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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PRODEMA – PROGRAMA REGIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente
Área de Concentração: Economia dos Recursos Naturais e Política
Ambiental
INAH ABREU HISSA
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Fortaleza
2005
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INAH ABREU HISSA
ANÁLISE DA REALIDADE DA FONTE BATATEIRA NO
CARIRI–CE: ASPECTOS ECONÔMICOS E LEGAIS DO
MERCADO DE ÁGUAS
Dissertação apresentada à Coordenação do Curso
de Mestrado em Desenvolvimento e Meio
Ambiente da Universidade Federal do Ceará como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Desenvolvimento do Meio Ambiente.
Orientador: Prof. Dr. José César Vieira Pinheiro.
Fortaleza
2005
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H579a Hissa, Inah Abreu
Análise da realidade da fonte batateira do Cariri-CE:
aspectos econômicos e legais do mercado de água / Inah Abreu Hissa.-
125f. : il., color, enc.
Orientador: Prof. Dr. José César Vieira Pinheiro
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio
Ambiente) - Universidade Federal do Ceará, 2005.
1. Fonte Batateira 2. Mercado de água 3.Recursos
hídricos 4. Meio ambiente I.Título
C.D.D. 574.52632
INAH ABREU HISSA
ANÁLISE DA REALIDADE DA FONTE BATATEIRA NO CARIRI–CE:
ASPECTOS ECONÔMICOS E LEGAIS DO MERCADO DE ÁGUAS
Dissertação apresentada à Coordenação do Curso de Mestrado em Desenvolvimento e Meio
Ambiente da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título
de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Data da Aprovação: 16/09/2005. Conceito: Aprovado (Com Louvor)
Banca Examinadora:
__________________________________________________________________
Prof. Dr. José César Vieira Pinheiro
(Orientador – UFC)
__________________________________________________________________
Profª. Drª Ticiana Marinho de Carvalho Studart
(Membro – UFC)
__________________________________________________________________
Prof.. Dr. Martônio Mont’Alverne Barreto Lima
(Membro – UNIFOR)
Aos meus pais, Simplício e Zuleide, que me ensinaram a
importância do conhecimento, da união e da força.
À minha filha Karen, por seu amor, do tamanho de
todas as gotinhas do oceano multiplicadas por todos os
grãozinhos de areia.
Aos meus irmãos Itamar, Daurea e Alba por sempre
depositarem em mim sua confiança.
AGRADECIMENTOS
Meu agradecimento especial ao professor, orientador e
amigo José César Vieira Pinheiro pela confiança e
orientação na realização deste trabalho.
Ao Pai Misericordioso que não me falta nunca e tornou possível concluir mais esse desafio.
Ao ex-presidente da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará (COGERH) e
atual Superintendente de Outorgas da Agência Nacional de Águas, Francisco Lopes Viana, meu
especial agradecimento por honrar-me sempre com sua confiança e amizade, por ter viabilizado este
estudo e por nunca medir esforços para a minha capacitação.
Ao ex-presidente da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará (COGERH),
ora gerente desta no Município do Crato, José Yarley de Brito Gonçalves, pela sugestão para
desenvolvimento e estudo do assunto objeto do presente ensaio, bem como pela confiança e amizade.
Aos professores que participaram da banca examinadora, pela paciência e sugestões para
melhoramento desta dissertação.
À Profª. Vládia Pinto Vidal de Oliveira, atual coordenadora do PRODEMA, pela firmeza, delicadeza e
alegria contagiante com que desenvolveu suas atividades visando o melhoramento do curso.
Ao Vice-Coordenador do PRODEMA, Rogério César Pereira de Araújo, todos os professores,
auxiliares, funcionários da Universidade Federal do Ceará, pelo empenho e dedicação na consecução
de suas atividades, melhoramento do curso e zelo com as instalações onde foi ministrado o curso.
Aos colegas: Ana Lúcia, Ana Beatriz, Alexandre, Ávila, Alessandro, Camila, Cieusa, Cristina Bianchi,
Daniel, Ernandy Luis, Frederico, Gabriela, Haline, Juliana, Ricardo Barreira, Rommel, Itamar,
Michele, Najla, Nubelia, Paulo, Aragão, Rosane, Sarah e Tânia pelos ricos momentos de debates e
olhares profissionais diferenciados, que contribuíram para o amadurecimento de idéias e respaldaram a
concretização deste estudo.
Aos amigos e colegas da Sede e Gerencia do Crato/COGERH pela atenção, informações, apoio,
estímulo, bem como pelos ricos momentos decorridos durante a inusitada missão de conceber uma
instituição de vanguarda no campo do gerenciamento dos recursos hídricos que elevou e projetou o
Estado do Ceará no cenário nacional e internacional. Essa experiência é que ora possibilita o
fornecimento de subsídios técnicos e práticos na elaboração desta pesquisa.
Ao amigo Antonio Ribeiro Zaranza (in memoriam), pelos muitos momentos de convivência ladeados
por sua sabedoria, ensinamentos e conhecimento no meio em que se discute o tema Recursos Hídricos.
Aos colegas Josué, Eudes e Simone, pela disponibilidade e paciência de sempre nas muitas
solicitações que fiz durante a elaboração deste e de todos os demais trabalhos realizados durante os
muitos anos em que trabalhamos juntos na COGERH.
Pedro Calixto, Tâmara e Luiz Correia, Zulene, Márcia Sampaio pela amizade, valiosos dados, ajuda na
elaboração eletrônica, apresentação e finalização deste trabalho.
À mamãe e ao Cornélio Diógenes (in memoriam), demais familiares, pela atenção, carinho, estímulo e
apoio emocional dispensados em todos os momentos.
À Ana Lúcia Teixeira, Rúbia Kátia e suas famílias, pelas amizades concretas e provadas nos
momentos felizes e nos difíceis da minha vida.
A FUNCAP pelo suporte financeiro concedido.
“A civilização tem isto de terrível: o poder
indiscriminado do homem abafando os valores da
natureza. Se antes recorríamos a esta para dar
uma base sustentável ao direito (e no fundo esta é
a razão de ser do direito natural), assistimos, hoje,
a uma trágica inversão, sendo o homem obrigado a
recorrer ao direito para salvar a natureza que
morre”.
Miguel Reale
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................16
2. DOMÍNIO DAS ÁGUAS NAS CONSTITUIÇÕES E LEGISLAÇÕES
INFRACONSTITUCIONAIS BRASILEIRAS
............................................................20
2.1 Finalidade e sentido do domínio hídrico ........................................................................20
2.2 Constituição do Império de 25/03/1824 ..........................................................................22
2.3 Constituição Republicana de 24/02/1891........................................................................22
2.4 Constituição Republicana de 16/07/1934........................................................................23
2.5 Constituição Republicana de 10/11/1937........................................................................23
2.6 Constituição Republicana de 18/09/1946........................................................................24
2.7 Constituições de 24/01/1967 e de 1969............................................................................24
2.8 Constituição de 1988.........................................................................................................25
3. ASPECTOS RELEVANTES DA ATUAL LEGISLAÇÃO HÍDRICA NACIONAL..26
3.1 No âmbito federal – Lei n.º 9.433/97: Política Nacional de Recursos Hídricos...........26
3.2 No âmbito estadual – Lei nº 11.996/92: política de recursos hídricos do estado do
Ceará
..................................................................................................................................26
3.2.1 Os instrumentos de gestão...............................................................................................27
3.2.1.1 Outorga de direito de uso .............................................................................................28
3.2.1.2 Cobrança pelo uso da água...........................................................................................29
4. MODELOS DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS APLICADOS EM
DIVERSOS PAÍSES E NO BRASIL
..............................................................................30
4.1 Requisitos institucionais entre os modelos de Negociação e do Mercado de Águas...30
4.2 O Mercado de Águas........................................................................................................32
4.2.1 Nos Estados Unidos – EUA ............................................................................................32
4.2.2 No Chile...........................................................................................................................34
4.3 O Modelo de Negociação..................................................................................................36
4.3.1 Na França.........................................................................................................................36
4.4 Características principais das experiências internacionais sobre os sistemas de gestão
dos recursos hídricos
........................................................................................................38
4.5 O Modelo de Negociação implantado no Brasil.............................................................39
4.5.1 Arranjo legal e institucional de gestão dos recursos hídricos do Estado do Ceará .........40
4.5.2 Expedição da outorga no Estado do Ceará......................................................................44
4.6 Resumo dos requisitos institucionais para os modelos de Mercado e de Negociação 46
5. FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS.........................................................................46
5.1 Base teórica .......................................................................................................................46
5.2 Procedimentos técnicos....................................................................................................54
5.3 Características da área de estudo....................................................................................57
5.3.1 Informações Básicas sobre a Região do Cariri................................................................57
5.3.1.1 Base Física....................................................................................................................57
5.3.1.2 Condições geoambientais.............................................................................................59
5.3.1.3 Recursos hídricos..........................................................................................................59
5.3.1.4 Fontes da Chapada do Araripe .....................................................................................62
5.3.1.4.1 Fonte Batateira...........................................................................................................64
6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DO MODELO DE GESTÃO DA ÁGUA NO CARIRI - CE
............................................................................................................................................70
6.1 Aspectos históricos e legais..............................................................................................70
6.2 Cariri e a antiga Lei n.º 645 de 17 de janeiro de 1854: da eficiência na alocação e uso
dos recursos hídricos
..............................................................................................................70
6.3 Auto de Partilha de Águas da Fonte Batateira (1855) ..................................................72
6.4 Análise da situação atual..................................................................................................76
6.4.1 Análise: aspectos do plano de negociação x mercado de águas e recomendações para
uma possível proposta na solução de conflitos pelo direito de uso da água entre o Estado
do Ceará e o particular usuário com título de propriedade da água na Região do Cariri-
CE
.....................................................................................................................................85
7. CONCLUSÃO.....................................................................................................................91
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.......................................................................................95
APÊNDICES...........................................................................................................................99
ANEXOS.......................... .....................................................................................................106
LISTA DE FIGURAS
página
1 – Planos de negociação social. ..............................................................................................46
2 – Divisão política dos municípios do Cariri e a localização no Estado do Ceará. Fonte:
COGERH (2005).
..............................................................................................................58
3 – Bacias Hidrográficas do Estado do Ceará. Fonte: COGERH (2005).................................60
4 – Rio Salgado desaguando no Rio Jaguaribe à jusante do Açude Orós. Fonte: COGERH
(2005).
................................................................................................................................61
5 – Estratigrafia da Chapada do Araripe. Fonte: DNPM (1996)..............................................63
6 – Fontes na Região do Cariri (F-25). Fonte Batateira/ Sítio Luanda. Fonte: COGERH
(2004).
................................................................................................................................65
7 – Foto da tubulação captando água em um dos trechos que percorre as águas da Fonte
Batateira/ Fonte: Elaboração própria (2004).
.....................................................................67
8 – Foto da população lavando roupa à jusante da Fonte Batateira. Fonte: Elaboração própria
(2004).
................................................................................................................................69
9 – Esquema de distribuição das águas da Fonte Batateira. Fonte: Gonçalves (2001)............74
10 – Foto das telhas d´água (instrumento para medição de vazão) utilizadas na cidade do
Crato (Cariri) a partir da partilha das águas da Fonte Batateira em 1855. Atualmente
ainda em operação. Fonte: Elaboração própria (2004).
...................................................75
11 – Sistema de medição de vazão de água construído no Império Romano na Cidade de
Nimes (França), aproximadamente há 2000 anos atrás. Fonte: Landels (1979).
.............76
LISTA DE QUADROS
página
1 – Características principais das experiências internacionais sobre Sistemas de Gestão
Recursos Hídricos.
...........................................................................................................39
2 – Resumo sobre os pontos similares entre Modelo de Negociação e o Mercado de Águas. 45
3 – Rendimento das 12 maiores fontes do complexo sedimentar do Araripe..........................64
4 – Redução da vazão da Fonte Batateira.................................................................................66
5 – Divisão legal atual das águas da Fonte Batateira...............................................................78
6 – Preço da água praticado na Fonte Batateira. ......................................................................79
7 – Tarifa de água bruta por m³/mês cobrada pela COGERH..................................................80
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas
ABRH – Agência Brasileira dos Recursos Hídricos
ABAS – Associação Brasileira de Águas Subterrâneas
ANA – Agência Nacional de Água
CBH – Comitê de Bacias Hidrográficas
CBRMF – Comitê das Bacias da Região Metropolitana de Fortaleza
COGERH – Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará
COMIRH – Comitê Estadual de Recursos Hídricos
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hídricos
CONERH – Conselho Estadual Recursos Hídricos do Ceará
COMIRH – Comitê Estadual de Recursos Hídricos
CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente
CPRM – Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
DNPM – Departamento Nacional da Produção Mineral
ETA – Estação de Tratamento de Água
EPA – Environmental Protection Agency
EUA – Estados Unidos da América
FUNORH – Fundo Estadual de Recursos Hídricos
IPLANCE – Instituto de Planejamento do Ceará
MMA – Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal
MME – Ministério das Minas e Energia
NB – Norma Brasileira
PERH – Política Estadual Recursos Hídricos
PNRH – Política Nacional de Recursos Hídricos
PRODEMA – Programa Regional de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente
SAAEC – Sociedade Anônima de Água e Esgoto do Crato
SIGERH – Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Ceará
SNGRH – Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
SRH – Secretaria dos Recursos Hídricos do Estado
UFC – Universidade Federal do Ceará
RESUMO
Na região do Cariri, no interior do Estado do Ceará, várias fontes de água nascem na Chapada
do Araripe. Uma dessas, a Fonte Batateira, se converte no Rio Batateira, onde os produtores
da cana-de-açúcar desenvolveram em 1854 um sistema de direitos e alocação de água baseado
nas forças de Mercado de Águas. Esse modelo que ainda se encontra em operação na
atualidade permite a propriedade privada da água, bem como que respectivos proprietários –
possuidores de títulos de direitos de uso da água - negociem referidos direitos, bem como,
efetuem referidas transações no Cartório Público da Cidade do Crato. O mesmo não ocorre no
restante do Estado do Ceará e do Brasil que adota, na atualidade, o modelo de Negociação
(Francês) que por sua vez reorganiza o ambiente institucional e define novos direitos de
propriedade. Nessa perspectiva, e ainda considerando que o modelo adotado no Cariri-CE
funciona há mais de um século, ao final se visa concluir se ainda existe espaço legal
institucional para continuar dentro de uma estrutura de mercado de direito de uso da água.
Com esta pesquisa, busca-se contribuir com a gestão da água no Cariri haja vista que o
presente momento de transição é delicado e conflituoso, principalmente no aspecto da
dominialidade do direito de uso da água.
Palavras-chave: Mercado de Águas, Fonte Batateira, direito de propriedade.
ABSTRACT
In the area of Cariri, inside the State of Ceará, several sources of water are born in the Araripe
Plated. One of those, the Batateira fountain, turns into Batateira river, where the producing of
the sugar-cane developed in 1854, a system of rights and allocation of water based on the
forces of Market of Waters That model that still meets at the present time in operation it
allows the private property of the water as well as that respective proprietors–possessors of
titles of rights of use of the water - they negotiate referred rights, as well, make referred
transactions in the Public Registry of the City of Crato. The same does not happen in the
remaining of the State of Ceará and of Brazil that adopts, at the present time, the model of
Negotiation (French) that reorganizes the institutional atmosphere for your time and it defines
new property rights. In that perspective, and considering that the model adopted in Cariri - CE
still works there is more than one century, at the end it is sought to conclude institutional legal
space it still exists for Cariri - CE to continue inside of a structure of market of right of use of
the water. With this research, it is looked for to contribute with the administration of the water
in Cariri has seen that the present moment of transition is delicate and conflicting, mainly in
the aspect of the dominium of the right of use of the water.
Keywords: Market of the Water, Batateira fountain, property rights.
16
1. INTRODUÇÃO
A gestão de recursos hídricos no Brasil é um processo dinâmico e novo. O país busca
caminhos para um adequado gerenciamento destes recursos desde o final dos anos de 1970.
Os modelos de gerenciamento mais discutidos e distintos entre si, a serem apresentados no
decorrer deste trabalho são: os prevalecentes no oeste dos Estados Unidos e no Chile – ambos
fundamentados nas forças de Mercado de Águas; o originado na França, em 1964, com base
na negociação que foi efetivamente adotada pelo Brasil.
Segundo Brito (2001), o Modelo de Negociação (Francês) considera a água
patrimônio comum da humanidade, defendendo uma organização planificada de seus usos,
enquanto que o modelo de Mercado de Águas é um instrumento de alocação que busca dar à
água um uso mais eficiente.
O Brasil instituiu um Modelo de Negociação (Francês) – por força da Constituição
Federal Brasileira de 1988 e da Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei n° 9.433, de 8 de
julho de 1997 – também adotado pelo Estado do Ceará através da Lei n° 11.996, de 24 de
julho de 1992, a qual passou a dispor que o domínio da água é público bem como que este é
um recurso natural limitado dotado de valor econômico; significando, portanto, que o usuário
deve pagar para utilizá-la. As leis dispõem que o uso dos recursos hídricos se sujeita à
outorga, ou seja, a uma licença concedida pelo órgão administrativo competente, o gestor das
águas.
Ainda que o Brasil mantenha o mencionado Modelo de Negociação, o mesmo não
ocorre na Chapada do Araripe, interior do Estado do Ceará. Nessa região, diferente do
restante do país, adota-se o modelo baseado no Mercado de Águas, cuja experiência será
abordada nesta dissertação. Esse modelo ainda se encontra em operação e os proprietários
continuam com títulos de direito de uso da água, negociando os mesmos no cartório público
da cidade do Crato. Historicamente, tal situação decorreu do fato de que as águas foram
partilhadas entre os proprietários de terras ali situadas, por documentos formalizados em
1855. Características do referido modelo e detalhes históricos serão melhor apresentados nos
capítulos seguintes. Porém, ora se adianta que dentre as regras estabelecidas entre
proprietários de terras ali situadas, está a possibilidade de: 1) vender a titularidade do direito
17
em caráter permanente; 2) vender por tempo determinado e por volume determinado
(CAMPOS; STUDART; COSTA, 2002).
Este fato ocorre porque a antiga ordem jurídica – artigo 8° da resolução provincial nº
640, de 17 de janeiro de 1854 – adotava um modelo de Partilha das Águas. Para Sabiá (2000)
esse modelo de partilha das águas foi instituído pelo juiz da comarca do Crato e que concedia
o direito de uso e posse das principais fontes. Dessa forma se estabeleceu um mercado de
águas controladas através de regras empíricas de monitoramento, servindo originalmente para
o uso na agricultura. Esse modelo de gerenciamento posteriormente foi adotado pelos demais
municípios do Cariri.
Cabe esclarecer que apesar da região do Cariri possuir várias nascentes de águas, a
Fonte Batateira, foi escolhida como objeto de nossa investigação pelo fato de possuir um
sistema de alocação de direitos de água formalizado e desenvolvido a partir de 1854 e ainda
existente até hoje. Kemper et al (1996) defende que nenhuma outra nascente parece ter um
sistema formalizado e bem desenvolvido que seja comparável ao da Fonte da Batateira.
De qualquer forma existem outros sistemas de alocação de direitos de águas
formalizados ou não naquela Região. O objetivo deste estudo não é generalizar os resultados
da Fonte Batateira, mas a partir da realidade desta e do ponto de vista do conhecimento de
alguns aspectos econômicos e legais possam todos os atores envolvidos na situação –
COGERH/Estado do Ceará, outros poderes constituídos, usuários de água com ou sem título
de propriedade do direito de uso, irrigantes, agricultores – vislumbrar que se trata de uma
situação especial, sui generis e que assim, deve ser considerada quando da implantação
efetiva das normas dispostas na Política Estadual de Recursos Hídricos. Para tanto se pretende
contribuir com a construção do modelo ideal de gestão para a Região do Cariri apresentando,
ao final do presente trabalho, alguns passos iniciais que se fundamentam em uma base teórica
que trata de planos de negociação que devem seguir uma ordem seqüencial, qual seja; a
ordem da negociação econômica, política direta, política administrativo e por último o plano
de negociação jurídica. Espera-se assim contribuir com a construção de um consenso que
melhor viabilize a transição do modelo tradicional – Mercado de Águas – para o atual Modelo
de Negociação entre o Estado do Ceará e usuários de águas do Cariri.
A construção deste consenso é valiosa haja vista que os usuários com título de
propriedade resistem em aceitar o domínio da água como bem público, sinalizando possíveis
conflitos com o Estado que, por sua vez, tenta executar as ações de gerenciamento de recursos
hídricos naquela região. A atual deterioração local da qualidade da água por agentes
18
poluidores, a cultura do desperdício da água, bem como os dados que apontam uma séria
escassez de água para os processos produtivos e para o consumo humano sinalizam por si só a
importância da questão.
Considerando ainda que o modelo Mercado de Águas adotado no Cariri – Fonte
Batateira – mantém-se em operação há mais de 150 anos, e que o direito de propriedade é um
arranjo institucional comum tanto naquele modelo quanto no Modelo de Negociação – ora em
construção no Estado do Ceará e no Brasil é que neste trabalho. Nessa perspectiva se visa
investigar se ainda existe espaço legal institucional para o Cariri-CE continuar dentro de uma
estrutura de mercado de direito de uso da água.
Pode-se adiantar que no presente momento de transição entre os dois modelos de
gestão, o aspecto que se afigura mais conflituoso e polemico diz respeito, principalmente, a
dominialidade do direito de uso da água, haja vista que no modelo de Mercado de Águas é
tido como pertencente aos particulares e no modelo de Negociação a dominialidade passa a
ser pública. Os proprietários que adquiriram os direitos de uso da água através de operações
de compra e venda ou por transferências de direito hereditários, registrados em cartório
público até recentemente, não aceitam que a nova ordem jurídica tenha deixado nas mãos
deles um simulacro de direito de propriedade sem qualquer conteúdo útil. Desenham-se aqui
dois interesses constitucionalmente protegidos: o direito de propriedade e o direito ao meio
ambiente - ecologicamente equilibrado.
Para melhor organização o escopo do presente trabalho está dividido em, além desta
Introdução:
o capítulo “DOMÍNIO DAS ÁGUAS NAS CONSTITUIÇÕES E
LEGISLAÇÕES INFRACONSTITUCIONAIS BRASILEIRAS” faz um levantamento
intertemporal de todas as constituições brasileiras procura descrever elementos que
esclareçam a questão da dominialidade das águas nas constituições brasileiras;
o capítulo “ASPECTOS RELEVANTES DA ATUAL LEGISLAÇÃO
HÍDRICA NACIONAL” discorre sobre os aspectos relevantes da atual legislação hídrica
nacional;
o capítulo “MODELOS DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS
APLICADOS EM DIVERSOS PAÍSES E NO BRASIL” apresenta e discute os modelos de
sistemas de gestão de recursos hídricos aplicados em determinados países e no Brasil;
19
o capítulo “FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS” demonstra a base
conceitual acerca do instituto da propriedade bem como relaciona os princípios da eficiência
econômica às questões da definição e da garantia dos direitos de propriedade; caracteriza a
área de estudo com informações da base física da região do Cariri e da Fonte Batateira;
o capítulo “ANÁLISE E DISCUSSÃO DO MODELO DE GESTÃO DA
ÁGUA NO CARIRI - CE” analisa e discute a experiência referente ao modelo de gestão da
água no Cariri-CE, especificamente, no município do Crato onde se localiza a Fonte Batateira,
abordando os aspectos físicos, antecedentes históricos, aspectos legais do direito de usos da
água, usos atuais e conflitos pelo direito de uso da água.
“CONCLUSÃO” exibe as conclusões desta pesquisa fazendo algumas
recomendações que, espera-se, sejam úteis e contribuam para o aperfeiçoamento do modelo
de gerenciamento de recursos hídricos no Estado do Ceará.
Objetivos
Tem-se como objetivo geral analisar a realidade da Fonte Batateira - Cariri - Ce e do
ponto de vista do conhecimento dos aspectos, econômicos e legais identificar o que fazer para
não entravar a implantação e construção do Modelo de Negociação que ora se encontra em
transição com um modelo tradicional - Mercado de Águas que já possui 150 anos de
existência.
