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A FORMAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOBRE A CIDADE COLONIAL NO BRASIL GEORGE ALEXANDRE FERREIRA DANTAS
GEORGE ALEXANDRE FERREIRA DANTAS
EESC - USP
2009
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A FORMAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOBRE A CIDADE COLONIAL NO BRASIL
George Alexandre Ferreira Dantas
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A formação das representações sobre
a cidade colonial no Brasil
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo da Escola de
Engenharia de São Carlos – Universidade de São
Paulo como requisito parcial para obtenção do título
de Doutor
Doutorando
George Alexandre Ferreira Dantas
Orientador
Prof. Dr. Carlos Roberto Monteiro de Andrade
Financiamento
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo [05/51462-8]
EESC-USP
São Carlos, junho de 2009
Capa: Ítalo Dantas de Araújo Maia
Imagem da capa: J. M. Rugendas, Rua Direita no Rio de Janeiro
Fonte: BELLUZZO, Ana Maria de M. O Brasil dos viajantes. 2 ed. São Paulo: Metalivros: Rio de
Janeiro: Objetiva, 1999, vol. III, p.79.
Para Ana Karina e Ana Helena.
“Todo lenguaje es un alfabeto de símbolos cuyo ejercicio presupone
um pasado que los interlocutores comparten”
Jorge Luis Borges, “El Aleph”, El Aleph
AGRADECIMENTOS
Sou um leitor de páginas de agradecimentos. Repetitivas, por vezes,
inusitadas outras tantas, mesmo assim sempre ajudam a contar a história pessoal e de
pesquisa de uma tese, as interlocuções e os alicerces – teóricos, metodológicos e,
antes de mais nada, afetivos – que a sustentam. Não posso deixar de fazer o mesmo e
espero que essas páginas possam assim ser lidas.
Os anos para o desenvolvimento de uma tese de doutorado são intensos,
longos. É uma tessitura sem fim, peça que recebeu mãos amigas no desenrolar inicial,
na construção da estrutura, na distribuição dos fios e nos arremates, moldando
pequenas mas significativas iluminuras no resultado final, cujo desenho, ainda
incompleto, foi rabiscado em vários momentos – também literalmente, em uma folha
sulfite avulsa não mais tão branca que acompanha meu caderno de notas de pesquisa
–, acrescentando linhas, palavras-chaves e muitas interrogações. Assim, dessas mãos
me ocupo agora.
Antes de mais nada, lembro que voltar a São Carlos foi enriquecedor, pessoal,
profissional e academicamente. E é dessa satisfação pessoal – de estar por mais de
sete anos, somando o período de mestrado, em uma cidade que aprecio – que inicio
meus agradecimentos:
Uma vez mais, ao Prof. Carlos Roberto Monteiro de Andrade, pelo
compromisso intelectual de ajudar a levantar os alicerces desta tese, pelos contatos e
conversas inúmeras, mesmo à distância, desde o início do mestrado em 1999 e na
volta para o doutorado em 2005, pelo incentivo, confiança e pela amizade que vão
além da orientação;
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da EESC-USP, cujas reflexões, dentro e fora das disciplinas curriculares,
foram importantes para meus próprios questionamentos. Dentre todos, não posso
deixar de citar nominalmente Carlos Martins, Renato Anelli, Telma Correia, Cibele
Saliba Rizek e Sarah Feldman;
Aos funcionários do Departamento de Arquitetura, pelo apoio para desfazer
nós burocráticos e pelas amenidades da hora do café: João Tessarin, Paulo Ceneviva,
Benê, Geraldo, Osvaldo, Zanardi e, em especial, Fátima e Marcelo Celestini, por
meio de quem agradeço aos outros não nomeados;
Aos funcionários das diversas bibliotecas da USP onde pesquisei ao longo
dos últimos quatro anos (da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Central
da Politécnica, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo na Cidade Universitária e na Rua Maranhão, e, em
especial, do Instituto de Estudos Brasileiros e da Central da EESC); importante
também o trabalho da equipe do Lig Doc, sobretudo à Adriana Perez Gomes,
operadora constante dos meus inúmeros pedidos de artigos e capítulos;
Do mesmo modo, aos funcionários das diversas bibliotecas e arquivos de
outras cidades por onde pude passar e trabalhar: em Natal, na Biblioteca Central Zila
Mamede, da UFRN; em Recife, na Fundação Joaquim Nabuco; no Rio de Janeiro, na
Biblioteca Nacional e na Biblioteca Paulo Santos; em Campinas, na Biblioteca
Central da Unicamp (em especial, na seção de obras raras), do IFCH e no Arquivo
Edgard Leuenroth, a quem agradeço em especial ao Mário e à Isabel, que sempre
facilitaram e agilizaram a pesquisa nas micro-fichas; em Buenos Aires, na Biblioteca
Nacional, no acervo da Sociedad Central de Arquitectos e na Academia Nacional de
Historia; em São Carlos, na Biblioteca Comunitária da UFSCar, em especial aos que
mantêm a sala de coleções especiais;
Em meio às viagens de pesquisa, recebi a ajuda de várias pessoas. Em Buenos
Aires, o prof. Luis Maria Calvo (da Universidad de Buenos Aires) deu-me indicações
importantes para o trabalho nos arquivos; Maria Martina Acosta também apontou
arquivos e ajudou-me com informações diversas sobre Buenos Aires; o prof. Adrián
Gorelik (Universidad de Quilmes) discutiu meu projeto e apontou várias
possibilidades de história comparada (que teremos que guardar para depois). Em
Quito, o prof. Eduardo Kingman (Flacso-Ecuador) foi muito gentil ao nos receber
na sessão de história urbana do Congreso Latinoamericano de Ciéncias Sociales e nas
andanças pela cidade;
Às professoras Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno (FAUUSP) e Cibele Saliba
Rizek (EESC-USP) pela leitura cuidadosa, pelas indagações inspiradoras e pelas
inúmeras contribuições para pensar esta tese, seus argumentos e estrutura; na banca
final, tive a satisfação de contar também com as argüições precisas dos professores
Paulo Cesar Garcez Marins (Museu Paulista-USP) e Carlos Alberto Ferreira Martins
(EESC-USP).
Ao professor Nestor Goulart Reis (FAUUSP), pela entrevista/conversa que
ajudou a esclarecer várias questões na reta final da escrita e me levou a repensar
algumas partes e conclusões;
Aos professores José Xaides e Antonio Carlos, do Departamento de
Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo da UNESP, campus de Bauru-SP, pela
confiança e oportunidade oferecidas durante o ano e meio que trabalhei como
professor na disciplina de “Linguagem e valor estético”; aos alunos que aceitaram
partilhar (e, assim, se enlevar em) a trama fugidia que é a discussão sobre arte,
cultura, arquitetura e história; lá contei também com a gentileza do Leopoldo e da
Mitsue na secretaria do curso;
Aos amigos que são também parceiros intelectuais leais e críticos, por vezes
severa e necessariamente críticos, mas, antes de tudo, afetuosos: Hamilton Varela,
Paula e família, que sempre nos deram muito apoio; Giuseppe Câmara e Janete Giz;
Francisco Sales e Ingrid; Rodrigo Firmino e Alessandra; Michelly Ramos e Vitor de
Ângelo. Dentre esses, não posso esquecer do Fernando Atique, cujo apoio material e
fraterno foi imprescindível tantas vezes, em São Carlos e, depois, em Campinas; na
reta final, o incentivo da Renata Cabral foi decisivo;
Não posso esquecer também que foi com Rodrigo, Sales e Michelly que
partilhamos a construção do projeto do Café com Pesquisa, série de seminários
(realizados entre 2005 e 2008) que nos ajudou a conversar mais entre nós mesmos e
com nossos colegas, afastando-nos, ainda que por alguns momentos, do
encastelamento por vezes inevitável da pesquisa e da reflexão; aí nossas amizades e
respeito se fortaleceram;
Aos amigos e colegas que partilharam os anos iniciais, em meio à disciplinas,
elaboração de monografias, conversas, cafés, angústias, risadas, enfim ao cotidiano
acadêmico da pós-graduação: Amanda Ruggiero, Caliane Almeida, Carolina Rossetti,
Cecília Almeida, Débora Foresti, Fúlvio Teixeira, Juliano Cecílio, Luiz “Peixe”
Teixeira, Marcus Vinícius Queiroz, Paula Francisca, Sara Grubert, Teresa Cordido;
depois, também, Adriana Almeida, Carolina Chaves, Mayara Mendonça, Marcos
Santos e Olívia Maia; não posso deixar de lembrar também de Claudius Barbosa,
Cristina Campos, Fabiano Oliveira e Pedro Rossetto;
Aos inestimáveis colegas e amigos do Urbis, que sempre acreditaram e
torceram muito por mim: Cecília Lucchese, Fabíola Cordovil, Lucas Cestaro, Luisa
Videsot, Maristela Janjulio, Thais Cruz e, depois, Ana Carolina Froes e Lorenza
Pavesi;
Tenho uma dívida grande para com o HCUrb (grupo de estudo em História
da Cidade e do Urbanismo, vinculado à Base de Pesquisa “Estudos do Habitat”, do
Depto. de Arquitetura da UFRN), pelo incentivo constante às minhas pesquisas, pelo
aprendizado que o trabalho e a reflexão coletivos são possíveis e importantes e,
enfim, pela amizade: a Angela Ferreira, Ana Caroline Dias, Anna Rachel Eduardo,
Alexsandro Ferreira, Gabriel Medeiros, Hélio Farias, Yuri Simonini, além de Adriano
Wagner, Luiza Lima, Clara Rodrigues, Fabiano Fechine, Giovana Oliveira e Paulo
Nobre; no final, Yuri, Gabriel e Rachel deram-me um grande ajuda na revisão dos
capítulos e Hélio pôs nos eixos o que eu tinha alinhavado como abstract;
Aos amigos de Natal, João Pessoa e alhures: Alex e Janaína, André e Alândia,
Marco Coutinho, Marcos Dantas Jr., Nilton Santos, Philippe Guaigner e Rosa,
Rossana Honorato, Sheila Paiva, Vinícius Dantas, Wagner Martins e tantos outros;
A Fapesp (processo 05/51462-8), cujo apoio material e conceitual (por meio
das contribuições e críticas do/a parecerista) foi de fundamental importância para o
desenvolvimento desta tese;
Por fim, à minha família, sempre presente e divertida, ainda que à distância:
aos meus pais, Edmundo Eugênio e Expedita Ferreira, e a meus irmãos, cunhadas e
sobrinhos, Leonardo, Suênia, Murilo e Diogo, Gustavo, Aline, Anastácia e Alicia
(recém-nascida), Cláudio e Jamile. Em Campinas, contei sempre com o apoio e o
entusiasmo de Hélio Ferreira e Idati Sigo, Alexander e Raquel, Alessandro, Ana Paula
e Vinícius. Aos meus sogros, Marcos e Albanita; a Marcos Jr. e Érika. Há outros que
gostaria de aqui nomear, mas a tarefa seria longa, ainda assim registro que são
também especiais para mim. Por fim e em especial, para Ana Karina e Ana Helena,
que construíram comigo esta tese. Helena nasceu em meio a toda essa história (em
julho de 2006) e fez-me reescrever minhas escolhas, planos, itinerários, para fazê-las
nossas, para fazer tudo valer a pena, nossa iluminura.
São Carlos, junho (ainda outono) e agosto de 2009.
RESUMO
A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil.
A crítica da cidade colonial foi um dos principais temas nas discussões e justificativas para as
reformas e melhoramentos por que passaram muitas cidades na virada para o século XX.
Desde aquelas mais importantes administrativa e economicamente nos três primeiros séculos
de colonização, como o Rio de Janeiro, Salvador e Recife, até as que pouca relevância tinham
na incipiente rede urbana do período colonial, como Natal, a crítica repetiu-se,
homogeneamente à primeira vista, nas várias cidades em transformação, independente das
particularidades das várias estruturas urbanas e da maior ou menor irregularidade dos seus
traçados. Para além da questão sobre a existência ou não de planejamento por parte do
colonizador português, esta tese discute como se formaram as representações sobre a cidade
colonial no Brasil. Nas trilhas dessa imagem construída amiúde em negativo, aborda-se: a
leitura empreendida pelos viajantes estrangeiros no início do século XIX, com ênfase no
livro de Henry Koster, Travels in Brazil (1816); a problematização e instrumentalização do
tema em meio às formulações higienista e sanitarista sobre a necessidade de reformar e
modernizar o espaço urbano ao longo do século XIX; da mesma maneira, no processo de
formação do campo disciplinar do urbanismo no Brasil na virada para o século XX; e, a
apropriação do tema na constituição da historiografia sobre a arquitetura brasileira. Por fim,
tecem-se algumas considerações sobre o texto que seria tomado como o momento fundante
dessa representação: o capítulo “O semeador e o ladrilhador”, de Raízes do Brasil (1936), de
Sérgio Buarque de Holanda.
Palavras-chaves: cidade colonial – representações – historiografia – arquitetura – urbanismo
ABSTRACT
The formation of representations on Brazilian colonial cities.
The critique of the colonial city was one of the most usual themes on the discussion and
justification of reforms and improvement plans targeted at several Brazilian cities in the turn
to the twentieth century. The critique was reiterated in a virtually homogeneous fashion all
over Brazil, regardless of the specific urban characteristics in each settlement, whether it was
being applied to cities that concentrated great administrative and economic importance
during the colonial times, such as Rio de Janeiro, Salvador and Recife, or to those that
carried little relevance in the colony’s fledgling urban network, such as Natal. Beyond the
issue of whether the Portuguese colonizers were “planning” settlements, this thesis discusses
how representations on Brazilian colonial cities came to be. As the development of this
generally negative image is tracked down, this work explores the images of Brazilian cities
forged by foreigner travelers, focusing on Travels in Brazil (1816), by Henry Koster; the
theme’s problematization by physicians and sanitary and polytechnic engineers, for whom
the theme of colonial city was instrumental to demand for the urban reforms and
modernization they sought over the nineteenth century; the appropriation of this theme
during the process of formation of urbanism as a discipline; and in the many texts and books
that delineated modern historiography on Brazilian architecture. Finally, some considerations
are made on the text that could be considered the foundation for these representations:
Sérgio Buarque de Holanda’s “O semeador e o ladrilhador”, a chapter from his 1936 work,
Raízes do Brasil”.
Key-words: colonial city – representations –historiography – architecture – urbanism
SUMÁRIO
Introdução 19
Primeiras cartografias de representações
As partes da tese
Notas sobre o conceito de representação
25
28
33
Capítulo 1
Leituras Viajantes: a cidade colonial entre olhares estrangeiros
63
1.1 Leituras formativas
1.2 O observador que participa
1.3 Narrar a cidade, viver a cidade
73
85
93
Capítulo 2
As cidades estreitas e sujas: esforços para constituição de uma (nova)
ordem urbana
105
2.1 Higiene para as cidades
2.2 o traçado sanitário das cidades
110
134
Capítulo 3
A arte que lhe falta: legitimações do campo disciplinar do urbanismo
147
3.1 A primeira cidade da América do Sul
157
Capítulo 4
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios, e
circularidades
171
4.1 Antiurbanismo ou as limitações impostas pelo passado
4.2 delineamentos narrativos
4.3 estudos sobre arte e arquitetura colonial
177
185
194
Considerações finais
Imagens e representações em um texto fundador
203
Referências 213
INTRODUÇÃO
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
20
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
21
“E se estiver na pausa e não no assovio o significado da mensagem?
Se for no silêncio que os melros se falam?”
Italo Calvino, Palomar
Os textos de abertura de dois livros pioneiros e importantes sobre o estudo
das vilas e cidades do período colonial brasileiro
1
são significativos em suas
preocupações congêneres, revelando um esforço historiográfico de discussão
aprofundada, baseada em um amplo levantamento documental que abrangeu
arquivos brasileiros e europeus, sobremaneira, para refutar e estabelecer novas bases
para o tema.
Tanto Nestor Goulart Reis quanto Roberta Delson apontam para a imagem
comum e inconteste, de conotação negativa, que até então se tinha sobre a cidade
colonial no Brasil. Imagem que, diga-se, constituía-se numa premissa dos estudos de
história latino-americana e dos compêndios de arquitetura: o desalinho, o
enviesamento das ruas, a ocupação espontânea e aleatória, a trama urbana irregular e
estreita, escura e insalubre, denunciariam a falta de ordem e de plano na sua
construção, reflexo do “desleixo” português na colonização do Brasil. Como
lembraria Delson, a construção de Brasília na década de 1960 representou para
muitos o “início da planificação urbana formal” no país
2
– o que desconsideraria até
mesmo a criação de Belo Horizonte e Goiânia.
Ambos os trabalhos viriam desmontar portanto esta imagem, o caráter
negativo na leitura do espaço urbano colonial brasileiro, que homogeneizara uma
interpretação sobre o seu processo de urbanização e até mesmo obscurecera os
1
Nestor G. Reis, Contribuição ao estudo da Evolução Urbana do Brasil 1500/1720, 2000, e Roberta Delson,
Novas vilas para o Brasil-Colônia: planejamento espacial e social no século XVIII, 1997; o trabalho do professor
Nestor Goulart foi apresentado em 1964 e conheceu sua primeira edição em 1968, pela Livraria
Editora Pioneira; o livro de Delson foi publicado originalmente em inglês, em 1979.
Observação: optamos por uma entrada simplificada, em nota de rodapé, das referências completas que
se encontram no final desta tese, permitindo assim saber desde logo quem é o autor e qual o título da
obra; assim, nem nos limitamos ao sistema autor-data, nem nos estendemos demais para anotar todas
as informações bibliográficas. Esse procedimento foi adotado ao longo de toda a tese.
2
R. Delson, op. cit., p.xi.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
22
vários exemplos de novas comunidades planejadas no século XVIII. Primeiro, dando
a lume alguns planos urbanísticos dos dois primeiros séculos de colonização – em
especial o que orientou a criação de Salvador ainda na primeira metade do século
XVI – e o processo social de ocupação do território, ao qual certa preocupação com
o ordenamento urbano esteve desde o princípio vinculado, quer em traçados
regulares ou não;
3
em segundo lugar, deslindando o amplo programa de criação de
vilas e cidades para o “sertão” do Brasil durante o Setecentos, uma clara política
urbana dos administradores portugueses para expandir e garantir o controle da Coroa
sobre a colônia; ademais, a regularidade e a homogeneidade dos novos espaços
seriam também expressão do pensamento racional iluminista e absolutista europeu e
indutores de novos padrões culturais e sociais.
4
Outros estudos avançaram nessas questões, colocando novos elementos na
discussão sobre a existência de um processo de ordenamento e de planificação
portuguesas na sua maior colônia ultramarina, desde um chamado “urbanismo
vernacular” português no interior, passando pela definição dos diversos agentes
modeladores do espaço urbano, em especial o papel do almotacé e do engenheiro
militar, até a relação entre a forma urbana e as tecnologias de guerra.
5
Contudo, se
todos esses estudos têm demonstrado que de fato houve planejamento na criação de
muitas vilas e cidades desde o século XVI, e não apenas sob o governo absolutista do
Marquês de Pombal, o que evidenciaria uma política urbanizadora para a América
Portuguesa, permanece em aberto a questão sobre a formação dessa representação
sobre a cidade do período colonial no Brasil. Afinal, como essa imagem se forma e
adquire caráter historiográfico? Quais as suas raízes e quais as suas repercussões no
estudo e, conseqüentemente, na transformação das cidades brasileiras? Como ela
assume um viés predominantemente negativo que, como afirmaria Nestor Goulart,
3
N. G. Reis, op. cit.
4
R. Delson, op. cit.
5
Como exemplo no avanço nas discussões sobre a cidade colonial brasileira, basta ver o crescente
interesse e número de trabalhos sobre o tema nos últimos Seminários de História da Cidade e do
Urbanismo, em especial a partir da IV edição (Rio de Janeiro, 1996), dos quais fizemos aqui algumas
referências. A esses, somem-se pesquisas recentes que se constituem referências fundamentais para
esta discussão, como: Laurent Vidal, Mazagão, 2008; Amílcar Torrão, A arquitetura da alteridade: a cidade
luso-brasileira na literatura de viagem (1783-1845), 2008; Rodrigo Baeta, Ouro Preto cidade barroca, 2003;
Beatriz Bueno, Desenho e Desígnio, 2001; Manuel Teixeira e Margarida Valla, O urbanismo português: séculos
XIII-XVIII, 1999.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
23
desqualificaria os “núcleos urbanos brasileiros como objeto de estudo”?
6
Estas são
algumas das questões que moveram os interesses das pesquisas que fundamentam
esta tese desde o início.
Responder a tais questões não é obviamente o interesse dos estudos acima
citados, voltados que estão ao problema da interpretação dos significados da
colonização portuguesa, na qual a forma das cidades – e a condução ou não no seu
processo de construção – constitui-se como uma das expressões mais fortes. De
forma esquemática, pode-se afirmar que a oposição se coloca entre aqueles que
defendem a existência de uma clara política de urbanização portuguesa para o Brasil,
expressa em modelos, ordenamentos e planos, e aqueles que a negam ou diminuem a
sua importância frente ao poder do mundo rural ou às especificidades da colonização
lusitana.
Cabe aqui abrir um parêntese: ao discutir os estudos sobre as cidades
coloniais no Brasil, Paulo Santos identificaria três enfoques que estruturavam essa
discussão: o primeiro, tributário da oposição semeador-ladrilhador de Sérgio
Buarque, enfatizaria o desleixo do colonizador português; o segundo leria com
complacência a suposta ingenuidade canhestra das soluções do povoador; o terceiro
elogiaria a diligência e o sinal de progresso das cidades construídas a partir de
traçados regulares. Insatisfeito com tais enfoques, Santos proporia um quarto:
reconhecer a genuinidade das cidades de traçado irregular como herdeiras de um
outro sistema de conceitos urbanísticos, que remontariam à Idade Média.
7
Antes
ainda, o crítico de arte Maria Barata, durante sua exposição na primeira sessão
(dedicada ao tema da “Cidade nova”) do Congresso Internacional Extraordinário de
Críticos de Arte, em 1959, afirmaria que “mesmo construídas de acordo com tradição
medieval lusa, essas primeiras cidades brasileiras parecem ter tido traçado original
mais regular e ortogonal do que geralmente se supõe”. A expansão posterior,
6
N. G. Reis, op. cit., p.13.
7
Paulo Santos, Formação de cidades no Brasil colonial, 2001 [1968]; Cf. também a revisão bibliográfica de
A. Torrão Filho, Imagens de pitoresca confusão: a cidade colonial na América Portuguesa, Revista
USP, 2003. Não se pode deixar de mencionar que tanto “Formação” quanto “Quatro séculos de
Arquitetura” (1965) são posteriores à participação de Santos na banca de livre-docência do professor
Nestor Goulart.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
24
descendo as acrópoles originais de defesa dos sítios, é que teria acentuado as
irregularidades.
8
Seguindo a exposição de Roberta Delson e Nestor Goulart, estariam na
segunda categoria alguns autores como Robert Smith, Richard Morse e Henrique
Mindlin, aqueles para quem “a ordem era ignorada pelos portugueses” (a frase é de
Smith, em “Arquitetura colonial”, de 1955). Poder-se-ia acrescentar ainda entre esses
Yves Bruand. Quando o paleógrafo francês concluiu o seu amplo panorama sobre a
arquitetura brasileira do século XX, a primeira edição do livro de Nestor já era
conhecida no meio acadêmico; contudo, considerando o exemplo da planificação de
Salvador inconsistente, embasar-se-ia em Sérgio Buarque (no que diz respeito ao tipo
de cidades criadas pelos portugueses, em oposição aquele dos espanhóis) para
afirmar que “o urbanismo português foi mais negativo do que positivo em relação à
tarefa de planificação...”.
9
Estaria aí, portanto, a oposição básica e fundamental que, diga-se, tem
fomentado algumas importantes discussões e controvérsias no campo disciplinar da
história urbana, da arquitetura e, principalmente, do urbanismo. A polêmica de
fundo, congênere aos dois estudos iniciais já citados, abre-se a partir do capítulo “O
semeador e o ladrilhador”, do clássico Raízes do Brasil, no qual Sérgio Buarque
trabalha com a “metodologia dos contrastes”
10
para comparar e estabelecer as
diferenças entre o empreendimento colonizador espanhol e o português em matéria
de urbanismo.
A fantasia com que em nossas cidades, comparadas às da América
espanhola, se dispunham muitas vezes as ruas e habitações é, sem
dúvida, um reflexo de tais circunstâncias [a primazia do mundo
rural, o caráter mercantil da colonização portuguesa, a maior
liberalidade de sua administração, etc.]. Na própria Bahia, o maior
centro urbano da colônia, um viajante do princípio do século
XVIII [L.G. de la Barbinais] notava que as casas se achavam
dispostas segundo o capricho dos moradores. Tudo ali era
8
Atas do Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, set.
1959, p.13-15.
9
Y. Bruand, Arquitetura contemporânea do Brasil, 1997, p.325; o seu livro foi fruto de uma pesquisa
realizada durante a década de 1960, que resultou em tese defendida na Université de Paris IV, em 1971;
foi publicado em português apenas em 1981.
10
A. Candido, O significado de ‘Raízes do Brasil [1967], in Raízes do Brasil, 2006, p.237.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
25
irregular, de modo que a praça principal, onde se erguia o Palácio
dos Vice-Reis, parecia estar só por acaso no seu lugar.
11
Se a riqueza da análise concisa e sintética, mas não menos profunda e erudita,
de Sérgio Buarque influenciou decisivamente estudos posteriores sobre a formação
social brasileira advinda do período colonial, é inegável que o tema da cidade colonial
já estava presente, bem antes da década de 1930, no meio intelectual e técnico
brasileiro. Uma das representações iria tomá-la, em negativo, como a expressão
material do atraso que deveria ser superado para a construção da cidade moderna no
Brasil e, no fim, para a constituição de uma moderna nação.
Primeiras cartografias de representações
A crítica da cidade colonial foi um dos principais temas nas discussões e
justificativas para as reformas e melhoramentos por que passaram muitas cidades na
virada para o século XX, formulada por médicos, higienistas, sanitaristas,
engenheiros, mas também como objeto dos ensaios e textos de caráter
historiográfico. Desde aquelas mais importantes administrativa e economicamente
nos dois primeiros séculos de colonização, como o Rio de Janeiro, Salvador e Recife,
até as que pouca relevância tinham na incipiente rede urbana do período colonial,
como Natal, a crítica repetiu-se, homogeneamente à primeira vista, nas várias cidades
em transformação, independente das particularidades das várias estruturas urbanas e
da maior ou menor irregularidade dos seus traçados. O engenheiro sanitarista
Saturnino de Brito, por exemplo, um dos nomes mais importantes na constituição do
urbanismo moderno no Brasil e cuja original e vasta obra teórica e prática teve
grande ressonância no país,
12
não deixou de comentar e condenar a chamada cidade
antiga em muitos dos seus planos de extensão, saneamento e melhoramentos para
cidades como Campos, Recife e Santos.
Deve-se afirmar, ademais, que o interesse por essa questão nasceu de certas
indagações e constatações sobre o processo de transformações urbanas de Natal nos
anos 1920. Trabalhando com o contraste entre as leituras histórico-literárias
11
S. B. Holanda, Raízes do Brasil, 2006 [1936], p.109.
12
Cf. C. Andrade, A peste e o Plano: o urbanista sanitarista do Eng. Saturnino de Brito, 1992.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
26
formuladas durante a Primeira República sobre a cidade colonial e a sua forma física,
representada na parca iconografia existente sobre a cidade até o início do século XX,
seria aventada a hipótese de que o seu processo de modernização pressupôs a
construção historiográfica da (imagem da) cidade colonial.
13
Isto é, a transformação física dar-se-ia não apenas sobre a trama urbana
herdada do período colonial e imperial, mas principalmente sobre o conjunto de
significações (negativas) do qual foi eivado este espaço: território de práticas
incivilizadas e rudes, de insalubridade, de estagnação econômica, do capricho, do
acaso, contra o qual era erguida e sustentada a ordem do plano urbano, produto da
razão humana guiando os caminhos do futuro. Mas, poder-se-ia questionar, esse
processo ocorreu apenas em Natal ou conheceu correlatos e similares em outros
contextos de modernização de cidades, onde a herança urbana do período colonial
era bem mais presente?
Sabe-se que Saturnino de Brito, já mencionado aqui, apoiava a sua teoria da
urbanização numa leitura evolucionista do crescimento das cidades brasileiras que
tinha forte correlação com o positivismo comteano. À maneira dos três estados
intelectuais da humanidade, haveria três fases na vida de uma cidade, das quais a
primeira era a lenta expansão do acaso colonial. Significativamente, Brito concordaria
com Camillo Sitte – outra de suas grandes referências teóricas – no elogio do espaço
orgânico das cidades medievais européias, mas não o faz na análise do espaço urbano
do período colonial brasileiro – mesmo quando a disposição de praças e igrejas
poderia ser enquadrada em exemplos sitteanos.
14
No Recife, evocava-se uma ordem mítica da cidade Maurícia, fruto da
presença holandesa no século XVII, que buscava legitimar, no passado, a
racionalidade dos planos do urbanismo moderno do século XX. Mauritzstadt, a
urbanização da ilha de Antonio Vaz, formaria então o contraste com o espaço (mal)
construído pelos portugueses ao longo dos séculos. Os apólogos da modernização
tentavam mostrar assim que havia no próprio passado da cidade uma vocação natural
para a regularidade e a racionalidade, e não apenas as tipologias e a morfologia do
13
Cf. George Dantas, Linhas convulsas e tortuosas retificações: transformações urbanas em Natal nos ano 1920,
2003, em especial o capítulo 2, “Não há-tal, Natal: movimentos de construção e desconstrução da
cidade colonial”.
14
Essas questões serão retomadas no capítulo 2.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
27
espaço tradicional.
15
Em meados do século XIX, os elementos materiais que
marcavam os usos religiosos do espaço público da capital pernambucana foram
considerados, de maneira reiterada, como a expressão de um passado obscuro que
deveria ser expurgado. As formas antigas eram tomadas como entraves físicos e
simbólicos ao progresso. Assim, defendia-se como
Indispensável [a] demolição dos arcos de Santo Antonio e da
Conceição, logo antes da abertura do trânsito. A existência desses
arcos hoje é incompatível com o estado atual (...).
Pelo lado material vemos que o aumento extraordinário da
edificação e aformoseamento da cidade reclama semelhante
providência, por quanto esses arcos, além de impedirem o livro
trânsito da grande massa de povo que por ali terá de passar, são por
suas antigas formas, um completo antagonismo da atualidade, uma
anomalia perfeita.
16
No Rio de Janeiro, a modernização da cidade para transformá-la numa capital
integrada ao circuito internacional do capitalismo comercial pressupôs a destruição a
golpes de picareta da configuração sócio-espacial antiga, substituindo-a pelos
referenciais ditos civilizados, importados da Belle Époque européia.
17
Em São Paulo,
cidade que se assemelhava a Natal no tamanho acanhado e na menor importância
econômica durante o período colonial, transformar-se em metrópole significaria não
somente a ruptura com os limites de fundação, o chamado Triângulo, mas a defesa
da destruição dos resquícios da cidade antiga, como faria Alexandre de Albuquerque
em seu plano de melhoramentos para o Vale do Anhangabaú, em 1910.
18
Percebe-se assim que a questão da cidade colonial – seus significados, sua
herança – estava em disputa e em construção. Neste processo, várias referências
fazem-se presentes e revelam o olhar que se volta e inquire o passado colonial.
Olhares que – como toda operação historiográfica – constroem e, ao fazê-lo,
selecionam, recortam, eliminam, hierarquizam. Essas referências são diversas e
provêm de várias disciplinas e matrizes do pensamento, quer vinculadas à gênese do
15
José Lira, Mocambo e Cidade: regionalismo na arquitetura e ordenação do espaço habitado, 1996, p. 212-225.
16
Jornal do Recife, 26 jul. 1865, apud Raimundo Arrais, O Pântano e o Riacho: a formação do espaço público no
Recife do século XIX, 2004, p.334-35.
17
Cf. Giovana Del Brenna, O Rio de Janeiro de “Pereira Passos”, 1985; e Nicolau Sevcenko, Literatura como
missã: tensões sociais e criação cultural na Primeira República, 1999 [1983].
18
H. Segawa, Prelúdio da metrópole : arquitetura e urbanismo em São Paulo na passagem do século XIX ao XX,
São Paulo: Ateliê Editorial, 2000, p.16; Jose Geraldo Simões Jr, Anhangabaú: história e urbanismo, 2004.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
28
urbanismo moderno no Brasil, quer às influências teóricas (históricas, filosóficas,
cientificistas, etc.) do pensamento social brasileiro.
Assim, esta tese partiu da hipótese de que a cidade moderna constituiu-se
também como oposição aos chamados valores confusos, às ruas estreitas e
desalinhadas, aos registros físicos de uma cidade sem ordem do período colonial. São
representações que, portanto, revelariam muito mais sobre o caráter e os significados
do projeto de modernização que se pretendia para o país do que sobre a própria
cidade do período colonial.
Assim, quando, e.g., um importante engenheiro como Lourenço Baeta Neves
atestava, na introdução às Obras Completas de Saturnino de Brito, que
(...) a realização do serviço de esgotos de Santos – onde pela
primeira vez se concretizaram em larga escala ensinamentos de
Saturnino de Brito – afirma de modo eloqüente e positivo a grande
vitória do Brasil moderno contra o torpor colonial que abatia o seu espírito e
nos colocava “numa dependência passiva da intervenção
estranha” nas soluções práticas dos nossos problemas sanitários.
19
entrevê-se um momento em que uma certa leitura da cidade colonial estava
consolidada. Mas, que leitura é essa? É unívoca, homogênea, ou, ao contrário,
resultado de uma batalha pelos sistemas de percepção e enunciação de conceitos,
interpretações, leituras, imagens que, por sua vez, passam a ter valor operativo (a
produzir e ou orientar “estratégias e práticas”, como lembra o historiador Roger
Chartier)?
20
Como se formou? e, em conseqüência, qual sua lógica narrativa, quais
referências, quais palavras-chaves (com poder de síntese), quais recorrências?
As partes da tese
Interessa a esta pesquisa, então, discutir o que se reputa como o problema
historiográfico da formação de uma determinada representação – negativa – sobre as
vilas e cidades do Brasil colonial. Assim, a problemática, em muitos aspectos
superada, sobre a existência ou não de planejamento português para suas colônias
ultramarinas e, em especial, para o Brasil, é, aqui, de relevância, a princípio,
19
L. Baeta Neves, Introdução, in Obras Completas de Saturnino de Brito, v.1, 1943, p.xv.
20
O conceito de representação será discutido na nota final à introdução.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
29
secundária – e quando ajudam a cartografar essa representação, seus lugares-comuns
e fundos-comuns.
Quais os elementos formativos, quais as matrizes do pensamento que
informaram e influenciaram a construção historiográfica sobre a cidade colonial no
Brasil? Quais representações se formam para além da longeva e quase inconteste
imagem negativa que se lhe foi atribuída? Um problema de fundo historiográfico,
como dito, que, defende-se, pode ser revelador das estratégias de legitimação e
justificação de diversos saberes modernos em emergência e consolidação no Brasil.
Para enfrentar esse problema, foram propostos três eixos investigativos para
tentar deslindar os possíveis emaranhados na construção da narrativa historiográfica
sobre a cidade colonial, procurando identificar sobreposição de teses e argumentos,
diálogos entre textos de campos disciplinares distintos, referências comuns, etc. O
primeiro eixo aborda o que se chamou aqui de matriz higienista/sanitarista,
enfatizando as representações oriundas da emergência do saber médico e do papel
reformador do engenheiro sobre a cidade, ao longo do século XIX e das primeiras
décadas do século XX. O segundo eixo discute a matriz urbanística, acompanhando
de perto as representações provenientes da consolidação de uma disciplina que
arrogaria autoridade, autonomia e especificidade para transformar, reformar, derrubar
a cidade e seu legado urbano do período colonial (que, seguindo essa formulação,
adentraria e marcaria o período imperial). O terceiro eixo inquire a formação da
historiografia da arquitetura no Brasil no século XX – ao tomar as relações com o
passado como moto explicativo fundamental, permitiu reconstruir uma ou mais das
possíveis genealogias das representações que aqui se problematizam, perceber
referências que se repetem, palavras que emulam ou que deslizam semanticamente.
Eixos que, invariavelmente, remetem-se, direta ou indiretamente, crítica ou
acriticamente, aos relatos dos viajantes estrangeiros que vieram ao Brasil desde o
século XVI e, em especial, aqueles que testemunhariam a aceleração do processo de
transformações por que a ainda colônia passaria a partir do início do século XIX.
Afinal, o “olhar de fora” foi fundamental para a conformação das maneiras como se
leu e como se deu a ler as paisagens natural, urbana e cultural do Brasil, implicando
na construção do próprio “olhar de dentro”, do conhecimento e das formas de ler e
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
30
narrar o passado do país
21
– nesse sentido, é significativo que o marco inicial da
historiografia brasileira seja o ensaio de Carl Friedrich von Martius (autor da longa e
abrangente “Viagem pelo Brasil”, ao lado de Johann Baptiste von Spix), vencedor do
concurso promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e publicado em
1845, intitulado “Como se deve escrever a história do Brasil”. Martius não escreveu
tal história, mas os princípios de seu ensaio teria larga circulação entre os próprios
membros do IHGB, desde a História de Varnhagen.
22
Assim, a presente tese parte, no capítulo 1, da discussão sobre a leitura acerca
das cidades coloniais luso-brasileiras que seriam construídas pelos viajantes
estrangeiros no início do século XIX, enfatizando o livro Travels in Brazil, de Henry
Koster, publicado em Londres em 1816. Apenas um livro para construir
generalizações, encontrar respostas e delimitar os elementos constitutivos da
representação que esta tese persegue? Não há tal pretensão. Aqui, mais do que nos
outros capítulos, reconhecem-se as limitações que se enfrenta forçosamente ao tentar
articular tramas e formulações derivadas de diversos campos de conhecimento.
Assim, foi necessário o trabalho constante com fontes secundárias e
compilações, seletas de texto, etc., para contemplar um conjunto amplo e variado de
áreas de interesse que, reconheça-se, amiúde se cruzam. Entretanto, isso não implica
a desconsideração das fontes primárias, do acesso direto – e sempre que possível
físico e não apenas virtual – aos documentos originais, às edições originais. Enfatizar
tal dimensão explica-se porque, e.g., ao propor abarcar as representações de cidade
formuladas pelo “olhar de fora” não se é possível – no âmbito de uma pesquisa de
doutorado que não as tem como objeto principal – abarcar todos os documentos
originais da miríade de relatos deixados pelos viajantes durante o século XIX (e, veja-
se, tal recorte já aponta para uma circunscrição dentro de uma produção que
remonta, com muitos exemplos, ao século XVI). Assim, o acúmulo de releituras e
discussões sobre o tema torna-se ainda mais fundamental,
23
ajudando a iluminar o
21
Ana Maria Belluzzo, O Brasil dos viajantes, 1999; Flora Sussekind, O Brasil não é longe daqui, 1990.
22
Amílcar Torrão Filho, A arquitetura da alteridade: a cidade luso-brasileira na literatura de viagem (1783-
1845), 2008, p.249 et seq.
23
Nesse sentido, os textos já citados de Amílcar Torrão Filho (2008) e de Ana Maria de Moraes
Belluzzo (1999) foram referências importantes, abrindo-nos portas e apontando possibilidades de
análises e mesmo possíveis conclusões.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
31
próprio texto de Koster e a compreendê-lo dentro de uma rede de significações
sobre o tema no período.
O capítulo 2 aborda o primeiro eixo de análise proposto, procurando mapear
como o tema do passado das cidades foi tematizado pelos profissionais que se
debruçaram sobre as transformações por que os espaços urbanos brasileiros
passaram ao longo do século XIX. A ênfase inicial considera a ótica higienista e,
principalmente, a cidade do Rio de Janeiro, porque seria onde os esforços mais
sistemáticos foram feitos (e por alguns dos principais profissionais, aqueles que
fizeram parte do círculo real e imperial) e onde primeiro foram discutidos. Na
segunda parte do capítulo, aborda-se a instrumentalização do tema da cidade colonial
pelas formulações do urbanismo sanitarista, que, desde fins do século XIX, vinha
tecnicalizando as discussões higienistas e apontando caminhos decisivos para a
formação do campo disciplinar do urbanismo no Brasil.
24
O capítulo 3 propõe discutir um momento específico e fundador das
discussões sobre o urbanismo no Brasil – embora assim ainda não se nomeasse: o
processo que levaria à fundação de Belo Horizonte na década de 1890, considerando
em especial os documentos da Comissão, liderada pelo engenheiro Aarão Reis, que
escolheria, dentre cinco localidades preestabelecidas, o antigo arraial de Curral d’El
Rei.
25
Para o capítulo 4, trabalhou-se com a hipótese de considerar os textos
constituintes da historiografia da arquitetura brasileira como, de certa maneira,
ensaios de interpretação do Brasil. Assim, ao mobilizar temas de fundo – como o da
cidade colonial – para construir a leitura sobre o objeto principal do ensaio, várias
palavras, expressões, exemplos e conceitos são utilizados, permitindo mapear quais
referências eram explicitadas, diretamente ou não, e como eram mobilizadas,
iluminando, assim, linhas narrativas que retrocedem, e.g., de Yves Bruand para
Fernando Azevedo, desse para Gilberto Freyre e, desse, para o relato de muitos
24
Para esta segunda parte, os trabalhos do professor Carlos de Andrade (1992 e 1996) serviram como
pontos de partida importantes.
25
A compilação de Abílio Barreto (1996), reeditada por ocasião do centenário de Belo Horizonte, e os
textos da pesquisadora Heliana Salgueiro (1997; 2001) foram um suporte fundamental para construção
desse capítulo.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
32
viajantes, que, a exemplo de Henry Koster, pousaram no Brasil na primeira metade
do século XIX, dentre muitas outras fontes.
26
Por fim, estabelecem-se algumas considerações sobre aquele texto que, ao
longo desta pesquisa, serviu como ponto de partida para as indagações que a
fundamentam e transformaram-se em ponto de inflexão – quando das inescapáveis
críticas e auto-críticas sobre a pertinência da problemática acerca das representações
sobre a cidade colonial no Brasil, i.e., questionar se tais representações foram de fato
tão longevas e, mais importante, se foram extensivas, homogêneas, operativas.
Assim, pensar como o texto “o semeador e o ladrilhador”, do clássico Raízes do Brasil,
de Sergio Buarque de Holanda, ajudou a construir e a consolidar o estatuto
historiográfico dessas representações (principalmente a partir das revisões da segunda
edição, de 1948), mesmo que fundamentando debates e querelas que lhe escapavam,
conformam o ponto de chegada desta tese.
Assim, há que se fazer algumas advertências sobre esta tese. Antes de mais
nada, deve-se reconhecer as limitações inerentes ao enfrentamento de um problema
historiográfico que comporta muitas sobreposições, tramas diversas, uma genealogia
no mais das vezes difusa, que parece escapar das mãos do investigador envolvido
com muitas fontes primárias e secundárias e sem recorte temporal muito preciso.
A narrativa que articula essas preocupações, organizada nos quatro capítulos
já explicitados, não pretende montar linhas de continuidade de representações, dos
lugares-comuns e dos fundos-comuns, mas elas se impõem vez ou outra, como se
poderá perceber. O texto é, em alguns momentos mais fragmentário, quase
episódico, em outros, há mais fluidez na narrativa. De fato, o interesse fincou-se em
cartografar ênfases, usos reiterados, indícios, circulações e mesmo mudanças de
significações de palavras, cortes específicos em relação a uma crescente construção
da leitura da cidade antiga, da cidade do passado, da cidade colonial brasileira.
Desta maneira, não interessou especificamente, e.g., fazer uma história da
literatura dos viajantes no Brasil, mas mapear/cartografar/descobrir as peças de um
quebra-cabeças imenso e incompleto; outrossim, não interessou fazer uma história da
medicina ou da higiene pública no Brasil ou mesmo da estruturação da engenharia
26
A dissertação do professor Carlos Martins sobre a formação da trama narrativa hegemônica da
historiografia da arquitetura brasileira deu-nos a moldura para começar a compor esta capítulo.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
33
sanitária. Ao tomar como campo de atuação principal a cidade, pode-se acompanhar
a construção narrativa de justificativas e legitimidades para a ação profissional, como
se nomeou e equacionou o problema a ser enfrentado – e a cidade existente foi,
claramente, transformada em problema.
Talvez a imagem do quebra-cabeça de Ginzburg e Prosperi, conforme narra
Manfredo Tafuri na introdução ao livro “A esfera e o labirinto” (quando expõe uma
espécie de suma do seu projeto e método de investigação), seja apropriada para
aclarar essas limitações para enfrentar um problema que é eminentemente
historiográfico – mas que, óbvio, se rebate nas práticas culturais e materiais que
transformam e significam a cidade. Em determinado momento, as peças acumuladas
nos caminhos tortuosos e complexos do curso labiríntico da análise histórica,
começam a se juntar e a fazer sentido – podem ser colocadas, uma a uma, agrupadas;
contudo, ao contrário do jogo, nem a imagem a ser composta é apenas uma e nem
mesmo todas as peças estarão a mão.
27
Crê-se assim que esta tese conseguiu juntar peças diversas em torno do
problema aqui exposto, algumas compondo áreas maiores, outras dispersas em torno
de uma idéia, uma palavra, uma sugestão a partir de um texto obscuro ou de menor
importância dentro de tramas disciplinares hegemônicas. Outras áreas ficaram como
lacunas explícitas – e, acredita-se, de significativas possibilidades (como as
representações na literatura, na pintura histórica do século XIX ou na das vanguardas
artísticas brasileiras do início do século XX).
Notas à introdução: sobre o conceito de representação
Preâmbulo
Palomar, personagem irrequieto, meditabundo e nervoso de Calvino, põe-se a
nadar num final de tarde ensolarado. A superfície ondulada e acobreada do mar
excita o vislumbre do reflexo do sol que o acompanha – é a “espada do sol” que se
forma continuamente, inexoravelmente, entre o observador e a manifestação ótica da
existência física do astro.
27
M. Tafuri, Introducción: el proyecto histórico, In La esfera y el laberinto: vanguardias y arquitectura de
Piranesi a los años setenta, 1984, p.05.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
34
Em um processo de contínuo questionamento, Palomar pensa sobre o seu
lugar no mundo, sobre o lugar do homem no mundo. Existiria o sol sem alguém a
nomeá-lo? a observá-lo? Se a projeção dos raios solares segue o olhar de cada
nadador-observador, continuariam então a existir sem o olho que a vê? Essa
inquietude leva o personagem a afirmar:
Tudo isso acontece não no mar, nem no sol’, pensa o nadador
Palomar, ‘mas dentro de minha cabeça, nos circuitos entre os
olhos e o cérebro. Estou nadando em minha mente; é apenas ali
que existe essa espada de luz; e o que me atrai é precisamente
isto.
28
O sol que refulge, brilha e segue, refulge sobre algo, brilha para alguém, segue
algo. Depende daquele que o observa e nomeia a condição de refulgir, de brilhar, de
seguir. Se o reflexo é uma construção interna, não haveria outra conclusão possível:
“Todo o resto é reflexo entre reflexos, inclusive eu”.
29
O silogismo resulta lógico para
Palomar. O que lhe força a desdobrar o raciocínio num emaranhado relativista:
Seu olhar voltado para cima contempla agora as nuvens vagantes e
as colinas nebulosas dos bosques. Seu eu também está ao revés
nos elementos: o fogo celeste, o ar que corre, a água que berça e a
terra que sustenta. Seria isso a natureza? Mas nada do que vê
existe na natureza: o sol não se põe, o mar não tem aquela cor, as
formas não são as que a luz projeta na retina. (...). A natureza não
existe?
30
Armadilha retórica que o incomoda e que não sobrevive ao primeiro sinal da
presença humana. Um barco irrompe e turva o mar. Espalha resíduos de óleo e
fumaça. Outros detritos são revelados pela baixa-mar. Palomar, o homem, detrito
entre detritos, que se chocam, se misturam, não pode mais negar a existência, ainda
que insuportável, daquilo que está para além de si.
28
Italo Calvino, Palomar (conto “A espada do sol”), 1994, p.16 (a referência completa desta e das
demais notas de rodapé estão listadas ao final). Esse conto foi publicado originalmente em La
Republica, Roma, 29 jun. 1983 (cf. Valéria Arauz, Lentes de Palomar, 2002).
29
Calvino, op. cit., p.17.
30
Ibidem, p.17-18.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
35
Em meio à polifonia que marca os discursos internos dessa reflexão (cujo
pêndulo toca tanto a negação quanto a descrição ferina do real), Palomar, por fim,
convence-se de algo.
31
Pensando bem, tal situação não é nova: já durante milhões de
séculos os raios de sol pousaram sobre a água antes que existissem
olhos capazes de recolhê-los.
(...). Um dia o olho saiu do mar, e a espada, que já estava ali a sua
espera, pôde finalmente ostentar toda a esbelteza de sua ponta
aguda e seu fulgor cintilante. Tinham sido feitos um para o outro,
a espada e o olho: e talvez não tenha sido o nascimento do olho
que tenha feito nascer a espada, mas vice-versa, porque a espada
não podia recusar um olho que a observasse de seu vértice.
[...].
(...). Está convencido de que a espada existirá mesmo sem ele.
32
Construindo-se como uma metanarrativa que problematiza tanto a natureza
quanto a confiabilidade da percepção, da capacidade de o homem descrever e
explicar aquilo que vê e vivencia (e, em conseqüência, como “reflexão acerca do
próprio ato de ler”), o final do conto aqui citado expressa aquilo que os
fenomenologistas chamam de o “a priori do mundo”.
33
Esse texto de Calvino serve assim como entrada e provocação ao temas das
representações na historiografia. Afinal, e aparentemente enredados numa trama sem
fim de referências, a qual nível de realidade e ou verdade aspira o historiador? Ou,
afinal, o que cantam as sereias?
34
31
Diga-se, a propósito, que o movimento pendular, sempre em suspenso, é comum nos demais
contos que compõem a obra, à exceção desse conto “A espada do sol” e de “Lua do entardecer” (Cf.
Arauz, Lentes de Palomar, 2002, p.58-63, 91).
32
Calvino, Palomar, 1994, p.18-19, grifos nossos.
33
“a priori of the world, its status as always, already there” (J. Cannon, Calvino’s lattest challenge to
the Labyrinth…, Italica, 1985, p.191); a sugestão de ler Palomar como uma metáfora do olhar da
linguagem, como uma metanarrativa sobre o próprio ato de ler, é de V. Arauz, op. cit., p.82-88.
