sentenças de existência apresentados ao longo desses três
capítulos. Todo meu trabalho partiu da crítica realizada ao modelo clássico de análise de
sentenças que sustentava a falsa ideia de uma isomorfia entre estrutura gramatical e estrutura
lógica dos enunciados. Tal isomorfia estava implícita no pressuposto de que toda sentença
pode ser analisada na forma sujeito-predicado. É precisamente esse conjunto de falácias que
está por trás do argumento do não-ser e da teoria dos objetos de Meinong e que levou seus
proponentes ao comprometimento inevitável com uma rie de entidades ideais. O grau de
inflação ontológica gerado a partir desse modelo deficiente de análise de sentenças alcançou
seu ápice na defesa meinongiana de que o domínio do ser deve comportar também um
conjunto de entidades impossíveis tais como o círculo quadrado. Penso que poucas coisas
podem ser tão contrárias à noção intuitiva que temos do que é a realidade quanto a ideia de
que essa mesma realidade seja composta por coisas impossíveis como postulou Meinong.
O modelo quantificacional de tratamento do predicado de existência foi apresentado ao
longo do segundo capítulo tendo como pano de fundo a reação à ontologia inflacionada de
Platão e Meinong. Como tentei mostrar, os modelos de análises de Russell e Quine estavam a
serviço de um programa mais geral de redução ontológica de orientação nominalista e uma
abordagem formal de questões filosóficas. Do ponto de vista da formalização das sentenças,
essa redução só foi possível através de um tratamento lógico que pudesse eliminar termos
denotativos em favor de termos funcionais e, juntamente com isso, eliminar a necessidade de
comprometimento ontológico com os possíveis referentes dos termos denotativos utilizados
nas sentenças. Essa estratégia proporcionou um refinamento sem precedentes na análise das
sentenças e revelou uma assimetria cada vez mais patente entre estrutura gramatical e
estrutura lógica forçando assim um rompimento sem retorno com o modelo clássico de
análise. Vale ressaltar que essa distinção entre forma lógica e gramática natural é produto de
uma posição filosófica mais geral que orientou filósofos como Frege e Russell segundo a qual
as linguagens naturais são perpassadas por limitações e ambigüidades, e que uma filosofia e
uma ciência que se pretendam rigorosas só podem ser erguidas mediante o tratamento de uma
linguagem ideal.
95
Além da distinção entre forma lógica e gramática natural, as diferentes versões da
abordagem quantificacional do predicado de existência possuem em comum as teses de que
(i) o estatuto lógico do termo “existe” é fielmente expresso pelo quantificador existencial da
lógica de predicados, (ii) que uma clara identidade entre os predicados “ser” e “haver” e
que, portanto, ao contrário do que ocorre na ontologia de Meinong, esses dois termos
expressam a mesma porção da realidade, e por fim, (iii) que a ontologia de possibilia e
impossibilia pode ser em grande parte evitada por um tratamento lógico consistente de
enunciados de existência. Ao longo do segundo capítulo apresentei três versões de defesa da
tese (i). A primeira versão foi a fregeana, segundo a qual o predicado de existência constitui
um predicado de ordem superior que é aplicado de forma significativa e verdadeira apenas a
predicados de ordem inferior a ele caso esses predicados de ordem inferior sejam
instanciados. A segunda versão defendida por Russell tem na noção de função proposicional
seu conceito central. Segundo Russell, toda afirmação de existência é fundamentalmente uma
afirmação acerca de uma função proposicional. Caso a afirmação seja verdadeira, então a
função proposicional a qual ela se aplica possui pelo menos uma instância verdadeira. Tendo
em vista que essas funções proposicionais envolvem, do ponto de vista ontológico, a
instanciação ou não de predicados,fica claro que o predicado “existe” é, segundo Russell, um
predicado de ordem superior. A terceira e última versão apresentada foi a de Quine que
endossou o modelo de análise da teoria das descrições de Russell, mas rejeitou a todo custo a
ideia de que o predicado de existência é um predicado de ordem superior. Quine pensou no
termo “existe” enquanto um termo sincategoremático. Segundo Quine, existência é algo
expresso nos valores das variáveis das sentenças quantificadas. Tentei mostrar também de que
forma os critérios ontológicos de Quine constituem uma meta-ontologia.
O trabalho de avaliação do modelo quantificacional de análise quando aplicado aos
quatro principais tipos de sentenças de existência, como tentei realizar no capítulo três, teve
como objetivo mostrar que, a despeito de todas as disputas filosóficas envolvendo a
credibilidade da teoria das descrições de Russell e de sua tese descritivista dos nomes
próprios, há casos onde ela parece ser mais razoavelmente aplicável e casos onde seus críticos
ganham mais força. Para ser mais específico, as sentenças de existência dos tipos A e C
respectivamente, sentenças com descrições definidas e sentenças com tipos naturais
parecem oferecer menos resistência a uma análise dentro dos parâmetros da teoria das
descrições e revelam de forma mais evidente os resultados pretendidos por Russell no que
toca a rejeição da ontologia inflacionada de Meinong. Por outro lado, a análise de sentenças
de existência dos tipos B e D respectivamente, sentenças com nomes próprios e termos
96
indexicais é compatível com o modelo de análise de Russell e com seu projeto de
redução ontológica se seu proponente, da mesma forma que Russell, assumir teses colaterais a
respeito da linguagem e da epistemologia. Entre essas teses estão a tese descritivista dos
nomes próprios, a distinção epistemológica entre conhecimento por familiaridade e
conhecimento por descrição e sua relação com as descrições definidas, bem como a noção de
nomes logicamente próprios e sua relação com os sense-data russellianos.
Por fim, na seção 3.2 que encerra esse trabalho tentei mostrar que mesmo que o modelo
quantificacional de análise de sentenças de existência, nas versões de Russell e Quine, fosse
adequadamente aplicável a todo tipo de sentenças de existência usadas na descrição da
realidade, ainda assim restaria o problema da compatibilização da análise do discurso
ficcional e do discurso acerca do real sem retirar disso uma ontologia de orientação
meinongiana. Minha proposta, que apresentei sem pretensão de desenvolvê-la e que deve ser
entendida como uma indicação para uma pesquisa futura, consiste em utilizar a noção de
sistema de referência de Carnap com o objetivo de mostrar que toda sentença é, de alguma
forma, indexada por um domínio de quantificação determinado contextualmente e que
sentenças que envolvem ficções, a exemplo de Sherlock Holmes é detetive” podem, em
determinado contexto, ser considerada verdadeira sem que como isso tenhamos que assumir
que Sherlock Holmes é um possibilia ou uma forma pura não instanciada.
♣♣♣
97
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