Para tanto e ainda considerando a resistência de proprietários com títulos de direito
de uso da água em reconhecer o Estado do Ceará como o atual possuidor do domínio sobre o
direito de uso da água investiga-se no presente trabalho se os valores de comercialização do
direito de uso da água - praticados no mercado de águas da Fonte Batateira - são mais
vantajosos que os atualmente cobrados pela COGERH - instituição responsável pela execução
da Política de Recursos Hídricos do Estado do Ceará e, portanto responsável pela Outorga
para o uso da água - que se baseia em pedidos voluntários dos usuários – e a Cobrança;
investiga-se também se diante das atuais mudanças no sistema de alocação – existente desde
1854 – e sua adequação à nova legislação hídrica nacional e do Estado do Ceará,
caracterizadas por alterarem o domínio sobre direito de uso da água, geram insegurança
quanto aos direitos de propriedade e, qual a conseqüência dessa insegurança.
20
Espera-se assim, a princípio, apresentar alguns elementos que possam ser usados
como argumento nos fóruns de negociação que venham a ocorrer entre o Estado do Ceará e os
usuários de água com ou sem título. Acredita-se que dados concretos que demonstrem as
vantagens ou desvantagens financeiras de se possuir um direito que não se possa usufruir ou
que represente altos custos, seja privado, social ou ambiental poderá ser uma alternativa para
o início de um diálogo quando da implantação da tarifa de água. Espera-se apresentar ao
término das discussões, uma análise e recomendações que sirvam de base a uma possível
proposta na solução de conflitos pelo direito de uso da água entre o Estado do Ceará e
particulares (usuários com título de propriedade da água), bem como contribuir com o atual
Modelo de Negociação apontando aspectos da experiência desenvolvida no Cariri que possam
coexistir com o atual modelo que ora tenta-se implantar, se for o caso.
E quanto aos objetivos específicos, estes são voltados para:
a) apresentar o panorama do domínio das águas nas constituições federais
brasileiras anteriores e na atual, destacando os aspectos relevantes da atual legislação hídrica
em âmbito nacional, estadual e local (Cariri-CE);
b) identificar um quadro de tendências em termos quantitativos dos corpos
d´água, ao longo do tempo na área de estudo;
c) expor um quadro comparativo dos valores de comercialização do direito de uso
da água praticados no Mercado de Águas da Fonte Batateira e dos atuais valores cobrados
pela COGERH;
d) identificar problemas e conflitos decorrentes do direito de uso da água na
região estudada;
e) investigar a validade do modelo de partilha e uso das águas do corpo de água
da Fonte Batateira que forma o rio Batateira, no município do Crato, diante da nova ordem
jurídica brasileira.
Faz-se necessário ficar registrado nesse trabalho é que, não obstante o atual
ordenamento jurídico disponha sobre o domínio hídrico como público, portanto, de forma
diferente do que dispunha o ordenamento jurídico anterior é preciso cautela ao se definir
políticas ou ao se analisar a alocação e o uso de um recurso como a água na Região do Cariri
sob pena de uma transição de modelos tempestuosa.
21
2. DOMÍNIO DAS ÁGUAS NAS CONSTITUIÇÕES E LEGISLAÇÕES
INFRACONSTITUCIONAIS BRASILEIRAS
No Brasil, a nova constituição elimina completamente a anterior. Porém, as leis
ordinárias continuam válidas, sendo recepcionadas pela nova constituição, desde que com ela
não estejam em confronto (fenômeno da recepção). Melhor esclarecendo, as leis
incompatíveis com a nova constituição não são recepcionadas e perdem a sua eficácia de
modo definitivo.
2.1
Finalidade e sentido do domínio hídrico
A constituição
1
é norma de ordem superior que dispõe sobre a organização do
Estado, sobre direitos e garantias individuais e sobre assuntos considerados de especial
relevância para uma determinada sociedade, em determinada época. Como norma de ordem
superior, ela orienta todos os ramos do direito, invalidando as leis que com ela não estejam
em harmonia.
É inegável a importância da água na vida dos indivíduos, seja para a vida doméstica
seja para a economia, a exemplo do que ocorre com a geração de energia elétrica.
A importância do conhecimento dos preceitos fundamentais que informam a água
como bem público reveste-se de grande relevo na medida em que a nova ordem constitucional
alterou substancialmente o domínio das águas, extinguindo as águas particulares.
Atualmente a expressão “domínio público” não significa apenas o conjunto de bens
públicos, ou seja, os que “pertencem às pessoas jurídicas de direito público interno”, e “estão
sujeitos a regime especial oriundos das normas de direito público”. Vai mais além. Significa,
também, a “responsabilidade pela condução do gerenciamento das águas”.
Para Granziera (2003), o domínio da União ou dos Estados sobre os recursos hídricos
não se refere à propriedade de um bem imóvel ou objeto de registro próprio, mas decorre do
1
A Constituição costuma ser referida como Carta Magna, Lei Fundamental, Estatuto Básico, Lei das Leis, Lei
Maior – nomenclaturas essas que serão adotadas no presente trabalho.
22
próprio texto constitucional, significando a responsabilidade pela guarda e administração dos
mesmos e pela edição das regras a ele aplicáveis.
Segundo Pereira (1996) a valoração jurídica do elemento ambiental “água” é melhor
compreendida cientificamente quando se faz um levantamento intertemporal de todas as
constituições brasileiras e constata-se que a proteção hídrica é, agora, oponível contra o
interesse particular de qualquer espécie, inclusive ao direito de propriedade – que por sua vez
e nos termos da legislação constitucional brasileira, complementamos, deve se limitar ao
cumprimento de sua função social.
2.2 Constituição do Império de 25/03/1824
A Constituição Imperial do Brasil foi omissa em relação à tutela das águas. Os rios
eram considerados bens pertencentes à Coroa nos termos das Ordenações Filipinas. O item 22
do artigo 179, garantia “o direito de propriedade em toda sua plenitude” e estatuía que o
patrimônio privado poderia ser previamente indenizado se o bem público, legalmente
verificado, exigisse seu uso e emprego.
Como observa Granziera (2003) a propriedade do solo transmitia-se às riquezas do
subsolo, inclusive às águas, segundo a regra do direito comum de posse e propriedade.
2.3 Constituição Republicana de 24/02/1891
A Constituição de 1891 instituía em seu artigo 13, que era direito da União e dos
Estados legislarem sobre viação térrea e navegação interior e que tal direito seria regido por
lei federal. Todavia, não tratava da questão do domínio público.
O Código Civil – Lei n.º 3.071 de 1° de janeiro de 1916 – regulou basicamente o
direito de uso das águas, nos artigos 563 à 568, mas também não se referiu diretamente ao seu
domínio. A proteção fundou-se basicamente no direito de vizinhança (livro II, título II,
capítulo II, seção V) e na utilização da água como um bem essencialmente privado e de valor
econômico limitado. Assim, o usuário poderia utilizar as águas da forma que melhor o
aprouvesse, desde que fossem respeitados os direitos de vizinhança.
23
2.4 Constituição Republicana de 16/07/1934
A Constituição Federal de 1934 contém alguns dispositivos constitucionais fixando
domínio. O artigo 20 fixou o domínio da União sobre bens que à época a esta pertenciam. No
inciso II, determinou que
[...] os lagos e quaisquer correntes em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais
de um Estado, sirvam de limite com outros países ou se estendam a território
estrangeiro, pertenciam à União, assim como as ilhas fluviais e lacustres nas zonas
fronteiriças.
Destaque-se a preocupação constitucional com a exploração econômica das águas,
haja vista que reconheceu o valor econômico deste recurso, principalmente, como fonte de
energia elétrica, ao esclarecer que o aproveitamento industrial das águas e da energia
hidráulica dependeria de autorização ou concessão federal, na forma da lei (artigo 119).
No que se refere às minas e as demais riquezas do subsolo, bem como às quedas
d’água, estas constituíam propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou
aproveitamento industrial (artigo 118).
O Código das Águas – Decreto n° 24.634, de 10 de julho de 1934 – provém de um
modelo de gerenciamento de águas orientado por tipos de uso. O preâmbulo reflete o
pensamento da época da edição ao permitir ao Poder Público controlar e incentivar o
aproveitamento industrial das águas. Isso ocorreu devido à abundância dos recursos naturais
naquela época existentes. As águas foram tratadas como um dos elementos básicos do
desenvolvimento por serem matéria-prima para a geração de eletricidade, um subproduto
essencial da industrialização.
Conforme Antunes (2000), a diferença básica entre o Código Civil de 1° de janeiro
de 1916 e o Código de Águas, é que enquanto este enfoca as águas como recurso dotado de
valor econômico para a coletividade, aquele não reconhecia o real valor econômico desse
recurso e a sua regulamentação fundava-se principalmente no direito de vizinhança.
2.5 Constituição Republicana de 10/11/1937
Acentuam-se regras de ordem econômica com a nacionalização de indústrias básicas
(artigo 144).
24
No que se refere ao domínio das águas e à preocupação com a sua exploração
econômica, o legislador constitucional, na Carta Magna de 1937, deu o mesmo tratamento da
constituição antecessora.
De conformidade com o disposto no artigo 143, as quedas d’água constituíam
propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento industrial, os
quais dependiam de autorização federal, mesmo quando se tratasse de propriedade privada.
2.6 Constituição Republicana de 18/09/1946
Considerada a constituição mais liberal e moderna, posto que prestigia os princípios
democráticos, a separação dos Poderes, o federalismo e o municipalismo.
Alterou o direito anterior, no que diz respeito ao domínio hídrico, excluindo os
municípios da categoria de detentores de domínio das águas. Atribuiu à União, nos termos do
artigo 34, inciso I:
[...] os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio ou que
banhassem mais de um Estado, servissem de limite com outro país ou se
estendessem a território estrangeiro e bem assim as ilhas fluviais e lacustres nas
zonas limítrofes com outros países.
Atribuiu aos Estados, como consta no artigo 35, “os lagos e rios em terrenos de seu
domínio e os que tivessem nascente e foz em seu território”.
2.7 Constituições de 24/01/1967 e de 1969
Não trouxeram modificação no tratamento das águas em relação às disposições da
carta anterior. No artigo 168 da emenda constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, as
jazidas, minas e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituíam
propriedade distinta da do solo, para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial, que
dependiam de autorização ou de concessão.
25
2.8 Constituição de 1988
A constituição atual é a de 1988, considerada importante marco na história da
proteção ambiental no Brasil. A norma fundamental do sistema ambiental encontra-se no
artigo 225 que define:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencialmente à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
Neste dispositivo, observa-se claramente a mudança no tratamento tradicionalmente
dispensado pelas constituições anteriores. O legislador constitucional, na Carta de 1988,
apresenta uma ampla previsão que passa a nortear e delimitar o sistema jurídico ambiental
dedicando-lhe todo um capítulo, bem como tutelando e viabilizando uma gestão racional e
integrada dos recursos hídricos.
A água foi caracterizada como um recurso econômico de forma bastante clara e
importante, como se observa na leitura da constituição em debate
2
.
Com relação ao domínio, a Carta Magna de 1988, define que todas as águas
pertencem à União, aos Estados ou ao Distrito Federal, conforme sua localização, portanto,
com a correspondente extinção do domínio privado da água, anteriormente previsto no
Código das Águas – decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934.
Outros dispositivos constitucionais de 1988 tratam da dominialidade de todos os
corpos d´água como de domínio público
3
.
2
Conforme Constituição Federal Brasileira de 1988 artigos 20 (§ 1º, XII, b e XIX), 43 (§ 2º, IV e § 3º) e 176
(caput e § 1º).
3
Conforme Constituição Federal Brasileira de 1988 incisos III, VI, VII, IX § 1º do artigo 20 e também incisos I,
II, III, IV do artigo 26
26
3. ASPECTOS RELEVANTES DA ATUAL LEGISLAÇÃO HÍDRICA NACIONAL
3.1 No âmbito federal – Lei n.º 9.433/97: Política Nacional de Recursos Hídricos
Registre-se que o Estado de São Paulo, em 1991, e o Ceará, em 1992, anteciparam-se
à Lei Federal n.º 9.433, de 8 de janeiro de 1997, e instituíram os seus sistemas estaduais de
gerenciamento com políticas próprias, aprovando seus Planos Estaduais de Recursos Hídricos.
No caso específico do Ceará, isto ocorreu por meio da Lei Estadual n.º 11.996, de 24 de julho
de 1992, que não obstante ter sido introduzida no ordenamento jurídico estadual, antes da lei
federal, já havia adotado os mesmos princípios da lei federal que são
a bacia hidrográfica como unidade de gestão, através de um Plano de Bacia;
o reconhecimento da água como bem limitado e, portanto, finito e vulnerável;
o reconhecimento do valor econômico da água;
a gestão descentralizada e participativa;
a aceitação da água como bem natural de múltiplos usos, quebrando-se a hegemonia
de um setor de usuários sobre os demais.
A postura inovadora e de vanguarda na implementação de políticas e de
gerenciamento dos recursos hídricos, provavelmente justifica-se pela própria necessidade de
sobrevivência dos cearenses face às adversidades da natureza, pois o Ceará está localizado no
nordeste brasileiro e tem mais de 70% de seu território formado por rochas cristalinas, o que
dificulta a absorção e retenção de água no solo. O Estado possui uma precipitação média de
chuvas na ordem dos 900 mm (COSTA, 2003), sendo, portanto muito baixa, bem como
inexistem rios perenes entre outros aspectos.
Como bem lembra Garjulli (2001, p.107) o Estado do Ceará registra dois tipos de
seca: “a seca total”, que impossibilita a produção agrícola e a recarga dos açudes e “a seca
verde”, onde se tem a garantia de alguma produção agrícola, mas sem recarga para os açudes.
27
Com condições tão inóspitas, afigura-se que os poderes públicos foram obrigados a
buscarem instrumentos capazes de viabilizar a utilização mais racional de um recurso já
naturalmente tão escasso de forma mais técnica e urgente.
3.2 No âmbito estadual – Lei nº 11.996/92: Política de Recursos Hídricos do Estado do
Ceará
Com o advento da Lei n.º 11.996, de 24 de julho de 1992, foi introduzida no
ordenamento jurídico do Estado do Ceará sua Política de Recursos Hídricos, vista como
instrumento capaz de viabilizar a utilização mais racional da água no Estado, através do
Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos (SIGERH). Esta lei estabelece
mecanismos para que a água de domínio estadual seja gerenciada de forma integrada,
participativa e descentralizada.
Segundo Garjulli (2001b) a gestão participativa visa o gerenciamento dos recursos
hídricos armazenados de forma natural ou artificial; a tomada de decisões governamentais em
conjunto com a sociedade e os usuários; incentivar a ação e o interesse da sociedade e dos
usuários no uso sustentável da água e outras ações correlatas.
Dada a importância na implementação das políticas públicas e a garantia de água
necessária ao processo de desenvolvimento social e econômico do Estado do Ceará, foi criada
a Companhia de Gestão de Recursos Hídricos (COGERH), cuja missão é o gerenciamento dos
recursos hídricos superficiais e subterrâneos de domínio do Estado. A COGERH exerce
funções de caráter técnico e operacional e vincula-se à Secretaria dos Recursos Hídricos
(SRH), que por sua vez detém o poder de polícia sobre a água. Para Medauar (1995, p.45),
poder de polícia é “em essência, a atividade da administração que impõe limites ao exercício
de direitos e liberdades”.
3.2.1 Os instrumentos de gestão
Adotando o modelo francês de gerenciamento da água por bacia hidrográfica e
fundamentada em princípios básicos de descentralização, integração e participação dos
28
usuários na gestão dos recursos hídricos, a lei nº 11.996/92 prevê, dentre outros instrumentos
legais, a outorga de direito de uso dos recursos hídricos e a cobrança pelo uso da água.
3.2.1.1 Outorga de direito de uso
A competência para a emissão dos atos de outorga obedece a dominialidade
constitucionalmente estabelecida (artigos 20, III; 26, I c/c 32 § 1º CF/88); assim, a outorga
das águas superficiais é de competência da União, dos Estados e do Distrito Federal; e a das
águas subterrâneas, dos Estados e do Distrito Federal.
A outorga é o instrumento que legitima a cobrança do direito de uso da água e, no
caso do Estado do Ceará, a expedição da outorga tornou-se possível após o Plano Estadual de
Recursos Hídricos (PERH), quando se disponibilizaram dados da oferta e demanda de água,
pela condição legal imposta pela lei nº 11.996/92 e pelo decreto nº 23.067/94, que
regulamentam a outorga e aplicabilidade de sanções e infrações cometidas para os diferentes
usos da água. Vale salientar que o artigo 36 do decreto estadual mencionado estabelece a base
quantitativa para a concessão e outorga a partir de 2 m³/h, sendo insignificante qualquer
consumo abaixo deste.
Di Pietro (2001) afirma que a outorga de direito de uso de recursos hídricos é o ato
administrativo de autorização mediante o qual a autoridade outorgante faculta ao outorgado o
direito de uso de recurso hídrico por prazo determinado, que atualmente não excede a trinta e
cinco anos nos termos da Instrução Normativa nº 4 da SRH/MMA.
Para Kelman (1999), a outorga visa dar uma garantia quanto à disponibilidade de
água, assumida como insumo básico de processo produtivo, desta forma, a outorga tem valor
econômico para quem a recebe, na medida em que oferece garantia de acesso a um bem
escasso. Todavia, um grande complicador no processo de emissão de outorgas tem origem no
fato de que o conceito de “disponibilidade hídrica” admite diferentes formulações, porque a
vazão fluvial é uma variável aleatória, e não uma constante.
A função da outorga é ratear a água disponível entre as demandas existentes ou
potenciais, a fim de alcançar melhores resultados à sociedade. Estes poderão estar atrelados ao
crescimento econômico (abastecimento industrial), à eqüidade social (abastecimento público)
29
e à sustentabilidade ambiental (manutenção da vazão mínima do curso de água – vazão
ecológica).
Segundo Teixeira (2003) a implantação da outorga no Estado do Ceará tem se
deparado com o entrave da resistência dos usuários em solicitá-la, em virtude da relação que
este instrumento tem com a cobrança.
3.2.1.2 Cobrança pelo uso da água
Quanto ao instrumento da cobrança pelo uso da água bruta, este encontra previsão na
Lei n° 11.996, regulamentada através do decreto n.º 24.264, de 12 de novembro de 1996,
tendo passado por alterações através dos decretos n.º 24.870, de 1º de abril de 1998 e n.º
25.461, de 24 de maio de 1999, que tem como principais objetivos o reconhecimento da água
como um bem econômico dando aos usuários uma indicação do seu real valor; estimulação do
uso racional, na medida em que diminui o desperdício e aumenta a eficiência do seu uso;
arrecadação de recursos financeiros para custear as despesas com o gerenciamento, a operação
e a manutenção da infra-estrutura hídrica.
A Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH) é a instituição
competente para efetuar a cobrança da tarifa referente ao uso dos recursos hídricos do Estado
do Ceará.
A participação da sociedade na gestão dos recursos hídricos é garantida através dos
Comitês de Bacias Hidrográficas e as comissões e associações de usuários de água.
Os Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs) são colegiados compostos por
representantes de vários segmentos afetados direta ou indiretamente pela gestão dos recursos
hídricos. No Estado do Ceará, a Composição dos colegiados foi regulada pelo decreto n.º
26.462/2001, com 30% das vagas para usuários, 30% para a sociedade civil e 40% para os
Poderes Públicos, sendo a metade para Estado e União e a outra metade para os municípios da
bacia respectiva. Segundo a Lei n.º 11.996/92, os CBH’s são parte integrante do SIGERH
(Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Estado do Ceará).
Para Teixeira (2003) a gestão participativa mudou a condição do usuário – antes
beneficiário passivo – para co-gestor, tomando decisões no gerenciamento da oferta, do uso e
na preservação dos recursos hídricos.
30
4. MODELOS DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS APLICADOS EM
DIVERSOS PAÍSES E NO BRASIL
De acordo com Kemper (1997), os modelos de gestão de recursos hídricos mais
relevantes em todo o mundo e distintos entre si, são os fundamentados nas forças de Mercado
de Águas prevalecentes no oeste dos Estados Unidos e no Chile e o de Negociação, originado
na França.
4.1 Requisitos institucionais entre os modelos de Negociação e do Mercado de Águas
Para Kemper (1997) o Modelo de Negociação deve possuir os seguintes requisitos
institucionais: direitos de propriedade de águas intransferíveis; regras para impactos sobre
terceiros; autoridade administrativa; mecanismos de negociação coletiva; mecanismos de
fiscalização; associação de usuários; sistema de distribuição física da água; e sistema de
monitoramento e medição.
No Modelo Mercado de Águas Kemper (op. cit.) e também Campos e Simpson
(2001), apontam como requisitos institucionais: direitos de propriedade de água transferíveis;
regras para impactos sobre terceiros; autoridade administrativa; mecanismos de fiscalização;
associação de usuários; sistema de distribuição física de água; sistema de monitoramento e
medição.
Ainda quanto à distinção entre os dois modelos, Brito (2001, p.32) entende e
concorda que “no Modelo de Negociação os direitos de propriedade da água são
intransferíveis enquanto no modelo de mercado, os proprietários comercializam-no, buscando
maior eficiência”. E ainda quanto aos mecanismos de negociação coletiva, destaca “que estes
são existentes no Modelo de Negociação e não são necessários no modelo de mercado, uma
vez que o proprietário da água negocia individualmente” (Ibidem).
Quanto às vantagens dos mercados de direitos de água comercializáveis, Rosegrant e
Binswanger (1994, p.67) afirmam que:
[...] direitos comercializáveis bem definidos formalizam e asseguram aos produtores
os seus atuais direitos de propriedade da água; podem poupar custos de transações;
induzem os usuários da irrigação a considerar todo o custo de oportunidade da água;
31
e incentivam os usuários da irrigação a internalizar e reduzir muitas das
externalidades negativas inerentes à irrigação.
\na concepção de Thobani (1994), o Mercado de Água aberto pode aumentar a
produtividade do uso do recurso, ou seja, incrementar o valor da produção com o uso de
determinada quantidade de água. Para ele, o modelo de mercado pode ajudar a reduzir a
degradação de terras, promover o desenvolvimento do setor privado dos recursos hídricos,
aumentar a capacidade de sustentação dos investimentos hidráulicos, fortalecer a
aplicabilidade de leis sobre a qualidade de águas e também aumentar o acesso dos pobres à
água.
O autor aponta que a diminuição da degradação das terras seria alcançada nos casos
em que um determinado usuário tem acesso à água com abundância e um outro usuário
necessita de parte dessa água. Seus argumentos fundamentam-se na possibilidade de que se o
proprietário tivesse incentivos para vender parte dessa água, não a usaria em demasia nas suas
terras, determinando assim a redução da saturação e salinização do solo.
As demais vantagens de um modelo de comercialização de águas são justificadas
pelo autor através da concessão de titularidade da água que eles utilizam. Essa garantia de
titularidade promove o investimento privado em projetos do setor, reduzindo as incertezas no
acesso e no direito de negociação. Nas palavras do autor: “direitos bem definidos gerarão
menor número de controvérsia entre usuários atuais, resultando também em menor número de
conflitos entre atuais e novos usuários” (THOBANI, 1994, p. 82.).
Quanto às desvantagens, o custo de transação alto – em comparação ao potencial de
lucro – é o principal argumento apontado por aqueles que são contrários à política de
mercado. Entende-se que para estabelecer o mercado e operacionalizá-lo seriam necessários
investimentos elevados em infra-estruturas legais, reguladoras e institucionais, e de operações
(incluindo o deslocamento) vez que somente assim estaria assegurado aos compradores e
vendedores a segurança em valores e quantidades.
Outro argumento seria a externalidade negativa causada pelo efeito da
comercialização de águas com terceiros.
O receio maior dos opositores ao modelo é que o mercado apresente monopólio por
parte das grandes empresas comerciais que buscam lucros em seus negócios e isto dificulte o
acesso dos menos favorecidos. Porém, Thobani (1994) lembra que embora o fator econômico
seja muitas vezes utilizado como justificativa contrária à implantação do Mercado de Águas,
32
o fator político tem sua parcela de contribuição. A oposição ideológica é importante, já que o
recurso é dado pela natureza e que as leis de oferta e procura não determinam a alocação e uso
eqüitativo. Entretanto, o que se observa é que a escassez de água é crescente em todo mundo e
que urge a regulamentação, a reeducação e o condicionamento do uso correto do recurso.