34
Ao discutir os usos da literatura e, portanto e mais especificamente, as obras de ficção, Calvino
propõe uma diferenciação entre o “nível de realidade” (que diz respeito ao mundo da obra, within the
work) e onível de verdade (que se refere ao mundo externo à obra), ambos importantes para
construir uma compreensão do universo da escrita. A fórmula que sintetiza esses vários níveis que
interpenetram o texto está na asserção “I write that Homer tells that Ulysses says: I have listened to
the song of the Sirens” (cf. Calvino, Levels of reality in literature, The uses of literature, 1986, p.103, 108,
111-119).
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
36
Introdução
O pesquisador da Escola de Administração Pública da University of South
Califórnia, Robert Daland, viajou ao Brasil, no verão de 1965, para realizar as
pesquisas de campo que fundamentariam a publicação do livro “Brazilian Planning”,
em 1967. Das suas investigações e entrevistas com personalidades como o ex-
Ministro do Planejamento Celso Furtado, os professor Candido Mendes e Nelson
Mello e Souza, além do contato com a Fundação Getúlio Vargas, resultaria um
esforço de compreender as relações entre planejamento lato sensu e o processo de
desenvolvimento dos países – no caso, a partir do estudo específico do Brasil,
“which has a twenty-year history of conscious, institutionalized, central planning”.
35
Dos estudos empreendidos por Darland – sobre o conjunto de planos do
governo federal desde o Estado Novo e, principalmente, desde o Plano de Metas de
Juscelino Kubitschek – interessa aqui sobremaneira o ponto de partida para entender
a história do planejamento no Brasil. Observe-se o trecho a seguir, que abre o
capítulo 2, intitulado “The history and context of Brazilian Planning”:
Central government planning has come to Brazil, not because of any
innate sense of rationality and order such as that attributed to Germany,
or because of a statist ideology as in the Soviet Union, or yet
because of any crisis of survival in a hostile world as in Israel. In
many respects, on the contrary, the temperament and values of
the Brazilian people do not accept the order, efficiency, and the
rationality which planning implies.
36
Significativas, apesar de lacunares, tais afirmações são indícios de um
conjunto de representações sobre o Brasil (como nação, como povo, como cultura,
como história) que marcou – e, talvez se possa afirmar, ainda marca – parte
significativa da sua produção historiográfica.
37
Que representações são essas que se
insinuam em algumas palavras chaves (ou, melhor, como propõe a filósofa Myriam
D’Allones, lugares-comuns)?
38
Em que registro operam? Palavras que funcionam,
35
Robert Darland, Brazilian planning, 1967, p.01; cf. também o “Preface”.
36
Ibidem, p.12; grifos nossos.
37
Não poderemos aprofundar esse tema (da permanência de algumas representações) aqui, mas
apenas indicar uma importante leitura a respeito: Maria Stella Bresciani, O charme da ciência e a sedução da
objetividade, 2005.
38
Myriam R. DAllones, Le dépéressiment de la politique, 1999; devo essa indicação à leitura de Bresciani,
op. cit., p.41 ; o lugar-comum [é] constituído por palavras, crenças, opiniões ou mesmo preconceitos que
têm significado para uma “comunidade política efetiva” e que, mesmo confusas, erráticas e sem
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
37
diga-se desde logo, como registros de ausências: o brasileiro não aceitaria a ordem, a
eficiência, a racionalidade; ou, mais ainda, tais elementos – essenciais à cultura do
planejamento, como o brasilianista ressalta – não se encontrariam inscritos em sua
história.
Darland não as inventa ou propõe, é claro. Tampouco se apóia em fontes
primárias para construir tais afirmações. Apóia-se, sim, em um conjunto de autores
que cita direta ou indiretamente (como se revela na lista muito mais longa da selected
bibliography do que nos usos ao longo do texto). Fernando Azevedo, Gilberto Freyre,
Nelson W. Sodré, José Honório Rodrigues, Vianna Moog, além do próprio Celso
Furtado e de outros autores, compõem o seu quadro de leituras de “interpretação do
Brasil”. Daí certamente advém o seu repertório de representações e lugares-comuns
Representações que não são necessariamente homogêneas – embora
compartilhem, amiúde, lugares-comuns, interpretações, idéias e palavras chaves, a
exemplo dessa imagem em negativo (de falta de ordem, eficiência, racionalidade),
uma das representações mais correntes e significativas (com clara dimensão
operativa), defende-se aqui como hipótese, sobre a história do Brasil e, mais
especificamente, sobre o passado de suas cidades.
Investigar o processo de formação das representações sobre a cidade colonial
no Brasil pressupõe deslindar uma trama muitas vezes emaranhada e difusa em várias
matrizes do pensamento e de tradições intelectuais e profissionais do Brasil, seus
lugares-comuns, seus pontos de convergência e de dissensão, suas lógicas narrativas.
Mais ainda, tal investigação implica, do ponto de vista metodológico, pôr em questão
o próprio conceito de representação – seus usos, possibilidades e problemas para a
história da cidade e do urbanismo.
Para tanto, toma-se como ponto de partida a leitura de textos-chaves do
historiador francês Roger Chartier – aquele que talvez mais diretamente tenha
retomado e defendido o conceito de representação e, assim, ajudado a estruturar a
chamada “nova história cultural”.
39
Ademais, por intermédio de Chartier é possível
precisão, deitam raízes na vida e na experiência das pessoas; o fundo-comum é o repositório das idéias,
noções, etc., que subsidiam análises, interpretações. Isto é, o lugar-comum é a “imagem resultante, [e
o] fundo-comum o material com o qual é elaborada e cuja genealogia necessita ser interrogada”.
39
O professor Ciro Cardoso aponta o papel central de Chartier na conformação da “nova história
cultural”, cf. Ciro F. Cardoso, Introdução: uma opinião sobre as representações sociais, in
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
38
ler em diálogo (direto e indireto) autores como Pierre Bourdier e Carlo Ginzburg,
além de vários comentadores, atento às questões e métodos que permitem uma
investigação do passado suspenso no delicado equilíbrio entre, por um lado, o
reconhecimento de que a narrativa é construída pelas questões postas e repostas a
cada momento e por cada pesquisador; e, por outro, a possibilidade de tornar o
passado inteligível pela sua (do passado) própria utensilagem mental (conceito-chave
que Chartier toma emprestado de L. Febvre) ou habitus (de Norbert Elias), i.e., pelos
seus próprios limites, materiais, escolhas.
Articula-se, ainda, a discussão sobre o conceito de representação às noções de
lugar-comum e fundo-comum, como as define D’Allones, como suporte analítico
para compreender diacronicamente a construção e ou uso de imagens recorrentes
que formam, conformam ou sustentam as representações.
Estas notas não têm pretensões de esgotar a discussão ou mesmo de abarcar
os múltiplos aspectos e campos disciplinares que utilizam o conceito (como na
Filosofia, na Psicologia, na Ciência Cognitiva).
40
Intenta-se, sim, mapear alguns dos
pontos principais das discussões que se articularam em torno do conceito com o
intuito de problematizar o campo disciplinar da história da cidade e do urbanismo.
Por uma história cultural
Na introdução à coletânea de artigos sobre “A história cultural”, Chartier
coloca desde logo o lugar central que o conceito de representação teria para uma
nova abordagem na prática historiográfica. Como “pedra angular”, as representações
permitiriam discutir e articular três maneiras com que se constroem as relações com
o mundo social, a dizer:
41
1) as operações de classificação e delimitação que os grupos
sociais utilizam para construir e ou apreender a realidade; 2) as práticas que implicam
(e que fazem reconhecer) uma identidade social, que estruturam uma maneira de
estar no mundo e que significam (simbolicamente) uma posição e um estatuto; e 3) as
Representações: contribuições a um debate transdisciplinar, 2000, p.12; cf. também J. Devald, Roger Chartier
and the fate of cultural history, French Historical Studies, 1998.
40
Para tanto, sugiro a leitura dos artigos que compõem a coletânea organizada pelos professores
Cardoso e Malerba, Representações: contribuições a um debate transdisciplinar, 2000; cf. também M. Alexandre,
Representação social: uma genealogia do conceito, Comum, 2004.
41
R. Chartier, Introdução: por uma sociologia histórica das práticas culturais, In A História Cultural,
1988, p.23.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
39
formas objetivas e institucionais por meio das quais os representantes (coletivos ou
singulares) marcam e perpetuam sua existência (do grupo, classe ou comunidade).
Mas, o que seriam as representações para Chartier? Antes de mais, diga-se,
não conformam uma palavra ou conceito que desempenha o mesmo lugar analítico
de “ideologia” ou “mentalidades”. De fato, os artigos reunidos na coletânea
supracitada expressam, como afirma o próprio autor, uma insatisfação com a história
francesa das décadas de 1960 e 1970, fortemente marcada pela noção das
mentalidades e pela abordagem serial, quantitativa.
42
Note-se que não há nenhuma pretensão em desqualificar essas vertentes
historiográficas. Ao contrário, Chartier reconhece a importância e filia-se à herança
dos Annales – embora invertendo pressupostos estruturais e recuperando o que
chamaria de as “inspirações fundadoras” dos anos 1930 (como a noção de
“utensilagem mental”, de Lucien Febvre). O que o incomoda seria a incapacidade de
enfrentar os impasses que novas disciplinas trouxeram ao campo da História, pondo
em xeque tanto objetos quanto certezas metodológicas.
A história das mentalidades, afirma Chartier, teria se construído, de maneira
geral, buscando fundar-se nos mesmos critérios de inteligibilidade da história
econômica e social (i.e., atenta às estruturas na longa duração, aos números e
quantificações, às repetições encontradas nas séries, etc.). Não à toa, Le Goff
apontaria que a história das mentalidades foca a atenção no “quantitativo cultural”.
Busca, assim, pelo que escapa aos “sujeitos particulares da história, porque revelador
do conteúdo impessoal de seu pensamento”.
43
Isso teria gerado alguns problemas aos
quais Chartier resumiria sob o epíteto do “primado quase tirânico do social”.
44
Tal primado implicava – como premissa analítica – uma série de
enquadramentos que impediam a atenção às formas de apropriação (de idéias,
objetos, modelos culturais, representações, etc.), quer individuais, quer de um grupo
mais específico. Relacionava-se, assim, quase mecanicamente, grupos sociais a níveis
42
R. Chartier, A História Cultural, 1988, p.13-14, 40-44; sobre a crítica à abordagem quantitativa da
história, em especial a cultural, e a retomada da narrativa, Cf. P. Burke, A Escola dos Annales, 1997,
p.93-107.
43
J. Le Goff, As mentalidades: uma história ambígua, in História: novos objetos, 1988, p. 71.
44
R. Chartier, A História Cultural, 1988, p.45; essa discussão está presente também em Idem, “O
mundo como representação”, Estudos Avançados, 1991.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
40
culturais; distinções sociais (por renda, profissão, etc.) a diferentes sistemas de
pensamentos – sem considerar tensões internas, e.g. Mais ainda, a noção de
mentalidades considerava e investigava principalmente os pontos comuns de um
indivíduo com os demais homens e mulheres de seu tempo – por mais extraordinário
que tenha sido esse sujeito. Daí, inclusive, como já alertaram Carlo Ginzburg e Peter
Burke, a redundância de apor o adjetivo coletivas a mentalidades.
45
Quais as mentalidades dos engenheiros sanitaristas envolvidos com as
reformas urbanas da virada para o século XX no Brasil? A identificação de pontos
comuns, conquanto importantes, seriam suficientes para discutir atuações específicas
de indivíduos ou para construir histórias urbanas atentas às escalas locais e regionais?
A noção positivista de progresso que permeia a formação de tantos politécnicos,
desde André Rebouças até Aarão Reis ou Francisco de Paula Souza, dentre muitos,
explicaria os vários projetos de construção do território nacional (por meio das infra-
estruturas de suporte às atividades produtivas) na segunda metade do século XIX?
Listam-se essas questões – sem a pretensão de respondê-las – para traçar um
paralelo com as inquietações levantadas por Chartier em prol da necessidade de
construção de um esforço metodológico e conceitual que aponte para uma
abordagem, sem reduções deterministas, das “relações entre sistemas de crenças, de
valores e de representações, por um lado, e de pertenças sociais, por outro”.
46
Se é certo que, por um lado, a compreensão das mentalidades dos grupos
sociais (no caso, de círculos profissionais, se pensarmos nos engenheiros
politécnicos) é importante para compreender processos de institucionalização, de
organização de saberes e poderes, além dos repertórios de abordagens e construção
de soluções técnicas – o “horizonte de possibilidades latentes” do qual fala Carlo
45
C. Ginzburg, O queijo e os vermes, 2005, p.28; Peter Burke, Abertura: a nova história, seu passado e
seu futuro, in A Escrita da História, 1992. Não se pode esquecer que, já na década de 1970, Le Goff
apontava para os potenciais e, ao mesmo tempo, para as dificuldades da história das mentalidades em
meio a objetos e fontes de pesquisa difusos, a pontos e lugares-comuns, a elementos de repetição do
cotidiano, dos textos, dos monumentos, etc., enfim, ao chamado “quantitativo cultural”; não deixava
também de ressaltar a necessidade de ficar atento às especificidades de cada forma de expressão –
“mentalidade não é reflexo”, diria – e de manter uma relação estreita com a história da cultura,
levando em conta o “equipamento intelectual” no qual as mentalidades se formam, se desenvolvem e
vivem, cf. J. Le Goff, As mentalidades: uma história ambígua, in História: novos objetos, 1988 [ed. orig.
1974].
46
R. Chartier, A história cultural, 1988, p.53.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
41
Ginzburg;
47
por outro, será preciso ficar atento às idiossincrasias, aos movimentos
individuais, para entender como os “motivos intelectuais” e ou as “formas culturais”
são apropriados, como circulam, como se enraízam e (se quisermos seguir a
metáfora) como dão novos frutos.
48
Por exemplo, e sem nos aprofundarmos muito, não se pode entender a
circulação da noção de cidade-jardim no Brasil (ou, se quisermos, para além do seu
ambiente cultural de origem, a Inglaterra do final do XIX) sem considerar as
discussões pré-existentes sobre a cidade salubre no Brasil – mobilizadas desde
meados do século XIX. Obviamente, não se estava falando em cidade-jardim antes
do início do século XX.
49
Falava-se (por vários vieses, como o moralista, o
econômico, o técnico, sobretudo higienista, etc.) em como construir a cidade
moderna e saudável nos trópicos. Tema recorrente que encontraria nas discussões
sobre a cidade-jardim um, considerava-se, sólido fundamento para a formulação de
políticas e propostas de ação e de reforma urbana. Não à toa o médico Alfredo da
Matta, ao levantar e descrever a topografia médica de Manaus, em 1916, propugnaria
a cidade-jardim como solução para o tema no Brasil.
50
E, observe-se, essa atenção às maneiras e às condições de circulação e de
apropriação não implica apenas uma escolha metodológica (e conceitual ou de escala
de abordagem). Implica, sim, reconhecer o papel ativo daqueles que lêem na
construção do conhecimento; implica reconhecer inclusive os suportes materiais dos
textos, das idéias, dos modelos culturais, além dos anteparos ou filtros prévios que
conformam as maneiras das leituras.
47
C. Ginzburg, O queijo e os vermes, 2005, p.25.
48
Cf. Chartier, A história cultural, p.51.
49
Não no sentido howardiano (strictu sensu) ou no da tradição cidade-jardim (lato sensu) que se formou
a partir dos esforços para concretizar as propostas originais na Inglaterra e alhures no início do século
XX; contudo, falava-se em cidade jardim (para enfatizar o verde, a presença dos elementos naturais
ordenados como fato da civilização e do progresso) no XIX, como se usou para, e.g., a cidade de
Chicago reconstruída pós-incêndio de 1871 (a propósito, uma provável inspiração para Howard, cf. P.
Hall, Cidades do amanhã, 1995, p.104-06).
50
Cf. George Dantas et alli, A difusão do termo “cidade-jardim”, in Surge et Ambula, 2006, p. 155-168;
para uma discussão ainda mais abrangente sobre o tema no Brasil, cf. Carlos de Andrade, Barry Parker,
1998.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
42
Depois de materializado, o texto escapa ao autor.
51
A insistência em analisar
os processos de apropriação e circulação de idéias, textos e modelos pelo viés da
comparação ao original (o que leva, invariavelmente, ao tema do desvirtuamento) é,
no mínimo, problemático – pelo pressuposto que desconsidera (como incapaz ou
qualquer outro adjetivo restritivo) o ambiente cultural de recepção que “desvirtuaria”
o original. No limite, essa insistência idealiza e autonomiza o próprio texto original,
desconsiderando as condições culturais e materiais de sua “gestação”.
Se voltarmos ao exemplo da circulação da noção de cidade-jardim, seria
ilustrativo um exercício (apenas retórico) do uso de tal abordagem na análise dos
esforços e embates para institucionalizar a proposta de cidade-jardim na própria
Inglaterra. Como se discutiriam então os empreendimentos para Letchworth e
Welwyn, os desenhos de Unwin e Parker para Hampstead ou mesmo a constituição
da Garden City Association e os seus esforços para manter a perspectiva de construção
de redes de cidades – ao invés de subúrbios-jardins – como alternativa para a
reconstrução do primeiro pós-guerra? O próprio Howard e epígonos, como Frederic
J. Osborn, estariam desvirtuando o “texto sagrado” ao buscar adequar as propostas
de 1898 para torná-las possíveis e disputar espaço (e verbas estatais, obviamente) em
meio a outros projetos?
52
Reconhecer as maneiras de circulação e apropriação não significa, assim,
limitar-se ao possível ou aceitar os fatos como inexorabilidade histórica – esse seria
uma outra armadilha determinista que desemboca, invariavelmente, no conformismo
diante dos processos sociais. Não, ao contrário, tal reconhecimento implica mapear e
analisar as lutas, os embates, os jogos de interesse, as forças, os símbolos e os
51
Utiliza-se aqui a palavra “texto” mas sem a intenção de restringi-la aos documentos impressos. O
texto pode ser, em sentido lato, um modelo, um plano, um projeto, um monumento, um conjunto
iconográfico, etc., enfim, um elemento que sirva de referência, sintetize e expresse idéias, sentimentos,
etc. Ao mesmo tempo, essa extensão da noção de “texto”, embora reconheça, não se apóia na
antropologia cultural de C. Geertz, i.e., não procura tratar tudo (comportamentos não-escritos, festas,
folguedos, crenças, etc., os elementos da história cultural) a partir da “grade da textualização” (Elias
Saliba, Perspectivas para uma história cultural, Diálogos, 1997, p.14). Assim, não se pretende incorrer na
textualização semiótica do mundo que nos rodeia, como adverte de maneira divertida R. Darton: “ (...)
tentem se comportar como se todo comportamento fosse um texto, e [como se] todos os textos
pudessem ser desconstruídos: logo vocês se verão presos num labirinto de espelhos, perdidos num
reino semiótico encantado, tomados por tremedeiras epistemológicas” (cf. Introdução, in O beijo de
Lamourette, 1990, p.18).
52
Cf. P. Hall, cidades do amanhã, 1995, cap. 4; observe-se que esse rico e instigante capítulo do livro de
Peter Hall é marcado pela condenação do que considera apostasias em relação ao texto original de
Howard.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
43
projetos (de cidade, de sociedade, de mundo) em disputa, a construção (ou a
destruição) de possibilidades. Como já afirmou Beatriz Sarlo, interessa não apenas
afirmar que um fato ocorreu, mas, sim, entender como pôde ocorrer.
53
Isso implica reconhecer também que há falseamentos e deformações,
deliberadas ou não, conscientes ou não, em relação a textos originais. Há inclusive o
esforço do autor em tentar controlar e manter a ortodoxia do seu texto. O glossário
que F. J. Osborn propõe em 1949, na 3ª edição inglesa do livro de Howard, é
ilustrativo desse embate. A terminologia compulsada no prefácio revela a
preocupação em distinguir, ao menos dentro da literatura sobre planejamento
urbano, o ideário original das várias propostas e tendências que se desenvolveram a
partir de então.
54
Assim, acompanhar esses movimentos, jogos e disputas resulta mais
produtivo (para a prática historiográfica) do que a condenação a priori (pelo
afastamento do “metro” original) ou do que o exercício estéril de lamentar a não
realização conforme esse mesmo metro; ou, mais ainda, de especular como teria sido
se a proposta original fosse implementada tal qual, aqui ou alhures. Diante de tal
postura, teríamos que argüir, diga-se de passagem, onde, quando e como algum plano
urbanístico foi realizado integralmente.
Natal teria se tornado uma cidade melhor se o Plano Geral de Sistematização
tivesse sido implementado integralmente (ou em grande parte)? Ou o Rio de Janeiro
com o Plano Agache? E São Paulo, com o Plano de Avenidas? Difícil (e, talvez,
inútil) responder. Há mais problemas na formulação desse tipo de pergunta para
além do (frequentemente lembrado) anacronismo do uso da conjunção condicional
“se” na disciplina historiográfica.
Afinal, assume-se que o plano (o projeto de intervenção urbana) seria
portador de uma virtude parti pris. Assim, autonomiza-se o plano como um objeto
que pairasse acima do tecido social e cultural. Há aí, de fato, um lamento de fundo
que se remete às pretensões totalizantes do “projeto” ilustrado – no qual se nutriria a
53
A crítica argentina, nessa passagem, discutia o holocausto a partir do filme Shoah, do diretor Claude
Lanzmann, que lhe suscitava tais questões fundamentais, i.e., não apenas o lamento e o pesar pelo
ocorrido, mas a reflexão sobre os processos que o tornaram possível, cf. B. Sarlo, A história contra o
esquecimento, in Paisagens imaginárias, 2005, p. 38, 42.
54
Frederic J. Osborn, Preface, in E. Howard, Garden cities of To-morrow, 1949, p.26.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
44
cultura técnica moderna e, consequentemente, o campo disciplinar da arquitetura e
do urbanismo. Lamento que, vez ou outra, se insinua nos trabalhos de história
urbana e urbanística, dominados predominantemente ainda, no Brasil, por
profissionais de formação de base em Arquitetura e Urbanismo.
55
O outro lado dessa moeda é considerar o plano apenas como uma peça do
jogo político em busca de hegemonia, um engodo para mascarar ou atender
interesses de (setores das) classes dominantes, enfim, como ideologia em seu sentido
mais determinista.
Ideologia e representações
Investigar as representações pressupõe, como discute Chartier, tomá-las
dentro do campo de disputa e concorrências em que se inserem e ajudam a
estruturar, “cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação”.
Destarte, as lutas de e pelas representações seriam tão importantes quanto as lutas
econômicas e políticas para o ofício historiográfico porque aquelas – as
representações – podem revelar as estratégias dos grupos e ou classes sociais para
elaborar e (tentar) impor visões e valores de mundo. Indo além, enfatiza-se que aí,
nas representações, pode-se identificar “pontos de confrontamento” decisivos
conquanto menos ou mesmo não materiais.
56
Apoiando-se nos estudos de Pierre Bourdieu e recuperando textos inaugurais
de Emile Durkheim e Marcel Mauss,
57
o historiador francês afirmaria a necessidade
de deitar por terra de vez os “falsos debates” entre a objetividade das estruturas e a
subjetividade das representações.
Há, de fato, aí uma oposição à noção de ideologia tal qual tomada da matriz
marxista do materialismo histórico. No sentido mais restrito da palavra em Marx, a
55
Como se percebe claramente na composição de participantes e conferencistas dos Seminários de
História da Cidade e do Urbanismo, desde a sua primeira edição, em 1990, em Salvador; a asserção
aqui é claramente especulativa, mas pode encontrar fundamento, como já apontaram os professores
Marco Aurélio Gomes e Eloísa Pinheiro, na constatação de que as pesquisas em história urbana e do
urbanismo no Brasil caracterizaram-se, desde o final dos anos 1970, pela perspectiva de repensar a
cidade (e a possibilidade do projeto) pelas dimensões da cultura e da história (Cf. Os arquitetos, a
cidade e o fascínio pela história, in A cidade como história, 2004, p.09-18).
56
R. Chartier, A história cultural, 1988, p.17-18.
57
A referência é ao texto “De quelques formes primitives de classification. Contribuition à l’étude des
représentations collectives”, publicado em Année sociologique, em 1903.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
45
ideologia – conceito que englobaria as representações – aparece marcada e
diferenciada pelos cortes sociais, expressando os interesses de cada classe e operando
principalmente pelo ilusório e pelo irreal. Numa perspectiva teleológica, a emergência
da classe operária como força histórica levaria ao desvelamento de todo e qualquer
aparato ideológico (mitos, representações, etc.) porque não haveria a necessidade –
num futuro sem classes – de criar ilusões sobre si mesma; sem divisões sociais, não
haveria a necessidade da ideologia para embotar os conflitos e suas causas. Baczko
ressalta, contudo, que na leitura de situações históricas coetâneas, como em o “18
Brumário”, Marx empreenderia um uso mais complexo da noção de ideologia,
considerando a construção de imagens, as disputas do imaginário, etc., como parte
das práticas sociais.
58
De fato, deve-se reconhecer que, a despeito da crítica acertada à prática
historiográfica da chamada vulgata marxista ou da leitura ortodoxa de autores de
inspiração marxista, o materialismo histórico apontava para uma abordagem mais
complexa do chamado fenômeno histórico-social do que o mero determinismo
economicista denunciado a posteriori.
Outro traço característico oriundo dessas formulações encontra-se na leitura
especular entre, para se utilizar os termos marxistas, estrutura e superestrutura; essa
refletiria, não necessariamente de maneira sincrônica, os elementos fundamentais
daquela. Não à toa, ao abrir o célebre ensaio sobre “a obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica”, Walter Benjamim partiria da análise de Marx sobre o
modo de produção capitalista para afirmar que “a superestrutura se modifica mais
lentamente que a base econômica”; daí porque aquelas mudanças percebidas por
Marx nas condições de produção da primeira metade do século XIX tivessem levado
mais de cinqüenta anos para “refletir-se” na cultura.
59
Obviamente, não se pretende reduzir a complexa e por vezes contraditória
prática historiográfica de Benjamim a essa relação especular e determinista entre a
58
B. Baczko, Imaginación social, imaginarios sociales, in Los imaginários sociales, 1991, p.20-21; lembre-
se que no prefácio a “A Ideologia Alemã”, Marx conclamaria seus pares a se libertarem das quimeras,
idéias, dogmas e seres imaginários que moldariam as “false conceptions about themselves, about what
they are and what they ought to be”, cf. K. Marx, Preface, in The German Ideology, 1968, p.03. De
qualquer maneira, reconheça-se a distância entre o pensamento complexo de Marx e a redução aqui
operada, em prol de um determinado corte narrativo – sobre um uso preciso da noção de ideologia.
59
W. Benjamim, Magia e técnica, arte e política, 1994 [1935-36], p. 165.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
46
base econômica e as manifestações culturais, artísticas, sociais, etc. Afinal, o próprio
Benjamim, nas suas teses “sobre o conceito de história”, lembraria que as “coisas
refinadas e espirituais” não são meros despojos deixados ao vencedor da luta de
classes, da luta pelas “coisas brutas e materiais” – luta que deveria interessar a
qualquer historiador educado em Marx; ao contrário, as coisas refinadas, sob a forma
da coragem, da astúcia, da confiança, etc., põem em xeque sempre, ontem e hoje, a
vitória dos dominadores. Uma porta de entrada, portanto, para uma história que,
opondo-se à perspectiva teleológica, volta-se para o sofrimento do passado e não
para as promessas do futuro.
60
De resto, o interesse de Benjamim estava voltado,
nesse aspecto, para a expressão da economia na cultura e não para a origem
econômica da cultura.
61
Essa pequena digressão sobre a questão da ideologia é praticamente
inescapável, tendo em vista a influência na prática historiográfica e no
questionamento do próprio lugar do historiador. Em relação aos usos da noção de
ideologia na construção da narrativa historiográfica, há dois trabalhos (importantes,
diga-se) que mostram os limites da sua aplicação (como o que vela o real) nos
escritos de história do urbanismo.
62
Nesse sentido, faça-se ainda outra observação: nas últimas décadas, os
trabalhos da filósofa Marilena Chauí parecem ter sido decisivos para disseminar essa
leitura do conceito de ideologia no Brasil, amplamente fundamentado nas teses de
Marx (em especial n’A “Ideologia alemã”).
63
60
Ibidem [1940], tese 4, p. 223-24.
61
B. Sarlo, Esquecer Benjamim, in Paisagens imaginárias, 2005, p.102 – esse ensaio da crítica argentina é
particularmente importante para entender a platitude de muitas apropriações de temas e categorias de
Benjamim na onda dos estudos culturais das últimas décadas. Adrián Gorelik recupera essa discussão,
apontando um certo mal-estar (e mesmo esgotamento) dos estudos sobre os imaginários urbanos, cf.
Transformaciones urbanas e estudios culturales (para um recorrido por los lugares comunes de los
estúdios culturales urbanos), in Miradas sobre Buenos Aires, 2004, p.259-279. Sérgio Paulo Rouanet
estabeleceu discussão próxima: embora reconheça a existência de muitos e válidos Benjamims,
condenaria ainda assim a “leitura irracionalista” que se daria no Brasil, “segundo a qual ele [Benjamim]
defenderia o primado da vida contra a razão, da experiência imediata contra a abstração, da atualidade
histórica contra a história” (cf. Benjamim, falso irracionalista, in As razões do iluminismo, 1987, p.111).
62
V. Rezende, Planejamento urbano e ideologia, 1982, e F. Villaça, Uma contribuição para a história do
planejamento urbano no Brasil, In C. Deák e S. R. Schiffer (orgs.), O processo de urbanização no Brasil,
1999.
63
M. Chauí, O que é ideologia, 1983, p.21; apesar da importância de outros livros e artigos, citamos aqui
apenas esse título da coleção Primeiro Passos da editora Brasiliense, lançado em 1980 e que se
encontrava em sua 12ª edição já em 1983. Conquanto reforce o conceito de ideologia como
instrumento de dominação de classe que opera no registro da ilusão, Chauí estabelece de forma clara a
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
47
Isso posto, pode-se fazer alguns breves comentários sobre os textos dos
professores Vera Rezende e Flávio Villaça. A escolha que se faz aqui de ambos tem
algo de arbitrário, embora se reconheça que, de certa maneira, podem ser tomados
como marcos (dentre vários outros) para entender algumas características da
conformação do campo disciplinar da história da cidade e do urbanismo no Brasil.
Afinal, o livro da professora Rezende é anterior aos esforços mais
consistentes que seriam feitos a partir do final dos anos 1980. Embora não se nomeie
claramente como pertencente à história urbana ou urbanística, a autora busca
problematizar as relações entre planejamento urbano e ideologia na história dos
planos urbanos elaborados para a cidade do Rio de Janeiro ao longo do século XX
(Agache, Doxiadis, PUB Rio e PIT Metrô). Para cada momento, a autora descreve e
discute o contexto histórico-social específico, do país e da cidade, os esforços de
gestão do plano, o plano em si (com seu modelo de cidade implícito, objetivos,
estrutura metodológica e as proposições específicas para as questões relacionadas à
estrutura urbana, habitação, saneamento e sistema viário), além da implementação
parcial de todos.
A questão da ideologia perpassa a construção do texto, como fora anunciado
na própria introdução. O corte crítico é, expressa e acertadamente, de viés marxista, a
partir da leitura de, principalmente, Castells, Althusser e Chauí.
64
Daí a leitura do
“sistema ideológico” como um dos “elementos fundamentais de uma estrutura
social” – e que, no caso do modo de produção capitalista, estaria, junto com o
sistema jurídico-político, em relação de subordinação ao sistema econômico.
65
Em meio à importante leitura dos dados primários levantados dentro das
categorias propostas, esse quadro teórico leva a alguns problemas na análise, a dizer,
no aspecto que nos interessa destacar, a compreensão do “sistema ideológico” como
que se refere essa ilusão. Deve ser entendida como “abstração e inversão” e não como ficção,
invenção arbitrária ou falsidade. Abstração por aceitar a realidade tão-somente como dado sensorial,
sem questionar como é concretamente produzida. Inversão por tomar os efeitos pelas causas, as
conseqüências pelas premissas. Assim, enfatiza que “uma ideologia sempre possui uma base real, só que
essa base está de ponta cabeça, é a aparência social” (i.e., “o modo como o processo social aparece para
a consciência direta dos homens”). Enfim, a ideologia não seria uma esfera autônoma (embora
saibamos que assim se pretenda, muitas vezes, como se fossem pura criação do espírito a pairar sobre
as realidades históricas, geográficas, sociais), mas uma práxis social.
64
V. Rezende, op. cit., “introdução” e “quadro teórico”, p.15-32 passim.
65
Ibidem, p.24.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
48
um bloco quase homogêneo, sem maiores fissuras, conflitos, marchas e
contramarchas. Conquanto reconheça a reprodução desse sistema como práxis social
cujos agentes são os indivíduos (em relação, diga-se, com grupos de indivíduos,
associações classistas, profissionais, religiosas ou intelectuais, etc.), o livro leva à
compreensão do Plano Agache, e.g., como uma acomodação entre os interesses de
uma oligarquia agrária em declínio e uma burguesia industrial em franca ascensão.
66
Amarrado ao interesse em desvelar as causas estruturais dos movimentos que
levariam à proposição do plano, o texto não consegue dar conta, assim, da
complexidade e riqueza que marcariam esses mesmo movimentos. Não contempla,
portanto, a quantidade de diálogos cruzados (interesses profissionais, visões de
cidade e sociedade diversos, formações intelectuais de diferentes tradições, etc.) que
convergem para e em torno do plano e que podem ser ainda mais reveladores dos
interesses em jogo.
A contratação de Agache e equipe e o trabalho realizado entre 1927 e 1930
levou forçosamente à elaboração e a debate sobre novas questões que foram postas
em debate e que teriam impacto, ainda que não direto, sobre a formulação de
políticas públicas para a cidade do Rio de Janeiro nos anos seguintes, como o
demonstram vários trabalhos posteriores.
67
Questões que não nasceram tão-somente
da acomodação das forças político-econômicas, mas, sim, que encontram aí
possibilidades de prosperar, de transformar e transformar-se nos embates. Da mesma
maneira, as novas questões – oriundas das reflexões do campo disciplinar do
urbanismo então em formação desde o início do século XX – não se resumem à
transferência de discussões formuladas alhures. Elas só fazem e ganham sentido se há
uma, para usarmos uma expressão de Backzo, “comunidade de sentidos” que pode
se lhes apropriar e fazer circular as palavras, os conceitos, as noções, ainda que vagas,
que as sustentam.
Não se pretende aqui cobrar respostas ou análises para questões que não
estavam colocadas na época do livro citado. Inclusive, os objetivos da pesquisa
revelam muito das preocupações dessa época – retomada das lutas pela reforma
66
Ibidem, p.27, 37-40.
67
Dentre os quais, cito o livro da pesquisadora Denise C. Stuckenbruck, O Rio de janeiro em questão,
1996, e um artigo da própria Vera Rezende, Evolução da produção urbanística na cidade do Rio de
Janeiro, 1900-1950-1992, in Urbanismo no Brasil – 1895-1965, 1999.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
49
urbana como parte do processo de redemocratização do país, como já era possível
vislumbrar no início dos anos 1980, o que implicava desvelar a pretensa neutralidade
do discurso técnico na proposição de soluções espaciais para cidades marcadas por
uma crescente pobreza urbana, expansão periférica, crescimento demográfico, etc.
Interessa apontar que essa estrutura metodológica e conceitual mostrar-se-ia
insuficiente ou limitada para dar conta das tramas e contextos em que os planos
urbanísticos adquiriam e ainda adquirem significância.
Problema ou limitação similar marca o texto do professor Villaça. Contudo,
aqui, as limitações se exacerbam pelo próprio lugar que ocupa. Afinal, publicado no
final da década de 1990, pode ser tomado como texto de referência que busca
sistematizar a discussão histórica em prol de uma compreensão atual do fenômeno
de produção e reprodução do planejamento urbano no Brasil, como ressalta desde o
início.
68
Diretamente ou não, dialoga com uma produção que se avolumava desde o
início dessa mesma década.
Ainda assim, e apesar do claro cuidado metodológico em delimitar o objeto a
analisar, permanecem problemas na definição do que seria (e do que é) o
planejamento urbano e, mais grave, defende-se aqui, na sub-avaliação do urbanismo
sanitarista como um dos “tipos constitutivos do planejamento urbano lato sensu” (os
outros seriam o planejamento urbano strictu sensu, o zoneamento, os planos de
cidades novas e os planos de infra-estrutura urbana).
69
A tese central de Villaça é que só se entende a (re)produção do planejamento
urbano no Brasil nos últimos 50 anos se se a considera como ideologia, cujo
paradoxo se encontraria na retomada dos planos diretores no final dos anos 1980,
com a nova Constituição Federal. Afinal, nessa chave de leitura, as lutas sociais pelas
reformas urbanas teriam desaguado na exigência de uma peça que, antes, era quase
que somente um artifício ideológico travestido de neutralidade e racionalidade.
Assim, as várias mudanças de nome, de metodologia e de conteúdo ao longo da
história teriam sido “estratagemas dos quais as classes dominantes lançaram mão para
renovar a ideologia dominante (...)”.
70
68
Villaça, op. cit., p.171.
69
Ibidem, p.175, 179.
70
Ibidem, p.182.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
50
Partindo das noções de ideologia, discutida por Chauí, e de hegemonia, tal
qual em Gramsci, lerá a história do planejamento urbano no Brasil ao longo do
século XX como um processo contínuo de descolamento da realidade, cujo
paroxismo seriam os grandes planos dos anos 1960 e 1970. Processo também de
perda de hegemonia em torno dos planos: se os projetos de Pereira Passos para a
área central do Rio de Janeiro em 1906, que considera como o auge dos “planos de
melhoramentos”, foram realizados em sua quase totalidade, o mesmo não se poderia
dizer dos outros que, por todo o Brasil, foram propostos a posteriori.
71
Mais uma vez, há aí o problema de tomar o sistema ideológico como um
bloco homogêneo, produzido sem arestas por um determinado grupo social. Leitura
que, observe-se, não contempla as possibilidades analíticas expostas na própria
discussão dos pressupostos teóricos realizada pelo autor.
72
Nesse jogo de vela-
desvela, perde-se a referência ao papel ativo de profissionais, intelectuais e
instituições envolvidas, assim como das maneiras de circulação de idéias, temas,
polêmicas nos quais os planos se inseriram e se inserem.
Assim, considera-se importante marcar que a superação dessas limitações e a
abertura de possibilidades de trabalhar com novas fontes para a construção de uma
história urbana e urbanística mais complexa e abrangente deriva tanto da premência
colocada pelas novas questões historiográficas quanto pela existência de uma história
política e econômica mais consolidada.
O conjunto de artigos compulsados pela coletânea organizada por Luiz César
Ribeiro e Robert Pechman, anterior ao texto de Villaça, é exemplar dessa assertiva:
ao tomar a produção oriunda do campo do urbanismo como representação,
conseguiram enfrentar com mais êxito os dilemas (metodológicos e conceituais) de
tratar essa trama específica em relação, inescapável, com as demais tramas do tecido
social, cultural, econômico.
73
As relações produtivas entre o discurso técnico do
urbanismo e as formulações do chamado pensamento social brasileiro seria uma
71
Ibidem, p.192-198, 222.
72
Ainda que de forma breve, estabelece com precisão os conceitos de ideologia e hegemonia, cf.
Ibidem, p.183-84, nota 2, e p.226.
73
Cf. Luiz Ribeiro e Robert Pechman, Cidade, povo e nação, 1996.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
51
entrada profícua para a historiografia no Brasil, como o demonstram vários trabalhos
posteriores.
74
Para encerrar essa parte do texto, considera-se importante estabelecer
algumas considerações sobre a historiografia da área no Brasil. Depois de diversos
estudos desenvolvidos entre os anos 1930 e 1960 – como os de Sérgio Buarque de
Holanda, Gilberto Freyre, Aroldo Azevedo, Pierre Deffontaines, Robert Smith e
Nestor Goulart Reis – que se tornaram clássicos e que versavam principalmente
sobre o período colonial, a problematização da formação histórica das cidades é
retomada principalmente pelas pesquisas e discussões em torno do primeiro ciclo de
reformas urbanas. Abrangido temporalmente, grosso modo, entre 1890 e 1920, o
processo de transformações que marca esse ciclo foi chamado, significativamente, de
“desconstrução da cidade colonial”.
75
É significativo que essa retomada tenha sido
marcada também, como já se discutiu, pelo esforço de
superação do isolamento nos estudos de história urbana, ou do
seu enquadramento na chave dos indefectíveis “antecedentes”, [o
que] exprime por certo o esgotamento ao longo dos anos 1980 de
um vínculo histórico, ao menos na tradição do pensamento e da
historiografia no Brasil, entre a investigação do passado e as
exigências do presente, no caso entre a pesquisa urbana e as
tarefas do planejamento.
76
Isto é, reivindicou autonomia e pressupôs a superação de uma dimensão
(apenas) operativa da história urbana ou da história da cidade e do urbanismo.
77
Escapou-se dos riscos da instrumentalização do passado pelas injunções do presente
74
Dentre os quais, destacamos a tese de José Lira, Mocambo e Cidade, 1996, e o livro de Candido
Campos, Rumos da cidade, 2002, em especial a parte sobre as discussões entre urbanismo e anti-
urbanismo por diversos intelectuais brasileiros.
75
Eloísa Pinheiro e Marco Aurélio Gomes, Retraçando percursos: o papel dos Seminários de História
da Cidade e do Urbanismo na constituição de um campo de estudos, in A cidade como História, 2004,
p.20.
76
Virgínia Pontual e José Lira, Cidade, planejamento e gestão urbana: história das idéias, das práticas e
das representações, in Anais Eletrônicos do X ENANPUR, 2003, p.01.
77
Não iremos discutir aqui a problemática relacionada à própria nomeação dessa área do
conhecimento no Brasil, mas apenas registrar que algumas reflexões sobre o tema foram propostas
desde o início, cf. R. Rolnik, História Urbana: História na cidade?, In Cidade e História, 1992, p. 27-29;
N. G. Reis, Sobre história da urbanização – história urbana, Espaço e Debates, 1991, p.15-18; mais
recentemente, abordando principalmente a literatura em inglês, cf. L. O. Silva, Cidade e História: um
olhar epistemológico, in A cidade como História, 2004, p.151-173; há uma importante contribuição,
embora pouca conhecida na produção brasileira, proveniente das discussões historiográficas na
Espanha, cf. e.g. A. A. Mora, Problemas de investigación en “História urbanística”, História Urbana,
1992, p.83-102.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
52
para incorrer em novos riscos – metodológicos, teóricos, conceituais. Estes, pelo
menos, constitutivos da própria disciplina, a dizer, e.g., a necessidade de
problematização das fontes, o reconhecimento das representações como construções
da realidade – e não como a realidade em si –, a consideração dos diferentes tempos
históricos da modernização e das suas conseqüências para além das dimensões
técnica, material, burocrática, etc. Riscos que marcaram e foram enfrentados, em
maior ou menor grau, (teoricamente) consciente ou não, pela produção recente.
Arriscou-se dizer ademais que essa retomada foi marcada por um desencanto
com as possibilidades de transformação do urbano (enredados em projetos de
transformação social), com a crise dos próprios paradigmas modernos, dos saberes
sobre as cidades. Haveria então, no voltar-se ao passado, um certo conformismo ante
tal quadro de crise.
78
O que poderia ter gerado estudos de apelo nostálgico. Não
parece ter sido este o caso e, a despeito de certo entusiasmo na leitura da ação épica
dos urbanistas do início do século XX, e.g., a visada crítica dos estudos de história da
cidade e do urbanismo têm cada vez mais incorporado rigor de método e análise.
Enfim, como bem discute Elias Saliba, esse retorno ao cultural revela o
“cansaço” com uma história baseada em estruturas, hierarquias, sistemas, etc., i.e.,
com uma história como processo mas sem sujeito. “Compreender como os homens
do passado se compreendiam” tornou-se uma nova missão. Ao mesmo tempo, essa
mudança traz consigo novos problemas: o passado passou a ser visto como um
“feixe de práticas discursivas”, uma sucessão, por vezes infindável, de versões
sobrepostas, fragmentando-se num “difuso território da indeterminação”.
79
Representações em disputa
Postas tais considerações, é importante recuperar as discussões estabelecidas
por Chartier como uma porta de entrada privilegiada para entender o valor heurístico
das representações no campo de uma possível histórica cultural urbana e do
78
Cf. A. Fernandes, M. A. Gomes, A pesquisa recente em história urbana no Brasil: percursos e
questões, In N. Padilha (org.), Cidade e Urbanismo: história, teorias e práticas, p.13-28, 1998; V. Pontual e J.
Lira, Cidade, planejamento e gestão urbana: história das idéias, das práticas e das representações, In
Anais Eletrônicos do X ENANPUR, 2003; C. Topalov, Os saberes sobre a cidade: tempos de crise?,
Espaço & Debates, p.28-37, 1991.
79
Elias T. Saliba, Perspectivas para uma historiografia cultural, Diálogos, 1997, p.13.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
53
urbanismo. Contudo, não se pretende estabelecer aqui uma longa descrição do estado
da arte sobre o tema ou sobre a própria obra do historiador francês. Importa, sim,
encontrar elementos para empreender uma leitura que problematize algumas das
questões, dilemas e potenciais atuais da historiografia – em especial, para os
profissionais não oriundos de formação de base nas disciplinas da História.
O professor Flamarion Cardoso aponta quatro elementos centrais que
permitem entender as linhas do trabalho de Chartier.
80
Em primeiro lugar, a crítica à
noção das mentalidades, como discutido no início destas notas, e, em segundo, a
crítica ao enfoque geertiziano, que seria dominante na antropologia.
Em ambas críticas, a insatisfação com a leitura e análise que homogeneizaria a
maneira de percepção dos sujeitos e a sua relação com os produtos culturais, com as
estruturas sociais e econômicas. Contra as mentalidades, por tomar os objetos
analisados como válidos por si e não construídos no e pelo discurso. Há, como se
percebe, uma aproximação dessa crítica aos trabalhos que vinham sendo
desenvolvidos por Carlo Ginzburg e Michel Foucault, embora, em relação a esse,
Chartier mantenha severas críticas à noção de apropriação. Contra o enfoque de
Clifford Geertz, que consideraria reducionista, por ver as formas simbólicas
organizadas em um sistema como se fossem compartilhadas igualmente pelos
membros de um grupo, deixando de perceber as diversas maneiras de apropriação e
de conflitos.
Nesse sentido, também se aproximaria da crítica à noção de zeitgeist; crítica
formulada, dentre outros, pelo historiador da arte E. H. Gombrich. Reconhecer os
mil fios que unem uma determinada criação à cultura de uma época não implica,
defende Gombrich – contra o princípio organizador hegeliano –, “que todos os
aspectos de uma cultura podem ser reconduzidos a uma causa nodal, de que são
manifestações”.
81
80
Ciro F. Cardoso, Introdução: uma opinião sobre as representações sociais, in Representações, 2000,
p.12-17.
81
E. H. Gombrich, Para uma história cultural, 1994 [1969], p. 63; não é possível aprofundar essa leitura
aqui, restando-nos apenas a indicação da leitura dessa palestra, assim como de Arte e Ilusão, 1986
[1959]. Essa perspectiva de crítica, formulada como o problema da “circularidade da interpretação”,
seria retomada com muita lucidez por outro admirador do Warburg Institute, Carlo Ginzburg, cf. De A.
Warburg a E. H. Gombrich: notas sobre um problema de método, in Mitos, Emblemas, Sinais, 1989
[1966], p.63-64. Chartier também discutiria a necessidade de “renunciar a Hegel”, cf. O passado
composto: relações entre filosofia e história, in A História cultural, 1988, p.73-77.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
54
A aproximação e a incorporação de alguns conceitos centrais da obra de
Pierre Bourdier seria o terceiro elemento apontado: a busca de uma reinterpretação
do marxismo à luz de uma análise que incorporasse tanto os sentidos subjetivos
quanto os objetivos das ações, que permitiria aos historiadores reconhecerem a
liberdade de escolha dos indivíduos – dentro, claro, dos limites socialmente
estabelecidos. O conceito de habitus seria então fundamental. Por fim, a filiação a
uma premissa básica dos Annales, a dizer, a compreensão da história como uma
ciência social.
Observe-se que, em artigo do final dos anos 1980, Chartier buscara situar
com precisão o lugar de suas pesquisas e preocupações no quadro de mudanças
disciplinares e dos fundamentos das ciências sociais. Um quadro que se poderia
configurar como de crise – marcada por diversas indecisões em meio ao refluxo do
marxismo e do estruturalismo.
82
Para Chartier, a prática historiográfica teria mudado a partir de três
deslocamentos, relacionados diretamente aos princípios de inteligibilidade que
permitiriam inscrever a história como uma ciência social. Ademais, nega que essas
mudanças derivassem de uma mudança de paradigma, como propugnado por alguns
entusiastas do pós-modernismo. Mudanças que vieram: primeiro, da renúncia ao
projeto de uma história global; rompia-se com o modelo braudeliano e,
consequentemente, com as partições rígidas e hierárquicas das práticas sociais.
Segundo, da renúncia à definição territorial dos objetos de pesquisa; passou-se da
“cartografia das particularidades” tão-somente para uma “pesquisa das
regularidades”, i.e., a busca de leis gerais ao invés das singularidades.
Emerge aí uma questão metodológica cara às reflexões sobre a área de
história urbana e do urbanismo no Brasil, marcada, necessariamente, por um
acúmulo de estudos monográficos – em razão, dentre vários fatores, pela dimensão
continental de um país com tantos tempos históricos, espaços geográficos e
processos de modernização diversos. É possível uma análise que abarque o
fenômeno histórico-social em características “nacionais”? como bem pontuou
82
R. Chartier, O mundo como representação, Estudos Avançados, 1991.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
55
Chartier: “como pensar o acesso ao geral a partir do momento em que não é mais
tido como a soma cumulativa das constatações particulares?”.
83
As possibilidades de resposta são diversas, indo desde a correlação estatística
até a discussão do paradoxo do chamado “excepcional normal”, que procura o mais
comum no que é menos corriqueiro. Nesse vertente, em especial, as considerações
metodológicas da micro-história são fundamentais, como o demonstra cabalmente
um clássico do gênero: o livro de Ginzburg sobre Menocchio, o moleiro friulano
perseguido pela Inquisição no final do século XVI.
Mas, afinal, perguntar-se-ia Ginzburg, qual a relevância do estudo de um
indivíduo para a compreensão de uma época? Antes de mais nada, não se pode
descartar uma documentação singular e excepcional. Segundo, é importante, se
possível, estender o “conceito histórico de indivíduo” às classes mais populares,
mesmo correndo o risco de cair no anedotário – risco evitável, diga-se. Um
indivíduo, mesmo medíocre, pode ser representativo, como um “microcosmo”, de
um estrato social de um determinado período. Contudo, não é esse o caso de
Menocchio. Ele não era um camponês “típico” (ou médio, aquele estatisticamente
mais freqüente).
