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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO
A COMUNIDADE DISCIPLINAR DE ENSINO DE QUÍMICA
NA PRODUÇÃO DE POLÍTICAS CURRICULARES PARA
O ENSINO MÉDIO NO BRASIL
Por
ROZANA GOMES DE ABREU
Orientadora: Profª Drª Alice Ribeiro Casimiro Lopes
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em
Educação à Comissão Julgadora da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.
Rio de Janeiro
Março / 2010
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2
A COMUNIDADE DISCIPLINAR DE ENSINO DE QUÍMICA
NA PRODUÇÃO DE POLÍTICAS CURRICULARES PARA
O ENSINO MÉDIO NO BRASIL
Por
Rozana Gomes de Abreu
COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________________________________
Profª Drª Alice Ribeiro Casimiro Lopes (UERJ – Orientadora)
__________________________________________________________
Prof° Dr° Eduardo Fleury Mortimer (UFMG)
_________________________________________________________
Profª Drª Elizabeth Fernandes de Macedo (UERJ)
__________________________________________________________
Profª Drª Marcia Serra Ferreira (UFRJ)
_________________________________________________________
Profª Drª Maria Inês de Freitas Petrucci Santos Rosa (UNICAMP)
__________________________________________________________
Profª Drª Nilza Maria Vilhena Nunes da Costa (Universidade de Aveiro)
Rio de Janeiro, 26 de março de 2010.
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3
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, professora Alice Ribeiro Casimiro Lopes, a quem muito
admiro, pela atenção, compreensão e amizade sempre presentes, para além da exigência
e convivência acadêmica. Agradeço por enriquecer minha formação acadêmica e
pessoal;
À banca examinadora, aos professores Eduardo Mortimer, Elizabeth Macedo,
Márcia Serra, Maria Inês Petrucci e Nilza Costa pelos questionamentos, contribuições e
desafios lançados;
Aos professores e aos colegas do Curso de Pós-Graduação em Educação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pela convivência acadêmica e pessoal;
A CAPES, por possibilitar com o seu auxílio o desenvolvimento do estágio de
doutoramento (Doutorado Sanduíche) na Universidade do Porto, no período de agosto a
dezembro de 2008;
Às professoras Carlinda Leite e Nilza Costa que me orientaram durante o estágio
de doutoramento na Universidade do Porto, pela atenção, pelas discussões e articulações
possibilitadas;
Aos professores Lenir Basso Zanon, Otávio Aloisio Maldaner, Roseli Pacheco
Schnetzler e Wildson Luiz Pereira dos Santos, pela disponibilidade de diálogo e por
permitirem utilizar as entrevistas concedidas, contribuindo para a construção dessa
pesquisa;
À direção e ao Setor Curricular de Química do Colégio de Aplicação da UFRJ,
especialmente à Virgínia Collyer, companheira de trabalho e amiga, que me apoiaram
nessa jornada acadêmica;
Aos companheiros de estudos do Grupo de Pesquisa “Currículo: sujeitos,
conhecimento e cultura”, pelo incentivo e pelas possibilidades de discussão;
Aos amigos queridos, Ana Lúcia, Idalina Martins, Marta Abelha, Rosanne Dias
e Virgínia Collyer, pela atenção, carinho e força em todos os momentos em que
precisei;
À minha tia Maria Helena, pela paciência e pelo incentivo incondicional;
À minha querida irmã Márcia, pelo carinho e companheirismo;
À minha família, especialmente minha mãe Maria e meu pai João Max, pelo
amor e carinho sempre presentes.
4
RESUMO
Esta pesquisa focaliza o estudo das políticas curriculares para o nível médio de
ensino, no que diz respeito aos sentidos produzidos pela comunidade disciplinar de
ensino de Química para as políticas desenvolvidas no contexto da reforma da educação
básica no Brasil. Nessa investigação, defendo a utilização da abordagem do ciclo de
políticas proposto por Stephen Ball, por permitir analisar a produção dos sentidos em
jogo no processo político, bem como a ação epistêmica dos participantes desse
processo. Considero que a comunidade disciplinar de ensino de Química configura-se
como uma comunidade epistêmica local, pois suas principais lideranças participam da
negociação dos sentidos que influenciam as políticas, tentando estabelecer assim uma
relação hegemônica. Defendo ainda, com base em Ernesto Laclau, que a investigação
das políticas de currículo deve considerar as articulações contingentes e provisórias que
se formam em torno dos conflitos, das lutas e das demandas dos sujeitos que participam
do ciclo de políticas. Para a pesquisa, foram selecionados textos curriculares não-
oficiais produzidos pelas principais lideranças da comunidade disciplinar de ensino de
Química em diferentes contextos da área de ensino da disciplina - eventos, veículos de
divulgação, livros didáticos, entrevistas -, além dos textos curriculares da reforma do
ensino médio elaborados pelo MEC. A análise desses textos aponta para a questão de
que os discursos curriculares da comunidade, na tentativa de se tornarem hegemônicos,
privilegiam os discursos sobre a contextualização, a interdisciplinaridade, a formação
para a cidadania, o conhecimento químico escolar e a relação entre pesquisa e prática
docente, por estes ampliarem os sentidos defendidos pela comunidade. Na negociação
dos sentidos desses discursos formam-se ambivalências, resultantes das
recontextualizações por hibridismos que acontecem na complexidade do processo
político, que colaboram para a busca da hegemonia pretendida nas articulações da
comunidade.
Palavras-chave: política de currículo; ensino de Química; ensino médio
5
ABSTRACT
This research focus the study of curriculum policies for medium education, in
what respects the meanings produced by the disciplinary community of Chemistry
teaching for the policies developed in the context of the basic Education reform in
Brazil. On this study, I support the use of the policy cicle approach proposed by Stephen
Ball, that allows to analyze the production of meanings involved in the political process,
as well as the epistemic action of the participants of this process. I consider that the
Chemistry teaching disciplinary community configures as a local epistemic community,
since their main leaderships participate on the negotiation of the meanings that influence
the policies attempting to establish a hegemonic relation. I also argue, based on Ernesto
Laclau, that the investigation of the curriculum policies must consider the contingent
and provisional articulations formed upon conflicts, struggles and demands of
individuals that participate on the policy cicles. For this research, non-official texts were
chosen by the main leaderships of the Chemistry teaching disciplinary community in
different contexts of the teaching area of the discipline – events, publicity vehicles,
textbooks, interviews – besides the curricular texts of the medium education reform
ellaborated by MEC (Culture and Education Ministry). The analysis of these texts point
out that the community curriculum discourses, in the attempt of being hegemonic,
privilege the discourses regarding contextualization, interdisciplinarity, citizenship
formation, school chemistry knowledgement and the relation between research and
teacher practice, since these enlarge the meanings supported by the community. In the
negotiation of the meanings of these discourses, ambivalences are formed, as a result of
the recontextualization by hybridism that occur on the political process complexity and
that contribute for the intended hegemony in the community articulations.
Key-words: curriculum policy; Chemistry teaching; medium education
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 7
CAPÍTULO I – O ESTUDO SOBRE POLÍTICAS DE CURRÍCULO
I.1 – Políticas de currículo .......................................................................................... 25
I.2 – Comunidades disciplinares ................................................................................ 44
I.3 - Comunidades epistêmicas ................................................................................... 51
CAPÍTULO II – A COMUNIDADE DISCIPLINAR DE ENSINO DE QUÍMICA
II.1 – Trajetória sócio-histórica da comunidade disciplinar de ensino de Química
........................................................................................................................................ 57
II.2 – Tendências internacionais para a comunidade disciplinar ........................... 64
II.3 – Os grupos de pesquisa em ensino de Química ................................................ 72
CAPÍTULO III – A PRODUÇÃO DE POLÍTICAS CURRICULARES
III. 1 - Formação para a cidadania .......................................................................... 119
III.2 - Contextualização ............................................................................................ 127
III.3 - Interdisciplinaridade ..................................................................................... 145
III.4 - Conhecimento químico escolar ..................................................................... 154
III.5 - Relação entre prática e pesquisa .................................................................. 165
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 180
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 186
REFERÊNCIAS MATERIAIS ANALISADOS ..................................................... 191
APÊNDICE ................................................................................................................ 198
7
INTRODUÇÃO
O campo de estudos sobre as políticas curriculares cresceu nos últimos tempos
impulsionado pelas diversas reformas educacionais que foram e ainda estão sendo
desenvolvidas em vários países. As reformas educacionais através de suas propostas e
ações promovem a circulação de idéias e de intenções nos diversos contextos sociais.
Conseqüentemente, essa circulação promove o diálogo entre a comunidade acadêmica e
o Estado, bem como entre as produções desses campos, o que deve ser considerado
como um ponto importante para o crescimento dos estudos sobre as políticas. Outra
questão relevante é a participação de pesquisadores no processo de produção e de
elaboração dos textos das políticas, fazendo com que os discursos da comunidade
acadêmica circulem em um contexto mais amplo, dialogando com as instâncias do
governo e também com outras instâncias que contribuem para a construção e circulação
de sentidos para as reformas. Essa interação e diálogo estabelecem como diversos
contextos e sujeitos se posicionam frente às pretensões das reformas: como reconfigurar
as concepções de currículo de cada campo disciplinar escolar, de trabalho docente, do
processo de ensino-aprendizagem, enfim, como desenvolver mudanças curriculares nas
escolas.
É necessário salientar que as reformas educacionais não são desenvolvidas
apenas visando à mudança do contexto escolar. Esse quadro é parte de um processo
complexo, inserido em um contexto social maior, no qual a necessidade de mudança
está relacionada aos novos contextos, às novas práticas, à revolução tecnológica e aos
interesses do campo da produção que cada vez mais fazem exigências aos diversos
setores da sociedade. Assim, a necessidade da mudança que tais questões configuram
para o campo educacional não é uma novidade. A história da educação mostra como
questões de contextos diferentes influenciaram na defesa por mudanças para o contexto
escolar, uma vez que a escola era vista tanto como um agente reprodutor das relações
sociais, como também um promotor das mudanças sociais requeridas (Moreira e Silva,
1999). A diferença é que, atualmente, as mudanças nos parecem ampliadas por causa
dos processos de globalização. Hoje, os discursos defensores de mudanças educacionais
em contextos específicos são articulados, de forma mais acelerada e interligada, com
8
discursos mais globais, capazes de potencializar as mudanças defendidas e entendidas
como necessárias. Autores como Ball (1998, 2001) argumentam que existe uma
“convergência de políticas” ou um “empréstimo de políticas” do campo empresarial e
econômico para outros campos sociais. A educação não foge a esse contexto. Assim, as
reformas educacionais apresentadas em países diferentes possuem em comum a
transformação no conceito do que é considerado como educação para a sociedade atual,
bem como de suas formas de oferta, estrutura e ação. Os processos de globalização
acabam por instituir discursos que promovem a formação de “novos consensos” para a
educação. Discursos como sociedade de aprendizagem e sistemas baseados no
conhecimento são alguns daqueles gerados nesses aparentes consensos e que possuem
um poder de influência considerável nos processos educacionais.
Assim, a “convergência de políticas” leva a uma mudança da cultura
educacional. A mudança defendida pelas últimas reformas educacionais faz com que a
cultura se aproxime ou se baseie na economia. A valorização de demandas
características do campo econômico ou de produção, para utilizar termos caros a
Bernstein, e a transferência destas para o campo educacional promovem a mudança do
que se entende como educação e do que se deve valorizar nessa mesma educação. É
importante entender que qualquer mudança reflete as articulações e demandas existentes
na sociedade em dado momento sócio-histórico, promovendo a legitimação de
determinados discursos e direcionamentos.
As políticas educacionais estão sendo articuladas e legitimadas socialmente em
função de seu papel no desenvolvimento das habilidades, capacidades e características
necessárias para um ensino entendido como de qualidade e capaz de contribuir para o
bom funcionamento dos outros contextos sociais. Como exemplo disso, cito as
mudanças desencadeadas nos processos de trabalho e de produção: a introdução de
novas tecnologias e o desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico
passam a exigir a formação de um novo trabalhador, mais flexível, criativo, cooperativo,
eficiente e polivalente. Em virtude de uma relação estreita, e muitas vezes acrítica,
estabelecida entre educação e mundo produtivo, particularmente no nível médio de
ensino, novas relações sociais são pensadas para a educação. Nessa lógica, a defesa de
que o sistema educacional precisa modificar-se a fim de melhorar a qualificação das
pessoas é condição entendida como necessária para enfrentar um mundo mais
competitivo, no qual é visada a valorização de determinados tipos de conhecimento
9
(Maués, 2003). Um dos discursos dessa defesa consiste em valorizar o ensino médio e o
ensino de qualidade das ciências, matemática e tecnologia, bem como suas aplicações,
como indispensáveis para a formação geral dos indivíduos (Muller, 2000). Nesse
sentido, o conhecimento tecnológico vem se configurando como um conhecimento
importante na sociedade contemporânea, capaz de estabelecer relações, contextualizar e
dialogar com os demais conhecimentos científicos. Por sua vez, isso lhe garante
permanência e legitimidade no contexto social.
Contudo, essas associações e processos não são tão simples nem tão explícitos.
Igualmente, não acontecem no mesmo ritmo e não estabelecem os mesmos efeitos em
contextos diversos. Giddens apresenta um ponto importante para pensarmos os
processos de globalização e que podemos transferir para a análise de políticas
educacionais: A globalização invade os contextos locais, mas não os destrói; ao
contrário, novas formas de identidade cultural e de auto-expressão local estão, de
forma causal, vinculadas com os processos globalizantes (apud Ball, 1998: 121).
Assim, é importante tratarmos as políticas curriculares como tentativas de estabelecer
novos discursos, relações e identidades, sem que necessariamente consigam saturar toda
a estrutura e as relações sociais existentes.
Além disso, as políticas curriculares são marcadas por especificidades, ou seja, o
estabelecimento de seus discursos, relações e identidades dependem da articulação
desses com as singularidades de práticas, concepções, valores e intenções dos sujeitos e
dos contextos que perpassam. Apesar de a reforma brasileira estar baseada em
pressupostos comuns às reformas inglesa e espanhola, características do contexto
brasileiro configuraram um cenário particular. Por exemplo, não se assumiu o mesmo
enfoque, nem abrangência, com relação aos processos de avaliação das escolas.
No Brasil, a reforma da educação básica teve início na segunda metade da
década de 1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a aprovação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº 9.394/96), a qual estabeleceu
princípios e referências para a elaboração de propostas curriculares para todos os níveis
de ensino, como as Diretrizes Curriculares Nacionais (1998), os Parâmetros
Curriculares Nacionais (1998), e os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino
médio (1999). Este último estabeleceu para o ensino médio uma estrutura curricular
organizada em três grandes áreas disciplinares e nas suas relações com a tecnologia.
Ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, de forma a complementar os
10
Parâmetros Curriculares Nacionais, dos dois segmentos de ensino, foram apresentados
os PCN em ação para o ensino fundamental e as Orientações Educacionais
Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (2002), mais conhecidas como
PCN+ Ensino Médio. Na década de 2000, o governo de Luís Inácio Lula da Silva deu
continuidade ao processo de reforma educacional do país. Novos documentos foram
elaborados, como é caso das Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006), a
fim de ampliar e aprofundar as discussões sobre a reforma educacional e as políticas
curriculares até então estabelecidas. Em âmbito mais local, alguns estados brasileiros
(Rio de Janeiro
1
, Santa Catarina
2
, por exemplo), impulsionados pelo processo nacional
de reforma, também formularam suas propostas curriculares e seus sistemas de
avaliação e gratificação como o projeto Nova Escola
3
. É preciso salientar que essas
ações ou encaminhamentos reiteram o discurso social pela defesa das mudanças
curriculares enfatizadas pela reforma educacional, ainda que os direcionamentos e os
enfoques não sejam os mesmos em todos os contextos.
O ponto comum entre todas essas ações é o discurso da reforma educacional
brasileira: garantir a qualidade do ensino. A busca pela qualidade de ensino torna-se o
projeto possível, e muitas vezes único, capaz de superar os problemas existentes no
campo educacional como: os altos índices de evasão escolar e de repetência; a pequena
parcela de escolarização entre 15 e 17 anos
4
; e os resultados negativos de
aproveitamento obtidos nas avaliações centralizadas, nacionais e internacionais, como o
SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico), o ENEM (Exame Nacional do Ensino
Médio), e o PISA
5
(Programme for Internacional Student Assessment). Dessa forma, é
reforçada a idéia de que as propostas curriculares são capazes, por si só, de provocarem
1
No Rio de Janeiro, a Secretaria de Educação do Estado em parceria com a Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ) elaborou uma proposta curricular para a sua rede pública de ensino em 2004,
denominada Reorientação Curricular.
2
No ano de 2005, a Secretaria de Estado da Educação, Ciência e Cultura de Santa Catarina apresentou
sua proposta curricular para a rede pública catarinense.
3
O Programa Nova Escola consiste em conceder gratificações aos professores e aos demais profissionais
de ensino das escolas da rede pública do Estado do Rio de Janeiro de acordo com os resultados obtidos
em avaliações centradas na prestação de contas, na gestão de matrícula, na integração com a comunidade,
no fluxo escolar e no desempenho de alunos.
4
Segundo dados do INEP/MEC, em 2003, a porcentagem da população brasileira entre 15 e 17 anos
cursando o ensino médio era de 43,1%, muito distante do valor já alcançado para o ensino fundamental
(93,8%) e ainda mais distante do valor desejável de 100%.
5
O PISA é um programa internacional de avaliação, desenvolvido e coordenado pela Organização para
Cooperação e Desenvolvimento econômico (OECD), com a finalidade de produzir indicadores sobre a
efetividade dos sistemas educacionais mediante a comparação do desempenho dos alunos. No que se
refere ao desempenho dos estudantes em Ciências, dentre os 57 países que participaram da avaliação
promovida pelo PISA, no ano de 2006, o Brasil ocupa o 52º lugar.
11
mudanças na estrutura e na organização escolar, minimizando as múltiplas inter-
relações entre as questões sociais e o currículo. Igualmente, as propostas curriculares
são associadas ao novo, ao moderno, articuladas às mudanças do mundo globalizado,
conferindo-lhes uma positividade tornada indiscutível.
Assim as mudanças introduzidas pelas políticas curriculares nos últimos anos
tendem a refletir as características dos vários contextos que influenciam e são
influenciados pela educação. Para uma análise crítica desse quadro, defendo o estudo
das políticas de currículo como construções sócio-históricas que expressam relações de
poder e finalidades sociais predominantes no momento de sua execução. Neste estudo,
compreendo que a política curricular constitui um dos aspectos do processo de reformar.
Uma reforma educacional pode englobar várias políticas curriculares as quais possuem
ações e definições mais restritas. A reforma do ensino médio brasileiro, por exemplo,
envolve as diretrizes curriculares, os parâmetros curriculares, as avaliações nacionais, os
discursos veiculados na mídia e nas escolas. Nesse caso, todas essas ações constituem-
se em representações das políticas curriculares, na medida em que expressam
determinadas intenções e sentidos em relação ao conhecimento escolar e à educação do
ensino médio.
Defendo que as políticas de currículo são constituídas por uma infinidade de
práticas, concepções, textos, valores e intenções de vários sujeitos nos múltiplos espaços
a que pertencem no contexto social e educacional. Não são, portanto, produções
exclusivas de nenhum contexto seja o campo internacional, seja o campo político ou
econômico, nem apenas documentadas pela legislação. Como discute Ball, as políticas
são tanto sistemas de valores quanto sistemas simbólicos: formas de representar,
explicar e legitimar decisões políticas (Ball, 1998: 129). Partindo dessa perspectiva,
torna-se relevante entender como os valores e os sistemas simbólicos configuram
significados e sentidos na legitimação social dessas políticas, por intermédio das muitas
reinterpretações dos textos e discursos que representam as mesmas.
Se pensarmos nos vários contextos de reinterpretação que as políticas
curriculares envolvem, a análise política tende a perder o seu foco. Nesse sentido, é
preciso delimitar o contexto que será focalizado na análise política. Novamente, se
pensarmos sobre a força das disciplinas no contexto do ensino médio, a investigação de
um campo disciplinar pode ajudar a focalizar os significados e sentidos promovidos por
determinada política curricular em dado momento sócio-histórico. Por este motivo, a
12
investigação nesta pesquisa centra-se em uma disciplina específica, entendendo-a como
um dos contextos de reinterpretação da política curricular desenvolvida para o ensino
médio. Assim, a análise da política curricular aqui realizada está relacionada com a
visão e os pressupostos que o campo disciplinar trabalha.
Esse direcionamento não leva necessariamente à verificação da implementação
ou não das políticas curriculares, nem se os pressupostos são compreendidos
“corretamente” ou não pelos professores ou outros sujeitos sociais. Pelo contrário, a
minha intenção é analisar como os textos e os discursos curriculares são reinterpretados
e, dessa forma, como as políticas de currículo são produzidas em diferentes contextos.
Em outras palavras, é importante entender quais os significados e os sentidos
produzidos na releitura das concepções, das práticas, dos valores e das intenções desses
textos e discursos. Isso implica considerar que os textos são abertos a múltiplas leituras
tornando-os produtos híbridos (Ball, 1994) dos processos de recontextualização
(Bernstein, 1996, 1998) de diferentes textos e discursos.
Esta análise mostra-se relevante por ainda haver muito a ser investigado em
termos de políticas de currículo no Brasil. Apesar de nos últimos anos muitos trabalhos
analisarem a reforma curricular brasileira, um estudo
6
focalizando as teses e as
dissertações de 27 Programas de Pós-Graduação em Educação do Brasil durante o
período de 1996 a 2002, revelou que das 5.075 produções analisadas apenas 453
pesquisas tratam das temáticas de educação básica e de currículo (Macedo et al, 2005).
Desses 453 títulos, 197 trabalhos (43,5%) focalizam a prática curricular e 101 trabalhos
(22,3%) focalizam as propostas curriculares oficiais. Tal estudo chama a atenção para o
fato de que as pesquisas sobre política curricular são ainda pouco visíveis apesar de as
propostas curriculares oficiais terem sido objeto de vários trabalhos. O estudo confirma
também a predominância das pesquisas em educação com relação ao ensino
fundamental: dos 453 trabalhos, apenas 68 deles (15%) focalizam o ensino médio. Com
relação ao enfoque dos componentes curriculares, das 453 teses e dissertações
selecionadas, prevalece a análise de um ou mais componentes em 305 delas (67,3%).
Dentre essas, apenas 20 títulos (6,6%) se referem às Ciências e 6 títulos se referem à
Química (quase 2%). Esses dados mostram como as discussões sobre o currículo e um
campo disciplinar específico representam uma parcela pequena das pesquisas no campo
6
O estudo “Estado da arte do currículo da educação básica” foi financiado pelo INEP/PNUD e
coordenado pelas professoras Elizabeth Macedo e Alice Casimiro Lopes. Os resultados do estudo
encontram-se publicados no CD-Rom da Reunião Anual da ANPEd de 2005.
13
da educação básica. Não há nenhum trabalho abordando políticas de currículo no ensino
de Ciências ou de Química, o que reforça a relevância deste estudo.
Por entender que o campo de políticas de currículo precisa ser mais explorado e,
conseqüentemente, mais discutido e divulgado, esta tese focaliza o estudo dessas
políticas para o nível médio de ensino. A escolha desse nível de ensino se justifica em
função de ele estar se tornando cada vez mais central nos discursos da sociedade
contemporânea, ora por ser considerado como ponto terminal de estudos aos que
precisam ingressar logo no mercado de trabalho, ora por ser considerado etapa
intermediária para uma melhor qualificação.
Destaco, ainda, que a crescente valorização do conhecimento científico-
tecnológico pela sociedade contemporânea, mencionada anteriormente, orienta as
políticas de currículo também para a valorização do ensino das disciplinas da área de
Ciências. Isso pode ser verificado pela importância dada à concepção de tecnologias na
proposta curricular do ensino médio como pelas ações governamentais que compõem as
políticas para esse nível de ensino. Como exemplo, cito o “Plano de Educação para a
Ciência”, desenvolvido pela Secretaria de Educação Básica, do Ministério da Educação,
e coordenado pelo extinto Departamento de Políticas de Ensino Médio
7
. Tal iniciativa
procurou: promover a formação continuada de professores de Ciências, com o apoio de
vários órgãos de fomento como a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior) e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico); implantar Oficinas de Ciências, Cultura e Arte
8
; e implantar programas
de produção e distribuição de livros e materiais didáticos de ciências
9
, dentre outras
7
A reforma do ensino médio, iniciada no ano de 1996 com a LDB, já passou por dois governos
presidenciais e por quatro ministros. Tal quadro se reflete na organização das secretarias, departamentos
e diretorias que constituem o Ministério da Educação, uma vez que as mudanças nos altos escalões do
governo definem, na maioria das vezes, mudanças nas instâncias inferiores também. Dessa forma, no
início do processo da reforma, o nível médio de ensino ficava sob a responsabilidade da Secretaria de
Educação Média e Tecnológica (SEMTEc) e da Coordenação Geral de Ensino Médio. Posteriormente,
com o fim da SEMTEc, passou para a Secretaria de Educação Básica (SEB) e para o Departamento de
Políticas do Ensino Médio. Atualmente, o ensino médio continua ligado a SEB, que apresenta ações neste
nível de ensino por intermédio de diversas diretorias, como a “
Diretoria de Concepções e Orientações
Curriculares para Educação Básica” e a “Diretoria de Políticas de Formação, Materiais Didáticos e de
Tecnologias para Educação Básica”.
8
A implantação das Oficinas de Ciências, Cultura e Arte em instituições de ensino e científicas, tinha a
finalidade de fomentar espaços de ensino-aprendizagem e de formação inicial e continuada de
professores, além de incentivá-los a investigarem as suas práticas pedagógicas. (Acessado no endereço
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13566:estrategia-para-o-
ensino-de-ciencias&catid=195:seb-educacao-basica em 15/08/09 às 11h)
9
O Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) foi criado pela Fundação
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) com a finalidade de distribuir livros didáticos para os
14
ações. Algumas dessas ações encontram-se em continuidade nas novas
diretorias/departamentos da Secretaria de Educação Básica, como é o caso do Programa
Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio. Outras apresentam semelhanças com
ações anteriores, exemplo das antigas Oficinas de Ciências e do atual “Programa
Nacional de Apoio a Feiras de Ciências”. Nesse sentido, a investigação das
comunidades disciplinares
10
ligadas à área de Ciências é de fundamental importância
para entender os desdobramentos das ações desenvolvidas e as finalidades envolvidas
nesse processo, uma vez que as comunidades disciplinares participam das múltiplas
reinterpretações e acordos na negociação de sentidos nos diferentes momentos da
produção de textos e discursos das políticas curriculares (Lopes, 2005).
A partir dessas questões, este trabalho de pesquisa tem como foco central a
investigação da comunidade disciplinar de ensino de Química como constituinte e
produtora de políticas curriculares para o ensino médio. Cabe ressaltar, neste ponto, que
entendo por comunidade disciplinar não somente os professores das disciplinas
escolares, mas também os grupos de pesquisadores em ensino dessas mesmas
disciplinas. Os professores em ensino de uma dada área do conhecimento escolar
constituem um grupo de fundamental importância nesse estudo, pois por mais que
pertençam ao contexto acadêmico e constituam relações em função do posicionamento
nesse campo, identificam-se com as disciplinas escolares, na medida em que constroem
seus objetos de pesquisa no contexto disciplinar. Assim, o seu campo de pesquisa
pressupõe a existência da disciplina escolar no currículo das escolas, bem como a
defesa de suas finalidades sociais (Lopes, 2004b: 51). Esses professores e
alunos de ensino médio da rede pública de todo país. No ano de 2004, o programa iniciou a distribuição
de livros didáticos de Português e de Matemática somente para a primeira série do ensino médio. O
atendimento total às três séries do ensino médio foi alcançado no ano de 2006, com exceção das escolas
estaduais de Minas Gerais e do Paraná as quais desenvolvem programas próprios. Em 2007, foram
distribuídos livros de Biologia para as escolas da rede pública, exceto para a rede estadual de Minas
Gerais. No ano de 2008 foram distribuídos os livros didáticos de Química e de História, e repostos os
livros das disciplinas distribuídos em anos anteriores. O ano de 2009 foi marcado pela distribuição de
livros de Física e Geografia para 7,2 milhões de estudantes do ensino médio da rede pública. Em 2010,
haverá apenas a reposição dos livros para as três séries do ensino médio. Está previsto para o ano de 2012
a distribuição de livros de quatro novas disciplinas - Inglês, Espanhol, Sociologia e Filosofia. (Acessado
nos endereços
www.mec.gov.br/seb/pnlem - 23/09/07 e http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld-dados-
estatisticos - em 07/01/10 às 14h)
10
No artigo Políticas de currículo: mediação por grupos disciplinares de ensino de ciências e
matemática, Lopes (2004b) utilizou o termo grupo disciplinar para designar os grupos de professores das
disciplinas escolares e o grupo de pesquisadores em ensino das disciplinas escolares, ambos atuantes na
produção de políticas curriculares. A partir das discussões do grupo de pesquisa, “Currículo: sujeitos,
conhecimento e cultura”, entendeu-se que o termo comunidade disciplinar designa melhor esses grupos
por ser mais amplo e mais preciso em relação ao entendimento de Goodson sobre a organização
profissional em torno de uma disciplina.
15
pesquisadores no ensino de cada disciplina exercem grande influência tanto no contexto
acadêmico como no contexto disciplinar, pois desenvolvem pesquisas junto aos
professores nas escolas, publicam com freqüência em revistas de divulgação,
coordenam e participam de projetos de formação continuada, participam de congressos
dirigidos especialmente aos professores e elaboram livros didáticos (Lopes, 2004b).
Nesse sentido, o estudo aqui realizado enfoca os principais grupos de pesquisa em
ensino de Química e suas respectivas lideranças, por constituírem-se como referências
para a comunidade disciplinar de ensino, alcançando visibilidade e reconhecimento, e
por serem capazes de articular e congregar professores de diferentes níveis de ensino.
Para o estudo, defendo que as políticas curriculares não obedecem sempre a
certa hierarquia entre os discursos e seus contextos, como do internacional para o
nacional, por exemplo. As apropriações e recontextualizações podem acontecer em
várias direções. Os próprios textos / discursos das comunidades disciplinares fazem
parte do processo de recontextualização, hibridizando seus diferentes discursos, não
sendo apenas uma reprodução do discurso considerado oficial. Assim, defendo, com
base nas conclusões de Ball (1994), que essas comunidades disciplinares não são apenas
implementadoras de definições oficiais, mas também formam uma instância atuante na
produção das políticas curriculares.
É importante esclarecer que o termo oficial é utilizado para registrar a produção
dos grupos ou das instâncias governamentais (secretarias, ministérios, departamentos,
agências, especialistas), e não para determinar qual a produção mais válida. Utilizo o
termo oficial para caracterizar que determinado documento ou texto foi assinado por um
grupo ou uma instância governamental, o que não significa afirmar que as intenções e
os sentidos são produzidos exclusivamente pelo âmbito do governo. A assinatura é
oficial, mas a produção dos textos envolve a incorporação dos múltiplos sentidos e
discursos provenientes de diversos setores da sociedade.
O fato de esta pesquisadora ser professora de Química no ensino médio
influenciou a escolha dessa comunidade disciplinar para essa investigação. Além disso,
ressalto que a comunidade disciplinar de ensino de Química constitui-se um campo de
pesquisa relevante, pois seus participantes vêm desenvolvendo diversas ações nos
variados contextos dos quais participam, como a elaboração de propostas curriculares e
de materiais didáticos para os professores e cursos de formação continuada.
16
Ressalto também os poucos estudos existentes sobre os processos de produção e
organização do conhecimento escolar químico, principalmente no que se refere aos
processos de recontextualização dos discursos da comunidade disciplinar. As pesquisas
dessa comunidade disciplinar de ensino abordam mais as metodologias de ensino
11
.
Considero que esta investigação pode contribuir para preencher essa lacuna, pois
proporciona uma visão diferente da comunidade disciplinar de Química na sua relação
com as políticas curriculares. Em outras palavras, este estudo contribui para que os
professores e pesquisadores em ensino de Química sejam identificados como produtores
de políticas e não meramente como divulgadores, promovendo assim grande parte do
debate sobre esta temática.
Para a investigação, analiso os discursos curriculares do campo oficial, da
comunidade disciplinar de ensino de Química, e dos contextos a eles relacionados,
tendo em vista as aproximações e diferenças existentes nesses discursos no contexto da
reforma do ensino médio brasileiro, iniciada no ano de 1996, no governo de Fernando
Henrique Cardoso, e em desenvolvimento até os dias de hoje. Nessa análise, utilizo as
concepções de Ball sobre políticas curriculares, e as concepções de comunidades
disciplinares na perspectiva sócio-histórica de Goodson, com apoio da concepção de
comunidades epistêmicas de Antoniades. No sentido de compreender como
determinados discursos se hegemonizam nesse processo, trago também para a análise os
estudos de Laclau. Embora seus estudos estejam no campo da sociologia, argumento
que suas teorias complementam a análise da política curricular, porque reforçam a
complexidade e a indecidibilidade
12
do processo político.
Partindo do pressuposto de que os textos e os discursos sobre as políticas
curriculares são recontextualizados por intermédio de articulações diversas, as
comunidades disciplinares, na medida em que reinterpretam e influenciam a produção
de novos significados para essas políticas, também participam desse processo. Os
discursos envolvendo o que se entende por conhecimento químico escolar, as relações
de poder e as demandas envolvidas na produção desse conhecimento irão constituir e
11
De acordo com Francisco (2006), em um levantamento realizado dos trabalhos apresentados na seção
Ensino de Química das Reuniões Anuais da Sociedade Brasileira de Química de 1999 a 2005, a maioria
dos trabalhos apresentados referem-se às pesquisas sobre Conteúdo-Método e Recursos Didáticos
representando quase 60% da produção total do evento. Os trabalhos que abordam temáticas sobre
Currículos e Programas e Políticas Públicas constituem, respectivamente, apenas 9% e 1,18% da
produção total neste período.
12
No que se refere à indecidibilidade do processo político, volto a discutir no capítulo I e III.
17
influenciar os contextos de definição e produção de políticas curriculares. Tais discursos
são disseminados pelas comunidades disciplinares e legitimados socialmente de forma
que se configuram como processos sociais, políticos e culturais. Nesses processos, a
ação de determinados indivíduos e de grupos sociais na definição, produção, circulação
e disseminação dos textos e discursos das políticas de currículo constituem o que
Antoniades (2003) denomina comunidade epistêmica: uma rede cujos seus integrantes
possuem autoridade reconhecida na produção de políticas educacionais em função do
conhecimento que possuem.
Entendo que as comunidades disciplinares não são originalmente comunidades
epistêmicas uma vez que seus membros não possuem autoridade reconhecida na
produção de textos e discursos políticos, como é o caso dos professores que atuam
somente no contexto escolar. No entanto, em determinados contextos sócio-históricos os
integrantes da comunidade disciplinar podem atuar nas políticas de currículo como
especialistas que possuem competência e autoridade reconhecida capazes de influenciar
na promoção de políticas, fazendo com que as comunidades disciplinares sejam capazes
de atuar em comunidades epistêmicas.
Argumento que essas comunidades ou agentes epistêmicos se constituem em
uma relação hegemônica como tentativa de estabelecer determinada ordem. Com base
em Laclau, defendo que as articulações existentes nas comunidades disciplinares
acabam estabelecendo, com relação às suas demandas e lutas, discursos mais
unificadores e com maior poder de atuação do que outros, além de representantes
legitimados. Como a ação epistêmica é em função da autoridade e, portanto, do poder
constituído no momento da formulação das políticas, os representantes disciplinares
tentam constituir um discurso mais amplo, universal, a fim de aglutinar ou
desconsiderar outras demandas.
Defendo que a comunidade disciplinar de ensino de Química tem atuado como
uma comunidade epistêmica, mesmo que na maioria das vezes sua atuação seja mais
local. No entanto, a comunidade vem promovendo diferentes ações na tentativa de
ampliar as suas atuações e influências. Entendo que sua participação no processo de
formulação de políticas curriculares para a educação básica acontece de diferentes
formas: produzindo materiais didáticos, realizando cursos de formação continuada,
recebendo financiamentos destinados à valorização da ciência na sociedade
contemporânea, participando de parcerias estabelecidas entre a Sociedade Brasileira de
18
Química e o Ministério da Educação, ou ainda pela participação direta de seus
pesquisadores na elaboração de textos oficiais.
Dessa forma, reitero a importância de investigar como a comunidade disciplinar
de ensino de Química participa do processo de elaboração das políticas, analisando a
participação e o envolvimento de seus membros na consolidação e na disseminação de
sentidos dos textos e discursos curriculares para o ensino de Química. Essa investigação
focaliza quais os sentidos produzidos pela comunidade de ensino da referida disciplina
na releitura das políticas de currículo; como os diversos significados se formam e
estabelecem ligações; quais os sentidos que se entrecruzam na reinterpretação dos
discursos e textos; e como os sentidos produzidos influenciam os diversos contextos
com que se relacionam.
A pesquisa aqui apresentada é orientada por algumas questões que considero
relevantes para o entendimento da produção de políticas curriculares pela comunidade
disciplinar de ensino de Química. Dentre elas, destaco a investigação da trajetória sócio-
histórica da área de ensino de Química, a fim de identificar suas principais lideranças,
suas inter-relações e suas influências no campo disciplinar, pois essas colaboram, e por
vezes até determinam, a ação política da comunidade; a investigação e análise das
concepções curriculares utilizadas pela comunidade disciplinar, bem como de suas
bases teóricas; a análise das concepções curriculares, relacionadas ao conhecimento
químico escolar, apresentadas nos documentos oficiais que promovem a reforma do
ensino médio no governo de Fernando Henrique Cardoso e de Luís Inácio Lula da Silva,
considerado o contexto oficial de produção de políticas, entendendo que também
envolvem o contexto da prática; e a investigação e análise das aproximações e
diferenças dos discursos curriculares recontextualizadas do contexto disciplinar e de
outros contextos.
Os documentos de divulgação da reforma do ensino médio, constituintes do
discurso do contexto de definição de textos da reforma, que embasam nosso estudo são
as DCNEM - Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Brasil, 1998), os
PCNEM - Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Brasil, 1999), os
PCN+ Ensino Médio - Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros
Curriculares Nacionais (Brasil, 2002), e as Orientações Curriculares para o Ensino
Médio (Brasil, 2006).
19
Para o desenvolvimento dessa investigação, foi necessário selecionar eventos e
veículos em que os discursos da comunidade disciplinar de ensino de Química fossem
divulgados. É preciso salientar que como a área de ensino da disciplina é caracterizada
pela existência de vários eventos, de ordem nacional, regional e estadual, optamos em
centrar a investigação nos eventos nacionais de maior relevância, por entender que eles
se constituem espaços privilegiados para a divulgação dos discursos predominantes na
comunidade. Em outras palavras, a maior amplitude que os eventos nacionais
proporcionam na divulgação dos discursos da comunidade disciplinar foi determinante
para a escolha realizada.
Nesse sentido, a investigação considerou os seguintes textos produzidos pela
comunidade disciplinar de ensino de Química:
Textos dos trabalhos apresentados nos congressos nacionais da área:
- Encontros Nacionais de Ensino de Química (ENEQ)
- Reuniões Anuais da Sociedade Brasileira de Química (SBQ)
- Encontros Nacionais de Pesquisa em Ensino de Ciências (ENPEC)
A seleção consistiu nos textos apresentados em Conferências, Palestras e Mesas
Redondas disponíveis nos Anais desses eventos, das principais lideranças, relacionados
às questões da pesquisa em ensino de Química e de políticas curriculares. A não seleção
de textos referentes a outros tipos de trabalho, como painel ou pôster, se deve ao fato
desses concentrarem-se, na maioria das vezes, no relato de casos e metodologias.
O ENEQ é um encontro bianual de grande relevância para a comunidade, na
medida em que surgiu da inquietação e da organização dos pesquisadores em ensino de
Química. Para o ENEQ, o período analisado corresponde aos anos de 1994 a 2008,
englobando oito encontros nacionais da área.
O ENPEC é um evento bienal promovido pela Associação Brasileira de Pesquisa
em Educação em Ciências (ABRAPEC) constituindo-se em um espaço para a reflexão
sobre as atividades de pesquisa na área, como também para a apresentação e a discussão
de trabalhos de pesquisa em Educação em Ciências. Por ser mais recente que o ENEQ,
o período de análise para o ENPEC corresponde aos anos de 1997 a 2007
correspondendo aos seis primeiros encontros da área de pesquisa em Ciências.
Igualmente relevante é a parceria e o incentivo ao ensino de Química promovido
por diversas ações da SBQ. Com relação às Reuniões Anuais dessa instituição, foram
selecionados os trabalhos apresentados durante os anos de 1995 a 2005 por considerar
20
que este período envolve o contexto da reforma curricular para o ensino médio, iniciado
com a Lei de Diretrizes e Bases no ano de 1996.
Textos dos trabalhos referentes aos grupos de ensino de Ciências
apresentados nos congressos nacionais não-específicos:
- ANPEd – Associação Nacional de Pesquisa em Educação
- ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino
Com relação à ANPEd, a seleção compreendeu os trabalhos apresentados nas
Reuniões Anuais nos GT de Currículo e de Educação Ambiental uma vez que esses
grupos mais se aproximam das questões aqui apresentadas. Compreendeu também o GT
de Formação de Professores, o GT de Didática e o GT de Alfabetização, leitura e escrita
já que algumas lideranças da comunidade disciplinar de ensino de Química circulam
também nesses espaços, seja por identificarem-se com as discussões promovidas, seja
pelas aproximações teóricas desenvolvidas nos diferentes grupos. O período de análise
destes trabalhos compreendeu os anos de 1995 a 2008.
Como a comunidade disciplinar possui forte relação com a formação de
professores, especialmente por intermédio da Prática de Ensino, o ENDIPE constitui um
espaço de pesquisa importante. Para análise, selecionei os trabalhos apresentados em
Mesas-Redondas, Simpósios e Conferências bem como os painéis, compreendidos no
período de 1996 a 2008.
Textos publicados pelas revistas Química Nova e Química Nova na Escola,
incluindo os cadernos temáticos e os vídeos elaborados para os professores;
As revistas Química Nova e Química Nova na Escola, assim como os cadernos
temáticos e os vídeos, são publicações da Sociedade Brasileira de Química (SBQ)
elaboradas pela Divisão de Ensino de Química. Analisei todas as publicações até o ano
de 2008. Na revista Química Nova, selecionei os trabalhos apresentados na seção
Educação, durante o período de 1990 a 2008.
Textos publicados nas principais revistas brasileiras da área de ensino de
Ciências: Revista de Investigação em Ensino de Ciências, Ciência &
Educação, Ensaio, Revista da ABRAPEC (Associação Brasileira de Pesquisa
em Ciências).
21
A importância da seleção e análise dessas publicações centra-se na estreita
relação que a comunidade disciplinar de ensino de Química mantém com a comunidade
de ensino de Ciências. Logo, investiguei influências, aproximações e distanciamentos
entre as duas comunidades disciplinares que possam contribuir para o processo de
elaboração de políticas curriculares. O período de análise foi de 1996 a 2008.
Textos publicados nos livros da área de ensino de Química
Foram selecionados os livros publicados pelas principais lideranças dos grupos
de pesquisa que constituem a comunidade disciplinar de ensino de Química por
concentrarem os seus pressupostos e suas concepções de pesquisa, e que podem
participar do processo de produção de políticas de currículo.
Os textos foram selecionados inicialmente de acordo com as seguintes temáticas:
identificação de propostas curriculares para o ensino de Química no ensino médio;
análise dos conceitos utilizados nessas propostas (contextualização,
interdisciplinaridade, tecnologias, competências); proposições e/ou análises sobre as
formas de seleção, produção e de organização do conhecimento químico escolar; análise
de documentos oficiais; e discussões específicas sobre políticas curriculares para o
ensino médio.
Cabe destacar que muitos dos trabalhos apresentados nos contextos mencionados
dos eventos – Conferências, Palestras, Mesas Redondas – são encontrados também em
outros veículos de divulgação, publicados em periódicos ou em livros elaborados pelos
pesquisadores da área. Tal fato é importante por dois motivos: primeiro, que os anais
dos eventos nem sempre apresentam os textos dessas atividades, o que acaba
dificultando o trabalho das pesquisas que utilizam esses recursos; e segundo, que isso
mostra como os pesquisadores da comunidade de ensino de Química são atuantes na
divulgação de seus pressupostos e idéias.
Também foram realizadas entrevistas com quatro pesquisadores da comunidade:
Lenir Basso Zanon, Otavio Aloísio Maldaner, Roseli Pacheco Schnetlzer e Wildson
Luiz Pereira dos Santos. As entrevistas foram incorporadas à análise por considerar que
apresentam contribuições às investigações e aos direcionamentos propostos.
Nesta investigação, a análise dos textos oficiais e não-oficiais leva em
consideração que os textos escritos constituem uma expressão significativa de discursos
22
curriculares que representam a significação da política nos contextos da influência, da
produção e da prática.
A investigação está dividida em três capítulos. No primeiro, desenvolvo os
aportes teóricos que explicitam a compreensão do processo de produção de políticas
curriculares e que norteiam a análise da comunidade disciplinar de Química dentro
desse contexto.
No segundo capítulo, caracterizo a comunidade disciplinar de ensino de
Química, a trajetória sócio-histórica, as influências e os principais grupos de pesquisa e
suas respectivas lideranças. Essa caracterização também permite identificar a ação
epistêmica dos pesquisadores da comunidade.
No terceiro capítulo, analiso os textos selecionados, identificando as
semelhanças e as diferenças que configuram a comunidade disciplinar de ensino, as
principais demandas, e os discursos que vem se constituindo na defesa dessas
demandas. Analiso ainda como os discursos curriculares da comunidade se articulam
em contraposição a uma dada representação de ensino de Química nas escolas.
Por fim, ressalto que a comunidade disciplinar de ensino de Química é atuante
na produção de políticas curriculares para o ensino médio, pois consegue articular as
suas demandas específicas com as demandas globais. As articulações envolvem
negociações de sentidos em torno de discursos como contextualização, formação para a
cidadania, interdisciplinaridade, conhecimento químico escolar e relação entre prática e
pesquisa, uma vez que esses ampliam os sentidos defendidos pela comunidade no
processo político.
23
CAPÍTULO I
O ESTUDO SOBRE POLÍTICAS DE CURRÍCULO
As reformas educacionais desenvolvidas em diversos países caracterizam-se
principalmente por apresentar um processo de centralização curricular nas políticas
estabelecidas e pela modificação de questões relacionadas à organização do currículo, as
quais vão desde a forma de selecionar e organizar o conhecimento escolar até o
estabelecimento de sistemas de avaliação visando a um maior controle do processo da
mudança. Esses processos não se desenvolveram da mesma forma e com a mesma
intensidade nos diferentes países, pois a organização curricular depende dos múltiplos
sujeitos e contextos que a compõem. Lopes (2006) cita que a reforma promovida na
Inglaterra configura-se como um caso que pode ser considerado de grande destaque
nesse processo. Nesta reforma, o currículo deixou de ser organizado somente por
autoridades locais, tendo sua mudança pautada por relações estreitas com o mercado. A
introdução de um currículo nacional reduziu as ações das autoridades inglesas locais nas
escolas, além da autonomia dos professores nas decisões referentes às questões
curriculares. Países como a Nova Zelândia e a Suécia também introduziram o currículo
nacional em suas reformas educacionais, mas a Inglaterra destaca-se pela forte
centralização curricular, seja no controle rígido em relação às avaliações, seja na
distribuição de investimentos para as escolas.
Já para Portugal, o currículo nacional não é uma questão que gere grandes
discussões, uma vez que a organização curricular no país sempre foi centrada na esfera
nacional. Preocupando-se com o reforço da qualificação dos indivíduos e,
conseqüentemente, com a melhoria da qualidade da educação, a última reforma
portuguesa focaliza outras questões, como por exemplo, a introdução de novas formas
de gestão curricular. Discursos sobre a contextualização, as tecnologias e o currículo por
competências também se constituem pontos centrais dessa reforma. Investigando a
política curricular de Portugal
13
, pude identificar as aproximações e os distanciamentos
13
Tal investigação fez parte da pesquisa “A comunidade disciplinar de Química e a produção de políticas:
o caso do Brasil e de Portugal”, desenvolvida durante o meu doutorado sanduíche, realizado na
Universidade do Porto, em Portugal, sob a orientação da Professora Doutora Carlinda Leite, no período
de agosto a dezembro de 2008, com apoio da CAPES. Agradeço particularmente o apoio da Professora
24
existentes entre este país e o Brasil. A forma como é defendido o currículo por
competências nos dois países é um exemplo dessas diferenças. A organização curricular
por competências em Portugal foi inicialmente defendida por investigadores
portugueses renomados do campo do currículo, como a Professora Doutora Maria do
Céu Roldão. Esses investigadores defendem que esta organização é capaz de romper
com as lógicas de funcionamento e gestão do anterior sistema de ensino, caracterizado
como excessivamente conteudista e descontextualizado. Ao mesmo tempo, defendem
que o currículo por competências se aproxima das práticas de outros sistemas europeus
(Roldão, 2003), principalmente no que se refere aos resultados. De certa forma, isso
colaborou para um consenso geral de que a organização por competências traz uma
perspectiva inovadora e diferente para o currículo desenvolvido até então.
No Brasil, o currículo por competências foi defendido pelas comunidades
disciplinares de ensino da área de Ciências que identificaram na proposta oficial a
possibilidade de fazer circular algumas das suas demandas, como a valorização do
ensino contextualizado (Lopes et al, no prelo). No entanto, os pesquisadores do campo
do currículo criticaram a organização por competências, na medida em que os conceitos
apresentavam enfoques instrumentais e comportamentais (Lopes, 2001). Assim, o
contexto brasileiro foi alvo de mais tensões com relação à defesa do currículo por
competências, o que se refletiu na elaboração dos documentos oficiais e na
reinterpretação dos mesmos nos diferentes contextos. No caso do ensino de Química
brasileiro, as propostas curriculares elaboradas apresentaram de forma mais geral e
ampla as orientações e sugestões para o ensino da disciplina, as temáticas a serem
trabalhadas, assim como as competências e as habilidades que se deseja desenvolver.
Enquanto que os programas curriculares portugueses, para além das orientações e
sugestões gerais, apresentam os temas que devem ser tratados em cada unidade, bem
como os objetivos de aprendizagem e as atividades práticas e prático-laboratoriais.
Dessa forma, os documentos curriculares portugueses para o ensino de Química podem
ser vistos como mais prescritivos do que os documentos brasileiros, contribuindo para
que a mudança curricular em Portugal se apresente de forma mais centralizadora do que
no Brasil (Abreu e Costa, no prelo). Nesse sentido, é importante perceber como
Doutora Nilza Costa e da Universidade de Aveiro, co-participantes deste projeto, na realização dessa
pesquisa.
25
princípios e discursos globalizados pelas reformas educacionais se articulam de
diferentes formas em contextos diferentes.
A reforma educacional brasileira desenvolvida para o ensino médio, além de
introduzir uma proposta de currículo nacional, é marcada principalmente por uma nova
organização curricular, entendida pelos elaboradores da proposta como forma de
desenvolver um currículo integrado. Essa proposta apresenta uma organização por áreas
disciplinares. Ao invés de organizar o currículo apenas por disciplinas, é preciso
organizar também por áreas. As componentes disciplinares das áreas são as que se
apresentam, supostamente, com mais afinidades entre si, capazes de estabelecer a
integração pretendida pela reforma. Tal proposição reflete a tradição e a força da
organização curricular disciplinar nas escolas, já que o currículo pode ser organizado de
outras formas que não sejam disciplinares (Santomé, 1998). Revela também a
importância e a influência que os campos disciplinares possuem no momento da
definição das políticas curriculares.
Em virtude dessa importância das disciplinas na produção das políticas e da
centralidade dos discursos defendendo a organização do currículo por disciplinas,
defendo ser importante investigar a produção de políticas curriculares nos campos
disciplinares. Assim, neste capítulo busco delimitar/esclarecer a concepção de política
curricular, bem como a de comunidade disciplinar e a de comunidade epistêmica, as
quais nortearam este trabalho de pesquisa ajudando-me a analisar e compreender a
comunidade disciplinar de Química como produtora de políticas curriculares para o
ensino médio.
I.1 – Políticas de currículo
Toda política curricular é constituída de práticas e propostas interconectadas, as
quais podem reproduzir, definir e formar outras práticas e propostas. Tal afirmativa é
resultado da compreensão de que as políticas curriculares não devem ser vistas como
objetos ou coisas, as políticas curriculares são também processos e produtos em
constante diálogo e transformação (Ball, 1994).
26
Com base em Stephen Ball (2001), argumento que as políticas de currículo são
processos de negociação complexos, uma vez que os sujeitos e os contextos influenciam
e são influenciados por diversos discursos circulantes, causando uma interdependência
delicada. Para entender esses processos de negociação, o autor defende a existência de
duas concepções de política, a política como texto e a política como discurso (Ball,
1994). Apesar de diferentes, as duas concepções estão intimamente relacionadas e
implícitas uma na outra.