4.2 O Mercado de Águas
4.2.1 Nos Estados Unidos – EUA
Considerando o sistema federativo, cada Estado americano possui sua própria
legislação relativa à repartição, distribuição, utilização e administração da água em seu
território, cabendo ao governo federal competências específicas, como as ligadas à navegação,
controle de cheias e aos terrenos federais, que correspondem a aproximadamente um terço do
território.
A gestão de águas nos Estados Unidos é marcada pela diversidade de entidades
envolvidas, atuando de acordo com as especificidades locais. A legislação de cada Estado
também atende às especificidades regionais e aos costumes estabelecidos, especialmente em
relação aos direitos da água.
O território dos Estados Unidos apresenta-se dividido em duas partes com
características fisiográficas e climáticas bem diferenciadas. A região leste do Mississipi,
correspondente a um terço da superfície total, tem clima úmido, enquanto que a região a oeste
– correspondente a dois terços do total – tem clima árido e semi-árido, à exceção da região
costeira que tem clima úmido. Essa diversidade levou à adoção de duas doutrinas diferentes
no que diz respeito ao direito das águas superficiais, um para cada parcela do território.
Na parte leste, com maior abundância de água, adotou-se a doutrina dos direitos
ribeirinhos ou direitos ripários, ou seja, os proprietários ribeirinhos detinham o direito de uso
da água. Essa doutrina se manteve em prática enquanto as demanda eram muito inferiores às
disponibilidades hídricas. A partir do estabelecimento de usos competitivos, surgiu a
necessidade de uma regulamentação através da concessão de licenças de utilização da água,
de acordo com a racionalidade dos usos em competição, sendo criado instrumentos
33
reguladores para isso. Esse sistema trata a água como uma propriedade pública, ao invés de
propriedade comum ou privada.
Nem todos os Estados do leste adotaram este sistema regulamentado. Em cerca de
metade dos Estados desta região permaneceram os direitos ripários da forma original,
baseados somente na posse da terra ribeirinha. Nesse caso, os conflitos entre usuários são
julgados nos tribunais, baseados nos ditos “usos razoáveis” da água, o que se afigura pode
implicar em prejuízos para os usuários com menos condições financeiras para arcar com
processos judiciais.
Os Estados à oeste do Mississipi com escassez de água adotaram a doutrina de
apropriação prévia, privilegiando os usuários estabelecidos antes dos demais. Essa prática se
desenvolveu primeiramente na Califórnia, durante a expansão para oeste, quando os
desbravadores, não encontrando a quantidade de água necessária para suas práticas
mineradoras, eram obrigados a arcar com os investimentos necessários para construir canais e
outros dispositivos a fim de obter a água. A propriedade da terra não era relevante, já que de
fato todos eram invasores das terras do Estado. Dessa forma, se desenvolveu a doutrina de que
o primeiro explorador da água, independente da propriedade da terra, tinha prioridade em
relação aos demais usuários, encarando-se assim a água como uma propriedade privada.
Atualmente este sistema está formalizado num sistema de concessão de licenças por agências
estaduais, com a finalidade de controlar a quantidade máxima utilizada de água e prevenir
sérios conflitos entre usuários.
Na opinião de Matthews (1994 apud LEAL, 1998) a aplicação dessa doutrina,
priorizando o benefício e o interesse individuais dos usuários, e sem julgar se a água está
sendo usada proveitosamente do ponto de vista social, tem dificultado a gestão integrada dos
recursos hídricos.
A evolução dessa prática, aliada à crescente demanda e conseqüente escassez de
água, deu oportunidade ao surgimento de um Mercado de Águas, onde direitos de uso da água
são negociados independentemente da propriedade das terras.
Conforme afirmam Campos e Simpson (2001), o Mercado de Águas é um
instrumento de alocação e realocação de águas que busca dar à água um uso mais eficiente.
Apesar de não serem muito desenvolvidos se destacam nos EUA seis Estados onde se
estabeleceram Mercados de Água: Arizona, Califórnia, Colorado, Nevada, Novo México e
34
Utah. De acordo com Saliba e Bush (1987 apud LEAL, 1998), pode haver também
transferências entre bacias hidrográficas e entre mercados.
Essa diversidade de características se traduziu em instrumentos legais diferenciados
em cada Estado de acordo com a doutrina adotada. Recentemente se vem desenvolvendo um
projeto de um Código de Águas do Estado, que possa contemplar toda essa diversidade,
reunindo num só documento os instrumentos reguladores utilizados. A tendência é modificar
a doutrina de apropriação prévia, buscando facilitar uma gestão integrada visando o interesse
público. De acordo com o novo modelo, as transferências de direitos seriam submetidas à
aprovação do Estado, estabelecendo-se revisões periódicas e critérios mais rigorosos para
permissão, de acordo com os interesses públicos.
4.2.2 No Chile
O Chile apresenta uma ampla variação climática, desde ártico sul, até o árido norte.
Seus rios são pouco caudalosos e suas águas provenientes principalmente das chuvas de
inverno e do derretimento das neves na primavera e verão.
A contaminação dos rios pelos centros urbanos, indústrias, mineração e áreas
agrícolas é um problema crescente. A falta de coordenação entre as diferentes entidades
relacionadas com a qualidade da água agrava o problema.
O uso preponderante da água é a irrigação, havendo assim conflitos entre diferentes
setores usuários devido à quase totalidade dos seus rios se encontrarem esgotados. A gestão
dos recursos hídricos é setorial, sendo o setor de irrigação o mais forte devido à sua tradição
no país. Os recursos de água superficial e subterrânea são gerenciados separadamente. Desde
1990 o abastecimento urbano, anteriormente de responsabilidade do Ministério de Obras
Públicas, é efetuado por companhias privadas regionais.
O marco legal sobre recursos hídricos é o Código de Águas de 1981. Nele são
estabelecidas as bases para Associações de Usuários que se organizam da seguinte forma:
uma Comunidade de Água que consiste em dois ou mais possuidores de um
direito de água num sistema comum de irrigação e drenagem;
uma Associação de Canalistas congrega várias Comunidades de Água e
permite a seus membros tomar créditos coletivos;
35
uma Junta de Vigilância congrega várias Associações de Canalistas num rio ou
trecho de rio, associando usuários de água que dependem de um curso d’água natural comum
(pessoas, entidades públicas, associações de irrigantes, Comunidades de Água ou qualquer
outra entidade que utilize a água da mesma bacia), administrando e distribuindo água entre
seus membros, mantendo infra-estrutura comum e construindo novas obras.
A Confederação dos Canalistas – entidade legalmente reconhecida desde 1949 –
incorpora todas essas entidades citadas além de outras organizações legalmente constituídas,
representando a maioria do sistema nacional de canais. Todas essas instituições são voltadas
prioritariamente ou exclusivamente para a irrigação, não se configurando um sistema de
gestão integrado com outros usos.
O Chile se destaca por ter seu direito de uso da água negociados em mercado. O
Código de Águas especifica que todas as águas são de domínio público, porém reconhece o
direito de uso e posse da água, considerado como um direito civil por si mesmo, independente
da terra, estando os usuários livres para comprá-lo ou vendê-lo, segundo as leis do mercado.
Para cursos d’água ainda não esgotados, novos direitos são outorgados pelo Estado.
Em caso de solicitações simultâneas, os usuários apresentam propostas competitivas. A partir
do esgotamento dos direitos outorgáveis pelo Estado se estabelecem os mecanismos de
mercado com negociações entre usuários.
São distinguidas três classificações de direito de uso no Código de Águas:
consuntivo e não-consuntivo; permanente e eventual; contínuo e descontínuo – de uso
alternado entre os usuários.
O direito consuntivo autoriza um determinado consumo de água, enquanto o não-
consuntivo autoriza somente a utilização, requerendo a devolução ao curso d’água segundo
condições específicas.
O direito permanente permite sua utilização todo o tempo, repartida entre os demais
usuários que também tenham direito de uso permanente, enquanto que o direito eventual só
permite sua utilização quando há excedente de água após sua utilização pelos detentores de
direitos permanentes.
Um direito contínuo permite sua utilização ininterrupta durante todo o dia, enquanto
um direito descontínuo limita sua utilização a certos períodos e o alternado se distribui de
forma rotativa entre usuários ao longo do tempo.
36
A existência de um Mercado de Direitos de Água favorece a descentralização das
decisões quanto aos usos da água e a modulação entre usos mais e menos rentáveis através da
auto-regulação do mercado. Por outro lado, vislumbra-se a possibilidade de levar a
desequilíbrios como o acúmulo de direitos na mão de poucas pessoas ou empresas de setor
privado, que nem sempre visam uma utilização produtiva dos recursos hídricos e que carecem
de considerações sociais, levando aos menos especulativos prejuízos graves para os setores
mais pobres da população.
4.3 O Modelo de Negociação
4.3.1 Na França
Conforme Sironneau (1992) a França ocupa uma área de 543.965 km² e situa-se
numa zona temperada, com contrastes sazonais e regionais em suas condições climáticas que
refletem no seu regime hídrico irregular. Somente três quintos de seu território são
contemplados com aqüíferos e recebe uma precipitação média anual de cerca de 800 mm, que
alimenta uma densa rede hidrográfica de 260.000 km de cursos d’água. Sua população de
mais de 56 milhões de habitantes, conta com uma disponibilidade hídrica per capita de 3.500
m³ anuais, o que o coloca em sétimo lugar dentre os países da Comunidade Econômica
Européia.
A França é um país de regime unitário. Essa particularidade possibilita a existência
de leis únicas que se aplicam em todo o território nacional, além de surgirem menos conflitos
de atribuições entre unidades administrativas do país, como ocorre com freqüência nos países
federativos. No campo dos recursos hídricos, a França possui dois marcos legais
fundamentais: a Lei n.º 62-1245, de 6 de dezembro de 1964 (referente ao regime e à
distribuição das águas e à luta contra a sua poluição), decretos de regulamentação
subseqüentes, e a Lei n.º 92-3, de 3 de janeiro de 1992 (relativa à gestão integrada de recursos
hídricos).
Nesse modelo supõe-se que a gestão da bacia hidrográfica é feita pelos Comitês de
Bacia, com o apoio das Agências de Água, que dão suporte técnico aos formadores do comitê
(usuários, sociedade civil, ONGs) e são responsáveis pela operação e manutenção do sistema.
37
A alocação dos recursos é concedida pela agência técnica e os Comitês de Bacia negociam
preços, discutindo os valores entre si.
Os Comitês de Bacias (em número de seis, um em cada bacia) são órgãos consultivos
colegiados que reúnem representantes dos usuários, da coletividade e do Estado. As Agências
de Bacias, também em número de seis, são estabelecimentos públicos, de caráter
administrativo e com autonomia financeira. São os órgãos executivos que aplicam a política
estabelecida pelo comitê através do programa de intervenção. Os comitês e agências não têm
funções regulamentares ou de polícia as quais continuam como prerrogativas do Estado.
A França desenvolveu um modelo de gerenciamento de recursos hídricos, conhecido
como “Modelo de Negociação” ou “Modelo Francês”. Instituído desde 1964
(GUSTAFSSON, 1989 apud KEMPER, 1997), tem como fonte de recursos a cobrança pelo
uso e pelo despejo. A legislação pressupõe a aplicação do princípio do usuário-pagador e
poluidor-pagador, permitindo às agências que:
[...] exijam contribuições das pessoas públicas ou privadas que tornam a intervenção
da agência necessária ou útil, seja porque contribuam para a deterioração da
qualidade da água, seja porque efetuem retiradas nos recursos em água, seja porque
modifiquem o regime das águas em todo ou em parte da bacia. Podem igualmente
ser reclamadas contribuições das pessoas públicas ou privadas que se beneficiam
com os trabalhos ou obras executadas com o concurso da agência (Decreto n.º 75-
998, de 28 de outubro de 1975).
Portanto, a legislação permite cobrança sobre todos os usos, consuntivos ou não, e
ainda de usuários que acentuem impactos negativos ou de beneficiários de obras, muito
embora até o momento só haja cobrança sobre o consumo ou sobre lançamento de poluentes.
Os instrumentos econômicos, aplicados pelas agências, coexistem com os instrumentos de
comando e controle de responsabilidade do Estado.
O regime unitário francês facilita a aplicação de leis únicas em todo o território.
Observa-se que os aspectos mais relevantes são a sua organização institucional estabelecida
uniforme e formalmente em todo o país, tendo como unidade de gestão as seis bacias
hidrográficas; e a aplicação do princípio usuário-pagador para financiar as intervenções
necessárias. A peculiaridade deste princípio é a negociação entre usuários e os órgãos gestores
para o estabelecimento das metas ambientais para cada bacia, a partir das quais são estimados
os custos de recuperação decorrentes e as respectivas taxas a serem cobradas aos usuários.
38
Este regime diferencia-se do adotado nos Estados Unidos, onde há grande autonomia nos
Estados, proporcionando legislações diferenciadas de acordo com suas particularidades.
Conforme já destacado no item anterior, face às especificidades regionais dos EUA,
surgiram duas doutrinas para os direitos de água: doutrina dos direitos ribeirinhos, nos
Estados do leste, e doutrina de apropriação prévia, no oeste semi-árido, onde se estabeleceu
um Mercado de Direito de Águas.
O Brasil não dispõe de um sistema de gestão integrada bem estruturado, contando
com múltiplas agências regionais (federais, estaduais, mistas) envolvidas com a gestão de
recursos hídricos de acordo com as especificidades de cada região, havendo inclusive
superposição de atribuições (CEARÁ, 1998).
Coerente com a cultura do país, a ação do Estado é limitada e procura apenas
disciplinar a prática da comunidade traduzida em códigos legais. Em relação à qualidade da
água há uma estrutura mais rígida comandada pela Environmental Protection Agency – EPA.
Essa abordagem não tem facilitado uma gestão integrada e que vise ao interesse público, o
que tem motivado o desenvolvimento, ora em curso, de um novo Código de Águas que
modifique principalmente a abordagem sobre os direitos da água.
4.4 Características principais das experiências internacionais sobre os sistemas de gestão
dos recursos hídricos
A diversidade de características físicas, políticas, culturais e econômicas, entre
outras, levou a diferentes sistemas de gestão nos países apontados. É possível destacar alguns
pontos principais da experiência de cada país, resumidos no quadro sinóptico, Quadro 1, a
seguir.
39
Quadro 1 – Características principais das experiências internacionais sobre Sistemas de
Gestão Recursos Hídricos.
País
Sistema
França Estados Unidos Chile
Sistema Federativo Não Sim Não
Unidade de Gestão Bacia Estado
Gestão Integrada ou Setorial Integrada Setorial Setorial
Órgão Técnico responsável pela
integração
Agências de Água
Órgão colegiado com participação
dos usuários
Comitês de Bacia Não Não
Coordenação Administrativa
Nacional
Comitê Interministerial
para o Meio Ambiente
Ministério
de Obras
Públicas
Entidade Nacional responsável pelo
Sistema
Direção de Águas do
Ministério do Meio
Ambiente
– –
Entidade com Poder de Polícia DIREN
EPA
(qualidade)
Serviços Públicos
Princípio Usuário Pagador (Taxação) Sim Sim Não
Mercado de direito de uso Não Sim Sim
Planos Nacionais Sim
Fonte: Bourlon (1996 apud LEAL, 1998) – adaptação da pesquisadora.
4.5 O Modelo de Negociação implantado no Brasil
Para Teixeira (2003) as discussões sobre a proposta de um sistema nacional de
gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil, surgiram em 1987 no âmbito da Associação
Brasileira dos Recursos Hídricos (ABRH), quando da realização do Simpósio Nacional de
Salvador, e prosseguiram durante os encontros promovidos pela referida entidade em Foz do
Iguaçu, em 1989, e no Rio de Janeiro, em 1991.
Os resultados dessas discussões estão contidos em cartas aprovadas pela Assembléia
Geral da ABRH, rotuladas com os nomes das cidades nas quais ocorrem os encontros, por
exemplo: Carta de Salvador, Carta de Foz do Iguaçu, Carta do Rio de Janeiro. Através destes
documentos, pode-se acompanhar a evolução dos debates referentes aos aspectos
institucionais da gestão dos recursos hídricos.
Finalmente, após dezenas de encontros e seminários realizados em vários locais do
país, em 8 de janeiro de 1997, o presidente da República sancionou a Lei nº 9.433 que define
a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de
40
Recursos Hídricos. Trata-se de uma lei avançada e importante para a ordenação territorial do
país, mas implica mudanças consideráveis no que diz respeito aos administradores públicos e
aos usuários, já que requer receptividade ao processo de constituição de parcerias.
Dentre as principais inovações introduzidas pela lei, está o estabelecimento dos
instrumentos da gestão que devem ser utilizados para viabilizar a implantação da Política
Nacional de Recursos Hídricos:
os planos de recursos hídricos;
o enquadramento dos corpos de água em classes de usos preponderante;
a outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos;
a cobrança pelo uso dos recursos hídricos;
a compensação aos municípios;
o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos.
Conforme ainda observa Teixeira (2003), a principal dificuldade observada nos anos
subseqüentes à aprovação da Lei n.º 9.433, se referia ao arranjo institucional do Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos que carecia de um órgão com a atribuição
executiva de implementar à Política Nacional de Recursos Hídricos. Concluiu-se que um
sistema baseado quase que exclusivamente na ação dos Comitês de Bacias não poderia se
estruturar para atender atividades essencialmente técnicas, como a concessão de outorgas, ou
mesmo para a implementação de sistemas complexos de cobrança pelo uso da água. Visto a
necessidade, após discussões em diferentes níveis do Governo Federal e no meio técnico, em
17 de julho de 2000, o presidente da República sancionou a Lei n.º 9.984, criando a Agência
Nacional de Água (ANA), uma agência governamental na forma de autarquia sob regime
especial para o desenvolvimento do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos.
A ANA, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e dotada de autonomia
administrativa e financeira, tem o objetivo de disciplinar a utilização dos recursos hídricos, de
forma a controlar a poluição e o desperdício, para garantir a disponibilidade das águas para as
gerações futuras.
Desta forma, o Brasil adotou o Modelo de Negociação ou “Modelo Francês”, como o
ideal para o gerenciamento dos recursos hídricos. Este se baseia numa lei que privilegia o
41
consenso e a negociação entre os usuários e ainda busca a gestão integrada dos recursos
hídricos, tem a bacia hidrográfica como unidade de planejamento, bem como todo o
ordenamento jurídico adota os princípios de direito ambiental que são denominados poluidor-
pagador e usuário-pagador. O princípio poluidor-pagador inspirou-se na teoria econômica
segundo a qual os custos sociais externos que acompanham a produção industrial devem ser
internalizados, isto é, tomados em conta pelos agentes econômicos nos seus custos de
produção.
O princípio usuário-pagador é fundado no entendimento de que os recursos
ambientais existem para o benéfico de todos. Assim, todos os usuários sujeitam-se à aplicação
dos instrumentos econômicos estabelecidos para regular o uso. Seria o pagamento pelo uso
privativo de bem público, em detrimento dos demais interesses.
4.5.1 Arranjo legal e institucional de gestão dos recursos hídricos do Estado do Ceará
A Lei n.º 11.996, de 24 de julho de 1992, instituiu a Política Estadual de Recursos
Hídricos e apresenta os seguintes princípios fundamentais:
I – o gerenciamento dos recursos hídricos deve ser integrado, descentralizado e
participativo, sem a dissociação dos aspectos qualitativos e quantitativos,
considerando as fases aérea, superficial e subterrânea do ciclo hidrológico;
II – a unidade básica a ser adotada para o gerenciamento dos potenciais hídricos é a
bacia hidrográfica, como decorrência de condicionante natural que governa as
interdependências entre as disponibilidades e as demandas de recursos hídricos em
cada região;
III – a água, como recurso limitado que desempenha importante papel no processo
de desenvolvimento econômico e social, impõe custos crescentes para sua obtenção,
tornando-se um bem econômico de expressivo valor, decorrendo que:
- a cobrança pelo uso da água é entendida como fundamental para a
racionalidade de seu uso e conservação e instrumento de viabilização de
recursos para o seu gerenciamento; e
- o uso da água para fins de diluição, transporte e assimilação de esgotos
urbanos e industriais, por competir com outros usos, deve ser também
objeto de cobrança;
- sendo os recursos hídricos bens de usos múltiplos e competitivos, a outorga
de direitos de seu uso é considerada instrumento essencial para o seu
gerenciamento.
42
O Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos (SIGERH) estabelecido pela
Lei n.º 11.996/92, visa à coordenação e execução da Política Estadual de Recursos Hídricos,
bem como a formulação, atualização e execução do plano Estadual de Recursos Hídricos. O
SlGERH congrega instituições estaduais, federais e municipais, intervenientes no
planejamento, administração e regulamentação dos recursos hídricos (sistema da gestão);
órgãos responsáveis pelas obras e serviços de oferta, utilização e preservação dos recursos
hídricos (sistemas afins); entidades encarregadas por serviços de planejamento e coordenação
geral, incentivos econômicos e fiscais, ciência e tecnologia, defesa civil e meio ambiente
(sistemas correlatos); bem como aqueles organismos representativos dos usuários de águas e
da sociedade civil. Desse modo, a estrutura do SIGERH é a apresentada a seguir:
Conselho de Recursos Hídricos do Ceará – CONERH;
Comitê Estadual de Recursos Hídricos – COMIRH;
Secretaria dos Recursos Hídricos – órgão gestor;
Fundo Estadual de Recursos Hídricos – FUNORH;
Comitê de Bacias Hidrográficas – CBHs;
Comitê das Bacias da Região Metropolitana de Fortaleza – CBRMF;
Instituições estaduais, federais e municipais responsáveis por funções hídricas.
Passados mais de dez anos do estabelecimento da Lei n.º 11.996/92, o projeto de uma
nova lei de recursos hídricos, discutido com os Comitês de Bacias e aprovado pelo Conselho
Estadual, encontra-se pronto para ser enviado à Assembléia Legislativa Estadual. A nova Lei
deverá buscar compatibilizar a legislação estadual de recursos hídricos com a Lei Federal n.º
9.433/97 e com a lei de criação da COGERH, ambas estabelecidas em datas posteriores à Lei
n.º 11.996/92.
A Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará (COGERH) foi instituída
pela Lei n.º 12.217, de 18 de novembro de 1993, como entidade da administração pública
indireta, dotada de personalidade jurídica própria, organizada sob a forma de sociedade
anônima de capital autorizado.
A COGERH tem por finalidade gerenciar a oferta dos recursos hídricos constantes
dos corpos d’água superficial e subterrânea de domínio do Estado, visando a equacionar as
questões referentes ao seu aproveitamento e controle. Para tanto, opera, diretamente ou por
43
subsidiária, ou ainda por pessoa jurídica de direito privado, mediante contrato, realizado sob
forma remunerada, objetivando assim:
- desenvolver estudos visando a quantificar as disponibilidades e demandas das
águas para múltiplos fins;
- implantar um sistema de informações sobre recursos hídricos, através da coleta
de dados, estatística e cadastro de usos da água, tendo em vista subsidiar as tomadas de
decisões;
- desenvolver ações no sentido de subsidiar o aperfeiçoamento do suporte legal
ao exercício da gestão das águas, consubstanciado na Lei nº 11.996, de 24 de julho de 1992;
- criar intervenções que preservem a qualidade das águas, de acordo com os
padrões requeridos para usos múltiplos;
- adotar a bacia hidrográfica como base e considerar o ciclo hidrológico em
todas as suas fases;
- implementar ações para que a gestão dos recursos hídricos seja descentralizada,
participativa e integrada em relação aos demais recursos naturais;
- realizar outras atividades que, direta ou indiretamente, explícita ou
implicitamente, digam respeito aos seus objetivos.
De acordo com as suas atribuições contidas na Lei n.º 12.217/93, a COGERH tem
exclusivamente as funções da gestão dos recursos hídricos. Associado à Secretaria de
Recursos Hídricos do Estado do Ceará, que exerce a coordenação da gestão e o poder de
polícia sobre as águas, essa companhia desempenha o papel de órgão executivo do
gerenciamento dos recursos hídricos estaduais. Dessa forma, não apresenta
incompatibilidades no desenvolvimento das funções hídricas.