84
Contudo, sua singularidade tem limites. Limites da cultura do próprio tempo,
da classe a que está vinculado. “Assim como a língua, a cultura oferece ao indivíduo
um horizonte de possibilidades latentes”. Menocchio configura assim um caso-limite,
pelo que revela em negativo (ajudar a precisar o que numa época é estatisticamente
mais freqüente) e em positivo (circunscreve as possibilidades latentes de algo, no
caso, a cultura popular, acessível por fontes indiretas, fragmentárias, deformadas).
85
A atenção ao individual não desmerece, ressalta, a importância dos estudos
quantitativos, seriados. Mas é necessário estabelecer uma série de críticas. A busca do
elemento médio, e.g., nem sempre aponta para o essencial, para os textos que tiveram
grande impacto, e pode obscurecer a questão de que há uma cultura popular que
conforma as práticas de leitura. “Mas como eram lidos pelo público de então? Em
que medida a cultura predominantemente oral daqueles leitores [da época de
83
Ibidem, p.177.
84
C. Ginzburg, O queijo e os vermes, 2005, p.24.
85
Ibidem, p.25-26.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
56
Menocchio] interferia na fruição do texto, modificando-o, remodelando-o, chegando
mesmo a alterar sua natureza?”.
86
Essa questão levantada e enfrentada por Ginzburg é crucial para Chartier
também. A problematização das diferenças entre cultura popular e erudita, entre a
lógica de produção textual e a lógica da prática das ações, entre criação e consumo,
entre realidade e representação, enfim, apontam os caminhos para uma reflexão que
renunciaria ao que chamou de “primado tirânico do social”.
Criticando os pressupostos estruturalistas, afirmaria que “a realidade é
construída culturalmente”. No lugar de uma história social da cultural, uma história
cultural do social. Chartier já foi muito criticado por essa postura, que teria levado,
como já apontaram Lynn Hunt e Ronaldo Vainfas, à “tirania do cultural”. Peter
Burke lembraria, a propósito, que virar-se contra o determinismo material não
poderia excluir os fatores materiais da problematização da história, afinal os homens
reagem, adaptam-se, enfrentam, trabalham sobre as questões do meio ambiente
físico, os seus recursos a longo prazo, etc.
87
Certo também que esse “reducionismo culturalista” seria superado. Em On
the edge of the cliff, livro de 1997, Chartier faz um balanço de sua produção
historiográfica e uma avaliação dos seus diálogos intelectuais. Nessa exposição,
reconheceria que não cabem reduções para entender as relações complexas entre o
cultural e o social: nem a cultura pode ser vista como uma manifestação dos arranjos
sociais, nem tampouco o “social” opera com as mesmas lógicas e regras da cultura e
da linguagem.
88
Assim, em meio às muitas questões que emergem dos estudos de Chartier,
destacamos, para concluir este texto, algumas das quais parecem profícuas para
instigar reflexões e paralelos aos interesses desta tese.
A problemática do “mundo como representação” evoca questões
fundamentais para pensar as maneiras de circulação e apropriação de ideários,
modelos, projetos urbanísticos; assim, deve-se considerar como se dá a apropriação
pelos leitores de textos (que contém tais figurações). “No ponto de articulação entre
86
Ibidem, p.26-27.
87
Ciro Cardoso, Introdução: uma opinião sobre as representações sociais, in op. cit., p.11, 19-20.
88
J. Dewald, Roger Chartier and the fate of cultural history, French Historical Studies, 1998, p.222-23.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
57
o mundo do texto e o mundo do sujeito coloca-se necessariamente uma teoria da
leitura capaz de compreender a apropriação dos discursos, isto é, a maneira como
estes afetam o leitor e o conduzem a uma nova norma de compreensão de si próprio
e do mundo”.
89
Assim, é possível entender e mapear as relações recíprocas entre imaginação
(dimensão da reflexão político-técnica) e imaginário (reflexão cultural) urbanos.
Relações essas fundamentais, como bem lembrou Adrián Gorelik, para a tradição
intelectual latino-americana do século XX. “La representación de modernidad crea
realidad urbana y ella refuerza la representación de un ideal de nación: así podría
decirse que funcionó la relación entre ciudad y representación em esta tradición
cultural”.
90
Muitos processos de intervenção urbanística na América Latina – entendendo
o Brasil como parte dessa realidade cultural e territorial – conformaram não apenas
projetos mas também interpretações, representações, que se embebiam no debate
existente e traziam novos temas à baila.
Assim, deve-se considerar insatisfatória uma abordagem que considere
transparente a relação texto-leitor, como se o primeiro se reduzisse ao conteúdo
semântico, e o segundo fosse abstrato e não marcado por variáveis sociais e
históricas; ao contrário, o ato de leitura é concreto, um processo de construção de
sentido e de interpretação; assim, requer considerar que o leitor é dotado de
competências (que dizem respeito as suas posições e disposições) e que os textos
dependem dos “dispositivos discursivos e formais”.
91
Aqui, também, a noção de apropriação é outra. Nem é a de Foucault (que se
interessa pela apropriação como confisco e submissão dos discursos), nem a da
hermenêutica. A “apropriação social dos discursos” de Foucault seria restrita às
determinações hierárquicas dos jogos de poder.
92
A reformulação da noção aponta
para uma “história social das interpretações, remetidas para as suas determinações
89
R. Chartier, A história cultural, 1988, p.24; grifos nossos.
90
A. Gorelik, Imaginários urbanos e imaginación urbana, in Miradas sobre Buenos Aires, 2004, p.262.
91
Chartier, A história cultural, 1988, p.25-26.
92
Idem, O mundo como representação, Estudos Avançados, 1991, p.180.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
58
fundamentais (que são sociais, institucionais, culturais) e inscritas nas práticas
específicas que as produzem”.
93
Portanto, Chartier está mais interessado nas “diferenças do uso partilhado”,
como Bourdieu, e não nas exclusões por confiscação. As práticas contrastantes
devem ser compreendidas como concorrências, as suas diferenças pelas estratégias de
distinção ou imitação e que os empregos diversos de um mesmo bem inserem-se nas
disposições do habitus de cada grupo.
94
Para Chartier, há diferenças fundamentais entre prática e discurso. Contudo,
não precisa os termos: pelos usos, percebe-se a tendência a usar discurso para as
esferas de autoridade e poder e prática para o que é inovativo, popular, resistente ao
poder. A história deveria então ficar atenta às tensões entre as capacidades inventivas
dos indivíduos ou comunidade e os constrangimentos, normas e convenções que
limitam o que é possível pensar, expressar, fazer.
95
Essas considerações – que têm como noções chave a representação, a prática
e a apropriação – revelam uma história cultural pensada como “a análise do trabalho
de representação”; mais ainda, como “o estudo dos processos com os quais se
constrói um sentido”, defenderia Chartier.
96
Para tanto, foi fundamental recuperar a trajetória dos Annales e as discussões
fundadoras de Lucien Febvre e Marc Bloch, em especial a relação com a então
chamada história intelectual. Antes de mais nada, lembra Chartier, interessava a
Febvre (que conclamava a todos interessados na história dos movimentos
intelectuais) reencontrar a “originalidade, irredutível a qualquer definição a priori, de
cada sistema de pensamento, na sua complexidade e na sua mudança”.
97
Como
pressuposto, buscava, ademais, ao estudar a relação entre as idéias e a realidade
social, não utilizar as categorias de influência ou do determinismo. Febvre estava
então se insurgindo contra um marxismo simplificado.
93
Idem, A história cultural, 1988, p.26.
94
Ibidem, p.124.
95
J. Dewald, op. cit., p.224.
96
Chartier, A história cultural, 1988, p.27.
97
L. Febvre, 1909, apud Ibidem, p.33.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
59
Os escritos do Febvre maduro seriam mais críticos em relação a uma história
intelectual que chamava de desencarnada, i.e., aquela (feita principalmente pelos
historiadores da filosofia) que isolava as idéias ou sistemas do pensamento das
condições que permitiram sua (re)produção, separando-os das formas de vida social.
Há uma aproximação desse Febvre maduro, principalmente o do livro
Rabelais, de 1942, a trabalhos de E. Panofsky, como Gothic architecture and Scolasticism,
de 1951. Ambos procuraram se dotar de meios intelectuais para enfrentar o problema
de compreender o zeitgeist. Afastar-se-iam também das noções que dominavam até
então: que postulavam que havia uma relação consciente e transparente entre as
intenções dos produtores e seus produtos; que a criação intelectual (ou estética) era
atributo individual; que explicavam a concordância entre vários produtos e/ou
produtores por meio do jogo dos empréstimos e das influências.
98
Para enfrentar e superar tais noções, ambos proporiam novas categorias: a de
habitus (como trabalhada inicialmente por Panofsky) e a de utensilagem mental
(Febvre).
A utensilagem ou equipagem mental (outillage mental) vale para a civilização
que a forjou, pela época que a utiliza, e não pela eternidade e para toda a
humanidade. Assim, desdobra-se que as “categorias do pensamento” não são
universais e dependem dos “instrumentos materiais” (as técnicas) e “conceituais” (as
ciências). O que define a utensilagem mental é: o estado da língua (léxico e sintaxe),
os utensílios e a linguagem científica disponíveis, e o sistema das percepções – esse
“suporte sensível do pensamento”.
99
Ao passo que a noção de Febvre parece quase objetivar os instrumentos
intelectuais, Panofsky pensa o hábito mental como um “conjunto de esquemas
inconscientes, de princípios interiorizados que dão a sua unidade às maneiras de
pensar de uma época...”. I.e., Panofsky avançou e discutiu os mecanismos que
permitem entender como categorias fundamentais do pensamento se interiorizam – e
não como algo que “sobre-estrutura” os pensamentos e ações individuais.
100
98
Chartier, A história cultural, 1988, p.35.
99
Ibidem, p.36-37.
100
Ibidem, p.38-39.
introdução
________________________________________________________________________________________________________________
60
Esse processo de interiorização seria discutido por um trabalho considerado
fundamental por Chartier – A sociedade da corte, de Norbert Elias, escrito e finalizado
nos anos 1930 e publicado apenas três décadas depois. Trabalho que permitiria
avançar na noção de habitus (embora apontando para uma ciência que ainda se
formaria, a psicologia social, para a qual a noção de representação social é
fundamental, embora não interesse aqui adentrar nos meandros dessa discussão).
Nesse livro, percebe-se que o “processo de civilização consiste, antes de mais,
na interiorização individual das proibições que, anteriormente, eram impostas do
exterior”, passando do condicionamento social ao auto-condicionamento (pelos
mecanismos de autocontrole sobre as pulsões e paixões). A vida na corte exigia
habilidades – propriedades psicológicas – que não são comuns a todos, a dizer, a
capacidade de observar os outros e a si mesmos, o controle das paixões, a
incorporação das disciplinas que regulam a civilidade. Processo esse de longa
duração, não se pode esquecer, e que implica mudanças na estrutura da personalidade
– e não apenas nas maneiras de pensar –, na economia psíquica que Elias
denominaria por habitus.
101
Considerações finais
As representações como “pedra angular” da história cultural têm claro valor
heurístico, mas, obviamente, não são uma quimera a resolver todos os impasses e
dilemas da prática historiográfica. Se é certo que permitiram superar a camisa de
força que certas leituras deterministas, estruturalistas, impuseram à compreensão das
relações complexas entre a objetividade das condições materiais e a subjetividade da
dimensão cultural, não se pode olvidar que novos problemas foram forçosamente
levantados.
Problemas que dizem respeito diretamente à possibilidade de a história ser
inteligível, i.e., de construir uma narrativa sobre o passado que reconheça a distinção,
ainda que fluida, para com a narrativa ficcional. Se se embebe nas ficções, nas
criações literárias, nas peças técnicas, nas realizações artísticas ou mesmo nos
falseamentos deliberados da história, ainda assim se reconhece na busca, para lembrar
101
Ibidem, p.110-113.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
61
Paul Ricouer, pelo regime de veracidade que é próprio ao contrato do historiador em
relação ao passado.
Assim, negar o apagamento das tênues linhas entre história e ficção parece
ser, mais do que um procedimento metodológico e conceitual, uma postura ética,
moral. Deste modo, mais do que uma receita para a prática historiográfica, a
aproximação ao conceito de representações constitui, sim, um campo de problemas
cujos esforços para se desvencilhar tem mostrado resultados profícuos – para
entender a dinâmica das relações entre as dimensões econômicas, políticas, sociais,
culturais.
Esforços que são cruciais para entender a apropriação, a circulação e a
construção de imaginários e imaginações urbanas, questões essenciais para a
configuração da história das cidades brasileiras.
CAPÍTULO 1
LEITURAS VIAJANTES
A cidade colonial entre olhares estrangeiros
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
64
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
65
“A foreigner, who might chance to land first at this place, on
his arrival upon the coast of Brazil, would form a very poor
opinion of the state of the population of the country; for, if
places like this are called cities, what must the towns and villages be
questiona-se Henry Koster ao chegar a Natal em fins de
1810.
In Travels in Brazil (1816, p.68)
Ao arrolar os diversos escritores que trataram do Brasil, Richard Burton, no
primeiro capítulo de Explorations of the highlands of the Brazil (1869), destacaria a
precisão do relato do seu compatriota Henry Koster, publicado meio século antes.
Vindo ao Brasil, em meados de 1809, em busca do clima benfazejo dos trópicos para
se curar – possivelmente de tuberculose – Koster ocupara seu tempo em diversas
viagens a partir do Recife: visitando os arrabaldes da capital da província de
Pernambuco, cruzando a Zona da Mata, atravessando diversas aldeias, povoações,
vilas e cidades, adentrando o Sertão (sob os efeitos das secas). Alcançaria ainda São
Luís num brigue inglês, passando pelas então províncias da Paraíba, Rio Grande (do
Norte), Ceará e Maranhão. Constituiria assim um importante testemunho do que era
e das transformações por que passava a vida social, urbana e rural na porção
setentrional do território do que viria ainda a ser a nação brasileira.
Resultado das observações guardadas nesse deambular contínuo entre 1809 e
1815, incluindo aí algumas idas e vindas entre o Brasil e a Inglaterra, o longo Travels
in Brazil foi publicado em 1816 e logo conheceu êxito, como se pode perceber pelas
sucessivas edições: no ano seguinte saiu a segunda edição inglesa, a primeira
americana e a primeira alemã; em 1818, publicou-se a edição francesa. Em 1821, o
relato de Koster ganhou mais visibilidade com a inclusão do seu texto para ilustrar
parte considerável do que hoje é o Nordeste do Brasil no segundo volume da coleção
de Jacques Maccarthy, Choix de voyages dans les quatre parties du monde, editado em Paris.
1
1
O primeiro volume da parte da coleção dedicada às Américas apresenta textos de Samson, Ashe,
Palmer e Pike; o segundo volume transcreve partes dos textos de Koster e de M. M. Kotzebue; o
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
66
Em 1831, publica-se a segunda edição em alemão, dessa vez na coleção
intitulada “viagens importantes”, organizada por Wilhelm Harnisch; em 1846, a
segunda edição francesa, que serviria de base para a primeira tradução brasileira, a
cargo de Antonio C. de A. Pimentel, publicada entre 1898 e 1931 na Revista do
Instituto Arqueológico Pernambucano.
2
Não se pode deixar de mencionar que, logo em 1817, ano da segunda edição
do texto original em inglês, é publicada uma longa resenha, composta por
transcrições de trechos inteiros, em The Quartely Review.
3
É muito provável que, pelo
terceiro volume, textos de Brackenridge, Maximilian von Wied-Neuwied e Waller (cf. J. Maccarthy,
Choix de voyages dans les quatre parties du monde, 1821).
2
Cf. Câmara Cascudo, Prefácio do tradutor, in H. Koster, Viagens ao Nordeste do Brasil, 1942, p.16-17.
A tradução de Antonio Pimentel nunca foi reunida em livro. A edição que serve de referência a este
capítulo foi anotada e traduzida por Câmara Cascudo, a partir da segunda edição inglesa, de 1817 (que
difere da primeira apenas no uso de gravuras, mapa e planta sem colorização), e cotejada à edição
original, disponível no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.
3
vol. XVI, n. 32, oct.1816-jan.1817, p.344-387. The Quartely Review foi fundada em 1809 pelo
conhecido editor londrino John Murray; o journal caracterizou-se como político-literário, de perfil
romântico e conservador, congregando autores como Walter Scott e Robert Southey, e no qual se
Figura 1.01: mapa da parte setentrional do Brasil, feito a partir
de instruções do próprio Koster sobre mapa original de Aaron
Arrowsmith. Fonte: H. Koster, Travels in Brazil, 1816.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
67
conhecimento da bibliografia sobre o Brasil, cotejando o texto de Koster aos de
Gaspar Barlaeus , e.g., o autor da resenha tenha sido Robert Southey.
4
Ademais, o êxito aparece na reverberação e no reconhecimento do livro de
Koster nos relatos de outros importantes viajantes, como Auguste de Saint-Hilaire,
Tollenare e Robert Southey, além do próprio Richard Burton. Southey – que
franqueou a Koster sua biblioteca de 14 mil volumes e muitas raridades sobre o
Brasil e que o instou a publicar Travels in Brazil – inclusive o utiliza profusamente no
terceiro volume de History of the Brazil (1819).
5
O secretário da legação diplomática
britânica na Argentina e Paraguai, Robert Watson, tinha Koster como uma das
poucas referências sobre o Brasil em sua história sobre as Américas portuguesa e
hispânica.
6
publicaram resenhas seminais de obras românticas (de J. Austen, Wordsworth, Byron etc.), cf. J.
Cutmore, The Quartely Review under Gifford: an overview, Quartely Review Archive, 2007.
4
De fato, não há evidência da assinatura de Southey; contudo, o Index eletrônico da Quartely Review
endossa tal especulação, cf. Quartely Review Archive [disponível em:
http://www.rc.umd.edu/reference/qr/index/32.html], acessado em 12 set. 2007:
“413 Article 4. Koster, Travels in Brazil, 344-87. Author: Robert Southey. Running Title: Koster's
Travels in Brazil. Notes: In attributing the article to Southey, Shine cites JM III's Register; Cottle 242-
43; Southey 577; Water III 484 (that says the article was mutilated), and IV 520 (also says the article
was mutilated.) Shine says to see also Warter III 17, 48 and Smiles II 40. The following evidence is
published here for the first time. The article appears in Southey's definitive MS. list of his QR
articles. JM III's Register: attribution to Southey, but without evidence”.
5
Câmara Cascudo, Prefácio do tradutor, op. cit., p.17-18; C. Harvey Gardner, Introduction, in H.
Koster, Travels in Brazil, 1966, p.vii-xvi.
6
Southey era a principal referência, principalmente no vol. II, quase todo dedicado ao Brasil, cf. R. G.
Watson, Spanish and Portuguese South America during the colonial period, 2 vols, 1884.
Figura 1.02: “atravessando um rio”; os desenhos de todas as gravuras que
ilustram o livro foram feitos por um parente próximo que Koster não
nomeia Fonte: H. Koster, Travels in Brazil, 1816.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
68
De fato, desde logo o relato de Koster consolidaria uma imagem de
autoridade e legitimidade; seria considerado como portador de um olhar atento,
preciso, acurado, neutro até, pode-se afirmar. Daí a expressão “the accurate Koster”,
como registraria o capitão Burton, ou “o exato Koster”, como traduziria Câmara
Cascudo. A expressão funciona assim como uma metonímia das qualidades e do
relevo de Travels in Brazil dentro do vasto conjunto de narrativas de viagens sobre o
Brasil colonial e imperial. Cascudo apontaria em seu “prefácio de tradutor”:
Henry Koster não é um viajante, caçando anedotas e filmando o
pitoresco, nem um naturalista, tendo a investigação anteriormente
programada. Não há nele a missão unilateral de estudar um
aspecto ou fixar pormenores. Não o subsidia Museu ou Instituto.
É uma curiosidade ampla e livre, sem compasso, sem barras, nem
limites. É uma criatura humana, vivendo humaníssima e
logicamente.
7
Cascudo lembraria ainda – como ênfase distintiva de outra forma de relato e
não como característica negativa – que, ao contrário de outros viajantes como Johann
Baptiste von Spix, Carl F. von Martius, Wied-Neuwied e Saint Hillaire – cujas
observações eram sistemáticas, perenes, infatigáveis –, Koster “tomava notas sentado
na porta da casa grande, pisando o massapé do canavial, cochilando no embalo da
rede, sacudido no choto do cavalo tungão, mastigando léguas-de-beiço”. Mais
adiante, afirmaria, avalizando o narrador:
É a palavra limpa e clara de uma testemunha. (...). Em qualquer
capítulo, o exato Koster é fiel, (...).
É um instantâneo sem retoque da época, não do particular ou do
escolhido para o quadro, o tema pitoresco, como nos desenhos de
Debret ou de Rugendas, mas o total, num corte que abrange os
tons e as nuanças, na mesma intensidade do movimento e do
colorido. É o indispensável, a voz que atravessou cem anos,
ressuscitando Pernambuco e o Sertão, vivendo ombro a ombro
mas sem a contaminação dos ódios e dos interesses, das paixões e
afetos que parcializam a narrativa, inquinando de suspeição o
narrador.
8
7
Cascudo, Prefácio do tradutor, op. cit., p.09.
8
Ibidem, p.23-24.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
69
Tais referências, escritas no início da década de 1940, além de revelarem
muito dos interesses de pesquisador etnógrafo de Câmara Cascudo, são de certa
forma um arremate para entender a maneira como Koster vinha sendo lido nos
estudos sociais e históricos brasileiros desde finais do século XIX. Uma das fontes
fundamentais para a formação da historiografia sobre Pernambuco e Recife em
especial,
9
Koster apareceria citado em Oliveira Lima, e.g., como o retrato fiel para
compor as memórias da infância do diplomata – embora essa infância tenha se
passado quase sete décadas depois dos relatos do autor inglês;
10
em Estevão Pinto,
por sua vez, Koster é tomado como um rico repositório de registros da cultura
urbana da capital pernambucana na primeira metade do século XIX.
11
Percebe-se, ainda que de maneira esparsa e difusa, como o texto e as imagens
que ilustram o livro de Koster circulam como suporte para discussões etnográficas e
para o documentalismo erudito de algumas das práticas historiográficas de meados
do século XX.
12
Outrossim, as observações extensas sobre as condições da
9
Cf. R. Arrais, O pântano e o riacho: a formação do espaço público do Recife no século XIX, 2004.
10
O. Lima, Memórias (estas minhas reminiscências...), 1937, p.94-95; Cf. também Idem, Pernambuco: seu
desenvolvimento histórico, 1895, p.220-222, 246, 260.
11
E. Pinto, Pernambuco no século XIX, 1922, p. 33, 39, 44, 47, 49-50, 127.
12
Cf., e.g., dentre vários, Magazine Eu sei tudo, “A navegação tradicional indígena”, maio 1919, p.73;
N. Botelho, “Serpentinas e cadeirinhas de arruas”, Anais do Museu Histórico Nacional, 1947, p.445-472;
F. Lévy, “As mulheres e as armas”, Anais do Museu Histórico Nacional, 1947, p.499-522; L. Câmara
Cascudo, Rede de dormir: uma pesquisa etnográfica, 1959.
Figura 1.03: “barco de pesca”
Fonte: H. Koster, Travels in Brazil, 1816.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
70
escravidão no Brasil, além da própria experiência de Koster como proprietário rural,
levaram o Travels in Brazil a ser uma referência constante nos estudos latino-
americanistas sobre o tema.
13
Não à toa, Manoel Bomfim o utilizaria para corroborar suas leituras que
propunham desmontar o determinismo racial, em especial contra a interpretação de
que a miscigenação implicava degeneração, formação de raças inferiores etc. A partir
daí, Bomfim comporia, inclusive, certa imagem do que Gilberto Freyre depois
chamaria de doçura nas relações entre escravos e senhores. E por que Koster?
Porque, ao contrário de autores como Louis Agassiz e suas “veleidades cominatórias,
há opiniões de legítimos anglo-saxões; uns de pura ciência, outros historiadores e
viajantes, e que, como tal, nos conhecem efetivamente. Koster, que longamente viveu
na roça do Brasil – entre gentes de sangue misturado – (...)”, era um desses, autor de
“trechos de irrecusável realidade, verificada em testemunhos insuspeitos”.
14
Assim,
13
Koster trata da questão do negro e do estatuto da escravidão, em especial, nos capítulos XVIII, XIX
e XX; a lista de trabalhos que utilizam o relato de Koster é grande e, assim, deixamos registrados
alguns, enfatizando os mais antigos encontrados: F. Tannenbaum, The density if the Negro in the
Western Hemisphere, Political Science Quartely, mar. 1946, p. 01-41 (registre-se que Tannenbaum é o
autor da introdução à primeira edição norte-americana de Sobrados e Mucambos); D. Pierson, The
educational process and the Brazilian negro, The American Journal of Sociology, may 1943, p.692-700; J. K.
Eads, The negro in Brazil, The Journal of Negro History, oct. 1936, p.365-375; M. W. Williams, The
treatment of Negro Slaves in the Brazilian Empire: a comparison with the United States, The Journal of
Negro History, jul. 1930, p.315-336. C. Harvey Gardiner, no prefácio à edição norte-americana de 1966
de Travels in Brazil (a primeira desde a edição de 1817), apontaria que tal questão, além da qualidade do
texto, era o que mantinha o interesse atemporal pelo livro, cf. Introduction, op. cit., p.xiii.
14
M. Bomfim, O Brasil na América, 1997 [1929], p.177-78, 206, 330, 335.
Figura 1.04: “uma jangada”
Fonte: H. Koster, Travels in Brazil, 1816.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
71
Koster se tornaria, como apontou Gilberto Freyre em passagem consabida, um dos
autores “dos mais merecedores de fé”, “arguto observador” da vida social e da
cultura urbana do Brasil no início do século XIX. A propósito, é importante registrar
o lugar que a literatura dos viajantes teria na obra de Freyre, conforme explicitado na
introdução à “Casa-Grande e Senzala”:
Para o conhecimento da história social do Brasil não há talvez fonte
de informação mais segura que os livros de viagem de estrangeiros
impondo-se, entretanto, muita discriminação entre os autores
superficiais ou viciados por preconceitos – os Thévet, os Expilly, os
Debadie – e os bons e honestos da marca de Léry, Hans Staden,
Koster, Saint-Hilaire, Rendu, Spix, Martius, Burton, Tollenare,
Gardner, Mawe, Maria Graham, Kidder, Fletcher. Destes me servi
largamente, valendo-me de uma familiaridade com esse gênero
não sei se diga literatura – muitos são livros mal-escritos, porém
deliciosos na sua candura quase infantil – que data dos meus dias
de estudante; das pesquisas para minha tese Social life in Brazil in
the midle of the 19th century, apresentada em 1923 à Faculdade
de Ciências Políticas e Sociais da Universidade de Colúmbia.
15
Talvez seja ocioso apontar as dezenas de passagens, tanto em Casa-Grande &
Senzala (1933) quanto em Sobrados e Mucambos (1936), em que Koster é citado. De
maneira geral, reitera-se a imagem do viajante que observa com argúcia a vida urbana
e nos domínios rurais, os hábitos, as formas de apropriação do espaço das ruas, a
descrição da paisagem construída e natural. O historiador da arquitetura Paulo Santos
se valeria dessa imagem para incluir o livro de Koster, em meio a outros relatos de
viajantes, entre as fontes para estudar a arquitetura do barroco.
16
Aonde pode levar esse primeiro mapeamento dos usos do relato de Koster?
Antes de mais nada, diga-se que não se pretende, assim, afirmar que o seu relato é
mais legítimo ou mais arguto e acurado para observar e descrever a sociedade e a
paisagem brasileiras em um período histórico crucial para a superação das relações
coloniais que haviam marcado até então a história do Brasil; e que, por isso, seria
uma fonte mais exata para entender o que e como eram as cidades luso-brasileiras
nas duas primeiras décadas do século XIX.
Ao contrário, interessa constatar que a autoridade e legitimidade do texto de
Koster se estabeleceu – como um, dentre vários, cuja confiabilidade foi reiterada,
15
G. Freyre, Casa-Grande & Senzala, 2006 [1933], p.47-48.
16
P. Santos, O barroco e o jesuítico na arquitetura do Brasil, 1951, p.223.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
72
permitindo-se o uso como fonte. Processo de legitimação que, como se discutirá
adiante, diz respeito tanto aos interesses dos seus leitores quanto a características
intrínsecas ao próprio texto assim como às condições e às experiências vividas pelo
autor nos mais de dez anos em que morou e viajou no Brasil.
Mas, afinal, o que seriam essas leituras viajantes? São leituras de viajantes,
mas, também, leituras que viajam – no tempo e no espaço. O título deste capítulo
traz em si a problemática que se pretende enfrentar, a dizer, os usos da vasta
bibliografia que os viajantes produziram sobre o Brasil ao longo do século XIX como
material fundamental para a constituição de um fundo-comum para a formulação de
representações sobre as cidades brasileiras mesmo no século XX. Para tanto, propõe-
se discutir o livro de Henry Koster, Travels in Brazil (1816), como porta de entrada
para entender o que e como o chamado “olhar de fora” leu, experimentou e tentou
descrever uma paisagem urbana de uma sociedade em mudança. Que imagens de
cidades emergem daí? Desses relatos, o que é revelador das estratégias de observação
e narrativas do próprio autor (e do sistema cultural a partir do qual fala) e o que é
revelador das condições das cidades que ainda começariam os processos de
superação do estatuto colonial? Por fim, como essa leitura – cuja própria feitura se
deu em viagem – viajou em outros escritos e em outros momentos?
Um problema logo se coloca: é possível estabelecer discussões e análises que,
a partir do livro de Koster, permitam generalizações para falar da literatura de viagem
como um todo? Ou para delimitar quais representações emergem desse conjunto tão
variegado – em nacionalidades, profissões, estratos sociais e interesses? Tal
extrapolação não é desejável e, em vários aspectos, não é possível, ou melhor, não é
possível sem achatar as diferenças, as idiossincrasias, a dimensão subjetiva de cada
relato. Mesmo assim, defende-se aqui, é possível encontrar indícios, ênfases que
foram sendo construídas, fundos e lugares-comuns que se estruturaram, tópicas,
usos, circulações de temas, imagens, palavras.
Assim, antes de se discutir mais detidamente o livro de Koster, é importante
tecer algumas considerações sobre a própria condição da chamada literatura de
viagem, “gênero” em que se inscreve o relato aqui discutido.
Antes ainda, deve-se registrar que, apesar do uso reiterado de Travels in Brazil,
pouco se avançou em pesquisas e estudos sobre o próprio Koster. O delineamento
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
73
da “biografia impossível” no prefácio de Câmara Cascudo à primeira edição do texto
de Koster reunida em livro, de 1942, permanece. “Biografia” que se baseia
largamente na “Biblioteca Exótico-Brasileira” de Alfredo de Carvalho (vol. III, 1930).
Alguns dados a mais seriam compulsados por Gilberto Freyre, em “Ingleses no
Brasil”, de 1948. Esse conjunto de informações é a base para o verbete sobre Koster
no recente “Dicionário do Brasil Joanino”.
17
1.1 Literaturas formativas
Ainda em meados do século XVIII, a literatura de viagem era considerada
muito mais como ficção ou mesmo como mentira, um “gênero” literário cujos
limites entre realidade e falsificação não eram muito distinguíveis. Daí o antigo ditado
que se usava, como bem lembra o historiador Amílcar Torrão Filho, e caía muito
bem a um conjunto emaranhado de textos em que se cruzavam diversas tradições e
estratégias narrativas: “À beau mentir qui vient de loin” (mente à vontade quem vem de
longe).
18
Diversidade que, ainda assim, reconhecem vários autores, constitui um
gênero literário definível, apesar de suas fronteiras flexíveis, sem maiores rigores, um
“gênero sem lei” enfim, que comporta vários formatos e estruturas, assim como a
própria ficção, e que sofre ainda os influxos dos interesses dos autores e dos editores.
Afinal, há uma distância considerável entre a escrita do relato, o preparo da
publicação, as adaptações editoriais, a encomenda de gravuras (o que inclui os vários
passos do trabalho de impressão), até o resultado final, em forma de livro ou álbum –
que implicavam também diferentes formatos, tamanhos, acabamentos, alguns mais
acessíveis, outros mais luxuosos.
Ademais, o fato de a ficção ter se apropriado dos relatos e do temário da
viagem ajudou, de certa maneira, a consolidar uma leitura de indistinção entre
gêneros. Como não pensar, e.g., na “Utopia” (1516), de Thomas Morus, em “Os
17
R. Vainfas,Henry Koster” [verbete], in R. Vainfas e L. B. P. das Neves, Dicionário do Brasil Joanino,
2008, p.194-196. A edição norte-americana de 1966 de Travels in Brazil, organizada por C. Harvey
Gardiner, baseia-se extensivamente no prefácio de Câmara Cascudo e apenas avança nas especulações
das relações entre Southey e Koster.
18
A. Torrão Filho, A arquitetura da alteridade: a cidade luso-brasileira na literatura de viagem (1783-1845),
2008, p.30-33.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
74
Lusíadas” (1572), de Luis de Camões, ou mesmo em “As viagens de Gulliver”
(1726), de Jonathan Swift, em meio a um período de produção e circulação de muitos
relatos? Apesar das diferenças cruciais (temporais, culturais, de formas de expressão)
entre essas obras, há um ponto comum que lhe servem de base: o deslocamento no
tempo e no espaço possibilita falar do outro e, como num jogo de espelhos, serve
para se refletir e se medir. Viajar pressupunha – como pressupõe – estabelecer e
diferenciar o zênite do lugar de quem fala e daquele outro para onde se desloca.
Embora não caiba a essa pesquisa abordar tal questão, não deixa de ser
instigante imaginar o efeito desses relatos nos círculos intelectuais ou mesmo entre os
letrados nos extratos sociais mais populares. Afinal, sabe-se do impacto das leituras
das “viagens de Mandeville” para o universo mental tardo-medieval. Mesmo um
moleiro, já na segunda metade do século XVI, com certa independência de
pensamento pôde se maravilhar e quedar confuso com a descrição de tantos povos e
credos diferentes.
19
Nesse sentido, se fosse possível explorar essa perspectiva, caberia
ver com detalhes a lista de livros dos grandes editores que atuaram, e.g., na formação
da chamada Bibliothèque Bleue na França, a partir do século XVII; assim como, dos
editores britânicos que trabalhavam com os chamados chaptbooks e dos espanhóis,
com os pliegos de cordel. Fórmula editorial, de edição a baixo preço e com capa azul,
que foi fundamental para a popularização do livro como objeto. Os textos
19
Cf. C. Ginzburg, O queijo e os vermes, 2005 [1976], p.90-100.
Figura 1.05: [anônimo] Zenit nostro e zenit di quelli,
ilustração da Lettera, de A. Vespúcio a P. Soderini.
Fonte: Belluzzo, O Brasil dos viajantes, v.2, p.15
1999.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
75
selecionados eram predominantemente religiosos e de ficção (literatura romanesca,
romances de cavalaria, etc.).
20
Algo dos relatos de viagem foram adaptados para essas
edições voltadas às classes populares?
Não é possível responder a essa pergunta no momento. De qualquer maneira,
sabe-se que a produção dos próprios portugueses sobre o Brasil teve pouca
repercussão – devido ao sigilo extremo em relação a qualquer informação sobre os
recursos naturais da maior colônia ultramarina. Obras relevantes seriam reconhecidas
apenas a posteriori, como as cartas de José de Anchieta (e suas descrições naturalistas
e indagações filosóficas da natureza), escritas na década de 1560 e publicadas apenas
em 1799, em latim. A obra de Fernão Cardim, “Do Clima e Terra do Brasil e de
algumas coisas notáveis que se acham assim na terra como no mar”, possivelmente
escrita no início do século XVII, só viria a lume em 1939. Intervalos enormes entre a
produção do texto e sua posterior publicação também se dariam com as obras do
padre Gaspar Afonso e de Gabriel Soares de Souza. Uma exceção foi o livro de Pero
Magalhães Gandavo. Publicado em 1576, em Lisboa, todavia parece ter interessado
mais pelo registro do maravilhoso, de certa “sensibilidade fantasiosa”, a se considerar
a repercussão e reprodução em edições populares de imagens como do monstro
marinho Ipupiara, que teria sido avistado na costa de São Vicente.
21
Tal quadro começaria a mudar apenas na segunda metade do século XVIII,
com o financiamento pela Coroa Portuguesa da “Viagem Philosophica”, de
Alexandre Rodrigues Ferreira, realizada entre 1783 e 1793 com o objetivo de
estabelecer um conhecimento exaustivo sobre as riquezas do Brasil. Mesmo assim, o
material resultante dessa importante expedição permanece ainda inédito. Assim, não
20
R. Chartier, “Textos e edições: a literatura de cordel”, in A história cultural, 1988, p.165-172; as
pesquisas etnográficas do final do século XIX e mesmo até meados do XX puderam identificar, como
o faria Câmara Cascudo e, antes, Franklin Távora (na série de artigos intitulados “Lendas e tradições
populares do norte”, publicados na Illustração Brasileira entre 1876 e 1877), Silvio Romero, Afonso
Arinos, Gustavo Barroso, etc., temas heróicos oriundos d’Os Lusíadas, de O Dom Quixote e mesmo do
Decameron, dentre outros, no cancioneiro popular, nos desafios dos cantadores, nas longas narrativas
poéticas tradicionais do sertão, cf. L. C. Cascudo, Vaqueiros e cantadores: folclore poético do sertão do
Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco, 2000 [1939].
21
Ana M. de M. Belluzzo, O Brasil dos viajantes, 1999, vol. II, p.48; embora publicadas mais de dois
séculos depois de sua feitura, pode-se dizer que as cartas de Anchieta, ou melhor, pelo menos as
representações jesuíticas acerca da natureza da América circularam tanto pelos deslocamentos
geográficos quanto pelas atividades (de divulgação, catequese, embates políticos, etc.) dos próprios
membros da Companhia de Jesus desde a sua fundação, por vários estados europeus e colônias
americanas, como se depreende do estudo de P. de Assunção, A terra dos Brasis: a natureza da América
portuguesa vista pelos primeiros jesuítas (1549-1596), 2000.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
76
é surpreendente que tenha sido a “História Natural” de Marggraf, publicada por Laet
em 1648, o material de referência principal sobre a natureza do Brasil ao ser usado
por Carl von Linné na proposição do seu Systema Naturae, em 1758.
22
Imiscuída à literatura de ficção, eivada pela tradição do fantástico, do
maravilhoso, do bestiário medieval, que marcara sobremodo os relatos do primeiro
século dos descobrimentos, colocava-se como imperativo a superação e a distinção
da literatura de viagem – como um gênero verossímil, confiável, objetivo até. Afinal,
ilimitada como “sistema de representação”, o registro do maravilhoso era facilmente
“perecível [como] formulação histórica específica”;
23
i.e., diante das necessidades
pragmáticas da navegação, e.g., tais formulações pouco serviam.
Já, pois, no início do século XVII, os interesses crescentes e os fluxos
comerciais constantes entre os Países Baixos e o Brasil estão na raiz do esforço de
investigação mais aprofundada da natureza da América. Mesmo inseridos dentro de
um sistema cultural de uma “operação colonial dominadora”, os desenhos e pinturas
de Frans Post e Albert Eckhout expressam um avanço significativo em relação às
alegorias, ou mesmo caricaturas, anteriores.
24
De fato, como discute a historiadora
Ana de Moraes Belluzzo, os holandeses, marcados pela emergência de uma cultura
humanista, levaram a uma nova concepção de imagem cujo conhecimento se
construiu baseado nos sentidos. A observação e a descrição da natureza não seriam
mais mediadas por uma concepção religiosa ou fatalista, ao contrário, buscava-se
apreender o mundo sensível tomado como “imagem da realidade” – imagem que se
constrói e que se refere “aos simulacros visíveis dos corpos, às emanações das coisas
no espaço, ao vazio que torna possível a visão dos corpos”.
25
22
Ana M. de M. Belluzzo, O Brasil dos viajantes, 1999, vol. II, p.09-10, 17, 48-49, 64 et seq.; A. Torrão
Filho, A arquitetura da alteridade: a cidade luso-brasileira na literatura de viagem (1783-1845), 2008, p.02. Parte
significativa da documentação produzida por Rodrigues Ferreira encontra-se na Biblioteca Nacional,
no Rio de Janeiro.
23
G. Giucci, Viajantes do maravilhoso: o novo mundo, 1992, p.16.
24
E. Stols, A iconografia do Brasil nos países baixos do século XVI ao século XX: uma tentativa de
avaliação global, Revista USP, 1996, p.23-26.
25
Ana M. de M. Belluzzo, O Brasil dos viajantes, 1999, vol. I, p.113; cf. também José Leite, Viajantes do
imaginário: a América vista da Europa, Revista USP, jun.-ago. 1996, p.34.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
77
Os desenhos e pinturas resultantes dessa pesquisa pela apreensão do mundo
sensível iriam, por fim, compor uma primeira memória visual sistemática sobre a
paisagem do Brasil. E, apesar do empirismo e do registro que busca a representação
naturalista, há muitas convenções que se movem em meio à destreza técnica e
criatividade de composição dos pintores holandeses que acompanharam a corte de
Mauricio de Nassau. Mas, observe-se, esse processo é de mão-dupla: se, por um lado,
as alegorias de Albert Eckhout são instrutivas para entender como as pinturas
expressam um sistema de poder, recuperando estratégias retóricas de alegorias
anteriores e misturando temas e figuras da área de influência da Companhia das
Índias Ocidentais; por outro e ao mesmo tempo, essa alegorias se compõem sobre o
registro (que poderia ser chamado de) etnográfico dos diversos grupos indígenas
feitos pelo mesmo Eckhout. Da mesma forma, se a paleta de Frans Post se movia
inicialmente na composição de uma luminosidade difusa, revestindo a paisagem
brasileira de uma atmosfera holandesa esmaecida, muitos quadros posteriores,
mesmo pintados na Europa, apresentariam a luz contrastada e as cores mais
saturadas dos trópicos.
26
26
Ana M. de M. Belluzzo, O Brasil dos viajantes, 1999, vol. I, p.88-139 passim.
Figura 1.06: Albert Eckhout, “Dança tapuia”
Fonte: Belluzzo, O Brasil dos viajantes, 1999, v.1, p.95
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
78
Assim, sabe-se que a literatura de viagem circulou nos meios letrados,
ilustrados. Circulação não mediada mais pelo maravilhoso tão-somente; ao contrário,
colocava-se a necessidade de afiançar a veracidade dos relatos. No século XVIII, em
especial, vários autores
do gênero buscariam
delimitar instruções e
procedimentos precisos
para os viajantes.
Conhecido pela
publicação de Questions
de statistique à l’usage des
voyageurs, de 1795, o
conde de Volney
tornou-se uma
referência para essa
discussão,
27
propondo
um método que
afirmaria a importância
fundamental da
experiência sensorial
para reconhecer a
“materialidade do
mundo”. Como discute
o historiador Amílcar
Torrão Filho,
O que Volney vai buscar no Oriente, que rejeita na Europa do
circuito conhecido do Grand Tour pela Itália, e recupera na
América numa espécie de exílio mais ou menos forçado alguns
anos depois, é a alteridade, a diferença que opõe as antípodas da
civilização e define suas marcas e suas fronteiras, sendo, ao fim, o
objetivo de quase toda viagem. Essa alteridade se constrói
textualmente pela tradução do outro ao mesmo, da analogia, da
27
Os relatos da viagem de Volney à Síria e Egito (publicados em 1787) faziam parte dos livros lidos
por aqueles que se dirigiam ao Norte da África e ao Oriente Médio, serviam como porta de entrada
aos deslocamentos geográficos, cf. D. Manley, Two brides: the Baroness Menu von Minutoli and Mrs
Colonel Elwood, in Travellers in Egypt, 2001, p.97.
Figura 1.07 (acima): Frans Post, “paisagem com jibóia”, óleo sobre tela
Fonte: Belluzzo, O Brasil dos viajantes, v.1, p.127.
Figura 1.08 (abaixo): Frans Post, “Mauritsstadt e Recife, 1653”, óleo
sobre madeira
Fonte: Belluzzo, O Brasil dos viajantes, v.1, p.124.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
79
comparação, da inversão. O que desejo destacar nesta construção
textual de uma representação da diferença é que ao tratar do
outro, o viajante edifica uma representação de si mesmo.
28
Deriva de Volney também a formulação – que se tornaria um lugar-comum –
de que o olhar do viajante estrangeiro perceberia melhor as sensações do lugar, as
singularidades, porque capaz de comparar, de contrastar e se espantar, ao passo que o
habitante local, imerso no cotidiano, não teria parâmetro para julgar.
29
Funda-se na
possibilidade de reconhecer a alteridade, ainda que num registro hierárquico, a
legitimidade do viajante.
Fundava-se também na capacidade de ver e descrever o visto, inserindo-se
em um sistema de referências e auto-referências que assim se legitimavam. Ver o que
já fora visto e descrito constituía, a princípio, um atestado de autenticidade do relato
– como a dizer a seus leitores: “eu estive de fato lá”. O jovem naturalista Alcide
D’Orbigny, nos seus relatos das viagens pelas Américas, a cargo do Museu de
História Natural de Paris, não apenas se filiaria à “viagem-modelo” do projeto
humboldtiano como também faria várias considerações acerca da bibliografia
disponível sobre o Brasil nos anos 1820. Destacaria os relatos do príncipe
Maximillian von Wied-Neuwied, Saint-Hilaire, o Barão Georg Langsdorff e, em
especial, os extensos textos de Spix e Martius, além dos diários sem maiores objetivos
científicos de Maria Graham e J. Mawe, dentre outros.
30
28
A. Torrão Filho, A arquitetura da alteridade: a cidade luso-brasileira na literatura de viagem (1783-1845),
2008, p.03-04.
29
Ibidem., p.02; não se pode deixar de notar que essa formulação ecoa noções e textos ainda mais
antigos, que dizem respeito ao “estranhamento” como procedimento (literário, filosófico, etc.) para
atingir o âmago das coisas, como Montaigne o faria, no texto “Dos canibais” (1580), ao relatar as
impressões dos três índios brasileiros levados à França: “(...) incapazes de perceber o óbvio, tinham
visto algo que costuma ser ocultado pelo hábito e pela convenção. Essa incapacidade de tomar a realidade
como ponto pacífico deliciou Montaigne”, lembra-nos Carlo Ginzburg, Estranhamento: pré-história de um
procedimento literário, Olhos de Madeira: nove reflexões sobre a distância, 2001, p.29, grifos nossos.
30
A. D’Orbigny, Viagem pitoresca através do Brasil, 1976, p.30-31; curiosamente, mostrando-se
conhecedor do relato de muitos viajantes britânicos, ainda assim D’Orbigny não cita Koster.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
80
A proliferação de tantos relatos levaria, inclusive, a uma espécie de retomada
das discussões sobre as tópicas de viagem, sobre como observar e descrever. Mas, no
lugar das instruções de método mais voltadas aos cientistas, a ênfase seria posta nas
maneiras de tratar e descrever uma paisagem pitoresca – mais ao sabor de um
crescente público europeu interessado no gênero. Os textos de Julian Jackson são
expressivos desse conjunto de preocupações, em especial porque iria apontar a
cidade como locus privilegiado para entender determinada sociedade, seu grau de
civilização.
31
Nesse sentido, Jackson, em What to Observe (1841), faz uma advertência que
ajuda a iluminar um trecho significativo do livro de Henry Koster: o viajante não
deveria se enganar com a nomeação de certos aglomerados urbanos como cidades,
pensando que o termo seria correspondente ao que a palavra significava na Europa,
afinal há “cidades e cidades principais muito mais insignificantes do que a mais pobre
de nossas aldeias”.
32
Escrito mais de 20 anos após a publicação de Travels in Brazil, o
trecho de Jackson leva a refletir sobre uma passagem conhecida do livro. Koster, em
sua primeira longa viagem, saiu do Recife em finais de 1810 e dirigiu-se a Fortaleza,
31
J. Jackson, “On picturesque description in books of travels”, Journal of the Royal Geographical Society,
vol. 5, 1835, p.381-87; e Idem, What to observe, 1841; ambos citados por A. Torrão Filho, op. cit., 2008,
e L. Martins, O Rio de Janeiro dos Viajantes, 2001.
32
Apud A. Torrão Filho, A arquitetura da alteridade: a cidade luso-brasileira na literatura de viagem (1783-
1845), 2008, p.147.
Figura 1.09: desenho da cidade de Cachoeira-BA
Fonte: A. D’Orbigny, Viagem pitoresca através do Brasil, 1976.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
81
passando por diversas aldeias, vilas e cidades, pousando em casas-grandes e ao
relento. Ao chegar a Natal, capital da província do Rio Grande do Norte, Koster
quedou espantando:
Cheguei às onze horas da manhã à cidade do Natal, situada sobre
a margem do Rio Grande ou Potengi. Um estrangeiro que, por
acaso, venha a desembarcar nesse ponto, chegando nessa costa do
Brasil, teria um opinião desagradável do estado da população
nesse País, porque, se lugares como esse são chamados de cidades, como
seriam as vilas e aldeias?
33
É certo que muito desse espanto de Koster é retórico, estratégia narrativa –
também usada em outras partes do livro – que busca transmitir as sensações
primeiras (de hesitação, surpresa, receio etc.) ao leitor. Afinal, na seqüência do
parágrafo, o reparo é estabelecido – a partir da tópica das terras do Novo Mundo
como terra da promissão:
Esse julgamento não havia de ser fundamentado e certo porque
muitas aldeias, no Brasil mesmo, ultrapassam esta cidade. O
predicamento não lhe foi dado pelo que é, ou pelo que haja sido,
mas na expectativa do que venha a ser no futuro.
34
Ao contrário, o predicamento fora dado pelo lugar que Natal ocupara na
estratégia do controle geopolítico português sobre a parte setentrional Brasil entre o
final do século XVI e primeiras décadas do XVII, sob a unificação das duas coroas
ibéricas. No limite, pode-se especular, apagava-se ou se desconsiderava a história
precedente, como errática, em prol de uma história a construir, prospectiva, que se
vislumbrava no horizonte, a partir da abertura dos portos – processo essencial para,
na leitura de Koster, o avanço civilizacional do país. O seu livro constrói-se também
nessa perspectiva, como testemunho dos significados progressistas advindos do
estreitamento com o comércio britânico, sobremaneira.