A política como texto corresponde às representações, mais ou menos legítimas,
de variados códigos existentes na sociedade sejam eles de lutas, compromissos,
experiências pessoais, interpretações, histórias e alianças constituídos na tentativa de
controlar os sentidos e os significados nas leituras. Assim, os textos produzidos pelos
sujeitos e contextos, sejam eles registrados na forma escrita ou não, não estão fechados
ou completos nem tampouco apresentam significados fixos e claros. Para Ball, o texto
físico que chega aos leitores não surge de repente, como também não penetra em um
vácuo social ou institucional. Isto pressupõe dizer que os leitores não podem ser
desconsiderados nesse processo, pelo contrário eles assumem um papel importante já
que as suas histórias e contingências irão influenciar a leitura e a interpretação desses
textos. Em outras palavras, a legibilidade dos textos depende do que se lê, de como se lê
e do contexto social e histórico da leitura. Isso acarreta uma infinidade de leituras
possíveis produzidas pelas inúmeras formas de interação que cada leitor estabelece com
os textos. No entanto, a pluralidade de leituras produzida pelos diferentes sujeitos não
significa que se pode ter qualquer interpretação. Os autores dos textos também tentam
controlar essas diferentes e múltiplas interpretações estabelecendo uma leitura mais
“correta” ou mais “coerente”. Por exemplo, podemos citar os textos mais prescritivos
como uma tentativa de controle dos sentidos e dos significados da leitura.
Já a política como discurso baseia-se nas práticas que constituem os objetos de
que se fala e nas regras que norteiam e direcionam essas práticas. Os discursos referem-
se ao que pode ser dito e pensado, mas também sobre quem pode falar, onde, quando e
com que autoridade (Ball, 1994). Com base nos estudos de Foucault, Ball defende que
os discursos incorporam o significado e usam de propostas e palavras para construir
certas possibilidades de pensamento. Assim, a política como discurso nos leva a pensar
“de outro modo” estabelecendo alguns “regimes de verdade”. Mesmo tendo acesso a
inúmeras vozes somente algumas delas vão ser ouvidas e identificadas como legítimas
27
ou dotadas de autoridade. Por isso os discursos não podem ser considerados fora de suas
relações materiais, ao contrário eles necessitam ser compreendidos a partir das relações
entre linguagem, práticas e ações. Desse modo, a política como discurso não deve ser
entendida fora de seu contexto sócio-histórico e das relações que estabelece com os
outros contextos sociais, como o campo econômico e o campo cultural.
Acho importante esclarecer que a noção de discurso que utilizo e defendo aqui
não se restringe à linguagem, falada ou escrita. A linguagem é apenas um dos
componentes da estrutura discursiva, ainda que em muitos casos, como por exemplo, no
processo de ensino-aprendizagem, este componente possua uma importância
considerável. Autores como Giacaglia e Mendonça, com base em Laclau, defendem
que o discurso deve ser visto como uma totalidade, ou seja, o discurso não é uma
combinação de fala e escrita, mas, pelo contrário, a fala e a escrita são apenas
componentes internos das estruturas discursivas (Giacaglia, 2006: 101). O discurso
engloba também todas as ações e relações que possuem significado social, como é o
caso, por exemplo, da imagem e das instituições. Assim, a concepção de discurso
utilizada nesta pesquisa é pensada a partir de todas as estruturas (linguagem oral,
linguagem escrita, linguagem visual, ações, práticas e grupos sociais) que podem
contribuir na produção de significado social para as políticas curriculares.
O pesquisador Ernesto Laclau argumenta em seus trabalhos que a noção de
discurso como resultado de uma prática social articulatória, constituindo e organizando
as relações sociais, é muito importante para o estudo das políticas (Laclau, 2005). Nessa
perspectiva, a política como discurso tenta universalizar as articulações estabelecidas
por determinados sujeitos e/ou grupos em dado momento sócio-histórico. Em outras
palavras, os significados, os sentidos e os acordos produzidos em torno de uma questão
específica são levados a gerar ligações e significados mais amplos no contexto social a
fim de que se tornem reconhecidos e legitimados. Laclau defende ainda que as
articulações existentes entre indivíduos ou grupos sociais não são fixas e permanentes,
pois as questões de poder e de luta que constroem as relações sociais também não são
definitivas.
28
Nesse sentido, argumento que o discurso
14
está imerso em relações de poder e
saber que se articulam mutuamente, além de se constituir como o lugar da multiplicação
dos sujeitos (Fischer, 2001). A análise da política como discurso implica considerar essa
política como articulação de indivíduos e instituições. Como articulação, a política não
deve ser identificada a um determinado indivíduo ou grupo, uma vez que são as
articulações que constituem os sujeitos. Laclau (2005) defende que toda identidade é
construída em um processo de articulação: os sujeitos são constituídos por processos
discursivos que tentam fixar determinados sentidos nas articulações estabelecidas e
modificar as demandas, mesmo que existam a priori. A modificação ou criação de
demandas constitui assim a construção de novos sujeitos. Mouffe (2001) chama a
atenção que para entendermos qualquer identidade em um processo político deve-se
levar em consideração tanto a multiplicidade de discursos e a estrutura de poder que a
afeta, como a dinâmica complexa de cumplicidade e resistência, que acentua as
práticas nas quais essa identidade está implicada (2001: 420). Assim, entender a
política como discurso significa perceber os processos de articulações existentes no que
se refere às aproximações, diferenças, lutas, consensos e conflitos que as relações de
poder instauram na construção dos sujeitos.
No caso das políticas de currículo, podemos afirmar que as múltiplas
articulações representam os consensos e as lutas existentes entre as questões do poder e
do saber, as quais estabelecem quem tem o direito de falar e de produzir sentidos para as
políticas. São essas relações entre quem legitima o saber e quem legitima o poder
(simbólico, econômico ou cultural) que produzem as “verdades” que dominam a
significação das políticas discursivamente, mesmo que provisoriamente. Nessa lógica,
vozes são legitimadas, autoridades são reconhecidas como inquestionáveis no
estabelecimento dos limites sobre o que se pode e o que não se pode dizer e pensar.
As duas concepções de política defendidas por Ball não podem ser analisadas
separadamente, uma vez que o leitor é formado pelo discurso, e que o discurso é
resultado de um processo articulatório de demandas de diferentes identidades. Nos dois
processos, as políticas são necessariamente ambíguas e expressam acordos estabelecidos
14
Trabalhar a concepção de discurso baseada em Ball e em Laclau pode parecer contraditório, uma vez
que o aporte teórico de Foucault nos estudos de Ball possui muitas diferenças com os estudos de Laclau.
Contudo, a minha intenção nessa análise é articular os aspectos da interpretação de discurso de Ball e de
Laclau naquilo em que não se contradizem. Para maiores esclarecimentos sobre a crítica à concepção de
discurso de Foucault, ver Laclau e Mouffe (2001).
29
no momento de sua formação. A política curricular, tanto como texto quanto como
discurso, deve ser entendida como um produto de inúmeras influências e condicionantes
envolvendo intenções e negociações constantes, na qual algumas influências e
condicionantes serão mais ouvidos e lidos do que outros.
Para Ball & Bowe (1998), toda política de currículo é um processo bem mais
complexo do que parece, uma vez que as práticas e as leituras estabelecidas não são
necessariamente precisas e explícitas. Os autores argumentam ainda que os textos e os
discursos formam parte de um ciclo político composto por arenas e lugares
significativamente diferentes, nos quais se encontra em jogo uma variedade de
interesses. Por isso, ao investigarem o currículo nacional na Inglaterra, os pesquisadores
defenderam a necessidade de se considerar o processo político educacional como um
ciclo de políticas contínuo. Inicialmente trabalharam com a existência de três campos
políticos: a política proposta ou que se pretende implantar, a política atual e a política
em uso. Segundo Mainardes (2007), tal formulação apresentou certa rigidez em relação
à linguagem utilizada, o que comprometia o entendimento da concepção do ciclo de
políticas proposto pelos pesquisadores.
Mais tarde, Bowe, Ball e Gold (1992) reapresentaram o ciclo de políticas como
sendo um ciclo contínuo constituído por três diferentes contextos que se apresentam
como espaços de negociação e formação de políticas: o contexto de influência, o
contexto da produção e o contexto da prática. O contexto de influência é aquele no qual
as definições e os diversos discursos políticos são iniciados e / ou construídos. Nesse
contexto, os grupos de interesse disputam para influenciar a definição das finalidades
sociais da educação e do que significa ser educado, constituindo assim os discursos
legitimados para aquele jogo político. O contexto da produção se caracteriza pela
produção de textos políticos cujas definições foram selecionadas anteriormente. No
entanto, a política não se encerra na elaboração desses textos, ela se constrói e
reconstrói nas diversas leituras que os textos sofrerão ao transitarem por outros
contextos sociais. O contexto da prática é onde a política é reinterpretada e recriada
podendo produzir efeitos e conseqüências que garantam mudanças na política inicial.
Nessa lógica, o contexto da prática não pode ser visto como o local de implementação
das políticas definidas a priori.
Cabe ressaltar que tais contextos não funcionam isoladamente, mas sim se
influenciam e articulam dinamicamente fazendo com que não haja nenhuma hierarquia
30
e nem seqüência nas suas relações. Também não são lugares ou espaços delimitados
espacialmente. Com a proposta do ciclo contínuo de políticas, os pesquisadores ingleses
promovem a reflexão das análises sobre os estudos centrados na escola e na
implementação das políticas curriculares como também dos estudos enfocando o papel
do Estado, a fim de superar a dicotomia dos dois tipos de análise.
Analisando as contribuições de Ball para as pesquisas sobre as políticas
curriculares no Brasil, Lopes e Macedo (no prelo) identificam certa hierarquia do
contexto de influência. As pesquisadoras criticam o destaque conferido a esse contexto
pelo fato de que ele assume o sentido de território originário do qual emanam as
políticas (prelo: 8). Na caracterização dos contextos do ciclo, Bowe, Ball e Gold
afirmam que os discursos políticos são iniciados somente no contexto de influência. Tal
leitura pode levar ao entendimento de que os discursos que influenciam a definição de
políticas estão fixados apenas neste contexto, contribuindo para a posição hierárquica
superior do contexto de influência frente aos demais contextos. Concordando com a
crítica referida, defendo que os discursos capazes de influenciar a discussão e a
definição das políticas podem estar também nos outros contextos do ciclo de políticas.
Da mesma forma, não se deve analisar o contexto da prática limitado ao espaço
escolar. O contexto da prática - local imaginário na qual a política é recontextualizada -
segundo Ball e Bowe (1992), apresenta-se nos demais contextos do ciclo também.
Analisar a escola como o único ‘espaço’ de recontextualização, significa afirmar que a
escola é a única a produzir sentidos e significados para as decisões políticas. Além
disso, desconsideram-se os sentidos da prática, os sentidos recontextualizados, na
articulação com os outros contextos que integram o ciclo contínuo.
Entendo que os contextos constituidores do ciclo de políticas de Bowe, Ball e
Gold, assim como os textos e os discursos, são formados por arenas, lugares e interesses
distintos, o que leva inevitavelmente a disputas, conflitos e acordos. Assim,
concordando com Lopes (2004a), afirmo que a constituição das políticas curriculares
consiste em um processo de produção de saberes, de visões de mundo, de valores, de
símbolos e significados referentes aos vários sujeitos e contextos participantes desse
ciclo de políticas. A transferência de significados de um contexto a outro está sujeita aos
processos de interpretação e lutas, os quais podem ser comparados aos processos de
recontextualização de Bernstein (1981, 1996).
31
De acordo com Bernstein, a recontextualização é caracterizada pela retirada de
textos/discursos de seus contextos, originais ou não, e pela relocalização desse
texto/discurso em outros contextos, com outro foco e ordenamento. Assim, na
recontextualização os textos/discursos são selecionados, apropriados e, assim, retirados
de suas questões iniciais e relocados, refocalizados e relacionados com outros discursos,
adquirindo nova ordem e novos sentidos. Esse processo assegura que o texto/discurso
não seja mais o mesmo. Bernstein também argumenta que é durante o processo de
recontextualização que se determina o que se pode transmitir, como, quando, bem como
quais valores, orientações, intenções e normas estarão presentes nos novos contextos.
Em outras palavras, o processo de recontextualização abre espaço para a atuação da
ideologia, no qual a disputa entre as diferentes demandas pode determinar as
características e os pressupostos do novo discurso/texto.
Ao estudar o discurso pedagógico, Bernstein (1996) propôs a existência de dois
grandes campos de recontextualização que atuam nos processos de interpretação e lutas
dos diversos contextos sociais para o campo educacional. Um deles é o campo
recontextualizador pedagógico oficial, o qual é constituído pelas regras sociais que
regulam a produção, distribuição, reprodução, inter-relação e mudança dos textos
pedagógicos legítimos (discursos), suas relações sociais de transmissão e aquisição
(prática) e a organização de seus contextos (organização) (Bernstein, 1996: 272).
Dessa forma, esse campo tem a finalidade de exercer controle, de instituir formas de
controle legítimas por intermédio de suas diretrizes. Esse campo é constituído pelas
várias instâncias oficiais como o MEC, os Ministérios, e as Secretarias e, além disso,
também sofre influência do campo internacional, constituído pelas agências de fomento
(Banco Interamericano de Desenvolvimento e Banco Mundial, por exemplo), do campo
econômico e do controle simbólico. Bernstein chama a atenção para o fato de que o
discurso pedagógico oficial é sempre uma recontextualização de textos e de suas
relações sociais geradoras, a partir de posições dominantes no interior dos campos
econômico e de controle simbólico. O outro é o campo recontextualizador pedagógico
não-oficial, considerado como o campo de produção de teorias educacionais que
orientam a prática pedagógica, recontextualizando as diretrizes oficiais e não-oficiais.
Este campo é constituído por universidades, por pesquisadores em educação em geral,
por revistas especializadas, pelas editoras, por meios de comunicação, etc.
32
Com essa proposta Bernstein não quer expressar que os dois campos são
desarticulados e autônomos. Os dois campos são inter-relacionados uma vez que as
universidades, os pesquisadores, ou as revistas sofrem influência do campo econômico e
das instâncias governamentais, por exemplo, como também os integrantes do campo
pedagógico oficial são influenciados por questões do campo não-oficial. Assim, os
campos possuem constituições diferentes, mas se articulam continuamente
recontextualizando seus discursos e relações.
Partindo desse pressuposto, pode-se afirmar que as políticas curriculares são
produtos dos processos de recontextualização de vários textos e discursos, sejam eles
oficiais ou não, tais como os discursos das áreas de conhecimentos específicos,
discursos das agências internacionais, discursos da família e da comunidade, e discursos
escolares.
No entanto, o processo de elaboração das políticas curriculares não acontece
pela recontextualização em um único sentido, do campo pedagógico oficial (da esfera
governamental) para o campo pedagógico não-oficial (para a escola), por exemplo.
Igualmente, nem sempre esses campos podem ser estruturalmente tão delimitados como
propõe Bernstein. Estudos têm ressaltado que a produção de políticas de currículo é
realizada em diversos contextos e em várias direções, caso da proposta curricular do
ensino médio no Brasil e da produção de livros didáticos. Os PCNEM (Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio) não se apropriaram somente dos discursos
do campo internacional (contexto de influência), como também se apropriaram de
determinados discursos existentes no campo de ensino de cada área de conhecimento,
existindo assim uma circularidade das influências e reinterpretações que dependem do
grau de articulação dos grupos envolvidos nesse processo (Lopes 2004a, 2004b; Abreu,
2001, 2002). Os livros didáticos integram também esse ciclo contínuo de políticas de
Ball, uma vez que participam tanto do contexto da prática, fazendo a apropriação dos
princípios preconizados nas políticas, como do contexto da produção e da influência,
quando a partir de novas releituras influenciam e promovem novos significados para as
políticas curriculares (Abreu e Gomes, 2004; Silva e Lopes, 2004).
Isso leva a uma questão, não explorada por Bernstein, de fundamental
importância para esse estudo: que os processos de recontextualização dos discursos
produtores de políticas pelo contexto da prática não estão fechados em uma linearidade
vertical (de cima para baixo). Não são, portanto produções exclusivas de um único
33
contexto, o que reforça a defesa do estudo de políticas pelo ciclo contínuo de Ball &
Bowe. Se os discursos produzidos pelas políticas não são verticalizados, eles podem
estar relacionados com características de todos os contextos do ciclo contínuo de
políticas (influência, produção ou prática). A aproximação e classificação desses
discursos produtores de políticas curriculares com os contextos que integram o ciclo de
políticas serão condicionadas pelas relações e práticas existentes no momento de
elaboração das políticas. Em outras palavras, não se pode afirmar que as comunidades
disciplinares sempre pertencem e atuam no contexto da prática, por exemplo. Elas
participam de outros contextos, na medida em que influenciam na formação e na ação
dos professores disciplinares como também reinterpretam os discursos sociais. Assim, a
identificação das comunidades disciplinares com um determinado contexto depende das
articulações estabelecidas e da natureza de sua participação naquele momento.
Nessa perspectiva a definição ou caracterização da participação de cada grupo
social na produção de políticas depende da sua atuação em determinado contexto sócio-
histórico. No caso específico da comunidade disciplinar de ensino de Química, o grupo
de pesquisa da Universidade de São Paulo – GEPEQ - convidado a participar da
elaboração dos primeiros textos curriculares oficiais da reforma do ensino médio, por
exemplo, vinha desenvolvendo uma atuação mais efetiva no contexto da escola,
desenvolvendo propostas, experimentos e palestras, e na formação de professores,
apesar de já terem participado de propostas curriculares estaduais no início da década de
1980. Nesse momento, o grupo de pesquisa marcou sua atuação no contexto de
definição das políticas trazendo, para este, significações do contexto da prática. Este
entendimento é pertinente para o estudo dos processos de recontextualização das
políticas curriculares, uma vez que os mecanismos de elaboração e legitimação não são
eternos, mas sim estão em constante mudança e reconhecimento.
Chamo a atenção para o fato de que os processos de recontextualização podem
permitir também a legitimação de determinados discursos sociais. Nos PCNEM, por
exemplo, a interdisciplinaridade e a contextualização são utilizadas como princípios
balizadores da proposta oficial com a finalidade de promover a integração do currículo.
Tais discursos, defendidos pelo campo educacional e pelos elaboradores dos
documentos, são legitimados perante a sociedade quando apropriados e
recontextualizados por uma proposta oficial de abrangência nacional. Em contrapartida,
esses mesmos discursos facilitam a aceitação e a circulação da proposta oficial no
34
campo educacional, na medida em que existe uma identificação de pressupostos,
acabando por legitimar o discurso oficial (Abreu, 2002). Esses discursos funcionam
como fator de aproximação, um elo, entre o contexto de produção e o contexto da
prática, mesmo que estejam submetidos a demandas e finalidades diversas.
Argumento que a recontextualização dos discursos e a relação entre os contextos
do ciclo de políticas é marcada por aspectos híbridos uma vez que as articulações
constituídas acabam modificando em maior ou menor intensidade a natureza das
questões iniciais e as identidades diferenciais dos envolvidos no processo. A
incorporação do hibridismo para a análise política ajuda no questionamento da teoria de
Bernstein. A sua teoria sobre a recontextualização limita o entendimento da produção de
políticas e da ação dos sujeitos, pois para o pesquisador os sujeitos estão fixados nos
campos de recontextualização não podendo atuar na produção de sentidos em outros
campos. Nessa lógica, as articulações só aconteceriam dentro de cada campo
recontextualizador e não entre os diferentes campos. O hibridismo nos leva a
compreender que os sujeitos e as instituições podem se articular de diferentes formas,
não havendo a priori uma hierarquia e uma delimitação dessas articulações.
Ball defende em seus primeiros trabalhos que o processo de elaboração de
políticas é, inevitavelmente, um processo de bricolage:
A maior parte das políticas são constituídas de montagens
apressadas, de ensaios de tentativa e erro, que são retrabalhadas,
remexidas, temperadas e modificadas através de complexos processos
de influência, de produção de textos de disseminação e, em última
análise, de recriação no contexto da prática. (Ball, 1998: 132)
Posteriormente, o pesquisador desenvolveu como esse processo de bricolage é
decorrente da recontextualização dos textos e discursos curriculares associados ao
caráter híbrido da cultura (Ball, 2001), uma vez que esses são deslocados das questões e
relações de origem e recolocados em novas questões e relações, produzindo assim
novos significados para os recortes estabelecidos. Nesse processo, segundo Canclini
(1998), acontece uma reorganização cultural do poder, pois as relações passam de
seqüências verticais e bipolares para situações de entrelaçamento, nas quais as relações
e questões são multifacetadas e interligadas. As relações de poder se entrecruzam de tal
maneira que a eficácia de cada relação é enfatizada pelo próprio entrelaçamento. Essa
eficácia não vem pela sobreposição ou pela potencialização das relações de poder, mas
35
sim pela obliqüidade que se estabelece na trama (Canclini, 1998: 346). Na negociação
dessas relações, é preciso entender que o entrelaçamento não resolve as tensões e
contradições existentes, pois outras são formadas. As relações oblíquas promovem a
formação de ambigüidades para os diferentes contextos e discursos fazendo com que
não exista uma única direção nem um único sentido, o que lhes confere um caráter
político. Essas perspectivas de Ball e Canclini fazem-nos refletir, no caso das políticas
curriculares, que o hibridismo de diferentes discursos e contextos não conduzem
necessariamente a um consenso sobre o que é considerado como conhecimento legítimo
ou sobre as formas de atuação no contexto escolar.
Segundo Mouffe, o consenso caracteriza-se por ser uma impossibilidade
conceitual (2001: 430), pois os conflitos e as divisões não podem ser eliminados
totalmente. Assim, a obliqüidade das relações de poder colabora para a existência e a
manutenção dos conflitos e tensões, resultantes do processo de negociação e articulação
das diferentes demandas existentes. Se as relações de poder não são eliminadas, não há
como eliminar as tensões, os conflitos e as lutas que decorrem destas; apenas pode-se
modificá-las ou reorganizá-las. Por isso que, concordando com Mouffe, defendo que o
consenso é sempre conflituoso, porque sempre haverá tensões constituindo as
articulações estabelecidas em dado momento. No processo articulatório das políticas
qualquer negociação abre espaço para a expressão de interesses e valores conflitantes
(2001: 419). Isso contribui para a natureza provisória e parcial desses consensos.
Nesse sentido, Ball defende que as políticas curriculares precisam ser
interpretadas como redes de poder, de discursos e de tecnologias que se desenvolvem no
campo da educação. O pesquisador ainda trabalha com a perspectiva, da qual
compartilho, que as políticas são produtos frágeis, resultantes de acordos, algo que pode
ou não funcionar (Ball, 2001: 102). Tudo dependerá das articulações associações e
releituras que essas políticas assumirão nos diversos grupos sociais.
Entretanto, isso não significa dizer que os grupos atuantes na política são
definidos a priori, isto é, que a constituição e definição dos grupos é anterior às
questões políticas. É preciso entender que o processo de produção de políticas é muito
mais complexo e que não se constitui somente a partir de uma realidade já existente, ele
também é parte dessa realidade. Por este motivo, Laclau (2006a) defende que na análise
sociológica e política deve-se trabalhar com grupos organizados em função das
demandas na política. Para o autor, é necessário analisar como se constitui a unidade de
36
um grupo, de uma identidade política, a partir de uma dispersão de pontos de ruptura,
antagonismos e demandas (Laclau, 2006a: 21). Além disso, a análise deve levar em
consideração a multiplicidade dos sujeitos e de suas posições nos diferentes espaços em
que atuam e produzem significados.
A perspectiva teórica do estudo de Laclau complementa a análise do modelo
heurístico do ciclo de políticas proposto por Ball, na medida em que promove um
melhor entendimento da complexidade das articulações envolvidas no processo de
produção das políticas. No ciclo de políticas, nem sempre conseguimos identificar ou
perceber as articulações que ocorrem nos e entre os contextos, levando a uma análise
que geralmente minimiza os conflitos e as disputas existentes. Um trabalho que
considere os estudos de Laclau deve envolver conceitos como hegemonia, cadeia de
equivalência, significante vazio e ponto nodal, os quais são centrais para a compreensão
e análise das articulações no processo político no enfoque teórico do pesquisador.
Para Laclau, a hegemonia é uma operación por la que uma particularidad
asume una significación universal inconmensurable consigo misma (2005: 95), pois a
particularidade está dividida entre o que ela é e o que ela representa nessa significação
mais universal. Assim, a hegemonia é uma relação em que uma determinada
identidade, num contexto histórico, de forma precária e contingente, passa a
representar, a partir de uma relação equivalencial, múltiplas identidades (Mendonça,
2007: 251). Em outras palavras, a hegemonia é quando certa identidade diferencial, uma
particularidade, consegue se expandir e tornar-se mais universal por meio de discursos e
articulações. Se o conteúdo particular passa a ser universal, se os discursos particulares
conseguem se articular em dado momento histórico, de forma provisória e contingente,
e expandem-se, temos a constituição de uma relação hegemônica. O pesquisador afirma
que lo universal no es outra cosa que un particular que en un cierto momento ha
pasado a ser dominante (Laclau, 1996: 53), um particular que se tornou hegemônico.
Isso não significa dizer que o discurso hegemônico abandonou seus conteúdos
particulares, mas sim que, para se tornar hegemônico, ele precisou ampliar as suas
questões particulares a fim de dialogar e negociar com outros discursos particulares
existentes socialmente:
A particularidade que busca universalizar seus conteúdos,
condição necessária da hegemonia, precisa representar alguma coisa
a mais do que sua pura particularidade. Este algo a mais do que sua
37
mera particularidade só pode ser percebido no momento em que esta
consegue representar os conteúdos particulares de outras identidades.
Esta representação requer a ampliação de seus sentidos particulares
de modo que estes consigam abarcar outros sentidos que não estavam
contemplados originalmente por sua identidade. Quando a identidade
consegue chegar a esse nível de representação de outros discursos
significa que ela não é mais a sua simples particularidade original,
nem a identidade de quem ela consegue representar, mas um terceiro
conceito capaz de representar a si e aos outros. (Mendonça, 2007:
252)
Dessa forma, o discurso de um particular ao se tornar universal, assume a
condição híbrida no processo de representar tanto as suas demandas como as demandas
dos demais particulares. Pensar as políticas de currículo nessa perspectiva significa
pensar nas articulações contingentes e provisórias que se formam em torno dos
conflitos, das lutas e das demandas dos indivíduos e dos grupos sociais que participam
do ciclo contínuo de produção das políticas de currículo. Pensar como discursos
curriculares distintos conseguem se articular em torno da defesa de um ensino com mais
qualidade, por exemplo.
É essa ampliação do campo de atuação do discurso particular e essa tentativa de
articular e prevalecer sobre os outros discursos que leva uma identidade a estabelecer
uma relação de equivalência com outras identidades. Isso é o que acontece no processo
de representação: a identidade do representado, o particular, é transformada e ampliada
para constituir a identidade do representante, o universal, por intermédio da cadeia de
equivalências. Nesse sentido, Laclau (2005) argumenta que na busca pela
universalidade, o processo de representação leva em consideração dois pontos: primeiro,
que sentidos do universal estejam presentes em cada significação dos particulares que
representa; segundo, que os limites da representação desse universal, e sua própria
constituição, está relacionado com uma diferença que foi excluída das articulações, com
um exterior que representa aquilo que as outras diferenças não querem. Uma diferença
comum a todos os particulares, fazendo com que esses particulares sejam equivalentes
entre si no antagonismo à identidade excluída. Nessa perspectiva, a equivalência
alcançada nas articulações pressupõe a existência de diferenças e é por isso que Laclau
afirma que toda identidad es construída dentro de esta tensión entre la lógica de la
diferencia y la lógica de la equivalência (2005: 94). Novamente é preciso destacar que
esta tensão não é resolvida após a construção da identidade do representante, porque as
38
diferenças continuam existindo e porque esse processo é sempre contingente e
provisório.
Laclau defende que a construção das equivalências envolve certo grau de
solidariedade: Es porque una demanda particular está insatisfecha que se estabelece
una solidaridad com otras demandas insatisfechas, de maneira que sin la presencia
activa del particularismo del eslabón no podría haber cadena equivalencial (2005: 153,
grifo do autor). Isso significa que a relação ou a cadeia de equivalências envolve a
articulação de demandas, provisórias e contingentes para certo contexto, em torno de
algo que é visto como negativo e que esteja impedindo a plena realização dessas
demandas. A insatisfação das diferentes demandas particulares é responsável pela
aproximação e pela construção de um projeto discursivo comum. Assim, a cadeia de
equivalências é formada pela articulação de um discurso privilegiado com discursos
outros, os quais são representados pelo discurso privilegiado, na medida em que este
fixa parcialmente os sentidos do sistema discursivo (Laclau, 2005). O pesquisador
argumenta que o processo articulatório ocorre em torno de um ponto nodal, isto é, em
torno de um discurso centralizador que consegue fixar sua significação e, a partir dela,
articular elementos que previamente não estavam articulados (Mendonça, 2007: 251).
A força do ponto nodal, a força do discurso centralizador na fixação de significados
para um maior número de particulares na sua tentativa de se tornar hegemônico é
determinado pelo contexto sócio-histórico em que se insere e pelas próprias articulações
que consegue desenvolver. Dessa forma, podemos afirmar que a maior fixação de
significados em um processo articulatório faz com que o seu representante, o discurso
privilegiado e centralizador, tenha maior força, visibilidade e legitimidade.
Ainda segundo Laclau, quanto maior for a cadeia de equivalências, mais o
representante se afastará das questões e dos discursos que o constituíam como
particularidade inicialmente. Nesse processo, o representante ou o universal tende a se
esvaziar de sua relação com os significados específicos ou particulares, fazendo com
que perca a sua referência direta e “original” com um determinado significado e
transforme-se em um significante vazio (Laclau, 2006a). Em outras palavras, o discurso
privilegiado universaliza tanto seus conteúdos e representa tantos elementos
particulares, que se torna impossível de significá-lo de forma exata. Ao mesmo tempo
em que representa e articula uma infinidade de particulares, o discurso privilegiado
torna-se vago e impreciso. Discursos como a defesa da qualidade no ensino ou da
39
formação do cidadão, por exemplo, conseguem reunir diferentes grupos sociais de
perspectivas teóricas muito diferentes e por vezes até opostas, como as perspectivas
sócio-construtivistas e as instrumentais. No entanto, estes grupos se unem em torno de
um nome, de um elemento puramente conceitual, para se contraporem a algo que
entendem como inimigo maior – a baixa qualidade de ensino nas escolas brasileiras -,
em torno de uma luta comum.
O pesquisador chama a atenção para as conseqüências da existência dos
significantes vazios. Primeiro, que os limites do significante vazio impedem a sua
expansão e ameaçam a sua existência, porque cada elemento do sistema articulatório
possui uma identidade específica, na medida em que é diferente dos outros. São essas
diferenças que delimitam, em maior ou menor grau, a relação de equivalência e,
portanto, a existência do significante vazio. Ao mesmo tempo, os limites colaboram
para afirmar a existência da cadeia discursiva, unindo as diferenças existentes na relação
equivalencial em torno de um determinado consenso. As diferenças das identidades
particulares são o que Laclau denomina exterior constitutivo da identidade universal. O
universal se constitui principalmente pela articulação de cada diferença particular do
que pelas semelhanças entre si. Individualmente, essas diferenças particulares
constituem uma ameaça constante à articulação estabelecida (Laclau, 1996).
Segundo, um significante vazio torna-se um ponto nodal quando renuncia,
mesmo que parcialmente, às suas identidades diferenciais, às suas particularidades, a
fim de integrar outras identidades que não estavam organizadas entre si anteriormente.
Um significante vazio torna-se um discurso hegemônico quando consegue aumentar a
sua cadeia de equivalências e fixar ainda mais a significação do seu discurso pela
anulação das diferenças existentes naquele sistema discursivo (Laclau, 1996).
Mendonça ressalta que quanto maior for essa extensão da cadeia de equivalências para
um significante vazio, menor será a capacidade de cada luta concreta permanecer
fechada em sua demanda particular (2007: 253). Isso quer dizer que quanto maior for a
articulação do discurso privilegiado com os outros discursos em torno de uma luta em
comum, mais espaço político terão as identidades particulares para lutar pelas suas
demandas específicas. Tal fato pode ser entendido da seguinte forma: em defesa de algo
em comum, certas identidades particulares diminuem o enfoque de suas demandas
específicas para fortalecer a articulação com as demais identidades, visando a formar
um discurso hegemônico e universal em determinado momento. Sendo assim, a luta por
40
uma demanda específica não poderá ficar restrita a seu contexto apenas, pois não terá
força política suficiente. Portanto, para mobilizar esforços e recursos, a luta por uma
demanda específica deve se aliar e se articular com o discurso de maior força social, no
caso o discurso hegemônico.
Nesse sentido, torna-se importante compreender as articulações, as
contingências e as demandas que constituem essa relação hegemônica no processo
político e que refletem as relações de poder que existem entre os diferentes indivíduos e
grupos sociais. Essas relações de poder não são iguais e eternas como pode parecer em
um primeiro momento. Pelo contrário, as relações de poder são sempre provisórias e
não-fixas, assimétricas e desiguais, o que promove uma negociação constante pela sua
manutenção ou reconfiguração.
Nessa análise, a relação entre o particular e o universal, entre o homogêneo e o
heterogêneo torna-se fundamental, pois são nestas relações que se formam os conflitos e
as lutas por demandas. Nesse sentido, defendo que a atuação da comunidade disciplinar
em ensino de Química nas políticas curriculares se constitui em função das demandas
dessas mesmas políticas, como também é constituída por elas. Os diferentes grupos de
pesquisadores e os professores da educação básica querem ver contempladas nas
políticas determinadas demandas que apóiam ou defendem, como a mudança dos
conteúdos ou a valorização do construtivismo ou ainda o ensino de CTS. Para tal,
constituem um discurso que é capaz de aglutinar todas essas demandas. Assim, esses
grupos são formados em função destes discursos que também são demandas das
políticas em outros setores sociais. Defendo também que os diferentes grupos que
compõem a comunidade disciplinar estão articulados em torno de questões que eles
defendem e/ou criticam, colaborando para a formação de discursos universais.
As redes de poder, de discursos e até de demandas passam por constantes
reinterpretações nos diferentes contextos em que transitam produzindo novos sentidos
para as políticas, de modo que constituem um constante processo de interpretação e de
legitimação dessas relações. Assim, a produção das políticas curriculares não se limita
às concepções de um determinado contexto, bem como não apresenta um discurso
homogêneo capaz de influenciar os diversos contextos da mesma forma. As políticas
curriculares constituem-se pela sua heterogeneidade; seja na apropriação dos discursos
dos diferentes contextos da sociedade, seja pela reinterpretação diversa que os sujeitos
fazem na sua leitura.
41
É importante ressaltar também que a produção de políticas curriculares não
acontece da mesma maneira para todos os sujeitos e para todos os grupos, uma vez que
cada um pertence a diferentes contextos. Cada sujeito traz consigo uma história de lutas
e conquistas, valores, interesses e interações diferentes em relação aos outros grupos. É
nesse sentido que Laclau e Mouffe defendem que o sujeito só se constitui pelas
articulações que estabelece, não existindo a priori.
não há nenhuma posição de sujeito cujas conexões com as
outras posições possam ser permanentemente asseguradas; e, por
conseqüência, não há nenhuma identidade social integralmente
adquirida que não esteja sujeita, em maior ou menor escala, à ação
de práticas articulatórias. (Laclau, 1986: 6)
A identidade não pode, portanto, pertencer a uma só pessoa e
ninguém pertence a uma única identidade. Podemos ir ainda mais
longe e argüir que não há identidades “natural” e “original”, já que
cada identidade é o resultado de um processo constitutivo, mas que
esse processo em si deve ser visto como uma hibridização e
nomadização permanentes. A identidade é, na verdade, o resultado de
um sem-número de interações que ocorrem dentro de um espaço,
cujas linhas não estão claramente definidas. (Mouffe, 2001: 420)
As inúmeras interações que cada sujeito promove no contexto social
estabelecem múltiplas cadeias articulatórias que são percorridas pelo sujeito na busca
pela hegemonia de suas demandas particulares. A constituição do sujeito na política
depende das demandas que organiza e das decisões que toma nessas cadeias
articulatórias. A atuação política do sujeito depende de como articula os diferentes
discursos e particularidades, do seu contexto e de outros, no sentido de produzir
determinadas demandas sociais que se esforçam para constituir um quadro mais
universal ou consensual (Laclau, 2006b). Essa atuação política do indivíduo extrapola
as questões específicas do seu contexto ou do seu grupo e inclui as relações com
questões mais amplas. Nesse processo, algumas vozes são privilegiadas em detrimento
de outras, alguns sentidos são mais destacados que outros. Assim, os sentidos dos
discursos construídos por esses indivíduos, pertencentes a um determinado grupo social,
influenciam a produção de políticas de forma diversa que outro grupo social, colocando
as lutas sociais e políticas dentro de um terreno que pode ser considerado como
indecidível (Laclau, 1996, 2005). A indecidibilidade não significa que não há decisões,
mas que as decisões acontecem pelas relações estabelecidas entre as possibilidades e as
42
impossibilidades dos discursos promovidos no jogo político. Sendo as comunidades
disciplinares um grupo social, faz-se necessário entender como esses processos políticos
se estabelecem tanto para seus sujeitos quanto para o seu contexto.
Ball & Bowe (1992) investigam no contexto da prática como diversas
comunidades disciplinares em diferentes escolas se relacionam com as políticas
curriculares. Nessa investigação, afirmam que os significados e os sentidos das políticas
de currículo não são iguais nas diferentes escolas e muito menos nas diferentes
comunidades disciplinares, seja por questões institucionais seja por questões específicas
da história e do contexto dessas comunidades. Com relação às comunidades, os
diferentes sentidos produzidos por elas na reinterpretação das políticas são determinados
pelas diferentes histórias, concepções e formas de organização, bem como pelas
diferentes formas de validação e legitimação social e acadêmica. As questões
institucionais também são importantes para o estudo do ciclo de políticas por
estabelecerem regras, objetivos e formas de organização escolar específicas, como é o
caso dos recursos materiais disponíveis, das instalações físicas, da divisão do tempo na
grade curricular, do incentivo às ações docentes e outros. Dessa forma, influenciam e
configuram a ação das comunidades disciplinares no contexto escolar.
Para a análise realizada nesta pesquisa, defendo que as questões disciplinares são
mais importantes que as institucionais uma vez que a participação da comunidade
disciplinar em ensino de Química na produção de políticas não está condicionada
especificamente por uma determinada instituição escolar ou social. Contudo, considero
que as questões institucionais precisam ser levadas em consideração em pesquisas
referentes ao contexto da prática, ou seja, referentes ao contexto escolar.
Nesta análise, considero que as comunidades disciplinares não influenciam
somente o contexto da prática, como também abrangem o contexto de produção dos
textos das políticas curriculares. As comunidades disciplinares, geralmente vistas como
divulgadores das políticas, facilitando ou dificultando sua “implementação” e / ou
difusão, devem ser vistas como autores e atores no processo de produção dessas
políticas nos vários contextos em que transitam, uma vez que recontextualizando-as
produzem novos significados e sentidos ou reforçam aqueles já existentes.
Partindo do pressuposto que as comunidades disciplinares são produtoras de
políticas curriculares, pois reinterpretam e influenciam a produção de novos
significados para essas políticas, considero importante investigar como essas
43
comunidades disciplinares participam do processo de elaboração das políticas. A análise
das concepções curriculares dessas comunidades constitui-se relevante nesse processo,
uma vez que estes são norteadores e influenciadores das práticas, das reflexões e das
recontextualizações realizadas. Nessa perspectiva, afirmo que a comunidade disciplinar
de ensino de Química participa do processo de definição da proposta curricular para o
ensino médio, por intermédio dos grupos de pesquisa em ensino, participa das
discussões após a divulgação da proposta, como também de elaboração de livros
didáticos. Em todos esses momentos atua articulando e recontextualizando os textos e
os discursos políticos circulantes, influenciando e produzindo novos significados para as
políticas.
Nesse sentido, defendo que a análise da comunidade disciplinar de Química
como produtora de políticas de currículo deve ser norteada pela abordagem do ciclo de
políticas de Ball, por entender que as questões macro e micro do processo de produção
de políticas são mais bem articuladas nessa abordagem. Power (2006) lembra que a
maioria das pesquisas sobre política educacional está fundamentada ou em análises
estadocêntricas, cujo enfoque recai no macro-contexto, ou em análises que se
concentram nos detalhes da política, ressaltando o micro-contexto. A autora discute
como cada uma dessas abordagens requer cuidado: como uma abordagem centrada nos
detalhes acaba por desconsiderar as questões mais amplas, como é o caso da influência
das decisões do Estado na produção de sentidos e significados para as políticas, e como
uma análise focalizando o macro-contexto acaba por minimizar as relações entre os
sujeitos neste contexto. Assim, argumento que a utilização do modelo do ciclo de
políticas proposto por Ball constitui um ponto importante para o estudo das políticas
educacionais, por não privilegiar a priori nenhum contexto ou grupo que participa do
processo de definição, produção e circulação dos sentidos para as políticas. Essa
argumentação baseia-se na leitura realizada pelo grupo de pesquisa “Currículo, sujeitos
e conhecimento”, do qual participo. Saliento que o próprio Ball, muitas vezes, privilegia
apenas o contexto de influência em suas produções (Lopes e Macedo, no prelo),
configurando uma abordagem centrada no macro-contexto em contraposição a
articulação do macro e do micro-contexto pretendida.
Portanto, a investigação da comunidade disciplinar de Química na produção de
políticas curriculares para o ensino médio torna-se importante para o entendimento das
relações macro-micro que configuram esse processo político. Nessa análise, é preciso
44
entender como discursos específicos da disciplina tentam ser generalizados e como os
discursos circulantes são reinterpretados pela disciplina.
I.2. Comunidades disciplinares
Ao analisar a história do currículo do ensino secundário nos Estados Unidos
entre os anos de 1893 e 1953, Herbert Kliebard salientou a importância das disciplinas
escolares e as caracterizou como fortalezas inexpugnáveis (apud Goodson, 1997). Tal
afirmação faz supor que as disciplinas são herméticas, donas de um mundo próprio e
com regras bem definidas. No entanto, apesar de as disciplinas constituírem uma
estrutura estável para a produção e a organização do conhecimento escolar, elas não
podem ser vistas como fortalezas, pois estabelecem relações, ora por seus
conhecimentos ora por seus participantes, em diversos contextos sociais. As disciplinas
também não representam apenas as subdivisões do conhecimento na sociedade ou as
formas de organização do conhecimento social, ou ainda as diversas carreiras/profissões
que se estabelecem no espaço escolar ou acadêmico.
Concordando com Goodson (1997, 1999), argumento que as disciplinas devem
ser entendidas como construções sócio-históricas que associam tradições de
pensamento, práticas organizadas, visões de mundo, discursos e sujeitos visando ao
atendimento de determinadas finalidades sociais. O estudo dessas construções, na visão
de Musgrove (apud Goodson, 1997: 21) abarca um conjunto de sistemas sociais
alicerçados em redes de comunicação, recursos materiais e ideologia, os quais a meu
ver não podem ser desconsiderados em nenhuma situação.
Assim, as disciplinas acabam por fornecer uma base estruturada para os
indivíduos que compartilham as mesmas práticas, visões de mundo, tradições e
demandas constituindo o que chamamos de comunidades disciplinares. Esland e Dale
argumentam como essas comunidades disciplinares estão organizadas.
Os professores, como porta-vozes das comunidades
disciplinares, estão envolvidos numa organização elaborada do
conhecimento. A comunidade tem uma história e, através dela, um
corpo de conhecimentos respeitado. Tem regras para reconhecer
assuntos “inoportunos” ou “ilegítimos”, e formas de evitar a
contaminação cognitiva. Terá uma filosofia e um conjunto de
autoridades, que dão uma grande legitimação às actividades que são
45
aceitáveis para a comunidade. A alguns membros é atribuído o poder
de prestar “declarações oficiais” – por exemplo, directores de
revistas, presidentes, responsáveis pedagógicos e inspectores. Eles
são importantes como “outros significantes” que providenciam
modelos para os membros mais novos e indecisos, no que diz respeito
à adequação das suas crenças e comportamentos. (apud Goodson,
1997: 22)
No entanto, as comunidades disciplinares não devem ser vistas como um todo
homogêneo, no qual os valores, interesses e identidades são uniformes ou uníssonos
para todos os seus integrantes, independente do contexto sócio-histórico no qual estão
inseridos. É preciso estar atento para as lutas de ideologia
15
e de poder que existem
entre os grupos dentro de uma mesma comunidade disciplinar:
A comunidade disciplinar deve ser vista, sim, como um
«movimento social» incluindo uma gama variável de «missões» ou
«tradições» distintas representadas por indivíduos, grupos, segmentos
ou facções. A importância destas facções varia consideravelmente ao
longo do tempo.
... as comunidades disciplinares escolares poderiam ser vistas
como uma «coligação» política com diversas facções disciplinares
envolvidas numa luta política pelos recursos e pela influência.
(Goodson, 1997: 44)
Tais características das comunidades disciplinares são resultado da relação direta
entre as mesmas e o contexto social em que são construídas e reelaboradas ao longo do
tempo. Se a comunidade disciplinar é um movimento social, como afirma Goodson, ela
é influenciada por condições históricas, políticas, econômicas e culturais, como também
é capaz de influenciar esses contextos. Dessa forma, a análise das comunidades
disciplinares nos remete às diversas interações estabelecidas, ora individualmente, ora
coletivamente, nas múltiplas produções e reinterpretações construídas.
Nesse sentido, argumento que o estudo das comunidades disciplinares deve estar
relacionado à história de suas disciplinas escolares, uma vez que a trajetória da
disciplina e de seus membros determina a construção, a organização, o pensamento, os
acordos e as lutas dessa comunidade. Dessa forma, constitui diversos significados e
15
Para Laclau (Laclau e Mouffe, 2001), a ideologia não é um “sistema de idéias” ou uma “falsa
consciência”. Baseado nos estudos de Gramsci, Laclau utiliza a ideologia como uma força material,
orgânica e material, que unifica os princípios articulatórios básicos. Assim, a ideologia é como um
cimento orgânico que tenta unificar as diferentes cadeias articulatórias existentes na sociedade.
46
sentidos para o contexto social e educacional. Tal perspectiva envolve o estudo das
relações dentro da disciplina a ser analisada como fora dela também, como por
exemplo, a relação da disciplina Química com as outras disciplinas da área de ciências,
com o contexto sócio-cultural mais amplo, bem como com a sua disciplina de
referência.
Ressalto que estudar as comunidades disciplinares não significa considerar que
suas identidades são fixas. Embora existam demandas nas comunidades que são
articuladas e constituem os sujeitos como membros dessas comunidades, as identidades
serão constituídas nas lutas e nas interações estabelecidas entre os sujeitos em torno das
questões do currículo, do conhecimento e das relações de poder (Lopes e Macedo, no
prelo). É preciso considerar que a identidade das comunidades disciplinares e dos
sujeitos que participam dela é constituída por diferentes cadeias articulatórias que são
instáveis e provisórias na tentativa de produzir um discurso hegemônico.
Para esse estudo é importante entender as diferenças existentes entre as
disciplinas escolares, as acadêmicas e as científicas. Os sujeitos que integram essas
disciplinas, os contextos nos quais se desenvolvem (escola, universidade, institutos de
pesquisa), as finalidades sociais a que se referem e as questões sócio-históricas de que
participam, influenciam e determinam relações diferentes para cada uma das disciplinas.
Assim, por exemplo, apesar de o conhecimento químico ser o norte da existência para a
disciplina Química na escola básica, para as disciplinas sobre a Química na academia e
para os campos de pesquisa sobre a Química na área científica, cada um desses
contextos se organiza com relações de poder, estruturas, distribuição de recursos e
concessão de privilégios diferentes. Nesse sentido, as disciplinas têm seu próprio campo
intelectual de textos, práticas, regras de ingresso, exames, títulos para o exercício
profissional, bem como de distribuição de prêmios e sanções (Bernstein, 1998).
As disciplinas científicas são constituídas por discursos especializados que
delimitam determinado território diretamente associado aos mecanismos institucionais
da comunidade científica em seu processo de produção do conhecimento. As disciplinas
acadêmicas representam os discursos sobre os conteúdos, os métodos e os princípios
universitários valorizados pela academia, bem como as finalidades específicas desse
campo. As disciplinas escolares constituem-se como um campo de (re)construção de
conhecimentos, no qual diversos conhecimentos se articulam e se modificam. O fato de
utilizar essa divisão – disciplinas científicas, acadêmicas e escolares -, não significa que
47
desconsidero a circularidade dos discursos científicos, acadêmicos e escolares em todos
estes contextos. Ou seja, assim como os discursos científicos e acadêmicos influenciam
o campo da disciplina escolar, esta também influencia os outros campos em maior ou
menor grau.
Lopes (2000) afirma que a organização das disciplinas científicas ou acadêmicas
freqüentemente é incorporada ao contexto escolar, pois as demandas materiais e
pessoais dos professores escolares estão associados à história e à organização daquelas
disciplinas. As disciplinas científicas ou acadêmicas funcionam como um guia para
estruturar a ação curricular e profissional, uma vez que a forma, o conteúdo e a estrutura
delas são supostamente copiados para o contexto escolar, como também servem de
argumento na luta por recursos materiais e perspectivas de carreira. Além disso, a autora
defende que as disciplinas acadêmicas têm maior influência sobre as disciplinas
escolares, seja via formação de professores ou via processos de seleção de alunos nos
concursos vestibulares. Macedo e Lopes (1999) defendem que os processos de avaliação
aos quais são submetidos os docentes, a maior autonomia universitária, os conflitos
entre os departamentos, as lutas por status, recursos e território, a relação maior ou
menor com atividades de pesquisa são algumas das questões em jogo no contexto
universitário que não se apresentam no contexto escolar. Transpondo estas
considerações para esta pesquisa, argumento que a comunidade disciplinar em ensino de
Química configura uma disciplina acadêmica e científica por considerar que se
aproxima de questões desses dois campos, mas estabelece também uma forte relação
com as disciplinas escolares principalmente pelos cursos de formação de professores.
Goodson, ao analisar a história das disciplinas escolares, afirma que as
disciplinas acadêmicas estão no topo da hierarquia das disciplinas (Goodson, 1997:46),
uma vez que essas são entendidas como as mais adequadas para os alunos aptos. Na
medida em que são as mais adequadas aos alunos, precisam de mais recursos, de
métodos eficazes, de livros bem conceituados, de privilégios na grade curricular em
relação ao tempo e ao controle escolar, etc. Essas articulações configuram-se no modo
como o discurso sobre as disciplinas escolares, no que se refere a sua forma, conteúdo e
estrutura, é construído e organizado. Assim, os professores do contexto escolar tendem
a justificar a seleção e a organização do conhecimento escolar como decorrentes do
campo acadêmico/científico de referência, já que tal fato lhes confere prestígio, apoio
social e posição na hierarquia das disciplinas. Embora concorde com Goodson ao
48
afirmar que as demandas materiais e pessoais dos professores estão intimamente ligadas
à trajetória de sua disciplina acadêmica, existem outras demandas que assumem um
papel relevante em determinados contextos sócio-históricos. Discursos como a
emancipação do sujeito, a preparação para o exercício da cidadania e do trabalho, para a
inserção no mercado e a valorização do conhecimento científico vêm assumindo uma
importância cada vez maior para comunidades disciplinares, a exemplo da comunidade
de ensino de Química, e para as políticas curriculares. Esses discursos podem
influenciar as questões sobre a disciplina escolar em maior proporção do que os
discursos acadêmicos ou científicos. Tudo depende das articulações envolvidas na
defesa do que se entende por ensino de química.
Quero ressaltar que não existe a priori uma hierarquia entre os diferentes tipos
de disciplinas – científicas, escolares, acadêmicas –, pois cada uma delas possui
discursos e características específicos que se influenciam mutuamente. Não há uma
determinação inicial de que uma é mais importante do que a outra, todas são relevantes
e interdependentes. Argumento, baseada em Laclau, que a suposta hierarquia deve ser
entendida pela constituição de determinados discursos que articulados se tornam mais
hegemônicos. A relação hegemônica estabelecida entre os diferentes discursos, em um
dado momento e em certas condições, é que tenta instaurar e expandir normas, valores,
e até classificações. Assim, por exemplo, o discurso científico é mais valorizado
socialmente porque consegue articular, unificar e representar, mesmo que
provisoriamente, vários discursos dispersos que circulam na sociedade, constituindo
uma relação hegemônica com relação a esses discursos e, portanto, hierarquizadora.
Todas essas questões contribuem para a constituição e a consolidação de uma
comunidade disciplinar, e conseqüentemente, para a estabilidade e mudança curricular
de uma disciplina escolar. Goodson (1997) defende ainda que a organização disciplinar
confere estabilidade ao currículo já que promove a fragmentação e a redução local dos
conflitos e lutas pela distribuição de recursos e conhecimento. Em contrapartida, a
mudança curricular acontece com relação aos diferentes interesses em jogo, dos
discursos especializados das disciplinas que estão sendo valorizados em determinado
contexto sócio-histórico e que são legitimados pela sua inclusão no currículo escolar.
Assim, fazendo uma relação com os estudos de Laclau, a estabilidade curricular é
estabelecida quando as questões particulares e específicas das disciplinas são
apresentadas como relacionadas a questões mais amplas (o universal) a fim de
49
permanecer no jogo político, enquanto que a mudança curricular está ligada à questões
gerais que pretendem se tornar específicas, o que pode romper com a estabilidade
existente.
Por estes motivos, como analisa Goodson (1983), o processo de consolidação de
uma disciplina escolar em um currículo tende a acontecer em direção ao caráter mais
acadêmico do conhecimento, em direção a um conhecimento de maior alcance social,
visando a atender aos padrões exigidos pelos cursos superiores e, por conseguinte,
assumindo um caráter mais excludente. Isso acontece porque o conhecimento
acadêmico é privilegiado socialmente do que o conhecimento escolar, e não porque ele
é melhor ou superior, do ponto de vista epistemológico, ao conhecimento escolar.