No caso da COGERH, a personalidade jurídica de companhia propicia à entidade
maior autonomia administrativa e financeira para exercer a função de órgão executivo da
gestão de água, possuindo receita própria, oriunda da cobrança pela utilização dos recursos
hídricos, sem precisar se submeter aos excessivos controles da burocracia pública.
Para atender aos princípios da descentralização e participação na gestão dos recursos
hídricos das 11 (onze) regiões hidrográficas do Ceará, a COGERH está estruturada com uma
sede na cidade de Fortaleza e 8 (oito) gerências de bacias distribuídas pelo Estado. Dentre
essas se encontra instalada a gerência da cidade do Crato desde o ano 2000, exercendo dentre
outras funções, o papel de secretaria executiva do comitê.
44
4.5.2 Expedição da outorga no Estado do Ceará
Para Lanna (1997) a outorga é um instrumento jurídico pelo qual o Poder Público
confere ao administrado a possibilidade de se usar privativamente um recurso ou bem público.
A competência para a emissão dos atos de outorga obedece a dominialidade
constitucionalmente estabelecida – artigos 20, III; 26, I c/c 32 § 1º CF/88. A outorga das
águas superficiais é de competência da União, dos Estados e do Distrito Federal; e, a das
águas subterrâneas, dos Estados e do Distrito Federal.
A outorga é o instrumento que legitima a cobrança do direito de uso da água. No
caso do Estado do Ceará, a expedição da outorga tornou-se possível após o Plano Estadual de
Recursos Hídricos (PERH) quando se disponibilizaram dados da oferta e demanda de água,
pela condição legal imposta pela Lei n.º 11.996/92 e pelo Decreto n.º 23.067/94 que
regulamenta a outorga e aplicabilidade de sanções e infrações cometidas para os diferentes
usos da água.
4.6 Resumo dos requisitos institucionais para os modelos de Mercado e de Negociação
Arranjos institucionais são estruturas dentro das quais ocorrem as decisões.
Analisado o Modelo de Negociação e o Mercado de Águas se percebe que os requisitos
institucionais que influenciam a alocação e o uso dos recursos hídricos para os dois modelos
são bastante semelhantes. Para destacar os diferenças e pontos similares entre os arranjos
institucionais referente aos dois modelos mencionados, apresenta-se a seguir um resumo
(Quadro 2):
45
Quadro 2 – Resumo sobre os pontos similares entre Modelo de Negociação e o Mercado de
Águas.
Requisitos Institucionais Modelo de Mercado
Modelo de
Negociação
Transferíveis X
Direitos de Propriedade
Intransferíveis
X
Regras para impacto sobre terceiros X X
Autoridade Administrativa X X
Mecanismo de Negociação Coletiva
X
Mecanismo de Fiscalização X X
Associações de Usuários de Água X X
Sistema de distribuição física de água, sistema de
monitoramento e medição
X X
Fonte: Kemper (1997).
Como se observa, a maior diferença é o direito de transferência do uso da água,
necessário para um Mercado de Águas, mas não para o Modelo de Negociação. Não obstante,
como destaca Lanna (2001), é clara a necessidade de criação de fórum de negociação –
Comitês de Gerenciamento de Bacias Hidrográfica ou consórcios de municípios no Modelo
de Negociação.
46
5. FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS
5.1 Base teórica
A pesquisa utilizou-se de concepções metodológica consagrada por Lanna (2001)
que desenvolveu o modelo de plano de negociação social, onde se leciona que para agilizar
processos de negociações deve-se dar preferência ao plano hierarquicamente mais baixo,
sempre que eficiente e efetivo, haja vista que plano menos complexo implica mais facilidade
nas negociações, conforme se apresenta abaixo (Figura 1).
Figura 1 – Planos de negociação social.
NEGOCIAÇÃO JURÍDICA
Valores: Ética e Costumes
Instrumentos: Legislação e jurisprudência
Local: Congresso Nacional, Assembléias Legislativas Estaduais, Câmara de Vereadores Municipais.
NEGOCIAÇÃO POLÍTICO – ADMINSTRATIVA
Valor: interesse social (?)
Instrumento: decretos, portarias, resoluções e demais determinações administrativas.
Local: esfera dos executivos – federal, estaduais e municipais.
NEGOCIAÇÃO POLÍTICA DIRETA
Valor: interesse social local ou regional
Instrumento: decisões do coletivo
Local: colegiados ou audiências públicas
NEGOCIAÇÃO ECONÔMICA
Valor: preço
Instrumento: dinheiro
Local: mercados
Como se pode observar na Figura 1, Lanna (2001) inseriu em quatro planos as
formas de negociação sociais adotadas em uma sociedade, que são: jurídica, político-
administrativa, política direta e econômica.
47
A interdependência hierárquica entre os diferentes planos de negociação, ou seja, a
negociação jurídica apresenta-se ocupando a mais alta hierarquia e vincula todos os demais
planos. Quanto mais alta na hierarquia, mais complexa e mais difícil a negociação. Na ordem
inversa, a menos complexa negociação será a econômica, portanto, de mais fácil negociação
que a política direta, e esta que o político-representativo ou jurídica, de forma que aqui se
lançam as seguintes indagações norteadoras da presente dissertação:
1. A adoção do plano de negociação social no presente trabalho se funda na adoção da
concepção de que a inter-relação entre os planos ocorre na busca do ponto socialmente
mais eficiente, de modo que o foco analítico visa ao entendimento de que se uma
negociação pode ser feita como sendo uma negociação política direta ou local, por que
levar para o nível de negociação jurídica que é um nível mais alto?
2. O retorno gerado pelo mercado de direito de uso da água, desenvolvido na Região do Cariri
atualmente, é compensador e pode aumentar a produtividade e/ou bem estar econômico?
Quanto ao entendimento colocado na introdução da presente dissertação – de que
possivelmente os valores praticados no Mercado de Águas da Fonte Batateira seriam
superiores aos valores atualmente comercializados pela COGERH – para teste, se utiliza o
método comparativo no qual são considerados dados referentes aos tipos de usos (industrial,
saneamento no interior, saneamento na região metropolitana de Fortaleza, irrigação através do
Canal do Trabalhador, irrigação no Vale do Acarape, irrigação na adutora de Quixadá). Os
valores das tarifas, por m³ de água bruta praticados pela COGERH se apresentam em reais e
posteriormente são convertidos em dólar. Foi utilizada a média mensal dos valores das tarifas
praticados nos 6 (seis) últimos meses do ano de 2004.
Para fins comparativos se tomou por base dados já desenvolvidos por Brito (2001)
em outra pesquisa em que se buscou identificar os valores das últimas negociações praticados
no Mercado de Águas da Fonte Batateira. Identificaram-se negociações envolvendo direito de
uso da água, respectivos preços praticados durante os anos de 1996, 1999 e 2000, volume de
água e preço por m³. Os valores encontrados foram convertidos em dólar. Para a dolarização,
se utilizou o valor médio anual nos respectivos anos.
O presente trabalho, em sua linha principal e norteadora, possui reflexões
fundamentadas também em abordagens econômicas de Randall (1987) de que direitos de
propriedade que não são perfeitamente seguros e garantidos, não incentivam o investimento e
48
têm, portanto, importantes conseqüências no desempenho econômico, pois se inibe o
progresso e o processo salutar da negociação, gerando assim, ineficiência econômica.
Este capítulo, haja vista a complexidade do assunto, trata de algumas abordagens
clássicas da definição do instituto da propriedade. De acordo com a literatura existente, alguns
autores têm realizado estudos sobre a propriedade, bem como sobre sua função social. São
utilizadas neste ensaio as concepções consagradas para os estudos de Direito Civil e Direito
Constitucional. Dentre outras contribuições, apóia-se nas de Fachin (2000) e Marx (1989) nas
quais foi assumida a idéia de que não se podem admitir as propriedades desvinculadas da
coletividade a qual deverá servir; ou melhor, o possuidor de uma propriedade tem, pelo fato
de possuí-la, uma função social a cumprir. Ainda conforme Marx:
[...] originalmente, o direito de propriedade aparecia fundamentado sobre o próprio
trabalho. Essa suposição era pelo menos necessária, uma vez que se confrontavam
possuidores de mercadoria com iguais direitos, e o único meio que uma pessoa
dispõe para apropriar-se de mercadoria alheia é alienar a própria, e essas só podem
ser produzidas com trabalho (
Ibidem, p. 679).
Dada a dificuldade de se formular definição sintética de propriedade, decidiram os
juristas romanos por definição analítica, explicitando todos os elementos do domínio. Para se
chegar a esta definição, partiram os romanos da seguinte pergunta: quando é que se diz ser um
indivíduo dono de uma coisa?
Se virmos uma pessoa morando em um sítio ou fazenda, dizemos ser essa pessoa
dona do sítio ou fazenda, pelo menos é a primeira impressão. Se virmos uma pessoa
colocando frutas em uma cesta, seremos levados à convicção de que essa pessoa é dona da
cesta. Se virmos uma pessoa calçando um par de botas, diremos ser essa pessoa dona deste
par de botas. O ato de morar em um sítio ou fazenda, colocar frutas em uma cesta, andar
calçado em um par de botas são atos de uso, de utilização. Daí dizer-se que, em princípio, o
uso leva à idéia de propriedade, uma vez que o dono usa.
Mas não só o fato de usar pode induzir à idéia de domínio propriedade. Se virmos um
indivíduo cobrando aluguéis de outro, suporemos ser esse indivíduo é o dono do objeto
alugado. Se virmos um indivíduo colhendo frutas num quintal, chegaremos à mesma
conclusão. Tanto o ato de receber aluguéis, quanto o ato de colher frutas são atos de fruição
ou gozo. Sendo a fruição ato de domínio, pois o dono frui, concluímos que quem colhe frutas
e recebe aluguéis é dono.
49
Se virmos uma pessoa emprestando ferramentas à outra, seremos levados à
conclusão de ser ela dona das ferramentas. Se virmos uma pessoa vendendo um imóvel,
concluiremos que o vendedor é o dono. Se virmos uma pessoa jogando fora um objeto, a
conclusão será óbvia: ela é dona do objeto. Emprestar, vender e jogar fora são atos de
disposição; em princípio, só aos donos são permitidos os atos de disposição.
Com base nessas hipóteses fáticas, definiram os romanos “propriedade” como sendo
o direito de usar, fruir e dispor de uma coisa: ius utendi, fruendi et abutendi.
No caso da alocação e realocação de águas na Chapada do Araripe, empréstimos e
venda de água entre os donos de sítios com títulos de propriedade de direito de uso da água e
demais usuários é comum, posto que vendem a titularidade do direito em caráter permanente
ou vendem por tempo determinado e por volume determinado o direito de uso do recurso
hídrico. Segundo Campos, Studart e Costa (2002), o processo evoluiu pacificamente, sem
grandes conflitos entre os usuários, durante os últimos cento e cinqüenta anos.
Os clássicos modernos acrescentaram mais uma hipótese: a reivindicação. Ao se ver
um indivíduo despejando outro de imóvel alugado; um indivíduo exigindo que lhe restituam
objeto furtado; um indivíduo expulsando invasores de suas terras, a conclusão só poderá ser
uma: esse indivíduo é dono do imóvel, do objeto furtado e das terras invadidas. O ato de
despejar inquilino, exigir a restituição de coisa furtada e expulsar invasores é, em sentido
amplo, ato de reivindicação, típico de quem é dono.
Se em todas essas circunstâncias, dizemos que a pessoa é dona do bem usado, fruído,
disposto ou reivindicado, podemos dizer – e de fato disseram os romanos e seus herdeiros
culturais – que propriedade é direito de usar, fruir, dispor e reivindicar.
Assim, em definição enraizada nos séculos XIX e XX, propriedade seria o direito
que uma pessoa tem de exercer, com exclusividade, o uso, a fruição, a disposição e a
reivindicação sobre determinado bem. É, como bem explica Bähr (1989), a forma mais
extensa de dominação efetiva de um bem.
A indagação que restaria responder é a seguinte: só o dono usa, frui, dispõe e
reivindica? A resposta é sim. Para exercer qualquer um destes direitos, o indivíduo tem que
ser o dono da coisa ou ter autorização do dono.
Entendida a definição romana de propriedade, como o direito de usar, fruir e dispor
(ius utendi, fruendi et abutendi), resta compreender a insistência histórica em se definir como
50
direito. Para os liberais, nos séculos XVIII e XIX, a idéia de que a propriedade seria um
direito era absolutamente adequada a seus ideais de liberdade econômica.
Se a definição de propriedade for tomada como direito apenas (direito subjetivo
absoluto, de natureza real), estaremos excluindo toda a coletividade, menosprezando a função
social que a propriedade sempre teve.
A função social da propriedade foi sempre preocupação do legislador. Apesar de só
vir a ser estudada recentemente, sempre esteve presente, ora mais aguçadamente, ora menos.
Assim, dizer que propriedade é o direito de exercer com exclusividade o uso, a fruição, a
disposição e a reivindicação de um bem, é dizer muito pouco. É esquecer os deveres do dono
e os direitos da coletividade. Segundo Bähr (1989), ao esquecer os direitos da coletividade, ou
seja, do outro/ do próximo, estamos excluindo-o.
Partindo dessas considerações, podemos definir propriedade ou domínio como a
situação jurídica consistente em uma relação entre uma pessoa, o dono, e a coletividade, em
virtude da qual são assegurados àquele os direitos exclusivos de usar, fruir, dispor e
reivindicar um bem, sendo respeitados os direitos da coletividade.
Essa definição se amolda melhor aos ditames da modernidade e do paradigma do
Estado Democrático de Direito e a partir dela, de seu bojo mesmo, podemos extrair os
elementos caracterizadores da propriedade.
Como se percebe, a propriedade contém em sua estrutura elementar os direitos
exclusivos do dono, consistentes em usar, fruir, dispor e reivindicar. Em contrapartida aos
direitos do dono, há deveres por parte da coletividade, por parte dos não-titulares. São as ditas
obrigações reais consistentes em abster-se de atentar contra os direitos do dono, do titular.
Estes deveres da comunidade são o segundo elemento da propriedade. Ambos, direitos do
dono e deveres da coletividade, fundamentam-se no caráter exclusivo da propriedade.
Um terceiro elemento diz respeito aos deveres do dono para com a coletividade. O
artigo 1.228, §§ 1º e 2º do Código Civil de 2002 refere-se a eles quando menciona que o
proprietário, ao exercer seus direitos de usar, fruir, dispor e reivindicar, não o pode fazer de
modo a prejudicar a comunidade, seja de forma direta ou indireta.
Co-respectivos desses deveres do dono jaz o quarto elemento: os direitos da
coletividade; direitos de que a propriedade seja exercida de forma útil e não prejudicial. Tanto
esses deveres do dono, quanto os direitos da coletividade são elementos da propriedade que
buscam fundamento na função social.
51
Há na doutrina de alguns mestres a tendência no sentido de se inserir a função social
como elemento constitutivo da propriedade. Seria ela ínsita à própria idéia de domínio.
Propriedade maléfica não é direito é anti-direito. O exercício dos direitos deve ser útil à
coletividade. É neste sentido que se diz que todo direito deve ser útil, sob pena de ser
proscrito do ordenamento jurídico. Matar não é direito por ser algo maléfico é anti-direito.
Nas palavras de Renner (1990 apud SILVA, 1990), a função social da propriedade
não se confunde com os sistemas de limitação da propriedade. Estes dizem respeito ao
exercício do direito; aquela se refere à própria estrutura do direito.
Silva (1990) diz que a disposição do artigo 5º, XXIII da Constituição Federal
Brasileira, onde dispõe que “a propriedade atenderá a sua função social”, basta para que toda
forma de propriedade seja permeada intrinsecamente do princípio da função social.
No Brasil, a Constituição Federal faz menção direta à função social da propriedade
no artigo 5º, XXIII e o Código Civil, no artigo 1.228, § 1º. Também o Estatuto da Cidade, Lei
n° 10.257/2001 cuida extensamente do assunto, regulamentando o uso da propriedade urbana
em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio
ambiental. Estabelece, para tanto, uma política urbana que tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento da função social da cidade e da propriedade urbana.
Todo homem tem uma função social a cumprir e, por conseqüência, tem o dever
social de desempenhá-la. O proprietário, ou melhor, o possuidor de uma riqueza, tem, pelo
fato de possuir essa riqueza, uma função social a cumprir; enquanto cumpre essa missão, seus
atos de proprietário são protegidos. Süssekind (1991, p.63) lembra que “a intervenção dos
governantes é legítima para obrigá-lo a cumprir sua função social de proprietário, que consiste
em assegurar o emprego das riquezas que possui conforme seu destino”. A nova ordem
jurídica atinge, como se infere, os postulados básicos do sistema civil – liberdade individual,
inviolabilidade do direito de propriedade, invulnerabilidade do contrato e responsabilidade
subjetiva.
Em relação ao direito de propriedade dos recursos hídricos uma das alterações mais
significativas do atual ordenamento jurídico brasileiro, instituído pela Constituição Federal
Brasileira de 1988, foi a extinção do domínio privado da água, previsto no Código das Águas.
Agora todos os corpos d’água são de domínio público, seja da União, seja dos Estados.
Porém, essa definição não pode admitir a propriedade dos recursos hídrico desvinculada da
coletividade à qual deverá servir, bem como não desobriga o poder público e essa mesma
52
coletividade do trato holístico do bem natural “água”. Observa-se que não obstante os corpos
d’água serem de domínio público esse deve ser consentâneo com o próprio princípio da
função social que garante uma série de restrições aos direitos do dono, e uma série de direitos
da coletividade, compreendendo-se, portanto, o fenômeno da propriedade como situação
jurídica. O que, por sua vez, possibilita que Estado intervenha na propriedade face a natureza
da Constituição Federal Brasileira.
Situando com clareza a nova situação, Silva (1997, p. 87) acrescenta:
Em suma, não mais subsiste o direito de propriedade relativamente aos recursos
hídricos. Os antigos proprietários de poços, lagos ou qualquer outro corpo de água
devem se adequar ao novo regramento constitucional e legislativo passando à
condição de meros detentores dos direitos de uso dos recursos hídricos, assim
mesmo, desde que obtenham a necessária outorga prevista na lei citada.
¾ Direitos de propriedade e eficiência econômica
Randall (1987) relaciona os princípios da eficiência econômica às questões da
definição e da garantia dos direitos de propriedade. Segundo o autor, quando os direitos de
propriedade são bem definidos e não há custos de transação, a alocação dos recursos é
eficiente, independente da definição da forma de direitos de propriedade adotada. Assim,
quando inexistem custos de transação, a alocação ou a distribuição inicial dos direitos de
propriedade não é importante, pois futuramente, os agentes poderão negociar a transferência
dos bens a custo zero, realocando de modo eficiente esses direitos.
Todavia, na prática, os direitos de propriedade não são perfeitamente definidos e nem
totalmente seguros, haja vista a existência de Poder Judiciário instituído, dentre outras coisas,
para dirimir as controvérsias existentes sobre aqueles direitos. Referidas demandas judiciais
implicam na existência de custos para a obtenção destes direitos e a sua defesa.
As transações entre os agentes contemplam a troca de diferentes direitos de
propriedade, em variados modos (públicos ou privado) e em diversas situações (direito de uso,
de usufruto ou de modificação do objeto-alvo do direito).
Ainda segundo Randall (1987), a necessidade de definição de direitos privados de
propriedade está diretamente relacionada à ocorrência de externalidades, tanto positivas como
negativas. Entende-se externalidades como o efeito de determinada ação sobre terceiros não
diretamente engajados nessa ação e que emerge como conseqüência de uma definição
53
imprecisa dos direitos de propriedade privados. Randall (Ibidem) defende que os direitos de
propriedade, tanto de uso como de transferência, devem ser completamente especificados com
suas respectivas restrições. O aspecto que converte um efeito prejudicial em uma
externalidade é o alto custo de trazer tal ponto para discussão de uma ou mais pessoas.
Quando o uso de um bem tem poucos efeitos externos, os direitos de propriedade
criados pelo ambiente legal são amplamente incondicionais. Em outras palavras, a lei impõe
aos proprietários poucas condições que limitem as ações de estabelecer, manter e alienar os
direitos. Os direitos de propriedade que surgem são relativamente simples, sendo suas
características determinadas rapidamente.
¾ Instituições, organizações e mudança institucional
Conforme ainda com Randall (op. cit.), em uma sociedade, as instituições são as
regras do jogo, são os limites estabelecidos para moldar o comportamento humano e a sua
interação. As instituições estabelecem incentivos e padrões para a transação e o
relacionamento humano, tanto político como econômico ou social.
O autor destaca que a principal razão para a existência de instituições é a redução da
incerteza, estabelecendo um aparato estável que estruture o comportamento humano o qual,
embora não seja necessariamente eficiente, afeta o desempenho da economia pelos seus
efeitos nos custos de produção e nos de transação.
As instituições reduzem a incerteza, provendo a estrutura que guia o comportamento
humano, além de definirem e limitarem o número de opções do indivíduo. Assim, as pessoas
impõem restrições a si mesmas para estruturar a convivência com as outras.
Na medida em que as mudanças institucionais evoluem, alteram-se as opções viáveis
dos agentes. A mudança institucional pode ocorrer marginalmente, como conseqüência de
mudanças em leis – como no caso estudado na região do Cariri –, em restrições informais, ou
no tipo de efetividade do poder de coerção. Randall (op. cit.), ainda afirma que as instituições
podem mudar incrementalmente, como resultado da absorção das limitações informais da
sociedade. Assim, em determinado momento existe um histórico de regras que define o
aparato institucional. Com a evolução do tempo, novos valores são adicionados e os antigos
54
perdem o valor inicial, ou seja, o aparato legal deprecia-se, perdendo seu poder de dar
respostas eficientes aos agentes.
As mudanças incrementais surgem a partir da percepção dos agentes que, de maneira
política ou econômica, podem melhorar sua eficiência alterando o quadro institucional
existente. Os custos de transações políticas e econômicas e a percepção subjetiva dos atores
resultam em escolhas que nem sempre são boas, mas podem aumentar a produtividade e /ou o
bem-estar econômico. Desta forma, se conclui que direito de propriedade não atenuado
assegura eficiência econômica.
5.2 Procedimentos técnicos
Nesta dissertação foram adotados procedimentos de pesquisa com investigações
diretas e indiretas e ainda recorreu-se a diversas técnicas na coleta de dados, tais como:
pesquisa bibliográfica e documental, além de entrevistas visando alcançar as metas
originalmente propostas.
¾ Realização de pesquisa direta
Nesta etapa do estudo foi realizada uma análise da documentação disponível
destacando-se: constituições, leis, decretos e portarias federais e estaduais, auto de partilha de
águas da Fonte Batateira formalizado no ano de 1855, que contemplam o domínio,
administração e preservação dos recursos hídricos. Uma pesquisa inter-temporal das
constituições federais brasileiras e dos modelos de sistemas de gestão de recursos hídricos no
âmbito internacional, nacional e local. Realizou-se um levantamento bibliográfico seletivo
com base em estudos, relatórios técnicos e trabalhos já existentes, sobre o modelo de alocação
de águas na região do Cariri ou temas conexos. A partir disso, foram elaboradas as
entrevistas.
55
¾ Realização de trabalhos de campo
Nesse momento foi realizada visita à cidade do Crato, com duração de cinco dias,
onde se mantiveram contatos formais com os atores envolvidos na questão dos recursos
hídricos na Bacia do Salgado, tais como: gerência regional da COGERH, sede do Fórum da
Comarca do Crato, cartórios da cidade, sede da Ordem dos Advogados do Brasil/ subseção
Crato, CEFET, Comitê da Bacia do Salgado, além dos usuários de água com e sem títulos de
propriedade de direito de uso da água.