Independente de conhecer esse trecho ou não do Travels in Brazil, a
advertência de Jackson chamava a atenção para um problema comum na composição
dos relatos de viagem: a necessidade do deslocamento semântico e não apenas
geográfico. As palavras nem sempre eram tão precisas. Deslocamento que é,
33
H. Koster, Viagens ao Nordeste do Brasil, 1942 [1816], p.109; grifos nossos.
34
Ibidem, p.109-10.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
82
portanto, essencial para entender a maneira como as cidades luso-brasileiras foram
lidas. Há, ademais, outra chave de leitura fundamental que se depreende desse trecho
do livro de Koster, a dizer, a relação direta entre a paisagem e os usos da cidade e as
formas de organização social, o estágio civilizacional de determinado povo.
Koster, assim, movia-se no terreno de uma das principais “instruções
perceptivas” discutidas ao longo do século XVIII, nas reflexões sobre a arte de viajar
e na possibilidade de ler a cidade como espaço (ou principal expressão) da alteridade,
como apareceriam nos textos do próprio Conde de Volney, no Instruction for travellers
(1758), do deão anglicano Josiah Tucker, ou no ambicioso texto de Leopold
Bertchold, Patriotic Traveller (1789), dentre vários outros.
35
Essas perceptivas teriam
largo uso na discussão sobre as cidades no Brasil, cujo paroxismo – em chave
negativa – muito provavelmente é o livro do Conde de Suzannet.
Nem mesmo a chegada ao Rio de Janeiro impressionara o francês, ao
contrário do que se usava ler – como o próprio Suzannet leu – em outro relatos.
Curioso contraste que se estabelece com o livro de David Kidder e James Fletcher,
quase contemporâneos. Para o Conde de Suzannet, a vasta baía da Guanabara não
permitia um olhar que abarcasse a paisagem, deixando o espectador indeciso, ao
contrário do espetáculo imponente de Nápoles e Constantinopla. Kidder e Fletcher,
por sua vez, afirmam a proeminência da baía da cidade do Rio de Janeiro sobre as
outras duas. Sempre citadas pelos muitos turistas viajantes, pela beleza, extensão e
sublimidade do cenário, a do Rio de Janeiro teria a vantagem de ser emoldurada por
uma atmosfera de “verão perpétuo”, pelas montanhas de um pitoresco único e pelo
verde dos trópicos.
36
35
A. Torrão Filho, op. cit., p.121-141 passim.
36
De Suzannet, O Brasil em 1845, 1957, p.21; D. P. Kidder e J. C. Fletcher, Brazil and the Brazilians,
1857, p.13-20.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
83
A cidade, por sua vez, na leitura de Suzannet, era a expressão do descuido, da
indolência, da irregularidade de formação do brasileiro. A longa citação que se segue
permite entender o uso de tópicas recorrentes que formariam lugares-comuns de
vasta ressonância na historiografia brasileira – aqui, ressalte-se, opera uma síntese
depreciativa:
A cidade do Rio tem a forma de um quadrado irregular e fica
situada às margens da baía. A sua construção é toda nova, pois a
sua importância data apenas de um século. O único monumento
notável é o aqueduto que traz as águas do Corcovado (Carcoval) à
fonte da Carioca. (...). O palácio do Imperador é um grande
edifício quadrado sem arquitetura. As igrejas, os diversos
monumentos destinados aos serviços públicos são construídos
com solidez, mas sem elegância. Quanto às praças principais da
cidade, são irregulares e mal construídas, só tendo de notável o
tamanho. Um jardim sombreado por árvores é o único passeio no
centro da cidade, mas, graças aos hábitos indolentes dos
brasileiros, está sempre deserto. As ruas sujas e estreitas de casas
que raras vezes têm mais de um andar, mal calçadas e desiguais,
tornam qualquer excursão, a pé ou de carro, difícil e cansativa.
Figura 1.10: vista da “pitoresca” baía do Rio de Janeiro
Fonte: A Illustração Brasileira, 15 dez. 1876.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
84
[...].
Como costumes e como figuras típicas, as ruas do Rio não têm
aspectos característicos: negros e europeus mal vestidos, pesados
cabriolés puxados por mulas, nada merece atenção. O canto triste
e monótono dos negros que transportam as sacas de café causam
uma desagradável impressão.
37
O prazer do deambular se encontraria nos arrabaldes – Botafogo e Catete,
principalmente, onde residiam os ministros estrangeiros: “o ar é tão puro, a
vegetação em redor das ‘vilas’ tão rica e variada, que a vida se torna agradável e fácil;
(...); por toda a parte descobrem-se recantos encantadores, panoramas admiráveis; em
toda parte a natureza tropical seduz pela graça ou surpreende pela grandeza”.
38
As caminhadas, como meio para cultivar o corpo e o espírito, ressoam longa
tradição, marcada, ao longo do Setecentos e nas primeiras décadas do século XIX,
pela sensibilidade romântica, pela noção do pitoresco. Esses substratos culturais,
ainda que imprecisos, não fechados como sistema e de usos cada vez mais largos,
teriam grande circulação nas maneiras de ler e, consequentemente, na própria
conformação da paisagem do Brasil – tributária tanto da apreciação estética quanto
do projeto de investigação metódica e totalizante da natureza do iluminismo, cuja
síntese encontra-se na vasta obra do naturalista Alexander Humboldt.
Contudo, constatar esses substratos culturais predominantes é suficiente para
analisar o conjunto de relatos dos viajantes ou de um texto singular, como o de
Koster? Na verdade, servem de ponto de partida para entender como temas, sistemas
de conhecimento, maneiras de olhar e narrar foram apropriados em determinados
contextos e sob determinadas circunstâncias. De qualquer maneira, é nesses
substratos que se embebeu também, direta ou indiretamente, o livro Travels in Brazil,
como se percebe pela estrutura narrativa do texto, revelando a emergência de um
novo observador no século XIX.
37
De Suzannet, O Brasil em 1845, 1957, p.27-28.
38
Ibidem, p.29.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
85
1.2 o observador que participa
O relato de Koster é copioso, devido as suas muitas e extensas viagens e,
principalmente, ao interesse pelo detalhe, pela minúcia, pelos pormenores, pelo
anedotário, que permeiam e dão cor a sua leitura do todo, ao esforço de
compreensão abrangente da região. A sua condição de viajante “não interessado”
parece ter revestido de neutralidade ou imparcialidade seu relato, i.e., seria visto
como não deformado por objetivos apriorísticos, por motivações imperialistas ou
pelo furor classificatório das nascentes disciplinas científicas modernas, como a
biologia. Afinal, Koster nem era um artista que buscava ampliar sua paleta e
experimentar para abarcar novas cores, formas e texturas; nem era o naturalista
interessado em descobrir, catalogar, dissecar; muito menos o militar interessado em
ampliar, detalhar e precisar a cartografia náutica; ou o “colonialista” pensando
geopoliticamente; ou ainda o colecionador de coisas exóticas e pitorescas.
De fato, nada disso constrange o relato singular de Koster. Esse mover-se
“desinteressado” intrigava até mesmo aqueles com quem tomara contato. Em São
Luís, e.g., escreveu:
Tive grande dificuldade em convencer aqueles com quem
conversava que não tinha negócios a tratar. Não compreendiam o
motivo que levava o homem a aturar tantos incômodos para
passear e tantos inconvenientes para divertir-se. Muita gente não
se convenceu, certa que eu dissimulava e teria planos sinistros.
39
Desnecessário enfatizar que outros interesses se revelam nesse desinteresse.
Se Koster não é artista, cientista, militar-cartógrafo ou colecionador, o seu relato
embebe-se num momento de início da profissionalização do olhar em direção à
natureza, um momento de emergência do “observador moderno” ou do
“observador-em-trânsito”.
40
Observador que traz, assim, algo de artista, cientista,
militar-cartógrafo e colecionador, cujas ferramentas de análise e descrição são
construídas no embate com o objeto a ser examinado, descrito, objeto muitas vezes
novo, desconhecido, como as paisagens de uma terra distante (no tempo e no
espaço) – para o viajante estrangeiro.
39
H. Koster, Viagens ao Nordeste do Brasil, 1942, cap. IX, p.246.
40
L. Martins, O Rio de Janeiro dos viajantes: o olhar britânico (1800-1850), 2001, p.11-16; cf. também Flora
M. Lahuerta, Viajantes e a construção de uma idéia de Brasil no ocaso da colonização (1808-1822),
Scripta Nova: Revista Electrónica de Geografia y Ciencias Sociales, ago. 2006.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
86
Há de se ponderar ainda que esse “desinteresse” é, claramente, uma ênfase de
leitura posterior, sobremaneira de Câmara Cascudo.
41
Afinal, não se pode
desconsiderar que, para além das narrativas de viagem propriamente dita, Koster
pontificou (no capítulo XXI, o último) sobre os tratados comerciais entre Brasil,
Portugal e Inglaterra, argumentando a favor do incentivo à fixação de estrangeiros no
país e do incremento do comércio entre as partes, o que traria benefícios claros à
colônia. Harvey Gardiner chamaria a atenção para os interesses comerciais de Koster
que podem ser entrevistos em meio ao relato, principalmente quando trata das suas
relações em Recife.
42
Ademais, no longo apêndice, Koster incorporou a sua própria
tradução de dois estudos botânicos do religioso carmelita Manuel de Arruda da
Câmara, selecionando os trechos que mais interessariam aos “leitores ingleses”: o
primeiro, dedicado às plantas do Brasil; e o segundo, à utilidade de estabelecer jardins
nas províncias do país.
43
Cabe assim estabelecer uma ressalva acerca da leitura de Koster por Cascudo.
Primeiro, mesmo no caso dos viajantes-cientistas, com programação de pesquisa pré-
estabelecida, com objetivos de caminhos, coletas, etc. a realizar, esses não (apenas)
constrangeram seus objetos (estranhos, novos) ao conhecimento pré-existente; esse
conhecimento forçosamente se expandiu no embate com o novo. A programação
prévia foi constantemente posta à prova, revisada, sopesada. Deve-se ter cuidado em
apontar esse olhar unilateral, o que Cascudo faz no seu prefácio – para, por oposição,
elogiar o “descompromisso” de Koster –, que não seria influenciado pelo que vê
(afinal, isso aconteceu em maior ou menor grau com todos).
Em segundo lugar, enfatizar que Koster embrenha-se não apenas na
geografia física do território, dos sertões, etc., mas no território das práticas culturais
(as festas religiosas, as novenas, o entrudo, etc.) – i.e., ver de dentro, não apenas de
fora – aponta muito mais para os interesses de Cascudo pela etnografia histórica,
compulsando fontes antigas, recolhendo material que apontasse, direta ou
41
Nos estudos das “permanências”, das “constantes” na formação da cultura brasileira, Cascudo se
interessaria por esse tipo de relato, que submerge no cotidiano, possibilitado pela longa vivência de
Koster no Brasil.
42
C. Harvey Gardiner, Introduction, op. cit., p.ix.
43
H. Koster, Viagens ao Nordeste do Brasil, 1942 [1816], cap. XXI, p.549-568, e apêndice, p.569-595;
interessado nas descrições botânicas de cada espécie, Koster deixa de lado o trecho que “trata das
vantagens da instalação no Brasil dos Reais Jardins Botânicos”.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
87
indiretamente, para as tradições orais. Cascudo enfatiza mais ainda que este ver de
dentro marcou a forma de observação de Koster: como na atitude desinteressada de
tomar notas sentado na porta da casa grande ou cochilando no embalo da rede.
Mesmo assim, o lugar social e cultural do observador Koster pode (e deve)
ser marcado. Entretanto, esse aspecto (de estar inserido em um determinado sistema
cultural) não pode obscurecer as suas idiossincrasias, a contribuição individual de sua
leitura, a especificidade de um olhar em trânsito que busca distanciar-se, embora nem
sempre consiga, de uma visão meramente paternalista, que menosprezaria os hábitos
e tradições do país que vai visitar.
A “biografia impossível” de Koster dificulta maiores ponderações sobre sua
formação, leituras, interesses. Se, de fato, nasceu em 1793, chegou muito jovem ao
Brasil – teria 16 anos em 1809. Mas, sabe-se que nasceu em Portugal, onde o pai,
inglês, era comerciante. Afirmaria, logo na abertura do livro: “Acrescento que a língua
portuguesa me é mais familiar que a do meu país. O leitor sensato dará pouca importância
ao estilo de um livro da natureza deste”.
44
Ao contrário, isso aponta para um dado essencial das perceptivas de viagem:
o tempo longo de permanência e o conhecimento da língua local eram fundamentais
para conhecer e apreciar as características de um país, seu gênio e seu caráter, como
definiria Volney.
45
Assim, percebe-se também como as ressalvas ao leitor tem muitas
das estratégias retóricas que compartem os relatos de viagem, sobremodo os “não
interessados” ou não científicos, filiando-se a uma longa tradição dos próprios relatos
de viagem, como se pode perceber nas narrativas. Diria Koster: “Espero que o leitor
queira por bem escusar os defeitos que possa descobrir neste livro quando saiba que
não fiz observações seguidas no Brasil com pensamento de publicar os resultados”.
46
Nada muito diverso do tipo de ressalva que faria outro comerciante, o francês Arsène
Isabelle, acerca das suas viagens pela Argentina, Uruguai e sul do Brasil, entre 1830 e
1834, embora reconhecesse que escrevia para instruir os compatriotas interessados
em investir no comércio com esses países;
47
ou da que faria Carl Nebel em sua Voyage
44
H. Koster, Viagens ao Nordeste do Brasil, 1942 [1816], “prefácio do autor”, p.07, grifos nossos.
45
A. Torrão Filho, op. cit., p.135-136.
46
H. Koster, loc. cit.
47
Arsène Isabelle, Viaje a la Argentina, Uruguay y Brasil, 2001 [1835], p.11-25.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
88
Pittoresque pelo México – “(...) esta obra não tem nenhum objetivo científico , não
esperará pois [o leitor] que uma vista pitoresca seja acompanhada de um artigo
científico sobre o México”.
48
Emeric Essex Vidal, aquarelista amador que servia na
marinha britânica quando esteve em Buenos Aires – e que acabou sendo o primeiro
autor a documentar em imagens a Argentina independente –, também partia da idéia
dos registros sem maiores pretensões. Como diria:
(...) el autor de este trabajo se contentó con bosquejos,
originalmente sin vistas a publicarlos, algunos rasgos
característicos que presentaban las ciudades de Buenos Aires y
Montevideo, y aquellas singularidades em las costumbres, maneras
e indumentárias de las gentes en la forma más soprendente que se
les presentaran durante uma residencia de trés años en el pais.
Estos diseños, cree él, resultarán tanto más aceptables a los
interesados, cuanto que, a su conocimiento, ninguna ilustración
gráfica de esos lugares había sido, hasta ahora, presentada al
público.
49
Essa estratégia comum remete-se também ao processo de legitimação dos
relatos viajantes que vinha se processando desde meados do século XVIII, pelo
menos. Se a legitimidade não advinha diretamente de um vínculo institucional ou da
autoridade científica, derivaria, sim, dos valores inerentes à experiência retratada no
texto. Havia assim um público cada vez mais diversificado, interessado nos relatos de
tom pessoal, da leitura subjetiva que revelavam uma sensibilidade para o pitoresco,
para os costumes, para os elementos desse viver de dentro que poderiam iluminar a
alteridade. O “observador-em-trânsito” exacerbaria a tensão entre o olhar de fora e o
daquele que reside, o outro, e, por extensão, entre os elementos formativos do
sistema cultural de origem do autor e os dados subjetivos que se formam na
experiência contínua.
50
Viver por um longo período no país relatado, falar o mesmo
idioma (e, como no caso de Koster, com fluência), era fundamental, como dito
acima, para a construção dessa experiência.
48
Apud Valéria Souza, Gosto, sensibilidade e objetividade na representação da paisagem urbana nos álbuns
ilustrados pelos viajantes europeus: Buenos Aires, Rio de Janeiro e México (1820-1852), 1995, vol. I, p.43.
49
E. Essex Vidal, Buenos Ayres e Montevideo, 1991 [1820], p.13; registre-se que o texto de Vidal e,
principalmente, suas imagens teriam grande repercussão na Europa, comporiam de fato o primeiro
material gráfico sobre a recente nação Argentina; contudo, o texto seria traduzido e publicado na
própria Argentina apenas mais de um século depois, em 1923, cf. Ibidem, p. 09-11.
50
Cf. Luciana Martins, O Rio de Janeiro dos viajantes, 2001, p.21 et seq.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
89
Koster, ao longo de sua primeira grande viagem, iniciada em outubro de 1810
e que o levaria a atravessar o sertão das províncias do Rio Grande do Norte e do
Ceará sob período de estiagem, relatou como se apropriaria de certas estratégias para
enfrentar o clima e a falta de água:
Minha sede era grande porque não bebera durante a noite
anterior. Restavam alguns limões que foram distribuídos,
refrigerando-nos muito. Depois do meio-dia, o major sugeriu-me
imitar seu exemplo, pondo uma pedrinha na boca, recurso
tradicional dos sertanejos em tais ocasiões. Segui seu conselho e o
processo produziu considerável umidade.
51
51
H. Koster, op. cit., p.127.
Figura 1.11: o sertanejo e seus apetrechos de couro, alguns
dos quais Koster usaria na travessia do sertão sob as secas.
Fonte: H. Koster, Travels in Brazil, 1816.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
90
Vivenciar era tão importante quanto a reflexão de gabinete. Experiência que,
como expressaria Koster nesse e em outros trechos, fez-se a partir da prática do
outro. Assim também o faria
o naturalista Joseph Banks,
que recomendava
expressamente aos seus
coletores de plantas nos
arredores do Rio de Janeiro
que, conquanto jovens e de
boa compleição física,
conformassem-se “às práticas
dos nativos evitando os
perigos do clima e os riscos
de visitar regiões
insalubres”.
52
William
Burchel, naturalista e exímio
desenhista e aquarelista,
sempre preferia proceder a
coleta por conta própria, ver
as espécimes em seu próprio
habitat a ter que comprá-las
dos comerciantes locais.
Outro jovem botânico, John
Forbes, teve um fim que
constitui, de certa forma, um
paroxismo dessa necessidade de vivenciar: após passar por Portugal, parte da costa
do Brasil e costa atlântica africana, faleceria ao ingerir um fruto não-comestível
durante o levantamento do rio Zambeze.
53
52
Carta de J. Banks a Cunningham e Bowie, 18 set. 1814, apud Luciana Martins, op. cit., p.108.
53
Cf. Luciana Martins, op. cit., p.110-123; sobre W. Burchel, cf. também G. Ferrez, O Brasil do Primeiro
Reinado visto pelo botânico William John Burchell 1825/1829, 1981, que retrata os quase cinco anos de
grande produção e longas viagens (Rio de Janeiro, região de Paraíba do Sul, Santos, São Paulo, Goiás
Velho até Belém) do pintor e botânico inglês.
Figura 1.12 (acima): figura de um engenho de cana-de-açúcar (a sugar
mill). Fonte: H. Koster, Travels in Brazil, 1816.
Figura 1.13 (abaixo): a viagem de um senhor de engenho e sua
esposa, protegida na rede.
Fonte: Ibidem.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
91
Koster não chegaria a tanto, mas reconheceria os perigos dessa imersão no
cotidiano que o levara, e.g., a ser “metamorfoseado” em Henrique Costa. O
aportuguesamento do nome pelos seus contemporâneos do período como “quase
senhor de engenho”, entre 1812 e 1815,
54
era apenas a ponta visível de um processo
que, temia, poderia levá-lo a sucumbir a um tipo de organização social “feudal”.
Escrevendo no gabinete de Southey, reconheceria que foi com muita relutância que
abandonara o “desejo de residir no Brasil” – o povo, a terra, os seus negros, cavalos,
cães, a casa e o jardim, os campos que semeara. Se assim não o fizesse, teria se
tornado um lavrador no Brasil. Continua:
A posição que se encontra um homem que governa escravos não
é feita para formar a criatura melhor de que seria noutras
circunstâncias. Possivelmente eu, em breve tempo, não podia ser
membro de outra sociedade. Sentia-me inclinado para a vida que
levava. Eu era jovem, era livre e tinha poder. Embora estivesse
inteiramente convicto dos males que decorrem de uma sociedade
ou estado feudal, amava ter escravos. Poderia tornar-me tão
arbitrário como apaixonado por essa existência meio selvagem. Podia
ficar sentindo tanto sabor pela ociosidade, não tendo regras, como
desgostando tudo que fosse racional e lógico no mundo.
55
Assim, fundando-se na vivência, quer nas práticas científicas dos naturalistas
ou nas andanças “descompromissadas” de comerciantes e de gentlemen, como Koster
e até mesmo Charles Darwin a princípio seriam, os relatos viajantes superariam as
desconfianças que marcaram sua recepção no ambiente intelectual europeu até,
grosso modo, meados do século XVIII. Punha-se em xeque, como leitura
ultrapassada, inclusive os velhos ditados, como o faria Arsène Isabelle:
“Un viajero – ha dicho Chateaubriand – es una espécie de
historiador; su deber es contar fielmente lo que ha visto o lo que
ha oído; no debe inventar nada pero tampoco debe omitir nada”.
Y en cuando al viejo proverbio: “Quien viene de lejos puede
mentir a gusto” ya ridículo de puro viejo, Alcides D’Orbigny le
hace justicia com esta reflexión muy sensata:
“Los viajeros se equivocan siempre, sin duda, o pueden
equivocarse siempre porque son hombre... pero los viajeros no
mienten... Cómo se atreverian a mentir en presencia de un
público, por lo general tan desconfiado como instruído, de una
54
Koster arrendou um engenho em Jaguaribe (aproximadamente 24 quilômetros a norte de Recife),
em abril de 1812, que manteve até novembro de 1813, quando o proprietário o solicitou; mudou-se
para a vila da Conceição, na Ilha de Itamaracá, onde retomou a atividade de cultivar canaviais – essa
experiência é retratada extensivamente nos capítulos XI a XV, cf. H. Koster, Travels in Brazil, 1816.
55
H. Koster, Viagens ao Nordeste do Brasil, 1942, p.417; grifos nossos.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
92
crítica siempre despierta y de una prensa dispuesta a revelar sus
imposturas?”.
56
É certo que essa experiência seria sopesada nas viagens de ida e volta, como
se revela na história da edição de Travels in Brazil. Após sua longa viagem entre fins de
1810 e início de 1811, Koster retornaria à Inglaterra em abril. Em dezembro desse
mesmo ano, aportaria novamente em Recife. Em 1815, foi chamado de volta à
Inglaterra.
57
É nessa ocasião que foi instado a publicar em forma de livro as notas
que colhera no Brasil. Instado por Robert Southey, a quem dedica o livro. Southey
faculta-lhe o uso de sua própria biblioteca, um portento de mais de 14 mil volumes,
com diversas preciosidades bibliográficas sobre o Novo Mundo. É nesse ambiente,
em Keswick, Cumberland, consultando o próprio History of Brazil, cujo primeiro
volume tinha sido publicado em 1810, além de números do Correio Braziliense e de O
Investigador Portuguez, dentre muitos outros títulos, que Koster escreveria seu livro,
entre 1815 e 1816.
A proximidade com Southey, que Gardiner aventa tenha sido estabelecida
ainda quando da passagem do poeta inglês por Portugal, levado pelo seu tio materno,
o pastor anglicano Herbert Hill (que foi quem lhe legou parte da futura grande
biblioteca), ou quando do primeiro breve retorno de Koster à Inglaterra, em 1811,
seria importante ainda para viabilizar a publicação, abrindo-lhe as portas da editora.
58
A casa londrina Longman, Hurst, Rees, Orme & Brown, além de publicar o próprio
Southey, já tinha um catálogo com mais de uma dezena de títulos de narrativas de
viagem, incluindo Maria Graham (Journal of a residence in India e Letters on India), John
Scott, traduções de Humboldt (The personal narrative of M. de Humboldt’s Travels to the
Equinocial Regions of the New Continent, during the years 1799-1804), que supervisionara
essa tradução, além de relatos dedicados à China, ao atual Afeganistão, à Tessália,
Albânia, à descoberta dos afluentes do Nilo e mesmo à viagens pela Grã-Bretanha,
França, Grécia e Estados Unidos. A resenha elogiosa que Southey escreveu na The
56
A. Isabelle, Viaje a la Argentina, Uruguay y Brasil, 2001 [1835], p. 22.
57
L. Câmara Cascudo, Prefácio do tradutor, in Viagens ao Nordeste do Brasil, 1942, p. 12-15. Koster é
sempre muito lacônico sobre suas relações pessoais com Portugal e Inglaterra, uma das razões para
conformar sua “biografia impossível”; nesse trecho, diria apenas: “Pouco tempo depois recebi notícias
da Inglaterra que tornavam necessária minha volta ao lar” (Koster, Viagens ao Nordeste do Brasil, 1942,
p.417).
58
C. Harvey Gardiner, Introduction, op. cit., p.x-xi.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
93
Quartely Review, como mencionado no início deste capítulo, ajudaria na pronta
circulação do livro.
Assim, apesar da diferenciação (baseada na dimensão da vida cotidiana)
buscada por esse tipo de narrador, o vínculo institucional ou mesmo oficial seria
ainda fundamental para inserir o texto numa trama de autoridade e referência. Trama
que revela diversas paisagens urbanas, como será discutido a seguir.
1.3 Narrar a cidade, viver a cidade
Pouco mais de um mês após a partida de Liverpool, o navio que trazia Koster
se aproximou da costa pernambucana. Os cuidados necessários para adentrar o porto
de Recife permitem-no olhar com vagar a paisagem no horizonte:
A costa é baixa e, consequentemente, não pode ser vista vindo do
mar, senão a uma certa distância. Aproximando-nos distinguimos,
um pouco ao norte, a colina sobre que está situada a cidade de
Olinda e, algumas léguas ao sul, o cabo de S. Agostinho. Em
seguida, descobrimos, quase diante de nós a vila de Santo Antonio
do Recife e os navios ancorados sob seus muros, as terras desertas
e estéreis que a separam de Olinda, que está a uma légua (...).
59
59
Koster, op. cit., cap. I, p.30.
Figura 1.14: planta do porto de Recife; o interesse do registro é pragmático (para navegação e praticagem) e,
assim, apenas insinua a ocupação urbana. Fonte: H. Koster, Travels in Brazil, 1816.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
94
A estratégia de narrativa é clara. Koster conduz o olhar e tenta reconstruir e
transmitir ao leitor as sensações da primeira visada do Novo Mundo. Acaba
revelando o que não se podia saber ainda (e.g., a referência às “terras estéreis e
desertas” entre Recife e Olinda). O afã de informar embaralha notas de viagem,
memória e o redigir ponderado e fechado em um gabinete, realizado a posteriori.
Continua Koster, atento agora à paisagem urbana:
A cidade de Olinda é construída sobre um outeiro: sua situação,
observada do mar, é do mais agradável efeito. Igrejas e conventos
que se elevam sobre os cimos e os flancos da colina, seus jardins e
suas árvores, semeados aqui e ali entre as casas, dão a mais alta
idéia de sua beleza e extensão. O aspecto monótono da areia, que
se estendem a uma légua ao sul, é interrompido pelos dois fortes
que ali construíram e pelos navios ancorados no porto inferior.
60
Recife demora a se descortinar. Olhando à esquerda, a cidade,
61
“surgindo
sobre o banco de areia muito baixo, parece sair das ondas”. O tema da cidade (ou,
melhor, do elemento urbano) que surge, mal-e-mal, entre os elementos naturais, com
certo embotamento, um embaralhar-se entre os dados artificiais e naturais (esses
normalmente em primeiro plano), não é incomum no registro gráfico dos viajantes-
artistas.
62
Havia aí tanto a permanência das vistas construídas a partir do mar, das
entradas, de um quadro gráfico construído à distância com claro sentido pragmático
(para orientar os navegantes sobre os principais acidentes geográficos a particularizar
uma costa, como, e.g., o faria Robert Burford na sua descrição da Baía do Rio de
Janeiro, em 1825);
63
quanto o interesse na visão que abarca o todo, fundado na
“concepção humboldtiana da paisagem”, em busca de uma “espacialidade
panorâmica” – de um observador que se posta à distância e constrói o registro
totalizante da paisagem, mas, ao mesmo tempo, a conhece de dentro e a penetra.
64
60
Ibidem.
61
Quando Koster viveu no Brasil, Recife ainda era (formalmente) uma vila; seria elevada à condição
de cidade em 1823 (Câmara Cascudo, 1942, cap. I, nota 1, p.39).
62
Cf. os estudos de Rugendas, e.g., para Vila Nova de Imperatriz-MG (1824) e para a Baía de
Botafogo, no Rio de Janeiro (1822-25), in Maria Costa e Pablo Diener, A América de Rugendas, 1999,
p.99.
63
A imagem panorâmica de Burford encontra-se no capítulo 2 desta tese.
64
Humboldt consideraria Rugendas o “criador da arte de representação da fisionomia da natureza”, cf.
Ana Maria Belluzzo, O Brasil dos viajantes, vol. II, p.21-24, 124.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
95
Contudo, as cores, os cheiros, os sons urbanos da nova terra alcançam os
viajantes antes do desembarque, aumentando a sensação de confusão e
estranhamento. O bote, ocupado por “negros quase nus”, que acompanhava o piloto
responsável pela praticagem responde por essa antecipação:
A cor desses homens, o estado em que se encontravam, seus
clamores sonoros, sua agitação sem motivo, sua inaptidão, eram
outras tantas novidades para mim. (...). Essa primeira
comunicação com a terra me deu, no momento, a idéia de que as
maneiras do povo que ia visitar eram ainda mais estranhas que
realmente as encontrei.
65
65
Koster, op. cit., p.32.
Figura 1.15 (acima): atribuido a von Martius, “Mariana”, lapis e pena
sobre o papel.
Fonte: Belluzzo, O Brasil dos viajantes, 1999, v.2, p.115.
Figura 1.16 (abaixo): Edouard Hidelbrandt, “São Paulo”, 1844, óleo e
aquarela sobre papel.
Fonte: Ibidem, v.3, p.105.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
96
Em terra, no cais da Alfândega, a sensação de confusão apenas aumenta. A
azáfama de um dia de muito movimento é pontuada continuamente pelos sons –
ditos, berros, versos, perguntas – e pela agitação que os negros faziam, uma “feia
algazarra”, diria Koster. Embora chame a atenção para a população negra,
preponderante nas ruas, essa algaravia e falta de ordem não lhe era exclusiva e se
estendia às mais diversas ocasiões e grupos sociais, como registrou em jantares
sociais e festas religiosas.
66
Depois, parece aceitar a “confusão” como parte da
dinâmica urbana. Quando finalmente se instala, assevera (com um quê de ironia):
Eis-nos, portanto, tranquilamente instalados em nossa nova
residência, tão tranquilamente como possa estar alguém quando
uma vintena de negras grita sob as janelas, em todos os tons de
que a voz humana é capaz, laranja, banana, doces e outras
mercadorias para vender.
67
Fisicamente, a vila de Santo Antonio do Recife, “comumente chamada de
Pernambuco”, aparece para Koster como uma articulação (por duas pontes) entre as
duas ilhas e a porção do continente ao sul, configurando os três “bairros”:
O primeiro bairro da cidade [Recife propriamente dito] é
composto de casas de tijolos, com três, quatro e mesmo cinco
andares. Estreitas em sua maioria, as ruas, as mais velhas moradas
nas ruas menores não tem senão um andar. Um grande número
possui apenas o térreo. Todas as ruas desse bairro, exceção de
uma apenas, são calçadas. Na praça encontram-se a Alfândega,
num dos ângulos, edifício longo, mesquinho e baixo; o prédio da
Inspeção do Açúcar nada tem de notável, uma grande Igreja
inacabada, um café onde os comerciantes se reúnem para seus
tratos, e as casas particulares.
68
Após passar a antiga ponte de arcos de pedra e madeira, estreitada pelas
pequenas lojas que a ladeavam, Koster chega a Santo Antonio, bairro central e o
“principal” da cidade, que compreendia casas altas, ruas largas, muitas praças,
diversos prédios públicos (Palácio do Governo, Tesouraria, Casa de Câmara e
Cadeia, casernas) e espaços religiosos (os conventos de carmelitas, franciscanos e da
66
Cf. e.g. Ibidem, cap. II, p.47, 50, 52, cap. XI, p.304; ao registrar os ritos, festas, usos e costumes
durante a Semana Santa de 1810, lembraria que “no sábado, pela manhã, [fora acordado] pelos
mugidos dos bois, grunhidos de porcos e grito das escravas negras, com cestos de galinhas e muitas
coisas para vender” (p.49).
67
Ibidem, cap. I, p.33.
68
Ibidem, p.34.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
97
Penha, além de várias igrejas). Havia também “uma certa impressão de viveza e
alegria”, a despeito da arquitetura pouco graciosa das residências e das igrejas. O
conjunto é desproporcional, na leitura de Koster: os edifícios “são muito altos para
sua largura e a parte térrea serve para lojas, armazéns, oficinas, cocheiras e outros
usos semelhantes. As lojas não têm janelas. Recebem luz unicamente pela porta. (...).
Algumas das ruas menores têm casas mesquinhas e baixas”.
69
O terceiro bairro é o de Boa Vista. Além da rua central, “formosa e larga”,
muitas casas pequenas, esparsas, estendem-se pelo território, cuja indistinção é
ampliada pela falta de calçamento das ruas (assim como as de Santo Antônio, mas
naquele bairro a trama urbana está consolidada e a paisagem conformada pelos
quarteirões de edifícios altos sem afastamentos).
O uso do espaço das ruas, dos largos, das praças, é marcado, na leitura de
Koster, tanto pela presença profusa dos negros e a balbúrdia daí decorrente quanto
pela não-presença feminina (pelo menos, das mulheres brancas, portuguesas e
brasileiras, e das mulatas livres). Esse tema é recorrente ao longo do livro – e central
para parte da historiografia brasileira que discute a herança colonial na estrutura das
relações sociais urbanas pós-independência. Ao observar as residências com atenção,
Koster escreve:
Algumas janelas das casas têm vidraças e balcões de ferro, mas a
maioria não os possui e os balcões são cobertos de gelosias. Não
se vêem mulheres além das escravas negras, o que dá um aspecto
sombrio às ruas. As mulheres portuguesas e as brasileiras, e
mesmo as mulatas de classe média, não chegam à porta de casa
durante o dia. Ouvem a Missa pela madrugada, e não saem senão
em palanquins, ou à tarde, a pé, quando, ocasionalmente, a família
faz um passeio.
70
De fato, vários viajantes, além do próprio Koster, iriam anotar e enfatizar
esse aspecto de reclusão, que aparece como um signo claro do atraso causado pelas
estruturas (sociais, econômicas e sobretudo culturais) do período colonial,
principalmente pela sociabilidade do mundo rural.
71
Tema que marcaria, depois, a
69
Ibidem, p.35.
70
Ibidem, cap. I, p.36.
71
Paulo Marins põe em xeque tal representação, problematizando o lugar-comum do tema da reclusão,
buscando compreender as motivações e o “metrocomparativo dos viajantes, inseridos em outro
sistema cultural de valores de civilização; nesse sentido, o “uso social” das rótulas dava-se “não como
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
98
própria constituição da história da arquitetura moderna brasileira – como se percebe
nos muitos estudos de Robert Smith sobre a documentação baiana (publicados na
Revista do IPHAN) ou nas interpretações de Philip Goodwin sobre o “isolamento
exclusivista” das famílias latinas (que ajudaria a entender a aceitação franca dos brise-
soleils como permanência do usos das antigas rótulas e gelosias) e de Henrique
Mindlin acerca da “influência mourisca” na construção das cidades luso-brasileiras,
como será discutido no capítulo 4.
Ao jantar num engenho, no caminho entre Goiana e João Pessoa (então
Cidade da Paraíba), Koster atestaria de forma inequívoca:
Jantamos uma ocasião com o proprietário do engenho
Mussumbu. Este senhor, várias outras pessoas e eu, estávamos à
mesa em uma sala enquanto as senhoras, as quais não era
permitido sequer trocar um olhar, serviam-se num aposento
adjacente. (...). O dono desse domínio é português. É entre essa
parte da população, que deixou seu país para fazer fortuna no
Brasil, que a introdução de melhoramentos é quase impossível.
Muitos brasileiros também, mesmo de classe superior, seguem os
costumes mouriscos, de sujeição e reclusão mas, tendo alguma
comunicação com a cidade, vêem depressa que é preciso preferir
maneiras mais civilizadas e rapidamente possuem hábitos de
polidez.
72
Além do tema clássico da reclusão (decorrente da influência ibérica), esse
registro interessa de perto pela observação de que é na cidade que a civilidade pode
se fazer. Em meio às várias observações sobre os muitos núcleos urbanos que
percorre, Koster registra o início de uma mudança de percepção em relação à cidade.
De arremedo do mundo rural, passa a ser considerada lócus de novos hábitos e usos
necessários a uma nova nação, aberta, a se civilizar.
algo que cindia espaços, dimensões e sociabilidades, mas que, ao contrário da interpretação tradicional,
servia à sua união”, Cf. Através da rótula, 2001, p.33.
72
Koster, op. cit., cap. IV, p.83
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
99
De fato, esse passo é decisivo na construção do texto de Koster. As idas e
vindas entre Brasil e Inglaterra permitir-lhe-iam mostrar como a vinda da Corte para
o país e, principalmente, a abertura dos portos tinham levado, em curto espaço de
tempo, a mudanças de hábitos, costumes e usos sociais do espaço urbano e do
comportamento privado – “alargando-se o espírito” com leituras, novos tecidos e
vestimentas, itens de cutelaria e serviços de mesa etc. – em direção a padrões
civilizados.
73
Esse alargamento de espírito seria visível principalmente na cidade. Quando
retorna a Recife, em fins de dezembro de 1811, depois de uma estadia de pouco mais
de seis meses na Inglaterra, ainda assim Koster pôde notar
(...) uma modificação considerável no aspecto do Recife e de seus
habitantes, embora minha ausência fosse de curta duração. Várias
casas tinham sido reparadas e as rótulas, sombrias e pesadas, foram
substituídas pelas janelas, com vidros e balcões de ferro. Algumas famílias
haviam chegado de Lisboa e três outras da Inglaterra. As senhoras
das primeiras davam o exemplo, indo à missa a pé, em plena luz
solar, e as damas inglesas tomavam por hábito passear, todas as
tardes, por distração.
74
73
Ibidem, p.56, 59, 204-05.
74
Ibidem, p.257; grifos nossos.
Figura 1.17: rua indefinida do Recife, com algumas características centrais,
como as gelosias e balcões, contudo o desenho a partir de uma descrição
esmaece a dinâmica da vida urbana. Fonte: Koster, Travels in Brazil, 1816.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
100
Difícil precisar a correição das datas de Koster. Mais difícil ainda considerar
que as mudanças tenham sido tão rápidas, principalmente observando-se que uma
viagem entre Portsmouth e Rio de Janeiro, por volta de 1800, poderia durar de 55 a
80 dias, dependendo das condições climáticas, dos ventos e correntes de navegação.
75
Contudo, é importante registrar as mudanças, os melhoramentos propiciados pela
abertura dos portos e cidades como caminhos para o progresso, quer tal percepção
tivesse se dado em fins de 1811, quer fosse fruto da memória dos anos seguintes
vividos entre Recife e sua casa-grande.
Importante também demarcar a pedagogia dos sentidos, a educação pelo
exemplo de normas civilizadas das famílias vindas da Europa. Assim, continuaria:
Esses melhoramentos, mesmo introduzidos e praticados por
outras pessoas, foram adotados por algumas outras, que
conservavam o receio de iniciá-los e pelos demais, por acharem
agradáveis. As fazendas de seda e cetim, tornadas de uso normal
para roupa nas festas e dias santos, foram logo vencidas pelas
musselinas brancas e de cor e tecidos de algodão. Os homens que
antigamente compareciam todos vestidos de preto, com fivelas de
ouro e tricórnio, não faziam grande questão em substitui-los pelas
calças de naniquim, meias-botas e chapéus redondos. Mesmo a
sela, alta e pesada, estava menos usada, e apresentava feitio mais
moderno. As cadeirinhas, em que as senhoras iam a igreja ou
pagar visitas de suas relações, tinham forma mais elegante e os
carregadores se vestiam mais ricamente.
76
Como dito antes, a cidade era o espaço dessa educação, do instruir-se na
polidez de uma sociabilidade burguesa já em formação. Conforme observou a
historiadora Izabel Marson, Koster movia-se no registro de uma “prática pedagógica
reformista e reeducadora pacífica” que pudesse levar à superação dos atavismos e do
atraso intrínseco ao “antigo regime”, expresso na estrutura social e econômica do
mundo rural, da casa-grande.
77
Registro que implicava, também, no recorte de
exemplos para corroborar a argumentação de Travels in Brazil sobre a caracterização,
e.g., do lugar da mulher em meio à sociabilidade do autoritarismo, da repressão e da
indolência, mesmo que isso contradissesse outras experiências testemunhadas pelo
75
Luciana Martins, O Rio de Janeiro dos viajantes: o olhar britânico (1800-1850), 2001, p.70.
76
H. Koster, op. cit., p.257-258.
77
Izabel A. Marson, O império da “conciliação”: política e método em Joaquim Nabuco – a tessitura da revolução e
da escravidão, 2000, p.98.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
101
próprio autor. A ênfase na mulher confinada servia assim à “construção de um
determinado conceito de feudalismo, de sociedade semi-civilizada e feudal”.
78
O progresso material da cidade era fundamental, depreende-se da leitura de
Koster, para a superação do atraso derivado dessa estrutura social.
Numerosas casas de campo haviam sido construídas. As terras
próximas ao Recife subiam de preço. O comércio de tijolos estava
convenientemente lucrativo. Os trabalhadores eram procurados, e,
sem falar noutras partes, os trechos situados entre os povoados de
Poço de Panela e Monteiro, na extensão de 1 milha, que em 1810
era coberto de matagal, tinham sido limpos. As residências eram
edificadas e tendo jardins próximos. A grande igreja do Corpo
Santo, situada na parte da vila denominada Recife, estava agora
terminada, e projetavam vários embelezamentos. A época dos
melhoramentos chegara, e homens que tinham passado muitos anos
sem pensar na menor transformação tanto do interior quanto no
exterior de sua casa, estavam agora o pintando e envidraçando as
fachadas, mobiliando o interior, modernizando eles mesmos, suas
famílias e suas moradas.
79
Koster ajudaria, ao lado de outros viajantes, a construir maneiras de olhar e
enquadrar a paisagem brasileira – da paisagem construída das vilas e cidades,
sobremaneira, marcada pelos sons, pelos cheiros, pelas cores, pelos rituais religiosos e
festas mundanas, cuja separação nem sempre era clara, pela população em
movimento, miscigenada, negra, escrava. Como se disse antes, essa imagem não é
única, mas tem muitos temas que se sobrepõem, a exemplo dos da reclusão das
mulheres e da indolência.
Curiosamente, como já observou, o tema da indolência nos espaços urbanos
dava-se concomitante ao registro iconográfico e literário das inúmeras atividades
laborais dos escravos de ganho, dos pequenos comerciantes, artesãos e serviçais,
numa azáfama sem fim que feria os olhos, os narizes e os ouvidos dos viajantes
recém-chegados. Azáfama da qual faziam parte as mulheres, com seus tabuleiros de
78
Idem, Imagens da condição feminina em “Travels in Brasil” de Henry Koster, Cadernos Pagu, 1995,
p.231; sobre a leitura de Koster sobre o “estado feudal do senhor de engenho”, cf. H. Koater, op. cit.,
cap. XI, p.294-299.
79
H. Koster, op. cit., p.258; grifos nossos.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
102
doces, quitutes, com a leitura de mãos, rezas, balaios de roupa etc., mas mulheres que
não eram brancas.
80
Esses elementos participam da escrita de Koster, como pôde ser observado.
Contudo, a eles não se limitou. Ao pensar o progresso do país que o acolhera, Koster
iria pouco a pouco estruturando uma narrativa que apontaria a necessidade de a
cidade tornar-se preponderante sobre o ambiente rural. Do mundo da casa-grande,
que viveu como viajante e, depois, como residente, senhor de engenho, não se podia
esperar o caminho dos melhoramentos. Ao contrário, ele podia fazer regredir
inclusive um homem educado nos centros civilizados.
Assim, não é á toa que a paisagem urbana, diversa, fragmentada, se
sobrepõem no texto de Koster, principalmente a paisagem em transformação de
Recife. Transformação que tomaria ainda muito mais tempo do que deixaria entrever
certo otimismo do autor com a abertura dos portos e com a maior circulação de
mercadorias e hábitos progressistas. Essa sobreposição da paisagem material, que
marca o relato de Koster, ajuda a entender o interesse pelo texto, dentre outros, em
meio às discussões sobre os significados da formação do Brasil. Como diria Gilberto
Freyre, em Ingleses no Brasil
Se Darwin aqui só se agradou dos recifes e das árvores, detestando
os homens e o Recife que conheceu e fechando-se a toda
convivência com a natureza humana do Brasil, Burton, Koster,
Walsh foi no que se especializaram: nessa convivência com a
natureza humana do Brasil e com suas particularidades. Nos
descobrimentos não de novas espécies de peixes ou de plantas,
mas de novos aspectos da natureza humana.
81
A ênfase na paisagem material se inscreveria no horizonte das preocupações
da intelectualidade brasileira que começaria a pensar o próprio país, seu passado, suas
possibilidades de transformação e de construir-se como civilização ao longo do
século XIX. Para tanto, deixar de lado aquela imagem de paisagem-só-natureza era
fundamental. Uma passagem de Debret, em sua “Viagem Pitoresca e Histórica ao
Brasil”, é exemplar. Encarregado de pintar um pano de boca de cena para teatro que
80
Amílcar Torrão Filho, A arquitetura da alteridade: a cidade luso-brasileira na literatura de viagem (1783-
1845), 2008, p.242-244.
81
G. Freyre, Ingleses no Brasil: aspectos da influência britânica sobre a vida, a paisagem e a cultura do Brasil, 1977
[1948], p.13.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
103
representasse a fidelidade do povo ao governo imperial, assim o fez e apresentou o
resultado ao então primeiro-ministro José Bonifácio, que o aprovou. “Pediu-me
apenas que substituísse as palmeiras naturais por um motivo de arquitetura regular a
fim de não haver nenhuma idéia de estado selvagem. Coloquei então o trono sob
uma cúpula sustentada por cariátides douradas”.
82
Por vezes, essa preocupação
adquiria tom de lamento, como o faria Joaquim Manuel de Macedo na década de
1860, em seus passeios pela cidade do Rio de Janeiro:
Sem teatros, sem galerias de belas-artes, sem parques, sem
monumentos, sem riquezas artísticas que ocupem por momentos
a atenção dos estrangeiros ilustres que chegam à nossa capital, nós
(...) apelamos para os tesouros da nossa grandiosa natureza, e
envergonhados da miséria das obras dos homens, (...) procuramos
dirigir os passos dos nossos hóspedes para os arrabaldes da
cidade.
83
Outras vezes, tornava-se programa, como exposto no “prospecto” do jornal
Illustração Brasileira, editado pelos irmãos Fleuiss
84
:
Geralmente esta terra é admirada fora pela magnificência
assombrosa da Natureza; uma paisagem com um selvagem no
primeiro plano é ainda o emblema do Império, aos olhos do
estrangeiro. Certamente daremos algumas dessas páginas de eterna
beleza que as margens dos grandes rios e os sertões oferecem à
admiração do homem civilizado; mas ao lado dela gravaremos
outras que atestem o progresso e a civilização do país: os edifícios
públicos, cidades notáveis, portos, obras hidráulicas, caminhos de
ferro, fábricas, estabelecimentos e vasos de guerra, e tudo o mais
que apresente aos olhos da Europa a colaboração do homem com
a natureza.
85
De certo modo, Koster inscreve uma chave de leitura: é a paisagem material
que interessa, mas não a paisagem da chegada. É a paisagem da cidade em
transformação – que apontava um horizonte de possibilidades. Mais de um século
82
Apud F. Sussekind, O Brasil não é longe daqui: o narrador, a viagem, 1990, p.38.
83
J. Manuel de Macedo, Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, v. 1, 2004 [1862], p.142, trecho sobre “O
passeio público”.
84
A Illustração Brasileira sucedeu o periódico Semana Illustrada, mantida pelos irmãos e pelo pintor
Carlos Linde entre 1860 e 1876; era um projeto mais ambicioso, com projeto gráfico esmerado e
redatores como Machado de Assis, mas que malogrou financeiramente, cf. Lucia Guimarães, Henrique
Fleiüss: vida e obra de um artista prussiano na Corte (1859-1882), v.8, n.12, 2006.
85
[editores], Prospecto e Introducção, Illustração Brasileira, Rio de Janeiro, n.01, vol. I, 1 jul. 1876.
Leituras viajantes
: a cidade colonial entre olhares estrangeiros___________________________________________________________
104
depois, um memorialista pernambucano lembraria, baseado em Koster e outros
viajantes:
Façamos uma asserção: na primeira metade do século passado a
rua pertencia aos negros. (...). A célebre rua da Cruz era um Valongo.
E não se dava um passo por aí fora sem se ouvir, no ar, o grito
estridente das vendedeiras de canjica, que se misturava ao reclamo
característico das mercadoras de angu. Assim observaram Koster,
Tollenare, Maria Graham e outros viajantes.
[...].
Nenhum outro teatro exibiu melhor suas aflições que as nossas ruas. A
atroada dos mercados elevava após si os olhos espantados dos
estrangeiros. E, envolto em tangas, coberto de pústulas e
tatuagens esquisitas, a mastigar roletes de cana e a espojar-se nas
valetas empestadas, o negro atraía a comiseração dos passantes e
representava esta cena trágica e desigual da escravatura, que era ´la
révélation d’un monde inconnu’, como dizia F. Denis.
86
86
Estevão Pinto, Pernambuco no século XIX, 1922, p. 33, 99.
CAPÍTULO 2
AS CIDADES ESTREITAS E SUJAS
esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
106
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
107
Além da crítica moral, que sempre marcou as reflexões sobre os aglomerados
urbanos desde a Antiguidade, as considerações sobre o corpo físico da cidade
ganharam novo vulto no início do século XIX, decorrentes, por um lado, da
explosão demográfica e da diversificação dos problemas sociais e econômicos nas
cidades do Velho Mundo, e, por outro, do incremento da circulação de pessoas e
cousas (e, consequentemente, dos males epidêmicos) entre os portos de todos os
continentes.
1
Isso impôs a necessidade de criação de um aparato técnico de
descrição, enquadramento e ação que, ademais, seria uma das bases formativas da
disciplina moderna do urbanismo.
2
Nesse aparato, o saber médico logo assumiria papel central. Uma das razões
para essa centralidade encontra-se na longa tradição na qual se insere – de relacionar
a saúde do indivíduo à saúde do meio – e que remonta, como é consabido, aos
ensinamentos hipocráticos. Entretanto, essa tradição não se construiu como mero
acúmulo ou continuação. Houve cortes epistemológicos que levariam a viravoltas
decisivas na constituição do saber médico moderno e, consequentemente, na
definição de determinadas maneiras de ler os espaços da cidade e do território.