Tal aproximação evidencia o poder dos discursos das disciplinas de referência e,
especialmente, das disciplinas científicas, que influenciam os vários contextos, como o
escolar e o social. No contexto escolar, as disciplinas da área de Ciências são
identificadas como as de maior status, aquelas nas quais os alunos são submetidos, sem
questionamento, aos processos de avaliação mais exigentes, e que demandam ampliação
na sua carga horária pelo alto grau de complexidade e de abstração que esses
conhecimentos exigem. No contexto social, essas disciplinas têm sido mais valorizadas
pelos discursos circulantes, uma vez que os conhecimentos científico-tecnológicos,
responsáveis pela revolução tecnológica na sociedade contemporânea, são considerados
imprescindíveis para a formação geral do indivíduo atualmente.
Entretanto, os discursos das disciplinas científicas são sempre recontextualizados
quando deslocados para outros contextos. Analisando a constituição do discurso
pedagógico, Bernstein (1981, 1996) argumenta que esse discurso é formado pela relação
de outros dois discursos: o discurso instrucional (discurso especializado das ciências de
referência a ser transmitido na escola) e o discurso regulativo (discurso associado aos
valores e aos princípios pedagógicos). Na formação do discurso pedagógico, é sempre o
discurso regulativo que domina o discurso instrucional. Em outras palavras, quando os
discursos das disciplinas de referência são recontextualizados para o contexto escolar,
eles assumem um caráter de regulação de sua forma, conteúdo e estrutura. Assim, o
conhecimento científico de referência aparece no contexto escolar associado a
princípios como, por exemplo, a contextualização, a interdisciplinaridade ou
competências, no caso da recente reforma do ensino médio, os quais regulamentam a
sua organização, sobre o quê deve ser ensinado e como deve ser ensinado.
50
Dessa forma, as comunidades disciplinares atuam difundindo discursos os quais
são apropriados, recontextualizados, e associados a outros discursos com a finalidade de
conquistar legitimidade, apoio e recursos. Entendo que esse processo corresponde à
tentativa de produzir determinada hegemonia, pois os discursos particulares da
comunidade disciplinar se articulam entre si e com outros discursos, em certo contexto e
de forma contingente, a fim de que possam ser legitimados e reconhecidos socialmente
(Laclau, 2005). A análise de como uma identidade coletiva – a comunidade disciplinar
de ensino de química – articula demandas diferentes, e até mesmo contraditórias, em um
discurso, na tentativa de expandir e legitimar seus discursos no maior número de
contextos possíveis, torna-se muito interessante. Tal estudo envolve a análise de como
os grupos de pesquisa em ensino de química articulam-se discursivamente entre si e
com as outras identidades sociais, individuais e coletivas, na constituição de uma
identidade política de representação e de atuação da comunidade disciplinar de ensino
de química.
A investigação e a análise da produção de políticas de currículo no contexto
disciplinar, em qualquer disciplina, deve levar em consideração a complexidade de
relações e demandas que se constituem na sua construção. Os sujeitos pertencentes a
uma determinada comunidade disciplinar participam de outros contextos, estabelecendo
diálogo com os discursos mais diferentes. Assim, a produção de políticas pelo contexto
disciplinar não envolve somente a comunidade disciplinar em questão, mas também
toda a rede de relações que influenciam na produção de significados por essa
comunidade. Se os sujeitos se especializam em determinado conhecimento, e se
reconhecidos publicamente por conta da rede de relações estabelecida pelos seus
discursos, sendo capazes até de influenciar na definição e na circulação de determinados
sentidos, tem-se constituída a ação de uma comunidade epistêmica.
Nesse sentido, defendo que a comunidade disciplinar de Química possui
participantes (pesquisadores) que são verdadeiros especialistas no domínio de um
conhecimento particular, sendo reconhecidos como autoridades políticas relevantes em
função desse conhecimento tanto na sua área como no contexto social mais amplo.
Conseqüentemente, estes pesquisadores participam das comunidades de influência
quando são chamados por órgãos internacionais ou nacionais para a definição e a
elaboração das políticas, formando assim uma comunidade epistêmica local.
51
Na seção seguinte, analiso mais detidamente a concepção de comunidade
epistêmica.
I.3 - Comunidades epistêmicas
Antoniades (2003) relata que o conceito surgiu no campo das relações
internacionais por intermédio de John Ruggie, nos anos de 1970. As comunidades
epistêmicas defendidas por Ruggie baseavam-se nos papéis inter-relacionados
desenvolvidos em torno de uma episteme (saber), delimitando para seus integrantes a
“correta” construção da realidade. Após isso, o conceito ficou esquecido por anos sendo
retomado em 1992 quando Peter Haas organizou a publicação de um número do
periódico “Organização Internacional”
16
. Neste, o autor define as comunidades
epistêmicas como redes de profissionais com ‘expertise’ e competência reconhecidas
em um domínio específico e um ‘authoritative claim’ ao conhecimento relevante às
políticas públicas ligadas àquele domínio ou ‘issue-area’ (apud Faria, 2003: 26). Em
outras palavras, Haas afirma que as comunidades epistêmicas constituem uma rede de
especialistas com perícia e competência reconhecidas, associadas a um conhecimento
específico, capaz de atuar nas políticas em geral.
Outros autores definem as comunidades epistêmicas como uma comunidade de
especialistas que possuem fundamentalmente propósitos e visões de mundo comuns.
Sebenius (apud Antoniades, 2003) argumenta que uma comunidade epistêmica atua
como um tipo de coalizão de crenças naturais cujo principal interesse é promover a
aceitação de um projeto político específico da comunidade. Stones (apud Antoniades,
2003) defende a comunidade epistêmica como uma rede de diferentes especialistas que
partilham de uma visão comum de mundo e a partir delas procuram estabelecer
programas e políticas públicas. O que distingue essas concepções da definição utilizada
por Haas é a forma como a autoridade do conhecimento ou a competência reconhecida é
utilizada.
16
A temática desta publicação foi “Conhecimento, poder e coordenação política internacional”, na qual as
comunidades epistêmicas foram apresentadas como uma variável ou como um caminho capaz de explicar
os padrões de cooperação e as transformações políticas nas políticas mundiais.
52
Segundo Antoniades (2003), Haas defende que as comunidades epistêmicas são
diferentes de outras formas de organização social como os grupos de interesse, as
coalizões políticas, as redes de defesa, os bancos de idéias (think tanks) ou as redes
transnacionais. Seu argumento reside no fato de que os membros da comunidade
epistêmica compartilham crenças casuais, normas e princípios, formas de validação e
um projeto político comum. Tal argumento parece amplo em demasia, porque também
pode ser utilizado para caracterizar outras formas de organização social. Se tomarmos as
comunidades disciplinares como um exemplo de organização social, podemos verificar
que seus integrantes se enquadram nas descrições do argumento do pesquisador. No
entanto, os dois autores argumentam que a diferenciação das comunidades epistêmicas
consiste na sua autoridade de defesa do conhecimento, uma vez que seus membros
devem possuir uma autoridade legitimada socialmente na defesa de um conhecimento
específico que é capaz de atuar na produção das políticas para um determinado campo.
Em outras palavras, não é qualquer comunidade ou grupo de especialistas que atua
como uma comunidade epistêmica. Apenas os especialistas que dominam o
conhecimento considerado relevante e capaz de influenciar na produção de sentidos
para as políticas podem ser considerados como uma comunidade epistêmica. Isso
significa dizer que se determinado conhecimento particular torna-se imprescindível
socialmente, ou é considerado imprescindível pelos discursos circulantes na sociedade,
seus representantes legítimos ou autorizados podem atuar na produção de políticas,
configurando uma comunidade epistêmica. Em contrapartida, aqueles representantes,
igualmente legítimos e autorizados, de conhecimentos ou questões não tão valorizados
socialmente, não se constituem uma comunidade epistêmica uma vez que não possuem
o poder de influenciar na produção de políticas. Dessa forma, podemos relacionar a
configuração de uma comunidade epistêmica com a sua participação em uma política
hegemônica.
Partindo desse pressuposto, defendo que uma comunidade disciplinar pode atuar
como epistêmica na produção de políticas de currículo, na medida em que seus
integrantes são atuantes no processo de constituição dessas políticas. Ressalto que é
preciso investigar as formas utilizadas pela comunidade disciplinar para estabelecer a
sua influência epistêmica.
Estudando as relações entre conhecimento e poder na construção de políticas
mundiais, Antoniades trabalha com uma definição de comunidade epistêmica bastante
53
interessante. Para ele, as comunidades epistêmicas funcionam como “comunidades de
pensamento” baseadas no conhecimento e nas suas redes de trabalho socialmente
reconhecidas. Os membros dessas redes distribuem uma compreensão comum de um
problema particular ou uma visão comum do mundo, procurando transferir suas crenças
para o discurso social dominante e para as práticas sociais.
Tal definição se aproxima da conceituação de Haas, mas ela torna-se mais
produtiva pela defesa que Antoniades faz em relação à característica principal das
comunidades de pensamento: elas controlam o conhecimento reconhecido socialmente
ou legitimado, exercendo conseqüentemente o poder decisivo no contexto de construção
das políticas. Assim, conhecimento e poder estão intimamente ligados. As comunidades
epistêmicas influenciam e até determinam as demandas e as articulações responsáveis
pelos discursos que produzem e reproduzem a construção do conhecimento no qual a
realidade está baseada. A posse do conhecimento legitimado torna essas comunidades
detentoras do poder de criar novos entendimentos e novos direcionamentos uma vez que
estabelece novos processos de significação para a realidade social e para as políticas
produzidas.
Nesse sentido, as comunidades epistêmicas podem ser consideradas
representantes das articulações estabelecidas entre diversas particularidades para
determinada questão, em certo momento. Segundo Laclau (1996), a relação de
representação é essencialmente uma relação política, na medida em que existe a
interação e a articulação entre a particularidade que tenciona universalizar as suas
questões e as demais particularidades que pretende representar. As comunidades
epistêmicas, representantes e detentoras do conhecimento legitimado, ampliam os
sentidos particulares desse conhecimento e determinam formas de articulação e unidade
para outros sentidos, exercendo um poder decisivo na formulação de políticas. Laclau
alerta que o poder de determinado grupo social depende da habilidade que este grupo
possui para apresentar suas particularidades e demandas como representativos com as
particularidades e demandas de outros grupos. Dessa forma, uma comunidade
epistêmica terá maior poder de representação e de atuação nas políticas, quanto maior
for a articulação e a compatibilidade das suas particularidades iniciais com as demais
particularidades que quer representar.
Ao analisar as comunidades de pensamento, Antoniades (2003) contribui para o
entendimento de como as comunidades epistêmicas se articulam e se configuram no
54
processo político: pela concepção do que é política, pelo papel dos sujeitos, pela
definição ou caracterização da situação “real”, pela definição do que é considerado
possível e impossível ou do que é aceitável e inaceitável, pela maneira que os sujeitos
estabelecem constrangimentos ou limites. A extensão da capacidade de influenciar e
estabelecer idéias no processo político dependerá da posição que os membros das
comunidades epistêmicas ocupam, das articulações estabelecidas, assim como da
relação entre comunidades epistêmicas diversas.
A partir dessa compreensão, no caso das reformas educacionais, os discursos, os
textos e as interações que constituem o processo de produção das políticas curriculares
são direcionados pelas comunidades epistêmicas, as quais controlam e decidem sobre o
que pode, o que deve ser ensinado, assim como e quando deve ser ensinado. Nas
políticas educacionais, as comunidades epistêmicas participantes abrangem as agências
internacionais, os representantes do governo, os consultores sobre educação, as revistas
especializadas e até os especialistas disciplinares. Por este motivo, as comunidades
epistêmicas podem ser de atuação local, nacional ou internacional.
Nesta perspectiva, apesar de as comunidades disciplinares estarem organizadas
em torno de um conhecimento elaborado e reconhecido pela sociedade, elas não detêm
o poder decisivo sobre esse conhecimento e sobre suas implicações. Nesse sentido, a
concepção de comunidades disciplinares com a qual trabalho diferencia-se das
comunidades epistêmicas, pois as primeiras não possuem influência significativa para
atuar na produção das políticas. Entretanto, essas mesmas comunidades disciplinares, ou
representantes seus, podem se tornar epistêmicas desde que possuam uma forte
capacidade de influenciar e atuar no processo de produção de políticas em dado
momento sócio-histórico.
Defendo que as comunidades epistêmicas influenciam e intervêm no processo
político de variadas formas participando de todos os contextos do ciclo de produção de
políticas de Ball. Uma vez que detêm o conhecimento e a autoridade para utilizá-lo e
divulgá-lo, as comunidades epistêmicas participam na negociação e na circulação de
seus discursos e crenças, associando-os às crenças e aos discursos comuns existentes na
sociedade, por exemplo. Defendo ainda que a comunidade disciplinar de ensino de
Química tem atuado como uma comunidade epistêmica mais local por entender que ela
tem participado do processo de construção de políticas curriculares para o ensino médio
brasileiro, seja pela participação direta de seus integrantes no processo político –
55
inclusive das políticas curriculares oficiais -, seja por conta dos financiamentos que
recebe por estar associada a questões educativas mais amplas, como a valorização da
ciência na sociedade contemporânea.
No próximo capítulo, inicio a investigação da comunidade disciplinar de ensino
de Química procurando entender a sua influência e atuação epistêmica.
56
CAPÍTULO II
A COMUNIDADE DISCIPLINAR DE ENSINO DE QUÍMICA
O ensino de Química, assim como o ensino de Biologia e o ensino de Física, tem
uma relação estreita com o ensino de Ciências por compartilhar teorias, pressupostos,
metodologias e valores, o que faz com que suas histórias muitas vezes se confundam
apesar de serem distintas. Por isso, quando se pensa na história da comunidade
disciplinar de ensino de Química no Brasil não se pode separá-la da história da
comunidade disciplinar de ensino de Ciências
17
. Em virtude desses laços e influências, a
comunidade disciplinar de Química pode compartilhar, em vários momentos, de
programas de incentivo e de ações de investimento para a área de Ciências.
Considero que um dos primeiros programas de incentivo para a área de ensino
de Ciências, e conseqüentemente, para a área de ensino de Química, foi a criação de
centros de Ciências nas principais capitais brasileiras
18
, pelo Ministério da Educação, na
década de 1960 (Krasilchik, 2000). Autores como Neto (2007) ainda citam a
importância da fundação do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura
(IBECC) e a implantação da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de
Ciências (FUNBEC), como ações que colaboraram para a formação de grupos de
pesquisa mais diretamente ligados à área. Apesar de existirem ações anteriores com o
intuito de valorizar as Ciências, essas não tiveram a mesma intensidade e repercussão
que os centros de Ciências. Diferentes autores (Zanon, 2008; Mortimer e Santos, 2008)
destacam como essas ações, caracterizadas por mudanças curriculares com ênfase nas
disciplinas científicas, estavam ligadas a currículos centralizados pela esfera
governamental nos quais o excesso de conteúdos, de perspectivas empíricas e
positivistas, era marcante.
17
No Brasil, a comunidade de ensino de Ciências está intimamente relacionada aos professores de
Biologia, uma vez que o ensino da disciplina no ensino fundamental é ministrado, na maioria das vezes,
por esses professores. No entanto, como a disciplina Ciências envolve os conhecimentos das ditas
Ciências Naturais – Biologia, Física e Química, Geologia, Meio-Ambiente, dentre outras -, o ensino dessa
disciplina possui laços também com os professores de Química e Física.
18
As capitais escolhidas para sediarem os Centros de Ciências foram: São Paulo, Rio de Janeiro,
Salvador, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte. Alguns dos centros tinham vínculos com as Secretarias
de Educação, estaduais e federais, e outros eram ligados às Universidades (Krasilchik, 2000).
57
Os centros de Ciências passaram a funcionar como locais de referência para o
ensino e para a pesquisa, de forma a estruturar grupos de professores para preparar
materiais e realizar pesquisas sobre o ensino de Ciências (Krasilchick, 2000: 91). Esses
espaços incentivaram a organização dos professores, nos seus diferentes campos de
conhecimento, fornecendo as condições iniciais para a constituição e o fortalecimento
das áreas de pesquisa em ensino. Mais tarde, na década de 1980, com o crescimento da
área e com o fortalecimento de instituições de investimento em pesquisa (Nardi e
Almeida, 2007), vários programas são desenvolvidos a fim de incentivar a área de
ensino de Ciências como o Premem (Projeto de Melhoria do Ensino de Ciências e
Matemática) e o SPEC (Subprograma de Educação para a Ciência)
19
, vinculado à
CAPES (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e
mais recentemente o Pró-Ciências, e os programas de educação científica e ambiental
do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Defendo ser a partir dessas ações mais amplas, relativas à área de ensino de
Ciências, que a comunidade disciplinar de Química começa a se organizar e a se
consolidar no cenário educacional. Para entender como esse processo acontece, passo a
detalhar a trajetória sócio-histórica da comunidade disciplinar bem como as suas
relações com o ensino de Ciências.
II.1 – Trajetória sócio-histórica da comunidade disciplinar de ensino de Química
Analisando a trajetória da Educação Química no Brasil através das pesquisas e
publicações da área, Bejarano e Carvalho afirmam que essa área de pesquisa tem se
constituído como um pólo crescente de pesquisa educacional com uma produção que
ganha vigor com o passar dos anos a partir da constituição de grupos de pesquisa de
educadores químicos em diversas universidades brasileiras (2000: 161). Contudo, esse
quadro não mostra as dificuldades que essa área atravessou e ainda atravessa.
19
O Subprograma de Educação em Ciências (SPEC) do Edital do Programa de Apoio ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT) foi responsável por financiar vários projetos de
melhoria do ensino de Ciências e Matemática no país durante a década de 1980 e no início da década de
1990.
58
Até o início dos anos de 1970, a área de pesquisa em ensino de Química
praticamente não existia e a escolha do magistério secundário como profissão
20
não era
valorizada. Existiam pesquisas sobre o ensino de Química muito pontuais, geralmente
ligadas às Faculdades de Educação das universidades, as quais contribuiriam mais tarde
para a formação dos primeiros grupos de pesquisa em ensino de Química. Podem-se
relacionar essas poucas iniciativas com a formação de 4 mestres e de 1 doutor em
Educação Química no período de 1971 a 1980 (Schnetzler, 2002).
No entanto, a partir de 1978, houve uma significativa mudança e valorização
desse campo. Em julho daquele ano, aconteceu a 1ª Reunião Anual da Sociedade
Brasileira de Química (SBQ), em São Paulo, e a primeira Sessão Coordenada de
trabalhos de pesquisa em ensino de Química. A sessão promoveu um espaço para a
discussão da situação do ensino secundário de Química na época. Cerca de 40
participantes levantaram as preocupações e as intenções que envolviam a melhoria do
ensino para a área disciplinar. É nessa sessão também que surge, de forma inicial, uma
proposta de organização da comunidade disciplinar voltada especificamente para o
ensino de Química. O cenário de desestímulo à formação docente e as preocupações
com a melhoria do ensino de Química são considerados o ponto de partida para que os
integrantes da comunidade disciplinar se organizassem pela necessidade de se
configurar um espaço para a área de pesquisa em ensino. Relembrando essa época
Schnetzler afirma:
O que nos unia era a necessidade, a condição e a sensação de
ostracismo que julgávamos injustas e a crença na educação em
química para um país melhor. Sem essa união, nunca chegaríamos
ao que temos e somos atualmente. ...certamente, não teríamos ido tão
longe quanto fomos, motivando, formando, e lançando novas
gerações para a nossa meta: constituir a área de pesquisa em ensino
de química no Brasil (2002: 17)
Assim, em busca de demandas comuns, os integrantes da comunidade de
Química se articularam pela defesa de um espaço próprio para a discussão das
questões relacionadas ao ensino do conhecimento químico, uma vez que entendiam
que tais questões não eram priorizadas ou tratadas adequadamente pela área de
20
Em um levantamento realizado por Beisiegel (apud Schnetzler, 2002), de 1937 a 1965, somente 38 dos
316 formados pelo Departamento de Química da USP, Universidade de São Paulo, escolheram a
profissão do magistério secundário.
59
Química em geral nem na área de Educação. Ressalto que a defesa de um espaço
particular colaborou para o reconhecimento e para a legitimidade desses integrantes, e
conseqüentemente de seus trabalhos, na medida em que acreditavam que eram
injustiçados (Schnetzler, 2002), segundo seus membros, pelo tratamento que recebiam
pela área e pela sociedade.
Os primeiros passos de organização da comunidade disciplinar resultaram na
promoção de Encontros Nacionais como também de Encontros Regionais de Ensino de
Química, a partir do ano de 1980. Foi nesse ano que Áttico Chassot organizou o
primeiro Encontro de Debates de Ensino de Química (EDEQ), quando estava à frente
da regional gaúcha da SBQ. Os encontros (EDEQ) se realizam anualmente em um
sistema de rodízio entre as universidades do Rio Grande do Sul (Chassot, 1995). No
ano de 1982, ocorreu o primeiro encontro de âmbito nacional: o Encontro Nacional de
Ensino de Química (ENEQ), no Instituto de Química da Universidade de Campinas,
organizado por Maria Eunice Marcondes e Roseli Schnetzler. Os primeiros quatro
ENEQs foram financiados pelo CNPq (Schnetzler, 2002), configurando uma ação
extremamente relevante para a organização da comunidade disciplinar, principalmente
no início de sua constituição. Ressalto que o financiamento de um órgão do governo
para promover um encontro de uma área que estava se iniciando constitui uma questão
importante para esse estudo, pois revela a influência ou o prestígio de determinadas
intenções naquele momento. Destaco que uma das possíveis influências para a
concessão do financiamento pode ter sido a realização do 1° ENEQ em conjunto com
a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a qual
tinha como tema central a “Ciência para a Vida” (Ata do XIII ENEQ). Os ENEQs
acontecem bianualmente, sempre em anos pares, inicialmente durante a SBPC ou
articulados com outros eventos, como o Encontro Latino-Americano de Ensino de
Química de forma mais ampla, ou mais localmente com os diversos encontros
regionais sobre pesquisa e ensino de Química. Atualmente, os ENEQs são promovidos
pela Divisão de Ensino da Sociedade Brasileira de Química.
Outros encontros significativos para a área são os Encontros Centro-Oeste de
Debates sobre o Ensino de Química e Ciências (ECODEQC), os Encontros Norte-
Nordeste de Ensino de Química (ENNEQ) e os Encontros Sudeste de Ensino de
Química (ESEQ), cujas realizações são bienais.
60
Todos esses eventos constituem um marco importante para o campo pelo
desenvolvimento e pela ampliação das discussões e das idéias que educadores
químicos
21
como Andréa Horta Machado, Agustina Echeverria, Attico Chassot,
Eduardo Fleury Mortimer, Gersón Mol, Lenir Basso Zanon, Letícia Parente, Luís
Otávio Amaral, Luiz Roberto Pitombo, Mansur Lutfi, Maria Eunice Ribeiro
Marcondes, Maria Inês Petrucci Rosa, Otávio Maldaner, Ricardo Gauche, Roberto
Ribeiro da Silva, Romeu Rocha Filho, Roseli Pacheco Schnetzler, Roque Moraes,
Wildson Santos, dentre outros, traziam e defendiam para a área de pesquisa em ensino.
Contudo, foi a criação da Divisão de Ensino na Sociedade Brasileira de
Química, dez anos após (1988) a primeira proposta de organização de uma
comunidade voltada ao ensino, fruto da crescente discussão sobre o ensino de Química
nos encontros da área até então, que exerceu e tem exercido uma atuação importante
para o desenvolvimento da área de pesquisa em ensino de Química. Desde a sua
constituição, a Divisão de Ensino (ED) tem se pautado nos seguintes propósitos:
Fomentar a pesquisa e a produção de conhecimento no campo
da educação química pela promoção de reuniões científicas voltadas
para este fim; reunir profissionais interessados e atuantes na pesquisa
em Educação Química para apresentar e discutir os resultados de
suas atividades e realizar intercâmbio de experiências; criar
oportunidades de disseminação dos resultados dessas pesquisas a fim
de possibilitar renovações metodológicas e atualização do
conhecimento químico a professores dos níveis fundamental, médio e
superior, bem como possibilitar a solução de problemas do Ensino de
Química, sobretudo na Escola Pública; constituir e divulgar acervo
da produção nacional e internacional em Educação Química, visando
sua utilização por pesquisadores, professores e licenciandos em
Química para melhoria da qualidade do ensino e da pesquisa em
nosso país (Schnetzler, 2002: 17-8).
Esses propósitos refletem-se nas diversas ações estabelecidas e promovidas
pela comunidade seja por intermédio da formulação de propostas curriculares e de
livros didáticos, seja por cursos de formação continuada para professores. A criação de
uma revista que pudesse subsidiar o trabalho, a formação e a atualização de
professores e professoras e ainda suscitar debates e reflexões sobre o processo de
ensino e aprendizagem de química (QNEsc, 1995: 2) também faz parte dessas ações.
21
As expressões educação Química e educador/a químico/a são utilizadas pelos membros da área
disciplinar de Química quando se referem ao ensino de Química associado à pesquisa.
61
A proposta teve origem nos eventos da área e na Divisão de Ensino da SBQ e visava
atender aos professores do ensino médio e fundamental, a cursos de licenciatura e a
programas de formação continuada de professores de Química/Ciências. A revista
Química Nova na Escola (QNEsc) foi lançada em maio de 1995
22
como um projeto
financiado
23
pelo Sub-Programa para a Educação em Ciências (SPEC) do PADCT -
CAPES. O financiamento obtido possibilitou o desenvolvimento e a divulgação dos 7
primeiros números da revista como também a realização de 17 encontros de ensino de
Química, nos quais foram ministrados 136 mini-cursos a 9180 professores de
Química, o que representava 61% do total do país naquela época (Schnetzler, 2002).
Tal iniciativa foi importante, conforme ressalta Mortimer, na medida em que ajudou a
criar e consolidar uma comunidade brasileira de Educação em Ciências (Mortimer,
2004: 4).
Nesse sentido, a atuação da Divisão de Ensino de Química deve ser considerada
de fundamental importância para o reconhecimento da comunidade disciplinar de
ensino de Química uma vez que suas iniciativas são capazes de difundir significados e
sentidos em diversas instâncias sociais, caso das agências de fomento como a CAPES,
o CNPq e FAP’s estaduais (Fundações de Amparo à Pesquisa), da academia e da
própria escola. É claro que a participação dos educadores químicos não deve ser
menosprezada neste processo, já que a própria Divisão foi criada pela organização e
empenho dos mesmos. Muitos chegaram a exercer a diretoria da Divisão de Ensino e a
participarem da organização de vários eventos
24
promovidos pela área. No entanto, a
22
Para a editoria da revista QNEsc, foi convidado o professor Nelson Orlando Beltran, professor do
ensino médio, reconhecido pela experiência editorial das publicações da FUNBEC (QNEsc, 2004), que
permaneceu na função até o ano de 1998. Como editores associados, a revista contava ainda com a
participação dos pesquisadores: Attico Chassot (UNISINOS), Alice Casimiro Lopes (UFRJ), Eduardo
Fleury Mortimer (UFMG), Julio Cezar Foschini Lisboa (GEPEQ-USP), Roseli Pacheco Schnetzler
(UNIMEP), Eduardo Mota Alves Peixoto (IQ-USP), Lenir Basso Zanon (UNIJUÍ) e Roberto Ribeiro da
Silva (UnB).
23
O projeto REDED, Rede de Encontros de Ensino de Química, assinado por Roseli Pacheco Schnetzler
e Letícia Parente em 1992, propunha a realização de vários encontros além da publicação dos textos de
conferências e mini-cursos dos ENEQs realizados até então. O projeto visava conseguir financiamento
para as inúmeras demandas que a comunidade pretendia, uma vez que a SBQ não dispunha de recursos
para concretizá-las. O valor do financiamento obtido, e considerado bem significativo pelas autoras, só foi
liberado ao longo do período 1993-1998, durante as duas gestões de Roberto Ribeiro da Silva na Divisão
de Ensino de Química da SBQ.
24
Adriana Vitorino Rossi (UNICAMP), Agustina Echeverria (UFG), Andréa Horta Machado (UFMG),
Djalma Andrade (UFS), Edni Schroder (UFRGS/aposentado), Eduardo Mortimer (UFMG), José Claudio
Del Pino (UFRGS), Lilavate Romanelli (UFMG), Luís Otávio Amaral (UFMG), Maria Ângela
Vasconcelos de Almeida (UFRPE), Maria Celina R. Aydos (UFMTS), Maria Eunice Ribeiro Marcondes
(USP), Maria Inês Petrucci Rosa (UNICAMP), Maurivan Ramos (PUC-RS), Rejane Martins Novais
62
Divisão de Ensino de Química configura-se como uma organização capaz de promover
os discursos autorizados e legitimados da comunidade disciplinar de ensino de
Química e de influenciar os inúmeros contextos sociais com os quais se articula.
Entendo que a ação da Divisão de Ensino de Química estimula o caráter de
institucionalização da comunidade disciplinar, aglutinando ações e financiamentos
para os eventos da área, para a criação de periódicos e para os Programas de Pós-
graduação. Esse direcionamento promoveu a criação de linhas de pesquisa para a
formação dos pesquisadores em ensino de Química, inicialmente em Programas de
Pós-graduação em Educação e, também posteriormente, em Programas específicos de
Ensino de Ciências, bem como o aumento da produção desses pesquisadores da
comunidade de ensino de Química. Conseqüentemente, na busca por mais recursos e
reconhecimento, as linhas de pesquisa e seus respectivos Programas levaram à
constituição de dois comitês distintos na CAPES, o de Ensino de Ciências e
Matemática e o de Educação
25
. Vale lembrar que a existência de linhas de pesquisa
para o ensino de Química em dois diferentes programas também é resultado do
processo de valorização do ensino de Ciências ocorrido no Brasil na década de 1960 e
na década de 1980, conforme já mencionado.
Ressalto que essas ações fortalecem as relações e a inserção do ensino de
Química em um campo mais amplo como o ensino de Ciências, o qual tem merecido
linhas de financiamento específicas, por parte de agências internacionais e do governo,
há mais tempo do que o ensino de Química. Essa inserção contribui para que os
professores e os pesquisadores de ensino de Química participem dos congressos de
ensino de Ciências, inclusive apresentando trabalhos, a publicarem em revistas ou
periódicos destinados ao ensino de Ciências, ou ainda a desenvolverem cursos de
formação continuada ou programas de especialização nessa área. Por esses motivos,
reafirmo a importância de se investigar os eventos e as publicações da área de ensino
de Ciências selecionadas para esta pesquisa.
Barbosa (UFRPE), Roseli Pacheco Schnetzler (UNICAMP), Roque Moraes (PUC-RS), são pesquisadores
em ensino de Química que organizaram os eventos dos ENEQs.
25
O comitê de Ensino de Ciências e Matemática na CAPES foi criado em setembro do ano de 2000,
posteriormente ao Comitê de Educação, em função da intensificação da produção científica sobre
questões relacionadas ao Ensino de Ciências e Matemática e da criação de programas de mestrado e
doutorado com características específicas (Nardi, 2007). Aliado a essas questões existia também
argumentos que reivindicavam que a avaliação da CAPES deveria levar em consideração a especificidade
da comunidade disciplinar de ensino de Ciências. Tal comitê teve o apoio da Direção Geral da Capes na
época pela vinculação de suas demandas às demandas da instituição, voltadas à criação de Programas de
Mestrado Profissional, dirigidos aos professores da educação básica.
63
Embora essas ações constituam o fortalecimento do campo, a formação de
novos quadros de profissionais em Educação Química tem-se mantido
fundamentalmente restrita às pós-graduações em educação no país (Schnetzler, 2002:
21), persistindo um número reduzido de pesquisadores na comunidade. Schnetzler
destaca, em pesquisa realizada entre os anos de 1971 e 2001, a formação de 77 mestres
e 32 doutores em Educação Química em várias universidades brasileiras. Entretanto,
no ano de 2002, apenas 13 doutores
26
estavam envolvidos com a orientação e a
formação de professores, resultado de aposentadorias e de vínculos com instituições
nas quais não há curso de pós-graduação em educação ou em educação química.
Certamente esse número de doutores sofreu modificações do ano de 2002 até o
momento
27
. Contudo, saliento que o número de doutores em Educação Química não
cresceu tão significativamente. Minha posição se baseia, em primeiro lugar, na não
existência de um programa de pós-graduação específico em ensino de Química ou em
Educação Química dentre os 59 programas
28
aprovados e reconhecidos pela CAPES
na área de Ensino de Ciências e Matemática até o presente momento. Diferentemente,
existem linhas específicas para a Educação ou Ensino de Matemática e para o Ensino
de Física (CAPES, 2009). Em segundo, porque os próprios pesquisadores da
comunidade ressaltam o insuficiente número de profissionais desse campo. Maldaner
afirma que existem muitos doutores em Química, alguns com experiência como
químicos educadores, que se apresentam nos concursos, mas não há educadores
químicos com doutorado (2008: 283-4). Preocupado com as novas exigências
introduzidas pelas Diretrizes Curriculares das Licenciaturas e com o futuro da
comunidade disciplinar de ensino de Química, o pesquisador aponta:
Onde se encontram os educadores químicos em número e com
preparo suficientes para desencadear práticas que despertem o
interesse, o debate, a produção científica e acadêmica de qualidade
26
De acordo com a pesquisadora, os 13 doutores em exercício no ano de 2002 seriam: Attico Chassot
(UNISINOS), Pedro da Cunha Pinto Neto (UNICAMP), Agustina Echeverria (UFG), Marcelo Giordan
(USP), Alice Casimiro Lopes (UFRJ), Otávio Aloisio Maldaner (UNIJUÍ), Roque Moraes (PUC-RS),
Maria Eunice Ribeiro Marcondes (USP), Eduardo Fleury Mortimer (UFMG), Luís Roberto Pitombo
(USP), Maria Inês Petrucci Santos Rosa (UNICAMP), Roberto Ribeiro da Silva (UnB) e Roseli Pacheco
Schnetzler (UNIMEP).
27
Exemplo disso é a participação de novos pesquisadores na Comissão de Avaliação Continuada da
CAPES, da área de Ensino de Ciências e Matemática, como é o caso de Flavia M. Teixeira dos Santos
(UFRGS), ex-orientanda de Eduardo Mortimer.
28
A maioria dos programas reconhecidos pela CAPES referem-se à área de Ciências, na qual a Química,
a Física, a Biologia, a Matemática, a Geociências e ainda Meio Ambiente e Saúde podem estar incluídos.
64
que os torne imprescindíveis no contexto de formação de professores,
para todos os níveis em que deverá acontecer? Respondo com
firmeza: eles não existem. Temos de formá-los. (2008: 274)
Esse quadro mostra como as discussões sobre o ensino de Química são ainda
limitadas pelo pequeno número de pesquisadores-formadores. Esses são de extrema
importância para o desenvolvimento da área, na medida em que são formadores de
opinião e produtores de pesquisas, em que estabelecem relações em contextos
diversos, criam e recriam os códigos, as normas e os rituais peculiares do campo
disciplinar, produzindo com isso diferentes sentidos na sociedade.
É preciso destacar que, ao longo dessa trajetória, a comunidade articulou suas
diferentes demandas em torno do antagonismo à má qualidade do ensino de Química,
caracterizada muitas vezes como decorrente da má qualidade da formação de
professores. De forma geral, essa posição é desenvolvida com base em argumentos
que criticam a “precária” formação de professores como resultado da aproximação
inadequada entre Química e Educação. A tensão produzida entre a formação química e
a formação pedagógica permanece ainda hoje gerando novas demandas para a área
disciplinar de ensino de Química.
O rápido panorama aqui traçado mostra que o campo de ensino de Química é
relativamente novo, considerando que as discussões e as idéias sobre o ensino de
Química avançaram em quase trinta anos. Ressalto, portanto, a importância de que seja
investigado como uma área relativamente nova, com um pequeno número de
pesquisadores, consegue difundir suas concepções e visões de mundo na configuração
do que se entende por ensino do conhecimento químico, bem como consegue articular
suas significações aos diversos processos sociais, como é o caso da produção de
políticas curriculares.
II.2 – Tendências internacionais para a comunidade disciplinar
A trajetória histórica da comunidade disciplinar em ensino de Química deve ser
compreendida dentro de um contexto social maior, a fim de que se possam perceber as
articulações possibilitadas pelos inúmeros discursos circulantes e também os
silenciamentos produzidos por essas articulações. Pretendo nesta seção mapear o
65
contexto sócio-histórico do período de maior desenvolvimento da área disciplinar de
ensino de Química.
O desenvolvimento do campo de pesquisas em ensino de Química está
fortemente associado ao desenvolvimento do campo denominado Didática das Ciências,
o qual se constitui como:
um campo científico de estudo e investigação, com proposição
e utilização de teorias/modelos e de mecanismos de publicação e
divulgação próprios e, principalmente, pela formação de um novo
tipo de profissional acadêmico – o/a pesquisador/a em ensino de
Ciências/Química (Schnetzler, 2002: 14).
Ainda segundo a pesquisadora, a área da Didática das Ciências tem justificado
sua relevância primeiramente pelo aumento mundial da produção científica e
tecnológica, tornando a alfabetização científica de seus cidadãos uma necessidade
urgente (Schnetzler, 2002: 14). Em segundo lugar, pela deficiência no ensino de
ciências, a qual é entendida como responsável pelo fracasso escolar neste nível de
ensino (Schnetzler, 2002). Articulado a essas justificativas, em maior ou menor grau,
está ainda a especificidade do conhecimento científico. Essa especificidade dificulta o
acesso ao conhecimento em questão, uma vez que não se dominam as significações, as
condições e as relações em que esse conhecimento foi produzido. Dessa forma, é
considerado ser preciso constituir meios adequados para o seu ensino, bem como eleger
representantes capazes para essa atividade. Por isso é que a defesa do ensino de
ciências, e no caso de química, desde o seu início, direcionou para a configuração da
necessidade de um novo campo de estudo e investigação, no qual as questões sobre o
que, como e porquê ensinar constituíram o centro das pesquisas (Schnetzler, 2002).
Lembro que tais justificativas encontram ressonância com discursos no campo
do currículo, na medida em que existe a concordância de que a disciplina científica
engloba conhecimentos, e também relações e interesses, diferentes dos conhecimentos
abordados pela disciplina escolar. Se o conhecimento científico é diferente do
conhecimento escolar, bem como suas relações e interesses, o ensino de ciências não
pode ser o mesmo no contexto escolar e no contexto científico. Ensinar para cientistas é
bem diferente do que ensinar para adolescentes, requerendo pensar (ou repensar) as
formas de ensino de cada conhecimento, as suas articulações e finalidades. Assim, o
conhecimento científico passa por um processo de transformação, denominado
66
transposição didática, para poder ser utilizado no contexto escolar como um
conhecimento ensinável (Chevallard, s.d.). Durante esse processo, o conhecimento
científico tem sua natureza modificada, pois ocorre uma despersonalização e uma
descontemporalização dos conceitos, ou seja, o conhecimento escolar aparece como não
tendo produtores, origens, contextos e muito menos uma relação temporal.
Concordando com autores como Goodson, afirmo que a especificidade das
disciplinas constitui um dos fatores que colaboram para a organização em busca de
espaço e reconhecimento tanto do conhecimento específico quanto de seus integrantes.
Nesse sentido, a constituição do campo disciplinar de ensino de Química envolve a
especificidade do seu conhecimento de referência (o conhecimento químico científico),
os interesses e finalidades da área de ensino de Química e de seus membros, as
articulações com a sociedade e com o seu campo de referência, e as especificidades do
seu contexto em particular. Tal constituição é resultado também de inúmeros processos
sociais, políticos e econômicos que atingiram direta ou indiretamente o ensino de
Ciências.
Entre as décadas de 1960 e 1980 houve um crescente interesse pelas pesquisas
em ensino de Ciências resultado das reflexões e das críticas aos movimentos de
reformas curriculares ocorridos no período entre 1950 e 1970. No início da década de
1960, principalmente nos Estados Unidos e Inglaterra, a reforma curricular enfatizava o
uso dos laboratórios para a introdução e exploração de problemas, sob a forma de
projetos, em oposição aos cursos tradicionais de Química, Física e Biologia que eram
muito extensos, descritivos, baseados no acúmulo de informações e na comprovação da
teoria pela prática (experimentos). Projetos de ensino como o CBA (Chemical Bond
Approach Committee), o CHEMS (Chemical Educational Material Study) e o Nuffield
Chemistry, do Instituto Nuffield, marcaram a área disciplinar de Química nesta época e
representaram inovações por estimularem mais o ensino. Tais projetos, motivados pelo
contexto da Guerra Fria, mostram a necessidade de um ensino de Ciências diferente, um
ensino que contribuísse com o intuito de preparar os alunos para pensar como
cientistas (Mortimer e Santos, 2008: 90).
Nessa mesma linha, foram desenvolvidos no Brasil os projetos “Sistemas
Químicos” e “Química: uma ciência experimental”, resultado de traduções realizadas
dos projetos internacionais. Segundo Kempa (apud Schnetzler e Aragão, 1995), neste
período, questões relativas à estrutura do conteúdo das disciplinas científicas, defendida
67
por Bruner, aos objetivos da educação em ciências, à efetividade de diferentes
abordagens instrucionais e aos efeitos dos novos currículos na aprendizagem e nas
atitudes dos alunos constituíram diversos caminhos de investigação. O movimento de
mudança curricular promovido pelo desenvolvimento desses projetos e das novas linhas
de investigação para o ensino de Ciências contribuiu para a constituição de novos
grupos de pesquisa no país. Contudo, os pressupostos teóricos utilizados pelos grupos
na época apoiavam-se predominantemente em contribuições do método científico - pela
forte associação com as pesquisas da área científica - com enfoques a concepções
empíricas-positivistas da ciência, privilegiando abordagens quantitativas e estatísticas
(Schnetzler e Aragão, 1995). Tais ênfases, aliadas aos resultados pouco promissores dos
projetos desenvolvidos, geraram críticas e insatisfações entre os educadores em
Ciências. De acordo com Moreira e Silva (1999), esse descontentamento levou diversos
grupos sociais a buscarem apoio em teorias sociais desenvolvidas principalmente na
Europa.
Assim, no final da década de 1970, há um deslocamento das finalidades das
pesquisas as quais passam da ênfase nos processos de ensino para os processos de
aprendizagem. As investigações passaram a adotar metodologias de pesquisas
qualitativas fundamentadas na psicologia cognitivista, defendida por Piaget, na qual a
aprendizagem é vista como uma evolução, reorganização ou uma mudança das
concepções dos alunos. Estes não são mais considerados ‘tábulas rasas’ na busca do
porquê e do como do processo de ensino e aprendizagem. As investigações das
concepções prévias permanecem na década de 1980 sob orientações mais
construtivistas, cujo enfoque centra-se na construção e reconstrução ativa do
conhecimento por parte dos indivíduos. Tais orientações seguem também as idéias de
Ausubel sobre aprendizagem significativa, o qual pressupõe que o conhecimento não é
transmitido, mas sim construído pelos indivíduos, levando em consideração aquilo que
o aluno já sabe, considerado sua estrutura cognitiva. Nesse sentido, a assimilação ou a
construção de uma nova idéia ocorre a partir da relação desta com conhecimentos que o
aluno já possui, fazendo com que sua estrutura cognitiva possa ser modificada. Como o
enfoque da estrutura cognitiva leva a valorização da realidade e da cultura do aluno, as
pesquisas passam a se preocupar com o estudo das concepções dos alunos como forma
de entender o processo de ensino-aprendizagem. Decorrente dessas pesquisas surge,
nesta época, o movimento das concepções alternativas (MCA), o qual foi responsável
68
pelo número expressivo de pesquisas na área de Ciências: em 1991, tinham sido
registradas cerca de duas mil pesquisas (Schnetzler e Aragão, 1995). No que diz
respeito à pesquisa em ensino de Química, 153 investigações foram produzidas
envolvendo predominantemente o estudo da transformação química, equilíbrio químico,
estrutura da matéria e soluções (Pfundt e Duit, apud Schnetzler e Aragão, 1995). Nesse
contexto, o aprofundamento das pesquisas e dos seus resultados levou a uma
intensificação de três grandes linhas de pesquisa que, por sua vez, apresentam relações
estreitas e importantes: o papel da linguagem na construção de conceitos científicos; as
estratégias e os modelos de ensino para a promoção da mudança conceitual nos alunos;
e os modelos de formação docente e as concepções de professores (Schnetzler e Aragão,
1995).
Posições mais racionalistas e contemporâneas do que se entende por Ciência
influenciaram os pesquisadores na década de 1990, fazendo com que a construção do
processo de ensino-aprendizagem fosse analisado à luz das interações discursivas e da
negociação social de significados entre professores e alunos. Nessa perspectiva, o
aprender ciências é entendido como um processo de “enculturação” (Driver et al, 1999),
isto é, como o aprendizado de uma nova forma de cultura que interage com as diversas
culturas existentes na sociedade. Essa perspectiva admite que o conhecimento científico
não faz parte do contexto cultural dos alunos e por isso precisa ser inserido no meio
social de uma maneira mais elaborada e crítica, a fim de que o indivíduo possa interagir
com esse conhecimento e com as questões sociais a ele relacionadas.
Cabe lembrar ainda que o desenvolvimento do conhecimento científico e
tecnológico na sociedade moderna, bem como a mudança de visão sobre a natureza da
ciência e do seu papel na sociedade constituiu outros caminhos para a área de pesquisa
em ensino de ciências. A configuração de um quadro preocupado com as finalidades da
educação científica e com as relações estabelecidas entre ciência, tecnologia e aspectos
sociais desencadeou um movimento internacional, desde o final da década de 1970,
preocupado com a formação científica do cidadão. O movimento denominado CTS
(Ciência, Tecnologia e Sociedade) utiliza expressões como “ensino de ciências para a
sociedade”, “ensino de ciências para a vida”, “ensino de ciências para o progresso”,
defende o ensino de Ciências articulado às questões sociais e da tecnologia (Santos e
Schnetzler, 2000). Desde o final da década de 1990, o movimento também tem
articulado as questões ambientais às suas discussões, devido à influência dos discursos
69
da área ambiental, sendo denominado por alguns grupos de CTSA (Ciência, Tecnologia,
Sociedade e Ambiente).
Destaco que os enfoques estabelecidos no período de constituição da área de
pesquisa em ensino de Ciências, para cada período aqui mencionado, refletem a
predominância das pesquisas e das suas concepções em cada momento. No entanto,
entendo que essa caracterização funciona mais para nossa organização didática, na
medida em que esses enfoques circulam por diversos contextos sócio-históricos e em
diferentes períodos temporais. Em outras palavras, os enfoques descritos anteriormente
podem ser encontrados em todos os períodos mencionados, em maior ou menor
intensidade. Minha afirmação se baseia no fato de que os discursos não deixam de
existir de uma hora para outra, os discursos são constantemente recontextualizados por
hibridismos nos mais diversos embates sociais por sua legitimidade.
É preciso salientar que outros discursos participam há muito tempo dessa
trajetória, ainda que não sejam hegemônicos, como é o caso da valorização dos saberes
populares, defendido por Attico Chassot, e da valorização dos saberes cotidianos,
fortemente veiculado por Mansur Lutfi, ambos com influência de leituras marxistas.
Mais recentemente, os discursos sobre a educação ambiental e sobre o ensino midiático
participam também da trajetória da comunidade disciplinar.
As contribuições de todos esses movimentos para o desenvolvimento da
comunidade disciplinar de Química no Brasil podem ser constatadas pela formação de
vários projetos de ensino de Química, principalmente a partir da década de 1980, como
é caso do Proquim, “Projeto de Ensino de Química para o 2° Grau”, da Faculdade de
Educação da UNICAMP; do GEPEQ, “Grupo de Pesquisa em Educação Química”, do
Instituto de Química da USP; do “Aprendendo Química”, do Colégio Técnico da
UFMG (COLTEC-UFMG); e do “Construindo Conceitos Químicos”, da UNIJUÍ. Estes
projetos de ensino sobressaem-se também por terem publicado livros didáticos sobre
suas propostas. Cabe ressaltar como a área de ensino de Química, mais do que as áreas
de ensino de Física e de Biologia, sempre teve projetos relacionados com a produção de
livros didáticos. Essa característica pode ser uma das razões pela qual a comunidade
disciplinar de ensino de Química conseguiu ampliar os seus discursos, mesmo com um
número pequeno de doutores.
Com relação à produção de teses e dissertações sobre o ensino de Química, entre
os anos de 1970 a 1995, foram apresentados 70 trabalhos sobre Educação Química das
70
572 produções
29
da área de ensino de Ciências no Brasil (Bejarano e Carvalho, 2000),
com um significativo aumento da produção neste período. No ano de 1996, a área de
Educação Química foi responsável pela produção de cerca de 10% do total de trabalhos
de teses e dissertações do campo de ensino de Ciências, o qual apresentou cerca de 100
pesquisas defendidas em um único ano, segundo levantamento realizado pela ANPEd
30
.
Segundo Bejarano e Carvalho, a análise da produção acadêmica em Educação Química
revela ainda outro fato interessante: o crescimento da produção fora das universidades
paulistas, com destaque para a região centro-oeste, como uma tendência de
descentralização para além dos usuais pólos de produção de pesquisa em Educação
Química. Também pesquisando sobre as teses e dissertações produzidas na área de
ensino de Ciências no Brasil, Neto (2007) destaca que no período de 1972 a 2003
foram defendidas 1071 teses e dissertações nessa área. O pesquisador ainda destaca que
o ensino de Física predomina nessas produções com 38% do total de trabalhos; seguida
do ensino de Ciências em geral, com 30%; do ensino de Biologia, com 14%; e do ensino
de Química, com 11%. O restante das produções aborda o campo do ensino de
Geociências, da Educação em Saúde e da Educação Ambiental.
A quantidade de programas e cursos (dentre os mestrados acadêmicos, os
mestrados profissionalizantes e os doutorados) cresceu consideravelmente desde a
criação da área de Ensino de Ciências e Matemática na CAPES. Ao final do ano de
2003, existiam 22 programas e 29 cursos reconhecidos pelo Comitê da área e,
atualmente, já se contabilizam 59 programas e 77 cursos. Poder-se-ia esperar que o
número de trabalhos sobre o enfoque currículo e ensino de Química aumentasse. No
entanto, o mesmo incremento não se deu. De acordo com o Relatório da área de Ensino
de Ciências e Matemática, só o triênio 2004-2006 é caracterizado pela produção de 952
teses e dissertações (CAPES, 2009): 133, relativas especificamente aos Programas de
Pós-Graduação de Educação e/ou Ensino de Matemática; 26, referentes a Programas de
Pós-Graduação em Ensino de Física; 92 produções de Programas de Pós-Graduação
enfocando a Saúde; e 671 teses e dissertações relativas a Programas envolvendo o
Ensino de Ciências em geral, nos quais o ensino de Química é um dos componentes de
29
Dessas 572 produções, as áreas de Educação em Química e de ensino de Biologia são responsáveis por
quase um terço da produção total, apresentando praticamente o mesmo número de trabalhos. Já o ensino
de Física se destaca com quase a metade do total do campo o que lhe confere uma forte presença na área
de ensino de Ciências.
30
Em 1997, a ANPEd fez um levantamento dos resumos de todas as dissertações e teses defendidas no
âmbito do ensino de Ciências durante o ano de 1996, o qual foi publicado em CD-ROM.
71
pesquisa. Ao consultar o Banco de Teses e Dissertações da CAPES, visando pesquisar
as teses e dissertações defendidas no mesmo período do Relatório da CAPES (2004 -
2006), verifiquei a existência de 53 produções relacionadas à palavra-chave “ensino de
química”, o que representa cerca de 8% das produções dos Programas de Pós-
Graduação em Ensino de Ciências. Dessas, 22 teses e dissertações abordavam questões
relacionadas ao currículo e ao ensino médio.
Dessa forma, o desenvolvimento da comunidade disciplinar de Química
acompanhou as discussões das concepções sobre o ensino de Ciências presentes nesses
últimos trinta anos. Amparada pelos discursos produzidos na sociedade e no campo de
ensino de Ciências, a comunidade disciplinar de Química conseguiu seu objetivo inicial:
conquistar um espaço para a pesquisa em ensino de Química no Brasil. Defendo que a
comunidade disciplinar de Química não poderia ter conquistado este espaço se não fosse
pelo esforço de organização de seus membros e pela articulação de seus discursos aos
discursos da comunidade de ensino de ciências, a qual foi a base para a sua constituição,
uma vez que na comunidade Química como um todo não existia o apoio necessário para
a sua configuração naquele momento. É importante ressaltar que muitas das articulações
estabelecidas nesta trajetória são resultados da capacidade de seus integrantes em
vincular suas demandas, particulares e comuns, com demandas sociais, constituindo um
ponto relevante na obtenção de recursos, caso dos financiamentos conseguidos para a
publicação da revista QNEsc e para os eventos da área. Defendo ainda que a associação
à comunidade de ensino de Ciências não remeteu, e não remete, ao consenso com seus
fundamentos e pressupostos, uma vez que as ciências, a Biologia, a Física e a Química,
possuem características, trajetórias, perspectivas e intenções diferentes tanto para o
contexto escolar quanto para sua inserção e legitimação na sociedade. Quero dizer que
existem diferenças e aproximações entre estas disciplinas, e a associação entre elas
somente é possível pela articulação de princípios comuns os quais sempre estão
hibridizados e recontextualizados por outras questões e relações do seu contexto
específico. Nesse sentido, as comunidades disciplinares da área de Ciências tendem a se
unir na busca de interesses comuns como, por exemplo, a defesa de sua importância nos
diversos contextos sociais, e tendem a se afastar quando buscam legitimidade e recursos
em um contexto mais específico, como o escolar e o acadêmico.