Nas entrevistas, o critério adotado para a escolha dos entrevistados leva em
consideração as atribuições institucionais desempenhadas pelos mesmos e /ou que indiquem
conhecimento sobre o direito de propriedade da água e sobre os problemas e possíveis
soluções que envolvem a transição dos modelos voltados para o mercado de direito de uso da
água da Fonte Batateira no Cariri-CE e de negociação ora adotado nacionalmente. Foram
relacionados para entrevistas:
Magistratura e Ordem dos Advogados do Brasil – Comarca do Crato – são
profissionais envolvidos com aplicação da lei;
CEFETCE /UNED Juazeiro – professores e pesquisadores do tema gestão
recursos hídricos;
Técnicos da COGERH – profissionais envolvidos com a gestão dos recursos
hídricos. A instituição selecionada é considerada para efeito de nossos estudos como
instituição executora da política de recursos hídricos no Estado do Ceará;
Usuários de água com e sem títulos de propriedade de direito de uso da água;
Comitê da Bacia do Salgado – na pessoa de seu presidente – que representa os
principais grupos de atores (irrigantes, saneamento, poder público federal, estadual e
municipal, sociedade civil organizada), além desta ser uma instância de negociação próxima
dos problemas gerenciais a serem tratados no âmbito dos recursos hídricos.
As entrevistas foram levemente estruturadas. O Apêndice A apresenta amostras dos
formulários de entrevistas para os antigos detentores do direito de uso da água da Fonte
Batateira – Crato, Estado do Ceará, que representam atualmente um total de vinte e cinco
titulares. Outras entrevistas abertas foram aplicadas aos usuários sem título de propriedade ou
aos usuários de uma maneira geral. Para as entrevistas junto aos representantes das
56
instituições selecionadas se elaborou outro questionário – Apêndice B – levemente
estruturado, também com fim aberto para mais informações. A meta das entrevistas era
qualitativa, isto é visava identificar a percepção dos grupos de atores avaliando de uma
maneira geral e dentro de uma perspectiva fática e legal o modelo de Mercado de Águas
conforme os seguintes pontos:
1. Qual a percepção dos entrevistados no que se refere ao conhecimento sobre os
problemas que envolvem a transição de modelos voltados para o mercado de direito de uso da
água da Fonte Batateira no Cariri e o Modelo de Negociação adotado nacionalmente;
2. Qual a possível solução de conflitos que possa, na opinião dos entrevistados, ser
apresentada para os usuários com título de propriedade vez que estes resistem em aceitar o
domínio da água como bem público?
A entrevistadora se identificou como aluna de Mestrado em Desenvolvimento e Meio
Ambiente (PRODEMA) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Explicado o objetivo das
entrevistas e visando deixá-los à vontade, os entrevistados decidiam se suas colocações
poderiam ser gravadas. Buscou-se não comprometer as informações e melhor resguardar a
veracidade e o conteúdo das mesmas. Os dados referentes a ações judiciais e registros em
cartório podem aqui ser nomeados e relatados já que são públicos.
Além disso, fez-se um registro fotográfico da nascente da Fonte Batateira bem como
uma descrição da área circunvizinha, apontando características gerais sobre as condições de
preservação da mata nativa, a geologia e os respectivos impactos ambientais. Outras
características avaliadas em campo incluíram observações e considerações sobre o uso e a
forma de captação de água direta ou não, buscando identificar se a água emanada consegue
chegar aos sítios mais distantes ou à jusante da Fonte Batateira.
Todas as informações obtidas foram integradas e consolidadas no texto final,
juntamente com fotos, esquemas, mapas, quadros sinópticos, legislações específicas e
esclarecedores do tema proposto.
57
5.3 Características da área de estudo
5.3.1 Informações Básicas sobre a Região do Cariri
5.3.1.1 Base física
Segundo dados do IPLANCE (1999) a região do Cariri está localizada no Nordeste
do Brasil, mais precisamente no sul do Estado do Ceará. Trata-se de uma das áreas mais
úmidas e férteis dos vales de pé de serra da Chapada do Araripe. Esta se destaca pela função
de manutenção do equilíbrio hidrogeológico, climático e ecológico da região do Cariri, bem
como, por historicamente ter sido o local onde os produtores da cana-de-açúcar
originariamente implementaram o próprio sistema de alocação de água, no ano de 1854 – este
assunto será mais bem detalhado nos próximos capítulos do presente trabalho.
A mencionada região possui uma área total de 19.364 km², bem como 33 municípios
encravados ao longo da fronteira com o Estado de Pernambuco até os limites do Piauí e
Paraíba, pelo prolongamento da Chapada do Araripe, distribuídos em cinco micro-regiões:
Sertão Salgado, Serra do Caririaçu, Serra do Cariri, Chapada do Araripe e Cariri.
A Região do Cariri Cearense compreende os Municípios de Barbalha, Crato, Jardim,
Juazeiro do Norte e Missão-Velha, que formam a micro-região Cariri. Na Figura 2, a seguir,
pode-se observar melhor esta divisão da região em questão.
58
ESC. 1: 6.000.000
ESC. 1: 6.000.000
Figura 2 – Divisão política dos municípios do Cariri e a localização no Estado do Ceará.
Fonte: COGERH (2005).
59
5.3.1.2 Condições geoambientais
O Cariri é caracterizado por duas estações distintas: uma chuvosa no verão e outra
seca. A precipitação média anual é da ordem de 1.000 mm, sendo que de janeiro a abril se
concentram 80% das chuvas. A temperatura média anual fica entre 24°C e 26°C, com mínima
de inverno (julho) entre 21°C e 23°C, e máxima de verão (janeiro) entre 25°C e 27ºC.
A bacia hidrográfica coletora é a do rio Salgado, que recebe a contribuição dos
riachos Batateira, Granjeiro e Carás, na região do Crato/ Juazeiro do Norte, Salamanca em
Barbalha, Seco em Missão Velha e do riacho dos Porcos que drena toda a região ocidental da
chapada, incluindo os municípios de Milagres, Mauriti, Brejo Santo, Porteiras, Jardim e Jati.
5.3.1.3 Recursos hídricos
A região em estudo possui solos de baixa, média e alta fertilidade natural e detém
considerável potencial de recursos hídricos. O Cariri é formado pelas sub-bacias do Alto
Jaguaribe e do Salgado. A sub-bacia do Salgado é composta por 23 municípios que ocupam
uma área de 13.275 km², conforme informações constantes no Plano Estadual dos Recursos
Hídricos – PERH (CEARÁ, 1992).
Na Figura 3, vê-se as Bacias Hidrográficas
4
do Estado do Ceará.
4
Existem documentos da COGERH em que as Bacias Hidrográficas são denominadas Regiões Hidrográficas.
60
Esc. 1: 2.800.000
ESC 1:2.800.000
Figura 3 – Bacias Hidrográficas do Estado do Ceará. Fonte: COGERH (2005).
De acordo com Brito (2001), na região do Cariri, de uma maneira geral, são
utilizados os recursos hídricos superficiais e subterrâneos, tendo este último maior relevância
no desenvolvimento da região, diferentemente do que ocorre nas outras regiões do Estado.
Dados revelam um enorme consumo per capita equivalente a 318 l/hab/dia no
município de Barbalha, 328 /hab/dia em Juazeiro do Norte e 370 l/hab/dia no Crato.
61
Calculando-se a média das três cidades, tem-se consumo de 340 l/hab/dia, o que representa
126% acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que é de 150
l/hab/dia.
Para Veríssimo (2000), a cidade do Crato apresenta maior consumo per capita das
três cidades e que uma das causas é a falta da medição do volume consumido pela população,
devido à inexistência de hidrometração nas residências.
O rio Salgado tem como principais afluentes o rio Batateiras e o riacho dos Porcos,
que nascem na Chapada do Araripe. É um dos principais afluentes do Jaguaribe
desembocando neste na altura do município de Icó, abaixo do açude Orós (Figura 4).
ESC. 1:1.800.000
ESC. 1:1.800.000
Figura 4 – Rio Salgado desaguando no Rio Jaguaribe à jusante do Açude Orós. Fonte:
COGERH (2005).
62
A região conta com significativo potencial hídrico subterrâneo. Os aqüíferos de
relevância no Estado do Ceará estão localizados no Cariri e propiciam a alguns municípios o
atendimento da população por fontes e poços. Foram cadastrados 652 poços dos quais 544
possuem capacidade de aproveitamento. Brito (2001) declara que esse recurso é altamente
explorado, apesar do pouco conhecimento técnico-científico sobre a capacidade e reais
disponibilidades destes aqüíferos. O aqüífero Missão Velha é o mais importante do Estado do
Ceará em termos quantitativos. Sendo o mais perfurado na sub-bacia do Salgado.
Segundo o Plano de Gerenciamento das Águas da bacia do rio Jaguaribe (COGERH,
1999), a utilização dos recursos hídricos na sub-bacia do Salgado apresenta a seguinte
distribuição: 47,5% para irrigação pública (nos municípios de Mauriti e Icó); 23,4% irrigação
privada; 7,5% para indústria; e 21,6% para consumo humano.
Conflitos foram identificados pelo uso da água na sub-bacia do Salgado, sendo os
mais expressivos, os dos usuários do rio Carás, entre Crato e Juazeiro do Norte, e do riacho
dos Porcos em Brejo Santo.
Em outras regiões do Estado do Ceará foram identificados casos de conflitos como o
dos usuários do sistema Orós-Lima Campos, descritos por Furtado (1997), e do Vale do Curu
(KEMPER,1997).
5.3.1.4 Fontes da Chapada do Araripe
De acordo com Brito (op. cit.) a bacia sedimentar do Araripe é composta pelas
seguintes unidades aqüíferas:
- Sistema Aqüífero Superior (formações Exu e Arajara): ± 320m de espessura;
- Aquiclude Santana: ± 180m de espessura;
- Sistema Aqüífero Médio (formações rio da Batateira, Abaiara e Missão Velha):
± 500m de espessura;
- Aquiclude Brejo Santo: ± 400m de espessura;
- Sistema Aqüífero Inferior (formação Mauriti e parte basal da formação Brejo
Santo): com 60 a 100 m de espessura.
63
A seguir, esquema da infiltração da água precipitada na Chapada do Araripe no
Estado do Ceará (Figura 5).
Figura 5 – Estratigrafia da Chapada do Araripe. Fonte: DNPM (1996).
Na parte superior da infiltração consta o encontro das formações Exu/Arajara e
Arajara/Santana onde surgem às fontes naturais da Chapada do Araripe. A formação Exu,
composta predominantemente por arenitos, tem permeabilidade superior à da formação
Arajara, funcionando como aqüífero de transferência.
Brito (2001) afirma que as de maior vazão estão na interface das primeiras formações
enquanto que na segunda elas se apresentam em maior quantidade. A recarga do sistema é
feita através da infiltração da precipitação no topo da chapada, que não volta por via de
evaporação à atmosfera, se infiltrando através da primeira camada e, quando atinge a
formação Santana forma um lençol de água.
Devido à ligeira inclinação da formação Santana esta água é desviada ao lado norte
da chapada, onde ela reaparece na forma de nascente. Segundo Mont’Alverne et al (1994
64
apud BRITO, 2001) no total são 348 fontes catalogadas que emanam da Chapada do Araripe,
sendo 297 do lado cearense, 43 em Pernambuco e 8 no Piauí.
Os Municípios de Crato, Barbalha e Jardim possuem as nascentes com os maiores
rendimentos e são abastecidos em parte por elas (Quadro 3).
QUADRO 3 – Rendimento das 12 maiores fontes do complexo sedimentar do Araripe.
Classificação Denominação Município Vazão (m³/h)
1 Batateira Crato 376
2 Pendência Missão velha 352
3 Farias Barbalha 348
4 Cocos Barbalha 182
5 Saco Porteiras 182
6 Caldas Barbalha 180
7 Bica do Sozinho Crato 154
8 Coqueiro Crato 140
9 Boca da Mata Jardim 133
10 Camelo Barbalha 120
11 Água Grande Crato 113
12 Santa Rita Barbalha 102
Fonte: Mont’Alverne, (1994 apud BRITO, 2001).
5.3.1.4.1 Fonte Batateira
A Fonte Batateira é a nascente mais expressiva da região do Cariri, em termos
geológicos. Surge próximo ao encontro entre as rochas da formação Exu e formação Arajara,
a uma altitude de 765 m. Encontra-se localizada no Sítio Luanda, nas coordenadas geográficas
UTM N 9197576 e E 447950, segundo registros da COGERH (2004), Figura 6.
65
Figura 6 – Fontes na Região do Cariri (F-25). Fonte Batateira/ Sítio Luanda. Fonte: COGERH
(2004).
66
A Fonte Batateira nasce próximo à cidade do Crato para logo formar o rio Batateira,
afluente do rio Salgado. O Salgado deságua no rio Jaguaribe que desemboca no oceano
Atlântico. A distância entre a nascente do rio Batateira e sua confluência com o rio Salgado é
de aproximadamente 8,5 km.
Não obstante os registros da CPRM indicarem que a Fonte Batateira é a de maior
expressão, possuindo uma vazão de 376 m³/h , Kemper et al (1996) registram um quadro de
tendências em termos quantitativos dos corpos d´água, ao longo do tempo na área de estudo e
que retratam uma significativa redução de vazão, conforme demonstrado no Quadro 4.
Quadro 4 – Redução da vazão da Fonte Batateira.
Ano Vazão m³/h
1854 1490,0
1920 1296,0
1980 518,0
1993 376,0
Fonte: Kemper et al (1996).
De acordo com estudo apresentado por Kemper et al (1996), se estimou que, por
extrapolação, a fonte desapareceria aproximadamente em 2025.
Em estudos recentes, encomendados pela Secretaria dos Recursos Hídricos do Estado
do Ceará (2004), cujo objetivo prevê a implantação de um sistema de monitoramento de área
piloto do Aqüífero Missão Velha, na Bacia Sedimentar do Cariri e cujo relatório final que traz
o cadastramento das fontes da Região do Cariri já se apresenta os resultados de uma vazão
estimada de 300 m³/h, confirmando-se uma tendência de decréscimo da vazão da Fonte
Batateiras.
As causas desse decréscimo não são conhecidas. Provavelmente o aumento contínuo
de desmatamento da chapada pode ser um dos fatores que contribuem para isto. Segundo
Sabiá (2000), 80% do desmatamento ocorre fora da área de preservação, sendo causado por
processos mecânicos manipulados pelo homem, e os 20% restantes se relacionam com fatores
metereológicos e ambientais. Devido ao desmatamento, a capacidade de infiltração do solo
poderia ter diminuído.
Observou-se que as águas da Fonte Batateira têm uso múltiplo (recreação, doméstico,
irrigação), porém são em maiores volumes usadas para irrigação do tipo inundação, ou seja,
irriga-se a cultura por meio do desperdício de água, vez que não existe o mínimo controle da
67
quantidade de água necessária para a planta. Segundo Kemper (1997), estimam-se, que,
utilizando-se técnicas mais sofisticadas na agricultura, quantidades significativas de água
poderiam ser liberadas e alocadas para o uso industrial sem causar quaisquer impactos
adversos e significativos na produção final. Essa é uma observação traduzindo que a relação
entre a alocação e o uso eficiente da água é importante, porém não observada concretamente
na Fonte Batateira.
Atualmente, a plantação da cana-de-açúcar está muito reduzida e predomina a
plantação de capim que serve de alimento ao gado da região. Planta-se também a banana,
manga e coco e em pequena quantidade se plantam hortaliças. Na região não existe uma
produção agrícola em escala suficiente que atenda totalmente a demanda local, de maneira
que o abastecimento da região do Cariri é atendido pela produção oriunda, principalmente,
dos Estados da Bahia e Pernambuco.
São observadas no local (Figura 7) tubulações de vários diâmetros, captando água
direto da fonte para sítios de usuários à jusante com ou sem títulos de propriedade da água. A
água não-captada pelas tubulações corre por uma bica e passa a fazer parte da levada.
Figura 7 – Foto da tubulação captando água em um dos trechos que percorre as águas da
Fonte Batateira/ Fonte: Elaboração própria (2004).
68
Observa-se em pesquisa de campo que a mata nativa à montante se encontra bem
preservada. Na área à jusante existem residências, criação de animais, bem como a
comunidade banha-se e lava roupas. Identifica-se uma grande estrutura para lazer com
conjunto de piscinas naturais e áreas dançantes.
Conforme documento que trata da legislação sobre o sistema integrado dos recursos
hídricos do Estado do Ceará (1999) a água da nascente é de excelente qualidade, mas se
observa o quanto é pouco utilizada para o consumo humano: apenas 21,6%. Enquanto que
70,9% para irrigação, do tipo inundação que desperdiça muita água, e em culturas (capim,
coco, hortaliças) que, reconhecidamente, não são economicamente tão rentáveis se
comparadas a outras culturas.
Kemper (1997) leciona que um recurso é alocado eficientemente quando for usado
para maximizar o seu valor. Alcançar uma alocação mais eficiente dos recursos hídricos pode
significar a mudança do uso da água dentro ou entre setores. Como exemplo cita a mudança
de cultura de alto e de baixo valor na agricultura, ou do uso na agricultura para o uso
industrial. Uma alternativa seria a realização de estudos por instituições do governo que
identificassem culturas com retorno econômico maior e eficiência do uso da água que
poderiam ser produzidas na região do Cariri, e a realização de trabalho junto aos produtores
para disseminar os resultados dos estudos objetivando disseminação da plantação de outras
culturas comprovadamente de retorno econômico melhor.
Os impactos ambientais mais comuns na região estão associados ao consumo
irracional da água. Durante as pesquisas foram identificadas também ações que agridem ao
meio ambiente, retratadas nas várias áreas degradadas, tais como: as queimadas e o uso de
produtos químicos, principalmente o sabão, decorrente da lavagem de roupas (Figura 8). O
que provocam mudanças nas condições naturais e na qualidade da água. Não foram
identificadas estações ou locais destinados ao tratamento dos resíduos sólidos, e também não
foi encontrado nenhum registro de plano de recuperação ou educação ambiental efetivo.
69
FIGURA 8 – Foto da população lavando roupa à jusante da Fonte Batateira. Fonte:
Elaboração própria (2004).
70
6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DO MODELO DE GESTÃO DA ÁGUA NO CARIRI-CE
6.1 Aspectos históricos e legais
O Mercado de Águas da cidade do Crato no Cariri, localidade onde também se situa
a Fonte Batateira, surgiu desde o início do século XIX. Tornou-se uma região próspera que
tradicionalmente cultivava a cana-de-açúcar para a produção da rapadura – produto final após
a solidificação do melaço em forma de pequenos tijolos.
Brito (2001) registra que com o aumento da procura pela rapadura, as áreas de
plantio de cana-de-açúcar foram sendo ampliadas, aumentando o consumo de água e
iniciando-se então, os conflitos para utilização das águas das fontes naturais da Chapada do
Araripe.
Não obstante a Fonte Batateira ser a de maior vazão, a água que jorrava desta era
toda utilizada pelos plantadores de cana que se situavam mais próximos da nascente. A água
passou a não mais chegar nas propriedades mais distantes. Surgiram assim, conflitos entre os
usuários da Fonte Batateira. Em face do problema e buscando evitar contínuos conflitos sobre
o uso da água, os agricultores daquela localidade recorreram para o presidente da província,
solicitando uma solução para o caso. De acordo com Brito (op. cit.), procurando resolver o
conflito ali gerado, o presidente da província – Dr. Joaquim Villela de Castro Tavares – editou
uma resolução provincial (Lei nº 645 de 17 de janeiro de 1854) sendo aprovados os artigos de
posturas na Câmara Municipal do Crato, e no ano de 1855 o juiz de direito da Comarca do
Crato, procedeu com o Auto de Partilha da Fonte da Batateira. Conforme segue trechos
transcritos no próximo item 6.3 desta pesquisa.
6.2 Cariri e a antiga Lei n.º 645 de 17 de janeiro de 1854: da eficiência na alocação e uso
dos recursos hídricos
Artigo 58 – As águas de todas as nascentes do patrimônio desta Câmara serão
repartidas por todos os foreiros com igualdade de direito, pelo Juiz Municipal
Presidente da Câmara, ou Juiz de Paz, se os mesmos foreiros assim concordarem: os
foreiros às margens do rio Batateira, e desta cidade serão obrigados a soltarem todas
as águas das 6 horas da tarde do dia sexta-feira de cada semana até 6 horas da manhã
da segunda-feira seguinte, para serem divididas pelos foreiros e proprietários dos
71
brejos do Engenho do Meio, inclusive para baixo. Os contraventores serão multados
em 30$000 rs.
Artigo 59 – Todo aquele que fóra do tempo que lhe competir, lançar mão de águas
alheias, ou seja, por malícia ou mesmo por necessidade de regar plantas, além de
pagar o dano que causar ao dono das águas, será multado em 6$000 réis para as
despezas municipaes.
Artigo 60 – Ficão prohibidas as tinguijadas, assim como outras quaesquer
baldeações nos poços deste municipio: os infractores pagarão a multa de 20$000
réis, mesmo quando o fação nas águas que passem por suas terras.
Artigo 61 – Quem deitar entulho nas levadas, ou qualquer modo obstruir a
correnteza das águas regadias, pagará a multa de 2$000 réis.
Artigo 62 – Os proprietários, foreiros, ou rendeiros das terras banhadas pelo Rio
Batateira, e desta cidade desde as nascencias até o Carité, conservarão em suas
testadas toda a limpeza afim de que não se embarace a correnteza das aguas. Os
contraventores pagarão a multa de 6$000 réis.
Artigo 63 – A levada geral desta cidade deverá ser encanada desde a extrema do
Sítio do Pisa até o último quintal da Rua Grande, e esse encanamento será de pedra,
ou tijolo e cal com bicas de aroeira ou cedro. Os proprietários poderão ter em seus
quintaes tanques também de cal, com tanto que não distraião as aguas para molhar
plantações, e somente as tirem com baldes para o que lhes fôr mister: os infratores
serão multados em 10$000 réis.
Artigo 64 – Os foreiros dos sítios Caiana e Granjeiro poderão servir-se de parte das
águas da nascença do rio desta cidade com tanto que seja isso das seis horas da tarde
até seis da manhã, sob pena de serem privados desse indulto, e pagarem a multa de
8$000 réis.
Artigo 65 – Fica prohibido o uso de se distrahir parte das aguas deste municipio com
outras plantações que não sejão cannas, cafeseiros, arroz e fruteiras dos brejos da
Batateira para baixo; não se prohibindo porém a plantação de milho, feijão, etc, pelo
meio das cannas, que tem de serem regadas: os contraventores pagarão a multa de
20$000 réis.
A Lei n.° 645/1854 segundo Kemper et al (1996), esclarece que originariamente o
sistema de gerenciamento no Cariri foi marcado por garantir o direito de uso, prever
mecanismos de fiscalização e sanção, bem como impacto sobre terceiros, e ainda possuir
flexibilidade, haja vista que o sistema permitia a realocação voluntária de direitos de uso da
água a diversos usuários. Bem como definia diferentes aspectos os quais são relacionados à
eficiência na alocação e ao uso dos recursos hídricos.
Kemper (1997) explana que os modelos de gerenciamento são baseados ou
fundamentados em arranjos institucionais formais e informais. Os arranjos institucionais
formais são aqueles ditados pela União. A autora cita como exemplo a Constituição Federal,
Lei Nacional dos Recursos Hídricos, Código de Águas, dentre outros. Os arranjos
72
institucionais informais são aqueles em que um conjunto de pessoas resolve adotar para
melhoramento e eficiência de um sistema, como por exemplo, as normas culturais, costumes e
a percepção do direito.
Neste sentido, conforme Brito (2001, p.49):
[...] no caso da Fonte Batateira, os proprietários dispuseram em primeiro momento,
dos arranjos institucionais formais, já que existem documentos legais para a divisão
das águas. Num segundo momento, os descendentes seguiram a Resolução
Provincial fundamentados em arranjos institucionais informais.