3
1
A bibliografia é vastíssima sobre o impacto da chamada primeira revolução industrial para as cidades
ao longo do século XIX, revelando problemas até então inauditos ou de escala desconhecida, cujas
expressões não se limitam ao campo econômico e, sim, se estendem às dimensões culturais, sociais,
políticas, etc., como o demonstra um dos trabalhos mais recentes de D. Harvey, Paris, capital of
modernity, 2006. No Brasil, há um livro ainda de grande relevância: M. Stella Bresciani, Londres e Paris no
século XIX: o espetáculo da pobreza, 1982.
2
D. Calabi, Storia dell’urbanistica europea, 2000, e F. Choay, A regra e o modelo, 1985.
3
Não interessa a esse capítulo reconstruir a história desse saber médico mas, mesmo assim, anote-se
alguns dados fundamentais para a formação da epistemologia médica moderna: a sistematização dos
estudos de anatomia a partir do Renascimento, a superação da teoria dos humores corporais e a
descrição do sistema circulatório do corpo humano, no século XVII, por Harvey, e, mais decisivo para
os interesses desta pesquisa, a emergência do paradigma bacteriológico no final do século XIX, após
declínio polêmico das teorias miasmáticas. Nesse sentido, as pesquisas de G. Rosen foram
fundamentais (cf. e.g. Da polícia médica à medicina social: ensaios sobre a história da assistência médica, 1980) e
subsidiaram outros estudos, como os de M. Foucault sobre o nascimento da clínica.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
108
O longo século XIX assistiria a derrocada das teorias miasmáticas em prol da
episteme da biologia moderna, dos estudos sobre vírus, bactérias, infecções. De
cambulhada, pôs-se em xeque os pressupostos da leitura mesológica e das condições
sociais (que se imiscuíam às leituras dos miasmas) para a proliferação de epidemias e
a eclosão de endemias. Movimento que não se deu de forma pacífica. O conjunto de
polêmicas entre diversos saberes e as disputas por espaços institucionais (que
garantiriam mais validade e possibilidade de emitir enunciados, pareceres, relatórios,
etc.) é significativo a esse respeito e foi amplamente discutido.
Ainda assim, percebe-se a continuidade dos esforços de diversos profissionais
do saber médico em diagnosticar os males das cidades, em espacializar suas endemias
e epidemias, em construir um quadro analítico das condições de salubridade baseada
extensivamente na compreensão do meio urbano e natural. Esses esforços iriam
aparecer não apenas na forma de relatórios e memórias vinculadas mais estritamente
aos órgãos de saúde pública que seriam organizados ao longo desse período, mas
também por meio das chamadas topografias e geografias médicas, que continuariam
a ser produzidas ainda no início do século XX.
A emergência do papel social dos engenheiros na esfera dos debates técnicos
sobre os processos de modernização, arrogando condições, formação e legitimidade
para propor e levar a cabo as soluções necessárias, implicaria também na assunção da
tarefa de “diagnosticar”, de esquadrinhar, de ler as cidades e o território de uma
nação em formação. Passo decisivo para a configuração da matriz sanitarista – grosso
modo, definida como a tecnicalização dos pressupostos higienistas, a construção de
um aparato técnico, material, para tornar o corpo da cidade saudável.
Essa confluência de interesses e olhares que derivam de preocupações
comuns, ainda que marcadas por especificidades – delimitemos por ora entre leituras
“higienistas” e leituras “sanitaristas” ou entre o “mundo da higiene” e o “mundo
sanitário”
4
–, constituiu um corpus de leituras sobre as cidades que permitem
entrever a formação de representações, a mobilização de lugares-comuns, os fundos-
comuns que subsidiam interpretações.
4
Para usarmos expressão cara ao prof. Philip Gunn, A ascensão dos engenheiros e seus diálogos e
confrontos com os médicos no urbanismo sanitário em São Paulo, in Anais do VII SHCU, 2002.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
109
Interessa assim, ainda que de forma episódica, investigar como as cidades
foram lidas, e enfrentadas como problema técnico-científico, por essa matriz do
pensamento. Ao cabo de mais de um século, não seria estranho encontrar uma
afirmação como a de Gilberto Freyre, em Casa-Grande & Senzala, para quem a
“influência modificadora do homem”, como se revelaria nas “sucessivas vitórias (...)
sobre as doenças tropicais” empreendidas pela “higiene ou pela engenharia sanitária”,
foi crucial para superar a influência decisiva do clima – lido como obstáculo ao
processo de colonização e, portanto, de civilização nos trópicos.
5
Há aí uma chave de leitura que, defende-se como hipótese, seria central nas
leituras sobre a cidade colonial no Brasil, a dizer: a crítica à morfologia das cidades
coloniais foi fortemente derivada do viés inicialmente higienista e, em conseqüência,
que a superação dessa morfologia foi tomada como metonímia da superação dos
obstáculos à modernização do país.
Entretanto, não se pode deixar de mencionar que a leitura positiva do
empreendimento colonizador português nos trópicos, feita por Gilberto Freyre ainda
nos anos 1920, levaria ao elogio dessa herança expressa na paisagem urbana,
sobretudo de Recife e Olinda. Tal leitura subsidiou, como se sabe, a polêmica contra
as reformas modernizadoras do governo Sérgio Loreto.
6
Essa ambigüidade marca,
ainda que com outras especificidades, o discurso de Ricardo Severo pela preservação
do caráter da cidade colonial, embora criticasse, com viés que ecoa claramente as
diatribes higienistas, a implantação secular em lotes estreitos e profundos, que não
permitia a iluminação e ventilação diretas;
7
ou mesmo a não defesa de Câmara
Cascudo do espaço tradicional da cidade de Natal (na verdade, até saudaria as
propostas e ações reformadoras do final dos anos 1920) ao mesmo tempo em que
5
G. Freyre, Casa-grande & Senzala, 2006 [1933], p.75-76.
6
José Lira, Mocambo e cidade: regionalismo na arquitetura e ordenação do espaço habitado, 1996, p.310-333;
Fernando D. Moreira, A construção de uma cidade moderna: Recife (1909-1926), 1994; Joel Outtes, O Recife:
gênese do urbanismo (1927-1943), 1997.
7
Cf. Joana Mello, Ricardo Severo: da arqueologia portuguesa à arquitetura brasileira, 2007, p.178. Esses temas
serão retomados, em parte, no capítulo 4 e nas considerações finais desta tese; mesmo assim, registre-
se desde logo que certa imprecisão e mesmo ambigüidade marca a composição de Casa-Grande &
Senzala, como já o apontou Ricardo Benzaquen: a permanência de um vocabulário e mesmo de
estratégias de leitura eivadas de certa “lógica racial” de corte neolamarckiano não obsta a dimensão
culturalista do livro; outrossim, a acusação de que Freyre edulcorou o passado colonial brasileiro ou
mesmo as relações escravagistas viceja nessa imprecisão, cf. Guerra e Paz: casa-grande & senzala e a obra
de Gilberto Freyre nos anos 30, 2005, em especial p.25-39.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
110
valorizaria cada vez mais várias práticas e usos populares que tinham esse mesmo
espaço como suporte.
8
2.1 higiene para as cidades
O primeiro texto médico publicado no Brasil surgiu no contexto de abertura
dos portos e da vinda da família real portuguesa para o Brasil. O opúsculo do médico
da Real Câmara, Manoel Vieira da Silva,
9
fez parte dos esforços, junto com a criação
da Imprensa Régia, que o imprimiu, das escolas médico-cirúrgicas em Salvador e no
Rio de Janeiro e de outras instituições, para estabelecer uma estrutura que permitisse
combater o que se acreditava ser a ação deletéria dos trópicos sobre o europeu e,
assim, gerar condições para a estadia da Corte no Brasil.
Publicado ainda em 1808, as “Reflexões” de Vieira Silva buscavam discutir os
meios para remover ou, pelo menos, reduzir as causas das moléstias que grassavam
na Colônia e, em especial, em sua capital. O texto, curto, constitui uma suma das
preocupações higienistas então em voga, que se revela na maneira de ler o território
da cidade; ao mesmo tempo, a síntese e brevidade do texto deixa perceber um certo
caráter de urgência – acreditando na possibilidade de executar os pontos principais
do que seria um programa higienista para as cidades. Há de se observar que, diante
das inúmeras dificuldades para levar a cabo tal programa, esse caráter de urgência
continuaria a marcar, cada vez mais, os muitos relatos médicos e o conjunto
crescente de reflexões sobre a cidade brasileira ao longo do século XIX.
8
Cf. A. Ferreira e G. Dantas, “Em nome da cidade”: modernização, história e cultura urbana em
Câmara Cascudo, in Eduardo Kingman (org), História social urbana: espacios y flujos, 2009.
9
Vieira da Silva formou-se médico pela Universidade de Coimbra; fez parte do conselho de D. João
VI, que o condecorou Barão de Alvaiazere, Comendador e Physico Mor do Reino (cf. M. Scliar,
Introdução, in A saúde pública no Rio de Dom João, 2008, p.16).
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
111
Além da urgência, várias tópicas se tornariam correntes, ademais. O início da
descrição médico-topográfica de Vieira Silva é exemplar: “A cidade do Rio de Janeiro
tem o seu assento sobre uma planície pouco superior ao nível do mar, rodeada de
montanhas mais e menos elevadas, deixando entre si canais, por onde se fazem sentir
em toda a cidade os ventos reinantes; ao que parece obstar uma delas, chamada
Morro do Castelo”.
10
Fazer circular os ventos era essencial para o paradigma médico de então e, em
especial, para as formulações baseados na teoria miasmática. Daí o physico-mor de D.
João VI concordar, embora com ressalvas, com uma avaliação que, ao que tudo
10
M. Vieira da Silva, Reflexões sobre alguns dos meios propostos por mais conducentes para
melhorar o clima da cidade do Rio de Janeiro [1808], in A saúde pública no Rio de Dom João, 2008, p. 69-
70.
Figura 2.01: A. Vaz Figueira, Carta topográfica, São Sebastião do Rio
de Janeiro, 1750.
Fonte: V. Andreatta, 2006, p.25.
Figura 2.02: Prospecto da cidade do Rio de Janeiro, 1775, publicado em Notícias Soteropolitanas, 1803; com o
Morro do Castelo à esquerda.
Fonte: V. Andreatta, 2006, p.51.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
112
indica, parecia ser comum: “O Morro do Castelo será tão prejudicial à cidade como
até agora se tem suposto! Deverá entrar no plano da polícia do Rio de Janeiro a sua
demolição?”. A questão era se, de fato, essa ação seria suficiente. Afinal, além dos
onerosos custos para levar a termo a sua demolição, Vieira Silva avaliava que, a partir
de algumas considerações sobre a mecânica dos fluidos, a área afetada pelo Morro
era pequena:
(...) o morro [do Castelo] só poderia embaraçar a livre corrente do
ar naquela pequena parte da cidade, que lhe fica muito próxima;
porque as colunas de ar, que passam pelo ápice da montanha, e as
laterais, não encontrando resistência, caminham com toda a
velocidade com que vem impelidas; as que encontram resistência
no morro aumentam por outro lado a força das primeiras em
razão daquela, que as partículas refletidas sobre a montanha são
obrigadas a comunicar às laterais. (...) podemos logo afirmar com
toda a certeza que, ainda sendo os ventos muito brandos, deve
haver um movimento insensível nas colunas do ar, que estão
sobre as casas unidas ao morro. Chegam a confessar essa verdade
os habitantes das ruas da Cadeia e de São José, pelo incômodo,
que ali recebem, quando reinam ventos fortes, ainda os que
sopram diretamente da Barra.
11
Na verdade, na continuação da argumentação, Vieira Silva diria, mais ainda,
que as formações montanhosas são fundamentais para a “ordem da grande economia
da natureza”, servindo para fins que não cabia ao homem perturbar – segundo as
formulações da época, emanações elétricas, reservatório das águas e corpos minerais,
estabelecimento de ordem de atração, como em outros lugares do mundo. Assim, ao
invés da demolição do morro do castelo e de diversos outros que pontuavam a
paisagem conhecida pelos marinheiros e práticos, Vieira Silva apontaria que seria
mais apropriada a expansão da cidade longitudinalmente, ao longo das bordas do
mar, e não na latitude, ocupando os morros, as quintas, os arrabaldes. “A cidade do
Rio de Janeiro não chega a ter um oitavo de légua na sua maior extensão; e se
intentassem distendê-la, como de necessidade há de acontecer, quantos edifícios não
ficariam ao abrigo dos montes, como acontece em Lisboa? E, seguindo o sistema de
demolir, quantas as dificuldades, e quais seriam as conseqüências?”
12
11
M. Vieira da Silva, op. cit., p.71.
12
Ibidem, p.71-72.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
113
O texto breve de Vieira Silva não permite muitas especulações para quem o lê
a partir de hoje. Ainda assim, além dos aspectos mais visíveis e de claras implicações
(derivadas da teoria miasmática, e.g.) para a leitura do espaço e da paisagem das
cidades luso-brasileiras, como se discutirá adiante, percebe-se a presença de alguns
elementos que revelam a circulação de temas diversos, de substratos culturais antigos,
assim como de novas concepções teóricas. Por exemplo, essa – lendo a posteriori –
inusitada defesa do Morro do Castelo pelo médico parece ressoar a então nova
concepção científica de paisagem de Alexander von Humboldt, que cruza o rigor
exaustivo da descrição científica da natureza com as possibilidades da fruição estética,
de percepção da conexão elementar do ser com o todo, da unidade da natureza,
questionando as maneiras de interação das forças naturais e as relações entre o
ambiente geográfico e a vida humana; e reconhecendo a existência de forças vitais
que confeririam à natureza uma dinâmica que, em muito, escapava ao domínio
humano.
13
Se, como pretendia demonstrar, nem o Morro do Castelo e nem mesmo a
“atmosfera” da cidade, considerados isoladamente, constituíam sérios entraves à
saúde pública, Vieira Silva voltar-se-ia para as verdadeiras “grandes causas” – todas,
13
Ana Belluzzo, O Brasil dos viajantes, vol.II, p.21-22.; L. Murari, Tudo o mais é paisagem: representações da
natureza na cultura brasileira, 2002, p.99-100.
Figura 2.03: J. Massé, São Sebastião do Rio de Janeiro e suas fortificações,
1713
Fonte: V. Andreatta, 2006, p.25.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
114
obras dos homens e, ao assim ser, poderiam ser extintas. Mais do que o entrave à
circulação dos ventos, preocupava em demasia a estagnação das águas: “é logo para
lastimar que o homem observador entrando nesta cidade a descubra por todos os
lados cercada de lugares pantanosos”.
14
Era a imprecação característica das
preocupações com os miasmas – a exalação de pestíferos gases oriundos da
putrefação de matéria orgânica, vegetal ou animal, sob forte calor. Desta forma,
É por conseqüência da boa polícia o aterrar todos os lugares
pantanosos, o encanar as águas para aquelas valas que se julgarem
deficientes ao seu despejo, e que devem participar das alternativas
da maré; o determinar o lugar em que se devem edificar as casas, a
altura das portas à estrada, para que os particulares concorram
com o Estado ao aterro das novas ruas, sem que por isso sofram
ao depois as suas propriedades; demarcar a direção e largura das
ruas; e tudo o mais que no meio de semelhantes cuidados se julgar
necessário para extinguir uma causa tão oposta à nossa boa
existência.
15
Desses semelhantes cuidados trataria ainda o médico Vieira Silva, a dizer, a
condenação da prática de inumação em solo sagrado, em torno das igrejas; a
necessidade de construção de hospital em local plano – para permitir que o passeio
reparador aos convalescentes não seja prejudicado pelos caminhos cheios de
“desigualdades”; organização de lazaretos nas imediações dos portos para receber,
principalmente, os “pretos”, de forma regular, e as vítimas ou suspeitas de infectados
por alguma moléstia epidêmica; o controle da entrada e comercialização dos diversos
gêneros alimentícios e, com especial atenção, a mudança de lugar e a regulamentação
do matadouro; ademais, considerava imperativo o controle sobre o próprio ofício da
medicina, sendo necessário restringir a concessão de cartas aos práticos (sangradores,
barbeiros), assim como, a venda imprevidente de remédios, que se dava até em lojas
de ferragem.
16
Ao leitor familiarizado com a historiografia que discute a relação entre
higiene, sanitarismo, cidade e território, a publicação dessas Reflexões de Vieira Silva
soa quase como um programa inicial das leituras e ações de cunho higienista para as
cidades brasileiras nas décadas seguintes – principalmente, a partir da década de 1850
14
M. Vieira da Silva, op. cit., p.72.
15
Ibidem, p.73; grifos nossos.
16
Ibidem, p.73-82.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
115
quando a supressão praticamente definitiva do tráfico escravagista levou ao
direcionamento dos investimentos privados para obras de melhoramentos,
construção de ferrovias, estabelecimentos de serviços públicos, etc. Afinal, qual vila
ou cidade, quer de maior ou menor importância na rede urbana, não passaria por um
debate e por embates em torno de vários ou mesmo de todos esses “semelhantes
cuidados”?
17
As Reflexões de Vieira Silva configurariam, portanto, um texto instaurador (no
sentido que dá à expressão a filósofa Françoise Choay, i.e., como um texto que
delimitaria com clareza os elementos de um corpus teórico, da estrutura fundamental
de um determinado paradigma que se articula)?
18
O texto não tem substância para
tanto e compila uma concisa visão geral sobre o problema da salubridade da cidade
luso-brasileira. Assim, parece ser mais apropriado considerá-las como um marco
significativo, um documento que ajuda a iluminar articulações e considerações que
iriam ganhar, cada vez mais, significância, espaço institucional e possibilidades de
gerir e transformar em ações as formulações teóricas, ainda que limitadas no mais das
vezes.
Afinal, sabe-se, e.g., que em 1798 os membros do senado da câmara do Rio
de Janeiro prepararam uma enquete dirigida aos médicos da capital, argüindo sobre
as causas das sucessivas epidemias que assolavam a cidade. A pergunta trazia em si
uma tese explícita: o clima quente e úmido seria ocasionado pelo impedimento que
os morros fazem aos ventos terrais ou matutinos e às virações vespertinas
(atravancados esses últimos pelos morros do Castelo, Santo Antonio e Fernando
Dias, e os primeiros pelos morros que correm de São Bento até São Diogo). Os
médicos confirmariam as inquietações dos edis, acrescentando ainda as causas
oriundas da desordem urbana – a falta de canalizações para esgoto e estagnação das
águas pluviais, o acúmulo de lixo e imundície de ruas e praças –, além da arquitetura
17
Aqui também a bibliografia é vasta, com diversos estudos de caso divulgados e discutidos nas
sessões dos Seminários de História da Cidade e do Urbanismo e das mesas de história urbana dos
Encontros Nacionais da ANPUR, desde 1990, e assim citamos alguns (que abarcam também a
segunda metade do século XIX), mas sem a pretensão de qualquer totalização: sobre Natal, cf. Angela
Ferreira et al., Uma cidade sã e bela: a trajetória do saneamento de Natal. 1850-1969, 2008; sobre João Pessoa,
cf. Maria Cecília Almeida, Espaços públicos em João Pessoa (1889-1940): formas, usos e nomes, 2006; sobre
Campina Grande, cf. Marcus Queiroz, Quem te vê não te conhece mais: arquitetura e cidade de Campina Grande
em transformação (1930-1950), 2008; sobre Recife, cf. Raimundo Arrais, O Pântano e o Riacho, 2004; sobre
Campinas, cf. José Roberto Lapa, Cidade: os cantos e os antros, 1996.
18
F. Choay, A regra e o modelo, 1985, p.06-10.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
116
civil ordinária acanhada, de casas úmidas, pouco asseadas e ventiladas. A solução
estaria, apontavam os médicos inquiridos, na preservação da cobertura vegetal, na
limpeza regular das vias públicas e nas praças, no direcionamento do despejo dos
esgotos fora da baía, no dessecamento de áreas alagadiças, no incentivo para a
construção de casas mais altas e ventiladas, além da eliminação de alguns morros.
19
O
físico-mór de então, Bernardino Antonio Gomes, enfatizara por sua vez os
problemas derivados dos vícios e excessos, em especial os relacionados à
prostituição.
20
Antes ainda, em célebre ensaio sobre as relações e as vantagens econômicas
das colônias, em especial do Brasil, para Portugal, o bispo de Elvas, Azeredo
Coutinho, que fizera carreira eclesiástica e administrativa em Pernambuco e, depois,
na metrópole, argumentaria a favor do desmonte do Morro do Castelo.
21
Interessa
observar que, além do argumento baseado na leitura médica do território, Azeredo
Coutinho procuraria localizar na história as condicionantes para entender o
desenvolvimento que fez do Morro do Castelo o entrave principal para a salubridade
do Rio de Janeiro.
A necessidade de defesa (das incursões indígenas) e de controle do território e
da baía levou os primeiros povoadores a se estabelecerem no alto do morro
escarpado. Em conseqüência, a ocupação da planície fez-se no sopé dessa área
repleta de elevações – que logo cobrariam seu preço. Assim,
(...) tratando só de se aproveitarem da planície, [os povoadores]
não advertiram que ficavam cercados de montes e principalmente
do grande do Castelo, da parte da barra, donde entra o vento da
viração todos os dias, como é freqüente nas terras entre os
Trópicos, vindo por isso a ficar o local da cidade muito abafado: a
falta de respiração, que em outro tempo não era tão sensível, por
19
Cf. Carlos Sampaio, Memória histórica: obras da prefeitura do Rio de Janeiro, Lisboa, Lumen, p.09-16, apud
C. Kessel, Tesouros do Morro do Castelo, 2008, p.31-34; e M. V. Silva, Naturalismo e biologização das cidades
na constituição da idéia de meio ambiente urbano, 2005, p.76.
20
G. Freyre, Sobrados e Mucambos, 2004 [1936], p.276.
21
A referência de Kessel (op. cit., p.34) levou-nos a consultar o livro de Azeredo Coutinho (a 2ª
edição, aumentada e corrigida pelo autor, publicada em 1816; a 1ª edição é de 1794). O “Ensaio” de
Azeredo Coutinho é exemplar das posições de uma dos representantes mais influentes do reformismo
ilustrado (da sociedade e das instituições, mas mantendo a monarquia, em clara perspectiva contra-
revolucionária) em Portugal em fins do século XVIII, como discute Francisco Vaz, O pensamento
económico do Bispo de Elvas, D. José Azeredo Coutinho, Revista Cultural de Marvão, 1998. Sobre o
pensamento ilustrado luso-brasileiro na virada para o século XIX e, em especial, sobre as propostas de
Azeredo Coutinho, cf. Fernando Novais, O reformismo ilustrado luso-brasileiro: alguns aspectos
[1984], in Aproximações: estudos de história e historiografia, 2005, p.167-181.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
117
ser a Cidade mais pequena e mais arejada, hoje pela sua grandeza
se tem feito bastante penosa.
22
Azeredo Coutinho apontava claramente para um erro fundacional na escolha
do sítio original. Entretanto, não era um erro exclusivo dos povoadores do que seria
depois o Rio de Janeiro ou mesmo, de maneira geral, dos portugueses na ocupação
do litoral do Brasil; ao contrário, as necessidades imperiosas explicavam essas
imprevidências de muitas cidades antigas, para as quais o tempo e as circunstâncias
permitiriam se aperfeiçoar e dar-se polidez.
23
Erro que se fazia sentir claramente num
momento de expansão da cidade. Importante era reconhecer que esses “males são
remediáveis, sem que seja preciso esperar-se por um terremoto [como acontecera em
Lisboa] (...), nem por um incêndio, nem por uma guerra devastadora. Uma só palavra
do Soberano [e] aquela Cidade será a melhor do Mundo. A Natureza lhe tem dado
tudo, a Arte é o que lhe falta”.
24
Para Azeredo Coutinho, a principal solução era, portanto, o desmonte do
Morro do Castelo. Desmonte que, ao mesmo tempo, viabilizaria a construção da
cidade com arte, uma nova cidade, que permitiria reduzir, paulatinamente, a “Cidade
velha” a quintas e grandes praças, que tanta falta faziam:
O grande monte do Castelo, que serve de padrasto àquela Cidade
e que lhe impede quase toda a viração do mar, tão necessária
debaixo da Zona Tórrida, está sobre o mar pela parte da praia de
S. Luzia, para onde pode ser lançado, fazendo-se encostar toda a
terra desmontada ao longo da mesma praia, seguindo para a de
Nossa Senhora da Glória, até se fosse possível chegar à Fortaleza
do Villegagnon, e sobre todo o terreno, que ficasse do dito monte
juntamente com o novo aterro, formado ao longo da praia, se
poderia edificar uma cidadela nova, muito grande, e com todas as
proporções que se quisesse, dispondo as ruas de sorte que
recebessem a viração da barra, dando-se ao terreno novamente
formado toda a altura necessária para o escoamento das águas
(...).
25
22
Azeredo Coutinho, Ensaio economico sobre o commercio de Portugal e suas colonias, 1816, p.06-07.
23
Ibidem, p.05; a frase é: “(...) teve na fundação e edificação o defeito que sempre tem tido todas as
Cidades antigas, assim como também as Nações, que só o tempo e as circunstâncias as vão polindo e
aperfeiçoando (...)”.
24
Ibidem, p.07.
25
Ibidem.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
118
Diante de tal benefício, auspiciava-se tanto mais ar quanto,
consequentemente, mais salubridade para a cidade do Rio de Janeiro. O importante
era afirmar a possibilidade de vida e civilização sob os trópicos. Para tanto, Azeredo
Coutinho argumentaria claramente contra o “Sistema dos climas” de Montesquieu –
argumentação que encontraria eco na imprensa francesa e nas notas sobre a
publicação de sua obra em inglês e que seria essencial para construir a defesa da
reforma e renovação das relações econômicas, ainda sob o estatuto colonial, de
Portugal com suas colônias.
26
Assim, crê-se ser possível afirmar que há muitas leituras e substratos, diretos
ou indiretos, que perpassam o texto de Vieira Silva ou mesmo os Prolegômenos de
Domingos Peixoto, publicado em 1820 (que serão discutidos adiante), dentre muitos
outros. Permanências do humorismo hipocrático, da teoria dos miasmas, das leituras
que correlacionavam a integridade e o equilíbrio do corpo humano e as condições do
ambiente, assim como dos procedimentos de investigação derivados das geografias e
topografias médicas. Permanências que teriam claras implicações na configuração do
que aqui se chama de matriz higienista (e, depois, sanitarista) na leitura das cidades no
início do século XIX.
Permanências, ademais, que circulariam e adentrariam, inclusive, o século
XX. Embora como resquício de um paradigma prestes a desaparecer, os miasmas,
e.g., ainda precisaram ser “considerados”, conforme relata a historiadora Marta de
Almeida, como variável no conjunto de experiências conduzidas no Hospital de
Isolamento de São Paulo, com o aval dos médicos Emílio Ribas e Adolpho Lutz e
outros do Instituto Bacteriológico, para provar a condição do mosquito Stegomyia
fasciata (hoje, Aedes aegypti) como vetor para a disseminação da febre amarela.
27
Outrossim, as geografias e topografias médicas, que renovaram a leitura dos
territórios a partir da expansão colonialista européia, seriam ainda reiteradamente
realizadas nas primeiras décadas do século XX no Brasil: para Manaus, em 1916,
26
Francisco Vaz, O pensamento económico do Bispo de Elvas, D. José Azeredo Coutinho, Revista
Cultural de Marvão, 1998, p.314.
27
Para realizar a experiência, os voluntários “dormiram com lençóis e roupas manchados e infectados
pelo sangue e o vômito de doentes, num quarto vedado para que não entrasse nenhum mosquito e
com uma estufa para que o recinto permanecesse constantemente calorento, evitando assim a contra-
argumentação infeccionista de que a queda brusca de temperatura fosse capaz de destruir os ‘miasmas
da febre amarela” (Marta de Almeida, Tempo de laboratórios, mosquitos e seres invisíveis: as
experiências sobre a febre amarela em São Paulo, in Artes e ofícios de curar no Brasil, p.136).
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
119
Natal, em 1920, Joinville, em 1926, Ponta Nova-MG, em 1932 e a do estado do
Ceará, em 1925. Apesar das imprecações de sabor oitocentista em vários desses
textos – sabor que se revela também na estrutura dos trabalhos –, as leituras são
claramente marcadas pelos novos estudos etiológicos e pela microbiologia. A
preocupação com as águas paradas permanecia – não pela exalação de miasmas, mas,
sim, pelo ambiente propício que criavam para a proliferação de larvas e mosquitos.
28
Ao longo do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro seria o principal objeto
das reflexões construídas dentro dessa perspectiva.
29
As razões são claras e bem
estudadas. Capital da colônia desde o último quartel do século XVIII e cabeça do
Reino de Portugal, Algarves e Brasil, com a vinda da Corte e, depois, cabeça do
Império, a cidade do Rio de Janeiro demandou esforços crescentes e contínuos para
transformar a antiga ordem colonial. Esforços que se deram, em maior ou menor
articulação, em diversas cidades. Contudo, o Rio de Janeiro, pela sua condição na
estrutura geopolítica e administrativa do Atlântico Sul, foi o “epicentro” do
“processo de constituição de uma nova ordem urbana brasileira como uma das
dimensões do novo processo civilizatório que experimenta o país a partir da
urbanização das cidades”.
30
Há que se considerar que, no início do século XIX, ainda não estava posta
em xeque, diretamente, o estatuto colonial das vilas e cidades no Brasil, mas se
depreende como essa leitura já se insinuava e como ganharia corpo nas décadas
seguintes. Vieira Silva, no intróito às suas Reflexões, aponta que a vinda da Corte
permitiria estreitar o controle e a observâncias às leis, dado fundamental para a
manutenção do equilíbrio do corpo físico e do tecido social do território – que não
28
Cf. Angela Ferreira, Anna Rachel Eduardo e George Dantas, Saudáveis trópicos: cidade, higiene e
ordem para a Nação em formação (Brasil, 1850-1930), in La integración del território en una idea de Estado.
México y Brasil, 1821-1946, 2007.
29
Como, e.g., no trabalho de Gustavus Horner, Medical topography of Brazil and Uruguay with incidental
remarks, 1843, que dedica parte considerável à cidade do Rio de Janeiro (cf. em especial os capítulos II,
V e VII); o do médico José Francisco X. Sigaud, Du climat et des maladies du Brésil ou statisque médicale de
cet Empire, de 1844, o de Alphonse Rendu, Études topographiques, médicales et agronomiques sur le Brésil, de
1848, e de Francisco Araújo, Considerações geraes sobre a topografia phsico-medica da cidade do Rio de Janeiro, de
1852. O boletim da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro manteria séries estatísticas para
composição da geografia médica da cidade no final do século XIX, cf. João Pires Farinha, Geographia
medica: apontamentos sobre a mortalidade do Rio de Janeiro, tomo III, 2º boletim, abr-jun 1887,
p.130-31; idem, tomo III, 3º boletim, jul-set. 1887, p. 210-11; idem, tomo III, 4º boletim, out-dez.
1887, p.312-13; a série continuaria a ser publicada em 1888 e 1889, pelo menos.
30
R. Pechman, Cidades estreitamente vigiadas: o detetive e o urbanista, 2002, p.39; Paulo Marins, Através da
rótula, 2001, em especial os capítulos III, IV e VI.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
120
pudera ser observado antes devido à imensa distância oceânica a separar a vontade
Real da vida cotidiana dos seus súditos d’além-mar. Contudo, apontaria o médico,
chegou “a feliz época que os faz sair da desgraça que os rodeava e entrar na história
das nações civilizadas”.
31
A cidade colonial não era ainda metonímia do atraso ou razão fundamental
para explicar uma insalubridade atávica. Por óbvio, essas leituras derivam também da
crítica à cidade medieval européia, às questões gerais sobre a insalubridade e a
corrupção moral das cidades antigas, inchadas, misturadas socialmente, que vinha se
processando, e.g., tanto na Inglaterra quanto na França na virada para o século XIX,
exemplos consabidos na historiografia sobre o tema.
32
A operação que construiria
essa metonímia ainda seria elaborada, valendo-se também da crítica à cidade estreita e
suja que se fez à revelia, formulava-se, de um poder central.
O texto do médico Domingos dos Guimarães Peixoto
33
permite ilustrar
como a negatividade vai se construindo, incorporando elementos peculiares, que
diziam respeito às condições do sistema colonial e suas expressões na vida social
urbana sobremaneira. Publicado em 1820,
34
apontava os caminhos e delineava a
construção do “quadro topográfico médico” da cidade do Rio de Janeiro, embora
reconhecesse a dificuldade de articular as múltiplas variáveis que o deveriam compor.
Derivado da orientação empiricista de viés neo-hipocrático, os Prolegômenos utilizavam
um protocolo de observações, como define o pesquisador Flavio Edler acerca da
31
M. Vieira da Silva, op. cit., p.69.
32
No capítulo 1, já se apontou como parte dos valores e metros civilizacionais utilizados pelos
viajantes derivavam das próprias leituras depreciativas (que apareciam em guias de viagens, e.g.) acerca
das grandes capitais feitas por franceses (sobre Londres) e por ingleses (sobre Paris), principalmente
sobre os subúrbios e sua sujidade assustadora, o amontoado amoral de pessoas, os vícios, etc. Cf.
Amilcar Torrão Filho, A arquitetura da alteridade: a cidade luso-brasileira na literatura de viagem (1783-1845),
2008, p.261-64.
33
Peixoto, Barão de Igarassu, nasceu em Pernambuco, em 1790, e faleceu no Rio de Janeiro em 1846;
formou-se pela Escola Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro e doutorou-se em Medicina pela
Universidade de Paris, em 1830, com tese sobre o uso medicamentoso das plantas brasileiras; foi
membro do conselho do Imperador, médico da Imperial Câmara, sócio da Real Academia de
Medicina de Paris e de outras instituições e ordens, além de lente de fisiologia no Rio de Janeiro (Cf.
M. Scliar, Introdução, in A saúde pública no Rio de Dom João, 2008, p.17, 20). Em 1820, Peixoto era
Cirurgião da Câmara Real.
34
Domingos Peixoto, Aos sereníssimos Príncipes Reais do Reino Unido de Portugal e do Brasil e
Algarves, os senhores D. Pedro de Alcântara e D. Carolina Josefa Leopoldina oferece, sem sinal de
gratidão, amor, respeito e reconhecimento estes Prolegômenos, ditados pela obediência, que servirão
às observações, que for dando das moléstias cirúrgicas do País, em cada trimestre [1820], in A saúde
pública no Rio de Dom João, 2008, p.84-118; doravante, aqui se fará referência ao livro como
“Prolegômenos”.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
121
literatura sobre as causas ambientais das doenças, que partia das circunstâncias mais
gerais até atingir os elementos particulares de cada doente.
35
Assim, Domingos
Peixoto, ao buscar a síntese da sua concepção de saúde, afirmaria que
Um sem-número de causas morfíbicas e muito diversas nos
podem afetar com maior ou menor prontidão, imprimindo em
nossa organização um modo de existir muito diferente e análogo à
sua ação: aqui se achando dispersas no seio da atmosfera, e em
torno de nós – circunfusa; ali postas em contato com o nosso corpo
applicata; de uma parte introduzidas nos nossos órgãos – ingesta;
de outra existindo dentro de nós mesmos, e dependem do
desarranjo das evacuações, dos movimentos e das paixões –
excreta, gesta et percepta.
36
Os termos expostos por Domingos Peixoto, além de desvelarem a clara
filiação ao gênero das geografias e topografias médicas, que levaram a várias
inovações no saber médico nos séculos XVIII e XIX – ainda que dentro dos
paradigmas pré-pasteurianos –, permitem entender como seria construída a leitura
das cidades (ainda) luso-brasileiras. Afinal, os circunfusa diziam respeito aos elementos
da meteorologia, hidrologia, geologia, do clima e das habitações; os ingesta, aos
35
F. Edler, De olho no Brasil: a geografia médica e a viagem de Alphonse Rendu, História, Ciências,
Saúde – Manguinhos, 2001.
36
Domingos Peixoto, Prolegômenos [1820], op. cit., p.88.
Figura 2.04: Robert Burford, Description of a view of the city of St. Sebastian and the Bay of Rio de Janeiro [panorama],
1824.
Fonte: R. Burford, 1827.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
122
alimentos e bebidas; os excreta, às excreções e banhos; os applicata, às vestimentas e
cosméticos; os percepta, aos costumes, à sexualidade e higiene pessoal; e os gesta, aos
movimentos habituais e às atividades profissionais.
37
Daí emerge uma leitura que, de início, condenaria a cidade pelo seu elemento
fundamental de identificação secular para a navegação. O perfil topográfico, “uma
imensidade prodigiosa de serras empinadas e horrorosas”, cuja descrição fora
consolidada pela leva de viajantes desde o século XVI e que no início do XIX
despertava sensações de sublime e de deleite pitoresco (como, e.g., na descrição de
Robert Burford, em vista panorâmica de 1827), não resistia ao olhar perscrutador do
médico:
Esses elevados morros, parecendo-nos oferecer uma grande
barreira à destruição do Rio, são todavia prejudiciais, não só
porque obstam que os ventos circulem livremente no grande
espaço compreendido entre si mesmos, mas porque servem de
escoadores às copiosíssimas águas que recebem das chuvas, as
quais em parte são recebidas em muitos e caudalosos rios que se
dirigem ao braço de mar, entremetido em forma de baía; em parte
alagam mais ou menos o terreno, o qual acumulado de mais a mais
das águas que recebe das mesmas chuvas não as pode escoar
livremente pela sua situação baixa e irregularidade de sua
superfície; (...).
38
As dificuldades de escoamento e a conseqüente estagnação, decomposição e
evaporação das águas e do “ar atmosférico”, constantemente denunciadas, tinham
levado à proposta de um novo nivelamento das ruas e de remodelação das calçadas
pelo Arquiteto da cidade (nomeado por D. João VI em 1808), o Capitão do Real
Corpo de Engenheiros José Joaquim de Santa Anna, em sua “Memória sobre o
enxugo geral desta cidade do Rio de Janeiro”, distribuída em 1816.
39
Problema
persistente cujas causas Domingos Peixoto endossaria: as ruas e largos da região
central, com pouca altura e mal calçadas, faziam com que a cidade fosse “toda ela
pantanosa, as águas de chuvas que recebe, não podendo ter saída para o mar, por
37
F. Edler, De olho no Brasil: a geografia médica e a viagem de Alphonse Rendu, História, Ciências,
Saúde – Manguinhos, 2001, p.928.
38
Domingos Peixoto, Prolegômenos [1820], op. cit., p.97.
39
Este trabalho foi apresentado ao Príncipe Regente em 1811 e, após atualizações, novamente em
1815, cf. Ana Camargo e Rubens Moraes, Bibliografia da Impressão Régia do Rio de Janeiro, 1993, p.xxiii,
151-152.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
123
falta de escoante, e de aquedutos suficientes, aí se demoram e são evaporadas pelo
calor do sol”.
40
Os termos neo-hipocráticos conduziam a uma leitura severa da cidade. A
longa citação que se segue é instrutiva e necessária para entender o uso das palavras,
das maneiras de descrever e nomear os problemas:
A disposição dos edifícios é muito pouco favorável; o maior
número deles são mal construídos e não tem a duplicada vantagem
de uma habitação saudável, e de darem à cidade aquela vista linda
e agradável que lisonjeie os seus habitantes; o seu pavimento
estando quase ao nível do da cidade, e em alguns sendo ainda mais
baixo está claro que tais habitações devem ser muito úmidas e
sujeitas a serem banhadas pelas águas das chuvas, quando aturadas
e fortes. As ruas, geralmente falando, são estreitas, e essa condição
faz com que o giro dos ventos seja pouco favorecido e se sinta, in
maximum, o calor do sol; não há aquele desafogo de que somos
advertidos quando passamos por alguns lugares, que se devem
antes reputar saídas da cidade, tais como a denominada rua larga
de São Joaquim, a dos Ciganos, Lavradio, e Ajuda em certa
distância. Segundo a sua direção, umas devem participar da
viração, outras do terral; as primeiras encontram os dois morros
do Castelo e de Santo Antônio, particularmente aquele, que lhes
obstam mais ou menos essa circunstância tão vantajosa, quão
saudável, por cujo motivo da irregularidade com que é distribuída a
viração nas ruas correspondentes e mesmo da falta dela em alguns
resulta que sentimos alternativamente impressões estranhas que
nos incomodam sobremaneira; as segundas recebem princípios
nocivos deletérios emanados das imundícies das praias e de certos
lugares tocados pelo terral.
41
Apesar dos esforços conduzidos após a chegada da Corte Portuguesa em prol
da salubridade e, consequentemente, da instauração de padrões civilizados de vida
social urbana, Domingos Peixoto reafirmava as “causas morbíficas” que ainda
deixavam o Rio de Janeiro doentio e, mais ainda, o país, que pouco a pouco se
libertava da condição de região malfazeja e inabitável. Havia muito a ser feito para
tornar a nação viável e saudável – e, para tanto, era fundamental disseminar os
preceitos da higiene pública.
42
Mais uma vez, percebe-se o eco de leituras que revelam a persistência do
determinismo geográfico, contudo numa perspectiva de reversibilidade (e não de
40
Domingos Peixoto, Prolegômenos [1820], op. cit., p.99.
41
Ibidem, p.99-100; grifos nossos.
42
Ibidem, p. 107-108, 117.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
124
impossibilidade, como o faria, e.g., o jurista Cornelius de Pauw, em Recherches
philosophiques sur les Américains, publicado em 1768) – a partir de uma ação decisiva que
transformasse estruturas materiais e costumes atávicos. Entretanto, esse
determinismo vinha sendo confutado desde meados do século XVIII, ao menos.
Azeredo Coutinho argumentara contra o que considerava o erro do “sistema dos
climas” de Montesquieu, como citado antes. Antes ainda, em 1759, o cronista Loreto
Couto, ao visitar e descrever a
vila de Recife, fixara a noção de
locus amoenus para falar do clima
da região, aprazível, sem grande
amplitude térmica – “não há
verão que aflija; nem inverno que
moleste”.
43
De fato, a noção de
país de clima aprazível, infenso a
epidemias e endemias de alcance
significativo, manter-se-ia até
meados do século XIX, quando
as devastadoras epidemias de
febre amarela (1849-50) e do
cólera (1855-56) puseram em
xeque tanto a salubridade do país
e de suas cidades quanto a
estrutura para combater as
condições que propiciavam a disseminação dos males, como enfatizariam
importantes médicos da estrutura de poder do Império, como José Pereira Rego
(Barão do Lavradio e presidente da Junta Central de Higiene Pública entre 1863 e
1881) e Francisco de Paula Candido (primeiro presidente da Junta, onde permaneceu
de 1850 a 1863, e médico do Imperador na década de 1850, ao menos).
44
43
R. Arrais, O Pântano e o Riacho, 2004, p.362.
44
José Pereira Rego [Barão do Lavradio], Memória histórica das epidemais de febre amarela e cólera-morbo que
têm reinado no Brasil, 1876; F. Paula Candido, Relatório acerca da saúde publica, 1856, em especial a segunda
parte, dedicada às “medidas sanitárias – interpretação dos fenômenos epidêmicos”. Os dados
apresentados no Relatório de Paula Cândido, ainda que imprecisos e incompletos, apontam para uma
mortalidade de mais de 115 mil pessoas em diversas províncias do Império, de norte a sul, cf. Angela
Figura 2.05: o que se fazer com o cólera? Alternativas
diversas eram aventadas pela população.
Fonte: O Brasil Illustrado, Rio de Janeiro, n.06, 31 ago. 1856.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
125
Havia um claro interesse político na retórica nos Prolegômenos de Domingos
Peixoto, ressaltando diversas vezes a necessidade de continuidade dos esforços de
estruturação dos serviços e preceitos da higiene pública do ainda Reino. Isso aponta
inclusive para a luta pela legitimidade do saber médico (e pela circunscrição de suas
atribuições, normalizando as práticas, as autorizações profissionais, o combate ao
curandeirismo, a fiscalização sobre a fabricação de remédios etc.). Houve grande
resistência cultural ao processo de monopolização da cura pelos médicos ao longo do
século XIX. Diante de um quadro de precariedade de formação de profissionais
médicos, a população continuava a usar, de maneira geral, os terapeutas populares,
leigos. Durante a epidemia do cólera em Recife, em 1856, e.g., o curandeiro Pai
Manoel (ou “doutor” Manoel da Costa, epíteto que tinha um quê de escárnio em
relação aos médicos profissionais) chegou a receber autorização oficial para praticar
suas artes da cura, evitando assim insurreições entre sobremaneira a população negra
que lhe atribuía poderes mágicos para enfrentar a peste.
45
E mesmo quando da
grande pandemia de influenza em 1918-19, em um momento de institucionalização
praticamente definitiva da prática médica no Brasil, houve um esforço oficial e
corporativo acentuado contra os curandeiros e seus remédios que prometiam curas
milagrosas, não apenas entre a população pobre mas também entre pessoas mais
ilustradas, conforme denunciaram vários periódicos. Artur Neiva, então diretor do
Serviço Sanitário de São Paulo, formado pela Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, onde foi aluno de Oswaldo Cruz, apontaria que a presença e, principalmente,
a influência de curandeiros e poções era incompatível com os “créditos de centro
civilizado” de uma metrópole como São Paulo.
46
As reclamações contra a “incúria da população” seriam uma constante ao
longo do século XIX em muitas cidades brasileiras. Pedro Velho, Inspetor de Saúde
Pública do governo provincial do Rio Grande do Norte diria, em 1886, que a
situação “pouco lisonjeira” da higiene pública da capital Natal, diante de um quadro
topográfico considerado favorável, recebendo ventilação e insolação, devia-se à falta
Ferreira, Anna Rachel Eduardo e George Dantas, Saudáveis trópicos: cidade, higiene e ordem para a
Nação em formação (Brasil, 1850-1930), op. cit., p.447.
45
O episódio é narrado por Ariosvaldo Diniz, As artes de curar nos tempos do cólera: Recife, 1856, in
S. Chalhoub et al. (orgs.), Artes e ofícios de curar no Brasil, 2003, p.355-385.
46
Liane Bertucci, Remédios, charlatanices... e curandeiros: práticas de cura no período da gripe
espanhola em São Paulo. In Chalhoub, S. et al. Artes e ofícios de curar no Brasil, 2003, p.197-227.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
126
de asseio e de uma alimentação apropriada pela média da população.
47
Observe-se
que não se pretende aqui afirmar uma homogeneidade das formulações e ações
higienistas em período tão longo e em contextos geográficos, políticos e econômicos
com ritmos históricos distintos e particularidades. Como se afirmou na abertura do
capítulo, o processo de institucionalização do saber médico no Brasil e, mais ainda,
dos saberes sobre as cidades, não foi pacífico. Exemplo forte das marchas e
contramarchas desse processo encontra-se, e.g., nos embates entre contagionistas e
infeccionistas durante a epidemia do cólera de 1855-56 – e, em conseqüência, sobre a
propriedade de se proceder ou não as quarentenas, que causavam grande embaraço à
movimentação dos portos. O já citado relatório do médico Francisco de Paula
Candido aponta para uma espécie de síntese entre as duas visões: ao observar a
disseminação geográfica do cólera nas várias províncias afetadas, que “poupava”
alguns núcleos urbanos que estavam inseridos na linha de propagação, o médico diria
que a viagem do veneno (termo usado pelos contagionistas) tinha pouco impacto se
não encontrasse condições propícias para evoluir – um meio insalubre, com umidade,
águas paradas etc. (preocupação chave dos infeccionistas).
48
Mas há, certamente, elementos comuns que foram mobilizados de maneira
hegemônica na leitura crítica das cidades ao longo desse período. Além da dimensão
material (parte dos elementos circunfusa), as práticas e os usos (os percepta e os gesta) do
espaço urbano seriam vistos cada vez com mais cuidado e preocupação. A relação
entre os vícios dos homens e os vícios das cidades (e das sociedades as quais
expressavam) era um lugar-comum de viajantes e muitos médicos, cujo fundo-
comum de referências misturava leituras mesológicas, escritos moralistas e
filosóficos, teorias deterministas e, também, a literatura de viagem, que, como se
disse, muitas vezes serviu de referência para as reflexões de caráter mais científico.
47
Cf. George Dantas, Linhas convulsas e tortuosas retificações: transformações urbanas em Natal nos anos 1920,
2003, p.38.
48
Francisco Paula Candido, Relatório acerca da saúde publica, 1856, p.67-88.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
127
Para Domingos Peixoto, além das “causas morbíficas” relacionadas à
produção dos miasmas (oriundos da vegetação que se acumulava nas proximidades
da área urbana, das águas estagnadas nas ruas e quintais, das “imundícies” que se
encontravam em várias partes, como no Campo de Santana, das praias sujas, das
inumações em igrejas e do matadouro), vários aspectos relacionados à vida social
urbana afetavam diretamente as condições da higiene pública. A chegada e o
depósito de escravos no Valongo, o hábito de se fritar peixes nas portas das tavernas,
espalhando fumaça pela vizinhança e as bebidas fermentadas eram alguns desses
elementos. Note-se, em especial, a condenação aos excessos, aos abusos, aos hábitos
extremados – em relação à bebida, à alimentação, à ociosidade.
49
Daí a languidez, a
fraqueza e mesmo o sangue não concrescível que condenavam à debilidade o
brasileiro. Para piorar, na leitura do médico, o costume do uso das amas-de-leite,
mormente escravas negras, debilitava a possibilidade da boa educação moral.
50
49
Domingos Peixoto, Prolegômenos [1820], op. cit., p.108-111.
50
“O que se deve esperar do aleitamento mercenário, feito mormente por pretas, sendo escravas o
maior número delas? É impossível que essa casta de gente, quase sem religião e sem moral, oprimida e
excitada a cada momento pela idéia de cativeiro, e capaz de todas as sortes de artifícios, empregue
todo o desvelo e carinho na criação dos meninos (...)” (Ibidem, p.112-113).
Figura 2.06: Thomas Ender, Mercado perto da praia atrás do trapiche da
Alfândega, lápis e aquarela
Fonte: Belluzzo, 1999, v.3 (fig.385)
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
128
Condenava-se assim uma série de práticas que remontavam ao estatuto
colonial das cidades, do seu espaço tomado pela “desordem” do populacho e da
escravaria em suas atividades cotidianas, comezinhas, espalhando-se pelas ruas,
calçadas e paredes, naquela algaravia de sons, ruídos e cheiros que espantara Koster e
vários outros viajantes em suas chegadas às cidades luso-brasileiras.
Figura 2.08: John Clarke e Henry Chamberlain, Pretos de ganho (no Rio de
Janeiro), água-tinta colorida sobre papel.
Fonte: Belluzzo, 1999, v.3 (fig.470).
Figura 2.07: J. M. Rugendas, Rua Direita no Rio de Janeiro, lápis e nanquim
sobre papel.