Como o crescimento do campo de ensino de Química também está articulado ao
crescimento da pesquisa educacional mais ampla, e esta por sua vez, vem se
72
desenvolvendo por intermédio do fortalecimento dos grupos de pesquisa, considero
importante investigar a ação dos grupos de pesquisa em ensino de Química com relação
a seu campo disciplinar. Em um primeiro momento, realizei um levantamento dos
grupos de pesquisa cadastrados na base corrente do CNPq por intermédio dos termos
ensino de Química e ensino de Ciências, o que resultou em mais de 50 grupos de
pesquisa no ano de 2007 e em mais de 90 grupos de pesquisa listados no ano de 2009
31
.
Um segundo critério de seleção foi utilizado como forma de refinar esse resultado: a
relevância que esses grupos apresentam para o ensino de Química, na medida em que se
constituem referências freqüentes nas publicações de eventos e periódicos. Passo agora
ao detalhamento dos grupos de pesquisa selecionados.
II.3 – Os grupos de pesquisa em ensino de Química
A comunidade disciplinar de Química possui inúmeros grupos de pesquisa em
ensino, o que pode ser entendido pela variedade de filiações teóricas que influenciam a
área disciplinar de ensino de Química e a de Ciências. A região Sudeste ainda concentra
a maior parte desses grupos, da mesma forma que concentra o maior número de
Programas de Pós-graduação.
Destaco que o mapeamento da comunidade disciplinar de Química remete aos
grupos de pesquisa em ensino por entender que nesses espaços se concentram as
principais lideranças da área, consideradas como referências do campo. Contudo,
entendo também que não poderia apenas listar essas lideranças para esta pesquisa, pois
elas constituíram-se dentro de um contexto particular, sob determinadas relações,
pressupostos, interesses e finalidades, na relação com os demais sujeitos de cada grupo
de pesquisa. A pertinência do estudo desses contextos refere-se ao fato que os grupos de
pesquisa articulam tanto pesquisadores quanto professores do nível médio de ensino,
estabelecendo discursos quanto ao conhecimento químico escolar. Essas produções
coletivas marcam o contexto, seus integrantes e suas lideranças de forma específica.
31
Alguns dos grupos listados eram referentes ao ensino superior da área de Química, outros ao ensino de
Biologia, Física e Matemática, ou ainda relacionados à área de Biomédicas.
73
Assim, nesta seção descrevo os grupos de pesquisa em ensino de Química mais
relevantes para a comunidade disciplinar, delineando as suas trajetórias, lideranças e
concepções, na medida em que estes grupos de pesquisa influenciam a constituição da
comunidade disciplinar, bem como representam a comunidade no contexto social mais
amplo. A relevância desses grupos está associada à visibilidade acadêmica, ao
reconhecimento social, à publicação freqüente em revistas especializadas, à elaboração
de materiais didáticos, à participação em projetos de formação continuada, dentre
outros. A seleção dos grupos de pesquisa pelo critério relevância pode parecer um tanto
subjetivo, e não quero negar essa subjetividade, mas acredito que é a forma mais
apropriada para o mapeamento das lideranças da comunidade. Saliento que, nessa
escolha, a subjetividade leva em consideração a minha trajetória como professora de
Química no ensino médio há quase 12 anos, com experiências tanto na rede pública
como na particular, trabalhando com as propostas curriculares desenvolvidas pela
comunidade para o ensino médio e acompanhando as discussões voltadas para esse
nível de ensino pela revista QNEsc. Ressalto também que o critério da relevância está
relacionado com o meu foco de estudo nesta pesquisa, as políticas de currículo. Se o
enfoque da pesquisa fosse outro, talvez outros grupos de pesquisa fossem escolhidos. Os
grupos de pesquisa estão ordenados em função do ano de sua formação
32
.
II.3.1 – Grupo de Pesquisa em Educação Química – GEPEQ
O GEPEQ, um dos grupos de pesquisa mais antigos, foi criado em 1984, no
Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), a partir de encontros entre
professores universitários e do ensino médio na tentativa de aprofundar a análise da
prática docente e de buscar alternativas aos problemas detectados, contribuindo assim
para a melhoria do ensino de Química (Marcondes e Peixoto, 2007). Buscava-se
favorecer o desenvolvimento cognitivo dos estudantes e a formação de cidadãos mais
conscientes.
O grupo apresenta hoje quatro linhas de trabalho: produção de material didático
para o ensino médio, formação continuada de professores, divulgação científica e a
pesquisa em ensino de Química. É preciso ressaltar o projeto “Interações e
32
Ano de formação declarado no cadastro dos grupos de pesquisa do CNPq.
74
Transformações no ensino de Química” como sendo uma pioneira proposta curricular
que vem sendo desenvolvida desde 1985 pelo grupo no Estado de São Paulo.
Atualmente o projeto é denominado “Interações e transformações – Química para o
Ensino Médio”. O ponto de partida dessa proposta é a concepção de que o ser humano é
a resultante da interação do herdado com o ambiente, sendo o conhecimento, portanto,
uma constante construção e reconstrução (Bosquilha et al, 1992: 355). Considerando
que a aprendizagem é um processo ativo, o ensino de Química deve ser baseado no
constante construir e reconstruir, além de estar associado à experiência vivida no dia-a-
dia pelo educando (Bosquilha et al, 1992: 356). A base do projeto está alicerçada na
aprendizagem significativa
33
de Ausubel e no desenvolvimento cognitivo segundo
Piaget, partindo-se sempre de fatos vivenciados pelo indivíduo no dia-a-dia ou no
laboratório e procurando desenvolver operações lógico-empíricas de classificação,
seriação e correspondência (Bosquilha et al, 1992: 358). O projeto também possui uma
perspectiva construtivista do processo de ensino-aprendizagem, bem como defende uma
mudança conceitual, pois o grupo de pesquisa considera importante o compartilhamento
de significados entre alunos e professores como também as interações sociais na
construção do conhecimento.
No que diz respeito às orientações metodológicas, o Grupo GEPEQ considera
relevante a utilização da vivência dos alunos, bem como do trabalho coletivo,
facilitando o diálogo entre o educando e o ambiente social (sala de aula) na construção
e reconstrução dos conceitos trabalhados na dimensão da sobrevivência do ser humano
(cotidiano) (Bosquilha et al, 1992: 357). A proposta é organizada em módulos
temáticos, por intermédio de textos e de experimentos, tratando inicialmente dos
aspectos macroscópicos e qualitativos nas relações entre o homem e o meio ambiente,
passando a relacionar os fatos observáveis com as explicações em nível microscópico e,
finalmente, aprofundando os aspectos quantitativos e microscópicos do conhecimento
químico com o sistema industrial. Os textos partem de uma situação-problema
contextualizada nos níveis social, político e econômico.
33
A aprendizagem é considerada significativa quando novas informações e conceitos interagem com
conceitos relevantes já existentes na estrutura cognitiva do aluno, transformando-os em novos conceitos
(Bosquilha et al, 1992: 356). No entanto, o grupo defende que essa aprendizagem deve ter uma
perspectiva crítica, na medida em que entende que a inserção do aluno na cultura do que se deseja ensinar
não pode ser por ela subjugado (Marcondes e Peixoto, 2007: 45).
75
Além de a proposta curricular ser difundida nos cursos de formação de
professores, existe também seu desenvolvimento na rede pública e particular de ensino
do Estado de São Paulo (Bosquilha et al, 1992; São Paulo, 2007). Devido às distintas
realidades escolares, o grupo tem oferecido anualmente cursos para professores
interessados em conhecer ou aplicar o projeto. O trabalho do Grupo de pesquisa do
GEPEQ resultou na edição dos módulos trabalhados na proposta curricular, sendo o
primeiro módulo lançado em 1993. Até o ano de 2006, dos nove módulos elaborados
pelo grupo com o apoio do Programa PADCT/SPEC, sete foram publicados em livros
pela editora da USP.
O professor Luiz Roberto de Moraes Pitombo
34
, um dos idealizadores e
coordenadores do grupo de pesquisa, foi presença marcante para a comunidade
disciplinar. Atualmente, destaco a professora Maria Eunice Ribeiro Marcondes
35
como
liderança desse grupo de pesquisa que desenvolve outras ações como o Projeto
“Laboratório Aberto”, o Projeto “Uma contribuição para o ensino de Química -Oficinas
Temáticas para alunos do ensino médio” e o Projeto de divulgação científica “Química
e Sociedade”
36
.
O professor Júlio Cezar Foschini Lisboa, integrante do Conselho Editorial da
revista QNEsc desde a sua criação, e o professor Paulo Alves Porto também são antigos
colaboradores do grupo de pesquisa do GEPEQ. Alguns professores do grupo integram
ainda o corpo docente do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de
Ciências
37
da USP do qual participam os professores Carmen Fernandez, Marcelo
Giordan, Maria Eunice Ribeiro Marcondes, Paulo Alves Porto e Luís Carlos de
Menezes.
Além dessas ações, esse grupo de pesquisa teve participação na elaboração dos
documentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) e
dos PCN+ Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos PCN, por
intermédio dos professores Luís Roberto de Moraes Pitombo e Maria Eunice Ribeiro
34
Possui Doutorado em Química Orgânica pela USP, defendido no ano de 1954.
35
Possui Doutorado em Química Orgânica pela USP, defendido no ano de 1976.
36
Acessado na Internet no endereço http://gepeq.iq.usp.br/, nos dia 15/12/2009 às 9:10
37
O Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências foi criado no ano de 1973, pelo
Instituto de Física da USP, com o intuito de formar pesquisadores na área de Ensino de Ciências e
contribuir para o desenvolvimento da Educação Científica no Brasil. Inicialmente, o programa era
formado pelo Instituto de Física e a Faculdade de Educação. A partir do ano de 1998, o Instituto de
Química passou a integrá-lo, e em 2005 o Instituto de Biociências também passa a constituir o programa.
(www.if.usp.br/cpgi/INDEX.htm)
76
Marcondes. Os referidos professores foram convidados pelo coordenador da área de
Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, o professor Luís Carlos de
Menezes, para elaborarem o documento relativo à disciplina Química.
II.3.2 – Grupo de Pesquisa em Ensino de Química e Prática Docente
Formado em 1991 no Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB),
com a finalidade de desenvolver trabalhos de análise e reflexão sobre a prática docente
em Química, o grupo visa à identificação e ao dimensionamento de problemas além da
proposição de possíveis soluções, focalizando o aluno, o professor e o conhecimento
químico no contexto escolar
38
. Os pesquisadores Roberto Ribeiro da Silva
39
, Gerson de
Souza Mol
40
, Wildson Luiz Pereira dos Santos
41
e Ricardo Gauche
42
são as principais
lideranças do grupo que é constituído por professores da UnB e professores do ensino
médio.
O grupo de pesquisa desenvolve, no Laboratório de Pesquisas em Ensino de
Química (LPEQ), do Instituto de Química da UnB, um projeto denominado Projeto de
Ensino de Química e Sociedade (PEQUIS), elaborado com o objetivo de compatibilizar
o conteúdo programático da disciplina, no Programa de Avaliação Seriada para o
ingresso na Universidade de Brasília, com o contexto educacional das escolas de ensino
médio. A produção de material didático que modifique a abordagem utilizada no ensino
da Química também é considerada como outro objetivo do projeto (Santos et al, 2007).
O projeto teve sua origem no fim de 1996 como uma proposta de continuidade dos
trabalhos iniciados no curso de aperfeiçoamento para professores realizado naquele ano.
A proposta defende que a aprendizagem da Química pelo aluno deve ser estimulada por
uma linguagem científica clara e objetiva, interpretando os processos do cotidiano e
tomando decisões que muito poderão melhorar a nossa qualidade de vida, tornando-se
38
Acessado via Internet no endereço
http://dgp.cnpq.b/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0240106BOKL2N6 em 26/10/07 às 14:22.
39
Doutorado em Físico-Química pela USP, no ano de 1976.
40
Doutorado em Ensino de Química pela UnB, no ano de 1999.
41
Doutorado em Educação pela UFMG, no ano de 2002 (com doutorado sanduíche em Ensino de
Ciências na Leeds Metropolitan University, na Inglaterra).
42
Doutorado em Psicologia (Cultura e Desenvolvimento) pela UnB, no ano de 2001.
77
um consumidor exigente e um cidadão consciente e comprometido com a busca de
alternativas que sejam melhores para a sociedade (Mól & Santos, 1998: capa).
A proposta curricular do projeto PEQUIS está sustentada em pressupostos de
natureza construtivista, no estabelecimento de relações conceituais para a construção do
conhecimento, na utilização da linguagem como ferramenta cultural capaz de promover
uma dinâmica interativa, na organização do processo ensino-aprendizagem centrada no
aluno, e na valorização da cidadania e do papel social da Ciência por intermédio das
inter-relações da ciência-tecnologia-sociedade (CTS) (Mól & Santos, 1998; Santos et al,
2007).
As abordagens metodológicas centram-se: no envolvimento ativo dos alunos nas
aulas, na exploração dos seus conhecimentos prévios, no trabalho partindo de uma
abordagem qualitativa e macroscópica para uma abordagem quantitativa e
microscópica, na utilização de atividades práticas para iniciar as discussões, no
tratamento contextualizado, na relação entre os conceitos introduzidos e os conceitos
prévios, na valorização da história e filosofia da ciência para o ensino de CTS e na
tomada de decisões (Santos et al, 2007). A organização da proposta curricular desse
Grupo de Pesquisa é orientada por temas, nos quais a seleção dos conteúdos
contemplados considera a relevância social e a pertinência pedagógica. A abordagem
temática, fundamentada na proposta de educação de Paulo Freire, é defendida como
elemento constitutivo para a cidadania, consolidando o uso de ferramentas do
conhecimento químico no encaminhamento de soluções de problemas sociais,
desenvolvendo valores e atitudes (Mól & Santos, 2005: 7-8). A primeira versão desta
proposta foi publicada no livro Química na Sociedade, em três volumes, pela editora da
UnB em 1998 e 2000, ganhando o Prêmio Jabuti 2001 de Livro Didático para o Ensino
Fundamental e Médio. Uma segunda versão foi elaborada a convite da Editora Nova
Geração, organizada em módulos e editada em forma de revista
43
, no ano de 2003. A
terceira versão foi publicada pela mesma editora em 2005 reunindo todos os módulos
(no total de nove) no formato mais usual de um livro didático.
É interessante como essa proposta curricular do grupo já estabelece ações em
outros níveis. Segundo Santos et al (2007), no ano de 2005, uma escola pública de
Sergipe utilizou a proposta do grupo, publicada pela Editora Nova Geração, a fim de
43
A organização em módulos e a característica de edição do material didático devem-se à proposta de
trabalho da editora a qual já publicava em coleção modular, publicação considerada inédita no campo da
organização do conhecimento escolar principalmente para o nível médio de ensino.
78
desenvolver um projeto sobre o tema lixo. Essa escola ganhou o II Prêmio Ciências no
Ensino Médio, categoria estadual, conferido pelo Ministério da Educação em parceria
com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e da Unesco. Essas
ações produzem novos significados para o campo disciplinar de Química, uma vez que
consolida ainda mais esse grupo de pesquisa pelo reconhecimento e visibilidade
nacional de seus pressupostos e discursos.
Atualmente, o grupo de pesquisa vem se destacando no campo disciplinar de
Química pela criação e consolidação do curso de Mestrado Profissionalizante em
Ensino de Ciências do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências da UnB
(PPGEC/UnB), com áreas de concentração no ensino de Química e no ensino de Física.
Segundo Gauche et al (2007), o referido mestrado visa a melhor qualificação
profissional na área docente, abordando questões de ensino-aprendizagem, currículo e
sistema escolar bem como a fortalecer os grupos de pesquisa em ensino de Química e
Física na UnB e na região centro-oeste. Os autores afirmam ainda que a pretensão do
curso é a promoção de novas práticas que resultem em mudanças no processo ensino-
aprendizagem de Química a partir do ciclo ensino-pesquisa-extensão.
Cabe mencionar que alguns de seus integrantes participam de diferentes
Programas de Pós-Graduação e de vários grupos de pesquisa, caso do professor Wildson
Santos que integra os Programas de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e em
Educação, ambos da Universidade de Brasília, e participa de grupos de pesquisa na
Universidade de Brasília e na Universidade Federal de Minas Gerais. Esses diferentes
vínculos mostram a mobilidade que os pesquisadores apresentam na comunidade.
Ressalto também a participação dos professores Ricardo Gauche e Wildson
Santos como consultores das Orientações Curriculares para o Ensino Médio no
documento referente ao Conhecimento de Química. Outra atividade do professor
Ricardo Gauche é a coordenação geral do primeiro Programa Nacional do Livro
Didático para o ensino médio (PNLEM 2008), no que diz respeito à avaliação dos livros
didáticos de Química. Atualmente, o professor Wildson Santos é um dos Editores da
revista QNEsc.
Já o professor Roberto Ribeiro da Silva destaca-se pela direção da Divisão de
Ensino de Química da SBQ, durante duas gestões, 1994-1996 e 1996-1998, juntamente
com os professores Ricardo Gauche e Wildson Santos, e pela coordenação de projetos
da Divisão. Os integrantes do grupo de pesquisa da UnB configuraram um fato
79
particular: uma gestão de representantes da comunidade disciplinar pertencentes a uma
única instituição. Isso também contribui para expressar a representatividade do grupo
nessa comunidade disciplinar.
II.3.3 – Grupo de Pesquisa em Linguagem e Cognição em salas de aula de
Ciências
O grupo de pesquisa formado em 1994, sob coordenação dos professores
Eduardo Fleury Mortimer
44
e Orlando Gomes de Aguiar Júnior, na Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem possibilitado o
entendimento das relações entre as interações discursivas nas salas de aula de Química e
Ciências, bem como a aprendizagem de conceitos. Os projetos desenvolvidos pelos
estudos consistem na produção de material didático de Química, livros e kits de
experimentos, e em cursos de formação continuada. Os professores Eduardo Fleury
Mortimer e Andréa Horta Machado
45
se destacam no grupo como lideranças.
O Projeto de Formação Continuada de Professores de Química e Ciências
(FoCo) do grupo, criado em agosto de 1996 com o apoio do CECIMIG, possibilita a
reflexão coletiva do professor sobre sua prática ao mesmo tempo em que procura
capacitá-lo a utilizar metodologias e recursos que estimulam a participação e o diálogo
dos alunos com a ciência e a cultura
46
. Alguns dos objetivos do projeto são: coordenar
processos de desenvolvimento profissional de professores que resultam em produção de
material didático e paradidático multimídia; potencializar a ação da escola na melhoria
das condições de vida da comunidade em que se insere; potencializar a reflexão da
comunidade escolar sobre a realidade, de forma a possibilitar a mobilização para a
mudança social e ambiental; e contribuir para a formação de cidadãos críticos e
participativos (Mortimer, 1996a). Cabe ressaltar que o grupo participou do Programa
Piloto de Inovação Curricular e de Capacitação Docente para o ensino médio da
44
Doutorado em Educação pela USP, no ano de 1994 (com doutorado sanduíche em Ensino de Ciências
na Leeds Metropolitan University, na Inglaterra).
45
Doutorado em Educação pela UNICAMP, no ano de 1999.
46
Acessado via Internet no endereço www.foco.fae.ufmg.br, em 17/01/2006 às 10:15 horas e em
20/11/2009 às 14:13 horas.
80
Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, realizado nos anos de 1997 e 1998,
por intermédio do seu projeto de formação continuada
47
.
Os fundamentos da proposta curricular do grupo de pesquisa apresentam
contribuições do construtivismo
48
, no que diz respeito à construção do conhecimento
pelos alunos de forma ativa e à consideração de suas experiências prévias; seguem uma
perspectiva dialógica, na medida em que a construção do conhecimento químico
caminha junto com a (re)elaboração de visões de mundo; possibilitam uma interação
entre o discurso científico da Química e o discurso cotidiano; e incentivam a
valorização da ciência e a formação de cidadãos. A utilização dos perfis conceituais
constitui um diferencial da proposta. Defende-se que um único conceito pode ser visto
de diferentes perspectivas sendo estas constituintes das diferentes zonas de num perfil
conceitual
49
. À medida que se percorre as diferentes zonas do perfil, as diferentes
perspectivas, qualquer conceito vai se tornando mais complexo e mais racional. Dessa
forma, o perfil conceitual ajuda a perceber a dinâmica do conhecimento e a construir o
mundo discursivamente (Machado e Mortimer, 2007).
A proposta curricular desenvolvida propõe um diálogo entre a abordagem
conceitual e a abordagem contextual uma vez que considera os conceitos inseparáveis
dos contextos de aplicação (Mortimer, Machado e Romanelli, 2000). O enfoque
contextual pretende privilegiar a resolução de problemas abertos interdisciplinarmente,
na medida em que se devem considerar aspectos técnicos, sociais, políticos, econômicos
e ambientais. Essa metodologia também defende a prática dialógica em sala de aula,
fazendo com que a linguagem cotidiana e a linguagem científica sejam complementares
e instrumentos de leitura do mundo (Mortimer e Machado, 2003). Dessa forma, em um
primeiro momento ocorre a discussão de temas que envolvem a compreensão dos
princípios fundamentais da Química com uma ênfase qualitativa, e posteriormente,
47
O projeto já atendeu cerca de 400 professores das redes pública e privada da Região Metropolitana de
Belo Horizonte.
48
Machado e Mortimer afirmam que o construtivismo, visto como uma teoria da aprendizagem, tem sido
um marco importante na forma de conceber o ensino de Ciências (2007: 22). Os pesquisadores alegam
que existem dois pressupostos considerados gerais dentre as diversas concepções que o construtivismo
pode abranger. O primeiro, que o conhecimento não é transmitido, mas construído ativamente pelos
indivíduos, e o segundo, aquilo que o sujeito já sabe influencia na sua aprendizagem. Estes pressupostos
reforçam a importância de se considerar as idéias dos alunos em sala de aula a fim de confrontarem estas
com a forma de pensar da ciência. Os pesquisadores chamam a atenção ainda para o fato de existirem
outras contribuições, igualmente importantes, provenientes do construtivismo, como é o caso da proposta
de uma aprendizagem ativa, via discussões ou atividades experimentais.
49
A concepção de perfil conceitual proposta por Mortimer é desenvolvida com base no perfil
epistemológico de Gaston Bachelard (Mortimer, 2000).
81
ocorre um aprofundamento do estudo de temas químicos com uma visão quantitativa. A
primeira versão dessa proposta curricular foi editada pela editora da UFMG em 1996
em dois volumes, e uma segunda versão foi publicada pela Editora Scipione em 2003 no
formato de livro didático, intitulado “Química para o Ensino Médio”. O material
didático referente a proposta curricular desenvolvida pelo grupo tem sido utilizado por
inúmeros professores da educação básica. Os pesquisadores Eduardo Fleury Mortimer e
Andréa Horta Machado, coordenadores da proposta curricular do grupo, destacam-se
também por outras publicações de pesquisa em ensino de Química.
O professor Eduardo Mortimer participa das discussões do grupo de pesquisa
“Ensino de Ciências e Mediação Pedagógica”, da Universidade de Brasília, coordenado
pelos professores Wildson Santos e Maria Helena Carneiro. A sua participação, sob a
forma de intercâmbio, possui a finalidade de ajudar o grupo de pesquisa na ampliação
dos estudos sobre linguagem e cognição no ensino de ciências
50
.
O grupo de pesquisa da UFMG ainda conta com pesquisadores de outras
instituições, como é o caso dos professores Flavia Maria Teixeira dos Santos
51
(UFRGS) e Wildson Santos (UnB), configurando um quadro de cooperação nacional
entre os diferentes grupos de pesquisa. Cabe ressaltar a participação da professora
Flávia Teixeira na Comissão da Área de Ensino de Ciências e Matemática da CAPES.
O grupo de pesquisa destaca-se ainda pelo estabelecimento de uma rede de
cooperação internacional, o que possibilita visitas mútuas de pesquisadores,
publicações conjuntas e troca de estudantes
52
, além de coordenar e organizar eventos
nacionais e internacionais. A criação dessa rede de cooperação se deve aos contatos
estabelecidos pelo professor Eduardo Mortimer durante as suas atividades acadêmicas:
doutorado-sanduíche na Leeds Metropolitan University (1992/1993), pós-doutorados na
Washington University in Saint Louis (1998/1999) e na Université Lyon II (2005).
Estes contatos possibilitaram diversas publicações no exterior e a maior inserção
internacional do grupo da UFMG, o que contribui para a legitimação dos trabalhos de
seus pesquisadores. Como parte das visitas mútuas de pesquisadores e da troca de
50
Acessado via Internet no endereço
http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0240708GQX7ISZ em 18/12/09 às 8:26.
51
A referida professora também coordena o grupo de pesquisaFormação de Professores em Educação
Matemática e Ensino de Ciências”,criado no ano de 2008, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
52
Acessado via Internet no endereço
http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0333708CJFRFVS em 23/03/07 às 10:40 e
em 15/12/09 às 9:05.
82
estudantes nessa cooperação, podemos citar o doutorado-sanduíche (Leeds University) e
o atual pós-doutorado (University of London) do professor Wildson Santos.
É importante mencionar que o professor Eduardo Mortimer, dentre as suas
inúmeras atividades, foi editor-coordenador da Revista QNEsc, diretor da Divisão de
Ensino da SBQ, representante do Comitê de Avaliação do CNPq na área de Ciências,
integrante da Comissão inicial que discutiu a criação da Área de Ensino de Ciências e
Matemática na CAPES, e atualmente é Presidente da Associação Brasileira de Pesquisa
em Educação em Ciências (ABRAPEC).
II.3.4 – Grupo de pesquisa em Ciências e Educação Científica
Formado no ano de 1994, o grupo de pesquisa está diretamente ligado ao Museu
de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS), inclusive ocupando um espaço próprio no museu. O grupo constitui-se por
ser local de vivência e experiência de pesquisa para pós-graduandos que desejam
estudar as questões da Educação Científica
53
. Pesquisadores de diferentes faculdades da
área científica, especialmente Química, Física e Biologia, fazem parte do grupo em
Ciências e Educação Científica, cujos líderes são os professores Roque Moraes
54
e
Maurivan Guntzel Ramos
55
. Várias linhas de pesquisa são desenvolvidas, dentre elas:
Educação de Professores em Ciências e Matemática, Educação em Ciências, Educação
Química e Reconstrução curricular.
O grupo de pesquisa mantém contatos com outros grupos, locais e
internacionais, como a Fundação Universidade Rio Grande, a Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, a Universidade do Vale do Taquari e a
Universidade de Sevilha – este em função do pós-doutoramento do professor Roque
Moraes-, com intercâmbio de professores e alunos. A partir da proposta de
“Alfabetização e popularização da Ciência”
56
, do CNPq, desenvolveu projetos de
53
Acessado via Internet no endereço
http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0006708CJCW3ML em 23/03/07 às 10:45
e em 15/12/09 às 9:15.
54
Doutorado em Educação pela UFRGS, no ano de 1991 (Pós-doc na Universidade de Sevilha).
55
Doutorado em Educação pela PUC/RS, no ano de 1999.
56
O CNPq vem apoiando, por intermédio de editais que promovem financiamentos, projetos que
valorizem a Difusão e a Popularização da Ciência e da Tecnologia. Em 2008, o CNPq aprovou 58
83
currículo para o ensino de Ciências da escola fundamental
43
. Dentre os diversos projetos
resultantes da parceria com o Museu de Ciências e Tecnologia, destaca-se o projeto
“Museu Itinerante”. Outra ação do grupo é a participação no curso de Mestrado em
Educação em Ciências e Matemática, na Faculdade de Educação da PUCRS.
O grupo tem publicado seus trabalhos em forma de livros dentro da área
específica de Educação Científica (Moraes, Ramos e Galiazzi, 2007; Moraes e
Mancuso, 2004). Alguns dos trabalhos são produções de projetos desenvolvidos há mais
tempo e que foram financiados pela Fundação Kellogg, SPEC, FAPERGS, FINEP, além
de outros.
Uma das propostas do grupo de pesquisa consiste na defesa de que o aprender
Química é conseguir envolver-se em modos de pensar dos especialistas da química,
conseguir formular pensamentos cada vez mais complexos sobre temas tratados por
esta área das ciências (Moraes, Ramos e Galiazzi, 2007: 195). Baseada em uma
perspectiva sócio-cultural, com ênfase na linguagem e na reconstrução dos significados,
a proposta ressalta ainda como a organização de comunidades de pesquisa contribui
para a reconstrução dos discursos e para a identificação dos sujeitos como um dos
autores sociais.
O professor Roque Moraes destaca-se pela sua participação na comissão da área
de Ensino de Ciências e Matemática, no ano de 2000, visitando os primeiros programas
e cursos que se submetiam à avaliação da CAPES. Além disso, contribuiu para o início
das discussões sobre a definição de padrões e critérios de qualidade da área e para a
elaboração de uma nova versão de documento sobre o mestrado profissionalizante em
ensino. O pesquisador tem participado da elaboração do Guia do Livro Didático de
Ciências para o ensino fundamental, como avaliador (PNLD 2007 e PNLD 2010) e
como coordenador da área de Ciências (PNLD 2008).
O professor Maurivan Ramos também se destaca pela sua participação como
avaliador dos livros didáticos de Ciências para o ensino fundamental (PNLD 2008 e
PNLD 2010) e dos livros de Química para o ensino médio (PNLEM 2008).
projetos com liberação de 7 milhões de recursos. A proposta “Alfabetização e popularização da Ciência”
integra as ações do Plano Nacional de Ciência e Tecnologia, desenvolvido pelo Ministério da Ciência e
Tecnologia numa parceria com o Ministério da Educação. Atualmente, está em vigor o Plano de Ação de
Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional 2007-2010, o qual apresenta uma linha
para a Popularização de Ciência, Tecnologia & Inovação e Melhoria do Ensino de Ciências
(
www.mct.gov.br).
84
II.3.5 – Grupo Interdepartamental de Pesquisa sobre Educação em Ciências
– Gipec
O Gipec foi formado em 1995, na Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul (Unijuí), por integrantes dos departamentos de Biologia,
Química, Física e Matemática, apesar de já existirem parcerias anteriores a esta data
com o apoio de diversos programas, como o Subprograma Educação para a Ciência
(SPEC/PADCT), os Programas de Iniciação Científica – CNPq e FAPERGS – e outros.
A finalidade do grupo de pesquisa, coordenado pelos professores Otavio Aloísio
Maldaner
57
e Milton Antonio Auth, é a de promover interfaces de atuação entre
estudantes de licenciatura e professores das escolas, articulando a pesquisa aos
processos de desenvolvimento curricular e permitindo o enriquecimento da interação e
da reflexão dos estudantes, dos professores e dos pesquisadores (Maldaner et al, 2007).
Duas linhas de pesquisa são desenvolvidas hoje no grupo: Desenvolvimento de
currículo e Formação inicial e continuada de professores em Ciências Naturais.
O professor Otávio Aloísio Maldaner e a professora Lenir Basso Zanon
58
são as
principais lideranças do grupo, que possui um histórico relevante na formação inicial e
continuada de professores como na produção de material didático. A formação de
professores é entendida como um processo complexo e de grande importância para a
melhoria da qualidade educativa no ensino básico
59
, uma vez que tem sido apontada
como um dos principais entraves para a implementação de orientações curriculares,
principalmente na área científica e tecnológica. As lideranças destacadas participam do
Programa de Pós-graduação em Educação nas Ciências da Unijuí.
Os dois pesquisadores citados desenvolveram, dentro do projeto Construindo
Conceitos Químicos, propostas curriculares voltadas para o ensino fundamental e para o
ensino médio, muitas delas publicadas na forma de livros pela Editora Unijuí. Dentre as
publicações, citamos o livro “Ciências na oitava série: uma proposta alternativa de
ensino” (Zanon, Maldaner e Bonadiman, 1986), e os livros “Química 1: construção de
57
Doutorado em Educação pela UNICAMP, no ano de 1997.
58
Doutorado em Educação pela UNIMEP, no ano de 2003 (com doutorado sanduíche na Universidade de
Aveiro, em Portugal)
59
Acessado via Internet no endereço
http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=4234708OQCGIJ0 em 23/03/07 às 11:00 e
em 15/12/09 às 9:25.
85
conceitos fundamentais” (Maldaner, 1992) e “Química 2: consolidação de conceitos
fundamentais” (Maldaner e Zambiazi, 1993).
Atualmente o Gipec desenvolve inúmeros projetos como o “Currículo
contextualizado na área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias: a Situação de
Estudo” o qual focaliza o trabalho sobre uma situação concreta, a situação de estudo
(SE). De acordo com o grupo de pesquisa (Maldaner et al, 2007), a organização do
currículo por meio das situações de estudo produz uma nova forma de inclusão das
Ciências na Educação Básica que extrapola a ação disciplinar e institui novos espaços
de pesquisa, formação e prática. As situações de estudo são fundamentadas em práticas
pedagógicas voltadas para a compreensão do desenvolvimento humano como processo
complexo de interações e aprendizagens, focalizando para isso as interações e as
concepções dos sujeitos que participam do meio social. Assim, as situações de estudo
rompem a linearidade do conhecimento escolar, permitem novos estágios de explicação
dos contextos vivenciais, e promovem a significação do conhecimento mediante a
reconstrução dinâmica das interações sociais. Essa organização baseia-se em
pressupostos defendidos por Vigotski sobre o desenvolvimento mental dos indivíduos
na medida em que os conceitos científicos se articulam e se reorganizam com os
contextos e as questões vivenciais para a reconstrução teórica do real, caminhando do
concreto para o abstrato.
Destaco ainda como produção do Gipec o livro Educação em Ciências:
produção de currículos e formação de professores, publicado pela Editora Unijuí, com
apoio do “Projeto Educação Científica para o Novo Milênio” do CNPq. Além disso, os
professores Lenir Zanon e Otavio Maldaner são responsáveis pela organização e
publicação do livro Fundamentos e Propostas de Ensino de química para a Educação
Básica no Brasil, que apresenta as produções de grupos de pesquisa de Educação
Química que participaram do Workshop realizado pela Divisão de Ensino de Química
durante a Reunião Anual da SBQ de 2005, contribuindo para divulgar os pressupostos
da comunidade disciplinar. Publicado no ano de 2007, o livro integra a Coleção
Educação Química da Editora Unijuí.
Cabe salientar que os professores Lenir B. Zanon e Otávio A. Maldaner foram
consultores das Orientações Curriculares para o Ensino Médio, na elaboração dos
documentos sobre os Conhecimentos de Química. A professora Lenir B. Zanon foi
diretora da Divisão de Ensino de Química; e o professor Otavio A. Maldaner participou
86
da Comissão da Área de Ensino de Ciências e Matemática da CAPES, e da editoria da
revista QNEsc. É preciso ressaltar também que o professor Otavio A. Maldaner
contribuiu para a publicação de livros importantes para a área de ensino de Química,
pela Editora Unijuí, como é o caso dos livros do professor Mansur Lutfi,
II.3.6 – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Continuada –
GEPEC
O GEPEC foi formado no ano de 1996 na Faculdade de Educação, da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e é coordenado pelos professores
Guilherme do Val Toledo Prado e Corinta Maria Grisolia Geraldi. O objetivo do grupo
é sistematizar e aprofundar conhecimentos a respeito da pesquisa-ação, produção de
saberes, currículo em ação e professor-pesquisador tomando como referência as
práticas cotidianas produzidas na escola
60
. Atualmente, o grupo desenvolve linhas de
pesquisa sobre a formação de professores relacionadas à psicologia, de currículo e de
ensino
61
, e possui dois grandes projetos: “A Construção Epistemológica de modos de
pesquisa que atendam as necessidades investigativas tanto da escola, quanto da
universidade” e “Tramas Peculiares no Cotidiano da Escola”. Além disso, mantém
contatos com diversas universidades internacionais, em Portugal, na Inglaterra e nos
Estados Unidos, gerando publicações e citações, bem como visitas dos pesquisadores
estrangeiros ao programa.
A professora Maria Inês Petrucci Rosa
62
, ex-integrante deste grupo, destaca-se
pelas suas atividades na comunidade disciplinar e por participar de outros contextos. Foi
vice-diretora da Divisão de Ensino de Química da SBQ (2004–2006), participou como
avaliadora dos livros didáticos de Ciências para o ensino fundamental (PNDL 2007,
PNDL 2008 e PNDL 2010), e também avaliou os livros didáticos de Química para o
ensino médio (PNLEM 2008). Desde o seu doutoramento, realizado sob a orientação da
professora Roseli Schnetzler, a professora Maria Inês vem desenvolvendo um trabalho
60
Acessado via internet no endereço www.fae.unicamp.br/gepec acessado em 15/11/09 às 13:50.
61
Acessado via Internet no endereço
http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0079708ZWBR4FU em 02/08/07 às 10:14
e em 15/11/2009 às 18:30.
62
Doutorado em Educação pela UNICAMP, no ano de 2000.
87
com a formação de professores focalizando as discussões sobre currículo, cultura
escolar, identidade, imaginário docente, cotidiano, práticas sociais e culturais
63
. A
professora participa desde o ano de 2002 do grupo de pesquisa “VIOLAR: Laboratório
de Estudos sobre Violência, Imaginário e Juventude”, e desde o ano de 2008 do grupo
“Educação, Linguagem e Práticas Socioculturais”, ambos do Programa de Pós
Graduação da Faculdade de Educação da Unicamp. Cabe ressaltar também que a
professora vem participando do GT de Currículo da ANPEd.
II.3.7 - Laboratório de Pesquisa em ensino de Química e Telemática
Educacional – LAPEQ
Constituído no ano de 1997 pelo professor Marcelo Giordan
64
na Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo (USP), o LAPEQ possui as seguintes linhas de
pesquisa: Ações mediadas e construção de significados na sala de aula de Ciências,
Tecnologia da comunicação e informação na educação em Ciências, e Tecnologias da
informação e comunicação na formação de professores.
O grupo de pesquisa defende a necessidade de orientar o ensino de Ciências
para projetos que considerem os efeitos dos ambientes de informação, de comunicação
e de simulação sobre o processo de elaboração de significados, especialmente
relacionados à teoria corpuscular da matéria
65
. Para definir os ambientes da Internet
utilizam como referência a teoria da ação mediada bem como as ferramentas culturais
que constituem esses ambientes. Dessa forma, analisam as ações não apenas do sujeito
isolado, mas também a ferramenta cultural empregada para agir ou falar, bem como a
transformação das ações mediadas no interior da escola e da sala de aula.
O professor Marcelo Giordan tem coordenado, juntamente com o professor
Eduardo Mortimer, a produção de materiais didáticos no formato multimídia da linha
editorial da revista QNEsc. Atualmente, integra o Conselho Editorial da revista QNEsc.
63
Acessado via Internet no endereço
http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhepesq.jsp?pesq=8209374964160908 em 15/11/2009 às 18:35.
64
Doutorado em Química pela UNICAMP, no ano de 1997 (com Pós-doutorado na Inglaterra e Livre –
docência na USP).
65
Acessado via Internet no endereço
http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=006770892U7UOB em 23/03/07 às 11:00 e
em 15/12/09 às 9:45.
88
II.3.8 – Grupo de Pesquisa em Educação Ambiental
As professoras Agustina Rosa Echeverría
66
e Marilda Shuvartz Pasquali
67
constituíram o grupo de pesquisa no ano de 2000, no Instituto de Química da
Universidade Federal de Goiás, devido aos problemas ambientais da região. Os
trabalhos de pesquisa do grupo estão relacionados com a formação dos professores da
rede pública de Goiás envolvendo a problemática ambiental
68
.
Destaque para a linha de pesquisa de Educação Química na qual são
desenvolvidos o curso de Mestrado em Educação Química e o Núcleo de Pesquisa em
Ensino de Ciências (Nupec). Este último surgiu do processo de reforma curricular do
Instituto de Química da UFG, resultado das demandas das instâncias oficiais e iniciado
em 2004, o qual reforçava a importância da pesquisa na formação profissional, tanto
para o licenciando como para o bacharel. Dentro desse contexto, o Nupec vem
realizando uma interação entre os alunos da Licenciatura e do Mestrado em Química, os
professores formadores dos cursos de Licenciatura em Química, Biologia e Física, e os
professores de Ciências da rede pública de ensino básico do estado de Goiás. Tendo
como pressupostos a mediação e a interlocução dos diferentes sujeitos envolvidos nesse
processo, o grupo espera promover mudanças em concepções e práticas, atingindo ao
mesmo tempo a formação e a ação prática desses sujeitos (Echeverría e Soares, 2007).
Outra atividade que merece destaque é a participação da professora Agustina
Echeverria como coordenadora-adjunta da avaliação referente aos livros didáticos de
Química do PNLEM 2008.
II.3.9 – Grupo de Pesquisa em Formação e Trabalho Docente
Formado em 2004, no Centro de Ciências Humanas, da Universidade Metodista
de Piracicaba (UNIMEP), o grupo investiga em contextos de formação inicial e
continuada a problemática de como ensinar a ensinar ou como aprender a ensinar,
66
Doutorado em Educação pela UNICAMP, no ano de 1993.
67
A referida professora tem formação inicial em Biologia e pós-graduação em Educação.
68
Acessado via Internet no endereço
http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0106708BXC7GEF em 24/10/07 às 13:55 e
em 18/09/09 às 15:25.
89
focalizando o processo de ensino, as práticas institucionais e os processos de
constituição do sujeito professor. O objetivo da pesquisa é contribuir para a construção
de uma abordagem teórico-metodológica da formação do trabalho docente que prioriza
a dinâmica das relações sociais em que eles ocorrem, bem como para o aprimoramento
de práticas de formação
69
. Utilizam como referências teóricas a perspectiva histórico-
cultural de Vigotski e a teoria da enunciação de Bakhtin para a análise das interações
discursivas.
Uma das líderes desse grupo, a professora Roseli Pacheco Schnetzler
70
, destaca-
se pelo trabalho desenvolvido na linha de pesquisa “Formação docente em
Química/Ciências”, na UNICAMP onde atuou durante os anos de 1977 a 1997; e pelo
“Projeto de Ensino de Química para o 2º Grau”, mais conhecido como Proquim,
elaborado pelo grupo de pesquisa em Educação Química da Faculdade de Educação da
UNICAMP, do qual participaram também os professores Maria Eunice Ribeiro
Marcondes, Nelson Orlando Beltran, Lilavate Romanelli e Maria Helena Beltran. O
Proquim baseava-se na teoria de aprendizagem significativa de Ausubel e chegou a ser
publicado pela editora da UNICAMP no ano de 1986, sendo uma referência para a área
de ensino de Química. Atualmente, a professora desenvolve duas linhas de pesquisa: o
“Processo ensino-aprendizagem em Química/Ciências” e a “Formação de professores”.
Destaco ainda que a professora Roseli Schnetzler já participou do Comitê
Assessor de Educação do CNPq, como representante da Área de Educação em Ciências,
foi coordenadora da Divisão de Ensino de Química da SBQ, dentre outras funções
exercidas.
II.3.10 – Grupo de pesquisa de Currículo, cultura e sociedade
Este grupo foi constituído no Centro de Ciências Humanas, da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), no ano de 2004. A finalidade da pesquisa era
estudar o currículo considerando os distintos processos pedagógicos e a diversidade de
sujeitos escolares, problematizando o processo de seleção e distribuição de saberes
69
Acessado via Internet no endereço
http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=1696708QQQIXZ9 em 24/10/07 às 14:20 e
em 19/09/09 às 10:30.
70
Doutorado em Educação Química pela University of East Anglia, na Inglaterra, no ano de 1987.
90
assim como o da inclusão e exclusão, e questionando as concepções de ensino e de
aprendizagem em diferentes tempos e espaços educativos
71
. Destaco a participação do
professor Attico Inácio Chassot
72
em uma das linhas de pesquisa desenvolvidas pelo
grupo.
O pesquisador é presença marcante na trajetória da área de ensino de Química,
tendo participado de inúmeros projetos quando trabalhava na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e na
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). No Programa de Pós-
graduação em Educação da UNISINOS, desenvolveu uma linha de pesquisa com
relação às práticas educativas, aos saberes e a formação docente. Neste estudo, a
questão central da investigação consistia em entender como os saberes populares podem
ser usados como saberes escolares visando ao resgate dos saberes das comunidades e,
conseqüentemente, a uma valorização dos produtores de saber. O pesquisador defende
que pelo menos um dos saberes resgatados poderá ser trabalhado em sala de aula no
ensino de Ciências (Chassot, 2000).
Atualmente, o pesquisador pertence ao quadro docente do Centro Universitário
Metodista IPA, no Rio Grande do Sul, desenvolvendo a pesquisa “Buscando saberes
primeros entre africanos e afro-descendendentes para fazê-los saberes escolares”.
Chassot busca evidenciar a presença da Ciência numa matriz não eurocêntrica e as
possibilidades de trazer para sala de aula saberes que estão presentes entre africanos e
afro-descendentes.
O professor Attico Chassot destaca-se ainda pela sua publicação, uma das
maiores da área - quase 80 artigos, 16 livros, 23 capítulos de livros e 51 textos em
jornais e revistas – e pela sua importante participação na organização dos primeiros
encontros estaduais sobre o ensino de Química. Também participou da Diretoria de
Ensino de Química da SBQ e como leitor crítico das OCNEM.
71
Acessado via Internet no endereço
http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0009708HRLV2CN em 25/10/07 às 8:13 e
em 19/09/09 às 10:55.
72
Doutorado em Educação pela UFRGS, no ano de 1995 (com Pós-doutorado na Universidade
Complutense de Madrid).
91
Minha intenção com essa descrição dos grupos de pesquisa foi uma tentativa de
mapear a comunidade disciplinar de ensino de Química, bem como de mostrar a
complexidade que esse contexto disciplinar oferece para a reinterpretação dos discursos
que influenciam a significação das políticas. Nesse mapeamento, indiquei também as
lideranças existentes por entender que o trabalho e/ou as produções desenvolvidas por
elas são importantes para a área de pesquisa e a de ensino. Não desejo dar a idéia, com
esse mapeamento, de que os pesquisadores da comunidade são exclusivos de
determinados grupos ou de que seus discursos restrinjam-se aos seus contextos de
atuação. A descrição tem o propósito de organizar os diferentes discursos existentes na
área de ensino de Química. Do mesmo modo, busquei expressar como as questões
diferem entre os grupos, embora existam questões comuns em suas trajetórias,
trajetórias essas que se entrelaçam.
Cabe ressaltar que vários desses sujeitos trabalham e transitam em outros
espaços, resultando em cruzamentos entre os grupos de pesquisa e, conseqüentemente,
entre os sentidos e as demandas que defendem. A busca pela especialização faz com que
sujeitos com pertencimentos institucionais e com discursos diferentes se inter-
relacionem e se articulem, como por exemplo: a professora Roseli P. Schnetzler
(UNICAMP/UNIMEP) foi orientadora de doutorado dos professores Agustina
R.Echeverria (UFG), Lenir B. Zanon (UNIJUÍ), Maria Inês P. Rosa (UNICAMP), e
Otavio A. Maldaner (UNIJUÍ), além de orientar as dissertações de mestrado da
professora Maria Inês P. Rosa (UNICAMP) e do professor Wildson Santos (UnB); o
professor Eduardo F. Mortimer (UFMG) orientou as teses da professora Flavia Teixeira
dos Santos (UFRGS) e do professor Wildson Santos (UnB). Da mesma forma, a
participação destes pesquisadores em atividades conjuntas estabelece cruzamentos e
articulações. Os professores Agustina R. Echeverría, Attico I. Chassot, Eduardo F.
Mortimer e Maurivan G. Ramos participaram da elaboração das Orientações
Curriculares para o Ensino Médio como leitores críticos do documento da área
disciplinar. Os professores Eduardo F. Mortimer, Attico I. Chassot, Agustina Rosa
Echeverría, Lenir B. Zanon, Roberto R. da Silva, Ricardo Gauche, Wildson P. dos
Santos, Maria Inês P. Rosa, Roseli P. Schnetzler, Maria Eunice R. Marcondes, por
exemplo, já participaram da direção da Divisão de Ensino de Química. Outros
participam como Membros do Conselho Editorial da Revista Química Nova na Escola,
como Representantes da área de Educação em Ciências, como Consultores das agências
92
oficiais de fomento à pesquisa e integram ainda outras instituições como a ABRAPEC e
a ANPEd.
Reafirmo a importância de investigar os sentidos produzidos por esses sujeitos
nos múltiplos espaços e contextos por onde circulam, pois os sentidos para as políticas
estão sendo produzidos a todo o momento. No entanto, em uma primeira leitura desses
grupos parece-me que a produção de políticas de currículo, no contexto da reforma do
ensino médio, fica mais restrita aos grupos de pesquisa que já desenvolviam projetos
voltados para a organização curricular do ensino de Química, inclusive com a produção
de livros didáticos. Nesse sentido, os grupos de pesquisa da USP – GEPEQ -
coordenado por Maria Eunice R. Marcondes; da UnB – Ensino de Química e Prática
Docente - com as lideranças de Roberto Ribeiro da Silva, Wildson Santos, Gersón Mól
e Ricardo Gauche; da UFMG - Linguagem e Cognição em salas de aula de Ciências -
com as lideranças de Eduardo F. Mortimer e Andréa H. Machado; e da UNIJUÍ – Gipec
– liderado por Otávio A. Maldaner e Lenir B. Zanon, possuem maiores contribuições
diretas nas escolas, especificamente no que se refere às propostas curriculares, aos livros
didáticos e aos cursos de capacitação ou formação continuada. Os pesquisadores desses
grupos têm se destacado pelas iniciativas desenvolvidas para o ensino de Química e por
defenderem ativamente seus pressupostos. Por isso, tornaram-se lideranças reconhecidas
não só dentro da comunidade, transitando pelos diferentes contextos que compõe o ciclo
de políticas, inclusive o de definição de textos oficiais. Argumento que esses grupos
vêm constituindo ações epistêmicas em nome da comunidade disciplinar de ensino de
Química para a produção de sentidos e significados nas políticas de currículo. Entendo
que seus pesquisadores têm representado a comunidade disciplinar de ensino de
Química, no período relativo a esta pesquisa, nas ações políticas voltadas para o ensino
médio. A visibilidade de seus discursos ajuda a construir uma identidade que representa
a comunidade em um contexto social mais amplo. Uma identidade que muitas vezes é
vista como natural, homogênea e consensual. Dessa forma, considero importante
focalizar os sentidos produzidos pelas lideranças desses grupos. Isso não significa que
estou menosprezando os sentidos produzidos pelos demais grupos na produção de
políticas, até porque defendo que esses sentidos aparecem, em maior ou menor
intensidade, nas articulações desenvolvidas entre os diferentes pesquisadores da
comunidade. Como descrevi neste capítulo, a comunidade é caracterizada por inúmeros
grupos de pesquisadores, cada qual com suas particularidades e demandas. Os
93
pesquisadores que representam, no período estudado nesta pesquisa, a comunidade de
ensino de Química nas ações políticas voltadas para o ensino médio, precisam
estabelecer inter-relações com seus pares, para garantir um discurso com maior força
política possível para as mudanças defendidas. Defendo, baseada em Laclau, que o
processo de representação não é simples, ele requer a ampliação dos discursos
particulares dos representantes de forma que consigam agregar os discursos da maioria
de seus representados. Saliento que, devido aos entrelaçamentos entre os diferentes
grupos e seus integrantes, os discursos particulares dos representantes acabam tendo que
negociar os seus sentidos com toda comunidade disciplinar de ensino de Química.
Contudo, esses representantes se mostram mais significativos na produção de políticas
de currículo para o ensino médio brasileiro no contexto analisado. Isso significa dizer
que se analisarmos daqui a alguns anos, em outro período temporal e sócio-histórico, os
representantes da comunidade disciplinar podem ser outros, pelo fato de que as
negociações envolvidas são sempre provisórias e contingentes.
O fato de focalizar os grupos de pesquisa da USP, da UnB, da UFMG e da
UNIJUÍ também não se configurou em impedimento para a análise dos discursos de
pesquisadores de outros grupos, nos momentos que considerei a relevância das
contribuições desses para a pesquisa realizada. Uma dessas inclusões é relativa à
professora Roseli Schnetzler, uma vez que se constitui como figura emblemática para a
comunidade disciplinar e por ser formadora de muitos educadores químicos.
Como já salientado na introdução desse trabalho, no próximo capítulo investigo
os sentidos produzidos pela comunidade disciplinar de ensino de Química nas políticas
curriculares. Como as concepções curriculares, as bases teóricas, e os discursos dos
sujeitos que participam desses grupos de pesquisa influenciam os diferentes contextos
sociais, sendo capazes de atuar na produção das políticas de currículo.
94
CAPÍTULO III
A PRODUÇÃO DE POLÍTICAS CURRICULARES
Como já me referi anteriormente, a comunidade disciplinar de ensino de
Química se organizou em função da perspectiva de mudança e melhoria do ensino da
disciplina na educação básica. Essa finalidade se reflete em seus discursos e textos, no
decorrer da sua organização e trajetória, orientando as questões discutidas nos
congressos e nas publicações. Essas questões se caracterizam pela circulação de
sentidos e por sua articulação em alguns significados na tentativa de defender as
demandas particulares de cada grupo, além de estabelecer a demanda comum que une
diferentes grupos e posições.