6.3 Auto de Partilha de Águas da Fonte Batateira (1855)
Auto de Partilha das Águas do rio Batateira – que mandou proceder o juiz Municipal
substituto Afonso de Albuquerque e Melo como abaixo se declara: Ano de
Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e cicoenta e cinco
(1855) aos vinte e um dias do mês de Junho do dito ano, nesta cidade do Crato,
Cabeça de comarca e provincia do Ceará, em casa de morada do juiz Municipal
substituto Afonso de Albuquerque e Melo onde me achava eu escrivão do seu cargo
abaixo nomeado e assinado e sendo ai presente os partidores nomeados o Major
Miguel Xavier Henrique de Oliveira e o Alferes Childerico Cicero de Alencar
Araripe; pelo dito juiz foi deferido o juramento dos Santos Evangelhos em um livro
deles em que cada um pôz de per si a sua mão direita, sob o cargo do qual lhes
encarregou que com toda consciência fizessem a partilha das águas do rio Batateira
com todos os foreiros dos sitios mencionados nos termos de avaliação constantes
destes autos, observando a igualdade e regularidade de direito recomendado no
artigo 58 da Resolução Provincial no 645 de 17 de janeiro de 1854 e recebido por
eles ditos juramentos afirmaram e prometeram cumprir e logo passaram a fazer a
referida partilha da maneira e modo abaixo declarado, do que para constar mando o
juiz lavrar este termo que assina afinal com os partidores e comigo Antonio Duarte
Uiacinto Moura, escrivão que o escivi. Auto: Acharam o juiz e partidores, presidente
de Cámara Municipal que o Sitio Luanda tendo duzentas tarefas de terras regadias, e
que as aguas com que ele era regado hoje pertencem ao Major Vicente Amancio de
Lima, por compra ao finado Joaquim Ferreira Pinheiro, lhe dão duas telhas das
aguas do Rio Batateira, contendo cada uma das ditas telhas vinte polegadas de
circunferência epara constar mandou o juiz lavrar este termo que assina com os
partidores e o presidente da Camara, comigo Antonio Duarte Uiacinto Moura,
escrivão, que o escrevi. Albuquerque e Melo. Pontes Simões. Miguel Xavier
Henrique de Oliveira. Childerico Cicero de Alencar Araripe, - Acharam mais juiz e
presidente da Camara e partidores que o sitio S.João Preguiça, Boa Vista, Mindoia,
Corujas e mais três partes uma de Luis Martins da Silva, outra do Joaquim Ferreira
Lima Seca e a terceira de João Moreira da Costa, contendo mais de trezentas tarefas
lhe davam três telhas d’agua para todos quantos tiverem parte nestes sitios,
atendendo, que tem um olho d’agua particular, independente da nascente do rio,
cujas aguas molham uma não pequena parte destes sitios no lado do poente, cujas
telhas conterão cada uma vinte polegadas de circunferência, e para constar mandou o
juiz lavrar este termo que assina com o presidente da Cámara Municipal, partidores
e comigo Antonio Duarte Uiacinto Moura, escrivão que o escrivi. Albuquerque e
Melo. Pontes Simões. Miguel Xavier Henrique de Oliveira. Childerico Cicero de
Alencar Araripe. Acharam mais - que o Sitio Lameiro de José do Monte Furtado,
contendo duzentas tarefas de terras regadias e já tendo um outro olho d’agua que
ajuda a regar as plantas do dito sitio lhe dão mais das aguas do rio Batateira duas
telhas d’agua de vinte polegadas cada uma; e para constar, mandou o juiz lavrar este
73
termo que assinou com o Presidente da Camara Municipal, os partidores e comigo
Antonio Duarte Uiacinto Moura, escrivão que o ecrevi. Albuquerque e Melo. Pontes
Simões. Miguel Xavier Henrique de Oliveira. Childerico Cícero de Alencar Araripe.
Acharam mais: - o juiz, Presidente da Camara e partidores que havendo no mesmo
sitio Lameiro duas partes de terra, uma de Vicente Saveiro dos Santos e outra de
Inacio Caetano de Alencar, de terras regadias, dão a estas duas partes uma telha
d’agua que contem dez polegadas de circunferencia do que para constar, mandou o
juiz lavrar este termo que assina o Presidente da Camara Municipal, partidores e
comigo, Antonio Duarte Uiacinto Moura escrivão que o escrevi. Albuquerque e
Melo. Ponte Simões. Miguel Xavier Henrique de Oliveira, Childerico Cicero de
Alencar Araripe. Acharam Mais: - o juiz presidente da Camara e partidores, que o
sitio Mizeria, de João Evangelista Cavalcante, Joaquim Lopes Raimundo do Bilhar e
a chapada do Major Antonio Luiz Pequeno Junior tendo duzentas tarefas de terras
regadias, lhe dão duas telhas daguas de vinte polegadas cada uma, que assinou com
o presidente da Camara, partidores e comigo Antonio Duarte Uiacinto Moura,
escrivão que o escrevi. Albuquerque e Melo. Ponte Simões. Miguel Xavier Henrique
de Oliveira. Childerico Cicero de Alencar Araripe.
A partir do ano de 1855 e nos termos do Auto de Partilha das Águas da Fonte
Batateira, acima transcrito, bem como, se demonstra no esquema que se segue, o direito de
uso da água passou a ser partilhado entre os 14 sítios. A partir de então os proprietários têm-se
considerado os donos do direito de uso da água, exercendo pacificamente durante cento e
cinqüenta anos, com exclusividade, o uso, a fruição, a disposição e a reivindicação sobre o
direito de uso da água.
Brito (2001) lembra que com o decorrer dos anos e em face dos direitos hereditários,
ocorreu uma subdivisão das terras em cada geração e os sítios menores passaram a retirar
água dos sítios maiores.
A Figura 9 indica a alocação inicial dos direitos de água e respectivos proprietários
em 1855.
74
Figura 9 – Esquema de distribuição das águas da Fonte Batateira. Fonte: Gonçalves (2001).
75
Brito (2001, p.48) registra ainda que “o sistema alocava quinze telhas
5
na margem
direita do Rio, sete na margem esquerda e deixava uma telha para manter o fluxo.” Com o
decorrer dos anos os direitos de água inicialmente denominados “telhas” passaram a se
chamar telhas-horas. Os usuários com título de propriedade entendem que “têm direitos a ‘x’
telhas de águas durante ‘t’ unidade de tempo. A hora é utilizada como instrumento de
partilha” (Ibidem). Melhor exemplificando, um produtor diariamente poderia ter o direito de
três telhas durante 12 horas, ou um direito de 2,5 telhas duas vezes por semana.
Figura 10 – Foto das telhas d´água (instrumento para medição de vazão) utilizadas na cidade
do Crato (Cariri) a partir da partilha das águas da Fonte Batateira em 1855. Atualmente ainda
em operação. Fonte: Elaboração própria (2004).
Conforme observa Sabiá (2000), sistema similar de distribuição de águas já foi usado
na cidade francesa de Nimes na época do Império Romano, aproximadamente 2000 anos
antes de hoje. A semelhança entre os sistemas de distribuição de águas pode ser constatada
comparando-se as Figuras 10 e 11.
5
Antiga unidade de vazão portuguesa que consiste num tubo de 18 cm de diâmetro com uma inclinação de
1:1000, correspondente a um volume de 64,8 m³/h (KEMPER et al,1996).
76
Figura 11 – Sistema de medição de vazão de água construído no Império Romano na Cidade
de Nimes (França), aproximadamente há 2000 anos atrás. Fonte: Landels (1979).
Um aspecto relevante é que nesse sistema é padronizada a distribuição da vazão, sem
observar a irregularidade de sua descarga, à distância entre as nascentes e as propriedades, e
os obstáculos existentes durante o percurso das águas no córrego. O que leva a constatar que
com um sistema de telhas, os agricultores às vezes contavam com um recurso que não
possuíam, gerando conflito entre si e um mercado de águas paralelo. O sistema se afigura não
eficiente, já que não admite variação da vazão das fontes.
6.4 Análise da situação atual
Durante a pesquisa de campo houve registro de usuários que relataram que seus
sítios, localizado mais distante da nascente, não recebe as telhas d’água, portanto, por situação
alheia às suas vontades, não usufruem o direito de uso que se dizem possuidor. Afirmam que
o fato decorre dos encanamentos ao longo do percurso das águas da fonte que desviam e
desperdiçam as mesmas quando na condução para diversas outras propriedades, cujos
usuários não possuem título de propriedade do recurso água.
77
Indagado sobre a possibilidade de reivindicar os direitos que se julgam possuidores
perante a justiça, informam que esta é muito morosa o que significa prejuízos nos negócios.
Diante da irregularidade e insignificância do volume que chega às suas propriedades.
Determinado irrigante apontou a necessidade de desenvolver projeto de irrigação para
plantação de uva e produção de vinho, sendo que optou pela alternativa que entendeu mais
célere, pois o custo da espera da definição judicial sobre o direito de propriedade da água se
apresentou como sendo muito alto em comparação ao potencial de lucro. De forma que
buscou a outorga junto a COGERH, tentando pelo menos, ter a garantia do recebimento do
recurso e evitar maiores prejuízos.
Observa-se que outros proprietários à jusante e que passam por situações
semelhantes estão divididos entre também buscar a outorga junto a COGERH – para que esta
garanta a água de que necessitam para continuar suas atividades econômicas – ou
questionarem seus direitos de proprietários do direito de uso da água perante o Poder
Judiciário.
As entrevistas demonstram que os proprietários com direito de uso da água dividem-
se em dois distintos grupos: os que recebem e os que não recebem o recurso hídrico em seus
sítios. Os primeiros – usuários que possuem títulos de propriedade e que usam e fruem do
recurso – não reconhecem o domínio do Estado em nenhuma hipótese, sobre o direito de uso
da água; enquanto os segundos – que não usam nem fruem dos recursos hídricos –
caracterizam-se por já buscar diálogo junto a COGERH.
A transição entre o modelo de 1854 – Mercado de Águas e o atual Modelo de
Negociação – tem gerado, de fato, insegurança na definição de quem seja o verdadeiro
proprietário ou titular do direito de uso da água. O que dificulta, ou não incentiva o
investimento privado e tem, portanto, importantes conseqüências no desempenho econômico.
Em pesquisa de campo não foi constatada a existência de nenhum outro sistema de
medição de vazão de água além do monitoramento de distribuição das águas de fontes através
das telhas. Alguns entrevistados observaram durante as entrevistas que para a COGERH
implantar o Modelo de Negociação na Região do Cariri, e considerando as peculiaridades
locais, deverá aperfeiçoar o modelo existente desde 1854 ou apresentar um novo modelo que
de maneira mais eficiente considere, no mínimo, a variação da vazão das fontes, à distância
entre as nascentes e os sítios, os obstáculos existentes durante o percurso das águas no
córrego, assegurando assim aos usuários a segurança na quantidade com valores razoáveis da
tarifa cobrada.
78
Outro aspecto importante, diz respeito ao direito a estas águas que até a atualidade,
foi transacionado como mercadoria por compra e venda ou herança. Os direitos são
atualmente divididos como mostrado no quadro abaixo:
Quadro 5 – Divisão legal atual das águas da Fonte Batateira.
Seção nº Localidade Proprietário
Direito de
nº de Telhas
Uso nº
Horas/Mês
1
Fonte
Batateira
- 8,0 -
3
Sítio Luanda
I
AABEC – Associação Funcionários do
Banco do Brasil no Estado do Ceará.
Antonio Luiz Barbosa Filho
0,5
0,5
*
48
4
Sítio Luanda
II
Aderson Tavares Bezerra 2,5 48
5 Belmonte
Maria Couto Pinheiro
José Gilberto Mendonça
Herdeiros Darival Cartaxo
2,0
2,0
2,0
276
276
*
7 Bebida Nova
Herdeiros Adauto Esmeraldo
Herdeiro Antonio Esmeraldo
Francisca Pedro da Silva
Heitor Muniz
Raimundo Sampaio
3,0
3,0
3,0
4,0
3,0
8 São Gonçalo
Maryland Teles de Melo Tavares
Antonio Almino de Lima
4,0
2,0
3,0
48
96
24
9 Bomfim Hagamenon Bezerra de Menezes 3,0 48
10 Lameiro
Aserson Flávio C. Alentar
Ossian Alencar Araripe
Maria de Lourdes da Silva
José Ulisses Peixoto
Almir Pimentel
Hebert Teles
Luisito de Freitas Macedo
2,5
2,5
2,5
4,0
*
*
3,0
240
208
32
*
*
*
12
11 - Maria Muniz 8,0 24
12 -
SAAEC – Sociedade Anônima de Água e
Esgoto do Crato
8,0 34
Fonte: Brito (2001).
* Não foi possível dar a precisão desse valor
79
¾ O registro público e os valores de comercialização do direito de uso da água
Observa-se que efetivamente os direitos de propriedade de uso da água se encontram
registrados em cartórios públicos da cidade do Crato conforme cópia em Anexo das escrituras
públicas identificadas.
Um registro cartorário que chama atenção é a transferência do direito de uso de água
no ano de 1999, referente à comercialização efetuada entre uma proprietária de engenho de
cachaça e a SAAEC. Segundo Brito (2001), a proprietária recebeu R$ 7.000,00 (US$
3.824,70) da prefeitura do Crato e R$ 7.500,00 (US$ 4.097,89) da Companhia de Águas,
totalizando R$ 14.500,00 (US$ 7.922,59). A proprietária, para formar o preço negociado,
equiparou o preço do metro cúbico de água ao gasto de se construir um poço profundo
instalado com a mesma vazão. O fato do município do Crato negociar com um particular,
culminando com o pagamento do direito de uso do recurso hídrico, evidencia a
desconsideração da legislação nacional e estadual posto que, à época da referida negociação
(ano de 1999), já havia previsão de que o domínio sobre o recurso hídrico seria público.
Para fins comparativos se apresenta nos Quadros 5 e 6, respectivamente, os últimos
valores de negociações praticados no Mercado de Águas da Fonte Batateira e dos valores
cobrados pela COGERH.
Quadro 6 – Preço da água praticado na Fonte Batateira.
VALOR COMERCIALIZADO
PREÇO POR m³
ANO
VOLUME DE
ÁGUA (m³/mês)
Direitos eternos
R$ US$
(1)
R$ US$
1996 2.332 5.000,00 4.974,79 2,14 2,13
1999 12.240 100.000,00 55.104,53 8,17 4,50
2000
(2)
8.640 120.000,00 65.566,31 13,88 7,58
Fonte: Brito (2001).
(1) Para dolarização, utilizou-se o valor médio anual do dólar nos respectivos anos.
(2) A transação não se concretizou.
80
Quadro 7 – Tarifa de água bruta por m³/mês cobrada pela COGERH.
TIPOS DE USOS VALOR (R$) VALOR (U$)
(¹)
Industrial 0,803 0,2676
Saneamento no Interior 0,026 0,0086
Saneamento Região Metropolitana de Fortaleza 0,055 0,0183
Irrigação – Canal do trabalhador 0,0056 0,0018
Irrigação – Vale do Acarape 0,0056 0,0018
Irrigação – Adutora Quixadá 0,0056 0,0018
Fonte: COGERH (2004).
(¹) Foi utilizada a média mensal dos 6 últimos meses de 2004.
Comparando-se os valores praticados pela COGERH (Quadro 7) com os praticados
no Mercado de Águas da Fonte Batateira (Quadro 6), se percebe que este último está acima
dos comercializados por aquela companhia, inclusive para o uso industrial, que tem o valor
mais elevado. Utilizando-se o método comparativo, aqui se confirma uma das hipóteses
levantadas, no início da presente dissertação: os valores praticados no Mercado de Águas da
Fonte Batateira são superiores aos valores atualmente comercializados pela COGERH.
¾ Percepções dos atores e dos poderes constituídos da cidade do Crato quanto ao
momento de transição entre o Modelo Negociação e o Modelo de Mercado de Águas,
especialmente, quanto ao domínio ou direito de uso da água da Fonte Batateira
a) Magistratura
No intuito de investigar o entendimento da magistratura local sobre o que havia sido
confirmado em cartório, se tomou conhecimento dos autos de um processo que tramita junto à
2ª vara da comarca do Crato. Trata-se de uma ação denominada Ação de Retificação de
Registro Imobiliário – iniciada em janeiro de 2001 – em que os requerentes são Fazenda
Gomes de Matos e Heitor Muniz Gomes de Matos, intitulando-se “legítimos co-proprietários
das águas da Fonte Batateira”.
E mediante à alegação de que o referido pedido era “[...] para maior clareza da
escritura pública e segurança do domínio, desejam fazer nos respectivos registros públicos a
retificação relativa a proporção das águas que possuem nos referidos sítios atinentes à Fonte
da Batateira.”.
81
Em maio de 2003, o juízo da Comarca do Crato intima a COGERH para se
manifestar sobre o conteúdo do pedido dos requerentes. A COGERH se manifesta explicando
sua natureza jurídica e que a partir da Lei n° 9.433/97 houve a extinção da apropriação
privada exclusiva, ficando, portanto, revogadas as disposições do Código da Águas sobre
águas particulares”. Informa também que existe uma gerência da COGERH no Crato e da
necessidadede pedido de Outorga – meio legal que os requerentes necessitam para terem
direito ao uso das águas da Fonte da Batateira”.
Em entrevista, o juiz Dr. Francisco José Mazza Siqueira – titular da 2ª vara da
comarca do Crato – foi indagado quando seria exarada a decisão final sobre o pedido da
Fazenda Gomes de Matos e de Heitor Muniz Gomes de Matos. Obteve-se a afirmação de que
a demora decorria da necessidade de “prudência, de um período de maturação, objetivando
um posicionamento final seguro”.
Por impedimento legal o magistrado acima mencionado estava impossibilitado de
fornecer maiores informações sobre o juízo que ainda está formando sobre a questão. Não
pôde oferecer maiores detalhes sobre o convencimento que está formando, porém observou,
no decorrer da entrevista, que a água no Brasil e no mundo já é objeto de cobiça econômica.
Destacou que não é à toa que organismos internacionais como o Banco Mundial chegam a
fazer altos investimentos e os governos de muitos países já buscam privatizar os referidos
recursos e afirmou: “Já é uma realidade mundial a busca pelo controle da água”.
Até a conclusão do presente trabalho não havia decisão final sobre a Ação de
Retificação de Registro Imobiliário anteriormente mencionada.
Todavia, considerando que referida ação judicial foi iniciada em 2001, portanto,
posterior à lei que instituiu a nova política de recursos hídricos, e que durante o período de
conclusão do presente ensaio, não se tomou conhecimento de nenhuma outra ação ou pedido
semelhante levado a juízo, fica claro que dependendo da sentença que for exarada pelo juízo
da 2ª vara, trará consigo um entendimento que poderá conter uma força modificadora na
percepção daqueles que se consideram donos legais da água. A partir da sentença exarada pela
magistratura local firmar-se-á posicionamento judicial quanto à subsistência ou não do direito
de propriedade relativamente aos recursos hídricos naquela localidade. O entendimento
provavelmente será de que o Mercado de Águas do Crato confronta diretamente à Política de
Recursos Hídricos adotada pelo Estado do Ceará impossibilitando assim as transferências
definitivas e temporárias do direito de uso da água; bem como forçará que os antigos
proprietários de fontes ou de qualquer outro corpo de água deverão se adequar ao novo
82
regramento constitucional e legislativo passando à condição de meros detentores dos direitos
de uso dos recursos hídricos, desde que obtenham a necessária outorga prevista na lei.
b) Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Sub Secção do Crato – e Presidente do
Comitê da Sub-Bacia Hidrográfica do rio Salgado
Ambos foram unânimes em afirmar que o Modelo de Negociação traduz uma ruptura
com um modelo e política tradicional, trazendo consigo também uma necessidade de ajustes
estruturais que passa pela interferência de múltiplos atores e grupos de interesses diversos,
bem como da vontade e determinação das lideranças políticas locais; e que o Modelo de
Negociação ora posto pelo ordenamento jurídico, deverá desenvolver uma trajetória evolutiva
e adaptativa, principalmente no caso peculiar instalado no Cariri.
c) COGERH – Agência Executiva da Política Estadual de Recursos Hídricos do Ceará
Desde o ano de 2000 encontra-se instalada a gerência da COGERH na cidade do
Crato, que na qualidade de agência executiva da política de recursos hídricos, ora busca
implementar as ações necessárias ao atendimento da referida previsão legal. Todavia, segundo
o gerente da COGERH consta que não existe uma participação efetiva dos usuários com
títulos de propriedade de direito de uso na formação do comitê de usuários. A participação
mais efetiva é de entidades públicas e civis.
O gerente da COGERH, José Yarley de Brito Gonçalves, possui origens na região do
Cariri, afigura-se conhecer profundamente os problemas decorrentes de um modelo
tradicional que está em transição com o Modelo de Negociação. Por possuir credibilidade
pessoal perante a comunidade local muitas vezes exerce papel de mediador em conflitos que
se instalam sobre o direito de uso da água; recebe pedidos para realizar reuniões para
esclarecer à sociedade sobre o instrumento de gestão (a outorga).
Perguntado sobre as maiores dificuldades encontradas pela COGERH para a
implementar um sistema de gerenciamento num quadro institucional existente que considera o
domínio da água privado, a resposta equilibrada e cautelosa foi de “que a maior dificuldade
consiste em montar/construir um modelo (que ainda não existe) adequado à necessidade dos
usuários de água, com eficiência e fundamentados com equilíbrio nos aspectos legais atuais e
antigos”.
83
Indagou-se também sobre a existência de disposição a pagar uma tarifa de água por
usuários de água da Fonte Batateira que se consideram os donos da água e que possuem
títulos de propriedade da mesma. Obtivemos a afirmação positiva de que referidos usuários
pagariam a tarifa, desde que o novo modelo atenda as necessidades dos mesmos. Justifica a
sua resposta fundamentada no fato de que os usuários não estão mais controlando a água
como no passado. Porém, destaca que haverá resistência para o pagamento da tarifa junto
àqueles usuários que possuem a cultura de que a água é infinita.
Uma vez perguntado se acha que o modelo de negociação ao ser implantado na Fonte
Batateira será mais eficiente que o Modelo anterior, adotado por força da Lei n.º 645 de
17/01/1854 informou que assim espera. Justificou sua resposta no fato de que ora existe uma
nova realidade de uso econômico, legal e ambiental.
Quanto aos aspectos positivos no sistema datado de 1854 que possam coexistir com o
modelo atual instituído pela Lei n.º 9.433/97 que trata da Política Nacional de Recursos
Hídricos apontou a gestão participativa que era prevista no modelo anterior, porém, destacou
que seria ideal se houvesse a interveniência do Estado (característica do modelo atual).
Destacou que deveria também ser “respeitados os direitos dos antigos proprietários”.
d) Usuários de água com título de propriedade de direito de uso
Quando os usuários com título de propriedade são indagados sobre a existência e
mudanças introduzidas através do novo modelo adotado pela política nacional e estadual de
recursos hídricos, os mesmos indicam que se opõem firmemente à introdução de tarifas
d’água. Segundo eles, a tarifa inviabilizaria a produção, já que os custos pra produzir ficariam
muito altos. Por outro lado há a confiança na legalidade e vigência dos títulos de propriedade
dos quais são possuidores. Maior parte demonstra estar tranqüilo de que apesar da nova
legislação ainda são protegidos por direitos adquiridos.
Porém, ainda em pesquisa de campo, foram identificados proprietários que não
obstante possuírem título, não recebem as telhas de água que se dizem possuidores. Observa-
se que o gerenciamento das águas através do Mercado de Águas atravessa muitas dificuldades
na atualidade.
Quando questionados sobre o que fazer para promover o desenvolvimento e
aumentar a eficiência no uso das águas na região a resposta mais freqüente é que deveriam
84
fiscalizar, proibir as captações irregulares de águas por parte daqueles que não possuem
direito de uso da água Outros sugeriram construir uma canalização em concreto para evitar os
desperdícios da água durante o escoamento. A percepção da eficiência não parece estar
relacionada à eficiência no uso individual vez que fazem uso da irrigação do tipo inundação –
que desperdiça muita água conforme registrado neste trabalho no item 5.3.1.4.1. Alguns
entrevistados passaram a percepção de que a água é um recurso infinito.
Não há uma organização ou associação entre os usuários com títulos de propriedade,
onde possam coletivamente discutir problemas e buscar soluções, tais como para a situação de
recuperação de áreas degradadas.
Registrou-se que diante de uma dessas situações difíceis, determinados proprietários
buscam individualmente a COGERH julgando esta instituição como garantidora do
fornecimento da água e do direito de que se achava possuidor. Todavia, quando informados
da realidade da nova legislação indagaram sobre a possibilidade de receber indenização.