Fonte: Belluzzo, 1999, v.3 (fig.446)
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
129
Uma nova ordem precisava ser estabelecida para receber a Corte. Uma ordem
para estabelecer o decoro, a higiene, a possibilidade de instaurar uma sociedade
civilizada e abrigar o que passara a ser a capital do Império em 1808. Como discute o
historiador Robert Pechman, uma ordem que, antes de ser urbana, seria cortesã,
baseada na polidez, na moderação, na estetização do cotidiano. Uma ordem que
prescindia da ordem (ou, melhor, da visão de desordem) colonial e, mais ainda, que
precisaria suprimi-la ou enquadrá-la em esferas específicas.
51
Essa leitura estava
presente nos viajantes, como discutido no capítulo 1: Debret, e.g., faria uma dura
crítica à colonização portuguesa e afirmaria que a obra de civilização só seria possível
com a superação dos vínculos coloniais e com o apagamento da herança
portuguesa.
52
Ordem, enfim, para a qual a higiene era fundamental. Vieira Silva, em citação
anterior, já falara que aterrar os lugares pantanosos era obra da “boa polícia”. Polícia
que, sabe-se, vem de pólis que, por sua vez, depreende polidez, como apareceria no
Dicionário da Língua Portuguesa, de Almeida Prado, em 1868.
53
Mas, antes ainda, a
primeira entrada do verbete “polícia” no Dicionário de Bluteau já definia: “A boa
ordem que se observa e as leis que a prudência estabeleceu para a sociedade humana
51
Robert Pechman, Cidades estreitamente vigiadas: o detetive e o urbanista, 2002, p. 23-117.
52
Amílcar Torrão Filho, A arquitetura da alteridade: a cidade luso-brasileira na literatura de viagem
(1783-1845), 2008, p.159160.
53
Cf. R. Pechman, op. cit., p.68-69.
Figura 2.09: sketchbook de William Smith, Desenho tomado da praça do mercado, 1832, desenho aquarelado
sobre papel.
Fonte: Belluzzo, 1999, v.3 (fig.474)
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
130
nas cidades”; acrescentaria ainda que a polícia “não se acha nos povos a que
chamamos bárbaros, como v. g. o gentio do Brasil (...)”.
54
É muito provavelmente esse sentido de polícia que tinha Vieira Silva em
mente quando a registra em suas Reflexões. As suas formulações não eram isoladas,
certamente. Junto com a Corte, como se sabe, transferiram-se para o Rio de Janeiro
as estruturas administrativas, instituições e suportes materiais (arquivos, bibliotecas
etc.), para seu funcionamento. A Fisicatura do Reino foi instalada ainda em 1808,
mesmo ano de criação das escolas médico-cirúrgicas de Salvador e do Rio de
Janeiro.
55
Em abril, pouco após a chegada da Corte, D. João VI conferiria atribuições
ao intendente geral de polícia que lhe permitiam agir, de fato, como “um prefeito
reformando sua cidade”: cabia-lhe a responsabilidade pelo arruamento, abertura de
estradas, conservação dos logradouros públicos até pela fiscalização do comércio
vendas, iluminação, delitos da imprensa, repressão à mendicidade e vadiagem, etc.:
56
Não é por outro motivo que as primeiras medidas, logo
provavelmente as mais urgentes, sancionadas pelo intendente,
assim de sua posse, dizem respeito à limpeza da cidade, às
construções, ao comportamento no teatro, à vigilância dos
botequins, à estatística da população etc. Medidas visivelmente
necessárias à ordenação do espaço público, lugar de exercício da
civilidade.
57
A construção dessa ordem seria longa – a “praça venceu o engenho, mas aos
poucos”, como interpretaria Gilberto Freyre
58
– e revela as incompletudes,
características, ênfases e interesses em jogo no processo de modernização brasileiro
ao longo do século XIX. Mais uma vez, corre-se o risco de homogeneizar leituras de
contextos históricos diversos, mas, ao mesmo tempo, deve-se reconhecer que forças
54
R. Bluteau, Polícia [verbete], Vocabulario Portuguez & Latino..., 1712-1728 [edição on-line do IEB-
USP], p.575.
55
Cf. Lilia M. Schwarcz, O espetáculo das raças, 1993, p. 189-198; Tânia Pimenta, Terapeutas populares e
instituições médicas na primeira metade do século XIX. In Chalhoub, S. et al. (orgs.) Artes e ofícios de
curar no Brasil: capítulos de história social, 2003, p.308-330.
56
Sobre as atribuições do intendente geral de polícia, cf. R. Pechman, Cidades estreitamente vigiadas: o
detetive e o urbanista, 2002, p. 68-77, e Paulo Marins, Através da rótula, 2001, p.160-167; o papel
civilizador, de estabelecimento de parâmetros de polidez, é muito claro, principalmente no
enquadramento da população aos “termos do bem-viver”, aos padrões de decoro público, tentando
resolver caso a caso as querelas.
57
Ibidem, p.73.
58
G. Freyre, Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano, 2004 [1936],
p.135.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
131
homogeneizantes atuaram nesse processo. A ênfase e o investimento das ações
médicas estatais contra a febre amarela a partir de 1850, e.g., desnuda a neutralidade
do discurso técnico: a epidemia era um entrave tanto ao projeto ideológico de
fortalecimento racial e embraquecimento da população brasileira, porque atingia
sobremaneira os imigrantes europeus, quanto ao desenvolvimento comercial,
atravancando as atividades portuárias. Enquanto isso, a tuberculose, doença
relacionada diretamente às más condições de moradia, trabalho e alimentação, foi a
endemia que mais óbitos causou entre 1850 e 1920, atingindo diretamente a
população pobre e negra.
59
Forças e leituras homogeneizadoras serviriam para disseminar a noção
(negativa) da intima relação entre os vícios da cidade e os vícios dos homens. A
reiterada denúncia do enviesamento das ruas, do acanhamento das edificações, dos
elementos naturais que impediam a livre circulação dos ventos, deixando os espaços
sombrios, abafados, enfermiços, disseminaram-se para além dos círculos especialistas,
tornar-se-ia lugar-comum, a despeito das particularidades de cada cidade, como, e.g.,
seriam os casos de Recife e Natal.
60
A polidez dessa ordem cortesã que se tentava implantar (e por força, sedução
e violência se fez) implicava também, conforme o verbete no dicionário de Bluteau,
uma cidade regulada, governada com boa polícia – no trato, na conversação, nos
costumes, nos gestos, na higiene pública e no asseio pessoal. O problema, contudo,
persistia. E persistia porque os problemas eram estruturais e diziam respeito não
apenas aos elementos naturais, como o Morro do Castelo, reiteradamente
condenado, como pode se perceber em vários documentos a partir de meados do
século XIX.
O relatório apresentado pelo engenheiro Henrique de Beaurepaire Rohan,
então Diretor das obras municipais do Rio de Janeiro, à Câmara Municipal da Corte
delimitava com clareza que os problemas relacionados à falta da boa polícia e,
consequentemente, dos elementos fundamentais à insalubridade pública, derivavam
da estrutura da cidade:
59
S. Chalhoub, Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial, 1996, p.56-76; não se pode esquecer que a
epidemia de febre amarela de 1849-1850 atingiu toda a família imperial, quando perderam um filho
que tinha apenas um ano e meio de idade.
60
R. Arrais, O pântano e o riacho, 2001, p.362-403; Angela Ferreira et al., Uma cidade sã e bela, 2008.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
132
O Rio de Janeiro participa de muitos dos defeitos que são ordinários
nas cidades edificadas sem plano. É um deles a estreiteza das ruas,
algumas das quais tem apenas trinta palmos de largura, que muito
dificulta o trânsito, em ocasiões de concorrência. Conviria pois
destruir-se essa imperfeição, como já foi indicado pelo Exmo.
Tenente General Andréia, comandante do Imperial Corpo de
Engenheiros, aproveitando também o ensejo para dar à cidade
uma forma mais regular, às águas um esgote mais pronto, e aos
habitantes uma residência mais cômoda, aprazível e sadia.
61
A partir daí, o engenheiro arrolaria uma série de medidas que acabariam
configurando, segundo a arquiteta Verena Andreatta, o primeiro plano urbanístico do
Rio de Janeiro – que pôs em xeque diretamente toda a estrutura da cidade velha,
colonial, como o erro de localização do matadouro, da proximidade com fontes
miasmáticas, como o mangue da Cidade Nova, com os despejos públicos – que
tornava “a praia e outros lugares da cidade de um desasseio e de uma indecência que
cumpre evitar, por meio de alguma medida que se possa aplicar a todos os pontos
mesmo centrais da cidade, como acontece nas [cidades] mais civilizadas da
Europa”.
62
Por conta da epidemia do cólera de 1855-56, o diretor da Junta Central de
Higiene Pública, Francisco de Paula Candido, propôs a criação de um sistema
provisório para os despejos, enquanto não se construía o definitivo, baseado ainda no
uso dos barris que seriam levados, em horários específicos, a depósitos distritais
(calculados para receber os despejos de uma semana) e, daí, a fossos (que
funcionariam próximo do que se entende hoje como aterro sanitário). Todo o
processo seria marcado por medidas de desinfecção; haveria ainda privadas e
mictórios públicos para o uso da população. O cálculo das imundícies da capital
imperial debitava tanto a estrutura material da cidade quanto os costumes arraigados
que não respeitavam os horários delimitados pelas posturas municipais e nem mesmo
a importância dos lugares – para consternação do médico, despejos eram feitos
inclusive ao lado do Paço Imperial. Assim, “por toda a parte, liberdade plena de
61
H. Beaurepaire Rohan, Relatório apresentado à Ilma. Câmara Municipal do Rio de Janeiro, 1843, In
V. Andreatta, Cidades quadradas, paraísos circulares: os planos urbanísticos para o Rio de Janeiro no século XIX,
2006, anexos, p.04; grifos nossos.
62
Ibidem; sobre o “plano” de Beaurepaire Rohan, cf. V. Andreatta, Cidades quadradas, paraísos circulares:
os planos urbanísticos para o Rio de Janeiro no século XIX, 2006, p.83-135, que efetua um importante
trabalho de descrição e reconstituição gráfica das propostas apenas escritas.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
133
envenenar o ar da cidade”.
63
Ao historiar o que considerava como as duas grandes
moléstias a atravancar o progresso do Brasil no século XIX, Pereira Rego afirmaria
que a epidemia de febre amarela que irrompera em 1849 viera no bojo do “mais
deplorável estado de nossa higiene pública e polícia sanitária, pelo desleixo e
abandono em que jazia tudo que respeita à saúde pública”.
64
Além da leitura higienista, que reiteraria ademais a condenação ao Morro do
Castelo, Beaurepaire Rohan proporia a organização de um “plano colossal” para
coordenar o conjunto de medidas necessárias ao melhoramento da cidade. Essa
noção de plano – não traduzido graficamente à época conquanto descrito em
detalhes – o levaria a condicionar, e.g., a reforma geral do calçamento da cidade –
com muitas ruas em “estado de ruína” ou com tudo por fazer – com um “sistema de
esgote”.
65
63
F. Paula Candido, Relatório acerca da saúde publica, 1856, p.70-77; observe-se que Candido não se
estende em comentários sobre a necessidade de remoção do matadouro, sobre as inumações em solo
sagrado e sobre a construção de moradas salubres pois considerava que a utilidade de tais medidas
estava mais do que demonstrada.
64
J. Pereira Rego, Memória histórica das epidemias de febre amarela e cólera-morbo que têm reinado no Brasil,
1873, p.17.
65
B. Rohan, op. cit., p.05, 08.
Figura 2.10: mapa interpretativo das propostas de Beaurepaire Rohan, 1843
(sobre a base cartográfica digital atual da cidade)
Fonte: V. Andreatta, 2006, p.55.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
134
Ainda assim, pensando pragmaticamente, os elementos do “plano” de
Beaurepaire Rohan não iriam prever o arrasamento do Morro do Castelo, conquanto
o seu fim implicasse “em extensão, salubridade e embelezamento, como foi
demonstrado pelo Ilmo. Dr. Emílio Maia, no seu relatório à Academia de
Medicina”.
66
A clareza das limitações orçamentárias e de ação da câmara municipal
impunham a delimitação de propostas que se considerava exeqüíveis.
A formulação de que a consecução dos sistemas de saneamento
(abastecimento de água, coleta, canalização e tratamento das águas pluviais e dos
esgotos) seria fundamental para superação dos problemas gerais de salubridade e,
assim, para viabilizar a transformação e construção de uma cidade progressista,
civilizada, moderna, ganharia corpo até o final do século XIX. Nesse sentido, a obra
de diversos engenheiros como Aarão Reis, Francisco de Paula Bicalho, Lourença
Baeta Neves, Theodoro Sampaio, Henrique de Novaes e, sobremaneira, Francisco
Rodrigues Saturnino de Brito estruturaram uma prática sobre o desenho das
reformas, da expansão e mesmo da criação de cidades por todo o Brasil. O que exigiu
uma série de leituras sobre as estruturas urbanas herdadas do período colonial – que
se expandiram e atravessaram o período imperial.
2.2 o traçado sanitário das cidades
O Le tracé sanitaires des villes, publicado por Saturnino de Brito em 1916, na
França (por ocasião do Congresso da Associação de Técnicos Municipais, órgão do
qual o autor era membre d’hounner como representante do Brasil), será considerado
aqui como uma suma desse conhecimento que vinha se estruturando desde o final do
século XIX. Isso por várias razões. Antes de mais nada, porque o texto faz um
apanhado e reflete sobre planos e obras já realizadas ou em andamento que serviriam
como parâmetro para o próprio Brito e, principalmente, para seus pares
profissionais. Dentre esses planos e obras, destacavam-se os de Santos e Recife, mas
há também referências a Campos, Vitória (Novo Arrabalde) e Parahyba do Norte
(atual João Pessoa). Em segundo lugar, porque exprime vários dos pressupostos
teóricos que informam a leitura e a formulação de soluções, demonstrando que a
66
Ibidem, p.04.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
135
formação do urbanismo sanitarista não significou uma mera continuação das leituras
e ações higienistas, embora delas se aproprie claramente. Há aqui uma cisão que se
manifestaria, e.g., ao negar a possibilidade de analogia entre o ser humano como
organismo e a cidade como organismo: “On multiplie les études pour amener les
efforts vers une orientation organique, c’est-à-dire, esthétique, rationnelle, pratique;
mais on ne peut pas songer à résoudre tous les problèmes locaux par des règles ou
des types classiques L’organisme-ville est comparable à l’organisme-homme il est encore
plus complexe”.
67
Em meio às várias citações, desde as mais eminentemente técnicas até aquelas
voltadas para o problema do plano da cidade (como The sanitary side of town planning,
de Alfred J. Price, e do artigo de Nelson P. Lewis para o Congresso Internacional de
Engenharia, realizado em San Francisco, 1915), destaca-se a leitura do livro de
Camillo Sitte, não a partir do original, mas em sua edição francesa de 1902, L’Art de
bâtir les villes. Leitura que é marcada, claro, pelos interesses do leitor e, antes ainda,
pelas alterações operadas pelo tradutor para o francês, Camille Martin, que fez
substanciais acréscimos, compondo praticamente um livro diverso, inclusive com
novas ilustrações.
68
Essa questão está longe de ser de somenos importância. Afinal, como o
demonstrou o professor Carlos de Andrade, recuperando a fortuna crítica do
influente livro de Camillo Sitte para o nascente urbanismo moderno, é
principalmente a partir da edição francesa de 1902 que o livro de Sitte circularia –
como, e.g., no Town Planning in practice (1909), de Raymond Unwin, na Société Française
des Urbanistes e nas próprias leituras de Brito. Assim, muitas das críticas feitas às idéias
de Sitte são, na verdade, formulações sobre trechos transfigurados por Martin, que
chegara, inclusive, a escrever um novo capítulo dedicado ao tema das ruas em
substituição ao capítulo sete original – “praças do norte da Europa”.
69
67
F. Saturnino R. de Brito, Le trace sanitaire des villes: technique sanitaire urbaine. [1916], in Obras
Completas de Saturnino de Brito, v. 20, 1944, p.34.
68
George R. Collins e Christiane C. Collins, Camillo Sitte y el nacimiento del urbanismo moderno
[1965], in C. Sitte, Construcción de ciudades segun principios artísticos, 1980.
69
Cf. Carlos de Andrade. Camillo Sitte, Camille Martin e Saturnino de Brito: traduções e
transferências de idéias urbanísticas, in L. C. Q. Ribeiro e R. Pechman, Cidade, povo e nação. Gênese do
urbanismo moderno, 1996, p.287-310.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
136
Isso implica considerar que Brito fez uma leitura interessada em cima de uma
leitura que, por sua vez, já operara ênfases, reescritas, interesses. Leitura interessada
todas as leituras costumam ser. Em Saturnino de Brito, a leitura de Sitte buscaria os
fundamentos para a defesa do plano contra o crescimento desordenado das cidades.
Como afirmaria logo no prefácio, para Brito era melhor algum plano do que nenhum
– não fazê-lo implicaria deixar
(...) l’extension des villes dépendre du hasard, des caprices des
propriétaires et des administrations locales; les faits ont montré
partout les graves inconvénients, aux points de vue technique et
économique, de l’imprévoyance touchant le développement des
réseaux de distribution d’eau potable, et principalment des réseaux
d’égouts sanitaires et d’égouts pluviaux.
70
Fazer-se ao acaso revela as muitas leituras de Sitte mas, também, uma
preocupação fundamental de Brito com a realidade das cidades brasileiras em que
vinha atuando havia mais de duas décadas. Assim, por meio dos argumentos de Sitte,
o engenheiro
brasileiro propõe
demonstrar que
‘l’irrégularité des
plans des villes
anciennes venait du
sentiment artistique,
mais que’on ne doit
plus laisser au hasard
l’extension des villes;
au contraire, il faut
en dresser à l’avance
les plans
d’ensemble”.
71
Não seria o acaso, o capricho de um indivíduo ou uma conjunção de
fatores fortuitos que levariam à beleza pitoresca da irregularidade de praças e ruas,
mas, sim, e mesmo inconscientemente, o vínculo à tradição de cada época – que
70
Saturnino de Brito, Trace sanitaire des villes, op. cit., p.28.
71
Ibidem, p.35.
Figura 2.11: os exemplos sitteanos de Ravenne (esq.) e Pádua (dir.) evocados
por Saturnino de Brito para falar do sentimento artístico presente na
irregularidade das cidades antigas européias.
Fonte: S. Brito, Tracé Sanitaire des villes, 1916.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
137
combinaria, com arte, o pitoresco natural, a grandeza das construções, o estilo e a
disposição das massas.
72
Arte que poderia ser vista nos exemplos sitteanos que Brito incorpora a seu
texto – as Piazze del Duomo em Ravenne e em Pádua, a catedral de Anvers e os
pequenos largos e praças de Bruxelas. Arte que não se encontraria nos exemplos
evocados das cidades “bien plus recentes qui se sont formées aux temps coloniaux
du Brésil”.
73
Os exemplos são retirados de Recife e Santos, cidades que conhecia bem
por conta de sua longa estadia em ambas, conduzindo os trabalhos de planejamento
e execução das redes de saneamento e de expansão urbana, com claro impacto sobre
as estruturas já existentes.
72
Cf. Ibidem, p.35-36; as citações de Brito baseiam-se na edição de 1902 do livro de Camillo Sitte.
73
Ibidem, p.37.
Figura 2.12 (esq.): Anvers
Fonte: S. Brito, Tracé Sanitaire des villes, 1916
Figura 2.13 (dir.): área central de Bruges
Fonte: Ibidem.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
138
Les exemples des plans des figures [européias] peuvent être
compares aux exemples des plans des figures [brasileiras], de
quelques places et rues des villes de Santos et de Recife, également
irrégulières; elles n’ont pas cependant la beauté que’on ont aux
exemples nombreux pris en des villes anciennes de l’Europe,
parce que le sentiment artistique n’a rien em faveur des villes
brésiliennes, en les dotant de beaux édifices harmonieusement disposés,
comme il n’a rien fait aussi pour embellir la plupart d’autres places
et rues irrégulières de l’Europe, même tout pres de celles qui
bénéficièrent d’une préférence quelquefois fortuite. Quelques-
unes des rues et des places représentées [das cidades brasileiras]
sont aujourd-hui modifiées sans aucune orientation esthétique ou
rationelle.
74
Para Brito, o problema não estaria na irregularidade em si. Inclusive, quando
o terreno fosse acidentado, com diferenças de nível expressivas, o traçado irregular,
sinuoso ou que combinasse ortogonalidade e irregularidade era a melhor solução
técnica – para implantação das redes de saneamento, dos sistemas de circulação etc.
74
Ibidem, p.39-41.
Figura 2.14 (esq.): Santos – praças do Rosário (I), Andradas (II) e Mauá (III)
Fonte: S. Brito, Tracé Sanitaire des villes, 1916.
Figura 2.15 (dir.): Santos, Praça da República
Fonte: Ibidem.
Figura 2.16: Recife, Praça Maciel Pinheiro
Fonte: Ibidem.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
139
Esse é o cerne da crítica de Brito ao traçado de Belo Horizonte, e.g., para a qual
evocaria Nelson Lewis: “La symétrie sur un plan et la symétrie sur le terrain sont
choses très différents”.
75
Esse seria, a propósito, o fundamento para o delineamento da proposta para
João Pessoa, em 1913:
(...) indico alguns melhoramentos para a cidade existente,
alargando várias ruas destinadas a realizarem a fácil distribuição do
trânsito; projeto ruas novas, sem a preocupação inconveniente, e hoje
condenada, de alinhar ruas retas e longas, cortando-se em ângulos retos;
procurei traças as ruas novas de modo a terem todas uma
declividade favorável ao escoamento pluvial e à execução dos
esgotos.
76
75
Ibidem, p.51.
76
F. Saturnino R. de Brito, Saneamento de Paraíba do Norte (João Pessoa) [1913], in Obras Completas
de Saturnino de Brito, v.5, 1943, p.291; grifos nossos.
Figura 2.17: Recife, Largo do Corpo Santo (esq.) e Pátio do Carmo (dir.)
Fonte: S. Brito, Tracé Sanitaire des villes, 1916.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
140
Figura 2.18: à esquerda, o traçado regular de Aarão Reis que se sobrepõem às condições topográficas do sítio; à
direita, a correção segundo os princípios do traçado sanitário.
Fonte: S. Brito, Tracé Sanitaire des villes, 1916.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
141
Isso serviria de princípio para corrigir as eventuais falhas no traçado do
plano, diante de uma planta topográfica original que Brito reputava como falha e
insuficiente. O traçado sanitário viabilizaria assim a conexão e a fluidez da circulação
entre o platô elevado da cidade alta – núcleo original de ocupação com trama regular
do final século XVI – e a irregularidade que descia a encosta em direção ao
Varadouro e ao Rio Sanhauá. Mais ainda, apontava para a possibilidade de ocupação
em direção leste, expandindo a cidade para além dos seus limites seculares,
dominando a antiga Lagoa dos Irerês (transformada, no projeto, em parque).
77
77
As obras de saneamento seriam realizadas apenas a partir de 1922 e concluídas em 1926; cf.
Francisco Sales Trajano Filho, D.V.O.P.: arquitetura moderna, estado e modernização (Paraíba, década de
1930), 2003, e M. Cecília Almeida, Espaços públicos em João Pessoa (1889-1940): formas, usos e nomes, 2006,
p.86-87, 99-102, 160 et seq.; uma leitura detida do plano, mostrando incongruências entre os próprios
princípios de Saturnino de Brito e algumas das soluções apresentadas (compondo um traçado que não
seria o melhor do ponto de vista sanitário), encontra-se em Alberto Sousa, Helena Nogueira e Wylnna
Vidal, Inovação no urbanismo brasileiro da Primeira República: o traçado de Saturnino de Brito para a
expansão da capital paraibana, Arquitextos, mar. 2006.
Figura 2.13: projeto para João Pessoa-PB, em 1913
Fonte: S. Brito, Tracé Sanitaire des villes, 1916.
Figura 2.14: rede sanitária que informa e determina a
solução do traçado viário (que já aproveita a situação
existente). Fonte: S. Brito, Tracé Sanitaire des villes, 1916.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
142
O imperativo era sanitário – que subordinaria as outras dimensões que
deveriam ser consideradas na elaboração e execução de um plano geral para uma
cidade, nova ou existente. Como diria Brito, ao referir-se aos planos de L’Enfant para
Washington e de Aarão Reis para Belo Horizonte:
Il faut maintenir ce point de vue relatif dans l’organisation des
nouveux tracés des villes, de même que pour le jugementet la
révision des plans déjà dressés: ceux-ci doivent être respectés,
malgré l’accusation du manque d’esthétique, quand ils
représentent aussi le schéma prévu pour les travaux sanitaires; lês
modifications ne doivent jamais influer sur le tracé sanitaire ou
doivent se limiter à des détails. L’architecte compétent peut
toujours embellir les endroits indiqués par les besoins artistiques,
indépendamment de la régularité géométrique du plan.
78
Essa questão seria reiterada diversas vezes, quase como um leitmotiv dos
engenheiros que trabalharam dentro da perspectiva do urbanismo sanitarista. Em
texto sobre os melhoramentos do Rio de Janeiro, publicado em 1927, pouco antes do
convite oficial ao arquiteto Alfred Agache, Brito voltaria mais uma vez a defender a
necessidade de se trabalhar “o problema integral” das cidades sob o seu “duplo
aspecto – o utilitário e o estético”:
Sem essa capacidade especial, torna-se indispensável a colaboração
de outros técnicos. A injunção de Camillo Sitte, para que o
engenheiro que projeta arruamentos consinta que o artista olhe
sobre o ombro e modifique algumas vezes a direção da régua e do
compasso, junte-se o conselho para que o artista que projeta permita que o
engenheiro municipal e o sanitário também modifiquem algumas vezes o
“pistolet” da estética, ou mesmo o substitua momentaneamente pela
régua.
79
Sitte permaneceria como referência, é certo – mesmo em meio às discussões
sobre a delimitação profissional de responsabilidades sobre os problemas da cidade.
Mas a leitura que não encontrara o “sentimento estético” nas cidades antigas
brasileiras deriva de Sitte tão-somente? Ou, melhor, deriva de fato da versão de
Martin do livro de Sitte?
Aqui, pode-se especular, a vivência das muitas cidades por onde passou,
trabalhando, elaborando planos, projetos de redes técnicas, pesava-lhe mais na
78
Saturnino de Brito, Trace sanitaire des villes, op. cit., p.50.
79
Idem, Os melhoramentos do Rio de Janeiro, in Obras Completas de Saturnino de Brito, v. 20, 1944,
p.181-182; grifos nossos.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
143
delimitação dos parâmetros de julgamento. Oriundo do ambiente cultural técnico em
que Brito se movia, pesava-lhe praticamente um século de leitura escrutinadora e
depreciativa contra as cidades antigas, tanto européias
80
quanto brasileiras, e os seus
cheiros, barulhos, promiscuidade, falta de asseio e de decoro. Afinal, alguns dos
exemplos evocados das cidades brasileira, como o do Largo do Corpo Santo, em
Recife, encontrava-se uma configuração que serviria aos princípios sitteanos.
Observe-se, portanto, algumas das leituras realizadas ou esposadas por
Saturnino de Brito que são anteriores ou, no máximo, contemporâneas a 1902 (ano
da publicação da edição francesa do livro de Camillo Sitte).
81
Salvo engano, uma das
primeiras referências a Sitte apareceria nos relatórios dos trabalhos de Santos
referentes a 1905 e 1906 (o texto deve ser de meados de 1907, pois Brito refere-se a
Sitte ao lado de Vierendeel e de Joseph Bouvard, que “passou pelo Rio de Janeiro
para ir reformar Buenos Aires” havia pouco, os três autores como exemplos da
capacidade de diferenciar o que se vê na planta e o que aparece na rua,
transformando em belezas artísticas o “suposto defeito de plano” ou o “acidente
topográfico”).
82
Em Campos, cidade natal do engenheiro, no Vale do Paraíba fluminense, iria
descrever a cidade a partir da preocupação técnica com a salubridade, com o decoro,
com a possibilidade de viver bem o espaço público e o espaço privado da habitação:
(...) as ruas em geral são mal lançadas e, na parte antiga, estreitas e
irregulares; a declividade é geralmente insuficiente para o
80
Via autores, e.g., sainsimonistas que tiveram clara repercussão na formação politécnica francesa e,
em conseqüência, na politécnica do Rio de Janeiro, sobremaneira, onde se formaram Saturnino de
Brito, em 1886, e Aarão Reis, em 1874 (quando a Escola passou de Central à Politécnica); cf. M.
Cristina Leme, Urbanismo no Brasil. 1895-1965, 1999, p.448-451, 453-455; Heliana Salgueiro, Engenheiro
Aarão Reis: o progresso como missão, 1997; idem, O pensamento francês na fundação de Belo Horizonte:
das representações às práticas, in Cidades capitais do século XIX: racionalidade, cosmopolitismo e transferência de
modelos, 2001c; Antoine Picon, Racionalidade técnica e utopia: a gênese da Haussmannização, in
Cidades capitais do século XIX: racionalidade, cosmopolitismo e transferência de modelos, 2001.
81
(nota pessoal) estivemos por duas vezes, entre 2000 e 2001, no arquivo morto do Laboratório
Técnico Hidroesb, no Rio de Janeiro, onde se encontra o “espólio” do Escritório Saturnino de Brito, e
encontramos apenas alguns livros, cadernetas de campo e grande parte dos projetos originais, desde
antes da fundação do próprio Escritório (em 1920) até o fechamento das atividades, na década de
1970. O livro de Camillo Sitte não fazia parte desse acervo.
82
Cf. F. Saturnino R. de Brito, Saneamento de Santos, Relatório dos trabalhos de 1905-1906 [1907], in
Obras completas de Saturnino de Brito, v.7, 1943, p.50-51; Bouvard foi contratado em 1907 pela
intendência de Buenos Aires para realizar um plano de melhoramentos; em julho desse ano estava de
volta a Paris, cf. Adrián Gorelik, La grilla y el parque, 1998, p.195; M. Cristina Leme, Urbanismo no Brasil,
1999, p.544-45.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
144
escoamento pelas sarjetas. As praças que existem são abandonadas
(...).
(...) O asseio e a propriedade do hábito externo da cidade são tão
necessários quando para o hábito de cada indivíduo no lar e em
sociedade. Vemos aqui generalizada a antiga e detestável construção
colonial, tanto para o miserável casebre como para as habitações
comuns e para os próprios casarões, com pretensões a palacetes;
sempre a falta de ar e de iluminação no interior (...).
83
Seria em Campos que Brito desenvolveria a proposta do quarteirão com
vielas sanitárias – que serviria depois de referência para os projetos de Santos e
Recife. Apesar da leitura condenatória da parte antiga, o engenheiro não propunha
transformá-la, por questões pragmáticas. Deixavam-se assim as “ruas tortas e
estreitas do centro da cidade” como estavam, pois os alinhamentos e retificações
seriam economicamente inviáveis para o orçamento de uma cidade de pequeno
porte. Importante, no caso, era planejar a expansão, as novas áreas, enquanto
remediavam-se os becos insalubres com calçamento e esgotamento.
84
Brito esposaria a leitura higienista que encontraria na cidade o problema
fundamental – o que levava, inclusive, a embaraçar as condições naturais favoráveis à
salubridade. Em Campos, citaria e elogiaria relatório do médico Pereira Nunes, de
1902, que afirmava:
Realmente Campos, dotada pela natureza de condições
topográficas excepcionais para ser em todos os sentidos a sultana
do Paraíba, foi, pelos desvios da engenharia indígena e dos
construtores coloniais, transformada em uma cidade de ruas tortuosas,
becos e vielas sombrias, cheias de casebres escuros e insanáveis, criando
assim um meio nosológico de condições semelhantes a muitas
cidades asiáticas, onde a peste é endêmica.
85
O texto do médico constitui quase uma síntese da leitura negativa que foi se
estruturando sobre a cidade colonial. Imagem que evocaria também, ainda que de
maneira vaga, um tema comum a muitos viajantes, a dizer, a proximidade com as
imagens das cidades asiáticas ou orientais de maneira geral, ecoando noções de
confusão, reclusão, vida privada sobrepondo-se à vida privada, perigos e doenças
83
F. Saturnino R. de Brito, Saneamento de Campos [1903], in Obras completas de Saturnino de Brito, v.6,
1943, p.76-77; grifos nossos.
84
Ibidem, p.193-196.
85
Ibidem, p.79.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
145
exóticos, enfim, configurações do orientalismo.
86
Esse tipo de leitura encontraria
paralelo durante o desenvolvimentos dos projetos e obras para Recife, em especial na
leitura da produção do médico Octavio de Freitas (Brito citaria várias passagens de
“O clima e a mortalidade da cidade do Recife”, de 1905), construindo a mesma
noção de que o território da cidade era naturalmente propício à salubridade. Era na
construção material da cidade que se encontravam os defeitos – nas habitações
insalubres, nas condições e materiais empregados na construção, na localização
adensada, parede com parede, criando alcovas, no pouco asseio empregado na
manutenção etc – que a transtornavam.
87
As obras de modernização – da construção das redes técnicas em conjunto
com as obras de embelezamento levadas a cabo por outros setores da prefeitura do
Recife – seriam fundamentais para dar “à cidade um aspecto mui diferente da feição
colonial e tristemente mórbida que a caracterizava”.
88
A leitura do erro que se inscreve nas origens das vilas e cidades fundadas pelo
colonizador português já aparecera antes, quando efetuou os estudos para o Novo
Arrabalde, área de expansão de Vitória. Brito concedia que a ocupação original dera-
se sob os imperativos da defesa. Contudo, essa justificativa não explicaria o
desenvolvimento que acontecera ao longo da história, pois na margem oposta da ilha
“sobravam terras em melhores condições”:
Se, porém, esta justificativa corre paralela ao natural egoísmo do
ocupador lusitano, ela não logra vingar em favor do procedimento
acanhado dos primeiros edificadores, que erguiam as suas casas à
direita e à esquerda, acima e abaixo, com tanto cunho de
estabilidade no detalhe quão pequena preocupação de ordem e de
progresso no conjunto.
89
O Novo Arrabalde implicaria assim não apenas na construção material de um
novo espaço, mas, sim, de uma sociabilidade diversa do “viver acanhado” da cidade
tradicional. Essa formulação seria constante nos relatórios e projetos posteriores.
86
Cf. E. Said, Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente, 1990 [1978].
87
F. Saturnino R. de Brito, Saneamento de Recife, in Obras completas de Saturnino de Brito, v.8, 1943,
p.21-33 passim.
88
Ibidem, p.09; grifos nossos.
89
Idem, Melhoramentos de Vitória, Espírito Santo [1896]. In Obras Completas de Saturnino de Brito, v. 5,
1943, p.15; grifos nossos.
As cidades estreitas e sujas
: esforços para constituição de uma (nova) ordem urbana____________________________________
146
Como formularia em seu Tracé Sanitaire, as cidades brasileiras ainda viviam na fase do
fazer-se ao acaso,
90
sem ou com pequena preocupação de “ordem” e de “progresso”
– preocupações que implicavam plano (delineado sob o imperativo do traçado
sanitário).
90
À maneira de Comte, como discute Carlos de Andrade, Brito diria que haveria três fases que
caracterizam o desenvolvimento das cidades: a primeira é a “formation au hasard des premiers
éléments d’un village ou d’u faubourg”; a segunda é o “développement sans plan général, sans
programme précis, suivant des plans partiels, d’occasion ou de fortune, esquissés para lês proprietaires
interesses, ou par les administrations locales, généralement mal conseillées”; por fim, a terceira seria o
“regime de l’élaboration systèmatique de plans d’ensemble bien coordonnées pour l’extension future
et pour la formation des villes nouvelles”, cf. Saturnino de Brito, Tracé sanitaire des villes, op. cit.,
p.147.
CAPÍTULO 3
A ARTE QUE LHE FALTA
Legitimações do campo disciplinar do urbanismo
A arte que lhe falta: legitimações do campo disciplinar do urbanismo____________________________________________________
148
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
149
“Les besoins de la vie moderne ne peuvent plus s’adapter aux
plans irréguliers de la plupart des villes anciennes”
Francisco Saturnino de Brito, Le tracé sanitaire des villes, 1916.
A mudança da capital de Minas Gerais foi assumida, desde meados do século
XIX pelo menos, como uma tarefa necessária para a modernização do estado, marco
simbólico e material da superação – que se pretendia definitiva – dos entraves
atávicos do período colonial e, depois, imperial. Ouro Preto, a antiga e próspera Vila
Rica, havia muito não era considerada uma alternativa viável para ser a sede do poder
político-administrativo. Como resumiria o jornal “A Ordem”, em edição de 19 de
julho de 1890, a propaganda contra a então e ainda capital advertia tanto para a falta
de condições higiênicas necessárias e para a “péssima posição topográfica” quanto
para a situação geográfica que dificultava a ação governamental de administração do
território do estado e desenvolvimento dos interesses públicos e particulares.
Ademais, não haveria nem área para expansão urbana nem condições para suscitar
uma rica vida social urbana que uma capital moderna requeria.
1
Tanto que, num derradeiro esforço para manter a condição de Ouro Preto
como capital, constituiu-se uma Comissão de Melhoramentos, em 1891 – em meio
ao recrudescimento das discussões nos jornais e na assembléia legislativa estadual
sobre as localidades mais propícias para receber a nova capital –, para modernizar a
antiga cidade, com retificação de traçados viários, construção de boulevard,
organização de um serviço de transporte público com bondes e delimitação de áreas
para expansão urbana, em especial no Morro do Cruzeiro, onde, projetava-se,
poderia se criar uma nova e moderna cidade para mais de 50 mil habitantes ligada à
existente por um viaduto de ferro. Medidas duramente criticadas pelos grupos
mudancistas, que apontavam o contínuo sorvedouro de recursos que a capital
1
A citação de “A Ordem” é derivada de Caion M. Natal, Ouro Preto: a construção de uma cidade histórica,
1891-1913, p.15-16.
A arte que lhe falta: legitimações do campo disciplinar do urbanismo____________________________________________________
150
representava, sem nada produzir depois do fim da atividade mineira. Tais
melhoramentos tratavam-se de um “embelezamento impraticável e improfícuo”, pois
não se iria reverter a imagem de decadência e de desolação de que fora impregnada a
cidade desde o início do século XIX por meio do relato de vários viajantes, como
John Mawe, Saint-Hilaire e, já na segunda metade do Oitocentos, Richard Burton.
2
Os mesmos recursos projetados poderiam ser melhor empregados na construção da
nova capital, defendiam muitos publicistas, como os de “O Contemporâneo”, de
Sabará.
3
A escalada de decisões que levariam à criação da Comissão Construtora da
nova capital poria por terra de vez tais esforços. Obras ficaram pela metade, outras
tantas nem mesmo sairiam do papel.
4
O prolongamento da Estrada de Ferro D.
Pedro II até Ouro Preto (concluído em 1889), obra de complicada logística e solução
técnica dirigida pelo engenheiro Miguel Burnier, também pouco servira para romper
com a leitura de que a capital era mal localizada geograficamente para ser o centro
simbólico e político do estado.
A isso se somavam as leituras de decadentismo, de atraso e de desordem que
caracterizavam várias cidades coloniais do ciclo do ouro, em especial Ouro Preto. O
projeto mudancista apresentado pelo Padre Agostinho Paraíso à Assembléia
Provincial em 1867 fundava-se na leitura da decadência e do caráter parasitário de
uma capital que nada produzia (em tom jocoso, muitos afirmavam que nem mesmo
suas hortaliças), e.g.
5
O terreno acidentado e montanhoso apenas agravava esse
conjunto de representações.
Leituras que perdurariam ao longo das primeiras décadas do século XX,
como se percebe na monumental história de Belo Horizonte construída por Abílio
Barreto, ainda hoje uma fonte fundamental (que compila e organiza diversos
2
Esses relatos ainda impressionariam vivamente os estudos de John Bury sobre a arte e arquitetura
colonial de Minas Gerais em meados do século XX, cf. J. Bury, Arquitetura e Arte no Brasil colonial, 2006.
Manuel Bandeira registrou essa mudança de percepção – da “decepção ante a decadência do lugar” no
século XIX à sensibilidade à beleza pitoresca no século XX, cf. Guia de Ouro Preto, 1938, p.34.
3
Mudança da Capital, O Contemporâneo, Sabará, 29 jun. 1890, p.04 apud Abílio Barreto, Belo Horizonte:
memória histórica e descritiva, vol. I, história antiga, 1996, p.300.
4
Caion M. Natal, op. cit., p.37-58.
5
Abílio Barreto, op. cit., vol. I, p.288-291; o projeto receberia parecer favorável no ano seguinte, mas
seria vetado em seguida pelo presidente da província (veto endossado em votação apertada, dias
depois), cf. Ibidem, p.292-295.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
151
documentos originais, alguns já perdidos, dos quais esta tese se vale enormemente)
para os estudos sobre a cidade. Com claro viés evolucionista, como discute a
historiadora Heliana Salgueiro, Barreto procurava demonstrar que a necessidade de
mudança da capital estava inscrita na própria história da capitania de Minas Gerais
(quando, em 1720, foi separada da de São Paulo e se cogitou pela primeira vez da
mudança).
6
Ouro Preto, embora histórica e venerável para o historiador que
publicava o primeiro volume (dedicado ao que chama de “história antiga”) da sua
obra no final da década de 1920, era a capital velha, com defeitos insanáveis e de
péssima posição para ser sede de uma província que precisava progredir.
Assim, nos embates que levariam à criação de Belo Horizonte se entrecruzam
várias questões relacionadas: as disputas e os diversos interesses políticos e
econômicos de grupos regionais, as leituras e proposições de uma emergente cultura
técnica moderna no Brasil, por meio sobremodo da ação dos engenheiros, e as
formulações – que revelam representações – sobre o território, sobre os núcleos
urbanos existentes e as suas histórias. Mais ainda, Belo Horizonte significou um
ponto de convergência e de discussão (que perduraria ainda nas primeiras décadas do
século XX), um marco enfim, na formação do campo disciplinar do urbanismo
moderno no Brasil, embora ainda não fosse assim nomeado.
Como já se observou, o plano de Belo Horizonte constituiu-se uma suma dos
conhecimentos técnicos sobre as cidades e sobre o território no Brasil do final do
século XIX,
7
que se embebeu claramente nas leituras higienistas e na formação
politécnica e positivista dos engenheiros. Além do plano em si, o longo relatório
final, que será discutido a seguir, preparado pelo engenheiro Aarão Reis para definir a
localidade que receberia a nova capital, é exemplar dessa confluência que marca a
emergência do urbanismo moderno.
8
Exemplar também de uma importante inflexão que vinha se processando na
segunda metade do século XIX: o lugar social de proeminência do engenheiro, no
6
Heliana A. Salgueiro, A “volta” da história, in A. Barreto, op. cit., vol. I, 1996, p.35-39.
7
Marco Aurélio Gomes e Fábio Lima, Pensamento e prática urbanística em Belo Horizonte, 1895-
1961, in C. Leme, Urbanismo no Brasil, 1895-1965, 1999, p.120.
8
D. Calabi, Storia dell’urbanistica europea, 2000; M. S. Bresciani, História e historiografia das cidades, um
percurso, In M. C. Freitas (org.), Historiografia brasileira em perspectiva, 1998, p.244; Carlos de Andrade, A
peste e o plano: o urbanismo sanitarista do Eng. Saturnino de Brito, 1992; e F. Béguin, As maquinarias inglesas
do conforto, Espaços e Debates, 1991 [1977].
A arte que lhe falta: legitimações do campo disciplinar do urbanismo____________________________________________________
152
lugar do médico, na elaboração e condução dos relatórios de análise dos espaços
urbanos e dos planos de reforma, de expansão ou mesmo criação, como é o caso, de
cidades, enfim, nos processos de modernização urbana. A composição (definida em
lei adicional à constituição estadual de 1893) da Comissão de estudos das localidades
indicadas para a nova capital diz muito dessa inflexão: Aarão Reis, nomeado
engenheiro-chefe, designou mais cinco engenheiros, um para cada localidade a ser
estudada, e um médico, além do pessoal de apoio técnico e administrativo.
9
O
médico funcionava como um consultor, pelo que se depreende do relatório final de
Aarão Reis. Coligia dados climáticos, fazia apanhados estatísticos (alguns baseados
apenas nas informações orais) e observava, dentro da longa tradição mesológica, o
território. Os dados principais, seriados, mesmo aqueles que interessavam
diretamente ao saber médico, eram compulsados pelos engenheiros e auxiliares. Ao
que tudo indica, ao contrário dos engenheiros, que residiram e trabalharam
praticamente de maneira ininterrupta em cada localidade por cinco meses, o médico
apenas as visitava, por vezes muito brevemente.
Um breve parêntese: essa relação assimétrica entre a atuação de engenheiros e
médicos foi, pode-se especular, um fator a mais que pesou nos debates legislativos
que articularam a mudança da Várzea do Marçal para o arraial de Belo Horizonte. É
certo que a avaliação final de Aarão Reis pendeu para a primeira, mas apenas com
leve vantagem sobre a segunda.
Entre Várzea do Marçal e o Belo Horizonte é difícil a escolha. Em
ambas, a nova cidade poderá desenvolver-se em ótimas condições
topográficas; em ambas, é facílimo o abastecimento de água e a
instalação dos esgotos, ambas oferecem excelentes condições para
as edificações e a construção em geral, e se, na atualidade, a Várzea
do Marçal representa melhor o centro de gravidade do Estado e
acha-se já ligada, por meios rápidos e fáceis de comunicação com
todas as zonas, daqui a algumas dezenas de anos Belo Horizonte
melhor o representará, decerto, e mais diretamente ligada ficará a
todos os pontos do vasto território mineiro.
É, porém, de notar que na Várzea do Marçal há muito maior área
de terrenos devolutos dentro no próprio perímetro da futura
cidade, e a execução das obras indispensáveis à instalação desta
exigirá menor dispêndio, acrescendo que, em Belo Horizonte, será
9
Os membros da Comissão eram: eng. José Carvalho de Almeida (em Várzea do Marçal), eng. Samuel
Gomes Pereira (em Belo Horizonte), eng. Manuel da Silva Couto (em Barbacena), eng. Eugênio de
Barros Raja Gabaglia (em Juiz de Fora), eng. Luis Martinho de Morais (em Paraúna) e o médico José
Ricardo Pires de Almeida, cf. A. Barreto, op. cit., vol. I, p.334-343.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
153
mister, desde logo, construir um ramal férreo de 15 quilômetros,
ligando-a à Estrada de Ferro Central do Brasil.
10
O médico Pires de Almeida apontara que Belo Horizonte seria mais salubre
do que a Várzea do Marçal. Aarão Reis, a partir dos dados apresentados, inverteria
essa classificação. Essa questão estava longe de ser de somenos importância para
intelectuais e técnicos formados ao longo do século XIX. De maneira geral, Aarão
Reis, embora advertisse para a impossibilidade de estabelecer generalizações com os
dados colhidos em apenas cinco meses de trabalho (conquanto em condições
uniformes, por aparelhos aferidos previamente e de fabricação idêntica), apontou que
se podia inferir e corroborar o juízo generalizado no Brasil e entre os visitantes
estrangeiros acerca da “excelência do clima mineiro, sobretudo da zona que ocupa o
grande planalto da Mantiqueira”; especialmente em Barbacena, na Várzea e em Belo
10
A. Reis, Comissão de Estudos das localidades indicadas para a nova capital, relatório apresentado à S. Ex. Dr.
Afonso Pena, presidente do estado de MG..., janeiro a maio de 1893, Rio de Janeiro: Imprensa Oficial,
1893 [esse é o item 4º da Conclusão Geral dos estudos], in A. Barreto, op. cit., vol. I, p.396.
Figura 3.01: Mapa de Minas Gerais com as cinco localidades estudadas pela Comissão.
Fonte: A. Barreto, Belo Horizonte, 1996, v.1, p.344.
A arte que lhe falta: legitimações do campo disciplinar do urbanismo____________________________________________________
154
Horizonte, o clima concorreria “eficaz e poderosamente” para as condições gerais de
salubridade.
11
Os dados do relatório sobre o clima seriam tomados como um elemento de
legitimação da escolha da localidade de Belo Horizonte nos debates legislativos, em
julho de 1893. Por um lado, avalizou-se o trabalho do médico – quando afirmou a
melhor salubridade de Belo Horizonte em relação à Várzea. Por outro, em relação às
anotações sobre a possibilidade de o bócio ser endêmico na região, alguns
congressistas ironizariam o fato de Pires de Almeida ter passado pelo arraial pouco
mais de 24 horas; lembraram ademais que a “idéia do bócio” fora mobilizada em
artigos de periódicos de Ouro Preto como parte da propaganda anti-mudancista. Os
dados apresentados pelo médico não serviam para configurar uma particularidade
endêmica e foram considerados estatisticamente irrelevantes
12
– o que de fato eram,
deve-se dizer.
11
Ibidem, p.363-365, 372.
12
Extratos das discussões de várias sessões, que levariam à escolha de Belo Horizonte, podem ser
lidas no cap. XV do livro de A. Barreto, op. cit., vol. I, p. 404-429.
Figura 3.02: planta do arraial de Belo Horizonte, desenhada
pela Comissão em 1893.
Fonte: A. Barreto, Belo Horizonte, 1996, v.1, p.398.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
155
Ressalte-se esse aspecto para que não se incorra no equívoco de que tenha
havido um simples deslocamento entre a decisão técnica e a decisão política, como se
a primeira fosse deixada de lado. A elaboração técnica, embora se propusesse neutra
e afastada de qualquer interesse, como o faria Reis na introdução ao relatório,
13
foi
mobilizada decisivamente nos embates e no encaminhamento das decisões políticas
travadas mais diretamente no âmbito do legislativo estadual. Conformaria um
argumento fundamental para legitimar decisões em meio às discussões e a outros
argumentos.
Enfim, sobre o que não restava dúvida era a impropriedade de uma cidade
como a antiga Vila Rica continuar a ser a capital. Tanto que os relatórios da
Comissão de estudos das localidades e os textos da Comissão Construtora
praticamente não abordaram, diretamente, esse tema. Em muitos aspectos, pode-se
dizer que a batalha simbólica pela nova capital – nascida moderna, sob os
imperativos da higiene, da estética neoclássica e da fluidez da circulação e das
comunicações
14
– já estava ganha, em detrimento das velhas vilas e arraias coloniais.
Quase um século de leituras reforçando a imagem de decadência, de atraso, de
irregularidade conformariam um fundo-comum que, depois, seria importante para
construir representações úteis aos projetos de modernização urbana.