Nesse sentido, destaco inicialmente quais os temas ou os aspectos que
mereceram atenção na agenda dos encontros específicos da área e que foram abordados
pelas lideranças destacadas. Nas Reuniões da SBQ, as questões que estiveram presentes
nas conferências, sessões coordenadas e workshops realizados são: perspectivas para o
ensino de Química, pesquisa e formação continuada, políticas para os cursos de
graduação, pesquisa e educação química, pesquisa em ensino de Química no Brasil –
perspectivas e abordagens histórica, teórica e metodológica – letramento em Química,
propostas curriculares, contextualização e formação de professores. Nos Encontros
Nacionais de Ensino de Química (ENEQ), temas como currículo, formação do cidadão
através do ensino da disciplina, pesquisa em ensino de Química, políticas curriculares
para o ensino médio, contextualização, formação inicial e continuada de professores,
materiais didáticos, interdisciplinaridade, livros didáticos, e educação científica, foram
abordados nos diálogos promovidos. Com relação aos Encontros Nacionais de Pesquisa
em Educação em Ciências (ENPEC), o papel da linguagem no ensino de ciências,
relações da pesquisa e formação de professores, a interatividade e o diálogo, aspectos
sociais do ensino de Química, a pós-graduação em ensino de ciências e matemática e a
sua área na CAPES, marcam as discussões nesse contexto. Em todos esses encontros,
existe a participação efetiva, em maior ou menor grau, das lideranças consideradas
relevantes para esse estudo. A maior ou menor participação dessas lideranças nesses
95
eventos e veículos também decorre de seus objetos de pesquisa, ou seja, dependendo do
enfoque de suas pesquisas, os pesquisadores participaram mais efetivamente ou não.
Importante destacar que esses encontros proporcionam a ação política dos
pesquisadores da área de ensino de Química de diferentes formas. A ação da Divisão de
Ensino de Química não fica restrita às Reuniões Anuais da SBQ, fazendo com que os
debates travados nesse contexto ganhem amplitudes maiores, seja com relação aos
periódicos e aos materiais didáticos que organiza, seja pela ação intermediadora na
busca por financiamentos que ajudem a concretizar os projetos da comunidade, ou ainda
pela articulação com outras sociedades científicas. Um desses projetos, o ENEQ,
começou dentro das reuniões da SBQ. Os ENEQs se apresentam como espaços
relevantes para a formação de novos educadores químicos, pois abordam o ensino de
Química em todas as suas dimensões e tratam de questões específicas da comunidade
disciplinar. Configuram-se como espaços privilegiados para as decisões e as ações da
comunidade, como foi o caso da criação da revista Química Nova na Escola. Esses
contextos ajudaram na realização do primeiro ENPEC, e posteriormente, na criação da
ABRAPEC. Portanto, não é de se estranhar que os temas discutidos nesses encontros
estejam tão próximos ou que sejam os mesmos. Esses encontros apresentam conexões
entre si, de pressupostos e de ações. Os pesquisadores da comunidade disciplinar de
ensino de Química ao transitarem por esses espaços não só divulgam seus discursos,
como também se articulam e recontextualizam outros discursos. Promovem assim, a
circulação de sentidos que influenciam na produção de políticas curriculares.
A circulação de sentidos não fica restrita aos eventos da área. No que diz
respeito aos encontros nacionais não-específicos dessa comunidade disciplinar, a
participação das lideranças acontece sob a forma de painéis ou pôsteres, e associada a
co-autorias que são geralmente de seus respectivos orientandos. Comparativamente aos
encontros específicos da área, são poucas as participações das lideranças nesses eventos.
Isso não significa que a circulação de seus discursos esteja inviabilizada, uma vez que
suas discussões e pressupostos de pesquisa são trazidos também por orientandos e por
pesquisadores ligados à área de ensino de ciências. Assim, nos trabalhos apresentados
nas Reuniões Anuais da ANPEd, as questões que aparecem nos trabalhos abordam a
formação docente de professores de ciências, a importância da Didática das Ciências
para o ensino das disciplinas desta área, a tecnologia e a educação ambiental em uma
perspectiva emancipatória. Dentre os pesquisadores que participaram dessas reuniões
96
elenco: Eduardo Mortimer, Maria Inês Rosa, Rosália Aragão
73
, Roseli Schnetzler e
Wildson Santos.
Já nos ENDIPEs, temos maior participação dos pesquisadores da comunidade,
embora esse aumento não seja tão significativo e aconteça mais na segunda metade
dessa última década. Essa maior participação dos pesquisadores pode ter duas causas:
primeira, o aumento do número de educadores químicos que trabalham com pesquisa e
formação de professores; segunda, pelas discussões sobre a formação de professores
realizadas pela comunidade disciplinar, ter sido intensificada após a publicação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Licenciatura em Química, no ano de
2002. Como o ENDIPE constitui um espaço privilegiado para a discussão de temas
relacionados à formação inicial e continuada de professores, esses fatos contribuíram
para que os pesquisadores da comunidade buscassem outros contextos de forma a
colaborar com as discussões iniciadas dentro da comunidade. Os temas apresentados
nesses encontros foram: formação docente inicial e continuada; propostas curriculares;
contextualização e livros didáticos; currículo, disciplina, e cultura no ensino de ciências;
prática docente; relação licenciatura-escola; interações triádicas; relações ensino-
pesquisa-extensão; epistemologia do aprender e da linguagem; pesquisa em educação
em Ciências e ensino; ensino de Química e idéias prévias. Pesquisadores como Attico
Chassot, Lenir Zanon, Maria do Carmo Galiazzi
74
, Maria Eunice Marcondes, Otávio
Maldaner, Roque Moraes, Rosália Aragão, Roseli Schnetzler e Wildson Santos
estiveram presentes nestes diálogos.
As questões apresentadas nos encontros nacionais não-específicos reforçam
muitos dos discursos defendidos nos encontros da área, principalmente no que se refere
à formação de professores e a sua importante relação com a pesquisa e a prática
docente, promovendo dessa forma a ampliação da cadeia articulatória dos discursos da
comunidade.
Com relação às publicações em periódicos, a comunidade disciplinar de ensino
de Química pode ser considerada bem atuante. No entanto, verifica-se a predominância
73
A professora Rosália Aragão desenvolve trabalhos na área de Educação com ênfase em ensino-
aprendizagem. Atua na pós-graduação da Universidade Metodista de São Paulo em linhas de pesquisa
sobre formação de professores e ensino de Ciências e Matemática. Possui alguns trabalhos publicados em
parceria com a professora Roseli Schnetzler.
74
A professora Maria do Carmo Galiazzi, da Universidade Federal do Rio Grande, desenvolve trabalhos
sobre formação de professores, educação em ciências, ensino pela pesquisa, dentre outros temas. Possui
trabalhos em parceria com o professor Roque Moraes, seu orientador de mestrado e doutorado na PUC-
RS.
97
dos pesquisadores dos grupos de pesquisa da UFMG e da UnB nos artigos publicados
nos periódicos da área de ensino de Ciências. Nestes periódicos, não há, no período
analisado nesta pesquisa, nenhum artigo assinado por pesquisadores do grupo da
UNIJUÍ, apesar de estes desenvolverem pesquisas relacionadas ao ensino de Química e
de Ciências. Também vale ressaltar que o professor Eduardo Mortimer destaca-se pelo
maior número de publicações nesses periódicos, o que potencializa a articulação, por
intermédio do pesquisador, da comunidade de ensino de Química com a área de ensino
de Ciências.
Na revista Ciência & Educação, os temas desenvolvidos são: currículos CTS,
formação do cidadão, tomada de decisão, relações entre pesquisa e ensino, formação de
professores de ciências, currículo e ensino de Química, políticas de currículo, e
inovação curricular. Na revista da ABRAPEC, as questões trabalhadas pelas lideranças
centram-se na importância da linguagem e da perspectiva sócio-cultural para o ensino
de ciências, no papel da experimentação para o desenvolvimento de habilidades
cognitivas, e na reflexão das perspectivas para a pesquisa em educação em Ciências. Os
artigos da revista Investigações em Ensino de Ciências desenvolvem estudos sobre
aspectos do construtivismo e do sócio-construtivismo, mudança conceitual no ensino,
linguagem e cognição, atividade discursiva para a construção de significados no ensino
de ciências, ensino e aprendizagem em ciências. Na revista Ensaio não há nenhum
artigo publicado pelas lideranças em ensino de Química, enquanto que na revista Ensaio
– Pesquisa em Educação em Ciências, os artigos abordam os pressupostos teóricos da
abordagem CTS, o ensino de Ciências para a formação do cidadão, o ensino de Química
e a inovação pelo livro didático, a formação de professores, a pesquisa e a prática
docente.
Pode-se perceber que as questões trabalhadas nestes textos possuem consonância
com o que é discutido nos espaços que a comunidade participa, promovendo a
disseminação dos discursos curriculares e a articulação desses discursos com outros
contextos sociais. No entanto, em termos de ação política efetiva, considero que os
periódicos da área contribuem para intensificar a atividade e a articulação das
lideranças, pois a Divisão de Ensino de Química vem possibilitando articulações
políticas importantes.
Nos dois periódicos específicos da área de ensino de Química, selecionados para
a pesquisa, também é grande o número de publicações. Apesar de esses periódicos
98
serem organizados e publicados pela SBQ, a revista Química Nova na Escola tem
especial importância para a área de educação química no Brasil por apresentar um maior
número de publicações referentes ao ensino da educação básica do que a revista
Química Nova, se comparado o tempo de existência das revistas.
Criada no ano de 1978, a revista Química Nova enfoca a importância de discutir
e divulgar os aspectos do conhecimento químico no âmbito da ciência Química e da
tecnologia, bem como de aproximar as discussões internacionais dos estudantes
brasileiros fazendo com que estes percebam que um químico pode colaborar e ser útil
para a sociedade (editorial da revista
75
). A seção Educação aparece pela primeira vez no
periódico no ano de 1980, na medida em que as discussões sobre o ensino se
intensificam no contexto social. A defesa de que a educação deve ser reformulada em
profundidade, pois precisa acompanhar o ritmo do desenvolvimento do qual é
interdependente, permeia o discurso de um de seus editoriais (QN, 1980). Contudo, a
análise dessa seção mostra como a grande maioria de seus artigos está mais relacionada
ao ensino de Química no nível superior, devido ao enfoque da revista.
Os textos selecionados do periódico apresentam as seguintes questões: as
propostas curriculares para a educação básica dos grupos de pesquisa em ensino de
Química da USP e da UFMG, a proposta de reorganização curricular do curso de
Licenciatura em Química da UnB, a formação de professores e a relação com a
pesquisa, as relações entre filosofia, psicologia e ensino de Química, o letramento em
Química e a educação planetária, e abordagens didáticas sobre a educação pelo trabalho.
Os pesquisadores que tratam dessas questões são: Andréa Horta Machado, Eduardo
Mortimer, Luís Roberto Pitombo, Maria Eunice Marcondes, Otavio Aloísio Maldaner,
Ricardo Gauche, Roberto Ribeiro da Silva, Roseli Schnetzler, e Wildson Santos.
Alguns desses textos são derivados de conferências proferidas nas Reuniões
Anuais da SBQ, o que resulta em maior circulação e divulgação das idéias dos
pesquisadores em ensino de Química, não restringindo estas ao contexto dos encontros e
reuniões sobre ensino. Também é importante lembrar que, até o ano de 1995, a revista
Química Nova se constituía como o único periódico nacional em Química no qual esses
pesquisadores poderiam publicar suas pesquisas e reflexões sobre o ensino de
75
Editorial disponível em www.quimicanova.sbq.org.br/qn/editorial.htm, acessado no dia 05/07/09 às
15:43.
99
Química
76
. Entendo que esses pesquisadores, ao publicarem na revista Química Nova,
buscam de certa forma a legitimidade nos espaços destinados mais ao conhecimento
químico científico, isto é, buscam a legitimidade junto à comunidade de Química em
geral, uma vez que faziam parte dessa comunidade. Argumento isso em função de dois
fatos: primeiro, pela existência de artigos relativos à educação básica de pesquisadores
em ensino de Química neste periódico a partir do ano de 1981
77
, sete anos antes da
constituição da Divisão de Ensino de Química da SBQ. Apesar de serem poucos, os
artigos mostram como esses pesquisadores tentam dialogar sobre suas reflexões e
propostas com o campo disciplinar de referência; segundo, porque mesmo depois da
criação da revista Química Nova na Escola, os pesquisadores em ensino de Química
continuam publicando na revista Química Nova
78
, constituindo uma tentativa de diálogo
e articulação com outras instâncias dentro da comunidade de Química e com os seus
representantes. Como exemplo disso, cito a aproximação dos pesquisadores em ensino
de Química dos professores químicos, muitos desses responsáveis pela formação de
novos professores de Química nos cursos de Licenciatura.
A troca de idéias entre químicos e educadores químicos é de
fundamental importância para a produção de novas compreensões do
que é básico e importante a ser ensinado no campo da Química para
as novas gerações. Já é consenso de que não é mais um conhecimento
enciclopédico e fragmentado, ainda muito presente na Educação
Básica e Superior em Química, que nos fará pessoas melhores e
cidadãos críticos e participativos. (QNEsc, 2008b: 2)
Assim, após os discursos que levaram à constituição e organização da
comunidade disciplinar de ensino de Química justamente por se sentirem injustiçados
no campo de referência, a aproximação dos educadores químicos com a comunidade
disciplinar em geral ocorre em prol da melhoria do ensino de Química. Se por um lado
isto pode ser visto como uma das ações da secretaria da SBQ, em promover a interação
entre as suas diferentes divisões a fim de diminuir as tensões existentes, por outro essa
aproximação também promove o entendimento de que o campo disciplinar de ensino
76
Também não existiam, até o período referido, os periódicos da área de ensino de ciências destacados
neste estudo.
77
O primeiro artigo de pesquisa em ensino de Química no periódico é de autoria de Roseli Schnetzler
analisando livros didáticos.
78
Dos onze artigos selecionados deste periódico para a pesquisa, apenas dois são anteriores à criação da
Revista Química Nova na Escola e relacionado ao ensino de Química na educação básica.
100
está intimamente ligado ao campo disciplinar de referência, como Goodson defende em
seus estudos. Argumento que a aproximação entre os dois campos, o de ensino e o de
referência, está presente nos discursos dos pesquisadores de ensino de Química quando
defendem, por exemplo, que as propostas curriculares para o ensino médio devem
promover a interação entre o discurso científico da Química e o discurso do cotidiano,
ou ainda quando ressaltam a importância do ensino de Química para entender os
avanços do conhecimento científico e tecnológico, no qual a Química tem várias
contribuições. Existe assim uma aproximação do conhecimento escolar em direção ao
conhecimento disciplinar de referência. Nessa aproximação, a comunidade disciplinar
de ensino de Química tende a valorizar determinados discursos da área de Química para
defender seus pressupostos e concepções sobre o ensino e para, portanto, continuar a
sua luta por reconhecimento e legitimidade.
No que diz respeito à revista Química Nova na Escola, criada para se dirigir aos
professores de Química, seu público alvo atualmente é formado por professores da
educação básica e por alunos de Licenciatura em Química. Dez anos após a sua criação,
os discursos da comunidade reforçam ainda o caráter da revista em subsidiar o trabalho,
a formação e a atualização da comunidade do Ensino de Química brasileiro (QNEsc,
2004: 2). Por este motivo, ela é considerada pela comunidade como apresentando
significativas publicações e contribuições para o ensino de Química e o ensino de
Ciências na educação básica.
Nos dois primeiros anos de sua publicação, a maioria dos artigos produzidos
nesse periódico é de autoria dos primeiros editores da revista, muitos deles
pesquisadores em ensino de Química que tenho destacado nesta pesquisa como os mais
influentes no processo de produção de políticas curriculares e que acompanharam de
perto as discussões e o movimento para constituição da área disciplinar de ensino. Pode-
se notar também nesse período a predominância de discussões sobre conteúdos, e mais
especificamente, sobre conceitos químicos, e a abordagem de temas atuais para entender
as relações entre o conhecimento químico e a sociedade. Ao fazer uma avaliação dos
primeiros dez anos da revista, Mortimer (2004) destaca como a seção “Experimentação
no ensino de Química” apresentava um número superior de artigos em relação às outras
seções. O pesquisador salienta ainda como a seção “Relatos de sala de aula” teve um
aumento considerável em relação ao número de artigos, fruto das parcerias de
professores universitários e de professores da educação básica, o que, segundo
101
Mortimer, reflete uma característica bastante positiva de nossa comunidade (Mortimer,
2004: 5) por caminhar no mesmo sentido das atuais tendências dos trabalhos
desenvolvidos sobre a formação de professores.
Os artigos selecionados envolvem os seguintes temas: propostas metodológicas e
curriculares, discussões sobre o currículo e a pesquisa no ensino, a importância da
linguagem para a elaboração conceitual, a formação do cidadão pelo ensino de Química,
multimídias, a abordagem temática, formação inicial e continuada de professores,
políticas de currículo para a educação básica, consolidação e perspectivas para o
periódico e para a comunidade disciplinar de ensino, interdisciplinaridade, cotidiano e
contextualização, letramento e cidadania, livros didáticos, a importância sobre a
pesquisa e o ensino, concepções de alunos sobre conceitos químicos, e relações entre o
conhecimento químico – tecnologia – sociedade.
É importante destacar que a partir das discussões e reflexões sobre os temas
abordados, a revista Química Nova na Escola (QNEsc) consegue influenciar e motivar
novas ações para o ensino de Química. Baseada na preocupação da revista em estar
atualizada com questões atuais e com a Química contemporânea, a Divisão de Ensino de
Química considerou que era preciso ampliar essa característica ampliando a sua linha
editorial. Tal preocupação foi de encontro a demandas antigas da comunidade
disciplinar de ensino, como a necessidade de disponibilizar uma bibliografia adequada,
atualizada e acessível aos professores do ensino médio e fundamental (Mortimer, 2004).
Dessa forma, a Divisão de Ensino de Química
79
buscou financiamento junto ao
CNPq e à Fundação Vitae
80
, para possibilitar a execução do Projeto “Produção de
Recursos Multimídia para a Formação Inicial e Continuada de Professores de Química
no Brasil”
81
, sob a coordenação do professor Marcelo Giordan. As ações promovidas
pelo projeto incluíram a confecção, a publicação e a divulgação, no ano de 2001, de um
79
Durante a gestão de Attico Chassot e Agustina Echeverría.
80
A Fundação Vitae é uma associação civil sem fins lucrativos, que apóia projetos nas áreas de cultura,
educação e promoção social. A entidade é patrocinada pela Fundação Lampadia, de Lichtenstein, que
sustenta organizações semelhantes no Chile e Argentina. Por intermédio de convênios e projetos, a
Fundação coopera com diferentes ações em vários estados brasileiros, como a cooperação assinada entre
a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e a Fundação Vitae, para o
período de 2006 – 2010, a fim de apoiar as atividades de pesquisa que propiciem a instalação ou o
fortalecimento institucional de museus de ciências e centros de ciências no Estado de São Paulo. Tais
iniciativas possuem o propósito de melhorar os serviços de educação e de difusão científicas promovidas
no país.
81
O projeto teve por objetivo contribuir para a melhoria do Ensino de Química em todas as escolas de
nível médio e fundamental do país, por meio da produção de material de apoio à prática pedagógica do
professor de química e à sua formação, inicial e continuada. (
www.foco.lcc.ufmg.br/ensino/vitae.html)
102
CD-rom com os artigos dos 10 primeiros números da revista QNEsc, quatro Cadernos
Temáticos e de um vídeo de orientação aos professores sobre como poderiam usar a
revista para auxiliar as suas aulas. Todos os materiais integram a linha editorial da
revista Química Nova na Escola. Os recursos do projeto também foram utilizados na
continuidade da edição da revista QNEsc, pois a Divisão de Ensino de Química não
conta com recursos suficientes para editar a revista desde a extinção do SPEC/PADCT
no ano de 1997.
Os Cadernos Temáticos são números especiais do periódico, escritos por equipes
de pesquisadores altamente qualificados em suas áreas, em colaboração com os editores
e membros do corpo editorial da revista, visando à atualização dos professores sobre
avanços recentes do conhecimento químico (Mortimer, 2004). Esse empreendimento
envolveu a articulação dos pesquisadores da disciplina de referência e dos
pesquisadores em ensino de Química sobre temas sugeridos nos Parâmetros
Curriculares Nacionais: “Química Ambiental”, “Novos Materiais”, “Química dos
Fármacos”, e “Estrutura da Matéria: uma visão molecular”. Os Cadernos apresentam
linguagem e enfoque diferentes da Revista QNEsc, pois contemplam o conhecimento
químico de referência e atualizado sem estabelecer ligações com o ensino escolar, sem
tratar e desenvolver os temas sugeridos em sala de aula. O objetivo desse material é
contribuir para a formação inicial e continuada dos professores e não sugerir formas
de abordar esses temas nas salas de aula do ensino fundamental e médio (Cadernos
Temáticos - QNEsc, 2001: 2). Posteriormente, mais três volumes foram publicados
graças ao Projeto “Recursos Multimídia para o Ensino de Química e Ciências:
ampliação e consolidação de um programa nacional de formação inicial e continuada de
professores de educação básica”
82
, também financiado pelo CNPq e pela Fundação
Vitae. São eles: “Química, vida e ambiente”, no ano de 2003; “Química Inorgânica e
Medicina”, no ano de 2005; e “Representação Estrutural em Química”, no ano de 2007.
Seguindo a mesma linha dessas ações, quatro vídeos foram divulgados no ano de
2004. Os vídeos foram produzidos a partir de textos dos Cadernos Temáticos e sob
coordenação geral dos professores Eduardo Mortimer e Marcelo Giordan. Tratam dos
seguintes temas: “As águas do planeta”; “A química da atmosfera”; “A química dos
remédios, dos fármacos e dos medicamentos”; e “Polímeros sintéticos”. Com uma
linguagem voltada para o aluno, os vídeos possuem duração de aproximadamente 20
82
Durante a gestão de Eduardo Mortimer e Luís Otávio Amaral na Divisão de Ensino de Química.
103
minutos para que possam ser exibidos e discutidos durante as aulas de Química,
apoiando e complementando o trabalho dos professores sobre os temas propostos nos
Cadernos Temáticos. Três anos mais tarde, foi produzido um DVD denominado
Programas de TV Química Nova na Escola, ainda com o financiamento do CNPq e da
Fundação Vitae, o qual apresenta 12 títulos temáticos com cerca de 4 horas de duração
total. Os títulos que constam no DVD são “Visualização Molecular”, “Nanotecnologia”,
“Hidrosfera”, “Espectroscopia”, “Papel: origem, aplicações e processos”, “Vidros:
origem, arte e aplicações”, “Vidros: evolução, aplicações e reciclagem”, “Látex: a
camisinha na sala de aula”, além dos temas abordados nos primeiros vídeos.
A preocupação com a divulgação e o acesso ao material produzido, aliado a
comemoração dos 20 anos da revista no ano de 2005, levou os editores a elaborarem
também dois CD-rom com os artigos dos 20 primeiros números da revista QNEsc e com
os 5 primeiros números dos Cadernos Temáticos.
Além da produção e divulgação destes materiais, foram oferecidos mini-cursos
em diversas cidades
83
do país a fim de ajudar os professores a trabalharem com esses
materiais, uma vez que eles eram considerados muito inovadores e diferentes dos
materiais didáticos e paradidáticos aos quais os professores estavam acostumados.
É importante constatar que todas essas ações aconteceram a partir do ano 2000,
após a publicação dos PCNEM. Tal constatação pode levar a conclusão de que os
documentos oficiais foram os responsáveis pelo desencadear dessas ações, o que de
certa forma não deixa de ser verdade. Os discursos promovidos pela divulgação dos
PCNEM conseguiram abrir espaço na sociedade para a discussão de novas propostas
sobre o ensino de Química, inclusive no mercado editorial, além de estabelecer
financiamentos para essas mudanças. A proposta de novas bases para o “novo ensino
médio”, como era chamado esse nível de ensino no início da reforma, fez com que
algumas propostas
84
desenvolvidas pela comunidade disciplinar ganhassem maior
amplitude e visibilidade, pelo fato de seus pesquisadores serem convidados a
elaborarem livros didáticos por editoras. A volta de financiamentos tamm é
83
Foram realizados 21 mini-cursos nas cidades de Porto Alegre, São Paulo, Piracicaba, Belo Horizonte,
Salvador e Cuiabá, a cerca de 2000 professores e futuros professores de Química, que receberam
gratuitamente todos os materiais produzidos (Schnetzler, 2002). Nove cursos abordaram as contribuições
da Química Nova na Escola para a formação docente e o restante dos cursos focalizou a atualização dos
conteúdos do conhecimento químico por intermédio dos Cadernos Temáticos.
(
www.foco.lcc.ufmg.br/ensino/vitae.html)
84
Refiro-me às propostas curriculares dos grupos de pesquisa da UnB e da UFMG.
104
considerada importante, pois a área se ressentia da falta de subsídios para o
desenvolvimento de seus projetos desde a época da extinção do SPEC/PACDT (1997).
Contudo, algumas das ações promovidas já eram apontadas como necessárias nos
discursos da comunidade, como a questão de ajudar os professores a utilizar os recursos
da revista QNEsc a fim de melhorar a qualidade do ensino de Química no país.
Destaco que apesar de algumas ações serem desenvolvidas a partir de temas
sugeridos pelos PCNEM, a elaboração dos materiais contou também com os
pressupostos que esses pesquisadores defendem para o ensino de Química. Da mesma
forma, as orientações dos PCNEM possuem também discursos defendidos pela
comunidade disciplinar de ensino. Defendo que a produção desses materiais faz com
que os pesquisadores participem do contexto de definição de textos curriculares, no qual
um dos aspectos de influência são as orientações oficiais; participem do contexto da
prática, promovendo a produção de sentidos e significados com relação aos
pressupostos oficiais ou os da comunidade, nos espaços por onde circulam esses
materiais, nos mini-cursos oferecidos aos professores da educação básica e nos cursos
de formação inicial; e participem do contexto de influência, fazendo com que seus
discursos promovam e influenciem a definição de novos textos curriculares. Logo, os
pesquisadores de ensino de Química não são reprodutores das políticas curriculares
estabelecidas pela instância oficial, mas sim atores e construtores destas políticas e de
outras. Além disso, atuando na produção de políticas oficiais hegemônicas, configuram
a ação epistêmica da área de ensino de Química.
Nesse processo, os pesquisadores reconhecem que esses materiais constituem
um esforço da comunidade disciplinar de ensino em contribuir para a mudança e a
melhoria das questões relacionadas ao ensino de Química, como também de consolidar
a área de ensino de Química no Brasil. A valorização desses materiais no contexto
social mais amplo implica em reconhecer também a legitimidade social do trabalho
desenvolvido pela comunidade de ensino de Química.
QNEsc tem contribuído efetivamente para a divulgação de
abordagens ao ensino de Química que privilegiam a formação do
cidadão consciente, crítico e participativo. (Mortimer, 2004: 9)
Química Nova na escola é, sem dúvida, um projeto
consolidado do qual toda a comunidade deve se orgulhar. (Mortimer,
2004: 10)
105
Ressalto como a necessidade de produzir uma bibliografia atualizada e acessível
para os professores da educação básica é uma ação política, e não meramente
pedagógica. A produção desses materiais envolve o preenchimento de uma lacuna
existente na comunidade de ensino, articulando a demanda proveniente dessa lacuna
com as demandas sociais que vêm se constituindo nos últimos anos, no que diz respeito
ao conhecimento científico e tecnológico e sua utilização para formar o cidadão. Tal
fato reforça a defesa de que a área disciplinar de ensino de Química tem uma grande
capacidade em interagir e articular-se com as demandas sociais. Nesse caso, a
articulação com a demanda social acontece em função de uma demanda comum da
comunidade de ensino de Química: a produção e divulgação de material didático. A
comunidade, apesar das diferenças e tensões existentes, valoriza a importância que esses
materiais têm no contexto social, já que muitas vezes são esses materiais que promovem
a divulgação de discursos dos seus pesquisadores, pois muitos professores não têm
condições de participar dos encontros da área. Por isso, seus pesquisadores defendiam
que se ampliasse a divulgação da revista Química Nova na Escola como uma das
demandas mais urgentes para a comunidade (Mortimer, 2004), o que foi conseguido de
certa forma ao se disponibilizar online a coleção completa do periódico na página da
Divisão de Ensino de Química da SBQ. Tal ação é entendida pela comunidade como
uma medida democrática que atende os interesses da educação brasileira (QNEsc,
2009b: 2). De acordo com seus pesquisadores, o acesso facilitado pela web do periódico
também foi importante para aumentar a visibilidade no competitivo campo das
publicações científicas. Novamente, ocorre a articulação entre as demandas da
comunidade, maior visibilidade e reconhecimento, com as demandas sociais referentes à
democratização do acesso ao conhecimento.
Podemos dizer que a partir da segunda metade da década de 2000, a comunidade
reorganizou suas ações em função de novas demandas que se colocavam como
necessárias e importantes para a continuidade do fortalecimento do seu campo. Dentre
essas demandas, cito a avaliação de periódicos realizada pela comissão do sistema
Qualis-CAPES
85
e a influência exercida pela própria SBQ com relação ao grau de
85
O sistema Qualis é o conjunto de procedimentos utilizados pela CAPES para estratificação da
qualidade da produção intelectual dos programas de pós-graduação. Essa classificação é realizada de
forma indireta pela aferição da qualidade dos artigos e de outros tipos de produção, a partir da análise da
qualidade dos veículos de divulgação, ou seja, dos periódicos científicos. A classificação desses é feita
106
excelência de suas publicações. Em uma avaliação preliminar referente à área de
Educação, feita por uma comissão organizada pela ANPEd
86
, entre os anos de 2006-
2007, a revista Química Nova na Escola recebeu uma classificação que repercutiu
negativamente pela comunidade:
QNEsc foi avaliada como Nacional C por esta comissão. No
entanto, não é a classificação que desejamos! Esse conceito não se
refere à qualidade dos artigos, mas à compreensão de sua natureza.
Para a Anped, para que uma revista seja qualificada como revista da
área de Educação, ela deveria concentrar-se em artigos de pesquisa
em Educação e, no entanto, QNEsc veicula um grande número de
artigos que, apesar de sua qualidade, são relativos a conteúdos de
Química. A Divisão de Ensino de Química se posiciona firmemente
pela importância dos artigos de conteúdos químicos fundamentais
para a formação dos professores. (QNEsc, 2007: 2)
É preciso salientar que este fato nos mostra a ambivalência da comunidade de
ensino de Química. Ao mesmo tempo em que defende a existência de uma revista
dirigida aos professores do ensino médio, com artigos de divulgação e com artigos de
pesquisa, defende também a valorização da revista pelas instâncias acadêmicas. No
entanto, os padrões acadêmicos não valorizam o tipo de divulgação que a revista
promove, pois as finalidades da área acadêmica são diferentes da área disciplinar de
ensino. Assim, a legitimação do trabalho de divulgação da revista QNEsc, e
conseqüentemente, a própria legitimação da comunidade de ensino de Química é
afetada. Nesse processo ambivalente, para conseguir o referendo acadêmico que
almejam, é necessário negociar com os contextos de que participa o que pode
potencializar os discursos da comunidade ou não.
A insatisfação produzida por este fato junto aos pesquisadores de ensino e à
direção da SBQ pode ser considerada como um potencializador das mudanças
realizadas na revista Química Nova na Escola. Assim, as mudanças iniciaram-se no ano
de 2007 com a inclusão de mais um editor na revista, um editor associado, indicado pela
por áreas de avaliação da CAPES e passa por processo de atualização anual. Esses veículos de divulgação
são enquadrados em estratos indicativos da qualidade - A1, o mais elevado; A2; B1; B2; B3; B4; B5; C -
com peso zero. (
www.capes.gov.br/avaliacao/qualis)
86
A revista QNEsc tinha sido classificada como Nacional B em uma avaliação anterior realizada pela
ANPEd, da qual Alice Casimiro Lopes e Attico Chassot eram integrantes da comissão. A avaliação
seguinte - como Nacional C –, citada no texto, foi realizada por uma comissão que não tinha
pesquisadores relacionados ao ensino de Química, o que pode ter contribuído para a diminuição do
conceito.
107
diretoria da SBQ e com a função especial de articular a Revista com a Sociedade como
um todo, uma vez que a QNEsc é uma Revista da Sociedade (QNEsc, 2007: 2). Foram
propostas novas normas relativas à submissão de artigos com a finalidade de atender os
indicadores de qualificação da revista em sistemas como o Qualis da CAPES. Ainda
nesse ano foram realizados levantamentos que identificaram uma concentração
significativa de artigos na seção “Experimentação no Ensino de Química”, conforme já
tinha sido apontado por Mortimer, e a inexistência de artigos para a seção “Atualidades
em Química”. O levantamento gerou recomendações dos editores para futuros artigos
sobre experimentos
87
ressaltando a importância da discussão dos conceitos envolvidos,
evidenciando assim, a preocupação com as críticas realizadas:
É importante recomendar para, nesses casos, que os autores
de se preocupem com a discussão teórica que envolve os experimentos
e mostrem o potencial de aprendizagem dos conceitos, tendo como
base o experimento realizado, além de questões relativas à segurança,
à disposição de resíduos e ao rigor conceitual (QNEsc, 2007: 2)
O ano de 2008 foi marcado pelo aumento da periodicidade da revista, de 2
edições para 4 edições por ano; pela implantação do sistema de submissão e avaliação
de artigos online, o que agilizou a tramitação e o julgamento dos artigos; pela
disponibilidade e acesso gratuito da coleção dos Cadernos Temáticos; e pela publicação
conjunta com as revistas Educación em Química e Alambique de um número voltado
para as perspectivas ibero-americanas na educação em Ciências, com a participação e
contribuição de pesquisadores brasileiros, mexicanos, argentinos, portugueses e
espanhóis. Cabe ressaltar que essa edição conjunta foi negociada pelo professor
Eduardo Mortimer, no ano de 2006, quando era editor responsável pela revista (QNEsc,
2008a). Houve também a elaboração de um número com artigos produzidos a partir de
trabalhos apresentados no XIV ENEQ. Essas duas edições mencionadas contribuíram
para que o aumento da periodicidade fosse cumprido com êxito, pois para suprir esse
aumento seria necessário duplicar o número de submissões. Mortimer já tinha apontado
essa questão salientando que seria preciso uma grande mobilização de toda a
comunidade, incluindo os licenciandos, os estudantes de pós-graduação, além dos
pesquisadores e dos professores de ensino médio (Mortimer, 2004). Outra ação
87
Anteriormente, a seção recomendava apenas a divulgação de experimentos que contribuíssem para o
tratamento de conceitos químicos, utilizando materiais de fácil aquisição.
108
considerada relevante para ampliar a visibilidade da revista no cenário nacional e
internacional consistiu em modificar a organização do periódico, que passou a operar
por volumes e fascículos, atendendo a requisitos necessários para indexar o periódico
em outros sistemas (QNEsc, 2008b, 2009a).
Dessa forma, a ampliação da periodicidade da revista bem como o diálogo
promovido entre pesquisadores de diferentes países concretiza, de certa maneira,
algumas demandas apontadas por pesquisadores da área de ensino, principalmente na
questão do fortalecimento da comunidade, nacional e internacionalmente. É importante
destacar que esse fortalecimento é conseqüência também dos vínculos entre diferentes
grupos de pesquisa, destacados no capítulo anterior, promovidos pela maior mobilidade
dos pesquisadores no período analisado e pela inserção internacional que alguns
pesquisadores da comunidade possuem como é o caso dos professores Eduardo
Mortimer, Roque Moraes e Wildson Santos.
Outra ação da Divisão de Ensino de Química com a editoria da revista foi a
parceria estabelecida com a Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação,
no que se refere à Coleção Explorando o Ensino. Nessa parceria, foram elaborados dois
volumes para a disciplina Química, organizados pelo professor Eduardo Mortimer,
editor coordenador da revista na época, contendo artigos publicados nos quatorze
primeiros números da revista QNEsc. Os exemplares foram distribuídos aos professores
de Química da rede pública no ano de 2006. Tal parceria constitui uma ação importante
para a divulgação da revista QNEsc como também para a circulação de discursos da
comunidade, já que a grande maioria dos professores não participa dos encontros de
ensino de Química e não acompanha as pesquisas realizadas na área. Essas parcerias são
valorizadas pelos pesquisadores por considerarem que há muito a contribuir para o
diálogo com as instâncias oficiais:
... entendemos que a Divisão de Ensino de Química da SBQ
deve continuar a participar das iniciativas do MEC para a área de
Educação em Ciências, mantendo a sua postura crítica e de
independência. Muito temos a oferecer às autoridades educacionais
do país. Esperamos que o MEC, ao tomar suas decisões, seja capaz
de levar em consideração nossa experiência na área e considerar
nossas sugestões na produção de políticas para a Educação. (QNEsc,
2003: 2)
109
Isso mostra a preocupação dos pesquisadores da área com a formulação de
políticas curriculares e, de certa forma, a pressão que exercem para que não sejam
excluídos dessas decisões políticas. Talvez essas questões tenham contribuído para que
o Ministério da Educação incluísse as sociedades científicas disciplinares nas reuniões
que a Secretaria de Educação Média e Tecnológica promoveu para elaborar planos para
a melhoria da qualidade do ensino de Ciências para o nível médio (QNEsc, 2003). E
ainda, para que solicitasse à Divisão de Ensino de Química o desafio de produzir uma
avaliação dos documentos relacionados à disciplina nos PCNEM bem como a
elaboração de novos documentos para a área (Zanon e Maldaner, 2007). Mostra também
como os pesquisadores da comunidade intensificam sua participação no contexto de
definição de textos políticos.
No que diz respeito à participação direta da comunidade na definição de textos
políticos oficiais, a reforma do ensino médio contempla essa questão desde o seu início.
Como já destaquei no capítulo anterior, os professores Luis Roberto Pitombo e Maria
Eunice Marcondes elaboraram os documentos da área de Química dos PCNEM e dos
PCN+; e os professores Lenir Basso Zanon, Otávio Aloísio Maldaner, Ricardo Gauche
e Wildson Luiz Santos elaboraram os documentos referentes à disciplina nas OCNEM,
tendo como leitores críticos os professores Agustina Echeverria, Attico Chassot,
Eduardo Mortimer e Maurivan Ramos. A participação direta dos pesquisadores na
elaboração destes textos curriculares é vista como ponto positivo, pois as principais
contribuições de ensino de Química defendidas pela comunidade são contempladas
nesses documentos. Ressalto que tal positividade não deve desconsiderar como as
recontextualizações dos discursos curriculares da comunidade envolvem a hibridização
com outros discursos sociais, os quais podem promover finalidades diferentes daquelas
que a comunidade defende para o ensino de Química. Chamo a atenção ainda para o
fato de que essa positividade contribui para a legitimação das propostas oficiais, assim
como para a legitimação dos discursos da comunidade disciplinar (Abreu, 2002).
No entanto, a participação dos pesquisadores na definição de textos oficiais
também pode potencializar as diferenças existentes na comunidade ou reforçar as
articulações estabelecidas em torno da defesa de um ensino de Química diferente.
Defendo que ocorrem as duas situações. Os PCNEM e os PCN+ acabam por reforçar as
diferenças existentes na comunidade ao privilegiar o enfoque de um grupo de pesquisa
específico, favorecendo a existência de mais críticas com relação a esses documentos. Já
110
as OCNEM, possuem uma idéia maior de conjunto, de unidade, na medida em que
apresentam pressupostos defendidos por diferentes grupos de pesquisa, introduzidos
pelas articulações de seus elaboradores. Essa maior articulação pode ser a causa do
menor número de críticas que as OCNEM recebem na área de ensino de Química, o que
contribui para reforçar a ampliação da cadeia articulatória dos discursos das lideranças
da comunidade.
Nessa cadeia articulatória, os discursos da comunidade possibilitam a formação
de determinadas demandas que interferem na produção de políticas curriculares. Sobre
as principais demandas que identifiquei nos textos selecionados para a pesquisa cito: a
necessidade de propostas que contribuam para a melhoria do ensino de Química, a fim
de que se possa desenvolver o espírito crítico nos alunos e formar cidadãos capazes de
transformar a sociedade; a consolidação e o fortalecimento da área de ensino de
Química; a construção de uma identidade para os cursos de Licenciatura baseada na
articulação da prática e da pesquisa docente; e a necessidade de instituir políticas
públicas para a definição do papel das escolas na formação dos futuros professores.
Argumento, com base em Laclau, que essas questões estabelecem cadeias articulatórias
que levam à produção de sentidos e significados para as políticas curriculares. É com
base nessas demandas principais que os diferentes grupos de pesquisa se organizam em
função da identidade política da comunidade disciplinar de ensino de Química, em
função das ações políticas que a comunidade pode promover nos diferentes contextos
sociais. Apesar das duas primeiras demandas estarem relacionadas aos primeiros passos
da área de ensino de Química, elas se constituem ainda hoje como pontos importantes
para a atuação política da comunidade disciplinar, enquanto que as outras demandas
intensificaram-se nas duas últimas décadas.
Assim como essas demandas, todos os temas trabalhados em eventos específicos
e não-específicos, e os desenvolvidos nas publicações remetem a questões que estão
presentes ao longo da trajetória da comunidade. Muitas delas relacionadas aos
movimentos e ações iniciados na década de 1960 e 1970. Exemplo disso é a abordagem
de aspectos sócio-culturais. Alguns autores (Santos e Schnetzler, 1996; Santos e
Mortimer, 2001) lembram que os movimentos surgidos na década de 1970, inicialmente
na Europa e depois nos Estados Unidos, a fim de modificar e valorizar o ensino de
ciências, se contrapunham ao ensino estabelecido na época de cunho cientificista, no
qual a ciência era valorizada por si mesmo:
111
A ciência era vista como uma atividade neutra, de domínio
exclusivo de um grupo de especialistas, que trabalhava
desinteressadamente e com autonomia na busca de um conhecimento
universal, cujas conseqüências ou usos inadequados não eram de sua
responsabilidade. A crítica a tais concepções levou a uma nova
filosofia e sociologia da ciência que passou a reconhecer as
limitações, responsabilidades e cumplicidades dos cientistas,
enfocando a ciência e a tecnologia (C&T) como processos sociais.
(Santos e Mortimer, 2001: 96)
As críticas surgem em decorrência das novas demandas que afetam a sociedade
e a educação. Pesquisadores como Cachapuz argumentam que as novas orientações do
ensino de ciências são provenientes tanto de mudanças no próprio ethos da ciência
moderna quer das novas finalidades para a Educação em Ciência (1999: 2). A
mudança da ciência no desenvolvimento científico e tecnológico levou a uma
valorização de outro tipo de ciência: uma ciência diretamente ligada aos aspectos
sociais, políticos, econômicos, culturais e ambientais; uma ciência mais democrática e
acessível, em que todos os indivíduos pudessem interagir e decidir sobre as suas
questões e encaminhamentos. Nesse cenário, o ensino de Ciências teria enorme
importância:
Essa necessidade do controle público da ciência e da
tecnologia contribuiu para uma mudança nos objetivos do ensino de
ciências, que passou a dar ênfase na preparação dos estudantes para
atuarem como cidadãos no controle social da ciência. (Santos e
Mortimer, 2001: 96)
Dessa forma, o ensino de ciências em geral começa a discutir questões que
poderiam promover a mudança dos currículos e do tipo de ensino oferecido até então,
uma vez que esse ensino não formava cidadãos capazes de entender e interagir com o
novo entendimento da ciência nos diversos contextos sociais.
Ao falar sobre a comunidade disciplinar de ensino de Química, Schnetzler
88
afirma que todas as contribuições desta vêm na contramão ou em oposição ao ensino
tradicional, que é uma coisa marcante principalmente no ensino de Química. Destaca
que o ensino de Química é descontextualizado e fragmentado; que suas concepções são
88
Em entrevista realizada no dia 01/12/2007 por Rozana Gomes de Abreu.
112
vistas como prontas, inalteradas e inquestionáveis; que o professor possui o monopólio
da linguagem fazendo do aluno uma tábula rasa; e que a Química ensinada é
ultrapassada, seja com relação aos métodos, seja pelos conteúdos. Algumas dessas
questões já vinham sendo apontadas pela pesquisadora desde as décadas de 1970 e
1980:
O ensino secundário de química brasileiro tem sido
eminentemente teórico, centrado na veiculação de conhecimentos
dissociados da sua própria natureza experimental, negligenciando,
desta forma, o seu caráter investigativo, a sua importante aplicação à
sociedade e, conseqüentemente, a usa potencialidade para
desenvolver espírito crítico nos alunos. (Schnetzler, 1981: 15)
Nesse sentido, as pesquisas e as propostas da comunidade caminham, desde o
início, no sentido de se contrapor e de modificar este tipo de ensino. Ao defenderem a
proposta curricular elaborada pelo grupo GEPEQ, Bosquilha et al enumeram uma série
de características apontadas em publicações da área, quanto à situação do ensino de
Química no Brasil, que colaboram para a inadequação desse ensino:
(i) aprendizagem nula ou restrita a baixos níveis cognitivos;
(ii) ausência de experimentação e aulas essencialmente expositivas;
(iii) inexistência de relacionamento entre conteúdo e a vida cotidiana;
(iv) desinteresse dos alunos ou, então, interesse direcionado
primordialmente para o conteúdo dos exames vestibulares; e (v)
organização e seleção do conteúdo apresentadas no livro didático
como determinante do processo ensino-aprendizagem. (Bosquilha et
al, 1992: 355)
Mortimer, Machado e Romanelli reiteram essa afirmação quando descrevem
sobre o currículo de Química ensinado nas escolas que precisa ser superado:
Os currículos tradicionais têm enfatizado, na maioria das
vezes, apenas aspectos conceituais da química, apoiados numa
tendência que vem transformando a cultura química escolar em algo
completamente descolado de suas origens científicas e de qualquer
contexto social ou tecnológico. Além disso, esses currículos
apresentam um número excessivo de conceitos, cuja inter-relação é
dificilmente percebida pelos alunos. A quantidade de conceitos – ou
definições? – e procedimentos que são introduzidos a cada aula, a
cada página, da maioria dos livros didáticos, é muito grande para
que seja possível ao aluno, em tão pouco tempo, compreendê-los e
113
ligá-los logicamente numa estrutura mais ampla que dê significado à
aprendizagem da química. Aos alunos fica a impressão de se tratar de
uma ciência totalmente desvinculada da realidade, que requer mais
memória do que o estabelecimento de relações. (Mortimer, Machado
e Romanelli, 2000: 274)
Silva, Razuck e Tunes apontam ainda como esses currículos tradicionais
contribuem para os baixos desempenhos dos alunos:
...o ensino desta disciplina privilegia quase exclusivamente um
ensino voltado para a retenção, por parte do aluno, de enormes
quantidades de informações passivas, com o objetivo de serem
memorizadas e devolvidas na ocasião das provas. Este tipo de ensino
corresponde ao modelo transmissão/recepção (ensino tradicional) e
pode estar, em parte, relacionado ao fracasso escolar. (Silva, Razuck
e Tunes, 2008: 456)
A associação dos currículos tradicionais aos baixos desempenhos dos alunos não
é só destacada pela exclusão escolar que proporciona. Pesquisadores como Zanon e
Palharini destacam a ineficiência da formação em Química no ensino fundamental, pois
a disciplina, na maioria das vezes, é resumida a conteúdos distantes, gerando uma
espécie de analfabetismo químico que deixa lacunas na formação dos cidadãos e
cidadãs (1995: 15). Dessa forma, o ensino de Química proporcionaria também a
exclusão social desses alunos. Por isso, muitas das propostas da comunidade se
preocupam em se contrapor à transmissão de seqüências lineares de conteúdos prontos,
repetitivos e desconexos, que não se mostram válidos diante das realidades: complexas,
dinâmicas e em transformação (Kinalski e Zanon, 1997: 16), como forma de
proporcionar aos alunos aprendizagens significativas tanto para o contexto escolar
quanto para o contexto social em que vivem.
Nesse sentido é que argumento que a comunidade disciplinar de ensino de
Química tem como principal antagonista o currículo tradicional, caracterizado por seus
pesquisadores como enciclopédico, desatualizado, memorístico, distante das questões
do cotidiano e do aluno, conforme as citações anteriores. Pode parecer estranho a
comunidade se contrapor a discursos que ninguém defende no meio educacional, aliás,
no contexto social. No entanto, mesmo não existindo quem defenda este tipo de
currículo, marcado por características positivistas e da racionalidade técnica, ele é visto
como continuando a marcar o ensino e a escola. Isso porque esse currículo representa o
114
ensino e a escola de que se fala, mesmo não sendo a sua realidade. É preciso ressaltar
que essa representação acaba considerando que todas as escolas são iguais, que
trabalham da mesma forma, com o mesmo currículo, que possuem os mesmos
problemas. E isso não é assim. Temos escolas com e sem laboratórios, com maior ou
menor carga horária para o ensino de Química, temos escolas que não têm professor da
disciplina. O mesmo se pode dizer sobre o ensino de Química; temos diferentes ensinos
de Química, valorizando mais o cotidiano ou valorizando mais o conteúdo ou ainda os
experimentos, temos ensinos de Química com enfoques e finalidades diferentes. Dizer
que são diferentes, não significa afirmar que esses ensinos de Química são bons ou
ruins; simplesmente são diferentes porque esses ensinos e currículos são constituídos
por uma pluralidade de diferenças. E essas diferenças são representadas pela
comunidade disciplinar de ensino de uma determinada maneira: o ensino de Química na
maioria das escolas é memorístico, conteudista, desinteressante, desatualizado, voltado
para o vestibular
89
. Mesmo não sendo a realidade de todas as escolas, representa-se o
ensino da disciplina dessa forma. Citando Laclau, afirmo que ocorre assim a fixação
desses sentidos – memorização, enciclopedismo, desinteressante, desatualizado,
preparação para o vestibular, distante da realidade dos alunos – ao ensino e ao currículo
de Química existente nas escolas, denominados ensino e currículo tradicional. Assim,
quando se fala do ensino de Química tradicional, fala-se desses sentidos que foram
fixados e articulados entre si, fala-se de uma representação da realidade. Dessa forma, o
ensino de Química tradicional, ou o currículo de Química tradicional, constitui uma
representação do ensino de Química que realmente acontece nas escolas.
É em torno dos sentidos do currículo tradicional que a comunidade constrói os
seus discursos de antagonismo, discursos defendendo um outro ensino que possui outros
sentidos relacionados. É em função do antagonismo a essa representação do ensino de
Química nas escolas que a comunidade disciplinar se organiza e legitima. Nesse sentido,
podemos afirmar que essa representação do ensino de Química com que a comunidade
se antagoniza é a condição de suas possibilidades e de suas impossibilidades.
Possibilidade porque o currículo tradicional justifica as ações e as articulações da
comunidade disciplinar de ensino na luta por outro tipo de ensino de Química, o qual
julga mais adequado; e impossibilidade porque não há como acabar com esse
89
Não estou afirmando que essa representação é exclusiva da comunidade disciplinar de ensino de
Química. Tal representação também é utilizada por outros contextos disciplinares, mas as finalidades e as
articulações que envolvem essa representação é que são diferentes.
115
antagonismo (ao currículo tradicional) sem mexer nas articulações estabelecidas pela
comunidade. Por isso que Laclau (2005) chama a atenção para a precariedade das
relações que estão em jogo no processo de representação.
Outro ponto importante é que o antagonismo a essa representação faz com que,
em muitas ações, o discurso dos pesquisadores se contraponha aos professores e às suas
práticas. Tem-se uma ambigüidade, a comunidade disciplinar de ensino de Química não
parece, em vários momentos, querer se contrapor aos professores, os quais são
considerados parceiros importantes na luta por um ensino diferente. No entanto, a
prática docente é um dos temas mais abordados pelos pesquisadores, pois, no
entendimento destes, a prática colabora para engrossar as críticas ao currículo
tradicional. A comunidade disciplinar considera que as práticas docentes são
decorrentes de uma formação de professores deficiente e de más condições de trabalho,
bem como do pouco prestígio que a profissão docente possui na sociedade.
Essa perspectiva faz com que o antagonismo ao ensino tradicional não aconteça
somente com relação ao ensino básico. É interessante perceber como a comunidade, à
medida que vai se consolidando, também se contrapõe aos currículos do ensino
superior, uma vez que a prática docente tem uma influência direta dos cursos de
formação de professores. Autoras como Schnetzler e Aragão apontam a necessidade de
se pesquisar o ensino de Química devido a cursos de licenciatura pouco eficientes para
a formação de professores (1995: 27). Baseada nos textos selecionados, defendo que a
contraposição se amplia para os cursos de nível superior porque, apesar de existirem
propostas curriculares elaboradas e difundidas pela comunidade disciplinar de ensino de
Química, estas continuam não chegando até aos professores nas escolas, ou quando
chegam, não surtem o efeito desejado:
Tais contribuições, no entanto, ainda têm sido pouco
incorporadas pelos professores em seu trabalho docente. (Schnetzler
e Aragão, 1995: 30)
... as contribuições das pesquisas para a melhoria do processo
de ensino-aprendizagem ainda não chegam à maioria dos professores
que, de fato, fazem acontecer o ensino nas escolas desse imenso país.
(Schnetzler, 2002: 22)
Dependendo do lócus que você for fazer a sua investigação,
você ainda vai encontrar o currículo vigente, e ele tem sido quase que
transparente a um movimento de inovação que tem sido levantado nos
116
encontros de pesquisa, nos encontros da área de ensino de Ciências,
da área de ensino de Química. E ele está posto (...) tem recebido
pouca influência de documentos oficiais e de nossas pesquisas.