Diante da resposta negativa por parte da COGERH e em face da necessidade urgente do
recebimento do recurso hídrico para implementar projetos de irrigação, e ainda diante da
possibilidade de acumular prejuízos, alguns acabam cedendo e pedindo a outorga. Essa é
considerada uma escolha difícil, em geral, para os usuários com título de propriedade vez que
para estes pedirem outorga significará ter que desembolsar pagamento de tarifa, ou seja, pagar
novamente por algo que segundo os mesmos, já lhes pertence por direito. Assim, relutam em
vislumbrar a possibilidade de incorporar esse custo da tarifa no produto final que desejam
produzir.
Buscando a percepções dos entrevistados sobre o que fazer para que a COGERH
obtenha sucesso na implantação de um novo modelo de gestão, a maioria das respostas,
obtivemos respostas no sentido de que esta Companhia deveria provar inicialmente as
vantagens no pagamento da tarifa, agindo assim todos os conflitos estariam resolvidos.
85
6.4.1 Análise: aspectos do plano de negociação x mercado de águas e recomendações
para uma possível proposta na solução de conflitos pelo direito de uso da água
entre o Estado do Ceará e o particular usuário com título de propriedade da água
na Região do Cariri-CE
¾ Da inviabilidade de coexistência e diferenças entre modelos de gestão de águas:
Mercado de Águas x Modelo de Negociação.
Com base em tudo o que foi apresentado e discutido este estudo vislumbra que os
requisitos institucionais - regras para impacto sobre terceiros, autoridade administrativa,
mecanismos de negociação coletiva, mecanismo de fiscalização, associação de usuários de
água, sistema de distribuição física – para o Mercado de Águas e para o Modelo de
Negociação são muito semelhantes.
Segundo leciona Randall (1987), os requisitos institucionais são as regras do jogo ou
instituições dentro das quais são tomadas as decisões conforme definiu Kemper (1997).
Muitos supõem que os mercados funcionem automaticamente, sem os arranjos institucionais
necessários. Certamente um bem como a água possui características típicas referentes ao uso,
variações espaciais e temporais que a diferenciam substancialmente em relação aos demais
bens de consumo. Em princípio, os arranjos institucionais entre o Modelo de Negociação e o
Mercado de Águas não parecem ser muito diferentes. Porém, o cenário socioeconômico e
cultural é que definirá o modelo que será escolhido como ideal. No ano de 1854 o cenário na
Região do Cariri para adoção de direitos de propriedade transferíveis era extremamente
favorável. Enquanto que hoje diante de um cenário de escassez aliada à necessidade premente
da produção de bens de consumo em que a água funciona como insumo, exige-se, em nome
de um bem estar maior, que a propriedade cumpra cada vez mais a sua função social. Dentro
do escopo da presente dissertação ora se aponta o mecanismo de negociação participativa
como o aspecto da experiência desenvolvida no Cariri que pode coexistir com o modelo ideal
a se delinear e implantar naquela região. O mecanismo de negociação participativa também
foi apontado pelo Gerente da COGERH/Crato como possível de coexistir em qualquer
modelo que venha a ser delineado para o cenário atual no Cariri, porém destacada a
participação do Estado como um dos atores das negociações.
86
Considerando ainda a grande quantidade de fontes existentes – 348 catalogadas - e a
fragilidade no sistema de distribuição física de água – cujo modelo data de 2000 anos atrás -
conclui-se que referido sistema de distribuição pode até ser aproveitado, porém, altos
investimentos deverão ser previstos no modelo a ser implantado para proporcionar maior
eficiência e bem estar no uso do recurso.
Quanto à diferença entre os dois modelos se constatou que no Modelo de Mercado os
direitos de uso da água devem ser transferíveis e no Modelo de Negociação deve haver um
fórum de negociação conforme apresentado no presente trabalho, precisamente, no Quadro 2
– Resumo sobre os pontos similares entre Modelo de Negociação e o Mercado de Águas.
Conforme já exposto anteriormente em termos de requisitos institucionais os Modelos de
Negociação e Mercado de Águas em muito se assemelham. Porém, ainda considerando os
direitos de transferência do uso da água bem como o fato do Modelo de Negociação no Brasil
decorrer de uma imposição legal é que se conclui a inviabilidade da coexistência de modelos
diferenciados de gestão de águas. Ou seja, não existe espaço legal institucional para o Cariri-
Ce continuar dentro de uma estrutura de mercado de direito de uso da água. Não obstante para
o Modelo de Negociação se recomenda uma implantação gradual e por meio de uma política
de gestão de recursos hídricos em sintonia com a realidade atual da sociedade local e
peculiaridades intrínsecas da região do Cariri. Assim é que se poderão alicerçar possíveis
alternativas que se coloquem para enfrentar o desafio da transição de um modelo Mercado de
Águas para um Modelo de Negociação sem conflitos.
A situação atual do Mercado de Águas da Fonte Batateira se apresenta:
a) com aumento de custos pelo uso ineficiente da água gerando resultados de uma baixa
produtividade e conflitos;
b) o referido modelo de comercialização da água não garante o investimento em
projetos do setor que reduzissem as incertezas no acesso;
c) não existem indícios de que a reeducação e o condicionamento do uso correto do
recurso água estão sendo praticados;
d) inexistência da garantia de titularidade sobre o direito de uso da água.
87
De forma que este é um cenário que incentiva, na prática, a implementação do Modelo
de Negociação, mas é evidente que os usuários de uma forma geral necessitam de mais
informações, mais transparência, principalmente, quando da implantação dos instrumentos de
gestão outorga e cobrança. Destacando aqui que a cobrança da água tem que gerar maior
eficiência, e não somente gerar renda para o Estado. No entanto, fica clara que o processo é
lento bem como há necessidade de continuidade política no que se refere às mudanças no
Cariri.
¾ Passos Iniciais para implantação do modelo ideal de gestão para a Região do Cariri
O Estado do Ceará, através da sua agência executiva COGERH, que tem papel
fundamental no presente momento de transição de modelos, e para desenvolver bem sua
missão no gerenciamento dos recursos hídricos não só na Fonte Batateira, mas em toda a
Bacia do Salgado, onde se localiza a Região do Cariri, é que se recomenda que àquela agencia
deva além de adotar os requisitos institucionais do Modelo de Negociação - caracterizado por
possuir: Direitos de Propriedade intransferíveis, Regras para impacto sobre terceiros,
Autoridade Administrativa,Mecanismo de Negociação Coletiva, Mecanismos de Fiscalização,
Associação de Usuários de Água, Sistema de Distribuição física ambos previstos no Quadro
4.3.1.4.1.1 do presente trabalho – adote também seguintes passos iniciais a seguir sugeridos:
a) proceder em conjunto com o Comitê de Bacia do Salgado a estudos a fim de
divulgar e debater os programas prioritários de serviços e obras a serem
realizados no interesse da coletividade, definindo objetivos, metas, benefícios,
custos e riscos sociais, ambientais e financeiros;
b) minimizar falhas no processo de gestão referentes a possíveis fatores limitadores
da atividade de concessão de outorga, que necessita de conhecimento voltado
para o real potencial de disponibilidade de água, reduzindo também as incertezas
no tocante à condição de sub ou super-explotação do aqüífero daquela região,
sendo que para isso deverá ser realizado levantamento cuidadoso dos recursos
disponíveis desenvolvendo ações e objetivando a contratação de serviços para a
implantação de sistemas de monitoramento, que deverá ter como base estudos
hidrogeológicos para definição dos potenciais do aqüífero do Cariri. Os
88
resultados desses estudos possibilitarão a prática dos mecanismos de outorga de
maneira efetiva. A previsão legal de que o Estado do Ceará deve outorgar os
recursos hídricos vem atrelada à obrigação de monitorar esses recursos, bem
como a certeza da impossibilidade de outorga de volumes fixos em longo prazo
visto a variação da vazão já confirmada em resultados de Kemper et al (1996),
nos quais a fonte Batateira chegaria a secar aproximadamente em 2025; e
resultados de Studart (1991) de que há sazonalidade da ordem de
aproximadamente 5 meses nas fontes do Cariri. Afinal, a função da outorga é
ratear a água disponível entre as demandas existentes ou potenciais, a fim de
alcançar melhores resultados à sociedade. Estando, portanto, atrelada ao
crescimento econômico (abastecimento industrial), à eqüidade social
(abastecimento público) e à sustentabilidade ambiental (manutenção da vazão
mínima do curso de água – vazão ecológica);
c) adoção de Plano de Negociação – O Estado do Ceará/COGERH deve manter
diálogo, entendimentos permanentes, cooperação e eventual conciliação entre os
usuários com ou sem títulos de direito de uso da água. Recomenda-se que a
estratégia para os entendimentos deve se nortear pelo “plano de negociação”
proposto por Lanna (2001), no qual leciona que toda negociação deve ser feita,
inicialmente, em nível de negociação mais baixo, coerente com o foco analítico
da presente dissertação que visa ao entendimento de que se uma negociação pode
ser feita em nível de negociação política direta ou local, por que levar para o
nível de negociação jurídica que é um nível mais alto?
Alguns aspectos e a ordem do plano de negociação estão descritos a seguir.
Negociação Econômica - ocorre no âmbito de mercados de compra e venda. A
expressão de valor é o preço. O instrumento de transação é o dinheiro. São admitidos a
propriedade privada dos bens e que seus proprietários possam controlá-los e transacioná-los.
Outra característica do Plano Econômico é que o comprador potencial para satisfazer seu
consumo deve pagar o preço de mercado.
No caso estudado existe a obrigatoriedade da intervenção estatal no gerenciamento
ambiental considerando a necessidade que os recursos hídricos têm de serem protegidos.
Segundo Lanna (2001), estes bens não possuem preço no mercado, em valores econômicos,
que orientem o processo de negociação social que envolve sua produção e consumo. No
89
entanto, assumem valores expressivos para a sociedade. No estudo da situação ocorrida na
região do Cariri em que se deu a formação do Mercado de Águas da Fonte Batateira, e face à
necessidade de adequação ao Modelo de Negociação o Estado do Ceará, deve-se usar como
estratégia inicial compreender a fundo todos os aspectos relativos ao funcionamento de
mercado, tentando constatar a eficiência ou ineficiência do Mercado de Águas.
Nesse sentido, para solucionar os conflitos pelo direito de uso da água existente entre
o Estado do Ceará e os particulares usuários com título de propriedade da água na região do
Cariri-CE, recomenda-se:
- organizar fórum de debates, em que o Estado do Ceará participe através da sua
agência executiva de águas COGERH;
- apresentar o atual modelo de gerenciamentos de recursos hídricos, bem como os
respectivos instrumentos de gestão;
- utilizar-se de argumentos econômicos atuais, tais como os cenários de oferta e
as demandas a serem atendidas, comprovando para os usuários (a exemplo do
que foi desenvolvido nesta dissertação) que os valores praticados no Mercado
de Águas da Fonte Batateira são superiores aos valores atualmente
comercializados pela COGERH;
- demonstrar e comprovar a baixa eficiência na divisão dos direitos do uso da
água que são baseadas em telhas – todavia a atual vazão da Fonte Batateira não
alcança mais o número inscrito no título de propriedade – destacando, que além
de não existir o controle do volume de água utilizado na irrigação das culturas
esta situação ainda é agravada vez que é utilizada técnica de inundação,
reconhecidamente voltada para o desperdício da água.
- Apresentar estudos com alternativas de novas culturas e outros canais de
comercialização que assegurem a venda de frutas produzidas, que consumam
menos água e que dêem maior retorno financeiro que a cana de açúcar, por
exemplo.
Negociação Política Direta – Abriga as negociações que são realizadas diretamente
entre as partes envolvidas – Estado do Ceará através da COGERH e os usuários: irrigantes,
saneamento, poder público federal e municipal, sociedade civil organizada.
90
O problema na viabilização da negociação social neste plano ocorre devido à
diversidade regional e temático inerente às questões tratadas. Aponta-se como solução a
descentralização através do Comitê da Bacia Hidrográfica do Salgado – instância de
negociação em âmbitos reduzidos, porém mais próximos dos problemas gerenciais a serem
tratados, que usando de convencimento poderá restringir ou induzir as partes a encontrarem
soluções no atual momento de transição de modelos de gestão de recursos hídricos.
Negociação Político-Administrativa – Negociação promovida no âmbito dos
poderes executivos – municipal, estadual e federal – cujos instrumentos são as determinações
administrativas emanadas do titular ou de seus subordinados. A legitimidade para as
determinações e execução, visando o bem comum, decorre do voto que elegeu o executivo e o
seu programa de governo.
Negociação Jurídica – A negociação social no plano jurídico é apontada no plano de
negociação como o de hierarquia mais alta e vincula todos os demais planos. A Constituição
Federal do Brasil de 1988, bem como as constituições estaduais, fornecem as diretrizes gerais
para a negociação. A característica essencial deste tipo de negociação é o fato de que a norma
legal estabelece as condições de contorno para as negociações, ou seja, os limites e restrições.
Porém, haja vista ser impossível a previsão de todos os casos, a norma legal freqüentemente
torna-se omissa na especificação das decisões a serem tomadas caso a caso. Isso cria a
demanda, seja para a interpretação da norma legal quando o processo de negociação ocorre
nesse plano, seja para a remessa da negociação aos planos menos abstratos.
Quanto mais alta na hierarquia mais complexa e mais difícil à negociação, de modo
que no caso específico aqui estudado há a possibilidade de se chegar a esse nível, vez que na
região do Cariri persiste a necessidade de acomodação no que diz respeito à restrição do
direito de propriedade dos usuários de água com título de propriedade. Na oportunidade, a
ação judicial denominada “argüição de descumprimento de preceito fundamental” poderá,
futuramente, se for o caso, contemplar de forma definitiva e solver controvérsias sobre a
legitimidade do direito ordinário pré-constitucional - artigo 58 da Resolução Provincial n.º
645 com fundamento de validade na Constituição Federal de 1824 e que partilhou as águas da
Região do Cariri entre os foreiros - em face da atual Constituição Federal Brasileira de 1988.
91
7. CONCLUSÃO
É razoável dizer que a questão da gestão dos recursos hídricos no Cariri é bem mais
complexa do que se imaginava e que as realidades desta região são muito diferentes se
observadas sob as óticas da cultura e dos recursos naturais. No Ceará, como um todo,
encontram-se áreas densamente povoadas, sofrendo com a escassez de água e dependendo
exclusivamente das águas das chuvas, que são irregulares. No Cariri constata-se a abundância
dos recursos hídricos aliada à cultura do desperdício.
O fato de não existir uma idéia clara, pronta e acabada sobre o ideal modelo de
gestão dos recursos hídricos para o Cariri, não significa inexistir, nesta fase, uma consciência
da necessidade de se formular um modelo.
Dentro do objetivo geral desta dissertação conclui-se o que deve ser feito para não se
entravar o sucesso na implantação de um modelo ideal de gerenciamento de recursos hídricos,
a partir da realidade da Fonte Batateira, Cariri – CE, e na perspectiva do conhecimento dos
aspectos econômicos e legais, deve-se passar, necessariamente, pelos pontos abaixo,
delineado:
I. repartição dos custos e benefícios entre toda a população;
II. desenvolvimento de condições logísticas apropriadas para distribuir as águas das
fontes do Cariri;
III. estruturação e fortalecimentos de sistemas participativos de resolução de
conflitos, com o fortalecimento dos Comitês de Bacias e Associações de
Usuários;
IV. desenvolvimento de formas efetivas de organização da Bacia do Salgado e de
como o Governo Estadual atuará, através de seus investimentos e de seus
mecanismos de arbitragem sobre o sistema de recursos hídricos que busca
implantar na região do Cariri.
Há de se destacar ainda, que um sistema de recursos hídricos é, antes de tudo, um
sistema social, por isso sua trajetória sofre interferências de múltiplos atores e de grupos de
interesses diversos.
92
Dentre os muitos percalços naturais a enfrentar na construção de um modelo de
gestão próprio, está a acomodação da situação referente à restrição ao direito de propriedade
dos usuários de água da região do Cariri que demandam esclarecimento quanto à validade dos
títulos de propriedade sobre o direito de uso da água que pertencem a particulares desde 1854,
instituído sob antiga ordem jurídica (artigo 58 da Resolução Provincial n.º 645, de 17 de
janeiro de 1854) e sob a égide da Constituição de 1824, a qual adotava um modelo de partilha
das águas e que concedia o direito de uso e posse das principais fontes e que culminou com
um Mercado de Águas. Ademais, consoante registros de Marx (1989), a origem das
desigualdades entre os homens decorre da propriedade privada, uma vez que esta se associa
ao lucro, ao trabalho e à mais-valia. Portanto, a problemática que envolve o direito de
propriedade na região do Cariri deverá desenvolver trajetória evolutiva e adaptativa,
adequando-se sua realidade ao atual modelo de alocação de água; porém, firmado no
consenso da comunidade local sobre a realidade legal.
Há ainda de se considerar que os proprietários com títulos de direito de uso da água
negociavam estes direitos e faziam registros de tais negócios até recentemente no cartório
público da cidade do Crato, mesmo com o novo regime jurídico informando que o direito de
uso do recurso hídrico é público e não existe direito adquirido em face da constituição que se
sobrepõe a todas as leis infraconstitucionais, incluindo, portanto, a própria Lei de Registros
Públicos.
Afigura-se que além do direito de propriedade privada, levantada pelos proprietários
com títulos de direito de uso da água, desenham-se aqui outros interesses constitucionalmente
protegidos – concretamente o direito do ambiente ou da água, portanto, trata-se de direito de
imediato efeito na vida humana; tais direitos, aparentemente, colocam-se aparentemente
conflitantes. Ambos se colocam como representativos de um interesse geral, ou um
verdadeiro interesse da comunidade; pertinente, assim, o controle de constitucionalidade da
norma ordinária anterior em face da atual Constituição Federal de 1988, de forma que o
impasse determinado pela situação concreta na Região do Cariri, poderá ser dirimido através
do novo instituto da argüição de descumprimento de preceito fundamental (artigo 102, § 1º,
CF), criado pela emenda constitucional n.° 3, de 17
de março de 1993, e regulamentado pela
Lei n.° 9.882, de 3 de dezembro de 1999.
Assim, esta pesquisa conclui que o consenso sobre todos os impasses que surjam
durante a construção de um modelo ideal de gestão de recursos hídricos para a região do
Cariri deverá ser construído sem se desviar dos caminhos e da ordem da negociação
93
econômica, política direta, política administrativa e somente quando não houver mais jeito,
em última instância, é que se recorra ao plano de negociação jurídica.
Para que entraves não atrapalhem a implantação efetiva das normas dispostas na
Política Estadual de Recursos Hídricos, faz-se necessário ainda à cautela e à reflexão de
alguns tópicos que podem ser considerados hoje os maiores empecilhos da aplicabilidade da
Política Estadual de Recursos Hídricos:
- o modelo descrito na Lei das Águas é inovador, portanto, é necessária a
adaptação das legislações preexistentes e da postura e comportamento dos agentes públicos,
para que sejam receptivos à parceria com os usuários e demais setores interessados nas
questões hídricas na gestão desses recursos;
- a implantação do gerenciamento dos recursos hídricos, por mais que urgente,
deve ser um processo progressivo, gradual, em consonância com as peculiaridades e
condições de cada região e bacia hidrográfica;
- deve ser respeitada a capacidade de adaptação de cada região à legislação
estadual, sem a imposição de aplicação imediata de todos os instrumentos, mas sim,
procurando-se estágios intermediários de desenvolvimento do gerenciamento dos recursos
hídricos, com fito de garantir a implementação plena da Política Estadual de Recursos
Hídricos e a conservação da águas;
- a cobrança pelo direito dos usos e instrumento de gestão deve ser aliada a um
investimento realizado pelo poder público visando incrementar disponibilidade hídrica em
quantidade ou qualidade, pois o usuário paga pela melhor gestão dos recursos hídricos, além
de compensar a sociedade pelo uso privado de um recursos. A cobrança deve ser adotada
como instrumento de promoção de maior eficiência do uso da água, sinalizando sua escassez
ao usuário (LANNA, 2001);
- a gestão compartilhada das águas surge como força modificadora, capaz de
transformar uma realidade preocupante num futuro cheio de possibilidades. Nesse contexto,
não há espaço para o usuário espectador, à espera de propostas surgidas nas esferas
governamentais. A nova ordem é a busca de alternativas pelo cidadão ou grupo de cidadãos,
considerando-se as necessidades e dificuldades vivenciadas pelas próprias comunidades.
O domínio dos recursos hídricos, dessa forma, está muito mais próximo do dever de
zelar do que de exercer o poder sobre algo. Esse poder, no sentido de propriedade, dá lugar à
94
responsabilidade pela condução do gerenciamento das águas. É dessa forma que a função
social, como conceituada, é tratada na Constituição. Portanto, justifica-se pelo entendimento,
também aqui afirmado, de que toda a riqueza produtiva tem uma finalidade social e
econômica a realizar.
A nova visão do mundo revela um momento histórico, em que a propriedade, nessa
linha, passa a ser um bem de produção, que se traduza em uma melhor e substancial qualidade
de vida do ser humano em todos os sentidos e não apenas em um bem patrimonial. Assim, o
domínio dos recursos hídricos está muito mais próximo do dever de fazer do que o exercer o
poder sobre algo. Esse poder, no sentido de propriedade, dá lugar à responsabilidade pela
condução também do gerenciamento da água.
95
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99
APÊNDICES
100
APENDICE A
ENTREVISTA APLICADA NESTA PESQUISA JUNTO AOS ANTIGOS
DETENTORES DOS DIREITOS DE ÁGUA DA FONTE BATATEIRA – CRATO/CE
1. INFORMAÇÕES PESSOAIS
Nome do Entrevistado
2. INFORMAÇÕES SOBRE A PROPRIEDADE
Possui alguma propriedade na Região? Tipo: Tamanho:
Localização: Nome do imóvel:
Em que ano o Senhor adquiriu a sua propriedade? Como a adquiriu? ( ) Herança Compra
( )
O Senhor tem direitos sobre a água? Sim ( ) Não ( )
Qual o volume que tem direito?
O Senhor tem como comprovar esse direito? Sim ( ) Não ( ) Como?
O Senhor registrou o seu direito de propriedade? Sim ( ) Não ( ) Onde?
O direito de divisão das águas da fonte já existe há 150 anos Como o Senhor explica esse
sistema durar por tanto tempo?
O Senhor mede o volume da água que recebe? Sim ( ) Não ( ) Como?
Em caso afirmativo, como faz essa medição?
Existe algum tipo de fiscalização? ( ) Sim ( ) não
Em caso afirmativo, que tipo de fiscalização?
Qual o tipo de uso da água:
( ) Irrigação
Qual o volume:___________________
( ) Consumo humano
Qual o volume:____________________
( ) Outros:__________
Qual o volume:_____________________
3. INFORMAÇÃO SOBRE ASPECTOS SOCIAIS
Existem quantos usuários da água da fonte da Batateira?___________
101
Existe algum tipo de entidade associativa de usuários da fonte da Batateira:
( ) Cooperativa ( ) Sindicato ( ) Associação
Em caso afirmativo, o Senhor participa das reuniões periódicas para discutir assuntos
relacionados à fonte? Sim ( ) Não ( ) Por que?
4. INFORMAÇÕES GERAIS
O Senhor cultiva para consumo próprio ou para venda?
Onde o Senhor vende os seus produtos. Com quem negocia?
O Senhor tem outra atividade econômica?
Quais os tipos de cultura o Senhor trabalha?
Como o Senhor escolheu o tipo de cultura para trabalhar?
( ) Valor de mercado ( ) Tipo de Solo ( ) Facilidades de conseguir sementes ( )
Outros__________________________________________________
O Senhor já pensou em trabalhar com outro tipo de cultura? Sim ( ) Não ( ) Por que?
A água da fonte influencia na elevação do valor da terra?
( ) Sim ( ) Não
O volume da água recebida na sua propriedade influencia na escolha do que o Senhor planta?
5. IRRIGAÇÃO
Tipo de cultura plantada: _______________ Área ocupada:________________________
Área irrigada: _________________________
Qual o tipo de irrigação que o Senhor utiliza? ( ) Nenhuma ( ) Gotejamento
( ) Asperso ( ) Inundação
A sua área irrigada já foi maior?
( ) Sim ( ) Não
Em caso de resposta afirmativa, porque diminuiu?
6. UTILIZAÇÃO DA ÁGUA
Quando o Senhor não utiliza (não precisa), o Senhor comercializa a água?