13
“Não sendo natural de Minas Gerais, nem tendo aí o mínimo interesse pessoal, direto ou indireto, e
animado, por outro lado, dos sentimentos a que já me referi, encontrei-me e encontro-me, felizmente,
no exame e estudo deste assunto, com a mais perfeita isenção de ânimo e de espírito, sem predileções
prévias e, mesmo agora, sem paixões adquiridas, fazendo os mais ardentes votos para que o futuro
confirme a escolha que for decretada”; isso levaria Aarão Reis a abrir mão, inclusive, da colaboração
dos profissionais mineiros, “a cuja cooperação já tenho aliás devido, em outras comissões, os
melhores serviços” (A. Reis, Comissão de Estudos das localidades indicadas para a nova capital, relatório
apresentado à S. Ex. Dr. Afonso Pena, presidente do estado de MG, janeiro a maio de 1893, Rio de
Janeiro: Imprensa Oficial, 1893, in A. Barreto, op. cit., vol. I, p.345-46).
14
Heliana A. Salgueiro, O pensamento francês na fundação de Belo Horizonte, in H. A. Salgueiro
(org.), Cidades capitais do século XIX, 2001c; Marco Aurélio Gomes e Fábio Lima, op. cit., p.120-21; e
Berenice Guimarães, A concepção e o projeto de Belo Horizonte: a utopia de Aarão Reis, in L. C.
Ribeiro e R. Pechman, Cidade, povo e nação: gênese do urbanismo moderno, 1996, p.123-140.
A arte que lhe falta: legitimações do campo disciplinar do urbanismo____________________________________________________
156
O presente capítulo parte assim da leitura das peças técnicas relacionadas ao
processo de elaboração do plano de Belo Horizonte para inquirir como o tema da
cidade colonial seria mobilizado, instrumentalizado e problematizado como parte do
processo de legitimação do campo disciplinar do urbanismo no Brasil. Afinal, é cada
vez mais claro para a historiografia brasileira que o saber urbanístico, nesse período
de formação (e não somente), não escaparia do crivo das formulações do
pensamento histórico-social do país (sobre a formação racial, a influência do clima e
do meio, o papel do elemento “primitivo”, etc.) e das suas construções ideológicas,
cujos temas seriam rebatidos na própria episteme da disciplina (pretensamente neutra
e científica) e “na reflexão sobre o processo de urbanização e modernização do
país”.
15
Saber, portanto, que seria atravessado pelas mais variadas hipóteses de
formação do Brasil, nas quais a construção do passado colonial e, conseqüentemente,
dos significados (das formas) da cidade, é peça central.
Saber que, em seus textos inauguradores, como na Teoría General de la
Urbanización (1867), de Ildefonso Cerda, se faria também como oposição entre ordem
e desordem, no balanço e avaliação entre uma cidade em negativo (com seus
defeitos) e outra em positivo (o modelo espacial ordenado, que se vislumbra no
plano). Inscreve-se assim em sua episteme a tarefa de análise sincrônica e diacrônica
15
José Lira, O Urbanismo e o seu outro: raça, cultura e cidade no Brasil (1920-1945), Revista Brasileira
de Estudos Urbanos e Regionais 1999.
Figura 3.03: linhas estudadas para o ramal férreo, e respectivos entrocamentos, entre
Belo Horizonte e Sabará. Fonte: A. Barreto, Belo Horizonte, 1996, v.2, p.66.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
157
da cidade – o que levaria, inevitavelmente, a avaliar como anacrônicas as cidades
antigas segundo a ótica da necessidade de circulação e comunicação modernas.
16
3.1 a primeira cidade da América do Sul
Foi citado acima o trecho final do relatório da Comissão de estudos das
localidades, quando Aarão Reis sopesa e se inclina por Várzea do Marçal como o
lugar mais adequado para receber a nova capital. É significativo também outro trecho
(o 5º item) quando afirmaria que
(...) é preferível que a nova capital seja edificada na Várzea do
Marçal, onde o Estado de Minas Gerais poderá – mediante projeto
organizado com competência e baseado em sérios e cuidadosos
estudos definitivos – erguer, dentro de três anos, e sem
exagerados ônus para seus cofres públicos, a primeira cidade da
América do Sul, dominando de cerca de 1.000 m de altitude todo o
vasto planalto brasileiro.
17
Significativo mas lacunar. De onde adviria essa afirmação de que a nova
capital a ser construída seria a primeira cidade da América do Sul? É difícil até
especular. Não parece ser peça de retórica, força de expressão para inflar o discurso e
ganhar uma assembléia e seus ouvintes – embora se soubesse que o relatório seria
escrutinado e avaliado para a deliberação e conseqüente escolha política da nova
capital. Não se pode alegar ignorância de seu autor tampouco. Aarão Reis, como
muitos de seus pares, a exemplo de André Rebouças e Saturnino de Brito, tinha
conhecimento vasto, livresco por vezes, da produção científica e técnica da época. O
relatório de Reis está repleto de citações aos técnicos franceses, e.g., para convalidar
os dados e as conclusões acerca das soluções para o saneamento e para o
abastecimento de água.
Da mesma forma, durante a elaboração do projeto, Aarão Reis solicitaria
inúmeras publicações técnicas estrangeiras para manter a comissão atualizada.
Escreveria ainda para o ministro Plenipotenciário do Brasil na Argentina solicitando
os dados relativos às grandes cidades do país vizinho, enfim tudo que fosse útil para
16
F. Choay, A regra e o modelo, 1985, p.266-275.
17
A. Reis, Comissão de Estudos das localidades indicadas para a nova capital, op. cit., in A. Barreto, op. cit.,
vol. I, p.396.
A arte que lhe falta: legitimações do campo disciplinar do urbanismo____________________________________________________
158
informar o projeto, desde plantas, perfis, vistas, memoriais e estatísticas, até as
normas municipais, de polícia, de higiene e sanitárias. Deriva daí também o interesse
pelo projeto de La Plata (concebida como a capital da Província de Buenos Aires, em
1882), com o qual compartiria a estrutura básica quadriculada cortada por diagonais e
encerrada por um boulevard circular, além das grandes áreas verdes como parte da
concepção.
18
Outrossim, é difícil pensar que Reis não conhecesse a proposta de criação de
Teresina ou mesmo de Aracaju. Reis fez parte de uma geração de técnicos que
ajudou a construir uma compreensão abrangente sobre o território do Império a
partir da discussão de questões que seriam configuradas como problemas de interesse
nacionais, a exemplo do fenômeno das secas nas chamadas províncias do Norte e da
necessidade de articulação de um sistema de comunicação e circulação integrado.
Não à toa, Aarão Reis seria inspetor chefe da Inspetoria de Obras Contras as Secas
18
Marco Aurélio Gomes e Fábio Lima, op. cit., p.121.
Figura 3.04: Plano de La Plata, 1882.
Fonte: H. Capel, La Morfología de las ciudades, 2002.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
159
nos anos 1910.
19
Eventos desse porte não lhes eram estranhos, principalmente
considerando que a fundação da nova capital da então Província do Piauí, em 1852,
deu-se a partir de argumentação semelhante: a situação geográfica de Oeiras, a antiga
capital, era considerada um obstáculo à modernização. Situada em região de terras de
pouca fertilidade e, principalmente, distante do rio Parnaíba, principal escoadouro do
território, Oeiras fora construída no contexto de esforço para aumentar a autoridade
da Coroa e o controle sobre a colônia no início do século XVIII e, assim, possibilitar
a ligação terrestre pelo interior entre as capitais dos estados do Brasil (Salvador) e do
Maranhão e Grão-Pará (São Luís).
20
Teresina, a nova capital, deveria ser melhor
localizada para facilitar a circulação da produção e para possibilitar o controle
administrativo da província, cujas necessidades não estavam mais atreladas ao antigo
sistema colonial.
21
19
Cf. George Dantas, Angela Ferreira e Hélio Farias, Pensar e agir sobre o território das secas:
planejamento e cultura técnica no Brasil (1870-1920), Vivência, 2008.
20
Roberta M. Delson, Novas vilas para o Brasil-Colônia: planejamento espacial e social no século XVIII, 1997
[1979], p. 17-24.
21
Mauricio de Abreu, O estudo geográfico da cidade no Brasil, in Os caminhos da reflexão sobre a cidade e o
urbano, 1994.
Figura 3.04: esquema do mapa de Teresina-PI
Fonte: Cândido M. de Almeida, Atlas do Império do Brasil, 2000 [1868]
A arte que lhe falta: legitimações do campo disciplinar do urbanismo____________________________________________________
160
Para a fundação de Aracaju, em 1855, o “fator geográfico” seria também
preponderante. Os antigos portos de Capivaras, Pedreiras e Porto das Redes e suas
respectivas pequenas estruturas urbanas que serviam como “cidades de fundo de
baía”, como postos de passagem que articulavam a produção do interior à
distribuição no litoral, eram consideradas incompatíveis ao desenvolvimento da
navegação e ao uso dos vapores de maior calado. No lugar de São Cristóvão, distante
mais de 20 km do litoral, antiga capital provincial de uma rede urbana que gravitava
em função da província da Bahia, propôs-se (com risco do engenheiro Sebastião
Basílio Pirro) uma trama regular em rígido tabuleiro de xadrez inicial que pretendia
ser a cabeça de uma nova articulação territorial que marcasse a autonomia de
Sergipe.
22
Havia um fundo-comum de argumentação, certamente, no que diz respeito
ao papel que uma cidade capital deveria desempenhar – papel que estava relacionado
a uma leitura da estrutura econômica e urbana do sistema colonial que, defendia-se,
estava havia muito superado. No caso de Belo Horizonte, tal argumentação acirrava-
se em oposição a um atraso que tinha uma clara expressão material na estrutura e na
paisagem urbanas de Ouro Preto.
Assim, por que escrever e anunciar a nova capital a ser construída – em um
momento em que o projeto ainda seria elaborado – como a primeira cidade da
22
Fernando Porto, A cidade do Aracaju 1855/1865, 1991 [1945], p.13-17; W. Santos e Maria Vargas,
Apropriações na construção do urbano na cidade de Aracaju/SE, Scientia Plena, 2007.
Figura 3.05: esquema do mapa de Aracaju
Fonte: Cândido M. de Almeida, Atlas do Império do Brasil, 2000 [1868]
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
161
América do Sul? Havia, antes de mais nada, a consciência de se estar diante de uma
tarefa nova, com nenhum ou poucos parâmetros que pudessem servir de ponto de
partida para a reflexão; havia também a consciência do vulto e do significado da
tarefa, aspecto já ressaltado pela historiografia sobre o tema, da construção de uma
cidade que não apenas externasse os valores do regime republicano, mas que,
principalmente, pudesse se tornar um farol a apontar o caminho para a modernização
do país.
Pode-se especular que havia também aí uma leitura, derivada do fundo-
comum da forte influência positivista dos engenheiros politécnicos brasileiros, que,
anos depois, levaria à formulação de Saturnino de Brito acerca das fases de
crescimento do organismo urbano (derivadas, de certo modo, dos três estados da
evolução intelectual da humanidade da filosofia comteana).
23
Belo Horizonte
significaria assim, pode-se inferir (em retrospecto de Brito para Reis), naquele
momento, o ingresso definitivo na terceira fase – uma cidade concebida segundo um
plano geral, “a imagem utópica da cidade salubre”, que teria deixado de lado o lento
processo de expansão das cidades coloniais brasileiras, dominadas pelo acaso (a
primeira fase que, ainda assim, consolidaria a situação fundiária), e o predomínio dos
interesses particulares, da especulação (a segunda fase).
Mas, ilações à parte, o sentido permanece: a nova capital apontaria para um
novo país, uma possibilidade de articular o território vasto da nação, por meio de
uma nova maneira de pensar a cidade e sua relação com a região. Idealmente, não
consolidaria um caminho existente, um interesse de exploração imediato. A cidade
capital serviria a um projeto de poder que é também simbólico, por óbvio (com sua
centralidade, sua arquitetura oficial monumental, seu desenho urbano que se impõe
sobre a topografia, etc.).
24
Das considerações que levariam, por fim, à escolha do antigo sítio de Curral
d’El Rey para erguer a nova capital, deve-se fazer pelo menos mais três considerações
que interessam diretamente ao recorte de pesquisa e leitura aqui proposto.
23
Cf. Carlos de Andrade, A peste e o plano: o urbanismo sanitarista do eng. Saturnino de Brito, 1992, p.199-
201; F. R. Saturnino de Brito, Le tracé sanitaire des villes, 1916, p. 41-43.
24
A. Picon, Racionalidade técnica e utopia: a gênese da Haussmannização, In Cidades capitais do século
XIX, 2001; Bernard Lepetit, Das capitais às praças centrais. Mobilidade e centralidade no pensamento
econômico francês, in Cidades capitais do século XIX, 2001.
A arte que lhe falta: legitimações do campo disciplinar do urbanismo____________________________________________________
162
Primeiro, o rigor da análise técnica, que procurava ponderar e sopesar com
minúcias os critérios técnicos e econômicos, não deixaria de estabelecer apreciações
estéticas da paisagem, marcadas por certa noção do pitoresco e pelas imagens que se
vinham sobrepondo à leitura das cidades coloniais havia décadas. Veja-se, e.g., as
considerações sobre a cidade de Barbacena, em relação à posição geográfica e
condições topográficas:
Situada no planalto da Mantiqueira, (...), é incontestavelmente um
dos pontos mais aprazíveis, não só do Estado Mineiro, porém mesmo
de todo o Brasil.
O vasto e soberbo horizonte que, do cimo do seu Monte Mário, se
descortina, em todo o esplendor de uma atmosfera límpida e brilhante,
para todas as direções; os maravilhosos efeitos de cambiante
perspectiva que se gozam do alto de suas sucessivas colinas; o relevo
variado e multiforme de sua topografia; a pureza do ar que se respira;
o encanto de sua solidão em meio das campinas onduladas que a
circundam; os cursos de água que serpeiam no fundo dos seus
vales; o panorama que já oferecem alguns elegantes prédios
espalhados pelos cabeços dos seus morros (...).
25
E Aarão Reis continuava a sua descrição que evoca, ainda que sem pretensões
literárias, o encantamento dos viajantes com a paisagem. Não havia, certamente, a
perícia de uma Maria Graham, cujas narrativas eram marcadas por suas habilidades
como desenhista, mas, sim, a tentativa de fixar um quadro, transmitir sensações táteis
e visuais para delimitar uma paisagem de interesse pitoresco. Os cronistas lembrariam
dos passeios de Reis pelo sítio na época em que traçava a planta de Belo Horizonte.
26
Ao mesmo tempo, e como muitos viajantes artistas fizeram, essa é uma beleza que se
via a partir do núcleo urbano (e não enquadrando o núcleo urbano), olhando para o
sítio natural circundante; ou mesmo, é uma beleza que se percebia à distância.
Barbacena, no máximo, seria local de repouso, uma cidade para retiro, com sua
“tranqüilidade de uma vida descuidosa e calma, que permite seu afastamento dos
grandes centros agitados do país”.
27
Um quadro que só funcionaria se mantido
estático para fruição estética; o aumento populacional decorrente da implantação
administrativa de uma capital facilmente romperia com tal harmonia. Percebe-se
25
A. Reis, Comissão de Estudos das localidades indicadas para a nova capital, op. cit., in A. Barreto, op. cit.,
vol. I, p.351; grifos nossos.
26
Heliana A. Salgueiro, O Pensamento francês na fundação de Belo Horizonte, op. cit., p.157-158.
27
A. Reis, Comissão de Estudos das localidades indicadas para a nova capital, op. cit., in A. Barreto, op. cit.,
vol. I, p.351.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
163
como, no contrapelo, Aarão Reis construía sua leitura da cidade colonial, ainda que
não diretamente explicitada. As citações que se seguem são longas mas instrutivas
para entender as limitações que apareciam aos olhos do engenheiro:
Constituída, porém, totalmente, quer na parte já ocupada pela
atual cidade, quer na que, em seus arredores, pode ser aproveitada
para o desenvolvimento desta, por interminável sucessão de
morros, separados por insignificantes córregos e oferecendo, em
todos os sentidos, fortes declividades que se elevam até 15%, não
permite esta localidade, pela irregularidade de sua caprichosa
topografia e esquisita configuração do terreno, a edificação de uma
grande cidade em boas condições técnicas e higiênicas.
As palavras são importantes para mobilizar os sentidos e dar força à
descrição. Submeter-se a tal capricho e irregularidade seria um desastre técnico,
sanitário e econômico que resultaria em uma paisagem desgraciosa, atravancada.
Assim, argumentava
A impossibilidade de concentrar a população em área
relativamente pequena, por exigir a configuração especial do
terreno que a cidade se estenda em longos e tortuosos braços em todas
as direções; as enormes dificuldades, técnicas e financeiras, de uma
terraplenagem que excederia os limites do razoável; as péssimas
condições estéticas em que teria de ser edificada a maior parte dos
edifícios e prédios, alguns exigindo custosas fundações para
assentarem no terreno firme; os onerosos transportes dos
materiais; a irregularidade com que teriam de ser rasgadas as ruas e
Figura 3.06: J. M. Rugendas, A caminho de Barbacena
A arte que lhe falta: legitimações do campo disciplinar do urbanismo____________________________________________________
164
avenidas, sem as condições de um bom arejamento e uma conveniente
ventilação da cidade; concorreriam para obstar que, nesta localidade,
a população se desenvolvesse além dos estreitos limites de uma
pequena e modesta cidade de verão.
28
Esse quadro prospectivo para Barbacena era, pode-se inferir, uma leitura que
olhava para o passado – presente e expresso em Ouro Preto. Certamente a técnica
poderia subverter as determinações “caprichosas” de um sítio de topografia
“irregular” que submetera outrora os colonizadores. Mas os custos seriam muito
altos, principalmente em comparação com as demais opções disponíveis. Para
implantar o abastecimento de água para 30 mil habitantes (número inicial, conforme
exigido em lei), e.g., as despesas com Barbacena montavam a quase o dobro das que
seriam necessárias para Belo Horizonte ou Várzea do Marçal.
29
E, pior, o resultado
seria
(...) uma aglomeração informe e sem atrativos, de milhares de casas
sobrepostas, tortas, desalinhadas, sem gosto, sem conforto, serpeando
colinas, trepando outeiros, descendo vales, inclinadas umas, outras
achatadas sob o peso de pavimentos posteriores, e tudo isso
dificultado o trânsito, obstando a regularidade do abastecimento e
comprometendo a facilidade dos escoamentos.
30
A crítica à Barbacena, à sua impossibilidade de ser transformada em uma
cidade capital moderna, continha em si os elementos da crítica a Ouro Preto e aos
outros núcleos coloniais e, consequentemente, ao próprio sítio que acabaria sendo
escolhido para se erigir a nova capital. Nesse sentido, e esse é o segundo aspecto que
interessa apontar, é significativo que o arraial de Curral d’El Rei seja praticamente
ignorado no relatório final de Aarão Reis.
28
Ibidem, p.352.
29
Ibidem, p.382.
30
Ibidem, p.352.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
165
Ignorado como trama e paisagem urbanas, diga-se. Afinal, o território, a
paisagem natural, a topografia, a hidrografia, a climatologia seriam dissecados para
estabelecer os termos de comparação. Abílio Barreto faria eco às representações do
final do século XIX. O antigo arraial, dependente de Sabará, seria um aglomerado de
ruas mal definidas, ladeiras arenosas com “casas baixas e deselegantes”, sem proteção
contra as intempéries, raras tinham vidraça e apenas duas eram assobradadas, em
meio a muitas residências de pau-a-pique. Os elementos materiais seriam apagados
tanto nas considerações oficiais quando, depois, por necessidade de implantação do
plano, fisicamente. Não escapariam nem mesmo as igrejas, como a simplória Capela
de Santana ou mesmo a Matriz de Boa Viagem.
31
31
Abílio Barreto, Belo Horizonte: memória histórica e descritiva, vol. I, história antiga, 1996, p.222-262
passim.
Figura 3.07: panorama do arraial de belo horizonte, vendo-se ao
centro o perfil da igreja da Matriz da Boa Viagem; embaixo, a
chácara que seria transformada em parque.
Fonte: A. Barreto, Belo Horizonte, 1996, v.1, p.172.
Figura 3.08: extinta capela de Santana, demolida em 1894.
Fonte:
A
. Barreto
,
Belo Hori
z
ont
e
,
1996
,
v.1
,
p
.261.
A arte que lhe falta: legitimações do campo disciplinar do urbanismo____________________________________________________
166
Figura 3.09: casa colonial na antiga rua do Rosário
Fonte: A. Barreto, Belo Horizonte, 1996, v.1, p.211.
Figura 3.10: Rua do Rosário, que desembocava no Largo de mesmo nome.
Fonte: A. Barreto, Belo Horizonte, 1996, v.1, p.265.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
167
Apagavam-se assim os suportes da memória daquela localidade. Como
lembra a historiadora Heliana Salgueiro, nem mesmo o “habitante comum” estaria
presente no relatório, à exceção dos trechos de topografia médica. A leitura em
negativo da população local se confunde com o quadro de irregularidade do núcleo
urbano original, negatividade reforçada pelas leituras de cunho determinista e
evolucionista (no corte do darwinismo social) pela geração que se formou na segunda
metade do século XIX e do qual os engenheiros politécnicos fizeram parte, como
Aarão Reis.
32
Em artigo para a Revista Geral dos Trabalhos da Comissão
Construtora, em 1895, Fabio Leal perguntaria: “Quem, no futuro, cortado já o arraial
de largas avenidas, de espaçosas e belas ruas, ornadas de palacetes (...), de
ajardinamentos de luxo, (...) não ficará (...) surpreendido de ter habitado nele uma
população tão mesquinha?”.
33
Por fim, o plano da nova capital iria, assim, ser feito sobre esse apagamento.
O ato e o processo de fundação são contrários à “idéia de continuidade histórica”.
Tábula rasa, apagamento dos vestígios materiais, correções das “imperfeições
naturais”, como definia Leónce Reynaud acerca da tarefa de erguer capitais, em texto
sansimonista que era conhecido daqueles que se formaram na Escola Politécnica do
Rio de Janeiro.
34
O desenho rígido da malha urbana quadriculada, cortada por
diagonais que seguiam a lógica da circulação dos fluxos, a delimitação de um grande
parque urbano (implicando no controle da paisagem para fruição em meio a um
território de paisagens pitorescas que se prestavam ao sublime) e o boulevard de
contorno e delimitação da zona urbana eram a expressão de ato fundador, desejo
deliberado de opor-se a um quadro urbano de núcleos de traçado irregular.
Como esclarece Heliana Salgueiro, no contrapelo da leitura de uma
historiografia local sobre a criação da capital, não se pode afirmar que o plano
preexistisse à escolha do sítio, apesar da “rigidez” da solução sugerir tal leitura. Nos
32
Heliana A. Salgueiro, O pensamento francês na fundação de Belo Horizonte, op. cit., p.164; sobre a
influência das leituras deterministas (raciais, geográficas, genéticas) na formação dos intelectuais
brasileiros, cf. Lilia M. Schwarcz, O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no brasil – 1870-
1930, 1993; Roberto Ventura também discute a formação da chamada “geração de 1870” em sua
heterogeneidade e, ao mesmo tempo, aproximação e apropriação dos temas da raça, cultura, estilo e
natureza nas formulações sobre o Brasil, cf. Estilo tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil,
1991.
33
Apud Heliana A. Salgueiro, O pensamento francês na fundação de Belo Horizonte, op. cit., p.164.
34
Ibidem, p.159.
A arte que lhe falta: legitimações do campo disciplinar do urbanismo____________________________________________________
168
anexos do Relatório da Comissão de Estudos das Localidades, que já apresentavam
os projetos arquitetônicos, não constava tal documento. O desenho foi realizado
após a definição política de Belo Horizonte. A triangulação para detalhamento
topográfico do sítio ajudou, claramente, a definir a implantação da solução, a pensar
o arranjo para tentar “garantir efeitos artísticos”, a articular a arquitetura compondo
“panoramas”, “perspectivas recíprocas” e “pontos de vistas”, como seria expresso na
Revista Geral dos Trabalhos da Comissão ao longo de 1895.
35
35
Heliana A. Salgueiro, O pensamento francês na fundação de Belo Horizonte, op. cit., p.163-160.
Figura 3.11: projeto da rede de triangulação traçada sobre a planta primitiva do arraial.
Fonte: A. Barreto, Belo Horizonte, 1996, v.2, p.196.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
169
Mas a solução, de fato, submete o território, o que era outra clara
diferenciação ao fazer das cidades as quais se opunha – Ouro Preto, que tentavam
modernizar, Curral d’El Rei, que não mais existia, Barbacena e São João Del Rei, que
foram colocadas como opção antes, enfim, a imagem da cidade colonial decadente.
Solução em que se cruzavam também tradições de longa duração – como a
regularidade e mesmo a noção de fechamento e auto-contenção, de clara finitude das
cidades ideais do Renascimento, por meio do boulevard de contorno; assim como
eram mobilizadas soluções modernas, como o parque, que remetem ao Bois de
Figura 3.12: planta geral de Belo Horizonte traçada sobre as plantas geodésica, cadastral e topográfica do sítio.
Fonte: A. Barreto, Belo Horizonte, 1996, v.2, p.252.
A arte que lhe falta: legitimações do campo disciplinar do urbanismo____________________________________________________
170
Boulogne e ao Bois de Vincennes de Adolphe Alphand, na Paris haussmanniana, ou
mesmo ao projeto de Auguste Glaziou para o Passeio Público do Rio de Janeiro
De certo modo, em Belo Horizonte finalmente se cumpriria o desiderato de
Azeredo Coutinho (embora ele se referisse às reformas necessárias para extirpar os
males do Rio de Janeiro no final do século XVIII): cidade feita com previdência,
método, a arte que faltara às cidade feitas no Brasil até então era, assim, princípio
norteador para realizar uma nova capital.
Figura 3.13: panorama do extinto arraial de Belo Horizonte (antigo Curral d’El Rei)
Fonte: A. Barreto, Belo Horizonte, 1996, v.1, p.430.
CAPÍTULO 4
A CIDADE COLONIAL NA HISTÓRIA DA
ARQUITETURA
Usos, indícios e circularidades
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
____________________________________________
172
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
173
É significativo que, ao iniciar a discussão sobre o “arranjo das cidades
antigas”, na terceira parte (dedicada ao tema “arquitetura e urbanismo”) do livro
Arquitetura Contemporânea no Brasil, Yves Bruand, arquivista paleógrafo francês
oriundo da Escola de Chartes, retome a oposição fundamental – interesse central
desta tese – que conformou uma leitura corrente e, pode-se dizer, hegemônica acerca
do tipo de cidade construído pelos portugueses na América. Significativo pelos
pressupostos – interpretação, palavras, conceitos – que assume mas também pelos
que deliberadamente deixa de lado.
Afinal, Bruand iria afirmar, partindo do clássico capítulo “O semeador e o
ladrilhador”, do livro Raízes do Brasil de Sérgio Buarque, que em “matéria de
urbanismo, as cidades portuguesas da América obedeceram a critérios radicalmente
opostos aos que orientaram a ordenação das cidades espanholas do mesmo
continente”. Reconhece que o fundamento da política de colonização é o mesmo: a
possessão territorial definitiva. Contudo,
Enquanto os colonizadores hispânicos esforçavam-se para criar
conjuntos urbanos disciplinados, com planos regulares em xadrez,
com uma praça central agrupando [...] seus vizinhos deixavam-se
guiar pela natureza dos locais, explorando a topografia e deixando
que as aglomerações crescessem livremente, sem nenhum esquema
imutavelmente preconcebido.
1
A nota de rodapé deste excerto remete-se diretamente ao Raízes do Brasil e à
polêmica que se abrira diretamente havia poucos anos. Resultado de pesquisas
desenvolvidas entre 1959 e 1963, a tese de livre docência defendida pelo professor
Nestor Goulart em 1964 vem relativizar e mostrar um quadro mais complexo sobre
1
Yves Bruand, Arquitetura Contemporânea no Brasil, 1997, p.325, grifos nossos.
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
____________________________________________
174
o tema. De fato, iria explorar um tema que não era a ênfase do texto de Sérgio
Buarque.
2
Discutindo no texto e na banca do concurso com Sérgio Buarque, lembraria
que “mesmo entre arquitetos e historiadores, acreditava-se que não teria havido
planos urbanísticos no Brasil colonial”. Arremataria lembrando a conhecida frase de
Robert Smith: “a ordem era ignorada pelos portugueses’, como ‘observavam
deliciados os viajantes”.
3
É verdade que Bruand remete-se à polêmica; contudo logo a dá por
encerrada. O plano de Salvador de meados do século XVI, que Nestor Goulart
utilizara como exemplo da existência de planejamento nos dois primeiros séculos de
colonização portuguesa, é-lhe insuficiente:
[Nestor Goulart] mostrou que existiu um urbanismo colonial
português que não desprezava os traçados geométricos e não
hesitou em retomar as criações ideais da Renascença – verdade
indiscutível nas Índias e África, porém mais sujeitas a cautelas no
Brasil; é verdade que o plano primitivo de Salvador [...] tinha uma
regularidade relativa, mas permanecia muito flexível em sua
adaptação ao relevo; além disso, ele foi logo imerso na confusão
que tomou conta da cidade durante seu crescimento posterior; por
outro lado, é evidente que os portugueses jamais rejeitaram o
xadrez como princípio e que eles o utilizaram quando as
circunstâncias eram favoráveis, mas sem lhe dar aquela rigidez
absoluta, típica das criações espanholas na América.
4
A escolha das colinas, dos terrenos acidentados elevados, para criação dos
primeiros assentamentos e núcleos urbanos pode ter sido acertado no início – por
serem mais salubres e pela facilidade de defesa, seguindo a lógica da acrópole – e
ajudam a explicar a “flexibilidade do traçado” adotado no Brasil, com suas ruas
serpenteando para encontrar o melhor caminho; contudo, continua Bruand, mesmo
na ocupação de áreas planas o esforço de uma mínima organização racional inexistira
e “a expansão ocorreu de maneira espontânea na medida das necessidades”.
5
2
Há que se considerar que boa parte da polêmica, que existiu de fato se construiu a posteriori pelas
leituras e extrapolações (como a de Bruand) que já existiam e que ganharam força interpretativa e
operativa a partir de Raízes do Brasil.
3
Nestor G. Reis, Contribuição ao estudo da evolução urbana no Brasil (1500/1720), 2000 [1968], p.13.
4
Bruand, op.cit., p.325, nota 03.
5
Ibidem.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
175
Assim, o autor francês arremata em uma (a princípio e aparentemente) aporia:
por um lado, o “urbanismo português foi mais negativo do que positivo em relação à tarefa
de planificação propriamente dita”, conquanto reconheça que amiúde a ação
empírica tenha aproveitado bem as “condições locais”; por outro lado, e talvez no
decurso desse aproveitamento empírico – que na verdade decorre de uma tradição
secular do saber fazer anônimo do construtor lusitano, se seguirmos a elaboração de
Lucio Costa que embasa Bruand
6
–, o urbanismo português “foi altamente positivo
no setor arquitetônico, onde revelou ser admirável a unidade dos edifícios
construídos”. É a “unidade de estilo” daí decorrente, e não a falta de rigidez da malha
urbana, que emprestaria aos centros antigos o “encanto delicado e um pouco
anacrônico” que teriam.
7
Tour de force que estabelece uma conclusão peremptória – mesmo com os
cuidados e ressalvas que pontuam a escrita – logo na primeira página dessa terceira
parte do livro de Bruand. Contudo, tal conclusão nasce da própria estrutura
argumentativa da Arquitetura contemporânea no Brasil, cujo ponto de partida, como
explicitado na “introdução”, é uma leitura não determinista (ou que se esforça para
não sê-lo) sobre o meio – histórico, geográfico, econômico, social e cultural –
brasileiro. Portanto, uma leitura que constantemente remete-se à herança do passado,
à “herança colonial [que] não deixou de pesar intensamente sobre o presente”,
8
para
compreender as transformações arquitetônicas do século XX.
Essa operação analítica não se deve apenas ao historiador interessado nos fios
narrativos da longa duração para compreender substratos culturais, suas
permanências e rupturas. O voltar-se para e a avaliação da herança e dos significados
desse passado é, de fato, um passo constitutivo do esforço por pensar e formular
uma arquitetura “brasileira”, desde os próceres do movimento neocolonial
9
até os
articuladores da viravolta modernista, Lucio Costa à frente. Passo constitutivo,
6
Em depoimento por ocasião do seminário internacional “Um século de Lúcio Costa” (Rio de
Janeiro, 2002), Yves Bruand reafirmaria que um dos grandes problemas enfrentados por Lucio Costa
foi o aproveitamento das lições da arquitetura civil luso-brasileira do período colonial pela arquitetura
contemporânea (modernista), cf. Y. Bruand, Lucio Costa: o homem e a obra, In Um modo de ser
moderno, 2004, p.15; a elaboração sobre a “boa tradição” já estava claramente delineada por Costa em,
e.g., Documentação necessária, Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1937, p.31-39.
7
Idem, Arquitetura Contemporânea no Brasil, 1997.
8
Ibidem, p.19.
9
Joana Silva, Nacionalismo e Arquitetura em Ricardo Severo: Porto 1869 – São Paulo 1940, 2005.
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
____________________________________________
176
também e por conseqüência, da tessitura da “trama” da historiografia da arquitetura
brasileira.
10
Em meio a uma questão – os vínculos discursivos e operacionais com o
passado, colonial sobremaneira – que tem sido cada vez mais problematizada na
historiografia recente da arquitetura, interessa a este capítulo abordar um tópico
específico: identificar e discutir a maneira como o tema da cidade colonial no Brasil
foi apropriado, lido e articulado nos textos constituintes da historiografia da
arquitetura sobre o país. Quais são as matrizes teóricas, quais as referências
mobilizadas, quais as palavras e quais os autores (citados direta e/ou indiretamente)
utilizados para construir essa(s) narrativa(s)?
Assume-se como ponto de partida o livro de Yves Bruand porque, primeiro,
é um documento que consolida a trama hegemônica dessa historiografia;
11
em
segundo lugar, porque ainda é, pode-se dizer, o trabalho analítico de maior fôlego e o
panorama mais abrangente da arquitetura brasileira, cuja influência se faz sentir na
formação acadêmica dos arquitetos e, mais especificamente, dos que trabalham com
história da arquitetura e da arte; por fim, porque permite mapear os aparatos teóricos
e conceituais que suportam a construção da narrativa.
Deve-se enfatizar que a abordagem da historiografia da arquitetura, embora
não prevista no projeto original desta tese, pode revelar, formula-se como hipótese,
algumas “pontes” da “genealogia” das representações sobre a cidade colonial no
Brasil. Afinal, o tema da cidade colonial não é objeto de estudo da maioria desses
textos conquanto uma das referências fundamentais, como em Bruand, para entender
os elementos (trans)formadores do século XX. São, portanto, e guardando as
proporções, narrativas de formação e explicação do Brasil. Para tais textos era
necessário, e legítimo como procedimento de análise, apoiar-se em interpretações já
construídas, absorvidas, consolidadas. Entretanto, quais são essas chaves de leitura?
A apropriação é minimamente crítica? Superam ou enredam-se no problema da
“circularidade da interpretação”, i.e., de tomar-se uma representação como fato
histórico que, assim, se perpetua (ou de ler nos documentos textuais e iconográficos
de determinado contexto o que já é sabido a priori)? Assumidas acriticamente, não se
10
Carlos Martins, “Hay algo de irracional...”, Block, 1999.
11
Idem, Arquitetura moderna no Brasil: uma trama recorrente, In Arquitetura e Estado no Brasil, 1989.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
177
rompem (ou nem ao menos se problematizam) as interpretações construídas
historicamente.
12
Propõe-se então, na leitura que se segue, mapear especificamente as
referências à cidade colonial brasileira que fundamentaram essas várias narrativas. O
ponto de partida é o livro de Yves Bruand, ponto de chegada e consolidação da
trama historiográfica hegemônica sobre a arquitetura brasileira – e ainda hoje o
documento mais completo e exaustivo na discussão do tema com tal abrangência.
13
4.1 Antiurbanismo ou as limitações impostas pelo passado
O livro de Bruand abre-se com uma abordagem, a princípio, de história
tradicional. Busca compreender as condicionantes do meio brasileiro para que seu
“olhar estrangeiro” possa abarcar melhor o objeto de estudo a que se propõe
enfrentar. É uma narrativa que lembra, em alguns momentos, as estruturas dos
relatos dos viajantes do Oitocentos ou ainda as das explicações do pensamento social
brasileiro para a condição nacional, tributárias de leituras evolucionistas. Entretanto,
e obviamente, Bruand vai além: percebe-se a atenção metodológica com o estudo da
longa duração e, mais importante, com a relevância do papel do sujeito histórico ante
os riscos de uma leitura determinista das estruturas temporais. Se escapa de certas
explicações fáceis ou relações primárias de análise, recai com freqüência nas
armadilhas deterministas da leitura da “mentalidade e da psicologia do povo
brasileiro”, que empreende, escudado em Fernando de Azevedo, ainda na
introdução.
Um dos principais substratos para construção da sua argumentação, não se
deve olvidar que o livro do importante educador Azevedo insere-se no contexto das
grandes interpretações do Brasil dos anos 1930 e 1940; mais ainda, que esteve
envolvido nos debates sobre a formação de uma arte nacional nos anos 1920, tendo
organizado, insuflado por Ricardo Severo e José Mariano, uma série de reportagens
sobre a arquitetura colonial, publicadas em O Estado de São Paulo em 1926.
14
Cabe
12
Cf. Carlo Ginzburg, Mitos, Emblemas e Sinais, 1989, p.63-64, 79 et seq.
13
Carlos Martins, Arquitetura e Estado no Brasil, 1989; Nelci Tinem, O alvo do olhar estrangeiro, 2006, p. 33-
41.
14
Cf. H. Segawa, Arquiteturas no Brasil, 1999, p.37.
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
____________________________________________
178
observar que o livro A Cultura Brasileira, utilizado profusamente por Bruand na sua
parte introdutória, apresenta também uma leitura das formações urbanas para
compreensão do seu complexo tema.
Que leitura é essa? Apoiando-se principalmente em Gilberto Freyre, Azevedo
enfatizaria o contraste entre a miséria das cidades e o dinamismo e esplendor do
mundo rural no período colonial. Ilustrando essa parte do livro com fotografias de
panoramas urbanos de várias cidades brasileiras, afirmaria que mesmo as maiores
cidades do século XVI e do início do século XVII não passavam de “lugarejos mal
construídos e abandonados a si mesmos, que cresciam sem nenhum plano
preconcebido”. Arremataria com a assertiva que o “urbanismo” seria uma condição
muito recente.
15
Bruand segue a argumentação: compreender o passado – as cidades aí
incluídas – é fundamental para estabelecer os elementos dessa mentalidade, suas
características e “traços essenciais”. A ocupação original de muitas cidades brasileiras
em sítios elevados (conforme discute no início do trecho sobre as condições
geográficas), em terrenos acidentados, restringiu a malha urbana inicial a platôs muito
estreitos. Isso acarretaria na dificuldade de estabelecer e organizar uma “malha viária
lógica e eficaz” e, como corolário, na consecução de ruas estreitas. Entretanto, esse
tipo de estrutura foi importante e eficiente para minorar os efeitos do clima tropical:
a luminosidade excessiva e o calor intenso.
16
De maneira esquemática – em relação à escolha de sítios desfavoráveis –, essa
assertiva servia para falar do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Salvador e mesmo do
Recife. A situação dessas cidades ilustrava o peso da “herança colonial” sobre o
presente. Era um “peso” que se traduzia na dimensão física e interferia na arquitetura
– circunscrita durante muito tempo ao padrão que o lote colonial impunha; e, talvez
principalmente, que se traduzia na “atitude” em relação à cidade e ao seu
planejamento. Baseando fundamentalmente na leitura de Sérgio Buarque do
15
F. Azevedo, A Cultura Brasileira, 1964 [1946], p.131-132.
16
Bruand, op.cit., p.12; ademais, deve-se apontar que, para Bruand, o clima tropical conformou uma
influência decisiva para a arquitetura no Brasil, na busca sucessiva de soluções para reduzir seus
efeitos, o que teria possibilitado, e.g., a incorporação decisiva do brise-soleil como elemento plástico da
linguagem modernista. Adiante-se que essa leitura já estava presente em Goodwin.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
179
“desleixo” português e nos estudos de Aroldo de Azevedo sobre as “Vilas e cidades
do Brasil colonial”, Bruand afirmaria que:
Com efeito, os problemas urbanísticos sempre foram negligenciados
no Brasil, atitude que perdurou até recentemente. Pode-se perceber
nisso a herança colonial dos portugueses, que, ao contrário dos
espanhóis, jamais pensaram em dar às cidades que criaram na
América um caráter ordenado a ponto de um geógrafo [Aroldo de
Azevedo] que estudou o assunto empregar a expressão
“antiurbanismo”.
17
Negligência, falta de caráter ordenado, transformação lenta, falta de
sensibilidade à natureza, aqui e ali os termos ressoam, direta ou indiretamente, as
“Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque. Por vezes o texto de Bruand aponta uma
relação complexa, de dados positivos e negativos, dessa herança para a cidade, para a
paisagem urbana em especial, como dito alhures. Outras, a negatividade dessa atitude
desinteressada em relação à planificação vincula-se à leitura da própria cidade como
um todo, que se torna assim a materialização das “limitações impostas pelo
passado”.
18
Parece irromper aqui claramente o problema da “circularidade da
interpretação” a que se aludiu antes. Lê-se nos exemplos apenas o que se sabe de
antemão. Os documentos não são interpelados e assim se reitera a interpretação
original que, no caso, é uma representação construída historicamente acerca da
cidade colonial no Brasil. Contudo, há também deslizamentos na leitura e nos usos
de palavras e expressões.
Tome-se, e.g., o uso do termo “antiurbanismo”. Em Bruand, em trecho
citado acima, o termo é usado claramente para se referir a uma atitude de negligência
em relação aos problemas urbanísticos no Brasil – atitude que perduraria, avaliava
então, de maneira geral, até o momento de suas pesquisas. Fernando Azevedo, por
sua vez, em “A cultura brasileira”, afirmaria que o “urbanismo” seria condição muito
recente. Não usa a palavra “antiurbanismo”, mas por oposição sabe-se em que
registro se move. Urbanismo refere-se não apenas à disciplina moderna que se
estrutura entre meados do século XIX e início do XX, quando surge a própria
17
Bruand, op.cit., p.20; grifos nossos.
18
Ibidem.
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
____________________________________________
180
palavra; urbanismo é utilizada por Azevedo para designar toda atividade ou política
urbanizadora. Daí porque o uso do termo mesmo para o período colonial, quando
não existia tal palavra.
19
Oliveira Vianna, por sua vez, ao falar sobre o “centrifugismo” e o “complexo
antiurbano” do que denomina homo colonialis implica claramente referir-se a uma
atitude negativa em relação aos núcleos urbanos, às cidades. O povoamento disperso
teria levado a moldar uma psicologia “amante da solidão e do deserto”, que evita a
cidade e tem gosto pela floresta e pelo campo e cujo exemplo mais acabado seria o
“paulista do bandeirismo”;
20
i.e., o antiurbanismo não poderia ser visto, a princípio,
como uma oposição à política urbanizadora ou ao saber da antiga arte urbana, de
arruar, de riscar os núcleos urbanos. O registro aí é outro e pode ser revelador dessas
mudanças de significações que passam a ter força narrativa e a sintetizar chaves de
leitura, como parece ter ocorrido com a palavra “antiurbanismo”.
Aroldo Azevedo, em “Vilas e cidades do Brasil colonial”, proporia matizar
essa visão do tão propalado antiurbanismo colonial. Seguindo a argumentação de
Oliveira Viana e de outros autores (como Alcântara Machado, Paulo Prado e Sérgio
Buarque) que corroborariam a tese da “verdadeira aversão à vida urbana” – que, a
propósito, teria persistido ainda sob o Império, a confiar nos relatos de viajantes
como Saint-Hilaire e Martius –, ainda assim Azevedo não aceitaria (totalmente) esse
moto explicativo. Ao contrário, propunha entender o que significam as vilas e
cidades no período colonial, cuja designação pouco dizia das possíveis diferenciações
e hierarquizações (demográficas, sociais e ou econômicas) entre si. Ao assumir sob
uma mesma rubrica, de “aglomerados urbanos”, as 12 cidades e 213 vilas do período
colonial constituiriam um número significativo para um território em formação com
algo em torno de 5 milhões de habitantes.
21
Observe-se que Aroldo Azevedo está dialogando, de fato, muito mais
próximo ao registro de Oliveira Vianna, ainda que o matizando, do que do uso que
Bruand faria do termo, a dizer, Azevedo mobiliza a palavra urbanismo com um
19
Para aprofundar essa leitura de Azevedo, cf. A Cultura Brasileira, 1964 [1946], especialmente Parte I,
cap. III, “as formações urbanas”, p.127-160.
20
Cf. O. Vianna, Instituições políticas brasileiras, 1999 [ed. orig. 1949], vol. I, 2ª parte, p.135-136; veja-se
todo o cap. IV, cujo título é por si revelador,o significado sociológico do antiurbanismo colonial
(gênese do espírito insolidarista)”.
21
Cf. A. Azevedo, Vilas e cidades do Brasil colonial, 1956, p.84-88.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
181
sentido muito próximo do sentido de urbanidade, como se usava amiúde até
princípios do século XIX.
22
A “metodologia dos contrários”, como ressaltou Antonio Candido, utilizada
na construção da análise de “Raízes do Brasil” tem um dos pares antinômicos na
comparação cidade portuguesa – cidade espanhola. Contudo, deve-se dizer que esse
não era o objetivo central de Sérgio Buarque. A interpretação do Brasil daí
decorrente, na qual a avaliação da herança do passado, da tradição ibérica, é central
para entender uma série de permanências – patrimonialismo, cordialidade,
personalismo, etc. –, secunda as formulações para pensar caminhos em direção a um
Brasil Republicano de fato.
23
É importante ressaltar que essa representação em negativo da cidade colonial
é anterior ao livro seminal de Sérgio Buarque. A contestação a algumas das
conclusões do capítulo “O semeador e o ladrilhador” – principalmente em relação à
falta de planejamento urbano por parte dos portugueses na América – inclusive não
desmerece suas teses centrais. O próprio autor, em entrevista em 1981, apontava,
ainda que de forma imprecisa, para a necessidade de reformulação de vários trechos
do livro, incluindo o capítulo em questão: “o mesmo [ser muito estático] vale para
aqueles trechos sobre o ladrilhador, o semeador: acho aquilo ensaístico demais,
precisaria refazer”.
24
Contudo, sabe-se que essa leitura de Raízes que opõe os tipos de colonização
espanhola e portuguesa – materializados em suas cidades – tornar-se-ia uma
interpretação corrente e, mais ainda, hegemônica. Pode-se dizer que o texto de Sérgio
Buarque, sobretudo a partir da segunda edição, de 1948, serviu, direta ou
indiretamente, a esse tipo de leitura.
25
Certo é que Bruand se escuda nela e descarta
22
O dicionário de Raphael Bluteau registra que urbanidade “vem a ser o mesmo que comedimento e
bom modo dos que vivem na cidade, em diferença da rusticidade e grosseria dos que vivem nas aldeias
e no campo”, cf. verbete urbanidade, Vocabulario Portuguez & Latino, áulico, anatômico, architectonico...,
1712-1728, p.587 [edição on-line do Instituto de Estudos Brasileiros – USP, disponível em:
http://www.ieb.usp.br/online/index.asp].
23
Não à toa o último capítulo é dedicado à “Nossa Revolução”, Cf. Holanda, S. B. Raízes do Brasil,
1995.
24
Holanda, S. B. A revolução subterrânea [em entrevista]. Folha de São Paulo, 08 ago. 2004, p.13 (a
entrevista é de 1981).
25
Por ocasião da segunda edição, cujo texto sofreu modificações consideráveis, como apontou o
próprio Sérgio Buarque no prefácio, o capítulo “O passado agrário”, original de 1936, foi desdobrado
em dois, “Herança rural” e “O semeador e o ladrilhador”.
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
____________________________________________
182
sumariamente as divergências e os novos dados apresentados pelas pesquisas de
Nestor Goulart – em um período em que o autor de Arquitetura Contemporânea no
Brasil está desenvolvendo suas atividades no país.
26
Sintomaticamente, Bruand não
descarta as leituras do mesmo Nestor Goulart no que diz respeito à análise
arquitetônica propriamente dita (os artigos publicados na revista Acrópole na década
de 1960 que seriam a base para a publicação do “Quadro da Arquitetura no Brasil”
na década seguinte).
Aponta-se aqui para uma hipótese: aceitar a polêmica e problematizar tal
representação sobre a cidade colonial desmontaria alguns pressupostos-chave da sua
narrativa, em que as soluções modernistas aparecem como conseqüência inescapável
no enfrentamento dessa herança adversa. O uso dos pilotis, e.g., “uma das
características mais marcantes da nova arquitetura brasileira”, permitiria escapar às
injunções do relevo acidentado.
27
Permitia libertar-se de um dos “determinantes”,
para usarmos um expressão da proposta metodológica de Carlos Lemos,
28
da
arquitetura e da paisagem urbana tradicionais portanto.
Bruand reafirmará também que a relação tradição-modernidade é constitutiva
da “nova arquitetura”; daí a preocupação com a preservação do passado e dos seus
monumentos, a participação decisiva de Lucio Costa no SPHAN, a busca pela
compreensão dos princípios da tradição luso-brasileira dos primeiros séculos para
conciliar com os princípios da arquitetura “moderna”, etc.
29
Mas, que passado é este
que se busca preservar?
Dois episódios narrados no livro ajudam a ilustrar essa questão. Ao discutir o
“estilo neocolonial”, afirma que esse tipo de movimento tradicionalista não poderia
grassar em São Paulo porque esta sempre foi uma “cidade inteiramente voltada para
o presente e para o futuro, que desprezava e audaciosamente destruía os vestígios do
26
Bruand residiu e pesquisou no Brasil entre 1960 e 1969; Nestor Goulart defendeu sua tese de livre-
docência em 1964 e publicou a primeira edição de Evolução urbana no Brasil em 1968.
27
Bruand, op.cit., p.12.
28
Lemos partiria da premissa de que o partido arquitetônico é uma “conseqüência formal derivada de
uma série de condicionantes ou de determinantes”, que seriam: as técnicas construtivas, as condições
topográficas e físicas do sítio, o programa de necessidades, as possibilidades financeiras do
empreendedor, a legislação reguladora e as normas sociais e ou regras funcionais, cf. C. Lemos,
Arquitetura brasileira, 1979, p.07-10.
29
Cf. Y. Bruand, Arquitetura contemporânea brasileira, 1980, p.25, 71, 123.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
183
seu passado, aliás pouco significativos quando comparado aos de outras regiões”.
30
Ademais, São Paulo nunca passara, no período colonial, de uma “grande aldeia
bastante pobre”.