(Santos, entrevista
90
)
Na compreensão da comunidade disciplinar de ensino de Química, o currículo
tradicional nas escolas não é modificado porque ele é endossado pelas práticas dos
professores. Sendo assim, o antagonismo à representação do currículo tradicional acaba
tendo que envolver as práticas dos professores. Argumento que por causa destes
antagonismos, a comunidade disciplinar de ensino tem produzido discursos
direcionados a repensar o currículo e o ensino no sentido de refletir sobre o quê ensinar,
como ensinar e para que ensinar Química. Além disso, é cada vez maior a preocupação
dos pesquisadores em propor novos significados para a formação docente em Química,
considerada a principal responsável pela prática deficiente dos professores.
Os discursos construídos em função dessas contraposições que a comunidade
defende para o ensino de Química constituíram as primeiras demandas da comunidade
disciplinar, produzindo a circulação de sentidos e significados que influenciam a
produção de políticas curriculares para o ensino médio. É nesse contexto que sentidos
sobre cotidiano, formação do cidadão, tomada de decisões, contextualização,
interdisciplinaridade, formação docente, conhecimento químico escolar, integração,
responsabilidade social, pesquisa e prática docente, se articulam de forma a constituir as
demandas da comunidade disciplinar no processo político aqui analisado. Lembro que
essas articulações são marcadas pela contingência e pela provisoriedade, o que
determina a flutuação dos sentidos promovidos.
Nessa perspectiva, entendo que determinados temas assumem uma relevância
maior nos discursos da comunidade aqui estudados por articularem-se com outros
discursos que os potencializam. Esses temas são influenciados pelos diferentes
referenciais teóricos com que a comunidade dialoga em seus trabalhos, como as teorias
construtivistas, as abordagens CTS, a valorização da linguagem e do processo dialógico,
as teorias da psicologia da aprendizagem, a importância das questões sociais, históricas
e culturais, as quais vêm modificando o fazer do ensino de química ao longo dos anos.
Nesses diálogos, os pressupostos teóricos também vão se reorganizando. Giordan
(1997) relata que as discussões de base construtivista, como a apropriação dos
90
Entrevista realizada no dia 01/12/2007 por Rozana Gomes de Abreu.
117
significados prévios e a transformação da estrutura cognitiva dos alunos, vêm cedendo
espaço para o papel da linguagem na reconstrução dos conhecimentos. Essa importância
cada vez maior da linguagem no processo de ensino e aprendizagem traz para a pauta de
discussões aspectos discursivos e culturais que anteriormente não eram considerados e
que hoje são centrais para a educação. Tal perspectiva, denominada sócio-construtivista,
surge do esgotamento das pesquisas construtivistas, na medida em que não vêm
ocorrendo discussões mais substanciais sobre as bases teóricas do programa (Giordan,
1997: 322); e das críticas com relação aos aspectos filosóficos, psicológicos e
pedagógicos do construtivismo (Mortimer, 1996b). Ocorre assim, a articulação de
discursos sociais aos discursos sobre o ensino e a aprendizagem.
Todas essas perspectivas teóricas acabam por valorizar também discursos como
a interdisciplinaridade e a contextualização, que de certa forma ajudam na concretização
dessas teorias. O reconhecimento dos saberes prévios dos alunos, a valorização do
processo discursivo e dialógico na interação com os outros saberes, o desenvolvimento
da responsabilidade social, são conseguidos, em maior grau, quando associados à
valorização de questões cotidianas e próximas da vivência do aluno e quando
trabalhadas de forma mais integrada. Segundo os professores e pesquisadores da
comunidade, a interação com estes diferentes pressupostos tem como intenções a
melhora do processo de ensino e aprendizagem da química e de promover a formação
de cidadãos reflexivos.
No que diz respeito aos discursos da contextualização e da interdisciplinaridade,
afirmo que a valorização desses discursos também é influenciada pelas definições da
reforma da educação brasileira, pois em vários trabalhos da comunidade esses discursos
buscam referência no discurso oficial:
... os dois eixos focalizados como princípios básicos da
reforma da educação básica em andamento no país, referendados
pelas orientações curriculares nacionais para o ensino médio – a
contextualização e a interdisciplinaridade – necessitam ser
dinamicamente inseridos como princípios educativos na formação
docente, inicial e continuada, aliados ao investimento em esforços
para o desenvolvimento e compreensão das novas práticas de ensino
hoje em construção. (Zanon et al, 2007: 3)
Refletindo acerca das pesquisas sobre o ensino de Ciências, Cachapuz (1999)
destaca que, internacionalmente, se faz necessária uma perspectiva de ensino onde não
118
haja uma educação em ciência somente, mas também uma educação sobre a ciência,
visando a um ensino para a cidadania. Outras questões se tornam relevantes para a
promoção dessa perspectiva de ensino, como a estrutura escolar e a formação docente.
As críticas referentes a essas questões ressaltam como elas não favorecem os processos
de inovação curricular, bem como da formação do cidadão, e como as pesquisas têm
dificuldades de chegar aos professores nas escolas. Tais questões vêm promovendo
ricos debates na comunidade disciplinar de ensino de Química, principalmente com
relação aos processos de aproximação entre as contribuições das pesquisas em ensino e
as contribuições da atividade docente.
Sendo assim, considerando os discursos das lideranças da comunidade
disciplinar de ensino de Química, defendo que os temas mais relevantes para a produção
de políticas curriculares, no período analisado, referem-se à formação do cidadão, à
contextualização, à interdisciplinaridade, ao conhecimento químico escolar, e à
relação entre pesquisa e prática docente. Entendo que esses temas são responsáveis
por criar e fomentar as demandas da comunidade, articulando os seus diferentes
integrantes e grupos em prol de um ensino de química diferente e transformador.
Argumento que os temas destacados funcionam como discursos privilegiados, na
medida em que conseguem articular os diferentes discursos que constituem a
comunidade disciplinar em prol de um projeto comum, a melhoria do ensino de
Química. No processo articulatório dos diferentes grupos existentes na comunidade de
ensino, os discursos referentes à cidadania, ao conhecimento escolar, à
contextualização, à interdisciplinaridade e à relação entre pesquisa e prática docente
estabelecem relações de equivalência com outros discursos defendidos na área e
também com os discursos sociais. A força que esses discursos adquirem nessas
articulações é responsável por fixar seus significados para o maior número de
integrantes da comunidade. Dessa forma, esses discursos passam a ser reconhecidos e
defendidos pelos pesquisadores da comunidade, utilizando-os para justificar as
iniciativas e demandas da comunidade.
A seguir, passo a analisar os temas que considero centrais para a comunidade
disciplinar de ensino de química procurando descrever as semelhanças e as diferenças
existentes, como também os sentidos que são produzidos para a produção das políticas.
119
III.1 - Formação para a cidadania
Um dos discursos sociais de maior impacto para as políticas de currículo é a
formação da cidadania, sendo utilizado por diferentes contextos para justificar as
mudanças pretendidas para a educação. Macedo (2008) analisa como a concepção de
cidadania apresenta sentidos variados nos textos curriculares da última década
contribuindo para a ambivalência do termo. A autora argumenta que o discurso central
sobre a cidadania mobiliza fragmentos de discursos muito diferentes entre si de forma a
garantir legitimidade não apenas à educação para a cidadania, mas à própria política
curricular (2008: 81-2). Na análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),
identifica três discursos que se mostram importantes para a flutuação dos sentidos do
termo cidadania: a vinculação do conceito à nação, aos discursos pedagógicos
associados à idéia de justiça e equidade social por intermédio do conhecimento
socialmente relevante, e aos discursos sobre o mercado e o trabalho. Macedo coloca
como a articulação desses sentidos na elaboração das políticas, em função de algo que
os ameaça, constrói uma enunciação, razoável e provisória, capaz de representar a
totalidade. Argumento que o caráter flutuante do termo cidadania que Macedo destaca é
importante para percebermos como os deslizamentos nos textos políticos configuram as
possibilidades de articulação para as políticas. Ressalto que, de forma semelhante ao
ensino fundamental, os textos curriculares referentes ao ensino de Química no nível
médio também apresentam o termo cidadania como um significante flutuante.
Para Santos (1996), a cidadania está relacionada com participação, com
conquista, com direitos e deveres e com a democracia. Baseando-se no conceito de
cidadania ativa de Patrice Canivez, o pesquisador defende que é preciso ensinar o
cidadão a participar da sociedade ativamente, por meio do conhecimento dos seus
problemas sociais relacionados com a Química: O cidadão participa ativamente, na
medida em que faz julgamentos críticos, assentados no conhecimento da lei (fatos
químicos, fatos sociais) e julgamentos políticos (discussão pública) (Santos, 1996: 25).
Nesse caso, os discursos sobre a democracia e a importância do conhecimento
entendido como relevante são alguns dos sentidos que se articulam na constituição do
significante democracia para a comunidade.
A concepção de cidadania ativa, influenciada pela perspectiva do ensino de CTS,
focaliza a responsabilidade social na tomada de decisões. A apropriação dos
120
pressupostos CTS pela comunidade disciplinar de ensino de Química gerou a criação de
várias propostas curriculares que defendiam a compreensão da ciência e da tecnologia
na vida cotidiana e desenvolviam o senso de responsabilidade social nos alunos. Tais
concepções e defesas permanecem ainda na comunidade disciplinar de ensino de
química constituindo discursos importantes para a área, como é o caso da formação para
a cidadania. Pesquisadores como Santos, Mortimer e Scott (2001) ressaltam em seus
textos que o ensino de ciências na educação básica deve ter como principal objetivo a
preparação para a cidadania, aspecto que é defendido também por outros pesquisadores
ainda que de diferentes formas. Para os pesquisadores, a introdução de aspectos sócio-
científicos no currículo de ciências pode encorajar os alunos a desenvolver uma ação
social responsável a partir de questões vinculadas à sua realidade. Mortimer e Santos
(Mortimer, 2002; Santos e Mortimer, 2001) defendem que a ação social responsável
está associada à tomada de decisões e que estas são mais bem alcançadas com a
abordagem dos problemas sociais na escola.
Stuart e Marcondes (2008) destacam a importância da aprendizagem
significativa para a resolução de problemas via o desenvolvimento das habilidades
cognitivas e do raciocínio lógico ressaltando que as atividades precisam direcionar seus
objetivos para o desenvolvimento conceitual e cognitivo dos alunos e permitir a eles
evidenciar fenômenos e reconstruir suas idéias (2008: 3). As autoras não mencionam
que a formação para a cidadania é alcançada pela melhora da aprendizagem
significativa, mas entendem que esse processo leva também a uma maior participação
do indivíduo na sociedade. Outro ponto que destaco é que, apesar da resolução de
problemas estar relacionada à tomada de decisão que Mortimer e Santos defendem, a
preocupação central de Stuart e Marcondes parece estar no processo de ensino e
aprendizagem, em como melhorar esse processo e ter maior participação dos alunos.
Nessa lógica, a preparação para a cidadania seria uma conseqüência secundária do
processo de aprendizagem significativa. Tal perspectiva pode ser relacionada com o que
Ball (1994) denomina de efeitos das políticas. Argumentando que as políticas não
possuem somente resultados, o pesquisador defende a análise dos efeitos das políticas,
os quais podem estar relacionados a questões da prática ou instrucionais (efeitos de
primeira ordem) ou a questões de acesso, oportunidade e justiça social (efeitos de
segunda ordem). Como a promoção da aprendizagem significativa defendida por Stuart
e Marcondes está relacionada aos aspectos de melhoria da prática, podemos afirmar que
121
os aspectos instrucionais (efeitos de primeira ordem) são mais valorizados por estas
pesquisadoras do que os aspectos de acesso, oportunidade e justiça social (efeitos de
segunda ordem), representados nesse caso pelo discurso da cidadania.
Moraes e Galiazzi argumentam que a apropriação de diferentes discursos pode
contribuir para a inserção responsável e cuidadosa do ser humano em seu ambiente
(2003: 21). Tal forma de inserção e participação teria como finalidade tornar o mundo
mais igualitário, justo, distributivo, participativo e pacífico (2003: 21). Essa
apropriação é vista como essencial para a constituição do sujeito autônomo e
participativo que toma decisões conscientes nos contextos onde atua, para assim tornar-
se efetivamente cidadão (Moraes, Ramos e Galiazzi, 2007: 196). Giordan, ao propor a
elaboração de projetos temáticos e telemáticos para o ensino de química orgânica no
ensino médio, justifica que é preciso responder às transformações sociais que vêm
ocorrendo através de propostas inovadoras de ensino (...) que contribuam para formar
cidadãos capazes de atuar como agentes condutores destas transformações (1997:
325). As duas argumentações trabalham com a idéia de que a escola é a principal
promotora de mudanças na sociedade: se a escola consegue reunir os diferentes tipos de
conhecimento, bem como os seus discursos, e fazer com que o indivíduo se aproprie e
interaja com estes de diversas formas, ou se trabalha de forma diferente da tradicional,
ela consegue capacitar esse indivíduo a entender e a intervir no mundo em que vive.
Essa concepção é muito forte na área de ensino de ciências. No entanto, essa idéia
parece desconsiderar as outras ligações que constituem uma trama complexa e delicada
das relações sociais e que podem minimizar a ação do indivíduo como interventor e
transformador em dado contexto e em dada época.
Sendo assim, o desenvolvimento da ação social responsável pelo ensino de
Química para formar cidadãos críticos e participativos acaba sendo inserido nos
discursos da comunidade como uma conseqüência de aspectos da ordem prática, seja
pela melhoria da aprendizagem, seja pela apropriação do conhecimento. Isso estabelece
uma relação lógica entre o saber e o agir que, muitas vezes, não se sustenta, na medida
em que o saber não é determinante para a nossa ação. Não é porque sei determinado
conhecimento, que minhas ações se baseiam nele. Por exemplo, não é porque o sujeito
se apropria de determinado conhecimento químico que ele atuará responsavelmente em
relação a ele no contexto social. Além disso, existem questões de diferentes naturezas,
122
como as culturais, que não reconhecem a ação realizada como decorrente daquele
conhecimento.
A defesa de um ensino de química voltado para a formação do cidadão aparece
relacionada principalmente com a tomada de decisões. A minha afirmação se pauta nos
argumentos utilizados pela comunidade disciplinar para justificar uma educação para
ação social responsável, uma educação que desenvolva o letramento científico e um
senso de responsabilidade na tomada de decisões. Para que o indivíduo possa participar
ativamente da sociedade, ele deve interagir conscientemente com todas as questões que
influenciam a vida desta sociedade de modo a poder refletir e decidir sobre os seus
diferentes aspectos. E como cada vez mais o conhecimento científico é considerado
central na sociedade pós-moderna, não se pode desconsiderar como esse conhecimento
afeta a ação social e a tomada de decisões dos indivíduos hoje. A participação ativa e
responsável é um dos discursos mais presentes nos documentos curriculares e mais
consensuais em todos os setores, fazendo com que a ausência da apropriação do
conhecimento químico desencadeie uma ‘precária’ participação social, pois o indivíduo
não teria as condições necessárias para decidir sobre questões que envolvam aspectos
mais ‘científicos’ ou ligados a essa ciência. Esse é um dos pontos chave das múltiplas
defesas que os pesquisadores da comunidade disciplinar em ensino de química fazem
em favor de um ensino que valorize a formação para a cidadania.
O ensino de química voltado para essa participação ativa e responsável trabalha
com a idéia de que o conhecimento químico ajuda na reconstrução dos conhecimentos
cotidianos. Nessa linha, Moraes e Galiazzi argumentam que a realidade cotidiana, aliada
à linguagem, ajuda os alunos a estabelecer pontes e ligações com os diferentes tipos de
conhecimento de modo que o discurso da ciência pode ser trazido para confrontação
com o discurso do cotidiano e, a partir daí, possibilitar a reconstrução das idéias do
senso comum... (2003: 7). Santos e Mortimer defendem que os alunos devem aprender a
partir da discussão de temas reais e da tentativa de delinear soluções para os mesmos já
que, desta forma, estariam mais envolvidos e compromissados. Stuart e Marcondes
chamam a atenção que a reconstrução também deve estar ligada à utilidade desse
conhecimento: os alunos precisam estar inseridos em um ambiente onde possam utilizar
suas idéias em outras situações, percebendo que o novo conhecimento é importante e
útil, e que suas idéias anteriores precisarão algumas vezes ser
(re)interpretadas...(2008: 4).
123
A importância e a proximidade do conhecimento químico com o cotidiano e a
sua utilidade são discursos bem presentes na área de ensino de química. Nos últimos
anos, esses discursos ressaltam as novas exigências do mundo pós-moderno, a
valorização da ciência e da tecnologia, as novas “qualidades” que o indivíduo deve
possuir para estar inserido nessa sociedade, ou melhor, para não estar excluído dela.
Pesquisadores que defendem um ensino de CTS e da alfabetização científica defendem
de certa forma essas posições quando afirmam que:
Vivemos hoje em um mundo notadamente influenciado pela
ciência e tecnologia. (Santos e Mortimer, 2002: 2)
Alfabetizar, portanto, os cidadãos em ciência e tecnologia é
hoje uma necessidade do mundo contemporâneo... Não se trata de
mostrar as maravilhas da ciência, como a mídia já o faz, mas de
disponibilizar as representações que permitam ao cidadão agir, tomar
decisão e compreender o que está em jogo no discurso dos
especialistas (Fourez, 1995 apud Santos e Mortimer, 2002: 3)
Esse novo modo de produção tem acarretado um aumento da
responsabilidade social dos produtores de conhecimento científico e
tecnológico. Nele os diferentes profissionais se unem no interesse
comum de resolver grandes problemas (Santos e Mortimer, 2002: 3)
Nas iniciativas presentes, a educação científica deve ser
colocada a serviço do desenvolvimento plural de habilidades, através
dos quais o educando possa refletir criticamente, posicionar-se e
tomar decisões sobre questões locais e globais, onde tanto os
elementos cognitivos como atitudinais são igualmente importantes na
composição de um espectro amplo de habilidades. (Giordan, 1997:
323)
Tais posições encontram-se apoiadas por discursos mais gerais que circulam na
sociedade que defendem ser necessário um novo indivíduo, mais autônomo e
responsável, capaz de articular os diversos conhecimentos para avaliar e decidir. Nesse
sentido, os discursos da comunidade de ensino de química têm pontos que facilitam a
articulação com discussões instrumentais que facilmente se globalizam. Um exemplo
disso é a concepção de aprendizagem. Ainda que esta seja completamente distinta das
concepções instrumentais – como aquelas vinculadas às competências -, elas se
aproximam porque defendem a necessidade de o aluno dominar determinados saberes
para tomar decisões relacionadas a um contexto. Essa aproximação justifica a
124
importância do ensino de Química para o indivíduo e sua atuação como cidadão,
fazendo com que esse discurso se fortaleça no cenário social, e conseqüentemente, no
educacional. Igualmente, a disciplina escolar química tende a se aproximar do seu
conhecimento de referência, o conhecimento químico científico, para conseguir
reconhecimento e status. A aproximação não acontece com relação aos conteúdos e as
formas de organização somente, mas também com relação aos discursos que
caracterizam esse conhecimento de referência. Por isso a defesa do ensino de química
na escola se apropria de discursos e aspectos que são próprios do conhecimento químico
científico, como é o caso dos posicionamentos relacionados ao novo modo de produção.
Nesse sentido, a comunidade disciplinar de ensino de química garante um maior
reconhecimento e fortalecimento do seu campo ao se aproximar dos discursos
relacionados ao conhecimento químico científico no mundo atual. Portanto, o seu
discurso torna-se mais abrangente e universal, contribuindo para sua hegemonização.
No entanto, já existem posicionamentos dentro da área que questionam essas
concepções. Mortimer (2002) chama a atenção que alguns pesquisadores apontam na
direção de problematizar a importância dos conceitos científicos na resolução de
problemas cotidianos, pois o conhecimento científico não interfere diretamente na vida
cotidiana das pessoas, uma vez que é irrelevante, total ou parcialmente, nas decisões
diárias. O pesquisador, juntamente com Santos, reconhece que o conhecimento
científico, na maioria das vezes, tem menor peso nas decisões cotidianas, uma vez que a
complexidade desse conhecimento não contribui para a sua utilização. Os mesmos
pesquisadores ressaltam ainda que o reconhecimento dos limites do conhecimento
científico é muito importante, na medida em que se evita a ilusão, que no fundo é
cientificista, de que a ciência poderá, num futuro, informar todas as decisões (Santos e
Mortimer, 2002: 14). Assim, os autores não defendem que a ciência ou que a química
seja a resposta para todas as questões ou problemas sociais, mas defendem que sua
apropriação e utilização podem contribuir para um melhor entendimento destas questões
ou problemas. Nesse sentido, é que Mortimer afirma que prevalece a concepção entre os
pesquisadores da área, a qual ele concorda, de que o conhecimento científico é essencial
para as decisões que tomamos na vida cotidiana (2002: 29). Para o pesquisador, a
contribuição da alfabetização e do letramento científico pode ser relacionada à
conscientização política do indivíduo. A aquisição do conhecimento químico e a sua
articulação com os demais conhecimentos existentes contribuem para que o indivíduo
125
possa se informar, questionar e decidir sobre as diversas questões do dia-a-dia. Logo, o
ensino do conhecimento químico escolar deve promover a formação de um cidadão
ativo e atuante nos diversos setores da sociedade, e não apenas informar o indivíduo
sobre aquele conhecimento. Um ensino que contribua para o desenvolvimento de
valores necessários para a formação de cidadãos críticos comprometidos com a
sociedade (Santos e Mortimer, 2002: 5). Dessa forma, mesmo havendo questionamentos
sobre o cientificismo na tomada de decisões – sobre a centralidade do conhecimento
científico para a tomada de decisões -, a maioria da comunidade disciplinar ainda
continua o utilizando para justificar a importância do ensino de Química.
Partindo de questionamentos sobre os termos alfabetização e letramento
desenvolvidos nos campos da Educação e das Ciências Lingüísticas, Santos (2006)
chama a atenção para as diferenças entre os termos com relação à ciência e à tecnologia
e a sua relação com o ensino de Química desejado. Para o pesquisador, a alfabetização
científica e tecnológica corresponde ao reconhecimento da linguagem científica e ao
entendimento de seus princípios básicos pelo indivíduo, sem que haja sua utilização na
prática social. Por sua vez, o indivíduo letrado científica e tecnologicamente é aquele
que consegue perceber o conhecimento científico e tecnológico na sua vida cotidiana,
analisar as implicações envolvidas nas situações e estabelecer possíveis intervenções
que possam contribuir para uma melhor qualidade de vida. Nesse sentido, é que Santos
defende que o ensino das ciências para a educação básica deve ser pautado pelo
letramento científico e tecnológico dos indivíduos, uma vez que para formar cidadãos
críticos e atuantes na sociedade não basta apenas reconhecer a linguagem e o
conhecimento científico. Além disso, o pesquisador ressalta que o letramento pretendido
deve estar associado à função social da ciência e da tecnologia:
Essa função envolve a compreensão do impacto da ciência e
da tecnologia sobre a sociedade. Tal dimensão tem um componente
voltado para a compreensão pública da ciência e a formação de
cidadãos para atuarem na atual sociedade científica e tecnológica.
(Santos, 2006: 613)
Sob esse enfoque, o letramento precisa desenvolver determinadas competências
e habilidades a fim de que o indivíduo possa se preparar para a tomada de decisões.
Contudo, Santos afirma que é preciso ressignificar a função social do letramento
científico e tecnológico, pois este não deve compreender apenas o desenvolvimento de
126
competências e habilidades. Baseado na proposta de Paulo Freire, o pesquisador
defende que o letramento científico e tecnológico deve ser concebido em uma
perspectiva humanística, a qual visa ao desenvolvimento de atitudes e valores para uma
cidadania planetária, comprometida com a construção de uma sociedade científica e
tecnológica, fundamentada em valores humanos, que preservem a vida em escala
mundial (Santos, 2006: 619). Desta forma, o letramento científico e tecnológico para o
ensino de Química na educação básica teria por finalidade a problematização dos temas
sociais e o comprometimento social dos alunos, fazendo com que estes percebam o
papel de cada cidadão na construção de uma sociedade mais justa e igualitária (Santos,
2006). Essa perspectiva parece resgatar aspectos mais políticos da concepção de
cidadania, embora a centralidade do conhecimento relevante socialmente se mantenha.
De certa forma tal concepção também está presente nos documentos curriculares
oficiais e isso pode ser entendido pela participação dos pesquisadores de ensino de
química, que são lideranças na comunidade, na elaboração dos mesmos, bem como pela
circulação social desses discursos. Nas OCNEM, os próprios elaboradores afirmam que
as intenções expressas nos atuais Parâmetros contemplam grande parte das mudanças
que os educadores da Área, especialmente do componente curricular da Educação em
Química, vêm defendendo há mais de vinte anos (Brasil, 2004: 221). Contudo, esses
discursos da comunidade aparecem recontextualizados e hibridizados, pois na
articulação com os outros discursos, os sentidos “originais” são modificados pela
equivalência construída visando a melhoria do ensino de Química. Os documentos
curriculares oficiais argumentam sobre a necessidade de se considerar a finalidade da
educação básica, assegurar ao educando a formação indispensável ao exercício da
cidadania. Nessa perspectiva, defende-se que a base curricular nacional deve articular os
eixos do conhecimento químico com a abordagem de temas sociais:
A discussão de aspectos sociocientíficos articuladamente aos
conteúdos químicos e aos contextos é fundamental, pois propicia que
os alunos compreendam o mundo social em que estão inseridos e
desenvolvam a capacidade da tomada de decisão com maior
responsabilidade, na qualidade de cidadãos, sobre questões relativas
à Química e à Tecnologia, e desenvolvam também atitudes e valores
comprometidos com a cidadania planetária em busca da preservação
ambiental e da diminuição das desigualdades econômicas, sociais,
culturais e étnicas. (Brasil, 2006: 119)
127
Dessa forma, na análise dos textos curriculares oficiais e não-oficiais o conceito
de cidadania aparece vinculado ao discurso da tomada de decisão e à relevância do
conhecimento químico no mundo atual. Ressalto como a tomada de decisões para a ação
social responsável do cidadão é entendida como conseqüência de um conhecimento
prévio, o conhecimento científico ou o conhecimento químico, como resultado de um
efeito de ordem prática. Tal visão é associada ao predomínio de enfoques psicológicos
da aprendizagem Os aspectos políticos relacionados à tomada de decisão acabam
minimizados pelos aspectos práticos, pela valorização do conhecimento e pela
simplificação do processo de atuação do cidadão. Assim, a formação para a cidadania
veiculada na maioria dos discursos parece desconsiderar as complexas articulações que
estão em jogo no processo político das decisões. Se toda decisão é política e se a
política se constitui como um terreno indecidível pela sua complexidade, precariedade,
e contingência, conforme aponto com o aporte de Laclau (2006a) as decisões não
podem ser consideradas como derivadas apenas do conhecimento considerado relevante
e da aplicação deste em dado contexto.
Entendo que a flutuação de sentidos, envolvendo a formação da cidadania e o
ensino de Química para as políticas curriculares do ensino médio, se baseia em
discursos sobre transformação social, valorização do conhecimento científico e
formação para a sociedade atual, os quais são articulados em função da contraposição ao
currículo tradicional, principalmente no que diz respeito ao conteúdo e a utilidade.
Dessa forma, é possível ler nos textos curriculares que a comunidade disciplinar
apresenta deslizamentos entre sentidos que valorizam um discurso de cidadania voltado
para a transformação social do mundo, e sentidos que valorizam um discurso de
cidadania relacionado com a formação do indivíduo para a sociedade atual, sociedade
esta que é influenciada em grande parte pelo conhecimento científico.
III.2 - Contextualização
O discurso sobre a contextualização é muito marcante na comunidade disciplinar
uma vez que a aproximação e a interação do conhecimento químico com o cotidiano ou
a vivência social dos indivíduos são consideradas imprescindíveis para um ensino de
128
Química diferente daquele realizado atualmente nas escolas. Vários artigos em
periódicos, mesas redondas com essa temática nos encontros de ensino da comunidade,
e propostas curriculares surgem da preocupação da relação do conhecimento químico
escolar com os aspectos sociais, tentando modificar o ensino tradicional.
Santos e Mortimer (1999), ao analisarem a dimensão social do ensino de
Química, apresentam distinções para o uso do termo contextualização. Segundo os
pesquisadores, os termos contextualização e cotidiano são utilizados muitas vezes como
sinônimos e isto implica certo reducionismo para o primeiro termo, já que o conceito de
contextualização passa a ser entendido como aplicado às simples exemplificações do
conhecimento químico nos fatos cotidianos. Eles defendem que a contextualização
aborda o ensino de Química no seu contexto social com relação às implicações
econômicas, sociais, culturais, políticas, dentre outras. Já o cotidiano, ou o ensino de
Química do cotidiano, trata dos conceitos científicos relacionados aos fenômenos da
vida diária, não tendo necessariamente que abordar as inter-relações existentes no
contexto social. Assim, um ensino baseado no cotidiano pode ou não ser
contextualizado. No entendimento dos pesquisadores, um ensino de Química que visa a
formar o indivíduo para o exercício da cidadania deve levar em consideração as
abordagens contextualizadas, pois nessas são discutidas as diversas relações entre
ciência e tecnologia, além de favorecer o desenvolvimento de atitudes e valores que
ajudarão na tomada de decisões. A perspectiva dos autores não é a de se contrapor ao
discurso do cotidiano, ao contrário, os pesquisadores consideram que a compreensão
dos processos do cotidiano é fundamental e já significa um passo a frente em relação às
práticas pedagógicas tradicionais (1999: 5), mas sim de chamar a atenção para a
problematização do ensino de Química que pretende formar um cidadão.
Esses mesmos pesquisadores reforçam essa perspectiva ao criticarem o ensino
das ciências convencional, destacando que o ensino dessas disciplinas deve contribuir
para uma ampla abordagem da ciência, o que incluiria não só os aspectos científicos,
mas também os aspectos que ajudam a ação do indivíduo na sociedade, contrapondo-se
assim ao ensino de ciências que ainda predomina:
Isso diferencia-se do modismo do assim chamado ensino do
cotidiano, que se limita a nomear cientificamente as diferentes
espécies de animais e vegetais, os produtos químicos de uso diário e
os processos físicos envolvidos no funcionamento dos aparelhos
129
eletro-eletrônicos. Um ensino que contemple apenas aspectos dessa
natureza seria, a nosso ver, puramente enciclopédico, favorecendo
uma cultura de almanaque. Essa seria uma forma de “dourar a
pílula”, ou seja, de introduzir alguma aplicação apenas para
disfarçar a abstração excessiva de um ensino puramente conceitual,
deixando, à margem, os reais problemas sociais. (Santos e Mortimer,
2002: 8)
Nos textos selecionados pode-se notar que os dois termos estão presentes nos
discursos da comunidade disciplinar de ensino de Química. O discurso do cotidiano
aparece relacionado tanto às exemplificações de fatos ou conceitos científicos como
também em referência à reflexão de questões sociais, políticas, econômicas, culturais,
éticas que influenciam a vida do cidadão. Arrisco afirmar que o termo cotidiano acaba
sendo usado como sinônimo de contextualização, porque se constitui o discurso mais
presente na comunidade desde a sua organização, pois é utilizado para se contrapor ao
ensino tradicional de Química criticado pela comunidade.
No entanto, no início da constituição da comunidade, o termo contextualização
praticamente não era utilizado e o termo cotidiano era utilizado por pesquisadores da
área de ensino de Química com um sentido diferente. Assim, recorrendo a Laclau
(2005), afirmo que os rastros dos conceitos são, em parte, apagados em função da
tentativa de articular diferentes discursos, tornados equivalentes entre si – mesmo que
provisoriamente -, a fim de se contrapor a algo maior. Isso faz com que o significante
cotidiano, trabalhado de forma mais crítica no passado, seja visto hoje como
representando apenas o contexto social diário. Dessa forma, o significante
contextualização, valorizado na atualidade e incorporado nas políticas curriculares,
consegue se articular com o significante cotidiano ampliando os discursos curriculares
da comunidade. Ressignifica-se o que é cotidiano para a comunidade e o que é
contextualização, de forma que sejam fixados outros sentidos que possam ser
articulados entre si na oposição ao currículo atual nas escolas. Entendendo que as
ressignificações constituem uma tentativa de constituir discursos hegemônicos na
comunidade, é preciso destacar como esses significantes apresentam flutuações que
contribuem para a ambivalência dos seus sentidos (Laclau, 2006a). Por isso chamo a
atenção para a fixação de sentidos que esses significantes adquirem na construção dos
discursos curriculares, os quais pouco contribuem para o entendimento da complexidade
do processo político. Lopes (2002), por exemplo, apesar de trabalhar com a
130
ressignificação dos discursos curriculares para o conceito de contextualização nos
PCNEM, ainda faz uma leitura um tanto fixada na sua análise ao relacionar cotidiano e
contextualização. Ressalto ainda que se faz necessário entender os deslizamentos dos
sentidos desses significantes para as análises das políticas.
O professor Mansur Lutfi
91
é um dos nomes lembrados dentro da comunidade
quando o assunto é o cotidiano. Desde o final da década de 1970, o professor destacou-
se na comunidade pelo seu descontentamento com a situação do ensino de Química e
pelo seu engajamento em fazer da Química um agente de mudança social. Participou de
projetos que desenvolviam propostas curriculares diferenciadas como a proposta do
grupo GEPEQ. De acordo com Lutfi (1988), o cotidiano não é restrito às ações isoladas
do dia-a-dia, nem sua relação com o ensino de Química se resume a exemplificar os
conhecimentos químicos. Defendia que o cotidiano deveria ser interpretado como uma
questão contraditória, constituída pelas relações predominantes na sociedade capitalista.
Sua proposta de ensino para o curso de Química Orgânica, trabalhando os aditivos e
conservantes em alimentos, permitia desenvolver o conteúdo químico e ainda discutir a
função da Química na sociedade em que vivemos. Segundo o autor, seu objetivo era
propor um curso de Química Orgânica em que os alunos traziam as informações e
recebiam subsídios para compreenderem a sociedade a que pertenciam (1988: 21). Ao
mesmo tempo em que promovia a compreensão das relações econômicas e sociais da
sociedade, a proposta desenvolvia uma nova forma de estudar a Química Orgânica: de
forma integrada à vida do aluno, articulada a outros ramos da Química, utilizando
metodologia científica de trabalho, desenvolvendo a capacidade de investigação e
crítica do aluno, e colocando um problema em discussão para o posicionamento do
aluno com relação ao estudo da Química e aos aspectos econômicos, sociais, políticos,
etc. (Lutfi, 1988).
O sentido de cotidiano trabalhado pelo pesquisador é relativo à função social da
Química na sociedade com a finalidade de incentivar a ação política do indivíduo. O
ensino de Química deveria permitir a mudança política por intermédio da compreensão
dos conhecimentos químicos e das relações sociais predominantes. Tal sentido vai
sendo apagado ou minimizado à medida que esse significante torna-se equivalente a
outros significantes que a comunidade defende ao longo de sua trajetória.
91
Mestrado e Doutorado em Educação pela UNICAMP, nos anos de 1982 e 1989, respectivamente. (Pós-
doc na Université de Paris VI)
131
O trabalho de Lutfi teve muita repercussão dentro da comunidade, levando a
publicação, no ano de 1988, do livro Cotidiano e Ensino de Química. Maldaner afirma
que a publicação primava pela riqueza de informações, tanto metodológicas quanto de
conteúdo, preenchendo uma lacuna existente na comunidade: a dificuldade em
conseguir uma bibliografia adequada para implementar as mudanças (1988: 10)
sugeridas e motivadas nos Encontros sobre Ensino de Química. Lutfi publicou também
o livro Os ferrados e os cromados: produção social e apropriação privada do
conhecimento químico, em 1992. As propostas de Lutfi, desenvolvidas em seus
trabalhos de mestrado e doutorado, foram importantes para incentivar a discussão sobre
a função social do ensino de Química e o papel do indivíduo na sociedade. Mortimer e
Santos destacam que, apesar dos materiais produzidos por Mansur Lutfi não terem se
configurado como livros didáticos no contexto escolar, eles motivaram o
desenvolvimento de projetos de ensino em diversas escolas (2008: 95). Nesse sentido,
podem ser considerados como promotores de ações e políticas curriculares locais.
Outros educadores e pesquisadores estiveram engajados na defesa de um ensino
de Química mais relacionado ao cotidiano de forma que pudessem problematizá-lo e
transformá-lo. Ressaltando a importância de interpretar a Química como uma linguagem
capaz de permitir a compreensão crítica do mundo, Chassot (1995) defende a
necessidade de se relacionar no ensino os diferentes tipos de saberes, como o científico,
o cotidiano e o popular, sem estabelecer hierarquias sociais entre os saberes e as
pessoas. O resgate dos saberes populares constitui o grande diferencial de sua proposta,
pois valoriza os produtores desses saberes e estimula o diálogo entre diferentes saberes,
como forma de trabalhar a função social do ensino. Como conseqüência ocorre a
preservação de conhecimentos que seriam extintos e a aproximação do ensino com
situações mais próximas dos alunos, fazendo com que o ensino de Química dialogue
com o passado e o presente na construção do conhecimento e do mundo (Chassot,
2000). Tal perspectiva apresenta repercussões maiores para o ensino de Ciências do que
para o ensino médio e o ensino superior, como apontado pelo próprio pesquisador em
seus trabalhos.
Santos e Schnetzler (2000) enumeram algumas propostas que articularam o
cotidiano ao ensino de química no sentido de promover a cidadania ou a
conscientização social. Dentre elas destaco aqui, além do professor Mansur, o Proquim
(Projeto de Ensino de Química para o 2º grau) e o Projeto Interações e Transformações
132
– química para o segundo grau. Coordenado por Roseli Schnetzler, o Proquim tinha
como finalidade a compreensão de que a Química se insere em vários aspectos da vida
do indivíduo. Para o Projeto Interações e Transformações, coordenado por Luís Roberto
Pitombo e Maria Eunice Marcondes, o ensino de Química deve estar associado à
experiência do aluno no seu dia-a-dia tornando a aprendizagem um processo ativo.
Apoiados em teorias da psicologia do ensino e aprendizagem, ambos os projetos
valorizam o cotidiano como uma forma de motivar o aluno e valorizar os seus saberes
prévios. A promoção da cidadania e da conscientização social é considerada como
decorrente da melhoria do processo de ensino e aprendizagem. Esses projetos merecem
destaque porque seus coordenadores acabaram se constituindo lideranças para a
comunidade disciplinar, levando suas concepções e significações a inúmeros contextos,
bem como se tornaram formadores de novas gerações de educadores químicos
preocupados com o ensino de Química, fomentando assim as discussões existentes. Não
se pode esquecer que esses pesquisadores influenciaram também o mercado editorial de
livros didáticos, a criação de novos projetos de pesquisa e novas propostas curriculares,
e a formulação de políticas curriculares em seus diferentes níveis.
Santos
92
lembra como a pesquisadora Roseli Schnetzler influenciou de maneira
significativa, por intermédio de sua pesquisa de mestrado, a discussão sobre o cotidiano
no ensino de Química. Em sua dissertação, a pesquisadora critica os livros didáticos de
Química da década de 1970 por não apresentarem nenhuma vinculação com o cotidiano
e com a vida do indivíduo. Isso desencadeou nos encontros e nas publicações sobre o
ensino de Química um movimento crítico em relação ao assunto. O movimento
aproveitou as discussões existentes na comunidade sobre a necessidade de inovar e
modificar o ensino de Química para introduzir a defesa do cotidiano. Fez-se assim a
articulação entre os discursos defensores do caráter inovador, entendido como essencial,
e o discurso do cotidiano. A introdução deste discurso era defendida como forma de
tornar o ensino de Química mais próximo do aluno, fazendo com que este reconhecesse
o conhecimento químico nas questões da vida social, que reconhecesse a Química como
vida, e não apenas uma “Química de quadro-negro”.
Nessa articulação os sentidos do conceito cotidiano que circulavam na
comunidade foram ressignificados. Assim, sentidos que se baseavam em um viés mais
político e crítico, apoiados nas teorias marxistas – casos das propostas de Mansur e
92
Em entrevista mencionada anteriormente.
133
Chassot -, e sentidos que se baseavam em teorias construtivistas de enfoques menos
políticos e mais cognitivos – casos das propostas do Proquim e do Interações e
Transformações – tornaram-se equivalentes na luta contra o ensino de Química
tradicional. O caráter inovador que o cotidiano proporciona acaba caracterizado pelo
deslizamento de sentidos entre os aspectos mais políticos e os aspectos mais
metodológicos. Nesse processo híbrido, esses sentidos perdem certas características e
enfoques e ganham outros, constituindo novas bases para a fixação dos sentidos no
discurso curricular sobre o cotidiano no antagonismo ao currículo tradicional.
O discurso de defesa do cotidiano é apropriado por alguns autores de livros
didáticos que participavam dos encontros de ensino de Química, levando a modificações
em seus livros ao longo das décadas de 1980 e 1990. As mudanças são caracterizadas
pela inclusão de fotos ou questões que simplesmente exemplificavam o cotidiano, sem
alterar a organização dos conteúdos químicos escolares e muito menos sem promover
maiores reflexões sobre estes conteúdos e suas inter-relações na sociedade. Já na década
de 2000, a utilização de temas do cotidiano para organizar o currículo constitui uma
nova forma de pensar e trabalhar o ensino de Química. Chamo a atenção que essas
mudanças também são influenciadas pelos deslizamentos de sentidos sobre o cotidiano
que permeiam o discurso da comunidade disciplinar, na medida em que os sentidos
metodológicos acabam predominando nas ações da comunidade.
Santos ressalta ainda que não foi apenas o trabalho de crítica da professora
Roseli Schnetzler que levou às mudanças nos livros didáticos por parte das editoras. Ele
acredita que esse fato foi importante, mas que outras questões influenciaram as
mudanças:
Obviamente, tem todo um contexto de um mercado editorial
em que a mudança da imagem do livro foi legal. O mercado absorveu
e ali entrou. Mas eu acredito que as discussões acadêmicas, de certa
forma, contribuíram também para favorecer. Eu acho que [...] não foi
somente esse contexto do mercado editorial, mas sim porque se tentou
incorporar o discurso da inovação com o cotidiano e aí se colocou a
foto, a imagem, que era a coisa mais fácil e mantinha-se os conteúdos
da forma como estavam. (Santos, entrevista)
Concordando com o pesquisador, defendo que há uma convergência de situações
que levam à introdução do cotidiano nos discursos acadêmicos e sociais. A inserção do
cotidiano no ensino de Química, mesmo de maneira superficial em um primeiro
134
momento, é importante para fomentar e intensificar as discussões sobre que tipo de
ensino a comunidade disciplinar entendia como adequado. Discursos políticos – o
ensino de Química pelo cotidiano possibilita que o aluno questione e torne-se mais
crítico – são associados aos discursos metodológicos – o aluno aprende melhor.
Discussões que surgiram no contexto de organização dos educadores químicos
vinculados a grupos de pesquisa que cada vez mais se consolidavam no cenário
brasileiro (Mortimer e Santos, 2008).
Dessa forma, ocorre a intensificação dos discursos defensores de um ensino de
Química capaz de formar indivíduos mais conscientes do que acontece a sua volta e
mais atuantes na sociedade, discursos esses que se contrapõem ao ensino de Química
visto como descontextualizado e apolítico. Outros discursos começam a participar dessa
cadeia de equivalências, como é o caso da contextualização. Na análise dos artigos da
revista QNEsc, o termo aparece pela primeira vez no ano de 1996 em um artigo de
Santos e Schnetzler. Os pesquisadores apresentam uma proposta de ensino de Química
para formar cidadãos, baseada em pressupostos do ensino de CTS, fruto da pesquisa de
mestrado de Santos, a qual foi publicada em 1997 no livro Educação em Química:
compromisso com a cidadania. Segundo os pesquisadores, a formação da cidadania
precisa desenvolver a participação dos indivíduos e para isto a contextualização do
ensino é fundamental, pois esta permite construir um ensino mais significativo para o
aluno, vinculando o ensino à vida do aluno:
... percebe-se que o ensino de Química para o cidadão precisa
ser centrado na inter-relação de dois componentes básicos: a
informação química e o contexto social, pois, para o cidadão
participar da sociedade, ele precisa não só compreender a química,
mas a sociedade em que está inserido. É da inter-relação entre esses
dois aspectos que se vai propiciar ao indivíduo condições para o
desenvolvimento da capacidade de participação, que lhe confere o
caráter de cidadão. (Santos e Schnetzler, 2000: 94-5)
Portanto, na lógica dos pesquisadores a contextualização é que permite o
reconhecimento e a identificação do conhecimento químico escolar nas questões e nas
situações próximas do aluno, fazendo com que este se aproxime do conhecimento e
compreenda o caráter social do ensino: poder interferir no seu contexto. A
contextualização propicia ao indivíduo o acesso às informações e aos diferentes
conhecimentos fazendo com que ele conheça melhor a sociedade em que vive e se sinta
135
capaz de tomar decisões. Esses pressupostos têm o intuito de desmistificar o
conhecimento, no que diz respeito a sua neutralidade e a infalibilidade, e de promover a
participação ativa do cidadão na sociedade por intermédio de julgamentos e decisões
próprias:
Tais conhecimentos facilitam a construção de uma concepção
mais adequada de ciência, pois o aluno deixa de achar que a química
é um conhecimento de iniciados, que só pode ser dominada por
especialistas e que, portanto, não caberia a ele participar de assuntos
dessa natureza, mas apenas acatar as decisões dos técnicos (Santos e
Schnetzler, 2000: 99)
A concepção mais adequada de ciência é entendida como aquela que se
contrapõe ao ensino de Química memorístico, fragmentado e desarticulado com o
cotidiano do indivíduo, um ensino que é literalmente inútil, segundo Chassot (1995),
pois o conhecimento químico da escola não tem nada a ver com a Química da vida,
como defende Schnetzler (entrevista). Para superar este tipo de ensino e esta visão de
ciência, a proposta de contextualizar por temas sociais é apontada:
Ao contextualizar o conteúdo, os temas sociais explicitam o
papel social da química, as suas aplicações e implicações e
demonstram como o cidadão pode aplicar o conhecimento na sua vida
diária. Além disso, os temas têm o papel fundamental de desenvolver
a capacidade de tomada de decisão, propiciando situações em que os
alunos são estimulados a emitir opinião, propor soluções, avaliar
custos e benefícios e tomar decisões, usando o juízo de valores.
(Santos e Schnetzler, 2000: 98)
A defesa da contextualização na perspectiva desses pesquisadores apóia-se de
certa forma na retomada de aspectos mais políticos do ensino, pois valorizam o ensino
de Química como capaz de auxiliar na compreensão crítica do mundo e na participação
do cidadão na sociedade pela tomada de decisões. Argumento que a introdução do
discurso da contextualização na comunidade de ensino de Química gera um novo
movimento de deslizamentos de sentidos pela articulação com os discursos do
cotidiano, já que estes não são abandonados pelos pesquisadores
93
. Argumento ainda
93
Nos primeiros dez números da revista QNEsc (1995-1999), o termo contextualização aparece em 7
artigos de um total de 138 artigos, enquanto que o termo cotidiano aparece em 42 artigos no mesmo
período.
136
que, com a divulgação das propostas curriculares oficiais para o ensino médio, esses
deslizamentos intensificam-se e promovem outros. O significante contextualização
envolve discursos associados ao sentido mais técnico e instrumental do ensino, como
aplicação de um saber-fazer em um contexto, veiculado pelas propostas oficiais; e
discursos com um enfoque mais crítico defendidos por perspectivas do ensino de CTS.
Essa flutuação de sentidos para o significante contextualização permite articular o
discurso do cotidiano presente na comunidade com o discurso mais instrumental e o
discurso mais crítico da participação social pela tomada de decisões, de forma que os
dois significantes continuem a se opor ao currículo de química tradicional.
Esses deslizamentos de sentidos são responsáveis pelas negociações que os
discursos curriculares da comunidade precisam estabelecer nos diferentes contextos
sociais na tentativa de que seus discursos tornem-se hegemônicos, como é o caso da
elaboração de propostas curriculares ou de livros didáticos.
No livro didático de Mortimer e Machado (2003), o cotidiano é a peça chave
para um ensino de Química que requer a interação e o diálogo constante. Trabalhando
com a questão da linguagem e da perspectiva dialógica, os pesquisadores apontam o
cotidiano como a realidade por excelência dentre todas as realidades existentes no
mundo, pois é a partir do dia-a-dia que todas as linguagens são construídas. Dessa
forma, o ensino de Química pode fornecer instrumentos de leitura do mundo e, ao
mesmo tempo, desenvolver certas habilidades básicas para ele viver em sociedade
(2003: 13), como é o caso da tomada de decisões. Assim como Santos e Schnetzler, os
pesquisadores da UFMG defendem a abordagem contextualizada como forma de
articular a construção do conhecimento químico e sua aplicação a problemas sociais,
ambientais e tecnológicos (Mortimer e Machado, 2002: 1), formando assim, cidadãos
mais críticos e responsáveis.
No entanto, a utilização do cotidiano na proposta tem um caráter mais associado
à psicologia da aprendizagem, pois consideram os conceitos inseparáveis dos contextos
de aplicação, uma vez que o aluno tende a recuperar conceitos a partir desses
contextos de aplicação e não no vazio (Mortimer e Machado, 2003: 13). Os
pesquisadores argumentam que o ensino de um conceito químico deve acontecer em um
contexto de aplicação porque a Química está presente no dia-a-dia e os fenômenos não
param de ocorrer à nossa volta, seja quando lavamos o rosto com sabonete, seja quando
utilizamos sacolas de papel e de plástico, ou ainda quando utilizamos meios de
137
transporte que consomem inúmeros tipos de combustível (Mortimer, 1997; Mortimer e
Machado; 2003). Essa perspectiva considera que o contexto de aplicação traz assim um
novo significado para o ensino da Química, na medida em que os alunos constroem os
conceitos químicos a partir da interação com as questões que os cercam diariamente.
Objetivam promover uma tensão dialética entre a abordagem conceitual e a contextual.
Contudo, é preciso destacar como essa relação estreita entre contextos e
conceitos que os pesquisadores defendem pode ser conectada com as perspectivas mais
instrumentais ligadas à idéia da aplicação de competências em um contexto. Lopes
(2002, 2005) argumenta como na organização curricular por competências, os
conteúdos são traduzidos em habilidades expressas em um saber-fazer. O contexto de
aplicação desse saber-fazer acaba restringindo-se ao espaço de resolução de problemas.
A associação do cotidiano com aspectos da psicologia por estes pesquisadores
do grupo Foco é fruto de algumas contribuições construtivistas com as quais dialogam,
como, por exemplo, que as concepções prévias dos alunos influenciam no processo de
aprendizagem. Nesse sentido, para que os alunos possam trazer suas concepções prévias
é necessário trabalhar com contextos mais próximos a sua realidade, possibilitando
assim uma interação entre o discurso científico da Química e o discurso cotidiano
(Machado e Mortimer, 2007: 33). Essa interação, segundo os pesquisadores,
possibilitaria a compreensão de que todo conhecimento é parcial e dinâmico ao mesmo
tempo.
Para o grupo de pesquisa da USP, a falta de relação do conteúdo com o cotidiano
é um dos problemas no ensino de Química. Segundo seus pesquisadores, essa relação é
minimizada quando se parte das idéias e saberes prévios dos alunos e relaciona-os com
temas geradores de situações-problema, os quais permitem uma primeira abordagem
contextualizada social, política e economicamente e facilitam as aprendizagens de
atitudes como: postura crítica e cidadã, tolerância e trabalho em equipe (Marcondes e
Peixoto, 2007: 46). Tais pressupostos também apresentam contribuições de correntes
construtivistas relacionadas com perspectivas da psicologia. A concepção construtivista
defendida entende a aprendizagem como construção e reconstrução, de forma ativa e
contínua pelos indivíduos, na tentativa de dar significado ao mundo em que vivem. Para
isso, é preciso estabelecer relações entre os conhecimentos (dentre eles, os saberes
prévios) a fim de compartilhar significados e interações sociais na construção do
conhecimento (Marcondes e Peixoto, 2007). Apesar da aproximação teórica com o
138
grupo da UFMG, as questões do cotidiano estão associadas aos conceitos químicos
necessários para o entendimento e avaliação crítica de aspectos relativos à exploração,
produção e consumo de materiais (2007: 52). Saliento que este tipo de abordagem
privilegia a contextualização dos processos de produção e/ou industriais, valorizando
preferencialmente os conhecimentos desses contextos.
Pesquisadores da UNIJUÍ, como Maldaner (2008a), afirmam que suas propostas
curriculares no início da década de 1980, contemplavam a idéia de temas geradores de
Paulo Freire e também a idéia da contextualização dos conteúdos de Ciências pela
escolha de temas. Tal trabalho tinha o intuito de superar a concepção fragmentada de
Ciências expressa nos livros didáticos tradicionais e, ao mesmo tempo, produzir sentido
para os conteúdos científicos (Maldaner, 2008a: 5). Hoje, os pesquisadores ressaltam a
importância da contextualização estar associada a uma situação real e vivencial.
Maldaner considera essencial tratar os aspectos do domínio da vivência dos alunos, da
escola e da comunidade como conteúdo do aprendizado científico e tecnológico
promovido pelo ensino escolar (Gipec, 2003: 8), pois a vivência dinamiza e articula as
inter-relações existentes socialmente. Nesse sentido, o pesquisador e o seu grupo de
pesquisa argumentam que:
As situações de vivência permitem que o objeto sobre o qual os
estudantes e o professor estão se referindo seja sempre um objeto em
comum e isso possibilita que conceitos do cotidiano se façam
presentes e passem a interagir com conceitos científicos introduzidos,
permitindo que ambos se relacionem e se configurem em novos níveis
de aprendizagem e desenvolvimento. (Gipec, 2003: 8)
Zanon (2008) destaca como esse tipo de abordagem, valorizando os aspectos
cotidianos nas situações de vivência, facilita a interação na disciplina e entre as
disciplinas bem como da aprendizagem significativa e relevante socialmente.