( ) Sim ( ) Não
102
O Senhor percebe se nos últimos anos o volume da Fonte diminuiu? Sim ( ) Não ( )
O Senhor mudou o tipo de cultura por causa da variação do volume da Fonte?
O Senhor acha que a Fonte pode secar um dia?
Se a Fonte secar o que o Senhor faria?
O senhor disse que tem direito a ___________ de água. O Senhor utiliza toda essa água?
No caso de melhorar a eficiência da irrigação e diminuir o seu consumo de água, o Senhor
venderia a sobra?
O senhor pagaria por mais água?
Para melhorar o sistema, aumentar a eficiência e o aproveitamento melhor da água, o que o
Senhor recomendaria?
Quais as maiores agressões ambientais que o Senhor conhece nas proximidades da Fonte?
Existem maneiras de evitar as agressões citadas acima?
O que os usuários tem feito para minimizar essa poluição?
7. CONFLITOS POR CAUSA DA ÁGUA
O Senhor já ouviu falar da nova política para água no Estado do Ceará que define que a água
agora é pública? O que acha sobre isso?
Houve algum conflito por causa da água dentro ou nas proximidades da Fonte Batateira?
O Senhor já ouviu falar de outros conflitos na Região do Cariri?
O conflito pôde ser resolvido? Em caso afirmativo, como?
Como esses conflitos poderiam ser resolvidos?
8. DA GESTÃO DA ÁGUA
O Senhor sabe o que é Outorga para uso da água?
O Senhor sabe o que significa a sigla COGERH?
O Senhor pediria Outorga a COGERH? Sim ( ) Não Por que?
103
O Senhor já participou de alguma reunião realizada pela COGERH ou de algum Comitê para
discutir sobre água? Sim ( ) Não ( ) Por que?
Se o Senhor precisar de mais água. Como o Senhor procederia, com quem falaria?
O Senhor acha que o mercado de águas da Fonte Batateira um dia vai acabar? Sim ( ) Não ( )
Como? Por quê?
Caso seja obrigatório pagar pela água o Senhor pagaria? Sim ( ) Não ( ) Por que?
O que aconteceria com a sua cultura?
O Senhor consegue pensar em algum beneficio que decorreria do fato de pagar pelo direito de
uso da água ao Estado?
Em caso afirmativo, qual seria o (s) benefício (s)?
OBSERVAÇÕES:
OUTRAS INFORMAÇÕES:
104
APÊNDICE B
QUESTIONÁRIO APLICADO JUNTO AOS REPRESENTANTES DAS
INSTITUIÇÕES SELECIONADAS
NOME DO ENTREVISTADO: ________________________________________________
CARGO: ______________________________________________ DATA: ____/____/____
1) O Governo instituiu a Lei n.º 9.433 de 08/01/1997 que rege à Política Nacional de
Recursos Hídricos, na qual o direito de uso da água é do Estado. Como o senhor
percebe a ocorrência da transição na aplicabilidade da Lei Nacional no Município do
Crato, uma vez que neste Município a divisão do Direito de Uso das Águas da Fonte
de 1854 pertencia ao Particular/Usuário?
2) No Crato o Direito de divisão das águas data de 1854, a despeito da instituição da Lei
n.º 9.433 de 08/01/1997. Que fatores o Senhor aponta para o sistema está em vigor até
os dias atuais? Obs: Aqui considerados fatores: formais (Lei n.° 645 17/01/1854) e
Informais (Costumes regionais, normas sociais, código de comportamento aceitos em
geral).
3) Existe algum aspecto positivo(s), na sua opinião, no sistema datado de 1854, que pode
coexistir com o sistema atual instituído pela Lei n.º 9.433/97?
4) A utilização da água nesta região ocasionou algum conflito que seja do seu
conhecimento? Em caso positivo comente sobre o(s) mesmo(s) e se foram
solucionados.
5) Tem conhecimento de que algum conflito pelo direito de uso da água tenha chegado
ao Poder Judiciário para ser dirimido? Em caso afirmativo qual era esse fato? Para
esse fato já existe decisão definitiva por parte do Poder Judiciário? Se positivo qual
foi a decisão? Se não possui decisão definitiva, sabe informar em que estágio ou fase
se encontra o processo?
6) O Senhor sabe informar se o Cartório da Cidade do Crato costuma ou costumava
formalizar/registrar negócios - Ex. lavrar escrituras de propriedade da água,
retificação de escrituras de propriedade da água etc., quando solicitados por pessoas
(físicas ou jurídicas) que se consideravam os donos ou proprietários dos direitos de
uso da água?
7) O Cartório da Cidade do Crato atualmente ainda formaliza/registra negócios
(lavratura de escrituras de propriedade da água, retificação de escrituras de
propriedade da água etc.)?
8) Sabe informar quando aconteceram as últimas formalizações?
9) Alguns dos nossos entrevistados, proprietários de sítios, que recebem água da Fonte
Batateira, falam em “direito adquirido” quanto a propriedade da água. O que o
Senhor pensa sobre o assunto?
105
10) O Senhor sabe o que significa COGERH?
11) Sabe informar quantos usuários existem na Fonte Batateira?
12) Existe algum tipo de entidade associativa (cooperativa, sindicato ou associação) de
usuários da Fonte Batateira ou de qualquer outra fonte que seja do seu
conhecimento? Em caso afirmativo, existem reuniões periódicas para discutir o
assunto relacionado à Fonte Batateira?
13) O Senhor tem conhecimento da atual política de águas do Estado do Ceará? Em caso
afirmativo, em sua opinião, como pensa que o mercado de Águas da Fonte Batateira
vai se adequar a nova Política de Águas do Estado do Ceará?
14) Tomando por base que a COGERH busca implementar um sistema de
gerenciamento em um quadro institucional existente; Quais as maiores dificuldades
encontradas para a implantação de um sistema de gerenciamento, em um momento
de transição institucional, ou seja, a água considerada no modelo instituído em 1854
como de propriedade privada e a partir de 1997 passa a ser considerada como de
propriedade pública?
15) O Senhor pensa que haverá uma DAP (Disposição a Pagar) pelos usuários de água
da Fonte Batateira que se consideram os donos da água e que possuem títulos de
propriedade da mesma? Explique os motivos que o levam a pensar desta forma.
16) Sabe informar se os usuários da Fonte Batateira participaram de alguma reunião
para formação do Comitê de Usuários da Sub-Bacia do salgado?
17) ( ) Sim ( ) Não Por que?
18) Como o Senhor explica a não existência do modelo de gerenciamento adotado na
Fonte Batateira em outras localidades?
19) O que o senhor pensa sobre o modelo de negociação a ser implantado na Fonte
Batateira? Acha que será mais eficiente que o modelo adotado por força da Lei n.°
645 17/01/1854. Por que?
20) Na sua visão quais são os pontos positivos do modelo mercado de águas adotado na
Fonte Batateira?
21) Esses pontos positivos são passíveis de coexistirem com o Modelo de Negociação, ora
instituído pela nova política de águas?
106
ANEXOS
107
Nº de
ordem
GOLDER
Nº de
ordem
COGERH
Nº de
ordem
DNPM
Proprietário Nome da fonte/Localidade Município UF UTM-
W
(m)
UTM-S
(m)
Alt.
(m)
Litologia T
(ºC)
pH C.E.
(mS/cm)
O.D.
(mg/L)
Vazão
(m3/h)
Data de
coleta
Uso Usuário
(Quant.)
Fotos
F-01 --- 1243 Silivestre da Silva Fonte do Silivestre/Sítio Uruco de Dentro Crato CE 448911 9205824 756 Exu 25,6 4,9 94 5,98 2 1/12/2003 Doméstico 15 Famílias 1 a 2
F-02 --- 1242 Família Martins Fonte da Família Martins/Sítio Boa Vista Crato CE 449086 9205184 773 Exu 24,8 5,29 22 4,3 1 1/12/2003 Doméstico 40 Famílias 3 a 6
F-03 --- 1239 Maria Pinheiro Lima Fonte da Dona Maria-01/Sítio almacegas Crato CE 449855 9203918 727 Arajara 26,9 6,04 55 2,05 8 1/12/2003 Doméstico 15 Famílias 7 a 10
F-04 --- 1241 Waldir Pereira Fonte do Doutor Waldir/Sítio Boa Vista Crato CE 449918 9203916 719 Arajara 25,3 4,89 58 2,45 7 4/12/2003 Doméstico 02 Famílias 11 a 12
F-05 --- 1238 Paulo de Assis Fonte de Paulo de Assis/Sítio almacegas Crato CE 450234 9203862 699 Arajara 28,4 4,44 71 5,04 2 4/12/2003 Doméstico 01 Família 13 a 15
F-06 --- 1240 Maria Pinheiro Lima Fonte da Dona Maia-02/Sítio almécegas Crato CE 450170 9203722 686 Arajara 28,1 4,84 186 5,08 5 4/12/2003 Irri stico gação/Domé 02 Famílias 16 a 17
F-07 --- 1200 Jairo Quintino Duarte Fonte do Flona/Quaribas Crato CE 447713 9201854 760 Arajara 25,5 4,22 20 3,01 2 5/12/2003 Doméstico 20 Famílias 18 a 19
F-08 --- 1201 Jairo Quintino Duarte Fonte das Quaribas/Quaribas Crato CE 447712 9201808 761 Arajara 24,6 4,56 17 3,91 6 5/12/2003 Doméstico 11 Famílias 20 a 22
F-09 --- 1203 Josualdo Moraes Brito Fon vate do Josualdo/Sítio Bebida No Crato CE 448662 9200832 628 Arajara 23,5 4,4 151 5,53 2 5/12/2003 Dom gação éstico/Irri 15 Famílias 23 a 26
F-10 --- 1202 Clodovil Jana Fonte do Jana-01/Sítio Vale Verde Crato CE 447684 9200826 760 Arajara 25,9 4,91 37 4,56 5 5/12/2003 Doméstico 30 Famílias 27 a 28
F-11 --- 1204 Clodovil Jana Fonte do Jana-02/Sítio Vale Verde Crato CE 447623 9200764 760 Arajara 25,9 4,91 37 4,56 5 5/12/2003 Doméstico 30 Famílias 27 a 28
F-12 --- 1193 João Borba Maranhão Fonte de João de Borba/Sítio Vale Verde Crato CE 447654 9200734 760 Arajara 25,9 4,91 37 4,56 30 5/12/2003 Doméstico 30 Famílias 27 a 28
F-13 --- 1192 Milton Peixoto Fonte de Milton Peixoto/Sítio Bebida Nova Crato CE 448628 9200662 643 Arajara 25,6 4,12 92 2,62 2 5/12/2002 Dom gação éstico/Irri 10 Famílias 29 a 31
F-14 --- 1191 Fábio Esmeraldo Fonte de Fábio Esmeraldo/Sítio Bebida Nova Crato CE 448915 9200116 644 Arajara 26,7 4,48 45 3,69 4 5/12/2002 Doméstico/Irrigação 05 Famílias 32 a 33
F-15 --- 1190 Antônio Pedro Fonte de Antônio Pedro/Sítio Bebida Nova Crato CE 449026 9198782 687 Arajara 28 4,62 36 4,9 4 5/12/2003 Doméstico/Irrigação 03 Famílias 34 a 35
F-16 --- 1197 Belinha Teles Fonte de Dona Belinha Teles-01/Corujas Crato CE 449031 9198394 681 Arajara 27,2 4,43 101 1,25 0,1 5/12/2003 Doméstico 01 Família 36 a 37
F-17 --- 1196 Belinha Teles Fonte de Dona Belinha Teles-02/Corujas Crato CE 449017 9198372 683 Arajara 26,3 4,45 85 1,7 0,5 5/12/2003 Doméstico 01 Família 38 a 40
F-18 --- 1194 José Andrade Fonte de Zé Andrade/Corujas Crato CE 448785 9198212 688 Arajara 26,4 4,79 49 0,71 1 5/12/2003 Doméstico 01 Família 41 a 43
F-19 --- 1195 Pedro Teles Fonte de Pedro Teles/Corujas Crato CE 448954 9198114 664 Arajara 27,3 4,56 137 0,5 4 5/12/2003 Doméstico/Irrigação 05 Famílias 44 a 46
F-20 --- 1189 Ernani Silva Fonte de Ernani Silva-01/Sítio Helvetia Crato CE 447938 9197976 761 Exu/Arajara 26,5 4,65 19 4,72 30 5/12/2003 Doméstico 05 Famílias 47 a 49
F-21 --- 1236 Ernani Silva Fonte de Ernani Silva-02/Sítio Helvetia Crato CE 447934 9197912 761 Exu/Arajara 24,5 4,76 9 4,29 5 5/12/2003 Doméstico 02 Famílias 50 a 51
F-22 --- 1237 José Borges Fonte dos Borges/Sítio Luanda Crato CE 448204 9197664 726 Exu/Arajara 24,1 4,6 11 4,63 2 5/12/2003 Doméstico 01 Família 52 a 53
F-23 --- 1188 José Borges Fonte da Preguiça/Sítio Luanda Crato CE 448096 9197666 740 Exu/Arajara 27,5 4,89 35 3,87 20 6/12/2003 Doméstico 15 Famílias 54 a 55
F-24 --- 1187 Etelvina Vitorino Fonte da Luanda/Sítio Luanda Crato CE 447960 9197666 763 Exu/Arajara 24,5 4,38 12 4,69 30 5/12/2003 Doméstico 10 Famílias 56 a 58
F-25 --- 1210 Romeu Bezerra Fonte das Batateiras/Sítio Luanda Crato CE 447950 9197576 765 Exu/Arajara 26,7 4,4 26 5,36 300 5/12/2003 oméstico
/Irrigação
Recreação/D 150 Famílias 59 a 67
F-26 1 1186 BEC Fonte da AABEC Crato CE 447990 9197232 766 Exu/Arajara 26,5 5,45 31 3,1 15 5/12/2003 Recreação/Doméstico 2 Famílias 68 a 71
F-27 --- 1206 Joaqui nçalves m Go Font AEC e do Belmonte/SA Crato CE 449125 9196368 749 Exu/Arajara 24,8 4,56 12 4,07 5 6/12/2003 Doméstico 30 Famílias 72 a 74
F-28 --- 1209 Joaquim Pinheiro Fonte do Clube Serrano Crato CE 449392 9196342 741 Exu/Arajara 23,7 4,13 11 3,86 4 6/12/2003 Recre icoação/Domést 01 Família 75 a 77
F-29 --- 1208 Joaquim Gonçalves Fonte da Água Fria/SAAEC Crato CE 449130 9196284 754 Exu/Arajara 25,1 4,91 14 4,99 40 6/12/2003 Doméstico 50 Famílias 78 a 80
F-30 --- 1205 Aderson Alencar Fonte das Caianas/Sítio Belo Horizonte Crato CE 450970 9196070 728 Arajara 25,8 4,94 10 5,4 40 6/12/2003 Doméstico 30 Famílias 81 a 85
F-31 --- 1217 Francisco Pinheiro Fonte do Chuvisco Crato CE 453447 9195400 664 Arajara 29,5 5,7 59 4,43 10 4/12/2003 Doméstico 30 Famílias 86 a 87
F-32 --- 1215 Orl s ando Pinheiro Tele Brejo das Quintas Crato CE 453469 9195396 647 Ara nt
ana
jara/Sa 27,4 6,7 22 5,65 8 4/12/2003 Doméstico 2 Famílias 88 a 89
F-33 --- 1213 Francisco Valter Peixoto Bica do Morcego/Granjeiro/SAAEC Crato CE 451445 9195070 682 Exu/ jaraAra 26,4 6,13 14 5,98 60 4/12/2003 Recreação/Doméstico 30 Famílias 90 a 91
F-34 --- 1212 Ester Pinheiro Fo AEC nte do Bela Vista-01/Bela Vista/SA Crato CE 452210 9194761 805 Exu/Arajara 26,8 5,26 9 5,56 30 4/12/2003 Doméstico 30 Famílias 92 a 94
F-35 --- 1218 Raimundo Pinheiro Fonte dos Urubus-01 Crato CE 453859 9194660 736 Exu/Arajara 25,9 5,6 14 2,7 15 4/12/2003 Doméstico/Irrigação 5 Famílias 95 a 96
F-36 --- 1219 Raimundo Pinheiro Fonte dos Urubus-02 Crato CE 453854 9194534 722 Exu/Arajara 25,1 7,9 12 1,7 3 4/12/2003 Doméstico/Irrigação 5 Famílias 97 a 98
F-37 2 1220 Raimundo Pinheiro Fonte da Água Grande Crato CE 454008 9194412 676 Exu/Arajara 25,2 6,4 9 3,52 140 4/12/2003 Doméstico/Irrigação 20 Famílias 99 a
100
F-38 --- 1221 Adécio Júlio Bezerra Fonte de Adécio Júlio-01/Fazenda Duas
Nascentes
Crato CE 454621 9193954 680 Arajara 25,2 5,25 18 4,54 60 4/12/2003 Doméstico/Irrigação 30 Famílias 101
F-39 --- 1222 Adécio Júlio Bezerra Fonte de Adécio Júlio-02/Fazenda Duas
Nascentes
Crato CE 454621 9194015 680 Arajara 25,2 5,25 18 4,54 20 4/12/2003 Doméstico/Irrigação 30 Famílias 101
F-40 --- 1229 Afonso Bezerra Saraiva Biquinha do "/Romualdo "Seu Afonso Crato CE 456859 9193364 709 Arajara/Sant
ana
25,8 5,83 20 1,05 1 4/12/2003 Doméstico/Irrigação 15 Famílias 102 a
104
F-41 --- 1227 Arlindo Matias Bica do Culado-01/Bica das Mulheres/Culado Crato CE 456293 9193320 709 Araj a/Sant
ana
ar 25,6 5,7 17 5,35 3 3/12/2003 Doméstico 15 Famílias 105
F-42 --- 1226 Arlindo Matias Bica do Culado-02/Bica dos Homens/Culado Crato CE 456290 9193318 708 Arajara/Sant
ana
25,5 4,66 14 5,79 4 3/12/2003 Doméstico 15 Famílias 106
F-43 --- 1224 Antônio Pinheiro Bica do Padre Romualdo-01/Romualdo Crato CE 456777 9193104 715 Arajara 25,4 5,7 18 2,6 1 4/12/2003 Doméstico 10 Famílias 107 a
108
108
F-44 --- 1228 Arlindo Matias Bica do Culado-03/Culado Crato CE 456680 9193050 725 Arajara 25,1 5,6 16 3,4 0,5 4/3/2003 Doméstico 5 Famílias 109 a
110
F-45 --- 1223 Antônio Pinheiro Bica Padre Romualdo-02/Romualdo Crato CE 456685 9193012 731 Arajara 24,9 5,48 14 4,35 3 3/12/2003 Doméstico 20 Famílias 111 a
113
F-46 --- 1232 Valdemar Pequeno Bica do Melo-01 Crato CE 456297 9192194 751 Arajara 24,7 5,67 18 4,7 4 3/12/2003 Doméstico 15 Famílias 114 a
115
F-47 --- 1230 Valdemar Pequeno Bica do Melo-02 Crato CE 456226 9192034 747 Arajara 24,5 4,6 8 5,15 4 3/12/2003 Doméstico 15 Famílias 116 a
117
F-48 --- 1231 Valdemar Pequeno Bica do Melo-03 Crato CE 456131 9191874 741 Arajara 25,1 6,03 17 1,46 2 3/12/2003 Doméstico 15 Famílias 118 a
119
F-49 --- 1233 Estácio Pereira Peixoto Bica do Melo-04 Crato CE 455932 9191398 747 Arajara 25,1 5,6 11 0,6 0,5 3/12/2003 Doméstico 10 Famílias 120 a
122
F-50 --- 1234 Plácido Ribeiro Bica do Sozinho Crato CE 455482 9190462 748 Exu/Arajara 25,5 6,27 14 5,92 80 3/12/2003 Doméstico 20 Famílias 123 a
125
F-51 3 1265 Antônio Correia Saraiva Fonte do Céu/Arajara Barbalha CE 454931 9189901 721 Exu/Arajara 25,6 6,11 14 6,45 40 2/12/2003 Doméstico 10 Famílias 126 a
128
F-52 4 1266 Antônio Correia Saraiva Bica do Faria/Bica de Santo Antônio/Arajara
Parque
Barbalha CE 454423 9189416 762 Exu/Arajara 26,6 6,5 25 6,12 184 2/12/2003 Recreação/Doméstico
/Irrigação
40 Famílias 129 a
137
F-53 5 1267 José Ribeiro Machado Nascente do Saco-01/Saco Barbalha CE 454267 9187860 769 Exu/Arajara 26,4 6,18 27 5,74 5 2/12/2003 Domméstico/Irrigação 10 Famílias 138 a
141
F-54 --- --- José Ribeiro Machado Nascente do Saco-02/Saco Barbalha CE 454289 9187826 767 Exu/Arajara 26,9 6,2 32 4,62 10 2/12/2003 Domméstico/Irrigação 10 Famílias 142 a
146
F-55 6 1268 Herminia Maria de Lira Fonte do Atrepa Sítio Barbalha CE 454545 9187694 761 Exu/Arajara 25,1 5,72 57 2,62 0,5 2/12/2003 Doméstico 4 Famílias 147 a
148
F-56 7 1269 Manuel Nunes Mariano Fonte do Velho José Barbalha CE 454400 9187460 768 Exu/Arajara 25,8 6,02 23 3,3 3 2/12/2003 Doméstico 15 Famílias 149 a
151
F-57 8 1270 Vicente Viana Fonte da Bebida Barbalha CE 454414 9186629 772 Exu/Arajara 25,4 5,43 23 4,6 4 2/12/2003 Doméstico 60 Famílias 152 a
154
F-58 9 1271 Abraão Rosas Coelho Fonte da Bica Barbalha CE 454565 9186312 840 Exu/Arajara 25,5 6,12 28 3,78 3 2/12/2003 Doméstico 40 Famílias 155 a
157
F-59 10 1272 Gracinha Collou Fonte de Dona Gracinha/Sítio Tamanduá Barbalha CE 455364 9185944 755 Arajara 25 6,11 46 0,9 3 3/12/2003 Doméstico 100 Famílias 158 a
164
F-60 12 1274 José Ideltoni Sá Barreto Fonte do Toni/Santa Cruz Barbalha CE 458496 9185678 734 Arajara/Sant
ana
25,5 5,8 27 2,08 2 3/12/2003 Doméstico 10 Famílias 165 a
169
F-61 11 1273 Alexandre Parente Fonte da Imbiribeira Barbalha CE 456159 9184608 773 Arajara 26,6 6,19 27 4,18 70 2/12/2003 Doméstico/Recreação 70 Famílias 170 a
176
FONTES EXISTENTES, SEGUNDO O CADASTRO DO DNPM (1996), MAS NÃO-VISITADAS
NESTE ESTUDO
F-62 --- 1216 Francisco Pinheiro Fonte das Caieras Crato CE 453485 9195120 --- --- --- --- --- --- 6,22 --- --- --- ---
F-63 --- 1225 Clube Recreativo
Granjeiro
Fonte do Clube Granjeiro Crato CE 451445 9195070 --- --- --- --- --- --- 9,2 --- --- --- ---
F-64 --- 1214 Ester Pinheiro Fonte do Bela Vista-02/Bela Vista/SAAEC Crato CE 452151 9194956 --- --- --- --- --- --- 1,69 --- --- --- ---
F-65 --- 1211 Ivone Pinheiro Fonte do Coqueiro/SAAEC Crato CE 452102 9194842 --- --- --- --- --- --- 140 --- --- --- ---
F-66 --- 1198 Wilson Belém Fonte do Sr. Wilson Crato CE 448606 9198155 --- --- --- --- --- --- 0,83 --- --- --- ---
F-67 --- 1199 Antônio Lima Fonte do Sr. Antônio Crato CE 448821 9197971 --- --- --- --- --- --- 0,97 --- --- --- ---
F-68 --- 1207 Joaquim Gonçalves Fonte do Quincas Crato CE 448945 9197142 --- --- --- --- --- --- 5,54 --- --- --- ---
F-69 --- 1235 José Inácio Nascente José Inácio Crato CE 448974 9198033 --- --- --- --- --- --- 1,19 --- --- --- ---
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