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nós falamos no mesmo nível que vocês”. Eis o eixo central de seu instigante discurso, que
também tematizou a perseguição política:
“A realidade hoje faz com que nós ponhamos os pés no chão. Faz com que nós
sejamos obrigados a dirigir nossas palavras no chão. No mesmo nível em que o povo
se encontra. Faz com que nós saibamos que há um fenômeno que devemos prestar
atenção. O fenômeno da ascensão, da subida das massas, da ascensão do povo. O povo
está cansado de ser platéia, cansado de bater palma para aqueles que trazem promessas
e mais promessas e nada resolvem. As praças ficam cheias, o povo delira, ao som das
músicas das bandas riquíssimas e depois retornam às suas casas, para encontrar seu lar
simples, cheio de sofrimento. Nós precisamos mudar essa realidade, nem que nossa
mensagem atinja um eleitor apenas, nós nos damos por satisfeitos, porque nossa
missão é transmitir uma mensagem sadia, cheia de esperança, mas com muito
conteúdo de realidade. Eu vou contar uma pequena história para o povo de Juerana,
uma história real que se passou no extremo sul da Bahia. Há muitos anos um candidato
chamado Bonifácio Dantas resolveu ser candidato, um paraibano, um homem simples.
Ele ficou conhecido como Chapéu de Couro, porque não tinha nada, só um chapéu de
couro e um jaleco. Era um homem modesto. Quando ele disse que ia ser candidato, as
lideranças econômicas, intelectuais, do município de Itamaraju fizeram deboche,
disseram: “você não tá vendo rapaz, você um analfabeto, não pode ser prefeito?”. Ele
disse: embora eu seja um analfabeto, posso passar uma mensagem que o povo vai
entender. E aí, esse homem simples me procurou e eu lhe disse: ‘Bonifácio, você tá
certo, seja candidato, faça seu discurso em cima de um caixão de querosene, nas
praças vazias, mas vá entregar sua mensagem’. Ele saiu, chegou na praça de Itamaraju
com um caixote, pegou um microfonezinho e começou a falar. E dizia para o povo:
“eu sei que vocês estão me ouvindo. Vocês estão dentro das suas casas, me ouvindo,
me vendo por baixo da janela, vocês estão com medo de sair porque os poderosos
ameaçam vocês, mas eu vou conversar com vocês, vou dizer pra vocês a realidade que
estou vendo. O curral, dizia ele, o curral da fazenda de seu José Almeida está
iluminado. As vacas estão dando cria iluminadas à luz elétrica. E vocês com suas
esposas que parem no escuro. Esse era o discurso dele, ele falava ao povo, o povo foi
compreendendo, o povo saiu das suas casas sem medo no dia das eleições e chegou lá
na urna silenciosamente, sem dar satisfação a ninguém, a nenhum poderoso e
depositaram os votos em favor de Bonifácio Dantas. E aquele Chapéu de Couro,
aquele homem quase analfabeto, tornou-se prefeito de Itamaraju. O Brasil, agora
recentemente, deu a mesma lição. Deu lição ao mundo. Porque foi pegar Lula, que era
um torneiro mecânico, um operário, que tentou várias vezes, que não fala francês, não
fala inglês, não fala italiano, não fala alemão, mas fala a linguagem do povo e resolveu
dar um basta naquelas poderosos intelectuais, aos banqueiros e falou ‘agora nós vamos
colocar um de nós, um operário no poder’ e se elegeu presidente da república, dando
lição ao mundo. É isso o que nós queremos fazer, que as pessoas tenham a sua
oportunidade e não que as escolhas de candidatos a vereadores sejam feitas nos salões
de ar condicionado, no gabinete do prefeito. (...) Por isso meus amigos, eu me dispus a
vir a Juerana, eu me dispus a falar nessa praça que não está vazia, porque está cheia de
esperança de que um dia seremos um povo livre e independente desses rancorosos e
amedrontadores do município. Eu digo viva, viva a independência de Juerana, viva a
sua consciência.”