A problematização de uma situação real com a
intencionalidade de interpretá-la teoricamente à luz das ciências,
contextualizando conceitos científicos a serem significados, é um
desafio que clama o outro: o de ampliar os horizontes do cotidiano,
fazendo-o evoluir, complexificando-o, em interações típicas a uma
aula de CN. Desafios implicados um no outro, e não dicotômicos
entre si, requerem-se mutuamente, em relação de reciprocidade, em
contraposição à visão restrita de que contemplar as realidades dos
alunos, seus conhecimentos/vivências como pontos de partida ao
139
ensino é algo simples, que basta, por si só, para que o ECN
desenvolva as potencialidades humanas, conferindo significado e
relevância social aos conhecimentos escolares. (Zanon, 2008: 255-6)
Dessa forma, o conhecimento é visto como mediação e como interlocução entre
diferentes saberes, sem que haja polarizações ou dicotomias. A perspectiva da proposta
das situações reais envolve a utilização da linguagem conceitual associada à função
social da escola, pois dessa forma valores de cidadania seriam agregados e
contemplados. A contextualização, nessa lógica, estaria voltada para o desenvolvimento
de novas consciências e potencialidades, além da promoção da qualidade de vida social
e ambiental.
Segundo Maldaner
94
, a contextualização é uma das contribuições da área de
ensino de Química para as propostas e políticas curriculares: o ensino contextualizado, o
ensino a partir de situações práticas, está profundamente contemplado nos parâmetros,
isto a comunidade defendeu (Maldaner, entrevista). Contudo, o significado da
contextualização nos documentos oficiais leva em consideração outras questões além
dos sentidos promovidos e defendidos pelos pesquisadores da comunidade. Nesse
processo, a flutuação de sentidos dos significantes cotidiano e contextualização que
existe nos discursos da comunidade tem que ser negociado com os sentidos globais que
defendem a contextualização. As contribuições da área estão nas propostas não somente
porque seus pesquisadores participaram da elaboração dos mesmos ou porque seus
discursos foram contemplados, mas sim porque a comunidade disciplinar, por
intermédio de seus elaboradores, negociou os sentidos dos seus discursos curriculares.
Somente pela negociação dos discursos, de acordo com Laclau (2005), com outras
instâncias, como a oficial, é que a comunidade pode ampliar a sua significação sobre a
melhoria do ensino de Química nas escolas.
Nos documentos oficiais da reforma do ensino médio, o discurso da
contextualização aparece associado à concepção de integração. Isto acontece porque a
integração parece ser considerada a principal meta a ser alcançada pelas mudanças
preconizadas. Machado
95
(1999) argumenta que a concepção de contextualização
associada à integração incorpora relações tacitamente percebidas, a contextualização
enriquece os canais de comunicação entre bagagem cultural, quase sempre
94
Em entrevista realizada em 01/12/07 por Rozana Gomes de Abreu.
95
Elaborador e Consultor do ENEM.
140
essencialmente tácita, e as formas explícitas ou explicitáveis de manifestação do
conhecimento (1999: 20). Assim, a contextualização permite construir e relacionar
significados por meio de experiências concretas e diversificadas. Pereira
96
(2000)
aponta que a contextualização implica incorporar ao cotidiano da escola o cotidiano
social e cultural vivido por todos nós e enriquecer essa vivência, mediante a construção
de um novo modo de olhar e compreender o mundo que nos cerca (2000: 1).
Ainda nessa lógica, a contextualização é entendida como um recurso capaz de
ampliar as possibilidades de interação não apenas entre as disciplinas nucleadas em
uma área como entre as próprias áreas de nucleação (Brasil, 1999a: 79). Segundo os
PCNEM, contextualizar o conteúdo que se quer aprendido significa, em primeiro lugar,
assumir que todo conhecimento envolve uma relação entre sujeito e objeto (Brasil,
1999a: 79), uma relação de reciprocidade que pode alterar áreas, âmbitos ou dimensões
presentes na vida pessoal, social e cultural, mobilizando competências cognitivas já
existentes no indivíduo. As OCNEM reafirmam a importância do ensino
contextualizado para a superação de um ensino exclusivamente disciplinar, reducionista
e enciclopédico (Brasil, 2006).
Dessa forma, o discurso da contextualização está relacionado com os discursos
sociais e acadêmicos que criticam a disciplinaridade e a fragmentação do conhecimento.
A contextualização possibilitaria uma visão mais integrada dos diferentes
conhecimentos e um diálogo maior entre os campos disciplinares. No entanto, tal
entendimento tende a desconsiderar os interesses e as relações de poder que os
diferentes campos de conhecimento estabelecem na sociedade. Principalmente nos
PCNEM, a contextualização apresenta-se mais como um recurso metodológico,
baseados em princípios epistemológicos e psicológicos, na medida em que discutem
como ensinar melhor os indivíduos para que estes possam compreender o mundo em
que vivem (Abreu, 2002, Abreu & Gomes, 2004; Lopes; 2008). Esse enfoque dos
documentos oficiais acaba se articulando com o discurso do cotidiano para o ensino de
Química, pois sentidos metodológicos também permeavam esse discurso na
comunidade. Ressalto, novamente, como a articulação entre cotidiano e
contextualização é alcançada pela flutuação de sentidos que esses significantes
adquirem no contexto da produção das políticas.
96
Coordenador Geral do Ensino Médio na época da divulgação dos PCNEM, e Coordenador da área de
Ciências Humanas e suas Tecnologias.
141
Analisando o conceito nos documentos oficiais, Gouvea e Machado (2006)
destacam que tanto nos PCNEM como no PCN+, a idéia de contextualização está
associada ao processo de aprendizagem, não existindo uma discussão aprofundada sobre
o conceito. Afirmam ainda que a contextualização parece ser algo exterior que vem dar
significado aos conteúdos escolares, colaborando para uma visão reducionista do termo.
As autoras analisam também os artigos da revista Química Nova na Escola a fim de
verificar a incorporação do conceito no periódico. Segundo as mesmas, os artigos
apresentam dificuldades nas discussões sobre o termo, pois prevalece a idéia de que este
princípio tem a finalidade de atrair o aluno, pouco contribuindo para o aprofundamento
de seu significado para o ensino de Química. Argumentam que tal fato pode ter relação
com os documentos oficiais, uma vez que estes não apresentaram de forma mais
destacada e organizada a idéia de contextualização (2006: 6).
Tanto os PCNEM como as OCNEM afirmam que o ensino de Química
contextualizado deve ser baseado na vivência de situações reais do dia-a-dia e no
desenvolvimento de atividades desvinculadas da pura transmissão de conceitos ou da
mera ilustração desses, conforme defendido pelos pesquisadores da comunidade. Assim,
a contextualização como princípio de organização curricular pretende facilitar a
aplicação e a relação dos conhecimentos escolares na compreensão das experiências
pessoais, bem como facilitar o processo de construção dos conhecimentos abstratos na
escola a partir do aproveitamento das experiências pessoais. A contextualização não
deve ser entendida como a banalização/simplificação dos conteúdos curriculares numa
perspectiva espontaneísta, mas sim como um facilitador na construção dos
conhecimentos escolares e na reconstrução de conhecimentos baseadas na experiência
pessoal, refletindo e questionando sempre a realidade existente. Segundo Stein (apud
Brasil, 1999a: 84), a aprendizagem contextualizada propõe não apenas trazer a vida
real para a sala de aula, mas criar as condições para que os alunos (re)experienciem
os eventos da vida real a partir de múltiplas perspectivas. Nessa concepção, a
contextualização valoriza os saberes prévios dos alunos, recuperando de certa forma
idéias do progressivismo de Dewey, que hoje aparecem ressignificados nos documentos
oficiais (Lopes, 2008).
Como esses documentos tiveram a participação direta de integrantes da
comunidade de ensino de Química, com grande experiência na pesquisa sobre o ensino
de Química, na formação inicial e continuada de professores, e na elaboração de
142
material didático, muitos dos pressupostos defendidos pelos mesmos, e já citados
anteriormente, foram incorporados na elaboração das propostas oficiais. No entanto,
argumento com Lopes et al (2001) que as perspectivas teóricas desses pesquisadores
tendem a assumir um viés mais crítico e relacionado à defesa de uma educação
democrática, pois
não se trata de apenas inserir o aluno no mundo e, para tal
fazer o aluno compreender esse mundo. Trata-se do entendimento de
que há um projeto de mudança a ser desenvolvido no mundo, de
forma democrática, e diferentes conhecimentos precisam ser
construídos para que esse projeto se desenvolva. (2001: 4)
Existe a preocupação por parte das principais lideranças da comunidade
disciplinar de que a educação em química possibilite construir uma sociedade mais justa
e igualitária por intermédio de uma cidadania responsável, desenvolvendo para isso
questionamentos que contribuam para a transformação dos modelos dominantes nos
diversos contextos da sociedade (Santos, 2006, 2008; Maldaner, 2008a). Pensar em uma
sociedade mais democrática requer então mudanças em todos os sentidos. Para Chassot,
Há apenas duas alternativas de escolha. O ensino de
Química oferecido pode propiciar aos aquisidores que: ou continuem
cada vez mais dominados e mais domesticados para aceitarem as
relações de desigualdade, ou possam ser capazes de compreender a
realidade em que estão inseridos, e então modificá-la na busca por
transformações. Parece que a opção desejada deve ser a segunda.
Aceitando que o ensino que temos conduz à primeira das opções, só
cabe uma alternativa: mudança. (1995: 88)
Muitos desses discursos encontram consonância com os discursos de teóricos da
educação, como Paulo Freire, que defendem uma educação libertadora e emancipatória
como forma de se contrapor aos processos de opressão e de desigualdade social. Dessa
forma, acabam se referendando em seus trabalhos para construir discursos que ajudem a
superar o ensino tradicional, como também buscam a associação dos discursos mais
atuais – como a contextualização – com os discursos defendidos por esses teóricos.
Wartha e Alário (2005) destacam como aspectos relacionados à contextualização já
faziam parte da proposta pedagógica de Paulo Freire, quando este problematiza o ensino
pela utilização de temas geradores. Para Freire, o processo de construção do
143
conhecimento só acontece com a interação do sujeito com a realidade, com a sua
vivência, de modo que consiga ler e transformar esse mundo. Assim, para Wartha e
Alário contextualizar é uma estratégia fundamental para a construção de significações
que podem ajudar na compreensão e transformação do mundo.
Contextualizar é construir significados e significados não são
neutros, incorporam valores porque explicitam o cotidiano,
constroem compreensão de problemas do entorno social e cultural, ou
facilitam viver o processo de descoberta. Buscar o significado do
conhecimento a partir de contextos do mundo ou da sociedade em
geral é levar o aluno a compreender a relevância e aplicar o
conhecimento para entender os fatos, tendências, fenômenos,
processos que o cercam. Contextualizar o conhecimento no seu
próprio processo de produção é criar condições para que o aluno
experimente a curiosidade, o encantamento da descoberta e a
satisfação de construir o conhecimento com autonomia, construir uma
visão de mundo e um projeto com identidade própria. (2005: 43-44)
Enquanto isso, a perspectiva apresentada nos documentos, como os PCNEM,
concentra-se na concepção de que é preciso participar da sociedade, estar inserido e
acompanhar as mudanças existentes, mas não necessariamente de modificar essa
sociedade ou de questionar as mudanças defendidas hegemonicamente. Valorizando
contextos do trabalho e da cidadania, a contextualização aparece como forma de
aproximar e identificar a teoria na prática e vice-versa. Nessa lógica, a concepção de
contextualização nos PCNEM, desenvolvida por temas sociais, destaca o mercado de
trabalho e o mundo produtivo. Apesar de apresentar uma perspectiva menos crítica, não
se pode dizer que esse discurso oficial não se articula com os discursos da comunidade
de ensino de Química. Existem pressupostos defendidos pela comunidade na proposta
oficial que foram articulados em função das possibilidades e impossibilidades do jogo
político. Como exemplo, podemos citar a articulação de temas relacionados ao processo
industrial, que já eram utilizados pelos elaboradores em suas propostas curriculares na
comunidade, com temas que valorizam o contexto do trabalho e a preparação para a
introdução do indivíduo neste contexto.
No que se refere aos livros didáticos, Wartha e Alário (2005) identificam que a
contextualização abordada nos livros didáticos de Química, com edições entre os anos
de 1999 e 2002, centra-se prioritariamente em concepções que a associam como uma
descrição científica de fatos e processos do cotidiano do aluno e como estratégia para
144
facilitar a aprendizagem. A constatação dos autores reforça o nosso argumento de que a
flutuação de sentidos dos significantes cotidiano e contextualização configura as
diferentes possibilidades de leitura e utilização desses discursos, o que não é
considerado na análise política curricular. A ambivalência construída com essa
flutuação de sentidos é vista como contraditória, pois a valorização do discurso da
contextualização não contribui para as mudanças que são entendidas como adequadas
pela comunidade, orientando as recomendações no sentido de promover um maior
estudo do que se pretende com o princípio da contextualização nos documentos oficiais,
como os PCNEM, que deveriam servir como parâmetros para a efetivação da
contextualização nos LD [livros didáticos].... (2005: 46). Contudo, essa ambivalência
também possibilita a ação política da comunidade disciplinar de ensino na ampliação e
na legitimação dos seus discursos, tanto pelas ações desenvolvidas pela Divisão de
Ensino de Química da SBQ como pelas ações individuais dos seus pesquisadores
97
.
Considero que o discurso da contextualização potencializou a ampliação dos
discursos curriculares da comunidade e conseqüentemente sua ação nos processos de
significação das políticas curriculares para o ensino médio, na medida em que se
articula com os discursos existentes sobre cotidiano na comunidade e com os discursos
sociais mais gerais. Tal articulação só é possível pelos deslizamentos de sentidos desses
significantes. Na articulação entre cotidiano e contextualização, sentidos mais críticos e
sentidos mais metodológicos dos dois significantes são negociados a fim de que possam
se tornar equivalentes na luta pela melhoria do ensino de Química e na superação do seu
antagonista, o currículo tradicional de Química. Defendo que é por conta dessa
equivalência, que esses significantes são tratados de forma semelhante muitas vezes.
Defendo ainda que a flutuação de sentidos identificada nesta análise para esses
significantes – cotidiano e contextualização – é resultado das diferentes particularidades
que constituem a comunidade disciplinar de ensino de Química na tentativa de que seus
discursos individuais tornem-se mais universais.
97
Refiro-me a elaboração de livros didáticos e de cursos de formação continuada, por exemplo.
145
III.3 - Interdisciplinaridade
No editorial da revista Química Nova na Escola, no ano de 1997, os editores
apontavam que a interdisciplinaridade constituía uma preocupação cada vez maior entre
seus leitores. O entendimento de que o conhecimento químico escolar possui inúmeras
interfaces com as demais ciências, não podendo assim se furtar ao diálogo constante
com os outros saberes, leva a revista a ampliar o leque de suas discussões. O editorial
ressalta como a revista estava sendo considerada, naquele momento, pelos
pesquisadores da área como de outras áreas de conhecimento, um espaço propício para
ampliar certas discussões que ocorriam em contextos restritos, caso da
interdisciplinaridade.
Pode-se afirmar que essa preocupação aumenta após a divulgação da LDB, em
1996, e dos PCN, em 1997. Como um dos eixos organizadores do currículo oficial
proposto, o discurso sobre a interdisciplinaridade toma fôlego e visibilidade nas demais
discussões curriculares sobre o ensino de Química. Nos PCNEM, a interdisciplinaridade
é defendida como forma de interagir os diferentes tipos de conhecimento e de ciências,
pois muitos conceitos não pertencem exclusivamente a uma determinada ciência ou
contexto e por isso devem ser tratados sob uma ótica global. O caráter interdisciplinar
estaria
estimulando a percepção da inter-relação entre os fenômenos,
essencial para boa parte das tecnologias, para a compreensão da
problemática ambiental e para o desenvolvimento de uma visão
articulada do ser humano em seu meio natural, como construtor e
transformador deste meio (Brasil, 1999b: 9).
Os documentos da área disciplinar de Química, elaborados por Pitombo e
Marcondes, reforçam essa idéia, na medida em que o ensino sobre a sobrevivência e
suas implicações, como o desenvolvimento sócio-ambiental sustentável, requer não só o
conhecimento químico específico, mas também as interações entre esse e os outros tipos
de conhecimento, como os físicos, os biológicos e os geológicos. Além disso, defendem
que essa perspectiva pode eliminar a memorização descontextualizada do ensino da
Química “descritiva” (Brasil, 1999b: 36). As OCNEM reafirmam o papel da
interdisciplinaridade, juntamente com a contextualização, como eixo organizador das
dinâmicas interativas no ensino de Química (Brasil, 2006: 117), entendendo que essa
146
perspectiva amplia e potencializa o desenvolvimento das abordagens, das ações e das
interlocuções. Sua defesa caminha na mesma direção dos PCNEM, ela é vista como
capaz de promover o diálogo e as relações entre conhecimentos diversificados,
construindo assim um conhecimento plural capaz de potencializar a melhoria da vida
(Brasil, 2006: 118).
A preocupação apontada inicialmente repercute em alguns contextos. No
período anterior à publicação dos documentos oficiais, apenas um artigo da revista
Química Nova na Escola menciona o termo interdisciplinaridade. Tal artigo, publicado
em 1995 pela pesquisadora Lenir Zanon, em co-autoria com Eliane Palharini, aborda o
ensino de Química realizado por professores do ensino fundamental de ciências que
exercitam a interdisciplinaridade buscando superar as visões fragmentadas e simplistas
sobre a ciência e sobre as realidades vividas (1995: 16). Posteriormente à publicação
dos documentos oficiais, o número de ocorrências do termo aumentou no periódico. No
entanto, apesar de o editorial do ano de 1997 ressaltar a importância crescente da
interdisciplinaridade e do termo aparecer mais nos discursos curriculares da disciplina,
considero que ainda são poucas as vezes que o termo é citado. De um total de 376
artigos do periódico, de 1995 a 2008, apenas 30 apresentam alguma consideração a seu
respeito, sendo que em 7 artigos o termo aparece somente nas referências bibliográficas.
Contudo, a preocupação com a interdisciplinaridade não se reflete com a mesma
intensidade nas outras publicações da área. Nos periódicos da ABRAPEC e da Ensaio
– Pesquisa em Educação em Ciências, não há nenhuma citação do termo como palavra-
chave, enquanto que nas revistas Investigações em Ensino de Ciências e Ciência &
Educação, apenas poucos artigos elencam o termo interdisciplinaridade como palavra-
chave. Nenhum desses artigos, entretanto, é de autoria (ou co-autoria) dos líderes da
comunidade disciplinar de ensino de Química.
Tais observações me levam a afirmar que o enfoque principal da comunidade
disciplinar em ensino de química não era a discussão da interdisciplinaridade. A
comunidade defende a articulação e a integração com outras disciplinas e com outros
saberes de forma a ampliar a construção de significados para a compreensão do
conhecimento químico e suas inter-relações - o que não depende necessariamente da
interdisciplinaridade, pois existem muitas maneiras de integrar diferentes
conhecimentos -, mas mantém um foco notadamente disciplinar. Santos e Mól (2005)
defendem, por exemplo, que a abordagem temática pode desenvolver projetos amplos
147
capazes de envolver professores de diversas áreas a fim de discutir conjuntamente os
diferentes aspectos ligados ao tema escolhido, propiciando uma compreensão mais
ampla do problema em questão.
A existência de vários pesquisadores da comunidade desenvolvendo pesquisas
tanto para o ensino médio como para o ensino fundamental poderia promover e
fomentar maior discussão da interdisciplinaridade na área disciplinar. Contudo, isto não
acontece. Talvez porque a interdisciplinaridade envolva não só a interação de
conhecimentos diversos, mas tamm as lutas por espaço e delimitação do que é
considerado daquela disciplina ou de outra. Maldaner
98
, por exemplo, afirma que a
comunidade de ensino de Química defende a abordagem interdisciplinar sem abrir mão
dos conceitos constituídos dentro das disciplinas. A afirmação mostra a defesa do seu
campo de conhecimento, os conteúdos, as concepções e as perspectivas que constroem e
caracterizam a comunidade disciplinar, os quais não poderiam ser abandonados em um
processo interdisciplinar. O pesquisador salienta ainda como a abordagem
interdisciplinar é conseguida de forma melhor no ensino fundamental do que no ensino
médio, foco do ensino de química. Podemos relacionar tal fato com a questão de o nível
médio de ensino ser fortemente marcado por uma divisão disciplinar mais próxima das
disciplinas acadêmicas. Isso faz com que seus conteúdos e discursos aproximem-se
daqueles utilizados pelas disciplinas acadêmicas. Esta aproximação dificulta a
integração pretendida, na medida em que a luta por espaço e recursos, nos termos de
Goodson, são entendidos como mais importantes no processo de consolidação das
disciplinas. Assim, a interdisciplinaridade é vista como mais bem trabalhada e discutida
no ensino fundamental, no caso, para o ensino de ciências, pois as fronteiras e as
questões disciplinares não são tão específicas, diminuindo assim os conflitos e disputas.
Outra questão que considero relevante é apontada por Chassot e se remete à
questão do corporativismo das marcas disciplinares. O pesquisador ressalta, baseado nos
estudos de Goodson, como algumas ações desenvolvidas pela comunidade, como os
Encontros de Debates de Ensino de Química, surgiram também para marcar espaço e
definir a importância do saber em que somos especialistas (Chassot, 2008: 227). É
importante perceber que essas ações, motivadas pelas dificuldades já apresentadas
anteriormente e defendidas por todos os integrantes da comunidade – inclusive o
próprio Chassot -, são hoje vistas pelo pesquisador como corporativistas e como um dos
98
Em entrevista mencionada anteriormente.
148
empecilhos para visões e leituras mais interdisciplinares da Química com os outros
conhecimentos. Saliento que a questão apontada por Chassot chama a atenção para
como as demandas disciplinares são fatores fundamentais na constituição dos discursos
predominantes na área de ensino de Química. É importante perceber também como o
discurso de Chassot aponta para a contingência e a precariedade das articulações a que
Laclau (2005) se refere, pois mostra como as articulações das diferentes particularidades
que compõem a comunidade, ao se antagonizar ao currículo tradicional, são aceitas pelo
pesquisador em dado momento e agora criticadas pelo mesmo.
Argumento que na trajetória de consolidação da comunidade disciplinar de
ensino de Química, o discurso sobre a interdisciplinaridade foi minimizado por outros
discursos que se constituíam mais importantes naquele período. Isso porque a
estruturação de uma comunidade de ensino da disciplina não passava pela defesa da
interdisciplinaridade. Passava sim, em se contrapor ao currículo tradicional, legitimado
socialmente, e para isso, as defesas focalizaram, e ainda focalizam, uma mudança da
Química que se ensina na escola, envolvendo desde a sua finalidade social até as
práticas e conteúdos curriculares. Assim, as diferentes particularidades da comunidade
disciplinar de ensino que se articulam de forma equivalencial entre si e antagônica à
representação do ensino de Química nas escolas, se constituíram sem o foco no discurso
interdisciplinar, por este se tratar de um discurso que não favorecia a constituição da
comunidade. A luta pela defesa da melhoria do ensino de Química nas escolas realizada
pela comunidade envolve também a luta pelo seu próprio espaço disciplinar, seus
recursos e seu prestígio acadêmico, que se desenvolvem no campo e no discurso
disciplinar. Envolve defender, por exemplo, que é preciso formar educadores químicos
para ajudar efetivamente nas mudanças desejadas para o ensino de Química nas escolas.
Sendo assim, a defesa da consolidação da comunidade disciplinar de ensino está ligada
à defesa da própria comunidade de ensino. Ora, defender a criação e a consolidação de
uma comunidade de ensino específica, significa defender determinados valores, crenças,
concepções, perspectivas relacionadas a um conhecimento específico, mesmo que este
tenha inúmeras relações com outros campos de saber. Por isso afirmo que, antes de
haver a defesa da interdisciplinaridade pela comunidade disciplinar de ensino de
Química, as questões de ordem se referiam à consolidação de um espaço disciplinar
sobre o ensino de Química, no qual as discussões sobre o ensino da disciplina nas
escolas e sobre a própria comunidade eram prioritárias.
149
É preciso salientar que não existe contraposição à utilização e defesa da
interdisciplinaridade nos discursos curriculares da comunidade disciplinar para nenhum
nível de ensino. Moura e Santos (2006), por exemplo, afirmam que a
interdisciplinaridade é uma discussão emergente no meio educacional possuindo o
intuito de superar a abordagem fragmentada do ensino tradicional e de contribuir para a
construção de uma visão mais adequada à complexidade do conhecimento hoje. Pelo
contrário, a comunidade compartilha do consenso educacional, destacado por Lopes
(1998), sobre a necessidade do maior diálogo entre as disciplinas ou de temas que
desenvolvam e inter-relacionem conceitos de diferentes campos do saber a fim de
minimizar a fragmentação do conhecimento e as idéias dissociadas da vida real. O
consenso educacional reforça os discursos sociais sobre a dependência dos
conhecimentos no mundo real: para se entender como determinada questão afeta o
indivíduo na sociedade, é preciso conhecer e inter-relacionar os diferentes
conhecimentos que estão envolvidos, pois eles não acontecem ou funcionam
isoladamente ou disciplinarmente.
Podemos dizer que o discurso da interdisciplinaridade na área de ensino de
Química ganha mais força após a consolidação da comunidade disciplinar.
A área de ensino de CN encontra-se em estágio bastante
consolidado, enquanto campo específico do conhecimento, com uma
comunidade de pesquisadores, congressos científicos sistemáticos e
periódicos de pesquisa consolidados, sendo a área com identidade, e,
nesse sentido, para além da dimensão pedagógica, criou condições
historicamente favoráveis, em termos epistemológicos, para a
proposição da interdisciplinaridade como princípio organizativo na
educação básica. (Zanon et al, 2007: 2)
Da mesma forma, a intensificação dos discursos sociais sobre a complexidade
que envolve os conhecimentos nos processos sociais também colabora para que a defesa
da interdisciplinaridade se amplie na área. A maior parte dos pesquisadores faz
referência às discussões de Edgar Morin sobre a questão da complexidade do mundo
atual e de suas implicações. Pela análise dos textos selecionados, esse processo se
intensifica a partir da década de 2000. É importante lembrar também que nesse período
a reforma da educação básica já tinha sido iniciada, contribuindo para a disseminação de
sentidos nas discussões sobre o tema. Assim, o discurso da interdisciplinaridade começa
a ter mais espaço nas discussões da comunidade disciplinar de ensino de Química.
150
Maldaner e colaboradores afirmam que para se desenvolver a almejada
interdisciplinaridade é preciso que haja “pontes” entre as disciplinas, pelas quais
conteúdos e conceitos possam interagir, intercomplementar-se e interrelacionar-se
(Auth et al, 2005: 3), permitindo uma visão mais ampla ao estudante dos fenômenos
cotidianos relacionados a aspectos estudados em sala de aula. Já Chassot (2008) defende
que é preciso deixar de lado nossas especializações, transgredindo as fronteiras de
nossas disciplinas. Criticando a disciplinarização do conhecimento e,
conseqüentemente, do ensino, o pesquisador aponta para a transgressão das marcas
disciplinares, a fim de que a educação tenha mais sentido para o indivíduo. A proposta
de Chassot parece ser mais radical, uma vez que propõe um ensino mais geral dos
conhecimentos, a partir de questões amplas, sem estar preso às disciplinas, enquanto
que Maldaner e seus colaboradores defendem as disciplinas como parceiras na
construção de significados para os conceitos disciplinares e interdisciplinares na
abordagem de questões reais e relevantes para o aluno e para a ciência.
Voltando à revista Química Nova na Escola, de forma geral os artigos que citam
a interdisciplinaridade trabalham com a idéia de que é um recurso facilitador do
processo de ensino e aprendizagem de química, um recurso metodológico, ao invés de
um princípio epistemológico de constituição de saberes. Pitombo e Lisboa comparam,
de forma metafórica, a interdisciplinaridade a uma rede, uma rede de significações, na
qual a química é um dos “nós”, sendo fundamental a interligação com outros campos
do conhecimento (“outros nós”) (2001: 33). A rede é formada pela interligação entre os
conhecimentos pertencentes a outras disciplinas e o conhecimento químico. A partir
dessa visão, os autores trabalham como a questão da sobrevivência humana está
relacionada às interações dos diversos conhecimentos com as ações do indivíduo,
visando a formar uma consciência social e política.
Correia et al apontam como uma abordagem interdisciplinar pode tornar mais
significativa a aprendizagem dos conceitos científicos (2004: 19), permitindo a
integração dos conteúdos de diferentes disciplinas, ainda mais quando se utiliza temas
de grande relevância como a Bioquímica. Os autores ainda chamam a atenção para a
dificuldade que os professores do ensino médio têm para encontrar material didático
adequado sobre esse tema.
Apresentando uma proposta de ensino de ciências que trabalha os saberes
populares e os saberes científicos, Gondim e Mol defendem que
151
... a partir da interdisciplinaridade efetiva entre os vários
campos do saber, estudantes e professores podem tornar-se
conscientes e conhecedores das inter-relações entre ciência, cultura,
tecnologia, ambiente e sociedade, favorecendo o desenvolvimento de
uma visão holística do mundo (2008: 4).
Assim, a utilização da interdisciplinaridade como estratégia de ensino capaz de
tornar o ensino de Química mais significativo para o aluno vai desde uma nova forma
metodológica até uma concepção mais problematizadora, quando aparece associada à
formação de valores e de atitudes críticos considerados essenciais para o indivíduo
como cidadão.
Ainda com relação à revista Química Nova na Escola, cabe ressaltar que não há
artigos analisando o conceito de interdisciplinaridade mais detalhadamente, ou que
analise os pressupostos relacionados à interdisciplinaridade que mais são valorizados
pela comunidade disciplinar. O não-aprofundamento do conceito reforça meu
argumento de que existem outros pressupostos com maior força dentro da comunidade
gerando articulações e demandas mais valorizadas.
Defendo que também ocorre a intensificação do discurso sobre a
interdisciplinaridade pela comunidade disciplinar de ensino de Química, por conta da
publicação dos documentos curriculares oficiais, o que se reflete também nas propostas
curriculares desenvolvidas. Essas propostas não mencionavam anteriormente o termo
interdisciplinaridade e passam a fazer referência ao conceito. Isto mostra como os
documentos oficiais tiveram poder de influência sobre o discurso da comunidade. Ao
mesmo tempo, essa apropriação pode ser entendida como uma articulação necessária
para que os pressupostos defendidos pelos integrantes da comunidade disciplinar sejam
valorizados e legitimados pelas políticas, como é o caso da valorização dos aspectos
sócio-científicos. Acredito que tal articulação tenha contribuído para a
interdisciplinaridade aparecer associada estreitamente à contextualização ou à vida
cotidiana. Ou seja, a referência à abordagem interdisciplinar está, na maioria das vezes,
acompanhada de aspectos relacionados à contextualização e ao cotidiano do indivíduo, e
vice-versa. Santos e Mól destacam em seu livro que entendem o papel da
contextualização e da abordagem interdisciplinar, considerando que vivemos em um
mundo complexo que não pode ser explicado a partir de uma única visão de área de
conhecimento, mas de uma visão multifacetada, construída conjuntamente pelas visões
152
das diversas áreas de conhecimento (2005: 8). Tal entendimento vai de encontro aos
discursos sociais que defendem a mesma perspectiva.
A interdisciplinaridade também é entendida pela comunidade disciplinar como
uma conseqüência natural da contextualização. Ao falar do Ensino de Ciências Naturais,
Zanon argumenta que a interdisciplinaridade decorre da perspectiva da contextualização
uma vez que a sua finalidade é
... estabelecer relações entre saberes culturalmente produzidos
dentro e fora da escola, dentro e fora de cada disciplina, mediante
formas de apropriação/uso de linguagem/significados constituídos
como modos de lidar com situações reais e acontecimentos do
cotidiano à luz dos conhecimentos escolares. (2008: 255)
Nesse entendimento, toda vez que contextualizamos determinado assunto ou
tentamos entender fenômenos cotidianos, estaremos estabelecendo inter-relações entre
diferentes saberes, uma vez que a complexidade do mundo atual é responsável pela
dinâmica cada vez mais presente das relações entre saberes. Isso pode levar a discursos
que defendem que a promoção da contextualização leva conseqüentemente à
interdisciplinaridade, o que nem sempre é verdadeiro.
Cabe ressaltar que a maior circulação do discurso da interdisciplinaridade não
significa que o conceito está sendo apropriado por toda a comunidade disciplinar, e
quando o é, que ocorra da mesma forma, pois os pressupostos e os enfoques de suas
pesquisas são diferentes. Mortimer e Machado defendem sua proposta de ensino de
Química para o ensino médio sem mencionar o termo interdisciplinaridade ou mesmo
seus similares (integração, por exemplo). Para os pesquisadores, o mais importante é o
diálogo entre diferentes sujeitos e, conseqüentemente, entre os diferentes
conhecimentos, possibilitando assim a construção do pensamento químico e a
(re)elaboração de visões de mundo (2003: 9).
O grupo GEPEQ menciona o termo interdisciplinaridade sem entrar em muitos
detalhes. Apoiando-se nos PCNEM, Marcondes e Peixoto defendem que a utilização de
temas relacionados à luta do ser humano pela sobrevivência favorece a integração dos
conhecimentos químicos e a interdisciplinaridade, uma vez que para a compreensão de
sua complexidade são necessários vários saberes, tais como biológicos, físicos,
matemáticos, históricos, geológicos, econômicos, políticos (2007: 55). Seus
pesquisadores argumentam que a problematização dos temas sociais desencadeia a
153
ampliação dos conhecimentos químicos estudados e a interlocução com outros
conhecimentos.
Já Maldaner et al argumentam que a abordagem interdisciplinar no currículo
pode romper a linearidade do conhecimento escolar, relacionando dialeticamente
saberes específicos a cada área/ciência entre si e com contextos cotidianos trazidos das
vivências cotidianas, produzindo aprendizados significativos e uma formação escolar
socialmente relevante (2007: 116). Nesse sentido, defendem a valorização e o estudo de
situações trazidas da vivência do aluno e do professor, de forma que os conceitos do
cotidiano passem a interagir com os conceitos científicos permitindo a inter-relação
entre os mesmos e a configuração de novas aprendizagens (Gipec, 2003: 8).
Argumento que os pesquisadores da comunidade utilizam a concepção da
interdisciplinaridade mais para produzir um discurso de interação e de interlocução
entre os conhecimentos, como forma de ampliar e dinamizar o processo de ensino e
aprendizagem. Dessa forma, reforça-se a idéia de que a complexidade do mundo só
pode ser entendida por intermédio dos diferentes saberes e visões existentes na
sociedade. Contudo, arrisco afirmar que ocorre o predomínio da interação do
conhecimento cotidiano com o conhecimento científico uma vez que a vivência é
utilizada para aproximar a teoria da prática, enquanto que o diálogo com os outros
conhecimentos fica minimizado, seja pelas dificuldades estruturais e pedagógicas, seja
pelos conflitos e lutas dos diferentes campos disciplinares. Essas dificuldades são
apontadas em diferentes trabalhos da comunidade (Auth et al, 2005; Maldaner et al,
2001; Moura e Santos, 2006).
Argumento ainda que o grupo de pesquisa de Maldaner e Zanon parece defender
mais claramente o rompimento da linearidade do conhecimento químico pela
interdisciplinaridade. Acredito que um dos motivos que contribua para esse
posicionamento dos pesquisadores da UNIJUÍ é o trabalho que desenvolvem sobre o
ensino de Ciências na educação básica.
É preciso destacar também como o significante interdisciplinaridade possui uma
menor flutuação de sentidos nos textos analisados, se comparado ao significante
contextualização. Isso pode ser entendido pelo fato de esse discurso não ser tão
valorizado pela comunidade disciplinar de ensino de Química, fazendo com que o
conceito de interdisciplinaridade não seja prioritário na articulação dos sentidos
curriculares da comunidade com os discursos oficiais. Defendo, com base em Laclau
154
(2005) que a cadeia articulatória construída pela comunidade na defesa da melhoria do
ensino de Química nas escolas se baseia principalmente no tipo de abordagem realizada.
Assim, o antagonismo da comunidade em relação à representação da realidade da escola
não passa tanto pela falta de integração das disciplinas, mas sim pela abordagem que
não oferece a interlocução entre os diferentes conhecimentos. Considero que este
enfoque da articulação envolvida contribui para que os sentidos do discurso da
interdisciplinaridade estejam mais fixados na comunidade com relação aos aspectos
metodológicos.
III.4. Conhecimento químico escolar
Os discursos da comunidade disciplinar de ensino de Química sobre o
conhecimento químico escolar refletem as discussões que a comunidade desenvolve em
contraposição ao currículo tradicional. Conforme argumentei anteriormente, o excesso
de conteúdos e conceitos, a fragmentação do conhecimento, a falta de interlocuções com
os demais contextos sociais e com a vida cotidiana, a ênfase nas fórmulas e
classificações, são algumas das características criticadas pela comunidade que
representam o currículo tradicional. É com relação a essa representação de currículo que
a comunidade se posiciona e defende novas formas de abordagem para o ensino de
Química. Nesse sentido, são propostos e difundidos em seus discursos novos focos de
interesse para a seleção, produção e a organização do conhecimento químico escolar,
construindo outras representações que possam superar o currículo tradicional de
Química nas escolas. Representações essas que são sempre precárias e provisórias,
fazendo com que o processo articulatório esteja em constante negociação.
A comunidade apresenta desde propostas metodológicas, que visam a melhora
da abordagem de determinado conteúdo, até propostas que modificam o currículo como
um todo, com base em uma mudança das finalidades do ensino de Química. Mas é o
questionamento sobre as finalidades desse ensino para a educação básica que leva
muitos pesquisadores da comunidade a construírem pressupostos de pesquisa que se
tornaram relevantes para a reflexão do ensino de Química.
155
Questionando a utilidade do ensino de Química, Chassot (1995) defende que é
preciso repensar o conhecimento químico escolar e sua função na sociedade. Para o
pesquisador, o conhecimento químico deve possibilitar uma leitura diferente do mundo,
uma visão mais ampla que permita a atuação e a integração dos indivíduos à sociedade
de forma mais ativa e consciente. Para tal, defende que a vinculação da Química com o
cotidiano e com a preocupação com o aproveitamento dos saberes populares (Chassot,
1995: 86), como alternativas que apresentam resultados concretos para um ensino de
Química mais crítico.
A perspectiva de Chassot não se detém somente na melhoria da qualidade de
ensino. Trabalhando com um viés mais político, o pesquisador focaliza o conhecimento
químico como um instrumento de luta contra a desigualdade social, a fim de que o
indivíduo tenha mais chances de compreender e participar da sociedade em que vive.
Assim, o critério de produção e organização do conhecimento químico escolar baseia-
se, preferencialmente, na relação deste com os saberes populares e com os saberes
cotidianos, por possuírem maior proximidade da vivência dos alunos, e na utilidade
desses saberes para a formação mais crítica.
Maldaner e Zambiazi (1993) destacam que cabe à Educação Química possibilitar
a formação de cidadãos mais conscientes e ativos nos processos sociais. Nesse contexto,
destacam o estudo das substâncias, suas propriedades e suas transformações, os modelos
de matéria, as reações químicas, soluções, cinética química, equilíbrio químico e
eletroquímica (Maldaner, 1992; Maldaner e Zambiazi, 1993). A abordagem destaca o
tratamento macroscópico e sua relação com os aspectos microscópicos, além da
valorização de experimentos para promover a participação dos alunos.
Santos e Schnetzler (1996) defendem que o conhecimento químico escolar deve
apresentar a ciência como atividade humana em construção por meio de estudos de
aspectos históricos; o desenvolvimento da capacidade de participar e tomar decisões a
fim de formar cidadãos críticos; a abordagem de temas sociais relevantes capazes de
aproximar o conhecimento químico do contexto mais próximo do aluno; a valorização
da significação social do conhecimento, o papel investigativo da experimentação e sua
importância para construção dos conceitos; a interação entre a abordagem macroscópica
e microscópica. Nessa perspectiva, o conhecimento químico escolar a ser selecionado
deve englobar: conceitos fundamentais da Química – propriedades e transformações
químicas das substâncias, e materiais – entendidos como essenciais para a compreensão
156
de qualquer fenômeno químico; aspectos relacionados à tecnologia e suas inter-relações;
aspectos sociais, éticos e morais e suas implicações; além de incluir discussões sobre a
história e filosofia da ciência (Santos e Schnetzler, 2000). Assim, o conhecimento
químico a ser abordado na escola deveria estar ligado às discussões sobre questões
relacionadas à ciência, tecnologia e sociedade a fim de preparar o indivíduo para a
cidadania. Baseados nesses pressupostos, Mól e Santos (1998) propõem a abordagem de
temas, como o uso racional dos materiais, a poluição do ar e o estudo dos alimentos,
para que possam tratar de conhecimentos químicos básicos (reações, estudos dos gases,
cinética química) e de suas implicações sociais.
Mortimer também concorda que é preciso contemplar temas que propiciem ao
estudante um contato com uma cultura científica, cujo conhecimento é importante para
o exercício da cidadania e da vida em sociedade (1997: 2). Para essa abordagem, elege
as propriedades dos materiais, as reações químicas, a teoria da matéria, as
transformações, a energia e o ambiente como temas importantes para a proposta
curricular que desenvolve. Os temas caracterizam-se pela interação entre aspectos
macroscópicos e microscópicos, pela aproximação possível entre o conhecimento
químico e o conhecimento cotidiano, possibilitando a contextualização do ensino e a
valorização da participação do aluno no processo de aprendizagem. Dessa forma, o
critério de seleção do conhecimento baseia-se na preparação do indivíduo como
cidadão.
Bosquilha et al defendem também a utilização de temas de relevância para o
conhecimento e a vivência do educando (1992: 356) com a finalidade de que os
conteúdos trabalhados estejam relacionados com o contexto social próximo ao aluno.
No entanto, o contexto mais valorizado pelos pesquisadores situa-se nas questões
ligadas à indústria e à produção. Diferentemente de outras propostas, a seleção dos
conhecimentos envolve mais os aspectos cognitivos e os contextos escolhidos para o
desenvolvimento da proposta. Tal fato contribui para que a proposta não tenha o mesmo
direcionamento que as outras propostas da comunidade, no que diz respeito ao ensino de
Química envolver a formação da cidadania, uma vez que as questões dessa ordem ficam
subsumidas às questões psicológicas, por exemplo. Os conteúdos são organizados
considerando o desenvolvimento cognitivo dos alunos a fim de que não sejam só
memorizados, mas sim aprendidos significativamente (Bosquilha et al, 1992). Elegem
157
assim os materiais e as propriedades bem como suas interações e transformações como
os conhecimentos básicos a serem trabalhadas no ensino médio.
Apesar de não existir, por parte dessas propostas curriculares, um
questionamento detalhado sobre a seleção e a organização dos conteúdos existentes no
currículo predominante na escola, há o consenso de que os conhecimentos químicos a
serem trabalhados devem centrar-se especialmente na problematização e no
desenvolvimento de idéias e concepções sobre os materiais, as substâncias, suas
propriedades e transformações. Esses são considerados como conteúdos gerais que
permitiriam o estudo de vários outros conteúdos mais detalhados e/ou aprofundados
relativos ao conhecimento químico escolar. Os conteúdos priorizados são os mesmos
dos currículos tradicionais, mas a forma como são abordados é que difere, o que, aliás, é
apontado por alguns pesquisadores da comunidade disciplinar (Mortimer, Machado e
Romanelli, 2000). A criticada seqüência linear dos conteúdos no ensino tradicional de
Química é substituída por formas de abordagem que valorizam o diálogo e a
possibilidade de trabalhar os conteúdos em outras seqüências e em múltiplos momentos,
o que contribuiria para um ensino de Química diferente. Existe o consenso também que
se deve partir de aspectos visíveis de contextos mais próximos dos indivíduos para
depois se inserir e inter-relacionar os aspectos microscópicos e de caráter mais abstrato.
Assim, seja por intermédio de temas ou não, os conhecimentos químicos contemplados
na maioria dessas propostas se destacam pelas diferentes abordagens que podem
propiciar e contribuir para a formação do cidadão crítico e participativo.
Outro ponto importante é que as diferentes propostas desenvolvidas pela
comunidade não seguem uma mesma organização para os conhecimentos químicos
trabalhados, e tampouco desenvolvem os mesmos detalhamentos sobre os conteúdos.
Cada proposta tem sua própria organização conferida pela base teórica e pelos
pressupostos defendidos por cada grupo de pesquisa da comunidade. Assim, essas
propostas curriculares representam a materialidade dos discursos e das demandas
particulares que compõe o complexo contexto da comunidade de ensino de Química. No
processo de consolidação da comunidade, alguns desses discursos e demandas
alcançaram maior destaque do que outros, um reconhecimento social maior, por serem,
de certa forma, incorporados por propostas oficiais, como é o caso do ensino de
Química para a formação do cidadão. Na análise dos textos selecionados, pode-se
verificar que os pesquisadores e os grupos de ensino de Química têm expectativas em
158
poder participar de propostas curriculares oficiais, pois acreditam que podem contribuir
com as autoridades para a elaboração de projetos para o ensino de Química. Essas
expectativas envolvem a ampliação de seus discursos curriculares, de maneira a
potencializar a ação desses grupos, e de seus pesquisadores, junto aos professores das
escolas. Isso acontece – a existência dessas expectativas – porque os sentidos
curriculares difundidos pela comunidade não podem ser vistos como hegemônicos já
que não predominam no contexto escolar, mesmo considerando a atividade crescente de
seus pesquisadores. A participação dos pesquisadores da comunidade nas propostas
oficiais é uma tentativa de que seus discursos curriculares tornem-se hegemônicos nas
escolas. No entanto, a participação no contexto de definição dos textos oficiais envolve
a negociação dos sentidos que defendem na comunidade com os sentidos curriculares
estabelecidos por outras equipes participantes da elaboração dos textos, oficiais ou não,
o que pode potencializar os discursos da comunidade ou enfraquecê-los pelo hibridismo
produzido.
Ressalto que a função social do ensino de Química constituiu a linha
predominante para a discussão do conhecimento químico escolar na área de ensino de
Química, orientando a sua trajetória e o desenvolvimento de várias propostas
curriculares. A Química é vista pela comunidade como fundamental para o
entendimento da sociedade tecnológica e das mudanças por ela provocadas, bem como
para a formação do indivíduo como cidadão, colaborando para que este participe e
transforme efetivamente essa sociedade. Ressalto ainda que os aspectos mais políticos
relacionados à função social do ensino de Química para formar o cidadão acabam de
certa forma minimizados pela centralidade que o conhecimento químico, e que os
conteúdos escolares, assumem no currículo escolar do ensino médio. Isso ocorre pelo
fato de esse nível de ensino ser considerado determinante para a entrada na
universidade, o que dificulta a utilização das abordagens diferenciadas defendidas pela
comunidade em muitas escolas e, conseqüentemente, e de um maior espaço para a
discussão dos aspectos políticos. Outra questão a considerar para a centralidade dos
conteúdos químicos, se deve ao fato de os discursos da comunidade disciplinar
valorizarem o conhecimento químico escolar como essencial para a compreensão e
participação da sociedade contemporânea.
Defendo que a aproximação dos discursos sobre o conhecimento químico
escolar e sobre o conhecimento químico de referência colabora para que os conteúdos
159
escolares não sejam discutidos detalhadamente. Embora existam críticas referentes ao
conteúdo dos currículos tradicionais, os conteúdos apresentados nas propostas
curriculares desenvolvidas pela comunidade não diferem muito dos conteúdos
tradicionais trabalhados no ensino de Química, os quais possuem por base os conteúdos
químicos de referência. Essa aproximação entre o conhecimento químico escolar e o
conhecimento de referência contribui para que o antagonismo ao currículo de Química
nas escolas não focalize necessariamente os conteúdos, uma vez que esses são vistos
com similaridade. Na análise dos textos selecionados para a pesquisa, podemos destacar
questões que podem ser interpretadas como justificativas para a manutenção (ou quase
manutenção) dos conteúdos. Uma delas é que alguns pesquisadores da comunidade
(Maldaner, entrevista
99
; Santos et al, 2007) salientam como as propostas curriculares
são mais aceitas nas escolas quando não se modifica, ou pouco se modifica, o conteúdo
trabalhado, porque os professores estão acostumados aos conteúdos clássicos. Outra
questão se refere à importância dos conhecimentos químicos para a formação do
cidadão, à centralidade do conhecimento químico na sociedade atual, já mencionada
anteriormente. Nesse sentido, as ações da comunidade centram-se em ações mais
metodológicas, que visam à mudança de abordagem e a melhoria da aprendizagem do
ensino de Química, sem que existam muitos conflitos com relação aos conteúdos
escolhidos.
No final da década de 1990, a comunidade disciplinar de ensino de Química
reforça a influência de questões relativas à sociedade tecnológica para refletir o ensino
de Química. Assim, as discussões sobre o ensino de Química incorporam os discursos
sociais que valorizam a preocupação com essas demandas. As propostas passam a
justificar as novas abordagens não só em relação ao que o currículo tradicional
representa para a comunidade. As justificativas envolvem ainda como o ensino de
Química pode responder e auxiliar as mudanças ocorridas na sociedade contemporânea:
Vivemos em uma época na qual tem sido muito comum o uso
de materiais sofisticados, destinados a atividades cada vez mais
específicas. A sociedade tecnológica exige das ciências dos materiais
respostas precisas e específicas às suas demandas. A Química,
ciência central na concepção de novos materiais, pode oferecer
respostas a essa diversidade de demandas, pelo conhecimento sobre a
99
Entrevista mencionada anteriormente.
160
constituição, propriedades e transformações das substâncias.
(Mortimer e Machado, 2003: 11)
A sociedade moderna requer muitos outros conhecimentos e
habilidades dos nossos alunos. E é nessa hora que o conhecimento de
Química revela sua grande importância, pois vivemos em uma
sociedade tecnológica que exige de seus cidadãos atitudes para um
modelo de desenvolvimento que garanta a existência das gerações
futuras. Isso implica compreensão de um conhecimento mínimo para
o entendimento do papel da ciência, da tecnologia e das suas inter-
relações sociais e para o desenvolvimento de atitudes e valores.
(Santos e Mól, 2005: 6)
Tais afirmações reforçam a importância do conhecimento químico para o
entendimento de uma sociedade que está em constante mudança. A valorização do
conhecimento científico e tecnológico nos diferentes processos sociais leva a uma
valorização do conhecimento químico envolvido. Nesse sentido, as defesas sobre o
ensino de Química tendem a incorporar esses discursos articulando-os a questões que já
vinham sendo discutidas pela comunidade.
Esse período coincide também com o processo de reforma educacional que o
país começa a atravessar. É interessante perceber como a comunidade se aproxima de
algumas expressões e discursos veiculados pelas propostas e diretrizes oficiais, pois os
discursos não ficam restritos aos seus contextos de origem. Reportando-me a Ball,
argumento que os discursos circulam entre os diferentes contextos, estabelecendo
relações e articulações variadas, como também influenciando outros discursos. Como
exemplo disso, podemos citar os temas transversais introduzidos pelos PCN.
Pesquisadores que defendiam a abordagem por temas sociais relevantes e trabalhavam
com o ensino fundamental, passam a defender a utilização de temas transversais para o
ensino de Ciências a fim de
... tornar mais visível e mais presente a contribuição do
pensamento químico nas ações cotidianas, que precisam ser mais
percebidas em seus materiais, em suas substâncias e em suas
transformações. Isto passa por desenvolver conhecimentos mais
articulados e dinâmicos, constituídos como inter-relação entre
saberes diversificados, os cotidianos e os químicos, com suas
linguagens e pensamentos específicos. Acreditamos que tais
conhecimentos, construídos de forma inserida aos contextos e
problemas cotidianos, podem revelar-se propostas adequadas de
compreensão e de ação no meio, como raciocínios críticos, reflexivos
161
e interativos, em detrimento de aprendizagens centradas no repasse
de conteúdos distantes ou de pretensas verdades a serem transmitidas
aos alunos. (Kinalski e Zanon, 1997: 16)
Assim, a comunidade começa a articular os discursos sobre temas sociais
relevantes aos discursos sobre temas transversais, promovendo o deslizamento de
sentidos entre esses significantes. O deslizamento só é conseguido por estes
apresentarem múltiplos sentidos, os quais podem ser articulados entre si. Tanto o
discurso sobre temas sociais relevantes como o discurso sobre temas transversais se
articulam também com os sentidos circulantes de cotidiano, contextualização e
formação para a cidadania. Saliento que é essa flutuação de sentidos dos significantes
que garante a participação da comunidade na cadeia articulatória de discursos
considerados hegemônicos na sociedade, mesmo que os sentidos de enfoques mais
críticos percam parte desse potencial.