31
É uma clara ressonância de formulações como as de Mário de Andrade. Ao
discutir o problema da demolição da Sé de Salvador, nos anos 1920, conforme
registra no seu diário d’O Turista Aprendiz, Mário compara Natal, onde estava
hospedado, a São Paulo:
Natal é feito S. Paulo: cidade mocinha, podendo progredir à vontade
sem ter coisa que dói destruir. Isso é muito importante para nós. O
problema da destruição ou conservação da Sé, da Bahia, por
exemplo, confesso que por mim não sei resolver.
[...]
O problema da Sé está mais é anunciado errado. É muito mais
grandioso do que a derrubada ou não derrubada dum casarão pra
alargamento de rua. O próprio centro urbano da cidade alta é que
se tem de resolver se é prático ou não ficar onde está. Todas aquelas
ladeiras, quedas de sopetão, torceduras de terrenos são absolutamente
contrárias a qualquer norma utilitária de urbanismo contemporâneo. Não é
possível aplainar aquilo e retificar as ruas sem arrasar tudo. Ou se
destrói tudo para atualizar aquilo, ou, qualquer paliativo destruirá
tradições curiosas e mesmo valiosas que nem a dita Sé, não
passando de paliativo e não resolvendo nada – esse é o
problema.
32
Não haveria valores permanentes nem em Natal ou em São Paulo. Contudo,
isso é lido negativamente por Bruand. Uma civilização que se pretende grande
precisa tê-los, afirma. Mas a lamentação não é porque quase tudo se destruiu – afinal
os vestígios do passado em São Paulo seriam “pouco significativos” – mas pela
atitude que continua a destruir tudo:
(...) em parte alguma a fúria destrutiva foi exercida com maior
constância e o foi tão bem que essa cidade de mais de
quatrocentos anos não conserva quase nada dos séculos passados,
30
Ibidem, p.52; ademais, essa foi uma representação corrente na historiografia sobre a cidade de São
Paulo, como discute Amilcar Torrão Filho, Paradigma do caos ou cidade da conversão?: a cidade colonial na
América portuguesa e o caso de São Paulo na administração do Morgado de Mateus (1765-1775), 2004.
31
Y. Bruand, Arquitetura contemporânea brasileira, 1980, p.54.
32
Andrade, M. O Turista Aprendiz, 1976, p.254-55, “Natal, 29 de dezembro [de 1928], 17 horas”; grifos
nossos.
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
____________________________________________
184
e as testemunhas do começo do século atual desapareceram, por
sua vez, há uma década.
33
Atitude cujas conseqüências mais expressivas – negativamente – deram-se no
Rio de Janeiro, como discute acerca dos episódios da derrubada do Morro do
Castelo, nos anos 1920, e das reformas estadonovistas, na gestão do prefeito
Dodsworth.
34
De qualquer maneira, percebe-se que os problemas de crescimento urbano
colocados em pauta no século XX principalmente nas cidades grandes eram
agravados, na leitura de Bruand, pelo contexto topográfico e pelas seqüelas da
tradição colonial.
O outro episódio – que ajuda a entender a valoração da relação entre tradição
e modernidade – é a leitura que Bruand empreende do “arranjo antigo” de Salvador
e, principalmente do plano de urbanismo desenvolvido pelo EPUCS, dirigido por
Mário Leal Ferreira e Diógenes Rebouças. Toma-o como um exemplo para pensar a
tarefa do planejamento no Brasil e para lidar com a questão da preservação – no
caso, do “mais belo conjunto urbano dos séculos XVII e XVIII que foi legado pelos
portugueses ao continente americano”.
35
De fato, os princípios do plano põem o tema da preservação como questão
central. E isto, ressalta, é feito sem sentimentalismo, “isento das nostalgias
românticas dos amadores de casebres e ruínas para quem a miséria não passa de um
tema para a poesia”. Tanto que uma das primeiras tarefas foi a identificação dos
“verdadeiros valores históricos” para distingui-los dos que eram objeto apenas de
interesse pitoresco, podendo destrui-los desde que necessário e justificado
racionalmente. A organização da circulação também ajudava a manter o “caráter da
capital colonial, assegurando-lhe meios de integrar-se sem choques na vida
moderna”, porque partira de uma “interpretação inteligente da tradição cultural
portuguesa no Brasil”.
36
33
Bruand, op.cit., p.333.
34
Ibidem, p.334-337.
35
Ibidem, p.340.
36
Ibidem, p.342.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
185
4.2 delineamentos narrativos
Se o livro de Bruand configura um momento de consolidação desta trama
hegemônica da historiografia da arquitetura brasileira, é importante identificar se
representações tão estruturadas sobre a cidade são explicitadas no momento inicial de
delineamento da trama: os livros de Philip Goodwin, Brazil Builds (1943), e de
Henrique Mindlin, Modern Architecture in Brazil (1956).
Em Goodwin, não há referência explícita ao tema da cidade, embora o
vínculo entre passado e presente seja crucial para explicar a pujança e a originalidade
da arquitetura brasileira. A cidade aparece entrevista em meio a narrativa fotográfica
– de Kidder Smith – que estrutura o livro. O vínculo é também, e fortemente,
imagético; e, ademais, apóia-se no esquema teórico que vinha sendo desenvolvido
por Lucio Costa desde Razões da nova arquitetura.
37
37
Martins, C. A. F.Hay algo de irracional...: apuntes sobre la historiografía de la arquitectura
brasileña. Block, 1999, p.11.
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
____________________________________________
186
Se a nova arquitetura filia-se às mais puras tradições mediterrâneas, que seria
a tradição clássica herdada dos gregos e romanos, dever-se-ia procurar as leis
fundamentais que subjazem às variações formais ao longo da história. Lições que
estariam presentes na arquitetura civil luso-brasileira do construtor anônimo do
período colonial. Os estudos historiográficos, a atividade de crítica e a obra, mesmo
das poucas e significativas casas, de Lucio Costa apontam para a construção
historiográfica desse vínculo. Lembremo-nos já da advertência da época da reforma
da Escola Nacional de Belas-Artes, em 1930: os alunos deveriam conhecer
“perfeitamente” a arquitetura brasileira do período colonial, não para “transposição
Figura 4.01: Congonhas do Campo (na narrativa fotográfica de Kidder
Smith)
Fonte: P. Goodwin, Brazil Builds, 1943, p.45.
Figura 4.02: Igreja de Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas do Campo
Fonte: P. Goodwin, Brazil Builds, 1943, p.45.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
187
ridícula de seus motivos” mas, sim, pelas lições de “simplicidade, perfeita adaptação
ao meio e à função, e conseqüente beleza”.
38
Contudo, essa lição seria encontrada
também na conformação da estrutura urbana do período colonial?
Mesmo assim, pelo menos dois aspectos chamam a atenção em Brazil Builds.
Primeiro, o entusiasmo na descrição da inovação dos elementos de proteção ao calor
e aos reflexos luminosos – a grande contribuição, em sua leitura, à originalidade –
não questiona ou ao menos observa algumas situações que são no mínimo
conflitantes, a exemplo da solução da Torre d’Água de Olinda, de autoria de Luís
Nunes e de Fernando Saturnino de Brito. Os elementos vazados são exemplares. A
relação com o sítio de implantação não é sequer apontada.
39
Como se dá então esse
vínculo entre passado e presente, entre tradição e modernidade?
38
L. Costa, A situação do ensino das Belas-Artes, In Depoimento de uma geração, 2003, p.58; Idem,
Razões da nova Arquitetura, In Depoimento de uma geração, 2003, p.39-52.
39
De resto, o episódio de renovação que se desenrolou no Recife como um todo é apenas assinalado.
Figura 4.03: torre de água, Olinda; como lembra Goodwin, “the precise and beautiful tower is rather fake –
only part it is actually used as a tank”
Fonte: P. Goodwin, Brazil Builds, 1943, p.158.
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
____________________________________________
188
Um breve parêntese: merece discussão também a aparente força auto-
explicativa da imagem da torre-d’água de Olinda como uma síntese e símbolo da
ousadia e dos avanços formais do período heróico da arquitetura modernista no
Brasil. A imagem, quer com o cruzeiro em primeiro plano ou a igreja em segundo,
parece dispensar maiores considerações, tanto no texto de Mindlin quanto num mais
contemporâneo, como o de Sylvia Ficher e Marlene Acayaba.
Embora não explicitamente, a leitura de Goodwin aponta para o ambiente
familiar traduzido na casa, no modo de viver tradicional:
Um isolamento exclusivista foi sempre o traço acentuado das
famílias latinas. Constitui uma das diferenças constantes e
fundamentais entre os Estados Unidos e os paises latino-
americanos. Talvez uma das razões para a aceitação franca e
entusiástica dos quebra-luzes, desde as simples rótulas até o tipo
Figura 4.04: foto recente da Torre D’água de Olinda, numa perspectiva que enfatiza a relação de
significação do projeto modernista em contraste ao prédio antigo – o que revela muito do interesse
do olhar que recorta, no caso, o enquadramento do fotógrafo, e não necessariamente uma situação
de contraste acerbo. Fonte: G. A. F. Dantas, maio de 2006.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
189
mais complicado, seja justamente esse isolamento retraído da casa
que os brasileiros mantiveram durante séculos.
40
O vínculo estabelece-se quase que naturalmente dentro da linearidade da
cronologia – textual e fotográfica. Uma permanência cultural praticamente sem
ruptura que seria apropriada e renovada pela nova arquitetura. Não se deve esquecer,
contudo, que o tema do isolamento quase oriental das famílias brasileiras, e das
mulheres em especial, constituiu uma representação constante dos viajantes entre o
final do século XVIII e o XX – para estabelecer metros civilizacionais comparativos
(a mulher não mais restrita à vida íntima seria um sinal de evolução, como enfatizaria
o inglês H. Koster na década de 1810, e.g), como foi apontado anteriormente. Tema
que seria também rediscutido pelos “intérpretes” do Brasil, como Gilberto Freyre, ao
longo do século XX.
40
Goodwin, P. Brazil Builds, 1943, p.98.
Figura 4.05: caminhos tortuosos de Ouro Preto até a Igreja de
Santa Ifigênia
Fonte: P. Goodwin, Brazil Builds, 1943, p.57.
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
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190
Em relação ao passado das cidades, há uma pequena pista que é revelada pelo
que não considera. Ao falar sobre o urbanismo, Goodwin ressalta que nesse campo
São Paulo foi também “bandeirante” (contudo, deve-se notar que o uso da
representação deve-se à tradução). Referindo-se ao Plano de Avenidas do engenheiro
Prestes Maia, afirma que “aí surgiram os primeiros grandes planos de origem
oficial”.
41
Por contraposição, não houve portanto planejamento urbano
anteriormente no Brasil.
Mindlin considera seu livro como uma continuação da narrativa de Goodwin,
embora o texto e trajeto iconográfico logo adquiram autonomia frente ao tempo
decorrido entre uma e outra publicação. Sua análise é também mais erudita e
abrangente, apoiando-se numa série de estudos sobre o passado colonial. Robert
Smith, Gilberto Freyre, Wasth Rodrigues, o material da revista do SPHAN como um
41
Goodwin, op.cit., p.94; o texto original é: “São Paulo will be found to have lead in town-planning,
first in importance of government-inspired projects”.
Figura 4.06: Salvador
Fonte: P. Goodwin, Brazil Builds, 1943, p.45.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
191
todo e principalmente Lucio Costa. A este, inclusive, assim como a Mário Barata e
Mário Pedrosa, dentre outros, agradece pela leitura e correção do texto.
42
Seguindo o recorte específico proposto para este capítulo, Mindlin inicia sua
leitura sobre as cidades no Brasil apontando o ímpeto da obra civilizatória da
colonização portuguesa: em menos de um século de vilarejos se fizeram cidades,
“construídas, tanto quanto possível, à maneira portuguesa”.
43
O que significa esse
construir-se à portuguesa? Cabe acompanhar a longa citação, que reverbera leituras
de Freyre e a representação corrente sobre a cidade colonial:
As cidades cresceram de uma maneira bastante desordenada em
torno das igrejas, geralmente situadas nos pontos mais elevados.
As ruas e becos eram sinuosos e irregulares, evocando uma
longínqua influência mourisca. Embora acompanhassem melhor a
topografia que as cidades de origem espanhola do resto da
América do Sul e da América Central, com seu monótono traçado
ortogonal, não revelavam mais do que um esboço de urbanização.
Ainda assim, limitações graduais começaram a restringir a o
individualismo total da “casa grande”. A rua, que no começo nada
mais era que um espaço livre em torno da “casa grande” e seus
anexos, começou a impor restrições, no interesse da comunidade.
Afasta-se de uma valoração tão-somente negativa da falta de planejamento.
Contudo, há uma confusão aqui – ou generalização totalizadora – entre a estrutura
físico-espacial da casa-grande e a da cidade. A análise do mundo rural passa sem
restrições à análise das transformações nas cidades. Partindo dos “documentos
baianos” compulsados por Robert Smith, Mindlin continua o texto, mostrando os
esforços de circunscrição, na esfera da cidade, do despotismo privado que marcavam
as relações sociais agrárias:
Já antes do fim do século XVII, a legislação municipal da Bahia,
por exemplo, procurava disciplinar o egocentrismo do
proprietário, obrigando-o a alinhar sua casa com a dos vizinhos e
combatendo a tendência a exagerar na saliência dos balcões e a
construí-los demasiadamente baixos, o que representava uma
ameaça à cabeça dos passantes.
44
42
Cf. Mindlin, op.cit., “nota do autor”, p.22.
43
Ibidem, p.23.
44
Ibidem.
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
____________________________________________
192
Enfatiza assim o caráter utilitário, condicionado às circunstâncias geográficas
e materiais, na construção e organização das casas e, de maneira geral, das cidades.
Contudo, e mesmo assim, Mindlin escreve depois, quando aborda os problemas
decorrentes do “crescimento descontrolado das cidades”, que a despeito dos éditos
reais trazidos no primeiro século de colonização e do fato de Recife ter sido
pavimentada antes de Paris, “não há nenhum registro histórico de planejamento
urbano em larga escala no Brasil”. O exemplo da solução empírica parece não servir
– aos olhos contemporâneos. E repete: “nunca houve, nos tempos da colônia ou do
Império, nenhuma tentativa consistente de planejamento urbano”.
45
45
Ibidem, p.29.
Figura 4.07: antigos telhados do casario de São Luis
Fonte: H. Mindlin, Modern Architecture in Brazil, 1956, p.05.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
193
A preocupação com os efeitos perniciosos da falta de planejamento – aqui
contudo Mindlin se refere não ao passado colonial e imperial, mas à falta de ação no
século XX, quando os problemas urbanos se agravaram – o leva a tomar como
exemplo uma série de ações urbanísticas, todas no Rio de Janeiro, que foram
desastrosas do ponto de vista da preservação do patrimônio. O desmonte do Morro
do Castelo, e.g., era um “exemplo de coragem no trato dos problemas do
planejamento urbano”. Da mesma forma o seriam tanto a abertura da Avenida
Presidente Vargas quanto o desmonte do Morro de Santo Antônio.
46
46
Ibidem, p.30.
Figura 4.08: torre de água de Olinda (projeto de Luiz Nunes e Fernando
Saturnino de Brito), 1937; vista a partir do cruzeiro.
Fonte: H. Mindlin, Modern Architecture in Brazil, 1956, p.05.
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
____________________________________________
194
Não é por acaso então que seriam exatamente esses três casos que Bruand
recuperaria, como exemplo negativo,
47
para abordar as dificuldades na relação
passado e presente, tradição e modernidade. Episódios significativos de destruição da
malha tradicional e secular – estrutura material de suporte da memória e da história –
da cidade do Rio de Janeiro. Episódios, ademais, cujos processos iniciais
remontavam em mais de um século e cuja significância se compunha de múltiplas
tramas e investidas.
4.3 estudos sobre arte e arquitetura colonial
Em meio às referências mobilizadas para a construção dessas narrativas, os
trabalhos de Robert Smith foram praticamente uma constante. Desde os anos 1930,
o pesquisador norte-americano vinha produzindo investigações extensivas e eruditas
sobre arte e arquitetura no mundo moderno luso – compreendendo as colônias e,
assim, especialmente o Brasil. Mais ainda, Smith parece ter desempenhado um claro
papel de divulgador da produção dos estudos e pesquisas sobre esse tema para o
meio acadêmico norte-americano por meio de dezenas de resenhas, sobretudo na
Hispanic American Historical Review, como aquelas destinadas às pinturas de Portinari, à
publicação do livro de G. Freyre sobre a presença de Vauthier em Recife, ao livro de
Morales de Los Rios Filho sobre Grandjean de Montigny, assim como aos
dicionários inglês-português, à gastronomia e às fontes de pesquisa diversas, dentre
várias outras.
48
Ademais, foi o responsável pela compilação sobre Brazilian Art para
os primeiros Handbooks of Latin American Studies.
Ao lado de Manoel S. Cardoso e Alexander Marchand, seria um dos pioneiros
nos estudos sobre o Brasil e sobre a América Portuguesa no âmbito acadêmico dos
Estados Unidos. Ocuparia um lugar institucional de autoridade sobre o tema, em
47
Bruand, op.cit., p.334-337.
48
Citamos aqui, dentre os vários artigos aos quais tivemos acesso, as resenhas do início dos anos 1940,
como: R. C. Smith, jr., The Art of Candido Portinari, The Bulletin of the Museum of Modern Art, oct.
1940, p.10-12; Idem, Review [untitled, sobre Um engenheiro francês no Brasil, de G. Freyre], The Hispanic
American Historical Review, aug. 1942, p.539-541; Idem, Review [untitled, sobre Grandjean de Montigny e a
evolução da arte brasileira, de Adolfo Morales de Los Rios Filho], The Hispanic American Historical Review,
aug. 1942, p.536-537; Idem, Review [untitled, sobre Portuguese: A Handbook of Brazilian Conversation, de
Margarida F. Reno], Hispania, Dec. 1943, p.509-510; Idem, Review [untitled, sobre Variações sobre a
gastronomia, de Paulo Duarte], The Américas, Jan. 1945, p.385-386. Registre-se que essa tarefa de
divulgação, comentário e discussão da produção sobre o tema permaneceu até o final de sua vida
acadêmicas, nos anos 1970.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
195
especial sobre arte e arquitetura do Brasil colonial e de Portugal, a partir dos anos
1930 – quando, em relação ao tema da América Latina, predominavam quase
hegemonicamente os estudos sobre a América Hispânica.
49
Autoridade derivada
certamente da formação e erudição de Smith, que lhe permitia transitar pelos
documentos originais em português e pelos relatos (em francês, espanhol e alemão)
dos diversos viajantes que passaram pelo Brasil, fonte que utiliza com freqüência para
reconstruir (literariamente) paisagens arquitetônicas das cidades luso-brasileiras até o
início do século XIX, assim como as impressões, representações, significados
simbólicos, processos materiais de construção, etc.
Autoridade que deriva também dos esforços institucionais para expandir os
estudos sobre a parte portuguesa da América Latina. Se, por um lado, a crescente
produção sobre a América Hispânica permitira a constituição de disciplinas (como a
criada em Berkley, em 1894) ou mesmo a elaboração de obras de síntese (como o
livro de E. G. Bourne em 1904) na virada para o século XX, por outro, não se
poderia falar em especialistas sobre a América Portuguesa até finais dos anos 1930,
início dos anos 1940. Tampouco havia uma agenda sistemática de pesquisas e
estudos, como se expressa, e.g., na produção relativa irrisória sobre o tema entre
1918 e 1945. A renovação das discussões panamericanistas e o crescente peso
geopolítico do Brasil a partir do contexto da Primeira Guerra Mundial ajudam a
explicar a mudança nesse quadro. Argumentava-se, ademais, que as bibliotecas norte-
americanas possuíam coleções e uma bibliografia suficiente para estudar o Brasil.
Não se pode esquecer que a vasta e especializada biblioteca do historiador de ofício e
diplomata Oliveira Lima já estava disponível em Washington. O espaço dedicado ao
Brasil foi se tornando crescente nos Handbooks of Latin American Studies, editados
desde 1935. Assim, em 1945, B. William Diffie publicaria importante estudo, Latin
American Civilization: colonial period, que incluiria o Brasil dentro do quadro mais geral
de compreensão.
50
No mesmo período, dentro do programa das Nações Unidas, o
livro sobre o Brasil editado por Lawrence Hill, reunindo contribuições de autores
brasileiros e brasilianistas, como Manoel Cardozo, Mario de Andrade, Frederic
William Ganzert, Samuel Putnam, Francisco Venâncio Filho, Arthur Ramos, entre
49
A. J. R. Russel-Wood, United States scholarly contributions to the historiography of colonial Brazil,
The Hispanic American Historical Review, nov. 1985, p.694-696.
50
Russel-Wood, op. cit., p.687-693.
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
____________________________________________
196
outros, considerava-se como o primeiro a abarcar diversas esferas da história do
Brasil.
51
A produção de Robert Smith pode ser entendida também nesse contexto,
quer como pesquisador que publicava nos periódicos panamericanistas (escreveu
sobre São Luiz do Maranhão para o primeiro número de The Pan American Traveler,
e.g., além de vários artigos para o Bulletin of Pan American Union), quer como editor
colaborador dos citados Handbooks.
Em longo artigo sobre a arquitetura colonial de Minas Gerais, publicado em
The Art Bulletin, Smith argumentaria que o Brasil, das antigas colônias européias, foi
onde se apresentou de forma consistente uma relação direta com a arquitetura da
metrópole. Sem ter que enfrentar um clima muito diverso ou severo que exigisse
alterações significativas nas condições materiais de produção, acabaria se
configurando um único estilo luso-brasileiro (a single Portuguese-Brazilian style) ao longo
do processo de colonização. Desde os primeiros estabelecimentos em São Vicente e
Igarassu até as construções urbanas do projeto político centralizador do século XVIII
sob Pombal, a arquitetura seria completamente portuguesa, quer nas cidades
costeiras, mais influenciadas pela tradição da Corte, quer nas cidades do interior,
onde teria florescido a tradição nativa Portuguesa do meio rural.
52
Smith pouco trata das cidades neste artigo. Primeiro, porque a ênfase estava
na leitura da arquitetura religiosa. Em segundo, pela consabida dificuldade em obter
relatos de uma região sob estrito controle da Coroa. Depois do livro de André João
Antonil (Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas, de 1711), publicado em
Lisboa e logo suprimido pelas autoridades reais, apenas se voltaria a publicar textos
sobre a região das Minas Gerais no início do século XIX, pelo relato dos viajantes. A
leitura de John Mawe, D’Orbigny, Alexander Claudcleugh, Reverendo R. Walsh, F.
Denis, Hermann Burmeister e, principalmente, Saint-Hilaire – “one of the most
observant of the nineteenth century visitors to Brazil” – testemunhariam uma região
já em decadência.
53
Esses relatos serviam de contraponto a sua própria observação in loco. Os
resultados que apresentava então eram parte das pesquisas conduzidas no Brasil em
51
L. Hill (ed.), Brazil, 1947.
52
R. Smith, The colonial architecture of Minas Gerais in Brazil, The Art Bulletin, jun.1939, p.110-111.
53
Ibidem, p.113-114, 126 e nota de rodapé 33.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
197
1937, sob os auspícios da American Council of Learned Societes. Nessa confluência
surgiam algumas tentativas de análise do espaço urbano observado:
Monsieur de Saint-Hilaire has complained that Ouro Preto
possessed no public parks or promenade. Yet this was the only
town in Minas Gerais in which there is evidence of definite Baroque
town planning [sic]. The laying out of squares and broad avenues in
such a mountainous region, where towns grew up wherever there
was gold, regardless of the site’s relation to other factors, was
naturally a difficult undertaking.
54
Uma terceira razão, pode-se especular, estaria no desconhecimento da vasta
iconografia produzida pelos portugueses, mesmo no século XVIII. Smith, nesse
momento, já conhecia algumas pinturas de Frans Post (sobre o qual escrevera para
The Art Quartely, em 1938, em artigo intitulado “The Brazilian landscapes of Frans
Post”) além do importante trabalho de Joaquim de Souza Leão (Frans Post: seus
quadros brasileiros, 1937). Mais de dez anos depois, Robert Smith começaria a discutir
as plantas e mapas que pôde compulsar, como a da cidade de Mariana, de 1745, que
encontrara no Arquivo Militar do Rio de Janeiro.
54
Ibidem, p.147; grifos nossos.
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
____________________________________________
198
Mesmo em artigos da década de 1950, Smith não apresenta grandes avanços
em pesquisas iconográficas sobre a cartografia produzida por portugueses,
holandeses, franceses e ingleses sobre a América Portuguesa. Essa era uma questão
generalizada, na verdade, que começaria a ser enfrentado por pesquisadores como
Mario Chicó, em Portugal, e Nestor Goulart Reis, no Brasil, no final da década e ao
longo dos anos 1960.
Robert Smith discutiria a cidade colonial brasileira em, pelo menos, dois
textos, ambos publicados em 1955: como introdução ao livro sobre a arquitetura
colonial na Bahia e em artigo mais minucioso para The Journal of the Society of
Architectural Historians (JSAH).
55
Percebe-se que ambos os textos estão relacionados,
partem do mesmo fundo-comum de pesquisa, embora o primeiro, por seu próprio
55
R. C. Smith, Arquitetura colonial [as artes na Bahia – I Parte], 1955; Idem, Colonial towns of Spanish
and Portuguese, The Journal of the Society of Architectural Historians, dec. 1955, p.03-12.
Figura 4.09: Mariana em mapa de 1745; o plano de expansão, feito pelo eng. militar Jose
Alpoim, seria considerado por Smith como possivelmente o primeiro exemplo de uso da
grelha retangular no Brasil. Fonte; R. C. Smith,
Colonial towns of Spanish and
Portuguese, JSAH, 1955.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
199
caráter introdutório, seja muito breve: apenas três páginas cujas frases constituíram,
pode-se arriscar afirmar, formulações sedutoras, sintéticas, representações strictu sensu
– que conformaria lugares-comuns do debate sobre o tema.
56
Mais do que a questão do idioma mais acessível, possivelmente o “sucesso”
do primeiro texto tenha vindo dessa sedução das palavras. Não à toa, provém dessa
introdução a frase lapidar que a “ordem era ignorada pelos portugueses como
assinalavam deliciados os viajantes”.
57
Lapidar e reveladora do conjunto de referências que vinham estruturando as
pesquisas e parte das análises de Robert Smith sobre arte e arquitetura colonial no
Brasil. As descrições dos viajantes conformam um suporte documental essencial para
a sua leitura, como já se percebia nos artigos dos anos 1930. Mas, deve-se fazer a
ressalva: não se pretende afirmar que o trabalho de Smith resumia-se a análise da
arquitetura e das cidades luso-brasileiras pelo relato dos viajantes tão-somente. Como
historiador da arte, primordialmente, a análise do objeto era essencial. O objeto
como “presença absoluta”, como diria Argan, que não prescinde, claro, das leituras e
significações que se sobrepõem ao longo da história, mas que, enfim, resiste/existe
como materialidade. Investigar essa materialidade pressupunha, depreende-se dos
textos de Robert Smith, um esforço constante de análise comparativa dos processos
civilizacionais, dos desejos que os impeliam assim como de seus limites. Daí,
portanto, o uso constante e inescapável dos relatos viajantes, assim como da
compilação de documentos como aqueles organizados por Paulo Vilhena. Assim,
Smith abriria o texto afirmando que
Os portugueses estabeleceram no Brasil, quase intacto, o mundo
que haviam criado na Europa. A melhor comprovação oferece a
cidade da Bahia em si mesma. Em quase 215 anos, de 1549 a
1763, durante os quais gozou do privilégio de ser a primeira
metrópole lusitana no novo mundo, tornou-se a Bahia uma réplica
fidelíssima de Lisboa e do Porto (...).
[como ambas cidades], de acordo com o uso português, a Bahia
foi fundada sobre uma escarpa alta, dominando larga extensão de
água. A exemplo de ambas, para defesa, foi cercada de muros com
torres e portas entremeadas com fortes. Os melhores sítios, o alto
das colinas, como em Portugal foram reservados às igrejas e
56
Ao longo do livro, há considerações esparsas à estrutura e paisagem urbanas em meio à discussão
sobre arquitetura civil e religiosa da cidade de Salvador.
57
R. C. Smith, Arquitetura colonial, 1955, p.12.
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
____________________________________________
200
conventos, aos edifícios públicos e solares, ao passo que o
comércio funcionava em baixo ao longo do cais. Havia assim duas
cidades, uma alta e outra baixa, existindo na Bahia como na terra-
mãe o problema constante da comunicação. Esta fazia-se por uma
série de caminhos tortuosos tão estreitos e íngremes que o tráfego de
veículos era quase impossível (...).
58
A sucessão de palavras que evocam a falta de ordenamento, de controle, de
racionalidade enfim, se sucedem.
As suas ruas, ironicamente chamadas “direitas”, eram tortas e cheias
de altibaixos, as suas praças de ordinário irregulares, as casa
agarravam-se às vertentes alcantiladas das colinas em torno de
uma teia de caminhos escuros, escadas e passadiços, (...). desta sorte,
em 1763, quando deixou de ser a capital do Brasil era a Bahia uma
cidade tão medieval quanto Lisboa na véspera das grandes reformas
de Pombal. Nada inventaram os portugueses no planejamento de
cidade em países novos. Ao contrário dos espanhóis, que eram
instruídos por lei a executar um gradeado regular de ruas que se
entrecruzam em torno de uma praça central, os portugueses não
mantinham regras, exceto a antiga, da defesa através da altura. Suas
cidades cresceram pela vinculação gradual de núcleos isolados,
formados pela fundação individual e arbitrária de capelas, casas ou
mercados. A posição desses edifícios ditava as trajetórias irregulares
seguidas pelas ruas que os uniam.
59
Ruas inclinadas, faixas estreitas de terra para ocupação, áreas atravancadas,
vias que descem e sobem rapidamente, de maneira abrupta, caminhos que vagueiam
entre torres e telhados “pitorescos”, assim se comporia a “clássica mise-em-scène luso
brasileira, o fundo dramático da arquitetura primitiva”. Características que partilhava
com vilas e cidades como Olinda, Rio de Janeiro e as mineiras do século XVIII, mas
Salvador era a suma da cidade luso-brasileira.
60
O texto mantém a perspectiva de pensar a arte e a arquitetura no Brasil como
parte de um mesmo sistema cultural – o mundo luso -, embora atento às
particularidades, às adaptações, às transformações. Smith alinhava-se assim ao
“programa” anunciado por Gilberto Freyre já no primeiro número da Revista do
58
Ibidem, p.11-12.
59
Ibidem, p.12.
60
Ibidem, p.13.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
201
SPHAN, o esforço de pesquisa para compreender a “unidade luso-brasileira” ou,
mais ainda, como sugeriria, “luso-afro-brasileira”.
61
A sedução de palavras desse texto seria sopesada no artigo para o JSAH,
inclusive pela própria extensão do texto acadêmico mais longo. Antes de mais nada,
Smith lembraria que das seis nações que se aventuraram em empreendimentos
colonizadores entre 1500 e 1700, apenas os espanhóis teriam criado vilas e cidades a
seguindo um padrão regular e invariável, baseado no traçado ortogonal que, por sua
vez, remetia-se à retomada da prática da Antiguidade de fundar cidades – base para,
em autores como Filarete e Alberti, articular a noção de cidade ideal. Esse padrão de
ocupação teria sido, assim, repetido por toda a América do Sul hispânica.
62
Os portugueses, ao contrário, não teriam trabalhado com a noção de ordem e
plano. Como diria:
That plan in fact was not a characteristic of the colonial settlements of Brazil.
At no time did the Portuguese, who discovered the country in
1500 and held it until 1822, provide a code of rules for urban
development. Their cities grew without being planned in a kind of
picturesque confusion that is as typical of Luso-Brazilian cities as order
and clarity are typical of the urbanism of Spanish America.
63
Aqui, a referência direta para construir essa generalização era o livro de Sérgio
Buarque, em sua segunda edição, portanto, remetendo-se direto ao novo capítulo 4 –
“o semeador e o ladrilhador”. Os exemplos evocados por Smith são vários para
atestar a falta de ordem, desde Rio de Janeiro, Ouro Preto e, principalmente,
Salvador. Mais do que qualquer descrição verbal, a iconografia então existente era
mais eloqüente para expressar a confusão que reinava, como a do quarteirão do já
demolido Morgado de Santa Bárbara, exemplo evocado em vários textos de Smith.
61
G. Freyre, Sugestões para o estudo da arte brasileira em relação com a de Portugal e a das colônias,
Revista do SPHAN, n.1, 1937.
62
R. C. Smith, Colonial towns of Spanish and Portuguese, op. cit, p.03-05.
63
Ibidem, p.06-07.
A cidade colonial na história da arquitetura: usos, indícios e circularidades_
____________________________________________
202
Contudo, apesar de todos os problemas derivados da falta de plano – que
revelavam a longa permanência dos procedimentos medievais de construção de
cidades –, Robert Smith reconhecia que
The gridiron system may have lacked originality but it did have these
advantages. It also allowed practically unlimited expansion upon the
same plan and provided a stamp of imperial uniformity to a whole
colonial development. In Portuguese America, on the contrary, an
opposite system almost exclusively prevailed. Settlements were
made in rugged coastal areas. They developed without formal plans in
strip formation at several levels, with narrow steep streets that
rendered any communication difficult. The resulting plans are all
different, disordered but picturesque.
64
A superação dessas leituras – que davam estatuto historiográfico à
representação negativa da cidade colonial, demonstrando “materialmente” as imagens
de desordem e irregularidade que constituíam entraves atávicos à modernização do
Brasil – só seria possível, nas décadas seguintes, com o avanço da pesquisa
documental e com a mudança nas próprias chaves de leitura. A irregularidade
aparente exigiu um saber técnico refinado que não prescindiu de planos formais e de
concepções cujas soluções apontam para outro registro de ordem.
64
Ibidem, p.11.
Figura 4.10: Morgado de Santa Bárbara, Salvador, em aquarela do século XVIII.
Fonte: R. C. Smith, Colonial towns of Spanish and Portuguese, JSAH, 1955.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
IMAGENS E REPRESENTAÇÕES EM UM
TEXTO FUNDADOR: “Raízes do Brasil”
Considerações finais______________________________________________________________________________________________________
204
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
205
“Não há cidade que pertença a um homem só” [Hêmon a Creonte]
Sófocles, Antígona, verso 837
Um texto e uma polêmica permaneceram como leitura subjacente ao longo
desta tese. Uma preocupação de fundo, sempre à espreita. Uma preocupação que,
como dito na introdução, serviu como ponto de partida ao projeto e que, depois,
funcionaria como ponto de inflexão. Agora, servirá como ponto de chegada das
voltas desta tese de trama difusa e incompleta, na qual algumas imagens do quebra-
cabeça se formaram, acredita-se, e outras tantas apenas se insinuaram.
Raízes do Brasil é uma pedra angular das interpretações sobre o Brasil e, ao
mesmo tempo, uma pedra no caminho para dialogar e problematizar tais
interpretações. Livro sedutor, repleto de imagens-sínteses que marcam uma escrita
ensaística rigorosa que se embebia nas questões de história social e psicologia, sem
perder o “senso agudo das estruturas”,
1
Raízes do Brasil tornou-se um texto
praticamente inescapável para discutir as representações sobre o Brasil e, mais
especificamente aos interesses desta tese, para as representações sobre a cidade
brasileira. Imagens-síntese que constroem lugares-comuns, representações, pontos de
partida interpretativos e narrativos. A própria oposição entre semeador e ladrilhador
é uma dessas imagens. Parecem opor imediatamente Olinda a Lima, Vila Rica a
Santiago de Guatemala, Vila Boa de Goiás a Buenos Aires ou Cidade do México.
De fato, reconhece-se e se concorda aqui com a condição de tomar Raízes do
Brasil como texto inaugurador de “uma abordagem interpretativa da historiografia
urbana brasileira”.
2
De uma abordagem tão complexa e sugestiva que gerou
polêmicas substantivas sobre o passado colonial e, mais ainda, acabaria se tornando
1
Ibidem, p.249.
2
Cibele S. Rizek, Os sentidos da cidade brasileira, in VII Seminário de História da Cidade e do Urbanismo,
2002, p.01
Considerações finais______________________________________________________________________________________________________
206
um mito.
3
Mito por que a sua estrutura analítica teria se ossificado numa narrativa a
qual não caberia reparos. Concordava-se ou não com seus termos.
Se é certo que a forma do ensaio interpretativo, tradição na qual também
bebe Raízes do Brasil, se presta a tais leituras totalizantes, não menos certo é a
consideração de que a obra historiográfica de Sérgio Buarque está muito distante de
quaisquer esquematismos.
4
O próprio autor, em entrevista no início da década de
1980, apontava, ainda que de maneira imprecisa, para a necessidade de reformulação
de várias partes de Raízes do Brasil, incluindo o capítulo que interessa a esta tese mais
de perto, conforme citado no capítulo 4.
5
Mas, antes ainda, no prefácio à segunda
edição ao livro de 1948 (o texto é datado de junho de 1947), diria que
(...) este livro sai consideravelmente modificado na presente versão.
Reproduzi-lo em sua forma originária, sem qualquer retoque, seria
reeditar opiniões e pensamentos que em muitos pontos deixaram
de satisfazer-me. Se por vezes tive o receio de ousar uma revisão
verdadeiramente radical do texto – mais valeria, nesse caso, escrever
um livro novo –, não hesitei, contudo, em alterá-lo
abundantemente onde pareceu necessário retificar, precisar ou
ampliar sua substância.
6
De fato, há substanciais alterações entre a primeira e a segunda edição; a
terceira (1955) – que é, sem maiores reparos, a versão que se lê nas edições mais
atuais – também apresentaria novos cortes e acréscimos, enquanto que a quinta
estabeleceu em definitivo a organização de notas e a diagramação.
7
Mas, mesmo com
essas alterações, é possível afirmar, como já o fizeram outros autores, que os
argumentos centrais permaneceram, ainda que atenuados ou menos enfáticos em
alguns trechos ou no todo.
8
3
Fânia Fridman, Breve história do debate sobre a cidade colonial brasileira, in A cidade como história,
2004, p.44
4
R. Vainfas, Sérgio Buarque de Holanda: historiador das representações mentais, in Sérgio Buarque de
Holanda e o Brasil, 1998.
5
S. B. Holanda, A revolução subterrânea, Folha de São Paulo, 2004 [1981], p.13.
6
Idem, Raízes do Brasil, 2ª ed, 1948, p.11.
7
Edgar de Decca, Raízes do Brasil: um ensaio de formas históricas, in Pelas Margens: outros caminhos da
história e da literatura, 2000; Robert Wegner, Um autor relê seu livro, in A Conquista do Oeste: a fronteira na
obra de Sérgio Buarque de Holanda, 2000, p.53; Francisco Barbosa, Introdução, in Raízes de Sérgio Buarque
de Holanda, 1989, p.11. A terceira edição é a que une, pela primeira vez, os textos do debate com
Cassiano Ricardo sobre “o homem cordial”
8
Interessado em discutir a noção de fronteira na obra de Sérgio Buarque, Robert Wegner mapeou
duas modificações importantes: a primeira refere-se às ressalvas às teses de Max Weber em A ética
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
207
Essa atenção às edições e às mudanças vão além do mero escrúpulo e
interesse exegético. O mapeamento dessa inquietação e inconformismo de um autor
que lê seu próprio texto implica apontar alguns elementos para entender a própria
historicidade do texto e das leituras que foram se sobrepondo.
Afinal, é inegável o lugar central que Raízes do Brasil ocupou e ainda ocupa
como um dos textos chaves para entender como se pensou o Brasil ao longo do
século XX. No campo disciplinar da história da arquitetura, do urbanismo e da
cidade, permaneceu – e, de várias maneiras, ainda permanece – como um dos pólos
antagônicos na querela sobre a existência ou não de plano na política urbanizadora
dos portugueses para as suas colônias e, em especial, para o Brasil. Serviu de
referência definitiva, antes, para Robert Smith e para Yves Bruand, e.g., mas em
trabalhos mais recentes ainda é tomado como estrutura argumentativa para falar dos
processos de urbanização no período colonial.
9
Para além do como se leu e das seleções e recortes efetuados da narrativa de
Sergio Buarque, é preciso inquirir o próprio texto, seus termos, sua história. É
necessário, antes de mais nada, acompanhar as mudanças auto-reconhecidas que
Sérgio Buarque operou em seu livro. Há aí chaves fundamentais para entender os
objetivos do livro, os interesses que permeiam e que podem ser revelado na sua
própria estrutura. Uma das mudanças significativas operada entre as duas primeiras
edições reside, precisamente, na estruturação do capítulo que acabaria servindo para
consolidar as representações negativas sobre a cidade colonial brasileira.
Advirta-se desde logo que não houve uma partição de um capítulo em dois. A
edição original apresentava dois capítulos intitulados “O passado agrário” – o III e o
IV, este assumido como uma continuação. A partir da segunda edição, foram
protestante e o espírito do capitalismo; a segunda, a relativização da leitura do peso do iberismo, afastando-se
da “explicação genética” determinista original, que poderia dar margens à visadas fatalistas, cf. R.
Wegner, op. cit., pp.58-67.
9
Como, dentre vários, o livro recente de Verena Andreatta (Cidades quadradas, paraísos circulares: os planos
urbanísticos para o Rio de Janeiro no século XIX, 2006) o faz, ao discutir o tipo de trama urbana que se
desenvolveu desde o século XVI no Rio de Janeiro e que seria tematizado pelos reformadores do
século XIX. Dentre vários outros autores que discutem as teses de Raízes do Brasil para iluminar
novas questões sobre as características do processo de urbanização do Brasil colonial, deve-se
destacar: Beatriz Bueno, Desenho e Desígnio: O Brasil dos engenheiros militares (1500-1822), 2001; Ana de
Lourdes da Costa, Salvador, século XVIII: o papel da ordem religiosa dos Beneditinos no processo de crescimento
urbano, 2003; e Renato Cymbalista, Sangue, ossos e terras: os mortos e a ocupação do território luso-brasileiro,
séculos XVI e XVII, 2006.
Considerações finais______________________________________________________________________________________________________
208
renomeados para “Herança rural” e “O Semeador e o Ladrilhador”, respectivamente,
“denominações estas que melhor se ajustam aos conteúdos, pelo menos aos
conteúdos atuais”. Alertando o seu leitor para as mudanças realizadas, Sérgio
Buarque diria que essas novas denominações eram parte daquelas “mudanças
simplesmente exteriores ou formais agora introduzidas”.
10
Na verdade, as mudanças foram muito mais substanciais. Como se percebe, a
abertura de ambos capítulos permaneceu, mas os textos foram alterados, alguns
verbos e substantivos substituídos, fazendo cortes e inúmeros acréscimos. Apenas
para ilustrar, registre-se que o capítulo IV original tinha 40 parágrafos e, na edição de
1948, passou a 71 parágrafos (aumento que deriva também da reorganização dos
parágrafos, subdividindo alguns em 2, 3 ou mesmo 4 novos, o que melhorou, de fato,
a leitura). Tipograficamente, a edição de 1948 introduz também o espaçamento maior
entre alguns parágrafos, acentuando a mudança de blocos temáticos dentro de cada
capítulo.
O conteúdo é razoavelmente expandido. As longas notas ao capítulo “O
Semeador e o ladrilhador” não existiam em 1936, e.g. (as notas são, respectivamente:
“vida intelectual na América Espanhola e no Brasil”, “a língua geral em S. Paulo”,
“aversão às virtudes econômicas” e o mais curto, conquanto muito significativo,
“natureza e arte”). A propósito, a nota 2 é exemplar do ofício de um historiador
amadurecido, que inquire com rigor e perspicácia as fontes, apontando limites,
legitimidades e possibilidades de usos de diversas fontes para investigar a tese de que
o tupi seria corrente no uso civil e doméstico na província mesmo durante o século
XVIII.
11
Há ademais nessas notas argumentos que aprofundam a discussão que ajuda a
entender o lugar original dos capítulos III e IV. Assim, não se pode olvidar que o
capítulo “O passado agrário” fica entre um capítulo (II – “Trabalho e aventura”) que
argumenta que os portugueses instauraram no Brasil uma “civilização de raízes
rurais” e outro (V – “O homem cordial”) que descreve o que seria o traço
fundamental da “mentalidade” do brasileiro – a cordialidade –, plasmada em tal
contexto de primazia da vida rural em oposição à miséria urbana; assim, “o semeador
10
S. B. Holanda, Raízes do Brasil, 1948, p.12.
11
Idem, Raízes do Brasil, 2006, p.130-143.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
209
e o ladrilhador” iria discutir o “realismo chão”, o deixar-se ir pela “rotina” que teria
orientado a criação de vilas e cidades na América Portuguesa. Muito mais do que
uma discussão pormenorizada da morfologia das cidades do Brasil colonial, Sérgio
Buarque buscaria nessa relação precária com a urbanidade elementos para compor tal
mentalidade.
Claro, a estrutura sequencial dos capítulos permanece. Mas esse novo capítulo
IV, individualizado – que se tornaria quase uma metonímia do próprio livro, na
síntese fundamental dessa oposição entre ordem e desordem do empreendimento
colonizador de espanhóis e portugueses, respectivamente –, deve ser compreendido a
partir desse contexto original de construção do argumento de Sérgio Buarque.
Individualização que se expressa no título e é reforçado na composição da
nota 4, “natureza e arte”, que cita o sermão de sexagésima de Antonio Vieira,
conformando a imagem do semeador que sintetizaria o “velho naturalismo
português” e, em conseqüência, as raízes das relações do homem brasileiro com o
seu espaço: “porque o semear he hua arte que tem mays de natureza que de arte; caya
onde cahir”, reverbera a passagem famosa.
12
Mais ainda, como já observou o professor Edgar de Decca, a imagem da
semeadura reverbera outras leituras, talvez mais fortes, das interpretações do Brasil:
(...) não me parece acertado afirmar que esta metáfora tenha sido
sugerida, literariamente, pelo sermão do Padre Vieira. Há indícios
de que ela funciona na obra de Sérgio como um modo
ambiguamente indireto e elíptico para abordar o incômodo uso da
metáfora da semeadura feito por Paulo Prado em sua polêmica obra
Retrato do Brasil. Neste autor, a semeadura refere-se ao sêmen que
por se espalhar em excesso dá forma a uma personalidade
brasileira, que por transbordamento de sexualidade, torna-se,
profundamente, melancólica. Espalhar o sêmen é, ao mesmo
tempo, excesso de sexualidade e por decorrência histórica,
povoamento. Assim é retratado o espírito de aventura dos
portugueses na obra de Paulo Prado.
13
Essa noção de semeadura, embora não usando essa palavra, seria central
também na obra de Gilberto Freyre, em especial em Casa-Grande & Senzala, para a
formação da cultura tropical e mesmo para definir a chamada plasticidade do
12
S. B. Holanda, Raízes do Brasil, 1948, p.199.
13
Edgar de Decca, Decifra-me ou te devoro: as metáforas em Raízes do Brasil, Rivista di Studi Portoghesi
e Brasiliani, 2000, p.09.
Considerações finais______________________________________________________________________________________________________
210
colonizador português. Contudo, em Raízes do Brasil, a metáfora da semeadura
perderia o acento sexual. Ao se dessexualizar, “semeadura torna-se a forma de
constituição da colônia e mais especificamente, de seu desdobramento do agrário
para o urbano”. Distanciar-se-ia da alusão direta à atividade agrícola, tal qual em
Vieira, para explicar a forma de criação das cidades, que, por sua vez, estaria
relacionada, no fim, à formação do homem cordial.
14
Assim, não deixa de ser significativo que, como relatou o professor Nestor
Goulart,
15
a polêmica e a argüição mais dura a sua tese de livre-docência não tenha
vindo de Sérgio Buarque, mas de Paulo Santos – esse, sim, preocupado com as
discussões sobre os padrões morfológicos dos núcleos urbanos coloniais construídos
pelos portugueses e com as possibilidades de discutir os saberes formais que os
orientavam para fundamentar uma obra que viria a lume alguns poucos anos depois.
Sérgio Buarque teria se limitado às observações e correções pontuais, conferindo o
rigor da pesquisa, do uso das fontes, checando datas, etc.
Há ainda outro aspecto a considerar. Canonizado pelo prefácio de Antonio
Candido como um dos textos fundamentais que impactou a maneira da
intelectualidade pensar o Brasil, Raízes do Brasil não foi um “clássico de nascença”
todavia – embora tenha passado a ser assim lido. Não se pretende negar o lugar
central do ensaio de Sérgio Buarque; ao contrário, tal afirmação apenas chama a
atenção para o fato de que o livro circularia principalmente a partir dessa segunda
edição.
16
Historicizar a composição do texto permite, assim, lembrar-nos que o texto
de Sérgio se tornaria fundador não apenas pelo aporte teórico e conceitual rigoroso,
mas por mobilizar uma série de temas e de fontes – em especial a dos viajantes,
como o próprio Koster ou Le Gentil de la Barbinais, citados em mais de uma ocasião
14
Ibidem, p.12.
15
Em entrevista, São Paulo, 02 jun. 2009; além de Sérgio Buarque e Paulo Santos, os professores
Aroldo de Azevedo, Dirceu Lino de Mattos e Eurípedes Simões de Paula compuseram a banca
examinadora da tese de Livre-Docência do professor Nestor.
16
Fábio Franzini, A coleção Documentos Brasileiros e as transformações da historiografia nacional (1936-1959),
2006, pp.11-13.
__________________________________________________________A formação das representações sobre a cidade colonial no Brasil
211
por Robert Smith para ilustrar as imagens de desordem da Salvador colonial
17
– que
circulavam no ambiente cultural havia muito tempo.
É o relato de La Barbinais, proveniente de Nouveau voyage au tour du monde, de
1729, que serviria para Sérgio Buarque ilustrar uma das passagens fundamentais para
consolidar a imagem de desordem da cidade luso-brasileira:
A fantasia com que em nossas cidades, comparadas às da América
espanhola, se dispunham muitas vezes as ruas ou habitações é,
sem dúvida, um reflexo de tais circunstâncias [a “aversão
congênita a qualquer ordenação impessoal”, relatada no parágrafo
anterior]. Na própria Bahia, o maior centro urbano da colônia, um
viajante do princípio do século XVIII notava que as casas se
achavam dispostas segundo o capricho dos moradores. Tudo ali
era irregular, de modo que a praça principal, onde se erguia o
Palácio dos Vice-Reis, parecia estar só por acaso no seu lugar.
18
17
Como, e.g., em R. C. Smith, The Colonial Architecture of Minas Gerais in Brazil, The Art Bulletin,
1939, p.142.
18
S. B. Holanda, Raízes do Brasil, 2006, p.114; fora as atualizações ortográficas, o texto é o mesmo de
1948 (p.155); salvo engano deste pesquisador ao comparar as duas primeiras edições, essa passagem
não fazia parte do texto original de 1936.
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