Por isso é que discursos mais gerais sobre a educação, promovidos pela
influência do Relatório Jacques Delors, também podem ser observados nos trabalhados
publicados na área. Dessa forma, os discursos da comunidade mostram como são atuais
suas discussões e demandas, pois aparecem relacionados e articulados aos discursos
sociais hegemônicos:
Valorizamos o conhecimento químico, não pela sua mera
dimensão especulativa da realidade, mas essencialmente em sua
dimensão ética, humana e social, enquanto leitura de mundo
relevante para a promoção de potencialidades essenciais à vida, na
sociedade e nos ambientes. É necessário zelar para que a escola
básica mantenha e amplie os espaços para os estudos, em química,
ante a relevância deste saber para a cidadania responsável, em
detrimento da valorização de programas específicos de
seleção/concursos. (Kinalski e Zanon, 1997: 19)
Para avançar na formulação de um currículo que atenda às
demandas atuais da sociedade, é importante repensar muitas dessas
visões que estiveram sustentadas em pressupostos atualmente
superados. (...) A exigência curricular, com a qual concordamos –
preparar o cidadão para a vida, para o trabalho e para continuar a
aprender – impõe-nos esse diálogo. (Mortimer, Machado e Romanelli,
2000: 276)
Chamo a atenção que nessas articulações não são apenas os sentidos da
comunidade disciplinar que se modificam, mas também os sentidos denominados
162
globais. A minimização ou potencialização de sentidos dos significantes utilizados na
cadeia articulatória pode acontecer para qualquer contexto envolvido no processo de
significação das políticas, pois esses significantes não apresentam sentidos fixos. No
caso dos discursos globais, que defendem a formação de cidadão omnicompetente, mais
produtivo, eficiente, flexível e etc., acontece o deslizamento de sentidos para a formação
do cidadão transformador. Nesse caso, a articulação por essa flutuação de sentidos faz
com que os discursos globais adquiram um enfoque mais crítico e possam ser
articulados com os discursos da comunidade disciplinar.
Outro exemplo dessas aproximações é a utilização dos termos competências e
habilidades. Na elaboração de material didático para uma editora de ação nacional, após
a divulgação dos PCNEM, os pesquisadores da Universidade de Brasília passam a
trabalhar com os termos por considerarem que tais conceitos são úteis no planejamento
didático, uma vez que sua prioridade não é a transmissão de conteúdos, mas o
desenvolvimento das competências e habilidades para a cidadania (Santos e Mól, 2003:
8). No entanto, os pesquisadores não mencionam esses termos ao apresentarem sua
proposta curricular no 3º Workshop da Divisão de Ensino de Química, organizado pela
SBQ, no ano de 2005. Isso pode evidenciar o quanto algumas das apropriações
realizadas pelos pesquisadores da comunidade são condicionadas por propostas
curriculares oficiais e demandas sociais. A utilização dos termos competências e
habilidades, nesse caso, pode ser entendida como uma determinação da linha editorial,
na medida em que procurava promover uma proposta curricular inovadora que se
aproximasse das orientações das DCNem e dos PCNem, embora os próprios
pesquisadores destaquem as críticas que os documentos oficiais receberam pela
utilização dos conceitos.
Sendo assim, podemos perceber como o hibridismo marca a produção de
políticas curriculares para a área de ensino de Química. Os sentidos perdem
características/nuances ao se hibridizarem, ao mesmo tempo em que na articulação com
novos sentidos que entram em circulação no jogo político, ganham outras
características. Esse processo de articulação dos sentidos configura-se assim uma
tentativa de participar do jogo político, de participar dos discursos da reforma do ensino
médio.
A aproximação de discursos mais gerais sobre a educação leva a comunidade a
reforçar seus discursos sobre a melhoria da qualidade do ensino de Química, articulando
163
os discursos particulares da comunidade com os discursos universais. Constatamos
também que nessas articulações, algumas são consideradas como mais
‘eficazes’/abrangentes na promoção da melhoria do ensino de Química. Como exemplo,
a articulação dos pressupostos defendidos pelos pesquisadores da UnB com os discursos
dos documentos oficiais da reforma do ensino médio para a elaboração de material
didático tendem a influenciar outros contextos de forma mais efetiva. Isso significa
dizer que, mesmo não concordando totalmente com os discursos oficiais, os
pesquisadores da comunidade precisam em determinados momentos utilizar esses
discursos como forma de ampliar seus próprios discursos, pois estes não têm a mesma
penetração no contexto escolar que os discursos oficiais. É preciso universalizar os
discursos específicos da comunidade pela articulação com outros discursos que se
destacam hegemonicamente no contexto social. Articulação essa que envolve a
negociação de sentidos. A utilização dos discursos oficiais passa necessariamente pela
ressignificação dos sentidos desses discursos de forma que os discursos dos
pesquisadores possam ser reconhecidos e legitimados nas escolas. Podemos dizer que
esse processo contribui para que a comunidade disciplinar participe do jogo político da
hegemonia.
Contudo, a apropriação não acontece somente pela comunidade. Os documentos
oficiais também se aproximam de discursos defendidos pela comunidade, até porque
seus elaboradores são os próprios pesquisadores em ensino de Química. É preciso
relembrar como o ciclo contínuo de políticas de Ball é marcado pela circularidade de
discursos, que não estão presos aos seus contextos, circulando continuamente e
influenciando a produção das políticas curriculares. Além disso, é preciso entender
também que a aproximação com os discursos curriculares da comunidade não significa
que os seus diferentes discursos serão contemplados, pois a flutuação de sentidos é que
configura a possibilidade das articulações entre os discursos.
Maldaner
100
chama a atenção que, apesar de várias defesas da comunidade de
ensino de química terem sido aceitas e apropriadas pelas propostas oficiais e pelos
livros didáticos, a seqüência dos conteúdos ensinados no ensino médio permanece quase
que inalterada. O pesquisador aponta como os pesquisadores em ensino de química que,
nos últimos anos, produziram livros didáticos contemplando seus pressupostos de
pesquisa – considerado por ele essencial para o trabalho da comunidade -, tiveram que
100
Em entrevista já mencionada.
164
se adaptar de certa forma a essa concepção, uma vez que as editoras querem que seus
livros sejam adotados por um grande número de professores. Isto é, os pesquisadores
que trabalham com uma perspectiva diferente com relação à seqüência convencional
dos conteúdos químicos escolares também tiveram que reformular suas propostas
curriculares, em maior ou menor grau, para atender as exigências do mercado editorial.
O que está em jogo nesse processo, de acordo com Laclau (2005), é a possibilidade dos
discursos curriculares desses pesquisadores se tornarem hegemônicos nas escolas.
Como a concepção de ensino de Química desenvolvida nos trabalhos da
comunidade se contrapõe a um determinado “inimigo” - a representação do ensino de
Química nas escolas -, superar esse inimigo significa confrontar-se com ele. Significa,
então, que a comunidade precisa entrar nas escolas com mais força e para isso a
articulação com discursos de maior penetração nas escolas se torna essencial. Um
discurso que apresenta essas características é o discurso oficial (do governo). Na
articulação com esse discurso, os discursos da comunidade são ressignificados porque
outros sentidos passam a ser considerados durante a negociação, os discursos perdem
suas marcas iniciais e ganham outras, formando híbridos. São as marcas relacionadas
aos sentidos oficiais que permitem a maior penetração dos discursos da comunidade de
ensino nas escolas, aumentando a possibilidade de se tornarem hegemônicos nesses
contextos.
Maldaner e o seu grupo de pesquisa acreditam que a mudança no ensino de
química precisa estar associada ao rompimento desta seqüência “tradicional” dos
conteúdos. Maldaner defende que se pode romper com a seqüência dos conteúdos
disciplinares de química desde que não se fique preso a certas pressões sociais, como
faz o grupo de pesquisa do qual participa:
O nosso grupo, eu pessoalmente, acha que se pode romper
essa seqüência trabalhando o que nós chamamos de Situações de
Estudo. Como a gente não está produzindo para ser lançado no
mercado, mas sim em contextos específicos com grupos de professores
situados, então lá está havendo mudanças consideráveis na
abordagem química. (Maldaner, entrevista)
Assim, a seqüência dos conteúdos do currículo de Química tradicional parece,
em alguns momentos, potencializar os conflitos das diferenças existentes na
comunidade. Ressalto que isso ocorre porque o grupo de pesquisa de Maldaner valoriza
165
mais o discurso da interdisciplinaridade do que os outros grupos da comunidade, o que
enfraquece a negociação do que se entende por conteúdo químico adequado. Tal fato
mostra também que o consenso vivido pela comunidade na luta contra o seu antagonista
é provisório e parcial, pois de acordo com Mouffe (2001), as negociações sempre
envolvem os conflitos e as tensões dos interesses e dos valores dos diferentes
particulares, os quais não são eliminados pelas articulações estabelecidas, mas sim
minimizados.
III.5 - Relação entre prática e pesquisa
Nas décadas de 1980 e 1990, a ênfase da comunidade disciplinar de ensino de
química era promover a divulgação das propostas curriculares produzidas por seus
grupos de pesquisa aproximando-as dos professores e das escolas, como a pesquisadora
Lenir Basso Zanon lembra:
Eu diria que na época dos anos 80, a gente estava mais do que
hoje envolvidos numa dimensão do fazer a mudança na prática... A
gente, provavelmente, dedicava mais tempo dos nossos minicursos às
metodologias e propostas do que ao tratamento de teorias, sejam
pedagógicas ou mesmo discussões epistemológicas relacionadas ao
trabalho de conteúdos e conceitos. (Zanon, entrevista
101
)
Bosquilha et al (1992) também apontam como a divulgação da proposta
curricular do grupo de pesquisa da USP contribuiu para a promoção de novas
alternativas para o ensino de Química nas escolas, bem como para a consolidação do
grupo de pesquisa em ensino de Química.
Argumento que o enfoque das ações da comunidade, desde o seu início, leva em
consideração a contraposição ao currículo tradicional, sendo mais importante modificar
a prática e o currículo existente nas escolas, constituindo assim uma demanda comum
para todos os pesquisadores da comunidade disciplinar em ensino de química. As
diferenças metodológicas e conceituais entre os diferentes grupos de pesquisa existentes
na comunidade são minimizadas em prol de uma articulação maior. Portanto, a defesa
101
Em entrevista realizada no dia 02/12/07 por Rozana Gomes de Abreu.
166
de propostas curriculares e de metodologias diferenciadas, antagônicas ao currículo
tradicional, fez com que os seus pesquisadores, com seus diferentes pressupostos de
trabalho e de pesquisa, se unissem em defesa de um ensino de química entendido como
mais adequado e mais próximo da realidade do aluno. Assim, o currículo tradicional de
Química configura-se como o exterior constitutivo a que Laclau se refere: aquilo que
não deve pertencer ao que se entende e se defende por ensino de química uma vez que é
criticado por seus pesquisadores e professores, e que ao mesmo tempo é referência
antagônica para a constituição e consolidação da comunidade disciplinar de ensino de
química. Na construção da cadeia articulatória das diferentes particularidades da
comunidade, o ensino de Química nas escolas (a representação de certo ensino de
Química nas escolas – o ensino tradicional) constitui a diferença que deve ser expulsa. É
contra essa diferença expulsa da cadeia que a comunidade se antagoniza. Portanto, o
currículo tradicional de Química é a identidade diferencial excluída da cadeia
articulatória, que mesma excluída continua a constituir a significação dessa cadeia e ao
mesmo tempo representa o antagonista da cadeia construída – o exterior constitutivo.
Foi em oposição ao currículo tradicional que a comunidade se organizou e consolidou
nos últimos anos, suas características e significações acontecem em função da
identidade com a qual se antagoniza. Assim, o currículo tradicional de Química é a
condição da possibilidade e da impossibilidade das articulações envolvidas na
comunidade, da indecidibilidade do processo de articulação.
Destaco que tal processo levou a constituição de um aparente consenso dentro da
comunidade disciplinar. O consenso é constituído quando as diferentes identidades da
cadeia articulatória se tornam equivalentes entre si no antagonismo a algo em comum -
o exterior constitutivo (Mouffe, 2001). Na equivalência, as diferenças são subvertidas
para permitir a articulação entre elas. Assim, toda identidade é construída em um
processo de articulação no qual a lógica da equivalência e a lógica da diferença estão
em constante tensão (Laclau, 2006a). Isso significa pensar que as diferentes identidades
da comunidade (grupos de pesquisa, pesquisadores) se tornaram equivalentes entre si
em relação ao antagonismo ao currículo tradicional de Química. Daí, a articulação
dessas diferentes identidades da comunidade disciplinar de ensino de Química
minimizou ao longo do tempo as tensões e os conflitos existentes, os quais são inerentes
às diferenças de concepções, trajetórias e visões que a comunidade agrega, fazendo com
que identifiquemos mais as semelhanças do que as diferenças. Assim, não parecem
167
existir, visivelmente, grandes disputas e conflitos entre os vários grupos de pesquisa que
compõem a comunidade, principalmente com relação aos grupos das principais
lideranças. Os pesquisadores que considero lideranças da área confirmam a existência
de diferentes concepções e pressupostos defendidos para o ensino de química e que isso
gera alguns embates. Esses poderiam ser vistos como negativos para a comunidade, pois
as tensões e conflitos dividem mais as opiniões e as ações na luta por demandas comuns
e individuais. No entanto, eles destacam mais a positividade destes embates. Zanon, por
exemplo, declara que a maior contribuição da área concentra-se na pluralidade de
concepções que respeitam as diferenças entre si:
Eu vejo que é uma coisa boa, a gente briga muitas vezes por
concepções diferentes, mas é uma briga com respeito, com aquela
autoridade, e ao mesmo tempo respeitando e demarcando as
diferenças. Eu convivo com grupos dentro da área em que é muito
clara a discordância, mas o respeito... que bom que a gente tem essa
proposta e aquela... e a gente não vai dizer aplique isso ou aquilo.
(Zanon, entrevista)
Já Roseli Schnetzler, considerada pelos demais pesquisadores como uma das
precursoras da comunidade disciplinar em ensino de Química e talvez sua mais
importante liderança, afirma que, embora os grupos de pesquisa da comunidade
disciplinar em ensino de química tenham muitas diferenças entre si, eles têm algo em
comum:
Você vai ver que todas elas, embora tenham diferenças, elas
têm uma coisa muito em comum que é a concepção de que o aluno
traz idéias, o aluno constrói conhecimento, que a Química não pode
ser uma coisa árida dissociada da vida e da importância dela na
sociedade, dos aspectos econômicos e políticos dessa ciência, que é
tão bonita e que parece ser uma droga quando o aluno aprende.
(Schnetzler, entrevista)
Podemos ver como as pesquisadoras ressaltam diferentemente aspectos positivos
com relação às diferenças de interesses e concepções existentes na comunidade.
Considero que o respeito às diferenças reflete a luta pela permanência e legitimidade de
cada grupo de pesquisa, de cada demanda particular na comunidade disciplinar; e a
defesa por uma demanda comum a todos, lutar contra os pressupostos do currículo
tradicional, reflete como as identidades particulares precisam se articular na constituição
168
de uma identidade coletiva. No entanto, argumento que a indecidibilidade provocada
pelo exterior constitutivo é mais forte, fazendo com que as diferenças existentes
fortaleçam os discursos particulares na luta contra o currículo tradicional. Nesse sentido,
é que saliento que a demanda inicial da comunidade não foi ultrapassada, pois ainda
hoje os pesquisadores e professores da comunidade disciplinar se contrapõem a este
currículo. No entanto, a demanda em modificar o currículo tradicional passa por
articulações com outras demandas que a comunidade entende que são necessárias para o
atual momento e para o futuro, e que podem ajudar a constituir determinadas
hegemonias.
A valorização e a importância das relações entre prática e pesquisa constitui um
discurso que vêm sendo defendido e consolidado pela comunidade, que também se
pauta no antagonismo ao exterior constitutivo. Assim, a defesa em desenvolver uma
relação estreita e contínua entre a pesquisa e a prática docente é vista como uma das
formas de se contrapor ao ensino de Química tradicional e a tudo que ele representa,
como é o caso da falta de compromisso por parte dos professores em refletir e investigar
a sua prática pedagógica com a finalidade de melhorá-la (Schnetzler, 2002). Maldaner
defende que o professor não pode exercer o magistério apenas com a função de
transmitir conhecimentos prontos e acabados uma vez que existe um compromisso
social da escola e da universidade com o aprender para o exercício de concidadania
responsável por todos os atores sociais (Maldaner, 1999: 290). A compreensão de que
esse compromisso só será alcançado mediante a mudança do tipo de ensino de química
que se oferece tanto na escola como na graduação é fato consensual para a comunidade
disciplinar. Para a produção de um novo ensino, a comunidade defende a inserção da
pesquisa na prática como forma de promover a construção e reconstrução dos
significados pelos indivíduos. Nesse sentido, é que o pesquisador argumenta sobre o
papel da pesquisa no ensino:
A pesquisa relativa ao ensino é aquela que acompanha o
ensino, modifica-o, procura estar atento ao que acontece com as
ações propostas no ensino, aponta caminhos de reorientação do
ensino praticado, produz novas ações, reformula concepções, produz
rupturas, etc. Defendo a idéia de que ensino e pesquisa constituem um
“par conjugado” para o exercício do magistério. (Maldaner, 1999:
291)
169
É importante destacar que existe uma idéia que vem se tornando hegemônica na
comunidade disciplinar de ensino, a idéia de que a pesquisa ajuda a modificar o ensino.
Tal entendimento encontra correlação com os discursos oficiais ao defenderem que as
propostas curriculares possuem a finalidade de modificar o ensino nas escolas. Os
pesquisadores da comunidade argumentam de que nada adianta apresentar propostas
curriculares para modificar o currículo tradicional se não houver um acompanhamento e
reflexão da prática. As ações desenvolvidas devem ser acompanhadas para que se possa
reformular continuamente a prática. A reflexão e reformulação só acontecerão quando
integradas à pesquisa, na medida em que esta é capaz de dar suporte necessário para
esse processo. Schnetzler
102
comenta como a proposta de um currículo organizado por
Situações de Estudo, proposta do grupo de pesquisa da UNIJUÍ, pode explodir a escola,
porque a proposta trabalha de forma totalmente diferente do que a escola está
acostumada. Em outras situações, as propostas são colocadas de lado ou até
abandonadas. Assim, a comunidade defende que a pesquisa vem auxiliar a escola e os
professores a promover e discutir as mudanças. Por este motivo, os pesquisadores da
comunidade procuram desenvolver suas pesquisas e propostas curriculares juntamente
com os professores da escola. Eles vão às escolas, discutem os pressupostos e as
concepções envolvidas em suas pesquisas, desenvolvem conjuntamente as propostas
curriculares, além de refletir e discutir sobre os possíveis encaminhamentos a seguir.
Para a comunidade, um ensino de química que se contrapõe ao ensino tradicional não
pode ter a prática e a pesquisa dissociadas em nenhum nível de ensino.
As dificuldades encontradas na tentativa de modificar a prática relacionada ao
currículo tradicional não são consideradas, pela comunidade, como apenas vinculadas
ao âmbito metodológico ou teórico. Elas são entendidas como historicamente
produzidas, como colocam Silva e Schnetzler (2005), e resultantes de uma perspectiva
que valorizava a racionalidade técnica no ensino. Mas tendem a serem desconsideradas
algumas das discussões atuais sobre a cultura escolar e o currículo. A escola possui uma
organização própria com delimitações de tempo e espaço que, para algumas propostas
curriculares, tornam-se obstáculos não apenas operacionais, mas também estruturais.
Existe a naturalização dessa organização, como se fosse a melhor forma de estruturar a
escola e o currículo e que, portanto, não devesse, nem pudesse ser modificada. Como
continuidade desse processo, ocorre a naturalização dos conteúdos e das práticas
102
Em entrevista mencionada anteriormente.
170
curriculares. Geralmente, mudanças em relação à seleção e organização dos conteúdos
ou em relação à perspectiva teórica e metodológica utilizadas são dificultadas pela
fixação dessas questões. Wildson
103
relata como os professores da rede pública de
ensino de Brasília resistiram às mudanças realizadas no currículo do ensino médio como
forma de ajudar no ingresso à universidade, das quais os pesquisadores do grupo de
ensino de Química participaram, até conseguirem a volta do currículo tradicional com o
qual trabalhavam. Tal fato mostra como os pesquisadores da comunidade, mesmo
estabelecendo articulações com instâncias estaduais de governo, não conseguem que
seus discursos sejam aceitos como hegemônicos nas escolas. A indecidibilidade
referente ao exterior constitutivo permanece, talvez porque na articulação política deste
caso os discursos dos pesquisadores não tenham estabelecido as negociações necessárias
com outros discursos.
As dificuldades acabam gerando discursos que defendem mudanças não só na
escola, mas também na formação docente. Esses discursos argumentam que os
professores trabalham e defendem a perspectiva tradicional de ensino, porque foram
formados segundo essa lógica: fragmentada, disciplinar, dissociada das questões do
cotidiano e da prática. Novamente, chamo a atenção que apesar de existirem diferenças
entre os trabalhos dos professores, configura-se o trabalho do professor fixado a uma
determinada representação que é antagônica ao ensino tradicional nas escolas. Existe
assim, por parte desses discursos a tentativa de explicar de forma racional e fixa o
porquê dos professores trabalharem de determinada maneira, associada a essa
representação de trabalho. Desconsidera-se com essa fixação que a prática docente não
é apenas conseqüência da formação docente, ainda que esta a influencie. Esses discursos
defendem que para realizar mudanças na prática escolar é preciso formar professores
dentro de uma nova perspectiva. Perspectiva esta que deve contribuir para questionar e
modificar o currículo tradicional.
Assim, o consenso sobre a interação entre a pesquisa e a prática também está
presente na defesa da necessidade de concentrar esforços na formação de professores,
como afirmado anteriormente, constituindo um discurso marcante na comunidade.
Pesquisadores como Maldaner e Schnetzler, por exemplo, apontam como a formação
sofre com a divisão entre a química “dura” e a educação, fazendo com que a educação
química e as pesquisas sobre o ensino de química não sejam consideradas durante o
103
Em entrevista já mencionada.
171
período de formação. Tal fato colabora para que a comunidade considere que a
formação de professores não privilegia nem a pesquisa nem a prática, formando
professores que não problematizam, refletem ou ainda não pesquisam sobre a sua
atividade profissional.
Um dos motivos elencados pelos pesquisadores para a mudança nesses contextos
é que os cursos de Licenciatura apresentam uma desarticulação entre as disciplinas
ditas de conteúdo específico em Química e as disciplinas chamadas de
psicopedagógicas (Santos, Gauche e Silva, 1997: 675), ocasionada por uma estrutura
curricular ultrapassada. Contribuições vindas das pesquisas em educação também
ajudam a reforçar os discursos dos pesquisadores da comunidade, elegendo a falta de
integração entre as disciplinas específicas e as disciplinas pedagógicas nos currículos de
Licenciatura como um dos principais problemas desses cursos para a formação do
professor-educador (Candau, 1987; Gil-Pérez & Carvalho, 1993, apud Santos, Gauche e
Silva, 1997). Vários pesquisadores colocam como esses cursos contribuem para
pulverizar a formação do professor e gerar o despreparo do futuro profissional frente à
sua prática pedagógica (Maldaner, 1999; Santos, Gauche e Silva, 1997; Ghisolfi e
Schnetzler, 2005; Schnetzler, 2002).
Galiazzi e Moraes (2002) afirmam que é preciso superar a dicotomia teoria e
prática por intermédio do que denominam educar pela pesquisa, de forma a ajudar na
aproximação das questões da formação acadêmica e dos aspectos próprios da sala de
aula, tornando a prática mais significativa. Os pesquisadores defendem que a qualidade
da formação inicial dos professores pode ser melhorada com a integração da pesquisa
no processo desta formação argumentando que:
O educar pela pesquisa permite ampliar as possibilidades de
atingir tanto a qualidade formal como política na formação dos
professores. A primeira é representada pela construção de
conhecimentos mais significativos, pela aquisição de competências
profissionais, pelo aprender a aprender que tal abordagem
possibilita. Já a qualidade política que emerge do educar pela
pesquisa aparece em forma de uma autonomia crescente, da
capacidade crítica e da competência para a transformação das
realidades em que o futuro professor se envolve. (Galiazzi e Moraes,
2002: 251)
172
A formação docente de qualidade é um discurso que não está presente apenas na
comunidade disciplinar de ensino de química. Esse discurso circula em outros contextos
sociais, mas ganhou força dentro da comunidade com os discursos contemporâneos que
defendem a formação de um indivíduo mais criativo, competente, flexível, autônomo e
capaz de interagir com todos os tipos de conhecimento. Dessa forma, o discurso em
defesa de uma mudança da formação de professores pelo fortalecimento das relações
entre prática e pesquisa aparece articulado aos discursos mais gerais que valorizam o
desempenho, como é o caso das competências, e discursos relacionados ao ensino de
ciências como a possibilidade de transformação do mundo pela interação e compreensão
do conhecimento químico. Esses discursos podem ser articulados por não apresentarem
seus sentidos fixados: o discurso das competências apresenta sentidos instrumentais e
utilitaristas – do saber-fazer -, e o discurso do ensino de ciências envolve sentidos de
enfoques críticos e metodológicos. Assim, a pesquisa aparece melhorando a prática, na
medida em que trabalha e estimula o saber-fazer do professor, além de também
possibilitar a reflexão sobre o ensino.
Para exemplificar os discursos globais sobre prática e pesquisa, destaco um
artigo divulgado pelo Boletim Eletrônico da SBQ, em outubro de 2009, do blog
“Química de Produtos Naturais”, assinado por Roberto Berlinck, que trazia um estudo
publicado na revista Science sobre como a pesquisa melhora o ensino. Realizado por
pesquisadores da Universidade de Columbia, o estudo mostra como estudantes do
ensino secundário, que tiveram professores treinados em pesquisa, apresentaram melhor
desempenho em aulas de ciências do que aqueles que não tiveram professores
trabalhando na mesma concepção. Segundo um dos coordenadores da pesquisa, os
professores do ensino secundário que aprendem sobre os problemas científicos do
mundo real, passam a compreender mais profunda e amplamente a ciência que ensinam
e levam os seus alunos a aprenderem de forma mais efetiva, aumentando o interesse e a
compreensão do conhecimento científico. No caso, a defesa da melhor preparação dos
professores reside em que eles adquiram experiência didática de caráter prático e
recursos para aquisição de material a ser utilizado nas aulas práticas de ciências. Assim,
a concepção de pesquisa incentivada por esse estudo está relacionada diretamente à
noção da utilização prática da ciência. O professor melhor preparado com relação à
pesquisa é aquele que valoriza as atividades práticas, e isso aumentaria o desempenho
dos alunos. Discursos como este acabam reforçando o lado científico de referência na
173
formação docente, valorizando as disciplinas específicas nos cursos de formação, em
detrimento do lado pedagógico, o que de forma ambivalente, pode potencializar ou não
os discursos da comunidade disciplinar de ensino de Química. Esses discursos circulam
pelos contextos sociais produzindo sentidos que influenciam de diferentes formas os
sujeitos que participam da produção de sentidos para as políticas curriculares.
É interessante perceber como esses discursos são ressignificados na comunidade
disciplinar de ensino de Química. Em contraposição ao currículo e ao ensino tradicional,
Silva e Schnetzler ressaltam a importância de novas proposições para a formação
docente em Química centradas no que denominam nova epistemologia da prática
(2008: 2176). As pesquisadoras advogam uma formação docente que promova a
reflexão sobre a prática, levando em consideração as atuais recomendações de pesquisas
sobre o assunto:
As orientações atuais enfatizam a idéia de formar o professor
reflexivo, o professor pesquisador, defendendo a necessidade de a
pesquisa educacional ser também realizada pelo professor que atua
nos níveis de ensino fundamental e médio, tornando-se constitutiva
das próprias atividades docentes, definindo-se como condição de
desenvolvimento profissional do professor e de melhoria da sua
prática pedagógica. (Silva e Schnetzler, 2008: 2176)
Nesse sentido, a noção de pesquisa é relativa ao desenvolvimento do processo de
reflexão sobre a prática pedagógica. Quanto mais o professor reflete sobre a sua prática,
mais condições ele tem de melhorá-la. Daí se conclui que a pesquisa torna o professor
mais preparado para refletir e intervir na sua prática pedagógica. Tal entendimento se
aproxima dos discursos globais no que se refere à importância da pesquisa como fator
principal para as mudanças desejadas, principalmente na questão da melhoria da
qualidade do ensino.
Schnetzler e Aragão defendiam no ano de 1995 que era preciso intensificar as
pesquisas sobre o pensamento e a formação de professores. Justificavam essa demanda
em três pontos: primeiro, que a melhoria efetiva do processo de ensino-aprendizagem só
acontece através do aprimoramento profissional do professor e da reflexão crítica da sua
prática; segundo, que é preciso superar o distanciamento das pesquisas em ensino de
química e a utilização dessas para a melhoria da qualidade do ensino; e como terceiro
174
ponto, é preciso modificar a visão simplista dos professores com relação à atividade
docente.
Maldaner (1999, 2008b) é uma das lideranças da comunidade que vem
defendendo a formação do professor pela pesquisa em seu próprio campo profissional.
Em outras palavras, ele defende que a formação do professor deve ser realizada também
nos espaços profissionais, no caso a escola, pela pesquisa e interação com outros
professores, e não apenas dentro das universidades. Para o pesquisador, a comunidade
caminha nessa direção quando elabora propostas curriculares, promove cursos de
formação continuada e reestrutura os programas de licenciatura com base nessa
concepção de valorizar e aproximar a pesquisa da prática no ensino de química. No
entanto, Maldaner
104
chama a atenção para o fato de que tais ações não são suficientes
para concretizar a mudança necessária, na medida em que esta não depende só da
comunidade disciplinar nem das universidades, mas sim de políticas públicas. O
pesquisador considera que é preciso e fundamental que as escolas participem da
formação dos professores:
Qual é a participação que as escolas têm na formação de um
novo professor? Escolas significam, portanto, sujeitos. No caso,
sujeitos, professores de Química que têm alguma experiência e que
podem acompanhar os estagiários. E que abre mão de uma turma e
que acompanha durante um ano, e que tenha um diálogo importante
com os professores da universidade que estão acompanhando os
estágios. Esta parte não está sendo pensada, nem como política
pública. E precisa ser pensada, porque a LDB diz claramente que a
formação do professor é de responsabilidade das universidades e das
escolas... (Maldaner, entrevista)
A preocupação do pesquisador reside na idéia de que o ensino e a aprendizagem
não podem ser vistos como questões pontuais e secundárias no processo de formação do
professor. A formação docente deve ser encarada como preparação específica para a
produção da sua atividade profissional assim como acontece na formação de outros
profissionais, como os médicos, por exemplo. Por isso, a participação das escolas é
fundamental, pois a atividade do professor de Química acontecerá na escola. Ao mesmo
tempo, o professor precisaria interagir com a universidade a fim de aproximar as
pesquisas sobre o ensino de química com a sua prática, promovendo o questionamento e
104
Em entrevista já mencionada.
175
a reflexão tanto da teoria como da prática. Maldaner tem consciência da complexidade
que esse processo de formação docente envolve e que qualquer modificação nas
estruturas predominantes, tanto da academia como do contexto escolar, não serão
conseguidas somente pelo poder do convencimento. Nesse sentido, é que sua defesa
pelas mudanças aparece relacionada à promoção de políticas públicas, na medida em
que entende que estas são instrumentos poderosos na tentativa de convencimento e
modificação do processo. A defesa de políticas públicas para a formação docente é
endossada por outros pesquisadores da área, mesmo sabendo que tais ações não se
configuram necessariamente em mudanças:
Da experiência brasileira, necessita-se instituir políticas
públicas que melhor definam o papel atribuído às escolas,
principalmente, aos professores do ensino básico na formação de
futuros professores; no papel dos licenciandos nas escolas;
organização do tempo e espaços mais adequados a uma lógica que
propicie uma vivência maior das situações escolares. (Silva e
Schnetzler, 2008: 2182)
Vale ressaltar que já existem hoje cursos de Licenciatura que foram
reformulados com base nas contribuições das pesquisas da comunidade de ensino de
Química. Este é o caso da Universidade de Brasília, que reformulou o currículo de
Licenciatura em Química a fim de atender às peculiaridades de um curso noturno e às
exigências para a formação de professores da referida disciplina. Dentre os princípios
estabelecidos para a construção do currículo estão: a formação profissional docente
como eixo gerador das disciplinas e da vivência da realidade escolar, a inter-relação
entre a formação profissional docente e a área de ensino de Química, a valorização de
uma formação voltada para a ciência – tecnologia – sociedade, um currículo em
constante processo de construção, e a integração entre teoria e prática através de
situações reais de ensino.
Para a concretização de sua proposta, Maldaner destaca ainda a necessidade de
ter educadores químicos, profissionais capazes de trabalhar a interação prática e
pesquisa, pois a sua ausência
... enfraquece a área da Educação Química junto às
licenciaturas e pode levar a uma sensação generalizada, tanto por
parte dos estudantes quanto por parte do conjunto de professores dos
cursos de Química, de que não há nada importante a ser feito com a
176
parte da formação em Educação Química, que não seja a dos
conteúdos tradicionais de química e de educação. Se continuar essa
situação de ausência de docentes habilitados e qualificados para
assumir esses espaços de formação dos professores nas licenciaturas,
perderemos a oportunidade histórica de mudar a formação inicial dos
professores. (Maldaner, 2008: 284)
Ressalto que o discurso do pesquisador traz para a discussão uma questão
importante para o estabelecimento da relação entre prática e pesquisa docente: a tensão
existente entre os educadores químicos e os químicos. A trajetória de constituição da
comunidade disciplinar de ensino de Química é marcada pela luta do reconhecimento e
legitimidade junto aos químicos. Essa luta passa por ocupar os espaços do ensino de
Química nos cursos superiores com educadores químicos, diminuindo assim os espaços
dos químicos nos cursos de formação de professores. No entendimento da comunidade
disciplinar de ensino, a interação entre prática e pesquisa só pode ser desenvolvida pelos
educadores químicos, e por isso é preciso ampliar o número de educadores capazes de
desenvolver essa formação para que a comunidade não perca o espaço conquistado até o
momento. Nessa mesma lógica, as mudanças visando a melhoria do ensino de Química
na escola não são conseguidas por especialistas em Química ou por definições legais, é
preciso a ação de especialistas em ensino de Química (educadores químicos) junto aos
professores da educação básica. Assim, a luta da comunidade envolve ocupar esses
contextos também – a escola e o contexto de produção de políticas curriculares -, para
reafirmar a sua visibilidade e legitimidade. No entanto, algumas dessas ações colaboram
para a ambivalência das articulações da comunidade: ao mesmo tempo em que querem
ser reconhecidos academicamente, querem elaborar livros didáticos, querem trabalhar
com os professores nas escolas. Ao participar de contextos que possuem finalidades
diferentes, é preciso negociar seus sentidos curriculares com esses contextos.
Argumento que o antagonismo ao currículo tradicional de Química prevalece nessas
negociações, uma vez que o debate acadêmico se enfraquece.
É interessante perceber como os pesquisadores da comunidade disciplinar em
ensino de química tentam acompanhar todos os níveis de ensino, isto é, como
participam e discutem as questões relacionadas ao conhecimento químico, à formação
inicial e continuada dos professores e ao contexto escolar. Além disso, sabem como é
importante participar do processo de produção de políticas, seja pela interferência direta
na elaboração de documentos oficiais seja pela divulgação de suas idéias e demandas
177
nos diferentes espaços de diálogo e atuação. Acredito que essa forte aproximação com
todos esses contextos é que tem possibilitado à comunidade o desenvolvimento de
articulações e de ações em diferentes níveis. A comunidade disciplinar de ensino de
Química consegue transitar por diferentes contextos na tentativa de influenciá-los e
modificá-los, articulando suas demandas particulares e comuns a fim de construir uma
unidade legitimada socialmente. Contudo, é preciso comentar como as ações propostas
por Maldaner e outros pesquisadores da comunidade, com relação à formação docente
no espaço profissional, tornam-se um tanto utópicas quando se possui um pequeno
número de educadores químicos para dialogar com os professores de inúmeras
escolas
105
.
No entanto, os pesquisadores reconhecem que a produção de políticas
curriculares não tem sido suficientes para superar o ensino de Química tradicional nas
escolas. Auth et al ressaltam como as definições legais/oficiais não são grandes
motivadores para as mudanças desejadas no ensino:
Até aqui, orientações produzidas a partir de iniciativas
oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio e propostas de avaliação do desempenho dos estudantes no
final do Ensino Médio, o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio),
não foram suficientes para reverter práticas pedagógicas centradas
em conteúdos escolares descontextualizados, conhecimentos
fragmentados, ênfases na memória mecânica de situações padrão
para responder a exames previsíveis, tentativas de transmissões de
maior número possível de conteúdos e outras. (2005: 2)
Pesquisas no âmbito educacional têm mostrado a necessidade
de repensar o ensino de Ciências no contexto social atual, uma vez
que este processo apresenta limitações, que vêm gerando
insatisfações na comunidade escolar pelo pouco envolvimento dos
estudantes, baixa aprendizagem, altos índices de reprovações e
desistências e pouco desenvolvimento intelectual. Aponta-se, sempre,
que isso se deve à forma como os conteúdos, geralmente
descontextualizados da vivência dos alunos, são organizados, e ao
processo de ensino e aprendizagem, basicamente propedêudico.
(2005: 2-3)
Isso não significa dizer que as mudanças curriculares desejadas sejam
alcançadas por ações individualizadas, caracterizadas muitas vezes pela vontade e
105
Considerando apenas as escolas que foram beneficiadas pelo PNLEM em 2009, podemos contar com o
universo de 17.576 escolas. (
www.fnde.gov.br)
178
responsabilidade que o indivíduo toma para si. A comunidade disciplinar vem
trabalhando e desenvolvendo a idéia de que as mudanças não são decorrências de
inconformidades e ações individuais de professores ou de especialistas em currículo ou
em ensino. As mudanças curriculares são construídas a partir de um conjunto de ações
que levam a novas formas de pensar e organizar o ensino e o conhecimento.
Uma linha de trabalho de grande destaque na comunidade disciplinar de ensino
de Química concentra-se no desenvolvimento de interações entre três grupos de sujeitos,
que são entendidos como fundamentais para quaisquer mudanças: licenciandos,
professores da escola básica e professores universitários. Essas interações, conhecidas
por interações triádicas (Zanon & Schnetzler, 2001), promovem a discussão e a
reelaboração de suas vivências e saberes. A potencialidade dessas interações é
defendida pela comunidade como um dos fatores que podem ajudar a motivar e
concretizar as mudanças curriculares, pois tem promovido a reformulação de muitas
práticas e concepções que perpassam o ensino e a formação docente.
Um dos aspectos promovidos por essas interações é a defesa da necessidade da
participação dos professores das escolas na elaboração dos currículos que desenvolvem
em seus contextos de trabalho, superando uma concepção anterior de que os currículos
da educação básica deveriam ser produzidos por especialistas, cabendo aos
professores aplicá-los (Maldaner, Bazzan e Lauxen, 2006: 3). A participação também é
incentivada em projetos de parceria com os pesquisadores de ensino a fim de elaborar
novos materiais didáticos. Essa perspectiva é defendida como forma de enriquecer os
segmentos de interação participantes do processo, ou seja, os conhecimentos
profissionais dos professores enriquecem o currículo de formação dos novos
professores e os estudos acadêmicos sobre o currículo enriquecem a formação dos
professores em serviço (Maldaner, Bazzan e Lauxen, 2006: 3). Ressalto que essa
perspectiva trabalha com o pressuposto de que se os professores são autores dos
currículos que irão desenvolver, eles terão maior comprometimento no processo de
mudança curricular. Isso leva a uma concepção simplificada de política curricular, pois
desconsidera as inúmeras relações que perpassam e se influenciam nesse processo
político.
No entanto, essa perspectiva desconsidera que os currículos, mesmo aqueles
produzidos sem a participação direta dos professores da educação básica, possuem
sentidos que são defendidos e construídos no contexto da prática profissional. Considero
179
que o ciclo de políticas de Ball colabora para o entendimento de que os discursos
capazes de influenciar a discussão e elaboração de textos políticos não estão restritos a
nenhum contexto específico, eles circulam pelos diferentes contextos, passando por
recontextualizações e ressignificações. Assim, afirmar que os currículos produzidos sem
a participação direta dos professores possuem sentidos da prática, não significa dizer
que os professores não precisam participar da elaboração desses currículos porque seus
sentidos já estão contemplados. Quero dizer que os discursos dos professores participam
do ciclo contínuo de políticas, que seus sentidos circulam pelo diferentes contextos.
Também é importante destacar que o fato de afirmar que os sentidos das práticas
estão nos currículos, não significa que esses sentidos sejam entendidos como desejáveis
pela comunidade disciplinar acadêmica, pois esta possui concepções, condições de vida
e de trabalho, trajetória, finalidades e demandas diferentes da comunidade escolar. De
forma semelhante, não significa dizer que os sentidos da prática são obrigatoriamente
democráticos, mas que pela circularidade de sentidos no ciclo de políticas há sua
capilarização por diferentes contextos sociais.
Analisei neste capítulo os discursos que durante a análise dos textos mostraram-
se mais relevantes para a articulação dos discursos da comunidade disciplinar de ensino
no antagonismo ao ensino de Química tradicional. Discursos que são reconhecidos e
defendidos pelos seus integrantes para justificar as diferentes demandas da comunidade.
Nessa análise, os deslizamentos de sentidos, as equivalências e as ambivalências
produzidas mostram como a comunidade disciplinar de ensino vai significando as
articulações políticas nas diferentes negociações que precisa estabelecer para participar
mais efetivamente do processo de produção de políticas.
Passo a seguir às considerações finais.
180
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo realizado nesta pesquisa mostra como a comunidade disciplinar de
ensino de Química participa ativamente da produção de políticas curriculares para o
ensino médio brasileiro. Sua participação não envolve somente a elaboração de
documentos junto a instâncias oficiais, envolve a produção de propostas curriculares a
nível local, a elaboração de materiais didáticos, o oferecimento de cursos destinados aos
professores, a atuação nos cursos de graduação, a participação em sociedades científicas
de pesquisa e de ensino, enfim envolve uma série de contextos que procurei ao longo
dessa pesquisa caracterizar a fim de que pudéssemos entender as articulações
estabelecidas no processo político.
Defendo que essa intensa atividade da comunidade contribui para que seus
pesquisadores sejam reconhecidos socialmente como autoridades em relação ao ensino
de Química, sendo convidados a participar da definição de textos curriculares oficiais
como também da elaboração de materiais didáticos por editoras de alcance nacional. Por
serem capazes de influenciar e atuar no processo de produção de políticas, esses
pesquisadores configuram a ação da comunidade disciplinar de ensino de Química
como uma ação epistêmica. Esta é uma ação inicialmente local, mas que tende a se
ampliar pelas articulações que desenvolve com discursos que se constituem
hegemônicos para as escolas. A participação dos pesquisadores da comunidade na
elaboração de documentos oficiais da reforma do ensino médio, entendida como a
representação da política hegemônica para esse nível de ensino, caracteriza a ação
epistêmica da comunidade disciplinar de ensino de Química.
A atuação epistêmica da comunidade de ensino é relevante para entender como
uma área relativamente nova, se comparada com outras áreas de ensino de uma
disciplina específica, e com um pequeno número de pesquisadores consegue participar
do processo de significação das políticas curriculares para o ensino médio. Aponto que
o fato de esses pesquisadores desenvolverem projetos curriculares aliados à produção de
material didático, desde o início da trajetória da comunidade, de certa maneira ajudou
na ampliação de seus discursos, impulsionando o crescimento e o reconhecimento da
comunidade. Dessa forma, a atuação epistêmica da comunidade de ensino de Química
181
na produção de políticas é resultado das articulações e das demandas que a comunidade
organizou durante a sua trajetória.
Procurei mostrar como essa trajetória é construída em função de um
antagonismo. A comunidade disciplinar de ensino de Química se organiza, se significa e
delimita suas demandas em função de uma dada representação de ensino de Química
nas escolas. Os diferentes particulares - grupos de pesquisa e seus pesquisadores - que
participam desse processo compartilham da idéia de que existe um ensino de Química
que não deve ser reconhecido, pois ele não colabora para as finalidades que eles
entendem como adequadas para o ensino de Química. Por isso, este ensino e seu
respectivo currículo devem ser excluídos da cadeia de significações que a comunidade
estabelece. Assim, a comunidade disciplinar de ensino constrói uma cadeia articulatória
que se antagoniza com o ensino de Química excluído, o ensino tradicional de Química
nas escolas. Os diferentes particulares acabam se tornando equivalentes na luta contra
esse antagonista. Nessa equivalência, os grupos de pesquisa da comunidade colocam
suas diferenças em segundo plano a fim de se unirem contra o currículo tradicional. As
diferenças não são apagadas, apenas são minimizadas quando comparadas à luta
antagônica. Tem-se assim, uma constante tensão entre as diferenças dos grupos de
pesquisa que querem ver seus discursos ampliados, destacados socialmente, e entre a
articulação produzida entre esses grupos para vencer o “inimigo” em comum.
A descrição dos grupos de pesquisa mais relevantes da comunidade mostra como
essas diferenças existem e como a articulação de algumas delas pode ser contraditória,
exemplo das perspectivas mais críticas de abordagens CTS e de perspectivas
psicológicas. Contudo, as articulações ocorrem em função do antagonismo existente e
em função dos sentidos e das demandas particulares, tecendo relações que são
provisórias e frágeis. Nesse sentido, é que defendo neste trabalho que o ensino/currículo
tradicional de Química é o exterior constitutivo a que Laclau se refere, porque mesmo
não fazendo parte da cadeia articulatória da comunidade disciplinar de ensino de
Química, ele define as possibilidades e as impossibilidades de articulação da
comunidade.
Dessa forma, a cadeia articulatória construída em oposição à representação do
ensino de Química tradicional permitiu disseminar sentidos curriculares da comunidade
em vários contextos. Esses contextos participam da produção de sentidos para a
produção de políticas, assim como teve de se articular com outros sentidos que não
182
faziam parte da sua cadeia articulatória, mas que participam da circularidade de sentidos
que envolvem o ciclo de políticas de Ball.
Em um primeiro momento, essa cadeia articulatória concentrou seus esforços na
legitimação da comunidade, na medida em que tenta defender seus discursos bem como
seu espaço, privilégios e recursos para desenvolver seus projetos para a melhoria do
ensino de Química. Era preciso demarcar seu território na busca pela legitimidade social
e acadêmica, para depois poder ampliar a cadeia articulatória. Na luta pela legitimidade,
criou espaços para a discussão e para a ação política, a Divisão de Ensino de Química
da SBQ, os encontros regionais e nacionais, além de veículos de divulgação específicos
sobre o ensino de Química, a revista QNEsc. Nesses contextos, foi reforçando seus
discursos e fomentando demandas. A elaboração de material didático, como já me
referi, mesmo que usado muitas vezes local ou regionalmente, ajuda a reforçar a cadeia
articulatória. O reconhecimento de seus discursos e a aproximação com a área de ensino
de Ciências também contribui para esse processo, inclusive pelos financiamentos
conseguidos. A cadeia articulatória vai se ampliando.
No entanto, os discursos da comunidade não são vistos como hegemônicos, pois
eles não predominam nas escolas. Apesar de muitos professores e escolas conhecerem
seus discursos, ainda permanece a força do antagonista da comunidade. Assim, para
vencer seu antagonista, é preciso tornar-se mais forte na luta pela hegemonia e para
participar desse jogo político é preciso ampliar ainda mais os seus discursos. Por isso, a
necessidade de articulação com outros discursos, como os discursos globais – formação
do cidadão omnicompetente - e os discursos oficiais – organização por competências.
Tais articulações são facilitadas pela flutuação de sentidos de alguns significantes.
Na análise dos textos selecionados para o estudo, destaco cinco significantes que
considero importantes para as articulações políticas realizadas pelas lideranças da
comunidade: contextualização, interdisciplinaridade, formação para a cidadania,
conhecimento químico escolar e a relação entre pesquisa e prática. É por intermédio
desses significantes que ocorrem as negociações entre os sentidos defendidos pelas
diferentes lideranças e os sentidos defendidos pelas outras instâncias. Nessas
articulações, os sentidos “originais” ou iniciais desses significantes são modificados
porque se hibridizam com outros sentidos. Destaco que alguns significantes possuem
maior flutuação de sentidos, como a contextualização e a formação para a cidadania,
fazendo com que possam articular mais sentidos para o mesmo discurso. Há um
183
“apagamento” maior de seus sentidos iniciais para que possam se articular com os
outros sentidos. Já o significante interdisciplinaridade, tem possibilitado menos
articulações para a comunidade por apresentar menos deslizamentos nos seus sentidos.
Defendo que os discursos políticos da comunidade de ensino de Química são
constituídos nesses deslizamentos, nessas flutuações de sentidos, porque conseguem
articular diferentes sentidos de forma a ampliar as significações sobre a comunidade e
as suas demandas.
Afirmo que a produção das políticas curriculares para o ensino médio por esta
comunidade disciplinar de ensino é garantida porque a mesma conseguiu articular suas
demandas com as demandas entendidas como globais. Tais articulações continuam se
contrapondo à representação do ensino de Química tradicional. Dessa forma, podemos
afirmar que as demandas específicas da comunidade tornam-se equivalentes às
demandas globais por intermédio do antagonismo à representação do currículo
tradicional.
Assim, ao participar do contexto de definição de textos oficiais (PCNEM,
PCN+, OCNEM) pelas negociações estabelecidas com relação a esses significantes, as
lideranças da comunidade disciplinar conseguem potencializar seus discursos que
chegam com mais intensidade no contexto escolar, local do seu antagonista,
configurando sua ação epistêmica na produção de políticas curriculares. Conseguem
também consolidar-se socialmente e academicamente. Nesse processo, a comunidade
disciplinar de ensino de Química consegue atuar na produção de sentidos para as
políticas curriculares do ensino médio participando de todos os contextos do modelo do
ciclo de políticas: atuam epistemicamente na negociação dos sentidos que entram nas
políticas curriculares, participam da produção dos textos curriculares, além de
participarem das reinterpretações dos textos na prática.
No entanto, o processo de ampliação de sua cadeia articulatória acaba criando
algumas ambivalências para as articulações políticas da comunidade. Primeiro, ao
negociar seus sentidos curriculares com os diferentes contextos, o debate acadêmico se
enfraquece, uma vez que o enfoque de suas negociações é o contexto escolar. A maioria
das ações promovidas pela comunidade está relacionada com o contexto da escola -
revista QNEsc, livros didáticos para o ensino médio, material para professores, vídeos
para as aulas, cursos de formação continuada para os professores, parceria com os
professores da escola -, as quais têm finalidades diferentes das do contexto acadêmico.
184
Essa ambivalência pode ser vista durante a análise quando, por exemplo, a comunidade
disciplinar de ensino quer que a revista QNEsc seja referendada pela academia e pelos
sistemas de avaliação de periódicos nacionais. O enfraquecimento do debate acadêmico
leva a perdas na disputa pela hegemonia de quem é a autoridade especializada sobre o
ensino de Química, leva a perdas de espaços e status conquistados.
Segundo, há uma tensão produzida entre as diferenças da comunidade e a
equivalência determinada pela relação antagônica. No processo de legitimação e
consolidação da comunidade, seus diferentes grupos de pesquisa buscam também
reconhecimento e visibilidade, pela afirmação de suas particularidades. No entanto,
essas particularidades devem se tornar equivalentes em benefício de um propósito
maior, a luta hegemônica contra seu antagonista. Ao mesmo tempo em que esses
particulares se destacam pelas suas diferenças, se “anulam” na luta contra o antagonista.
Apesar de os grupos de pesquisa das lideranças selecionadas neste trabalho destacarem-
se cada vez mais pelas suas iniciativas e pela consolidação nacional e internacional, a
comunidade disciplinar de ensino de Química aparece como mais consensual nas
articulações políticas estabelecidas para o ensino médio. Defendo que isso acontece
porque os conflitos entre os grupos de pesquisa são enfraquecidos frente à força que seu
antagonista adquire e também porque existe a preocupação de não se abalar o
fortalecimento da comunidade.
Mesmo após 30 anos de sua primeira reunião na SBQ, a comunidade continua a
lutar contra seu antagonista, o ensino e o currículo tradicional de Química nas escolas.
A indecidibilidade do jogo político tem permanecido. Se para vencer o antagonista é
necessário enfraquecer os grupos de pesquisa da comunidade a fim de que seus
discursos sejam aceitos hegemonicamente nas escolas, cria-se uma impossibilidade,
pois os grupos de pesquisa caminham na direção de se fortalecerem. No entanto, os
mesmos grupos de pesquisa defendem que se deve preservar a estabilidade e o
fortalecimento conseguido até o momento, o que tem direcionado a comunidade para
possibilidades de novas equivalências. Um exemplo disso, é a ampliação de seus
sentidos para pensar os cursos de formação de professores.
Defendo que a superação da relação antagônica com o currículo tradicional de
Química nas escolas passa necessariamente por construir outra representação para se
pensar em novas significações para as articulações políticas. Isso passa pelo
entendimento que essas relações são precárias e provisórias, resultantes de acordos, de
185
negociações. Nesse caso, construir uma nova representação significa estabelecer
negociações entre os diferentes grupos de pesquisa da comunidade que hoje estão mais
fortalecidos do que quando iniciaram. É pensar que os grupos de pesquisa destacados na
pesquisa (USP, UnB, UFMG e UNIJUÍ) que vêm atuando epistemicamente na produção
de políticas curriculares para o ensino médio terão que construir novas relações de
equivalência que não anulem as conquistas e o status desses grupos.
Para finalizar, aponto para estudos posteriores a investigação de como essa
representação de escola e de ensino, que a comunidade disciplinar de Química se
antagoniza, não é afetada por outras representações que também existem na escola e na
sociedade.
186
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